382 56 5MB
Portuguese Pages [85]
Dados de Catalogacao na Publicacao (CIP) Internacional (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Yamamoto, Oswaldo Hajime, 1950— Y18c A crise e as alternativas da psicologia / Oswald() Hajime Yamamoto. — — Sao Paulo : EDICON, 1987. 1. Psicologia 2. Psicologia — Aspectos sociais 3. Psicologia como profissao I. Titu10.
87-0892
CDD-150 -150.23 -303.4
Indices para catalog° sistematico: 1. Psicologia 150 2. Psicologia e mudanca social 303.4 3. Psicologia como profissao 150.23
Todos os direitos reservados de acordo corn a legislacao em vigor Impress° no Brasil — Printed in Brazil
Editoria AntOnio Jayro da Fonseca Motta Fagundes Valentina Ljubtschenko Producao Glaucia Cristina Stringhetta Astorfi Rosane Frigo Composicao Maria Angela P. Pirath Arte-final Luiz Gomes dos Santos Capa Vande Rotta Gomide EDICOW Editora e Consultoria Ltda Rua ltapeva, 85 Fone 289-7477 Cep 01332 Sao Paulo SP
Ref.: 8.764
1987
ND ICE
Agradeci mentos Prefacio — Profa. Dra. Sylvia Leser de Mello Introducao Capitulo I — Psicologia e/na HistOria
9 11 13 16
1. Algumas notas sobre as condicOes para o advento da Psicologia 17 2. E surge a Psicologia cientifica 21 3. A Psicologia como ciencia burguesa e o marxismo: urn pequeno esclarecimento 27 Notas 30
Capitulo II — Acerca da "Crise da Psicologia" 1. 0 que os psicalogos tern feito? 2. As criticas a atuacao dos psicalogos Notas
Cal:dui° III — Rumo as alternativas
34 34 42 49
55
1. "Psicologia Alternativa" 55 1.1. Trabalho em instituicOes: urn exemplo 57 1.2. Trabalho na comunidade (ou a "Psicologia comunitaria") 59 2. A "Contra-Psicologia" 63 Notas 66
Capitulo IV — As altemativas que ndo altemam... ou, vale a pena salvar a Psicologia?
69
1. Das alternativas que nao alternam 69 72 2. Reformas sociais, gradualismo ou Psicologia critica 3. Redefinir ou negar a Psicologia, ou colocando os pingos nos ii 74 Notas
Condusao — A "Furled° social do PsicOlogo" revisitada Notas Referencias Bibliograficas Sobre 0 autor
78 80 82 88
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi apresentado originalmente, como Dissertacao de Mestrado ern Educagao, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em meados de 1986. A arguicao dos componentes da banca examinadora, a Profa. Maria Doninha de Almeida, o prof. Jose VVillington Germano, e a profa. Dra. Sylvia Leser de Mello, minha orientadora, propiciaram a oportunidade de rever alguns pontos do trabal ho. Gostaria de deixar meu sincero agradecimento a algumas pessoas, iniciando pela Profa. Sylvia Leser de Mello, pela paciente e dedicada orientagao deste trabalho. Muito mais que uma orientadora, foi uma grande amiga, corn quem muito aprendi em nosso convivio. Ao Prof. Jose VVillington Germano e a Profa. Maria Doninha de Almeida, o reconhecimento pela valiosa colaboracao nas suas arguicaes cuidadosas, observacoes crfticas e sugestOes apresentadas. Tambern gostaria de agradecer aos colegas e professores do mestrado em Educacao da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialmente ao Prof. Dr. Arden Zylbersztajn, pela orientacao do projeto inicial, ao Prof. Dr. Joao Baptista Campanholi pelo exame de qualificacao, e muito especialmente a Dra. Neyde Varela Santiago, pela amizade e apoio durante todo o curso. Nao poderia tambem deixar de registrar meu agradecimento aos alunos e ex-alunos, principalmente aqueles do curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que sempre se constitufram em incentivo e razao de ser do nosso trabalho. Por fim, e corn muito carinho, o meu agradecimento a Maria Emilia., minha companheira e amiga, pelo estfmulo e compreensao, e aos meus filhos Fernando e Mattel°, pela tolerancia, sem os quais teria sido impossfvel o desenvolvimento do trabalho. A todas estas pessoas, e a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, contribufram para a realizacao deste trabalho, meu sincero reconhecimento. O.H.Y. 9
PREFACIO
Ha livros que resumem a experiencia de seus autores mas este é mais do que a historia do trajeto intelectual de seu autor: representa o caminho aproximado que foi percorrido por toda uma geracao de estudantes, professores e profissionais que, sabendo ou nao, faziam a histOria da Psicologia no Brasil. 0 que está em debate, neste livro, 6 a Psicologia. No entanto, aqui, as perguntas nao sao aquelas, tantas vezes formuladas, sobre o valor social das praticas psicologicas. As questdes sao mais centrais. Trata-se de examinar as "alternativas criticas" que vern sendo propostas ao exercicio da Psicologia ou, ate mesmo, o signiricado da palavra "altemativa", largamente usada nesta sociedade em que tudo parece estrangular a vida dos homens. Corn esse fim alguns pontos de referencia sao escolhidos e constituem o arcabougo para organizar a critica as alternativas. Mas o livro nao quer fazer apenas a critica de trabalhos escritos por outros e que Oswaldo tanto valoriza. Sua ambicao é maior: ele quer examinar o futuro da Psicologia num mundo futuro e diverso. E a conclusao de Oswaldo é surpreendente. Ao final do trabalho, apos o exame de "psicologias alternativas" ele pergunta: "Afinal, o que é entao 'alternativo'? Fazer urn trabalho assistencialista corn inspiracao funcionalista? Trabalhar corn a mesma metodologia, e mesmo instrumental e ate a mesma fundamentacao tedrica, mas de maneira mais competente e abrangente? Deixar de lado as questrjes estruturais e se preocupar corn reformas sociais?" A resposta de Oswaldo sugere que seu livro 6, como todo caminho intelectual, tambern um pouco o caminho afetivo do seu autor — crencas, emocoes, valores nao so apregoados mas vividos, estao em causa. A Psicologia 6, talvez, urn pretexto para aproximar-se da politica, a acao por excelencia e, na verdade, a reflexao de Oswaldo a tern coma ponto de partida e como ponto de chegada. Ha uma filosofia politica subjacente as suas apreciacties sobre a Psicologia e a sua 11
coerOncia e esta filosofia 6 total mesmo que ela o remeta a conclusOes incomuns. A conclusao radical é a marca de sua fidelidade a opcao filosofico-politica inicial e nao ha equivocos quanto a coragem de Oswaldo que pOe em duvida aquelas solucdes que, por vezes, se apresentam como redentoras da Psicologia. 0 trabalho tern o merit° da coerencia, menos em nome de uma pureza ideologica de que da necessidade teorica de nao transigir corn solucoes Weis. E born lembrar, sobretudo, que ele nao esta examinando uma certa gama de propostas alternativas para a Psicologia esperando o momento de propor a "sua" alternativa. A marca pessoal do seu trabalho 6 o reconhecimento permanente do peso da realidade, sem fugas alternantes. 0 livro é urn apelo a razao — procuramos saber a dimensao exata do que estamos fazendo — e, talvez, uma advertencia aos que se acomodam pensando praticar a unica Psicologia justa. Profa. Dra. Sylvia Leser de Mello Instituto de Psicologia da USP
12
INTRODUcA0
A situacao atual da Psicologia tern sido caracterizada como sendo de "crise". Alguns, como Ades(1978, p. 1055-1056), discutindo o assunto, preferem encarar a presente situacao como de "efervescencia", como "sintoma de (...) tensao constante (...) entre tendencias epistemolOgicas opostas e, ao mesmo tempo, basicas". A crise, para outros como Deese, é resultante da descrenca cada vez major corn a qual se encara o metodo cientifico em geral e o metodo experimental em particular" (ap. ADES, 1978, P. 1055). JA Campos nega que a Psicologia esteja atravessando uma crise tearica ou metodologica, mas que as "contingencias do mercado estao levando os psicologos a se haverem corn a insuficiencia de seus modelos de interpretacao do real" (CAMPOS, 1983, p. 83). Controversias a parte, é inegavel contudo que a reflexao acerca da Psicologia, envolvendo duas dimensOes, uma "pratica", ou seja, como profissao corn questionamentos que orbitam em tomb da chamada "funcao social do psicologo", e outra "tearica", corn questOes como a apontada por Campos sobre a inadequacao dos modelos de interpretacao a intervencao na realidade brasileira, é hoje uma tarefa urgente. Associada a essa discussao, e consequencia dela, surgiram ao longo dos anos 70, estendendo-se ate hoje, experiencias diversas que pretendem ser alternativas para esta situagao "critica" da Psicologia. E tais alternativas estao relacionadas ao significado social da profissao e a urn possivel papel "transformador" que a Psicologia poderia ter.
