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Portuguese Pages [437] Year 2014
Ovídio As Metamorfoses
Florianópolis, UFSC, 2014
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Dados para ficha catalográfica:
ÍNDICE
As Metamorfoses, de Ovídio Edição bilíngue com apresentação, tradução e glossário Organização: Zilma Gesser Nunes Mauri Furlan Título original latino: Metamorphoses Autor: Ovídio (Publius Ovidius Naso, 43a.C.–17d.C.) Texto latino: Ovid. Metamorphoses. Hugo Magnus (ed.). Gotha (Alemanha): Friedrich Andreas Perthes, 1892. Tradução: As Metamorfoses Tradutores: Anderson Martins Esteves Antônio Martinez de Rezende Arlete José Mota Brunno Vieira Cláudio Aquati Fernando Coelho José Ernesto de Vargas Juvino Maia Jr. Leila T. Maraschin Luiz Henrique Queriquelli Matheus Trevizam Mauri Furlan Milton Marques Paulo Sergio de Vasconcellos Rodrigo Gonçalves Sandra Bianchet
De mudanças e de formas: para uma leitura de As metamorfoses de Ovídio, Zilma Gesser Nunes, 03 As metamorfoses d’As metamorfoses, Mauri Furlan, 09 Livro I, por Cláudio Aquati, 19 Livro II, por Juvino Alves Maia Júnior, 43 Livro III, por Paulo Sérgio de Vasconcellos, 69 Livro IV, por Matheus Trevizam, 90 Livro V, por Luiz Henrique Queriquelli, 115 Livro VI, por Arlete José Mota, 135 Livro VII, por Rodrigo Gonçalves, 155 Livro VIII, por Mílton Marques Júnior, 182 Livro IX, por José Ernesto de Vargas & Fernando Coelho, 210 Livro X, por Sandra Braga Bianchet, 233 Livro XI, por Leila Teresinha Maraschin, 254 Livro XII, por Mauri Furlan, 278 Livro XIII, por Anderson Martins Esteves, 297 Livro XIV, por Antônio Martinez de Rezende, 324 Livro XV, por Brunno V. G. Vieira, 350 Um glossário para ler As metamorfoses, Thaís Fernandes, 377 Glossário, 380 Bibliografia, 434
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DE MUDANÇAS E DE FORMAS: PARA UMA LEITURA DE AS METAMORFOSES DE OVÍDIO Vem conhecer, posteridade, o poeta que fui De amores ternos, o poeta que ora lês. Sulmona é minha pátria, que fecundam frescas águas E que dista da Urbe nove vezes dez milhas. Lá nasci; para que saibas a época, foi quando Um mesmo fado tiveram ambos os cônsules. Se de algo vale, o grau de cavaleiro herdei de antigos Avós, não de recente favor da fortuna. Não fui o primeiro rebento; tenho um irmão nascido Três vezes quatro meses já antes de mim. (...) Desde a infância ilustrávamos a mente; fez-nos ir O pátrio zelo a Roma e aos seus mestres insignes. Com seu ardor de jovem, meu irmão tinha nascido Para a eloquência, as pugnas verbosas do foro. Mas a mim, criança ainda, atraíam os mistérios Do céu e, às escondidas, a obra das Musas. Meu pai dizia: “Por que tentas um estudo vão? O próprio Homero não deixou riqueza alguma”. Tal fala me tocou; larguei o Helicão de vez E tentei escrever palavras sem cadência: Por si mesma, vinha a cadência certa do poema; Saía em verso quanto eu buscasse dizer. (Ovídio, Tristia IV, 10, v. 1-10; 15-26. Trad. José Paulo Paes)
O Centrum Inuestigationis Latinitatis, Núcleo de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, propõe a presente edição bilíngue de As metamorfoses de Ovídio. A obra, que representa um universo significativo da Antiguidade Clássica, atravessou séculos e ainda hoje se mantém, oferecendo sempre o que dizer. O autor, Publius Ouidius Naso, viveu em Roma entre os anos de 43 a.C. e 17? d.C.. Foi um dos mais habilidosos poetas que viveu na época do Imperador Romano Otávio Augusto. Ovídio é definido por Cardoso (1989) como talentoso e culto, original, elegante, irreverente e irônico. As suas primeiras obras tematizam o amor de modo peculiar. As Heróides são cartas de amor que grandes heroínas
da literatura grega e latina teriam escrito a seus pares, e Amores é composto por elegias organizadas em capítulos subsequentes à guisa de um romance. Essas duas obras são datadas de aproximadamente 20 a 15 a.C.. Já no início da era cristã, surge uma trilogia que dá sequência à temática anteriormente abordada, mas com elementos que revelam um verdadeiro tratado pedagógico do amor. Dessa trilogia, a primeira obra é a Arte de amar, um manual de sedução que ensina os homens a maneira de se aproximarem das mulheres e conquistá-las (Livro I); os meios de que o amante pode dispor para conservar a amada (Livro II) e os recursos de que as mulheres podem se valer para agradarem aos homens (Livro III). Esse tratado de Ovídio teria desagradado o Príncipe, em sua época, que se empenhava numa campanha pela regeneração dos costumes em Roma, por isso, em sua segunda obra, Os remédios do Amor, Ovídio trata de ensinar os homens maneiras de evitar as armadilhas do filho de Vênus. Diz “aprendei a vos curar com quem aprendestes a amar” (1994, p. 27). Da terceira obra da trilogia, Produtos de beleza para o rosto das mulheres, resta apenas um fragmento, que apresenta recursos cosméticos para eliminar manchas, rugas e manter a pele do rosto viçosa: ervas, clara de ovo, aveia, mel (tudo em forma de receitas). Depois dessa obra, Ovídio fecha um ciclo temático, tomando o rumo agora da pesquisa mitológica. Transfere para o contexto da cultura romana os grandes nomes da mitologia grega e escreve, então, a sua considerada obra-prima: As metamorfoses. Ovídio é autor, ainda, de os Fastos (compêndio das principais festividades romanas religiosas e cívicas, apresentadas mês a mês) e depois do ano 8 d.C., no exílio, por motivos nunca esclarecidos, escreve em tom de lamento e de protesto os Cantos tristes e as Cartas pônticas. Em Íbis, Ovídio ataca um advogado e Haliêutica constitui-se de um tratado sobre pesca, obras menores, escritas também no exílio. Esse é o retrato final de Ovídio, desprovido das regalias do Império e do apadrinhamento do Ministro de Augusto, Mecenas, que cuidava dos interesses de uma cultura voltada à manutenção da Pax Romana. As metamorfoses constitui-se de um longo poema em versos hexâmetros, subdividido em 15 Livros, nos quais encadeia 246 3
lendas etiológicas1 – que narram as origens dos mais diversos seres (mares, astros, fontes, plantas, animais) como produto de metamorfoses. As histórias são dispostas cronologicamente desde o caos até a apoteose de Júlio César. Nessa obra, Ovídio retoma a temática mitológica inspirada em poetas alexandrinos tais como Nicandro de Colofão, Antígono de Caristos, Calímaco e Partênio de Nicéia. As histórias são assim distribuídas: formação do mundo a partir do caos, criação do homem, regeneração do homem, do tempo primordial ao mítico: divindades, semi-deuses, heróis, e suas paixões, como nas histórias de Apolo e Dafne, Narciso e Eco, Dédalo e Ícaro; os trabalhos de Hércules; Orfeu e Eurídice; Peleu e Tetis, Aquiles; chegada à guerra de Troia, reunindo mito e história; e conclui a obra, na época do Divino Augusto. Atente-se para o fato de que o propósito da arte, nesse período, era mostrar “a grandeza de Roma e de Augusto” (Rostovtzeff, 1983, p. 191), cujos feitos grandiosos já tinham sido profetizados por Vênus. O governo de Augusto financiava muitos poetas como Horácio, Virgílio, Ovídio, que enalteciam diretamente o Império e o Imperador correndo o risco, em caso contrário, de serem destinados ao exílio. A obra de Ovídio mereceu muitos estudos ao longo dos tempos. A fortuna crítica de As metamorfoses é imensa e presente em todas as línguas literárias modernas ocidentais. O leitor interessado pode buscar análises generalizantes e minuciosas, que abrangem aspectos políticos, sociais, literários, históricos, dentre outros. Ao dirigirmo-nos agora ao público que adentra pela primeira vez este fantástico mundo de Ovídio, apresentamos algumas informações básicas e gerais sobre a obra, com o objetivo de apontar para vários aspectos que podem ser aprofundados, de indicar caminhos a serem trilhados e a atentar, durante a leitura, para o reconhecimento desse clássico, em textos de diferentes culturas. Segundo Cardoso, esse longo poema é de difícil classificação quanto ao gênero literário. Com lendas etiológicas, ao gosto alexandrino, não é um poema didático, pois não tem caráter
científico e o tratamento é irônico; não é uma epopeia, ainda que tenha um tom épico, com narração, diz a autora. Cardoso o considera como poema lírico pela caracterização pessoal, a expressão de sentimentalidade, com uma sucessão de quadros. A plasticidade desses quadros demonstra o poder de descrição e o cuidado com a construção de detalhes. A obra de Ovídio ressurge na Idade Média, a partir do século XI. No Renascimento, repercute a partir da obra de Spencer, Marlowe, Shakespeare. Também com Wordsworth, L.Bloom, Elliot. Contemporaneamente, o poeta inglês Ted Hughes (1930 – 1998) também fez renascer a obra de Ovídio ao publicar Tales from Ovid (1997), uma reescritura de 24 mitos d’As metamorfoses, contados em versos. Na bela introdução ao seu livro, Hughes ressalta a importância da obra ovidiana para a poesia inglesa: Ovídio foi roubado abertamente por Chaucer que, por volta de 1300, contou, pela primeira vez em inglês, o mito de Pyramus and Thisbe. Mais tarde, deixou transparecer toda a influência que o poeta romano exerceu sobre ele em seu famoso The Canterbury tales. Mas talvez o par mais interessante de Ovídio seja o maior dos escritores ingleses: Shakespeare. É principalmente sobre essa relação que Hughes vai tratar em sua introdução, como que para traçar uma linha que viria do poeta romano, passaria pelo poeta nacional da Inglaterra e chegaria até ele, também um poeta inglês, que se apropria de toda essa tradição de mais de 2 mil anos. Para Hughes, o trabalho mais ovidiano de Shakespeare é a tragédia Titus Andronicus, embora ele também cite o poema Venus and Adonis e a peça Cymbeline como obras shakesperianas que possuem evidente inspiração em Ovídio. Apesar das coincidências de temas, de estilo e das alusões de Shakespeare a passagens de obras de Ovídio, o que mais aproxima os dois poetas, segundo Hughes, é seu interesse pela paixão. Aos dois importa aquilo que a pessoa sente quando está possuída por esse sentimento, “não apenas uma paixão comum, mas a paixão humana in extremis – paixão onde ela entra em combustão,
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Cardoso (1989, p. 81) define aquilo que outros chamam de mitos, de histórias, de contos, como “lendas etiológicas”.
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ou se eleva, ou se transforma em uma experiência do sobrenatural.”2 O percurso seguido por Ovídio n’As metamorfoses é o caminho da paixão humana, da paixão insuportável que se diviniza e mistifica através do ato da metamorfose. Se Ovídio foi o modelo de Shakespeare, o modelo de Ovídio é Hesíodo, mais precisamente a Teogonia, no que poderia ser definido como “collective poem”: uma série de histórias independentes ligadas, pelo tema da metamorfose, pelo contraste, pelas genealogias. Esse elo que liga as histórias foi observado também por Calvino (1993) que faz referência às Mil e uma noites quando comenta a questão dos relatos encadeados que aumentam, no texto de Ovídio, a impressão de densidade e aglomeração e de enredamento. A mudança dos temas é também a do tom e do estilo: do épico solene, ao elegíaco lírico, passagens dramáticas, atitudes bucólicas. No que diz respeito às cenas dramáticas, especialmente de metamorfoses, Esse sofrimento excruciante, essa imagem aterradora de um ser humano sendo transmutado é associada à beleza da libertação formando um belíssimo quadro, mais do que belo é sublime. Essa união entre o belo e o feio ou grotesco, nos termos de Victor Hugo, é a própria manifestação do sublime, é o que provoca a catarse. Assim, todo esse martírio é necessário para a purificação, o personagem, na maioria das vezes, é transformado em algo que se eleva, que vai em direção a algo maior, ou aves que vão ao céu, ou o rio que corre para o mar, ou ainda plantas que crescem de baixo para cima, começando pela raiz e subindo até a copa de uma árvore ou uma flor desabrochada (Santos, 2011, p. 24).
as transformaram — e conduzi um canto ininterrupto desde as 3 origens do mundo até os meus dias. (Livro I, v. 1-4)
Com estilo descritivo, dispõe em sua obra personagens trabalhadas psicologicamente que, por motivo de dor e paixão, sofrem as mais diferentes mudanças de forma. Segundo Italo Calvino (1993), há, na obra de Ovídio, uma contiguidade universal: o mundo dos deuses celestes é aproximado ao mundo romano de todos os dias (divisão em classes, hábitos cotidianos, amores compulsivos). Contudo, os limites são imprecisos entre esses mundos diferentes: mas o céu está sempre sobre as terras e os mares, delimitando seu lugar acima, que é o da morada dos deuses superiores. Ainda para Calvino, As metamorfoses constituem um poema da multiplicidade de vozes, multiplicidade de deuses, da rapidez do ritmo acelerado, das imagens que se sobrepõem. É uma narrativa de histórias encaixadas, personagens que contam outras histórias: essa forma de exposição, que multiplica os níveis narrativos e de vozes, produz um efeito de labirinto: movendo-se sempre, em uma dimensão fora do tempo. Essa técnica permite adequar, adaptar o tom, o estilo e a cor da história ao personagem que narra, como e.g., o rapto de Proserpina, narrado por Calíope, musa da poesia épica. As minieides que se negam a participar das festividades em honra a Baco e se propoem à continuidade do trabalho, ocupando-se, também, em contar histórias “Enquanto as outras param e celebram ritos falsos, também nós, que Palas, deusa melhor, ocupa, aliviemos o útil trabalho das mãos com matizada fala: alternadamente algo, que não deixe o tempo parecer longo, narremos em comum a desocupados ouvidos.” Aprovam as palavras e as irmãs mandam a primeira contar. Ela pensa no que narrar dentre muitas histórias (pois as conhecia em abundância) e hesita se conta de ti, Dércetis da Babilônia, que os palestinos creem, mudando-se a forma e recobrindo escamas os membros, ter revolvido lagos; ou antes
Ovídio inicia sua narrativa anunciando: Transmudadas em novos corpos meu espírito leva-me a cantar as formas. Ó deuses! Inspirai-me os planos — enfim: vós também
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“Not just ordinary passion either, but human passion in extremis – passion where it combusts, or levitates, or mutates into an experience of the supernatural.” (Hughes, 1997, p. IX).
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As citações do texto de As metamorfoses serão todas da presente edição e, portanto, dos tradutores dos respectivos Livros citados.
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como a filha dela, crescendo-lhe penas, passou os últimos anos em brancas torres; ou como com o canto e com ervas bem fortes uma Náiade mudou em tácitos peixes corpos juvenis, até passar pelo mesmo; ou por que a árvore que dava frutos brancos agora dá negros pelo contágio do sangue. (Livro IV, v. 37-52)
Essas histórias, que, utilizando as palavras de Mircea Eliade, poderíamos chamar de sagradas, revelam a cultura de uma época, registram a maneira como certas realidades passaram a existir. Segundo Eliade, o mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares... o mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos... o mito conta, graças aos feitos dos seres sobrenaturais, uma realidade que passou a existir, quer seja uma realidade total, o Cosmos, quer apenas um fragmento, uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, é sempre portanto uma narração de uma criação, descreve-se como uma coisa foi produzida, como começou a existir. (1963, p. 12-13)
De acordo com o mesmo autor, o mito é considerado como uma história sagrada, e portanto uma história verdadeira, porque se refere sempre a realidades. O mito cosmogônico é verdadeiro porque a existência do mundo está aí para o provar, o mito da origem da morte é também verdadeiro porque a mortalidade do homem prova-o... e pelo fato de o mito relatar as gestas dos seres sobrenaturais e manifestações dos seus poderes sagrados, ele torna-se o modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas. (1963, p. 13)
O mito, nessa perspectiva, pode ser lido como uma narrativa com caráter explicativo ou simbólico relacionada a uma determinada cultura. O mito não é fixo, modifica-se com o homem que é um ser histórico, conforme as circunstâncias, é memória coletiva fixada pela oralidade, é revelação do mundo, é o modo como um povo ou civilização entende e interpreta a existência. Assim sendo, o mito
apresenta formas e define tipos que são repetidos e reforçados pela literatura. O mito se mantém, carrega em si a noção de fluidez temporal, de resgate de um passado e de um futuro inconcluso. O mito se perpetua pelo processo de reinterpretação, em decorrência de situações novas que cada contexto requer. As circunstâncias se modificam e os mitos se adaptam a elas, conforme dados que nos fornece a história. Os mitos são matéria prima para compreensão, hoje, de situações e conceitos que só serão lidos na sua profundidade se assimilada a noção primordial. Narciso, assim, não é um mero autocentrado, mas transfere para a noção de narcisismo toda uma carga de interpretação que passa pelo autoconhecimento. O eco que ressoa de um rochedo será melhor compreendido se a ninfa Eco for ouvida em sua dor e sua paixão por Narciso; Romeu e Julieta terá novas tintas, se colorido com o sangue de Píramo e Tisbe; o filho de Hermes e Afrodite lança nova leitura, ao se mostrar na figura de Hermafrodita; as teias das Aracnes não serão mais as mesmas após a cena do golpe de Palas; voar como Ícaro, ou dirigir a carruagem do Sol como Faetonte, dupla desobediência, pura aventura juvenil desde sempre; pobre Orfeu; pobre Jacinto; pobre Mirra; afortunado Pigmaleão, cada uma dessas figuras gerando uma linguagem, uma realidade que será retomada em diferentes épocas e contextos, mas suas bases passam pela compreensão da história original. Ovídio conclui sua obra com a narrativa sobre “O Divino Júlio”, caracterizando seu tempo. No Epílogo, registra Eis que erigi uma obra à qual nem cólera de Júpiter, nem ferro e fogo algum, nem velhice voraz abolirá. Quando quiser, pode extinguir meu tempo incerto aquele dia que tem do meu corpo, nada mais que do meu corpo, a posse: alcançarei, porém, eternizado pela melhor parte de mim, os astros do alto, e imperecível nosso nome há de tornar-se, e, onde quer que o romano poderio terras anexe, ecoarei no povo pelos lábios e, se há verdade em profecias de poetas, famoso séculos afora viverei. (Livro XV, v. 871-879)
Dos bons poetas, valem os presságios. Ovídio tornou-se um clássico naquilo que diz Calvino “Os clássicos são livros que, quanto 6
mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.” (1993, p. 09) A edição bilíngue que ora apresentamos baseou-se para a tradução na edição de Hugo Magnus (1914). Os quinze Livros que compõem As metamorfoses trazem duzentas e quarenta e seis lendas e foram aqui traduzidos por dezesseis diferentes tradutores brasileiros, caracterizando um jeito multiforme de reapresentar o texto de Ovídio. Os tradutores são: Livro I: Cláudio Aquati (UNESP) Livro II: Juvino Maia Jr. (UFPB) Livro III: Paulo Sergio de Vasconcellos (UNICAMP) Livro IV: Matheus Trevizam (UFMG) Livro V: Luiz Henrique Queriquelli (UFSC/UNISUL) Livro VI: Arlete José Mota (UFRJ) Livro VII: Rodrigo Gonçalves (UFPR) Livro VIII: Milton Marques (UFPB) Livro IX: José Ernesto de Vargas e Fernando Coelho (UFSC) Livro X: Sandra Bianchet (UFMG) Livro XI: Leila Maraschin (UFSM) Livro XII: Mauri Furlan (UFSC) Livro XIII: Anderson Martins Esteves (UFRJ) Livro XIV: Antônio Martinez de Rezende (UFMG) Livro XV: Brunno Vieira (UNESP) A elaboração do glossário para ler As metamorfoses, do índice remissivo e a pesquisa bibliográfica, bem como a coordenação do projeto ficaram a cargo da equipe de professores do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas (DLLV), com a parceria da profa. Thaís Fernandes (DLLV) e de alunas da graduação do Curso de Letras – Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa da UFSC na organização final do glossário: Lygia Barbachan de Albuquerque Schmitz e Juliana da Rosa. Além disso, tivemos a colaboração dos alunos que frequentaram a disciplina “Literatura Latina: tradução”, ministrada ao Curso de Letras - Língua Portuguesa e Literaturas de Língua
Portuguesa em 2012 pelas professoras Thaís Fernandes e Zilma Gesser Nunes. A disciplina apresentou como proposta a leitura de As metamorfoses e a organização de um glossário e de um índice, a partir daquilo que os próprios alunos consideraram importante figurar nessas relações. A proposta da disciplina foi ler a obra de Ovídio com olhar atento e anotar nomes de pessoas, de deuses, epítetos, lugares, ventos, seres mitológicos e algum vocabulário que precisasse de esclarecimento, a partir da visão do aluno. O trabalho elaborado por eles foi posteriormente assimilado na organização geral do glossário por Thaís Fernandes, Lygia Barbachan de Albuquerque Schmitz e Juliana da Rosa. Após o texto traduzido, o leitor desta edição contará com uma lista de mais de mil verbetes que explicam e ampliam a obra d’As metamorfoses. O processo de elaboração do glossário e sua estrutura estão explicitados no texto, que o precede, Um glossário para ler As metamorfoses. Por fim, gostaríamos de fazer um agradecimento especial aos alunos Aline Oliveira Souza, Ana Luiza Leite Bado, Daniela Cristina da Silva, Gilmarina Signorini Subutzki, Giuseppe Freitas da Cunha Varaschin, Jacqueline Tonera Soares, Jair Stedile, Juliane Motta, Karine Schmidt, Lúcia Telexa, Luiza Andrade Wiggers, Márlio Aguiar, Matheus Rodrigues Lima Affonso Garcia, Meiry Peruchi Mezari, Mirela Bráz, Morgana Ferreira, Paula Regina Scoz Domingos Damázio, Rafael Reginato Moura, Richard Costa, Samanta Rosa Maia, Silvio Somer, Suzy Zaparoli, Tainá Fabrin de Castro, Vanessa Inácio, Viviane Lima Ferreira e Xênia Conrat.
Elisana De Carli [email protected] Thaís Fernandes [email protected] Zilma Gesser Nunes [email protected]
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Referências bibliográficas CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura latina. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1989. CONTE, Gian B. Latin Literature: a history. Tradução de J.Solodow. London: The John Hopkins University Press, 1994. ELIADE, Mircea. Aspectos do mito, Lisboa: Edições 70, 1963. HUGHES, Ted. Tales from Ovid. New York: Farrar Straus Giroux, 1997. OVID. Metamorphoses. Hugo Magnus, ed. Gotha: Friedrich Andreas Perthes, 1892. OVÍDIO. Poemas da carne e do exílio. Seleção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes, São Paulo, Cia das Letras, 1997. ______ . Os remédios do Amor. Tradução de Antônio da Silveira Mendonça. São Paulo: Nova Alexandria, 1994. ROSTOVTZEFF, M. História de Roma. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1983. SANTOS, Renata. A tecitura do sublime n’As metamorfoses de Ovídio. TCC apresentado como requisito ao Bacharelado do Curso de Letras-Português da UFSC. Orientação: Profa. Dra. Zilma Gesser Nunes, 2011.
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AS METAMORFOSES D’AS METAMORFOSES Tradução é metamorfose. Essa não é uma definição clássica nos Estudos da Tradução sobre a tarefa do tradutor – sequer é uma definição já precisada –, mas, sem dúvida, presta-se enquanto um conceito capaz de abranger distintas correntes e concepções da tradução, porque abarca a noção geral de que uma tradução, por sua natureza, nunca é o texto fonte, nunca é o mesmo dizer, nunca é a mesma coisa: a tradução se faz para ser ‘outro’, ela só comporta ‘o mesmo’ ao realizar-se como outro, ao re-criar-se, trans-formar-se, meta-morfosear-se. Um tal conceito de tradução como metamorfose não implica defesa prioritária do traduzir como adaptação, imitação, ou mera referência livre a outro texto, nem advoga por tantas teorias que privilegiam o sentido, e tampouco se opõe à concepção de tradução como forma (Walter Benjamin), como letra (Antoine Berman), como texto (Henri Meschonnic). Tradução é metamorfose. E nessa metamorfose se encontra a maior possibilidade de os grandes textos literários, os clássicos, serem lidos universalmente. A tradução é um prolongamento inevitável da literatura, e deve prestar contas a ela. A possibilidade de a tradução tornar-se texto, obra literária, surge quando o texto fonte se trans-porta e é trans-portado – por detrás dessa metáfora, que significa que a tradução não pode ser somente passiva se quiser que o texto primeiro continue vivo, há uma concepção de tradução que extrapola aquela noção tradicional que dá primazia ao sentido em detrimento da forma, e o faz mediante uma concepção históricomaterialista da linguagem que põe fim ao reinado do sentido objetivo, imanente, imutável, ahistórico4, historicizando a escrita e o escritor, a leitura e o leitor, a tradução e o tradutor. Em sendo toda escritura uma prática de um sujeito (Meschonnic, 1973), o tradutor é co-autor da obra na língua da tradução, e, assim como o autor primeiro, é histórico, e se lê 4
Cf. FURLAN, M., “Retraduzir é preciso”, in Scientia Traductionis n.13 (2013).
inscreve naquilo que lê e escreve. Essa co-autoria do tradutor se plasma em cada escolha que faz, em cada modo de significar que (re)produz – o que ultrapassa o simples sentido comunicante, e cria texto, discurso. Há comumente na concepção de tradução uma confusão entre o que seja da ordem da língua e o que seja da ordem do discurso. Traduzir não é passar o que é dito numa língua a outra, mas é produzir um discurso. Passar de uma língua a outra é cuidar apenas do sentido, da mensagem. O discurso é a atividade de um sujeito falante, é uma escritura, ou seja, a subjetivação que transforma a língua em texto. (Furlan, 2013, p. 289)
E, assim, cada tradutor recria seu autor primeiro; assim, podemos encontrar tão variadas faces de um mesmo escritor e de um mesmo escrito. Desde a Idade Média vimos traduzindo e retraduzindo os clássicos, algo que se deve, em grande parte, à necessidade de reabrirmos repetidamente o acesso às obras que constituem nosso solo religioso, filosófico, literário e poético; às obras que dominaram durante muito tempo nossa criação literária e que, por isso, sua retradução moderna é chamada por Berman de memória repatriante (1985[2012, p. 159]). Para o tradutor – observa o teórico francês –, retraduzir é deparar-se com ao menos dois textos: o original e uma tradução. Considerando, além disso, que as línguas ocidentais, no estado atual em que se encontram, já atingiram um elevado grau de maturidade, é nesse espaço que se move a possibilidade de a retradução tornar-se uma verdadeira obra literária, porque pode ousar trazer o estrangeiro para a própria língua materna, abrir-se ao Outro e rejuvenescer a própria língua (Berman, 2012, p. 138). Retraduzimos, pois, para podermos ler traduções como obras, como clássicos. E ao lermos uma tradução, como avaliá-la? Já insistia Meschonnic que, uma vez concebida a tradução como reenunciação específica de um sujeito histórico (1973, p. 308), recoloca-se a questão “é uma tradução correta?” nos termos “para quem?”. Quem 9
traduz o quê e para quem é um princípio norteador para uma análise, uma crítica e uma prática de tradução. Na mesma linha de Meschonnic, em Pour une critique des traductions: John Donne (1995), Berman propõe um método de análise de traduções, que em nada tem a ver com ainda muitas críticas hodiernas presas ao preconceito caduco do traduttore traditore, “fidelidade” ao original, “invisibilidade” do tradutor, etc. A Crítica abordada por Berman implica análise rigorosa de uma tradução, de seus traços fundamentais, do projeto que lhe deu origem, do horizonte no qual ela surgiu, da posição do tradutor, da “apreensão da verdade de uma tradução” (1995, p. 13-14). Sucintamente, podemos apresentar o método bermaniano de análise de traduções como o que começa com leituras e releituras da tradução, e depois, separadas dessas, aquelas do original. As leituras da tradução levam à busca do autor do texto traduzido, não apenas quem é o tradutor, mas sobretudo sua posição tradutiva, seu projeto de tradução e seu horizonte tradutivo. Somente então, procede-se à análise comparativa da tradução e do original. Ler e reler a tradução, deixando completamente de lado o original e suspendendo qualquer julgamento precipitado, é a primeira etapa deste método analítico. Somente a leitura da tradução permite pressentir o texto traduzido como mantenedor de qualidade de escrito na língua receptora, e verdadeiro texto (sistematicidade e correlatividade, organicidade de todos seus constituintes). A releitura da tradução revela as zonas textuais problemáticas, onde se encontra sua defectividade, como quando o texto traduzido parece se enfraquecer, se contradizer, perder o ritmo; ou demasiado fácil, demasiado corrente; ou mostra brutalmente palavras, expressões, frases que chocam; ou remetem à língua do original e configuram uma espécie de contaminação linguística. Por outro lado, ela revela também zonas textuais felizes, que apresentam não apenas passagens acabadas, mas de uma escritura-de-tradução que nenhum autor nativo teria podido escrever, uma escritura estrangeira harmoniosa passada à língua receptora, escritura-estrangeira produzida pelo tradutor em sua língua nativa que cria uma língua nova (1995, p. 6566).
As leituras do original, por sua vez, também deixam de lado a tradução, mas não esquecem aquelas zonas textuais problemáticas e aquelas felizes, que atuarão na confrontação futura. A leitura do original rastreia os traços estilísticos que configuram a escritura e a língua do original e a tornam uma fonte de correlações sistemáticas. A leitura do original também deve recorrer a múltiplas leituras colaterais, de outras obras do autor, de obras diversas sobre este autor, sua época, etc. Traduzir exige leituras vastas e diversificadas. “Traduz-se com livros.” (1995, p. 68). A futura confrontação rigorosa do original com a tradução vai se apoiar em exemplos, e a seleção destes requer muito cuidado. A partir de uma interpretação da obra, são recortadas algumas passagens que são os lugares onde a obra se condensa, se representa, se significa ou se simboliza: são as zonas significantes (1995, p. 70). Depois de penetrar o texto traduzido, reconhecer suas zonas fracas e fortes, analisar e interpretar o original, e antes de se dirigir à confrontação final, é necessário compreender a lógica do texto traduzido. Porque cada tradutor tem sua sistematicidade, sua coerência própria, sua maneira de separar e espaçar, investiga-se o trabalho tradutivo e o tradutor. Diferentemente da questão sobre o autor, que busca os elementos biográficos, psicológicos, existenciais, etc, para iluminar sua obra, a questão de “quem é o tradutor” tem outra finalidade. Importa saber se ele é nativo ou estrangeiro, se é ‘apenas’ tradutor ou se exerce uma outra profissão significativa – como a de professor –, se também é autor e produziu obras, de qual(is) língua(s) traduz, qual sua relação com ela(s), se é bilíngue, que tipos de obras traduz comumente e que outras obras traduziu, se é politradutor ou monotradutor, quais são seus domínios linguísticos e literários, se escreveu artigos, estudos, teses, trabalhos sobre as obras que traduziu, e, enfim, se escreveu sobre sua prática de tradutor, sobre os princípios que a guiam, sobre suas traduções e a tradução em geral. Isso é bastante, mas pode não passar de pura “informação”. É preciso ir ainda além, e conhecer sua posição tradutiva, seu projeto de tradução e seu horizonte tradutivo (1995, p. 74). 10
A posição tradutiva do tradutor é a resultante de sua concepção do traduzir, do sentido desta tarefa, de suas finalidades, de suas formas e modos, e da maneira pela qual ele internalizou o discurso histórico, social, literário, ideológico sobre a tradução e a escritura literária. A posição tradutiva não é fácil de enunciar, mas ela é frequentemente manifestada em representações codificadas como os prefácios, onde o tradutor tende a se expressar mediante as opiniões gerais e os lugares-comuns sobre a tradução, e tais representações nem sempre expressam a verdade da posição tradutiva. É, contudo, ao elaborar uma posição tradutiva que a subjetividade do tradutor se constitui, mesmo se ameaçada por três grandes perigos: a informidade camaleônica, a liberdade caprichosa, e a tentação ao apagamento. Uma posição tradutiva pode ser reconstituída a partir da análise da tradução, que sempre revela a concepção do tradutor, e a partir de diversas enunciações feitas pelo tradutor sobre suas traduções, ou sobre o traduzir (1995, p. 75). O projeto de tradução é o responsável pela realização de toda tradução consequente, o qual é determinado ao mesmo tempo pela posição tradutiva e pelas exigências cada vez específicas colocadas pela obra a ser traduzida. O projeto define a maneira pela qual o tradutor realizará a tradução literária em geral, e escolherá um “modo” de tradução, uma “maneira de tradução” específica (1995, p. 76). A análise do projeto em si é feita a partir da leitura da tradução, que faz aparecer radiograficamente o projeto, e sobre o que o tradutor tenha dito em textos sobre a tradução. O trabalho comparativo comporta uma análise da tradução, do original e dos modos de realização do projeto. A verdade e a validade do projeto é medida nele mesmo e no seu produto (1995, p. 83). O horizonte do tradutor abarca a posição tradutiva e o projeto de tradução. Ele diz respeito ao conjunto dos parâmetros linguísticos, literários, culturais e históricos que “determinam” o sentir, o agir e o pensar do tradutor. A noção de horizonte possui uma dupla natureza, seja a que apresenta abertura e perspectivas, seja a que assinala limitação. O horizonte da tradução se especifica numa pluralidade de horizontes mais ou menos articulados entre si, nos quais há muitos fatores a se considerar, como, por exemplo, o
“estado” do gênero literário contemporâneo em questão na língua receptora, a realidade atual da tradução ou retradução de tal gênero e autor, a relação desse gênero literário contemporâneo com sua própria tradição, a totalidade de traduções do autor que está sendo traduzido, a escolha de o retradutor ler ou não a(s) tradução(ões) anterior(es), o estado de discussão no país da língua receptora sobre a tradução de tal gênero e autor, e da tradução em geral, etc. Esses e outros parâmetros compõem um horizonte de tradução (1995, p. 7980). O horizonte de uma retradução difere, de certo modo, daquele de uma primeira tradução quando se considerar um aspecto tríplice: as traduções anteriores, as traduções contemporâneas, e as traduções estrangeiras. Mas é também comum o tradutor de uma primeira tradução consultar traduções estrangeiras (1995, p. 84). Vale dizer que essas três etapas não se sucedem linearmente, nem são facilmente separadas (1995, p. 83). O método bermaniano de análise de traduções vai além dos elementos que apresentamos acima, os quais oferecem fundamento para a etapa concreta e decisiva da crítica de traduções: a confrontação do original e de sua tradução. Mas, por ora, eles nos bastam porque, ademais de se nos mostrarem constituidores da base de uma análise de tradução, também contribuem para a produção de um projeto de tradução, lato sensu, e de uma tradução consequente. A tradução d’As metamorfoses, de Ovídio, que ora temos em mãos, é fruto de um projeto, que reapresentamos aqui em linha gerais, as quais, mesmo se não explicitam abertamente as etapas propostas por Berman, indicam sua existência e, junto à tradução, podem levar o interessado e o estudioso dos Estudos da Tradução a reconstruí-las em detalhes. A ideia de traduzir esta obra de Ovídio surgiu de uma realidade concreta: a necessidade de disponibilizá-la em tradução aos estudantes de literatura clássica latina e sua falta no mercado brasileiro – carência, na verdade, de grande número de obras da literatura romana (pesquisas iniciais sobre a tradução de obras latinas no Brasil mostraram que em nosso país foram traduzidos apenas cerca de 20% dos autores latinos ‘legíveis’ (em torno de 144) 11
que chegaram até nós (Furlan 2004)). À parte fragmentos traduzidos, circulou no Brasil uma tradução d’As metamorfoses realizada por David Jardim Júnior, e publicada pela Ediouro, em 1983; mas há tempos é edição esgotada. O que inicialmente seria uma tarefa partilhada entre os professores de Latim da Universidade Federal de Santa Catarina ampliou-se e configurou-se num projeto ousado pela inovação do tratamento dado à tradução de uma tal obra: distribuir os XV livros que a compõem entre 15 tradutores; provocar metamorfoses na obra que as suscita. Ante a perturbação causada pelo fato de tomarmos de um autor uma obra para ser traduzida simultaneamente por 15 tradutores, pode-se, de certo, afirmar que, no mínimo, é uma possibilidade de o leitor ler seu autor de tantas variadas formas; de apreciar, pois, as metamorfoses que constroem uma tradução e as metamorfoses pelas quais passa o texto fonte; uma possibilidade de um estudioso da tradução deleitar-se com inúmeras e distintas análises sobre um mesmo clássico traduzido. Assim, a profa. dra. Zilma Gesser Nunes e eu, Mauri Furlan, assumimos esse projeto. Por uma divisão de tarefas, a dra. Gesser Nunes encarregou-se de gerenciar a produção dos paratextos, convidando colegas professores e alunos para participarem da elaboração dos verbetes do glossário, depois de um semestre de estudos da obra com um grupo restrito de colaboradores; e eu encarreguei-me de contactar os tradutores e tratar da parte específica da tradução. Em nome do Centrum Inuestigationis Latinitatis, núcleo de pesquisas da área de Latim da UFSC, convidamos os tradutores apresentando-lhes um projeto de tradução breve e aberto, no qual constavam os seguintes itens: Sobre a publicação: Com publicação em edição bilíngue, a obra também contará com capítulo introdutório, notas, glossário, índice onomástico, remissivo e outros aparatos. Sobre o formato: Optamos pelo formato de prosa poética. Os versos hexâmetros latinos, por sua extensão, aproximam-se de certa forma da fluência da prosa, desta diferindo, sobretudo, por causa do ritmo próprio que produzem. Aceitamos que a prosa
poética é uma forma que, por transitar entre a prosa e a poesia, possibilita muitos recursos para se trabalhar a forma no texto de chegada, próximo do original. Sobre a edição a ser utilizada: Decidimos utilizar a edição de Hugo Magnus (1892) por estar disponível na internet e podermos publicá-la sem custos. É a utilizada no site da Perseus: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext% 3a1999.02.0029 e pode ser baixada em pdf, fac-simile da edição impressa, em: http://www.archive.org/details/metamorphoseonli00oviduoft Mas isso não impede que os tradutores se sirvam de outras edições, apontando em notas onde elas divergem. Sobre as notas: Os tradutores podem ficar à vontade com elas. Nosso projeto prevê um extenso glossário no final do volume. O que significa que, na editoração final, talvez algumas notas dos tradutores possam ser eliminadas, uma vez consideradas as repetições e outros critérios a serem definidos. Sobre os nomes: Não pretendemos padronizar. Ficarão por conta do tradutor. Todas as variações de nomes também aparecerão no glossário. Os diferentes usos que os tradutores fazem será mais um exemplo de possíveis metamorfoses. Vale ressaltar, também, que o projeto de tradução conjunta visa não a uma homogeneização, mas à preservação da individualidade de cada tradutor. Isso pode ainda constituir o lado lúdico e instigador do projeto: a cada livro a própria escrita de Ovídio se metamorfoseia na recriação de cada tradutor.
Uma vez aceitos os convites, a seleção dos tradutores foi feita tentando distribuir aleatoriamente e misturando as diversas procedências – regionais e institucionais – dos tradutores. Ao final, a distribuição dos XV livros d’As metamorfoses ficou a cargo dos seguintes tradutores:
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Livro I: Cláudio Aquati (UNESP) Livro II: Juvino Alves Maia Júnior (UFPB) Livro III: Paulo Sérgio de Vasconcellos (UNICAMP) Livro IV: Matheus Trevizam (UFMG) Livro V: Luis Henrique Milani Queriquelli (UFSC) Livro VI: Arlete José Mota (UFRJ) Livro VII: Rodrigo Tadeu Gonçalves (UFPR) Livro VIII: Mílton Marques Júnior (UFPB) Livro IX: José Ernesto de Vargas & Fernando Coelho (UFSC) Livro X: Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet (UFMG) Livro XI: Leila Teresinha Maraschin (UFSM) Livro XII: Mauri Furlan (UFSC) Livro XIII: Anderson de Araújo Martins Esteves (UFRJ) Livro XIV: Antônio Martinez de Rezende (UFMG) Livro XV: Brunno Vinicius Gonçalves Vieira (UNESP) Retomando a reflexão bermaniana acima exposta, pode-se perguntar sobre como tratar a questão de “quem é o tradutor” numa obra com tantos tradutores. Obviamente, as singularidades de cada um só podem ser tomadas individualmente, e suas especificidades tradutivas, avaliadas no livro que cada um traduziu. No entanto, o corpo de tradutores também traz marcas em comum. Todos os tradutores são brasileiros, contemporâneos, trabalhadores ativos e pertencentes ao meio acadêmico. Em sua maioria, são professores universitários de língua latina, e não tradutores profissionais exclusivos. Como latinistas, leem em outras línguas estrangeiras, além da latina, e quase todos já traduziram anteriormente do latim. No grupo de tradutores, há três doutorandos, os demais são doutores. Todos possuem várias publicações em diversos gêneros, sobretudo acadêmicos. Quase todos já publicaram textos abordando e refletindo sobre questões de tradução, embora a maioria não enquadre sua linha de pesquisas no campo dos Estudos da Tradução. Todos os tradutores possuem seu curriculum uitae na plataforma
Lattes do CNPq, disponível online, e os principais dados em comum podem ser resumidos como seguem: ANDERSON DE ARAÚJO MARTINS ESTEVES ([email protected]) Possui Doutorado em Letras Clássicas (2010), Mestrado em Letras Clássicas (2004), e Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais (1998) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Letras Clássicas, com ênfase em língua e literatura latinas, historiografia antiga e estudos de gênero. ANTÔNIO MARTINEZ DE REZENDE ([email protected]) Possui Doutorado em Estudos Linguísticos (2009), Mestrado em Estudos Linguísticos (1986), e Graduação em Letras (1977) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é Professsor Associado da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua Latina, atuando principalmente nos seguintes temas: latim, gramática, ensino, tradução e literatura latina. ARLETE JOSÉ MOTA ([email protected]) Possui Doutorado em Letras Clássicas (1998) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura latina, cultura romana, língua latina, comportamento e história romana.
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BRUNNO VINICIUS GONÇALVES VIEIRA ([email protected]) Possui Doutorado em Estudos Literários (2007), Mestrado em Linguística e Língua Portuguesa (2002), e Graduação em Letras (1997) pela UNESP, instituição onde atualmente leciona temas relacionados à Língua e Literatura Latinas. Desenvolve projetos na área de Letras Clássicas, com ênfase na recepção e tradução de textos greco-romanos em contexto lusófono. CLÁUDIO AQUATI ([email protected]) Possui Doutorado em Letras Clássicas (1997), Mestrado em Letras Clássicas (1991), Graduação em Letras Clássicas (1985), e Graduação em Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (1985). Atualmente é Professor Assistente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Câmpus de São José do Rio Preto. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em língua e literatura latinas. Atua principalmente nos seguintes temas: romance antigo, romance latino (Satíricon, de Petrônio e O asno de ouro, de Apuleio) e sátira. FERNANDO COELHO ([email protected]) Doutorando em Linguística na Universidade Federal de Santa Catarina, possui Mestrado em Estudos da Tradução (2009), Graduação em Letras - Francês (2008), e Graduação em Filosofia (2005) pela Universidade Federal de Santa Catarina. JOSÉ ERNESTO DE VARGAS ([email protected]) Possui Doutorado em Literatura (2008) pela Universidade Federal de Santa Catarina, e Graduação em Letras Português e Latim (1992)
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é Professor de Língua e Literatura Latinas na Universidade Federal de Santa Catarina. Atua nas seguintes áreas: Linguística e Educação, Literatura Latina, Língua Latina, Poesia e performance literária. JUVINO ALVES MAIA JÚNIOR ([email protected]) Possui Doutorado em Letras Clássicas (2002), Mestrado em Letras Literaturas de Língua Portuguesa (1993), Graduação em Língua Latina (1996), e Graduação em Língua Portuguesa (1988) pela Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Grego e Latim, atuando principalmente nos seguintes temas: grego, latim, ensino, tradução, drama, estilo, discurso. LEILA TERESINHA MARASCHIN ([email protected]) Doutoranda em Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina, possui Mestrado em Letras (1998) e Graduação em Letras (1993) pela Universidade Federal de Santa Maria. É Professora Assistente na Universidade Federal de Santa Maria. LUIZ HENRIQUE MILANI QUERIQUELLI ([email protected]) Doutorando em Linguística na Universidade Federal de Santa Catarina, possui Mestrado em Estudos da Tradução (2009) pela Universidade Federal de Santa Catarina, Graduação em Letras Português (2009) pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci, e Graduação em Ciências Sociais (2007) pela Universidade Federal de Santa Catarina. Tem pesquisas relativas ao ensino do latim na formação de professores de língua portuguesa e à crítica de tradução de literatura latina. 14
MATHEUS TREVIZAM ([email protected])
Literários -, com produção na área das Literaturas Grega e Latina, e Literatura Comparada.
Possui Doutorado em Linguística (2006), Mestrado em Linguística (2003), Bacharelado e Licenciatura em Letras - Língua Portuguesa e Literatura (2000) pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é Professor Adjunto na Universidade Federal de Minas Gerais. Interessa-se por questões de gêneros literários e incorporação temática de tópicos culturais de relevância na Antiguidade. Traduziu integralmente Ovídio (Ars amatoria), Varrão (De re rustica) e Catão (De agri cultura). É coordenador do NEAM (Núcleo de Estudos Antigos e Medievais da FALE/FAFICH-UFMG).
PAULO SÉRGIO DE VASCONCELLOS ([email protected])
MAURI FURLAN ([email protected]) Possui Doutorado em Filologia Clássica (2002) pela Universidad de Barcelona, Mestrado em Literatura (1998), e Graduação em Letras – Alemão (1993) pela Universidade Federal de Santa Catarina (1993), e Graduação em Jornalismo (1989) pela Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso/RJ. Professor Associado da Universidade Federal de Santa Catarina, atua na área de Letras, com ênfase em Teoria da Tradução da Antigüidade ao Renascimento, e Língua Latina. É fundador das revistas acadêmicas da área dos Estudos da Tradução Cadernos de Tradução e Scientia Traductionis. Coordena o Centrum Inuestigationis Latinitatis, na UFSC. MILTON MARQUES JÚNIOR ([email protected]) Possui Doutorado em Letras (1995), Mestrado em Letras (1990), e Graduação em Letras (1981) pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba, com experiência na área de Letras - Literatura Brasileira e Portuguesa. Coordena o GREC - Grupo de Estudos Clássicos e
Possui Doutorado em Letras Clássicas (1996), Mestrado em Letras Clássicas (1990), e Graduação em Letras - Português, Francês e Latim (1983) pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é Professor Assistente da Universidade Estadual de Campinas. Tem se dedicado ao estudo da poesia latina (Catulo e Virgílio), à intertextualidade nos estudos clássicos e à questão do biografismo na interpretação da poesia subjetiva romana. Nos últimos anos, consagrou-se ao projeto de anotação e comentário das traduções de Virgílio feitas pelo maranhense Odorico Mendes, coordenando o Grupo de Trabalho Odorico Mendes. RODRIGO TADEU GONÇALVES ([email protected]) Possui Doutorado em Letras (2008), Mestrado em Letras (2004), Graduação em Letras - Latim (2004), e Graduação em Letras Português e Inglês (2003) pela Universidade Federal do Paraná. Atualmente é Professor Adjunto de Língua e Literatura Latinas na Universidade Federal do Paraná. Áreas de interesse recentes incluem língua e literatura latinas (especialmente comédia latina), filosofia da linguagem, estudos da tradução, sofística e filosofia da linguística. SANDRA MARIA GUALBERTO BRAGA BIANCHET ([email protected]) Possui Doutorado em Letras Clássicas (2002) pela Universidade de São Paulo, Mestrado em Estudos Linguísticos (1996), e Graduação em Letras (1990) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em 15
Línguas Clássicas, atuando principalmente nos seguintes temas: latim vulgar e romance latino. Outra questão relevante a ser referida concerne à ‘forma’ textual, a que chamamos ‘prosa poética’ e aceitamos como adequada à tradução dos hexâmetros latinos de Ovídio. A discussão nos Estudos da Tradução sobre traduzir poesia é importante e tão antiga quanto a própria história da tradução ocidental. Há desde defensores de que traduzir poesia é mais fácil do que prosa exatamente pela possibilidade de repoetizar um texto, até os que a consideram impossível de ser traduzida, passando por escolas que propugnam a correspondência de versos x de uma língua com versos y de outra, etc., a pensamentos como os de Goethe e Hegel, de que a poesia pode ser traduzida em prosa. Parafraseando Berman, podemos afirmar que traduzir Ovídio em prosa não é obrigatoriamente “traí-lo”, mas submetê-lo a uma metamorfose, e isso, em si, é uma tradução. Toda tradução em prosa deve ser considerada como uma possibilidade da tradução de poesia para algumas obras (2012, p. 136). Sem entrarmos agora na reapresentação do pensamento de Berman sobre o que ele nomeia como tradução da letra (que não é em absoluto a tradução da palavra!) enquanto tradução que pode renovar a tarefa do tradutor e sua língua nativa e produzir verdadeiras obras literárias ao mesmo tempo que preserva o valor do texto original, podemos encontrar nessa concepção do traduzir um grande argumento em defesa do uso da prosa poética na tradução da poesia: o de que a prosa poética permite ao texto traduzido continuar o contato íntimo com o texto primeiro e a possibilidade de fazer reviver na língua receptora o estrangeiro, o Outro. Berman concebe a tradução como acolhida da letra estrangeira na língua materna, tradução como albergue, como lugar de abrigo ao forasteiro, que o faz sentir-se em casa sendo estrangeiro, lugar ao mesmo tempo próximo e distante. A tradução da letra considera importante o buscar-e-encontrar também o não-normatizado da língua de chegada para introduzir aí a língua estrangeira e seu dizer, porque aí,
paradoxalmente, é onde ela aceita o Outro, pois, na sua maternalidade, se permite ser o “albergue do longínquo” (2012, p. 175). Às Metamorfoses!
Mauri Furlan [email protected] Florianópolis, jul 2014
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Referências bibliográficas BENJAMIN, Walter. “Die Aufgabe des Übersetzers” [1923], in Gesammelte Schriften. Band IV-1. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1980. BERMAN, Antoine. La traduction et la lettre ou l’auberge du lointain [1985/1999] / A tradução e a letra ou o albergue do longínquo. Trad. de Marie-Hélène Catherine Torres, Mauri Furlan, Andréia Guerini. 2ª ed. Tubarão: Copiart, 2012. ______ . Pour une critique des traductions: John Donne. Paris: Gallimard, 1995. FURLAN, Mauri. “Literatura de língua latina traduzida no Brasil. O que conhecemos nós dos nossos avós, os romanos?”. Comunicação apresentada na Iª Jornada do Grupo de Pesquisa Literatura Traduzida. CCE, UFSC, 2004. Online: http://latim.paginas.ufsc.br/da-literatura-latina ______ . “Retraduzir é preciso”, in Scientia Traductionis n.13 (2013). MESCHONNIC, Henri. Pour la poétique II. Épistémologie de l’écriture - Poétique de la traduction. Paris: Gallimard, 1973.
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AS METAMORFOSES Liber I, por Cláudio Aquati Liber II, por Juvino Alves Maia Júnior Liber III, por Paulo Sérgio de Vasconcellos Liber IV, por Matheus Trevizam Liber V, por Luiz Henrique Queriquelli Liber VI, por Arlete José Mota Liber VII, por Rodrigo Gonçalves Liber VIII, por Mílton Marques Júnior Liber IX, por José Ernesto de Vargas & Fernando Coelho Liber X, por Sandra Braga Bianchet Liber XI, por Leila Teresinha Maraschin Liber XII, por Mauri Furlan Liber XIII, por Anderson Martins Esteves Liber XIV, por Antônio Martinez de Rezende Liber XV, por Brunno V. G. Vieira
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Liber I
In nova fert animus mutatas dicere formas corpora; di, coeptis (nam vos mutastis et illas) adspirate meis primaque ab origine mundi ad mea perpetuum deducite tempora carmen. Mundi origo 5
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Ante mare et terras et quod tegit omnia caelum unus erat toto naturae vultus in orbe, quem dixere chaos: rudis indigestaque moles nec quicquam nisi pondus iners congestaque eodem non bene iunctarum discordia semina rerum. nullus adhuc mundo praebebat lumina Titan, nec nova crescendo reparabat cornua Phoebe, nec circumfuso pendebat in aere tellus ponderibus librata suis, nec bracchia longo margine terrarum porrexerat Amphitrite; utque aer, tellus illic et pontus et aether. Sic erat instabilis tellus, innabilis unda, lucis egens aer: nulli sua forma manebat, obstabatque aliis aliud, quia corpore in uno frigida pugnabant calidis, umentia siccis, mollia cum duris, sine pondere habentia pondus. Hanc deus et melior litem natura diremit. Nam caelo terras et terris abscidit undas, et liquidum spisso secrevit ab aere caelum. Quae postquam evolvit caecoque exemit acervo, dissociata locis concordi pace ligavit. Ignea convexi vis et sine pondere caeli emicuit summaque locum sibi fecit in arce:
Transmudadas em novos corpos meu espírito leva-me a cantar as formas. Ó deuses! Inspirai-me os planos — enfim: vós também as transformastes — e conduzi um canto ininterrupto desde as origens do mundo até os meus dias. A origem do mundo Antes da existência do mar e das terras e do céu que cobre tudo, tinha a natureza em todo o orbe uma única feição. Disseram-na caos, massa inculta e confusa, um peso inerte, nada mais e, amontoados num mesmo lugar, germes desajustados de elementos não bem ligados. Titã algum até então luzes oferecia ao mundo. Febe, crescente, também não restaurava os cornos nascentes; tampouco a terra, equilibrando-se em seu peso, pendia no ar que a envolvia. E Anfitrite seus braços não estendera pelas longas margens das terras. Mas, assim como ali estava a terra e também o mar e também o ar, da mesma forma era a terra instável, incontrolável a onda, carente de luz o ar. Ser nenhum conservava a própria forma. E uma coisa se opunha às outras porque, em um único corpo, as frias combatiam as quentes; as úmidas, as secas; as moles, as duras; as sem peso, aquelas que tinham peso.
Um deus5, juntamente com uma natureza melhor, resolveu essa dissensão: a terra ele a separou do céu; das terras separou as águas e um céu fluido ele o apartou da espessa atmosfera. Esses elementos ele os tirou de uma grande mixórdia e dela os resguardou, depois do que, em paz e harmonia, atribuiu para cada qual um lugar diferente. A força da cúpula reluziu, ígnea e sem peso, e tomou seu lugar no ponto mais alto do firmamento. O ar está próximo dela em leveza e localização6. A
5 Ovídio não revela qual seja esse deus. 6 Gregos e romanos consideravam duas camadas de ar: uma superior, fluida, é o éter, domínio dos astros e dos deuses; a outra está mais próxima da terra e é mais espessa e densa, onde se concentram as nuvens, os ventos, os pássaros.
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proximus est aer illi levitate locoque: densior his tellus, elementaque grandia traxit et pressa est gravitate sua: circumfluus umor ultima possedit solidumque coercuit orbem.
terra, mais densa que esses elementos, puxou-os para si — os grandes — e sofreu a pressão de seu próprio peso. A água fluiu ocupando todo o resto e encintou a terra firme.
Sic ubi dispositam quisquis fuit ille deorum congeriem secuit sectamque in membra redegit, principio terram, ne non aequalis ab omni parte foret, magni speciem glomeravit in orbis. Tum freta diffudit rapidisque tumescere ventis iussit et ambitae circumdare litora terrae. Addidit et fontes et stagna inmensa lacusque fluminaque obliquis cinxit declivia ripis, quae, diversa locis, partim sorbentur ab ipsa, in mare perveniunt partim campoque recepta liberioris aquae pro ripis litora pulsant. Iussit et extendi campos, subsidere valles, fronde tegi silvas, lapidosos surgere montes. Utque duae dextra caelum totidemque sinistra parte secant zonae, quinta est ardentior illis, sic onus inclusum numero distinxit eodem cura dei, totidemque plagae tellure premuntur. Quarum quae media est, non est habitabilis aestu: nix tegit alta duas: totidem inter utrumque locavit temperiemque dedit mixta cum frigore flamma.
Dessa forma, qualquer fosse ele entre os deuses, logo repartiu a massa assim disposta e primeiro organizou a terra partilhada em glebas e reuniu tudo numa espécie de grande orbe — não fosse haver desigualdade em alguma parte! Então, mandou irromperem os mares e, pela ação de ventos impetuosos, intumescerem-se, formando os litorais em redor da terra envolvida. Reuniu não só fontes como também imensos pântanos e lagos. Os rios declivosos ele os conteve entre margens sinuosas. Esses, dependendo do local em que estivessem, em parte eram sorvidos pela própria terra e em parte chegavam ao mar onde, espraiando-se por uma planície líquida mais livre, em vez de margens batiam o litoral. Mandou ele estender as planícies, aplanar os vales, cobrir as florestas com a fronde das árvores, altearem-se lapidosos montes. E como, na parte direita do céu duas faixas o cortam e igualmente o mesmo o fazem duas faixas na parte esquerda e uma quinta faixa é mais quente que elas, assim o cuidado do deus definiu com a mesma quantidade a carga existente no orbe e outras tantas regiões são precisamente determinadas na terra. Dentre elas, por causa do calor, a faixa mediana não é habitável. Uma grossa camada de neve cobre duas delas, precisamente entre a quais o deus colocou outras, temperadas com o fogo misturado ao frio.
Inminet his aer. Qui quanto est pondere terrae, pondere aquae levior tanto est onerosior igni. Illic et nebulas, illic consistere nubes iussit et humanas motura tonitrua mentes et cum fulminibus facientes fulgura ventos. His quoque non passim mundi fabricator habendum aera permisit: vix nunc obsistitur illis, cum sua quisque regant diverso flamina tractu, quin lanient mundum: tanta est discordia fratrum. Eurus ad Auroram Nabataeaque regna recessit Persidaque et radiis iuga subdita matutinis; vesper et occiduo quae litora sole tepescunt, proxima sunt Zephyro: Scythiam septemque triones
Premente sobre essas faixas, paira o ar, tanto mais leve que a terra quanto o peso da água é maior que o do fogo. Ali também o deus mandou formar névoas, também ali as nuvens, e os trovões, capazes de abalar as mentes humanas, e o ventos, com os raios, produtores de relâmpagos. O criador do mundo também não lhes permitiu, aos ventos, dispor aleatoriamente dos ares, e, agora com dificuldade, cria-lhes obstáculos, embora cada qual dirija suas correntes com um tratamento diverso para não destroçarem o mundo, tamanha é a discórdia dos irmãos. O Euro afastou-se para a Aurora e aos reinos nabateus e à Pérsia e aos locais montanhosos expostos aos raios matutinos. De Zéfiro estão próximos Vésper e os litorais amornados pelo sol poente. O horrendo Bóreas invadiu a Cítia e o Setentrião. A terra que lhe é oposta, graças às nuvens constantes e à chuva, se umedece pelo Austro. Sobre eles o deus colocou o éter, fluido e sem peso, sem traços de resíduos
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horrifer invasit Boreas: contraria tellus nubibus adsiduis pluviaque madescit ab Austro. Haec super inposuit liquidum et gravitate carentem aethera nec quicquam terrenae faecis habentem. Vix ita limitibus dissaepserat omnia certis, cum, quae pressa diu massa latuere sub illa, sidera coeperunt toto effervescere caelo. Neu regio foret ulla suis animalibus orba, astra tenent caeleste solum formaeque deorum, cesserunt nitidis habitandae piscibus undae, terra feras cepit, volucres agitabilis aer. Sanctius his animal mentisque capacius altae deerat adhuc et quod dominari in cetera posset. Natus homo est, sive hunc divino semine fecit ille opifex rerum, mundi melioris origo, sive recens tellus seductaque nuper ab alto aethere cognati retinebat semina caeli; quam satus Iapeto mixtam pluvialibus undis finxit in effigiem moderantum cuncta deorum. Pronaque cum spectent animalia cetera terram, os homini sublime dedit, caelumque videre iussit et erectos ad sidera tollere vultus. Sic, modo quae fuerat rudis et sine imagine, tellus induit ignotas hominum conversa figuras. Quattuor aetates. Gigantes
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Aurea prima sata est aetas, quae vindice nullo, sponte sua, sine lege fidem rectumque colebat. Poena metusque aberant, nec verba minantia fixo aere legebantur, nec supplex turba timebat iudicis ora sui, sed erant sine vindice tuti. Nondum caesa suis, peregrinum ut viseret orbem, montibus in liquidas pinus descenderat undas, nullaque mortales praeter sua litora norant.
terrenos.
Mal distribuíra assim todas as coisas por entre seus corretos limites, foi quando as estrelas, durante muito tempo encobertas por uma cerrada escuridão, começaram a profusamente piscar por todo o céu. A fim de paragem nenhuma privar-se de seus seres viventes, os astros7 e os deuses dispõem do solo celeste, as ondas permitiram habitá-las os peixes brilhantes, a terra abrigou as feras e as aves o ar movente. Até então faltava ainda um animal mais nobre que esses e de uma mente elevada e mais capaz, que dominar os demais pudesse. Nasceu o homem. Ou o célebre artífice das coisas — fonte de um mundo melhor — fê-lo de divina semente, ou a terra há pouco separada do alto espaço celeste encerrava sementes do céu nascido com ela. A estirpe de Jápeto proveniente modelou a terra, misturada às águas das chuvas, à imagem dos deuses que todas as coisas regulam. Conquanto os outros animais, de cabeça baixa, olhem para o chão, o deus ao homem deu um rosto sublime e mandou-o olhar o céu, o rosto mantendo para os astros ereto. Assim, ela, que há pouco fora rude e sem imagem, transformada, a terra as desconhecidas figuras dos homens vestiu.
As quatro idades. Os gigantes Engendrou-se a primeira idade, de ouro, ela que, sem vingança, por seu próprio talante, sem a necessidade de lei para isso, cultivava a confiança e o direito. Pena e medo inexistiam; também palavras ameaçadoras não se liam em bronze afixado; também, não temia o povo, súplice, os discursos de seu juiz, mas, mesmo sem defensor, estavam seguros. O pinho cortado não descera ainda de suas montanhas para as límpidas águas a fim de ver o mundo estrangeiro, e os mortais desconheciam qualquer litoral além do seu. Os profundos fossos ainda não cingiam as cidades, não
7 Para os antigos, Os astros são dotados de vida e muitas vezes têm a mesma natureza dos deuses.
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Nondum praecipites cingebant oppida fossae; non tuba directi, non aeris cornua flexi, non galeae, non ensis erat: sine militis usu mollia securae peragebant otia gentes. ipsa quoque inmunis rastroque intacta nec ullis saucia vomeribus per se dabat omnia tellus; contentique cibis nullo cogente creatis arbuteos fetus montanaque fraga legebant cornaque et in duris haerentia mora rubetis et quae deciderant patula Iovis arbore glandes. Ver erat aeternum, placidique tepentibus auris mulcebant zephyri natos sine semine flores. Mox etiam fruges tellus inarata ferebat, nec renovatus ager gravidis canebat aristis; flumina iam lactis, iam flumina nectaris ibant, flavaque de viridi stillabant ilice mella.
havia tuba feita de bronze reto, não havia corneta de bronze recurvo. Capacetes, nada; nada de espadas: sem valer-se de soldados, segura, fruía de suaves ócios a humanidade. Também, livre de impostos, intocada pelo rastelo e não atingida por quaisquer arados, a própria terra, por si, tudo dava. E, contentes com os alimentos nascidos sem que para isso ninguém se empenhasse, colhiam medronhos e morangos silvestres e cerejas e amoras penduradas em espinheiros e bolotas caídas da frondosa árvore de Júpiter8. A primavera era eterna e com sopros quentes os calmos zéfiros acariciavam flores nascidas sem quem as semeasse ter havido. Logo, até mesmo sem preparo, a terra produzia grãos; o campo, sem trabalho de renovação, branqueava com pesadas espigas. Aqui rios de leite, ali rios de néctar fluíam e o fulvo mel gotejava9 do verde azinheiro.
Postquam, Saturno tenebrosa in Tartara misso, sub Iove mundus erat, subiit argentea proles, auro deterior, fulvo pretiosior aere. Iuppiter antiqui contraxit tempora veris perque hiemes aestusque et inaequalis autumnos et breve ver spatiis exegit quattuor annum. Tum primum siccis aer fervoribus ustus canduit, et ventis glacies adstricta pependit. Tum primum subiere domus (domus antra fuerunt et densi frutices et vinctae cortice virgae). Semina tum primum longis Cerealia sulcis obruta sunt, pressique iugo gemuere iuvenci.
Tendo sido Saturno enviado para o tenebroso Tártaro, e depois que o mundo passou ao domínio de Júpiter, subveio a geração argêntea, inferior à de ouro, mais preciosa que o fulvo bronze. Júpiter abreviou os tempos da primavera antiga e, por meio de invernos e de verões e de outonos desiguais e uma breve primavera, ele constituiu o ano com quatro estações. Então, foi a primeira vez que o ar abrasado ardeu com os secos calores e, pressionado pelos ventos, o gelo caiu. Então, pela primeira vez os homens entraram em casas. As casas eram cavernas, ramagens densas e varas presas com cascas de árvores. As sementes de Ceres10 então, pela primeira vez foram cobertas em longos sulcos e os novilhos gemeram sob o peso do jugo.
Tertia post illam successit aenea proles, saevior ingeniis et ad horrida promptior arma, non scelerata tamen. De duro est ultima ferro. Protinus inrupit venae peioris in aevum omne nefas: fugere pudor verumque fidesque;
Depois, uma terceira geração, a de bronze, sucedeu àquela, mais feroz de temperamento e mais pronta às terríveis armas, embora não criminosa. De duro ferro é a última geração. Logo, de um filão pior todo crime irrompeu na idade: fugiram o pudor e a verdade e a confiança, no lugar dos quais assomaram as fraudes e os enganos e as armadilhas e a força e o
8 A árvore de Júpiter é o carvalho. 9 Segundo Boxus et Poucet (2005), “até o fim dos tempos antigos, acreditou-se que o mel era uma espécie de orvalho, que as abelhas recolhiam já pronto à superfície das folhas. Na época da idade de ouro ele era mais puro e o trabalho das abelhas, inútil”. 10 As sementes de Ceres: o trigo.
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In quorum subiere locum fraudesque dolique insidiaeque et vis et amor sceleratus habendi. Vela dabat ventis (nec adhuc bene noverat illos) navita; quaeque diu steterant in montibus altis, fluctibus ignotis insultavere carinae, communemque prius ceu lumina solis et auras cautus humum longo signavit limite mensor. Nec tantum segetes alimentaque debita dives poscebatur humus, sed itum est in viscera terrae: quasque recondiderat Stygiisque admoverat umbris, effodiuntur opes, inritamenta malorum. Iamque nocens ferrum ferroque nocentius aurum prodierat: prodit bellum, quod pugnat utroque, sanguineaque manu crepitantia concutit arma. Vivitur ex rapto: non hospes ab hospite tutus, non socer a genero; fratrum quoque gratia rara est. Inminet exitio vir coniugis, illa mariti; lurida terribiles miscent aconita novercae; filius ante diem patrios inquirit in annos. Victa iacet pietas, et virgo caede madentis, ultima caelestum terras Astraea reliquit.
celerado amor de possuir. Davam as velas aos ventos e o marinheiro ainda não os conhecia bem. As quilhas, que antes se erguiam nos altos montes, os homens jogaram em ignotas águas. E o solo, antes comum como a luz do sol e o ar, um prudente mensurador marcou com um longo sulco. E não se exigia o rico chão apenas em colheitas e alimentos devidos, mas foi-se às vísceras da terra, aos bens que escondera ela e levara para junto das sombras estígias. Riquezas escavadas, estímulos de males.
Neve foret terris securior arduus aether, adfectasse ferunt regnum caeleste Gigantas altaque congestos struxisse ad sidera montes. Tum pater omnipotens misso perfregit Olympum fulmine et excussit subiectae Pelion Ossae. Obruta mole sua cum corpora dira iacerent, perfusam multo natorum sanguine Terram inmaduisse ferunt calidumque animasse cruorem, et, ne nulla suae stirpis monimenta manerent, in faciem vertisse hominum. Sed et illa propago contemptrix superum saevaeque avidissima caedis et violenta fuit: scires e sanguine natos.
E, para que o alto éter não estivesse mais que as terras seguro, conta-se que os Gigantes desejaram alcançar o reino celeste e que reuniram suas montanhas e as levantaram até as altas estrelas. Então o onipotente pai rachou o Olimpo com um raio por ele enviado e despenhou Pélion jogando-o na direção do Ossa, que estava abaixo dele. Como seus corpos funestos jazessem esmagados pela carga, a Terra encharcou-se — dizem —, embebida de tanto sangue de seus filhos, e que ela infundiu vida àquele sangue quente. E não fosse de sua estirpe nenhum vestígio permanecer: numa face humana os converteu. Mas aquela raça também desprezava os deuses e era violenta e avidíssima pela morte atroz: saber-se-iam eles do sangue nascidos.
Lycaon Quae pater ut summa vidit Saturnius arce, ingemit et, facto nondum vulgata recenti,
E já o daninho ferro brotara, e, mais daninho que o ferro, o ouro. Brotou a guerra — lutava com um, com outro — e de mão sangrenta empunhava as armas e seus tinidos. Vive-se do roubo: o hóspede não está seguro junto ao hospedeiro; nem o sogro junto ao genro; rara também é a concórdia dos irmãos. Com o assassínio o marido ameaça a esposa; com o assassínio, a esposa o marido; madrastas terríveis misturam ameaçadoras beberragens; sem esperar pelo derradeiro dia, o filho contra a vida do pai atenta; a piedade jaz vencida e a virgem Astreia abandona as terras pela morte alagadas.
Licáon Tão logo do sumo trono essas coisas viu, o pai satúrnio geme e, lembrando-se dos repugnantes banquetes da mesa de Licáon, ainda não
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foeda Lycaoniae referens convivia mensae, ingentes animo et dignas Iove concipit iras, conciliumque vocat: tenuit mora nulla vocatos.
divulgados por serem fato recente, concebe em seu ânimo imensas iras, dignas de Júpiter, e convoca o conselho, cuja atenção obteve sem demora.
Est via sublimis, caelo manifesta sereno: lactea nomen habet, candore notabilis ipso. Hac iter est superis ad magni tecta Tonantis regalemque domum. Dextra laevaque deorum atria nobilium valvis celebrantur apertis (plebs habitat diversa locis): hac parte potentes caelicolae clarique suos posuere penates. Hic locus est, quem, si verbis audacia detur, haud timeam magni dixisse Palatia caeli.
Existe uma via sublime, visível quando o céu está sereno. Tem o nome de Láctea, notável pelo próprio brilho. É ela o caminho dos súperos para a morada do Grão Tonante e para o palácio real. Celebram-se, à direita e à esquerda, de portas abertas, os átrios dos nobres deuses. Deuses menores11 habitam locais diferentes desses: neste lado os poderosos e preclaros habitantes do céu estabeleceram os seus penates. Com um pouco de ousadia nas palavras, eu não temeria dizer este local ser aquele que dissera serem os Palácios do grande céu.
Ergo ubi marmoreo superi sedere recessu, celsior ipse loco sceptroque innixus eburno terrificam capitis concussit terque quaterque caesariem, cum qua terram, mare, sidera movit. Talibus inde modis ora indignantia solvit:
Quando os súperos tomaram seus assentos no palácio de mármore, o próprio deus mais elevado do local, com seu cetro ebúrneo nas mãos, sua terrível cabeleira agitou três ou quatro vezes, com a qual moveu a terra, o mar, as estrelas. Então soltou palavras indignadas desta forma:
“Non ego pro mundi regno magis anxius illa tempestate fui, qua centum quisque parabat inicere anguipedum captivo bracchia caelo. Nam quamquam ferus hostis erat, tamen illud ab uno corpore et ex una pendebat origine bellum. Nunc mihi, qua totum Nereus circumsonat orbem, perdendum est mortale genus: per flumina iuro infera, sub terras Stygio labentia luco! cuncta prius temptata: sed inmedicabile corpus ense recidendum est, ne pars sincera trahatur. Sunt mihi semidei, sunt rustica numina, nymphae faunique satyrique et monticolae silvani: quos quoniam caeli nondum dignamur honore, quas dedimus certe terras habitare sinamus. An satis, o superi, tutos fore creditis illos, cum mihi, qui fulmen, qui vos habeoque regoque, struxerit insidias notus feritate Lycaon?”
11 “Deuses menores”: solução tradutória de Bocage.
— Eu não estive mais ansioso pelo reinado do mundo que aquele tempo quando qualquer um dos anguípedes preparava lançar cem braços ao céu cativo. Pois, embora o inimigo fosse feroz, aquela guerra, no entanto, dependia de um único corpo e de uma única origem. Agora, seja onde for que Nereu ressoe, ao redor de todo o orbe, arruinarei a raça mortal. Pelas correntes infernais que passam debaixo da terra no bosque estígio, juro que antes se tentou de tudo, mas para a cura deve-se o irremediável cortar à espada, a fim de que não se arraste a parte sadia. Submetidos a mim tenho os semideuses, os numes rústicos, as ninfas e os faunos, os sátiros e os silvanos monteses. Embora ainda não os tenhamos dignificado com as honras do céu, permitamos habitem as terras que lhes demos. Por acaso, ó deuses, acreditais que estejam eles seguros o bastante, quando Licáon, conhecido pela ferocidade, prepara armadilhas para mim, eu que detenho o raio, que vos submeto e vos dirijo?
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Confremuere omnes studiisque ardentibus ausum talia deposcunt. Sic, cum manus inpia saevit sanguine Caesareo Romanum exstinguere nomen, attonitum tanto subitae terrore ruinae humanum genus est totusque perhorruit orbis: nec tibi grata minus pietas, Auguste, tuorum est, quam fuit illa Iovi. Qui postquam voce manuque murmura conpressit, tenuere silentia cuncti. Substitit ut clamor pressus gravitate regentis, Iuppiter hoc iterum sermone silentia rupit:
Todos se afligiram e, com empenho ardoroso, reclamam contra quem ousou tais coisas. Assim, quando ímpia mão se enfureceu para extinguir o nome de Roma no sangue de César, o gênero humano tomou-se de assombro com um súbito terror de tamanha ruína e todo o orbe horrorizou-se. Ó Augusto, a piedade dos teus não foi menos grata para ti que para Júpiter. Depois que Júpiter fez cessar o murmúrio com sua voz e sua mão, todos fizeram silêncio. Tão logo cessou o clamor, pressionado pela gravidade do regente, Júpiter rompe novamente o silêncio com as seguintes palavras:
“Ille quidem poenas, curam hanc dimittite, solvit. Quod tamen admissum, quae sit vindicta, docebo. Contigerat nostras infamia temporis aures; quam cupiens falsam summo delabor Olympo et deus humana lustro sub imagine terras. Longa mora est, quantum noxae sit ubique repertum, enumerare: minor fuit ipsa infamia vero. Maenala transieram latebris horrenda ferarum et cum Cyllene gelidi pineta Lycaei: Arcadis hinc sedes et inhospita tecta tyranni ingredior, traherent cum sera crepuscula noctem. Signa dedi venisse deum, vulgusque precari coeperat: inridet primo pia vota Lycaon, mox ait ”experiar deus hic, discrimine aperto, an sit mortalis. Nec erit dubitabile verum.” Nocte gravem somno necopina perdere morte me parat: haec illi placet experientia veri. Nec contentus eo est: missi de gente Molossa obsidis unius iugulum mucrone resolvit, atque ita semineces partim ferventibus artus mollit aquis, partim subiecto torruit igni. Quod simul inposuit mensis, ego vindice flamma in domino dignos everti tecta penates. Territus ipse fugit, nactusque silentia ruris exululat frustraque loqui conatur: ab ipso conligit os rabiem, solitaeque cupidine caedis vertitur in pecudes et nunc quoque sanguine gaudet.
— Licáon cumpriu sua pena, é verdade — afastai essa preocupação! No entanto, o que ele fez e qual foi sua sentença eu lhes direi. A infâmia da época tocara nossos ouvidos. Desejando ter sido boato, desço do sumo Olimpo e, sob forma humana, percorro as terras. Seria longo enumerar o quanto de injustiças se descobriu por toda parte: a má reputação foi ela própria menor que a verdade. Passara eu pelo horrendo Mênala e seus antros de feras e, com Cilene, pelos pinheirais do gelado Liceu. Então, entro nas herdades e na inóspita morada do tirano árcade, embora o crepúsculo tardio trouxesse a noite. Dei sinais de que chegara um deus e o povo se pusera a orar. Primeiro Licáon zomba desses pios votos; depois diz:
— Verificarei rigorosamente se é este um deus ou um mortal, e não será possível duvidar da verdade. Durante a noite, em sono profundo, prepara perder-me com uma morte inesperada: agrada-o ter experimentado a verdade. Então, não contente com isso, empunhando espada, cortou o pescoço de um refém obtido do povo molosso e amoleceu-lhe uma parte em água fervente e outra parte assou ao fogo. Assim que ele serviu a mesa, com minha chama vingadora fiz desmoronar seu palácio contra os seus penates, dignos do patrão. Ele próprio fuge aterrorizado e, deparando os silêncios do campo, ulula e, em vão, procura falar. Por esse esforço mesmo, sua boca concentra a raiva e, no desejo da morte a cuja prática se acostumara, volta-se contra os rebanhos e também agora se compraz com sangue. Suas roupas se transformam em
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In villos abeunt vestes, in crura lacerti: fit lupus et veteris servat vestigia formae. Canities eadem est, eadem violentia vultus, idem oculi lucent, eadem feritatis imago est. 240
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Occidit una domus. Sed non domus una perire digna fuit: qua terra patet, fera regnat Erinys. In facinus iurasse putes. Dent ocius omnes quas meruere pati (sic stat sententia) poenas.”
Uma única casa sucumbiu, mas não era apenas uma casa que deveria perecer: por onde a terra se estende reina a feroz Erínia. Acreditar-se-ia num conluio de crimes! Muito celeremente todos sofram as penas que mereceram. Eis a minha sentença.
Dicta Iovis pars voce probant stimulosque frementi adiciunt, alii partes adsensibus inplent. Est tamen humani generis iactura dolori omnibus, et, quae sit terrae mortalibus orbae forma futura, rogant, quis sit laturus in aras tura, ferisne paret populandas tradere terras. Talia quaerentes (sibi enim fore cetera curae) rex superum trepidare vetat subolemque priori dissimilem populo promittit origine mira.
Parte dos deuses aprova os dizeres de Júpiter — ouve-se-lhes a voz — e estimulam-lhe o frêmito; outros dão-lhe consentimento. No entanto a ruína do gênero humano é para todos uma dor. E perguntam: qual será a forma futura da terra órfã de mortais? Quem há de levar os incensos aos altares? Não será isso entregar as terras à devastação para as feras? O rei dos súperos tem mais preocupações e proíbe que temam os que daquele modo pensavam. E de antemão promete uma raça diferente do povo, de origem admirável.
Diluvium. Deucalion et Pyrrha
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pelagem, em pernas os braços: faz-se lobo e conserva traços da velha forma. As cãs são as mesmas, a mesma violência do rosto, os olhos brilham do mesmo modo, a mesma é a imagem da ferocidade.
Iamque erat in totas sparsurus fulmina terras: sed timuit, ne forte sacer tot ab ignibus aether conciperet flammas longusque ardesceret axis: esse quoque in fatis reminiscitur, adfore tempus, quo mare, quo tellus correptaque regia caeli ardeat et mundi moles obsessa laboret. Tela reponuntur manibus fabricata Cyclopum: poena placet diversa, genus mortale sub undis perdere et ex omni nimbos demittere caelo. Protinus Aeoliis Aquilonem claudit in antris et quaecumque fugant inductas flamina nubes emittitque Notum. Madidis Notus evolat alis, terribilem picea tectus caligine vultum: barba gravis nimbis, canis fluit unda capillis; fronte sedent nebulae, rorant pennaeque sinusque. Utque manu late pendentia nubila pressit,
O dilúvio. Deucálion e Pirra E já estava para espalhar raios por todas as terras, mas temeu que o sagrado éter concentrasse as chamas e que, fortuitamente, por causa do fogo, seu longo eixo ardesse inteiro. Lembra ainda que estava no destino chegar um tempo em que o mar, a terra e os palácios do céu, tomados, arderiam e o mundo, in totum, pereceria, atacado. São devolvidos os dardos fabricados pelas mãos dos ciclopes: agrada um outro castigo, o gênero mortal sob as águas aniquilar e enviar chuvas provenientes de todo o céu. Logo fecha o Aquilão nas cavernas de Éolo e quantos ventos, leves que sejam, capazes de afugentar nuvens carregadas. E o Noto ele libera. O Noto gira nos ares com asas de água saturadas; vem coberto por escura névoa, o rosto terrível. Pesada pelas chuvas a barba. Pelos cabelos encanecidos flui a água. Névoas pousam-lhe na fronte e asas e peito gotejam. E quando, com sua vasta mão, premeu as nuvens pendentes, fez-se um estrondo e, do éter, então, desabam grossas chuvas. Íris, a mensageira de Juno, vestida de várias cores, colhe as águas e leva alimentos para as nuvens.
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fit fragor: hinc densi funduntur ab aethere nimbi. Nuntia Iunonis varios induta colores concipit Iris aquas alimentaque nubibus adfert. Sternuntur segetes et deplorata coloni vota iacent, longique perit labor inritus anni. Nec caelo contenta suo est Iovis ira, sed illum caeruleus frater iuvat auxiliaribus undis. Convocat hic amnes. Qui postquam tecta tyranni intravere sui, “non est hortamine longo nunc” ait “utendum. Vires effundite vestras: sic opus est! aperite domos ac mole remota fluminibus vestris totas inmittite habenas!” Iusserat; hi redeunt ac fontibus ora relaxant et defrenato volvuntur in aequora cursu. Ipse tridente suo terram percussit: at illa intremuit motuque vias patefecit aquarum. Exspatiata ruunt per apertos flumina campos cumque satis arbusta simul pecudesque virosque tectaque cumque suis rapiunt penetralia sacris. Siqua domus mansit potuitque resistere tanto indeiecta malo, culmen tamen altior huius unda tegit, pressaeque latent sub gurgite turres. Iamque mare et tellus nullum discrimen habebant: omnia pontus erant; deerant quoque litora ponto. Occupat hic collem, cumba sedet alter adunca et ducit remos illic, ubi nuper ararat, ille supra segetes aut mersae culmina villae navigat, hic summa piscem deprendit in ulmo. Figitur in viridi, si fors tulit, ancora prato, aut subiecta terunt curvae vineta carinae; et, modo qua graciles gramen carpsere capellae, nunc ibi deformes ponunt sua corpora phocae. Mirantur sub aqua lucos urbesque domosque Nereides, silvasque tenent delphines et altis incursant ramis agitataque robora pulsant.
12 O irmão azul de Júpiter é Netuno, cujos domínios se estendem também para os rios.
Colheitas deitam-se por terra, jazem lastimosos os votos do lavrador: perece inútil o trabalho de longo ano. A cólera de Júpiter não se limitou ao seu céu, e seu irmão azul12 ajuda-o com águas subsidiárias. Este convoca os rios e, depois de eles adentrarem a morada de seu rei, diz: — Agora não é o momento de uma longa exortação. Aumentai vossas forças! Assim é preciso! Abri vossas casas e, comportas abertas, soltai todas as rédeas para os vossos caudais! Tais foram as suas ordens. Os rios voltam e distendem as bocas das nascentes e, de curso desenfreado, rolam para as águas do mar. Ele próprio bateu com seu tridente na terra, que tremeu, e, graças ao movimento, abriu passagem para as águas. Fora do curso, os rios investem pelas planícies abertas e levam de roldão as árvores com as colheitas ao mesmo tempo que o gado e homens e palácios e santuários com seus objetos sagrados. Se uma casa permanece em pé e pode resistir intacta a tanto mal, uma onda mais alta, contudo, cobre seu telhado e as torres constringidas desaparecem sob o turbilhão. E mar e terra já não tinham nenhuma separação, tudo era mar, e também faltavam praias para o mar. Este ocupa uma colina, outro assenta-se sobre um barco recurvado e vai a remo para onde há pouco lavrava. Aquele navega sobre as colheitas ou sobre os telhados de sítios submersos; este apanha um peixe no alto de um olmo. Com sorte, a ancora prende-se a uma campina verde ou as quilhas recurvas amassam os vinhedos abaixo delas. Onde há pouco graciosas cabras pastaram a grama, agora focas disformes ali deitam seu corpo. Os lavradores olham com admiração para os bosques sob a água e cidades e casas e nereidas. Delfins ocupam as florestas e nadam por entre os altos ramos e batem contra tremulantes carvalhos. O lobo nada entre as ovelhas, a onda arrasta fulvos leões, arrasta tigres. E de suas forças de raio não tira proveito o javali, nem de suas pernas velozes o esquivo gamo. E, tendo por muito tempo buscado terra onde pousasse, cai no mar a ave errante de asas cansadas.
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Nat lupus inter oves, fulvos vehit unda leones, unda vehit tigres, nec vires fulminis apro, crura nec ablato prosunt velocia cervo. Quaesitisque diu terris, ubi sistere possit, in mare lassatis volucris vaga decidit alis. Obruerat tumulos inmensa licentia ponti, pulsabantque novi montana cacumina fluctus. Maxima pars unda rapitur; quibus unda pepercit, illos longa domant inopi ieiunia victu. Separat Aonios Oetaeis Phocis ab arvis, terra ferax, dum terra fuit, sed tempore in illo pars maris et latus subitarum campus aquarum. Mons ibi verticibus petit arduus astra duobus, nomine Parnasus, superantque cacumina nubes. Hic ubi Deucalion (nam cetera texerat aequor) cum consorte tori parva rate vectus adhaesit, Corycidas nymphas et numina montis adorant fatidicamque Themin, quae tunc oracla tenebat. Non illo melior quisquam nec amantior aequi vir fuit aut illa metuentior ulla deorum. Iuppiter ut liquidis stagnare paludibus orbem et superesse virum de tot modo milibus unum, et superesse videt de tot modo milibus unam, innocuos ambo, cultores numinis ambo, nubila disiecit nimbisque aquilone remotis et caelo terras ostendit et aethera terris. Nec maris ira manet, positoque tricuspide telo mulcet aquas rector pelagi supraque profundum exstantem atque umeros innato murice tectum caeruleum Tritona vocat conchaeque sonanti inspirare iubet fluctusque et flumina signo iam revocare dato. Cava bucina sumitur illi, tortilis, in latum quae turbine crescit ab imo, bucina, quae medio concepit ubi aera ponto, litora voce replet sub utroque iacentia Phoebo. Tunc quoque, ut ora dei madida rorantia barba contigit et cecinit iussos inflata receptus, omnibus audita est telluris et aequoris undis,
O imenso arrebatamento do mar cobrira as colinas e novas ondas tocavam os cumes das montanhas. A maior parte das pessoas foi arrastada pela água; aqueles a quem a onda poupou longos jejuns os venceram por causa da escassez de víveres. Enquanto foi terra, e terra fecunda, a Fócida separava os campos aônios dos eteus, mas naquele tempo constituía parte do mar e uma vasta planície de águas inesperadas. Ali, um monte escarpado, de nome Parnaso, se aproxima dos astros com dois vértices e os cumes superam as nuvens. Aqui parou Deucalião com sua companheira, transportado por uma pequena embarcação. Na verdade, o mar cobrira tudo o mais. Eles reverenciam as ninfas Corícidas e os numes do monte e a fatídica Têmis, que, então, era a senhora dos oráculos. Melhor que ele não houve qualquer outro homem, nem mais amante da justiça. Nem houve mais que ela mulher alguma temente dos deuses. Júpiter, tão logo viu o mundo estagnar-se em charcos e pântanos, e sobrarem um único homem apenas de tantos mil, e uma única mulher apenas de tantas mil, ambos sem qualquer culpa, ambos devotos da divindade, ele dispersou as nuvens e, com as chuvas removidas pelo Aquilão, mostrou não só as terras ao céu como também o éter às terras. Também não se mantém a ira do mar. Pondo de lado seu tridente, o mestre do oceano afaga as águas; chama o azul Tritão — sobrenadava ele o abismo das águas, ombros cobertos com púrpura da região — e manda-o soprar na concha soante para, dado o sinal, trazer imediatamente de volta as ondas e os rios. Cava trombeta, cuja espiral vai se alargando, empunha-a ele. Quando ela harmoniza os ares no meio do oceano, enche de som as mansas praias sob o caminho de Febo. Então, quando a trombeta tocou a boca do deus, ele, com sua úmida barba rórida e preenchida de ar, cantou a ordem de retirada, foi também ouvida por todas as águas da terra e do mar. E foi ouvida por essas águas e refreou-as todas.
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et quibus est undis audita, coercuit omnes. Iam mare litus habet, plenos capit alveus amnes, flumina subsidunt collesque exire videntur, surgit humus, crescunt loca decrescentibus undis, postque diem longam nudata cacumina silvae ostendunt limumque tenent in fronde relictum.
Já o mar tem seu litoral, o leito contém os rios cheios, os riachos baixam e as colinas parecem altear-se. Surge a terra. Baixando as águas, os solos crescem e, depois de um longo dia, as florestas mostram os topos das árvores desnudados, mantendo ainda o limo deixado nas frondes.
Redditus orbis erat. Quem postquam vidit inanem et desolatas agere alta silentia terras, Deucalion lacrimis ita Pyrrham adfatur obortis: “O soror, o coniunx, o femina sola superstes, quam commune mihi genus et patruelis origo, deinde torus iunxit, nunc ipsa pericula iungunt, terrarum, quascumque vident occasus et ortus, nos duo turba sumus; possedit cetera pontus. Haec quoque adhuc vitae non est fiducia nostrae certa satis; terrent etiam nunc nubila mentem. Quis tibi, si sine me fatis erepta fuisses, nunc animus, miseranda, foret? quo sola timorem ferre modo posses? quo consolante doleres? Namque ego (crede mihi) si te quoque pontus haberet, te sequerer, coniunx, et me quoque pontus haberet. O utinam possim populos reparare paternis artibus atque animas formatae infundere terrae! Nunc genus in nobis restat mortale duobus (sic visum superis) hominumque exempla manemus.”
O orbe estava de volta. Depois de que o viu deserto e que as terras desoladas silenciavam profundamente, Deucálion, as lágrimas brotando, assim diz a Pirra: — Ó irmã, ó esposa, ó mulher sobrevivente, única, que juntaram a mim uma mesma espécie e um parentesco paterno próximo. Depois do leito esponsal, agora os próprios perigos juntam. Nós dois somos a população da terra, aqueles, só, que são vistos pelo ocaso e pelo nascer do sol. O mar ocupa o resto. Também, até aqui a salvaguarda de nossa vida não é bastante certa. As nuvens a mente ainda aterrorizam. Com que ânimo estarias agora, ó infeliz, se pelos destinos tivesses sido roubada, sem minha companhia? De que modo poderias tu suportar, sozinha, o temor? Terias por quem te afligires — aquele que te tivesse consolado? Pois eu — acredita em mim! — se o mar também te tivesse roubado, eu te seguiria, ó minha esposa, e o mar também me roubaria. Ó, possa eu reparar os povos com as artes de meu pai13 e infundir sopro vital à terra formada! Em nós dois agora subsiste o gênero mortal. Assim pareceu aos súperos, e restamos protótipos de homens.
Dixerat, et flebant. Placuit caeleste precari numen et auxilium per sacras quaerere sortes. Nulla mora est: adeunt pariter Cephisidas undas, ut nondum liquidas, sic iam vada nota secantes. Inde ubi libatos inroravere liquores vestibus et capiti, flectunt vestigia sanctae ad delubra deae, quorum fastigia turpi pallebant musco stabantque sine ignibus arae. Ut templi tetigere gradus, procumbit uterque
Isso dissera ele. E choravam: o certo era fazer preces ao nume celeste, julgaram, e buscar ajuda por meio das sortes sagradas. Não tardou e juntos vão às águas do Céfiso; elas ainda não estão límpidas, mas eles vão assim vadeando os leitos já conhecidos. Então, tão logo rorejaram libações nas roupas e na cabeça, seus passos dirigiram para os templos da santa deusa14, cujos pontos mais altos se enxovalhavam de um torpe musgo e os altares restavam sem fogos. Bem quando tocaram os degraus do templo, arrojam-se vergados ambos ao solo e, temerosos, beijaram a pedra fria. E assim disseram:
13 Deucalião refere-se aos atos de Prometeu, criador do gênero humano. Hacquard (1996, p. 248) ensina que “uma lenda tardia apresenta-o [Prometeu] como o criador dos primeiros homens a partir da terra argilosa. Mas a Teogonia de Hesíodo apresenta-o somente como o benfeitor de uma humanidade já criada.” 14 Têmis, v. supra I.321.
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pronus humi gelidoque pavens dedit oscula saxo atque ita “si precibus” dixerunt “numina iustis victa remollescunt, si flectitur ira deorum, dic, Themi, qua generis damnum reparabile nostri arte sit, et mersis fer opem, mitissima, rebus.” Mota dea est sortemque dedit: “Discedite templo et velate caput cinctasque resolvite vestes ossaque post tergum magnae iactate parentis.”
A deusa comoveu-se e recomendou-lhes: — Afastai-vos do templo! Cobri a cabeça, soltai das roupas os cintos e por trás das costas lancem os ossos da grande mãe!
Obstipuere diu, rumpitque silentia voce Pyrrha prior iussisque deae parere recusat, detque sibi veniam pavido rogat ore, pavetque laedere iactatis maternas ossibus umbras. Interea repetunt caecis obscura latebris verba datae sortis secum inter seque volutant. Inde Promethides placidis Epimethida dictis mulcet et “aut fallax” ait “est sollertia nobis, aut pia sunt nullumque nefas oracula suadent. Magna parens terra est, lapides in corpore terrae ossa reor dici; iacere hos post terga iubemur.”
Por muito tempo estiveram perplexos. E Pirra, primeiro, rompe o silêncio com sua voz. Recusa seguir as recomendações da deusa, e roga-lhe, a boca vacilante, por perdão, pois ela teme, jogando os ossos, afrontar as sombras maternas. Enquanto isso, põem-se a repetir consigo as palavras do oráculo revelado, obscuras por causa dos segredos ocultos e, de si para si, refletem. Então o filho de Prometeu com palavras plácidas acalenta a filha de Epimeteu dizendo: — Ou é falho nosso entendimento, ou os oráculos são pios e não aconselham nenhum mal. A grande mãe é a terra: as pedras no corpo da terra julgo serem chamados os ossos. Atirá-las por trás das costas, eis o que nos ordenam.
Coniugis augurio quamquam Titania mota est, spes tamen in dubio est: adeo caelestibus ambo diffidunt monitis. Sed quid temptare nocebit? Discedunt velantque caput tunicasque recingunt et iussos lapides sua post vestigia mittunt. Saxa (quis hoc credat, nisi sit pro teste vetustas?) ponere duritiem coepere suumque rigorem mollirique mora mollitaque ducere formam. Mox ubi creverunt naturaque mitior illis contigit, ut quaedam, sic non manifesta, videri forma potest hominis, sed, uti de marmore coepta, non exacta satis rudibusque simillima signis. Quae tamen ex illis aliquo pars umida suco et terrena fuit, versa est in corporis usum; quod solidum est flectique nequit, mutatur in ossa; quae modo vena fuit, sub eodem nomine mansit;
Embora a Titânia15 tenha se impressionado pela interpretação do marido, sua esperança no entanto hesita: a esse ponto chegou a desconfiança nas recomendações celestes. Contudo, o que prejudicará tentar? Afastam-se. Cobrem a cabeça, soltam as túnicas. E, como lhes fora determinado, atiram as pedras atrás dos próprios passos. Não fosse o passar dos tempos por testemunha, quem acreditaria nisto? As pedras começaram a perder sua dureza e sua rigidez e, com o passar do tempo, a amolecer. E, uma vez amolecidas, começaram a mudar de forma. Depois, quando elas cresceram, tocou-lhes uma natureza mais doce, ainda que uma certa forma de homem pudesse ser entrevista — assim, em traços — mas não suficientemente acabada, como começada em mármore, muito semelhantes a rudes estátuas. Uma parte delas, porém, umedecida por algum sumo e feita de terra, verteuse na matéria do corpo; o que é sólido e não pode ser dobrado transformouse em ossos; o que há pouco veio fora, sob o mesmo nome permaneceu. E, em pouco tempo, por obra da divindade dos súperos, as pedras atiradas pelas mãos do homem formaram a face dos homens, e das pedras do lançamento
— Se os numes se abrandam, vencidos por preces justas, se a ira dos deuses se atenua, diz, ó Têmis, por meio de que arte seja reparável o dano de nossa espécie e, ó dulcíssima, faz algo por essas coisas submersas!
15 A Titânia aqui é Pirra, filha de Epimeteu e, portanto, neta de Jápeto.
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inque brevi spatio superorum numine saxa missa viri manibus faciem traxere virorum, et de femineo reparata est femina iactu. Inde genus durum sumus experiensque laborum et documenta damus qua simus origine nati. Python
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Cetera diversis tellus animalia formis sponte sua peperit, postquam vetus umor ab igne percaluit solis, caenumque udaeque paludes intumuere aestu, fecundaque semina rerum vivaci nutrita solo ceu matris in alvo creverunt faciemque aliquam cepere morando. Sic ubi deseruit madidos septemfluus agros Nilus et antiquo sua flumina reddidit alveo aetherioque recens exarsit sidere limus, plurima cultores versis animalia glaebis inveniunt, et in his quaedam modo coepta per ipsum nascendi spatium, quaedam inperfecta suisque trunca vident numeris; et eodem in corpore saepe altera pars vivit, rudis est pars altera tellus. Quippe ubi temperiem sumpsere umorque calorque, concipiunt, et ab his oriuntur cuncta duobus; cumque sit ignis aquae pugnax, vapor umidus omnes res creat, et discors concordia fetibus apta est. Ergo ubi diluvio tellus lutulenta recenti solibus aetheriis altoque recanduit aestu, edidit innumeras species, partimque figuras rettulit antiquas, partim nova monstra creavit. Illa quidem nollet, sed te quoque, maxime Python, tum genuit, populisque novis, incognite serpens, terror eras: tantum spatii de monte tenebas. Hunc deus arquitenens, et numquam talibus armis ante nisi in dammis capreisque fugacibus usus, mille gravem telis exhausta paene pharetra
feminino foi recomposta a mulher. Então, somos uma espécie dura e experiente nas lides e damos prova de qual origem nascemos.
Píton A terra, por iniciativa própria, gerou outros animais com formas diversas depois que a velha água se aqueceu sob o fogo do sol e a lama e os pântanos alagados incharam por causa do calor. E as fecundas sementes das criaturas16 nutridas em vivaz solo ou ventre de mãe tomaram alguma forma com o passar do tempo. Assim, quando o setênfluo Nilo abandonou os campos encharcados e levou de volta suas águas para o antigo leito e o limo recente secou por ação da estrela etérea17, os agricultores, revolvidas as glebas, encontraram vários animais. Nessas glebas veem alguns apenas começados, bem no momento de nascer, e veem alguns imperfeitos, truncados em suas partes essenciais. Frequentemente num mesmo corpo uma parte vive, outra parte é terra rude ainda. Pois ao atingirem o equilíbrio, água e calor passam a conceber, e todas as coisas nascem a partir desses dois. E mesmo quando o fogo esteja em luta com a água, o vapor úmido cria tudo: uma concórdia discordante é boa para a gênese. Assim, o dilúvio recente, quando a terra lodosa reaqueceu graças aos sóis etéreos e seu grande calor, ela gerou inúmeras espécies: quanto a uma parte, retomou suas antigas figuras; quanto a outra, criou novos monstros. Ela, embora não quisesse, também te gerou, ó máxima Píton, e, desconhecida serpente, para os novos povos eras o terror, tal era o espaço de que te apossavas da montanha. O deus arqueiro18, nunca antes tendo usado armas mortais senão contra corças e cabras em fuga, com o carcaz quase vazio, matou a fera funesta com mil dardos, o veneno a derramar-se por negras feridas. Para que o passar dos
16 Segundo Boxus e Poucet (2005), fecunda semina rerum “é a expressão de Lucrécio para designar os átomos”. 17 As cíclicas enchentes fertilizadoras do rio Nilo são conhecidas desde a Antiguidade. 18 Os atributos mais comuns de Apolo eram o arco e as flechas.
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perdidit effuso per vulnera nigra veneno. Neve operis famam posset delere vetustas, instituit sacros celebri certamine ludos, Pythia perdomitae serpentis nomine dictos. Hic iuvenum quicumque manu pedibusve rotave vicerat, aesculeae capiebat frondis honorem: nondum laurus erat, longoque decentia crine tempora cingebat de qualibet arbore Phoebus. Daphne
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Primus amor Phoebi Daphne Peneia, quem non fors ignara dedit, sed saeva Cupidinis ira. Delius hunc, nuper victa serpente superbus, viderat adducto flectentem cornua nervo “quid” que “tibi, lascive puer, cum fortibus armis?” dixerat, “ista decent umeros gestamina nostros, qui dare certa ferae, dare vulnera possumus hosti, qui modo pestifero tot iugera ventre prementem stravimus innumeris tumidum Pythona sagittis. Tu face nescio quos esto contentus amores inritare tua, nec laudes adsere nostras.”
Dafne, filha de Peneu, foi o primeiro amor de Febo. Gerou-o não a sorte descuidada, mas a ira cruel de Cupido. Soberbo com a vitória sobre a serpente, Délio há pouco vira-o curvando os arcos, a corda tensionada e dissera: — De que te vale, ó menino lascivo, andares com poderosas armas? Esses objetos convêm aos meus ombros, eu que, certeiro, posso ferir as feras, ferir o inimigo; eu que há pouco, com inúmeras setas, abati a gigantesca Píton, que atormentava tantos campos com seu ventre pestífero. Tu deves contentar-te em despertar não sei que amores com o teu facho; também, não deves reclamar para ti aplausos que são meus!
Filius huic Veneris “figat tuus omnia, Phoebe, te meus arcus:” ait “quantoque animalia cedunt cuncta deo tanto minor est tua gloria nostra.”
Responde-lhe o filho de Vênus: — Teu arco tudo traspassa, ó Febo, e o meu a ti. E o quanto todos os animais cedem a um deus, é a proporção do tanto quanto tua glória é menor que a minha. Disse e, abrindo os ares com as batidas de suas asas, o irrequieto deus pousou na umbrosa cidadela do Parnaso e da aljava sagitífera sacou dois dardos com serventias diversas: este repele o amor; aquele, conquista. O que conquista é dourado e brilha na ponta aguçada; o que repele é embotado e tem chumbo na haste. Este o deus cravou na ninfa peneia, e com aquele, atravessando-lhe os ossos, feriu as medulas de Apolo. Ele ama incontinente; ela, nos confins da floresta, a palavra amante evita, alegrando-se com os despojos das feras caçadas, êmula da inupta Febe.
Dixit et eliso percussis aere pennis inpiger umbrosa Parnasi constitit arce eque sagittifera prompsit duo tela pharetra diversorum operum: fugat hoc, facit illud amorem. 470 Quod facit, auratum est et cuspide fulget acuta; quod fugat, obtusum est et habet sub harundine plumbum. Hoc deus in nympha Peneide fixit, at illo laesit Apollineas traiecta per ossa medullas. Protinus alter amat, fugit altera nomen amantis
tempos não pudesse destruir a reputação da façanha, com um célebre certame Febo instituiu os jogos sagrados chamados píticos19, em razão do nome da serpente subjugada. Nestes jogos, qualquer jovem que vencesse com as mãos, os pés ou a roda, fazia jus à honra do ramo de carvalho. Ainda não existia o louro, e Febo cingia as têmporas dignas com uma longa ramagem colhida a uma árvore qualquer.
19 Sobre Apolo, Brandão (1986, v. II, p.96) ensina que “Deus das artes, da música e da poesia, é bom que se repita, as Musas jamais o abandonaram. Note-se, a esse respeito, que os jogos píticos, ao contrário dos olímpicos, cuja tônica eram os concursos atléticos, deviam seu esplendor sobretudo às disputas musicais e poéticas. Em Olímpia imperavam os músculos; em Delfos, as Musas.”
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silvarum tenebris captivarumque ferarum exuviis gaudens innuptaeque aemula Phoebes. Vitta coercebat positos sine lege capillos. Multi illam petiere, illa aversata petentes inpatiens expersque viri nemora avia lustrat, nec quid Hymen, quid Amor, quid sint conubia curat. Saepe pater dixit “generum mihi, filia, debes,” saepe pater dixit “debes mihi nata, nepotes:” illa, velut crimen taedas exosa iugales, pulchra verecundo suffunditur ora rubore, inque patris blandis haerens cervice lacertis “da mihi perpetua, genitor carissime,” dixit “virginitate frui: dedit hoc pater ante Dianae.” Ille quidem obsequitur, sed te decor iste quod optas esse vetat. Votoque tuo tua forma repugnat: Phoebus amat visaeque cupit conubia Daphnes, quodque cupit, sperat, suaque illum oracula fallunt. Utque leves stipulae demptis adolentur aristis, ut facibus saepes ardent, quas forte viator vel nimis admovit vel iam sub luce reliquit, sic deus in flammas abiit, sic pectore toto uritur et sterilem sperando nutrit amorem. Spectat inornatos collo pendere capillos et “quid, si comantur?” ait. Videt igne micantes sideribus similes oculos, videt oscula, quae non est vidisse satis; laudat digitosque manusque bracchiaque et nudos media plus parte lacertos. Siqua latent, meliora putat. Fugit ocior aura illa levi neque ad haec revocantis verba resistit: “Nympha, precor, Penei, mane! Non insequor hostis: nympha, mane! sic agna lupum, sic cerva leonem, sic aquilam penna fugiunt trepidante columbae, hostes quaeque suos: amor est mihi causa sequendi. Me miserum! ne prona cadas indignave laedi crura notent sentes et sim tibi causa doloris. Aspera, qua properas, loca sunt. Moderatius, oro, curre fugamque inhibe; moderatius insequar ipse. Cui placeas, inquire tamen. Non incola montis,
Uma fita prendia os cabelos mal arranjados. Muitos tentam dela se aproximar. Ela, impaciente, avessa a pretendentes e solteira, percorre bosques intransitáveis e não cuida do que seja Himeneu, do que seja Amor, não cuida do que sejam núpcias. O pai lhe diz muitas vezes: “um genro tu me deves, ó filha minha”. O pai lhe diz muitas vezes: “tu me deves netos, menina”. Ela, odiando as tochas conjugais como uma desonra, derramara no belo rosto um envergonhado rubor, ao pescoço do pai prendendo-se com carinhosos braços. — Dá-me fruir de uma virgindade perpétua, ó pai caríssimo — disse ela. Dera-lhe isso, antes, o pai de Diana. Peneu certamente concorda, mas isso que desejas ser, ó Dafne, o decoro proíbe e tua beleza recusa tua decisão. Febo apaixona-se e deseja sua união com a Dafne que vê, e aquilo que deseja ele espera. Seus próprios oráculos o enganam e, como as leves palhas queimam retiradas as espigas, como as sebes ardem com as tochas que um viajante por acaso ou aproximou demais ou abandonou ao nascer do sol, assim o deus em chamas vai-se embora, assim se abrasa em todo o seu peito e, esperando, ele nutre estéril amor. Ele observa os cabelos sem ornamentos penderem pelo pescoço e diz: — E se algum cuidado esses cabelos recebessem? Ele vê olhos cintilantes pelo fogo como fossem estrelas, vê a boca pequenina — não era o bastante tê-la visto. E elogia os dedos e as mãos e os braços e os antebraços nus até mais que a metade: imagina que seja melhor aquilo que escondem. Dafne foge mais rápida que a aura leve do ar e não para nem às palavras de quem a chama: — Ó ninfa, ó filha de Peneu, fica! Não te persigo como fosse eu um inimigo. Ó ninfa, fica! Assim a cordeira foge do lobo, assim a corça do leão, assim as pombas fogem da águia com a pena tremulante. Cada qual tem o seu inimigo: para mim o amor é a causa de eu te seguir! Pobre de mim! Não vás cair, na carreira. Ou os espinheiros não lhe marquem as pernas — elas não o merecem — e causa de dor eu não seja para ti. Ásperos são os locais por onde avanças. Eu peço, modera um pouco mais tua carreira, e inibe a fuga; mais moderadamente eu mesmo seguiria. Procura saber a quem agradas, no entanto: não sou um montanhês, não sou eu um pastor. Eu aqui
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non ego sum pastor, non hic armenta gregesque horridus observo. Nescis, temeraria, nescis quem fugias, ideoque fugis. Mihi Delphica tellus et Claros et Tenedos Patareaque regia servit, Iuppiter est genitor; per me quod eritque fuitque estque patet; per me concordant carmina nervis. Certa quidem nostra est, nostra tamen una sagitta certior, in vacuo quae vulnera pectore fecit. Inventum medicina meum est, opiferque per orbem dicor, et herbarum subiecta potentia nobis: ei mihi, quod nullis amor est sanabilis herbis nec prosunt domino, quae prosunt omnibus, artes.”
não guardo, rústico, animais e rebanhos. Não sabes, ó imprudente, não sabes de quem foges, por isso foges: a mim me servem as terras de Delfos, e Claros e Tênedos, e o reino de Pátara. Júpiter é meu pai; por intermédio de mim o que será, o que foi e o que é se mostram20; por intermédio de mim os poemas se compatibilizam às cordas21. Certeira é minha seta, mas mais certeira que a minha é uma seta somente que fez feridas no meu peito vazio. A medicina é invento meu, e pelo mundo chamam-me “o benfazejo”. O poder das plantas está a mim submetido. Pobre de mim, pois erva alguma remedia o amor e ao seu senhor não socorrem as artes que a todos socorrem!22
Plura locuturum timido Peneia cursu fugit cumque ipso verba inperfecta reliquit, tum quoque visa decens. Nudabant corpora venti, obviaque adversas vibrabant flamina vestes, et levis inpulsos retro dabat aura capillos, auctaque forma fuga est. Sed enim non sustinet ultra perdere blanditias iuvenis deus, utque monebat ipse Amor, admisso sequitur vestigia passu. Ut canis in vacuo leporem cum Gallicus arvo vidit, et hic praedam pedibus petit, ille salutem: alter inhaesuro similis iam iamque tenere sperat et extento stringit vestigia rostro, alter in ambiguo est, an sit conprensus, et ipsis morsibus eripitur tangentiaque ora relinquit: sic deus et virgo est hic spe celer, illa timore. Qui tamen insequitur pennis adiutus Amoris, ocior est requiemque negat tergoque fugacis inminet et crinem sparsum cervicibus adflat. Viribus absumptis expalluit illa citaeque victa labore fugae spectans Peneidas undas “fer pater” inquit “opem si flumina numen habetis. Qua nimium placui, mutando perde figuram!”
Falaria mais, mas a filha de Peneu foge em desabalada carreira e, por causa disso mesmo, abandona suas palavras inacabadas. E então ela também lhe pareceu formosa: os ventos desnudavam-lhe o corpo e uma aragem contrária batia as roupas para trás enquanto uma brisa leve impulsionava para trás os cabelos. Com a fuga cresce a beleza. Mas como o jovem deus não tolera mais lhe escapem todos aqueles encantos, segue-lhe os passos com andar apressado, como o próprio Amor aconselhava. É como um lebréu23 quando na planície descampada percebe uma lebre e, com os pés, um busca a presa e a outra a salvação. Um parece prestes ao golpe e espera de pronto capturá-la: morde-lhe os passos, hiante fauce. A outra não se sabe apanhada ou não: desnorteada, livrando-se daquelas próprias mordidas, escapa às mandíbulas quase a atingi-la. Assim, este deus é veloz por causa da esperança e aquela virgem por causa do temor. No entanto, quem persegue ajudado pelas asas do Amor é mais rápido e nega descanso: iminente às costas daquela que foge, ele assopra-lhe os cabelos espalhados pela nuca. Esgotadas as suas energias, ela empalidece e, vencida pelo esforço da rápida fuga, mirando as águas de Peneu, diz: — Ajuda-me, ó pai! Se, como os rios, tens poder divino, destroça a minha aparência, pela qual provoco tanto fascínio, mudando o que faz com que eu
20 Referência ao dom da divinação de Apolo. 21 Apolo era o deus da música. 22 Apolo era o inventor da medicina e Asclépio, seu filho. 23 Segundo Boxus et J. Poucet (2005) “a Gália tinha várias espécies particulares de cachorro, entre as quais os lebréis de que os romanos faziam muito caso (G. Lafaye)”.
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Vix prece finita torpor gravis occupat artus: mollia cinguntur tenui praecordia libro, in frondem crines, in ramos bracchia crescunt, pes modo tam velox pigris radicibus haeret, ora cacumen habet; remanet nitor unus in illa. Hanc quoque Phoebus amat, positaque in stipite dextra sentit adhuc trepidare novo sub cortice pectus conplexusque suis ramos, ut membra, lacertis oscula dat ligno: refugit tamen oscula lignum. Cui deus “at quoniam coniunx mea non potes esse, arbor eris certe” dixit “mea. Semper habebunt te coma, te citharae, te nostrae, laure, pharetrae: tu ducibus Latiis aderis, cum laeta triumphum vox canet et visent longas Capitolia pompas: postibus Augustis eadem fidissima custos ante fores stabis mediamque tuebere quercum, utque meum intonsis caput est iuvenale capillis, tu quoque perpetuos semper gere frondis honores.” Finierat Paean: factis modo laurea ramis adnuit utque caput visa est agitasse cacumen. Io. Argus. Syrinx
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Est nemus Haemoniae, praerupta quod undique claudit silva: vocant Tempe. Per quae Peneus ab imo effusus Pindo spumosis volvitur undis, deiectuque gravi tenues agitantia fumos nubila conducit summisque adspergine silvis inpluit et sonitu plus quam vicina fatigat. Haec domus, haec sedes, haec sunt penetralia magni amnis; in his residens facto de cautibus antro, undis iura dabat nymphisque colentibus undas. Conveniunt illuc popularia flumina primum, nescia, gratentur consolenturne parentem,
seja ferida. Apenas terminou a prece, um pesado torpor ocupa-lhe os membros. Seus seios delicados revestem-se de fina casca, os cabelos crescem em folhagem, em ramos os braços. O pé, há pouco tão veloz, prende-se por preguiçosas raízes. O rosto uma copa tem: permanece nela um brilho único24. Também nesse momento Febo a ama e, com a destra pousada no tronco, sente ainda pulsar o peito dela sob a nova pele. E abraçando com seus braços os ramos como se membros fossem, beija o tronco. Recusa, contudo, o tronco os seus beijos. O deus disse-lhe: — Mas quando não possas ser a minha esposa, serás a minha árvore, isso asseguro! Ó loureiro, nos cabelos sempre te trarei! E minhas cítaras sempre também e minhas aljavas. Tu estarás junto aos generais latinos, quando então o canto feliz entoar o triunfo e os Capitólios verão as amplas pompas. Nos umbrais augustos tu mesmo, guardião fidelíssimo, estarás ante as portas e defenderás esse carvalho central25. E como, por causa dos cabelos intonsos, minha cabeça é juvenil, tu também sempre há de levar às perpétuas honras da fronde26! Cessara Peão: com os ramos há pouco constituídos, o loureiro anuiu e pareceu ter agitado a copa como se sua cabeça fosse. Io. Argos. Sírinx Existe um bosque da Hemônia que a floresta escarpada fecha de todos os lados: chama-se Tempe. Por esse bosque, brotado das profundezas do Pindo, rola o Peneu com espumosas águas. E, com sua pesada queda, forma nuvens que fazem avançar tênues cerrações e faz chover gotículas, aspergindo os cimos da floresta; também, seu estrondo perturba para além dos recantos vizinhos. Esta é a casa, este é o local, este é o refúgio do grande rio que, residindo nesse antro feito de pedras, determinava o regime das águas e das ninfas das águas. Primeiro, os rios da região aí se reúnem, sem saber se parabenizam ou consolam o pai: o Espérquio rico em choupos, o irrequieto Enipeu, o velho Apidano, os ligeiros Anfrisos e Ea e logo outros rios que, com o ímpeto que os conduz, levam para o mar as águas cansadas daquela
24 Alusão ao característico brilho das folhas do loureiro. 25 A trave central, feita da dura madeira do carvalho. 26 Referência ao fato de que o loureiro, árvore de folhagem perene, não perde suas folhas no inverno.
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populifer Sperchios et inrequietus Enipeus Apidanusque senex lenisque Amphrysos et Aeas, moxque amnes alii, qui, qua tulit impetus illos, in mare deducunt fessas erroribus undas. Inachus unus abest imoque reconditus antro fletibus auget aquas natamque miserrimus Io luget ut amissam. Nescit, vitane fruatur, an sit apud manes; sed quam non invenit usquam. esse putat nusquam atque animo peiora veretur. Viderat a patrio redeuntem Iuppiter illam flumine et “o virgo Iove digna tuoque beatum nescio quem factura toro, pete” dixerat “umbras altorum nemorum” (et nemorum monstraverat umbras), “dum calet et medio sol est altissimus orbe. Quodsi sola times latebras intrare ferarum, praeside tuta deo nemorum secreta subibis, nec de plebe deo, sed qui caelestia magna sceptra manu teneo, sed qui vaga fulmina mitto. Ne fuge me!”—fugiebat enim. Iam pascua Lernae consitaque arboribus Lyrcea reliquerat arva, cum deus inducta latas caligine terras occuluit tenuitque fugam rapuitque pudorem. Interea medios Iuno despexit in agros et noctis faciem nebulas fecisse volucres sub nitido mirata die, non fluminis illas esse, nec umenti sensit tellure remitti; atque suus coniunx ubi sit circumspicit, ut quae deprensi totiens iam nosset furta mariti. Quem postquam caelo non repperit, “aut ego fallor, aut ego laedor” ait, delapsaque ab aethere summo constitit in terris nebulasque recedere iussit. Coniugis adventum praesenserat inque nitentem Inachidos vultus mutaverat ille iuvencam. Bos quoque formosa est. Speciem Saturnia vaccae, quamquam invita, probat, nec non et cuius et unde
instabilidade. Falta o Ínaco. É o único. Recôndito num antro profundo, por efeito de seu pranto suas águas aumenta. Misérrimo, chora a filha Io, desaparecida: não sabe se ela vive ou se está entre os manes. Mas não a encontra em lugar nenhum, ela não está em lugar nenhum, pensa, e teme as piores coisas em seu coração.
Júpiter a vira voltar do rio paterno e dissera: — Ó virgem digna de Júpiter, com cujo leito farias feliz a qualquer um. Aproxima-te das sombras dos bosques profundos (e mostrara a ela as sombras dos bosques) enquanto faz calor e o sol está altíssimo no meio do céu! Porque, se temes entrar sozinha nos esconderijos das feras, segura entrarás nas partes secretas dos bosques acompanhada por um deus. E não por um deus oriundo daqueles menores, mas eu, que porto na mão o grande cetro do céu; eu, que mando raios em qualquer direção. Não fujas de mim! Pois ela fugia. Abandonara já os pastos de Lerna e os campos lirceus semeados de árvores, quando o deus ocultou as largas terras espalhando cinzas e conteve a fuga e roubou-lhe o pudor. Enquanto isso, Juno espiou no meio de Argos e admirou-se de efêmeras névoas terem feito a face da noite em pleno dia. Admirou-se não serem elas do rio; também percebeu não terem sido devolvidas pela terra úmida. E olhou em volta onde estivesse seu esposo: ela já conhecia as infidelidades do marido27, como aquelas tantas vezes surpreendidas. Depois que não o viu no céu, diz: — Ou eu estou enganada ou estou sendo ultrajada. E, tendo descido do alto céu, parou na terra e mandou afastar as névoas. Pressentira ele a chegada da esposa e mudara a aparência da filha de Ínaco em uma reluzente novilha. Em forma bovina ela também era formosa. A filha de Saturno28, embora a contragosto, não deixa de reconhecer a beleza da vaca. E, como se se quisesse alheia à verdade, procura saber de quem é
27 Júpiter sempre foi muito infiel à sua esposa. Dentre as inúmeras amantes que teve, citam-se Alcmena, Europa, Leda e Sémele. 28 Juno, identificada com a deusa grega Hera, era filha de Saturno (Cronos).
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quove sit armento, veri quasi nescia quaerit. Iuppiter e terra genitam mentitur, ut auctor desinat inquiri. Petit hanc Saturnia munus. Quid faciat? crudele suos addicere amores, non dare suspectum est. Pudor est qui suadeat illinc, hinc dissuadet amor. Victus pudor esset amore; sed leve si munus sociae generisque torique vacca negaretur, poterat non vacca videri. Paelice donata non protinus exuit omnem diva metum timuitque Iovem et fuit anxia furti, donec Arestoridae servandam tradidit Argo. Centum luminibus cinctum caput Argus habebat: inde suis vicibus capiebant bina quietem, cetera servabant atque in statione manebant. Constiterat quocumque modo, spectabat ad Io: ante oculos Io, quamvis aversus, habebat. Luce sinit pasci; cum sol tellure sub alta est, claudit et indigno circumdat vincula collo. frondibus arboreis et amara pascitur herba, proque toro terrae non semper gramen habenti incubat infelix limosaque flumina potat. Illa etiam supplex Argo cum bracchia vellet tendere, non habuit, quae bracchia tenderet Argo, et conata queri mugitus edidit ore pertimuitque sonos propriaque exterrita voce est. Venit et ad ripas, ubi ludere saepe solebat, Inachidas ripas; novaque ut conspexit in unda cornua, pertimuit seque exsternata refugit. Naides ignorant, ignorat et Inachus ipse, quae sit; at illa patrem sequitur sequiturque sorores et patitur tangi seque admirantibus offert. Decerptas senior porrexerat Inachus herbas: illa manus lambit patriisque dat oscula palmis nec retinet lacrimas et, si modo verba sequantur, oret opem nomenque suum casusque loquatur.
29 Juno era irmã (socia generi) e esposa (socia tori) de Júpiter.
ela, de onde vinha e de qual rebanho era. Nascera da terra, mente Júpiter, para que a autora do inquérito desistisse. A filha de Saturno pede-a de presente: que fazer? Entregar seus amores é cruel; não dá-lo, suspeito: o Pudor o aconselha àquilo; o Amor dissuade-o disto. O Pudor seria vencido pelo Amor, mas, se a vaca fosse negada como simples presente à companheira de família e de leito29, poderia parecer não ser uma vaca. Entregue a amante, a deusa não abandonou logo todo o medo e temeu Júpiter e ficou à espera de um truque enquanto entregou a Argos, filho de Arestor, a bezerra para ser guardada. Argos tinha a cabeça cingida de cem olhos. Eles descansavam de dois em dois de cada sua vez; os outros ficavam de serviço e permaneciam a postos. Qualquer posição que tomasse e ele olhava para Io; mesmo de costas, ele tinha Io ante os olhos. Argos, com luz, permite-lhe pastar; quando o sol está sob a terra profunda, prende-a e passalhe, sem ela merecer, laços no pescoço. Ela pasta a folhagem das árvores e erva amarga. A infeliz, em vez de deitar-se num leito, fá-lo na terra nem sempre coberta de grama. Águas ela bebe limosas.
Como quisesse estender braços a Argos, ela, súplice, não teve braços que estendesse a Argos. E, tendo tentado queixar-se, lançou mugidos com a boca e temeu muito os sons. Estarreceu: sua própria voz! E às margens do Ínaco veio, onde costumava com frequência brincar e tendo visto logo novos chifres na água, temeu muito seu esgar e fugiu de volta, consternada consigo mesma. As náiades a ignoram, também o próprio Ínaco ignora quem seja ela; mas ela segue o pai e segue as irmãs e dá-se ao toque e se oferece àqueles que a fitam. O velho Ínaco lhe estende ervas colhidas: ela lambe-lhe as mãos e beija as palmas das mãos paternas. Não segura as lágrimas e, se de alguma maneira as palavras saíssem, ela pediria ajuda e diria seu nome e contaria sua história. Letras em vez de fala o casco representou-as no pó e expôs o triste indício de um corpo mudado.
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Littera pro verbis, quam pes in pulvere duxit, corporis indicium mutati triste peregit. 650
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“Me miserum!” exclamat pater Inachus inque gementis cornibus et niveae pendens cervice iuvencae “me miserum!” ingeminat, “tune es quaesita per omnes nata, mihi terras? tu non inventa reperta luctus eras levior. Retices nec mutua nostris dicta refers, alto tantum suspiria ducis pectore, quodque unum potes, ad mea verba remugis. At tibi ego ignarus thalamos taedasque parabam, spesque fuit generi mihi prima, secunda nepotum. De grege nunc tibi vir, nunc de grege natus habendus. Nec finire licet tantos mihi morte dolores, sed nocet esse deum, praeclusaque ianua leti aeternum nostros luctus extendit in aevum?” Talia maerentem stellatus submovet Argus ereptamque patri diversa in pascua natam abstrahit. Ipse procul montis sublime cacumen occupat, unde sedens partes speculatur in omnes. Nec superum rector mala tanta Phoronidos ultra ferre potest natumque vocat, quem lucida partu Pleias enixa est, letoque det imperat Argum. Parva mora est alas pedibus virgamque potenti somniferam sumpsisse manu tegimenque capillis. Haec ubi disposuit, patria Iove natus ab arce desilit in terras. Illic tegimenque removit et posuit pennas, tantummodo virga retenta est. Hac agit, ut pastor, per devia rura capellas, dum venit, adductas et structis cantat avenis. Voce nova captus custos Iunonius “at tu, quisquis es, hoc poteras mecum considere saxo,” Argus ait, “neque enim pecori fecundior ullo herba loco est, aptamque vides pastoribus umbram.”
— Pobre de mim! exclama o pai Ínaco. E, pendendo nos chifres do animal gemente e na nívea cerviz da bezerra, torna a dizer: — Pobre de mim! Não és tu a filha por mim procurada por todo o mundo? Tu procurada e não achada eras luto mais leve! Guardas silêncio e não referes palavra de volta às minhas, apenas conduzes suspiros do fundo do peito e, coisa única que podes, às minhas palavras um mugido devolves! Mas eu, sem saber, tálamos e tochas30 para ti preparava, e tu fostes minha esperança, primeira, de um genro para mim e, segunda, de um neto. Agora o marido de um rebanho virá; agora, um filho hás de ter e ele de um rebanho virá. E não me é permitido acabar tantas dores com a morte. Ao contrário, não é bom ser um deus e, fechada, a janela da morte estende nosso luto para a eternidade. Enquanto Ínaco se queixa de tais coisas, Argos estrelado leva a pastos diferentes a filha roubada ao pai. Ao longe, ocupando o alto pico de um monte, ele próprio, dali sentado, olha para todos os lados. O reitor dos súperos também não pode mais suportar tantos sofrimentos da Forônide, e chama o filho31 que a resplendente Plêiade32 deu à luz: desse Argos à morte ele ordena. A demora é pequena e recebeu asas para os pés, uma vara sonífera para sua potente mão e uma proteção para os cabelos. Apenas dispôs essas coisas, para a terra desce da casa paterna o filho de Júpiter. Ali não só tirou o chapéu como também retirou as asas; somente a vara foi mantida: com ela, como pastor, ele tange pelos campos afastados as cabritas que reunira enquanto chegava, e canta com flautas construídas por ele mesmo. O vigia de Juno foi cativado pela nova voz. Argos diz: — Mas tu, sejas quem fores, poderias sentar-te comigo nesta pedra, pois para o rebanho erva mais fecunda em local nenhum existe e não vês uma sombra melhor para os pastores.
30 Tálamos e tochas: O pai Ínaco sonhava com casamentos para a filha Io. 31 Trata-se, como se verá, do deus Mercúrio. 32 Maia é a mãe de Mercúrio.
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Sedit Atlantiades et euntem multa loquendo detinuit sermone diem iunctisque canendo vincere harundinibus servantia lumina temptat. Ille tamen pugnat molles evincere somnos et, quamvis sopor est oculorum parte receptus, parte tamen vigilat. Quaerit quoque (namque reperta fistula nuper erat), qua sit ratione reperta.
Senta-se o descendente de Atlas33 e, falando muitas coisas, deteve com sua palavra o dia que passava. E cantava com flautas de tubos ligados, tentando vencer os olhos vigilantes. No entanto, Argos luta por vencer o sono delicado e, embora o torpor dos olhos tenha se instalado em uma parte, a outra parte, contudo, vigia. Quer saber também — afinal a flauta de Pã era uma invenção recente — por qual razão tinha sido ela inventada. Então o deus diz:
Tum deus “Arcadiae gelidis in montibus” inquit “inter hamadryadas celeberrima Nonacrinas naias una fuit; nymphae Syringa vocabant. Non semel et satyros eluserat illa sequentes et quoscumque deos umbrosaque silva feraxque rus habet. Ortygiam studiis ipsaque colebat virginitate deam. Ritu quoque cincta Dianae falleret et posset credi Latonia, si non corneus huic arcus, si non foret aureus illi. Sic quoque fallebat. Redeuntem colle Lycaeo Pan videt hanc pinuque caput praecinctus acuta talia verba refert”—restabat verba referre et precibus spretis fugisse per avia nympham, donec harenosi placidum Ladonis ad amnem venerit. Hic illam cursum inpedientibus undis, ut se mutarent liquidas orasse sorores, Panaque, cum prensam sibi iam Syringa putaret, corpore pro nymphae calamos tenuisse palustres. Dumque ibi suspirat, motos in harundine ventos effecisse sonum tenuem similemque querenti. Arte nova vocisque deum dulcedine captum “hoc mihi concilium tecum” dixisse “manebit!“ atque ita disparibus calamis conpagine cerae inter se iunctis nomen tenuisse puellae.
— Sob os montes gélidos da Arcádia, entre as hamadríades nonácrinas, houve uma afamadíssima náiade: Sírinx as ninfas a chamam. Não apenas uma vez ela enganara sátiros perseguidores e todos os deuses da floresta umbrosa e do campo fértil. Ela própria cultuava a deusa ortígia34 dedicandolhe seus esforços e sua virgindade; também, por causa do ritual, cingida para Diana, ela enganaria e poderia se passar pela filha de Latona se o arco dela não fosse de chifre e o daquela não fosse de ouro. Assim, também enganava. Pã a vê voltando da colina do Liceu e com pinhas espinhosas cingindo-lhe a cabeça, diz-lhe tais palavras.
Talia dicturus vidit Cyllenius omnes succubuisse oculos adopertaque lumina somno. Supprimit extemplo vocem firmatque soporem
Restava ao deus referir as palavras de Pã e que, desprezadas suas preces, a ninfa fugira pelos campos intransitáveis até chegar à corrente plácida do arenoso rio Lado; e que, nesse local, com as águas impedindo-lhe a passagem, ela orara para suas líquidas irmãs a transformarem. E Pã, já presa a ele julgando Sírinx, em vez do corpo da ninfa obteve caniços palustres. E, enquanto ali suspira, ventos passando pelos caniços produziram um delicado som, similar ao lamento de alguém. E o deus, cativado pela nova arte e pela doçura da voz, disse: — Para mim, esta conversa contigo há de ser permanente. E, assim, deu o nome da menina aos caniços díspares ligados entre si com uma juntura de cera. Estando para dizer tais coisas, o deus de Cilene viu todos os olhos sucumbirem e, apertados esses olhos pelo sono, logo suprime a voz e firmalhe o sono roçando os olhos lânguidos com a varinha mágica35.
33 Mercúrio é neto de Atlas pelo lado materno. 34 “Deusa ortígia” refere-se a Diana. 35 Aquela mencionada uirgam somniferam. (I.671-2)
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languida permulcens medicata lumina virga. Nec mora, falcato nutantem vulnerat ense qua collo est confine caput, saxoque cruentum deicit et maculat praeruptam sanguine rupem. Arge, iaces, quodque in tot lumina lumen habebas, exstinctum est, centumque oculos nox occupat una. Excipit hos volucrisque suae Saturnia pennis collocat et gemmis caudam stellantibus inplet. Protinus exarsit nec tempora distulit irae horriferamque oculis animoque obiecit Erinyn paelicis Argolicae stimulosque in pectore caecos condidit et profugam per totum terruit orbem. Ultimus inmenso restabas, Nile, labori. Quem simul ac tetigit, positis in margine ripae procubuit genibus resupinoque ardua collo, quos potuit solos, tollens ad sidera vultus et gemitu et lacrimis et luctisono mugitu cum Iove visa queri finemque orare malorum. Coniugis ille suae conplexus colla lacertis, finiat ut poenas tandem, rogat “in” que “futurum pone metus” inquit; “numquam tibi causa doloris haec erit:” et Stygias iubet hoc audire paludes. Ut lenita dea est, vultus capit illa priores fitque quod ante fuit: fugiunt e corpore saetae, cornua decrescunt, fit luminis artior orbis, contrahitur rictus, redeunt umerique manusque, ungulaque in quinos dilapsa absumitur ungues: de bove nil superest formae nisi candor in illa. Officioque pedum nymphe contenta duorum erigitur metuitque loqui, ne more iuvencae mugiat, et timide verba intermissa retemptat. Phaethon Nunc dea linigera colitur celeberrima turba,
Sem demora, com um alfanje vulnera aquela criatura cambaleante onde a cabeça confina com o pescoço e, do alto de um penedo, joga a cabeça coberta de sangue, manchando com ele a rocha escarpada. “Ó Argos, estás jazente. A luz que tinhas em todos os olhos extinguiu-se, e uma única noite ocupa os cem olhos”. Satúrnia os recolhe e os acomoda na plumagem de sua ave36 e enche-lhe a cauda de gemas estreladas. Logo queimou-se e descanso não deu à ira: lançou a horrível Erínia aos olhos e ao ânimo da argólica concubina e fincou-lhe cegos aguilhões no peito, perseguindo a fugitiva por todo o orbe. Ó Nilo, frente ao imenso trabalho restavas último. Ela, mal te atingiu, pôs-se de joelhos em tua margem com o pescoço voltado para trás. Levou às altas estrelas o rosto — somente ele pode mover — e com gemido e lágrimas e lúgubre mugido pareceu queixar-se com Júpiter e pedir-lhe o fim de seus males. Ele, tendo enlaçado com seus braços o pescoço de sua esposa, pede que acabe enfim com as penas e diz: — Põe o medo no futuro: este motivo para a dor para ti nunca existirá! E ordena aos pântanos estígios37 lhe darem ouvidos. Logo que a deusa se acalmou, ela toma o aspecto antigo e torna-se a mesma de antes. Os pelos fogem do corpo, os chifres decrescem, as órbitas dos olhos estreitam-se, a carantonha se retrai, os ombros e as mãos voltam e o casco corroído se consome em cinco unhas. De boi nada resta àquela figura, a não ser o alvor. E a ninfa, contente em fazer uso de seus dois pés, ergue-se e teme falar: não fosse mugir como faz uma bezerra. E timidamente torna a tentar as palavras perdidas. Agora, deusa ilustríssima, é cultuada pela multidão dos que se vestem de linho38.
Faetonte Acredita-se que, enfim, Épafo foi gerado do sêmen do grande Júpiter.
36 O pavão é a ave consagrada a Juno: assim se explica sua plumagem multidesenhada e multicolorida à semelhança de olhos. 37 Sobre o juramento pelas regiões estígias v. I.189. 38 Os que se vestem de linho são os sacerdotes do Egito.
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nunc Epaphus magni genitus de semine tandem creditur esse Iovis, perque urbes iuncta parenti templa tenet. Fuit huic animis aequalis et annis Sole satus Phaethon. Quem quondam magna loquentem nec sibi cedentem Phoeboque parente superbum non tulit Inachides, “matri” que ait “omnia demens credis et es tumidus genitoris imagine falsi.” Erubuit Phaethon iramque pudore repressit et tulit ad Clymenen Epaphi convicia matrem; “quo” que “magis doleas genetrix,” ait “ille ego liber, ille ferox tacui. Pudet haec opprobria nobis et dici potuisse et non potuisse refelli. At tu, si modo sum caelesti stirpe creatus, ede notam tanti generis meque adsere caelo.” Dixit et inplicuit materno bracchia collo perque suum Meropisque caput taedasque sororum traderet oravit veri sibi signa parentis. Ambiguum, Clymene, precibus Phaethontis an ira mota magis dicti sibi criminis utraque caelo bracchia porrexit spectansque ad lumina solis “per iubar hoc” inquit “radiis insigne coruscis, nate, tibi iuro, quod nos auditque videtque, hoc te, quem spectas, hoc te, qui temperat orbem, Sole satum. Si ficta loquor, neget ipse videndum se mihi, sitque oculis lux ista novissima nostris. Nec longus patrios labor est tibi nosse penates: unde oritur, domus est terrae contermina nostrae. Si modo fert animus, gradere et scitabere ab ipso.” Emicat extemplo laetus post talia matris dicta suae Phaethon et concipit aethera mente, Aethiopasque suos positosque sub ignibus Indos sidereis transit patriosque adit inpiger ortus.
Pelas cidades ele tem templos junto aos templos da mãe. De natureza e idade muito próximas era Faetonte, gerado ele pelo Sol. Certa vez, o inácida não o suportou alardear coisas estupendas e que não cedia a ele em nada, soberbo porque seu pai era Febo. Disse-lhe Épafo: — Insano, acreditas em tua mãe em tudo e estás enfatuado pela imagem de um falso pai. Faetonte ficou rubro e por dignidade reprimiu a ira e levou até a mãe Clímene os insultos de Épafo. — Ó mãe, doa-te mais pelo seguinte: calei-me eu, aquele que se julga livre; eu, que me julgo feroz! Causou-me vergonha ser possível lançarem-se esses opróbrios contra nós e não se poderem desmentir. Mas tu, se de fato sou fruto de uma estirpe celeste, mostra-me um sinal de tamanha linhagem e me incorpora ao céu. Disse e aplicou os braços ao pescoço da mãe e, jurando por sua cabeça e a de Mérope, e pelos casamentos das irmãs, pediu para trazer-lhe sinais do verdadeiro pai. Clímene, não se sabe se movida pelas preces de Faetonte ou mais por causa da ira causada pelo crime a ela atribuído, ergueu os dois braços para o céu e, olhando para a luz do sol, diz: — Por este insigne brilho divino de raios refulgentes, o qual nos ouve e nos vê, ó filho, juro-te teres sido semeado por este Sol que observas e que te observa também, por este Sol que tempera o mundo. Se estou inventando, que ele próprio a mim negue vê-lo e esta luz seja a última para os meus olhos! E não é para ti um sofrimento demasiado conhecer os penates paternos. A casa onde nasce ele é vizinha à nossa terra: se realmente tens coragem, vai e procura saber dele próprio. Durante um tempo, Faetonte regozija-se, contente depois de tais palavras de sua mãe. E com a mente concebe paragens etéreas. Atravessa sua Etiópia e seu Indo, colocados sob fogos siderais, e vai diligente para junto do lugar onde seu pai nasceu. Tradução: Cláudio Aquati39, UNESP
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Vazo esta tradução numa linguagem compatível, creio, com a de jovens que porventura venham a interessar-se em conhecer as Metamorfoses, de Ovídio.
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Explico-me: não se trata de adaptação, mas de compatibilização de linguagens, de permitir que o texto de Metamorfoses seja lido (e talvez apreciado) já de uma primeira vez em que se debruce sobre esse texto importante da literatura antiga. Essa é uma grande preocupação, pois se temos grandes traduções em português (ainda que nem todas integrais), também nossos alunos têm experimentado grandes problemas se a primeira abordagem de Ovídio dá-se por intermédio de algumas delas: informar, neste caso, é preparar, educar uma parcela grande de universitários que pouco depois há de multiplicar entre seus futuros alunos essas mesmas posturas e, talvez, mudar certo estado de coisas de que constrange os estudos clássicos em nossas escolas e produz todo um desconhecimento da matéria. Serão moços e moças como meus alunos dos cursos de licenciatura em Letras: não são ainda profissionais mas podem vir a sê-lo. Profissionais como professores de língua e literatura, não grega ou latina, exatamente, mas de línguas e literatura modernas. E poderão ser pesquisadores ao mesmo tempo. Sinto-lhes o drama: pouquíssimo viram de literatura antiga até o curso médio, pouco verão no curso superior. Conhecer literatura grega e literatura latina certamente há de abrir-lhes horizontes, pois que nossas raízes ali estão (não posso fugir ao que constantemente se apregoa e em que igualmente acredito). Poderão, quando menos, entender como chegou até ali, no ponto de onde eles começam seus estudos, a literatura de base europeia. E mais útil que consultar manuais de literatura, descritivos, é debruçar-se no texto mesmo. Mas se o texto estiver em língua estrangeira, lícito será (e praticamente, no caso sobretudo do latim, forçoso) recorrer a uma tradução. Aqui entramos nós, tradutores, que vamos buscar reunir e recriar em língua portuguesa elementos que juntos e sistematizados em torno do texto latino de Metamorfoses dêem conta, parcialmente (sempre será importante frisar), da(s) mensagem(s) que recebemos oriundas do eu-poético ovidiano. Este texto tradutório empregará a prosa poética, com uma natureza léxica e sintática que seja ligeiramente diferente daquela a que esse aluno está acostumado a fazer uso, pois que pretendo mostrar-lhe variações da língua portuguesa com as quais ele amplie seus conhecimentos dela. Digo ligeiramente porque não desejo que, por minha responsabilidade esse aluno venha a desdenhar de Metamorfoses desde o início, já por causa da tradução inadequada por não ser palatável por quem, sendo muitas vezes até mesmo imaturo, necessita lê-la. Vou, como ensina Carvalho (2010, p.11), “submeter o português ao influxo da língua latina, com suas inversões sintáticas, sempre buscando de forma equilibrada o efeito de estranhamento próprio da linguagem literária em relação com linguagem ordinária e referencial, evitando, contudo, descair no absurdo de latinizar completamente o português”, muito embora não venha a construir uma tradução em versos, mas tendo em mente a clareza de Gonçalves (2011, p.111): “procuramos também sempre manter em nosso horizonte que nossa tradução deve, antes de mais nada, ser um poema em português, ainda que nossas escolhas por vezes se afastem das convenções literárias estabelecidas pela tradição poética em língua portuguesa”. É ler poesia, como indica o arguto recorte que faz Vieira (2006, p. 81) das ideias argutas de Haroldo de Campos a respeito de como um tradutor deve enxergar um poema (antigo): “Como HC diria em relação a Píndaro: «o tradutor é um homem datado e situado, que foi à busca de Píndaro não como um monumento glorioso, mas como um poeta de carne e osso, visto por alguém que só pode enfocá-lo pela ótica do presente».” Assim, como é mister entregar um poema (ainda que aqui somente mui pretensiosamente possa pensar-se tê-lo atingido, e em prosa) aos olhos desses moços que aqui situo, vou me servir de uma linguagem diferenciada em português com uma ordem de palavras às vezes inusual, que pode proporcionar uma certa elegância ao texto em português e recriar uma poeticidade na linguagem reconhecida pelo senso comum (passando esse reconhecimento, penso, pelo menos pela novidade estilística da escolha), um emprego parcimonioso de vocabulário precioso (e digo parcimonioso para que não se pense beirar o desentendimento), uso econômico de conjunções (e, proporcionalmente, o aumento do emprego de orações reduzidas), abundantes apostos, elipses numerosas do verbo ser, aqui e acolá o recurso a figuras de lingugem e ao discurso indireto livre, enfim, aplicando-se na prática tradutória uma linguagem que se sustente literária, dentro de meus limitados recursos de falante da língua portuguesa. Conhecido pelos alunos um texto tradutório em português relativo às Metamorfoses de Ovídio, penso ter colaborado para preencher uma lacuna em sua formação, com que já terei me sentido útil no campo do conhecimento. E se, mais tarde, esse aluno vier a buscar outras traduções (quiçá, mesmo, o texto em latim) para complementar aquilo que lhe foi apontado por este texto, então terá ocorrido uma dupla vitória. Aqui fala alto a reflexão de Vieira (2006, p.81) sobre Haroldo de Campos e seu trabalho tradutório com relação ao texto latino: “Partindo da relutante questão da intraduzibilidade da poesia, ou melhor, de textos criativos, HC serve-se dessa mesma premissa para dizer: «admitida a tese da impossibilidade em princípio da tradução de textos criativos (…) para nós, tradução de textos criativos será sempre recriação, ou criação paralela, autônoma porém recíproca.»” Eis, portanto, aquilo que chamo de avanço da criação: a aplicabilidade dela. Então fica claro que a intenção deste texto em português de Metamorfoses é didático-pedagógica. E, por causa disso, caso venha a lida por um douto especialista em línguas e literaturas clássicas que lhe aponha os reparos justos e precisos, minhas excusas já estão preparadas. Mas, se a intenção é didático-pedagógica, isso não significa que se aponte para um texto simplista, e, espero, tampouco simplório. Na tradução, respeitar-se-á muito rigorosamente no plano de expressão latino, as particularidades da linguagem e da estrutura do texto de Metamorfoses, sem contudo apenas constituir uma tradução que se caracterize de sentido, ou “tradução de serviço”, conforme situa Lima (1995, p.14). Não se “trata de fidelidade justalinear”, que causa abominação “pela idéia do tradutor-criador”, prática “que subsidia uma concepção de tradução palavra-por-palavra que desde Cícero vem sendo colocada em xeque” (Vieira, 2006, p.81), mas de seguir e poder seguir de perto o texto latino sem no entanto ser-lhe servil em português. Complementando a tradução, juntei-lhe algumas notas que focalizam questões culturais, sobretudo mitológicas (dado, é evidente, o material com que trabalha Ovídio) e podem promover um entendimento mais imediato do texto. É uma questão de ordem prática, na verdade, nestes tempos em que a internete contribui muito para uma pesquisa rápida dos mais diversos assuntos desenvolvidos por quaisquer textos. Na polêmica questão acerca da tradução de nomes próprios não ousei e me ative à prática comum que deles se faz, empregando a solução encontradiça sobretudo do dicionário de Ernesto Faria (Faria, 1994).
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Liber II Phaeton et Phoebus
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Regia Solis erat sublimibus alta columnis, clara micante auro flammasque imitante pyropo: cuius ebur nitidum fastigia summa tegebat, argenti bifores radiabant lumine valvae. Materiam superabat opus: nam Mulciber illic aequora caelarat medias cingentia terras, terrarumque orbem, caelumque quod inminet orbi. Caeruleos habet unda deos, Tritona canorum Proteaque ambiguum, balaenarumque prementem Aegaeona suis inmania terga lacertis, Doridaque et natas, quarum pars nare videtur, pars in mole sedens virides siccare capillos, pisce vehi quaedam: facies non omnibus una, non diversa tamen, qualem decet esse sororum. Terra viros urbesque gerit silvasque ferasque fluminaque et nymphas et cetera numina ruris. Haec super imposita est caeli fulgentis imago signaque sex foribus dextris totidemque sinistris. Quo simul acclivi Clymeneia limite proles venit et intravit dubitati tecta parentis, protinus ad patrios sua fert vestigia vultus consistitque procul: neque enim propiora ferebat lumina. Purpurea velatus veste sedebat in solio Phoebus claris lucente smaragdis. A dextra laevaque Dies et Mensis et Annus Saeculaque et positae spatiis aequalibus Horae Verque novum stabat cinctum florente corona, stabat nuda Aestas et spicea serta gerebat, stabat et Autumnus, calcatis sordidus uvis, et glacialis Hiems, canos hirsuta capillos. Inde loco medius rerum novitate paventem
40 Liga metálica de cobre e ouro.
Faeton e Febo O palácio do sol era alto com sublimes colunas, Claro com ouro reluzente e piropo40 imitando chamas: Seu nítido marfim cobria altos cumes, A porta dupla irradiava argênteo lume. A obra superava a matéria, pois Mulcíbero ali Gravara águas cingindo terras intermédias, O orbe terrestre e o céu sobranceiro ao orbi. O mar tem deuses marinhos, Tritão canoro E Proteu ambíguo, Egeão que aperta Com seus braços os dorsos enormes das baleias, Dóris e as filhas, uma parte das quais se vê nadar, Outra parte, sentando-se na rocha, secar os verdes cabelos, Algumas sendo levadas por peixes; nem todas têm uma só face, Contudo, não diferentes, como convém a irmãs. A terra produz homens e cidades, selvas e feras, Rios, ninfas e os demais numes do campo. Sobre tudo isso se impôs a imagem do céu fulgente, Seis signos na folha direita da porta e igual número na esquerda. Ali no ascendente limite, simultâneo o filho de Clímene chegou E adentrou a morada do duvidoso pai, Sem parar, leva seus passos ao alcance do olhar paterno E para à distância; de fato, não suportava mais de perto O clarão. Sentava-se velado de purpúrea veste Febo, em luzente trono de claras esmeraldas. À direita e à esquerda, Dia, Mês, Ano E séculos, também postas em iguais espaços Horas E a recente Primavera em pé cingida de florescente coroa, Em pé nu o Verão também trazia uma grinalda de espigas, Em pé também o Outono, sujo de uvas esmagadas, E o glacial Inverno, hirsuto de brancos cabelos. Dali do meio o Sol viu o jovem espantado pela novidade das coisas
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Sol oculis iuvenem, quibus adspicit omnia, vidit “quae” que “viae tibi causa? quid hac” ait “arce petisti, progenies, Phaethon, haud infitianda parenti?” 35
Ille refert “o lux inmensi publica mundi, Phoebe pater, si das usum mihi nominis huius nec falsa Clymene culpam sub imagine celat, pignera da, genitor, per quae tua vera propago credar, et hunc animis errorem detrahe nostris.”
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Dixerat: at genitor circum caput omne micantes deposuit radios propiusque accedere iussit; amplexuque dato “nec tu meus esse negari dignus es, et Clymene veros” ait “edidit ortus. Quoque minus dubites, quodvis pete munus, ut illud me tribuente feras. Promissis testis adesto dis iuranda palus, oculis incognita nostris.”
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Ele responde “ó luz pública do mundo imenso, Pai Febo, se me concedes o uso deste nome, Nem Clímene oculta sob falsa imagem, Concede, criador, penhor pelo qual eu seja julgado tua verdadeira descendência E afasta esta incerteza de nossos ânimos”. Dissera; mas o criador depôs os reluzentes raios que circundam Toda a cabeça e mandou-o vir mais perto. Tendo-lhe dado um abraço, diz “não é digno negar que és meu Nem que Clímene declarou tua verdadeira origem. Não duvides disso, pede o brinde que quiseres, para que o portes, Como meu presente. Seja testemunha às minhas promessas O pântano41, juramento dos deuses, incógnito a nossos olhos.”
Vix bene desierat, currus rogat ille paternos inque diem alipedum ius et moderamen equorum.
Mal acabara, o filho lhe roga o direito de conduzir por um dia O carro paterno de cavalos de pés alados.
Paenituit iurasse patrem. Qui terque quaterque concutiens inlustre caput “temeraria” dixit vox mea facta tua est. Utinam promissa liceret non dare! confiteor, solum hoc tibi, nate, negarem. Dissuadere licet. Non est tua tuta voluntas. Magna petis, Phaethon, et quae nec viribus istis munera conveniant nec tam puerilibus annis. Sors tua mortalis, non est mortale quod optas. Plus etiam, quam quod superis contingere possit, nescius adfectas. Placeat sibi quisque licebit, non tamen ignifero quisquam consistere in axe me valet excepto. Vasti quoque rector Olympi, qui fera terribili iaculatur fulmina dextra, non agat hos currus: et quid Iove maius habemus? Ardua prima via est et qua vix mane recentes enitantur equi: medio est altissima caelo,
Arrependeu-se de ter jurado o pai, que três e quatro vezes Sacudindo a luminosa cabeça disse “temerária, Tua fala fez a minha. Oxalá fosse lícito não conceder O prometido! Confesso que negaria somente isto a ti, filho. É lícito dissuadir. Não é segura a tua vontade. Faeton, pedes algo grande, que nem convém Às tuas forças, nem à tua pueril idade. Teu quinhão é mortal, não é mortal o que desejas. Ainda mais do que o que possa tocar aos deuses, Néscio, pretendes. Será lícito que cada um agrade a si, Contudo ninguém é capaz de se manter no ignífero eixo, exceto eu mesmo. Mesmo o condutor do vasto Olimpo, Que arremeça feros raios com a terrível dextra, Não conduziria este carro; e o que temos maior do que Júpiter? Árdua é a primeira via, pela qual a custo, de manhã despertos, Se esforçam os cavalos; no meio do céu é muitíssimo alta,
41 Estige.
Com os olhos com que todas as coisas olha, “Qual a causa para tua vinda? Que buscaste”, diz, “nesta fortaleza, Faeton, progênie que um pai não deve renegar?”
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unde mare et terras ipsi mihi saepe videre fit timor, et pavida trepidat formidine pectus. Ultima prona via est et eget moderamine certo: tunc etiam quae me subiectis excipit undis, ne ferar in praeceps, Tethys solet ipsa vereri. Adde quod adsidua rapitur vertigine caelum sideraque alta trahit celerique volumine torquet. Nitor in adversum, nec me, qui cetera, vincit impetus, et rapido contrarius evehor orbi. Finge datos currus: quid ages? poterisne rotatis obvius ire polis, ne te citus auferat axis? Forsitan et lucos illic urbesque deorum concipias animo delubraque ditia donis esse? per insidias iter est formasque ferarum. Utque viam teneas nulloque errore traharis, per tamen adversi gradieris cornua tauri Haemoniosque arcus violentique ora leonis saevaque circuitu curvantem bracchia longo scorpion atque aliter curvantem bracchia cancrum. Nec tibi quadrupedes animosos ignibus illis, quos in pectore habent, quos ore et naribus efflant, in promptu regere est: vix me patiuntur, ubi acres incaluere animi, cervixque repugnat habenis. At tu, funesti ne sim tibi muneris auctor, nate, cave, dum resque sinit, tua corrige vota. Scilicet ut nostro genitum te sanguine credas, pignera certa petis? do pignera certa timendo et patrio pater esse metu probor. Adspice vultus ecce meos; utinamque oculos in pectora posses inserere et patrias intus deprendere curas! Denique quidquid habet dives, circumspice, mundus, eque tot ac tantis caeli terraeque marisque posce bonis aliquid: nullam patiere repulsam. Deprecor hoc unum, quod vero nomine poena, non honor est: poenam, Phaethon, pro munere poscis. Quid mea colla tenes blandis, ignare, lacertis? ne dubita, dabitur (Stygias iuravimus undas)
42 Arco do Sagitário/Centauro, da Tessália. 43 Escorpião para leste, câncer para oeste.
De onde a mim mesmo frequentemente surge um temor Ao ver mar e terras, e meu peito se abala de pávido terror. A última é inclinada e carece de dirigibilidade certa; Mesmo quando ela me recebe em águas tranquilas, Tétis mesma costuma recear que eu seja levado precípite. Acresce que o céu é tomado de contínua vertigem E arrasta os altos astros e os gira em célere volta. Esforço-me em contrário, e o ímpeto, que vence os outros, não me vence E, contrário, sou levado pelo rápido orbe. Supõe que seja dado o carro; que farás? Poderás facilmente Ir, rodados os pólos, de modo que o movido eixo não te destrua? Talvez concebas na mente que ali há bosques e urbes De deuses e ricos santuários com oferendas? O caminho é por ciladas e formas de feras. Para que mantenhas a via e não sejas levado por algum erro, Contudo andarás para os cornos de touro adverso E arcos42 da Tessália e fauces de violento leão E escorpião curvando cruéis braços em longo circuito E câncer curvando os braços de outro modo43. Dirigir animosos quadrúpedes com aquelas chamas Que têm no peito e que sopram da boca e narinas, Não está a teu alcance; a custo me suportam, quando Ficam inflamados com ânimos ardentes e quando a cerviz repudia as rédeas. Mas tu, não seja eu autor de funesto brinde, Filho, acautela-te, enquanto a situação permite, corrige teu pedido. Naturalmente, para que creias seres tu gerado de nosso sangue, Pedes um penhor certo? Dou esse certo penhor pelo meu temor E provo ser teu pai pelo medo paterno. Olha meu rosto, Eis meus olhos; oxalá os pudesses inserir em meu peito E compreender os cuidados paternos dentro dele! Enfim o que quer que de rico tem o mundo, olha em volta, E de tantos e tamanhos bens do céu, da terra e do mar Pede algum: nenhuma recusa sofrerás. Renego apenas isto, porque é pena de verdadeiro nome, E não honra: uma pena, Faeton, pedes por brinde. Por que me abraças o colo com brandos braços, ignaro? Não duvides, darei (juramos pelas ondas estígias)
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quodcumque optaris: sed tu sapientius opta.”
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Finierat monitus: dictis tamen ille repugnat propositumque premit flagratque cupidine currus. Ergo qua licuit genitor cunctatus ad altos deducit iuvenem, Vulcania munera, currus. Aureus axis erat, temo aureus, aurea summae curvatura rotae, radiorum argenteus ordo; per iuga chrysolithi positaeque ex ordine gemmae clara repercusso reddebant lumina Phoebo. Dumque ea magnanimus Phaethon miratur opusque perspicit, ecce vigil nitido patefecit ab ortu purpureas Aurora fores et plena rosarum atria. Diffugiunt stellae, quarum agmina cogit Lucifer et caeli statione novissimus exit. Quem petere ut terras mundumque rubescere vidit cornuaque extremae velut evanescere lunae, iungere equos Titan velocibus imperat Horis. Iussa deae celeres peragunt, ignemque vomentes, ambrosiae suco saturos, praesepibus altis quadrupedes ducunt adduntque sonantia frena. Tum pater ora sui sacro medicamine nati contigit et rapidae fecit patientia flammae imposuitque comae radios, praesagaque luctus pectore sollicito repetens suspiria dixit:
Febo terminara as palavras de advertência; contudo o filho opunha-se a elas: Reafirma o propósito e arde de desejo do carro. Então cedeu ao desejo; tendo hesitado, o criador Conduz o jovem ao esplêndido carro, presente de Vulcano. Áureo era o eixo, o timão, áurea era a curvatura externa Da roda, argêntea era a ordem de raios; Pelos jugos de crisólito e de gemas postas em ordem, Claros lumes reluziam, tendo Febo refletido. Enquanto o magnânimo Faeton admira E observa essa obra, eis que, do nítido oriente, a vigilante Aurora abriu Purpúreas portas e átrios plenos de rosas. Dispersam-se as estrelas, cuja tropa Lúcifer impele E por último sai da região celeste. Quando viu Lúcifer aproximar-se da terra, o mundo erubescer-se, E os cornos extremos da lua se evanescerem, Titã manda as velozes Horas atrelar os cavalos. Céleres as deusas cumprem as ordens: conduzem do alto estábulo Os quadrúpedes que vomitam fogo, saciados de suco de ambrosia E acrescentam os ressoantes freios. Então o pai cobre o rosto de seu filho com sacro medicamento E o fez que suportasse as rápidas flamas; Impôs-lhe os raios da cabeleira, e retomando lamentações E pressagos suspiros do peito inquieto disse:
“Si potes his saltem monitis parere parentis, parce, puer, stimulis et fortius utere loris: sponte sua properant; labor est inhibere volentes. Nec tibi directos placeat via quinque per arcus: sectus in obliquum est lato curvamine limes, zonarumque trium contentus fine polumque effugit australem iunctamque aquilonibus arcton. Hac sit iter: manifesta rotae vestigia cernes. Utque ferant aequos et caelum et terra calores, nec preme nec summum molire per aethera currum. Altius egressus caelestia tecta cremabis,
“Se ao menos podes dar ouvidos a estes conselhos de pai, Poupa, filho, os açoites e usa as rédeas mais forte: Por sua vontade se apressam; trabalho é inibir que queiram apressar-se. Não é boa para ti a quinta44 via, direto pelos arcos: cortado em oblíquo é o limite de ampla curvatura contido no fim das três zonas, o que evita o polo Astral e a ursa junta aos aquilões. Esta via seja o caminho: distinguirás aparentes marcas da roda. Para que tanto o céu quanto a terra recebam calores iguais, Nem forces nem lances o carro muito alto pelo éter. Tendo ido muito alto, queimarás as moradas celestes,
44 Timeu 39d.
O que quer que escolheres: mas escolhe mais sabiamente.”
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inferius terras: medio tutissimus ibis. Neu te dexterior tortum declinet ad anguem, neve sinisterior pressam rota ducat ad aram: inter utrumque tene. Fortunae cetera mando, quae iuvet et melius quam tu tibi, consulat opto. Dum loquor, Hesperio positas in litore metas umida nox tetigit. Non est mora libera nobis: poscimur: effulget tenebris aurora fugatis. Corripe lora manu, vel, si mutabile pectus est tibi, consiliis, non curribus utere nostris, dum potes et solidis etiamnunc sedibus adstas dumque male optatos nondum premis inscius axes. Quae tutus spectes, sine me dare lumina terris!”
Muito baixo, as terras: irás muitíssimo seguro pelo meio. Nem o carro te incline mais à direita para a Serpente tortuosa Nem mais à esquerda te conduza ao Altar comprimido: Mantém-te entre ambos. À fortuna deixo o restante, Que ajude e, melhor do que tu, desejo te favoreça. Enquanto falo, a úmida noite alcançou as metas45 postas No litoral da Hespéria. Não temos tempo livre; Somos solicitados: a Aurora refulge nas trevas fugazes. Restringe as rédeas com a mão, ou, se tens o coração Mutável, usa nossos conselhos, não o carro, Enquanto podes e ainda estás em sólidos assentos E enquanto não tomas infelizmente, néscio, os desejados eixos. Contemples, seguro, as luzes, permite-me dá-las à terra!”
Occupat ille levem iuvenali corpore currum, statque super manibusque datas contingere habenas gaudet et invito grates agit inde parenti. Interea volucres Pyrois et Eous et Aethon, Solis equi, quartusque Phlegon, hinnitibus auras flammiferis implent pedibusque repagula pulsant. Quae postquam Tethys, fatorum ignara nepotis reppulit, et facta est inmensi copia caeli, corripuere viam pedibusque per aera motis obstantes scindunt nebulas pennisque levati praetereunt ortos isdem de partibus Euros.
Ele ocupa com juvenil corpo o leve carro, Em pé, se alegra de alcançar com as mãos as rédeas dadas E daí agradece ao constrangido pai. Enquanto isso os alados cavalos do Sol Piroente, Eous, Éthon E o quarto Flegonte, enchem o ar com relinchos Flamíferos e batem as barreiras com os pés. Depois que Tétis, ignorando o destino do neto46, As afastou, e surgiu a copiosa imensidão do céu, Tomaram o caminho pelo ar e com ágeis pés Cindem as obstantes nuvens e, elevados pelas asas, Ultrapassam os Euros oriundos das mesmas partes.
Sed leve pondus erat, nec quod cognoscere possent Solis equi, solitaque iugum gravitate carebat; utque labant curvae iusto sine pondere naves perque mare instabiles nimia levitate feruntur, sic onere adsueto vacuus dat in aera saltus succutiturque alte similisque est currus inani. Quod simulac sensere, ruunt tritumque relinquunt quadriiugi spatium, nec quo prius ordine currunt. Ipse pavet nec qua commissas flectat habenas, nec scit, qua sit iter; nec, si sciat, imperet illis. Tum primum radiis gelidi caluere triones
Mas era leve o peso, e os cavalos do Sol não poderiam Reconhecer porque o jugo carecia da costumeira gravidade; Como se abalam as recurvas naus sem o justo peso E, instáveis, são levadas pelo mar por excessiva leveza, Como com carga habitual, o carro dá saltos vácuos no ar E é sacudido ao alto, semelhante a um carro vazio. Ao mesmo tempo em que perceberam isso, arrojam-se e deixam O espaço calcado da quadriga, e por nenhuma disposição anterior correm. Ele mesmo está apavorado, nem para um lado vira as rédeas ajuntadas, Nem sabe para que lado seja o caminho; nem, se soubesse, ordenaria a eles. Então, primeiro, as gélidas Ursas
45 Colunas de Hércules. 46 Clímene é filha de Tétis.
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et vetito frustra temptarunt aequore tingi, quaeque polo posita est glaciali proxima serpens, frigore pigra prius nec formidabilis ulli, incaluit sumpsitque novas fervoribus iras. Te quoque turbatum memorant fugisse, Boote, quamvis tardus eras et te tua plaustra tenebant.
se aqueceram com os raios e tentaram alcançar em vão o vetado mar, E a Serpente, que foi posta próxima ao pólo glacial, Indolente de frio antes e não temível a alguém, Aqueceu-se e assumiu novas iras com o calor. Lembram também que tu fugiste perturbado, Boieiro, Apesar de que eras tardo, tua carreta também te retinha.
Ut vero summo despexit ab aethere terras infelix Phaethon penitus penitusque iacentes, palluit et subito genua intremuere timore, suntque oculis tenebrae per tantum lumen obortae. Et iam mallet equos numquam tetigisse paternos, iam cognosse genus piget et valuisse rogando, iam Meropis dici cupiens ita fertur, ut acta praecipiti pinus borea, cui victa remisit frena suus rector, quam dis votisque reliquit. Quid faciat? multum caeli post terga relictum, ante oculos plus est! animo metitur utrumque, et modo quos illi fatum contingere non est, prospicit occasus, interdum respicit ortus: quidque agat ignarus stupet et nec frena remittit nec retinere valet nec nomina novit equorum.
Na verdade quando o infeliz Faeton do mais alto éter avistou abaixo a terra que se estende muito profundamente, empalideceu e os joelhos tremeram de súbito temor, De tanta luz, trevas surgiram em seus olhos. E ora preferia nunca ter tocado os cavalos paternos, Ora lamenta ter conhecido sua origem e ter prevalecido rogando, Ora desejando ser dito filho de Mérope, como se diz; como barco Precipitado pelo Bóreas agitado, a que seu piloto largou Os vencidos freios e que deixou aos deuses e aos votos. Que deve fazer? Muito do céu foi deixado para trás, Ante os olhos mais há! Avalia refletindo uma e outra coisa, As quais deste modo para ele não há termo de alcançar, Avista ao longe o ocaso, enquanto volta o olhar ao oriente; sem saber o que faça, fica estupefato e nem larga os freios, Nem tem força para os reter, nem reconheceu os nomes dos cavalos.
Sparsa quoque in vario passim miracula caelo vastarumque videt trepidus simulacra ferarum. Est locus, in geminos ubi bracchia concavat arcus scorpius et cauda flexisque utrimque lacertis porrigit in spatium signorum membra duorum. Hunc puer ut nigri madidum sudore veneni vulnera curvata minitantem cuspide vidit, mentis inops gelida formidine lora remisit. Quae postquam summum tetigere iacentia tergum, exspatiantur equi, nulloque inhibente per auras ignotae regionis eunt, quaque impetus egit, hac sine lege ruunt altoque sub aethere fixis incursant stellis rapiuntque per avia currum. Et modo summa petunt, modo per declive viasque praecipites spatio terrae propiore feruntur. Inferiusque suis fraternos currere Luna
Vê também esparsos prodígios aqui e ali no variado céu E, assustado, simulacros de devastadoras feras. O local é o escorpião, quando arqueia os braços em gêmeos arcos, E a cauda, dobradas as pernas de um e outro lado, Estende-se no espaço, como partes de dois signos. Quando o garoto o viu, úmido de suor de negro veneno Ameaçando ferir com o ferrão curvado Atordoado de gélido terror, largou as rédeas. Depois que elas, soltas, tocaram-lhes o alto do dorso, Desembestam-se os cavalos, nada inibindo, vão Pelos ares de ignota região, por onde o ímpeto conduziu, Por ali correm, sem lei, e sob o alto éter se atiram Contra as estrelas fixas e arrastam o carro por ínvios caminhos. E ora buscam o alto, ora em declive e vias Precípites são levados no espaço mais perto da terra. A Lua se admira dos cavalos fraternos correr
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admiratur equos, ambustaque nubila fumant; corripitur flammis ut quaeque altissima, tellus fissaque agit rimas et sucis aret ademptis. Pabula canescunt, cum frondibus uritur arbor, materiamque suo praebet seges arida damno.
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Parva queror: magnae pereunt cum moenibus urbes, cumque suis totas populis incendia gentes in cinerem vertunt. Silvae cum montibus ardent, ardet Athos Taurusque Cilix et Tmolus et Oete et tum sicca, prius creberrima fontibus, Ide, virgineusque Helicon et nondum Oeagrius Haemus; ardet in inmensum geminatis ignibus Aetna Parnasusque biceps et Eryx et Cynthus et Othrys, et tandem nivibus Rhodope caritura, Mimasque Dindymaque et Mycale natusque ad sacra Cithaeron. Nec prosunt Scythiae sua frigora: Caucasus ardet Ossaque cum Pindo maiorque ambobus Olympus aeriaeque Alpes et nubifer Appenninus.
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Tum vero Phaethon cunctis e partibus orbem adspicit accensum nec tantos sustinet aestus, ferventesque auras velut e fornace profunda ore trahit currusque suos candescere sentit; et neque iam cineres eiectatamque favillam ferre potest calidoque involvitur undique fumo, quoque eat, aut ubi sit, picea caligine tectus nescit et arbitrio volucrum raptatur equorum. Sanguine tum credunt in corpora summa vocato Aethiopum populos nigrum traxisse colorem. Tum facta est Libye raptis umoribus aestu arida, tum nymphae passis fontesque lacusque deflevere comis: quaerit Boeotia Dircen, Argos Amymonen, Ephyre Pirenidas undas. Nec sortita loco distantes flumina ripas tuta manent: mediis Tanais fumavit in undis Peneusque senex Teuthranteusque Caicus
47 Fogo interno e externo.
Abaixo dos seus, e meio queimadas as nuvens fumam; O solo é arrasado pelas chamas, de modo que cada parte mais alta Fendeu-se, abriu rachaduras, e, tiradas as seivas, resseca. As pastagens encanecem, com as frondes arde a árvore, A árida colheita oferece matéria ao seu dano. Lamento coisas menores: grandes urbes perecem com muralhas E com sua população, incêndios vertem em cinza Todas as nações. Florestas ardem com os montes, Arde o Atos e o Tauro da Cilícia e o Tmolo e o Eta E então o seco Ida, antes muitíssimo abundante em fontes, E o Hélicon das virgens e o Hemo ainda não de Éagro; Arde imensamente o Etna com geminadas47 chamas E o Parnaso de dois cumes e o Érice e o Cinto e o Ótris, E finalmente o Ródope que há de carecer de neves e o Mimante E o Díndimo e o Mícale e o Citero nascido para o sagrado. Não será útil à Cítia seu frio: o Cáucaso arde E o Ossa com o Pindo e o Olimpo, maior do que ambos, E os aéreos Alpes e o nebuloso Apenino. Então Faeton olha o mundo de todas as partes Inflamado e não aguenta tamanho calor, E vapores ferventes como de profunda fornalha Aspira e sente seu carro incendiar-se; E já não pode suportar as cinzas e fagulha ejetada E é envolvido de todo lado por fumo ardente, Não sabe para onde vá ou onde esteja, encoberto de negra nuvem, É arrastado pelo arbítrio dos alados cavalos. Então crêem, tendo sido chamado à parte mais externa do corpo O sangue dos etíopes, que esses povos atraíram a cor negra. Então a Líbia tornou-se árida pelo calor, tendo sido levados seus humores, E as ninfas de cabeleira solta lamentaram fontes e lagos: A Beócia procura a fonte Dirce, Argos, a fonte Amimone, Éfire, as ondas de Pirene. Nem os rios que tiveram por sorte margens distantes por oposição Permanecem seguros: o Tânais fumou em meio às ondas E o velho Peneu e o Caíco de Teutrante
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et celer Ismenos cum Phegiaco Erymantho arsurusque iterum Xanthus flavusque Lycormas, quique recurvatis ludit Maeandrus in undis. Mygdoniusque Melas et Taenarius Eurotas. Arsit et Euphrates Babylonius, arsit Orontes Thermodonque citus Gangesque et Phasis et Hister. Aestuat Alpheus, ripae Spercheides ardent, quodque suo Tagus amne vehit, fluit ignibus aurum, et quae Maeonias celebrabant carmine ripas flumineae volucres, medio caluere Caystro. Nilus in extremum fugit perterritus orbem occuluitque caput, quod adhuc latet: ostia septem pulverulenta vacant, septem sine flumine valles. Fors eadem Ismarios Hebrum cum Strymone siccat Hesperiosque amnes Rhenum Rhodanumque Padumque, cuique fuit rerum promissa potentia, Thybrin. Dissilit omne solum, penetratque in Tartara rimis lumen et infernum terret cum coniuge regem. Et mare contrahitur, siccaeque est campus harenae quod modo pontus erat: quosque altum texerat aequor, exsistunt montes et sparsas Cycladas augent. Ima petunt pisces, nec se super aequora curvi tollere consuetas audent delphines in auras; corpora phocarum summo resupina profundo exanimata natant. Ipsum quoque Nerea fama est Doridaque et natas tepidis latuisse sub antris. Ter Neptunus aquis cum torvo bracchia vultu exserere ausus erat, ter non tulit aeris ignes. Alma tamen Tellus, ut erat circumdata ponto, inter aquas pelagi contractosque undique fontes, qui se condiderant in opacae viscera matris, sustulit oppressos collo tenus arida vultus opposuitque manum fronti magnoque tremore omnia concutiens paulum subsedit et infra quam solet esse fuit, siccaque ita voce locuta est:
48 Cisnes.
E o célere Ismeno com o Erimanto de Fégia E o Xanto que há de arder de novo e o louro Licormas, E o Meandro que brinca em recurvados meandros. E o migdônio Melas e o Eurotas do Tênaro. Ardeu também o Eufrates babilônio, ardeu o Orontes E o rápido Termodonte e o Ganges e o Fásis e o Istro. Arde o Álfeo, as margens do Espérquio ardem, E o Tejo leva em sua corrente o ouro, que flui por causa das chamas, E as aves48 do rio que festejavam com seu canto as margens meônias Inflamaram-se no meio do Caístro. O Nilo, aterrado, fugiu para o extremo do mundo E ocultou a nascente, que até aqui está oculta: sete embocaduras Poeirentas estão vazias, sete vales sem rio. A mesma sorte seca os Ísmaros: o Hebro com o Estrimão, E os rios Hespérios: o Reno, o Ródano e o Pó. E o Tibre, a quem o poder dos governos foi prometido. Divide-se todo o solo, e a luz penetra no Tártaro em fendas E aterra o rei do mundo inferior com sua esposa. O mar se contrai e é campo de areia seca O que há pouco era mar: os montes que a superfície do mar cobrira profundamente Ressurgem, e as Cíclades esparsas aumentam. Os peixes buscam a profundeza, e os curvos golfinhos Não ousam se elevar acima das águas, nos costumeiros voos; Corpos de focas estendidos de costas na superfície da profundeza Flutuam sem vida. Mesmo o próprio Nereu, diz-se, E Dóris e suas filhas esconderam-se no fundo de seus aquecidos antros. Três vezes Netuno, com aspecto ameaçador, Tentara tirar das águas os braços, três vezes não suportou os calores do ar. Contudo a Terra nutriz, como era circundada do oceano, Entre as águas do mar e as fontes contraídas, daqui e dali, Que se esconderam nas entranhas da sombria mãe, Levantou, ressequida até o pescoço, sua abatida vista, Opôs a mão à fronte e com grande tremor Sacudindo tudo, abaixou-se um pouco e foi abaixo Do que costuma ir e assim com voz seca falou:
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“Si placet hoc, meruique, quid o tua fulmina cessant, summe deum? liceat periturae viribus ignis igne perire tuo clademque auctore levare. Vix equidem fauces haec ipsa in verba resolvo” (presserat ora vapor): “tostos en adspice crines inque oculis tantum, tantum super ora favillae. Hosne mihi fructus, hunc fertilitatis honorem officiique refers, quod adunci vulnera aratri rastrorumque fero totoque exerceor anno, quod pecori frondes, alimentaque mitia, fruges, humano generi, vobis quoque tura ministro? Sed tamen exitium fac me meruisse: quid undae, quid meruit frater? cur illi tradita sorte aequora decrescunt et ab aethere longius absunt? Quodsi nec fratris nec te mea gratia tangit, at caeli miserere tui. Circumspice utrumque, fumat uterque polus. Quos si vitiaverit ignis, atria vestra ruent. Atlas en ipse laborat vixque suis umeris candentem sustinet axem. Si freta, si terrae pereunt, si regia caeli, in chaos antiquum confundimur. Eripe flammis, siquid adhuc superest, et rerum consule summae.” Dixerat haec Tellus: neque enim tolerare vaporem ulterius potuit nec dicere plura: suumque rettulit os in se propioraque manibus antra.
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At pater omnipotens, superos testatus et ipsum, qui dederat currus, nisi opem ferat, omnia fato interitura gravi, summam petit arduus arcem, unde solet nubes latis inducere terris, unde movet tonitrus vibrataque fulmina iactat. Sed neque quas posset terris inducere nubes tunc habuit, nec quos caelo demitteret imbres. Intonat et dextra libratum fulmen ab aure misit in aurigam pariterque animaque rotisque expulit et saevis compescuit ignibus ignes. Consternantur equi et saltu in contraria facto
“Se isto te parece bem e mereci, por que teus raios estão inativos, Ó sumo deus? Seja-me permitido, já que vou perecer pela força do fogo, Perecer por teu fogo e, tu sendo o autor, atenuar a ruína. Na verdade, a custo libero a garganta para estas mesmas palavras” (o vapor comprimira-lhe a boca): “olha, eis os cabelos tostados E as fagulhas nos olhos em tamanha quantidade, quanta na boca. São estes os frutos, esta é a honra de fertilidade E dever que me ofereces, porque trago feridas de adunco arado E de ancinhos e sou trabalhada todo o ano, Porque proporciono folhagens ao gado e doces alimentos, grãos Ao gênero humano, e a vós também incensos? Contudo faz-me receber a destruição que mereci; o que fez por merecer o mar, O que fez por merecer teu irmão: por que as águas entregues a ele por destino Decrescem e estão mais afastadas do éter? Porque, se nem o agradecimento de teu irmão nem o meu te toca, Ao menos tem misericórdia de teu céu. Fuma um e outro pólo. Os quais se o fogo corromper, Vossos átrios ruirão. Eis que o próprio Atlas esforça-se E a custo sustem o eixo candente em seus ombros. Se o ímpeto do mar e a terra perecem, e os palácios do céu, Somos atirados ao caos antigo. Arranca das chamas, Se até aqui algo sobra, e vela pela mais importante das coisas.” Dissera estas coisas a Terra; e então nem pôde suportar o vapor Mais tempo, nem dizer mais. Retraiu Em si o rosto e para os antros mais próximos aos manes. Mas o pai onipotente, tendo invocado como testemunhas os deuses e o mesmo Que dera o carro: se não levasse ajuda, tudo por grave destino Haveria de perecer, busca, árduo, a mais alta cidadela, De onde costuma conduzir nuvens sobre amplas regiões, De onde move trovões e lança vibrantes raios. Mas então considerou: nem poderia conduzir algumas nuvens sobre regiões nem deixar cair do céu alguma chuva. Troveja e com a destra lança, pelo lado da orelha, balanceado raio No auriga; e ao mesmo tempo expulsou-o da vida e do carro E com cruel fogo fez cessar o fogo. Espantaram-se os cavalos e, tendo dado um salto em contrário,
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colla iugo eripiunt abruptaque lora relinquunt. Illic frena iacent, illic temone revulsus axis, in hac radii fractarum parte rotarum, sparsaque sunt late laceri vestigia currus. At Phaethon rutilos flamma populante capillos, volvitur in praeceps longoque per aera tractu fertur, ut interdum de caelo stella sereno etsi non cecidit, potuit cecidisse videri. Quem procul a patria diverso maximus orbe excipit Eridanus fumantiaque abluit ora. Naides Hesperiae trifida fumantia flamma corpora dant tumulo, signant quoque carmine saxum:
HIC SITUS EST PHAETHON, CURRUS AURIGA PATERNI: QUEM SI NON TENUIT, MAGNIS TAMEN EXCIDIT AUSIS.
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Nam pater obductos, luctu miserabilis aegro condiderat vultus: et, si modo credimus, unum isse diem sine sole ferunt: incendia lumen praebebant aliquisque malo fuit usus in illo.
At Clymene postquam dixit quaecumque fuerunt in tantis dicenda malis, lugubris et amens et laniata sinus totum percensuit orbem, exanimesque artus primo, mox ossa requirens repperit (ossa tamen peregrina condita ripa!), incubuitque loco nomenque in marmore lectum perfudit lacrimis et aperto pectore fovit. Nec minus Heliades lugent et inania morti munera dant lacrimas, et caesae pectora palmis non auditurum miseras Phaethonta querellas nocte dieque vocant adsternunturque sepulcro. Luna quater iunctis implerat cornibus orbem: illae more suo (nam morem fecerat usus) plangorem dederant. E quis Phaethusa, sororum
Livraram os pescoços do jugo e deixaram as rédeas quebradas. Ali jazem os freios, ali o eixo revolto com o temão, Nesta parte os raios das rodas quebradas E estão espalhados ao largo vestígios do carro dilacerado. No entanto Faeton, uma chama devastando-lhe os rútilos cabelos, revolve-se precípite e em longo traço pelos ares É levado, como quando uma estrela Mesmo que não caiu, pode parecer ter caído do céu sereno. Que o Erídano, o maior49, recebeu longe da pátria, em outro50 hemisfério E lavou-lhe o rosto esfumaçante. as Náiades da Hespéria dão o corpo esfumaçante pela chama51 de três pontas Ao túmulo e assinalam a pedra com este ritmo:
AQUI ESTÁ POSTO FAETON, AURIGA DO CARRO PATERNO QUE, SE NÃO O MANTEVE, MORREU CONTUDO COM GRANDE AUDÁCIA.
De fato, o pai tinha ocultado o carregado semblante, deplorável pelo luto infeliz; E, se apenas cremos, dizem que um só Dia ter ido sem o sol. Os incêndios ofereciam luz, E naquele mal alguém se serviu deles. Mas Clímene, depois que disse o que quer que deva Ser dito em tamanhos males, de luto e fora de si, Tendo dilacerado o seio, passou em revista todo o orbe, Buscando o corpo exânime, e logo encontrou os ossos (contudo os ossos foram sepultados em margem estrangeira!) Atirou-se no local e afundou o nome lido no mármore Com lágrimas e de peito aberto o acalentou. Não menos lamentam as Helíades e vertem lágrimas Como exéquias inúteis ao morto e, feridas nos peitos com as mãos, Invocam Faeton que não haverá de ouvir as infelizes queixas Noite e dia e se estendem junto ao sepulcro. Quatro vezes a Lua tinha completado seu disco, partindo do crescente: Elas, por um costume seu (pois o uso fizera um costume), Tinham pranteado. Faetusa, uma das irmãs,
49 Rio Pó. 50 Faeton é da Etiópia, hemisfério sul. 51 Raio.
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maxima, cum vellet terra procumbere, questa est deriguisse pedes. Ad quam conata venire candida Lampetie subita radice retenta est. Tertia cum crinem manibus laniare pararet, avellit frondes; haec stipite crura teneri, illa dolet fieri longos sua bracchia ramos. Dumque ea mirantur, complectitur inguina cortex, perque gradus uterum pectusque umerosque manusque ambit et exstabant tantum ora vocantia matrem. Quid faciat mater, nisi, quo trahat impetus illam, huc eat atque illuc, et, dum licet, oscula iungat? Non satis est; truncis avellere corpora temptat, et teneros manibus ramos abrumpit; at inde sanguineae manant, tamquam de vulnere, guttae. “Parce, precor, mater”, quaecumque est saucia, clamat, “parce, precor: nostrum laceratur in arbore corpus. iamque vale” —cortex in verba novissima venit. Inde fluunt lacrimae, stillataque sole rigescunt de ramis electra novis, quae lucidus amnis excipit et nuribus mittit gestanda Latinis.
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Adfuit huic monstro proles Stheneleia Cycnus, qui tibi materno quamvis a sanguine iunctus, mente tamen, Phaethon, propior fuit. Ille relicto (nam Ligurum populos et magnas rexerat urbes) imperio ripas virides amnemque querellis Eridanum implerat silvamque sororibus auctam, cum vox est tenuata viro, canaeque capillos dissimulant plumae, collumque a pectore longe porrigitur, digitosque ligat iunctura rubentes, penna latus velat, tenet os sine acumine rostrum. Fit nova Cycnus avis, nec se caeloque Iovique credit, ut iniuste missi memor ignis ab illo: stagna petit patulosque lacus, ignemque perosus quae colat elegit contraria flumina flammis. Squalidus interea genitor Phaethontis et expers
52 Transformadas em árvores.
A mais velha, como quisesse prosternar-se no chão, queixou-se De os pés enrijecer-se. Tendo tentado chegar a ela, A cândida Lampécia foi retida por súbita raiz. A terceira, como se preparasse para arrancar os cabelos com as mãos, Arranca folhagens; esta aflige-se pelas pernas tornar-se branda haste, Aquela por seus braços tornar-se longos ramos. Enquanto se espantam com isso, uma casca envolve a virilha, E gradualmente alcança o ventre, o peito, os ombros e as mãos E sobrava apenas a boca chamando a mãe. Que pode fazer a mãe, senão ir aqui e ali, aonde o ímpeto a leve E, enquanto pode, dar-lhes beijos? Não é suficiente; tenta arrancar seus corpos dos troncos E rompe os brandos ramos com as mãos; mas daí Gotas de sangue manam, como de ferimento. “Poupa-nos, imploro, mãe”, cada uma delas está ferida, clama, “Poupa-nos, imploro: nosso corpo se lacera em árvore. Então, adeus” – a casca chega às últimas palavras. Daí fluem lágrimas, as gotas de âmbar se enrijecem ao sol Destiladas dos novos ramos, as quais o lúcido rio Recebe e envia às jovens latinas, havendo-lhes de ser adorno. Presenciou a este prodígio Cisne, o filho de Estênelo, Que te era próximo, ainda que por sangue materno, Contudo foi mais próximo em espírito, Faeton. Ele, tendo sido deixado o mando, (pois reinara sobre povos e grandes cidades da Ligúria) Enchera de lamentos as verdes margens, o rio Erídano e a mata aumentada por tuas irmãs52, Quando a voz foi-lhe diminuída, brancas plumas Dissimulam os cabelos, o pescoço se alonga bastante Do peito, uma juntura liga os dedos enrubescidos, Penas revestem-lhe os flancos, a boca tem um bico sem ponta. Cisne torna-se uma nova ave, mas não se confia no céu nem em Júpiter, Porque se lembra do fogo enviado injustamente por ele: Busca lagos e vastos reservatórios, odiando o fogo, Escolheu as águas para habitar, contrárias às chamas. Enquanto isso, o pai de Faeton, horrível e fora
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ipse sui decoris, qualis, cum deficit orbem, esse solet, lucemque odit seque ipse diemque, datque animum in luctus; et luctibus adicit iram officiumque negat mundo. “Satis” inquit “ab aevi sors mea principiis fuit inrequieta, pigetque actorum sine fine mihi, sine honore, laborum. Quilibet alter agat portantes lumina currus! Si nemo est omnesque dei non posse fatentur, ipse agat ut saltem, dum nostras temptat habenas, orbatura patres aliquando fulmina ponat. Tum sciet, ignipedum vires expertus equorum, non meruisse necem, qui non bene rexerit illos.” Talia dicentem circumstant omnia Solem numina, neve velit tenebras inducere rebus, supplice voce rogant: missos quoque Iuppiter ignes excusat precibusque minas regaliter addit. Conligit amentes et adhuc terrore paventes Phoebus equos stimuloque dolens et verbere saevit: saevit enim, natumque obiectat et imputat illis. Callisto
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At pater omnipotens ingentia moenia caeli circuit et ne quid labefactum viribus ignis corruat explorat. Quae postquam firma suique roboris esse videt terras hominumque labores perspicit. Arcadiae tamen est impensior illi cura suae: fontes et nondum audentia labi flumina restituit dat terrae gramina, frondes arboribus, laesasque iubet revirescere silvas. Dum redit itque frequens, In virgine Nonacrina haesit et accepti caluere sub ossibus ignes. Non erat huius opus lanam mollire trahendo nec positu variare comas; ubi fibula vestem, vitta coercuerat neglectos alba capillos, et modo leve manu iaculum, modo sumpserat arcum, miles erat Phoebes: nec Maenalon attigit ulla gratior hac Triviae. Sed nulla potentia longa est.
Ele mesmo de seu decoro, qual, quando abandona o mundo, Costuma ser, ele odeia a luz, a si e o dia, E dispõe seu ânimo ao luto; aos lamentos acresce a ira E nega ao mundo o seu ofício. “Basta” diz “desde o princípio do tempo Minha sorte foi sem repouso, enfado-me dos Atos sem fim para mim, dos trabalhos sem recompensa. Um outro qualquer conduza o carro que porta a luz! Se ninguém há, e todos os deuses confessam não poder, Ele próprio conduza, para que, pelo menos enquanto experimenta nossas rédeas, Deponha alguma vez os raios que hão de privar os pais. Então saberá, tendo experimentado as forças dos cavalos de pés de fogo, Que não merecia a morte aquele que não os dirigiu bem.” Tais coisas dizendo, todos os numes cercam o Sol, Que ele não queira levar trevas às coisas, Rogam com voz súplice: mesmo Júpiter justifica-se E às preces adiciona, como rei, ameaças. Febo recolhe os cavalos atordoados e até aqui aterrorizados de medo E, causando dor com irritação, os maltrata com o açoite: Maltrata de fato, repreende-os pelo filho e imputa-lhes sua morte. Calisto Mas o pai onipotente percorre em torno das ingentes fortificações do céu E as examina para que nada desabe abalado pela força do fogo. Depois que as vê firmes e que estão em sua robustez, Observa as terras e os labores dos homens. Contudo o cuidado de sua Arcádia é mais caro para ele: Restitui fontes e rios que ainda não ousam correr E dá à terra relva, folhagens Às árvores, e ordena que os bosques prejudicados reverdeçam. Enquanto vai e vem cuidadoso, detém-se em uma virgem nonácrina, e agradável fogo inflamou-lhe os ossos. Não era trabalho dela amaciar a lã puxando-a nem por disposição variar a cabeleira; quando apertara a veste com fivela, os cabelos negligenciados com alva fita, e tomara com a mão ora o leve dardo, ora o arco, era um soldado de Febe: nenhuma ninfa mais grata à Trívia do que esta Alcançou o Mênalon. Mas nenhum domínio é longo.
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Ulterius medio spatium sol altus habebat, cum subit illa nemus, quod nulla ceciderat aetas. Exuit hic umero pharetram lentosque retendit arcus, inque solo, quod texerat herba, iacebat et pictam posita pharetram cervice premebat. Iuppiter ut vidit fessam et custode vacantem, “hoc certe furtum coniunx mea nesciet” inquit, “aut si rescierit sunt o sunt iurgia tanti.” Protinus induitur faciem cultumque Dianae atque ait: “O comitum, virgo, pars una mearum, in quibus es venata iugis?” De caespite virgo se levat et “salve numen, me indice”, dixit “audiat ipse licet maius Iove.” Ridet et audit, et sibi praeferri se gaudet et oscula iungit nec moderata satis nec sic a virgine danda. Qua venata foret silva, narrare parantem impedit amplexu, nec se sine crimine prodit. Illa quidem contra, quantum modo femina possit (adspiceres utinam, Saturnia: mitior esses!), illa quidem pugnat: sed quem superare puella, quisve Iovem poterat? — Superum petit aethera victor Iuppiter: huic odio nemus est et conscia silva. Unde pedem referens paene est oblita pharetram tollere cum telis et quem suspenderat arcum. Ecce, suo comitata choro Dictynna per altum Maenalon ingrediens et caede superba ferarum adspicit hanc visamque vocat: clamata refugit, et timuit primo, ne Iuppiter esset in illa. Sed postquam pariter nymphas incedere vidit, sensit abesse dolos numerumque accessit ad harum. Heu quam difficile est crimen non prodere vultu! Vix oculos attollit humo, nec, ut ante solebat, iuncta deae lateri, nec toto est agmine prima, sed silet et laesi dat signa rubore pudoris; et nisi quod virgo est poterat sentire Diana mille notis culpam; nymphae sensisse feruntur. Orbe resurgebant lunaria cornua nono,
O Sol, alto, tinha passado além da metade, Quando ela adentra um bosque, que nenhuma idade tinha rebaixado. Aí tira do ombro a aljava e afrouxa o maleável Arco, e deitava-se no solo que a erva cobrira E comprimia a ornada aljava com a nuca reposta. Quando Júpiter a viu fatigada e livre de vigilância, “Certamente desta cilada minha esposa não saberá” diz, “ou, se vier a saber, as contendas são ó são de tanta importância!” Em seguida se investe do aspecto e do hábito de Diana E diz: “Ó virgem, parte única de minhas companheiras, Em quais montes andaste à caça?” A virgem se levanta Da relva e disse “salve nume, presença maior do que Júpiter, Mesmo que ele me ouça.” Ele ri e ouve, E folga em ser preferido a si mesmo, dá-lhe beijos Nem muito moderados, nem como devem ser dados por uma virgem. A ela que se preparava a narrar em qual bosque havia caçado, Ele impede com um abraço e mostra-se, não sem crime. Ela na verdade luta contra, quanto uma mulher possa lutar (Oxalá pudesses ver, Satúrnia: serias mais doce!) Ela na verdade luta: mas que homem uma garota podia superar? Ou quem é que podia superar Júpiter? – busca o éter superior o vencedor Júpiter: para ela odioso é o bosque e a cúmplice floresta. De lá retornando o passo, quase esqueceu-se de levar a aljava Com dardos e o arco, que tinha suspendido. Eis que, acompanhada de seu coro, Dictina avançando Pelo alto Mênalo e, com soberba matança de feras, Dirige-lhe o olhar e a chama: ouvindo ser chamada, ela foge, Primeiro temeu que Júpiter estivesse nela. Mas depois que viu as ninfas igualmente caminhar, Percebeu não haver dolo e juntou-se ao número delas. Ah, quão difícil é não revelar um crime pelo olhar! A custo eleva os olhos do chão, nem, como antes costumava, Fica ao lado da deusa, nem é a primeira de todo grupo, Mas fica em silêncio e dá sinais de rubor do pudor ferido; E, somente porque é virgem, Diana podia perceber Por mil sinais a culpa; as ninfas, dizem, perceberam. Ressurgiam os chifres da lua na nona vez,
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cum dea venatu, fraternis languida flammis, nacta nemus gelidum, de quo cum murmure labens ibat et attritas versabat rivus harenas. Ut loca laudavit, summas pede contigit undas: his quoque laudatis “procul est” ait “arbiter omnis; nuda superfusis tingamus corpora lymphis.” Parrhasis erubuit. Cunctae velamina ponunt: una moras quaerit. Dubitanti vestis adempta est; qua posita nudo patuit cum corpore crimen. Attonitae manibusque uterum celare volenti “i procul hinc” dixit “nec sacros pollue fontes” Cynthia; deque suo iussit secedere coetu.
Quando a deusa, fatigada da caça por causa das chamas fraternas, Encontrou um fresco bosque, do qual um regato, escorrendo com murmúrio, Ia e revolvia areias contritas. Como louvou o lugar, tocou com o pé a superfície das águas: Tendo elas também louvado, diz “está longe toda testemunha; Banhemos nossos corpos nus com abundante água.” A parrásia erubesceu. Todas depõem as vestes: Uma só busca demorar. Hesitando, a veste foi tirada; Deposta a veste, com o corpo nu o crime se expôs. A ela, querendo sem jeito esconder o ventre com as mãos, Disse Cíntia “vai para longe daqui, não poluas as sacras fontes!” E ordenou afastar-se de seu séquito.
Senserat hoc olim magni matrona Tonantis distuleratque graves in idonea tempora poenas. Causa morae nulla est, et iam puer Arcas (id ipsum indoluit Iuno) fuerat de paelice natus. Quo simul obvertit saevam cum lumine mentem, “scilicet hoc etiam restabat, adultera” dixit, “ut fecunda fores, fieretque iniuria partu nota, Iovisque mei testatum dedecus esset. Haud impune feres: adimam tibi nempe figuram, qua tibi, quaque places nostro, importuna, marito.”
Percebera isto há tempo a esposa do grande tonante E adiara para tempos oportunos graves penas. Motivo de demora não há, e já o menino Árcade (por isso mesmo Afligiu-se Juno) tinha nascido de uma amante. Com este nascimento, voltou sua cruel intenção e logo Disse “exatamente ainda faltava isto, adúltera, Que fosses fecunda, e que com o parto a injúria se tornasse Conhecida, e fosse atestada a desonra de meu Júpiter. Não ficarás impune: retirarei sem dúvida tua beleza, De que te agradas e com que agradas, inoportuna, a meu marido.”
Dixit et adversa prensis a fronte capillis stravit humi pronam. Tendebat bracchia supplex: bracchia coeperunt nigris horrescere villis curvarique manus et aduncos crescere in ungues officioque pedum fungi, laudataque quondam ora Iovi lato fieri deformia rictu. Neve preces animos et verba precantia flectant posse loqui eripitur; vox iracunda minaxque plenaque terroris rauco de gutture fertur. Mens antiqua tamen facta quoque mansit in ursa, adsiduoque suos gemitu testata dolores qualescumque manus ad caelum et sidera tollit ingratumque Iovem, nequeat cum dicere, sentit. A quotiens, sola non ausa quiescere silva, ante domum quondamque suis erravit in agris!
Disse e, tomados os cabelos, fez aquela que antes olhava frente a frente Inclinada ao chão. Estendia súplice os braços: Os braços começaram a eriçar tufos de pelos negros As mãos, a curvar-se e a crescer nas aduncas garras E a exercer ofício dos pés, e rosto, outrora louvado por Júpiter, Começa a tornar-se disforme com ampla boca. E para que preces e palavras que imprecam não dobrem os ânimos, É-lhe tirado o poder falar; uma voz iracunda, ameaçadora E plena de terror é trazida da rouca garganta. Ela transformou-se em ursa, contudo a mente antiga permaneceu, E com contínuo gemido atestou suas dores Tais como mãos eleva ao céu e aos astros E ao ingrato Júpiter, como não pudesse dizer, sente. Ah, quantas vezes não ousou repousar, só, na floresta, E errou perante sua casa, outrora, em seus campos!
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A quotiens per saxa canum latratibus acta est venatrixque metu venantum territa fugit! Saepe feris latuit visis, oblita quid esset, ursaque conspectos in montibus horruit ursos pertimuitque lupos, quamvis pater esset in illis.
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Ecce, Lycaoniae proles, ignara parentis, Arcas adest, ter quinque fere natalibus actis: dumque feras sequitur, dum saltus eligit aptos nexilibusque plagis silvas Erymanthidas ambit, incidit in matrem; quae restitit Arcade viso et cognoscenti similis fuit. Ille refugit inmotosque oculos in se sine fine tenentem nescius extimuit propiusque accedere aventi vulnifico fuerat fixurus pectora telo. Arcuit omnipotens pariterque ipsosque nefasque sustulit, et celeri raptos per inania vento imposuit caelo vicinaque sidera fecit.
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Intumuit Iuno, postquam inter sidera paelex fulsit et ad canam descendit in aequora Tethyn Oceanumque senem, quorum reverentia movit saepe deos, causamque viae scitantibus infit:
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“Quaeritis, aetheriis quare regina deorum sedibus huc adsim? pro me tenet altera caelum. Mentiar, obscurum nisi nox cum fecerit orbem, nuper honoratas summo, mea vulnera, caelo videritis stellas illic, ubi circulus axem ultimus extremum spatioque brevissimus ambit. Est vero, cur quis Iunonem laedere nolit offensamque tremat, quae prosum sola nocendo? O ego quantum egi! quam vasta potentia nostra est! Esse hominem vetui: facta est dea. Sic ego poenas sontibus impono, sic est mea magna potestas. Vindicet antiquam faciem vultusque ferinos detrahat, Argolica quod in ante Phoronide fecit.
53 Ursa Maior e Arctophylax.
Ah, quantas vezes foi perseguida com latidos de cães pelos penedos E, caçadora, fugiu aterrorizada de medo de ser caçada! Muitas vezes escondeu-se, tendo visto feras, esquecida do que era, E, sendo ursa, assustou-se com ursos avistados nos montes E temeu lobos, ainda que seu pai estivesse entre eles. De repente surge Árcade, o filho da filha de Licáon, sem saber da mãe, Mais ou menos quinze anos de idade: Enquanto persegue feras, enquanto escolhe passagens adequadas Para redes de armadilha, percorre as florestas de Erimanto, Topou com sua mãe, que, tendo Arcas sido visto, parou E ficou como quem reconhece. Ele foge dela, Que mantém os olhos fixos nele sem fim, E sem a reconhecer temeu muito, quando ela quis chegar mais perto, Estivera a ponto de transfixar-lhe o peito com dardo mortal. O onipotente igualmente a eles e ao que é nefando reteve E suspendeu e impôs ao célere vento que os raptasse pelos ares E os fez astros53 vizinhos no céu. Irou-se Juno, depois que sua rival brilhou entre os astros, E desceu ao mar junto à encanecida Tétis E ao velho Oceano, cuja reverência move Sempre os deuses, e aos que buscam saber a causa dessa viagem começa a falar: “Quereis saber por que a rainha dos deuses de etéreos Assentos esteja aqui? Uma outra tem o céu, por mim. Mentirei, se, quando a noite tiver feito o mundo obscuro, Vós não verdes ali no mais alto céu estrelas, meus ferimentos, Há pouco honradas, onde o último brevíssimo círculo Rodeia o eixo extremo no espaço. Há na verdade por que alguém não queira ultrajar Juno E trema de medo dela ofendida, que, única, sou útil a quem me prejudica? Ó quanto eu fiz! Que vasta potência é a nossa! Vetei que fosse humana: ela foi feita deusa. Como eu imponho penas A culpados, assim é meu grande poder. Reivindique a antiga face e deixe o aspecto ferino, Porque ele fez antes com a argólica Forônide.
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Cur non et pulsa ducit Iunone meoque collocat in thalamo socerumque Lycaona sumit? At vos si laesae tangit contemptus alumnae, gurgite caeruleo septem prohibete triones sideraque in caelo, stupri mercede, recepta pellite, ne puro tingatur in aequore paelex.” Corvus. Coronis. Cornix. Ocyroe
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Di maris adnuerant: habili Saturnia curru ingreditur liquidum pavonibus aethera pictis, tam nuper pictis caeso pavonibus Argo, quam tu nuper eras, cum candidus ante fuisses, corve loquax, subito nigrantes versus in alas. Nam fuit haec quondam niveis argentea pennis ales ut aequaret totas sine labe columbas nec servaturis vigili Capitolia voce cederet anseribus nec amanti flumina cycno. Lingua fuit damno; lingua faciente loquaci qui color albus erat, nunc est contrarius albo. Pulchrior in tota, quam Larisaea Coronis, non fuit Haemonia: placuit tibi, Delphice, certe, dum vel casta fuit vel inobservata. Sed ales sensit adulterium Phoebeius, utque latentem detegeret culpam, non exorabilis index, ad dominum tendebat iter. Quem garrula motis consequitur pennis, scitetur ut omnia, cornix, auditaque viae causa “non utile carpis” inquit “iter: ne sperne meae praesagia linguae. Quid fuerim quid simque vide, meritumque require: invenies nocuisse fidem. Nam tempore quodam Pallas Erichthonium, prolem sine matre creatam, clauserat Actaeo texta de vimine cista virginibusque tribus gemino de Cecrope natis et legem dederat, sua ne secreta viderent. Abdita fronde levi densa speculabar ab ulmo, quid facerent. Commissa duae sine fraude tuentur, Pandrosos atque Herse; timidas vocat una sorores
Por que, tendo sido expulsa Juno, não se casa com ela E a coloca no meu tálamo e toma Licáon por sogro? Mas, se o desprezo de vossa criança ferida vos toca, Afastai o Setentrião do abismo cerúleo E os astros recebidos no céu, graças a um estupro, Repeli, para que uma adúltera não seja banhada no puro mar.” Corvo. Coronis. Gralha. Ocírroe Os deuses do mar anuíram: a Satúrnia com ágil carro De pavões ornados avança pelo límpido éter, há tão pouco tempo tinham-se ornado os pavões, tendo Argos sido abatido, Quanto há pouco tempo tu, corvo loquaz, por que antes tinhas sido cândido, Súbito tinhas-te mudado em asas que se enegrecem. Pois esta ave foi outrora argêntea de penas níveas De modo que se comparava sem prejuízo a todas as pombas E nem cedia aos gansos de vigilante voz que haveriam de guardar o Capitólio Nem ao cisne amante dos rios. Língua foi seu dano: pela língua que o faz loquaz, O que era alvo de cor, agora é contrário ao alvo. Mais bela em toda Hemônia que Corônis de Larissa Não houve: agradou a ti, Délfico, certamente, Enquanto ou foi casta ou inobservada. Mas o corvo, ave de Febo Percebeu o adultério e, para que revelasse a culpa Latente, inexorável delator, Oferecia o caminho ao senhor. A gralha o seguiu, gárrula, com bater De asas, para que buscasse saber de tudo; Ela foi ouvida sobre a causa da viagem, e diz ao corvo: “não logras útil Caminho: não desprezes os presságios de minha língua. O que fui e o que sou vê e avalia o mérito: Descobrirás que a fidelidade prejudicou-me. Pois em certo tempo Palas tinha enclausurado Erictônio, filho procriado sem mãe, Em um cesto tecido de vime ático E às três virgens nascidas do duplo Cécrope Dera ordem, para que não vissem seus segredos. Escondida em leve galho de um denso olmeiro, eu observava O que elas faziam. Duas guardam juntas sem fraude, Pandroso e Herse; única, Aglauro chama as irmãs de covardes
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Aglauros nodosque manu diducit, et intus infantemque vident adporrectumque draconem. Acta deae refero. Pro quo mihi gratia talis redditur, ut dicar tutela pulsa Minervae et ponar post noctis avem. Mea poena volucres admonuisse potest ne voce pericula quaerant. At, puto, non ultro nec quicquam tale rogantem me petiit? ipsa licet hoc a Pallade quaeras: quamvis irata est, non hoc irata negabit. Nam me Phocaica clarus tellure Coroneus (nota loquor) genuit fueramque ego regia virgo divitibusque procis (ne me contemne) petebar. Forma mihi nocuit. Nam cum per litora lentis passibus, ut soleo, summa spatiarer harena, vidit et incaluit pelagi deus; utque precando tempora cum blandis absumpsit inania verbis, vim parat et sequitur. Fugio densumque relinquo litus et in molli nequiquam lassor harena. Inde deos hominesque voco; nec contigit ullum vox mea mortalem: mota est pro virgine virgo auxiliumque tulit. Tendebam bracchia caelo: bracchia coeperunt levibus nigrescere pennis. Reicere ex umeris vestem molibar: at illa pluma erat inque cutem radices egerat imas. Plangere nuda meis conabar pectora palmis: sed neque iam palmas nec pectora nuda gerebam. Currebam: nec, ut ante, pedes retinebat harena, sed summa tollebar humo. Mox alta per auras evehor et data sum comes inculpata Minervae. Quid tamen hoc prodest, si diro facta volucris crimine Nyctimene nostro successit honori? An quae per totam res est notissima Lesbon, non audita tibi est, patrium temerasse cubile Nyctimenen? avis illa quidem, sed conscia culpae conspectum lucemque fugit tenebrisque pudorem celat et a cunctis expellitur aethere toto.” Talia dicenti “tibi” ait “revocamina” corvus “sint precor ista malo: nos vanum spernimus omen.”
E desfaz os nós com a mão, e veem dentro Uma criança e uma serpente estendida ao lado. Reporto esses feitos à deusa. Por isso a mim tal agradecimento É retribuído: que eu seja dita repelida da tutela de Minerva E seja posta depois da ave da noite. Meu castigo pode ter Advertido os pássaros, para que não informem perigos com a voz. Entretanto, creio, por nada mais ela me procurou, não buscando eu Nada desse tipo? É lícito que te informes disto da própria Palas: Ainda que se tenha irado, ela, irada, não negará isto. Pois Coroneo, ilustre na região da Fócida (falo coisas conhecidas) gerou-me e como eu fora virgem, filha de rei, (não me desprezes) era pedida por ricos pretendentes. Beleza fez mal a mim. Pois, como eu passeasse pelo litoral A passos lentos, como costumo, pelo limite da areia, O deus do mar me viu e se inflamou; e como por súplicas Consumiu tempo em vão com carinhosas palavras, Prepara-se a usar a força e me persegue. Fujo e deixo a areia firme E me canso inutilmente na areia solta. Daí, invoco deuses e homens; minha voz não alcança Nenhum mortal: comoveu-se por uma virgem outra virgem E trouxe auxílio. Eu estendia os braços ao céu: Os braços começaram a enegrecer com leves penas. Esforçava-me por despir essa veste dos ombros: mas havia Aquela plumagem, como se lançasse raízes profundas na pele. Eu tentava bater meu peito com minhas palmas: Mas já nem palmas nem peito nu eu levava. Eu corria: nem, com antes, a areia retinha meus pés, Mas me elevava acima do chão. Logo alto pelos ares Sou transportada, e como companheira irrepreensível fui dada a Minerva. Contudo, de que serve isto, se por funesto crime fui feita pássaro E Nictímene tomou nosso lugar de honra? Acaso algo que por toda Lesbos é muitíssimo conhecido Não foi ouvido por ti, que Nictímene temeu o quarto paterno? Ela na verdade é ave, mas, cônscia da culpa, Evita a presença e a luz e esconde o pudor nas trevas E por todos é expulsa do éter inteiro.” A ela que diz tais coisas diz o corvo: “espero que essas tuas dissuasões Sejam para teu mau: nós desprezamos um vão agouro.”
