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Portuguese Brazilian Pages [364] Year 2015
As logicas das PROVAS NO PROCESSO Prova Direta, Indicios e Presungoes
Conselho Editorial Andre Luis Callegari Carlos Alberto Molinaro Cesar Landa Arroyo Daniel Francisco Mitidiero Darci Guimaraes Ribeiro Draiton Gonzaga de Souza Elaine Harzheim Macedo Eugenio Facchini Neto Giovani Agostini Saavedra Ingo Wolfgang Sarlet Jose Antonio Montilla Martos Jose Luiz Bolzan de Morais Jose Maria Porras Ramirez Jose Maria Rosa Tesheiner Leandro Paulsen Lenio Luiz Streck Miguel Angel Presno Linera Paulo Antonio Caliendo Velloso da Silveira Paulo Mota Pinto
Dados Internacionais de Catalogayao na Publica^ao (CIP) D1441
Dallagnol, Delian Martinazzo. As logicas das provas no processo : prova direta, indi'cios e presun^oes / Delian Martinazzo Dallagnol. - I. ed. 2. tir. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora. 2018. 362 p.; 25 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7348-975-0 1. Prova (Direito). 2. Indfcio. 3. Presun^oes (Direito). 4. Processo civil - Brasil. 5. Processo penal - Brasil. I. TTtulo. CDU 347.94(81) CDD 347.8106 Indice para catalogo sistemdtico: 1. Prova (Direito) : Brasil 347.94(81)
(Bibliotecaria responsavel: Sabrina Leal Araujo - CRB 10/1507)
Deltan Martinazzo Dallagnol
As logicas das PROVAS NO PROCESSO Prova Direta, Indicios e Presun^oes Aplicavel aos Processes Civil e Penal Doutrina Tradicional Doutrina Moderna jurisprudencia Nacional Jurisprudencia Estrangeira Prova de Crimes de Dificil Comprova^ao
- 1° EDigAO, T TIRAGEM —
livraria DO ADyOGADO Heditora Porto Alegre, 2018
© Deltan Martinazzo Dallagnol, 2018
Capa, projeto grdfico e diagramagdo Livraria do Advogado Editora
Revisdo Rosane Marques Borba
Direitos desta edigao reservados par Livraria do Advogado Editora Ltda. Rua Riachuelo, 1300 90010-273 Porto Alegre RS Fone: 0800-51-7522 [email protected] www.doadvogado.com.br
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Sumario Introdugao..................................................................................................................................
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1. A natureza da prova............................................................................................................. 1.1. Como conhecemos o mundo: a epistemologia das provas..................................... 1.2. A ideia de prova e relacional, de justificaqao para crer cm algo............................ 1.3. A influencia do conhecimento de mundo na prova................................................. 1.4. O factum probans e o factum probandum: o que sao fatos?......................................... 1.5. O factum probandum e o factum probans nao sao fatos, mas hipoteses.................... 1.6. O factum probans e o factum probandum nao sao fatos, mas proposiqdes............... 1.7. Funqao da prova e verdade no process©.................................................................... 1.8. Verdade sobre o passado: o que e verdade?............................................................. 1.9. Verdade sobre o passado: ela e alcanqavel?.............................................................. 1.10. Revisao..........................................................................................................................
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2. Provar e argumentar............................................................................................................. 2.1. O argument© eliptico: entimema................................................................................ 2.2. Argument©, premissa e conclusao.............................................................................. 2.3. Logica, inferencia e raciocmio..................................................................................... 2.4. As duas mais modernas teorias probatorias: Bayesianismo e Explanacionismo. 2.5. Dedu^ao........................................................................................................................... 2.6. Indu
fato FUGA
AUTORIA DO DELITO
prova
------- > fato segunda reia^ao
Em razao de tanto o indfcio como a prova do indfcio exercerem uma funqao de prova, sendo a fuga um fato intermedidrio de fungao ambfgua, nasce aqui uma das grandes dificuldades terminologicas do assunto. Considere as seguintes perguntas: • A prova indiciaria consiste no indfcio em si, o qual por sua vez demonstra o fato delituoso? • Em outras palavras, a prova indiciaria, no exemplo acima, e a fuga? • Ou a prova indiciaria e a prova do indfcio, a qual demonstra o indfcio? Um exemplo que pode fadlitar a apreensao dessa ideia e o do false testemunho. Um falso testemunho, dado em um processo trabalhista, e uma prova de um fato debatido no ambito de uma rela^ao de trabalho. Quando se formula uma acusa^ao criminal contra aquela falsa testemunha, contudo, aquele mesmo teste munho, que servia de prova, passa a ser o fato tipico que e objeto de outras provas.
