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Portuguese Pages 114 Year 2016
COLEÇÃO COMPENDIUM
Um livro vai para além de um objeto. É um encontro entre duas pessoas através da palavra escrita. É esse encontro entre autores e leitores que a Chiado Editora procura todos os dias, trabalhando cada livro com a dedicação de uma obra única e derradeira, seguindo a máxima pessoana “põe quanto és no mínimo que fazes”. Queremos que este livro seja um desafio para si. O nosso desafio é merecer que este livro faça parte da sua vida. www.chiadoeditora.com
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© 2016, Leonardo Dutra e Chiado Editora E-mail: [email protected] Título: A Sociedade Anômica Editor: Mayara Facchini Composição gráfica: Alexandre Soares Capa: Prasad Siva Revisão: Leonardo Dutra Impressão e acabamento:
Chiado P r i n t
1.ª edição: Maio, 2016 ISBN: 978-989-51-7458-4 Depósito Legal n.º 407036/16
Leonardo Dutra
A SOCIEDADE ANÔMICA um estudo da ordem na política internacional
Brasil | Portugal | Angola | Cabo Verde
Sumário
Prefácio 9 Anomia da ordem 13 A sociedade internacional anômica
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Representações da realidade nas Relações Internacionais 27 Uma abordagem histórica da ordem internacional
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A política internacional e a natureza do homem
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Novos e velhos paradigmas nas Relações Internacionais
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A questão epistemológica nas Relações Internacionais 53 Ciência normal e a inexistência de uma anomia na ordem
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Construção de paradigmas no espaço internacional
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A Sociedade Anômica 75 Referências bibliográficas
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Notas 85
Para Julie e Bernardo
Prefácio
A segunda metade do século XX assinala o progresso da sociedade internacional contemporânea depois de dois grandes conflitos mundiais. O desejo de extinguir as atrocidades experimentadas na década de 1940 moldou uma sociedade de Estados em contínuo desenvolvimento. Os objetivos desta sociedade construíram instituições no espaço internacional que promovem a cooperação das heterogêneas comunidades políticas do mundo. O amadurecimento destas organizações internacionais proporcionou uma percepção de estabilidade em algumas partes do mundo desenvolvido. Igualmente, suscitou a possibilidade de desenvolvimento dos ainda não desenvolvidos. O triunfo de uma ideologia liberal no ocidente na década de 1990 apontou a hipótese de progresso para muitas nações. China, Índia, e grandes territórios americanos como o Brasil e o México, experimentaram um amplo anseio de desenvolvimento na primeira década deste século. Um período onde as projeções de crescimento econômico indicaram a possibilidade de ascensão de muitos Estados aos principais círculos deliberativos do poder mundial. No entanto, a exemplo da virada do século XIX para o século XX, o modelo liberal que proporcionou a sensação de estabilidade nas relações internacionais cem anos atrás também se esgotou no presente. A natureza cíclica do liberalismo
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econômico reduziu significativamente as projeções de crescimento de muitos países nos primeiros anos deste século após uma crise financeira. A estagnação econômica de muitos Estados destruiu os sonhos de grandeza internacional de algumas comunidades políticas, a exemplo do Brasil. Entretanto, o esgotamento do sistema econômico liberal, que no século XX culminou em duas grandes guerras, parece não assinalar os mesmos resultados no século XXI. Dito de outra forma, a maioria das análises de conjunturas internacionais não considera a possibilidade de ocorrência de uma guerra de porte mundial nos próximos anos. O atual estágio da tecnologia militar parece coibir as possibilidades de deflagração de um grande conflito. Ou seja, a alta capacidade de destruição e precisão dos armamentos contemporâneos parece tornar improvável o conflito direto entre as grandes potências mundiais. Neste contexto, a interdependência econômica dos Estados no cenário internacional igualmente suscita a impossibilidade de uma grande guerra, embora o mesmo discurso tenha sido proferido com entusiasmo na década de 1930 por diversos líderes mundiais antes da Segunda Guerra. Contudo, tais circunstâncias vivamente confortam nossa percepção sobre a existência dos atores internacionais no mundo contemporâneo. Ou seja, conforta-nos pensar que a humanidade evoluiu a tal ponto que o conflito e o sofrimento humano em grandes proporções fazem parte do passado das relações internacionais. Apesar disso, esta não é a realidade experimentada pela totalidade da população mundial. Pois o pacífico século XXI também é marcado pela tortura humana em campos de concentração na Coreia do Norte. Igualmente, o choque ideológico de algumas comunidades com o ocidente frequentemente abastece a mídia internacional com decapitações e
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cremações de humanos, entre outras atrocidades do nosso tempo. Existem largas zonas de instabilidade mundial neste jovem século XXI, período onde a reedição de antigos anseios de expansão territorial e aquisição de poder no espaço internacional produz perigosas disputas em regiões como a Europa, a Ásia e o Oriente Médio. Neste contexto, um continente inteiro experimenta um razoável crescimento econômico não acompanhado pela diminuição da condição de pobreza de sua população. A África do século XXI enriquece camadas da sociedade enquanto um grande número de indivíduos ainda não possui água potável, comida ou alguma chance de uma existência pacífica. Segue que claramente existe um centro estável nas relações internacionais e uma periferia instável neste mesmo espaço. Contudo, são notáveis os avanços da estabilidade da ordem internacional, e assim sendo, cresce a percepção do centro do ambiente internacional sobre a possibilidade de progresso e paz entre as nações. Entretanto, quais seriam as fronteiras do desenvolvimento na periferia deste ambiente? O progresso experimentado pela sociedade internacional será capaz de estabilizar as zonas instáveis do planeta? Ou dito de outra forma, existem limites para o progresso da humanidade? A Sociedade Anômica, um estudo da ordem na política internacional, argumenta que existem limites para o progresso da sociedade internacional. Com base em análises da construção histórica e sociológica do espaço internacional, esta obra apresenta argumentos sobre uma disfunção no funcionamento da sociedade internacional. Uma patologia congênita à formação desta sociedade que limita a evolução internacional rumo a uma existência mais estável e pacífica, imputando um sentido de recorrência à experiência dos atores
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no ambiente internacional devido a anomia da ordem na sociedade internacional. L.D. Arraiolos, 2015.
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Capítulo 1 Anomia da ordem
A ordem internacional contemporânea está doente.1 Ou dito de outra maneira, a ordem do cenário internacional é por natureza enferma. A caracterização dos arranjos formados pelos atores internacionais possui uma doença congênita que define este ambiente: a anomia. O panorama internacional é anômico por um triplo sentido conceitual: 1. Porque tem dificuldade para construir e cumprir normas (nomos); 2. Porquanto que não possui qualidade na integração entre as metas da sociedade internacional e os procedimentos institucionalizados para o alcance destes objetivos; e 3. Porque padece de uma patologia social que determina objetivos impossíveis de serem cumpridos no cenário internacional, conduzindo este ambiente à uma condição perpétua de transgressão (anomia); A condição anárquica 2 do arranjo entre os atores internacionais explica a dificuldade em se estabelecer normas e legitimar leis internacionais. Sobretudo, a anarquia resultante da ausência de um governo mundial caracteriza um grande obstáculo para que as regras sejam cumpridas nas relações internacionais. 3
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No entanto, o costume e os hábitos produzidos pela experiência dos atores internacionais evidentemente construíram normas de convivência no ambiente internacional. São fortes os hábitos de cooperação entre comunidades políticas4 distintas para o estabelecimento de canais de comunicação entre elas. A diplomacia tem evidenciado a capacidade de se firmar acordos e sustentar normas internacionais, nem que sejam as regras que garantem a existência do próprio aparelho diplomático. Contudo, são precárias as leis internacionais que prescrevem determinados tipos de comportamento aos atores no mundo. Com muita frequência as liberdades individuais dos homens são desrespeitadas em comunidades políticas do presente, assim como foram negligenciadas no passado. Neste caso, mesmo que as normas internacionais existam para a garantia da vida dos homens, elas esbarram nas transgressões dos Estados, especialmente quando estes intitulam por cidadãos os que antes eram homens. E em que pese algum grau de desrespeito às leis seja intrínseco a todas as sociedades, em situações específicas das relações internacionais a violação das normas é a regra, e não a exceção. Esta perpétua situação de transgressão das regras ou anomia (a– negação, nomia– norma) no cenário internacional pode estar relacionada a um comportamento normal e desviante das leis em determinadas sociedades. 5 Neste caso, a normalidade da transgressão advém de um descompasso entre a definição de objetivos e a composição de meios para o alcance destes. No cenário internacional é fraca a integração entre a operacionalidade das instituições com os objetivos que deram origem a institucionalização destes processos. No entanto, é comum que a configuração de sujeitos em sociedade produza a formação de objetivos conjuntos e métodos de regulação e controle para alcançar tais propósitos.
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Porém, o arranjo de atores na composição de uma sociedade internacional apresenta uma fraca conexão entre a definição de objetivos e o desenvolvimento de mecanismos institucionalizados para o alcance destes alvos. Na sociedade internacional, como em outros agrupamentos sociais, os objetivos são baseados na experiência dos atores que formam a sociedade. A definição destas metas é um importante fator de coesão para a justaposição de sujeitos tão diferentes como os atores internacionais. Segue que as metas desta sociedade derivam de uma escala de valores resultante de aspirações e percepções da experiência dos atores que compõe esta mesma sociedade. Contudo, tal percepção tem construído sistematicamente fins que não encontram meios apropriados para a sua execução. E diante da impossibilidade de execução do que foi estipulado, uma condição de anomia é instalada neste grupo social. Essencialmente, tal condição patológica acaba por aceitar o comportamento desviante de alguns atores como uma situação ordinária. Assim, sujeitos anômicos no cenário internacional passam a transgredir os princípios estipulados pela própria sociedade com o objetivo de alcançar os fins determinados pelo agrupamento social. O uso persistente da violência ou a constante normalidade da prática de ações armadas são ilustrações desta doença nas relações internacionais. 6 Desta forma, a nata insistência humana em buscar objetivos sociais infectada pela anomia acaba por destruir muitas das possibilidades de alcance dos próprios fins estipulados. Ou dito de outra forma, a natureza da sociedade internacional que privilegia os fins espontaneamente destrói as possibilidades de alcance destes mesmos fins. Assim, a ordem internacional vacila entre períodos de recorrência entre desenvolvimento e retrocesso. Oscila entre a paz e a guerra itinerante nas mais variadas regiões do mun-
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do, pois a estabilidade internacional objetivada não possui meios apropriados para o seu desenvolvimento. Desta forma, a paz futura enceguece uma sociedade anômica, apagando muitas das percepções da realidade internacional que cedem lugar a uma realidade objetivada, futura e inatingível. Para sustentar o argumento da doença da política internacional, ou da anomia da ordem, este livro primeiramente desenvolve o conceito de anomia e de ordem em uma sociedade internacional. Segue uma apresentação de diferentes representações da realidade internacional que em conjunto poderiam descrever a pluralidade da ordem. Os limites do desenvolvimento desta sociedade demonstrados nestas representações sustentam a existência de uma patologia na ordem, que constrange os avanços da sociedade das comunidades políticas independentes. Ainda, este texto aborda as características do ambiente internacional na história que permitem apontar um sentido de recorrência nas relações internacionais. Tal persistência de um caráter recorrente nas relações internacionais construiu na história recente um variado grupo de abordagens explicativas do ambiente internacional. Assim, são abordadas neste trabalho as similaridades e a evolução destas perspectivas descritivas do ambiente internacional para igualmente sustentar a anomia da ordem. Da mesma forma, são ainda expostos argumentos que poderiam explicar a resistência do espaço internacional em reconhecer a anomia da ordem. Estes argumentos são seguidos pela análise das fronteiras conceituais construídas pelos paradigmas das relações internacionais que ocultam a condição anômica do espaço internacional, para então, diante de algumas das similaridades das relações internacionais no tempo e das limitações do
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desenvolvimento do espaço internacional, sugerir a anomia da ordem. Uma anomalia na formação da sociedade das comunidades políticas independentes que impõe a normalidade da transgressão das regras nas relações internacionais.