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Nec coeptum dimittit iter, dominoque iacentem cum iuvene Haemonio vidisse Coronida narrat. Laurea delapsa est audito crimine amanti, et pariter vultusque deo plectrumque colorque excidit. Utque animus tumida fervebat ab ira, arma adsueta rapit flexumque a cornibus arcum tendit et illa suo totiens cum pectore iuncta indevitato traiecit pectora telo. Icta dedit gemitum, tractoque a corpore ferro candida puniceo perfudit membra cruore, et dixit: “Potui poenas tibi, Phoebe, dedisse, sed peperisse prius: duo nunc moriemur in una.” Hactenus, et pariter vitam cum sanguine fudit. Corpus inane animae frigus letale secutum est.
Ele não deixa o caminho iniciado e conta ao seu senhor que Viu Corônis deitando-se com um jovem hemônio. Ao deus amante, caiu-lhe a coroa de louros, tendo-se ouvido o crime, E igualmente escapou-lhe o aspecto, o plectro e a cor. E como seu ânimo fervia de túmida ira, Toma suas armas costumeiras e arma o flexível arco de chifres E aquele peito, que tantas vezes se juntou a seu peito, Traspassou com indefensável dardo. Ferida, ela deu um gemido, e, o ferro tendo sido puxado do corpo, Os cândidos membros inundaram-se de sangue púrpura, E disse: “Pude pagar minhas penas a ti, Febo, Mas pudesse eu antes ter dado à luz: agora morreremos dois em uma só.” Até aqui falou e dispersou igualmente a vida com o sangue. Um frio letal alcançou o corpo desprovido de alma.
Paenitet heu sero poenae crudelis amantem, seque, quod audierit, quod sic exarserit, odit; odit avem, per quam crimen causamque dolendi scire coactus erat, nec non arcumque manumque odit, cumque manu temeraria tela sagittas conlapsamque fovet seraque ope vincere fata nititur et medicas exercet inaniter artes. Quae postquam frustra temptata, rogumque parari vidit et arsuros supremis ignibus artus, tum vero gemitus (neque enim caelestia tingi ora licet lacrimis) alto de corde petitos edidit, haud aliter quam cum spectante iuvenca lactentis vituli, dextra libratus ab aure tempora discussit claro cava malleus ictu. Ut tamen ingratos in pectora fudit odores et dedit amplexus iniustaque iusta peregit, non tulit in cineres labi sua Phoebus eosdem semina, sed natum flammis uteroque parentis eripuit geminique tulit Chironis in antrum; sperantemque sibi non falsae praemia linguae inter aves albas vetuit consistere corvum.
Ai, arrepende-se tarde da cruel pena o amante, E se odeia, porque ouviu e porque se enfurecera assim; Odeia a ave, pela qual fora levado a conhecer o crime e A causa de afligir-se, e não deixou de odiar o arco e sua mão E as setas, armas temerárias com a mão, E afaga-a, desfalecida, e com obra tardia esforça-se por vencer o destino E exerce artes médicas em vão. Depois que isso foi tentado inutilmente, viu ser preparada A fogueira e estar para arder o corpo nas chamas supremas54, Então produziu gemidos (pois não é permitido o rosto de uma divindade Ser tocado por lágrimas) tirados do fundo do coração, Não diferentes dos que, estando uma novilha a olhar, Ela produz, quando o martelo vibrado desde a orelha direita Rachou as cavas fontes do lactente bezerro com claro golpe. Contudo, quando espargiu-lhe no peito ingratos odores E deu-lhe um abraço e pronunciou coisas injustas e justas, Febo não suportou que sua semente caísse nessas mesmas cinzas, Mas arrancou-lhe o filho das chamas e do útero da mãe E levou-o ao antro do duplo Quirão E ao corvo, que esperava para si prêmios pela língua não falsa, Vetou estar entre as aves alvas.
54 De exéquias.
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Ocyroe et Aeculapius
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Semifer interea divinae stirpis alumno laetus erat mixtoque oneri gaudebat honore. Ecce venit rutilis umeros protecta capillis filia Centauri, quam quondam nympha Chariclo fluminis in rapidi ripis enixa vocavit Ocyroen. Non haec artes contenta paternas edidicisse fuit: fatorum arcana canebat. Ergo ubi vaticinos concepit mente furores incaluitque deo, quem clausum pectore habebat, adspicit infantem “toto” que “salutifer orbi cresce puer” dixit: “tibi se mortalia saepe corpora debebunt; animas tibi reddere ademptas fas erit; idque semel dis indignantibus ausus posse dare hoc iterum flamma prohibebere avita eque deo corpus fies exsangue, deusque, qui modo corpus eras, et bis tua fata novabis. Tu quoque, care pater, nunc inmortalis et aevis omnibus ut maneas nascendi lege creatus, posse mori cupies, tum cum cruciabere dirae sanguine serpentis per saucia membra recepto; teque ex aeterno patientem numina mortis efficient, triplicesque deae tua fila resolvent.” Restabat fatis aliquid. Suspirat ab imis pectoribus, lacrimaeque genis labuntur obortae, atque ita “praevertunt” inquit “me fata, vetorque plura loqui, vocisque meae praecluditur usus. Non fuerant artes tanti, quae numinis iram contraxere mihi; mallem nescisse futura. Iam mihi subduci facies humana videtur, iam cibus herba placet, iam latis currere campis impetus est: in equam cognataque corpora vertor. Tota tamen quare? pater est mihi nempe biformis.”
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55 Esculápio.
Talia dicenti pars est extrema querellae
Ocírroe e Esculápio Entretanto, o centauro estava satisfeito com o aluno55 De estirpe divina e se comprazia do ônus misturado à honra. Eis que vem, protegida nos ombros de rútilos cabelos, A filha do Centauro, que outrora a ninfa Cáriclo Deu à luz às margens de um rápido rio e chamou Ocírroe. Ela não se satisfez com ter aprendido As artes paternas: cantava os arcanos dos destinos. Pois quando concebeu com a mente proféticos furores E abrasou-se do deus, que tinha oculto no peito, Olha a criança e disse: “cresce, menino, que traz saúde A todo orbe, a ti frequentemente serão devedores Corpos mortais; a ti será permitido devolver-lhes almas tiradas; E tendo ousado isso uma só vez, os deuses indignados, Serás proibido pela chama ancestral de poder fazer de novo isto, E de deus tornar-te-ás corpo exangue, e, sendo deus, Tu que há pouco eras corpo, renovarás teus destinos duas vezes. Tu também, caro pai, agora imortal e criatura por lei de nascer, Para que permaneças em todas as épocas, Desejarás poder morrer, quando serás atormentado Pelo sangue de cruel serpente, recebido através de ferimentos do corpo; E os numes a ti, de eterno, farão que suportes a morte, E as deusas tríplices desligarão teu fio.” Restava aos fatos algo. Suspira do fundo Do peito, lágrimas surgiram e escorreram pela face, E assim diz: “o destino se antecipa a mim, sou proibida De falar mais, o uso de minha voz é vetado. Não foram tantas as artes que atraíram contra mim A ira do nume; preferiria ter desconhecido o futuro. A face humana já me parece ser tirada, Erva já me agrada como alimento, já há um ímpeto de correr Pelos amplos campos: sou transformada em égua, como o corpo paterno. Contudo, por que toda? Sem dúvida meu pai é biforme.” A parte última do lamento é pouco inteligível,
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intellecta parum, confusaque verba fuerunt. Mox nec verba quidem nec equae sonus ille videtur, sed simulantis equam, parvoque in tempore certos edidit hinnitus et bracchia movit in herbas. Tum digiti coeunt et quinos adligat ungues perpetuo cornu levis ungula, crescit et oris et colli spatium, longae pars maxima pallae cauda fit, utque vagi crines per colla iacebant, in dextras abiere iubas: pariterque novata est et vox et facies nomen quoque monstra dedere. Battus Flebat opemque tuam frustra Philyreius heros, Delphice, poscebat. Nam nec rescindere magni iussa Iovis poteras, nec, si rescindere posses, tunc aderas: Elin Messeniaque arva colebas. Battus et Mercurius
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Illud erat tempus, quo te pastoria pellis texit onusque fuit baculum silvestre sinistrae, alterius dispar septenis fistula cannis. Dumque amor est curae, dum te tua fistula mulcet, incustoditae Pylios memorantur in agros processisse boves. Videt has Atlantide Maia natus et arte sua silvis occultat abactas. Senserat hoc furtum nemo nisi notus in illo rure senex; Battum vicinia tota vocabant. Divitis hic saltus herbosaque pascua Nelei nobiliumque greges custos servabat equarum. Hunc timuit blandaque manu seduxit et illi “quisquis es, hospes” ait, “si forte armenta requiret haec aliquis, vidisse nega; neu gratia facto nulla rependatur, nitidam cape praemia vaccam” — et dedit. Accepta voces has reddidit hospes: “Tutus eas: lapis iste prius tua furta loquetur”, et lapidem ostendit. Simulat Iove natus abire, mox redit, et versa pariter cum voce figura
Pois dizendo tais coisas as palavras foram confundidas. Logo nem mesmo palavras nem som de égua aquilo parecia, Mas de quem simula égua, e em pouco tempo emitiu certos Relinchos e moveu os braços pelas ervas. Então os dedos se juntam e rejunta as cinco unhas Um leve casco todo córneo, cresce o tamanho tanto da boca Quanto do pescoço, a maior parte da longa veste Torna-se cauda, e como os cabelos jaziam soltos pelos ombros, Acabaram em destras crinas: igualmente foi mudada Tanto a voz quanto a face, esses prodígios deram-lhe também um nome. Bato O herói filho de Fílira chorava e em vão pedia tua ajuda, Ó Délfico. De fato, nem poderias anular as ordens Do grande Júpiter, nem, se pudesses anular, Estavas então presente: cultivavas a Élida e os campos messênios. Bato e Mercúrio Era aquele tempo em que uma pele de pastor te Cobriu, e um báculo silvestre foi peso da tua sinistra E uma flauta desigual com sete canos da outra mão. Então o amor é teu cuidado, então tua flauta te consola, Contam que tuas vacas não guardadas avançaram Pelos campos pílios. O filho da atlântida Maia as vê E com sua arte as esconde, levando-as para floresta. Percebera este furto ninguém senão um velho Conhecido naquela região; toda a vizinhança o chamava Bato. Este guardião vigiava os bosques e os relvosos pastos e os rebanhos das nobres éguas do rico Neleu. Mercúrio desconfiou dele e com afável mão afastou-o e a ele Diz “Quem quer que sejas, hospitaleiro, se acaso alguém perguntar Por este gado, nega tê-lo visto; para que nenhum agradecimento pelo fato Não seja dado em troca, toma por recompensa uma nédia vaca”e deu-a. Tendo-a aceitado, o hospitaleiro respondeu com estas palavras: “Vás seguro: antes essa pedra falará de teu furto”, E mostra a pedra. O filho de Júpiter simula afastar-se, Logo retorna, e, mudada a figura igualmente com a voz,
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“rustice, vidisti siquas hoc limite” dixit “ire boves, fer opem furtoque silentia deme: iuncta suo pariter dabitur ubi femina tauro.” At senior, postquam est merces geminata, “sub illis montibus” inquit “erunt”: et erant sub montibus illis. Risit Atlantiades et “me mihi, perfide, prodis? me mihi prodis?” ait, periuraque pectora vertit in durum silicem, qui nunc quoque dicitur index, inque nihil merito vetus est infamia saxo. Aglauros. Invidia
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Hinc se sustulerat paribus caducifer alis, Munychiosque volans agros gratamque Minervae despectabat humum cultique arbusta Lycei. Illa forte die castae de more puellae vertice supposito festas in Palladis arces pura coronatis portabant sacra canistris. Inde revertentes deus adspicit ales iterque non agit in rectum, sed in orbem curvat eundem. Ut volucris visis rapidissima miluus extis, dum timet et densi circumstant sacra ministri, flectitur in gyrum nec longius audet abire spemque suam motis avidus circumvolat alis, sic super Actaeas agilis Cyllenius arces inclinat cursus et easdem circinat auras. Quanto splendidior quam cetera sidera fulget Lucifer, et quanto quam Lucifer aurea Phoebe, tanto virginibus praestantior omnibus Herse ibat, eratque decus pompae comitumque suarum. Obstipuit forma Iove natus, et aethere pendens non secus exarsit, quam cum Balearica plumbum funda iacit: volat illud et incandescit eundo et quos non habuit, sub nubibus invenit ignes. Vertit iter caeloque petit terrena relicto nec se dissimulat: tanta est fiducia formae. Quae quamquam iusta est, cura tamen adiuvat illam permulcetque comas chlamydemque, ut pendeat apte, collocat, ut limbus totumque appareat aurum,
Disse: “camponês, se viste ir por este caminho algumas vacas, dá uma ajuda e afasta o que silencia o furto: Aí será dada uma fêmea junto com seu touro.” E o ancião, depois que a recompensa foi duplicada, diz: “estarão sob aqueles montes”; e estavam sob aqueles montes. Riu o neto de Atlas e diz: “Entregas-me, pérfido, a mim mesmo? entregas-me a mim? E verte o peito perjuro Em duro sílex, que agora também se diz indicador, E uma antiga infâmia há na rocha, merecedora de nada. Aglauro. Inveja Daqui se elevara por pares asas o que traz o caduceu, Voando, olhava de cima os campos de Muniquia, o solo e o bosque do cultivado Liceu, grato a Minerva. Naquele dia por acaso, castas donzelas, segundo o costume, Portavam no alto da cabeça imaculados objetos sacros Em coroados cestos para a solene cidadela de Palas. Dali, revertendo as asas, o deus as vê e não faz O caminho indo direto, mas recurva indo em círculo. Como o milhafre, ave rapidíssima, tendo-se visto vísceras de vítimas, Enquanto teme, e numerosos ministros circunscrevem os objetos sacros, Volteia em giro e não ousa afastar-se para mais longe E, batidas as asas, voa ávido em torno de sua esperança, assim o ágil Cilênio inclina o curso Sobre a ática cidadela e circula pelos ares. Quanto refulge Lúcifer, mais esplêndido que os outros astros E quanto refulge a áurea Febe, mais que Lúcifer, Tando Herse ia superior a todas as virgens, E era o ornato do cortejo e de suas companheiras. Atordoou-se com a beleza o filho de Júpiter e, pendendo do éter, Não diferentemente ardeu, como quando a baleárica funda lança chumbo, Que voa e se abrasa indo E o fogo que não teve encontrou sob as nuvens. Verte o caminho e, deixado o céu, busca o chão, E nem se dissimula, tanta é a confiança em sua forma. Ainda que justa, contudo a realça com cuidado E alinha os cabelos e ajeita a clâmide para que caia bem, De modo que a sua orla se mostre e todo o ouro,
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ut teres in dextra, qua somnos ducit et arcet, virga sit, ut tersis niteant talaria plantis. Pars secreta domus ebore et testudine cultos tres habuit thalamos: quorum tu, Pandrose, dextrum, Aglauros laevum, medium possederat Herse. Quae tenuit laevum, venientem prima notavit Mercurium nomenque dei scitarier ausa est et causam adventus. Cui sic respondit Atlantis Pleionesque nepos: “Ego sum, qui iussa per auras verba patris porto: pater est mihi Iuppiter ipse. Nec fingam causas; tu tantum fida sorori esse velis prolisque meae matertera dici. Herse causa viae. Faveas oramus amanti.” Adspicit hunc oculis isdem, quibus abdita nuper viderat Aglauros flavae secreta Minervae, proque ministerio magni sibi ponderis aurum postulat: interea tectis excedere cogit. Vertit ad hanc torvi dea bellica luminis orbem et tanto penitus traxit suspiria motu, ut pariter pectus positamque in pectore forti aegida concuteret. Subit, hanc arcana profana detexisse manu tum cum sine matre creatam Lemnicolae stirpem contra data foedera vidit, et gratamque deo fore iam gratamque sorori et ditem sumpto, quod avara poposcerat, auro. Protinus Invidiae nigro squalentia tabo tecta petit. Domus est imis in vallibus huius abdita, sole carens, non ulli pervia vento, tristis et ignavi plenissima frigoris, et quae igne vacet semper, caligine semper abundet. Huc ubi pervenit belli metuenda virago, constitit ante domum (neque enim succedere tectis fas habet) et postes extrema cuspide pulsat. Concussae patuere fores. Videt intus edentem vipereas carnes, vitiorum alimenta suorum, Invidiam, visaque oculos avertit. At illa
de modo que em sua destra seja brilhante o caduceu com que conduz E repele os sonos, de modo que reluzam as asas talares nos limpos pés. A parte íntima do palácio teve três tálamos Ornados de marfim e de tartaruga: dos quais tu, Pandroso, o da direita, Aglauro, o da esquerda, e Herse possuíra o do meio. A que teve o da esquerda notou primeiro Mercúrio chegando e ousou perguntar o nome do deus E a causa de sua vinda. Assim respondeu-lhe o neto De Atlas e Plêione: “Sou eu que levo pelos ares As palavras ordenadas do pai: meu pai é o próprio Júpiter. Não inventarei causas; tu apenas queiras ser Fiel a tua irmã e ser dita tia materna de minha prole. Herse é causa da minha vinda. Favoreças, rogamos, a um amante.” Aglauro olha-o com os mesmos olhos com que há pouco Vira o segredo oculto da loura Minerva, E pelo serviço pede a si grande peso em ouro: Por enquanto leva-o a sair de casa. A deusa bélica voltou a Aglauro um torvo olhar E suspirou profundamente com tanto ímpeto, Que igualmente o peito e a égide posta no forte peito abalasse. Ocorreu-lhe que ela descobriu então com mão profana O mistério, quando viu a estirpe lemnícola, Criada sem mãe, contra o acordo tratado, E agora para ser grata ao deus e grata à irmã Pedira, avara, que fosse rica, tendo-se tomado ouro. Buscou em seguida a casa suja de negro pus Da Inveja. A morada dela é oculta em profundo vale, Carente de sol, acessível a nenhum vento, Muitíssimo cheia do triste e ignavo frio, de modo que Sempre tenha falta de fogo e sempre tenha abundância de escuridão. Quando chegou ali, virago a ser temida na guerra, Ela parou ante a casa (pois não tem direito divino De penetrar sob o teto) e toca a ombreira com a extremidade da lança. Abaladas, abriram-se as portas. Ela vê lá dentro a Inveja Comendo carne de víbora, alimento de seu vício, e desvia os olhos daquela vista. A Inveja
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surgit humo pigre semesarumque relinquit corpora serpentum passuque incedit inerti; utque deam vidit formaque armisque decoram, ingemuit vultumque ima ad suspiria duxit. Pallor in ore sedet, macies in corpore toto, nusquam recta acies, livent rubigine dentes, pectora felle virent, lingua est suffusa veneno. Risus abest, nisi quem visi movere dolores. Nec fruitur somno, vigilacibus excita curis, sed videt ingratos intabescitque videndo successus hominum, carpitque et carpitur una, suppliciumque suum est. Quamvis tamen oderat illam, talibus adfata est breviter Tritonia dictis: “Infice tabe tua natarum Cecropis unam. Sic opus est. Aglauros ea est.” Haud plura locuta fugit et impressa tellurem reppulit hasta. Illa deam obliquo fugientem lumine cernens murmura parva dedit, successurumque Minervae indoluit, baculumque capit, quod spinea totum vincula cingebant, adopertaque nubibus atris, quacumque ingreditur, florentia proterit arva exuritque herbas et summa cacumina carpit, adflatuque suo populos urbesque domosque polluit. Et tandem Tritonida conspicit arcem ingeniis opibusque et festa pace virentem, vixque tenet lacrimas, quia nil lacrimabile cernit. Sed postquam thalamos intravit Cecrope natae, iussa facit pectusque manu ferrugine tincta tangit et hamatis praecordia sentibus implet, inspiratque nocens virus, piceumque per ossa dissipat et medio spargit pulmone venenum. Neve mali causae spatium per latius errent, germanam ante oculos fortunatumque sororis coniugium pulchraque deum sub imagine ponit, cunctaque magna facit. Quibus inritata dolore Cecropis occulto mordetur et anxia nocte, anxia luce gemit, lentaque miserrima tabe liquitur ut glacies incerto saucia sole.
Levanta-se do chão lentamente e deixa corpos de serpentes Semidevorados e avança com passo inerte; Quando viu a deusa, de beleza e armas ornada, Gemeu e conduziu seu vulto a profundos suspiros. Palidez assenta-se no rosto, magreza no corpo todo, Nenhum olhar direto, os dentes se escurecem com sarro, O peito destila verde fel, a língua é banhada de veneno. Falta-lhe o riso, exceto o que dores vistas provocaram. Não goza de sono, despertada de vigilantes cuidados, mas vê como não merecidos, e definha por ver, Os sucessos dos homens, rói e se corrói de uma só vez, Esse é seu suplício. Ainda que a odiasse, A Tritônia falou-lhe com tais palavras: “Impregna de tua peçonha uma só das filhas de Cécropis. Assim é necessário. Essa é Aglauro.” Não falou mais, Fugiu e afastou-se da terra, comprimida a lança. Ela, com olhar oblíquo vendo a deusa que se afasta, Soltou pequenos murmúrios e lamentou pelo que há de se empreender Por Minerva, toma o báculo que vínculos de espinhos cingiam todo e, coberta de negras nuvens Por onde quer que vá, pisa campos florescentes E queima as ervas e estraga-lhes as partes mais altas E com sua exalação polui povos, cidades e casas. E afinal avista a cidadela de Tritônida de engenho e riquezas e florescente de festiva paz, E a custo retém lagrimas, porque nada concebe de lacrimável. Mas depois que entrou no tálamo da filha de Cécrope, Cumpre as ordens e toca-lhe o peito com mão tinta de ferrugem E enche-lhe as entranhas de espinhos recurvos, e inspira-lhe um vírus nocivo e o dispersa, como pez, Pelos ossos e esparge o veneno pelos pulmões. E para que as causas do mal não errem por espaço mais amplo, Põe ante os olhos de Aglauro sua irmã e um afortunado Cônjuge, como um deus, sob uma bela imagem, e a faz inteira e grande. Irritada com essas coisas, A filha de Cécrope é mordida por oculta dor e geme inquieta De noite, geme inquieta de dia, e com lenta peçonha muitíssimo Infeliz se desfaz como gelo atingido por incerto sol.
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Felicisque bonis non lenius uritur Herses, quam cum spinosis ignis supponitur herbis, quae neque dant flammas lenique tepore cremantur. Saepe mori voluit, ne quicquam tale videret, saepe velut crimen rigido narrare parenti; denique in adverso venientem limine sedit exclusura deum. Cui blandimenta precesque verbaque iactanti mitissima “desine” dixit: “hinc ego me non sum nisi te motura repulso.” “Stemus” ait “pacto” velox Cyllenius “isto”: caelestique fores virga patefecit. At illi surgere conanti partes, quascumque sedendo flectimus, ignava nequeunt gravitate moveri. Illa quidem pugnat recto se attollere trunco, sed genuum iunctura riget, frigusque per inguen labitur, et callent amisso sanguine venae. Utque malum late solet inmedicabile cancer serpere et inlaesas vitiatis addere partes, sic letalis hiems paulatim in pectora venit vitalesque vias et respiramina clausit. Nec conata loqui est, nec, si conata fuisset, vocis habebat iter: saxum iam colla tenebat, oraque duruerant, signumque exsangue sedebat. Nec lapis albus erat: sua mens infecerat illam. Europa
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Has ubi verborum poenas mentisque profanae cepit Atlantiades, dictas a Pallade terras linquit et ingreditur iactatis aethera pennis. Sevocat hunc genitor. Nec causam fassus amoris “fide minister” ait “iussorum, nate, meorum, pelle moram solitoque celer delabere cursu, quaeque tuam matrem tellus a parte sinistra suspicit (indigenae Sidonida nomine dicunt), hanc pete, quodque procul montano gramine pasci armentum regale vides, ad litora verte.”
56 Constelação das Plêiades.
E arde com os bens da feliz Herse não mais brandamente do que quando se põe fogo sob ervas espinhosas, Que não fazem chamas e se consomem com brando calor. Muitas vezes ela quis morrer, para que não visse algo desse tipo, Muitas vezes, como um crime, quis contar ao rígido pai; E enfim sentou-se à frente da soleira para excluir o deus que vem. A este, que profere agrados e preces E dulcíssimas palavras, disse: “Desiste, Daqui eu não vou me mover, senão quando tu fores expulso.” “Estejamos com esse pacto” diz o veloz Cilênio; E abriu as portas com a vara celeste. E a ela, que tentava levantar com os membros que flexionamos Ao sentar, eles não se podiam mover por ocioso peso. Ela na verdade luta para se erguer com o tronco reto, Mas os ligamentos dos joelhos se enrijecem, e um frio se espalha Pela virilha, e as veias se endurecem, tendo-se perdido o sangue. E como um câncer, mal irremediável, amplamente costuma Serpentear e ajuntar partes ilesas às viciadas, Assim um frio letal aos poucos chegou ao peito E fechou as vias vitais e canais respiratórios. Nem tentou falar, nem, se tivesse tentado, havia caminho de voz: já tinha por colo uma rocha, E a face se endurecera e sentava-se como imagem exangue. Nem era alva a pedra: sua mente a manchara. Europa Quando o neto de Atlas a puniu pelas palavras e mente profana, Deixa as terras ditas de Palas e, agitadas as asas, avança ao éter. Chama-o à parte seu pai. Sem confessar que era por causa de amor, Diz: “fiel servidor de minhas ordens, filho, Sem demora, desce rápido em habitual curso, E a terra que contempla tua mãe56 da parte sinistra (os nativos chamam com nome de Sídon) A esta busca, e o rebanho real que vês pastar Ao longe na grama da montanha, desvia-o ao litoral.”
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Dixit, et expulsi iamdudum monte iuvenci litora iussa petunt, ubi magni filia regis ludere virginibus Tyriis comitata solebat.
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Non bene conveniunt nec in una sede morantur maiestas et amor: sceptri gravitate relicta ille pater rectorque deum, cui dextra trisulcis ignibus armata est, qui nutu concutit orbem, induitur faciem tauri mixtusque iuvencis mugit et in teneris formosus obambulat herbis. Quippe color nivis est, quam nec vestigia duri calcavere pedis nec solvit aquaticus auster. Colla toris exstant, armis palearia pendent, cornua parva quidem, sed quae contendere possis facta manu, puraque magis perlucida gemma. Nullae in fronte minae, nec formidabile lumen; pacem vultus habet. Miratur Agenore nata, quod tam formosus, quod proelia nulla minetur. Sed quamvis mitem metuit contingere primo: mox adit et flores ad candida porrigit ora. Gaudet amans et, dum veniat sperata voluptas, oscula dat manibus; vix iam, vix cetera differt. Et nunc adludit viridique exsultat in herba, nunc latus in fulvis niveum deponit harenis; paulatimque metu dempto modo pectora praebet virginea plaudenda manu, modo cornua sertis impedienda novis. Ausa est quoque regia virgo nescia quem premeret, tergo considere tauri, cum deus a terra siccoque a litore sensim falsa pedum primis vestigia ponit in undis: inde abit ulterius mediique per aequora ponti fert praedam. Pavet haec litusque ablata relictum respicit, et dextra cornum tenet, altera dorso imposita est; tremulae sinuantur flamine vestes.
57 Europa, filha de Agenor.
Disse, e logo os novilhos expulsos da montanha Buscam o litoral ordenado, onde a filha57 de um grande rei costumava brincar acompanhada das virgens tírias. Europa e Júpiter Não bem concordam nem em uma só sede habitam majestade e amor: deixada a gravidade do cetro, aquele pai e guia dos deuses, que tem a destra armada de fogos De três pontas e que com movimento de cabeça abala o mundo, se investe de aspecto de touro e misturado aos novilhos Muge e perambula, formoso, pelas tenras ervas. De fato, sua cor é da neve que nem marcas de duro pé Calcaram nem solveu o úmido austro. O pescoço salienta-se de músculos, a papada pende-lhe das espáduas, seus chifres na verdade são pequenos, mas poderias estender O que é feito a mão, mais translúcidos do que jóia pura. Nenhuma ameaça em sua fronte, nem temível olhar; Tem o aspecto de paz. Admira a filha de Agenor O que é tão formoso, que não ameace algum combate. mas, ainda que doce, temeu tocá-lo primeiro: Logo se aproxima e estende flores em sua cândida cabeça. Regozija-se o amante e, enquanto vem o esperado desejo, Dá beijos em suas mãos; já a custo, a custo difere o restante. E ora brinca e salta na verde erva, ora depõe o níveo flanco na fulva areia; E, aos poucos esvaziado o medo, logo oferece o peito Para ser afagado pela virgínea mão, logo oferece os chifres Para ser cingidos por recentes grinaldas. A real virgem, Sem saber em quem montaria, ousou mesmo assentar-se nas costas do touro, quando o deus por terra e pelo seco litoral, sem dar à vista, Põe falsas marcas de pés nas primeiras ondas: Daí vai mais além e leva a presa pela água, No meio do mar. Ela se assusta e olha, afastada, o litoral deixado E com a destra segura o chifre, a outra mão foi posta no dorso; com o vento se insinuam as trêmulas vestes.
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Tradução: Juvino Alves Maia Júnior, UFPB
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Liber III Cadmus
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Iamque deus posita fallacis imagine tauri se confessus erat Dictaeaque rura tenebat, cum pater ignarus Cadmo perquirere raptam imperat et poenam, si non invenerit, addit exilium, facto pius et sceleratus eodem.
E já o deus, depondo a aparência de touro falaz, se revelara e ocupava os campos dicteus, quando o pai58, ignaro, a Cadmo ordena que procure a raptada59, acrescentando, como castigo para o caso de a não encontrar, o exílio, com tal ato se fazendo pio e desapiedado ao mesmo tempo.
Orbe pererrato (quis enim deprendere possit furta Iovis?) profugus patriamque iramque parentis vitat Agenorides Phoebique oracula supplex consulit et, quae sit tellus habitanda, requirit. “Bos tibi” Phoebus ait “solis occurret in arvis, nullum passa iugum curvique inmunis aratri. Hac duce carpe vias et qua requieverit herba moenia fac condas, Boeotiaque ma vocato.” Vix bene Castalio Cadmus descenderat antro, incustoditam lente videt ire iuvencam nullum servitii signum cervice gerentem. Subsequitur pressoque legit vestigia gressu, auctoremque viae Phoebum taciturnus adorat.
Depois de errar por todo o orbe (afinal, quem poderia flagrar as aventuras furtivas de Jove?), prófugo, o Agenôride evita a pátria e a ira do pai e, suplicante, consulta os oráculos de Febo, indagando-lhe que terra deveria habitar. Diz Febo: “–Um bovino virá ao teu encontro, em campos desertos, a nenhum jugo jamais sujeito e livre do curvo arado. Guiando-se por ele, enceta os caminhos e na relva em que repousar cuida de erigir muros e os chama beócios.”
Iam vada Cephisi Panopesque evaserat arva: bos stetit et tollens speciosam cornibus altis ad caelum frontem mugitibus impulit auras, atque ita, respiciens comites sua terga sequentes, procubuit teneraque latus submisit in herba. Cadmus agit grates peregrinaeque oscula terrae figit et ignotos montes agrosque salutat. Sacra Iovi facturus erat. Iubet ire ministros et petere e vivis libandas fontibus undas.
Já atravessara os vaus do Cefiso e os campos de Pânope; a novilha parou, erguendo ao céu a bela fronte de altos cornos, com mugidos golpeou as brisas e, voltando o olhar ao séquito às suas costas, deitou-se, na verde relva reclinando o flanco. Cadmo rende graças, crava beijos na terra estrangeira e saúda montes e campos ignotos. Ia fazer sacrifícios a Jove; manda que seus auxiliares partam em busca d’água de vivas fontes para a libação.
Silva vetus stabat, nulla violata securi,
Cadmo
58 Agenor, pai de Europa e Cadmo. 59 Europa, raptada por Júpiter.
Mal descera Cadmo da gruta Castália e vê ir-se vagarosamente, sem guardião, uma novilha, trazendo ao colo sinal algum de servidão; acompanha-a de perto e com passo firme lhe segue os rastros, adorando em silêncio a Febo, o indicador do caminho.
Uma floresta antiga se erguia, jamais violada pelo machado, e no centro
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Fecerat exiguas iam sol altissimus umbras: quae mora sit sociis, miratur Agenore natus, vestigatque viros. Tegimen derepta leoni pellis erat, telum splendenti lancea ferro et iaculum, teloque animus praestantior omni.
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Ut nemus intravit letataque corpora vidit victoremque supra spatiosi corporis hostem tristia sanguinea lambentem vulnera lingua, “aut ultor vestrae, fidissima corpora, mortis, aut comes” inquit “ero.” Dixit, dextraque molarem sustulit et magnum magno conamine misit. Illius impulsu cum turribus ardua celsis moenia mota forent: serpens sine vulnere mansit loricaeque modo squamis defensus et atrae duritia pellis validos cute reppulit ictus. At non duritia iaculum quoque vicit eadem:
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et specus in medio, virgis ac vimine densus, efficiens humilem lapidum compagibus arcum, uberibus fecundus aquis, ubi conditus antro Martius anguis erat, cristis praesignis et auro; igne micant oculi, corpus tumet omne venenis, tres vibrant linguae, triplici stant ordine dentes. Quem postquam Tyria lucum de gente profecti infausto tetigere gradu, demissaque in undas urna dedit sonitum, longo caput extulit antro caeruleus serpens horrendaque sibila misit. Effluxere urnae manibus sanguisque reliquit corpus, et attonitos subitus tremor occupat artus. Ille volubilibus squamosos nexibus orbes torquet et inmensos saltu sinuatur in arcus, ac media plus parte leves erectus in auras despicit omne nemus, tantoque est corpore, quanto si totum spectes, geminas qui separat arctos. Nec mora, Phoenicas, sive illi tela parabant, sive fugam, sive ipse timor prohibebat utrumque, occupat: hos morsu, longis complexibus illos, hos necat adfiatu funesti tabe veneni.
uma gruta, densamente coberta de varas de vime e formando, por uma junção de pedras, um arco baixo, lugar fértil em águas abundantes. Ali, escondida no antro, estava uma serpente de Marte, insigne pelas escamas e ouro. Ígneos lhe cintilam os olhos; o corpo se intumesce todo em venenos; vibram-lhe três línguas; os dentes despontam em tríplice fileira. Depois que os provindos da gente tíria com infausto pé tocaram esse bosque e o cântaro, afundado na água, produziu um ruído, do fundo da vasta caverna a serpente cerúlea estendeu para fora a cabeça e horrendos silvos emitiu. Caíram das mãos os cântaros, o sangue deixou o corpo, um tremor súbito toma conta dos membros estupefatos. Ela contorce os anéis escamíferos em espiras sinuosas, num salto se recurva em arcos imensos e, erguendo-se mais do que pela metade às leves brisas, lança do alto seu olhar sobre todo o bosque. Ao observá-lo inteiro, verias que seu corpo é tão grande quanto o da Serpente que separa as duplas Ursas. Sem demora, ela ataca os fenícios, quer aprestassem dardos contra ela, quer o próprio temor lhes impedisse ou a fuga ou uma e outra coisa; a uns ela mata a mordidas, a alguns com longo estreitar, a outros bafejando-os com a podridão do funesto veneno.
O sol a pino já estreitara as sombras; o filho de Agenor se pergunta qual seria o motivo da demora dos companheiros e segue no encalço dos homens. Cobrindo-o, havia a pele arrancada a um leão; como arma, lança de ferro resplandecente, dardo e uma coragem superior a qualquer arma. Ao adentrar o bosque, viu os corpos ceifados e, por cima, o inimigo de corpo avantajado lambendo com a língua ensanguentada as míseras feridas. “Vingador de vossa morte serei, peitos fidelíssimos, ou nela vosso companheiro”, disse e ergueu com a destra uma rocha, grande, com grande esforço arremessando-a. Golpeada por ela, ter-se-iam abalado altas muralhas com elevadas torres; a serpente continuou sem ferimento algum, protegida pelas escamas à maneira de couraça; com a dureza da pele negra, repeliu o forte impacto. Mas a mesma dureza não venceu igualmente o dardo, que, no meio de uma curva de seu dorso, cravado na espinha flexível, se deteve, com o ferro afundado inteiro nas vísceras. Ela, enfurecida pela dor, torceu a cabeça em direção ao dorso, observou as feridas, mordeu a hástea cravada e, depois de a sacudir com muita força para todo lado, a custo arrancou-a de seu dorso; o ferro, porém, ficou preso aos ossos. É então que, somada às iras costumeiras a
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quod medio lentae spinae curvamine fixum constitit et totum descendit in ilia ferrum. Ille dolore ferox caput in sua terga retorsit vulneraque adspexit fixumque hastile momordit idque, ubi vi multa partem labefecit in omnem, vix tergo eripuit; ferrum tamen ossibus haesit. Tum vero, postquam solitas accessit ad iras causa recens, plenis tumuerunt guttura venis, spumaque pestiferos circumfluit albida rictus, terraque rasa sonat squamis, quique halitus exit ore niger Stygio, vitiatas inficit auras. Ipse modo inmensum spiris facientibus orbem cingitur, interdum longa trabe rectior adstat impete nunc vasto ceu concitus imbribus amnis fertur et obstantes proturbat pectore silvas. Cedit Agenorides paulum spolioque leonis sustinet incursus instantiaque ora retardat cuspide praetenta. Furit ille et inania duro vulnera dat ferro figitque in acumine dentes. Iamque venenifero sanguis manare palato coeperat et virides adspergine tinxerat herbas: sed leve vulnus erat, quia se retrahebat ab ictu laesaque colla dabat retro plagamque sedere cedendo arcebat nec longius ire sinebat, donec Agenorides coniectum in guttura ferrum usque sequens pressit, dum retro quercus eunti obstitit, et fixa est pariter cum robore cervix. Pondere serpentis curvata est arbor et ima parte flagellari gemuit sua robora caudae. Dum spatium victor victi considerat hostis, vox subito audita est; neque erat cognoscere promptum unde, sed audita est: “Quid, Agenore nate, peremptum serpentem spectas? et tu spectabere serpens.” Ille diu pavidus pariter cum mente colorem perdiderat, gelidoque comae terrore rigebant. Ecce viri fautrix, superas delapsa per auras,
causa recente, o colo se intumesce com veias repletas; escuma alvacenta flui em torno às fauces pestíferas; a terra, rasgada pelas escamas, ressoa; e o negro hálito que lhe sai da boca estígia infecta as brisas contaminadas.
Ora serpenteia em espiras que formam círculo imenso, então mais reta que longo tronco se ergue, agora lança violento ataque, qual, acelerado por chuvas, um rio se precipita e arrasta com o peito as florestas em seu caminho. Recua um pouco o Argenôride e com o espólio de leão sustenta o ataque, retardando as goelas ameaçadoras com a lança estendida à frente. Ela se enfurece, golpeia em vão o duro ferro e crava-lhe na ponta as presas. E já o sangue começara a jorrar do palato venenífero e tingira, num jato, as verdes ervas; mas leve era a ferida, pois que se furtava ao golpe, jogava para trás o colo ferido e recuando impedia que a chaga se aprofundasse e fosse mais além. Finalmente, o Agenôride, tendo-lhe cravado o ferro na goela, sem parar acossando, o afundou, até que um carvalho se antepôs no caminho da que retrocedia: nele se cravou, junto com a lança, a cerviz. Ao peso da serpente, a árvore vergou e gemeu quando a ponta da cauda lhe açoitou a madeira.
Enquanto, vencedor, examinava a corpulência do inimigo vencido, uma voz de repente se ouviu (e não se conseguia distinguir de onde, mas se ouviu): “–Por que, prole de Agenor, contemplas a serpente morta? A ti também contemplarão em forma de serpente”. Ele, por muito tempo aterrorizado, perdera a coragem e a cor, e os cabelos se eriçaram em gélido pavor. Eis que, fautora do herói, deslizando pelas brisas súperas, Palas se faz presente e manda pôr sob a terra removida
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Pallas adest motaeque iubet supponere terrae vipereos dentes, populi incrementa futuri. Paret et, ut presso sulcum patefecit aratro, spargit humi iussos, mortalia semina, dentes. Inde (fide maius) glaebae coepere moveri, primaque de sulcis acies apparuit hastae, tegmina mox capitum picto nutantia cono, mox umeri pectusque onerataque bracchia telis exsistunt, crescitque seges clipeata virorum. Sic ubi tolluntur festis aulaea theatris, surgere signa solent primumque ostendere vultus, cetera paulatim, placidoque educta tenore tota patent imoque pedes in margine ponunt. Territus hoste novo Cadmus capere arma parabat: “ne cape”, de populo, quem terra creaverat, unus exclamat “nec te civilibus insere bellis.” Atque ita terrigenis rigido de fratribus unum comminus ense ferit; iaculo cadit eminus ipse. Hunc quoque qui leto dederat, non longius illo vivit et exspirat modo quas acceperat auras; exemploque pari furit omnis turba, suoque Marte cadunt subiti per mutua vulnera fratres. Iamque brevis vitae spatium sortita iuventus sanguineam tepido plangebat pectore matrem, quinque superstitibus, quorum fuit unus Echion. Is sua iecit humo monitu Tritonidis arma fraternaeque fidem pacis petiitque deditque.
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Hos operis comites habuit Sidonius hospes, cum posuit iussam Phoebeis sortibus urbem.
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Iam stabant Thebae: poteras iam, Cadme, videri exsilio felix. Soceri tibi Marsque Venusque contigerant: huc adde genus de coniuge tanta, tot natos natasque et pignera cara nepotes, hos quoque iam iuvenes. Sed scilicet ultima semper
60 Cadmo.
os dentes vipéreos, progênie de um futuro povo. Obedece e, aberto um sulco ao impelir do arado, esparge na terra os dentes exigidos, semeadura humana. Então (além de toda crença!), as glebas começaram a se movimentar, e, de início, dos sulcos surgiu a ponta de uma lança, logo protetores da cabeça, ondulando em penachos coloridos, logo aparecem ombros, peito e braços carregados de armas, e ganha corpo escudada messe de varões. Assim, quando se erguem as cortinas nos teatros festivos, sói surgirem figuras, primeiro mostrando só o rosto, pouco a pouco o restante; reveladas em plácido ritmo, vão-se mostrando inteiras até porem o pé na extremidade do palco.
Aterrorizado com o novo inimigo, Cadmo se aprestava a pegar em armas; alguém dentre o povo que a terra gerara exclama: “–Não o faças. Não te imiscuas em guerras civis”. E, então, a um dos irmãos terrígenos fere de frente com a dura espada; cai ele mesmo a um dardo lançado de longe. Também quem a esse entregara à morte mais tempo não vive e exala as auras que há pouco recebera. Seguindo o exemplo, enfurece-se toda a turba e, sob um mesmo Marte, sucumbem com mútuas feridas os irmãos recentes. E já, fadada a breve tempo de vida, a juventude golpeava com seu tépido peito a mãe ensanguentada; cinco os supérstites, um deles Equíon. Este, à instigação da Tritônide, lançou por terra suas próprias armas, pedindo e oferecendo compromisso de uma paz fraterna. Fê-los companheiros de labuta o forasteiro sidônio60, ao fundar, sob as ordens de oráculos febeus, uma cidade.
Já se erguia Tebas; podias, já, Cadmo, parecer afortunado pelo exílio. Como sogros te couberam Marte e Vênus; a isso acrescenta a estirpe de tão grandiosa esposa, tantos filhos e filhas e, queridos penhores, netos, estes também jovens, então. Mas, por certo, deve-se aguardar o derradeiro dia do homem: dizer-se feliz antes do trespasse e das últimas honrarias ninguém
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exspectanda dies homini est, dicique beatus ante obitum nemo supremaque funera debet. Actaeon
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Prima nepos inter tot res tibi, Cadme, secundas causa fuit luctus, alienaque cornua fronti addita, vosque canes satiatae sanguine erili. At bene si quaeras, fortunae crimen in illo, non scelus invenies: quod enim scelus error habebat? Mons erat infectus variarum caede ferarum; iamque dies medius rerum contraxerat umbras et sol ex aequo meta distabat utraque, cum iuvenis placido per devia lustra vagantes participes operum compellat Hyantius ore: “Lina madent, comites, ferrumque cruore ferarum, fortunamque dies habuit satis. Altera lucem cum croceis invecta rotis Aurora reducet, propositum repetemus opus; nunc Phoebus utraque distat idem terra finditque vaporibus arva. Sistite opus praesens nodosaque tollite lina.” Iussa viri faciunt intermittuntque laborem. Vallis erat piceis et acuta densa cupressu, nomine Gargaphie, succinctae sacra Dianae. Cuius in extremo est antrum nemorale recessu, arte laboratum nulla: simulaverat artem ingenio natura suo; nam pumice vivo et levibus tofis nativum duxerat arcum. Fons sonat a dextra, tenui perlucidus unda, margine gramineo patulos succinctus hiatus. Hic dea silvarum venatu fessa solebat virgineos artus liquido perfundere rore. Quo postquam subiit, nympharum tradidit uni armigerae iaculum pharetramque arcusque retentos;
deve. Actéon Em meio a tanta prosperidade, Cadmo, foi-te a primeira causa de luto um neto, cornos inauditos despontando na fronte e vós, cadelas, saciadas do sangue heril.61 Mas, se observares bem, encontrarás nele uma culpa da Fortuna, não um crime, afinal, que crime teria o que é um erro? Havia um monte tingido por sangue derramado de feras variadas; já o meio-dia reduzira as sombras de tudo, e o sol distava igualmente de uma e outra meta62, quando um jovem hianteu, com plácida voz, aos companheiros de fadigas que vagavam por desviados rincões, se dirige: “– As redes e o ferro, companheiros, estão úmidos do sangue das feras, e êxito suficiente houve neste dia. Quando uma outra Aurora, em seu carro de rodas cróceas, trouxer de volta a luz, retomaremos a obra combinada; agora Febo dista igualmente de uma e outra meta e com ares quentes fende os campos. Cessai o trabalho atual e recolhei as nodosas redes”. Tais ordens os homens cumprem e interrompem o trabalho. Havia um vale, cerrado de pinhos e afilados ciprestes, de nome Gargáfia, consagrado a Diana de-curtas-vestes. Em seu mais fundo recesso, há uma caverna nemorosa, não trabalhada por arte alguma; simulara arte a natureza com seu próprio engenho, pois em viva pedra-pomes e leves tufos traçara um arco natural. Uma fonte ressoa à destra, cristalina em sua tênue linfa, de boqueirões cingidos por margens relvosas. Aqui a deusa das florestas, esgotada pela caça, soía os membros virginais banhar em límpido rocio. Ao ali chegar, a uma ninfa armígera entregou o dardo, e a fáretra, e os arcos afrouxados; uma outra recebeu nos braços o manto despido. Duas desamarram os laços dos pés. Mais douta que elas, Crócale, a ismênide, ata em nó os cabelos caídos pelo colo, embora ela própria os trouxesse soltos. Recolhem a linfa Néfele, Híale e Rânide, Psécade e Fíale, e a vertem em largos cântaros.
61 Heril: do senhor; as cadelas de Actéon, um descendente de Cadmo, não reconhecerão o patrão, que fora metamorfoseado em cervo, e o dilacerarão. 62 Em vez de terra, no verso 145, preferimos a lição adotada por Tarrant: meta, conforme a edição seguinte: BARCHIESI, Alessando; ROSATI, Gianpiero. Ovidio. Metamorfosi. Volume II. 2ª.ed., Torino: Lorenzo Valla/Arnoldo Mondadori, 2009.
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altera depositae subiecit bracchia pallae, vincla duae pedibus demunt; nam doctior illis Ismenis Crocale sparsos per colla capillos conligit in nodum, quamvis erat ipsa solutis. Excipiunt laticem Nepheleque Hyaleque Rhanisque et Psecas et Phiale funduntque capacibus urnis. Dumque ibi perluitur solita Titania lympha, ecce nepos Cadmi dilata parte laborum per nemus ignotum non certis passibus errans pervenit in lucum: sic illum fata ferebant. Qui simul intravit rorantia fontibus antra, sicut erant, viso nudae sua pectora nymphae percussere viro, subitisque ululatibus omne implevere nemus circumfusaeque Dianam corporibus texere suis; tamen altior illis ipsa dea est colloque tenus supereminet omnes. Qui color infectis adversi solis ab ictu nubibus esse solet aut purpureae aurorae, is fuit in vultu visae sine veste Dianae. Quae quamquam comitum turba est stipata suarum, in latus obliquum tamen adstitit oraque retro flexit, et ut vellet promptas habuisse sagittas, quas habuit sic hausit aquas vultumque virilem perfudit, spargensque comas ultricibus undis addidit haec cladis praenuntia verba futurae: “Nunc tibi me posito visam velamine narres, si poteris narrare, licet.” Nec plura minata dat sparso capiti vivacis cornua cervi, dat spatium collo summasque cacuminat aures, cum pedibusque manus, cum longis bracchia mutat cruribus et velat maculoso vellere corpus. Additus et pavor est. Fugit Autonoeius heros et se tam celerem cursu miratur in ipso. Ut vero vultus et cornua vidit in unda, “me miserum!” dicturus erat: vox nulla secuta est.
63 Era proverbial o medo que os cervos demonstravam.
Enquanto ali se banha na costumeira linfa a Titânia, eis que o neto de Cadmo, adiada parte dos trabalhos, errando pelo bosque ignoto a passos incertos, chega ao luco; assim o levavam os fados. Logo que entrou nas grutas orvalhadas pelas fontes, avistado o homem, nuas como estavam, as ninfas golpearam o próprio peito, de uivos súbitos enchendo todo o bosque, circundaram Diana e a cobriram com seus corpos. No entanto, a própria deusa é mais alta que elas; do colo para cima se sobreleva às outras. Qual sói ser a cor das nuvens tingidas pelo raio do sol a sua frente ou a da púrpura Aurora, tal foi a do vulto de Diana vista sem as vestes.
Embora rodeada pela multidão de companheiras, inclinou-se, entretanto, para o lado, virou para trás o rosto e, desejando ter as setas à mão, o que tinha, águas, pegou e verteu sobre a face do homem, aspergindo-lhe as comas com o líquido ultriz. Ajuntou estas palavras prenunciadoras da desgraça iminente: “– Agora podes contar que me viste sem véu, se fores capaz de contar”. Sem mais ameaças, dá-lhe à cabeça respingada cornos de um cervo longevo, dá extensão ao colo e afila a ponta das orelhas, transforma mãos em pés, braços em longas pernas e recobre o corpo de pelagem malhada; acresceu-se também o pavor63. Foge o herói autoneu e, no próprio abalar, admira-se de ser tão célere. Quando, porém, viu as feições e os cornos na água: “Ai de mim!”, ia dizer; voz alguma lhe veio. Gemeu – foi essa a sua voz –; lágrimas escorreram por faces não suas; só a mente de antes permaneceu. Que fazer? Voltar para a casa e os tetos reais ou esconder-se nas florestas? Isto lho veda o temor; aquilo, o pudor.
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Ingemuit: vox illa fuit, lacrimaeque per ora non sua fluxerunt; mens tantum pristina mansit. Quid faciat? repetatne domum et regalia tecta an lateat silvis? pudor hoc, timor impedit illud. Dum dubitat, videre canes. Primumque Melampus Ichnobatesque sagax latratu signa dedere, Gnosius Ichnobates, Spartana gente Melampus. Inde ruunt alii rapida velocius aura, Pamphagus et Dorceus et Oribasus, Arcades omnes, Nebrophonusque valens et trux cum Laelape Theron et pedibus Pterelas et naribus utilis Agre, Hylaeusque ferox, nuper percussus ab apro, deque lupo concepta Nape, pecudesque secuta Poemenis et natis comitata Harpyia duobus, et substricta gerens Sicyonius ilia Ladon, et Dromas et Canache Sticteque et Tigris et Alce et niveis Leucon et villis Asbolus atris praevalidusque Lacon et cursu fortis Aello et Thous et Cyprio velox cum fratre Lycisce, et nigram medio frontem distinctus ab albo Harpalos, et Melaneus hirsutaque corpore Lachne, et patre Dictaeo, sed matre Laconide nati Labros et Argiodus, et acutae vocis Hylactor, quosque referre mora est. Ea turba cupidine praedae per rupes scopulosque adituque carentia saxa, quaque est difficilis quaque est via nulla, sequuntur. Ille fugit per quae fuerat loca saepe secutus, heu famulos fugit ipse suos. Clamare libebat “Actaeon ego sum, dominum cognoscite vestrum!” Verba animo desunt: resonat latratibus aether. Prima Melanchaetes in tergo vulnera fecit, proxima Therodamas, Oresitrophus haesit in armo: tardius exierant, sed per compendia montis anticipata via est. Dominum retinentibus illis, cetera turba coit confertque in corpore dentes.
Enquanto hesitava, viram-no os cães e, primeiro, Melampo e Icnóbata debom-faro, latindo, deram o sinal. Icnóbata, de Gnosso; Melampo, de estirpe espartana. Então ruem os outros, mais velozes que a rápida brisa. Pânfago, e Dorceu, e Oríbaso, árcades todos; o valente Nebrófone e o fero Têron, com Lélape; e, nas patas de boa serventia, Ptérelas, nas narinas, Agre; e Hileu, há pouco ferido por feroz javali; e, de loba concebida, Nape; e a guardadora de rebanhos, Pemênide; e Harpia, acompanhada dos dois filhotes; e o siciônio Ládon, de ilhargas estreitas; e Drômade, e Cânaque, e Esticte, e Tigre, e Alce; e, de níveos pelos, Lêucon, e, de negros, Ásbolo; e o mais vigoroso, Lácon, e o forte na corrida, Aelo; e Toos, e a veloz Licisca ao lado do irmão Cíprio; e, distinguindo-se pelo branco no centro da fronte negra, Hárpalos; e Melaneu, e, de corpo peludo, Lacne, e os nascidos de pai dicteu, mas de mãe lacônia, Labros e Argíodo; e Hiláctor, de voz esganiçada; e os que mencionar demoraria. Essa turba, ávida pela presa, através de pedras e rochas e penedos sem acesso – por onde é difícil o caminho, por onde ele não existe – vai-lhe no encalço.
Ele foge por lugares que amiúde percorrera, ai!: foge de seus próprios servidores. Desejava gritar: “Eu sou Actéon, reconhecei vosso dono!”, as palavras abandonam a vontade; ressoa com latidos o éter. Melanquetes foi quem primeiro lhe feriu o dorso; logo em seguida, Terodamas; Oresítrofo abocanhou-lhe a espádua (tinham saído mais tarde, porém, por atalhos da montanha, encurtou-se o caminho).64 Enquanto eles retinham o senhor, o resto da turba chega em bando e crava-lhe os dentes no corpo. Já faltam lugares para as feridas; geme ele e emite um som, embora não de ser humano, tal, porém, que um cervo não poderia proferir, enchendo de aflitas
64 Ironicamente, só aqui se mencionam os cães que chegaram primeiro a Actéon, cujos nomes não constam da longa lista do “catálogo”.
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Iam loca vulneribus desunt. Gemit ille sonumque, etsi non hominis, quem non tamen edere possit cervus habet, maestisque replet iuga nota querellis. Et genibus pronis supplex similisque roganti circumfert tacitos tamquam sua bracchia vultus. At comites rapidum solitis hortatibus agmen ignari instigant oculisque Actaeona quaerunt et velut absentem certatim Actaeona clamant (ad nomen caput ille refert), et abesse queruntur nec capere oblatae segnem spectacula praedae. Vellet abesse quidem, sed adest; velletque videre, non etiam sentire canum fera facta suorum. Undique circumstant mersisque in corpore rostris dilacerant falsi dominum sub imagine cervi. Semele
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Rumor in ambiguo est: aliis violentior aequo visa dea est, alii laudant dignamque severa virginitate vocant; pars invenit utraque causas. Sola Iovis coniunx non tam culpetne probetne eloquitur, quam clade domus ab Agenore ductae gaudet et a Tyria conlectum paelice transfert in generis socios odium. Subit ecce priori causa recens, gravidamque dolet de semine magni esse Iovis Semelen. Dum linguam ad iurgia solvit, “profeci quid enim totiens per iurgia?” dixit: “ipsa petenda mihi est, ipsam, si maxima Iuno rite vocor, perdam, si me gemmantia dextra sceptra tenere decet, si sum regina Iovisque et soror et coniunx, certe soror. At, puto, furto est contenta, et thalami brevis est iniuria nostri: concipit, id deerat! manifestaque crimina pleno fert utero, et mater, quod vix mihi contigit uno de Iove vult fieri: tanta est fiducia formae. Fallat eam faxo; nec sum Saturnia, si non ab Iove mersa suo Stygias penetrabit in undas.”
queixas os conhecidos picos, e de joelhos dobrados, súplice e aparentando implorar, circungira seu rosto tácito como se braços seus estendesse.
Mas os companheiros, ignaros, com a instigação costumeira, ao rábido batalhão incitam, com os olhos buscam Actéon e, como se ausente fora, gritam, à porfia, “Actéon!” (ao nome ele reage, voltando a cabeça), queixamse por ele estar ausente e não gozar, por preguiça, o espetáculo da presa obtida. Gostaria de estar ausente, por certo; mas está presente; e gostaria de ver, mas não sentir na pele os feros feitos de seus cães. Por toda a parte o rodeiam e, mergulhando os focinhos no corpo, dilaceram o senhor sob a aparência de um falso cervo. Enquanto não findou a vida através de muitíssimas feridas, diz-se, a ira de Diana portadora-de-aljava não se saciou. Sêmele As opiniões divergem: a uns mais violenta do que o justo pareceu a deusa; outros a louvam e chamam digna de sua austera virgindade; uma e outra parte tem suas razões. Só a esposa de Jove não diz se culpa ou se aprova, mas com a desgraça da casa originada de Agenor se alegra e transfere aos membros da estirpe o ódio provocado pela rival tíria. Eis que se introduz à causa antiga uma recente: dói-se porque Sêmele está grávida da semente do grande Jove. Quando soltou a língua para as censuras, disse: “– De que me adiantaram tão frequentes querelas? Devo com ela própria me haver pessoalmente; a ela própria, se com razão me chamo Juno Máxima, porei a perder, se na destra sou digna de empunhar cetros cravejados de pedraria, se sou rainha e de Jove ao mesmo tempo irmã e esposa – irmã, com certeza. Mas, penso, ela se contenta com uma aventura, e breve é a ofensa ao nosso tálamo. Concebe (só faltava isso!): a culpa manifesta carrega no ventre pleno e deseja tornar-se mãe (o que a custo me coube) só de Jove: tanto se fia na formosura! Farei que ele a engane; não sou a Satúrnia, se ela não adentrar nas ondas estígias, mergulhada ali pelo seu querido Jove”.
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Surgit ab his solio fulvaque recondita nube limen adit Semeles. Nec nubes ante removit, quam simulavit anum posuitque ad tempora canos sulcavitque cutem rugis et curva trementi membra tulit passu; vocem quoque fecit anilem, ipsaque erat Beroe, Semeles Epidauria nutrix. Ergo ubi captato sermone diuque loquendo ad nomen venere Iovis, suspirat et “opto, Iuppiter ut sit” ait: “metuo tamen omnia: multi nomine divorum thalamos iniere pudicos. Nec tamen esse Iovem satis est: det pignus amoris, si modo verus is est, quantusque et qualis ab alta Iunone excipitur, tantus talisque, rogato, det tibi complexus suaque ante insignia sumat.” Talibus ignaram Iuno Cadmeida dictis formarat. Rogat illa Iovem sine nomine munus. Cui deus “elige” ait: “nullam patiere repulsam. Quoque magis credas, Stygii quoque conscia sunto numina torrentis: timor et deus ille deorum est“. Laeta malo nimiumque potens perituraque amantis obsequio Semele “qualem Saturnia” dixit “te solet amplecti, Veneris cum foedus initis, da mihi te talem.” Voluit deus ora loquentis opprimere: exierat iam vox properata sub auras. Ingemuit; neque enim non haec optasse, neque ille non iurasse potest. Ergo maestissimus altum aethera conscendit vultuque sequentia traxit nubila, quis nimbos inmixtaque fulgura ventis addidit et tonitrus et inevitabile fulmen. Qua tamen usque potest, vires sibi demere temptat; nec, quo centimanum deiecerat igne Typhoea, nunc armatur eo: nimium feritatis in illo est. Est aliud levius fulmen, cui dextra Cyclopum saevitiae flammaeque minus, minus addidit irae; tela secunda vocant superi. Capit illa, domumque intrat Agenoream. Corpus mortale tumultus
65 O futuro deus Baco ou Dioniso.
Depois disso, ergue-se do trono e, oculta em nuvem fulva, chega à porta de Sêmele, não removendo as nuvens antes de se disfarçar de velha, dispor cãs nas têmporas, sulcar a pele de rugas e arrastar com passo tremente os membros recurvados; forjou também voz de velha, e era Béroe em pessoa, a nutriz epidáuria de Sêmele. Assim, quando, entabulada a conversa, falando por muito tempo, tocaram no nome de Jove, suspira e diz: “–Desejo que seja realmente Júpiter, mas receio tudo; muitos, em nome de deuses, adentraram tálamos castos. E não basta que seja Jove; dê uma garantia de seu amor, se é mesmo ele, o verdadeiro; apresente-se grandioso e qual é recebido pela alta Juno; que tamanho e tal, roga, te dê abraços e empunhe antes suas insígnias”.
Com tais ditos Juno manipulara a inexperiente cadmeia; roga ela a Jove a concessão de um favor não especificado. A ela o deus disse: “–Escolhe, não sofrerás recusa alguma. E para que mais o creias, sejam também testemunhas os numes da corrente estígia, temor e deus dos deuses.” Alegre com sua desgraça, demasiado poderosa e perecedoura por obséquio do amante, disse Sêmele: “–Qual sói a Satúrnia te abraçar, ao vos submeterdes às leis de Vênus, tal a mim te apresenta”. Desejou o deus cerrar os lábios da que falava: já escapara a voz, precipitada nas brisas. Gemeu: ela não pode não ter feito o pedido, nem ele não ter jurado. Assim, aflitíssimo, alçou-se ao alto éter; com um olhar, atraiu um séquito de nuvens, às quais juntou nimbos e relâmpagos misturados a ventos, e trovões, e o inescapável raio. Na medida do possível, tenta de si mesmo retirar poderes e não se arma, agora, com o fogo que abatera o centímano Tifeu; neste demasiada ferocidade há. Há um outro raio mais fraco, ao qual a destra dos Ciclopes acresceu violência e chama menor, menor ira. Armas secundárias, chamam-no os deuses. Toma-as e entra na casa de Agenor. O corpo mortal não suportou os turbilhões etéreos e ardeu com os dons conjugais. A criança65, não de todo formada, é arrancada ao ventre da genitora e, frágil, costurada à coxa paterna (se é digno de fé), onde cumpre o tempo da gestação. Às ocultas, Ino, a tia, nos primeiros tempos de
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non tulit aetherios donisque iugalibus arsit. Imperfectus adhuc infans genetricis ab alvo eripitur, patrioque tener (si credere dignum est) insuitur femori maternaque tempora complet.
berço o cria; depois, deram-no às ninfas niseidas, que o esconderam em suas grutas e o alimentaram com leite.
Furtim illum primis Ino matertera cuuis educat: inde datum nymphae Nyseides antris occuluere suis lactisque alimenta dedere. Tiresias 315
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Dumque ea per terras fatali lege geruntur tutaque bis geniti sunt incunabula Bacchi, forte Iovem memorant, diffusum nectare, curas seposuisse graves vacuumque agitasse remissos cum Iunone iocos et “maior vestra profecto est, quam quae contingit maribus” dixisse “voluptas.” Illa negat. Placuit quae sit sententia docti quaerere Tiresiae: venus huic erat utraque nota. Nam duo magnorum viridi coeuntia silva corpora serpentum baculi violaverat ictu; deque viro factus (mirabile) femina septem egerat autumnos. Octavo rursus eosdem vidit, et “est vestrae si tanta potentia plagae” dixit “ut auctoris sortem in contraria mutet, nunc quoque vos feriam.” Percussis anguibus isdem forma prior rediit genetivaque venit imago. Arbiter hic igitur sumptus de lite iocosa dicta Iovis firmat. Gravius Saturnia iusto nec pro materia fertur doluisse, suique iudicis aeterna damnavit lumina nocte. At pater omnipotens (neque enim licet inrita cuiquam facta dei fecisse deo) pro lumine adempto scire futura dedit, poenamque levavit honore. Narcissus. Echo
Tirésias Enquanto tais coisas pelas terras ocorrem por lei dos fados e em segurança está a puerícia do bigênito Baco, aconteceu de Jove, dizem, alegrado pelo néctar, ter deixado as graves inquietações e com Juno, despreocupada, ter-se entregado a jogos relaxantes; teria dito: “ – É sem dúvida maior o vosso prazer do que aquele que cabe aos machos”. Ela nega. Decidem consultar qual seria o parecer do experiente Tirésias; dele era conhecida uma e outra Vênus. De fato, ferira, com um golpe do báculo, dois corpos de grandes serpentes que se uniam em verde floresta. De homem tornado (espantoso!) mulher, sete outonos assim transcorrera; no oitavo, de novo as viu e disse: “– Se tão grande é o poder da chaga feita a vós a ponto de inverter a condição de seu autor, agora também vos ferirei”. Golpeadas as mesmas cobras, a forma anterior retornou, e sobreveio a aparência original. Tomado como árbitro em jocosa lide, confirma as palavras de Jove. Mais seriamente do que o justo e do que convinha à ocasião, a Satúrnia, contam, ressentiu-se e condenou os luzeiros do juiz a noite eterna. Mas o pai onipotente (pois não é lícito a nenhum deus revogar os atos de um deus), em compensação pela luz arrancada aos olhos, concedeu-lhe saber o futuro e, com essa honraria, aliviou a pena.
Narciso. Eco
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Ille per Aonias fama celeberrimus urbes inreprehensa dabat populo responsa petenti. Prima fide vocisque ratae temptamina sumpsit caerula Liriope. Quam quondam flumine curvo implicuit clausaeque suis Cephisus in undis vim tulit. Enixa est utero pulcherrima pleno infantem, nymphis iam tunc qui posset amari, Narcissumque vocat. De quo consultus, an esset tempora maturae visurus longa senectae, fatidicus vates “si se non noverit” inquit. Vana diu visa est vox auguris: exitus illam resque probat letique genus novitasque furoris. Namque ter ad quinos unum Cephisius annum addiderat poteratque puer iuvenisque videri: multi illum iuvenes, multae cupiere puellae. Sed fuit in tenera tam dura superbia forma: nulli illum iuvenes, nullae tetigere puellae. Adspicit hunc trepidos agitantem in retia cervos vocalis nymphe, quae nec reticere loquenti, nec prior ipsa loqui didicit, resonabilis Echo. Corpus adhuc Echo, non vox erat; et tamen usum garrula non alium, quam nunc habet, oris habebat, reddere de multis ut verba novissima posset. Fecerat hoc Iuno, quia, cum deprendere posset cum Iove saepe suo nymphas in monte iacentes, illa deam longo prudens sermone tenebat, dum fugerent nymphae. Postquam Saturnia sensit “huius” ait “linguae, qua sum delusa, potestas parva tibi dabitur vocisque brevissimus usus”: reque minas firmat. Tamen haec in fine loquendi ingeminat voces auditaque verba reportat. Ergo ubi Narcissum per devia rura vagantem vidit et incaluit, sequitur vestigia furtim, quoque magis sequitur, flamma propiore calescit, non aliter, quam cum summis circumlita taedis
66 Completara, pois, dezesseis anos.
Ele, pelas cidades aônias, tornado uma celebridade pela fama, dava ao povo que o consultava respostas irrepreensíveis; a primeira a verificar a veracidade e ratificar-lhe os ditos foi a cerúlea Liríope, que um dia, na corrente curva, Céfiso envolveu e a quem, encerrada em suas ondas, fez violência. Gerou, do ventre pleno, a ninfa belíssima, a um menino, já então digno de se amar, e o chama Narciso. Consultado se ele veria tempos longos de uma velhice avançada, o fatídico vate disse: “se não se conhecer”. Por muito tempo pareceu vã a voz do áugure; o desfecho e os acontecimentos a comprovam, bem como o tipo de morte e o furor sem precedentes.
Eis que o cefísio acrescera aos três lustros mais um ano66 e podia parecer menino e jovem. Muitos jovens, muitas meninas o desejaram, mas (havia em delicada forma tão dura soberba) nenhum jovem, nenhuma menina o tocou. Avista-o, lançando redes aos trêmulos cervos, a ninfa toda voz, que não aprendeu a se calar quando alguém fala, nem fala ela própria por primeiro, a ressoante Eco. Tinha corpo então Eco, não era voz, e apesar de gárrula não tinha outro uso para a voz que o de agora, capaz somente de reproduzir, dentre muitas, só as ultimíssimas palavras. Obra de Juno, que, podendo a deusa surpreender amiúde ninfas jazendo com o seu Jove na montanha, aquela, astuta, retinha com longa conversa, até que as ninfas fugissem. Depois que a Satúrnia o percebeu, disse:
“–A esta tua língua que me enganou será dado poder limitado e brevíssimo uso da voz”. Confirma as ameaças tornando-as realidade; ao fim de uma fala ela tão somente duplica os sons e repete palavras já ouvidas. Então, quando a Narciso vagando por campos ínvios, viu, e ardeu, passou a seguir-lhe as pegadas furtivamente e, quanto mais segue, de uma chama mais próxima arde, não diversamente do que quando, esfregado na extremidade das tochas, o vívido enxofre arrebata as chamas que lhe foram
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admotas rapiunt vivacia sulphura flammas. O quotiens voluit blandis accedere dictis et molles adhibere preces: natura repugnat nec sinit incipiat. Sed, quod sinit, illa parata est exspectare sonos, ad quos sua verba remittat. Forte puer comitum seductus ab agmine fido, dixerat “ecquis adest?” et “adest!” responderat Echo. Hic stupet, utque aciem partes dimittit in omnes, voce “veni!” magna clamat: vocat illa vocantem. Respicit et rursus nullo veniente “quid” inquit “me fugis?” et totidem, quot dixit, verba recepit. Perstat et, alternae deceptus imagine vocis, “huc coeamus!” ait: nullique libentius umquam responsura sono “coeamus” rettulit Echo, et verbis favet ipsa suis egressaque silva ibat, ut iniceret sperato bracchia collo. Ille fugit fugiensque “manus complexibus aufer: ante” ait “emoriar, quam sit tibi copia nostri.” Rettulit illa nihil nisi “sit tibi copia nostri.” Spreta latet silvis pudibundaque frondibus ora protegit et solis ex illo vivit in antris. Sed tamen haeret amor crescitque dolore repulsae. Extenuant vigiles corpus miserabile curae, adducitque cutem macies et in aera sucus corporis omnis abit. Vox tantum atque ossa supersunt: vox manet; ossa ferunt lapidis traxisse figuram. inde latet silvis nulloque in monte videtur; omnibus auditur: sonus est, qui vivit in illa.
avizinhadas. Oh! Quantas vezes desejou achegar-se com palavras ternas e empregar comovedoras súplicas! A natureza resiste e não lhe permite começar; mas (o que permite) ela se põe à espera dos sons com que possa referir palavras suas. Por acaso o menino, separado do grupo fiel de companheiros, dissera: “Alguém me segue?” e “segue” respondera Eco. Ele se espanta e depois de lançar o olhar por toda parte, grita em alta voz: “Vem!”; invoca, então, ela o invocador. Diz ele: “Por que de mim foges?” e as mesmas palavras que dissera recebeu de volta. Insiste e, enganado pela aparência de um alternar de vozes, diz: “Aqui nos unamos”, e, jamais havendo de responder a som algum com maior prazer, “nos unamos”, ressoou Eco. Secundando suas palavras, egressa da floresta, ela caminha para lançar os braços ao suspirado colo. Ele foge e fugindo diz: “Retira as mãos para os abraços”; que eu morra antes de teres desfrute sobre nós”. Nada reproduziu ela senão: “desfrute sobre nós”. Desprezada se esconde nas florestas e em frondes protege as faces coradas de pudor e desde então só vive em grutas. No entanto, apega-se-lhe o amor e cresce com a dor da rejeição. Afinam, vígiles, seu corpo miserável, as inquietações; resseca-lhe a pele a magreza; e ao ar se esvai todo o humor corporal. A voz, tão só, e ossos restam: a voz permanece; os ossos, dizem, tomam forma de pedra. Desde então, esconde-se em florestas e não é vista em monte algum, de todos ouvida: é o som que nela vive.
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Sic hanc, sic alias undis aut montibus ortas luserat hic nymphas, sic coetus ante viriles. Inde manus aliquis despectus ad aethera tollens “sic amet ipse licet sic non potiatur amato!” dixerat. Adsensit precibus Rhamnusia iustis.
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Fons erat inlimis, nitidis argenteus undis, quem neque pastores neque pastae monte capellae contigerant aliudve pecus, quem nulla volucris nec fera turbarat nec lapsus ab arbore ramus.
Assim a esta, assim a outras ninfas nascidas das ondas ou montes ele desiludira; assim, antes, ao cortejar viril. Então, alguém, desprezado, alçando as mãos ao éter, disse: “ –Que ele próprio da mesma forma ame, da mesma forma não possua o ser amado”. Dissera: assentiu às justas preces a Ramnúsia. Havia uma fonte límpida, argêntea em suas águas cristalinas; nem pastores nem cabritas apascentadas na montanha ou outro gado a tinham tocado; nenhuma ave nem fera a turvara, nem, caído de árvore, algum ramo. Ao redor, havia relva, que o líquido próximo nutria, e a floresta impedia que
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Gramen erat circa, quod proximus umor alebat, silvaque sole locum passura tepescere nullo. Hic puer, et studio venandi lassus et aestu, procubuit faciemque loci fontemque secutus. dumque sitim sedare cupit, sitis altera crevit. Dumque bibit, visae correptus imagine formae spem sine corpore amat: corpus putat esse, quod unda est adstupet ipse sibi, vultuque inmotus eodem haeret, ut e Pario formatum marmore signum. Spectat humi positus geminum, sua lumina, sidus et dignos Baccho, dignos et Apolline crines impubesque genas et eburnea colla decusque oris et in niveo mixtum candore ruborem, cunctaque miratur, quibus est mirabilis ipse. Se cupit imprudens et qui probat, ipse probatur, dumque petit, petitur, pariterque accendit et ardet. Inrita fallaci quotiens dedit oscula fonti! In mediis quotiens visum captantia collum bracchia mersit aquis, nec se deprendit in illis! Quid videat, nescit: sed quod videt, uritur illo, atque oculos idem, qui decipit, incitat error. Credule, quid frusta simulacra fugacia captas? quod petis, est nusquam; quod amas, avertere, perdes. Ista repercussae, quam cernis, imaginis umbra est: nil habet ista sui; tecum venitque manetque, tecum discedet, si tu discedere possis.
o lugar se aquecesse a sol algum. Aqui, o menino, cansado do empenho na caça e do calor, estendeu-se, atraído pelo aspecto do lugar e pela fonte. E enquanto a sede saciar deseja, outra sede nasceu; enquanto bebe, arrebatado pela imagem da forma avistada, ama ilusão incorpórea, julga ser corpo o que é água. Fascina-se consigo mesmo e, imóvel, fixa o olhar no mesmo rosto seu, como estátua modelada em mármore pário. Contempla, estendido no chão, o dúplice astro, seus luzeiros, e os cabelos dignos de Baco, dignos também de Apolo, as faces impúberes, o colo ebúrneo, a formosura da boca e, em nívea brancura, a mescla de rubor. Admira tudo o que faz dele próprio admirável. A si mesmo deseja, imprudente, e quem louva é ele mesmo o louvado e, e enquanto atrai, é atraído e igualmente incendeia e arde. Vãos beijos quantas vezes não deu na fonte falaz! No meio, quantas vezes mergulhou os braços, entre as águas, tentando abraçar o colo entrevisto, sem reter a si próprio neles! O que está vendo, não sabe, mas com o que está vendo se abrasa. O mesmo erro que engana os olhos incita-os. Ingênuo, por que buscas em vão fugazes simulacros? O que buscas não está em parte algum; o que amas, afasta-te: perderás. Isso que vês é sombra de uma imagem refletida. Nada tem de seu: contigo vem e fica, contigo se irá, se é que poderias ir-te daqui.
Non illum Cereris, non illum cura quietis abstrahere inde potest, sed opaca fusus in herba spectat inexpleto mendacem lumine formam, perque oculos perit ipse suos; paulumque levatus ad circumstantes tendens sua bracchia silvas “ecquis, io silvae, crudelius” inquit “amavit? Scitis enim, et multis latebra opportuna fuistis. Ecquem, cum vestrae tot agantur saecula vitae, qui sic tabuerit, longo meministis in aevo? Et placet et video; sed quod videoque placetque, non tamen invenio: tantus tenet error amantem. Quoque magis doleam, nec nos mare separat ingens,
A ele nem os cuidados de Ceres, nem o do repouso podem tirar dali, mas, estendido na relva sombreada, contempla com olhar insaciável a forma mendaz e por seus próprios olhos se perde a si; erguendo-se um pouco, às florestas circunstantes, estendendo os braços diz: “–Acaso alguém, ó florestas, mais cruelmente amou? Sabeis, por certo, e para muitos fostes refúgio oportuno. Acaso lembrais de alguém – tantos séculos de vida contais! – que, em tão longo tempo, assim se tenha consumido? Atrai, e vejo, mas o que vejo e atrai, porém, não encontro – tão grande erro toma conta do amante! E algo faz maior a dor: não nos separa ingente mar, nem via, nem montes, nem muralhas de cerrados portões; por escassa água somos impedidos. Ele deseja ser abraçado: todas as vezes que
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nec via nec montes nec clausis moenia portis: exigua prohibemur aqua. Cupit ipse teneri: nam quotiens liquidis porreximus oscula lymphis, 450 hic totiens ad me resupino nititur ore. Posse putes tangi: minimum est, quod amantibus obstat. Quisquis es, huc exi! quid me, puer unice, fallis, quove petitus abis? certe nec forma nec aetas est mea quam fugias, et amarunt me quoque nymphae. 455 Spem mihi nescio quam vultu promittis amico, cumque ego porrexi tibi bracchia, porrigis ultro: cum risi, adrides; lacrimas quoque saepe notavi me lacrimante tuas, nutu quoque signa remittis, et quantum motu formosi suspicor oris, 460 verba refers aures non pervenientia nostras. Iste ego sum: sensi, nec me mea fallit imago. Uror amore mei, flammas moveoque feroque. Quid faciam? roger, anne rogem? quid deinde rogabo? quod cupio mecum est: inopem me copia fecit. 465 O utinam a nostro secedere corpore possem! Votum in amante novum: vellem quod amamus abesset! — Iamque dolor vires adimit, nec tempora vitae longa meae superant, primoque exstinguor in aevo. Nec mihi mors gravis est posituro morte dolores: 470 hic, qui diligitur, vellem diuturnior esset. Nunc duo concordes anima moriemur in una.”
oferecemos beijos à límpida linfa, outras tantas ele se dirige a mim inclinando a face. Julgarias que se pode tocá-lo; é mínimo o que obsta aos amantes. Quem quer que sejas, vem para fora! Por que, menino singular, me enganas ou para onde te retiras quando te busco? Por certo, não é minha aparência, nem idade que te fazem fugir; amaram-me até mesmo ninfas. Dás-me esperança com não sei que semblante amigo e, quando estendo a ti os braços, estendes também; quando sorrio, sorris em resposta; notei amiúde lágrimas, também, quando eu chorava: tuas. A um aceno, respondes também com sinais e, ao que suspeito pelo mover-se de tua boca formosa, proferes palavras que não alcançam nossos ouvidos... Esse sou eu! Compreendi, e a mim minha imagem não mais engana. Ardo do amor de mim; chamas ateio e sinto. Que fazer? Receber súplicas ou suplicar? O que, afinal, suplicarei? O que desejo está em mim; a riqueza me fez miserável. Ah! pudesse eu me retirar deste nosso corpo! Desejo inédito em amante: queria que estivesse afastado o que amamos. E já a dor me tira forças, não restam tempos longos para minha vida; extingo-me na flor da idade. Nem a morte me é um peso: com a morte deporei as dores; gostaria que este, que é amado, fosse mais duradouro. Agora, os dois morreremos, corações unidos numa só alma.”
Dixit et ad faciem rediit male sanus eandem et lacrimis turbavit aquas, obscuraque moto reddita forma lacu est. Quam cum vidisset abire, “quo refugis? remane, nec me, crudelis, amantem desere!” clamavit: “liceat, quod tangere non est, adspicere et misero praebere alimenta furori.” Dumque dolet, summa vestem deduxit ab ora nudaque marmoreis percussit pectora palmis. Pectora traxerunt tenuem percussa ruborem, non aliter quam poma solent, quae candida parte, parte rubent, aut ut variis solet uva racemis ducere purpureum nondum matura colorem. Quae simul adspexit liquefacta rursus in unda,
Disse e à mesma face voltou, desvairado; com lágrimas turvou as águas e, ao agitar-se do lago, ensombreceu-se a forma. Ao vê-la ir-se:
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“– Onde te refugias? Fica e não abandones, cruel, ao amante”, clamou. “Seja permitido contemplar o que não se pode tocar e dar alimento ao infeliz furor”. Enquanto lamentava, tirou por cima as vestes e o descoberto peito golpeou com as palmas marmóreas. O peito produziu, golpeado, um róseo rubor, não diverso do que soem as maçãs, brancas numa parte, em outra rubras, ou como a uva aos cachos variados sói trazer, ainda não madura, purpúrea cor. Tão logo viu isso na onda de novo límpida, não suportou mais: assim
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non tulit ulterius, sed ut intabescere flavae igne levi cerae matutinaeque pruinae sole tepente solent, sic attenuatus amore liquitur et tecto paulatim carpitur igni. Et neque iam color est mixto candore rubori, nec vigor et vires et quae modo visa placebant, nec corpus remanet, quondam quod amaverat Echo. Quae tamen ut vidit, quamvis irata memorque, indoluit, quotiensque puer miserabilis “eheu” dixerat, haec resonis iterabat vocibus “eheu”; cumque suos manibus percusserat ille lacertos, haec quoque reddebat sonitum plangoris eundem. Ultima vox solitam fuit haec spectantis in undam, “heu frustra dilecte puer!” totidemque remisit verba locns, dictoque vale “vale!” inquit et Echo. Ille caput viridi fessum submisit in herba; lumina mors clausit domini mirantia formam. Tunc quoque se, postquam est inferna sede receptus, in Stygia spectabat aqua. Planxere sorores naides et sectos fratri posuere capillos, planxerunt dryades: plangentibus adsonat Echo. Iamque rogum quassasque faces feretrumque parabant: nusquam corpus erat; croceum pro corpore florem inveniunt, foliis medium cingentibus albis. Pentheus
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Cognita res meritam vati per Achaidas urbes attulerat famam, nomenque erat auguris ingens. Spernit Echionides tamen hunc ex omnibus unus, contemptor superum, Pentheus, praesagaque ridet verba senis tenebrasque et cladem lucis ademptae obicit. Ille movens albentia tempora canis “quam felix esses, si tu quoque luminis huius orbus” ait “fieres, ne Bacchica sacra videres! Namque dies aderit, quam non procul auguror esse, qua novus huc veniat, proles Semeleia, Liber;
como a flava cera a um leve fogo sói derreter-se e a geada matutina ao sol tepente, consumido pelo amor, liquefaz-se e pouco a pouco é devorado por um fogo oculto. Já não há a cor rubra mesclada à brancura, nem o vigor e forças, nem resta o que, visto apenas, seduzia, o corpo outrora amado por Eco.
Quando ela o viu, porém, embora irada e lembrada, condoeu-se e todas as vezes que o menino infeliz dizia “ai!”, ela com voz ressoante repetia: “ai!”. Quando ele com as mãos golpeava seus braços, ela também reproduzia o mesmo som da pancada. Foi esta a última voz do que se contemplava na sólita onda: “– Ai, menino amado em vão!” – e o lugar reproduziu todas as palavras, e dito “adeus”, “adeus” proferiu também Eco. Ele deitou na verde relva a cabeça fatigada; aos luzeiros que admiravam a beleza de seu dono a morte cerrou. Ainda então, depois de acolhido na sede infernal, a si continuava a contemplar na água estígia. Prantearam-no as irmãs Naides e ao irmão dedicaram os cabelos cortados; prantearam-no as Dríades. Ao pranto ressoa em resposta Eco. E já aprestavam a pira, os agitados fachos e o féretro: em parte alguma estava o corpo. Dourada flor encontram, em lugar do corpo, de pétalas alvas cingindo-lhe o miolo. Penteu Conhecida, a história trouxera ao vate merecida fama através das cidades acaias, e sua reputação de áugure era imensa. Desdenha-o, porém, único dentre todos, o equiônida, o desprezador dos súperos Penteu: zomba das palavras pressagas do velho e lhe lança à face as trevas e a desgraça da luz arrebatada aos olhos. Aquele, movendo as têmporas alvejadas pelas cãs, diz: “–Quão feliz serias, se tu também fosses privado desta luz, para não veres os ritos báquicos! Pois virá o dia, que auguro não estar distante, em que, ignoto, para cá virá, prole semeléia, Líber; se não o honrares com templos, dilacerado, serás esparramado por mil lugares e de sangue mancharás as
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quem nisi templorum fueris dignatus honore, mille lacer spargere locis et sanguine silvas foedabis matremque tuam matrisque sorores. Evenient; neque enim dignabere numen honore, meque sub his tenebris nimium vidisse quereris.” Talia dicentem proturbat Echione natus. Dicta fides sequitur, responsaque vatis aguntur: Liber adest, festisque fremunt ululatibus agri; turba ruit, mixtaeque viris matresque nurusque vulgusque proceresque ignota ad sacra feruntur. “Quis furor, anguigenae, proles Mavortia, vestras attonuit mentes?” Pentheus ait: “aerane tantum aere repulsa valent et adunco tibia cornu et magicae fraudes, ut, quos non bellicus ensis, non tuba terruerit, non strictis agmina telis, femineae voces et mota insania vino obscenique greges et inania tympana vincant? Vosne, senes, mirer, qui longa per aequora vecti hac Tyron, hac profugos posuistis sede penates, nunc sinitis sine Marte capi? vosne, acrior aetas, o iuvenes, propiorque meae, quos arma tenere, non thyrsos, galeaque tegi, non fronde, decebat? Este, precor, memores, qua sitis stirpe creati, illiusque animos, qui multos perdidit unus, sumite serpentis! Pro fontibus ille lacuque interiit: at vos pro fama vincite vestra! Ille dedit leto fortes, vos pellite molles et patrium retinete decus. Si fata vetabant stare diu Thebas, utinam tormenta virique moenia diruerent, ferrumque ignisque sonarent! Essemus miseri sine crimine, sorsque querenda, non celanda foret, lacrimaeque pudore carerent. At nunc a puero Thebae capientur inermi, quem neque bella iuvant nec tela nec usus equorum, sed madidi murra crines mollesque coronae purpuraque et pictis intextum vestibus aurum. Quem quidem ego actutum (modo vos absistite) cogam
selvas, além de tua mãe e as irmãs de tua mãe. Acontecerá, pois não te dignarás a honrar o nume e te queixarás de que eu, nestas minhas trevas, vi demais.” A quem isso dizia rechaça o rebento de Equíon. Aos ditos segue a confirmação, realizando-se os oráculos do vate. Líber aparece e fremem com festivo alarido os campos; uma turba se despenha: mães, e noras, em meio aos homens, e o vulgo, e os próceres vêm ter aos ritos ignotos. Diz Penteu:
“– Que furor, serpentígenos, prole mavórcia, ofuscou vossas mentes? Tanto poder têm bronzes percutidos pelo bronze, e a recurva flauta córnea, e mágicas fraudes, a ponto de aqueles a quem não aterrorizou a espada bélica, nem a trombeta, nem fileiras de armas em punho, serem vencidos por vozes femíneas, e insânia movida pelo vinho, e greis obscenas, e inanes tímpanos? Não há de me causar espanto que vós, anciãos, após viagem por longos mares, depois de terdes estabelecido aqui Tiro, aqui a sede para os prófugos penates, vos deixeis capturar sem Marte? E vós, ó jovens, idade mais impetuosa e próxima da minha, a quem conviria empunhar armas, não tirsos, e de elmo cobrir-se, não de folhagem? Tende em mente, rogo, de que estirpe fostes gerados e assumi os ânimos daquela que, sendo uma, arruinou muitos: a serpente. Ela morreu por fontes e lago; mas vós, por vossa fama, vencei! Ela deu à morte bravos; vós, expulsai débeis e conservai o pátrio decoro. Se os fados vedavam a Tebas estar em pé por muito tempo, que máquinas de guerra e homens abatessem os muros, e o ferro e o fogo ressoassem! Seríamos infelizes sem crime, haveria uma sorte a lastimar, não a esconder, e as lágrimas careceriam de vergonha. Mas, agora, Tebas é capturada por um menino desarmado, a quem não agradam guerras, nem dardos, nem o uso de cavalos, mas sim cabelos banhados de mirra, moles coroas, púrpura e ouro entretecendo as vestes bordadas. Eu imediatamente o obrigarei a confessar (afastai-vos, apenas) que o pai é inventado e os ritos, falsos. Então Acrísio tem ânimo bastante para desprezar um nume vão e fechar as portas argólicas a sua chegada, e a Penteu e toda Tebas um estrangeiro há de aterrorizar?”
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adsumptumque patrem commentaque sacra fateri. An satis Acrisio est animi contemnere vanum numen et Argolicas venienti claudere portas, Penthea terrebit cum totis advena Thebis? Ite citi” (famulis hoc imperat), “ite ducemque attrahite huc vinctum! iussis mora segnis abesto.” Hunc avus, hunc Athamas, hunc cetera turba suorum corripiunt dictis frustraque inhibere laborant. Acrior admonitu est, inritaturque retenta et crescit rabies, remoraminaque ipsa nocebant. Sic ego torrentem, qua nil obstabat eunti, lenius et modico strepitu decurrere vidi: at quacumque trabes obstructaque saxa tenebant, spumeus et fervens et ab obice saevior ibat. Ecce cruentati redeunt et, Bacchus ubi esset, quaerenti domino Bacchum vidisse negarunt; “hunc” dixere “tamen comitem famulumque sacrorum cepimus”; et tradunt manibus post terga ligatis sacra dei quondam Tyrrhena gente secutum.
A ele o avô, a ele Atamante, a ele a restante multidão dos seus repreendem com ditos, em vão se esforçando para contê-lo. Mais violento fica àquela admoestação; a raiva, contida, é instigada e avulta; as próprias recomendações67 a agravam. Assim eu mesmo vi uma torrente a cujo curso nada obstava correr brandamente e com moderado estrépito; mas, onde um tronco ou rochas obstruidoras a barravam, espúmea e férvida e mais feroz com o obstáculo ia. Eis que ensanguentados retornam e ao patrão, que indagava onde estava Baco, disseram não ter visto Baco. “– Mas capturamos este companheiro e fâmulo dos ritos”, dizem, trazendo, com as mãos atadas às costas, um tirreno de origem, que um dia adotara os sacros ritos do deus.
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Adspicit hunc Pentheus oculis, quos ira tremendos fecerat, et quamquam poenae vix tempora differt, “o periture tuaque aliis documenta dature morte” ait, “ede tuum nomen nomenque parentum et patriam, morisque novi cur sacra frequentes.”
Examina-o Penteu com olhos que a ira fizera medonhos e, por mais que a contragosto adie o tempo do castigo, interroga: “– Ó perecedouro, que darás exemplo aos demais com a morte tua, dize teu nome e o nome dos pais, a pátria e por que frequentes ritos de feição inédita”.
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Ille metu vacuus “nomen mihi” dixit “Acoetes, patria Maeonia est, humili de plebe parentes. Non mihi quae duri colerent pater arva iuvenci, lanigerosve greges, non ulla armenta reliquit; pauper et ipse fuit, linoque solebat et hamis decipere et calamo salientes ducere pisces. Ars illi sua census erat. Cum traderet artem, “accipe quas habeo, studii successor et heres,” dixit “opes.” Moriensque mihi nil ille reliquit praeter aquas: unum hoc possum appellare paternum.
Ele, desprovido de medo, disse: “– Meu nome é Acetes, de pátria meônia e pais da plebe humilde. A mim o pai não deixou campos a serem arados por duros novilhos ou greis lanígeras, rebanho algum; pobre, ele próprio era e costumava aos peixes saltitantes com linha e anzóis enganar, puxando-os com a vara de cálamo. Essa ocupação era sua riqueza; ao me transmitir a ocupação, disse: ‘Recebe os bens que possuo, sucessor e herdeiro do meu oficio’. E morrendo nada me deixou além das águas; só isto posso chamar de patrimônio. Logo eu, para não ficar preso sempre aos mesmos escolhos, aprendi a dirigir o curso de uma embarcação, guiando-o com a destra, e notei com os olhos o astro
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Ordena aos fâmulos: “–Ide rápido. Ide e o líder arrastai para cá, amarrado! Das ordens se afaste pigra tardança”.
67 Trazudimos a lição remoraminaque da edição de Tarrant, em vez de moderaminaque.
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Mox ego, ne scopulis haererem semper in isdem, addidici regimen dextra moderante carinae flectere et Oleniae sidus pluviale capellae Taygetenque hyadasque oculis arctonque notavi ventorumque domos et portus puppibus aptos. Forte petens Delum Chiae telluris ad oras applicor et dextris adducor litora remis, doque leves saltus udaeque inmittor harenae. Nox ubi consumpta est (aurora rubescere prima coeperat), exsurgo, laticesque inferre recentes admoneo monstroque viam, quae ducat ad undas. Ipse, quid aura mihi tumulo promittat ab alto prospicio comitesque voco repetoque carinam. “Adsumus en!” inquit sociorum primus Opheltes, utque putat, praedam deserto nactus in agro, virginea puerum ducit per litora forma. Ille mero somnoque gravis titubare videtur vixque sequi. Specto cultum faciemque gradumque: nil ibi quod credi posset mortale videbam. Et sensi et dixi sociis: “Quod numen in isto corpore sit, dubito; sed corpore numen in isto est. Quisquis es, o faveas nostrisque laboribus adsis. His quoque des veniam.” — “Pro nobis mitte precari” Dictys ait, quo non alius conscendere summas ocior antemnas prensoque rudente relabi. Hoc Libys, hoc flavus, prorae tutela, Melanthus, hoc probat Alcimedon, et qui requiemque modumque voce dabat remis, animorum hortator Epopeus, hoc omnes alii: praedae tam caeca cupido est. “Non tamen hanc sacro violari pondere pinum perpetiar” dixi: “pars hic mihi maxima iuris”; inque aditu obsisto. Furit audacissimus omni de numero Lycabas, qui Tusca pulsus ab urbe exsilium dira poenam pro caede luebat. Is mihi, dum resto, iuvenali guttura pugno rupit et excussum misisset in aequora, si non haesissem, quamvis amens, in fune retentus. Impia turba probat factum. Tum denique Bacchus (Bacchus enim fuerat), veluti clamore solutus
pluvioso da Cabra Olênia, e Taígete, e as Híadas, e Árcton, e as moradas dos ventos, e os portos às popas apropriados.
Dirigindo-me a Delos, o acaso me faz aportar à costa da terra de Quios e com destros remos me transporto às praias, dou saltos ligeiros e me lanço à úmida areia. Aí se consumiu a noite. A aurora mal começara a enrubescer: levanto, recomendo que se busque água fresca e mostro o caminho que conduz à aguada. Quanto a mim, do alto de uma colina sondo o que a brisa me promete, chamo os companheiros e retorno à embarcação. ‘Estamos aqui’, diz, primeiro entre os companheiros, Ofeltes, conduzindo pela praia, segundo pensa, uma presa encontrada no campo deserto, um menino de virginal formosura. Este, vagaroso pelo vinho e pelo sono, parece titubear e ter dificuldade em segui-lo. Observo-lhe as vestes, a face, o passo; não via nada ali que se pudesse crer mortal. Assim pensei e disse aos companheiros: ‘Que nume há nesse corpo eu não sei, mas nesse corpo há um nume. Seja quem fores, ó, sejas propício e auxilies nossos trabalhos. Perdoes a estes também.’ ‘Deixa de rogar por nós’, diz Díctis, que não tinha rival na rapidez com que escalava o alto das antenas e dali deslizava agarrado a um cabo. Com isso concorda Líbis, com isso o loiro Melanto, tutor da proa, com isso Alcimedonte e quem com a voz dava descanso e ritmo aos remos, o incitador de ânimos, Epopeu. Com isso, todos os outros: tão cego é o desejo de presa. ‘Não permitirei, porém, que este pinho seja profanado por uma carga sacrílega’, disse; ‘aqui quem tem maiores direitos sou eu’. E, de pé na entrada, impeço a passagem. Enfurece-se o mais ousado de todo o grupo, Lícabas, que, expulso de cidade etrusca, por sinistro massacre pagava a pena do exílio. Ele, enquanto resisto, me prende a garganta com punho juvenil e me teria lançado aos mares, se eu não tivesse, aturdido embora, me segurado numa corda. A ímpia turba aprova o feito. Então, por fim, Baco (pois era Baco), como se o torpor tivesse sido dissolvido pelo clamor e os sentidos, embotados pelo vinho, voltassem ao peito, diz: ‘Que estais fazendo? Que gritaria é essa? De que modo – dizei, marinheiros – cheguei aqui? Para onde pretendeis me levar?’. ‘Depõe o medo’, disse Proreu, ‘e dize que portos desejas tocar; desembarcarás na terra almejada’. ‘A Naxos’, disse Líber, ‘dirigi vosso curso; é ela a minha casa; vos será hospitaleira a terra’. Dissimulando, juram pelo mar e por todos os numes que assim será e me mandam dar velas à quilha pintada.
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sit sopor aque mero redeant in pectora sensus, “quid facitis? quis clamor?” ait “qua, dicite, nautae, huc ope perveni? quo me deferre paratis?” “Pone metum”, Proreus “et quos contingere portus ede velis” dixit: “terra sistere petita.” — “Naxon” ait Liber “cursus advertite vestros. Illa mihi domus est, vobis erit hospita tellus.” Per mare fallaces perque omnia numina iurant sic fore, meque iubent pictae dare vela carinae. Dextera Naxos erat. Dextra mihi lintea danti “quid facis, o demens? quis te furor—?” inquit Opheltes. Pro se quisque timet: “laevam pete” maxima nutu pars mihi significat, pars quid velit aure susurrat. Obstipui “capiat” que “aliquis moderamina” dixi meque ministerio scelerisque artisque removi. Increpor a cunctis, totumque inmurmurat agmen. E quibus Aethalion “te scilicet omnis in uno nostra salus posita est” ait, et subit ipse meumque explet opus, Naxoque petit diversa relicta. Tum deus inludens, tamquam modo denique fraudem senserit, e puppi pontum prospectat adunca et flenti similis “non haec mihi litora, nautae, promisistis” ait, “non haec mihi terra rogata est. Quo merui poenam facto? quae gloria vestra est, si puerum iuvenes, si multi fallitis unum?” Iamdudum flebam: lacrimas manus impia nostras ridet et impellit properantibus aequora remis. Per tibi nunc ipsum (nec enim praesentior illo est deus) adiuro, tam me tibi vera referre, quam veri maiora fide: stetit aequore puppis haud aliter quam si siccum navale teneret. Illi admirantes remorum in verbere perstant velaque deducunt geminaque ope currere temptant. Impediunt hederae remos nexuque recurvo serpunt et gravidis distinguunt vela corymbis. Ipse racemiferis frontem circumdatus uvis pampineis agitat velatam frondibus hastam.
68 Nesta passagem, traduzimos a partir do texto de Tarrant.
À destra estava Naxos; a mim, que dava velas à destra, disse Ofeltes: ‘Que fazes, ó louco? Que furor te persegue?’; e, detendo-me:68 ‘Toma a esquerda!’. A maioria aprova fazendo-me um sinal com a cabeça; outros sussurram ao meu ouvido o que querem. Fiquei estarrecido. ‘Alguém assuma o leme’, disse e retirei-me de um encargo que implicava crime e habilidade. Sou insultado por todos, e o bando inteiro murmura insatisfeito. Um deles, Etálion, diz: ‘Como se dependesse só de ti a salvação de todos nós’; aproxima-se, ele próprio, assume a minha função e, abandonando Naxos, toma a direção contrária. Então o deus, zombeteiro, como se só então tivesse percebido a fraude, da popa adunca observa o pélago e fingindo chorar, diz: ‘Não foram estas as praias que me prometestes, marinheiros. Não foi esta a terra rogada por mim. Que fiz para merecer castigo? Que glória é a vossa, se, jovens, enganais a um menino, muitos, a um só?’ Há muito eu chorava; de nossas lágrimas ri o bando ímpio ri e bate os mares remando mais rápido. Agora por este deus (pois não há um mais presente do que ele), juro que te conto a verdade, por mais que pareça incrível demais para ser verdade. Parou no oceano a popa não diversamente do que se estivesse no seco do canteiro naval. Eles, espantados, persistem no golpear dos remos, despregam as velas e com esse duplo recurso tentam mover-se. Eras retêm os remos, em recurvos laços serpenteiam e ornam as velas de corimbos carregados. Ele próprio, com a fronte cingida de uvas racemíferas, agita a lança recobertas de frondes pampíneas; à sua volta se estendem tigres, simulacros inanes de linces e feros corpos de panteras listradas.
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Quem circa tigres simulacraque inania lyncum pictarumque iacent fera corpora pantherarum. Exsiluere viri, sive hoc insania fecit, sive timor, primusque Medon nigrescere coepit corpore et expresso spinae curvamine flecti. Incipit huic Lycabas: “In quae miracula” dixit “verteris?” et lati rictus et panda loquenti naris erat, squamamque cutis durata trahebat. At Libys obstantes dum vult obvertere remos, in spatium resilire manus breve vidit et illas iam non esse manus, iam pinnas posse vocari. Alter, ad intortos cupiens dare bracchia funes, bracchia non habuit, truncoque repandus in undas corpore desiluit: falcata novissima cauda est, qualia dimidiae sinuantur cornua lunae. Undique dant saltus multaque adspergine rorant emerguntque iterum redeuntque sub aequora rursus inque chori ludunt speciem lascivaque iactant corpora et acceptum patulis mare naribus efflant. De modo viginti (tot enim ratis illa ferebat) restabam solus. Pavidum gelidumque trementi corpore vixque meum firmat deus “excute” dicens “corde metum Diamque tene.” Delatus in illam accessi sacris Baccheaque sacra frequento.” “Praebuimus longis” Pentheus “ambagibus aures” inquit “ut ira mora vires absumere posset. Praecipitem famuli rapite hunc cruciataque diris corpora tormentis Stygiae demittite nocti.” Protinus abstractus solidis Tyrrhenus Acoetes clauditur in tectis; et dum crudelia iussae instrumenta necis ferrumque ignesque parantur, sponte sua patuisse fores lapsasque lacertis sponte sua fama est nullo solvente catenas. Perstat Echionides. Nec iam iubet ire, sed ipse vadit, ubi electus facienda ad sacra Cithaeron cantibus et clara bacchantum voce sonabat.
De salto, saíram correndo os homens, quer fruto da insânia, quer do temor, e Médon foi a primeiro a começar a enegrecer em todo o corpo e a se dobrar na curvatura saliente da espinha; a ele disse Lícabas: ‘Em que monstro estás te transformando?’ e, enquanto falava, sua boca ia-se alargando, encurvava-se o nariz, e a pele endurecida cobria-se de escama. Mas Líbis, querendo virar os remos relutantes, viu as mãos se encurtarem e já não ser possível chamá-las mãos, mas barbatanas. Um outro, desejando estender os braços na direção dos cabos retorcidos, não tinha mais braços e, com o corpo mutilado, saltou, arqueando-se, para as ondas; na extremidade, uma cauda em foice, como se recurvam os cornos da lua crescente. Por todo lado, dão saltos e lançam largo borrifo; emergem de novo e retornam então para debaixo das águas do oceano; à imagem de um coro de dança brincam, agitam corpos prazenteiros e exalam das largas narinas o mar sorvido. Dos vinte que até então havia (tantos transportava aquela nau), só sobrara eu; a mim, aterrado e gélido no corpo trêmulo e quase não meu, dá forças o deus, dizendo: ‘Expulsa do peito o medo e ruma a Dia’. Desembarcado ali, integrei-me aos ritos báquicos e os ritos frequento”.
Diz Penteu: “– Prestamos ouvidos a longos rodeios, para que a ira atenuasse suas forças com a delonga. Rápido, criados, levai este aqui e o corpo dilacerado por terríveis torturas despachai à noite estígia”. Imediatamente o tirreno Acetes, arrastado, é encerrado em tetos sólidos, e, enquanto se aprestavam os cruéis instrumentos da morte ordenada, o ferro e os fogos, espontaneamente se escancararam as portas e caíram dos braços, espontaneamente, é fama, sem ninguém os soltar, os grilhões. Persiste o equiônide e já não manda ir, mas ele próprio vai aonde, escolhido para a realização dos ritos, o Citéron ressoava com os cantos e a clara voz das bacantes. Assim como freme o impetuoso cavalo, quando no
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Ut fremit acer equus, cum bellicus aere canoro signa dedit tubicen, pugnaeque adsumit amorem, Penthea sic ictus longis ululatibus aether movit, et audito clamore recanduit ira. Monte fere medio est, cingentibus ultima silvis, purus ab arboribus, spectabilis undique campus. Hic oculis illum cernentem sacra profanis prima videt, prima est insano concita cursu, prima suum misso violavit Penthea thyrso mater. “Io, geminae” clamavit “adeste sorores! ille aper, in nostris errat qui maximus agris, ille mihi feriendus aper.” Ruit omnis in unum turba furens; cunctae coeunt trepidumque sequuntur, iam trepidum, iam verba minus violenta loquentem, iam se damnantem, iam se peccasse fatentem. Saucius ille tamen “fer opem, matertera” dixit “Autonoe! moveant animos Actaeonis umbrae.” Illa, quis Actaeon, nescit dextramque precantis abstulit: Inoo lacerata est altera raptu. Non habet infelix quae matri bracchia tendat, trunca sed ostendens deiectis vulnera membris “adspice, mater!” ait. Visis ululavit Agaue collaque iactavit movitque per aera crinem avulsumque caput digitis complexa cruentis clamat “io comites, opus haec victoria nostrum est!” Non citius frondes autumni frigore tactas iamque male haerentes alta rapit arbore ventus, quam sunt membra viri manibus direpta nefandis. Talibus exemplis monitae nova sacra frequentant turaque dant sanctasque colunt Ismenides aras.
bronze canoro a trombeta bélica deu sinal, e se entrega ao amor da batalha, assim o éter, ferido por longo alarido, abalou Penteu, e sua ira, ouvido o clamor, reacendeu-se. Há, quase no centro do monte, com florestas cingindo as extremidades, desprovida de árvores e visível em todos os lados, uma planura. Aqui, a primeira a vê-lo a observar os ritos com olhos profanos, a primeira a precipitar-se em insana corrida e a ferir seu caro Penteu foi a mãe, atirandolhe o tirso. Gritou: “– Vinde as duas aqui, ó irmãs! Aquele javali enorme que vagueia em nossos campos, aquele javali sou eu que devo abater”. Rui toda a turba, furiosa contra um só; em conjunto se reúnem e fremindo seguem o agora trêmulo, o que agora diz palavras menos violentas, o que agora se condena, o que agora admite ter errado. Ferido, porém, disse: “– Socorra-me, tia! Comovam o coração de Autônoe as sombras de Actéon!”69. Mas ela já não sabe quem é Actéon e corta o braço direito do suplicante; o outro foi dilacerado por um rápido golpe inôo. Não tem o infeliz braços para estender à mãe, mas, exibindo as feridas mutiladoras dos membros arrancados, diz: “– Olha, mãe!”. À visão uivou Agave, balançou o colo, sacudiu no ar a cabeleira e, depois de agarrar com os dedos ensanguentados a cabeça cortada, gritou: “– Io, companheiras! É obra nossa tal vitória!” Não mais rápido as frondes tocadas pelo frio do outono, e já mal presas, da alta árvore o vento arrebata do que foram os membros do homem dilacerados por mãos nefandas. Por tais exemplos advertidas, frequentam os novos ritos, oferecem incenso e cultuam altares as Ismênides. Tradução: Paulo Sérgio de Vasconcellos, UNESP
69 Traduzimos conforme a edição de Tarrant. Autônoe é mãe de Actéon.
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Liber IV Minyeides
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At non Alcithoe Minyeias orgia censet accipienda dei, sed adhuc temeraria Bacchum progeniem negat esse Iovis, sociasque sorores inpietatis habet. Festum celebrare sacerdos inmunesque operum famulas dominasque suorum pectora pelle tegi, crinales solvere vittas, serta coma, manibus frondentes sumere thyrsos iusserat, et saevam laesi fore numinis iram vaticinatus erat. Parent matresque nurusque telasque calathosque infectaque pensa reponunt, turaque dant Bacchumque vocant Bromiumque Lyaeumque ignigenamque satumque iterum solumque bimatrem: additur his Nyseus indetonsusque Thyoneus, et cum Lenaeo genialis consitor uvae, Nycteliusque Eleleusque parens et Iacchus et Euhan, et quae praeterea per Graias plurima gentes nomina, Liber, habes. Tibi enim inconsumpta iuventa est, tu puer aeternus, tu formosissimus alto conspiceris caelo, tibi, cum sine cornibus adstas, virgineum caput est. Oriens tibi victus, adusque decolor extremo qua tingitur India Gange: Penthea tu, venerande, bipenniferumque Lycurgum sacrilegos mactas, Tyrrhenaque mittis in aequor corpora, tu biiugum pictis insignia frenis colla premis lyncum; bacchae satyrique sequuntur, quique senex ferula titubantes ebrius artus
Minieides Ora, Alcítoe de Mínias não pensa que as orgias do deus70 devam ser toleradas, mas, ainda imprudente, nega ser ele prole de Jove, e tem nas irmãs companheiras do sacrilégio. O sacerdote ordenara que as criadas e as donas, isentas de seus trabalhos, celebrassem a festa, cobrissem com peles os peitos, soltassem as fitas das comas, engrinaldadas nos cabelos, e tomassem tirsos frondosos mandara; que a ira do Nume ofendido cruel seria predissera. Obedecem matronas e jovens, tramas, cestos e incompletas rocadas deixam, oferecem incenso e Baco chamam de Brômio, Lieu, nascido do fogo, novigerado e o único com duas mães:71 somam-se Niseu e nãotosquiado Tioneu, com Leneu, semeador da uva alegradora, pai Nictélio e Eleleu, Iaco e Evante, e, além disso, os tantos nomes que tens, Líber, entre o povo grego. Na verdade, é eterna tua juventude, és para sempre menino, belíssimo te divisamos72 no alto firmamento e, quando te mostras sem chifres, tens virginal cabeça. Foi por ti vencido o Oriente73 até onde a negra Índia é banhada pelo Ganges longínquo: tu, venerável, Penteu e Licurgo portador do machado por seu sacrilégio imolas, lanças ao mar tirrenos corpos;74 tu, com coloridos freios, emparelhados linces seguras pelo belo colo; Bacantes e sátiros seguem com o Velho ébrio75 que vacilantes membros com bordão sustém, e frouxamente se agarra a um burrinho arqueado. Qualquer lugar que adentres, juvenil clamor junto a femininas vozes, tambores batidos por palmas, côncavos bronzes e a flauta ao longo perfurada ressoam.
70 Baco. 71 Novigerado e o único com duas mães: no original latino, tem-se, para a primeira expressão, iterum satum – “de novo concebido” –, em provável menção ao fato de, após o acidental abrasamento de sua mãe, a princesa Sêmele, por Zeus, seu pai, esse o retirara do ventre da morta e o cosera na própria coxa até o fim da gestação; as duas mães de Baco, por outro lado, seriam a própria Sêmele, que o concebera, e Ino, sua tia, que dele cuidara na infância com o rei Atamante, o esposo. 72 Belíssimo te divisamos: talvez, menção à constelação da Corona Australis, miticamente associável a Baco como a coroa de louros de sua mãe, Sêmele, que ele mesmo depusera no céu. 73 Oriente: na lenda, Baco debelara a Índia em enfrentamento contra o rei local, Deríades. 74 Tirrenos corpos: em uma de suas aventuras, descrita no Hino Homérico VII, a Dioniso, e no livro III das próprias Metamorfoses, Baco transformara piratas tirrenos em golfinhos. 75 Velho ébrio: menção ao sátiro Sileno, habitual acompanhante dos cortejos de Baco.
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sustinet et pando non fortiter haeret asello. Quacumque ingrederis, clamor iuvenalis et una femineae voces inpulsaque tympana palmis concavaque aera sonant longoque foramine buxus. “Placatus mitisque” rogant Ismenides “adsis,” iussaque sacra colunt. Solae Minyeides intus intempestiva turbantes festa Minerva aut ducunt lanas, aut stamina pollice versant, aut haerent telae famulasque laboribus urgent. E quibus una levi deducens pollice filum “dum cessant aliae commentaque sacra frequentant, nos quoque, quas Pallas, melior dea, detinet” inquit, “utile opus manuum vario sermone levemus: perque vices aliquid, quod tempora longa videri non sinat, in medium vacuas referamus ad aures.” Dicta probant primamque iubent narrare sorores. Illa, quid e multis referat (nam plurima norat), cogitat et dubia est, de te, Babylonia, narret, Derceti, quam versa squamis velantibus artus stagna Palaestini credunt motasse figura; an magis, ut sumptis illius filia pennis extremos albis in turribus egerit annos; nais an ut cantu nimiumque potentibus herbis verterit in tacitos iuvenalia corpora pisces, donec idem passa est; an, quae poma alba ferebat, ut nunc nigra ferat contactu sanguinis arbor. Hoc placet, hanc, quoniam vulgaris fabula non est, talibus orsa modis, lana sua fila sequente: Pyramus et Thisbe
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“Pyramus et Thisbe, iuvenum pulcherrimus alter, altera, quas oriens habuit, praelata puellis, contiguas tenuere domos, ubi dicitur altam coctilibus muris cinxisse Semiramis urbem.
Pedem as Ismênides: “Benéfico e pacato te manifestes!”, e fazem os ritos ordenados. Só as de Mínias, dentro perturbando a festa com Minerva inoportuna, ou cardam as lãs, ou torcem os fios com os dedos, ou se prendem às telas e sobrecarregam as criadas com trabalhos. Uma delas, puxando o fio com leves dedos, diz: “Enquanto as outras param e celebram ritos falsos, também nós, que Palas, deusa melhor, ocupa, aliviemos o útil trabalho das mãos com matizada fala: alternadamente algo, que não deixe o tempo parecer longo, narremos em comum a desocupados ouvidos”.
Aprovam as palavras e as irmãs mandam a primeira contar. Ela pensa no que narrar dentre muitas histórias (pois as conhecia em abundância) e hesita se conta de ti, Dércetis da Babilônia, que os palestinos creem, mudando-se a forma e recobrindo escamas os membros, ter revolvido lagos; ou antes como a filha dela76, crescendo-lhe penas, passou os últimos anos em brancas torres; ou como com o canto e com ervas bem fortes uma Náiade77 mudou em tácitos peixes corpos juvenis, até passar pelo mesmo; ou por que a árvore que dava frutos brancos agora dá negros pelo contágio do sangue. Esta agrada, esta, pois não é uma história comum, começou assim, continuando a lã os seus fios:
Píramo e Tisbe “Píramo e Tisbe, um o mais belo dos jovens, a outra, anteposta às moças que engendrou o Oriente, tiveram casas contíguas, onde se diz que Semíramis cingiu alta cidade com muros de tijolo. A vizinhança fez notar e dar os primeiros passos: com o tempo, cresceu o amor. Também se teriam
76 Semíramis, esposa do rei Nino da Assíria; no fim de sua vida, ao saber de uma conspiração do próprio filho contra si para tomar-lhe o poder, entregou-lhe a coroa e metamorfoseou-se em pomba. 77 Menção a certa ninfa do mar Eritreu que atraía os jovens e os metamorfoseava em peixes, tendo, enfim, recebido a mesma sorte por castigo do Sol, que tudo vira.
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Notitiam primosque gradus vicinia fecit: tempore crevit amor. Taedae quoque iure coissent: sed vetuere patres. Quod non potuere vetare, ex aequo captis ardebant mentibus ambo. Conscius omnis abest: nutu signisque loquuntur, quoque magis tegitur, tectus magis aestuat ignis. Fissus erat tenui rima, quam duxerat olim, cum fieret paries domui communis utrique. Id vitium nulli per saecula longa notatum (quid non sentit amor?) primi vidistis amantes, et vocis fecistis iter; tutaeque per illud murmure blanditiae minimo transire solebant. Saepe, ubi constiterant hinc Thisbe, Pyramus illinc, inque vices fuerat captatus anhelitus oris, “invide” dicebant “paries, quid amantibus obstas? quantum erat, ut sineres toto nos corpore iungi, aut hoc si nimium est, vel ad oscula danda pateres? Nec sumus ingrati: tibi nos debere fatemur, quod datus est verbis ad amicas transitus aures.”
Rachara-se em pequena fenda, que outrora abrira ao ser feita, a parede comum a uma e outra casa. Tal defeito, longos séculos por ninguém notado (o que não nota o amor?), primeiro vistes, amantes, e fizestes um canal para a voz; por ele, costumavam passar com mínimo sussurro carícias seguras. Com frequência, quando daqui Tisbe e dali Píramo cessaram e alternadamente se recebera o alento das bocas, diziam: ‘Parede invejosa, por que barras os amantes? Que custaria deixares unir-nos de corpo inteiro, ou, se é demais, ainda te abrires para darmos beijos? Não somos ingratos: confessamos sermos teus devedores, pois foi dada às nossas palavras uma passagem para ouvidos amigos’. Tendo eles em vão falado assim de distintos lugares, à noitinha disseram ‘adeus’ e deram, cada qual à sua parte, beijos que não alcançavam o outro lado.
Talia diversa nequiquam sede locuti sub noctem dixere ”vale” partique dedere oscula quisque suae non pervenientia contra. Postera nocturnos aurora removerat ignes, solque pruinosas radiis siccaverat herbas: ad solitum coiere locum. Tum murmure parvo multa prius questi, statuunt, ut nocte silenti fallere custodes foribusque excedere temptent, cumque domo exierint, urbis quoque tecta relinquant; neve sit errandum lato spatiantibus arvo, conveniant ad busta Nini lateantque sub umbra arboris. Arbor ibi, niveis uberrima pomis ardua morus, erat, gelido contermina fonti. Pacta placent. Et lux, tarde discedere visa, praecipitatur aquis, et aquis nox exit ab isdem.
unido pelos laços do Himeneu:78 os pais, porém, vetaram. Isto não puderam vetar: ardiam igualmente os dois, tendo-se apaixonado. Nenhum cúmplice têm: falam com aceno e sinais e, quanto mais é encoberto, mais arde o fogo encoberto.
A aurora seguinte removera os fogos da noite, e o Sol secara com seus raios as ervas cobertas de orvalho: encontraram-se no local costumeiro. Então, com murmúrio baixo, muito se tendo antes lamentado, decidem que na calada da noite tentem enganar os guardas e ultrapassar os limiares; e, quando tiverem saído de casa, que também deixem os prédios da cidade; para não necessitarem vagar, errando por larga extensão, que se reúnam junto ao túmulo de Nino79 e se escondam à sombra da árvore. Ali uma árvore havia, alta amoreira carregada de níveos frutos, vizinha de gélida fonte. Parecem bons os acordos. A luz, que parecera partir tarde, precipita-se nas águas e sai a noite das mesmas águas. Pelas sombras, girando o gonzo, a astuta Tisbe sai e engana os seus; de rosto encoberto, chegou ao túmulo e assentou-se sob a árvore
78 Himeneu: no original latino, tem-se iure taedae, “pelos laços da tocha”, em alusão ao rito antigo de casamento, em que havia a presença cerimonial do fogo. 79 Nino: cf. supra nota 71.
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Callida per tenebras versato cardine Thisbe egreditur fallitque suos, adopertaque vultum pervenit ad tumulum, dictaque sub arbore sedit. Audacem faciebat amor. Venit ecce recenti caede leaena boum spumantes oblita rictus, depositura sitim vicini fontis in unda. Quam procul ad lunae radios Babylonia Thisbe vidit et obscurum timido pede fugit in antrum, dumque fugit, tergo velamina lapsa reliquit. Ut lea saeva sitim multa conpescuit unda, dum redit in silvas, inventos forte sine ipsa ore cruentato tenues laniavit amictus. Serius egressus vestigia vidit in alto pulvere certa ferae totoque expalluit ore Pyramus: ut vero vestem quoque sanguine tinctam repperit, “una duos” inquit “nox perdet amantes. E quibus illa fuit longa dignissima vita, nostra nocens anima est: ego te, miseranda, peremi, in loca plena metus qui iussi nocte venires, nec prior huc veni. Nostrum divellite corpus, et scelerata fero consumite viscera morsu, o quicumque sub hac habitatis rupe, leones. Sed timidi est optare necem.” Velamina Thisbes tollit et ad pactae secum fert arboris umbram; utque dedit notae lacrimas, dedit oscula vesti, “accipe nunc” inquit “nostri quoque sanguinis haustus!” quoque erat accinctus, demisit in ilia ferrum, nec mora, ferventi moriens e vulnere traxit. Ut iacuit resupinus humo: cruor emicat alte, non aliter quam cum vitiato fistula plumbo scinditur et tenui stridente foramine longas eiaculatur aquas atque ictibus aera rumpit. Arborei fetus adspergine caedis in atram vertuntur faciem, madefactaque sanguine radix purpureo tingit pendentia mora colore. Ecce metu nondum posito, ne fallat amantem, illa redit iuvenemque oculis animoque requirit,
combinada. O amor a fazia atrevida: eis que vem de recente matança de bois uma leoa manchada na boca espumante, a depor a sede na água da fonte vizinha. Ao longe, à luz da Lua, Tisbe da Babilônia a viu e fugiu com cauteloso pé para escura gruta; enquanto foge, deixa véus caídos das costas. Quando a leoa cruel matou a sede com muita água, enquanto torna aos bosques, o ligeiro manto acaso encontrado sozinho estraçalhou com a boca sangrenta.
Mais tarde, ao sair, Píramo viu fundas no pó seguras pegadas da fera e empalideceu de rosto inteiro: quando, na verdade, também encontrou a veste tingida de sangue, fala: ‘Uma só noite perderá dois amantes. De nós, ela foi a mais merecedora de uma vida longa; meu espírito é o causador do dano. Eu te matei, infeliz, por mandar vires de noite a um lugar cheio de horrores, nem antes chegar aqui. Dilacerai os meus membros e consumi as entranhas criminosas com mordida cruel, ai! quaisquer leões que habitais sob esta gruta. Seria, porém, covarde pedir a morte’. Pega os véus de Tisbe e leva consigo à sombra da árvore combinada; quando banhou em lágrimas e beijou a veste conhecida, fala: ‘Agora, também aceita um gole de nosso sangue!’ Cravou no ventre o ferro com que se cingira e sem demora, moribundo, extraiu da ferida quente. Ao jazer deitado no chão, o cruor esguicha alto, assim como um cano de chumbo estragado se racha e, sibilando a fenda sutil, lança contínuas águas, fende o ar com os golpes. Os frutos da árvore mudam-se em negro com a aspersão do sangue, e a raiz umedecida do sangue tinge de cor púrpura as amoras pendentes.
Eis que, ainda sem depor o medo, para não trair o amante ela volta, procura o moço com os olhos e o peito e anseia por contar quão grandes
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quantaque vitarit narrare pericula gestit. Utque locum et visa cognoscit in arbore formam, sic facit incertam pomi color: haeret, an haec sit. Dum dubitat, tremebunda videt pulsare cruentum membra solum, retroque pedem tulit, oraque buxo pallidiora gerens exhorruit aequoris instar, quod tremit, exigua cum summum stringitur aura. Sed postquam remorata suos cognovit amores, percutit indignos claro plangore lacertos, et laniata comas amplexaque corpus amatum vulnera supplevit lacrimis fletumque cruori miscuit et gelidis in vultibus oscula figens “Pyrame” clamavit “quis te mihi casus ademit? Pyrame, responde: tua te carissima Thisbe nominat: exaudi vultusque attolle iacentes!” Ad nomen Thisbes oculos iam morte gravatos Pyramus erexit, visaque recondidit illa.
perigos evitou. Quando reconhece o lugar e a forma da árvore que divisa, assim a faz incerta a cor dos frutos: hesita se é esta. Enquanto hesita, vê membros trementes palpitarem no chão ensanguentado; retrocedeu o passo e apavorou-se de face mais branca que o buxo,80 como o mar que treme, quando em cima é tocado pela brisa leve. Mas depois que, ao deter-se, reconheceu seu amor, fere os braços inocentes com golpe sonoro; de coma desgrenhada e abraçada ao corpo amado, encheu de lágrimas as feridas, misturou o choro ao cruor e, dando beijos na gélida face, gritou: ‘Píramo, que infortúnio te tirou de mim? Píramo, responde, tua bem-amada Tisbe te chama: ouve e levanta o rosto inclinado!’ Diante do nome de Tisbe, Píramo levantou os olhos já oprimidos pela morte e fechou-os depois de vê-la.
Quae postquam vestemque suam cognovit et ense vidit ebur vacuum, “tua te manus” inquit “amorque perdidit, infelix. Est et mihi fortis in unum hoc manus, est et amor: dabit hic in vulnera vires. Persequar exstinctum letique miserrima dicar causa comesque tui; quique a me morte revelli heu sola poteras, poteris nec morte revelli. Hoc tamen amborum verbis estote rogati, o multum miseri meus illiusque parentes, ut quos certus amor, quos hora novissima iunxit, conponi tumulo non invideatis eodem. At tu quae ramis arbor miserabile corpus nunc tegis unius, mox es tectura duorum, signa tene caedis pullosque et luctibus aptos semper habe fetus, gemini monimenta cruoris.”
Tendo ela visto suas vestes e a ebúrnea bainha sem a espada, fala: ‘Tua mão e teu amor te perderam, infeliz. Também tenho mão e amor fortes ao menos nisto: ele dará forças para ferir-me. Seguir-te-ei na morte e, bem infeliz, vão dizer-me causa e companheira de tua morte; e tu, que só pela morte, ai! podias ser arrebatado de mim, não poderás ser arrebatado nem mesmo pela morte. Mas nisto ouvi as súplicas de nossas comuns palavras, ó infelicíssimos pais meu e dele: os que um amor seguro, que a hora derradeira uniu, não impeçais recolherem-se a um mesmo túmulo. E tu, árvore que agora encobres com os ramos o corpo infeliz de um só, mas logo encobrirás de dois, conserva as marcas da morte e sempre tem frutos escuros apropriados à tristeza, lembranças da dupla carnificina’.
Dixit, et aptato pectus mucrone sub imum incubuit ferro, quod adhuc a caede tepebat. Vota tamen tetigere deos, tetigere parentes:
80 Buxo: arbusto mediterrâneo de flores brancas.
Disse e, colocando o gume sob o peito, atirou-se ao ferro, que ainda estava quente do sangue. Mas as súplicas tocaram os deuses, tocaram os pais: de fato, há a cor negra no fruto quando amadureceu, e o que resta da
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nam color in pomo est, ubi permaturuit, ater, quodque rogis superest, una requiescit in urna.” Venus et Mars. Leucothoe. Clytie Desierat, mediumque fuit breve tempus, et orsa est dicere Leuconoe: vocem tenuere sorores.
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“Hunc quoque, siderea qui temperat omnia luce, cepit amor Solem: Solis referemus amores. Primus adulterium Veneris cum Marte putatur hic vidisse deus: videt hic deus omnia primus. Indoluit facto, Iunonigenaeque marito furta tori furtique locum monstravit. At illi et mens et quod opus fabrilis dextra tenebat excidit. Extemplo graciles ex aere catenas retiaque et laqueos, quae lumina fallere possent, elimat (non illud opus tenuissima vincant stamina, non summo quae pendet aranea tigno), utque leves tactus momentaque parva sequantur efficit et lecto circumdata collocat arte. Ut venere torum coniunx et adulter in unum, arte viri vinclisque nova ratione paratis in mediis ambo deprensi amplexibus haerent. Lemnius extemplo valvas patefecit eburnas admisitque deos: illi iacuere ligati turpiter; atque aliquis de dis non tristibus optat sic fieri turpis: superi risere, diuque haec fuit in toto notissima fabula caelo. Exigit indicii memorem Cythereia poenam, inque vices illum, tectos qui laesit amores, laedit amore pari. Quid nunc, Hyperione nate, forma colorque tibi radiataque lumina prosunt? Nempe tuis omnes qui terras ignibus uris, ureris igne novo; quique omnia cernere debes, Leucothoen spectas, et virgine figis in una, quos mundo debes oculos. Modo surgis Eoo temperius caelo, modo serius incidis undis,
pira descansa numa só urna”. Vênus e Marte. Leucótoe. Clítia Parara, foi breve o tempo interposto e começou a falar Leucônoe: as irmãs retiveram a voz. “Também aquele, o Sol, que aquece tudo com a luz sidérea, o amor arrebatou: contaremos os amores do Sol. Julga-se que este deus foi o primeiro a ver o adultério de Vênus com Marte: este deus vê tudo primeiro. Doeu-se do feito e ao marido, filho de Juno, mostrou os furtos conjugais e o lugar do furto. Escaparam-lhe tanto a razão quanto a obra que detinha sua mão de artífice. Logo delicadas amarras de bronze, redes e laços, que pudessem enganar os olhos, aperfeiçoa (não superariam aquela obra as mais finas fibras, nem as teias pendentes do topo da viga), faz com que respondam a leves toques e a pequenos movimentos e coloca-as com arte circundando o leito.
Quando vieram a um só leito a esposa e o adúltero, pela arte do marido e pela armadilha feita de um novo modo, ficam os dois dependurados, pegos em meio ao enlace. O de Lemnos logo abriu as portas de marfim e fez entrar os deuses: os dois se deitaram vergonhosamente amarrados, e algum dos deuses mais joviais quer ser envergonhado assim. Os de cima riram e, por muito tempo, esta foi uma história bastante conhecida em todo o céu.
Citereia cobra um castigo que lembre da denúncia e, por sua vez, aquele que feriu encobertos amores, fere com igual amor. De que agora adiantam, filho de Hipérion, tua beleza, cor e luzes radiantes? Decerto tu, que queimas com teu fogo todas as terras, és queimado por novo fogo; tu, que deves enxergar tudo, observas Leucótoe e em uma só moça cravas os olhos que deves ao mundo. Ora nasces mais cedo que o céu do Oriente, ora te pões mais tarde nas ondas, estendes as horas no inverno prolongando o olhar, às vezes faltas, o mal do espírito às luzes passa e, fosco, apavoras os peitos mortais. E não empalideces porque te tolheu a vista da Lua, mais próxima à
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spectandique mora brumales porrigis horas, deficis interdum, vitiumque in lumina mentis transit et obscurus mortalia pectora terres. Nec, tibi quod lunae terris propioris imago obstiterit, palles: facit hunc amor iste colorem. Diligis hanc unam; nec te Clymeneque Rhodosque nec tenet Aeaeae genetrix pulcherrima Circes, quaeque tuos Clytie quamvis despecta petebat concubitus ipsoque illo grave vulnus habebat tempore: Leucothoe multarum oblivia fecit, gentis odoriferae quam formosissima partu edidit Eurynome. Sed postquam filia crevit, quam mater cunctas, tam matrem filia vicit. Rexit Achaemenias urbes pater Orchamus, isque septimus a prisco numeratur origine Belo. Axe sub Hesperio sunt pascua Solis equorum. Ambrosiam pro gramine habent: ea fessa diurnis membra ministeriis nutrit reparatque labori. Dumque ibi quadrupedes caelestia pabula carpunt, noxque vicem peragit, thalamos deus intrat amatos, versus in Eurynomes faciem genetricis, et inter bis sex Leucothoen famulas ad lumina cernit levia versato ducentem stamina fuso. Ergo ubi ceu mater carae dedit oscula natae, “res” ait “arcana est. Famulae, discedite neve eripite arbitrium matri secreta loquendi.” Paruerant: thalamoque deus sine teste relicto “ille ego sum” dixit, “qui longum metior annum, omnia qui video, per quem videt omnia tellus, mundi oculus. Mihi, crede, places.” Pavet illa, metuque et colus et fusus digitis cecidere remissis. Ipse timor decuit. Nec longius ille moratus in veram rediit speciem solitumque nitorem: at virgo, quamvis inopino territa visu, victa nitore dei posita vim passa querella est.
terra: tal amor faz esta cor.
Apenas a esta amas; não te seduz Clímene nem Rodes, nem a belíssima mãe de Circe de Eea, nem Clítia, que, embora desprezada, buscava teu enlace, e, naquele tempo exato, estava muito ferida: Leucótoe fez-te esquecer de muitas, ela que Eurínome, a mais bela do odorífero povo, deu à luz. Mas, depois que cresceu a filha, tanto quanto a mãe a todas, a filha superou a mãe. Seu pai Órcamo foi rei das cidades Aquemênias81, e conta-se como sétimo a partir do antigo Belo.
Sob o céu da Hespéria, há as pastagens dos cavalos do Sol. Têm ambrosia em vez de grama: nutre e repara para o esforço tais corpos cansados dos trabalhos diurnos. Enquanto ali os animais tomam o alimento celeste e a noite completa o seu curso, o deus adentra os amados aposentos depois de assumir a forma da mãe Eurínome, vê Leucótoe junto ao lume entre doze criadas, puxando leves fios do fuso que gira. E quando, como a mãe, deu beijos à cara filha, diz: ‘É um segredo! Criadas, parti, nem tireis a uma mãe a decisão de contar um segredo’. Tinham obedecido: o deus, ficando o aposento sem testemunha, disse: ‘Eu sou aquele que divide o longo ano, que tudo vê, pelo qual a terra tudo vê, o olho do mundo. A mim, crê, agradas’. Ela se apavora e, de medo, caíram a roca e o fuso afrouxando-se os dedos. O próprio medo ficou bem.82 Ele, sem mais espera, tornou ao verdadeiro aspecto e ao brilho costumeiro: mas a moça, ainda que apavorada pela visão repentina, foi vencida pelo brilho do deus e suportou a violência, abandonando as queixas.
81 As “cidades Aquemênias” referem-se a uma porção da Pérsia e, por extensão, a esse país. 82 O próprio medo ficou bem: Ovídio já se utilizara da ideia (aqui, ipse timor decuit, v. 230) em Ars amatoria I 126, a propósito do episódio do rapto das Sabinas pelos homens de Rômulo: Et potuit multas ipse decere timor – “O medo mesmo pôde cair bem a muitas”.
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Invidit Clytie (neque enim moderatus in illa Solis amor fuerat), stimulataque paelicis ira vulgat adulterium diffamatumque parenti indicat. Ille ferox inmansuetusque precantem tendentemque manus ad lumina Solis et “ille vim tulit invitae” dicentem defodit alta crudus humo, tumulumque super gravis addit harenae. Dissipat hunc radiis Hyperione natus iterque dat tibi, qua possis defossos promere vultus. Nec tu iam poteras enectum pondere terrae tollere, nympha, caput corpusque exsangue iacebas. Nil illo fertur volucrum moderator equorum post Phaethonteos vidisse dolentius ignes. Ille quidem gelidos radiorum viribus artus si queat in vivum temptat revocare calorem: sed quoniam tantis fatum conatibus obstat, nectare odorato sparsit corpusque locumque, multaque praequestus “tanges tamen aethera” dixit. Protinus inbutum caelesti nectare corpus dilicuit terramque suo madefecit odore: virgaque per glaebas sensim radicibus actis turea surrexit tumulumque cacumine rupit. At Clytien, quamvis amor excusare dolorem, indiciumque dolor poterat, non amplius auctor lucis adit venerisque modum sibi fecit in illa. Tabuit ex illo dementer amoribus usa nympha larum inpatiens, et sub Iove nocte dieque sedit humo nuda, nudis incompta capillis, perque novem luces expers undaeque cibique rore mero lacrimisque suis ieiunia pavit nec se movit humo: tantum spectabat euntis ora dei vultusque suos flectebat ad illum. Membra ferunt haesisse solo, partemque coloris luridus exsangues pallor convertit in herbas;
Clítia invejou (nem, na verdade, fora comedido por ela o amor do Sol) e, incitada pelo ódio da rival, espalha o adultério e conta ao pai propalando-o. Ele, arrebatado e feroz, a que implorava, estendia as mãos aos raios do Sol e dizia ‘ele me violentou contrariada’, enterra malvado em funda cova, e por cima junta um monte de pesada areia. Consome-o com os raios o filho de Hipérion e dá-te um caminho, por onde possas fazer sair a face sepulta: mas tu já não podias, ninfa, erguer a cabeça esfalfada pelo peso da terra, e jazias de corpo exangue.
Diz-se que o condutor dos cavalos voadores nada mais aflitivo que isso viu depois das chamas de Faetonte. Ele, decerto, ensaia se pode fazer tornar ao calor da vida os gélidos membros com a força dos raios: como o destino, porém, impede tamanhos esforços, espargiu com néctar perfumado o corpo e o lugar, e, tendo antes muito lamentado, disse: ‘Contudo, tocarás os astros’. Logo o corpo impregnado de néctar celestial se liquefez e molhou a terra com seu odor: impelidas pouco a pouco as raízes pelas glebas, levantou-se um caule de incenso e rompeu o túmulo com a ponta.
Mas Clítia, embora pudesse o amor desculpar a dor e a dor a denúncia, não mais o instigador da luz frequenta, nem para as coisas de Vênus a teve. Por isso, tendo loucamente provado o amor, definhou a ninfa intolerante aos Lares,83 ao ar livre noite e dia sentou-se no chão nu sem pentear os cabelos despojados, por nove dias, falta de água e comida, só com orvalho e com suas lágrimas manteve o jejum, nem se moveu do chão: apenas olhava a face do deus a seguir e voltava seu rosto para ele. Dizem que os membros se prenderam ao solo, e uma parte da cor a lívida palidez muda em ervas exangues; há em parte o rubor, e uma flor quase igual à violeta recobre a face. Ela, embora segura pela raiz, vira-se ao seu Sol e, mudada,84 conserva o amor”.
83 Intolerante aos Lares: no original latino, a edição seguida traz larum inpatiens, em provável menção aos deuses protetores das famílias e moradas em Roma antiga; interpretamos a passagem como forma de referir-se, metonimicamente, aos “tetos”, ou lugares encobertos, de onde o Sol, tão amado por Clítia, não pudesse por ela ser visto. 84 Mudada: a metamorfose de Clítia acaba por torná-la um tipo de heliotrópio.
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est in parte rubor, violaeque simillimus ora flos tegit. Illa suum, quamvis radice tenetur, vertitur ad Solem, mutataque servat amorem.” Salmacis Dixerat, et factum mirabile ceperat aures. Pars fieri potuisse negant, pars omnia veros posse deos memorant: sed non et Bacchus in illis.
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Poscitur Alcithoe, postquam siluere sorores. Quae radio stantis percurrens stamina telae “vulgatos taceo” dixit “pastoris amores Daphnidis Idaei, quem nymphe paelicis ira contulit in saxum (tantus dolor urit amantes). Nec loquor, ut quondam naturae iure novato ambiguus fuerit modo vir, modo femina Sithon. Te quoque, nunc adamas, quondam fidissime parvo, Celmi, Iovi, largoque satos Curetas ab imbri et Crocon in parvos versum cum Smilace flores praetereo, dulcique animos novitate tenebo. Hermaphroditus
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Unde sit infamis, quare male fortibus undis Salmacis enervet tactosque remolliat artus, discite. Causa latet, vis est notissima fontis. Mercurio puerum diva Cythereide natum naides Idaeis enutrivere sub antris; cuius erat facies, in qua materque paterque cognosci possent; nomen quoque traxit ab illis. Is tria cum primum fecit quinquennia, montes deseruit patrios, Idaque altrice relicta ignotis errare locis, ignota videre
Salmácida Dissera, e o maravilhoso acontecimento cativara os ouvidos. Parte nega ter podido acontecer, parte lembra que verdadeiros deuses podem tudo: mas Baco não se inclui entre eles. Roga-se a Alcítoe, depois que se calaram as irmãs. Ela, percorrendo com a lançadeira os fios da tela vertical, disse: “Calo os conhecidos amores do pastor Dáfnis ideu,85 que uma ninfa, por ódio da rival, mudou em pedra (tamanha dor queima os amantes). Nem falo como, certa vez transformada a lei natural, Síton ora foi, instavelmente, homem, ora mulher. A ti também, Celmo, agora metal resistente, outrora fidelíssimo ao pequeno Júpiter, os curetes nascidos de muita chuva86 e Crócon mudado em pequenas flores com Esmílace omito; prenderei a atenção com agradável novidade.
Hermafrodita Donde vem a má reputação, porque Salmácida enerva nas águas pouco fortes e amolece os membros que toca, aprendei. A causa se oculta, a propriedade da fonte é conhecidíssima. O filho de Mercúrio, nascido da deusa de Citera, as Náiades criaram sob as grutas do Ida; tal aparência tinha que a mãe e o pai podiam ser reconhecidos;87 também o nome tomou deles. Logo ao fazer quinze anos, deixou os montes paternos e, abandonando o Ida natal, alegrava-se em errar por lugares desconhecidos e em ver rios desconhecidos: o interesse minorava o esforço. Ele também vai às cidades lícias e aos caros, vizinhos da Lícia. Vê ali um tanque de águas claras até o fundo. Não havia a cana dos pântanos, nem ulvas estéreis nem juncos de ponta aguda: a água é transparente. Mas cinge-se o fundo do lago com fresca
85 Ideu: apesar do epíteto “ideu” (“do Monte Ida”, com um correspondente em Creta e outro na Ásia Menor), a lenda de Dáfnis era localizada na Sicília. 86 Curetes nascidos de muita chuva: tais sacerdotes protegeram, na infância, o pequeno Júpiter dos avanços de Cronos/Saturno (fazendo ruído para abafar-lhe o choro); teriam advindo da terra fecundada pelas chuvas. 87 A mãe e o pai podiam ser reconhecidos: Hermafrodito era filho de Hermes/Mercúrio e Afrodite/Vênus; assim, carregava o nome e os traços de ambos os genitores.
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flumina gaudebat, studio minuente laborem. Ille etiam Lycias urbes Lyciaeque propinquos Caras adit. Videt hic stagnum lucentis ad imum usque solum lymphae. Non illic canna palustris nec steriles ulvae nec acuta cuspide iunci: perspicuus liquor est; stagni tamen ultima vivo caespite cinguntur semperque virentibus herbis. Nympha colit, sed nec venatibus apta, nec arcus flectere quae soleat nec quae contendere cursu, solaque naiadum celeri non nota Dianae. Saepe suas illi fama est dixisse sorores: “Salmaci, vel iaculum vel pictas sume pharetras, et tua cum duris venatibus otia misce.” Nec iaculum sumit nec pictas illa pharetras, nec sua cum duris venatibus otia miscet, sed modo fonte suo formosos perluit artus, saepe Cytoriaco deducit pectine crines et, quid se deceat, spectatas consulit undas; nunc perlucenti circumdata corpus amictu mollibus aut foliis aut mollibus incubat herbis; saepe legit flores. Et tunc quoque forte legebat, cum puerum vidit visumque optavit habere. Nec tamen ante adiit, etsi properabat adire, quam se conposuit, quam circumspexit amictus, et finxit vultum et meruit formosa videri. Tum sic orsa loqui: “Puer o dignissime credi esse deus, seu tu deus es, potes esse Cupido, sive es mortalis, qui te genuere, beati, et frater felix, et fortunata profecto, siqua tibi soror est, et quae dedit ubera nutrix: sed longe cunctis longeque beatior illa, siqua tibi sponsa est, siquam dignabere taeda. Haec tibi sive aliqua est, mea sit furtiva voluptas, seu nulla est, ego sim, thalamumque ineamus eundem.”
relva e com ervas sempre verdejantes. Habita uma ninfa, mas inapta para as caçadas, nem tal que costume dobrar os arcos ou competir em corrida, e só ela dentre as Náiades é desconhecida à célere Diana. Conta-se que com frequência suas irmãs lhe disseram: ‘Salmácida, toma um dardo ou aljavas pintadas e alterna teu sossego com duras caçadas’. Ela não toma nem dardos nem aljavas pintadas, nem alterna seu sossego com duras caçadas, mas apenas banha os belos membros em sua fonte, frequentemente alisa os cabelos com o pente do Citoro e consulta as águas que vê sobre o que lhe convém; ora, de corpo envolto em translúcido manto, deita-se sobre moles folhas ou sobre moles ervas; com frequência colhe flores. E por acaso, também colhia quando viu o menino e quis ter a quem via. Mas não se aproximou, embora tivesse pressa de aproximar-se, antes de adornada, de examinado em volta o manto, de composta a face e de ter merecido parecer bela.
Então começou a falar assim: ‘Ó menino bem merecedor de ser julgado um deus, se és um deus, podes ser Cupido; se és mortal, felizes quem te gerou,88 feliz o irmão, sem dúvida afortunada a irmã, se tens alguma, e a nutriz que deu os seios: mas muito mais feliz do que todos tua esposa, se tens alguma, se alguma considerarás digna da tocha. Se tens alguma, seja meu prazer furtivo; se não tens nenhuma, seja ela eu, entremos no mesmo leito’. A Náiade calou-se depois disso. O rubor marcou a face pueril (não sabe, com efeito, o que é o amor), mas mesmo ter enrubescido lhe ficava bem.89 Têm esta cor os frutos a penderem da árvore exposta ao Sol ou o marfim pintado, ou a Lua que se avermelha na brancura quando em vão
88 Felizes quem te gerou: os termos do elogio de Salmácida a Hermafrodito lembram muito o elogio de Ulisses náufrago a Nausícaa, filha do rei do país dos feácios (canto VI da Odisseia homérica). 89 Mas mesmo ter enrubescido lhe ficava bem: sobre semelhante estruturação do pensamento, ou seja, da valorização de um traço psíquico/físico de fragilidade como algo atrativo num objeto amoroso.
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Nais ab his tacuit. Pueri rubor ora notavit (nescit enim, quid amor), sed et erubuisse decebat. Hic color aprica pendentibus arbore pomis aut ebori tincto est, aut sub candore rubenti, cum frustra resonant aera auxiliaria, lunae. Poscenti nymphae sine fine sororia saltem oscula iamque manus ad eburnea colla ferenti “desinis? aut fugio, tecumque” ait “ista relinquo.” Salmacis extimuit “loca” que “haec tibi libera trado, hospes” ait, simulatque gradu discedere verso, tunc quoque respiciens, fruticumque recondita silva delituit, flexuque genu submisit. At ille, scilicet ut vacuis et inobservatus in herbis, huc it et hinc illuc, et in adludentibus undis summa pedum taloque tenus vestigia tingit; nec mora, temperie blandarum captus aquarum mollia de tenero velamina corpore ponit. Tum vero placuit, nudaeque cupidine formae Salmacis exarsit: flagrant quoque lumina nymphae, non aliter quam cum puro nitidissimus orbe opposita speculi referitur imagine Phoebus. Vixque moram patitur, vix iam sua gaudia differt, iam cupit amplecti, iam se male continet amens. Ille cavis velox adplauso corpore palmis desilit in latices, alternaque bracchia ducens in liquidis translucet aquis, ut eburnea siquis signa tegat claro vel candida lilia vitro. “Vicimus et meus est!” exclamat nais et omni veste procul iacta mediis inmittitur undis, pugnantemque tenet luctantiaque oscula carpit, subiectatque manus invitaque pectora tangit, et nunc hac iuveni, nunc circumfunditur illac; denique nitentem contra elabique volentem inplicat, ut serpens, quam regia sustinet ales sublimemque rapit: pendens caput illa pedesque adligat et cauda spatiantes inplicat alas: utve solent hederae longos intexere truncos,
ressoam os bronzes em auxílio.90
À ninfa que sem fim pedia beijos ao menos fraternos e já levava as mãos ao colo ebúrneo, diz: ‘Não paras? Ou fujo e deixo isto e a ti’. Salmácida teve muito medo e disse: ‘Entrego-te livremente este lugar, estrangeiro’. Finge partir tornando o passo, mesmo então olhando para trás, escondeu-se à parte em bosque de arbustos e abaixou-se de joelhos. Mas ele, como naturalmente no prado vazio e sem observador, vem para cá e daqui para lá e, nas águas que regam, banha a ponta dos pés e a sola até o calcanhar; sem demora, seduzido pela temperatura das águas suaves, depõe macios mantos do corpo delicado. Então de fato agradou, e Salmácida ardeu de desejo pelo corpo nu: brilham também os olhos da ninfa, não diferentemente de quando Febo,91 radiante em seu círculo luminoso, é refletido pela imagem contrária em um espelho. A custo tolera a espera, ora a custo adia sua alegria, ora quer o enlace, ora mal se segura desvairada.
Ele, ágil, golpeia o corpo com as conchas das mãos, lança-se às águas, transparece nas águas límpidas alternadamente impelindo os braços, como se se cobrissem ebúrneas estátuas ou brancos lírios com vidro límpido. ‘Vencemos, é meu!’, exclama a Náiade e, atirando ao longe toda a veste, introduz-se em meio às águas, segura quem reluta e colhe beijos relutantes, aproxima as mãos e toca o peito contrariado. E ora por um lado, ora por outro envolve o jovem; enfim, enlaça o que resiste e quer escapar, como cobra que a águia levanta e arrebata ao alto: ela, dependurada, a cabeça e os pés prende e enlaça com a cauda as asas que se abrem. Ou como costumam as heras longos troncos entremear, e o pólipo segura sob o mar o inimigo que pega, soltando tentáculos de todos os lados.
90 Ressoam bronzes em auxílio: menção aos eclipses lunares, quando se cria poder afastar o malefício que acometia o astro com gritos e o ressoar de metais. 91 Febo: associável ao Sol, era irmão de Diana na mitologia antiga.
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utque sub aequoribus deprensum polypus hostem continet, ex omni dimissis parte flagellis. Perstat Atlantiades, sperataque gaudia nymphae denegat. Illa premit, commissaque corpore toto sicut inhaerebat, “pugnes licet, inprobe” dixit, “non tamen effugies. Ita di iubeatis! et istum nulla dies a me nec me diducat ab isto.” Vota suos habuere deos: nam mixta duorum corpora iunguntur, faciesque inducitur illis una, velut, siquis conducat cortice ramos, crescendo iungi pariterque adolescere cernit. Sic ubi conplexu coierunt membra tenaci, nec duo sunt et forma duplex, nec femina dici nec puer ut possit: neutrumque et utrumque videntur. Ergo ubi se liquidas, quo vir descenderat, undas semimarem fecisse videt, mollitaque in illis membra, manus tendens, sed non iam voce virili, Hermaphroditus ait: “Nato date munera vestro, et pater et genetrix, amborum nomen habenti: quisquis in hos fontes vir venerit, exeat inde semivir et tactis subito mollescat in undis.” Motus uterque parens nati rata verba biformis fecit et incesto fontem medicamine tinxit.”
Então Hermafrodita diz estendendo as mãos, quando vê que as águas límpidas, às quais descera homem, fizeram-no meio-homem e que os membros se afeminaram nelas (mas não mais com voz viril): ‘Dai, pai e mãe, um dom a vosso filho, que tem o nome dos dois. Quem quer que venha homem a estas fontes, saia delas meio-homem e de repente se afemine ao tocar as águas’. Pai e mãe, comovidos, cumpriram as palavras do filho biforme e respingaram a fonte92 com poção impura”.
Finis erat dictis. Sed adhuc Minyeia proles urget opus spernitque deum festumque profanat, tympana cum subito non adparentia raucis obstrepuere sonis, et adunco tibia cornu tinnulaque aera sonant; redolent murraeque crocique, resque fide maior, coepere virescere telae inque hederae faciem pendens frondescere vestis. Pars abit in vites, et quae modo fila fuerunt, palmite mutantur; de stamine pampinus exit; purpura fulgorem pictis adcommodat uvis. Iamque dies exactus erat, tempusque subibat,
Acabaram-se as palavras. Mas as filhas de Mínias ainda persistem no trabalho, desdenham o deus e profanam a festa, quando de repente tambores invisíveis ressoaram com roucos ruídos, e a flauta de adunco chifre e os bronzes sonoros ecoam; exalam perfume mirras e açafrões e, fato maior que o crível, começaram a verdejar as telas e o pano dependurado a dar folhas em forma de hera. Parte se muda em videira e, o que há pouco foram fios, passa a sarmento; do fio da roca sai um pâmpano; a púrpura combina o brilho a coloridas uvas. Já se passara o dia e aproximava-se a hora que nem trevas nem luz poderias dizer, mas limiar com a luz de incerta noite: de repente parecem agitar-se as moradas, arderem lustrosas lâmpadas, resplandecer a casa com rutilantes fogos e ulularem falsas imagens de feras
O Atlântida resiste e nega as esperadas alegrias à ninfa. Ela aperta e, como se prendia unida de corpo inteiro, disse: ‘Embora lutes, malvado, não fugirás. Assim ordenai, deuses, e dia algum o separe de mim nem a mim dele’. Encontraram seus deuses os votos: com efeito, juntam-se misturados os corpos dos dois e um só aspecto se lhes sobrepõe, como, caso se reúnam ramos à casca, vê-se que se juntam ao crescer e que maturam iguais. Assim, quando se uniram os corpos em tenaz enlace, não são dois, mas a forma é dupla, de modo que nem mulher nem um jovem se pode dizer: nenhum e ambos semelham.
92 A fonte: geograficamente, Salmácida – era este o seu nome – localizava-se na cidade asiática de Halicarnasso.
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quod tu nec tenebras nec possis dicere lucem, sed cum luce tamen dubiae confinia noctis: tecta repente quati pinguesque ardere videntur lampades et rutilis conlucere ignibus aedes falsaque saevarum simulacra ululare ferarum. Fumida iamdudum latitant per tecta sorores, diversaeque locis ignes ac lumina vitant; dumque petunt tenebras, parvos membrana per artus porrigitur tenuique includit bracchia pinna. Nec qua perdiderint veterem ratione figuram scire sinunt tenebrae. Non illas pluma levavit, sustinuere tamen se perlucentibus alis; conataeque loqui minimam et pro corpore vocem emittunt, peraguntque leves stridore querellas. Tectaque, non silvas celebrant lucemque perosae nocte volant, seroque tenent a vespere nomen. Athamas et Ino Tum vero totis Bacchi memorabile Thebis numen erat, magnasque novi matertera vires narrat ubique dei, de totque sororibus expers una doloris erat, nisi quem fecere sorores.
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Adspicit hanc natis thalamoque Athamantis habentem sublimes animos et alumno numine Iuno, nec tulit, et secum “potuit de paelice natus vertere Maeonios pelagoque inmergere nautas et laceranda suae nati dare viscera matri et triplices operire novis Minyeidas alis: nil poterit Iuno nisi inultos flere dolores? idque mihi satis est? haec una potentia nostra est? ipse docet, quid agam (fas est et ab hoste doceri), quidque furor valeat, Penthea caede satisque ac super ostendit: cur non stimuletur eatque per cognata suis exempla furoribus Ino?”
cruéis.
As irmãs logo se ocultam pelos aposentos fumegantes, evitam, retiradas em lugares diversos, fogos e luzes; e, enquanto buscam sombras, pelos pequenos membros se estende uma película e com leve penugem rodeia os braços. Nem deixam as sombras saber de que modo perderam a velha forma. Não as sustiveram penas, mas se ergueram com translúcidas asas; tentando falar, sai uma voz sutil e proporcional ao corpo, insistem em pequenas queixas com estridor. Lugares cobertos, não bosques frequentam; e, detestando a luz, voam de noite e têm o nome da Estrela da tarde.93
Atamante e Ino Então realmente ficou famoso o deus Baco em toda Tebas e a tia94 em toda parte as grandes forças do novo deus conta, e uma só dentre tantas irmãs estava isenta da dor, a não ser da que causaram as irmãs. Juno a observou altiva pelos filhos, pelo leito de Atamante e pelo pupilo divino. Não suportou, e consigo: “Pôde o filho da rival transformar e afundar no mar os marinheiros da Meônia, entregar a serem comidas as vísceras de um filho95 à mãe dele e cobrir com novas asas as três filhas de Mínias: nada poderá Juno a não ser chorar dores inultas? Isso me basta? Esta é nossa única força? Ele mesmo ensina o que fazer (é lícito até de um inimigo aprender) e que poder tem a ira bem claramente demonstra com a morte de Penteu: por que não aguilhoar Ino e fazê-la seguir à loucura pelo exemplo familiar?”
93 Têm o nome da Estrela da tarde: em latim, “morcego” diz-se uespertilio, a partir de uesper, “Estrela da tarde”; trata-se, é evidente, de uma alusão aos hábitos notívagos do animal. 94 Ino. 95 As vísceras de um filho: menção ao trucidamento de Penteu por Agave, sua mãe, em razão de ter profanado Baco (cf. As Bacantes de Eurípides).
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Est via declivis funesta nubila taxo, ducit ad infernas per muta silentia sedes. Styx nebulas exhalat iners, umbraeque recentes descendunt illac simulacraque functa sepulcris. Pallor hiemsque tenent late loca senta, novique, qua sit iter, manes, Stygiam qua ducat ad urbem, ignorant, ubi sit nigri fera regia Ditis. Mille capax aditus et apertas undique portas urbs habet, utque fretum de tota flumina terra, sic omnes animas locus accipit ille, nec ulli exiguus populo est, turbamve accedere sentit. Errant exsangues sine corpore et ossibus umbrae, parsque forum celebrant, pars imi tecta tyranni, pars aliquas artes, antiquae imitamina vitae. exercent, aliam partem sua poena coercet Sustinet ire illuc caelesti sede relicta (tantum odiis iraeque dabat) Saturnia Iuno. Quo simul intravit sacroque a corpore pressum ingemuit limen, tria Cerberus extulit ora et tres latratus semel edidit. Illa sorores Nocte vocat genitas, grave et inplacabile numen. Carceris ante fores clausas adamante sedebant deque suis atros pectebant crinibus angues. Quam simul agnorunt inter caliginis umbras, surrexere deae. Sedes scelerata vocatur: viscera praebebat Tityos lanianda novemque iugeribus distentus erat; tibi, Tantale, nullae deprenduntur aquae, quaeque inminet, effugit arbor; aut petis aut urges rediturum, Sisyphe, saxum; volvitur Ixion et se sequiturque fugitque; molirique suis letum patruelibus ausae adsiduae repetunt, quas perdant, Belides undas. Quos omnes acie postquam Saturnia torva
Há uma via inclinada, coberta por funestos teixos: leva às sedes infernais por mudos silêncios. O Estige estéril exala vapores, descem ali os mortos há pouco, os espectros quites dos sepulcros.96 A palidez e o frio vastamente dominam horrendos lugares, e os novos Manes não sabem qual é o caminho, qual conduz à cidade Estígia, onde está o cruel palácio do escuro Dite. A cidade espaçosa tem mil entradas e portas abertas em toda parte, e assim como o mar os rios da terra inteira, aquele lugar recebe todas as almas, nem é pequeno para povo algum, ou nota crescer a turba. Erram sombras exangues sem corpo e ossos, parte frequenta a praça, parte a morada do fundo tirano, parte exerce outras artes, simulacros da vida antiga, seu castigo pune outra parte.
Juno Satúrnia ousa ir ali deixando a celeste morada (tamanho o peso do ódio e da ira). Logo que entrou e que a soleira pisada pelo santo corpo gemeu, Cérbero alçou as três bocas e, ao mesmo tempo, deu três latidos. Ela chama as irmãs filhas da Noite, graves e implacáveis divindades. Diante das portas do cárcere, fechadas a aço, elas se assentavam e, em seus cabelos, penteavam negras serpentes. Logo que a reconheceram entre as sombras do fumo, ergueram-se as deusas. Chama-se “Celerado”97 o lugar: Títio oferecia as vísceras a serem dilaceradas e espalhara-se por nove jeiras;98 água alguma é tomada por ti, Tântalo, e foge a árvore que está próxima; tu, ó Sísifo, ou buscas ou fazes andar a pedra que voltará; Ixião é girado, segue a si e foge; as Bélides, que ousaram tramar o assassinato dos primos, continuamente tornam a buscar águas para perderem.
Depois que a Satúrnia viu a todos esses com olhar ameaçador, sobretudo
96 Quites dos sepulcros: apenas penetravam em sua morada infernal as almas cujos correspondentes corpos tinham recebido as honras funerárias. 97 Celerado: no original latino, tem-se (sedes) scelerata, a partir de scelus, “crime”. 98 Jeiras: antiga medida de superfície equivalente a 0,2 ha.
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vidit et ante omnes Ixiona, rursus ab illo Sisyphon adspiciens “cur hic e fratribus” inquit “perpetuas patitur poenas, Athamanta superbum regia dives habet, qui me cum coniuge semper sprevit?” et exponit causas odiique viaeque, quidque velit. Quod vellet, erat, ne regia Cadmi staret, et in facinus traherent Athamanta sorores. Imperium, promissa, preces confundit in unum sollicitatque deas. Sic haec Iunone locuta, Tisiphone, canos ut erat turbata capillos, movit et obstantes reiecit ab ore colubras atque ita “non longis opus est ambagibus” inquit: “facta puta, quaecumque iubes. Inamabile regnum desere teque refer caeli melioris ad auras.” Laeta redit Iuno, quam caelum intrare parantem roratis lustravit aquis Thaumantias Iris.
Ixião, mais uma vez, dele, olhando para Sísifo, fala: “Por que ele, dentre seus irmãos, sofre castigo eterno e o rico palácio abriga Atamante soberbo, que sempre me desdenhou com a esposa?” Expõe as causas do ódio e da viagem, e o que quer. O que queria, era que o palácio de Cadmo não ficasse de pé, e que as irmãs arrastassem Atamante ao crime. Ordem e promessas, pedidos funde num só todo e alicia as deusas. Tendo Juno assim dito essas coisas, Tisífone, como estava de brancos cabelos em desalinho, moveu e afastou da boca as serpentes que atrapalhavam e fala: “Não é preciso muito rodeio. Tem por feito, o que quer que mandares. Deixa o reino horrendo e torna aos ares do céu, que melhor convém”. Juno volta feliz e, preparando-se para entrar no céu, Íris Taumantíade purificou-a com águas gotejantes.
Nec mora, Tisiphone madefactam sanguine sumit inportuna facem, fluidoque cruore rubentem induitur pallam tortoque incingitur angue egrediturque domo. Luctus comitatur euntem et Pavor et Terror trepidoque Insania vultu. Limine constiterat: postes tremuisse feruntur Aeolii pallorque fores infecit acernas, solque locum fugit. Monstris exterrita coniunx, territus est Athamas. Tectoque exire parabant: obstitit infelix aditumque obsedit Erinys, nexaque vipereis distendens bracchia nodis caesariem excussit. Motae sonuere colubrae, parsque iacent umeris, pars circum pectora lapsae sibila dant saniemque vomunt linguisque coruscant. Inde duos mediis abrumpit crinibus angues pestiferaque manu raptos inmisit. At illi Inoosque sinus Athamanteosque pererrant inspirantque graves animas. Nec vulnera membris ulla ferunt: mens est, quae diros sentiat ictus. Attulerat secum liquidi quoque monstra veneni,
Sem demora, Tisífone funesta toma uma tocha ensopada em sangue, impregna o manto avermelhado em líquido cruor, cinge-se com sinuosa serpente e sai de casa. Acompanham a viajante o Luto, o Pavor, o Terror e a Loucura de face inquieta. Parara à porta: dizem que os umbrais Eólios 99 tremeram, a palidez impregnou a porta de bordo e o Sol fugiu do lugar. Apavorou-se com os prodígios a esposa, apavorou-se Atamante. Preparavam-se para deixar o lar: impediu a Erínia infeliz e bloqueou a entrada, e, estendendo os braços enlaçados de vipéreos nós, sacudiu a cabeleira. Sibilaram as cobras em movimento, parte se põe sobre os ombros, parte, tombando em torno do peito, silva, vomita peçonha e vibra as línguas. Depois arranca duas serpentes do meio dos cabelos e, tomando-as, lançou com mão funesta. E elas percorrem o seio de Ino e de Atamante, instilando infecto sopro. Não causam ferida alguma nos membros: é a mente que se apercebe do duro golpe. Levara consigo também os flagelos de um veneno puro, espumas da boca de Cérbero, peçonha de Équidna, delírios errantes, olvidos da mente obscurecida, crime, lágrimas, raiva e amor à carnificina, tudo pilado em conjunto; misturando com sangue novo, cozinhara em cavo bronze a revirar verde cicuta.
99 Umbrais eólios: de Atamante, filho de Éolo, rei dos ventos.
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oris Cerberei spumas et virus Echidnae erroresque vagos caecaeque oblivia mentis et scelus et lacrimas rabiemque et caedis amorem, omnia trita simul; quae sanguine mixta recenti coxerat aere cavo viridi versata cicuta. Dumque pavent illi, vergit furiale venenum pectus in amborum praecordiaque intima movit. Tum face iactata per eundem saepius orbem consequitur motis velociter ignibus ignes. Sic victrix iussique potens ad inania magni regna redit Ditis sumptumque recingitur anguem. Protinus Aeolides media furibundus in aula clamat “io, comites, his retia tendite silvis! hic modo cum gemina visa est mihi prole leaena:” utque ferae sequitur vestigia coniugis amens deque sinu matris ridentem et parva Learchum bracchia tendentem rapit et bis terque per auras more rotat fundae rigidoque infantia saxo discutit ora ferox. Tum denique concita mater, seu dolor hoc fecit seu sparsi causa veneni, exululat passisque fugit male sana capillis teque ferens parvum nudis, Melicerta, lacertis “euhoe Bacche” sonat. Bacchi sub nomine Iuno risit et “hos usus praestet tibi” dixit “alumnus.” Inminet aequoribus scopulus: pars ima cavatur fluctibus et tectas defendit ab imbribus undas, summa riget frontemque in apertum porrigit aequor. Occupat hunc (vires insania fecerat) Ino, seque super pontum nullo tardata timore mittit onusque suum; percussa recanduit unda. At Venus, inmeritae neptis miserata labores, sic patruo blandita suo est: “O numen aquarum, proxima cui caelo cessit, Neptune, potestas, magna quidem posco, sed tu miserere meorum,
100 O seu tio: Vênus era filha de Júpiter, o irmão de Netuno.
E enquanto eles se apavoram, verte o veneno atroz no peito dos dois e mudou as íntimas fibras. Então, repetidamente girada a tocha por um mesmo círculo, segue rápido a chama com movida chama. Assim, vencedora e cumpridora da ordem, torna ao reino das sombras do grande Dite e desata a serpente tomada.
Logo o Eólida grita furioso no meio do palácio: “Eia, companheiros, estendei redes nestes bosques! Aqui, há pouco, com dois filhotes divisei uma leoa”. E, desvairado, persegue os passos da mulher como os de uma fera, toma do seio da mãe Learco a rir e a estender os bracinhos, duas ou três vezes pelos ares gira à maneira de uma funda e racha em dura pedra, cruel, o rosto da criança. Então enfim a mãe abalada, quer a dor o tenha feito, quer o efeito do veneno difuso, ulula e foge insana de cabelos soltos. E, levando-te pequenino nos braços nus, Melicerta, grita “Evoé, Baco!” Mencionado o nome de Baco, Juno riu e disse: “Tais proveitos te traga o pupilo!” Um escolho está suspenso nas águas: a parte de baixo é escavada pelas ondas e protege das chuvas encobertas ondas; a de cima é dura e estende a face ao mar aberto.
Ocupa-o Ino (a insânia dera forças), lança-se ao mar com seu fardo por temor algum detida; a água atingida branquejou. Mas Vênus, apiedando-se do sofrimento da neta, que não o merecera, assim amimou o seu tio:100 “Ó Nume das águas, Netuno, a quem coube o domínio mais próximo ao celeste, decerto solicito grandes coisas, mas tem piedade dos meus, que vês lançar-se ao Jônio imenso, e junta a teus deuses. Também eu tenho algum apreço ao mar, se outrora, no meio do abismo, fui espuma que se adensou, e fica-me
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iactari quos cernis in Ionio inmenso, et dis adde tuis. Aliqua et mihi gratia ponto est, si tamen in medio quondam concreta profundo spuma fui Graiumque manet mihi nomen ab illa.”
em grego o nome dela”.101
Adnuit oranti Neptunus et abstulit illis, quod mortale fuit, maiestatemque verendam inposuit nomenque simul faciemque novavit Leucothoeque deum cum matre Palaemona dixit.
Netuno anui à suplicante e tirou-lhes o que foi mortal; impôs veneranda majestade, renovou ao mesmo tempo nome e aparência, e chamou o deus “Palemon”, com a mãe “Leucótoe”.102 As companheiras sidônias,103 tendo seguido quanto puderam as marcas dos pés, viram as derradeiras na rocha em frente; convencidas de não ser duvidosa a morte, lamentaram a casa de Cadmo golpeando-se com as mãos, arrancaram com a veste os cabelos e fizeram odiosa a deusa pouco justa e cruel demais com a rival. Juno não suportou os insultos e disse: “Farei de vós mesmas o maior sinal de minha cólera”. Cumpriu o que dissera. Com efeito, a que especialmente fora afetuosa fala: “Seguirei a rainha ao mar”. Mas, prestes a saltar, nada pôde mover-se, e aderiu presa ao escolho. A outra, enquanto tenta ferir o peito com os golpes costumeiros, notou que os braços solicitados ficaram rijos; aquela, pois casualmente estendera as mãos às ondas do mar, tornada pedra, estende as mãos para as mesmas ondas; ver-se-iam os dedos desta, ao arrancar cabelos tirados da cabeça, repentinamente endurecidos nos cabelos: com qual gesto cada uma foi surpreendida, nele permaneceu. Parte tornou-se aves; elas, as Ismênides, ainda agora naquela falésia, roçam os mares com as pontas das asas.
Sidoniae comites, quantum valuere secutae signa pedum, primo videre novissima saxo; nec dubium de morte ratae Cadmeida palmis deplanxere domum, scissae cum veste capillos, utque parum iustae nimiumque in paelice saevae invidiam fecere deae. Convicia Iuno non tulit et “faciam vos ipsas maxima” dixit “saevitiae monimenta meae.” Res dicta secuta est. Nam quae praecipue fuerat pia, “persequar” inquit “in freta reginam” saltumque datura moveri haud usquam potuit scopuloque adfixa cohaesit. Altera, dum solito temptat plangore ferire pectora, temptatos sensit riguisse lacertos; illa, manus ut forte tetenderat in maris undas, saxea facta manus in easdem porrigit undas; huius, ut arreptum laniabat vertice crinem, duratos subito digitos in crine videres: quo quaeque in gestu deprensa est, haesit in illo. Pars volucres factae; quae nunc quoque gurgite in illo aequora destringunt summis Ismenides alis. Cadmus et Harmonia
Cadmo e Harmonia
101 O nome dela: certa etimologia popular relacionava o nome grego “Afrodite” à palavra “espuma” (aphrós) nesse mesmo idioma, pois, segundo uma versão mítica, a deusa nascera da espuma formada pelo sêmen de Urano, cujo pênis Cronos, seu filho, decepara e lançara ao mar. 102 A deusa Leucótoe era identificada, em Roma, com a itálica Matuta; seu filho, com o local Portuno. 103 Sidônias: da cidade de Sídon, na Fenícia; indica, porém, no contexto, as moças do séquito de Ino em Tebas.
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Nescit Agenorides natam parvumque nepotem aequoris esse deos: luctu serieque malorum victus et ostentis, quae plurima viderat, exit conditor urbe sua, tamquam fortuna locorum, non sua se premeret; longisque erroribus actus contigit Illyricos profuga cum coniuge fines. Iamque malis annisque graves, dum prima retractant fata domus releguntque suos sermone labores, “num sacer ille mea traiectus cuspide serpens” Cadmus ait “fuerat, tum, cum Sidone profectus vipereos sparsi per humum, nova semina, dentes? Quem si cura deum tam certa vindicat ira, ipse precor serpens in longam porrigar alvum.” Dixit, et ut serpens in longam tenditur alvum durataeque cuti squamas increscere sentit nigraque caeruleis variari corpora guttis. In pectusque cadit pronus. Commissaque in unum paulatim tereti tenuantur acumine crura. Bracchia iam restant: quae restant bracchia tendit et lacrimis per adhuc humana fluentibus ora “accede, o coniunx, accede, miserrima,” dixit “dumque aliquid superest de me, me tange manumque accipe, dum manus est, dum non totum occupat anguis!”
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Ille quidem vult plura loqui, sed lingua repente in partes est fissa duas: nec verba volenti sufficiunt, quotiensque aliquos parat edere questus, sibilat: hanc illi vocem natura reliquit. Nuda manu feriens exclamat pectora coniunx “Cadme, mane, teque, infelix, his exue monstris! Cadme, quid hoc? ubi pes, ubi sunt umerique manusque et color et facies et, dum loquor, omnia? cur non me quoque, caelestes, in eandem vertitis anguem?”
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Dixerat: ille suae lambebat coniugis ora
Desconhece o filho de Agenor104 que a filha e o netinho são deuses do mar: acabrunhado de tristeza, da série dos males e dos prodígios, que vira em demasia, deixa o fundador sua cidade, como se a sina do lugar, não a dele mesmo, o castigasse. Levado por longas errâncias, atingiu o território da Ilíria com a esposa em fuga. E, já estafados dos males e dos anos, enquanto relembram as primeiras vicissitudes de sua casa e retomam falando seus trabalhos, Cadmo diz: “Acaso era sagrada aquela serpente traspassada por minha lança, quando, deixando Sídon, espalhei pelo chão viperinos dentes, sementes novas? 105 Se é a ela que o cuidado divino vinga com tão resoluto ódio, rogo eu mesmo que, como serpente, estenda-me sobre um longo ventre”. Falou, e como serpente se estende sobre um longo ventre. Nota crescer escamas na pele dura, colorir-se o corpo negro com pingos azuis. Cai inclinando-se ao peito. Aos poucos se atenuaram em ponta cilíndrica as pernas unidas num todo. Sobram agora os braços: estende os braços restantes e, fluindo lágrimas pelo rosto ainda humano, disse: “Aproxima-te, esposa, aproxima-te, infelicíssima, e enquanto resta algo de mim, toca-me e aceita a mão, enquanto há mão, enquanto não me torno inteiro serpente!”
Ele decerto quer falar mais, mas de repente a língua se fendeu em duas partes. E não acorrem as palavras a quem quer, todas as vezes que se apresta a queixar-se, sibila: a natureza deixou-lhe esta voz. A esposa, ferindo com mão o peito nu, grita: “Cadmo, fica, despe-te, infeliz, deste monstro! Cadmo, que é isto? Onde os pés, onde estão os ombros, as mãos, a cor, a face e, enquanto falo, tudo? Por que, Celícolas, também a mim não mudais na mesma serpente?”
Falou: ele lambia o rosto de sua esposa, ia ao seio amado como se
104 Cadmo. 105 O dragão morto por Cadmo era caro a Ares e guardião de uma mata sagrada; depois de morto o animal, semeou-lhe os dentes, de que nasceram guerreiros em ferrenha luta mútua. Os restantes desse massacre o ajudaram na tarefa de fundar Tebas.
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inque sinus caros, veluti cognosceret, ibat et dabat amplexus adsuetaque colla petebat. Quisquis adest (aderant comites), terretur: at illa lubrica permulcet cristati colla draconis. Et subito duo sunt iunctoque volumine serpunt, donec in adpositi nemoris subiere latebras.
reconhecesse, enlaçava e buscava o colo de costume. Quem quer que estivesse presente (havia companheiros presentes) se apavora: mas ela acaricia o colo escorregadio da serpente de crista. Repentinamente, são dois e serpeiam numa espiral reunida, até que se introduziram em tocas do bosque das cercanias. Ainda agora, nem fogem do homem nem ferem com mordida e, calmas serpentes, lembram-se do que foram antes.
Nunc quoque nec fugiunt hominem nec vulnere laedunt quidque prius fuerint, placidi meminere dracones. Perseus. Atlas. Andromeda
Perseu. Atlas. Andrômeda Contudo, o neto106 dera a ambos grandes consolos da metamorfose: a ele cultuava a Índia debelada, a ele celebrava a Acaia em estabelecidos templos. Resta apenas Acrísio, filho de Abante, vindo da mesma origem, que o afaste das muralhas da cidade argólica, porte armas contra o deus e não considere ser da estirpe de Jove; nem, com efeito, julgava ser de Jove Perseu, que Dânae concebera da chuva dourada. Logo, porém, Acrísio (tamanha é a força da verdade) tanto se arrepende de ter ultrajado o deus quanto de não ter reconhecido o neto: um já foi posto no céu,107 mas o outro, trazendo o memorável espólio do monstro vipéreo,108 com ruidosas asas percorria o ar ligeiro. E, pairando vencedor sobre as areias da Líbia, caíram da cabeça da Górgona gotas de sangue. Recebendo-as, avivou-as o chão em matizadas serpentes: por isso aquela terra, em cobras, é fecunda e infestada.
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Sed tamen ambobus versae solacia formae magna nepos dederat, quem debellata colebat India, quem positis celebrabat Achaia templis. Solus Abantiades ab origine cretus eadem Acrisius superest, qui moenibus arceat urbis Argolicae contraque deum ferat arma genusque non putet esse Iovis; neque enim Iovis esse putabat Persea, quem pluvio Danae conceperat auro. Mox tamen Acrisium (tanta est praesentia veri) tam violasse deum quam non agnosse nepotem paenitet: inpositus iam caelo est alter, at alter viperei referens spolium memorabile monstri aera carpebat tenerum stridentibus alis. Cumque super Libycas victor penderet harenas, Gorgonei capitis guttae cecidere cruentae. Quas humus exceptas varios animavit in angues: unde frequens illa est infestaque terra colubris.
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Inde per inmensum ventis discordibus actus nunc huc, nunc illuc exemplo nubis aquosae fertur et ex alto seductas aethere longe despectat terras totumque supervolat orbem. Ter gelidas Arctos, ter Cancri bracchia vidit:
Daí, carregado pela imensidão por ventos em desacordo, ora para cá, ora para lá é levado como a nuvem úmida, do alto éter ao longe observa afastadas terras e sobrevoa o mundo inteiro. Três vezes viu as gélidas Ursas, três vezes viu os braços de Câncer: com frequência foi levado pelo Ocidente, com frequência ao Oriente. E já ao fim do dia, receando confiar-se à noite,
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106 Baco, filho de Sêmele. 107 Talvez, ainda, simples menção a ter-se integrado Baco ao círculo divino. 108 Monstro vipéreo: a Górgona Medusa, filha, com as irmãs Esteno e Euríale, de Forco e Ceto; a história de sua transformação de bela donzela em monstro com serpentes na cabeça é narrada pelo próprio Perseu ao final deste livro das Metamorfoses.
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saepe sub occasus, saepe est ablatus in ortus. Iamque cadente die, veritus se credere nocti, constitit Hesperio, regnis Atlantis, in orbe, exiguamque petit requiem, dum Lucifer ignes evocet Aurorae, currus Aurora diurnos.
parou na região da Hespéria, reinos de Atlas. Busca pequena pausa, até que o Lucífero chame as luzes da Aurora e a Aurora os carros do dia.
Hic hominum cunctis ingenti corpore praestans Iapetionides Atlas fuit. Ultima tellus rege sub hoc et pontus erat, qui Solis anhelis aequora subdit equis et fessos excipit axes. Mille greges illi totidemque armenta per herbas errabant, et humum vicinia nulla premebant. Arboreae frondes auro radiante nitentes ex auro ramos, ex auro poma tegebant. “Hospes,” ait Perseus illi, “seu gloria tangit te generis magni, generis mihi Iuppiter auctor; sive es mirator rerum, mirabere nostras. Hospitium requiemque peto.” Memor ille vetustae sortis erat: Themis hanc dederat Parnasia sortem: “Tempus, Atla, veniet, tua quo spoliabitur auro arbor, et hunc praedae titulum Iove natus habebit.”
Aqui viveu Atlas, filho de Jápeto, em vantagem diante de todos os homens pelo enorme corpo. A terra derradeira era dominada por este rei com o mar, que submete os plainos aos cavalos ofegantes do Sol e recebe estafados eixos. Mil rebanhos e precisamente tantas manadas erravam-lhe pelos prados, e vizinho algum oprimia o solo. As folhagens das árvores, de ouro brilhante, cobriam resplandecentes ramos de ouro e frutos de ouro. “Hospedeiro”, fala-lhe Perseu, “se te impressiona a glória de uma ilustre origem, Júpiter é o instigador de minha origem; ou, se admiras feitos, admirarás os meus. Peço asilo e descanso”. Lembrava-se aquele da antiga predição: Têmis do Parnaso fizera esta predição: “Virá o tempo, Atlas, em que tua árvore será espoliada do ouro, e um filho de Júpiter terá tal honra do espólio”. Temendo-o, Atlas fechara os pomares com sólidas muralhas, deraos a guardar a uma grande serpente e afastava de sua zona todos os estranhos. Fala também a ele: “Vai embora, para que não te sirva a nada a falsa glória dos feitos, e a nada Júpiter”. Une a força às ameaças, tenta expulsar com as mãos a quem resiste e a quem mescla graves com leves palavras. O inferior nas forças (quem, com efeito, seria igual a Atlas nas forças?) diz: “Mas, já que tens em pouco nossa amizade, recebe um presente!” E, pelo lado esquerdo, virando-se ele mesmo, mostrou a imunda cabeça de Medusa. Inteiro fez-se monte Atlas: na verdade, a barba e os cabelos mudam-se em matas, os ombros e as mãos são serras, o que antes foi a cabeça, é, no topo do monte, o cume, os ossos viram pedra. Então, cresceu imensamente em todas as partes (assim, deuses, determinastes) e todo o céu com tantos astros descansou nele.
Id metuens solidis pomaria clauserat Atlas moenibus et vasto dederat servanda draconi arcebatque suis externos finibus omnes. Huic quoque “vade procul, ne longe gloria rerum, quam mentiris” ait, “longe tibi Iuppiter absit!” vimque minis addit manibusque expellere temptat cunctantem et placidis miscentem fortia dictis. Viribus inferior (quis enim par esset Atlantis viribus?) “at quoniam parvi tibi gratia nostra est, accipe munus!” ait, laevaque a parte Medusae ipse retro versus squalentia protulit ora. Quantus erat, mons factus Atlas: nam barba comaeque in silvas abeunt, iuga sunt umerique manusque, quod caput ante fuit, summo est in monte cacumen, ossa lapis fiunt: tum partes auctus in omnes crevit in inmensum (sic, di, statuistis) et omne cum tot sideribus caelum requievit in illo.
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Clauserat Hippotades aeterno carcere ventos, admonitorque operum caelo clarissimus alto Lucifer ortus erat. Pennis ligat ille resumptis parte ab utraque pedes teloque accingitur unco et liquidum motis talaribus aera findit. Gentibus innumeris circumque infraque relictis Aethiopum populos Cepheaque conspicit arva. Illic inmeritam maternae pendere linguae Andromedan poenas iniustus iusserat Ammon. Quam simul ad duras religatam bracchia cautes vidit Abantiades (nisi quod levis aura capillos moverat et tepido manabant lumina fletu, marmoreum ratus esset opus), trahit inscius ignes et stupet et visae correptus imagine formae paene suas quatere est oblitus in aere pennas. Ut stetit, “o” dixit “non istis digna catenis, sed quibus inter se cupidi iunguntur amantes, pande requirenti nomen terraeque tuumque, et cur vincla geras.” Primo silet illa, nec audet adpellare virum virgo; manibusque modestos celasset vultus, si non religata fuisset: lumina, quod potuit, lacrimis inplevit obortis. Saepius instanti, sua ne delicta fateri nolle videretur, nomen terraeque suumque, quantaque maternae fuerit fiducia formae, indicat. Et nondum memoratis omnibus unda insonuit, veniensque inmenso belua ponto inminet et latum sub pectore possidet aequor. Conclamat virgo: genitor lugubris et una mater adest, ambo miseri, sed iustius illa. Nec secum auxilium, sed dignos tempore fletus plangoremque ferunt vinctoque in corpore adhaerent, cum sic hospes ait: “Lacrimarum longa manere tempora vos poterunt: ad opem brevis hora ferendam est.
109 Campos Cefeus: região correspondente à Etiópia.
O filho de Hípotes fechara em cárcere perpétuo os ventos, e o Lucífero, que incita aos trabalhos, nascera bem claro no alto céu. Ele prende dos dois lados aos pés as asas que assume, cinge-se com adunca espada e fende o ar límpido movendo os tornozelos. Deixando muitos povos em roda e abaixo, olha os povos etíopes e os campos Cefeus.109 Ali, Ámon injusto mandara que a inocente Andrômeda expiasse o castigo pela língua da mãe. Logo que a viu o neto de Abante de braços presos aos duros rochedos (se não porque a brisa leve movera os cabelos e manavam dos olhos tépido pranto, ele a teria tomado por uma obra em mármore), insciente se inflama, espanta-se e, arrebatado pela imagem da beleza que vê, quase se esqueceu de bater suas asas no ar.
Quando se pôs de pé, disse: “Ó tu, não merecedora destas correntes, mas daquelas com que, entre si, unem-se os amantes desejosos: revela a quem pergunta o nome da terra e o teu e por que estás amarrada”. Primeiro ela se cala, sendo virgem não ousa dirigir-se a um homem; com as mãos teria escondido o rosto tímido, se não estivesse amarrada. O que podia, encheu os olhos de lágrimas nascentes. Conta a quem insistia muito, para não parecer recusar uma confissão dos próprios crimes, o nome da terra e o seu e quão grande foi a confiança da mãe na própria beleza. Ainda sem relembrar tudo, ressoaram as águas, e, vindo o monstro do imenso páramo, aproxima-se e domina muito mar com o peito.
Grita a virgem: o pai triste e junto a mãe estão presentes; os dois infelizes, com mais razão ela. Não consigo o auxílio, mas o choro cabível à hora e os gemidos trazem. Aferram-se ao corpo amarrado, quando o estrangeiro fala assim: “De muito tempo para as lágrimas dispondes: para socorrer, há pouco tempo. Se a pedisse eu, Perseu, filho de Júpiter e daquela que, enclausurada, Júpiter engravidou com ouro fecundo, Perseu, vencedor
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Hanc ego si peterem Perseus Iove natus et illa, quam clausam inplevit fecundo Iuppiter auro, Gorgonis anguicomae Perseus superator et alis aerias ausus iactatis ire per auras, praeferrer cunctis certe gener. Addere tantis dotibus et meritum, faveant modo numina, tempto: ut mea sit servata mea virtute, paciscor.” Accipiunt legem (quis enim dubitaret?) et orant promittuntque super regnum dotale parentes. Ecce velut navis praefixo concita rostro sulcat aquas, iuvenum sudantibus acta lacertis, sic fera dimotis inpulsu pectoris undis tantum aberat scopulis, quantum Balearica torto funda potest plumbo medii transmittere caeli: cum subito iuvenis pedibus tellure repulsa arduus in nubes abiit. Ut in aequore summo umbra viri visa est, visa fera saevit in umbra. Utque Iovis praepes, vacuo cum vidit in arvo praebentem Phoebo liventia terga draconem, occupat aversum, neu saeva retorqueat ora, squamigeris avidos figit cervicibus ungues, sic celeri missus praeceps per inane volatu terga ferae pressit dextroque frementis in armo Inachides ferrum curvo tenus abdidit hamo. Vulnere laesa gravi modo se sublimis in auras attollit, modo subdit aquis, modo more ferocis versat apri, quem turba canum circumsona terret. Ille avidos morsus velocibus effugit alis quaque patet, nunc terga cavis super obsita conchis, nunc laterum costas, nunc qua tenuissima cauda desinit in piscem, falcato vulnerat ense. Belua puniceo mixtos cum sanguine fluctus ore vomit: maduere graves adspergine pennae. Nec bibulis ultra Perseus talaribus ausus credere, conspexit scopulum, qui vertice summo
da Górgona de cabelos de serpente e que ousou seguir pelas leves brisas batendo asas, decerto seria preferido a todos como genro. Tento juntar a tão grandes dotes também um serviço, basta ajudarem os deuses: trato que me pertença, salva pelo meu valor”. Aceitam o trato (quem, com efeito, hesitaria?), pedem e ainda prometem um reino como dote os pais.
Eis que, assim como a nau veloz, de esporão fixado à ponta, sulca as águas impelida pelos suados braços dos jovens, o monstro, apartando as ondas pelo impulso do peito, tanto distava dos escolhos quanto pode a funda balear110 transpor, com chumbo a voltear em meio ao céu. De repente, repelida a terra com os pés, o moço sobe alto às nuvens. Quando, na superfície do mar, divisou-se a sombra do homem, o monstro atacou a sombra divisada. E assim como a ave de Júpiter, quando viu num campo vazio uma serpente que mostra o dorso lívido a Febo, fere-a por trás, e, para não recurvar a boca cruel, crava ávidas unhas no escamoso colo, em célere voo o Ináquida,111 vindo abaixo do vazio, apertou o dorso do monstro fremente e na espádua direita cravou o ferro até os curvos copos.
Ferido por grave chaga, ora se ergue elevando-se aos ares, ora mergulha, ora rola ao modo do feroz javali, que a turba dos cães apavora a ressoar em torno. Ele evita ávidas mordidas com as asas velozes e, como se expõem, ora sobre os dorsos cobertos de conchas ocas, ora as costelas dos flancos, ora onde a cauda bem fina acaba em peixe fere com a curva espada. O monstro vomita da boca águas misturadas a sangue púrpura: impregnaram-se pesadas dos respingos as asas. Perseu não ousou mais confiar nas molhadas asas e viu um escolho, que se ergue com altaneira ponta quando estão calmas as águas, mas é encoberto ao agitar-se o mar. Firmando-se nele e segurando com a mão esquerda o mais próximo cimo da pedra, três e quatro vezes cravou o ferro pelos flancos castigados.
110 Funda balear: os povos das Ilhas Baleares eram famosos manejadores desta arma de arremesso na Antiguidade; em Geórgicas I, 309, Virgílio a menciona. 111 Ináquida: Perseu.
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stantibus exstat aquis, operitur ab aequore moto. Nixus eo rupisque tenens iuga prima sinistra ter quater exegit repetita per ilia ferrum. 735
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Litora cum plausu clamor superasque deorum inplevere domos: gaudent generumque salutant auxiliumque domus servatoremque fatentur Cassiope Cepheusque pater. Resoluta catenis incedit virgo, pretiumque et causa laboris. Ipse manus hausta victrices abluit unda, anguiferumque caput dura ne laedat harena, mollit humum foliis natasque sub aequore virgas sternit et inponit Phorcynidos ora Medusae. Virga recens bibulaque etiamnum viva medulla vim rapuit monstri tactuque induruit huius percepitque novum ramis et fronde rigorem. At pelagi nymphae factum mirabile temptant pluribus in virgis et idem contingere gaudent seminaque ex illis iterant iactata per undas. Nunc quoque curaliis eadem natura remansit, duritiam tacto capiant ut ab aere, quodque vimen in aequore erat, fiat super aequora saxum. Dis tribus ille focos totidem de caespite ponit, laevum Mercurio, dextrum tibi, bellica virgo, ara Iovis media est. Mactatur vacca Minervae, alipedi vitulus, taurus tibi, summe deorum. protinus Andromedan et tanti praemia facti indotata rapit: taedas Hymenaeus Amorque praecutiunt, largis satiantur odoribus ignes, sertaque dependent tectis et ubique lyraeque tibiaque et cantus, animi felicia laeti argumenta, sonant. Reseratis aurea valvis atria tota patent, pulchroque instructa paratu Cepheni proceres ineunt convivia regis.
Gritos e aplausos encheram as praias e as altas moradas dos deuses: alegram-se, saúdam o genro e proclamam-no socorro e salvação da casa Cassíope e o pai Cefeu. Avança a virgem solta das correntes, prêmio e motivo do esforço. Ele próprio lavou as mãos vencedoras na água que retira; para que a áspera areia não fira a cabeça eriçada de serpentes, amacia o chão com folhas, estende ramos nascidos sob o mar e sobrepõe a face de Medusa, filha de Forco. Os ramos novos e ainda vivos, pelo cerne absorvente, assumiram a força do monstro, endureceram do contato com ele e, nos galhos e nas folhas, adquiriram inédita rigidez. Mas as ninfas do mar experimentam o admirável feito em numerosos ramos, alegram-se que o mesmo suceda e multiplicamlhes as sementes que atiram pelas ondas. Até agora se manteve a mesma a natureza dos corais, de modo que endurecem ao contato atmosférico e, o que era vime sob o mar, fazem-se pedra sobre o mar.
Ele para três deuses outros tantos altares de torrões edifica, o da esquerda para Mercúrio, o da direita para ti, Virgem guerreira,112 o altar de Júpiter é o do meio. Sacrifica-se uma vaca a Minerva, um bezerro ao de pés alados e um touro a ti, deus altíssimo. Logo arrebata Andrômeda, prêmio sem dote de tamanho feito: Himeneu e o Amor as tochas sacodem, fartam-se as chamas com muito aroma, pendem grinaldas dos telhados e em toda parte liras, flauta e canto, felizes sinais de um espírito alegre, ressoam. Abertas as portas, por inteiro se franqueiam átrios dourados e os nobres adentram os banquetes do rei Cefeu, preparados com magnífica pompa.
112 Virgem guerreira: Minerva ou Palas Atena, que nascera armada da cabeça de Zeus segundo certa versão mítica, e jamais experimentou o amor ou o casamento.
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Postquam epulis functi generosi munere Bacchi diffudere animos, cultusque genusque locorum quaerit Lyncides moresque animumque virorum. quaerit Abantiades: quaerenti protinus unus narrat Lyncides moresque animumque virorum Qui simul edocuit, “nunc, o fortissime,” dixit “fare, precor, Perseu, quanta virtute quibusque artibus abstuleris crinita draconibus ora.”
Depois que, findo o jantar, alegraram o espírito com o dom de Baco generoso, indaga o descendente de Linceu113 da cultura e natureza do país, dos costumes e caráter dos homens [indaga o neto de Abante: e a quem indaga, logo um só descendente de Linceu conta os costumes e o caráter dos homens].114 Logo que ensinou: “Agora, ó corajosíssimo Perseu”, disse, “conta, imploro, com quanta bravura e com que arte arrancaste a cabeça eriçada de serpentes”.
Narrat Agenorides gelido sub Atlante iacentem esse locum solidae tutum munimine molis; cuius in introitu geminas habitasse sorores Phorcidas, unius partitas luminis usum. Id se sollerti furtim, dum traditur, astu supposita cepisse manu perque abdita longe deviaque et silvis horrentia saxa fragosis Gorgoneas tetigisse domos, passimque per agros perque vias vidisse hominum simulacra ferarumque in silicem ex ipsis visa conversa Medusa. Se tamen horrendae clipei, quem laeva gerebat, aere repercusso formam adspexisse Medusae, dumque gravis somnus colubrasque ipsamque tenebat, eripuisse caput collo; pennisque fugacem Pegason et fratrem matris de sanguine natos addidit et longi non falsa pericula cursus, quae freta, quas terras sub se vidisset ab alto et quae iactatis tetigisset sidera pennis.
Conta o descendente de Agenor115 existir um local situado sob o gélido Atlas e defendido pelo baluarte de sólida massa; à sua entrada, habitaram duas irmãs, filhas de Forco, que partilhavam o uso de um só olho. E que ele, furtivamente, enquanto se o passa, com manhosa astúcia o pegou pondo a mão debaixo; e por rochedos muito afastados, ermos e eriçados de ásperos bosques, atingiu a casa das Górgonas; aqui e ali, pelos campos e pelas vias, notou estátuas de homens e de feras mudados em pedra do que foram, ao verem a Medusa. Mas ele, refletindo o bronze do escudo que levava na mão esquerda, viu a imagem da horrenda Medusa; e, enquanto um sono pesado dominava as cobras e a ela mesma, arrancou do colo a cabeça. Junta Pégaso a fugir com asas e seu irmão, nascidos do sangue materno, e os perigos não imaginários da longa viagem, que mares, que terras sob si viu do alto, que astros tocou agitando as asas.
Ante exspectatum tacuit tamen. Excipit unus ex numero procerum quaerens, cur sola sororum gesserit alternis inmixtos crinibus angues. 795
Hospes ait: “Quoniam scitaris digna relatu, accipe quaesiti causam. Clarissima forma multorumque fuit spes invidiosa procorum
Calou-se, porém, antes do esperado. Um só do total dos nobres prossegue indagando por que apenas ela, dentre as irmãs, teve serpentes misturadas a emaranhados cabelos. O hóspede diz: “Como interrogas fatos dignos de menção, ouve o motivo do que perguntas. Ela foi bem célebre pela beleza e a odiosa esperança de muitos pretendentes. Nem, em todo corpo, houve algo mais notável que os cabelos. Encontrei quem dissesse ter visto. Conta-se têla corrompido o rei do mar no templo de Minerva. Virou-se e cobriu a casta
113 Descendente de Linceu: Perseu, cuja mãe era bisneta dessa personagem. 114 Indaga o neto de Abante: os versos 768-769, dados entre colchetes pela edição latina seguida, provavelmente são uma adulteração; por sinal, o “neto de Abante” e o “descendente de Linceu” são uma só e mesma pessoa, Perseu. 115 Descendente de Agenor: aqui, Perseu, que tinha por ancestral esse rei fenício, pai de Europa e Cadmo.
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illa: neque in tota conspectior ulla capillis pars fuit. Inveni, qui se vidisse referret. Hanc pelagi rector templo vitiasse Minervae dicitur. Aversa est et castos aegide vultus nata Iovis texit; neve hoc inpune fuisset, Gorgoneum crinem turpes mutavit in hydros. Nunc quoque, ut attonitos formidine terreat hostes, pectore in adverso, quos fecit, sustinet angues.”
face com a égide a filha de Jove, mas não fora sem castigo: transformou em feias hidras a coma da Górgona. Ainda agora, para apavorar com o medo os atônitos inimigos, mostra no peito contrário as serpentes que engendrou”.
Tradução: Matheus Trevizam, UFMG
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Dumque ea Cephenum medio Danaeius heros agmine commemorat, fremida regalia turba atria complentur: nec coniugialia festa qui canat est clamor, sed qui fera nuntiet arma. Inque repentinos convivia versa tumultus adsimilare freto possis, quod saeva quietum ventorum rabies motis exasperat undis.
Enquanto o herói filho de Dânae116 comemora seus feitos em meio à tropa dos homens de Cefeu, os átrios reais são ocupados por uma multidão fremente. O clamor que entoa não é o das festas conjugais, senão aquele que anuncia armas ferozes, e o banquete, transformado em tumulto repentino, podias compará-lo a um mar calmo que a raiva dos ventos exaspera ao mover-lhe as ondas.
Primus in his Phineus, belli temerarius auctor, fraxineam quatiens aeratae cuspidis hastam, “en” ait, “en adsum praereptae coniugis ultor, nec mihi te pennae, nec falsum versus in aurum Iuppiter eripiet.” Conanti mittere Cepheus “quid facis?” exclamat, “quae te, germane, furentem mens agit in facinus? meritisne haec gratia tantis redditur? hac vitam servatae dote rependis? Quam tibi non Perseus, verum si quaeris, ademit, sed grave Nereidum numen, sed corniger Ammon, sed quae visceribus veniebat belua ponti exsaturanda meis. Illo tibi tempore rapta est, quo peritura fuit: nisi si crudelis id ipsum exigis, ut pereat, luctuque levabere nostro. Scilicet haud satis est, quod te spectante revincta est et nullam quod opem patruus sponsusve tulisti: insuper, a quoquam quod sit servata, dolebis praemiaque eripies? Quae si tibi magna videntur, ex illis scopulis, ubi erant adfixa, petisses. Nunc sine, qui petiit, per quem haec non orba senectus, ferre quod et meritis et voce est pactus, eumque non tibi, sed certae praelatum intellege morti!”
À frente, Fineu, o temerário autor do conflito, agitando uma lança de freixo com a ponta brônzea, diz: “aqui estou eu, vingador de uma noiva raptada; nem asas, nem Júpiter transformado em ouro falso te livrará de mim.” “O que fazes?” exclama Cefeu àquele que ensaiava o disparo. “Qual mente te impele a cometer enlouquecido este delito, irmão? Será esta a recompensa por tantos méritos? Com este presente retribuis uma vida salva? Se queres a verdade, não foi Perseu quem a tirou de ti, mas o desejo supremo das Nereidas, mas o cornígero Ámon, mas a besta do mar que vinha em direção às minhas vísceras para devorá-las. Nesse intermédio minha filha foi raptada de ti: quando ela estava prestes a morrer. A não ser que sejas cruel a ponto de exigir que ela morra, para consolar-te com nosso luto. É claro, não é o bastante que, contigo apenas assistindo, ela tenha sido amarrada, e tu não tenhas feito nada nem como tio nem como noivo. Além de ela ter sido salva por outro, ainda vais te doer e roubar dele os prêmios? Se te pareciam importantes, que os buscasses nos rochedos, onde estavam encravados. No entanto, quem os buscou, graças a quem esta velhice não é órfã, que leve por seus méritos e por direito tais prêmios, antepostos não a ti – compreenda – mas à morte certa!”
Ille nihil contra: sed et hunc et Persea vultu alterno spectans petat hunc ignorat, an illum, cunctatusque brevi contortam viribus hastam,
Ele nada contrapõe, mas alternando o olhar ora para Cefeu ora para Perseu, não sabe se ignora este ou aquele, e, depois de hesitar um pouco, tendo agitado a lança com tanto vigor quanto a ira lhe dava, atirou-a em vão
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quantas ira dabat, nequiquam in Persea misit. Ut stetit illa toro, stratis tunc denique Perseus exsiluit; teloque ferox inimica remisso pectora rupisset, nisi post altaria Phineus isset: et (indignum!) scelerato profuit ara. Fronte tamen Rhoeti non inrita cuspis adhaesit. Qui postquam cecidit ferrumque ex osse revulsum est, calcitrat et positas adspergit sanguine mensas. Tum vero indomitas ardescit vulgus in iras, telaque coniciunt, et sunt, qui Cephea dicunt cum genero debere mori. Sed limine tecti exierat Cepheus, testatus iusque fidemque hospitiique deos, ea se prohibente moveri.
em Perseu. Como a lança fincou-se no leito nupcial, Perseu então saltou do meio das cobertas e teria devolvido o dardo ao peito inimigo se Fineu não se tivesse escondido atrás do altar; e (maldição!) a ara ajudou o criminoso. A ponta inútil cravou-se no rosto de Reto, o qual, depois de cair e ter-lhe o ferro retirado do osso, esperneia e asperge com sangue as mesas postas. O povo, então, arde numa ira realmente descontrolada, e seus dardos se concentram ali, e há quem diga que Cefeu deve morrer com o genro. Mas Cefeu já tinha saído dos limites da sua morada, tendo a justiça, a lealdade e os deuses da hospitalidade como testemunhas de que ele reprovava aquilo que se promovia.
Bellica Pallas adest et protegit aegide fratrem datque animos. Erat Indus Athis, quem flumine Gange edita Limnaee vitreis peperisse sub undis creditur, egregius forma, quam divite cultu augebat, bis adhuc octonis integer annis, indutus chlamydem Tyriam, quam limbus obibat aureus; ornabant aurata monilia collum et madidos murra curvum crinale capillos. Ille quidem iaculo quamvis distantia misso figere doctus erat, sed tendere doctior arcus. Tunc quoque lenta manu flectentem cornua Perseus stipite, qui media positus fumabat in ara, perculit et fractis confudit in ossibus ora.
Palas 117 aguerrida ajuda e protege seu irmão com o escudo e lhe dá ânimos. Havia um hindu, Átis – a quem Lineia, nascida do rio Ganges, segundo se acredita, teria parido sob suas ondas cristalinas –, egrégio por sua forma, que realçava com roupas finas, ainda íntegro aos dezesseis anos e vestido com uma clâmide tíria, que um bordado dourado recorria; colares de ouro ornavam-lhe o pescoço, e, nos cabelos untados com mirra, um pente arqueado. Sem dúvida ele era douto em trespassar coisas lançando-lhes dardos, mas o era ainda mais em envergar o arco. Entretanto, enquanto ele dobrava o chifre com lentidão, Perseu o abateu com uma tocha que fumegava no meio da ara e confundiu sua face em ossos quebrados.
Hunc ubi laudatos iactantem in sanguine vultus Assyrius vidit Lycabas, iunctissimus illi et comes et veri non dissimulator amoris, postquam exhalantem sub acerbo vulnere vitam deploravit Athin, quos ille tetenderat arcus arripit et “mecum tibi sint certamina” dixit: “nec longum pueri fato laetabere, quo plus invidiae, quam laudis habes.” Haec omnia nondum dixerat, emicuit nervo penetrabile telum
Quando o assírio Lícabas viu aquele rosto louvado revolvendo em sangue, chegou bem perto dele, seu companheiro, sem dissimular seu verdadeiro amor, e, depois de chorar por Átis, que exalava a vida debaixo daquela ferida amarga, apanhou os arcos que ele tinha retesado e disse “comigo sejam os teus combates; não te alegrarás por muito tempo com a desgraça do garoto, pois tens mais desonra do que glória.” Nem bem tinha completado a fala, um dardo penetrante lança-se em seu nervo e, embora esquivado, fica penso em sua veste sinuosa. O neto de Acrísio volta-lhe o mesmo arpão visto na morte de Medusa e o enfia em seu peito. Ele, porém,
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Palas Atena, deusa da guerra, filha de Júpiter, irmã de Perseu, aparece aqui como uma entidade que assiste (adest) Perseu e lhe dá forças descomunais para o combate.
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vitatumque tamen sinuosa veste pependit. Vertit in hunc harpen spectatam caede Medusae Acrisioniades adigitque in pectus: at ille iam moriens, oculis sub nocte natantibus atra circumspexit Athin seque acclinavit ad illum et tulit ad manes iunctae solacia mortis.
já morrendo, com os olhos nadando debaixo de uma noite negra, avistou Átis ao lado, inclinou-se em sua direção e assim levou aos Manes os consolos de uma morte acompanhada.
Ecce Syenites, genitus Metione, Phorbas et Libys Amphimedon, avidi committere pugnam, sanguine, quo late tellus madefacta tepebat, conciderant lapsi: surgentibus obstitit ensis, alterius costis, iugulo Phorbantis adactus. At non Actoriden Erytum, cui lata bipennis telum erat, hamato Perseus petit ense, sed altis exstantem signis multaeque in pondere massae ingentem manibus tollit cratera duabus infligitque viro; rutilum vomit ille cruorem et resupinus humum moribundo vertice pulsat. Inde Semiramio Polydegmona sanguine cretum Caucasiumque Abarin Sperchionidenque Lycetum intonsumque comas Helicen Phlegyanque Clytumque sternit et exstructos morientum calcat acervos.
Forbas de Siena, filho de Metião, e o líbio Anfimedonte, ávidos de acometer à luta, tinham caído por escorregar no sangue que amornava a terra umedecida; ao se levantarem, uma espada os impediu, atingindo a garganta de Forbas e as costas do outro. Entretanto, o filho de Actor, Érito, cuja arma era um machado de dois gumes, Perseu não o busca com sua espada curvada, mas com as duas mãos levanta um vaso enorme, notável por seus altos relevos e por seu peso, e o atira no homem; ele vomita um charco de sangue vermelho e, já deitado com a cabeça no chão, espasma moribundo. Então, Polidegmon, nascido do sangue de Semíramis, Ábaris do Cáucaso, Liceto, filho de Espérquio, Hélice, de cabelo hirsuto, Flégias e Clito – Perseu os abate a todos e socalca os montes de moribundos erguidos.
Nec Phineus ausus concurrere comminus hosti, intorquet iaculum: quod detulit error in Idan, expertem frustra belli et neutra arma secutum. Ille tuens oculis inmitem Phinea torvis “quandoquidem in partes” ait “abstrahor, accipe, Phineu, quem fecisti hostem pensaque hoc vulnere vulnus”; iamque remissurus tractum de vulnere telum sanguine defectos cecidit conlapsus in artus.
Fineu, sem ousar lutar corpo a corpo com seu inimigo, lança um dardo; este cai por engano em Ida, que, em vão, não tomara parte naquela guerra, sem seguir nenhuma das armas. Ele, dirigindo os olhos turvos para o impiedoso Fineu, disse: “como sou levado a tomar parte nisso, recebe, Fineu, quem tu fizeste inimigo e paga com uma ferida esta ferida. Quando ia devolver a arma retirada da sua ferida, caiu desfalecido sobre seus membros cobertos de sangue.