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• Em outras palavras, no exemplo acima, a prova indiciaria e o testemunho sobre a fuga? • E qual dos elementos e a prova indireta por indicio? Com relagao ao indicio, nao ha maior discussao. Dos tres fatos apontados no exemplo, o linico que a doutrina apontaria como indicio e a fuga. Isso porque, para a doutrina tradicional, o conceito do art. 239 do CPP so se aplicaria entre a fuga e a autoria do crime, e nao entre o testemunho e a fuga. Para a dou trina tradicional, as duas relates probatorias, testemunho-fuga e fuga-autoria, sao essencialmente distintas. Na primeira, testemunho-fuga, como no caso da prova direta, haveria uma mera analise de credibilidade do testemunho para se concluir que a fuga ocorreu, nao sendo necessaria uma inferencia (indu^ao). Ja na segunda, fuga-autoria, seria necessaria uma inferencia, um raciocinio, a "indu^ao" mencionada pelo art. 239, para se inferir a autoria delitiva a partir da fuga.440 Como veremos, com base em tudo que vimos nos capitulos iniciais, esse raciocinio da doutrina tradicional esta, claramente, equivocado, pois em todo passo probatorio ha uma inferencia logica, um raciocinio, um argumento. Contudo, o ponto de vista da doutrina tradicional merece ser exposto. Assim, temos um termo claro para designar o fato intermediario (a fuga), que e o vocabulo "indicio". Ja a expressao "prova indiciaria" poderia ser usada livremente para designar tanto a prova do indicio, isto e, para indicar o teste munho no exemplo dado, como tambem poderia ser utilizada para referir ao indicio em si, pois o indicio e uma prova da autoria, o que justificaria se falar em prova indiciaria. Contudo, adotamos, para fins do nosso trabalho, a fim de alcangar maior clareza, uma convengao: utilizaremos a expressao "prova indiciaria" para designar a prova do indicio (no exemplo, o testemunho). Tal opgao e pratica, a fim de possuirmos um signo que se refira ao fato que prova o indicio. A atribuigao de nomes diversos nao seria um equivoco, pois os nomes simplesmente revelam uma fungao em relagao a um referencial, mas o ponto aqui e dissipar um pouco da ambiguidade e confusao que reinam no discurso sobre indicio e prova indiciaria, sendo adequado tragar, a titulo de convengao, essa diferenga. Quanto a expressao "prova indireta", uma discussao semelhante poderia ser estabelecida. Seria possivel defender a ideia de que a expressao pode de signar o indicio, ja que so na relagao entre indicio e fato por ele indicado e que existiria uma inferencia (segundo a doutrina tradicional), o que o tornaria uma prova "indireta" por exigir um raciocinio. Do mesmo modo, seria possivel justificar o uso da expressao "prova indireta" para fazer referencia a prova do in dicio, pois ela so chega ao fato final por meio de um fato intermediario,441 o que a faria "indireta".442 Embora nossa tendencia fosse estabelecer aqui tambem 440
Nesse sentido, por exemplo, veja-se a doutrina de Dellepiane, que conceitua indicio como "todo rosto, vestigia, pegada, circunstdncia e, cm genii, todo fato conhecido, on, nwllior dilo, devidamente coinprovado, suscelivel de levar-nos, por via da inferencia, ao conhecimento de outros fatos desconhecidos". DELLEPIANE, Antonio. Nova teoria da prova. 7. ed. Traduqao Erico Maciel. Campinas: Minelli, 2004, p. 77. 441 Ao menos no caso das provas testemunhal e documental, como veremos. I4“ A possivel obje^ao, aqui, e que nao existiria tal fato intermediario no caso da prova material indireta. AS L6GICAS DAS PROVAS NO PROCESSO
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uma convengao para usar a expressao como sinonimo de "prova indiciaria", nao ha como negar o sen consagrado uso em contraposigao a prova direta. •1-13 E em contraposi^ao a prova direta, a ideia de prova indireta engloba nao so a prova indiciaria, mas tambem o indicio. Assim, utilizaremos a expressao prova indireta para fazer mengao ao encadeamento de provas (ou prova unica, no caso de prova material indireta, como veremos) em que o fato de consequencia e alcan^ado por meio de um indicio. No mesmo sentido empregaremos a expressao "prova indireta por indicio". Quadro 29. Conven^ao no tocante a termos. Indicio: e o fato intermediario. No exemplo do testemunho sobre a fuga, a partir da qual e inferida a autoria do crime, o indicio e a fuga. Prova indiciaria: e a prova do indicio. No referido exemplo, e o testemunho sobre a fuga. Prova indireta (ou prova indireta por indicio): e o encadeamento de provas em que o fato de consequencia e alcan^ado por meio de um indicio. Contrapoe-se a prova direta.