o
objetivo deste estudo é discutir a "crise" da Psicologia, e avaliar as "alternativas" que vern sendo apresentadas. o Capftulo I apresenta o referencial a partir do qual fazemos a analise. Iniciamos situando historicamente o surgimento desse conjunto aparentemente desconexo de "conhecimentos" e "praticas" que chamamos de Psicologia. 13
De acordo corn Lukacs(1968), a separacao da cidade e do campo é a base da subsuncao do indivfduo a divisao do trabalho, a uma atividade pre-fixada e imposta. Este contraste é aprofundado corn o desenvolvimento do capitalismo, corn a separacao entre trabalho ffsico e espiritual. Posteriormente, o trabalho espi ritual é diferenciado em diversos campos separados, corn interesses particulares, acaband° par criar os especialistas enquanto subespecie. A divisao capitalista do trabalho, entretanto, nao se restringe a submeter todos os campos de atividade material e espiritual, mas tambern se insinua em Cada urn provocando "profundas deformacoes, que se , revelam (...) sob variadas formas nas diversas manifestacoes ideol6gicas" (LUKACS, 1968, p. 63). A fragmentagao do conhecimento e o isolamento das especialidades sac , cartefsidnaoclburges.Emndua"objetivcnffica", expressao da decadencia ideologica, os campos do conhecimento transformados em "ciencias autonomas", acabam por substituir a investigacao das "reais conexOes causais na vida social (par) analises forrnalistas e vazios raciocinios anal69icos" (id. ibid., p. 65) A ciencia burguesa, contrapoe-se o marxismo enquanto ciencia da totalidade; como ciencia do movimento do pensamento e do mundo exterior, tornados historicamente, que, enquanto visa° social do mundo, tern a transformacao da realidade como questa° central. Situar historicamente a Psicologia tornada "aut6noma", significa precisar as condicoes materials que propiciaram o seu advento, dentro do movimento rnais geral que subordina a ciencia ao Capital. Significa, ao mesmo tempo, caracterizá-la enquanto uma concepcao do real conectada a esta formacao social — ou dito de outra forma, enquanto ideologia. Para delinear esta trajetoria da Psicologia, utilizamos analises de alguns dos estudiosos do assunto, como Braverman (1981); Gorz (1980); Foucault (1968, 1977); Figueiredo (1980) e Patto (1984); entre outros, alem de classicos, como Marx, Engels e Lukacs. A seguir, na pnmeira parte do Capftulo II, esbocamos uma breve caracterizacao da profissao de psic6logo, a partir das avaliagoes dos proprios psicologos e daqueles que estudaram o assunto — o suficiente apenas para o entendimento das crfticas que a ela se fazem. Fundamentalmente, utilizamos os textos de Mello(1980) e do Sindicato/Conselho de Psicologia de Sao Paulo(1984). Complernentamos a caracterizacao corn urn estudo de Carvalho(1984), sobre as modalidades altemativas de atuacao dos psicalogos. Na segunda parte do capftulo, delineamos as crfticas a Psicologia, que se assentam basicamente no material apresentado no item anterior, e que constituem o ponto de partida da proposicao das "alternativas". Selecionamos, entre os textos disponfveis, o de Holland (1973), de Mello (1980), de Botorne (1979), de Botome e colaboradores (1981), de Duran (1975) e Duran e Pinto (1976). Delineadas as criticas, passamos a apresentagao e analise das experiencias que se propoem alternativas para a Psicologia superar o quadro em que se en14
contra. Para efeito de analise, subdividimos as chamadas praticas "alternativas" em duas categorias: a que denominamos "Psicologia alternativa" propriamente dita, incluindo al os trabalhos institucionais e os em "comunidade", e a que denominamos "Contra-Psicologia" ou "Psicologia crftica", ou seja, aquelas tentativas de "redefinicao" da Psicologia. No primeiro grupo analisamos os trabalhos de Botome (1981a e 1981b) e os de Andery (1984a e 1984b). No segundo, as proposigoes de Campos (1983) e Patto (1984). No Capftulo IV, discutimos as "alternativas" e suas implicacoes, analisando os pressupostos sobre os quais se fundamentam. Nesse capftulo, e na conclusao, procuramos demonstrar, a partir do referencial esbogado no infcio do trabalho, o que consideramos equivocos dessa concepgao de pratica "alternative". Subjacente as crfticas, e alicergando tal pratica, esta a crence de que a Psicologia, assim como as demais profissOes, competencies e capacidades de trabalho sao entidades "contarninadas", mas recuperaveis na transigao ao socialismo, sem necessidade de rupturas ideologicas. Dessa visao, resulta a tentative de atribuir a Psicologia — e ao psicologo — urn papel de transformagao social que, historicamente, ela nao tern condigoes de assumir.
Algumas consideracaes sobre a selecao do material analisado: a. 0 levantamento aqui empreendido nao é, nem pretende ser exaustivo. 0 material foi selecionado em funcao da seriedade no trato dos assuntos, o que, contudo, nao implica em assumir que sejam os unicos, ou mesmo os melhores no julgamento de outros. b. Face-se a ressalva de que a presente analise nab se baseia necessariamente nas publicagoes mais recentes dos autores, o que faz corn que corramos o risco de injustice frente a propria evolucao do pensamento desses autores. Outro risco que corremos é o de lidarmos corn alguns textos que possam ser particularrnente datados, o que pode implicar em determinadas caracteristicas dos mesmos. Entretanto, o sentido de trabalhos publicados é, entre outros, o de estimular o debate, e é esse o papel que assumimos. Alern disso, os anos de convivio corn estudantes e profissionais proporcionados pelo magisterio de Psicologia, em diferentes escolas e locals, me permitem afirrnar que os textos escolhidos sao freqUentemente lidos, sendo presence constante e fonte de influencia nas discussoes onde mais seriamente se buscam respostas para a profissao. c. Urn des cnterios basicos para a selecao dos autores foi o respeito que eu, particularmente, tenho por aqueles que se empenham nessas buscas, malgrado as divergencies de opinides. As praticas derivadas de outras concepgaes em yoga na Psicologia hoje, e que tanta influencia exercem sobre estudantes e profissionais, nem ao menos foram consideradas aqui, tao infinitarnente longe que estao de qualquer pratica consequente. 15
CANTULO I PSICOLOGIA E/NA HISTORIA
Os "historiadores" da Psicologia costumam considerar como o marco inaugural da "moderna ciencia psicologica", o estabelecimento do laboratorio experimental de Leipzig, por Wilhelm Wundt, no ano de 1879. Antes do final do seculo XIX, portant°, a Psicologia era considerada urn ramo da Filosofia(1). As explicacoes sobre a "libertagao" da P.sicologia geralmente se relacionarn ao chamado "curso natural do conhecimento": na Antiguidade, todo o conhecimento era abarcado pela Filosofia; nos seculos XVI e XVII, a Astronomia, a Ffsica e a Qufmica romperam o cordao umbilical para se tornarem disciplinas autonomas, o mesmo acontecendo corn a Biologia no seculo XIX. No final do semi° passado, "soou a hora da Psicologia"(2). A evolugao do conhecimento, dentro dessa perspectiva, é explicada dentro dos marcos proprios da area de estudo ou dos marcos do conhecimento cientffico tornado em conjunto — como propoe Kuhn (1975), como se tivesse propulsao propria. Contudo, embora reconhecendo os "problemas relativos ao ethos da ciencia, da logica interna de cada ciencia e das suas controversias tearicas", nao é possivel compreendo-la sem coloca-la dentro de uma perspectiva historica mais ampla — e de considerar sua outra e fundamental natureza: a de "uma tecnica de poder e/ou uma forca produtiva" (IANNI , 1975, p. 1106). A Psicologia, concebida como uma "ciOncia autOnoma", compreende uma forma de saber e uma tecnica — ou dito de outra forma, ideologia e pratica. Caracterizar pois, a genese da Psicologia — e a instituicao do profissional psicOlogo, implica em determinar, conforme assinala Campos (1983, p. 75), o "movimento engendrado pelas demandas que emergem da formacao social onde sua pratica passa a ser requerida — mediadas pelo quadro ideolOgico de representacao do real forrnulado a partir daquela organizacao histOrico-social — conjugadas corn o esforco em atencle-las representada pelo progresso da tecnica". E nas sociedades capitalistas europeias do final do seculo passado que de16
vemos buscar as origens dessa forma de conceber o real atraves do estudo e controle do comportamento individual — e do profissional encarregado dessa tarefa.