Hic quoque Cephenum post regem primus Hodites ense iacet Clymeni; Prothoenora percutit Hypseus, Hypsea Lyncides. Fuit et grandaevus in illis Emathion, aequi cultor timidusque deorum; qui, quoniam prohibent anni bellare, loquendo
Também Hodita, o primeiro na hierarquia depois do rei Cefeu, jaz sob a espada de Climeno; Hipseu abate Protênora e o descendente de Linceu118, Hipseu. Estava também entre eles o velho Emátion, homem justo e temente aos deuses. Ainda que os anos o proíbam lutar, ele luta com palavras, avança e maldiz aquelas armas criminosas. Crômis, porém, estando Emátion
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Perseu é trineto de Linceu.
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pugnat et incessit scelerataque devovet arma. Huic Chromis amplexo tremulis altaria palmis decutit ense caput; quod protinus incidit arae atque ibi semianimi verba exsecrantia lingua edidit, et medios animam exspiravit in ignes. Hinc gemini fratres Broteasque et caestibus Ammon invicti, vinci si possent caestibus enses, Phinea cecidere manu, Cererisque sacerdos Ampycus, albenti velatus tempora vitta. Tu quoque, Lampetide, non hos adhibendus ad usus, sed qui, pacis opus, citharam cum voce moveres, iussus eras celebrare dapes festumque canendo. Quem procul adstantem plectrumque imbelle tenentem Pettalus inridens “Stygiis cane cetera” dixit “manibus” et laevo mucronem tempore fixit. Concidit et digitis morientibus ille retemptat fila lyrae, casuque fuit miserabile carmen.
abraçado ao altar com as palmas trêmulas, cortou-lhe com a espada a cabeça, que caiu à frente do altar e ali, com a língua agonizante, ainda proferiu palavras de perjúrio, e, em meio ao fogo, expirou sua alma. Depois, os irmãos gêmeos Bróteas e Ámon, invictos com os cestos – como se cestos pudessem vencer espadas – caíram pela mão de Fineu, assim como o sacerdote de Ceres, Âmpico, encoberto nas têmporas por uma fita clara. Tu também, Lampétida119 , alheio a estes atos, mas que, em paz, tocavas a cítara, acompanhando-a com a voz, estavas incumbido de celebrar o banquete e a festa cantando. Rindo de quem estava distante, segurando uma inofensiva palheta, Pétalo disse “Canta o resto aos Manes estígios” e cravou a ponta em sua têmpora esquerda. Ele cai e, com os dedos moribundos, tenta tocar mais uma vez as cordas da lira, e foi triste o canto na queda.
Nec sinit hunc impune ferox cecidisse Lycormas raptaque de dextro robusta repagula posti ossibus inlisit mediae cervicis: at ille procubuit terrae mactati more iuvenci. Demere temptabat laevi quoque robora postis Cinyphius Pelates: temptanti dextera fixa est cuspide Marmaridae Corythi lignoque cohaesit. Haerenti latus hausit Abas: nec corruit ille, sed retinente manum moriens e poste pependit. Sternitur et Menaleus, Perseia castra secutus, et Nasamoniaci Dorylas ditissimus agri, dives agri Dorylas, quo non possederat alter latius aut totidem tollebat turis acervos. Huius in obliquo missum stetit inguine ferrum: letifer ille locus. Quem postquam vulneris auctor singultantem animam et versantem lumina vidit Bactrius Halcyoneus “hoc, quod premis” inquit, “habeto de tot agris terrae” corpusque exsangue reliquit.
Licormas, feroz, não deixa que este tenha morrido impunemente e, tendo arrancado do umbral direito uma tranca robusta, atinge-o nos ossos da cervical média. Ele, então, caiu por terra, tal como um bezerro imolado. Pélates de Cinífio também tentava arrancar o roble do umbral esquerdo. Ao tentá-lo, sua direita foi atravessada pela lança de Córito de Marmárica, que o deixou preso ao carvalho. Assim estando, Abante lhe fura o flanco; ele não cai, mas pende moribundo no umbral retido pela mão. Também estão prostrados tanto Menaleu, sectário de Perseu, quanto Dórilas dos nasamões, riquíssimo em terras. Dórilas, o latifundiário; mais terras que ele nenhum outro possuíra e tampouco detinha tantos acervos de incenso. Um ferro restou cravado de esguelha em sua virilha: um lugar letal. Halcioneu de Bátria, o autor do golpe, depois que o viu estertorando sua alma e revirando os olhos, disse: “isso que teu corpo cobre é o que levarás do teu patrimônio”, e abandona o corpo esvaído.
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Filho do vate Lâmpeto.
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Torquet in hunc hastam calido de vulnere raptam ultor Abantiades; media quae nare recepta cervice exacta est in partesque eminet ambas. Dumque manum Fortuna iuvat, Clytiumque Claninque, matre satos una, diverso vulnere fudit: nam Clytii per utrumque gravis librata lacerto fraxinus acta femur, iaculum Clanis ore momordit. Occidit et Celadon Mendesius, occidit Astreus, matre Palaestina, dubio genitore creatus, Aethionque sagax quondam ventura videre (tunc ave deceptus falsa), regisque Thoactes armiger et caeso genitore infamis Agyrtes.
O vingador, bisneto de Abante 120 , lança-lhe a haste tirada da ferida ardente, a qual acertou o meio do nariz e saiu pela nuca, ficando exposta dos dois lados. E tendo a sua mão guiada pela Fortuna, derrotou, com golpes diferentes, tanto Clítio como Clane, nascidos da mesma mãe: um freixo lançado por seu braço poderoso rasgou a coxa de Clítio e Clane engoliu um dardo pela boca. Sucumbe também Celadonte de Mendes, sucumbem Astreu, nascido de mãe palestina e pai incerto, e Étion, outrora sagaz em prever o porvir (agora enganado por uma ave falsa), e Toacte, armeiro do rei, e Agirte, infame pelo parricídio.
Plus tamen exhausto superest: namque omnibus unum opprimere est animus, coniurata undique pugnant agmina pro causa meritum impugnante fidemque: hac pro parte socer frustra pius et nova coniunx cum genetrice favent ululatuque atria complent. Sed sonus armorum superat gemitusque cadentum, 155 pollutosque semel multo Bellona penates sanguine perfundit renovataque proelia miscet. Circueunt unum Phineus et mille secuti Phinea: tela volant hiberna grandine plura praeter utrumque latus praeterque et lumen et aures. 160 Applicat hic umeros ad magnae saxa columnae, tutaque terga gerens adversaque in agmina versus sustinet instantes. Instabat parte sinistra Chaonius Molpeus, dextra Nabataeus Echemmon. Tigris ut auditis diversa valle duorum 165 exstimulata fame mugitibus armentorum nescit, utro potius ruat, et ruere ardet utroque, sic dubius Perseus, dextra laevane feratur, Molpea traiecti submovit vulnere cruris, contentusque fuga est: neque enim dat tempus Echemmon, 170 sed furit et, cupiens saltu dare vulnera collo, non circumspectis exactum viribus ensem fregit, et extrema percussae parte columnae
Embora exausto, ainda resta muito, pois o desejo de todos é acabar com um só. Tropas conjuradas de todas as partes lutam por uma causa que afronta o mérito e a confiança. A seu favor está o sogro, em vão piedoso; também a nova esposa e sua mãe o apoiam, e enchem os átrios com seu pranto; mas o som das armas o supera, bem como os gemidos dos que vão morrendo; e, uma vez manchadas, Belona afunda suas penas no sangue e assim motiva novos combates. Rodeiam um único homem, Fineu e seus mil seguidores. Voam mais dardos que numa chuva de granizo: vêm por todo lado, contra os olhos e as orelhas. Ele apoia seus ombros nas rochas de uma grande coluna e, tendo as costas protegidas, voltado para as tropas adversas, resiste aos que o atacam. Pelo lado esquerdo, atacava Molpeu de Caônia, pelo direito, Equêmon de Nabateia. Como uma tigresa faminta que, tendo ouvido num vale oposto os mugidos de duas manadas, não sabe a que lado é melhor lançar-se e anseia lançar-se a ambos, Perseu assim está indeciso e, impelido tanto à direita quanto à esquerda, afasta Molpeu com um golpe que lhe atravessa a perna. E fica contente com a sua fuga, pois Equêmon não lhe dá tempo, mas se enfurece e, querendo desferir golpes em seu pescoço, quebrou a espada ao atirá-la com forças desmedidas. A lâmina, ao bater na parte externa da coluna, estilhaçou e foi parar na garganta do seu dono. Aquela chaga, contudo, não lhe deu causas fortes o bastante para a morte. Perseu, então, com o alfange cilênida121, perfurou um inimigo atônito com seus braços inertes em vão estendidos.
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Perseu. Mercúrio, também chamado de Cileno (pois teria nascido no Monte Cilene, na Arcádia), naquele momento ajudou Perseu, dando-lhe o alfange.
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Verum ubi virtutem turbae succumbere vidit, “auxilium” Perseus “quoniam sic cogitis ipsi” dixit “ab hoste petam. Vultus avertite vestros, siquis amicus adest!” et Gorgonis extulit ora. “Quaere alium, tua quem moveant miracula” dixit Thescelus; utque manu iaculum fatale parabat mittere, in hoc haesit signum de marmore gestu. Proximus huic Ampyx animi plenissima magni pectora Lyncidae gladio petit; inque petendo dextera deriguit nec citra mota nec ultra est. At Nileus, qui se genitum septemplice Nilo ementitus erat, clipeo quoque flumina septem argento partim, partim caelaverat auro, “adspice” ait, “Perseu, nostrae primordia gentis: magna feres tacitas solacia mortis ad umbras, a tanto cecidisse viro”: pars ultima vocis in medio suppressa sono est, adapertaque velle ora loqui credas, nec sunt ea pervia verbis.
Entretanto, quando viu sua virtude sucumbir à multidão, disse: “já que assim me forçais, pedirei auxílio a um inimigo. Virai os vossos rostos, se algum amigo estiver presente!” e sacou a cabeça de Górgona. “Procura outro que se impressione com os teus prodígios” disse Téscelo e, quando se preparava para lançar o dardo fatal com a mão, assim ficou: uma estátua de mármore. Próximo a ele, Âmpico busca com a espada o peito magnânimo do descendente de Linceu; ao buscá-lo, sua direita enrijeceu e não se moveu nem mais para cá nem mais para lá. Mas Nileu, que mentia ser filho do sétuplo Nilo e no escudo gravara seus sete afluentes, parte em prata, parte em ouro, disse: “Preste atenção, Perseu, nos primórdios da nossa família; levarás grandes consolos às sombras tácitas da morte, por ter sido morto por este grande homem.” A parte final da sua voz foi estancada ao meio, e tu podias crer que sua boca entreaberta quer falar, mas por ela as palavras já não passam.
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Increpat hos “vitio” que “animi, non viribus” inquit “Gorgoneis torpetis” Eryx: “incurrite mecum et prosternite humi iuvenem magica arma moventem!” Incursurus erat: tenuit vestigia tellus, inmotusque silex armataque mansit imago.
Érice os repreende e diz: “estais entorpecidos pela falta de ânimo, e não pelas forças de Górgona. Atacai-o comigo e fazei cair por terra este jovem que, com mágica, move as armas!” Quando estava prestes a atacar, a terra reteve seus pés e, como uma pedra imóvel, sua imagem permaneceu armada.
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Hi tamen ex merito poenas subiere; sed unus miles erat Persei, pro quo dum pugnat, Aconteus, Gorgone conspecta saxo concrevit oborto. Quem ratus Astyages etiamnum vivere, longo ense ferit: sonuit tinnitibus ensis acutis. Dum stupet Astyages, naturam traxit eandem, marmoreoque manet vultus mirantis in ore.
Estes, contudo, fizeram por merecer suas penas; mas um soldado era de Perseu: enquanto luta por ele, Aconteu, ao olhar para a Górgona, petrificouse subitamente. Astíage, crendo que ele ainda vivia, fere-o com sua longa espada, que se fez soar com tinidos agudos. Estupefato, Astíage contrai-lhe a mesma natureza, e aquele rosto de assombro permanece em sua face marmórea.
Nomina longa mora est media de plebe virorum
Tardaria muito dizer os nomes de metade daqueles homens da plebe:
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lammina dissiluit dominique in gutture fixa est. Non tamen ad letum causas satis illa valentes plaga dedit: trepidum Perseus et inermia frustra bracchia tendentem Cyllenide confodit harpe.
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dicere: bis centum restabant corpora pugnae, Gorgone bis centum riguerunt corpora visa.
duzentos corpos restavam ao combate; assim que a Górgona lançou seu olhar, duzentos corpos se enrijeceram.
Paenitet iniusti tunc denique Phinea belli. Sed quid agat? simulacra videt diversa figuris agnoscitque suos et nomine quemque vocatum poscit opem, credensque parum sibi proxima tangit corpora: marmor erant. Avertitur, atque ita supplex confessasque manus obliquaque bracchia tendens, “vincis” ait, “Perseu. Remove tua monstra tuaeque saxificos vultus, quaecumque ea, tolle Medusae, tolle, precor. Non nos odium regnique cupido compulit ad bellum: pro coniuge movimus arma. Causa fuit meritis melior tua, tempore nostra. Non cessisse piget. Nihil, o fortissime, praeter hanc animam concede mihi: tua cetera sunto.”
Então, Fineu enfim se arrepende daquela guerra injusta. Mas o que fazer? Ele vê os simulacros em diversas figuras, reconhece os seus, chama-os pelo nome, pede-lhes ajuda e, sem acreditar no que está acontecendo, toca os corpos próximos de si: eram mármore. Afasta-se e, suplicante, estendendo as mãos confessas e os braços oblíquos, diz “Vences, Perseu. Tira teus monstros daqui, leva embora o rosto petrificante de Medusa, quem quer que seja ela; leva! – ele suplica. Não foi o ódio e o desejo de reinar que nos impeliu a esta guerra; movemos as armas por uma esposa. Tua causa foi melhor pelos méritos; a minha, pelo tempo. Lamento não ter cedido. Não concede a mim, oh fortíssimo, nada mais além da vida: todo o resto será teu.”
Talia dicenti neque eum, quem voce rogabat respicere audenti “quod” ait, “timidissime Phineu, et possum tribuisse et magnum est munus inerti, (pone metum) tribuam: nullo violabere ferro. Quin etiam mansura dabo monimenta per aevum, inque domo soceri semper spectabere nostri, ut mea se sponsi soletur imagine coniunx?”
Àquele que dizia tais coisas e sequer se atrevia a olhar para quem rogava com sua voz, Perseu diz: “o que posso dar, temeroso Fineu, e isso é um grande presente para alguém inerte – põe de lado o teu medo! – eu darei: nenhum ferro há de te violentar. Darei, no entanto, um monumento que há de permanecer pelos tempos e sempre será visto na casa do nosso sogro, para que minha esposa se console com a imagem de seu prometido.”
Dixit et in partem Phorcynida transtulit illam, ad quam se trepido Phineus obverterat ore. Tunc quoque conanti sua vertere lumina cervix deriguit, saxoque oculorum induruit umor. Sed tamen os timidum vultusque in marmore supplex submissaeque manus faciesque obnoxia mansit.
Ao dizê-lo, colocou a filha de Fórcis aonde Fineu, assustado, dirigira o seu olhar. Então, ao tentar desviar o olhar, seu pescoço se enrijeceu, e as lágrimas dos seus olhos petrificaram-se. Ainda assim, sua expressão temerosa, seu rosto suplicante em mármore, suas mãos submissas e sua face funesta permaneceram.
Victor Abantiades patrios cum coniuge muros intrat et inmeriti vindex ultorque parentis adgreditur Proetum: nam fratre per arma fugato Acrisioneas Proetus possederat arces. Sed nec ope armorum, nec, quam male ceperat, arce torva colubriferi superavit lumina monstri.
Vencedor, o bisneto de Abante entra nos muros da pátria com sua esposa. Defensor e vingador do avô desonrado, ele agride Preto. Agora afugentado pelas armas, Preto, seu irmão, havia tomado as muralhas de Acrísio. Mas, nem com a ajuda das armas nem com as muralhas mal conquistadas, conseguiu superar os olhos turvos do monstro colubrino.
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Te tamen, o parvae rector, Polydecta, Seriphi, nec iuvenis virtus per tot spectata labores nec mala mollierant, sed inexorabile durus exerces odium, nec iniqua finis in ira est. Detrectas etiam laudem fictamque Medusae arguis esse necem. “Dabimus tibi pignera veri. Parcite luminibus!” Perseus ait oraque regis ore Medusaeo silicem sine sanguine fecit. Hippocrene. Pierides
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Hipocrene. As Piérides
Hactenus aurigenae comitem Tritonia fratri se dedit: inde cava circumdata nube Seriphon deserit, a dextra Cythno Gyaroque relictis, quaque super pontum via visa brevissima, Thebas virgineumque Helicona petit. Quo monte potita constitit et doctas sic est adfata sorores: “Fama novi fontis nostras pervenit ad aures, dura Medusaei quem praepetis ungula rupit. Is mihi causa viae. Volui mirabile factum cernere: vidi ipsum materno sanguine nasci.”
Até aqui, Tritônia se prestou a acompanhar seu irmão122 nascido do ouro. Então, envolta em uma nuvem côncava, abandonou Serifo. À direita, deixou para trás Citno e Giaro, e, sobre o mar, pelo caminho que lhe pareceu o mais curto, busca Tebas e o monte Helicão, terra das virgens. Ao encontrá-lo, ali parou e assim se dirigiu às suas doutas irmãs: “Chegou aos meus ouvidos a fama de uma nova fonte, aquela que o casco duro do filho alado de Medusa irrompeu. Essa é a causa da minha vinda; quis contemplar tal feito admirável. Eu o vi nascer do sangue de sua mãe.”123
Excipit Uranie: “Quaecumque est causa videndi has tibi, diva, domos, animo gratissima nostro es. Vera tamen fama est, et Pegasus huius origo fontis”, et ad latices deduxit Pallada sacros. Quae mirata diu factas pedis ictibus undas, silvarum lucos circumspicit antiquarum antraque et innumeris distinctas floribus herbas felicesque vocat pariter studioque locoque Mnemonidas.
Urânia tomou a palavra: “Qualquer que seja a causa que te faz visitar esta casa, oh divina, és uma graça enorme ao nosso espírito. A fama, contudo, é verdadeira: Pégaso é a origem desta fonte”, e conduziu Palas às seivas sagradas. Esta, admirando por dias as ondas feitas pelos coices, observa ao seu redor o bosque das selvas antigas, as cavernas e a relva destacada por inúmeras flores, e felicita de igual modo as filhas de Mnemosine pelo cuidado e pelo local.
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A ti, porém, Polidecto, governador da pequena Serifo, nem a virtude deste jovem, comprovada por tantas proezas, nem as desgraças te amoleceram, mas, impassível, nutres um ódio inexorável, e não há um fim nessa ira injusta. Deprecias a glória alheia e diz ser fingida a morte de Medusa. “A ti daremos garantias da verdade. E a vós que estais do meu lado, poupai vossos olhos!” Perseu assim o diz, e, com a face de Medusa, a face de Polidecto fez-se pedra sem sangue.
“O, nisi te virtus opera ad maiora tulisset, in partem ventura chori Tritonia nostri, vera refers meritoque probas artesque locumque,
E a ela assim se dirigiu uma das irmãs: “Oh Tritônia, se a tua virtude não tivesse te levado a obras mais importantes, haverias de fazer parte do nosso coro. O que dizes são verdades e, com razão, aprovas os nossos trabalhos e este local. Temos uma grata
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Perseu. Posídon (Netuno) e Medusa teriam concebido seus filhos dentro de um templo de Palas, que, enfurecida pela profanação, transformou Medusa em uma górgona. Assim, os frutos daquele ato – o gigante Crisaor e o cavalo alado Pégaso – não nasceram, até que Perseu decapitou Medusa. Neste sentido, Palas afirma que Pégaso nasceu do sangue de sua mãe.
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et gratam sortem, tutae modo simus, habemus. Sed (vetitum est adeo sceleri nihil) omnia terrent virgineas mentes, dirusque ante ora Pyreneus vertitur, et nondum tota me mente recepi. Daulida Threicio Phoceaque milite rura ceperat ille ferox iniustaque regna tenebat. Templa petebamus Parnasia: vidit euntes, nostraque fallaci veneratus numina vultu “Mnemonides” (cognorat enim), “consistite” dixit, “nec dubitate, precor, tecto grave sidus et imbrem” (imber erat) “vitare meo: subiere minores saepe casas superi.” Dictis et tempore motae adnuimusque viro primasque intravimus aedes. Desierant imbres, victoque aquilonibus austro fusca repurgato fugiebant nubila caelo. Impetus ire fuit: claudit sua tecta Pyreneus vimque parat. Quam nos sumptis effugimus alis. Ipse secuturo similis stetit arduus arce “qua” que “via est vobis, erit et mihi” dixit “eadem”, seque iacit vecors e summae culmine turris et cadit in vultus, discussisque ossibus oris tundit humum moriens scelerato sanguine tinctam.”
sorte, apenas estejamos seguras aqui. Mas (até certo ponto, nada está imune ao crime) tudo aterroriza estas mentes virginais: o sinistro Pireneu ainda me vem à cabeça, e minha mente não está toda recuperada. Aquele homem feroz, com seu soldado da Trácia, invadira Dáulide e os campos da Fócida, e detinha reinos injustos. Quando nos dirigíamos aos templos do Parnaso, ele nos viu caminhando e, ao venerar a nossa divindade com um olhar malicioso, disse: ‘Parai, filhas de Mnemosine’ (reconhecera-nos, portanto), ‘e – eu vos suplico, não hesitai em evitar este céu carregado e esta chuva’ (havia chuva) ‘debaixo do meu teto: os deuses já entraram muitas vezes em casebres menores.’ Movidas por tais palavras e pelo tempo, anuímos àquele homem e entramos na sua antessala. As chuvas tinham cessado, e, uma vez que Austro fora vencido por Áquilo, nuvens foscas fugiam do céu renovado. Nossa intenção era ir embora. Pireneu fechou as portas e preparava um ato violento, do qual escapamos recorrendo às nossas asas. Ele, impassível, propenso a nos seguir, ficou de pé em sua muralha e disse: ‘qual seja o vosso caminho, o meu será o mesmo’, e atira-se enlouquecido do alto da torre mais alta, cai de cabeça e, com os ossos da face dilacerados, bate no chão tingido por seu sangue criminoso e morre.
Musa loquebatur: pennae sonuere per auras, voxque salutantum ramis veniebat ab altis. Suspicit et linguae quaerit tam certa loquentes unde sonent hominemque putat Iove nata locutum: Ales erat, numeroque novem, sua fata querentes, institerant ramis imitantes omnia picae.
A musa ainda falava, quando penas soaram pelos ares. Dos ramos mais altos, vinha a voz daquelas que saudavam as deidades. A filha de Júpiter olha para o alto, procura saber de onde soam aquelas línguas que falam tão claramente e pensa que um humano acabara de falar. Eram aves: nove pegas 124 , queixando-se dos seus fados, tinham pousado nos ramos e imitavam tudo ao seu redor.
Miranti sic orsa deae dea: “Nuper et istae auxerunt volucrum victae certamine turbam. Pieros has genuit Pellaeis dives in arvis, Paeonis Euippe mater fuit. Illa potentem Lucinam noviens, noviens paritura, vocavit. Intumuit numero stolidarum turba sororum, perque tot Haemonias et per tot Achaidas urbes
Diz assim à deusa que olhava surpresa: “Não faz muito tempo, estas matracas, vencidas em uma disputa, uniram-se à multidão de voadores. Rico em campos da Pela, Piero as engendrou; Evipe da Peônia foi a mãe. Prestes a parir, ela invocou a potente Lucina nove vezes – nove vezes! Diante deste número, tal multidão de irmãs estúpidas envaideceu-se e, passando por cidades da Hemônia e da Acaia, veio parar aqui, e, agora, com esta voz, nos propõe duelos: ‘Desisti vós de enganar o povo ignorante com essa vã doçura.
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Também chamada de pega-rabuda ou pega-rabilonga, a pega (pica pica) é uma ave europeia predominantemente preta, com a cauda esverdeada, os flancos e o abdómen brancos, e parte das asas azuladas.
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huc venit et tali committit proelia voce: “Desinite indoctum vana dulcedine vulgus fallere: nobiscum, siqua est fiducia vobis, Thespiades certate deae. Nec voce nec arte vincemur, totidemque sumus. Vel cedite victae fonte Medusaeo et Hyantea Aganippe, vel nos Emathiis ad Paeonas usque nivosos cedamus campis. Dirimant certamina nymphae.” Turpe quidem contendere erat, sed cedere visum turpius. Electae iurant per flumina nymphae factaque de vivo pressere sedilia saxo. Tum sine sorte prior quae se certare professa est, bella canit superum, falsoque in honore Gigantas ponit et extenuat magnorum facta deorum; emissumque ima de sede Typhoea terrae caelitibus fecisse metum cunctosque dedisse terga fugae, donec fessos Aegyptia tellus ceperit et septem discretus in ostia Nilus. Huc quoque terrigenam venisse Typhoea narrat et se mentitis superos celasse figuris; “duxque gregis” dixit “fit Iuppiter; unde recurvis nunc quoque formatus Libys est cum cornibus Ammon. Delius in corvo, proles Semeleia capro, fele soror Phoebi, nivea Saturnia vacca, pisce Venus latuit, Cyllenius ibidis alis.” Hactenus ad citharam vocalia moverat ora: poscimur Aonides. Sed forsitan otia non sint, nec nostris praebere vacet tibi cantibus aures.” “Ne dubita, vestrumque mihi refer ordine carmen” Pallas ait nemorisque levi consedit in umbra. Musa refert: “Dedimus summam certaminis uni. Surgit et inmissos hedera conlecta capillos Calliope querulas praetemptat pollice chordas, atque haec percussis subiungit carmina nervis: Ceres et Proserpina
Lutai conosco, oh deusas da Téspia, se é que há alguma confiança em vós. Não seremos vencidas nem na voz nem no engenho, e quantas sois, tantas somos nós. Ou vos retirai, se vencidas, da fonte do filho de Medusa e da fonte Agánipe dos hiantes, ou nós nos retiraremos dos campos da Emácia até os campos nevados da Peônia. Que as ninfas arbitrem as disputas.” Era certamente vergonhoso duelar, mas pareceu mais vergonhoso ceder. As ninfas eleitas juram pelas águas correntes e tomam os seus assentos feitos de rocha viva.
Então, sem sorteio, aquela que primeiro se propôs a competir canta a guerra dos deuses; ela atribui um mérito falso aos Gigantes e diminui os feitos dos grandes deuses. Saído do reduto mais profundo da terra, Tifeu teria posto medo nos celestes, e todos teriam dado as costas em fuga, até que, cansados, a terra egípcia os acolheu, assim como o Nilo, em seus sete portos. Narra também que Tifeu, nascido da terra, teria chegado ali, e que os deuses teriam se escondido em disfarces. Ela diz: “Júpiter virou um pastor de rebanho; daí que o líbio Ámon é representado com chifres recurvados. Délio virou um corvo; o filho de Sêmele, um bode; a irmã de Febo, uma gata; Satúrnia, uma vaca branca; Vênus se escondeu em um peixe, e Cilênio, em um íbis alado.”
Até aqui ela pusera em prática a sua boca falante ao som da cítara. Então, nós, que habitamos a Aônia, fomos convocadas. Mas talvez tu não tenhas tempo livre para oferecer teus ouvidos aos nossos cantos.” “Não tenhas dúvida que tenho; reporta-me vossos versos” disse Palas, e sentou-se na sombra delicada da floresta. A musa diz: “A uma só entregamos o ponto alto desta disputa. Com seus cabelos revoltos envolvidos num ramo de hedra, Calíope levanta-se, toca algumas cordas queixosas com o polegar e acrescenta estes versos às fibras retinidas:
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Prima Ceres unco glaebam dimovit aratro, prima dedit fruges alimentaque mitia terris, prima dedit leges: Cereris sunt omnia munus. Illa canenda mihi est. Utinam modo dicere possem carmina digna dea: certe dea carmine digna est.
Ceres foi a primeira a revolver a gleba com o arado curvado, a primeira a dar frutos e alimentos doces às terras, a primeira a dar-lhes leis: tudo é um presente de Ceres. Por mim ela há de ser cantada. Pudera eu declamar poemas dignos dessa deusa; certamente, ela é digna de poemas.
Vasta giganteis ingesta est insula membris Trinacris et magnis subiectum molibus urget aetherias ausum sperare Typhoea sedes. Nititur ille quidem pugnatque resurgere saepe, dextra sed Ausonio manus est subiecta Peloro, laeva, Pachyne, tibi, Lilybaeo crura premuntur, degravat Aetna caput: sub qua resupinus harenas eiectat flammamque ferox vomit ore Typhoeus. Saepe remoliri luctatur pondera terrae oppidaque et magnos devolvere corpore montes. Inde tremit tellus, et rex pavet ipse silentum, ne pateat latoque solum retegatur hiatu inmissusque dies trepidantes terreat umbras.
A vasta ilha da Trinácria foi lançada sobre os membros dos Gigantes e, submetendo Tifeu às suas volumosas massas, esmaga aquele que ousou pretender as moradas etéreas. Naturalmente ele reage e luta para se levantar de novo, várias vezes, mas a sua mão direita está presa pelo ausônio Peloro, a esquerda, por ti, Paquino, e suas pernas estão presas por Lilibeu; sobre a sua cabeça pesa o Etna, debaixo do qual Tifeu, reclinado, expele areia e, feroz, vomita chamas pela boca. Ele luta muitas vezes para remover aquelas porções de terra e faz desabar do seu corpo cidades e grandes montes. Então a terra treme, e o próprio rei dos mortos teme que o solo se abra, que se destape por uma larga fenda, e que, invadindo-o, a luz do dia aterrorize as sombras assustadas.
Hanc metuens cladem tenebrosa sede tyrannus exierat, curruque atrorum vectus equorum ambibat Siculae cautus fundamina terrae. Postquam exploratum satis est loca nulla labare, depositoque metu, videt hunc Erycina vagantem monte suo residens, natumque amplexa volucrem “arma manusque meae, mea, nate, potentia”, dixit, “illa, quibus superas omnes, cape tela, Cupido, inque dei pectus celeres molire sagittas, cui triplicis cessit fortuna novissima regni. Tu superos ipsumque Iovem tu numina ponti victa domas ipsumque, regit qui numina ponti. Tartara quid cessant? cur non matrisque tuumque imperium profers? agitur pars tertia mundi. Et tamen in caelo, quae iam patientia nostra est, spernimur, ac mecum vires minuuntur Amoris. Pallada nonne vides iaculatricemque Dianam
Receando este desastre, o tirano saíra de seu reduto tenebroso e, levado por um carro de cavalos negros, rodeava cauteloso os alicerces da terra siciliana. Depois de ter explorado o local, convenceu-se de que nada bambeava; quando já tinha deixado seu medo de lado, a mãe de Érice125, sentada no monte que leva o nome dele e abraçada ao outro filho, o voador, avista o transeunte e diz: ‘és minhas armas e minhas mãos, filho, és meu poder; oh Cupido, pega estas setas com as quais superas a todos e aponta estas lanças velozes para o peito daquele deus, para quem a fortuna cedeu a mais nova parte deste reino tripartido126. Tu dominas os deuses superiores e até o próprio Júpiter; por ti foram vencidas não só as deidades do mar, mas também aquele que as rege. O que esperam os Tártaros? Por que não estendes o nosso império? Trata-se da terça parte do mundo. Mesmo porque, no céu – qual não é a nossa paciência! – somos depreciados, e nossas forças, as do Amor comigo, são enfraquecidas. Não vês que Palas e a caçadora Diana se afastaram de mim? Se formos tolerantes, a filha de Ceres também será virgem; a esperança de não sê-lo a acompanha. Mas tu, pelo bem do nosso reino, se o valorizas, une esta deusa ao seu tio.’ Assim disse Vênus.
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Vênus. Vênus faz alusão à divisão do mundo entre Júpiter, Netuno e Plutão – este último, o rei dos mortos, a quem ela se dirige.
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abscessisse mihi? Cereris quoque filia virgo, si patiemur, erit: nam spes adfectat easdem. At tu, pro socio, siqua est ea gratia, regno iunge deam patruo.” Dixit Venus. Ille pharetram solvit et arbitrio matris de mille sagittis unam seposuit, sed qua nec acutior ulla nec minus incerta est nec quae magis audiat arcus, oppositoque genu curvavit flexile cornum inque cor hamata percussit harundine Ditem.
Ele desatou a aljava e, conforme a vontade de sua mãe, dentre mil setas, separou uma; no entanto, mais do que ela, não havia nenhuma mais aguda nem menos falível, e nenhuma que mais bem sentisse o arco; opondo-lhe o joelho, recurvou o corno flexível, e aquela flecha encrespada acertou em cheio o Dite no coração.
Haud procul Hennaeis lacus est a moenibus altae, nomine Pergus, aquae. Non illo plura Caystros carmina cycnorum labentibus audit in undis. Silva coronat aquas cingens latus omne, suisque frondibus ut velo Phoebeos submovet ictus. Frigora dant rami, tyrios humus umida flores: perpetuum ver est. Quo dum Proserpina luco ludit et aut violas aut candida lilia carpit, dumque puellari studio calathosque sinumque implet et aequales certat superare legendo, paene simul visa est dilectaque raptaque Diti: usque adeo est properatus amor. Dea territa maesto et matrem et comites, sed matrem saepius, ore clamat; et, ut summa vestem laniarat ab ora, conlecti flores tunicis cecidere remissis. Tantaque simplicitas puerilibus adfuit annis, haec quoque virgineum movit iactura dolorem. Raptor agit currus et nomine quemque vocando exhortatur equos, quorum per colla iubasque excutit obscura tinctas ferrugine habenas, perque lacus altos et olentia sulphure fertur stagna Palicorum, rupta fervenu terra, et qua Bacchiadae, bimari gens orta Corintho, inter inaequales posuerunt moenia portus.
Não muito longe das muralhas de Enna, há um lago de águas profundas chamado Pergo. Nem o Caístro, no deslizar de suas ondas, ouve mais cantos de cisnes do que ele. Uma floresta coroa suas águas, cingindo-o por todos os lados, e, com as folhagens, tal qual um véu, desvia os golpes de Febo127 . Os ramos oferecem frescor, e o solo úmido, flores púrpuras 128: a primavera é eterna. Enquanto Prosérpina se diverte naquele lago, colhendo violetas e lírios cândidos; enquanto enche os cestos e o próprio seio com o entusiasmo de uma menina e se esforça para vencer suas colegas na colheita, quase que ao mesmo tempo, foi vista, desejada e raptada por Rico: de fato, o Amor foi apressado. A deusa, aterrorizada, com a expressão aflita, clama por sua mãe e por suas companheiras, mas, principalmente, pela mãe, e, como a veste rasgara-se desde a parte de cima, as flores colhidas caíram de sua túnica afrouxada. E – quanta inocência havia em seus anos de menina! – aquela queda também aumentou a dor da virgem. O sequestrador manobra o carro, exorta seus cavalos chamando cada qual por seu nome e, pelas crinas e pescoços, sacode as rédeas tingidas por uma ferrugem escura, e assim ela é levada pelos lagos e pântanos sulfurosos dos Pálicos, que borbulham na terra rachada, e por onde os Baquíadas de Corinto, a cidade entre dois mares, puseram suas muralhas em meio a dois portos desiguais.
Est medium Cyanes et Pisaeae Arethusae, quod coit angustis inclusum cornibus aequor.
Entre o Rio Ciane e a Fonte Aretusa, oriunda de Pisa, há uma baía que se fecha em meio a dois chifres estreitos. Ali viveu a mais célebre entre as
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Uma referência aos raios de sol. O texto latino refere-se a “flores tírias”, em alusão à antiga cidade fenícia de Tiro, que era particularmente conhecida pela produção de um tipo de tinta púrpura bastante raro.
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Hic fuit, a cuius stagnum quoque nomine dictum est, inter Sicelidas Cyane celeberrima nymphas. Gurgite quae medio summa tenus exstitit alvo agnovitque deam. “Nec longius ibitis!” inquit, “non potes invitae Cereris gener esse: roganda, non rapienda fuit. Quodsi componere magnis parva mihi fas est, et me dilexit Anapis: exorata tamen, nec, ut haec, exterrita nupsi.” Dixit et in partes diversas bracchia tendens obstitit. Haud ultra tenuit Saturnius iram, terribilesque hortatus equos in gurgitis ima contortum valido sceptrum regale lacerto condidit. Icta viam tellus in Tartara fecit et pronos currus medio cratere recepit.
ninfas sicilianas, Ciane, que deu nome também àquela enseada. Ela emergiu das profundezas, da cabeça até a cintura, reconheceu a deusa e disse: “Não ireis mais longe! Não podes ser genro de Ceres sem o seu consentimento: ela deveria ser conquistada, e não raptada. Se me é lícito comparar as pequenas às grandes coisas, Anápis também me escolheu, mas me casei tendo sido implorada, e não aterrorizada como esta.” Ao dizê-lo, bloqueou a passagem, estendendo os braços em direções opostas. Saturno não mais conteve a sua ira; ele incitou os terríveis cavalos, brandiu com seu braço poderoso o cedro real e fincou-o nas profundezas do oceano. Aquele golpe abriu um caminho em direção aos Tártaros, e, inclinando o carro, ele o introduziu no meio da cratera.
At Cyane, raptamque deam contemptaque fontis iura sui maerens, inconsolabile vulnus mente gerit tacita lacrimisque absumitur omnis, et quarum fuerat magnum modo numen, in illas ossa pati flexus, ungues posuisse rigorem; extenuatur aquas. Molliri membra videres, primaque de tota tenuissima quaeque liquescunt, caerulei crines digitique et crura pedesque: nam brevis in gelidas membris exilibus undas transitus est: post haec umeri tergusque latusque pectoraque in tenues abeunt evanida rivos. Denique pro vivo vitiatas sanguine venas lympha subit, restatque nihil, quod prendere possis.
Ciane, desolada pelo rapto da deusa e por ter as leis da sua fonte desrespeitadas, nutre calada uma ferida inconsolável em sua mente e se consome toda em lágrimas, e, nas águas das quais fora antes a grande divindade, agora ela se extenua. E verias que seus membros amoleciam, seus ossos podiam dobrar e as unhas perdiam a rigidez. Primeiro, derretem as partes mais delicadas: os cabelos azuis, os dedos, os pés e as pernas; mas é breve a conversão desses membros reduzidos em ondas gélidas. Depois, os ombros, as costas, os flancos e o peito, desvanecidos, tornam-se mansos riachos. Por fim, em vez de sangue vivo, corre linfa por suas veias deformadas e não resta nada que possas segurar nas mãos.
Interea pavidae nequiquam filia matri omnibus est terris, omni quaesita profundo. Illam non udis veniens Aurora capillis cessantem vidit, non Hesperus. Illa duabus flammiferas pinus manibus succendit ab Aetna perque pruinosas tulit inrequieta tenebras. Rursus ubi alma dies hebetarat sidera, natam solis ab occasu solis quaerebat ad ortus.
Enquanto isso, em vão, a filha foi procurada por sua mãe apavorada por toda a terra e por todo o fundo do mar. Nem Aurora, ao chegar com seus capelos úmidos, nem Héspero a viram descansar. No Etna, ela acendeu dois pinhos flamejantes, um para cada mão, e os levou obstinada pelas trevas arrepiantes. E, novamente, quando o dia benfeitor já tinha ofuscado as estrelas, ela buscava sua filha desde o ocaso até o nascer do sol.
Fessa labore sitim conlegerat oraque nulli
Esgotada por seus esforços, ela ficara com sede, mas nenhuma fonte
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colluerant fontes; cum tectam stramine vidit forte casam parvasque fores pulsavit: at inde prodit anus divamque videt, lymphamque roganti dulce dedit, tosta quod texerat ante polenta. Dum bibit illa datum, duri puer oris et audax constitit ante deam risitque avidamque vocavit. Offensa est neque adhuc epota parte loquentem cum liquido mixta perfudit diva polenta. Combibit os maculas, et quae modo bracchia gessit, crura gerit; cauda est mutatis addita membris; inque brevem formam, ne sit vis magna nocendi, contrahitur, parvaque minor mensura lacerta est. Mirantem flentemque et tangere monstra parantem fugit anum latebramque petit; aptumque colori nomen habet, variis stellatus corpora guttis.
refrescara a sua boca. Por acaso, ela avistou uma cabana coberta de palha e bateu em suas pequenas portas. Uma velha, então, sai de lá, depara-se com a deusa pedindo água e lhe oferece algo doce, coberto com farinha de cevada torrada. Enquanto ela bebe aquilo, um menino boca dura e atrevido ficou parado diante da deusa, riu dela e chamou-a de esganada. Ela se ofendeu e, como ainda não tinha bebido tudo, a deusa encharcou o linguarudo com a farinha misturada àquele líquido. Seu rosto embebeu as manchas e, se antes ele tinha braços, agora tem patas; uma cauda se agregou aos seus membros transformados; ele se reduziu a um tamanho minúsculo, para não causar maiores danos, e ficou menor que uma lagartixa. A criatura foge da velha, que chorava e tentava tocá-la, e procura um esconderijo. Enfim, ganha um nome apropriado à sua cor e ao seu corpo gotejado de estrelas129.
Quas dea per terras et quas erraverit undas, dicere longa mora est: quaerenti defuit orbis. Sicaniam repetit; dumque omnia lustrat eundo, venit et ad Cyanen. Ea ni mutata fuisset, omnia narrasset: sed et os et lingua volenti dicere non aderant, nec quo loqueretur habebat. Signa tamen manifesta dedit notamque parenti, illo forte loco delapsam in gurgite sacro, Persephones zonam summis ostendit in undis.
Demoraria muito dizer por quais terras e mares a deusa vagou: sua busca foi além do planeta. A sicaniana voltou à sua terra e, inspecionando tudo por onde passa, chegou até Ciane. Esta, não estivesse transformada, contaria tudo, mas sua boca e sua língua, querendo falar, não conseguiam, e não dispunha de nada com que pudesse falar. Deu, porém, sinais manifestos e mostrou o cinto de Perséfone, que a mãe conhecia, sobre as ondas, no local onde, naquelas águas sagradas, ele tinha caído.
Quam simul agnovit, tamquam tunc denique raptam scisset, inornatos laniavit diva capillos et repetita suis percussit pectora palmis. Nescit adhuc, ubi sit: terras tamen increpat omnes ingratasque vocat nec frugum munere dignas, Trinacriam ante alias, in qua vestigia damni repperit. Ergo illic saeva vertentia glaebas fregit aratra manu, parilique irata colonos ruricolasque boves leto dedit arvaque iussit fallere depositum vitiataque semina fecit. Fertilitas terrae latum vulgata per orbem
Ela o reconheceu imediatamente e, ao se dar conta de que a filha tinha sido raptada, arrancou seus cabelos enfeitados e bateu no peito várias vezes com as palmas das mãos. Sem saber, entretanto, onde ela está, blasfema todas as terras e as chama de ingratas, indignas da dádiva dos frutos, especialmente a Trinácria, onde encontrou os vestígios daquela perda. Ali, então, quebrou com sua mão feroz os arados que revolvem a gleba e, irada, destinou a uma morte parecida os lavradores e os bois campesinos; ordenou aos campos que traíssem a semeadura e tornou as sementes inférteis. A fertilidade desta terra, famosa por todo o globo, jaz falsa: as plantações padecem em seus primeiros brotos; o sol e a chuva, ambos em excesso, os arrebatam; astros e ventos prejudicam-nos, e aves ávidas roubam as
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Ovídio se refere ao estelião (laudakia stellio), um lagarto que tem pintas parecidas com estrelas, encontrado na Grécia oriental, no sudoeste da Ásia e no norte da África.
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falsa iacet: primis segetes moriuntur in herbis, et modo sol nimius, nimius modo corripit imber sideraque ventique nocent, avidaeque volucres semina iacta legunt; lolium tribulique fatigant triticeas messes et inexpugnabile gramen.
sementes jogadas; o joio, os tríbulos e a grama implacável enfraquecem as colheitas de trigo.
Tum caput Eleis Alpheias extulit undis rorantesque comas a fronte removit ad aures atque ait: “O toto quaesitae virginis orbe et frugum genetrix, inmensos siste labores neve tibi fidae violenta irascere terrae. Terra nihil meruit patuitque invita rapinae. Nec sum pro patria supplex: huc hospita veni; Pisa mihi patria est et ab Elide ducimus ortus; Sicaniam peregrina colo, sed gratior omni haec mihi terra solo est: hos nunc Arethusa penates, hanc habeo sedem: quam tu, mitissima, serva. Mota loco cur sim tantique per aequoris undas advehar Ortygiam, veniet narratibus hora tempestiva meis, cum tu curaque levata et vultus melioris eris. Mihi pervia tellus praebet iter, subterque imas ablata cavernas hic caput attollo desuetaque sidera cerno. Ergo dum Stygio sub terris gurgite labor, visa tua est oculis illic Proserpina nostris: illa quidem tristis neque adhuc interrita vultu, sed regina tamen, sed opaci maxima mundi, sed tamen inferni pollens matrona tyranni.”
Então, a amada de Alfeu retirou sua cabeça das águas da Élida, afastou os cabelos orvalhados do rosto colocando-os atrás das orelhas, e disse: ‘Oh genitora dos frutos e da virgem procurada por todo o globo, detém os teus imensos trabalhos e não tenha raiva desta terra fiel a ti. Ela não tem culpa de nada e deu passagem àquela raposa contra a sua vontade. Não estou suplicando a favor da minha pátria: vim aqui como hóspede; Pisa é minha pátria e trazemos nossas origens da Élida; habito a Sicânia, embora seja estrangeira, mas esta terra me é mais grata do que qualquer outra: agora eu, Aretusa, tenho aqui meu lugar e meu lar; conserva-o, oh misericordiosa. Quando estiveres mais calma e com um semblante melhor, há de chegar uma hora oportuna para explicar por que me mudei de lugar e por que, atravessando tantas águas, vim parar na Ortígia. Esta terra transitável me dá passagem e, trazida por debaixo de cavernas profundas, ergo aqui a minha cabeça, onde posso discernir alguns astros incomuns. Foi assim que, enquanto eu deslizava pelas profundezas do Estige, sob a terra, tua Prosérpina foi vista ali por meus olhos: ela está naturalmente triste e seu rosto ainda não se desfez do terror, porém é sem dúvida a rainha, a suprema do mundo opaco, a matrona imponente do tirano infernal.’
Mater ad auditas stupuit ceu saxea voces attonitaeque diu similis fuit. Utque dolore pulsa gravi gravis est amentia, curribus oras exit in aetherias. Ibi toto nubila vultu ante Iovem passis stetit invidiosa capillis “pro” que “meo veni supplex tibi, Iuppiter” inquit, “sanguine proque tuo. Si nulla est gratia matris, nata patrem moveat, neu sit tibi cura, precamur, vilior illius, quod nostro est edita partu. En quaesita diu tandem mihi nata reperta est,
Ao ouvir aquilo, a mãe ficou estática tal qual uma pedra e permaneceu atônita por muito tempo. E, quando aquela paralisia foi quebrada pela dor profunda, ela foi embora com seu carro em direção aos ares etéreos. Lá, com o rosto todo nublado e os cabelos soltos, ficou parada enfurecida diante de Júpiter e disse: ‘Pelo meu sangue e pelo teu sangue, Júpiter, vim a ti suplicar. Se esta mãe é insignificante, quem sabe a filha comova seu pai; não descuides dela, nós suplicamos, por que ela nasceu do nosso parto. Depois de procurada por muito tempo, nossa filha foi por mim encontrada, se é que encontrar significa perder, ou saber onde está significa encontrar. Que ela tenha sido raptada, suportaremos, contanto que a tragas de volta, pois se,
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si reperire vocas amittere certius, aut si scire, ubi sit, reperire vocas. Quod rapta, feremus, dummodo reddat eam: neque enim praedone marito filia digna tua est, si iam mea filia non est.”
sendo minha filha, ela já não merece um marido sequestrador, quem dirá sendo tua filha também.’
Iuppiter excepit: “Commune est pignus onusque nata mihi tecum. Sed si modo nomina rebus addere vera placet, non hoc iniuria factum, verum amor est; neque erit nobis gener ille pudori, tu modo, diva, velis. Ut desint cetera, quantum est esse Iovis fratrem! — Quid quod non cetera desunt nec cedit nisi sorte mihi? sed tanta cupido si tibi discidii est, repetet Proserpina caelum, lege tamen certa, si nullos contigit illic ore cibos; nam sic Parcarum foedere cautum est.”
Júpiter tomou a palavra: ‘minha filha contigo é ônus e penhor comum a nós dois. Contudo, se nos agrada dar o nome correto às coisas, esse feito não é uma injúria, mas um amor verdadeiro; e este genro não nos será uma vergonha, uma vez que tu, divina, o aceites. Como se não bastasse, não é pouca coisa ser irmão de Júpiter! — Além disso, o que dizer do fato de que ele não me precede senão por acaso? Mas se o teu desejo de separá-los é tão grande, Prosérpina voltará ao céu, porém com uma condição: desde que sua boca não tenha ingerido nenhum alimento lá, pois assim foi determinado no acordo com as Parcas.’
Dixerat. At Cereri certum est educere natam. Non ita fata sinunt, quoniam ieiunia virgo solverat et, cultis dum simplex errat in hortis, Poeniceum curva decerpserat arbore pomum sumptaque pallenti septem de cortice grana presserat ore suo. Solusque ex omnibus illud Ascalaphus vidit, quem quondam dicitur Orphne, inter Avernales haud ignotissima nymphas, ex Acheronte suo silvis peperisse sub atris: vidit et indicio reditum crudelis ademit. Ingemuit regina Erebi testemque profanam fecit avem, sparsumque caput Phlegethontide lympha in rostrum et plumas et grandia lumina vertit. Ille sibi ablatus fulvis amicitur in alis, inque caput crescit, longosque reflectitur ungues vixque movet natas per inertia bracchia pennas: foedaque fit volucris, venturi nuntia luctus, ignavus bubo, dirum mortalibus omen.
Assim dissera, mas, para Ceres, trazer sua filha de volta era algo certo. O destino, porém, não permitiu, pois a virgem quebrara o jejum e, ingênua, ao vagar por pomares cultivados, apanhara uma romã de uma árvore carregada e, tirando de seu córtice pálido sete grãos, espremera-os em sua boca. Dentre todos, apenas Ascálafo presenciou aquilo – segundo dizem, ele foi parido por Orfne, ninfa de alguma fama entre as avernais, no rio Aqueronte, sob selvas tenebrosas. Ele a viu e, com a delação, impediu o seu regresso. A rainha do Érebo gemeu de raiva e transformou aquela testemunha numa ave profana; depois de aspergir sua cabeça com a água do Flegetonte, fez surgir um bico, plumas e grandes olhos. Privado de si, ele se vestiu com asas amareladas; sua cabeça cresce, as unhas ficam longas e se encurvam e, pelos braços inertes, move com dificuldade essas penas nascidas. Transformou-o num pássaro feio, sinal de luto vindouro, coruja indolente, mau agouro para os mortais.
Hic tamen indicio poenam linguaque videri commeruisse potest: vobis, Acheloides, unde pluma pedesque avium, cum virginis ora geratis? an quia, cum legeret vernos Proserpina flores,
Este, porém, pela delação e por sua língua, parece ter merecido a pena, mas a vós, filhas de Aqueloo, de onde vêm essa pluma e esses pés de aves, conquanto tendes rostos de virgem? Será porque, quando Prosérpina colhia as flores da primavera, estáveis em sua companhia, oh doutas sereias?
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in comitum numero, doctae Sirenes, eratis? Quam postquam toto frustra quaesistis in orbe, protinus, ut vestram sentirent aequora curam, posse super fluctus alarum insistere remis optastis, facilesque deos habuistis et artus vidistis vestros subitis flavescere pennis. Ne tamen ille canor mulcendas natus ad aures tantaque dos oris linguae deperderet usum, virginei vultus et vox humana remansit.
Depois que a buscastes em vão por todo o orbe, em seguida, para que as águas sentissem a vossa preocupação, desejastes poder flutuar sobre a água com estes remos alados, e os deuses consentiram, e logo vistes vossos membros recobrirem-se de súbitas penas. Entretanto, a fim de que o canto nascido para serenar os ouvidos, esse grande dote de vossas bocas, não se perdesse no uso da língua, permaneceram-vos os rostos virgíneos e a voz humana.
At medius fratrisque sui maestaeque sororis Iuppiter ex aequo volventem dividit annum. Nunc dea, regnorum numen commune duorum, cum matre est totidem, totidem cum coniuge menses. Vertitur extemplo facies et mentis et oris: nam modo quae poterat Diti quoque maesta videri, laeta deae frons est, ut sol, qui tectus aquosis nubibus ante fuit, victis e nubibus exit.
Mas, em meio ao seu irmão e à sua irmã aflita, Júpiter divide o ciclo do ano por igual. Agora a deusa, divindade comum aos dois reinos, passa o mesmo número de meses tanto com a mãe quanto com seu marido. Seu rosto, seu humor e sua expressão mudaram-se: pois, se há pouco ela poderia parecer aflita até mesmo ao Rico, agora o semblante da deusa está alegre, como um sol que esteve encoberto por nuvens carregadas e escapa dessas nuvens vencidas.
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Exigit alma Ceres, nata secura recepta, quae tibi causa fugae, cur sis, Arethusa, sacer fons. Conticuere undae: quarum dea sustulit alto fonte caput viridesque manu siccata capillos fluminis Elei veteres narravit amores.
A benfeitora Ceres, tranquila por ter a filha de volta, pergunta a ti, Aretusa, oh fonte sagrada, qual foi a causa da tua fuga. Calaram-se as ondas; a deusa levantou sua cabeça daquele alto manancial e, depois de secar seus cabelos verdes, narrou os velhos amores do rio da Élida.
“Pars ego nympharum quae sunt in Achaide” dixit, “una fui, nec me studiosius altera saltus legit nec posuit studiosius altera casses. Sed quamvis formae numquam mihi fama petita est, quamvis fortis eram, formosae nomen habebam. Nec mea me facies nimium laudata iuvabat, quaque aliae gaudere solent, ego rustica dote corporis erubui, crimenque placere putavi. Lassa revertebar (memini) Stymphalide silva: aestus erat, magnumque labor geminaverat aestum. Invenio sine vertice aquas, sine murmure euntes, perspicuas ad humum, per quas numerabilis alte
‘Fui uma das ninfas que vivem na Acaia’ disse ‘e não havia nenhuma outra mais ávida que eu por atravessar as florestas e espalhar armadilhas. Mas, ainda que por mim a fama pela beleza nunca tenha sido buscada, embora eu fosse forte, chamavam-me de formosa. Meu rosto, tão louvado, sequer me agradava, e o dote do meu corpo, do que as outras costumam vangloriar-se, deixou-me envergonhada, e acreditei ser um crime gostar de mim mesma. Cansada, voltava (eu me recordo) da floresta de Estínfalo. Fazia calor e o cansaço duplicara aquele calor. Então, descobri águas mansas sem nenhuma onda, sem fazer qualquer barulho, transparentes até o leito, através das quais era possível contar todas as pedras no fundo, pois pensarias que estavam praticamente paradas. Salgueiros brancos e álamos nutridos por aquelas águas ofereciam-lhes sombras nascidas espontaneamente em suas
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calculus omnis erat, quas tu vix ire putares. Cana salicta dabant nutritaque populus unda sponte sua natas ripis declivibus umbras. Accessi primumque pedis vestigia tinxi, poplite deinde tenus: neque eo contenta, recingor molliaque impono salici velamina curvae nudaque mergor aquis. Quas dum ferioque trahoque mille modis labens excussaque bracchia iacto, nescio quod medio sensi sub gurgite murmur territaque insisto propioris margine ripae. “Quo properas, Arethusa?” suis Alpheus ab undis, “quo properas?” iterum rauco mihi dixerat ore. Sicut eram, fugio sine vestibus: altera vestes ripa meas habuit. Tanto magis instat et ardet, et quia nuda fui, sum visa paratior illi. Sic ego currebam, sic me ferus ille premebat, ut fugere accipitrem penna trepidante columbae, ut solet accipiter trepidas urgere columbas. Usque sub Orchomenon Psophidaque Cyllenenque Maenaliosque sinus gelidumque Erymanthon et Elin currere sustinui; nec me velocior ille. Sed tolerare diu cursus ego, viribus impar, non poteram: longi patiens erat ille laboris. Per tamen et campos, per opertos arbore montes, saxa quoque et rupes et qua via nulla, cucurri. Sol erat a tergo: vidi praecedere longam ante pedes umbram, nisi si timor illa videbat; sed certe sonitusque pedum terrebat et ingens crinales vittas adflabat anhelitus oris. Fessa labore fugae “fer opem, deprendimur” inquam, “armigerae, Diana, tuae, cui saepe dedisti ferre tuos arcus inclusaque tela pharetra.” Mota dea est spissisque ferens e nubibus unam me super iniecit. Lustrat caligine tectam amnis et ignarus circum cava nubila quaerit. Bisque locum, quo me dea texerat inscius ambit et bis “io Arethusa io Arethusa!” vocavit. Quid mihi tunc animi miserae fuit? anne quod agnae est, siqua lupos audit circum stabula alta frementes,
margens reclinadas. Cheguei perto, molhei primeiro a planta dos pés e depois até o joelho. Não contente, tiro minhas vestes e as ponho sobre aqueles salgueiros moles e recurvados, e mergulho nua nas águas. Enquanto me debato nelas e as arrasto, deslizando de mil modos, estiquei os meus braços, e não sei que barulho ouvi nas profundezas. Assustada, fiquei de pé no banco da margem mais próxima. ‘Por que a pressa, Aretusa?’ dissera Alfeu lá do meio das suas ondas, ‘por que a pressa?’ repetira com uma voz rouca. Tal como estava, fujo sem vestes: elas estavam na outra margem. Ele me persegue e se atiça ainda mais, e porque estava nua, pareci-lhe mais disposta.
E quanto mais eu corria, mais selvagem ele me perseguia, como pombas que tremem as penas ao fugir de um falcão, como um falcão costumado a ameaçar pombas trêmulas. Até perto de Orcômeno, Psófide e Cilene, do vale do Menálio, do Erimanto gelado e da Élida, eu aguentei correr; até aí ele não foi mais rápido que eu. Mas, desigual em forças, eu não pudera suportar por mais tempo aquela corrida: ele ainda podia aguentar muito mais. Corri, no entanto, por campos, por montes cobertos de árvores, até mesmo por pedras e penhascos, e por onde sequer havia um caminho. O sol estava nas minhas costas e, se não era o meu medo que me fazia ver aquilo, vi preceder diante dos meus pés uma grande sombra. Mas, sem dúvida, o som daqueles passos me aterrorizava e o bafo da sua boca soprava as fitas dos meus cabelos. Cansada pelo esforço da fuga, gritei ‘Estou presa! Intervém, Diana, por esta tua armeira, a quem muitas vezes confiaste o transporte dos teus arcos e das flechas em sua aljava.’ A deusa se comoveu e, escolhendo uma dentre as nuvens mais densas, atirou-a em cima de mim. O rio examina sua presa envolta pela névoa e, sem entender, procura por ela em torno daquela nuvem cava. Tolo, ele circunda duas vezes o local onde a deusa me escondera e clama por mim: ‘Aretusa, Aretusa!’ Qual não foi a minha sensação naquele momento? Talvez aquela que uma cordeira experimenta quando ouve os lobos rosnando ao redor dos estábulos, ou aquela de uma lebre que, escondida no matagal, vê as bocas hostis dos cães e não se atreve a fazer nenhum movimento com o corpo? Ainda assim, ele não foi embora. E, posto que não vê quaisquer vestígios de pegadas para além dali, vigia a nuvem e as redondezas. Um suor frio invade meus membros atormentados. Gotas azuis
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aut lepori, qui vepre latens hostilia cernit ora canum nullosque audet dare corpore motus? Non tamen abscedit: neque enim vestigia cernit longius ulla pedum: servat nubemque locumque. Occupat obsessos sudor mihi frigidus artus, caeruleaeque cadunt toto de corpore guttae, quaque pedem movi, manat lacus, eque capillis ros cadit, et citius, quam nunc tibi facta renarro, in latices mutor. Sed enim cognoscit amatas amnis aquas, positoque viri, quod sumpserat, ore vertitur in proprias, ut se mihi misceat, undas. Delia rupit humum; caecisque ego mersa cavernis advehor Ortygiam, quae me cognomine divae grata meae superas eduxit prima sub auras.”
caem de todo o meu corpo, e onde quer que eu movesse o meu pé, formava uma poça. O orvalho escorre dos meus cabelos e, tão rápido quanto agora te narro estes fatos, transformei-me em seivas. Mas então o rio reconhece as águas amadas e, abandonando o rosto humano que havia assumido, converte-se em suas próprias ondas para unir-se a mim. A deusa de Delos130 rompe a terra; imersa em cavernas cegas, sou trazida à Ortígia, ilha que, sendo grata a mim pelo cognome da minha deusa, primeiro me conduziu aos ares da superfície.
Hac Arethusa tenus. Geminos dea fertilis angues curribus admovit frenisque coercuit ora et medium caeli terraeque per aera vecta est atque levem currum Tritonida misit in urbem Triptolemo; partimque rudi data semina iussit spargere humo, partim post tempora longa recultae. Iam super Europen sublimis et Asida terram vectus erat iuvenis; Scythicas advertitur oras. Rex ibi Lyncus erat: regis subit ille penates. Qua veniat, causamque viae nomenque rogatus et patriam, “patria est clarae mihi” dixit “Athenae, Triptolemus nomen. Veni nec puppe per undas, nec pede per terras: patuit mihi pervius aether. Dona fero Cereris latos quae sparsa per agros frugiferas messes alimentaque mitia reddant.”
Aretusa concluiu. A deusa fértil achegou duas serpentes ao carro, sujeitou suas bocas a freios e assim percorreu os céus, as terras e os ares. Seu carro ligeiro conduziu-a até o jovem Triptólemo, em uma cidade da Tritônia. Ali, ela lhe entregou sementes e ordenou que ele espalhasse parte delas em um solo agreste e parte em uma terra já cultivada há muito tempo. Mais tarde, o rapaz, quando já tinha sido elevado aos céus da Europa e da Ásia, aportou nas praias da Cítia, onde vivia o rei Linco, e se dirigiu aos aposentos reais. Perguntaram-lhe de onde ele vinha, por que razão, por qual caminho, e qual era o seu nome. Ele respondeu: ‘minha pátria é a ilustre Atenas, meu nome é Triptólemo. Não vim em um navio pelas ondas, nem a pé pelas terras: o éter se abriu para me dar passagem. Trouxe presentes de Ceres, que, se espalhados por amplos campos, renderão colheitas frutíferas e alimentos saborosos.’
Barbarus invidit; tantique ut muneris auctor ipse sit, hospitio recipit somnoque gravatum adgreditur ferro. Conantem figere pectus lynca Ceres fecit rursusque per aera iussit Mopsopium iuvenem sacros agitare iugales.”
O bárbaro ficou com inveja; e para que ele mesmo pudesse ser o autor de tamanhas oferendas, recebeu o hóspede e, quando este estava no sono pesado, investiu contra ele com uma faca. Quando tentava atravessar-lhe o peito, Ceres transformou-o num lince, enviou o jovem de volta aos ares e ordenou ao mopsópio que guiasse as juntas sagradas.’
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Finierat doctos e nobis maxima cantus. At nymphae vicisse deas Helicona colentes concordi dixere sono. Convicia victae cum iacerent, “quoniam” dixit “certamine vobis supplicium meruisse parum est maledictaque culpae additis et non est patientia libera nobis, ibimus in poenas et, qua vocat ira, sequemur.”
A maior de todas nós terminara seu canto primoroso. E as ninfas em unanimidade declararam vencedoras as deusas que habitam o Helicão. Uma vez que as derrotadas continuaram disparando ofensas, ela disse: ‘já que é pouco terdes merecido uma humilhação no duelo e vindes ainda com mais insultos, nossa paciência tem limite. Passaremos aos castigos e, para onde a ira nos chamar, seguiremos.’
Rident Emathides spernuntque minantia verba: conataeque loqui et magno clamore protervas intentare manus, pennas exire per ungues adspexere suos, operiri bracchia plumis; alteraque alterius rigido concrescere rostro ora videt volucresque novas accedere silvis. Dumque volunt plangi, per bracchia mota levatae aere pendebant, nemorum convicia, picae.
Rindo, aquelas insolentes da Emácia desprezam as palavras de ameaça. Quando, em meio àquela gritaria, suas mãos atrevidas tentaram nos acertar, viram sair penas das suas unhas, e os braços cobrirem-se de plumas. Uma vê o rosto da outra endurecer, formando um bico duro, e novos pássaros surgem na floresta. Enquanto se debatem, são elevadas pelos braços em movimento e, então, pairam no ar aquelas pegas: insultos das florestas. E até hoje permaneceu nesses seres alados essa antiga tagarelice, esse canto rouco e esse desejo louco de falar.”
Nunc quoque in alitibus facundia prisca remansit raucaque garrulitas studiumque inmane loquendi.”
Tradução: Luiz Henrique Queriquelli, UFSC
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Liber VI Pallas et Arachne
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Palas e Aracne
Praebuerat dictis Tritonia talibus aures carminaque Aonidum iustamque probaverat iram. Tum secum “laudare parum est; laudemur et ipsae numina nec sperni sine poena nostra sinamus” Maeoniaeque animum fatis intendit Arachnes, quam sibi lanificae non cedere laudibus artis audierat. Non illa loco neque origine gentis clara, sed arte fuit. Pater huic Colophonius Idmon Phocaico bibulas tingebat murice lanas. Occiderat mater; sed et haec de plebe suoque aequa viro fuerat. Lydas tamen illa per urbes quaesierat studio nomen memorabile, quamvis orta domo parva parvis habitabat Hypaepis. Huius ut adspicerent opus admirabile, saepe deseruere sui nymphae vineta Timoli, deseruere suas nymphae Pactolides undas. Nec factas solum vestes spectare iuvabat; tum quoque, cum fierent: tantus decor adfuit arti. Sive rudem primos lanam glomerabat in orbes, seu digitis subigebat opus repetitaque longo vellera mollibat nebulas aequantia tractu, sive levi teretem versabat pollice fusum, seu pingebat acu, scires a Pallade doctam. Quod tamen ipsa negat, tantaque offensa magistra “certet” ait “mecum: nihil est, quod victa recusem.”
Palas Tritônia ouvira o que foi dito e reconhecera os cantos das Musas e a sua justa ira. Disse, então, a si mesma: “É pouco louvar; que nós próprias sejamos louvadas e não permitamos que nossos poderes sejam desprezados sem castigo”. Voltou o pensamento para os destinos da lídia Aracne. Ouvira que esta não lhe cederia os louvores pela arte de tecer a lã. Aracne não era famosa pelo lugar de nascimento ou pela origem de sua família, mas por seu talento. Seu pai, o colofônio Idmão, tingia as lãs embebidas com múrice da Fócida; a mãe tinha morrido e, como o seu pai, também pertencia à plebe. Aracne, contudo, conquistara, nas cidades lídias, pelo seu empenho, uma fama memorável, ainda que tivesse nascido em uma humilde casa e morasse na modesta Hipepa. Para que pudessem contemplar a obra de Aracne, muitas vezes as ninfas do Timolo abandonavam os seus vinhedos; também abandonavam as suas ondas as ninfas do Pactolo. Agradava-lhes observar não só as vestes já confeccionadas, mas também a forma como fiavam: tamanha era a beleza adicionada à técnica. Quer enrolasse a lã grosseira nos primeiros novelos quer conduzisse o trabalho com os dedos e domasse os flocos de lã, antes idênticos às nuvens, estendidos agora como um longo fio, quer girasse o fuso arredondado, com o polegar leve, e bordasse com a agulha, reconhecer-se-ia que tinha sido instruída por Palas. A própria Aracne, contudo, o nega e, ofendida com tão célebre mestra, disse: “Que lute comigo. Se eu for vencida, nada haverá que eu rejeite!”.
Pallas anum simulat falsosque in tempora canos addit et infirmos, baculo quos sustinet, artus. Tum sic orsa loqui: “Non omnia grandior aetas, quae fugiamus, habet: seris venit usus ab annis. Consilium ne sperne meum. Tibi fama petatur inter mortales faciendae maxima lanae: cede deae veniamque tuis, temeraria, dictis supplice voce roga: veniam dabit illa roganti.”
Palas finge ser uma velha: põe falsas cãs na fronte e, com uma bengala, apoia o corpo alquebrado. Depois começou a falar: “A velhice não nos acarreta apenas coisas das quais devamos fugir; a experiência provém da idade avançada. Não desprezes meu conselho: uma grande fama no trabalho de tecer a lã é procurada por ti. Cede à deusa e, audaciosa, pede perdão por tuas palavras, com voz suplicante. Ela dará o perdão àquela que o pedir”. Aracne a olha com a fisionomia ameaçadora e abandona os fios já iniciados, retendo a mão com dificuldade e revelando a ira pelo aspecto do rosto.
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Adspicit hanc torvis inceptaque fila relinquit, vixque manum retinens confessaque vultibus iram talibus obscuram resecuta est Pallada dictis: “Mentis inops longaque venis confecta senecta. Et nimium vixisse diu nocet. Audiat istas, siqua tibi nurus est, siqua est tibi filia, voces. Consilii satis est in me mihi. Neve monendo profecisse putes, eadem est sententia nobis. Cur non ipsa venit? cur haec certamina vitat?” Tum dea “venit” ait, formamque removit anilem Palladaque exhibuit. Venerantur numina nymphae Mygdonidesque nurus: sola est non territa virgo. Sed tamen erubuit, subitusque invita notavit ora rubor rursusque evanuit, ut solet aer purpureus fieri, cum primum aurora movetur, et breve post tempus candescere solis ab ortu. Perstat in incepto stolidaeque cupidine palmae in sua fata ruit: neque enim Iove nata recusat, nec monet ulterius, nec iam certamina differt.
Respondeu a Palas, que se apresentava disfarçada, com tais palavras: “Desprovida de razão, chegas destruída pela longa velhice, e te prejudica muito ter vivido excessivamente. Que ouça essas palavras uma nora, se tens alguma; uma filha, se alguma tens. Já tenho conselho suficiente para mim mesma e não julgues ter conseguido alguma coisa me advertindo: temos a mesma opinião. Por que a própria Palas não se aproxima? Por que ela evita tais combates?”. Então, diz a deusa: “Aqui está ela!”. A deusa removeu a aparência de velha e expôs a sua, como Palas: as ninfas e as jovens meônias veneram a divindade. Apenas a virgem não teve medo. Contudo, enrubesceu. Mas o súbito rubor, que, contra a sua vontade, lhe marcou as faces, logo desapareceu - como costuma o ar, quando chega a aurora: a princípio mostra-se, mas, após breve intervalo, embranquece, quando nasce o sol. Aracne persiste em seu objetivo e se lança para seu destino, pelo desejo de uma vitória insensata. Então, a filha de Júpiter não recusa: nada mais aconselha nem adia a competição.
Haud mora, constituunt diversis partibus ambae et gracili geminas intendunt stamine telas (tela iugo iuncta est, stamen secernit harundo); inseritur medium radiis subtemen acutis, quod digiti expediunt, atque inter stamina ductum percusso paviunt insecti pectine dentes. Utraque festinant cinctaeque ad pectora vestes bracchia docta movent, studio fallente laborem. Illic et Tyrium quae purpura sensit aenum texitur et tenues parvi discriminis umbrae, qualis ab imbre solet percussis solibus arcus inficere ingenti longum curvamine caelum: in quo diversi niteant cum mille colores, transitus ipse tamen spectantia lumina fallit; usque adeo quod tangit idem est, tamen ultima distant. Illic et lentum filis inmittitur aurum et vetus in tela deducitur argumentum.
Sem demora, as duas se posicionam em lados opostos e preparam os teares idênticos, com um fio tênue: o tear é preso ao cilindro; uma travessa de tecelão separa o fio; a trama, que os dedos desembaraçam, é inserida no meio, com lançadeiras pontiagudas, é introduzida entre os fios da roca e os dentes separados do tear a nivelam com um pente que bate com violência. Ambas se apressam e, com as roupas presas ao peito, movem os braços ágeis, a paixão mitigando o cansaço. Aqui é tecida não só a púrpura, que sentiu o vaso de bronze tírio, mas também há leves sombras de matiz distinto. Tal como o arco-íris, quando os raios de sol são atravessados pela chuva, costuma matizar o vasto céu em seu grande arco, no qual, ainda que brilhem mil cores distintas, todavia, a sua própria passagem engana os olhos que o contemplam: assim as cores se parecem quando estão próximas, mas, quando afastadas, tornam-se distintas. Ali não só o ouro flexível é misturado aos fios, como também um antigo episódio é representado em um bordado.
Cecropia Pallas scopulum Mavortis in arce
Palas borda o rochedo de Marte na cidadela de Cécrope e uma antiga
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pingit et antiquam de terrae nomine litem.
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Bis sex caelestes medio Iove sedibus altis augusta gravitate sedent. Sua quemque deorum inscribit facies: Iovis est regalis imago. Stare deum pelagi longoque ferire tridente aspera saxa facit, medioque e vulnere saxi exsiluisse fretum, quo pignore vindicet urbem; at sibi dat clipeum, dat acutae cuspidis hastam, dat galeam capiti, defenditur aegide pectus, percussamque sua simulat de cuspide terram edere cum bacis fetum canentis olivae mirarique deos: operis Victoria finis. Ut tamen exemplis intellegat aemula laudis, quod pretium speret pro tam furialibus ausis, quattuor in partes certamina quattuor addit, clara colore suo, brevibus distincta sigillis. Threiciam Rhodopen habet angulus unus et Haemum (nunc gelidi montes, mortalia corpora quondam!), nomina summorum sibi qui tribuere deorum. Altera Pygmaeae fatum miserabile matris pars habet: hanc Iuno victam certamine iussit esse gruem populisque suis indicere bella. Pinxit et Antigonen ausam contendere quondam cum magni consorte Iovis, quam regia Iuno in volucrem vertit; nec profuit Ilion illi Laomedonve pater, sumptis quin candida pennis ipsa sibi plaudat crepitante ciconia rostro. Qui superest solus, Cinyran habet angulus orbum; isque gradus templi, natarum membra suarum, amplectens saxoque iacens lacrimare videtur. Circuit extremas oleis pacalibus oras: is modus est, operisque sua facit arbore finem. Maeonis elusam designat imagine tauri Europam: verum taurum, freta vera putares. Ipsa videbatur terras spectare relictas et comites clamare suas tactumque vereri
contenda sobre o nome da terra. Em altas cadeiras, com augusta gravidade, sentam-se doze deuses celestes, estando Júpiter no meio. A aparência de cada um dos deuses mostra quem são. A imagem de Júpiter é a de um rei. Palas faz com que o deus do pélago fique de pé e fira com o longo tridente os ásperos rochedos, e do meio da fenda da rocha jorra o mar, penhor com o qual reivindica a cidade. Palas dá a si mesma um escudo e uma lança de ponta aguçada; põe um capacete na cabeça. O peito é protegido pelo escudo. Representa a terra que produz, abalada por sua lança, um rebento da branca oliveira, com suas azeitonas – e representa os deuses que admiram tal cena. A deusa Vitória é o fim de seu trabalho. No entanto, para que a rival em louvores compreenda, através de exemplos, qual é o preço que pode esperar por tão horríveis ousadias, acrescenta, nos quatro cantos da obra, quatro combates, nítidos pela sua cor, diferentes pelas pequenas imagens. Um canto traz o trácio Ródope e Hemo (agora montes gelados, outrora corpos mortais!), que deram a si mesmos os nomes dos deuses supremos. Outro canto traz o infeliz destino da mãe dos pigmeus: a esta, vencida em uma disputa, Juno ordenou que se transformasse em um grou e que travasse guerra contra seu próprio povo. Também bordou Antígona que um dia ousou comparar-se com a esposa do grande Júpiter. A rainha Juno transformou-a em ave: nem Tróia nem o pai, Laomedonte, impediram que ela própria, branca, coberta de penas e transformada em cegonha, aplaudisse a si mesma com o bico crepitante. O único canto que resta traz apenas Ciniras, privado dos filhos. Ele, abraçando os degraus de um templo, os corpos de suas filhas, e jazendo na pedra parece chorar. Palas borda em volta de todo o tecido pacíficos ramos de oliveiras. Esse é o limite: finaliza a obra com a sua árvore.
Aracne borda Europa iludida pela figura do touro: dir-se-ia ser um touro verdadeiro e também mares verdadeiros. A própria Europa parecia contemplar as praias abandonadas, chamar suas companheiras, temer o contato da água que espirrava e afastar os pés receosos. Palas também fez
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adsilientis aquae timidasque reducere plantas. Fecit et Asterien aquila luctante teneri, fecit olorinis Ledam recubare sub alis; addidit, ut satyri celatus imagine pulchram Iuppiter implerit gemino Nycteida fetu, Amphitryon fuerit, cum te, Tirynthia, cepit, aureus ut Danaen, Asopida luserit ignis, Mnemosynen pastor, varius Deoida serpens. Te quoque mutatum torvo, Neptune, iuvenco virgine in Aeolia posuit. Tu visus Enipeus gignis Aloidas, aries Bisaltida fallis; et te flava comas frugum mitissima mater sensit equum, sensit volucrem crinita colubris mater equi volucris, sensit delphina Melantho. Omnibus his faciemque suam faciemque locorum reddidit. Est illic agrestis imagine Phoebus, utque modo accipitris pennas, modo terga leonis gesserit, ut pastor Macareida luserit Issen; Liber ut Erigonen falsa deceperit uva, ut Saturnus equo geminum Chirona crearit. Ultima pars telae, tenui circumdata limbo, nexilibus flores hederis habet intertextos. Non illud Pallas, non illud carpere Livor possit opus. Doluit successu flava virago et rupit pictas, caelestia crimina, vestes. Utque Cytoriaco radium de monte tenebat, ter quater Idmoniae frontem percussit Arachnes. Non tulit infelix laqueoque animosa ligavit guttura. Pendentem Pallas miserata levavit atque ita “vive quidem, pende tamen, improba” dixit: “lexque eadem poenae, ne sis secura futuri, dicta tuo generi serisque nepotibus esto.” Post ea discedens sucis Hecateidos herbae sparsit; et extemplo tristi medicamine tactae defluxere comae, cum quis et naris et aures, fitque caput minimum, toto quoque corpore parva est: in latere exiles digiti pro cruribus haerent,
Astéria, lutando com a jovem águia e Leda deitando-se sob as asas do cisne. Acrescentou Júpiter com seus disfarces: engravidou com gêmeos a bela filha de Nicteu, disfarçado de sátiro, e também estava disfarçado como Anfitrião, quando te possuiu, ó tiríntia; com aparência dourada, Júpiter enganou Dânae; como fogo, enganou a filha de Asopo; como pastor, Mnemosine; como serpente matizada, a filha de Deo. Aracne também te colocou, ó Netuno, transmutado em feroz novilho, com a virgem da Eólia. Sob a aparência de Enipeu geras os aloídas; com a forma de um carneiro, enganas Bisáltis; a fecundíssima mãe das searas, de loura cabeleira, conheceu-te como cavalo; com cabelos de cobra, a mãe do cavalo alado, conheceu-te com asas; Melanto conheceu-te como golfinho. Aracne deu a todos estes a sua real aparência e o verdadeiro aspecto dos lugares. Há ali um Febo camponês, como em uma imagem – ele que há pouco trazia ora as penas de um falcão ora a pele de um leão e, como pastor, enganaria Issa, filha de Macareu. Assim também Liber teria enganado Erígone e Saturno, na forma de um cavalo, geraria o biforme Quíron. A última parte da tela, rodeada por uma delicada franja, tem flores tecidas com heras entrelaçadas. Nem Palas nem a Inveja poderiam repreender aquela obra.
A guerreira loura afligiu-se com o êxito do trabalho e rasgou a tela bordada com os crimes celestes. E como carregasse uma lançadeira do monte Cítore, atingiu a fronte da idmônia Aracne três, quatro vezes. A infortunada não suportou e, corajosa, prendeu o pescoço com um laço. Palas, compadecendo-se, ergueu aquela que pendia e disse: “Vive, então, ímproba, mas fica suspensa! E para que não te sintas segura quanto ao futuro, que a mesma forma de castigo seja aplicada a tua família e aos teus descendentes mais distantes”. Em seguida, Palas, afastando-se, espargiu-a com os sumos da erva de Hécate. Imediatamente, caíram os cabelos de Aracne, atingidos pelo triste veneno; caem também o nariz e as orelhas. A cabeça torna-se diminuta, e assim todo o corpo fica pequeno. No flanco prendem-se dedos finos, em lugar das pernas; um ventre toma as partes restantes do corpo. De tal ventre, contudo, ela envia um fio e, transformada em aranha, tece as antigas telas.
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Níobe
Lydia tota fremit, Phrygiaeque per oppida facti rumor it et magnum sermonibus occupat orbem. Ante suos Niobe thalamos cognoverat illam, tum cum Maeoniam virgo Sipylumque colebat; nec tamen admonita est poena popularis Arachnes cedere caelitibus verbisque minoribus uti. Multa dabant animos: sed enim nec coniugis artes nec genus amborum magnique potentia regni sic placuere illi, quamvis ea cuncta placerent, ut sua progenies; et felicissima matrum dicta foret Niobe, si non sibi visa fuisset. Nam sata Tiresia venturi praescia Manto per medias fuerat divino concita motu vaticinata vias: “Ismenides, ite frequentes et date Latonae Latonigenisque duobus cum prece tura pia lauroque innectite crinem. Ore meo Latona iubet.” Paretur, et omnes Thebaides iussis sua tempora frondibus ornant turaque dant sanctis et verba precantia flammis.
Toda a região da Lídia ressoa e, por todas as cidades da Frígia, o rumor dos fatos se espalha e ocupa todo o orbe, através dos comentários sobre o assunto. Antes de seu casamento, Níobe conhecera Aracne, quando, então virgem, morava na Meônia e no Sípilo. Entretanto, o castigo da conterrânea Aracne não a exortou a respeitar os deuses celestiais e usar palavras mais brandas. Muitas coisas lhe incutiam ânimo. Contudo, nem os talentos do esposo nem a origem de ambos nem os poderes de um grande reino a deleitavam. Todas estas coisas reunidas não a agradavam tanto quanto seus filhos. E Níobe teria sido chamada de a mais feliz das mães, se não lhe parecesse ser. Ora Manto, a filha de Tirésias, adivinha do futuro, tocada por um transporte divino, conclamava, no meio da rua: “Ó tebanas, ide, em grande número; dai a Latona e aos seus dois filhos os pios incensos, com uma súplica, e enlaçai o cabelo com louro. Latona o determina, através de minha boca”. Obedecem, e todas as tebanas ornam suas cabeças com as folhagens indicadas, oferecem os incensos nas chamas sagradas e proferem palavras suplicantes.
Ecce venit comitum Niobe celeberrima turba, vestibus intexto Phrygiis spectabilis auro, et, quantum ira sinit, formosa: movensque decoro cum capite inmissos umerum per utrumque capillos constitit; utque oculos circumtulit alta superbos, “quis furor, auditos” inquit “praeponere visis caelestes? aut cur colitur Latona per aras, numen adhuc sine ture meum est? mihi Tantalus auctor, cui licuit soli superorum tangere mensas, Pleiadum soror est genetrix mea, maximus Atlas est avus, aetherium qui fert cervicibus axem; Iuppiter alter avus socero quoque glorior illo. Me gentes metuunt Phrygiae, me regia Cadmi sub domina est, fidibusque mei commissa mariti
Eis que surge Níobe com numerosíssima turba de servos, com seus brilhantes trajes frígios bordados a ouro: formosa até onde a ira o permite. Movendo-se com sua bela cabeça joga os cabelos caídos pelos ombros. E depois que, altiva, lançou um olhar a sua volta, disse: “Que furor é esse de preferir os deuses celestes de que apenas ouvis falar em lugar dos que vedes? Por que Latona é cultuada nos altares e minha divindade está sem incenso? Meu pai é Tântalo, único ao qual foi permitido saborear as iguarias dos deuses superiores; minha mãe é irmã das Plêiades; meu avô é o poderosíssimo Atlas, que traz aos ombros a abóbada celeste; meu outro avô é Júpiter, que também é meu sogro – e me orgulho disso. Os povos da Frígia me temem; o palácio de Cadmo está sob meu domínio; e as muralhas, erguidas ao som da lira de meu marido, e também seus povos, são governados por mim e por ele. Para qualquer parte do palácio que eu dirija meus olhos, imensas riquezas são contempladas. Junta-se a isso a beleza
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moenia cum populis a meque viroque reguntur. In quamcumque domus adverti lumina partem, inmensae spectantur opes. Accedit eodem digna dea facies. Huc natas adice septem et totidem iuvenes et mox generosque nurusque. Quaerite nunc, habeat quam nostra superbia causam, nescio quoque audete satam Titanida Coeo Latonam praeferre mihi, cui maxima quondam exiguam sedem pariturae terra negavit. Nec caelo nec humo nec aquis dea vestra recepta est: exsul erat mundi, donec miserata vagantem “hospita tu terris erras, ego” dixit “in undis” instabilemque locum Delos dedit. Illa duorum facta parens: uteri pars haec est septima nostri. Sum felix: quis enim neget hoc? felixque manebo: hoc quoque quis dubitet? tutam me copia fecit, Maior sum, quam cui possit Fortuna nocere, multaque ut eripiat, multo mihi plura relinquet. Excessere metum mea iam bona. Fingite demi huic aliquid populo natorum posse meorum, non tamen ad numerum redigar spoliata duorum, Latonae turbam: qua quantum distat ab orba? Ite, satis, propere ite, sacri est laurumque capillis ponite.” Deponunt et sacra infecta relinquunt, quodque licet tacito venerantur murmure numen. Indignata dea est summoque in vertice Cynthi talibus est dictis gemina cum prole locuta: “En ego vestra parens, vobis animosa creatis, et nisi Iunoni nulli cessura dearum, an dea sim dubitor perque omnia saecula cultis arceor, o nati, nisi vos succurritis, aris. Nec dolor hic solus: diro convicia facto Tantalis adiecit vosque est postponere natis ausa suis, et me, quod in ipsam reccidat, orbam, dixit et exhibuit linguam scelerata paternam.” Adiectura preces erat his Latona relatis: “desine!” Phoebus ait: “poenae mora longa querella est.” Dixit idem Phoebe: celerique per aera lapsu
digna de uma deusa. Aqui acrescentai sete filhas, outros tantos filhos e, em breve, genros e noras. Procurai agora qual é a causa de meu orgulho. Ousai preferir Latona, filha de um tal titã Ceo, a mim, Latona, a quem a imensa terra um dia negou um pequeno abrigo, estando prestes a dar à luz. A vossa deusa não foi acolhida nem pelo céu nem pela terra nem pelas águas. Estava exilada do mundo, até que Delos disse: “Tu erras estrangeira pelas terras; eu pelos mares”. E, apiedando-se daquela que vagava, deu-lhe um local inseguro. Latona fez-se mãe de dois filhos – isso representa apenas a sétima parte da descendência de meu ventre. Sou feliz: de fato, quem o negará? Permanecerei feliz! Há também quem duvide disso? O grande número de filhos me deixou protegida. Sou maior do que qualquer um a quem a Fortuna possa prejudicar. E ainda que ela arrancasse muitas coisas de mim, ainda me deixaria muito mais. Meus recursos já suplantaram o medo. Imaginai que algum dos meus filhos possa ser separado da família: eu, contudo, espoliada, não seria reduzida para o número de dois, a turba de Latona. Com essa multidão, o quanto ela dista de uma mulher sem filhos? Fugi dos sacrifícios sem resultado e afastai o louro dos cabelos”.
Retiram o louro e abandonam os sacrifícios inacabados; veneram a divindade com um leve murmúrio – o que lhes é permitido. A deusa indignou-se e, no altíssimo píncaro do monte Cinto, falou a seus dois filhos, nestas palavras: “Eis aqui vossa mãe, orgulhosa por tê-los criado, e que não cederia a nenhuma das deusas, à exceção de Juno. Duvidam que eu seja uma deusa e se eu não for protegida por vós, meus filhos, serei expulsa dos altares venerados por tantos séculos. Não há apenas essa dor: a filha de Tântalo acrescentou injúrias ao cruel feito. Ousou colocar-vos abaixo de seus filhos e disse que sou uma mãe sem filhos – que isso recaia sobre ela mesma! A infame mostrou a língua paterna”. Latona acrescentaria imprecações aos seus relatos, mas Febo disse: “Basta! Uma longa disputa representa demora na pena”. Diana disse a mesma coisa e os dois, em rápido voo pelos ares, encobertos pelas nuvens, atingiram a cidadela de Tebas. Perto das muralhas, havia um campo aberto, de grande extensão e plano, pisado com frequência pelos cavalos, e onde o grande número de rodas e o duro casco dos animais amaciaram as terras subjugadas. Ali alguns dos sete
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contigerant tecti Calmeida nubibus arcem.
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Planus erat lateque patens prope moenia campus, adsiduis pulsatus equis, ubi turba rotarum duraque mollierat subiectas ungula glaebas. Pars ibi de septem genitis Amphione fortes conscendunt in equos Tyrioque rubentia suco terga premunt auroque graves moderantur habenas. E quibus Ismenus, qui matri sarcina quondam prima suae fuerat, dum certum flectit in orbem quadrupedis cursus spumantiaque ora coercet, “ei mihi!” conclamat medioque in pectore fixa tela gerit, frenisque manu moriente remissis in latus a dextro paulatim defluit armo. Proximus, audito sonitu per inane pharetrae, frena dabat Sipylus, veluti cum praescius imbris nube fugit visa pendentiaque undique rector carbasa deducit, ne qua levis effluat aura. Frena tamen dantem non evitabile telum consequitur; summaque tremens cervice sagitta haesit, et exstabat nudum de gutture ferrum. Ille, ut erat, pronus per crura admissa iubasque volvitur et calido tellurem sanguine foedat. Phaedimus infelix et aviti nominis heres Tantalus, ut solito finem imposuere labori, transierant ad opus nitidae iuvenale palaestrae; et iam contulerant arto luctantia nexu pectora pectoribus, cum tento concita nervo, sicut erant iuncti, traiecit utrumque sagitta. Ingemuere simul, simul incurvata dolore membra solo posuere, simul suprema iacentes lumina versarunt, animam simul exhalarunt. Adspicit Alphenor laniataque pectora plangens advolat, ut gelidos complexibus adlevet artus, inque pio cadit officio: nam Delius illi intima fatifero rupit praecordia ferro. Quod simul eductum est, pars est pulmonis in hamis eruta cumque anima cruor est effusus in auras. At non intonsum simplex Damasichthona vulnus
filhos gerados por Níobe montam nos fortes cavalos e apertam seus dorsos, avermelhados por causa da púrpura de Tiro, e conduzem as rédeas carregadas de ouro. Dentre eles Ismeno, que outrora fora o primeiro fardo de sua mãe: no momento em que ele dirige a marcha dos cavalos para determinada curva, contém suas caras espumantes e grita: “Ai de mim!” Traz dardos cravados no meio do peito. E, abandonados os freios pela mão desfalecida, tomba pouco a pouco pelo flanco direito do cavalo. Próximo, tendo ouvido o som da aljava pelo ar, Sipilo soltava os freios – assim como o piloto, experimentado pelas chuvas, foge e recolhe, de todos os lados, as velas pendentes, para que não se perca a mais leve viração. Um inevitável dardo, contudo, alcança aquele que solta os freios. Uma flecha vibrante prendeu-se no alto da nuca e surgiu da garganta o ferro nu. Sipilo, como estava, inclinado para frente, rola pelas patas em disparada e pela crina do cavalo, e mancha a terra com o sangue quente. O infeliz Fédimo e o herdeiro do nome do avô, Tântalo, logo que terminaram a atividade habitual, dedicaram-se ao jovial exercício da arena brilhante. E já lutavam corpo a corpo, presos por um nó estreito, quando, juntos assim como estavam, uma flecha, incitada pela corda retesada, atravessou um e outro. Gemeram ao mesmo tempo; ao mesmo tempo depuseram no chão os membros curvados pela dor; ao mesmo tempo, caídos no chão, lançaram um derradeiro olhar; morreram ao mesmo tempo. Alfenor assiste a tudo e, batendo no peito dilacerado, precipita-se sobre eles, para erguer, com abraços, os membros gelados. Tomba, no piedoso dever, pois Apolo, com o ferro mortal, rasgou suas vísceras. Mal foi retirado o ferro, uma parte do pulmão foi arrancada pelas farpas da flecha. Seu sangue, junto com sua alma, se espalhou pelos ares. Mas um simples ferimento não enfraquece o intonso Damasícton. O golpe situava-se onde começa a perna e onde o joelho, cheio de nervos, apresenta as partes entre as articulações flexíveis. Enquanto procura arrancar a perniciosa flecha com a mão, uma outra moveu-se da garganta até o penacho do capacete. O sangue a expulsou: lançado para o alto, sai com força e jorra ao longe, atravessado o ar. Suplicando, o último Ilioneu, que não sabe que nem todos os deuses devem ser invocados, ergueu os braços, que não lhe seriam úteis, e disse: “Ó deuses, todos vós, cessai!”. O arqueiro comoveu-se, quando a flecha já não poderia mais voltar. Ilioneu, contudo, morre com um pequeno ferimento: seu coração atravessado, sem muita profundidade, pela flecha.
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adficit. Ictus erat qua crus esse incipit et qua mollia nervosus facit internodia poples. Dumque manu temptat trahere exitiabile telum, altera per iugulum pennis tenus acta sagitta est. Expulit hanc sanguis, seque eiaculatus in altum emicat et longe terebrata prosilit aura. Ultimus Ilioneus non profectura precando bracchia sustulerat, “di” que “o communiter omnes,” dixerat ignarus non omnes esse rogandos “parcite.” Motus erat, cum iam revocabile telum non fuit, arquitenens. Minimo tamen occidit ille vulnere, non alte percusso corde sagitta. Fama mali populique dolor lacrimaeque suorum tam subitae matrem certam fecere ruinae, mirantem potuisse, irascentemque, quod ausi hoc essent superi, quod tantum iuris haberent. Nam pater Amphion ferro per pectus adacto finierat moriens pariter cum luce dolorem. Heu quantum haec Niobe Niobe distabat ab illa, quae modo Latois populum submoverat aris et mediam tulerat gressus resupina per urbem, invidiosa suis, at nunc miseranda vel hosti. Corporibus gelidis incumbit et ordine nullo oscula dispensat natos suprema per omnes. A quibus ad caelum liventia bracchia tollens “pascere, crudelis, nostro, Latona, dolore, pascere” ait “satiaque meo tua pectora luctu: “Corque ferum satia” dixit, “per funera septem” efferor. Exsulta victrixque inimica triumpha. Cur autem victrix? miserae mihi plura supersunt, quam tibi felici: post tot quoque funera vinco.” Dixerat, et sonuit contento nervus ab arcu. Qui praeter Nioben unam conterruit omnes: illa malo est audax. Stabant cum vestibus atris ante toros fratrum demisso crine sorores. E quibus una trahens haerentia viscere tela imposito fratri moribunda relanguit ore:
A notícia do infortúnio, a dor do povo e as lágrimas dos seus deixaram a mãe ciente da inesperada infelicidade, admirada de que os deuses superiores pudessem tê-lo feito e indignada por terem sido ousados e porque tinham tamanho poder. Quanto ao pai dos jovens, Anfião, com o peito atravessado pelo ferro, eliminara a dor com a própria vida, morrendo. Ah! O quanto esta Níobe distava daquela que há pouco afastava o povo dos altares de Latona e, desdenhosa, acompanhava seus passos pela cidade. Antes invejada pelos seus; agora, até um inimigo deve ter compaixão. Deita-se sobre os corpos gélidos e distribui ao acaso os derradeiros beijos por todos os filhos. Afastada deles, erguendo para o céu os braços lívidos, disse: “Cruel Latona, farta-te com nossa dor! Farta-te! Sacia teu peito com meu luto! Sacia o coração selvagem: sou levada à morte sete vezes. Orgulha-te! Triunfa, vitoriosa inimiga! Mas por que és vitoriosa? Para mim, infeliz, restam mais coisas do que para ti, feliz: mesmo após tantas mortes, venço”. Disse. Mas a corda de um arco ressoa, o que apavora a todos, exceto uma pessoa: Níobe, tornada audaciosa com a desventura. As irmãs, com as vestes negras e o cabelo em desalinho, estavam imobilizadas diante dos leitos dos irmãos. Uma delas, arrancando as setas presas em suas entranhas, caiu moribunda, com o rosto voltado para o irmão; outra, tentando consolar a infeliz mãe, parou de falar e, repentinamente, teve o corpo todo dobrado por uma ferida – manteve a boca fechada até o momento em que o sopro vital se foi. Uma tomba morta, quando tenta em vão fugir; outra morre junto à irmã. Uma se esconde; outra parece tremer. Restava uma – as outras seis entregues à morte, suportando variados ferimentos. A mãe, cobrindo-a com todo o seu corpo e com toda a sua roupa, clamou: “Deixa uma, a pequena. Peço a menor e única de muitas”. Enquanto roga, morre aquela por quem rogava.
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altera solari miseram conata parentem conticuit subito duplicataque vulnere tota est. oraque compressit, nisi postquam spiritus ibat. Haec frustra fugiens collabitur, illa sorori inmoritur, latet haec, illam trepidare videres. Sexque datis leto diversaque vulnera passis ultima restabat. Quam toto corpore mater, tota veste tegens “unam minimamque relinque de multis minimam posco” clamavit “et unam.” Dumque rogat, pro qua rogat, occidit. Orba resedit exanimes inter natos natasque virumque, deriguitque malis. Nullos movet aura capillos, in vultu color est sine sanguine, lumina maestis stant inmota genis, nihil est in imagine vivum. Ipsa quoque interius cum duro lingua palato congelat, et venae desistunt posse moveri; nec flecti cervix nec bracchia reddere motus nec pes ire potest; intra quoque viscera saxum est. Flet tamen. Et validi circumdata turbine venti in patriam rapta est. Ibi fixa cacumine montis liquitur, et lacrimas etiam nunc marmora manant. Agrestes Lycii
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Tum vero cuncti manifestam numinis iram femina virque timent cultuque impensius omnes magna gemelliparae venerantur numina divae, utque fit, a facto propiore priora renarrant. E quibus unus ait: “Lyciae quoque fertilis agris non impune deam veteres sprevere coloni. Res obscura quidem est ignobilitate virorum, mira tamen. Vidi praesens stagnumque locumque prodigio notum. Nam me iam grandior aevo impatiensque viae genitor deducere lectos iusserat inde boves gentisque illius eunti ipse ducem dederat. Cum quo dum pascua lustro, ecce lacu medio sacrorum nigra favilla ara vetus stabat tremulis circumdata cannis.
Viúva, permanece entre os filhos, as filhas, e o marido mortos. Enregelou-se com os sofrimentos. O ar não lhe move os cabelos; não há cor no rosto sem sangue; os olhos restam imóveis, com as faces abatidas. Nada está vivo em sua fisionomia. A própria língua se enrijece com o palato igualmente endurecido; as veias renunciam ao poder do movimento. Nem o pescoço pode mais movimentar-se. Nem os braços podem se mexer e nem o pé pode caminhar. Ela é pedra até o interior das vísceras! Chora, contudo. E, cercada por um forte redemoinho de vento, é arrastada para a sua pátria. Aí, pressa no cimo de um monte, ela se liquefaz e até hoje o mármore derrama lágrimas.
Os camponeses lícios Então, todos de fato, homem ou mulher, temem a evidente ira da divindade e, com mais empenho, veneram os grandes poderes da deusa mãe de gêmeos. E, como é habitual, a partir deste momento recontam acontecimentos anteriores. Dentre essas pessoas um diz: “Antigos colonos da fértil Lícia também desprezaram – não impunemente! – a deusa. O fato é obscuro, certamente pela falta de renome dos homens. Entretanto, é admirável. Vi pessoalmente o lago e o local conhecido pelo prodígio. Pois meu pai, já mais velho, não suportando o caminho, ordenara que eu retirasse de lá os bois reunidos e ele próprio me dera ao partir um guia. Enquanto percorro as pastagens com ele, eis que, no meio do lago, se encontrava um antigo altar, enegrecido pela cinza dos sacrifícios e circundado por juncos trêmulos. Meu guia parou e disse, com um murmúrio apavorado: “Que tu me favoreças!”. E eu disse, com murmúrio semelhante: “Que tu me favoreças!”. Eu perguntava se o altar era das Náiades, de Fauno ou de um deus regional, quando o estrangeiro relatou tais acontecimentos: “ Ó jovem,
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Restitit et pavido “faveas mihi” murmure dixit dux meus; et simili “faveas” ego murmure dixi. Naiadum Faunine foret tamen ara rogabam indigenaeve dei, cum talia rettulit hospes: “Non hac, o iuvenis, montanum numen in ara est: illa suam vocat hanc, cui quondam regia coniunx orbem interdixit, quam vix erratica Delos orantem accepit, tum cum levis insula nabat. Illic incumbens cum Palladis arbore palmae edidit invita geminos Latona noverca. Hinc quoque Iunonem fugisse puerpera fertur inque suo portasse sinu, duo numina, natos. Iamque Chimaeriferae, cum sol gravis ureret arva, finibus in Lyciae longo dea fessa labore sidereo siccata sitim conlegit ab aestu, uberaque ebiberant avidi lactantia nati. Forte lacum mediocris aquae prospexit in imis vallibus; agrestes illic fruticosa legebant vimina cum iuncis gratamque paludibus ulvam. Accessit positoque genu Titania terram pressit, ut hauriret gelidos potura liquores. Rustica turba vetat. Dea sic adfata vetantes: “Quid prohibetis aquis? usus communis aquarum est. Nec solem proprium natura nec aera fecit nec tenues undas: ad publica munera veni. Quae tamen ut detis, supplex peto. Non ego nostros abluere hic artus lassataque membra parabam, sed relevare sitim. Caret os umore loquentis et fauces arent, vixque est via vocis in illis. Haustus aquae mihi nectar erit, vitamque fatebor accepisse simul: vitam dederitis in unda. Hi quoque vos moveant, qui nostro bracchia tendunt parva sinu:” et casu tendebant bracchia nati. Quem non blanda deae potuissent verba movere? Hi tamen orantem perstant prohibere minasque, ni procul abscedat, conviciaque insuper addunt. Nec satis est, ipsos etiam pedibusque manuque turbavere lacus imoque e gurgite mollem
não há divindade da montanha neste altar: a que chama o altar de seu é aquela a quem um dia a esposa real interditou o mundo; é aquela suplicante que, com dificuldade, a errante Delos aceitou, quando a ligeira ilha flutuava. Lá, apoiando-se em uma palmeira e em uma oliveira, Latona, contra a vontade da madrasta, deu à luz os gêmeos. Diz-se que deste local, mesmo como parturiente, fugiu de Juno e carregou ao colo as duas divindades, seus filhos. E já nas fronteiras da Licia, que produziu a Quimera, quando o sol causticante queimava as searas, a deusa cansada pelo esforço prolongado, ressecada pelo calor do sol, sentiu sede, e os filhos, ávidos, tinham esgotado seus seios antes plenos de leite. Casualmente, viu um lago com pouca água no fundo do vale. Os camponeses colhiam ali vimes cheios de rebentos, com juncos, e a alga grata aos pântanos. A filha do Titã aproximou-se e, ajoelhada, pressionou a terra, para que pudesse retirar as águas geladas para beber. A rústica multidão a impede. A deusa assim falou aos que se opunham: “Por que me afastais das águas? O uso das águas é um bem comum. A natureza não transformou em propriedade nem o sol nem o ar nem as límpidas ondas: dirigi-me para as dádivas públicas. Contudo, peço, suplicante, que me deis a água. Eu não me preparava para lavar aqui nossos corpos e membros cansados, mas para aliviar a sede . A boca sente falta do líquido e minha garganta, enquanto falo, está seca; minha voz mal encontra o caminho na garganta. Um gole de água será para mim como o néctar. Confessarei que recebi ao mesmo tempo a própria vida: entregar-me-eis a vida com a água. Que vos comovam estas crianças, que do meu seio estendem os bracinhos”. Casualmente, as crianças estendiam os pequenos braços a quem as meigas palavras da deusa não poderiam comover. Os camponeses, no entanto, persistem em proibir, com ameaças, aquela que suplica, caso ela não se afaste para longe. Além disso, acrescentam ofensas. Isso não bastou: eles mesmos também turvaram o lago, com os pés e com as mãos e, em um pérfido salto, removeram para um lado e para outro o lodo amolecido do fundo do lago. A raiva afastou a sede: a deusa, filha de Ceo, já não suplica aos miseráveis nem continua mais a proferir palavras humildes. E elevando as mãos aos astros, disse: “Que vivais eternamente nesse pântano!”. Cumprem-se os desejos da deusa: agrada-lhes estar debaixo d’água e ora mergulham os membros ocos no pântano, ora mostram a cabeça, ora nadam no lago; muitas vezes se reúnem às margens do lago, muitas vezes saltam para suas águas geladas. Mesmo agora também agitam suas torpes línguas em discussões. E afastado o pudor, embora estejam debaixo d’água, debaixo d’água tentam falar mal. Já a voz está rouca, os pescoços entumecidos inflam, e os próprios insultos aumentam ainda mais as
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huc illuc limum saltu movere maligno. Distulit ira sitim: neque enim iam filia Coei supplicat indignis nec dicere sustinet ultra verba minora dea, tollensque ad sidera palmas “aeternum stagno” dixit “vivatis in isto.” Eveniunt optata deae: iuvat esse sub undis et modo tota cava submergere membra palude, nunc proferre caput, summo modo gurgite nare, saepe super ripam stagni consistere, saepe in gelidos resilire lacus. Sed nunc quoque turpes litibus exercent linguas pulsoque pudore, quamvis sint sub aqua, sub aqua maledicere temptant. Vox quoque iam rauca est, inflataque colla tumescunt, ipsaque dilatant patulos convicia rictus. Terga caput tangunt, colla intercepta videntur, spina viret, venter, pars maxima corporis, albet, limosoque novae saliunt in gurgite ranae. Marsyas. Pelops
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Sic ubi nescio quis Lycia de gente virorum rettulit exitium, satyri reminiscitur alter, quem Tritoniaca Latous harundine victum adfecit poena. “Quid me mihi detrahis?” inquit: “a piget a non est” clamabat “tibia tanti.” Clamanti cutis est summos direpta per artus, nec quicquam nisi vulnus erat; cruor undique manat, detectique patent nervi, trepidaeque sine ulla pelle micant venae; salientia viscera posses et perlucentes numerare in pectore fibras. Illum ruricolae, silvarum numina, fauni et satyri fratres et tunc quoque carus Olympus et nymphae flerunt, et quisquis montibus illis lanigerosque greges armentaque bucera pavit. Fertilis inmaduit madefactaque terra caducas concepit lacrimas ac venis perbibit imis; quas ubi fecit aquam, vacuas emisit in auras. Inde petens rapidum ripis declivibus aequor Marsya nomen habet, Phrygiae liquidissimus amnis.
bocas abertas. As costas tocam a cabeça; os pescoços parecem ter sido retirados; a coluna vertebral fica esverdeada; a maior parte do corpo, o ventre, embranquece. As novas rãs saltam para o lodoso pântano.
Mársias e Pélops Assim, depois que aquele cujo nome desconheço narrou o infortúnio dos homens da nação lícia, um outro lembrou a ruína de um sátiro que, vencido ao disputar com a flauta de Minerva, Apolo puniu. Disse o sátiro: “Por que me arrancai de mim? Ah! Arrependo-me!”. Ele gritava: “Uma flauta não tem tamanha importância!”. Ao que gritava, foi-lhe arrancada a pele, por todo o corpo. Nada havia a não ser uma ferida. O sangue espalhava-se por todos os lados; os músculos, descobertos, tornam-se visíveis; e as veias palpitantes, sem pele alguma, saltam. Poder-se-ia contar as vísceras pulsantes e as fibras transparentes no peito. Choram por ele não só os faunos campestres, divindades das florestas, mas também os sátiros, seus irmãos. E também as ninfas, o caro Olimpo e os que naqueles montes apascentavam rebanhos laníferos e bovinos. A terra fértil, regada pelas lágrimas, umedeceu; absorveu aquelas que caiam e bebeu-as nos veios mais profundos e, logo que as converteu em água, lançou-as ao ar livre. Desse lugar, um rio, que procura o mar violento pelas encostas em declive, ganha o nome de Mársias – o rio mais límpido da Frígia. Ditas tais coisas, logo o povo volta para a situação atual e choram Anfião, morto junto com sua descendência. A mãe era objeto de ódio. Então, Pélops, o único que chorou por ela, diz-se, depois que retirou a suas vestes do peito, mostrou o marfim no ombro esquerdo. Quando
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Talibus extemplo redit ad praesentia dictis vulgus et exstinctum cum stirpe Amphiona luget. Mater in invidia est. Hanc tunc quoque dicitur unus flesse Pelops, umeroque, suas a pectore postquam deduxit vestes ebur ostendisse sinistro. Concolor hic umerus nascendi tempore dextro corporeusque fuit: manibus mox caesa paternis membra ferunt iunxisse deos; aliisque repertis, qui locus est iuguli medius summique lacerti, defuit. Impositum est non comparentis in usum partis ebur, factoque Pelops fuit integer illo. Procne et Philomela
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Finitimi proceres coeunt, urbesque propinquae oravere suos ire ad solacia reges, Argosque et Sparte Pelopeiadesque Mycenae et nondum torvae Calydon invisa Dianae Orchomenosque ferax et nobilis aere Corinthus Messeneque ferox Patraeque humilesque Cleonae et Nelea Pylos, neque adhuc Pittheia Troezen, quaeque urbes aliae bimari clauduntur ab Isthmo exteriusque sitae bimari spectantur ab Isthmo. Credere quis posset? solae cessastis Athenae. Obstitit officio bellum, subvectaque ponto barbara Mopsopios terrebant agmina muros. Threicius Tereus haec auxiliaribus armis fuderat et clarum vincendo nomen habebat. Quem sibi Pandion opibusque virisque potentem et genus a magno ducentem forte Gradivo conubio Procnes iunxit. Non pronuba Iuno, non Hymenaeus adest, non illi Gratia lecto. Eumenides tenuere faces de funere raptas, Eumenides stravere torum, tectoque profanus incubuit bubo thalamique in culmine sedit. Hac ave coniuncti Procne Tereusque, parentes hac ave sunt facti. Gratata est scilicet illis
nasceu, este ombro era da mesma cor que o direito e era de carne. Conta-se que, logo depois, os deuses juntaram os membros cortados pelas mãos paternas. Encontradas as partes restantes, faltou uma: a que está entre o meio do pescoço e a extremidade do braço. Foi colocado o marfim na parte não encontrada. Feito isso Pélops ficou preservado.
Procne e Filomela Os vizinhos nobres reúnem-se e as cidades próximas pedem que seus reis levem seus pêsames. Eis as cidades: Argos e Esparta, Micenas, dos pelópidas, e Cálidon, ainda não odiosa à feroz Diana; a fértil Orcômeno e Corinto, famosa pelo bronze; a orgulhosa Messena, Patras e a humilde Cleone; Pilos, de Neleu, e Trezena, que ainda não era de Piteu; e as outras cidades que estão enclausuradas pelo istmo banhado pelos dois mares – e ainda aquelas que, situadas mais adiante, são observadas pelo istmo. Quem poderia acreditar? Somente tu, Atenas, falhaste. A guerra opôs-se ao dever, e exércitos bárbaros, transportados pelo mar, aterrorizavam as muralhas atenienses. O trácio Tereu aniquilara-os com tropas auxiliares e, ao vencêlos, obteve notável fama. Pandíon associou-se a Tereu, poderoso, com seus homens e suas riquezas, e que traz valorosa origem – do grande Marte –, casando-o com Procne. Não se aproximaram do leito nupcial nem Juno, que preside aos casamentos, nem Himeneu nem as Graças. As Eumênides seguraram as tochas tiradas de um funeral; as Eumênides prepararam o leito. E um mocho de mau agouro caiu do teto e pousou no alto do leito nupcial. Sob esta ave uniram-se Procne e Tereu; e sob esta ave tornaram-se pais. A Trácia naturalmente felicitou-os e eles próprios ficaram gratos aos deuses e ordenaram que o dia em que a filha de Pandíon foi dada ao famoso soberano e também aquele em que nasceu Ítis fossem considerados festivos. De tal forma se esconde o interesse! Já o Titã tinha conduzido as estações do ano repetidas, por cinco outonos, quando a encantadora Procne disse ao marido: “Se tenho algum valor, envia-me para ver a minha irmã – ou que ela venha para cá! Prometerás ao teu sogro que ela retornará em pouco tempo. Dar-me-
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Thracia, disque ipsi grates egere diemque, quaque data est claro Pandione nata tyranno, quaque erat ortus Itys, festum iussere vocari. Usque adeo latet utilitas. Iam tempora Titan quinque per autumnos repetiti duxerat anni, cum blandita viro Procne “si gratia” dixit “ulla mea est, vel me visendam mitte sorori, vel soror huc veniat! redituram tempore parvo promittes socero: magni mihi muneris instar germanam vidisse dabis.” Iubet ille carinas in freta deduci veloque et remige portus Cecropios intrat Piraeaque litora tangit. Ut primum soceri data copia, dextera dextrae iungitur, et fausto committitur omine sermo. Coeperat adventus causam, mandata referre coniugis et celeres missae spondere recursus: ecce venit magno dives Philomela paratu, divitior forma: quales audire solemus naidas et dryadas mediis incedere silvis, si modo des illis cultus similesque paratus. Non secus exarsit conspecta virgine Tereus, quam siquis canis ignem supponat aristis, aut frondem positasque cremet faenilibus herbas. Digna quidem facies: sed et hunc innata libido exstimulat, pronumque genus regionibus illis in venerem est: flagrat vitio gentisque suoque. Impetus est illi comitum corrumpere curam nutricisque fidem, nec non ingentibus ipsam sollicitare datis totumque impendere regnum, aut rapere et saevo raptam defendere bello—, et nihil est quod non effreno captus amore ausit nec capiunt inclusas pectora flammas. Iamque moras male fert cupidoque revertitur ore ad mandata Procnes, et agit sua vota sub illa. Facundum faciebat amor: quotiensque rogabat ulterius iusto Procnen ita velle ferebat. Addidit et lacrimas, tamquam mandasset et illas. Pro superi, quantum mortalia pectora caecae
ás o equivalente a um grande presente, se me permitires ver minha irmã”. Ele ordena que os navios sejam lançados ao mar, entra no porto de Atenas e toca, com as velas e os remos, as praias do Pireu. Logo que foi dada a permissão do sogro, cumprimentaram-se e a conversa é iniciada sob um feliz presságio. Tereu principia por relatar a causa de sua ida e as ordens de sua esposa. Também anuncia o rápido regresso daquela que seria enviada. Eis que surge Filomela, rica pela cara vestimenta, e mais rica ainda pela beleza – tal como caminham as Náiades e as Dríades no meio das florestas, como costumamos ouvir, contanto que lhes sejam atribuídas elegância e pompa semelhantes. Tereu, depois de ter visto a virgem, ardeu, como arde alguém que lança fogo às brancas espigas ou alguém que queima a folhagem e as ervas colocadas no palheiro. Certamente a beleza era merecedora. Mas, seu desejo natural o estimula e o povo daquelas regiões está inclinado para o amor: ele é preso pelo seu vício e pelo de sua gente. Tem um impulso de corromper o cuidado das companheiras de Filomela e a fidelidade de sua ama e também de seduzi-la com grandes presentes e ainda de consumir todo o seu reino ou raptá-la e defender a que seria raptada, com uma guerra cruel. E, tomado por um amor desenfreado, nada há que não ouse: nem o peito comporta as chama nele encerradas. Já mal suporta os obstáculos: volta a sua fala ardilosa para as ordens de Procne e ocupa-se de seus desejos, mantendoos disfarçados sob as ordens da esposa. O amor o tornava eloquente: e todas as vezes em que pedia mais do que era justo, alegava que Procne assim o desejava. Também acrescentou lágrimas, como se Procne as tivesse recomendado. Ó deuses superiores, o quanto de cega ignorância possuem os corações humanos! Acredita-se que Tereu seja virtuoso pelo próprio esforço para realizar o crime: e do crime obtém o louvor. O que dizer ainda? Que Filomela, carinhosa, deseja o mesmo, retendo em seus braços os ombros do pai, para que possa ir ver sua irmã? E que procura a irmã em favor de sua salvação, mas ela própria vai contra isso? Tereu a observa e a devora com os olhos. Vendo os beijos e os braços ao redor do pescoço acolhe tudo isso como aguilhões e tochas – e também como alimento para a sua paixão. E todas as vezes em que ela abraça o pai, ele deseja ser seu pai (certamente, não seria menos ímpio). O pai é vencido pela súplica de ambas. Filomela se alegra e agradece ao pai. Infeliz, julga ter tido bom resultado para as duas aquilo que será, na verdade, funesto para ambas. Já um pequeno esforço restava a Febo e seus cavalos feriam com as patas o caminho nos declives do Olimpo, quando são servidas nas mesas iguarias reais e Baco em taças de ouro. Mas o rei dos Trácios, embora estivesse afastado, agitava-se, relembrando o rosto, os gestos e as mãos de Filomela – tudo o que desejava.
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noctis habent! ipso sceleris molimine Tereus creditur esse pius laudemque a crimine sumit. Quid quod idem Philomela cupit patriosque lacertis blanda tenens umeros, ut eat visura sororem, perque suam contraque suam petit ipsa salutem. Spectat eam Tereus praecontrectatque videndo osculaque et collo circumdata bracchia cernens omnia pro stimulis facibusque ciboque furoris accipit; et quotiens amplectitur illa parentem, esse parens vellet: neque enim minus impius esset. Vincitur ambarum genitor prece. Gaudet agitque illa patri grates et successisse duabus id putat infelix, quod erit lugubre duabus. Iam labor exiguus Phoebo restabat, equique pulsabant pedibus spatium declivis Olympi: regales epulae mensis et Bacchus in auro ponitur; hinc placido dantur sua corpora somno. At rex Odrysius, quamvis secessit, in illa aestuat, et, repetens faciem motusque manusque, qualia vult fingit quae nondum vidit, et ignes ipse suos nutrit, cura removente soporem. Lux erat, et generi dextram complexus euntis Pandion comitem lacrimis commendat obortis:
Imagina as coisas que ainda não viu e ele próprio alimenta suas paixões, com uma inquietação que lhe tira o sono. Era dia e Pandíon, tomando a mão direita do genro que partia, em lágrimas, recomendou sua filha como companheira da viagem: “Ó caro genro, entrego-a a ti, visto que um motivo piedoso o força. Ambas o quiseram e tu também quiseste, Tereu. Pela fidelidade, pelos laços de parentesco, pelos deuses celestiais: eu imploro, suplicante: que a protejas com um amor de pai e que antes de tudo restituas a mim aquela que é o doce lenimento de minha velhice angustiada (qualquer demora será longa para nós). E tu também, Filomela, volta o mais cedo possível –já é o bastante estar afastado de tua irmã! –, se tens algum afeto por mim”. Ao mesmo tempo em que recomendava, dava beijos em sua filha, e as lágrimas caíam, abundantes, misturadas aos rogos. Depois que, como garantia de lealdade, pediu a mão direita de cada um e as uniu entrelaçadas, rogou que saudassem pessoalmente a filha e o neto ausentes, em nome daquele que os tinha na memória. Com dificuldade, disse um último adeus, com a voz entrecortada de soluço, e receou os pressentimentos de sua mente.
“Hanc ego, care gener, quoniam pia causa coegit et voluere ambae, voluisti tu quoque, Tereu, do tibi, perque fidem cognataque pectora supplex, per superos oro, patrio ut tuearis amore et mihi sollicitae lenimen dulce senectae quam primum (omnis erit nobis mora longa) remittas. Tu quoque quam primum (satis est procul esse sororem) si pietas ulla est, ad me, Philomela, redito.” Mandabat pariterque suae dabat oscula natae, et lacrimae mites inter mandata cadebant. Utque fide pignus dextras utriusque poposcit inter seque datas iunxit natamque nepotemque absentes pro se memori rogat ore salutent;
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supremumque vale pleno singultibus ore vix dixit timuitque suae praesagia mentis. Ut semel imposita est pictae Philomela carinae, admotumque fretum remis tellusque repulsa est, “vicimus” exclamat, “mecum mea vota feruntur” exsultatque et vix animo sua gaudia differt barbarus et nusquam lumen detorquet ab illa, non aliter, quam cum pedibus praedator obuncis deposuit nido leporem Iovis ales in alto: nulla fuga est capto, spectat sua praemia raptor. Iamque iter effectum, iamque in sua litora fessis puppibus exierant, cum rex Pandione natam in stabula alta trahit, silvis obscura vetustis, atque ibi pallentem trepidamque et cuncta timentem et iam cum lacrimis, ubi sit germana, rogantem includit: fassusque nefas et virginem et unam vi superat frustra clamato saepe parente, saepe sorore sua, magnis super omnia divis. Illa tremit velut agna pavens, quae saucia cani ore excussa lupi nondum sibi tuta videtur, utque columba suo madefactis sanguine plumis horret adhuc avidosque timet, quibus haeserat, ungues. Mox ubi mens rediit, passos laniata capillos, lugenti similis, caesis plangore lacertis, intendens palmas “o diris barbare factis, o crudelis” ait “nec te mandata parentis cum lacrimis movere piis nec cura sororis nec mea virginitas nec coniugialia iura! Omnia turbasti: paelex ego facta sororis, tu geminus coniunx, hostis mihi debita Procne. Quin animam hanc, ne quod facinus tibi, perfide, restet, eripis? atque utinam fecisses ante nefandos concubitus vacuas habuissem criminis umbras. Si tamen haec superi cernunt, si numina divum sunt aliquid, si non perierunt omnia mecum, quandocumque mihi poenas dabis. Ipsa pudore proiecto tua facta loquar. Si copia detur, in populos veniam; si silvis clausa tenebor,
Logo que Filomela é entregue à colorida embarcação e que, com o auxílio dos remos, o mar se aproxima e a terra se afasta, Tereu grita: “Vencemos! Meus desejos são carregados por mim!”. Selvagem, exalta e mal consegue conter na alma seus regozijos. Em nenhum momento desvia o olhar dela, do mesmo modo que a predadora ave de Júpiter, com as garras recurvadas, pousa a lebre no alto ninho: não há fuga para aquela que foi capturada e o ladrão contempla suas recompensas. O caminho já terminara e já haviam desembarcado em seus litorais, deixando os navios cansados, quando o rei arrastou a filha de Pandíon para o fundo dos estábulos, escondidos entre antigas florestas, e ali a prendeu. Ela, pálida, tremendo e receando tudo; já em lágrimas, queria saber onde estava a irmã. Ele revelou seu crime: dominou pela força a virgem que estava só, mesmo tendo gritado tantas vezes pelo pai, tantas vezes pela irmã – e, acima de tudo, gritando pelos grandes deuses. Filomela treme como a ovelhinha que, aterrorizada, ferida pela boca de um lobo de pelo branco, não se sente mais segura, e como a pomba, com suas penas umedecidas pelo seu próprio sangue, estremece e ainda teme as garras insaciáveis, pelas quais foi agarrada. Pouco tempo depois, quando a lucidez voltou, ela arrancou os cabelos desgrenhados, semelhante àquela que pranteia, batendo com os braços em si mesma, em sinal de luto. Estendendo as mãos, Filomela diz: “Ó bárbaro, ó cruel, por tuas terríveis atitudes! Não te comoveram nem as ordens de meu pai, em piedosas lágrimas, nem o zelo de minha irmã nem a minha virgindade nem os juramentos matrimoniais? Tudo conturbas: eu fui feita rival de minha irmã e tu, marido das duas. Há castigos reservados para mim, como inimiga. Por que, pérfido, não tiras a minha vida para que não te reste nenhum crime? Oxalá o tivesses feito antes da abominável união carnal! Eu teria minhas sombras livres. Se, contudo, os deuses superiores, veem tudo, se as divindades têm algum poder, se todas as coisas não morrerem comigo, a qualquer momento serás punido por mim. Eu mesma, afastado meu pudor, falarei de teus atos. Se me for dada a permissão, me dirigirei à população; se eu for mantida presa nas florestas, as completarei e moverei os rochedos, meus confidentes. O éter tudo ouvirá; também um deus ouvirá, se há algum naquele local!”. Como a ira do cruel tirano foi provocada por tais palavras e nem o medo era menor que a ira, estimulado por um e por outro sentimento, preparado mesmo por eles, retirou a espada da bainha. Puxando-a pelos cabelos e mantendo-a com os braços dobrados atrás das costas, a obrigou a
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implebo silvas et conscia saxa movebo: audiet haec aether, et si deus ullus in illo est.” 550
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Talibus ira feri postquam commota tyranni nec minor hac metus est, causa stimulatus utraque quo fuit accinctus, vagina liberat ensem arreptamque coma flexis post terga lacertis vincla pati cogit. Iugulum Philomela parabat spemque suae mortis viso conceperat ense: ille indignantem et nomen patris usque vocantem luctantemque loqui comprensam forcipe linguam abstulit ense fero. Radix micat ultima linguae, ipsa iacet terraeque tremens inmurmurat atrae; utque salire solet mutilatae cauda colubrae, palpitat et moriens dominae vestigia quaerit. Hoc quoque post facinus (vix ausim credere) fertur saepe sua lacerum repetisse libidine corpus.
suportar as algemas. Filomela preparava o pescoço e, tendo visto a espada, tinha guardado a esperança de morrer. Ele, com a cruel espada, cortou sua língua, que estava presa por uma tenaz e que se mantinha indignada, invocando sem cessar o nome do pai, tentando falar. A raiz da língua palpita, cai e, tremendo, murmura na terra enegrecida – assim como costuma pular a cauda mutilada da cobra: ela se agita e, morrendo, procura os restos de sua dona. Além disso, após este crime (mal ouso acreditar nisso!), diz-se que, diversas vezes, movido por seu desejo, possuiu o corpo dilacerado. Após tais feitos, tem a coragem de voltar para Procne, que, tendo visto o marido, pergunta pela irmã. Ele, porém, dá falsos gemidos e narra mortes inventadas, e suas lágrimas a convenceram. Procne arranca dos ombros os véus brilhantes, por causa do ouro em abundância; cobre-se de vestes negras e constrói um sepulcro vazio. Oferece sacrifícios aos falsos manes e chora os destinos da irmã, que não deveria ser assim pranteada.
Sustinet ad Procnen post talia facta reverti. Coniuge quae viso germanam quaerit: at ille dat gemitus fictos commentaque funera narrat, et lacrimae fecere fidem. Velamima Procne deripit ex umeris auro fulgentia lato induiturque atras vestes et inane sepulcrum constituit falsisque piacula manibus infert et luget non sic lugendae fata sororis. Signa deus bis sex acto lustraverat anno. Quid faciat Philomela? fugam custodia claudit, structa rigent solido stabulorum moenia saxo, os mutum facti caret indice. Grande doloris ingenium est, miserisque venit sollertia rebus. Stamina barbarica suspendit callida tela purpureasque notas filis intexuit albis, indicium sceleris; perfectaque tradidit uni, utque ferat dominae gestu rogat: illa rogata pertulit ad Procnen, nec scit, quid tradat in illis. Evolvit vestes saevi matrona tyranni fortunaeque suae carmen miserabile legit
Completado um ano, o deus tinha percorrido os doze signos. O que Filomela poderia fazer? A prisão detém a fuga; os muros dos estábulos, construídos com pedra compacta, são impenetráveis; a boca muda, não apresenta marca do ocorrido. O talento da dor é grande e ardis nascem das situações adversas. Hábil, suspende fios num tear rústico e, entre fios brancos, tece sinais vermelhos – a denúncia do crime. Terminado o tecido, entregou-o a uma das servas e pediu, por meio de gestos, que o levasse para a sua senhora. A serva convocada levou-o a Procne, não sabendo o que se contava naquela trama. A esposa do cruel tirano desenrolou o tecido e leu a triste narrativa de seu destino. Silenciou (é admirável ter conseguido fazêlo!). A dor detém as palavras e faltam termos suficientemente indignados para aquela língua que os procura. Não é tempo de chorar. Contudo, aquela
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et (mirum potuisse) silet. Dolor ora repressit, verbaque quaerenti satis indignantia linguae defuerunt; nec flere vacat, sed fasque nefasque confusura ruit, poenaeque in imagine tota est.
que há de misturar o lícito com o ilícito, age rapidamente, e o castigo ocupa todo o seu pensamento.
Tempus erat, quo sacra solent trieterica Bacchi Sithoniae celebrare nurus: nox conscia sacris. Nocte sonat Rhodope tinnitibus aeris acuti, nocte sua est egressa domo regina deique ritibus instruitur furialiaque accipit arma. Vite caput tegitur, lateri cervina sinistro vellera dependent, umero levis incubat hasta. Concita per silvas turba comitante suarum terribilis Procne furiisque agitata doloris, Bacche, tuas simulat. Venit ad stabula avia tandem exululatque euhoeque sonat portasque refringit germanamque rapit; raptaeque insignia Bacchi induit et vultus hederarum frondibus abdit attonitamque trahens intra sua moenia ducit. Ut sensit tetigisse domum Philomela nefandam, horruit infelix totoque expalluit ore. Nacta locum Procne sacrorum pignera demit oraque develat miserae pudibunda sororis amplexumque petit. Sed non attollere contra sustinet haec oculos, paelex sibi visa sororis, deiectoque in humum vultu iurare volenti testarique deos, per vim sibi dedecus illud illatum, pro voce manus fuit. Ardet et iram non capit ipsa suam Procne; fletumque sororis corripiens “non est lacrimis hoc” inquit “agendum, sed ferro, sed si quid habes, quod vincere ferrum possit. In omne nefas ego me, germana, paravi. Aut ego, cum facibus regalia tecta cremabo, artificem mediis inmittam Terea flammis, aut linguam, aut oculos et quae tibi membra pudorem abstulerunt, ferro rapiam, aut per vulnera mille sontem animam expellam. Magnum quodcumque paravi: quid sit, adhuc dubito.” Peragit dum talia Procne, ad matrem veniebat Itys. Quid possit, ab illo
Era o tempo em que as jovens da Trácia costumam celebrar, de três em três anos, os festejos sagrados de Baco. A noite é testemunha destes festejos. Durante a noite, Ródope ressoa, com os sons do estridente bronze; durante a noite, a rainha sai de seu palácio, é instruída no culto ritual do deus e recebe as armas das bacantes. A sua cabeça é coberta por uma videira; peles de veado pendem para o lado esquerdo; uma haste leve está apoiada em seu ombro. É conduzida, através das florestas, pela multidão de mulheres que a acompanham. Perturbada pelos furores da terrível dor, Procne finge, ó Baco, que são teus os furores. Chega, enfim, aos inacessíveis estábulos e uiva e faz ouvir “evoé!”. Arromba as portas e arrebata sua irmã. Põe, naquela que foi raptada, as insígnias de Baco e esconde seu rosto com coroas de heras; carregando a que se encontra assombrada, a conduz para dentro de suas muralhas. Quando viu que chegou à execrável residência, infeliz, tremeu, e a palidez tomou todo seu rosto. Encontrando um local seguro, Procne retira os símbolos dos rituais sagrados e põe à mostra o rosto envergonhado da pobre irmã. Pede um abraço, mas, Filomela, por sua vez, não tem coragem de erguer os olhos: ela se considera rival de sua irmã e, com o rosto voltado para a terra, usou um gesto em lugar da voz, desejando jurar – que os deuses o testemunhassem! – que tal desonra ocorreu pela força. Procne inflama-se e não contém sua ira. E, censurando o choro da irmã, diz: “Não se deve tratar disso com lágrimas, mas com o ferro ou com algo que possa vencer o ferro, caso o possuas. Preparei-me, minha irmã, para qualquer ato ilícito. Ou queimarei com tochas os telhados do palácio, ou lançarei Tereu, o autor do crime, no meio das chamas, ou arrancarei com o ferro a língua, os olhos e os membros que destruíram teu pudor, ou, com mil ferimentos, expulsarei sua alma criminosa. Prepararei algo grandioso, mas ainda penso o que poderá ser”. Enquanto Procne conclui tais palavras, Ítis vem para a mãe. Pela presença do filho, foi advertida quanto ao que poderia fazer. Procne, examinando-o com olhares cruéis, diz: “Ah! O quanto és parecido com teu pai”. Não diz mais nada: prepara o triste crime e inflama-se com uma ira silenciosa. Contudo, logo que o filho saudou a mãe e envolveu seu pescoço com seus bracinhos, juntando beijos misturados aos carinhos infantis a mãe, na verdade, se comoveu, e a ira inquebrantável cessou. Seus olhos, involuntariamente, ficaram úmidos pelas lágrimas forçadas. Mas, quando
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admonita est: oculisque tuens inmitibus “a quam es similis patri” dixit. Nec plura locuta triste parat facinus tacitaque exaestuat ira. Ut tamen accessit natus matrique salutem attulit et parvis adduxit colla lacertis mixtaque blanditiis puerilibus oscula iunxit, mota quidem est genetrix infractaque constitit ira invitique oculi lacrimis maduere coactis: sed simul ex nimia mentem pietate labare sensit, ab hoc iterum est ad vultus versa sororis inque vicem spectans ambos “cur admovet” inquit “alter blanditias, rapta silet altera lingua? Quam vocat hic matrem, cur non vocat illa sororem? Cui sis nupta, vide, Pandione nata, marito. Degeneras: scelus est pietas in coniuge Tereo.” Nec mora, traxit Ityn, veluti Gangetica cervae lactentem fetum per silvas tigris opacas. Utque domus altae partem tenuere remotam, tendentemque manus et iam sua fata videntem et “mater, mater” clamantem et colla petentem ense ferit Procne, lateri qua pectus adhaeret, nec vultum vertit. Satis illi ad fata vel unum vulnus erat: iugulum ferro Philomela resolvit. Vivaque adhuc animaeque aliquid retinentia membra dilaniant. Pars inde cavis exsultat aenis, pars veribus stridunt: manant penetralia tabo. His adhibet coniunx ignarum Terea mensis et patrii moris sacrum mentita, quod uni fas sit adire viro, comites famulosque removit. Ipse sedens solio Tereus sublimis avito vescitur inque suam sua viscera congerit alvum. Tantaque nox animi est, “Ityn huc accersite” dixit. Dissimulare nequit crudelia gaudia Procne, iamque suae cupiens exsistere nuntia cladis, “intus habes, quem poscis” ait. Circumspicit ille atque ubi sit quaerit. Quaerenti iterumque vocanti, sicut erat sparsis furiali caede capillis,
percebe que seu pensamento hesita por causa da excessiva ternura, de novo desvia para o rosto da irmã e, observando os dois, alternadamente, diz: “Por que um usa palavras ternas e a outra, arrancada a sua língua, silencia? Ele me chama de mãe. Por que ela não pode me chamar de irmã? Olha, filha de Pandíon, com que marido te casas-te! Rebaixas-te: é um crime o afeto por teu esposo Tereu”. Sem demora, arrastou Ítis, assim como a tigresa do Ganges arrasta pelas florestas sombrias o filhote de cerva que ainda mama. Logo que chegaram a uma parte recuada do nobre palácio, Procne fere, com uma espada, no lugar onde o peito está preso ao flanco, o menino, que lhe estendia as mãos e, vendo já seu destino, chamava “mãe, mãe” e procurava seu pescoço. Não vira o rosto. Apenas uma ferida bastou-lhe para que ele pudesse cumprir seu destino, mas Filomela corta sua garganta com o ferro. As duas dilaceram os membros animados e que conservavam ainda algo de vida. Uns borbulham em fundos vasos de bronze; outros chiam nos espetos. Os aposentos secretos cobrem-se de sangue. A esposa apresenta Tereu, que nada sabe, a estes membros, tornados iguarias, e, fingindo tratar-se de um ritual sagrado de sua pátria, que só ao esposo é permitido conhecer, afasta os amigos e escravos. O próprio Tereu, erguido, sentando-se no trono de seus antepassados, come suas vísceras; engole suas próprias entranhas. Tão grande é a cegueira de sua alma! Ele diz: “Trazei Ítis para aqui”. Procne não é capaz de disfarçar suas cruéis alegrias e, já desejando mostrar-se como mensageira de sua destruição, diz: “Tens dentro de ti quem reclamas”. Ele examina tudo ao seu redor e pergunta onde está. Filomela, como estava, com os cabelos em desalinho, por causa do horrível assassínio, se lançou na direção daquele que perguntava e de novo reclamava, e atirou em seu rosto a cabeça ensanguentada de Ítis. Em nenhuma outra ocasião preferiu poder falar e testemunhar as alegrias com palavras justas. Com um enorme grito, o trácio afasta as mesas e invoca do vale do Estige as Fúrias. E ora deseja ardentemente, se possível, tendo aberto o peito, retirar de lá os alimentos funestos e as vísceras emersas, ora chora e chama a si mesmo de deplorável sepultura para seu filho. Agora persegue as filhas de Pandíon com a espada nua. Julgar-se-ia que os corpos das cecrópidas estão suspensos pelas asas – e estavam mesmo suspensos por asas. Uma delas procura as florestas, a outra sobe nos telhados. As marcas da morte ainda não desapareceram de seu peito e a plumagem está manchada de sangue. Tereu, veloz, por causa da dor e do desejo de vingança, é transformado em ave, em cuja cabeça erguem-se penachos; um desmesurado bico prolonga-se, como se fosse uma comprida lança. O nome dado a esta ave é poupa e, por sua aparência, parece estar armada.
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prosiluit Ityosque caput Philomela cruentum misit in ora patris: nec tempore maluit ullo posse loqui et mentis testari gaudia dictis. Thracius ingenti mensas clamore repellit vipereasque ciet Stygia de valle sorores; et modo, si posset reserato pectore diras egerere inde dapes inmersaque viscera gestit, flet modo seque vocat bustum miserabile nati, nunc sequitur nudo genitas Pandione ferro. Corpora Cecropidum pennis pendere putares: pendebant pennis. Quarum petit altera silvas, altera tecta subit; neque adhuc de pectore caedis excessere notae, signataque sanguine pluma est. Ille dolore suo poenaeque cupidine velox vertitur in volucrem, cui stant in vertice cristae; prominet inmodicum pro longa cuspide rostrum: nomen epops volucri, facies armata videtur. Boreas. Zetes et Calais
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Hic dolor ante diem longaeque extrema senectae tempora Tartareas Pandiona misit ad umbras. Sceptra loci rerumque capit moderamen Erechtheus, iustitia dubium validisne potentior armis. Quattuor ille quidem iuvenes totidemque crearat femineae sortis: sed erat par forma duarum. E quibus Aeolides Cephalus te coniuge felix, Procri, fuit; Boreae Tereus Thracesque nocebant, dilectaque diu caruit deus Orithyia, dum rogat et precibus mavult quam viribus uti. Ast ubi blanditiis agitur nihil, horridus ira, quae solita est illi nimiumque domestica vento, “et merito!” dixit: “quid enim mea tela reliqui, saevitiam et vires iramque animosque minaces, admovique preces, quarum me dedecet usus? Apta mihi vis est: vi tristia nubila pello, vi freta concutio nodosaque robora verto induroque nives et terras grandine pulso.
Bóreas, Zetes e Cálais Esta dor enviou Pandíon para as sombras do Tártaro, antes do dia final da longa velhice. Erecteu toma o trono e o comando de tudo. Há dúvidas se ele era mais poderoso pela justiça ou por suas violentas armas. Todavia, gerou quatro rapazes e quatro moças. Mas duas se assemelhavam pela beleza. Dentre estas, tu, Prócris, esposa do feliz Céfalo, filho de Éolo. Tereu e os trácios prejudicavam Bóreas e o deus durante muito tempo esteve privado de sua querida Orítia. Enquanto suplicava, preferia empregar preces a usar seu poder. Porém, nada é realizado com palavras lisonjeiras e, terrível pela ira, que é muito familiar para aquele vento, disse: “É justo! De fato, por que abandonei minhas armas, a violência e as minhas forças, a ira e as ameaças e empreguei súplicas, cujo uso não me convém? A força é conveniente para mim: com a força agito os mares, derrubo os carvalhos nodosos, petrifico as neves e firo as terras com o granizo. Eu mesmo, quando encontro meus irmãos a céu aberto (pois esta planície é minha!), luto com tal esforço que a região intermediária do éter ressoa com nossos combates, e das nuvens profundas faíscam raios. Eu mesmo, quando entro nas aberturas circulares da terra e, feroz, submeto meu dorso às profundas cavernas, perturbo, com meus tremores, os manes e todo o orbe. Com este poder eu deveria ter procurado o casamento. Ericteu não deveria ser solicitado com súplicas, mas
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Idem ego cum fratres caelo sum nactus aperto (nam mihi campus is est), tanto molimine luctor, ut medius nostris concursibus insonet aether exsiliantque cavis elisi nubibus ignes. Idem ego cum subii convexa foramina terrae supposuique ferox imis mea terga cavernis, sollicito manes totumque tremoribus orbem. Hac ope debueram thalamos petiisse, socerque non orandus erat, vi sed faciendus Erechtheus.” Haec Boreas aut his non inferiora locutus excussit pennas: quarum iactatibus omnis adflata est tellus latumque perhorruit aequor. Pulvereamque trahens per summa cacumina pallam verrit humum pavidamque metu caligine tectus Orithyian amans fulvis amplectitur alis. Dum volat, arserunt agitati fortius ignes. Nec prius aerii cursus suppressit habenas, quam Ciconum tenuit populos et moenia raptor. Illic et gelidi coniunx Actaea tyranni et genetrix facta est, partus enixa gemellos, cetera qui matris, pennas genitoris haberent. Non tamen has una memorant cum corpore natas, barbaque dum rutilis aberat subnixa capillis, implumes Calaisque puer Zetesque fuerunt. Mox pariter pennae ritu coepere volucrum cingere utrumque latus, pariter flavescere malae. Ergo ubi concessit tempus puerile iuventae, vellera cum Minyis nitido radiantia villo per mare non notum prima petiere carina.
deveria ser feito meu sogro pela força”. Falando estas palavras ou outras não inferiores a estas, Bóreas agitou as asas. E com os movimentos destas, toda a terra foi tocada pelo sopro e o mar extenso tremeu. Arrastando seu manto de poeira pelos cumes mais elevados, varre o solo e, coberto por uma nuvem, apaixonado, abraça, com suas asas amareladas, Orítia, paralisada. Enquanto voa, as chamas da paixão, atiçadas, ardem mais fortemente. O raptor não solta-as rédeas de seu percurso pelo ar antes de atingir as povoações e as muralhas dos cícones. Lá a ateniense tornou-se esposa do gélido tirano e mãe, dando à luz gêmeos, que possuíam as asas do pai e o restante do corpo da mãe. Dizem, contudo, que estas asas não nasceram junto com o corpo, e, enquanto uma barba orgulhosa mantinha-se afastada das ruivas cabeleiras, os meninos Cálais e Zetes ficaram sem asas. Pouco depois, asas começam a rodear um e outro flanco (assim como as aves mudam), ao mesmo tempo em que as maçãs do rosto ficam louras. Depois, quando a fase pueril cedeu à juventude, procuraram, junto com os argonautas, pelo mar desconhecido, no primeiro navio, o dourado velocino, com o pelo brilhante. Tradução: Arlete José Mota, UFRJ
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Liber VII131 Iason et Medea
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Iamque fretum Minyae Pagasaea puppe secabant, perpetuaque trahens inopem sub nocte senectam Phineus visus erat, iuvenesque Aquilone creati virgineas volucres miseri senis ore fugarant, multaque perpessi claro sub Iasone tandem contigerant rapidas limosi Phasidos undas. Dumque adeunt regem Phrixeaque vellera poscunt lexque datur Minyis magnorum horrenda laborum, concipit interea validos Aeetias ignes et luctata diu, postquam ratione furorem vincere non poterat, “frustra Medea, repugnas: nescio quis deus obstat” ait; “mirumque, nisi hoc est, aut aliquid certe simile huic, quod amare vocatur. Nam cur iussa patris nimium mihi dura videntur? Sunt quoque dura nimis. Cur, quem modo denique vidi, ne pereat, timeo? quae tanti causa timoris? Excute virgineo conceptas pectore flammas, si potes, infelix! — Si possem, sanior essem. Sed trahit invitam nova vis, aliudque cupido, mens aliud suadet. Video meliora proboque, deteriora sequor. Quid in hospite, regia virgo, ureris et thalamos alieni concipis orbis? Haec quoque terra potest, quod ames, dare. Vivat an ille occidat, in dis est. Vivat tamen! idque precari
Jasão e Medeia E já sulcavam os mínias o mar com sua popa tessálica, e em noite perpétua portando a indigência da idade Fineu132 fora visto. E os jovens filhos de Bóreas133 as virgens aladas134 da fronte do mísero velho afugentam. E tendo por muito passado sob ordens do claro Jasão alcançaram as águas velozes , ao fim, do Fásis lodoso. E enquanto ao rei135 se dirigem a reivindicar o velo de Frixo, e enquanto que aos Mínios se dá horrenda carga de esforços sem conta, a filha de Eetes começa a queimar com fogos violentos. Mesmo lutando deveras, depois que a razão não pudera vencer o furor, “em vão, Medeia, resistes: não sei que deus se te opõe”, diz, “e admiro-me se não é isso, ou decerto algo próximo, o que chamam amar. Por que é que as demandas 136 do pai a mim me parecem ser duras demais? Por que são, de fato, duras demais! Por que quanto a esse que acabo de ver, afinal, tanto temo que morra? Que tão grande causa para o temor? Arranca ao virgíneo peito as recém-concebidas chamas se podes, infeliz! Se pudesse, mais sã eu seria! Mas me arrasta contrária uma nova força; o desejo pr’um lado, e a mente p’ra outro me guia. Vejo as melhores e aprovo, mas coisas piores eu sigo. Por que por hóspede, virgem real, ardes, e imaginas o tálamo em orbe distante? Esta terra também pode dar-te um que ames. Que ele viva ou que morra, só aos deuses cabe. Que viva, contudo! Pois tal é o que deve-se orar mesmo sem o amor: quê, afinal, cometeu Jasão? A quem, a não ser ao cruel, não tocaria a idade, a nascença, a virtude do homem? A quem, mesmo que ainda falte o restante, não pode com tanta beleza tocar? Por certo Jasão o meu peito comove. Pois
131 Esta tradução segue dois princípios básicos: primeiro, busco um resultado literário através da ultra-literalidade, sempre que possível, tanto no plano morfossintático quanto no léxico (eventualmente, mesmo variações nos tempos verbais e repetições foram mantidas para fins estilísticos). Quando os limites do português não permitiram ir além, cedi. Segundo, ela procura recriar o ritmo do verso hexâmetro datílico em uma prosa ritmada de cadência datílica, de inspiração Carlos Alberto Núnica, como se pode ver já na primeira frase, que, antes da vírgula, recria um hexâmetro como o de Nunes. O resultado não é absolutamente regular, visto que se trata de prosa, mas, justamente por isso, parece ganhar no dinamismo, evitando a monotonia. As notas de tradução servem para elucidar alguns pontos obscuros e explicar algumas referências e dificuldades do texto de Ovídio. 132 Cego, daí a referência à noite eterna, Fineu vivia na Trácia. A referência a ele serve de referência geográfica da viagem dos argonautas. 133 Cálais e Zetes, filhos do Vento Norte Aquilo. 134 As virgineas volucres são as harpias. 135 Eetes, pai de Medeia, rei da Cólquida. 136 As ordens que Eetes deu a Jasão e aos argonautas em troca do velo de ouro.
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vel sine amore licet: quid enim commisit Iason? Quem, nisi crudelem, non tangat Iasonis aetas et genus et virtus? Quem non, ut cetera desint, ore movere potest? Certe mea pectora movit. At nisi opem tulero, taurorum adflabitur ore concurretque suae segeti, tellure creatis hostibus, aut avido dabitur fera praeda draconi. Hoc ego si patiar, tum me de tigride natam, tum ferrum et scopulos gestare in corde fatebor. Cur non et specto pereuntem oculosque videndo conscelero? Cur non tauros exhortor in illum terrigenasque feros insopitumque draconem? Di meliora velint. Quamquam non ista precanda, sed facienda mihi. — Prodamne ego regna parentis, atque ope nescio quis servabitur advena nostra, ut per me sospes sine me det lintea ventis virque sit alterius, poenae Medea relinquar? Si facere hoc aliamve potest praeponere nobis, occidat ingratus. Sed non is vultus in illo, non ea nobilitas animo est, ea gratia formae, ut timeam fraudem meritique oblivia nostri. Et dabit ante fidem, cogamque in foedera testes esse deos. Quid tuta times? accingere et omnem pelle moram: tibi se semper debebit Iason, te face sollemni iunget sibi, perque Pelasgas servatrix urbes matrum celebrabere turba. Ergo ego germanam fratremque patremque deosque et natale solum, ventis ablata, relinquam? Nempe pater saevus, nempe est mea barbara tellus, frater adhuc infans: stant mecum vota sororis, maximus intra me deus est. Non magna relinquam, magna sequar: titulum servatae pubis Achivae
se acaso eu não der atenção, soprado será pelas frontes dos touros137 , ou mesmo terá de enfrentar dos inimigos criados da terra um de sua própria plantação138, ou será dado por fera presa ao dragão ávido139. E tal se eu tolerar, tanto que nasci de um tigre, quanto que tenho um coração de pedra e de ferro terei de admitir! E por que não o vou assistir perecer e conspurco meus olhos com esta visão? Por que não os touros exorto contra ele e os feros terrígenas e o insone dragão? Que os deuses bem-queiram! Contudo tais coisas não são de pregar, mas antes fazer. Acaso abandonarei eu os reinos do pai, acaso um não sei quem estrangeiro por nossa influência se salva, e, por mim são e salvo, sem mim dará vela aos ventos e homem será de uma outra, e ao castigo, eu, Medeia, me entrego? Se tal pode fazer ou a nós antepor uma outra, que morra o ingrato! Mas não: pois há nele expressão, tal nobreza no ânimo, e tal graça na forma que eu não tema fraude ou que esqueça dos méritos nossos. E dará antes fé, e induzo os deuses a testemunharem os laços. Por que temes se tudo é tão certo? Prepara-te e afasta toda demora: a ti deverá a si mesmo para sempre Jasão. Com tocha solene unir-te-ás a ele, e por urbes helenas serás celebrada sua salvadora por turbas de mães. E portanto eu, levada por ventos, abandono a irmã e o irmão e o pai e os deuses e o solo natal? Decerto o pai é selvagem, bárbara é a terra natal, decerto inda infante é o irmão; comigo estão os votos da irmã, e está dentro de mim o deus máximo140 ! Grandes coisas não abandono, grandes coisas persigo: a glória pela salvação da juventude Aquiva, o conhecimento de solo melhor e cidades cuja fama até aqui é vigente, a cultura e as artes de lá, e aquele que eu não trocaria por todas as coisas que o orbe inteiro possui, o Esônida141 – com quem, tendo casado, me dirão feliz e dileta dos deuses, tocarão as estrelas meu rosto! Mas e quanto aos não sei quais montes que dizem que opõem-se142 no meio das ondas aos barcos, ou a inimiga Caríbdis que ora devora, ora o mar devolve, ou a Cila gananciosa cingida de sevos cães retumbando no fundo Sículo mar?143 Mas decerto possuíndo o que amo e agarrada no peito de Jasão a longa extensão do mar aguentarei. Nada, abraçada com ele, temerei, ou se por algo tema, que eu tema somente pelo cônjuge. – Mas já consideras casamento e dás belo nome à tua culpa,
137 Uma das tarefas de Jasão seria a de domar dois touros que soltavam fogo pelas ventas e arar o campo com eles sem se ferir. 138 A segunda tarefa de Jasão era semear a terra com dentes de dragão, que cresciam imediatamente e se transformavam em inimigos, com os quais ele tinha que lutar. 139 A última tarefa seria pegar o velo de ouro da árvore guardada pelo dragão. 140 Medeia certamente não se refere a Júpiter, mas sim ao Amor. 141 Jasão. 142 Sigo a leitura de Anderson, que prefere occurrere, a concurrere ou incurrere. (William S. Anderson, Ovid’s Metamorphoses Books 6-10, University of Oklahoma Press, 1972: 250). 143 Medeia faz referência a perigos marítimos: do primeiro ela desconhece o nome, e os outros dois são referências aos famosos perigos marítimos localizados no estreito de Messina entre a Itália e a Sicília. Cila retorna no livro XIV, no qual narra-se sua metamorfose a partir do verso 59.
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notitiamque loci melioris et oppida, quorum hic quoque fama viget, cultusque artesque locorum; quemque ego cum rebus, quas totus possidet orbis, Aesoniden mutasse velim; quo coniuge felix et dis cara ferar et vertice sidera tangam. Quid, quod nescio qui mediis concurrere in undis dicuntur montes, ratibusque inimica Charybdis nunc sorbere fretum, nunc reddere, cinctaque saevis Scylla rapax canibus Siculo latrare profundo? Nempe tenens, quod amo, gremioque in Iasonis haerens per freta longa ferar: nihil illum amplexa verebor aut, siquid metuam, metuam de coniuge solo. — Coniugiumne vocas speciosaque nomina culpae imponis, Medea, tuae? Quin adspice, quantum adgrediare nefas, et, dum licet, effuge crimen.”
Medeia? – Por que não olhas adiante e percebes o tamanho do mal a que te aproximas e foges enquanto é possível do crime?”, disse, e diante dos olhos reuniam-se o pudor, a piedade e a retidão, e o desejo144 vencido já dava suas costas.
Dixit, et ante oculos rectum pietasque pudorque constiterant, et victa dabat iam terga Cupido. 75
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Ibat ad antiquas Hecates Perseidos aras, quas nemus umbrosum secretaque silva tegebat. Et iam fortis erat pulsusque resederat ardor, cum videt Aesoniden exstinctaque flamma reluxit. Erubuere genae, totoque recanduit ore, utque solet ventis alimenta adsumere quaeque parva sub inducta latuit scintilla favilla crescere et in veteres agitata resurgere vires, sic iam lentus amor, iam quem languere putares, ut vidit iuvenem, specie praesentis inarsit. Et casu solito formosior Aesone natus illa luce fuit: posses ignoscere amanti. Spectat et in vultu veluti tum denique viso lumina fixa tenet nec se mortalia demens ora videre putat, nec se declinat ab illo.
Ia-se às aras antigas da Hécate filha de Perses, que um bosque sombrio e floresta isolada escondiam. Forte já estava, e o impulso e o ardor recediam, mas, quando o Esônida avista, a chama já extinta reluz. Enrubescem as faces, e toda a expressão já brilhava, tal como sói à pequena faísca que esconde-se embaixo das cinzas, alimentada por vento, crescer e, agitada, ressurgir com antiga violência. Dessa forma o já frágil amor, que já poderíeis pensar que morria, tão logo avistou o rapaz, ardeu do esplendor da presença. E por acaso o nascido de Esão pareceu mais formoso do que de costume naquela luz145 : poderias até perdoar a amante. Olha-o e, como se o visse em primeira vez, no semblante fixa os olhos, e, louca, não acredita estar vendo um rosto mortal e nem dele se afasta.
Ut vero coepitque loqui dextramque prehendit hospes et auxilium submissa voce rogavit
Quando começa a falar o estrangeiro, toma-lhe a dextra, auxílio rogando com a voz submissa, promete casar-se, e ela, fundindo-se em lágrimas, diz:
144 Sigo Anderson mais uma vez, que lê cupido sem capitalizar o nome e transformar no Cupido, personificação do amor. 145 Segundo Anderson, luce substitui dies por razões métricas. No entanto, mantenho a tradução literal para acompanhar a sequência de metáforas de iluminação, brilho e fogo.
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promisitque torum, lacrimis ait illa profusis: “Quid faciam, video (non ignorantia veri decipiet, sed amor): servabere munere nostro; servatus promissa dato.” Per sacra triformis ille deae, lucoque foret quod numen in illo, perque patrem soceri cernentem cuncta futuri eventusque suos et tanta pericula iurat. Creditus accepit cantatas protinus herbas edidicitque usum, laetusque in tecta recessit.
“Eu vejo o que devo fazer: e não será a ignorância da verdade que me enganará, mas sim o amor. Serás protegido por nossa assistência, mas, protegido, darás o que foi prometido!” E ele jura pelos ritos sagrados da deusa triforme146, por qualquer nume que fosse o daquele recanto sagrado, também pelo pai de seu sogro147 que conhece todas as coisas futuras, e pelos perigos tão grandes e as coisas que iria viver. Acreditou-se 148 , e então recebeu as ervas recém encantadas, aprendeu a usá-las e alegre voltou aos seus tetos149 .
Postera depulerat stellas aurora micantes: conveniunt populi sacrum Mavortis in arvum consistuntque iugis. Medio rex ipse resedit agmine purpureus sceptroque insignis eburno. Ecce adamanteis Vulcanum naribus efflant aeripedes tauri, tactaeque vaporibus herbae ardent; utque solent pleni resonare camini, aut ubi terrena silices fornace soluti concipiunt ignem liquidarum adspergine aquarum, pectora sic intus clausas volventia flammas gutturaque usta sonant. Tamen illis Aesone natus obvius it. Vertere truces venientis ad ora terribiles vultus praefixaque cornua ferro, pulvereumque solum pede pulsavere bisulco fumificisque locum mugitibus impleverant. Deriguere metu Minyae: subit ille, nec ignes sentit anhelatos (tantum medicamina possunt), pendulaque audaci mulcet palearia dextra, suppositosque iugo pondus grave cogit aratri ducere et insuetum ferro proscindere campum.
Próxima aurora espantara as estrelas brilhantes. O povo congrega no sacro campo de Marte e no alto se sentam; o próprio rei, insigne, senta-se ao meio, em púrpura, com cetro ebúrneo. E eis que touros bronzípedes exalam Vulcano de adamantinas narinas, e ardem as ervas tocadas pelos vapores, tal como sóem ressoar as cheias fornalhas, ou como o calcário dissolto começa nos fornos terrenos a arder aspergido com água; assim, revolvidos os peitos por dentro e as gargantas pelantes retumbam em chamas; inda assim o Esônida marchou contra eles. Verteram as bestas em direção ao que vinha suas faces terríveis e os chifres ornados com ferro, e pulsavam o chão poeirento com os pés bissulcados, e enchiam os ares de estrondos fumígeros. Os mínias gelaram de medo; mas ele avança e nem sente os fogos exalados (tão possantes eram os feitiços!) e acaricia as papadas pendentes com impávida dextra e os impele, subjugados, a conduzir o arado pesado no campo desabituado ao ferro: admiram-se os cólquidas e aumentam os mínias com brados os ânimos. Então ele toma de um elmo brônzeo os dentes vipéreos e esparge-os nos campos arados. E o solo úmido do forte veneno mitiga as sementes de modo que os dentes plantados transformam-se em novos corpos, assim como o infante no ventre materno toma forma de homem e, inda dentro, compõe-se em todas as partes, e não sai para os ares comuns a não ser quando todo formado; dessa forma, quando as imagens de homens formaram-se inteiras nas vísceras da grávida terra, surgiram no fértil campo, e, mais incrível ainda, brandiam já armas com eles nascidas. E quando os gregos os viram brandindo lanças afiadas na direção da cabeça do jovem Jasão, esvaneceram de medo nas faces e ânimos. Até mesmo aquela que a ele fizera seguro estremece. Assim, quando vê que o jovem seria
Mirantur Colchi, Minyae clamoribus augent adiciuntque animos. Galea tum sumit aena vipereos dentes et aratos spargit in agros. Semina mollit humus valido praetincta veneno,
146 Hécate, que, segundo Amderson, também assumia a posição de Diana e da lua. 147 Eetes é filho do sol. 148 Segundo Anderson, a passivização do particípio creditus só é possível na poesia, e mantenho a estranheza da construção. 149 Segundo Anderson, não há informação exata da localização de Jasão. Mantenho o genérico tecta.
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et crescunt fiuntque sati nova corpora dentes. Utque hominis speciem materna sumit in alvo perque suos intus numeros componitur infans, nec nisi maturus communes exit in auras, sic ubi visceribus gravidae telluris imago effecta est hominis, feto consurgit in arvo, quodque magis mirum est, simul edita concutit arma. Quos ubi viderunt praeacutae cuspidis hastas in caput Haemonii iuvenis torquere parantes, demisere metu vultumque animumque Pelasgi. Ipsa quoque extimuit, quae tutum fecerat illum; utque peti vidit iuvenem tot ab hostibus unum, palluit et subito sine sanguine frigida sedit; neve parum valeant a se data gramina, carmen auxiliare canit secretasque advocat artes. Ille gravem medios silicem iaculatus in hostes a se depulsum Martem convertit in ipsos. Terrigenae pereunt per mutua vulnera fratres civilique cadunt acie. Gratantur Achivi victoremque tenent avidisque amplexibus haerent. Tu quoque victorem complecti, barbara, velles: obstitit incepto pudor. At complexa fuisses sed te, ne faceres, tenuit reverentia famae. Quod licet, adfectu tacito laetaris agisque carminibus grates et dis auctoribus horum.
atacado sozinho por tantos imigos, empalidece e, de súbito, exangue sentouse gelada, e, pra que não pouco valessem as ervas já dadas a ele, encanta um feitiço de auxílio e as artes secretas invoca. Aquele, tendo lançado uma pedra bem grande em meio aos inimigos, de si afasta Mavorte na direção deles próprios: os germanos terrígenas por mútuos golpes perecem e caem em guerra civil. Os aquivos congratulam e seguram o vencedor, agarrandose a ele em ávidos amplexos. Tu, também, gostarias de abraçar o vencedor, bárbara moça150: o pudor obstou o intento. Serias também abraçada, mas o medo da fama impediu-te. O que foi lícito fizeste, alegrou-te um tácito afeto, agradeceste aos feitiços e aos deuses que os fizeram.
Pervigilem superest herbis sopire draconem, qui crista linguisque tribus praesignis et uncis dentibus horrendus custos erat arboris aureae. Hunc postquam sparsit Lethaei gramine suci verbaque ter dixit placidos facientia somnos, quae mare turbatum, quae concita flumina sistunt, somnus in ignotos oculos sibi venit, et auro heros Aesonius potitur spolioque superbus muneris auctorem secum, spolia altera, portans victor Iolciacos tetigit cum coniuge portus.
Sobrou a tarefa de adormecer o sempivigilante dragão com o poder das ervas, de insigne crista, trifurcada língua e presas curvadas, guardião horrível da árvore áurea. Após tê-lo espargido com o Léteo suco de uma erva e três vezes ter dito palavras fazedoras de plácidos sonos, capazes até de parar o mar turbulento e os rios incitados, o sono lhe vem aos seus olhos, aos quais era estranho, e o Esônio herói obtém o ouro, e, soberbo, portando consigo a autora dos feitos, além de outros espólios, vencedor, com a esposa, atinge o porto de Iolcos.
150 Ao interpelar Medeia diretamente e com o epíteto de barbara, Ovídio parece querer contrapor a alegria dos jovens gregos e o perigo que a mulher estrangeira representam para Jasão.
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Haemoniae matres pro gnatis dona receptis grandaevique ferunt patres congestaque flamma tura liquefaciunt, inductaque cornibus aurum victima vota cadit. Sed abest gratantibus Aeson, iam propior leto fessusque senilibus annis. Cum sic Aesonides: “O cui debere salutem confiteor, coniunx, quamquam mihi cuncta dedisti excessitque fidem meritorum summa tuorum, si tamen hoc possunt (quid enim non carmina possunt?), deme meis annis et demptos adde parenti.” Nec tenuit lacrimas. Mota est pietate rogantis, dissimilemque animum subiit Aeeta relictus. Nec tamen adfectus tales confessa “quod” inquit “excidit ore tuo, coniunx, scelus? ergo ego cuiquam posse tuae videor spatium transcribere vitae? Nec sinat hoc Hecate, nec tu petis aequa. Sed isto, quod petis, experiar maius dare munus Iason. Arte mea soceri longum temptabimus aevum, non annis renovare tuis: modo diva triformis adiuvet et praesens ingentibus adnuat ausis.”
As mães hemônias e os pais de grande idade portam presentes em honra dos filhos recebidos de volta, derretem incenso nas chamas, e uma vítima de chifres ornados em ouro cai com os votos. Mas se ausenta Esão dos gratulantes, já mais próximo da morte, cansado, em idade senil. Assim, diz o Esônida: “Ó cônjuge a quem confesso dever a saúde; ainda que tenhas-me dado de tudo, e a soma dos teus méritos tenha excedido minha expectativa, se tal inda possam (o que, afinal, não podem os encantamentos?), retira meus anos e adiciona-os à idade do pai!” E não controlou as lágrimas. Moveu-se Medeia pela piedade do suplicante, enquanto o abandonado Eetes lhe passa pelo dissimulado espírito. Não confessando, contudo, um afeto tão grande, “que infâmia”, diz, “escapa de tua boca, cônjuge? Acaso eu pareço poder transcrever a alguém um espaço de tua vida? Nem isso Hécate permitiria, nem é razoável teu pedido. Mas tentarei fornecer-te um dom inda maior do que este, Jasão. Por minha arte tentemos alongar a idade do sogro, mas sem revogar os teus anos, contanto que a deusa triforme ajude-nos e, aqui presente, anua aos intentos ingentes.”
Tres aberant noctes, ut cornua tota coirent efficerentque orbem. Postquam plenissima fulsit et solida terras spectavit imagine luna, egreditur tectis vestes induta recinctas, nuda pedem, nudos umeris infusa capillos, fertque vagos mediae per muta silentia noctis incomitata gradus. Homines volucresque ferasque solverat alta quies: nullo cum murmure saepes, inmotaeque silent frondes, silet umidus aer; sidera sola micant. Ad quae sua bracchia tendens ter se convertit, ter sumptis flumine crinem inroravit aquis ternisque ululatibus ora solvit et, in dura submisso poplite terra, “Nox” ait “arcanis fidissima, quaeque diurnis
Foram três noites até que os chifres tocassem-se inteiramente e fizessem um orbe151. Depois que a lua fulgiu pleníssima e olhou para a terra com sólida imagem, saiu vestida a mulher com roupas soltas, pé descalço, cabelos desnudos descendo aos ombros, e faz passos vagos, desacompanhada, ao longo do mudo silêncio do meio da noite: a alta quietude tomara os homens, as aves e as feras, as sebes com nenhum murmúrio, imóveis as folhagens silenciam, o úmido ar cala-se, somente as estrelas brilham: em direção às quais, tendendo seus braços, três vezes vira-se, três vezes gotejou a fronte com águas tomadas do córrego e três vezes soltou gritos da boca, e tendo na dura terra dobrado os joelhos, “Noite”, diz, “fidelíssima aos arcanos, e estrelas áureas, que com a lua sucedeis os fogos diurnos, e tu, tricéfala Hécate, que, cônscia dos nossos desígnios vens em auxílio dos cantos e artes dos magos, e Terra, que propicias as ervas potentes, ó ares e ventos e montes, riachos e lagos, deuses todos dos bosques, deuses todos da noite,
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151 Movimento lunar em direção à lua cheia.
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aurea cum luna succeditis ignibus astra, tuque triceps Hecate, quae coeptis conscia nostris adiutrixque venis cantusque artisque magorum, quaeque magos, Tellus, pollentibus instruis herbis, auraeque et venti montesque amnesque lacusque dique omnes nemorum, dique omnes noctis adeste. Quorum ope, cum volui, ripis mirantibus amnes in fontes rediere suos, concussaque sisto, stantia concutio cantu freta, nubila pello nubilaque induco, ventos abigoque vocoque, vipereas rumpo verbis et carmine fauces, vivaque saxa sua convulsaque robora terra et silvas moveo, iubeoque tremescere montes et mugire solum manesque exire sepulcris. Te quoque, Luna, traho, quamvis Temesaea labores aera tuos minuant; currus quoque carmine nostro pallet avi, pallet nostris Aurora venenis. Vos mihi taurorum flammas hebetastis et unco impatiens oneris collum pressistis aratro, vos serpentigenis in se fera bella dedistis custodemque rudem somno sopistis et aurum vindice decepto Graias misistis in urbes. Nunc opus est sucis, per quos renovata senectus in florem redeat primosque reconligat annos. Et dabitis. Neque enim micuerunt sidera frustra, nec frustra volucrum tractus cervice draconum currus adest.” Aderat demissus ab aethere currus. Quo simul adscendit frenataque colla draconum permulsit manibusque leves agitavit habenas, sublimis rapitur subiectaque Thessala Tempe despicit et Threces regionibus applicat angues: et quasque Ossa tulit quasque altus Pelion herbas Othrysque Pindusque et Pindo maior Olympus perspicit, et placitas partim radice revellit, partim succidit curvamine falcis aenae. Multa quoque Apidani placuerunt gramina ripis,
sede presentes! Com vossa ajuda, quando eu quis, os riachos retornaram às suas nascentes diante de margens admiradas; eu parei mares conturbados e conturbei mares parados com canto; espantei nuvens e induzi nuvens; afastei e invoquei ventos, vipéreas mandíbulas destrocei com palavras e encantos; movi rochas vivas com sua terra, carvalhos volventes e selvas movi e ordeno estremeçam os montes, que o solo retumbe e que deixem sepulcros os mortos! Até mesmo a ti, Lua, trago, inda que os bronzes de Temesa diminuam teus labores152 . Até o carro do avô153 empalidece diante de nosso canto, empalicdece até Aurora com nossos venenos! Vós atenuastes as chamas dos touros em meu favor, vós oprimistes o pescoço impaciente com curvo arado, vós fizestes os serpentígenes guerrear entre si e acalmastes com sono o guardião selvagem, e, morto o protetor, enviastes o ouro às graias cidades: agora faz-se necessária uma poção, pela qual se renove a velhice e retorne à flor da idade e se renovem os primeiros anos, e vós concedereis. Pois nem cintilaram em vão as estrelas, nem o carro chegou arrastado por dorso de dragões alados”. Chegara o carro enviado pelo éter, pelo qual, assim que sobe e acaricia os pescoços bridados dos dragões e agita as rédeas ligeiras, é levada às alturas. E de cima observa o tessálio vale de Tempe e conduz as serpentes às regiões específicas: investiga as ervas que produz Ossa, as que o alto Pélion, Otris e Pindo e Olimpo, maior que o Pindo, e, das que a agradam, algumas arranca da terra e, outras, as corta com foice curvada de bronze. Também aprouveram muitas ervas da margem do Apidano, e muitas do Anfrísio, e nem tu foras imune, Enipeu; nem deixaram de contribuir as ondas do Peneu, nem as do Esperqueide, além do juncoso banco do Boebe. Tomou também da vivaz grama Eubóica de Antêdone, ainda não famosa pela mutação do corpo de Glauco. E já ao nono dia com o carro e as asas dracônicas e a nona noite viram a inspeção de todos os campos quando, finalmente, retornou. Mesmo os dragões, que não foram tocados exceto do aroma das ervas, trocaram as peles de idosa velhice.
152 O bronze de Temesa seria usado para forjar instrumentos cujo som funcionaria para aplacar os “trabalhos” que se acreditava que a Lua exercia durante um eclipse. 153 O Sol.
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multa quoque Amphrysi neque eras inmunis, Enipeu; nec non Peneos, nec non Spercheides undae contribuere aliquid iuncosaque litora Boebes. Carpsit et Euboica vivax Anthedone gramen, nondum mutato vulgatum corpore Glauci. Et iam nona dies curru pennisque draconum nonaque nox omnes lustrantem viderat agros, cum rediit. Neque erant tacti, nisi odore, dracones, et tamen annosae pellem posuere senectae. Constitit adveniens citra limenque foresque et tantum caelo tegitur refugitque viriles contactus statuitque aras de caespite binas, dexteriore Hecates, ast laeva parte Iuventae. Has ubi verbenis silvaque incinxit agresti. haud procul egesta scrobibus tellure duabus sacra facit cultrosque in guttura velleris atri conicit et patulas perfundit sanguine fossas. Tum super invergens liquidi carchesia vini alteraque invergens tepidi carchesia lactis verba simul fudit terrenaque numina civit umbrarumque rogat rapta cum coniuge regem, ne properent artus anima fraudare senili. Quos ubi placavit precibusque et murmure longo, Aesonis effetum proferri corpus ad auras iussit et in plenos resolutum carmine somnos, exanimi similem, stratis porrexit in herbis. Hinc procul Aesoniden, procul hinc iubet ire ministros et monet arcanis oculos removere profanos. Diffugiunt iussi. Passis Medea capillis bacchantum ritu, flagrantes circuit aras multifidasque faces in fossa sanguinis atra tingit et infectas geminis accendit in aris terque senem flamma, ter aqua, ter sulphure lustrat. Interea validum posito medicamen aeno fervet et exsultat spumisque tumentibus albet. Illic Haemonia radices valle resectas seminaque floresque et sucos incoquit atros. Adicit extremo lapides oriente petitos
Medeia, chegando, permanece do lado de fora da porta, coberta do tão vasto céu, e evita o contato do esposo. Então monta dois altares de terra com ervas, o de Hécate à direita, à esquerda o de Juventa. E depois de cobrir os altares com verbena e ervas agrestes, não longe dali cava dois buracos na terra e performa seus ritos. Perfura o pescoço de uma ovelha negra e com sangue preenche as fossas cavadas; então, em um dos buracos derrama uma taça de líquido mel e, no outro, derrama uma taça de tépido leite, e ao mesmo tempo difunde as palavras e invoca deidades terrenas, e roga à deidade das sombras com sua esposa raptada para que não se apressem em privar o corpo da alma senil.
Tendo-os então aplacado com preces e longo murmúrio, ordena trazerem o corpo de Esão ao ar livre, e, de sono pleno tomado através do feitiço, tal como exânime, estendeu-o nas ervas jogadas ao chão. Distante o Esônida ordena, distantes os ministros, e aconselha removam os olhos profanos dos atos arcanos. Ordenados, dispersam-se. Com cabelos revoltos tal como nos ritos Bacantes, circula os altares em chamas. As tochas multípontes tingiam na negra fossa de sangue e, infectadas, acende nos gêmeos altares. Três vezes o velho com chama, três vezes com água, três vezes no enxofre purifica. Entrementes no pote de bronze a poção poderosa ferve, agitando-se e empalidecendo em borbulhantes espumas. Lá dentro raízes cortadas dos vales hemônios, sementes e flores e negros sucos cozia; adiciona seixos buscados no extremo Oriente, e areias que o mar Oceano lavou com a ressaca; também adiciona geada colhida em noite de lua cheia, asas de
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et quas Oceani refluum mare lavit harenas, addit et exceptas luna pernocte pruinas et strigis infames ipsis cum carnibus alas inque virum soliti vultus mutare ferinos ambigui prosecta lupi; nec defuit illis squamea Cinyphii tenuis membrana chelydri vivacisque iecur cervi; quibus insuper addit ora caputque novem cornicis saecula passae. His et mille aliis postquam sine nomine rebus propositum instruxit mortali barbara maius arenti ramo iampridem mitis olivae omnia confudit summisque inmiscuit ima. Ecce vetus calido versatus stipes aeno fit viridis primo, nec longo tempore frondes induit et subito gravidis oneratur olivis. At quacumque cavis spumas eiecit aenis ignis et in terram guttae cecidere calentes, vernat humus, floresque et mollia pabula surgunt. Quae simul ac vidit, stricto Medea recludit ense senis iugulum, veteremque exire cruorem passa, replet sucis. Quos postquam combibit Aeson aut ore acceptos aut vulnere, barba comaeque canitie posita nigrum rapuere colorem, pulsa fugit macies, abeunt pallorque situsque, adiectoque cavae supplentur corpore rugae, membraque luxuriant. Aeson miratur et olim ante quater denos hunc se reminiscitur annos. Viderat ex alto tanti miracula monstri Liber, et admonitus iuvenes nutricibus annos posse suis reddi, capit hoc a Colchide munus. Pelias
infames corujas ainda com carne, além das entranhas de um lobo ambíguo que sói alternar a aparência ferina em homem154; nem faltaram ali a tênue membrana escamosa da cobra Cinífia155 e o fígado do cervo longevo. A isso ainda adiciona os ovos e a cabeça de um corvo que sobreviveu a nove gerações. Depois que a bárbara, com essas e mil outras coisas sem nome, preparou seu plano mais que mortal, com ramo já há muito seco de oliveira frutífera tudo agitou, mistura o de cima e o de baixo. E eis que o velho graveto agitado no cálido bronze primeiro verdeja e não muito depois brota folhas e, de súbito, carrega-se com azeitonas: e por onde quer que do cavo bronze o fogo expulsasse espumas borbulhantes caindo em gotas ferventes na terra, o chão verdejava, e surgiam folhagens e flores. Quando viu o que se passava, Medeia cortou a garganta do velho com a espada e deixou sair todo o sangue senil, e o troca pelos seus sucos, os quais, após Esão beber pela boca ou pela ferida, a barba e os cabelos tomados de cãs tomaram-se negros, banida lhe foge a magreza, a estagnação e o palor e vão-se embora, os buracos das rugas se enchem com renovado corpo, e os membros crescem luxuriosos: maravilha-se Esão e relembra os quarenta anos de outrora.
154 Um lobisomem. 155 Segundo Anderson, trata-se de uma famosa cobra d’água da Líbia.
Tendo Baco do alto visto as maravilhas de tão grande portento, persuadiu-se poder devolver anos às suas nutrizes, e toma o feitiço da mulher cólquida. Pélias
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Neve doli cessent, odium cum coniuge falsum Phasias adsimulat Peliaeque ad limina supplex confugit. Atque illam, quoniam gravis ipse senecta est, excipiunt natae. Quas tempore callida parvo Colchis amicitiae mendacis imagine cepit. Dumque refert inter meritorum maxima, demptos Aesonis esse situs, atque hac in parte moratur, spes est virginibus Pelia subiecta creatis arte suum parili revirescere posse parentem. Idque petunt pretiumque iubent sine fine pacisci. Illa brevi spatio silet et dubitare videtur suspenditque animos ficta gravitate rogantes. Mox ubi pollicita est, “quo sit fiducia maior muneris huius” ait, “qui vestri maximus aevo est dux gregis inter oves, agnus medicamine fiet.” Protinus innumeris effetus laniger annis attrahitur flexo circum cava tempora cornu. Cuius ut Haemonio marcentia guttura cultro fodit et exiguo maculavit sanguine ferrum, membra simul pecudis validosque venefica sucos mergit in aere cavo: minuunt en corporis artus cornuaque exurunt nec non cum cornibus annos, et tener auditur medio balatus aeno. Nec mora, balatum mirantibus exsilit agnus lascivitque fuga lactantiaque ubera quaerit. Obstipuere satae Pelia: promissaque postquam exhibuere fidem, tum vero impensius instant. Ter iuga Phoebus equis in Hibero flumine mersis dempserat et quarta radiantia nocte micabant sidera, cum rapido fallax Aeetias igni imponit purum laticem et sine viribus herbas. Iamque neci similis resoluto corpore regem
E para que os dolos não cessem, a Fásia156 com o cônjuge finge uma briga e como suplicante foge aos batentes de Pélias157 ; a ela, uma vez que ele mesmo já pesava com a velhice, as filhas recebem; a essas, em pouco tempo, a astuta cólquida tomou com imagem de falsa amizade, e enquanto reconta entre os máximos feitos o de ter anos tirado de Esão, com vagar nesta parte, então induz-se esperança nas virgens criadas de Pélias, de com arte parelha poderem o pai rejuvenescer; o que pedem, e exigem que o preço, qual fora, se acerte. Ela então silencia um tempo ao simular meditar, e suspende os espíritos das suplicantes com gravidade fingida. Mas então finalmente promete: “p’ra que exista maior confiança em minha poção,” diz, “o carneiro mais velho de vosso rebanho eu tornarei um cordeiro com os meus feitiços.” Imediatamente um cordeiro lanígero bastante acabado, de inúmeros anos, é trazido com os chifres espiralados na têmpora cava158, cuja garganta flácida com punhal tessálio perfura e o ferro macula com exíguo sangue. Então, ao mesmo tempo, a feiticeira submerge o cordeiro em poções poderosas no cavo bronze: elas encolhem os membros do corpo e queimam os chifres, sem que com os chifres se queimem os anos, e do meio do bronze se ouve um balido jovial: sem demora, enquanto admiravam-se com o balido, escapa um cordeiro e saltita em fuga buscando tetas lactantes.
Estupefaz-se a prole de Pélias, e após demonstrarem confiança nas promessas, insistem com ainda mais zelo. Três vezes já Febo desaparatava os cavalos imersos no rio Ebro 159 e brilhavam estrelas na quarta noite, quando a falaz filha de Eetes lança ao rápido fogo água pura e ervas sem força. E então o sono tal fosse de morte tomava o rei com relaxado corpo, e com o rei os seus guardas, sono que garantiram o canto e a potência da mágica língua. Ordenadas, as filhas passaram os batentes com a cólquida e
156 Antes referindo-se a Medeia como cólquida, Ovídio parece ter inventado o adjetivo Fásia como alternativa de denominação, a partir do rio Fásis na Cólquida. 157 Medeia finge para ser bem recebida pela família de Pélias, irmão de Jasão, rei de Iolcos, e usa a artimanha de simular poder rejuvenescê-lo como fizera a Esão a fim de matá-lo. Apolodoro 1.9.27 e Higino 24 narram que Jasão teria usado Medeia para vingar-se de seu irmão. O mito teria sido recontado em tragédias perdidas de Sófocles e Eurípides. Cf. Anderson, p. 275-6. 158 Anderson nos informa que cavus é um epíteto comum para a têmpora. 159 A passagem dos dias é representada pela metáfora de Febo retirando as selas dos cavalos ao final do caminho a oeste, no rio Ebro, na Espanha.
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et cum rege suo custodes somnus habebat, quem dederant cantus magicaeque potentia linguae: intrarant iussae cum Colchide limina natae ambierantque torum. “Quid nunc dubitatis inertes? Stringite” ait “gladios veteremque haurite cruorem, ut repleam vacuas iuvenali sanguine venas. In manibus vestris vita est aetasque parentis: si pietas ulla est nec spes agitatis inanes, officium praestate patri telisque senectam exigite et saniem coniecto emittite ferro.” His, ut quaeque pia est, hortatibus impia prima est, et ne sit scelerata, facit scelus. Haud tamen ictus ulla suos spectare potest, oculosque reflectunt caecaque dant saevis aversae vulnera dextris. Ille, cruore fluens, cubito tamen adlevat artus semilacerque toro temptat consurgere et inter tot medius gladios pallentia bracchia tendens “quid facitis, gnatae? quis vos in fata parentis armat?” ait. Cecidere illis animique manusque. Plura locuturo cum verbis guttura Colchis abstulit et calidis laniatum mersit in undis. Medeae fuga
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Quod nisi pennatis serpentibus isset in auras, non exempta foret poenae. Fugit alta superque Pelion umbrosum, Philyreia tecta, superque Othryn et eventu veteris loca nota Cerambi. Hic ope nympharum sublatus in aera pennis, cum gravis infuso tellus foret obruta ponto, Deucalioneas effugit inobrutus undas.
circundam o leito: “Por que hesitais inertes agora? Tomai”, diz, “os gládios e drenai o antigo cruor para que eu preencha as veias vazias com jovem sangue! Em vossas mãos está a vida e a idade do pai: se há piedade160 alguma e se não agitais esperanças inanes, exercei o dever ao vosso pai e tomai a velhice com as armas, retirai o fétido pus com o golpe do ferro!” Tendo exortado tais coisas, como cada uma fosse pia, ela foi a primeira a ser ímpia, e, para não ser criminosa, comete o crime: e como nenhuma conseguia olhar para seus golpes, afastam os olhos e, viradas, dão golpes cegos com as dextras insanas. Aquele, jorrando sangue, ainda levanta-se sobre o cotovelo e tenta, semidilacerado, levantar-se do leito. E em meio a tantos gládios, estendendo os fraquejantes braços, diz: “Que fazeis, filhas? Por que armai-vos contra o fado do pai?” Os ânimos e mãos delas caem; a Cólquida então corta a garganta do velho que tentava falar e o submerge dilacerado nas tépidas águas.
Fuga de Medeia161 Não fosse ela içada às alturas por serpes aladas, não seria poupada da pena: foge às alturas e sobre o Pélion umbroso, sobre os tetos filiréios162, sobre Otrin e locais notáveis pelos feitos do velho Cerambo: este, elevado às alturas com asas por obra das ninfas, como a terra pesada estivesse inundada de mar transbordante, fugiu desinundado das deucaliônicas ondas. A Eólia Pitane à esquerda ultrapassa com seus simulacros feitos de pedra de um longo dragão163. Passa pelo bosque do Ida, onde Líber, para ocultar o furto do filho, escondeu o bezerro sob imagem de falso cervo164, onde o pai de
160 A pietas, virtude filial religiosa romana, dificilmente se traduz por piedade, dada a especialização deste último termo após o cristianismo, mas preferi não manter o termo latino. 161 Ovídio passa a descrever a viagem de fuga de Medeia pelo mar Egeu como pretexto para exibir seus conhecimentos geográficos e fazer alusão a várias metamorfoses mais ou menos famosas. 162 Filireia é a mãe do centauro Quíron, associado ao monte Pélion. 163 A petrificação da serpente é contada por Ovídio em XI, 55-60. 164 Anderson (p. 282) explica que essa referência ao filho de Baco só aparece em Ovídio.
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Aeoliam Pitanen a laeva parte relinquit factaque de saxo longi simulacra draconis, Idaeumque nemus, quo nati furta, iuvencum occuluit Liber falsi sub imagine cervi, quaque pater Corythi parva tumulatus harena est, et quos Maera novo latratu terruit agros, Eurypylique urbem, qua Coae cornua matres gesserunt tum cum discederet Herculis agmen Phoebeamque Rhodon et Ialysios Telchinas, quorum oculos ipso vitiantes omnia visu Iuppiter exosus fraternis subdidit undis. Transit et antiquae Cartheia moenia Ceae, qua pater Alcidamas placidam de corpore natae miraturus erat nasci potuisse columbam. Inde lacus Hyries videt et Cycneia tempe, quae subitus celebravit olor. Nam Phyllius illic imperio pueri volucresque ferumque leonem tradiderat domitos; taurum quoque vincere iussus vicerat, et spreto totiens iratus amore praemia poscenti taurum suprema negabat. Ille indignatus “cupies dare” dixit et alto desiluit saxo. Cuncti cecidisse putabant: factus olor niveis pendebat in aere pennis. At genetrix Hyrie, servatum nescia, flendo delicuit stagnumque suo de nomine fecit. Adiacet his Pleuron, in qua trepidantibus alis Ophias effugit natorum vulnera Combe.
Córito se encontra enterrado sob um pouco de areia 165 , e onde Maera aterroriza os campos com seu novo latido 166 . E passa pela cidade de Eurípiles, onde as mães de Cós outrora chifres vestiram, quando as tropas de Hércules dissiparam-se167, e por Rodes febéia e por Iálisos, dos Télquines, cujos olhos todas as coisas petrificavam pelo próprio olhar e que Júpiter, por ódio, afundou nas ondas de seu irmão; cruzou as muralhas de Carteias da antiga Céos, onde o pai Alcidamas maravilhar-se-ia de que uma bela pomba pudesse nascer do corpo de sua filha168 . Logo após viu o lago de Híria e Tempe, famosa pela súbita transformação de Cicno em cisne: pois ali Fílio, ordenado pelo menino, até ele trouxera domados um fero leão e umas aves; tendo sido ordenado também a trazer-lhe um touro, vencera, mas após tantas vezes ter sido esnobado em seu amor, negava entregar o touro como prêmio ao pedido do menino; este, indignado, “desejarás ter dado”, diz, e se lança de um alto rochedo; todos pensavam que iria cair, no entanto, virado em um cisne pendia com as asas nos ares; mas a mãe Híria, ignorando tal salvamento, derreteu-se chorando e um lago portando seu nome gerou. Adjaz a esses locais Plêuron, pela qual com trepidantes asas Combe, filha de Ófias, fugiu dos golpes dos filhos; de lá partindo ela olha as planícies da ilha Calaurea de Leto, conscientes de terem o rei e a rainha sido virados em pássaros. À esquerda se encontra Cilene, na qual Menefron deitaria com a mãe, seguindo os costumes das feras selvagens; e longe dali percebe Cefisos chorando o destino do neto, que Apolo virara em túmida foca169 , e também a casa de Eumelo chorando seu filho nos ares.
Inde Calaureae Letoidos adspicit arva, in volucrem versi cum coniuge conscia regis.
165 Alusão a Páris e a seu fim humilhante, enterrado sem honras sob um pequeno monte de areia. 166 Segundo Anderson (p. 282), a referência à metamorfose dessa personagem é desconhecida. 167 Mais uma referência erudita às mulheres da cidade de Cós, na costa de Cária, perto de Halicarnasso, e à ocasião da expedição de Hércules contra Tróia (outra referência em XI, 212ss., cf. Anderson, p. 282). 168 Ctesila, filha de Alcidamas, foi prometida por ele ao ateniense Hermócares. Tendo o pai voltado atrás na promessa, Hermócares pede vingança aos deuses, que o auxiliam a seduzi-la, matam-na no parto e depois transformam-na em uma pomba. 169 Anderson (p. 285) nos informa que a identidade do neto do deus Cefisos é desconhecida.
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Dextera Cyllene est, in qua cum matre Menephron concubiturus erat saevarum more ferarum Cephison procul hinc deflentem fata nepotis respicit, in tumidam phocen ab Apolline versi, Eumelique domum lugentis in aere natum. Tandem vipereis Ephyren Pirenida pennis contigit. Hic aevo veteres mortalia primo corpora vulgarunt pluvialibus edita fungis. Sed postquam Colchis arsit nova nupta venenis, flagrantemque domum regis mare vidit utrumque, sanguine natorum perfunditur impius ensis, ultaque se male mater Iasonis effugit arma. Hinc Titaniacis ablata draconibus intrat Palladias arces, quae te, iustissima Phene, teque, senex Peripha, pariter videre volantes innixamque novis neptem Polypemonis alis. Excipit hanc Aegeus, facto dammandus in uno; nec satis hospitium est: thalami quoque foedere iungit. Theseus
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Iamque aderat Theseus, proles ignara parenti, et virtute sua bimarem pacaverat Isthmon. Huius in exitium miscet Medea quod olim attulerat secum Scythicis aconiton ab oris. Illud Echidneae memorant e dentibus ortum esse canis. Specus est tenebroso caecus hiatu, est via declivis, per quam Tirynthius heros restantem contraque diem radiosque micantes obliquantem oculos nexis adamante catenis
Finalmente, ela chega à Corintia Pirene, levada nas asas das víboras: ali, em tempos de outrora, os antigos afirmam que os corpos mortais viriam de fungos molhados de chuva. Mas depois que a nova esposa queimou com venenos da Cólquida e que ambos os mares testemunharam a queima do palácio real170 , sujou também a ímpia lâmina com o sangue dos filhos e, mãe vingada, fugiu das armas de Jasão 171 . Dali foge, levada pelos dragões titânicos, e entra na cidadela de Palas que a ti, justíssima Fene e a ti, velho Perifas, viu ao mesmo tempo voarem, assim como a neta de Polipemon, com novas asas172 . Egeu a recebe, fato já digno de dano, mas não se contenta com a hospitalidade, e se une a ela em matrimônio.
Teseu E então aparece Teseu, prole desconhecida do pai, que por sua própria virtude pacificara o istmo entre os dois mares. Visando sua ruína, Medeia mistura o veneno de acônito, que trouxera consigo das orlas da Cítia. Esse veneno, dizem, teria vindo dos dentes do cão de Equidna173: há uma cega caverna com tenebrosa garganta, pela qual desce uma senda em declive, por onde o heroi Tiríntio arrastou resistente Cérbero, que afastava seus olhos dos raios brilhantes do dia, preso em adamantina correia, e que, em ira raivosa incitado, encheu os ares com triplos latidos e espargiu os verdes campos com alvas espumas; dizem que essas espumas cresceram e, tomando alimento do
170 Os dois mares separados pelo istmo próximo a Corinto são personificados em testemunhas das barbáries cometidas por Medeia. Trata-se do istmo que separa a península do Peloponeso do resto da Grécia continental. 171 Ovídio relata o conteúdo da tragédia de Eurípides de maneira bastante concisa. Ao chegar em Corinto, Medeia descobre que Jasão se casou novamente com Creúsa/Gláucia, filha de Creonte, envenena a rival, causa a morte de Creonte, que tenta ajudá-la a se livrar do vestido envenenado, depois mata seus próprios filhos, enfrenta Jasão e foge na carruagem do Sol. 172 Ovídio ainda tem tempo para mais três transformações em aves. O rei Perifas era tão virtuoso que Zeus, invejoso, quis puni-lo com um raio, no que foi impedido por Apolo. Zeus então decidiu-se por transformar o velho em uma águia e sua esposa em um abutre (phene, em grego, significa abutre). A segunda história narra brevemente a transformação de Alcíone (não a mesma Alcíone que terá sua história contada em detalhes no livro XI). Seu pai, Sciron, lançou-a de um penhasco por falta de pudicícia, mas, ao invés de morrer, ela foi transformada na ave marinha halcyon. 173 Cérbero.
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Cerberon abstraxit; rabida qui concitus ira implevit pariter ternis latratibus auras et sparsit virides spumis albentibus agros. Has concresse putant nactasque alimenta feracis fecundique soli vires cepisse nocendi. Quae quia nascuntur dura vivacia caute, agrestes aconita vocant. Ea coniugis astu ipse parens Aegeus nato porrexit ut hosti. Sumpserat ignara Theseus data pocula dextra, cum pater in capulo gladii cognovit eburno signa sui generis facinusque excussit ab ore. Effugit illa necem nebulis per carmina motis.
solo fecundo e prolífico, recebem a força do mal; e porque elas nascem na dura rocha vivaz, os agrestes a chamam de acônito174 . Tal veneno o próprio pai Egeu, pelas artes do engano da cônjuge, estendeu ao filho que ali era hóspede. Teseu tomara por fim a taça com a dextra ignara, quando o pai reconhece os sinais de família no ebúrneo cabo da espada e afasta o criminoso veneno da boca do filho. E aquela fugiu de sua morte por um remoinho atiçado por cantos.
At genitor, quamquam laetatur sospite nato, attonitus tamen est ingens discrimine parvo committi potuisse nefas. Fovet ignibus aras muneribusque deos implet, feriuntque secures colla torosa boum vinctorum corpora vittis. Nullus Erechthidis fertur celebratior illo inluxisse dies. Agitant convivia patres et medium vulgus, nec non et carmina, vino ingenium faciente, canunt: “Te, maxime Theseu, mirata est Marathon Cretaei sanguine tauri; quodque suis securus arat Cromyona colonus, munus opusque tuum est. Tellus Epidauria per te clavigeram vidit Vulcani occumbere prolem, vidit et inmitem Cephisias ora Procrusten, Cercyonis letum vidit Cerealis Eleusin. Occidit ille Sinis, magnis male viribus usus, qui poterat curvare trabes et agebat ab alto ad terram late sparsuras corpora pinus. Tutus ad Alcathoen, Lelegeia moenia, limes composito Scirone patet, sparsisque latronis terra negat sedem, sedem negat ossibus unda;
Mas o genitor, embora se alegrasse do filho salvo, ficou, contudo, atônito, por causa do crime tão grande por tão pouco não ter sido cometido: alimenta os altares com fogos e dá muitos dons para os deuses, e os machados decepam gargantas musculosas de touros com chifres atados. Dizem que nenhum dia para os eréctidas175 brilhou mais festivo que aquele. Os patrícios festejam em banquetes e o vulgo mediano e nem deixam de sob a influência do vinho o engenho cantar: “De ti, excelente Teseu, admirou-se Maratona pelo sangue do touro de Creta, e o que quer que o colono de Cromion possa arar sem ter medo do porco selvagem, ele o faz por teu zelo e trabalho176; a terra de Epidauro por ti viu sucumbir a prole vulcânea clavígera177 , e a orla cefísia178 também viu sucumbir o terrível Procruste, e Elêusis de Ceres viu a morte de Cercion. Pereceu aquele Sínis, que usava sua grande força para o mal, que podia dobrar troncos de árvores, que entortava os pinheiros até o chão para catapultar corpos. Um caminho seguro foi aberto até Alcatoa, e até as muralhas lelegeias, tendo sido aplacado Sciron; a terra e as ondas negam abrigo aos ossos esparsos desse ladrão, os quais, dizem, lançados pra lá e pra cá endurecem e viram vetustos rochedos: o penhasco recebe o nome de Sciron. Se quiséssemos enumerar os seus títulos e anos, superariam os fatos a tua idade. Em teu favor, ó fortíssimo, públicos votos oferecemos, e por ti Baco sorvemos.” E o palácio do rei ressoa ao consenso e às preces do povo e dos celebrantes, e em toda a cidade não se pode encontrar lugar triste.
174 Aconiton, em grego, significa “[que cresce] sem solo”. O nome da planta em português aparece, geralmente, na forma latina “aconitum”, que eu prefiro grafar “acônito”. 175 Os atenienses são aqui chamados de eréctidas, ou seja, filhos de Erecteu, famoso rei de Atenas. 176 A canção exalta trabalhos de Teseu, como ter matado o porco selvagem que aterrorizava Cromion, perto de Corinto, e o touro de Creta em Maratona. 177 Perífetes, filho de Vulcano, que portava uma clava imensa. 178 As margens do rio Cefisos, ao norte de Atenas.
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quae iactata diu fertur durasse vetustas in scopulos: scopulis nomen Scironis inhaeret. Si titulos annosque tuos numerare velimus, facta premant annos. Pro te, fortissime, vota publica suscipimus, Bacchi tibi sumimus haustus.” Consonat adsensu populi precibusque faventum regia, nec tota tristis locus ullus in urbe est. Aeacus. Pestilentia. Myrmidones
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Nec tamen (usque adeo nulla est sincera voluptas, sollicitumque aliquid laetis intervenit) Aegeus gaudia percepit nato secura recepto. Bella parat Minos. Qui quamquam milite, quamquam classe valet, patria tamen est firmissimus ira Androgeique necem iustis ulciscitur armis. Ante tamen bello vires adquirit amicas, quaque potens habitus, volucri freta classe pererrat. Hinc Anaphen sibi iungit et Astypaleia regna, promissis Anaphen, regna Astypaleia bello; hinc humilem Myconum cretosaque rura Cimoli florentemque thymo Cythnum parvamque Seriphon marmoreamque Paron, quaque impia prodidit Arnen Sithonis (accepto, quod avara poposcerat, auro mutata est in avem, quae nunc quoque diligit aurum, nigra pedes, nigris velata monedula pennis). At non Oliaros Didymaeque et Tenos et Andros et Gyaros nitidaeque ferax Peparethos olivae Gnosiacas iuvere rates. Latere inde sinistro Oenopiam Minos petit, Aeacideia regna: Oenopiam veteres appellavere, sed ipse Aeacus Aeginam genetricis nomine dixit. Turba ruit tantaeque virum cognoscere famae expetit. Occurrunt illi Telamonque, minorque quam Telamon Peleus, et proles tertia Phocus.
Éaco. A peste. Mirmidões E, no entanto (pois júbilo algum é eterno, e algo ruim sempre estraga os prazeres) não é completa a alegria de Egeu por ter reencontrado seu filho: Minos prepara uma guerra. Ele que, embora muito valha por armas e naus, nutre fortíssima ira e decide vingar-se com justas armas da morte do filho Andrógeo. Contudo, antes da guerra, procura alianças guerreiras, e por isso vaga pelos mares com célere nau onde jaz seu poder: aqui junta a si Anaphe e o reino da Astipaleia 179 (a primeira com promessas, a segunda com ameaças de guerra); ali a plana Míconos180 e os campos calcários de Címolo, além de Siro, coberta de tomilho, a plana Serifon, a marmórea Paros, e Sífnos, que a ímpia Arne traiu e, avara, tendo obtido o ouro que buscava, foi transformada em uma ave que ainda deseja por ouro, uma gralha coberta de penas e pés negros.
Mas Oliaros e Dídime, Tenos e Andros, Giaros e a Peparetos frutífera em olivas luzentes não deram ajuda à frota de Cnossos; daí, navegando à esquerda, Minos procura a Oenópia, o reino Eácida: os antigos chamavam de Oenópia, mas o próprio Éaco deu nome de Egina por causa da mãe. Uma turba até lá irrompe buscando conhecer um homem de tão grande fama; até ele correm Telamon e o mais jovem que ele Peleu e o terceiro em idade Foco; o próprio Éaco chegou também, embora atrasado pelo peso da idade, e inquire a respeito da causa da vinda. Lembrado do luto do pai, o regente de um cento de reinos suspira e lhe narra em palavras: “oro que ajudes em armas em favor do meu filho e que sejas partícipe na pia milícia; busco
179 Ovídio inicia uma lista erudita de nomes de regiões nas Ciclades, por onde Minos passa para conseguir aliados. 180 Ovídio se engana quanto à geografia de Míconos, uma ilha vulcânica, e portanto não humilis.
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Ipse quoque egreditur tardus gravitate senili Aeacus, et quae sit veniendi causa requirit. Admonitus patrii luctus suspirat et illi dicta refert rector populorum talia centum: “Arma iuves oro pro gnato sumpta piaeque pars sis militiae; tumulo solacia posco.” Huic Asopiades “petis inrita” dixit “et urbi non facienda meae: neque enim coniunctior ulla Cecropidis hac est tellus: ea foedera nobis.” Tristis abit “stabunt” que “tibi tua foedera magno” dixit et utilius bellum putat esse minari quam gerere atque suas ibi praeconsumere vires. Classis ab Oenopiis etiamnum Lyctia muris spectari poterat, cum pleno concita velo Attica puppis adest in portusque intrat amicos, quae Cephalum patriaeque simul mandata ferebat. Aeacidae longo iuvenes post tempore visum agnovere tamen Cephalum dextrasque dedere inque patris duxere domum. Spectabilis heros et veteris retinens etiamnum pignera formae ingreditur ramumque tenens popularis olivae a dextra laevaque duos aetate minores maior habet, Clyton et Buten, Pallante creatos. Postquam congressus primi sua verba tulerunt, Cecropidae Cephalus peragit mandata rogatque auxilium foedusque refert et iura parentum imperiumque peti totius Achaidos addit. Sic ubi mandatam iuvit facundia causam, Aeacus, in capulo sceptri nitente sinistra, “ne petite auxilium, sed sumite”, dixit “Athenae; nec dubie vires, quas haec habet insula, vestras ducite; et omnia habet (rerum status iste mearum). Robora non desunt, superat mihi miles et hosti: gratia dis, felix et inexcusabile tempus.” “Immo ita sit,” Cephalus, ”crescat tua civibus opto
repouso ao seu túmulo.” A que o Asopíade “pedes em vão”, diz, “e minha cidade não deverá o fazer; pois nenhuma terra é mais unida a Atenas que esta, tão grande a aliança entre nós.” Infeliz, parte e “permanecerão”, diz, “a ti tuas grandes alianças”, considerando mais útil ameaçar guerra do que já fazê-la e pré-consumir suas tropas ali. Ainda podia-se avistar a frota de Minos dos muros Oenópios quando uma nau Ática a plenas velas atraca e adentra no porto amigável, trazendo Céfalo e mandatos da pátria consigo. E ainda que há muito não vissem Céfalo, os jovens eácidas o reconheceram e deram-lhe a dextra, levando-o ao palácio do pai: o respeitável heroi, ainda retendo os traços da antiga beleza, adentra o palácio portando um ramo da oliva famosa181 , e leva consigo à esquerda e à direita dois mais jovens que ele, que era o mais velho, Clíton e Butes, filhos de Palas.
Após as proferirem palavras de saudações entre os chefes, Céfalo anuncia os mandados do Cecrópida, roga auxílio e reforça a aliança e os juramentos dos pais, adicionando que Minos coloca em perigo o poder de toda a Acaia182. Assim, após a eloquência ter reforçado os pedidos e a causa, Éaco, apoiando a sinistra em seu cetro, “não demandai nosso auxílio, mas o recebei”, disse, “Atenas, e nem duvideis que as forças que esta ilha possui podeis considerar como vossas, e (ó, que assim permaneça o estado de meus recursos), robustez não nos falta; soldados não faltam e este é, aos deuses graças, o tempo propício e inexcusável.” “Que em verdade assim seja,” diz Céfalo, “e desejo que cresça tua urbe em cidadãos, e de fato, ao chegar, enorme alegria me toma de tão bela gente, juventude tão clara por causa da idade ver até mim avançando; contudo pergunto-me onde estarão aqueles
181 A oliva aqui é símbolo de Atenas. 182 O argumento político de Céfalo é que não apenas Atenas estaria em perigo, mas também Egina, mais fraca, pois Minos estaria buscando conquistar todo o mundo grego.
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urbs!” ait. “Adveniens equidem modo gaudia cepi, cum tam pulchra mihi, tam par aetate iuventus obvia processit. Multos tamen inde requiro, quos quondam vidi vestra prius urbe receptus.” Aeacus ingemuit tristique ita voce locutus: “Flebile principium melior fortuna secuta est. Hanc utinam possem vobis memorare sine illo! Ordine nunc repetam. Neu longa ambage morer vos: ossa cinisque iacent, memori quos mente requiris. Et quota pars illi rerum periere mearum! Dira lues ira populis Iunonis iniquae incidit exosae dictas a paelice terras. Dum visum mortale malum tantaeque latebat causa nocens cladis, pugnatum est arte medendi: exitium superabat opem, quae victa iacebat.
Principio caelum spissa caligine terras pressit et ignavos inclusit nubibus aestus; 530 dumque quater iunctis explevit cornibus orbem luna, quater plenum tenuata retexuit orbem, letiferis calidi spirarunt aestibus austri. Constat et in fontes vitium venisse lacusque, miliaque incultos serpentum multa per agros 535 errasse atque suis fluvios temerasse venenis. Strage canum primo volucrumque oviumque boumque, inque feris subiti deprensa potentia morbi. Concidere infelix validos miratur arator inter opus tauros medioque recumbere sulco; 540 lanigeris gregibus balatus dantibus aegros sponte sua lanaeque cadunt et corpora tabent. Acer equus quondam magnaeque in pulvere famae degenerat palmas veterumque oblitus honorum ad praesepe gemit leto moriturus inerti. 545 Non aper irasci meminit, non fidere cursu cerva, nec armentis incurrere fortibus ursi.
183 Egina, mãe de Éaco, ninfa amada por Júpiter. 184 Ou seja, quatro meses lunares.
que encontrei, quando outrora fui recebido na urbe.” Gemeu Éaco, tendo assim retorquido com voz infeliz: “A um lamentável princípio seguiu-se fortuna melhor; oxalá eu pudesse contar-te esta última sem ter que lembrarme daquele! Narrarei pela ordem mas não te incomodarei com longos circunlóquios: são ossos e cinzas que jazem, esses dos quais me inquires com intento gentil. Ó, quão grande parte de meu reino pereceu com eles! Pestilência terrível caiu em meu povo pela ira de injusta Juno, odiosa da terra ter sido chamada do nome de sua rival183. Enquanto nos pareceu mortal o mal e a causa de tão grande infortúnio nos era ignota, lutou-se com as artes médicas: mas a destruição superava os recursos, que jaziam vencidos. No princípio, o céu oprimia esta terra com espesso negrume, carregando ignavo calor no meio das nuvens; quatro vezes a Lua preencheu seu orbe unindo seus cornos, e quatro vezes, atenuada, reverteu o mesmo pleno orbe 184 , quentes ventos austrais respiraram vapores mortíferos. Em consonância, o vício chega também às fontes e aos lagos, e vários milhares de serpes erravam nos campos incultos e envenenavam os rios com seu torpe veneno. De início a potência assim súbita da peste restringiu-se ao massacre de cães e de aves e ovelhas e bois, e entre as feras. O lavrador infeliz espantava-se ao ver os seus touros potentes caindo durante o trabalho e tombando em meio às trilhas aradas. Enquanto soltavam balidos doentios as lanígeras greis, contra sua vontade caíam as lãs e definhavam os corpos; o cavalo, outrora vigoroso, de enorme fama na areia da arena, degenera em sua glória e, deslembrado das honras antigas, geme de volta ao estábulo, a morrer morte inerte. Nem o javali selvagem se lembra de enfurecer-se, nem a cerva de correr como outrora, nem os ursos de atacar os fortes rebanhos. A apatia toma conta de tudo: corpos apodrecidos jazem nos campos, nas selvas e nas vias, e os ares viciam-se fétidos. Coisas incríveis relato: nem os cães, as aves de rapina, nem lobos tocavam nos corpos. Espalhados, apodrecem, e com seu odor tudo viciam e contagiam até ao longe.