Contudo, o leitor deve estar atento para o fato de que as expressoes "prova indiciaria" e "prova indireta" podem ser usadas por outros autores em outros sentidos, que devem ser descobertos pelo contexto. Mais ainda, um mesmo autor pode empregar cada uma dessas expressoes em diferentes sentidos, o que pode gerar alguma confusao. 444 Cabe, contudo, uma ressalva, pois a expressao prova indireta, a depender da concep^ao doutrinaria que se adote, pode englobar conteudo adicional. Para os autores que colocam a presun^ao numa categoria diferenciada da prova indiciaria ou do indicio, a prova indireta e um genero mais amplo que abrange tanto presungao como a prova por indicio. Todavia, muitos autores colocarao a presun^ao dentro da no^ao de prova indiciaria ou de indicio, caso em que a prova indireta por indicio sera a linica hipotese de prova indireta. A arraigada divergencia nesse topico data de mais de seculo atras, e sera objeto de aprofundamento adiante, cumprindo, para os fins deste capitulo, apenas firmar a convengao segundo a qual a expressao prova indireta, no contexto da prova por indicio, sera usada para fazer referencia a prova indiciaria.445 Assim, 443
Alem disso, enfrentariamos um problema no caso da prova indireta material, na qual nao ha propriamente uma prova do indicio destacada deste ultimo, conforme veremos. Assim, seriamos desafiados por termos conceituado prova indireta de um modo que excluiria sua existenda no ambito daquilo que tradicionalmente e chamado de prova indireta material. 444 Tai emprego caracterizaria figuras de estilo de linguagem conhecidas como metom'mia e sinedoque. A sinedoque e a especie de metom'mia em que se toma o todo pela parte ou a parte pelo todo, havendo uma relagao de extensao, por exemplo, o genero pela especie, o abstrato pelo concrete. 445 Ha, ainda, quern coloque dentre as provas indiretas a contrassenha. CARNELUTTI ensina que a contrassenha e "uma 'senha' que se poe sobre a coisa ou que de alguma maneira vai unida a coisa; uma ‘senha', em swim, e 'artificial'" (CARNELUTTI, Francesco. Das provas no processo penal. Tradugao Vera Lucia Bison. Campinas: Impactus, 2005, p. 54). Sao exemplos de contrassenhas: uma cicatriz, uma tatuagem, o nome, um titulo de nobreza, uma marca no gado ou de fabrica, um timbre etc. Podem servir de prova no processo penal quando, por exemplo, o autor do crime e identificado pela sua cicatriz ou tatuagem. Coelho esclarece que senha vem do italiano "segno", que significa "sinal, indicio, vesti'gio, marca", sendo a contrassenha o sinal que tern por fungao especffica provar algo. A grande diferenqa entre a contrassenha e o indicio consiste no fato de que na contrassenha nao existe uma inferencia racional ou um raciocihio indicative, sendo ela uma "prova indiciaria preconstit uida, ou seja. uma pura evidencia, em que e dispensdvel a argumentagdo probatoria"
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a expressao "prova indireta" pode ser tomada para fazer referencia apenas a prova indireta por indfcio, nesta obra, a nao ser que se faga expressa ressalva em contrario. Assim, nos termos da eonvengao estabelecida, essencial para nos fazermos entender, a prova indiciaria e uma prova que demonstra um indfcio o qual, por sua vez, demonstra o delito ou parte dele - ou, no processo civil, de monstra o fato relevante para incidirem consequencias jundicas. Quando existe um indfcio em jogo, o encadeamento probatorio (ou prova) que demonstra um fato e chamado de prova indireta ou prova indireta por indfcio. Quando o lei tor examinar textos nesta materia, recomenda-se que busque identificar a que o autor se refere quando usa cada termo (embora se frustrara ao perceber que na maior parte dos casos nao ha precisao lingufstica, sendo usados alguns dos termos indistintamente para varies dos significados).