1. ALGUMAS NOTAS SOBRE AS CONDICOES PARA 0 EVENTO DA PSICOLOGIA Para situarmos as condicOes que propiciaram o surgimento da "PSicologia cientffica", é necessario tragarmos o movimento historico que subordina a ciencia ao Capital. Enquanto requisitos basicos do modo de producao capitalista, ou sea, a transformacao de dinheiro e mercadorias em capital, aparecem duas condicties prey' as: 1. Acumulagao de certa quantidade de dinheiro(3) nas maos de particulares, num estagio jA bastante elevado da producao mercantil (LENIN, 1978, p. 32). 2. Estabelecimento de relagdo entre duas especies bastante diferentes de proprietarios: "(...) de urn lado, o proprietario do dinheiro, de meios de producao e de meios de subsistencia, empenhado em aumen tar a soma de valores que possui, comprando a forca de trabalho alheia; e, de outro, os trabalhadores livres, vendedores da forga de trabalho. Trabalhadores livres em dois sentidos, porque nao sacs parte direta dos meios de producao, como escravos e servos, e porque nao sao donos dos meios de producao, como campones autonomo, estando assim livres e desembaracados deles" (MARX, 1980, p. 829-830). Portanto, o sistema capitalista requer a separacao do trabalhador da propriedade dos meios de trabalho, e o processo que o cria é que transforma os meios de subsistencia e producao em capital, e os produtores diretos em assalariados. De acordo corn Marx, a estrutura econornica da sociedade capitalista proveio da decomposicao da sociedade feudal. Ou seja, "0 produtor direto, o trabalhador, so pode dispor de sua pessoa depois que deixou de estar vinculado a gleba e de ser escravo ou servo de outra pessoa". Ainda necessitava se libertar das corporagOes. Assim, o "movimento histOrico que transformou os produtores em assalariados 6 a libertarao da servidao e da coercao corporativa; e esse aspecto o Cmico que existe para nossos historiadores burgueses" (id. ibid., p. 830). A outra condicao 6 que os trabalhadores somente se tornaram livres-vendedores apOs terem sido roubadas as condicoes de existencia e producao feudais, e a "histaria da expropriacao que sofreram foi inscrita a sangue e fogo nos anais da humanidade"(4) (id. ibid., p. 830). Tendo a sua base fundiaria expropriada a forca, e expulso da terra, a sequencia do processo de constituicao do "trabalhador livre como os passaros" co17
mo ironizava Marx, foi violenta: por urn lado, a manufatura incipiente nao poderia absorver todo o proletariado recem-libertado, por outro, aqueles que se recusavam a trabalhar devido a dificuldade de se enquadrarem de maneira sobita a disciplina da nova condicao, restava uma legislacao brutal, a base de acoite, torturas, podendo terrninar ate mesmo corn sua execucao(5). Na genese da producao capitalista, nao bastavam apenas ter as condicOes de trabalho como Capital num polo, e no outro, os trabalhadores livres, forcados a "voluntariamente", vender sua forca de trabalho. Conforme Marx (id. ibid., p. 854): "Ao progredir a producao capitalista, desenvolveu-se uma classe trabalhadora que por educagao, tradicao e costume aceita as exigencias daquele modo de producao corno leis naturais evidentes. A organizacao do process° de producao capitalista, em seu pleno desenvolvimento, quebra toda resistencia, a producao continua de uma superpopulagao relativa, mantem a lei da oferta e da procura de trabalho e, portant°, o salario em harmonia corn as necessidades de expansao do capital, e a coacao surda das relagOes econeimicas consolida o dominio do capitalism° sobre o trabalhador. Ainda se empregara a violencia direta, a margem das leis econamicas, mas doravante apenas em carater excepcional. Para a marcha ordinaria das coisas basta deixar o trabalhador entregue as leis naturals da producao, isto ë, a sua dependencia do capital, a qual decorre das proprias condigOes de producao, e 6 assegurada e perpetuada por essas condicaes". Nos primOrdios do capitalismo, caracterizado praticamente pela simples concentragao de artesaos num mesmo local de trabalho, o controle da producao exigido se restringia a simples regras independentes do processo mesmo de trabalho. 0 elernento inovador do modo capitalista de producao foi a divisao manufatureira do trabalho(6), estagio subsequente a cooperacao simples, do desenvolvimento do capitalism° industrial no sentido da concentragao do Capital. A divisao manufatureira do trabaiho significa o parcelamento dos processos implicados na feitura do produto nas diversas operacoes, que sera° agora executadas por diferentes trabalhadores: é a criacao do trabalho parcelado. Corn o desenvolvimento da cooperacao em escala mais ampla, o despotism° que caracteriza a direcao capitalista no sentido de produzir urn produto, e de produzir mais-valia, vai assumindo formas peculiares. Diz Marx (1980, p. 381): "Corn o desenvolvimento, 0 capitalista se desfaz da7funcao de supervisao direta e continua dos trabalhadores (...) entregando-a a urn tipo especial de assalariados" (...) "os oficiais supervisores (dirigentes, gerentes) e suboficiais (contramestres, inspetores, capatazes, feitores) que, durante o processo de trabalho, comandam em name do capital". Se, por urn lado, a cooperacao simples nao modifica o modo de trabalho do individuo, a manufatura o revoluciona totalmente. Alern de submeter o trabalhador antes autOnomo ao curnando do Capital, e de criar hierarquia entre os proprios 18
trabalhadores, se apodera da forca individual do trabalho em suas rafzes, deformando o trabalho e mutilando o trabalhador, transformando-o num "aparelho automatic° de (...) trabalho parciar (MARX, 1980, p. 412-413). A respeito das consequencias do desenvolvimento da divisao do trabalho e aumento da acumulacao, especificaDente da separagao capital-trabalho e da subdivisao do homem, diz Marx(7): "(...) as for-gas produtivas aparecem como inteiramente independentes e separadas dos indivIduos, que sao as forcas daquele mundo, exis tern fragmentados e em oposicao mutua, ao passo que, por outro (ado, essas forcas s6 sao forcas reais no intercambio e na relacao desses indivIduos. De urn (ado, portanto, temos uma totalidade de forcas produtivas que adquiriram como que uma forma objetiva e que, para os prOprios indivIduos, nao sao rnais suas prOprias for -gas, mas a da propriedade privada e, por isso, sao apenas as forcas dos individuos enquanto proprietarios privados. Em nenhum period° precedente as forcas produtivas tinham adquirido esta forma indiferente para o intercambio entre os indivIduos enquanto indivfduos, porque seu proprio intercambio era ainda limitado. De outro lado, enfrentase corn estas forgas produtivas a maioria dos individuos, dos quais estas forcas se destacaram e que, portanto, despojados de todo conteOdo real de vida, tomaram-se individuos abstratos; mas que por isso mesmo, sO entao sao colocados em condicOes de relacionar-se uns corn os outros enquanto individuos. A unica relacao que os individuos ainda man tern, corn sua propria existencia — o trabalho — perdeu para eles toda aparencia de auto-atividade e sO conserva sua vida atrofiando-a" (MARX e ENGELS, 1984, p. 104).
E mais adiante: "As coisas, portant°, foram tao longe que os indivIduos devem apropriar-se da totalidade existente de forgas produtivas nao so para alcancar a auto-atividade, mas tao somente para assegurar sua existencia" (id. ibid., p. 105). Apas a cooperacao simples e a divisao manufatureira do trabalho, o terceiro grande estagio historic° do aumento da produtividade do trabalho pelo capitalismo, foram as maquinas e a grande Na manufatura, o revolucionamento do modo de producao toma como ponto de partida a forca de trabalho e na grande indtstria, o meio de trabalho (MARX, 1980, p. 424). As consequencias imediatas da mecanizacao sobre o trabalhador sao, a apropriagao de forcas de trabalho suplementares pelo Capital, o prolongamento da jornada de trabalho e a intensificagao do trabalho. A crescente mecanizacao é consequencia da necessidade de acumulacao ampliada — tendencia historica do capitalism° — acentuando a desmobilizacao de urn crescente contingente de forca de trabalho, o exercito industrial de reserva, mantido para as necessidades flutuantes de exploracao capitalista para as exigencias variaveis de trabalho. Nesse sentido é que Marx formulou a lei geral absoluta da acumulacao capi19
talista: a acumulacao de riqueza num pOlo, e a acumulacao de miseria para as massas trabalhadoras, no outro. Corn a mecanizacao e a grande inclastria, a ciencia passa gradativamente a .ocupar um lugar de destaque na producao. Diz Braverman (1981, p. 138) que a ciencia é a ultima, porem a mais importante apdis o trabalho, das propriedades socials a se converter num auxiliar do Capital. A passagem da ciencia enquanto "propriedade social generalizada ocasional na producao" para a ciOncia como propriedade do Capital, é a diferenca entre a Revolucao Industrial, da metade do seculo XVIII e o primeiro terco do seculo XIX, e a revolucao tecno-cientifica, das CrItimas decadas do seculo XIX. A mecanizacao, por seu turno, representa uma alteracao na composicao organica do Capital: urn aumento do capital constante (pelo incremento da parte do valor-capital corn carater de capital fixo) em relacao ao capital variavel, trabalho vivo, unica fonte de mars-valia. Uma vez que a producao capitalista nao é apenas producao de mercadoria, mas essencialmente producao de mais-valia, restam duas alternativas para o aumento do grau de exploracao: o prolongamento da jornada de trabalho (mais-valia absoluta), que esbarra no movimento organizado dos operarios, confomie registra a hist6ria(8), e a reducao do tempo de trabalho necessario (mais-valia relativa). A necessidade de crescente producao de excedente econ6mico, aliada oposicao dos trabalhadores aos antigos metodos de controle do trabalho, toma necessaria a utilizacao mais sisternatica de recursos cientificos tambem no controle da producao capitalista. Esse movimento no sentido da racionalizacao e controle do trabalho encontrou no taylorismo, já em meados do seculo passado, sua sintese (FIGUEIREDO, 1980, p. 26). 0 controle do trabalho sempre foi urn aspecto importante da gerencia. Entretanto, corn Taylor, ela passa a significar a imposicao ao trabalhador da maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado (BRAVERMAN, 1981, P. 86). E mais, implica no controle das decisoes tomadas no curso do trabalho. Tres princfpios definem a organizacao racional do trabalho: primeiro, a dissociacao do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores; segundo, a separagao de concepcao e execucao e terceiro, a utilizacao do monopOlio do conhecimento para controlar para fase de processo de trabalho e seu modo de execucao (id. ibid., p. 103-109). Conforme ainda lembra Braverman (id., p. 84), a grande contribuicao do taylorismo enquanto modelador da empresa moderna é que a pr6pria organizacao do trabalho segue os princfpios tayloristas. Suas conseq0encias sao claras e representam a consolidagao do process° iniciado na manufatura: expropriacao do conhecimento acumulado pelos trabalhadores, levando a uma gradual supressao do trabalho intelectual nas of icinas, deslocado para a gerencia, transformanclo o trabalhador num especialista de uma atividade alienada e alienante, da qual se suprimiu a caracterfstica funda20
mental do trabalho humano, qual seja, sua intencionalidade (FIGUEIREDO, 1980, p. 27-29). A fragmentacao das tarefas barateia suas panes, permitindo ao Capital a aquisicao destas na medida exata das suas necessidades — fundamental numa sociedade que se baseia na compra e venda da forca de trabalho, convertida em mercadoria. Assim, a objetivagao do trabalho acaba por objetivar o hornem: "o homem passou a ser a reacao mecanica, mensuravel, dosavel, controlavel e estereotipada" (id. ibid., p. 30).