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Capítulo 2 A sociedade internacional anômica No ambiente internacional a inter-relação entre a experiência dos atores com as projeções de futuro baseadas nestas práticas compõem a realidade das comunidades políticas no mundo. 7 Particularmente, são frequentemente idealizados objetivos para o ambiente internacional que não possuem meios apropriados para o seu alcance. Com base na experiência de determinados grupos sociais, as sociedades idealizam caminhos para serem percorridos pelos atores conjuntamente. 8 E para que tais objetivos sejam alcançados, estas sociedades produzem instituições que estipulam processos para estes fins. Contudo, varia de sociedade para sociedade a ênfase dada no desenvolvimento das instituições ou no alcance dos objetivos. Alguns agrupamentos sociais podem realçar a execução dos processos dando atenção apenas aos rituais criados pela sociedade, desta forma, distanciando-se dos objetivos que produziram tais procedimentos. 9 Logo, presume-se que o equilíbrio social neste caso existiria na capacidade de atingir objetivos e possuir mecanismos institucionais apropriados para isso. As sociedades domésticas experimentam constantemente o dualismo entre instituições e objetivos. Por exemplo, quando objetivam diminuir índices de violência interna nos Estados, diferentes governos precisam estabelecer meios para
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o alcance destes desígnios. Igualmente, tais metas somente conseguem lograr algum sucesso caso a população que compõe a comunidade política legitime estes objetivos como oportunos. Assim, destina-se orçamento independente para justiça, compõe-se um treinado e aparelhado corpo policial, e principalmente, investe-se em políticas de educação e coerção na sociedade. Porque as sociedades domésticas que estabelecem objetivos para a contenção da violência, sem consolidar o aparato próprio para a execução destes objetivos, veem-se cada vez mais desrespeitadas pela violência que pretendiam ceifar. Neste caso, não há execução dos fins em uma sociedade sem a composição das ferramentas para atingir os objetivos. Ainda aproveitando a ilustração da violência dentro do Estado, a presença da lei e a ausência dos aparelhos coercitivos levaria ao sistemático desrespeito da lei. Por exemplo, na formação de milícias organizadas por cidadãos, que, ao tentarem conter a violência, praticariam mais violência, logo, igualmente transgredindo a norma. Contudo, é presumível que todas as sociedades possuem algum tipo de regulação e controle para buscar seus fins. Ou seja, todos objetivos das sociedades tendem a ser acompanhados de instrumentos para sua execução. Porém, são os objetivos que historicamente recebem ênfase na existência internacional. Desta forma, os procedimentos estipulados para a execução dos fins muitas vezes não possuem qualidade de integração com os objetivos propostos. Assim, evidenciando no mínimo dois elementos nesta situação. Primeiro, a sociedade internacional não possui a exata medida da eficácia do uso dos procedimentos para o alcance de seus objetivos, uma vez que sempre privilegia as metas. Em segundo lugar, a sociedade internacional não possui meios
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institucionalizados apropriados para conduzir o agrupamento social aos objetivos estipulados. Diante destes dois elementos é presumível suscitar a possibilidade de utilização de procedimentos técnicos inapropriados para o alcance de objetivos no cenário internacional. Portanto, atores internacionais utilizam instrumentos inadequados para atingir seus objetivos porque as ferramentas adequadas não existem. Da mesma forma, fazem uso de instrumentos inapropriados porque simplesmente escolhem o mais eficiente mecanismo, entre as ferramentas disponíveis, para a consecução de suas metas. Em uma simples comparação, se uma disputa internacional hipotética fosse uma partida esportiva que contemplasse duas equipes, a diferença estaria entre ganhar o jogo dentro das regras ou ganhar o jogo a qualquer custo. A diferença entre equipes que utilizam os dispositivos apropriados ou usam qualquer mecanismo para ganhar um jogo é frequente em muitos eventos esportivos, repletos de casos de doping, corrupção e outros incidentes. No caso da sociedade internacional, como a ênfase está nos fins, a desconexão entre objetivos e instituições permite que qualquer meio sirva para que os fins sejam alcançados. Voltando ao exemplo esportivo, é comum que torcedores de algumas equipes se vangloriem dos jogos ganhos por sua equipe desonestamente. Uma clara ilustração de anomia nos seguidores de determinados desportos, para quem a ilegalidade é normal desde que conduza a vitória. Da mesma forma, na sociedade internacional, abre-se caminho para que os dispositivos institucionais sejam utilizados de forma arbitrária no ambiente exterior às comunidades políticas. Ilustrações deste argumento são encontradas nas intervenções armadas praticadas pela sociedade internacional
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em diversos Estados soberanos no século XXI. Neste caso, desde que sejam declarados objetivos legitimados por parte desta sociedade, as intervenções armadas possuem pouca resistência efetiva à sua execução no cenário internacional. No mundo contemporâneo, a sociedade comumente aceita interferências de terceiros em Estados soberanos, desde que tais interferências sirvam para atingir a democracia, o fim das armas de destruição em massa, o respeito aos direitos humanos, entre outros temas eleitos como objetivos internacionais. Contudo, na debilidade da integração entre meios e fins, qualquer meio é apropriado para que os fins sejam obtidos. E diante da necessidade de atender metas, uma sociedade doente, anômica, legitima crueldades e ilegalidades levadas a cabo por procedimentos não apropriados para determinados fins. Nestes casos, a urgência das metas, como o respeito aos direitos humanos, não permite, na perspectiva da sociedade internacional, a ponderação e a construção de meios próprios para a intervenção em cada caso. No entanto, a natureza anômica da sociedade internacional é intrínseca a formação desta sociedade. A existência de uma sociedade internacional, passível de questionamentos, centra-se fundamentalmente na presença de objetivos comuns entre as comunidades políticas independentes. Pois, em que pese a condição anômica desta sociedade explique o desrespeito aos objetivos da própria sociedade, um grau de união entre as comunidades políticas independentes existe na busca por fins compartilhados. Entre outras finalidades, é objetivo da sociedade internacional a proteção da vida contra formatos de violência que levem os indivíduos à morte. Muitos atores internacionais igualmente concordam sobre a necessidade de manutenção de contratos e da garantia de que as promessas feitas sejam
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cumpridas. Igualmente, é uma meta comum no cenário internacional a estabilidade da propriedade das coisas. 10 Portanto, a existência de uma sociedade internacional reside na comunhão de interesses entre os atores internacionais, e não no acordo sobre procedimentos para a consecução destes objetivos. Logo, além de obviamente secundárias, as instituições internacionais possuem dificuldade em se desenvolver devido a heterogeneidade de perspectivas dos atores internacionais sobre os mesmos objetivos, bem como, devido à urgência das metas da sociedade internacional. Pois enquanto os objetivos de proteção da vida e da propriedade fizerem referência a grupos hipotéticos eles serão sempre acordados no ambiente internacional. Contudo, quando tais objetivos chocam a propriedade e a vida de duas comunidades discordantes, as instituições internacionais frequentemente se tornam fracas diante dos objetivos dos Estados. No entanto, é o dualismo entre objetivos e procedimentos que funciona como fio aglutinador dos atores no cenário internacional. Porque são os interesses e objetivos que produzem um conjunto de regras e instituições comuns, conduzindo o agrupamento de atores internacionais à formação de uma sociedade internacional. 11 Segue que a composição de um corpo social que extrapola as características de seus formadores atribui características singulares à sociedade internacional. Ou seja, esta sociedade passa a agir de forma autônoma à ação dos atores que compõe este agrupamento. Particularmente, a conexão das comunidades políticas no mundo constitui um tipo de estrutura que interage com a ação dos atores no cenário internacional. 12 Desta forma, os resultados dos intercâmbios deste ambiente não dependem unicamente da vontade das comunidades políticas independentes. Estas interações são igualmente
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constrangidas por formas sistêmicas que atribuem um caráter próprio ao ambiente internacional. Neste contexto, a ação dos atores internacionais é pautada tanto pelo constrangimento efetuado por uma estrutura nas preferências dos Estados, quanto pela atuação destas comunidades nas características da estrutura. 13 Assim, estas relações dependem mutuamente das atitudes e mudanças ocorridas tanto na estrutura do ambiente internacional quando nas comunidades políticas.14 Contudo, diversos atores para além das comunidades políticas independentes igualmente constituem esta composição das relações internacionais. 15 Logo, não exclusivamente pela interação das comunidades políticas independentes é que existe a estrutura no ambiente internacional. Neste contexto, o conceito de ordem internacional consegue acomodar a percepção que temos de variáveis aparentemente excludentes dentro de um mesmo axioma conceitual. Nomeadamente, a ordem internacional é uma justaposição de elementos discrepantes dentro de uma determinada estrutura física. 16 Neste caso, é necessário compreender que a ordem internacional contempla as diferenças e as similaridades entre as comunidades políticas e outros atores. Segue que a guerra e a paz itinerante fazem parte da ordem internacional. Ou seja, a existência de conflitos armados e atritos de todo os tipos estão compreendidos dentro normalidade da ordem internacional. Neste entendimento, cada fator historicamente ocupa o seu determinado lugar em um ambiente internacional. Tal ambiente por vezes é marcado pela esperança e pela cooperação, bem como, pelo pessimismo e pelo conflito, variando em tempo e espaço sempre dentro pontos intermediários entre o bom e o mau, o aceitável e o inaceitável, ou em última
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análise, entre um grupo de valores não contraditórios ou totalmente excludentes. Logo, por este conceito, não há desordem em um mundo assinalado pela guerra e pelas desavenças internacionais. Embora alguns tenham tendência em perceber o conceito de ordem com significado de paz, regularidade ou algum tipo de hierarquia de fatores ou valores, nas relações internacionais o conceito é distinto. Ordem no mundo é o arranjo dos atores dentro de uma estrutura que é constrangida e constrange estes atores. Ou colocado de outra forma, ordem é a acomodação dos elementos tangíveis e intangíveis do cenário internacional, de modo a dispor estes elementos de uma maneira possível, e não ideal, dentro do limitado espaço internacional. De tal modo, existe uma ordem internacional17 que descreve a existência do ambiente formado além das comunidades políticas independentes. Tal ordem existe em um enredamento que pode ser descrito como uma síntese de valores e verdades que comtempla uma amplitude que inicia no mais egoísta dos gestos humanos e se estende ao mais altruísta destes. Assim, a ordem internacional explica o cenário internacional composto por uma série de comunidades políticas independentes que aumentam e diminuem suas dimensões e complexidades. Comunidades que alteram suas características no tempo e no espaço e, apesar disso, não conseguem extrapolar determinadas fronteiras auto-impostas pela sociedade internacional infectada pela anomia. Pois a anomia da ordem impõe a este agrupamento a impossibilidade do desenvolvimento social dentro das regras estipuladas pela própria sociedade internacional, imprimindo um sentido de recorrência ou existência pendular aos atores internacionais no tempo e no espaço.
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Capítulo 3 Representações da realidade nas Relações Internacionais A condição anômica da sociedade internacional tem historicamente constrangido a existência internacional a extremos caracterizados pela total comunhão de valores ou discordância destes. De tal forma, o tempo e o espaço variam entre existências mais pacíficas ou aguerridas, contratuais ou anárquicas, habituais ou moralmente solidárias. Em que pese qualquer forma de generalização seja de partida artificial, 18 a existência internacional pode ser melhor entendida desde a caracterização de três distintos padrões.19 Tal perspectiva consegue abarcar uma descrição plural das diferenças que compõe as relações entre os atores no ambiente internacional, e igualmente, reflete diversos níveis da consciência humana nas relações internacionais, em última análise, enquanto operadora destas relações. A capacidade do homem em mostrar solidariedade e indiferença, ou tratar os outros como amigos ou inimigos, é um exemplo desta complexidade comportamental refletida nas relações entre os atores internacionais. 20 Desta forma, são componentes destas relações: 1. A anarquia internacional, ou a multiplicidade de comunidades políticas independentes que exercem sua soberania no cenário internacional sem reconhecer nenhuma comunidade política superior a elas. 21
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2. As relações habituais no cenário internacional, exemplificadas pelas instituições internacionais, o direito internacional, o comércio entre as nações, entre outras. 22 3. E por fim, a solidariedade moral, ou um tipo de comunhão entre os atores internacionais, mais profunda que a política e a economia, podendo ser descrita pelos fatores psicológicos e culturais que estabelecem um conceito de humanidade.23 Partindo das inclinações das pessoas em atribuir importância a um destes fatores em especial em detrimentos aos outros, é possível estabelecer alguns padrões de comportamento, ou Tradições de Pensamento dos atores no ambiente internacional. Assim, um padrão Realista questiona a existência de uma sociedade formada pelos diversos atores internacionais. Ou posto de outra forma, trabalha com a hipótese da existência de um estado de natureza no cenário internacional onde todos estão contra todos. 24 Esta situação caracterizada pela tendência à guerra e o conflito entre os Estados25 não pode ser caracterizada pelo eficiente cumprimento de contratos entre os atores internacionais. Não pela perspectiva da inexistência de tais contratos e de instituições que gerenciam tais situações, entretanto, porque elementos anteriores ao estabelecimento destes acordos descaracterizam as relações habituais ou contratuais como majoritárias nas relações internacionais. É a natureza má dos homens, ou o elemento humano na execução da política,26 que impede que aquilo que foi acordado seja sempre cumprido na sociedade internacional. Desta forma, as comunidades políticas no cenário internacional existem em anarquia dentro de um mesmo ambiente, uma vez que os Estados não reconhecem outros poderes como superiores a si mesmos.
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Um segundo padrão é o Racionalismo nas Relações Internacionais. O Racionalismo é designado pelo intercambio regulado entre os atores internacionais.27 Particularmente, é caracterizado pelo contrato social pré-existente na pluralidade de comunidades políticas no espaço internacional. Pois mesmo aceitando uma natureza má dos homens na política internacional, as comunidades políticas não existem em uma perpétua condição de guerra. Pelo contrário, as comunidades políticas independentes têm entrado em conflito na história em períodos específicos desde a interação com outros atores a respeito de assuntos particulares. Segue que existe uma sociedade formada por diferentes comunidades políticas com existência definida por características próprias de uma sociedade internacional. Ou seja, existe uma sociedade internacional que possui atributos que não podem ser entendidos em comparação com as sociedades domésticas. Resumidamente, esta sociedade internacional, constituída pela existência de acordos habituais entre os atores internacionais, precisa ser entendida menos pelo governo da força e mais pela prática do costume. 28 Pois as relações internacionais não são nem um grande conflito de objetivos entre as comunidades políticas nem uma absoluta comunhão de interesses entre os Estados.29 Neste caso, ilustra o argumento o comércio ou o forte intercâmbio econômico e social na história do ambiente internacional. 30 Por fim, um padrão Revolucionário coloca a ênfase da existência das relações internacionais no desenvolvimento da estabilidade da política internacional no tempo. Ou particularmente, na perspectiva de que os atuais arranjos da sociedade internacional não são perfeitos, e desta forma, precisam ser melhorados. 31
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Duas premissas que extrapolam a natureza comunitária da existência humana32 abarcam a definição deste padrão Revolucionário nas Relações Internacionais. Primeiramente, o impulso dos indivíduos em erradicar o sofrimento em suas vidas. Logo, ao analisar a condição dos indivíduos em comunidades políticas sempre será dever destes aprimorar esta situação para uma condição melhor. E em segundo lugar, a crença de que o curso normal dos eventos tende sempre a operar as mudanças desejadas pelos indivíduos, melhorando suas existências. 33 Portanto, partindo de discursos morais nas relações internacionais, a humanidade estaria desenvolvendo suas relações rumo à construção de uma sociedade mundial. 34 Uma sociedade pautada pela concordância universal sobre algumas premissas entre todos os homens no espaço internacional.35 Logo, estes princípios morais não sustentariam a coexistência das diversas comunidades políticas em um cenário internacional. Porém, em contrapartida, pregariam a substituição das características deste cenário por uma sociedade cosmopolita. 36 Neste perímetro intelectual, é possível inferir que o cenário internacional está ordenado no tempo e no espaço desde a justaposição destes três diferentes padrões. 37 Nomeadamente, a anarquia internacional Realista, as convenções e contratos habituais Racionalistas, e a solidariedade moral Revolucionária. 38 A história das relações internacionais tem assim variado suas características em diferentes épocas e em diferentes regiões, dando ênfase a cada um destes três padrões em diferentes momentos. E é o conjunto destas características, e não um ou outro elemento em separado, que representa a ordem nas relações internacionais. Logo, é possível definir tempos e regiões do mundo majoritariamente caracterizadas pelo Realismo. Em que pese
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a existência dos outros dois elementos, o Médio Oriente ou a fronteira da Europa ocidental com a Rússia figuram como exemplos de um sistema internacional nos últimos anos, uma vez que insistentemente estas duas regiões demonstram uma tentativa de evasão de alguns dos objetivos da sociedade internacional no período. Já as relações entre as grandes potências no início do século XXI parecem ser explicadas por uma corrente Racionalista. Embora os grandes Estados existam dentro de uma realidade anárquica, os hábitos construídos na história permitem que estas comunidades políticas se tratem mutuamente desde bases contratuais. Há mais de meio século que o conflito direto entre os maiores Estados do mundo é uma variável pouco provável nas relações internacionais. Da mesma forma, os Estados da Europa ocidental contemporânea parecem apresentar um caso de solidariedade moral que pode vir a julgar legítima a igualdade entre os homens oriundos deste continente. Apesar dos avanços e reveses da integração das comunidades políticas da região, um paradigma Revolucionário conseguiria ilustrar, mesmo que precariamente, a realidade europeia no início do século XXI. No entanto, esta realidade é por natureza particular e temporária. Da mesma forma que as atuais características do Médio Oriente e do concerto das grandes potências também é inconstante. Segue que a sociedade internacional é composta pela existência de no mínimo três características em conjunto. E assim, o Racionalismo sempre cederá lugar ao Realismo ou a uma realidade Revolucionária. Do mesmo modo que o desenvolvimento eterno de uma perspectiva Revolucionária é impossível. Tais limites do progresso da sociedade internacional são constrangidos pela natureza anômica do espaço internacional. Pois a realidade Revolucionária de alguns espaços e
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tempos é imediatamente intransponível para outros lugares. Contudo, a sociedade formada pelos atores internacionais tenta logicamente impor tal transposição como meta. E assim, na oculta impossibilidade de alcance dos objetivos propostos, bem como, diante da urgência destes, não edifica meios para o desenvolvimento de procedimentos e instituições que suportem tais imperativos sociais. Logo, diante do descompasso entre fins e meios, com a ênfase nos resultados, a situação anômica se instala, conduzindo a sociedade internacional a sua eterna condição de recorrência. Ou seja, a anomia neste ambiente constrói uma existência amarrada pelas urgentes e impraticáveis intenções dos atores internacionais. Edifica uma realidade idealizada e impraticável que, de forma recorrente, objetiva transpor representações existenciais para espaços que não suportam tais idealizações da realidade.