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Omnia languor habet; silvisque agrisque viisque corpora foeda iacent, vitiantur odoribus aurae. Mira loquar: non illa canes avidaeque volucres, non cani tetigere lupi; dilapsa liquescunt adflatuque nocent et agunt contagia late. Pervenit ad miseros damno graviore colonos pestis et in magnae dominatur moenibus urbis. Viscera torrentur primo, flammaeque latentis indicium rubor est et ductus anhelitus ingens. Aspera lingua tumet, tepidisque arentia ventis ora patent, auraeque graves captantur hiatu. Non stratum, non ulla pati velamina possunt, dura sed in terra ponunt praecordia; nec fit corpus humo gelidum, sed humus de corpore fervet. Nec moderator adest, inque ipsos saeva medentes erumpit clades, obsuntque auctoribus artes: quo propior quisque est servitque fidelius aegro, in partem leti citius venit. Utque salutis spes abiit finemque vident in funere morbi, indulgent animis et nulla, quid utile, cura est: utile enim nihil est. Passim positoque pudore fontibus et fluviis puteisque capacibus haerent, nec sitis est exstincta prius quam vita bibendo. Inde graves multi nequeunt consurgere et ipsis inmoriuntur aquis: aliquis tamen haurit et illas. Tantaque sunt miseris invisi taedia lecti: prosiliunt, aut si prohibent consistere vires, corpora devolvunt in humum: fugiuntque penates quisque suos, sua cuique domus funesta videtur, et quia causa latet, locus est in crimine parvus Semianimes errare viis, dum stare valebant, adspiceres, flentes alios terraque iacentes lassaque versantes supremo lumina motu: membraque pendentis tendunt ad sidera caeli, hic illic, ubi mors deprenderat, exhalantes. Quid mihi tunc animi fuit? an quod debuit esse, ut vitam odissem et cuperem pars esse meorum? Quo se cumque acies oculorum flexerat, illic
Enfim, chega a peste aos míseros colonos com dano mais grave, e se instala entre as muros da grande cidade. Primeiro, as vísceras queimam, e como indício da chama escondida aparece um rubor e a respiração ofegante; a língua, áspera, incha de febre, e os lábios, secos, permanecem entreabertos com o hálito quente, e inalam o ar pesado. Ninguém consegue se deitar, nem se cobrir com coberta nenhuma, mas, ao invés disso, deixam o torso nu colado ao chão. O chão, no entanto, não gela o corpo, mas ferve em contato com ele. Ninguém consegue controlar a peste, que se volta até mesmo contra os próprios médicos, e suas artes prejudicam a todos que as usam. Quanto mais perto alguém chegue e se ocupe com zelo do doente, mais rápido chega mais perto da morte, até que a esperança de salvação vai embora e eles veem o fim na presença da morte, entregam-se a ela de espírito, pois não há cuidado que ajude: nada pode ajudar. Por tudo, abandonado o pudor, abraçam-se a fontes e rios e vastos poços, bebendo, mas a sede não se vai antes mesmo que a vida. E desses, pesados, muitos não podem sequer levantar-se, morrendo ali mesmo na água, enquanto outros bebem até mesmo da água infestada de morte. E a uns míseros tão grande é o horror de seu leito odiento que saltam para longe, ou então, se lhes faltam as forças para mesmo sentar-se, rolam seus corpos ao chão. Fogem até de suas casas, pois a cada um deles até a própria casa parece funesta, já que, faltando uma causa, o local é o crime. Poderias ver uma parte errante semimorta pelas ruas, enquanto ainda pudessem manter-se de pé, e outra parte chorando jazendo na terra e volvendo os olhares cansados com último esforço, lançando os membros às estrelas do céu que lhes cobre, aqui e ali, onde a morte os detecta, exalando um suspiro final.
O que então se passou em minh’alma? Não deveria, como parece normal, odiar minha vida e querer fazer parte de novo dos meus? Aonde quer que a pupila dos olhos vertesse, ali se encontravam espalhados cadáveres, como
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vulgus erat stratum, veluti cum putria motis poma cadunt ramis agitataque ilice glandes. Templa vides contra gradibus sublimia longis: Iuppiter illa tenet. Quis non altaribus illis inrita tura dedit? Quotiens pro coniuge coniunx, pro gnato genitor dum verba precantia dicit, non exoratis animam finivit in aris, inque manu turis pars inconsumpta reperta est! Admoti quotiens templis, dum vota sacerdos concipit et fundit purum inter cornua vinum, haud exspectato ceciderunt vulnere tauri! Ipse ego sacra Iovi pro me patriaque tribusque cum facerem natis, mugitus victima diros edidit et subito conlapsa sine ictibus ullis exiguo tinxit subiectos sanguine cultros. Exta quoque aegra notas veri monitusque deorum perdiderant: tristes penetrant ad viscera morbi. Ante sacros vidi proiecta cadavera postes, ante ipsas, quo mors foret invidiosior, aras. Pars animam laqueo claudunt mortisque timorem morte fugant ultroque vocant venientia fata. Corpora missa neci nullis de more feruntur funeribus: neque enim capiebant funera portae. Aut inhumata premunt terras aut dantur in altos indotata rogos. Et iam reverentia nulla est, deque rogis pugnant alienisque ignibus ardent. Qui lacriment, desunt; indefletaeque vagantur matrumque nuruumque animae iuvenumque senumque: nec locus in tumulos, nec sufficit arbor in ignes. Attonitus tanto miserarum turbine rerum, “Iuppiter o!” dixi “si te non falsa loquuntur dicta sub amplexus Aeginae Asopidos isse, nec te, magne pater, nostri pudet esse parentem, aut mihi redde meos aut me quoque conde sepulcro.” Ille notam fulgore dedit tonitruque secundo. “Accipio, sintque ista, precor, felicia mentis
quando as maçãs caem podres com o movimento dos galhos, ou quando do ílex agitado caem seus frutos. Vês à distância um templo sublime com degraus inúmeros: é de Júpiter. Quem foi que deixou de levar aos altares o incenso impotente? Quantas vezes um marido pela esposa, um pai por um filho, dizendo suas preces diante de altares indiferentes, não deixaram partir sua alma, encontrando-se ainda nas mãos uma parte não usada do incenso? Quantas vezes, levados aos templos para o sacrifício, enquanto o sacerdote profere seus ritos e verte ainda o vinho na fronte, entre os cornos, caíam os trouros de golpe inesperado! Quando eu mesmo exercia os ritos sagrados a Jove, em honra a mim próprio, à cidade e aos três filhos, a vítima exalou diros mugidos, e, subitamente caída sem golpe nenhum, tingiu o punhal com exíguo sangue. Até mesmo as entranhas doentes perderam os sinais da verdade e os avisos divinos: a moléstia penetra até mesmo nas vísceras tristes. E eu vi, perante as colunas sagradas, cadáveres espalhados. Diante dos próprios altares, a fim que sua morte fosse ainda mais odiosa. Alguns botam fim à existência com o garrote, afastando seu medo da morte com a própria morte, invocando no além seu destino já próximo. Os corpos levados da morte não são levados aos usuais ritos fúnebres (pois os muros nem mesmo comportariam tantos funerais): ou, inumados, pressionam a terra, ou, indotados, são lançados em altas piras fúnebres; e já não há reverência alguma, e se luta por piras, e se queima em pira de outrem. Faltavam os que chorassem, e as almas vagavam inveladas de filhos, demais, de jovens, de velhos. Já não havia lugar para covas nem lenha pras piras.
Atônito com tal enorme turbilhão de coisas miseráveis, “Ó Júpiter,” eu disse, “se não dizem mentira que fostes amante de Egina Eópida, e se não, grande pai, te envegonhas de ser nosso pai, ou os meus me devolve, ou me enfia também num sepulcro!” E ele deu um sinal com um raio e depois um trovão favorável. “Reconheço e oro que sejam felizes estes sinais de tua mente!”, eu disse, e “O augúrio que dás eu o tomo tal fosse promessa.” Por acaso ali perto havia um carvalho frondoso de galhos bastante espalhados,
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signa tuae” dixi. “Quod das mihi, pigneror omen.”
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Forte fuit iuxta patulis rarissima ramis sacra Iovi quercus de semine Dodonaeo: hic nos frugilegas adspeximus agmine longo grande onus exiguo formicas ore gerentes rugosoque suum servantes cortice callem. Dum numerum miror, “totidem, pater optime” dixi, “tu mihi da cives et inania moenia supple.” Intremuit ramisque sonum sine flamine motis alta dedit quercus. Pavido mihi membra timore horruerant, stabantque comae. Tamen oscula terrae roboribusque dedi; nec me sperare fatebar: sperabam tamen atque animo mea vota fovebam. Nox subit, et curis exercita corpora somnus occupat: ante oculos eadem mihi quercus adesse et ramos totidem totidemque animalia ramis ferre suis visa est pariterque tremiscere motu graniferumque agmen subiectis spargere in arvis; crescere quod subito et maius maiusque videri ac se tollere humo rectoque adsistere trunco et maciem numerumque pedum nigrumque colorem ponere et humanam membris inducere formam. Somnus abit: damno vigilans mea visa querorque in superis opis esse nihil. At in aedibus ingens murmur erat, vocesque hominum exaudire videbar iam mihi desuetas. Dum suspicor has quoque somni esse, venit Telamon properus, foribusque reclusis “speque fideque, pater” dixit, “maiora videbis: egredere!” Egredior, qualesque in imagine somni visus eram vidisse viros, ex ordine tales adspicio noscoque. Adeunt regemque salutant. Vota Iovi solvo populisque recentibus urbem partior et vacuos priscis cultoribus agros, Myrmidonasque voco, nec origine nomina fraudo. Corpora vidisti; mores quos ante gerebant,
consagrado a Jove e de semente Dodônea185 ; ali avistamos em longa fileira formigas frugíferas portando com bocas pequenas uns fardos enormes, seguindo um caminho no caule rugoso. Enquanto eu me maravilhava com o seu número, “A mesma quantidade, ótimo pai”, eu disse, “dê-me em cidadãos e preenche as muralhas inanes!” Retumbou e com o movimento dos ramos ressoa nos ares imóveis de vento o enorme carvalho: meus membros se horrorizaram com medo terrível, os cabelos se arrepiaram; contudo, beijei a terra e o carvalho. Confesso que não tinha esperanças, mas ainda assim esperava e aumentava meus votos no espírito. A noite subia, e o sono tomava os corpos tomados de preocupações: diante dos olhos ao mesmo tempo vi aparecer o mesmo carvalho e, com tantos ramos quanto o outro, e com tantos animais carregados pelos mesmos ramos, e o vi tremer com movimento semelhante e espargir a coluna granífera nos campos abaixo. Pareceram crescer e ficarem cada vez maiores, e levantarem do chão, e ficarem com troncos eretos, e perderem a fragilidade, o número de pés e a cor negra, e tomar forma humana em seus membros. O sono se vai: acordado, não dou importância às visões e reclamo não haver nos excelsos ajuda nenhuma; mas enorme rumor no palácio se ouvia, e me parecia ouvir vozes de homens já há muito a mim desacostumadas; enquanto suspeito que essas também são um sonho, vem Telamon se apressando, e, com as portas abertas, “esperança e confiança, pai”, disse, “maiores verás: vem para fora!” Eu saio, e exatamente conforme a imagem no sonho parecera ter visto dos homens, na mesma ordem as vejo e as reconheço: apresentam-se e saúdam ao rei. Dou preces a Jove e ao povo recente reparto a cidade e os campos esvaziados dos priscos cultores, e os chamo Mirmídones186 para que não os nomeie com fraude. Já vistes os corpos; os costumes que antes possuíam, agora também os portavam; é um povo frugal e paciente com os trabalhos, devotado em buscar os seus bens e manter esses bens com prudência. Esses te seguirão às guerras parelhos em anos e espírito, tão logo o vento leste, este que felizmente te trouxe até aqui” (pois de fato o vento leste o trouxera) “alterarse e virar vento sul”.
185 Dodona, no Épiro, fonte da semente que gerou o carvalho, cidade distante e de culto importante a Júpiter, auxilia em sua caracterização extraordinária (cf. Anderson, p. 308). 186 A partir de μύρμηξ, “formiga”.
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nunc quoque habent: parcum genus est patiensque laborum quaesitique tenax et quod quaesita reservet. Hi te ad bella pares annis animisque sequentur, cum primum qui te feliciter attulit, eurus” 660 (eurus enim attulerat) “fuerit mutatus in austros.” Cephalus et Procris
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Talibus atque aliis longum sermonibus illi implevere diem. Lucis pars ultima mensae est data, nox somnis. Iubar aureus extulerat Sol (flabat adhuc eurus redituraqua vela tenebat): ad Cephalum Pallante sati, cui grandior aetas, ad regem Cephalus simul et Pallante creati conveniunt. Sed adhuc regem sopor altus habebat. Excipit Aeacides illos in limine Phocus: nam Telamon fraterque viros ad bella legebant. Phocus in interius spatium pulchrosque recessus Cecropidas ducit, cum quis simul ipse resedit. Adspicit Aeoliden ignota ex arbore factum ferre manu iaculum, cuius fuit aurea cuspis. Pauca prius mediis sermonibus ille locutus “sum nemorum studiosus” ait “caedisque ferinae: qua tamen e silva teneas hastile recisum, iamdudum dubito. Certe si fraxinus esset, fulva colore foret; si cornus, nodus inesset. Unde sit, ignoro. Sed non formosius isto viderunt oculi telum iaculabile nostri.” Excipit Actaeis e fratribus alter, et “usum maiorem specie mirabere” dixit “in isto. Consequitur quodcumque petit, fortunaque missum non regit, et revolat nullo referente cruentum.” Tum vero iuvenis Nereius omnia quaerit, cur sit et unde datum, quis tanti muneris auctor. Quae petit, ille refert. Sed enim (narrare pudori est!),
Céfalo e Prócris E eles preencheram o longo dia com tais discursos e ainda mais outros. A última parte do dia foi dada aos banquetes, a noite ao sono. O áureo Sol extinguira sua radiância, mas o vento leste ainda soprava e impedia o retorno dos homens às velas: a prole de Palante vem até Céfalo, que era mais velho que eles, e Céfalo vem junto com os nascidos de Palante a ter com o rei, mas ainda alto sono o tomava. Foco, filho de Éaco, os recebe na porta; pois Telamon e o irmão elegiam soldados para a guerra. Foco conduz os cecrópides a um espaço interior em belos aposentos, e junto deles se senta. E vê que o eólida porta uma lança feita a mão de ignota madeira, cuja ponta era feita de ouro. Tendo ele falado primeiro umas coisas em convivial discurso, “sou um aficcionado dos bosques,” diz, “e de caças ferinas; no entanto pergunto-me de qual madeira tua lança foi feita: se de freixo, decerto seria de cor amarela; se de cornus187, eu veria seus nódulos. De onde seja, ignoro, mas os nossos olhos jamais encontraram uma lança para o arremesso mais bela que esta.” Tomou a palavra um dos irmãos atenienses e “ficarás mais maravilhado com o uso que com a beleza”, disse, “acerta o que quer que ela busque, não sendo a fortuna que a rege, e voa de volta sangrenta sem que ninguém a carregue.” Então, de fato, o jovem nereide188 quer tudo saber, por que seja assim e de onde tenha vindo, e quem tenha sido o autor de um tão egrégio presente. O que o pudor aguentou ele narra e o restante das coisas, mas a que preço ganhou, sobre isso se cala e, tocado da dor da esposa perdida, assim fala com nascentes lágrimas: “esta arma, filho da deusa, (quem pode crer?) faz-me chorar e fará por muito tempo, se os fados nos derem longamente viver; ela foi perdição para mim e minha cara esposa: oxalá carecesse sempre desse presente!
187 Trata-se de uma espécie de árvore da família cornácea. 188 Foco era filho da ninfa nereide Psámate com Éaco, e seus dois irmãos, Telamon e Peleu, eram filhos de uma mulher, Endeide, filha de Sciron, e a inveja destes levou ao assassinato de Foco (cf. Apolodoro, 3.12.6.6-11 e Anderson, p. 313).
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qua tulerit mercede silet; tactusque dolore coniugis amissae lacrimis ita fatur obortis: 690
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“Hoc me, nate dea, (quis possit credere?) telum flere facit facietque diu, si vivere nobis fata diu dederint. Hoc me cum coniuge cara perdidit: hoc utinam caruissem munere semper! Procris erat (si forte magis pervenit ad aures Orithyia tuas, raptae soror Orithyiae), si faciem moresque velis conferre duarum, dignior ipsa rapi. Pater hanc mihi iunxit Erechtheus, hanc mihi iunxit amor. Felix dicebar eramque. Non ita dis visum est, aut nunc quoque forsitan essem. Alter agebatur post sacra iugalia mensis, cum me cornigeris tendentem retia cervis vertice de summo semper florentis Hymetti lutea mane videt pulsis Aurora tenebris invitumque rapit. Liceat mihi vera referre pace deae. Quod sit roseo spectabilis ore, quod teneat lucis, teneat confinia noctis, nectareis quod alatur aquis, ego —Procrin amabam: pectore Procris erat, Procris mihi semper in ore. Sacra tori coitusque novos thalamosque recentes primaque deserti referebam foedera lecti. Mota dea est et “siste tuas, ingrate, querellas: Procrin habe!” dixit. “Quodsi mea provida mens est, non habuisse voles.” Meque illi irata remisit. Dum redeo mecumque deae memorata retracto, esse metus coepit, ne iura iugalia coniunx non bene servasset. Facies aetasque iubebat credere adulterium; prohibebant credere mores. Sed tamen afueram, sed et haec erat unde redibam, criminis exemplum, sed cuncta timemus amantes. Quaerere quod doleam statuo donisque pudicam sollicitare fidem. Favet huic Aurora timori inmutatque meam (videor sensisse) figuram. Palladias ineo non cognoscendus Athenas ingrediorque domum. Culpa domus ipsa carebat
Era Prócris, mas se talvez Orítia tenha chegado às tuas orelhas – ela era a irmã da raptada Orítia –; contudo, se comparasses a beleza e os costumes das duas, muito mais digna de ser raptada era ela que a irmã! Seu pai Erecteu a mim a uniu, e a uniu a mim o Amor: diziam que eu era feliz e eu era, mas assim não quiseram os deuses, pois do contrário talvez ainda fosse. Passavase o segundo mês após as núpcias sagradas, quando a mim, preparando armadilhas aos cervos cornígeros, do pico do sempre florescente Himeto, de manhã vê a Aurora da cor do açafrão, tendo as trevas extinto, e, contra a minha vontade, me rapta. Que me seja permitido falar a verdade sem ofender a essa deusa: ainda que seja formosa com o róseo semblante, e ainda que controle a luz e os confins da noite, inda que beba das águas nectáreas, eu a Prócris amava; no peito só Prócris restava, de minha boca só Prócris pendia. Eu alegava a união sagrada da cama e do coito e os recém-contraídos tálamos e os laços do leito agora desertos: comoveu-se a deusa e “deixa as tuas, ingrato, querelas; tenha Prócris!”, disse, “se meu espírito pode mesmo prever, desejarás não tê-la possuído.” E, irada, mandou-me de volta para ela.
Quando retorno e comigo relembro as palavras da deusa, começo a temer que a esposa não tenha mantido tão bem os votos conjugais: a feição e a idade forçavam-me a crer no adultério, mas proibiam os costumes a crença; contudo, como eu havia ficado por longo tempo ausente, e como também aquela de onde eu voltava era exemplo de crime, nós todos, amantes, sempre tememos. Decido testar, o que muito me dói, com presentes, a fidelidade pudica; Aurora mesma auxilia nesse meu temor e altera (pareço sentir) a minha feição. Então chego a Atenas de Palas irreconhecível e adentro a minha morada; à própria casa faltava qualquer sinal de culpa e dava a esposa sinais de ansiedade do rapto do dono: com dificuldade a aproximação à Eréctida se fez com mil dolos. Quando eu a vi obnubilada estremeço, e até quase desisto de tentar sua fidelidade; foi muito difícil conter-me e não
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castaque signa dabat dominoque erat anxia rapto: vix aditus per mille dolos ad Erechthida factus. Ut vidi, obstipui meditataque paene reliqui temptamenta fide. Male me, quin vera faterer, continui, male, quin, ut oportuit, oscula ferrem. Tristis erat (sed nulla tamen formosior illa esse potest tristi) desiderioque calebat coniugis abrepti. Tu conlige, qualis in illa, Phoce, decor fuerit, quam sic dolor ipse decebat. Quid referam, quotiens temptamina nostra pudici reppulerint mores, quotiens “ego” dixerit “uni servor; ubicumque est, uni mea gaudia servo!” Cui non ista fide satis experientia sano magna foret? Non sum contentus et in mea pugno vulnera, dum census dare me pro nocte loquendo muneraque augendo tandem dubitare coegi. Exclamo: “Male (fictor adest!), male fictus adulter verus eram coniunx! me, perfida, teste teneris!” Illa nihil. Tacito tantummodo victa pudore insidiosa malo cum coniuge limina fugit; offensaque mei genus omne perosa virorum montibus errabat, studiis operata Dianae. Tum mihi deserto violentior ignis ad ossa pervenit. Orabam veniam et peccasse fatebar et potuisse datis simili succumbere culpae me quoque muneribus, si munera tanta darentur.
revelar quem eu era; muito difícil não tentar beijá-la, como eu deveria ter feito. Estava triste (e contudo nenhuma outra seria mais bela que ela em tristeza) e sofria saudades do esposo roubado: imagine, Foco, quão grande decoro mostrava, como a dor mesma assim a adornava! Que posso dizer? Quantas vezes seu comportamento pudico quase afastou nossas provas, quantas vezes “eu”, dizia, “me guardo a um só; onde quer que ele esteja, guardo meus gozos a ele.” A quem, em sã consciência, tal prova de fidelidade não seria grande o bastante? Mas não me contento e luto a ferir a mim mesmo, até que, já decidido a dar-lhe fortuna em troca de uma só noite, com discursos por fim a forcei a duvidar. Vencedor, exclamo, terrível: “Sou, malvada, um falso adúltero! Eu sou, na verdade, o marido! Pérfida, foste derrotada em meu teste.” E ela, nada; de tal modo vencida em quieto pudor ela foge da casa insidiosa do cônjuge mau. Com ódio de mim e também detestando a espécie dos homens inteira, erra em meio às montanhas, a executar devoção a Diana. Contudo um fogo inda mais violento achegou-se de mim até os ossos, depois do abandono: suplicava-lhe o perdão e confessava meu erro; confessava que até mesmo eu sucumbiria a uma culpa parelha, me fossem ofertas tamanhas riquezas. Tendo então confessado tais coisas, e vingado o ferido pudor de outrora, ela retorna e se passam em concórdia alguns doces anos; dá-me também, como se pouco tivesse sido o que me dera com seu retorno, um cão de presente, o qual, quando sua Cíntia lhe dera, “superará na corrida”, dissera, “a todos”. Dá, ao mesmo tempo, uma lança, a qual tenho, como percebes, nas mãos. Perguntas qual seja a fortuna de ambos presentes? Recebe a história e te espanta: serás tocado pela novidade do feito!
Haec mihi confesso, laesum prius ulta pudorem, redditur et dulces concorditer exigit annos. Dat mihi praeterea, tamquam se parva dedisset dona, canem munus, quem cum sua traderet illi Cynthia, “currendo superabit” dixerat “omnes.” Dat simul et iaculum, manibus quod (cernis) habemus. Muneris alterius quae sit fortuna, requiris? Accipe mirandum: novitate movebere facti.
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Carmina Laiades non intellecta priorum solverat ingeniis, et praecipitata iacebat inmemor ambagum vates obscura suarum. scilicet alma Themis non talia liquit inulta. Protinus Aoniis inmittitur altera Thebis pestis, et exitio multi pecorumque suoque rurigenae pavere feram. Vicina iuventus venimus et latos indagine cinximus agros. Illa levi velox superabat retia saltu summaque transibat positarum lina plagarum. Copula detrahitur canibus: quos illa sequentes effugit et celeri non segnior alite ludit. Poscor et ipse meum consensu Laelapa magno (muneris hoc nomen). Iamdudum vincula pugnat exuere ipse sibi colloque morantia tendit. Vix bene missus erat, nec iam poteramus, ubi esset, scire. Pedum calidus vestigia pulvis habebat, ipse oculis ereptus erat. Non ocior illo hasta nec exutae contorto verbere glandes, nec Gortyniaco calamus levis exit ab arcu. Collis apex medii subiectis inminet arvis: tollor eo capioque novi spectacula cursus, quo modo deprendi, modo se subducere ab ipso vulnere visa fera est. Nec limite callida recto in spatiumque fugit, sed decipit ora sequentis et redit in gyrum, ne sit suus impetus hosti. Inminet hic sequiturque parem similisque tenenti non tenet et vanos exercet in aera morsus. Ad iaculi vertebar opem. Quod dextera librat dum mea, dum digitos amentis addere tempto, lumina deflexi. Revocataque rursus eodem rettuleram: in medio (mirum) duo marmora campo adspicio: fugere hoc, illud captare putares. Scilicet invictos ambo certamine cursus esse deus voluit, siquis deus adfuit illis.”
O filho de Laio189 decifrara com engenho os versos que antes nenhum engenho compreendera, e jazia prostrada190 a vate obscura imémore de seus próprios mistérios: bem rápido envia-se a Tebas Beócia uma nova praga191 (decerto alma Têmis não deixa invingados tais feitos!), e muitos dos camponeses temiam a fera por sua destruição e de seus animais; nós, juventude vizinha, viemos e cercamos os largos campos com armadilhas. Mas ela, veloz, superava os perigos com ágil salto e superava até mesmo a mais alta corda das armadilhas dispostas: desatam-se as cadeias dos cães, dos quais, perseguindo, ela fugia, não mais lenta que uma ave, zombando do bando. Buscam-me em grande clamor e ao meu Lélape (era esse o nome do meu presente): já há um tempo lutava contra a corrente e girava o pescoço contra o que o prendia. Tão logo foi solto, já não sabíamos onde ele estava, e a quente poeira mostrava os vestígios das patas, mas aos olhos furtava-se a fera: uma lança não era mais rápida que ele, nem petardos lançados por vigorosa funda, nem leve flecha atirada de arco de Górtina. O topo de uma colina olha para o meio do campo: elevo-me até lá e ganho a visão da nova corrida, na qual a fera parecia ora ser presa, ora escapar da ferida do cão; e a raposa, sagaz, não foge em linha reta, mas engana a mandíbula do perseguidor em giros, a fim de diminuir o ímpeto do inimigo: este ameaça e persegue com igual vigor e, quase capturando, não captura, e exercita mordidas inanes no ar. Eu me vertia à ajuda da lança; enquanto eu a balançava com a dextra, e enquanto tento firmar os meus dedos na haste, desvio o olhar brevemente. Logo que retornei o olhar para lá, pasme!, no meio do campo eu avisto duas estátuas de mármore: pensarias que uma fugia e outra seguia. Por certo um deus quis que ambos saíssem invictos do intenso certame, se é que algum deus os tenha ajudado.” Falou até então, e depois se calou; “Mas qual é finalmente de teu dardo o crime?” Disse Foco, e assim contou ele os crimes do dardo:
189 Édipo. 190 Quando Édipo resolveu o oráculo da Esfinge, esta suicidou-se lançando-se de um precipício. 191 Ovídio não especifica o tipo de animal que passa a ser descrito com o genérico “fera”. Trata-se, como veremos adiante, de uma raposa.
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Hactenus, et tacuit. “Iaculo quod crimen in ipso est?” Phocus ait. Iaculi sic crimina reddidit ille: “Gaudia principium nostri sunt, Phoce, doloris: illa prius referam. Iuvat o meminisse beati temporis, Aeacida, quo primos rite per annos coniuge eram felix, felix erat illa marito. Mutua cura duos et amor socialis habebat; nec Iovis illa meo thalamos praeferret amori, nec, me quae caperet, non si Venus ipsa veniret, ulla erat: aequales urebant pectora flammae. Sole fere radiis feriente cacumina primis venatum in silvas iuvenaliter ire solebam. Nec mecum famuli nec equi nec naribus acres ire canes, nec lina sequi nodosa solebant: tutus eram iaculo. Sed cum satiata ferinae dextera caedis erat, repetebam frigus et umbras et quae de gelidis exibat vallibus aura. Aura petebatur medio mihi lenis in aestu, auram exspectabam, requies erat illa labori. “Aura” (recordor enim) “venias” cantare solebam, “meque iuves intresque sinus, gratissima, nostros, utque facis, relevare velis, quibus urimur, aestus.” Forsitan addiderim (sic me mea fata trahebant) blanditias plures et “tu mihi magna voluptas,” dicere sim solitus, “tu me reficisque fovesque, tu facis, ut silvas, ut amem loca sola; meoque spiritus iste tuus semper captatur ab ore.” Vocibus ambiguis deceptam praebuit aurem nescio quis, nomenque aurae tam saepe vocatum esse putat nymphae: nympham mihi credit amari. Criminis extemplo ficti temerarius index Procrin adit linguaque refert audita susurra. Credula res amor est: subito conlapsa dolore, ut mihi narratur, cecidit; longoque refecta tempore se miseram, se fati dixit iniqui, deque fide questa est; et crimine concita vano
“As alegrias foram o princípio de nossa dor, Foco: essas narrarei primeiro. Ó, Eácida, quão bom relembrar-me dos tempos felizes, quando solenemente nos primeiros anos eu era feliz com a esposa, e ela, feliz com o marido. Mútuo cuidado e amor nos tomava a nós dois, e nem os amores de Jove ela preferiria ao meu, e nenhuma mulher havia capaz de afastar-me dela, nem mesmo se a própria Vênus viesse; chamas iguais queimavam nos peitos. Tão logo o sol apontava trazendo os primeiros dos raios de luz, eu soía ir caçar como um jovem, e não levava comigo nem escudeiros, nem mesmo cavalos, nem cães de faro aguçado, nem redes nodosas; estava seguro com o dardo. Mas quando a dextra saciava-se de ferinas presas, eu buscava, em meio ao calor, o frescor e a sombra na brisa que vinha dos gélidos vales. A brisa era o que eu procurava, aplacado, em meio ao calor, a brisa esperava, a brisa, o descanso à minha fadiga. “Brisa”, recordo-me, “vem”, eu cantava, “ajuda-me e entre em meu peito, caríssima, e vem abrandar esse fogo que arde em meu peito!” E por vezes eu acrescentava (assim meus fados me traíam) blandícias inúmeras e “tu, minha enorme delícia”, eu soía dizer, “tu me refrescas e me acaricias, e fazes, como esses bosques, que eu ame isolados recantos, e este teu sopro será sempre bemvindo em meu rosto.” Não sei quem, em razão das ambíguas palavras, enganou seus ouvidos e, pensando que o nome “Brisa” por mim tantas vezes chamado fosse um nome de ninfa, acabou acreditando eu amar uma ninfa. Imediatamente o indício acidental do crime inexistente chegou até Prócris e a língua narrou os ouvidos sussurros. Crédula coisa é o amor: súbito, enchida de dor, como a mim se narrou, a esposa colapsa. Após longo tempo recobra os sentidos e reclama, ai de si, dos fados iníquos e da fidelidade e, excitada do crime vão, que não existia, temeu, temeu o nome sem corpo e sofreu como quem sofre ao descobrir uma amante real. Contudo duvida bastante, e espera, misérrima, estar enganada, e nega-se a crer nos indícios e, a não ser que ela mesma enxergasse, os delitos do marido não o fariam culpado. As próximas luzes da Aurora afastaram a noite: eu parto em busca dos bosques e, após as vitórias, “Brisa, vem”, digo, “acalmar meu labor!”, e de súbito parecia ouvir um gemido qualquer entre minhas palavras. “Vem”, contudo, “excelente!”, eu dizia, quando a folhagem caída produz novamente um estrépito e eu, agitado, pensando tratar-se de algum tipo de fera, lancei o meu dardo: era Prócris e, portando a ferida no meio do peito, “ai de mim!” grita, e quando percebo que é a voz da esposa que ouço, corri adiante,
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quod nihil est, metuit, metuit sine corpore nomen et dolet infelix veluti de paelice vera. Saepe tamen dubitat speratque miserrima falli indicioque fidem negat et, nisi viderit ipsa, damnatura sui non est delicta mariti. Postera depulerant Aurorae lumina noctem: egredior silvamque peto, victorque per herbas “Aura veni” dixi, “nostroque medere labori.” Et subito gemitus inter mea verba videbar nescio quos audisse: “veni” tamen “optima!” dicens fronde levem rursus strepitum faciente caduca sum ratus esse feram telumque volatile misi. Procris erat; medioque tenens in pectore vulnus “ei mihi” conclamat. Vox est ubi cognita fidae coniugis, ad vocem praeceps amensque cucurri. Semianimem et sparsas foedantem sanguine vestes et sua (me miserum!) de vulnere dona trahentem invenio, corpusque meo mihi carius ulnis mollibus attollo scissaque a pectore veste vulnera saeva ligo conorque inhibere cruorem, neu me morte sua sceleratum deserat, oro. Viribus illa carens et iam moribunda coegit haec se pauca loqui: “Per nostri foedera lecti perque deos supplex oro superosque meosque, per siquid merui de te bene perque manentem nunc quoque, cum pereo, causam mihi mortis, amorem, ne thalamis Auram patiare innubere nostris.” Dixit, et errorem tum denique nominis esse et sensi et docui. Sed quid docuisse iuvabat? Labitur, et parvae fugiunt cum sanguine vires. Dumque aliquid spectare potest, me spectat et in me infelicem animam nostroque exhalat in ore; sed vultu meliore mori secura videtur.” Flentibus haec lacrimans heros memorabat: et ecce Aeacus ingreditur duplici cum prole novoque milite, quem Cephalus cum fortibus accipit armis.
demente. Encontro-a quase sem vida, com as vestes esparsas sujas de sangue, tentando tirar da ferida o seu próprio presente (ai de mim). Levanto seu corpo, tão caro a mim, junto ao meu, com meus braços fracos e, rasgando as vestes, amarro em torno da seva ferida, e tento conter o cruor e, além disso, imploro que, mísera, não me abandone com a morte. Carente de forças e já moribunda, coleta as poucas que restam e diz: “por nossos laços do leito e pelos deuses te imploro, suplicante, pelos meus ancestrais, por algum amor que mereça de ti e por mim, aqui, jazente, como eu pereça, causa de minha própria morte, não permitas que Brisa ocupe o tálamo nosso!” disse, e finalmente, percebo e aprendo que o erro estava no nome. Mas de que ajudava aprender? Esvai-se, e as poucas forças restantes lhe fogem com o sangue e, enquanto ainda pode algo olhar, olha-me e exala a alma infeliz em meus lábios192. No entanto, parece morrer confortada, com apaziguada feição.”
O heroi lacrimante narrava essas coisas aos homens chorantes, e eis que Éaco entra, com a prole dupla e com seu novo exército, aos quais Céfalo recebe com suas fortes armas.
192 Ovídio joga aqui entre exhalare animam in ore e a brisa que soprava em seu rosto. Anima significa tanto “respiração” quanto “alma”.
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Tradução: Rodrigo Tadeu Gonçalves, UFPR
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Liber VIII193 Nisus et Scylla
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Niso e Cila
Iam nitidum retegente diem noctisque fugante tempora Lucifero cadit eurus, et umida surgunt nubila: dant placidi cursum redeuntibus austri Aeacidis Cephaloque, quibus feliciter acti ante exspectatum portus tenuere petitos.
Já tendo Lúcifer o dia luzente descoberto e afugentado as horas da noite, o Eurus cai, e úmidas levantam-se as nuvens: os Austros plácidos concedem o curso para o retorno dos Eácidas e para Céfalo, e pelos quais felizmente conduzidos, atingiram os portos procurados antes do esperado.194
Interea Minos Lelegeia litora vastat praetemptatque sui vires Mavortis in urbe Alcathoi, quam Nisus habet, cui splendidus ostro inter honoratos medioque in vertice canos crinis inhaerebat, magni fiducia regni.
Entrementes, Minos devasta os litorais Léleges e experimenta frequentemente as forças de sua guerra na cidade de Alcáthoos, que Niso possui, em cuja cabeça, brilhante, e em púrpura, ao meio, entre honrados cabelos brancos, uma madeixa estava fixada, fidúcia da sua grande soberania.
Sexta resurgebant orientis cornua lunae, et pendebat adhuc belli fortuna: diuque inter utrumque volat dubiis Victoria pennis.
Os sextos cornos da lua crescente se reerguiam e era incerta até então a fortuna da guerra; há muito, entre um e outro, a Vitória voa com suas asas dúbias.
Regia turris erat vocalibus addita muris, in quibus auratam proles Letoia fertur deposuisse lyram: saxo sonus eius inhaesit. Saepe illuc solita est ascendere filia Nisi
Havia uma régia torre acrescida aos muros sonoros,195 nos quais, diz-se, ter o filho de Leto depositado, a ornada lira de ouro, cujo som, na pedra, ficou fixado.196 Lá, com frequência, a filha de Niso acostumou-se a subir
193 Utilizamos quatro textos para a nossa tradução. O texto-base é o estabelecido por Hugo Magnus, editado em 1914, por Beroline, fac-simile disponível em PDF, no site http://www.archive.org/details/metamorphoseonli00oviduoft. Este texto também se encontra disponível no site do Perseus (http://www.perseus.tuft.edu/), na sua edição de 1892. o segundo texto é o estabelecido por Georges Lafaye, editado pela Les Belles Lettres de Paris, em 1970. O terceiro texto é o editado pela Einaudi de Turim, em 1994, aos cuidados de Piero Bernardini Marzolla. Esta edição, conforme diz Marzolla, é eclética, mas não foi produzida a partir de manuscritos e sim de outras edições, dentre as quais as de Lafaye, Merckel, Ehwald e do aparato crítico de Magnus. O quarto texto, mas não o menos importante, é o estabelecido por Edward J. Kenney, a partir da edição oxoniense de R. Tarrant. Há divergências entre as traduções, mas cujo estudo o espaço deste trabalho não comporta, no momento. Também utilizamos a tradução de Paulo Farmhouse Alberto, em edição não-bilíngue. Todas as referências constam da bibliografia. 194 Versos de 1 a 5. Para que se entenda o significado destes 5 primeiros versos, é necessário voltar ao Livro VII das Metamorfoses. O Livro VII tem 865 versos e apresenta uma narrativa que vai desde a chegada dos Argonautas à Cólquida até a narrativa de Céfalo sobre a morte de Prócris, sua esposa (a primeira referência a Céfalo nas Metamorfoses é no verso 681 do Livro VI, numa alusão à sua felicidade por ter sido esposo de Prócris). No Livro VII, Céfalo é citado pela primeira vez no verso 493, chegando à Enópia (Égina) da Ática, sendo recebido pelos filhos de Éaco. A missão de Céfalo é ratificar a aliança de Égina com a Ática, de modo a combater o inimigo comum, no caso Minos. Dos filhos de Éaco, apenas Foco, filho da Nereida Psamatea, encontra-se no palácio, pois Peleu e Telamon estão recrutando tropas para a guerra. É Foco quem recebe Céfalo (versos 665 e ss). Depois que Céfalo narra-lhe o próprio infortúnio de ter matado a esposa, Éaco e seus dois filhos chegam ao palácio com um novo exército e Céfalo os recebe em aliança. O início do Livro VIII trata, portanto, da volta de Céfalo de Égina com os aliados, os Eácidas, que não são necessariamente os filhos de Éaco, mas os guerreiros de Éaco, dentre os quais podem se encontrar Peleu e Telamon, dois dos seus filhos. 195 A Torre Régia é a torre construída por Alcáthoos, com a ajuda de Apolo, depois da destruição de Mégara por Minos. Como Apolo deixava a sua lira de ouro sobre uma pedra, essa pedra fixou o som do instrumento divino de tal modo que, se jogassem um seixo na pedra, ressoava um som musical. É disso que tratam os versos 14-16. 196 Observe-se a aliteração do /s/, neste verso.
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et petere exiguo resonantia saxa lapillo, tum cum pax esset: bello quoque saepe solebat spectare ex illa rigidi certamina Martis. Iamque mora belli procerum quoque nomina norat armaque equosque habitusque Cydonaeasque pharetras. Noverat ante alios faciem ducis Europaei, plus etiam, quam nosse sat est. Hac iudice Minos, seu caput abdiderat cristata casside pennis, in galea formosus erat; seu sumpserat aere fulgentem clipeum, clipeum sumpsisse decebat. Torserat adductis hastilia lenta lacertis: laudabat virgo iunctam cum viribus artem. Imposito calamo patulos sinuaverat arcus: sic Phoebum sumptis iurabat stare sagittis. Cum vero faciem dempto nudaverat aere purpureusque albi stratis insignia pictis terga premebat equi spumantiaque ora regebat, vix sua, vix sanae virgo Niseia compos mentis erat. Felix iaculum, quod tangeret ille, quaeque manu premeret, felicia frena vocabat. Impetus est illi, liceat modo, ferre per agmen virgineos hostile gradus, est impetus illi turribus e summis in Gnosia mittere corpus castra, vel aeratas hosti recludere portas, vel siquid Minos aliud velit. Utque sedebat candida Dictaei spectans tentoria regis, “laeter,” ait “doleamne geri lacrimabile bellum, in dubio est. Doleo, quod Minos hostis amanti est: sed nisi bella forent, numquam mihi cognitus esset. Me tamen accepta poterat deponere bellum obside, me comitem, me pacis pignus haberet. Si quae te peperit, talis, pulcherrime rerum, qualis es ipsa fuit, merito deus arsit in illa. O ego ter felix, si pennis lapsa per auras
e atingir com um pequeno seixinho as pedras ressonantes quando havia paz; e na guerra também, costumava, muitas vezes, de lá, observar os combates do inflexível Marte. E logo, com a demora da guerra, também conhecera os nomes dos próceres e as armas e os cavalos e as vestimentas e as aljavas Cidôneas. Aprendera a conhecer, antes dos outros, o rosto do chefe, filho de Europa,197 mais ainda do que era suficiente ter conhecido. Ela por juiz, se Minos recobrira a cabeça com um capacete de penacho em crista, era formoso no capacete; se pegara o escudo em bronze fulgente, ter pegado o escudo ficava-lhe bem. Se lançara os dardos flexíveis com os bíceps contraídos,198 a virgem louvava-lhe a arte unida às forças. Se colocada a flecha, ele curvara o largo arco, assim, jurava ela Febo estar de pé com as setas retesadas, mas desde que desnudara a face, tendo retirado o capacete de bronze e, vestido de púrpura, pressionava, com os forros coloridos,199 as ornadas costas do cavalo branco e guiava sua boca espumante, ela era, com dificuldade, senhora de si; com dificuldade, a virgem Niseia era de mente sadia. Feliz, chamava a lança, que este tocasse, e felizes as rédeas, que com sua mão pressionasse. Seu impulso é, desde que lhe seja permitido, dirigir por meio da tropa inimiga seus passos virgíneos; é o seu impulso lançar seu corpo das torres mais altas no acampamento Gnósio, ou abrir as portas brônzeas ao inimigo, ou qualquer outra coisa que Minos queira. E como estava sentada olhando as tendas brancas do rei Dicteu, disse: "É possível que eu me alegre ou sofra por se cumprir deplorável guerra? Estou em dúvida. Sofro porque Minos é o inimigo para quem o ama: mas se não foram as guerras, ele jamais me fora conhecido. Entretanto, ele podia acabar a guerra, eu sendo aceita refém, ter-me-ia por companheira, penhor da paz. Se a mãe que te pariu, ó mais belo dos seres, tal qual és, ela mesma foi, o deus ardeu pelo mérito dela.200 Ó eu mesma três vezes feliz, se com asas deslizasse pelos ares
197 Minos é filho de Europa e Zeus. 198 O sentido aqui é lançar o dardo, após haver repuxado o braço para trás e torcido o tórax. Penso na imagem do Museu Arqueológico de Atenas, de Zeus lançando o raio, tal é a paixão idealizada de Cila por Minos. 199 Sendo filho de Europa, princesa Fenícia, é natural que a cor púrpura seja a cor que Minos veste. 200 Entenda-se: se a mãe de Minos, Europa, era tão bela quanto o filho que ela deu à luz, então, Zeus ardeu de desejos pelo mérito de sua beleza.
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Gnosiaci possem castris insistere regis fassaque me flammasque meas, qua dote, rogarem, vellet emi! tantum patrias ne posceret arces. Nam pereant potius sperata cubilia, quam sim proditione potens! — Quamvis saepe utile vinci victoris placidi fecit clementia multis: iusta gerit certe pro nato bella perempto et causaque valet causamque tenentibus armis, et, puto, vincemur. Quis enim manet exitus urbem, cum suus haec illi reserabit moenia Mavors et non noster amor? Melius sine caede moraque impensaque sui poterit superare cruoris. Non metuam certe, ne quis tua pectora, Minos, vulneret imprudens. Quis enim tam durus, ut in te dirigere inmitem non inscius audeat hastam? Coepta placent, et stat sententia tradere mecum dotalem patriam finemque imponere bello. Verum velle parum est! Aditus custodia servat claustraque portarum genitor tenet: hunc ego solum infelix timeo, solus mea vota moratur. Di facerent, sine patre forem! — Sibi quisque profecto est deus: ignavis precibus Fortuna repugnat. Altera iamdudum succensa cupidine tanto perdere gauderet quodcumque obstaret amori. Et cur ulla foret me fortior? Ire per ignes et gladios ausim. Nec in hoc tamen ignibus ullis aut gladiis opus est: opus est mihi crine paterno. Illa mihi est auro pretiosior, illa beatam purpura me votique mei factura potentem.”
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Talia dicenti curarum maxima nutrix nox intervenit, tenebrisque audacia crevit. Prima quies aderat, qua curis fessa diurnis pectora somnus habet: thalamos taciturna paternos intrat et (heu facinus!) fatali nata parentem
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pudesse parar nos acampamentos do rei Gnosíaco, declarada como as minhas chamas e, por qual dote, perguntasse, quereria ser comprado! Apenas não exigisse as cidadelas pátrias. Pois desapareçam os esperados leitos nupciais, antes que eu seja capaz de comprá-los por traição! Embora muitas vezes útil ao vencido tornou-se a clemência do plácido vencedor, por muitos fatos. Certamente, tendo seu filho morrido, ele conduz guerras justas201 e não só a causa é forte, mas tendo as armas sustentado a causa estimo, seremos vencidos. Que fim, de fato, está reservado à cidade quando seu Marte abrir-lhe estas muralhas202 e não o nosso amor? Melhor se, sem massacre e sem demora e sem dispêndio de seu próprio sangue, pudera vencer. Não temera, ao menos, que teu peito, Minos, qualquer imprudente ferira. Quem, decerto, tão rude, que ouse, não ignorante, dirigir-te a cruel hasta? As intenções me agradam, e firme está a decisão de libertar comigo a pátria, levada em dote, e impor um fim à guerra. Mas na verdade, querer não é suficiente! A sentinela vigia as entradas e meu pai tem a fechadura das portas: eu mesma, infeliz, só o temo, só ele retarda minhas vontades. Fizessem os deuses eu fosse sem pai! Para si cada um certamente é deus: a Fortuna repugna as preces não virtuosas. Outra, há muito tempo, tão inflamada pelo desejo se rejubilara em destruir qualquer coisa que se opusera ao seu amor. e por que alguém seria mais forte do que eu? ir através dos fogos e dos gládios eu ousaria. No entanto, agora, de fogos ou de gládios outros não necessito: necessito da madeixa paterna. Aquela é mais preciosa que o ouro para mim; aquela, púrpura, feliz há de fazer-me e senhora do meu desejo.” Dizendo tais coisas, máxima nutriz dos tormentos amorosos, a noite sobreveio, e com as trevas a audácia cresceu. Vem o primeiro repouso, quando cansados dos trabalhos diurnos, o sono habita os corações: taciturna os tálamos paternos ela adentra e (oh! crime!) a filha espolia seu pai
201 A paixão de Cila por Minos não a deixa apenas no conflito de trair ou não o pai, ela revela-se na justificativa de que Minos move uma guerra justa por causa do filho morto, Androgeu (v. Metamorfoses, Livro VII, versos 456-458). Androgeu havia morrido no combate ao touro de Maratona, após sair vitorioso nos jogos atenienses, realizados por Egeu. Com a morte do filho, Minos prepara o ataque a Atenas, começando por tomar Mégara, graças a Cila. 202 Marte, deus da guerra, tomado metonimicamente pelo poderio bélico do rei Minos.
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crine suum spoliat praedaque potita nefanda fert secum spolium celeris progressaque porta per medios hostes (meriti fiducia tanta est) pervenit ad regem. Quem sic adfata paventem est:
da mecha fatal, e tendo apreendido o despojo ímpio leva consigo, célere, o espólio, atravessando a porta da cidade pelo meio dos inimigos (a confiança do mérito é tanta!) chega até o rei. A quem, horrorizado, falou assim:
“Suasit amor facinus. Proles ego regia Nisi Scylla tibi trado patriaeque meosque penates. Praemia nulla peto nisi te. Cape pignus amoris purpureum crinem, nec me nunc tradere crinem, sed patrium tibi crede caput.” Scelerataque dextra munera porrexit. Minos porrecta refugit turbatusque novi respondit imagine facti: “Di te summoveant, o nostri infamia saecli, orbe suo, tellusque tibi pontusque negetur. Certe ego non patiar Iovis incunabula, Creten, qui meus est orbis, tantum contingere monstrum.”
"O amor aconselhou o crime. Eu, prole régia de Niso, Cila, a ti entrego tanto os meus penates quanto os da minha pátria.203 Não peço quaisquer prêmios, exceto tu. Toma como penhor do amor a madeixa púrpura, e confia, agora, não eu entregar-te a madeixa mas a cabeça pátria". E na mão direita os criminosos dons estendeu. Minos, estendidos os presentes, recuou e, perturbado, respondeu à visão de fato sem precedente: "Os deuses, ó infâmia de nosso século, te mantenham longe do seu orbe e sejam-te negados o mar e a terra. Eu, certamente, não permitirei o berço de Jove, Creta,204 que é meu mundo, tamanho monstro atingir."
Dixit, et ut leges captis iustissimus auctor hostibus imposuit, classis retinacula solvi iussit et aeratas impelli remige puppes. 105
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Scylla freto postquam deductas nare carinas nec praestare ducem sceleris sibi praemia vidit, consumptis precibus violentam transit in iram, intendensque manus, passis furibunda capillis, “quo fugis” exclamat, “meritorum auctore relicta, o patriae praelate meae, praelate parenti? Quo fugis, inmitis? cuius victoria nostrum et scelus et meritum est. Nec te data munera, nec te noster amor movit, nec quod spes omnis in unum te mea congesta est? Nam quo deserta revertar? In patriam? Superata iacet. Sed finge manere: proditione mea clausa est mihi. Patris ad ora? Quem tibi donavi! Cives odere merentem, finitimi exemplum metuunt: exponimur orbae,
Disse, e assim que sua justíssima autoridade aos capturados inimigos impôs leis, soltou as amarras da frota e ordenou as popas brônzeas serem impelidas a remo. Cila, depois que viu as carinas postas ao mar com o nariz na água e o chefe não proporcionar-lhe os prêmios do crime, mudou-se em ira violenta, consumidas as preces, e estendendo as mãos, furibunda, tendo desfeito os cabelos, exclama "por que foges, tendo abandonado a autora de teus méritos, ó tu, preferível à minha pátria, preferível ao meu pai? Por que foges, cruel, cuja vitória é nosso crime e nosso mérito? Nem os presentes dados a ti, nem o nosso amor te comoveram, nem que toda a minha esperança está depositada só em ti? Com efeito, aonde abandonada retornarei? À pátria? Ela jaz vencida. Mas finge permanecer a minha pátria de pé: pela minha traição ela está fechada para mim. Às faces do meu pai?205 Que eu presenteei a ti! Os cidadãos odeiam-me, eu merecendo; os vizinhos temem o meu exemplo: órfãs, fomos expulsas,
203 Cila só é nomeada a partir do verso 91. 204 Segundo a tradição hesiódica, Zeus nasceu em Creta, para fugir à devoração do pai, Cronos (Teogonia, versos 474-480) 205 Muito se discute a respeito da morte de Niso por Cila. Acredito que este verso desfaça as dúvidas. Cila não pode voltar para diante do rosto do pai, pois ela ofereceu a Minos não só a mecha do cabelo, mas a cabeça inteira do pai. Ao mesmo tempo, note-se que o discurso de Cila tem nítida ressonância do discurso de Dido abandonada por Eneias (Eneida, Livro IV, versos 305-330).
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terrarum nobis ut Crete sola pateret. Hac quoque si prohibes et nos, ingrate, relinquis, non genetrix Europa tibi ea, sed inhospita Syrtis, Armeniae tigres austroque agitata Charybdis. Nec Iove tu natus, nec mater imagine tauri ducta tua est (generis falsa est ea fabula !): verus et ferus et captus nullius amore iuvencae, qui te progenuit, taurus fuit. Exige poenas, Nise pater! gaudete malis, modo prodita, nostris moenia! nam fateor, merui et sum digna perire. Sed tamen ex illis aliquis, quos impia laesi, me perimat. Cur, qui vicisti crimine nostro, insequeris crimen? Scelus hoc patriaeque patrique, officium tibi sit. Te vere coniuge digna est, quae torvum ligno decepit adultera taurum discordemque utero fetum tulit. Ecquid ad aures perveniunt mea dicta tuas? An inania venti verba ferunt idemque tuas, ingrate, carinas? Iam iam Pasiphaen non est mirabile taurum praeposuisse tibi: tu plus feritatis habebas. Me miseram! properare iubet, divulsaque remis unda sonat; mecumque simul mea terra recedit. Nil agis, o frustra meritorum oblite meorum: insequar invitum, puppimque amplexa recurvam per freta longa trahar.” Vix dixerat, insilit undis consequiturque rates, faciente cupidine vires, Gnosiacaeque haeret comes invidiosa carinae.
das nossas terras de forma que apenas Creta a nós está aberta. Se esta também nos proíbes, ingrato, e nos abandonas, não é aquela Europa de ti geradora, mas a Sirte inóspita,206 as tigresas Armênias e Caríbdis agitada pelo Austro.207 Nem tu nasceste de Jove, nem tua mãe pela imagem do touro 208 foi atraída (aquela fábula de tua origem é falsa!): feroz e pelo amor de nenhuma novilha cativo, quem te gerou foi um touro verdadeiro. Exige penas, Niso, meu pai! Rejubilai-vos com os nossos males, ó muralhas há pouco traídas! Com efeito, confesso, mereci e sou digna de morrer. Mas que algum daqueles, que, ímpia, eu feri, me mate. Por que, tu que venceste por nosso crime, persegues o crime? Este crime contra minha pátria e contra meu pai, seja um serviço a ti prestado. Em verdade, é digna de ter por esposo a adúltera que enganou o torvo touro com madeira 209 e portou no útero o feto discorde. De algum modo às tuas orelhas chegam as minhas palavras? Ou os ventos igualmente levam as minhas inúteis palavras e teus navios, ingrato? Agora já não é de admirar Pasífae o touro ter preferido a ti: tu tinhas modos mais selvagens. Mísera de mim! ele ordena apressar-se, rasgada pelos remos a onda ressoa; e, ao mesmo tempo, minha terra se distancia comigo. Nada obténs em resultado, ó tu esquecido, sem razão, dos meus serviços: Eu seguirei abraçada, à tua revelia, à popa recurva, e pelos longos mares serei arrastada.” Apenas dissera, lança-se nas ondas e perseguindo os navios, com o desejo criando as forças, companheira odiosa, e agarra-se firmemente ao Gnosíaco navio.
Quam pater ut vidit (nam iam pendebat in aura et modo factus erat fulvis haliaeetus alis), ibat, ut haerentem rostro laceraret adunco.
Quando o pai a viu (pois já se encontrava suspenso no ar há pouco fora transformado em águia marinha, de asas fulvas),210 lançava-se em sua direção, pendurada, para lacerá-la com o bico adunco.
206 As sirtes são bancos de areia, situados no norte da África, entre a Tunísia e a Líbia. 207 Este lamento de Cila é semelhante ao de Dido contra Eneias, no Livro IV da Eneida (versos 365-367). Observe-se o trocadilho com o nome da personagem Cila e o monstro Cila, evocado pela presença de Caríbdis. O monstro Cila, misto de mulher e cães, habitava uma caverna no estreito de Messina e devorava os marinheiros que por ali passavam. Caríbdis era um redemoinho, situado ao outro lado do estreito, que tragava os barcos para dentro dele. De tal modo que era impossível escapar aos dois, ao mesmo tempo. Quem se livrava de um, caía no outro (v. Odisseia, Canto XII, versos 73-126; 222-262; 426-450). 208 Note-se que as reiteradas imagens envolvendo touro já adiantam o próximo episódio com o Minotauro. 209 Trata-se de uma referência a Pasífae, esposa de Minos, que entra numa vaca feita de madeira, por Dédalo, para atrair um touro por que se apaixonara e, assim, gerar o Minotauro. Aqui, com mais clareza, já a referência ao episódio seguinte deste Livro VIII. 210 Aqui se dá a primeira transformação do episódio. Mesmo tendo sido morto por Cila, Niso é transformado pelos deuses em águia marinha e passará a persegui-la.
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Illa metu puppim dimisit, et aura cadentem sustinuisse levis, ne tangeret aequora, visa est. Pluma fuit: plumis in avem mutata vocatur ciris, et a tonso est hoc nomen adepta capillo. Labyrinthus. Ariadnes corona Vota Iovi Minos taurorum corpora centum solvit, ut egressus ratibus Curetida terram contigit, spoliis decorata est regia fixis.
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Creverat opprobrium generis, foedumque patebat matris adulterium monstri novitate biformis. Destinat hunc Minos thalamo removere pudorem multiplicique domo caecisque includere tectis. Daedalus ingenio fabrae celeberrimus artis ponit opus turbatque notas et lumina flexu ducit in errorem variarum ambage viarum. Non secus ac liquidis Phrygius Maeandrus in undis ludit et ambiguo lapsu refluitque fluitque occurrensque sibi venturas adspicit undas, et nunc ad fontes, nunc ad mare versus apertum incertas exercet aquas: ita Daedalus implet innumeras errore vias. Vixque ipse reverti ad limen potuit: tanta est fallacia tecti. Quo postquam geminam tauri iuvenisque figuram clausit, et Actaeo bis pastum sanguine monstrum tertia sors annis domuit repetita novenis, utque ope virginea nullis iterata priorum ianua difficilis filo est inventa relecto,
Ela, com medo, soltou a popa e, caindo, o ar leve pareceu tê-la sustentado, para que não tocasse a superfície da água. Ganhou penas: mudada em ave com plumas chama-se Círis, e este nome obteve tendo cortado o cabelo do pai.211 O Labirinto. A Coroa de Ariadne Minos cumpre os votos a Jove, os corpos de cem touros,212 tão logo desembarcou com os navios, assim que a terra Curétida atingiu; tendo fixado os espólios, o palácio real foi decorado. Nascera o opróbrio da família e era evidente o vergonhoso adultério da mãe pela novidade do monstro biforme.213 Minos decide afastar esta vergonha para o seu tálamo e encerrá-lo numa habitação de múltiplos desvios e tetos privados de luz. Dédalo, celebérrimo pelo talento da arte engenhosa, constrói a obra e confunde os sinais e os olhos com a sinuosidade, conduz ao erro na ambiguidade dos vários caminhos. E não de outro modo o Frígio Meandro nas ondas límpidas214 brinca e com seu escoamento ambíguo tanto flui, quanto reflui, e correndo adiante de si olha em direção às ondas vindouras, e ora em direção às suas fontes, ora voltado para o mar aberto inquieta as águas incertas: assim Dédalo enche inúmeras vias com o erro. E com dificuldade ele próprio retornar pôde à entrada: tamanho é o artifício da habitação. Depois que naquele lugar a figura gêmea de jovem e touro
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enclausurou, e por duas vezes o monstro alimentou-se com o sangue Acteu,
o terceiro sorteio, repetido a cada nove anos, o venceu, e quando pela ajuda virgínia, por nenhum dos anteriores repetido,216 o difícil caminho foi encontrado, tendo o fio sido recolhido,
211 Ciris, is, garça branca de poupa. 212 A partir do verso 152, vemos o início de um novo episódio, agora envolvendo Teseu, o Minotauro e Ariadne. Esse episódio está entrelaçado ao anterior tanto pelo fato de que Minos é a figura principal do desejo de Cila, e na sua ira a moça se refere ao Minotauro, quanto pelo tema de traição ao pai. No caso, Ariadne trai o pai, com uma traição mais amena do que a de Cila, não consistindo em uma híbris. 213 O opróbrio da família, o monstro biforme era o Minotauro, nascido do adultério de Pasífae com um touro. 214 Ovídio compara o labirinto construido por Dédalo às sinuosidades do rio Meandro, que ele coloca na Frígia, região mais ao norte, em relação à Lídia. 215 Para pôr fim à guerra contra Atenas (Acte), Minos exige, a cada nove anos, o sacrifício de catorze jovens atenienses, sete moças e sete rapazes, designados por sorteio, para alimentar o Minotauro. Este era o pesado pagamento ateniense pela morte de seu filho Androgeu. 216 Ope uirginea, pela ajuda de uma virgem, entenda-se, por Ariadne, filha de Minos.
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protinus Aegides rapta Minoide Diam vela dedit comitemque suam crudelis in illo litore destituit. Desertae et multa querenti amplexus et opem Liber tulit; utque perenni sidere clara foret, sumptam de fronte coronam inmisit caelo. Tenues volat illa per auras dumque volat, gemmae nitidos vertuntur in ignes consistuntque loco specie remanente coronae, qui medius Nixique genu est anguemque tenentis. Daedalus et Icarus. Perdix
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o filho de Egeu, tendo raptado a filha de Minos, sem interrupção 217 dirigiu as velas a Dia e sua companheira, o cruel, naquele litoral abandonou. À abandonada, enquanto muito se queixava, Líber tanto a abraçou, quanto levou-lhe ajuda; e para que ela fosse ilustre, em constelação perene, a coroa tomada de sua fronte lançou ao céu. Ela voa pelos tênues ares e enquanto voa, as gemas são mudadas em fogos brilhantes 218 e se mantêm firme, em local permanente, com aspecto de coroa, no meio entre o joelho de Nixo e o do que segura a serpente.219 Dédado e Ícaro. Pérdix
Daedalus interea Creten longumque perosus exsilium tactusque loci natalis amore clausus erat pelago. “Terras licet” inquit “et undas obstruat: at caelum certe patet; ibimus illac. Omnia possideat, non possidet aera Minos.”
Entrementes, Dédalo, que detesta Creta e o longo exílio, e tocado pelo amor da terra natal estava enclausurado pelo mar. "Ainda que as terras e as ondas" disse "ele obstrua, mas o céu, certamente, está aberto; vamos por ali. Ainda que possua todas as coisas, Minos não possui o ar."
Dixit et ignotas animum dimittit in artes naturamque novat. Nam ponit in ordine pennas, a minima coeptas, longam breviore sequenti, ut clivo crevisse putes. Sic rustica quondam fistula disparibus paulatim surgit avenis. Tum lino medias et ceris adligat imas, atque ita compositas parvo curvamine flectit, ut veras imitetur aves. Puer Icarus una stabat et, ignarus sua se tractare pericla, ore renidenti modo, quas vaga moverat aura, captabat plumas, flavam modo pollice ceram mollibat lusuque suo mirabile patris impediebat opus. Postquam manus ultima coepto imposita est, geminas opifex libravit in alas ipse suum corpus motaque pependit in aura.
Disse e abandona o espírito em artes desconhecidas e inova a natureza. Assim, ele põe em ordem penas, começadas pela menor, com a mais curta seguindo a longa, para que consideres ter crescido em aclive. Assim, um dia, a rústica flauta surge paulatinamente com as canas desiguais. Então, com fio prende as médias e com ceras as mais baixas, e dessa forma ordenadas, dobra-as com pouca curvatura, para que imite as verdadeiras aves. O menino Ícaro mantinha-se junto e, ignorando tocar os perigos para si, ora, com rosto sorridente, que a brisa inconstante movera, buscava apanhar as plumas, ora com o polegar a cera amarelada amolecia e com sua diversão atrapalhava do pai a admirável obra. Depois que à empresa a última mão foi aplicada, o artífice equilibrou em asas gêmeas seu próprio corpo e ficou suspenso no ar agitado.
Instruit et natum “medio” que “ut limite curras,
E também instrui o filho e diz: "que percorras no limite médio,
217 O filho de Egeu é Teseu. A Minoide é Ariadne, filha de Minos. 218 Trata-se das pedras preciosas que ornamentam a coroa feita por Hefestos para Ariadne, de modo que Dionisos desse de presente à amada. As pedras da coroa se transformam em astros cintilantes, que compõem a constelação Coroa de Ariadne. 219 Nixo é o Ajoelhado, o herói Hércules; o que segura a serpente é Ofiúco. Referência a duas constelações.
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Icare,” ait “moneo, ne, si demissior ibis, unda gravet pennas, si celsior, ignis adurat. Inter utrumque vola. Nec te spectare Booten aut Helicen iubeo strictumque Orionis ensem: me duce carpe viam.” Pariter praecepta volandi tradit et ignotas umeris accommodat alas. Inter opus monitusque genae maduere seniles, et patriae tremuere manus. Dedit oscula nato non iterum repetenda suo, pennisque levatus ante volat comitique timet, velut ales, ab alto quae teneram prolem produxit in aera nido, hortaturque sequi damnosasque erudit artes et movet ipse suas et nati respicit alas. Hos aliquis tremula dum captat harundine pisces, aut pastor baculo stivave innixus arator vidit et obstipuit, quique aethera carpere possent credidit esse deos. Et iam Iunonia laeva parte Samos (fuerant Delosque Parosque relictae), dextra Lebinthos erat fecundaque melle Calymne, cum puer audaci coepit gaudere volatu deseruitque ducem caelique cupidine tractus altius egit iter. Rapidi vicinia solis mollit odoratas, pennarum vincula, ceras. Tabuerant cerae: nudos quatit ille lacertos, remigioque carens non ullas percipit auras, oraque caerulea patrium clamantia nomen excipiuntur aqua: quae nomen traxit ab illo. At pater infelix, nec iam pater, “Icare,” dixit, “Icare,” dixit “ubi es? qua te regione requiram?” “Icare” dicebat: pennas adspexit in undis devovitque suas artes corpusque sepulcro
advirto-te, Ícaro, para que, se fores muito baixo, não pese a onda as penas; se muito alto, o fogo não as queime. Voa no meio de um e de outro. Não olhar o Boieiro ou a Grande Ursa te ordeno, e olhar a espada nua de Órion: 220 tendo-me por guia, percorre o caminho." Ao mesmo tempo que os preceitos de voar ensina, ajusta-lhe as asas desconhecidas sobre os ombros. Entre o trabalho e os conselhos, molharam-se as velhas faces, e tremeram as mãos do pai. Ele deu beijos ao seu filho que não hão de ser repetidos pela segunda vez, e levantado pelas penas voa adiante e teme pelo companheiro, como o pássaro, no alto que conduziu avante, pelos ares, a tenra prole do ninho, e o exorta seguir e lhe ensina as danosas artes e move as suas próprias asas e olha para trás, para as do filho. 221 Alguém enquanto procura pegar peixes com o trêmulo caniço, ou um pastor apoiado sobre o cajado ou um lavrador sobre o manche da charrua
viu-os e espantou-se, e acreditou serem deuses os que podem percorrer os céus. E já do lado esquerdo a Junônia Samos (foram deixadas para trás tanto Delos quanto Paros), à direita estava Lebintos e Calimnos fecunda em mel, quando o menino começou a se comprazer com o voo audaz e se separou do guia e com ambição desmedida da região do céu seguiu o caminho mais alto. A proximidade do sol devorador amolece as ceras perfumadas, vínculos das penas. As ceras se liquefizeram: ele agita os braços nus, e estando privado de remo não apanha qualquer brisa,222 e as faces que clamam o nome do pai na cerúlea água foram recebidas: que dele extraiu o nome.223 Mas o infeliz pai, e já nem pai, disse "Ícaro, Ícaro", disse, "onde estás? Em que região eu te procurarei? Ícaro" dizia: olhou em direção às penas nas ondas e maldisse suas artes e o corpo no sepulcro sepultou, e a terra foi chamada com o nome do sepultado.224
220 O verso faz referência a duas constelações, a Ursa Maior ou Grande Ursa (Helices) e Órion. Se é para Ícaro evitar olhar para o Boeiro e para a Grande Ursa, devendo olhar para Órion, o caminho, então, é em direção ao leste, não ao norte. 221 A sequência de conjunções aditivas, nos versos 210-216, formando um polissíndeto, constroem a ideia da continuidade da ação e da angústia de Dédalo, em relação à segurança do filho. 222 Remigium é, normalmente, remo. Aqui emprega-se uma metáfora: remo por asa, o que se coaduna com o sentido do texto. Ícaro já não tem asas, cairá no mar e não terá remos para a sua salvação. 223 A região do Mar Egeu em que Ícaro despenca toma o nome de Mar Icário; a ilha em que ele é enterrado por Dédalo recebe o nome de Icária. O Mar Icário divide as Cíclades das Espórades. A ilha localiza-se a sudoeste de Samos, entre Míconos e Naxos, tendo Quios ao norte. 224 A Ilha Icária, no Mar Egeu, na costa da Jônia.
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condidit, et tellus a nomine dicta sepulti. Hunc miseri tumulo ponentem corpora nati garrula limoso prospexit ab elice perdix et plausit pennis testataque gaudia cantu est: unica tunc volucris nec visa prioribus annis, factaque nuper avis, longum tibi, Daedale, crimen. Namque huic tradiderat, fatorum ignara, docendam progeniem germana suam, natalibus actis bis puerum senis, animi ad praecepta capacis. Ille etiam medio spinas in pisce notatas traxit in exemplum ferroque incidit acuto perpetuos dentes et serrae repperit usum. Primus et ex uno duo ferrea bracchia nodo vinxit, ut aequali spatio distantibus illis altera pars staret, pars altera duceret orbem. Daedalus invidit sacraque ex arce Minervae praecipitem misit, lapsum mentitus. At illum quae favet ingeniis excepit Pallas avemque reddidit et medio velavit in aere pennis. Sed vigor ingenii quondam velocis in alas inque pedes abiit: nomen quod et ante remansit. Non tamen haec alte volucris sua corpora tollit, nec facit in ramis altoque cacumine nidos: propter humum volitat ponitque in saepibus ova antiquique memor metuit sublimia casus. Aper Calydonius. Meleager
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Iamque fatigatum tellus Aetnaea tenebat Daedalon, et sumptis pro supplice Cocalus armis mitis habebatur, iam lamentabile Athenae pendere desierant Thesea laude tributum. Templa coronantur, bellatricemque Minervam cum Iove disque vocant aliis, quos sanguine voto muneribusque datis et acerris turis honorant.
225 Invenção do compasso. 226 O nome do garoto é pe/rdic, perdiz, em grego, que pode ser masculino ou feminino.
Colocando o corpo do mísero filho no túmulo, gárrula perdiz, do rego limoso, percebeu-o e, com as penas, aplaudiu e, pelo canto, atestou sua satisfação: ave sem igual, até então não vista em anos anteriores, fora feita há pouco ave, grande acusação para ti, Dédalo. O fato é que a sua irmã, ignorante dos destinos, a este confiara, para ser instruído, um filho seu, um menino, cumpridos por duas vezes seis o seu nascimento, de ânimo capaz para as instruções. Ele, então, no meio do peixe, as espinhas notadas extraiu como modelo e no ferro agudo talhou dentes ininterruptos e descobriu o uso da serra. E o primeiro de todos que dois braços férreos com uma juntura uniu, para que, com igual espaço de distâncias entres eles, uma parte ficasse imóvel, e a outra parte conduzisse o círculo.225 Dédalo o invejou e da sagrada cidadela de Minerva precipitou-o no abismo, fingiu uma queda. Mas este Palas, que é favorável aos engenhos, o acolheu e ave o devolveu, e cobriu-o com penas em meio ao ar. Mas o vigor do veloz talento de outrora em asas e pés transformou-se, e o nome, que antes ele tinha, permaneceu.226 Esta, entretanto, não levanta ao alto seu corpo com as asas, nem faz os ninhos nos ramos e no alto cume: Esvoaça, frequentemente, perto da terra e põe os ovos nas sebes e lembrada da antiga queda temeu as alturas. O Javali de Caledônia. Meleagro E já a terra do Etna mantinha o fatigado Dédalo, e tendo tomado as armas, em defesa do suplicante, Cócalo era considerado gentil; já os Atenienses o deplorável tributo deixaram de pagar, por mérito de Teseu. Coroaram-se os templos, e Minerva belicosa evocam com Jove e os outros deuses, que honram com o sangue votado e com as ofertas dadas e com os incensos nos altares. A fama errabunda espargira pelas cidades Argólicas o nome
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Sparserat Argolicas nomen vaga fama per urbes Theseos, et populi, quos dives Achaia cepit, huius opem magnis imploravere periclis. Huius opem Calydon, quamvis Meleagron haberet, sollicita supplex petiit prece. Causa petendi sus erat, infestae famulus vindexque Dianae. Oenea namque ferunt pleni successibus anni primitias frugum Cereri, sua vina Lyaeo, Palladios flavae latices libasse Minervae. Coeptus ab agricolis superos pervenit ad omnes ambitiosus honor; solas sine ture relictas praeteritae cessasse ferunt Latoidos aras. Tangit et ira deos. “At non impune feremus, quaeque inhonoratae, non et dicemur inultae” inquit, et Oeneos ultorem spreta per agros misit aprum, quanto maiores herbida tauros non habet Epiros, sed habent Sicula arva minores. Sanguine et igne micant oculi, riget horrida cervix, [et sactae similes rigidis hastilibus horrent stantque velut vallum, velut alta hastilia saetae] fervida cum rauco latos stridore per armos spuma fluit, dentes aequantur dentibus Indis, fulmen ab ore venit, frondes adflatibus ardent. Is modo crescentes segetes proculcat in herba, nunc matura metit fleturi vota coloni et Cererem in spicis intercipit. Area frustra et frustra exspectant promissas horrea messes. Sternuntur gravidi longo cum palmite fetus bacaque cum ramis semper frondentis olivae. Saevit et in pecudes: non has pastorve canisve, non armenta truces possunt defendere tauri. Diffugiunt populi nec se nisi moenibus urbis esse putant tutos, donec Meleagros et una lecta manus iuvenum coiere cupidine laudis:
de Teseu, e os povos, que a Acaia opulenta continha, imploraram a obra deste, contra os grandes perigos. Cálidon, embora tivesse Meleagro, a ajuda daquele procurou obter, suplicante, com prece angustiada. A razão do pedido era um porco, servo e vingador da hostil Diana. O fato é que, contam, Oineu, pelos êxitos do ano inteiro, as primícias dos frutos a Ceres, suas uvas a Lieu, os licores paládios à loura Minerva ter ofertado. Começada pelos deuses campestres chegou a todos os Súperos a honra envolvente; os únicos deixados sem fumaça, esquecidos, os altares da filha de Latona, dizem ter Oineu neglicenciado.227 E a ira atinge os deuses. "Mas não suportaremos impunemente; que nos digam desonradas, mas não seremos ditas não vingadas" disse, e, desprezada, pelos campos de Oineu, o vingador javali envia; touros tão grandes quanto ele pelos campos cobertos de ervas não somente o Épiro não tem, como os campos Sículos têm menores.228 Os olhos faíscam de sangue e fogo, a áspera cerviz se eriça, [e os pelos se eriçam semelhantes a pequenos dardos rígidos e permanecem em pé como paliçada, as cerdas como altas hastes] férvida com rouco estridor pelos flancos largos a espuma flui, os dentes se igualam às presas dos elefantes Índios, um raio vem da sua boca, as folhas ardem com seus sopros. Este esmaga imediatamente os cereais crescentes no ramo, agora colhe as oferendas maduras do cultivador que há de chorar e corta Ceres nas espigas. O solo em vão 229 e os celeiros em vão esperam as prometidas messes. As plantas carregadas com longo ramo de vinha são espalhadas e o fruto com os ramos sempre folhosos de oliva. E enfurece-se em direção às ovelhas: o pastor e o cão não podem defendê-las,
nem os touros ferozes podem defender os rebanhos.
As pessoas fogem em dispersão e, senão nas muralhas da cidade, não supõem estar seguros, até que Meleagros e uma elite armada de jovens se reuniram com desejo de glória: os gêmeos Tindáridas, um notável nos cestos,230
227 A filha de Latona é Diana. 228 Campos Sículos, campos da Sicília. 229 A utilização de Ceres, em lugar de trigo, por metonímia, é muito comum na poesia clássica.
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Tyndaridae gemini, spectatus caestibus alter, alter equo, primaeque ratis molitor Iason, et cum Pirithoo, felix concordia, Theseus; et duo Thestiadae prolesque Aphareia, Lynceus et velox Idas, et iam non femina Caeneus Leucippusque ferox iaculoque insignis Acastus Hippothousque Dryasque et cretus Amyntore Phoenix, Actoridaeque pares et missus ab Elide Phyleus. Nec Telamon aberat magnique creator Achillis cumque Pheretiade et Hyanteo Iolao impiger Eurytion, et cursu invictus Echion, Naryciusque Lelex Panopeusque Hyleusque feroxque Hippasus et primis etiamnum Nestor in annis, et quos Hippocoon antiquis misit Amyclis, Penelopaeque socer cum Parrhasio Ancaeo, Ampycidesque sagax et adhuc a coniuge tutus Oeclides, nemorisque decus Tegeaea Lycaei. Rasilis huic summam mordebat fibula vestem, crinis erat simplex, nodum conlectus in unum. Ex umero pendens resonabat eburnea laevo telorum custos, arcum quoque laeva tenebat. Talis erat cultu; facies, quam dicere vere virgineam in puero, puerilem in virgine possis. Hanc pariter vidit, pariter Calydonius heros optavit renuente deo flammasque latentes hausit et “o felix, siquem dignabitur” inquit “ista virum.” Nec plura sinit tempusque pudorque dicere: maius opus magni certaminis urget. Silva frequens trabibus, quam nulla ceciderat aetas, incipit a plano devexaque prospicit arva. Quo postquam venere viri, pars retia tendunt, vincula pars adimunt canibus, pars pressa sequuntur signa pedum cupiuntque suum reperire periclum. Concava vallis erat, quo se demittere rivi
outro em cavalo, e Jasão, construtor do primeiro navio,231 e, harmonia feliz, Teseu com Piríthoo; e os dois Testíades e a prole Afareia, Linceus e o veloz Idas, e Ceneu, já não mais mulher, e o fero Leucipo e Acasto, insigne com a lança, e Hipótoos e Drias e Fênix, nascido de Amintor, os pares Actórides e Fileu enviado da Élide. Nem Telamon faltara e o pai do grande Aquiles e com o Feretíade e o Hianteu Iolau o infatigável Eurítion, e Équion, invicto na corrida, e o Narício Lélex e Panopeu e Hileu e o fero Hípaso e, ainda nos primeiros anos, Nestor, e os que Hipócoon enviou da Amiclas antiga, e o sogro de Penélope com o Parrásio Anceu,232 e o sagaz Ampícides e, até então protegido contra a esposa, o Oiclides, e a Tegeia, glória do bosque do Liceu. Uma fíbula polida prendia-lhe a veste no alto, a cabeleira era simples, colhida em um único nó. Pendente do ombro esquerdo ressoava a ebúrnea guardiã das setas, e a mão esquerda também sustinha o arco Tal era no aspecto: a face, que, para dizer a verdade, poderias dizer virgínea em um rapaz, dirias máscula em uma virgem. Igualmente a viu, igualmente o herói Calidônio desejou-a, não tendo o deus consentido, e as chamas escondidas hauriu e disse "ó feliz aquele que esta julgará digno como esposo." E o tempo e o pudor mais não permitiram dizer: a obra maior da grande batalha urge. A floresta abundante em altas árvores, que nenhum tempo abatera, começa do plaino e vê adiante os campos inclinados. Depois que os heróis lá chegaram, uns estendem as redes, outros retiram as correntes aos cães; outros seguem os impressos sinais das patas e desejam achar seu próprio perigo. O vale era côncavo, e ali os riachos de água pluvial habituaram-se a descer: há no fundo da cavidade
230 Aqui tem início ao catálogo dos heróis que lutaram contra o javali de Cálidon. Os gêmeos Tindáridas, são Castor e Pólux, filhos de Tíndaro. Castor era notável pugilista, daí a sua habilidade com os cestos, espécie de luvas de couro guarnecida com chumbo, usadas na disputa do pugilato; Pólux era domador de cavalos. Os dois não são chamados por seus nomes, ao longo do episódio. 231 Referência à nau Argos, que leva Jasão à Cólquida, em busca do velo de ouro. 232 O sogro de Penélope é Lartes, o pai de Ulisses.
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adsuerant pluvialis aquae: tenet ima lacunae lenta salix ulvaeque leves iuncique palustres viminaque et longa parvae sub harundine cannae. Hinc aper excitus medios violentus in hostes fertur, ut excussis elisi nubibus ignes. Sternitur incursu nemus et propulsa fragorem silva dat. Exclamant iuvenes praetentaque forti tela tenent dextra lato vibrantia ferro. Ille ruit spargitque canes, ut quisque furenti obstat, et obliquo latrantes dissipat ictu. Cuspis Echionio primum contorta lacerto vana fuit truncoque dedit leve vulnus acerno. Proxima, si nimiis mittentis viribus usa non foret, in tergo visa est haesura petito: longius it. Auctor teli Pagasaeus Iason. “Phoebe,” ait Ampycides “si te coluique coloque, da mihi quod petitur certo contingere telo!” Qua potuit, precibus deus adnuit: ictus ab illo est, sed sine vulnere, aper; ferrum Diana volanti abstulerat iaculo: lignum sine acumine venit. Ira feri mota est, nec fulmine lenius arsit: emicat ex oculis, spirat quoque pectore flamma. Utque volat moles adducto concita nervo, cum petit aut muros aut plenas milite turres, in iuvenes certo sic impete vulnificus sus fertur et Hippalmon Pelagonaque, dextra tuentes cornua, prosternit; socii rapuere iacentes. At non letiferos effugit Enaesimus ictus, Hippocoonte satus: trepidantem et terga parantem vertere succiso liquerunt poplite nervi.
flexível salgueiro e leves limos e juncos palustres vimeiros e pequenas canas sob longo caniço. Despertado desse lugar, o violento javali para o meio das hostes dirige-se, como raios expulsos das nuvens sacudidas. O bosque é estendido sobre o solo no seu ataque e um fragor a selva abatida espalha. Os jovens gritam e com forte destra seguram os dardos vibrantes de largo ferro.233 Ele se lança e espalha os cães, conforme cada um ao furioso faz obstáculo, e dissipa os ladradores com oblíquo golpe. A lança, primeiramente, disparada do braço de Équion foi inútil e provocou leve ferida no tronco do bordo. A próxima, não fosse o uso excessivo de forças de quem lança, no dorso visado pareceu que haveria de fixar-se: ela vai mais longe. Jasão Págaso é o autor do dardo. "Febo", diz o Ampícida "se a ti honrei e honro concede-me atingir o que se busca com certeiro dardo!" Tanto quanto pôde, o deus deu aprovação às preces: é atingido por ele o javali, mas sem ferir; Diana o ferro ao volante dardo tomara: a madeira veio sem a ponta. A ira da fera é provocada, e ardeu não com o mais doce raio: a chama explode dos seu olhos, também sopra do seu peito. Assim como a massa voa rápida tendo sido contraída a corda,234 quando busca atingir os muros ou as torres cheias com soldados, assim, com ímpeto certo, o porco assassino contra os jovens lança-se e Hipalmo e Pélago, que protegem as extremidades 235 direitas, prosterna; os companheiros levaram os jazentes. Mas Enésimo, nascido de Hipocoonte, não escapou aos golpes mortais;236 tremendo de medo e preparando as costas para voltar tendo o joelho destruído, os nervos o abandonaram. Talvez o Pílio tivesse perecido antes da Troiana 237
233 Observar a aliteração do t, do r e do grupo tr, br. 234 Entenda-se: Assim como a máquina de guerra, pelo esforço de contração de sua corda, lança o peso. A máquina de guerra é a catapulta. 235 Hipalmo e Pélago, ambos sem referências genealógicas. Acreditamos tratar-se dos heróis enviados por Hipocoonte, de Amiclas, sobretudo porque, logo em seguida, o narrador nomeia o filho de Hipocoonte, Enésimo. 236 Enésimo, filho de Hipocoonte, é o primeiro a ser morto pelo Javali. Seu nome, em grego, )Enai/simoj, significa segundo a decisão do destino. Ai=)sa, raiz do nome, é a decisão de um deus e também a personificação do Destino.
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Forsitan et Pylius citra Troiana perisset tempora: sed sumpto posita conamine ab hasta arboris insiluit, quae stabat proxima, ramis despexitque, loco tutus, quem fugerat hostem. Dentibus ille ferox in querno stipite tritis inminet exitio fidensque recentibus armis Eurytidae magni rostro femur hausit adunco. At gemini, nondum caelestia sidera, fratres, ambo conspicui, nive candidioribus ambo vectabantur equis, ambo vibrata per auras hastarum tremulo quatiebant spicula motu. Vulnera fecissent, nisi saetiger inter opacas nec iaculis isset nec equo loca pervia silvas. Persequitur Telamon studioque incautus eundi pronus ab arborea cecidit radice retentus. Dum levat hunc Peleus, celerem Tegeaea sagittam imposuit nervo sinuatoque expulit arcu. Fixa sub aure feri summum destrinxit harundo corpus et exiguo rubefecit sanguine saetas. Nec tamen illa sui successu laetior ictus, quam Meleagros erat. Primus vidisse putatur et primus sociis visum ostendisse cruorem et “meritum” dixisse “feres virtutis honorem.” Erubuere viri seque exhortantur et addunt cum clamore animos iaciuntque sine ordine tela: turba nocet iactis et, quos petit, impedit ictus. Ecce furens contra sua fata bipennifer Arcas “discite, femineis quid tela virilia praestent, o iuvenes, operique meo concedite!” dixit. “Ipsa suis licet hunc Latonia protegat armis, invita tamen hunc perimet mea dextra Diana.” Talia magniloquo tumidus memoraverat ore
época: mas tendo tomado apoio na hasta fixada, saltou para os galhos de uma árvore, que estava próxima, e do alto olhou, seguro no local, o inimigo que buscara evitar. Aquele, feroz, tendo friccionado os dentes no tronco do carvalho ameaça-o com a ruína e confiante nas armas renovadas traspassou a coxa do grande Eurítida, com a presa adunca. Mas os irmãos gêmeos, ainda não estrelas celestes, 238 ambos conspícuos, ambos eram transportados por cavalos brancos como a neve, ambos pelos ares agitavam as pontas cintilantes das lanças com movimento trêmulo. Feridas teriam feito, se o javali entre selvas espessas não tivesse ido, locais não acessíveis às lanças e ao cavalo. Telamon o persegue, incauto, e no ardor de avançar retido por uma raiz arbórea, cai para a frente. Enquanto Peleu o levanta, a Tegeia a seta rápida colocou no arco e a expeliu com a corda sinuosa. Traspassada sob a orelha da fera a flecha atingiu na superfície o corpo e enrubesceu, com pouco sangue, as cerdas. E no entanto, mais feliz que ela com o sucesso de sua ferida era Meleagro. O primeiro a ter visto, imagina-se, e o primeiro, parece, a ter mostrado aos companheiros o sangue visto e ter dito "levarás a honra merecida por tuas virtudes". Os heróis ficaram com vergonha, e se exortam e juntam os ânimos com gritos de guerra e lançam desordenadamente flechas: a turba prejudica os disparos e impede os golpes, que busca atingir. Eis que, furente, diante do seu destino, o Arcádio, que porta a bipene,239 "aprendei, que as armas viris distinguem-se com relação às femininas, ó jovens, e cedei espaço à minha obra!" disse. A própria Latônia pode protegê-lo com suas armas, entretanto, apesar de Diana, minha destra o fará perecer." Túmido de orgulho, falara tais coisas com voz grandiloquente e, levantando com as duas mãos a segure de duas faces,
237 Nestor, nascido em Pilos, cidade da Messênia, no Peloponeso. Se Nestor tivesse morrido na caçada ao javali de Cálidon, ele não teria participado da guerra de Troia (v. Ilíada, Cantos I e IX). 238 Castor e Pólux, que são transformados na constelação de Gêmeos. 239 Anceu, armado de um machado de duas lâminas.
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ancipitemque manu tollens utraque securim institerat digitis, primos suspensus in artus. Occupat audentem, quaque est via proxima leto, summa ferus geminos direxit ad inguina dentes. Concidit Ancaeus glomerataque sanguine multo viscera lapsa fluunt: madefacta est terra cruore. Ibat in adversum proles Ixionis hostem Pirithous valida quatiens venabula dextra. Cui “procul” Aegides “o me mihi carior” inquit “pars animae consiste meae! licet eminus esse fortibus: Ancaeo nocuit temeraria virtus.” Dixit et aerata torsit grave cuspide cornum. Quo bene librato votique potente futuro, obstitit abscisa frondosus ab arbore ramus. Misit et Aesonides iaculum: quod casus ab illo vertit in inmeriti fatum latrantis et inter ilia coniectum tellure per ilia fixum est.
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At manus Oenidae variat, missisque duabus hasta prior terra, medio stetit altera tergo. Nec mora, dum saevit, dum corpora versat in orbem stridentemque novo spumam cum sanguine fundit, vulneris auctor adest hostemque inritat ad iram splendidaque adversos venabula condit in armos. Gaudia testantur socii clamore secundo victricemque petunt dextrae coniungere dextram inmanemque ferum multa tellure iacentem mirantes spectant, neque adhuc contingere tutum esse putant; sed tela tamen sua quisque cruentat. Ipse pede imposito caput exitiabile pressit atque ita “sume mei spolium, Nonacria, iuris,” dixit “et in partem veniat mea gloria tecum.” Protinus exuvias rigidis horrentia saetis terga dat et magnis insignia dentibus ora.
mantivera-se sobre os dedos, suspenso nas primeiras articulações. Antecipa-se ao audacioso, por onde a via para a morte é mais próxima, a fera e dirigiu as presas gêmeas para cima de suas virilhas. Anceu desabou e aglomeradas por muito sangue as vísceras caídas espalham-se: a terra foi umedecida com o sangue corrente. Pirítoo, filho de Ixião, ia de encontro ao inimigo, brandindo com a mão robusta a lança de caça. Ao qual diz o Egeida "ó mais caro para mim que a mim mesmo, longe mantém-te, parte de minha alma! estar a distância é permitido aos fortes: a virtude temerária arruinou Anceu." Disse e pelo ar lançou o dardo de corniso, de ponta pesada; tendo-a bem lançado, haveria de realizar-se o desejo, mas o ramo frondoso de uma árvore cortada impediu. Também o Esônida lançou um dardo, que o acaso dirigiu daquele para o fado de um cão inocente e entre os flancos lançado, na terra através dos flancos foi fixado. Mas a mão do Oinida varia, e tendo enviado duas a primeira lança para na terra, a outra em meio às costas do javali. Sem demora, enquanto ela grita de furor, revolve o corpo na terra e espalha, com novo sangue, a espuma chiante, o autor da ferida aproxima-se e excita o inimigo à ira e sepulta as lanças esplêndidas nas espáduas adversárias. Os companheiros testemunham pela segunda vez os júbilos com gritos e buscam juntar à sua destra a destra vitoriosa e a monstruosa fera, jazente em grande parte do solo, observam admirados, e tocá-la, até então, não estimam ser prudente; cada um, entretanto, seus dardos tinge no seu sangue.240 Ele mesmo, tendo posto o pé sobre a cabeça perniciosa, apertou-a e assim disse "recebe o espólio de direito meu, Nonácria, 241 e que a minha glória venha em parte contigo." De imediato, Meleagro a Atalante os espólios oferece: de rígidas cerdas o hirto dorso e a cabeça notável com grandes dentes. Aquela alegra-se com o presente e com o autor do presente.
240 Compare-se com o que ocorre na Ilíada (Canto XXII, versos 369-375) quando, após a morte de Heitor, cada um dos guerreiros de Aquiles fura o corpo do Priamida com a sua lança. 241 Referência à arcadiana Atalanta. Meleagro cede a Atalanta o espólio do javali.
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Illi laetitiae est cum munere muneris auctor: invidere alii, totoque erat agmine murmur. E quibus ingenti tendentes bracchia voce “pone age nec titulos intercipe, femina, nostros,” Thestiadae clamant “nec te fiducia formae decipiat, ne sit longe tibi captus amore auctor” et huic adimunt munus, ius muneris illi. Non tulit et tumida frendens Mavortius ira “discite, raptores alieni” dixit “honoris, facta minis quantum distent,” hausitque nefando pectora Plexippi nil tale timentia ferro. Toxea, quid faciat, dubium pariterque volentem ulcisci fratrem fraternaque fata timentem haud patitur dubitare diu calidumque priori caede recalfecit consorti sanguine telum. Dona deum templis nato victore ferebat, cum videt exstinctos fratres Althaea referri. Quae plangore dato maestis clamoribus urbem implet et auratis mutavit vestibus atras. At simul est auctor necis editus, excidit omnis luctus et a lacrimis in poenae versus amorem est. Stipes erat, quem, cum partus enixa iaceret Thestias, in flammam triplices posuere sorores; staminaque impresso fatalia pollice nentes “tempora” dixerunt “eadem lignoque tibique, o modo nate, damus.” Quo postquam carmine dicto excessere deae, flagrantem mater ab igne eripuit ramum sparsitque liquentibus undis. Ille diu fuerat penetralibus abditus imis servatusque tuos, iuvenis, servaverat annos. Protulit hunc genetrix taedasque et fragmina poni imperat et positis inimicos admovet ignes. Tum conata quater flammis imponere ramum, coepta quater tenuit. Pugnant materque sororque,
Os outros invejaram e o murmúrio era de toda a tropa. Dentre os quais, estendendo os braços e com voz ingente "vamos, depõe os espólios, e não roubes nossas honras, mulher," bradam os Testíades, "e nem a confiança da tua beleza te engane e que não esteja longe de ti o autor cativo pelo amor" e àquela retiram o presente, àquele o direito do presente. O Mavórcio, com ira túmida, rangendo os dentes, não suportou e disse "aprendei, raptores da honra alheia, quanto as ações distam com relação às ameaças", e traspassou com ferro nefando, o peito de Plexipo nada temente a tal coisa.242 A Toxeu, incerto do que faça, e ao mesmo tempo querendo vingar o irmão e temendo os fados fraternos, Meleagro não admite hesitar muito tempo e quente com o primeiro morto, ele volta a esquentar o dardo com o sangue fraterno. As oferendas dos deuses, pelo filho vitorioso, aos templos levava Alteia, quando vê os irmãos mortos serem trazidos de volta. Que, batendo no peito, com gritos profundamente tristes, enche a cidade e mudou de vestes douradas para negras. Mas tão logo o autor do assassinato é conhecido, desaparece todo o sofrimento e das lágrimas é mudado em desejo de vingança. Existia uma acha, que, quando pariu e estava acamada do parto a filha de Téstios, as três irmãs puseram no fogo; 243 e as tecelãs os fios fatais tendo imprimido com o polegar disseram "os mesmos tempos à madeira e a ti, ó recém-nascido, concedemos." Dali, depois de dita a profecia, as deusas se foram; a mãe do fogo o inflamado ramo arrancou e banhou-o com águas límpidas. Este estivera muito tempo escondido nos fundos mais secretos da casa e, preservado, teus anos preservara, jovem. A mãe o retira do abrigo, e achas e fragmentos ordena serem dispostos e, colocados os pedaços, aproxima os fogos inimigos. Então por quatro vezes ela empreendeu colocar o ramo nas chamas; por quatro vezes, reteve as intenções. Tanto a mãe quanto a irmã lutam e dois nomes puxam um único peito em sentidos diversos.
242 Aqui se dá mais uma híbris de sangue, com a morte de Plexipo e Toxeu por Meleagro. 243 A filha de Téstios é Alteia, mãe de Meleagro. As três irmãs são as Parcas, Cloto, Láquesis e Átropos, tecelãs do destino.
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et diversa trahunt unum duo nomina pectus. Saepe metu sceleris pallebant ora futuri, saepe suum fervens oculis dabat ira ruborem. Et modo nescio quid similis crudele minanti vultus erat, modo quem misereri credere posses. Cumque ferus lacrimas animi siccaverat ardor, inveniebantur lacrimae tamen. Utque carina, quam ventus ventoque rapit contrarius aestus, vim geminam sentit paretque incerta duobus: Thestias haud aliter dubiis adfectibus errat inque vices ponit positamque resuscitat iram. Incipit esse tamen melior germana parente, et consanguineas ut sanguine leniat umbras, impietate pia est. Nam postquam pestifer ignis convaluit, “rogus iste cremet mea viscera” dixit. Utque manu dira lignum fatale tenebat, ante sepulcrales infelix adstitit aras “poenarum” que “deae triplices, furialibus,” inquit, “Eumenides, sacris vultus advertite vestros. Ulciscor facioque nefas: mors morte pianda est, in scelus addendum scelus est, in funera funus. Per coacervatos pereat domus impia luctus. An felix Oeneus nato victore fruetur, Thestius orbus erit? Melius lugebitis ambo. Vos modo, fraterni manes animaeque recentes, officium sentite meum magnoque paratas accipite inferias, uteri mala pignera nostri! — Ei mihi! quo rapior? Fratres, ignoscite matri. Deficiunt ad coepta manus. Meruisse fatemur illum, cur pereat: mortis mihi displicet auctor. — Ergo impune feret, vivusque et victor et ipso successu tumidus regnum Calydonis habebit: vos cinis exiguus gelidaeque iacebitis umbrae? Haud equidem patiar. Pereat sceleratus et ille spemque patris regnumque trahat patriaeque ruinam.
Muitas vezes as faces empalideciam por medo do crime futuro, muitas vezes a ira fervente concedia seu rubor aos seus olhos. E ora um não sei o quê semelhante a quem ameaça cruelmente era o seu rosto; ora ao de quem podias crer ter piedade. E tão logo o fero ardor da alma secara as lágrimas, As lágrimas, entretanto, eram encontradas. E como a nau, que o vento arrasta e a maré contrária ao vento leva à força, sente a força gêmea e, incerta, cede aos dois: a filha de Téstios erra, não de outro modo, por dúbios sentimentos e alternadamente depõe e ressuscita a ira deposta. Entretanto, a irmã começa a ser melhor que a mãe, e para que, com o sangue, acalme as sombras consanguíneas, é piedosa pela impiedade. De fato, depois que o fogo pestífero circunda o graveto, ela disse "este lume creme minhas entranhas". E quando tinha na mão cruel a profética madeira, diante dos altares sepulcrais a infeliz permaneceu de pé e disse "deusas tríplices dos castigos, Eumênides, para estes sacrifícios furiais, voltai vossas faces. Vingo e faço o não permitido: a morte deve ser pela morte expiada, o crime deve ser adicionado ao crime, os funerais ao funeral. Por lutos acumulados pereça a nossa ímpia casa. Mas se o feliz Oineu rejubila-se pelo filho vencedor, Téstios será privado de seus filhos? Melhor chorardes ambos. Vós somente, almas fraternas e manes recentes, julgai a minha obrigação e, adquiridos a tão grande preço, os sacrifícios fúnebres recebei, maus penhores de nosso útero! – Ai de mim! para onde sou levada? Irmãos, perdoai a uma mãe. Minhas mãos fraquejam para as intenções. Admitimos ele ter merecido, pois pereça; mas desagrada-me ser a autora de sua morte. – Vencerá, pois, impunemente, e vivo e vitorioso com o próprio êxito, cheio de orgulho, terá o reino de Cálidon: e vós, sombras gélidas, jazereis como pouca cinza? Não suportarei, certamente. Que o celerado pereça e ele arraste consigo a esperança do pai e a ruína da pátria e o reino. Onde está o espírito materno? Onde estão os pios direitos das mães
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Mens ubi materna est? Ubi sunt pia iura parentum et quos sustinui bis mensum quinque labores? O utinam primis arsisses ignibus infans, idque ego passa forem! Vixisti munere nostro: nunc merito moriere tuo. Cape praemia facti bisque datam, primum partu, mox stipite rapto, redde animam — vel me fraternis adde sepulcris! Et cupio et nequeo. Quid agam? modo vulnera fratrum ante oculos mihi sunt et tantae caedis imago, nunc animum pietas maternaque nomina frangunt. — Me miseram! male vincetis, sed vincite, fratres: dummodo quae dedero vobis solacia vosque ipsa sequar.” Dixit, dextraque aversa trementi funereum torrem medios coniecit in ignes. Aut dedit aut visus gemitus est ipse dedisse stipes, ut invitis correptus ab ignibus arsit. Inscius atque absens flamma Meleagros ab illa uritur et caecis torreri viscera sentit ignibus ac magnos superat virtute dolores. Quod tamen ignavo cadat et sine sanguine leto, maeret et Ancaei felicia vulnera dicit grandaevumque patrem fratresque piasque sorores cum gemitu sociamque tori vocat ore supremo, forsitan et matrem. Crescunt ignisque dolorque languescuntque iterum: simul est exstinctus uterque, inque leves abiit paulatim spiritus auras paulatim cana prunam velante favilla. Alta iacet Calydon: lugent iuvenesque senesque, vulgusque proceresque gemunt, scissaeque capillos planguntur matres Calydonides Eueninae. Pulvere canitiem genitor vultusque seniles
e as provações que sustentei por duas vezes cinco meses?244 Ó quisera aos deuses que, infante, tivesses ardido com os primeiros fogos, e eu o tivesse permitido! Viveste com nosso favor: agora, por mérito teu, morrerás. Apanha os prêmios do teu feito e, duas vezes dada, primeiro pelo parto, depois pelo graveto retirado, a vida devolve – ou junta-me ao meus irmãos nos sepulcros! Tanto desejo quanto não posso. Que farei? Neste instante dos meus irmãos as feridas tenho diante dos meus olhos e a visão de tamanha carnificina, agora a piedade e as obrigações maternas despedaçam meu ânimo. – Miserável de mim! Vencereis mal, mas vencei, irmãos: conquanto que aquele que vos terei dado, por consolo, e a vós eu mesma siga." Disse e, voltando as costas, com a destra tremente lançou o funéreo tição em meio às chamas. Ou deu ou pareceu que tivesse dado gemidos o próprio tição, quando ardeu vivamente tomado pelas chamas relutantes. Meleagro, sem saber e mesmo ausente, por aquela chama é consumido e sente as vísceras serem queimadas pelos sombrios 245 fogos, mas com coragem supera as grandes dores. Aflige-se que sucumba, mas por uma não virtuosa e não cruenta morte, e diz afortunadas as feridas de Anceu; 246 e o velho pai e os irmãos e as pias irmãs e a companheira de leito chama, gemendo, com voz moribunda, talvez também a mãe. Tanto o fogo quanto a dor crescem e apagam-se de novo: juntos, um e outro extinguiram-se, paulatinamente, o espírito afasta-se para as leves brisas; paulatinamente, vai-se, com cinza branca, cobrindo a brasa. A elevada Cálidon jaz: choram tanto os jovens quanto os velhos, tanto o povo quanto os próceres gemem, e dilaceradas, as cabeleiras as mães Calidônidas do rio Eveno estapeiam. O pai a brancura dos cabelos e as faces idosas com poeira macula, na terra estendido, e invectiva contra a sua vasta idade.247
244 Bis mensum quinque labores = provações por duas vezes cinco meses, ou seja, a gravidez. Para os gregos arcaicos, o ano tinha 13 meses lunares de 28 dias, o que dá um total de 364 dias. A gravidez durava, pois, dez meses lunares, 280, o que chega perto do tempo de gravidez pelo calendário solar, de 270 dias, com uma faixa de dez a mais ou a menos. Os tradutores insistem em traduzir por nove meses. 245 A tradução de Caecus, a, um, por sombrio é abonada por Gaffiot e tem sentido diante da estrutura do poema. Veja-se, por exemplo, que na Eneida, Livro IV, verso 2, Dido é consumida por um fogo sombrio, caeco carpitur igni, o amor a Eneias, que dela se apossa e que vai levá-la à morte. 246 Esta passagem dos versos 515-519 reflete bem a concepção da bela morte: Meleagros não morre na batalha e se entristece, ao mesmo tempo em que louva a morte de Anceu, esta, sim, gloriosa.
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foedat humi fusus spatiosumque increpat aevum. Nam de matre manus diri sibi conscia facti exegit poenas acto per viscera ferro. Non mihi si centum deus ora sonantia linguis ingeniumque capax totumque Helicona dedisset, tristia persequerer miserarum dicta sororum. Inmemores decoris liventia pectora tundunt, dumque manet corpus, corpus refoventque foventque, oscula dant ipsi, posito dant oscula lecto. Post cinerem cineres haustos ad pectora pressant, adfusaeque iacent tumulo signataque saxo nomina complexae lacrimas in nomina fundunt. Quas Parthaoniae tandem Latonia clade exsatiata domus praeter Gorgenque nurumque nobilis Alcmenae natis in corpore pennis adlevat et longas per bracchia porrigit alas corneaque ora facit versasque per aera mittit. Theseus apud Acheloum. Perimele
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Interea Theseus sociati parte laboris functus Erechtheas Tritonidos ibat ad arces. Clausit iter fecitque moras Achelous eunti imbre tumens. “Succede meis,” ait “inclite, tectis, Cecropida, nec te committe rapacibus undis: ferre trabes solidas obliquaque volvere magno murmure saxa solent. Vidi contermina ripae cum gregibus stabula alta trahi: nec fortibus illic profuit armentis, nec equis velocibus esse. Multa quoque hic torrens nivibus de monte solutis corpora turbineo iuvenalia flumine mersit. Tutior est requies, solito dum flumina currant limite, dum tenues capiat suus alveus undas.”
Quanto à mãe, cônscia da ação funesta, a sua própria mão exigiu punições, conduzindo o ferro pelas entranhas. Mesmo se um deus, cem bocas sonantes com suas línguas 248 e gênio capaz e todo o Hélicon me tivesse dado, eu não narraria as tristes palavras das infelizes irmãs. Esquecidas do próprio decoro, elas batem nos peitos lívidos, e enquanto o corpo permanece, acariciam e reaquecem o corpo, elas mesmas lhe dão beijos; no leito fúnebre estendido dão beijos. Após a incineração, elas pressionam nos seios as cinzas apanhadas, e prosternadas jazem sobre o túmulo, e gravados na pedra os nomes, abraçadas, vertem lágrimas sobre os nomes. A Latônia, finalmente, saciada com a infelicidade da casa Partônia, exceto Gorge e a nora da nobre Alcmena, com penas nascidas pelo corpo, torna-as leve e estende longas asas pelos braços e as bocas torna bicos e as envia transformadas pelos ares.249 Teseu em casa de Aqueloo Entrementes, Teseu sua parte do trabalho conjunto 250 tendo cumprido, ia em direção às cidadelas Erecteas da Tritônida. O Aqueloo fechou o caminho e fez obstáculo para a ida, crescendo com a chuva. “Penetra em meus tetos”, disse, “ínclito Cecrópida, não te exponhas às minhas ondas rapaces: levar tronco sólidos e fazer rolar com grande barulho rochas atravessadas, elas estão habituadas. Eu vi contíguos da margem os altos estábulos com os seus rebanhos serem arrastados: e aos rebanhos de nada serviu, lá, serem fortes, nem aos cavalos serem velozes. Esta torrente, tendo liberado as neves da montanha, também muitos corpos juvenis imergiu no rio turbilhonante. O repouso te é mais seguro, até que os rios corram no habitual caminho, até que seu leito prenda tênues ondas." O Egeida assentiu e respondeu "farei uso, Aqueloo,
247 Veja-se a atitude de Príamo, ao ver o corpo de Heitor, morto por Aquiles, jogando-se em meio ao esterco (Ilíada, Canto XXII, versos 414-415). 248 Estes três versos, 533-535, são uma espécie de invocação, que nos remete à segunda invocação da Ilíada, no Canto II, versos 484-493, momento em que se inicia o Catálogo das Naus e dos Heróis. 249 As irmãs de Meleagro, à exceção de Gorge e Djanira, são por Diana transformadas em aves, em pintadas ou galinhas de angola. 250 O trabalho conjunto cumprido é a caçada ao javali de Cálidon.
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Adnuit Aegides, “utar” que “Acheloe, domoque consilioque tuo” respondit; et usus utroque est. Pumice multicavo nec levibus atria tophis structa subit: molli tellus erat umida musco, summa lacunabant alterno murice conchae. Iamque duas lucis partes Hyperione menso discubuere toris Theseus comitesque laborum: hac Ixionides, illa Troezenius heros parte Lelex, raris iam sparsus tempora canis, quosque alios parili fuerat dignatus honore amnis Acarnanum, laetissimus hospite tanto. Protinus adpositas nudae vestigia nymphae instruxere epulis mensas dapibusque remotis in gemma posuere merum. Tum maximus heros, aequora prospiciens oculis subiecta, “quis” inquit “ille locus?” digitoque ostendit, “et insula nomen quod gerit illa, doce: quamquam non una videtur.” Amnis ad haec “non est” inquit “quod cernitis, unum: quinque iacent terrae: spatium discrimina fallit. Quoque minus spretae factum mirere Dianae, naides hae fuerant. Quae cum bis quinque iuvencos mactassent rurisque deos ad sacra vocassent, inmemores nostri festas duxere choreas. Intumui, quantusque feror, cum plurimus umquam, tantus eram, pariterque animis inmanis et undis a silvis silvas et ab arvis arva revelli cumque loco nymphas, memores tum denique nostri, in freta provolvi. Fluctus nosterque marisque continuam diduxit humum partesque resolvit in totidem, mediis quot cernis Echinadas undis. Ut tamen ipse vides, procul en procul una recessit
de tua casa e do teu conselho"; e usou as duas coisas. Os átrios edificados, na púmice multiescavada e em tufos não polidos, ele penetrou: a terra estava úmida com uma espuma macia, as partes altas se cobriam de lambris de concha, alternado com búzio. E tendo já Hipérion atravessado as duas partes do seu dia, 251 Teseu e os seus companheiros de provações deitam-se nos leitos: por aqui, o Ixiônida; por aquela parte, o herói Trezênio 252 Lélex, esparso, as têmporas já com raros cabelos brancos, e os outros que, com igual honra, julgara digno o rio dos Acarnânios, felicíssimo com tamanho hóspede.253 Imediatamente, postas as mesas, as ninfas de pés desnudos equiparam-nas com as refeições e tendo retirado os pratos puseram o vinho puro em taça de pedras preciosas. Então o herói máximo, percebendo ao longe as águas próximas aos seus olhos, disse, "Que lugar é aquele?" e mostrou com o dedo, "e o nome que tem aquela ilha, ensina-me; se bem que não se vê apenas uma." O rio a estas perguntas disse "não é o que distinguis, uma ilha só: 254 cinco terras ali se estendem: a distância engana a sua distinção. E para que te admires menos por um feito de Diana desprezada, estas ilhas foram Náiades. As quais, quando duas vezes cinco novilho haviam matado e evocado os deuses do campo aos atos sagrados, conduziram os coros festivos não lembradas de nós. Inchei de cólera, ao máximo, tanto quanto jamais sou levado, jamais fora levado, e com ondas igualmente selvagens ao meu ânimo, arranquei selvas às selvas e campos aos campos e com o lugar, as ninfas, então, finalmente, lembradas de nós, no mar fiz rolar. E nossas ondas e as ondas do mar conduziram em diferentes direções a terra contínua e dividiram-na em tantas partes quantas Equínades distingues, em meio às ondas.255 Entretanto, para que tu mesmo vejas, longe, lá longe, destaca-se uma ilha, a mim cara; o marinheiro diz Perimele.
251 O verso 565 é uma perífrase: E tendo chegado a noite... 252 O herói é Lélex. 253 O Aqueloo. 254 No verso 577, o rio Aqueloo se dirige a Teseu em segunda pessoa do plural, cernitis; já no verso 579, ele se dirige na segunda do singular, mirere. 255 Aqui no verso 589, o verbo cerno, é empregado na segunda pessoa do singular, cernis, quando o rio Aqueloo fala com Teseu. Mas no verso 577, o mesmo rio, falando com o mesmo Teseu, usa o verbo na segunda do plural, cernitis. Equínades, ilhas do Mar Egeu.
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insula, grata mihi; Perimelen navita dicit. Huic ego virgineum dilectae nomen ademi. Quod pater Hippodamas aegre tulit inque profundum propulit e scopulo periturae corpora natae. Excepi nantemque ferens ‘o proxima mundi regna vagae’ dixi ‘sortite, tridentifer, undae, [In quo desinimus, quo sacri currimus amnes huc ades atque audi placidus, Neptune, precantem. Huic ego, quam porto, nocui. Si mitis et aequus, si pater Hippodamas, aut si minus impius esset, debuit illius misereri, ignoscere nobis.] adfer opem mersaeque precor, feritate paterna da, Neptune, locum; vel sit locus ipsa licebit.’ [hunc quoque complectar.” Movit caput aequoreus rex] concussitque suis omnes adsensibus undas. Extimuit nymphe, nabat tamen. Ipse natantis pectora tangebam trepido salientia motu. Dumque ea contrecto, totum durescere sensi corpus et inducta condi praecordia terra.] Dum loquor, amplexa est artus nova terra natantes, et gravis increvit mutatis insula membris. Amnis ab his tacuit. Factum mirabile cunctos moverat: inridet credentes, utque deorum spretor erat mentisque ferox, Ixione natus “ficta refers nimiumque putas Acheloe potentes esse deos” dixit, “si dant adimuntque figuras.” Obstipuere omnes nec talia dicta probarunt, ante omnesque Lelex, animo maturus et aevo, sic ait: “Inmensa est finemque potentia caeli non habet, et quidquid superi voluere, peractum est. Quoque minus dubites, tiliae contermina quercus collibus est Phrygiis modico circumdata muro. Ipse locum vidi; nam me Pelopeia Pittheus misit in arva, suo quondam regnata parenti.
256 Pirítoo.
A esta amada, eu mesmo o nome virgínio retirei. O fato é que o pai Hipodamas, desgostoso, levou-a ao abismo e empurrou adiante do rochedo o corpo da filha para perecer. Peguei a nadadora e levando-a, disse, 'ó tridentífero, agraciado pela sorte com os reinos das ondas errantes, vizinhos do céu, [no qual terminamos, ao qual os rios sagrados corremos, e nesse lugar em que estás plácido, Netuno, ouve este suplicante. A esta que eu porto, prejudiquei. Se gentil e justo, o pai Hipodamas fosse, ou se menos ímpio, deveria ter-se apiadado desta, e nos perdoar.] vem, suplico tua ajuda e à precipitada ao mar pela crueldade paterna dá-lhe, Netuno, um local; ou permite que ela mesma seja o local.' [este lugar eu também abraçarei.” O rei marinho moveu a cabeça] e agitou todas as ondas com seu assentimento. A ninfa temeu, no entanto, nadava. Eu próprio da nadadora tocava os seios palpitantes pelo movimento agitado. E enquanto eu a toco, por este lado, senti enrijecer todo o seu corpo e o peito recoberto ser escondido pela terra.] Enquanto eu falo, nova terra cingiu os membros nadadores, E uma ilha pesada cresceu sobre os membros transformados. Imediatamente após essas palavras, o rio calou-se. O fato admirável todos comovera; zomba dos crentes, como também era dos deuses e do espírito desprezador orgulhoso, o nascido de Íxion 256 disse: "Contas mentira e consideras demasiado potentes, Aqueloo, ser os deuses, se dão e retiram formas." Todos espantaram-se e não aprovaram tais palavras, e Lélex, primeiro que todos, maduro no ânimo e na idade, assim disse: " Imensa é a potência do céu e fim não tem, e tudo o que os súperos quiserem cumpre-se. E para que menos duvides, há um carvalho contíguo à tília nas colinas Frígias, circundado por pequeno muro. Eu mesmo vi o local; pois Piteu aos Pelópios campos enviou-me, outrora, sendo rei seu pai. Não longe dali existe um lago, terra antigamente habitável,
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Haud procul hinc stagnum est, tellus habitabilis olim, nunc celebres mergis fulicisque palustribus undae. Iuppiter huc specie mortali cumque parente venit Atlantiades positis caducifer alis. Mille domos adiere locum requiemque petentes, mille domos clausere serae. Tamen una recepit, parva quidem, stipulis et canna tecta palustri; sed pia Baucis anus parilique aetate Philemon illa sunt annis iuncti iuvenalibus, illa consenuere casa paupertatemque fatendo effecere levem nec iniqua mente ferendo. Nec refert, dominos illic famulosne requiras: tota domus duo sunt, idem parentque iubentque. Ergo ubi caelicolae parvos tetigere penates submissoque humiles intrarunt vertice postes, membra senex posito iussit relevare sedili, quo superiniecit textum rude sedula Baucis. Inque foco tepidum cinerem dimovit et ignes suscitat hesternos foliisque et cortice sicco nutrit et ad flammas anima producit anili. Multifidasque faces ramaliaque arida tecto detulit et minuit parvoque admovit aeno. Quodque suus coniunx riguo conlegerat horto, truncat holus foliis; furca levat illa bicorni sordida terga suis nigro pendentia tigno servatoque diu resecat de tergore partem exiguam sectamque domat ferventibus undis. Interea medias fallunt sermonibus horas [sentirique moram prohibent. Erat alveus illic fagineus, dura clavo suspensus ab ansa. Is tepidis inpletur aquis artusque fovendos accipit. In medio torus est de mollibus ulvis, inpositus lecto sponda pedibusque salignis.] concutiuntque torum de molli fluminis ulva impositum lecto sponda pedibusque salignis. Vestibus hunc velant, quas non nisi tempore festo
agora águas frequentadas por mergulhões e frangos d'água palustres. Júpiter a esse lugar com aparência mortal veio e com o pai, tendo deposto as asas, o Atlantíade, portador do caduceu. Os pedintes foram a mil casas procurar lugar e descanso os ferrolhos fecharam as mil casas. Entretanto uma os recebeu, embora humilde, coberta com palhas e junco do pântano; mas Báucis, pia idosa, e Filemon, na idade igual, nessa cabana estão juntos desde os anos juvenis; naquela casa envelheceram e reconhecendo a sua doce pobreza, eles acabaram suportando-a com serenidade. E não importa que procures ali senhores ou fâmulos: Os dois são toda a casa, e, eles mesmos obedecem e comandam. Então, assim que os celículas atingiram os pequenos penates e, tendo baixado a cabeça, ultrapassaram os humildes umbrais, o velho os convidou a aliviar os membros em um assento posto, sobre a qual a zelosa Báucis colocou um rude tecido. E na lareira separa de lado a cinza tépida e as chamas da véspera desperta e com folhas e com casca seca nutre o fogo e o leva às chamas com seu sopro de velha. Achas cortadas em vários pedaços e ramos secos do teto faz descer e corta em pedaços e move-os para baixo do pequeno caldeirão. E o legume, que o seu esposo colhera no jardim irrigado, ela desfolha; ela levanta com um forcado bicorne o dorso defumado de um porco pendente de uma negra viga e desse dorso há muito conservado, corta uma parte pequena e, cortada, doma-a nas águas ferventes. Enquanto isto, enganam as horas médias com as conversas [e impedem de ser sentida a demora. Ali existia um balde de faia, suspenso com prego pela dura alça. Este é enchido com água tépida e os pés, que devem ser aquecidos, recebe. No meio existe uma almofada de plantas aquáticas macias, colocada sobre o leito de madeira e com pés de vime.] e agitam a almofada de macia alga do rio colocada sobre o leito de madeira e com os pés de vime. Eles o cobrem com vestes que somente no tempo festivo costumavam estender: a veste era, porém, barata e velha;
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sternere consuerant: sed et haec vilisque vetusque vestis erat, lecto non indignanda saligno. Accubuere dei. Mensam succincta tremensque ponit anus, mensae sed erat pes tertius impar. Testa parem fecit. Quae postquam subdita clivum sustulit, aequatam mentae tersere virentes. Ponitur hic bicolor sincerae baca Minervae conditaque in liquida corna autumnalia faece intibaque et radix et lactis massa coacti ovaque non acri leviter versata favilla, omnia fictilibus. Post haec caelatus eodem sistitur argento crater fabricataque fago pocula, qua cava sunt, flaventibus inlita ceris. Parva mora est, epulasque foci misere calentes, nec longae rursus referuntur vina senectae dantque locum mensis paulum seducta secundis. Hic nux, hic mixta est rugosis carica palmis prunaque et in patulis redolentia mala canistris et de purpureis conlectae vitibus uvae. Candidus in medio favus est. Super omnia vultus accessere boni nec iners pauperque voluntas. Interea totiens haustum cratera repleri sponte sua per seque vident succrescere vina: attoniti novitate pavent manibusque supinis concipiunt Baucisque preces timidusque Philemon et veniam dapibus nullisque paratibus orant. Unicus anser erat, minimae custodia villae: quem dis hospitibus domini mactare parabant. Ille celer penna tardos aetate fatigat eluditque diu tandemque est visus ad ipsos confugisse deos. Superi vetuere necari ‘di’ que ‘sumus, meritasque luet vicinia poenas impia’ dixerunt; ‘vobis inmunibus huius esse mali dabitur. Modo vestra relinquite tecta ac nostros comitate gradus et in ardua montis ite simul.’ Parent ambo baculisque levati
não era no leito de vime de ser vista como indigna. Os deuses se estenderam. Tremente e com o vestido enrolado, a mesa a velha pôs, mas era desigual o terceiro pé da mesa. Uma telha igualou-a e, depois de colocada, a inclinação sustentou; igualada a mesa, esfregaram folhas vicejantes de hortelã. Nela, põe-se a azeitona bicolor da pura Minerva e cornisos outonais mergulhados em límpido molho espesso e endívias e rabanete e massa de leite prensado e ovos levemente mexidos na fagulha não crepitante, Todas esta coisas em potes de argila. Depois disso, na mesma prata 257 cinzelada é colocada uma cratera e, confeccionados em faia, copos, por onde existem cavas, untados com cera amarela. A demora é pouca, e trazem os alimentos quentes do fogo, e trazem de volta os vinhos, não de longa velhice, e, postos à parte, dão um pequeno local às segundas mesas. Aqui há noz, ali figo seco misturado aos damascos rugosos e ameixas tanto quanto maçãs redolentes em cestos abertos e uvas colhidas de vinhas purpúreas. No meio está o branco mel. Sobre todas estas coisas os rostos benevolentes e a não inerte pobre vontade se juntam. Entretanto, veem a cratera bebida ser de novo tantas vezes enchida por sua própria vontade e os vinhos crescerem por si mesmos: atônitos, com o inesperado, temem e, as mãos voltadas para cima, tanto Báucis, quanto o temente Filemon formulam preces e pedem perdão pelas refeições não bem preparadas. Eles tinham um único ganso, proteção da pequena propriedade,258 que os senhores preparavam-se para sacrificar aos deuses hóspedes. Aquele rápido fatiga com as penas os lentos pela idade e por muito tempo se esquivou até que enfim viu-se junto aos próprios deuses ter-se refugiado. Os Súperos proíbem-no de ser morto e disseram “somos deuses, sofra penas merecida a vizinhança ímpia; a vós imunes deste mal será dado ser. Apenas deixai para trás vosso teto e acompanhai nossos passos e às alturas do monte ide juntos.” Ambos obedecem e sustentados por cajados esforçam-se em pôr os passos na longa subida.
257 Chamar a pobre louça dos anciãos de prata é uma ironia, de modo a ressaltar a vida humilde que levavam. 258 O ganso, como proteção da propriedade, remete aos gansos sagrados do Capitólio, que defendem Roma do ataque dos gauleses, em 390 a. C.
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nituntur longo vestigia ponere clivo.
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Tantum aberant summo, quantum semel ire sagitta missa potest: flexere oculos et mersa palude cetera prospiciunt, tantum sua tecta manere. Dumque ea mirantur, dum deflent fata suorum, illa vetus, dominis etiam casa parva duobus vertitur in templum: furcas subiere columnae, stramina flavescunt, aurataque tecta videntur caelataeque fores adopertaque marmore tellus. Talia tum placido Saturnius edidit ore: ‘Dicite, iuste senex et femina coniuge iusto digna, quid optetis.’ Cum Baucide pauca locutus iudicium superis aperit commune Philemon: ‘Esse sacerdotes delubraque vestra tueri poscimus; et quoniam concordes egimus annos, auferat hora duos eadem, ne coniugis umquam busta meae videam neu sim tumulandus ab illa.’ Vota fides sequitur. Templi tutela fuere, donec vita data est. Annis aevoque soluti ante gradus sacros cum starent forte locique narrarent casus, frondere Philemona Baucis, Baucida conspexit senior frondere Philemon Iamque super geminos crescente cacumine vultus mutua, dum licuit reddebant dicta ‘vale’ que ‘o coniunx’ dixere simul, simul abdita texit ora frutex. Ostendit adhuc Thyneius illic incola de gemino vicinos corpore truncos. Haec mihi non vani (neque erat cur fallere vellent) narravere senes: equidem pendentia vidi serta super ramos, ponensque recentia dixi ‘cura deum di sint, et qui coluere colantur.’”
Estavam longe do cume, tanto quanto uma seta pode ir uma vez lançada: voltaram os olhos e pelo lago submersas percebem as demais coisas e somente sua casa permanecer. E enquanto contemplam isto, enquanto choram os destinos dos seus, aquela velha, humilde cabana mesmo para os dois senhores, foi transformada em templo: colunas substituíram as forquilhas, a cobertura torna-se amarela, aparecem os tetos dourados e as portas cinzeladas e o solo recoberto de mármore. Então, o Satúrnio com voz plácida falou tais coisas: “Dizei, justo velho e digna esposa de um justo cônjuge o que desejais.” Tão logo falou poucas palavras com Báucis, Filemon aos Súperos expõe o juízo comum: “Ser sacerdotes e guardar vossos templos pedimos, e depois que tivermos passado os anos unidos pelo coração, a mesma hora leve os dois, para que jamais da minha esposa eu veja a pira e nem eu por ela deva ser jamais sepultado.” A realização segue os votos. Eles foram a proteção do templo, tanto quanto a vida lhes foi concedida. Alquebrados pelos anos e pela idade, quando diante dos degraus sagrados mantinham-se firmes e por acaso do local
narravam os acontecimentos, Báucis percebeu Filemon cobrir-se de folhas, a cobrir-se de folhas, o velho Filemon percebeu Báucis. E já sobre os rostos gêmeos crescendo uma extremidade mutuamente, trocavam palavras enquanto foi permitido, "adeus ó esposo", disseram ao mesmo tempo e, ao mesmo tempo, cobriu-os a casca, e as bocas foram escondidas. Até hoje mostra o Bitínio 259 habitante ali troncos vizinhos de corpo gêmeo. Estas coisas (e não havia motivo para que desejassem enganar) confiáves velhos me narraram; sem dúvida, vi pendentes guirlandas sobre os ramos, e pondo outras recentes disse: "Guardiães dos deuses, deuses sejam; os que cultuaram sejam cultuados."260 Erisícton. A Fome
259 Thyneus ou Thyneius é o habitante da Bitínia, região ao sul do Mar Negro. Por extensão, o frígio. 260 Filemon e Báucis foram guardiães do templo de Júpiter até serem transformados em uma mesma árvore de tronco gêmeo. Como sabemos do início da narrativa de Lélex, trata-se de um carvalho, árvore consagrada a Júpiter. Portanto, aqueles que foram guardiães dos deuses, sejam deuses; aqueles que cultivaram os deuses, sejam cultivados, numa referência à divinização que cerca a transformação do casal de velhos.
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Desierat cunctosque et res et moverat auctor, Thesea praecipue. Quem facta audire volentem mira deum, innixus cubito Calydonius amnis talibus adloquitur: ‘Sunt, o fortissime, quorum forma semel mota est et in hoc renovamine mansit, sunt, quibus in plures ius est transire figuras, ut tibi, complexi terram maris incola, Proteu. Nam modo te iuvenem, modo te videre leonem; nunc violentus aper, nunc, quem tetigisse timerent, anguis eras, modo te faciebant cornua taurum. Saepe lapis poteras, arbor quoque saepe videri; interdum, faciem liquidarum imitatus aquarum, flumen eras, interdum undis contrarius ignis. Nec minus Autolyci coniunx, Erysichthone nata, iuris habet. Pater huius erat, qui numina divum sperneret et nullos aris adoleret odores. Ille etiam Cereale nemus violasse securi dicitur et lucos ferro temerasse vetustos. Stabat in his ingens annoso robore quercus, una nemus; vittae mediam memoresque tabellae sertaque cingebant, voti argumenta potentis. Saepe sub hac dryades festas duxere choreas, saepe etiam manibus nexis ex ordine trunci circuiere modum, mensuraque roboris ulnas quinque ter implebat. Nec non et cetera tantum silva sub hac, silva quantum fuit herba sub omni. Non tamen idcirco ferrum Triopeius illa abstinuit famulosque iubet succidere sacrum robur; et ut iussos cunctari vidit, ab uno edidit haec rapta sceleratus verba securi: ‘Non dilecta deae solum, sed et ipsa licebit sit dea, iam tanget frondente cacumine terram.’
Ele cessara, e o assunto e o seu autor comoveram todos, 261 Teseu principalmente, que querendo ouvir os feitos maravilhosos dos deuses, o rio Calidônio, apoiado sobre o cotovelo, com tais palavras a ele se dirige: "Seres existem, ó fortíssimo, dos quais 262 a forma uma vez foi mudada e permanece nessa metamorfose; existem os a quem é permitido mudar em várias formas, como a ti, Proteu, habitante do mar, que circunda a terra.263 Em verdade, viram-te ora como rapaz, ora como leão; agora violento javali, agora, que temeriam ter tocado, eras serpente, há pouco os chifres te faziam touro. Com frequência, podias parecer pedra e também árvore; às vezes, imitaste a face das águas transparentes, eras rio; outras vezes fogo contrário às ondas. E a esposa de Autólico, nascida de Erisícton, não menos poder tem. Seu pai era aquele que o poder dos deuses desprezava e nulos odores lhes queimava nos altares. Ele, ainda, ter violado o bosque de Ceres com o machado, dizem, e ter profanado com o ferro esses bosques vetustos. Erguia-se ali um imenso carvalho com um tronco de muitos anos, ele só, um bosque; pelo meio, as fitas e as tabuinhas votivas memoráveis e as guirlandas cingiam-no, provas da promessa atendida. Muitas vezes embaixo dele Dríades conduziram festivas danças em coro, muitas vezes também, com as mãos entrelaçadas sucessivamente, circundaram a extensão do seu tronco; e a medida do carvalho enchia três vezes cinco braças. É fato que, com relação ao restante, tanto a floresta estava sob esse carvalho, quanto sob toda a floresta havia relva. Entretanto, nem por esta razão, o Triopeu o ferro daquele manteve longe e ordena os servos cortar o sagrado carvalho; e como viu os comandados hesitar, de um deles tendo tomado o machado, o celerado disse estas palavras: "Não só dileto à deusa, mas também poderia ser a própria deusa, que ele já toque a terra com seu cume coberto de folhas."
261 Lélex termina a sua narração sobre Filemon e Báucis. 262 Acabada a narrativa de Lélex, começa a narrativa do rio Aqueloo, último episódio deste Livro VIII. 263 Proteu tem um papel importante no Canto IV da Odisseia, revelando a Menelau o destino de Agamêmnon. Verificar, no Livro XI das Metamorfoses, versos 238-265, as transformações de Tétis.
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Dixit, et obliquos dum telum librat in ictus, contremuit gemitumque dedit Deoia quercus: et pariter frondes, pariter pallescere glandes coepere ac longi pallorem ducere rami. Cuius ut in trunco fecit manus impia vulnus, haud aliter fluxit discusso cortice sanguis, quam solet, ante aras ingens ubi victima taurus concidit, abrupta cruor e cervice profundi. Obstipuere omnes, aliquisque ex omnibus audet deterrere nefas saevamque inhibere bipennem. Adspicit hunc ‘mentis’ que ‘piae cape praemia!’ dixit Thessalus, inque virum convertit ab arbore ferrum detruncatque caput repetitaque robora caedit, redditus et medio sonus est de robore talis: ‘Nympha sub hoc ego sum Cereri gratissima ligno, quae tibi factorum poenas instare tuorum vaticinor moriens, nostri solacia leti.’
Persequitur scelus ille suum, labefactaque tandem ictibus innumeris adductaque funibus arbor corruit et multam prostravit pondere silvam. 780 Attonitae dryades damno nemorumque suoque, omnes germanae, Cererem cum vestibus atris maerentes adeunt poenamque Erysichthonis orant. Adnuit his capitisque sui pulcherrima motu concussit gravidis oneratos messibus agros. 785 Moliturque genus poenae miserabile, si non ille suis esset nulli miserabilis actis, pestifera lacerare Fame. Quae quatenus ipsi non adeunda deae est (neque enim Cereremque Famemque fata coire sinunt), montani numinis unam 790 talibus agrestem compellat oreada dictis: “Est locus extremis Scythiae glacialis in oris,
Disse, e então balança a arma em golpes enviesados, e o carvalho de Deméter começou a tremer e deu um gemido: ao mesmo tempo, as frondes e as glandes empalideceram 264 e também os longos ramos começaram a conduzir o palor. Tão logo a mão ímpia fez ferida no seu tronco, não de outro modo o sangue fluiu da casca fendida, como costuma, diante das aras, quando, vítima, o ingente touro cai, ser vertido o sangue que corre da cerviz cortada. Todos ficaram estarrecidos, e um dentre todos ousa impedir o que não é permitido pelos deuses e deter a cruel bipene. O Tessálio olha para aquele e disse "toma o prêmio de teu espírito pio!", e afastando-se da árvore volta o ferro em direção ao homem tanto corta-lhe a cabeça, quanto massacra os troncos perseguidos; então, com tais palavras, do meio do tronco, uma voz foi expressa: "Eu sou Ninfa gratíssima a Ceres sob este lenho, que, morrendo, profetizo estar bem próximo a ti os castigos de tuas obras, consolos de nossa morte." Aquele leva a termo seu crime, e até que, abalada por inúmeros golpes e puxada por cordas, a árvore desabou e botou abaixo muita floresta com o seu peso. As Dríades atônitas, pelo seu dano e aos bosques sagrados, as irmãs todas, com vestes sombrias a Ceres, deplorando, se dirigem e imploram o castigo de Erisícton. A deusa, pulquérrima, anuiu e com um movimento de sua cabeça sacudiu os campos cumulados de pesadas messes. E ela urde um gênero de castigo digno de piedade, se não fosse aquele, por seus atos, digno da piedade de ninguém: dilacerá-lo com a pestífera Fome. Visto que a própria deusa não deve dirigir-se à Fome (e com efeito Ceres e Fome os fados não permitem se reunir), do nume montanhês uma Oréade agreste apostrofa com tais palavras: "Existe um local nas margens extremas da Cítia glacial, triste solo, sem frutos, terra estéril, sem árvore;
264 Do verso 761 ao 769, há uma situação comparável àquela que Odisseus presencia, com relação à impiedade de seus companheiros, quando matam os bois do Sol, na Ilha Trinácria (Odisseia, Canto XII, versos 312-398). Do mesmo modo, pode-se comparar à situação de Eneias, chegando à Trácia, e descobrindo a morte de Polidoro, filho de Príamo, ocasionada pelo seu próprio hóspede, o rei da região (Eneida, Livro III, versos 13-68). Nos dois casos, trata-se de impiedade contra os deuses.
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triste solum, sterilis, sine fruge, sine arbore tellus; Frigus iners illic habitant Pallorque Tremorque et ieiuna Fames. Ea se in praecordia condat sacrilegi scelerata iube; nec copia rerum vincat eam, superetque meas certamine vires. Neve viae spatium te terreat, accipe currus, accipe quos frenis alte moderere dracones.” Et dedit. Illa dato subvecta per aera curru devenit in Scythiam rigidique cacumine montis (Caucason appellant) serpentum colla levavit quaesitamque Famem lapidoso vidit in agro unguibus et raras vellentem dentibus herbas. Hirtus erat crinis, cava lumina, pallor in ore, labra incana situ, scabrae rubigine fauces, dura cutis, per quam spectari viscera possent; ossa sub incurvis exstabant arida lumbis, ventris erat pro ventre locus, pendere putares pectus et a spinae tantummodo crate teneri. Auxerat articulos macies, genuumque tumebat orbis, et inmodico prodibant tubere tali. Hanc procul ut vidit (neque enim est accedere iuxta ausa), refert mandata deae: paulumque morata, quamquam aberat longe, quamquam modo venerat illuc, visa tamen sensisse famem retroque dracones egit in Haemoniam, versis sublimis habenis. Dicta Fames Cereris, quamvis contraria semper illius est operi, peragit. Perque aera vento ad iussam delata domum est et protinus intrat sacrilegi thalamos altoque sopore solutum (noctis enim tempus) geminis amplectitur ulnis: seque viro inspirat faucesque et pectus et ora adflat et in vacuis spargit ieiunia venis. Functaque mandato fecundum deserit orbem inque domos inopes adsueta revertitur antra.
265 O sacrílego ou ímpio é Erisícton.
ali habitam o inerte Frio tanto quanto o Palor e o Terror e a jejuna Fome. Que esta se esconda nas entranhas celeradas do sacrílego ordena; e nem a abundância das coisas vença-a, e supere, pelo combate, as minhas forças. E para que a distância do caminho não te amedronte, toma meus carros, toma meus dragões, que com as rédeas conduzirás pelo alto céu." E deu-lho. Aquela, remontada pelos ares com o carro cedido, chega à Cítia, e no cume rígido de frio do monte (chamam Cáucaso) das serpentes aliviou os pescoços e viu no campo pedregoso a Fome procurada arrancando com as unhas e os dentes as raras ervas. O cabelo era hirsuto, os olhos cavos, a palidez na face, os lábios esbranquiçados de mofo, as fauces rugosas de ferrugem, a cútis dura, pela qual podem ser vistas as vísceras; os ossos secos mostravam-se sob as costas encurvadas, em vez do ventre havia o lugar do ventre, supunhas estar suspenso o peito e somente ser mantido pela grade da espinha. A magrém aumentara as articulações, e dos joelhos entumescia a órbita, e os calcanhares avançavam-se em desmedida protuberância. Como a Oréade a viu de longe (e, evidentemente, dirigir-se para perto não ousou), relatou as ordens da deusa e demorou-se pouco; embora estivesse a uma grande distância, e se bem que há pouco chegara ali, pareceu-lhe, entretanto, ter sentido fome e os dragões fez recuar em direção à Hemônia, com as rédeas voltadas pelos ares. A Fome as palavras de Ceres, embora sempre contrária à ordem daquela, cumpre-as inteiramente. E pelos ares, pelo vento é transportada até a casa ordenada e entra direto no leito do ímpio, amolecido por sono profundo 265 (com efeito era noite), e o abraça com os dois braços: e se insufla no varão e nas fauces e peito e boca sopra e nas suas veias vazias semeia a fome. E, cumprida a missão, ela deixa o orbe fecundo e às moradas pobres, aos antros habituais, retorna. O suave sono, até então, com doces asas Erisícton
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Lenis adhuc somnus placidis Erysichthona pennis mulcebat: petit ille dapes sub imagine somni oraque vana movet dentemque in dente fatigat exercetque cibo delusum guttur inani proque epulis tenues nequiquam devorat auras. Ut vero est expulsa quies, furit ardor edendi perque avidas fauces incensaque viscera regnat. Nec mora, quod pontus, quod terra, quod educat aer, poscit et adpositis queritur ieiunia mensis inque epulis epulas quaerit; quodque urbibus esse quodque satis poterat populo, non sufficit uni, plusque cupit, quo plura suam demittit in alvum. Utque fretum recipit de tota flumina terra nec satiatur aquis peregrinosque ebibit amnes, utque rapax ignis non umquam alimenta recusat innumerasque faces cremat et, quo copia maior est data, plura petit turbaque voracior ipsa est: sic epulas omnes Erysichthonis ora profani accipiunt poscuntque simul. Cibus omnis in illo causa cibi est, semperque locus fit inanis edendo. Iamque fame patrias altaque voragine ventris attenuarat opes, sed inattenuata manebat tum quoque dira fames, implacataeque vigebat flamma gulae. Tandem, demisso in viscera censu, filia restabat, non illo digna parente. Hanc quoque vendit inops. Dominum generosa recusat et vicina suas tendens super aequora palmas ‘eripe me domino; qui raptae praemia nobis virginitatis habes’ ait. Haec Neptunus habebat. Qui prece non spreta, quamvis modo visa sequenti esset ero, formamque novat vultumque virilem induit et cultus piscem capientibus aptos. Hanc dominus spectans ‘o qui pendentia parvo aera cibo celas, moderator harundinis,’ inquit ‘sic mare compositum, sic sit tibi piscis in unda credulus et nullos, nisi fixus, sentiat hamos:
acariciava; sob a imagem do sono ele busca obter comida e move a boca vazia e no dente fatiga o dente e a garganta enganada com o falso alimento não repousa e em lugar dos alimentos devora, inutilmente, as tênues brisas. Tão logo, de fato, o sono foi dissipado, o ardor de comer se desencadeia e reina pelas ávidas fauces e pelas vísceras incendidas. E sem demora, o que o mar, o que a terra o que o ar produzem, ele exige e queixa-se de fome com as mesas servidas e nos alimentos procura banquetes; e o que pudera ser suficiente a cidades e o que pudera ser suficiente a um povo, não é suficiente a um só, e mais ele deseja, em maior número faz descer ao seu estômago. E como o mar recebe os rios de toda a terra e não se sacia com as águas e absorve os cursos d'água peregrinos, e como o fogo rapace não recusa jamais alimentos e queima inúmeras tochas e, quanto maior abundância lhe é dada, mais busca atingir e com a própria quantidade é mais voraz: assim as bocas do ímpio Erisícton todas as comidas 266 recebem e reclamam ao mesmo tempo. Todo alimento nele é motivo de alimento e, sempre comendo, o local torna-se vazio. E já pela fome e pela alta voragem do ventre as riquezas pátrias reduzira, mas permanecia não reduzida, por outro lado, também a cruel fome, e vigorava a chama da insaciável gula. Enfim, tendo feito cair sua fortuna pelas vísceras, restava-lhe uma filha, digna não daquele pai. Sem recursos, ele vende também esta. Nobre, ela recusa o senhor e estendendo suas mãos sobre as águas vizinhas diz "tira-me do meu senhor; tu que os privilégios de nossa pilhada virgindade tens". Netuno possuía estes privilégios. Aquele, não tendo rejeitado a prece, embora há pouco ela tivesse sido vista pelo seu senhor, que a seguia, tanto forja uma forma e um rosto viril, quanto lhe veste os cuidados próprios aos que pegam peixe. O senhor olhando-a atentamente, diz " ó tu que com a pequena isca escondes os bronzes pendentes, mestre do caniço, assim esteja o mar calmo, assim tenhas o peixe na água, crédulo, e não sinta os anzóis, senão quando preso: aquela que há pouco com veste barata e cabelos em desalinho
266 Acreditamos que nessa passagem o plural ora não é metri gratia, mas para dar a ideia da voracidade de Erisícton. Em lugar de boca, ele tem bocas.
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quae modo cum vili turbatis veste capillis litore in hoc steterat (nam stantem in litore vidi), dic ubi sit: neque enim vestigia longius exstant.’ Illa dei munus bene cedere sensit et a se se quaeri gaudens, his est resecuta rogantem: ‘Quisquis es, ignoscas; in nullam lumina partem gurgite ab hoc flexi studioque operatus inhaesi. Quoque minus dubites, sic has deus aequoris artes adiuvet, ut nemo iamdudum litore in isto, me tamen excepto, nec femina constitit ulla.’ Credidit et verso dominus pede pressit harenam elususque abiit: illi sua reddita forma est.
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Ast ubi habere suam transformia corpora sensit, saepe pater dominis Triopeida tradit. At illa nunc equa, nunc ales, modo bos, modo cervus abibat praebebatque avido non iusta alimenta parenti. Vis tamen illa mali postquam consumpserat omnem materiam dederatque gravi nova pabula morbo, ipse suos artus lacero divellere morsu coepit et infelix minuendo corpus alebat.
Quid moror externis? Etiam mihi nempe novandi est corporis, o iuvenis, numero finita potestas. Nam modo qui nunc sum videor, modo flector in anguem, 885 armenti modo dux vires in cornua sumo, – cornua, dum potui! nunc pars caret altera telo frontis, ut ipse vides.” Gemitus sunt verba secuti.
nesta praia estivera (com efeito, nesta praia a vi estando de pé), diz-me onde esteja, pois não existem pegadas mais ao longe." Ela sentiu o dom do deus ter êxito e, por ser perguntada a si mesma, rejubilando-se, respondeu prontamente ao solicitante com estas palavras: "Quem quer que sejas, perdoa-me; para nenhuma parte os olhos desta massa d'água eu desviei e no zelo permaneci fixo e trabalhei. E para que não duvides, assim o deus do mar estas artes favoreça, como ninguém há muito tempo nesta praia onde estás, porém com exceção de mim, e mulher alguma esteve." O seu senhor acreditou e com o pé pressionou para trás a areia e foi-se iludido. Para ela, sua forma foi devolvida. E quando sentiu sua filha possuir um corpo que se transforma, o pai, com frequência, entrega a Triopeida aos seus senhores. Mas ela agora égua, agora ave, há pouco vaca, há pouco cervo, desaparecia e fornecia ao esfomeado pai não justos alimentos. Entretanto, depois que aquela violência do mal consumira todo o recurso, concedera novos alimentos à grave doença, ele próprio tendo rasgado a mordida, seus braços a fazer em pedaços começa, e o infeliz alimentava o corpo diminuindo o corpo. Por que me demoro com fatos externos? Também tenho, ó jovem, naturalmente, o poder, em número limitado, de mudar de corpo.267 Pois, ora pareço o que agora sou, ora mudo-me em cobra, ora chefe do rebanho, arrogo-me forças nos chifres, – meus chifres, até quando pude! Agora a outra parte da fronte da sua arma está privada, como tu próprio vês." E os gemidos seguiram as palavras.
Tradução: Mílton Marques Júnior, UFPB
267 As transformações de Aqueloo, em luta contra Hércules pelo amor de Djanira, encontram-se no Livro IX das Metamorfoses, versos 1-88.
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Aquelou e Hércules
Quae gemitus truncaeque deo Neptunius heros causa rogat frontis, cum sic Calydonius amnis coepit inornatos redimitus harundine crines:
Teseu, filho de Netuno, pergunta a Aquelou o motivo do gemido e a causa de seu rosto mutilado. O rio Calidônio, com os cabelos desgrenhados e coroados de caniços, começa assim:
“Triste petis munus. Quis enim sua proelia victus commemorare velit? Referam tamen ordine. Nec tam turpe fuit vinci, quam contendisse decorum est, magnaque dat nobis tantus solacia victor. Nomine siqua suo fando pervenit ad aures Deianira tuas—quondam pulcherrima virgo multorumque fuit spes invidiosa procorum. Cum quibus ut soceri domus est intrata petiti, “accipe me generum,” dixi “Parthaone nate:” dixit et Alcides. Alii cessere duobus. Ille Iovem socerum dare se famamque laborum et superata suae referebat iussa novercae. Contra ego “turpe deum mortali cedere” dixi (nondum erat ille deus), “regem me cernis aquarum cursibus obliquis inter tua regna fluentum. Nec gener externis hospes tibi missus ab oris, sed popularis ero et rerum pars una tuarum. Tantum ne noceat, quod me nec regia Iuno odit et omnis abest iussorum poena laborum. Nam, quo te iactas, Alcmena nate, creatum, Iuppiter aut falsus pater est, aut crimine verus. Matris adulterio patrem petis. Elige, fictum esse Iovem malis, an te per dedecus ortum.”
“Tu me pedes algo muito difícil de fazer, pois que derrotado desejaria lembrar sua triste batalha? Contudo, cumprirei o teu pedido, afinal não é tão torpe quanto é honrado ao vencido ter lutado, e um vencedor com tal fama não deixa de ser um grande consolo. Certa vez Dejanira, de quem já ouviste falar certamente, a mais bela virgem, foi motivo de esperança e de inveja para muitos pretendentes. Um dia, alguns deles entraram na casa do pretendido futuro sogro”. E eu, que estava entre eles, antecipei-me e disse: “Aceita-me como genro, ó filho nascido de Portaone”. Da mesma forma Alcides o interpelou. Os demais pretendentes cederam a vez a nós dois. Por sua vez, ele apresentou de imediato seus dotes: propiciaria à noiva um sogro como Júpiter, além da fama de seus trabalhos, como cumprimento das ordens de sua madrasta. Mas eu desferi: “Que vergonha, um deus ceder a um mortal”. Naquele momento ele ainda não era um deus. E completei: “Em mim, tens o senhor que faz fluir as águas sinuosas entre todo o teu reino. Não serei um genro enviado do litoral para ti, entre inimigos externos, mas antes parte dos teus, da tua gente, de tuas coisas. Basta o fato de que a rainha Juno não me prejudica, não me odeia, nem me ordena trabalhos como pena. Tu dizes que és filho de Alcmena e de Júpiter, mas este ou não é o verdadeiro pai, ou, de outra forma, se fez por um crime, pois tu buscas um pai que se fez por intermédio do adultério, da tua própria mãe. Faz a tua escolha: “Tu queres que Júpiter seja uma mentira ou preferes ser filho da vergonha?”
Talia dicentem iamdudum lumine torvo spectat et accensae non fortiter imperat irae verbaque tot reddit: “Melior mihi dextera lingua. Dummodo pugnando superem, tu vince loquendo,” congrediturque ferox. Puduit modo magna locutum cedere: reieci viridem de corpore vestem
Após ouvir tais coisas, ele me encarou com olhos ameaçadores e devolveu-me estas palavras: “minha mão direita é melhor que a tua língua, desde que eu te supere lutando, podes me vencer falando”. E se aproximou de mim de modo feroz. Envergonhei-me com o que acontecera, por ter recuado. Retirei a veste verde do corpo e apresentei-me para a luta, distendi os músculos e cerrei os punhos. Ele assopra-me poeira com as palmas das mãos e o meu rosto fica amarelo após o
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bracchiaque opposui tenuique a pectore varas in statione manus et pugnae membra paravi. Ille cavis hausto spargit me pulvere palmis inque vicem fulvae tactu flavescit harenae. Et modo cervicem, modo crura micantia captat, aut captare putes, omnique a parte lacessit. Me mea defendit gravitas frustraque petebar, haud secus ac moles, quam magno murmure fluctus oppugnant: manet illa suoque est pondere tuta. Digredimur paulum rursusque ad bella coimus, inque gradu stetimus, certi non cedere; eratque cum pede pes iunctus, totoque ego pectore pronus et digitos digitis et frontem fronte premebam. Non aliter vidi fortes concurrere tauros, cum pretium pugnae toto nitidissima saltu expetitur coniunx: spectant armenta paventque nescia, quem maneat tanti victoria regni. Ter sine profectu voluit nitentia contra reicere Alcides a se mea pectora; quarto excutit amplexus adductaque bracchia solvit, inpulsumque manu (certum est mihi vera fateri) protinus avertit tergoque onerosus inhaesit. Siqua fides neque ficta mihi nunc gloria voce quaeritur, inposito pressus mihi monte videbar. Vix tamen inserui sudore fluentia multo bracchia, vix solvi duros a corpore nexus: instat anhelanti prohibetque resumere vires, et cervice mea potitur. Tum denique tellus pressa genu nostro est, et harenas ore momordi.
contato com a areia, da mesma forma o pescoço e as pernas. E parte para o ataque. O peso de meu corpo acaba me protegendo, ameniza e frustra seus golpes. A resistência e o estrondo são iguais às das ondas a bater sobre os rochedos, a pedra afronta as águas a partir de sua própria massa. Apartamo-nos por um breve momento e depois nos atracamos novamente. Mantivemo-nos em posição firme, decididos a não ceder, um pé junto com o outro pé, e eu, inclinado, premia todo o peito contra ele, os dedos com os dedos e a fronte com a fronte. De outro modo, nunca vi touros fortes combaterem, tal como nos momentos em que a mais bela fêmea é cobiçada, o rebanho de longe observa e teme, sem saber quem será o vencedor de tão belo prêmio. Por três vezes, sem sucesso, Alcides tenta afastar o peso do meu corpo; da quarta vez desfez meu abraço e dissolveu os braços que o apertavam. De forma arrojada, é preciso dizer a verdade, imediatamente girou o corpo e atacou-me com toda a sua força e ódio. Podes acreditar, (e com isso não estou querendo aumentar a minha glória), parecia que eu tinha uma montanha sobre mim. Com muita dificuldade, com muito suor, fui contido por aqueles braços suados, com muita dificuldade dissolvi os duros nós dados por aquele corpanzil. Imobiliza-me ofegante, impede-me de recobrar o fôlego e prende o meu pescoço. Então, por fim, meu joelho cai sobre a terra e eu acabo por engolir terra.
Inferior virtute meas divertor ad artes, elaborque viro longum formatus in anguem. Qui postquam flexos sinuavi corpus in orbes cumque fero movi linguam stridore bisulcam, risit et inludens nostras Tirynthius artes “cunarum labor est angues superare mearum,” dixit “et ut vincas alios, Acheloe, dracones,
Com uma força inferior, recorro aos meus artifícios e esquivo-me do homem sob a forma de uma longa serpente. Após o que, curvei o corpo em círculos sinuosos, quando então movimentei a língua bífida com feroz sibilo. Riu da sua sorte com cobras268 e zombou: “Meu primeiro trabalho no berço foi derrotar uma cobra”, e complementou: “Que tu venças outros dragões, Aquelou, porque para mim tu não passas de uma simples serpente, uma pequena víbora em relação àquela de Hidra. Aquela era muito mais difícil no que diz respeito às feridas, para cada
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Referência às aventuras e estórias de Hércules que tiveram envolvimento com cobras.
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pars quota Lernaeae serpens eris unus echidnae? Vulneribus fecunda suis erat illa, nec ullum de centum numero caput est inpune recisum, quin gemino cervix herede valentior esset. Hanc ego ramosam natis e caede colubris crescentemque malo domui domitamque reclusi. Quid fore te credas, falsum qui versus in anguem arma aliena moves, quem forma precaria celat?”
cabeça subtraída, duas mais surgia sobre o pescoço, e mais poderosas. Eu derrotei essa cobra de cem cabeças, eu a domei e a esquartejei. Mas tu, o que pensas que estás fazendo, transformando-te em falsa serpente, utilizando armas que te são estranhas, escondido atrás de uma forma precária?”
Dixerat, et summo digitorum vincula collo inicit: angebar ceu guttura forcipe pressus, pollicibusque meas pugnabam evellere fauces. Sic quoque devicto restabat tertia tauri forma trucis: tauro mutatus membra rebello. Induit ille toris a laeva parte lacertos, admissumque trahens sequitur depressaque dura cornua figit humo meque alta sternit harena. Nec satis hoc fuerat: rigidum fera dextera cornu dum tenet, infregit truncaque a fronte revellit. Naides hoc, pomis et odoro flore repletum, sacrarunt, divesque meo Bona Copia cornu est.”
Assim falou e lançou seus dedos sobre meu pescoço. Na medida em que eu era apertado, minha garganta parecia ser comprimida por uma tenaz, no entanto, eu fazia de tudo para me livrar de seus polegares. E já que também fui vencido como cobra, restava agora o meu terceiro disfarce, a aparência de touro selvagem. Transformei-me em touro, retomando a batalha. Mas ele, agarrando-me pelo cachaço, leva adiante sua ação criminosa, fixa meus chifres duros no solo e me derruba no chão, em meio à terra e areia. Só que isso não foi o bastante, enquanto reteve o rígido corno com sua mão direita, arrancou com toda a força meu outro chifre da fronte. As Náiades, de imediato, encheram-no de frutos, flores e perfumes e o consagraram aos deuses, que, por sua vez o denominaram Cornucópia, ou chifre da Boa Abundância.
Dixerat, et nymphe ritu succincta Dianae, una ministrarum, fusis utrimque capillis, incessit totumque tulit praedivite cornu autumnum et mensas, felicia poma, secundas. Lux subit, et primo feriente cacumina sole discedunt iuvenes: neque enim dum flumina pacem et placidos habeant lapsus totaeque residant, opperiuntur, aquae. Vultus Achelous agrestes et lacerum cornu mediis caput abdidit undis.
Tão logo dissera isso, uma das sacerdotisas, em vestes sucintas, ao modo de Diana, com os cabelos soltos de um lado e de outro, investiu contra mim e levou tudo junto, inclusive a rica produção do outono. Nasce o dia, trazendo o apogeu do primeiro sol, os jovens se retiraram, os rios retomaram a sua paz, suas correntes tornaram-se plácidas, e que assim permaneçam. Aquelou escondeu o rosto e a cabeça dilacerada entre as águas.
Nessus. Herculis mors
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Hunc tamen ablati domuit iactura decoris, cetera sospes habet; capitis quoque fronde saligna aut super inposita celatur harundine damnum. At te, Nesse ferox, eiusdem virginis ardor perdiderat volucri traiectum terga sagitta.
Nesso e a morte de Hércules A perda deste seu encanto doeu, contudo, ainda lhe restam outras belezas, o dano causado por esta deficiência ficou escondido pela cabeça repleta de muitos outros caniços. Mas tu também, ó feroz Nesso, a paixão por essa mesma virgem igualmente se perdeu na trajetória daquela seta que voou em tuas costas. Com uma nova esposa o filho de Júpiter retornava para os muros pátrios, quando chega às
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Namque nova repetens patrios cum coniuge muros venerat Eueni rapidas Iove natus ad undas. Uberior solito, nimbis hiemalibus auctus verticibusque frequens erat atque inpervius amnis. Intrepidum pro se, curam de coniuge agentem Nessus adit, membrisque valens scitusque vadorum, “officio” que “meo ripa sistetur in illa haec,” ait “Alcide. Tu viribus utere nando!” pallentemque metu fluviumque ipsumque timentem tradidit Aonius pavidam Calydonida Nesso. Mox, ut erat, pharetraque gravis spolioque leonis (nam clavam et curvos trans ripam miserat arcus), “quandoquidem coepi, superentur flumina!” dixit, nec dubitat nec, qua sit clementissimus amnis, quaerit et obsequio deferri spernit aquarum.
rápidas ondas do Eveno. Este rio, aumentado pelas águas de inverno, estava cheio de redemoinhos e intransitável. O herói seria intrépido, se estivesse sozinho, entretanto, estava acompanhado e fez-se cuidadoso por causa da esposa. Forte e conhecedor das passagens existentes em tais águas, Nesso se aproxima e diz: “Estas duas margens são guardadas por minhas próprias mãos. Alcides, faz uso de tuas próprias forças. Nada. O herói aônio entregou a calidônia Dejanira a Nesso, ela estava pálida de medo, porque temia a força das corredeiras. Sem demora, como estava com a aljava e com o espólio do robusto leão, visto que a clava e os arcos curvos já haviam alcançado a outra margem, falou: “Se comecei, vou até o fim, que outros rios sejam superados”. Sem hesitar, nem procurar o local em que as águas seriam mais calmas, desdenha a complacência da correnteza de levá-lo até o outro lado.
Iamque tenens ripam, missos cum tolleret arcus, coniugis agnovit vocem: Nessoque paranti fallere depositum “quo te fiducia” clamat “vana pedum, violente, rapit? Tibi, Nesse biformis, dicimus. Exaudi nec res intercipe nostras! Si te nulla mei reverentia movit, at orbes concubitus vetitos poterant inhibere paterni. Haud tamen effugies, quamvis ope fidis equina: vulnere, non pedibus te consequar.” Ultima dicta res probat, et missa fugientia terga sagitta traicit: exstabat ferrum de pectore aduncum. Quod simul evulsum est, sanguis per utrumque foramen emicuit mixtus Lernaei tabe veneni. Excipit hunc Nessus “neque enim moriemur inulti” secum ait et calido velamina tincta cruore dat munus raptae velut inritamen amoris.
E, já tendo alcançado a margem, enquanto recolhia os arcos lançados de antemão, reconheceu a voz da esposa e percebe que Nesso está a desrespeitá-la e grita: “Para onde te levam essas patas e essa tua arrogância, ó Nesso biforme? Ouve bem: não te metas com o que é meu. Se nenhuma reverência a mim te move e o mundo pátrio não pode inibir teus crimes passionais, contudo, não fugirás, seja qual for a fé na ajuda de tua porção cavalo, pois eu te alcançarei não com os pés, mas com um só golpe, estejas onde estiveres.” Dito isto, atravessou as costas do fugitivo com uma seta, só para lhe provar. O ferro adunco transpôs de um lado a outro o peito do inimigo. No mesmo instante em que foi arrancada, o sangue, misturado ao veneno de Lerna269, esguichou por ambos os lados das feridas. Nesso pensou e falou consigo mesmo: “Não morrerei sem ser vingado”, e ofereceu de presente a Dejanira as vestes tingidas de sangue ainda quente, como estímulo ao amor.
Longa fuit medii mora temporis, actaque magni Herculis inplerant terras odiumque novercae. Victor ab Oechalia Cenaeo sacra parabat vota Iovi, cum Fama loquax praecessit ad aures,
Longo foi o tempo, durante o qual, os feitos do grande Hércules circularam por todas as terras, acompanhados de perto pelo ódio da madrasta. O vencedor, vindo da Ecália, preparava os sacros votos a Júpiter Ceneu, quando a loquaz Fama chegou antes aos teus ouvidos, Dejanira, aquela que se alegra em juntar coisas
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Veneno extraído da Hidra de Lerna.
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Deianira, tuas, quae veris addere falsa gaudet et e minimo sua per mendacia crescit, 140 Amphitryoniaden Ioles ardore teneri. Credit amans, venerisque novae perterrita fama indulsit primo lacrimis flendoque dolorem diffudit miseranda suum; mox deinde “quid autem flemus?” ait “paelex lacrimis laetabitur istis. 145 Quae quoniam adveniet, properandum aliquidque novandum est, dum licet et nondum thalamos tenet altera nostros. Conquerar an sileam? Repetam Calydona morerne? Excedam tectis an, si nihil amplius, obstem? Quid si me, Meleagre, tuam memor esse sororem 150 forte paro facinus, quantumque iniuria possit femineusque dolor, iugulata paelice testor?”
falsas às verdadeiras, que faz crescer coisas pequenas por meio de suas mentiras, espalhou: o Anfitriônida ama Iole. A amante aterrorizada acreditou na notícia desse novo amor. Primeiramente, se põe a chorar e, desta forma, extravasa sua dor miserável. Mas, em seguida, consertou: “Por que estou chorando? A concubina se alegrará com essas lágrimas. O que virá depois? É preciso fazer algo, enquanto eu posso, enquanto a outra ainda não detém o poder sobre nosso leito. Lamentarei ou silenciarei? Volto para a Calidônia ou fico aqui? Saio de casa, ou resisto e impeço a sua ação? E se, em vez disso, lembrando que sou tua irmã, Meleagro, cometo um grande crime e dou testemunho de quanto a dor de uma mulher ultrajada pode terminar em uma amante degolada?”
In cursus animus varios abit: omnibus illis praetulit inbutam Nesseo sanguine vestem mittere, quae vires defecto reddat amori. Ignaroque Lichae, quid tradat, nescia, luctus ipsa suos tradit blandisque (miserrima!) verbis, dona det illa viro, mandat. Capit inscius heros induiturque umeris Lernaeae virus echidnae.
Entre muitas ideias, decidiu-se por enviar a Hércules a veste impregnada com o sangue de Nesso, o que tornaria possível devolver a força a qualquer amor enfraquecido. Ela própria, desconhecedora de que o presente estava envenenado, entrega a Licas, para que este o repasse ao homem a quem está endereçado, juntamente com brandas palavras. O herói, sem saber, pega e veste a roupa envenenada sobre os ombros.
Tura dabat primis et verba precantia flammis vinaque marmoreas patera fundebat in aras: incaluit vis illa mali resolutaque flammis Herculeos abiit late dilapsa per artus. Dum potuit, solita gemitum virtute repressit; victa malis postquam est patientia, reppulit aras inplevitque suis nemorosam vocibus Oeten. Nec mora, letiferam conatur scindere vestem: qua trahitur, trahit illa cutem, foedumque relatu, aut haeret membris frustra temptata revelli, aut laceros artus et grandia detegit ossa. Ipse cruor, gelido ceu quondam lamina candens tincta lacu, stridit coquiturque ardente veneno.
Começava assim o sacrifício, enquanto queimava o incenso, já com as primeiras chamas, e com as palavras exortativas, espalhava o cálice de vinho por sobre os altares de mármore. Já a força do mal começou a aquecer, disseminando-se rapidamente, propagou-se pelos membros de Hércules. Enquanto pôde, ele reprimiu o gemido em honra a sua consolidada virtude. Após o que, a paciência foi vencida pelos males, repeliu os altares e berrou a plenos pulmões a dor que o dilacerava. Sem demora, tenta arrancar as vestes letais, numa tentativa frustrada, pois acaba por arrancar a própria pele; as roupas aderem aos membros destruídos, deixando os ossos e as articulações à mostra. A carne, ainda em sangue, estalava e de uma só vez foi queimada, tal como lama incandescente em um lago gelado. As ávidas chamas devoram as vísceras e um suor intenso brota por todo o corpo. Os nervos queimados crepitam ao calor e nosso herói levanta as mãos a se derreter para o céu. E brada: “Alimenta-te, Satúrnia, com minha ruína. Alimenta-te e observa este mal. Sacia, aí do alto, esse teu coração cruel. Se, como inimigo, te causo piedade, se para ti estou com um aspecto horrível, tira-me esta vida horrenda, marcada por tanto sofrimento e por tamanhos trabalhos, a morte, assim, será um
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Nec modus est: sorbent avidae praecordia flammae, caeruleusque fluit toto de corpore sudor,
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ambustique sonant nervi: caecaque medullis tabe liquefactis tollens ad sidera palmas “cladibus,” exclanmat “Saturnia, pascere nostris, pascere et hanc pestem specta, crudelis, ab alto corque ferum satia. Vel si miserandus et hosti, hoc est, si tibi sum, diris cruciatibus aegram invisamque animam natamque laboribus aufer: hoc mihi munus erit; decet haec dare dona novercam. Ergo ego foedantem peregrino templa cruore Busirin domui saevoque alimenta parentis Antaeo eripui? Nec me pastoris Hiberi forma triplex, nec forma triplex tua, Cerbere, movit? Vosne, manus, validi pressistis cornua tauri? Vestrum opus Elis habet, vestrum Stymphalides undae Partheniumque nemus? Vestra virtute relatus Thermodontiaco caelatus balteus auro pomaque ab insomni concustodita dracone? Nec mihi Centauri potuere resistere, nec mi Arcadiae vastator aper? Nec profuit hydrae crescere per damnum geminasque resumere vires? Quid tum? Thracis equos humano sanguine pingues plenaque corporibus laceris praesepia vidi visaque deieci dominumque ipsosque peremi. His elisa iacet moles Nemeaea lacertis, hac caelum cervice tuli. Defessa iubendo est saeva Iovis coniunx: ego sum indefessus agendo. Sed nova pestis adest, cui nec virtute resisti nec telis armisque potest. Pulmonibus errat ignis edax imis perque omnes pascitur artus. At valet Eurystheus!—et sunt qui credere possint esse deos!” Dixit, perque altam saucius Oeten haud aliter graditur, quam si venabula taurus corpore fixa gerat, factique refugerit auctor. Saepe illum gemitus edentem, saepe frementem, saepe retemptantem totas infringere vestes sternentemque trabes irascentemque videres montibus aut patrio tendentem bracchia caelo.
presente para mim, um presente típico de madrasta. Ou, por acaso, não fui eu que venci o repugnante Busíris, que sujava os templos com o sangue dos estrangeiros? Não fui eu que arrebatei o feroz Anteu da força da mãe? Por acaso a forma tríplice do pastor Ibero, ou a forma tríplice de Cérbero me amedrontou? Por acaso, não foram estas mãos que comprimiram os cornos do potente touro? Élis manterá a fama de meu trabalho, assim como as ondas Estinfálide e também o bosque de Partênio, tudo isso relacionado com a minha virtude. Não fui eu que, ornado com o cinturão de ouro termodontíaco, obtive as maçãs guardadas sob os cuidados do insone dragão? Não resisti ao Centauro, ao devastador javali da Arcádia? Será que foi inútil derrotar a Hidra, de cujas feridas cresciam duas cabeças exatamente iguais? Não é verdade, então, o que eu vi: os cavalos trácios, canibais, alimentados com sangue humano, os estábulos repletos de corpos esquartejados? Não é verdade, então, que aniquilei o seu dono e os próprios animais assassinos? Pois eu digo que o corpanzil do leão nemeio foi estrangulado com estas mãos. Eu carreguei o céu sobre estes ombros. A esposa de Júpiter está cansada de ordenar, e eu, de cumprir suas tarefas. Mas uma nova peste se aproxima, e esta eu não consigo resistir nem com minha força, nem com golpes de armas. O fogo voraz avança pelas entranhas, e faz inchar todas as minhas articulações. “Então adeus, Euristeu! E eles se dizem deuses?”. Foi assim ferido que ele externou tudo isso, dirigindo-se em seguida ao cume do monte Eta. Não é de outro modo que ele avança, como se um touro carregasse venábulos trespassados pelo corpo. Assim Hércules se retirou. Creio que já deves ter visto um grito devorador, fremente, retido com toda a força, a romper todas as vestes. Creio que muitas vezes já viste braços estendidos a caírem prostrados pelos montes e pelo céu pátrio, por conta da cólera.
Ecce Lichan trepidum latitantem rupe cavata
Eis que Hércules avista Licas, escondido em uma rocha escavada, e como sua
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adspicit, utque dolor rabiem conlegerat omnem, “tune, Licha,” dixit “feralia dona dedisti? Tune meae necis auctor eris?” Tremit ille pavetque pallidus et timide verba excusantia dicit. Dicentem genibusque manus adhibere parantem corripit Alcides et terque quaterque rotatum mittit in Euboicas tormento fortius undas. Ille per aerias pendens induruit auras, utque ferunt imbres gelidis concrescere ventis, inde nives fieri, nivibus quoque molle rotatis adstringi et spissa glomerari grandine corpus: sic illum validis iactum per inane lacertis exsanguemque metu nec quicquam umoris habentem in rigidos versum silices prior edidit aetas. Nunc quoque in Euboico scopulus brevis eminet alto gurgite et humanae servat vestigia formae; quem, quasi sensurum, nautae calcare verentur appellantque Lichan.—At tu, Iovis inclita proles, arboribus caesis, quas ardua gesserat Oete, inque pyram structis, arcum pharetramque capacem regnaque visuras iterum Troiana sagittas ferre iubes Poeante satum. Quo flamma ministro est subdita; dumque avidis comprenditur ignibus agger, congeriem silvae Nemeaeo vellere summam sternis et inposita clavae cervice recumbis, haud alio vultu, quam si conviva iaceres inter plena meri redimitus pocula sertis.
dor reunira toda a raiva, disse: “Por acaso, foste tu que deste esse presente feroz, Licas? Por acaso, és tu o autor de minha morte? Aquele, pálido, estremece e timidamente se desculpa. Enquanto fala, Licas esforça-se por tomá-lo nos braços, mas uma mão queimada agarra-se bruscamente a ele. Após tê-lo girado três, quatro vezes no ar, lança-o mais forte que uma catapulta contra as ondas do mar Euboico. Licas, ao despencar no abismo, endureceu por causa dos ares, tal como as chuvas aumentam junto com os ventos gelados, como que se transmudando em neve, a massa do corpo compactando-se como granizo espesso. Deste modo Licas foi lançado ao ar por braços tão poderosos, foi assim que caiu exangue, aterrorizado, duro, sem nenhum líquido no corpo. Agora jaz transformado em rígido rochedo, é o que diz a tradição. Agora o pequeno promontório eleva-se por sobre o profundo mar Euboico; conserva os vestígios da antiga forma humana em seus abismos; os marinheiros temem pisá-lo e o denominam Licas. Quanto a ti, filho do grande Júpiter, o escarpado Eta produzirá a pira funerária, é para ti que os troncos estão dispostos. Ordenes para que o filho de Peante270 traga o arco, a aljava e as flechas que serão mais tarde vistas nos reinos troianos. É nesse lugar que a chama mortuária agirá. Ao mesmo tempo em que a pira é tomada pelo fogo ávido, estende-te por cima do grande montante da floresta, recosta-te por sobre o montulho, como se deitasses, ornado de coroa, sobre copos cheios de vinho.
Iamque valens et in omne latus diffusa sonabat securosque artus contemptoremque petebat flamma suum; timuere dei pro vindice terrae. Quos ita (sensit enim) laeto Saturnius ore Iuppiter adloquitur: “Nostra est timor iste voluptas, o superi, totoque libens mihi pectore grator, quod memoris populi dicor rectorque paterque, et mea progenies vestro quoque tuta favore est. Nam quamquam ipsius datis hoc inmanibus actis,
Já as chamas fortes crepitavam por todos os lados, quase próximas do corpo do herói, que com desdém as esperava; quando os deuses temeram a reação do grande protetor da terra. Júpiter dirigiu-se a eles de modo alegre: “Esse temor, essa preocupação de vossa parte me faz feliz. De boa vontade, com todo o coração, alegro-me por perceber vossa fidelidade, por perceber vossa fidelidade para com minha prole também. É claro que isso se dá por conta de seus próprios grandes feitos. Eu vos agradeço. Portanto, não tenhais medo. Não maldigai as chamas do Eta. Aquele que venceu tudo, vencerá os fogos que lhe estão reservados, não sentirá a força dos fogos de Vulcano. De minha parte, da porção nascida de meu
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obligor ipse tamen. Sed enim ne pectora vano fida metu paveant: Oetaeas spernite flammas! Omnia qui vicit, vincet, quos cernitis, ignes nec nisi materna Vulcanum parte potentem sentiet: aeternum est a me quod traxit et expers atque inmune necis nullaque domabile flamma. Idque ego defunctum terra caelestibus oris accipiam, cunctisque meum laetabile factum dis fore confido. Siquis tamen Hercule, siquis forte deo doliturus erit, data praemia nolet, sed meruisse dari sciet invitusque probabit.”
sêmen, ele é eterno, imune à morte; por parte de mãe, não pode domar as chamas. Encerrados seus desígnios aqui na terra, o receberemos nos céus, e espero que seja do agrado de todos. Se alguém estiver prestes a sofrer por causa da presença de meu filho na morada celeste, se não quiser lhe conceder tal prêmio, saberá que ele é merecedor e deverá reconhecer tal feito, mesmo que de malgrado”.
Adsensere dei: coniunx quoque regia visa est cetera non duro, duro tamen ultima vultu dicta tulisse Iovis seque indoluisse notatam.
Os deuses aprovaram. Sua esposa também foi vista entre os deuses, porém as últimas palavras de Júpiter mudaram-lhe o semblante e ela afligiu-se. Enquanto isso, o fogo mulcíbero tomou conta do corpo do heroi, as chamas o desfiguraram e agora nem a imagem, nem os menores traços de Hércules podem ser reconhecidos, já não possui as características da mãe, entretanto, conserva os vestígios de Jove. Tal qual uma serpente, posta lado a lado com a pele recentemente trocada, costuma ser exuberante, tal qual costuma brilhar com a nova escama, assim o tiríntio pareceu, quando se despojou de seu corpo mortal. Novamente está cheio de vida e a sua melhor parte começa a ser vista agora. O venerável herói começa a tomar vulto de uma divina gravidade. Assim o pai todo poderoso o carregou em sua quadriga, em direção aos astros radiantes para junto das nuvens altas.
Interea quodcumque fuit populabile flammae Mulciber abstulerat, nec cognoscenda remansit Herculis effigies; nec quicquam ab imagine ductum matris habet, tantumque Iovis vestigia servat. Utque novus serpens posita cum pelle senecta luxuriare solet squamaque nitere recenti, sic, ubi mortales Tirynthius exuit artus, parte sui meliore viget maiorque videri coepit et augusta fieri gravitate verendus. Quem pater omnipotens inter cava nubila raptum quadriiugo curru radiantibus intulit astris. Alcmene et Galanthis
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Sensit Atlas pondus.—Neque adhuc Stheneleius iras solverat Eurystheus odiumque in prole paternum exercebat atrox. At longis anxia curis Argolis Alcmene, questus ubi ponat aniles, cui referat nati testatos orbe labores, cuive suos casus, Iolen habet. Herculis illam imperiis thalamoque animoque receperat Hyllus inpleratque uterum generoso semine, cum sic incipit Alcmene: “Faveant tibi numina saltem
Alcmena e Galantide Atlas percebeu a gravidade da situação. Euristeu, filho de Estênelo, ainda não dissolvera sua ira, descarregando-a contra os filhos, tal como fizera com o pai. Por sua vez, Alcmena, após longas preocupações, durante tantos anos, desabafa com Iole (como é próprio a uma velha), fala dos feitos de seu filho pelo mundo afora, dos famosos trabalhos enfrentados por ele e de sua própria vida. A pedido de Hércules, Iole havia acolhido Hilo, com quem se casara e de quem recebera o generoso sêmen, de nobre estirpe. Alcmena começa a falar: “Que os numes te favoreçam e abreviem a demora, e quando estiveres pronta para dar à luz, que tu invoques a Ilítia, a preferida entre as parturientes, já que para mim, por intervenção
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conripiantque moras, tum cum matura vocabis praepositam timidis parientibus Ilithyiam, quam mihi difficilem Iunonis gratia fecit. 285
Namque laboriferi cum iam natalis adesset Herculis et decimum premeretur sidere signum, tendebat gravitas uterum mihi, quodque ferebam, tantum erat, ut posses auctorem dicere tecti ponderis esse Iovem. Nec iam tolerare labores 290 ulterius poteram: quin nunc quoque frigidus artus, dum loquor, horror habet, parsque est meminisse doloris. Septem ego per noctes, totidem cruciata diebus, fessa malis tendensque ad caelum bracchia magno Lucinam Nixosque pares clamore vocabam. 295 Illa quidem venit, sed praecorrupta meumque quae donare caput Iunoni vellet iniquae. Utque meos audit gemitus, subsedit in illa ante fores ara dextroque a poplite laevum pressa genu digitis inter se pectine iunctis 300 sustinuit partus. Tacita quoque carmina voce dixit, et inceptos tenuerunt carmina partus. Nitor et ingrato facio convicia demens vana Iovi cupioque mori moturaque duros verba queror silices. Matres Cadmeides adsunt 305 votaque suscipiunt exhortanturque dolentem. Una ministrarum, media de plebe, Galanthis, flava comas, aderat, faciendis strenua iussis, officiis dilecta suis. Ea sensit iniqua nescio quid Iunone geri, dumque exit et intrat 310 saepe fores, divam residentem vidit in ara bracchiaque in genibus digitis conexa tenentem, et “quaecumque es,” ait “dominae gratare: levata est Argolis Alcmene potiturque puerpera voto.” 315
Exsiluit iunctasque manus pavefacta remisit diva potens uteri: vinclis levor ipsa remissis. Numine decepto risisse Galanthida fama est:
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Referência a Tebas.
de Juno, sua graça fez-se difícil. Lembro bem que já se aproximava o laborioso dia do nascimento de Hércules, o décimo signo zodiacal já despontava e minha gravidez ainda se estendia. Por levar tanto tempo, já se podia imaginar que Jove era o autor dessa gravidez. Por essas e outras eu já podia prever e tolerar todos os trabalhos posteriores. Ainda hoje, agora, enquanto falo, meus membros enrijecem, dado o horror que tal lembrança proporciona. Por sete noites eu evocava Lucina, torturada outros tantos dias, esgotada pelas dores e estendendo os braços ao céu, evocava a Lucina, Nixos e seus pares. Ela veio, mas corrompida previamente, quis entregar minha cabeça à iníqua Juno. Quando ouviu os meus gemidos, abaixou-se diante da porta e do altar, e tendo comprimido minha púbis com a força dos joelhos e com os dedos entrelaçados, (300) susteve o parto. Murmurou uns versos e os cantos retiveram o trabalho de parto já iniciado. Esforço-me e ao mesmo tempo ponho-me a gritar. Fora de mim, lanço imprecações contra Jove e desejo morrer, e me deploro, de tal modo que poderia comover duras rochas. As mulheres de Cadmo271 se fazem presentes, me exortam e me dão alento à dor. Uma de minhas servas, a loira Galantide, a minha predileta, também estava entre elas, e, como sempre, infatigável no cumprimento de suas tarefas. Percebeu que algo acontecia por interferência de Juno. Enquanto entra e sai inúmeras vezes porta afora, viu a deusa parada junto ao altar, com os joelhos unidos e os dedos cruzados. E assim descarrega: “Seja lá quem tu fores, deves felicitar a minha ama, como forma de gratidão. A argólida Alcmena se livrou das dores do parto”.
A poderosa deusa dos partos dissolveu os laços e soltou as mãos que estavam atadas. Finalmente eu pude parir. Dizem por aí que Galantide, tendo enganado a deusa, riu-se e, ao ser pega rindo, aquela furiosa a puxou pelos cabelos, e a
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ridentem prensamque ipsis dea saeva capillis traxit, et e terra corpus relevare volentem arcuit inque pedes mutavit bracchia primos. Strenuitas antiqua manet, nec terga colorem amisere suum: forma est diversa priori. Quae quia mendaci parientem iuverat ore, ore parit nostrasque domos, ut et ante, frequentat.” Dryope. Iolaus
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Dixit, et admonitu veteris commota ministrae ingemuit. Quam sic nurus est adfata dolentem: “Te tamen, o genetrix, alienae sanguine vestro rapta movet facies. Quid si tibi mira sororis fata meae referam? quamquam lacrimaeque dolorque impediunt prohibentque loqui. Fuit unica matri (me pater ex alia genuit) notissima forma Oechalidum Dryope. Quam virginitate carentem vimque dei passam Delphos Delumque tenentis excipit Andraemon, et habetur coniuge felix. Est lacus adclivis devexo margine formam litoris efficiens: summum myrteta coronant. Venerat huc Dryope fatorum nescia, quoque indignere magis, nymphis latura coronas; inque sinu puerum, qui nondum impleverat annum, dulce ferebat onus tepidique ope lactis alebat. Haud procul a stagno Tyrios imitata colores in spem bacarum florebat aquatica lotos. Carpserat hinc Dryope, quos oblectamina nato porrigeret, flores, et idem factura videbar (namque aderam): vidi guttas e flore cruentas decidere et tremulo ramos horrore moveri. Scilicet, ut referunt tardi nunc denique agrestes, Lotis in hanc nymphe, fugiens obscena Priapi, contulerat versos servato nomine, vultus. Nescierat soror hoc. Quae cum perterrita retro ire et adoratis vellet discedere nymphis,
manteve suspensa no ar. Em seguida, demudou os braços em patas. O antigo zelo foi mantido, o dorso deixou escapar sua cor; mas sem aspecto a forma é diversa da anterior. Porque ajudara a parturiente com palavras mentirosas, Juno profere: “agora vais parir pela boca” e assim frequenta a nossa casa tal como antes.
Dríope Disse isso e, arrebatada pela lembrança da velha criada gemeu e, assim, a nora pesarosa foi levada a falar: “Ó genitora, tu te comoves com a mutação de uma pessoa estranha ao teu sangue. O que farás, então, em relação aos fatos que dizem respeito a minha irmã? Ainda que as lágrimas me impeçam e me impossibilitem de falar. Dríope, a mais bela na Ecália, foi filha única, já que meu pai me concebeu com outra mulher. Andrêmon a tomou por esposa, quando ela já havia perdido a virgindade à força pelo deus que reina sobre Delfos e Delos. Ali há um lago, cujas margens terminam como se fosse uma praia, em declive. Uma plantação de murtas coroa o alto. Lá estava Dríope que, sem saber do seu destino, venerava o lugar, e, por isso, prestava homenagens e levava coroas às ninfas. Carregava no colo um menino, que ainda não completara um ano, um doce fardo que alimentava com seu tépido leite. Não muito longe do pântano, o lótus aquático florescia, imitando as cores tírias quando à espera das sementes. Dríope arrancara uma flor, a fim de entregá-la para a distração do filho e eu estava prestes a fazer o mesmo (pois também estava lá). Vi gotas de sangue caírem da flor e moverem os ramos com trêmulo horror. Naturalmente, como se referiam mais tarde os camponeses, a figura de Lótus, fugindo das obscenidades de Príapo, se metamorfoseara em ninfa, embora tenha mantido o nome.
A irmã não ficara sabendo disto. E, com terrível ira, quisera arrancar as adoradas ninfas, cujos pés estavam presos como raiz. Tenta arrebatá-las, mas não
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haeserunt radice pedes. Convellere pugnat, nec quicquam nisi summa movet. Subcrescit ab imo totaque paulatim lentus premit inguina cortex. Ut vidit, conata manu laniare capillos, fronde manum implevit: frondes caput omne tenebant. At puer Amphissos (namque hoc avus Eurytus illi addiderat nomen) materna rigescere sentit ubera, nec sequitur ducentem lacteus umor.
consegue mover nada, a não ser as extremidades. Cresce para baixo, vagarosamente, a lenta casca comprime o ventre. Tal como ela mesma viu, a empenhada mão começou a puxar e arrancar os cabelos e a substituí-los por folhagens. Deste modo, as folhas tomaram conta de toda a cabeça. Por sua vez, Anfisso (assim o avô Êurito lhe dera o nome) sente enrijecer os seios maternos e o leite já não flui mais.
Spectatrix aderam facti crudelis opemque non poteram tibi ferre, soror; quantumque valebam, crescentem truncum ramosque amplexa morabar et, fateor, volui sub eodem cortice condi. Ecce vir Andraemon genitorque miserrimus adsunt et quaerunt Dryopen: Dryopen quaerentibus illis ostendi loton. Tepido dant oscula ligno adfusique suae radicibus arboris haerent. Nil nisi iam faciem, quod non foret arbor, habebat cara soror: lacrimae misero de corpore factis inrorant foliis, et, dum licet oraque praestant vocis iter, tales effundit in aera questus:
Imóvel, eu fui subjugada pelas forças e espectadora deste fato cruel, não pude me aproximar de ti, ó minha irmã, não pude ser forte o quanto quis, porque meu braço era mais lento que o crescimento de teu tronco e ramos. E, por essa razão, confesso, desejei ficar oculta sob a mesma casca. Eis que o marido Andrêmon e o miserável pai se fazem presentes e procuram Dríope. Eu mostrei o lótus, Dríope, que eles tanto procuravam. Os dois beijam os ramos ainda quentes e, esparramados por sobre as raízes da árvore, permanecem fixados ali. Nada mais possuías de seu antigo aspecto, em tudo já eras árvore, cara irmã, a não ser o rosto. As lágrimas escorreram pelo corpo, feito de folhas agora. E, enquanto é permitido, a boca se faz valer mais uma vez, e profere tais queixas aos quatro cantos:
“Siqua fides miseris, hoc me per numina iuro non meruisse nefas: patior sine crimine poenam. Viximus innocuae: si mentior, arida perdam quas habeo, frondes et caesa securibus urar. Hunc tamen infantem maternis demite ramis et date nutrici; nostraque sub arbore saepe lac facitote bibat nostraque sub arbore ludat! Cumque loqui poterit, matrem facitote salutet, et tristis dicat “latet hoc in stipite mater.” Stagna tamen timeat nec carpat ab arbore flores, et frutices omnes corpus putet esse deorum! Care vale coniunx, et tu, germana, paterque! Qui, siqua est pietas, ab acutae vulnere falcis, a pecoris morsu frondes defendite nostras. Et quoniam mihi fas ad vos incumbere non est, erigite huc artus et ad oscula nostra venite, dum tangi possunt, parvumque attollite natum.
“Se é possível dar crédito aos infelizes, eu juro pelo poder divino não merecer essa atrocidade. Pago esta pena sem crime algum. Sou inocente. Se, por acaso minto, que eu seja cortada por uma machadinha e que eu queime juntamente com minhas folhas. Contudo, retirai esta criança dos laços maternos e a entregai a nossa ama sob a árvore. Para que beba inúmeras vezes o leite. Fazei-o. Para que brinque sob nossa árvore. Quando então poderá falar. Para que saúde sua mãe. Para que, triste, diga: “Minha mãe se esconde neste cepo”. Para que tema os pântanos. Para que não colha flores nem os frutos desta planta. E pense que em cada fruto possa esconder-se uma deusa. Adeus, caro esposo. Adeus, irmã. Adeus pai. Que este seja um local de devoção: protegei-nos das foices afiadas. Afastai nossas folhas dos dentes dos herbívoros. E porque me é de direito divino, passe a partir de agora a ser esta a vossa incumbência. Cuidai destes ramos e trazei-nos vossos beijos, enquanto puderdes tocar. Engrandecei este recém-nascido. Já não consigo mais falar. Uma casca mole já toma conta de meu pescoço; começo a me voltar totalmente para minha natureza vegetal. Removei as mãos de meus olhos, espero que seja a casca a encobrir a luz que se esvai para mim e não a sua piedade”. A boca parou de falar, ao mesmo tempo em que parou de existir, e durante muito tempo, ramos novos
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Plura loqui nequeo. Nam iam per candida mollis colla liber serpit, summoque cacumine condor. Ex oculis removete manus: sine munere vestro contegat inductus morientia lumina cortex!” Desierant simul ora loqui, simul esse, diuque corpore mutato rami caluere recentes.” Dumque refert Iole factum mirabile, dumque Eurytidos lacrimas admoto pollice siccat Alcmene (flet et ipsa tamen), conpescuit omnem res nova tristitiam. Nam limine constitit alto paene puer dubiaque tegens lanugine malas ora reformatus primos Iolaus in annos. Hoc illi dederat Iunonia muneris Hebe, victa viri precibus. Quae cum iurare pararet dona tributuram post hunc se talia nulli, non est passa Themis: “Nam iam discordia Thebae bella movent” dixit “Capaneusque nisi ab Iove vinci haud poterit, fientque pares in vulnere fratres, subductaque suos manes tellure videbit vivus adhuc vates; ultusque parente parentem natus erit facto pius et sceleratus eodem; attonitusque malis exsul mentisque domusque, vultibus Eumenidum matrisque agitabitur umbris, donec eum coniunx fatale poposcerit aurum, cognatumque latus Phegeius hauserit ensis. Tum demum magno petet hos Acheloia supplex ab Iove Callirhoe natis infantibus annos neve necem sinat esse diu victoris inultam, Iuppiter his motus privignae dona nurusque praecipiet facietque viros inpubibus annis.” Byblis
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Haec ubi faticano venturi praescia dixit ore Themis, vario superi sermone fremebant, et “cur non aliis eadem dare dona liceret” murmur erat: queritur veteres Pallantias annos coniugis esse sui, queritur canescere mitis
desabrochavam no corpo já transfigurado.
Enquanto Iole narra este fato maravilhoso, Alcmena seca suas lágrimas com o dedo ainda próximo, embora ela mesma também chore, no entanto, algo novo detém toda essa tristeza. Pois não é que à entrada da casa surge o menino Iolau, tendo retomado a sua forma dos primeiros anos de juventude. Hebe dera esse benefício a ele, vencida pelos pedidos de seu marido; ela estava prestes a dizer que a ninguém mais a concederia tais tributos, quando Têmis não se sofreu e disse: “Pois já as guerras promovem a discórdia de Tebas. Capaneu não poderá ser vencido a não ser por Júpiter, os irmãos tornar-se-ão iguais nas dores. Ainda vivo, um vate verá o próprio mane na terra; um jovem obediente e ímpio será causador de um feito igualmente pio e criminoso. Atônito com o mal, distante de seu juízo e de sua casa, será perseguido pelas assombrosas Eumênides e pela sombra da mãe, enquanto a esposa não lhe exigir o ouro fatal consanguíneo e a espada fegeia não tirar a vida dos pais. Então, finalmente, Calírroe, filha de Aquelou, suplicará a Júpiter que permita suas mortes serem vingadas e que seus filhos, ainda crianças, obtenham muitos anos de vida em pouco tempo para fazê-lo. Júpiter concede os dons de sua enteada e nora, tornando-os homens ainda enquanto impúberes”.
Bíblis Têmis, sabedora de tudo, predisse o futuro, os deuses fizeram o maior alarde a partir de tal oráculo, e porque não era permitido dar esses mesmos presentes aos outros, fez-se o murmúrio. A descendente de Palas lastima a velhice de seu marido. Lastima-se Ceres em envelhecer. Vulcano exige uma nova chance de vida para Erictônio. Também a preocupação com o futuro atinge Vênus e ela exige que os
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Iasiona Ceres, repetitum Mulciber aevum poscit Erichthonio. Venerem quoque cura futuri tangit et Anchisae renovare paciscitur annos. Cui studeat, deus omnis habet, crescitque favore turbida seditio, donec sua Iuppiter ora solvit et “o nostri siqua est reverentia,” dixit “quo ruitis? Tantumne aliquis sibi posse videtur, fata quoque ut superet? Fatis Iolaus in annos, quos egit, rediit, fatis iuvenescere debent Callirhoe geniti, non ambitione nec armis. Vos etiam, quoque hoc animo meliore feratis, me quoque fata regunt. Quae si mutare valerem, nec nostrum seri curvarent Aeacon anni, perpetuumque aevi florem Rhadamanthus haberet cum Minoe meo, qui propter amara senectae pondera despicitur nec quo prius ordine regnat.”
anos se renovem para Anquises. Aqueles com quem o deus se ocupava obtém tudo, o favorecimento cresce, na mesma medida em que o descontentamento se faz geral, até que Júpiter resolve falar. E assim diz: “Tenham pelo menos um pouco de respeito comigo. Para onde vos dirigis com tanta pressa? Algum de vós se sente tão poderoso a ponto de se sobrepor ao destino? Foi por obra do destino que Iolau retrocedeu nos anos e tornou-se mais jovem. É pelas graças dos fados, que o filho de Calírroe deve crescer e tornar-se jovem, e não por intermédio da ambição e das armas. Também vós levareis isto com melhor espírito, se lembrardes de que eu também sou regido pelo Destino. Se eu conseguisse mudá-lo, nosso Eaco não teria se curvado aos lentos anos; teríamos Radamanto gozando de uma eterna juventude, juntamente com meu Minos, que por causa da amarga senectude é desprezado e não reina mais como outrora”.
Dicta Iovis movere deos, nec sustinet ullus, cum videat fessos Rhadamanthon et Aeacon annis et Minoa, queri. Qui, dum fuit integer aevi, terruerat magnas ipso quoque nomine gentes. Tunc erat invalidus Deionidenque iuventae robore Miletum Phoeboque parente superbum pertimuit credensque suis insurgere regnis, haud tamen est patriis arcere penatibus ausus.
As palavras de Júpiter comoveram os deuses e os detiveram quando viram Radamanto, Eaco e Minos esgotados pela idade e a queixarem-se. Este, enquanto jovem, pleno de saúde, sozinho aterrorizou populações inteiras. Agora se tornara incapaz diante da força e juventude do poderoso Deiônida Mileto; apavorou-se com o sangue de Apolo e acreditando, porém, que este insurgia-se contra seu reino não ousou afastá-lo dos altares pátrios.
Sponte fugis, Milete, tua, celerique carina Aegaeas metiris aquas et in Aside terra moenia constituis positoris habentia nomen.
Espontaneamente tu foges, Mileto, e colocas teu navio nas águas do Mar Egeu e constróis em terras asiáticas uma cidade que leva o teu nome. Aí, enquanto fazias a curva do rio pátrio, conheceste, Ciânea, filha de Meandro, que sempre retorna ao seu curso e supera a todas em beleza. Gerou os gêmeos, Bíblis e Caunos. Bíblis é motivo de exemplo, para que as meninas amem de modo lícito, para que, não como ela, arrebatadas pelo desejo ilícito por Apolo, visto que devia amá-lo como irmão, nunca como amante. Na verdade, primeiramente, ela não sentiu nenhum fogo se abrasar, nem imaginou pecar, durante as muitas vezes que o beijava, durante as muitas vezes que suas mãos abraçavam o pescoço do irmão, durante tanto tempo em que foi enganada pela sombra mentirosa do afeto ao irmão. Paulatinamente esse amor cede lugar ao culto a sua aparência de homem, passa excessivamente a desejar ser vista como uma bela mulher. E quanto mais bela se faz para ele, mais o inveja.
Hic tibi, dum sequitur patriae curvamina ripae, filia Maeandri totiens redeuntis eodem cognita Cyanee, praestantia corpora forma, Byblida cum Cauno, prolem est enixa gemellam. Byblis in exemplo est, ut ament concessa puellae: Byblis Apollinei correpta cupidine fratris: non soror ut fratrem, nec qua debebat, amabat. Illa quidem primo nullos intellegit ignes nec peccare putat, quod saepius oscula iungat,
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quod sua fraterno circumdet bracchia collo, mendacique diu pietatis fallitur umbra. Paulatim declinat amor, visuraque fratrem culta venit nimiumque cupit formosa videri et siqua est illic formosior, invidet illi. Sed nondum manifesta sibi est nullumque sub illo igne facit votum: verumtamen aestuat intus. Iam dominum appellat, iam nomina sanguinis odit: Byblida iam mavult, quam se vocet ille sororem. Spes tamen obscenas animo demittere non est ausa suo vigilans: placida resoluta quiete saepe videt, quod amat; visa est quoque iungere fratri corpus et erubuit, quamvis sopita iacebat. Somnus abit: silet illa diu repetitque quietis ipsa suae speciem dubiaque ita mente profatur:
Entretanto, tal fogo ainda não se manifestou por completo, em verdade, arde apenas em seu íntimo. Contudo, já o chama de senhor, já detesta o fato de possuírem o mesmo sangue; prefere antes ser chamada pelo nome, mais do que irmã. A esperança ainda a faz esconder seus desejos proibidos, ela não se mostra ousada, antes vigilante. Inúmeras vezes vê o seu amado de forma plácida, quieta e resoluta. Observa-se que ela abraça o corpo do irmão e ainda enrubesce por tal ato, tanto quanto possível, seu amor encontrava-se adormecido. De repente, o sonho vai-se embora. Por muito tempo, ela própria silencia, mas retoma a sua visão, e de modo vacilante diz:
“Me miseram! tacitae quid vult sibi noctis imago? Quam nolim rata sit! cur haec ego somnia vidi? Ille quidem est oculis quamvis formosus iniquis et placet, et possim, si non sit frater, amare, et me dignus erat. Verum nocet esse sororem.— Dummodo tale nihil vigilans committere temptem, saepe licet simili redeat sub imagine somnus! testis abest somno, nec abest imitata voluptas. Pro! Venus et tenera volucer cum matre Cupido, gaudia quanta tuli! quam me manifesta libido contigit! ut iacui totis resoluta medullis! ut meminisse iuvat! quamvis brevis illa voluptas noxque fuit praeceps et coeptis invida nostris. O ego, si liceat mutato nomine iungi, quam bene, Caune, tuo poteram nurus esse parenti! quam bene, Caune, meo poteras gener esse parenti! Omnia, di facerent, essent communia nobis, praeter avos: tu me vellem generosior esses! Nescioquam facies igitur, pulcherrime, matrem: at mihi, quae male sum quos tu sortita parentes, nil nisi frater eris. Quod obest, id habebimus unum. Quid mihi significant ergo mea visa?—quod autem somnia pondus habent?—an habent et somnia pondus?
“Pobre de mim! O que quer para si o sonho desta noite? Espero que não se realize. Por que tive esta visão? Ele é belo até mesmo para olhos hostis, e me agrada. Se não fosse meu irmão, poderia amá-lo. Deste modo seria digno, no entanto, ser sua irmã me prejudica muito. Contanto que, acordada, eu não tente concretizar esse desejo, que me seja permitido tê-lo em sonho: o sonho não tem testemunhas, nem o meu desejo secreto. “Ó Vênus, quanta alegria eu proporcionei a Cupido e sua mãe! Com quantas setas do desejo ele me atingiu! Quantas vezes fui ferida por suas flechas até a medula. Ajuda-me a lembrar! Visto que foi breve aquele sonho; aquela noite foi o início de nossa ruína. Ó, se me fosse permitido alterar meu nome. Que bom, Caunos, se eu pudesse ser nora de teu pai. Que bom, Caunos, se tu pudesses ser genro do meu. Quem dera os deuses nos tivessem feitos de uma linhagem comum, exceto a de nossos avós; quisera tivessem sido mais generosos comigo. Não sei a quem farás mãe, meu lindo. Quanto a mim, estou mal, porque a sorte fez com que eu não fosse outra coisa, se não tua irmã; o que atrapalha a minha vida é o fato de termos o mesmo pai. Portanto, o que significam para mim os meus sonhos? Que poder eles têm? Eles têm algum poder? Para os deuses sempre o melhor! Certamente os deuses também possuem irmãs. Assim Saturno trouxe para junto de si Ops, que era de seu mesmo sangue. Oceano a Tétis; o chefe do Olimpo a Juno. Mas estes são os direitos divinos. Que rito eu tento exigir para os homens que se equiparem às leis celestiais? Ou a paixão proibida deixará nosso coração, ou, caso
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Di melius!—di nempe suas habuere sorores: Sic Saturnus Opem iunctam sibi sanguine duxit, Oceanus Tethyn, Iunonem rector Olympi. Sunt superis sua iura! Quid ad caelestia ritus exigere humanos diversaque foedera tempto? Aut nostro vetitus de corde fugabitur ardor, aut hoc si nequeo, peream, precor, ante toroque mortua conponar, positaeque det oscula frater.— Et tamen arbitrium quaerit res ista duorum. Finge placere mihi: scelus esse videbitur illi! At non Aeolidae thalamos timuere sororum! Unde sed hos novi? Cur haec exempla paravi? Quo feror? Obscenae procul hinc discedite flammae, nec, nisi qua fas est germanae, frater ametur!— Si tamen ipse mei captus prior esset amore, forsitan illius possem indulgere furori. Ergo ego, quae fueram non reiectura petentem, ipsa petam! Poterisne loqui? poterisne fateri? Coget amor: potero! vel, si pudor ora tenebit, littera celatos arcana fatebitur ignis: hoc placet, haec dubiam vicit sententia mentem.”
não consiga, eu peço para morrer, e que, morta, seja posta sobre o leito e que meu irmão venha me beijar. Todavia, isso requer a decisão dos dois. Pois que finja que me agrada, já que para ele parece ser um crime. Para os eólios, entretanto, não há esse temor de esposar as irmãs. Como eu sei disso? Por que trouxe esses exemplos? Para onde estou indo? Dissipai estas chamas torpes e que se mantenha apenas o amor de irmão para irmã e vice-versa. Se, por outro lado, eu não fosse motivo para sua rejeição, eu cederia aos seus desejos. Tu podes falar? Tu podes confessar?” O amor conseguirá: “se eu não puder, se o pudor retiver minha boca, uma carta secreta confessará o fogo da paixão encoberto”.
In latus erigitur cubitoque innixa sinistro “viderit: insanos” inquit “fateamur amores. Ei mihi! quo labor? quem mens mea concipit ignem?” et meditata manu componit verba trementi: dextra tenet ferrum, vacuam tenet altera ceram. Incipit et dubitat, scribit damnatque tabellas et notat et delet, mutat culpatque probatque, inque vicem sumptas ponit positasque resumit. Quid velit ignorat; quidquid factura videtur, displicet. In vultu est audacia mixta pudori. Scripta “soror” fuerat, visum est delere sororem verbaque correctis incidere talia ceris:
E é essa a ideia que vence a mente hesitante. Ergue-se e apoiando-se no cotovelo esquerdo, diz: “Ele verá. Confessemos esses amores insanos. Eia! Por que hesito? Que fogo é esse que me consome?” E com a mão trêmula escreve o que pensara. A mão direita segura o estilo272 , a outra, a cera. Começa a escrever e hesita. Escreve e apaga. Por vezes, amarra as tabuinhas273. E reprova e apaga novamente. Modifica, retifica e aprova. Não sabe o que quer dizer. Tudo o que se propõe a dizer, lhe desagrada, fica estampado no rosto sua audácia. Havia escrito “irmã”, mas acabou por apagar e corrigir:
“Quam, nisi tu dederis, non est habitura salutem, hanc tibi mittit amans: pudet, a! pudet edere nomen.
“Aquela que te ama, deseja que tu estejas bem de saúde, mais do que desejarias. Mas isso é digno de vergonha, ah, é digno de vergonha publicar meu nome! E se o
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Estilo, ferro cilíndrico, semelhante aos nossos lápis, com que se escrevia sobre a cera, nas tabuinhas, usadas para este fim. Tabuinhas de cera, usadas como cadernos para escrever, antes do advento do papel.
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Et si, quid cupiam, quaeris, sine nomine vellem posset agi mea causa meo, nec cognita Byblis ante forem, quam spes votorum certa fuisset. Esse quidem laesi poterat tibi pectoris index et color et macies et vultus et umida saepe lumina nec causa suspiria mota patenti et crebri amplexus, et quae, si forte notasti, oscula sentiri non esse sororia possent: ipsa tamen, quamvis animo grave vulnus habebam, quamvis intus erat furor igneus, omnia feci (sunt mihi di testes), ut tandem sanior essem, pugnavique diu violenta Cupidinis arma effugere infelix et plus, quam ferre puellam posse putes, ego dura tuli. Superata fateri cogor opemque tuam timidis exposcere votis. Tu servare potes, tu perdere solus amantem: elige, utrum facias! Non hoc inimica precatur, sed quae, cum tibi sit iunctissima, iunctior esse expetit et vinclo tecum propiore ligari. Iura senes norint et, quid liceatque nefasque fasque sit, inquirant legumque examina servent: conveniens Venus est annis temeraria nostris! Quid liceat, nescimus adhuc et cuncta licere credimus et sequimur magnorum exempla deorum. Nec nos aut durus pater aut reverentia famae aut timor impediet (tantum sit causa timendi!). Dulcia fraterno sub nomine furta tegemus: est mihi libertas tecum secreta loquendi, et damus amplexus et iungimus oscula coram, quantum est, quod desit? Miserere fatentis amores et non fassurae, nisi cogeret ultimus ardor, neve merere meo subscribi causa sepulcro!”
que almejo é o mesmo que tu queres, e se a carta fosse escrita sem nome? Quem sabe tudo isso poderia ser favorável a mim, se eu não fosse reconhecida. Talvez aí possa estar a esperança de meus desejos. Quem sabe, meu peito dilacerado juntamente com a cor, a magreza, o semblante, os olhos muitas vezes úmidos, os suspiros lançados sem motivo, poderiam te dar uma indicação, e com o frequente abraço, os beijos (se bem observados), não poderiam ser entendidos como sendo impróprios de uma irmã? Eu mesma, porém, ainda que com uma grande ferida na alma, possuía um furor inflamado dentro de mim. Tanto quanto possível, fiz de tudo e os deuses são testemunhas, e do mesmo modo, ainda que infeliz, fui mais sensata. Lutei diuturnamente para afastar as violentas armas de Cupido e, mais do que uma jovem pode suportar, eu o fiz a duras penas. Mas vencida, sou levada a pedir a tua ajuda por intermédio desses tímidos votos: tu podes manter, e somente tu podes fazer perder um amante. Escolhe aquilo que porventura o farás. Não é uma inimiga que te pede isso, mas aquela que tem estado muitíssimo envolvida por ti, aquela que mais ardentemente deseja estar unida a ti, com laços mais fortes. Deixemos que os velhos observem as leis, que eles saibam reconhecer aquilo que é lícito ou nefasto, que eles questionem e examinem as leis. O amor é próprio de nossa idade. Nós, jovens, não nos preocupamos com o que é lícito, pensamos que tudo é permitido. Apenas seguimos o exemplo dos deuses, nossos superiores. Nem nós, nem nosso severo pai, tampouco o receio à fama ou o temor a ela nos impedirá. Entretanto, se for um motivo a temer, cobriremos este doce incesto, sob o nome de relação fraternal. Esta é a minha liberdade de poder falar secretamente contigo. Abracemo-nos, pois. Beijemo-nos face a face. Quanto tempo nos resta? Tenha piedade desse amor confesso e não do amor a ser declarado, a não ser que o último ardor o obrigue. Não subscrevi ser tal fato digno de meu sepulcro”.
Talia nequiquam perarantem plena reliquit cera manum, summusque in margine versus adhaesit. Protinus inpressa signat sua crimina gemma, quam tinxit lacrimis (linguam defecerat umor), deque suis unum famulis pudibunda vocavit et pavidum blandita “fer has, fidissime, nostro”—
Enquanto a cera deixa para trás tais palavras inúteis, o último verso adere à mão na margem. Sem parar, o sinete confirma o seu crime, agora impresso, da mesma forma que o tinge com as lágrimas. A saliva faltara à língua. Envergonhada, chama um de seus escravos, a quem pede: “entregue-as secretamente...” E, após um longo tempo, acrescenta: “ao meu irmão”. E o que tanto quisera evitar, ao entregá-las, deixara cair das mãos as tabuinhas. Ficou perturbada pelo presságio, ainda assim as
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dixit, et adiecit longo post tempore “fratri.” Cum daret, elapsae manibus cecidere tabellae. Omine turbata est: misit tamen. Apta minister tempora nactus adit traditque latentia verba.
enviou. O servo acrescentou a palavra ausente e a ligou ainda há tempo.