E SURGE A "PSICOLOGIA CIENTiFICA"... JA foi dito que a criagao do Laboratorio de Psicologia da Universidade 'de Leipzig, por parte de Wundt(9) é considerado o inicio da "Psicologia cientifica". Fraisse (1968, p. 16), diz em sua "Evolucao da Psicologia Experimental", que os estudos do Laboratorio warn consagrados a visao, audicao, tato, paladar, sentido de tempo, percepcao, tempo de reacao, atencao, sentimento, a associacao, enfim. Ou seja, a mensuragao e quantificacao precisas dos chamados "fatos da consciencia". De acordo corn Campos (1983, p. 77), tal preocupagao da Psicologia teria suas rafzes na "institucionalizacao" do trabalhador coletivo, no periodo manufatureiro, corn a constituicao de trabalhadores parcelares, que teria engendrado consigo a reelaboragao dos conceitos de percepcao e de aptidao. De fato, segundo Marx (1980, p. 400), depois de separar, tornar independentes e isolar as diversas operagOes contidas na producao, os trabalhadores sao "separados, classificados e grupados segundo suas qualidades dominantes". As deficiencias do trabalhador parcial tomam-se, entao, perfeicoes enquanto integrantes do trabalhador coletivo. A valorizagao do Capital se daria, entao, pela reducao do tempo de trabalho necessario para produzir a forca de trabalho, pela eliminagao ou reducao do custo da aprendizagem. De qualquer modo, é dentro desta tradicao que se inscrevem os trabalhos desenvolvidos por dais dos pioneiros da chamada "Psicologia da eficiencia industrial" formados pelo Laboratorio de Leipzig: Hugo Munstenberg e Walter Dill Scott. De acordo corn Munstenberg, o seu objetivo era tracar os esbocos de uma nova ciencia intermediaria entre o moderno laboratorio de Psicologia e os problemas da Economia. "A experimentacao psicologica deve ser sistematicamente colocada a servigo do comercio e da indCistria“, arremata (ap. BRAVERMAN, 1981, P. 126). Os esforgos de Munstenberg se dirigiam no sentido de transformar a Psicologia industrial(10) num instrumento para selecionar e aclimatar os trabalhadores rotina da producao capitalista. 21
Por seu turno, Walter Dill Scott desenvolvia trabalho pioneiro corn a utilizagao de testagem psicolOgica e consultoria a empresas, La no inicio do seculo. A premissa da Psicologia industrial, segundo Braverman (1981, p. 128), era a possibilidade de determinacao antecipada da adaptabilidade dos trabalhadores aos empregos, atraves da utilizagdo de testagem psicolOgica (de inteligencia, habilidade manual, propensao a acidentes e adaptagao ao "perfil" desejado pela gerencia). A pratica, contudo, se encarregou de demonstrar o fracasso da Psicologia se constituir, nessa diregao, na chave para a resolugao dos problemas do controle do comportamento humano na indostria. 0 prOprio Braverman (1981, p. 128) cita di. versos estudos realizados já na decada de 20, demonstrando existir pouca correlagao entre a "capacidade" mensurada psicologicamente e desempenho no trabalho(11). Dianto desse fracasso, a Psicologia volta as suas vistas para os chamados "fenOmenos socializantes do trabalho", deslocando o enfoque da Psicologia individual para a Psicologia dos grupos sociais, e para as chamadas "relagOes humanas". Cumpre notar que, a despeito da tentativa de abranger o social, a Psicologia nao foge as raizes, enfocando o social a partir do individual. Nesta mudanga, mais uma demonstragao do "oportunismo" da Psicologia (FIGUEIREDO, 1980, p. 31); ao inves de mostrar a inaplicabilidade da Psicologia no controle da produgao capitalista, sacramenta sua submissao as determinacoes do conflito de classes, •remetendo-a para mais proximo da esfera politica do controle industrial. Esta transferencia, do "tecnicismo" para o "humanismo" traria, subjacente, uma das missOes fundamentais da moderna Psicologia do trabalho, que seria a de "conquistar espontaneamente a consciencia do trabalhador" (id. ibid., p. 10). 0 estudo do desenvolvimento dessa area de aplicagdo da Psicologia é de fundamental importancia, visto ser nela, no dizer de Figueiredo (1980, p. 20), que "a Psicologia se traduz na forma mais avangada das determinagoes do Capital, onde o trabalho do psicOlogo se subordina de forma mais direta as relagoes de produ-gao, é que as bases sobre as quais se assentam a psicologia se desnudam e se deixam entrever mais claramente, é na psicologia do trabalho que as formas fetichizadas da ideologia buscam resolver o conflito da produgao, concebendo a sociedade como urn conjunto de individuos justapostos, relacionados enquanto m ercadori a". Contudo, a crItica pode ser estendida as demais areas da Psicologia. Assim é que, paralelamente ao desenvolvimento da Psicologia experimental na Alemanha, Francis Galton na Inglaterra, e Alfred Binet na Franga. realizavam estudos dentro dessa mesma tradigao, o que acabaria langando as bases para o desenvolvimento do que se convencionou denominar de Psicologia aplicada educagao. Em seu laboratorio na University College de Londres, em 1884, Galton se interessava pela mensuragao das diferengas individuais COMO parte de seu projeto 22
de aprimorar pela selecao dos mais capazes, a especie humana. Criou, entao, instrumentos pioneiros de medicao da inteligencia e personalidade, embrioes daqueles que hoje conhecemos tao bem. Binet, outro dos pioneiros da Psicologia, sucessor de T. Ribot(12) no laboratOrio de Psicologia da Sorbonne, elabora a primeira escala metrica de inteligencia infantil, conhecido entao por Binet-Simon, já no infcio deste seculo. a concretizagao previsfvel da trilha aberta pela Psicologia no sentido da mensuragao das caracterfsticas individuals. A classificacao (mensuracao e rotulacao) dos indivfduos passa a se constituir em uma das principals atividades dos psicologos desde entao. E na mesma direcao que caminham os trabalhos de outros tantos precursores da "Psicologia cientlfica", como Cattell, Stanley Hall, para citar alguns. A primeira funcao dos psicologos na escola foi, portant°, a mensuracao das habilidades e classificacao das criangas quanto a capacidade de aprender e progredir no estudo (PATTO, 1984, P. 99). Este quadro se prolonga tanto nos Estados Unidos quanto na Europa ate meados deste seculo. Paralelamente a estas atribuicOes, ainda presentes na Psicologia hoje, especialmente no Brasil, desenvolvem-se duas outras atividades: a "terapeutica" e a "preventiva", corn atuagao junto ao corpo tecno-administrativo.das escolas. Dentro de seu papel ideologic°, o proprio fracasso da psicometria na escola relativo: uma das funcoes que desde Binet a Psicologia assumiu, que é a de discriminar criancas de acordo corn a classe social de origem nas escolas da rede publica, atraves de procedimentos "cientfficos", vem sendo cumprida corn exito(13). De qualquer forma, ainda que de maneira lenta e nao generalizada como na area industrial, a Psicologia segue o mesmo caminho "oportunista", tanto corn a orientacao tecnicista, como urn "engenheiro comportamental"(14), quanto nas abordagens ditas "humanistas" de se colocar acima — ou ainda como "mediador" das contradicaes irreconciliaveis de classe, numa atitude de suposta neutralidade cientffica. A analise da terceira das areas de aplicacao hoje consagradas da Psicologia — a "clinica" — é mais complexa, e seu exame requer maiores cuidados. A dificuldade comega na propria constituicao dessa atividade na Psicologia, que na realidade esta intimamente conectada corn o desenvolvimento da Medicina, muito particularmente corn uma de suas especialidades, a Psiquiatria. Assim sendo, sem pretender tragar corn rigor tal trajetoria, e correndo o risco de uma certa dose de simplificacao, levantaremos alguns elementos que nos perrnitam uma aproximacao ao problema, ao menos para os objetivos em tela. Temos que nos reportar, para esta tarefa, ao momento em que a Medicina passa a se regular pela nocao de normalidade, isto já no seculo XIX, ao contrario da pratica ate entao vigente,. de se referir a saude. Explicando melhor, passa a Medicina da preocupagao em restaurar o "vigor, a flexibilidade e fluidez" que a doenca fazia perder, para a analise de urn funcionamento "regular" do organismo 23
e de seus "desvios" (FOUCAULT, 1977, P. 39). Passa-se a pensar, entao, em tor.. no da "bipolaridade normal-patologico", e nao apenas na estrutura interna do ser organizado (id. ibid., p. 40). . A chamada medicina organica inspira a "medicina mental". Entretanto, se falar em "normal" e "patologico" já é dificil em relacao ao organico devido a fluidez dos limites, a tarefa se torna infinitamente mais dificil quando se trata de distiirbios de "personalidade". Precisamos, pois, recuar um pouco mais no tempo, ate onde encontramos aquele que entao foi designado de "patolOgico", ainda 'lyre. Ou seja, ate e durante o Renascimento, a loucura era cercada de curiosidade, de respeito, ate de urn certo temor, porem fazia parte da experiencia cotidiana das pessoas. Em meados do seculo XVII, contudo, a loucura vai-se destinar a reclusao. Em 1656, é fundado em Paris (e posteriormente em toda a Europa), o Hospital Geral, onde sao recolhidos nao somente os loucos, mas tambern os "invalidos pobres, os velhos na miseria, os mendigos, os desempregados opiniaticos, os portadores de doencas venereas, libertinos de toda a especie, pessoas a quem a familia ou o poder real querem evitar urn castigo pCiblico, pals de familia dissipadores, eclesiasticos em infragao, em resumo todos aqueles que, em relacao a ordem da razao, da moral, e da sociedade, sao mostras de 'alteracao' " (FOUCAULT, 1968, P. 78). Note-se que nao ha nenhuma vocapao medica nessas casas; o individuo é admitido nao para qualquer tipo de terapeutica, mas porque nao podem mais conviver em sociedade (id. ibid., p. 79). Foucault (id., p. 79) estabelece o elo de ligacao corn o que assinalamos no primeira parte deste Capitulo, respondendo o porquo desta situacao: "E que, no mundo burgues em processo de constituicao, urn vicio ma/or, o pecado por excelOncia no mundo do comercio acaba de ser definido; nao 6 mais o orgulho nem a avidez como na ldade Media; 6 a ociosidade. A cafegoria comum que agrupa todos aqueles que residem nas casas de intemamento, é a incapacidade em que se encon tram de tomar parte na producao, na circulagao ou no acumulo das riquezas (seja por sua cu/pa ou acidentalmente). A exclusao a que sao condenados esta na razao direta desta Inca' pacidade e id/ca o aparecimento no mundo modemo de urn corte que nab existia antes. 0 intemamento foi entao ligado nas suas origens e no seu sent/do primordial a esta reestruturacao do espago social".