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Capítulo 4 Uma abordagem histórica da ordem internacional A condição anômica da sociedade internacional tem imposto um sentido de repetição a existência das comunidades políticas independentes. De tal forma, é razoável conjecturar que a história apresenta padrões de comportamento que podem auxiliar no entendimento da política internacional. Pois se a história não demonstra similaridades estruturais com outros períodos desta mesma existência, o estudo das relações internacionais não apontaria nada mais do que fatos.39 Assim, existe a hipótese de que a análise da história pode assinalar grande similaridade na caracterização do cenário internacional. Logo, independentemente do tipo de formação doméstica que as comunidades políticas apresentaram na história, elas possivelmente formaram um cenário internacional explicado por um grupo semelhante de variáveis no tempo. O argumento recebe força se conjecturarmos sobre a caracterização da existência humana em uma situação diferente do arranjo entre comunidades políticas como existiu na história. Logo, em que pese a não existência de uma “para-existência,” as sucessivas caracterizações políticas das comunidades na história apresentaram diferentes formações culturais que resultaram no atual espaço internacional.
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Particularmente, é a heterogeneidade das formações humanas em comunidades no mundo que alimenta a hipótese de que distintos agrupamentos políticos sempre reclamaram igualdade de status na história. Assim, mesmo diante das diferenças de complexidade das comunidades políticas no tempo, estes atores podem ser caracterizados como agentes que concretizaram relações internacionais nos mais variados períodos da história. Pois, se o argumento é falso, seria razoável supor a existência de uma comunidade política homogênea em toda a história, e não o constante estágio de justaposição das diferenças nas relações internacionais. Logo, existem similaridades nas relações entre as comunidades independentes na história dentro do ambiente internacional. 40 E se existe significado na diferenciação das caracterizações de ordem no tempo, esta é relativa somente à durabilidade espacial e temporal desta simbolização para atores particulares, figurando a ordem internacional como uma constante aglutinadora destas diferentes percepções na história. Neste entendimento, as relações internacionais independem da forma, caracterização ou do exercício do poder doméstico das comunidades políticas no tempo. 41 Assim, refutando definições que acentuam a análise do efetivo exercício do poder doméstico das comunidades políticas na história, mas pelo contrário, dando atenção às relações destas comunidades com outras comunidades que reivindicaram independência em um mesmo sistema. Segue que a história pode apontar severas similaridades de comportamento entre os atores em um cenário internacional dentro deste pressuposto. As comunidades políticas tendem a demarcar seus próprios limites em um ambiente internacional independentemente das particularidades de sua formação política interna. Ou seja, pelo fato de reclamarem
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independência em relação a outras comunidades igualmente independentes em seu entorno, as comunidades construíram a diferenciação entre os povos na história humana, de tal forma, resultando na heterogeneidade de comunidades do mundo durante toda a existência conhecida. Também, é possível conjecturar que a composição do cenário internacional esteve sempre em algum ponto que varia entre dois extremos. Nomeadamente, a completa independência entre as comunidades políticas ou um império absoluto. 42 Assim, as comunidades existem na história em algum lugar entre a completa autonomia ou onde a associação delas gerou outro extremo como um império. É presumível que em toda a história conhecida do mundo o cenário internacional pode ter compreendido ordenamentos semelhantes ao formado pelos Estados contemporâneos. 43 Isso significa que poderíamos apontar as recentes mudanças no cenário internacional após 1989, por exemplo, como adequações de um sistema específico dentro de uma linha temporal. Segue que na história recente algumas comunidades se dividiram enquanto outras se conectaram. No entanto, sempre variaram entre alguma posição intermediária dentro de um limitado espaço restringido pela independência e pelo total imperialismo. O argumento também explica a evolução da comunidade política contemporânea como conhecemos: o Estado. As atuais comunidades políticas tem seus contornos consolidados pela Revolução Francesa e pela Revolução Norte-Americana. Igualmente, modificam-se conceitualmente em dois outros períodos na nossa história recente. Nomeadamente ao final da II Guerra Mundial, com o processo de descolonização, e no período posterior a desconstrução do antigo Império Soviético, já próximo ao século XXI. Nestes contextos os
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Estados alteraram suas características, tornando-se mais complexos e maiores em alguns casos, e fragmentados e simplificados em outros. A composição interna igualmente sofreu modificações nesta linha temporal. Entre outros arranjos, as comunidades políticas foram caracterizadas pelo domínio de um soberano que concedeu participação limitada no exercício de seu governo. No entanto, modificaram-se rumo a alteração de uma soberania monárquica para uma soberania popular. Desta forma, concebendo a comunidade política independente como uma ordem política estabelecida pela vontade do povo. Não obstante, os processos de integração regional contemporâneos igualmente ilustram o argumento. As integrações regionais como a criação da União Europeia exemplificam esta perspectiva. Nesta abordagem, as comunidades independentes hoje se aglutinam sob uma mesma bandeira, certamente até o ponto em que novamente modificarão suas relações, talvez, distanciando seus objetivos comuns, entretanto, ainda dentro de uma amplitude de extremos configurados como total dependência ou independência entre estas comunidades políticas. No entanto, é possível destacar três distintos sistemas existenciais na história das relações internacionais. Primeiramente, o moderno sistema de Estados Ocidental ao qual estamos inseridos. Em segundo lugar, o sistema clássico Helenístico ou Greco-Romano. E por fim, um sistema Chinês, compreendido entre o colapso da dinastia Chou Ocidental e o estabelecimento dos chamados Três Reinos na China no ano 221. 44 Nesta abordagem, as unidades que formam estes sistemas possuem a característica de não admitir uma autoridade como superior a si mesmas. Também, estes agrupamentos reconhecem o mesmo sentido de existência
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independente das outras comunidades semelhantes em sua linha temporal. Dito de outra forma, são comunidades que existiram naquilo que denominamos como igualdade legal entre os Estados contemporâneos, ou na história, foram caracterizadas pela equidade das antigas cidades gregas ou dos reinos helênicos. 45 Desta forma, em que pese algumas diferenças de caracterização, todos os sistemas descritos foram reclamantes de uma soberania que não reconhecia outras como superiores. 46 Contudo, a descrição do sistema Chinês aponta importantes diferenças diante de seus pares helênico ou contemporâneo. A realidade Chinesa do período compreendido entre 771 a.C. e 221 d.C. pode ser descrita pela relação permanente de um grupo de comunidades políticas sob a preponderância de uma comunidade sobre as demais. 47 Este sistema de Estados suserano legitima um determinado tipo de autoridade de uma comunidade específica em detrimento às outras. Contudo, ratifica o argumento da similaridade do cenário internacional no tempo, porque o restante das comunidades políticas do sistema mantivera relações semelhantes entre si. Igualmente, períodos do Império Bizantino ou Império Romano do Oriente, bem como, o governo britânico na Índia no século XX, assinalam a existência de uma comunidade central em um sistema. Desta forma, ratificando as diferenças dos sistemas suseranos entre outros sistemas internacionais. 48 As principais diferenças entre os sistemas internacionais e o sistema suserano residem em uma balança de poderes entre as comunidades políticas no primeiro caso, e no imperialismo deste sistema internacional do segundo tipo. 49
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Igualmente, uma diferenciação histórica dos sistemas internacionais pode ser verificada na Idade Média. A análise do período assinala o questionamento sobre a existência de um sistema internacional no período medieval com as mesmas características dos outros sistemas internacionais da história. 50 Isso se deve a existência de uma unidade cristã verificada no período. Onde o conceito de direito pode ter prevalecido sobre o interesse dos agentes desta sociedade, apontando diferenças do período medieval para o contemporâneo. 51 Do mesmo modo, uma distribuição de poder relativamente equitativa neste ambiente, caracterizado por uma monarquia papal, marca a Idade Média como um período de transição entre as características do Império Romano e a realidade contemporânea. Assim, a caracterização de um sistema de Estados neste período tende a ser distinguida das demais como um complexo sistema dualista ou um duplo sistema de Estados suseranos.52 No entanto, as similaridades nas relações internacionais ou a heterogeneidade das comunidades políticas no tempo pode ser verificada. Porque mesmo diante da caracterização de sistemas suseranos ou da ausência de um sistema de Estados no período medieval, os diferentes agrupamentos humanos construíram lógicas semelhantes de interação internacional. Estas interações, se entendidas de forma desvinculada do poder doméstico das comunidades políticas, ratificam a similaridade de comportamento entre os antecessores do atual Estado contemporâneo. Pois existindo uma interação relativamente permanente entre as comunidades políticas, algumas ferramentas foram logicamente construídas para o convívio entre elas, se não por outras motivações, exclusivamente pela necessidade da existência conjunta de comunidades distintas.
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Assim, a interação internacional na história é composta por mensageiros, como embaixadores e espiões. É caracterizada pelas conferências entre as comunidades, as quais por vezes derivaram em instituições internacionais formais. Igualmente, são assinaladas pela definição de uma linguagem internacional, que já foi o Latim, o Francês e agora, o Inglês. 53 Além disso, o comércio entre as comunidades políticas é uma interação que ultrapassou os limites impostos pela diplomacia em alguns casos na história. 54 Logo, um tipo de unidade cultural entre as partes que definem um sistema de Estados pode ser verificado em todos os sistemas diferenciados até aqui. Assim, a potencialidade de elementos unificadores da solidariedade internacional pode ser encontrada nas relações internacionais no tempo. 55 Em suma, se na história os governantes de um território exerceram tal prerrogativa em regiões exemplificadas como as cidades-estados gregas, os reinos helênicos ou o sistema romano, eles executaram relações internacionais. Pois desde que tenha existido um grupo de comunidades com relações permanentes umas com as outras, estas sociedades compuseram um cenário além das suas próprias comunidades políticas independentes. Assim, caracterizando um ambiente internacional semelhante ao moderno espaço internacional contemporâneo, distinguido pela existência de uma sociedade internacional. Esta perspectiva evidencia na história das relações internacionais as similaridades do cenário internacional no tempo, ratificando a incapacidade de desenvolvimento contínuo do ambiente internacional que invariavelmente se repete na história. Desde modo, sugerindo variáveis comuns em todos os tempos, capazes de proporcionar alguma forma de repetição e o não desenvolvimento contínuo nas relações internacionais.
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Logo, é presumível que a definição de objetivos pelos diferentes sistemas internacionais não encontrou meios para o seu desenvolvimento. Ou ainda, é possível que tais metas tenham sido contidas pelo desenvolvimento de outro sistema externo, até o ponto em que este sistema igualmente não encontrou formas de se desenvolver. Desta forma, construindo a heterogeneidade do ambiente internacional, hoje passível de ser caracterizado como uma sociedade internacional. Consequentemente, a sociedade internacional56 contemporânea ainda define objetivos afastados dos elementos capazes de impulsionar o alcance de suas metas. Neste caso, apontado a normalidade do comportamento patológico da ordem internacional no presente em consonância com a história, distinguindo a anomia como uma variável responsável pela recorrência nas relações internacionais.
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Capítulo 5 A política internacional e a natureza do homem A sociedade internacional anômica construiu diversas interpretações sobre o seu funcionamento na história recente das relações internacionais. Pois embora a ordem seja caracterizada como uma imagem do ambiente internacional, perspectivas diferentes desta ordem compõe uma área de estudos específicos dentro da Ciência Política: as Relações Internacionais. As Relações Internacionais, enquanto área de conhecimento acadêmico, tiveram origem em torno das duas grandes guerras do século XX, experimentando sua infância na primeira metade daquele século. 57 Neste período, enquanto a teoria política estava relacionada à existência doméstica do Estado, a teoria das Relações Internacionais foi caracterizada como uma especialização da teoria política, não existindo como conhecimento autônomo. 58 No entanto, a evolução do pensamento sobre uma realidade doméstica para um ambiente internacional conseguiu não mais se confundir com outros ramos de estudos nas ciências sociais. Desta forma, a multiplicidade de interpretações do cenário internacional, antes entendido exclusivamente pela história, pela economia ou pelo direito internacional, 59 reuniu-se nas Relações Internacionais.
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Inicialmente a discussão sobre a ordem internacional girou em torno da sustentação ou rejeição à natureza do homem como ponto central das relações internacionais. Buscaram-se explicações para o cenário internacional em conceitos desvinculados da realidade, ou em contrapartida, na realidade aparentemente incoerente do ambiente internacional.60 De tal modo, as Relações Internacionais existiram inicialmente na urgência da busca por alterações no mundo pautadas por conceitos universais. Assim como, aconteceram no entendimento racional do mundo na forma como ele é, e não como poderia ser. A primeira abordagem sustentou a existência de um ordenamento moral nas relações internacionais, baseado em pressupostos abstratos e universalmente válidos neste ambiente. Desde a evolução da ordem política pautada pela educação de uma natureza humana dotada de maleabilidade infinita, o desenvolvimento internacional seria possível. Logo, supondo o aprimoramento das obsoletas instituições da sociedade como um caminho para a evolução deste ordenamento internacional.61 Particularmente, pode ser verificado nesta perspectiva uma despreocupação com os meios que poderiam sustentar tal desenvolvimento. Neste caso, apostando na evolução natural de um senso de humanidade como remédio para instabilidade da ordem internacional. Assim, tal abordagem negligencia a desconexão entre objetivos da sociedade internacional, em consolidação, com as possibilidades de execução destes objetivos pelas jovens organizações internacionais na metade do século XX. Contudo, outra linha de pensamento compreendeu um mundo diferente do supracitado. Essencialmente, percebeu
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um mundo atrelado à natureza humana, e logo, dotado de imperfeições. Neste mundo, o resultado da interação entre forças oriundas de interesses contrários à natureza humana seria o motivo da impossibilidade da plena realização de princípios morais no ordenamento internacional. Nota-se que esta perspectiva aloca o problema do desenvolvimento da estabilidade da ordem nas ações contrárias a natureza humana, propostas por uma sociedade internacional. Ou seja, simplificadamente, os objetivos internacionais não são importantes nesta perspectiva, uma vez que estes não emanam da natureza do homem. Logo, o desenvolvimento constante seria impossível no ambiente internacional. Assim, configurando um ambiente que apenas experimentaria equilíbrios temporários suportados por tipos de soluções precária dos conflitos no ordenamento internacional,62 irremediavelmente, sempre retornando para natureza conflituosa da existência conjunta das comunidades políticas no espaço internacional. Segue que foram as preferências de determinados atores ou teóricos sobre uma ou outra destas escolas doutrinárias que estabeleceram inicialmente as Relações Internacionais. Neste contexto, uma variável recorrente dominou a discussão sobre o espaço internacional: o poder. Na infância das Relações Internacionais o poder com ênfases de crítica e de horror, ou resignação e admiração, inicialmente dominou a descrição do cenário interna cional.63 O termo política de poder passou a ser coloquialmente utilizado como sinônimo para designar a política internacional.64 De tal modo, as relações internacionais foram interpretadas pela capacidade de um ator influir nas ações de outros, desde sua capacidade de impor sua vontade aos
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demais. 65 Contudo, igualmente é destacado em meados do século XX o entendimento de fatores que extrapolam a natureza do homem como variáveis importantes nas relações internacionais. Particularmente, houve ponderação se o homem vivendo em sociedade poderia ser mais bem entendido mediante o estudo do homem, ou em contrapartida, da sociedade. 66 Buscando uma conexão entre o indivíduo e o agrupamento destes, teóricos procuraram isolar o comportamento do homem, do Estado e de um sistema de Estados, para entender o ambiente internacional. Neste caso, buscando compreender as relações internacionais como a justaposição destas três perspectivas. 67 Igualmente, neste período, a dicotomia entre otimismo e pessimismo funde-se em um entendimento de complementariedades destas perspectivas nas relações internacionais. Desde algumas suposições sociológicas, ambas abordagens foram descritas como estágios sucessivos da representação de nossa realidade no mundo, 68 demonstrando a possibilidade de alargamento do debate exclusivo entre cooperação e conflito nas Relações Internacionais. Assim, a evolução do pensamento sobre a política internacional passou a descrever um ambiente mais complexo do que sugerem alguns pensamentos racionais do mundo, baseados exclusivamente na forma como as relações internacionais efetivamente são. Contudo, também conseguiu analisar um ambiente internacional de forma mais razoável do que a luta por alterações e desenvolvimento do mundo, pautada por conceitos universais daquilo que o ambiente internacional poderia ser. 69 Logo, as Relações Internacionais também conseguem entender a atuação dos Estados no cenário internacional desde a explicação dos interesses comuns destas comunidades. Deste modo, os objetivos semelhantes das comunidades
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políticas distinguem duas variáveis para o entendimento do ambiente internacional. 70 A primeira variável apontou o interesse dos Estados em sua própria liberdade, mesmo quando estes demonstram pouca consciência do valor desta liberdade em períodos de paz. Já um segundo ponto demonstrou o interesse comum dos Estados em existir desde a predominância de uma comunidade política no cenário internacional, a qual garanta a salvaguarda de alguns valores deste ambiente. 71 Igualmente durante o desenvolvimento destas conjunturas, dois outros entendimentos das relações internacionais trouxeram para o palco teórico internacional diferentes fatores que extrapolaram a natureza humana. Por um lado, a percepção de um cenário internacional complexo onde a estrutura deste ambiente interfere e constrange as ações dos Estados em suas políticas externas. E por outra perspectiva, uma percepção de uma maior ligação entre os atores no cenário internacional, marcada pela interdependência entre os Estados com outros agentes neste ambiente. Tais perspectivas originam um debate internacional que passou a considerar novos padrões da existência internacional, inaugurando no último quarto do século XX um campo original de ideias sobre novos paradigmas aceitos pela política internacional. Particularmente, é inserido no enredado cenário teórico das Relações Internacionais a economia e os fatores ambientais como importantes variáveis para o entendimento do cenário internacional, estabelecendo novos olhares sobre a ordem no mundo e destacando novas perspectivas como únicas, até que estas cedessem lugar a novas visões desta mesma ordem. Contudo, apesar das Relações Internacionais conseguirem exceder uma visão teórica unicamente pautada pela na-
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tureza humana, a existência de elementos sociais nas Relações Internacionais foi pouco debatida nestes primeiros anos do campo de conhecimento. A discussão sobre a conexão entre projetos de uma sociedade existente além das comunidades políticas com os objetivos destas comunidades foi limitada a alguns círculos teóricos. Nomeadamente, durante boa parte do século XX, ficou circunscrita dentro de grupos de pensadores que abordaram uma terceira via de entendimento das relações internacionais, como apresentado neste livro no capítulo sobre as “representações da realidade nas Relações Internacionais.”
