A revolução científica e as origens da ciência moderna [1 ed.]
 9788571104425

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Tombo n.0•____

CIÊNCIA

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CULTURA

John Henry

Consultor: Hcnnquc Lms úc Barn.b

/Jircfor do J\lt!St'U de r\.r!roHfll/11(/ ,. Cih1nas AFins. tl/ll.\'1/cnpq

ENTRE O CRISTAL E A FUMAÇA

1-knn Atlan

VIRUS E HOMENS

Luc Montagnrcr

TEORIAS DE TUDO

UMA BREVE HISTÓRIA

John D. Barmw

DO INFINITO

A CAIXA PRETA DE 0ARWIN

Michael Bchc CONVITE A FiS!CA

Yoav Bcn-Dnv HISTÓRIA NATURAL DO HOMEM

André Bourgll!gnon GIGANTES DA FíSICA

Richard Brcnn:.m

20.000 LÉGUAS MATEMAT!CAS A.K. Dcwt.lncy A ESCURIDÃO DA NOITE

Eúward 1-larns1ltl INTELIGENCIAS EXTRATERRESTRES

Jean Hcu.lmann A REVOLUÇÃO C!ENTIFICA

John I·knry FtM DE MILÉNIO

Bcrtí!ia Leite c Othon Winter AS ORIGENS DE NOSSO UNIVERSO

Makolm S. Longarr

Richard tvlorns

A

Os GRANDES EXPERIMENTOS

REVOLUÇÃO CJENTIFICA /

E AS ORIGENS DA CIÊNCIA MODERNA

C!ENTIF!COS

Michel Rival

0 ESPECTRO DE 0ARWIN

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tvlichacl R. Rnsc

A UNJFICAÇÀO DAS FORÇAS FUNDAMENTAIS

Ahdus Saiam cr a!. SERA QUE DEUS JOGA DADOS?

lan Stcwan DE AROUIMEOES A EtNSTE!N

Picrrc Thuili icr

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Tradução: Mana Lmza X. de

A. Borges

Revisão técn ica : Henríque Lins de Barros Doutor em física e diretor do Museu de Asrronomra e de Ciências Afins, MASTICNPq

0 TEMPO NA HISTÓRIA GJ. Wh!!row PROJETO GENOMA HUMANO

Tom Wilkrc A BEIRA O'AGUA

Carl Zimmcr

Jorge Zahar Editor

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Rio de anetro

Para mmha mnã, Kay (1948-1996) in memoriam

SUM ÁR I O Título ongmal: The Sctem�(íc Revolmron and Ihe Ongms t�{ Modem Sctence

Tradução autonzada da pnmem1 edição nortc�amencnnn. publicada em 1997 por Macmillan Press, de Londres, Inglaterra Copynght © 1997, John Henry Copynght © 1998 da edição em língua portuguesa: jorge Znhar Editor Ltda.

Nota sobre as referências

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Agradecimentos.

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Apresentação, por Henrique Lms de Barros

9

rua Méx1co 31 sobrelOJa 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tcL: (21) 240-0226/ fax: (21) 262-5 1 23 c-mail: [email protected] s1tc: www.zahar.com.br

I

A revolução científica e a historiografia da ciência

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2

O método científico

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Todos os direitos reservados.

(i)

A reprodução não-autonzada desta publicação, no todo Capa: Caro! Sá

CIP�Brasil. Catalogação�na�fonte Sindicato NaciOnal dos Editores de Livros. RJ.

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Henry, John A revolução Científica e as ongens da ciCncHt mo� dcrna I John Henry: tradução Mana Lmza X. de A. Borges: rcv1são tCcmca Hennquc Lins de Barros. Rio de J::me1ro: Jorge Zahar Ed., 1998 (Ciência e cuitura) Tradução de: The sc1entific revolutwn and the ongms of modem sc1ence lnclm bibliografia ISBN 85-71 10�442-5

! . Ciênc1a - Históna. 2. Ciêncw. - Filosofia. L Titulo. 11. Sêne. CDD 509 98-1071:: CDU 50(09 1)

A matematização da representação do mundo

(ii) O método experimental

ou em parte. constitUI VIOlação do copynght. (Lei 5.988)

Ilustração: Marcelo Tornco

_

20 35

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A magia e as origens da ciência moderna

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A filosofia mecâmca

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Religião e ciência

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A ciência e a cultura mais ampla

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7 Conclusão -

-

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Bibliografia

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Glossário .

131

Índice renlissivo

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NOTA S O BRE AS REFERÊ N C I AS

AGRADEC I M EN TO S

As rcfcrêncws são citadas sempre entre colchetes de acordo com a numeração na bibliografia seleciOnada, com ponto-e-vírgulas separan­ do cada ttem. Referências de págma, quando necessárias, são mdicadas por dms pontos após o número da bibliografia.

Como mmtos de meus colegas sabem, a produção deste pequeno livro exigm-me mmto mats tempo do que deveria. Dá-me grande prazer poder, enfim, agradecer a Richard Overy e a Roy Porter por sua paciência e mcent1vo indefectíveis. Na Macmillan, Vanessa Graham e depois Simon Winder provaram-se também sempre encoraJadorcs e Inacreditavelmente tolerantes à medida que os prazos finais venctam um após o outro. Sou mUJto grato a ambos por esse generoso trata­ mento. A maiOr dív1da do autor ao trabalhar num livro deste t1p0, porém, é para com os autores de todos aqueles livros e art1gos de que fez uso ao escrevê-io. A lista completa de todos eles sena mats longa do que a bibliografia em que este livro é em grande parte baseado. Graças a esses autores posso concordar smceramente com Robert Hooke, quando disse que "quanto mais mformado você está, mais é capaz de mdagar e tentar cJescobnr o que se considera ser um conhe­ Cimento ma1s profundo com relação àquele assunto" . Tenho grande esperança de que os le1tores deste livro se sentirão também eles próprios mais capazes de seguir buscando uma compreensão mats completa das origens da ciência moderna. Enquanto este livro era escrito minha Irmã, Kay. suportava bravamente as devastações do câncer de mama e do tratamento médico destmado a aplacá-lo. Ela morreu algumas semanas antes que eu o pudesse conclUir. Sempre nos amamos muito ternamente e dedic'J este livro à sua memóría.

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JOHN HENRY

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Edimburgo, I 996

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APRES E N TAÇÃO

No século XVII a Europa ocidental começou a desenvolver uma nova forma de olhar a natureza. Embora as bases dessa nova vtsão esteJam Situadas bem antes, é nos trabalhos de filósofos da natureza como Galileu, Descartes, Newton e muitos outros que se encontram, já de forma bastante elaborada e consolidada, os elementos da chamada revolução científica, De fato, hoje percebemos que estes pensadores, praticantes das matemáticas, estudiosos da VIda, sintetizaram vánas correntes de pensamento e iniciaram uma nova descrição dos fenôme­ nos naturms, em oposição à bem estabelecida e sólida mterpretação medieval baseada em uma cosmologia anstotélica. Esse momento da história do pensamento ocidental é o início de um verdadeiro Império do saber racwnal que, hoje, está claro no que chamamos ciência. Não se trata de momento isolado nem de contribUição de um ou outro gema] pensador. Antes, é a consolidação de idéias e de observações que se ajustam e se encatxam, permitíndo pensar, de forma matemática e abstrata, uma realidade que, até então, era vista como algo real e concreto, regtda por desígnios c sujeita a vontades sobrenaturms: os corpos celestes estão fixos em esferas de cristal e giram em movimento uniforme, os movimentos ou são naturais ou violentos, a natureza não admite o vácuo, e assim por diante. A idéia de que os trabalhos desses filósofos se caracterizam pela adoção, em larga escala, de experimentos controlados não tem susten­ tação plena. Não que a idéia de expenmento tenha sua importância questionada, mas sim que ela, por st só, não é capaz de alterar uma cosmovisão ou contribuir para um conhecimento extremamente coe­ rente de um fenômeno. Tampouco é verdade que os trabalhos desses filósofos tenham tido aceitação imediata e se estabelecido como cn­ ténos únicos de descnção do mundo naturaL Muito ao contráno: vánas correntes conviveram por muito tempo, e o que hoje entendemos, por 9

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A REVOLUÇÃO C I E N T Í F I C A

exemplo, como uma fístca newtomana, é, de fato, uma construção e uma depuração dos trabalhos de Newton. Entender essa revolução do pensamento não é tarefa que possa ser descnvoivida sem o auxílio de vánas disctplinas: Impossível Ignorar as questões técmcas dos trabalhos desses homens, asstm como sena lcvt.ano desprezar o contexto em que eles foram produztdos, as crenças que formavam uma espécie de base para elaboração do racwcímo, as t� terfcrênctas religiosas e as particularidades locats, bem como as questões relaciOnadas com o própno perfil psicológtco de cada um de seus protagomstas. A chamada revolução ctentífica do século XVII não tem sua ongem no pós-Rcnascnncnto. A construção de uma vtsão de mundo e de vaiorcs bástcos - como a harmoma, a elcgâncta, a stmplictdade, que vêm de tdeais europeus da Idade Média e tem. no Renascimento, sua representação mats conhecida contribUI de forma flagrante na construcão . da ciêncta moderna. O humamsmo renascentista, que co­ loc� no homem a possibilidade (c a obngação) de entender o mundo que se apresenta mutto complexo, terá sua Importâncta clara nos trabalhos de vános pensadores. Como explicar, por exemplo, a crença, em nenhum momento questiOnada, de que extstem leis um versais que regem a natureza c que estas, por sua vez. podem ser explicitadas em forma matemáttca? As reações miCiats a essa posição cedem rapidamente lugar a um ccno ottm1smo ou mesmo eufona: a natureza é descritível por meiO da matemática, c rciaçõcs de pureza são relações naturais. As harmo­ mas mustcms, que no século XVII estão bem estabeiec1das com as regras de contraponto c as possibilidades de fazer uma músrca com­ posta por vánas meiodias, Jrão influenciar esse movimento em que a natureza passa a ser olhada como uma espécie de íaboratório, onde o fenômeno deve ser compreendido em suas partes, em que o experi­ mento deve ser lido à luz de uma teona que seja econômica e bela. A htstóna da ciência não pode prescmdir de todos esses elementos. Não pode focaiizar somente um avanço técmco ou a formulação de uma nova teoria dentro do corpo teórico da área. Deve, para se propor a ser uma verdadetra Históna, voltar-se para um contexto muito mais complexo. onde teonas, expenmcntos, instrumentos e mterpretações não são, de rorma alguma, produto de um pensamento 1soíado mas refletem um momento lustónco. É cunoso vermos que o que podena parecer um mero fenômeno natural, portanto Isento de qualquer Inter­ pretação, é. na realidade, uma construção onde se privilegta um ou

APRES ENTAÇÃO

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outro aspecto. Não se trata, naturalmente, de negar o fenômeno, de dizer que tudo o que se encontra na natureza ou se observa com os nossos sentidos não possua uma realidade própna. Trata-se, sim, de afirmar que nossa Interpretação tem uma dimensão histórica, que vana de acordo com o corpo de conhecimento que auxilia a mterpretar o que é observado. Nesse sentrdo, o real é inatmgível e o que nos resta fazer é construir, a cada momento, uma Interpretação que seJa aceita e que tenha, por rsso mesmo, uma duração. Esta complextdade inerente à htstória da ciêncta está esboçada no trabalho sucmto de John Henry. Torna-se claro para o leitor como se constrói uma nova discrplina, necessanamente multrdiscrplinar, que exige do estudioso um conhecimento que rompe as barreiras específi­ cas de cada área. Impossível compreender-se a racronalidade proposta pela ciêncta moderna sem que se leve em conta o pensamento mágtco, as mfluênc1as religiosas, polítícas e socJais, sem que se considere valores como a beleza, a harmoma, a economia ou o equilíbno de um discurso científico, atributos que passam ao largo do método que a Ciêncm Moderna propõe. HENRIQUE LINS DE BARROS

1 A R EVO LUÇÃO C I E N TÍFI C A E A

HI S TO R I O GRAF I A DA C I ÊN C I A

Revolução Científica é o nome dado pelos historiadores da ciência ao período da históna européia em que, de maneira inquestionável, os fundamentos conceituais, metodológicos e institucwnais da ciência moderna foram assentados pela pnmeira vez. O período preciso em questão varia segundo o historiador, mas em geral afirma-se que o foco principal foi o século XVI!, com períodos variados de montagem do cenáno no século XV! e de consolidação no século XVIII. De maneira similar, a natureza precJsa da revolução, suas origens, causas, campos de batalha e resultados vanam mmto de autor para autor. Tal flexibi­ lidade de Interpretação mdica claramente que a revolução científica é sobretudo uma categona conceitual do historiador. Mas o fato de a revolução científica ser uma expressão de conveniência para histona­ dores não significa que ela seja um mero produto de sua Imagmação sem nenhuma base na reaiidade histónca. É fácil perceber que o conhecimento do mundo natural era mmto diferente em 1 700 do que fora em i 500. Durante esse período, mu­ danças extremamente significativas e de grande alcance produziram-se em todos os aspectos da cultura européia iigados à natureza do mundo físico e ao modo como ele devena ser estudado, analisado e repre­ sentado, e muitos desses desenvolvimentos contmuam desempenhando papel importante na ciência moderna. Podemos considerar, portanto, que o conceito de revolução Científica designa um processo muito real de mudança básica. Se quisermos compreender a natureza e as causas dessas mudanças, devemos tentar definir exatamente qums eram as questões fundamentais para os antigos pensadores, as alterações mais significativas que eles operaram quanto a modos de pensar, as modi­ ficações mais claras ocornctas em sua orgamzação social, as mudanças de maior alcance em sua prática científica e as Implicações das descobertas e mvenções mms expressivas. Não precisamos nos deter. 13