Attonitus subita iuvenis Maeandrius ira proicit acceptas lecta sibi parte tabellas vixque manus retinens trepidantis ab ore ministri “dum licet, o vetitae scelerate libidinis auctor, effuge!” ait: “qui, si nostrum tua fata pudorem non traherent secum, poenas mihi morte dedisses.” Ille fugit pavidus dominaeque ferocia Cauni dicta refert. Palles audita, Bybli, repulsa, et pavet obsessum glaciali frigore corpus. Mens tamen ut rediit, pariter rediere furores, linguaque vix tales icto dedit aere voces:
O jovem neto de Meandro, após ler uma parte da carta, atônito, rejeitou-a com súbita ira, e, com dificuldade, a mão que reteve as tabuinhas recebidas não esmurrou o escravo. Em vez disso, contestou: “Enquanto é possível foge, mulher de desejos proibidos. Se o teu destino não arrastasse minha honra abismo abaixo, terias sacramentado minhas penas pela tua morte.” Apavorado, o servo foge e leva consigo as palavras ferozes a sua senhora. Ao perceber a repulsa, Bíblis fica aterrorizada e seu corpo é tomado por um frio glacial. A mente, contudo, quando volta a si, retoma igualmente seus furores, e, com dificuldade, murmura:
“Et merito! quid enim temeraria vulneris huius indicium feci? Quid, quae celanda fuerunt, tam cito commisi properatis verba tabellis? Ante erat ambiguis animi sententia dictis praetemptanda mihi. Ne non sequeretur euntem, parte aliqua veli, qualis foret aura, notare debueram tutoque mari decurrere, quae nunc non exploratis inplevi lintea ventis. Auferor in scopulos igitur subversaque toto obruor oceano, neque habent mea vela recursus. Quid quod et ominibus certis prohibebar amori indulgere meo, tum cum mihi ferre iubenti excidit et fecit spes nostras cera caducas? Nonne vel illa dies fuerat vel tota voluntas, sed potius mutanda dies? Deus ipse monebat signaque certa dabat, si non male sana fuissem. Et tamen ipsa loqui, nec me committere cerae debueram praesensque meos aperire furores (vidisset lacrimas, vultum vidisset amantis!), plura loqui poteram, quam quae cepere tabellae. Invito potui circumdare bracchia collo et, si reicerer, potui moritura videri
“Com razão, eu mereço, por que fiz isso de forma temerária? Por que expus tal ferida? Que palavras dignas de serem escondidas foram tão rapidamente reunidas nessas tabuinhas despachadas? Antes, deveria ter tentado usar frases ambíguas. Para ter certeza de sua aceitação, deveria ter observado em algum ponto da vela, de que lado soprava o vento, deveria ter percorrido todo o mar, para só então direcionar, de fato, meu barco. Agora sou arrebatada contra os rochedos e me afogo em pleno Oceano. As velas já não me permitem voltar com segurança. Além disso, serei proibida por todos de concretizar meu amor. O próprio deus me advertiu, me deu o sinal. Se eu tivesse sido sensata o bastante, eu mesma deveria ter falado e não confiado à cera. Eu deveria ter aberto meu peito frente a frente e mostrado meus sentimentos. Que ele visse minhas lágrimas, que ele tivesse visto o semblante da amante. Eu poderia ter falado mais e melhor do que as tabuinhas. Caso ele ficasse constrangido, eu poderia tê-lo abraçado. E, se fosse rejeitada, poderia mostrar todo meu sofrimento. E me colocando a seus pés, implorar de joelhos pela minha vida. Poderia ter feito de tudo, poderia ter usado todos os meios cabíveis, já que um só não foi suficiente para convencer uma mente dura. Talvez a culpa seja do servo mensageiro, que não tenha lido de forma conveniente, quem sabe, não tenha chegado em momento oportuno, num momento mais tranquilo. Mas foi isso que aconteceu. Ele não nasceu de um tigre. Não é duro como uma pedra, não possui ferro no peito, nem bebe leite de leoas. Mas eu o dobrarei. Voltarei ao ataque incansavelmente, enquanto esse propósito se mantiver em meu espírito. Se me fosse permitido voltar atrás no tempo, não o faria novamente, mas já que o fiz, vou
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amplectique pedes adfusaque poscere vitam. Omnia fecissem, quorum si singula duram flectere non poterant, potuissent omnia, mentem. Forsitan et missi sit quaedam culpa ministri: non adiit apte nec legit idonea, credo, tempora nec petiit horamque animumque vacantem. Haec nocuere mihi. Neque enim est de tigride natus nec rigidas silices solidumve in pectore ferrum aut adamanta gerit nec lac bibit ille leaenae. Vincetur! Repetendus erit, nec taedia coepti ulla mei capiam, dum spiritus iste manebit. Nam primum, si facta mihi revocare liceret, non coepisse fuit: coepta expugnare secundum est. Quippe nec ille potest, ut iam mea vota relinquam, non tamen ausorum semper memor esse meorum, et, quia desierim, leviter voluisse videbor aut etiam temptasse illum insidiisque petisse; vel certe non hoc, qui plurimus urget et urit pectora nostra, deo, sed victa libidine credar. Denique iam nequeo nil commisisse nefandum. Et scripsi et petii: temerata est nostra voluntas; ut nihil adiciam, non possum innoxia dici. Quod superest, multum est in vota, in crimina parvum.”
terminá-lo. Porquanto ele não pode esquecer minhas ousadias, caso eu desistisse, seria vista como leviana, por tentar tal coisa, agindo com perfídias. E certamente não acreditarão em mim, como derrotada pelos desígnios de um deus, que persegue a muitos e queima nossos peitos. Já não consigo combater nenhum crime. Já está escrito, já deixei a descoberto minhas intenções. Não direi mais nada, não posso, porque o que já disse não foi nada inocente, entretanto, muito do que as evidências apontam está no plano do desejo, e pouco na esfera do crime.
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Dixit, et (incertae tanta est discordia mentis) cum pigeat temptasse, libet temptare: modumque exit et infelix committit saepe repelli. Mox ubi finis abest, patriam fugit ille nefasque inque peregrina ponit nova moenia terra.
Disse, e apesar de tamanha discórdia em sua mente doente, envergonha-se de ter tentado, mas ainda assim o deseja, e desse modo sai, infeliz, e muitas vezes anseia ser repelida novamente. Em seguida, dado o fato de que o fim de tal ato ainda está longe, foge da pátria e do crime nefando e funda uma nova cidade em terras estrangeiras.
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Tum vero maestam tota Miletida mente defecisse ferunt, tum vero a pectore vestem diripuit planxitque suos furibunda lacertos. Iamque palam est demens inconcessamque fatetur spem veneris, siquidem patriam invisosque penates deserit et profugi sequitur vestigia fratris. Utque tuo motae, proles Semeleia, thyrso Ismariae celebrant repetita triennia bacchae, Byblida non aliter latos ululasse per agros
Então dizem que a triste filha de Mileto desvairou, e arrancou a túnica do peito e furiosa golpeou os próprios braços. E a sua demência agora é revelada, e ela confessa a sua esperança antes oculta de Vênus, uma vez que renega sua pátria e seus detestados penates, e segue os vestígios do seu fugitivo irmão. E como, movidas pelo teu tirso, as descendentes de Sêmele, bacantes de Ísmaro, celebram os repetidos triênios, não de outro modo as noras de Búbaso viram Bíblis ulular pelos amplos campos. Deixando-os, ela passa pela Cária, pelos armados lelegas e pela Lícia. Já havia deixado Cragon, Limirene e as ondas do Xanto, e o lugar em que estava a Quimera, que possuía fogo na parte do meio, assim como peito e rosto
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Bubasides videre nurus. Quibus illa relictis Caras et armiferos Lelegas Lyciamque pererrat. Iam Cragon et Limyren Xanthique reliquerat undas, quoque Chimaera iugo mediis in partibus ignem, pectus et ora leae, caudam serpentis habebat; deficiunt silvae, cum tu lassata sequendo concidis et dura positis tellure capillis, Bybli, iaces frondesque tuo premis ore caducas. Saepe etiam nymphae teneris Lelegeides ulnis tollere conantur; saepe, ut medeatur amori, praecipiunt surdaeque adhibent solacia menti: muta iacet viridesque suis tenet unguibus herbas Byblis, et umectat lacrimarum gramina rivus. Naidas his venam, quae numquam arescere posset, subposuisse ferunt: quid enim dare maius habebant?
de leoa e cauda de serpente. Já ficavam para trás as florestas, quando tu, cansada da jornada, cais e com os cabelos postos na dura terra, Bíblis, jazes e pesas o teu rosto sobre as folhas caídas. Por vezes também as ninfas de Lelege tentam erguê-la com seus ternos braços. Por vezes, trazem com que remedeiem o seu amor, e administram consolações a seu espírito surdo. Bíblis jaz muda, e com suas unhas segura as ervas verdes e molha a grama com um rio de lágrimas. Dizem que as náiades puseram sob ela um veio, o qual nunca pode secar: com efeito, maior que isso o que tinham para dar?
Protinus, ut secto piceae de cortice guttae, utve tenax gravida manat tellure bitumen, utve sub adventu spirantis lene favoni sole remollescit, quae frigore constitit, unda, sic lacrimis consumpta suis Phoebeia Byblis vertitur in fontem, qui nunc quoque vallibus illis nomen habet dominae nigraque sub ilice manat.
Logo depois, como do córtex talhado as gotas resinosas, ou da terra grávida mana o betume tenaz, ou à chegada do Favônio soprando ligeiramente com o sol amolece a onda que o frio congelou, assim, consumida pelas lágrimas, a febeia Bíblis se transforma em fonte, que ainda agora naqueles vales o nome tem de sua dona, e mana sob a negra azinheira.
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Ífis
Fama novi centum Cretaeas forsitan urbes implesset monstri, si non miracula nuper Iphide mutata Crete propiora tulisset.
Notícia de um novo portento talvez tivesse ocupado antes as cem cidades de Creta, se eventos inacreditáveis relativas à transformação de Ífis não chegassem a Creta.
Proxima Cnosiaco nam quondam Phaestia regno progenuit tellus ignotum nomine Ligdum, ingenua de plebe virum. Nec census in illo nobilitate sua maior, sed vita fidesque inculpata fuit. Gravidae qui coniugis aures vocibus his monuit, cum iam prope partus adesset: “Quae voveam, duo sunt; minimo ut relevere dolore, utque marem parias; onerosior altera sors est, et vires fortuna negat. Quod abominor, ergo
Certa vez, com efeito, a região de Festo, que era próxima do reino de Cnosso, gerou um homem desconhecido, de nome Ligdo e de origem plebeia. Nele, as suas posses não foram maiores do que a sua prosápia, mas tanto a vida quanto a reputação foram ilibadas. Os ouvidos da sua mulher, que estava grávida, com essas palavras advertiu, como já estivesse próximo o parto: “O que eu desejo são duas coisas: que sejas atingida pela menor dor possível e que dês à luz um homem; de outro modo é mais caro, e a fortuna me nega os recursos. Então, se uma mulher for fruto do teu parto, coisa que eu não espero, ordeno contrariado, e que a piedade me perdoe, será morta.”
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edita forte tuo fuerit si femina partu, (invitus mando: pietas, ignosce!) necetur.” 680
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Dixerat, et lacrimis vultus lavere profusis, tam qui mandabat, quam cui mandata dabantur. Sed tamen usque suum vanis Telethusa maritum sollicitat precibus, ne spem sibi ponat in arto. Certa sua est Ligdo sententia. Iamque ferendo vix erat illa gravem maturo pondere ventrem, cum medio noctis spatio sub imagine somni Inachis ante torum, pompa comitata sacrorum, aut stetit aut visa est. Inerant lunaria fronti cornua cum spicis nitido flaventibus auro et regale decus. Cum qua latrator Anubis sanctaque Bubastis variusque coloribus Apis, quique premit vocem digitoque silentia suadet, sistraque erant numquamque satis quaesitus Osiris plenaque somniferis serpens peregrina venenis. Tum velut excussam somno et manifesta videntem sic adfata dea est: “Pars o Telethusa mearum, pone graves curas mandataque falle mariti. Nec dubita, cum te partu Lucina levarit, tollere quidquid erit. Dea sum auxiliaris opemque exorata fero, nec te coluisse quereris ingratum numen.” Monuit thalamoque recessit.
Disse isso, e davam a face a lavar com lágrimas profusas tanto o que mandava, quanto aquela a quem foi mandado. Contudo, Teletusa solicita a seu marido com rogativas inúteis que não coloque sua esperança em algo tão incerto. A resolução de Ligdo é certa. E já estava ela mal conseguindo carregar o ventre pesado pela maturidade avançada, quando no meio da noite, sob a aparência de um sonho, Io postou-se diante do leito, ou pareceu postar-se, acompanhada de um cortejo. Trazia os chifres lunares na testa, com espigas flavescentes de um ouro brilhante e um ornamento real. Com ela estavam o ladrador Anúbis, a santa Bubaste, Ápis de cores variadas, aquele que preme a voz com o dedo e persuade ao silêncio, sistros, o nunca suficientemente procurado Osíris e a serpente peregrina cheia de veneno sonífero. Então, como que despertada do sono e vendo a deusa que se manifestara e que lhe disse: “Ó Teletusa, que fazes parte dos meus, deixa de lado as preocupações e engana as ordens do teu marido. E não duvides que, quando Lucina te levar ao parto, ficarás com o que quer que seja. Sou uma deusa de auxílio e o recurso buscado eu trago, e não reclames de ter cultuado um nume ingrato.” Aconselhou e deixou o quarto.
Laeta toro surgit purasque ad sidera supplex Cressa manus tollens, rata sint sua visa, precatur. Ut dolor increvit, seque ipsum pondus in auras expulit et nata est ignaro femina patre, iussit ali mater puerum mentita: fidemque res habuit, neque erat ficti nisi conscia nutrix. Vota pater solvit nomenque inponit avitum: Iphis avus fuerat. Gavisa est nomine mater, quod commune foret nec quemquam falleret illo. Inde incepta pia mendacia fraude latebant: cultus erat pueri, facies, quam sive puellae, sive dares puero, fuerat formosus uterque.
Alegre sai do leito e erguendo suas mãos puras para os astros, a cretense suplica que se confirme o que viu. Como a dor aumentasse, o próprio peso se expeliu ao ar, e nasceu uma fêmea sem que o pai soubesse, e a mãe mandou alimentar, dizendo que era um garoto: e a coisa foi acreditada, e não sabia da mentira senão a ama de leite. O pai cumpre os votos e põe-lhe o nome do avô. Ífis fora seu avô. A mãe se alegrou com o nome, uma vez que era comum e ninguém se enganaria com ele. A partir de então, a mentira pia começada permanecia encoberta. A criação era de menino, a face, que darias seja a uma menina, seja a um menino, era formosa para qualquer deles.
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Tertius interea decimo successerat annus, cum pater, Iphi, tibi flavam despondet Ianthen, inter Phaestiadas quae laudatissima formae dote fuit virgo, Dictaeo nata Teleste. Par aetas, par forma fuit, primasque magistris accepere artes, elementa aetatis, ab isdem.
Nisto, o terceiro ano sucedera ao décimo, quando teu pai, Ífis, te promete a loira Iante, que foi a virgem mais elogiada entre as de Festo, pelo dom da beleza, nascida de Teleste, filho de Diteu. Mesma idade, mesma beleza. As primeiras artes, elementos da idade, receberam dos mesmos mestres.
Hinc amor ambarum tetigit rude pectus et aequum vulnus utrique dedit. Sed erat fiducia dispar: coniugium pactaeque exspectat tempora taedae quamque virum putat esse, virum fore credit Ianthe; Iphis amat, qua posse frui desperat, et auget hoc ipsum flammas, ardetque in virgine virgo; vixque tenens lacrimas “quis me manet exitus” inquit, “cognita quam nulli, quam prodigiosa novaeque cura tenet Veneris? Si di mihi parcere vellent, parcere debuerant; si non, et perdere vellent, naturale malum saltem et de more dedissent. Nec vaccam vaccae, nec equas amor urit equarum: urit oves aries, sequitur sua femina cervum. Sic et aves coeunt, interque animalia cuncta femina femineo conrepta cupidine nulla est. Vellem nulla forem! Ne non tamen omnia Crete monstra ferat, taurum dilexit filia Solis, femina nempe marem: meus est furiosior illo, si verum profitemur, amor! Tamen illa secuta est spem Veneris, tamen illa dolis et imagine vaccae passa bovem est, et erat, qui deciperetur adulter! Huc licet e toto sollertia confluat orbe, ipse licet revolet ceratis Daedalus alis, quid faciet? Num me puerum de virgine doctis artibus efficiet? num te mutabit, Ianthe? Quin animum firmas, teque ipsa reconligis, Iphi, consiliique inopes et stultos excutis ignes? Quid sis nata, vide, nisi te quoque decipis ipsa, et pete quod fas est, et ama quod femina debes! Spes est, quae capiat, spes est, quae pascit amorem: hanc tibi res adimit. Non te custodia caro arcet ab amplexu nec cauti cura mariti,
Logo, o amor tocou o peito juvenil de ambos e deu uma ferida a cada um deles. Mas a esperança não era igual. Espera o matrimônio e o momento das tochas esponsalícias, e a que julga ser um homem, Iante crê que será seu homem. Ífis ama aquela que não espera poder fruir, e aumenta por isso mesmo o fogo, e arde pela virgem a virgem. E, mal contendo as lágrimas, diz “que saída há para mim, de ninguém conhecida, e que sofre a prodigiosa vicissitude de uma nova Vênus? Se os deuses queriam salvar-me, deveriam ter-me salvo. Se não, e quisessem o meu fim, deveriam dar-me um mal natural e pelo menos costumeiro. O amor não faz arder uma vaca por outra, nem éguas por éguas. Os carneiros ardem pelas ovelhas, e o veado segue a sua fêmea. Assim também as aves vão umas com as outras, e entre todos os animais, nenhuma fêmea se insinuou por desejo a outra fêmea. Quisera não ser uma! Se, porém, Creta deve gerar todos os portentos, a filha do Sol amou um touro, mas é óbvio que era uma fêmea a um macho. O meu amor é mais insano que este, a confessarmos a verdade. No entanto, ela seguiu a esperança de Vênus e, com astúcia e sob a aparência de uma vaca, foi possuída por um boi, e quem era enganado era um adúltero! Se fosse permitido que toda a engenhosidade viesse para cá, de todo o orbe, e o que faria o próprio Dédalo, se com suas asas enceradas voltasse voando? Por ventura, de uma virgem me fará um rapaz com artes doutas? Por acaso te mudará, Iante? Por que não firmas o ânimo, e não te reanimas, Ífis, e a chama estulta e privada de sabedoria não expulsas? Vê para o que nasceste, para que tu mesma não te enganes, e busca o que é lícito, e ama o que, como mulher, deves! A esperança é quem o recebe, a esperança é quem alimenta o amor. O fato arranca-a de ti. Nenhum guardião te afasta do abraço de tua amada, nem o cuidado de um marido cauteloso, nem a rigidez de um pai, nem mesmo ela se nega a quem a deseja, e contudo ela não pode ser possuída por ti, nem, ainda que tudo aconteça, tu poderias ser feliz, por mais que os deuses e os homens se empenhassem. (Até agora nenhum de meus desejos foi em vão, os deuses me deram tudo o que lhes foi permitido). Porque aquilo que almejo, meu genitor também o quer, ela própria e o futuro sogro assim o desejam. Entretanto, a natureza não o quer, e é mais forte que nós todos juntos e sozinha me será nociva. Eis que o momento tão desejado chega e a tocha conjugal se aproxima. Iante tornar-se-á minha e, contudo, não será tocada por mim. Sentiremos sede em meio às ondas. Ó Juno que presides os casamentos, ó
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non patris asperitas, non se negat ipsa roganti: nec tamen est potienda tibi, nec, ut omnia fiant, esse potes felix, ut dique hominesque laborent. Nunc quoque votorum nulla est pars vana meorum, dique mihi faciles, quidquid valuere, dederunt; quodque ego, vult genitor, vult ipsa socerque futurus. At non vult natura, potentior omnibus istis, quae mihi sola nocet. Venit ecce optabile tempus, luxque iugalis adest, et iam mea fiet Ianthe— nec mihi continget: mediis sitiemus in undis. Pronuba quid Iuno, quid ad haec, Hymenaee, venitis sacra, quibus qui ducat abest, ubi nubimus ambae?”
Himeneu, para que acudis a estas bodas em que nos casaremos ambas, se aquele que deveria nos conduzir está ausente?
Pressit ab his vocem. Nec lenius altera virgo aestuat, utque celer venias, Hymenaee, precatur. Quod petit haec, Telethusa timens modo tempora differt, nunc ficto languore moram trahit, omina saepe visaque causatur. Sed iam consumpserat omnem materiam ficti, dilataque tempora taedae institerant, unusque dies restabat. At illa crinalem capiti vittam nataeque sibique detrahit et passis aram complexa capillis “Isi, Paraetonium Mareoticaque arva Pharonque quae colis et septem digestum in cornua Nilum: fer, precor” inquit “opem nostroque medere timori! Te, dea, te quondam tuaque haec insignia vidi cunctaque cognovi, sonitum comitantiaque aera sistrorum, memorique animo tua iussa notavi. Quod videt haec lucem, quod non ego punior, ecce consilium munusque tuum est. Miserere duarum auxilioque iuva!” Lacrimae sunt verba secutae.
Após isso, faltou-lhe a voz. A outra virgem inflama-se de forma igual, não menos branda, e suplica que venhas ligeiro, Himeneu. O que Ífis pede, Teletusa, temendo-o, posterga por algum tempo, e com fingida indisposição alonga a demora, sob o pretexto de visões e presságios. Mas já se consumira toda a matéria do fingimento e com o tempo dilatado as tochas estavam posicionadas. Restava apenas um dia. A mãe, Teletusa, retira a fita de seus cabelos e dos de sua filha, agora abraçada ao altar, com a cabeleira solta. E diz: “Ó Ísis, cultuada em Paretônio, na Mareótida, em Faro e no Nilo dos sete braços, eu suplico, traz o teu auxílio a esse nosso temor. Atende-nos. Eu te vi, ó deusa, a ti e as tuas insígnias, e tudo reconheci, os sons e séquito brônzeo dos sistros, e conservei as tuas ordens em minha memória e em meu coração. Porque se minha filha vê esta luz, e vive, e se eu mesma não sou punida, é por teu conselho e graças a ti. Compadece-te das duas e dá-me o teu auxílio”. As lágrimas se seguiram ao seu pedido.
Visa dea est movisse suas (et moverat) aras, et templi tremuere fores, imitataque lunam cornua fulserunt, crepuitque sonabile sistrum.
De modo que a deusa foi vista a movimentar seus altares (e assim o fez), e as portas do templo tremeram. Os chifres, à imitação da lua, brilharam e o sistro retumbante vibrou.
Non secura quidem, fausto tamen omine laeta mater abit templo: sequitur comes Iphis euntem, quam solita est, maiore gradu, nec candor in ore
Em verdade, ainda que insegura, a mãe, alegre com o presságio, saiu do templo. Ífis a acompanha com um passo maior que o costumeiro, e a brancura do rosto já não é mais vista, as forças aumentam, o próprio semblante está menos suave e os
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permanet, et vires augentur, et acrior ipse est vultus, et incomptis brevior mensura capillis, 790 plusque vigoris adest, habuit quam femina. Nam quae femina nuper eras, puer es. Date munera templis nec timida gaudete fide! Dant munera templis, addunt et titulum; titulus breve carmen habebat: DONA·PUER·SOLVIT·QUAE·FEMINA.VOVERAT.IPHIS
cabelos, desarrumados, mais curtos. Agora possui mais vigor que uma mulher. Pois, de mulher que há pouco eras, tornaste-te um rapaz. Dai esses presentes aos templos e não vos alegreis com tímida fé. E elas dão presentes aos templos e acrescentam a seguinte inscrição, que este breve canto possuía: ESTES PRESENTES, FOI ÍFIS QUE DOOU, JÁ RAPAZ, TAL COMO PROMETERA QUANDO AINDA ERA MULHER.
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O dia seguinte revelou o grande orbe com seus raios, quando então Vênus, Juno, Himeneu e seus colaboradores reuniram-se para a cerimônia e Ífis, agora rapaz, casou-se com sua Iante.
Postera lux radiis latum patefecerat orbem, cum Venus et Iuno sociosque Hymenaeus ad ignes conveniunt, potiturque sua puer Iphis Ianthe.
Tradução: José Ernesto de Vargas, UFSC Fernando Coelho, UFSC
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Liber X Orpheus et Eurydice.
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Orfeu e Eurídice
Inde per inmensum croceo velatus amictu aethera digreditur Ciconumque Hymenaeus ad oras tendit et Orphea nequiquam voce vocatur. Adfuit ille quidem, sed nec sollemnia verba nec laetos vultus nec felix attulit omen. Fax quoque, quam tenuit, lacrimoso stridula fumo usque fuit nullosque invenit motibus ignes. Exitus auspicio gravior: nam nupta per herbas dum nova naiadum turba comitata vagatur, occidit in talum serpentis dente recepto.
De lá, pelo imenso céu, parte Himeneu, coberto em manto cor de açafrão, em direção às embocaduras de Cícones, e em vão é chamado pela voz de Orfeu. Fato é que ele lá esteve presente. Não proferiu, contudo, frases solenes, nem anunciou rostos alegres ou presságios favoráveis. A estrídula tocha, que nas mãos segurava, teve, até o fim, um certo tipo de fumaça lacrimosa e não produziu fogo algum quando agitada. Foi o desfecho mais penoso do que o auspício, pois, enquanto caminhava livre pela relva, acompanhada de uma turba de Náiades, sua nova esposa morreu, tendo recebido uma mordida de serpente no calcanhar.
Quam satis ad superas postquam Rhodopeius auras deflevit vates, ne non temptaret et umbras, ad Styga Taenaria est ausus descendere porta; perque leves populos simulacraque functa sepulcro Persephonen adiit inamoenaque regna tenentem umbrarum dominum. Pulsisque ad carmina nervis sic ait: “O positi sub terra numina mundi, in quem reccidimus, quidquid mortale creamur, si licet et falsi positis ambagibus oris vera loqui sinitis, non huc, ut opaca viderem Tartara, descendi, nec uti villosa colubris terna Medusaei vincirem guttura monstri: causa viae est coniunx, in quam calcata venenum vipera diffudit crescentesque abstulit annos. Posse pati volui nec me temptasse negabo: vicit Amor. Supera deus hic bene notus in ora est, an sit et hic, dubito. Sed et hic tamen auguror esse; famaque si veteris non est mentita rapinae, vos quoque iunxit Amor. Per ego haec loca plena timoris, per chaos hoc ingens vastique silentia regni, Eurydices, oro, properata retexite fata. Omnia debemur vobis, paulumque morati serius aut citius sedem properamus ad unam.
Após ter chorado por ela junto às brisas celestiais, o vate do Ródope, para não dizer que não tivesse tentado até mesmo nas trevas, teve ousadia bastante para descer ao Estige pela porta do Tênaro; e por povoações diáfanas e espectros submetidos ao sepulcro aproxima-se de Perséfone e do soberano ocupante dos horríveis reinos das sombras. E, então, tocadas as cordas em conformidade com o canto, assim disse ele: “Ó divindades do mundo deposto sob a terra, para o qual retrocedemos, nós e tudo o mais que mortal se produz! Se é lícito e concedeis falar verdades, depostos os rodeios de falsa boca, não desci até aqui com o objetivo de ver o sombrio Tártaro, nem de subjugar as três gargantas do monstro de Medusa, eriçadas de cobras. A causa do percurso é minha esposa, contra a qual uma víbora, pisada por seus pés, destilou veneno e usurpou-lhe os nascentes anos. Desejei poder resignar-me e não negarei tê-lo tentado... O Amor venceu-me, contudo. Em paragens superiores esse deus é bem conhecido; não estou certo de que o seja também aqui, mas também aqui, contudo, julgo que ele está. Se a fama do antigo rapto não foi inventada, também a vós o Amor uniu. Quanto a mim, por estas regiões plenas de temor, por este imenso Caos e pelo silêncio deste vasto reino, eu imploro: revertei os céleres destinos de Eurídice! A vós todos somos destinados, habitantes passageiros que cedo ou tarde apressamo-nos a este único domicílio. Dirigimo-nos todos para cá, é esta a extrema moradia, e sois vós quem detendes o mais prolongado império sobre o gênero humano. Também ela, quando tiver vivido por completo os anos devidos, será vossa
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Tendimus huc omnes, haec est domus ultima, vosque humani generis longissima regna tenetis. Haec quoque, cum iustos matura peregerit annos, iuris erit vestri: pro munere poscimus usum. Quod si fata negant veniam pro coniuge, certum est nolle redire mihi: leto gaudete duorum.”
de direito: peço de presente o usufruto sobre ela. Porque se os destinos se negam a conceder esta graça a minha esposa, certo é que não quero voltar: alegrai-vos com a morte dos dois!”
Talia dicentem nervosque ad verba moventem exsangues flebant animae: nec Tantalus undam captavit refugam, stupuitque Ixionis orbis, nec carpsere iecur volucres, urnisque vacarunt Belides, inque tuo sedisti, Sisyphe, saxo. Tunc primum lacrimis victarum carmine fama est Eumenidum maduisse genas. Nec regia coniunx sustinet oranti nec qui regit ima negare, Eurydicenque vocant. Umbras erat illa recentes inter et incessit passu de vulnere tardo. Hanc simul et legem Rhodopeius accipit Orpheus, ne flectat retro sua lumina, donec Avernas exierit valles: aut inrita dona futura.
Durante o tempo em que pronunciava tais palavras em compasso com o toque das cordas, as almas exangues derramavam lágrimas. Tântalo não fez por buscar a água fugaz; a roda de Íxion, estupefata, paralisou-se; as aves não consumiram o fígado; as Bélides desocuparam-se de seus jarros; e em teu rochedo, Sísifo, tu te sentaste. Foi quando, pela primeira vez – é o que se conta – as faces das Eumênides, vencidas pelo canto, se embeberam de lágrimas. Nem a esposa real, nem mesmo o regente do mundo inferior mantêm a negativa ao súplice e convocam Eurídice. Ela estava entre as sombras recentes e aproximou-se a passos lentos por causa da ferida. O herói do Ródope recebe a ela e à seguinte exigência: não volver seus olhos para trás até o momento em que tivesse saído dos vales do Averno, caso contrário estaria anulado o benefício concedido pelos deuses.
Carpitur acclivis per muta silentia trames, arduus, obscurus, caligine densus opaca. Nec procul afuerunt telluris margine summae: hic, ne deficeret, metuens avidusque videndi flexit amans oculos; et protinus illa relapsa est, bracchiaque intendens prendique et prendere certans nil nisi cedentes infelix arripit auras. Iamque iterum moriens non est de coniuge quicquam questa suo: quid enim nisi se quereretur amatam? Supremumque “vale,” quod iam vix auribus ille acciperet, dixit revolutaque rursus eodem est.
Em meio a quietudes silenciosas é percorrido um atalho íngreme, escarpado, escuro, coberto de caligem opaca, e não distantes estiveram eles da fronteira com a superfície da terra. Ele, porém, temendo separar-se dela e ávido por vê-la, volveu, apaixonado, os olhos; então, imediatamente ela deslizou para trás, estendendo os braços, lutando não só para alcançá-lo, mas também para ser por ele alcançada, mas, infeliz, nada agarra, senão o esquivo ar. E nesse momento, morrendo pela segunda vez, não reclamou do que quer que fosse em relação a seu marido (de fato, de que poderia reclamar, senão de ser amada?) Disse um último “adeus”, que ele já com dificuldade pôde captar pelos ouvidos, e foi revolvida para o lugar onde antes estivera.
Non aliter stupuit gemina nece coniugis Orpheus, quam tria qui timidus, medio portante catenas, colla canis vidit, quem non pavor ante reliquit, quam natura prior, saxo per corpus oborto; quique in se crimen traxit voluitque videri Olenos esse nocens, tuque, o confisa figurae,
Orfeu, estupefato, paralisou-se com a reiterada morte da esposa, semelhantemente a quem, apreensivo, viu o cão de três pescoços, o do meio carregando as correntes, a quem o pavor não abandonou antes que a natureza última, com o surgimento de rochas pelo corpo; e àquele Ólenos, que atraiu a si a responsabilidade de um ato criminoso e quis ser visto como culpado; e a ti, ó infeliz Leteia, confiada em tua beleza – corações tempos atrás
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infelix Lethaea, tuae, iunctissima quondam pectora, nunc lapides, quos umida sustinet Ide. Orantem frustraque iterum transire volentem portitor arcuerat. Septem tamen ille diebus squalidus in ripa Cereris sine munere sedit: cura dolorque animi lacrimaeque alimenta fuere. Esse deos Erebi crudeles questus, in altam se recipit Rhodopen pulsumque aquilonibus Haemum.
Ele implorou e em vão quis atravessar de volta, mas foi detido pelo barqueiro. Por sete dias, no entanto, esquálido, permaneceu sentado naquela margem, sem o presente de Ceres. Seus alimentos foram o tormento por amor, a dor na alma e as lágrimas... Deplorando os deuses cruéis do Érebo, afastou-se para o alto Ródope, de onde foi lançado pelos Aquilões ao monte Hemo.
Tertius aequoreis inclusum piscibus annum finierat Titan, omnemque refugerat Orpheus femineam venerem, seu quod male cesserat illi, sive fidem dederat. Multas tamen ardor habebat iungere se vati, multae doluere repulsae. Ille etiam Thracum populis fuit auctor amorem in teneros transferre mares citraque iuventam aetatis breve ver et primos carpere flores.
O terceiro Titã terminara o ano que se encerra em Peixes marinhos, e Orfeu continuava a evitar os encantos femininos de Vênus, seja porque a ele coubera um amor mal sucedido, seja porque fizera uma promessa. No entanto, o desejo ardente de se unir ao vate dominava muitas mulheres que, repelidas, sofreram. Certamente foi ele o autor, para os povos da Trácia, do costume de transferir o amor para jovens do sexo masculino e colher as primeiras flores e a breve primavera antes de atingir a juventude.
Arbores motae. Cyparissus
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intimamente ligados, hoje pedras, que o úmido Ida conserva.
Collis erat collemque super planissima campi area, quam viridem faciebant graminis herbae. Umbra loco deerat: qua postquam parte resedit dis genitus vates et fila sonantia movit, umbra loco venit. Non Chaonis afuit arbor. non nemus Heliadum, non frondibus aesculus altis, nec tiliae molles, nec fagus et innuba laurus, et coryli fragiles et fraxinus utilis hastis enodisque abies curvataque glandibus ilex et platanus genialis acerque coloribus impar amnicolaeque simul salices et aquatica lotos perpetuoque virens buxum tenuesque myricae et bicolor myrtus et bacis caerula tinus. Vos quoque, flexipedes hederae, venistis et una pampineae vites et amictae vitibus ulmi, ornique et piceae pomoque onerata rubenti arbutus et lentae, victoris praemia, palmae et succincta comas hirsutaque vertice pinus,
Ciparisso Havia uma colina e sobre a colina uma área de superfície planíssima, a qual densa relva tornava verde. Era um local de sombra ausente, até que o vate gerado de deuses nessa região se estabeleceu e lá dedilhou suas cordas – foi quando a sombra estendeu-se ao local. Não deixaram de participar a árvore da Caônia, nem o bosque das Helíades, nem o carvalho de altas frondes, nem as tílias flexíveis, ou a faia e o casto loureiro; lá estiveram não só as frágeis aveleiras, mas também o freixo útil às lanças; o abeto desnodoso e a azinheira arqueada por causa de suas bolotas; o fecundo plátano e o bordo sem igual por causa de suas cores; também as árvores que crescem junto dos rios – ao mesmo tempo, os salgueiros, o aquático lótus, o buxo eternamente verdejante, a tamargueira delgada, a murta bicolorida e o viburno de bagas azuis. Também vós, heras de pés sinuosos, viestes e juntamente as cepas de videiras folhadas, os olmeiros recobertos por videiras, os freixos silvestres, o negro abeto, o medronheiro carregado de frutos avermelhados e as palmas maleáveis, prêmios do vencedor; também o pinheiro cingido de cabeleira embaixo e hirsuto no cimo, grato à mãe dos deuses, se de fato Átis, cultor de Cibele, se despojou da forma humana por causa dele e se endureceu no tronco. Somou-se a essa turba o cipreste que
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grata deum matri; siquidem Cybeleius Attis exuit hac hominem truncoque induruit illo.
imita as pirâmides, agora árvore, antes um garoto amado pelo deus que harmoniza às cordas a cítara e o arco.
Adfuit huic turbae metas imitata cupressus, nunc arbor, puer ante deo dilectus ab illo, qui citharam nervis et nervis temperat arcum. Namque sacer nymphis Carthaea tenentibus arva ingens cervus erat, lateque patentibus altas ipse suo capiti praebebat cornibus umbras. Cornua fulgebant auro, demissaque in armos pendebant tereti gemmata monilia collo. Bulla super frontem parvis argentea loris vincta movebatur parilique aetate: nitebant auribus e geminis circum cava tempora bacae. Isque metu vacuus naturalique pavore deposito celebrare domos mulcendaque colla quamlibet ignotis manibus praebere solebat. Sed tamen ante alios, Ceae pulcherrime gentis, gratus erat, Cyparisse, tibi. Tu pabula cervum ad nova, tu liquidi ducebas fontis ad undam, tu modo nectebas varios per cornua flores, nunc eques in tergo residens huc laetus et illuc mollia purpureis frenabas ora capistris.
É fato que havia um veado enorme, consagrado às ninfas ocupantes da região de Carteia, que oferecia ele próprio, com o chifre, sombra a sua cabeça. Os chifres fulgiam em ouro, e colares cobertos de pedras preciosas, precipitados em direção à pata dianteira, pendiam do pescoço bem torneado. Uma esfera de prata, atada a pequenas tiras, movia-se sobre sua fronte; um par de brincos de bronze reluzia de ambas as orelhas, no entorno de suas cavas têmporas. Ele, isento de medo e deixado de lado o pavor natural, tinha o hábito de frequentar as casas e oferecer o pescoço para ser acariciado por mãos, ainda que desconhecidas. Mas, contudo, era agradável, mais que aos outros, a ti, Ciparisso, ó mais belo do povo Ceos. Eras tu quem conduzias o veado a novos pastos, eras tu quem o conduzias à água de fonte cristalina, eras tu quem às vezes entrelaçavas flores multicolores ao longo dos chifres. Às vezes montando em seu dorso, como alegre cavaleiro, refreavas a boca macia com rédeas purpúreas...
Aestus erat mediusque dies, solisque vapore concava litorei fervebant bracchia cancri: fessus in herbosa posuit sua corpora terra cervus et arborea frigus ducebat ab umbra. Hunc puer imprudens iaculo Cyparissus acuto fixit; et ut saevo morientem vulnere vidit, velle mori statuit. Quae non solacia Phoebus dixit et ut leviter pro materiaque doleret, admonuit! Gemit ille tamen munusque supremum hoc petit a superis, ut tempore lugeat omni. Iamque per inmensos egesto sanguine fletus in viridem verti coeperunt membra colorem, et modo qui nivea pendebant fronte capilli, horrida caesaries fieri sumptoque rigore sidereum gracili spectare cacumine caelum.
O meio do dia ardia em calor e, por causa do vapor do sol, as pinças côncavas de Câncer litorâneo ferviam. O veado, fatigado, depôs seus membros na terra coberta de relva, enquanto atraia para si o frescor da sombra das árvores. Foi aí que o garoto Ciparisso, imprevidente, o espetou com um dardo pontiagudo... Quando o viu morrendo por causa da seva ferida, decidiu desejar morrer. Que palavras de conforto Febo não disse, aconselhando-o a que manifestasse sua dor leve e proporcionalmente ao motivo! Ele, contudo, geme e pede dos deuses superiores este último presente: que possa chorar pela morte dele por todos os tempos. E já por causa das lágrimas desmedidas, pelo sangue derramado, a cor de seus membros assume um tom esverdeado, e os cabelos, que há pouco flutuavam sobre o níveo rosto, começam a se transformar em eriçada cabeleira, que, com o enrijecimento, passa a fitar o céu cintilante com seu delicado cume. O deus, também ele triste, soltou um gemido e disse:
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Ingemuit tristisque deus “lugebere nobis lugebisque alios aderisque dolentibus” inquit. Ganymedes. Hyacinthus
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Jacinto.
Ganimedes. Jacinto
Tale nemus vates attraxerat inque ferarum concilio medius turba volucrumque sedebat. Ut satis impulsas temptavit pollice chordas et sensit varios, quamvis diversa sonarent, concordare modos, hoc vocem carmine movit:
Era de tal natureza o bosque que o vate atraíra a si e, no meio da turba, permanecia sentado no agrupamento de feras e animais. Ao experimentar as cordas, impulsionando-as com o polegar, e perceber que as variadas medidas, ainda que soassem de modo diverso, eram consonantes, articulou a voz no seguinte canto:
“Ab Iove, Musa parens, (cedunt Iovis omnia regno!) carmina nostra move! Iovis est mihi saepe potestas dicta prius: cecini plectro graviore Gigantas sparsaque Phlegraeis victricia fulmina campis: nunc opus est leviore lyra, puerosque canamus dilectos superis, inconcessisque puellas ignibus attonitas meruisse libidine poenam.
“Ó Musa obediente, que se submete ao poder de Júpiter, assim como tudo o mais, move meu canto! Com frequência o poder de Júpiter foi antes celebrado por mim: cantei os gigantes com plectro de mais peso e os raios triunfantes dispersados pelos campos de Flegra. Agora é preciso lira mais leve. Cantemos não só os garotos diletos aos deuses superiores, mas também as moças atordoadas pelo fogo das paixões proibidas, que mereceram punição por causa de sua libido”.
Rex superum Phrygii quondam Ganymedis amore arsit, et inventum est aliquid, quod Iuppiter esse, quam quod erat, mallet. Nulla tamen alite verti dignatur, nisi quae posset sua fulmina ferre. Nec mora, percusso mendacibus aere pennis abripit Iliaden; qui nunc quoque pocula miscet invitaque Iovi nectar Iunone ministrat.
Tempos atrás, o rei dos deuses superiores ardeu de paixão pelo frígio Ganimedes. Foi quando se descobriu aquilo que Júpiter preferiria ser no lugar de quem era. Julga, por sua vez, digno assumir a forma de nenhuma ave, senão da que pudesse transportar seus raios. Sem demora, tangendo o ar com asas fictícias, rapta o filho de Ílio, que até hoje mistura suas bebidas e, contra a vontade de Juno, serve a Júpiter o néctar. A ti também, ó filho de Amiclas274, Febo teria estabelecido no céu, se teus tristes fados tivessem dado a oportunidade de fazê-lo. És, contudo, imortal até onde foi permitido. Todas as vezes que a primavera afasta o inverno e Áries substitui aos aquosos Peixes, tu renasces e floresces no solo coberto por verde relva. A ti, acima de todos os outros, meu pai amou, e Delfos, deposta no centro do mundo, ficou sem seu protetor, durante o tempo em que o deus frequentava o Eurotas e a não fortificada Esparta, quando nem cítaras nem flechas gozam de seu apreço. Esquecendo-se até mesmo de quem era, não se recusa a levar as redes, nem a manter a guarda dos cães, nem a ir em tua companhia por acidentadas cadeias de montanhas e alimenta as chamas do amor com o convívio diário.
Te quoque, Amyclide, posuisset in aethere Phoebus, tristia si spatium ponendi fata dedissent. Qua licet, aeternus tamen es: quotiensque repellit ver hiemem piscique aries succedit aquoso, tu totiens oreris viridique in caespite flores. Te meus ante omnes genitor dilexit, et orbe in medio positi caruerunt praeside Delphi, dum deus Eurotan inmunitamque frequentat Sparten. Nec citharae nec sunt in honore sagittae: inmemor ipse sui non retia ferre recusat,
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“Tua morte será sempre lamentada por mim, e tu lamentarás a morte de outros e estarás junto dos que sofrem”.
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non tenuisse canes, non per iuga montis iniqui ire comes, longaque alit adsuetudine flammas. 175
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Iamque fere medius Titan venientis et actae noctis erat spatioque pari distabat utrimque: corpora veste levant et suco pinguis olivi splendescunt latique ineunt certamina disci. Quem prius aerias libratum Phoebus in auras misit et oppositas disiecit pondere nubes. Reccidit in solidam longo post tempore terram pondus et exhibuit iunctam cum viribus artem. Protinus imprudens actusque cupidine lusus tollere Taenarides orbem properabat. At illum dura repercusso subiecit verbere tellus in vultus, Hyacinthe, tuos. Expalluit aeque quam puer ipse deus conlapsosque excipit artus, et modo te refovet, modo tristia vulnera siccat, nunc animam admotis fugientem sustinet herbis. Nil prosunt artes: erat inmedicabile vulnus. Ut siquis violas rigidumve papaver in horto liliaque infringat fulvis horrentia linguis, marcida demittant subito caput illa vietum nec se sustineant spectentque cacumine terram: sic vultus moriens iacet, et defecta vigore ipsa sibi est oneri cervix umeroque recumbit. “Laberis, Oebalide, prima fraudate iuventa,” Phoebus ait “videoque tuum, mea crimina, vulnus. Tu dolor es facinusque meum: mea dextera leto inscribenda tuo est! Ego sum tibi funeris auctor. Quae mea culpa tamen? Nisi si lusisse vocari culpa potest, nisi culpa potest et amasse vocari. Atque utinam merito vitam tecumque liceret reddere! Quod quoniam fatali lege tenemur, semper eris mecum memorique haerebis in ore. Te lyra pulsa manu, te carmina nostra sonabunt, flosque novus scripto gemitus imitabere nostros. Tempus et illud erit, quo se fortissimus heros addat in hunc florem folioque legatur eodem.”
E já Titã estava quase intermediário entre a noite que passou e a que está para chegar, distando de uma e outra em igual espaço de tempo, quando eles desoneram seus corpos de vestes, tornam-se resplandecentes com a seiva da gordurosa azeitona e começam a disputa com o disco largo. Primeiramente Febo o lançou, equilibrado, para os altos ares e, com o peso do disco, cortou as nuvens que se ofereceram como obstáculo; o volume retrocedeu à terra firme depois de decorrido longo tempo, exibindo técnica conjugada à força. Logo em seguida, o Tenárida, imprevidente e impelido pela cobiça de competir, acelerou rumo ao disco para lançá-lo, mas a terra dura, replicada a batida, arremessou o projétil contra tua face, ó Jacinto! O próprio deus empalideceu tanto quanto o garoto e susteve os desfalecentes membros do corpo deste. E ora te reanima, ora seca a triste chaga, ou ainda retém a alma prófuga com a aplicação de ervas. Em nada são úteis suas técnicas: era uma chaga irremediável... Assim como alguém que, por acaso, destrói violetas no jardim, ou a rígida papoula e lírios eriçados de fulvos estames, e estes, subitamente murchos, inclinam a cabeça mole e, não se sustendo, contemplam a terra com seu cimo; do mesmo modo também sua face jaz, a morrer, e a cerviz, abandonada pelo vigor, representa uma carga para si mesma e se recosta sobre o ombro. Então Febo diz:
“Sucumbes, ó Ebálide, usurpado de tua juventude primeira... E eu vejo meu ato, tua chaga, quão criminoso... És tu dor e delito meus... É minha direita que deve carregar o labéu por tua destruição. Eu é que sou o autor de teu funeral. No entanto, que culpa tenho eu? A não ser que se possa chamar de culpa o ter me divertido contigo, a não ser que se possa chamar de culpa o ter te amado... Ah! Quisera eu fosse permitido morrer contigo e renunciar à vida! Já que disso sou impedido por lei do destino, estarás sempre comigo e ficarás ligado aos meus lábios, que ostentarão a lembrança de ti. Tocada, minha lira ressoará a ti, a ti ressoarão meus cantos e tu, uma nova flor, imitarás meus gemidos com teu traçado. Também haverá o tempo em que o mais forte dos heróis se juntará a essa flor e será colhido na mesma pétala”.
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Talia dum vero memorantur Apollinis ore, ecce cruor, qui fusus humo signaverat herbas, desinit esse cruor, Tyrioque nitentior ostro flos oritur formamque capit quam lilia, si non purpureus color his, argenteus esset in illis. Non satis hoc Phoebo est (is enim fuit auctor honoris): ipse suos gemitus foliis inscribit, et AI AI flos habet inscriptum, funestaque littera dicta est. Nec genuisse pudet Sparten Hyacinthon, honorque durat in hoc aevi, celebrandaque more priorum annua praelata redeunt Hyacinthia pompa. Cerastae et Propoetides
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At si forte roges fecundam Amathunta metallis, an genuisse velit Propoetidas, abnuat aeque atque illos, gemino quondam quibus aspera cornu frons erat: unde etiam nomen traxere Cerastae. Ante fores horum stabat Iovis Hospitis ara; ignarus sceleris quam siquis sanguine tinctam advena vidisset, mactatos crederet illic lactantes vitulos Amathusiacasque bidentes: hospes erat caesus. Sacris offensa nefandis ipsa suas urbes Ophiusiaque arva parabat deserere alma Venus. “Sed quid loca grata, quid urbes peccavere meae? Quod” dixit “crimen in illis? Exsilio poenam potius gens impia pendat, vel nece, vel siquid medium est mortisque fugaeque. Idque quid esse potest, nisi versae poena figurae?” Dum dubitat, quo mutet eos, ad cornua vultum flexit et admonita est haec illis posse relinqui: grandiaque in torvos transformat membra iuvencos. Sunt tamen obscenae Venerem Propoetides ausae esse negare deam. Pro quo sua, numinis ira, corpora cum forma primae vulgasse feruntur: utque pudor cessit sanguisque induruit oris, in rigidum parvo silicem discrimine versae.
Enquanto tais ditos eram pronunciados pela boca sincera de Apolo, eis que o cruor, que, espalhado no chão, selara as ervas, deixa de ser cruor e surge uma flor mais reluzente do que a púrpura de Tiro, em formato semelhante aos lírios, mas diferente na cor: purpúrea a sua, argêntea a deles. Isso não foi suficiente a Febo (de fato foi ele o autor da homenagem): ele próprio inscreveu seus gemidos – ‘ai, ai’ – nas folhas, os quais a flor conserva inscritos, e a letra funesta foi perpetuada. Mas não se envergonha Esparta por ter gerado Jacinto: não só a homenagem persiste até os dias atuais, mas também, festejadas segundo o costume dos antigos, as Jacíntias retornam anualmente em procissão solene.
Cerastas. Propétides Mas se por acaso se perguntar a Amatunte, fecunda em metais, se desejaria ter gerado as Propétides, ela sinalizará que não, como o fará em relação àqueles que outrora tinham a fronte áspera com um par de chifres, de onde ainda agora têm arrastado o nome de Cerastas. Diante dos portões destes estava localizado um altar de Júpiter Anfitrião; se algum estrangeiro, desconhecedor do crime, o tivesse visto banhado em sangue, acreditaria terem sido ali imolados vitelos lactentes ou ovelhas vindos de Amatunte: era um hóspede que tinha sido sacrificado! Ofendida pelos ritos nefandos, a própria Vênus Nutriz preparava-se para abandonar as cidades e os campos cultivados de Ofiúsa. “Mas por que esses lugares agradáveis, minhas cidades, cometeram tal erro? Que ato criminoso aconteceu nelas!? Que este povo ímpio sofra, de preferência, a punição do exílio, ou a do extermínio, ou ainda algo a meio caminho entre a morte e o degredo. E o que pode ser isso, a não ser a punição de assumirem uma nova forma?” Enquanto pondera sobre em que os poderia transfigurar, desviou o semblante em direção aos cornos, que a fizeram pensar que podiam ser deixados como legado a eles. E assim transforma seus fortes membros em ameaçadores novilhos. As obscenas Propétides, por sua vez, tiveram ousadia bastante para negar que Vênus era deusa; em razão disso, por causa da ira da divindade, dizem que elas foram as primeiras a prostituir seus corpos e reputação, de modo que a decência as abandonou e o sangue endureceu em suas faces, assumindo praticamente a forma de duras pedras.
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Pigmaleão
Quas quia Pygmalion aevum per crimen agentes viderat, offensus vitiis, quae plurima menti femineae natura dedit, sine coniuge caelebs vivebat thalamique diu consorte carebat. Interea niveum mira feliciter arte sculpsit ebur formamque dedit, qua femina nasci nulla potest: operisque sui concepit amorem. Virginis est verae facies, quam vivere credas, et, si non obstet reverentia, velle moveri: ars adeo latet arte sua. Miratur et haurit pectore Pygmalion simulati corporis ignes. Saepe manus operi temptantes admovet, an sit corpus an illud ebur: nec adhuc ebur esse fatetur. Oscula dat reddique putat loquiturque tenetque, et credit tactis digitos insidere membris, et metuit, pressos veniat ne livor in artus. Et modo blanditias adhibet, modo grata puellis munera fert illi conchas teretesque lapillos et parvas volucres et flores mille colorum liliaque pictasque pilas et ab arbore lapsas Heliadum lacrimas; ornat quoque vestibus artus, dat digitis gemmas, dat longa monilia collo: aure leves bacae, redimicula pectore pendent. Cuncta decent: nec nuda minus formosa videtur. Conlocat hanc stratis concha Sidonide tinctis appellatque tori sociam, acclinataque colla mollibus in plumis, tamquam sensura, reponit.
Pigmaleão, porque as observara sempre praticando atos criminosos, ofendido pelos muito numerosos vícios que a natureza concedeu ao espírito feminino, sem cônjuge, vivia solteiro e durante muito tempo absteve-se de compartilhar o leito com uma esposa. Enquanto isso, esculpiu, com técnica particularmente admirável, uma estátua em níveo marfim, à qual imputou uma beleza com que mulher alguma é capaz de nascer, e contraiu uma paixão por sua obra. A face dela é própria de uma genuína virgem, a qual se poderia crer estar viva e querer mover-se, não fosse a vergonha a impedi-lo. A que ponto a técnica pode ocultar-se na própria técnica! Pigmaleão a contempla e devora no peito os fogos da paixão pelo corpo em cópia. Com frequência ele aproxima de sua obra as mãos, que a experimentam, em dúvida se é corpo ou se é marfim – e não aceita ser ainda marfim... Dá-lhe beijos e julga serem correspondidos; conversa com ela, a segura e, acreditando penetrarem seus dedos nos membros tocados, receia que manchas arroxeadas sobrevenham às partes premidas. Às vezes recorre a blandícias, às vezes leva para ela presentes que as meninas adoram: conchas e pedrinhas cilíndricas; pequenas aves e flores de mil cores; lírios, bolas pintadas e gotas que escorrem da árvore das Helíades; embeleza também partes de seu corpo com vestidos, dá joias a seus dedos, dá longos colares a seu pescoço; leves pérolas pendem de suas orelhas, gargantilhas de seu peito: tudo em perfeita harmonia – nem nua parece menos formosa. Une-se a ela em colchas tintas com a concha de Sídon e chama-a de companheira de leito e repousa seu pescoço reclinado em macias plumagens, como se ela houvesse de senti-las.
Festa dies Veneris tota celeberrima Cypro venerat, et pandis inductae cornibus aurum conciderant ictae nivea cervice iuvencae, turaque fumabant: cum munere functus ad aras constitit et timide, “si di dare cuncta potestis, sit coniunx, opto” (non ausus “eburnea virgo” dicere) Pygmalion “similis mea” dixit “eburnae.” Sensit, ut ipsa suis aderat Venus aurea festis,
Chegara o dia da festa de Vênus, bastante célebre em toda a Chipre, e novilhas caíam golpeadas na nívea cerviz, conduzidas pelos recurvados chifres de ouro, e incensos lançavam fumaça, quando, cumprindo o ritual com um presente, pôs-se ele junto dos altares e disse timidamente: “se podeis, deuses, tudo conceder, peço que minha esposa seja a” – não ousando dizer “virgem de marfim”, disse – “que se assemelha à de marfim”. Como a áurea Vênus estivesse ela própria presente à festa, percebeu o que aqueles votos queriam dizer, e, como presságio da divindade amiga, uma chama três
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vota quid illa velint; et, amici numinis omen, flamma ter accensa est apicemque per aera duxit. 280
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Ut rediit, simulacra suae petit ille puellae incumbensque toro dedit oscula: visa tepere est. Admovet os iterum, manibus quoque pectora temptat: temptatum mollescit ebur positoque rigore subsidit digitis ceditque, ut Hymettia sole cera remollescit tractataque pollice multas flectitur in facies ipsoque fit utilis usu. Dum stupet et dubie gaudet fallique veretur, rursus amans rursusque manu sua vota retractat. Corpus erat: saliunt temptatae pollice venae. Tum vero Paphius plenissima concipit heros verba, quibus Veneri grates agat, oraque tandem ore suo non falsa premit: dataque oscula virgo sensit et erubuit timidumque ad lumina lumen attollens pariter cum caelo vidit amantem. Coniugio, quod fecit, adest dea. Iamque coactis cornibus in plenum noviens lunaribus orbem illa Paphon genuit, de qua tenet insula nomen. Myrrha Editus hac ille est, qui, si sine prole fuisset, inter felices Cinyras potuisset haberi.
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Dira canam: procul hinc natae, procul este parentes! Aut, mea si vestras mulcebunt carmina mentes, desit in hac mihi parte fides, nec credite factum, vel, si credetis, facti quoque credite poenam. Si tamen admissum sinit hoc natura videri, gentibus Ismariis et nostro gratulor orbi, gratulor huic terrae, quod abest regionibus illis, quae tantum genuere nefas. Sit dives amomo cinnamaque costumque suum sudataque ligno tura ferat floresque alios Panchaia tellus, dum ferat et murram: tanti nova non fuit arbor.
vezes inflamou-se e estendeu-se pontiaguda pelos ares. Assim que ele retornou, lançou-se sobre o simulacro de sua menina e, deitando-se no leito, deu-lhe beijos: pareceu-lhe estar tépida! Aproxima os lábios pela segunda vez, apalpa também seus seios: o marfim, apalpado, torna-se macio ao toque das mãos; deposta sua rigidez, submete-se aos dedos e cede, tal como a cera do Himeto se amacia com o sol e, tocada com o polegar, se verte em múltiplos formatos e se torna útil pelo próprio uso. Enquanto se paralisa, estupefato, e dubiamente se alegra e teme estar enganado, o amante, uma vez e de novo apalpa reiteradamente seus votos. Era corpo! Apalpadas, pulsavam as veias ao toque do polegar! Então, o herói de Pafos exprime suas palavras plenas de satisfação, com as quais eleva seus agradecimentos a Vênus, e alfim preme com seus lábios os lábios não mais falsos dela. A virgem sentiu os beijos dados e enrubesceu-se; elevando os olhos tímidos na direção dos olhos dele, contemplou seu amor juntamente com o céu. A deusa presenciou o casamento e, depois que os cornos lunares já se tinham condensado por nove vezes, preenchendo todo o contorno, ela deu à luz Pafos, a partir da qual a ilha mantém seu nome. Dela foi gerado o conhecido Cíniras, que, se tivesse vivido sem prole, teria podido ser estimado entre os bem-aventurados. Mirra Cantarei eventos sinistros: mantei-vos afastadas daqui, filhas, afastadas de vosso pai! Ou se meus cantos atingirem levemente vossas mentes, que a credibilidade em mim esteja ausente nesta parte, e não acreditai tratar-se de um fato, ou, se acreditardes, acreditai também na punição desse fato! Se, contudo, a natureza admite que isso pareça ter ocorrido (congratulo-me com nosso mundo e com os povos de Ísmaro) congratulo-me com esta terra, já que está longe daquelas regiões que deram origem a tamanha atrocidade.
Que seja a terra de Pancaia opulenta em amomo e produza não só canela, mas também o costo e incensos extraídos da madeira, além de outras flores, contanto que produza também mirra. A nova árvore não foi de tanto valor. O próprio Cupido nega suas flechas terem sido prejudiciais a ti, Mirra, e isenta
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Ipse negat nocuisse tibi sua tela Cupido, Myrrha, facesque suas a crimine vindicat isto. Stipite te Stygio tumidisque adflavit echidnis e tribus una soror. Scelus est odisse parentem: hic amor est odio maius scelus. Undique lecti te cupiunt proceres, totoque oriente iuventus ad thalami certamen adest. Ex omnibus unum elige, Myrrha, virum: dum ne sit in omnibus unus. Illa quidem sentit foedoque repugnat amori et secum “quo mente feror? quid molior?” inquit: “di, precor, et pietas sacrataque iura parentum, hoc prohibete nefas scelerique resistite nostro, — si tamen hoc scelus est. Sed enim damnare negatur hanc venerem pietas, coeuntque animalia nullo cetera delicto. Nec habetur turpe iuvencae ferre patrem tergo, fit equo sua filia coniunx, quasque creavit init pecudes caper, ipsaque, cuius semine concepta est, ex illo concipit ales. Felices, quibus ista licent! Humana malignas cura dedit leges, et quod natura remittit, invida iura negant. Gentes tamen esse feruntur, in quibus et nato genetrix et nata parenti iungitur, ut pietas geminato crescat amore. Me miseram, quod non nasci mihi contigit illic, fortunaque loci laedor! — Quid in ista revolvor? Spes interdictae discedite! Dignus amari ille, sed ut pater, est. — Ergo si filia magni non essem Cinyrae, Cinyrae concumbere possem; nunc quia iam meus est, non est meus, ipsaque damno est mihi proximitas: aliena potentior essem. Ire libet procul hinc patriaeque relinquere fines, dum scelus effugiam. Retinet malus ardor amantem, ut praesens spectem Cinyram tangamque loquarque osculaque admoveam, si nil conceditur ultra. Ultra autem spectare aliquid potes, impia virgo? Et quot confundas et iura et nomina, sentis! Tune eris et matris paelex et adultera patris? Tune soror nati genetrixque vocabere fratris? Nec metues atro crinitas angue sorores,
suas tochas desse horrível ato criminoso. Quem te insuflou foi uma das três irmãs, com um bastão do Estige e suas víboras intumescidas. É crime odiar o pai; este amor, contudo, é crime maior do que ódio. De todas as partes pretendentes seletos te desejam, e a juventude de todo o oriente se apresenta para a disputa por teu leito nupcial: elege, dentre todos eles, um único, Mirra, desde que um único não esteja em meio a todos eles... Na verdade ela percebe a repugnante paixão e, repelindo-a, diz a si mesma: “Para onde me levam meus pensamentos? O que planejo? Ó deuses, eu imploro, também a vós, respeito e juramentos sagrados aos pais, proibi esta atrocidade e fazei cessar meu crime, se, contudo, se trata mesmo de um crime. Mas é justamente o respeito que se nega a condenar essa atração gerada por Vênus: todos os outros animais coabitam sem qualquer discriminação, e não é tido como torpe o fato de o pai cobrir sua novilha; a própria filha do cavalo se torna sua esposa, o bode penetra as reses que ele fez nascer e a ave concebe daquele de cujo sêmen ela própria foi concebida. Bem-aventuradas são elas, a quem isso é permitido! O zelo humano fixou leis malignas e, o que a natureza admite, legislações invejosas negam. Conta-se, no entanto, haver povos entre os quais não só a mãe se une ao filho, mas também a filha ao pai, e o respeito cresce com o amor de dupla natureza. Ah! Miserável de mim, já que não tenho o privilégio de nascer nessas regiões e sou ultrajada pelo infortúnio do lugar! Por que me volto novamente para isso? Afastai-vos, esperanças interditas! Digno de ser amado ele é, mas como pai. – Então, se eu não fosse filha do grande Cíniras, com Cíniras poderia deitar-me... Mas, em realidade, porque já é meu, não é meu, e o próprio grau de parentesco é para mim a condenação: teria mais poder se fosse uma estranha! Vontade não me falta de ir para longe e deixar para trás os limites da pátria, contanto que pudesse fugir ao crime; retém meu caminhar o pernicioso fogo da paixão, de modo que, estando ao alcance dos olhos de Cíniras e ele dos meus, possa contemplá-lo, tocá-lo, dirigir-lhe a palavra, aproximar dele meus beijos, uma vez que nada além me é concedido. Que outra coisa além disso podes esperar, virgem ímpia? Percebes a quantidade de desejos e de nomes que confundes? Por acaso serás tu rival de tua mãe e amante de teu pai? Por acaso serás tu chamada de irmã de teu filho e mãe de teu irmão? E não temerás as irmãs de atro serpentário na cabeleira, que teu coração nocivo vê buscando teus olhos e face com sevos fachos? Mas tu, enquanto não consentiste a atrocidade em teu corpo, não a concebas em pensamento, nem poluas a convenção da potente natureza
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quas facibus saevis oculos atque ora petentes noxia corda vident? At tu, dum corpore non es passa nefas, animo ne concipe, neve potentis concubitu vetito naturae pollue foedus. Velle puta: res ipsa vetat. Pius ille memorque est moris — et o vellem similis furor esset in illo!”
com uma união conjugal vetada. Reflita sobre teu querer: a realidade em si não o permite; ele é respeitoso e mantêm vivos na memória os preceitos morais. – Mas como eu gostaria que semelhante delírio também estivesse dentro dele!”
Dixerat, at Cinyras, quem copia digna procorum, quid faciat, dubitare facit, scitatur ab ipsa nominibus dictis, cuius velit esse mariti. Illa silet primo, patriisque in vultibus haerens aestuat et tepido suffundit lumina rore. Virginei Cinyras haec credens esse timoris, flere vetat siccatque genas atque oscula iungit. Myrrha datis nimium gaudet: consultaque, qualem optet habere virum, “similem tibi” dixit. At ille non intellectam vocem conlaudat et “esto tam pia semper” ait. Pietatis nomine dicto demisit vultus sceleris sibi conscia virgo.
Assim dissera ela. Cíniras, por outro lado, a quem um sem número de pretendentes faz hesitar sobre o que fazer, busca saber da própria filha, citando nomes, quem ela desejaria que fosse seu marido. Ela guarda silêncio no começo e, detendo-se no semblante do pai, arde de paixão e banha os olhos com tépido orvalho. Cíniras, creditando esses sinais ao temor virginal, não permite que ela chore e seca as maçãs de seu rosto e une os lábios ao dela. Mirra se alegra imensamente com os beijos dados e, consultada sobre que tipo de marido ela deseja ter, disse: “semelhante a ti”. Ele, por sua vez, enche de louvores a resposta mal interpretada e afirma: “que sejas sempre assim respeitosa”. Feita referência ao termo “respeito”, a virgem precipitou o semblante, consciente de seu próprio crime.
Noctis erat medium, curasque et corpora somnus solverat. At virgo Cinyreia pervigil igni carpitur indomito furiosaque vota retractat. Et modo desperat, modo vult temptare, pudetque et cupit, et, quid agat, non invenit. Utque securi saucia trabs ingens, ubi plaga novissima restat, quo cadat, in dubio est omnique a parte timetur: sic animus vario labefactus vulnere nutat huc levis atque illuc momentaque sumit utroque. Nec modus aut requies, nisi mors, reperitur amoris. Mors placet. Erigitur laqueoque innectere fauces destinat et zona summo de poste revincta “care vale Cinyra causamque intellege mortis!” dixit et aptabat pallenti vincula collo.
Era por volta de meia noite e o sono desobrigara o corpo e a mente de preocupações; mas a filha virgem de Cíniras, totalmente insone, é tomada por fogo indômito e revisita seus votos delirantes. Às vezes perde as esperanças, às vezes quer tentar. Ao mesmo tempo em que se envergonha, se inflama de desejo e não encontra uma maneira adequada de agir; tal como uma árvore enorme, enfraquecida pelo machado, que, quando falta apenas a machadada final, deixa incerto em que direção tombará e provoca medo a todos em seu entorno, assim também seu espírito, abatido por variadas chagas, titubeia, fraco, para cá e para lá e empreende movimentos para ambos os lados. E não é encontrado nem meio-termo, nem repouso para o amor, a não ser a morte. É a morte que se impõe como razoável. Levanta-se e determina amarrar suas fauces a um nó. Atando seu cinto ao pálido pescoço e ao ponto mais alto das ombreiras da porta, disse, enquanto ajustava a própria forca: “Adeus, meu precioso Cíniras, conhece a causa de minha morte!” Conta-se que os murmúrios dessas palavras chegaram até os ouvidos leais de sua ama, que vigiava a entrada do quarto de sua pupila. A velha levantase, abre a porta e, vendo os recursos preparados para a morte, no mesmo instante grita a plenos pulmões e, mesmo ferindo-se, retira as faixas e rasga
Murmura verborum fidas nutricis ad aures pervenisse ferunt limen servantis alumnae. Surgit anus reseratque fores, mortisque paratae instrumenta videns spatio conclamat eodem
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seque ferit scinditque sinus ereptaque collo vincula dilaniat. Tum denique flere vacavit, tum dare complexus laqueique requirere causam. Muta silet virgo terramque inmota tuetur et deprensa dolet tardae conamina mortis. Instat anus canosque suos et inania nudans ubera per cunas alimentaque prima precatur, ut sibi committat, quidquid dolet. Illa rogantem aversata gemit. Certa est exquirere nutrix nec solam spondere fidem: “dic” inquit “opemque me sine ferre tibi; non est mea pigra senectus. Seu furor est, habeo, quae carmine sanet et herbis, sive aliquis nocuit, magico lustrabere ritu, ira deum sive est, sacris placabilis ira. Quid rear ulterius ? Certe fortuna domusque sospes et in cursu est, vivit genetrixque paterque.”
os laços arrancados ao pescoço. Então, enfim, entregou-se ao choro, deu-lhe um abraço e perguntou o motivo do enforcamento. A virgem, muda, guarda silêncio e, sem se mover, fixa o olhar ao chão, lamentando os esforços por uma morte lenta terem sido descobertos. A velha insiste e, colocando à mostra as cãs e os seios inanes, roga, em nome do berço e dos primeiros alimentos, que lhe confie o que quer que seja que a faz sofrer. Ela, desviando o olhar da ama súplice, em sinal de repugnância, geme. A nutriz, decidida a perscrutar, promete-lhe não apenas sua lealdade. Ela afirma:
Myrrha, patre audito, suspiria duxit ab imo pectore. Nec nutrix etiamnum concipit ullum mente nefas, aliquemque tamen praesentit amorem; 405 propositique tenax, quodcumque est, orat, ut ipsi indicet, et gremio lacrimantem tollit anili atque ita complectens infirmis membra lacertis “sensimus,” inquit “amas! sed et hic mea (pone timorem) sedulitas erit apta tibi, nec sentiet umquam 410 hoc pater.” Exsiluit gremio furibunda torumque ore premens “discede, precor, miseroque pudori parce!” ait. Instanti “discede, aut desine” dixit “quaerere, quid doleam: scelus est, quod scire laboras.”
Mirra, “pai” tendo ouvido, arrancou suspiros do fundo de seu peito e a nutriz, até então, não concebe na mente qualquer atrocidade, mas tem o pressentimento, contudo, de que se trata de alguma paixão. Tenaz em seu propósito, suplica que lhe revele o que quer que seja que está acontecendo e em seu regaço senil recebe a lacrimosa; tomando-a nos braços infirmes, dizlhe assim: “Acabei de perceber o que é: estás apaixonada! E quanto a isso (depõe o temor), minha diligência estará vinculada a ti, e nunca perceberá isso teu pai”. Ela saltou do regaço da ama, em estado de delírio, e, premendo a cama com o rosto, disse: “eu imploro, afasta-te e evita este miserável opróbrio!” Como a ama insistisse, adverte-a: “afasta-te, ou desiste de tentar descobrir por que sofro! É crime o que te esforças por saber”.
Horret anus tremulasque manus annisque metuque tendit et ante pedes supplex procumbit alumnae et modo blanditur, modo, si non conscia fiat, terret; et indicium laquei coeptaeque minatur mortis et officium commisso spondet amori. Extulit illa caput lacrimisque implevit obortis pectora nutricis; conataque saepe fateri saepe tenet vocem, pudibundaque vestibus ora texit et “o” dixit “felicem coniuge matrem!”
A velha arrepia-se e estende a ela suas mãos trêmulas não só em função dos anos, mas também do medo; ante os pés da pupila, prostra-se suplicante, e ora acaricia-a, ora aterroriza-a e ameaça denunciá-la – a forca e a tentativa de suicídio, caso não lhe conte tudo, mas também promete trabalhar em prol do amor revelado. Ela elevou sua cabeça e inundou o peito da nutriz com uma fonte de lágrimas; todas as vezes que ensaia confessar, prende a voz e encobre com a veste o rosto indecente. Disse tão somente isto: “como minha mãe é bem-aventurada pelo marido que tem!” Então deu um gemido.
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“Diz-me o que é e permite que eu te auxilie: minha velhice não é inerte! Se é delírio, tenho quem possa curar com encantamento e ervas; se alguém fez mal a ti, serás purificada com um ritual mágico; se é cólera dos deuses, a ira há de ser aplacada com sacrifícios. O que além disso posso supor? Certo é que a felicidade no seio familiar está preservada e no curso normal: estão vivos tanto tua mãe, quanto teu pai”.
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Hactenus, et gemuit. Gelidus nutricis in artus ossaque (sensit enim) penetrat tremor, albaque toto vertice canities rigidis stetit hirta capillis. Multaque, ut excuteret diros, si posset, amores, addidit: at virgo scit se non falsa moneri, certa mori tamen est, si non potiatur amore. “Vive,” ait haec “potiere tuo” — et, non ausa “parente” dicere, conticuit promissaque numine firmat.
Um gélido tremor penetra nos membros e ossos da nutriz (percebeu, enfim), e as pálidas cãs, hirtas em toda sua extensão, ficaram de pé com os fios do cabelo rígidos. Ela acrescentou muitos motivos para que expulsasse esses amores sinistros, se possível fosse. Mas a virgem sabe não serem falsos os aconselhamentos; está, contudo, decidida a morrer, se não for capaz de ter seu amor. “Vive”, afirma a nutriz, “terás teu...” – e, não ousando dizer “pai”, emudeceu, confirmando suas promessas por meio de uma divindade.
Festa piae Cereris celebrabant annua matres illa, quibus nivea velatae corpora veste primitias frugum dant spicea serta suarum perque novem noctes venerem tactusque viriles 435 in vetitis numerant. Turba Cenchreis in illa regis adest coniunx, arcanaque sacra frequentat. Ergo legitima vacuus dum coniuge lectus, nacta gravem vino Cinyram male sedula nutrix, nomine mentito veros exponit amores 440 et faciem laudat. Quaesitis virginis annis “par” ait “est Myrrhae.” Quam postquam adducere iussa est utque domum rediit, “gaude mea” dixit “alumna: vicimus.” Infelix non toto pectore sentit laetitiam virgo, praesagaque pectora maerent; 445 sed tamen et gaudet: tanta est discordia mentis.
As respeitosas mães de família celebravam a famosa festa anual de Ceres, na qual, cobrindo os corpos com nívea veste, oferecem as primícias de seus frutos – espigas trançadas – e por nove noites consideram como proibições fruir as atrações geradas por Vênus e receber carícias masculinas. Cencreis, a esposa do rei, se junta àquela turba e celebra os ritos sacros ocultos. Nessas circunstâncias, enquanto o leito de Cíniras estava privado da legítima esposa, a zelosa nutriz, encontrando-o fortemente carregado de vinho, expõe os amores verdadeiros com nome inventado e exalta a beleza da virgem; perguntada a idade dela, afirma: “é igual à de Mirra”. Depois que foi autorizada a levá-la até ele, assim que voltou para casa, disse: “alegra-te, pupila, vencemos!” A infeliz virgem sente alegria, mas não em todo o peito, que, pressago, se entristece. Mas, contudo, se regozija: tamanho é o conflito em sua mente!
Tempus erat, quo cuncta silent, interque triones flexerat obliquo plaustrum temone Bootes: ad facinus venit illa suum. Fugit aurea caelo luna, tegunt nigrae latitantia sidera nubes: nox caret igne suo. Primus tegis, Icare, vultus Erigoneque pio sacrata parentis amore. Ter pedis offensi signo est revocata, ter omen funereus bubo letali carmine fecit: it tamen, et tenebrae minuunt noxque atra pudorem; nutricisque manum laeva tenet, altera motu caecum iter explorat. Thalami iam limina tangit, iamque fores aperit, iam ducitur intus: at illi poplite succiduo genua intremuere, fugitque et color et sanguis, animusque relinquit euntem.
Era o momento no qual tudo se silencia e, entre os Triões, com o timão de través, o Bootes curvara sua carreta. Ela se apresenta para seu delito; foge do céu a áurea lua, negras nuvens ocultam os astros, que buscam esconderse; a noite se priva de suas estrelas; tu, ó Ícaro, és o primeiro a encobrir o rosto; também tu, Erígone, consagrada pelo respeitoso amor ao pai. Três vezes, como um aviso, pelo entrechocar dos pés, ela foi chamada a retroceder, três vezes a funérea coruja pressagiou com canto letal. Caminha, contudo, e as trevas e a atra noite diminuem o opróbrio: sua mão esquerda segura a mão da nutriz, a direita explora o caminho cego, tateando com agitação. Assim que toca a soleira do quarto nupcial, imediatamente abre a porta e é conduzida para o interior; mas seus joelhos, em curva, estremeceram, e escaparam-lhe não só a cor, mas também o sangue e a coragem abandonaram-na em seu percurso. Do mesmo modo, quanto mais próxima está de seu crime, mais treme e se arrepende de sua ousadia e
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Quoque suo propior sceleri est, magis horret, et ausi paenitet, et vellet non cognita posse reverti. Cunctantem longaeva manu deducit et alto admotam lecto cum traderet “accipe,” dixit “ista tua est, Cinyra” devotaque corpora iunxit. Accipit obsceno genitor sua viscera lecto virgineosque metus levat hortaturque timentem. Forsitan aetatis quoque nomine “filia” dixit, dixit et illa “pater,” sceleri ne nomina desint. Plena patris thalamis excedit et impia diro semina fert utero conceptaque crimina portat.
gostaria de poder voltar incógnita. A mulher provecta conduz pela mão a jovem hesitante e, como a entregasse, levando-a até junto do alto leito, disse: “toma para ti, ela é tua, Cíniras!” – e reuniu os corpos execrandos. O genitor toma para si suas próprias vísceras no leito obsceno e, atenuando os temores virginais, excita a temerosa jovem. Talvez até em função da idade dela, chamou-a de filha, também ela chamou-o de pai, de modo que nem os vocativos estiveram ausentes ao crime. Sai do quarto nupcial grávida do pai, carregando no sinistro útero o sêmen ímpio, transportando a concepção de seu ato criminoso.
Postera nox facinus geminat. Nec finis in illa est: cum tandem Cinyras, avidus cognoscere amantem post tot concubitus, inlato lumine vidit et scelus et natam, verbisque dolore retentis pendenti nitidum vagina deripit ensem. Myrrha fugit, tenebrisque et caecae munere noctis intercepta neci est: latosque vagata per agros palmiferos Arabas Panchaeaque rura reliquit; perque novem erravit redeuntis cornua lunae, cum tandem terra requievit fessa Sabaea; vixque uteri portabat onus. Tum nescia voti atque inter mortisque metus et taedia vitae est tales complexa preces: “O siqua patetis numina confessis, merui nec triste recuso supplicium. Sed ne violem vivosque superstes mortuaque exstinctos, ambobus pellite regnis mutataeque mihi vitamque necemque negate.”
A noite seguinte duplica o delito, e não acaba por aí. Quando, finalmente, Cíniras, ávido por conhecer a amante, depois de se deitarem juntos tantas vezes, aproximou uma luz e viu de uma só vez o crime e a filha, com as palavras represadas pela dor, arrebata uma luzidia espada de uma bainha que estava acima do leito. Mirra foge. E pelas trevas, como um presente da noite cega, livrou-se da morte. Vagando por amplos descampados, abandonou a palmífera Arábia e as lavouras de Pancaia e errou por nove voltas do corno da lua, quando, finalmente, fatigada, repousou na região de Sabeia.
Numen confessis aliquod patet: ultima certe vota suos habuere deos. Nam crura loquentis terra supervenit, ruptosque obliqua per ungues porrigitur radix, longi firmamina trunci; ossaque robur agunt, mediaque manente medulla sanguis it in sucos, in magnos bracchia ramos, in parvos digiti, duratur cortice pellis. Iamque gravem crescens uterum perstrinxerat arbor pectoraque obruerat collumque operire parabat,
No entanto, ela carregava com dificuldade a carga de seu útero. Então, indecisa quanto ao que deseja, efetivamente entre os temores da morte e os sentimentos de repulsa à vida, agarrou-se a estas preces: “Ó divindades, se há alguma, vós que abris caminho a réus confessos, eu mereço e não recuso meu triste suplício, mas, para que eu não ultraje os vivos, permanecendo de pé, nem os que já se foram, morrendo, repeli-me de ambos os reinos e, transfigurando-me, negai-me não só a vida, mas também a morte!” Alguma divindade abre caminho a réus confessos... De fato, a última parte dos votos obteve deuses próprios. Na verdade, a terra sobreveio às pernas dela, enquanto falava, e, em extensão às suas unhas, prolongou-se uma raiz oblíqua, sustentáculos de um longo tronco; os ossos passam a madeira e, permanecendo a medula central, o sangue transforma-se em seiva, os braços em grandes ramos, os dedos em pequenos, a pele torna-se casca dura. E já a árvore em crescimento comprimira o pesado útero, encobrira o peito e preparava-se para ocultar o pescoço: ela não tolerou a demora e, indo ao encontro da madeira que se aproximava, declinou-se e submergiu seu
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non tulit illa moram venientique obvia ligno subsedit mersitque suos in cortice vultus. Quae quamquam amisit veteres cum corpore sensus, flet tamen, et tepidae manant ex arbore guttae. Est honor et lacrimis, stillataque robore murra nomen erile tenet nulloque tacebitur aevo.
próprio rosto na casca. Embora ela tenha perdido os antigos sentidos com o corpo, chora, contudo, e tépidas gotas emanam da árvore. Também as lágrimas recebem honras e, destilada da casca, a mirra conserva o nome da senhora, não se calando em tempo algum.
At male conceptus sub robore creverat infans quaerebatque viam, qua se genetrice relicta exsereret: media gravidus tumet arbore venter. Tendit onus matrem: neque habent sua verba dolores, nec Lucina potest parientis voce vocari. Nitenti tamen est similis curvataque crebros dat gemitus arbor lacrimisque cadentibus umet. Constitit ad ramos mitis Lucina dolentes admovitque manus et verba puerpera dixit. Arbor agit rimas et fissa cortice vivum reddit onus, vagitque puer; quem mollibus herbis naides impositum lacrimis unxere parentis. Laudaret faciem Livor quoque. Qualia namque corpora nudorum tabula pinguntur Amorum, talis erat: sed, ne faciat discrimina cultus, aut huic adde leves, aut illi deme pharetras.
Mas a criança concebida de modo injurioso desenvolvera-se sob a rigidez da madeira e procurava uma via por onde pudesse expor-se, abandonada a progenitora; o ventre grávido incha-se no meio da árvore. A carga intumesce a mãe; e suas dores não têm palavras, nem Lucina pode ser invocada pela voz da parturiente. Contudo, assemelha-se a uma mulher em trabalho de parto e, encurvada, a árvore dá iterados gemidos e se torna umente pelas gotas que caem. A amena Lucina permaneceu junto aos ramos em dor e, aproximando-lhe as mãos, pronunciou as palavras que favorecem o momento do parto. A árvore entreabre-se e, rompida a casca, expele a carga viva: um menino solta vagidos. A ele, acomodado sobre macia erva, as Náiades ungiram com as lágrimas da mãe...
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Labitur occulte fallitque volatilis aetas, et nihil est annis velocius. Ille sorore natus avoque suo, qui conditus arbore nuper, nuper erat genitus, modo formosissimus infans, iam iuvenis, iam vir, iam se formosior ipso est: iam placet et Veneri matrisque ulciscitur ignes. Namque pharetratus dum dat puer oscula matri, inscius exstanti destrinxit harundine pectus. Laesa manu natum dea reppulit. Altius actum vulnus erat specie primoque fefellerat ipsam. Capta viri forma non iam Cythereia curat litora, non alto repetit Paphon aequore cinctam
Até mesmo a Inveja poderia enaltecer a beleza de seu rosto! Na verdade, seu corpo era tal qual os corpos dos deuses do Amor que se pintam desnudos em um quadro, mas, para que o aparato não sirva como elemento de distinção, ou acrescenta àquele as leves aljavas, ou remova destes! Vênus e Adônis. Atalanta Desliza às escondidas e induz ao erro o volátil tempo, e nada é mais veloz do que os anos. O garoto, nascido da irmã e de seu próprio avô, que estava escondido pouco antes em uma árvore, que pouco antes chegara ao mundo, ainda há pouco um formosíssimo bebê, é já um rapaz, já um homem, já mais formoso do que ele próprio antes fora, já delicia até mesmo Vênus, vingando a paixão inflamada da mãe. O fato é que, enquanto o garoto da aljava dava beijos em sua mãe, sem perceber, roçou o peito dela com uma flecha sobresselente. Ferida, a deusa repeliu o filho com a mão; a lesão, porém, tinha sido causada mais profundamente do que parecia e, à primeira vista, enganara mesmo a ela. Capturada pela formosura do homem, Citereia já não cuida de suas praias, não retorna a Pafos, cingida pelo mar profundo, e à piscosa Cnido, ou a Amatunte, úbere em metais; mantém-se afastada até mesmo do céu: ao céu sobreeleva-se Adônis. Assenhora-se dele, está sempre
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piscosamque Gnidon gravidamve Amathunta metallis; abstinet et caelo: caelo praefertur Adonis. Hunc tenet, huic comes est; adsuetaque semper in umbra indulgere sibi formamque augere colendo per iuga, per silvas dumosaque saxa vagatur fine genu vestem ritu succincta Dianae hortaturque canes; tutaeque animalia praedae, aut pronos lepores aut celsum in cornua cervum, aut agitat dammas: a fortibus abstinet apris raptoresque lupos armatosque unguibus ursos vitat et armenti saturatos caede leones. Te quoque, ut hos timeas, siquid prodesse monendo possit, Adoni, monet, “fortis” que “fugacibus esto” inquit “in audaces non est audacia tuta. Parce meo, iuvenis, temerarius esse periclo, neve feras, quibus arma dedit natura, lacesse, stet mihi ne magno tua gloria. Non movet aetas nec facies nec quae Venerem movere, leones saetigerosque sues oculosque animosque ferarum. Fulmen habent acres in aduncis dentibus apri, impetus est fulvis et vasta leonibus ira, invisumque mihi genus est.” Quae causa, roganti “dicam,” ait “et veteris monstrum mirabere culpae. Sed labor insolitus iam me lassavit, et ecce opportuna sua blanditur populus umbra, datque torum caespes; libet hac requiescere tecum” (et requievit) “humo” pressitque et gramen et ipsum, inque sinu iuvenis posita cervice reclinis sic ait ac mediis interserit oscula verbis:
em sua companhia; ela, que habituada a permitir-se cuidar de sua beleza à sombra, para aumentá-la, vagueia por cadeias de montanhas, florestas e rochedos cobertos de sarças, com a veste cingida acima do joelho à maneira de Diana, incitando os cães e seguindo no encalço de animais de presa segura – lebres prontas a fugir, um cervo de chifres excelsos, ou ainda corças. Mantém-se afastada dos fortes javalis e evita lobos raptores, ursos armados de garras e leões saciados com o massacre do gado. Também a ti, Adônis, adverte a que deles tenhas medo, se algo de eficaz pode haver no advertir, e diz:
“Direi a ti e ficarás assombrado com a monstruosidade de um antiga negligência. Mas o esforço insólito já me cansou e, veja só, um choupo propício nos atrai com sua sombra e a relva concede o leito: dá-me uma vontade de dormir no chão contigo...” E dormiu... Ela recostou-se sobre a grama e sobre ele e, depositando a cerviz no colo do rapaz reclinado, assim disse, entrelaçando beijos às palavras:
“Forsitan audieris aliquam certamine cursus veloces superasse viros. Non fabula rumor ille fuit: superabat enim; nec dicere posses, laude pedum formaene bono praestantior esset. Scitanti deus huic de coniuge “coniuge” dixit “nil opus est, Atalanta, tibi: fuge coniugis usum! nec tamen effugies teque ipsa viva carebis.” Territa sorte dei per opacas innuba silvas vivit et instantem turbam violenta procorum
“Talvez tenhas ouvido falar de uma certa mulher que superava homens velozes em torneio de corrida. Isso não é simples história da boca do povo; ela os superava de verdade. E não seria possível dizer se era mais extraordinária pelo mérito de seus pés ou pela altivez de sua beleza. Como ela procurasse saber de fonte divina acerca do provável marido, disse o deus: ‘de marido não tens necessidade, Atalanta: evita a convivência marital. Contudo, não te esquivarás e, ainda que estejas viva, estarás privada de ti própria’. Aterrorizada com a profecia do deus, vive inupta por sombrias florestas e afugenta a insistente turba de pretendentes com uma condição
“Sê forte para os que fogem do embate. Contra os audazes a audácia não é segura. Meu rapaz, faz isto por mim, não sejas audacioso, não te arrisques, isto é, não incites as feras, às quais a natureza concedeu armas; que eu não pague um alto preço por tua glória! Nem tua juventude, nem teu rosto, nem aquilo que impressionou Vênus, nada disso impressiona leões, porcos cobertos de cerdas, ou os olhos e a condição natural das feras. A impetuosidade do javali possui pontas afiadas nos dentes aduncos, os fulvos leões têm impulso violento e vasta ira, uma raça que não gosto nem de ver”. Como ele perguntasse qual a razão, ela afirma:
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condicione fugat, nec “sum potienda, nisi” inquit “victa prius cursu. Pedibus contendite mecum: praemia veloci coniunx thalamique dabuntur, mors pretium tardis. Ea lex certaminis esto.” Illa quidem inmitis: sed (tanta potentia formae est) venit ad hanc legem temeraria turba procorum. Sederat Hippomenes cursus spectator iniqui et “petitur cuiquam per tanta pericula coniunx?” dixerat ac nimios iuvenum damnarat amores. Ut faciem et posito corpus velamine vidit, quale meum, vel quale tuum, si femina fias, obstipuit tollensque manus “ignoscite,” dixit “quos modo culpavi. Nondum mihi praemia nota, quae peteretis, erant.” Laudando concipit ignes et, ne quis iuvenum currat velocius, optat invidiaque timet. “Sed cur certaminis huius intemptata mihi fortuna relinquitur?” inquit “audentes deus ipse iuvat.” Dum talia secum exigit Hippomenes, passu volat alite virgo. Quae quamquam Scythica non setius ire sagitta Aonio visa est iuveni, tamen ille decorem miratur magis; et cursus facit ipse decorem. Aura refert ablata citis talaria plantis, tergaque iactantur crines per eburnea, quaeque poplitibus suberant picto genualia limbo; inque puellari corpus candore ruborem traxerat, haud aliter, quam cum super atria velum candida purpureum simulatas inficit umbras. Dum notat haec hospes, decursa novissima meta est et tegitur festa victrix Atalanta corona. Dant gemitum victi penduntque ex foedere poenas. Non tamen eventu iuvenis deterritus horum constitit in medio, vultuque in virgine fixo “quid facilem titulum superando quaeris inertes? mecum confer!” ait. “Seu me fortuna potentem fecerit, a tanto non indignabere vinci: namque mihi genitor Megareus Onchestius, illi
violenta. Ela diz: “não hei de ser possuída por nenhum homem, a não ser por aquele que primeiro me vencer na corrida. Rivalizai comigo na velocidade dos pés! Ao veloz serão concedidos como prêmios uma esposa e o leito nupcial, aos lentos a morte será a quantia paga: que este seja o regulamento do torneio!’ Ela era realmente amarga, mas o poder de sua beleza é tão grande que, mesmo com esse regulamento, apresentou-se uma audaciosa turba de pretendentes. Sentara-se Hipômenes como espectador da corrida iníqua e dissera: ‘há quem se interessa em buscar uma esposa através de tamanhos perigos?’ E teria condenado os amores desmedidos dos rapazes. Quando, porém, deposta a veste, ele viu o rosto e o corpo dela, qual meu, ou qual teu, se te tornares mulher, ficou estupefato e, erguendo as mãos, disse: ‘desculpai-me, vós que há pouco critiquei! Eu mesmo ainda não tinha examinado o prêmio que buscáveis!’ Elogiando-a, dá guarida ao fogo da paixão e deseja que nenhum dos rapazes corra muito velozmente e, por inveja, teme que isso aconteça. ‘Mas por que deixar de tentar minha própria sorte neste torneio?’, diz ele. ‘Há um deus que ajuda aos que ousam!’ Enquanto Hipômenes faz tais considerações consigo mesmo, a virgem voa com passo alado. Embora ela tenha parecido ao rapaz aônio passar não menos velozmente que uma flecha da Cítia, o que ele mais admira, contudo, é sua formosura: e é justamente a corrida que produz essa formosura! A brisa faz erguer-se sua veste acima dos tornozelos, deixando à mostra os ágeis pés, e os cabelos se agitam ao longo das ebúrneas costas; agitam-se também os adornos de bordas matizadas que estavam junto aos joelhos; o corpo trazia consigo um rubor sobre a candura de menina – não de outra maneira uma mantilha purpúrea sobre os cândidos átrios reveste as sombras simuladas... Enquanto o estrangeiro observava tudo isso, a última volta foi completada e Atalanta, vencedora, é cingida com a coroa festiva. Soltam um gemido os vencidos e pagam a penalidade prevista no acordo. O rapaz, contudo, não dissuadido pelo temor do acontecido a eles, se coloca de pé, resoluto, no meio e, com o olhar fixo sobre a virgem, diz: ‘Por que procuras obter honra superando homens inábeis? Disputa comigo. Se, por um lado, a fortuna me fizer soberano, não te envergonharás por ser vencida por um homem de tamanha importância como eu. Na verdade, Megareu de Onquesto é meu pai, e Netuno é avô dele; eu, por
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est Neptunus avus, pronepos ego regis aquarum, nec virtus citra genus est; seu vincar, habebis Hippomene victo magnum et memorabile nomen.”
conseguinte, sou bisneto do rei das águas, e meu mérito não está abaixo do de minha estirpe; se, por outro lado, eu for vencido, terás grande e memorável fama por ter Hipômenes vencido’.
Talia dicentem molli Schoeneia vultu adspicit et dubitat, superari an vincere malit. Atque ita “quis deus hunc formosis” inquit “iniquus perdere vult caraeque iubet discrimine vitae coniugium petere hoc? Non sum, me iudice, tanti. — Nec forma tangor (poteram tamen hac quoque tangi), sed quod adhuc puer est: non me movet ipse, sed aetas. Quid quod inest virtus et mens interrita leti? Quid quod ab aequorea numeratur origine quartus? Quid quod amat tantique putat conubia nostra, ut pereat, si me fors illi dura negarit? Dum licet, hospes, abi thalamosque relinque cruentos: coniugium crudele meum est. Tibi nubere nulla nolet, et optari potes a sapiente puella. — Cur tamen est mihi cura tui tot iam ante peremptis? Viderit! Intereat, quoniam tot caede procorum admonitus non est agiturque in taedia vitae. — Occidet hic igitur, voluit quia vivere mecum, indignamque necem pretium patietur amoris? Non erit invidiae victoria nostra ferendae. Sed non culpa mea est. Utinam desistere velles, aut, quoniam es demens, utinam velocior esses! A! quam virgineus puerili vultus in ore est! A! miser Hippomene, nollem tibi visa fuissem! Vivere dignus eras. Quod si felicior essem, nec mihi coniugium fata importuna negarent, unus eras, cum quo sociare cubilia vellem.”
Enquanto ele dizia isso, a filha de Esqueneu o observava com delicado semblante, oscilando entre querer ser superada e vencer, e diz assim: ‘Que deus iníquo aos belos jovens quer destruí-lo e ordena que busque este enlace de alta periculosidade para sua querida vida? Do meu ponto de vista, não valho tal preço! E não é pela beleza dele que estou impressionada (podia, contudo, também sê-lo), mas pelo fato de que ainda é um menino; não é ele que mexe comigo, mas sua idade. O que dizer dessa coragem e de seu espírito impávido em relação à morte? O que dizer do fato de ele ser o quarto na descendência dos mares? O que dizer de seu amor por mim e de tamanha valorização de um possível casamento comigo, a ponto de poder perecer, se a dura sorte negar que eu seja dele? Enquanto é permitido, ó estrangeiro, vai-te embora e deixa para trás os tálamos cruentos! O enlace comigo é cruel. Nenhuma moça deixará de querer casar-se contigo e podes ser escolhido por uma que seja inteligente. Por que, contudo, tenho preocupação contigo, se tantos já foram mortos antes? Ele que veja o que o aguarda: que se perca, já que foi advertido por tantos assassinatos de pretendentes e ainda assim se lança rumo à aversão à vida. Ele sucumbirá, então, porque quis viver comigo e será vítima de uma morte indigna em pagamento por seu amor? Minha vitória será de uma revolta insustentável... Mas não é culpa minha! Ah, se ao menos os deuses te fizessem querer desistir, ou, já que és insensato, se ao menos fizessem com que fosses mais veloz do que eu! Mas quão virginal é seu semblante no rosto pueril! Ah, pobre Hipômenes, quisera eu não ter sido vista por ti! Tu serias digno de viver. Porque se eu fosse mais favorecida dos deuses, e os destinos intratáveis não me negassem um enlace, tu serias o único com o qual eu iria querer dividir o leito’.
Dixerat; utque rudis primoque Cupidine tacta, quid facit ignorans, amat et non sentit amorem.
Foi o que ela disse e, como que ingênua e tocada pela primeira paixão, ignorando o que faz, ama e não percebe o amor.
Iam solitos poscunt cursus populusque paterque, cum me sollicita proles Neptunia voce invocat Hippomenes “Cytherea” que “comprecor, ausis adsit” ait “nostris et quos dedit adiuvet ignes.”
Já exigem a costumeira corrida não só o povo, mas também seu pai, quando Hipômenes, prole de Netuno, com voz irrequieta, me invoca e diz: ‘que Citereia, eu imploro, favoreça meus atos de ousadia e venha em auxílio dos fogos da paixão que me concedeu!’
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Detulit aura preces ad me non invida blandas; motaque sum, fateor. Nec opis mora longa dabatur. Est ager, indigenae Tamasenum nomine dicunt, telluris Cypriae pars optima, quam mihi prisci sacravere senes templisque accedere dotem hanc iussere meis. Medio nitet arbor in arvo, fulva comas, fulvo ramis crepitantibus auro. Hinc tria forte mea veniens decerpta ferebam aurea poma manu: nullique videnda nisi ipsi Hippomenen adii docuique, quis usus in illis.
Uma brisa não adversa trouxe até mim seus meigos pedidos. Ele me impressionou, confesso, e não demorei a oferecer-lhe auxílio. Há um campo chamado de Támaso pelos nativos, a melhor região da terra de Chipre, que os antigos consagraram a mim e ordenaram que este dote fosse cedido a meus templos: no meio da planície reluz uma árvore de copa fulva por causa das ramagens crepitantes de ouro fulvo. Vindo de lá, por acaso eu carregava três maçãs de ouro colhidas por minhas próprias mãos e, não podendo ser vista por ninguém, exceto pelo próprio Hipômenes, aproximei-me dele e o ensinei como usá-las.
Signa tubae dederant, cum carcere pronus uterque emicat et summam celeri pede libat harenam. Posse putes illos sicco freta radere passu et segetis canae stantes percurrere aristas. Adiciunt animos iuveni clamorque favorque verbaque dicentum: “Nunc, nunc incumbere tempus! Hippomene, propera! nunc viribus utere totis! pelle moram, vinces!” Dubium, Megareius heros gaudeat, an virgo magis his Schoeneia dictis. O quotiens, cum iam posset transire, morata est spectatosque diu vultus invita reliquit! Aridus e lasso veniebat anhelitus ore, metaque erat longe. Tum denique de tribus unum fetibus arboreis proles Neptunia misit. Obstipuit virgo, nitidique cupidine pomi declinat cursus aurumque volubile tollit. Praeterit Hippomenes! Resonant spectacula plausu. Illa moram celeri cessataque tempora cursu corrigit atque iterum iuvenem post terga relinquit. Et rursus pomi iactu remorata secundi consequitur transitque virum. Pars ultima cursus restabat; “nunc” inquit “ades, dea muneris auctor!” inque latus campi, quo tardius illa rediret, iecit ab obliquo nitidum iuvenaliter aurum. An peteret, virgo visa est dubitare: coegi tollere et adieci sublato pondera malo impediique oneris pariter gravitate moraque. Neve meus sermo cursu sit tardior ipso,
As trombetas deram o sinal, quando ambos, curvados para frente, coruscam o ponto de partida e com pé veloz mal tocam a areia; poder-se-ia julgar que eles seriam capazes de passar pelos mares a passos secos e percorrer as espigas em riste de uma cândida seara. Tanto o clamor quanto a demonstração de apoio elevam a coragem do rapaz, além das palavras dos que dizem: ‘Agora, é agora a hora de deitar a correr! Acelera, Hipômenes! Vai agora! Usa tuas forças, todas elas! Repele o atraso: vencerás!’ É incerto se é o herói filho de Megareu que mais se regozija com essas falas, ou se é a filha virgem de Esqueneu. Oh, quantas foram as vezes em que, embora pudesse já ultrapassá-lo, deteve-se e, contra a vontade, deixou para trás os semblantes longamente observados! A respiração dificultosa vinha árida da boca cansada, e a meta estava distante. Então, por fim, o descendente de Netuno lançou um dos três frutos da árvore. A virgem paralisou-se de espanto e, por causa do desejo pela fruta brilhante, desvia-se da corrida e apanha o ouro rolante. Hipômenes a ultrapassa, e a torcida ressoa em aplauso. Ela corrige o atraso e o tempo fora da corrida com marcha célere e novamente deixa o rapaz para trás. E, mais uma vez, mesmo detendo-se com o arremesso de um segundo fruto, ela alcança e ultrapassa o homem. Restava a última parte da corrida... ‘Agora’, diz ele, ‘sê favorável, ó deusa autora deste presente!’ E para uma das laterais da pista, de onde ela pudesse retornar mais lentamente, lançou de través o ouro brilhante com força juvenil. A virgem pareceu hesitar entre buscá-lo ou não; eu a coagi a apanhá-lo e acrescentei peso à maçã uma vez apanhada, criando obstáculos com o peso da carga e com o atraso. E para que minha narrativa não seja mais lenta do que a própria corrida, a moça foi ultrapassada: o vencedor levou sua esposa-prêmio para casa.
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praeterita est virgo: duxit sua praemia victor.
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Dignane, cui grates ageret, cui turis honorem ferret, Adoni, fui? — nec grates inmemor egit, nec mihi tura dedit. Subitam convertor in iram; contemptuque dolens, ne sim spernenda futuris, exemplo caveo meque ipsa exhortor in ambos.
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Templa, deum Matri quae quondam clarus Echion fecerat ex voto, nemorosis abdita silvis, transibant, et iter longum requiescere suasit. Illic concubitus intempestiva cupido occupat Hippomenen, a numine concita nostro. Luminis exigui fuerat prope templa recessus, speluncae similis, nativo pumice tectus, religione sacer prisca, quo multa sacerdos lignea contulerat veterum simulacra deorum. Hunc init et vetito temerat sacraria probro. Sacra retorserunt oculos; turritaque Mater an Stygia sontes dubitavit mergeret unda. Poena levis visa est. Ergo modo levia fulvae colla iubae velant, digiti curvantur in ungues, ex umeris armi fiunt, in pectora totum pondus abit, summae cauda verruntur harenae. Iram vultus habet, pro verbis murmura reddunt, pro thalamis celebrant silvas: aliisque timendi dente premunt domito Cybeleia frena leones. Hos tu, care mihi, cumque his genus omne ferarum, quod non terga fugae, sed pugnae pectora praebet, effuge, ne virtus tua sit damnosa duobus.”
Não seria eu, acaso, digna de que ele me dirigisse seus agradecimentos, Adônis, e que me honrasse com incenso? Mas aquele ingrato não me dirigiu agradecimentos, nem me ofereceu incenso... Sou tomada por súbita ira e, afligindo-me com o desprezo, tomo providências para que, com um castigo exemplar, eu não venha a ser desdenhada por futuros beneficiários, e me instigo contra ambos. Eles estavam passando perto de um templo encoberto por cerrada floresta, que o famoso Équion outrora construíra à deusa-mãe, em cumprimento a um voto, e o longo caminho os induziu a descansar. Ali, um intempestivo desejo de manter relação sexual, provocado por meu poder divino, toma conta de Hipômenes. Perto do templo havia um local mais afastado e de pouca luminosidade, semelhante a uma caverna, coberto com pedra-pomes nativa, sacralizado por primitivo escrúpulo religioso, para onde um sacerdote havia levado e reunido muitas estátuas de deuses antigos, feitas de madeira. É aí que ele entra e ultraja o sacrário com proibida conduta ignóbil. Os objetos sacros fizeram recuar os olhos, e a mãe ornada de torres pensou na possibilidade de mergulhar os criminosos nas águas do Estige. A punição pareceu-lhe leve, contudo. Então, de súbito, fulvas jubas cingem os lisos pescoços, os dedos se curvam em garras, dos ombros formam-se espáduas, todo o peso recai sobre o peito, areias da superfície são varridas por uma cauda; o semblante ostenta ira, no lugar de palavras soltam rugidos; no lugar de um quarto de casal, frequentam florestas, e, aterradores aos outros, os leões premem com dente subjugado os freios de Cibele. Foge deles, meu precioso, e, com eles, de toda espécie de feras que, em situação de combate, exibe o peito, não as costas em fuga, de modo que tua coragem não seja perniciosa a nós dois!”
Illa quidem monuit iunctisque per aera cygnis carpit iter: sed stat monitis contraria virtus.
Ela, contudo, o advertiu e, atrelados os cisnes, pelos ares segue seu caminho. A coragem dele, porém, contesta suas advertências.
Forte suem latebris vestigia certa secuti excivere canes, silvisque exire parantem fixerat obliquo iuvenis Cinyreius ictu. Protinus excussit pando venabula rostro sanguine tincta suo trepidumque et tuta petentem
Por acaso, cães que iam ao encalço de determinadas pegadas atraíram um javali para fora de sua toca. Enquanto ele se preparava para sair da floresta, o rapaz descendente de Cíniras o cravou com um golpe de través; ato contínuo, o feroz javali arrancou a flecha tinta em sangue com seu próprio focinho recurvado, perseguindo o jovem, que, alarmado, sai em busca de abrigo, e,
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trux aper insequitur totosque sub inguine dentes abdidit et fulva moribundum stravit harena.
encobrindo todos os seus dentes abaixo da virilha dele, o derrubou, moribundo, na fulva areia.
Vecta levi curru medias Cytherea per auras Cypron olorinis nondum pervenerat alis, agnovit longe gemitum morientis et albas flexit aves illuc. Utque aethere vidit ab alto exanimem inque suo iactantem sanguine corpus, desiluit pariterque sinum pariterque capillos rupit et indignis percussit pectora palmis. Questaque cum fatis “at non tamen omnia vestri iuris erunt” dixit. “Luctus monimenta manebunt semper, Adoni, mei, repetitaque mortis imago annua plangoris peraget simulamina nostri. At cruor in florem mutabitur. An tibi quondam femineos artus in olentes vertere mentas, Persephone, licuit: nobis Cinyreius heros invidiae mutatus erit ?” — Sic fata cruorem nectare odorato sparsit: qui tactus ab illo intumuit sic ut fulvo perlucida caeno surgere bulla solet. Nec plena longior hora facta mora est, cum flos de sanguine concolor ortus, qualem, quae lento celant sub cortice granum, punica ferre solent. Brevis est tamen usus in illo: namque male haerentem et nimia levitate caducum excutiunt idem, qui praestant nomina, venti.”
Citereia, conduzida pelos ares médios em seu leve carro de asas de cisnes, ainda não chegara a Chipre; reconheceu ao longe o gemido do rapaz agonizante e desviou as alvas aves para lá. Assim que viu do alto éter o exânime jovem debatendo o corpo sobre seu próprio sangue, saltou do alto e ao mesmo tempo lacerou o seio e também os cabelos e golpeou o peito com mãos indignas, queixando com os destinos: ‘mas nem tudo, porém, será segundo vossa lei’, ela disse. ‘A lembrança de meu luto permanecerá para sempre, Adônis, e a representação de tua morte, repetida anualmente, reproduzirá a imagem de meu pranto. E o sangue derramado será transfigurado em flor. Se outrora a ti, Perséfone, foi lícito fazer com que membros femininos assumissem a forma de perfumada hortelã, o herói filho de Cíniras, por inveja, também será transfigurado por mim’. Assim profetizando, espargiu com néctar aromático o sangue derramado, que, uma vez embebido por esse, intumesce-se da mesma maneira que uma bolha translúcida costuma surgir da fulva lama, e não se gastou mais do que uma hora completa para que uma flor de uma só cor nascesse do sangue, tal qual a que costumam apresentar as romãs, que ocultam seus grãos sob maleável invólucro; é breve, contudo, o usufruto dela, já que os ventos, os mesmos que a ela oferecem o nome, arrancam-na, mal presa que é, e que em sua excessiva leveza se oferece a perecer. Tradução: Sandra Braga Bianchet, UFMG
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Liber XI Orphei mors
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Carmine dum tali silvas animosque ferarum Threicius vates et saxa sequentia ducit, ecce nurus Ciconum, tectae lymphata ferinis pectora velleribus, tumuli de vertice cernunt Orphea percussis sociantem carmina nervis. E quibus una, leves iactato crine per auras, “en,” ait “en hic est nostri contemptor!” et hastam vatis Apollinei vocalia misit in ora, quae foliis praesuta notam sine vulnere fecit; alterius telum lapis est, qui missus in ipso aere concentu victus vocisque lyraeque est ac veluti supplex pro tam furialibus ausis ante pedes iacuit. Sed enim temeraria crescunt bella modusque abiit, insanaque regnat Erinys. Cunctaque tela forent cantu mollita, sed ingens clamor et infracto Berecyntia tibia cornu tympanaque et plausus et Bacchei ululatus obstrepuere sono citharae: tum denique saxa non exauditi rubuerunt sanguine vatis. Ac primum attonitas etiamnum voce canentis innumeras volucres anguesque agmenque ferarum Maenades, Orphei titulum, rapuere, theatri. Inde cruentatis vertuntur in Orphea dextris et coeunt ut aves, si quando luce vagantem noctis avem cernunt. Structoque utrimque theatro ceu matutina cervus periturus harena praeda canum est, vatemque petunt et fronde virentes coniciunt thyrsos non haec in munera factos. Hae glaebas, illae direptos arbore ramos, pars torquent silices. Neu desint tela furori, forte boves presso subigebant vomere terram, nec procul hinc multo fructum sudore parantes dura lacertosi fodiebant arva coloni.
A morte de Orfeu Enquanto, com seu canto, o vate da Trácia seduz os rochedos, os bosques e as almas das feras, eis que as moças dos Cícones, delirantes, com os peitos cobertos de peles selvagens, do alto de um monte observam Orfeu que acompanha as canções com o toque das cordas. Uma delas, com os cabelos ao vento, diz: “Ai, ai, este é o que nos desdenha!” E na boca do cantor apolíneo lançou sua hasta, a qual, coberta de folhas, passou de leve, sem feri-lo. Outro disparo: uma pedra, que, no mesmo ar atirada, vencida pelo som da lira, como uma suplicante por furiosa ousadia, lhe caiu ante os pés. Mas, temerárias crescem as guerras e na desmedida reina a Erínia insana. Todos os golpes teriam sido abrandados pelo canto, mas o clamor ingente e a berecíntia flauta de corno quebrado, os tambores e aplausos das bacantes que ululam perturbam o som da cítara. Então, finalmente, tingiram-se as pedras com o sangue do vate já não mais ouvido.
Antes, ainda atônitas pela voz do cantor, as Mênades atacaram inúmeros pássaros e cobras e um bando de feras, apreciadores de Orfeu. Depois, com as mãos sangrentas, voltam-se para o poeta e unem-se, assim como as aves (quando veem a luz vagante da noite) e tal qual um cervo que na areia matutina há de morrer, levantando de um lado e outro, presa dos cães, elas atacam Orfeu e lançam seus tirsos com a folhagem verde, não feitos para este fim. Umas jogam-lhe torrões, outras, ramos tirados das árvores, outra parte delas, pedras. Para que não faltassem armas ao seu furor, havia bois ajoujados revolvendo a terra e, não muito longe dali, colonos robustos que, com muito suor e esforço, extraíam da terra dura o seu fruto. Ao avistaremnas em bando, fogem de seus trabalhos e abandonam os instrumentos. Dispersos ficam pelos campos vazios enxadas, pesados ancinhos e grandes enxadões. Depois de aquelas feras os terem arrebatado e de despedaçarem os bois que as ameaçavam com seus cornos, dirigem-se à fatalidade do poeta,
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Agmine qui viso fugiunt operisque relinquunt arma sui, vacuosque iacent dispersa per agros sarculaque rastrique graves longique ligones.
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Quae postquam rapuere ferae cornuque minaci divulsere boves, ad vatis fata recurrunt Tendentemque manus et in illo tempore primum inrita dicentem nec quicquam voce moventem sacrilegae perimunt. Perque os, pro Iuppiter! illud auditum saxis intellectumque ferarum sensibus in ventos anima exhalata recessit.
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Te maestae volucres, Orpheu, te turba ferarum, te rigidi silices, tua carmina saepe secutae fleverunt silvae, positis te frondibus arbor tonsa comas luxit. Lacrimis quoque flumina dicunt increvisse suis, obstrusaque carbasa pullo naides et dryades passosque habuere capillos. Membra iacent diversa locis. Caput, Hebre, lyramque excipis, et (mirum!) medio dum labitur amne, flebile nescio quid queritur lyra, flebile lingua murmurat exanimis, respondent flebile ripae.
Por ti, Orfeu, as aves aflitas, por ti a turba das feras, por ti as rígidas pedreiras, que tantas vezes acompanharam teus cantos, por ti choraram os bosques. Por ti, depostas as frondes, uma árvore de cabelos raspados275 enlutou-se. Dizem que também os rios transbordaram com suas lágrimas e, cobertas com véus escuros, as Náiades e as Dríades ficaram de cabelos soltos. Os membros de Orfeu jazem espalhados. A cabeça, ó Ebro, e a lira acolhes e (maravilha!), enquanto no meio das águas esta lira triste busca não sei o quê, a língua exânime ainda murmura algo, tristemente; as margens respondem chorando.
Iamque mare invectae flumen populare relinquunt et Methymnaeae potiuntur litore Lesbi. Hic ferus expositum peregrinis anguis harenis os petit et sparsos stillanti rore capillos. Tandem Phoebus adest morsusque inferre parantem arcet et in lapidem rictus serpentis apertos congelat et patulos, ut erant, indurat hiatus.
Transportadas pelo mar, deixam o conhecido rio e vão para Metineia, no litoral de Lesbos. Aqui, uma feroz serpente ataca a cabeça, com os cabelos molhados pela maresia, exposta em areias estrangeiras.
Umbra subit terras et quae loca viderat ante, cuncta recognoscit quaerensque per arva piorum invenit Eurydicen cupidisque amplectitur ulnis. Hic modo coniunctis spatiantur passibus ambo, nunc praecedentem sequitur, nunc praevius anteit Eurydicenque suam iam tutus respicit Orpheus.
A sombra de Orfeu alcança as terras do reino dos mortos e ele reconhece todos aqueles lugares antes vistos. Procurando pelos campos, encontra Eurídice e envolve-a em seus braços amorosos. Aqui, unidos, passeiam. Ele ora seguindo-a, ora antecipando-a. E já seguro, Orfeu volta-se para contemplar a sua Eurídice.
que, naquele instante, estendendo as mãos e pela primeira vez dizendo coisas vãs e a ninguém comovendo, as sacrílegas aniquilam. E por sua boca, por Júpiter!, que foi ouvida pelos rochedos e entendida pelos sentidos das feras, aos ventos retirou-se a alma exalada.
275 Raspar os cabelos era um modo de demonstrar luto.
Finalmente, Febo se aproxima, detém a serpente que se preparava para morder e transforma sua boca aberta em pedra. A goela escancarada permanece tal como estava.
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Non impune tamen scelus hoc sinit esse Lyaeus, amissoque dolens sacrorum vate suorum protinus in silvis matres Edonidas omnes, quae videre nefas, torta radice ligavit. Quippe pedum digitos, in quantum est quaeque secuta, traxit et in solidam detrusit acumina terram, utque suum laqueis, quos callidus abdidit auceps, crus ubi commisit volucris sensitque teneri, plangitur ac trepidans adstringit vincula motu: sic, ut quaeque solo defixa cohaeserat harum, exsternata fugam frustra temptabat; at illam lenta tenet radix exsultantemque coercet, dumque ubi sint digiti, dum pes ubi, quaerit, et ungues, adspicit in teretes lignum succedere suras, et conata femur maerenti plangere dextra, robora percussit: pectus quoque robora fiunt, robora sunt umeri, porrectaque bracchia veros esse putes ramos, et non fallere putando. Midas aureus
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Nec satis hoc Baccho est: ipsos quoque deserit agros cumque choro meliore sui vineta Timoli Pactolonque petit, quamvis non aureus illo tempore nec caris erat invidiosus harenis. Hunc adsueta cohors satyri bacchaeque frequentant, at Silenus abest: titubantem annisque meroque ruricolae cepere Phryges vinctumque coronis ad regem duxere Midan, cui Thracius Orpheus orgia tradiderat cum Cecropio Eumolpo. Quem simul agnovit socium comitemque sacrorum, hospitis adventu festum genialiter egit per bis quinque dies et iunctas ordine noctes. Et iam stellarum sublime coegerat agmen Lucifer undecimus, Lydos cum laetus in agros rex venit et iuveni Silenum reddit alumno.
Lieu, entretanto, não deixa impune este crime e, condoendo-se pelo cantor perdido dos seus templos, adiante nas florestas, amarrou, com uma raiz retorcida, todas as mulheres edonianas que presenciaram aquele horror. Estendeu os dedos dos pés delas, até o local onde cada uma havia seguido Orfeu, e enterrou as pontas no solo duro. E assim como uma ave, sentindo-se presa ao laço escondido do astuto passarinheiro, prende seu pé e sente-o amarrado, debate-se e, com o movimento agitado, prende-se ainda mais, assim cada uma daquelas mulheres, fixada ao solo, apavorada, tentava soltarse, em vão. A raiz a detém. E ela, enquanto se pergunta onde estão seus dedos, onde está seu pé e as unhas, percebe a madeira subir-lhe pelas torneadas pernas. E na tentativa desesperada de se reencontrar, batendo-se na coxa, golpeou apenas madeira. Também o peito madeira se torna, madeira os ombros, os longos braços também verias serem verdadeiros ramos e não te enganarias acreditando.
Midas e o ouro Isto não é o bastante para Baco. Ele abandona aqueles campos e busca, com um coro melhor, os vinhedos do Timolo e do Pactolo, que ainda não tinham ouro naquele tempo, nem eram cobiçados por suas valiosas areias. Segue-lhe o habitual cortejo de sátiros e bacantes. Sileno, porém, estava ausente. Titubeante pela idade e pelo vinho 276 , camponeses frígios o prenderam e, amarrado com guirlandas floridas, conduzem-no ao rei Midas, que o trácio Orfeu havia iniciado na orgia, com o cecrópio Eumolpo. Ao reconhecer o companheiro de rituais e preceptor de Baco, Midas fez uma festa pela chegada do hóspede, alegremente, durante dez dias e dez noites seguidas. No undécimo dia, Lúcifer já havia congregado no céu um grupo de estrelas, quando o rei, exultante, chega aos campos lídios e devolve Sileno ao jovem aluno. O deus, alegrando-se por ter recebido de volta aquele que o criou, deu-lhe a grata, porém inútil, escolha de pedir um presente.
276 No original, “merum”, vinho puro, que causava embriaguez imediata. Os romanos herdaram dos gregos o hábito de misturar água ao vinho. Bebê-lo puro era considerado um comportamento típico dos bárbaros.
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Huic deus optandi gratum, sed inutile, fecit muneris arbitrium, gaudens altore recepto. Ille male usurus donis ait “effice, quidquid corpore contigero fulvum vertatur in aurum.” Adnuit optatis nocituraque munera solvit Liber, et indoluit, quod non meliora petisset. Laetus abit gaudetque malo Berecyntius heros pollicitique fidem tangendo singula temptat Vixque sibi credens non alta fronde virentem ilice detraxit virgam: virga aurea facta est. Tollit humo saxum: saxum quoque palluit auro. Contigit et glaebam: contactu glaeba potenti massa fit. Arentes Cereris decerpsit aristas: aurea messis erat. Demptum tenet arbore pomum: Hesperidas donasse putes. Si postibus altis admovit digitos, postes radiare videntur. Ille etiam liquidis palmas ubi laverat undis, unda fluens palmis Danaen eludere posset. Vix spes ipse suas animo capit aurea fingens omnia. Gaudenti mensas posuere ministri exstructas dapibus nec tostae frugis egentes. Tum vero, sive ille sua Cerealia dextra munera contigerat, Cerealia dona rigebant, sive dapes avido convellere dente parabat, lammina fulva dapes admoto dente premebat. Miscuerat puris auctorem muneris undis: fusile per rictus aurum fluitare videres. Attonitus novitate mali, divesque miserque, effugere optat opes et, quae modo voverat, odit. Copia nulla famem relevat; sitis arida guttur urit, et inviso meritus torquetur ab auro Ad caelumque manus et splendida bracchia tollens “da veniam, Lenaee pater! peccavimus,” inquit,
277 Baco, em referência ao vinho puro, que era misturado à água.
Midas, que mal haveria de usar a recompensa, disse: “Faze com que tudo o que eu tocar com o corpo se transforme em fulvo ouro!” Baco consentiulhe a vontade e liberou os nocivos presentes, lamentando que ele não tivesse pedido outros melhores. Contente vai e alegra-se com o seu mal o herói de Berecinto. E para comprovar sua fé, toca todas as coisas com o polegar. E somente em si mesmo crendo, arrancou um ramo de uma azinheira não alta, com a fronde verdejante. O ramo tornou-se de ouro. Apanhou uma pedra do chão e também a pedra dourou-se, tocou um torrão: com o contato, o pedaço de terra tornou-se uma massa dura, colheu espigas maduras de trigo: a colheita era de ouro. Segura o fruto colhido de uma árvore, pensarias terem-lhe doado as Hespérides. Se aproximasse os dedos dos altos portais, pareceriam reluzir os portais. Ele, ainda, ao lavar as mãos nas líquidas ondas, nas palmas a onda fluente poderia iludir Dânae. E assim, na alma, alimenta suas próprias esperanças, imaginando tudo de ouro. Alegra-se, enquanto os serviçais põem as mesas fartas de alimentos, sem faltar assados nem cereais. Então, realmente, se ele tocasse os alimentos, enrijeciam as oferendas de Ceres. Ao aproximar a comida dos dentes, preparando-se para morder avidamente, era uma lâmina de ouro que mordia; se misturasse à água pura o autor277 deste dom, verias fluir pela sua boca o ouro líquido.
Atônito pela novidade do mal, rico e mísero, ele quer fugir das riquezas e odeia o que antes havia pedido. Fartura nenhuma o alivia da fome. Arde-lhe a garganta seca e, justamente, ele é torturado pelo detestável ouro. E ao céu, elevando as mãos e os esplêndidos braços, diz: “Perdoa-me, pai Lineu! Errei, mas tem piedade, suplico, livra-me desta brilhante desgraça!” Baco restitui os feitos e liberta-o dos presentes dados, pois ele confessa ter errado, e diz-
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“sed miserere, precor, speciosoque eripe damno.” Mite deum numen: Bacchus peccasse fatentem restituit factique fide data munera solvit “Neve male optato maneas circumlitus auro, vade” ait “ad magnis vicinum Sardibus amnem perque iugum ripae labentibus obvius undis carpe viam, donec venias ad fluminis ortus, spumigeroque tuum fonti, qua plurimus exit, subde caput corpusque simul, simul elue crimen.” Rex iussae succedit aquae: vis aurea tinxit flumen et humano de corpore cessit in amnem. Nunc quoque iam veteris percepto semine venae arva rigent auro madidis pallentia glaebis. Midae aures
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As orelhas de Midas
Ille, perosus opes, silvas et rura colebat Panaque montanis habitantem semper in antris. Pingue sed ingenium mansit, nocituraque, ut ante, rursus erant domino stultae praecordia mentis. Nam freta prospiciens late riget arduus alto Tmolus in adscensu, clivoque extensus utroque Sardibus hinc, illinc parvis finitur Hypaepis. Pan ibi dum teneris iactat sua carmina nymphis et leve cerata modulatur harundine carmen, ausus Apollineos prae se contemnere cantus, iudice sub Tmolo certamen venit ad impar.
Detestando as riquezas, Midas agora vivia pelos bosques e pelos campos, como Pã, que sempre habita as grutas nas montanhas. Sua inteligência, porém, permaneceu obtusa como antes. E, para lhe fazer mal, outra vez seus sentimentos estavam sob o domínio de uma mente estúpida. De longe, observando os mares, estava o Timolo, amplamente árduo no alto, estendendo-se, por aqui em Sardes, por ali terminando na pequena Hipepa. Ali, Pã dirige seus cantos às ternas ninfas e, de leve, modula uma canção na sua encerada flauta. Tendo ousado desprezar a música de Apolo diante do próprio, sob o Timolo, tendo este como juiz, propõe uma competição díspar.
Monte suo senior iudex consedit et aures liberat arboribus: quercu coma caerula tantum cingitur, et pendent circum cava tempora glandes. Isque deum pecoris spectans “in indice” dixit “nulla mora est.” Calamis agrestibus insonat ille barbaricoque Midan (aderat nam forte canenti) carmine delenit. Post hunc sacer ora retorsit Tmolus ad os Phoebi: vultum sua silva secuta est.
O velho senhor senta no seu monte e tira seus ouvidos das árvores278. Cinge com um carvalho a sua cabeleira azulada e das côncavas têmporas pendem bolotas. Então, observando o deus dos rebanhos, diz: “O juiz está pronto.” Pelas plantas agrestes, Pã ressoa seu bárbaro canto e acalma Midas, que o acompanhava. Depois, o sagrado Timolo voltou a face para o rosto de Febo. Seguiu seu semblante pelo bosque. O deus, com a cabeça fulva pelo louro do Parnaso, varre o chão com sua veste saturada de púrpura tíria279. O instrumento revestido com gemas e dentes indianos segura com a mão
lhe: “Para que não permaneças revestido com o indesejado ouro, vai ao rio vizinho da grande Sardes e, por cima, subindo ao contrário das ondas, toma o caminho até chegares à nascente do rio. E, na fonte espumígera, pela qual a água flui mais abundante, submerge de uma vez a tua cabeça e o teu corpo, de uma vez limpa o teu crime.” O rei foi até a água conforme lhe havia sido ordenado. A força do ouro cessou, passando do seu corpo humano para o rio. Agora, já conhecida a semente de sua velha veia, também os campos endurecem pelo ouro e amarelados ficam os úmidos torrões.
278 O monte Timolo aqui é personificado. 279 Tintura vinda da cidade fenícia de Tiro.
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Ille caput flavum lauro Parnaside vinctus verrit humum Tyrio saturata murice palla, instrictamque fidem gemmis et dentibus Indis sustinet a laeva; tenuit manus altera plectrum. Artificis status ipse fuit. Tum stamina docto pollice sollicitat, quorum dulcedine captus Pana iubet Tmolus citharae submittere cannas. Iudicium sanctique placet sententia montis omnibus, arguitur tamen atque iniusta vocatur unius sermone Midae; nec Delius aures humanam stolidas patitur retinere figuram, sed trahit in spatium villisque albentibus implet instabilesque imas facit et dat posse moveri, cetera sunt hominis: partem damnatur in unam induiturque aures lente gradientis aselli. Ille quidem celare cupit, turpisque pudore tempora purpureis temptat velare tiaris. Sed solitus longos ferro resecare capillos viderat hoc famulus. Qui cum nec prodere visum dedecus auderet, cupiens efferre sub auras, nec posset reticere tamen, secedit humumque effodit et, domini quales adspexerit aures, voce refert parva terraeque inmurmurat haustae, indiciumque suae vocis tellure regesta obruit et scrobibus tacitus discedit opertis. Creber harundinibus tremulis ibi surgere lucus coepit et, ut primum pleno maturuit anno, prodidit agricolam: leni nam motus ab austro obruta verba refert dominique coarguit aures. Laomedon. Hesione
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Ultus abit Tmolo liquidumque per aera vectus angustum citra pontum Nepheleidos Helles Laomedonteis Latoius adstitit arvis.
280 Gorro vermelho usado pelos frígios.
esquerda e, com a outra, o plectro. O seu porte foi mesmo o de um artista. Então, com o sábio polegar, ele agita as cordas, das quais é tomado pela doçura o Timolo, que então ordena Pã a submeter suas flautas à cítara. No julgamento, a sentença do santo monte agrada a todos. Somente pelo discurso de Midas chama-se injusta e ele ainda assim a rebate. O deus de Delos não tolera que aquelas orelhas estúpidas conservem a forma humana e, alongando-as no espaço, enche-as de pelos esbranquiçados e torna-as instáveis na base, para que se balancem. As outras partes são de homem. Castigado apenas em uma parte, ele segue lentamente, com orelhas de asno.
Com certeza, quer se esconder e, com pudor torpe, tenta cobrir as têmporas com uma tiara280 de púrpura. Havia-o visto um seu escravo, que costumava cortar-lhe os longos cabelos. Havia-o visto, e como não ousava revelar a desonra vista, desejando divulgar a respeito das tais orelhas e ainda sem poder calar-se, afasta-se dali, cava a terra e, dentro, no vazio, murmura com voz baixa o que havia acontecido com as orelhas do seu senhor. Em seguida, cobre o buraco e sai em silêncio. Ali, começou a brotar um denso bosque de canas trêmulas e, assim que maturou, no primeiro ano, denunciou o agricultor, pois, movido pelo austro brando, revela as palavras sepultadas com o segredo sobre as orelhas de Midas.
Laomedonte e Hesíone Vingado, o latoio sai do Timolo, conduzido pelo fluido ar, antes do estreito mar da nefeleida Hele, e chega ao litoral de Laomedonte. À direita do Sigeu, à esquerda do profundo Reteu, um velho altar foi ali consagrado ao
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Dextera Sigei, Rhoetei laeva profundi ara Panomphaeo vetus est sacrata Tonanti. Inde novae primum moliri moenia Troiae Laomedonta videt susceptaque magna labore crescere difficili nec opes exposcere parvas cumque tridentigero tumidi genitore profundi mortalem induitur formam Phrygiaeque tyranno aedificat muros, pactus pro moenibus aurum.
Panonfeu Tonante. Dali, Laomedonte vê construir, com trabalho duro, pela primeira vez, as muralhas da nova Troia e crescer as riquezas não pequenas. Junto com o tridentígero, o pai do soberbo mar profundo veste-se com a forma humana e constrói os muros para o tirano da Frígia, pactuado por uma quantia de ouro.
Stabat opus: pretium rex infitiatur et addit, perfidiae cumulum, falsis periuria verbis. “Non impune feres” rector maris inquit et omnes inclinavit aquas ad avarae litora Troiae, inque freti formam terras complevit opesque abstulit agricolis et fluctibus obruit agros. Poena neque haec satis est: regis quoque filia monstro poscitur aequoreo; quam dura ad saxa revinctam vindicat Alcides promissaque munera, dictos poscit equos, tantique operis mercede negata bis periura capit superatae moenia Troiae. Nec pars militiae, Telamon, sine honore recessit, Hesioneque data potitur. Nam coniuge Peleus clarus erat diva: nec avi magis ille superbus nomine, quam soceri, siquidem Iovis esse nepoti contigit haud uni, coniunx dea contigit uni.
Levantada a obra, o rei nega-lhe o preço e acrescenta o cúmulo de sua perfídia, o perjúrio às falsas palavras: “Não ficarás impune”, diz o senhor do mar. E inclinou todas as suas águas às costas da avara Troia e, em forma de mar, encheu suas terras e suas riquezas. Com as ondas, destruiu os camponeses e inundou os campos. Esta pena não é o bastante: também exige que a filha do rei seja entregue a um monstro marinho. Atada a um duro rochedo, ela recorre a Alcides, sob a promessa de presentes, uns cavalos escolhidos. Pelo pagamento negado de tanto trabalho, duas vezes castigada, toma as muralhas da vencida Troia. Uma parte de seu exército, Télamon, retirou-se, não sem honra, ele possuiu Hesíone, que lhe foi dada. Pois, por sua esposa divina, Peleu já era ilustre e soberbo, não mais pelo nome do avô que do sogro, já que, se neto de Júpiter coube ser não somente a um, ter uma deusa como esposa coube apenas a um.
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Peleus et Thetis
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Namque senex Thetidi Proteus “dea” dixerat “undae, concipe: mater eris iuvenis, qui fortibus annis acta patris vincet maiorque vocabitur illo.” Ergo, ne quicquam mundus Iove maius haberet, quamvis haud tepidos sub pectore senserat ignes, Iuppiter aequoreae Thetidis conubia fugit in suaque Aeaciden succedere vota nepotem iussit et amplexus in virginis ire marinae.
281 Peleu, filho de Éaco.
Peleu e Tétis Havia dito, pois, o velho Proteu a Tétis: “Concebe, Tétis, deusa das ondas, e serás mãe de um jovem que, em seus fortes atos, vencerá os feitos do seu pai e maior do que ele será chamado.” Assim, para que o mundo não tivesse ninguém superior a Júpiter, ainda que este sentisse no peito as chamas ardentes da paixão, foge da união com a marinha Tétis e, em seus votos, ordena que o suceda seu neto, o eácida281, e receba os abraços da jovem marinha.
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Est sinus Haemoniae curvos falcatus in arcus: bracchia procurrunt, ubi, si foret altior unda, portus erat (summis inductum est aequor harenis); litus habet solidum, quod nec vestigia servet nec remoretur iter, nec opertum pendeat alga. Myrtea silva subest bicoloribus obsita bacis 235 et specus in medio (natura factus an arte, ambiguum, magis arte tamen), quo saepe venire frenato delphine sedens, Theti, nuda solebas. Illic te Peleus, ut somno vincta iacebas, occupat: et quoniam precibus temptata repugnas, 240 vim parat, innectens ambobus colla lacertis. Quod nisi venisses variatis saepe figuris ad solitas artes, auso foret ille potitus. Sed modo tu volucris (volucrem tamen ille tenebat), nunc gravis arbor eras (haerebat in arbore Peleus), 245 tertia forma fuit maculosae tigridis: illa territus Aeacides a corpore bracchia solvit. Isque deos pelagi vino super aequora fuso et pecoris fibris et fumo turis adorat, donec Carpathius medio de gurgite vates 250 “Aeacide,” dixit, “thalamis potiere petitis! Tu modo, cum rigido sopita quiescit in antro, ignaram laqueis vincloque innecte tenaci. Nec te decipiat centum mentita figuras, sed preme, quidquid erit, dum, quod fuit ante, reformet!”
Na Hemônia, há uma enseada em curvados arcos; seus braços se estendem onde, se fosse mais alta a onda, seria um porto (o mar entrou no alto das areias). Mantém-se ali uma praia sólida, que nem rastros guarda, nem impede o caminho, nem que se prenda às algas quem no lugar passe. Há um bosque de mirtos, coberto de duas cores peroladas e uma gruta no meio (feita pela natureza, ou talvez pela arte, é ambíguo, ainda que mais pela arte), na qual, muitas vezes, Tétis, costumavas vir, nua, montada em um golfinho enfreado. Ali, Peleu te ataca, quando repousavas, vencida pelo sono. E como, tentada com súplicas, o rejeitas, ele te agarra à força, envolvendo-te o colo com ambos os braços. Ele teria se apoderado de ti audacioso, se não viesses a usar tuas costumeiras artes, mudando-te em muitas variadas formas. Mas tu, como um pássaro (e ainda como um pássaro ele te prendia), agora eras uma forte árvore (Peleu estava fixado à árvore). A terceira forma foi a de uma feroz tigresa. Temendo-a, o eácida soltou os braços do seu corpo. Depois, ele adora os deuses do mar, derramando vinho sobre as águas, e oferece-lhes as entranhas de um rebanho e fumaça de incenso, até que o carpátio vate surgiu do meio de um turbilhão marinho e disse: “Eácida, dos tálamos desejados te apoderarás. Quando ela, adormecida, repousar na rígida gruta ignorando-te, amarra-a com firmes laços e correntes. E para que ela não te engane com cem mentidas formas, aperta-a, não importa o que ela seja, para que retorne ao que foi!”
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Proteu havia dito isto e escondeu o rosto na água, que fechou suas ondas nas últimas palavras dele. Baixo estava o Titã282 e, inclinado, mantinha o timão no hespério283 mar, quando a bela nereida284, tendo abandonado o escolho, ingressa nos costumeiros leitos. Nem bem Peleu havia invadido seus virginais membros, ela renova as suas formas, até sentir que seu corpo estava preso em diversas partes. Estendeu os braços, então, e disse, gemendo: “Vences, mas não sem os numes”. Após a confissão, o herói, abraçando-a, possui a mulher desejada e engravida-a do grande Aquiles.
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Dixerat haec Proteus et condidit aequore vultum admisitque suos in verba novissima fluctus. Pronus erat Titan inclinatoque tenebat Hesperium temone fretum, cum pulchra relecto Nereis ingreditur consueta cubilia saxo. Vix bene virgineos Peleus invaserat artus, illa novat formas, donec sua membra teneri sentit et in partes diversas bracchia tendi. Tum demum ingemuit, “neque” ait “sine numine vincis”
282 O sol. 283 Mar ocidental. 284 Filha de Nereu, Tétis.
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exhibita estque Thetis. Confessam amplectitur heros et potitur votis ingentique implet Achille. Peleus apud Ceycem
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Felix et nato, felix et coniuge Peleus et cui, si demas iugulati crimina Phoci, omnia contigerant. Fraterno sanguine sontem expulsumque domo patria Trachinia tellus accipit. Hic regnum sine vi, sine caede regebat Lucifero genitore satus patriumque nitorem ore ferens Ceyx, illo qui tempore maestus dissimilisque sui fratrem lugebat ademptum.
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Quo postquam Aeacides fessus curaque viaque venit et intravit paucis comitantibus urbem, quosque greges pecorum, quae secum armenta trahebat, haud procul a muris sub opaca valle reliquit, copia cum facta est adeundi tecta tyranni, velamenta manu praetendens supplice, qui sit se quoque satus, memorat, tantum sua crimina celat mentiturque fugae causam: petit, urbe vel agro se iuvet. Hunc contra placido Trachinius ore talibus adloquitur: “Mediae quoque commoda plebi nostra patent, Peleu, nec inhospita regna tenemus. Adicis huic animo momento potentia, clarum nomen avumque Iovem. Ne tempora perde precando! Quod petis, omne feres tuaque haec pro parte vocato, qualiacumque vides! Utinam meliora videres!' Et flebat: moveat tantos quae causa dolores, Peleusque comitesque rogant. Quibus ille profatur:
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“Forsitan hanc volucrem, rapto quae vivit et omnes terret aves, semper pennas habuisse putetis: vir fuit et (tanta est animi constantia!) iam tum acer erat belloque ferox ad vimque paratus, nomine Daedalion. Illo genitore creatis,
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285 Hipérion.
Peleu na terra de Cêix Peleu, feliz com a esposa e feliz com o filho, tudo teria alcançado, se excetuas a culpa por ter degolado Foco. A terra traquínia acolheu-o, culpado pelo sangue fraterno e expulso da casa paterna. Ali, sem morte e sem guerra, governava o seu reino Cêix, que de Lúcifer, seu pai, havia herdado o brilho que tinha no rosto. Naquele tempo, ele, aborrecido e diferente do que costumava ser, chorava pelo irmão arrebatado. Ali o eácida, cansado pela preocupação e pela viagem, chegou e entrou pela cidade com alguns acompanhantes. Não longe dos muros, em um vale escuro, deixou uns bois e uns rebanhos de carneiros que trazia consigo. Quando se deu a ocasião de ir ao encontro do rei, ele se apresenta, portando ramos de oliveira, e estendelhe a mão, suplicante, lembra-o de quem é e de quem descende, esconde apenas os seus crimes e mente a causa da sua fuga. Pede que o rei lhe dê abrigo, na cidade ou no campo. O traquínio, com sua plácida voz, respondelhe estas palavras: “Nossa benevolência se mostra até mesmo para a média plebe, Peleu, não temos governos inóspitos. Acresces a esta vontade poderosas razões: teu ilustre nome e teu avô Júpiter. Não percas tempo suplicando! O que pedes tudo terás, e tudo o quanto vês chama-o de teu. Oxalá visses coisas melhores!” E chorava. Peleu e sua comitiva perguntam o que lhe havia causado tão grandes dores. Aos quais ele diz:
“Talvez este pássaro, que vive de rapina e assusta todas as aves, sempre tenha possuído penas, acreditai: já foi um homem (tal é a constância do seu ânimo). Já então era enérgico e feroz na guerra, talhado para a força, tinha por nome Dedálion, criado por aquele pai285 que chama a Aurora e do céu é o último que sai (zelada por mim é a paz, e de manter a paz meu cuidado há
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qui vocat auroram caeloque novissimus exit, (cura mihi pax est) pacis mihi cura tenendae coniugiique fuit, fratri fera bella placebant: illius virtus reges gentesque subegit, quae nunc Thisbaeas agitat mutata columbas. Nata erat huic Chione. Quae dotatissima forma mille procos habuit, bis septem nubilis annis. Forte revertentes Phoebus Maiaque creatus, ille suis Delphis, hic vertice Cylleneo, videre hanc pariter, pariter traxere calorem. Spem veneris differt in tempora noctis Apollo, non fert ille moras virgaque movente soporem virginis os tangit: tactu iacet illa potenti vimque dei patitur. Nox caelum sparserat astris: Phoebus anum simulat praereptaque gaudia sumit. Ut sua maturus complevit tempora venter, alipedis de stirpe dei versuta propago nascitur, Autolycus, furtum ingeniosus ad omne, candida de nigris et de candentibus atra qui facere adsuerat, patriae non degener artis; nascitur e Phoebo (namque est enixa gemellos) carmine vocali clarus citharaque Philammon. Quid peperisse duos et dis placuisse duobus et forti genitore et progenitore Tonanti esse satam prodest? An obest quoque gloria? multis Offuit, huic certe! Quae se praeferre Dianae sustinuit faciemque deae culpavit. At illi ira ferox mota est “factis” que “placebimus” inquit. Nec mora, curvavit cornu nervoque sagittam impulit et meritam traiecit harundine linguam. Lingua tacet, nec vox temptataque verba sequuntur, conantemque loqui cum sanguine vita reliquit. Quo miser amplexus ego tum patriumque dolorem corde tuli fratrique pio solacia dixi!
286 Mercúrio.
de ser e do matrimônio foi). Ao meu irmão agradavam as cruéis guerras. A sua força, que subjugou reis e povos, agora, mudada, persegue as pombas de Tisbe. Nascida dele foi Quíone, que, dotada de beleza, núbil aos quatorze anos, teve mil pretendentes. Casualmente regressando, Febo e o filho de Maia286 , aquele da sua Delfos, este do alto Cileno, juntos a viram e juntos sentiram atração por ela. Apolo afasta a esperança de Vênus para os tempos da noite, o outro não suporta demoras e, com a vara que causa o sono, toca o rosto da jovem. Com o poderoso toque, ela adormece e sofre a força do deus. A noite espargia de astros o céu. Febo, disfarçado de anciã, sorve as alegrias que previamente lhe foram roubadas. Quando, maduro, o ventre completou seus tempos, do deus de pés alados nasceu Autólico, filho de estirpe astuciosa, engenhoso para todo tipo de furto; sem desdenhar a arte paterna, costumava fazer do branco o preto e do preto o branco. De Febo nasce Filâmon (pois foram dados à luz gêmeos), exímio pelo canto e pela cítara. De que adianta haver parido dois filhos e ter agradado a dois deuses, e ser originada de um forte pai e ter o Tonante como antepassado? Acaso a glória também não prejudica a muitos? Prejudicou a ela, certamente! Ela que se fez antepor à Diana e culpou a face da deusa. Mas, nesta foi provocada uma ira feroz e ela disse: “Com nossos feitos agradaremos”.
Sem demora, curvou o arco e da corda lançou uma seta, que atravessou, com sua cana, a merecedora língua. A boca silencia. Nem a voz, nem as palavras que tenta lhe saem. E no esforço de falar, a vida se esvai com o sangue. Então, eu, abraçando a infeliz, sofri no coração a dor de um pai e ao meu irmão piedoso dei consolo. Este pai que, como um rochedo sente os murmúrios do mar, lamenta a filha arrebatada. Ao vê-la queimar os
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Quae pater haud aliter quam cautes murmura ponti accipit et natam delamentatur ademptam. Ut vero ardentem vidit, quater impetus illi in medios fuit ire rogos; quater inde repulsus concita membra fugae mandat similisque iuvenco spicula crabronum pressa cervice gerenti, qua via nulla, ruit. Iam tum mihi currere visus plus homine est, alasque pedes sumpsisse putares. Effugit ergo omnes veloxque cupidine leti vertice Parnasi potitur. Miseratus Apollo, cum se Daedalion saxo misisset ab alto, fecit avem et subitis pendentem sustulit alis oraque adunca dedit, curvos dedit unguibus hamos, virtutem antiquam, maiores corpore vires. Et nunc accipiter, nulli satis aequus, in omnes saevit aves aliisque dolens fit causa dolendi.”
desvairados membros, quatro vezes seu impulso foi o de se jogar às chamas, quatro vezes dali repelido, põe-se em fuga e, igual a um novilho que leva os aguilhões pontiagudos na apertada cerviz, ele cai, por onde nenhum caminho há. E já então me pareceu ser mais que um homem. Crerias que seus pés tivessem virado asas. Veloz, pois fugiu de todos e, pelo desejo da morte, apodera-se do cimo do Parnaso. Apolo, compadecido por Dedálion se ter lançado de um alto rochedo, transformou-o em ave e amparou-o com rápidas asas. Deu-lhe um bico adunco e por unhas curvados ganchos, deu-lhe a sua antiga coragem e forças maiores do que o corpo. Ele agora é o falcão, a ninguém bom o bastante, a todas as aves maltrata e, condoendo-se dos outros, torna-se a causa da dor.”
Quae dum Lucifero genitus miracula narrat de consorte suo, cursu festinus anhelo advolat armenti custos Phoceus Onetor et “Peleu, Peleu! magnae tibi nuntius adsum cladis” ait. Quodcumque ferat, iubet edere Peleus, pendet et ipse metu trepidi Trachinius oris. Ille refert: “Fessos ad litora curva iuvencos adpuleram, medio cum Sol altissimus orbe tantum respiceret, quantum superesse videret; parsque boum fulvis genua inclinarat harenis latarumque iacens campos spectabat aquarum, pars gradibus tardis illuc errabat et illuc, nant alii celsoque exstant super aequora collo. Templa mari subsunt nec marmore clara neque auro, sed trabibus densis lucoque umbrosa vetusto. Nereides Nereusque tenent: hos navita ponti edidit esse deos, dum retia litore siccat. Iuncta palus huic est, densis obsessa salictis, quam restagnantis fecit maris unda paludem. Inde fragore gravi strepitus loca proxima terret belua vasta, lupus! Udisque paludibus exit, oblitus et spumis et sparsus sanguine rictus,
Enquanto o filho de Lúcifer narra essas maravilhas sobre seu irmão, o fócio Onetor, guardião do rebanho, ofegante, em uma corrida apressada, chega e diz: “Peleu, Peleu! Venho a ti como mensageiro de uma grande desgraça.” Peleu ordena-o que exponha seja lá o que for que traga. O próprio rei traquínio aguarda, assustado, o que tem a dizer aquela boca inquieta. Ele relata: “Os novilhos cansados eu havia aportado ao litoral recurvado, quando o sol, muito alto, no meio do orbe, olhava tanto à frente quanto para trás havia deixado, uma parte dos bois estavam deitados nas areias fulvas e olhavam os campos além das águas, outra parte, a passos lentos, andava por aqui e ali. Outros nadando e flutuando sobre as ondas com o pescoço erguido. Templos do mar ficam próximos, nem de mármore brilhante, nem de ouro, mas sombreados por fortes vigas e por um velho bosque. As Nereidas e Nereu o conservam (estes que um navegante do ponto, enquanto secava as redes no litoral, disse serem deuses). Junto dele, cercado por densos salgueiros, há um lago criado pela inundação do mar transbordante. Dali, estrepitoso, com grave ruído, um animal feroz, um lobo, amedronta os lugares próximos. Ele sai dos níveos lagos, revestido de espumas, espargindo sangue, com a goela aberta em chamas e com os olhos impregnados de rubra lama. Ainda que se irrite igualmente pela raiva e pela fome, é mais furioso pela raiva. E assim procura saciar-se com a morte, não somente de alguns bois, mas fere o rebanho e abate-o inteiro, hostilmente. Também uma parte
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fulmineus, rubra suffusus lumina flamma. Qui quamquam saevit pariter rabieque fameque, acrior est rabie: neque enim ieiunia curat caede boum diramque famem finire, sed omne vulnerat armentum sternitque hostiliter omne. Pars quoque de nobis funesto saucia morsu, dum defensamus, leto est data. Sanguine litus undaque prima rubet demugitaeque paludes. — Sed mora damnosa est, nec res dubitare remittit: dum superest aliquid, cuncti coeamus et arma, arma capessamus coniunctaque tela feramus!”
de nós, ferida por suas mortais dentadas, foi entregue à morte. A primeira onda enrubesce o litoral com o sangue e os lagos mugentes. Mas a demora é danosa e o fato não é de se duvidar: enquanto resta algo, juntemo-nos todos nós e as armas, tomemos as armas e unidos lancemos os dardos.”
Dixerat agrestis; nec Pelea damna movebant, sed, memor admissi, Nereida conligit orbam damna sua inferias exstincto mittere Phoco. Induere arma viros violentaque sumere tela rex iubet Oetaeus; cum quis simul ipse parabat ire, sed Alcyone coniunx excita tumultu prosilit et, nondum totos ornata capillos, disicit hos ipsos, colloque infusa mariti, mittat ut auxilium sine se, verbisque precatur et lacrimis, animasque duas ut servet in una.
Havia dito isso o camponês. Os danos comoviam Peleu, a memória de sua falta cometida, entretanto, fá-lo admitir que os danos são uma oferenda ao extinto Foco, feita pela Nereida287 que havia perdido o seu filho. O rei eteu288 ordena seus homens, com os quais ele próprio se preparou para ir, que vistam as armaduras e tomem as violentas armas. Mas, Alcione, sua esposa, desperta pelo tumulto, acorre, com os cabelos ainda não todos arrumados, divide-os para estes homens e, jogando-se ao colo do marido, suplica-lhe, com palavras e lágrimas, que mande a tropa em auxílio, sem ir junto, para que assim salve duas almas em uma.
Aeacides illi: “Pulchros, regina, piosque pone metus! Plena est promissi gratia vestri. Non placet arma mihi contra nova monstra moveri: numen adorandum pelagi est.” Erat ardua turris arce focus summa, fessis loca grata carinis. Adscendunt illuc stratosque in litore tauros cum gemitu adspiciunt vastatoremque cruento ore ferum, longos infectum sanguine villos.
O eácida diz a ela: “Ó rainha, abandona teus belos e piedosos medos. Plena é a graça da tua proposta. A mim não apraz mover as armas contra estes novos monstros. Uma divindade do mar deve ser adorada.” Havia uma torre alta, no topo da fortaleza uma fogueira, sinal de gratidão aos barcos desgastados. Sobe-se ali e observam-se os touros estendidos na praia, com seus gemidos, e a fera devastadora com seus longos pelos e a boca cruel lambuzada de sangue.
Inde manus tendens in aperti litora ponti caeruleam Peleus Psamathen, ut finiat iram, orat, opemque ferat; nec vocibus illa rogantis flectitur Aeacidae: Thetis hanc pro coniuge supplex accepit veniam. Sed enim revocatus ab acri
Dali, estendendo as mãos para as costas do mar aberto, Peleu roga à azul Psâmate que ponha fim a sua ira e que o ajude. Ela não se comove com as palavras do eácida que rogava. Tétis, pelo matrimônio, recebe o pedido do suplicante. Mas o lobo continua, ainda que revogado pela cruel matança, pelo sabor do sangue áspero. Até que, após dilacerar uma novilha pela
287 Psâmate, ninfa filha de Nereu. 288 Do Eta, monte entre a Tessália e a Dória.
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caede lupus perstat, dulcedine sanguinis asper, donec inhaerentem lacerae cervice iuvencae marmore mutavit. Corpus praeterque colorem omnia servavit: lapidis color indicat illum iam non esse lupum, iam non debere timeri. Nec tamen hac profugum consistere Pelea terra fata sinunt: Magnetas adit vagus exul et illic sumit ab Haemonio purgamina caedis Acasto. Ceyx et Alcyone. Somnus
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Interea fratrisque sui fratremque secutis anxia prodigiis turbatus pectora Ceyx, consulat ut sacras, hominum oblectamina, sortes, ad Clarium parat ire deum; nam templa profanus invia cum Phlegyis faciebat Delphica Phorbas.
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Consilii tamen ante sui, fidissima, certam te facit, Alcyone; cui protinus intima frigus ossa receperunt, buxoque simillimus ora pallor obit, lacrimisque genae maduere profusis. Ter conata loqui ter fletibus ora rigavit, singultuque pias interrumpente querellas “quae mea culpa tuam,” dixit “carissime, mentem vertit? Ubi est quae cura mei prior esse solebat? Iam potes Alcyone securus abesse relicta? Iam via longa placet? Iam sum tibi carior absens? At, puto, per terras iter est, tantumque dolebo, non etiam metuam, curaeque timore carebunt. Aequora me terrent et ponti tristis imago: et laceras nuper tabulas in litore vidi, et saepe in tumulis sine corpore nomina legi. Neve tuum fallax animum fiducia tangat, quod socer Hippotades tibi sit, qui carcere fortes contineat ventos et, cum velit, aequora placet! Cum semel emissi tenuerunt aequora venti, nil illis vetitum est, incommendataque tellus
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289 Febo. 290 O alto mar.
cerviz, transformou-se em mármore. Do seu corpo tudo conservou, exceto a cor. A cor de pedra indica que ele já não é um lobo, já não deve ser temido. E ainda assim o destino consente ao fugitivo Peleu permanecer nesta terra. Andarilho e exilado, ele chega aos Magnetas, e ali, através do hemônio Acasto, toma as purgações pelo assassinato cometido.
Cêix e Alcione. O Sono Enquanto isso, Cêix, pelos prodígios do seu irmão e pelos seguidores dele, perturbado pela ânsia no peito, prepara-se para ir ao deus de Claros289 consultar os sagrados oráculos, distração dos homens. Pois, o profano Forbas, com os Flégios, tornava os templos inacessíveis. Ainda antes, fidelíssima Alcione, ele te faz saber de suas intenções, cujos ossos receberam um frio na medula, e o seu rosto, uma palidez semelhante ao buxo. Sua face se umedeceu de lágrimas profusas. Três vezes ela tentou falar, três vezes seu rosto encharcou-se de prantos e, interrompendo o soluço, falou seus piedosos lamentos: “Foi minha culpa, querido, que alterou teu juízo? Onde está o cuidado que costumavas ter por mim? Já te podes ausentar tranquilo, deixando Alcione? Já te agrada uma longa estrada? Já te sou mais cara estando ausente? Pelo menos, penso, o caminho é por terra, eu somente me preocuparei, não terei também medo, e meus cuidados carecerão de temor! Os mares é que me apavoram e a triste imagem do ponto 290. Vi, ainda há pouco, umas tábuas despedaçadas na praia e, muitas vezes, li nomes nos túmulos sem corpo. E para que uma confiança falaz não mova teu ânimo, porque teu sogro é um hipótades, que no cárcere ele contenha os fortes ventos e, quando quiser, acalme as ondas! Uma vez soltos, os ventos invadem as águas, nada lhes é vedado, e toda a terra fica desamparada, e todas as coisas sofrem com a agitação. Também as nuvens do céu atormentam-se e lançam rútilos fogos com suas ferozes colisões. Quanto mais os conheço (pois os conheço e, muitas vezes, vi-os em minha pequena casa paterna), mais acho que devem ser temidos. Porém, se minhas súplicas não mudam a tua decisão, ó querido esposo, e demasiadamente certo estás de ir, leva-me também uma vez! Certamente seremos sacudidos, o que, a menos que padeça, temerei, e sofreremos juntos, seja o que for, juntos seremos
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omnis et omne fretum est. Caeli quoque nubila vexant excutiuntque feri rutilos concursibus ignes. Quo magis hos novi (nam novi et saepe paterna parva domo vidi), magis hos reor esse timendos. Quod tua si flecti precibus sententia nullis, care, potest, coniunx, nimiumque es certus eundi, me quoque tolle simul. Certe iactabimur una, nec nisi quae patiar, metuam: pariterque feremus, quidquid erit, pariter super aequora lata feremur.”
levados sobre as ondas.”
Talibus Aeolidis dictis lacrimisque movetur sidereus coniunx: neque enim minor ignis in ipso est. Sed neque propositos pelagi dimittere cursus, nec vult Alcyonen in partem adhibere pericli, multaque respondit timidum solantia pectus. Non tamen idcirco causam probat; addidit illis hoc quoque lenimen, quo solo flexit amantem: “Longa quidem est nobis omnis mora: sed tibi iuro per patrios ignes, si me modo fata remittant, ante reversurum, quam luna bis impleat orbem.”
Com tais palavras da eólida, o sideral esposo se comove. Pois, nele próprio não há fogo menor. Mas, ele não quer abandonar a viagem marítima planejada e nem que Alcione tome parte neste perigo. E em consolação muitas coisas respondeu ao seu temeroso peito. Ainda assim, ela não aprova sua causa. Ele acresce à sua promessa também um paliativo, só com o qual convenceu a amada: “Toda demora é para nós certamente longa, mas, eu te juro, pelos fogos do meu pai (se o destino me salvar), hei de voltar antes que a lua encha o céu duas vezes.”
His ubi promissis spes est admota recursus, protinus eductam navalibus aequore tingi armarique suis pinum iubet armamentis. Qua rursus visa, veluti praesaga futuri, horruit Alcyone lacrimasque emisit obortas amplexusque dedit, tristique miserrima tandem ore “vale” dixit conlapsaque corpore toto est.
Quando, com essas promessas, a esperança do regresso convenceu-a, em seguida ele ordena que se prepare um navio tirado dos estaleiros com os armamentos navais. Ao ver os preparativos, de novo Alcione horrorizou-se, como uma pressagiadora do futuro, soltou as lágrimas que brotavam, deu-lhe um abraço e, finalmente, desgraçada e triste, sua boca disse-lhe adeus. O corpo todo tremia. Mas os jovens, embora Cêix procurasse demorar, encostam os remos aos fortes peitos, em fileiras duplas, e com golpes compassados cortam as águas. Ela ergue os olhos úmidos e vê o marido, sentado na popa curvada, acenando-lhe a mão. Ela devolve-lhe os acenos. Quando a terra fica mais longe e seus olhos já não conseguem ver o rosto dele, ela segue com o olhar, enquanto pode, o navio que se afasta. Separada pela distância, como não podia ser vista, ela também contempla as velas andejantes no alto do mastro. Quando nem mais as velas vê, procura, com ânsia, a cama vazia e se põe no colchão. Um lugar no leito renova as lágrimas de Alcione, fazendo-a lembrar de uma parte que está ausente.
Ast iuvenes, quaerente moras Ceyce, reducunt ordinibus geminis ad fortia pectora remos aequalique ictu scindunt freta. Sustulit illa umentes oculos, stantemque in puppe relicta concussaque manu dantem sibi signa maritum prima videt redditque notas; ubi terra recessit longius atque oculi nequeunt cognoscere vultus, dum licet, insequitur fugientem lumine pinum. Haec quoque ut haud poterat, spatio submota, videri, vela tamen spectat summo fluitantia malo;
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ut nec vela videt, vacuum petit anxia lectum seque toro ponit; renovat lectusque locusque Alcyonae lacrimas et, quae pars, admonet, absit. 475
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Portibus exierant, et moverat aura rudentes: obvertit lateri pendentes navita remos cornuaque in summa locat arbore totaque malo carbasa deducit venientesque accipit auras. Aut minus, aut certe medium non amplius aequor puppe secabatur, longeque erat utraque tellus, cum mare sub noctem tumidis albescere coepit fluctibus et praeceps spirare valentius eurus. “Ardua iamdudum demittite cornua” rector clamat “et antemnis totum subnectite velum.” Hic iubet: impediunt adversae iussa procellae, nec sinit audiri vocem fragor aequoris ullam. Sponte tamen properant alii subducere remos, pars munire latus, pars ventis vela negare. Egerit hic fluctus aequorque refundit in aequor, hic rapit antemnas. Quae dum sine lege geruntur, aspera crescit hiems, omnique e parte feroces bella gerunt venti fretaque indignantia miscent. Ipse pavet nec se, qui sit status, ipse fatetur scire ratis rector, nec, quid iubeatve velitve: tanta mali moles tantoque potentior arte est. Quippe sonant clamore viri, stridore rudentes, undarum incursu gravis unda, tonitribus aether. Fluctibus erigitur caelumque aequare videtur pontus et inductas adspergine tangere nubes; et modo, cum fulvas ex imo vertit harenas, concolor est illis, Stygia modo nigrior unda, sternitur interdum spumisque sonantibus albet. Ipsa quoque his agitur vicibus Trachinia puppis, et nunc sublimis veluti de vertice montis despicere in valles imumque Acheronta videtur, nunc, ubi demissam curvum circumstetit aequor,
Eles haviam saído dos portos e o vento havia movido as amarras. O marinheiro encosta no casco os remos pendentes, coloca as antenas no alto do mastro e abaixa todos os panos, para receber os ventos que chegam. A superfície ia sendo cortada pela popa, ou menos ou certamente, não mais que a metade. Uma terra e outra estavam longe, quando o mar, à noite, começou a embranquecer com ondas densas e o euro impetuoso a soprar mais forte, imediatamente o comandante grita: “Baixem as antenas altas e amarrem toda a vela nas antenas.” Ele ordena, mas as tempestades contrárias impedem suas ordens. Nem se pode ouvir voz alguma e nem o barulho das águas. Ainda assim, por si, alguns marinheiros apressam-se a içar os remos, uma parte a reforçar o casco, outra parte atacando os ventos com as velas.
Um deles rebate as ondas e a água retorna ao mar, outro, segura as antenas. Enquanto agem por conta própria, o áspero temporal cresce e por toda parte os ventos ferozes golpeiam e agitam as águas. O próprio piloto está apavorado, nem Cêix sabe o que está acontecendo, ele mesmo confessa. Nem que ele ordene ou proíba, o mal desta confusão é muito maior e mais poderoso do que os seus artifícios. E então soam com gritos os homens, com ruídos os navios, com ondas pesadas chocando-se com os trovões do éter. Ergue-se a tempestade com as ondas e vê-se o mar se igualar ao céu, e as águas unidas pela aspersão tocar as nuvens.
E então, das profundezas revolve as fulvas areias, ora de cor mais escura do que a onda do Estige, ora igual a elas, derrama-se algumas vezes e embranquece com as espumas ressoantes. Também a própria nave traquínia se move, por sua vez, como se do alto de um monte olhasse um vale parecendo o profundo Aqueronte. Agora, abaixada, quando o curvo mar a rodeou, faz ver desde as entranhas infernais até o céu supremo. Muitas vezes faz, pela onda batida com força, um ingente
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suspicere inferno summum de gurgite caelum. Saepe dat ingentem fluctu latus icta fragorem nec levius pulsata sonat, quam ferreus olim cum laceras aries ballistave concutit arces. Utque solent sumptis incursu viribus ire pectore in arma feri protentaque tela leones, sic ubi se ventis admiserat unda coortis, ibat in arma ratis multoque erat altior illis. Iamque labant cunei, spoliataque tegmine cerae rima patet praebetque viam letalibus undis. Ecce cadunt largi resolutis nubibus imbres, inque fretum credas totum descendere caelum, inque plagas caeli tumefactum adscendere pontum. Vela madent nimbis, et cum caelestibus undis aequoreae miscentur aquae; caret ignibus aether, caecaque nox premitur tenebris hiemisque suisque. Discutiunt tamen has praebentque micantia lumen fulmina: fulmineis ardescunt ignibus ignes. Dat quoque iam saltus intra cava texta carinae fluctus; et ut miles, numero praestantior omni, cum saepe adsiluit defensae moenibus urbis, spe potitur tandem laudisque accensus amore inter mille viros murum tamen occupat unus, sic, ubi pulsarunt noviens latera ardua fluctus, vastius insurgens decimae ruit impetus undae; nec prius absistit fessam oppugnare carinam, quam velut in captae descendat moenia navis. Pars igitur temptabat adhuc invadere pinum, pars maris intus erat. Trepidant haud segnius omnes, quam solet urbs, aliis murum fodientibus extra atque aliis murum, trepidare, tenentibus intus.
Já também uma onda dá um golpe nas ocas texturas da quilha. E, como o soldado mais valente de todos os outros, quando, às vezes, ao atacar as muralhas de uma cidade guarnecida, se apodera de sua esperança e, enfim, envaidecido pelo amor à glória, ainda que entre mil homens, invade sozinho os muros, assim, tendo a água batido nove vezes no duro casco, este se precipita ao surgir o ímpeto mais vasto da décima onda. Não se abstém, antes, de golpear a enfraquecida quilha do navio, como se fosse uma muralha sitiada. Uma parte da água tentava ainda invadir a embarcação, outra parte já estava dentro. Todos tremem, derrotados, não menos do que costuma tremer uma cidade, quando uns atacam seus muros por fora e outros a ocupam por dentro.
Deficit ars animique cadunt, totidemque videntur, quot veniunt fluctus, ruere atque inrumpere mortes. Non tenet hic lacrimas, stupet hic, vocat ille beatos,
Cessa a luta e caem os ânimos, e parecem tantas as mortes quantas são as ondas que vêm precipitar e irromper. Este não contém as lágrimas, este se apavora, aquele chama de felizes os que aguardam os funerais. Este outro
fragor. Ressoa, golpeada, não mais leve que o férreo aríete291 ou a balista292 quando investe contra os muros, e como ferozes leões contra a tela, os marinheiros se lançam de peito aberto. Assim, quando uma onda se jogava ao sopro dos ventos, ia contra os armamentos do navio e mais alta do que eles. E já deslizavam as cavilhas e, despidas do revestimento de cera, abrem caminho às ondas letais. E eis que, liberadas as nuvens, caem as grandes chuvas. E acreditarias que todo o céu estava descendo contra o mar. E contra os golpes do céu ergue-se, inflado, o mar. As velas encharcam-se com as borrascas e com as ondas celestes. As águas misturam-se ao mar; o éter carece de luzes e uma noite cega se espreme nas trevas do temporal. Os relâmpagos luminosos fendem, rasgam a escuridão e mostram sua luz. Os raios fulminantes ardem com os fogos.
291 Máquina de guerra, constituída por um forte tronco de árvore bem resistente, com uma testa de fero ou de bronze, no formato de uma cabeça de carneiro (aries). 292 Máquina de arremessar pedras ou dardos.
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funera quos maneant: hic votis numen adorat bracchiaque ad caelum, quod non videt, inrita tollens poscit opem, subeunt illi fraterque parensque, huic cum pignoribus domus et quodcumque relictum est. Alcyone Ceyca movet, Ceycis in ore 545 nulla nisi Alcyone est; et cum desideret unam, gaudet abesse tamen. Patriae quoque vellet ad oras respicere inque domum supremos vertere vultus, verum ubi sit, nescit; tanta vertigine pontus fervet, et inducta piceis e nubibus umbra 550 omne latet caelum, duplicataque noctis imago est.
invoca uma divindade com seus rogos e, erguendo em vão os braços ao céu que não vê, pede auxílio. Àquele vem à mente o irmão e o pai, a este o lar, com os filhos e tudo o que ficou para trás.
Frangitur incursu nimbosi turbinis arbor, frangitur et regimen, spoliisque animosa superstes unda, velut victrix, sinuataque despicit undas, nec levius, quam siquis Athon Pindumve revulsos sede sua totos in apertum everterit aequor, praecipitata cadit pariterque et pondere et ictu mergit in ima ratem; cum qua pars magna virorum, gurgite pressa gravi neque in aera reddita, fato functa suo est: alii partes et membra carinae trunca tenent: tenet ipse manu, qua sceptra solebat, fragmina navigii Ceyx socerumque patremque invocat heu! frustra. Sed plurima nantis in ore Alcyone coniunx: illam meminitque refertque, illius ante oculos ut agant sua corpora fluctus, optat et exanimis manibus tumuletur amicis. Dum natat, absentem, quotiens sinit hiscere fluctus, nominat Alcyonen ipsisque inmurmurat undis. Ecce super medios fluctus niger arcus aquarum frangitur et rupta mersum caput obruit unda.
O navio se quebra com o golpe tempestuoso de um turbilhão; quebra-se também o leme, e carregada dos espólios a onda agitada e curva, como uma vencedora, despreza os sobreviventes. E não mais leve que se alguém, arrancando o Atos ou o Pindos, inteiros, de sua sede, os lançasse ao mar aberto, precipitada ela cai. E a par com o peso e o golpe, afundou a embarcação. Com ela, grande parte dos homens foi tragada pelo pesado abismo e não voltou ao ar. Seu destino se cumpriu. Outros se agarram a partes e pedaços da quilha. O próprio Cêix se agarra aos destroços do navio e, com a mão que costumava segurar o cetro, invoca o sogro e o pai. Ah! Em vão. Mas na boca, enquanto nada, ele repete o nome da esposa, Alcione. Lembra-se dela e fala, pede, exânime, que as ondas levem seu corpo para diante dos olhos dela e que seja sepultado pelas suas mãos amadas. Enquanto ele nada, chama sua Alcione ausente quantas vezes as águas lhe permitem abrir a boca. E por dentro das mesmas ondas murmura o seu nome. Eis que no meio das ondas um arco escuro de águas se rompe e uma onda quebrada sepulta sua cabeça submersa.
Lucifer obscurus nec quem cognoscere posses illa luce fuit, quoniamque excedere caelo non licuit, densis texit sua nubibus ora.
O obscuro Lúcifer, que não podes conhecer, esteve com a luz e, visto que não lhe era permitido afastar-se do céu, cobriu-se o rosto com densas nuvens.
Aeolis interea tantorum ignara malorum dinumerat noctes, et iam, quas induat ille festinat vestes, iam quas, ubi venerit ille,
Enquanto isso, a eólida, sem saber de tantos infortúnios, enumera as noites e já se apressa a preparar as roupas que o esposo vestirá quando chegar. Ela mesma organiza tudo e se ilude, em vão, com o retorno dele. A
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Alcione comove Cêix. Na boca de Cêix não há ninguém, só Alcione, e como a deseja, somente a ela, alegra-se ainda que esteja ausente. Ele também queria voltar o rosto às costas da pátria e rever sua casa naquele momento derradeiro. Ignora, porém, onde está. De tanta voracidade, o mar ferve e uma sombra, produzida pelas nuvens, como um peixe, esconde todo o céu. E a imagem da noite se duplicou.
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ipsa gerat, reditusque sibi promittit inanes. Omnibus illa quidem superis pia tura ferebat, ante tamen cunctos Iunonis templa colebat proque viro, qui nullus erat, veniebat ad aras utque foret sospes coniunx suus utque rediret, optabat, nullamque sibi praeferret; at illi hoc de tot votis poterat contingere solum.
todos, certamente a todos os deuses altíssimos ela levava piedosos incensos. Ainda antes de todos esses, ela cultuava os templos de Juno, pelo marido que não existia mais. Ela vinha aos seus altares e pedia para que o esposo estivesse a salvo e regressasse e que nenhuma ele preferisse a ela. Dos tantos pedidos, somente este ela poderia alcançar!
At dea non ultra pro functo morte rogari sustinet; utque manus funestas arceat aris, “Iri, meae” dixit “fidissima nuntia vocis, vise soporiferam Somni velociter aulam exstinctique iube Ceycis imagine mittat somnia ad Alcyonen veros narrantia casus.”
A deusa, então, não suportando mais ser invocada a interceder em favor do falecido, e para afastar dos seus altares as mãos impuras, disse a Íris: “Ó fidelíssima mensageira de minha voz, vai, velozmente, procurar o palácio do Sono e ordena que o extinto Cêix envie, com sua imagem, alguns sonhos a Alcione, narrando-lhe seus verdadeiros acontecimentos.”
Dixerat: induitur velamina mille colorum Iris, et arcuato caelum curvamine signans tecta petit iussi sub nube latentia regis.
Havia dito. Íris, sob a ordem, veste seus véus de mil cores e, marcando o céu com arqueada curvatura, dirige-se à morada do rei que se esconde debaixo de uma nuvem.
Est prope Cimmerios longo spelunca recessu, mons cavus, ignavi domus et penetralia Somni: quo numquam radiis oriens mediusve cadensve Phoebus adire potest. Nebulae caligine mixtae exhalantur humo dubiaeque crepuscula lucis. Non vigil ales ibi cristati cantibus oris evocat auroram, nec voce silentia rumpunt sollicitive canes canibusve sagacior anser. Non fera, non pecudes, non moti flamine rami humanaeve sonum reddunt convicia linguae: muta quies habitat; saxo tamen exit ab imo rivus aquae Lethes, per quem cum murmure labens invitat somnos crepitantibus unda lapillis. Ante fores antri fecunda papavera florent innumeraeque herbae, quarum de lacte soporem nox legit et spargit per opacas umida terras. Ianua nec verso stridores cardine reddit: nulla domo tota, custos in limine nullus. At medio torus est ebeno sublimis in antro, plumeus, unicolor, pullo velamine tectus:
Perto dos Cimérios, há uma gruta, um monte cavado em um longo retiro, casa e aposento do preguiçoso Sono, onde Febo, surgindo, médio ou cadente, nunca pode chegar. Névoas mescladas com bruma e crepúsculos de dúbia luz são exalados da terra. Ali, a ave vigilante não evoca a Aurora, nem com sua voz os silêncios rompem, solícitos, os cães, ou o ganso, mais sagaz que os cães, nem as feras, nem os rebanhos, nem os ramos movidos por um sopro da língua humana respondem as balbúrdias: ali só habita a muda quietude. Ainda assim, do fundo de uma rocha, sai o Letes, rio da água soporífera que, escorrendo, com seu murmúrio, sua onda convida os sonhos com crepitantes pedregulhos. Ante as portas da gruta florescem fecundas papoulas e inúmeras ervas, de cujo leite a Noite úmida colhe o sopor e esparge-o pelas opacas terras. Em toda a casa não há porta alguma, para que não faça ruídos com o gonzo. Nenhum guardião há na entrada. No meio, no átrio, há um leito de ébano, sublime, de cor negra, coberto de pele e plumas, no qual repousa o próprio deus, com os membros relaxados pelo cansaço. Por todos os lados, imitando variadas formas, jazem os sonhos vãos, tantos quantos são os grãos na colheita, as árvores no bosque e as areias espalhadas na praia.
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Quo simul intravit manibusque obstantia virgo somnia dimovit, vestis fulgore reluxit sacra domus, tardaque deus gravitate iacentes vix oculos tollens iterumque iterumque relabens summaque percutiens nutanti pectora mento, excussit tandem sibi se; cubitoque levatus, quid veniat (cognovit enim), scitatur. At illa:
Ali, uma vez que entrou, a jovem afastou com as mãos os sonhos que se lhe opunham. A casa sagrada se iluminou com o brilho da sua roupa e o deus, apenas erguendo os olhos jazentes pela pesada lentidão, uma vez ou outra retrocedendo e golpeando-se no alto peito com o queixo pendente, acordou-se, finalmente, apoiado no cotovelo. Pergunta a Íris (pois a reconheceu) a que vinha. E ela então falou:
“Somne, quies rerum, placidissime, Somne, deorum, pax animi, quem cura fugit, qui corpora duris fessa ministeriis mulces reparasque labori, somnia, quae veras aequent imitantia formas, Herculea Trachine iube sub imagine regis Alcyonen adeant simulacraque naufraga fingant. Imperat hoc Iuno.” Postquam mandata peregit, Iris abit (neque enim ulterius tolerare soporis vim poterat), labique ut somnum sensit in artus, effugit et remeat per quos modo venerat arcus.
“Ó Sono, repouso das coisas, o mais plácido dos deuses, ó Sono, paz da alma, de quem a preocupação foge, tu, que confortas e reparas para o trabalho os corpos cansados pelas duras tarefas, ordena os sonhos, que imitando igualam as verdadeiras formas, para que na hercúlea Traquis acudam Alcione e, sob a imagem de seu rei, mostrem-lhe o simulacro do naufrágio dele. É Juno quem ordena.” Após cumprir os encargos, Íris sai (já que não mais podia suportar a força do sono) e sentindo o sono cair em seus membros, vai e regressa ao arco pelo qual tinha vindo.
At pater e populo natorum mille suorum excitat artificem simulatoremque figurae 635 Morphea: non illic quisquam sollertius alter exprimit incessus vultumque sonumque loquendi. Adicit et vestes et consuetissima cuique verba; sed hic solos homines imitatur, at alter fit fera, fit volucris, fit longo corpore serpens: 640 hunc Icelon superi, mortale Phobetora vulgus nominat. Est etiam diversae tertius artis Phantasos: ille in humum saxumque undamque trabemque quaeque vacant anima, fallaciter omnia transit. Regibus hi ducibusque suos ostendere vultus 645 nocte solent, populos alii plebemque pererrant. Praeterit hos senior cunctisque e fratribus unum Morphea, qui peragat Thaumantidos edita, Somnus
Em seguida, o pai, dentre a população dos seus mil filhos, acorda Morfeu, o artífice e simulador de figuras; nenhum outro exprime melhor do que ele os passos, o semblante e o som do falar. Acresce ainda as roupas e as palavras mais usuais de cada um. Mas esse só imita os homens, outro tornase fera, torna-se pássaro e serpente com longo corpo. A este os deuses chamam Ícelo, e o vulgo mortal, Fobetor. Há ainda um terceiro, Fântaso, de diversa arte. Por ele, tudo passa falazmente: pedra, onda, mastro e tudo o quanto carece de alma. Ele costuma mostrar seu rosto à noite aos reis e aos comandantes. Outros visitam os povos e a plebe. Morfeu ultrapassa-os todos, o senhor de todos os irmãos, a quem o Sono escolhe para levar a revelação à Taumântida. Depois, o Sono, pondo a cabeça no cobertor, ocultou-se no alto, novamente relaxado pela mole languidez. Morfeu voa, por entre as trevas, com asas que nenhum ruído fazem, e, num breve tempo de demora, chega à cidade da Hemônia. Depois de abandonar as asas, converte-se na aparência de Cêix e, tomada sua imagem, semelhante a um defunto, pálido e sem veste
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quo cubat ipse deus membris languore solutis. Hunc circa passim varias imitantia formas somnia vana iacent totidem, quot messis aristas, silva gerit frondes, eiectas litus harenas.
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eligit: et rursus molli languore solutus deposuitque caput stratoque recondidit alto. 650
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alguma, postou-se ante o leito da infeliz esposa. A barba parece molhada e uma pesada onda parece fluir nos seus cabelos.
Ille volat nullos strepitus facientibus alis per tenebras intraque morae breve tempus in urbem pervenit Haemoniam positisque e corpore pennis in faciem Ceycis abit sumptaque figura luridus, exanimi similis, sine vestibus ullis, coniugis ante torum miserae stetit: uda videtur barba viri, madidisque gravis fluere unda capillis. Tum lecto incumbens, fletu super ora profuso, haec ait: “Agnoscis Ceyca, miserrima coniunx? An mea mutata est facies? Nunc respice! nosces inveniesque tuo pro coniuge coniugis umbram. Nil opis, Alcyone, nobis tua vota tulerunt: occidimus! Falso tibi me promittere noli! Nubilus Aegaeo deprendit in aequore navem auster et ingenti iactatam flamine solvit, oraque nostra, tuum frustra clamantia nomen, implerunt fluctus. Non haec tibi nuntiat auctor ambiguus, non ista vagis rumoribus audis: ipse ego fata tibi praesens mea naufragus edo. Surge, age, da lacrimas lugubriaque indue nec me indeploratum sub inania Tartara mitte.” Adicit his vocem Morpheus, quam coniugis illa crederet esse sui: fletus quoque fundere veros visus erat, gestumque manus Ceycis habebat.
Então, inclinando-se ao leito, com o rosto em pranto, diz-lhe: “Reconheces Cêix, ó desventurada esposa? Vês a minha face mudada? Agora, olha-me: reconhecerás e imaginarás a sombra do teu marido pelo teu marido. Ó Alcione, nenhum auxílio tuas preces nos deram, morremos! Não queiras prometer-me a ti em falso! O nebuloso mar de Egeu afundou o navio nas ondas, o austro, precipitando-o, desfez tudo com seu ingente sopro. E nossas bocas, em vão, chamavam teu nome, encheram-nas os turbilhões. Isto te anuncia não um autor ambíguo, não ouves estas coisas de vagos rumores, sou eu mesmo, náufrago diante de ti, que te revelo meu destino. Levanta-te, vai, dá-me tuas lágrimas e te veste de luto, não me envies aos inanes Tártaros sem que eu seja chorado.” Morfeu disse isto para que ela acreditasse ser a voz do esposo. Parecia, também, que ele havia derramado lágrimas verdadeiras e que sua mão tinha o gesto de Cêix.
Ingemit Alcyone, lacrimas movet atque lacertos per somnum, corpusque petens amplectitur auras exclamatque “mane! quo te rapis? ibimus una!” Voce sua specieque viri turbata soporem excutit et primo, si sit, circumspicit, illic, qui modo visus erat: nam moti voce ministri intulerant lumen. Postquam non invenit usquam, percutit ora manu laniatque a pectore vestes pectoraque ipsa ferit, nec crines solvere curat: scindit et altrici, quae luctus causa, roganti
Alcione geme, chorando, e move os braços no sonho procurando o corpo, envolve as auras e grita: “Espera! Para onde vais? Iremos de uma só vez.” Confusa pela aparição do marido e pela própria voz, ela acorda e, antes de mais nada, olha ao redor de si para ver se está ali o que há pouco parecia estar, pois seus servos, despertos pela sua voz, trouxeram uma lamparina. Ela não o encontra em parte alguma. Então, bate-se no rosto com a mão, rasga o vestido no peito e fere-o; nem os cabelos se preocupa em soltar, arranca-os. E à ama que perguntava a causa do seu desespero, ela diz: “Não há nada, Alcione, não há nenhuma Alcione. Ela morreu junto com o seu Cêix! Afastai as palavras de consolo! Ele pereceu, náufrago! Eu vi e
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“nulla est Alcyone, nulla est!” ait. “Occidit una cum Ceyce suo! Solantia tollite verba! Naufragus interiit! Vidi agnovique manusque ad discedentem cupiens retinere, tetendi. Umbra fuit, — sed et umbra tamen manifesta virique vera mei! Non ille quidem, si quaeris, habebat adsuetos vultus, nec quo prius, ore nitebat: pallentem nudumque et adhuc umente capillo infelix vidi. Stetit hoc miserabilis ipse ecce loco!” (et quaerit, vestigia siqua supersint) “Hoc erat, hoc, animo quod divinante timebam, et ne me fugeres, ventos sequerere, rogabam. At certe vellem, quoniam periturus abibas, me quoque duxisses! Multum fuit utile tecum ire mihi: neque enim de vitae tempore quicquam non simul egissem, nec mors discreta fuisset. Nunc absens perii, iactor quoque fluctibus absens, et sine me me pontus habet. Crudelior ipso sit mihi mens pelago, si vitam ducere nitar longius et tanto pugnem superesse dolori. Sed neque pugnabo, nec te, miserande, relinquam et tibi nunc saltem veniam comes, inque sepulcro si non urna, tamen iunget nos littera: si non ossibus ossa meis, at nomen nomine tangam.”
reconheci-o. Segurei suas mãos quando descia, desejando retê-lo. Foi uma sombra, mas ainda assim uma sombra que para mim se mostrou verdadeira, era do meu marido. Ele, que por certo, se procuras, não tinha seu rosto real, nem aquele que antes era nítido, estava pálido, desnudo e com o cabelo ainda molhado. Pobre de mim, eu o vi! Eis aqui, diante de mim, o infeliz, neste mesmo lugar (e busca seus rastros, se algum resta). Era isto, isto, que com minha alma previdente eu temia, e quando de mim fugias, para seguir os ventos, eu suplicava. Como eu quis, já que irias para a morte, que me tivesses levado também! Teria sido muito melhor ir-me contigo! Pois nenhum tempo de minha vida eu teria passado sem ti, nem a morte nos teria separado. Agora, sofro tua ausência. Separada, eu também me deixo levar pelas ondas. Que o mar me leve. Que minha consciência seja mais cruel que este mar se a minha vida eu levar mais longe e lutar para superar tão grande dor. Mas não lutarei, nem te abandonarei, ó infeliz, e ao menos agora serei tua companheira ao sepulcro, se não na urna pelo menos nos una a escrita: “se eu não tocar teus ossos com meus ossos, que eu toque o teu nome com meu nome.”
Plura dolor prohibet, verboque intervenit omni plangor, et attonito gemitus a corde trahuntur.
Mais dor é impossível, em toda palavra intervém o pranto e do seu coração atônito brotam gemidos.
Mane erat, egreditur tectis ad litus et illum maesta locum repetit, de quo spectarat euntem. Dumque moratur ibi, dumque “hic retinacula solvit, hoc mihi discedens dedit oscula litore” dicit, dumque notata locis reminiscitur acta fretumque prospicit: in liquida, spatio distante, tuetur nescio quid quasi corpus, aqua. Primoque, quid illud esset, erat dubium; postquam paulum appulit unda, et, quamvis aberat, corpus tamen esse liquebat, qui foret, ignorans, quia naufragus, omine mota est et, tamquam ignoto lacrimam daret, “heu! miser” inquit
Era de manhã. Ela sai de casa e se dirige à praia. Triste, naquele lugar, de onde o havia visto partir, ela o procura. Enquanto se detém ali, enquanto diz “aqui ele soltou as amarras, nesta praia, ao partir, ele me beijou”, e enquanto rememora os fatos naqueles lugares, ela olha adiante, nas águas, em um local distante, avista algo, quase como um corpo; no início, parecia duvidoso; pouco depois, uma onda empurrou-o e, mesmo estando distante, ainda assim, era um corpo, era evidente. Ela ficou comovida, pois, mesmo ignorando quem fosse ele, era um náufrago. E como quem derramasse lágrimas a um desconhecido, ela disse: “Ah, infeliz, quem quer que sejas e se tens uma esposa”. Trazido pelas ondas, o corpo lhe chega mais perto. Quanto mais ela o observa, por ele menos sua razão se mantém, e já chegando à terra
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“quisquis es, et siqua est coniunx tibi !” Fluctibus actum fit propius corpus; quod quo magis illa tuetur, hoc minus et minus est mentis sua, iamque propinquae admotum terrae, iam quod cognoscere posset, cernit: erat coniunx. “Ille est!” exclamat et una ora, comas, vestem lacerat tendensque trementes ad Ceyca manus “sic, o carissime coniunx, sic ad me, miserande, redis?” ait. Adiacet undis facta manu moles, quae primas aequoris undas frangit et incursus quae praedelassat aquarum. Insilit huc, mirumque fuit potuisse: volabat percutiensque levem modo natis aera pennis stringebat summas ales miserabilis undas. Dumque volat, maesto similem plenumque querellae ora dedere sonum tenui crepitantia rostro.
próxima, já o pode reconhecer: era o seu marido. “É ele”, ela exclama, e rasga-se o vestido, bate-se no rosto, arranca os cabelos e, tocando Cêix com as mãos trêmulas, diz: “Assim, querido esposo, assim retornas, desgraçadamente?” Vizinho às ondas há um molhe feito à mão, que rompe os golpes das primeiras águas e quebra as ondas que nelas se formam. Ela sobe ali e, miraculosamente, começou a voar, batendo levemente as asas recém nascidas; roçava as altas ondas como um pássaro aflito e, enquanto voa, sua boca, como um tênue e crepitante bico, soltou um som semelhante a algo triste e cheio de lamento.
Ut vero tetigit mutum et sine sanguine corpus, dilectos artus amplexa recentibus alis frigida nequiquam duro dedit oscula rostro. Senserit hoc Ceyx, an vultum motibus undae tollere sit visus, populus dubitabat: at ille senserat, et tandem superis miserantibus, ambo alite mutantur. Fatis obnoxius isdem tunc quoque mansit amor, nec coniugiale solutum est foedus in alitibus: coeunt fiuntque parentes, perque dies placidos hiberno tempore septem incubat Alcyone pendentibus aequore nidis. Tunc iacet unda maris: ventos custodit et arcet Aeolus egressu praestatque nepotibus aequor.
Quando, porém, tocou o corpo mudo e sem sangue, envolvida em seus amados braços com suas recentes asas, deu-lhe, em vão, frios beijos com seu duro bico. Se teria sentido isto Cêix, ou se o rosto, com o mover das ondas, ele teria parecido erguer, o povo duvidava, mas ele havia sentido e, finalmente, pela compaixão dos deuses, ambos transformam-se em aves293. Submisso ao mesmo destino, então também ficou o amor deles. Nem sendo pássaros seu laço conjugal se dissolveu: unem-se e tornam-se genitores. Durante sete dias plácidos do inverno, Alcione incuba em seus ninhos suspensos na água. Então, a onda do mar se acalma. Éolo guarda e detém os ventos de sua saída e protege seus descendentes na superfície do mar.
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Hos aliquis senior iunctim freta lata volantes spectat et ad finem servatos laudat amores; proximus, aut idem, si fors tulit, “hic quoque,” dixit “quem mare carpentem substrictaque crura gerentem adspicis” (ostendens spatiosum in guttura mergum),
Ésaco Um senhor observa-os voando juntos e elogia seus amores conservados até o fim. Alguém próximo, ou ele mesmo, se a sorte o quis, disse: “Também este que tu vês (mostrando um mergulhão com a goela espaçosa), com as patas encolhidas, roçando o mar, provém de reis. Se queres descender a ele mesmo pela ordem perpétua, a origem dele vem de Ilo e Assáraco,
293 O casal se transforma em alguma espécie de ave, talvez gaivota, pois esta era chamada pelos antigos de Alcíone.
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“regia progenies: sunt si descendere ad ipsum ordine perpetuo quaeris, sunt huius origo Ilus et Assaracus raptusque Iovi Ganymedes Laomedonque senex Priamusque novissima Troiae tempora sortitus. Frater fuit Hectoris iste: qui nisi sensisset prima nova fata iuventa, forsitan inferius non Hectore nomen haberet, quamvis est illum proles enixa Dymantis, Aesacon umbrosa furtim peperisse sub Ida fertur Alexirhoe, Granico nata bicorni.
Ganimedes, raptado por Júpiter, Laomedonte e o velho Príamo, destinado aos últimos tempos de Troia. Ele foi irmão de Heitor e, se não tivesse sofrido a fatalidade na juventude, talvez pudesse ter tido um nome não inferior ao de Heitor. Ainda que a filha de Dimas tenha dado à luz Heitor, já quem pariu Ésaco, furtivamente, no umbroso Ida, foi Alexírroe, filha do bicorne Granico.
Oderat hic urbes nitidaque remotus ab aula secretos montes et inambitiosa colebat rura nec Iliacos coetus nisi rarus adibat. Non agreste tamen nec inexpugnabile amori pectus habens silvas captatam saepe per omnes adspicit Hesperien patria Cebrenida ripa iniectos umeris siccantem sole capillos. Visa fugit nymphe, veluti perterrita fulvum cerva lupum longeque lacu deprensa relicto accipitrem fluvialis anas; quam Troius heros insequitur celeremque metu celer urget amore: ecce latens herba coluber fugientis adunco dente pedem strinxit virusque in corpore liquit; cum vita suppressa fuga est: amplectitur amens exanimem clamatque “piget, piget esse secutum! Sed non hoc timui, neque erat mihi vincere tanti. Perdidimus miseram nos te duo: vulnus ab angue, a me causa data est. Ego sum sceleratior illo, qui tibi morte mea mortis solacia mittam.”
Ésaco odiava as cidades e, afastado da brilhante corte, cultivava os montes secretos e os campos sem ambição e não se aproximava de Ílion, nem das redondezas, a não ser raramente. Ainda assim, não era rústico e inacessível, tinha no peito o amor. Um dia, viu a cebrena Hespéria, muitas vezes perseguida por todos os bosques, que, com os cabelos jogados nos ombros, os secava na margem paterna. Ao ser vista, a Ninfa foge, como uma cerva assustada por um lobo fulvo, como um pato fluvial foge do falcão ao deixar o lago, surpreendido. O herói de Troia persegue-a. Ela se torna veloz pelo medo, e ele, pelo amor. Eis que, ao se esconder na grama, fugindo, uma cobra com o dente adunco roçou-lhe o pé e inoculou o veneno no corpo dela. Acabada a fuga e a vida da jovem, ele, enlouquecido, abraça-se à exânime e grita: “Eu me arrependo, eu me arrependo de ter-te seguido! Mas não podia prever isto, vencer nem me era de tanto. Nós te matamos, infeliz, nós dois: a ferida te foi feita pela serpente, a causa foi dada por mim! Eu sou mais criminoso do que ela. Agora, com minha morte eu te darei consolos pela tua morte.”
Dixit et e scopulo, quem rauca subederat unda, decidit in pontum. Tethys miserata cadentem molliter excepit nantemque per aequora pennis texit, et optatae non est data copia mortis. Indignatur amans invitum vivere cogi obstarique animae misera de sede volenti exire. Utque novas umeris adsumpserat alas, subvolat atque iterum corpus super aequora mittit.
Disse isso e de um penhasco roído embaixo pelo bater das ondas atirou-se no mar. Tétis, compadecida dele que caía, recebeu-o com ternura e deu-lhe penas para que nadasse na superfície, mas a desejada morte não lhe foi dada. O amante se indigna de ser forçado a viver contra a vontade e com a alma impedida de sair da infeliz morada. E então, como havia criado asas novas nos ombros, ele se eleva sobre as ondas e nelas de novo joga o corpo. A plumagem alivia sua queda. Ésaco se enfurece e, decidido a morrer, vai de encontro às profundezas e tenta outra vez o caminho sem fim. O amor
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Pluma levat casus: furit Aesacos inque profundum pronus abit letique viam sine fine retemptat. Fecit amor maciem: longa internodia crurum, longa manet cervix, caput est a corpore longe; aequor amat nomenque manet, quia mergitur, illi.”
tornou-o magro. Alongam-se as juntas das suas pernas, o pescoço fica alongado, a cabeça distante do corpo. Ele ama a água e dela conserva o nome294, porque nela mergulha. Tradução: Leila Teresinha Maraschin, UFSM
294 Esta referência seria ao mergus (mergulhão), uma espécie de pato, mas, pela descrição de Ovídio, é possível que se trate de outra ave aquática do gênero Esacus.
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Liber XII Graeci Aulide Nescius adsumptis Priamus pater Aesacon alis vivere lugebat, tumulo quoque nomen habenti inferias dederat cum fratribus Hector inani. 5
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Defuit officio Paridis praesentia tristi, postmodo qui rapta longum cum coniuge bellum attulit in patriam; coniurataeque sequuntur mille rates gentisque simul commune Pelasgae. Nec dilata foret vindicta, nisi aequora saevi invia fecissent venti Boeotaque tellus Aulide piscosa puppes tenuisset ituras. Hic patrio de more Iovi cum sacra parassent, ut vetus accensis incanduit ignibus ara, serpere caeruleum Danai videre draconem in platanum, coeptis quae stabat proxima sacris. Nidus erat volucrum bis quattuor arbore summa: quas simul et matrem circum sua damna volantem corripuit serpens avidoque recondidit ore. Obstipuere omnes. At veri providus augur Thestorides “vincemus” ait, “gaudete, Pelasgi! Troia cadet, sed erit nostri mora longa laboris,” atque novem volucres in belli digerit annos. Ille, ut erat virides amplexus in arbore ramos, fit lapis et servat serpentis imagine saxum. Iphigenia
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Permanet Aoniis Nereus violentus in undis bellaque non transfert; et sunt qui parcere Troiae Neptunum credant, quia moenia fecerat urbi.
Os gregos em Áulida Sem saber que Ésaco, tendo adquirido asas, ainda vivia, Príamo, seu pai, o chorava, e, a um túmulo vazio que tinha seu nome, com seus irmãos Heitor prestara-lhe honras fúnebres. Faltou à triste cerimônia a presença de Páris, que pouco depois trouxe, com uma esposa raptada, longa guerra à pátria; e conjuradas295 seguem-no mil naves e também a comunidade do povo pelasgo. E não teria sido adiada sua vingança se ventos furiosos não tivessem deixado inviáveis os mares, e a terra beócia não tivesse detido na Áulida piscosa os navios a ponto de partir. Ali, ao prepararem sacrifícios a Júpiter segundo o costume pátrio, quando o velho altar incandesceu com os fachos acesos, os dânaos viram uma cobra azul serpear por um plátano que se erguia próximo dos sacrifícios iniciados. Um ninho com oito passarinhos havia na copa da árvore: os quais, juntamente com a mãe que voava em torno de suas perdas, a serpente atacou e fê-los desaparecer em sua ávida boca. Pasmaram todos. Mas o áugure previsor da verdade, filho de Testor296, diz: “Venceremos! Alegrai-vos, pelasgos! Troia cairá, contudo será longa a empresa de nosso esforço”, e relaciona os pássaros com nove anos em guerra. Aquela, enrolada como estava nos ramos verdes da árvore, torna-se pedra, e conserva-se com a forma da serpente a rocha. Ifigênia Nereu297 permanece violento nas águas aônias e não leva as guerras adiante; também há os que acreditam que Netuno poupa Troia porque construíra as muralhas da cidade298 .
295 Tíndaro, pai de Helena, fez com que todos os pretendentes desta jurassem que acudiriam a ajudar o marido escolhido caso este fosse ultrajado. 296 Trata-se de Calcas, um dos mais célebres e poderosos adivinhos, natural de Micenas ou Megara. 297 O mar. 298 Segundo a mitologia, Febo e Netuno construíram as muralhas de Troia para o rei Laomedonte.
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At non Thestorides: nec enim nescitve tacetve sanguine virgineo placandam virginis iram esse deae. Postquam pietatem publica causa rexque patrem vicit castumque datura cruorem flentibus ante aram stetit Iphigenia ministris, victa dea est nubemque oculis obiecit et inter officium turbamque sacri vocesque precantum supposita fertur mutasse Mycenida cerva. Ergo ubi, qua decuit, lenita est caede Diana, et pariter Phoebes, pariter maris ira recessit, accipiunt ventos a tergo mille carinae multaque perpessae Phrygia potiuntur harena. Fama
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Orbe locus medio est inter terrasque fretumque caelestesque plagas, triplicis confinia mundi, unde quod est usquam, quamvis regionibus absit, inspicitur, penetratque cavas vox omnis ad aures. Fama tenet summaque domum sibi legit in arce, innumerosque aditus ac mille foramina tectis addidit et nullis inclusit limina portis: nocte dieque patet. Tota est ex aere sonanti, tota fremit vocesque refert iteratque quod audit. Nulla quies intus nullaque silentia parte, nec tamen est clamor, sed parvae murmura vocis, qualia de pelagi, siquis procul audiat, undis esse solent, qualemve sonum, cum Iuppiter atras increpuit nubes, extrema tonitrua reddunt. Atria turba tenet: veniunt, leve vulgus, euntque mixtaque cum veris passim commenta vagantur milia rumorum confusaque verba volutant. E quibus hi vacuas inplent sermonibus aures, hi narrata ferunt alio; mensuraque ficti crescit, et auditis aliquid novus adicit auctor. Illic Credulitas, illic temerarius Error vanaque Laetitia est consternatique Timores
Mas não o Testórida: pois nem desconhece nem se cala sobre a ira da deusa virgem299 a ser aplacada com sangue virgem300. Depois que à piedade se sobrepôs a causa pública e o rei ao pai, e diante do altar se colocou Ifigênia, com os servos chorando, disposta a dar seu casto sangue, a deusa foi vencida e lançou uma nuvem em seus olhos e, no meio do ritual e da multidão do sacrifício e das vozes dos suplicantes, dizem que substituiu a micênica por uma cerva em seu lugar. Assim pois, quando, com a imolação – que foi adequada – Diana se acalmou, e cessou igualmente a ira de Febe e a ira do mar, recebem os mil navios ventos pela popa e, depois de passarem muitos trabalhos, apoderam-se da areia frígia. Fama No meio do universo há um lugar, entre as terras e o mar e as plagas celestes, confim do tríplice mundo, de onde se avista o que há em qualquer parte, ainda que esteja distante dessas regiões, e qualquer som penetra os ouvidos côncavos.
Fama o habita, tendo preferido para si uma casa no mais alto de uma cidadela,
na qual inseriu inúmeros acessos e mil aberturas nos tetos, e acrescentou entradas sem quaisquer portas: noite e dia permanece aberta. Toda ela é de bronze ressonante, toda ela estremece e reverbera os sons e repete o que ouve. Nenhum descanso lá dentro, e silêncio em nenhuma parte, não há tampouco barulho, apenas murmúrios de voz baixa, como os das ondas do mar costumam ser, se alguém os ouve de longe, ou como o som que produzem os trovões mais distantes, quando Júpiter faz as nuvens escuras estrondear. Uma multidão ocupa os átrios: vêm e vão, volúvel vulgo, e por todo lado misturados com verdades vagueiam inventados milhares de rumores, e volteiam confusas palavras. Dos quais, uns enchem com conversas ouvidos ociosos, outros a outro levam o que foi contado; e o tamanho do inventado aumenta, e acrescenta algo ao que foi ouvido o novo autor. Lá está a Credulidade, lá o temerário Erro e a vã Alegria, e os assustados Temores
299 Diana, que havia provocado a ausência de ventos porque Agamenon havia matado uma cerva que lhe tinha sido consagrada. 300 Ifigênia, filha de Agamenon, rei de Micenas.
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Seditioque recens dubioque auctore Susurri. Ipsa, quid in caelo rerum pelagoque geratur et tellure, videt totumque inquirit in orbem. Achilles et Cygnus 65
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Fecerat haec notum Graias cum milite forti adventare rates, neque inexspectatus in armis hostis adest: prohibent aditus litusque tuentur Troes, et Hectorea primus fataliter hasta, Protesilae, cadis, commissaque proelia magno stant Danais, fortisque animae nece cognitus Hector. Nec Phryges exiguo, quid Achaica dextera possit sanguine senserunt. Et iam Sigea rubebant litora, iam leto proles Neptunia Cygnus mille viros dederat, iam curru instabat Achilles totaque Peliacae sternebat cuspidis ictu agmina, perque acies aut Cygnum aut Hectora quaerens congreditur Cygno (decimum dilatus in annum Hector erat): tum colla iugo canentia pressos exhortatus equos currum direxit in hostem concutiensque suis vibrantia tela lacertis “quisquis es, o iuvenis” dixit “solamen habeto mortis, ab Haemonio quod sis iugulatus Achille.” Hactenus Aeacides; vocem gravis hasta secuta est. Sed quamquam certa nullus fuit error in hasta, nil tamen emissi profecit acumine ferri utque hebeti pectus tantummodo contudit ictu.
“Nate dea, nam te fama praenovimus,” inquit ille “quid a nobis vulnus miraris abesse?” (mirabatur enim) “non haec, quam cernis, equinis fulva iubis cassis neque onus cava parma sinistrae 90 auxilio mihi sunt: decor est quaesitus ab istis. Mars quoque ob hoc capere arma solet! Removebitur omne
e a recente Desavença, e os Sussurros de duvidosa autoria. A Fama mesma vê as coisas que acontecem no céu, no mar e na terra, e investiga tudo no universo. Aquiles e Cicno Fizera ela saber que barcos graios com valoroso exército se aproximavam, e, não inesperado, o inimigo armado se apresenta: impedem-lhe a entrada e protegem o litoral os troiões, e tu, Protesilau, fatalmente301 cais primeiro sob a lança de Heitor, e as batalhas empreendidas custam muito aos dânaos, e pela morte de um espírito valente fica conhecido Heitor. E os frígios sentiram, com não pouco sangue, o quanto pode a destra dos aqueus. Logo vermelhavam as praias sigeias, logo entregava Cicno, filho de Netuno, mil homens à morte, logo avançava em seu carro Aquiles e derrubava com o golpe da lança de Peleu302 colunas inteiras, e ao buscar Cicno ou Heitor entre as tropas encontra-se com Cicno (para o décimo ano estava Heitor reservado): então, depois de ter animado seus cavalos de pescoços alvos oprimidos sob o jugo, conduziu o carro contra o inimigo e brandindo vibrante arma em seus braços disse: "Quem quer que sejas, ó jovem, recebe como consolo de tua morte seres degolado pelo tessálio Aquiles." Assim falou o Eácida303 , e a funesta lança seguiu sua voz. Mas embora não tivesse havido nenhum erro na certeira lança, nada causou a ponta do ferro arrojado, apenas bateu no peito como se por um golpe fraco. “Ó nascido de uma deusa, já de fama te conhecemos”, disse aquele, “por que te admiras de que não haja ferimento em nós?” (pois ele estava admirado) “nem este elmo, que vês, dourado com crinas de cavalo, nem o côncavo escudo, um peso para minha canhota, são me proteção: por eles busca-se o adorno. Também Marte costuma empunhar armas por isso! Ainda que se me retire
301 O fado seria o de que o primeiro grego que pisasse a terra troiana fosse também o primeiro a morrer. 302 Em uma das versões da mitologia, a lança usada por Aquiles era de carvalho e lhe fora dada por seu pai, Peleu, que a tinha ganho do centauro Quíron. 303 Patronímico: descendente de Éaco, avô paterno de Aquiles.
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tegminis officium, tamen indestrictus abibo. Est aliquid non esse satum Nereide, sed qui Nereaque et natas et totum temperat aequor.” 95
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Dixit et haesurum clipei curvamine telum misit in Aeaciden, quod et aes et proxima rupit terga novena boum, decimo tamen orbe moratum est. Excutit hoc heros rursusque trementia forti tela manu torsit: rursus sine vulnere corpus sincerumque fuit! Nec tertia cuspis apertum et se praebentem valuit destringere Cygnum. Haud secus exarsit, quam circo taurus aperto, cum sua terribili petit inritamina cornu, poeniceas vestes, elusaque vulnera sentit. Num tamen exciderit ferrum, considerat hastae: haerebat ligno. “Manus est mea debilis ergo, quasque” ait “ante habuit vires, effudit in uno? Nam certe valuit, vel cum Lyrnesia primus moenia deieci, vel cum Tenedonque suoque Eetioneas inplevi sanguine Thebas, vel cum purpureus populari caede Caicus fluxit opusque meae bis sensit Telephus hastae. Hic quoque tot caesis, quorum per litus acervos et feci et video, valuit mea dextra valetque.”
Dixit et, ante actis veluti male crederet, hastam misit in adversum Lycia de plebe Menoeten loricamque simul subiectaque pectora rupit. Quo plangente gravem moribundo pectore terram extrahit illud idem calido de vulnere telum 120 atque ait: “Haec manus est, haec, qua modo vicimus, hasta: utar in hoc isdem; sit in hoc, precor, exitus idem!” Sic fatus Cygnum repetit, nec fraxinus errat inque umero sonuit non evitata sinistro, inde velut muro solidaque a caute repulsa est; 125 qua tamen ictus erat, signatum sanguine Cygnum viderat et frustra fuerat gavisus Achilles: vulnus erat nullum, sanguis fuit ille Menoetae! Tum vero praeceps curru fremebundus ab alto
todo serviço de armadura, sairei ileso. É algo não ser filho de uma Nereide, mas de quem governa Nereu e suas filhas e todo o mar.” Disse e um dardo que se cravaria na curvatura do escudo lançou contra o Eácida, o qual destruiu o bronze e as primeiras nove peles de bois, mas na décima camada parou. Arrancou-o o herói e novamente com braço forte vibrante dardo arremessou: novamente ficou o corpo sem ferimento e indene! Nem a terceira lança pôde tocar Cicno, e ele se expunha abertamente. Inflamou-se qual um touro numa arena pública quando com seu terrível chifre avança para seus estímulos, os panos vermelhos, e sente ludibriado seu ferir. Contudo, examinou se o ferro teria caído da lança: estava preso à madeira. “Está minha mão, então, fraca”, diz, “e esgotou com apenas um as forças que antes teve? Pois certamente foi forte, seja quando primeiro derrubei as muralhas de Lirnesso, seja quando cobri com seu próprio sangue Tênedos e a Tebas de Eécio, seja quando Caíco fluiu purpúreo pelo massacre de seu povo, e Télefo sentiu duas vezes a obra de minha lança. Também aqui, com tantos mortos cujos montes ao longo da praia fiz e vejo, pôde e pode minha destra.” Disse e, como se pouco acreditasse nas ações anteriores, arremessou a lança contra Menetes, do povo lício, à sua frente, rompendo-lhe a couraça e também o peito sob ela. Do qual, ao golpear com o peito moribundo a dura terra, extrai aquela mesma arma da quente ferida e diz: “Esta é a mão, esta a lança, pela qual ora vencemos: as mesmas usarei neste; que neste seja o mesmo resultado, suplico!” Tendo assim falado, ataca novamente Cicno, e o dardo fraxíneo não erra e, não evitado, ressoa no ombro esquerdo, de onde foi repelido como se de um muro ou de uma sólida rocha; no entanto, onde fora golpeado, vira Aquiles Cicno manchado com sangue, e em vão se alegrara: ferimento não havia nenhum, o sangue era aquele de Menetes! Então, impetuosamente salta furibundo do alto do carro
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desilit et nitido securum comminus hostem ense petens parmam gladio galeamque cavari cernit et in duro laedi quoque corpore ferrum! Haud tulit ulterius, clipeoque adversa reducto ter quater ora viri, capulo cava tempora pulsat cedentique sequens instat turbatque ruitque attonitoque negat requiem: pavor occupat illum, ante oculosque natant tenebrae, retroque ferenti aversos passus medio lapis obstitit arvo. Quem super inpulsum resupino corpore Cygnum vi multa vertit terraeque adflixit Achilles. Tum clipeo genibusque premens praecordia duris vincla trahit galeae: quae presso subdita mento elidunt fauces et respiramen iterque eripiunt animae. Victum spoliare parabat: arma relicta videt; corpus deus aequoris albam contulit in volucrem, cuius modo nomen habebat. Hic labor, haec requiem multorum pugna dierum attulit, et positis pars utraque substitit armis. Dumque vigil Phrygios servat custodia muros et vigil Argolicas servat custodia fossas, festa dies aderat, qua Cygni victor Achilles Pallada mactatae placabat sanguine vaccae. Cuius ut inposuit prosecta calentibus aris et dis acceptus penetravit in aethera nidor, sacra tulere suam, pars est data cetera mensis. Discubuere toris proceres et corpora tosta carne replent vinoque levant curasque sitimque. Non illos citharae, non illos carmina vocum longave multifori delectat tibia buxi, sed noctem sermone trahunt, virtusque loquendi materia est: pugnas referunt hostisque suasque, inque vices adita atque exhausta pericula saepe commemorare iuvat,— quid enim loqueretur Achilles, aut quid apud magnum potius loquerentur Achillem?