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Capítulo 6 Novos e velhos paradigmas nas Relações Internacionais As alterações no mundo durante o século XX desenvolveram formas sofisticadas de relacionamento entre os atores internacionais. São aprofundadas as interconexões de uma sociedade internacional em desenvolvimento, e os objetivos deste grupo social fomentam em alguns casos uma maior ligação das comunidades políticas, e em outros, o afastamento. Neste ambiente, novas vertentes teóricas se destacaram nas Relações Internacionais. Primeiramente, uma via média racionalista de entendimento do espaço internacional com origem na academia europeia, bem como, um novo debate entre a interdependência e a estrutura do sistema internacional na academia norte-americana. Na Europa, pensadores delinearam o cenário internacional a partir de três tipos de representações capazes de descrever a realidade em diferentes tempos e espaços. Como já apresentado neste trabalho, a compreensão de três fatores condicionantes da realidade internacional consegue apresentar uma razoável explicação para a complexidade da ordem. A anarquia, os hábitos de uma sociedade internacional e a potencialidade de uma solidariedade moral entre os povos, apresentam uma via média de entendimento entre o mundo que existe e aquele que poderia existir. 72
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Todavia, para além desta via média73 nas Relações Internacionais, duas percepções concorrentes também encontraram espaço em uma teoria da política internacional. Nos Estados Unidos, em meados da segunda metade do século XX, são sugeridas duas equilibradas análises do cenário internacional. Por um lado, uma perspectiva pautada na interdependência, e por outro, uma abordagem baseada na estrutura do sistema internacional. Deste modo, dentro do um mundo de paradigma liberal, as Relações Internacionais deram maior importância para variáveis como a interdependência econômica e ecológica dos Estados.74 Tal paradigma pode ter proporcionado um aprofundamento nas relações entre os Estados, salientando uma interdependência complexa entre estas comunidades. Esta situação pode ter sido resultado de alterações nas características dos próprios Estados e do cenário internacional nos últimos dois séculos. O desenvolvimento do estado de bem-estar social em algumas comunidades, diversos progressos tecnológicos, os aumentos da capacidade de destruição dos armamentos, entre outras variáveis, sustentam esta abordagem. Contudo, o paradigma liberal é um fator condicionante na construção de objetivos para a sociedade internacional. Uma falsa liberdade experimentada pelos atores internacionais no mundo impulsiona a edificação de metas pautadas na livre existência das comunidades políticas. No entanto, o exercício desta liberdade é constrangido pela dependência que os Estados têm de diversos fatores que tangenciam as vontades e a existência de outras comunidades políticas, como elementos econômicos, militares, ecológicos e ideológicos, entre outros, que extrapolam as fronteiras das comunidades políticas independentes. Segue que, dentro de um paradigma liberal, o cerceamento das liberdades dos atores internacionais nem sempre
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é sentido por esses atores. Desta forma, tal constrangimento sugere a repetição das escolhas individuais e livres dos atores sobre os elementos que sustentam suas existências no tempo. Ou dito de outra forma, os atores internacionais são livres para fazerem suas escolhas em um paradigma liberal, desde que suas escolhas encaixem dentro um reduzido número de opções aceitas como legítimas pela sociedade internacional. Logo, as comunidades políticas experimentam uma falsa impressão de liberdade de escolha em suas existências, garantindo, desta forma, a homogeneidade de objetivos dentro do espaço internacional. Segue que esta falsa liberdade sentida pelos atores internacional é um elemento que proporciona coesão a uma sociedade formada por diferentes atores internacionais. No entanto, esta sociedade internacional não consegue desenvolver meios para alcançar os objetivos estipulados dentro deste paradigma liberal coercitivo. Assim, em sua existência contemporânea, experimenta uma situação de anomia no ordenamento do espaço internacional. Segue que estes elementos tornaram mais complexa a análise da existência das unidades políticas independentes, sugerindo um cenário internacional mais complicado do que o ambiente descrito por uma perspectiva de poder e segurança pautado pela natureza humana. 75 Todavia, mesmo diante da interdependência entre os atores internacionais, esta abordagem não conseguiu refutar a existência de um ambiente onde o poder existe em um mundo assimétrico. As capacidades de poder e barganha dos atores internacionais neste ambiente ratificam, para a academia, as tradicionais compreensões das Relações Internacionais. Desta forma, corroborando a atenção já dada a fatores como segurança e o poder militar dos Estados.
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Porém, de posse destas novas percepções, a análise do espaço internacional compreende um conjunto de atores a partir de velhos e novos paradigmas, como a dependência destes atores internacionais de variáveis como a economia em escala global. 76 Em um ambiente onde os Estados não encontram um poder capaz de barrar as intenções dos atores internacionais, a insegurança é uma realidade. Logo, a insegurança que as comunidades políticas experimentam sustenta velhos enfoques teóricos nas Relações Internacionais. 77 Devido a impossibilidade de os Estados determinarem uma quantidade ótima de poder diante dos outros atores, uma luta eterna pelo crescimento é a realidade das comunidades políticas. Pois é impossível estabelecer o número apropriado de poder necessário para um Estado existir na pluralidade destes. Assim, constrangendo as comunidades políticas a uma infinita busca por melhores capacidades relativas diante dos outros atores internacionais.78 Contudo, apesar da ratificação de velhos entendimentos do ambiente internacional, a complexidade da ordem também é discutida em alguns círculos acadêmicos na segunda metade do século XX. Nestes círculos, uma compreensão mais profunda da ordem e da natureza do ambiente internacional se consolida desde uma via média europeia já descrita neste trabalho, 79 pois as relações internacionais podem ser entendidas não só pelo conflito ou pela existência de uma balança de poderes. Segue que os estudos sobre a cooperação se destacam nas análises das teorias das Relações Internacionais. Nesta abordagem, a cooperação no cenário internacional passa a ser caracterizada por diversas perspectivas, como pela coerção, pelo interesse próprio e benefícios recíprocos, pelos
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hábitos institucionalizados ou pela inércia dos agentes envolvidos. 80 Da mesma forma, existe cooperação desde um senso de comunidade pela legitimação de regras. Ou ainda, coopera-se a partir da solidariedade moral que poderia advir de um senso de justiça compartilhado no ambiente internacional. 81 Assim, uma ordem global baseada em uma dupla abordagem entre o poder e a operação das normas legais e morais poderia igualmente explicar as relações internacionais. 82 Aliando-se a isso algumas dimensões econômicas, sociais, políticas e ecológicas, foi possível constatar no período a consolidação do entendimento de uma ordem mundial, sensibilizada pelo aumento na densidade do processo de globalização que tornou mais complexo o entendimento das relações internacionais. Desta forma, este entendimento inseriu novos atores nestas interações, delineando a complexidade do entendimento da ordem internacional. Igualmente, apresentando novas percepções sobre as normas em uma sociedade internacional, bem como, desenvolvendo a construção de regras sobre temas como a autodeterminação dos povos ou os Direitos Humanos. Contudo, tal realidade ainda é dependente de uma urgência na execução de normas internacionais que não encontra meios para sua execução. Porque a condição anômica da sociedade internacional obviamente persiste diante da consolidação do entendimento das normas do espaço internacional. Assim, imputando a impossibilidade de plena execução daquilo que foi definido como meta e transformado em regra no espaço internacional. Apesar disso, um autoquestionamento sobre os fundamentos que sustentam as relações internacionais aparece no último quarto do século XX entre os pensadores deste espaço, de tal forma, inserindo a questão epistemológica neste ambiente.
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Estas novas perspectivas passam a buscar descrições para o cenário internacional em conjunturas que extrapolam a experiência, o historicismo ou o racionalismo, inaugurando o reflexivismo e novas formas de pensamento sobre as Relações Internacionais ao final do século XX e início do século XXI.
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Capítulo 7 A questão epistemológica nas Relações Internacionais O fim de uma ordem mundial bipolar na transição para o século XXI trouxe consigo a manifestação de diversas abordagens explicativas nas Relações Internacionais. Neste período, algumas teorias fomentaram investigações de fatores como a cultura, as identidades e a razão do indivíduo enquanto sujeito nas relações internacionais. Algumas destas abordagens sugeriram a alienação do homem no cenário internacional causada pela imposição de um campo de conhecimento normativo nas relações internacionais.83 Nesta perspectiva, o conceito de poder estaria construindo paradigmas aceitos como verdadeiros no espaço internacional. Logo, edificando um julgamento sobre a guerra ou a paz como perspectivas naturais da nossa existência, sem conseguir comprovar a naturalidade destas experiências.84 Uma das questões que surgem neste período é o papel das Relações Internacionais enquanto campo de conhecimento. Porque seria possível que as Relações Internacionais não apenas descrevessem a realidade, contudo, construíssem a realidade no mundo quando prescrevem comportamentos caracterizados como naturais para os atores internacionais. De tal forma, centralizando na soberania dos Estados os entendimentos sobre as interações internacionais. 85
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Neste contexto, enquanto os atores internacionais não possuem a capacidade de questionar sua existência, vivem desde paradigmas herdados na sociedade internacional. Tais atores existem em conjunturas não exatamente apropriadas às suas capacidades e aspirações, vivendo em circunstâncias existentes, possíveis e tradicionais. Logo, existir no espaço internacional ganha sentido para os atores apenas quando é possível repetir ou repelir determinados padrões vividos na história. Segue que a maximização de capacidades das comunidades politicas é uma formula já experimentada no espaço internacional. O respeito aos direitos fundamentais dos homens é um discurso que comunga as opiniões das comunidades políticas ocidentais. Igualmente, as experiências democráticas têm modificado a percepção das liberdades individuais em diversas partes do espaço internacional. Pois aquilo que os atores internacionais julgam por apropriado ou não no mundo contemporâneo, frequentemente está apoiado nos elementos acima citados. Em última análise, as discussões sobre o futuro e a estabilidade de uma sociedade internacional giram em torno do alcance de resultados estipulados acerca de alguns elementos como os mencionados. Ou seja, discute-se a necessidade de respeito aos direitos do homem. Trabalha-se pelo alargamento do espaço democrático. Sugere-se a existência de uma democracia mundial em construção. No entanto, pouco se discute sobre alternativas à democracia em regiões onde a naturalidade deste sistema de ideias não é percebido ou demandado. Do mesmo modo, proíbe-se qualquer pensamento que questione o respeito aos direitos individuais dos homens, mesmo quando declaradamente eles não são respeitados. Segue que o desrespeito à vida é uma realidade em uma significativa parte do mundo, onde também é verdade que a população tem muito pouca probabilidade de
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se autogovernar enquanto comunidade política independente. Logo, claramente há um hiato entre aquilo que foi definido como necessário e aquilo que efetivamente existe. Assim, a situação existente em boa parte do planeta possui pouca probabilidade de evoluir para uma circunstância próxima aos objetivos da sociedade internacional. Contudo, enquanto sociedade internacional de matriz ocidental, nunca pensamos em como aceitar o desrespeito às vidas humanas que são diariamente ceifadas no mundo, mesmo diante da insistente repetição deste fato. Jamais discutimos como elaborar um plano de minimização de perdas frente a realidade de alguns Estados que matam, torturam e humilham seres humanos. Porque enquanto indivíduos que participam do pensamento que constrói a estrutura intangível no espaço internacional, não temos a capacidade de aceitar o que nos causa medo. E embora as atrocidades sejam permanentemente praticadas, não temos a capacidade de aceitar esta situação. Não possuímos ferramentas que nos permitam lidar com o que não compreendemos, com o que tememos. Logo, a sociedade internacional desencadeia diariamente uma série de ações que estão baseadas em seus receios. Particularmente, todos os dias a urgência dos nossos medos impõe o afã de alcançar os objetivos internacionais, enceguecendo a sociedade internacional sobre a impossibilidade de execução destes objetivos. Ainda, escondendo a ausência de estruturas institucionalizadas capazes de conduzir estes objetivos aos seus desígnios. Assim, imputando uma perpetua condição e anomia na ordem da política internacional. Neste contexto, onde não conseguimos lidar com aquilo que não compreendemos, frequentemente negligenciamos importantes variáveis no espaço internacional.