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A REVOLUÇÃO C!ENTiFICA

contudo. em discussões sobre a data miem) correta, o ttpo preciSO de revolução que se deu ou a melhor maneira de definir mudança revo­ luciOnária em ciêncta. Fazê-lo sena supor erroneamente que um mero termo de referência convententc para uma ampla gama de mudanças socims c mtelectuats reíevantes apreende de algum modo a suposta essência dessas mudanças [32; 170]. A reificação da revolução, como uma revolução. deu ongem, no entanto, a um Importante debate h1storíográfico que continua em curso. V ános histonadores sustentaram que o próprio concetto de uma re­ volução no mícto da ciência modetna, com sua ímplicação de ruptura radical com o passado, é nnprópno ou equ1 vocado. A questão depende mtetramcnte, é claro, dos cnténos que se venha a usar para circuns­ crever o debate. O consenso atual parece ser que, embora tenha s1do exagerada no passado, a vtsão "contmuísta" do desenvolvimento científico permanece válida por apontar os muttos e vános anteceden­ tes de dcscnvolvtmentos postenorcs detectáveis no período mcdievai [ 139]. Ali onde a Idade Média pôde ser apresentada outrora como um período de esterilidade c estagnação c1entífica, podemos ver llOje, graças ao excelente trabalho de historiadores continuístas, os fettos de pensadores mcdievats, em particular nos campos da astronomta e cosmologta, ópttca. cinemática e outras ciênctas matemáticas, bem como no desenvoívunento da noção de lcts naturais e do método expcnmentaí [4 1; 42; 173]. Ademais, a historiografia contmuísta desempenhou um Importante papel ao chamar a atenção dos hístonadores da ciência para os pengos do chamado whiggrsmo {ver gíossáno). Há na htstóna da ciêncta uma tcndêncta a lançar sobre o passado um olhar determinado pelo que mats tarde se Julgou ser Importante. Julgar o passado em função do presente é ser whiggista. Nas pnmetras décadas du formação da disciplina, era comum que um histonador da ciência seleciOnasse, digamos, da obra de Galileu ou da de Kcpler, aqueíes aspectos que eram ou que podiam ser mats facilmente levados a parecer antecipações diretas da ciência que hoje prevalece. A históna resultante, mmtas vezes, não passava de uma iamentável distorção do modo como as coisas eram. Mas a própría noção de revolução científica. é fácil ver, tncorpora aígo de bastante wh1gg1sta. A ciênc1a daqueía época fo1 rcvo-lucwnána porque, ao contráno da ciêncm antenor, assemelhou-se �t nossa. ou asstm pensamos. É quase como se qmséssemos dizer não apenas " aqm estão as ongcns da ciêncta moderna", mas "aqm está o ll1ÍCIO da ciêncm atual"

A H I S T O R I O G R A F I A DA CiÊNCIA

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Num certo sentido esse tipo de whiggtsmo amda prospera na htstóna da ciência. A raison d'être da história da ciêncta é, essencial­ mente, procurar compreender por que e como a ciência veio a se tornar uma presença tão dommante em nossa cultura [í6í]. Ass1m sendo, toda a nossa lustória é voltada para o presente. Por ísso, embora o repúdio v1goroso ao whígg1smo tenha se tornado hoje uma senha que é preciso pronunciar para ganhar acesso às fileiras dos estudiosos sénos, o wh1gg1smo se esconde em todos nós [98]. O emmcnte historiador do mtelecto, Richard H. Popktn, certa vez anuncwu espl­ ntuosamente que pretendia estudar as razões por que " um dos mawrcs teólogos ant1trm1táríos do século xvn", Isaac Newton ( 1 642-1727), teria reservado parte de seu tempo para escrever obras sobre ciência natural [169]. Por que qualifico 1sto de espirituoso? Porque me parece Impossível levar a sério a sugestão de que a importâncta histónca de Newton denva de sua reputação como teólogo. Nessa medida, tenho meu própno wh1ggismo. Acredito que estudamos Newton por ele ter dado contribmções tão excepcionaís à nossa cultura científica. Nada mais acerca desse homem fascínante pode apresentar tamanho mte­ resse. O continuísmo, contudo, pode ser VIsto, pelo menos até certo ponto, como um antídoto para as tendências wlugg1stas, porque tende a ser um olhar voltado para trás e não merentcmente voltado para a frente. A tentatíva de ver Galileu ( 1564-1642) como um teónco do unpetus de nossos dias é, em essêncta. menos wh1ggtsta que a de apresentá-lo como a1guém que prefigurou a mércta newtomana, e devena nos remeter à sugestão de Herbert Butterfield (antes de se tornar ele própno um iustonador IViug ao escrever um livro sobre a revolução Científica! [98: 58]) de que tentássemos " ver a v1da com os olhos de outro século que não o nosso" [citado em 98: 48]. Hoje praticamente todos os h1storíadorcs da ciência tentam evitar formas declaradas de whigg1smo, sejam eles revolucwmstas ou contmuístas, mas parece seguro dizer que os lustonadores da Idade Média estiveram entre os primeiros a mostrar o cammho [4 1 ; 42; 55]. Outro mdicador de que o conceito de revolução científica é merentemente whigg1sta é a própna palavra "científica" O uso que hoje fazemos da paíavra "ciêncta" fot cunhado no século c, estritamente falando, "ciêncm" no nosso sentido era algo que não existia no período moderno miem!. Falar como se existisse, como venho fazendo, é uma distorção obvtamente whiggista. Parte de nosso objetiVO, ao considerar o dcsenvolvunento htslónco do que concebeXIX

A REVOLUÇÃO C J E N T i F I C A

A HISTORIOGRAFIA DA C I Ê N C I A

mos como ciência, deveria ser compreender como o própno concetto "ciêncta" surgm; se falamos sobre "ciência" como se tsso sempre uvesse existido, estamos apenas evitando a questão. Bem, se não havta nenhuma "ciêncta" no tempo da revolução científica, havia o quê? Havia algo chamado " filosofia natural" , que pretendia descrever e explicar o SIStema do mundo em sua totalidade. Havm uma séne de tradições disciplinares tecmcamente desenvolvidas, seja fundadas na matemática, como a astronomía, a óptica, a mecâmca e a cinemáuca e o que era chamado de mústca, mas que veríamos como um estudo mmto mais matemático baseado em pnncíptos de razões e outros aspectos de proporção [30; 34]; ou fundadas na medicma, como a anatomia, a fisiologia e a farmacologia [76; 77; 1 0 1 ; 1 65; 226]. Por fim, havia uma séne de artes práticas, como a navegação, a cartografia, a fortificação, a mineração, a metalurgia e a cirurgia [ 1 93: 225-7; 1 36]. A relação entre essas disciplinas técnicas e a filosofia natural requer uma elucidação cuidadosa, e o trabalho nessa área prossegue [80; 8 1 ]. Aígumas das pesquisas mais mteressantes em históna da ciência empenharam-se em mostrar como interações cambiantes entre as dis­ ciplinas especializadas e a filosofia natural deram origem, por mter­ médio de prattcantes em ambos os campos, não só a novos desenvol­ vimentos no conhectmento e na prática, como a algo que parece mais próxtmo de nossa demarcação atual das disciplinas científicas, ou mms diretamente relacionadas a ela. O esforço de Galileu para reuntr a cmemáttca e a filosofia natural resultou no que ele chamou de a nova ciência do movimento, que os histonadores aínda vêem como um passo decisivo rumo a teonas subseqüentes [205]. Da mesma maneira, a nova e extremamente influente filosofia natural de René Descartes ( 1 596- 1 650), a filosofia mecâmca, foi estabelecida a partir de suas tentativas de fundar a filosofia natural sobre as certezas do raciocínio geométnco [88]; e a nova filosofia natural de Newton baseou-se, como mostrava o título de seu livro, em princípios matemáticos [80]. O desenvolvtmento das teonas atomistas da maténa nasceu pelo menos em parte dos esforços de filósofos naturais de formação médica em ampliar a filosofia natural de Anstóteles de modo a explicar o conhe­ Cimento cmpínco dos químicos [63]. A nova filosofia expenmental, desenvolvida na Inglaterra no final do século XVII por Robert Boyie ( 1627-9 1 ) e outros, pretendia demarcar novas fronteiras disciplinares em torno da filosofia natural correta, e exclutr o que fora antenormente constderado prática correta [201].

A partir disto, devena estar claro que, em se tratando do período moderno IlliCial, o uso da expressão "filosofia natural" , em vez de "ciêncía" , está longe de ser tdeal. As duas expressões nada têm de eqmvalentes. Uma das coisas que revolução científica tem de revolu­ CIOnária é precisamente o fato de que, ao longo de todo o período, a filosofia natural estava se transformando a ponto de se tornar irreco­ nhecível, e se tornando mais próxima de nosso conceito de ciência. Mesmo assim, a expressão filosofia natural era a mats utilizada na época para designar uma compreensão do mundo físico. Assim, utili­ zarei " filosofia natural" e .. ciência" como se fossem eqmvalentes, tendo em mente, em ambos os casos, nada mais que o esforço para compreender, descrever ou explicar os modos de funcionamento do mundo físico (usarei também as formas adjetivadas, "filosófico natu­ ral" e "científico" de maneira correspondente). Espero que nenhum desses anacromsmos se mostre demasiado confuso. É possível reconhecer um certo whiggismo nas razões que nos levam a considerar a história da ciência sem permitir, no entanto, que ele Jnvada nossas narrativas históricas. Nosso objetivo corno histona­ dores não deveria ser impor nossas idéias, mas buscar uma compreen­ são tão completa quanto possível do contexto da época. Por exemplo, se deseJamos compreender a reação da época a um pequeno livro como Siderius nuncius (Mensagem das estrelas, 1 6 1 0), de Galileu, em que ele apresentou as descobertas que fizera vírando o recém-inventado telescópiO para o céu noturno, é óbvio que não podemos simplesmente ler o texto de Galileu [82]. Tampouco será suficiente nos familian­ zarmos com a astronomia e a cosmologia técnicas de seu tempo. O fato de que alguns dos contemporâneos de Galileu se recusaram a olhar por seu telescópio, por exemplo, é bem conhecido. Por que eles reagiram desse modo? Obviamente não por causa de qualquer detalhe técnico astronômico [220]. Uma compreensão das Implicações do texto de Galileu também é reíevante. Um leítor da época tena reagido de maneiras diferentes a uma obra que provavelmente não tena qualquer Impacto aiém de sua área Imediata e a outra que podia ser vJsta como contranando não só a astronomia e a cosmologia domínantes como também a filosofia natural mais ampla e a crença religiOsa. Uma explicação realmente completa exigma também algum conhecimento do conceito então vigente sobre Galileu: sua reputação, sua motivação presumida ou percebida, a Imparcialidade que era possível lhe atribUir no que ele dizia, e assim por diante [13; cf., para constderações semelhantes sobre outros pensadores, 201 ; 200; 198]. Evidentemente,

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A REVOLUÇÃO C I E N T i F I C A

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não há lim1tes defintdos para um empreendimento desse tipo, razão por que nenhum histonador 1soiado pode ter a últ1ma paiavra em quaíqucr tóptco. É sempre possível assmalar mais alguma coisa no pano de fundo da questão, algo que pode ser relevante para nossa tentativa de reconstruir o passado. O empenho por uma contextualização cada vez mms nca pode ser visto, portanto, como a força propulsora da atual histonografia da ciência. O contextualismo pode ser considerado o resultado de um ecletismo que combmou abordagens ã htstóna da ciêncJa antes vistas como opostas. A disciplina da históna da ciêncra estava fendida pela guerra entre Internalistas e externalistas (c. l 930-59). Supostamente, os mtcrnalistas tcnam acreditado que a ciêncta, ou talvez uma sub­ disciplina mdi vtdual dentro da ciência, era um sistema de pensamento auto-suficiente, auto-regulador e desenvolvtdo em confornudade com sua Jógtca interna própna. O externalista, por outro lado, acreditana que o desenvolvimento da ciência era dctcrmmado pelo contexto sociOpolítico ou socíocconômJco do qual ela emergm. Na verdade, nenhuma das duas posições parece ter tido sua validade ou vrabilidade demonstradas [ 199: 345-5 I ], e não demorou para que uma abordagem declaradamente eclética se Impusesse (c.l960). De fato, essa aborda­ gem eclética amda é dominante, o que significa na prática que quase todos os trabalhos recentes podem ser situados em algum ponto de um espectro que vana gradualmente do mais mternalista [e.g. 55; 63] até o mats cxternalista [e.g. I 61; 1 25]. Mas os novos ecléticos, ao contráno dos extcrnalistas, reconhecem que os juízos ctentíficos sobre resultados expcnmcntais ou analíticos pertinentes, ou sobre a teoria correta, por vezes só podem ser compreendidos em termos da tradição técntca em cujo seío desempenham um papeí, não podendo ser Isolados de considerações sociais mats ampias. Isso, contudo, não é o mesmo que mtcrnalismo, uma vez que os htstonadores ecléticos da ciência sustentariam (ou suporiam) que em taís casos a tradição técnica é ela própría um fenômeno socialmente construído, ou culturalmente deter­ minado, que o trabalho no intenor da tradicão é afetado petas mterações s�ciars entre os especialistas relevanl�s [ 199: 352-3; 193; 222; 195; 75]. Assim, o Importante a notar acerca da btstonografia da ciência é que uma contcxtualização cada vez mais rica tem sido a pnnc1pal ambição da mawna de seus praticantes há aigumas décadas. O resul­ tado é uma subdist:!plina da Justóna que tem um florescunento própno, que, de maneira ma1s geral, vem dando uma Importante contribmção c

c

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para nossa compreensão do como e do por que a ciência se tornou um aspecto tão poderoso da cultura octdental. Neste esforço geral para compreender a dommâncta cultural da ciêncía, as análises da revoiução científica desempenham um papel importante. Mas, ao consíderarmos essas análises, é Importante ter sempre em mente as complexas ques­ tões lustoriográficas que ajudaram a moldá-las.