5.7. Exemplos de prova direta, indiciaria e de indfcio, com distin^ao para a prova material Para dar mais clareza ao texto, convem abordar alguns exemplos de provas diretas, indiciarias e de indfeios com rela^ao as tres formas em que a prova se manifesta, testemunhal, documental e material (segundo a classificaqao de Mala testa, adotada anteriormente). Como prova e sempre relacional, e como e essencial no conceito de prova indireta a referencia (ancora), e essencial indicar em cada caso o fato provado, do qual se extrairao consequencias jundicas. Observem-se, na tabela abaixo, ilustraqoes de prova direta testemunhal, documental e material: Quadro 30. Tabela ilustrativa de especies de provas. CRIME/FORMA DA PROVA
PROVA DIRETA (classe da prova segundo seu conteudo)
FATO
Homiddio / testemunhal
Testemunho relatando que Calm deu vaCalm deu varias facadas em Abel rias facadas em Abel
Furto / "testemunhal"
Confissao de Calm descrevendo como ele Cairn subtraiu dinheiro da carteira da vitima subtraiu dinheiro da carteira da vitima
CCOELHO, Walter. Prova indiciaria cm materia criminal. Porto Alegre: Funda^ao Escola Superior do Ministerio Publico, 1996, p. 63). Contudo, a contrassenha, na verdade, nada mais e do que uma parte do fato delituoso. Nao e porque uma tatuagem esta permanentemente gravada no autor do delito, inclusive no memento do crime, que deixa ela de fazer parte do fato delituoso. Assim, quando uma testemunha afirma que o autor do homiddio tinha tal tatuagem em seu bra^o, ela esta identificando caractensticas do prdprio fato, assim como se relatasse a aparencia do autor do fato (sua altura, compleil Sobre a relatividade do valor da prova judicial, ver item 8.4. ^r' O onus moral de reconhecer a faiibilidade do sistema 6, para LARRY LAUDAN, por exemplo, uma razao pela qual nao se traduz o stamlarcl de prova de condenaejao em uma probabilidade especifica. De fato.
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nao gostam da possibilidade de se condenar um inocente, e toda a doutrina, ao abordar o assunto prova, parece fechar os olhos para a realidade do dilema do juiz. Julgamentos usam retorica para dizer que para uma condenaqao “nao basta mera probabilidade", quando probabilidade e, na verdade, tudo que temos. O sistema de justiga teme admitir sua falibilidade e, com isso, perder legitimidade. O receio de tratar desse tema envolve tambem a possibilidade de uma ma interpretagao do que se diz. Nao sc estd aqui a propugnar que sc possum on devam condenar inocentes - a condenagdo de um inocente e algo terrwel. O que se faz e reconhecer, sob prisma cienhfico e logico, que o sistema de provas, impregnado da falibilidade humana, conduz a isso. O juizo aqui nao e de "dever ser", mas de "ser"; nao se faz "prognostico", mas "diagnostico". Se uma sociedade quiser ter uma Justiga que condene culpados, essa Justi^a inevitavelmente - e desgraqadamente - condenara tambem inocentes, o que e imanente as limitagoes de nossa condigao humana. O juiz que afirma que “nao bastam meras probabilidades para condenar alguem", na verdade, on esta utilizando retorica para defender a legitimidade do sistema e ocultar a realidade dos erros judiciais, ou esta empregando retori ca para defender a absolvi^ao do reu em dado caso concreto. O inegavel e que, em qualquer caso de condenaqao criminal, o jufzo e sempre de probabilidade, ainda que elevadfssima. Estao em jogo, portanto, dois valores fundamentals: de um lado, a liberdade (vida) ou o estado de condenado de alguem e, de outro lado, a gravidade da lesao causada pela conduta, que envolve nao so o direito fundamental da sociedade tutelado na norma violada, mas tambem a propria seguranga da sociedade (impunidade). Qualquer analise do problema, e sugestao de modulagao do standard, deve tomar em considerate a intensidade desses valores em uma dada situagao, abstrata ou concreta. A analise do grau de convicgao que tern sido entendido como toleravel pela doutrina para uma condenagao criminal, sob esse duplo aspecto, e o tema do proximo topico. Contudo, antes de avan^ar, cumpre afastar uma solu^ao simplista que poderia ser oferecida para o dilema. A primeira safda que poderia se imaginada consistiria na modulagao do standard de prova conforme os dois valores em jogo em dada situagao, respeitado um limiar mmimo. Alguem poderia proper que, se o mmimo para reconhecer, por exemplo, que o standard de prova para uma condena^ao criminal corresponde a uma pro babilidade de 90% implicaria reconhecer a possibilidade de erro judicial em 10% dos casos. Nas palavras de Laudan (LARRY LAUDAN, Is Reasonable Doubt Reasonable?, 9 Legal Theory 295, 311 (2003)): Qualquer especificaq3o de grau de crenga necessario para uma determinagao de culpa (diga-se 95% de confianya) envolve uma admissao explicita de que convicgbes equivocadas inevitavelmente ocorrerao. Por exem plo, se jurados pudessem de algum modo descobrir que eles tinham a confianga de 95% na culpa do acusado, isso iria aulomaticamente implicar que uma vez em vinte eles estariam condenando um reu inocen te. Enquanto reconhecendo em abstrato que nenhum metodo de prova e infah'vel e portanto admitindo em prinefpio que erros ocorrerao de tempo em tempo, o judiciario tern uma resistencia entrincheirada a qualquer admissao explicita de que o sistema tern uma tolerancia internamente constnn'da com condena^oes erradas.