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Contudo, o reflexivismo86 nas Relações Internacionais tem conseguido aumentar a complexidade deste campo de estudos. Pois é possível que o interesse e os objetivos dos atores internacionais transcendam uma abordagem unicamente racional para o entendimento das relações internacionais. Assim, demonstrando o desconhecimento que temos sobre a formação deste interesse em oposição à formação dos interesses dos outros atores. Porque em um processo de interação contínua entre os agentes e as estruturas, seria facultada aos atores internacionais a possibilidade de construção de novas identidades. Logo, sugerindo tanto a constituição de identidades heterogêneas entre comunidades, como indicando a homogeneização de identidades em outras regiões. Portanto, suscitando a possibilidade de cooperação de grupos que não mais se veriam como antagônicos, porém, semelhantes.87 Além disso, a linguagem passa a receber atenção das Relações Internacionais neste contexto, apontando ligações entre o discurso e a ação no cenário internacional. 88 Segue que a cultura, ou o aprendizado ocorrido no processo de comunicação entre diversos indivíduos, constrói conceitos sobre o válido ou desejável, inválido ou não desejável. Estes julgamentos funcionam como ideias abstratas que fornecem sentido e direção aos seres humanos na interação com o mundo social. 89 Tal perspectiva, nos permite analisar a construção daquilo que as comunidades políticas julgam como verdade, por exemplo, suscitando que o conceito de soberania pode não ter sido dado a priori para as comunidades humanas. Logo, os grupos que conflitam pela diferenciação entre soberanias o fazem porque aprenderam a interpretar suas existências em um alargado processo de comunicação no tempo. 90
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Igualmente, novas abordagens reivindicatórias no cenário internacional ganham espaço no debate sobre o certo e o errado nas relações internacionais. Assim, criticando os impactos da história na construção de realidades pouco apropriadas para algumas comunidades não desenvolvidas no cenário internacional. 91 Abordando temas como a problemática pós-colonial e a questão ambiental como definidoras do enredamento das relações internacionais. 92 Condenando os principais modelos ideológicos que sustentam a realidade do cenário internacional pelo subdesenvolvimento de algumas partes do planeta. Particularmente, censurando as perspectivas que elegem a liberdade como ponto fundamental para as sociedades humanas, bem como, criticando as abordagens que apontam a igualdade como pedra fundamental para nossa existência em sociedade. De tal modo, a pluralidade de ideias apresentadas por diversos pensadores das Relações Internacionais ilustra a pluralidade de valores no espaço internacional. No entanto, a análise do variado grupo de pensamentos sobre as relações internacionais aponta um sentido de repetição no espaço internacional. Logo, sugerindo a existência de uma variável no tempo que impede o progresso das relações entre as comunidades políticas, uma patologia congênita da sociedade internacional que estabelece a impossibilidade de alcance das metas deste grupo social. A anomia da ordem impõe fronteiras ao desenvolvimento do ambiente internacional em direção às metas estipuladas por este espaço. Fronteiras intangíveis que constrangem a ação e o pensamento no cenário internacional. Limites que produzem um grupo repetitivo de fatores nas relações internacionais, imputando a crença de que conhecemos aquilo que acreditamos existir, desta forma, impossibilitando que conheçamos aquilo que não acreditamos que exista na sociedade internacional.
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Capítulo 8 Ciência normal e a inexistência de uma anomia na ordem Como abordado nos capítulos anteriores, existe uma variada gama de entendimentos sobre o ordenamento dos atores no espaço internacional. Neste contexto, o debate entre a repetição ou o desenvolvimento das relações internacionais tem marcado o entendimento da ordem na história. Pois enquanto algumas visões de mundo entendem a impossibilidade de expansão do equilíbrio internacional, outras buscam provar a naturalidade desta possibilidade. Contudo, todas representações teóricas possuem uma variável de trabalho comum: o cenário internacional. Desta forma, embora a ênfase na paz e na guerra ou no racionalismo e no reflexivismo seja relativa, todas conjecturas precisam teorizar sobre a mesma matéria prima. Logo, é possível que o conjunto das diferentes visões que compõe as relações internacionais seja distinto apenas em perspectiva. Ou seja, as visões da ordem privilegiam perspectivas distintas do espaço internacional em suas abordagens. No entanto, ainda possuem bastante similaridade em vários aspectos descritivos de suas definições da realidade. Neste contexto, em que pese a anarquia ou mesmo a heteronomia93 nas relações internacionais sejam largamente discutidas, o mesmo não acontece com a anomia. Logo, enquanto a anarquia existe no cenário internacional é possível
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conjecturar que é falsa a perspectiva anômica da ordem internacional. Isso se deve a relatividade das explicações das características da ordem, pautadas pelas percepções que os indivíduos possuem desta ordem. Ou dito de outra forma, para muitos indivíduos a anomia da ordem não existe em suas perspectivas, pois um conceito explicativo sobre aquilo que existe, existe na medida que os indivíduos experimentam a existência deste conceito. Os julgamentos sobre a realidade internacional se tornam verdadeiros quando os homens julgam existir esses conceitos ou desejam que existam. Não há dúvidas, no entanto, que ocorre um descompasso no cenário internacional entre a definição de objetivos para a sociedade internacional e a institucionalização de meios para o alcance destes fins. Igualmente, é verdadeiro que o espaço internacional privilegia objetivos que não possuem meios para serem alcançados. Também, é certo que o choque entre comunidades políticas atribui urgência à consecução de objetivos. Desta forma, permitindo que qualquer meio disponível seja utilizado para o alcance dos imperiosos fins da sociedade. Assim, enquanto é possível verificar a veracidade destes fatos, provavelmente seja difícil aceitar a causa destes episódios. Ou seja, ainda que a ordem seja inegavelmente anômica, ela não será aos olhos da sociedade internacional até que esta sociedade assim o entenda. Pois a sociedade internacional operada e explicada por indivíduos só pode existir desde o pensamento de seus operadores. Estes indivíduos formadores deste grupo social participam de um pensamento anteriormente existente a suas realidades. Segue que a existência dos indivíduos na sociedade
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internacional apenas adiciona axiomas ao que os homens já pensaram no passado. 94 Porque os indivíduos existem dentro de uma situação herdada, reelaborando o que vivem ou substituindo realidades por outras mais apropriadas a sua existência. 95 E com o objetivo de lidar mais adequadamente com as realidades que se apresentam no tempo presente, os atores internacionais se moldam ao que o passado construiu. Todavia, este inconsciente herdado é um elemento que pressiona a sociedade a refletir sobre os fatores que edificam o mundo. Essa herança conceitual provoca a necessidade de reflexão sobre o próprio pensamento que os indivíduos têm sobre sua existência no cenário internacional. Nesta perspectiva, o juízo sobre qualquer evento tende a ser seriamente constrangido pela agregação de pensamento que o indivíduo faz a uma massa de juízos herdados. Logo, diferentes atores possuem diferentes visões sobre os mesmos fatos, dependendo de suas interpretações destes pensamentos do passado. Por outra perspectiva, é igualmente certo que os eventos do cenário internacional acabam por construir agrupamentos organizados para análise destes acontecimentos. Neste caso, apontando determinado monopólio sobre o direito de entender ou descrever a realidade internacional. Assim, na ocorrência da anomia, a patologia da ordem pode ser encarada por grupos legitimados como detentores do direito de descrever a realidade internacional como falsa. Logicamente que a falsidade dos acontecimentos no espaço internacional não é verdadeira, pois a anomia da ordem pode ser verificada em fatos. Contudo, o conceito definido para caracterizar a anomia da ordem pode ser rejeitado pelo grupo que detém o direito de atribuir valor verdadeiro ou falso aos conceitos que caracterizam a ordem internacional.
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Isso se deve principalmente a conexão entre os meios e os fins que conduziram este trabalho a exposição de uma anomia da ordem internacional. Pois existe uma chamada “ciência normal” que possui a responsabilidade de atribuir e corroborar conceitos sobre aquilo que julgamos existir. Ciência normal é a atividade que descreve os esforços da grande maioria dos cientistas na academia contemporânea. A ciência normal parte do pressuposto que os cientistas conhecem significativamente elementos formadores do objeto de seu estudo.96 É uma pesquisa baseada em realizações de outros pesquisadores do passado. 97 Logo, trata-se da aplicação dos paradigmas aceitos por um grupo científico. Modelos que acabam por fornecer sentido aos fatos, resolvendo problemas e desenvolvendo o paradigma inicial na necessidade de sofisticação deste. Segue que tais aplicações científicas dificilmente dependem dos elementos constituintes dos objetos de análise nas relações internacionais. Sobretudo, dependem dos paradigmas mentais aplicados pelos cientistas sobre os elementos que atribuem sentido a tais acontecimentos. Colocado de outra forma, o conhecimento que temos do espaço internacional está intrinsicamente ligado aos conceitos forjados sobre este ambiente anteriormente. Paradigmas, ou conceitos científicos aceitos pela sociedade e pela comunidade científica. Parâmetros que fornecem, por algum tempo, determinadas soluções ou hipóteses modelares para aqueles que investigam em diversas áreas do conhecimento98 São conceitos que sustentam um grande número de profissionais e instituições na comunidade científicas, os quais compartilham determinados paradigmas como verdadeiros. Assim, neste entendimento, tais profissionais com frequência rejeitam conceitos novos, determinando a inveracidade das concepções distintas de suas principais perspectivas sobre determinado aspecto da realidade.
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Segue que um paradigma continua dando sentido a realidade até o momento em que um tipo de revolução cientifica consiga derrubar tal compreensão da realidade. Desta forma, fornecendo uma nova promessa modelar de resolução dos problemas daquilo que entendemos como realidade. São revoluções científicas os acontecimentos caracterizados como uma mudança nas bases paradigmática de uma determinada ciência normal. 99 Esta, que diante das novidades, tem dificuldade em suprimir novos paradigmas, assim, desfragmentado antigas crenças sobre a realidade e construindo novos saberes. Em última análise, iniciando um novo ciclo de características para uma nova ciência normal. No entanto, até que a revolução científica tenha lugar, quase tudo o que for diferente do paradigma sustentado pela comunidade cientifica será ferozmente descartado, utilizando para isso, ferramentas advindas do antigo paradigma para descaracterizar a validade das novas percepções de mundo. No caso da anomia da ordem, curiosamente, por um evento contrário aos elementos que tornam anômica a ordem, a ordem pode não vir a ser declarada anômica pelos agrupamentos que tem o poder de legitimar este conceito, ou seja, pelos profissionais que fazem a ciência normal. Porque, no cenário internacional, são os objetivos que são privilegiados em detrimentos aos meios, enquanto que na construção de conhecimentos sobre o espaço internacional muitas vezes são os meios que são privilegiados em detrimento aos objetivos. Ou seja, a ciência normal, que goza da prerrogativa de definir o espaço internacional, algumas vezes padece de uma anomia por causas contrárias à do cenário internacional. É uma anomia porque os fins são impedidos de acontecer devido a um descompasso entre os objetivos e as ferramentas de regulação e controle destes objetivos. Porém, é às avessas porque no trabalho científico os objetivos muitas
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vezes cedem lugar aos procedimentos técnicos, que ganham mais importância que os fins que os criaram. Pois enquanto o cenário internacional é anômico porque estabelece fins que não possuem meios apropriados para sua execução, o processo epistemológico institucionalizado é anômico porque vive de rituais e não de objetivos. É a ênfase nos procedimentos, e não nos fins de uma investigação, que tem enceguecido muitos dos indivíduos operadores das ciências normais em algumas áreas de conhecimento. Da mesma forma, a construção destas percepções da realidade por grupos da sociedade tem criado tipos de dogmatismo como coerção aos modos de pensamentos válidos, ratificando a questão da construção de um pensamento específico de um grupo como válido para mais de um agrupamento social. 100 Pois os interesses dos analistas que constroem o entendimento das relações internacionais através da ciência normal podem estar deslocados dos objetivos principais destas análises. Se não por outros motivos, por uma contaminação do analista inserido dentro da própria sociedade analisada, incluindo neste caso uma gama de motivações que varia de um apaixonado interesse pela difusão da ciência, até um profundo desejo de fama pessoal. 101 Portanto, alguns elementos cognitivos no cenário internacional também influem na construção da realidade nas relações internacionais. Pois as perspectivas existentes sobre a realidade podem estar relacionadas com a incapacidade dos indivíduos de apontar certos comportamentos em uma determinada realidade. Entre outros motivos, porque estas realidades podem ser resultado de uma reorganização contínua de processos mentais que acabam por construir os mundos em que vivemos.102
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Assim, a sociedade internacional acaba por determinar quais tipos de ideias são predominantes diante das demais. Ou posto de outra maneira, define quais paradigmas são aceitos como verdadeiros no cenário internacional. Pois o analista contemporâneo das Relações Internacionais frequentemente tem dificuldade em escapar de uma contemplação de mundo que não compreenda ou demande algumas verdades específicas. Não existem interações classificadas como legítimas pela sociedade internacional sem o respeito aos direitos humanos ou à democracia, entre outros paradigmas dominantes na sociedade internacional. Paradigmas que são curiosamente muitos dos objetivos da sociedade internacional contemporânea. Nada obstante, são os mesmos paradigmas que enceguecem esta sociedade de algumas percepções da realidade que cedem espaço a existências idealizadas. São paradigmas que demonstram a anomia da ordem, impossibilitando para muitos a compreensão da própria anomia da ordem.