0 Mé:TOOO CIENTiFICO

2 0 MÉTODO C I E N TÍFI CO

O desenvolvimento e a fixação da metodologtacaracterística da ciência sempre foram consrderados constitutiVOS da revolução Científica. A.C. Crombie tentou mostrar que as ongens de pelo menos um elemento bás1co dessa metodologia, o experimentaiismo, podiam ser srtuadas no século XIII [41; 42], mas o consenso histonográfico vem se opondo claramente a ele [ 139: 361 ]. Da mesma mane1ra, embora houvesse ciências matemáticas ao longo de todo o período medieval, reconhe­ ce-se em geral que o período da revolução científica assistiu a uma mudança drástica nas concepções da análise matemática da natureza e na atitudes com relação a ela. Neste capítulo analisarei, um de cada vez, esses dots Importantes componentes do método científico.

a análise matemática revelava como a coisas deveria1n ser; se os cálculos funcionavam, devia ser porque a teoria proposta era verda­ deira, ou multo aproximadamente verdaderra [ 107: 140]. O novo realismo pode ser VIsto em operação na astronomia de Nicolau Copérmco (1473-1 543). A astronomia, uma das chamadas ciências "mistas" , sempre consistira de uma parte matemática e uma física. Essencralmente, isso srgnificava que o astrônomo tínha de conciliar as estruturas matemátrcas putativas, que lhe forneciam os meios de calcular movimentos planetários e outros movimentos ce­ lestes, com as exigências da cosmoiogía e da física aristotélicas. Embora o grande smtetrzador da astronomra matemática da Grécra antiga, Cláudio Ptolomeu (90-1 68 d.C.), tivesse sido um realista, seu Sistema astronômiCO fora consíderado cada vez mats, ao longo da Idade Média, um srstema hrpotétrco que, embora fornecendo uma base para o cálculo, era incompatível com o sistema aristotélico. O resultado foi uma separação das partes matemática e física da astrononia [238]. Enquanto a cosmologra de Anstóteles era um encaixe homocên­ tnco preciso de esferas celestes em que só movimentos circulares uniformes podiam ter lugar, a astronomra matemática ptolomarca tmha planetas que se moviam num epiciclo, cujo centro inscreve um círculo (o deferente) no centro da esfera planetária, de modo a explicar parcialmente variações na velocidade e no brilho do planeta e o movimento retrógrado deste (período em que o planeta se move na direção oposta à de seu progresso usual). Apesar desses estratagemas, não era possível chegar ao aJUSte exigtdo com as observações a não ser supondo-se também que o eprctclo se movra com movimento uniforme apenas com relação a um ponto excêntnco, não com relação ao centro do deferente, ou com relação à Terra. Embora tais movi­ mentos uniformes em torno do que era chamado o ponto "equante" pudessem ser facilmente defimdos em termos matemátícos, não estava claro em absoluto que ttpo de mecanismo poderia explicá-los. De fato, era axiomático na fístca aristotélica que todos os movrmentos celestes eram movimentos naturms, não-compelidos, e que a tendência natural dos corpos ceiestes era mover-se uniformemente, em círculos perfeitos [ 1 35; 43; 60; 1 68]. A astronomra ptolommca v1a-se cercada também por dificuldades mais pragmáticas. A mais embaraçosamente flagrante, no final do •

!I) A MATEMATIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DO MUNDO A "matemat1zação da natureza", que fOI considerada um elemento Importante da revolução científica, em geral era atribuída a uma formidável mudança no srstema metafísiCO que endossava todos os conceitos do mundo fís1co, introduzindo maneiras " platônicas" ou " pitagóricas" de ver o mundo em substttmção à metafísíca anstotélica da filosofia natural medieval. Trabalhos recentes mostraram que essa 1déia era madequada por vánas razões e propuseram uma explicação alternativa para as mudanças de atJtude com relação à matemática [ I 07; 1 2; 238]. Em palavras Simples, a revolução científica viu a substituição de uma atitude predommantemente ínstrumenta1ista para com a análise matemática por uma perspectiva mais realista. Os mstrumentalistas acreditavam que as teonas denvadas da matemática eram propostas de maneira apenas h1potética, para facilitar cálculos e predições matemáticos. O realismo, em contraposição, tnsístm em que 20

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'"

O autor rcfcre�sc ao rnovnnento aparente 1 VISto da Terra) dos planetas. (N.R.)

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século xv, era talvez sua mcapacidade de fixar uma data para a Páscoa com prectsão... Copérmco empenhou-se em resolver esse e outros problemas práticos, mas fm mmto além ao propor seu novo sistema de astronomia em que o Sol substituía a Terra como o corpo centrai à CUJa volta os planetas, agora mdumdo a Terra, gtravam. Houve uma tendência a ver Copérnico não como uma figura de fato revolucwnána na htstóna da ciência, mas antes como um pensador essencwlmente conservador. Para Thomas Kuhn, por exemplo, Co­ pérmco escreveu "mais a fettura de uma revolução que um texto revoluc10náno" [ 1 35: I 35; ver também 32: 1 23-5]. Para os que gostam de rcdigtr invcntános, certamente é fácil dar a Copérmco uma feição conservadora. Ele guardou seu livro por cerca de trinta anos antes de se detxar convencer a publicá-lo. Fez poucas observações astronômicas {não foi nenhum defensor revolucionáno do emptnsmo); não se pro­ nunciOu acerca da condição das esferas celestes (hesitava entre vê-Ias como esferas sólidas, cristalinas, em que os planetas estão mcrustados, ou meros construtos geométncos [mas ver 238: I 12-6]; continuou a acreditar numa esfera finita de astros fixos, embora sua teona exigisse que ela fosse muito maior que antes [43: 99-0]. Além disso, recusou-se a empregar o ponto equante ptolomaico sob a alegação extremamente conservadora de que cíe violava o antigo preceito de que os movi­ mentos celestes devem ser uniformes e perfeitamente circulares, mas em outras circunstâncias usou as técnicas matemáticas ptolomaicas (excêntncos e eplctclos) c até mesmo eptctclos sobre eptciclos para resolver alguns problemas [60; 135]. Mais ainda, voltou-se para pen­ sadores da Antigüidade em busca de precedentes para a teoria de uma Terra em movímcnto, encontrando-os em vános autores pitagóricos [1 35]. Apesar disso, como Robert S. Westman mostrou, Copérmco ainda deve ser considerado um movador radicai na astronomia e na formação de um novo papel para o astrônomo - um filósofo natural [238]. Pms, enquanto Andreas Osiander ( 1498-1552), um pastor luterano que acompanhou a Impressão de D e revolwwnibus, mcumbw-se (sem permissão) de acrescentar um prefácio anônimo em que negava a capacídadc do astrônomo de chegar a conclusões verdadeiras sobre a natureza real do céu, Copérnico deixou muito ciaro, em seu próprio *

A tlctcrmmação da data da Páscoa, esscnc1al na cultura medieval. esta diretamente rclncJOnada à dctermmação do miem das estações c à elaboração do calcndáno. (N.R.)

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Prefácio, que repudiava por completo a abordagem instrumentalista. Uma vez que seu ststema heJiostático explicava todas as observações celestes com tanta precisão quanto o de Ptolomeu, elimmando ao mesmo tempo o componente anual mexplicado do movnnento de cada planeta (que é obviamente uma transferência do movimento da Terra) c fornecendo um meiO fácil e certo de precisar a ordem dos planetas ( arbitrána em Ptolomeu) e as distâncias que os separam do Sol, Copérmco acreditava que seu sistema devta ser considerado fisica­ mente verdadeiro. Asstm, Copérnico não só pôs a Terra em movtmento contra todos os ensmamentos da física aristotélica, as Sagradas Escri­ turas e o senso comum, como o fez com base em fundamentos que a maiona de seus contemporâneos teria julgado ilegítimos. Por mms contrário que o movnnento da Terra possa parecer à filosofia natural, Copérnico mststtu, ele deve ser verdadeiro porqu e a matemática o exzg e. Isso f01 revolucwnáno. A pergunta Imediata a fazer é por que Copérmco teria dado um passo tão corajoso. É evidente que não podemos responder a essa pergunta referindo-nos a uma úmca causa, mas podemos apontar vános fatores determinantes que devem ser todos considerados em nossas conclusões. Questões técnicas não podem ser negligenciadas, mas tampouco são capazes de fornecer toda a resposta. Fosse qual fosse seu valor como astrônomo e matemáttco, Copérmco poderia ter se contentado em apresentar sua teoria hipoteticamente, como Osiander quis mostrá-la. Parece claro que Copérnico deveria ser vtsto como membro de uma tendência mats ampla entre os praticantes da mate­ mática, e talvez de um punhado de humanistas simpatizantes, a e]evar seu status mtelectual e socml [238; 1 2]. Os fatores que contribuíram para estimular essa tendênciU foram vanados e complexos, mas incluem a recuperação de textos matemá­ ticos da Grécia anuga por eruditos humanistas, que forneceram novos meios para a formulação de exigências quanto à unidade da matemá­ tica, sua utilidade e sua certeza como mew de estabelecer a verdade [ 1 2]. Houve também um sucessivo enfraquecimento da filosofia na­ tural anstotélica dommante que mcentivou visões a]ternativas não só de filósofos naturais (no âmblto das universidades) como também de praticantes da matemática, física e outros campos [ 1 2; 13; 64; 1 37], permitmdo-lhes escapar das restnções Impostas pelo Sistema umver­ sitário, por exemplo, em que uma hierarqUia estnta de disciplinas e subdisciplinas situava as ciências matemáticas mtstas abaixo da física.

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Mesmo assim, sena errado supor que Copérmco foi tão-somente 1mpelido por ta1s mudanças. Ao ms1st1r na verdade fís1ca de sua teona quando seus fundamentos para tanto eram inteiramente matemáticos, ele estava contribumdo de maneira significativa para o triunfo fina] desse movimento amda mseguro, não Simplesmente tendo um desem­ penho notável em seu se10. Isso fica claro quando consideramos que a maiona dos astrônomos usava o sistema de Copérmco apenas como um meio para calcular pos1ções planetánas. As pesquisas de Robert S. Westman o levaram a conclUir que na Europa somente dez pensa­ dores aceitaram a verdade fís1ca da teona de Copérnico antes de 1 600 [238: 1 36]. Curiosamente, apenas do1s deles trabalharam a vida toda como acadêmicos dentro do sistema umversltárío, e ambos eram alemães luteranos influenciados por Importantes reformas pedagógicas mtroduzidas pelo emmente teólogo luterano Philip Melanchthon (1497-1 560) [238: 1 20- 1 ). A história subseqüente da matematízação da representação do mundo mostra a recorrência do mesmo tema crucial. Os inovadores importantes estavam todos mteressados no status epistemológico da matemátíca. Consídere-se, por exemplo, o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe ( 1 546-1601), que pode ser considerado o melhor astrô­ nomo observacional de sua época. Tycho, como Copérnico, estava livre das restrições da l11erarquia disciplinar da umversidade e, na condição de nobre, não tmha, ao contrário de Copérmco, a necessídade de obter patronato e apolo. ReJeitando o mov1mento da Terra, desen­ volveu para substítuí-lo uma solução conciliatóna entre Copérmco e Ptolomeu em que todos os planetas se moviam em círculos em torno do Sol, ao passo que este descrevia círculos em torno de uma Terra estacwnána. Isto deixa bastante evidente que Tycho era um matemá­ ticO realista, mas fm quando ele publicou os resultados de suas observações de uma estrela nova em 1 573 (evidentemente o que hoje chamamos de supernova') e de cometas em 1588 que seu trabalho gerou controvérsia entre filósofos naturais pela pnmeira vez [43: 137-46; 2 I 5]. A estrela nova causava problemas para o aristotelismo "*

As estrelas não são objetos unmávc1s: elns possuem uma históna. Pode-se notar que

estrelas com massa mfenor a I ,4 c mfcnor a cmco vezes a massa do Sol morrem

catastroficamente, produzmdo uma explosão que. em algumas Situações, pode ser VISta

claramente da Terra. Esse processo c o surgimento de uma supernova. Tycho Bruhe observou o surg1mento de uma supernovn na constelação de Casstopéia.

(N.R.)