304 Cygnus (ou cycnus) significa cisne em latim.
e atacando com a reluzente espada corpo a corpo o inimigo seguro, percebe serem perfuradas pelo gládio a parma e a gálea mas ser danificado no duro corpo o ferro! Não aguenta mais, e, com o escudo brandido bate três, quatro vezes na cara à sua frente do varão, e, com a empunhadura, nas cavas têmporas, e, perseguindo o retrocedente, o acossa e confunde e derruba
e nega trégua ao atônito: o pavor toma-o, e ante seus olhos flutuam trevas, e ao que retroconduz seus passos inversos opõe-se-lhe uma pedra no meio do campo. Empurrado o corpo de costas sobre ela, gira Cicno com muita violência e atira-o contra a terra Aquiles. Então, com o escudo e os duros joelhos premindo-lhe o diafragma, puxa as correias da gálea: as quais, mantidas sob o queixo comprimido, lhe estrangulam a garganta e cortam-lhe a respiração e o caminho do alento. Dispunha-se a espoliar o vencido: vê a armadura vazia; o corpo, o deus do mar transformara em branca ave, do qual agora possuía o nome304.
Esta empresa, este combate de muitos dias motivou um descanso, e, depostas as armas, ambas as partes fizeram trégua. E, enquanto uma vigilante garda atenta os frígios muros e uma vigilante guarda atenta as argólicas trincheiras, dá-se um dia de festa em que o vencedor de Cicno, Aquiles, a Palas aplaca com o sangue de uma vaca imolada. Da qual, depois que depositou as entranhas na candente ara e, aceito pelos deuses, penetrou nos céus o odor, os sacrifícios tomaram sua parte, uma outra foi oferecida aos comensais. Acostam-se os nobres em leitos de mesa e fartam-se os corpos com carne assada, e com vinho atenuam as preocupações e a sede. Comprazem-se não com cítaras, não com canções ou com a longa flauta multífura de madeira de buxo, mas passam a noite em conversas, e a coragem é a matéria do falar: relatam os combates do inimigo e os seus, e agrada-lhes rememorar muitas vezes, em turnos, os perigos afrontados e consumados, – o que, pois, falaria Aquiles, ou, antes, o que falariam diante do grande Aquiles?
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Proxima praecipue domito victoria Cygno in sermone fuit. Visum mirabile cunctis, quod iuvenis corpus nullo penetrabile telo invictumque a vulnere erat ferrumque terebat. Caeneus
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Hoc ipse Aeacides, hoc mirabantur Achivi, cum sic Nestor ait: “Vestro fuit unicus aevo contemptor ferri nulloque forabilis ictu Cygnus. At ipse olim patientem vulnera mille corpore non laeso Perrhaebum Caenea vidi, Caenea Perrhaebum, qui factis inclitus Othryn incoluit; quoque id mirum magis esset in illo, femina natus erat.” Monstri novitate feruntur quisquis adest, narretque rogant. Quos inter Achilles: “Dic age! nam cunctis eadem est audire voluntas, o facunde senex, aevi prudentia nostri, quis fuerit Caeneus, cur in contraria versus, qua tibi militia, cuius certamine pugnae cognitus, a quo sit victus, si victus ab ullo est.” Tum senior: “Quamvis obstet mihi tarda vetustas, multaque me fugiant primis spectata sub annis, plura tamen memini. Nec, quae magis haereat ulla pectore res nostro est inter bellique domique acta tot. Ac si quem potuit spatiosa senectus spectatorem operum multorum reddere, vixi annos bis centum; nunc tertia vivitur aetas. Clara decore fuit proles Elateia Caenis, Thessalidum virgo pulcherrima, perque propinquas perque tuas urbes (tibi enim popularis, Achille), multorum frustra votis optata procorum. Temptasset Peleus thalamos quoque forsitan illos, sed iam aut contigerant illi conubia matris, aut fuerant promissa, tuae. Nec Caenis in ullos
305 Supõe-se um século a duração normal da vida.
Particularmente a recente vitória sobre o dominado Cicno esteve em conversa. Impressão admirável a todos que o corpo do jovem fosse por nenhum dardo penetrável, e invicto por ferimento, e embotasse o ferro. Ceneu Disso admirava-se o próprio Eácida, admiravam-se os aqueus, quando assim fala Nestor: “Em vosso tempo o único a desdenhar do ferro e por nenhum golpe ser perfurado foi Cicno. Mas eu mesmo outrora vi o perrebo Ceneu suportar golpes mil com o corpo não ferido, Ceneu o perrebo, que célebre por seus feitos habitou Otris; também isso seria mais admirável nele, nascera mulher.” Excitam-se com o insólito do prodígio todos os que estão presentes e rogam-lhe que narre. Entre eles, Aquiles: “Conta-nos, vai! Pois em todos há o mesmo desejo de ouvir, ó eloquente ancião, sabedoria de nosso tempo, quem foi Ceneu, por que se transformou no contrário, em que excército, no enfrentamento de que batalha foi por ti conhecido, por quem foi vencido, se vencido foi por alguém.” Então o ancião: “Embora me impeça a pesada velhice, e me fujam muitas coisas observadas nos meus primeiros anos, de muitas mais, porém, me lembro. E não há coisa alguma que esteja mais guardada em nosso peito entre tantas ações de guerra e de paz. E se uma longa senectude pôde tornar alguém espectador de muitos acontecimentos, eu vivi duzentos anos; agora vivo a terceira idade305. Famosa por seu encanto foi a filha de Élato, Cênis, a mais bela donzela da Tessália, tanto nas cidades vizinhas como nas tuas (pois conterrânea tua, Aquiles), em vão desejada com promessas de muitos pretendentes. Talvez também Peleu tivesse tentado aquele matrimônio, mas ou já lhe havia tocado o casamento com tua mãe, ou havia promessas. E nem Cênis desposou
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denupsit thalamos secretaque litora carpens aequorei vim passa dei est (ita fama ferebat), utque novae Veneris Neptunus gaudia cepit, ‘sint tua vota licet’ dixit ‘secura repulsae: elige, quid voveas!’ (eadem hoc quoque fama ferebat). ‘Magnum’ Caenis ait ‘facit haec iniuria votum; tale pati iam posse nihil; da, femina ne sim: omnia praestiteris.’ Graviore novissima dixit verba sono, poteratque viri vox illa videri, sicut erat; nam iam voto deus aequoris alti adnuerat dederatque super, ne saucius ullis vulneribus fieri ferrove occumbere posset. Munere laetus abit studiisque virilibus aevum exigit Atracides Peneiaque arva pererrat. Centaurorum et Lapitharum pugna
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Duxerat Hippodamen audaci Ixione natus, nubigenasque feros positis ex ordine mensis arboribus tecto discumbere iusserat antro. Haemonii proceres aderant, aderamus et ipsi, festaque confusa resonabat regia turba. Ecce canunt Hymenaeon, et ignibus atria fumant, cinctaque adest virgo matrum nuruumque caterva, praesignis facie. Felicem diximus illa coniuge Pirithoum: quod paene fefellimus omen. Nam tibi, saevorum saevissime Centaurorum, Euryte, quam vino pectus, tam virgine visa ardet, et ebrietas geminata libidine regnat. Protinus eversae turbant convivia mensae, raptaturque comis per vim nova nupta prehensis. Eurytus Hippodamen, alii, quam quisque probabant, aut poterant, rapiunt, captaeque erat urbis imago. Femineo clamore sonat domus: ocius omnes surgimus, et primus ‘quae te vecordia,’ Theseus ‘Euryte, pulsat’ ait, ‘qui me vivente lacessas
marido qualquer, e, desfrutando de uma praia deserta sofreu violação do deus do mar (assim dizia o boato), e quando Netuno gozou por seu recente amor disse: “Está permitido que teus desejos se cumpram impedidos de recusa: escolhe o que quiseres!” (isso também dizia o mesmo boato). “Um grande desejo”, diz Cênis, “esta injúria pede; tal como nada mais poder sofrer; concede que eu não seja mulher: terás dado tudo.” Com uma voz mais grave disse estas últimas palavras, e pudera parecer de homem aquela voz, como assim era; pois ao desejo o deus do mar profundo já anuíra e concedera ademais que não pudesse ser ferido por golpe algum ou sucumbir pelo ferro. Feliz com a dádiva, parte e leva a vida com ocupações viris o Atrácida e vagueia pelos campos do Peneu. A luta dos Centauros e dos lápitas Desposara-se com Hipodâmia o filho306 do audacioso Íxion, e ordenara que os ferozes nubígenos307 tomassem lugar junto às mesas dispostas em ordem numa gruta coberta por árvores. Os nobres de Hemônia participavam, participávamos também nós, e em festa ressoava o palácio com tumultuosa multidão. Eis que cantam o himeneu, e com as tochas o paço fumega, e a donzela chega escoltada por um grupo de matronas e jovens esposas, destacada por sua beleza. Felizardo chamamos a Pirítoo por aquela esposa: presságio em que quase nos enganamos. Pois a ti, Êurito, o mais selvagem dos selvagens centauros, arde-te o peito tanto pelo vinho quanto pela visão da donzela, e, duplicada com a paixão, reina a embriaguez. De contínuo, transtornam os convivas as mesas viradas, e é raptada à força, agarrada pelos cabelos, a recém-casada. Êurito prende Hipodâmia, outros, a que a cada um agradava ou que podia, e a imagem era a de uma cidade sitiada. Com o clamor feminil, a casa ressoa: rapidamente todos nos levantamos, e, por primeiro, Teseu diz: “Que insensatez te acomete, Êurito, que, estando eu vivo, ataques
306 Pirítoo, rei dos Lápitas. 307 Os Centauros, descendentes de Íxion e Néfele, são chamados de nubígenos, isto é, gerados de uma nuvem, porque, conta-se que Íxion planejava manter relações sexuais com Hera, mas Zeus, seu marido, evitou-o modelando uma nuvem (nefele, em grego) com a forma de Hera.
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Pirithoum violesque duos ignarus in uno?’ [neve ea magnanimus frustra memoraverit heros, submovet instantes raptamque furentibus aufert.] Ille nihil contra (neque enim defendere verbis talia facta potest), sed vindicis ora protervis insequitur manibus generosaque pectora pulsat.
Pirítoo e ignaro ofendas os dois em um?” [e para não falar em vão estas coisas, o magnânimo herói afasta os atacantes e toma aos desvairados a raptada.] Aquele nada contesta (e nem pode, pois, defender com palavras tais feitos), mas com mãos agressivas esmurra o rosto do vingador e golpeia-lhe o nobre peito.
Forte fuit iuxta signis exstantibus asper antiquus crater; quem vastum vastior ipso sustulit Aegides adversaque misit in ora. Sanguinis ille globos pariter cerebrumque merumque vulnere et ore vomens madida resupinus harena calcitrat. Ardescunt germani caede bimembres certatimque omnes uno ore ‘arma, arma’ loquuntur. Vina dabant animos, et prima pocula pugna missa volant fragilesque cadi curvique lebetes, res epulis quondam, tum bello et caedibus aptae.
Casualmente havia ao lado um antigo vaso, áspero pelas figuras relevadas; mais imponente que o imponente vaso, agarrou-o o Égida e o lançou contra a cara à sua frente. Vomitando pelo ferimento e pela boca grumos de sangue e ao mesmo tempo cérebro e vinho, ele escoiceia estatelado de costas na areia úmida. Inflamam-se com a morte do irmão os bimembres e em desafio dizem todos a uma só voz: “Armas, armas”. O vinho lhes dava valentia, e na luta inicial voam copos arremessados e frágeis jarras e vasilhas côncavas, coisas próprias aos banquetes outrora, agora à guerra e às matanças.
Primus Ophionides Amycus penetralia donis haud timuit spoliare suis et primus ab aede lampadibus densum rapuit funale coruscis, elatumque alte, veluti qui candida tauri rumpere sacrifica molitur colla securi, inlisit fronti Lapithae Celadontis et ossa non cognoscendo confusa relinquit in ore. Exsiluere oculi, disiectisque ossibus oris acta retro naris medioque est fixa palato. Hunc pede convulso mensae Pellaeus acernae stravit humi Pelates deiecto in pectora mento, cumque atro mixtos sputantem sanguine dentes vulnere Tartareas geminato mittit ad umbras.
Primeiro Âmico, filho de Ofíon, não hesitou despojar de suas oferendas o santuário e, primeiro, do templo roubou um candelabro denso de tochas coruscantes, e, levantado ao alto, como quem se empenha em quebrar o pescoço branco de um touro com um machado sacrifical, espedaçou-o contra a fronte do lápita Celadonte deixando-lhe os ossos confundidos num rosto que não pôde ser reconhecido. Saltaram os olhos, e, ao partirem-se os ossos do rosto, o nariz foi empurrado para trás e fincado no meio do palato. A este, com o pé arrancado a uma mesa acerácea, Pélates, o de Pela, derruba-o no chão com o queixo caído sobre o peito, e ao que cospe os dentes misturados com sangue negro envia-o, com uma segunda ferida, para as sombras do Tártaro.
Proximus ut steterat, spectans altaria vultu fumida terribili ‘cur non’ ait ‘utimur istis?’ cumque suis Gryneus inmanem sustulit aram ignibus et medium Lapitharum iecit in agmen depressitque duos, Brotean et Orion: Orio mater erat Mycale, quam deduxisse canendo saepe reluctantis constabat cornua lunae.
Próximo como estava, observando com expressão assustadora os fumegantes altares, diz Grineu: “Por que não usamos estes?”, e levantou um gigantesco altar com seus fogos e o lançou para o meio do grupo dos lápitas e abateu dois, Bróteas e Orio: a mãe de Orio era Mícale, de quem constava que havia abaixado muitas vezes, com magias, os cornos relutantes da lua.
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‘Non inpune feres, teli modo copia detur!’ dixerat Exadius telique habet instar, in alta quae fuerant pinu votivi cornua cervi. Figitur hinc duplici Gryneus in lumina ramo eruiturque oculos, quorum pars cornibus haeret, pars fluit in barbam concretaque sanguine pendet. Ecce rapit mediis flagrantem Rhoetus ab aris pruniceum torrem dextraque a parte Charaxi tempora perstringit fulvo protecta capillo. Correpti rapida, veluti seges arida, flamma arserunt crines, et vulnere sanguis inustus terribilem stridore sonum dedit, ut dare ferrum igne rubens plerumque solet, quod forcipe curva cum faber eduxit, lacubus demittit: at illud stridet et in tepida submersum sibilat unda. Saucius hirsutis avidum de crinibus ignem excutit inque umeros limen tellure revulsum tollit, onus plaustri, quod ne permittat in hostem, ipsa facit gravitas: socium quoque saxea moles oppressit spatio stantem propiore Cometen. Gaudia nec retinet Rhoetus: ‘Sic, conprecor,’ inquit ‘cetera sit fortis castrorum turba tuorum!’ semicremoque novat repetitum stipite vulnus, terque quaterque gravi iuncturas verticis ictu rupit, et in liquido sederunt ossa cerebro. Victor ad Euagrum Corythumque Dryantaque transit; e quibus ut prima tectus lanugine malas procubuit Corythus, ‘puero quae gloria fuso parta tibi est?’ Euagrus ait, nec dicere Rhoetus plura sinit rutilasque ferox in aperta loquentis condidit ora viri perque os in pectora flammas. Te quoque, saeve Drya, circum caput igne rotato insequitur; sed non in te quoque constitit idem exitus: adsiduae successu caedis ovantem, qua iuncta est umero cervix, sude figis obusta. Ingemuit duroque sudem vix osse revellit
“Não passarás impune, se me for dada somente uma oportunidade de uma arma!” dissera Exadio, e obtém como o equivalente a uma arma os chifres de um cervo votivo que estavam no alto de um pino. Grineu é em seguida espetado nos olhos com o dúplice galho e tem arrancados os globos, dos quais um fica preso nos chifres, o outro escorre pela barba e pende do sangue coagulado. Eis que Reto surrupia do meio dos altares um flamejante tição de ameixeira e, pelo lado direito, golpeia as têmporas de Caraxo, cobertas de loira cabeleira. Tomados pela rápida chama, como se em árida seara, arderam seus cabelos, e o sangue queimado pelo ferimento produziu um terrível som estridente, como em geral costuma produzir o ferro avermelhado pelo fogo quando o ferreiro o retira com a tenaz curvada e o mergulha nas cubas: e ele estrepita e sibila submerso na tépida marola. Ferido, sacode dos cabelos hirsutos o ávido fogo e levanta sobre os ombros uma soleira de portal arrancada do chão - carga de um carro -, da qual o próprio peso faz com que não a lance contra o inimigo: e assim a ingente massa rochosa esmagou seu companheiro Cometes que estava na área mais próxima. Não contendo o júbilo, diz Reto: “Assim determinada, suplico, seja a turba restante de teu acampamento!” e renova repetidamente o ferimento com a lenha semiqueimada, e, com forte golpe por três, quatro vezes, rompeu-lhe as junturas do crânio, e os ossos afundaram no líquido cérebro. O vitorioso volta-se para Evagro, Córito e Drias; dos quais quando, coberto nas faces com a primeira lanugem, sucumbiu Córito, disse Evagro: “que glória hás obtido abatendo um garoto?”, e não lhe permitiu Reto dizer coisas mais, e, feroz, enfiou rútilas chamas na boca aberta do varão que falava, e, através da boca, até ao peito. A ti também, cruel Drias, persegue-te com fogo girando em torno de tua cabeça; mas contra ti não se deu também o mesmo fim: ao que exultava com o sucesso da matança contínua, onde o pescoço se une ao ombro, o traspassas com uma estaca queimada na ponta. Gemeu e, com força, Reto arrancou do duro osso a estaca,
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Rhoetus et ipse suo madefactus sanguine fugit.
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e, banhado em seu próprio sangue, o mesmo fugiu.
Fugit et Orneus Lycabasque et saucius armo dexteriore Medon et cum Pisenore Thaumas, quique pedum nuper certamine vicerat omnes Mermeros (accepto tum vulnere tardius ibat!), et Pholus et Melaneus et Abas praedator aprorum, quique suis frustra bellum dissuaserat augur, Astylos: ille etiam metuenti vulnera Nesso ‘ne fuge! ad Herculeos’ inquit ‘servaberis arcus.’ At non Eurynomus Lycidasque et Areos et Imbreus effugere necem: quos omnes dextra Dryantis perculit adversos. Adversum tu quoque, quamvis terga fugae dederas, vulnus, Crenaee, tulisti; nam grave respiciens inter duo lumina ferrum, qua naris fronti committitur, accipis, imae.
Fugiu também Orneu e Lícabas e Médon, ferido na escápula direita, e, com Pisenor, Taumante, e o que há pouco vencera a todos numa corrida a pé, Mérmero (com um ferimento então recebido, ia mais devagar!), e Folo e Melaneu e Abante, caçador de javalis, e o áugure que em vão tentara dissuadir os seus da guerra, Ástilo: ele também disse ao que temia ferimentos, Nesso: “Não fujas! Estás reservado para os arcos de Hércules.” Mas Eurínomo e Lícidas e Areu e Imbreu não escaparam da morte: a destra de Drias abateu a todos de frente. De frente também tu, Creneu, embora te desses de costas à fuga, recebeste um golpe; pois voltando-te para olhar levas um pesado ferro entre os dois olhos, onde o nariz se une à base da fronte.
In tanto fremitu cunctis sine fine iacebat sopitus venis et inexperrectus Aphidas languentique manu carchesia mixta tenebat, fusus in Ossaeae villosis pellibus ursae. Quem procul ut vidit frustra nulla arma moventem, inserit amento digitos ‘miscenda’ que dixit ‘cum Styge vina bibes!’ Phorbas; nec plura moratus in iuvenem torsit iaculum, ferrataque collo fraxinus, ut casu iacuit resupinus, adacta est. Mors caruit sensu, plenoque e gutture fluxit inque toros inque ipsa niger carchesia sanguis.
No meio de todo o alarido, jazia entorpecido em todas suas veias, sem fim e indesperto Afidas, e numa lânguida mão segurava um copo de vinho misturado, estendido sobre peludas peles de uma ursa do Ossa. Quando de longe o viu sem razão não empunhando qualquer arma, Forbas inseriu seus dedos na correia e disse: “O vinho que beberás deve ser misturado com água do Estige!”; e, não tardando mais, lançou contra o jovem um venábulo, e o dardo fraxíneo ferrado fincou-se-lhe no pescoço, como casualmente jazia de costas. A morte não lhe foi sentida, e da robusta garganta um sangue negro escorreu para os músculos e para a própria taça.
Vidi ego Petraeum conantem tollere terra glandiferam quercum; quam dum conplexibus ambit et quatit huc illuc labefactaque robora iactat, lancea Pirithoi costis inmissa Petraei pectora cum duro luctantia robore fixit. Pirithoi cecidisse Lycum virtute ferebant, Pirithoi virtute Chromin. Sed uterque minorem victori titulum quam Dictys Helopsque dederunt: fixus Helops iaculo, quod pervia tempora fecit et missum a dextra laevam penetravit ad aurem;
Eu vi Petreu tentando arrancar da terra um carvalho glandífero; enquanto o circunda com abraços e o sacode para um e outro lado e agita o abalado tronco, a lança de Pirítoo introduzida nas costas de Petreu cravou no duro tronco o peito combativo. Diziam que, pela bravura de Pirítoo, Lico caiu, pela bravura de Pirítoo, Cromis. Mas um e outro deram ao vencedor menor fama que Díctis e Hélops: Hélops foi traspassado por um venábulo, que, arremessado, penetrou da orelha direita à esquerda e deixou abertas as têmporas;
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Dictys, ab ancipiti delapsus acumine montis, dum fugit instantem trepidans Ixione natum, decidit in praeceps et pondere corporis ornum ingentem fregit suaque induit ilia fractae. Victor adest Aphareus saxumque e monte revulsum mittere conatur: mittentem stipite querno occupat Aegides cubitique ingentia frangit ossa; nec ulterius dare corpus inutile leto aut vacat aut curat tergoque Bienoris alti insilit haud solito quemquam portare nisi ipsum, opposuitque genu costis prensamque sinistra caesariem retinens vultum minitantiaque ora robore nodoso praeduraque tempora fregit: robore Nedymnum iaculatoremque Lycopen sternit et inmissa protectum pectora barba Hippason et summis exstantem Riphea silvis Thereaque, Haemoniis qui prensos montibus ursos ferre domum vivos indignantesque solebat. Haud tulit utentem pugnae successibus ultra Thesea Demoleon: solido divellere dumo annosam pinum magno molimine temptat; quod quia non potuit, praefractam misit in hostem. Sed procul a telo Theseus veniente recessit Pallados admonitu: credi sic ipse volebat. Non tamen arbor iners cecidit; nam Crantoris alti abscidit iugulo pectusque umerumque sinistrum. Armiger ille tui fuerat genitoris, Achille, quem Dolopum rector, bello superatus, Amyntor Aeacidae dederat pacis pignusque fidemque. Hunc procul ut foedo disiectum vulnere Peleus vidit, ‘at inferias, iuvenum gratissime Crantor, accipe’ ait, validoque in Demoleonta lacerto fraxineam misit, mentis quoque viribus, hastam. Quae laterum cratem praerupit et ossibus haerens intremuit. Trahit ille manu sine cuspide lignum (id quoque vix sequitur), cuspis pulmone retenta est.
Díctis, tendo despencado do cume precipitoso de um monte enquanto apavorado fugia do acossador filho de Íxion, caiu a pique, e com o peso de seu corpo quebrou ingente freixo e na galhaça espetou suas entranhas. Como um vencedor, aparece Afareu e tenta lançar uma rocha arrancada de um monte: ao lançador, surpreende-o com um tronco de carvalho o Égida, e quebra-lhe os ingentes ossos do cotovelo; depois, nem cuida nem tempo tem de dar à morte o corpo inútil, e salta sobre o dorso do alto Bianor, não acostumado a carregar ninguém senão a si mesmo, e aperta-lhe os flancos com os joelhos e, segurando sua cabeleira presa com a canhota, com um tronco nodoso quebra-lhe a cara e a boca ameaçadora e as duríssimas têmporas: com o tronco abate Nedimno e o dardejador Licopes e Hípaso, com longa barba cobrindo-lhe o peito, e Rifeu, proeminente nas mais altas florestas, e Tereu, que soía levar para casa ursos vivos e indignados, capturados nas montanhas da Emônia. Não suportou mais Demoleonte Teseu gozando a luta com sucessos: do meio de espessa silva tenta com grande esforço arrancar um pinheiro anoso; como não pôde, arremessou-o partido contra o inimigo. Mas desviou-se Teseu do projétil vindo de longe por ter sido alertado por Palas: assim queria ele mesmo crer. Contudo, a árvore não caiu ineficaz; pois do alto Crantor separou do pescoço o peito e o ombro esquerdo. Ele fora escudeiro de teu pai, Aquiles, quem o soberano dos dólopes, Amintor, vencido na guerra, dera ao Eácida como penhor e garantia de paz. Quando Peleu o viu de longe aniquilado pelo funesto golpe, disse: “Aceita estas honras fúnebres, Crantor, dos jovens o mais encantador”, e, com braço forte, com as forças da mente também, contra Demoleonte arremessou uma lança fraxínea. Que lhe rompeu as costelas e, aderindo-se aos ossos, vibrou. Retirou ele com a mão o lenho sem a ponta (isso também consegue com dificuldade), a ponta ficou presa no pulmão.
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Ipse dolor vires animo dabat: aeger in hostem erigitur pedibusque virum proculcat equinis. Excipit ille ictus galea clipeoque sonanti defensatque umeros praetentaque sustinet arma perque armos uno duo pectora perforat ictu. Ante tamen leto dederat Phlegraeon et Hylen eminus, Iphinoum conlato Marte Claninque; additur his Dorylas, qui tempora tecta gerebat pelle lupi saevique vicem praestantia teli cornua vara boum multo rubefacta cruore. Huic ego (nam vires animus dabat) ‘adspice,’ dixi, ‘quantum concedant nostro tua cornua ferro!’ et iaculum torsi; quod cum vitare nequiret, opposuit dextram passurae vulnera fronti. Adfixa est cum fronte manus. Fit clamor, at illum haerentem Peleus et acerbo vulnere victum (stabat enim propior) mediam ferit ense sub alvum. Prosiluit terraque ferox sua viscera traxit tractaque calcavit calcataque rupit et illis crura quoque inpediit et inani concidit alvo. Nec te pugnantem tua, Cyllare, forma redemit, si modo naturae formam concedimus illi: barba erat incipiens, barbae color aureus, aurea ex umeris medios coma dependebat in armos. Gratus in ore vigor; cervix umerique manusque pectoraque artificum laudatis proxima signis et quacumque vir est; nec equi mendosa sub illo deteriorque viro facies: da colla caputque, Castore dignus erit; sic tergum sessile, sic sunt pectora celsa toris. Totus pice nigrior atra; candida cauda tamen, color est quoque cruribus albus. Multae illum petiere sua de gente, sed una abstulit Hylonome, qua nulla decentior inter semiferos altis habitavit femina silvis.
308 Um de cavalo, outro de homem.
A própria dor dava forças a seu ânimo: sofrente, levanta-se contra o inimigo e com seus pés equinos pisoteia o varão. Este recebe golpes na gálea e no clípeo ressonante e defende os ombros e empunha sua arma à frente, e através dos flancos perfura-lhe os dois peitos308 com um único golpe. Antes, contudo, à morte entregara Flegreu e Hile de longe, Ifínoo e Clânis em luta corporal; acrescenta-se a estes Dórilas, que levava cobertas as têmporas com pele de lobo e, à maneira de terrível dardo, notáveis cornos de boi recurvados, avermelhados de muito sangue. A este disse-lhe eu (pois o ânimo me dava forças): “Veja o quanto são inferiores os cornos teus ao nosso ferro!” e lancei o jáculo; como ele não pudesse evitá-lo, pôs sua destra à testa iminente de receber o golpe. Cravada na testa ficou a mão. Faz-se um clamor, mas àquele imobilizado e vencido pelo golpe atroz, Peleu (pois estava mais perto) o fere com sua espada no meio da barriga. Deu um salto e, por terra, feroz, arrastou suas entranhas e, arrastadas, pisou-as e, pisadas, destroçou-as e nelas enroscou suas patas e caiu sobre a barriga vazia. E ao lutares, nem tua beleza te salvou, Cílaro, se reconhecemos beleza naquela forma de natureza: a barba era incipiente, áurea a cor da barba, áurea uma cabeleira descia dos ombros até o meio das espáduas. Um agradável vigor no rosto; a nuca, os ombros, as mãos e o peito e tudo em que é homem, muito próximos de elogiadas esculturas de artistas; nem a figura do cavalo é nele disforme nem inferior à do homem: dá-lhe um pescoço e uma cabeça e será digno de Cástor; assim é o dorso cavalgável, assim o peito robusto de músculos. É todo mais negro que o piche atro; branca, porém, sua cauda, também a cor das patas é alva. Muitas de sua espécie o desejaram, mas uma única o ganhou, Hilônome, e nenhuma outra mais bela que ela habitou entre os semíferos nos altos bosques.
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Haec et blanditiis et amando et amare fatendo Cyllaron una tenet; cultus quoque, quantus in illis esse potest membris, ut sit coma pectine levis, ut modo rore maris, modo se violave rosave inplicet, interdum candentia lilia gestet, bisque die lapsis Pagasaeae vertice silvae fontibus ora lavet, bis flumine corpora tingat, nec nisi quae deceant electarumque ferarum aut umero aut lateri praetendat vellera laevo. Par amor est illis: errant in montibus una, antra simul subeunt; et tum Lapitheia tecta intrarant pariter, pariter fera bella gerebant. Auctor in incerto est: iaculum de parte sinistra venit et inferius qua collo pectora subsunt, Cyllare, te fixit; parvo cor vulnere laesum corpore cum toto post tela educta refrixit.
Ela única, com suas carícias e amando-o e confessando-lhe seu amor, retém Cílaro; também há o cuidado, o quanto pode haver com aqueles membros, de deixar a cabeleira suave com o pente, de se agrinaldar ora com rosmarino, ora com violetas ou rosas, de por vezes levar lírios brancos, de duas vezes ao dia lavar o rosto nas fontes cadentes do alto da floresta de Págasas, de duas vezes banhar o corpo no rio, e de não cobrir o ombro ou o flanco esquerdo com peles, a não ser as que adornem e de animais selecionados. É igual entre eles o amor: vagueiam juntos pelos montes, penetram ao mesmo tempo nas cavernas; e naquele então na casa lapiteia haviam entrado juntamente, e juntamente faziam uma luta feroz. O autor continua desconhecido: veio um jáculo pelo lado sinistro e, mais abaixo onde o peito se avizinha ao pescoço, te atingiu, Cílaro; afetado o coração por um pequeno ferimento esfriou com todo o corpo depois de retirada a arma.
Protinus Hylonome morientes excipit artus inpositaque manu vulnus fovet oraque ad ora admovet atque animae fugienti obsistere temptat. Ut videt exstinctum, dictis, quae clamor ad aures arcuit ire meas, telo, quod inhaeserat illi, incubuit moriensque suum conplexa maritum est.
De pronto, Hilônome toma os moribundos membros e, sobrepondo-lhe a mão, aquece a ferida e respira boca a boca e tenta impedir a alma fugente. Quando o vê morto, depois de ditas algumas palavras, que o clamor impediu chegassem aos meus ouvidos, jogou-se contra a arma que o atingira e, morrendo, abraçou seu marido.
Ante oculos stat et ille meos, qui sena leonum vinxerat inter se conexis vellera nodis, Phaeocomes, hominemque simul protectus equumque. Codice qui misso, quem vix iuga bina moverent, Tectaphon Oleniden a summo vertice fregit. [fracta volubilitas capitis latissima, perque os perque cavas nares oculosque auresque cerebrum molle fluit veluti concretum vimine querno lac solet, utve liquor rari sub pondere cribri manat et exprimitur per densa foramina spissus.] Ast ego, dum parat hic armis nudare iacentem, (scit tuus hoc genitor) gladium spoliantis in ima ilia demisi. Chthonius quoque Teleboasque ense iacent nostro: ramum prior ille bifurcum gesserat, hic iaculum; iaculo mihi vulnera fecit:
Ante meus olhos está também aquele que amarrara seis peles de leões com nós entrelaçados entre si, Feócomes, cobrindo ao mesmo tempo o homem e o cavalo. Ele, com o arremesso de um tronco, que duas juntas de bois mal moveriam, destroçou Téctafo, filho de Oleno, do alto da cabeça. [destroçado o larguíssimo crânio, pela boca e pelas cavas narinas, olhos e ouvidos, o cérebro mole escorre como faz o leite coalhado num cesto de carvalho, ou como o líquido é espremido sob um peso e mana espesso através dos numerosos furos de uma peneira porosa.] Mas eu, enquanto ele se prepara para desnudar de suas armas o jazente, (sabe disso teu pai) o gládio enfiei nas mais profundas entranhas do espoliador. Também Ctônio e Teléboas jazem sob nossa espada: aquele primeiro levava uma clava bifurcada, este, um jáculo; com o jáculo me causou ferimentos:
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signa vides! adparet adhuc vetus inde cicatrix. Tunc ego debueram capienda ad Pergama mitti, tum poteram magni, si non superare, morari Hectoris arma meis! Illo sed tempore nullus, aut puer Hector erat, nunc me mea deficit aetas. Quid tibi victorem gemini Periphanta Pyraethi, Ampyca quid referam, qui quadrupedantis Echecli fixit in adverso cornum sine cuspide vultu? Vecte Pelethronium Macareus in pectus adacto stravit Erigdupum, memini et venabula condi inguine Nesseis manibus coniecta Cymeli. Nec tu credideris tantum cecinisse futura Ampyciden Mopsum: Mopso iaculante biformis accubuit frustraque loqui temptavit Hodites ad mentum lingua mentoque ad guttura fixo. Cicnus
Quinque neci Caeneus dederat, Styphelumque Bromumque 460Antimachumque Elymumque securiferumque Pyraechmen: vulnera non memini, numerum nomenque notavi.
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Provolat Emathii spoliis armatus Alesi, quem dederat leto, membris et corpore Latreus maximus: huic aetas inter iuvenemque senemque, vis iuvenalis erat, variabant tempora cani. Qui clipeo gladioque Macedoniaque sarisa conspicuus faciemque obversus in agmen utrumque armaque concussit certumque equitavit in orbem verbaque tot fudit vacuas animosus in auras: ‘Et te, Caeni, feram? Nam tu mihi femina semper, tu mihi Caenis eris. Nec te natalis origo commonuit, mentemque subit, quo praemia facto quaque viri falsam speciem mercede parasti? Quid sis nata, vide, vel quid sis passa, columque, i, cape cum calathis et stamina pollice torque: bella relinque viris.’ Iactanti talia Caeneus
estás vendo as marcas! Ainda aparece uma velha cicatriz daquele tempo. Naquela época eu deveria ter sido enviado para tomar Pérgamo, então teria podido, se não vencer, deter com as minhas as armas do grande Heitor! Mas, naquele tempo, Heitor ou não existia ou era um garoto, agora me falta a minha idade. O que te contarei de Périfas, vencedor do geminado Pireto, o que de Âmpix, que cravou um dardo sem ponta no meio da cara do quadrúpede Équeclo? Com uma tranca atirada no peito, Macareu derrubou o peletrônio Erigdupo; e lembro-me também de que um venábulo arremessado pelas mãos de Nesso foi enterrado na virilha de Cimelo. E não creias tu que Mopso, filho de Âmpix, apenas tenha vaticinado o futuro: por um dardo lançado por Mopso, caiu derrubado o biforme Hodites e em vão tentou falar, com a língua presa ao queixo e o queixo à garganta. Ceneu Cinco à morte Ceneu entregara: Estífelo, Bromo, Antímaco, Élimo e Piracmo, armado com um machadinho: não me lembro dos ferimentos, guardei o número e o nome. Armado com os despojos de Alésio de Emátia, que enviara à morte, irrompe Latreu, avultado em corpo e membros: tinha idade entre jovem e ancião, força juvenil, e cãs ornavam-lhe as têmporas. Notável com o clípeo, o gládio e a lança macedônica, depois de dirigido o rosto a um e outro batalhão, brandiu as armas, cavalgou num círculo preciso e proferiu animoso palavras tais aos vagos ventos: “Também a ti, Cênis, terei que suportar? Pois para mim, tu serás sempre uma mulher, para mim, tu serás Cênis. Tua origem natal não te advertiu, não te veio à mente com que fato engendraste uma recompensa e com que paga a falsa aparência de homem? Vê o que nasceste, ou o que sofreste, e, vai, toma a roca com o cesto e faz girar os fios com o polegar: deixa as guerras aos homens.” Ao que proferia tais coisas, Ceneu
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extentum cursu missa latus eruit hasta, qua vir equo commissus erat. Furit ille dolore nudaque Phyllei iuvenis ferit ora sarisa. Non secus haec resilit, quam tecti a culmine grando, aut siquis parvo feriat cava tympana saxo. Comminus adgreditur laterique recondere duro luctatur gladium: gladio loca pervia non sunt. ‘Haud tamen effugies! medio iugulaberis ense, quandoquidem mucro est hebes’ inquit et in latus ensem obliquat longaque amplectitur ilia dextra. Plaga facit gemitus in corpore marmoris icti, fractaque dissiluit percusso lammina callo. Ut satis inlaesos miranti praebuit artus, ‘nunc age,’ ait Caeneus, ‘nostro tua corpora ferro temptemus!’ capuloque tenus demisit in armos ensem fatiferum caecumque in viscera movit versavitque manu vulnusque in vulnere fecit. Ecce ruunt vasto rabidi clamore bimembres telaque in hunc omnes unum mittuntque feruntque. Tela retusa cadunt: manet inperfossus ab omni inque cruentatus Caeneus Elateius ictu. Fecerat attonitos nova res. ‘Heu dedecus ingens!’ Monychus exclamat, ‘populus superamur ab uno vixque viro: quamquam ille vir est, nos segnibus actis quod fuit ille, sumus! Quid membra inmania prosunt? Quid geminae vires et quod fortissima rerum in nobis duplex natura animalia iunxit? Nec nos matre dea, nec nos Ixione natos esse reor, qui tantus erat, Iunonis ut altae spem caperet: nos semimari superamur ab hoste! Saxa trabesque super totosque involvite montes vivacemque animam missis elidite silvis! Silva premat fauces, et erit pro vulnere pondus.’
309 Ceneu era natural da cidade de Filo, na Tessália.
o atingiu com uma hasta arrojada ao flanco alongado pelo cavalgamento, onde o homem se unia ao cavalo. Ele braveja de dor e com uma lança alveja o rosto desnudo do jovem de Filo309 . Ela ressalta, tal como o granizo de cima do telhado, ou se alguém atira sobre um tambor côncavo uma pequena pedra. Ataca-o corpo a corpo e luta por fincar no rijo flanco o gládio: o gládio não encontra lugar penetrável. “Contudo, não fugirás! Serás destruído pelo meio da espada, uma vez que a ponta está embotada”, diz e dirige obliquamente a espada contra o flanco e circunda-lhe os quadris com a longa direita. O golpe no corpo produz gemidos de mármore ferido, e despedaçada saltou a lâmina depois de atingida a endurecida pele. Quando mostrou o suficiente seus membros ilesos ao observador, diz Ceneu, “Vamos, experimentemos agora no corpo teu nosso ferro!” e até à empunhadura enterrou-lhe na escápula a espada mortífera, e oculta entre as vísceras a moveu e girou-a com a mão e feridas na ferida abriu. Eis que se precipitam ferozes em vasto clamor os bimembres sobre este, e todos contra um único dirigem e lançam-lhe dardos. Os dardos caem embotados: imperfurado e incruento sob todos os golpes permanece Ceneu, filho de Élato. O fato extraordinário os deixara atônitos. “Oh vergonha imensa!” exclama Mônico, “um povo é vencido por um único e a muito custo homem: contudo, ele é homem, nós, por nossas ações estéreis, somos o que ele foi! De que nos servem os enormes membros? De que nos servem as forças geminadas e que uma dupla natureza tenha unido em nós os mais poderosos dos seres viventes? Creio que não somos filhos nem da deusa mãe, nem de Íxion, que era tão grande que tinha a esperança de vir a possuir a alta Juno: nós fomos vencidos por um inimigo semimacho! Arrastai rochas e troncos e montes inteiros sobre ele e sufocai seu alento vivaz atirando-lhe florestas! Uma floresta esmague sua garganta, e o peso servirá de ferida.”
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Dixit et insanis deiectam viribus austri forte trabem nactus validum coniecit in hostem exemplumque fuit, parvoque in tempore nudus arboris Othrys erat, nec habebat Pelion umbras. Obrutus inmani tumulo sub pondere Caeneus aestuat arboreo congestaque robora duris fert umeris. Sed enim postquam super ora caputque crevit onus neque habet, quas ducat, spiritus auras, deficit interdum, modo se super aera frustra tollere conatur iactasque evolvere silvas, interdumque movet, veluti, quam cernimus, ecce, ardua si terrae quatiatur motibus Ide. Exitus in dubio est: alii sub inania corpus Tartara detrusum silvarum mole ferebant; abnuit Ampycides medioque ex aggere fulvis vidit avem pennis liquidas exire sub auras, quae mihi tum primum, tunc est conspecta supremum.
Disse e, tendo encontrado por acaso um tronco derrubado pelas tempestuosas forças do austro, atirou-o contra o vigoroso inimigo, e foi exemplo: em pouco tempo o Otris estava nu de árvores, e o Pélion não tinha sombras. Sepultado num terrível túmulo sob o peso arbóreo, Ceneu agita-se e suporta nos duros ombros os lenhos amontoados. Porém, depois que sobre o rosto e a cabeça aumentou o peso e sua respiração não tem ar para conduzir, desfalece algumas vezes, ora tenta em vão se levantar até ao ar e revolver as florestas lançadas, e algumas vezes as move, como se o elevado Ida, que vemos, aí!, tremesse por movimentos da terra. O fim é incerto: alguns diziam que, sob o volume das florestas, o corpo foi impelido para o inane Tártaro; o Ampícida refutou, que do meio do amontoado viu sair sob suaves ventos uma ave de penas fulvas, que eu tanto vi pela primeira vez, quanto pela última.
Hanc ubi lustrantem leni sua castra volatu Mopsus et ingenti circum clangore sonantem adspexit pariterque animis oculisque secutus ‘o salve’ dixit, ‘Lapithaeae gloria gentis, maxime vir quondam, sed nunc avis unica, Caeneu!’ Credita res auctore suo est: dolor addidit iram, oppressumque aegre tulimus tot ab hostibus unum; nec prius abstitimus ferro exercere dolorem, quam data pars leto, partem fuga noxque removit.”
Quando Mopso a viu vagando em tranquilo voo sobre seu acampamento e ressoando com ingente estrépito ao redor, tendo-a seguido igualmente com interesse e com os olhos, disse: “Salve, glória do povo lápita, grandíssimo homem outrora, mas agora ave ímpar, Ceneu!” Acreditou-se nisso por seu autor310 : a dor intensificou a ira, e com pesar suportamos que um sozinho fora aniquilado por tantos inimigos; e não nos abstivemos de causar dor com o ferro antes que uma parte fosse entregue à morte, a outra, afastou-a a fuga e a noite.
Periclymenus
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Haec inter Lapithas et semihomines Centauros proelia Tlepolemus Pylio referente dolorem praeteriti Alcidae tacito non pertulit ore atque ait: “Herculeae mirum est oblivia laudis acta tibi, senior! Certe mihi saepe referre nubigenas domitos a se pater esse solebat.” Tristis ad haec Pylius: “Quid me meminisse malorum
Periclimeno Enquanto o pilense311 relatava a luta entre os Lápitas e os semi-humanos Centauros, Tlepólemo não suportou de boca calada a dor de ter sido o Alcides preterido e disse: “É admirável, ancião, que por ti tenham sido cometidos esquecimentos da glória de Hércules! Por certo, costumava contar-me frequentemente meu pai que os nubígenos foram por ele subjugados.”
310 Mopso era profeta e vidente. 311 Refere-se aqui ao ancião Nestor, natural de Pilos, antiga cidade da Messênia, região do Peloponeso sul-ocidental, na Grécia.
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cogis et obductos oculis rescindere luctus inque tuum genitorem odium offensasque fateri? Ille quidem maiora fide, di! gessit et orbem inplevit meritis, quod mallem posse negare: sed neque Deiphobum nec Polydamanta nec ipsum Hectora laudamus – quis enim laudaverit hostem? Ille tuus genitor Messenia moenia quondam stravit et inmeritas urbes Elimque Pylumque diruit inque meos ferrum flammamque penatis inpulit, utque alios taceam, quos ille peremit, bis sex Nelidae fuimus, conspecta iuventus: bis sex Herculeis ceciderunt me minus uno viribus; atque alios vinci potuisse ferendum est: mira Periclymeni mors est, cui posse figuras sumere, quas vellet, rursusque reponere sumptas Neptunus dederat, Nelei sanguinis auctor. Hic ubi nequiquam est formas variatus in omnes, vertitur in faciem volucris, quae fulmina curvis ferre solet pedibus divum gratissima regi; Viribus usus avis pennis rostroque redunco hamatisque viri laniaverat unguibus ora: tendit in hunc nimium certos Tirynthius arcus atque inter nubes sublimia membra ferentem pendentemque ferit, lateri qua iungitur ala; nec grave vulnus erat sed rupti vulnere nervi deficiunt motumque negant viresque volandi. Decidit in terram, non concipientibus auras infirmis pennis, et qua levis haeserat alae, corporis adfixi pressa est gravitate sagitta perque latus summum iugulo est exacta sinistro. Nunc videor debere tui praeconia rebus Herculis, o Rhodiae rector pulcherrime classis? Nec tamen ulterius, quam fortia facta silendo ulciscor fratres: solida est mihi gratia tecum.” Haec postquam dulci Neleius edidit ore, a sermone senis repetito munere Bacchi
Triste responde a isso o pilo: “Por que me obrigas a lembrar-me de meus males e reabrir feridas ocultas aos olhos e contra teu pai e suas ofensas confessar meu ódio? Ele, na verdade, realizou maiores feitos que o crível, ó deuses!, e encheu o mundo de benefícios, o que eu preferiria poder negar: mas não louvamos nem Deífobo, nem Polidamante, nem o próprio Heitor – quem, pois, louvaria o inimigo? Esse teu pai derrubou outrora muralhas da Messênia e destruiu inocentes cidades da Élide e de Pilo, e disparou ferro e fogo contra minha casa, e, para não falar de outros, que ele exterminou, éramos doze os filhos de Neleu, uma juventude ilustre: os doze menos eu apenas caíram sob os ataques de Hércules; e pode-se dizer que os outros pudessem ser vencidos: surpreendente é a morte de Periclimeno, a quem, poder assumir as formas que quisesse, e novamente depor as assumidas, concedera-lhe Netuno, fundador312 do sangue Neleu. Aquele, depois que em vão se variou em todas as formas, toma o aspecto de um pássaro, o que costuma levar os raios em seus curvos pés, o mais encantador ao rei dos deuses. Tendo feito uso das forças da ave, com suas asas, seu adunco bico e suas garras recurvadas, rasgara o rosto do varão: o tirintio tensiona contra ele seu arco demasiadamente certeiro e, então, ao que eleva seu corpo às alturas e paira entre as nuvens, fere-o onde a asa se une ao dorso; e não era grave a ferida, mas falham os nervos rompidos pelo ferimento e impedem-lhe os movimentos e a força de voar. Precipita-se ao chão, com as asas debilitadas não contendo os ventos, e, onde aderira à asa, a leve flecha é pressionada pelo peso do corpo espetado e, atravessando o alto do dorso, vara pelo lado esquerdo do pescoço. Ainda pareço dever encômios aos feitos do teu Hércules, ó pulquérrimo condutor da armada de Rodes? Com tudo, apenas silenciando suas valentes ações vingo meus irmãos: contigo tenho uma sólida amizade.” Depois que o filho de Neleu disse isso com suave voz, tendo-se repetido o dom de Baco logo após a fala do ancião,
312 Netuno seduziu Tiro, esposa de Creteu, e ela teve dois filhos gêmeos com o deus: Pélias e Neleu. Portanto, Nestor e Periclimeno, o mais jovem dos filhos de Neleu, eram netos de Netuno.
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A morte de Aquiles
At deus, aequoreas qui cuspide temperat undas, in volucrem corpus nati Phaethontida versum mente dolet patria saevumque perosus Achillem exercet memores plus quam civiliter iras, iamque fere tracto duo per quinquennia bello talibus intonsum conpellat Sminthea dictis:
Mas o deus, que com seu tridente governa as águas marinas, deplora em seu coração paterno o corpo do filho transformado na ave de Faetonte313 , e, odiando o violento Aquiles, alimenta imoderadamente uma ira memoradora, e, quando da guerra estendida já por quase dois quinquênios, com tais palavras interpela o intonso Esminteu:
“O mihi de fratris longe gratissime natis, inrita qui mecum posuisti moenia Troiae, ecquid, ubi has iamiam casuras adspicis arces, ingemis? Aut ecquid tot defendentia muros milia caesa doles? Ecquid, ne persequar omnes, Hectoris umbra subit circum sua Pergama tracti? cum tamen ille ferox belloque cruentior ipso vivit adhuc, operis nostri populator, Achilles. Det mihi se! faxo, triplici quid cuspide possim, sentiat; at quoniam concurrere comminus hosti non datur, occulta necopinum perde sagitta!”
“Ó tu, dos filhos de meu irmão, de longe o mais caro para mim, que comigo levantaste inúteis as muralhas de Troia, acaso não lastimas quando vês estes baluartes na iminência de caírem a qualquer momento? Acaso não deploras os milhares de caídos defendendo tantos muros? Acaso, para não mencionar todos, não se te insinua a sombra de Heitor arrastado ao redor de sua Pérgamo? E, contudo, ainda vive aquele sanguinário mais cruento que a própria guerra, destruidor de nossa obra, Aquiles. Se me enfrentasse! Faria sentir do que posso com meu triplo cúspide; mas, uma vez que não nos é concedido lutar corpo a corpo com o inimigo, tu, perde-o, desprevenido, com uma seta oculta!”
Adnuit atque animo pariter patruique suoque Delius indulgens nebula velatus in agmen pervenit Iliacum mediaque in caede virorum rara per ignotos spargentem cernit Achivos tela Parim fassusque deum “Quid spicula perdis sanguine plebis?” ait. “Siqua est tibi cura tuorum, vertere in Aeaciden caesosque ulciscere fratres!” Dixit et ostendens sternentem Troica ferro corpora Peliden, arcus obvertit in illum certaque letifera direxit spicula dextra. Quod Priamus gaudere senex post Hectora posset, hoc fuit: ille igitur tantorum victor, Achille, victus es a timido Graiae raptore maritae! At si femineo fuerat tibi Marte cadendum,
saíram dos leitos de mesa: a noite restante foi dedicada ao sono.
Anuiu o délio, indulgente do mesmo modo com o desejo do tio e com o seu, e numa nuvem escondido chegou ao exército ilíaco, onde no meio de um massacre de homens vê Páris lançando frechas intermitentes a ignotos aqueus e, revelando-se como deus, diz: “Por que desperdiças flechas com sangue da plebe? Se tens alguma consideração com os teus, dirige-as contra o Eácida e vinga teus irmãos caídos!” Disse e, mostrando o pélida com sua espada derrubando corpos troianos, contra ele voltou seu arco e uma flecha certeira lhe enviou com sua destra letífera. Com o que o velho Príamo poderia se alegrar depois do ocorrido a Heitor foi isso: tu, aquele de tantos vencedor, Aquiles, vencido foste por um covarde raptor de uma grega casada! E se tivesses que tombar num femíneo combate, preferirias
313 O cisne era a ave amada por Faetonte, na qual seu amigo se transformara, e também é a ave em que se metamorfoseia Ceneu.
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Thermodontiaca malles cecidisse bipenni!
ter tombado sob a machadinha de dois gumes de Termodonte314!
Iam timor ille Phrygum, decus et tutela Pelasgi nominis, Aeacides, caput insuperabile bello, arserat: armarat deus idem idemque cremabat; iam cinis est, et de tam magno restat Achille nescio quid parvam, quod non bene conpleat urnam: at vivit totum quae gloria conpleat orbem! Haec illi mensura viro respondet, et hac est par sibi Pelides nec inania Tartara sentit.
Logo ardera o conhecido terror dos frígios, esplendor e proteção do nome pelasgo, o Eácida, cabeça insuperável na guerra: tal deus que o armara, tal o cremara315 ; logo é cinzas, e do tão grandioso Aquiles resta um não sei quê, que não enche bem uma pequena urna: mas vive inteiro na glória que enche o orbe! Esta medida corresponde àquele homem, e por ela o pélida é igual a si mesmo e não sente o inane Tártaro.
Ipse etiam, ut, cuius fuerit, cognoscere posses bella movet clipeus, deque armis arma feruntur. Non ea Tydides, non audet Oileos Aiax, non minor Atrides, non bello maior et aevo poscere, non alii: solis Telamone creato Laerteque fuit tantae fiducia laudis. A se Tantalides onus invidiamque removit Argolicosque duces mediis considere castris iussit et arbitrium litis traiecit in omnes.
Também seu próprio escudo, para saber a quem caberá, causa uma guerra, e suas armas das armas sacam. Aquelas nem o Tídida, nem Ájax, filho de Oileu, nem o mais jovem dos Atridas316, nem o mais velho e valoroso na guerra317 ousa pedi-las, nem os outros: somente o filho de Télamon e o de Laertes318 tiveram a presunção de tanto mérito. O Tantálida319 afastou de si o ônus e a hostilidade e ordenou que os comandantes argivos se acomodassem no meio do acampamento, incumbindo a todos o julgamento da contenda. Tradução: Mauri Furlan, UFSC
314 Referência às Amazonas, que viviam às margens do rio Termodonte, e que haviam ajudado os troianos contra os gregos. Uma das lendas diz que Aquiles teria se apaixonado por Pentesileia, rainha das Amazonas, ao matá-la. 315 Hefesto (Vulcano, em latim), deus do fogo, fabricou a armadura de Aquiles, a pedido de sua mãe Tétis. 316 Menelau. 317 Agamenon. 318 Ájax e Ulisses, respectivamente. 319 Patronímico: descendente de Tântalo, refere-se aqui a Agamenon, filho de Atreu, neto de Pélops, bisneto de Tântalo.
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Liber XIII Armorum iudicium. Aiax
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Consedere duces, et vulgi stante corona surgit ad hos clipei dominus septemplicis Aiax, utque erat impatiens irae, Sigeia torvo litora respexit classemque in litore vultu intendensque manus “agimus, pro Iuppiter!” inquit “ante rates causam, et mecum confertur Ulixes! At non Hectoreis dubitavit cedere flammis, quas ego sustinui, quas hac a classe fugavi. Tutius est igitur fictis contendere verbis, quam pugnare manu! Sed nec mihi dicere promptum, nec facere est isti: quantumque ego Marte feroci quantum acie valeo, tantum valet iste loquendo. Nec memoranda tamen vobis mea facta, Pelasgi, esse reor: vidistis enim. Sua narret Ulixes, quae sine teste gerit, quorum nox conscia sola est. Praemia magna peto, fateor; sed demit honorem aemulus: Aiaci non est tenuisse superbum, sit licet hoc ingens, quidquid speravit Ulixes. Iste tulit pretium iam nunc temptaminis huius, quod, cum victus erit, mecum certasse feretur. Atque ego, si virtus in me dubitabilis esset, nobilitate potens essem, Telamone creatus, moenia qui forti Troiana sub Hercule cepit litoraque intravit Pagasaea Colcha carina. Aeacus huic pater est, qui iura silentibus illic reddit, ubi Aeoliden saxum grave Sisyphon urget. Aeacon agnoscit summus prolemque fatetur Iuppiter esse suam: sic a Iove tertius Aiax. Nec tamen haec series in causam prosit, Achivi, si mihi cum magno non est communis Achille: frater erat, fraterna peto! Quid sanguine cretus Sisyphio furtisque et fraude simillimus illi
O Juízo das Armas. Ájax Os líderes se sentaram e ao seu redor o povo permaneceu de pé. Ájax, o herói do escudo de sete couros, levantou-se. Não conseguindo conter sua ira, voltou seu olhar feroz sobre a frota que cobria o litoral troiano e disse, estendendo as mãos: “Por Júpiter, defendo minha causa diante destes navios e é Ulisses que tenho por adversário! Mas ele não hesitou em fugir das tochas de Heitor enquanto eu as enfrentei, afastando-as desta frota. É mais seguro combater com mentiras do que lutar frente a frente, mas eu sou tão inábil em falar quanto este aí é em fazer: o valor que tenho no feroz ofício de Marte e na batalha é o mesmo que ele tem no discurso. Contudo nem julgo ser necessário lembrar-vos dos meus feitos, ó pelasgos, pois vós os vistes. Deixo que Ulisses narre os seus feitos, que realiza sem testemunhas e dos quais só a noite é cúmplice. Confesso que reclamo uma grande recompensa, mas um rival como este me tira toda a honra: não cabe a Ájax se orgulhar de qualquer coisa que, ainda que notável, Ulisses tenha a esperança de receber. Ele já teve seu prêmio com esta experiência, já que, uma vez vencido, hão de contar que ele disputou comigo.
E mesmo se minha virtude fosse posta em dúvida, ainda assim seria superior pelo nascimento, eu que sou filho de Télamon, que tomou as muralhas de Troia sob o comando do valoroso Hércules e, com um navio feito em Págasa, chegou às costas da Cólquida. O pai dele é Éaco, o que julga as sombras silenciosas lá, onde uma grande rocha pesa sobre Sísifo, filho de Éolo. Como Júpiter, o superior entre os deuses, reconheceu Éaco como seu filho, Ájax é o bisneto do deus. Mas não precisais considerar minha linhagem como argumento para minha causa, ó aqueus, porque já há um parentesco direto entre mim e o grande Aquiles: ele era meu primo! São os bens do meu primo que eu reclamo! Que razão há para que tu, nascido do sangue de Sísifo e a ele muito semelhante por teus ardis fraudulentos, envolvas os Eácidas com o nome de uma família a eles estranha?
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An quod in arma prior nulloque sub indice veni, arma neganda mihi, potiorque videbitur ille, ultima qui cepit detrectavitque furore militiam ficto, donec sollertior isto et sibi inutilior timidi commenta retexit Naupliades animi vitataque traxit ad arma? Optima num sumat, quia sumere noluit ulla: nos inhonorati et donis patruelibus orbi, obtulimus quia nos ad prima pericula, simus?
Ou, por acaso, é porque fui o primeiro a me apresentar à guerra, voluntariamente, que estas armas me devem ser negadas? E deve ser considerado como superior a mim o homem que foi o último a se apresentar e que tentou se furtar aos combates, fingindo estar louco, até que Palamedes, filho de Náuplio, mais sagaz do que este aí, mas menos útil a si mesmo, expôs seu plano covarde e o arrastou às armas, que ele evitava? Acaso ele deve receber as melhores armas porque não quis pegar nenhuma? E eu, desonrado, devo ser privado dos bens do meu primo porque fui o primeiro a enfrentar os perigos?
Atque utinam aut verus furor ille, aut creditus esset, nec comes hic Phrygias umquam venisset ad arces hortator scelerum. Non te, Poeantia proles, expositum Lemnos nostro cum crimine haberet! Qui nunc, ut memorant, silvestribus abditus antris saxa moves gemitu Laertiadaeque precaris quae meruit: quae, si di sunt, non vana precaris! Et nunc ille eadem nobis iuratus in arma, heu! pars una ducum, quo successore sagittae Herculis utuntur, fractus morboque fameque velaturque aliturque avibus, volucresque petendo debita Troianis exercet spicula fatis. Ille tamen vivit, quia non comitavit Ulixen; mallet et infelix Palamedes esse relictus: viveret aut certe letum sine crimine haberet! Quem male convicti nimium memor iste furoris prodere rem Danaam finxit fictumque probavit crimen et ostendit, quod iam praefoderat, aurum. Ergo aut exsilio vires subduxit Achivis, aut nece: sic pugnat, sic est metuendus Ulixes.
Antes fosse verdadeira a sua loucura, ou antes tivéssemos nós acreditado nela e, assim, este conselheiro de crimes nunca teria nos acompanhado até a cidadela frígia. A ti, Filoctetes, filho de Peante, nós não teríamos abandonado – vergonha nossa! – em Lemnos. E hoje tu, conforme relatam, escondido em grutas das florestas, comoves as pedras com tuas lamentações e pedes que o filho de Laerte tenha o que merece – o que não pedirá em vão, se existem deuses. E agora, aquele que, diante das armas, fez o mesmo juramento que nós, um dos líderes, que usa as flechas herdadas de Hércules, esgotado pela doença e pela fome, alimenta-se de aves e se veste com suas penas, persegue pássaros com as armas que o destino havia destinado aos troianos. Mas ao menos ele vive, pois não acompanhou Ulisses. Se o infeliz Palamedes tivesse preferido ser abandonado também, ele ainda viveria, ou teria morrido sem desonra! Pois este aí, que não esqueceu aquele que teve a infelicidade de expor a sua simulada loucura, inventou que Palamedes traía a causa dos dânaos e provou o seu falso crime, indicando o ouro, que ele mesmo havia escondido sob a terra. Portanto, seja pela morte, seja pelo exílio, ele reduz as forças dos argivos. É assim que Ulisses combate, é por isso que ele é temido.
Qui licet eloquio fidum quoque Nestora vincat, haud tamen efficiet, desertum ut Nestora crimen esse rear nullum. Qui cum imploraret Ulixem vulnere tardus equi fessusque senilibus annis, proditus a socio est. Non haec mihi crimina fingi scit bene Tydides, qui nomine saepe vocatum
Mesmo se este aí superasse o fiel Nestor em eloquência, ainda não conseguiria me convencer de que o abandono deste foi involuntário. Embaraçado pelo ferimento de seu cavalo e já cansado pela idade avançada, foi deixado para trás por seu companheiro Ulisses. O filho de Tideu bem sabe que eu não estou inventando esse fato, pois ele gritou muitas vezes o nome de Ulisses, expondo e censurando a fuga do amigo covarde. Os
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corripuit trepidoque fugam exprobravit amico. Adspiciunt oculis superi mortalia iustis! En eget auxilio, qui non tulit, utque reliquit, sic linquendus erat: legem sibi dixerat ipse. Conclamat socios: adsum videoque trementem pallentemque metu et metuentem morte futura; opposui molem clipei texique iacentem servavique animam (minimum est hic laudis) inertem. Si perstas certare, locum redeamus in illum: redde hostem vulnusque tuum solitumque timorem post clipeumque late et mecum contende sub illo! At postquam eripui, cui standi vulnera vires non dederant, nullo tardatus vulnere fugit. Hector adest secumque deos in proelia ducit, quaque ruit, non tu tantum terreris, Ulixe, sed fortes etiam: tantum trahit ille timoris. Hunc ego sanguineae successu caedis ovantem eminus ingenti resupinum pondere fudi, hunc ego poscentem, cum quo concurreret, unus sustinui, sortemque meam vovistis, Achivi, et vestrae valuere preces! Si quaeritis huius fortunam pugnae, non sum superatus ab illo. Ecce ferunt Troes ferrumque ignesque Iovemque in Danaas classes: ubi nunc facundus Ulixes? Nempe ego mille meo protexi pectore puppes, spem vestri reditus: date pro tot navibus arma! Quod si vera licet mihi dicere, quaeritur istis, quam mihi, maior honos, coniunctaque gloria nostra est, atque Aiax armis, non Aiaci arma petuntur. Conferat his Ithacus Rhesum imbellemque Dolona Priamidenque Helenum rapta cum Pallade captum: luce nihil gestum est, nihil est Diomede remoto. Si semel ista datis meritis tam vilibus arma, dividite, et pars sit maior Diomedis in illis! Quo tamen haec Ithaco, qui clam, qui semper inermis rem gerit et furtis incautum decipit hostem? Ipse nitor galeae claro radiantis ab auro insidias prodet manifestabitque latentem.
deuses, porém, observam com seus olhos justos as ações dos mortais! Eis que agora precisa de socorro aquele que não socorreu. Assim como abandonou Nestor, Ulisses deveria igualmente ser abandonado – ele próprio abrira um precedente. Ele chama pelos seus companheiros; estou próximo e vejo-o, tremendo, pálido de terror e agitado pela morte vindoura. Com meu escudo, protegi o seu corpo deitado no chão e, com isso, salvei aquela alma incapaz – ação pouco digna de glória. Se ainda assim queres continuar a disputar estas armas comigo, voltemos àquele lugar: diante do inimigo, com o teu ferimento e tua covardia habitual, esconde-te atrás de meu escudo e, ali embaixo, discute comigo. E depois que o tirei dali, o mesmo homem a quem os ferimentos subtraíram as forças fugiu como se estivesse ileso. Heitor apresenta-se e, com ele, traz os deuses para a batalha. Por onde passa, não somente tu, Ulisses, tremes de medo, mas mesmo os corajosos, tal era o terror que ele inspira. E enquanto ele se regozijava pelo sucesso de sangue e de morticínio, eu o derrubei, de longe, arremessando uma grande pedra. Quando ele pediu alguém contra quem lutar, eu fui o único a enfrentálo – desejastes que a sorte recaísse sobre mim, ó aqueus, e os deuses ouviram suas preces. Se me perguntardes qual foi o resultado do combate: não fui vencido por ele. E eis que os troianos atacam os navios argivos com ferro, fogo e com a força de Júpiter. Onde está agora o eloquente Ulisses? Em verdade, com o meu peito, protegi mil naus, a esperança de vosso retorno: dai-me estas armas em troca de tantos navios. Para dizer a verdade, é maior honra para elas do que para mim, nossa glória está unida e, de fato, são as armas que reclamam Ájax, e não Ájax que reclama as armas. Que o rei de Ítaca compare a meus feitos os seus sucessos sobre Reso, o fraco Dolon, Heleno, filho de Príamo, e o roubo do Paládio – nada feito sob a luz do dia, nada feito sem a ajuda de Diomedes. Se, por méritos tão vis, concederdes as armas a Ulisses, então as dividi e dai o melhor quinhão a Diomedes. Para que dar estas armas ao rei de Ítaca, que age sempre desarmado e às escondidas e que surpreende ardilosamente seu incauto inimigo? O brilho deste elmo de ouro radiante entregará seus planos e mostrará seu esconderijo. Sua cabeça dulíquia não suportará o peso do capacete de
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Sed neque Dulichius sub Achillis casside vertex pondera tanta feret, nec non onerosa gravisque Pelias hasta potest imbellibus esse lacertis, nec clipeus vasti concretus imagine mundi conveniet timidae nataeque ad furta sinistrae: debilitaturum quid te petis, Improbe, munus? Quod tibi si populi donaverit error Achivi, cur spolieris, erit, non cur metuaris ab hoste, et fuga, qua sola cunctos, timidissime, vincis, tarda futura tibi est gestamina tanta trahenti. Adde quod iste tuus, tam raro proelia passus, integer est clipeus: nostro, qui tela ferendo mille patet plagis, novus est successor habendus.
Aquiles e seus braços fracos mal aguentarão a pesada lança, fabricada no monte Pélion. Nem o escudo, ornado com a imagem do vasto mundo, convirá à sua temerosa mão esquerda, destinada a seus sinistros ardis. Como desejas, ó infeliz, um bem que te há de enfraquecer? Um bem que, se um erro do povo argivo te conceder, fará com que morras espoliado e não com que teu inimigo te temas. E a fuga, arte na qual vences a todos, ó mais covarde dentre os homens, há de ser muito mais difícil sob o peso destas armas. E, além do mais, este teu escudo, tão pouco exposto aos combates, está novo. O meu, que mostra mil cicatrizes das lanças que recebeu, precisa de um sucessor.
Denique (quid verbis opus est?) spectemur agendo! Arma viri fortis medios mittantur in hostes: inde iubete peti et referentem ornate relatis?” Finierat Telamone satus vulgique secutum ultima murmur erat, donec Laertius heros adstitit atque oculos paulum tellure moratos sustulit ad proceres exspectatoque resolvit ora sono; neque abest facundis gratia dictis.
Finalmente – e qual a necessidade de palavras? – que nós sejamos observados em ação: que se joguem as armas do herói em meio aos inimigos e, em seguida, ordenai-nos que as busquemos e entregai-as ao que as trouxer de volta.” O filho de Télamon concluíra seu discurso e um murmúrio vindo do povo seguiu-se a suas últimas palavras. Então o herói, filho de Laerte, levantouse, repousou brevemente seu olhar no chão, depois os fixou nos líderes e atendeu à expectativa geral com o seu esperado discurso, ao qual não faltou eloquência.
“Si mea cum vestris valuissent vota, Pelasgi, non foret ambiguus tanti certaminis heres, tuque tuis armis, nos te poteremur, Achille. Quem quoniam non aequa mihi vobisque negarunt fata” (manuque simul veluti lacrimantia tersit lumina), “quis magno melius succedit Achilli, quam per quem magnus Danais successit Achilles? Huic modo ne prosit, quod, uti est, hebes esse videtur, neve mihi noceat, quod vobis semper, Achivi, profuit ingenium, meaque haec facundia, siqua est, quae nunc pro domino, pro vobis saepe locuta est, invidia careat, bona nec sua quisque recuset.
“Se as nossas preces – as vossas e as minhas – tivessem sido ouvidas, pelasgos, não haveria de ser incerto o herdeiro destas armas, sobre as quais se promove esta tão grande disputa, pois tu ainda terias as tuas armas, Aquiles, e nós teríamos a ti. Mas já que o destino malévolo privou-nos, a mim e a vós, de sua presença – disse e, ao mesmo tempo, enxugou seus olhos como se chorasse –, quem mais pode herdar as armas do grande Aquiles, senão aquele que trouxe o grande Aquiles aos argivos? Que ao meu oponente não beneficie apenas o fato de parecer tão obtuso, como é de fato, e nem a mim prejudique o engenho, que sempre vos foi útil. E que esteja livre de ódios esta minha eloquência, se existe realmente, e que agora está a favor de seu dono mas que esteve tantas vezes a vosso favor – ninguém deve abrir mão de seus próprios dons.
Nam genus et proavos et quae non fecimus ipsi, vix ea nostra voco; sed enim quia rettulit Aiax
Minha família, meus antepassados e as ações em que eu próprio não tive parte não invoco como argumentos; mas já que Ájax mencionou ser o
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esse Iovis pronepos, nostri quoque sanguinis auctor Iuppiter est, totidemque gradus distamus ab illo. Nam mihi Laertes pater est, Arcesius illi, Iuppiter huic, neque in his quisquam damnatus et exsul. Est quoque per matrem Cyllenius addita nobis altera nobilitas: deus est in utroque parente. Sed neque materno quod sum generosior ortu, nec mihi quod pater est fraterni sanguinis insons, proposita arma peto: meritis expendite causam, dummodo, quod fratres Telamon Peleusque fuerunt, Aiacis meritum non sit nec sanguinis ordo, sed virtutis honor spoliis quaeratur in istis! Aut si proximitas primusque requiritur heres, est genitor Peleus, est Pyrrhus filius illi. Quis locus Aiaci? Phthiam haec Scyrumve ferantur! Nec minus est isto Teucer patruelis Achilli: num petit ille tamen? num si petat, auferat illa?
bisneto de Júpiter, o mesmo Júpiter também é o fundador de minha raça. Com efeito, eu sou um descendente dele no mesmo grau que meu adversário, pois meu pai é Laertes, Arcésio foi o seu pai e Júpiter é o pai deste. E entre estes não há condenados ou exilados. Uma outra nobreza, por parte de mãe, devo ao deus do monte Cilene: tenho ascendência divina por ambos os lados. Mas não reclamo estas armas porque sou mais nobre do que Ájax pelo lado materno ou porque meu pai é inocente do sangue de seu irmão: julgai esta causa pelos nossos méritos pessoais. O fato de Télamon e Peleu serem irmãos não deve beneficiar Ájax; não a origem, mas sim a honra deve se considerar na hora de julgar o ganhador deste espólio. Ora, se o que está em causa é a proximidade de parentesco e o herdeiro necessário, o pai de Aquiles é Peleu e Pirro é seu filho: que lugar há para Ájax? Enviem estas armas a Ftia ou a Ciros! E Teucro é primo de Aquiles assim como Ájax: acaso ele reclama alguma herança? Acaso conseguirá estas armas se as reclamar? Assim, visto que este é um debate meramente sobre nossas ações, eu afirmo que realizei mais do que está em meu alcance expressar nestas minhas palavras. Contudo seguirei a ordem dos acontecimentos.
Ergo operum quoniam nudum certamen habetur: plura quidem feci, quam quae comprendere dictis in promptu mihi sit; rerum tamen ordine ducar. Praescia venturi genetrix Nereia leti dissimulat cultu natum, et deceperat omnes, in quibus Aiacem, sumptae fallacia vestis. Arma ego femineis animum motura virilem mercibus inserui, neque adhuc proiecerat heros virgineos habitus, cum parmam hastamque tenenti ‘nate dea,’ dixi ‘tibi se peritura reservant Pergama! quid dubitas ingentem evertere Troiam?’ iniecique manum fortemque ad fortia misi. Ergo opera illius mea sunt: ego Telephon hasta pugnantem domui, victum orantemque refeci; quod Thebae cecidere, meum est, me credite Lesbon, me Tenedon Chrysenque et Cillan, Apollinis urbes, et Scyrum cepisse, mea concussa putate procubuisse solo Lyrnesia moenia dextra, utque alias taceam, qui saevum perdere posset
A ninfa Nereide, mãe de Aquiles, previu a morte do filho e disfarçou o recém-nascido com roupas femininas e enganou todos com o disfarce, inclusive Ájax. Fui eu que introduzi, entre os apetrechos de mulher, armas para motivarem seu espírito masculino. E, ainda vestido como uma virgem, Aquiles empunhou o pequeno escudo e a lança, quando eu lhe disse: ‘Ó, filho de uma deusa, Pérgamo aguarda para ser destruída por ti! O que esperas para aniquilar a imensa Tróia?’ Pus minha mão sobre ele e enviei o herói aos feitos heroicos. Logo, as suas façanhas são minhas: minha lança venceu Télefo em combate, eu poupei sua vida quando ele me implorou, vencido. Se Tebas foi vencida, foi graças a mim! E, acreditai em mim, fui eu quem capturou Lesbos, e também capturei Tênedos, Crisa e Cila, cidades de Apolo, e também Ciros. E considerai que foi por minha mão que as muralhas de Lirnesso foram derrubadas. E, para calar os demais feitos, fui eu, sem dúvida, que vos dei o único homem que poderia derrubar o cruel Heitor: é graças a mim que o ínclito Heitor está morto. Reclamo estas armas em troca daquelas, por meio das quais Aquiles foi descoberto: dei-as a ele, enquanto vivia, agora, que ele cumpriu seu destino terreno, exijo-as de novo.
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Hectora, nempe dedi: per me iacet inclitus Hector. Illis haec armis, quibus est inventus Achilles, arma peto: vivo dederam, post fata reposco. — Ut dolor unius Danaos pervenit ad omnes Aulidaque Euboicam complerunt mille carinae, exspectata diu, nulla aut contraria classi flamina erant, duraeque iubent Agamemnona sortes inmeritam saevae natam mactare Dianae. Denegat hoc genitor divisque irascitur ipsis atque in rege tamen pater est. Ego mite parentis ingenium verbis ad publica commoda verti. Nunc equidem (fateor, fassoque ignoscat Atrides!) difficilem tenui sub iniquo iudice causam. Hunc tamen utilitas populi fraterque datique summa movet sceptri, laudem ut cum sanguine penset. Mittor et ad matrem, quae non hortanda, sed astu decipienda fuit: quo si Telamonius isset, orba suis essent etiamnum lintea ventis. Mittor et Iliacas audax orator ad arces, visaque et intrata est altae mihi curia Troiae (plenaque adhuc erat illa viris), interritus egi, quam mihi mandarat communis Graecia causam, accusoque Parim praedamque Helenamque reposco et moveo Priamum Priamoque Antenora iunctum. At Paris et fratres et qui rapuere sub illo, ni tenuere manus (scis hoc, Menelae) nefandas, primaque lux nostri tecum fuit illa pericli.
Quando a dor de um só homem atingiu todos os dânaos, mil navios encheram Áulis, em frente à ilha de Eubeia, e o vento, por muito tempo esperado, ou não soprou ou foi contrário à esquadra, um oráculo severo ordenou que Agamêmnon sacrificasse sua filha inocente à cruel Diana. Este se recusa a fazê-lo e revolta-se contra os deuses, pois, ainda que rei, era pai. Eu, com minhas palavras, converti o terno coração do pai para o bem comum: sem dúvida, foi uma causa difícil – confesso e peço desculpas ao Atrida – e o juiz, parcial. Contudo, a utilidade pública, o irmão e o poder que lhe fora confiado o convencem a pagar a glória com o seu próprio sangue. E também fui enviado para a mãe da vítima, a quem, não se podendo persuadir, só restava enganar por meio de um ardil. Se o filho de Télamon tivesse ido até ela, nossas velas ainda estariam esperando os ventos.
Longa referre mora est, quae consilioque manuque utiliter feci spatiosi tempore belli. Post acies primas urbis se moenibus hostes continuere diu, nec aperti copia Martis ulla fuit: decimo demum pugnavimus anno. Quid facis interea, qui nil nisi proelia, nosti? Quis tuus usus erat? Nam si mea facta requiris, hostibus insidior, fossas munimine cingo, consolor socios, ut longi taedia belli mente ferant placida, doceo, quo simus alendi
Levaria muito tempo consignar tudo aquilo que realizei, seja por intermédio de minha estratégia, seja por minhas próprias mãos, durante o curso desta longa guerra. Após as primeiras batalhas, os inimigos se fecharam por muito tempo nas muralhas da cidade e não houve qualquer oportunidade de combate frontal e, finalmente, depois de nove anos, nós combatemos. Que fizestes nesse meio tempo, tu que só conheces o combate corpo a corpo? Qual era tua utilidade? Se perguntares o que fiz: preparei emboscadas para os inimigos, protegi nossas fortificações com uma fossa, consolei nossos aliados para que suportassem o aborrecimento de uma longa guerra com o espírito tranquilo, ensinei de que forma nos alimentarmos e
E também fui enviado para a cidadela de Ílion, vi e entrei no Senado da fortaleza de Troia: ainda estava cheio de homens. Sem temor, defendi a causa comum que a Grécia me confiou: acuso Páris, reclamo Helena e o butim e convenço tanto Príamo, quanto Antenor, ligado a este. Mas Páris, seus irmãos e seus colegas de rapinas mal conseguiram conter suas mãos criminosas – bem o sabes, Menelau – e, este dia foi o primeiro em que compartilhei um perigo contigo.
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armandique modo, mittor, quo postulat usus.
nos armarmos, fui mandado para onde a necessidade exigia.
Ecce Iovis monitu, deceptus imagine somni, rex iubet incepti curam dimittere belli. Ille potest auctore suam defendere vocem: non sinat hoc Aiax delendaque Pergama poscat, quodque potest, pugnet! Cur non remoratur ituros? Cur non arma capit? det, quod vaga turba sequatur! Non erat hoc nimium numquam nisi magna loquenti. Quid quod et ipse fugit? Vidi, puduitque videre, cum tu terga dares inhonestaque vela parares. Nec mora, “quid facitis? quae vos dementia” dixi “concitat, o socii? captam dimittite Troiam! Quidve domum fertis decimo, nisi dedecus, anno?” Talibus atque aliis, in quae dolor ipse disertum fecerat, aversos profuga de classe reduxi. Convocat Atrides socios terrore paventes; nec Telamoniades etiam nunc hiscere quicquam audet, at ausus erat reges incessere dictis Thersites etiam, per me haud impune protervus! Erigor et trepidos cives exhortor in hostem amissamque mea virtutem voce reposco. Tempore ab hoc, quodcumque potest fecisse videri fortiter iste, meum est, qui dantem terga retraxi.
E eis que, por conselho de Júpiter, nosso rei, enganado por um falso sonho, ordena abandonar a guerra começada. Ele tinha, para justificar sua ordem, a autoridade do deus. Que Ájax não o permita e que exija que Tróia seja destruída, e que lute, o que sabe fazer. Por que ele não impede os que estavam prontos a partir? Por que não toma armas e dá um exemplo a seguir pela multidão? Seria pedir muito de alguém que nunca fala, a não ser para se vangloriar? O quê? Ele próprio também está fugindo? Sim, eu vi e tive vergonha de ver quando tu deste as costas e preparaste as velas desonrosas. Sem demora, disse: ‘O que fazeis, companheiros, que loucura vos leva a deixar Troia, já praticamente derrotada e, depois de nove anos, o que levareis para a casa a não ser a desonra?’ Por tais palavras e por outras, que minha própria emoção tornava eloquentes, trouxe de volta os fugitivos da frota pronta a partir. O filho de Atreu convoca os seus aliados, tomados pelo medo – e nem nessa ocasião o filho de Télamon ousa abrir a boca, mas Térsites ousou atacar os reis por suas palavras, audácia que não deixei impune! Ergo-me e incito contra o inimigo os cidadãos alarmados e, com minha voz, restituo a coragem perdida. A partir desse momento, todos os feitos de Ájax são meus, já que eu o arrastei de volta, quando fugia.
Denique de Danais quis te laudatve petitve? At sua Tydides mecum communicat acta, me probat et socio semper confidit Ulixe. Est aliquid, de tot Graiorum milibus unum a Diomede legi (nec me sors ire iubebat!), si tamen et spreto noctisque hostisque periclo ausum eadem, quae nos, Phrygia de gente Dolona interimo, non ante tamen, quam cuncta coegi prodere, et edidici, quid perfida Troia pararet. Omnia cognoram, nec, quod specularer, habebam, et iam promissa poteram cum laude reverti. Haud contentus eo petii tentoria Rhesi inque suis ipsum castris comitesque peremi atque ita captivo victor votisque potitus
E finalmente, quem entre os dânaos te louva ou busca tua companhia? Mas o filho de Tideu me associa a suas façanhas, aprova-me e está sempre confiante quando tem por companheiro Ulisses. É alguma coisa ser escolhido por Diomedes entre tantos milhares de gregos, e não é a sorte que me ordena acompanhá-lo! Assim, desprezando os perigos oferecidos pela noite e pelo inimigo, matei Dolon, que tentava o mesmo que nós, não sem antes obrigá-lo a me contar tudo o que a pérfida Troia planejava. Já havia chegado a meu objetivo e não tinha mais nada a espionar; poderia já retornar e ter a glória prometida. Não contente, rumei para a tenda de Reso e em seu acampamento matei-o, junto com seus acompanhantes. E assim, vitorioso e tendo obtido o que queria, retornei em um carro de guerra capturado, imitando um alegre triunfo. Negai-me as armas de Aquiles, cujos cavalos o inimigo pedia como o preço de uma noite – Ájax teria sido mais generoso.
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ingredior curru laetos imitante triumphos; cuius equos pretium pro nocte poposcerat hostis, arma negate mihi, fueritque benignior Aiax! 255
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Quid Lycii referam Sarpedonis agmina ferro devastata meo? Cum multo sanguine fudi Coeranon Iphitiden et Alastoraque Chromiumque Alcandrumque Haliumque Noemonaque Prytanimque, exitioque dedi cum Chersidamante Thoona et Charopem fatisque inmitibus Ennomon actum quique minus celebres nostra sub moenibus urbis procubuere manu. Sunt et mihi vulnera, cives, ipso pulchra loco; nec vanis credite verbis: adspicite en!” vestemque manu deduxit et “haec sunt pectora semper” ait “vestris exercita rebus. At nil impendit per tot Telamonius annos sanguinis in socios et habet sine vulnere corpus!
Por que mencionar as tropas do lício Sarpédon, que devastei com minha espada? Derramando muito sangue, venci Cérano, filho de Ífito e dei fim a Alastor, a Crômio, a Alcandro, a Hálio, a Noêmon e a Prítanis, junto com Quersidamante e Tôon, e a Cárope e Ênomo, impelidos todos pelo implacável destino, e outros, menos célebres, que caíram pela minha mão sob as muralhas da cidade. E, além disso, tenho cicatrizes, ó cidadãos, honradas pelo próprio lugar em que se encontram: não creiais em palavras vazias, olhai! – e com a mão ele puxa a veste – eis aqui, o peito que sempre lutou por vossa causa! Mas o filho de Télamon, em todos estes anos, não derramou nenhuma gota de sangue por seus aliados e não carrega cicatrizes em seu corpo!
Quid tamen hoc refert, si se pro classe Pelasga arma tulisse refert contra Troasque Iovemque? Confiteorque, tulit (neque enim benefacta maligne detractare meum est), sed ne communia solus occupet atque aliquem vobis quoque reddat honorem, reppulit Actorides sub imagine tutus Achillis Troas ab arsuris cum defensore carinis. Ausum etiam Hectoreis solum concurrere telis se putat, oblitus regisque ducumque meique, nonus in officio et praelatus munere sortis. Sed tamen eventus vestrae, fortissime, pugnae quis fuit? Hector abit violatus vulnere nullo!
De que serve que ele diga que tomou armas para defender a esquadra dos pelasgos contra Troia e Júpiter? Admito, ele o fez, pois não é de meu feitio depreciar as boas ações. Mas que não ocupe sozinho o lugar de todos e que conceda também a vós alguma honra. Pátroclo, descendente de Áctor, seguro sob a aparência de Aquiles, repeliu os troianos das embarcações, que queimariam junto com seu defensor. Ájax pensa mesmo que foi o único a combater Heitor com a lança, esquecendo-se do rei, dos comandantes e de mim e, em verdade, foi o nono a fazê-lo e só o fez antes de mim por encargo da sorte. E, contudo, qual foi o resultado da vossa luta, ó mais valente entre os homens? Heitor se safou sem nenhum ferimento.
Me miserum, quanto cogor meminisse dolore temporis illius, quo Graium murus, Achilles procubuit! Nec me lacrimae luctusque timorque tardarunt, quin corpus humo sublime referrem. His umeris, his, inquam, umeris ego corpus Achillis. et simul arma tuli, quae nunc quoque ferre laboro! Sunt mihi, quae valeant in talia pondera, vires, est animus certe vestros sensurus honores.
Ai de mim, quanta dor em me lembrar da ocasião em que caiu morto Aquiles, o baluarte dos gregos! Mas nem as lágrimas, ou o pesar, ou o temor me impediram de erguer do chão seu sublime corpo: sobre estes ombros, estes meus ombros, eu carreguei o corpo de Aquiles e suas armas, as mesmas que agora eu almejo carregar. Eu tenho forças suficientes para suportar tal peso e tenho um coração que certamente há de reconhecer a honra que me concedeis. Evidentemente era a ambição de sua imortal mãe que as armas de seu filho Aquiles, um presente celeste, uma obra de tanta
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Scilicet idcirco pro nato caerula mater ambitiosa suo fuit, ut caelestia dona, artis opus tantae, rudis et sine pectore miles indueret? neque enim clipei caelamina novit, Oceanum et terras cumque alto sidera caelo Pleiadasque hyadasque inmunemque aequoris arcton diversasque urbes nitidumque Orionis ensem: postulat, ut capiat, quae non intelligit, arma!
perfeição, fossem usadas por um rude soldado sem inteligência? Com efeito, ele desconhece as figuras cinzeladas no escudo: o oceano, a terra e o alto céu estrelado; as Plêiades e as Híades e a Ursa, intocada pelo mar; diversas cidades e a brilhante espada de Órion. Ele reclama armas que não compreende!
Quid quod me duri fugientem munera belli arguit incepto serum accessisse labori, nec se magnanimo maledicere sentit Achilli? Si simulasse vocas crimen, simulavimus ambo; si mora pro culpa est, ego sum maturior illo. Me pia detinuit coniunx, pia mater Achillem, primaque sunt illis data tempora, cetera vobis. Haud timeo, si iam nequeam defendere, crimen cum tanto commune viro: deprensus Ulixis ingenio tamen ille, at non Aiacis Ulixes!
E ele me acusa de ter fugido das obrigações da terrível guerra e de ter chegado tardiamente ao esforço já começado mas não percebe que ele próprio injuria o grande Aquiles? Se dizes que fingir é um crime, Aquiles e eu fingimos; se tenho culpa por ter chegado tarde, ele chegou depois de mim. Uma esposa devotada me deteve, uma devotada mãe deteve Aquiles; mas só lhes demos os primeiros dias de guerra, os restantes foram para vós. Não temo se já não conseguir me defender do mesmo crime em que um tão grande herói também incorreu: este foi descoberto pelo engenho de Ulisses, mas Ulisses não foi descoberto por Ájax.
Neve in me stolidae convicia fundere linguae admiremur eum, vobis quoque digna pudore obicit. An falso Palameden crimine turpe est accusasse mihi, vobis damnasse decorum? Sed neque Naupliades facinus defendere tantum tamque patens valuit, nec vos audistis in illo crimina: vidistis, pretioque obiecta patebant.
Não nos admiremos que ele derrame sobre mim as estúpidas recriminações de sua boca, pois também vós sois alvo de suas infâmias. Pois se para mim seria um terrível delito ter acusado falsamente Palamedes, para vós tê-lo condenado teria sido uma ação vergonhosa. E, no entanto, nem o filho de Náuplio conseguiu se defender de um crime tamanho e tão evidente, nem vós julgastes somente pelo que ouvistes: vós mesmos vistes, a acusação ficou evidente pelo ouro.
Nec Poeantiaden quod habet Vulcania Lemnos, esse reus merui: factum defendite vestrum, consensistis enim. Nec me suasisse negabo, ut se subtraheret bellique viaeque labori temptaretque feros requie finire dolores. Paruit et vivit! Non haec sententia tantum fida, sed et felix, cum sit satis esse fidelem. Quem quoniam vates delenda ad Pergama poscunt, ne mandate mihi: melius Telamonius ibit eloquioque virum morbis iraque furentem molliet aut aliqua producet callidus arte.
E eu não tenho culpa se Filoctetes, filho de Peante, ficou em Lemnos, cara a Vulcano – defendei-vos do que fizestes, pois vós consentistes! E não vou negar que o aconselhei a se poupar do peso da viagem e da guerra e a tentar curar suas atrozes dores pelo repouso. Ele consentiu e está vivo! E o meu conselho não foi somente bem intencionado, como também se revelou sábio – e, contudo, bastaria que fosse somente bem intencionado. E não me encarregai de buscá-lo, agora que os vates reclamam-no para a ruína de Troia. É melhor que o filho de Télamon vá e, com sua eloquência, acalme o homem furioso pela ira e pela doença ou que, por algum outro artifício, traga-o de volta. O rio Símois correrá para sua nascente, o monte Ida perderá sua folhagem e a Grécia prometerá sua ajuda à Troia, antes que, cessando o
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Ante retro Simois fluet et sine frondibus Ide stabit et auxilium promittet Achaia Troiae, quam, cessante meo pro vestris pectore rebus, Aiacis stolidi Danais sollertia prosit! Sis licet infestus sociis regique mihique, dure Philoctete, licet exsecrere meumque devoveas sine fine caput cupiasque dolenti me tibi forte dari nostrumque haurire cruorem, utque tui mihi, sic fiat tibi copia nostri: te tamen adgrediar mecumque reducere nitar, tamque tuis potiar (faveat Fortuna!) sagittis, quam sum Dardanio, quem cepi, vate potitus, quam responsa deum Troianaque fata retexi, quam rapui Phrygiae signum penetrale Minervae hostibus e mediis. Et se mihi comparat Aiax? Nempe capi Troiam prohibebant fata sine illo: fortis ubi est Aiax? Ubi sunt ingentia magni verba viri? Cur hic metuis? cur audet Ulixes ire per excubias et se committere nocti perque feros enses non tantum moenia Troum, verum etiam summas arces intrare suaque eripere aede deam raptamque adferre per hostes? Quae nisi fecissem, frustra Telamone creatus gestasset laeva taurorum tergora septem. Illa nocte mihi Troiae victoria parta est, Pergama tunc vici, cum vinci posse coegi! Desine Tydiden vultuque et murmure nobis ostentare meum: pars est sua laudis in illo. Nec tu, cum socia clipeum pro classe tenebas, solus eras: tibi turba comes, mihi contigit unus. Qui nisi pugnacem sciret sapiente minorem esse nec indomitae deberi praemia dextrae, ipse quoque haec peteret, peteret moderatior Aiax Eurypylusque ferox claroque Andraemone natus, nec minus Idomeneus patriaque creatus eadem Meriones, peteret maioris frater Atridae: quippe manu fortes nec sunt tibi Marte secundi,
meu zelo pelos vossos interesses, o engenho do estúpido Ájax seja útil aos argivos. Ainda que sejas hostil aos aliados, ao rei e a mim, ó insensível Filoctetes; ainda que me execres e que me amaldiçoes incessantemente pelos deuses infernais; ainda que queiras o meu sangue e que desejes que eu lhe seja submetido, como tu estiveste a mim, e que queiras o meu sangue, ainda assim eu te alcançarei e conseguirei trazer-te comigo. Se a Fortuna me favorecer, eu hei de me apoderar de suas flechas, assim como me apoderei do vate dardânio, que fiz prisioneiro, assim como descobri os divinos oráculos e o destino de Troia, assim como tomei a estátua da Minerva frígia de seu santuário, entre todos os inimigos. E Ájax se compara a mim? Com efeito, o destino impedia que Troia fosse vencida, a menos que conseguíssemos a estátua. E onde está o corajoso Ájax? Onde estão as magníficas façanhas do grande herói? Por que ficaste aqui tremendo enquanto Ulisses ousou sair do acampamento e se aventurar na noite e, diante das espadas hostis, penetrou não somente nas muralhas de Troia, mas ainda em sua cidadela, e raptou a deusa de dentro de seu próprio templo e a trouxe entre os inimigos? Se não tivesse feito isso, em vão usaria o filho de Télamon sobre o braço esquerdo o couro de sete touros. Foi naquela noite que garanti a vitória sobre Troia: venci Pérgamo quando tornei a vitória possível.
Chega de nos indicar, por tua face e por teus murmúrios, o meu querido Diomedes, filho de Tideu: ele tem uma parte na glória da façanha. Mas tu, quando defendeste com teu escudo a esquadra dos aliados, não estavas sozinho: uma multidão te acompanhava; eu contava com apenas um. E se ele não soubesse que o homem guerreiro é inferior ao homem sábio e que um braço indômito não dá direito a prêmios, ele mesmo também pediria estas armas. O outro Ájax, mais modesto que tu, também as reclamaria, assim como o indomável Eurípilo e o ilustre Toante, filho de Andrêmon, e não ficariam atrás Idomeneu e Meríones, nascidos na mesma pátria. Menelau, irmão mais novo do Atrida, também as reclamaria. Todos esses homens, ainda que fortes e não inferiores a mim nas batalhas, cederam a meus
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consiliis cessere meis. Tibi dextera bello utilis: ingenium est, quod eget moderamine nostro; tu vires sine mente geris, mihi cura futuri; tu pugnare potes, pugnandi tempora mecum eligit Atrides; tu tantum corpore prodes, nos animo; quantoque ratem qui temperat, anteit remigis officium, quanto dux milite maior, tantum ego te supero; nec non in corpore nostro pectora sunt potiora manu: vigor omnis in illis.
conselhos. Tua mão direita é útil durante a batalha, mas a teu espírito falta a minha direção; tu tens a força sem a inteligência, eu tenho a prudência; tu és capaz no combate, mas Agamêmnon, filho de Atreu, decide comigo a hora de travar o combate. Assim como o condutor do navio precede o ofício do remador, assim como o comandante é superior ao soldado, da mesma forma eu te supero. No homem o intelecto tem maior importância do que a mão: toda nossa força está nele.
At vos, o proceres, vigili date praemia vestro, proque tot annorum cura, quibus anxius egi, hunc titulum meritis pensandum reddite nostris. Iam labor in fine est: obstantia fata removi altaque posse capi faciendo Pergama cepi. Per spes nunc socias casuraque moenia Troum perque deos oro, quos hosti nuper ademi, per siquid superest, quod sit sapienter agendum, siquid adhuc audax ex praecipitique petendum est, si Troiae fatis aliquid restare putatis, este mei memores! Aut si mihi non datis arma, huic date!” — et ostendit signum fatale Minervae.
Mas vós, ó chefes, concedei estas armas a vossa sentinela e, por tantos anos de cuidados em que sofri ansioso, dai-me esta honra como recompensa de meus serviços. O nosso esforço já está no fim: suprimi os fados contrários e, fazendo com que Troia pudesse ser conquistada, conquistei-a! Por nossos objetivos comuns, por esta muralha troiana prestes a cair, pelos deuses que há pouco roubei do inimigo, pela sabedoria de que ainda precisaremos para agir, pelas exigências de audácia e de prontidão (se pensais que ainda há chances para Troia), lembrai-vos de mim. E se não for a mim que concederdes as armas, dai-as a esta aqui!” E mostrou a fatal estátua de Minerva.
Mota manus procerum est, et quid facundia posset, re patuit, fortisque viri tulit arma disertus. Hectora qui solus, qui ferrum ignesque Iovemque sustinuit totiens, unam non sustinet iram, invictumque virum vicit dolor: arripit ensem et “meus hic certe est! an et hunc sibi poscit Ulixes? Hoc” ait “utendum est in me mihi, quique cruore saepe Phrygum maduit, domini nunc caede madebit, ne quisquam Aiacem possit superare nisi Aiax.” Dixit et in pectus tum demum vulnera passum, qua patuit ferro, letalem condidit ensem. Nec valuere manus infixum educere telum: expulit ipse cruor, rubefactaque sanguine tellus purpureum viridi genuit de caespite florem, qui prius Oebalio fuerat de vulnere natus;
A assembleia dos chefes convenceu-se e mostrou, por sua decisão, o que o dom da palavra podia conseguir: o eloquente levou as armas do guerreiro. E aquele que, sozinho, por tantas vezes resistiu a Heitor, à espada, aos fogos e a Júpiter, não resistiu a uma só coisa: a ira. E, assim, a dor venceu o herói invicto: ergueu sua espada e disse: “Esta certamente é minha! Acaso Ulisses também deseja esta para si? Eu devo usá-la contra mim mesmo e ela, que já se banhou no sangue dos frígios, agora há de se banhar pela morte do dono, para que ninguém possa vencer Ájax a não ser o próprio Ájax.” Disse e enterrou a espada letal em seu peito, que até então não sofrera ferimentos. Nenhuma mão conseguiu retirar a arma de seu corpo: o sangue, sem auxílio, jorrou e a terra, que ficou vermelha com o líquido vital, gerou em meio à relva verde uma flor púrpura que havia nascido anteriormente da ferida de Jacinto, filho de Ébalo. As letras comuns ao menino e ao homem estão inscritas em suas pétalas, deste lembra o nome, daquele, o lamento.
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Victor ad Hypsipyles patriam clarique Thoantis et veterum terras infames caede virorum vela dat, ut referat Tirynthia tela, sagittas. Quae postquam ad Graios, domino comitante, revexit, imposita estque fero tandem manus ultima bello, Troia simul Priamusque cadunt! Priameia coniunx perdidit infelix hominis post omnia formam externasque novo latratu terruit auras, longus in angustum qua clauditur Hellespontus. Ilion ardebat, neque adhuc consederat ignis, exiguumque senis Priami Iovis ara cruorem combiberat tracta atque comis antistita Phoebi non profecturas tendebat ad aethera palmas. Dardanidas matres patriorum signa deorum, dum licet, amplexas succensaque templa tenentes invidiosa trahunt victores praemia Grai. Mittitur Astyanax illis de turribus, unde pugnantem pro se proavitaque regna tuentem saepe videre patrem monstratum a matre solebat. Iamque viam suadet boreas, flatuque secundo carbasa mota sonant, iubet uti navita ventis. “Troia, vale! rapimur” clamant, dant oscula terrae Troades et patriae fumantia tecta relinquunt. Ultima conscendit classem (miserabile visu!) in mediis Hecube natorum inventa sepulcris: prensantem tumulos atque ossibus oscula dantem Dulichiae traxere manus, tamen unius hausit inque sinu cineres secum tulit Hectoris haustos; Hectoris in tumulo canum de vertice crinem, inferias inopes, crinem lacrimasque reliquit. Est, ubi Troia fuit, Phrygiae contraria tellus,
Hécuba Vencedor, Ulisses navega para a pátria de Hipsípile e do ilustre Toante, terra marcada pela chacina dos homens de outrora, a fim de buscar as flechas de Hércules. Quando ele as trouxe junto com seu possuidor de volta aos gregos, impôs-se um último esforço àquela guerra cruel e Troia caiu ao mesmo tempo em que Príamo. A infeliz esposa de Príamo, após ter perdido tudo, perdeu também a forma humana e agora, com seu latido, aterrorizava os ares de um céu estrangeiro, onde o longo Helesponto se estreita. Ílion ardia e o fogo ainda não havia se acalmado, quando o altar de Júpiter bebeu o sangue que restava ao velho Príamo. Arrastada por seus cabelos, a sacerdotisa de Apolo estendia em vão as mãos para o céu. As matronas dardânidas abraçavam-se enquanto podiam às estatuas dos deuses pátrios dentro dos templos em chamas: elas são logo arrastadas pelos gregos vitoriosos, como prêmios disputados. Astíanax é arremessado da mesma torre de onde sua mãe costumava lhe mostrar o pai, combatendo para defendê-lo e para proteger o reino dos seus ancestrais.
Agora Bóreas aconselha a partida e as velas ressoam, movidas por um vento favorável. O piloto ordena a partida. “Adeus, Troia! Estão nos levando” clamam as troianas, dão beijos na terra e deixam as casas fumegantes de sua pátria. A última a embarcar – triste de se ver! – foi Hécuba, encontrada entre os sepulcros de seus filhos. Enquanto se abraçava aos túmulos e beijava os ossos, ela foi arrastada pelas mãos Ulisses, rei de Dulíquio. Contudo ela ainda pôde colher as cinzas de Heitor e levá-las consigo junto ao peito. No túmulo de Heitor, ela deixou cabelos brancos, tirados de sua cabeça – pobre oferenda: seus cabelos e suas lágrimas.
Do outro lado do estreito, oposto à Frígia, onde se erguia Troia, existe
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Bistoniis habitata viris: Polymestoris illic regia dives erat, cui te commisit alendum clam, Polydore, pater Phrygiisque removit ab armis, consilium sapiens, sceleris nisi praemia magnas adiecisset opes, animi inritamen avari. Ut cecidit fortuna Phrygum, capit impius ensem rex Thracum iuguloque sui demisit alumni et, tamquam tolli cum corpore crimina possent, exanimem scopulo subiectas misit in undas. Litore Threicio classem religarat Atrides, dum mare pacatum, dum ventus amicior esset. Hic subito, quantus cum viveret esse solebat, exit humo late rupta similisque minanti temporis illius vultum referebat Achilles, quo ferus iniustum petiit Agamemnona ferro, “inmemores” que “mei disceditis” inquit “Achivi, obrutaque est mecum virtutis gratia nostrae? Ne facite! utque meum non sit sine honore sepulcrum, placet Achilleos mactata Polyxena manes!” Dixit, et inmiti sociis parentibus umbrae, rapta sinu matris, quam iam prope sola fovebat, fortis et infelix et plus quam femina virgo ducitur ad tumulum diroque fit hostia busto. Quae memor ipsa sui, postquam crudelibus aris admota est sensitque sibi fera sacra parari, utque Neoptolemum stantem ferrumque tenentem utque suo vidit figentem lumina vultu, utere iamdudum generoso sanguine!” dixit, “nulla mora est: aut tu iugulo vel pectore telum conde meo! (iugulumque simul pectusque retexit) scilicet haud ulli servire Polyxena vellem! haud per tale sacrum numen placabitis ullum! Mors tantum vellem matrem mea fallere posset! Mater obest minuitque necis mihi gaudia, quamvis non mea mors illi, verum sua vita gemenda est. Vos modo, ne Stygios adeam non libera manes, ite procul, si iusta peto, tactuque viriles
uma terra habitada pelos homens da Trácia. Ali se erguia o rico palácio de Polimnestor. A este teu pai, Príamo, ó Polidoro, secretamente te confiou, subtraindo-te assim da Frígia e da guerra. A ideia teria sido boa se ele não tivesse enviado também uma grande quantidade de riquezas como preço dessa má ação e como chamariz para aquele espírito avaro. Quando a fortuna da Frígia sucumbiu, o ímpio rei dos trácios tomou sua espada, enfiou na garganta de seu protegido e, como se o crime pudesse desaparecer como o corpo de sua vítima, lançou o cadáver do alto de um rochedo nas ondas lá embaixo. O filho de Atreu amarrara os navios no litoral trácio, esperando que o mar se acalmasse e que os ventos fossem mais favoráveis. Ali subitamente a terra se abriu e dela saiu Aquiles, tão grande como quando estava vivo. Sua expressão era a mesma daquele tempo em que, tomado pelo furor, ameaçou Agamêmnon injustamente com sua espada. E ele disse: “Ó argivos, partis, esquecidos de mim? Acaso foi enterrado comigo o vosso reconhecimento pela minha coragem? Não fazeis isso! Não deixeis faltar as devidas honras a meu sepulcro. Imolai Políxena para aplacar os manes de Aquiles.” Assim disse e, obedecendo aos desejos daquele espectro cruel, os antigos companheiros de Aquiles arrastaram do colo de sua mãe a infeliz e corajosa Políxena, que sozinha a consolava. A virgem mais forte do que uma mulher é levada ao túmulo de Aquiles para ser sacrificada naquele monumento sinistro. E ela, lembrando-se de quem era, quando foi levada àquele altar cruel e percebeu que seria vítima de um sacrifício selvagem, quando viu Neoptólemo de pé, segurando a espada e fixando o olhar no seu rosto, disse: “Serve-te já do meu sangue generoso! Sem resistência, enterra tua arma em minha garganta ou em meu peito!” E, ao mesmo tempo, ela descobriu o peito e a garganta. “Em verdade, eu, Políxena, não admitiria ser escrava. Não é por tal sacrifício que agradarás a uma divindade. Só gostaria que minha morte não chegasse ao conhecimento de minha mãe! Meu amor por ela é um obstáculo que diminui minha alegria em morrer, ainda que não tanto a minha morte, como a sua própria vida que ela deve lamentar. Vós, ide para longe, que eu desça livre até os manes do Estige; se minha causa é justa, afastai as mãos viris do meu corpo virgem: seja quem for aquele a quem desejais aplacar pela minha morte, o sangue de uma virgem livre lhe há de ser mais agradável. E se minhas últimas palavras comovem o vosso espírito – é a filha do rei Príamo, agora cativa, que vos roga! – entregai, sem exigir resgate, meu corpo a minha mãe e que ela não pague com ouro, mas sim com lágrimas, o direito de me sepultar! No passado, quando ela podia,
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virgineo removete manus! Acceptior illi, quisquis is est, quem caede mea placare paratis, liber erit sanguis. Siquos tamen ultima nostri verba movent oris (Priami vos filia regis, nunc captiva rogat), genetrici corpus inemptum reddite, neve auro redimat ius triste sepulcri, sed lacrimis! Tunc, cum poterat, redimebat et auro.” Dixerat, at populus lacrimas, quas illa tenebat, non tenet; ipse etiam flens invitusque sacerdos praebita coniecto rupit praecordia ferro. Illa super terram defecto poplite labens pertulit intrepidos ad fata novissima vultus. Tunc quoque cura fuit partes velare tegendas, cum caderet, castique decus servare pudoris. Troades excipiunt deploratosque recensent Priamidas et quid dederit domus una cruoris, teque gemunt, virgo, teque, o modo regia coniunx, regia dicta parens, Asiae florentis imago, nunc etiam praedae mala sors, quam victor Ulixes esse suam nollet, nisi quod tamen Hectora partu edideras: dominum matri vix repperit Hector! Quae corpus complexa animae tam fortis inane, quas totiens patriae dederat natisque viroque, huic quoque dat lacrimas lacrimas in vulnera fundit osculaque ore tegit consuetaque pectora plangit canitiemque suam concreto in sanguine verrens plura quidem, sed et haec laniato pectore dixit: “Nata, tuae (quid enim superest?) dolor ultime matris, nata, iaces, videoque tuum, mea vulnera, pectus, et ne perdiderim quemquam sine caede meorum, tu quoque vulnus habes! At te, quia femina, rebar a ferro tutam: cecidisti et femina ferro, totque tuos idem fratres, te perdidit idem, exitium Troiae nostrique orbator, Achilles. At postquam cecidit Paridis Phoebique sagittis, “nunc certe,” dixi, “non est metuendus Achilles!rsquo; Nunc quoque mi metuendus erat: cinis ipse sepulti
ela também pagava com ouro.” Ela terminou de falar e o povo não conseguiu conter as lágrimas, enquanto ela não verteu uma sequer. Mesmo o sacerdote chorava, relutante, ao ferir com a lâmina o peito que se oferecia ao sacrifício. Os seus jarretes falseiam e a virgem, caindo sobre a terra, mantém sua expressão intrépida até o último momento. E mesmo na morte, ao cair, cuidou de cobrir as partes de seu corpo que não se deviam mostrar e de conservar o decoro de seu pudor de mulher casta. As troianas levam-na e enumeram todos os filhos de Príamo já pranteados e lembram quanto de sangue esta casa já verteu. Choram por ti, ó virgem, e por ti, Hécuba, outrora dita régia esposa, régia mãe e imagem da prosperidade da Ásia. Agora, uma parte sem valor do butim, a qual o vitorioso Ulisses não haveria de desejar se não tivesses dado à luz Heitor – e Heitor demorou a encontrar um amo para sua mãe! Ela abraçou aquele corpo inane de uma alma tão valente e as lágrimas que já vertera pela pátria, pelos filhos e pelo marido, verteu também para sua filha. Inundou de lágrimas as suas feridas, e as beijou com seus lábios, e bateu em seu peito, já acostumado ao pranto, arrastando seus cabelos brancos no sangue coagulado. Entre outras coisas, golpeando o peito, disse:
“Filha, dor derradeira de tua mãe – pois o que ainda me resta sofrer? Filha, jazes deitada, vejo em teu peito feridas que são minhas. Ao menos se um de meus filhos tivesse escapado de uma morte violenta – tu também tens aí tua ferida! Mas eu acreditava que tu, sendo mulher, estivesses protegida da espada. Mas tu, ainda que mulher, morreste pela espada. O mesmo homem que causou tua morte matou também muitos de teus irmãos: Aquiles, a ruína de Troia, aquele que me privou dos filhos. Quando ele caiu pelas flechas de Páris e de Febo, eu disse: ‘Agora, certamente, não é mais preciso temer Aquiles!’ Mas, mesmo agora, eu tinha que temê-lo. As suas próprias cinzas continuam a maltratar nossa casa; mesmo de dentro da
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in genus hoc saevit, tumulo quoque sensimus hostem. Aeacidae fecunda fui! Iacet Ilion ingens, eventuque gravi finita est publica clades, — sed finita tamen; soli mihi Pergama restant, in cursuque meus dolor est: modo maxima rerum, tot generis natisque potens nuribusque viroque, nunc trahor exul, inops, tumulis avulsa meorum, Penelopae munus; quae me data pensa trahentem matribus ostendens Ithacis “haec Hectoris illa est clara parens, haec est” dicet “Priameia coniunx!” Postque tot amissos tu nunc, quae sola levabas maternos luctus, hostilia busta piasti! Inferias hosti peperi! Quo ferrea resto? Quidve moror? Quo me servas, annosa senectus? Quo, di crudeles, nisi uti nova funera cernam, vivacem differtis anum? Quis posse putaret felicem Priamum post diruta Pergama dici? Felix morte sua est, nec te, mea nata, peremptam adspicit et vitam pariter regnumque reliquit. At, puto, funeribus dotabere, regia virgo, condeturque tuum monumentis corpus avitis. Non haec est fortuna domus: tibi munera matris contingent fletus peregrinaeque haustus harenae! Omnia perdidimus: superest, cur vivere tempus in breve sustineam, proles gratissima matri, nunc solus, quondam minimus de stirpe virili, has datus Ismario regi Polydorus in oras. Quid moror interea crudelia vulnera lymphis abluere et sparsos inmiti sanguine vultus?” Dixit et ad litus passu processit anili, albentes lacerata comas. “Date, Troades, urnam” dixerat infelix, liquidas hauriret ut undas: adspicit eiectum Polydori in litore corpus factaque Threiciis ingentia vulnera telis! Troades exclamant: obmutuit illa dolore, et pariter vocem lacrimasque introrsus obortas devorat ipse dolor, duroque simillima saxo torpet et adversa figit modo lumina terra,
sepultura, ele ainda é um inimigo. Eu fui fecunda para o neto de Éaco! A poderosa Ílion jaz em ruínas e a infelicidade pública terminou por uma catástrofe horrível, mas terminou, enfim. Somente para mim Troia ainda existe: minha dor ainda está em curso. Eu, há pouco no ápice da glória, poderosa por tantos genros, filhos, noras e pelo meu marido, agora, destituída, arrancada de junto aos túmulos dos meus, sou levada ao exílio como um presente para Penélope. E ela, enquanto eu fiar os pesos de lã que me foram designados, há de me mostrar para as matronas de Ítaca e dirá; ‘Esta é aquela ilustre mãe, esta é a esposa de Príamo!’ Depois de ter perdido tantos, agora tu, que sozinha aliviavas o luto de tua mãe, expiaste um túmulo hostil. Eu pari para um inimigo! Por que eu, férrea, permaneço viva? Por que eu me demoro? Por que, idade avançada, me reservas? Por que, ó deuses cruéis, conservais esta velha ainda viva, senão para que eu veja mais um funeral? Quem poderia imaginar que Príamo estaria feliz após a ruína de Troia? Feliz por sua própria morte, ele não te viu morrer, minha filha – ele deixou o seu reino ao mesmo tempo em que deixou a vida. Contudo, imagino, sendo filha de um rei, tu terás funerais e teu corpo será enterrado no mausoléu de teus antepassados. Não, não é esta a sorte de nossa casa! Receberás como oferendas as lágrimas de tua mãe, um túmulo de areias estrangeiras. Perdemos tudo! Para aceitar viver um pouco mais, só me resta a ideia de meu filho mais querido, agora o único, outrora o menor entre os irmãos, Polidoro, entregue ao rei da Trácia aqui nestas praias. Mas por que me demoro em lavar com água estas feridas terríveis e seu rosto, salpicado com sangue cruel?” Disse isso e seguiu para a praia, com um andar senil, arrancando seus cabelos brancos. “Dai-me, ó Troianas, uma urna” disse a infeliz, que queria enchê-la da água das ondas.
Então ela viu, lançado na praia, o corpo de Polidoro e as terríveis feridas feitas pelas armas trácias! As troianas gritam, ela fica muda de dor, dor que consumiu tanto sua voz como suas lágrimas. Semelhante a uma dura rocha, fica imobilizada e ora seus olhos fitam a terra à sua frente, ora levanta ao céu sua face ameaçadora. Neste momento, olha a face daquele corpo estendido, olha as feridas de seu filho, sobretudo as feridas. Ela se arma e se mune com
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interdum torvos sustollit ad aethera vultus, nunc positi spectat vultum, nunc vulnera nati vulnera praecipue, seque armat et instruit iram.” 545
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Qua simul exarsit, tamquam regina maneret, ulcisci statuit poenaeque in imagine tota est, utque furit catulo lactente orbata leaena signaque nacta pedum sequitur, quem non videt, hostem, sic Hecube, postquam cum luctu miscuit iram, non oblita animorum, annorum oblita suorum, vadit ad artificem dirae, Polymestora, caedis conloquiumque petit: nam se monstrare relictum velle latens illi, quod nato redderet, aurum. Credidit Odrysius praedaeque adsuetus amore in secreta venit. Tum blando callidus ore “tolle moras, Hecube,” dixit, “da munera nato! Omne fore illius quod das, quod et ante dedisti, per superos iuro.” Spectat truculenta loquentem falsaque iurantem tumidaque exaestuat ira atque ita correpto captivarum agmina matrum invocat et digitos in perfida lumina condit expellitque genis oculos (facit ira nocentem) immergitque manus, foedataque sanguine sonti non lumen (neque enim superest), loca luminis haurit. Clade sui Thracum gens inritata tyranni Troada telorum lapidumque incessere iactu coepit. At haec missum rauco cum murmure saxum morsibus insequitur, rictuque in verba parato latravit, conata loqui: locus exstat et ex re nomen habet, veterumque diu memor illa malorum tum quoque Sithonios ululavit maesta per agros. illius Troasque suos hostesque Pelasgos, illius fortuna deos quoque moverat omnes, sic omnes, ut et ipsa Iovis coniunxque sororque eventus Hecubam meruisse negaverit illos. Memnon
sua ira. Ao mesmo tempo em que se inflamou pela visão, como se ainda fosse uma rainha, decidiu castigar o crime e foi absorvida pela ideia de vingança. Assim como se enfurece uma leoa, a quem se rouba um filhote ainda lactente, e segue as pegadas do inimigo que não vê, do mesmo modo Hécuba, ao misturar a ira ao luto, esquecendo-se de sua idade, mas não de seu ressentimento, vai até o autor do crime, Polimnestor e pede uma audiência, dizendo que queria mostrar-lhe o ouro escondido para que este fosse devolvido a seu filho. O rei dos odrísios acreditou na história e, em seu habitual amor pelo ouro, dirigiu-se a um local isolado. Então, com voz meiga, disse o astuto: “Não te demores, Hécuba, dá o tesouro a teu filho! Tudo aquilo que agora dás, e também o que deste antes, há de ser dele – juro pelos deuses!” Ela lança um olhar feroz para aquele que falava e jurava promessas falsas. Sua raiva explode e ela, tendo se lançado sobre Polimnestor e invocando a multidão de mães cativas, enfia os dedos nos olhos pérfidos do rei, arranca-os de suas órbitas – a ira a torna feroz. Em seguida enfia as mãos na ferida, sujando-se do sangue funesto e fura não os olhos, que já não restavam, mas o lugar onde estavam os olhos. Irritados com o assassinato do seu rei, os trácios lançam dardos e pedras sobre a troiana. Esta, com um rouco murmúrio, ataca com mordidas as pedras que eram arremessadas e com sua boca aberta, pronta para emitir palavras, latiu em vez de falar. Este lugar ainda existe e tem seu nome a partir desse fato. Ela, que por muito tempo se lembrou de seus antigos infortúnios, uivava triste pelos campos da Trácia. Seu destino comoveu tanto troianos como seus inimigos gregos e também todos os deuses. Tanto é que a própria Juno, esposa e irmã de Júpiter, reconheceu que ela não merecia tal infortúnio.
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Non vacat Aurorae, quamquam isdem faverat armis, cladibus et casu Troiaeque Hecubaeque moveri. Cura deam proprior luctusque domesticus angit Memnonis amissi, Phrygiis quem lutea campis vidit Achillea pereuntem cuspide mater: vidit, et ille rubor, quo matutina rubescunt tempora, palluerat, latuitque in nubibus aether. At non impositos supremis ignibus artus sustinuit spectare parens, sed crine soluto, sicut erat, magni genibus procumbere non est dedignata Iovis lacrimisque has addere voces: “Omnibus inferior, quas sustinet aureus aether (nam mihi sunt totum rarissima templa per orbem), diva tamen veni, non ut delubra diesque des mihi sacrificos caliturasque ignibus aras. Si tamen adspicias, quantum tibi femina praestem, tum cum luce nova noctis confinia servo, praemia danda putes; sed non ea cura neque hic est nunc status Aurorae, meritos ut poscat honores: Memnonis orba mei venio, qui fortia frustra pro patruo tulit arma suo primisque sub annis occidit a forti, sic vos voluistis, Achille. Da, precor, huic aliquem, solacia mortis, honorem, summe deum rector, maternaque vulnera leni.” Iuppiter adnuerat, cum Memnonis arduus alto corruit igne rogus nigrique volumine fumi infecere diem (veluti cum flumina natas exhalant nebulas, nec sol admittitur infra); atra favilla volat glomerataque corpus in unum densetur faciemque capit sumitque calorem atque animam ex igni (levitas sua praebuit alas), et primo similis volucri, mox vera volucris insonuit pennis: pariter sonuere sorores innumerae, quibus est eadem natalis origo, terque rogum lustrant, et consonus exit in auras ter plangor: quarto seducunt castra volatu.
Mas a Aurora, ainda que tivesse favorecido as mesmas armas, não se comove com a ruína e os infortúnios de Troia e de Hécuba. Um pesar a atormenta em seu íntimo, um luto familiar por ter perdido o seu filho Mêmnon, que a mãe de luz avermelhada viu perecer nos campos de batalha troianos pela lança de Aquiles. Diante de tal visão, a luz rósea que ilumina o amanhecer empalideceu e o céu se escondeu entre as nuvens. Mas a mãe não suportou ver o corpo do filho na fogueira funeral e, de cabelos soltos, como estava, não se achou indigna de se prostrar diante do grande Júpiter, somando a suas lágrimas estas palavras: “Sou inferior a todas as deusas que os áureos ares sustentam, pois tenho pouquíssimos templos em todo mundo. Entretanto vim aqui, como deusa, não para que me concedais templos e dias de sacrifício, ou altares que hão de se aquecer em fogos. Se observardes o quanto eu, mesmo sendo mulher, faço por vós ao marcar os limites da noite por uma luz nova, julgareis que eu mereço uma recompensa. Contudo, Aurora não está aqui agora em busca disso, ou para pedir honrarias, ainda que merecidas. Venho privada de meu filho Mêmnon, que se revestiu, em vão, de suas bravas armas e foi morto pelo grande Aquiles, conforme vossa vontade. Peço-vos, ó supremo condutor dos deuses, que concedei a meu filho alguma honra, um consolo por sua morte, e assim as feridas de sua mãe serão aliviadas.”
Júpiter assentiu. Imediatamente a alta pira funeral de Mêmnon desmoronou, formando altas labaredas, e volumes da fumaça negra obscureceram o dia, como quando os rios exalam a névoa que impede à terra a luz do sol. As negras cinzas voam e, aglomeradas em um só corpo, condensam-se, tomam forma e recebem do fogo alma e calor. Sua leveza lhe deu asas, primeiro semelhante a um pássaro e depois um verdadeiro pássaro, que agita as penas com grande ruído. Ressoam inúmeras irmãs, que nasceram da mesma forma; três vezes elas voam ao redor da pira funeral, três vezes um gemido uníssono se propaga pelos ares. Na quarta vez, dividem-se no voo e, como duas nações ferozes em partidos contrários, combatem e atacam raivosamente com seus bicos e suas unhas aduncas. Debatem-se contra as asas e o peito de suas adversárias e caem, todas as
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Tam duo diversa populi de parte feroces bella gerunt rostrisque et aduncis unguibus iras exercent alasque adversaque pectora iactant inferiaeque cadunt cineri cognata sepulto corpora seque viro forti meminere creatas. praepetibus subitis nomen facit auctor: ab illo Memnonides dictae, cum sol duodena peregit signa, parentali moriturae voce rebellant. Ergo aliis latrasse Dymantida flebile visum est: luctibus est Aurora suis intenta, piasque nunc quoque dat lacrimas et toto rorat in orbe. Aeneas apud Anium. Scylla
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Non tamen eversam Troiae cum moenibus esse spem quoque fata sinunt: sacra et, sacra altera, patrem fert umeris, venerabile onus, Cythereius heros: de tantis opibus praedam pius eligit illam Ascaniumque suum profugaque per aequora classe fertur ab Antandro scelerataque limina Thracum et Polydoreo manantem sanguine terram linquit et utilibus ventis aestuque secundo intrat Apollineam sociis comitantibus urbem. Hunc Anius, quo rege homines, antistite Phoebus rite colebatur, temploque domoque recepit urbemque ostendit delubraque nota duasque Latona quondam stirpes pariente retentas. Ture dato flammis vinoque in tura profuso caesarumque boum fibris de more crematis regia tecta petunt positisque tapetibus altis munera cum liquido capiunt Cerealia Baccho. Tum pius Anchises: “O Phoebi lecte sacerdos, fallor, an et natum, cum primum haec moenia vidi, bisque duas natas, quantum reminiscor, habebas?” Huic Anius niveis circumdata tempora vittis
filhas de origem comum, como um sacrifício para as cinzas de Mêmnon, lembrando-se que foram criadas a partir de um homem bravo. E este deu o nome às criaturas aladas subitamente criadas: por causa dele foram denominadas Memnônides. Quando o sol passa pelos doze signos do Zodíaco, elas combatem novamente e honram ao pai com seus gritos. Então é por isso que, enquanto os outros lamentavam os uivos de Hécuba, régia filha de Dimas, Aurora permanecia ocupada em seu luto e, ainda hoje, versa suas lágrimas e faz o orvalho cair em toda a terra.
Eneias com Ânio Contudo os fados não permitem que as esperanças de Troia sejam destruídas junto com suas muralhas. Eneias, o heroico filho de Vênus, leva em seus ombros as imagens sagradas dos deuses e outro peso sagrado – seu pai, uma venerável carga. Dentre toda sua riqueza, o piedoso herói escolheu esta, juntamente com seu filho Ascânio. Então, com sua frota fugitiva, ele parte de Antandro, deixa o território criminoso dos trácios, terras embebidas do sangue de Polidoro e, tendo ventos e ondas a seu favor, com seus camaradas adentra a cidade de Apolo. Ânio, que reinava sobre aquele povo e servia Apolo como ministro de seu culto, recebeu Eneias no templo e em sua casa, mostrou-lhe a cidade, os santuários famosos e os dois troncos abraçados por Latona ao dar à luz. Após jogar incenso ao fogo, verter vinho sobre o incenso e queimar, conforme o costume, as entranhas dos bois sacrificados, dirigem-se ao palácio real e lá, reclinados sobre altas almofadas, recebem os dons de Ceres e o líquido de Baco. E então fala o pio Anquises: “Ó seleto sacerdote de Febo, estou enganado ou tu tinhas, pelo que me lembro da primeira vez que vi estas muralhas, um filho e quatro filhas?” E a este o triste Ânio respondeu, balançando a cabeça, circundada de fitas brancas: “Não te enganas, ó grande herói. Naquela ocasião viste o pai de cinco filhos e agora – tamanha é a inconstância do destino que afeta o homem – vês um homem quase privado de todos eles. Com efeito, que auxílio pode me prestar um filho ausente, que é rei em Andros, uma terra que recebeu dele o nome e na qual ele reina em meu nome? O deus de Delos deu a meu filho o dom da profecia, Baco deu a minhas filhas outro dom, que ia além de meus pedidos e daquilo que eu acreditava ser possível. Com
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concutiens et tristis ait: “Non falleris, heros maxime: vidisti natorum quinque parentem, quem nunc (tanta homines rerum inconstantia versat!) paene vides orbum. Quod enim mihi filius absens auxilium, quem dicta suo de nomine tellus Andros habet pro patre locumque et regna tenentem? Delius augurium dedit huic, dedit altera Liber femineae stirpi voto maiora fideque munera: nam tactu natarum cuncta mearum in segetem laticemque meri canaeque Minervae transformabantur, divesque erat usus in illis. Hoc ubi cognovit Troiae populator Atrides, ne non ex aliqua vestram sensisse procellam nos quoque parte putes, armorum viribus usus abstrahit invitas gremio genitoris, alantque imperat Argolicam caelesti munere classem. Effugiunt, quo quaeque potest: Euboea duabus, et totidem natis Andros fraterna petita est. Miles adest et, ni dedantur, bella minatur. Victa metu pietas: consortia corpora poenae dedidit (et timido possis ignoscere fratri: non hic Aeneas, non, qui defenderet Andron, Hector erat, per quem decimum durastis in annum); iamque parabantur captivis vincla lacertis: illae tollentes etiamnum libera caelo bracchia “Bacche pater, fer opem!” dixere, tulitque muneris auctor opem, — si miro perdere more ferre vocatur opem, nec qua ratione figuram perdiderint, potui scire aut nunc dicere possum; summa mali nota est: pennas sumpsere tuaeque coniugis in volucres, niveas abiere columbas.”
efeito, tudo o que minhas filhas tocavam se transformava em trigo, em vinho escuro e em pálido azeite, dons que traziam ricas vantagens. Quando o Atrida, destruidor de Troia, soube disso – para que não penses que nós ficamos imunes à tempestade que vos atingiu –, por força de armas ele arrancou minhas filhas dos meus braços e ordenou que elas alimentassem a esquadra argólica com seu dom celeste. Elas buscaram refúgio cada uma onde pode: duas na Eubeia e tantas outras em Andros, ilha de seu irmão. Vieram soldados e ameaçaram travar guerra se não as entregassem. A fidelidade fraterna foi vencida pelo medo: ele entregou as irmãs ao castigo – e que possas desculpar a sua fraqueza: não havia aqui um Eneias para defender Andros, não havia um Heitor, que permitiram que Troia se defendesse por dez anos. Já se preparavam correntes para os braços das cativas, quando elas, elevando suas mãos ainda livres em direção ao céu e disseram: ‘Pai Baco, vinde em nosso auxílio!’ E ele, que lhes tinha dado antes seus dons, veio em seu auxílio – se pode se chamar auxílio destruir alguém por um prodígio. Eu não soube e nem posso dizer de que maneira elas perderam a forma humana, mas sua tragédia é bem conhecida: nelas cresceram penas e se transformaram em pombas brancas, pássaros caros à tua esposa, Vênus.”
Talibus atque aliis postquam convivia dictis implerunt, mensa somnum petiere remota, cumque die surgunt adeuntque oracula Phoebi: qui petere antiquam matrem cognataque iussit litora; prosequitur rex et dat munus ituris, Anchisae sceptrum, chlamydem pharetramque nepoti, cratera Aeneae, quem quondam transtulit illi
Entre essa história e outras passou-se o festim e depois, retirada a mesa, entregaram-se ao sono. Levantam-se quando amanhece e se dirigem ao oráculo de Febo, que os ordena que busquem sua antiga mãe e as praias de sua raça. O rei os acompanha no momento de partida e lhes dá presentes. A Anquises dá um cetro, a seu neto, uma clâmide e um elmo, e a Eneias uma cratera, que outrora um hóspede seu, Terses, de Ismênio, trouxera-lhe do país dos aônios. Terses a enviara, mas Álcon a fabricara e gravara nela uma
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hospes ab Aoniis Therses Ismenius oris.
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Miserat hunc illi Therses, fabricaverat Alcon Hyleus et longo caelaverat argumento. Urbs erat, et septem posses ostendere portas: hae pro nomine erant et, quae foret illa, docebant. Ante urbem exequiae tumulique ignesque rogique effusaeque comas et apertae pectora matres significant luctum: nymphae quoque flere videntur siccatosque queri fontes, sine frondibus arbor nuda riget, rodunt arentia saxa capellae. Ecce facit mediis natas Orione Thebis, agmen femineum, iugulo dare pectus aperto, illas demisso per inertia vulnera telo pro populo cecidisse suo pulchrisque per urbem funeribus ferri celebrique in parte cremari, tum de virginea geminos exire favilla, ne genus intereat, iuvenes, quos fama Coronos nominat, et cineri materno ducere pompam. Hactenus antiquo signis fulgentibus aere, summus inaurato crater erat asper acantho.
longa história. Havia uma cidade e se podiam ver sete portas: elas serviam como um nome e indicavam qual era o lugar. Diante da cidade, um funeral, túmulos, fogueiras, piras funerárias e mães de peito nu e cabelos desgrenhados mostram seu luto. Também se veem ninfas chorando e lamentando as fontes secas; sem folhagem, as árvores nuas estão secas e rijas e as cabritas roem as rochas áridas. No meio de Tebas o artista representou as filhas de Órion: uma, com coragem varonil, golpeia sua garganta descoberta; outra, enterrando a sua arma, morreu por seu povo com feridas inábeis. São levadas com um belo cortejo fúnebre através da cidade e são cremadas em meio a grande multidão. Então, das virgens cinzas, para que aquela linhagem não desapareça, surgem duas jovens gêmeas, conhecidas por Coronas, que conduzem as cerimônias realizadas às cinzas da mãe. Até ali seguiam as figuras brilhantes no bronze antigo; a borda da cratera era enfeitada com um acanto dourado. Não são menores os presentes dos troianos: eles dão ao sacerdote uma caixa para guardar incenso, uma pátera e uma coroa enfeitada com ouro e pedras preciosas.
Nec leviora datis Troiani dona remittunt dantque sacerdoti custodem turis acerram, dant pateram claramque auro gemmisque coronam. 705
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Inde recordati Teucros a sanguine Teucri ducere principium, Cretam tenuere locique ferre diu nequiere Iovem, centumque relictis urbibus Ausonios optant contingere portus: saevit hiems iactatque viros, Strophadumque receptos portubus infidis exterruit ales Aello. Et iam Dulichios portus Ithacamque Samonque Neritiasque domus, regnum fallacis Ulixis, praeter erant vecti: certatam lite deorum Ambraciam versique vident sub imagine saxum iudicis, Actiaco quae nunc ab Apolline nota est, vocalemque sua terram Dodonida quercu Chaoniosque sinus, ubi nati rege Molosso
Então, recordando-se de que os troianos provinham do sangue de Teucro, chegaram a Creta e não conseguiram suportar os ares da região. Deixando a ilha das cem cidades, dirigem-se aos portos de Ausônia. Uma tempestade cai e atinge os heróis, que são recebidos nos pérfidos portos das ilhas Estrófades, onde lhes aterroriza Aelo, de corpo de ave. E já tinham passado os portos de Dulíquio, Ítaca, Samos e as casas de Nérito, reino do falaz Ulisses, quando veem Ambrácia, terra disputada pelos deuses e hoje famosa pelo templo de Apolo de Ácio, e o rochedo, em que um juiz se metamorfoseou. Viram Dodona, terra dos carvalhos falantes, e o golfo de Caônia, onde os filhos do rei dos molossos fugiram de um incêndio ímpio graças às asas fornecidas. Eles navegam para as terras vizinhas dos feácios, cobertas de árvores frutíferas e dali chegam ao Épiro e a Butroto, uma imagem simulada de Troia, governada por um adivinho frígio. Dali, cientes
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Proxima Phaeacum felicibus obsita pomis rura petunt, Epiros ab his regnataque vati Buthrotos Phrygio simulataque Troia tenetur. Inde futurorum certi, quae cuncta fideli Priamides Helenus monitu praedixerat, intrant Sicaniam: tribus haec excurrit in aequora pinnis, e quibus imbriferos est versa Pachynos ad austros, mollibus expositum zephyris Lilybaeon, ad arctos aequoris expertes spectat boreamque Peloros. Hac subeunt Teucri, et remis aestuque secundo sub noctem potitur Zanclaea classis harena. Scylla latus dextrum, laevum inrequieta Charybdis infestat: vorat haec raptas revomitque carinas, illa feris atram canibus succingitur alvum, virginis ora gerens, et, si non omnia vates ficta reliquerunt aliquo quoque tempore virgo. Hanc multi petiere proci; quibus illa repulsis ad pelagi nymphas, pelagi gratissima nymphis, ibat et elusos iuvenum narrabat amores. Quam, dum pectendos praebet Galatea capillos, talibus adloquitur, referens suspiria, dictis: “Te tamen, o virgo, genus haud inmite virorum expetit, utque facis, potes his impune negare; At mihi, cui pater est Nereus, quam caerula Doris enixa est, quae sum turba quoque tuta sororum, non nisi per luctus licuit Cyclopis amorem effugere,” — et lacrimae vocem impediere loquentis. Quas ubi marmoreo detersit pollice virgo et solata deam est, “refer, o carissima,” dixit. “neve tui causam tege (sic sum fida) doloris!” Nereis his contra resecuta Crataeide natam est: Acis et Galatea. Polyphemus
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das coisas futuras, preditas pelo fiel oráculo de Heleno, filho de Príamo, eles chegam à Sicília. Essa ilha se projeta para o mar em três pontas: Paquino, promontório exposto ao chuvoso vento Austro; Lilibeu, exposto ao doce vento Zéfiro, e Peloro, exposto ao vento Bóreas e às Ursas, que nunca tocam os mares. É por este último que entram os troianos. Graças à força dos remos e ao mar propício, por volta do anoitecer a frota chega à praia de Zancle. Cila ataca o seu lado direito e a irrequieta Caríbdis, o seu lado esquerdo: esta engole e depois vomita os navios; aquela, circundada na terrível cintura por cães ferozes, tem o rosto de uma virgem e, se os poetas não escreveram apenas ficções, ela era outrora uma virgem. Muitos pretendentes a cortejaram, mas ela, rejeitando-os todos, ia às ninfas do mar – ela era muito querida pelas ninfas do mar – e contava os amores dos jovens que havia recusado. Mas um dia, enquanto penteava os cabelos de Galateia e lhe contava tais coisas, a ninfa, entre suspiros, diz-lhe: “Mas tu, ó virgem, és procurada pela gentil raça dos homens e podes, como já o fazes, recusá-los todos impunemente. Eu, contudo, cujo pai é Nereu, que fui parida pela azul Dóris e que sou guardada por uma multidão de irmãs, com uma triste perda escapei do amor do Ciclope” e as lágrimas impediram-na de falar. A virgem enxugou suas lágrimas com seu polegar, branco como o mármore, e consolou a deusa, dizendo: “Conta-me, minha querida, não escondas a causa de tua dor, pois eu te sou fiel!” A Nereide respondeu assim à filha de Crateide:
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Ácis e Galateia. Polifemo “Ácis, nascido de Fauno e da ninfa do rio Simeto, era motivo de
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magna quidem patrisque sui matrisque voluptas, nostra tamen maior: nam me sibi iunxerat uni. Pulcher et octonis iterum natalibus actis signarat teneras dubia lanugine malas. Hunc ego, me Cyclops nulla cum fine petebat. En si quaesieris, odium Cyclopis, amorne Acidis in nobis fuerit praesentior, edam: par utrumque fuit. Pro quanta potentia regni est, Venus alma, tui! Nempe ille inmitis et ipsis horrendus silvis et visus ab hospite nullo impune et magni cum dis contemptor Olympi, quid sit amor, sensit validaque cupidine captus uritur, oblitus pecorum antrorumque suorum. Iamque tibi formae, iamque est tibi cura placendi, iam rigidos pectis rastris, Polypheme, capillos, iam libet hirsutam tibi falce recidere barbam et spectare feros in aqua et componere vultus. Caedis amor feritasque sitisque inmensa cruoris cessant, et tutae veniunt abeuntque carinae. Telemus interea Siculam delatus ad Aetnen, Telemus Eurymides, quem nulla fefellerat ales, terribilem Polyphemon adit “lumen” que, “quod unum fronte geris media, rapiet tibi” dixit “Ulixes!” Risit et “o vatum stolidissime, falleris,” inquit, “altera iam rapuit!” Sic frustra vera monentem spernit et aut gradiens ingenti litora passu degravat aut fessus sub opaca revertitur antra.
felicidade para seu pai e para sua mãe, e mais ainda para mim, pois só ele ganhara o meu afeto. Ele era belo e, com dezesseis anos, uma barba hesitante aparecia em sua face tenra. Eu o queria incessantemente e, por sua vez, o Ciclope queria-me da mesma forma. E se me perguntasse o que era maior, minha raiva do Ciclope ou o meu amor por Ácis, eu responderia que eles se equivaliam. Ah, doce Vênus, quão grande é o teu poder! Pois aquele selvagem, temido pelas próprias florestas, nunca visto impunemente por nenhum estrangeiro e cheio de desprezo pelos deuses do grande Olimpo, agora sabe o que é o amor. Tomado por uma paixão violenta, ele queima e se esquece de seus rebanhos e antros. Já até cuidas de te embelezar e de agradar: já penteias teus cabelos duros com um ancinho, já tens gosto em cortar tua barba hirsuta com a foice e em olhar refletido na água e arrumar seu rosto feroz. Teu desejo de matar e tua imensa sede de sangue já cessam e os navios podem ir e vir, sem perigo. Enquanto isso, Telemo, chegado a Sicília, perto do Etna, Telemo, o filho de Êurimo, que nunca se enganara nos auspícios, vai até o Ciclope Polifemo e diz: ‘O único olho que tens no rosto, Ulisses há de roubá-lo!’ O Ciclope riu e respondeu: ‘Ó, mais estúpido entre os adivinhos, te enganas, pois outra já o roubou!’ E assim zombou de Telemo, que o advertia em vão sobre algo que realmente aconteceria, e oprimiu a praia com seu passo de gigante, voltando para seu antro sombrio. Uma colina em forma de cunha, como uma longa ponta, projeta-se no mar e as ondas o banham dos dois lados. Para ali subiu o feroz Ciclope e se sentou. Suas ovelhas o seguiram, sem que ele as guiasse. Em seguida, colocando diante de seus pés o pinheiro que lhe servia de bastão e que poderia servir de mastro de navio, pegou sua flauta, composta de cem caniços. Todos os montes ouviram os silvos do pastor, ouviram-no as ondas; eu, escondida por uma rocha e reclinada sobre o peito do meu Ácis, mesmo longe ouvi estas palavras e as gravei:
Prominet in pontum cuneatus acumine longo collis utrumque latus circumfluit aequoris unda; huc ferus ascendit Cyclops mediusque resedit, lanigerae pecudes nullo ducente secutae. Cui postquam pinus, baculi quae praebuit usum, ante pedes posita est, antemnis apta ferendis, sumptaque harundinibus compacta est fistula centum, senserunt toti pastoria sibila montes, senserunt undae; latitans ego rupe meique Acidis in gremio residens procul auribus hausi
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talia dicta meis auditaque verba notavi: “Candidior folio nivei, Galatea, ligustri, floridior pratis, longa procerior alno, splendidior vitro, tenero lascivior haedo, levior adsiduo detritis aequore conchis, solibus hibernis, aestiva gratior umbra, nobilior pomis, platano conspectior alta, 795 lucidior glacie, matura dulcior uva, mollior et cygni plumis et lacte coacto et, si non fugias, riguo formosior horto: saevior indomitis eadem Galatea iuvencis, durior annosa quercu, fallacior undis, 800 lentior et salicis virgis et vitibus albis, his inmobilior scopulis, violentior amne, laudato pavone superbior, acrior igni, asperior tribulis, feta truculentior ursa, surdior aequoribus, calcato inmitior hydro, 805 et, quod praecipue vellem tibi demere possem. Non tantum cervo claris latratibus acto, verum etiam ventis volucrique fugacior aura! At bene si noris, pigeat fugisse morasque ipsa tuas damnes et me retinere labores. 810 Sunt mihi, pars montis, vivo pendentia saxo antra, quibus nec sol medio sentitur in aestu nec sentitur hiems; sunt poma gravantia ramos, sunt auro similes longis in vitibus uvae, sunt et purpureae: tibi et has servamus et illas. 815 Ipsa tuis manibus silvestri nata sub umbra mollia fraga leges, ipsa autumnalia corna prunaque, non solum nigro liventia suco, verum etiam generosa novasque imitantia ceras. Nec tibi castaneae me coniuge, nec tibi deerunt 820 arbutei fetus: omnis tibi serviet arbor. Hoc pecus omne meum est, multae quoque vallibus errant, multas silva tegit, multae stabulantur in antris. Nec, si forte roges, possim tibi dicere, quot sint: pauperis est numerare pecus! De laudibus harum 825 nil mihi credideris: praesens potes ipse videre, 790
‘Ó Galateia, mais branca do que a flor do níveo ligustro, mais florida do que os campos, mais alta do que o amieiro, mais brilhante do que o vidro, mais jovial do que o cabrito, mais suave do que as conchas, polidas continuamente pelo mar, mais agradável do que o sol de inverno e a chuva de verão, mais nobre do que as frutas, mais notável do que o alto plátano, mais luminosa do que o gelo, mais doce do que a uva madura, mais macia do que as penas do cisne e do que o leite coalhado e, se não fugisses de mim, mais formosa do que um jardim regado. Mas a mesma Galateia é mais cruel do que os indômitos novilhos, mais dura do que o velho carvalho, mais enganadora do que as ondas, mais inflexível do que são flexíveis os galhos do salgueiro e da videira branca, mais insensível do que estes rochedos, mais violenta do que uma torrente, mais soberba do que o louvado pavão, mais acre do que o fogo, mais áspera do que os cardos, mais truculenta do que uma ursa prenha, mais surda do que os mares, mais selvagem do que uma serpente pisada e enfim – e era isso que mais queria mudar – mais rápida do que o cervo, impelido pelos sonoros latidos, e do que os ventos inconstantes. Mas, se me conhecesses bem, lamentarias ter fugido, censurarias tua demora e te esforçarias por me ter. Em um dos lados deste monte eu possuo um antro cujo teto é em rocha nativa, sob o abrigo do qual não se sente nem o sol, em pleno verão, nem os rigores do inverno. Tenho maçãs que envergam os ramos das árvores, tenho uvas douradas em longas vinhas e tenho também uvas de cor púrpura: deixo-as todas para ti. Tu mesma hás de colher morangos macios, nascidos à sombra da floresta; no outono, hás de colher pilritos e ameixas, não só pretas, de sumo escuro, como também as mais nobres, semelhantes à cera nova. Se eu for teu marido, nem te faltarão castanhas, nem os frutos do medronheiro. Todas as árvores estarão a teu serviço. Todo este rebanho é meu e muitas cabeças estão errando pelos vales, muitas estão escondidas na floresta, muitas estão no estábulo, em meus antros.
E nem se me perguntares, saberia te dizer quantas são ao todo: contar o rebanho é para os pobres! Não acredites só em minhas palavras: podes ver por ti mesma como custam a andar, tamanho o peso dos úberes. E há uma
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ut vix circueant distentum cruribus uber. Sunt, fetura minor, tepidis in ovilibus agni, sunt quoque, par aetas, aliis in ovilibus haedi. Lac mihi semper adest niveum: pars inde bibenda servatur, partem liquefacta coagula durant. Nec tibi deliciae faciles vulgataque tantum munera contingent, dammae leporesque caperque parve columbarum demptusve cacumine nidus: inveni geminos, qui tecum ludere possint, inter se similes, vix ut dignoscere possis, villosae catulos in summis montibus ursae, inveni et dixi “dominae servabimus istos!” Iam modo caeruleo nitidum caput exsere ponto, iam, Galatea, veni, nec munera despice nostra. Certe ego me novi liquidaeque in imagine vidi nuper aquae, placuitque mihi mea forma videnti. Adspice, sim quantus! Non est hoc corpore maior Iuppiter in caelo: nam vos narrare soletis, nescio quem regnare Iovem. Coma plurima torvos prominet in vultus umerosque, ut lucus, obumbrat. Nec mea quod rigidis horrent densissima saetis corpora, turpe puta (turpis sine frondibus arbor, turpis equus, nisi colla iubae flaventia velent!); pluma tegit volucres, ovibus sua lana decori est: barba viros hirtaeque decent in corpore saetae. Unum est in media lumen mihi fronte, sed instar ingentis clipei. Quid? non haec omnia magnus Sol videt e caelo? Soli tamen unicus orbis! Adde, quod in vestro genitor meus aequore regnat: hunc tibi do socerum; tantum miserere precesque supplicis exaudi! tibi enim succumbimus uni. Quique Iovem et caelum sperno et penetrabile fulmen, Nerei, te veneror: tua fulmine saevior ira est. — Atque ego contemptus essem patientior huius, si fugeres omnes; sed cur Cyclope repulso Acin amas praefersque meis complexibus Acin? Ille tamen placeatque sibi placeatque licebit, quod nollem, Galatea, tibi; modo copia detur, sentiet esse mihi tanto pro corpore vires!
nova geração de cordeiros nos seus quentes apriscos; com idade semelhante a estes, há também cabritos em outros apriscos. Tenho sempre à disposição leite branco como a neve: uma parte eu reservo para beber, outra parte é endurecida pela ação do coalho líquido. Receberás não só prazeres fáceis e presentes comuns, mas ainda corças, lebres, cabras, ou um par de pombos, ou um ninho apanhado no alto de uma árvore. Encontrei, no alto da montanha, dois filhotes de uma ursa de pelos eriçados, que são tão semelhantes entre si, que mal se pode distinguir um do outro – podes brincar com eles. Assim que os encontrei, disse: ‘Guardarei isso para minha senhora!’, agora, apenas eleva tua brilhante cabeça sobre o mar azul! Agora, Galateia, vem e não desprezes os nossos presentes! Eu certamente me conheço: eu me vi há pouco refletido na água límpida e gostei de ver minhas formas. Olha como eu sou grande! Júpiter nos céus não é maior do que este corpo – pois contas sempre que um certo Júpiter, que não sei quem é, é o senhor. Uma vasta cabeleira esconde meu rosto áspero e faz sombra nos meus ombros, como uma floresta. E não julgues feio meu corpo só porque ele é coberto de pelos duros e eriçados. Feia é a árvore sem folhagem, feio é o cavalo se não é coberto por uma crina castanha. A plumagem cobre as aves, a lã é ornamento para as ovelhas, da mesma forma, uma barba e pelos hirsutos convêm ao homem. Um só olho tenho em minha fronte, mas semelhante a um imenso escudo. E daí? O grande sol não vê, lá do céu, todas as coisas? E, contudo, o sol tem um olho só. E, além do mais, meu pai reina em vosso mar: ele será teu sogro. Tem piedade e escuta as preces de um suplicante! Pois só diante de ti eu me prosterno. Eu, que desprezo Júpiter, o céu e o raio que tudo atravessa, ó Nereida, eu te venero. Tua ira é mais cruel do que o raio. E eu suportaria melhor esse desprezo se tu fugisses de todos; mas por que tu te recusas ao Ciclope e amas Ácis, e preferes a meus abraços os de Ácis? Mas que ele se agrade a si mesmo e que ele agrade a ti, ainda que eu não queira, Galateia. Assim que eu tiver a oportunidade, ele sentirá que eu tenho uma força proporcional ao meu vasto corpo. Arrancarei suas entranhas com ele ainda vivo e espalharei seus membros despedaçados pelos campos e pelas ondas, assim ele poderá se unir a ti! Pois eu estou queimando e, contrariado, o fogo queima com mais fúria. Parece que o Etna se mudou, com toda sua violência, para o meu peito. E tu, Galateia, não te comoves.’
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Viscera viva traham divisaque membra per agros perque tuas spargam (sic se tibi misceat!) undas. Uror enim, laesusque exaestuat acrior ignis, cumque suis videor translatam viribus Aetnam pectore ferre meo: nec tu, Galatea, moveris.”
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Talia nequiquam questus (nam cuncta videbam) surgit et ut taurus vacca furibundus adempta, stare nequit silvaque et notis saltibus errat: cum ferus ignaros nec quicquam tale timentes me videt atque Acin “video” que exclamat “et ista ultima sit, faciam, veneris concordia vestrae!” Tantaque vox, quantam Cyclops iratus habere debuit, illa fuit: clamore perhorruit Aetne. Ast ego vicino pavefacta sub aequore mergor, terga fugae dederat conversa Symaethius heros et “fer opem, Galatea, precor, mihi! ferte, parentes” dixerat “et vestris periturum admittite regnis!”
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Insequitur Cyclops partemque e monte revulsam mittit, et extremus quamvis pervenit ad illum, angulus is molis totum tamen obruit Acin. At nos, quod fieri solum per fata licebat, fecimus, ut vires adsumeret Acis avitas. Puniceus de mole cruor manabat, et intra temporis exiguum rubor evanescere coepit fitque color primo turbati fluminis imbre purgaturque mora; tum moles tacta dehiscit, vivaque per rimas proceraque surgit harundo, osque cavum saxi sonat exsultantibus undis: miraque res, subito media tenus exstitit alvo incinctus iuvenis flexis nova cornua cannis, qui, nisi quod maior, quod toto caerulus ore, Acis erat. Sed sic quoque erat tamen Acis, in amnem versus, et antiquum tenuerunt flumina nomen.” Glaucus Desierat Galatea loqui, coetuque soluto
Depois destas queixas inúteis (pois eu via tudo), levanta-se e, como um touro furioso pela retirada de sua vaca, não consegue se manter quieto e erra pela floresta e pelos conhecidos vales. De súbito, o mostro nos vê, Ácis e a mim, desavisados e sem temer tal perigo, e exclama: ‘Vejo-os e farei que este seja vosso último encontro de amor!’ Sua voz foi tão possante quanto deve ser a de um Ciclope enraivecido. O Etna tremeu de terror com seu grito. Apavorada, mergulho no mar vizinho; o herói filho de Simeto se pôs a fugir dizendo: ‘Ajuda-me, Galateia, suplico-te; ajudai-me, meus pais, e eu, que estou a ponto de morrer, admiti-me em vossos reinos.’ O Ciclope o segue, lança contra ele um pedaço arrancado de um monte e, ainda que o tenha atingido apenas com uma extremidade, Ácis ficou completamente enterrado. Então eu fiz a única coisa que os fados me permitiam, que Ácis assumisse a natureza de seu avô. Sob a massa jorrava sangue de cor púrpura e, em pouco tempo, o vermelho começou a se esvair: primeiro tomou a cor de um rio agitado pelas chuvas e, com o tempo, foi-se purificando. Então a massa se entreabre e, pelas fendas, surge um ramo de cana, longo e vigoroso. A boca côncava da rocha ressoa com as águas que saltam e, coisa maravilhosa, de súbito surge um jovem até a cintura, cuja frente leva uma coroa de juncos enlaçados em redor de chifres recentes. E, se não fosse maior, se não tivesse o rosto azulado, seria o próprio Ácis. Mas, efetivamente, era o próprio Ácis transformado em rio, cuja corrente conservou o antigo nome do herói.”
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discedunt placidisque natant Nereides undis. Scylla redit (neque enim medio se credere ponto audet) et aut bibula sine vestibus errat harena, aut, ubi lassata est, seductos nacta recessus gurgitis, inclusa sua membra refrigerat unda. Ecce fretum scindens alti novus incola ponti, nuper in Euboica versis Anthedone membris, Glaucus adest visaeque cupidine virginis haeret et quaecumque putat fugientem posse morari verba refert; fugit illa tamen veloxque timore pervenit in summum positi prope litora montis. Ante fretum est ingens, apicem conlectus in unum, longa sub arboribus convexus in aequora vertex: constitit hic, et tuta loco, monstrumne deusne ille sit, ignorans, admiraturque colorem caesariemque umeros subiectaque terga tegentem, ultimaque excipiat quod tortilis inguina piscis. Sensit et innitens, quae stabat proxima, moli, “non ego prodigium nec sum fera belua, virgo, sed deus” inquit “aquae: nec maius in aequore Proteus ius habet et Triton Athamantiadesque Palaemon. Ante tamen mortalis eram, sed, scilicet altis deditus aequoribus, tantum exercebar in illis. Nam modo ducebam ducentia retia pisces, nunc in mole sedens moderabar harundine linum. Sunt viridi prato confinia litora, quorum altera pars undis, pars altera cingitur herbis, quas neque cornigerae morsu laesere iuvencae, nec placidae carpsistis oves hirtaeve capellae; non apis inde tulit conlectos semine flores, non data sunt capiti genialia serta, neque umquam falciferae secuere manus; ego primus in illo caespite consedi, dum lina madentia sicco, utque recenserem captivos ordine pisces, insuper exposui, quos aut in retia casus aut sua credulitas in aduncos egerat hamos.
Galateia termina de falar e, dissolvida a reunião, as Nereides se afastam e nadam nas plácidas ondas. Cila retornou, não se atrevendo a se fiar nas profundezas do mar, e erra sem destino pela areia sedenta, ou, quando está cansada, refresca seus membros na água parada dos recantos solitários do abismo. E eis que, fendendo as águas do estreito, surge um novo habitante do mar profundo – há pouco, na cidade de Antédon, que se localiza defronte à ilha de Eubeia, seus membros tinham se transformado. Glauco apresentase, tomado de desejo pela jovem diante de si, e lhe diz qualquer coisa que acha que a impedirá de fugir. Contudo ela foge e, veloz pelo temor, chega ao alto de um monte situado junto da praia. Diante do mar há um imenso cume, que termina em uma ponta e forma uma abóbada coroada de árvores. Ela permaneceu ali, segura em virtude de sua posição. Ignorando se aquele era um deus ou um monstro, admira sua cor e seus cabelos, que lhe cobrem os ombros e lhe caem pelas costas e se surpreende com a cauda de peixe abaixo de sua cintura. Ele percebeu tudo isso e, reclinando-se em uma rocha vizinha, disse:
“Eu não sou um monstro nem uma besta feroz, ó donzela, mas sim um deus da água. No mar, nem Proteu, nem Tritão, nem Palemon, filho de Atamante tem maior autoridade do que eu. Antes, porém, era mortal, ainda que já dedicado às águas profundas, tanto que trabalhava nelas. Pois ora lançava as redes que arrastavam os peixes, ora, sentado em uma rocha, guiava a linha com uma vara. Há, perto de um verde prado, uma praia cingida de um lado pelas ondas e de outro pelas ervas, que nunca foram tocadas pela mordida das vacas de longos chifres nem por vós, pacíficas ovelhas ou cabras hirsutas. Jamais a abelha laboriosa sorveu o suco das suas flores, jamais nenhuma mão empunhando a foice ali buscou flores e ervas para uma coroa festiva. Eu fui o primeiro a me sentar sobre aquela grama, enquanto secava minha rede molhada. E para contar os peixes que tinha pescado, pus em fila os que o acaso tinha colocado em minha rede ou a temeridade tinha colocado em meu anzol curvado. E aconteceu algo que parece inventado, mas o que me adiantaria inventá-lo? Em contato com a relva, minha presa começou a se mexer, a se debater de um lado a outro e a tentar escapar por terra, como se estivesse na água. Enquanto observava,
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Res similis fictae (sed quid mihi fingere prodest?): gramine contacto coepit mea praeda moveri et mutare latus terraque, ut in aequore, niti. Dumque moror mirorque simul, fugit omnis in undas turba suas dominumque novum litusque relinquunt. 940 Obstipui dubitoque diu causamque requiro, num deus hoc aliquis, num sucus fecerit herbae. “Quae” tamen “has” inquam “vires habet herba?”, manuque pabula decerpsi decerptaque dente momordi. Vix bene combiberant ignotos guttura sucos, 945 cum subito trepidare intus praecordia sensi alteriusque rapi naturae pectus amore, nec potui restare diu “repetenda” que “numquam terra, vale!” dixi corpusque sub aequora mersi. Di maris exceptum socio dignantur honore, 950 utque mihi quaecumque feram mortalia, demant, Oceanum Tethynque rogant: ego lustror ab illis, et purgante nefas noviens mihi carmine dicto pectora fluminibus iubeor supponere centum; nec mora, diversis lapsi de partibus amnes 955 totaque vertuntur supra caput aequora nostrum. Hactenus acta tibi possum memoranda referre, hactenus haec memini, nec mens mea cetera sensit. Quae postquam rediit, alium me corpore toto ac fueram nuper, neque eundem mente recepi. 960 Hanc ego tum primum viridem ferrugine barbam caesariemque meam, quam longa per aequora verro, ingentesque umeros et caerula bracchia vidi cruraque pinnigero curvata novissima pisce. Quid tamen haec species, quid dis placuisse marinis, 965 quid iuvat esse deum, si tu non tangeris istis?” Talia dicentem, dicturum plura, reliquit Scylla deum; furit ille inritatusque repulsa prodigiosa petit Titanidos atria Circes.
admirado, a multidão de peixes fugiu para a água, abandonando a praia e o seu novo senhor. Fiquei estupefato e hesitei, por um longo tempo, procurando entender se algum deus fora o causador aquilo ou se fora a seiva de uma erva. ‘Mas que erva tem esse poder?’ perguntei-me e com a mão colhi algumas e com os dentes as mordi. Mal minha garganta sorveu aqueles sucos desconhecidos, senti que minhas entranhas trepidavam dentro de mim e que meu peito era tomado pelo desejo de assumir outra natureza. Não podendo resistir por muito tempo, disse: ‘Nunca mais retornarei a ti, Terra, adeus!’ e mergulhei meu corpo nas águas do mar. Os deuses do mar, tendome recebido, julgaram-me digno de honrarias semelhantes às suas e rogaram a Oceano e a Tétis que tirassem de mim tudo aquilo que trazia de mortal. Eu fui purificado por eles e, após repetir nove vezes um encanto para me purgar de toda impiedade, ordenaram-me que mergulhasse meu corpo em cem rios. Em seguida, deslizaram rios de diversas partes daquela região e verteram as águas sobre minha cabeça. Até aqui posso contar essas coisas, dignas de serem lembradas. Mas só me lembro até aqui, depois minha consciência não percebeu mais nada. Quando voltei a mim, achei-me completamente diferente do que era, de corpo e de mente. Então, pela primeira vez, vi a barba, verde como o azinhavre, e minha cabeleira, que arrasto pelos vastos mares, e meus enormes ombros, e meus braços azuis, e as extremidades das pernas, em curva, como a dos peixes de barbatanas. Mas que adianta ter esta forma, agradar aos deuses marinhos e ser eu mesmo um deus se tu não te importas com essas coisas?”
Cila abandonou o deus, que dizia isso e havia de dizer mais. Ele se enfurece e, irritado com sua repulsa, dirige-se aos prodigiosos átrios de Circe, filha do Titã. Tradução: Anderson Martins Esteves (UFRJ)
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Liber XIV Scylla et Circe
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Iamque Giganteis iniectam faucibus Aetnen arvaque Cyclopum, quid rastra, quid usus aratri nescia nec quicquam iunctis debentia bubus, liquerat Euboicus tumidarum cultor aquarum, liquerat et Zanclen adversaque moenia Rhegi navifragumque fretum, gemino quod litore pressum Ausoniae Siculaeque tenet confinia terrae. Inde manu magna Tyrrhena per aequora raptus herbiferos adiit colles atque atria Glaucus Sole satae Circes, variarum plena ferarum.
O Eubeu, habitante das intumescidas ondas, já havia deixado para trás o Etna, que jaz sujeito a gigantes gargantas, e os campos dos Ciclopes, searas desconhecedoras dos ancinhos, que não sabem que uso se faz de um arado, que nada às juntas de bois devem. Havia deixado também Zancle e as muralhas de Régio, que lhe estão opostas; também o estreito, naufragador de navios, que, premido por duplo litoral, detém os confins da terra Ausônia e da Sicília. Pelos tirrenos mares arrastado, por mão poderosa, Glauco chega a colinas cobertas de relva e cheias de feras variadas, aos átrios de Circe, a filha do Sol.
Quam simul adspexit, dicta acceptaque salute, “diva, dei miserere, precor! nam sola levare tu potes hunc,” dixit “videar modo dignior esse! Quanta sit herbarum, Titani, potentia, nulli quam mihi cognitius, qui sum mutatus ab illis. Neve mei non nota tibi sit causa furoris: litore in Italico, Messenia moenia contra, Scylla mihi visa est; pudor est promissa precesque blanditiasque meas contemptaque verba referre. At tu, sive aliquod regnum est in carmine, carmen ore move sacro, sive expugnantior herba est, utere temptatis operosae viribus herbae. Nec medeare mihi sanesque haec vulnera mando, fineque nil opus est: partem ferat illa caloris.”
Assim que a viu, proferida e recebida a saudação, disse: “Deusa, tem compaixão de um deus, suplico-te. Somente tu, se te pareço digno, podes tornar leve este meu amor. Quão grande possa ser o poder das ervas, ó Titânia, de ninguém mais do que de mim isso é conhecido, eu que fui por elas transformado. Que não te seja desconhecida a causa de minha loucura: no litoral italiano, defronte às muralhas de Messina, Cila foi avistada por mim. É constrangedor contar de novo as promessas, as preces, as carícias, as palavras desprezadas. Mas tu, se existe algo de poder em palavras mágicas, profere com tua boca sagrada essas palavras; se existe uma planta com poder mais combativo, usa das forças já comprovadas dessa planta curativa. Não peço que mediques, nem que me cures estas feridas. Nada há que ter fim, apenas que ela participe de meu inflamado amor.” Mas Circe – nenhuma alma feminina tem natureza mais apta a tais chamas, seja porque nela própria está a causa de uma paixão, seja porque Vênus, esta que uma vez fora ofendida pelo pai delator320, a provoque – tais palavras profere: “Mais te aproveita, vai atrás de uma que queira e, tomada de correspondente desejo, igualmente o anseie. Eras mais do que digno e podias, com toda certeza, ser pretendido. E, se deres esperança, crê em mim, serás, em teu amor, rogado. Nem tenhas dúvida, nem te falte confiança em tua beleza. Eis que estou aqui! Já que sou uma deusa, filha do nítido Sol, como eu tenha tamanhos poderes, tanto pelos encantamentos, quanto pelas ervas, para que eu seja tua,
At Circe (neque enim flammis habet aptius ulla talibus ingenium, seu causa est huius in ipsa, seu Venus indicio facit hoc offensa paterno) talia verba refert. “Melius sequerere volentem optantemque eadem parilique cupidine captam. Dignus eras ultro (poteras certeque) rogari,
Cila e Circe
320 Menção ao fato de que o Sol, pai de Circe, havia denunciado a Vulcano os amores de sua esposa, Vênus, com Marte.
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et, si spem dederis, mihi crede, rogaberis ultro. Neu dubites adsitque tuae fiducia formae: en ego, cum dea sim, nitidi cum filia Solis, gramine cum tantum, tantum quoque carmine possim, ut tua sim, voveo; spernentem sperne, sequenti redde vices unoque duas ulciscere facto!”
faço os votos: despreza aquela que te despreza; dá a vez à que te segue: vinga321 com um só feito as duas.
Talia temptanti “prius” inquit “in aequore frondes” Glaucus “et in summis nascentur montibus algae, sospite quam Scylla nostri mutentur amores!”
Glauco, então, disse à que tentava tais propostas: “No mar, as árvores, e nos mais altos montes as algas nascerão, antes que, Cila ainda estando viva, se mudem os nossos amores”.
Indignata dea est, et laedere quatenus ipsum non poterat (nec vellet amans), irascitur illi, quae sibi praelata est, venerisque offensa repulsa protinus horrendis infamia pabula sucis conterit et tritis Hecateia carmina miscet caerulaque induitur velamina perque ferarum agmen adulantum media procedit ab aula, oppositumque petens contra Zancleia saxa Rhegion ingreditur ferventes aestibus undas, in quibus ut solida ponit vestigia terra summaque decurrit pedibus super aequora siccis.
A deusa se faz indignada e como não podia feri-lo – nem o quereria, pois o amava – enche-se de ira contra aquela que foi a preferida; ofendida por repulsa de amor, premeditadamente, esmaga infames alimentos, embebidos em horrendos sucos, e acrescenta a essas misturas palavras mágicas, que aprendeu de Hécate; cobre-se de véus azuis e, no tropel de suas feras aduladoras, avança do pátio do palácio e, buscando Régio, na direção oposta, de encontro às rochas de Zancle, entra nas águas de agitações ferventes e nelas deixa pegadas, como se fosse em terra firme; com os pés secos, corre por sobre o mais profundo mar.
Parvus erat gurges, curvos sinuatus in arcus, grata quies Scyllae; quo se referebat ab aestu et maris et caeli, medio cum plurimus orbe sol erat et minimas a vertice fecerat umbras. Hunc dea praevitiat portentificisque venenis inquinat, hic pressos latices radice nocenti spargit et obscurum verborum ambage novorum ter noviens carmen magico demurmurat ore. Scylla venit mediaque tenus descenderat alvo, cum sua foedari latrantibus inguina monstris adspicit ac primo credens non corporis illas esse sui partes refugitque abigitque timetque ora proterva canum, sed quos fugit, attrahit una et corpus quaerens femorum crurumque pedumque,
Havia um pequeno abismo, recurvo em sinuosos arcos, aprazível remanso para Cila, onde se recolhia do mar agitado e do abrasado céu, quando, a meio curso, o sol estava em seu máximo e fazia, de seu vértice, mínimas as sombras. Esse lugar, antes de mais nada, a deusa contamina e, com venenos danosos, infesta-o. Espalha seivas compressas de uma raiz venenosa e, repetidamente – três vezes nove vezes – em rodeios, murmura com sua boca mágica uma fórmula obscura, de palavras incompreensíveis. Cila vem, já havia descido até a metade de sua cintura, quando vê sua virilha desfigurarse em monstros que ladravam. De imediato, na crença de que aquelas não eram partes de seu corpo, foge estarrecida, afasta-se, e teme as bocas impudentes dos cães. Mas aqueles a que afugenta, arrasta-os junto a si: enquanto busca um corpo de coxas, pernas e pés, encontra, no lugar disso, mandíbulas de Cérbero. Ela se põe de pé, em raiva de cães, e contém os dorsos de feras submetidas a suas virilhas mutiladas e a seu ventre à vista.
321 O verbo latino é ulciscor e permite aqui dupla interpretação: punir uma; beneficiar outra. O mesmo se dá em português: “me senti vingado” significa “me beneficiei, porque puni um outro”.
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Cerbereos rictus pro partibus invenit illis: statque canum rabie subiectaque terga ferarum inguinibus truncis uteroque exstante coercet. Flevit amans Glaucus nimiumque hostiliter usae viribus herbarum fugit conubia Circes; Scylla loco mansit cumque est data copia primum, in Circes odium sociis spoliavit Ulixen; mox eadem Teucras fuerat mersura carinas, ni prius in scopulum, qui nunc quoque saxeus exstat, transformata foret: scopulum quoque navita vitat. Cercopes
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Hunc ubi Troianae remis avidamque Charybdim evicere rates, cum iam prope litus adesset Ausonium, Libycas vento referuntur ad oras. Excipit Aenean illic animoque domoque non bene discidium Phrygii latura mariti Sidonis; inque pyra sacri sub imagine facta incubuit ferro deceptaque decipit omnes. Rursus harenosae fugiens nova moenia terrae ad sedes Erycis fidumque relatus Acesten sacrificat tumulumque sui genitoris honorat; quasque rates Iris Iunonia paene cremarat, solvit et Hippotadae regnum terrasque calenti sulphure fumantes Acheloiadumque relinquit Sirenum scopulos, orbataque praeside pinus Inarimen Prochytenque legit sterilique locatas colle Pithecusas, habitantum nomine dictas. Quippe deum genitor, fraudem et periuria quondam Cercopum exosus gentisque admissa dolosae, in deforme viros animal mutavit, ut idem
Glauco, em amor, chorou e fugiu de um casamento com Circe, aquela que havia muito hostilmente utilizado dos poderes das ervas. Cila permaneceu nesse mesmo lugar e, quando lhe foi dada a oportunidade, primeiramente por ódio de Circe322, privou Ulisses de seus companheiros. A seguir, ela própria teria afundado as naus teucras, se, antes, em um rochedo, que ainda hoje se ergue duradouro, não se tivesse transformado: esse rochedo, qualquer marinheiro evita. Os Cércopes Quando a esse rochedo e à voraz Caribdes, pela força dos remos, as embarcações troianas haviam vencido, como já estivessem próximas do litoral ausônio, por um vento são arremetidas às costas líbicas. Recebe até a Eneias, em afeto e na própria casa, a Sidônia, que não haveria de suportar a separação de seu homem frígio 323 . Junto a uma fogueira, feita sob a aparência de um sacrifício, lançou-se sobre uma espada e, porque fora enganada, engana a todos. Eneias outra vez fugitivo das muralhas novas da arenosa terra, levado de volta à morada de Érice e ao fiel Aceste, aí oferece sacrifícios e honra o túmulo de seu pai. Desancora os navios que Íris Junônia havia quase queimado324 e deixa para trás o reino de Hipótades, as terras fumegantes de enxofre quente e os rochedos das Aqueloas sereias. O pinheiro órfão de seu condutor325 costeia Inárime, Prócita e também, localizada numa colina estéril, Pitecusas, assim chamada por causa de seus habitantes. Um dia, o Pai dos deuses, porque se encheu de ódio pela fraude e perjúrios recebidos dos Cércopes, essa gente cheia de dolos, transformou esses homens num animal disforme, de tal modo que pudessem parecer
322 Circe havia retido Ulisses por um ano, em sua ilha, Ea. 323 Dido viveu com Enéias uma grande história de amor. Abandonada por ele, que se destinava a dar origem ao império romano, suicidou-se. 324 Juno, que perseguia os troianos, ordenou que Iris incendiasse os navios. Júpiter fez cair uma chuva e salvou a frota. 325 Palinuro, piloto de Enéias, por conta do sono, havia caído no mar.
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dissimiles homini possent similesque videri, membraque contraxit naresque a fronte resimas contudit et rugis peraravit anilibus ora totaque velatos flaventi corpora villo misit in has sedes nec non prius abstulit usum verborum et natae dira in periuria linguae: posse queri tantum rauco stridore reliquit. Sibylla
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dissemelhantes de um humano e, ao mesmo tempo, semelhantes. Encolheu seus membros, achatou os narizes, antes salientes de sua fronte, arranhoulhes as faces com rugas de velhas, e seus corpos, totalmente cobertos por um véu amarelecido, mandou para estas moradas, não antes que lhes tivesse tirado o uso das palavras e da língua nascida para os terríveis perjúrios. Deixou que pudessem queixar-se apenas com rouco estridor. A Sibila
Has ubi praeteriit et Parthenopeia dextra moenia deseruit, laeva de parte canori Aeolidae tumulum et, loca feta palustribus undis, litora Cumarum vivacisque antra Sibyllae intrat, et ut manes veniat per Averna paternos, orat. At illa diu vultum tellure moratum erexit tandemque deo furibunda recepto “magna petis” dixit, “vir factis maxime, cuius dextera per ferrum est, pietas spectata per ignes. Pone tamen, Troiane, metum: potiere petitis Elysiasque domos et regna novissima mundi me duce cognosces simulacraque cara parentis. Invia virtuti nulla est via!” Dixit et auro fulgentem ramum silva Iunonis Avernae monstravit iussitque suo divellere trunco.
Tão logo passou por essas terras e deixou as muralhas de Partênope, que ficam à direita, e na parte esquerda o túmulo do canoro Eólida – local infestado de ulvas do pântano – entra nos litorais de Cumas e nas cavernas da longeva Sibila. Roga que possa chegar aos Manes paternos através do Averno. Mas ela ergueu o seu rosto, tão demoradamente fixado no chão e, tomada pelo furor de um deus recebido, disse: “Grandes coisas demandas, ó homem grandiosíssimo por teus feitos, cuja mão direita já se mostrou pela espada, cuja piedade já foi provada pelas chamas. Põe de lado o medo, Troiano; terás poder sobre o que buscas e, sendo eu tua guia, conhecerás as Casas Elísias, os reinos últimos do mundo, o simulacro de teu pai, tão caro. Via nenhuma é inviável à virtude”. Ela disse e mostrou na floresta de Juno do Averno um ramo brilhante de ouro e ordenou arrancá-lo do tronco.
Paruit Aeneas et formidabilis Orci vidit opes atavosque suos umbramque senilem magnanimi Anchisae; didicit quoque iura locorum, quaeque novis essent adeunda pericula bellis. Inde ferens lassos adverso tramite passus cum duce Cumaea mollit sermone laborem.
Eneias obedeceu e viu os poderes do Orco, aterrador: os próprios ancestrais e a sombra senil do magnânimo Anquises. Conheceu também as leis desse lugar e quais perigos devessem advir das novas guerras. Arrastando dali os passos cansados, na caminhada reversa, em conversa com sua guia Cumana, alivia a fadiga. Enquanto prossegue o caminho horrendo pelos crepúsculos opacos, diz: “Se és tu própria uma deusa verdadeira, ou se a mais agradável aos deuses, serás para mim sempre a imagem de uma divindade, e sempre confessarei minha existência ser uma dádiva de ti; que pela tua vontade me permitiste entrar nos reinos da morte; permitiste-me evadir dos reinos da morte, depois de tê-la visto. Pelos teus méritos, trazido de volta aos ares do céu, erguerei templos e terás como tributo as honras do incenso”.
Dumque iter horrendum per opaca crepuscula carpit, “seu dea tu praesens, seu dis gratissima” dixit, “numinis instar eris semper mihi meque fatebor muneris esse tui, quae me loca mortis adire, quae loca me visae voluisti evadere mortis. Pro quibus aerias meritis evectus ad auras
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templa tibi statuam, tribuam tibi turis honores.” 130
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Respicit hunc vates et suspiratibus haustis “nec dea sum” dixit “nec sacri turis honore humanum dignare caput; neu nescius erres, lux aeterna mihi carituraque fine dabatur, si mea virginitas Phoebo patuisset amanti. Dum tamen hanc sperat dum praecorrumpere donis me cupit, “elige” ait, “virgo Cumaea, quid optes: optatis potiere tuis.” Ego pulveris hausti ostendi cumulum: quot haberet corpora pulvis, tot mihi natales contingere vana rogavi; excidit, ut peterem iuvenes quoque protinus annos. Hos tamen ille mihi dabat aeternamque iuventam, si venerem paterer: contempto munere Phoebi innuba permaneo; sed iam felicior aetas terga dedit, tremuloque gradu venit aegra senectus, quae patienda diu est (nam iam mihi saecula septem acta vides): superest, numeros ut pulveris aequem, ter centum messes, ter centum musta videre. Tempus erit, cum de tanto me corpore parvam longa dies faciet consumptaque membra senecta ad minimum redigentur onus: nec amata videbor nec placuisse deo; Phoebus quoque forsitan ipse vel non cognoscet vel dilexisse negabit: usque adeo mutata ferar, nullique videnda, voce tamen noscar; vocem mihi fata relinquent.” Achaemenides apud Polyphemum
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Talia convexum per iter memorante Sibylla sedibus Euboicam Stygiis emergit in urbem Troius Aeneas sacrisque ex more litatis litora adit nondum nutricis habentia nomen. Hic quoque substiterat per taedia longa laborum Neritius Macareus, comes experientis Ulixei; desertum quondam mediis e rupibus Aetnae
Volta a olhar para ele a profetisa e, em fôlego suspirante, diz: “Nem sou uma deusa, nem deves fazer uma cabeça humana digna da honra de sagrado incenso; que, por ignorância, não erres mais. A mim teria sido dada uma luz eterna, para sempre sem fim, se minha virgindade tivesse sido permitida a Febo, que me amava. Enquanto ele a espera, enquanto, pela cobiça, deseja, de todo, corromper-me com presentes, fala: ‘Escolhe, virgem Cumana, o que desejas e te apoderarás de tudo quanto desejares’. Apresentando-lhe um punhado de cinza, eu, insensata, pedi que tantos aniversários eu completasse, quantos fossem aqueles grãos de cinza. Aconteceu que me havia esquecido de pedir que os meus anos fossem de jovem para sempre. Ele, por sua vez, os daria a mim, e ainda uma eterna juventude, se eu cedesse à sua Vênus. Desprezada a dádiva de Febo, permaneço solteira. Mas aquela fase feliz da vida me deu as costas, em passo trêmulo veio a doentia velhice, que há de ser duradouramente sofrida. Até agora, para mim, são sete séculos vividos, e ainda resta, para que iguale, em número, aos grãos de cinza, eu assistir a três centenas de colheitas, três vezes cem a pisa da uva. Tempo haverá, em que o longo dia, desgastando-me de tamanho corpo, me tornará pequena: os membros consumidos pela velhice me reduzirão a um peso mínimo. Nem parecerei ter um dia sido amada, muito menos, ter encantado a um deus. O próprio Febo, muito provavelmente, não me reconhecerá, ou negará ter-me amado: de tal maneira haverei de seguir mudada e visível a ninguém. Pela voz, no entanto, serei reconhecida: os fados me deixarão somente voz”.
Aquemênidas e Polifemo Enquanto a Sibila rememorava pelo caminho inclinado tais prodígios, o troiano Eneias emergiu das sedes Estígias para a cidade Eubeia e, segundo o costume, oferecidos, de fé, os sacrifícios, chegou aos litorais, que ainda não haviam recebido o nome de sua nutriz. Aí também se detivera, depois dos longos tédios da fadiga, um companheiro do experimentado Ulisses, Macareu de Nérito, que reconhece Aquemênidas. Este, um dia, fora abandonado nos penhascos do Etna. De repente, admirado de estar ainda vivo aquele a quem reencontrou, ele disse: “que acaso, ou que deus te guarda
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noscit Achaemeniden improvisoque repertum vivere miratus “qui de casusve deusve servat, Achaemenide? cur” inquit “barbara Graium prora vehit? petitur vestra quae terra carina?” 165
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Talia quaerenti iam non hirsutus amictu, iam suus et spinis conserto tegmine nullis, fatur Achaemenides: “Iterum Polyphemon et illos adspiciam fluidos humano sanguine rictus, hac mihi si potior domus est Ithacique carina, si minus Aenean veneror genitore nec umquam esse satis potero, praestem licet omnia, gratus. Quod loquor et spiro caelumque et sidera solis respicio, possimne ingratus et impius esse? Ille dedit, quod non anima haec Cyclopis in ora venit, et ut iam nunc lumen vitale relinquam, aut tumulo aut certe non illa condar in alvo. Quid mihi tunc animi (nisi si timor abstulit omnem sensum animumque) fuit, cum vos petere alta relictus aequora conspexi? Volui inclamare, sed hosti prodere me timui: vestrae quoque clamor Ulixis paene rati nocuit. Vidi, cum monte revulsum inmanem scopulum medias permisit in undas; vidi iterum veluti tormenti viribus acta vasta Giganteo iaculantem saxa lacerto et, ne deprimeret fluctus ventusve carinam, pertimui, iam me non esse oblitus in illa. Ut vero fuga vos a certa morte reduxit, ille quidem totam gemebundus obambulat Aetnam praetemptatque manu silvas et luminis orbus rupibus incursat foedataque bracchia tabo in mare protendens gentem exsecratur Achivam atque ait: “O si quis referat mihi casus Ulixem aut aliquem e sociis, in quem mea saeviat ira,
vivo, Aquemênidas? Por que uma proa bárbara326 conduz um grego? Que terra a tua quilha busca?” Ao que fazia tais perguntas Aquemênidas, não mais com sua vestimenta arrepiada, já dono de si, coberto por um tecido entrelaçado de espinhos nenhuns, confessa: “Que mais outra vez eu encare, olhos no olho, Polifemo e aquelas bocas arreganhadas de dentes banhados de sangue humano, se minha casa, e também Ítaca, eu considere mais importantes que esta embarcação; se eu venere Eneias menos do que a meu próprio pai; nem mesmo eu poderia ser tão grato, ainda que lhe devotasse tudo. Porque continuo a falar, a manter-me respirando e olho o céu e todos os brilhos de sol 327 , como eu poderia ser-lhe ingrato e esquecido? Ele concedeu que esta minha vida não se perdesse na boca do ciclope. Ainda que eu deixe, agora, a luz da vida, irei para um túmulo! Com certeza, não serei enterrado naquele ventre. O quê de alma restou a mim (se, de fato, o temor não me arrebatou todo o senso e força vital), quando, deixado para trás, vos vi ganhar os altos mares? Quis gritar, mas temi entregar-me ao inimigo. A gritaria do próprio Ulisses328 quase pôs a perder o vosso navio. Eu vi quando ele atirou no meio das águas um descomunal rochedo, revolvido de um monte. Vi, ainda, como que levadas por forças de máquinas, as enormes pedras que ele atirava com seu braço gigantesco. Temi, então, que as ondas e o vento afundassem a embarcação, já esquecido de que eu não mais estava nela. Quando a fuga vos afastou da morte certa, ele, gemebundo, vagueia pelo Etna inteiro; tateia com sua mão as florestas e, órfão de luz329 , tropeça nas pedras; de braços erguidos, em sangue desfigurados, voltado para o mar amaldiçoa a gente Aqueia, dizendo: ‘Ah se um acaso qualquer me traga de volta Ulisses, ou algum de seus companheiros, sobre quem minha ira recaia com violência! Que eu devore suas vísceras, que eu dilacere com minha mão direita seus membros vivos; que seu sangue me inunde a garganta e, arrancadas, suas articulações tremam sob meus dentes! Quão nada ou leve me seria o dano da luz suprimida!’ Estas e muitas coisas, feroz, ele disse. De mim um lívido pavor se apodera no momento em que vejo seu rosto ainda molhado da carnificina: suas mãos ensanguentadas, a órbita vazia de luz, seus membros e sua barba espessada pelo sangue humano. Ante os meus olhos, a morte, que, no entanto, era o menor dos males: eu estava para ser agarrado, já pensava que, naquele momento, as minhas vísceras ele havia de entranhar às suas. À mente permanecia gravada a imagem daquele dia, eu
326 O grego Aquemênidas havia sido recolhido por um navio troiano, bárbaro, portanto. 327 O sol e tudo que no céu tenha brilho. 328 Ulisses, ao escapar de Polifemo, o insultava gritando o próprio nome. 329 Polifemo tivera seu olho cegado por Ulisses.
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viscera cuius edam, cuius viventia dextra membra mea laniem, cuius mihi sanguis inundet guttur et elisi trepident sub dentibus artus: quam nullum aut leve sit damnum mihi lucis ademptae!” Haec et plura ferox; me luridus occupat horror spectantem vultus etiamnum caede madentes crudelesque manus et inanem luminis orbem membraque et humano concretam sanguine barbam. mors erat ante oculos, minimum tamen ipsa doloris: et iam prensurum, iam nunc mea viscera rebar in sua mersurum, mentique haerebat imago temporis illius, quo vidi bina meorum ter quater adfligi sociorum corpora terrae, cum super ipse iacens hirsuti more leonis visceraque et carnes cumque albis ossa medullis semianimesque artus avidam condebat in alvum. Me tremor invasit: stabam sine sanguine maestus; mandentemque videns eiectantemque cruentas ore dapes et frusta mero glomerata vomentem talia fingebam misero mihi fata parari perque dies multos latitans omnemque tremescens ad strepitum, mortemque timens cupidusque moriri, glande famem pellens et mixta frondibus herba, solus, inops, exspes, leto poenaeque relictus hanc procul adspexi longo post tempore navem oravique fugam gestu ad litusque cucurri — et movi. Graiumque ratis Troiana recepit!
que vi um par de corpos de meus companheiros serem, três, quatro vezes golpeados contra a terra. Em seguida, postando-se de pé, à maneira de um leão eriçado, ele sepultava em seu ventre voraz as vísceras, as carnes e os ossos de brancas medulas e as juntas ainda semivivas. Um temor me invadiu: estático, sem sangue, agoniado eu o via mastigando e deixando escapar da boca a refeição cruenta; vomitava pedaços embolados com vinho. Tais destinos, eu imaginava, estavam reservados a mim, desgraçado. Por muitos dias estive-me escondendo aqui e ali, tremendo a cada estalido; ao mesmo tempo temia a morte e estava desejoso de morrer; afastava a fome com castanhas silvestres e ervas misturadas a folhagens. Sozinho, sem recursos, sem esperança, abandonado à morte e a esse castigo, depois de longo tempo avistei este navio, supliquei pela fuga e, gesticulando, corri à praia: comovi! A embarcação troiana recebeu um grego! Tu, igualmente, ó mais agradável dos companheiros, conta em detalhe as tuas desventuras, as do comandante, as do grande número de pessoas que contigo se confiaram ao mar”.
Tu quoque pande tuos, comitum gratissime, casus et ducis et turbae, quae tecum est credita ponto.” Macareus. Ulixes et Circe
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Aeolon ille refert Tusco regnare profundo, Aeolon Hippotaden, cohibentem carcere ventos; quos bovis inclusos tergo, memorabile munus, Dulichium sumpsisse ducem flatuque secundo lucibus isse novem et terram adspexisse petitam;
Macareu, Ulisses e Circe Macareu conta que, no profundo mar etrusco, reina Éolo, filho de Hipótades, o Éolo que retém os ventos em cárcere. Estes haviam sido encerrados em um couro de boi, um presente memorável que o Dulíquio tomou como um propulsor: com o sopro favorável, navegou nove dias e viu a terra que buscava. Como já movesse a aurora seguinte à nona, os
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proxima post nonam cum sese aurora moveret, invidia socios praedaeque cupidine victos, esse ratos aurum, dempsisse ligamina ventis; cum quibus isse retro, per quas modo venerat undas, Aeoliique ratem portus repetisse tyranni. “Inde Lami veterem Laestrygonis” inquit “in urbem venimus. Antiphates terra regnabat in illa. Missus ad hunc ego sum, numero comitante duorum, vixque fuga quaesita salus comitique mihique: tertius e nobis Laestrygonis impia tinxit ora cruore suo. Fugientibus instat et agmen concitat Antiphates. Coeunt et saxa trabesque coniciunt merguntque viros merguntque carinas.
Una tamen, quae nos ipsumque vehebat Ulixen, effugit. Amissa sociorum parte dolentes multaque conquesti terris adlabimur illis, quas procul hinc cernis (procul hinc, mihi crede, videnda 245 insula, visa mihi!), tuque o iustissime Troum, nate dea (neque enim finito Marte vocandus hostis es, Aenea), moneo, fuge litora Circes. Nos quoque Circaeo religata in litore pinu, Antiphatae memores inmansuetique Cyclopis, 250 ire negabamus vel tecta ignota subire; sorte sumus lecti, sors me fidumque Politen Eurylochumque simul nimiique Elpenora vini bisque novem socios Circaea ad moenia misit. 255
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Quae simul attigimus stetimusque in limine tecti, mille lupi mixtaeque lupis ursique leaeque occursu fecere metum, sed nulla timenda nullaque erat nostro factura in corpore vulnus. Quin etiam blandas movere per aera caudas nostraque adulantes comitant vestigia, donec excipiunt famulae perque atria marmore tecta ad dominam ducunt: pulchro sedet illa recessu,
330 A cidade era Fórmias, ao sul do Lácio.
companheiros foram vencidos pela inveja e pela cobiça de despojos. Contando que continha ouro, desataram as amarras daquele cárcere aos ventos. Com estes foram impelidos em direção contrária, para trás, pelas águas pelas quais haviam vindo: o navio busca de volta o porto do rei Eólio. Daí, ele disse, chegamos à antiga cidade 330 de Lamo Lestrigão: reinava naquela terra Antífates. Fui enviado até ele, na companhia de dois homens. Com esforço, pela fuga buscada, houve, para mim e meu companheiro, salvação. O terceiro de nós tingiu com o próprio sangue a boca ímpia do Lestrigão. Antífates persegue-nos fugitivos e excita contra nós uma hoste. Amontoam-se, lançam pedras e paus, afundam homens, submergem embarcações. Delas, apenas uma escapou, a que a nós e ao próprio Ulisses conduzia. Perdida parte dos companheiros, em dor sofrida e queixosos dos muitos males, deslizamos até a essas terras, que ao longe daqui se podem ver – de longe se há de ver, crê em mim, a ilha que, de fato, eu vi. Tu, ó mais justo dos troianos, ó nascido de uma deusa, mesmo finda a guerra – nem assim hás de ser chamado inimigo, ó Eneias – advirto: foge dos litorais de Circe! Nós ainda, ancorado nosso navio no litoral de Circe, lembrados de Antífates e do indomesticado Ciclope, nos negávamos a desembarcar, mas fomos tirados pela sorte para subir a uma casa desconhecida. A mim, ao leal Polite, Euríloco, juntamente com Elpenor, sempre tomado de excessivo vinho, e a outros dezoito companheiros, a sorte nos enviou às muralhas de Circe. Tão logo as atingimos e passamos à porta de seu palácio, mil lobos e, misturadas aos lobos, ursas e leoas, ao correrem contra nós produziram o medo. Mas nenhuma dessas feras haveria de ser temida, nenhuma haveria de fazer feridas em nosso corpo. Muito ao contrário, moveram nos ares suas caudas meigas e, nos adulando, seguem nossas pegadas, enquanto as criadas nos conduzem, pelos átrios revestidos de mármore, até à senhora. Ela está assentada, em um belo salão, num trono solene. Está vestida de um manto brilhante e se recobre de um véu dourado. Nereidas e Ninfas, que nem um só novelo de lã desenrolam, com dedos em movimento, nem entrelaçam fios em sequência, põem em ordem ramagens e flores, sem ordem, dispersas. Separam, então, essas plantas variadas em cestos, agora coloridos. A própria Circe finaliza o trabalho que elas fazem; ela conhece em cada folha qual seja o emprego, qual seja a combinação nas misturas e, ao dirigir-lhes o olhar,
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sollemni solio, pallamque induta nitentem insuper aurato circumvelatur amictu. Nereides nymphaeque simul, quae vellera motis nulla trahunt digitis nec fila sequentia ducunt: gramina disponunt sparsosque sine ordine flores secernunt calathis variasque coloribus herbas; ipsa quod hae faciunt opus, exigit, ipsa, quis usus quove sit in folio, quae sit concordia mixtis, novit et advertens pensas examinat herbas. Haec ubi nos vidit, dicta acceptaque salute, diffudit vultus et reddidit omina voce. Nec mora, misceri tosti iubet hordea grani mellaque vimque meri cum lacte coagula passo, quique sub hac lateant furtim dulcedine, sucos adicit. Accipimus sacra data pocula dextra. Quae simul arenti sitientes hausimus ore, et tetigit summos virga dea dira capillos, (et pudet et referam!) saetis horrescere coepi nec iam posse loqui, pro verbis edere raucum murmur et in terram toto procumbere vultu; osque meum sensi pando occallescere rostro, colla tumere toris, et qua modo pocula parte sumpta mihi fuerant, illa vestigia feci, cumque eadem passis (tantum medicamina possunt!) claudor hara, solumque suis caruisse figura vidimus Eurylochum: solus data pocula fugit. Quae nisi vitasset, pecoris pars una manerem nunc quoque saetigeri, nec tantae cladis ab illo certior ad Circen ultor venisset Ulixes. Pacifer huic dederat florem Cyllenius album, moly vocant superi, nigra radice tenetur; tutus eo monitisque simul caelestibus intrat ille domum Circes, et ad insidiosa vocatus pocula, conantem virga mulcere capillos reppulit et stricto pavidam deterruit ense.
331 Parece tratar-se de um tipo de queijo cremoso.
examina, uma por uma, as ervas. Tão logo nos viu, proferida e recebida a saudação, distendeu suas feições e retribuiu bons presságios aos nossos votos. Sem demora, ordena que se misturem cevada de grão tostado, mel e a força de um vinho puro com leite coagulado331 . Furtivamente, adiciona sucos que permaneçam escondidos sob essa doçura. Recebemos os copos, entregues pela sua mão direita, os quais sorvemos sedentos, com boca ressecada. Com sua varinha mágica, a deusa sinistra tocou-nos os cabelos do alto da cabeça. Causa vergonha, mas contarei. Comecei a eriçar como um animal arrepiado, já não podia falar, em lugar de palavras passei a emitir um rouco murmúrio e a inclinar para a terra o meu vulto, inteiramente. Senti meu rosto endurecer-se num focinho alongado, o pescoço com inchaços; com aquele membro, pelo qual os copos, havia pouco, eram recebidos, fiz, por ali, pegadas. Juntamente com aqueles que sofreram as mesmas coisas – tanto podem essas poções! – sou preso numa pocilga. Vimos Euríloco, só ele, não ter a imagem dos seus: somente ele rejeitou os copos oferecidos. Se ele não os tivesse evitado, até hoje eu permaneceria parte desse rebanho de pelos espinhentos; não fosse ele, Ulisses, tendo tomado conhecimento de tamanha desgraça, não teria vindo, vingador, até Circe. A Ulisses o Pacificador Cilênio dera uma flor branca: a esta, que é sustentada por uma raiz negra, os Superiores chamam de Moly. Protegido por ela e pelas recomendações celestiais, entra na morada de Circe e é convidado para os copos cheios de armadilhas. Ele afastou aquela que tentava, com a varinha, tocar seus cabelos e, empunhada a espada, aterrorizou-a, apavorada. Depois disso, dadas as juras de lealdade e as mãos direitas, foi recebido no quarto de casal e exigiu, como dote de marido, fossem restituídos os corpos de seus companheiros. Somos aspergidos por sucos benéficos de uma erva desconhecida e tocados na cabeça por um golpe com a outra extremidade da vara, além de serem ditas palavras contrárias às anteriormente ditas. Quanto mais ela recita, mais levantamos leves do chão: as cerdas caem, a fenda abandona os pés bipartidos, retornam os ombros e logo os braços estão submetidos a seus músculos. Nós próprios, chorando, o abraçamos em lágrimas e nos agarramos ao pescoço do nosso chefe; nenhuma palavra dissemos antes, a não ser as que nos testemunhassem agradecidos. A demora de um ano deteve-nos ali. Muitas coisas eu, presente em tão longo tempo, vi; muitas coisas pelos ouvidos colhi, especialmente esta, que me contou, em segredo, uma das quatro criadas, auxiliares na preparação desses rituais.
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Inde fides dextraeque datae, thalamoque receptus coniugii dotem sociorum corpora poscit. Spargimur ignotae sucis melioribus herbae percutimurque caput conversae verbere virgae, verbaque dicuntur dictis contraria verbis. Quo magis illa canit, magis hoc tellure levati erigimur, saetaeque cadunt, bifidosque relinquit rima pedes, redeunt umeri et subiecta lacertis bracchia sunt: flentem flentes amplectimur ipsi haeremusque ducis collo nec verba locuti ulla priora sumus quam nos testantia gratos. Annua nos illic tenuit mora, multaque praesens tempore tam longo vidi, multa auribus hausi, hoc quoque cum multis, quod clam mihi rettulit una quattuor e famulis ad talia sacra paratis. Cum duce namque meo Circe dum sola moratur, illa mihi niveo factum de marmore signum ostendit iuvenale, gerens in vertice picum, aede sacra positum multisque insigne coronis. Quis foret et quare sacra coleretur in aede, cur hanc ferret avem, quaerenti et scire volenti “accipe” ait “Macareu, dominaeque potentia quae sit hinc quoque disce meae: tu dictis adice mentem! Picus et Canens
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Picus in Ausoniis, proles Saturnia terris rex fuit, utilium bello studiosus equorum; forma viro, quam cernis, erat: licet ipse decorem adspicias fictaque probes ab imagine veram. Par animus formae; nec adhuc spectasse per annos quinquennem poterat Graia quater Elide pugnam. Ille suos dryadas Latiis in montibus ortas verterat in vultus, illum fontana petebant numina, naiades, quas Albula, quasque Numici, quas Anienis aquae cursuque brevissimus Almo Narve tulit praeceps et opacae Farfarus umbrae, quaeque colunt Scythicae stagnum nemorale Dianae
Uma vez, quando Circe passava muito tempo sozinha com meu comandante, a criada mostrou-me, feita de mármore branquíssimo, a estátua de um jovem, que trazia no alto da cabeça um picanço; estava posta no altar sagrado e ornamentada com muitas coroas de flores. Quem teria sido, por que fosse cultuado nesse altar, por que carregaria aquela ave? Ao que perguntava e queria saber, ela disse: “Presta atenção, ó Macareu, e quão grande seja o poder de minha senhora, fica sabendo, também, a partir deste momento: volta tua atenção para minhas palavras. Pico e Canente Nas terras ausônias, Pico, descendente de Saturno, foi rei, apaixonado pelos cavalos, tão úteis na guerra. A beleza desse homem era a mesma que nitidamente vês: toma a liberdade de olhar atentamente esta beleza e comprova, pela imagem esculpida, a verdade: sua alma era par de sua física beleza. Pelos seus anos de vida, ainda não tinha podido assistir, pela quarta vez, aos jogos que se celebram, a cada quinquênio, em Élis, na Grécia. Ele fizera as Dríadas, nascidas nas montanhas do Lácio, voltarem os olhos para seu rosto; as divindades das fontes o buscavam, as Náiades, estas que guardam o Álbula, as águas do Numício e as do Ânio; as mesmas que protegem o Almo, curtíssimo em seu curso, ou o Narve encachoeirado e ainda o Fárfaro de sombra delicada; também por ele buscavam as divindades que habitam o pântano nemoral de Diana Cítia e os lagos próximos.
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finitimosque lacus; spretis tamen omnibus unam ille colit nymphen, quam quondam in colle Palati dicitur Ionio peperisse Venilia Iano. Haec ubi nubilibus primum maturuit annis, praeposito cunctis Laurenti tradita Pico est, rara quidem facie, sed rarior arte canendi, unde Canens dicta est: silvas et saxa movere et mulcere feras et flumina longa morari ore suo volucresque vagas retinere solebat.
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Quae dum feminea modulatur carmina voce, exierat tecto Laurentes Picus in agros, indigenas fixurus apros, tergumque premebat acris equi, laevaque hastilia bina ferebat, poeniceam fulvo chlamydem contractus ab auro.
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Venerat in silvas et filia Solis easdem, utque novas legeret fecundis collibus herbas, nomine dicta suo Circaea reliquerat arva. Quae simul ac iuvenem, virgultis abdita, vidit, obstipuit: cecidere manu, quas legerat, herbae, flammaque per totas visa est errare medullas. Ut primum valido mentem conlegit ab aestu, quid cuperet, fassura fuit: ne posset adire, cursus equi fecit circumfususque satelles. “Non” ait “effugies, vento rapiare licebit, si modo me novi, si non evanuit omnis herbarum virtus et non mea carmina fallunt.” Dixit et effigiem, nullo cum corpore, falsi finxit apri praeterque oculos transcurrere regis iussit et in densum trabibus nemus ire videri, plurima qua silva est et equo loca pervia non sunt. Haud mora: continuo praedae petit inscius umbram Picus equique celer spumantia terga relinquit spemque sequens vanam silva pedes errat in alta. Concipit illa preces et verba precantia dicit
Desprezadas todas as outras, a uma só Ninfa ele queria bem. A esta que um dia no monte Palatino, Venília, dizem, tinha gerado para Jano Bifronte.Tão logo ela entrou na idade de noiva, entregou seus amores a Pico de Laurento, preferido a todos os outros. Rara em sua beleza, era ainda mais rara na arte de cantar. Por isso a chamaram Canente332 . Costumava, pelo seu canto, mover as florestas e os rochedos, afagar as feras, parar os longos rios, deter os pássaros em voo. Um dia, enquanto ela modulava, com voz, a mais feminina, suas canções, Pico saíra de casa rumo aos campos de Laurento, pronto para traspassar de lanças os javalis de sua terra. Ele premia o dorso de seu cavalo impetuoso e levava na mão esquerda um par de dardos. Havia prendido com ouro dourado sua clâmide vermelha.
Havia chegado às mesmas florestas a que a Filha do Sol viera para colher, naquelas fecundas colinas, novas ervas, tendo deixado para trás as Terras de Circe, assim chamadas de seu próprio nome. No instante em que, escondida pelas ramagens, viu aquele jovem, ficou estupefata: caíram-lhe das mãos as ervas que acabara de colher e como que uma chama pareceu-lhe percorrer as inteiras medulas. Tão logo recolheu, do intenso queimar, sua mente, viu-se compelida a confessar o que desejava. Para que ela não se aproximasse, Pico fez correr o cavalo e se cercou de escoltas. ‘Não escaparás,’ ela diz, ‘ainda que sejas arrebatado pelo vento; se em muito me conheço, se não se esvaiu toda a força das ervas, nem minhas mágicas palavras me enganam’. Ela disse e formou a efígie de um falso javali de corpo nenhum. E ordenou que fingisse correr diante dos olhos do rei, e parecesse ir para dentro de um bosque denso de árvores, ali por onde a floresta é cerrada e a passagem ao cavalo é inacessível. Nada demora! Imediatamente Pico, sem saber, persegue uma sombra de presa. Acelerado, abandona o dorso espumante do cavalo: segue uma esperança vã, põe a errar seus pés numa floresta profunda. Ela concebe as preces e profere palavras de mágico fazer; ora a deuses desconhecidos, com desconhecidas fórmulas, pelas quais costuma confundir o vulto da lua em neve e tecer nuvens encharcadas sob a cabeça de seu Pai333. Assim, entoada aquela canção, o céu se adensa e a terra exala névoas: os companheiros vagam em cegos caminhos e falta a guarda do rei. Tendo
332 Canens, canentis. É uma formação participial do verbo cano,-ĕre, que significa cantar. Canente é, pois, ‘a que canta’. 333 O pai de Circe é o próprio sol.
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ignotosque deos ignoto carmine adorat, quo solet et niveae vultum confundere Lunae et patrio capiti bibulas subtexere nubes. Tum quoque cantato densetur carmine caelum, et nebulas exhalat humus, caecisque vagantur limitibus comites, et abest custodia regis. Nacta locum tempusque “per, o, tua lumina” dixit, “quae mea ceperunt, perque hanc, pulcherrime, formam, quae facit, ut supplex tibi sim dea, consule nostris ignibus et socerum, qui pervidet omnia, Solem accipe, nec durus Titanida despice Circen!” Dixerat. Ille ferox ipsamque precesque relinquit et “quaecumque es” ait, “non sum tuus: altera captum me tenet et teneat per longum, comprecor, aevum! Nec venere externa socialia foedera laedam, dum mihi Ianigenam servabunt fata Canentem!” Saepe retemptatis precibus Titania frustra “non impune feres, neque” ait “reddere Canenti, laesaque quid faciat, quid amans, quid femina disces rebus” ait “sed amans et laesa et femina Circe!”
encontrado o lugar e a hora, ela disse: ‘Ó por teus olhos que aprisionam os meus; ó mais belo de todos, por esta beleza que a ti me faz suplicante, eu uma deusa! Atende a nossas chamas e toma como sogro aquele que vê todas as coisas, o Sol; nem, insensível, despreza a titânide Circe’. Assim ela havia dito. Ele, feroz, a repele e às preces dela: ‘Quem quer que sejas’, fala, ‘não sou teu. Outra me tem seu prisioneiro e me tenha – faço minhas súplicas – por longa eternidade. Não quebre eu as alianças conjugais por uma Vênus externa, enquanto os Fados reservarem para mim a filha de Jano, a Canente’. Muitas vezes, em vão retentadas as preces, a Titânia fala: ‘Não passarás impunemente, nem te entregarás de novo a Canente. O que faça uma alma ferida, o que seja uma amante, o que, verdadeiramente, uma mulher, saberás por estes atos! Principalmente porque a amante, a que está ferida, a mulher é Circe!’ Então voltou-se duas vezes para o ocaso, duas vezes para o oriente, três vezes tocou com seu bastão o jovem, três fórmulas mágicas proferiu. Ele foge, mas se admira de se ver correndo mais velozmente do que de costume: em seu corpo vê asas e, de repente, vê-se embrenhar nas selvas do Lácio como uma ave nova. Indignado, ele crava, com o bico duro, os vigorosos carvalhos; irado, causa feridas aos galhos compridos. As asas trouxeram a cor púrpura de sua clâmide; a fivela que existia, o ouro que prendia a veste, se torna agora pluma e o pescoço se envolve de amarelo ouro. Nada do que existiu do antigo, a não ser o nome, resta a Pico.
Tum bis ad occasum, bis se convertit ad ortus, ter iuvenem baculo tetigit, tria carmina dixit. Ille fugit, sed se solito velocius ipse currere miratur: pennas in corpore vidit, seque novam subito Latiis accedere silvis indignatus avem duro fera robora rostro figit et iratus longis dat vulnera ramis. Purpureum chlamydis pennae traxere colorem, fibula quod fuerat vestemque momorderat aurum, pluma fit, et fulvo cervix praecingitur auro, nec quicquam antiquum Pico nisi nomina restat. Interea comites, clamato saepe per agros nequiquam Pico nullaque in parte reperto, inveniunt Circen (nam iam tenuaverat auras passaque erat nebulas ventis ac sole recludi) criminibusque premunt veris regemque reposcunt
Enquanto isso, os companheiros tendo, em vão, pelos campos, muitas vezes gritado por Pico, e em parte alguma encontrado, dão-se frente a frente com Circe – em verdade, ela já havia tornado os ares mais tênues e permitido que as névoas se dissipassem pelos ventos e pelo sol. Eles a pressionam com acusações de crime verdadeiras e exigem de volta o rei; levam a efeito a
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vimque ferunt saevisque parant incessere telis.