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Capítulo 9 Construção de paradigmas no espaço internacional A condição de anomia da sociedade cerceia a capacidade dos atores no espaço internacional compreenderem suas próprias realidades. Esta dificuldade da sociedade internacional perceber a sua condição anômica está baseada na insistência dos atores em buscar seus objetivos no espaço internacional. Tais objetivos são sustentados pela construção e aceitação de paradigmas. Conceitos que reúnem a atenção e as metas dos agentes das relações internacionais na construção e manutenção de seu agrupamento social. Um paradigma é definido como um conceito que é partilhado por um grupo, neste caso, por membros da comunidade internacional. Como já abordado neste trabalho, a definição destes paradigmas é fundamentada na argumentação de grupos da sociedade que detêm o direito de estabelecer tais conceitos. Logo, organizam-se comunidades científicas na sociedade internacional que compartilham determinados paradigmas como verdadeiros.103 Assim, neste entendimento, rejeitam outros conceitos, determinando a inveracidade das concepções distintas de seus principais paradigmas. Segue que os indivíduos na sociedade internacional experimentam as circunstancias do ambiente internacional e necessariamente precisam conceituar estes fatos. Contudo,
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esta vivência experimenta a realidade anômica do espaço internacional. Um ambiente doente onde os objetivos internacionais são prioritários e urgentes. Um espaço onde um aparelho intelectual elabora argumentos sobre a legitimidade e necessidade de execução destas metas. Um lugar onde o questionamento e a discussão sobre alternativas à execução dos objetivos legitimados pela sociedade internacional são precários e algumas vezes proibidos. Assim, a urgência na execução dos objetivos internacionais edifica barreiras tangíveis e intangíveis que estabelecem um sentido de retrocesso aos objetivos de desenvolvimento internacional, incapazes de avançar em razão da anomia. Ou seja, a condição anômica das relações internacionais constrói fronteiras paradigmáticas no espaço internacional que impedem a sociedade de perceber a sua condição anômica, e por consequência, impossibilitam que este agrupamento alcance suas metas. Estes paradigmas sobre o que existe interferem na percepção dos indivíduos sobre suas próprias características tangíveis, como suas necessidades humanas. Não há perspectiva nas relações internacionais que consiga desenvolver uma representação da realidade sem considerar a necessidade física dos indivíduos. As necessidades infinitas dos homens em contraponto à escassez de recursos no ambiente fechado em que vivemos é uma variável que delimita o espaço internacional. Porém nem sempre são as necessidades físicas que constrangem as ações dos homens neste ambiente. São as percepções que temos sobre nossas necessidades físicas que efetivamente coagem as nossas ações no espaço internacional. Entre outros, é a construção de um conceito de economia que estabelece que um Estado precisa ser forte para suportar as necessidades dos homens que compõe este agrupamento político. É uma indefinição da quantidade de poder
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militar que obriga muitas comunidades do mundo a desenvolver tecnologias de defesa para a proteção física de seus cidadãos. Segue que não são as necessidades que constrangem o ambiente internacional. São as ideias que temos sobre essas necessidades que forçam nossa existência nas relações internacionais. Isso se deve ao processo de evolução histórica e sociológica da sociedade internacional que construiu valorações sobre esta composição existencial. Em uma interação infinita entre agentes e uma estrutura tangível e intangível herdada no ambiente internacional, repetições e alterações desta existência anterior são infinitamente operadas pelos atores internacionais. Como já abordado, nem sempre uma determinada comunidade aceita os valores construídos no passado como verdades absolutas. Assim, procedendo a uma reconstituição dialética de verdades em contraposição ou repetição às realidades anteriormente existentes. 104 Ou seja, existe um tipo de edificação de verdades, normas e modos de pensamentos criados em oposição ao registro histórico do espaço internacional. Uma vez que a realidade é o resultado da continua reorganização de processos mentais que estabelecem os mundos em que vivemos. De tal modo, sugerindo a existência de ideias predominantes diante das demais. Este processo institui paradigmas aceitos como verdadeiros por um determinado grupo diante dos outros grupos. Neste contexto, a construção de paradigmas bloqueia a habilidade dos atores internacionais de visualizar a realidade para além das verdades propostas por estes paradigmas. Segue que os atores internacionais têm dificuldade em escapar de uma contemplação de mundo que não rejeite ou demande o respeito aos Direitos Humanos, à democracia e
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ao liberalismo. Paradigmas, que entre outros, sustentam a existência da sociedade internacional. Dogmas que, no entanto, desconsideram os imperativos de diferentes grupos sociais do espaço internacional. Estes paradigmas são oriundos de alguns tipos de relações especiais dos atores internacionais em um determinado corte temporal e em um contexto social particular. 105 Logo, funcionam como forças universais que se integram a um dado contexto concreto, produzindo realidades dentro de determinados períodos e espaços dotados de uma combinação de circunstancias e características únicas. 106 Estas conjunturas delimitam uma dada realidade na sociedade internacional, impondo a necessidade de repetição e modificação de determinados parâmetros antes experimentados. Assim, os atores internacionais objetivam transplantar para outras regiões e períodos as realidades exitosas que experimentaram no passado. Logo, estabelecendo como objetivos internacionais a propagação destes êxitos. Contudo, tais atores com frequência não ponderam a real possibilidade de transposição destas verdades para outros espaços e tempos. Assim, os meios necessários para tais empreitadas não conseguem ser estabelecidos, e quanto mais o projeto da sociedade internacional parece ganhar sentido, menos ele consegue progredir. Pois a atribuição de sentido aos objetivos frequentemente esconde a impossibilidade de execução destes, bloqueando a capacidade dos atores intencionais de perceber a condição anômica em que se encontram. No entanto, diante do sentido positivo atribuído ao projeto da sociedade, este agrupamento social busca a execução de suas metas a qualquer custo. Assim, transgredindo os próprios parâmetros normativos estabelecidos pela sociedade como apropriados para aquela existência, e ainda,
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produzindo o sentido de recorrência e retrocesso no progresso temporal das relações internacionais. Pois existe um complexo processo cognitivo que faz com que os indivíduos compreendam e construam suas realidades em sociedade. 107 Neste enredamento, no mínimo dois elementos constrangem a visão do cenário internacional que os agentes possuem neste ambiente. Por um lado, a inconcludente condição destes atores sobre os limites de sua própria razão. E por outro, o desconhecimento que os agentes internacionais possuem sobre a totalidade do processo cognitivo que faz com que os indivíduos operem as relações internacionais desde suas identidades e interesses. Porque a nossa capacidade de conhecer o mundo e a nós mesmos é cerceada por uma polaridade de conceitos, simplificadamente, definidos como a relação entre sujeitos e objetos. Portanto, qualquer ação que objetive entender ou explicar a experiência dos atores no cenário internacional precisa de um ponto e partida, de uma referência. Logo, ou partimos da existência do objeto anterior ao sujeito, ou da existência do sujeito anterior ao objeto. Dito de outra maneira, a definição das relações internacionais precisa decidir se o ambiente internacional condiciona a posição do ator diante dele, ou em contrapartida, se o ator internacional é quem produz o conhecimento que possuímos sobre o cenário internacional. 108 Entretanto, as ideias desenvolvidas neste livro apontam para a aceitação de conceitos por parte dos atores internacionais, negligenciando os questionamentos apropriados sobre as origens ou aplicabilidade destes julgamentos. Ainda, ocultando a necessidade de esclarecer a construção histórica e sociológica que definiu atores no ambiente internacional, bem como, escondendo o mesmo processo que
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definiu uma sociedade internacional suportada por objetivos comuns. Em que pese a teoria nas Relações Internacionais109 tenha apontado a inter-relação entre o agente e estrutura na construção de um espaço internacional, a ação internacional desconsidera a ponderação sobre esse processo. Pois é a aceitação de conceitos ou paradigmas que permite que os agentes escapem do questionamento sobre os condicionamentos de sua existência, fujam da necessidade de estabelecer uma precedência entre a influência do agente internacional sobre o espaço internacional ou vice-versa. Neste contexto, os agrupamentos sociais escolhem determinados padrões de conduta, aceitos por um grupo, de onde extraem significados para a sua existência. 110 De tal forma, o simples fato de atribuirmos nomes para as coisas implica na aceitação de um significado para nossa experiência no cenário internacional. Muitas vezes sem ter consciência deste processo, construímos o aprendizado entre aquilo que possui significado aceito por um dado grupo, e em contrapartida, edificamos apreciações sobre aquilo que figura como uma espécie de preconceito a ser tratado por este mesmo grupo. Segue que a consciência que um indivíduo possui sobre os elementos que rodeiam sua existência tende a ser sempre intencional, inclina-se ininterruptamente para alguma coisa, ou sempre é dirigida para algum fator específico. Desta forma, não podemos compreender a consciência geral de determinado indivíduo, contudo, entendemos apenas a consciência que este possui sobre determinada coisa. 111 Logo, a construção de paradigmas que sustentam os objetivos dos grupos sociais nas relações internacionais é sempre voltada para fatores específicos. Pois é o agrupamento da consciência dos indivíduos sobre referenciais específicos na história que constitui uma consciência internacional.
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No caso da sociedade internacional, uma consciência continuamente capturada pela necessidade de alcance de determinadas metas que atribuem coesão a esta consciência coletiva. De tal forma, os agentes internacionais têm como ponto de partida para as suas ações no ambiente internacional paradigmas que permitem que eles atribuam sentido as coisas. Segue que não é uma análise do apropriado ou do ideal para o ambiente internacional que fomenta estas ações. Pois a inclusão dos atores interacionais dentro do espaço internacional impede a contemplação deste ambiente em sua plenitude, constrangendo a percepção dos agentes sempre para alguma coisa nas relações internacionais. Em última análise, em que pese seja difícil definir a exata influência do desconhecimento que temos sobre aquilo que pensamos ou sabemos, não conhecemos nossa capacidade de perceber o mundo. Assim, mesmo que nossa razão seja capaz de explicar pontos específicos das interações do cenário internacional, não conseguimos comprovar nossa exata capacidade racional de investigar estes fatos. Em suma, a condição humana dentro de uma sociedade internacional estabelece fronteiras a compreensão da própria sociedade internacional. Neste caso, imputando uma condição de anomia ao agrupamento social. Logo, acentuando nossa incapacidade de perceber a própria anomia da sociedade internacional, e assim, existindo em um perímetro intelectual composto por nossa condição humana e pelos paradigmas construídos em sociedade. Desta forma, estabelecendo uma existência vacilante para os atores internacionais, condicionada ao progresso limitado, constrangida pela estabilidade seguida de instabilidade e pela contínua percepção da possibilidade de execução do impossível no espaço internacional.
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Capítulo 10 A Sociedade Anômica
A sociedade internacional enfrenta uma série de obstáculos na sua existência, suportando constantemente pelo menos três grandes desafios. 1. A necessidade de manutenção do equilíbrio construído em algumas zonas do cenário internacional. Esta harmonia garante estabilidade externa aos Estados centrais do ambiente internacional, bem como, às comunidades políticas que acordam com os objetivos das grandes potências; 2. A demanda por desenvolvimento de regiões instáveis do mundo, carentes, socialmente e estruturalmente problemáticas. Tais regiões do planeta exterminam vidas humanas com frequência em virtude da fome, doenças, conflitos internos e externos, entre outros elementos, bem como, repetidamente ameaçam contagiar o mundo estável com sua instabilidade; 3. A urgência da necessidade de atendimento de ambos desafios anteriores em meio a outras demandas pontuais da sociedade internacional. Em um ambiente historicamente interdependente, as trocas de recursos entre comunidades políticas reclamam uma constante manutenção do equilíbrio. Assim, a provisória existência humana impõe sentido de urgência aos objetivos da sociedade internacional. E é a característica transitória da
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existência humana que acentua a condição de anomia pré-existente na sociedade internacional. Pois diante da urgente necessidade de resolução dos graves problemas do cenário internacional, ações são frequentemente deflagradas sem uma razoável ponderação sobre seus efeitos. Logo, porque os objetivos determinados pela sociedade internacional são urgentes e porque a existência do homem é temporária, a anomia progride na ordem. Assim, apresentando um grupo de objetivos para a sociedade internacional contemporânea que inibe o juízo sobre outras metas, bem como, enfatizando a importância destes objetivos ao ponto de impossibilitar a consolidação de meios apropriados para o alcance destes desígnios. Assim, a sociedade anômica compõe um mundo ordenadamente semelhante na história, onde diferentes comunidades políticas independentes aumentam e diminuem seus tamanhos e complexidades. Um espaço onde estas comunidades chocam e acordam interesses, variando entre a definição de normas de convivência e a transgressão destas normas para consecução de objetivos comuns e particulares. Deste modo, edificando uma caracterização de ordem internacional, composta pelo equilíbrio e pela instabilidade, pela paz e pela guerra. Tais realidades foram capturadas por diferentes representações da existência do cenário internacional. Estas representações descrevem uma ordem internacional composta pela anarquia, pelos hábitos e pela solidariedade moral entre os atores internacionais. Diferentes espaços e tempos possuem tendência a estabelecer uma destas representações como mais significativas do que as outras. Pois a experiência das comunidades políticas impõe valorações verdadeiras ou falsas à herança existencial destas comunidades. Ou dito de outra maneira, o presente sempre depende de uma aceitação ou
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rejeição do passado por parte dos indivíduos que compõe as relações internacionais. Assim, esta perpétua valoração imputa a extrema anarquia como única realidade possível para coexistência de distintas comunidades políticas que anteriormente podem ter vivido como semelhantes. Logo, desenvolvendo uma experiência contratual e baseada nos hábitos de convivência dos Estados para tempos e espaços que progrediram frequentemente de uma realidade conflituosa. Igualmente, sugerindo um sentido de humanidade para os indivíduos que compõe determinados agrupamentos no espaço internacional, bem como, suscitando a possibilidade de uma existência não mais pautada unicamente pela anarquia e pelos contratos, porém, por uma solidariedade entre os homens. Contudo, em que pese um tipo de solidariedade moral entre os indivíduos de diferentes comunidades seja um objetivo da sociedade internacional, esta meta não consegue se desenvolver plenamente. A sociedade internacional não tem tempo ou recursos para consolidar instituições capazes de regular os objetivos propostos pela própria sociedade. Porque o equilíbrio cederá lugar a instabilidade, enquanto esta, deixará que aquele se instale em diferentes tempos e espaços. Desta forma, os objetivos recebem um caráter ainda mais acentuado de urgência, conduzindo o cenário internacional ao desrespeito das normas em nome de uma estabilidade. Estabilidade que, novamente, tende a ser a chave para o desenvolvimento da instabilidade em determinadas regiões do espaço internacional, constrangendo a sociedade formada pelas comunidades políticas a uma eterna anomia da ordem. Assim, não conseguindo desenvolver meios apropriados para atingir seus objetivos, e logo, experimentado a repetição de uma existência permanentemente anômica no ambiente internacional.
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Notas
CAPÍTULO 1 1 Uma versão bastante resumida das ideias propostas neste livro foi primeiramente registrada na obra Tensões e paradoxos da desordem mundial numa era de crise, um livro conjunto composto por artigos de Leonardo Dutra, Silvério da Rocha-Cunha e Marco António Martins. Leonardo Dutra et al.. Tensões e paradoxos da desordem mundial numa era de crise. Óbidos: Várzea da Rainha Impressores, 2015. 2 Um dos elementos centrais para a teorização das Relações Internacionais é salientado por Hedley Bull em seus estudos sobre a anarquia e a existência de uma Sociedade Internacional: “Whereas men within each state are subject to a common government, sovereign states in their mutual relations are not. This anarchy it is possible to regard as the central fact of international life and starting-point of theorizing about it. A great deal of the most fruitful reflection about international life has been concerned with tracing the consequences in it of this absence of government.” Hedley Bull, “Society and Anarchy in International Relations,” in Diplomatic Investigations: Essays in the Theory of International Politics, ed. Herbert
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Butterfield e Martin Wight. Cambridge: Harvard University Press, 1966, 35. 3 Neste texto, o termo “Relações Internacionais,” em maiúsculo, indica a área de conhecimento científica do campo da Ciência Política. Já o termo “relações internacionais,” em minúsculo, faz referência a interação entre os atores internacionais. 4 Comunidades políticas ou comunidades políticas independentes fazem referência aos agrupamentos sociais na história das relações internacionais que reclamaram independência entre si, ou seja, não reconheceram outras comunidades políticas como hierarquicamente superiores a si mesmas. De forma genérica, referem-se aos atuais Estados, Reinos ou outras formas de agrupamentos em variações de povos, territórios e governos na história. 5 Dois estudos merecem destaque nesta conceptualização da anomia. Os escritos de Émile Durkheim inserem o termo na sociologia em análises da divisão do trabalho e posteriormente do suicídio. Da mesma forma, Robert Merton desenvolve o tema ao analisar a anomia na sociedade norte-americana. A anomia possui diversos significados complementares desenvolvidos nas Ciências Sociais. Para além do significado de ausência ou transgressão de normas (a– negação, nomia– norma), a anomia pode representar uma desarmonia no funcionamento de determinados grupos sociais. Robert Merton conclui que a sociedade moderna prescreve objetivos aos indivíduos ao mesmo tempo que não permite que esses objetivos sejam realizados, pois não fornece meios aos homens para que realizem seus projetos. Desta forma, diante da impossibilidade
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de realização dos projetos de vida por vias legais, os indivíduos ou grupos destes normalmente transgridem as normas, entendendo que essa seria a única alternativa (ou a opção mais apropriada) para o alcance de seus projetos de vida. Para um aprofundamento no tema ver Émile Durkheim, Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999, 367-380; Émile Durkheim, O Suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, 303-329; e Robert Merton, Social Theory and Social Structure. Nova Iorque: The Free Press, 1968, 189-258. 6 Para Raymond Aron, as Relações Internacionais demonstram sua diferenciação entre as outras ciências sociais pela singularidade da legalidade do recurso à força armada por parte dos atores internacionais: “As relações entre os atores internacionais, aparentemente, são as únicas que admitem o caráter normal da violência”. Raymond Aron, Estudos Políticos. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, 379-380. CAPÍTULO 2 7 A teoria sobre a anomia da ordem apresentada neste livro metodologicamente está pautada no chamado método dedutivo da prova. Assim, as hipóteses deste trabalho partem da livre criação intelectual, para então, receberem sua prova histórica, não estando baseadas em um indutivismo metodológico, o que em última análise, previne este trabalho da preocupação com outras questões ontológicas, epistemológicas ou metodológicas que não possuem relação com o método da investigação que resultou nestas ideias. Sobre o método dedutivo ver Karl
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Popper, A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Editora Cultrix, 2002, 30. 8 O aprofundamento do conceito de anomia neste texto segue os pensamentos de Robert Merton, executando uma transposição de ideias, que antes haviam sido pensadas para uma sociedade doméstica, para o ambiente internacional. Merton, Social Theory and Social Structure, 186-189. 9 Merton, Social Theory and Social Structure, 188. 10 Hedley Bull, A Sociedade Anárquica: um estudo da ordem na política mundial. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, 9. 11 Partindo dos pensamentos de Hedley Bull sobre a existência de uma sociedade internacional, “existe uma sociedade de estados (ou sociedade internacional) quando um grupo de Estados, conscientes de certos valores e interesses comuns, formam uma sociedade, no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns.” Bull, A Sociedade Anárquica, 19. 12 A ideia de uma estrutura para o cenário internacional faz aqui referência aos pensamentos do realismo estrutural ou neorrealismo. Kenneth Waltz, “Political Structures,” in Neorrealism and Its Critics, ed. Robert Keohane. Nova Iorque: Columbia University Press, 1986, 70-97. Um aprofundamento do assunto pode ser obtido em Kenneth Waltz, Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Gradiva, 2002, 141.