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tradicional na medida em que se supunha que o céu era perfe1to e não SUJeito a mudanças. Esses problemas foram ampliados quando Tycho consegmu demonstrar que os cometas, observados em 1 577, 1 580 e 1 585, eram fenômenos superlunares, um cometa estando pelo menos seis vezes mais distante da Terra que a Lua. Anteriormente, de acordo com a doutrina aristotélica, cometas e meteoros eram considerados fenômenos atmosféncos (razão por que, aliás, até hoje usamos a palavra meteorologia para o estudo do clima), mas Tycho provou que não era ass1m. Avançando ainda mais no territóno da filosofia natural, ele mostrou que a traJetóna de um cometa o conduzia pelo céu de tal modo que ele rompia necessariamente a doutrina das esferas cnstali­ nas. Dali em diante os planetas teriam de voar independentemente pelo espaço. Isso teria profundas implicações. Uma co1sa é conceber movimentos celestes em termos de esferas que gíram em volta de seus eixos - movimentos que não envolvem nenhuma mudança de lugar (lembre-se: a " esfera de Marte" , por exemplo, refere-se a uma esfera que envolve por completo o centro do sistema do mundo, o qual gira sobre um eixo carregando cons1go o marcador Visível, Marte); outra, muito diferente, é ter de considerar os planetas corpos mdependentes, que se movem efetivamente ao longo das vastas distâncias do espaço. Enquanto se podia dizer que é da natureza de uma esfera girar em torno de s1 mesma sem necessidade de uma força propulsora, os movimentos contínuos de planetas livremente móveis pareciam exigir algo mais em matéria de explicação. Johannes Kepler ( 1571-1630), sem dúvida o ma10r astrônomo copernicano, estava tão preocupado com o direito do astrônomo de ser considerado um filósofo natural que fez disso o tema dommante de uma defesa formal de Tycho (numa disputa de priondade) que fora obrigado a escrever para assegurar o patronato de Tycho [126]. Além disso, parece verdadeiro afirmar que Kepler Jamais teria dado suas próprias contribmções à astronomia não fosse por seu realismo mate­ mático e sua convicção de que o astrônomo deve também ser um filósofo natural. Em sua Astrononua no va de ! 609 ele não só revelou que os planetas seguiam trajetónas elípticas em torno do Sol (que está situado em um dos focos da elipse) e que a velocidade do planeta variava contínuamente, aumentando à medida que ele se aproximava do Sol, dimmuindo quando se afastava, mas propôs também uma explicação fís1ca para esses movimentos. Na verdade, o título completo de sua obra indicava ser ela " baseada numa teona de causas" para fornecer uma " física celeste" (Astronomia nova aítíologetos, seu

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Inspirando-se em parte na filosofia magnética de William Gilbert ( 1540- 1603) e em parte na tradição neoplatômca da metafísica da luz (intimamente ligada à tradição matemática da óptica geométnca), Kepler sugenu que os planetas, entre os qums a Terra, devwm ter algo semelhante a um eiXO magnético que os mantinha continuamente orientados do mesmo modo no espaço e que podiam produzir fases alternadas em que eram atraídos ou repelidos pelo Sol (se Imagmarmos o Sol como um monopoío magnético). Kepler InSistiu, no entanto, que o magnetismo devia ser VIsto apenas como um exemplo do tipo de força que poclena estar envolvido, e recorreu também à luz do Sol como um outro análogo do tipo de coisa que linha em mente [ 1 34: 1 85-224]. Pesquisas recentes revelaram que Kepíer acabou por se convencer ela verdade das trajetórias elípticas porque elas admitiam esse ttpo de explicação física. Ele conseguiU encontrar vános esquemas geométncos alternativos que senam igualmente capazes de explicar as observações de Tycho, mas sua busca de causas físicas para explicar a geometria o levou ao que hoje conhecemos como suas cluas pnmeiras leis do movtmento planetário· [209; 7 1 ; 1 34; 4 1 ]. Um Importante aspecto das mudanças nas teonas astronômicas de Copérnico a Kepler fOI a crescente compreensão de que a divtsão arístotélica ngorosa entre fenômenos sublunares e supralunares, ou celestes (segundo a qual, por exemplo, todos os movimentos naturais abaixo da esfera da Lua eram retilíneos, ao passo que os movimentos naturais no céu eram sempre circulares) deixara de ser defensável. Ao remover a Terra do centro do universo, Copérmco harmonizou as noções de " em cima" e "embaixo" que definíam essencía1mente os movimentos naturais sublunares. Além disso, a dissolução das esferas celestes eliminou o mecamsmo clássico para a explicação do movi­ mento dos planetas (em geral atribuído a uma força propulsora trans­ mitida por fricção de uma esfera cnstalina para a seguinte [ 138]) e exigiU uma nova explicação. Esse desafio fOI enfrentado não só por Kepler mas também por William Gilbert, Galileu [205], Giovanm Borelli ( 1608-79) [ 1 34], Isaac Beeckman ( 1 588-1637), Descartes e muitos outros [2; 233), até que os PrincípiOs matemáticos da filoso fia

physzca coelestis).



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A REVOLUÇÃO C I E NTÍFICA

A pnmetra le1 de Keplcr diz: os planetas gm1m em órbitas elípticas com o Sol em um dos focos. A segunda le1 diz: os planetas varrem áreas tguais em tempos tgums, ou SCJa, quando estão prõxtmos no Sol, n velocidade orbital é mator do que quando se encontram mms distantes, de tal fonnn que, em um mesmo mtervnio de tempo, o rato que une o planeta no Sol define a mesma área. (N.R.)

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de Newton ganharam aceitação geral como a solução correta [233; 236; 1 00]. Mas o novo uso da matemática para explicar, e não apenas descrever, os modos de funcionamento do mundo físico não ficou confinado aos assuntos celestes. Por força do crescimento do comércio, do início da colonização e do impulso concomitante à exploração, técnicas matemáticas práticas como a navegação, o levantamento topográfico e a cartografia passaram a ser vistas como muito mats importantes, atraindo o mteresse de eminentes mteiectuais e permitin­ do a alguns humildes praticantes elevar seu status social e mtelectual [9; 10; 40]. A ciência matemática da mecâmca (terrestre), que podia ser subdividida em estática, hidrostática e cinemática, também sofreu mudanças notáveis durante esse período. Para compreender essas mudanças devemos, mais uma vez, consíderar desenvolvimentos téc­ nicos jUntamente com alterações Importantes no papel social dos matemáticos. Inovações nas operações militares, em particular a in­ ventiva resposta ao cerco por canhões, o bastião resistente à artilhana e vários projetos de engenharia Civil como a recuperação de terras, construção de canais ou mesmo o stmples levantamento topográfico para propósitos fiscats, foram vistos como causas írnportantes não só do status maís elevado dos matemáticos nos pnmeiros tempos da Europa moderna, mas também do maior ínteresse pela matemática demonstrado por membros da nobreza [ 12; 1 37; 13 1]. Mudanças na natureza e na estrutura das cortes reais numa Europa de Estados cada vez maís absolutistas também deram ao mathematicus oportunidades mais amplas de fazer sentir sua presença. O matemático que consegUia Impressionar o príncipe com sua produção de mzrabilia, máqutnas ou cenános para espetáculos teatrais e outros aperfeiçoa­ mentos da Imagem do prínctpe podia elevar-se acima daqueles envol­ vidos apenas na administração do Estado. Esses matemáticos, dada sua posição na corte, podiam facilmente desprezar a distinção hierár­ qmca entre matemáticos e filósofos naturms extstente no sistema umversitário. Assim, Giambattísta Benedetti (!530-90) pôde deíxar seõi posto de mathematicus na corte do duque Ottavio Farnese em Parma para se tornar filósofo do duque de Sabóia em Turim. Assim também, enquanto contmuou sendo professor umversitáno, Galileu foi um matlzematicus mal remunerado, mas quando negocíou sua posição na corte de Cosimo de Medici, pôde pedir, e receber, o título de filósofo [ 1 2; 1 3; cf. 1 56]. natural

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As descobertas humanistas do Renasc1mento e a edição das obras de Arqu1medes, Pappus, Héron de Alexandria e de uma séne de questões mecânícas que foram erroneamente atribuídas a Aristóteles, também estimularam, ou tornaram possível, uma atitude mats ousada por parte dos que possuíam a períc1a matemátíca necessána para dar um uso prátiCO a essas obras. Cada vez ma1s, ao longo de século XVI, vemos matemátícos envolvidos com mecâmca terrestre que não se sattsfaztam em apresentar seu trabalho como meramente descritivo ou subserviente a uma filosofia natural anstotélica tradiciOnal que parecm cada vez mais fraca. Na obra de homens como Simon Stevm ( 1 5481 620) nos Países Bmxos e Nicolo Tartaglia ( 1 500-57) na Itália [55; 1 3 1 ; 47], a separação entre teoria e prática, imposta pelos professores umversnáríos de filosofia natural, f01 repetidamente declarada insus­ tentáveL Evidentemente a maior figura nesse mov1mento é Galileu Galile1, cuja passagem de frustrado mathematicus no SIStema universitário para filósofo natural na corte de Cosimo de Medici deve ser agora entendida corno tendo sido compelida pela natureza de sua ambição científica e produz•do, por sua vez, um efe1to v1sível no conteúdo de sua obra c1entífica [ !3]. Embora Galileu seJa famoso sobretudo por sua defesa da teoria copernicana, seu interesse imcíal voltava-se para a mecânica terrestre, em particular a cínemátíca. Como muitos de seus contem­ porâneos. estava insatisfeito com a explicação aristotélica do movi­ mento e empenhou-se na busca de uma teoria melhor. No curso de sua carre!fa, sua explicação da queda livre, por exemplo, o fez passar de um mero refinamento da crença de Aristóteles de que os corpos caem em velocidades proporciOnais a seu peso à compreensão de que a aceleração na queda livre é urna constante (num vácuo) para todos os corpos. Ele também f01 capaz de provar a trajetóna parabólica dos projéteis, admitindo, ao contrário de Anstóteles, que o movimento natural de um corpo (sua queda livre) ocorna mdependenternente dos movimentos forçados, não naturais, a que era submetido. Para Aris­ tóteles um projétil viaJaVa numa linha reta na direção em que era lançado, até que a causa de seu rnov1rnento artificial cessasse, e somente então passaria a viaJar rumo à Terra numa linha reta descen­ dente sob o rnov1rnento natural da queda. Mostrou-se que a traJetória parabólica de Galileu denvou de urna ação combmada desses do1s movimentos (natural e artificial) [59; 204; 99: cap. 4]. A afirmação de que dois movimentos podiam ocorrer ao mesmo tempo também ajudou Galileu a responder a vánas objeções à teona copem1cana.

Uma bola que se deixasse catr verticalmente de uma torre. eíe ms1stm, não caina longe do oeste da torre, Já que a Terra em rotação se moveria rumo ao oeste durante a desc1da da boi a. A bola tombada perrnanecena perto da torre porque já tena o mesmo componente de movimento c1rcular que a própna torre e tudo mais sobre a Terra possuem. Outra das teorias do rnov1rnento de Galileu foi desenvolvida na tentativa de explicar os movimentos da Terra em tomo do Sol. Como um copem1cano inveterado que desejava se demonstrar um filósofo natural, Galileu se propôs a explicar de que modo um corpo como a Terra, que pesa um número mcalculável de toneladas, podia ser rnantído em mov1rnento perpétuo. Essa era urna grande dificuldade para a teona copermcana. Segundo Anstóteles, tudo que se move é movido por alguma cmsa. Então, o que é que faz a Terra girar? Kepler, como vtmos. tentou denvar uma força motora por analogia com o magnetismo e a iuz; Galileu simplesmente negou o pressuposto ans­ totélico de que o movimento requeria uma causa contínua. Numa passagem brilhante de seu Diálogo so bre os dois ma tares sistemas do mundo ( 1 632), Galileu afirmou que, enquanto num plano inclinado sem atritos uma bola sem irregularidades se acelerará continuamente à medida que se move pelo declive abaixo, num plano perfeitamente horizontal essa bola não tenderá nem a ganhar nem a perder velocidade. Portanto, uma vez posta em movimento num plano horizontal, a bola continuaria a roiar indefinidamente com a mesma velocidade. Mas um plano horizontal, nesse contexto, significa um plano cuJas partes mantêm-se a igual distância do centro da Terra, o que podena de fato ser uma esfera que, se aumentada, envolvería toda a Terra. Asstm, Galileu pôde supor que, do mesmo modo corno urna bola de bronze se moveria perpetuamente em torno da Terra num círculo perfe!lo, também a própna Terra poderia se mover perpetuamente em torno do Sol. É claro que este raciocímo seria solapado por completo por qualquer sugestão de que os planetas não se movem em círculos perfeitos e s1rn em elipses, nas quais eles de fato se aproximam e se afastam do Sol, não surpreendendo, portanto, que Galileu nunca pareça ter dado qualquer atenção séna às conclusões astronômicas de Kepler. Os D Ols maiores sistemas do nwndo a que se refere o título de seu grande livro eram o ptolornaico e o copermcano. Galileu também excluiu o sistema conciliatório de Tycho, embora o mesmo fosse perfeitamente compatível com as vánas descobertas astronômicas que ele própno fizera antenormente com o recém-m­ ventado telescópiO. Em seu Siderws nuncius, de 1 6 1 0 , Galileu apre-

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sentou provas que lhe pcrmtttam afirmar que a Lua era exatamente como a Terra em composição (com montanhas, vales, mares etc.), e não um corpo qualitativamente diferente composto de um qumto elemento sobrenatural (ou qumta-essêncta) CUJO movtmento natural era mover-se num círculo. A implicação era clara: se a Lua podia se mover em torno da Terra, ainda que fosse feita de toneladas de terra e água, por que não podia a própria Terra mover-se em torno do Sol? O fenômeno da luz cmzenta, que ele vw ilummar debilmente o lado escuro da Lua, mostrava que a Terra não difena dos planetas por sua carência de luz. As luas de Júpiter que ele descobnu sugeriam ser possível que cada planeta, não somente a Terra, tivesse sua(s) pró­ pna(s) lua(s) c fosse capaz de se mover pelo espaço sem as perder. E a descoberta de mcontáveis estrelas invisíveis a olho nu deu crédito à sugestão pós-copcrnicana de que as estrelas fixas não estavam confinadas a uma esfera e stm espalhadas por todo o um verso infimto. Essas descobertas, e posteriormente a das manchas solares, prejudi­ caram os preceitos anstotélicos de maneira Irremediável, mas nem elas, nem a descoberta adicionai de que Vênus mostrava fases, como a Lua, causaram qualquer dano ao sistema de Tycho. Galileu foi, sem dúvtda, um pensador versátil e cnativo, mas as pesqutsas mostraram a importância que os trabalhos de seus prede­ cessores tiveram para eíe, quer fossem seus contemporâneos mats velhos entre os math ematíc1, homens como Tartaglia ou Guidobaldo dei Monte ( I 545-1607), pensadores medievars como os que desenvol­ veram as teorías do i mp etus para explicar o movimento dos projéteis, ou professores do Collegio Romano Jesuíta [224]. Também se sabe que não havia nada de novo em seu modus operandi, que era essen­ cíaímente aquele dos outros mathematict, combinando análises mate­ máticas e pesquisas expenmentais [205; cf. 1 0]. Não obstante, Galileu fot um convmcente divulgador de suas própnas idéias e um magnífico veiculador de Idéias técnicas. Suas obras mais relevantes, publicadas em Italiano e não no latim dos eruditos, logo foram traduzidas para outras línguas européias. Talvez sua maior contribuição para o desen­ volvimento da ciência tenha stdo, como Gary Hatfield afirmou recen­ temente, sua exemplificação da utilidade e do sucesso da abordagem matemática à natureza [107: 1 39]. Em seus escntos, Galileu ensma repetidamente por meio de exemplos, mostrando como a prática ma­ temática pode nos ajudar a compreender a natureza do mundo, mesmo naqueíes casos em que a adequação entre a análise matemática e a