Esta situacao perdura durante aproximadamente urn seculo: em meados do seculo XVIII, ha urn movimento de reforma dessas instituicoes, atribuindo-lhes urn carater medico. Sao expoentes dessa reforma, Pinel na Franca, Tuke na Inglaterra, e Wagnitz e Riel na Alemanha, abrindo as portas de uma "ciencia positiva" da loucura. Como caracterfstica dessa refomia, ao lado da eliminacao dos grilhOes, ha a cristalizacao da exclusao para os loucos: todos, corn excecao deles, sao liberados dessas 24
A Psiquiatria tern, pais, já no skulo XIX, as condicoes para seu estabelecimento. A loucura passa a "doenca", e posteriormente, a "doenca mental". Como marcos, Kraepelin, entre 1892 e 1899 lanca as bases da nosografia da "demencia precoce"ou da "esquizofrenia" como conhecemos hoje, e Freud, em 1900, lancava as bases da psicanalise. Se a contribuicao da Psicologia na area clfnica se confunde corn a da psiquiatria, percebe-se que eta nasce, fundamentalmente, do estudo do "patologico". Foucault (id., p. 84-85) assim se refere ao assunto: 'Aldo se deve esquecer que a psicologia 'objetiva', 'positiva, ou encontrou sua origem historica e seu fundamento numa experiencia patologica. Foi uma anal/se dos desdobramentos que ocasionou uma psicologia da personalidade; uma analise dos automatismos e do inconsciente que fundou uma psicologia da consciencia; uma anal/se dos deficits que desencadeou uma psicologia da inteligencia. Ou seja, o homem sO se tomou uma 'especie psicologizaver a partir do momento em que sua relacao corn a loucura permitiu uma psicologia, quer dizer, a partir do momento em que sua relagdo corn loucura foi definida pela dimensao exterior da exclusao e do castigo, e pela dimensao interior da hipoteca moral e da culpa. Situando a loucura em relacao a estes dois eixos fundamentals, o homem do comego do seculo XIX tomava possfvel uma tomada sabre a loucura e atraves dela uma psicologia geral".
Toda a atividade clfnica da Psicologia (e nao s6 dela) se pauta, dosde sua origem portanto, pelos parametros de "normalidade" e "patologia". Ratificando o que Foucault afirmava a respeito da reclusao dos loucos, Campos (1983, p. 78) explicita os criterios para a delimitacao de "norrnalidade": a producao cria o homem normal, aquele que se adapta as exigencias do capital, e o excepcional, cujo trabalho nao pode ser convertido em valor de troca. E Cooper, a respeito da propria psiquiatria, diz que esta nao passa de urn artiffcio para garantir a ordem burguesa, corn uma "acao pseudo-modica de detectar maneiras erradas de viver a vida e a tknica de sua categorizacao e correcao" (1978, p. 115). corn esse legado que se desenvolve a modalidade clfnica da Psicologia. No que consiste o trabalho do psicalogo nessa area? Rigorosamente falando, ele se resume a duas atividades principais: o psicodiagnostico e a psicoterapia, ambas comportando hoje, infinitas variantes. Ambas se reportam, como nao poderia deixar de ser, as nocoes de "normalidade" e "patologia" em seu trabalho enquanto parametros (embora possa haver diferencas nas conceituacoes de "normal" e de "patologico"). E, embora arnbas se complementem, a primeira das atividades deriva tam-: loom da mesma tradicao da psicometria vista anteriormente, fundamentada no pressuposto da possibilidade de mensuracao dos trapos individuals, aqui deslocada para "caracterfsticas de personalidade". 25
A atividade terapeutica em Psicologia, por seu turno, deriva diretamente de duas fontes: a Psicanalise e a Psiquiatria (na descendencia direta do "patoldgico", portanto). Se atentarmos bem, nao ‘ sO deriva, como tambern se resume a elas ate meados do presente sOculo. Somente apas a Segunda Guerra Mundial 6 que comecam a surgir as int:Imeras modalidades terapeuticas que hoje conhecemos na Psicologia(15). E corn uma caracterfstica que as diferencia da pratica: ela se transforma de instrumento privilegiado para lidar exclusivamente corn o "patolOgico", para urn que lida igualmente e ate mesmo prioritariamente, corn o "normal". A psicoterapia se ge,neraliza, passando a se constituir em meio d e"auto-conhecimento", "auto-desenvolvimento", etc. Cooper (1978, p. 45-46) proptie uma explicacao para isso: segundo ele, a sociedade burguesa apresenta como uma de suas caracterfsticas, o desenvolvimento do que denomina de "tecnologia das necessidades" - as pessoas tern (ou julgam ter), necessidades que podem ser satisfeitas somente pela interrnediacao de urn conjunto de peritos, entre os quais, os psicalogos. Exemplificando, existe urn "imperativo moralista de ter exito", ser economicamente independente, prover sustento da propria famflia, e assim par diante. 0 "fracasso" torna as pessoas dignas de censura e sujeitas ao sentido de culpa sendo essa submissao, paradoxalmente apresentada coma "autonomia" (id. ibid., p. 46). Se analisarmos esse quadro, verificamos que, a rigor, nao houve uma fundamental mudanca de papel da Psicologia da "patologia" para a Psicologia da "normalidade", exceto, talvez, que mais perigoso porque mais sutil e abrangente. Talvez seja nesse sentido que Deleule (ap. PATTO, 1984, p. 95) diz que a cura em terapia 6 urn "simples processo de adaptacao a normas que mantem o status quo e que tern como valores supremos a saCide, a maturidade, e o exit°, assimilando amor e produtividade e baseando os valores culturais numa vasta harmonia que unicamente o indivicluo(...) poderia romper. A este nfvel, a neurose 6, acima de tudo, urn problema de ordem moral e o protesto humanista que acompanha a denCincia de mecanizacao e da perda de sentido do 'espirituar se reduz a uma apologia da vontade e da coragem de `si mesmo' ". Apenas como referencia, talvez seja interessante apresentar ainda que de maneira bastante resumida, alguns elementos da trajetOria seguida pela Psicologia no Brasil. Pela consulta aos poucos estudos disponfveis sobre o assunto(16), pode-se dizer que duas vertentes profissionais se delineiam antes mesmo da criacao dos cursos e da regulamentacao da profissao, que ocorre somente na segunda metade do seculo: a psicotecnica e a medica As preocupagoes e os fundamentos sao, obviamente, as mesmas da Psicologia europeia: em 1914, o diretor da Escola Normal secundaria de Sao Paulo, o Dr. Oscar Thompson, exaltava a concepcao cientffica imprimida as ciencias hu26
manas, citando, numa publicacao, desde Bacon ate Wundt e BineL Nesse mesmo ano e na mesma escola, é inaugurado o primeiro Gabinete de Psicologia Cientffica nos moldes dos congeneres europeus, e que sob a diregao do professor italiano Ugo Pizzoli, desenvolvia trabalhos na linha da psicoffsica e da psicometria. Ainda nessa mesma Area, Lourenco Filho desenvolvia e utilizava seu teste de prontidao, o ABC, em varias escolas de Sao Paulo. Esforcos semelhantes sao empreendidos, em diversos pontos do Brasil, por outros profissionais. Entre eles, Helena Antipoff em Minas Gerais; Noemi Silveira Rudolfer em Sao Paulo; Ulisses Pernambucano, Paes Barreto e Silvio Rabelo em Pernambuco; Isaias Alves na Bahia; Medeiros de Albuquerque, Manoel Bonfim, PM -1i° Olinto e outros no entao Distrito Federal, hoje estado do Rio de Janeiro. Todos esses profissionais estayarn empenhados no desenvolvimento da area que denominamos Psicologia escolar (ou educacional). A Area da Psicologia industrial tern, ainda segundo os mesmos estudos, seus primeiros passos sendo dados por Roberto Mange, urn engenheiro e docente da Escola Politecnica de Sao Paulo, que, em 1924, introduzia a selegao e orientacao profissionais no Liceu de Artes e Oficios de Sao Paulo. Em 1930, iniciou seus trabalhos junto a Estrada de Ferro Sorocabana e posteriormente, A rede ferroviaria do estado, e outras do pals. A destacar tambern, os desenvolvimentos da psicotecnica a cargo do mesmo Mange e do recern-instituido Servigo Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Interessante notar tambern que, num denominado "Psicologia do Trabalho", Viegas (1953, p. 238-244) . trabalho de 1953 cita, entre outros, as já conhecidos Taylor e Munstenberg ao apresentar os fundamentos dessa area. Ao lado do desenvolvimento da vertente "psicotecnica", corn suas duas areas principals de aplicapao, tambern por volta de 1930, Franco da Rocha e Durval Marcondes introduziam o estudo e o tratamento de doentes menials pelo emprego de tecnicas psicanaliticas: é a Psicologia Medica, que no dizer do prOprio Marcondes (1953, P. 181), é a "aplicacao dos conhecimentos psicolOgicos ao estudo e tratamento das doengas", incluindo "os disturbios das reaci5es totals do organism° e seus reflexos na disfuncao das partes". Em 1938, criou a Mica de Orientacao Infantil junto ao Servico de Inspecab Medico-Escolar do Institut° de Higiene de Sao Paulo. Conforme se pode verificar nestes poucos elementos, as grandes linhas do desenvolvimento da Psicologia no Brasil sao identicas as da Psicologia europeia, tanto na direcao dos estudos quanto nos rumos de sua pratica.