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13 Waltz, “Political Structures,” 96. 14 Para Kenneth Waltz: “Structures are defined, first, according to the principle by which a system is ordered. Systems are transformed if one ordering principle replaces another. To move from an anarchic to a hierarchic realm is move from one system to another. Structure are defined, second, by the specification of functions of differentiated units. Hierarchic systems change if functions are differently defined and allotted. For anarchic systems, the criterion of systems change derived from the second part of the definition drops out since the system is composed of like units. Structures are defined, third, by the distributions of capacities across units. Changes in this distribution are changes of system whether the system be an anarchic or hierarchic one. Waltz, “Political Structures,” 96. 15 Entre outros atores, poderíamos citar as organizações internacionais, corporações transnacionais, organizações não governamentais de atuação internacional, instituições religiosas tradicionais, organizações fundamentalistas, e o indivíduo. 16 Hedley Bull eficientemente ilustra o tema como uma citação de Santo Agostinho sobre a ordem: “uma boa disposição de elementos discrepantes, cada um deles ocupando o lugar mais apropriado.” Bull, A Sociedade Anárquica, 8. 17 Para Hedley Bull, “ordem internacional [é] um padrão de atividade que sustenta os objetivos elementares ou primários da sociedade dos estados, ou sociedade internacional.” Bull, A Sociedade Anárquica, 13.
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CAPÍTULO 3 18 Para Martin Wight, estas generalizações que compõe representações das relações internacionais podem “ser descrita[s] como um tipo de abstração, de conveniência mental, consequentemente, um conceito irreal,” Martin Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory: Machiavelli, Grotius, Kant, and Mazzini. Nova Iorque: Oxford University Press, 2005, 3. 19 Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 143-144. 20 Tim Dunne, Inventing International Society: A History of the English School. Londres: Macmillan Press, 1998, 62. 21 Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 143-144. 22 Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 143-144. 23 Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 143-144. 24 Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 144. 25 Bull, A Sociedade Anárquica, 51. 26 Martin Wight pontua Maquiavel, enquanto Hedley Bull aprofunda a questão desde a perspectiva de Hobbes para descrever a atitude egoísta dos homens. Discorrendo sobre a problemática da melhor opção entre ser amado ou temi-
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do, Maquiavel coloca uma pertinente descrição dos homens a este primeiro padrão de pensamento: “pode se dizer dos homens, de modo geral, que são ingratos, volúveis, dissimulados; procuram se esquivar do perigo e são gananciosos.” Maquiavel, O Príncipe. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003, 102. Trecho igualmente comentado por Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 7. 27 Na perspectiva exclusiva do Estado proposta por Hedley Bull, o Racionalismo é descrito pela “cooperação e o intercâmbio regulado entre os Estados.” Bull, A Sociedade Anárquica, 51. 28 Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 147. 29 Para Hedley Bull, a “política internacional não expressa um completo conflito de interesse entre os Estados nem uma absoluta identidade de interesses.” Bull, A Sociedade Anárquica, 35. 30 Bull, A Sociedade Anárquica, 35. 31 Sobre o estudo dos tipos de teoria internacional, Martin Wight escreve: “there is the revolutionary presumption [...] that the present political state is not perfect and ought to be improved.” Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 71. 32 Martin Wight, ao pontuar tais premissas utiliza a expressão “natureza religiosa” para estes princípios. Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 148.
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33 Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 148. 34 Bull, A Sociedade Anárquica, 34. 35 Na proposta de uma Paz Perpetua de Kant é demandada uma uniformidade cosmopolita, onde a existência ideal das comunidades políticas seria pautada pelo republicanismo. Uma expressão mais radical é proposta por Dant e registrada nos comentários de Martin Wight sobre uma tradição Revolucionária nas Relações Internacionais: “1. Mankind is a unity, unided by the faculty of reason, capable of pursuing the same ends through the same channels – humanity; 2. Mankind can only fulfill itself under a single government.” Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 152. 36 Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 152. 37 Os diferentes padrões expostos sobre as relações internacionais podem ser também entendidos pela perspectiva de tipos ideias weberianos. Max Weber, na obra Metodologia das Ciências Sociais, faz uso de um paralelo da investigação nas Ciências Sociais com os estudos na área da Teoria Econômica Abstrata buscando explicar a função da construção de tipos ideais. Para Weber, os ideais construídos por um quadro de pensamentos sobre determinadas relações e acontecimentos da vida histórica, assim, edificando um ambiente conceitual não contraditório de relações pensadas, são, pelo seu conteúdo, uma utopia obtida desde a acentuação de alguns elementos da realidade. Tal paradigma utópico pode vir a funcionar como uma espécie de referencial, o qual pode conseguir
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tornar compreensível a natureza particular das relações que ocorrem na realidade mediante a comparação destas com um tipo ideal. “No que diz respeito a investigação, o conceito de tipo ideal propõe-se a formar o juízo de atribuição. Não é uma ‘hipótese’, mas pretende apontar o caminho para a formação de hipóteses. Embora não constitua uma exposição da realidade, pretende conferir a ela meios expressivos unívocos.” Max Weber, Metodologia das Ciências Sociais – Parte 1. São Paulo: Cortez Editora, 2001, 137. 38 A ideia apresentada sobre uma tríade nas Relações Internacionais tem origem nos pensamentos de Martin Wight e é desenvolvida por outros autores na Escola Inglesa das Relações Internacionais. O termo Escola Inglesa foi inicialmente proposto por Roy Jones em 1981. Jones apontou um conjunto de ideias das Relações Internacionais como uma escola de pensamento distinta das demais, à qual optou por chamar de Escola Inglesa. Andrew Linklater e Hidemi Suganami, The English School of International Relations: a contemporary reassessment. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, 20. CAPÍTULO 4 39 Uma apresentação de Hedley Bull sobre a teorização nas Relações Internacionais complementa esta abordagem: “the approach to theorizing that derives from philosophy, history, and law, and that is characterized above all by explicit reliance upon the exercise of judgment and by the assumptions that if we confine ourselves to strict standards of verification and proof there is very little of significance that can be said about international relations that general
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propositions about this subject must therefore derive from a scientifically imperfect process of perception or intuition, and that these general propositions cannot be accorded anything more than the tentative and inconclusive status appropriate to their doubtful origin.” Hedley Bull, “International Theory: The Case for a Classical Approach,” World Politics 18, no 3, 1966, 361. 40 Martin Wight inicia o trabalho de questionamento e comparação entre diversas comunidades políticas da história com o objetivo de construir um entendimento sobre as similaridades e diferenças entre tais agrupamentos, contudo, a morte relativamente prematura de tal pensador deixa para Adam Watson a tarefa de conclusão deste trabalho. Ver, entre outros estudos: Martin Wight, Systems of States. Bristol: Leicester University Press, 1977; Adam Watson, A Evolução da Sociedade Internacional: uma análise histórica comparada. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004; e ainda, Adam Watson, “Systems of States.” Review of International Studies 16, 1990, 99-109. 41 Watson. A Evolução da Sociedade Internacional, 14. 42 Watson. A Evolução da Sociedade Internacional, 28. 43 Watson. A Evolução da Sociedade Internacional, 28. 44 No primeiro capítulo da obra Systems of States intitulado De systematibus civitatum, Martin Wight apresenta suas ideias sobre o conceito de Sistema Internacional e a composição dos três sistemas descritos. Wight. Systems of States, 21-22.
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45 Wight. Systems of States, 23. 46 Wight. Systems of States, 23. 47 Wight. Systems of States, 23. 48 Wight. Systems of States, 23. 49 Martin Wight em sua definição de sistemas internacionais ainda pontua uma série de outros períodos da história, evidenciando a existência concomitante de um Império Romano e um Império Persa em uma disputa por vezes interrompida entre sistemas que, contudo, subjugaram “bárbaros” e outras nações rivais em sua história. O povo babilônico, egípcio e o hitita igualmente compuseram um sistema internacional na segunda metade do segundo milênio antes de Cristo, situação onde uma balança de poderes era centralizada entre Babilônia e Creta. Wight. Systems of States, 24-25. 50 Na obra Systems of States, Martin Wight utiliza o trabalho de Desmond Williams intitulado The International States System in the Middle Ages como base para o argumento que constrói as diferenças do conceito de sistema internacional diante da realidade da Idade Média. Wight. Systems of States, 26. 51 Wight. Systems of States, 26-27. 52 Na perspectiva de repetição e adaptação de características do passado ao presente, Martin Wight aponta diferenças do período citando elementos verificados no Império Romano que merecem destaque: “The protection of legates; safe conduct of ambassadors; secrecy in diplomatic nego-
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tiations; insistence on the adherence to treaties made between secular rulers; condemnation of treaty violations; papal annulment and rescission of treaties and compacts; fixation of treaty conditions; excommunication and deposition of rulers; orders for the release of prisoners, for their humane treatment and that of hostages; protection of exiles, aliens and Jews; condemnation ‘unjust’ wars and piracy; confirmation of peace treaties; orders for the free passage of troops engaged in a ‘just’ campaign; orders to rulers to enter into alliances; ascription of occupied territories to a victorious belligerent party, and so forth.” Wight. Systems of States, 28-29. 53 Wight. Systems of States, 30-33. 54 Ao abordar as funções do comércio na interação entre as comunidades políticas na história uma questão surge no pensamento de Martin Wight sobre as relações internacionais no tempo: “is it true of most states-systems that economic interdependence precedes diplomatic organization?” Wight. Systems of States, 33. 55 Uma unidade cultural entre as comunidades políticas poderia ser verificada na evolução da solidariedade de alguns atores em torno de uma moralidade comum, ou um código comum que faz com que as partes concordem com algumas regras a respeito do bem-estar das populações envolvidas, ou ainda, em torno de ferramentas necessárias para a interação dos Estados, como a imunidade diplomática, entre outros. Uma ressalva importante é edificada neste conceito: na diferenciação entre uma unidade cultural entre interno e externo, é possível que exista uma grande diferença no sistema moderno em relação aos anteriores pela ausência de uma cultura externa
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a combater neste sistema, por exemplo, quando concordamos em torno de alguns dos fatores acima citados. Wight. Systems of States, 33-34. 56 Uma diferenciação entre sistema internacional, sociedade internacional e sociedade mundial é pertinente neste estágio do trabalho. Simplificadamente, podemos chamar de sistema internacional diferentes agrupamentos de comunidades políticas caracterizados por representações Realistas de sua existência. Assim, nomeamos sociedade internacional casos explicados por representações Racionalistas, bem como, sociedade mundial a existência caracterizada por uma representação Revolucionaria da realidade. CAPÍTULO 5 57 “A ciência da política internacional está em sua infância” é a frase inicial do livro “Vinte anos de Crise” de Edward Carr, um dos marcos iniciais das Relações Internacionais publicado em 1946. Edward Carr, Vinte anos de Crise: 1919 – 1939: uma introdução ao estudo das Relações Internacionais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001, 3. 58 Martin Wight publica no ano de 1960 um artigo fundamental para o desenvolvimento das Relações Internacionais discutindo o conceito da existência de uma teoria das Relações Internacionais. Martin Wight, “Why is there no International Theory?,” International Relations, no. 2, 1960, 35.