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Illa nocens spargit virus sucosque veneni et Noctem noctisque deos Ereboque chaoque convocat et longis Hecaten ululatibus orat: exsiluere loco (dictu mirabile) silvae, ingemuitque solum, vicinaque palluit arbor, sparsaque sanguineis maduerunt pabula guttis, et lapides visi mugitus edere raucos, et latrare canes et humus serpentibus atris squalere et tenues animae volitare videntur. Attonitum monstris vulgus pavet: illa paventis ora venenata tetigit mirantia virga, cuius ab attactu variarum monstra ferarum in iuvenes veniunt: nulli sua mansit imago. Sparserat occiduus Tartessia litora Phoebus, et frustra coniunx oculis animoque Canentis exspectatus erat: famuli populusque per omnes discurrunt silvas atque obvia lumina portant; nec satis est nymphae flere et lacerare capillos et dare plangorem (facit et tamen omnia) seque proripit ac Latios errat vesana per agros. Sex illam noctes, tetidem redeuntia solis lumina viderunt inopem somnique cibique per iuga, per valles, qua fors ducebat, euntem. Ultimus adspexit Thybris luctuque viaque fessam et iam longa ponentem corpora ripa. Illic cum lacrimis ipso modulata dolore verba sono tenui maerens fundebat, ut olim carmina iam moriens canit exequialia cygnus. Luctibus extremis teneras liquefacta medullas tabuit inque leves paulatim evanuit auras; fama tamen signata loco est, quem rite Canentem nomine de nymphae veteres dixere Camenae.” Talia multa mihi longum narrata per annum visaque sunt. Resides et desuetudine tardi
força e se preparam para avançar com seus dardos violentos. Ela, causando o mal, esparge drogas e sucos de veneno; convoca do Érebo e do Caos, a Noite e os deuses da noite; em longos uivos faz súplicas a Hécate. Saltaram de seus lugares – coisa de dizer, miraculosa! – as florestas; lançou gemidos o solo: uma árvore vizinha perdeu sua cor e as pastagens se tornaram úmidas, orvalhadas de gotas de sangue; as pedras pareciam soltar roucos mugidos, os cães, ladrar! O chão parecia cobrir-se de uma crosta de negras serpentes e esvoaçavam as almas tênues dos silentes mortos. Atônitos pelos prodígios, aquela gente se enche de pavor e, com sua varinha envenenada, ela tocou o rosto de cada um daqueles assombrados de pavor. Desse toque, a monstruosidade de feras variadas se sobrepõe aos jovens: a nenhum deles permaneceu a própria imagem.
Febo se espargira, entardecido sobre os litorais Tartéssios. Em vão o esposo, pelos olhos e pela alma de Canente, havia sido esperado. Criados e o povo correm por todas as florestas, levando consigo archotes da luz que tudo ilumina. Nem mesmo é bastante para a Ninfa derramar lágrimas, lacerar os cabelos, golpear de dor o próprio peito – tudo isso, de fato, ela faz. Precipitase a correr e erra insana pelos campos lácios. Seis noites e, em mesmo tanto, as luzes do sol que retornam, viram-na carente de alimento e de sono, vagante por vales e montes, para onde o acaso a conduzia. O Tibre, por último, a viu fatigada de dor e da caminhada; a viu colocando seu corpo ao longo das margens compridas. Ali, com lágrimas, derramava, sofrendo, palavras de tênue som, modulado pela própria dor, tal como no dia em que, morrendo, um cisne canta sua canção funeral. Em sofrimento, ao extremo, consumiu-se derretida em lágrimas até às migalhas de suas medulas e, então, desvaneceu, pouco a pouco nos leves ares. A sua fama, no entanto, permanece assinalada nesse lugar, o qual, segundo o rito, as antigas Camenas chamam de Canente, do nome da Ninfa.’
Essas muitas coisas me foram, durante um longo ano, narradas e vistas também.
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rursus inire fretum, rursus dare vela iubemur. Ancipitesque vias et iter Titania vastum dixerat et saevi restare pericula ponti. Pertimui, fateor, nactusque hoc litus adhaesi.” Diomedis socii. Oleaster
Finierat Macareus. Urnaque Aeneia nutrix condita marmoreo tumulo breve carmen habebat: HIC · ME · CAIETAM · NOTAE · PIETATIS · ALUMNUS EREPTAM · ARGOLICO · QUO · DEBUIT · IGNE · CREMAVIT. 445 Solvitur herboso religatus ab aggere funis, et procul insidias infamataeque relinquunt tecta deae lucosque petunt, ubi nubilus umbra in mare cum flava prorumpit Thybris harena; Faunigenaeque domo potitur nataque Latini, 450 non sine Marte tamen: bellum cum gente feroci suscipitur, pactaque furit pro coniuge Turnus. Concurrit Latio Tyrrhenia tota, diuque ardua sollicitis victoria quaeritur armis. 455
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Auget uterque suas externo robore vires, et multi Rutulos, multi Troiana tuentur castra. Neque Aeneas Euandri ad moenia frustra, at Venulus frustra profugi Diomedis ad urbem venerat: ille quidem sub Iapyge maxima Dauno moenia condiderat dotaliaque arva tenebat. Sed Venulus Turni postquam mandata peregit auxilium petiit, vires Aetolius heros excusat: nec se aut soceri committere pugnae velle sui populos, aut quos e gente suorum armet habere ullos, “neve haec commenta putetis, admonitu quamquam luctus renoventur amari perpetiar memorare tamen. Postquam alta cremata est Ilion et Danaas paverunt Pergama flammas, Naryciusque heros, a virgine virgine rapta, quam meruit poenam solus, digessit in omnes,
Sedentários e indolentes pela inatividade, somos ordenados, de novo, a ingressar nos estreitos; de novo, a soltar velas. A Titânia dissera restarem as vias incertas, o caminho vasto, os perigos do mar violento. Temi, por inteiro, confesso, e tendo encontrado este litoral, nele me fixei”. Os companheiros de Diomedes. O azambujeiro Macareu havia chegado ao fim. A ama de Eneias, protegida em urna de mármore, tinha gravada nesse túmulo uma breve canção: “Aqui, a mim Caieta, aquele a quem alimentei, homem de conhecida piedade; a mim, arrebatada do fogo Argólico, cremou-me no fogo devido”. Solta-se o cabo, desatado desse cais encoberto de plantas, e para longe deixam as armadilhas e a casa da deusa infamada. Buscam os bosques, onde, à sombra, o Tibre, enevoado e com sua areia dourada, irrompe no mar. Não sem o patrocínio de Marte, contudo, Eneias se apossa da casa e da filha de Latino, nascido de Fauno. Trava-se a guerra com a gente feroz: Turno se enfurece pela esposa prometida. A Tirrênia inteira corre em socorro ao Lácio e, durante muito tempo, busca-se pelas armas irrequietas uma árdua vitória. Cada parte aumenta as próprias forças com o vigor das armas externas. Assim, muitos defendem os Rútulos, muitos protegem os acampamentos troianos. Não foi em vão que Eneias chegou às muralhas de Evandro; ao contrário, foi em vão que Vênulo chegara à cidade do errante Diomedes. Ele, de fato, havia fundado, sob poder de Dauno Iapígio, muralhas larguíssimas e possuía, por dotes esponsais, essas terras.
Mas Vênulo, depois que executou os mandados de Turno, foi em busca de auxílio. O herói etólio, por sua vez, recusa-lhe reforços. Nem ele próprio queria empreender a luta, nem mandar os homens de seu sogro; nem dentre os de sua gente ele tinha a quem armar. E se justifica: “Para que não penseis que estas coisas sejam invencionices, ainda que pela recordação se renovem os lutos amargos, mesmo assim suportarei até o fim rememorar. Depois que a alta Ílio havia sido queimada e Pérgamo havia sofrido o pavor das chamas gregas, o herói de Narícia, porque uma virgem tinha sido raptada de uma virgem334 , dividiu por todos nós o castigo que ele sozinho mereceu; fomos dispersados e
334 Trata-se de um episódio da tomada de Troia, em que Ájax de Lócris raptou Cassandra, que se escondia no altar de Atena.
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spargimur et ventis inimica per aequora rapti fulmina, noctem, imbres, iram caelique marisque perpetimur Danai cumulumque Capherea cladis. Neve morer referens tristes ex ordine casus, Graecia tum potuit Priamo quoque flenda videri. Me tamen armiferae servatum cura Minervae fluctibus eripuit, patriis sed rursus ab agris pellor, et antiquo memores de vulnere poenas exigit alma Venus, tantosque per alta labores aequora sustinui, tantos terrestribus armis, ut mihi felices sint illi saepe vocati, quos communis hiems importunusque Caphereus mersit aquis, vellemque horum pars una fuissem.
arrebatados pelos ventos, nos mares inimigos, pelos raios, pela noite, tempestades, pela ira do céu e dos mares. Suportamos, nós os gregos, algo ainda pior que tudo isso: o desastre de Cafareu. E, para que não me delongue, relatando na ordem as tristes desgraças, enfim, a Grécia pôde, ela também, parecer que devia ser chorada por Príamo. A mim, contudo, os cuidados da Armífera Minerva arrancaram salvo das ondas. Mas, outra vez, sou expulso dos campos de minha pátria; e Vênus, a que é nutriz, me impõe os castigos cheios da lembrança da antiga ferida335. Tão grandes sofrimentos suportei pelos mares profundos, outros tantos em batalhas terrestres; que me sejam sempre chamados felizes aqueles a quem, juntos, a tempestade e também o importuno Cafareu mergulhou nas águas. Como eu gostaria de ter sido um deles!
Ultima iam passi comites belloque fretoque deficiunt finemque rogant erroris, at Acmon fervidus ingenio, tum vero et cladibus asper, “quid superest, quod iam patientia nostra recuset ferre, viri?” dixit; “quid habet Cytherea, quod ultra (velle puta!) faciat? Nam dum peiora timentur, est locus in vulnus: sors autem ubi pessima rerum, sub pedibus timor est securaque summa malorum. Audiat ipsa licet, et, quod facit, oderit omnes sub Diomede viros, odium tamen illius omnes spernimus: et magno stat magna potentia nobis!”
Já tendo suportado os sofrimentos extremos, os meus companheiros de guerra e de mar se entregam e pedem o fim desse vagar sem rumo. Acmão, no entanto, férvido por natureza e também áspero pelas desgraças, disse: ‘O que resta? A quê a vossa capacidade de sofrer ainda se recusa a suportar, ó homens? O que tem a Citereia – supõe que ela queira que aconteça ainda pior? Em verdade, mesmo enquanto se temem as coisas piores, existe uma chance para os votos. Quando, por sua vez, a sorte é a pior das desgraças, abaixo dos pés fica o temor e é seguro o supremo dos males. Ainda que ela própria ouça, ainda que, como sempre acontece, ela nos odeie a todos os homens sob o comando de Diomedes, nós todos menosprezamos seu ódio: em absolutamente nada de grande está para nós seu grande poder’. Com tais atitudes, o irritante Acmão Pleurônio provoca Vênus e, também, com palavras ressuscita a ira antiga; essas coisas ditas agradam a poucos e nós, um número maior de amigos, agarramos Acmão. A ele que se esforçava por responder, a voz e, igualmente, o caminho da voz se tornou tênue; seus cabelos se transformaram em plumas; seu novo pescoço se cobre de plumas e também seu peito, suas costas; os braços tomam penas maiores e se encurvam os cotovelos em leves asas. Uma larga membrana entremeia os dedos do pé; sua boca se enrijece, endurecida como um chifre, e termina em aguilhão. Para ele, Lico, também Idas e, junto com Rexenor, Nicteu; para ele, Abante olha admirado: enquanto assim o admiram, todos vão assumindo a mesma aparência. O número maior de minha tropa sobe voando e, no espalmar de asas, voa em torno dos remos.
Talibus iratam Venerem Pleuronius Acmon instimulat verbis stimulisque resuscitat iram. Dicta placent paucis: numeri maioris amici Acmona corripimus; cui respondere volenti vox pariter vocisque via est tenuata, comaeque in plumas abeunt, plumis nova colla teguntur pectoraque et tergum, maiores bracchia pennas accipiunt, cubitusque leves sinuatur in alas. Magna pedis digitos pars occupat, oraque cornu indurata rigent finemque in acumine ponunt. Hunc Lycus, hunc Idas et cum Rhexenore Nycteus,
335 Diomedes havia ferido a mão de Vênus (mãe de Eneias). Como vingança a deusa fez com que ele se expatriasse, para não suportar, diante dos seus, a vergonha da infidelidade e das desordens que sua esposa havia provocado em Argos.
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hunc miratur Abas: et dum mirantur, eandem accipiunt faciem, numerusque ex agmine maior subvolat et remos plausis circumvolat alis. Si volucrum quae sit dubiarum forma, requiris, ut non cygnorum, sic albis proxima cygnis. Vix equidem has sedes et Iapygis arida Dauni arva gener teneo minima cum parte meorum.” Hactenus Oenides. Venulus Calydonia regna Peucetiosque sinus Messapiaque arva relinquit. In quibus antra videt, quae multa nubila silva et levibus cannis manantia semicaper Pan nunc tenet, at quodam tenuerunt tempore nymphae. Apulus has illa pastor regione fugatas terruit et primo subita formidine movit, mox, ubi mens rediit et contempsere sequentem, ad numerum motis pedibus duxere choreas. Improbat has pastor, saltuque imitatus agresti addidit obscenis convicia rustica dictis, nec prius os tacuit, quam guttura condidit arbor: arbore enim sucoque licet cognoscere mores; quippe notam linguae bacis oleaster amaris exhibet: asperitas verborum cessit in illas. Aeneae naves. Ardea
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Hinc ubi legati rediere, negata ferentes arma Aetola sibi, Rutuli sine viribus illis bella instructa gerunt, multumque ab utraque cruoris parte datur; fert ecce avidas in pinea Turnus texta faces, ignesque timent, quibus unda pepercit. Iamque picem et ceras alimentaque cetera flammae Mulciber urebat perque altum ad carbasa malum ibat, et incurvae fumabant transtra carinae: cum memor has pinus Idaeo vertice caesas sancta deum genetrix tinnitibus aera pulsi aeris et inflati complevit murmure buxi,
Se se pergunta qual seja a forma desses pássaros assim repentinos, não é exatamente como a de cisnes, mas próxima à forma de cisnes brancos. E assim, com muito esforço, domino estas sedes e terras áridas de Dauno Iapígio, eu, como genro, juntamente com a mínima parte de meus companheiros”. Até aqui o Enida. Vênulo abandona os reinos calidônios, as enseadas peúcias e as terras messápias. Nestas ele vê antros que, obscurecidos por uma densa floresta e escondidos por leves juncos, o semibode Pan agora possui, mas que, em outro tempo, as Ninfas possuíram. Um pastor da Apúlia as aterrorizou afugentadas daquela região. Primeiramente um pavor repentino as moveu, mas logo depois, quando a razão retornou, e se puseram a desprezar quem as seguia, com um ritmo de pés em movimento coreografaram uma dança. O pastor as reprova e, tendo-as imitado com salto selvagem, acrescentou gritaria grosseira a ditos obscenos. E não mais calou sua boca, até que uma árvore suplantou sua goela. Agora ele é, de verdade, uma árvore e que se pode saber, pelo sumo, o seu modo de ser. O fato é que o azambujeiro exibe o caráter da língua pelas bagas amargas: a aspereza das palavras passou a elas.
Os Navios de Eneias. Árdea Quando os legados voltaram daí, relatando que as armas etólias haviam sido negadas a si, os Rútulos, mesmo sem aquelas forças, travam os combates planejados, e muito de sangue de ambas as partes é derramado. Eis que Turno leva archotes vorazes contra as naus de pinho tecidas. Temem o fogo aqueles a quem a água poupou. Em tempo curto Mulcíbero queimava o pez, as ceras e tudo mais que alimenta chamas; pelo alto mastro chegava o fogo às velas e os bancos dos remadores estavam em fumos na quilha encurva. Quando lembrada de que esses pinheiros tinham sido cortados no vértice do Ida, a Sagrada Mãe dos Deuses encheu os ares com os sons estridentes do bronze batido e com o surdo ruído de uma flauta soprada336. Pelos leves ares levada por seus leões domados, ela diz: “Ó Turno, lanças
336 O cortejo de Cibele era muito ruidoso: os sacerdotes tocavam flautas, batiam tambores e tímpanos.
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perque leves domitis invecta leonibus auras “inrita sacrilega iactas incendia dextra, Turne!” ait. “Eripiam, nec me patiente cremabit ignis edax nemorum partes et membra meorum.”
chamas ineficazes com tua sacrílega mão direita! Extinguirei! Não! Eu estando na resistência, esse fogo voraz não queimará partes e membros de meus bosques”. Trovejou, ao falar a Deusa, e as nuvens que seguiram ao trovão caíram pesadas de saltitantes granizos.
Intonuit dicente dea, tonitrumque secuti cum saliente graves ceciderunt grandine nimbi, aeraque et tumidum subitis concursibus aequor Astraei turbant et eunt in proelia fratres. E quibus alma parens unius viribus usa stuppea praerupit Phrygiae retinacula puppis fertque rates pronas medioque sub aequore mergit; robore mollito lignoque in corpora verso in capitum facies puppes mutantur aduncae, in digitos abeunt et crura natantia remi, quodque prius fuerat, latus est mediisque carina subdita navigiis spinae mutatur in usum, lina comae molles, antemnae bracchia fiunt, caerulus, ut fuerat, color est; quasque ante timebant, illas virgineis exercent lusibus undas naides aequoreae durisque in montibus ortae molle fretum celebrant nec eas sua tangit origo. Non tamen oblitae, quam multa pericula saepe pertulerint pelago, iactatis saepe carinis supposuere manus, nisi siqua vehebat Achivos: cladis adhuc Phrygiae memores, odere Pelasgos Neritiaeque ratis viderunt fragmina laetis vultibus et laetis videre rigescere puppem vultibus Alcinoi saxumque increscere ligno.
Os Astreus agitam os ares e o mar intumescido por súbitos embates: vão os irmãos a combate. Tendo-se servido das forças de um só dentre eles, a Mãe nutriz rompeu as amarras de estopa da armada frígia. E leva emborcados os navios e os submerge no meio do mar. Abrandada a dureza, e a madeira convertida em corpos, em formato de cabeças se mudam as popas recurvas; em dedos e pernas, que fendem as águas, os remos se tornam; o que antes eram os costados agora é flanco e a quilha, que se vê no meio dos navios, se muda em espinha dorsal; as cordas de linho, em leves cabeleiras; as antenas tornam-se braços; o azul, tal como fora, é a cor. As Náiades marinhas frequentam, agora, em brincadeiras juvenis, as águas que antes temiam; nascidas nos duros penedos, agora celebram o macio do mar; não mais têm a ver com sua origem. Assim, não esquecidas de quão muitos perigos tenham sofrido no mar, muitas vezes, deram suas mãos em socorro aos navios em tempestade, mas não se qualquer deles transportasse Aqueus. Até então, lembradas do desastre frígio, odeiam os pelasgos: elas com as feições felizes viram os destroços da embarcação Nerítia; com as feições felizes viram a nau de Alcínoo tornar-se dura, como se pedra tivesse crescido dentro da madeira337.
Spes erat, in nymphas animata classe marinas, posse metu monstri Rutulum desistere bello: perstat, habetque deos pars utraque, quodque deorum est instar, habent animos; nec iam dotalia regna nec sceptrum soceri, nec te, Lavinia virgo, sed vicisse petunt deponendique pudore bella gerunt, tandemque Venus victricia nati
Havia a esperança de que, a armada uma vez vivificada em Ninfas marinhas, se pudesse, pelo medo daquela demonstração sobrenatural, fazer Rútulo desistir da guerra. Persiste. Cada parte tem seus deuses e o equivalente ao que é dos deuses: têm todas as coragens. Não mais buscam reinos oferecidos como dote; não mais o cetro do sogro. Nem mesmo a ti, jovem Lavínia, eles buscam, mas vencer definitivamente! Fazem as guerras, mas pela vergonha de a elas renunciar. Finalmente, Vênus vê as armas
337 O navio feácio, porque conduzira Ulisses de volta a Ítaca, fora transformado por Netuno em rochedo.
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arma videt, Turnusque cadit, cadit Ardea, Turno sospite dicta potens. Quem postquam barbarus ensis abstulit et tepida latuerunt tecta favilla, congerie e media tum primum cognita praepes subvolat et cineres plausis everberat alis. Et sonus et macies et pallor et omnia, captam quae deceant urbem, nomen quoque mansit in illa urbis; et ipsa suis deplangitur Ardea pennis. Aeneas Indiges
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Iamque deos omnes ipsamque Aeneia virtus Iunonem veteres finire coegerat iras, cum, bene fundatis opibus crescentis Iuli, tempestivus erat caelo Cythereius heros: ambieratque Venus superos, colloque parentis circumfusa sui “numquam mihi” dixerat “ullo tempore dure pater, nunc sis mitissimus, opto, Aeneaeque meo, qui te de sanguine nostro fecit avum, quamvis parvum des, optime, numen, dummodo des aliquod: satis est inamabile regnum adspexisse semel, Stygios semel isse per amnes.” Adsensere dei, nec coniunx regia vultus immotos tenuit placatoque adnuit ore; tum pater “estis” ait “caelesti numine digni, quaeque petis, pro quoque petis: cape, nata, quod optas!” Fatus erat: gaudet gratesque agit illa parenti, perque leves auras iunctis invecta columbis litus adit Laurens, ubi tectus harundine serpit in freta flumineis vicina Numicius undis. Hunc iubet Aeneae, quaecumque obnoxia morti, abluere et tacito deferre sub aequora cursu; corniger exsequitur Veneris mandata suisque, quidquid in Aenea fuerat mortale, repurgat et respergit aquis: pars optima restitit illi. Lustratum genetrix divino corpus odore unxit et ambrosia cum dulci nectare mixta
vencedoras de seu filho: Turno cai. Turno ainda vivo, cai Árdea, a cidade chamada Poderosa. Depois que o fogo bárbaro a consumiu, e as casas se esconderam sob a cinza quente, do meio da destruição sobe voando, pela primeira vez conhecida, uma ave que, batidas as asas, agita as cinzas. O som, a magreza, a palidez e tudo que convém a uma cidade capturada, até mesmo o nome daquela cidade, permaneceu naquela ave. E assim, essa mesma Árdea se lamenta plangentemente nas próprias penas. Eneias Indígete O próprio valor de Eneias havia já obrigado a todos os deuses, em especial a Juno, a porem fim às velhas iras, quando, bem fundados os poderes do jovem Iulo, estava o Herói, filho da Citereia, tempestivamente pronto para o céu. Vênus rodeava os deuses superiores e, envolta ao pescoço do pai, dissera: “Nunca, em tempo algum, ó meu Pai, foste duro para comigo. Sê, agora, o mais doce, eu te peço! Ao meu Eneias, que, do nosso sangue, te fez avô, ainda que lhe dês poder pequeno, dá-lhe algum poder divino, ó Melhor de todos! É bastante ele ter visto uma vez o reino detestável, uma vez ter ido pelos rios Estígios”. Os deuses consentiram. A Real Esposa não conteve imóvel o seu semblante, mas com o rosto aplacado manifestou sua anuência. Nessa hora, disse o Pai: “sois dignos do poder celestial, tu que pedes, igualmente aquele por quem pedes! Recebe, filha, o que desejas!” Ela se alegra e agradece ao Pai. Pelos ares leves, conduzida por suas parelhas de pombas, se dirige para o litoral laurentino, onde, coberto de canas, serpenteia o Numício, com suas águas de regato, em direção aos vizinhos braços de mar. Ao rio ordena que purifique Eneias de tudo quanto nele se sujeite à morte e, em silenciosa corrente, deposite no fundo do mar. O Cornígero executa os mandados de Vênus e, com suas águas asperge e purifica tudo quanto houvera de mortal em Eneias. Restalhe, no entanto, a parte que há de melhor. Sua mãe ungiu, com uma essência dos deuses, o corpo purificado; com ambrosia, misturada a um doce néctar, tocou sua boca; fez dele um deus, a quem a multidão de Quirino deu o nome de Indígete, e o recebeu em um templo e nos altares.
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contigit os fecitque deum, quem turba Quirini nuncupat Indigetem temploque arisque recepit. Pomona et Vertumnus. Anaxarete 610
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Inde sub Ascanii dicione binominis Alba resque Latina fuit. Succedit Silvius illi. Quo satus antiquo tenuit repetita Latinus nomina cum sceptro. Clarus subit Alba Latinum. Epytus ex illo est; post hunc Capetusque Capysque, sed Capys ante fuit. Regnum Tiberinus ab illis cepit et in Tusci demersus fluminis undis nomina fecit aquae; de quo Remulusque feroxque Acrota sunt geniti. Remulus maturior annis fulmineo periit, imitator fulminis, ictu. Fratre suo sceptrum moderatior Acrota forti tradit Aventino, qui, quo regnarat, eodem monte iacet positus tribuitque vocabula monti.
A partir de então, Alba e o estado latino passaram a estar sob as ordens de Ascânio, o de dois nomes. Sílvio sucedeu a ele. Latino, nascido deste último, trouxe o nome repetido, juntamente com o cetro. O famoso Alba sucedeu a Latino. Epitus vem a seguir a este; depois Cápetus e Cápis, sendo que Cápis é o primeiro dos dois. Tiberino recebeu deles o reino e, afogado nas águas de um rio da Túscia, deu o nome a esse curso d’água. Dele nasceram Rêmulo e o feroz Acrota. Rêmulo, mais velho, morreu pelo golpe de um raio, enquanto quis-se fazer imitador de um raio. Acrota, mais modesto que o irmão, entregou o cetro ao forte Aventino. Ele jaz enterrado no mesmo monte em que reinara, e deu a esse monte o nome.
Iamque Palatinae summam Proca gentis habebat. Rege sub hoc Pomona fuit, qua nulla Latinas inter hamadryadas coluit sollertius hortos nec fuit arborei studiosior altera fetus. Unde tenet nomen: non silvas illa nec amnes, rus amat et ramos felicia poma ferentes. Nec iaculo gravis est, sed adunca dextera falce, qua modo luxuriem premit et spatiantia passim bracchia compescit, fisso modo cortice lignum inserit et sucos alieno praestat alumno; nec sentire sitim patitur bibulaeque recurvas radicis fibras labentibus inrigat undis: hic amor, hoc studium; veneris quoque nulla cupido est.
Proca, a esse tempo, exercia o poder supremo sobre a gente palatina. Sob este rei viveu Pomona. Nenhuma dentre as Hamadríadas cultivou com mais arte os jardins, nem existiu outra mais zelosa dos frutos das árvores. Daí ela tem seu nome. Nem as florestas, nem os cursos d’água ela ama, sim os campos e os ramos que se carregam de frutos abundantes. Sua mão direita não se faz pesada pelo dardo, mas pela foice recurva. Com ela contém as ramagens que se expandem e reprime os galhos que, aqui e ali, ocupam muito espaço; outras vezes, fendida a casca, insere um enxerto, e, assim, oferece a seiva a esse outro, que precisa ser alimentado. Não consente que sintam sede, e rega as fibras retorcidas da raiz beberrona, com águas correntes. Este o seu amor, esta a sua dedicação, nem mesmo deseja qualquer paixão inspirada por Vênus; por temer a violência dos camponeses, fecha por dentro os pomares e impede e repele o acesso de homens. O que não fizeram os Sátiros, juventude tão apta às danças? Os Pans, cingidos seus cornos com pinheiros? Sileno, sempre mais jovem do que os anos aparentam? E aquele deus338 que, pelo seu podão ou por seu membro viril, aterroriza os ladrões? O que não fizeram para apoderar-se dela? Em verdade, Vertumno, em amar, superava a todos, mas não era mais feliz do que eles.
Vim tamen agrestum metuens pomaria claudit intus et accessus prohibet refugitque viriles. Quid non et satyri, saltatibus apta iuventus, fecere et pinu praecincti cornua Panes
Pomona e Vertumno. Anaxárete
338 Priapo itifálico, guardião dos jardins e deus da vegetação.
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Silenusque, suis semper iuvenalior annis, quique deus fures vel falce vel inguine terret, ut poterentur ea? Sed enim superabat amando hos quoque Vertumnus neque erat felicior illis. O quotiens habitu duri messoris aristas corbe tulit verique fuit messoris imago! Tempora saepe gerens faeno religata recenti desectum poterat gramen versasse videri; saepe manu stimulos rigida portabat, ut illum iurasses fessos modo disiunxisse iuvencos. Falce data frondator erat vitisque putator; induerat scalas: lecturum poma putares; miles erat gladio, piscator harundine sumpta. Denique per multas aditum sibi saepe figuras repperit, ut caperet spectatae gaudia formae. Ille etiam picta redimitus tempora mitra, innitens baculo, positis per tempora canis, adsimulavit anum cultosque intravit in hortos pomaque mirata est “tanto” que “potentior!” inquit, paucaque laudatae dedit oscula, qualia numquam vera dedisset anus, glaebaque incurva resedit suspiciens pandos autumni pondere ramos. Ulmus erat contra speciosa nitentibus uvis: quam socia postquam pariter cum vite probavit, “at si staret” ait “caelebs sine palmite truncus, nil praeter frondes, quare peteretur, haberet; haec quoque, quae iuncta est, vitis requiescit in illo: si non nupta foret, terrae acclinata iaceret. Tu tamen exemplo non tangeris arboris huius concubitusque fugis nec te coniungere curas. Atque utinam velles! Helene non pluribus esset sollicitata procis nec quae Lapitheia movit proelia nec coniunx nimium tardantis Ulixei.
Quantas vezes, à maneira de um rude ceifeiro, carregou num cesto as espigas! Sem dúvida, foi a própria imagem de um ceifeiro. Levando sempre a fronte trançada de feno recente339, podia parecer ter revolvido a relva há pouco ceifada. Sempre carregava com a mão firme os aguilhões: poder-se-ia jurar ele ter, não faz tempo, desatrelado os bois já cansados. Empunhada a foice, era o desfolhador, o podador das videiras. Era ele montado em escadas, e se pensaria ele haver de ir colher os frutos. Tal como um soldado, que se identifica pela espada; como um pescador, pelo caniço. Enfim, sob as muitas figuras, encontrou para si portas sempre abertas, para que pudesse ter as alegrias da beleza contemplada. Ele, uma vez tendo envolvido a cabeça em um turbante multicor, apoiado em um bastão, as têmporas alvoroçadas de cabelos brancos, simulou ser uma velha, e entrou nos pomares cultivados. Admirada340 pelos frutos, falou: “Quão muito poderosa”! Naquela que foi elogiada dá uns poucos beijos, quais nunca uma velha de verdade teria dado. Encurvada, sentou-se no chão, olhando os ramos vergados pelo peso do outono. Em sua frente alteava-se um olmeiro embelezado por entrelaçadas uvas. Depois que aprovou essa árvore tão unida com a videira, disse: “se se erguesse solitário, sem sarmentos, esse tronco nada que chamasse atenção, além de folhagens, teria. Esta videira, por sua vez, se lhe ajunta: repousa envolta no olmeiro. Se não estivesse casada, se espalharia derramada na terra. Tu, no entanto, não te tocas pelo exemplo desta árvore e foges das relações de amor: não te preocupas com a vida conjugal! Oxalá tu quisesses! Não seria Helena cortejada por mais pretendentes; nem aquela que moveu as guerras dos lápitas341; nem a esposa de Ulisses342, por tão longo tempo ausente. Assim agora, como foges e te fazes avessa aos pretendentes, mil homens te cobiçam, e também semideuses, e deuses e todas as divindades que habitam os montes Albanos. Se tu tiveres discernimento, se te quiseres casar bem e ouvir esta anciã que a ti, mais do que todos aqueles, mais do que tu própria crês, eu amo, deixa para trás todas as tochas vulgares, e elege para ti Vertumno como companheiro de leito nupcial. Tem-me como garantia disso: nem ele, mais do que eu, sabe mais de si mesmo. Ele não vaga errante, aqui e ali, pelo mundo todo: a estes lugares como únicos, ele presta cultos. Ele ama, não assim como a maioria dos que buscam amores, amam à primeira vista. Tu permanecerás sendo o primeiro e último ardor para ele, e a ti somente devotará os seus anos. Acrescenta, ainda, mais: ele é jovem e tem
339 Em sinal de alegria pelo trabalho concluído de fazer o feno. 340 Para reforçar o caráter da figura de mulher que o personagem simulou, Ovídio escreve o adjetivo no feminino. 341 Este episódio é narrado no livro XII. 210-235. 342 Trata-se de Penélope.
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Nunc quoque, cum fugias averserisque petentes, mille viri cupiunt et semideique deique et quaecumque tenent Albanos numina montes. Sed tu, si sapies, si te bene iungere anumque hanc audire voles, quae te plus omnibus illis, plus quam credis, amo, vulgares reice taedas Vertumnumque tori socium tibi selige! pro quo me quoque pignus habes (neque enim sibi notior ille est, quam mihi); nec passim toto vagus errat in orbe: haec loca magna colit; nec, uti pars magna procorum, quam modo vidit, amat: tu primus et ultimus illi ardor eris, solique suos tibi devovet annos. Adde, quod est iuvenis, quod naturale decoris munus habet formasque apte fingetur in omnes, et quod erit iussus, iubeas licet omnia, fiet. Quid quod amatis idem? quod, quae tibi poma coluntur, primus habet laetaque tenet tua munera dextra? Sed neque iam fetus desiderat arbore demptos, nec, quas hortus alit, cum sucis mitibus herbas, nec quicquam, nisi te; miserere ardentis et ipsum, quod petit, ore meo praesentem crede precari ultoresque deos et pectora dura perosam Idalien memoremque time Rhamnusidis iram!
o dom natural do encanto e, com aptidão, poderá moldar-se a quaisquer aparências; aquilo a que tiver sido ordenado, já que a ti é lícito que tudo ordenes, ele fará. Qual a razão de tudo isso? O que ambos amais, ele, como o primeiro, os tem, isto é, os frutos que se cultivam para ti; e ele tem, com mão direita segura, os teus presentes. Nem mesmo os frutos arrancados da árvore ele deseja, nem as ervas de doces sucos, que teu horto alimenta; nada, enfim, a não ser a ti: tem compaixão desse amor ardente. E crê nele que te busca; crê nele a suplicar, como em presença, pela minha boca. Teme os deuses vingadores, a Idália, que é cheia de ódio para com os corações endurecidos, e, de Nêmesis de Ramnunte, teme a ira de memória infalível. E, para que temas ainda mais – com efeito, a mim a velhice deu a conhecer muitas coisas – relatarei fatos muitíssimo conhecidos em toda Chipre, pelos quais tu, facilmente, possas-te comover e estremecer”.
Quoque magis timeas (etenim mihi multa vetustas scire dedit), referam tota notissima Cypro facta, quibus flecti facile et mitescere possis. Viderat a veteris generosam sanguine Teucri Iphis Anaxareten, humili de stirpe creatus, viderat et totis perceperat ossibus aestum luctatusque diu, postquam ratione furorem vincere non potuit, supplex ad limina venit et modo nutrici miserum confessus amorem, ne sibi dura foret, per spes oravit alumnae, et modo de multis blanditus cuique ministris sollicita petiit propensum voce favorem; saepe ferenda dedit blandis sua verba tabellis, interdum madidas lacrimarum rore coronas
Ífis vira, um dia, Anaxárete, nobre pelo sangue do velho Teucro. Ele, nascido de humilde estirpe, assim que a viu, em brasa percebeu todos seus ossos. Tendo lutado durante muito tempo, depois que, pela razão, não pôde vencer o enfurecido amor, suplicante, bateu às suas portas. Não apenas à sua ama confessou o miserável amor; que não fosse dura consigo pediu, em esperanças, por sua protegida. Ainda, encarecendo a cada uma de suas auxiliares, pediu, com voz solícita, ajuda favorável. Entregou, com insistência, para serem levadas, suas palavras em ternos bilhetes; às vezes pendurou em sua porta coroas de flores, molhadas do orvalhar de lágrimas, e recostou no duro portal seu vulnerável flanco. Triste, fez gritados insultos à
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postibus intendit posuitque in limine duro molle latus tristisque serae convicia fecit. Saevior illa freto surgente cadentibus Haedis, durior et ferro, quod Noricus excoquit ignis, et saxo, quod adhuc vivum radice tenetur, spernit et inridet factisque inmitibus addit verba superba ferox et spe quoque fraudat amantem.
barreira intransponível. Ela, mais feroz que o mar revolto, que se levanta ao cair do Capricórnio; mais dura que o ferro que se forja no fogo Nórico; que uma rocha que, ainda viva, se encrava como raiz. Ela, com desprezo, rejeita, escarnece e, ainda, feroz, acrescenta aos feitos nada amáveis palavras soberbas: enfim, despoja de esperança o amante.
Non tulit impatiens longi tormenta doloris Iphis et ante fores haec verba novissima dixit:
Incapaz de suportar, Ífis não carrega os tormentos de uma duradoura dor e, diante das portas, ainda disse as últimas palavras: ‘Vences, Anaxárete, nem terás de mim quaisquer tédios a suportar: excita alegres triunfos, invoca a divindade Pean, cinge-te de louro resplandecente. Vences, enfim, pois morro por própria vontade! Eia, alegra-te, mulher de ferro. Mas serás, com certeza, obrigada a elogiar algo de meu amor, pelo que poderei ser grato a ti: confessarás ser nosso o mérito. Lembra-te, contudo, de que se foi o amor por ti, não antes que a vida, não antes que tivesse havido para mim carência de luz aos olhos. Nem a ti será mensageira da minha morte a fama que há de vir. Eu próprio, não tenhas dúvida, estarei lá e me mostrarei presente, para que, pelos teus olhos cruéis, te fartes de um corpo exânime. Se, contudo, ó Divindades Superiores, vedes os feitos mortais, sede lembrados de mim – nada além disso minha língua é capaz de suplicar – e fazei com que sejamos narrados pela eternidade longa. E o tempo que arrancastes à minha vida, à fama concedei como tempo de lembranças’. Assim disse e, junto às ombreiras da porta sempre ornada de flores, alçando os olhos úmidos e os braços empalidecidos, enquanto atava as amarras de um laço às alturas da porta, disse: ‘estas guirlandas agradam a ti, cruel e ímpia!’ E enfiou aí a cabeça, tendo-se, também nesse momento, voltado para ela. Assim, garroteada a garganta, pendeu o peso infeliz.
“Vincis, Anaxarete, neque erunt tibi taedia tandem ulla ferenda mei: laetos molire triumphos et Paeana voca nitidaque incingere lauru! Vincis enim, moriorque libens: age, ferrea, gaude! Certe aliquid laudare mei cogeris amoris, quo tibi sim gratus, meritumque fatebere nostrum. Non tamen ante tui curam fugisse memento, quam vitam, geminaque simul mihi luce carendum est. Nec tibi fama mei ventura est nuntia leti: ipse ego, ne dubites, adero praesensque videbor, corpore ut exanimi crudelia lumina pascas. Si tamen, o superi, mortalia facta videtis, este mei memores (nihil ultra lingua precari sustinet) et longo facite ut narremur in aevo, et, quae dempsistis vitae, date tempora famae!” Dixit, et ad postes ornatos saepe coronis umentes oculos et pallida bracchia tollens, cum foribus laquei religaret vincula summis, “haec tibi serta placent, crudelis et impia?” dixit, inseruitque caput, sed tum quoque versus ad illam, atque onus infelix elisa fauce pependit. Icta pedum motu trepidantem et multa timenem visa dedisse sonum est adapertaque ianua factum prodidit. Exclamant famuli frustraque levatum (nam pater occiderat) referunt ad limina matris; accipit illa sinu complexaque frigida nati
Batida pelo movimento de pés trepidantes, pareceu ter produzido um ruído que ordenava a abrir. Foi aberta a porta, e escancarou o fato! Gritam os servos e, em vão colocado de pé – uma vez tendo morrido seu pai – levamno para a casa da mãe. Ela o acolhe no seio, envolvendo os frios membros do próprio filho. Depois que soltou as palavras dos pais infelizes e percorreu
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membra sui postquam miserarum verba parentum edidit et matrum miserarum facta peregit, funera ducebat mediam lacrimosa per urbem luridaque arsuro portabat membra feretro.
todos os passos das mães miseráveis, em lágrimas conduzia pelo meio da cidade os funerais: transportava membros gélidos em caixão que haveria de arder em breve.
Forte viae vicina domus, qua flebilis ibat pompa, fuit, duraeque sonus plangoris ad aures venit Anaxaretae, quam iam deus ultor agebat: mota “tamen videamus” ait “miserabile funus” et patulis iniit tectum sublime fenestris; vixque bene impositum lecto prospexerat Iphin, deriguere oculi, calidusque e corpore sanguis inducto pallore fugit, conataque retro ferre pedes haesit, conata avertere vultus hoc quoque non potuit, paulatimque occupat artus, quod fuit in duro iam pridem pectore, saxum. Neve ea ficta putes, dominae sub imagine signum servat adhuc Salamis: Veneris quoque nomine templum Prospicientis habet. — Quorum memor, o mea, lentos pone, precor, fastus et amanti iungere, nymphe. Sic tibi nil vernum nascentia frigus adurat poma nec excutiant rapidi florentia venti!'
Por acaso era vizinha à rua, por onde ia a lacrimosa pompa, a casa, e o som de um duro lamento chegou aos ouvidos de Anaxárete – dela um deus vingador já se encarregava. Comovida, no entanto, disse: ‘vejamos o triste funeral’, e subiu à parte mais alta da casa, abertas as janelas. Tão logo avistou Ífis, bem acomodado a seu leito, os olhos se tornaram enrijecidos, e fugiu o sangue quente do corpo, revestido de palidez: ficou imobilizada, depois de tentar retroceder os pés; volver o rosto, igualmente não pôde, depois de se esforçar. Pouco a pouco toma conta de seus movimentos a pedra, aquela mesma que existiu um dia em seu duro coração. Para que não se pense que estas coisas foram inventadas, até hoje Salamina conserva um marco sob imagem de mulher, e também um templo sob o nome de Vênus Espectadora343 ! Lembrada destes acontecimentos, ó minha Ninfa, põe de lado, eu suplico, o prolongado orgulho e une ao que te ama. Assim, a ti o calor da primavera não queime os frutos nascentes, nem os ventos vorazes golpeiem as inflorescências.”
Haec ubi nequiquam formae deus aptus anili edidit, in iuvenem rediit et anilia demit instrumenta sibi talisque apparuit illi, qualis ubi oppositas nitidissima solis imago evicit nubes nullaque obstante reluxit, vimque parat: sed vi non est opus, inque figura capta dei nymphe est et mutua vulnera sensit.
Depois que, em vão, falou tudo isso, o deus travestido de mulher velha retomou sua forma jovem; despiu-se das vestes de anciã e pareceu ser tal qual a imagem mais brilhante do sol, quando rompe as nuvens que se lhe opõem: retirado o obstáculo, reluziu! Mostra toda sua força, mas não há necessidade de força, pois a Ninfa pela figura do deus foi aprisionada, e sentiu as feridas recíprocas.
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Proximus Ausonias iniusti miles Amuli rexit opes, Numitorque senex amissa nepotis munere regna capit, festisque Palilibus urbis moenia conduntur, Tatiusque patresque Sabini
343 Vênus provoca o amor, a paixão amorosa, mas, neste caso, assiste a um desenlace fatal.
Tarpeia. Rômulo e Hersília O sucessor, um soldado do injusto Amúlio, imperou sobre as riquezas da Ausônia, mas o velho Númitor reassumiu, graças ao neto, o reinos perdidos e, nas festas de Pales, as muralhas são erguidas; Tácio e os chefes sabinos lhe fazem guerra; Tarpeia, aberta a passagem da cidadela, despojou-se de seu
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bella gerunt, arcisque via Tarpeia reclusa dignam animam poena congestis exuit armis.
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Inde sati Curibus tacitorum more luporum ore premunt voces et corpora victa sopore invadunt portasque petunt, quas obice firmo clauserat Iliades: unam tamen ipsa reclusit nec strepitum verso Saturnia cardine fecit. Sola Venus portae cecidisse repagula sensit et clausura fuit, nisi quod rescindere numquam dis licet acta deum. Iano loca iuncta tenebant naides Ausoniae gelido rorantia fonte: has rogat auxilium, nec nymphae iusta petentem sustinuere deam venasque et flumina fontis elicuere sui; nondum tamen invia Iani ora patentis erant, neque iter praecluserat unda: lurida supponunt fecundo sulphura fonti incenduntque cavas fumante bitumine venas. Viribus his aliisque vapor penetravit ad ima fontis, et Alpino modo quae certare rigori audebatis aquae, non ceditis ignibus ipsis! Flammifera gemini fumant adspergine postes, portaque, nequiquam rigidis promissa Sabinis, fonte fuit praestructa novo, dum Martius arma indueret miles; quae postquam Romulus ultro obtulit, et strata est tellus Romana Sabinis corporibus strata estque suis, generique cruorem sanguine cum soceri permiscuit impius ensis, pace tamen sisti bellum nec in ultima tantum decertare placet Tatiumque accedere regno. Occiderat Tatius, populisque aequata duobus, Romule, iura dabas, posita cum casside Mavors talibus adfatur divumque hominumque parentem: “Tempus adest, genitor, quoniam fundamine magno res Romana valet et praeside pendet ab uno, praemia (sunt promissa mihi dignoque nepoti!)
344 Trata-se de Rômulo e das portas do Palatino.
espírito digno de castigo, amontoadas contra si as armas. Em seguida, os descendentes dos Cures, à maneira de lobos calados, premem com sua boca as vozes e tomam de assalto os corpos vencidos pelo sono; buscam as portas que o Ilíada344 havia cerrado com firme ferrolho. Uma só, no entanto, abriu a própria Satúrnia: volvida a dobradiça, nem mesmo um ruído estalou. Somente Vênus percebeu terem caído as trancas; ela haveria de ter fechado, a não ser porque nunca é permitido a deuses anular feitos de deuses. Habitavam as Náiades Ausônias perto do templo de Jano, lugares orvalhados por uma fonte gelada. A elas pede auxílio, e não resistiram à Deusa que pedia coisas justas: assim abriram as veias e as torrentes de sua fonte. Mas não estavam impedidas as entradas do templo; este ainda acessível, a água não havia obstruído completamente a passagem. Elas atiram pálidos enxofres sob a fonte fecunda e, com o fumegante betume, incendeiam as veias cavas. Com essas e outras forças, um vapor penetrou no mais fundo da fonte: ó águas que, à maneira dos Alpes, ousáveis competir com o gelo, não perdeis, agora, para o próprio fogo!
Fumegam as portas duplas pela aspersão de chamas, e a entrada, em vão prometida aos inflexíveis Sabinos, foi obstruída por essa nova torrente, tempo em que o soldado de Marte pudesse empunhar suas armas. Depois que Rômulo as levou mais adiante, o chão romano se cobriu de corpos sabinos, se cobriu de corpos dos seus; a espada ímpia misturou o sangue do genro com o sangue do sogro. Convém, no entanto, com a paz uma guerra ser paralisada, não se disputar até o fim, a ferro: é do agrado Tácio aceder conjuntamente ao reino. Tácio havia morrido! Então, ó Rômulo, prestavas juramentos igualados a dois povos, quando Marte, tirado o capacete, se dirige ao Pai dos deuses e dos homens com tais palavras: “Chegou o tempo, ó Pai, uma vez que a nação romana se faz valer em sólido fundamento, e não mais depende de um governante único! Chegou o tempo de pagar as recompensas – foram prometidas a mim e ao neto digno –
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solvere et ablatum terris imponere caelo. Tu mihi concilio quondam praesente deorum (nam memoro memorique animo pia verba notavi) “unus erit, quem tu tolles in caerula caeli” dixisti: rata sit verborum summa tuorum!”
e alçar ao céu o arrebatado às terras. Um dia, no acontecimento de um concílio dos deuses, Tu a mim – bem me lembro, até anotei as palavras divinas em meu ânimo de boa memória – disseste: ‘existirá um só, a quem elevarás às alturas azuis do Céu!’ Ratificada seja a verdade de tuas palavras!”
Adnuit omnipotens et nubibus aera caecis occuluit tonitruque et fulgure terruit orbem: quae sibi promissae sensit rata signa rapinae innixusque hastae pressos temone cruento impavidus conscendit equos Gradivus et ictu verberis increpuit pronusque per aera lapsus constitit in summo nemorosi colle Palati reddentemque suo non regia iura Quiriti abstulit Iliaden: corpus mortale per auras dilapsum tenues, ceu lata plumbea funda missa solet medio glans intabescere caelo. Pulchra subit facies et pulvinaribus altis dignior, est qualis trabeati forma Quirini.
Assentiu o Todo Poderoso, assim cobriu o céu de cegas nuvens e aterrou o orbe inteiro com o raio e o trovão. Sentiu tudo isso como os sinais confirmados do prometido arrebatamento. Apoiado em sua lança o impávido Gradivo montou seus cavalos atados ao carro por liame ensanguentado; fez estalo com um golpe de chicote e, erguido, deslizando pelos ares, estacionou no cimo altaneiro do Palatino recoberto de bosques. Arrebatou o Ilíada, que rendia ao seu concidadão os juramentos régios: um corpo mortal se dissolveu nos tênues ares, tal como costuma se decompor no meio do céu uma bala de chumbo, lançada por grande funda.
Flebat ut amissum coniunx, cum regia Iuno Irin ad Hersiliam descendere limite curvo imperat et vacuae sua sic mandata referre:
Chorava, como se o tivesse perdido, a esposa, quando Juno Régia ordena Íris a descer pelo seu arqueado caminho até Hersília, e a relatar, à que ficara sozinha, os seus mandados: “Ó matrona, suprema honra da gente Lácia e da gente Sabina, digníssima de ter sido, antes, a esposa de tão grande homem e de ser, agora, de Quirino! Contém o teu choro! Se a ti é desejo ver teu marido, dirige-te, sendo eu a tua guia, ao bosque na Colina de Quirino, que verdeja e sombreia o templo do Rei Romano!”
“O et de Latio, o et de gente Sabina praecipuum, matrona, decus, dignissima tanti ante fuisse viri, coniunx nunc esse Quirini, siste tuos fletus et, si tibi cura videndi coniugis est, duce me lucum pete, colle Quirini qui viret et templum Romani regis obumbrat.”
Paret et in terram pictos delapsa per arcus Hersilien iussis compellat vocibus Iris. 840 Illa verecundo vix tollens lumina vultu “o, dea, namque mihi nec, quae sis, dicere promptum est, et liquet esse deam, duc, o duc” inquit “et offer coniugis ora mihi, quem si modo posse videre fata semel dederint, caelum accepisse fatebor.”
Bela se ergue sua face e muito digna dos celestiais assentos: é como a imagem de Quirino, em sua toga real.
Obedece e, tendo deslizado em direção à terra pelos arcos coloridos, Íris se dirige a Hersília com as palavras ordenadas. Ela, com expressão de quem está envergonhada, mal levanta os olhos: “Ó Deusa (em verdade, a mim não está ao alcance dizer quem sejas, mas está claro seres uma deusa) guia! Ó, Guia! – ela diz – e coloca ante mim a face de meu esposo. Se, por um só momento, os Fados me tiverem dado poder vê-la, confessarei ter recebido o Céu!”
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Nec mora, Romuleos cum virgine Thaumantea ingreditur colles: ibi sidus ab aethere lapsum decidit in terras, a cuius lumine flagrans Hersilie crines cum sidere cessit in auras. Hanc manibus notis Romanae conditor urbis 850 excipit et priscum pariter cum corpore nomen mutat Horamque vocat, quae nunc dea iuncta Quirino est.
Não há demora, com a Virgem Taumanteia entra nas colinas de Rômulo. Nesse momento, um astro, tendo deslizado do céu, caiu na terra: Hersília, sua cabeleira como se estivesse em chamas pelo brilho, juntamente com o astro subiu ao Céu345. A esta, com suas mãos conhecidas, o Fundador da cidade romana recebe e muda-lhe o nome antigo, simultaneamente ao corpo: chama Hora. Ela é hoje a deusa que está junto a Quirino. Tradução: Antônio Martinez de Rezende, UFMG
345 É interessante notar que Ovídio descreve este acontecimento como se fosse a passagem de um cometa.
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Liber XV346 Myscelus. Croton
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Quaeritur interea quis tantae pondera molis sustineat tantoque queat succedere regi: destinat imperio clarum praenuntia veri fama Numam; non ille satis cognosse Sabinae gentis habet ritus: animo maiora capaci concipit et, quae sit rerum natura, requirit. Huius amor curae, patria Curibusque relictis, fecit ut Herculei penetraret ad hospitis urbem. Graia quis Italicis auctor posuisset in oris moenia, quaerenti sic e senioribus unus rettulit indigenis, veteris non inscius aevi: “Dives ab Oceano bubus Iove natus Hiberis litora felici tenuisse Lacinia cursu fertur et, armento teneras errante per herbas, ipse domum magni nec inhospita tecta Crotonis intrasse et requie longum relevasse laborem atque ita discedens “aevo” dixisse “nepotum hic locus urbis erit”; promissaque vera fuerunt. Nam fuit Argolico generatus Alemone quidam Myscelos, illius dis acceptissimus aevi. Hunc super incumbens pressum gravitate soporis claviger adloquitur: “Lapidosas Aesaris undas i, pete diversi! Patrias, age, desere sedes!”
Míscelo e Cróton Questiona-se, entretanto, quem sustentaria o peso de tamanha fundação e quem poderia suceder a tão grande rei? A fama, pressaga da verdade, destina o preclaro Numa ao império. Não tem ele por suficiente conhecer os costumes da gente sabina. Em sua grandeza de ânimo, elucubra elevadas questões e perquire a natureza das coisas. Seu amor por essa determinação – após deixar sua pátria e os habitantes de Cures – fez com que adentrasse na cidade do hospedeiro de Hércules347 . A Numa, que perquirira sobre quem era o fundador que gregos muros em itálicas costas assentara, um dos mais anciãos entre os que ali habitavam, não ignorante do passado, retorquiu assim: “Em seu bem-sucedido percurso desde o Oceano, enriquecido pelos bois ibéricos348 , o filho de Jove topou com os litorais lacínios349 – é o que se narra – e, enquanto seu rebanho vagava pelas tenras relvas, ele entrou na casa e nos não inospitaleiros tetos do magno Cróton, e, repousando, aliviou sua alongada fadiga. Daí, ao retirar-se, disse assim: “No tempo de teus pósteros aqui será o local de uma cidade” – e teve o vaticínio foros de verdade.
Pois foi prole do argólico Alémon um certo Míscelo, para os deuses o mais benquisto varão daquela idade. Curvando-se sobre ele, que estava aturdido por um pesado sono, o portador da clava lhe diz: “Vá! Às ondas te dirige do apartado Ésar, cheias de escolhos! Deixa, agora, as sedes pátrias!” – e, se não o obedecesse, ameaças muitas e medonhas lhe atirava. Após tais pa-
346 Nota sobre a tradução: procurei manter-me próximo da letra do texto de partida, reproduzindo em português a pesada adjetivação patronímica e toponímica usual na língua poética latina, bem como aquela progressão da narrativa por meio de coordenadas aditivas, com reiterado uso da conjunção et e suas variantes. A tradução é em prosa, mas não me furtei a buscar um certo ritmo, indistintamente decassilábico ou dodecassilábico, de modo a tentar conservar algo da tensão sintática e sonora do texto de partida; a atenção a essa cadência, no meu caso pelo menos, tem por resultado também um rebuscamento vocabular que procura dialogar em português com o estilo grandiloquente, solene e afetado que leio em Ovídio. A confecção das notas contou com a colaboração de Lívia Mendes Pereira (UNESP/FAPESP), a quem agradeço a disposição e dedicação ao trabalho. Cabe aqui expressar minha gratidão aos professores Vargas, Furlan e Nunes, coordenadores deste projeto de tradução, pela oportunidade que me deram de saborear, tão de perto quanto só é possível a um tradutor, o magnífico modo de poetar ovidiano. 347 Cidade do hospedeiro de Hércules: Crotona, na Magna Grécia, na costa leste na entrada do Golfo de Tarento. Este é o lugar onde Pitágoras abriu sua escola. 348 Bois ibéricos: bois de Gerião. A memória da passagem de Hércules pela Itália, em seu retorno da Espanha, remete à lenda do combate entre Hércules e Caco às margens do Tibre. 349 Litorais lacínios: referem-se ao templo de Juno – Lacínia é um de seus epítetos –, que fica no promontório Lacínio, no extremo sul da península, do lado banhado pelo Adriático na região da Calábria.
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et, nisi paruerit multa ac metuenda minatur; post ea discedunt pariter somnusque deusque. Surgit Alemonides tacitaque recentia mente visa refert, pugnatque diu sententia secum: numen abire iubet, prohibent discedere leges, poenaque mors posita est patriam mutare volenti. Candidus Oceano nitidum caput abdiderat Sol, et caput extulerat densissima sidereum Nox: visus adesse idem deus est eademque monere et, nisi paruerit, plura et graviora minari. Pertimuit patriumque simul transferre parabat in sedes penetrale novas: fit murmur in urbe, spretarumque agitur legum reus; utque peracta est causa prior crimenque patens sine teste probatum, squalidus ad superos tollens reus ora manusque “o cui ius caeli bis sex fecere labores, fer, precor” inquit, “opem! nam tu mihi criminis auctor.” Mos erat antiquus niveis atrisque lapillis, his damnare reos, illis absolvere culpa; tunc quoque sic lata est sententia tristis, et omnis calculus inmitem demittitur ater in urnam. Quae simul effudit numerandos versa lapillos, omnibus e nigro color est mutatus in album, candidaque Herculeo sententia numine facta solvit Alemoniden. Grates agit ille parenti Amphitryoniadae, ventisque faventibus aequor navigat Ionium Lacedaemoniumque Tarentum praeterit et Sybarin Sallentinumque Neretum Thurinosque sinus Nemesenque et Iapygis arva; vixque pererratis, quae spectant litora, terris, invenit Aesarei fatalia fluminis ora nec procul hinc tumulum, sub quo sacrata Crotonis ossa tegebat humus, iussaque ibi moenia terra condidit et nomen tumulati traxit in urbem.”
lavras, o sono e o deus partem no mesmo instante. O Alemônide se levanta. As recentes visões refaz na mente atônita e, durante algum tempo, aquela imprecação consigo remói: ordenava o deus que ele saísse e as leis proibiam-no a partida – pena de morte era imposta a quem quisesse mudar de pátria. Cândido, o Sol no Oceano o vulto nítido ocultara e, espessa, a Noite seu sidéreo vulto erguia. O mesmo deus foi visto aproximar-se e a adverti-lo nos mesmos termos que, em não obedecendo, ameaças piores e mais penosas lhe atiraria. Apavorou-se e, ato contínuo, planejava levar consigo o culto de seus ancestrais à sua nova morada. Eis que se deu um murmurinho na cidade e Míscelo é acionado como réu por ter as leis em menoscabo. Tão logo do processo se concluiu a parte preliminar e, ficando flagrante o crime, julgado sem mister de testemunhas, esquálido, aos deuses o réu dirige as mãos e os lábios: “Ó tu a quem uma dozena de trabalhos garantiu direito ao céu” – disse ele – “socorre-me! Suplico, pois de meu crime és o autor”. Era costume antigo usar pedrinhas brancas e negras, sendo estas para condenar, aquelas para absolver dos réus a culpa. Então, também dessa maneira, foi desferido o triste veredicto, e os tentos são lançados na implacável urna todos negros. No mesmo instante em que a urna, virada, derramou as pedrinhas para a contagem, em todas a cor de negra mudou para branca, e o cândido veredicto, obra do nume hercúleo, absolveu o Alemônide. Rende ele graças ao patrono anfitriônida350 e, tendo favoráveis ventos, navega o Jônio e passa pela lacedemônia Tarento, por Síbaris, pela salentina Nereto, pelo golfo de Túrio, por Nêmesa e pelos campos iapígios; e, tão logo as terras que se voltam para a costa são percorridas, encontra a pressagiada embocadura do rio Ésar e não longe dali o sepulcro, sob o qual os sacros ossos de Cróton jaziam. Ali naquela terra, Míscelo lançou as bases dos muros que lhe foram ordenados e deu à cidade o nome do varão ali sepultado. Uma segura fama dava por certo que tais foram os primórdios do lugar e da cidade estabelecida em ítalos confins.
Talia constabat certa primordia fama
350 Patrono anfitriônida: Hércules.
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esse loci positaeque Italis in finibus urbis. Pythagoras 60
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Vir fuit hic, ortu Samius, sed fugerat una et Samon et dominos odioque tyrannidis exsul sponte erat, isque, licet caeli regione remotos, mente deos adiit et quae natura negabat visibus humanis, oculis ea pectoris hausit, cumque animo et vigili perspexerat omnia cura, in medium discenda dabat coetusque silentum dictaque mirantum magni primordia mundi et rerum causas et, quid natura, docebat, quid deus, unde nives, quae fulminis esset origo, Iuppiter an venti discussa nube tonarent, quid quateret terras, qua sidera lege mearent — et quodcumque latet; primusque animalia mensis arguit imponi, primus quoque talibus ora docta quidem solvit, sed non et credita, verbis: “Parcite, mortales, dapibus temerare nefandis corpora! Sunt fruges, sunt deducentia ramos pondere poma suo tumidaeque in vitibus uvae, sunt herbae dulces, sunt quae mitescere flamma mollirique queant; nec vobis lacteus umor eripitur, nec mella thymi redolentia flore: prodiga divitias alimentaque mitia tellus suggerit atque epulas sine caede et sanguine praebet. Carne ferae sedant ieiunia, nec tamen omnes: quippe equus et pecudes armentaque gramine vivunt. At quibus ingenium est inmansuetumque ferumque, Armeniae tigres iracundique leones cumque lupis ursi, dapibus cum sanguine gaudent. Heu quantum scelus est in viscera viscera condi congestoque avidum pinguescere corpore corpus alteriusque animantem animantis vivere leto! Scilicet in tantis opibus, quas optima matrum
351 Pitágoras.
Pitágoras Nessa cidade houve um varão351 , sâmio de origem, mas que tinha fugido ao mesmo tempo tanto de Samos quanto dos seus próceres e que por ódio a um tirano espontaneamente se exilara. Ele na inteligência era parelho aos deuses, mesmo estando esses à distância nas celestes plagas. As coisas que negava a natureza a humanas vistas, ele as sorvia com os olhos do coração; e, tão logo decifrasse a tudo no espírito e com vigilante escrutínio, oferecia o que aprendera a todos. A seu séquito atônito e admirado de seu discurso, ensinava os primórdios do vasto universo, as causas das coisas, o que era natureza e deus, de onde vinham as neves, qual a origem do trovão, se era Júpiter ou os ventos que troavam de fraturadas nuvens, o porquê dos terremotos, a lei que rege o movimento sideral e o que quer que estivesse encoberto. Foi ele o primeiro a censurar que os animais fossem nas mesas servidos, o primeiro também que abriu os lábios doutos, muito embora desacreditados, com tais palavras: “Mortais, não profaneis em nefastos festins a cadáveres! Há cereais, há frutos que aos ramos vergam com sua gravidade, e uvas suculentas nas videiras. Há verduras macias, e as que podem ao fogo amolecer; o lácteo licor não vos é proibido, nem o olente mel da flor do tomilho: pródiga, a terra dádivas nos oferece e tenros alimentos, iguarias isentas de sangue e mortandade. Feras com carne a fome abrandam, mas nem todas: eis que o corcel, a rês e os rebanhos de pasto vivem. Já aqueles de gênio indomável e feroz, tais como o tigre armênio, o iracundo leão, os ursos mais os lobos rejubilam-se de se fartar de sangue. Ai quanto crime há em vísceras saciarem vísceras, em se engordar um corpo voraz do acúmulo de outro corpo, em um animado ser da morte de um igual viver!
Com certeza, entre os víveres inúmeros que a terra, a mãe das mães, pro-
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terra parit, nil te nisi tristia mandere saevo vulnera dente iuvat ritusque referre Cyclopum, nec, nisi perdideris alium, placare voracis et male morati poteris ieiunia ventris?
duz, nada te apraz a não ser mastigar funestas chagas com dente iracundo e relembrar o rito dos Ciclopes? Nem poderás matar a fome de teu ventre voraz e malcriado, a não ser pondo a perder outrem?
At vetus illa aetas, cui fecimus aurea nomen, fetibus arboreis et, quas humus educat, herbis fortunata fuit nec polluit ora cruore. Tunc et aves tutae movere per aera pennas, et lepus impavidus mediis erravit in arvis, nec sua credulitas piscem suspenderat hamo: cuncta sine insidiis nullamque timentia fraudem plenaque pacis erant. Postquam non utilis auctor victibus invidit, quisquis fuit ille, deorum corporeasque dapes avidam demersit in alvum, fecit iter sceleri, primoque e caede ferarum incaluisse potest maculatum sanguine ferrum (idque satis fuerat), nostrumque petentia letum corpora missa neci salva pietate fatemur: sed quam danda neci, tam non epulanda fuerunt.
Já houve aquela antiga idade, à qual ‘de ouro’352 nomeamos, satisfeita com frutas e verduras, e que jamais manchou de sangue os lábios. Naquele tempo, as aves displicentes os ares cortaram, e pelos campos, corajosa, a lebre andou, e a inocência do peixe não lhe deixava à mercê do anzol: tudo pleno de paz, nada de insídia ou medo de armadilha.
Longius inde nefas abiit, et prima putatur hostia sus meruisse mori, quia semina pando eruerit rostro spemque interceperit anni. Vite caper morsa Bacchi mactatus ad aras dicitur ultoris; nocuit sua culpa duobus! Quid meruistis oves, placidum pecus, inque tuendos natum homines, pleno quae fertis in ubere nectar, mollia quae nobis vestras velamina lanas praebetis vitaque magis quam morte iuvatis? Quid meruere boves, animal sine fraude dolisque, innocuum, simplex, natum tolerare labores? Inmemor est demum nec frugum munere dignus, qui potuit curvi dempto modo pondere aratri ruricolam mactare suum, qui trita labore illa, quibus totiens durum renovaverat arvum, tot dederat messes, percussit colla securi.
Desde que alguém, sabe-se lá quem foi, avesso ao bem, dos deuses invejando os víveres, inventou de acolher no guloso ventre um bocado de carne, abriu caminho ao crime. No primeiro abate de animais pode ter sido quando o ferro conheceu o calor de uma mancha de sangue – e que fosse isso o bastante! É penhor de piedade, confessemos, dar cabo a um ser vivo que busca nossa morte, mas tanto matá-lo é um dever, quanto não é comê-lo.
Daí por diante, o nefas à larga avançou, e se julga que um porco mereceu morrer, como primeira vítima expiatória, porque, ao desenterrar sementes com seu curvo focinho, ele teria frustrado a esperança de um ano bom. Dizse também que um bode foi imolado por ter mordido a vide de Baco nos altares vingador. Nociva aos dois foi sua própria culpa! E vós, ovelhas, que de mal fizestes, pacata criação, nascida para o usufruto humano, que os ubres cheios trazeis de lácteo néctar, que forneceis a aconchegante lã para nos vestir, vós cuja vida agrada mais que a morte? E os bois que de mal fizeram, gado sem trapaça ou traição, inofensivo e puro, nascido para suportar labores? De fato é ingrato e indigno de pastagem quem foi capaz de, logo ao retirar o peso do arado recurvo, imolar seu lavrador, quem aquele colo carcomido na labuta, com o qual revolvera o duro campo incessantemente, e colheitas sem número propiciara, golpeou com o machado. E nem satisfaz um nefas tal cumprir; o crime aos próprios deuses se imputou ao crer que a um superno nume se rejubila com a matança de um
352 Idade de ouro: cf. mito das idades I, 89-150.
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Nec satis est, quod tale nefas committitur: ipsos inscripsere deos sceleri, numenque supernum caede laboriferi credunt gaudere iuvenci. Victima labe carens et praestantissima forma (nam placuisse nocet) vittis insignis et auro sistitur ante aras auditque ignara precantem imponique suae videt inter cornua fronti, quas coluit, fruges percussaque sanguine cultros inficit in liquida praevisos forsitan unda. Protinus ereptas viventi pectore fibras inspiciunt mentesque deum scrutantur in illis: unde (fames homini vetitorum tanta ciborum!) audetis vesci, genus o mortale? Quod, oro, ne facite, et monitis animos advertite nostris! Cumque boum dabitis caesorum membra palato, mandere vos vestros scite et sentite colonos.
novilho de lavoura: a imaculada vítima, primorosa na forma – agradar é seu mal – e em dourado adornada e com fitas, é posta ante as aras e, absorta, ouve as imprecações, e vê, entre seus cornos, à testa lhe imporem produtos que ela cultivou, e, golpeada, infunde sangue na faca, que, talvez, ela mesma tivesse visto há pouco na face das águas; de pronto inspecionam-lhe os órgãos no ainda arfante peito e as intenções dos deuses neles são descortinadas; daí – tamanha é a fome humana por proibidas iguarias! –, ó gênero mortal, ousais comê-la? Pois, eu peço, não o façais e atentai aos nossos conselhos! Quando os membros degustais de bovinos cadáveres, sabei e percebei que deglutis vossos agricultores!
Et quoniam deus ora movet, sequar ora moventem rite deum Delphosque meos ipsumque recludam aethera et augustae reserabo oracula mentis. Magna nec ingeniis investigata priorum quaeque diu latuere, canam; iuvat ire per alta astra, iuvat terris et inerti sede relicta nube vehi validique umeris insistere Atlantis palantesque homines passim ac rationis egentes despectare procul trepidosque obitumque timentes sic exhortari seriemque evolvere fati:
Posto que um deus meus lábios move, seguirei o deus que os movimenta em ritual, e minha Delfos353 , e me abrirei aos ares, e oráculos descerrarei de um coração puro. Maravilhas cantarei, pelos sábios de outrora inexploradas e que ocultas pelos séculos jazeram. Convém cruzar o espaço sideral, e, deixando para trás da terra o inerte paço, convém viajar sobre uma nuvem, e, após, sentar nos ombros de Atlas portentoso, e lá de longe olhar os homens a esmo errando, carentes de razão, amedrontados pelo medo de seu fim, e, exortando-lhes assim, trazer à luz a sucessão dos fados:
O genus attonitum gelidae formidine mortis, quid Styga, quid manes et nomina vana timetis, materiem vatum, falsique pericula mundi? Corpora, sive rogus flamma, seu tabe vetustas abstulerit, mala posse pati non ulla putetis! Morte carent animae, semperque priore relicta
“Ó raça aturdida pelo assombro do gélido jazigo, por que o Estige354 temeis, e os manes de inócuos nomes, mero tema de poetas, perigos de um mundo ilusório? Os corpos que o fogo da pira ou a decrepitude da idade consumiram, não julgueis que eles possam sofrer mal algum! À morte as almas são alheias, e, uma vez que deixaram a sede anterior, vivem e habitam em novos receptáculos355 .
353 É como se para Pitágoras o oráculo de Delfos, em que a Pítia se inspirava por Apolo, estivesse dentro dele mesmo. 354 Pitágoras atribui o medo da morte aos poetas. 355 A teoria da transmigração das almas (metempsicose), junto com suas contribuições matemáticas, é a mais conhecida das doutrinas de Pitágoras, que é considerado um dos primeiros representantes dessa crença.
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sede novis domibus vivunt habitantque receptae. Ipse ego (nam memini) Troiani tempore belli Panthoides Euphorbus eram, cui pectore quondam haesit in adverso gravis hasta minoris Atridae: cognovi clipeum, laevae gestamina nostrae, nuper Abanteis templo Iunonis in Argis. Omnia mutantur, nihil interit: errat et illinc huc venit, hinc illuc, et quoslibet occupat artus spiritus eque feris humana in corpora transit inque feras noster nec tempore deperit ullo; utque novis facilis signatur cera figuris nec manet ut fuerat nec formas servat easdem, sed tamen ipsa eadem est: animam sic semper eandem esse, sed in varias doceo migrare figuras. Ergo, ne pietas sit victa cupidine ventris, parcite, vaticinor, cognatas caede nefanda exturbare animas, nec sanguine sanguis alatur!
Tudo muda, nada morre: o espírito vem e vai repetidamente, e assume outros membros à revelia; e de um corpo de fera ao de um homem se transporta e vice-versa, e em tempo algum se extingue. Como a dócil cera em novas figuras se define, nem ficando qual fora e nem conservando as mesmas formas, muito embora seja sempre a mesma: assim professo que uma única alma transmigra por variadas transfigurações. Portanto, para que a avidez dos ventres não vença a piedade, evitai – eu advirto – de afligir almas irmãs com nefanda matança! Não sacieis sangrando o vosso sangue!
Et quoniam magno feror aequore plenaque ventis vela dedi: nihil est toto, quod perstet, in orbe. Cuncta fluunt, omnisque vagans formatur imago; ipsa quoque adsiduo labuntur tempora motu, non secus ac flumen, neque enim consistere flumen nec levis hora potest, sed ut unda impellitur unda urgeturque eadem veniente urgetque priorem, tempora sic fugiunt pariter pariterque sequuntur et nova sunt semper; nam quod fuit ante, relictum est, fitque quod haud fuerat, momentaque cuncta novantur.
E posto que pelo mar alto sou levado, aos ventos dei plenas velas: nada no mundo é sempre estático. Há uma fluidez total e, em movimento, toda imagem ganha forma; também o próprio tempo se arrasta incessante, não diferentemente como um rio, nem pois se pode um rio parar, como não para a hora veloz, mas como ondeiam as ondas– uma é impelida pela próxima que impele a anterior –, assim o tempo foge já, e já segue um segundo, e há sempre um renovo. Pois o que antes foi, fica para trás; transcorre, pois, o que não ocorrera, e isso se renova a cada instante.
Cernis et emensas in lucem tendere noctes, et iubar hoc nitidum nigrae succedere nocti. Nec color est idem caelo, cum lassa quiete cuncta iacent media, cumque albo Lucifer exit clarus equo rursusque alius, cum praevia lucis tradendum Phoebo Pallantias inficit orbem. Ipse dei clipeus, terra cum tollitur ima,
Percebe-se, outrossim, que, uma vez transcorridas, as noites pendem para a luz, que um brilho radiante ao breu noturno advém. Nem é idêntica do céu a cor, quando o cansaço leva tudo a jazer em meio à quietude e quando o astro lucífero desponta com seu alvo cavalo; também de novo é outra a cor, quando a Palantíade, guia da luz, tinge a celeste abóbada apontando Febo. O próprio disco do deus, quando do abismo da terra se retira, é rubro de manhã, rubro ao se pôr na terra. Alvo é no seu mais alto posto, pois ali mais puro é o
Eu próprio – disso eu lembro –, em tempos da Guerra Troiana, era o Pantoide Euforbo, no peito de quem um dia golpeou o dardo gravoso do atrida mais jovem356 : reconheci o escudo, cobertura de nosso lado esquerdo, recentemente no templo de Juno a de Abante em Argos.
356 Atrida mais jovem: Menelau.
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mane rubet, terraque, rubet cum conditur ima, candidus in summo est, melior natura quod illic aetheris est terraeque procul contagia fugit. Nec par aut eadem nocturnae forma Dianae esse potest umquam, semperque hodierna sequente, si crescit, minor est, maior, si contrahit orbem.
éter, e ele foge ao máximo do contato da terra. Nem semelha ou idêntica a forma da noturna Diana pode ser, a de hoje é sempre menor que a seguinte, se crescente357 , sempre maior, se minguante.
Quid? non in species succedere quattuor annum adspicis, aetatis peragentem imitamina nostrae? Nam tener ac lactens puerique simillimus aevo vere novo est: tunc herba nitens et roboris expers turget et insolida est et spe delectat agrestes. Omnia tunc florent, florumque coloribus almus ludit ager, neque adhuc virtus in frondibus ulla est. Transit in aestatem post ver robustior annus fitque valens iuvenis: neque enim robustior aetas ulla nec uberior, nec quae magis ardeat, ulla est. Excipit autumnus, posito fervore iuventae maturus mitisque, inter iuvenemque senemque temperie medius, sparsus quoque tempora canis. Inde senilis hiems tremulo venit horrida passu, aut spoliata suos, aut quos habet, alba capillos.
O quê? Não se observa que o ano avança sob quatro feições, numa acabada imitação de nossas fases da vida? É, pois, na primavera tenro e ávido de leite, tal qual na infância: a relva, nesse tempo, brilha, e sem vigor vai brotando, é frágil e satisfaz os campônios de esperança. Tudo floresce, nesse tempo; fecundo, o campo folga com floridas cores e ainda não há viço algum nas folhas. No verão se robustece o ano, passada a primavera, feito um jovem valente: nenhuma idade mais robusta há nem mais fecunda, nenhuma há mais ardente. Sucede o outono – deposto o fervor da juventude –maduro e ameno, entre o jovem e o velho, mediano na temperatura, tempo também de esparsas cãs. Vem, pois, horrendo, o senescente inverno com passo trêmulo, que, ou alvos cabelos, ou já nem isso tem.
Nostra quoque ipsorum semper requieque sine ulla corpora vertuntur, nec, quod fuimusve sumusve, cras erimus; fuit illa dies, qua semina tantum spesque hominum primae matrisque habitavimus alvo. Artifices natura manus admovit et angi corpora visceribus distentae condita matris noluit eque domo vacuas emisit in auras. Editus in lucem iacuit sine viribus infans; mox quadrupes rituque tulit sua membra ferarum, paulatimque tremens et nondum poplite firmo constitit adiutis aliquo conamine nervis. Inde valens veloxque fuit spatiumque iuventae transit et emeritis medii quoque temporis annis labitur occiduae per iter declive senectae.
Desse mesmo modo também são transformados nossos corpos, sempre e sem descanso algum, nem amanhã, o que fomos ou somos, seremos; houve um dia, em que, semente apenas, precoce espectro de homem, habitamos o ventre materno. A natureza retirou suas mãos de artífice e, não mais querendo que, enfurnados, nossos corpos fossem entre as fibras da grávida mãe asfixiados, expulsou-nos daquela casa em pleno ar vazio. Entregue à luz, caiu sem vigor o rebento. De gatinhas, ao feitio das feras, os membros logo trouxe e, pouco a pouco, vacilante e sem ter firme o joelho, postou-se, com algum impulso a dar-lhe força. Então, esbelto e esperto, entrou na juventude e, assim, percorrido o caminho da vida em meio, atinge, decadente, o caducar da senectude, esta que subverte e corrói o vigor de outrora. Chora Milão, envelhecido, quando vê inertes os braços (os quais foram, pela grossura e solidez dos músculos, aos de Hércules iguais) decaírem flácidos. Chora também, vendo à frente do espelho as rugas de senhora, a Tindáride Helena e remói
357 Le Boeuffle (1987) reporta que Minor Luna era como se denominavaa lua crescente, documentando com uma passagem de Horácio (Sat. 2, 8, 31-32). Para nós a noção é contrária.
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Subruit haec aevi demoliturque prioris robora, fletque Milon senior, cum spectat inanes (illos, qui fuerant solidorum mole tororum Herculeis similes!) fluidos pendere lacertos; Flet quoque, ut in speculo rugas adspexit aniles, Tyndaris et secum, cur sit bis rapta, requirit. Tempus edax rerum, tuque, invidiosa vetustas, omnia destruitis, vitiataque dentibus aevi paulatim lenta consumitis omnia morte.
Ó tempo onívoro, ó invejosa vetustez, a tudo destruís, a tudo, que o dente dos anos carcomeu, digeris com lenta e paulatina morte.
Haec quoque non perstant, quae nos elementa vocamus, quasque vices peragant, (animos adhibete!) docebo. Quattuor aeternus genitalia corpora mundus continet; ex illis duo sunt onerosa suoque pondere in inferius, tellus atque unda, feruntur, et totidem gravitate carent nulloque premente alta petunt, aer atque aere purior ignis. Quae quamquam spatio distant, tamen omnia fiunt ex ipsis et in ipsa cadunt, resolutaque tellus in liquidas rarescit aquas, tenuatus in auras aeraque umor abit, dempto quoque pondere rursus in superos aer tenuissimus emicat ignes. Inde retro redeunt, idemque retexitur ordo; ignis enim densum spissatus in aera transit, hic in aquas, tellus glomerata cogitur unda.
Os elementos – assim lhes chamamos – também não perduram, suas vicissitudes – prestai atenção! – ensino agora. O eterno mundo quatro corpos primordiais contém; deles, dois são pesados, terra e água, que, por seu peso, embaixo depositam-se; o outro par, de gravidade isento e sem nada a premer-lhe, fogo e ar– aquele mais puro que o ar – alturas buscam.
Nec species sua cuique manet, rerumque novatrix ex aliis alias reddit natura figuras: nec perit in toto quicquam, mihi credite, mundo, sed variat faciemque novat, nascique vocatur incipere esse aliud, quam quod fuit ante, morique desinere illud idem. Cum sint huc forsitan illa, haec translata illuc, summa tamen omnia constant. Nil equidem durare diu sub imagine eadem crediderim: sic ad ferrum venistis ab auro, saecula, sic totiens versa est fortuna locorum. Vidi ego, quod fuerat quondam solidissima tellus,
Nem a forma de cada coisa se mantém. Renovadora, a natureza muda uma figura em outra: nada em todo mundo (crede em mim!) acaba, só varia e inova a aparência. Nascer é começar a ser um outro diferente do que antes foi. Morrer é deixar de ser esse mesmo outro. Ainda se, por acaso, algo se transferir de um a outro lugar, em suma tudo é mesma coisa. Que nada, pois, durante muito tempo dura eu creria: tal como vós, idades358, de uma de ouro viestes para uma de ferro, assim, frequentemente, a fortuna dos lugares se alterou.
consigo o porquê dos dois raptos.
358 Idades: outra alusão ao mito das idades, cf. I, 89-150.
Embora os quatro na imensidão se distingam, tudo, entanto, é feito deles e neles tem seu fim: a terra solta em água líquida dissolve-se; rarefeita, a umidade se esvai nas airadas auras; uma vez desencorpado, também alhures, raríssimo, o ar reluzem subidos fogos. Daí retrocedem e sua própria classe é recobrada, pois o fogo espesso por condensação se torna ar, este em água; a terra pelo acúmulo de líquido se encorpa.
Vi o que outrora fora terra das mais firmes tornar-se mar, vi pastos provi-
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esse fretum, vidi factas ex aequore terras: et procul a pelago conchae iacuere marinae, et vetus inventa est in montibus ancora summis. Quodque fuit campus, vallem decursus aquarum fecit, et eluvie mons est deductus in aequor, eque paludosa siccis humus aret harenis, quaeque sitim tulerant, stagnata paludibus ument. Hic fontes natura novos emisit, at illic clausit, et antiquis tam multa tremoribus orbis flumina prosiliunt aut excaecata residunt.
rem de onde ondas havia: marinhas conchas encontraram-se longe do pélago e uma velha âncora, no alto dos montes. Aquilo que foi campo um curso d’água fez um vale, e um monte por aluvião foi levado às vagas. Por força de areias ressequidas, um solo pantanoso se exaure, enquanto esses, estorricados e sedentos, alagados se umedecem. Aqui a natureza fez brotar novas fontes, ali, porém, fechou-as. Tanto rios inumeráveis jorraram em ancestrais terremotos, quanto outros, enterrados, persistem cegos.
Sic ubi terreno Lycus est epotus hiatu, exsistit procul hinc alioque renascitur ore: Sic modo combibitur, tecto modo gurgite lapsus redditur Argolicis ingens Erasinus in arvis, et Mysum, capitisque sui ripaeque prioris paenituisse ferunt, alia nunc ire Caicum; nec non Sicanias volvens Amenanus harenas nunc fluit, interdum suppressis fontibus aret. Ante bibebatur, nunc, quas contingere nolis, fundit Anigros aquas, postquam, nisi vatibus omnis eripienda fides, illic lavere bimembres vulnera, clavigeri quae fecerat Herculis arcus. Quid? non et Scythicis Hypanis de montibus ortus, qui fuerat dulcis, salibus vitiatur amaris? Fluctibus ambitae fuerant Antissa Pharosque et Phoenissa Tyros, quarum nunc insula nulla est. Leucada continuam veteres habuere coloni: nunc freta circueunt. Zancle quoque iuncta fuisse dicitur Italiae, donec confinia pontus abstulit et media tellurem reppulit unda. Si quaeras Helicen et Burin, Achaidas urbes, invenies sub aquis, et adhuc ostendere nautae inclinata solent cum moenibus oppida mersis. Est prope Pittheam tumulus Troezena, sine ullis arduus arboribus, quondam planissima campi area, nunc tumulus; nam (res horrenda relatu!) vis fera ventorum, caecis inclusa cavernis, exspirare aliqua cupiens luctataque frustra
Assim o Lico, que tragado foi por uma fenda da terra, aparece, então, renascido, em outras distantes paragens. Assim, o Erasino tão logo é sorvido e, tendo corrido em subterrâneo leito, logo retorna, imenso, nos arvais argólicos; e dizem que o Caíco, rio da Mísia, pesaroso da nascente e das priscas margens, corre agora alhures; flui agora o Amenano, nem se diz que não, revolvendo sicilianas areias, por vezes, no entanto, estancadas suas fontes, seca. Corre o Anigro de águas antes bebíveis, as quais tu não irias querer nem tocar agora, depois que, se repúdio não cabe ao que afirmam os poetas, os bimembres Centauros lavaram ali as feridas, que o arco de Hércules portaclava produziu. Qual o quê? Também o Hípanis, de montes cíticos vindo, outrora um rio doce, não viria a se amargar, infectado de sal? De ondas rodeadas foram Antissa, Faro e Tiro fenícia, nenhuma delas mais agora é ilha. Lêucade unida ao continente antigos colonos encontraram, agora vagas a circundam. De Zancle também diz-se que junto à Itália foi, até que lhe tolheu o pélago os confins e alocou seu território em pleno mar. Se fores procurar Hélice e Búris, acádias cidades, hás de achá-las embaixo d’água, e os navegantes, até hoje, vez por outra, apontam suas torres em ruínas, seus muros submersos. Perto de Piteia Trezena há uma elevação, cuja chapada não tem uma árvore sequer, era uma área de planíssima campina esse elevado, pois (algo horrendo de se relatar!) a bestial violência dos ventos – em ocultas cavidades encerrada, desejosa de explodir por uma brecha e, em vão, pelejando usufruir da irrefreável amplidão do céu, uma vez que fenda alguma houvesse a dar
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liberiore frui caelo, cum carcere rima nulla foret toto nec pervia flatibus esset, extentam tumefecit humum, ceu spiritus oris tendere vesicam solet aut derepta bicorni terga capro; tumor ille loci permansit et alti collis habet speciem longoque induruit aevo.
vazão ao seu enclausurado ímpeto – foi elevando o extenso solo, tal como o ar da boca costuma inflar uma bexiga ou um invólucro de couro de um bicorne bode. Aquela elevação do local se manteve até hoje, formando um chapadão enrijecido com o passar do tempo.
Plurima cum subeant audita et cognita nobis, pauca super referam. Quid? non et lympha figuras datque capitque novas? Medio tua, corniger Ammon, unda die gelida est, ortuque obituque calescit. Admotis Athamanas aquis accendere lignum narratur, minimos cum luna recessit in orbes. Flumen habent Cicones, quod potum saxea reddit viscera, quod tactis inducit marmora rebus. Crathis et huic Sybaris, nostris conterminus oris electro similes faciunt auroque capillos.
Mais exemplos que já ouvi e sobre os quais refleti, eis que me surgem, doravante alguns poucos narrarei. Quê? Novas formas não dá nem recebe o fluido aquoso? Tua onda, cornígero Ámon, é gélida no dia em meio; cálida, na aurora e no ocaso. Narra-se que os atamanes incendeiam madeira em moventes águas, depois que a lua se reduziu à mínima esfera. Há entre os cícones um rio que petrifica as vísceras de quem o bebe, que marmorifica tudo aquilo que toca. O Crátis e o Síbaris, este que é fronteiriço às nossas plagas, deixam os fios dos cabelos como se feitos de âmbar e ouro.
Quodque magis mirum est, sunt qui non corpora tantum, verum animos etiam valeant mutare liquores. Cui non audita est obscenae Salmacis undae Aethiopesque lacus? Quos siquis faucibus hausit, aut furit, aut patitur mirum gravitate soporem. Clitorio quicumque sitim de fonte levavit, vina fugit gaudetque meris abstemius undis, seu vis est in aqua calido contraria vino, sive, quod indigenae memorant, Amythaone natus, Proetidas attonitas postquam per carmen et herbas eripuit furiis, purgamina mentis in illas misit aquas odiumque meri permansit in undis. Huic fluit effectu dispar Lyncestius amnis; quem quicumque parum moderato gutture traxit, haud aliter titubat, quam si mera vina bibisset. Est locus Arcadiae (Pheneum dixere priores),
O que mais causa assombro é que não se trata só dos corpos, mas também podem líquidos mudar os ânimos. A quem não chegou aos ouvidos Sálmacis359 de ondas obscenas ou os lagos etíopes360? Alguém que tais águas engoliu, ou cai louco ou sofre de um insólito letargo devido ao peso delas. Qualquer um que aliviou a sede no rio Clítor repudia o puro mosto e se regala, abstêmio, puramente com água: ou o poder avesso ao ígneo vinho está na água, ou porque, como lembram os ribeirinhos, o filho de Amitáon361, depois de livrar do desatino as atônitas Prétides através de carmes e ervas, lançou depuradores da razão naquelas ondas e o ódio ao mosto lhes legou. Com efeito inverso ao do Clítor, flui Lincéstio: qualquer um que o sorva num trago imoderado não diferente cambaleia qual se puro vinho bebesse. Há um lugar da Arcádia (chamaram-no Feneu os mais antigos), perigoso pelas águas ambíguas de noite temíveis: se bebidas no breu, nocivas, se, em dia claro, inócuas. Assim tais e tais índoles assumem rios e lagos.
359 Sálmacis ardendo de desejo por Hermafrodito ataca-o na fonte que dela levou o nome. Ao ter entre seus braços o objeto de seu amor, a ninfa Sálmacis pede aos deuses que eles sejam inseparáveis. Atendendo ao pedido, os deuses transformam-nos em um só ser contendo traços femininos e masculinos. A pedido de Hermafrodito, todo aquele que se banhar naquela fonte se transformará em um andrógino, lembrando a metamorfose dos dois amantes. Refere-se ao debilitante efeito produzido pelo lago onde ela levou Hermafrodito. (Cf. IV 285-388) 360 Não se sabe a qual lago etíope Ovídio se refere. 361 Filho de Amitáon: Melampo, célebre advinho e feiticeiro de Argos.
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ambiguis suspectus aquis, quas nocte timeto: nocte nocent potae, sine noxa luce bibuntur. 335
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Sic alias aliasque lacus et flumina vires concipiunt, tempusque fuit, quo navit in undis, nunc sedet Ortygie. Timuit concursibus Argo undarum sparsas Symplegadas elisarum, quae nunc inmotae perstant ventisque resistunt. Nec, quae sulphureis ardet fornacibus, Aetne ignea semper erit, neque enim fuit ignea semper. Nam sive est animal tellus et vivit habetque spiramenta locis flammam exhalantia multis, spirandi mutare vias, quotiensque movetur, has finire potest, illas aperire cavernas; sive leves imis venti cohibentur in antris saxaque cum saxis et habentem semina flammae materiam iactant, ea concipit ictibus ignem, antra relinquentur sedatis frigida ventis; sive bitumineae rapiunt incendia vires luteave exiguis ardescunt sulphura fumis: nempe ubi terra cibos alimentaque pinguia flammae non dabit absumptis per longum viribus aevum naturaeque suum nutrimen deerit edaci, non feret illa famem desertaque deseret ignis. Esse viros fama est in Hyperborea Pallene, qui soleant levibus velari corpora plumis, olim Tritoniacam noviens subiere paludem. Haud equidem credo: sparsae quoque membra venenis exercere artes Scythides memorantur easdem.
Houve um tempo em que Ortígia pelas ondas navegou, ela que agora está fixa. Argo temeu as apartadas Simplégades por causa do abre-e-fecha de suas ondas esmagadoras, elas que agora, estacionadas, aos ventos resistem. Nem o que em sulfurosas fornalhas se inflama, o Etna, estará sempre em chamas, pois em chamas nem sempre esteve.
Siqua fides rebus tamen est addenda probatis, nonne vides, quaecumque mora fluidoque calore corpora tabescunt, in parva animalia verti? I quoque, delectos mactatos obrue tauros (cognita res usu) de putri viscere passim florilegae nascuntur apes, quae more parentum rura colunt operique favent in spemque laborant; pressus humo bellator equus crabronis origo est; concava litoreo si demas bracchia cancro,
Se, no entanto, algum crédito deve ser dado a fatos comprovados, acaso não reparas que qualquer cadáver decomposto pelo tempo e pelo liquescente calor converte-se em diminutos seres vivos? Vai, mesmo tu!, imola e enterra uns touros de escol (sabê-lo é costumeiro) ao longo da podre carniça vão nascendo florícolas abelhas, que, hereditariamente, são agricultoras, animadas na lida e no amanhã atentas. Cavalos de batalha no fundo do solo originam vespas; se decepas do caranguejo litorâneo as curvas pinças e submetes o resto à terra, da parte sepultada sairá um escorpião que te ameaçará com cauda adunca.
Ou, pois, a terra é um ser vivente e tem respiradores que exalam piras de fogo em muitos lugares, podendo alterar tais respiros toda vez que se move, sísmica, e podendo abrir ou extinguir tais cavidades. Ou, os ventos levianos se enclausuram nesses antros profundos e, lançando rochas contra rochas em sua matéria inflamável, do atrito geram fogo, mas, uma vez acalmados os ventos, tais furnas já frias serão abandonadas; ou as propriedades do betume provocam tais incêndios ou o amarelo enxofre queima com fumaça esparsa: de certo, quando a terra não mais der às chamas combustível e farto alimento, uma vez esgotada de forças por um longo tempo, quando faltar nutriente próprio à sua voraz natureza, o fogo não tolerará a fome e sairá de seu deserto seio.
É fama que varões havia na hiperbórea Palene, habituados a cobrir o corpo de leves plumas; outrora eles se submergiam nove vezes no lago de Tritão. Nisso de fato não creio: alguns também se lembram de que as habitantes da Cítia, espargindo os membros com poções, cultivavam as mesmas práticas.
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cetera supponas terrae, de parte sepulta scorpius exibit caudaque minabitur unca; quaeque solent canis frondes intexere filis agrestes tineae (res observata colonis) ferali mutant cum papilione figuram. Semina limus habet virides generantia ranas, et generat truncas pedibus, mox apta natando cura dat, utque eadem sint longis saltibus apta, posterior superat partes mensura priores. Nec catulus, partu quem reddidit ursa recenti, sed male viva caro est: lambendo mater in artus fingit et in formam, quantam capit ipsa, reducit. Nonne vides, quos cera tegit sexangula, fetus melliferarum apium sine membris corpora nasci et serosque pedes serasque adsumere pennas? Iunonis volucrem, quae cauda sidera portat, armigerumque Iovis Cythereiadasque columbas et genus omne avium mediis e partibus ovi, ni sciret fieri, quis nasci posse putaret? Sunt qui, cum clauso putrefacta est spina sepulcro, mutari credant humanas angue medullas. Haec tamen ex aliis generis primordia ducunt: una est, quae reparet seque ipsa reseminet, ales. Assyrii phoenica vocant; non fruge neque herbis, sed turis lacrimis et suco vivit amomi. Haec ubi quinque suae complevit saecula vitae, ilicis in ramis tremulaeque cacumine palmae unguibus et puro nidum sibi construit ore. Quo simul ac casias et nardi lenis aristas quassaque cum fulva substravit cinnama murra, se super imponit finitque in odoribus aevum. Inde ferunt, totidem qui vivere debeat annos, corpore de patrio parvum phoenica renasci. Cum dedit huic aetas vires, onerique ferendo est, ponderibus nidi ramos levat arboris altae fertque pius cunasque suas patriumque sepulcrum, perque leves auras Hyperionis urbe potitus ante fores sacras Hyperionis aede reponit.
Aquela lagarta agreste que costuma ligar as folhas com alvos filamentos (os lavradores o testemunham) tomam a figura de uma sinistra mariposa. O lodo tem em si sementes que originam as verdes rãs, geradas sem patas, logo lhes vêm patas nadadeiras, e para que estejam aptas a longos saltos, o tamanho das de trás é maior que das dianteiras. Nem bem filhote é o que pariu a ursa há pouco, mas um naco de carne a custo vivo: ao lambê-lo, a mãe o modela em seus braços e o conduz à forma que ela mesma toma para si. Acaso não reparas que, em favos hexagonais guardadas, as crias das melíferas abelhas nascem sem membro algum no corpo e lhes surgem só depois patas e asas? O pavão, de Juno, de cauda sideral, a águia escudeira de Jove e as pombas de Citereia e toda a alada espécie provém de dentro de um ovo, alguém que não soubesse ser assim, pensaria que assim é possível nascer? Há quem creia que a humana medula, da putrefacta espinha dorsal num túmulo encerrada, se transforma em serpente... Esses são animais que trazem de outros sua origem. Há uma ave que se regenera e que renasce de si mesma. Os assírios nomeiam-na fênix. Nem ervas ou cereal tem por víveres, mas lágrimas de incenso e licores de amomo. Ela, quando completos cinco séculos de vida, nos ramos do carvalho ou no alto de palmeira trêmula, com as garras e com o imaculado bico constrói para si um ninho, cobrindo-o de canela, cachos de ameno nardo, mais lascas de caneleira e ruiva mirra; tudo isso junto impõe sobre si mesma e, entre perfumes, espera seu fim. Daí, conforme contam, outra pequena fênix, que deverá viver mais tantos anos, renasce do corpo paterno. Logo que a idade a ela deu vigor, estando apta ao transporte, levanta voo dos ramos excelsos com o pesado ninho e, piedosa, transporta seu berço, o sepulcro paterno, e, ao chegar pelas leves brisas à cidade de Hipérion, devota-o aos sacros portais do templo de Hipérion.
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Si tamen est aliquid mirae novitatis in istis, alternare vices et quae modo femina tergo passa marem est, nunc esse marem miremur hyaenam; id quoque, quod ventis animal nutritur et aura, protinus adsimulat, tetigit quoscumque colores. Victa racemifero lyncas dedit India Baccho: e quibus, ut memorant, quidquid vesica remisit, vertitur in lapides et congelat aere tacto. Sic et curalium quo primum contigit auras tempore, durescit: mollis fuit herba sub undis.
Se há algo de insólito e admirável nisso tudo, admiremo-nos da hiena que alterna sua condição: a fêmea que acabou de ser coberta pelo macho, tornase macho agora; também o camaleão, que tem no vento e na brisa alimento e que simula prontamente quaisquer cores com que entre em contato. A Índia vencida por Baco, o deus porta-cachos gerou os linces: dos quais, como alguns lembram, tudo o que a bexiga repele, transforma-se em pedras e congela ao toque do ar. Assim também os corais tão logo tocam os ares, enrijamse: eles que, submersos, eram simples algas.
Desinet ante dies et in alto Phoebus anhelos aequore tinget equos, quam consequar omnia verbis in species translata novas: sic tempora verti cernimus atque illas adsumere robora gentes, concidere has. Sic magna fuit censuque virisque perque decem potuit tantum dare sanguinis annos, nunc humilis veteres tantummodo Troia ruinas et pro divitiis tumulos ostendit avorum. Clara fuit Sparte, magnae viguere Mycenae, nec non et Cecropis nec non Amphionis arces: vile solum Sparte est, altae cecidere Mycenae, Oedipodioniae quid sunt, nisi nomina, Thebae? Quid Pandioniae restant, nisi nomen, Athenae? Nunc quoque Dardaniam fama est consurgere Romam, Appenninigenae quae proxima Thybridis undis mole sub ingenti rerum fundamina ponit: haec igitur formam crescendo mutat et olim immensi caput orbis erit. Sic dicere vates faticinasque ferunt sortes quantumque recordor, dixerat Aeneae, cum res Troiana labaret, Priamides Helenus flenti dubioque salutis:
Deixará de ser dia e, no mar alto, Febo afundará seus corcéis ofegantes, antes de eu exprimir em palavras tudo o que se conformou a novas formas: assim vemos mudarem-se os tempos, e uns povos se altanarem, outros definharem. Assim foi grande Troia tanto em haveres quanto em varões, e pôde por dez anos verter tanto sangue a que, agora, subsiste apenas em velhas ruínas, a que ostenta por tesouro tumbas de antepassados. Ilustre foi Esparta, vicejou Micenas, nem díspares lhes foram as muralhas de Cécrope e de Anfião: Esparta é um solo desprezível, a altanada Micenas sucumbiu. O que é a edipiana Tebas, senão um nome? O que resta de Atenas de Pandíon362 além do nome?
“Nate dea, si nota satis praesagia nostrae mentis habes, non tota cadet te sospite Troia! Flamma tibi ferrumque dabunt iter: ibis et una
362 Pandíon: epíteto de Atenas, da parte de seu rei Pandíon. 363 Apeninígena: referência aos montes Apeninos, onde se encontrava a fonte do rio Tibre.
Fama é que agora também se engrandece a dardânia Roma apeninígena363 que, do Tibre às margens, instaura suas fundações sob colossal estrutura: ela, pois, muda de aspecto ao se potencializar e um dia será a capital do imenso mundo. Assim, contam, os poetas vaticinaram e os oráculos fatídicos; assim Heleno priameide, se bem lembro, quando Troia ruiu, dissera a um Eneias em prantos e receoso de seu destino: ‘Filho da deusa, se bem sabes dos meus presságios, Troia não cairá de todo estando tu a salvo! O ferro e o fogo te abrirão caminho: partirás e contigo levarás exilada Pérgamo, até que haja a Troia e a ti um solo pelegrino mais propício que o pátrio. Também vejo uma urbe destinada à frígia descendência, de grandeza tal que não há, nem haverá, nem se viu em priscas eras. Outros próceres vão torná-la altiva ao longo dos séculos, mas um homem provindo da estirpe de Iulo há de fazê-la senho-
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Pergama rapta feres, donec Troiaeque tibique externum patrio contingat amicius arvum. Urbem etiam cerno Phrygios debere nepotes, quanta nec est nec erit nec visa prioribus annis. Hanc alii proceres per saecula longa potentem, sed dominam rerum de sanguine natus Iuli efficiet; quo cum tellus erit usa, fruentur aetheriae sedes, caelumque erit exitus illi.”
ra do universo; quando a terra tiver dele feito proveito, as moradas etéreas dele se alegrarão e o céu será seu fim.’
Haec Helenum cecinisse penatigero Aeneae mente memor refero, cognataque moenia laetor crescere et utiliter Phrygibus vicisse Pelasgos.
Tal foi de Heleno o vaticínio para Eneias porta-penates, conto conforme trago na memória, e me alegro das muralhas crescerem irmanadas e de que, em proveito dos frígios, os pelasgos tenham triunfado.
Ne tamen oblitis ad metam tendere longe exspatiemur equis, caelum et quodcumque sub illo est, inmutat formas tellusque et quidquid in illa est: nos quoque, pars mundi, quoniam non corpora solum, verum etiam volucres animae sumus inque ferinas possumus ire domos pecudumque in corpora condi, corpora, quae possunt animas habuisse parentum aut fratrum aut aliquo iunctorum foedere nobis aut hominum certe, tuta esse et honesta sinamus neve Thyesteis cumulemus viscera mensis! Quam male consuescit, quam se parat ille cruori impius humano, vituli qui guttura cultro rumpit et inmotas praebet mugitibus aures, aut qui vagitus similes puerilibus haedum edentem iugulare potest, aut alite vesci, cui dedit ipse cibos! Quantum est, quod desit in istis ad plenum facinus? Quo transitus inde paratur? Bos aret aut mortem senioribus imputet annis, horriferum contra borean ovis arma ministret, ubera dent saturae manibus pressanda capellae! Retia cum pedicis laqueosque artesque dolosas tollite nec volucrem viscata fallite virga, nec formidatis cervos includite pennis, nec celate cibis uncos fallacibus hamos! Perdite, siqua nocent, verum haec quoque perdite tantum: ora vacent epulis alimentaque mitia carpant!”
Contudo, para que não perambulemos mais longinquamente a esquecermo-nos de conduzir os cavalos ao seu destino, o céu e tudo o que ele encobre se transforma, tal como a terra e o que quer que ela contenha: nós também, parte deste mundo que somos, se não apenas corpos, mas voláteis almas nos constituem e se podemos nos transferir a corpos de animais e encarnar em rebanhos – corpos que podem ter recebido almas de nossos pais, irmãos ou de quem tenha conosco algum vínculo, ou mesmo de um homem qualquer –, deixemos íntegro e seguro todo ser, não mais carnes trazendo à mesa de Tiestes! Como tem maus hábitos, como se sustenta de sangue humano o impiedoso que à faca fere as fauces de um vitelo, fazendo ao seu mugido ouvidos moucos, ou quem é capaz de decapitar um cabrito, cujos balidos lembram choro de criança, ou se deliciar da ave que ele mesmo cevou! Quanto crime há nisso e o que falta aí para um crime consumado? Onde vai dar este caminho? Sirva o boi ao arado ou que alcance a morte velho! Forneça a ovelha proteção contra Bóreas tenebroso! Dê a cabra em fartura seus ubres ao ordenhador!
Basta de redes e laços, de armadilhas e perfídias, deixai de ludibriar as aves com visgueiras, e de cercar os cervos com espantalhos de plumagem, e de esconder o anzol adunco em falsas iscas! Se alguma fera vos ameaça, convém matá-la, mas apenas isso: que as bocas dessas iguarias se isentem e que prefiram os vegetais!”
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Talibus atque aliis instructum pectora dictis in patriam remeasse ferunt ultroque petitum accepisse Numam populi Latiaris habenas. Coniuge qui felix nympha ducibusque Camenis sacrificos docuit ritus gentemque feroci adsuetam bello pacis traduxit ad artes. Qui postquam senior regnumque aevumque peregit, exstinctum Latiaeque nurus populusque patresque deflevere Numam; nam coniunx urbe relicta vallis Aricinae densis latet abdita silvis sacraque Oresteae gemitu questuque Dianae impedit: a! quotiens nymphae nemorisque lacusque, ne faceret, monuere et consolantia verba dixerunt. Quotiens flenti Theseius heros “siste modum!” dixit, “ne que enim fortuna querenda sola tua est; similes aliorum respice casus: mitius ista feres, utinamque exempla dolentem non mea te possent relevare! Sed et mea possunt. Fando aliquem Hippolytum vestras puto, contigit aures credulitate patris, sceleratae fraude novercae occubuisse neci: mirabere, vixque probabo, sed tamen ille ego sum. Me Pasiphaeia quondam temptatum frustra patrium temerare cubile, quod voluit, voluisse, infelix crimine verso (indiciine metu magis offensane repulsae?) damnavit, meritumque nihil pater eicit urbe hostilique caput prece detestatur euntis.
Egéria e Hipólito Instruído por tais palavras e outras tantas, Numa364 tornou à pátria e – é o que contam – lá aceitou as rédeas do Lácio com favor popular. Ele feliz, tendo uma Ninfa por esposa – era o seu nome Egéria365 – e as Camenas por guia, ensinou ritos sacrificiais e conduziu a gente habituada à feroz guerra no exercício da paz. Ele, já velho, após acabado o período de seu reinado, morreu, e as mulheres e o povo e os pais conscritos choraram por Numa. Sua cônjuge deixa a urbe e se retira aos densos vales Aricínios, escondendo-se nas selvas, e com gemidos e lamentos perturba os ritos da orestíada Diana 366: ah! quanto as Ninfas da floresta e do lago tentaram dissuadi-la, em quantas palavras de consolo advertiram-na!
Quanto lhe disse em pranto o herói teseio: “Modera-te! Não só tua fortuna é digna de queixa. Observa tantos outros casos semelhantes e mais brandamente suportarás os teus! Oxalá meu exemplo não pudesse aliviar tua aflição! Mas o meu também pode. Penso, enquanto falo, que o nome Hipólito tocou os seus ouvidos, aquele que, pela ingenuidade do pai, pelo dolo da malévola madrasta, foi entregue à morte. Ficarás admirada e, a duras penas, prová-lo-ei, mas, no entanto, sou eu aquele Hipólito. Outrora em vão querendo a filha de Pasífae367 que eu quisesse ter tentado desonrar o leito paterno, a infeliz por um crime seu (mais por medo de denúncia ou por ofensa da recusa?) às avessas me condenou. Expulsou-me meu pai da cidade, eu sem merecê-lo, e despejou sobre a cabeça deste que partia ultrajantes maldições.
364 Depois de ter sido instruído por Pitágoras, ele retorna ao Lácio, onde ensina as artes da paz e morre. 365 Egéria: Ninfa a quem, segundo Cícero (Leg. 1.4), Numa consultava. Na versão ovidiana aqui apresentada ela teria sido casada com Numa. 366 Orestíada Diana: o patronímico de Orestes – filho de Agamêmnon - aplicado a Diana se deve ao fato de ter Orestes levado a imagem de Diana de Táuride a Arícia. 367 Filha de Pasífae: Fedra, a madrasta de Hipólito.
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Pittheam profugo curru Troezena petebam, iamque Corinthiaci carpebam litora ponti, cum mare surrexit, cumulusque inmanis aquarum in montis speciem curvari et crescere visus et dare mugitus summoque cacumine findi. Corniger hinc taurus ruptis expellitur undis, pectoribusque tenus molles erectus in auras naribus et patulo partem maris evomit ore. Corda pavent comitum. Mihi mens interrita mansit exsiliis contenta suis: cum colla feroces ad freta convertunt adrectisque auribus horrent quadrupedes monstrique metu turbantur et altis praecipitant currum scopulis; ego ducere vana frena manu spumis albentibus oblita luctor et retro lentas tendo resupinus habenas. Nec vires tamen has rabies superasset equorum. ni rota, perpetuum qua circumvertitur axem, stipitis occursu fracta ac disiecta fuisset. Excutior curru, lorisque tenentibus artus viscera viva trahi nervosque in stipe teneri, membra rapi partim, partim reprensa relinqui, ossa gravem dare fracta sonum fessamque videres exhalari animam nullasque in corpore partes, noscere quas posses; unumque erat omnia vulnus. Num potes aut audes cladi componere nostrae, nympha, tuam? Vidi quoque luce carentia regna et lacerum fovi Phlegethontide corpus in unda, nec nisi Apollineae valido medicamine prolis reddita vita foret; quam postquam fortibus herbis atque ope Paeonia Dite indignante recepi, tum mihi, ne praesens augerem muneris huius invidiam, densas obiecit Cynthia nubes, utque forem tutus possemque impune videri, addidit aetatem nec cognoscenda reliquit ora mihi Cretenque diu dubitavit habendam
Levava em fuga meu coche à Trezena Piteia e já passava as costas do ponto Coríntio368 , quando se amotinou o mar, e um gigantesco aglomerado de água pareceu se curvar e crescer feito montanha e, emitindo mugidos, seu cume partiu em dois. Da fenda, saiu um cornígero touro que, erguendo-se até o peito sobre os ares sutis, expeliu das narinas e da enorme boca uma porção de mar. O coração de meus companheiros tremeu. Minha mente manteve-se empedernida, fixa na ideia do exílio: eis que meus corcéis, rumo ao pego, viraram, abruptos, e, ariscos por medo do monstro, precipitam meu coche por sobre aguda penedia; eu luto em vão para manusear os freios alvacentos de espumante saliva e, vergado para trás, estendo as flexíveis rédeas. Nem dos cavalos o ímpeto, contudo, venceria tamanho empenho, se a roda, bem onde revira o eixo contínuo, não se rompesse, destruída pelo choque de um tronco. Caio do coche e, tendo os braços meus presos nas bridas, verias vísceras vazando vivas e músculos no tronco ainda ligados; uma parte dos membros decepados, outra parte ficarem suspendidos; os ossos fraturados estalarem; minh’alma exausta suspirar, e não havendo no corpo parte alguma passível de reconheceres; compunha o corpo inteiro uma ferida.
Acaso podes ou te atreves comparar, Ninfa, meu infortúnio ao teu? Vi também as paragens carentes de luz e meu corpo queimei, dilacerado, no rio Flegetonte e, não fosse a poderosa poção do filho de Apolo369, eu não teria recobrado a vida. Depois que a recebi por obra do Peônio370 e de seus fortes fármacos, com Dite indignado, então, para que tal presente não suscitasse inveja, Cíntia encerrou-me em denso nevoeiro e, para eu ficar seguro e poder ser visto impunemente, avançou minha idade e fez irreconhecível minha face. Por um tempo, ela titubeou se me fixava em Creta ou me levava a Delos: declinou desses sítios e aqui me situou, ordenando também que eu desistisse do meu nome, na hipótese de eu me lembrar dos meus hípicos condutores e disse: “Tu que Hipólito foste, agora hás de ser Vírbio!”
368 Ponto Coríntio: referência ao Golfo de Corinto. Neste passo, Ovídio parece aludir ao fato de Hipólito estar se dirigindo ao istmo de Corinto, usado para evitar a longa viagem de contorno do Peloponeso. 369 Filho de Apolo: Esculápio ou, em grego, Asclépio (cf. XV, 622-744). 370 Peônio: isto é, apolíneo, outra referência a Esculápio pelo patronímico.
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traderet an Delon: Delo Creteque relictis hic posuit nomenque simul, quod possit equorum admonuisse, iubet deponere, “qui” que “fuisti Hippolytus” dixit, “nunc idem Virbius esto!” Hoc nemus inde colo, de disque minoribus unus numine sub dominae lateo atque accenseor illi.” Non tamen Egeriae luctus aliena levare damna valent, montisque iacens radicibus imis liquitur in lacrimas, donec pietate dolentis mota soror Phoebi gelidum de corpore fontem fecit et aeternas artus tenuavit in undas. Tages. Cipus
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Et nymphas tetigit nova res, et Amazone natus haud aliter stupuit, quam cum Tyrrhenus arator fatalem glaebam mediis adspexit in arvis sponte sua primum nulloque agitante moveri, sumere mox hominis terraeque amittere formam oraque venturis aperire recentia fatis (indigenae dixere Tagen, qui primus Etruscam edocuit gentem casus aperire futuros); utve Palatinis haerentem collibus olim cum subito vidit frondescere Romulus hastam, quae radice nova, non ferro stabat adacto et iam non telum, sed lenti viminis arbor non exspectatas dabat admirantibus umbras; aut sua fluminea cum vidit Cipus in unda cornua (vidit enim) falsamque in imagine credens esse fidem, digitis ad frontem saepe relatis, quae vidit, tetigit, nec iam sua lumina damnans restitit, ut victor domito veniebat ab hoste, ad caelumque manus et eodem lumina tollens
Desde então este bosque habito, como um dos deuses menores, e, sob o poder da minha senhora371 , resguardo-me e ao culto dela me associo. Não são capazes de aliviar a dor de Egéria essas alheias condenações, ela ao sopé de uma montanha em lágrimas se liquefaz, até que, condoída pela sofredora, a irmã de Febo372 fez do corpo dela uma gélida fonte e seus membros definharam em veio d’água infindável. Tages e Cipo As Ninfas ficaram tocadas pela maravilha, também não diferentemente o filho da Amazona373 se assombrou, tal como quando o agricultor tirreno viu no meio dos campos um predestinado torrão, primeiro, movendo-se espontaneamente e sem ninguém tocá-lo; então, ele toma forma humana e abandona a de terra, e revela da boca recente vindouros fados (os moradores dali Tages lhe chamaram, o que primeiro doutrinou a etrusca gente na arte de revelar eventos futuros); ou tal como outrora quando, fincada no monte Palatino, Rômulo avistou sua lança criar folhas, de súbito, firmando-se em raiz insólita e não no ferro nela adaptado, já não era projétil, mas sim árvore de movente ramagem que fazia sombra inopinada sobre a estupefacta plateia374.
Não de outro modo se assombrou Hipólito qual Cipo quando viu no espelho d’água chifres (de fato os viu!) e, crendo que era imagem vã, tocou muitas vezes com os dedos a fronte que ele via, e, não já duvidando de seus olhos, parou, pois que vitorioso de um triunfo estrangeiro marchava. Ele, então, erguendo ao céu as mãos como também os olhos, diz: “O que vem pressagiado neste agouro, deuses, se propício, que o seja ao povo de Quirino, se
371 Diana. 372 Irmã de Febo: Diana. 373 Filho da Amazona: Hipólito era filho de Teseu e da Amazona Antíope. 374 Segundo o mito reportado por Plutarco (Vida de Rômulo, XX, 5), Rômulo caçava um javali e o perseguia desde o monte Aventino e, quando atirou sua lança, acabou por acertar o monte Palatino. A lança, então, criou raízes e se transformou em uma árvore que viveu até os tempos de César.
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“quiquid” ait, “superi, monstro portenditur isto, seu laetum est, patriae laetum populoque Quirini, sive minax, mihi sit!” viridique e caespite factas placat odoratis herbosas ignibus aras vinaque dat pateris mactatarumque bidentum, quid sibi significent, trepidantia consulit exta. Quae simul adspexit Tyrrhenae gentis haruspex, magna quidem rerum molimina vidit in illis, non manifesta tamen. Cum vero sustulit acre a pecudis fibris ad Cipi cornua lumen, “rex” ait, “o salve! Tibi enim, tibi, Cipe, tuisque hic locus et Latiae parebunt cornibus arces. Tu modo rumpe moras portasque intrare patentes adpropera! sic fata iubent; namque urbe receptus rex eris et sceptro tutus potiere perenni.”
contrário, que seja para mim!” E, fazendo do verde céspede gramíneos altares com braseiro oloroso, aplaca os celestes, e verte vinho de páteras, e, nas entranhas pulsantes de ovelhas bidentes recém-imoladas, indaga o sentido de tais sinais. Eis que um arúspice tirreno as perscrutou e viu nelas deveras eventos supremos, mas não muito evidentes. Quando, porém, seu olhar se elevou das vísceras da ovelha ao cornígero Cipo: “Rei, salve o rei!”, falou, “a ti, Cipo, aos teus chifres e a ti, este lugar e os muros latinos servirão. Sem mais tardança, apressa-te a entrar pelas portas patentes! Isso os fados demandam! Pois, uma vez na urbe recebido, serás rei e, de certo, a posse de um cetro perene terás”.
Rettulit ille pedem torvamque a moenibus urbis avertens faciem “procul a! procul omina” dixit “talia di pellant! Multoque ego iustius aevum exsul agam, quam me videant Capitolia regem!”
Cipo, então, recuou e, desviando a torva face das muralhas da urbe, disse: “Para longe! Ai! Longe de mim, deuses repilam tais prodígios! Muito mais justo eu alcançar no exílio o fim que me ver como rei o Capitólio!” Foi só dizer e convocou o povo e o senado inabalável, mas, entrementes, cobre seus chifres com o louro da paz; e, sobre um aterro feito pela forte tropa, põe-se a imprecar os priscos deuses de costume: “Aqui há alguém”, disse, “que, se vós não o expulsardes da cidade, será rei! Quem ele é, indicarei por um sinal não por seu nome: na testa ele traz chifres. O áugure revelou que, se ele entrar em Roma, vos dará foros de escravos. Ele podia as portas abertas cruzar, mas o impedi, mesmo não existindo alguém mais junto dele que eu. Interditai a urbe a este varão, Quirites, ou, se o caso for, com grilhões fortes predeio, ou ponde fim ao vosso medo pela morte de um já destinado tirano!”
Dixit et extemplo populumque gravemque senatum convocat, ante tamen pacali cornua lauro velat; et aggeribus factis a milite forti insistit priscosque deos e more precatus “est” ait “hic unus, quem vos nisi pellitis urbe, rex erit. Is qui sit, signo, non nomine dicam: cornua fronte gerit. Quem vobis indicat augur, si Romam intrarit, famularia iura daturum. Ille quidem potuit portas inrumpere apertas, sed nos obstitimus, quamvis coniunctior illo nemo mihi est. Vos urbe virum prohibete, Quirites, vel, si dignus erit, gravibus vincite catenis, aut finite metum fatalis morte tyranni!” Qualia succinctis, ubi trux insibilat eurus, murmura pinetis fiunt, aut qualia fluctus aequorei faciunt, siquis procul audiat illos, tale sonat populus; sed per confusa frementis
Como assobiam os esguios pinheirais, quando, violento, ressibila o Euro, ou como fazem as equóreas fráguas, se alguém ao longe as ouvir, assim murmura o vulgo; mas entre o palavrório surdo da fremente multidão, uma frase avulta: “Quem é ele?”, e observam as testas de todos, procurando os
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verba tamen vulgi vox eminet una “quis ille est?”, et spectant frontes praedictaque cornua quaerunt. 610
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Rursus ad hos Cipus “quem poscitis” inquit, “habetis” et dempta capiti, populo prohibente, corona exhibuit gemino praesignia tempora cornu. Demisere oculos omnes gemitumque dedere atque illud meritis clarum (quis credere possit?) inviti videre caput; nec honore carere ulterius passi, festam imposuere coronam. At proceres, quoniam muros intrare vetaris, ruris honorati tantum tibi, Cipe, dedere, quantum depresso subiectis bubus aratro complecti posses ad finem lucis ab ortu, cornuaque aeratis miram referentia formam postibus insculpunt, longum mansura per aevum. Aesculapius
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De novo Cipo os interpela: “Tendes vós quem procurais!” E tirada a coroa da cabeça – o povo o impedia –, as têmporas marcadas exibiu com dúplice chifre. Os olhos todos desviaram lamentando e aquela fronte pelos méritos distinta (quem poderia acreditar?) a contragosto viram; e não mais suportando a falta de um distintivo, impõem-lhe uma coroa comemorativa. Mas os próceres, já que te é interdito adentrar pelos muros, premiaram-no, Cipo, com tanta terra quanto tu podias percorrer, do nascer ao pôr-do-sol, com bois à canga sujeitados, e chifres esculpiram de bronze nas portas, lembrando aquele signo insólito, os quais por longo tempo ali se manteriam.
Esculápio
Pandite nunc, Musae, praesentia numina vatum (scitis enim, nec vos fallit spatiosa vetustas,) unde Coroniden circumflua Thybridis alti insula Romuleae sacris adiecerit urbis.
Mostrai-me agora, Musas, dos poetas guias (pois o sabeis e não vos foge anosa tradição), donde a ilha que o alto Tibre contornava somou aos rituais de Roma Esculápio, o Coronida.
Dira lues quondam Latias vitiaverat auras, pallidaque exsangui squalebant corpora morbo. Funeribus fessi postquam mortalia cernunt temptamenta nihil, nihil artes posse medentum, auxilium caeleste petunt mediamque tenentes orbis humum Delphos adeunt, oracula Phoebi, utque salutifera miseris succurrere rebus sorte velit tantaeque urbis mala finiat, orant: et locus et laurus et, quas habet ipse, pharetras intremuere simul, cortinaque reddidit imo hanc adyto vocem pavefactaque pectora movit:
Outrora uma funesta peste375 corrompia o ar do Lácio e os corpos descarnava, pálidos por moléstia desalentadora. Fatigados de funerais, depois de perceberem que emplastos mortais de nada servem, que de nada adianta a medicina, pedem celeste auxílio, indo ao oráculo de Febo em Delfos, centro do mundo, oram para que ele queira com votos a lutar socorrê-los daquelas desgraças, que traga um fim aos males da imensa cidade. O lugar, o laurel e as aljavas do deus – ele as detém – tremeram no mesmo momento, e a trípode do fundo recesso alçou voz e comoveu os corações em pânico: “O que pedes aqui, em mais próximo templo, Romano, deverias ter pedido, pede também agora em mais próximo templo! Vós não de Apolo precisais, para aplacar vosso pesar, mas um de Apolo descendente376. Ide, auspiciados, aos arcanos de meu filho!”
“Quod petis hinc, propiore loco, Romane, petisses,
preditos chifres.
375 Peste: datada de 293 a. C., no decorrer da terceira Guerra Samnita. 376 Apolo descendente: Esculápio era filho de Apolo.
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et pete nunc propiore loco! nec Apolline vobis, qui minuat luctus, opus est, sed Apolline nato. Ite bonis avibus prolemque accersite nostram!” Iussa dei prudens postquam accepere senatus, quam colat, explorant, iuvenis Phoebeius urbem, quique petant ventis Epidauria litora mittunt. Quae simul incurva missi tetigere carina, concilium Graiosque patres adiere, darentque, oravere, deum, qui praesens funera gentis finiat Ausoniae: certas ita dicere sortes. Dissidet et variat sententia, parsque negandum non putat auxilium, multi retinere suamque non emittere opem nec numina tradere suadent: dum dubitant, seram pepulere crepuscula lucem, umbraque telluris tenebras induxerat orbi, cum deus in somnis opifer consistere visus ante tuum, Romane, torum, sed qualis in aede esse solet, baculumque tenens agreste sinistra caesariem longae dextra deducere barbae et placido tales emittere pectore voces: “Pone metus! Veniam simulacraque nostra relinquam. Hunc modo serpentem, baculum qui nexibus ambit, perspice et usque nota visu, ut cognoscere possis! Vertar in hunc, sed maior ero tantusque videbor, in quantum verti caelestia corpora debent.”
Quando o senado com prudência obedeceu ao divino mandato, apura qual cidade o jovem febeu acolhia e lança naus ao vento que explorassem a costa de Epidauro. Tão logo os enviados lá chegaram, com sua quilha curva, buscaram a assembleia e os gregos pais conscritos, pedindo que lhes apontassem o deus cuja presença um fim traria à mortandade da gente ausônia: isso lhes fora garantido pelo oráculo. A opinião dos gregos é vária e díspar. Uns julgam que auxílio não se nega, outros tantos concordam que devem reter e não ceder seus bens, nem transferir divindades. Enquanto titubeiam, o crepúsculo exauria a luz da tarde e a penumbra introduzia trevas na terra. Nisso, Romano, o deus benéfico surgiu-te em sonho, parado diante de teu leito, e tal qual costumava figurar no templo, tendo um rude cajado na mão esquerda e com a direita afastando o pelo da longa barba, ele placidamente transmitiu tais palavras: “Não tenhas medo! Irei contigo e aqui minhas imagens deixarei. Observa esta serpente377 que meu cajado envolve com seus anéis, e com aguda visão, para que possas reconhecê-la! Nela me transformarei, mas estarei maior e tão grande aparecerei como, transformados, os corpos celestes devem ser.” De pronto o deus com a voz se foi; e, com o deus e a voz, foi-se o sonho, então, uma luz vívida ao fim do sonho veio.
Extemplo cum voce deus, cum voce deoque somnus abit, somnique fugam lux alma secuta est. 665
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Postera sidereos aurora fugaverat ignes: incerti, quid agant, proceres ad templa petiti perveniunt operosa dei, quaque ipse morari sede velit, signis caelestibus indicet, orant. Vix bene desierant, cum cristis aureus altis in serpente deus praenuntia sibila misit
377 Serpente: animal consagrado a Esculápio.
A aurora afugentara o brilho das estrelas, seguiu-se um novo dia. Indecisos sobre como agiriam, os próceres no templo belíssimo adentram do deus reclamado e pedem que ele mesmo pressagie sobre qual lugar queira habitar. Nem bem findaram, quando, dourado, o deus em forma de serpente alticristada enviou sibilante resposta; e, à sua entrada, ele abalou altar, efígies, portas, marmóreo pavimento e tetos de ouro; e, erguendo-se até a metade de seu
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adventuque suo signumque arasque foresque marmoreumque solum fastigiaque aurea movit pectoribusque tenus media sublimis in aede constitit atque oculos circumtulit igne micantes. Territa turba pavet. Cognovit numina castos evinctus vitta crines albente sacerdos: “En deus est deus est! Animis linguisque favete, quisquis ades!” dixit. “Sis, o pulcherrime, visus utiliter populosque iuves tua sacra colentes !”
corpo, sublime bem no centro do edifício, parou e, girando, a todos encarou com olhos faiscantes. A multidão quedou-se estarrecida. O sacerdote, que prendia a casta cabeleira com fitas brancas, reconheceu a divindade. “É o deus, eis o deus!”, disse ele, “Vós que estais aqui presentes, tende bons pensamentos e palavras! Que tu sejas, belíssimo nume, propício em tua aparição e favoreças os povos que teus ritos cultivam!”
Quisquis adest, visum venerantur numen, et omnes verba sacerdotis referunt geminata piumque Aeneadae praestant et mente et voce favorem. Adnuit his motisque deus rata pignora cristis et repetita dedit vibrata sibila lingua. Tum gradibus nitidis delabitur oraque retro flectit et antiquas abiturus respicit aras adsuetasque domos habitataque templa salutat. Inde per iniectis adopertam floribus ingens serpit humum flectitque sinus mediamque per urbem tendit ad incurvo munitos aggere portus. Restitit hic agmenque suum turbaeque sequentis officium placido visus dimittere vultu corpus in Ausonia posuit rate: numinis illa sensit onus, pressa estque dei gravitate carina; Aeneadae gaudent caesoque in litore tauro torta coronatae solvunt retinacula navis.
Os presentes veneram o manifestado nume e todos replicam do antiste a oração. Bendizem-no também em pensamento e palavras os enéadas. Com um mover de crista, o deus aprovou as oblações e emitiu seguidos sibilos, vibrando a língua. Então, ele desliza pela cintilante escadaria e volta o rosto para trás, e, ao ir embora, observa os altares de outrora, saudando sua sede costumeira, sua sacra moradia. Daí, rasteja o corpanzil pelo chão cheio de flores que lhe haviam atirado. Corta, sinuosamente, pelo meio a urbe e se estende no cais do porto por um curvo aterro formado. Parou ali, como se desse adeus, placidamente, a seus prosélitos e ao rito com que a multidão o acompanhava, e introduziu seu corpo no ausônio navio. Este sentiu da divindade o peso e a quilha arriou por sua gravidade. Em júbilo, os enéadas, após um touro imolar sobre o litoral, desfazem as enodadas amarras da nau de guirlandas adornada.
Impulerat levis aura ratem: deus eminet alte, impositaque premens puppim cervice recurvam caeruleas despectat aquas modicisque per aequor Ionium zephyris sextae Pallantidos ortu Italiam tenuit praeterque Lacinia templo nobilitata deae Scylaceaque litora fertur; linquit Iapygiam laevisque Amphrisia remis saxa fugit, dextra praerupta Celennia parte, Romethiumque legit Caulonaque Naryciamque,
Leve, uma brisa dava ao navio impulsão. Era proeminente o deus e, sobrepesando a curva popa com a cerviz nela pousada, espiava o cerúleo plaino. Passa com Zéfiros exíguos pelo Jônio, após o sexto despertar da Palantíade aurora, ele topou com a Itália; e através dos lacínios litorais, devotados à deusa Juno, e por aqueles de Cileu é transportado. Deixa Iapígia e anfrísios378 escolhos com fáceis remadas. Acolhe os derruídos Celênios à sua direita, mais Rométio, Caulônia e Narícia. Vence a estreita angustura do Peloro sículo, o palácio do rei Eolo379 , filho de Hípotes, e de Têmese as minas. Busca Leucósia e os roseirais da tépida Pesto. Daí a ilha acolhe de Capri e o
378 Anfrísios escolhos: lugar não identificado. Como também será o caso de Celênia e de Rométio que seguem. 379 Palácio do rei Eolo: referência erudita às Ilhas Líparis, em que, acreditava-se, habitava Eolo, deus dos ventos, filho de Hípotes.
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evincitque fretum Siculique angusta Pelori Hippotadaeque domos regis Temesesque metalla, Leucosiamque petit tepidique rosaria Paesti. Inde legit Capreas promunturiumque Minervae et Surrentino generosos palmite colles Herculeamque urbem Stabiasque et in otia natam Parthenopen et ab hac Cumaeae templa Sibyllae. Hinc calidi fontes lentisciferumque tenetur Liternum multamque trahens sub gurgite harenam Volturnus niveisque frequens Sinuessa columbis Minturnaeque graves et quam tumulavit alumnus Antiphataeque domus Trachasque obsessa palude et tellus Circaea et spissi litoris Antium.
cabo de Minerva380, e, célebres por seu vinhedo, os montes surrentinos;381 a cidade herculana, e Estábia382, e Partênope, que para o ócio nasceu, e, partindo dali, os templos da Sibila de Cumas. Então, depara os poços cálidos383, e Literno, leito de aroeiras, e Volturno, em cujo curso avulta areia, e Sinuessa, assíduo sítio de alvacentas pombas, e Minturnas rotunda, e àquela que seu pupilo sepultou384 , e a morada de Antífates, e Tracante de pântanos cercada, e a Circeia terra385 e as de Ântio rábidas praias.
Huc ubi veliferam nautae advertere carinam (asper enim iam pontus erat), deus explicat orbes perque sinus crebros et magna volumina labens templa parentis init flavum tangentia litus. Aequore placato patrias Epidaurius aras linquit et hospitio iuncti sibi numinis usus litoream tractu squamae crepitantis harenam sulcat et innixus moderamine navis in alta puppe caput posuit, donec Castrumque sacrasque Lavini sedes Tiberinaque ad ostia venit.
Ali, quando os marujos recolheram velas (pois irado era o mar), o deus se desenrola, e serpeando velozmente o corpanzil, adentra no paterno templo que beirava a fulva areia. O epidauritano nume386 , após o pego acalmar, sai das aras do pai e, propiciado pela acolhida do parente, sulca a praia com o meneio das escamas crepitantes e, tendo encostado a cabeça junto ao leme da nau no alto da popa, ficou postado até quando chegou a Castro e às sacrossantas paragens lavínias387 junto às fozes do Tibre388.
Huc omnis populi passim matrumque patrumque obvia turba ruit, quaeque ignes, Troica, servant, Vesta, tuos, laetoque deum clamore salutant.
Ali, em massa, acorreu toda gente ao encontro do deus: matronas e patronos, e aquelas que guardam teu fogo, ó troica Vesta389 , e todos de viva voz saúdam-no. Por onde quer que a nau ligeira contra a correnteza passasse, o
380 Capri e o cabo de Minerva: localidades litorâneas da Campânia, próxima a Nápolis e a Pompeia. 381 Videiras surrentinas: Surrento é uma cidade da Campânia entre Salerno e Nápolis. 382 Cidade herculana e Estábia: Herculano e Estábia, cidades litorâneas próximas ao monte Vesúvio. 383 Poços cálidos: referência a Puteoli, cidade da Campânia famosa por suas águas termais. 384 Àquela que seu lactente sepultou: perífrase que se refere à cidade de Caieta, ama de Eneias. O lugar em que a ama do herói foi sepultada tomou o nome dela (cf. XIV, 157). Caieta fica no litoral do Lácio próxima à foz do rio Líris. 385 Circeia terra: litoral em que habitava Circe no promontório chamado Circeu no Lácio. 386 Epidaritano nume: ref. a Esculápio que anteriormente habitava Epidauro. 387 Sacrossantas paragens lavínias: refere-se a Lavínio, cidade fundada por Eneias. O adjetivo sacrossantas deve-se provavelmente ao fato de os Lares e Penates de Eneias terem sido depositados nessa localidade. 388 Junto às fozes do Tibre: rio que banha Roma. A referência à foz do rio remete à cidade de Óstia por onde tomaram o rio rumo a Roma. 389 Troica Vesta: as guardiãs do fogo de Vesta, são as sacerdotisas vestais, que compunham o principal colégio sacerdotal romano. Considerava que o fogo de Vesta tinha sido trazido por Eneias de Troia, daí o epíteto “troica”.
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Quaque per adversas navis cita ducitur undas, tura super ripas aris ex ordine factis parte ab utraque sonant et odorant aera fumis, ictaque coniectos incalfacit hostia cultros.
incenso sobre altares improvisados crepita, odorífico, ao longo de ambas as margens e animais imolados a golpes de faca incandescem.
Iamque caput rerum, Romanam intraverat urbem: erigitur serpens summoque acclinia malo colla movet sedesque sibi circumspicit aptas. Scinditur in geminas partes circumfluus amnis (Insula nomen habet), laterumque a parte duorum porrigit aequales media tellure lacertos. Huc se de Latia pinu Phoebeius anguis contulit et finem, specie caeleste resumpta, luctibus imposuit venitque salutifer urbi.
Entrando já em Roma, capital do mundo, o deus-serpente se alça e, enroscando no mastro altanado, seu corpo se move, e procura ao redor um lugar que lhe fosse apropriado. O rio Tibre, que ali corria, fendia-se em dois (tinha o lugar por nome Ínsula), e, de parte a parte, com braços iguais, uma porção de terra ao meio circundava. Para lá, a febeia serpente transferiu-se e, recobrando o aspecto celestial, pôs fim aos pestilentos pesares e eis que a saúde chegou à urbe.
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Divino Júlio
Hic tamen accessit delubris advena nostris: Caesar in urbe sua deus est; quem Marte togaque praecipuum non bella magis finita triumphis resque domi gestae properataque gloria rerum in sidus vertere novum stellamque comantem, quam sua progenies; neque enim de Caesaris actis ullum maius opus, quam quod pater exstitit huius: scilicet aequoreos plus est domuisse Britannos perque papyriferi septemflua flumina Nili victrices egisse rates Numidasque rebelles Cinyphiumque Iubam Mithridateisque tumentem nominibus Pontum populo adiecisse Quirini et multos meruisse, aliquos egisse triumphos, quam tantum genuisse virum? Quo praeside rerum humano generi, superi, favistis abunde!
Esculápio aos sacrários nossos acedeu, porém como um forasteiro: César é deus na urbe em que nasceu. Notável quer nos transes de Marte, quer no ofício da toga, nem guerras triunfantes, nem obras na paz, nem glória irrequieta por conquistas foram mais válidas para convertê-lo em astro novo, em candente cometa, como foi sua ascendência390 . Entre os feitos de César nada há maior que o fato de ser pai deste outro César: pois o ter subjugado os equóreos Bretãos391, o ter chefiado vencedoras naus pelo de sete-bocas Nilo papirífero392, o ter para os Quirites anexado terras dos númidas beligerantes, de Juba cinifiano, e o mar enaltecido pela estirpe mitridiática393 , o ter sido merecedor de tantos triunfos, efetivando só alguns, isso tudo é maior que o ter gerado este grande varão394, este sob o comando do qual, celestes, tanto favor destes ao gênero humano?!
Ne foret hic igitur mortali semine cretus,
Para que este não fosse de estirpe mortal, aquele deveria se tornar um
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390 Sua ascendência: referência a Otaviano Augusto, filho adotivo de César. 391 Britanos: povo que habitava a região da Britânia conquistada por César em 54 a. C.. O adjetivo equóreos alude ao fato de o território dos Bretãos ser uma ilha no Mar do Norte. 392 Nilo: a conquista do Nilo alude à Guerra de Alexandria ocorrida em 47 a. C. 393 Estirpe mitridiática: referente a Farnace, filho de Mitrídates, rei do Ponto, vencido em 47 a. C. 394 Grande varão: Otávio Augusto.
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ille deus faciendus erat. Quod ut aurea vidit Aeneae genetrix, vidit quoque triste parari pontifici letum et coniurata arma moveri, palluit et cunctis, ut cuique erat obvia, divis “adspice” dicebat, “quanta mihi mole parentur insidiae quantaque caput cum fraude petatur, quod de Dardanio solum mihi restat Iulo. Solane semper ero iustis exercita curis, quam modo Tydidae Calydonia vulneret hasta, nunc male defensae confundant moenia Troiae, quae videam natum longis erroribus actum iactarique freto sedesque intrare silentum bellaque cum Turno gerere, aut, si vera fatemur, cum Iunone magis? Quid nunc antiqua recordor damna mei generis? Timor hic meminisse priorum non sinit: en acui sceleratos cernitis enses? Quos prohibete, precor, facinusque repellite, neve caede sacerdotis flammas exstinguite Vestae!”
deus. Pois, quando a áurea mãe de Eneias o notou, quando notou também que um assassínio infame era urdido contra o pontífice e que tropas se moviam conjuradas, pasmou-se ela e aos deuses todos, consoante se encontrava com cada um deles, dizia: “Repara bem com quanto afinco insídias me são confabuladas e com quanto dolo é buscada a cabeça do único ascendente que do Dardânio Iulo me resta. Só eu sempre serei incomodada por ‘justos’ cometimentos? A mim que, outrora, ferira a lança calidônia do Tidida, os murais da mal guardada Troia agora me desonrariam? Eu só devo meu filho ver coagido a longos giros, e a esmo pelo mar lançado, ele que entrou no reino dos silentes e guerreou contra Turno, ou melhor, se é para falar verdades, contra Juno? Por que estou recordando agora antigos traumas de família? Este temor de agora não me deixa lembrar dos já passados... Vede vós que me apontam celerados gládios! Detende-lhes, suplico, repeli tais atentados! O fogo vestal vós não apagueis com o cadáver do seu sacerdote!”
Talia nequiquam toto Venus anxia caelo verba iacit superosque movet, qui rumpere quamquam ferrea non possunt veterum decreta sororum, signa tamen luctus dant haud incerta futuri.
Tais receios em vão no Olimpo externa Vênus, e aos celestes sensibiliza, muito embora eles romper não possam os férreos decretos das Irmãs vetustas395, mesmo assim oferece o céu sinais não dúbios do futuro luto.
Arma ferunt inter nigras crepitantia nubes terribilesque tubas auditaque cornua caelo praemonuisse nefas; solis quoque tristis imago lurida sollicitis praebebat lumina terris. Saepe faces visae mediis ardere sub astris, saepe inter nimbos guttae cecidere cruentae. Caerulus et vultum ferrugine Lucifer atra sparsus erat, sparsi Lunares sanguine currus. Tristia mille locis Stygius dedit omina bubo, mille locis lacrimavit ebur, cantusque feruntur auditi sanctis et verba minantia lucis. Victima nulla litat magnosque instare tumultus fibra monet, caesumque caput reperitur in extis.
Estalo de armas – contam – foi ouvido em negras nuvens, e terríveis tubas, e, no alto, clarins anunciando o nefas. O sol funestamente projetava lívida luz sobre a terra afligida. Amiúde se viam sob o firmamento tochas ardentes e caindo de nublado céu sanguínea chuva. Cerúleo Lúcifer seu vulto recobriu de negra ferrugem, teve a Lua seu coche em sangue recoberto. Em mil lugares deu a coruja, ave estígia, presságios tristes; lacrimou em mil lugares o marfim das imagens, e – conta-se – cânticos se ouviram, e vozes de ameaço em bosques consagrados. Vítima alguma trouxe um bom agouro: as vísceras advertem motins iminentes e uma cabeça decepada nas entranhas se encontrou. No foro, em torno as casas e nos templos, ulularam noturnos cães e sombras de espectros – contam –pela urbe estremecida perambulavam.
395 Irmãs vetustas: trata-se das Parcas, três irmãs que fiavam os destinos (cf. V, 532; VIII, 452-5)
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Inque foro circumque domos et templa deorum nocturnos ululasse canes umbrasque silentum erravisse ferunt motamque tremoribus urbem. 800
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Non tamen insidias venturaque vincere fata praemonitus potuere deum, strictique feruntur in templum gladii; neque enim locus ullus in urbe ad facinus diramque placet nisi curia, caedem. Tum vero Cytherea manu percussit utraque pectus et Aeneaden molitur condere nube, qua prius infesto Paris est ereptus Atridae et Diomedeos Aeneas fugerat enses.
Contudo, não puderam divinos prenúncios evitar os ardis do destino futuro. Em punho os gládios foram levados ao templo e não havia na urbe espaço algum, senão o Senado, onde matança e crime aprazeriam. Eis que esmurrou o peito Citereia, com uma e outra mão, tentando o enéada396 envolver na mesma nuvem em que, outrora, furtou Páris na luta contra o atrida; naquela em que pôs a fugir Eneias de Diomedes.
Talibus hanc genitor: “Sola insuperabile fatum, nata, movere paras? Intres licet ipsa sororum tecta trium: cernes illic molimine vasto ex aere et solido rerum tabularia ferro, quae neque concussum caeli neque fulminis iram nec metuunt ullas tuta atque aeterna ruinas. Invenies illic incisa adamante perenni fata tui generis: legi ipse animoque notavi et referam, ne sis etiamnum ignara futuri. Hic sua complevit, pro quo, Cytherea, laboras, tempora, perfectis, quos terrae debuit, annis. Ut deus accedat caelo templisque colatur, tu facies natusque suus, qui nominis heres impositum feret unus onus caesique parentis nos in bella suos fortissimus ultor habebit. Illius auspiciis obsessae moenia pacem victa petent Mutinae, Pharsalia sentiet illum. Emathiique iterum madefient caede Philippi, et magnum Siculis nomen superabitur undis, Romanique ducis coniunx Aegyptia taedae non bene fisa cadet, frustraque erit illa minata,
Nisso, seu pai397 a exproba em tais palavras: “Ousas, filha, mover sozinha o inabalável fado? Se na mansão das três Irmãs tu adentrasses, ali verias numa imensa aparelhagem de bronze e duro ferro os arquivos do universo, que, eternamente invioláveis, não se abalam por estrondoso céu, por violência de raios, nem por catástrofe alguma. Ali encontrarias, inscritos em aço indestrutível, os destinos de tua estirpe: eu já os li, memorizei e lhes direi, para que doravante não mais ignores o futuro. Este por quem tu te angustias, Citereia, completou o seu tempo, tendo já percorrido os anos que devia à terra. Que, como um deus, aceda agora ao céu e seja cultuado em seus altares, isso tu cumprirás e o filho dele398, que, herdeiro de seu nome, haverá de levar, unicamente, o fardo que lhe foi imposto e, valoroso vingador do pai assassinado, vai nos ter em luta ao lado seu. Sob os auspícios dele, os derrotados murais de Mútina cercada clamarão por paz e Farsália lhe reconhecerá. As emátias campinas de Filipos outra vez de carnagem vão ser encharcadas e um nome Magno399 vencerá nas ondas da Sicília. A egípcia cônjuge400 de um romano general, mesmo desconfiada de seu casamento, sucumbirá, deitando ao léu as ameaças de que meu Capitólio serviria ao seu Canopo.
396 Enéada: César. 397 Seu pai: Júpiter. 398 Filho dele: Otávio. 399 Magno: referência a Sexto Pompeu vencido em Milas na Sicília em 36 a. C. 400 Egípcia cônjuge: Cleópatra que havia contraído núpcias com Marco Antônio em 36 a. C.
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servitura suo Capitolia nostra Canopo. Quid tibi barbariem, gentesque ab utroque iacentes oceano numerem? Quodcumque habitabile tellus sustinet, huius erit: pontus quoque serviet illi! Pace data terris animum ad civilia vertet iura suum legesque feret iustissimus auctor exemploque suo mores reget inque futuri temporis aetatem venturorumque nepotum prospiciens prolem sancta de coniuge natam ferre simul nomenque suum curasque iubebit, nec nisi cum senior Pylios aequaverit annos, aetherias sedes cognataque sidera tanget. Hanc animam interea caeso de corpore raptam fac iubar, ut semper Capitolia nostra forumque divus ab excelsa prospectet Iulius aede.”
Agora mesmo toma esta alma que se aparta do corpo assassinado e faz dela uma estrela, para que, sempre de sua morada excelsa, olhe o divino Júlio pelo fórum e por meu Capitólio”.
Vix ea fatus erat, media cum sede senatus constitit alma Venus, nulli cernenda, suique Caesaris eripuit membris neque in aera solvi passa recentem animam caelestibus intulit astris. Dumque tulit, lumen capere atque ignescere sensit emisitque sinu: luna volat altius illa, flammiferumque trahens spatioso limite crinem stella micat natique videns bene facta fatetur esse suis maiora et vinci gaudet ab illo.
Apenas Jove terminou, a encantadora Vênus parou no meio do senado, a todos invisível, e tirou dos membros de seu César a recente alma e, sem permitir que ela se dissipasse pelos ares, introduziu-a nas constelações do céu. Enquanto a transportava, percebeu que ela ganhava brilho e incandescia, despediu-a, então, de seu seio. Voou a alma mais além da Lua e, trazendo um cabelo imenso em chamas, como estrela brilha. A deusa, vendo os belos feitos do seu filho, confessa-os maiores que os seus e se alegra de ser por ele superada.
Hic sua praeferri quamquam vetat acta paternis, libera fama tamen nullisque obnoxia iussis invitum praefert unaque in parte repugnat: sic magnus cedit titulis Agamemnonis Atreus, Aegea sic Theseus, sic Pelea vicit Achilles; denique, ut exemplis ipsos aequantibus utar, sic et Saturnus minor est Iove: Iuppiter arces temperat aetherias et mundi regna triformis, terra sub Augusto est; pater est et rector uterque. Di, precor, Aeneae comites, quibus ensis et ignis cesserunt, dique Indigetes genitorque Quirine
Muito embora este César não permita que os feitos seus sejam antepostos aos do pai, a fama que, no entanto, é livre e independente de alheia intromissão, à sua revelia, tem-lhe a predileção e nisso unicamente lhe objeta: assim o grande Atreu cede às façanhas de Agamêmnon; Teseu venceu Egeu, Aquiles a Peleu; e, enfim, para eu usar exemplo digno deles, também Saturno é algo menor que Jove: governa Júpiter etéreos paços e os reinos do triforme mundo. A terra está sob o poder de Augusto. Os dois são governantes, ambos são pais.
Por que eu te enumeraria os bárbaros povos que a costa ocupam de ambos oceanos? Toda terra habitável que há será dele e o mar também lhe servirá! Após pacificar as terras, voltará sua atenção ao código civil e, sendo o legislador mais justo, com seu exemplo, os costumes chefiará e, precavido em relação às gerações futuras, aos descendentes que virão, ordenará que o filho de sua santa esposa receba de uma vez seu nome e sua diligência. Mas só quando aos anos do ancião de Pilos401 ele tiver igualado, tocará o palácio etéreo e os astros familiares.
Ó deuses, peço, que Eneias acompanharam, que sobre espada e fogo triunfaram, deuses Indígetes, e Quirino, pai da urbe, e tu Marte Gradivo pai
401 Ancião de Pilos: Nestor, personagem proverbial por sua sabedoria e idade avançada (cf. XII, 537).
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urbis et invicti genitor Gradive Quirini, Vestaque Caesareos inter sacrata penates, et cum Caesarea tu, Phoebe domestice, Vesta, quique tenes altus Tarpeias Iuppiter arces, quosque alios vati fas appellare piumque est: tarda sit illa dies et nostro serior aevo, qua caput Augustum, quem temperat, orbe relicto accedat caelo faveatque precantibus absens!
do invicto Quirino, ó Vesta, entre os penates cesáreos sagrada, e tu Febo doméstico em companhia da cesárea Vesta, e tu alto Júpiter que habitas as fortalezas tarpeias, e a vós outros que a um poeta é lícito e pio conclamar: que seja tardo– e que ultrapasse esta nossa idade – aquele dia em que Augusto – tendo deixado o orbe onde governa – aceda ao céu e favoreça, em sua ausência, aqueles que lhe suplicarem!
Iamque opus exegi, quod nec Iovis ira nec ignis nec poterit ferrum nec edax abolere vetustas. Cum volet, illa dies, quae nil nisi corporis huius ius habet, incerti spatium mihi finiat aevi: parte tamen meliore mei super alta perennis astra ferar, nomenque erit indelebile nostrum, quaque patet domitis Romana potentia terris, ore legar populi, perque omnia saecula fama, siquid habent veri vatum praesagia, vivam.
Eis que erigi uma obra à qual nem cólera de Júpiter, nem ferro e fogo algum, nem velhice voraz abolirá. Quando quiser, pode extinguir meu tempo incerto aquele dia que tem do meu corpo, nada mais que do meu corpo, a posse: alcançarei, porém, eternizado pela melhor parte de mim, os astros do alto, e imperecível nosso nome há de tornar-se, e, onde quer que o romano poderio terras anexe, ecoarei no povo pelos lábios e, se há verdade em profecias de poetas, famoso séculos afora viverei.
Tradução: Brunno V. G. Vieira, UNESP
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UM GLOSSÁRIO PARA LER AS METAMORFOSES Em uma entrevista aos Cadernos de Tradução, João Ângelo Oliva Neto, ao ser indagado sobre o papel da tradução na transmissão dos textos clássicos, respondeu: Imaginemos todos os escritores, todos os leitores, todos os professores de Letras, de Humanidades e das outras matérias, todos os sábios, intelectuais, roteiristas, jornalistas, estudantes, pesquisadores, diletantes cultos reunidos num auditório gigantesco paradisíaco, ou talvez infernal: a nata dos literatos do mundo. Imaginemos que não fossem pedantes; melhor, imaginemos que fossem incapazes de faltar à verdade. Se lhes indagassem quem dentre eles havia lido toda a Ilíada em grego ou toda a Eneida em latim, quantos responderiam ‘sim’? Decerto haveria vários, muitos até, e talvez alguns fossem professores de grego e de latim. Mas estes leitores do original seriam, sozinhos, responsáveis pela importância que a Ilíada e a Eneida tiveram e têm? Não seriam! (OLIVA NETO, 2010, p. 270).
Com essa imagem, o professor e tradutor endossa a ideia de que somente a tradução fez com que Ilíada e Eneida, e aqui poderíamos ainda incluir inúmeras outras obras, continuassem sendo os textos clássicos e paradigmáticos que são. Traduzir é disponibilizar a literatura clássica, juntamente com todo seu patrimônio cultural, à humanidade. Ao leitor moderno, no entanto, somente a apresentação de uma tradução muitas vezes não é suficiente para que haja um entendimento largo e profundo dessas obras. Estrutura e linguagem complexas; alusões a mitos, fatos históricos, obras e personagens pertencentes a tradições anteriores; informações culturais e geográficas são características que encontramos em todos os textos ditos clássicos, mas que parecem se exacerbar e atingir seu ponto máximo em um trabalho como As metamorfoses, de Ovídio. Se essas alusões e informações eram facilmente reconhecidas e entendidas pelos leitores da época em que essas obras foram escritas, ao público-leitor moderno não mais o são.
Podemos dizer que hoje a leitura desses textos não é tarefa fácil para um leitor não-iniciado, embora também apresente dificuldades relevantes para um leitor experiente. Por isso, o projeto de tradução d’As metamorfoses previa que essa edição seria acompanhada de um glossário. Um glossário com definições funcionais e contextualizadas que buscasse explicar, na medida do possível, o significado dos nomes para a obra, de apontar suas diferentes traduções e ocorrências nos versos do poema de Ovídio. Também consideramos importante a elaboração de um índice remissivo feito a partir do texto em português, havendo assim a possibilidade de comparar as ocorrências dos nomes no texto latino (no glossário) e na tradução (no índice). Ao adotar um glossário e o mínimo de notas, pensamos deixar de correr o risco do qual fala Oliva Neto na mesma entrevista: […] tradução de poesia antiga costuma ser muito anotada; assim, o tradutor pode manter aqueles nomes e contextulizá-los nas notas, mas corre o risco de seqüestrar para elas o que devia ser do poema: os críticos dirão que ‘explicou a piada’. Pode nada anotar, e não ser nada compreendido. Dirão que é inútil. Poderá acomodar o discurso antigo a alguma poética contemporânea, mas (sub)trairá elementos da cultura antiga, e os críticos dirão que, infiel, adulterou o que devia transmitir. Vida de tradutor é dura. (2010, p. 264-265).
Na atual edição, por um lado, o leitor mais experiente ou interessado em uma leitura sem interferências, aproveitar-se-á do fato de haver poucas notas no rodapé da tradução, tornando possível uma leitura mais fluida. Por outro lado, outros leitores poderão se valer das explicações do glossário, recorrendo a elas a qualquer momento, para esclarecer ou ampliar a leitura d’As metamorfoses. Sob a perspectiva de Gérard Genette (2009), glossário e índice são entendidos como paratextos da obra ovidiana. Apresentam-se como produções que nunca sabemos se devemos ou não considerar parte dele, mas que em todo caso o cercam e o prolongam, exatamente para apresentá-lo, no sentido habitual do verbo, mas também em seu
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sentido mais forte: para torná-lo presente, para garantir sua presença no mundo, sua ‘recepção’ e seu consumo, sob a forma, pelo menos hoje, de um livro. (2009, p. 09).
No nosso entendimento, um glossário figura como um pequeno léxico agregado à obra traduzida, principalmente para esclarecer termos e expressões pouco usuais ou distantes no tempo, naquilo que significa um alcance de compreensão contextual. Já o índice, que segue o glossário, é uma lista, em ordem alfabética, que inclui todos os nomes e expressões do glossário, indicando suas ocorrências. Consideramos que tanto o glossário como o índice reúnem dados de referência da obra com o objetivo de proporcionar uma leitura simultânea e mais imediata do conjunto, bem como fornecem dados aos pesquisadores da obra. Já Segismundo Spina entende que “a hermenêutica e a exegese do texto, bem como um glossário são elementos que a edótica denomina ‘adjetivos’. Podem seguir a apresentação do texto com o objetivo de elucidar a obra e o contexto literário em que se insere” (1977, p. 109). Assim compreendemos, amparadas pelas definições dos teóricos, que o glossário seria algo que vai além, mas, ao mesmo tempo, faz parte da obra. Mais uma metamorfose d’As metamorfoses. O trabalho de verbetização, conforme explicado no texto de apresentação, teve início em uma disciplina do Curso de Graduação em Letras - Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa da UFSC. Adotamos, naquele momento, a tradução de David Jardim Júnior (1983) e todo o trabalho dos alunos com os verbetes, fundamental para a construção do atual glossário, foi feito a partir da publicação da Editora Ediouro. Após a reunião dos verbetes produzidos pelos alunos, foi preciso reler toda a obra na atual edição, pois o glossário deveria se basear nas escolhas feitas pelos novos tradutores. Fomos, então, em busca de outras referências, como dicionários mitológicos e trabalhos acadêmicos, e outros glossários que nos ajudassem na escritura dos verbetes, agora baseados na presente tradução. Nessa etapa, fizemos uso de glossários que acompanhavam edições de traduções estrangeiras d’As
metamorfoses. Também nos valemos das excelentes notas de rodapé dos tradutores, frutos de suas pesquisas ao traduzirem a obra, que nos ajudaram a explicar, contextualizar e ampliar os verbetes. Embora tenhamos nos utilizado de uma parte das informações colhidas na disciplina, glossários estrangeiros e notas dos tradutores, nosso trabalho não foi simples. Por vezes, parecia que tínhamos recebido dos deuses uma daquelas tarefas impossíveis, algumas delas descritas pelo próprio Ovídio. Assim como as Bélides, citadas por ele nos Livros IV e X d’ As metamorfoses, condenadas a encher de água um tonel sem fundo por toda a eternidade, sentíamos que nunca conseguiríamos preencher o glossário com todos os nomes e todas as suas possíveis definições, todas as ocorrências, todas as metamorfoses. Por isso, entendemos que apresentamos, por ora, o início de um trabalho. E não poderia ser diferente, afinal, numa obra que se propõe a contar a história do mundo, ao menos do mundo da Roma Antiga, sempre há algo a ser revisto ou descoberto. Como diria Calvino (2007, p. 11) “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Estrutura do glossário Em primeiro lugar, consideramos importante deixar claro ao leitor a forma como se deu a escolha dos nomes a serem verbetizados. Foram anotados todos os nomes próprios de deuses, epítetos, homens e mulheres, seres mitológicos (Ninfas, Centauros etc), lugares, ventos, enfim, tudo aquilo que, ao nosso ver, poderia causar alguma dificuldade ou dúvida durante a leitura d’As metamorfoses. Respeitamos as diferentes grafias propostas pelos tradutores, por exemplo, Atalanta ou Atalante para traduzir Atalanta, -ae, a jovem filha de Esqueneu, deixando as duas formas no glossário. A ordem que adotamos para o aparecimento dos verbetes foi a seguinte: nome como foi traduzido em português, seguido por “ou” e sua variação, quando houve; forma latina conforme o texto de Ovídio, nos casos nominativo e genitivo; definição do verbete e suas ocorrências no texto latino, informando o número do livro e, em 378
seguida, o número dos versos. No caso de um mesmo nome se referir a personagens diferentes, separamos as definições e as ocorrências de acordo com o contexto da obra. Quando Ovídio usou em seu texto as variantes grega e latina, por exemplo, Perséfone e Prosérpina, adotamos a variante latina como principal, indicando no verbete da variante grega somente as ocorrências e não sua definição. Quando um nome poderia se referir a outras personagens da literatura clássica, procuramos manter na definição o contexto d’As metamorfoses, embora tenhamos nos estendido quando consideramos válidas ao leitor a personagem ou as informações que extrapolavam a obra de Ovídio. Todas as traduções d’As metamorfoses citadas no glossário pertencem à presente edição.
Referências bibliográficas CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Tradução: Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Tradução: Álvaro Faleiros. Cotia: Ateliê Editorial, 2009. OLIVA NETO, J. A. ; GUERINI, A. ; COSTA, W. . Entrevista com João Angelo Oliva Neto. Cadernos de Tradução (UFSC), v. 25, p. 261-277, 2010. OVÍDIO. As metamorfoses. Tradução e notas de David Jardim Junior. Rio de Janeiro: Ediouro S.A., 1983. SPINA, Segismundo. Introdução à edótica, (Crítica Textual). São Paulo: Cultrix, 1977.
Juliana da Rosa [email protected] Lygia Barbachan de Albuquerque Schmitz [email protected] Thaís Fernandes [email protected]
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GLOSSÁRIO D’AS METAMORFOSES Abante, Abas, Abantis, 1. Rei de Argos e fundador da cidade de Abas, na Fócida. Era filho de Hipermnestra e Linceu. Casou-se com Aglaia e teve os gêmeos Acrísio e Preto, e uma filha, Idômene; teve ainda um filho ilegítimo, Lirco. Avô de Dânae e bisavô de Perseu (IV, v. 607, 673, 768; V, v. 137, 236; XV v. 164). 2. Um dos participantes na luta entre Fineu e Perseu (V, v. 126). 3. Um Centauro, caçador de javalis e filho de Ixião. Lutou no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 306); 4. Um dos companheiros de Diomedes metamorfoseado em gaivota (XIV, v. 505). Ábaris, Abaris, -is, um Centauro, companheiro de Fineu no confronto com Perseu (V, v. 86). Acaia, Achaia, -ae, região grega localizada no norte do Peloponeso, onde se estabeleceram os primeiros invasores helênicos da Grécia, os Aqueus (IV, v. 606; V, v. 577; VII, v. 504; VIII, v. 268). Acasto, Acastus, -i, filho de Pélias e rei de Iolco na Tessália. Um dos Argonautas (VIII v. 306; XI v. 409). Aceste, Acestes, -ae, amigo de Eneias e rei da Sicília. É o fundador de Acesta, cidade onde Eneias faz sacrifícios e honras ao túmulo de seu pai, Anquises (XIV, v. 83). Acetes, Acoetes, -is, tirreno, da região da Lídia, também conhecida como Meômia. Capitão da embarcação cuja tripulação encontrou o deus Baco (III, v. 580, 694). Ácio, Actiacus, -i, cidade e promontório na costa ocidental da Grécia, no golfo de Ambrácia. Em Ovídio, trata-se de uma referência a Apolo (XIII, v. 715). Ácis, Acis, -is e -idis, filho de Fauno e de uma Ninfa, amante de Galateia, foi pastor na Sicília (XIII, v. 750, 757, 787, 861, 874, 884, 886, 896). Acmão, Acmon, -onis, etólio, da cidade de Pleurão, amigo de Diomedes, metamorfoseado em ave por Vênus (XIV, v. 484, 494, 497).
Aconteu, Aconteus, -ei, um guerreiro que foi petrificado ao olhar acidentalmente para Medusa, enquanto lutava por seu companheiro Perseu (V, v. 201). Acrísio, Acrisius, -i, rei de Argos e filho de Abante. Pai de Dânae (III, v. 557; IV, v. 608, 612). Acrota, Acrota, -ae, filho de Tiberino, foi rei legendário de Alba. Após a sua morte, a cidade passou a ser governada por Aventino (XIV, v. 617, 619). Actéon, Actaeon, -onis, filho de Aristeu e Autônoe, primo de Penteu. Exímio caçador, fora criado pelo Centauro Quíron (III, v. 230, 243, 244, 718, 719). Acteu, Actaeus, a, um, o antigo nome de Atenas era Acte, daí Acteu significar da Ática, ático, ateniense (VIII, v. 170). Actor, Actor, -oris, 1. Pai de Érito, companheiro de Fineu, que lutou contra Perseu (V, v. 79); 2. Era pai de Menécio e avô de Pátroclo (XIII, v. 273). Actórides, Actorides, -ae, são os filhos de Actor, os gêmeos Érito e Ctéato (V, v. 79; VIII, v. 308). Adônis, Adonis, -is ou –idis, filho de Ciniras com a sua filha Mirra, um jovem de beleza exuberante (X, v. 532, 543, 682, 726). Aelo, Aello, -us, 1. Cão de caça de Actéon, vigoroso na corrida. (III, v. 219); 2. Uma das harpias (XIII, v. 710). Afareia, Aphareius, a, um, a prole afareia são os filhos de Afareu, Linceu e Idas, este célebre por sua vista penetrante (VIII, v. 304). Afareu, Aphareus, -eos, -ei ou –ei, 1. Afareu, rei da Messênia, Linceu e Idas, Argonautas (VIII, v. 304); 2. um Centauro morto por Teseu na batalha contra os Lápitas (XII, v. 341). Afidas, Aphidas, -ae, um jovem morto por Forbas na luta entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 317). Agamêmnon, Agamemnon, -onis, foi um general dos gregos na Guerra de Troia, filho do rei Atreu de Micenas e irmão de Menelau (XIII, v. 184, 444; XV, v. 855). Agánipe, Aganippe, es, fonte na Beócia, sagrada para as Musas do Helicão (V, v. 312). Agave, Agaue, -es, filha de Cadmo e esposa de Equíon. Mãe de Penteu, a quem mata em um delírio (III, v. 723). 380
Agenor, Agenor, -oris, filho de Netuno e Líbia, irmão gêmeo de Belo. Rei da Fenícia. Casou-se com Teléfassa e teve uma filha, Europa, e três filhos, Cadmo, Fênix e Cílix (II, v. 858; III, v. 51, 97, 255, 306). Agenôride, Agenorides, -ae, filho de Agenor, i.e., Cadmo (III, v. 8, 81, 90; IV, v. 563, 773). Aglauro, Aglauros, -i, uma das três filhas de Cécrope, rei de Atenas. Mercúrio, apaixonado por ela, transforma a jovem em pedra ao não ter sua paixão correspondida (II, v. 560, 739, 749, 785). Agre, Agre, -es, cão de caça de Actéon, excelente farejador (III, v. 212). Ájax, Aiax, -acis, 1. Foi um herói, combatente da Guerra de Troia e filho de Oileu, rei dos Lócrios (XII, v. 622; XIII, v. 356); 2. Filho de Télamon, herói da Guerra de Troia (XIII, v. 2, 17, 28, 97, 141, 152, 156, 164, 219, 254, 305, 327, 338, 340, 390). Alastor, Alastor, -oris, um guerreiro que combateu na Guerra de Troia, companheiro de Sarpédon (XIII, v. 257). Alba ou Alba longa, Alba, -ae, 1. Cidade da região do Lácio, fundada por Ascânio, filho de Eneias e Creúsa (XIV, v. 609); 2. Rei de Alba Longa, sucessor de Latino Silvio (XIV, v. 612). Albanos, Albanus, -a, -um, montes próximos da cidade de Roma (XIV, v. 674). Álbula, Albula, -ae, como o rio Tibre era chamado antigamente (XIV, v. 328). Alcandro, Alcander, -dri, guerreiro que combateu na Guerra de Troia, companheiro de Sarpédon (XIII, v. 258). Alcatoa (ou Alcáthoos), Alcathoe, -es, outro nome para a cidade de Mégara, chamada assim em homenagem a seu fundador, Alcatous, filho de Pélops (VII, v. 443; VIII, v. 8). Alce, Alce, -es, uma das cadelas de caça de Actéon (III, v. 217). Alcidamas, Alcidamas, -antis, habitante da ilha de Céose, pai de Ctesila, que foi prometida por ele ao ateniense Hermócares. Tendo Alcidamas voltado atrás na promessa, Hermócares pede vingança aos deuses, que o auxiliam a seduzi-la. Ela engravida de Hermócares e acaba morrendo durante o parto, sendo depois transformada em pomba (VII, v. 369).
Alcides, Alcides, -ae, um outro nome de Hércules, o neto de Alceu (IX, v. 13, 51, 110, 217; XI, v. 213; XII, v. 538). Alcimedonte, Alcimedon, -ontis, um marinheiro que se opôs à devoção de Acetes ao deus Líber (III, v. 616). Alcínoo, Alcinous, -i, rei dos Feácios e filho de Nausítoo. Casado com Arete, com quem teve cinco filhos e uma filha, Nausícaa (XIV, v. 565). Alcíone, Alcyone, -es, esposa de Cêix e filha de Éolo. Era a rainha da Tessália. Alcíone e Cêix se metamorfosearam em aves e, mesmo após sua transformação, continuaram um casal unido e tiveram filhos (XI, v. 384, 416, 423, 447, 458, 473, 544, 545, 563, 567, 588, 628, 661, 674, 684, 746). Alcítoe, Alcithoe, -es, uma das filhas do rei Mínias, da cidade de Orcômeno. Era intolerante às orgias do deus Baco e negava que ele fosse filho de Júpiter (IV, v. 1, 274). Alcmena, Alcmena,-ae, esposa de Anfitrião e mãe de Íficles e Hércules, este último fruto de uma relação com Júpiter (VIII, v. 544; IX, v. 23, 276, 281, 313, 396). Álcon, Alcon, -onis, homem que fabricou uma cratera dada por Ânio a Eneias (XIII, v. 683). Alémon, Alemon, -onis, homem natural de Argos. Era o pai de Míscelo que, posteriormente, foi o fundador da cidade de Crotona (XV, v. 19). Alemônide, Alemonides, -ae, o filho de Alémon, Míscelo (XV, v. 26, 48). Alésio, Alesus, -i, um dos Lápitas, natural da Emátia, região situada ao norte do monte Olimpo. Foi morto por Latreu na luta entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 462). Alexírroe, Alexirhoe, -es, uma Ninfa, filha do Granico, rio da Frígia Menor (XI, v. 763). Alfenor, Alphenor, -oris, um dos filhos de Anfião e Níobe. Foi morto por Febo (VI, v. 248). Álfeo (ou Alfeu), Alpheus, -i, deus-rio da Élida, filho de Oceano e Tétis. Era apaixonado por Aretusa, uma das seguidoras da deusa Diana (II, v. 250; V, v. 599). 381
Almo, Almo, -onis, rio de curta extensão, localizado em Roma e protegido pelas Náiades (XIV, v. 329). Aloídas, Aloidae, -arum, eram gigantes, filhos de Aloeu (VI, v. 117). Alpes, Alpes, -ium, é uma cordilheira situada entre a Itália e a Gália (II, v. 226; XIV, v. 794). Altar, Altum, -i, hemisfério austral (II, v. 136). Alteia, Althaea, -ae, esposa de Eneu e mãe de Dejanira e de Meleagro, irmã de Plexipo e Toxeus, ambos mortos por seu filho (VIII, v. 446). Amatunte, Amathus, -untis, cidade do Chipre, rica em metais. Neste local, as Propétides cometeram o crime de sacrificar um hóspede no altar de Júpiter Anfitrião e foram castigadas pela deusa Vênus (X, v. 220, 531). Ambrácia, Ambracia, -ae, cidade da região do Épiro. A Ambrácia era famosa por conta do templo de Apolo de Ácio (XIII, v. 714). Ambrosia, Ambrosia, -ae, alimento sólido que, juntamente com o néctar, era um dos manjares da imortalidade reservados aos deuses. Diz-se que a ambrosia era nove vezes mais doce que o mel (II, v. 120; IV, v. 215; XIV, v. 606). Amenano, Amenanus, -i, rio da Sicília, sujeito a um fluxo variável. A personagem Pitágoras o descreve como um dos exemplos de mudanças que ocorrem ao longo dos tempos na natureza (XV, v. 279). Amiclas, Amyclas, -ae, 1. cidade da Lacônia, no Peloponeso (VIII, v. 314); 2. Pai de Jacinto, fundador da cidade de Lacônia (X, v. 162). Âmico, Amycus, -i, um Centauro, filho de Ofíon. Na luta entre os Centauros e os Lápitas, Âmico matou o Lápita Celadonte (XII, v. 245). Amimone, Amymone, -es, uma fonte que secou por conta da proximidade do Carro do Sol, guiado pelo jovem Faetonte (II, v. 240). Amintor, Amyntor, -oris, era rei de Éleon, na Beócia. Pai de Fênix que, mais tarde, tornou-se preceptor de Aquiles e rei dos Dólopes (VIII, v. 307; XII, v. 365).
Amitáon (filho de), Amythaonius, -a, -um, Amitáon era pai de Melampo que era um célebre adivinho e feiticeiro de Argos (XV, v. 325). Ámon, Ammon (ou Hammon), -onis, deus da mitologia egípcia, sincretizado como Júpiter. Seu templo era localizado na Líbia e o deus era representado como um carneiro (V, v. 17, 107, 328; IV, v. 671; XV, v. 309). Amor, Amor, -oris, ou Eros, para os gregos, é a força do desejo, a coesão interna do cosmo (BRANDÃO, 2000, p. 187). Personificado, é o deus do amor. Há várias versões sobre sua genealogia, as duas mais populares são do deus como filho de Vênus e Marte ou de Diana e Marte (I, v. 480; X, v. 26, 29, 516). Ampícides, Ampycides, -ae, trata-se do adivinho Mopso, o filho de Âmpix, sacerdote de Ceres (VIII, v. 316). Âmpico, Ampyx, -ycis, guerreiro e sacerdote de Ceres, foi petrificado pela cabeça de Medusa (V, v. 110, 184). Âmpix, Ampyx, -ycis, um Lápita que lutou no confronto entre Lápitas e Centauros. Âmpix matou com um dardo o Centauro Équeclo. Era pai de Mopso (XII, v. 450). Amúlio, Amulius, -ii, décimo quinto rei de Alba Longa, filho de Procas e irmão de Numitor. Foi morto por Rômulo e Remo (XIV, v. 772). Anaphe, Anaphe, -es, uma ilha do mar de Creta. Quando os reis Minos e Egeu guerrearam, a região de Anaphe foi aliada do primeiro rei (VII, v. 461, 462). Anápis, Anapus, -i, deus e rio da Sicília (V, v. 417). Anaxárete, Anaxarete, -es, jovem da ilha de Chipre, da linhagem de Teucro, fundador da cidade de Salamina, localizada na mesma ilha (XIV, v. 699, 718, 750). Anceu, Ancaeus, -i, filho de Licurgo, sucessor de Aleu, rei da Arcádia. Participou da caça do javali calidônio ao lado do seu irmão Cefeu (VIII, v. 315, 401, 407, 519). Andrêmon, Andraemon, -onis, 1. Pai de Anfisso e marido de Dríope (IX, v. 333, 363); 2. Pai de Toante, rei de Lemnos (XIII, v. 357).
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Andrógeo, Androgeus, -i, filho de Minos e Pasífae. Era notável em todas as modalidades atléticas. Foi morto pelo Minotauro (VII, v. 458). Andrômeda, Andromeda, -ae, filha de Cefeu, rei da Etiópia, e de Cassíope. Casou-se com Perseu (IV, v. 671, 757). Andros, Andrus, -i, uma das ilhas Cíclades, reinada pelo filho de Ânio, também chamado de Andros (VII, v. 469; XIII, v. 649, 661). Anfião, Amphion, -onis, 1. Era filho de Júpiter e de Antíope, fundador de Tebas. Irmão gêmeo de Zeto e marido de Níobe (VI, v. 271, 402); 2. Por metonímia, cidade de Tebas (XV, v. 427). Anfimedonte, Amphimedon, -ontis, guerreiro líbio, partidário de Fineu. Foi morto por Perseu (V, v. 75). Anfisso, Amphissos (-us), -i, batizado por seu avô Êurito, Anfisso era filho de Febo e Dríope, a jovem mais bela da Eucália (IX, v. 356). Anfitrião, Amphitryon, -onis, filho de Alceu e Astidameia. Era marido de Alcmena e pai de Íficles (VI, v. 112). Anfitriônida, Amphitryonides, -ae, outra forma de se referir a Hércules, menção ao fato de Hércules ser enteado de Anfitrião (IX, v. 140; XV, v. 49). Anfitrite, Amphitrite, -es, era uma Nereida que, após casar-se com Netuno, tornou-se deusa do mar (I, v. 14). Anfrísio (ou Anfrisos), Amphrysos (-us), -i, rio da Tessália, um dos locais onde Medeia colhe ervas para um de seus feitiços (I, v. 579; VII, v. 229). Anigro, Anigrus, -i, rio localizado em Élide, no sudoeste da Grécia. As águas doces, antes bebíveis, desse rio tornaram-se infectadas após os Centauros ali lavarem as feridas que Hércules lhes impingiu (XV, v. 282). Ânio, Anius, -ii, 1. Filho e sacerdote de Febo e Cibele. Era Rei de Delos e teve três filhas: Elais, Espermo e Eno (XIII, v. 632, 643); 2. Anien ou Anio, -enis, rio dos sabinos que encontra o Tibre (XIV, v. 329). Ano, Annus, -i, personificação do tempo equivalente ao período que a Terra emprega em seu movimento de translação (II, v. 25).
Anquises, Anchises, -ae, era filho de Cápis e da troiana Temiste. Pai do herói Eneias, fruto da sua união com a deusa Vênus. Segundo Sófocles, Anquises um dia se vangloriou do seu amor com Afrodite (correspondente de Vênus na mitologia grega), o que deixou Zeus furioso. O rei dos deuses lançou um raio contra o herói que o deixou coxo, cego e com uma parte do corpo paralisada (XIII, v. 640, 680; XIV, v. 118). Antandro, Antandros ou Antandrus, -i, cidade da Frígia Menor, território do qual parte o herói Eneias após a Guerra de Troia (XIII, v. 628). Antédon (ou Antêdone), Anthedon, -onis, cidade da Beócia, localizada defronte à ilha de Eubeia, local da metamorfose de Glauco (VII, v. 232; XIII, v. 905). Antenor, Antenor, -oris, ancião troiano, companheiro e conselheiro de Príamo. Era casado com Teano (XIII, v. 201). Anteu, Antaeus, -i, um gigante, filho de Netuno e da Terra. Habitava a Líbia e obrigava os viajantes que por ali passavam a lutar com ele. Depois que os derrotava e matava, adornava o templo de Netuno com os despojos. Era invulnerável enquanto mantivesse contato com sua mãe Terra, que era o próprio solo, a terra. Mas Hércules consegue matá-lo sufocado ao erguê-lo sobre os ombros (IX, v. 184). Antífates, Antiphates, -ae, rei dos Lestrigões, que viviam em Lamos, cidade que ficava próxima ao promontório de Circeu no Lácio (XIV, v. 234, 239, 249; XV, v. 717). Antígona, Antigone, -es, irmã de Príamo, metamorfoseada em cegonha (VI, v. 93). Antímaco, Antimachus, -i, era um Centauro. Foi morto por Ceneu juntamente com outros quatro Centauros (XII, v. 460). Ântio, Antium, -i, cidade litorânea do Lácio, perto do Tibre, com praias de mar agitado, por onde navega a embarcação que leva Esculápio (XV, v. 718). Antissa, Antissa, -ae, cidade no litoral norte de Lesbos. Primeiramente foi uma ilha, posteriormente, uma península (XV, v. 287). Anúbis, Anubis, -is ou -idis, divindade egípcia. Possuía corpo humano e cabeça de chacal. Segundo algumas tradições, era filho de 383
Osíris e Néfits. Para outras, era filho da mesma Néfits com Mercúrio (IX, v. 690). Aônia, Aonia, -ae, nome mitológico da região montanhosa da Beócia, derivado de Aon, filho de Netuno e antigo rei da Beócia. Limita-se a leste com a Fócida (III, v. 337). Aonis, -idis e Aonius, a, um, da Beócia (V, v. 333; XII, v. 24). Apidano, Apidanos ou Apidanus, -i, rio da Tessália que deságua no mar Egeu. Esse rio aparece em dois momentos da narrativa ovidiana: no mito Io. Argos. Siringe e no mito Esão, quando Medeia colhe ervas nas suas margens para seus feitiços (I, v. 579; VII, v. 228). Ápis, Apis, -is ou -idis, divindade egípcia, representada por um boi, que procederia, ao mesmo tempo, de Osíris e Phtah. Cada boi vivia por 25 anos e, após esse período, era morto por sacerdotes e substituído por outro boi, um novo Ápis (IX, v. 691). Apolo, Apollo, -inis (-onis),ver Febo (I, v. 473; III, v. 419; VII, v. 389; IX, v. 455; X, v. 209; XI, v. 155, 306, 339; XIII, v. 174, 715; XV, v. 638, 639). Apúlia, Apulia ou Appulia, -ae, província da Itália (XIV, v. 517). Aqueloas (ou Aqueloides), Acheloias, -adis, Sereias ou Ninfas, filhas do deus-rio Aqueloo com Melpómene. Eram elas: Calírroe, Castália, Pirene e Dirce (V, v. 552; XIV, v. 87) Aqueloo (ou Aquelou), Achelous, -i, deus-rio, filho de Oceano e de Tétis. Teve muitos amores e muitos filhos, como Hipodamas e Orestes, com Perimede, filha de Éolo e Enarate. Também é o pai das Ninfas Calírroe, Castália e Pirene, e das Sereias (V, v. 552; VIII, v. 549, 560, 615; IX, v. 68, 96, 413). Aquemênidas, Achaemenides, -ae, era um dos companheiros de Ulisses, esquecido pelos gregos que tentavam fugir em suas naus do ataque dos Gigantes. Tendo sobrevivido, Aquemênidas foi encontrado mais tarde pelo herói Eneias (XIV, v. 161, 163, 167).
Aqueronte, Acheron, -ontis, rio mitológico, conhecido como “rio do infortúnio”, era um afluente do Rio Estige. Aqueronte teve um filho com Orfne, chamado Ascálafo (V, v. 541; XI, v. 504).
Aqueus, Achiui, -orum, os aquivos, i.e., os gregos. Os aqueus (Achaei, -orum) são habitantes da Grécia, ao norte do Peloponeso.
Originários da Tessália, invadiram a península no começo do segundo milênio. Fundaram uma civilização brilhante, cujos centros eram Micenas e Tirinto, e que foi destruída pelos dórios em 1.200 a. C. (XII, v. 70, 168, 600; XIII, v. 29, 88; XIV, v. 561). Aquilão (ou Áquilo), Aquilo, -onis, deus-vento, filho de Eos e de Astreu e irmão de Astreu e Zéfiro. Corresponde a Bóreas na mitologia grega. É o vento norte, hostil, rápido, furioso, violento. Habita a Trácia, região fria, soprando dos montes da Tessália e dos Bálcãs. Representa-se Aquilão ou Bóreas como uma criatura com asas, barbas grandes, de aspecto vigoroso e vestido com uma túnica curta. Pai de Calais e Zetes (I, v. 262, 328; V, v. 285). Aquiles, Achilles, -is, filho do rei Peleu e de Tétis; jovem herói grego cujo corpo era impenetrável às armas, invulnerável e capaz de esmagar ferro e, por isso, muito aclamado pelos aqueus. Sua mãe, desejosa de torná-lo imortal, mergulhou-o nas águas do rio Estige, segurando-o pelo calcanhar, que se tornou a parte vulnerável de seu corpo, o famoso “calcanhar de Aquiles” (VIII, v. 309; XI, v. 265; XII, v. 73, 81, 126, 139, 150, 162, 163, 176, 191, 363, 582, 593, 608, 615; XIII, v. 30, 107, 130, 133, 134, 157, 179, 273, 281, 284, 298, 301, 443, 448, 500, 502, 580, 597; XV, v. 856). Aquiva, Achiui, -orum, referente aos gregos ou à Grécia (VII, v. 56). Aracne, Arachne, -es, uma jovem da Lídia, filha de um tintureiro chamado Idmão. Era hábil tecedeira e bordadeira e tinha a fama de haver sido aluna de Palas Atena, a deusa das fiandeiras e das bordadeiras. Mas Aracne acreditava que seu talento se devia somente ao seu próprio esforço, o que causou a ira de Atena (VI, v. 5, 133, 150). Árcade, Arcas, -adis, Arcas ou Árcade, filho de Júpiter e Calisto, neto de Licáon (II, v. 468, 497). Arcádia, Arcadia, -ae, antiga província grega, conhecida por seus montes. A região era governada por Licáon. Geograficamente a Arcádia fica na península do Peloponeso; poeticamente representa uma terra perfeita, muito adequada à idade de ouro (I, v. 688; II, v. 405; IX, v. 192; XV, v. 332). Arcésio, Arcesius, -ii, filho de Júpiter e pai de Laerte. Laerte era o único filho de Arcésio, Ulisses o único de Laerte, e Telêmaco – ao 384
menos pelo que o próprio Telêmaco sabia – o único filho de Ulisses (XIII, v. 144). Árdea, Ardea, -ae, 1. Cidade poderosa da região do Lácio (XIV, v. 573); 2. Ave surgida das cinzas da cidade de mesmo nome (XIV, v. 581). Arestor (filho de), Arestorides, -ae, refere-se a Argo, filho de Arestor (I, v. 623). Aretusa, Arethusa, -ae, uma Náiade, companheira de Diana, metamorfoseada pela deusa em uma fonte. A fonte de Aretusa, localizada em Siracusa, era chamada “pisana”, porque se acreditava que suas águas provinham do rio Alfeu, próximo a Pisa, por meio de uma passagem subterrânea (V, v. 409, 496, 573, 599, 625, 642). Areu, Ares, -is ou –eos, um Centauro. Foi morto por Drias no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 310). Argíodo, Argiodus, -i, um dos cães de caça de Actéon, nascido de pai dicteu e de mãe lacônia (III, v. 224). Agirte, Agyrtes, -ae, guerreiro morto por Perseu, era conhecido por ter matado o próprio pai (V, v. 148). Argivos, Achiui, -orum, referente aos gregos ou à Grécia (XIII, v. 61, 445). Argo, Argo, -us, o navio dos Argonautas. O nome, que significa “rápido”, foi dado em homenagem ao seu construtor, também chamado Argo (XV, v. 337). Argonautas, Argonautae, -arum, companheiros de Jasão na busca do velocino de ouro. O nome “Argonautas” deriva da nave que os transportou, chamada Argo. Argos, Argos, empregado somente no nom. e no acc. 1. Cidade da Argólida cujo primeiro rei foi Ínaco. Foi uma das maiores cidades da era micênica (I, v. 600); 2. Argus, -i, Um pastor, filho de Arestor, incumbido de vigiar Io. Segundo Ovídio, Argos tem cem olhos, mas a tradição a esse respeito é muito variada: teria um único olho, ou dois na frente e dois atrás da cabeça, ou uma infinidade de olhos espalhados por todo o corpo (I, v. 623, 624, 634, 635; II, v. 533). Ariadne, Ariadne, -es, filha de Minos e Pasífae. Foi cúmplice de Teseu no episódio do Minotauro e, posteriormente, casou-se com
Baco, com quem teve os filhos Toas, Estáfilo, Enópion e Peparetos (Livro VIII). Arícios (vales), Aricinus, -a, -um, da Arícia, cidade situada numa depressão das colinas Albanas, próximo do famoso local do culto de Diana Nemorense (XV, v. 488). Áries, aries, -etis, em latim significa “carneiro” e, em sentido militar, “máquina de guerra”. É também o primeiro signo do Zodíaco, associado à constelação homônima, cujo símbolo é um carneiro (X, v. 165). Armênia, Armenia, -ae, país da Ásia localizado numa região montanhosa, situada entre o mar Negro e o mar Cáspio (VIII, v. 121). Arne, Arne, -es, filha de Éolo e Melanipe, foi metamorfoseada em uma ave (VII, v. 465). Ásbolo, Asbolus, -i, um dos cães de caça de Actéon (III, v. 218). Ascálafo, Ascalaphus, -i, filho do rio Aqueronte e da Ninfa Orfne, foi metamorfoseado em um mocho por Prosérpina (V, v. 539). Ascânio, Ascanius, -ii, filho de Eneias e, segundo algumas tradições, Creúsa. De acordo com outras, é filho de Eneias e Lavínia. Neto de Anquises e fundador da cidade de Alba (XIII, v. 627; XIV, v. 609). Asopíade, Asopiades, -ae, Éaco, descendente do deus-rio Asopo (VII, v. 484). Asopo, Asopos ou Asopus, -i, foi metamorfoseado por Júpiter em um rio, é filho de Oceano e Tétis, e pai de muitos filhos, entre eles, Éaco, fruto de sua união com a Ninfa Egina (VI, v. 113). Assáraco, Assaracus, -i, rei de Troia e, posteriormente, da Dardânia. Era avô de Anquises, o pai de Eneias (XI, v. 756). Astéria, Asterie, -es, uma das amantes de Júpiter. Essa personagem aparece apenas no mito Palas e Aracne, representada no bordado da deusa (VI, v. 108). Astíage, Astyages, -is, um guerreiro, partidário de Fineu, que lutou contra Perseu e por ele foi transformado em pedra (V, v. 203, 205). Astíanax, Astyanax, -actis, filho de Heitor e de Andrômaca. Segundo Grimal (2005), “após a morte de Heitor e a tomada de Troia, Astíanax foi reclamado pelos chefes gregos, designadamente por Ulisses, que lhe deram a morte precipitando-o do alto de uma 385
torre. Uma tradição mais recente refere que Astíanax não foi morto, mas fundou uma nova Troia” (p. 51) (XIII, v. 415). Astipaleia, Astypalaea, -ae, uma das ilhas Cíclades. O rei Minos andou pela região para conseguir aliados para sua guerra contra Egeu (VII, v. 461, 462). Astreia, Astraea, -ae, deusa da justiça. Transformou-se na constelação de Virgem. No contexto da mitologia grega, era filha de Zeus e Têmis e, antes de se metamorfosear em constelação, espalhava os sentimentos de justiça e de virtude entre os homens (I, v. 150). Astreu, Astreus, -eis, um homem, filho de pai palestino e mãe incerta, morto por Perseu (V, v. 144). Astreus, Astraeus, i, os quatro ventos cardinais (XIV, v. 545). Atalanta (ou Atalante), Atalanta, -ae, jovem muito bela, filha de Esqueneu que, por sua vez, era filho Átamas e Temisto. (X, v. 565, 598). Atamanes, Athamanes, -um, povo que vivia ao sul de Épiro (XV, v. 311). Atamante, Athamas, -antis, rei de Tebas. Era filho de Éolo e Enarete e tio de Penteu. Marido de Ino, com quem tinha os filhos Learco e Melicerta. (III, v. 562; IV, v. 420, 467, 471, 489, 497; XIII, v. 919). Atenas, Athenae, -arum, cidade grega, capital da Ática. Foi fundada por Cécrope em 1582 a.C. Seu nome deve-se à deusa Atena (ou Minerva, para os romanos), protetora da cidade (V, v. 652; VI, v. 421; VII, v. 507, 723; VIII, v. 262; XV, v. 430). Ática, Attica, -ae, região da Grécia, cuja capital é Atenas (VII, v. 492). Átis, 1. Athys, -ydis, um indiano de rara beleza, filho de Lineia e companheiro de Fineu (V, v. 47, 63, 72); 2. Attys, -yos, um jovem, filho do rio Sangario, amado de Cibele, transformado em pinheiro (X, v. 104). Atlântida (ou Atlantíade), Atlantiades, -ae, descendente de Atlas. Trata-se de Mercúrio, filho de Maia, filha de Atlas. (I, v. 681; II, v. 704, 834; IV, v. 368; VIII, v. 628).
Atlas, Atlas, ou Atlans, -antis, gigante que teve como castigo por lutar contra os deuses a pena de sustentar sobre os ombros o peso do mundo. Era um dos filhos dos Titãs Jápeto e Clímene, irmão de Prometeu, avô de Níobe e pertencia à geração divina dos seres desproporcionais, monstruosos, a encarnação de forças da natureza que atuava preparando a terra para receber a vida e os humanos (II, v. 296, 742; IV, v. 628, 632, 644, 646, 653, 657, 773; VI, v. 174; IX, v. 273; XV, v. 149). Atos, Athon, -onis ou Athos, um dos gigantes, filho da Terra e do Céu. Em uma batalha, jogou uma montanha em Júpiter que, por sua vez, rebateu-a para o chão perto da Macedônia. Por metonímia, significa um monte na Macedônia (II, v. 217; XI, v. 554). Atrácida, Atracis, -idis, habitante da Tessália (XII, v. 209). Atreu, Atreus, -ei, filho de Pélops e de Hipodâmia. Foi rei de Micenas. Casado com Aérope, com quem teve os filhos Agamêmnon e Menelau, chefes do exército grego na Guerra de Troia (XV, v. 855). Atrida, Atrida, -ae, filho de Atreu, i.e., Agamêmnon ou Menelau (XII, v. 623; XIII, v. 189, 230, 359, 365, 439, 655; XV, v. 162, 805). Áugure, augur, -uris. Segundo Brandão (1993), os áugures foram “[...] instituídos, segundo consta, pelo rei Numa Pompílio ou pelo próprio Rômulo, eram sacerdotes-magistrados e membros de um collegium, ‘colégio, corporação religiosa’, cujo importantíssimo dever consistia em dar presságios, convertendo-se em verdadeiros intérpretes da vontade divina.” (p. 41). N’As metamorfoses, o termo é utilizado para designar: 1.Tirésias (III, v. 347, 510); 2. Calcas (XII, v. 18, 307) e 3. Um arúspice tirreno (XV, v. 596). Augusto, Augustus, -i, título honorífico dado aos imperadores. De acordo com Brandão (1993), derivado do verbo augere (aumentar, fazer crescer, elevar em honra, glorificar), o adjetivo augustus, a, um significa “consagrado por áugures, iniciado com bons agouros” (p. 41). A partir de 27 a.C., o nome passou a ser usado para se referir a Caio Júlio César Otaviano Augusto, Gaius Iulius Caesar Octauianus Augustus, sobrinho de Júlio César e primeiro imperador de Roma (I, v. 204; XV, v. 860, 869). 386
Áulida (ou Aulis), Aulis, -idis, porto da Beócia onde as naus gregas esperaram antes de zarpar rumo à Troia (XII, v. 10; XIII, v. 182). Aurora, Aurora, -ae, esposa de Titão, mãe de Memnon, deusa da aurora, representada com dedos cor de rosa, que abrem as portas do céu ao Carro do Sol, responsável pelo tom purpúreo das horas matinais e por levar luz nova às fronteiras da noite (I, v. 61; II, v. 113, 144; III, v. 150, 184, 598; IV, v. 81, 630; V, v. 440; VI, v. 48; VII, v. 100, 209, 703, 721, 835; XI, v. 296, 598; XIII, v. 576, 594, 621; XIV, v. 228; XV, v. 665). Ausônia, Ausonia, -ae, antigo nome da região do Lácio, também usado para se referir a toda a península itálica (XIII, v. 708; XIV, v. 7, 320, 772, 786; XV, v. 647, 693). Austro, Auster, -tri, Noto, para os gregos, é o vento sul, vento do meio-dia, que é quente e carregado de umidade (I, v. 66; II, v. 853; V, v. 285; VII, v. 532, 660; VIII; v. 3, 121; XI, v. 192, 664; XII, v. 510; XIII, v. 725). Autólico, Autolycus, -i, filho de Mercúrio e Quíone, e avô de Ulisses. Era famoso por seus roubos. Casado com Mestra, filha de Erisícton, rei da Tessália (VIII, v. 741; XI, v. 313). Autoneu, Autonoeius, a, um, relativo a Actéon, filho de Autônoe (III, v. 198). Autônoe, Autonoe, -es, filha de Cadmo e esposa de Aristeu. Era a mãe de Actéon e tia de Penteu (III, v. 718). Aventino, Auentinus, -i, rei mítico de Alba Longa, foi enterrado no monte homônimo (XIV, v. 620).
Averno, Auernus, -i ou Auerna, -orum, nome que se dava a uma cratera perto de Cumas, na Campânia. Acreditava-se tratar-se da entrada do submundo. Posteriormente, passou a um nome alternativo para o inferno, lago dos infernos ou, por metonímia, o próprio submundo (X, v. 51; XIV, v. 105, 114). Babilônia, Babylonia, -ae, cidade da Mesopotâmia (IV, v. 44, 99). Bacante, Baccha, -ae ou Bacche, -es, as bacantes eram mulheres que celebravam os mistérios de Baco. Em Roma, o culto a Baco já acontecia desde o século II a.C. (III, v. 701; IV, v. 25; VII, v. 258; X, v. 642; XI, v. 17, 89).
Baco, Bacchus, -i, deus do vinho e da inspiração poética, pertence à segunda geração dos Olímpicos. Conhecido pelos gregos como Dioniso ou Dionísio, é também o deus do delírio místico. No contexto da mitologia romana, era filho de Júpiter e Sêmele, que, por sua vez, era filha de Cadmo e Harmonia (III, v. 315, 419, 570, 571, 627, 628; IV, v. 2, 11, 273, 416, 523, 765; VI, v. 488, 587, 596, 598; VII, v. 450; XI, v. 85, 134; XII, v. 578; XIII, v. 639, 669; XV, v. 114, 413). Baquíadas, Bacchiadae, -arum, família oligárquica que controlou Corinto por vários anos. Eles seriam ancestrais da filha de Baco (V, v. 407). Bato, Battus, -i, pastor metamorfoseado em pedra por Mercúrio (II, v. 688). Bátria, Bactrius, a, um, região histórica cuja capital era a cidade de Bactros (atual Balkh). Hoje, pertence em grande parte ao Afeganistão (V, v. 135). Báucis, Baucis, -idis, esposa de Filemon. O casal morava na Frígia, onde recebeu, com toda hospitalidade, a Júpiter e Mercúrio (VIII, v. 632, 641, 685, 708, 717, 718). Bélides, Belides, -um, filhas do rei de Argos, Dânao, casaram-se com seus primos e os mataram na noite de núpcias a mando do pai. Por conta desse crime, foram castigadas a eternamente encher de água um tonel sem fundo. Ovídio já aludira ao mito das Bélides na Ars amatoria I, 73-74 (IV, v. 463; X, v. 44). Belo, Belus, -i, primeiro rei dos assírios e pai de Nino (IV, v. 213). Belona, Bellona, -ae, correspondente à Ênio na mitologia grega, é a deusa romana da guerra. Seu nome deriva do vocábulo bellum, -i, luta, combate (V, v. 155). Beócia, Boeotia, -ae, região da Grécia antiga, cuja capital era Tebas. Era uma região fértil, rica em árvores frutíferas e situava-se ao norte do Golfo de Corinto. Foi conquistada por Filipe da Macedônia em 338 a.C. (II, v. 239; III, v. 13; XII, v. 9). Berecinto, Berecyntus, -i, monte localizado na Frígia, consagrado à deusa Cibele. Ovídio usa a expressão “herói de Berecinto” para se referir a Midas, o rei da Frígia (XI, v. 106). 387
Béroe, Beroe, -es, ama epidáuria de Sêmele. Béroe já era idosa e Juno assumiu sua forma para enganar Sêmele (III, v. 276). Bianor, Bienor, -oris, nome de um guerreiro morto por Teseu no confronto entre Centauros e Lápitas (XII, v. 345). Bíblis, Byblis, -idis ou -idos, filha de Mileto e de Ciânea; apaixonase por Caunos, seu irmão gêmeo e, porque este repele o seu amor, enlouquece e se metamorfoseia em uma fonte, cujas águas caem num vale também chamado Bíblis (IX, v. 453, 454, 455, 467, 533, 581, 643, 651, 656, 663). Bisáltis, Bisaltis, -idis, filha de Bisalte, i.e., Teófane, amada de Netuno (VI, v. 117). Boebe, Boebe, -es, lago da Tessália, um dos locais onde Medeia colhe ervas para um de seus feitiços (VII, v. 231). Boieiro, Bootes, -ae, constelação boreal, vizinha da Ursa Maior. Sua estrela mais brilhante é Arcturus (II, v. 176; VIII, v. 206; X, v. 447). Bois ibéricos, Bos, bouis e Iber, Iberis, rebanho de bois vermelhos, pertencentes ao monstro de três cabeças, Gerião. Alusão a um episódio constituinte dos 12 trabalhos de Hércules (XV, v. 12). Bóreas, Boreas, -ae, ver Aquilão (I, v. 65; II, v. 185; VI, v. 682, 702; XIII, v. 418, 727; XV, v. 471). Bosque do Ida, Ida, -ae e Ides, -es, bosque que fica na região da Frígia, atualmente Turquia (VII, v. 359). Bootes, Bootes, -ae, ver Boieiro (X, v. 447). Brisa, Aura, -ae, nome de uma Ninfa que seria supostamente amada por Céfalo (VII, v. 813, 837, 856). Brômio, Bromius, -ii, outro nome do deus Baco (IV, v. 11). Bromo, Bromus, -i, era um Centauro. Foi morto por Ceneu, juntamente com outros quatro Centauros (XII, v. 459). Bróteas, Broteas, -ae, 1. Irmão gêmeo de Ámon. Os dois guerreiros foram mortos por Fineu (V, v. 107); 2. Um guerreiro Lápita (XII, v. 262). Búbaso, Bubasis, -idis, cidade da Cária por onde passa Bíblis, quando parte por ter seu amor repelido por Caunos (IX, v. 644). Bubaste, Bubastes, -is, o nome da deusa Diana entre os egípcios (IX, v. 691).
Búris, Bura, -ae e Buris, -is, cidade da costa da Acaia, no Golfo de Corinto. Ovídio nos conta que Búris e Hélice, outra cidade da Acaia, encontram-se embaixo d’água e os navegantes que passam pela região veem somente suas ruínas submersas. Esse é um dos exemplos que a personagem Pitágoras dá sobre as mudanças que ocorrem na natureza (XV, v. 293). Busíris, Busiris, -is, rei do Egito, um faraó que, segundo a lenda, sacrificava a seus deuses todos os estrangeiros que entravam em seu país (IX, v. 183). Butes, Butes, -ae, filho de Palas, o irmão de Egeu. Companheiro de Céfalo, juntamente com seu irmão, Clíton (VII, v. 500). Butroto, Buthrotum, -i, cidade marítma do Épiro. Fundada à semelhança de Troia por Andrômaca e Heleno, irmão de Heitor (XIII, v. 721). Cadmeia, Cadmeis, -idis, Sêmele, a filha de Cadmo (III, v. 285). Cadmo, Cadmus, -i, fundador de Tebas, filho de Agenor, irmão de Europa. Quando Júpiter raptou Europa, seu pai lhe incumbiu a missão de procurá-la, dizendo a Cadmo que ele não poderia retornar para casa enquanto não cumprisse a tarefa. Cadmo consulta desesperado os oráculos de Febo (ou délficos) que lhe aconselham a seguir uma vaca. Onde ela primeiro se deitasse, Cadmo deveria fundar uma nova cidade. A vaca o guiou a uma determinada região onde o filho de Agenor fundou a Cadmeia, que futuramente se tornaria uma grande cidade: Tebas. A história da fundação da cidade e da vitória de Cadmo sobre uma serpente (ou dragão) que habitava a região é contada no Livro III. O fundador de Tebas posteriormente se casou com Harmonia, filha de Marte e Vênus. Da sua união nasceram as filhas Ino, Sêmele, Autônoe (mãe de Actéon) e Agave (mãe de Penteu), e o filho Polidoro (III, v. 3, 14, 24, 115, 131, 138, 174; IV, v. 470, 572, 591, 592; VI, v. 177). Cafareu, Caphereus, -ei, promontório da Eubeia. Nesse local, o principal comboio dos aqueus, que regressava da Guerra de Troia, foi despedaçado (XIV, v. 472, 481). Caíco, Caicus, -i, rio da Mísia, localizado na região da Ásia Menor. No episódio em que Faetonte conduz o Carro do Sol, o Caíco foi um dos poucos rios que não secou. Em outro momento d’As 388
metamorfoses, na narrativa do mito Aquiles e Cicno, a personagem Aquiles narra como o rio tornou-se da cor do sangue após o saque feito pelos gregos na Mísia (II, v. 243; XII, v. 111; XV, v. 278). Caieta, Caieta, -ae, a ama de Eneias (XIV, v. 443). Caístro, Caystrus, -tri, rio da Lídia, conhecido por seus cisnes (II, v. 253; V, v. 386). Cálais, Calais, -is, filho de Aquilão e de Orítia e irmão gêmeo de Zetes; tornou-se um Argonauta (VI, v. 716). Calaurea, Calauria, -ae, ilha localizada na costa noroeste do Peloponeso, local da metamorfose de um rei e de uma rainha em pássaros (VII, v. 384). Cálidon, Calydon,-is, cidade da Etólia, na Grécia. Meleagro era o grande herói da cidade (VI, v. 415; VIII, v. 270, 495, 526; IX, v. 147). Calimnos, Calymne, -es, pequena ilha do mar Egeu, fecunda em mel, localizada entre Samos e Cós. Nessa ilha, o jovem Ícaro, animado pelo vôo, separa-se do pai, Dédalo (VIII, v. 222). Calíope, Calliope, -es e Calliopea, -ae, uma das nove Musas do Helicão. A partir da época alexandrina atribui-se a ela o domínio da poesia lírica (V, v. 339). Calírroe, Callirhoe, -es, uma das filhas de Aqueloo, chamadas aqueloides. Suas irmãs eram Castália, Pirene e Dirce (IX, v. 414, 432). Calisto, Callisto, -us (ou -onis) filha de Licáon, rei da Arcádia, e companheira de Diana. Mãe de Árcade e, segundo algumas tradições, do deus Pã. (Livro II). Camenas, Camenae, -arum, Ninfas do rio Tibre, de cantos proféticos, identificadas com as Musas que realizam um rito em nome de Canente (XIV, 434; XV, v. 482). Cânaque, Canache, -es, uma das cadelas de caça de Actéon (III, v. 217). Câncer, Cancer, cancri, e canceris, caranguejo transformado em constelação pela deusa Juno. Corresponde também ao ponto cardial oeste e ao signo do Zodíaco (II, v. 83; IV, v. 625; X, v. 127). Canente, Canens, -entis, 1. Epíteto de uma Ninfa latina que personifica o Canto, esposa de Pico, filha de Jano (XIV, v. 338, 381,
383, 417); 2. Rito realizado pelas Camenas, por ocasião da morte da Ninfa Canente (XIV, v. 433). Canopo, Canopus, -i, cidade e importante centro religioso localizada no Egito Inferior, em uma ilha próxima ao Nilo (XV, v. 828). Caônia, Chaonis, -idis e Chaonius, a, um, região do Epiro, no Mediterrâneo, atualmente conhecido como Janina (V, v. 163; X, v. 90; XIII, v. 717) Caos, Chaos, -i, o mais antigo dos deuses. Ovídio identifica-o, por sua vez, como uma massa informe existente junto às origens do mundo, com todos os elementos desordenadamente misturados (I, v. 7; II, v. 299; X, v. 30; XIV, v. 404). Capaneu, Capaneus, -eos, -ei, príncipe de Argos, foi um dos sete homens no cerco de Tebas. Morreu fulminado por Júpiter nesse conflito (IX, v. 404). Cápetus, Capetus, -i, rei de Alba Longa, sucessor de Cápis (XIV, v. 613). Cápis, Capys, -pyos, -pys, ou -pyis, filho de Assáraco. Fundador da cidade de Cápua e companheiro de Eneias. É o pai de Anquises (XIV, v. 613, 614). Capitólio, Capitolia, -orum, uma das sete colinas de Roma em que havia um templo de Júpiter. Representava a sede do poder romano (I, v. 560; II, v. 538; XV, v. 589, 828, 841). Capri, Capreae, -arum, localidade litorânea da Campânia, próxima a Nápolis e a Pompeia (XV, v. 709). Capricórnio, Haedus, -i, o vocábulo latino significa “cabrito”, daí o nome da constelação, já que Capricórnio representa uma cabra com cauda de peixe (XIV, v. 711). Caraxo, Charaxus, -i, um Centauro morto violentamente por Reto, durante a batalha entre Centauros e Lápitas (XII, v. 272). Cária, Cares, -um, região ao sul da Jônia, na atual Turquia. É um dos locais por onde passa Bíblis, quando parte por ter seu amor repelido por Caunos (IX, v. 645). Caribdes (ou Caríbdis), Charybdis, -is, filha de Netuno e de Terra, que tem a forma de monstro marinho (VII, v. 63; VIII, v. 121; XIII, v. 730; XIV, v. 75). 389
Cáriclo, Chariclo, -us, uma das servas de Minerva. Cáriclo era esposa de Quirão, mãe de Tirésias, célebre adivinho dos tempos heroicos (II, v. 636). Cárope, Charops, -opis, guerreiro troiano morto por Ulisses (XIII, v. 260). Carpátio, Carpathius, -a, -um, aquele que é de Cárpatos, ilha do mar Egeu (XI, v. 249). Carteia (ou Carteias), Carthaea, -ae, cidade localizada na ilha de Céos, componente do arquipélago das Cícladas (VII, v. 368; X, v. 109). Cassíope, Cassiope, -es, esposa de Cefeu e mãe de Andrômeda. Foi uma jovem salva da morte por Perseu (IV, v. 738). Castália, Castalius, a, um, fonte perto de Delfos e do monte Parnaso, fruto da metamorfose da Náiade de mesmo nome (III, v. 14). Cástor, Castor, -oris, irmão gêmeo de Pólux. Conhecidos como Dióscuros (“filhos de Zeus”), Cástor e Pólux são filhos de Zeus e Leda, e eram cultuados como divindades, protetores dos navegantes. Participaram da expedição dos Argonautas. Cástor, juntamente com Pólux, foi metamorfoseado na constelação de Gêmeos. Cástor e Pólux também são chamados de gêmeos Tindáridas porque são filhos de Leda com seu marido Tíndaro, rei de Esparta. No mito, os gêmeos partilham a mesma mãe, mas com pais diferentes. Na noite em que Leda concebe Cástor de sua relação com Tíndaro, também concebe Pólux, de Zeus. (XII, v. 401). Castro, Castrum, -i, cidade do Lácio, localizada entre Ântio e Árdea (XV, v. 727). Cáucaso, Caucasus, -i, cadeia de montanhas ao norte da Armênia, entre o mar Negro e o mar Cáspio. Essa região ficou em chamas após a aproximação do Carro do Sol, guiado por Faetonte (II, v. 224; V, v. 86; VIII, v. 801). Caulônia, Caulon, -onis e Caulonea, -ae, cidade do Brútio. Local de passagem da embarcação de Esculápio (XV, v. 705). Caunos, Caunus, -i, filho de Mileto e irmão de Bíblis. Após fugir do amor repreensível que sua irmã nutre por ele, funda a cidade de Caunos, na região da Cária (IX, v. 453, 488, 489, 580).