3. A PSICOLOGIA COMO CIENCIA BURGUESA
E 0 MARXISMO: UM PEQUENO ESCLARECIMENTO No "Prefacio" de "Para a Crftica da Economia Politica", Marx escrevia que a totalidade das rela'coes de producao forma a estrutura economica da sociedade, e 27
sobre esta base real, "se ievanta uma superestrutura jurfdica e politica, e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciencia" (1978, p. 130). JA havia dito anteriormente, que a producao das ideias e das representagOes esta conectada corn a atividade material dos homens; as "ideias (gendaken) da classe dominante sao, em cada epoca, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a forca material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua forca espiri: tual dominante". E "as ideias dominantes nada mais sao do que a expressao ideal das relaceies materials dominantes concebidag como ideias; portant°, as ideias de sua dominacao" (MARX E ENGELS, 1984, p. 72). Atom de tecnica, consideramos a "Psicologia autOnoma", urn saber. Os pres3upostos das diferentes "escolas e sistemas" que materializam a Psicologia, enquanto urn modo de conceber o real, tambem devem ser buscados na sociedade capitalista. A ideologia que corresponde a forma burguesa de dominacao é a ideologia liberal, calcada nos princfpios da "liberdade individual" e da "igualdade de oportunidades". A objetivacao dessa igualdade formal se dá no Direito Moderno, e sua cristalizacao, na instituicao da figura (jurfdica) do cidadao. O'Donnell lembra que a cidadania se desenvolve em conjunto corn o capitalism°, o Estado moderno e o Direito racional-formal, pois o cidadao corresponde ao sujeito juridic° capaz de contrair obrigagOes livres. "0 pressuposto desse Dire/to 6 a igualdade abstrata dos sujeitos, prescindindo de que sejam proprietarios de algo mais que sua forca de trabalho. 0 capitalismo tern que engendrar o sujeito livre e igual ante o dire/to, o contrato e a moeda, sem o que nab poderia existir sua agao seminal: a compra e a venda da forga de trabalho e a apropriagao do valor. Esta liberdade efefiva (na esfera abstrata em que esta posta) e ilusoria (em relagao a posicao de classe) implica como paralelo seu a igualdade abstrata da cidadania. (E se transforma) em fundament° de urn poder voltado a reproducao da sociedade e da dominagdo de classe que a articula" (O'DONNELL, 1981, P. 74).
A Psicologia tern, portanto, em sua genese, a constituicao da figura do cidadao, suportada pela ideologia liberal burguesa. A instituicao do indivfduo é vital para a Psicologia: sua autonomia calcada na ideia de uma "natureza humana" que confere anterioridade em relacao ao social(17). Figueiredo (1980, p. 118) diz quem é esse "indiv1duo" da Psicologia: o "seu sujeito é o objeto do Capital, o homem amputado pela desintegracao do trabalho". E prossegue: "crer no individuo empiric° e na sua consciencia empiricamente determinada como a realidade concreta é abstrair a sociedade, é nega-la como realidade concreta, corn uma producao organizada e dividida em classes: a totalidade concreta da sociedade, a psicologia contrapoe individuos psicologicamente descritiveis, urn a urn". E como explicar a diversidade de concepcoes que coexistem na Psicologia hoje, isoladas umas das outras? 28
A compartimentalizacao das ciencias tern sua raiz na divisao capitalista do trabalho: a separacao entre o trabalho ffsico e espiritual que corn o desenvolvirnento do capitalismo, vai diferenciando o trabalho espiritual em diversos campos separados, "que assumem interesses particulares, materiais e espirituais, em recfproca concorrencia, criando uma subespecie de especialistas" (LUKACS, 1968, p. 63). Costuma-se argumentar que é a extensao da ciencia moderna que teria atingido tal amplitude, que nao seria possfvel a capacidade de trabalho de urn s6 homem dominar o campo do saber humano, sem abandonar o "nivel cientffico" e cair no diletantismo. Lukacs combate essa visao da seguinte forma: "Todavia, por mais atraente que possa parecer este argument°, a primeira vista, nem por isso deixa de ser inteiramente equivocado. 0 fato de que as ciencias sociais burguesas rid° consigam superar uma mesquinha especializacao e uma verdade, mas as razOes nao sao as apontadas. Nao residem na vastidao da amplitude do saber humano, mas no modo e na direcao de desenvolvimento das clencias sociais modemas. A decadencia da ideologia burguesa operou nelas uma tab intensa modificacao, que nao se podem mais relacionar entre Si, e o estudo de uma nao serve mais para promo ver a compreensao da outra. ,A especializacao mesquinha tomou-se o metodo das ciencias socials" (LUKACS , 1968, p. 64). A distincao basica entre o marxismo e a ciencia burguesa é o ponto de vista da totalidade. "A categoria da totalidade, a dominagao do todo sobre as partes, que é determinante e se exerce em todos os domfnios, constituem a essencia do metodo que Marx tomou de Hegel e que transformou de maneira original para dele fazer o fundamento de uma ciencia inteiramente nova", diz Lukacs (1974, p. 41). Em uma passagem classica e polernica, embora riscada dos manuscritos, Marx e Engels (1984, p. 23-24) afirmavam: "Conhecemos apenas uma Cinica ciencia, a ciencia da his tOria. A his tOria pode ser examinada sob dois aspectos: historia da natureza e histOria dos homens. Os dois aspectos, contudo, nao sao separaveis; enquanto exist/rem homens, a hist6ria da natureza e a historia do homem se condicionarao reciprocamente. A historia da natureza, a chamada ciencia natural, nao nos interessa aqui; mas teremos que examinar a historia dos homens, pois quase toda a ideologia se reduz ou a uma concepgdo distorcida desta hist6ria, ou a uma abstracao completa dc/a. A pr6pria ideologia nao é sena° urn dos aspectos desta hist6ria". De acordo corn Fernandes (1983, p. 31), ao interpretar tal definicao, a hist& ria esta localizada no p610 revolucionario da sociedade de classes, coma uma ciencia inclusiva. Significa entender a histaria como uma ciencia que "inclufsse o comunismo nao so em seu objeto, mas tambern em seu ponto de vista explicativo" (id. ibid., 29
p. 32). A nova ciencia deveria, desvencilhando-se da sociedade burguesa, "brotar do solo histOrico da revolucao proletaria e, simultaneamente, antecipar pela teoria(18) o curso historico de tal revolucao" (id. ibid., p. 34). Desse modo, o marxismo nao se configura como uma explicacao do mundo que dispute, ao lado das ciencias burguesas, a prim .azia no mundo academico. Mais que uma forma de pensamento, 6 uma visdo social do mundo. Ele se edge na negacao do existente — a sociedade capitalista, seu modo de producao, do Estado e da estruturacao de classes, da ideologia e da ciencia burguesa.