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realidade fístca é apenas aproximada, sendo a matemáttca baseada numa circunstância idealizada, irrealizável. Outra Importante contribmção para a matematização da filosofia natural foi dada pelos jesuítas com suas vigorosas atiVIdades pedagó­ gicas. A matemáttca desempenhava um papel tmportante no chamado Ratio studio m m (Ordem de estudos) que adotavam. Os jesuítas reve­ lavam a Importância que atribuíam à matemátíca ao ensíná-la junta­ mente com a fístca, ou a metafístca, seJa no penúltimo ou no ú!ttmo ano de seu curso (e não como uma maténa preliminar, ensinada num nível mmto baixo) [ 1 09: 1 0 1 - 14; 50; 1 38: cap. 2]. É difícil exagerar a relevância da pedagogia Jesuíta, e a atitude em relação à matemática propagada em suas faculdades, embora fosse mdubitavelmente uma expressão da tendência geral que estivemos descrevendo, não pode ter detxado de reforçar a tmportâncra da matemática para a compreen­ são do mundo nas mentes dos estudantes. Pelo menos dots famosos alunos dos jesuítas deram suas própnas e influentes contrilJuíções para a matematízação da representação do mundo: Mann Mersenne ( 1 588-1 648) e René Descartes. Marin Mer­ senne tornou-se frade da Ordem dos Mímmos em 1 6 1 1 e, com o incentivo de sua ordem, dedicou a vida ao trabalho intelectual em apoio à sua fé. Mersenne foi levado por suas crenças religiosas a negar o pressuposto fundamental do aristotelismo de que causas físicas podiam ser conhecidas com segurança. Isso equivalia a afirmar que a humanídade era capaz de penetrar a essência de uma coisa e, portanto, era igual a Deus. Mersenne. contudo, não era cético. Via a matemátíca como o tipo mais verdadeiro de conhecimento, a única forma de conhecimento humano que podia asptrar a ser igual ao conhecimento divino [47]. Mersenne desempenhou attvo papel na difusão de suas idéias e das de outros matemáticos, porém fot ainda mais ativo no culttvo e manutenção de uma ampla correspondência com intelectuais de destaque por toda a Europa. Como não podia detxar de ser, procurava pessoas de pensamento semelhante ao seu e atuava como importante fonte de informação JUnto a cada uma delas, comunicando trabalhos em andamento às partes interessadas. Ao fazê-lo, é claro, dificilmente podia deixar de comumcar seus próprios tdeais e sua crença fundamental na Importância da matemática para a filosofia. Em nossos dias, Descartes é conhecido sobretudo como filósofo, mas no estágío ímcial de sua carreira ele foi um matemático, traba­ lhando com mústca, ópttca e mecâmca. Na verdade, seu famoso Discurso do método de 1 637 (em que propôs aquele que é o mats

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famoso de todos os argumentos filosóficos, CogLto, ergo su m - Penso, logo existo) fOI publicado como o prefáciO de três exercícios em física matemática (sobre a le1 do seno da refração, a causa do arco-íns e sobre o modo de representar problemas algébricos abstratos em termos espaciais ou geométncos) que pretendiam exemplificar o poder e a exattdão desse método [88; 89; 207; 83]. O método de Descartes o conduziU a uma nova metafísica, que forneceu a base para um novo sistema da fístca, a qual, por sua vez-se tornou a mais Influente das novas filosofias "mecâmcas" (ver Capítulo 4). Seu sistema final, embora fizesse menos uso da matemática. sendo mUito mais especu­ latiVO e qualitativo, foi sem dúvida desenvolvido a partir do empenho mtcial em conhecer o mundo físico em termos matemáticos. O elenco de personalidades que desempenhou um papel importante na matematização da filosofia natural poderia ser facilmente ampliado. Galileu de fato fundou uma escola de seguidores que levaram adiante seu trabalho em física matemática; homens como Bonaventura Cava­ lien ( ! 598-1 647), Evangelista Torricelli ( !608-47) e Borelli [ 1 94]. Os Países Batxos forneceram solo fértil para a matemática superior [36]. Isaac Beeckman detxou um exemplo notável de como usar a matemá­ tica na filosofia natural. Embora não tenha publicado nada, sua obra chegou ao conhecimento de outros por mtermédio de Mersenne, ou por conhecimento pessoal. Ele foi uma mf!uência mtc1al particular­ mente importante para Descartes [89]. A física matemátíca atingiu seu áptce nos Países Batxos com Chnstlaan Huygens ( 1629-95), que é apresentado com demasiada freqüência como Importante precursor de Isaac Newton (porque seu desenvolvimento do conceito de força centrífuga deixou claro que o movimento numa trajetóría curva, como a dos planetas, extge a ação constante de uma força, abrindo assim cammho para a afirmação newtomana da inércia retilínea e a rejeíção de idéias persistentes, derivadas em últtma análise de Galileu, de que o movimento num círculo também pode contmuar mdefimdamente). Mas Huygens pode ser visto, de mane!fa menos wlliggista, como aquele que pnmetro adaptou e refinou a filosofia mecanicista de Descartes que lhe parecera carente de fundamentos tanto matemáticos quanto metodológicos, e aquele que desenvolveu postenormente uma filosofia mecanicista em oposição ao que considerava a filosofia não-mecânica de Newton [244; 233]. Os Princípws matemáttcos d e filosofia natural ( 1 687) de Isaac Newton podem ser VIstos como o ponto culmmante da matematlzação da representação do mundo. Obra famosa sobretudo por estabelecer

que os planetas continuam gtrando em torno do Sol em conseqüência da mesma força que faz uma maçã catr no chão, o PruzcLplO malhe­ marica fez muito mais além disso. Demonstrou matematicamente a verdade das ieis de Kepler sobre o movimento planetáriO e IniCIOU a teoría lunar e cometária moderna. Mostrou a utilidade da matemática para uma compreensão dos retnos tanto celeste quanto terreno e, por fim, refutou a distinção anstotélica entre física sublunar e superlunar. As leis do movimento de Newton suplantaram as de Descartes e formaram a base de uma compreensão completa do comportamento de corpos em colisão (incluindo as colisões oblíquas, que haviam derrotado Descartes por completo). Newton fOI capaz de lidar com pleno êxtto com a questão da força centrífuga e de dar os pnmetros passos rumo à compreensão dos movimentos dos corpos em flutdos resistentes. Este último esforço lhe permítiu desenvolver uma teona da acústica em que a velocidade do som vanava com a pressão e a densidade do meio através do qual ele passava. Em um desenvolvi­ mento de importância crucial para a filosofia mecânica, que ele e a maiona de seus contemporâneos endossavam, demonstrou matemati­ camente como efeitos macroscópicos observáveis podiam ser explí­ cados em termos de fenômenos microscópicos [79; 1 00; 233; 236]. A publicação dos Principta de Newton assmala a conclusão da tendência à matematlzação da filosofia natural mtctada no século XVI. Mas talvez seJa verdade que fazemos esse JUÍZO sobre os Principza porque Newton, ao contrário de Galileu ou de Descartes, pôde dispor de uma matemática e de uma física substancialmente corretas. O própno Newton não precisou JUStificar a abordagem matemática; pôde supor com segurança que havta um público para seu livro que, mesmo que não consegmsse acompanhar sua matemática, não duvidava da validade da mesma para a compreensão do funcionamento do mundo [80]. Embora seu livro tenha enfrentado algumas críticas violentas, não se levantou um murmúrio sequer contra ele sob esse aspecto. A batalha já havia sido ganha, e, em certo sentido, a história Já se completara antes que Newton pisasse no paico. Certamente, no final do século XVII, o matemático era visto não como um mero subordinado do filósofo natural, mas como um membro da elite mtelectual. Esse fato é notavelmente ilustrado pela má acolhtda dada à afir­ mação de Robert Hooke ( 1 635-1703) de gue Newton tomara dele o pnncípal pnncípio da mecânica celeste. Sem dúvida é verdade que, numa troca de cartas em 1 679, Hooke disse a Newton ser capaz de explicar as leis de Kepler para o movimento planetário mediante a

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supostção de uma úmca força atrativa rumo ao Sol que operava no planeta em movimento tangencml. Chegou até a mdicar que se deve considerar que a força vana inversamente ao quadrado da distância entre o Sol e o planeta. Sabe-se também que antes desse mtercâmb10 Newton tentava descrever movimentos celestes, de manetra tipicamen­ te cartcstana, em termos de um equilíbno entre duas forças: uma força centrífuga causada pela revolução em torno do centro e a força centrípeta da gravidade. Newton adotou os pressupostos de Hooke nos Prmcípza [236: 382-8], mas quando este pediu algum reconhecimento de que lhe fornecera essa idéia, Newton se opôs veementemente à noção Implícita de que os matemáticos " não passam de calculadores Improdutivos c burros de carga" a serviço do homem de idéias. Hooke encontrou um ou dots defensores em seu círculo de amtgos, mas a maiona naquele momento, e todos depOis, parecem ter descartado sua Idéia como trivial se comparada à elaboração por Newton da mate­ mática prec1sa envolvida. "A descoberta fOI de Newton" . insiStiu o lustonador R.S. Westfall, "e nenhuma pessoa informada questiOna Isso senamente" [236: 448-52]. A mensagem parece clara: o verda­ deiro filósofo natural é também um matemático. No tratamento dado a Hooke, portanto, vemos um exemplo precoce do tipo de atitude reverente em relação aos físicos matemáticos que ainda hoje VIgora. Esse é em si mesmo um legado importante desse aspecto da revolução científica. Nosso objetivo aqm é simplesmente explicar a revolução cientí­ fica, e VImos como a ascensão da abordagem matemática na busca de compreensão do mundo natural desde o século XVI até o final do século XVII distingue esse período do que se passou anteríormente, resultando em algumas mudanças espantosas na conceituação da física. Isto não é em absoluto, contudo, uma h1stóría adequada dos primórdios da moderna ciência fístca, mmto menos da matemática. Há vários elementos importantes que mal menciOnamos. Tena s1do possível contar uma história similar concentrando-se mais no desenvolvimento da óptica geométnca [ 1 77; 1 83] ou até em teorias da música e da harmoma (um interesse, em maior ou menor grau, de Galiieu, Kepler, Beeckman, Descartes, Mersenne, Hooke, Huygens e Newton, bem como de outros que não discutimos) [34; 30; 58: cap. 2; 59 : cap. 1 ; 2 1 0). E há mmtos nomes que poderíamos ter cítado: de Gemma Fnsius ( 1 508-55) a Blaise Pascal ( 1 623-62), de Egnaz10 Danti ( 1 536-86) a Pierre de Fermat ( 1 60 1 -65), de Roberval ( 1 602-75) a Leibmz ( 1 6461 7 1 6). Ignoramos numerosos tópicos: o pnncíp10 de conservação de

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um vetor, a conservação do momentum, a matemática dos indivisíveis e o desenvolvimento do cálculo. Cada um destes, pessoas ou tópicos, e muito mais, contribuíram de maneira Importante para a revolução científica, e um estudo detalhado de qualquer um deles fomecena maiOr corroboração não apenas para o papel da matemat1zação da natureza na revolução científica, como para a importância do contexto social na compreensão desse processo. {11)

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M É TODO EXPERI MENTAL

A ascensão da matemática acompanhou a ascensão dos matemáticos: a abordagem matemática à compreensão da natureza tornou-se mais persuasiva à medida que o matemático tornou-se mms digno de crédito. O matemático começou a adquirir o crédito cognitivo previamente reservado ao filósofo natural. Um dos modos como os matemáticos adquiriram esse novo crédito fm a afirmação da certeza do conheci­ mento matemático [ 1 27; 1 2] . Essas afirmações, porém, eram facil­ mente contestadas, em particular se a matemáticaestívesse sendo usada para declarar algo 1mplausível, como, digamos, o movimento da Terra. Afinal de contas, a matemática era um sistema artifictalmente cons­ truído, e a certeza de suas afirmações era condicional: se você aceita certos axiomas e outros preceitos, então tem de aceítar as vánas conclusões que se seguem de maneira demonstrável. Mas por que deveriam os ax10mas e outros preliminares estar relacionados de alguma forma com o mundo físico? Por exemplo, como pode a sugestão de que uma quantidade negativa multiplicada por outra quantidade negativa fornece sempre uma quantidade positiva ter al­ guma relevância para o modo como as coisas realmente são? Além disso, na tradição escolástico-aristotélica dommante, as afirmações confiáveis da filosofia natural eram baseadas em verdades da experiêncía consideradas evidentes, megáveis. As afirmações ma­ temáticas, no entanto, têm uma óbvia tendência a serem tudo, menos evidentes. Sabe-se que Thomas Hobbes ( 1 588- 1 679) ficou fascinado pela geometria euclidiana ao ver um dos teoremas de Euclides pela primeira vez e se Impressionar não com sua verdade óbvia, mas com sua aparente impossibilidade. Para poder estabelecer a validade de sua abordagem a uma compreensão do mundo, os matemáticos tiveram de estabelecer novos cntérios de concordância, novos princípios de JUstificação [50].