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uma condenagao fosse, para urn juiz criminal, uma probabilidade de 90%, ele poderia exigir um percentual maior ou menor pela pondera^ao dos valores em jogo. Tomando em considera^ao o valor liberdade, o standard deveria ser maior conforme fosse maior a gravidade da sangao a ser aplicada, podendo ser menos elevado (embora ainda elevado) conforme fosse menor a sanqao a ser aplicada. A questao aqui seria o quanto ha do valor "liberdade" que esta em jogo. Crimes punidos com alias penas (valor liberdade) deveriam ser mais bem demonstrados (maior standard). No entanto, essa primeira diretriz e anulada pela ponderaqao do segundo valor em jogo (risco social), pois o standard de prova deveria variar, tambem, de acordo com a gravidade da lesao acarretada pela conduta criminosa. Quan to maior a lesao, menor o standard de prova (respeitado um limiar mmimo). Altas penas sao conferidas justamente a crimes que acarretam uma maior lesao ou risco social. A obje^ao aquela solugao simplista e, portanto, o fato de que o valor seguranga da sociedade aconselharia uma modulagao para baixo do stan dard de prova aplicavel a crimes com altas penas, anulando a primeira diretriz. Ou seja, os dois criterios se anulam porque a sangao e a lesao social da conduta sao diretamente proporcionais, segundo uma analise polftica realizada pelo legislador. Quando uma aumenta, outra aumenta. Se a sangao e alta, o que aumentaria o standard de prova, a lesao a sociedade tambem e alta, o que por sua vez abaixaria o standard de prova segundo a proposta. A proposigao aventada, portanto, nao soluciona o problema. Uma possfvel hipotese que, embora nao resolva o problema, tra^a uma diretriz para manutengao de coerencia, e adotar como criterio que o standard de prova deva variar segundo a dificuldade probatoria do crime ou do aspecto do fato criminoso, isto e, segundo a simplicidade ou complexidade de sua demonstragao. Segundo tal proposta, a partir do momento em que o julgador estabelece para si um standard de prova "definido", ele devera necessariamente varia-lo para cima e para baixo, na medida da complexidade do caso, se quiser manter a rela^ao que estabeleceu na sua balan jul. 2014, livre tradu^ao do ingles. Embora a Corte Interamericana, nesses casos todos, estivesse julgando a desconformidade dos Estados com compromissos internacionais, e nao realizando um julgamento propriamente criminal, ela toma em considera^ao, na analise do onus da prova, "a especial seriedmle de afinnar que mu Estado Parte da Conven^do esteja realizando on esleja tolerando uma prdtica de desapcirecimentos em sen territdrio", exigindo que a prova seja "capaz de estabelecer a verdade das alegaqoes de uma maneira convincente". (Id., paragrafos 127 e ss.). Id., paragrafo 131. 776 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso de J. V. Peru, julgamento de 27 de novembro de 2013 (objeqao preliminar, merito, reparagoes e custas), paragrafo 306. Dispomvel em: . Acesso em: 06 jul. 2014, livre traduqao do ingles. 777 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso de Bamaca-Velasquez v. Guatemala, julgamento de 25 de novembro de 2000 (merito), paragrafo 131. Dispomvel em: . Acesso em: 06 jul. 2014, livre tradu^ao do ingles.
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