Corn base nas concepcoes esbocadas aqui, 6 que se vai analisar a situacao da Psicologia e as suas "alternativas".
NOTAS 1. Ver, a respeito, entre outros, Sargent e Stafford (174); Marx e Hillix (1969); Heidbreder (1981) e Wertheimer (s/d). 2. De acordo corn Overstreet (1660, p. 2-3), existe urn despertador da ciencia; cada qual deve esperar ate que soe a sua hora. Segundo ele, embora os interesses explorados pela "61tima das ciencias" sejam antigos, a acuidade da pesquisa 6 nova, propiciada pelos dados e instrumentos fornecidos pela precedente. Desse modo, nao reluta em afirmar que o "conhecimento caracterfstico de nosso seculo é o psicolOgico", pois, mesmo os dramaticos avangos da ffsica e qufmica nao sao mais que aplicagOes de metodos conhecidos, ao passo que a "atitude em relagao a natureza e a experiencia humana, sobrevinda em nosso tempo, nova". 3. Talvez fosse mais rigoroso falar em capital, ao inves de dinheiro, o que nos remeteria diretamente a questa° da acumulagao primitiva. Diz Marx (180, p. 828): "Vimos como o dinheiro se transforma em capital, como se produz mais valia corn capital, e mais capital corn mais valia. Mas a acumul4ao do capital pressup6e a mais valia, a mais valia a produgao capitalista, e esta a existencia de grandes quantidades de capital e forga de trabalho nas maos dos produtores de mercadorias. Todo esse movimento tern assim a aparencia de urn cfrculo vicioso do qual s6 podemos escapar admitindo uma acumulagao primitiva, anterior a acumulagao capitalista(. uma acumulagao que nao decorre do modo capitalista de produgao, mas 6 seu ponto de partida". Ainda sobre a acumulagao primitiva, diz que, em 61tima analise "quando nao é transformagao de escravos e servos em assalariados, mera mudanga de forma, significa apenas a expropriagao dos produtores diretos, isto 6, a dissolugao da propriedade privada baseada no trabalho pessoal prOprio" (id., p. 879). 4. Marx descreve minuciosamente o processo de expropriagao a que foram submetidos os pequenos camponeses, mediante expulsao violenta a despeito da posse do tftulo jurfdico feudal, usurpagao de terras comunais, e a destruigao de habitagoes. 0 revolucionamento das condigoes de produgao, de modo brutal leva a tentativas a nivel legislativo de controle da situacao (decretos de Henrique VII), que terminam corn a Reforma, no seculo 30
XVI, retornando o processo de expropriagao violenta da terra, acobertadas pela legislagao que se prolonga pelos seculos seguintes (MARX, 1980, p. 831-850). 5. Tal legislagao tern infcio, na Inglaterra, corn Henrique VII. Em 1530, Henrique VIII prescreve os "vagabundos" sadios a serem flagelados e encarcerados, amarrados a urn carro e agoitados ate que sangre, para prestar em seguida, juramento de voltar ao lugar onde moraram nos altimos tres anos para trabalhar. Tat estatuto é agravado posteriormente, corn provisao de corte de metade da orelha e execucao nas reincidencias seguintes. Eduardo VI estabelece a lei que condena o trabalhador a se tornar escravo de quem o denuncia como vadio; aqueles que tentarem contra os senhores serao executados. Ainda permite marcar corn ferro em brasa quem for apanhado vadiando por 3 dias. Elisabeth em 1572 prescreve a quem for apanhado vadiando, agoite e, no caso de ninguern os empregar por 2 anos, ter a orelha esquerda marcada a ferro se tiver entre 14 e 18 anos; caso tenha mais, execugao como traidores do Estado, e assim por diante (MARX, 1980, P. 851-859). 6. Braverman (1981, p. 72) adverte acerca da distingao feita por Marx da "divisao do trabatho no interior de uma sociedade e a divisao no interior de uma oficina, (que) diferem nao apenas em grau, mas tambern em especie. A divisao do trabalho na sociedade é caracterfstica de todas as sociedades conhecidas, enquanto que a divisao do trabalho na oficina é urn produto peculiar da sociedade capitalista. 7. Gorz, introduzindo uma crftica a divisao de trabalho, diz: "A divisao capitalista do trabalho 6 a fonte de todas as alienageies. 'Estropia o trabalhador e faz dele uma especie de monstro'; favorece, 'como numa estufa, o desenvolvimento de habilidades parciais, suprimindo todo urn mundo de instintos e capacidades'. 'Os conhecimentos, a inteligencia, e a vontade que o campones ou o trabalhador independente desenvolvem, ainda que em modesta escala', sao tiradas do operario e confiscados pelo capital, que os concentra nas suas maquinas, na sua organizagao do trabalho, na sua tecnologia: 'As forgas intelectuais do processo material de produgao' voltam-se, assim, contra o operario 'como uma propriedade exterior a ele, uma forga que o domina'. Tal cisao entre trabalho manual e trabalho intelectual 'faz do operario urn trabalhador estropiado e parcial'; e da ciencia uma forga produtiva independente do trabalho', posta 'a servigo do capital' (...). Em suma, `subdividir urn homem, (...) é assassina-lo. .. A subdivisao do trabalho é o assassinato de urn povo' " (GORZ, 1980, p. 9). Observagao: as citagoes contidas no texto sao de Marx, 0 Capital, I. Cap. XII. 8. Urn dos exemplos que a HistOria fornece de conquistas resultantes da resistancia dos trabalhadores, 6 a Lei Fabril de 1833, que regulamentava a jornada de trabalho, das cinco e meia da manha as oito e meia da noite, alem da regulamentagao da jornada para criangas de nove a treze anos de idade, em oito horas diarias. 9. Tomamos como referenda os marcos consagrados na literatura psicologica. E evidente que ha que se relativizar a contribuigao desses precursores; eles foram apenas alguns desses "construtores" da Psicologia dita cientffica. No caso de Wundt, em particular, nao se pode esquecer que seu trabalho seguia a tradigao de outros estudiosos, como Fechner e Helmholtz. Entretanto, o destaque a sua contribuigao talvez se deva, alern da pr(5pria fundagao do laboratOrio, em sua insistencia em desenvolver uma psicologia, ao inves de uma psicofisiologia. Ressalte-se tambem que seus trabalhos nao se restringiam a psicoffsica, mas a estudos utilizando o que denominava "metodo historico" (BUCHER, 1981, p. 24). 31
10. No decorrer deste trabalho, utilizarei indiscriminadamente, Psicologia "industriar, "do trabalho"• e "organizacional" como sinenimos. Da mesma forma, emprego como sinonimos, Psicologia "escolar" e "educacional", para me referir as aplicagOes da Psicologia no Ambito da educagao. Embora consciente de que existem pequenas diferengas de interpretagao, creio ser possfvel adotar tal estrategia sem prejufzos, no fundamental, da clareza. 11. Braverman (1981, P. 128) cita, por exemplo, as experiOncias levadas a cabo por Elton Mayo na Western Electric of Chicago, denominados experimentos de Hawthorne. Conclufa Mayo: "a crenga de que o comportamento de urn indivIduo no seio da fabrica pode ser previsto antes do emprego corn base em testes de laboratorio e verificagao pormenorizada de suas capacidades mecanicas e outras 6, sobretudo, senao inteiramente equivocada". 1st°, na clOcada de 20... 12. Para Ribot, radical defensor da independencia da Psicologia, a consciencia ou os fatos psfquicos nao passavam de epifenomenos de modificagOes organicas (PATTO, 1984, p. 89) 13. Num artigo denominado "Educagao Especial: integragao ou reprodugao social", tive oportunidade de demonstrar que os objetivos reais nao sao de fato a mensuracao precisa, mas a exclusao social. Nesse sentido, conclufa que o fracasso ou sucesso sao criterios relativos a perspectiva na qual se examina o assunto. 0 mesmo raciocfnio se aplica aqui (YAMAMOTO, 1985). 14. Maria Helena S. Patto (1984) faz uma interessante analise das proposigoes de Geraldina P. Witter, sem dilvida, uma das mais fieis representantes desse pensamento no Psicologia brasileira. 15. Entre as modalidades de pratica clfnico-terapeLtica, cito a "Gestalt-terapia"; a "Terapia Centrada no Cliente"; o "Psicodrama"; o "Grito primal"; a "Bioenergetica"; a "Analise Transacional"; a "Terapia Comportamental"; as diversas variagOes da Psicanalise; os "Grupos de Encontro" e de "Sensibilizagao", etc. Apenas como destaque, pois se encontram em nIvel bastante diverso, é no pOs-guerra que surge o movimento de revisao da psiquiatria, que foi cunhada de '"antipsiquiatria", e que traria uma mudanga bastante grande no quadro que permanecera estacionario desde praticamente sua fundagao. 16. Entre os textos disponfvei, Pessotti (1975); Conselho Federal de Psicologia (1979); Mello (1980); Patto (1984), atom de urn dos textos pioneiros sobre areas de aplicagao da Psicologia no Brasil, organizada par Klinenberg (1953). As observagOes aqui sobre o assunto se centram fundamentalmente nos tres Oltimos trabalhos. 17. Para uma compreensao mais correta da instituigao do indivfduo aut6nomo — objeto de estudo da Psicologia, seria necessario, a rigor, tragar a trajetOria do pensamento burgues, principalmente aqueles que Lukacs denomina de "filosofos burgueses do progresso": os teOricos do individualismo e do contrato, como por exemplo, Hobbes, Locke, Rousseau Cu ate mesmo Kant. Dada a amplitude deste trabalho, contudo, nao sera possfvel fazer tat discussao, ficando apenas como indicagao. 18. "Teoria" entendida, segundo Figueira (s/d, p. 4), "como aquela pratica consciente cujo objetivo é a transformagdo revolucionaria da ordem capitalista, e par ser isto, constitui a unica forma verdadeiramente cientifica de conhecer a sociedade atual" (ou seja, a teoria superando o real; apontando a sua superagao). Para Lukacs, a teoria é o conhecimento da 32
totalidade, que "abre a via para a superacao (das) contradicOes, para sua supressao (...) mostrando as tendencias reais do processo de desenvolvimento da sociedade, qua sao chamadas a superar realmente estas contradicoes na realidade social, no decurso do desenvolvimento social" (1974, p. 25).