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Assim, os praticantes da matemátic passaram a dar Importantes contributções para a nova tendência aoa"' expe rimentalismo, pots um dos traços característicos da revolução científica substitUIÇão da "experiência" evtdente por si mesma que formavaéa abase da filosofia natural escolástica por uma noção de conhecimento demonstra por expenmentos especificamente concebidos para esse propósito. do Com uma prova matemática, o resultado final do expenmento podenao perfeitamente ser conhectmento contra-tntUittvo. Infelizmente, a natureza precisa do papel das ciências matemáticas na form ulação do método expenmental ainda fOI elucidada pela pesquisa histónca, embora haja vános estudos não extre ente sugesti­ vos [9; l O; 50; 59; 1 38; 205]. Parece bastante claromam , no entanto, que os praticantes da matemática desempenharam um papel impo rtante no estabelecimento do método experimental. Uma maneira de entender a conexão entre a matemática e o expemnentalismo é pela lustóna dos mstru os científicos. Antes da revolução Científica, os únicos instrumentment os em uso eram esferas armil ares, astrolábios, quadrantes e mais um ou doís mentos usados exclusivamente por astrônomos. Nos séculos XVIinstru e XVII, con­ tudo, uma série muito mawr de Instrumentos matemáticos entrou em uso para facilitar a resolução de probl em todos os ramos da disciplina matemática. Mas esse mesmo emas perío do vw também o desen­ volvimento dos primeiros instrumentos da filoso natural· Isto é Instrumentos destinados a descobrir novas verdadesfiasobre a �aturez� do mundo. Entre eles, os pnncipais foram o telescópiO e o micro o, . o barometro e a bomba de ar, o termômetro e, mais tarde,scópi vária máqui;'as elétricas [21 9; 9; 1 04]. Sem dúvid a é significativo que 0s telcscopto, um novo mvento usado comercialmente, tenha se tomado pela pnmeira vez um instrumento de fia natural nas mãos de Galil e�, um praticante da matemáticafiloso que nutna uma apaixonada ambiçao de ser reconhecido como filósofo natur O telescópio gali­ leano pode ser visto como uma extensão daquelesal.mstru os astro­ nômicos anteriores que permitiram a Tycbo Brabe estabment elece a estrela nova era uma estrela nova e que os planetas tambémr que eram "' O a ��or us? ? termo "praticantes da matemátíca'' para evidencmr que categorms como maremattco, �!Stco, Ctent1sta etc. são recenles na históna da ciência. Na presente tradução adotamos tndtferentemente os vânos termos, sempre tendo em mente os limHes históncos. fN.R.)

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fenômenos celestes, não atmosféncos. O telescópiO tornou-se um instrumento científico à medida que se mtegrou aos propósitos dos astrônomos, e ao fazê-lo tornou mais fácil para os astrônomos passarem a ser filósofos naturais, pronunciando-se acerca da natureza real do céu [220]. É razoável admitir, portanto, que fOI a tradição matemática que forneceu o primeiro estímulo para o uso de instrumentos na pesqmsa científica. Como sugenu J.A. Bennett, parece haver uma clara progressão do instrumento matemático como a marca registrada do matemático para o instrumento científico como a característica distin­ tiva do cientista moderno [9; cf. 220]. As ciências matemáticas sempre se dedicaram ao conhecimento prático, útil, e os praticantes em geral tínham onentação empirista, testando a aplicação de suas técmcas matemáticas ao mundo real. Talvez seja nas tentativas de usar a descoberta da vanação magnética como meio de determinar em que longitude se está no mar que Isso possa ser visto com maior clareza. A posíção de um navio ao norte ou ao sul do equador era facilmente determmável tendo por referência o Sol ou as estrelas, mas a determinação de sua posição a leste ou a oeste de um dado ponto de referência resistira a todos os esforços. Quando se percebeu que a agulha de uma bússola se orienta não para o pólo norte geográfico mas para um ponto fixo (que mais tarde se descobriu variar em posição) a alguma distância do pólo, isso pareceu fornecer uma possível solução para o problema. Em todos esses esforços fOI necessário confrontar cálculos com as observações de marinheíros e, em vários casos stgnificativos, estudos empíricos de magnetos e de seu comportamento também desempenharam Impor­ tante papel nas investigações [9; 245; 225]. Parece que os praticantes matemáticos empreendiam esse tipo de prova empínca de seu trabalho quase rotmeiramente. Em vista disto, parece mmto provável que a tradição matemátíca deva ser encarada, como Bennett Insistiu, como uma fonte importante do método expenmental na ciência do século

XVII.

Se a expansão da exploração além-mar, do comércio e da colom­ zação no Renascimento exigiram aperfeiçoamentos na navegação e em outro aspectos matemáticos da geografia, essa não fo1 a úmca esfera em que artesãos habilidosos puderam dar contribuições de que intelectuais com formação uníversttáría não eram capazes. A maior importância da mineração e da metalurgia na economia européia do sécuio XVI gerou um crescente mteresse por tais rnatérías entre homens

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A R E V O LUÇÃO C I E N TÍFICA

de nível inteíectuaJ mats elevado. Esse mteresse se evidencia em dois livros mlluentes, D e la p trotechma ( I 540), de Vanoccio Binnguccto ( I 480-c. 1539) e De re m etallica ( I 555), de Georg Agncola. Essas obras ilustravam claramente a re]evâncta do conhecimento artesanal para uma compreensão da natureza do mundo e reforçavam os ensi­ namentos de pedagogos humamstas, como Juan Luis Vives ( I 4921 540), que defendiam o estudo dos segredos das artes e ofícios. Elas enfatizavam também a tmportância da experiência na fundação do conhecimento. A crescente consciência do conhecimento mats prático dos artesãos de elite fot considerada um fator importante no desen­ volvimento do método expenmental. Bernard Palissy ( 1 5 1 0-90), um oleiro muito admirado que tentou descobnr por st mesmo, por ensaiO e erro, o segredo dos utensílios de ferro esmaltado chíneses, ministrou palestras públicas em Pans sobre agncultura, mineralogia e geologta e publicou Discours adnurabl es ( 1 580), diálogos em que a supe­ rioridade da " práttca" era exaltada em detnmento da limitada " teona" [ 1 80). A tradição matcmáttca não fot a úmca fonte histónca de uma aborda­ gem expenmental à compreensão da natureza. Houve também vános desenvolvnncntos expresstvos em anatomia e fisiologia. Na Umver­ stdade de Pádua, por exemplo, houve uma ruptura revolucionána com métodos anteriores de ensmo da anatomta nas escolas de medicma com a destgnação, em 1 537, de André Vesálio ( 1 5 14-64), um sábto de formação humanista que também era um dissector mmto hábil [76; 1 62]. Vcsálio ensinava anatointa enquanto fazia suas dissecações {o mais usual era que o professor lesse uma autoridade anttga, Galeno, enquanto um ctrurgião fazia a dissecação), e provou-se imensamente estimado entre os estudantes de medicum. Além disso, seu excelente livro, D e lwmam corpons fabrica, de I 543, era ao mesmo tempo um manual de anatomia e um manual práttco magnificamente ilustrado sobre como dissecar. Vesálio ainda teve o cutdado de acrescentar um prefácio em que deplorava a separação entre a ctrurgta (na época uma tradição artesanal) c a medicína. Em conseqüência, a anatomia vesa­ Iiana veto a ser constderada, pelo menos por alguns, "o fundamento de toda a medicma" , e por algum tempo ameaçou substituir a filosofia natural em sua postção de centro da educação médica [226; 22). Consta que Vesálio teria descoberto duzentos erros nos escritos anatômicos de Galeno, c o mais Importante deles, sua descober ta de que a parede que separa os ventrículos direito e esquerdo no interior

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do coração não era perfurada, ameaçou toda a fistologta galêmca [i 62). Embora o própno Vesálio não tenha tdo além disso em seus estudos do coração, seus sucessores em Pádua fizeram algumas descobertas pertmentes. Realdus Columbus ( 1 5 1 0-59) propôs a teoria da circulação pulmonar (segundo a qual o sangue passava do ventrículo direito do coração para o esquerdo atravessando os pulmões, e não se filtrando por supostas perfurações na parede muscular que os separa), enquanto Hieronymus Fabrictus ( 1 533- 1 6 1 9) descobnu nas veias matores das pernas válvulas que, como Wi!Ham Harvey ( 1 578- I 657) comprecndeu _ mais tarde, permitiam que o sangue fluísse somente rumo ao coraçao. Harvey esteve em Pádua de I 600 a I 602 e fot ínstruído por Fabncius no que Andrew Cunnmgham chamou de o "projeto Anstó­ teles" - um esforço conjugado para adquínr um verdadeíro conhe­ címento causal das partes, ou órgãos, dos animais e de sua ge;ração, e assim elevar o mteresse pelas cotsas vivas da condição de história natural (descritiva) à de filosofia natural (prescrittva) [44; cf. 77). Em seu retorno à Inglaterra, levou adiante essa tradição paduana mediante o estudo da geração de animais e do movimento do coração e do sangue. A pesquisa nesta últtma matéría levou-o à descoberta da circulação sangüínea. Em seu D e moto cordis et sanguuzis ( 1 628), Harvey não somente concebeu algumas técnicas expenmentats enge­ nhosas porém simples, como também lançou mão do conhectmento artesanal de açouguetros e magarefes (foi capaz de explicar por que eles cortam uma artéria para escoar todo o sangue do corpo e por que, quando isso não é feito, as artérías estarão vazias após a morte mas as veias estarão cheias de sangue). Pesqmsas cuídadosas nos permitem ver agora que Harvcy não estava " à frente de seu tempo" , um pensador moderno em roupagem do século XVII. Enquanto a matona dos anatomistas da época restringía seu estudo ao homem, o "projeto Aristóteles" de Pádua era mats amplo, buscando compreender a forma e a função de partes dos sistemas animais de maneira mais geral. Em conseqüência, Harvey Investigou os movimentos do coração e do sangue em outros ammais além do homem. Em decorrência disso, pôde efetuar experimentos de vtvíssecção - algo jamais cogitado pela maiona dos anatomistas. Muitas das descobertas de Harvey foram fcítas porque ele realizava experiêncías como um anstotélico de Pádua. Além disso, por força de seu vttalismo, seu modo de pensar era muito diferente do de um bíólogo moderno (45). Ek estava convencido de que o sangue contmha algum pnncípio "que corresponde ao elemento dos astros" c que seria o

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prmcípio da vida e da dentro dele [ 1 65; 10 I]. Além disso, embora dura�te sua carreira tenalmhaa mu o de idéia quanto a ser o coração ou o propno san!'ue a sede ongdad ma l da VIda, nunca duvidou de que 0 s �tema coraçao-sangue era auto-sufic te e não necessítava de ne­ n um outro pnnctp� to, como o ar vmdoien dos pulmões, para restaurá-lo. _!'ode-se ver como um sma l seguro da con traçoes experimentais de Harvey o fato de suafiabilidade das demons­ por outros com notável rapidez (embora ela lenhateona ler sido aceita VIgorosa oposição por parte de alguns grupos [24 encontrado, é claro, 0; 77] ). Isso é ainda _ l dado o fato de que ela ma�s notave mm ava por com galemca sem propor nenhum novo sistema para pleto a fisiOlogia esp�rar que a desc:_oberta de Harvey acarretasse umsubstituí-ia. Sena de galen1co d: terapeutica, que era tão mtimamente colapso do sistema mas Isso nao aconteceu. O Sistema galêmco de teraligado à fisiolog1a, de seu sucesso prático no tratamento das doença pêutica em razão ''.'ente que ele vmha proporcwnando uma boa s (é preciso ter em seculos), permaneceu notavelmente mtocado pelasvida aos clín1cos há vey, embora durante um curto período, na décadainovações de Har­ Sido realizados em Londres e Pans alguns exp de 1 660, tenham erimentos perigosos com transfusão de sangue e 111Jeções [75]. No entanto, a fisi tornou-se o foco de Importantes 1nvesti­ gaço_ es expenmentais.OloOsgiapap _ do e do SIStema nervoso, queéis dos pulmões e da resp1ração, do f1ga Harvey deixara mexplicados, foram apenas alguns dos pnncipais focos de pesquisa. Talvez o programa harveyano de pesquisa expenmental ten ha sido mms nco na Inglaterra florescendo do final da década de I 630 até ados da década de 1 670 e envolvendo fi�uras influentes como GeorgemeEnt 4-89), Nathamel H1g hmore 06 f j-8 5), Thomas Wi llis ( 1 62 1 -75),( 160 Chr ( 1632-1 723), Robert Hooke, Robert Boyle e Richar istopher Wren [75 ]. Mas sua mfluência se estendeu ao contmented Lower ( 1 63 1 -9 1 ) qut sa e o ensmo expenmental subseqüentes nas esc, moldando a pes­ olas de medicina [77]. :ambém na história ural ocorreram desenvolvime s revolu­ cwnanos. Humamstas donat Renascimento como Otto Brunfento ls 1 534), Leonard Fuchs ( 1 501 -66) e Gaspard Bau hm ( 154 1 - 1 6(c.1 3)l48em9-­ penharam-se em ampliar os lev mentos enciclopédicos dos mundos das plantas e dos ammais da Ananta tigü fornecidos por Aristóteles, Teofrasto, Plímo e Dioscórides de moidadode,a leva r em conta espécíes do norte da Europa, ou das Améncas, desconhec dtficuldade de reconhecer as descnções antigas idas dos antigos. A conferia grande im-