Cebrena, Cebrenis, -idis, trata-se de Hespéria, a filha do rio Cebrênis, da Tróade (XI, v. 769). Cécrope (ou Cecrópio), 1. Cecrops, -opis, fundador e primeiro rei de Atenas (II, v. 555, 784, 797, 806); 2. Cecropia, -ae, a própria cidade de Atenas (VI, v. 70; VII, v. 486; XV, v. 427); 3. Cecropius, -a, -um, aquele que é de Atenas (VI, v. 446; XI, v. 93). Cecrópida, Cecropides, -ae, 1. O descendente de Cécrope, Egeu, rei de Atenas e pai de Teseu (VII, v. 502, 671; VIII, v. 551); 2. Cecropides, -idum, as atenienses, i.e., as irmãs Procne e Filomela (VI, v. 667). Céfalo, Cephalus, -i, filho de Éolo e esposo de Prócris, filha de Erecteu, rei de Atenas (VI, v. 681; VII, v. 493, 495, 502, 512, 665, 666, 865; VIII, v. 4). Cefeu, Cepheus, -ei, filho de Belo e irmão de Fineu; era o rei da Etiópia. Pai de Andrômeda e marido de Cassíope. Quando morreu, foi sucedido no trono por Perses, seu neto, filho de Perseu (IV, v. 738, 764; V, v. 1, 12, 42, 44, 97). Céfiso (ou Cefiso, ou Cefisos), Cephisos, -i, Cefiso, rio da Grécia setentrional, que atravessa a Dórida, a Fócida e a Beócia, e que se vai lançar no Golfo da Eubeia. Por meio do substantivo Cephisius o latim se refere a “o filho de Cefiso”, Narciso (I, v. 369; III, v. 19, 341, 349; VII, v. 388, 438). Cefísio, Cephisius, a, um, o filho de Céfiso, i.e., Narciso (III, v. 349). Cêix, Ceyx, -ycis, rei da Tessália, filho de Lúcifer e esposo de Alcíone. Assim como a esposa, metamorfoseou-se em uma ave (XI, v. 272, 411, 461, 544, 561, 587, 653, 658, 673, 685, 727, 739). Celadonte, Celadon, -ontis, 1. Guerreiro morto por Perseu (V, v. 144); 2. Um dos Lápitas (XII, v. 250). Celmo, Celmus, -i, mítico protetor de Júpiter menino no monte Ida cretense. Mais tarde, foi metamorfoseado em metal (IV, v. 282). Cencreis, Cenchreis, -idis, esposa de Cíniras e mãe de Mirra (X, v. 435). Ceneu, Caeneus, -ei, filho do Lápita Elato. Nascida mulher, tinha o nome de Cênis e foi violentada por Netuno. Como compensação, pediu ao deus que a transformasse em homem invulnerável. 390
Posteriormente foi metamorfoseado em pássaro (VIII, v. 305; XII, v. 172, 173, 179, 459, 476, 490, 497, 514, 531). Cênis, Caenis, -idis, a mais bela das donzelas da Tessália, filha do Lápita Elato, foi metamorfoseada em homem por Netuno. Quando homem passou a chamar-se Ceneu (XII, v.189, 195, 201, 470, 471). Centauro, Centaurus, -i, seres monstruosos, meio homens, meio cavalos. De acordo com Grimal (2005), “têm busto de homens e, às vezes, também as pernas, mas a parte posterior do corpo, a partir do busto, é de cavalo e, pelo menos na época clássica, têm quatro patas de cavalo e dois braços de homem. Vivem nas montanhas e nas florestas, alimentam-se de carne crua e têm costumes extremamente brutais.” (p. 82). Os Centauros travaram luta contra os Lápitas, um povo da Tessália, comandado por Pirítoo e Teseu (II, v. 636; IX, v. 191; XII, v. 219, 536). Céos ou Ceos, Cea, -ae, ilha do mar Egeu onde nasceu Simônides, uma das Cíclades. Local por onde passa Medeia (VII, v. 368; X, v. 120). Cerambo, Cerambus, -i, amigo das Ninfas, foi transformado em uma criatura alada para escapar do dilúvio (VII, v. 353). Cérano, Coeranus, -i, um guerreiro, filho de Ífito. Combateu ao lado de Sarpédon na Guerra de Troia (XIII, v. 257). Cerastas, Cerastes, -ae, serpente do Egito, que possuía na fronte um par de chifres (X, v. 223). Cérbero, Cerberus, -i, cão monstruoso de múltiplas cabeças e cobras ao redor do pescoço que guardava a entrada do Hades, o reino subterrâneo dos mortos (IV, v. 450, 501; VII, v. 413; IX, v. 185; XIV, v. 65). Cercion, Cercyon, -onis, um assaltante que aterrorizava a cidade de Elêusis, devota de Ceres, desafiando todos os viajantes que ali chegavam, até ser morto por Teseu (VII, v. 439). Cércopes, Cercopes, -um, povo metamorfoseado em macacos por Júpiter (XIV, v. 92). Ceres, Ceres, -eris, deusa romana equivalente à Deméter, dos gregos. Filha de Saturno e Cibele, é irmã de Juno, Vesta, Netuno e Plutão, além de irmã e amante de Júpiter, com quem teve Prosérpina. É a deusa do trigo, das searas, das colheitas, das plantas que brotam
(mais especificamente os grãos) e do amor maternal (III, v. 435; V, v. 109, 341, 343, 376, 415, 533, 572, 655, 660; VIII, v. 274, 292, 744, 774, 781, 788, 817; IX, v. 422; X, v. 74, 431; XI, v. 112). César, Caesar, -aris, César era o título dos imperadores e príncipes romanos. Também é o sobrenome da família Julia, de Júlio César e Otávio Augusto (XV, v. 746, 750, 845). Cesto, Caestus, -us, era uma espécie de luvas de couro guarnecidas com chumbo, usadas na disputa do pugilato (V, v. 107, 108; VIII, v. 301). Ceu, Coeus, -i, Titã, filho da Terra e do Céu, que, juntamente com outra Titã, Febe, veio a gerar Latona (VI, v. 185, 366). Chipre, Cyprus, i-, grande ilha localizada no mar Egeu, no Mediterrâneo, local onde era célebre a festa em honra à deusa Vênus (X, v. 270, 645, 718; XIV, v. 696). Ciane, Cyane, -es, Ninfa da Sicília, companheira de Prosérpina. Por tanto chorar, é dissolvida em uma fonte que carrega seu nome (V, v. 412, 425, 465). Ciane, Cyane, -es, rio localizado no território de Siracusa, onde havia uma baía, morada da mais célebre Ninfa siciliana, chamada também de Ciane (V, v. 409). Ciânea, Cyanee, -es, uma Ninfa, filha do rio Meandro e mãe dos gêmeos Bíblis e Caunos (IX, v. 452). Cibele, Cybele, -es, a grande mãe dos deuses, mulher e irmã de Saturno (X, v. 104). Cíclades, Cyclades, -um, arquipélago localizado no mar Egeu, próximo ao continente grego (II, v. 264). Ciclopes, Cyclops, -opis, filhos do Céu e da Terra e ferreiros de Vulcano, possuem incomensurável força e grande habilidade manual. Têm apenas um olho localizado em sua testa. Aliaram-se aos olímpicos contra os Titãs, fornecendo a Júpiter o raio e o trovão. Assim, são sempre considerados como os fabricantes dos raios divinos (I, v. 259; III, v. 303; XIII, v. 744, 755, 756, 780, 860, 876, 882; XIV, v. 2, 174, 249; XV, v. 93). Cicno, Cygnus, -i, filho de Estênelo, metamorfoseado em cisne (XII, v. 72, 75, 76, 101, 122, 125, 138, 150, 164, 171). 391
Cícones, Cicones, -um, povo da Trácia (VI, v. 710; X, v. 2; XI, v. 3; XV, v. 313). Cidônea, Cydoneus, a, um, que é relativo à Cidon, cidade de Creta. Por extensão, Cretenses (VIII, v. 22) Cila, Scylla, -ae, 1. Filha de Forco e irmã das Górgonas, foi uma Ninfa metamorfoseada em monstro marinho. Seu nome é atribuído a um golfo localizado no mar da Sicília (VII, v. 65; XIII, v. 730, 900, 967; XIV, v. 18, 39, 52, 59, 70); 2. Filha de Niso, metamorfoseada em uma ave, Círis (VIII, v. 91, 104); 3. Cidade da Mísia (XIII, v. 174). Cílaro, Cyllarus, -i, jovem Centauro de muita beleza, que era amado pela Centaura Hilônome (XII, v. 393, 408, 421). Cilene, Cyllene, -es, Ninfa da Arcádia, esposa de Licáon. Foi ela quem deu nome ao monte Cilene, onde teria nascido Mercúrio (I, v. 217, 607; VII, v. 386; XI, v. 304). Cilênio, Cyllenius, -i, epíteto de Mercúrio, em referência ao monte Cilene, onde ele nasceu (I, v. 712; II, v. 720, 818; V, v. 331; XIII, v. 146; XIV, v. 291). Cileu, Scylaceus, a, um, Cileu (Scylaceum, -i) é uma cidade localizada no extremo sul da península Itálica na face banhada pelo mar Tirreno (região de Brútio), do lado oposto do estreito de Messina (cidade da Sicília) (XV, v. 702). Cilícia, Cilix, -icis, região da Ásia Menor, assim nomeada em homenagem ao filho de Agenor, chamado Cilice (II, v. 217). Cimelo, Cymelus, -i, um Lápita que lutou no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 454). Cimérios, Cimerii, -iorum, povo lendário de uma região onde nunca se via o sol (XI, v. 592). Címolo, Cimolus, -i, uma das ilhas Cíclades, um dos locais onde Minos busca aliados para a guerra que trava contra Egeu (VII, v. 463). Cinífio, Cinyphius, a, um, relativo ao rio Cínife, pequeno rio da Líbia (V, v. 124; VII, v. 272; XV, v. 755). Cíniras ou Ciniras, Cinyras, -ae, 1. Filho de Sandocus e Pharnace. Foi rei de Chipre. Casou-se com Metharme, com quem teve dois filhos: Adônis e Mirra (X, v. 299, 338, 343, 356, 361, 380, 438, 464,
472; XI, v. 712); 2. Rei da Assíria que teve as filhas transformadas em escadas de um templo pela deusa Juno (VI, v. 98). Cíntia, Cynthia, -ae, outro nome dado à deusa Diana, fazendo referência ao monte Cinto, onde ela era venerada (II, v. 465; VII, v. 755; XV, v. 537). Cinto, Cynthus, -i, monte situado na ilha de Delos, onde nasceram Febo e Diana (II, v. 221; VI, v. 204). Ciparisso, Cyparissus, -i, filho de Télefo. Foi transformado em cipreste (X, v. 121, 130). Cipo, Cipus (ou Cippus), -i, lendário personagem romano dos primeiros tempos da República (XV, v. 565, 580, 581, 609, 617). Cíprio, Cyprio, -onis, um dos cães de caça de Actéon, irmão de Licisca (III, v. 220). Circe, Circe, -es, feiticeira, filha da deusa Hécate com Eetes, ou, em outras versões, do Sol e da Ninfa Perseis, célebre por metamorfosear homens em animais (IV, v. 205; XIII, v. 968; XIV, v. 10, 25, 69, 71, 247, 290, 294, 312, 376, 385, 399). Círis, Ciris, -is, garça em que se metamorfoseou Cila, a filha de Niso (VIII, v. 151). Ciros, Scyrus, -i, ilha do mar Egeu. Segundo a mitologia grega, a ilha é o local de morte de Teseu e também o local onde Aquiles viveu por um certo tempo, até ser buscado por Ulisses e Diomedes para lutar na Guerra de Troia (XIII, v. 156, 175). Cisne, Cycnus, -i, ver Cicno (II, v. 367, 377). Citera, Cythereis, -idis, ilha do mar Egeu, onde se cultuava a deusa Vênus (IV, v. 288). Citereia, Cythereia, -ae, outro nome utilizado para a deusa de Vênus, que possuía um santuário em Citera, ilha do mar Egeu (IV, v. 190; X, v. 529, 640, 717; XIV. v, 487; XV, v. 803, 816). Citero (ou Citéron) Cithaeron, -onis, monte entre a Beócia e a Ática, incendiado por Faetonte quando este tentou dirigir o carro de seu pai, o Sol (II, v. 223; III, v. 700). Cítia, Scythia, -ae, região da Eurásia, habitada na antiguidade por um grupo de povos iranianos. A Cítia foi incendiada por Faetonte quando este tentou dirigir o carro de seu pai, o Sol (I, v. 64; II, v. 224; VIII, v. 791, 800). 392
Citno, Cythnus, -i, ilha do Mediterrâneo, localizada na Grécia, próxima à ilha Ciaro. Local por onde passa Minerva quando esta se dirige ao monte Helicão (V, v. 252). Cítore (ou Citoro), Cytoriacus, a, um, monte da Ásia Menor, na zona do mar Negro (IV, v. 311; VI, v. 132). Clane, Clanis, -is, guerreiro morto por Perseu em seu confronto com Fineu (V, v. 140, 143). Clânis, Clanis, -is, um dos Centauros que lutou na batalha contra os Lápitas (XII, v. 379). Claros, Claros, -i, cidade da Jônia, célebre por seu oráculo de Febo (I, v. 516; XI, v. 413). Cleone, Cleonae, -arum, cidade humilde da Argólida, vizinha da Trácia (VI, v. 417). Clímene, Clymene, -es, era esposa do rei da Etiópia. Teve uma ligação com o Sol (deus Hélio), da qual nasceu Faetonte (I, v. 755, 764; II, v. 37, 43, 333; IV, v. 204; V, v. 98). Climeno, Clymenus, -i, companheiro de Fineu, lutou no confronto entre Perseu e Fineu (V, v. 98). Clítia, Clytie, -es, uma das Ninfas Oceânides, amada e depois abandonada pelo Sol, metamorfoseada em girassol (IV, v. 206, 234, 256). Clítio, Clytius, -i, um guerreiro, irmão de Clane. No combate entre Fineu e Perseu foi morto pelo último (V, v. 140, 142). Clito, Clytus, -i, nome de um Centauro morto por Perseu em seu confronto com Fineu (V, v. 87). Clíton, Clytos, -is, filho de Palas, o irmão de Egeu. Aparece citado como companheiro de Céfalo, juntamente com seu irmão, Butes (VII, v. 500). Clítor, Clitor, -oris, nome de uma cidade e de um rio da Arcádia, afluente do rio Aroânio. De acordo com a narrativa de Ovídio, quem bebesse da água do rio Clítor viraria abstêmio (XV, v. 322). Cnido, Gnidius ou Gnidus, -i, era uma antiga cidade grega, atual Tekir, na Turquia. Havia vários santuários de Vênus nesta cidade (X, v. 531). Cnosso, Gnossos, Gnossus ou Gnosus, -i, capital da Creta Antiga, onde residia o rei Minos (III, v. 208).
Cócalo, Cocalus, -i, rei de Câmicos, futura Agrigento, na Sicília, que acolhe em sua corte Dédalo, protegendo-o de Minos (VIII, v. 261). Cólquida, Cholcis, -idos, uma província da Ásia Menor, também conhecida por ser a pátria de Medeia (VII, v. 120, 296, 301, 331, 348). Combe, Combe, -es, filha de Ófias, metamorfoseada em ave (VII, v. 383). Cometes, Cometes, -ae, um dos Lápitas que lutou no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 284). Corícidas, Corycides, -um, são ninfas da gruta Corícia, ninfas do Parnaso, isto é, as Musas (I, 320). Corinto, Corinthus, -i, localizada na Grécia, é uma cidade da península que liga a Ática com o Peloponeso. Era chamada Bimaris, porque foi construída no Istmo do Peloponeso, voltada, de um lado, para o mar Egeu e, do outro, para o mar Jônio (V, v. 407; VI, v. 416). Córito, Corythus, -i, 1. Filho de Páris e de Enone. Pai de Dardano (VII, v. 361); 2. Um dos Lápitas que lutou contra os Centauros (XII, v. 290, 292). Cornucópia, Cornucopia, -ae, símbolo mitológico da fortuna ou abundância, representado por um corno cheio de flores e frutos, e que nos dias atuais simboliza a agricultura e o comércio (IX, v. 88). Coronas, Coronae, -arum ou Coroni, -orum, gêmeas nascidas das cinzas de sua mãe (XIII, v. 698). Coroneo, Coroneus, -ei ou -eos, rei ilustre da Fócida e pai de Corônis (II, v. 569). Coronida, Coronides, -ae, Esculápio, filho de Corônis e de Febo. Era cultuado como deus da Saúde e, por extensão, da Medicina (XV, v. 624). Corônis, Coronis, -idis, uma Ninfa, filha de Coroneo, amante de Febo e mãe de Esculápio (II, v. 542, 599). Cós, Cos, -i, ilha grega na costa de Cária, perto de Halicarnasso. Local onde mulheres vestiam chifres (VII, v. 363). Cragon, Cragus, -i, monte e promontório da Lícia. É um dos locais por onde passa Bíblis quando parte por ter seu amor repelido por Caunos (IX, v. 646). 393
Crantor, Crantor, -oris, o escudeiro preferido de Peleu, foi morto no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 361, 366). Crateide, Crateis, -idis, Hécate, mãe de Cila (XIII, v. 749). Crátis, Crathis, -is, rio afluente do Síbaris, que desaguava na cidade de mesmo nome ao sul da Itália na costa leste de Brútio. Os rios Crátis e Síbaris tornavam os fios dos cabelos de quem mergulhava neles como se feitos de âmbar e ouro (XV, v. 315). Credulidade, Credulitas, -atis, personificação do sentimento de fé, crença (XII, v. 59) Creneu, Crenaeus, -i, um Centauro que lutou na batalha contra os Lápitas (XII, v. 313 Creta, Crete, -es, a maior ilha do Mediterrâneo, ao sul do mar Egeu, onde vivia o Minotauro (VII, v. 434; VIII, v. 99, 118, 183; IX, v. 666, 668, 735; XIII, v. 706; XV, v. 540, 541). Crisa, Chrysa, -ae, cidade consagrada a Febo (XIII, v. 174). Crócale, Crocale, -es, Ninfa, filha do rio Ismeno, a mais douta das companheiras de Diana (III, v.169). Crócon, Crocos, -i, jovem, amante de Esmílace, transformado em açafrão (IV, v. 283). Crômio, Chromium, -i, um guerreiro que combateu na Guerra de Troia, companheiro de Sarpédon (XIII, v. 257). Cromis, Chromis, -is, 1. Centauro morto por Pirítoo (XII, v. 333); 2. Um guerreiro que mata Emátion, um senhor decente e temente aos deuses, durante a luta travada entre Fineu e Perseu (V, v. 103). Cromion, Cromyon, -onis, aldeia localizada em Corinto, onde Teseu matou um porco selvagem que aterrorizava os moradores (VII, v. 435). Cróton, Croton, -onis, herói ao qual se relaciona a fundação da cidade de Crotona. Acolheu Hércules, quando este voltava da procura pelos bois de Gerião (XV, v. 15, 55). Cumas, Cumae, -arum, e Cume ou Cyme, -es, cidade da Campânia, habitada por Sibila (XIV, v. 104; XV, v. 712). Cupido, Cupido, -inis, filho de Vênus e Marte, deus do amor. Sua representação é a de um menino alado, volitante, e armado geralmente de arco e flecha, além, muitas vezes, de uma tocha acesa. Suas flechas são certeiras e, envenenadas de amor e paixão,
destroçam o coração de suas vítimas fazendo-as absolutamente submissas ao sentimento amoroso (I, v. 453; IV, v. 321; V, v. 366; VII, v. 73; IX, v. 482, 543; X, v. 311). Cures, Cures, -ium, antiga capital dos sabinos, na Itália, identificada como a pátria de Numa Pompílio, o sucessor de Rômulo (XIV, v. 778; XV, v. 7). Curetes, Curetae, -arum, sacerdotes que protegeram Júpiter quando criança, em Creta, das investidas de Saturno (IV, v. 282). Curétida, Curetis, -idis, de Creta. Relativo aos Curetes, sacerdotes de Cibele em Creta, que velaram pela infância de Zeus, em Creta. O adjetivo é metonímia para cretense (VIII, v. 153). Dáfnis ideu, Daphnidis Idaei, filho de Mercúrio que, por trair uma ninfa, recebeu como vingança a cegueira e a transformação em pedra. Apesar do epíteto “ideu” (“do Monte Ida”, com um correspondente em Creta e outro na Ásia Menor), sua lenda era localizada na Sicília (IV, v. 277) Dafne, Daphne, -es, filha de Peneu que foi transformada em loureiro (I, 452). Damasícton, Damasichthon, -onis, um dos filhos de Anfião e Níobe que pereceu sob as flechas de Febo (VI, v. 254). Dânae, Danae, -es, filha do rei de Argos, Acrísio, e de Eurídice. É a progenitora de Perseu, juntamente com Júpiter (IV, v. 611; VI, v. 113; XI, v. 117). Dânaos, Danai, -orum, os gregos do cerco de Troia (XII, v. 13, 69; XIII, v. 59, 92, 134, 181, 238, 327, 467, 472). Dáulide, Daulis, -idis, cidade antiga da Fócida, próxima à Beócia, no caminho entre Orcômeno e Queroneia até Delfos. Seu nome teria derivado da Ninfa Dáulide, filha de Cefiso (V, v. 276). Dauno Iapígio, Iapyge Dauno, avô de Turno, rei dos Rútulos (XIV, v. 458, 510). Dedálion, Daedalion, -onis, filho de Lúcifer, pai de Quíone, metamorfoseado em falcão por Febo (XI, v. 295, 340). Dédalo, Daedalus, -i, pai de Ícaro, com quem cumpriu exílio na ilha de Creta e de onde, também juntamente com ele, fugiu, já que, engenhoso como era, construíra um par de asas, unidas por cera, 394
para ele e para o filho (VIII, v. 159, 166, 183, 240, 250, 261; X, v. 742). Deífobo, Deiphobus, -i, filho de Príamo e Hécuba. Foi príncipe de Troia e ficou com Helena após a morte de Páris. Foi assassinado por Menelau (XII, v. 547). Deiônida, Deionides, -ae, filho de Deioneu, rei lendário da Fócida (IX, v. 443). Dejanira, Deianira, -ae, filha de Eneu, lendário rei de Cálidon, e irmã de Meleagro. Era uma mulher forte, sabia conduzir um carro e conhecia a arte da guerra. Foi esposa de Hércules com quem teve um filho, Hilo (IX, v. 9, 138). Délfico, Delphicus, -i, epíteto para Apolo (II, v. 543, 677). Delfo (ou Delfos), Delphi, -orum, antiga cidade grega, na Fócida, terra do oráculo de Febo (IX, v. 332; X, v. 168; XI, v. 304; XV, v. 144, 631). Délio, Delius, a, um, referência a Febo, nascido em Delos (I, 454). Delos, Delos, -i, ilha do mar Egeu, uma das Cíclades, ao norte de Paros, onde nasceram Febo e Diana. Havia na ilha um santuário dedicado ao deus que atraiu inúmeros peregrinos na Antiguidade fazendo de Delos um porto movimentado e florescente (III, v. 595; VI, v. 191, 333; VIII, v. 221; IX, v. 332; XV, v. 541). Deméter, vide Ceres. Demoleonte, Demoleon, -ontis, um Centauro que lutou no confronto entre os Lápitas e os Centauros (XII, v. 356, 368). Deo, Deoius, -a, -um, outro nome da deusa Ceres (VI, v. 114). Dércetis, Dercetis, -is, divindade síria, cuja figura representava uma mulher da cintura para cima, e cuja parte inferior terminava em rabo de peixe. Teve, com um sacerdote, uma filha, Semíramis, rainha da Babilônia (IV, v. 45). Destino, Fatum, -i, personificação do destino, futuro (IX, v. 434). Deucalião, Deucalion, -onis, filho de Prometeu e de Pandora, e marido de Pirra. Era um príncipe piedoso que reinava na Tessália. Ele e a esposa foram os únicos sobreviventes do dilúvio desencadeado por Júpiter, tendo assim a missão de repovoar a terra (I, v. 318, 350).
Dia, Dia, -ae, outra designação para a ilha de Naxos, uma das Cíclades, no Mar Egeu (III, v. 688; VIII, v. 174). Diana, Diana, -ae, filha de Júpiter, irmã de Febo, deusa da caça, dos animais selvagens e domésticos e das Ninfas da Arcádia, sendo conhecida por seu voto de castidade. Suas Ninfas tinham o dever de também, como ela, permanecerem virgens. Na mitologia grega corresponde a Ártemis (I, v. 487, 694; II, v. 425, 451; III, v. 156, 180, 185; IV, v. 304; V, v. 375, 619; VI, v. 415; VII, v. 746; VIII, v. 272, 353, 395, 579; IX, v. 89; X, v. 536; XI, v. 321; XII, v. 35; XIII, v. 185; XIV, v. 331; XV, v. 196, 489). Dicteu, Dictaeus, a, um, de Creta, relativo ao monte Dicte, ao leste de Creta. Quando Júpiter, disfarçado de touro, rapta Europa, ele revela sua verdadeira forma nos campos dicteus (no original Dictaeaque rura) (III, v. 2, 223; VIII, v. 43). Dictina, Dictynna, -ae, outra designação que remete à deusa Diana. Era o epíteto da deusa em Creta (II, v. 441). Díctis, Dictys, -yis ou –yos, um dos Centauros que foi morto por Pirítoo (III, v. 613; XII, v. 334, 337). Dídime, Didyme, -es, ilha do mar Egeu que não se aliou a Minos na guerra contra Fineu (VII, v. 469). Dimas, Dymas, -antis, rei da Trácia, pai de Hécuba (XI, v. 761). Díndimo, Dindymus, -i, montanha da Frígia que ficou queimada após Faetonte aproximar-se enquanto dirigia o Carro do Sol (II, v. 223). Diomedes, Diomedes, -is, filho de Tideu com Deipile, uma das filhas de Adrasto. Foi rei da Trácia (XIII, v. 100, 103, 242; XIV, v. 457, 492; XV, v. 806). Dirce, Dirce, -es, era uma das aqueloas, i.e., uma das Ninfas filhas do rio Aqueloo. Havia uma fonte também chamada Dirce próxima a Tebas e é a esta fonte que Ovídio faz referência (II, v. 239). Dite, Dis ou Ditis, Ditis, nome latino de Plutão, deus dos Infernos (IV, v. 438, 511; V, v. 384; XV, v. 535). Diteu, Dictaeus, a, um, pai de Teleste e avô de Iante (IX, v. 717). Dodona, Dodona, -ae, cidade da Caônia, terra dos carvalhos falantes (XIII, v. 716). 395
Dolon, Dolon, -onis, um espião troiano morto por Diomedes e Ulisses (XIII, v. 98, 244). Dólopes, Dolopes, -um, uma tribo da Trácia, que vivia a sudoeste da Tessália. Seu soberano era Amintor (XII, v. 364). Dorceu, Dorceus, -ei ou -eos, um dos cães de caça de Actéon (III, v. 210). Dórilas, Dorylas, -ae, guerreiro morto no confronto entre Perseu e Fineu. Era companheiro de Pirítoo (V, v. 129, 130; XII, v. 380). Dóris, Doris, -idis, Ninfa, esposa do deus marinho Nereu e mãe das cinquenta Nereidas (II, v. 11, 269; XIII, v. 742). Dríades, Dryades, -um, Ninfas das florestas, dos bosques e das árvores em geral (III, v. 505; VI, v. 453; VIII, v. 749, 780; XI, v. 49; XIV, v. 326). Drias, Dryas, -antis, 1. Um dos companheiros de Meleagro (VIII, v. 307); 2. Um Lápita (XII, v. 290, 296, 311). Dríope, Dryope, -es, filha do rei da Ecália, Êurito e de Dríops. Foi violentada por Febo e dessa relação nasceu Anfiso. Posteriormente foi metamorfoseada em flor de lótus (IX, v. 331, 336, 342, 364). Drômade, Dromas, -adis, uma das cadelas de caça de Actéon (III, v. 217). Dulíquio, Dulichium, -ii, ilha do mar Jônio, que compunha os estados de Ulisses (XIII, v. 425, 711). Dulíquio, Dulichius, a, um, relativo a Ulisses (XIII, v. 107; XIV, v. 226). Ea, Aeas, -antis, rio da Tessália que deságua no mar Egeu, juntamente com os rios Espérquio, Enipeu, Apidano e Anfrísio (I, v. 579). Eácida, Aeacides, -ae, descendente de Éaco, avô paterno de Aquiles (VII, v. 472, 494, 668, 798; VIII, v. 4; XI, v. 227, 246, 250, 274, 389, 400; XII, v. 82, 96, 168, 365, 603, 613; XIII, v. 33, 505). Éaco (ou Eaco), Aeacus, -i, rei de Egina. Filho de Júpiter e da Ninfa Egina. Éaco desposou Endeis que lhe deu dois filhos: Peleu e Télamon. Mais tarde, casou-se com Psâmate, com quem teve um filho, Foco. Era o avô de Aquiles (VII, v. 474, 479, 506, 517, 864; IX, v. 435, 440; XIII, v. 25, 27). Éagro, Oeagrius, a, um, rei da Trácia, pai de Orfeu (II, 219).
Ebálide, Oebalides, -oe, filho de Ébalo, i.e., Jacinto (X, v. 196). Ébalo, Oebalus, -i, antigo rei da Lacônia, pai de Jacinto (XIII, v. 396). Ebro, 1. Hebrus, -i, rio da Trácia que acolhe a cabeça e a lira de Orfeu, enquanto suas margens choram a morte do esposo de Eurídice (XI, v. 50); 2. Hiberus, -i, rio da Espanha (VII, v. 324). Ecália, Oechalia, -ae, promontório da ilha de Eubeia, de onde parte Hércules para preparar homenagens a Júpiter Ceneu (IX, v. 136, 331). Eco, Echo, -us, Ninfa apaixonada por Narciso, metamorfoseada por Juno em pedra, capaz de ressoar apenas as últimas palavras de uma frase (III, v. 356, 357, 378, 385, 491, 499, 505). Edoniana, Edonis, -idis, da Edônia, cidade da Trácia (XI, v. 69). Eea, Aeaea, -ae, ilha mítica habitada por Circe (IV, v. 205). Eécio, Eetioneus, -a, -um, pai de Andrômeda (XII, v. 110). Eetes, Aeetias, -adis, rei da Cólquida, pai de Medeia (VII, v. 9, 170, 326). Éfire, Ephyre, -es, antigo nome da cidade de Corinto (II, v. 240). Egeão, Aegaeon, -onis, um dos Gigantes, possuidor de cem braços. É por vezes identificado com Briareu e com Netuno (II, v. 10). Egeida, Aegides, -ae, trata-se de Teseu, o filho de Egeu (VIII, v. 405). Egéria Egeria, -ae, uma Ninfa, esposa e conselheira do rei Numa (XV, v. 547). Egeu, 1. Aegeum, -i, mar interior da bacia do mar Mediterrâneo situado entre a Europa e a Ásia. O nome do mar deve-se ao seguinte episódio: Teseu, filho de Egeu, o rei de Atenas, saiu em uma expedição para matar o Minotauro. Teseu prometeu que, se voltasse vitorioso, sua nau regressaria com velas brancas içadas; porém, caso morresse, a nau deveria regressar sem ele e com velas negras içadas. O herói sai vitorioso, mas esquece da promessa e a nau volta com velas negras. O rei Egeu, que aguardava ansiosamente a volta do filho à beira-mar, ao avistar as velas supõe que Teseu morrera e se atira ao mar que, a partir de então, passa a se chamar mar Egeu (IX, v. 448; XI, v. 663); 2. Aegeus, eos, ei, rei de Atenas, irmão de Palas 396
e pai de Teseu. Filho de Pandíon e sucessor de Cécrope (VII, v. 402, 420, 454; XV, v. 856). Egina, Aegina, -ae, filha do deus-rio Asopo e Metope. Amada por Júpiter e mãe de Éaco. Emprestou seu nome a uma ilha, causando ciúmes na deusa Juno (VII, v. 474, 616). Élato, Elateius, -eia, pai de Cênis (XII, v. 189). Eleleu, Eleleus, -ei, outro nome do deus Baco (IV, v. 15). Elêusis, Eleusis e Eleusin, -inis, cidade da Ática, famosa por seu culto a deusa Ceres (VII, v. 439). Élida (ou Élide, ou Élis), Elis, -idis, região no noroeste do Peloponeso, onde se encontrava Olimpia (II, v. 679; V, v. 487, 494, 576, 608; VIII, v. 308; IX, v. 187; XII, v. 550; XIV, v. 325). Élimo, Elymus, -i, Centauro morto por Ceneu (XII, v. 460). Élis, Elis, -idis, região a noroeste do Peloponeso onde fica a planície de Olímpia (IX, v. 187) Elísias, Elysius, -a, -um, do Elísio, paraíso dos heróis e virtuosos localizado nos Infernos (XIV, v. 111). Elpenor, Elpenor, -oris, um dos companheiros de Ulisses (XIV, v. 252). Emácia, Emathia, -ae, região da Macedônia que se localiza entre os rios Áxios e Haliácmon, incluindo a cidade de Pela. Por vezes o nome pode ser usado para se referir a toda a Macedônia e os territórios vizinhos (V, v. 313; XI, v. 462; XV, v. 824). Emátion, Emathion, -onis, rei da Macedônia. Foi morto por Crômis durante a luta travada entre Fineu e Perseu (V, v. 100). Enéadas, Aeneadae, -arum, os romanos, descendentes de Eneias (XV, v. 695). Eneias Indígete, Aeneias Indiges, nome dado a Eneias pela multidão de Quirino, logo após sua morte, quando os deuses o tornaram também um deus (XV, v. 608). Eneias, Aeneas, -ae, famoso chefe troiano, filho de Anquises e Vênus. Descendente de Rômulo, fundou a cidade de Roma (XIII, v. 665, 681; XIV, v. 78, 116, 156, 170, 247, 456, 588, 600, 603; XV, v. 437, 450, 762, 806, 861). Enésimo, Enaesimus, -i, Enésimo, filho de Hipocoonte, é o primeiro a ser morto pelo Javali de Caledônia (VIII, v. 362).
Enida, Oenides, -ae, trata-se de Meleagro, filho de Oineu (XIV, v. 512). Enipeu, Enipeus, -ei, rio da Tessália que deságua no mar Egeu (I, v. 578; VI, v. 116; VII, v. 229). Enna, Hennaeus, a, um, cidade situada no sudoeste da Sicília, considerada a capital de província mais alta da Itália, a quase um quilômetro de altitude (V, v. 385). Ênomo, Ennomus, -i, príncipe da Mísia, morto por Aquiles (XIII, v. 260). Eólia, Aeolia, -ae, pátria dos ventos, região da Ásia Menor (VI, v. 116; VII, v. 357). Eólida, Aeolis, -idis, 1. Tessálio (IV, v. 512; VII, v. 672; XI, v. 579; XIV, v. 103); 2. Descendente de Éolo (XI, v. 444, 573; XIII, v. 26). Éolo, Aeolus, -i, deus dos ventos, portanto, vento forte. Pai de Aquilão e de Astreu (I, v. 262; XI, v. 749; XIV, v. 223, 224). Eous, Eous, -i, um dos cavalos do deus Sol (II, v. 153) Épafo, Epaphus, -i, filho de Io e Júpiter (I, v. 747, 755). Epidauritano, Epidaurius, -ii, referente a Esculápio, que anteriormente habitava Epidauro (XV, v. 723). Epidauro, Epidaurius,a,um, cidade da Argólida, na Grécia, na qual existia um famoso templo do deus Esculápio (VII, v. 436; XV, v. 643). Epimeteu, Epimethis, -idis, filho do Titã Jápeto e da Ninfa Clímene. Irmão de Prometeu (I, v. 390). Épiro, Epiros, -i, uma província da Grécia (VIII, v. 283; XIII, v. 720). Epitus, Epytus, -i, rei de Alba Longa, sucessor de Latino Sílvio (XIV, v. 613). Epopeu, Epopeus, -ei, um dos marinheiros da embarcação de Acetes (III, v. 617). Équidna (ou Equidna), Echidna, -ae, monstro metade mulher e metade serpente, esposa de Tifeu e mãe de Cérbero, da Hidra de Lerna, do leão de Nemeia e de Quimera. Foi morta por Hércules (IV, v. 501; VII, v. 408; IX, v. 69, 158). Equínades, Echinades, -um, Ninfas transformadas em ilhas do mar Egeu (VIII, v. 589). 397
Equíon (ou Équion), Echion, -onis, 1. Foi um dos sobreviventes dos homens nascidos dos dentes de dragão semeados por Cadmo, quando da fundação de Tebas. Casou-se com uma das filhas de Cadmo, Agave, e teve com ela um filho, Penteu (III, v. 126, 524); 2. Um dos Argonautas, filho de Mercúrio e Antianira. Era o irmão gêmeo de Êurito (VIII, v. 311, 345; X, v. 686). Erasino, Erasinus, -i, rio da Arcádia que nasce no monte Erimanto e deságua no golfo de Corinto, ficando submerso em uma parte de seu curso. Quem o descreve é a personagem Pitágoras, como um dos exemplos de mudanças que ocorrem ao longo dos tempos na natureza (XV, v. 276). Érebo, Erebus, -i, 1. Personificação da escuridão, era filho de Caos. Por metonímia, pode significar “os infernos” (X, v. 76; XIV, v. 404); 2. Epíteto de Plutão (V, v. 543). Erecteu, Erechtheus ou Erichtheus, -eos, -ei ou –ei, rei lendário de Atenas, cujo mito está ligado às origens da cidade (VI, v. 677, 701; VII, v. 697). Erecteias (ou Eréctidas), Erechthidae, -arum, que é de Atenas. Os atenienses, ou seja, os filhos de Erecteu, famoso rei de Atenas (VII, v. 430; VIII, v. 575). Érice, Eryx, -ycis, 1. Monte da Sicília, onde o filho de Vênus lhe dedicou um templo (II, v. 221); 2. Filho de Vênus e epônimo do monte e da cidade de Érice (V, v. 196; XIV, v. 83). Erictônio, Erichthonius, -ii, rei de Atenas (II, v. 553; IX, v. 424). Erídano, Eridanus, -i, um rio da Itália, hoje o rio Pó. N’As metamorfoses é o rio que lava o rosto esfumaçante de Faetonte, após este incendiar boa parte da Terra ao tentar dirigir o Carro do Sol (II, v. 324, 372). Erigdupo, Erigdupus, -i, um Centauro da Tessália que lutou no confronto entre os Centauros e os Lápitas, morto por Macareu (XII, v. 453). Erígone, Erigone, -es, filha de Ícaro e amante de Baco (VI, v. 125; X, v. 451). Erimanto, Erymanthus ou Erymanthos, -i, um rio ou monte da Arcádia. Local por onde passa correndo Aretusa ao tentar fugir de Álfeo (II, v. 244; V, v. 608).
Erínia, Erinys, -yos, as Erínias, Alecto, Megera e Tisífone, são provenientes do sangue de Céus vertido sobre a Terra por ocasião de sua mutilação por Saturno. São elas gênios alados e com a cabeleira formada por serpentes. Empunham tochas ou chicotes. Habitando o Érebo, região obscura dos Infernos, mantêm a ordem estabelecida e punem as transgressões, sejam elas praticadas pelos homens ou deuses. Os romanos identificaram as Erínias gregas com suas Fúrias latinas (I, v. 241, 724; IV, v. 490; XI, v. 14). Erisícton, Erysichthon, -onis, herói tessálio que alimentava um profundo desprezo pelos deuses. Foi castigado pela deusa Ceres com uma fome insaciável (VIII, v. 782, 843). Érito, Erytus, -i, filho de Actor, que tinha como arma um machado de dois gumes. Foi morto violentamente por Perseu, conforme narra Ovídio no primeiro mito do Livro V (V, v. 79). Erro, Error, -oris, personificação (XII, v. 59). Ésaco, Aesacus, -i, filho de Príamo e Arisbe. Herdara de seu avô, Mérope, o dom de interpretar os sonhos (XI, v. 762, 791; XII, v. 1). Esão, Aeson, -onis, rei da Tessália, irmão de Pélias e pai de Jasão. Em idade avançada, foi rejuvenescido por Medeia (VII, v. 84, 110, 156, 162, 164, 252, 287, 292, 303). Ésar, Aesar, -is, rio da Itália meridional, ao sul de Crotona (XV, v. 22, 54). Esculápio, Aesculapius, -i, filho de Febo e Corônide. Era cultuado como deus da Saúde e, por extensão, da Medicina (Livro XV) Esmílace, Smilax, -acis, amada de Crócon, metamorfoseada em um tipo de trepadeira, a salsaparrilha (IV, v. 283). Esminteu, Smintheus, -ei, epíteto de Apolo. Em Esminto, cidade da Trôade (antiga região no noroeste da Anatólia), havia um santuário consagrado a este deus, no qual Crises era sacerdote (XII, v. 585). Esônida, Aesonides, -ae, Jasão, o filho do rei Esão (Aeson, -onis) (VII, v. 60, 77, 255; VIII, v. 411). Esparta, Sparta, -ae e Sparte, -es, principal cidade da Lacônia, a sudeste do Peloponeso (VI, v. 414; X, v. 170, 217; XV, v. 426, 428). Espérquio, Spercheos e Spercheus ou Sperchios e Sperchius, -i, um rio da Tessália, pleno de árvores (I, v. 578). Esqueneu, Schoeneius, a, um, pai de Atalanta (X, v. 609, 660). 398
Estábia, Stabiae, -arum, cidade litorânea próxima ao monte Vesúvio, por onde passa a embarcação que leva Esculápio (XV, v. 711). Estênelo, Stheneleius, a, um, -i, rei da Ligúria e pai de Cisne (II, v. 367; IX, v. 273). Esticte, Sticte, -es, uma das cadelas de caça de Actéon (III, v. 217). Estífelo, Styphelus, -i, um Centauro morto por Ceneu (V, v. 585; XII, v. 459). Estige, Styx, -ygis ou -ygos, um dos rios do inferno que possuía propriedades mágicas: foi no Estige que Tétis mergulhou Aquiles para torná-lo invulnerável (I, v. 139; IV, v. 434; X, v. 13, 313; XII, v. 322; XIII, v. 465; XIV, v. 591; XV, v. 154). Estinfálide, Stymphalis, -idis, adjetivo relativo a Estínfalo, montanha e lago da Arcádia (V, v. 585; IX, v. 187). Estrófades, Strophades, -um, duas ilhas do mar Jônio, onde os troianos são aterrorizados por uma das harpias, de nome Aelo (XIII, v. 709). Eta, Oeta, -ae e Oete, -es, monte situado entre a Tessália e a Macedônia. Ficou marcado, na mitologia, por ser o local da morte de Hércules (II, v. 217; IX, v. 165, 204, 230). Etálion, Aethalion, -onis, um marinheiro tirreno da embarcação com Acetes (III, v. 645). Étion, Aethion, -onis, um adivinho, companheiro de Fineu no confronto com Perseu (V, v. 146). Etiópia, Aethiopia, -ae, região da África, ao sul do Egito, governada por Cefeu (I, v. 777). Etna, Aetna, -ae, monte na costa oriental da Sicília onde está situado um vulcão com o mesmo nome (II, v. 220; V, v. 352, 442; VIII, v. 260; XIII, v. 770, 868, 877; XIV, v. 1, 160, 188; XV, v. 340). Eubeia, Euboea, -ae, ilha do mar Egeu, localizada defronte à cidade de Antédon, local da metamorfose de Glauco (XIII, v. 660). Eubeu (ou Eubeia, ou Euboico, ou Euboca), Euboicus, -a, -um, da ilha Eubeia, no mar Egeu (VII, v. 232; IX, v. 218, 226; XIII, v. 182, 905; XIV, v. 4, 155). Euforbo, Euphorbus, -i, herói troiano que primeiro feriu Pátroclo, foi morto por Menelau, tendo seu escudo sido depositado no templo
de Juno, em Argos. Pitágoras julgava ter sido, em umas de suas reencarnações, o herói Euforbo (XV, v. 161). Eufrates, Euphrates, -ae, rio da Síria que arde quando se aproxima o Carro do Sol, guiado pelo jovem Faetonte (II, v. 248). Eumelo, Eumelus, -i, rei de Patras que teria matado o filho Bocres, por este não ter tido um bom desempenho em um sacrifício. Após Eumelo arrepender-se do crime, Apolo, por pena, transforma Bocres em um pássaro (VII, v. 390). Eumênides, Eumenides, -um, significa “Benevolentes”. Nome dado por antífrase às Fúrias ou Erínias (VI, v. 430, 431; VIII, v. 482; IX, v. 410; X, v. 46). Eumolpo, Eumolpus, -i, homem de Atenas, um dos praticantes dos rituais órficos e responsável por apresentá-los ao rei Midas (XI, v. 93). Eurídice, Eurydice, -es, uma dríade, esposa de Orfeu. Para desespero do marido, Eurídice morreu ao ser picada por uma serpente quando passeava com suas companheiras, as Náiades (X, v. 31, 48; XI, v. 63, 66). Euríloco, Eurylochus, -i, um dos companheiros de Ulisses, o único a escapar dos encantos de Circe (XIV, v. 252, 287). Êurimo, Eurymides, -is, pai de Télemo (XIII, v. 771). Eurínome, Eurynome, -es, era uma Ninfa belíssima, filha de Oceano e Tétis. Mãe de Leucótoe e esposa de Órcamo (IV, v. 210, 219). Eurínomo, Eurynomus, -i, nome de um Centauro. Foi morto por Drias no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 310). Eurípiles, Eurypylus, -i, rei da ilha de Cós, filho de Netuno e Astipaleia (VII, v. 363). Eurípilo, Eurypylus, -i, era um chefe da Tessália que participou da expedição contra Troia (XIII, v. 357). Euristeu, Eurystheus, -ei, filho de Estênelo, lendário rei de Micenas e de Tirinto, descendente de Perseu, instrumento de ódio de Juno contra Hércules (IX, v. 203, 274). Eurítida, Eurytida, -ae, trata-se de Hípaso, o filho de Êurito (VIII, v. 371). Eurítion, Eurytion, -onis, um dos Argonautas, descrito por Ovídio como um homem infatigável (VIII, v. 311). 399
Êurito, Eurytus, -i, 1. Era rei da Ecália e pai de Íole, Ífito e Dríope. Foi morto por Hércules (IX, v. 356); 2. Um Centauro que tentou apoderar-se de Hipodameia. Morto por Teseu (XII, v. 220, 224, 228). Euro, Eurus, -i, vento leste, leva consigo ares quentes. Filho de Aurora e Astreu. Irmão de Zéfiro, Aquilão e Astreu (I, v. 61; XI, v. 481; XV, v. 603). Europa, Europa, -ae, era filha do rei da Fenícia, Agenor, e irmã de Cadmo. Teve três filhos com Júpiter: Minos, Radamanto e Sarpédon. (II, v. 104; VIII, v. 23, 120). Euros, Euri, -orum, são os ventos orientais (I, v. 160). Eurotas, Eurotas, -ae, rio da Lacônia, que ardeu com a proximidade do Carro do Sol dirigido pelo jovem Faetonte (II, v. 247; X, v. 169). Evagro, Euagro, -i, um dos Lápitas que lutou no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 290). Evandro, Euander (-drus), -i, rei da Arcádia, filho de Mercúrio (XIV, v. 456). Eveno, Euenos ou Euenus, -i, rio da Etólia. Segundo Grimal (2005), Eveno “tinha uma filha chamada Marpessa e costumava matar os pretendentes à sua mão, ornando depois com os seus crânios o templo de Netuno. Marpessa foi raptada por Idas e amada por Apolo. Eveno perseguiu o raptor, mas não o pode alcançar, pois Idas recebera de Netuno um carro alado. Enraivecido e despeitado, Eveno matou os cavalos e lançou-se às águas da ribeira então denominada Licormas, que tomou desde essa altura o nome de Eveno” (p.162) (VIII, v. 528; IX, v. 104). Evipe, Euippe, -es, esposa de Piero, mãe de nove aves chamadas pegas (V, v. 303). Exadio, Exadius, -ii, um dos Lápitas, que usa como arma os chifres de um cervo e com eles mata Grineu (XII, v. 266). Fados, Fatum, -i, ver Destino (XIV, v. 381, 844). Faeton (ou Faetonte), 1. Phaethon, - ontis, filho do Sol e da Ninfa do mar Clímene. Ao guiar o carro de seu pai, quase causou a destruição da Terra, o que foi impedido por Júpiter, que fulminou o jovem com um raio (I, v. 750, 754, 776; II, v. 34, 54, 99, 111, 179, 227, 319, 327, 342, 369); 2. Phaetontis, -idis, adjetivo relativo a Faetonte (I, v. 764; II, v. 381; IV, v. 246; XII, v. 581).
Faetusa, Phaetusa, -ae, uma das irmãs de Faetonte (II, v. 346). Fama, Fama, -ae, divindade, filha da Terra, possuía numerosos olhos e ouvidos que tudo viam e ouviam, e outras tantas bocas para propalá-lo. Era a mensageira de Júpiter (IX, v. 137; XII, v. 43). Fântaso, Phantasos, -i, filho do Sono, capaz de se transformar em qualquer coisa (XI, v. 642). Fárfaro, Farfarus, -i, rio dos sabinos, guardado pelas Náiades (XIV, v. 330). Faro, Pharos ou Pharus, -i, uma ilha perto de Alexandria, no Egito. Posteriormente foi assoreada e ligada ao continente. Quem a menciona é a personagem Pitágoras, no mito de mesmo nome d’As metamorfoses, como um dos exemplos de mudanças que ocorrem ao longo dos tempos na natureza (IX, v. 773; XV, v. 287). Farsália, Pharsalia, -ae, distrito da Tessália em que ocorreu a luta decisiva entre os exércitos de César e Magno Pompeu (XV, v. 823). Fásia, Phasias, -adis, relativo ao rio Fásis, na Cólquida, daí ser utilizado para referir-se à Medeia, natural dessa cidade (II, v. 245; VII, v. 298). Fásis, Phasis, -is ou -idis, rio da Cólquida que ardeu com a proximidade do Carro do Sol guiado pelo jovem Faetonte (II, v. 249; VII, v. 6). Fauno, Faunus, -i, divindade agrária, assimilada ao deus Pã grego. Era protetor dos rebanhos e garantia-lhes a fecundidade e a segurança contra os lobos. Era representado como um homem de barbas longas, protegido por uma pele de cabra, com a cabeça cingida de folhas. Seus filhos, os faunos, eram gênios silvestres e rurais, assimilados aos sátiros gregos, metade homens, metade bodes. (I, v. 193; VI, v. 329, 392; XIII, v. 750; XIV, v. 449). Favônio, Favonius, -ii, vento do poente, suave e agradável, um dos zéfiros. No mito Bíblis, Ovídio compara o calor do vento Favônio derretendo uma onda congelada com Bíblis, como que se derramando, metamorfoseando-se em uma fonte (IX, v. 661). Feácios, Phaeacus, -a, -um, um povo da mitologia grega, habitantes de Feácia ou Esquéria (XIII, v. 719). Febe, Phoebe, -es, identifica-se com Ártemis, dos gregos, e também com Diana, dos romanos. Recebe esta designação, Febe, numa 400
alusão a Febo, seu irmão. É uma titânide, filha de Céu e Terra. Febe é a deusa da lua, da caça e da virgindade. Presidiu o Oráculo de Delfos, o qual passou a Febo (I, v. 11, 476; II, v. 415, 723; VI, v. 216; XII, v. 36). Febo, Phoebus, -i, uma das divindades da mitologia greco-romana, filho de Júpiter e Latona, irmão de Diana. Também chamado de Apolo, especialmente na mitologia grega. Febo, em grego, significa “brilhante”, sendo usado nessa língua como um dos epítetos de Apolo. Febo tornou-se a forma mais usual entre os romanos para se referir ao deus. Era representado como um deus muito belo, alto, de longos cabelos negros com reflexos azulados. No monte Parnaso, onde presidia aos jogos das Musas, era representado como o deus da música e da poesia. Também era considerado deus da adivinhação e seus oráculos eram na maior parte das vezes expressos em versos, inspirando tanto os adivinhos, como os poetas. Mas Febo também era um deus guerreiro e carregava sempre um arco e flechas. Teve inúmeros amores, entre eles Ninfas e mulheres mortais e homens jovens. Com as amantes teve muitos filhos. Da sua união com a Ninfa Cirene nasceu o semideus Aristeu. Com Urânia, teve os filhos Lino e Orfeu, cujo nascimento algumas fontes atribuem à sua união com a Musa Calíope. Da união com outra Musa, Talia, atribui-se a ele a paternidade dos Coribantes, que eram divindades que faziam parte do cortejo de Baco. Febo também se envolveu com Hécuba, com quem teve um filho, Troilo. Com Ftia, teve três filhos: Doro, Laódoco e Polipetes. Com Cibele, gerou Ânio, que mais tarde seria rei de Delos. Pode significar, por metonímia, o Sol ou o deus Hélio, pai de Faetonte (I, v. 338, 451, 452, 463, 490, 552, 751; II, v. 24, 36, 110, 399, 545, 608, 628; III, v. 8, 10, 18, 151; IV, v. 349, 715; V, v. 330; VI, v. 122, 215; VII, v. 324; VIII, v. 31, 350; IX, v. 444; X, v. 132, 162, 178, 197, 214; XI, v. 58, 164, 303, 310, 316, 595; XIII, v. 410, 501, 632, 640, 677; XIV, v. 133, 141, 150, 416; XV, v. 191, 418, 550, 631, 865). Fédimo, Phaedimus, -i, um dos filhos de Anfião e Níobe (VI, v. 239). Fene, esposa de Perifas, metamorfoseada em abutre por Júpiter (VII, v. 399).
Feneu, Pheneos, -i, cidade da Arcádia, perto do monte Cileno. Local perigoso por suas águas: se bebidas à noite são nocivas, em dia claro, não oferecem risco. Descrição feita pela personagem Pitágoras como um dos exemplos de mudanças que ocorrem ao longo dos tempos na natureza (XV, v. 332). Fenícios, Phoeniceus, -a, -um, adjetivo referente aos habitantes da Fenícia, conhecidos pela navegação e pelo comércio (III, v. 46). Fênix, Phoenix, -icis, 1. Filho de Amintor e preceptor de Aquiles (VIII, v. 307); 2. Ave fabulosa cuja lenda remonta ao Egito, ligada ao culto do sol (XV, v. 393). Feócomes, Phaeocomes, -ae, um dos Centauros que participou do confronto com os Lápitas (XII, v. 431). Feretíade, Pheretiades, -ae, o filho de Feres, Admeto (VIII, v. 310). Festo, Phaestias, -adis e Phaestius, -a, -um, adjetivo relativo à cidade da ilha de Creta, Phaetius, -i (IX, v. 669, 716). Fíale, Phiala, -ae, uma Ninfa, companheira da deusa Diana (III, v. 172). Filamôn, Philammon, -onis, filho de Febo, ilustre pela música (XI, v. 317). Filemon, Philemo ou Philemon, -onis, velho camponês, marido de Báucis. Embora muito pobres, o casal aceitou receber em sua casa humilde dois viajantes, que haviam sido recusados em todas as outras casas da cidade. Os viajantes eram os deuses Júpiter e Mercúrio que haviam assumido a forma de simples mortais (VIII, v. 632, 685, 709, 717, 718). Fileu, Phyleus, -ei, filho de Áugias, da Élida, no Peloponeso (VIII, v. 308). Fílio, Phyllius, -ii, um jovem apaixonado por Cicno, que não correspondia ao seu amor (VII, v. 372). Filipos, Philippi, -orum, região da Trácia em que Otávio vencera Bruto e Cássio (XV, v. 824). Fílira (ou Filireia), Philyra, -ae, Ninfa, filha de Oceano e mãe de Quirão, daí o adjetivo Philyrides, -ae, para designar este (II, v. 676). Filo, Phylleus, -a, -um, cidade de Ceneu, localizada na Tessália (XII, v. 479). 401
Filoctetes, Philoctetes, -ae, natural da Tessália, era o filho do rei Peante e de Demonassa. Era um dos Argonautas e mestre de armas de Hércules, estando presente no episódio da morte do herói. Por ter sido Filoctetes quem acendeu a pira funerária, foi ele quem recebeu o arco e as flechas de Hércules. Filoctetes jurou solenemente nunca revelar o local das cinzas de Hércules, mas violou seu juramento e foi punido com uma terrível ferida no pé, causada pela mordida de uma serpente. Foi abandonado por seus companheiros na ilha de Lemnos (XIII, v. 329). Filomela, Philomela, -ae, filha de Pandíon, irmã de Procne, cunhada de Tereu e tia de Ítis (VI, v. 451, 475, 503, 511, 553, 572, 601, 643, 658). Fineu, Phineus, -ei, 1. Irmão do rei Cefeu, era tio e noivo prometido de Andrômeda (V, v. 8, 36, 89, 92, 93, 109, 157, 158, 210, 224, 231); 2. Um adivinho. Era cego e vivia na Trácia (VII, v. 3).
Flegetonte, Phlegethon, -ontis, um dos rios dos Infernos que passava pelo Tártaro e era feito de fogo (V, v. 544; XV, v. 532). Flégias, Phlegyas, -ae, um guerreiro, filho de Marte. Foi morto por Perseu (V, v. 87). Flégios, Phlegyas, -ae, povo rústico que habitava cidades, liderado por Forbas (XI, v. 414). Flegonte, Phlegon, -ontis, um dos cavalos do deus Sol (II, v. 154). Flegra, Phlegraeus, -a, -um, cidade da Macedônia, cujos campos atingidos por raios de Júpiter foram cantados por Febo e sua lira (X, v. 151). Flegreu, Phlegraeus, -i, nome de um Centauro morto no confronto entre Fineu e Perseu (XII, v. 378). Fobetor, Phobetor, -oris, um dos filhos de Morfeu (XI, v. 640). Fócida, Phocis, -idis, uma região da Grécia. O monte Parnaso e o templo de Delfos, o famoso oráculo de Febo, faziam da Fócida um território sagrado (I, v. 313; II, v. 569; V, v. 276; VI, v. 9). Foco, Phocus, -i, filho de Éaco e meio-irmão de Peleu e Telamon (VII, v. 477, 668, 670, 733, 795, 796; XI, v. 267, 381). Folo, Pholus, -i, um Centauro. Lutou no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 306).
Fome, Fames, -is, uma divindade, alegoria da fome. É filha de Éris e se coloca ao lado de outras personificações que atormentam a vida dos homens mortais, tais como: o Medo, a Velhice, a Miséria, o Sono, a Inveja, a Morte, entre outros (VIII, v. 787, 788, 794, 802, 817). Forbas, Phorbas, -antis, 1. De Siena, era filho de Metíon. Companheiro de Fineu na batalha contra Perseu (V, v. 74, 78); 2. Líder dos Flégios, que impedia a entrada ao templo de Febo na Fócida (XI, v. 414); 3. Um dos Centauros que combateu no confronto entre os Lápitas e os Centauros (XII, v. 322). Fórcis (ou Forco), Phorcus, -i, antigo rei corso, filho de Ponto e Gaia, casou-se com sua irmã Ceto, que deu à luz uma ninhada de monstros, entre eles Cila e as Górgonas: Medusa, Esteno e Euríale. Foi metamorfoseado em deus marinho após a morte (V, v. 113). Forônide, Phoronis, -idis, outra denominação para filha de Ínaco, Io, a neta de Foroneu (I, v. 667; II, v. 524). Fortuna, Fortuna, ae, deusa romana da boa, ou má sorte. Segundo Brandão (1993), “iconograficamente é representada com o corno da abundância, símbolo da prosperidade e empunhando um remo, como se fora ela o piloto da vida dos mortais. Permanece ora sentada, ora de pé, as mais das vezes é cega.” (p. 152) (II, v. 140; III, v. 141; V, v. 140; VI, v. 195; VIII, v. 73; XIII, v. 334). Frígia, 1. Phrygia, -ae, região da Ásia Menor que corresponde atualmente à região da Anatólia na Turquia. Os frígios tiveram grandes reis como Górdias e Midas, e foram aliados dos troianos na Guerra de Troia contra os gregos (XIII, v. 429); 2. Phrygius, -a, -um, adjetivo relativo à Frígia (VI, v. 146, 166, 177, 400; VIII, v. 162, 622; X, v. 155; XI, v. 91, 203; XII, v. 38, 70, 148, 612; XIII, v. 44, 244, 337, 389, 432, 435, 579, 721; XIV, v. 79, 547, 562; XV, v. 444, 452). Frio, Frigus, -oris, personificação (VIII, v. 793). Frixo, Phrixeus, -a, -um, filho de Atamante, morto por Eetes. Frixo foi quem voou com o carneiro alado que produziria o velo de ouro, que seria posteriormente buscado por Jasão e os Argonautas, após ser sacrificado (VII, v. 7). 402
Ftia, Phtia, -ae, cidade tessália, pátria de Aquiles e dos mirmidões (XIII, v. 156). Fúrias, sorores, -um, três divindades encarregadas de punir os culpados quando adentram os Infernos; símbolo da vingança (VI, v. 662). Galantide, Galanthis, -idis, serva de Alcmena (IX, v. 306, 316). Galateia, Galatea, -ae, Ninfa do mar, filha de Nereu e de Doris e amante de Ácis (XIII, v. 738, 789, 798, 839, 863, 869, 880, 898). Ganges, Ganges, -i, um rio da Índia, filho de Indo e da Ninfa Caláuria. O nome do rio se deve, segundo Grimal (2005, p. 181), ao episódio em que Ganges, ainda homem, embriagou-se e uniu-se inconscientemente com sua mãe. Ao despertar, ele se desespera e se atira em um rio, até então chamado de Cílaro, que passou a se chamar Ganges (II, v. 249; IV, v. 21; V, v. 47). Ganimedes, Ganymedes, -is, irmão de Ilo e Assáraco, era o copeiro dos deuses (X, v. 155; XII, v. 756). Gargáfia, Gargaphia, -ae, vale da Beócia, consagrado à Diana (III, v. 156). Gêmeos Tindaridas, Tyndarides, -ae, referência a Castor e Pólux, filhos de Tíndaro, dois dos heróis que lutaram contra o javali de Cálidon, metamorfoseados por Júpiter na Constelação de Gêmeos (VIII, v. 301). Giaro (ou Giaros), Gyaros, -i, ilha deserta localizada no mar Egeu. Ovídio menciona a ilha no mito Éaco. A peste. Mirmidões como uma das regiões que não apoiou o rei Minos na guerra que tramava contra Egeu (V, v. 252; VII, v. 470). Gigantes, Gigantes, -um, filhos da Terra (Geia, para os gregos) fecundada pelo sangue da mutilação genital de Céu (Urano, para os gregos) praticada pelo filho Saturno (Cronos, para os gregos). Sua representação é a de monstros com pés em forma de serpente. É célebre a Gigantomaquia, o combate que perdem contra Júpiter e outros deuses (VII, v. 152; V, v. 319, 346; X, v. 150). Glauco, Glaucus, -i, filho de Netuno e de Nais, foi um célebre pescador da Beócia, tornado um deus marinho (VII, v. 233; XIII, v. 906; XIV, v. 9, 38, 68).
Gnosíaco (ou Gnósio), Gnosius, -a, -um, de Gnosso, de Creta. Cnossos fica ao norte de Creta e era a capital do reino (VIII, v. 40, 144). Gnosso, ver Cnosso (III, v. 208). Gorge, Gorge, -es, uma das filhas de Oineu, irmã de Dejanira (VIII, v. 543). Górgona, Gorgon ou Gorgo, -onis, havia três irmãs-górgonas: Medusa, Euríale e Esteno, filhas de Fórcis e Ceto. Tinham a cabeça rodeada de serpentes e presas semelhantes às dos javalis, além de asas de ouro. Seus olhos cintilantes petrificavam quem os visse. Somente Medusa era mortal, e o nome “Górgona” geralmente se refere a ela, a górgona por excelência (IV, v. 618, 699, 780, 802; V, v. 180, 196, 202, 209). Górtina, Gortyniacus, a, um, uma cidade localizada em Creta (VII, 778). Graças, Gratiae, -arum, divindades, em número de três (Aglaia, Talia e Eufrosina), que espalhavam alegria na natureza, no coração dos homens e dos deuses e que, por sua beleza, eram por vezes associadas à deusa Afrodite, na mitologia grega, e à Vênus, na mitologia romana, ambas deusas do amor (VI, v. 429). Gradivo, Gradivus, -i, epíteto de Marte (VI, v. 427; XIV, v. 820, 863). Granico, Granicus, -i, rio da Mísia, cuja nascente se encontra no Monte Ida (XI, v. 763). Grão Tonante, magni Tonans, um dos vários epítetos ou aspectos de Júpiter, no ato de lançar um raio (I, v. 170). Grécia, Graecia, -ae, a região, no período clássico, abrangia o território ao sul de uma linha que vai do golfo Ambrácio até a foz do rio Peneiôs. Por conta das cordilheiras que dividiam o território e que dificultavam a comunicação, os gregos dividiram-se em comunidades e cidades autônomas, com constituições e dialetos próprios, como Atenas, Esparta, Tebas, entre outras. “Isso não obstante”, diz Harvey (1987), “os gregos constituíam em certo sentido um povo único. Eles desfrutavam da mesma civilização, falavam a mesma língua (emboa com grandes diferenças dialetais), e por isso distinguiam-se como um todo dos ‘bárbaros’; havia grande 403
similaridade em suas instituições políticas (governos em cidadesestados, normalmente sob constituições oligárquicas ou democráticas); sua religião e seu respeito aos mesmos santuários oraculares eram comuns a todos eles; apesar de certas diversidades havia uma unidade em suas manifestações artísticas; muitas colônias foram fundadas em comum por emigrantes de mais de um Estado” (p. 252) (XIII, v. 199; XIV, v. 474). Grineu, Gryneus, -ei, um dos Centauros que atua na batalha contra os Lápitas (XII, v. 260, 268). Halcioneu, Halcyon, Halcyoneus, o bactriano, guerreiro responsável pela morte de Dórilas, no confronto entre Perseu e Fineu (V, v. 135). Hálio, Halius, -ii, guerreiro morto por Ulisses (XIII, v. 258). Hamadríadas (ou Hamandríades), Hamandryades, -um, são uma categoria das Ninfas das florestas e das árvores. Segundo Grimal (2005), elas “nascem com a árvore que protegem e partilham o seu destino” (p. 191) (I, v. 689; XIV, v. 624). Harmonia, Harmonia, -ae, filha de Marte e de Vênus; esposa de Cadmo e mãe de Sêmele (Livro IV). Hárpalos, Harpalus, -i, um dos cães de caça de Actéon, reconhecido dentre a matilha por possuir uma mancha branca em meio ao pelo negro (III, v. 222). Harpia, Harpyia, -ae, uma das cadelas de caça de Actéon, que estava acompanhada de duas crias (III, v. 215). Hebe, Hebe, -es, deusa da juventude, filha de Júpiter e Juno, casouse com Hércules depois deste ter sido elevado ao Olimpo pelo sogro (IX, v. 400). Hebro, Hebrus, -i, ver Ebro (II, v. 257). Hécate, 1. Hecate, -es, filha de Perses e irmã de Medeia, conhecida como deusa da magia e da noite, representada com três cabeças. É a mãe de Circe (VII, v. 74, 174, , 194, 241; XIV, v. 44, 405); 2. Hecateis, -idos, adjetivo que se refere a Hécate (VI, v. 139). Hécuba, Hecuba, -ae (-be, -es), esposa de Príamo e mãe de Heitor e de Páris, metamorfoseada em cadela; é também conhecida como Dimântide, referindo-se ao nome de sua mãe, Dimas (XIII, v. 423, 549, 556, 575, 577).
Heitor, Hector, -oris, o mais valoroso chefe troiano, primogênito de Príamo e de Hécuba, irmão de Páris, morto por Aquiles (XI, v. 758, 760; XII, v. 3, 67, 69, 75, 77, 447, 448, 548, 591, 607; XIII, v. 7, 82, 179, 275, 279, 384, 426, 427, 486, 487, 512, 666). Hele, Helle, -es, filha de Atamante e de Néfele. Hele, segundo Grimal, “fugiu com Frixo no carneiro voador que os devia salvar da morte e do ódio da madrasta, Ino. Mas, enquanto Frixo chegava à Cólquida à corte do rei Eetes, Hele caiu no mar, no estreito que por isso se chamou Helesponto (o Mar de Hele, hoje Mar da Mármara) (XI, v. 195). Helena, Helena, -ae ou Helene, -es, filha de Júpiter e de Leda e esposa do rei Menelau, de Esparta, possuía a reputação de mulher mais bela do mundo (XIV, v. 200, 669). Heleno, Helenus, -i, filho de Príamo e Hécuba, recebeu o dom da profecia, com que profetizou o futuro de Eneias e de Roma (XIII, v. 99, 723; XV, v. 438, 450). Helesponto, Hellespontus, -i, estreito que separa a Europa da Ásia. Local onde habita Hécuba após sua metamorfose (XIII, v. 407). Helíades, Heliades, -um, são as filhas de Febo, o Sol, e, por consequência, irmãs de Faetonte (II, v. 340, 372; X, v. 91, 263). Helicão (ou Hélicon), Helicon, onis, monte beócio consagrado a Febo e às Musas, onde Pégaso deu origem, por meio de um coice, à fonte sagrada Hipocrene (II, v. 219; V, v. 254, 663; VIII, v. 534). Hélice, Helice, -es, 1. Trata-se do porto de Acaia, perto de Égio, no Golfo de Corinto. Na narrativa do mito Pitágoras, Ovídio nos conta que Hélice e Búris, outra cidade da Acaia, encontram-se embaixo d’água e os navegantes que passam pela região veem somente suas ruínas submersas. Esse é um dos exemplos que a personagem Pitágoras dá sobre as mudanças que ocorrem na natureza (XV, v. 293); 2. Corresponde à constelação da Grande Ursa (VIII, v. 207); 3. Um dos companheiros de Finei que atuou na batalha contra Perseu (V, v. 87). Hélops, Helops, -opis, um dos Centauros que atua na batalha contra os Lápitas (XII, v. 334, 335).
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Hemo, Haemus, -i, um filho de Aquilão e de Orítia, que se metamorfoseou em uma montanha que leva o mesmo nome, na Trácia (VI, v. 87, X, v. 77). Hemônia (ou Tessália), 1. Haemonia, -ae, ou Thessalia, -ae, antigo nome da Tessália, conhecida como Hemônia devido ao rei Hêmon. Situada na Grécia central, ao sul da Macedônia, a região é limitada pelo montes Olimpo, Pindo, Etna, Ossa e Pelião, e banhada pelos rios Espérquio, Enipeu, Apidano, Anfrísio e Ea, que deságuam no mar Egeu (I, v. 567; II, v. 81, 543; V, v. 306; VIII, v. 816; XI, v. 229, 652; XII, v. 213); 2. Haemonius, -a, -um, natural de Hemônia (II, v. 599; VII, v. 132, 159, 264, 314; XI, v. 409). Hércules (ou Herácles, ou Héracles), Hercules, -is, e –i, filho de Júpiter e de Alcmena, recebeu o nome Alcides ao nascer. Foi educado na cidade da Argólida, Tirinto. Notável por seus doze trabalhos (VII, v. 364; IX, v. 135, 162, 256, 264, 278, 286, 627; XII, v. 309, 539, 554, 574; XIII, v. 23, 52; XV, v. 8, 231, 284). Hermafrodita, Hermaphroditus, -i, filho de Mercúrio e de Vênus, que carrega os traços de seus pais e do nome deles, já que Mercúrio é também conhecido como Hermes, e Vênus, como Afrodite (IV, v. 383). Herói calidônio, Calydonius heros, epíteto de Meleagro (VIII, v. 324). Herói de Narícia, Narycius heros, epíteto de Lélex (XIV, v. 468). Herói teseio, Theseius heros, cognome de Hipólito (XV, v. 492). Herse, Herse, -es, virgem nascida do duplo Cécrope; irmã de Pandroso e Aglauro (II, v. 559, 724, 739, 747, 809). Hersília, Hersilia, -ae, esposa de Rômulo e mãe de Prima e Aólio, que depois passou a se chamar Avílio. Após a apoteose do marido, foi atingida pelo fogo celeste e levada para junto dos deuses, onde recebeu o nome de Hora Quirini. Assim, ficou associada ao culto de Rômulo que, após a morte, foi identificado com o deus Quirino (XIV, v. 830, 839, 848). Hesíone, Hesiona, -ae ou -ne, -es, filha de Laomedonte, rei de Troia. Casou-se com Telamon, com quem teve um filho, Teucro (XII, v. 217).
Hespéria (ou Hespério), Hesperia, -ae, ou hesperius, -a, -um, 1. Aquilo que é do ocidente. País do extremo Ocidente do mundo, pela geografia antiga; por vezes, a Hispania. (II, v. 142, 258, 325; IV, 214; 628; XI, v. 258); 2. Náiade, filha de Cebrênis, da Tróade, por quem Ésaco se apaixonou (XI, v. 769). Hespérides, Hesperides, -um, Ninfas, filhas de Héspero, habitantes de um jardim, no extremo ocidente, cujos frutos das árvores eram de ouro (XI, v. 114). Héspero, Hesperus, -i,é o gênio da estrela da tarde. Era considerado filho, ou irmão de Atlas. Os autores gregos identificavam Héspero como o astro Fósforo e os romanos, como Lúcifer (V, v. 441). Híadas (ou Híades), Hyades, -um, filhas de Atlas e de Pleione e irmãs de Hias, metamorfoseadas em estrelas, logo, uma constelação (III, v. 593; XIII, v. 293). Híale, Hyale, -es, uma das Ninfas de Diana (III, v. 171). Hiantes (ou Hianteu), hyanteus (-ius), -a, -um, os beócios, i.e., habitantes, da Beócia antes de Cadmo (III, v. 147; V, v. 312; VIII, v. 310). Hidra de Lerna, Lernes Hydra, serpente peçonhenta multicefálica, cujas cabeças, ao serem arrancadas, renasciam; era filha de Equidna e de Tifeu e vivia no pântano de Lerna (IX, v. 69, 130, 568). Hidra, hydra, -ae, alusão aos cabelos de serpente das Górgonas entre elas, Medusa (IV, v. 797, 802; IX, v. 192). Hiláctor, Hylactor, -oris, um dos cães de caça de Actéon, de voz esganiçada (III, v. 224). Hile, Hyles, - ae, um Centauro morto no confronto entre Fineu e Perseu (XII, v. 378). Hileu, 1. Hylaeus, -i, um dos cães de caça de Actéon, ferido por um feroz javali (III, v. 213); 2. Hyleus, -ei ou eos, um dos caçadores do javali de Cálidon, integrante da elite armada de Meleagro (VIII, v. 312). Hilo, Hyllus, -i, filho de Hércules e de Dejanira (IX, v. 279). Hilônome, Hylonome, -es, Centaura, esposa de Cílaro (XII, v. 405, 423). Himeneu, Hymenaeus (-eos), -i, 1. Filho de Apolo e Afrodite, é um deus do casamento, aquele que conduz o cortejo nupcial. Alguns 405
autores entendem que o deus Himeneu seria a personificação do canto do himeneu (I, v. 480; IV, v. 758; VI, v. 429; IX, v. 762, 765, 796; X, v. 2,); 2. O epitalâmio (XII, v. 215). Himeto, Hymettus (-ttos), -i, montanha na Grécia, ao sul de Atenas, famosa pelo mel de suas abelhas. Local do rapto de Céfalo, conforme narra Ovídio no mito Céfalo e Prócris (VII, v. 702; X, v. 284). Hipalmo, Hippalmus, -us, participou na caçada ao javali de Cálidon. É pai de Peneleu, um herói grego da guerra de Troia e um dos Argonautas (VIII, v. 360). Hípanis, Hypanis, -is, rio em Sarmátia, que desemboca no Ponto Euxino, cujas águas doces tornaram-se salgadas. Quem descreve essa mudança é a personagem Pitágoras, no mito de mesmo nome, d’As metamorfoses, como um dos exemplos de mudanças que ocorrem ao longo dos tempos na natureza (XV, v. 285). Hípaso, Hippasus, -i, 1. Filho de Êurito, presente na caçada do javali calidônio (VIII, v. 313); 2. Um dos Centauros que participou da batalha entre os Centauros e os Lápitas. Durante o confronto, Teseu o matou com um tronco (XII, v. 352). Hipepa, Hypaepa, -orum, pequena cidade da Lídia onde habitava a jovem tecedeira Aracne (VI, v. 13; XI, v. 152). Hiperbórea, Hyperboreus, -a, -um, pertencentes ao extremo norte, os hiperbóreos são um povo mítico que viviam além do vento norte (XV, v. 356). Hipérion, Hyperion, -onis, um dos Titãs, filho do Céu e da Terra, é pai do Sol, da Lua e da Aurora. Pode designar o próprio sol (IV, v. 192, 241; VIII, v. 565; XV, v. 406, 407). Hipocoonte (ou Hipócoon), Hippocoon, -ontis, filho de Ébalo, rei de Esparta, e pai de Enésimo (VIII, v. 314, 363). Hipocrene, Hippocrene, -es, fonte da Beócia, no monte Helicão, consagrada às Musas. O cavalo Pégaso atingiu com seu casco um rochedo e uma fonte jorrou do solo. Achava-se que sua água favorecia a inspiração poética (Livro V). Hipodamas, Hippodamas, -antis, pai de Perimele (ou Perimela), Ninfa amada de Aquelou (VIII, v. 593, 600).
Hipodâmia, Hippodamia, -ae ou Hippodame, -es, filha de Atra, esposa de Pirítoo, destacada por sua beleza, raptada por Êurito e, por consequência, causa da luta entra os Lápitas e os Centauros (XII, v. 210, 224). Hipólito, Hippolytus, -i, filho de Teseu, o lendário rei de Atenas, e de Hipólita, rainha das Amazonas, enteado de Fedra (XV, v. 497, 544). Hipômenes, Hippomenes,-ae, neto de Netuno, filho de Megareu de Onquesto, marido de Atalanta (X, v. 575, 587, 608, 632, 640, 651, 658, 668, 690). Hipótades, Hippotades, -ae, outro nome de Éolo, descendente de Hipotes (XI, v. 431; XIV, v. 86, 224). Hípotes (ou Hipotes), Hippotes, -ae, pai de Éolo, deus dos ventos (IV, v. 663). Hipótoos, Hippothous,-i, um dos caçadores do javali de Cálidon (VIII, v. 307). Hipseu, Hypseus, -ei ou eos, guerreiro responsável pela morte de Protênora, no confronto entre Perseu e Fineu (V, v. 98, 99). Hipsípile, Hypsipyle, -es, filha de Toante, rei de Lemnos, que foi por ela salvo quando as mulheres da ilha mataram todos os homens que ali viviam (XIII, v. 399). Híria, Hyrie, -es, 1. Região da Beócia (VII, v. 371); 2. Um lago da Beócia no qual a mãe de Cicno se metamorfoseou (VII, v. 380). Hodita, Hodites, -ae, rei da Etiópia, sucessor de Cefeu, lutou nas bodas de Perseu (V, v. 97). Hodite, Hodites, -ae, nome de um Centauro morto por Mopso (XII, v. 457). Hora, Hora, -ae, metamorfose de Hersília, esposa de Rômulo (XIV, v. 851). Hora, Horae, -arum, divindades, filhas de Júpiter com a Justiça, que presidiam ao tempo (I, v. 26; II, v. 118). Iaco, Iacchus, -i, um dos nomes de Baco (IV, v. 15). Iálisos, Ialysus, -i, cidade da ilha de Rodes, onde viveram as Télquines, que aterrorizavam a população até serem afundadas para sempre no mar (nas ondas de Netuno) por Júpiter (VII, v. 365). 406
Iante, Ianthe, -es, filha de Telestes que casou com Ífis, então metamorfoseada em homem (IX, 715, 723, 744, 760, 797). Iapígia, Iapygia, -ae, região do promontório Iapígio, no extremo sul da Itália na face banhada pelo Adriático. Local por onde passa a embarcação do deus Esculápio (XV, v. 703). Iapígios, Iapygius, -a, -um, do Iapígio, promontório na região da Calábria (XV, v. 52). Ibério, Hiberus, a, um, refere-se ao gigante Gerião, monstro de três cabeças e dono dos rebanhos roubados por Hércules (IX, v. 184). Íbis, ibis, -idis, ave de bico longo, parecida com uma cegonha, a que os antigos egípcios prestavam culto religioso e na qual Mercúrio se metamorfoseou (V, v. 331). Ícaro, Icarus, -i, filho de Dédalo, com quem fugiu da ilha de Creta, utilizando-se de asas de cera; foi metamorfoseado em mar, o qual levou seu nome (VIII, v. 195, 204, 231, 232, 233; X, v. 450). Ícelo, Icelus (os), -i, outro nome dado a Morfeu, quando este imita outros seres, que não homens (XI, v. 640). Icnóbata, Ichnobates, -ae, um dos cães de caça de Actéon, de Gnosso, também chamado de “Icnóbata de-bom-faro”. Era da cidade de Gnosso (III, v. 207, 208). Ida, Idas, -ae e Ide, -es, 1. Monte mais alto da ilha de Creta, na Frígia (IV, v. 277); 2. Monte de Troia. Este local aparece em diversos mitos d’As metamorfoses: em Faeton e Febo, o monte é queimado pela proximidade do Carro do Sol; em Orfeu e Eurídice, o Ida aparece como o lugar onde se encontra conservada Leteia, esposa de Oleno, metamorfoseada em pedra; é também o região onde nasceu Ésaco (II, v. 218; IV, v. 289, 293; V, v. 90; VII, v. 359; X, v. 71; XI, v. 762; XII, v. 521; XIII, v. 324, 504; XIV, v. 535). Idália, Idalium, -ii, monte e cidade da ilha de Cipre, consagrado à Vênus (XIV, v. 694). Idas, Idas, -ae, 1. Filho de Afareu, é um dos Argonautas, célebre por ser veloz e por sua visão penetrante. Participou da elite liderada por Meleagro na caça do javali calidônio (VIII, v. 305); 2. Um dos companheiros de Diomedes (XIV, v. 504). Idmão, Idmon, -onis, pai de Aracne, que habitava a cidade jônia de Cólofon (VI, v. 8).
Idmônia Aracne, Idmoniae Arachne, outro nome de Aracne, por ser filha de Idmão (VI, v. 133). Idomeneu, Idomeneus, -ei ou eos, um dos chefes participantes da Guerra de Troia contra Heitor e ao lado de Ájax (XIII, v. 358). Ifigênia, Iphigenia, -ǣ, virgem, filha de Agamêmnon, rei de Micenas, e de Clitemnestra. O pai a ofereceu em sacrifício para aplacar a ira de Diana, mas a deusa apiedou-se da jovem e salvou-a no último momento (XII, v. 31). Ifínoo, Iphinous, -i, um dos Centauros que foi morto no confronto entre Fineu e Perseu (XII, v. 379). Ífis, 1. Iphis, -idis, filha de pais cretenses, Ligdo e Teletusa. Foi criada como um menino pela mãe e, posteriormente, transformada em um rapaz por Ísis (IX, v. 668, 709, 715, 724, 745, 786, 794, 797); 2. Iphis, -is, amante de Anaxárete, a jovem que foi transformada em pedra por Vênus (XIV, v. 699, 717, 753). Ífito, Iphitus, -i, Pai de Cénaro, que combateu e foi vencido na Guerra de Troia (XIII, v. 257). Ilíada, Iliades, -oe, filho ou descendente de Ília, que é o nome com o qual se designa Reia Sílvia, mãe dos gêmeos Remo e Rômulo. No contexto do mito Tarpeia. Rômulo e Hersília, o adjetivo refere-se a Rômulo (XIV, v. 781, 824). Ílio (ou Ílion), Ilium ou Ilion, -i ou Ilios, -i, outro nome de Troia, de modo que, ao se dizer filho de Ílio, tem-se uma referência ao que nasceu em suas terras. No contexto do mito Ganimedes. Jacinto a expressão “filho de Ílio” refere-se a Ganimedes (X, v. 160; XIV, v. 467). Ilioneu, Ilioneus, -ei ou eos, o filho mais jovem de Anfião e Níobe. Foi morto por uma flechada de Febo (VI, v. 261). Ilíria, Illyria, -ae, região da Itália, banhada pelo mar Adriático. Em sua fuga, Cadmo e Harmonia alcançam a Ilíria, onde são transformados em serpentes (IV, v. 568). Ilítia, Ilithyia, -oe, nome grego para designar Lucina, a deusa que presidia aos partos (IX, v. 283). Ilo, Ilus, -i, avô de Anquises e fundador de Ílion (Troia), filho de Tros (XI, v. 756). 407
Imbreu, Imbreus, -ei ou -eos, um Centauro. Foi morto por Drias no confronto entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 310). Inácida, Inachis, -idis, descendente de Ínaco. No contexto do mito Faetonte refere-se ao jovem Épafo, neto de Ínaco (I, v.752). Ínaco, Inachus, -i, deus-rio da Argólida e primeiro rei lendário de Argos, filho de Oceano e de Tétis, e pai de Io. Tendo sido um dos árbitros escolhidos por Juno e Netuno, quando entre si disputavam o país, deu o seu voto à deusa. Como punição, Netuno fê-lo secar (I, v. 582, 610, 639, 641, 644, 650). Ináquida, Inachides, -ae, filho ou descendente de Ínaco (I, v. 610; IV, v. 720). Inárime, Inarimes, -es, ilha vulcânica no mar Tirreno, por onde passa a embarcação de Eneias (XIV, v. 89). Índia, India, -ae, grande região da Ásia, banhada pelo Ganges e pelo Indo (IV, v. 21, 606; XV, v. 413). Indígete, Indiges, -is ou –i, ver Eneias Indígete. Indígetes, Indigetes, -um, nome dado pelos romanos às divindades nacionais responsáveis pela realização de um ato em particular (XV, v. 862). Indo, Indus, -i, rio da Índia, local de onde parte Faetonte para a morada de seu pai, o Sol (I, v. 777). Ino, Ino, -us, filha de Cadmo e de Harmonia, esposa de Atamante, rei de Tebas, mãe de Learco e Melicertes, e tia de Penteu (III, v. 311; IV, v. 431, 497, 528). Inôo, Inous, -a, -um, relativo à filha de Cadmo e Harmonia, Ino (III, v. 720). Inveja, 1. Invidia, -ae, personificação da inveja, representada sob a figura de um velho espectro feminino, cujo corpo é todo venenoso e extremamente magro, cujos olhos são vesgos e cuja tez é maligna e lívida, cadavérica (II, v. 760, 770); 2. Dada a sua lividez, por metonímia, Livor, -oris (VI, v. 129; X, v. 515). Inverno, Hiems, -emis, personificação dessa estação (I, v. 30). Io, Io, -us, 1. Uma das Náiades, filha de Ínaco e sacerdotisa de Juno, por quem Júpiter se apaixonou e de quem teve o filho Épafo, no Egito, onde passou a ser cultuada (I, v. 583, 627, 628); 2. Urro utilizado pelas bacantes (III, v. 711, 726).
Iolau, Iolaus, -i, filho de Íficles e, portanto, sobrinho de Hércules e neto de Alcmena; foi remoçado por Hércules, a quem ajudara contra a Hidra (VIII, v. 310; XI, v. 399, 430). Iolco, Iolcos, -i, cidade da Tessália e pátria de Jasão (VII, v. 158). Iole, Iole, -es, filha de Êurito, feita prisioneira por Hércules. A pedido do próprio herói, casou-se com o filho de Hércules e de Dejanira, Hilo (IX, v. 140, 278, 394). Íris Junônia, Iris Iunonia, epíteto de Íris, por ser mensageira de Juno (XIV, v. 85). Íris Taumantíade, outra alcunha de Íris, já que é filha de Taumante (IV, v. 480). Íris, Iris, -is, (-idis), personificação do arco-íris, por vezes representada como uma mulher alada, vestida de véus de mil cores; outras vezes, representada na forma humana e, neste caso, desce do céu à terra deslizando em um arco colorido; mensageira dos deuses, sobretudo de Juno; filha de Taumante e de Electra; esposa de Zéfiro (I, v. 271; XI, v. 585, 590, 630; XIV, v. 830, 839). Ísis, Isis, -is, uma divindade egípcia, cuja intervenção é implorada por Teletusa no mito Ífis (IX, v. 773). Ísmaro ou Ísmaros, 1. Ismarus, -i, monte da Trácia, morada de Orfeu e local de origem das bacantes (IX, v. 642; X, v. 305); 2. Ismara, -orum, rios da Trácia que secaram com a proximidade do Carro do Sol, conduzido por Faetonte (II, v. 257; XIII, v. 530). Ismênias (ou Ismênides), Ismenis, -idis, aquelas que vivem na região do rio Ismeno, portanto, o mesmo que Tebanas, companheiras de Ino metamorfoseadas em aves (III, v. 731; IV, v. 31, 562; VI, v. 159). Ismênide, Ismenis, -idis, ver Crócale (III, v. 169). Ismênio, Ismenius, -a, -um, relativo ao rio Ismeno (XIII, v. 682). Ismeno, 1. Ismenos ou Ismenus, -i, rio de Tebas (II, v. 244); 2. Um dos filhos de Níobe e Anfião, rei de Tebas (VI, v. 224). Issa, Isse, -es, filha de Macareu, amada por Febo (VI, v. 124). Istro, Hister ou Ister, -tri, variação grega do rio Danúbio inferior (II, v. 249).
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Ítaca, Ithaca, -ae ou Ithace, -es, uma das numerosas ilhas gregas, situada no mar Jônico, pátria de Ulisses (XIII, v. 98, 103, 512, 711; XIV, v. 169). Itália, Italia, -ae, originariamente, o nome designava a parte sudoeste da península italiana. A partir do século III a.e.c., o nome passou a se referir a todo o território situado ao sul do Rubicão e à Marca. Segundo Harvey (1987), “após a morte de César a Gália Cisalpina passou a fazer parte da Itália. A península como um todo, ao sul dos Alpes, era habitada por várias raças – celtas no norte, etruscos ao sul dos celtas, gregos no sul da península, e no centro um aglomerado de tribos aparentadas (úmbrios, sabélios, oscos e latinos). [...] O feito maior de Roma no período republicano consistiu em conquistar e absorver todos os habitantes da península, recebendo deles em troca influências claramente visíveis em sua literatura.” (p. 292) (XV, v. 291, 701). Ítis, Itys, -yos, filho de Tereu e Procne, neto de Padíon, sobrinho de Filomela, metamorfoseado em faisão (VI, v. 437, 620, 636, 652, 658). Iulo, Iulus, -i, filho de Eneias, o primeiro membro da estirpe de Júlio César (XIV, v. 583, 767; XV, v. 447). Ixião (ou Íxion), Ixion, -onis, rei dos Lápitas. Apaixonou-se por Juno e tentou violentá-la. Júpiter ou Juno (as tradições divergem quanto ao mito) metamorfoseou-se em uma nuvem semelhante à Juno, Ixião uniu-se à nuvem e assim foi gerado o primeiro Centauro, pai dos outros Centauros. Foi condenado por Júpiter a girar eternamente amarrado a uma roda em chamas. É o pai de Pirítoo, o amigo de Teseu (IV, v. 461, 465; VIII, v. 403, 614; X, v. 42; XII, v. 210, 338, 504). Ixiônida, Ixionides, -oe, filho de Ixião, i.e., Pirítoo (VIII, v. 567). Jacíntias, Hyacinthia, -orum, celebrações anuais, precedidas de procissão solene, em honra a Jacinto (X, v. 219). Jacinto, Hyacinthus (-thos), -i, um jovem, filho de Ébalo. Era dotado de grande beleza e, por isso, despertou a paixão de Febo. Após sua trágica morte, foi metomorfoseado pelo deus em uma flor (X, v. 185, 217).
Jano, Ianus, -i, também conhecido como Jano Bifronte, é um dos mais antigos deuses do panteão romano, é a divindade das portas de passagem, representada por duas faces que se contrapõem, sendo uma voltada para frente e a outra, para trás; pai de Canente (XIV, v. 334, 785, 381). Jápeto, Iapetus, -i, um dos Titãs, filho do Céu e da Terra, marido de Clímene, com quem teve os filhos Atlas, Prometeu, Epimeteu e Menécio, e que deu origem aos homens (I, v. 82; IV, v. 632). Jasão Págaso, Pagasaeus Iason, outra forma de se referir a Jasão, já que foi na cidade marítima Págasa, na Tessália, que ele construiu a nau Argo (VIII, v. 349). Jasão, Iason, -onis, filho de Esão, capitão dos Argonautas, foi quem construiu a nau Argo e reuniu os tripulantes na busca do Velo de Ouro (VII, v. 5, 25, 26, 48, 66, 175, 397; VIII, v. 302). Jônio, Ionium Mare, braço do mar Mediterrâneo ao sul do mar Adriático. Está limitado a oeste pela Itália Meridional, incluindo a Calábria e a Sicília, e a leste, pelo sul da Albânia e pelo noroeste da Grécia, em especial as ilhas Jônicas (IV, v. 535; XV, v. 50, 700). Jove Perseu, Iovis Persea, epíteto de Perseu, por ser filho de Júpiter (IV, v. 610, 611). Jove (ou Júpiter), Iupiter, Iouis, filho de Saturno, irmão de Plutão, de Netuno, de Ceres, de Vesta e de Juno, de quem era também marido. Deus dos deuses e, portanto, senhor do Olimpo, tinha sob o seu domínio o céu, o clima, o raio, o trovão e a terra. Era tempestuoso e exigia que todos cumprissem as suas leis, punindo severamente aqueles que o contrariavam (I, v. 106, 114, 116, 166, 205, 208, 244, 274, 324, 517, 587, 588, 672, 732, 748; II, v. 62, 377, 396, 422, 429, 437, 438, 446, 473, 481, 488, 678, 697, 726, 744; III, v. 7, 26, 254, 259, 263, 268, 278, 279, 281, 286, 316, 331, 361; IV, v. 3, 282, 610, 640, 645, 650, 697, 698, 714, 755, 801; V, v. 12, 297, 327, 369, 513, 514, 523, 528, 565; VI, v. 51, 72, 74, 94, 111, 176, 517; VII, v. 367, 588, 596, 615, 623, 652, 801; VIII, v. 99, 122, 152, 265, 627; IX, v. 261, 289, 303; X, v. 148, 149, 156, 161; XI, 41, 219, 224, 286, 756; XII, v. 11, 51; XIII, v. 5, 28, 91, 142, 143, 145, 216, 269, 384, 409, 574, 586, 600, 843, 844, 857; XV, v. 12, 70, 386, 858, 866, 871). 409
Juba cinifiano, Cinyphiumque Iubam, rei da Numídia, da linhagem de Massinissa que fora um aliado dos Romanos nas Guerras Púnicas. Ele foi derrotado por César em Tapso em 46 a. C. O adjetivo cinifiano se refere ao rio Cínife que banhava a Líbia, província romana do norte da África (XV, v. 755). Júlio, Iulius, -i, trata-se de Caio Júlio César Otaviano, o imperador de Roma, também chamado Augusto (XV, v. 842). Juno do Averno, Iuno Averna, epíteto de Prosérpina, por ser ela a rainha do Inferno (XIV, v. 114). Juno Máxima, Maxima Iuno, outro nome dado a Juno, por ela ser esposa e irmã de Júpiter, o máximo (III, v. 261). Juno Régia, Regia Iuno, epíteto de Juno, por ser ela a rainha dos deuses (XIV, v. 829). Juno Satúrnia, Saturnia Iuno, epíteto de Juno, em alusão ao seu pai, Saturno (IV, v. 448). Juno, Iuno, onis, irmã e mulher de Júpiter, filha de Saturno, mãe de Vulcano e de Juventude (ou Hebe, para os gregos). Rainha dos deuses, presidia aos casamentos e aos partos. Madrasta de Hércules (I, v. 270, 600, 677; II, v. 469,508, 518, 525; III, v. 283, 285, 318, 360; IV, v. 173, 421, 426, 473, 479, 523, 548; VI, v. 91, 94, 207, 337, 428; VII, v. 523; IX, v. 21, 284, 296, 309, 499, 762, 796; X, v. 161; XI, v. 578, 629; XII, v. 505; XIV, v. 582; XV, v. 164, 385, 700, 774). Júpiter Anfitrião, Iouis Hospitis, um dos epítetos de Júpiter (X, v. 224). Júpiter, ver Jove. Juventa, Iuventas, -tatis, deusa-personificação da juventude (VII, v. 241). Labros, Labros, -i, um dos cães de caça de Actéon, nascido de pai dicteu e de mãe lacônia (III, v. 224). Lacínios, Lacinium, -ii, promontório na entrada do golfo de Tarento, Crotona, onde havia um templo dedicado à Juno, dado o seu sobrenome, Lacínia (XV, v. 13, 701). Lácio, 1. Latium, -i, região da Itália central, entre a Etrúria e a Campania, habitada pelos latinos, cujas cidades primordiais são Lavínio, fundada por Eneias; Alba, fundada por Ascânio; e Roma,
fundada por Rômulo e Remo (XIV, v. 326, 390, 452; XV, v. 481, 626); 2. Latius, -a, -um, latino, romano (XIV, v. 422). Lacne, Lachne, -es, um dos cães de caça de Actéon, o de corpo hirsuto (III, v. 222). Lácon, Lacon, -onis, o mais vigoroso dos cães de caça de Actéon (III, v. 219). Lacônia, Laconis, -idis, proveniente da Lacônia, região do Peloponeso, cuja capital é Esparta (III, v. 223). Láctea, Lacteus, -a, -um, caminho sublime que leva os celícolas à morada e ao reino de Júpiter (I, v. 169). Lado, Ladon, -onis, rio da Arcádia consagrado a Febo (I, v. 701). Ládon, Ladon, -onis, um dos cães de caça de Actéon (III, v. 216). Laertes, Laertes, -ae, neto de Júpiter, filho de Arcésio, esposo de Anticleia e pai de Ulisses; era rei de Ítaca, conhecido como o “Rei dos Cefalenianos”; foi um dos Argonautas participantes da caçada ao javali calidônio (XII, v. 625; XIII, v. 124, 144). Laio (filho de), Laiades, -ae, o filho de Laio é Édipo. Laio era filho de Lábdaco, rei de Tebas (VII, v. 759). Lamo, Lamus, -i, antigo rei dos Lestrigões e fundador de Fórmias. No mito Macareu, Ulisses e Circe, Ovídio narra o confronto travado entre os companheiros de Ulisses e Antífates na cidade de Fórmias (XIV, v. 233). Lampécia, Lampetie, -es, a que está brilhando; uma das filhas do Sol, irmã de Faetonte e de Faetusa, metamorfoseada em álamo (II, v. 349; V, v. 111). Lampétida, Lampetis, -idis, filho de Lâmpeto, vate dos Cefenes morto na batalha entre Fineu e Perseu (V, v. 111) Laomedonte, Laomedon, -ontis, pai de Hesíone e de Príamo, Rei de Troia, cujas muralhas e fortificações foram construídas por Febo e Netuno, em troca de certa quantia de ouro (VI, v. 96, 196, 200, 757). Lápitas, Lapithae, -arum, povo legendário da Tessália, reinado por Ixião, e célebre por sua luta contra os Centauros (XII, v. 261, 530, 536; XIV, v. 670). Lares, Lares, Larum, divindades protetoras dos lares e de seus moradores, cultuados pelos romanos (IV, v. 260). Larissa, Larissa, -ae, uma cidade da Tessália (II, v. 542). 410
Latino, 1. Latinus, -i, rei do Lácio, filho de Fauno, marido de Amata, pai de Lavínia e sogro de Eneias (XIV, v. 449); 2. Quarto rei de Alba, neto de Sílvio (filho de Eneias e Lavínia), daí seu nome ser Latino Sílvio (XIV, v. 611); 3. Latinus, -a, -um, relativo ao Lácio (I, v. 559; XIV, v. 610; XV, v. 582). Latoio, Latoios, -ii, adjetivo usado para se referir ao filho de Latona, i.e., Febo (XI, v. 196). Latona, Latona, -ae, amante de Júpiter, de quem gerou Febo e Diana, no monte Cinto, da ilha de Delos; filha do Titã Céu; teve seu templo profanado por Níobe (I, v. 695; VI, v. 160, 162, 171, 186, 200, 214, 280, 336; XIII, v. 635). Latônia, Latonia, -ae, ou Latois, -idis ou –idos, filha de Latona, i.e., Diana (VIII, v. 278, 394, 542). Latreu, Latreus, -ei, um dos Centauros que luta na batalha contra os Lápitas (XII, v. 462). Laurento, Laurentum, -i, cidade do Lácio governada por Pico, o amante de Canente (XIV, v. 336, 342). Lavínia, 1. Lavinia, -ae, uma princesa itálica lendária, filha de Latino, rei do Lácio, e da rainha Amata. A tradição romana relata que, apesar de ter sido prometida em casamento a Turno, foi a segunda esposa de Eneias, com quem teve um filho, Sílvio (XIV, v. 570); 2. Lavinius, -a, -um, referente à cidade Lavínio, fundada por Eneias na região do Lácio (XV, v. 728). Learco, Learchus, -i, filho de Atamante e de Ino, morto por seu pai em delírio (IV, v. 516). Lebintos, Lebinthos, -i, uma das ilhas Espórades, no mar Egeu, entre Samos e Cós, e uma das quais já havia sido deixada, por Dédalo e Ícaro, quando este, entusiasmado com o voo audacioso, abandona aquele, seu guia, a fim de aproximar-se do céu, voando, por isso, ainda mais alto (VIII, v. 222). Leda, Leda, -ae ou Lede, -es, mulher de Tíndaro, foi mãe de muitos filhos: Pólux, Helena, Castor, Clitemnestra, entre outros. Alguns de seus filhos, as tradições divergem sobre quais deles, foram fruto de sua relação com Júpiter, que se transformou em um cisne para unirse a ela. Essa união de Leda e Júpiter foi retratada no bordado feito por Aracne para competir com Palas Atena (VI, v. 109).
Lélape, Laeleps, -apis, 1. Um dos cães de caça de Actéon (III, v. 211); 2. Cão encarregado de guardar Europa (VII, v. 771). Léleges, Leleges, -um, povos do sul da Ásia Menor, na Cária, que se estabeleceram em várias regiões da Grécia, como Mégara. Os litorais dos léleges foram devastados pelo rei Minos (VIII, v. 6; IX, v. 645). Lélex, Lelex, -egis, herói da Narícia (VIII, v. 312, 568, 618). Lemnícola, Lemnicola, -ae, habitantes da ilha de Lemnos e, por extensão, designa Vulcano, por este ter nascido aí (II, v. 757). Lemnos, Lemnos ou Lemnus, -i, ilha do mar Egeu, no Mediterrâneo, onde Vulcano foi criado e residia, e onde Filoctetes foi retido (IV, v. 185; XIII, v. 46, 313). Leneu, Lenaeus, -i, um dos nomes de Baco (IV, v. 14). Lerna, Lerna, -ae ou Lerne, -es, um pântano da Argólida, refúgio da célebre Hidra vencida por Hércules (I, v. 596; IX, v. 69, 130, 158). Lesbos, Lesbos ou Lesbus, -i, terceira maior ilha da Grécia, onde se situam as cidades de Antissa e de Metineia, e que se localiza no nordeste do mar Egeu. Local por onde passa o corpo morto de Orfeu, carregado pelas águas (II, v. 591; XI, v. 55; XIII, v. 173). Lestrigão, Laestrygonius, -a, -um, adjetivo relativo aos lestrigões (Laestrygones, -um), habitantes de Lamos, cidade próxima ao promontório de Circeu no Lácio, conhecidos pela prática da antropofagia (XIV, v. 233, 237). Leteia, Lethaea, -ae, esposa de Oleno, metamorfoseada em pedra, conservada pelo monte Ida (X, v. 70). Letes, Lethe, -es, rio do Averno, cujas águas provocam o completo esquecimento (XI, v. 603). Leto, 1. Letus, -i, monte da Ligúria, na Itália (VII, v. 384); 2. Letoia, -ae, ilha do mar Jônio (VIII, v. 15). Lêucade, Leucadia, -ae, uma ilha na costa da Arcânia a Oeste da Grécia, ao norte de Ítaca, onde há um templo dedicado a Febo, daí Leucadio (Leucadius, -ii) ser um epíteto para esse deus (XV, v. 289). Leucipo, Leucippus, -i, rei da Messênia (VIII, v. 306). Lêucon, Leucon, -onis, um dos cães de caça de Actéon, de alvos pelos (III, v. 218). 411
Leucônoe, Leuconoe, -es, uma das filhas de Mínias, como Alcítoe, metamorfoseadas em morcegos (XIV, v. 168). Leucósia, Leucosia, -ae, ilha do mar Tirreno, próxima ao promontório Posídio na Lucânia (XV, v. 708). Leucótoe, Leucothoe, -es, filha de Órcamo e Eurínome e amada pelo Sol. Etimologicamente Leucótoe liga-se a leukós (branco) e thóos (ágil) fazendo referência à fumaça desprendida do incenso. Assim, conforme a mitologia, Leucótoe é metamorfoseada em árvore de incenso pelo Sol (IV, v. 196, 208, 220, 542). Líber, Liber, -eri, Líber, antiga divindade latina, que cuidava da germinação da semente e da seara. Foi mais tarde identificado com Baco ou Dioniso que, para os gregos, desempenhava semelhante função (III, v. 518, 526, 634; IV, v. 17; VII, v. 295, 360; VIII, v. 177; XI, v. 105; XIII, v. 650). Líbia, Lybia, -ae, região desértica da África do norte, tornada árida pelo carro ígneo guiado por Faetonte (II, v. 237). Líbio, Libs, Libis, refere-se à nacionalidade da divindade Ámon com quem Júpiter é identificado (V, v. 75, 328). Líbis, Libys, -yos, um dos marinheiros que se opôs à devoção ao deus Líber e, por sua perfídia, foi metamorfoseado em delfim (III, v. 615, 674). Lícabas, Lycabas, -ae, 1. Etrusco, assassino e exilado, marinheiro da embarcação de Acetes, metamorfoseado em delfim pelo deus Líber (III, v. 622, 671); 2. Um guerreiro que foi morto por Perseu com um dardo no confronto entre este e Fineu (V, v. 60); 3. Um dos Lápitas que, juntamente com outros companheiros, conseguiu salvar sua vida ao fugir da luta entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 302). Licáon, Lycaon, -onis, rei da Arcádia, pai de cinquenta filhos. Licáon foi metamorfoseado em lobo por Júpiter (I, v. 165, 198, 221; II, v. 496, 526). Licas, Lichas, -ae, companheiro de Hércules, responsável por levar ao herói, a pedido de Dejanira, a túnica impregnada com sangue de Nesso (IX, v. 155, 211, 213, 229). Liceto, Lycetus, -i, filho de Espérquio. Era um guerreiro que foi morto por Perseu, quando este guerreou contra Fineu (V, v. 86).
Liceu, Lyceus, -i, monte da Arcádia, próximo ao rio Ílissos, consagrado ao deus Pã (I, v. 217, 697; II, v. 710; VIII, v. 317). Lícia, Lycia, -ae, antiga província romana, localizada numa região montanhosa da Anatólia, no sudoeste da Ásia Menor (IV, v. 296; VI, v. 317, 340, 382; IX, v. 645). Lícidas, Lycidas, -ae, um Centauro morto por Drias (XII, v. 310). Licisca, Lycisca, -ae, uma das cadelas de caça de Actéon, irmã de outro cão de nome Cíprio (III, 220). Lico, Lycus, -i, 1. Capitão dos etólitos, ao lado de Perseu (X, v. 504); 2. Irmão de Nicteu e seu sucessor no trono de Tebas (XII, v. 332); 3. Um rio na Frígia, perto de Colossos. Segundo acreditavam os antigos, ele mergulhava em um abismo, corria pelo subsolo por alguma distância e reaparecia antes de entrar no Meandro (XV, v. 273). Licopes, um guerreiro dardejador morto por Teseu (XII, v. 350). Licormas, Lycormas, -ae, 1. Rio da Etólia cujas águas arderam com a proximidade do Carro do Sol, guiado pelo jovem Faetonte (II, v. 245); 2. Um Centauro que participou do confronto entre Perseu e Fineu (V, v. 119). Licurgo, Lycurgus, -i, rei da Tessália que, por ordenar que se arrancassem as vinhas, foi tornado louco por Baco (IV, v. 22). Lídia, 1. Lydia, -ae, cidade localizada na região da Ásia Menor (VI, v. 146); 2. Lydus, -a, -um, da região da Lídia (VI, v. 11, 146; XI, v. 98). Lieu, Lyaeus, -i, em latim, o vocábulo pode significar “vinho”. Também é usado na literatura para se referir ao deus do vinho, Baco (III, v. 11; VIII, v. 274; XI, v. 67). Ligdo, Ligdus, -i, homem de origem plebeia, nascido na região de Festo. Casou-se com Teletusa e desejava que ela lhe desse um filho homem. Teletusa pariu uma menina e, temerosa do marido, mentiu que o bebê era um menino, que foi batizado com o nome de seu avô, Ífis (IX, v. 670, 684). Ligúria, Liguria, -ae, província marítima da Itália, governada por Cisne. Modernamente, compreende as localidades de Luccas, Genova, sul do Piemonte e Niza (II, v. 370). 412
Lilibeu, Lilybaeum, i, um promontório da Sicília, no qual ficou preso o Titã Tifeu (V, v. 351; XIII, v. 726). Limirene, Limyre, -es, rio da Lícia, junto à cidade de mesmo nome. É um dos locais por onde passa Bíblis, quando esta parte por ter seu amor repelido por Caunos (IX, v. 646). Lincéstio, Lyncestius, rio que corre a oeste da Macedônia. Segundo a personagem Pitágoras narra n’As metamorfoses, qualquer pessoa que bebesse uma certa quantidade de água do Lincéstio ficaria cambaleante como se tivesse tomado vinho (XV, v. 329). Linceu, Lynceus, -ei ou –eos, argonauta de olhar penetrante, ascendente de Perseu, que reinou em Argos após a morte de Dânao (VIII, v. 304). Linco, Lyncus, -i, rei da Cítia, metamorfoseado em lince por Deméter (V, v. 650). Lineia, Limnaee, -es, filha do rio Ganges e mãe de Átis, um hindu que foi morto por Perseu (V, v. 48). Lineu, Lenaeus, -i, outro nome do deus Baco, provavelmente originado do grego (de Dyonisos lenaios) (XI, v. 132). Lirceu, Lyrceus, a, um, monte no Peloponeso, nas vertentes do qual encontra-se a fonte do rio Ínaco (I, 597). Líriope, Liriope, -es, uma Ninfa. Foi vítima do rio Céfiso, que a engravidou quando ela passeava por suas margens. Da gravidez indesejada nasceu o belo Narciso, cuja beleza nunca vista deixava apreensivo o coração de Líriope (III, v. 340). Lirnesso, Lyrnesos ou Lyrnesus, -i, antiga cidade da Misia, Ásia Menor, reinada por Mines. Lirnesso foi saqueada por Aquiles, durante a Guerra de Troia. O herói grego matou Mines e seus três filhos homens, e raptou a princesa Briseide, tornando-a escrava (XII, v. 108; XIII, v. 176). Literno, Liternus, -i, rio da Campânia (XV, v. 714). Lótus, Lotis, -idis, resultado da metamorfose da Ninfa Lótice, que preferiu transformar-se em flor de lótus antes de ceder aos desejos do deus Príapo, filho de Baco (IX, v. 347). Lucífero (ou Lúcifer), Lucifer, -eri, ou Lucifer, -era, -erum, conhecido como o “Portador da luz”, Lúcifer é a Estrela da manhã ou Vênus, quando este anunciava o nascimento do Sol. É também o
pai de Cêix (II, v. 115, 723; IV, v. 629, 665; VIII, v. 2; XI, v. 98, 271, 346, 570; XV, v. 189, 789). Lucina, Lucina, -ae, um dos epítetos de Juno. De acordo com Brandão (1993, p. 188), “com o título de Iuno Lucina, ‘Juno que faz vir à luz’, presidia aos partos e velava sobre os recém-nascidos, recebendo a alcunha de Conseruatrix, a Defensora” (V, v. 304; IX, v. 294, 698; X, v. 507, 510). Luto, Luctus, -us, personificação da dor pela morte de alguém. Um dos acompanhantes de uma das Fúrias, chamada Tisífone, juntamente com o Pavor, o Terror e a Loucura (IV, v. 484). Macareu, Macareus, -ei, 1. Pai de Issa, também conhecida como Macareide (Macareis, -idis) (VI, v. 124); 2. Um dos Centauros que participou da luta contra os Lápitas (XII, v. 452); 3. Companheiro de Ulisses (XIV, v. 159, 318). Mãe Nutriz, alma parens, epíteto de Vênus no mito Os Navios de Eneias. Árdea por ser ela a mãe e protetora do herói troiano (XIV, v. 546). Magnetas, Magnetes, -um, povo que habitava o litoral da Tessália (XI, 408). Maia, Maia, -ae, filha de Atlas e de Plêione, i.e., uma das Plêiades; mãe de Mercúrio (II, v. 685; XI, v. 303). Manes, manes, -ium, espíritos ou almas dos mortos; ou almas penadas (I, v. 585, II, v. 303; IV, v. 437; V, v. 73, 116; VI, v. 569, 699; VII, v. 206; VIII, v. 488; IX, v. 406; XIII, v. 488, 465; XIV, v. 105; XV, v. 154). Manto, Manto, -us, filha de Tirésias, profetisa e sacerdotisa de Febo (VI, v. 157). Maratona, Marathon, -onis, cidade da Ática, onde ficava situada a ilha do Minotauro, Creta (VII, v. 434). Mareótida, Mareota, -ae, cidade egípcia, perto de Alexandria, onde se cultuava a deusa Ísis (IX, v. 773). Marmárica, Marmarida, -ae, antiga região do continente africano, entre a Líbia e a Cirenaica. É o local de origem de Córito, um dos participantes do conflito entre Perseu e Fineu (V, v. 125). Mársias, Marsyas, -ae, um sátiro frígio que desafiou o deus Febo em um concurso de flauta, tendo sido, por isso, esfolado vivo por 413
este. As lágrimas de comoção pelo sátiro deram origem ao rio de mesmo nome, o mais límpido da Frígia (VI, v. 400). Marte Gradivo, Mars Gradiuus, um dos nomes de Marte (XV, v. 863). Marte, Mars, -artis, ou Marvors, -tis, deus da guerra; filho de Juno e Júpiter; irmão da deusa Minerva; teve com Vênus dois filhos, Cupido e Harmonia; e, para a mitologia romana, é também pai de Rômulo, fundador de Roma (III, v. 32, 123, 132, 538; IV, v. 171; VI, v. 70; VII, v. 101, 140; VIII, v. 20, 61; XII, v. 91; XIII, v. 11, ; XIV, v. 450, 798, 806; XV, v. 745). Mavorte, Marvors, -tis, forma antiga do nome de Marte, conservada principalmente na poesia (VII, v. 140). Meandro, Maeandrus, -i, rio da Ásia Menor, que separa a Lídia da Cária, correndo do leste para o oeste, famoso por sua sinuosidade (II, v. 246; VIII, v. 162; IX, v. 451, 574). Medeia, Medea, -ae, filha do rei Eetes, esposa de Jasão e sobrinha de Circe, conhecida por suas magias (VII, v. 11, 41, 70, 257, 285, 406). Médon, Medon, -ontis, 1. Marinheiro da embarcação de Acetes, metamorfoseado por Baco em golfinho (III, v. 669); 2. Um dos Centauros que lutou contra os Lápitas (XII, v. 303). Medusa, Medusa, -ae, bela donzela metamorfoseada em monstro com serpentes no lugar dos cabelos; uma das Górgonas, filha de Forco, degolada por Perseu e de cujo sangue nasceu Pégaso (IV, v. 655, 743, 782, 784; V, v. 69, 217, 246, 249, 257, 312; X. v. 22). Megareu, Megareus, -ei ou -eos, rei de Onquesto, na Beócia, região da Grécia Antiga; pai de Hipômenes e neto de Netuno (X, v. 605, 659). Melampo, Melampus, -odis, um dos cães de caça de Actéon, espartano (III, v. 206, 208). Melaneu, Melaneus, -ei ou -eos, 1. Um dos cães de caça de Actéon (III, v. 222); 2. Um Centauro (XII, v. 306). Melanquetes, Melanchaetes, -ae, um dos cães de caça de Actéon (III, v. 232). Melanto, Melanthus, -i, um dos marinheiros metamorfoseados em um delfim por Líber (III, v. 615; VI, v. 120).
Melas, Melas, -ae, um rio que ardeu com a proximidade do Carro do Sol dirigido pelo jovem Faetonte (II, v. 247). Meleagro (ou Meleagros), Meleagros, -i, filho de Eneu, rei de Cálidon, e de Alteia, sobrinho de Plexipo e de Toxeus, irmão de Dejanira e de Tideu (VIII, v. 270, 299, 385, 515; IX, v. 149). Melhor de Todos, optime, epíteto de Júpiter. De acordo com Brandão (1993), “foi em seu famoso templo do Capitólio que Júpiter, com o epíteto de Optumus Maxumus, Ótimo Máximo, reinou soberano, eclipsando, de certa forma, as outras divindades itálicas e ‘importadas’. O culto ao deus Ótimo Máximo não configura o mais antigo com que fora homenageado: trata-se, historicamente, de uma transferência do pai dos imortais e dos homens, do Quirinal para o Capitólio.” (p.190) (XIV, v. 589). Melicerta, Melicerta, -ae, deus marinho, filho de Ino e de Atamante (IV, v. 522). Mêmnon, Memnon, -onis, filho de Titão e Aurora, sobrinho de Príamo. Foi morto por Aquiles na Guerra de Troia (XIII, v. 579, 595, 600). Memnônides, Memnonides, -um, eram aves que todos os anos se reuniam para chorar a morte de Mêmnon, morto por Aquiles na Guerra de Troia. N’As metamorfoses esses pássaros são entendidos como as próprias cinzas de Mêmnon transformadas (XIII, v. 618). Mênades, Maenas, -adis, outro nome para as bacantes. De acordo com Grimal (2005), “as Mênades personificam os espíritos orgiásticos da Natureza. [...] Têm poder sobre as feras: por vezes, vêem-se levadas por panteras, com pequenos lobos nos braços, etc. As Mênades intervêm em um determinado número de lendas: as de Licurgo, de Orfeu, de Penteu, das Miníades, etc.” (p.302) (XI, v. 22). Mênala, Maenala, -orum, montanha da Arcádia, dedicada a Pã e a Diana (I, v. 216). Menálio, Maenalis, -idis, filho mais velho de Licáon, que deu seu nome a uma montanha da Arcádia, Mênala (V, v. 608). Mênalo (ou Mênalon), Maenalos (-us), -i, ver Mênala (II, v. 415, 442). Mendes, Mendes, -etis, cidade do Egito Antigo, atualmente chamada Djedet (V, v. 144). 414
Menefron, Menephron, -onis, homem metamorfoseado em besta por ter tentado abusar de sua mãe (VII, v. 386). Menelau, Menelaus, -i, rei lendário da Lacedemônia, irmão mais novo de Agamêmnon, filho de Atreu e marido de Helena (XIII, v. 203). Menetes, Menoetes, -ae, pebleu da Lícia, morto por Aquiles (XII, v. 116, 127). Meônia, Maeonia, -ae, 1. Nome antigo da Lídia, na Ásia Menor (IV, v. 423; VI, v. 149); 2. Pertecente à Meônia (II, v. 252; III, v. 581; VI, v. 5, 43, 103). Mercúrio, Mercurius, -ii, filho de Júpiter e de Maia. Mensageiro de Júpiter, é o deus dos viajantes, dos mercadores e dos ladrões; teve muitas amantes, como Antianira e Prosérpina (II, v. 741; IV, v. 288, 754). Meríones, Meriones, -ae, escudeiro de Idomeneu (XIII, v. 359). Mérope, Merope, -es, rei dos Etíopes, esposo de Clímene e alegado pai de Faetonte (I, v. 762; II, v. 184). Mês, Mensis, -is, personificação de uma das divisões do ano que se sentava ao lado do trono de Febo, juntamente com o Dia, o Ano e as Horas (I, v. 25). Messápia, Messapia, -ae, região localizada no centro da Apúlia (XIV, v. 513). Messena, Messene, -es, cidade altiva do Peloponeso; uma das cidades vizinhas da Trácia (VI, v. 417). Messênia (ou Messina), Messenia, -ae, país onde se localizava a cidade Messena, situado no Peloponeso, ao sul da Arcádia e a oeste da Lacônia, morada da Ninfa Cila (XII, v. 549; XIV, v. 17). Metião, Metion, -onis, pai de Forbas (V, v. 74). Metineia, Methymna, -ae, cidade da ilha de Lesbos, famosa por seus vinhos (XI, v. 55). Mícale, Mycale, -es, 1. Monte da Jônia, região da costa sudoeste da Anatólia, que ardeu com a proximidade do Carro do Sol guiado pelo jovem Faetonte (II, v. 223); 2. Mãe de Orio, ou Órion (XII, v. 263). Micenas, Mycenae, -arum, cidade da Argólida fundada por Perseu, berço da civilização grega (VI, v. 414; XV, v. 426, 428). Micênica, Mycenis, -idis, referente à Ifigênia (XII, v. 34).
Míconos, Myconus ou Myconos, -i, uma das ilhas Cíclades, localizadas no mar Egeu, próxima ao Peloponeso e às Espórades (VII, v. 463). Midas, Midas, -ae, rei da Frígia, conhecido por ter solicitado ao deus Baco o poder de transformar tudo o que tocasse em ouro; e por ter as orelhas transformadas em orelhas de asno por Febo (XI, v. 92, 162, 174). Migdônio, Mygdnius, -a, -um, da Migdônia, localizada na Frígia (II, v. 247). Milão, Milon, -onis, famoso atleta de Crotona (XV, v. 229). Mileto, Miletus, -i, filho de Febo e Deione, pai dos gêmeos Bíblis e Caunos, e fundador da cidade homônima (IX, v. 444, 447, 635). Mimante, Mimas, -antis, monte da Jônia que ardeu com a proximidade do Carro do Sol guiado pelo jovem Faetonte (II, v. 222). Minerva, Minerva, -ae, filha preferida de Júpiter com Juno, irmã de Sêmele e de Marte; deusa da sabedoria e patrona de todas as ciências e artes, daí ser tida como a deusa da razão e da inteligência criadora; é protetora do comércio e da indústria; e conhecida também por Palas, Palas Atena e por Tritônida (II, v. 563, 588, 709, 749, 788; IV, v. 33, 755, 799; VIII, v. 250, 264, 275, 667; XIII, v. 337, 381, 653; XIV, v. 475). Mínias, 1. Minyeius, -a, -um, do rei Mínias, tebano que reinou na Tessália (IV, v. 1, 389); 2. Minyae, -orum, nome com que se designavam os Argonautas, homens de Jasão, por este ser descendente do rei Mínias (VII, v. 1, 8, 115, 120). Minieides, Minyeides, -um, as três filhas do rei Mínias, metamorfoseadas em morcegos por Baco: Alcítoe, Leucônoe e Leucipe (IV, v. 32, 425). Mínios, Minyae, -orum, os Argonautas ou os homens de Jasão, por este ser descendente do rei Mínias (VI, v. 720; VII, v. 8). Minos, Minos, -ois, filho de Júpiter e de Europa; marido de Pasífae; pai de Ariadne; rei de Creta, responsável por escolher os homens e as mulheres fadados a serem devorados pelo Minotauro; ao morrer, tornou-se um dos juízes dos Infernos (VII, v. 456, 472; VIII, v. 6, 24, 42, 45, 64, 95, 152, 157, 187; IX, v. 437, 441). 415
Minturnas, Minturnae, -arum, uma das cidades do Lácio (XV, v. 716). Mirmidões (ou Mirmídones), Myrmidones, -um, povo da Tessália. Segundo a mitologia grega, havia um rei muito piedoso chamado Áiacos, que reinava a ilha de Áigina. Certa vez, todos os habitantes da ilha foram mortos por conta de uma peste, então Zeus, para recompensar Áiacos e para que a ilha fosse repovoada, transformou formigas (em grego myrmikes) em seres humanos, que passaram a se chamar mirmidões (VII, v. 654). Mirra, 1. murra, -ae, perfume extraído da planta de mesmo nome (III, v. 553; IV, v. 393; V, v. 53; X, v. 310, 501; XV, v. 399); 2. Myrrha, -ae, filha de Cencreis com o rei Cíniras, por quem se apaixonou e de quem teve um filho, Adônis; foi metamorfoseada em árvore à qual deu nome (X, v. 312, 318, 363, 402, 441, 476). Míscelo, Myscelus, -i, filho de Alémon e, por isso, é por vezes chamado de Alemônide; natural da cidade de Ripas, na região grega da Acaia, foi fundador da cidade de Crotona (XV, v. 20). Mísia, Mysia, -ae, província da Ásia Menor, próxima a Pérgamo, onde se localizava o rio Caíco (XV, v. 277). Mitridiática, Mithridaticus, -a, -um, relativo a Mitrídates, rei da província do Ponto (XV, v. 755). Mnemosine, Mnemosyne, -es, uma das Titânides, filhas de Céu e Terra; mãe das Musas do monte Helicão, daí suas filhas serem conhecidas como as Mnemonides (VI, v. 114). Molosso, Molossus, -a, -um, povo semibárbaro, habitante da Molóssia (ou Molóssida), uma região do noroeste da Grécia Antiga, no Épiro (I, v. 226; XIII, v. 717). Molpeu, Molpeus, -ei, guerreiro caônio, morto por Perseu (V, v. 163, 168). Moly, moly, (indecl.), raíz de uma flor, usada por Ulisses quando este entra na morada de Circe para protegê-lo dos encantamentos da feiticeira (XIV, v. 292). Mônico, Monychus, -i, um Centauro que atirou um tronco contra Ceneu (XII, v. 499). Mopso (ou Mopsius), Mopsus, -i, um dos Argonautas, também vate (XII, v. 456, 528).
Mopsópio, Mopsopius, -a, -um, da Mopsópia, i.e, da Ática, daí a palavra ser usada para designar também os atenienses (V, v. 661; VI, v. 423). Morfeu, Morpheus, -ei, filho do Sono e da Noite, deus dos sonhos. Tem a habilidade de assumir qualquer forma humana e de aparecer nos sonhos das pessoas (XI, v. 635, 647, 671). Mulcíbero, Mulciber, -beri, epíteto de Vulcano, por ser este o deus do fogo (II, v. 5; IX, v. 263, 423; XIV, v. 533). Muniquia, Munychius, -a, -um, da Muníquia, nome antigo de Atenas, onde havia também um porto (II, v. 709). Musas, Musa, -ae, no contexto da mitologia grega, são as nove filhas de Mnemosine e de Zeus, cada uma responsável por inspirar uma arte ou ciência, a saber: Calíope (Poesia Épica), Clio (História), Érato (Poesia Romântica), Euterpe (Música), Melpômene (Tragédia), Polímnia (Hinos), Terpsícore (Dança), Tália (Comédia) e Urânia (Astronomia). Habitavam o monte Helicão e eram também conhecidas como deusas da Téspia (V, v. 294, 337; X, v. 148; XV, v. 622). Mútina, Mutina, -ae, cidade da Gália, cidade em que M. Antônio matou Bruto o assassino de César em 43 a. C., atual Módena (XV, v. 823). Nabateia, Nabataeus, a, um, antigo nome da região que compreende a área do atual Estado de Israel, da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, de parte da Jordânia, do Líbano e de parte da Síria (V, v. 163). Nabateus, Nabatae, -arum, antigo povo semita, os povos nabateus habitaram o noroeste da Arábia, entre a Judeia e o Egito. Sua capital era a cidade de Petra, situada no território da Jordânia (I, 61). Náiades Ausônias, naides Ausonias, Ninfas dos rios da Ausônia (XIV, v. 786). Náiades (ou Naides), Naiades e Naids, -um, e Nis, -idis ou Naias, adis, Ninfas dos rios e das fontes. As Náiades podem ser também conhecidas como Nereidas e Hamadríade (I, v. 641; II, v. 325; III, v. 504; IV, v. 289; VI, v. 329, 453; VIII, v. 580; IX, v. 87, 657; X, v. 9, 514; XI, v. 49; XIV, v. 328, 557, 786). Nape, Nape, -es, uma das cadelas de Actéon, nascida de uma loba (III, v. 214). 416
Narciso, Narcissus, -i, filho de Céfiso, metamorfoseado em flor (III, v. 344, 368). Narícia, Narycia, -ae ou Narycius, -ii, cidade da Beócia ou Lócrida, localizada no litoral extremo sul da península Itálica na face banhada pelo mar Adriático (região de Brútio) (XIV, v. 468, 705). Narício, Narycius, -a, -um, referente à Narícia (VIII, v. 312). Nasamões, Nasamoniacus, a, um, um povo antigo da Líbia, do qual provinha Dórilas, guerreiro morto no confronto entre Perseu e Fineu (V, v. 129). Náuplio, Naupliades, -ae, adjetivo derivado de Nauplius, -ii, pai de Palamedes (XIII, v. 39, 310). Naxos, Naxos (Naxus), -i, ilha do mar Egeu, a maior das Cíclades, morada de Baco (III, v. 634, 638, 647). Nebrófone, Nebrophonus, -i, um dos cães de caça de Actéon (III, v. 211). Nedimno, Nedymnus, -i, um dos Centauros que atua na luta contra os Lápitas (XII, v. 350). Néfele, Nephele -es, uma das Ninfas de Diana (III, v. 171). Nefeleida, Nepheleias, -adis, trata-se de Hele, a filha de Néfele (XI, 195). Neleu, Neleus, -ei (-eos), rei de Pilos, filho de Tiro e Netuno e irmão gêmeo de Pélias. Casou-se com Clóris, filha de Anfíon, e teve com ela uma filha, Péro, e doze filhos: Tauro, Astério, Piláon, Deímaco, Euríbio, Epilao, Frásio, Eurímenes, Alastor, Nestor e Periclímeno (II, v. 689; VI, v. 418, XII, v. 558, 577). Nêmesis, Nemesis, -is, filha de Júpiter e da Necessidade, deusa da vingança dos crimes e, por isso, chamada de “a vingadora” (XV, v. 52). Neoptólemo, Neoptolemus, -i, também conhecido como Pirro, é o filho de Aquiles e de Deidamia (XIII, v. 455). Nereidas (ou Nereides), Nereides (Nereides), -um, Ninfas marinhas, filhas de Nereu; variação de Náiades (I, v. 302; V, v. 17; VII, v. 685; XI, v. 259, 361, 380; XII, v. 93; XIII, v. 162, 749, 858, 899; XIV, v. 264). Nereto, Neretum, -i, cidade italiana na região da Calábria, onde habitavam os salentinos (XV, v. 51).
Nereu, Nereus, eos, ei ou -ei, é uma divindade marinha benfeitora. É conhecido como “o velho do mar”. Tem o dom da profecia e o poder da transformação. Sua representação mais frequente é a de um velho de barbas longas e brancas armado de tridente. Pai das Nereidas (I, v. 187; II, v. 268; XI, v. 361; XII, v. 24, 94; XIII, v. 742). Nerítia, Neritius, -a, -um, que é da ilha de Nérito (XIV, v. 563). Nérito, Neritus, -i, ilha próxima a Ítaca, no Mediterrâneo (XIII, v. 712; XIV, v. 159). Nesso, Nessus, -i, um Centauro, filho de Ixíon e Néfele. Quando Hércules e Dejanira atravessavam o rio Eveno, no qual Nesso era barqueiro, o Centauro tentou violá-la, mas foi trepassado por uma flechada de Hércules. Para se vingar do herói, Nesso confiou a Dejanira a túnica embebida com sangue que viria a matar Hércules (IX, v. 101, 108, 112, 119, 121, 131, 153; XII, v. 308, 454). Nestor, Nestor, -oris, eloquente ancião, modelo de sabedoria dos tempos de Aquiles; teve seus onze irmãos mortos por Hércules e, por isso, recebeu do deus Febo o dom de viver tanto quanto viveriam juntos todos os seus irmãos. Era filho de Neleu, rei de Pilo, e de Clóris (VIII, v. 313; XII, v. 169; XII, v. 63, 64). Netuno, Neptunus, -i, deus dos mares. Na mitologia grega, é conhecido como Posídon (II, v. 270, 533; IV, v. 539, VI, v. 115; VIII, v. 598, 603, 854; IX, v. 1; X, v. 606, 639, 665; XII, v. 26, 72, 198, 558). Nictélio, Nyctelius, -ii, um dos epítetos do deus Baco, uma vez que seus festejos eram habitualmente celebrados à noite (IV, v. 15). Nicteu, 1. Nycteis, -idis, a ocorrência filha de Nicteu refere-se a Antíope, filha de Nicteu (VI, v. 111); 2. Nycteus, -ei, um dos companheiros de Diomedes. Foi metamorfoseado em gaivota (XIV, v. 504). Nictímene, Nyctymene, -es, filha de Epopo, transformada em coruja por Minerva (II, v. 590). Nileu, Nileus, eos ou –ei, o que mentia ser filho do Nilo. Guerreiro que luta com Perseu em seu confronto com Fineu, mas é transformado em estátua depois que Perseu mostra-lhe a cabeça da Medusa (V, v. 187). 417
Nilo, Nilus, -i, rio localizado no Egito. Os romanos consideravam que o delta do Nilo tivesse sete embocaduras (I, v. 423, 727; II, v. 254; V, v. 187, 324; IX, v. 774; XV, v. 753). Ninfa ou Ninfas, nympha, -ae, ou nymphe, -es, Ninfas, divindades que habitavam os bosques, os montes e as fontes da Arcadia, sendo seguidoras e companheiras da deusa Diana e, portanto, virgens e caçadoras (I, v. 192, 320, 472, 504, 505, 575, 690, 700, 705, 743; II, v. 16, 238, 445, 452, 636; III, v. 165, 178, 312, 343, 355, 361, 363, 401, 454; IV, 244, 260, 277, 302, 334, 347, 368, 747; V, v. 314, 316, 412, 540, 577, 663; VI, v. 15, 16, 44, 394; VII, v. 354, 823; VIII, v. 571, 586, 606, 774; IX, v. 89, 337, 347, 350, 652; X, v. 109; XI, v. 153, 771; XIII, v. 689, 736, 750; XIV, v. 264, 333, 420, 434, 516, 566, 762, 771, 787; XV, v. 482, 490, 531, 552). Ninfas niseidas, nymphae Nyseides, relativo à Nisa, uma Ninfa que foi responsável pela criação de Baco (III, v. 312). Nino, Ninos, -i, rei da Assíria, esposo de Semíramis (IV, v. 88). Níobe, Niobe, -es ou Nioba, -ae, filha de Tântalo; esposa do rei de Tebas, Anfião; neta de Atlas e de Júpiter, de quem era também nora; mãe de Ismeno, Sipilo, Fédimo, Tântalo, Alfenor, Damasícton, Ilioneu e de outras setes meninas (VI, 148, 156, 165, 273, 287). Niso, 1. Nisus, -i, irmão de Egeu e rei de Mégara, e pai de Cila, a metamorfoseada em garça (VIII, v. 8, 17, 90, 126); 2. Nixus, -us ou Nixi, -orum, deuses que presidiam aos partos (IX, v. 294). Nixo, Nixus, -us, a constelação Engonasi, considerada a constelação de Hércules, onde ele aparece ajoelhado sobre o dragão (VIII, v. 182) Nixos, Nixi, -orum, deuses que presidiam aos partos, dos quais três estátuas, com a postura das parturientes (de joelhos), se encontravam no Capitólio (IX, v. 294). Noite, Nox, Noctis, era uma das divindades primordiais, filha de Caos e irmã de Eros e de Gaia, a mãe Terra. Mãe das Fúrias, de Megera, Alecto e Tisífone, que personificavam a vingança (II, v. 452; VII, v. 192; XI, v. 607; XIV, 404; XV, v. 31). Nonácria (ou Nonácris), Nonacris, -is, montanha da Arcádia, na qual o Estige tinha sua nascente (VIII, v. 426) Nonácrinas, nonacrinus, a, um, relativo a Nonácris (I, 689).
Nórico, Noricum, -i, região situada entre o rio Danúbio, a Récia, a Panônia e os Alpes. Hoje corresponde a uma parte da Áustria (XIV, v. 712). Noto, Notus (Notos), -i, ver Astreu (I, v. 264). Numa ou Numa Pompílio, Numa, -ae, um sabino, foi o segundo rei de Roma, sucessor de Rômulo (715-672 a. C.). Era casado com a Ninfa Egéria. Representa o rei religioso por excelência, a quem se atribui a criação da maior parte dos cultos e das instituições sagradas (XV, v. 4, 481, 487). Nume, numen, -inis, divindade existente em cada ser e que dirige as ações deste ser; os deuses (I, v. 192, 320, 377; II, v. 16, 395, 653; III, v. 289, 636; IX, v. 280; XI, v. 263). Numício, Numicus, -i, pequeno rio localizado no Lácio (XIV, v. 328, 599). Númidas, Numidae, -arum, tribo que habitava a região da Numídia, ao norte da África (XV, v. 754). Oceano, Oceanus, -i, filho de Céu e Terra, é o rio que rodeia a Terra, personificado pelo Titã de mesmo nome. Esposo de Tétis (II, v. 510; VII, v. 267; IX, v. 499; XIV, v. 951; XV, v. 12, 30). Ocírroe, Ocyrhoe, -es, uma Ninfa, filha do Centauro Quirão e de Cáriclo. Foi metamorfoseada em égua (II, v. 638). Oenópia, Oenopia, -ae, antigo nome da ilha de Egina (VII, v. 472, 473, 490). Ofeltes, Opheltes, -ae, personagem que primeiro encontrou Baco, na terra de Quios, conduzindo-o até o encontro com Acetes (III, v. 603, 639). Ofíon (filho de), Ophionides, -ae, aquele que é filho do Centauro Ofíon, ou seja, Âmico (XII, v. 245). Ofiúsa, Ophiusa, -ae, uma ilha do Mediterrâneo, onde se encontrava Vênus quando soube dos crimes cometidos pelas Propétides em Amatunte (X, v. 229). Oiclides, Oeclides, -ae, trata-se de Anfiarau, filho de Oicleu. Anfiarau foi, posteriormente, traído pela esposa, Erífila (Odisseia, Canto XI, versos 326-327) (VIII, v. 317).
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Oileu, Oileus, -eos, -ei ou –ei, rei da Lócrida e pai de Ájax. Oileu participou na expedição dos Argonautas, quando foi ferido no ombro por uma pena das aves do lago Estínfalo (XII, v. 622). Oineu, Oeneus, –eos, -ei, rei de Cálidon, marido de Altaia. Era pai de Meleagro, Tideu e Dejanira. Quando Meleagro era jovem, Oineu não fez a oferta de um sacrifício para Diana, causando a ira da deusa que enviou um enorme javali para devastar Cálidon (VIII, v. 273, 281, 486). Oinida, Oenides, -ae, ver Enida (VIII, v. 414). Olimpo, Olympus, -i, por ser a mais alta montanha da Grécia, era considerada a morada dos deuses (I, v. 154, 212; II, v. 60, 225; VI, v. 393, 487; VII, v. 225; IX, v. 499; XIII, v. 761). Onetor, Onetor, um pastor de Peleu, oriundo da Fócida (XI, v. 348) Ops, Ops, Opis, deusa da abundância. A Terra, identificada com Cibele (IX, v. 498). Órcamo, Orchamus, -i, rei lendário da Assíria, esposo de Eurínome e pai de Leucótoe (IV, v. 212). Orcômeno, Orchomenos ou Orchomenus, -i, cidade da Arcádia. Local por onde passa correndo Aretusa ao tentar fugir de Álfeo (V, v. 607; VI, v. 416) Oréades, Oreades e Oreiades, -um, graciosas filhas de Júpiter e Ninfas das montanhas (VIII, v. 790). Oresítrofo, Oresitrophos, -i, um dos cães de caça de Actéon (III, v. 233). Orfeu, Orpheus, -eos, -ei ou –ei, filho de Calíope, famoso tocador de lira. Amante de Eurídice, foi morto pelas Bacantes (X, v. 3, 50, 64, 79; XI, v. 5, 22, 23, 44, 66, 92). Orfne, Orphne, -es, uma Ninfa, amante do rio Aqueronte. Mãe de Ascáfalo, que foi metamorfoseado em um mocho por Prosérpina (V, v. 539). Oribaso, Oribasos, -i, um dos cães de caça árcades de Actéon (III, v. 210). Orio, Orios, -ii, nome de um Lápita que luta contra os Centauros (XII, v. 262). Órion, Orion, -onis e –onis, caçador metamorfoseado por Diana em uma constelação que tem seu nome (VIII, v. 207; XIII, v. 294, 693).
Orítia, Orithyia, -ae, filha de Erecteu, rei de Atenas, e irmã de Prócris. Foi raptada e violentada pelo vento Aquilão, com quem teve duas filhas: Quíone e Cleópatra; e dois filhos: Zetes e Cálais. Foi deificada posteriormente e passou a ser a deusa dos ventos gélidos das montanhas (VI, v. 683, 707; VII, v. 695). Orneu, Orneus, -i, um Centauro, filho de Ixião, que luta na batalha contra os Lápitas (XII, v. 302). Orontes, Orontes, -ae, -is ou –i, um rio que ardeu com a proximidade do Carro do Sol, guiado pelo jovem Faetonte (II, v. 248). Ortígia, Ortygia, -ae e Ortygie, -es, outro nome da ilha de Delos, pátria de Apolo e Diana (I, v. 499; V, v. 640; XV, v. 337). Osíris, Osiris, -is ou idis, um dos antigos e maiores deuses do Egito (IX, v. 693). Ossa, Ossa, -ae, monte da Tessália. Juntamente com o Pélion e o Olimpo foram as três montanhas que os Gigantes empilharam para alcançar os céus (I, v. 155, 225; VII, v. 224; XII, v. 319). Otris, Othrys ou –yos, cadeia montanhosa da Tessália (XII, v. 173, 513). Outono, Autumnus, -i, personificação da estação do ano que precede o inverno (II, v. 29). Pã, Pan, Panos, filho de Mercúrio e deus dos pastores. Inventor da flauta de sete canudos (I, v. 698, 704; XI, v. 147, 153, 171). Pactolo, Pactolus, -i, rio localizado na Lídia, cujas areias contêm ouro (VI, v. 16; XI, v. 87). Pafos, Paphos, -i, cidade da ilha de Chipre, famosa pelo culto de Vênus (X, v. 290, 297, 530). Págasa (ou Págasas), Pagasa, -ae e Pagasae, -arum, cidade litorânea da Tessália, onde foi construída a embarcação Argos (VII, v. 1; VIII, v. 24; XII, v. 412). Paládio, Paladium, -ii, nome da estátua de Minerva entre os troianos (XIII, v. 99). Palamedes, Palamedes, -is, filho de Náupilo com Clímene, foi um dos príncipes gregos que participaram da Guerra de Troia (XIII, v. 56, 308). 419
Palantíade, Pallantias, -adis, trata-se de Aurora, a filha de Palas (XV, v. 191). Palas, 1. Pallas, adis, outro nome para Minerva, deusa virginal da sabedoria, das ciências, da arte e da guerra (II, v. 553, 567, 712, 834; III, v. 102; IV, v. 38; V, v. 46, 263, 336, 375; VI, v. 23, 26, 36, 44, 70, 129, 135; VIII, v. 252; XII, v. 151, 360); 2. Pallas, -antis, irmão de Egeu e pai de Clíton e Butes (VII, v. 500). Palatino, Palatium, -ii, é um dos sete montes que circundam Roma. De um lado do monte foi construído o Circo Máximo (Circus Maximus) e do outro, o Fórum Romano (Forum Romanum) (XIV, v. 333, 822; XV, v. 560). Palemon, Palaemon, -onis, deus marinho, filho de Atamante e de Leucótoe (IV, v. 542; XIII, v. 919). Palene, Pallene, -es, península no Quersoneso da Trácia (XV, v. 356). Pales, Pales, -is, deusa dos pastores e das pastagens (XIV, v. 774). Pálicos, Palici, -orum, dois deuses gêmeos, nascidos na Sicília. Eram filhos de Júpiter e da ninfa Tália, a filha de Vulcano. O nome Pálicos, do grego Palikoi, significa “trazidos de volta à vida”. Quando estava grávida, Tália, por medo dos ciúmes de Juno, quis esconder-se no interior da terra, e assim aconteceu. Depois, no entanto, os dois gêmeos foram expelidos da terra junto a águas ferventes. Eles eram cultuados no atual Lago de Naftia, na planície da Catânia, onde há nascentes de enxofre borbulhante (V, v. 406). Palor, Pallor, -oris, personificação da palidez (VIII, v. 793). Pancaia, Panchaia, -ae, parte do território da Arábia Feliz onde é produzida a mirra, além de outros perfumes e temperos (X, v. 309, 478). Pandíon, Pandion, -onis, rei de Atenas, pai de Procne e de Filomela (VI, 426, 495). Pandroso, Pandrosos, -i, filha de Cécrope (II, v. 559, 738). Pânfago, Pamphagus, -i, um dos cães de caça árcades de Actéon (III, v. 210). Panonfeu Tonante, Panomphaeo Tonanti, aquele que é invocado por toda a parte, portanto, utilizado como alcunha de Júpiter (XI, v. 198).
Pânope, Panope, -es, cidade da Fócida por onde passa Cadmo enquanto segue uma novilha que ele acreditava ter sido enviada, como um sinal, pelo deus Febo (III, v. 19). Pantoide, Panthoides, -ae, filho de Panto, i.e., Euforbo (XV, v. 161). Paquino, Pachynus, -i, um promontório localizado na Sicília, que prendeu a mão esquerda do Titã Tifeu, quando este tentou atacar a morada dos deuses (V, v. 351; XIII, v. 725). Parcas, Parcae, -arum, equivalentes às Moiras na mitologia grega, eram três deusas: Nona, Décima e Morta, responsáveis por tecer o destino dos homens e dos deuses (V, v. 532). Paretônio, Paraetonium, -ii, cidade do Egito, próxima à Alexandria (IX, v. 773). Páris, Paris, -idis, também chamado de Alexandre, era um dos filhos mais novos de Príamo e Hécuba. Casou-se, conforme lhe prometera Vênus em uma aposta de juventude, com a bela Helena de Esparta, causando a Guerra de Troia (XII, v. 4, 601; XIII, v. 200, 202, 501; XV, v. 805). Parnaso, Parnasus (-os), -i, montanha que abrigava a morada das Musas e, conforme a mitologia grega, também era a morada de Apolo e das Musas (I, v. 317, 467; II, v. 221; XI, v. 339). Paros, Paros e Parus, -i, uma das ilhas Cíclades, no mar Egeu, ao sul de Delos (VII, v. 465; VIII, v. 221). Parrásia (ou parrásio), Parrhasius, -a, -um, adjetivo relativo a uma cidade da Arcádia (II, v. 460; VIII, v. 315). Partênio, Parthenius, -ii, monte localizado na Arcádia (IX, v. 188). Partênope, 1. Parthenope, -es, antigo nome de Nápolis, que foi um centro de estudos avançados, principalmente de filosofia grega, onde muitos jovens romanos estudaram (XV, v. 712); 2. Parthenopeius, a, -um, aquele ou aquilo que é de Partênope (XIV, v. 101). Partônia, Parthaonia, -ae, relativo aos descendentes de Partáon, filho de Marte e pai de Oineu, pai de Meleagro (VIII, v. 542) Pasífae, Pasiphae, -es, esposa de Minos e filha do deus Sol. Mãe do Minotauro (VIII, v. 136). Pátara, Patara, -ae, cidade da Lícia, onde havia um templo em honra de Febo (I, v. 516). 420
Patras, Patrae, -arum, cidade da Acaia, no golfo de Corinto (VI, v. 417). Pátroclo, Actorides, -ae, neto de Áctor, participou do cerco de Troia, tendo sido morto por Heitor e vingado por Aquiles (XIII, v. 273). Pavor, Pavor, -oris, personificação do medo (IV, v. 485). Pean, Paean, -anis, designava um hino em homenagem a Febo. N’As metamorfoses é usado como um epíteto de Febo (XIV, v. 720). Peante, Poeas, -antis, na mitologia grega, Peante foi um rei da Melibeia. Tomou parte na expedição dos Argonautas. Sua esposa era Demonassa e seu filho foi o herói Filoctetes (IX, v. 233; XIII, v. 45). Peão, Paean, -anis, outro nome para Febo, quando identificado como deus com atributos curativos (I, v. 565). Pégaso, Pegasus (-os), -i, cavalo alado que nasceu do sangue da Medusa e cujo coice deu origem a uma fonte sagrada no monte Helicão, a Hipocrene (IV, v. 787; V, v. 262). Peixes, pisces, -ium, o décimo segundo e último signo do zodíaco, associado à constelação de Pisces, cujo símbolo são dois peixes (X, v. 78, 165). Pela, Pella, -ae e Pelle, -es, capital da Macedônia, em cujos campos as nove Piéridas foram geradas (V, v. 302; XII, v. 254). Pelasgos, pelasgi, -orum, povos da região do Peloponeso e da Tessália; por extensão: gregos (XII, v. 19, 612; XIII, v. 13, 128, 268, 572; XIV, v. 562; XV, v. 452). Pélates, Pelates, -ae, 1. Um homem nascido na região do rio Cinífio, que lutou no conflito entre Perseu e Fineu. Foi morto por Córito (V, v. 124); 2. Um dos Centauros que lutou no confronto entre os Centauros e os Lápitas. Matou o Lápita Celadonte (XII, v. 255). Peletrônio, Pelethronius, -a, -um, relativo a uma região montanhosa da Tessália, parte do Monte Pelion, habitada pelos Lápitas e Centauros; peletroniano (XII, v. 452). Peleu, Peleus, -ei ou –eos, filho de Éaco, esposo de Tétis e pai de Aquiles (VII, v. 477; VIII, v. 380; XI, v. 217, 238, 244, 260, 266, 284, 290, 349, 350, 379, 398, 407; XII, v. 193, 366, 388; XIII, v. 151, 155; XV, v. 856). Pélias, Pelias e Pelia, -ae, filho de Netuno e Tiro. Irmão gêmeo de Neleu e meio-irmão de Esão. Em Iolco, casou-se com Anaxíbia e te
ve com ela cinco filhos: Acasto, Pisídice, Pelopeia, Hipótoe e Alceste (VII, v. 298, 304, 322). Pélida, Pelides, -ae, patronímico designando Aquiles, filho de Peleu (XII, v. 605) Pélion, Pelion e Pelios, -ii, monte localizado na Tessália, na Grécia central. (I, v. 155; VII, v. 224, 352; XII, v. 513; XIII, v. 109). Pelópidas, Pelopeias, -adis, povo da Argólida que, sabendo da tragédia que envolveu a família do rei Padíon, a esse transmite os pêsames por meio de seu respectivo rei (VI, v. 414). Pélops (ou Pélope), Pelops, -opis, filho de Tântalo, rei da Frígia. Pai de Atreu, Tiestes e Piteu (VI, v. 404, 411). Peloro, Pelorus, -i e Pelorum, -i, promontório situado na Sicília, que prendeu a mão direita do Titã Tifeu, quando este tentou atacar a morada dos deuses (V, v. 350; XIII, v. 727; XV, v. 706). Pemênide, Poemenis, -idis, uma das cadelas de caça de Actéon (III, v. 215). Penates, Penates, -tium, ou –tum, eram divindades protetoras das casas e do Estado e suas imagens se conservavam no interior das casas. Também significam, por metonímia, lar, casa, ou até pátria (I, v. 174, 231, 772; III, v. 537; V, v. 155, 496, 650; VII, v. 574; VIII, v. 91, 638; IX, v. 446, 639; XII, v. 551; XV, v. 864). Penélope, Penelopa, -ae e Penelope, -es, mulher de Ulisses (VIII, v. 315; XIII, v. 511). Peneu, Peneus ou Peneos, -i, região da Tessália contígua ao rio Peneu. Algumas ocorrências do texto de Ovídio se referem à região e outras ao rio, que nasce na cordilheira do Pindo e deságua a leste no mar Egeu (I, v. 504, 568; II, v. 243; VII, v. 230). Penteu, Pentheus, -ei ou –eos, rei de Tebas, filho de Equião e Agave, que se opôs à introdução do culto a Baco em sua cidade (III, v. 512, 530, 559, 575, 690, 704, 710; IV, v. 22, 429). Peônia, Paeonia, -ae, cidade localizada ao norte da Macedônia, na região entre a Ilíria (a oeste) e a Trácia (a leste). Local de origem de Evipe, a esposa de Piero (V, v. 303, 313). Peparetos, Peparethus, -i, ilha do mar Egeu (VII, v. 470).
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Pérgamo, Pergama, -orum, fortaleza da cidade de Troia. Troia, por extensão (XII, v. 445, 591; XIII, v. 169, 219, 320, 349, 374, 507, 520; XIV, v. 467; XV, v. 442). Pergo, Pergus, -i, lago da Sicília, vizinho à cidade de Enna (V, v. 386). Periclimeno, Periclymenus, -i, irmão de Nestor e filho de Neleu. Participou na expedição dos Argonautas. Possuía o dom da metamorfose, que recebera de seu avô, Netuno (XII, v. 556). Perifas, Periphas, -antis, esposo de Fene, rei da Ática, metamorfoseado em águia por Júpiter (VII, v. 400). Périfas (Perifante), Periphas, -antis, um dos Lápitas, assasino de Pireto no confronto dos Lápitas contra os Centauros (XII, v. 499). Perimele, Perimele, -es, filha de Hipodamas, foi metamorfoseada em ilha (VIII, 591). Perrebo, Perrhaebus, -a, -um, natural de Perrébia, pátria comum de Lápitas e Centauros, ao norte da Tessália (XII, 172, 173) Perséfone, Persephone, -es, ver Prosérpina (V, v. 470; X, v. 15, 730). Perses, Perses, -ae, filho do Sol e da Ninfa Persa, pai de Hécate (VII, v. 74). Perseu, Perseus, -eos, -ei ou –ei, filho de Júpiter e Dânae, jogado ao mar num caixão com sua mãe por Acrísio, mas salvo por Polidectes. Ela o concebera, aprisionada numa torre, depois de o rei dos deuses cair sobre ela como chuva dourada. Perseu cortou a cabeça da Medusa (IV, v. 611, 639, 697, 699, 730, 771; V, v. 16, 30, 33, 34, 56, 80, 167, 175, 178, 190, 201, 216, 248). Pérsia, Persia, ae, região da Ásia, atual Irã (I, v. 62). Pesto, Paestum, -i, cidade da Lucânia, também conhecida por Posidônia (XV, v. 708). Pétalo, Pettalus, -i, um dos companheiros de Finei na luta contra Perseu (V, v. 115). Petreu, Petraeus, -i, um dos Centauros que luta contra os Lápitas (XII, v. 327, 330). Peúcias, Peucetius, -a, -um, refere-se à ilha de Peuce, situada no Danúbio (XIV, v. 513).
Pico, Picus, -i, filho de Saturno, quando este passou a ser mortal, esposo de Canente, metamorfoseado por Circe em uma ave, que leva seu nome (XIV, v. 320, 336, 363, 396, 398). Piero, Pierus (os), -i, Piero, rei de um distrito da Macedônia, que deu às suas nove filhas o nome das nove Musas do Helicão (V, v. 302). Pigmaleão, Pygmalion, -onis, era escultor em Chipre, irmão de Dido (X, v. 243, 276). Pilense, Pylius, -a, -um, natural de Pilos (XII, v. 537) Pilos, Pylos (-lus), -i, cidade da Messênia, no mar Jônio, vizinha da Trácia (VI, v. 418; XV, v. 838). Pindo ou Pindos, Pindus, -i, monte entre a Macedônia, a Tessália e Epiro. Era consagrado a Apolo às Musas (I, v. 569; II, v. 225; VII, v. 225; XI, v. 554). Piracmo, Pyracmos, -i, Centauro morto por Ceneu (XII, v. 460). Píramo, Pyramus, -i, jovem da Babilônia, apaixonado por Tisbe. Os pais eram contrários ao casamento dos dois, então os dois amantes encontravam-se em segredo e viam-se através de uma fenda no muro que separava as casas das duas famílias (IV, v. 55, 71, 107, 142, 143, 146). Pirene, Pirenis, -idis, adjetivo relativo à famosa fonte Pirene, -es, de Corinto, consagrada às Musas (II, v. 240; VII, v. 391). Pireneu, Pyreneus, -ei, rei da Trácia que, ao tentar perseguir as Musas, caiu do alto de uma torre (V, v. 274, 287). Pireto, Pyraethus, -i, um Centauro, foi morto pelo Lápita Périfas (XII, v. 449). Pireu, Piraeus, -a, -um, porto de Atenas, onde Tereu vai buscar Filomela, a irmã de sua esposa, Procne (VI, v. 446). Pirítoo, Pirithous, -i, rei do Lápitas. Herói natural da Tessália, é filho de Ixião. Companheiro de Teseu, que lutou ao seu lado no confronto entre os Centauros e os Lápitas (VIII, v. 303, 404; XII, v. 218, 229, 330, 332, 333). Pirra, Pyrrha, -ae, filha de Epimeteu e Pandora, era a esposa de Deucalião. Após o dilúvio que os levou até o monte Parnaso, o casal criou a raça dos homens lançando pedras para trás das costas (I, v. 350, 385). 422
Pirro, Pyrrhus, -i, significa “ruivo” e era o cognome do filho de Aquiles, Neoptólemo. Segundo Grimal (2005), “várias justificações se apresentam para este fato: ora se diz que ele era ruivo, ora que corava facilmente, ora que o seu pai, de cabelos muito louros, usara entre as filhas de Licomedes, em Ciro, o nome de Pirra.” (p. 377) (XIII, v. 155). Pisa, Pisa, -ae, pátria de Aretusa, Pisa era uma cidade da Élida, região no noroeste do Peloponeso (V, v. 494). Pisenor, Pisenor, -oris, Centauro que participou da batalha contra os Lápitas (XII, v. 303). Pitágoras, Pythagoras, -ae, natural da ilha de Samos, foi um filósofo e matemático grego, que viveu por volta dos anos 580 a.C. e 490 a.C. Ovídio sugere que Pitágoras teria sido um guerreiro troiano em outra encarnação (Livro XV, v. 60ss). Pitane, Pitane, -es, cidade da Etólia, local por onde passa a feiticeira Medeia em sua fuga (VII, v. 357). Pitecusas, Pithecusae, arum, ilha do mar Tirreno, perto de Cumas (XIV, v. 90). Piteia Trezena, Pittheam Troezena, como ficou conhecida a cidade Trezena quando governada por Piteu (VI, v. 418; XV, v. 296, 506). Piteu, Pittheus, -ei, rei de Trezena, era filho de Pélops e Hipodâmia, irmão de Tiestes e de Atreu. Era um homem famoso por sua sabedoria, eloquência e capacidade de adivinhação (VIII, v. 623). Píticos, Pythia, -iorum, jogos celebrados para homenagear o deus Febo. Os jogos receberam esse nome em virtude da serpente Píton, morta pelo deus (I, v. 447). Píton, Python, -onis, serpente gigante nascida do lodo depois do grande dilúvio. Foi morta por Febo a flechadas (I, v. 438, 460). Plêiades, Pleiades e Pliades, -um, eram as sete filhas de Atlas e Plêione: Taígete, Electra, Alcíone, Astérope, Celeno, Maia e Mérope (I, v. 669; VI, v. 174; XIII, v. 293). Plêione, Pleione, -es, uma Ninfa, filha de Oceano e Tétis. Esposa de Atlas e mãe das Plêiades (II, v. 743). Plexipo, Plexippus, -i, um dos filhos de Téstis, rei de Plêuron (VIII, v. 440).
Plêuron, Pleuron, -onis, cidade da Etólia, provavelmente local da metamorfose de Combe em ave (VII, v. 382). Pó, Padus, -i, rio da Itália que desemboca no Adriático (I, v. 258). Polidamante, Polydamas, -antis, príncipe troiano, amigo de Heitor, morto por Ájax (XII, v. 547). Polidecto, Polidectes, -ae, rei da ilha de Serifo; foi quem acolheu Dânae, casando-se com ela e criando o seu filho, Perseu (V, v. 242). Polidêmon, um guerreiro, inimigo de Perseu (V, v. 85). Polidoro, Polydorus, -i, o mais novo dos filhos do rei Príamo (XIII, v. 432, 530, 536, 629). Polifemo, Polyphemus, -i, um Ciclope, filho de Netuno e da Ninfa Toosa, filha de Fórcis. Na Odisseia é apresentado como um gigante horrível e selvagem, mas “após os Poemas Homéricos, Polifemo transformou-se, de modo assaz estranho, no herói de uma aventura amorosa com a Nereide Galateia. Num dos Idílios de Teócrito se conservou o quadro mais célebre do Ciclope galante, apaixonado por uma Ninfa bela e sofisticada que o considera demasiado rústico. O mesmo tema foi glosado por Ovídio.” (GRIMAL, 2005, p. 384) (XIII, v. 765, 772; XIV, v. 167). Polimnestor, Polymestor, -oris, rei da Trácia (XIII, v. 430, 551). Polipemon, Polypemon, -onis, pai de Procrustes, cuja neta foi metamorfoseada em ave (VII, v. 401). Polite, Polite, -es, companheiro leal de Ulisses. Quando estavam ancorados no litoral de Circe, Polite, juntamente com outros companheiros, foi tirado pela sorte para buscar ajuda em uma casa estranha, que depois se revelou ser o próprio palácio de Circe (XIV, v. 251). Políxena, Polyxena, -ae, filha de Príamo, sacrificada sobre o túmulo de Aquiles (IX, v. 448, 460). Pólux, Pollux, -ucis,vide Cástor. Pomona, Pomona, -ae, deusa dos pomares e dos frutos (XIV, v. 623). Portaone, Parthaon, -onis, filho de Marte e pai de Eneu (IX, v. 12). Prétides, Proetides, -um, filhas do rei Preto, de Argos. São três: Lisipe, Ifianassa e Ifíone. Foram amaldiçoadas por Baco e foram salvas por Melampo (XV, v. 326). 423
Preto, Proetus, -i, rei de Tirinto, filho de Abas e irmão de Acrísio (V, v. 238, 239). Príamo, Priamus, -i, último rei troiano, filho de Laomedonte e de Hécuba (XI, v. 757; XII, v. 1, 607; XIII, v. 201, 404, 409, 470, 520; XIV, v. 474). Príapo, Priapus, -i, deus da fertilidade, dos jardins, dos pomares, das vinhas e da luxúria, filho de Baco e Vênus (IX, v. 347). Primavera, Ver, -veris, personificação dessa estação (I, v. 107; II, v. 27). Prítanis, Prytanis, -is, um guerreiro que combateu na Guerra de Troia, companheiro de Sarpédon (XIII, v. 258). Proca, Proca, -ae, rei de Alba. Avô de Rômulo e Remo (XIV, v. 622). Próceres, proceres, -um, nobres sacerdotes, substantivo também usado para se referir a pessoas importantes ou aos primeiros habitantes de uma cidade (III, v. 528; IV, v. 764; VIII, v. 21, 527; XV, v. 446, 616, 666). Prócita, Prochyta, -ae, ilha da costa da Itália, por onde passa a embarcação de Eneias (XIV, v. 89). Procne, Procne, -es, filha de Pandíon, esposa de Tereu, mãe de Ítis e irmã de Filomela, metamorfoseada em uma ave de plumagem vermelha (VI, v. 428, 433, 440, 468, 470, 538, 563, 566, 580, 595, 603, 610, 619, 641, 653). Prócris, Procris, -is, filha do rei Erecteu. Casada com Céfalo, foi morta acidentalmente pelo marido durante uma caçada (VI, v. 682; VII, v. 694, 707, 708, 712, 825, 842). Procruste, Procruste, -ae, salteador da Ática, morto por Teseu (VII, v. 438). Prometeu, Promethides, -ae, filho do Jápeto e Clímene. Por haver roubado o fogo do céu, foi amarrado no monte Cáucaso e dilacerado por um abutre, até ser libertado por Hércules. A ocorrência do Livro I, filho de Prometeu, refere-se a Deucalião (I, v. 390). Propétides, Propoetides, -um, filhas de Amatunte, metamorfoseadas em penedos, por terem desprezado a deusa Vênus (X, v. 221, 238). Prosérpina, Proserpina, -ae, deusa belíssima, filha de Ceres e Júpiter. Foi raptada por Plutão enquanto colhia flores e tornou-se
assim rainha do mundo dos mortos. Segundo Brandão (1993, p. 250), Prosérpina “originariamente, divindade romana da agricultura, foi, desde muito cedo, assimilada a Perséfone grega, convertendo-se, mercê desta identificação, numa deusa infernal. Seu culto foi introduzido oficialmente na cidade de Rômulo, em 249 a.C., juntamente com o de seu esposo Dis Pater, Pai Dite, versão latina de Hades ou Plutão helênico” (V, v. 391, 505, 530, 554). Protesilau, Protesilaus, -i, foi o primeiro grego a desembarcar em Troia, durante a guerra. Foi morto pela lança de Heitor (XII, v. 68). Proteu, Proteus, -ei, deus marinho, filho de Oceano e Tétis, encarregado da guarda dos rebanhos de Netuno. Era famoso por seus oráculos (II, v. 9; VIII, v. 734; XI, v. 221, 255; XIII, v. 918). Psâmate, Psamathe, -es, uma Ninfa, filha de Nereu. Da sua união com Éaco nasceu Foco, assassinado pelos meio-irmãos Telamon e Peleu, que o invejavam (XI, v. 398). Psécade, Psecas, -adis, uma das Ninfas de Diana (III, v. 172). Psófide Psophis, -idis, cidade da Arcádia, próxima a Eurimanto. Local por onde passa correndo Aretusa ao tentar fugir de Álfeo (V, v. 607). Ptérelas, Pterelas, -ae, um dos cães de caça de Actéon, exímio corredor (III, v. 212). Pudor, Pudor, -oris, personificaçãoo da vergonha (I, v. 617). Quersidamante, Chersidamas, -antis, troiano morto por Ulisses (XIII, v. 259). Quimera, Chimaera, -ae, monstro da Lícia, que vomitava chamas. Sua cabeça era de leão, corpo de cabra e rabo de serpente. Foi morto por Belerofonte (VI, v. 339; IX, v. 647). Quíone, Chione, -es, filha de Dedálion. Era amada por Febo e Mercúrio (XI, v. 301). Quios, Chius, -a, -um, ilha do mar Egeu, na costa da Jônia. Local onde aporta a embarcação de Acetes (III, v. 595). Quirão (ou Quíron), Chiro, -onis, um Centauro, filho de Fílira e pai de Ocírroe (II, v. 630; VI, v. 126). Quirino, Quirinus, -i, os sabinos e os romanos deram o nome de Quirino a Rômulo, posto no rol dos deuses após a sua morte (XIV, v. 607, 828, 834, 836, 851; XV, v. 572, 756, 862, 863). 424
Quirites, quirites, -um, nome dado aos cidadãos romanos, relacionado com o nome do deus Quirino (XV, v. 600). Radamanto, Rhadamanthus, -i, um dos filhos de Júpiter e Europa. Era irmão de Minos e Sarpédon. Era famoso por sua sabedoria e prudência, e também pela autoria do código cretense, que serviu de modelo para várias cidades gregas. Era tão conceituado que, após sua morte, foi convocado aos Infernos para ser um dos juízes dos mortos (IX, v. 436, 440). Ramnunte, Rhamnus, -untis, aldeia da Ática, onde se cultuava Nêmesis (XIV, 694). Ramnúsia, Rhamnusia, -ae, Nêmesis, deusa vingadora de Ramnunte (III, v. 404). Rânide, Rhanis, -idis, uma das Ninfas de Diana (III, v. 171). Régio, Rhegium, -ii, cidade marítima de Brútio, na Itália (XIV, v. 5, 48). Rei Gnosíaco, Gnosiaci regis, Minos, rei de Creta (VIII, v. 52). Rêmulo, Remulus, -i, filho de Tiberino e irmão de Acrota (XIV, v. 616, 617). Reno, Rhenus, -i, um dos rios do Ocidente que teve suas águas evaporadas pelo calor oriundo do Carro do Sol, conduzido de forma desgovernada por Faetonte. (II, v. 258). Reso, Rhesus, -i, rei da Trácia. Na Guerra de Troia, é morto por Ulisses (XIII, v. 98, 249). Reteu, Rhoeteum, -i, promontório do litoral de Troia, situado à esquerda de um velho altar dedicado a Júpiter, de onde Febo observava Laomedonte erguer as muralhas de sua cidade (XI, v. 197). Reto, Rhoeteus, -eos, -ei, 1. Companheiro de Fineu e primeiro guerreiro a ser morto no confronto entre Perseu e Fineu (V, v. 38); 2. Um Centauro (XII, v. 271, 285, 293, 301). Rexenor, Rhexenor, -oris, um dos companheiros de guerra de Diomedes que foi, juntamente com o restante da tropa, transformado em cisne pela deusa Vênus (XIV, v. 504). Ródano, Rhodanus, -i, rio da Gália que, juntamente com os rios Reno e Pó, foi evaporado pelo calor advindo do Carro do Sol, conduzido desgovernadamente por Faetonte (II, v. 258).
Rodes, Rhodus, -i, filha de Netuno e Vênus, teve sete filhos da união com o Sol; epônima da ilha de Rodes (IV, v. 204; VII, v. 365; XIII, v. 574). Ródope, Rhodope, -es, monte da Trácia (II, v. 222; VI, v. 87, 589; X, v. 77). Roma, Roma, -ae, cidade da Itália, capital do Império Romano. É lá que Esculápio, metamorfoseado em serpente, se fixa pondo fim às pestes, fazendo com que a saúde “chegue” à cidade (XV, v. 431, 597). Rométio, Romethium, -i, cidade marítima da Magna Grécia, por onde costeou o navio que levava Esculápio a caminho de Roma (XV, v. 705). Rômulo, Romulus, -i, foi o primeiro rei de Roma. Fundou a cidade no dia 21 de abril de 753 a.C. Segundo a lenda, ele e seu irmão, Remo, foram adotados e criados por uma loba selvagem após terem sido jogados no rio Tibre dentro de um cesto. Em uma disputa para saber quem governaria a cidade, Rômulo matou seu irmão. O rei de Roma morreu aos 54 anos, após 38 de governo. Rômulo ainda foi casado com Hersília e metamorfoseado em estrela. Divinificado, recebeu o nome de Quirino. No contexto d’As metamorfoses, Rômulo aparece como o rei que luta contra Tácio, o rei dos sabinos, no episódio do rapto das sabinas (XIV, v. 799, 806; XV, v. 561). Rútulos, Rutuli, -orum, um povo antigo do Lácio, que lutou contra Eneias na guerra entre Rútulos e troianos (XIV, v. 455, 528, 567). Sabeia, Sabaea, -ae, região que faz parte da Arábia Feliz, por onde Mirra passou antes de se metamorfosear em árvore (X, v. 480). Sabinos, Sabini, -orum, povo da Itália, que tinha por governante Tácio. Muitos sabinos foram mortos, no episódio em que Tarpéia, a romana famosa por trair sua pátria, abre, no silêncio da noite, os portões da cidadela (XIV, v. 775, 797, 800). Salamina, Salamis, -inis, ilha próxima ao Peloponeso (XIV, v. 760). Salmácida, Salmacis, -idis, Náiade que se apaixona por Hermafrodita (IV, v. 286, 306, 337, 347). Sálmacis, Salmacis, -idis, cidade de Cária, próxima de Halicarnaso (XV, v. 319). 425
Samos, Samos (Samus), -i, ilha do grupo das Espórades, na Costa da Ásia Menor, a leste do mar Egeu, próxima ao litoral da Jônia, entre Éfaso e Mileto, onde nasceu Pitágoras; é conhecida como a ilha de Juno (VIII, v. 221; XIII, v. 711; XV, v. 60). Sardes, Sardes, Sardeis e Sardis, -ium, capital da Lídia, localizada na margem do rio Pactolo (XI, v. 137, 152). Sarpédon, Sarpedon, -onis, um homem da Lícia, cujas tropas foram devastadas por Ulisses (XIII, v. 255). Sátiros, Satyri, -orum, criaturas com pés e rabo de bode. Seu corpo tende para o formato humano, mas é peludo e tem as orelhas pontudas. Esses gênios das florestas e das montanhas em geral são criaturas lúbricas, como indicam seu olhar e comprovam seu comportamento, pois passam grande parte do tempo perseguindo as Ninfas. Os sátiros mais velhos com frequência são chamados de Silenos. Junto com as bacantes, os sátiros participam do cortejo triunfal do deus Baco (I, v. 193, 691; III, v. 25; VI, v. 110, 383, 393; XI, v. 89; XIV, v. 637). Satúrnia, Saturnia, -ae, filha de Saturno, i.e., Juno (I, v. 611, 615, 721; II, v. 435, 531; III, v. 269, 291, 331, 363; IV, v. 448, 464; V, v. 330; IX, v. 176; XIV, v. 782). Satúrnio, Saturnius, -ii, filho de Saturno, i.e., Júpiter (VIII, v. 706). Saturno, Saturnus, -i, o mais novo dos Titãs, e primeiro rei dos deuses. É filho de Céu e da Terra; marido e irmão de Cibele; pai de Júpiter, Netuno, Plutão e Juno. Temendo a profecia segundo a qual ele seria destronado por um de seus filhos, devora-os ao nascer, personificando, dessa maneira, o tempo, pois que consome tudo o que cria. Cibele, cansada de perder seus filhos, conseguiu enganar Saturno e salvar Júpiter, seu sexto filho, escondendo-o em uma caverna na ilha de Creta. Quando Júpiter cresceu, libertou os ciclopes e, juntos, destronaram o Titã, que se refugiou no Lácio, onde passou a ter condições de um simples mortal. Lá exerceu a soberania e fez reinar a Idade do Ouro, cheia de paz e abundância, tendo ensinado aos homens a agricultura. No Lácio, criou uma família e uma conduta nova, vindo a ser pai de Pico. Sua representação é feita por alguns artistas como um ser alado, com
uma ampulheta na mão (I, v. 113; V, v. 420; VI, v. 126; IX, v. 498; X, v. 858). Sciron, Sciron, -onis, um ladrão, morto por Teseu, que matava pessoas jogando-as de um penhasco. O ladrão tentou matar sua própria filha, Alcíone, da mesma forma. Ela se salvou, no entanto, metamorfoseando-se em ave. Sciron, por fim, foi morto por Teseu da mesma forma que matava as pessoas (VII, v. 444, 447). Sêmele, Semele, -es, filha de Cadmo e de Harmonia, irmã de Agave, Ino e Autônoe, amante de Júpiter e mãe de Baco (III, v. 259, 272, 276, 291). Semíramis, Semiramis, -is e -idis, fundadora lendária da cidade da Babilônia e dos seus Jardins Suspensos; ancestral de Polidêmon (IV, v. 58; V, v. 85). Sereias, Siren, -enis, criaturas híbridas com a parte superior do corpo equivalente a de uma mulher e a inferior, a de um peixe (V, v. 555; XIV, v. 88). Serifo e Serifon, Seriphus (os), -i, uma das ilhas Cíclades, uma das várias ilhas para qual Minos viaja a fim de propor uma aliança de guerra. O rei planeja essa batalha para vingar seu filho morto, Andrógeo (V, v. 242, 251; VII, v. 464). Serpente, Serpens, -entis, e Anguis, -is, constelação localizada no hemisfério boreal, separada em serpens caput e serpens cauda, e próxima às constelações das Ursas e do Boieiro (II, v. 138, 173; VIII, v. 182). Setentrião, septemque triones, a constelação de Ursa Maior. A constelação tem esse formato em virtude de um castigo de Juno à amante de seu esposo, a princesa Calisto. Juno a metamorfoseia em ursa para que ela seja morta em uma caçada. Júpiter, contudo, defende sua amante Calisto transformando-a em astro (I, v. 64; II, v. 528). Síbaris, Sybaris, -is, 1. Colônia aqueia na costa leste de Brútio, no sul da Itália, às margens do golfo de Taranto (XV, v. 51); 2. Rio da Lucânia que atravessa a cidade de mesmo nome (XV, v. 315). Sibila e Sibila de Cumas, Sibylla, -ae, profetisa muito idosa, que pediu a Febo que lhe concedesse quantos anos fossem os grãos de areia que coubessem em sua mão. Sibila esqueceu, contudo, de pedir 426
ao deus para continuar jovem e foi ficando cada vez mais velha (XIV, v. 104, 154, 712). Sicília, Sicania, -ae, ilha do mar Mediterrâneo. Seu antigo nome era Trinácria, que deriva do grego triskelion (“com três pernas”). Seu símbolo, até hoje, consiste em três pernas entrelaçadas. Isto se deve ao fato de que a ilha tem três grandes porções de terra (promontórios) salientes ao mar. Tais promontórios são o Peloro (voltado para Itália), o Paquino (voltado para a Grécia) e o Lilibeu (voltado para a África) (V, v. 464, 495; XIII, v. 724; XIV, v. 7). Siciônio, Sicyonii, -iorum, de Sicione, uma cidade da Acaia. Adjetivo dado a Ládon, um dos cães de Actéon (III, v. 216). Sídon ou Sidônia, Sidon, -onis, cidade fenícia da costa do mar Mediterrâneo (II, v. 840; IV, v. 572; XIV, v. 80). Siena, Syenites, -is, cidade no sul do Egito Antigo, hoje chamada Assuã, terra de Forbas, morto na luta contra Perseu (V, v. 74). Sífnos, Cythnus, -i, o mesmo que Citno (VII, v. 464). Sigeu, Sige, -es, promontório da Tróade, próximo do qual foi fundado um altar em homenagem a Júpiter. Perto dali era possível ver a construção das muralhas da nova Troia (XI, v. 197). Sileno, Silenus, -i, velho sátiro, preceptor de Baco. É conhecido na literatura e iconografia como um ser disforme e extremamente feio, que está sempre a tentar se equilibrar em um cavalo, em virtude de sua condição constantemente ébria (XI, v. 90, 99; XIV, v. 639). Silvanos, Siluani, -orum, filhos do deus romano Silvano, são protetores da floresta (I, v. 193). Sílvio, Siluius (Syluius), -i, filho de Ascânio, e segundo rei de Alba, que emprestou o seu nome a todos os reis de Alba que se seguiram (XIV, v. 610). Simeto, 1. Symaethius, -a, -um, Náiade que habita o rio da Sícilia de mesmo nome; mulher de Fauno e mãe de Ácis (XIII, v. 879); 2. Symaethis, -idis, rio onde a Ninfa Simeto habita (XIII, v. 750). Símois, Simois, -entis, um rio da Troada, citado por Ulisses em seu discurso contra Ájax (XIII, v. 324). Simplégades, Symplegades, -um, espécies de recifes móveis do mar Euxino, que se juntavam e se abriam continuamente (XV, v. 338).
Sínis, Sinis, -is, um ladrão, filho de Netuno, que foi morto por Teseu; conhecido por utilizar catapultas para matar suas vítimas (VII, v. 440). Sinuessa, Sinuessa, -ae, cidade entre as regiões da Campânia e do Lácio (XV, v. 715). Sípilo (ou Sipilo), Sipylus, -i, 1. Monte da Lídia, na Frígia, onde Níobe foi metamorfoseada em penedo (VI, v. 149); 2. Um dos sete filhos de Níobe (Ismeno, Sipilo, Fédimo, Tântalo, Alfenor, Damasícton e Ilioneu) mortos por Febo em virtude da presunção de sua mãe frente aos deuses (VI, v. 231). Sirinx ou Siringe, Syrinx, -ingis, uma Ninfa da Arcádia, que foi amada pelo deus Pã (I, v. 690, 704). Sísifo, Sisyphus, -i, filho de Éolo e de Enarete; marido de Mérope; rei de Corinto. Era tido como um dos mais espertos e maliciosos mortais, tendo ofendido os deuses de tal modo que foi condenado a rolar uma imensa pedra de mármore até o topo de uma montanha – de onde uma força sempre a fazia cair quando chegava ao cume – por toda a eternidade. (IV, v. 460, 466; X, v. 44; XIII, v. 26, 32). Sistro, Sistrum, -i, antigo instrumento de música, usado pelos egípcios nas festas de Ísis, formado de uma lâmina metálica recurvada, presa a um cabo e atravessada de varetas móveis que soavam quando o instrumento era agitado (IX, v. 693, 778, 784). Síton, Sithon, -onis, personagem que, assim como o adivinho cego Tirésias, também passara, miticamente, por mudanças de sexo (de homem a mulher e de mulher a homem) (IV, v. 280). Sol, Sol, -is, um dos Titãs, é a personificação da luz. Também conhecido pelo nome de Febo, que corresponde ao deus Apolo na mitologia grega. É irmão de Diana e filho de Júpiter e Latona (I, v. 750, 770; II, v. 1, 32, 154, 162, 394; IV, v. 170, 214, 235, 238, 270, 633, VII, v. 663, IX, v. 736; X, v. 353, 853 XIV, v. 10, 346, 375; XV, v. 30). Sono, Somnus, -i, o mais plácido dos deuses; personificação do sono; marido da Noite e pai de Morfeu, Ícelo, Forbeto e Fântaso, dentre outros mil filhos (XI, v. 586, 593, 623, 647).
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Tácio, Tatius, -i, Tito Tácio, rei dos sabinos; fez uma aliança com Rômulo e com ele então reinou em Roma, sobre os sabinos e romanos, que passaram a formar um só povo (XIV, v. 775, 804, 805). Tages, Tages, -etis, divindade Etrusca, neto de Júpiter. Era um torrão de terra que tomou forma humana (XV, v. 558). Taígete, Taygeta (Taugeta), -orum, montanha do Peloponeso, ao sul, na Lacônia, citada como um dos lugares conhecidos pelo tirreno Acetes, ao responder em discurso a Penteu (III, v. 593). Tânais, (Tanas) Tana, -ae, foi um entre muitos rios que se evaporou após o episódio em que Faetonte perde o controle do Carro do Sol. Ao guiar o carro desgovernadamente, muitos rios desaparecem com o calor e muitas florestas e regiões diversas são incendiadas (II, v. 242). Tantálida, Tantalides, -ae, ou Tantalis, -idis, descendente de Tântalo, rei da Frígia (XII, 626). Tântalo, Tantalus, -i, 1. Filho de Júpiter, pai de Níobe e Pélops; rei da Frígia que, por tentar servir carne humana aos deuses, foi punido, nos infernos, com a insaciabilidade eterna da fome e da sede (IV, v. 458; VI, v. 172, 211; X, v. 41); 2. Um dos filhos de Anfião e Níobe (VI, v. 240). Tarento, Tarentus, -i, colônia lacedemônia, ao sul da Itália na região da Calábria, pela qual passou Míscelo para fundar a cidade de Crotona (XV, v. 50). Tarpéia, Tarpeia, -ae, romana que traiu sua terra na guerra contra os sabinos, entregando-lhes o Capitólio, que era comandado por seu pai (XIV, v. 776). Tarpeias, tarpeius, -a, -um, refere-se ao Capitólio, numa alusão à família romana de quem Tarpeia, a traidora, era membro (XIV, v. 866). Tártaro, Tartarus, -i ou Tartara, -orum, personificação do mundo inferior. No mundo subterrâneo, é o setor temível em que são punidos aqueles que, na vida, foram maus, e que fizeram ofensas a Júpiter. Assim, pode ser referido, por metonímia, como os Infernos (I, v. 113; II, v. 260; V, v. 371, 423; VI, v. 676; X, v. 21; XI, v. 670; XII, v. 257, 523, 619).
Tartéssios, Tartessius, -a, -um, de Tartesso, cidade da Hispânia Bética (XIV, v. 416). Taumante, Thaumas, -antis, um dos Centauros que fugiu na luta entre os Centauros e os Lápitas (XII, v. 303). Taumantíade, Thaumantias, -adis, ver Íris Taumantíade (IV, v. 480). Taumântida, Thaumantis, -idis, descendente do deus marinho Taumante e da Oceânide Electra, i.e., Íris (XI, v. 647).Tauro da Cilícia, Taurusque Cilix, grandiosa cadeia de montanhas, hoje cohecida como Ala-Dagh, localizada na Ásia Menor, especificamente na atual Turquia. Foi uma das diversas regiões incendiadas pelo Carro do Sol, no episódio em que Faetonte o guia desgovernadamente (II, v. 217). Tebas, Thebae, arum, cidade grega localizada na Beócia, fundada por Cadmo e destruída por Aquiles (III, v. 131, 547, 551, 559; IV, v. 416; V, v. 253; VII, v. 763; IX, v. 403; XII, v. 110; XIII, v. 173, 692; XV, v. 429). Téctafo, Tectaphus, -i, o filho de Oleno, morto por Feócomes (XII, v. 433). Tegeia, Tegeaeus ou Tegeeus, -a, -um, da Tegeia, cidade da Arcádia, i.e., Atalanta (VIII, v. 317, 380). Tejo, Tagus, -i, localizado na atual Península Ibérica, o rio Tejo nasce na Espanha, percorre Portugal e desemboca no oceano Atlântico. Foi citado no mito de Faetonte e Febo por ser um dos rios evaporados no episódio em que Faetonte guia, desgovernadamente, o Carro do Sol. Faetonte acaba, assim, por destruir muitas regiões, seja queimando inúmeros locais, seja secando as águas de muitos rios (II, v. 251). Telamon e Télamon, Telamo(-on), -onis, neto de Júpiter, filho de Éaco, irmão de Peleu e de Foco, pai de Ajáx e de Teucro e tio de Aquiles. Participou do episódio da morte de Laomedonte e de seu irmão Foco; esteve na caçada ao javali de Cálidon e na viagem dos Argonautas em busca do Velocino de Ouro (VII, v. 476, 477, 647, 669; VIII, v. 309, 378; XI, v. 216; XIII, v. 151). Télefo, Telephus, -i, filho de Hércules e rei da Mísia. Teve seu país saqueado pelos gregos, que se equivocaram pensando que era Troia; 428
foi ferido e curado pela lança de Aquiles a fim de indicar a direção a seguir até Troia (XII, v. 112; XIII, v. 171). Telemo, Telemus, -i, filho de Êurimo, também conhecido como Eurímides, era adivinho e vivia no país dos Ciclopes (XIII, v. 770, 771). Teleste, Telestes, -ae, cretense, pai de Iante, a virgem prometida à Ífis, uma moça que precisou se passar por rapaz para não ser morta pelo próprio pai. No episódio, apenas Teletusa, mãe de Ífis, sabia que a filha não era um rapaz (IX, v. 717). Teletusa, Telethusa, -ae, esposa de Ligdo e mãe de Ífis. Teletusa mente a respeito do sexo de sua filha Ífis, dizendo tratar-se de um menino, pois Ligdo não pouparia a vida da criança caso não fosse um menino (IX, v. 682, 696, 766). Télquines, Telchines, -um, ministros de Cibele, estabeleceram-se em Rodes, onde aterrorizavam a população até serem afundados para sempre no mar (nas ondas de Netuno) por Júpiter (VII, v. 365) . Temesa (ou Têmese), Temese, -es, cidade do Brútio, rica em cobre (VII, v. 207; XV, v. 707). Têmis, Themis, -idis, uma Titã, deusa grega da justiça, ligada à ordem divina, à lei e aos costumes. Filha da Terra e do Céu e mãe de Astreia, foi uma divindade fecundadora e profética: os mais antigos oráculos gregos, como Delfos e Olímpia, pertenceram à Terra e a ela. Têmis ensinou a Apolo a arte da divinação. Conhecida entre os romanos por Justiça (I, v. 321, 379; IV, v. 643; VII, v. 762; IX, v. 403, 419). Temores, Timor, -oris, personificação do temor, do medo, do receio (XII, v. 60). Tempe, Tempe (indeclinável), vale localizado ao norte da Tessália, entre os montes Olimpo e Ossa, por onde corre o rio Peneu, e que se apresentava como o local por excelência de Apolo e das Musas (I, v. 568; VII, v. 222, 371). Tenárida, Taenarides, -ae, natural de Tênaro (X, v. 183). Tênaro, Thaenarum, -i, promontório e cidade da Lacônia, localizada no Peloponeso meridional, onde havia uma das entradas para os Infernos e um templo dedicado a Netuno (II, v. 247; X, v. 13).
Tênedos, Tenedos (-us), -i, ilha ao largo da costa de Troia, em que se situava um dos santuários e templos em honra de Febo (I, v. 516; XII, v. 109; XIII, v. 174). Tenos, Tenos, -i, ilha do mar Egeu, próximo a Delos (VII, v. 469). Tereu, Tereus, -ei (-eos), descendente de Marte, marido de Procne, pai de Ítis, genro de Padíon, cunhado de Filomela; rei da Trácia, metamorfoseado em um pássaro (VI, v. 424, 433, 455, 473, 478, 497, 615, 635, 647, 650). Termodonte, Thermodon, -ontis, rio da Capadócia em cujas margens viviam as Amazonas (II, v. 249). Terodamas, Therodamas, -antis, um dos cães de caça de Actéon (III, v. 233). Têron, Theron, -onis ou -ontis, um dos cães de caça de Actéon (III, v. 211). Terra, Terra, -ae, personificação da terra, uma das divindades primordiais gregas, nascidas do Caos; a Deusa Mãe, ou mãe das mães. Gerou espontaneamente Céu, Pontos e Óreas; e, unindo-se com estes e com outros deuses, gerou os doze Titãs, os Ciclopes, os Hecatônquiros, dentre outros seres. Corresponde, na mitologia grega, a Geia (I, v. 157). Terror, Terror, -oris, personificação do medo. Um dos acompanhantes, juntamente com o Pavor, o Terror e a Loucura, de Tisífone, uma das Fúrias (IV, v. 485). Terses, Therses, -ae, tebano, hóspede de Eneias, que o presenteia com uma ânfora fabricada por Álcon. De acordo com o mito, Álcon havia gravado nesse vaso a história do cortejo fúnebre das filhas de Órion (XIII, v. 682, 683). Térsites, Thersites, -ae, guerreiro grego, que participou da Guerra de Troia, conhecido por sua feiúra e maledicência (XIII, 233). Téscelo, Thescelus, -i, era uma dos companheiros de Fineu na luta contra Perseu e foi transformado em pedra ao olhar para a cabeça de Medusa (V, v. 182). Teseu, Theseus, -ei, filho de Egeu; lendário herói e rei ateniense; pai de Hipólito. Ficou conhecido por matar o Minotauro, por participar da expedição dos Argonautas e da caçada ao javali calidônio (VII, v. 429
404, 421, 433; VIII, v. 263, 268, 303, 547, 566, 729; XII, v. 227, 356, 359; XV, v. 856). Téspia (deusas da), Thespiadae, -arum, Téspia era uma cidade da Antiga Grécia, ao sul de Tebas, localizada aos pés do monte Helicão (V, v. 310). Tessália, 1. Ver Hemônia; 2. Thessalius, -a, -um, Thessalis, -idis e Haemonius, -a, -um, adjetivo relativo à Tessália (II, v. 81; VII, v. 222, 314; VIII, v. 770; XII, v. 82, 190). Testíades, Thestiades, -ae, são os filhos Téstios, Plexipo e Toxeus, tios de Meleagro (VIII, v. 304, 434). Téstios, Thestius, -i, pai de Alteia e avô de Meleagro (VIII, v. 487). Testor, vide Testórida Testórida, Thestorides, -ae, filho de Testor, i.e., Calcas. Testor foi um dos mais célebres e poderosos adivinhos, natural de Micenas ou Megara (XII, v. 19, 27). Tétis, 1. Tethys, -yos, a mais jovem das Titãs, personificação dos mares; filha de Céu e da Terra; esposa de Oceano e mãe de Nereu e das oceânides (II, v. 69, 156, 509; IX, v. 499; XI, v. 784; XIII, v. 951); 2. Thetis, -is, ou –idis, a mais bela das Nereidas, esposa de Peleu e mãe de Aquiles (XI, v. 221, 226, 237, 264, 400). Teucras, teucrus, -a, -um, de Teucro, i.e, troianas (XIV, v. 72). Teucro, Teucer (Teucrus), -cri, 1. Filho do rio Escamandro e da Ninfa do monte Ida, tendo sido o primeiro rei de Tróade, emprestando então o seu nome para designar os troianos (XIII, v. 705, 728); 2. Filho de Telamon e de Hesíone, irmão de Ájax, primo de Aquiles; fundador de Salamina (XIII, v. 157; XIV, v. 698). Teutrante, Teuthranteus e Teuthrantius, -a, -um, de Teutras, i.e., da Mísia (II, v. 243). Tiberino, Tiberinus, -i, rei de Alba Longa, sucessor de Cápetus, que deu seu nome ao rio Tibre (XIV, v. 614). Tibre, Tiberis, -is e Thybris, -idis, rio profundo da Etrúria, que banha Roma e desemboca no mar Tirreno. Foi um dos rios afetados pelo calor do Carro do Sol, guiado por Faetonte. Conta a lenda que, juntamente com outros importantes rios como Nilo, Reno, Ródano e Pó, o Tibre teve suas águas evaporadas nesse episódio (II, v. 259; XIV, v. 426, 448; XV, v. 432, 624, 728).
Tideu (filho de), Tydides, -oe adjetivo formado a partir de Tydeus, eos ou -ei, filho de Oineu, irmão de Meleagro e Dejanira, e pai de Diomedes; é um dos protagonistas da Guerra dos Sete Chefes contra Tebas (XIII, v. 68, 239, 350). Tídida, Tydides, -oe, é o filho de Tideu, Diomedes (XII, v. 622; XIII, v. 68, 239, 350; XV, v. 769). Tiestes, Thyestes, ae, filho de Pélops e de Hipodâmia; teria se alimentado dos próprios filhos por um ardil de vingança do seu irmão Atreu (XV, v. 462) Tifeu, Typhoeus, -ei e –eos, um monstro, filho da Terra, dotado de cem mãos, que vomitava fogo; marido de Équidna, era pai de Cérbero, da Hidra de Lerna, do leão de Nemeia, de Quimera etc. (III, v. 301; V, v. 321, 325, 348, 353). Tigre, Tigris, -idis, uma das cadelas de caça de Actéon, com a pele malhada como a de um tigre (III, v. 217). Timolo, Tmolus, -i, ou Timolus e Tymolus, -i, montanha da Lídia, na Ásia Menor (VI, v. 15, XI, v. 86, 151, 156, 164, 171, 194). Tindáridas, Tyndarides, -ae, os gêmeos Tindáridas são Castor e Pólux, filhos de Tíndaro. Vide Cástor (VIII, v. 301). Tindáride Helena, Tyndaris, -idis, epíteto de Helena, filha de Tíndaro, raptada primeiro por Teseu, depois por Páris (XV, v. 233). Tioneu, Thyoneus, -eos, epíteto de Baco. Conta a lenda que antes de chegar ao Olimpo, Baco desceu ao Hades em busca de sua mãe, Sêmele, morta por Júpiter. A mãe, ao ascender e tornar-se deusa, passa a ser chamada de Tione. Por isso o adjetivo “Tioneu” (IV, v. 13). Tirésias, Tiresia, -ae, famoso profeta cego de Tebas, que passou sete anos metamorfoseado em uma mulher, voltando então a ser homem. Pai de Manto (III, v. 321; VI, v. 157). Tiríntio (ou Tirinto), Tirynthius, -a, -um, 1. Referente a Hércules, que foi criado em Tirinto (VII, v. 410; IX, v. 66, 268; XII, v. 564; XIII, v. 401); 2. Referente à Alcmena (VI, v. 112). Tírio, Tíria, Tyrius, -a, -um, 1. Aquela que é natural de Tiro, i.e., Europa (III, v. 256); 2. De Tiro ou Cartago (II, v. 845; III, v. 35; V, v. 51; VI, v. 61; IX, v. 340; XI, v. 166). 430
Tiro, Tyrus (ou Tyros), -i, primeiramente uma ilha na Ásia Menor, posteriormente ligada ao continente, onde se localizava o Porto da Fenícia, célebre por sua púrpura. Daí referir-se ao próprio Baco, já que ele tinha as vestes cheias de púrpura e ouro. É a pátria original de Cadmo (III, v. 537; VI, v. 222; X, v. 211; XV, v. 288). Tirreno, tirrena, Tyrrhenus, -a, -um, da Tirrênia, da Etrúria; nome com que os gregos chamavam o povo Etrusco (III, v. 574, 694; IV, v. 23; XIV, v. 8; XV, v. 553, 577). Tisbe, Thisbe, -es, 1. Enamorada de Píramo. Reza a lenda que Píramo e Tisbe fugiram por terem sido impedidos pelos pais de ficarem juntos. Por um equívoco, os jovens acabam morrendo tragicamente e o sangue do casal deu às amoras a cor vermelha (IV, v. 55, 71, 93, 99, 115, 143, 145); 2. Cidade das pombas, localizada na Beócia (XI, v. 300). Tisífone, Tisiphone, -es, uma das três Fúrias (IV, v. 474, 481). Titã, Titan, -anis, e Titãs, Titanes, -um, representantes das forças da natureza, os Titãs eram filhos de Urano e Gaia. Hesíodo enumerou seis Titãs masculinos e seis femininos: Oceano, Céos, Crio, Hiperíon, Jápeto e Cronos; Teia, Reia, Têmis, Mnemósine, Febe e Tétis (I, v. 10; II, v. 118; VI, v. 438; X, v. 79, 174; XI, v. 257). Titânia, Titania, -oe, filha ou irmã de um Titã, em especial: Circe, Pirra, Latona, Diana (I, v. 395; III, v. 173; VI, v. 346; XIV, v. 14, 382, 438). Titânico, Titaniacus, -a, -um, descendente de um Titã (VII, v. 398). Titânide, Titanis, -idis, que são Titãs (VI, v. 185; XIII, 968; XIV, v. 376). Títio, (Tityos) Tityus, -i, gigante que tentara violentar Latona, mãe de Febo e Diana, e foi morto por eles a flechadas (IV, v. 457). Tlepólemo, Tlepolemus, -i, filho de Hércules e de Astroqueia; rei de Rodes, uma das ilhas do Dodecaneso (XII, v. 537). Toacte, Thoactes, -ae, guerreiro morto por Perseu em seu confronto com Fineu (V, v. 147). Toante, Thoas, -antis, rei de Lemnos; filho de Andrêmon e pai de Hipsípile. É citado por Ulisses durante seu discurso de confronto a Ájax. Toante também é citado como o rei da cidade para a qual
Ulisses navega (Lemnos) a fim de buscar as flechas de Hércules (XIII, v. 399). Todo Poderoso, omnipotens, o deus dos deuses e de todos os homens, Júpiter (I, v. 154; II, v. 304, 401, 505; III, v. 334; IX, v. 271; XIV, v. 816). Tonante, tonans, -āntis, aquele que troveja, daí ser utilizado como epíteto de Júpiter (II, v. 466; XI, v. 198, 319). Tôon, um dos guerreiros mortos por Ulisses, juntamente com Quersidamante. Tôon é citado por Ulisses no episódio em que o herói faz um discurso contra Ájax, no qual cada um expõe seus feitos e as derrotas do adversário (V, v. 259). Toos, um dos cães de caça de Actéon, que assim como os demais, vê seu dono metamorfoseado em veado e o mata (III, v. 220). Toxeu, Toxeus, -ei, filho de Eneu; foi morto por Meleagro (VIII, v. 441). Touro de Creta, Cretaei tauri, perífrase para designar o Minotauro (VII, v. 434). Tracante, Tracas, -ae ou -antis, antigo nome de Ânxur ou Terracina, próxima ao promontório Circeu no Lácio (XV, v. 717). Trácia, 1. Thracia, ae, região ao norte da Grécia, da qual Tereu era rei, próxima ao ponto Euxino (VI, v. 435); 2. Thracius, -a, -um, da Trácia (V, v. 276; VI, v. 87, 661, 682; IX, v. 194; X, v. 83; XI, v. 92; XIII, v. 436, 565, 628). Traquínia, Trachinia, -ae, da cidade de Traquis (XI, v. 269, 502). Traquis, Trachin, -inis, cidade tessália, próxima ao monte Eta (XI, v. 627). Trezena Piteia, Pittheia Troezen, ver Piteia Trezena (XV, v. 506). Trezena, Troezen, -enis e Traezene, -es, cidade do Peloponeso, ao sul da Argólida, vizinha da Trácia que, mais tarde, seria de Piteu (VI, v. 418). Tridentígero, Tridentiger, -era, -erum, aquele que traz um tridente; trata-se de Netuno, o deus dos mares (XI, v. 202). Trinácria, Trinacria, -ae, antigo nome da Sicília, em referência aos seus três promontórios salientes ao mar: o Peloro (voltado para Itália), o Paquino (voltado para a Grécia) e o Lilibeu (voltado para a África) (V, v. 347, 476). 431
Triões, Triones, -um, a constelação das duas Ursas, citada por Ovídio no mito da jovem Mirra, que se apaixona pelo próprio pai (X, v. 446). Triopeida (ou Tríopas), Triopeis, -idis, trata-se de Metra, neta de Triopas e filha de Erisícton (VIII, v. 875). Triopeu, Triopeius, -ii, filho de Triopas, rei da Tessália, i.e., Erisícton (VIII, v. 754). Triptólemo, Triptolemus, -i, filho de Celeno, inventor da agricultura (V, v. 646, 653). Tritão, Triton, -onis, deus marinho, filho de Netuno e de Salácia (na mitologia grega, Posídon e Anfitrite, respectivamente), que dominava o lago Tritone da Líbia. É frequentemente representado com uma concha, seu instrumento (I, v. 333; II, v. 8; XIII, v. 919; XV, v. 358). Tritônia, Tritonia, -ae, epíteto de Minerva. A tradição adota a explicação que ela teria nascido à margem do lago Tríton, na Líbia. (II, v. 783; V, v. 250, 270; VI, v. 1). Tritônida e Tritônide, Tritonis, -idis, de Tritônia, da deusa Minerva (II, v. 794; III, v. 127; V, v. 645; VIII, v. 548). Trívia, Triuia, -ae, epíteto de Diana, assim chamada porque sua estátua costumava ser colocada num encontro de três vias e, por isso, também pode aparecer como deusa das encruzilhadas (II, v. 416). Troia, Troia, -ae, capital da Tróade; lendária cidade da Frígia, na Ásia Menor, fundada por Ilus II, filho de Tros, daí ser conhecida também como Ílion; foi governada por Laomedonte, filho de Ilus II, e suas muralhas e edificações foram erguidas por Febo e Netuno; algumas vezes, é conhecida por sua fortaleza, o Pérgamo. É citada na obra como a cidade da onde foge Eneias, após a guerra contra os gregos. Sua reconstrução, após a guerra, também é mencionada e a cidade passa a ser chamada de Nova Troia (XI, v. 199, 208, 215, 757; XII, v. 20, 25, 587; XIII, v. 169, 197, 226, 246, 269, 325, 339, 348, 379, 404, 420, 429, 500, 577, 623, 655, 721; XV, v. 424, 440, 442, 770). Troiões, Troes, -um, o mesmo que troianos (XII, v. 67). Túrio, Thurium, -ii, região da Itália pela qual passou Míscelo para fundar a cidade de Crotona (XV, v. 52).
Turno, Turnus, -i, rei dos Rútulos, filho de Dauno Iapígio e da Ninfa Venília, irmão da Ninfa Juturna e neto de Pilumno. Lutou contra Eneias na guerra entre troianos e Rútulos (XIV, v. 451, 460, 530, 540, 573; XV, v. 773). Túscia, Tuscia, -ae, a Etrúria, atual Toscana, na Itália. Foi nessa região que o rei Tiberino se afogou ao atravessar um rio, o qual posteriormente carregou seu nome (XIV, v. 615). Ulisses, Ulixes, -is, célebre herói da Guerra de Troia; rei lendário de Ítaca; filho de Laertes e de Anticleia; esposo de Penélope e pai de Telêmaco; entre suas qualidades estavam a esperteza, habilidade e coragem (XIII, v. 6, 14, 18, 55, 62, 65, 83, 92, 240, 304, 305, 341, 387, 485, 712, 773; XIV, v. 71, 159, 180, 192, 241, 290, 671). Urânia, Urania, -ae e Uranie, -es, uma das nove Musas do monte Helicão; aquela que presidia a astronomia (V, v. 260). Ursas, Arcti, -orum, constelações boreais vizinhas no pólo Ártico; são resultado das metamorfoses de Calisto e de Arcas, respectivamente em Ursa Maior (ou Grande Ursa) e Ursa Menor; diz-se “Gélidas Ursas” dada a sua localização no extremo norte, próximo ao Ártico (II, v. 132, III, v. 45, 593; IV, v. 625; XIII, v. 293, 726). Venília, Venilia, -oe, esposa de Jano, com quem teve a filha Canente (XIV, v. 334). Vênulo, Venulus, -i, guerreiro rútulo que participou da guerra travada entre Turno e Eneias (X, v. 457, 460, 512). Vênus, Venus, -eris, também conhecida como Vênus Nutriz, é filha de Júpiter e esposa de Vulcano; teve diversas relações adúlteras, como: com o deus Marte, de quem teve dois filhos, Cupido e Harmonia; com o deus Mercúrio, de quem teve Hermafrodita; com o deus Baco, com o qual gerou Príapo e Himeneu; com o mortal Anquises, teve um filho também mortal, Eneias; e se apaixona ainda pelo belo e mortal Adônis. É a Deusa do amor e da beleza; consagrada pelo povo de Támaso, na região do Chipre; e possuía um carro com asas de cisnes. Na mitologia grega, corresponde a Afrodite (I, v. 463; III, v. 132, 292; IV, v. 171, 531; V, v. 331, 379; VII, v. 802; IX, v. 424, 482, 553, 728, 739, 796; X, v. 230, 238, 270, 432
277, 291, 524, 548; XII, v. 198; XIII, v. 759; XIV, v. 27, 478, 494, 572, 585, 602, 760, 779, 783, 844). Verão, Aestas, -atis, personificação da estação do ano, que compreende o período entre os dias 22 de março até 22 de setembro, no hemisfério norte, o estio. Verão é citado como um dos deuses sentados ao lado de Febo (Apolo, também compreendido como o próprio Sol), juntamente com as demais estações personificadas, no episódio em que Faetonte vai até Febo, seu pai, pedir para guiar uma vez o seu carro, o Carro do Sol (II, v. 28; XV, v. 206). Vertumno, Vertumnus, -i, de origem etrusca, é o deus das estações; marido de Pomona (XIV, v. 642, 678). Vésper, Vesper, -eris, estrela da tarde, portanto, do ocidente, do poente, também chamada de Vênus. É citada por Ovídio como a estrela mais próxima de onde sopra o vento Zéfiro (I, v. 63; IV, v. 415). Vesta, Vesta, -ae, personificação do fogo sagrado, tanto da pira doméstica quanto da cidade de Roma. É chamado assim o fogo trazido de Troia por Eneias ao deixar a cidade depois da guerra (XV, v. 731, 778, 864, 865). Vírbio, Virbius, -ii, nome dado pelos latinos a Hipólito, após este ter ressuscitado e ter sido levado para o santuário de Diana, já que Vírbio era um gênio da floresta, cujo culto estava ligado ao da deusa, na mesma região dos campos arícios (XV, v. 544). Virgem Taumantéia, Thaumantea uirgo, o mesmo que Íris Taumantíade, era a mensageira dos deuses. Foi ela quem, após o episódio do rapto das sabinas, levou aos céus Hersília para juntar-se ao seu marido Rômulo, que havia se transformado em estrela (XIV, v. 845). Vitória, Victoria, -ae, deusa romana, personificação do triunfo; a ela foram erguidos templos e seu rosto em moedas foi estampado (VI, v. 82; VIII, v. 13). Volturno, Volturnus, -i, rio caudaloso e veloz da região da Campânia (XV, v. 715). Vulcano, Vulcanus, -i, filho feio e deformado de Júpiter e de Juno; conhecido como deus do fogo, da metalurgia e das erupções vulcânicas e como o ferreiro divino dos deuses e construtor das
armas e ferramentas; foi quem forjou os raios de Júpiter e a quem este presenteou com o carro áureo (II, v. 106; VII, v. 104, 437; IX, v. 251; XIII, v. 313). Xanto, Xanthus, -i, filho de Zéfiro. Rio da antiga província romana da Lícia, localizada na Ásia Menor, que juntamente com outros rios como Reno e Ródano, teve suas águas evaporadas pelo Carro do Sol, desgovernado ao ser conduzido erroneamente por Faetonte (II, v. 245; IX, v. 646). Zancle, Zancle, -es, ilha situada entre Messina e Régio na qual desembarcam Eneias e sua frota após deixarem Troia (XIII, v. 729; XIV, v. 5, 47; XV, v. 290). Zéfiro, Zephyrus, -i, de todos os ventos, o mais delicado; brisa ligeira; personificação do vento oeste; mensageiro da primavera (I, v. 64, 108; XIII, v. 726; XV, v. 700). Zetes, Zetes ou Zethes, -ae, filho de Aquilão e de Orítia e irmão gêmeo de Cálais; tornou-se um dos Argonautas (VI, v. 716).
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