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59 Hans Morgenthau publica em 1948 uma das obras basilares para o realismo nas Relações Internacionais. Hans Morgenthau, A Política entre as Nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, 31. 60 Em sua “Política entre as Nações” Morgenthau propõe a seguinte perspectiva metodológica para as teorias das Relações Internacionais: “A prova pela qual tal teoria deve ser julgada tem de caracterizar-se por uma natureza empírica e pragmática, e não apriorística e abstrata. Em outras palavras, essa teoria deve ser testada, não em função de algum princípio abstrato preconcebido ou de determinado conceito desligado da realidade, mas sim pelo seu propósito: trazer ordem e sentido para uma massa de fenômenos que, sem ela, permaneceriam desconexos e incompreensíveis.” Morgenthau, A Política entre as Nações, 3. 61 Morgenthau, A Política entre as Nações, 3-4. 62 Morgenthau, A Política entre as Nações, 4. 63 Raymond Aron apresenta em 1962 uma via média entre o realismo e o idealismo nas Relações Internacionais. Raymond Aron, Paz e Guerra entre as Nações. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, 99. 64 Martin Wight publica “Power Politics” em 1946. Wight revisa “A Política do Poder” nos últimos anos de sua vida, contudo, vem a falecer em 1972 antes da publicação desta edição atualizada. Entretanto, as anotações de Wight são aproveitadas e publicadas em uma edição expandida desta obra em 1978. Martin Wight, “Power Politics.” Loo-
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king Forward. n.8, 1946. Citado em Martin Wight, A Política do Poder. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, XXXVII. 65 Aron, Paz e Guerra entre as Nações, 99. 66 Kenneth Waltz apresenta em 1954 as ideias iniciais sobre o neorrealismo que se consolidaria no final dos anos 1970. Nesta primeira abordagem, Waltz enfatizada uma problemática do período: a questão da guerra e da paz. Kenneth Waltz, O Homem, o Estado e a Guerra: uma análise teórica. São Paulo: Martins Fontes, 2004, 9. 67 Waltz, O Homem, o Estado e a Guerra, 198-199. Um ensinamento específico ainda pode ser salientado na obra de Kenneth Waltz sobre o comportamento do indivíduo e do Estado. Waltz afirma que atribuir ação aos Estados consiste no emprego de uma palavra para o estabelecimento de uma lógica entre esta – o Estado; e o sujeito da ação – o indivíduo: “Dizemos que o Estado age quando queremos dizer que as pessoas que estão nele agem, da mesma maneira como dizemos que a panela ferve, quando queremos dizer que a água que está dentro dela ferve. Waltz, O Homem, o Estado e a Guerra, 101. 68 Aron, Paz e Guerra entre as Nações, 50. 69 Ensinando sobre a Escola Inglesa das Relações Internacionais, que registra suas primeiras ideias ao final dos anos 1950, Andrew Linklater aponta que existe muito mais no ambiente internacional do que os realistas sugerem, contudo, igualmente existe muito menos do que os cosmopolitas desejam. Andrew Linklater, “The English School,” in Theories of International Relations, ed. Scott Burchill
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et al.. Londres: Palgrave Macmillan, 1996, 95. Ainda, Linklater e Suganami, The English School of International Relations, 15. 70 Martin Wight, como muitos pensadores de seu tempo, salientou a dicotomia entre realismo e idealismo: “O excepcional contraste entre a situação de 1945 e a situação de 1918, que está refletido no contraste entre a Carta das Nações Unidas e a Convenção da Liga, consiste na ausência do otimismo, o maior dos realismos. O realismo pode vir a ser algo muito bom: tudo depende se significa o abandono de ideais elevados ou de expectativas tolas.” Wight, A Política do Poder, 310. 71 Wight, A Política do Poder, 305. CAPÍTULO 6 72 A Escola Inglesa (embora ainda não assim denominada nos anos 1970) oferece por meio de Hedley Bull em 1977 a descrição de uma “Sociedade Anárquica” composta por três tradições de pensamento: Hobbesiana ou Realista, Grociana ou Racionalista, e Kantiana ou Universalista. A abordagem de Bull remonta os seminários de Martin Wight na London School of Economics durante os anos 1950, onde Wight classificou tais tradições como Realista, Racionalista e Revolucionária. Bull, A Sociedade Anárquica, 32-35. Ainda, Wight, Four Seminal Thinkers in International Theory, 143-144. 73 A “via média” na teoria das Relações Internacionais tem um papel especial na teorização sobre o ambiente internacional dentro do espaço lusófono. José Maltez
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registra que as Relações Internacionais em Portugal, desde os pensamentos de Adriano Moreira, assumiram um lugar paralelo aos juízos franceses e ingleses sobre o tema, indicando uma “terceira via” em que “o legado maquiavélico vive[u] em permanente tensão com certas ascensões ao idealismo.” José Maltez, Curso de Relações Internacionais. S. João do Estoril: Principia, 2002, 211. Por seu turno, Adriano Moreira, ensinando sobre “divisões paradigmáticas,” registrou que as produções sobre as relações internacionais mantêm ainda hoje uma referência a algumas perspectivas clássicas, nomeadamente o realismo o racionalismo e o universalismo dependentes de Maquiavel, Grotius e Kant. Adriano Moreira, Teoria das Relações Internacionais. Coimbra: Edições Almedina, 2011, 73. Assim como acontece em Portugal, no Brasil também são escassas as teorizações sobre o espaço internacional. Entretanto, na academia brasileira, a percepção teórica sobre as relações internacionais também tem lugar dentro de uma “terceira via,” no entanto, no sentido de ser diferente das outras “vias”, em contraponto a um sentido de “via media” entre o realismo e o universalismo. A denominada Escola de Brasília, assim chamada por Raúl Bernal-Meza, apresenta paradigmas alternativos aos grandes centros deliberativos da política internacional para o entendimento das relações internacionais em sua periferia, ou particularmente, para a percepção teórica sobre o Brasil e a América Latina dentro de espaço internacional. Neste contexto, destaca-se, entre outros estudos, a apresentação de conceitos, ou paradigmas norteadores da política externa brasileira, proposta por Amado Cervo. Sobre o assunto, ver, entre outras obras: Raúl Bernal-Meza, América Latina en el mundo: el pensamiento latinoamericano y la teoría de las relaciones internacionales. Nuevo Hacer: Buenos Aires,
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2005; Amado Cervo. “Política exterior e relações internacionais do Brasil: enfoque paradigmático.” Revista Brasileira de Política Internacional 46, no. 2, 2003. Amado Cervo. “Conceitos em Relações Internacionais.” Revista Brasileira de Política Internacional 51, no. 2, 2008. 74 A necessidade de institucionalização do liberalismo que trouxe paz para o final do século XIX e a capacidade de cooperação técnica experimentada pelos Estados europeus em reconstrução depois da Segunda Guerra, conjuntura teórica conhecida como Funcionalismo e Neofuncionalismo, entre outros fatores, fomentaram a publicação em 1977 de “Poder e Interdependência”, consolidando o Neoliberalismo como uma importante fonte de argumentos para as Relações Internacionais. Robert Keohane e Joseph Nye, Power and Interdependence. Nova Iorque: Longman, 2011, 7. 75 Keohane e Nye, Power and Interdependence, 227-228. 76 Keohane e Nye, Power and Interdependence, 10-17. 77 Kenneth Waltz consolida uma revisitação ao Realismo clássico com a publicação de “Teoria das Relações Internacionais” em 1979. Neste, Waltz apresenta o Neorrealismo pelo isolamento da estrutura do cenário internacional. Sobre o Neorrealismo, Waltz ressalta: “Primeiramente o poder fornece os meios para mantermos a nossa autonomia face à força que os outros exercem. Segundo, maior poder permite maiores raios de ação, enquanto deixa incertas as resultantes da ação. [...] Terceiro, os mais poderosos gozam margens mais largas de segurança ao lidarem com os menos poderosos e tem mais a dizer sobre que jogos serão
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jogados e como. [...] Quarto, muito poder dá aos seus possuidores uma grande participação no seu sistema e a capacidade de agir para o seu bem. Para eles, a gestão torna-se, ao mesmo tempo, valiosa e possível.” Waltz, Teoria das Relações Internacionais, 265-266. 78 Persistindo no tempo (desde Morgenthau, Waltz, e outros), John Mearsheimer, já no século XXI, demostra a natureza do homem transposta às Relações Internacionais em seu realismo ofensivo. John Mearsheimer, A Tragédia da Política das Grandes Potências. Lisboa: Gradiva: 2007, 4648. 79 Andrew Hurrell, “Society and Anarchy in International Relations,” in International Society and the Development of International Relations Theory, ed. Barbara Roberson. Londres: Continuum, 1998, 17. 80 Hurrell, “Society and Anarchy in International Relations,” 18. 81 Hurrell, “Society and Anarchy in International Relations,” 18. 82 Hurrell, “Society and Anarchy in International Relations,” 18. CAPÍTULO 7 83 Mudanças nas últimas duas décadas do século XX fomentam novas abordagens nas Relações Internacionais, nomeadamente perspectivas Reflexivas neste campo de es-
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tudo como o Construtivismo, a Teoria Crítica e o Pós-modernismo. 84 Nas anotações sobre uma Teoria Crítica nas Relações Internacionais Robert Cox apresenta argumentos sobre as perspectivas e os objetivos das Teorias das Relações Internacionais, propondo que as teorias são sempre para alguém e para algum propósito. Para Cox, as teorias ainda pautam-se por perspectivas que inevitavelmente derivam de posicionamentos sociais e políticos de diferentes tempos e espaços. Robert Cox, “Social Forces, States and World Orders: beyond International Relations Theory,” in Neorrealism and Its Critics, ed. Robert Keohane. Nova Iorque: Columbia University Press, 1986. 207. 85 Abordando a política externa e a interna dos Estados, pós-modernos atribuíram o progresso como ponto central para a teoria política (interna ao Estado), e a anarquia para as relações internacionais. Desde uma produção de saberes, as Relações Internacionais sustentariam a reprodução das diferenças no mundo desde dicotomias como realismo/ idealismo, identidade/diferença, comunidade/anarquia. Assim as teorias das Relações Internacionais estariam difundindo a importância do Estado e negligenciando mudanças das relações no mundo contemporâneo, como a porosidade das fronteiras e a desconstrução da figura do Estado. Sobre o assunto, Robert Walker defende que as teorias das Relações Internacionais são mais importantes como um aspecto da política do mundo contemporâneo do que como explicação da política mundial atual. As teorias das Relações Internacionais podem ser interpretadas como um discurso do Estado moderno, como uma prática constitutiva deste, gerando assim, efeitos nas diversas realidades da vida cotidiana. Robert Walker, Inside/
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Outside: International Relations as a Political Theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1993, 6. 86 Os termos Racionalismo e Reflexivismo nas Relações Internacionais foram forjados por Robert Keohane em uma comunicação na International Studies Association (ISA) em 1988. 87 Abordagens que transcendem o racionalismo são representadas aqui pelo Construtivismo proposto por Alexander Wendt no livro “Social Theory of International Politics” de 1999. Trabalhando a perspectiva de que agentes e estruturas se formam mutuamente no cenário internacional, Wendt constrói uma tipologia de análise para buscar clarificar a formação das estruturas culturais e seus respectivos resultados desde três dimensões: primeiro entre o que conceituamos como conhecimento comum e coletivo; segundo, entre a causalidade e constituição dos fatos; e terceiro, entre os efeitos destes fatos sobre as identidades e os interesses. Destes fatores, Wendt consegue distinguir uma estrutura “material” e uma estrutura “ideacional” nas relações internacionais, as quais, fundem-se em um único sistema social constituído por ambas as estruturas. Alexander Wendt, Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, 189-190. 88 O Construtivismo proposto por Nicholas Onuf estabelece a perspectiva de que os grupos humanos podem constituir lógicas de discurso baseadas na racionalidade, no carisma ou nas tradições, construindo respectivamente, tipos de comunicação assertiva, comprometida e diretiva nestes grupos. Isso pode explicar a composição das comunidades políticas, por exemplo, onde a comunicação se liga com
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a construção de organizações qualificadas desde diferentes características, como as sustentadas pela hegemonia de determinadas partes, pela ausência de autonomia delas, ou ainda, pela hierarquia, estabelecidas respectivamente a partir das tipologias dos discursos acima propostos. Nicholas Onuf, World of Our Making: rules and rule in Social Theory and International Relations. Columbia: University of South Carolina Press, 1989, 23. 89 Anthony Giddens, Sociologia. Porto Alegre: Artmed Editora, 2010, 38. 90 Walker, Inside/Outside, 6. 91 Tais reivindicações de maior voz para os excluídos do cenário internacional podem ser alocadas dentro da perspectiva teórica chamada de Pós-colonialismo. Esta abordagem teórica é uma vertente que no limiar entre criticar o sistema e buscar resolver problemas demanda um alargado universalismo no cenário internacional. Assim, as perspectivas pós-colonialistas contestam algumas das instituições que deliberam sobre o ordenamento internacional, reclamando mais poder de decisão para aqueles que foram deixados à margem das decisões do cenário internacional, ainda, sustentando a necessidade de integração entre identidades, culturas e instituições híbridas no cenário internacional, o Pós-colonialismo busca conectar os excluídos ao mundo desenvolvido. Siba Grovogui, “Postcolonialism,” in International Relations Theories: discipline and Diversity, ed. Tim Dunne et al.. Oxford: Oxford University Press, 2013, 263-264. 92 As reivindicações contra os modelos de pensamento contemporâneos são descritas como Teoria Verde. Esta
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Teoria das Relações Internacionais é uma perspectiva que, remontando ideias de 1970, aparece no início do século XXI propondo uma releitura de abordagens racionais e reflexivas das Relações Internacionais dentro da moderna percepção da humanidade sobre a degradação ambiental causada pela expansão industrial do último século. De tal forma, alguns teóricos reinventam antigos conceitos sobre a roupagem de “Segurança Ecológica”, “Desenvolvimento Sustentável” e “Justiça Ambiental”, entre outros, para descrever ou prescrever o comportamento de alguns atores internacionais no mundo contemporâneo. Contudo, conforme registra Robyn Eckersley, a “Green Political Theory” acabou por abarcar conceitos mais complexos que a preocupação unicamente com o meio-ambiente. Desde os anos 1990 a Teoria Verde ocupa-se em desafiar e propor mudanças mais generalistas às principais tradições políticas que construíram o atual ordenamento mundial, nomeadamente o liberalismo e o socialismo. Robyn Eckersley, “Green Theory,” in International Relations Theories: discipline and Diversity, ed. Tim Dunne et al.. Oxford: Oxford University Press, 2013, 267. CAPÍTULO 8 93 O conceito de heteronomia nas relações internacionais proposto por Nicholas Onuf trabalha a perspectiva de que os agentes nas relações internacionais não agem de forma autônoma no espaço internacional. Uma vontade autônoma dos atores internacionais estaria amparada somente pela inclusão de todas as possibilidades de escolhas. Assim, uma vontade baseada em uma situação que não abarque a inclusão de toda a universalidade das máximas ao qual tal vontade exprime preferência, não seria autônoma, e sim,
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estaria pautada pela heteronomia. Para um aprofundamento no assunto ver Onuf, World of Our Making, 209-213; e Immanuel Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 2002, 86. 94 Um importante ponto de sustentação desta perspectiva das relações internacionais advém da Sociologia do Conhecimento. Nesta lógica, ergue-se a conjectura de que não existem formas de pensamento que possam ser compreendidas separadamente de suas origens sociais, desde modo, levando em consideração o contexto histórico e social de onde gradativamente o pensamento individual é diferenciado. Karl Mannheim, Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986, 30. 95 Mannheim, Ideologia e Utopia, 31. 96 Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectivas, 1998, 24. 97 Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, 29. 98 Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, 13. 99 Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, 25. 100 Ao fazer referência a um paralelo do assunto aqui abordado, Karl Mannheim salienta que “este grupo intelectual, organizado como castas e monopolizando o direito de pregar, ensinar e interpretar o mundo, está condicionado pela ação de dois fatores sociais. Tanto mais ele se torna o interprete de uma coletividade globalmente organizada, tanto mais seu pensamento tende a um “escolasticismo.” E “a segunda característica
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deste tipo monopolístico de pensamento reside em seu relativo afastamento dos conflitos manifestos da vida cotidiana, [...] é acadêmico e sem vida.” Mannheim, Ideologia e Utopia, 39. 101 Merton, Social Theory and Social Structure, 599-600. 102 Merton, Social Theory and Social Structure, 599-600. CAPÍTULO 9 103 Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, 219. 104 Para Karl Mannheim o historicismo figura como uma espécie de força intelectual com a qual precisamos lidar, tendo tal conceito se tornado uma força intelectual de grande significado, o qual, funciona como uma espécie de epítome de nossa visão de mundo. Karl Mannheim, Essays on the sociology of knowledge. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1952, 84. 105 A correlação de conceitos aqui estabelecida deriva da composição do chamado “Principia Media” de Mannheim. Karl Mannheim, Man and Society in an Age of Reconstruction. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1940, 177. 106 Mannheim, Man and Society in an Age of Reconstruction, 178. 107 Em sua “Crítica da Razão Pura”, entre duas fontes de conhecimento no sujeito, Immanuel Kant escreve sobre a sensibilidade ou maneira como somos afetados pelos
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objetos e como nos referimos a eles: “A teoria transcendental da sensibilidade deve formar a primeira parte da ciência dos elementos, porquanto as condições, pelas quais unicamente nos são dados os objetos do conhecimento humano, precedem as condições segundo as quais esses mesmos objetos são pensados.” Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, 56. 108 A questão epistemológica aqui deriva das ideias de Karl Mannheim. Em seus estudos, o referido autor aborda a epistemologia desvinculada da sociedade internacional. Mannheim, Ideologia e Utopia, 41. 109 A Escola Inglesa das Relações Internacionais com sua pluralidade de perspectivas sobre o cenário internacional escabece bases teóricas para este pensamento. As ideias de Alexander Wendt sobre o construtivismo nas Relações Internacionais explicitam o entendimento entre o contínuo processo de interação entre agente e estrutura no espaço internacional. Entre outras abordagens, o neorrealismo de Kenneth Waltz igualmente aborda o tema. 110 Mannheim, Ideologia e Utopia, 48-49. 111 Peter Berger e Thomas Luckmann. A Construção Social da Realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985, 37.
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