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portância à identificação prectsa, e a máquina :mpressora rnostr�u-sc de extrema utilidade ao ilustrar os novos catalogas. A tmportancm desses novos textos uniformemente ilustrados não pode ser exagerada; eles representavam um imenso aperfetçoamento em relaç�o aos l�er­ bános e Destiános manuscntos da Idacte Média, e'"' que as 1lustraçoes, quando extstmm, eram pouco realistas, seja porque eram captadas (com freqüência de modo muito tosco) de uma versão antenor por um homem habilitado como escriba, não como desenhista, ou porque sua função não era retratar a realidade, mas o papel simbólico da cnatura no folclore (asstm, pelicanos eram mostrados fenndo deliberadamente o pe1to para alimentar os filhotes com o própno sangue). A busca pelo realismo em ilustrações fettas por artesãos competentes e que, ao contrário das ilustrações decorativas mms formalizadas dos trabalhos antenores, suscitava a comparação com espécimes reats, reforçava a mensagem explíCita dos textos de que a experiência pessoal era um gma mms confiável que a autondade, além da mensagem Impiíc!la de que artesãos competentes tinham aigo a oferecer na busca de uma compreensão do mundo real [6; 53; 72; 208]. Se passou a haver mawr realismo nas ilustrações, houve. um aumento correspondente no que poderíamos chamar de naturahsm o dos textos. As grandes enciclopédias de h1stóna natural do Renasci­_ mento em especial a Histona natura/ium ( 1 55 1 -8) de Conrad Gesner ( 1 5 1 6:65), em quatro volumes, e os treze volumes sobre diferentes tipos de ammais publicados por Ulisse Aldrovandi ( 1522-1 605), tra­ tavam não apenas de fatos comuns sobre os hábttos e a natureza dos ammais que discutiam, mas dos Significados simbólicos que os mesmos possuíam para os antigos ou para diferentes povos da época. Assim sendo essas htstórias naturais mcluíam no verbete relatiVO a certo anim;l todos os adágws, provérbios, fábulas, relatos bíblicos e outros folclores sobre o ammal. Ao que parecia, para histonadores naturais como Gesner e Aldrovandi, tais informações eram relevantes para uma compreensão do próprio animal, sua natureza e Importância. Subja­ cente a essa crença havia a convicção de que todas as cnaturas tmham miríades de significados e íncontáveis conexões com outras cOisas, fossem elas outros anímais, plantas, mmerais, corpos celestes, números ou até artefatos manufaturados pelo homem, como moedas ou amu­ letos. Somente pela listagem de tudo que era conhecido ou dito sobre o antma1 todas essas supostas conexões poderiam ser reveladas. Mas esse tipo grandioso de htstóna natural, que parece ter claras ligações com a visão mágtca do mundo tradicional segundo a qual todas as

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coisas estão conectadas numa Grande Cadela do Ser, possumdo cor­ respondênctas com outros elos da cadeia, deu lugar no século XVII a um ltpo mteiramcnte naturalista de lllstóna natural. Frente a antmats e plantas do novo mundo, que não tmham quatsquer associações ou stmilitudes para a cultura do velho mundo, nenhuma significação simbólica de qualquer ttpo, os histonadores nalurats produziram en­ cicíopédias que apresentavam todas as cnaturas, tanto do novo mundo quanto do velho, em termos mats factums. Não há dúvida de que os usos culinários e medicmats das plantas e dos ammais ainda podiam figurar como parte da história natural que faztam, mas não o seu uso na doutnnação moral [8; 72]. A motivação socta1 que ocasionou essa mudança no trabalho em históna natural fOI essencialmente dupla. Em pnmeiro lugar ela pode ser vtsta como uma extensão das preocupações humamstas do Renas­ cimento com a superiorídade moral da vlta acttva em relação à vtda contemplativa, abarcando tanto disciplinas úteis para o Estado, como a ética, o dirello, a po1ítica c a rctónca, quanto um conhecimento útil, pragmáttco da natureza. Mostrava-se nessas obras que o conhecimento da htstóna natural era útil no comércío, na agricultura, na culinána, na medicína c em vánas outras áreas que servtam ao bem público tanto quanto a filosofia moral do humamsmo cívico [37; 72; 2 12; I 75]. Um aspecto Importante da obra do principal propagandista do expenmentalismo, Francis Bacon ( 1 56 1 - 1 626), foi ter codificado e formalizado as bases da aulondade filosófica da história natural, elevando a Iógtca indutiva acnna da deduttva em seu Neli' Organon ( 1 620) - proposta para substituir a lógica do Organon de Aristóteles. O resultado foi que naturalistas como John Ray ( 1 627-1 705) puderam ver seu trabalho como uma contribuição para "uma filosofia solida­ mente construída sobre uma base de experimento" ( 1 690) [ 1 75]. Em segundo lugar, a h1stóna naturai era vista como um meio de exibir as maravilhosas sabedona, arte e benevolência do Cnador. Desse ponto de VIsta, a históna natural podia Ir muito além das preocupações antropocêntncas da v1ta activa e considerar cnaturas que pareciam não ter nenhum valor medicmal, culináno ou comercial [6: 1 6; 53]. O resultado dessa ênfase religiOsa fOI que botâmcos e zoólogos pude­ ram retvmdicar um crédito mtelectuai maiOr que aquele geraimente confendo à disciplina meramente descntlva da história natural. O hislonador natural lia o segundo livro de Deus, o livro da Cnação, para suplementar a lcttura das Escnturas peíos teólogos.

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O impulso re1igioso em direção à história natural parece ter sido domtnante nos novos estudos que usavam os mx:;roscópios simples ou compostos desenvolvidos a partir de cerca de 1 625. Jan Swammerdam ( 1637-80), um notável microscopista e anatomista comparativo, que demonstrou por dissecação que as asas da futura borboleta estavam presentes na lagarta (refutando assim as crenças arístotélicas na amor­ fia dos insetos e em seu desenvolvimento por total metamorfose), acreditava que a anatomta de um piOlho revelava "o Dedo Todo-po­ deroso de Deus" [37: 56]. Antoni van Leeuwenhoek ( 1 632-1723), o descobridor dos protozoános e das baclénas, fot também impelido por preocupações físico-teológicas [167]. Era possível, contudo, usar o microscópio para questões mats pragmáticas. Enquanto Swammerdam escrevia Eph em en vila ( 1 675), um livro sobre a efemérida, e o revestia de evocações escatológicas, Marcello Malpighi ( 1628-94) optara an­ teriormente por escrever sobre o maiS vendável bicho-da-seda, Dis­ s ertaria d e bombyce ( 1 669). Malpighi empregou o microscópio de maneira particularmente profícua ao estudar a sutil estrutura dos traços anatômicos. Descobríu as conexões capilares entre as arténas e as veias, confirmando assim a teoria da circulação [í). E no entanto, em 1 692, dois anos antes de sua morte, seu colega Robert Hooke, outrora microscopista, declarou que apenas Leeuwenhoek continuava a fazer trabalhos sénos com o novo mstrumento [241]. Pelo menos em parte, a razão por que o microscópio não se tornou tão essenctal para os estudos anatômicos quanto o telescópio para os estudos astronômicos foi sua mcapacidade de se Impor entre os praticantes médicos. O poder do telescópiO de dar maior precisão à astronomia posícional garantia sua utilidade, mas o conhecimento da estrutura invisível de órgãos em nada contribuía para melhorar a eficácta de um sistema médico baseado essencmímenle no estudo e tratamento de sintomas de doenças. O microscópiO podia sem dúvida ter Sido usado por alguns por " diversão e passatempo" , corno Hooke sugenu, mas para ter um Impacto real precísava ser aceito por praticantes nas disciplinas relevantes. O que ocorreu, ao contráno, foi que clínicos emmentes, como Thomas Sydenham ( 1 624-89) e John Locke ( 1632-1704) reJeitaram seu uso [242; 241]. Outra fonte importante do método experimental é encontrada na tra­ dição química ou alquímica. A alquimia não se tornou experimental de repente na revolução científica - sempre fora uma atividade experimental. O que aconteceu na revolução científica fot que o

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experimentalismo alquímico começou a se fazer notar entre filósofos naturais, clínicos e outros intelectuais que já começavam a se fam1lianzar com os ensinamentos da experiência graças a desenvolvtmen­ tos nas ciências matemáticas, na história natural, na anatomia e na medicJna. A pnncípal mfluência Isolada fOI o paracelsismo, uma filosofia que podia assumir muitas formas mas que sempre exaltava a utilidade da química prática para a medicina e para uma compreensão mms ampla do mundo natural (o macrocosmo) e do homem (o microcosmo). Fundado por um suíço Itinerante autodidata que adotou o nome de Paracelso (c. l493- 1 54!), essa filosofia química e novo sistema de medicma tornaram-se tão mfJuentes que passou a ser Impossível Ignorá-los ( 178; 53]. Mas ParaceJso não foi apenas um vigoroso dtvulgador do expenmentalismo, seu sistema médico era genumamen­ te inovador e, embora dividisse as fileiras dos praticantes médicos, vários bons resultados terapêuticos pareciam apontá-lo como um ex­ pressivo aperfeiçoamento e'? relação à medicina tradicional, pelo menos em alguns aspectos. A medida que novos medicamentos qUI­ micamente preparados foram tomando lugar ao lado de plantas medi­ cinais nas farmacopéias oficiais de toda a Europa, a validade do empmsmo foi parecendo cada vez mms Jrrefutável [51 ; 54; 229]. O paraceistsmo conquistou muitos adeptos e alguns deles - como Gu1 de la Brosse (fi. 1 630), fundador do Jardin des Plantes em Paris· Thomas Muffet ( 1 553-I 604), o entomolog1sta cuja filha é eternament� apavorada por uma aranha numa nma Infantil; o clímco e filósofo da medicma, Peter Sevennus ( 1 540-1 602) e Franc1s Bacon - desenvol­ veram suas própnas versões de sua filosofia químíca e se mostraram mfluentes por mérito própno [ 178; 5 1 ; 1 76]. Mas talvez o mawr de todos eles tenha Sido Joan Baptista van Helmont ( 1 579-1644), um nobre flamengo que faz JUS a um rótulo própno, heimontlsmo ( I 66]. Htslo�Jadores da ciência antenores tenderam a se prender aos aspectos quantitativos de algumas das experiências de Helmont (na ma1s famosa delas, ele pesou um vaso, terra e um salgueiro jovem antes e depois de cmco anos de rega, e conclUiu que o maior peso da árvore 74 quilos era devido umcamente à água), ao mesmo tempo em que mostravam uma m·itação whi ggista com sua postura mágico-religiosa demastado óbvta. Permanece o fato, no entanto, de que ete fm um pensador extremamente mfiuente em seu própno tempo como um dos princ1pms representantes da nova abordagem experimental a uma compreensão do mundo. Exerceu, por exemplo, Importante mfiuênCia

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sobre Robert Boyle, o mms representatiVO dos filósofos expenmentms [28]. do método expernnental Afirmou-se muttas vezes que a ascensão grupos de colaboração que estimulou diretamente a formação de ciênc naturats em associa­ reuniram filósofos e práticos das várias demiiasa dei Cimento (fundada ções mais ou menos formais, como a Acca a 660) ou Académw Royale em 1 657), a Royal Soc1ety de Londres (11 52; 1 1 8; 96]. O pressuposto des SciCnces ( 1 666) de Pans [ 1 63; 16;o métod o expenmental ex1ge subJacente a essas afirmações é que ncia f01 explicitada por esforço conjunto, e certamente essa exigê conhecida como Casa Francis Bacon, cuja mstltuição científica Ideal, tts (obra macabada, de Salomão, descrita em seu utópiCO New Atlan reconhecida como a mas publícada postumamente em 1 627),ty f01 quanto da Académie des mspiração por trás tanto da Royal Soc1e emin entes e bem-sucedidas Scwnces [ I 1 6; 96]. Além disso, as mais des Sc1ences, podem dessas associações, a Royal Society e a Acadtosémie s formats de pen­ ser vistas como ongtnárias de agrupamen osmeno grupos de Oxford e sadores de tendência expenmental, como l Soc1ety ( I 1 6; 228], ou Londres que figuram na pré-históna da Roya es encontros sob o patrocímo a Academia de Montmor e os subseqüent m papel proemmente de Melch1sédech Thévenot ( 1620-92) que tivera entre as causas imedi atas da decisão de Colbert de fundar a Académ1e [ 1 6; 1 63]. fornece apenas parte da Pesqmsas recentes sugerem que isso socied ades científicas du­ explicação para o súbito aparecimento de ellan cham atenção para rante a revolução científica. James E. McCldoutas parecoue ter uma o fato de que a formação de sociedadesto do conhecimento sido geral. em característica ímportante do Renascimen ias naturais para abarcar a indo muito além dos confins das ciênca teologia. Parece que tais filosofia, a literatura, a h1stóna e até s para trabalhos avançados, sociedades se desenvolveram como arena pesquisa, numa época movadores. Em suma, eram proto-mstltutos de s de ensmo (142] . izaçõe organ s apena em que as universidades eram muito que as vánas Dado esse pano de fundo geral, não surpreende s. E claro que a origen ntes difere tido m sociedades científicas tenha avelmente mol­ inevít tam receb que ímo natureza específica do patroc [212; 152; avam realiz que ho trabal de dava as sociedades e o tipo ty c a Soc1e l Roya a entre ntes marca 141]. Vánas das diferenças mais tra pnme a que de fato ao ídas atribu ser Acadérnw, por exemplo, podem

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era uma orgamzação tndependente em termos econômicos de membros mteressados, ao passo que a segunda era um grupo de elite cuidado­ samente selccwnado, cada membro recebendo um salário como ser­ VIdor da Coroa f 1 1 8; i I 6; 96]. A necess1dade em que se VIa a Royal Society de recrutar novos assoctados contribuintes sígnificava que a imagem de ciêncta cooperativa baconiana que ela proJetava era ne­ cessanamente um tanto mais frouxa que a vtsão mais elitista da Académw. A Royal Socíety prec1sava ms1stir na validade das contn­ bUJções amadoras, a AcadémJC era deliberadamente um corpo ma1s profissiOnal [96; I í 6]. Permanece claro, contudo, que as sociedades ctentíficas, a correspondêncía entusiástica de seus membros e suas publicações (como Saggi di natura/i esp en enze, da Accademia de} Cimento, lançado uma úníca vez em i 667, ou as regulares Philosoph­ zcal Transactrons of th e Royal SoCl ety, a partir de 1 665) [ 1 63] fizeram muito para promover o novo método empírico de prattcar a ciêncta e estabelecer verdades fiiosófico-naturms. Até bem recentemente os histonadores aceitavam sem questionar as crítícas com que alguns reformadores científicos desqualificavam as umvers1dades de seu tempo. Mas agora o equilíbrío está sendo restabelecido. Certamente havta muita mércta no sistema umversttário, os currículos oficiais demoravam a mudar, assim como os métodos de ensmo, mas, apesar disso, amplos mdícíos sugerem que, pelo menos em certas universidades, a despeito do currículo, ensinavam-se as mais recentes 1déias sobre o mundo natural e o método Científico [86; 69]. A estnta observância de fronteiras disciplinares entre a matemática e a filosofia naturai em certas universidades contribuíu cJaramente, como vímos, para a fna acolhtda dada à teona copernicana e para a dectsão de Galileu de buscar patronato pnvado como filósofo natural em vez de conlmuar sendo um humilde professor numa universidade [238; 1 3]. Mas o status mtelectual dos matemáticos elevou-se no âmbito da umversidade exatamente como se elevou aos olhos dos nobres palro­ nos. A importâncm da matemática era exaltada nas umversidades alemãs em que as reformas pedagógicas de Melanchthon prevaleceram [238], o Ratto studiorum dos jesuítas também enaltecia a matemática [50; I 09; 1 38], como o fizeram as reformas pedagógicas propostas pelo humamsla Peter Ramus ( 1 5 15-72), que f01 mt1uente nos Países Bmxos [86]. Em geral, o maJOr reconhecimento da utilidade da ma­ temática deu lugar a aperfeiçoamentos e a mawres oportunidades de lec1oná-ia em toda a Europa [ 1 9 1 ; 86; 69].

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Até certo ponto, a abordagem expenmental a uma compreensão do mundo físiCO sempre fo1 promovida nas faculdades de medicma. As universidades Italianas, Montpellier na França e até a tradiclona­ líssima Faculdade de Medicma de Pans exigiam que seus alunos estudassem aspectos práticos da medicma passando por uma espécíe de aprendizado JUnto a praticantes locms, enquanto empreendiam seus estudos ma1s teóncos na unívers1dade. A partir do século XVI as escolas de medicina foram as primeiras a abrigar vánas ínstalações essenciaiS para a promoção da ciêncza fundada na observação e empíríca; anfi­ teatros de anatomia, jardins botânicos e, etn alguns casos, laboratórios químicos. Ainda que a revolução da mecântca celeste e terrestre possa ter se produzido em grande parte fora das umversidades, a revolução nas ciências da vida teve lugar quase que inteiramente num contexto umversitáno [ 1 9 1]. As faculdades de medicma tornaram-se os íoca1s pnvilegzados para a propagação das últimas idéias em filosofia natural e para o acesso a instrumentos novos e extreinamente caros como microscópiOs, telescópios e bombas de ar. O cartes1amsmo substituiU o aristotelismo em várias umversidades dos Países Baixos, enquanto a filosofia química paracelsísta e outras foram absorvidas nos currí­ culos de algumas universidades alemãs [86; 156]. No entanto. se seria um erro menosprezar o papel das umverst­ dades na revolução cwntífica, também é Importante não exagerá-lo. É preciso ter em mente que, durante todo esse período, a função da umversidade era ensmar. Os locais onde se fazia a nova pesquísa eram as academzas da corte, a Royal Academy ou a residência partícular de um indivíduo dedicado, fosse um abastado fidalgo como Tycho Brahe ou Roberl Boyle, ou um perseguídor rna1s humilde do conhecimento, como Andreas Libavius ( ! 560- 1 6 1 6) ou Antont van Leeuwenhoek [86: 252; 72; 1 05; 1 97]. Parece razoável supor, portanto, que desenvolvnnentos aproximada­ mente contemporâneos nas ciências matemáticas, na história natural, na fisiologia e anatomia, na químíca, e um desenvo"Jvimento conco­ mitante na instrumentação, tiveram todos um papel na promoção do empirismo nessa época. É claro também que uma matar consciência do poder do método experimental deu enseJO a novas mterações entre homens de ciência, o que estimulou maís mvestigação empírica e, sucessívamente, deu lugar a uma formalização da associação em academias ou s0cíedades científicas. Todos esses desenvolvimentos foram estimulados por mudanças nas cortes pnnc1pescas e nas uni-

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versJdades e as reforçaram, por sua vez. Um resultado o-enénco foi a radical alteração da crença na confiabilidade do conheci':nento produ­ ZidO pela experiêncra. Desse modo, o novo método expenmental tornou-se um traço característico da revolução científica. Mas isso é explicar a ascensão do experimentalismo como uma prática rotineira acetta na investigação da natureza, o que não é exatamente o mesmo que explicar a ongem hrstónca do que podería­ mos chamar de método experimental. O que em geral se desígna hoje por " método expenmental" é um procedimento artificral efetuado num laboratóno para testar uma hipótese mmto específica dentro de uma estrutura teórica considerada confiável. Ele dependerá, provavel­ mente, do uso de um eqmpamento especral, em murtos casos projetado e fe!lo para esse expenmento específico. Será também concebido de modo a excluir, tanto quanto possível, todas as demms variáveis exceto a que está sendo testada. Será, pelo menos em pnncíp10, mfimtamente replicável, de tal modo que os resultados possam ser verificados ínúmeras vez�s, ou que o efeito possa ser demonstrado a novos espectadores. E precrsamente esse " método expenmental" que permíte hoje �aos Cientistas reivindicar sua imensa autondade cognitiva. E evrdente, no entanto, que de modo algum a totalidade dos ctenttstas pode mcorporar esse método a seu trabalho {consícierem-se aqueles que trabalham nas ciências classificatórias da botânrca e da zoologia, por exemplo). Além disso, os socrólogos da ciêncra mostra­ ram diversas vezes que Cientistas que, em p;mcíp1o, poderiam se adequar às demandas desse método, na prátrca não o fazem (ainda que retrospectivamente possam afirmar que o fizeram). Filósofos da ciência, ademais, com freqüência se vuam forçados a reconhecer a impossibilidade de se traçar a demarcação entre ciência e não-ciêncía com base numa metodologia característica. Além disso, não é preciso murta pesquisa hrstónca para mostrar que falar de um método expe­ rimental úmco, facilmente caracterizado, é uma grande leviandade. O método expenmental de Harvey não foi como o de Galileu, e nenhum dos dors se assemelhava ao defendido por Bacon, ou ao adotado por Robert Boyle. Sendo assnn, como se explica que haJa uma concepção tão forte de algo chamado método expenmental, concepção que presta tão excelente servtço retónco na promoção da autoridade mte­ lectual da ciêncra? Alguns trabalhos recentes em hrstóna da ciêncw mostraram o quanto a pesqUisa h1stórica pode ser valiosa na busca de uma resposta para essa questão, prop!cmndo ao mesmo tempo uma o

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compreensão mais preci sa da emergência htstónca do expenmentalis­ mo. as de Jesuítas como Chnstoph Em um estudo detalhado das tentatr vl590 (c. -1654) e outros de elevar Clav ius ( 1 537- 1612), Orazio Grassrmost que as dificuldades mrcrars o status da matemátrca, Peter Dear çõesrou ecrmento produzrdas de surgr ram do fato de que as asser as porconh as [50]. O rdeal mesm si matematicamente não eram verdaderr dos silogismos a form na va-se de ciêncra na tradição anstotélica basea e os quais o sobr da partr de os lógrcos, mas as prem rssas, os pontser rsas, evi­ trove mcon des verda raciocínio era fundado, tinham de aceitar. Isso era problemá no dentes, que ninguém relutana emNa astronomia. por exemplo,ticohavta caso das ciências matemáticas. o Sol nasce e se põe, mas as verdades evidentes, como a de queimen tos retrógrados e numerosos velocídades dos planetas, seus movresolvrdo s por observações espe­ outros problemas só poderiam ser ópttca, muito s fenômenos só po­ cíalizadas. Da mesma maneira, em ões pulaç expenmentats com diam ser evidenciados por mClO deàsmani ras matemáticas � status de equipamento especwl. Para se dar ciênc so que essas observaçoes produ­ filosofia natural anstotélica, era precr er evidentes para um número zidas artificialmente vtessem a parec alguns casos de realização de maior de pessoas. Embora houvesse o a queda de pesos do alto de experimentos em lugares públicos (com z de tornar os expenmentos "pú­ torres de rgreJ a), o mero mars eficanova tras de descrevê-los na blicos" era o desenvolvimento de ntesdemane descnção fora tomado dos literatura publicada. O modelo corre instruído sobre como montar o manuais de geometria. O lettor era rimento, e depms mf�rmado cenáno expenmental e conduzir o expe l afirmar que aquele experimento sobre o que resultana. Tornou-se usua s, e muitas vezes levado a cabo fora previamente repetido várias veze s, CUJOS nomes eram crtados. diante de várias testemunhas abalizada vo"ivimentos sobre o tipo Dear retraçou a mfluêncJa desses desen que se fazta no continente característico de ciência experimental experimental tal como realizada europeu, mmto diferente da filosofia do e Pascal, por exemplo, na Inglaterra [48; 50: cap. 7]. Quan a-oBlars na forma de uma afirmação descrevia um expenmento, apresentavs acon tecem. Se você fizer isto, umversal sobre o modo como as coisa Robert Boyle, um iuminar entre os. isto e ISto, então acontecerá Isto. opun frontalmente a tal cmsa filósofos experimentars mgleses, deve ha-se acontecer, supondo-se que as Parecra-lhe um relatóno do que tas. Com o Bacon, Boyle acreditava suposrções de Pascal eram corre

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ser sempre possível montar um expenmento que parecesse confirmar as idéias preconcebidas do expenmentador. O método expenmentai que dommava na Inglaterra, promovido por Boyle e por um grupo preemmcntc da Royal Soc�ety, destmava-se meramente, asstm eles afirmavam, a estabelecer matérías de fato. Por isso, afirmava-se o método mglês era tsento de quaisquer tendenc!Osidades introduztque das por tdéias teóncas preconcebidas. Fm no trabalho de Steven Shapm e Simon Schaffer que a ênfase retórica no que era " factual" na filosofia natural mglesa foi evtden­ ctada com ma10r clareza (20 1 ]. Em seu Importante estudo sobre os esforços de Boyle para estabelecer a filosofia experimental como um meio de determmar a verdade e sanar toda controvérsia na filosofia natural, Shapm e Schaffer mostraram como Boyle e pensadores de 1déias semelhantes na Royal Socwty insistiam que em seus mentos estavam exclustvamente mteressados em estabelecerexpen­ o que realmente existia, não em Interpretar seus achados de acordo com uma dentre vánas teonas alternativas. As Investigações de BoyJe com recém-mventada bomba de ar não pretendiam, por exemplo, dectdira entre as teonas dos que acreditavam na possibilidade do espaço vaz10 e as daqueles que não acreditavam, mas símplesmente estabelecer a elasticidade do ar. A mslstência retónca no caráter factual de suas conclusões experimentais levou os expenmentadores Ingleses a apre­ sentar seus expenmentos como eventos htstóncos reais. Isso deu lugar ao desenvolvimento de um nova maneira de descrever expenme ntos, de modo a dar ao iettor a tmpressão de que ele estava lá. O objel!vo disso era multiplicar as testemunhas do evento real, transformando-as em " testemunhas virtuats" Essa era uma manetra de contorna problema do testemun ho: por que se acreditaria nesses relatos? rAso testemunhas virtuais eram levadas a sentir que sabiam tanto sobre o cenáno e o procedimento expenmentais que elas próprias os testemu­ nhavam efet'lvamentc. Outras vezes, fazia-se apelo ao número testemunhas reats, em geral numa reunião da Royal Soctety, ultrapasde­ sando de longe as exigênctas dos procedimentos legats, ou natureza das testemunhas, liptcamente cavalheiros que falavam e aagtam de manetra livre e tmparctai [20 I ; 200; 197]. A tentattva de substituir a autondade que se confena à abordagem à filosofia natural mediante a silogística arístotélica por expenm entos confiáveis não foi um exercício abstrato em epistemologia. A natureza supostamente cvtdente por SI mesma das premissas que davam à filosofia natural aristotélica tradicional sua autqndade tínha de ser

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substituída. Experimentos, como a matemática, não são evtdentes por sí mesmos. Para se convencer de sua verdade você tem de saber o quei está fazendo, ou acettá-los com base na fé. Uma vez que era tmpossíve para Boyie ou Pascal transformar todas as pessoas em experimenta­ dores, como era impossível que todo mundo se tornasse ma_temat:_co, eles se concentraram em enfatizar a confiabilidade de suas aftrmaçoes.al Mas a que se devem as diferenças entre o experimentalismo contment e o de ttpo inglês? . Dear propõe uma explicação fundada em dtfere�ças rehgw_sas. Os católicos conttnentats atnda acreditavatn na ocorrenct a de mtlagres, ao passo que os protestantes ingleses afirmavam que a era dos milagres passara e por tsso nenhum milagre genuíno se produzt �l� agora. Dear vê, como um corolário dessas crenças, uma crença catohca na ordem fixa, uma ordem sujetta à let da natureza que pode ser vtolada por u:" evento htstónco úmco (um milagre). Nesse contexto, uma descnçao de um expenmento único não tem sentído (é simplesmente mats um exemplo da ordem da natureza), mas uma afirmação universal sobre, digamos, a pressão do ar, realmente revela algo sobre a ordem da natureza. Na Inglaterra protestante, não há necesstdade da crença numa ordem fixa da natureza para fornecer um padrão que permita dectdtr :_t­ 0 que é milagro:;o, porque milagres não acontecem. Assim, expesao mentos úmcos são stgnificattvos, contribmndo para uma compreen mats prectsa do modo como as cotsas vêtn a ser, ao passo que uma afirmação universal não tem sentido porque se baseia no que a matona dos protestantes mgleses constdera o falso pressuposto de que as cotsas as não podenam ser de outra manetra (os vácuos têm de extsllr, outes) semelhan ou ts, tndivísíve ser de têm corpos dos as mmúscul partes [48; 50; cap. 7; cf. í ! O; 1 12]. . Shapin e Schaffer, em contrapartida, explicam as enfases da metodologta da Royal Socwty a parl!r da htstóna conturbada_ da sociedade inglesa no século XVII e a perststente necesstdade, apos a restauração do monarca, de garanlir a estabilização e a paz. B �yle e seus colegas acreditavam que ao se concentrar na detennmaçao do que realmente existia estavam fornecendo metas_ para o encerramento das controvérstas na filosofia natural. Todos podtam concordar quanto aos fatos, mesmo que não pudessem concordar quanto à divtsibilidade mfimta da mat