33
CANTULO II ACERCA DA "CRISE DA PSICOLOGIA"
Mais do que propriamente uma "crise", o que nos deparamos é corn uma insatisfacão generalizada que toma conta de estudantes e profissionais; insatisfacao esta que passa por uma avaliagao do papel que a Psicologia, ou mais especificamente seus profissionais, vOrn desempenhando. Antes, porem, de passarmos as crfticas propriamente ditas, vamos tracar ainda que sumariamente, uma caracterizacao dessa situagao da Psicologia. Enfocaremos aqui a atuagao dos profissionais da Psicologia — quem sao e o que fazem — na avaliacao dos prdprios psicologos — pois ela se constitui no ponto de partida das criticas. Limito tal analise apenas a Sao Paulo, em virtude da disponibilidade dos dados na literatura(1). Uma coleta mais extensiva seria absolutamente desnecessada aqui, devido ao enfoque do trabalho. Tambern me restrinjo as avaliacties já publicadas, embora creia ser necessari° mais do que as descricOes aqui apresentadas para uma caracterizacao da profissao. Uma vez que tal empreendimento extrapola os objetivos este estudo, me limito a algumas consideracoes sobre o assunto.
1. 0 OUE OS PSICOLOGOS TEM FEITO?
Existem ao menos fres estudos a respeito da situagao do profissional da Psicologia em Sao Paulo: o livro pioneiro, hoje já classic° de Mello, "Psicologia e Profissao em Sao Paulo", de 1975(2); o "Perth l do PsicOlogo no Estado de Sao Paulo" do Sindicato de PsicOlogos no Estado de Sa'o Paulo e do Conselho Regional de Psicologia-6 Regiao, de 1984(3), e urn estudo de Carvalho sobre as condicoes de atuacao de psicalogos recern-formados, de 1984(4). Sera° aqui utilizados principalmente os dados que permitem a caracteriza34
cao da situacao do psicalogo, e secundariamente apenas, as analises e outras questoes que os referidos estudos tratam. A base sobre a qual faremos tal caracterizacao sera o trabalho de Mello, visto ser entre eles, o que em maior profundidade aborda a questa°. Seus dados serao cotejados aos do Sindicato/Conselho, atualizando e complementando a caracterizacao. Os dados de Carvalho que utilizaremos se referem a aspectos nao abordados detalhadamente nos outros estudos, quais sejam, as chamadas limo dalidades alternativas". Mello (1980, p. 17-18), ressaltando que se trata de uma divisao formal(5) devido a fluidez dos limites, agrupa as atividades dos psicelogos em quatro categorias: Ens/no (atividades docentes e de pesquisa); Psicologia ClInica (diagnestico e terapia em canicas e consulterios particulares, hospitais publicos e assistenciais); Psicologia Escolar (atividade em escolas ou entidades afins, corn o emprego de tecnicas psicolegicas, corn o objetivo de promover a eficiOncia do ensino) e Psicologia Industrial (aplicacao de tecnicas psicolegicas visando promover a eficiencia e produtividade no trabalho, realizada em empresas industrials, comerciais e congeneres). Os psicelogos (158 no total)(6), se distribufam da seguinte maneira, considerando-se apenas sua atividade principal: ensino, 25,3%; clinica, 56,9%; industrial, 11,3% e escolar, 6,3% (id. ibid., p. 20). Se considerarmos as atividades que se acumulam a principal, o que atinge cerca de 40% dos profissionais, a clinica atinge 79,1% contra 39,8% do ensino; 19,6% de industrial e 17% de escolar (id. ibid., p. 21). Nao vamos nos deter aqui na area do ensino, pois sua analise nao difere das já realizadas a respeito de outros cursos e da prepria situacao do ensino superior no Brasil(7). Urn primeiro dado que chama atencao é a nftida preferOncia pela chamada area clinic& Acresca-se a isto, outro elemento interessante: as atividades da area, em ordem decrescente de importancia, testes, psicodiagnestico, psicoterapia, estudo de caso, orienta0o profissional e vocacional, aconselhamento, psicomotricidade, selecao de pessoal, ego-auxiliar em grupo de psicodrama, orientacao psicopedagOgica, orientacao de maes, exames psicotecnicos, reeducacao psicomotora sao realizados, pnoritariamente em clinicas e consulterios particulares (76%). Tat dado marca uma tendencia do psicelogo em exercer autonomamente sua profissao (id. ibid., p. 47-48)(8). A isso se soma o reduzido nurnero de profissionais atuando nas duas outras Areas, quais sejam, industrial e escolar. Na primeira, Mello vislumbra perspectivas estimulantes do pont° de vista profissional; os cargos vac) desde simplesmente "psicelogo" ate "Assistente de Direcao de Pessoal" e "Psicologo-Chefe do Setor de Selecao, Orientacao e Avaliacao de Desempenho" (id. ibid., p. 50). Em relacao a oltima, Mello (p. 51-59) via perspectivas em relacao ao significado social da atuacao na area, e desinteresse por parte dos profissionais em 35
exercer atividades na mesma. A maior parte (78%) dos poucos psicdogos que optaram por Escolar, atuavam em escolas particulares. Mello levanta duas possibilidades imediatas de resposta: a ausencia de cargos oficiais para psicalogos nos escolas poblicas(9), e o fato de que já existia atendimento psicologico junto ao Servico de Higiene Mental do Escolar e Canicas Infantis, da Prefeitura e do Est.. do. Em suma, tres concluseies podem ser extraidas: "(...) primeira, o Ensino Superior e a clfnica particular representam o mercado de trabalho mais importante para o psicdlogo em Sao Paulo; segunda, ha uma acentuada tendencia dos psicOlogos a preferirem as atividades que facilitam o exercicio autonomo da profissao; terceira, a tendencia apontada se expressa, particularmente, pelo aumento do numero de atividades exercidas nas clinicas e consultorios particulares, corn abandono das demais atividades, mesmo aquelas do Ensino Superior" (id. ibid., p. 45). Adiciona-se a isso, a pouca diversificagao no emprego das tecnicas picolagicas nas diversas areas profissionais e uma hipatese de uma relacao direta entre a formacao e area de atuacdo, corn privilegio para a area "mais nobre" da Psicologia (id. ibid., p. 59-60). A caracterizagao do estudo do Sindicato e Conselho de Psicologia é muito mais exaustiva e abrangent e— atualizando as informagOes vista o trabalho ter sido conclufdo em 1983, isto 6, cerca de 12 anos apOs o de Mello —, embora mais descritiva, pouco aprofundando e avangando nas analises. Constatam, numa caracterizagao geral, que apenas 66% dos psicOlogos efetivamente exercem a profissao. Dentre os que nao atuam como psicalogos, mais da metade nunca trabalhou na profissao — embora quase todos manifestem desejo de faze-b. As razoes pelas quais nao trabalham sao diversas, distribuindo-se entre problemas de rendimento, do proprio exercfcio profissional e de mercado de trabal ho. Entre os que trabalham, a maioria dedica em torno de 40 horas semanais; auferem rendimentos, em sua malaria, de ate 5,03 Salarios MInimos(10), independente do nCimero de horas semanais de trabalho; e 43% deles trabalham ha menos de 3 anos (SINDICATO...., 1984, p. 30-45). o criterio empregado para a classificagao das areas de atividades foi basicamente o mesmo de Mello (1980), acrescido de "Psicologia Comunitaria Social" e "Diversas combinagoes", alem do desmembramento de "Ensino de Psicologia" e "pesquisa em Psicologia". E da mesma forma que no estudo de Mello, a area clfnica 6 a mais concorrida, entretanto corn uma porcentagem bastante menor, 27,5%. A Psicologia organizacional (industrial em Mello, 1980) 6 a segunda, corn 15%, e as demais, corn percentual muito reduzido. lncluem-se al, os 22,7% fora da Psicologia. Considerando-se somente a area apontada coma a principal, ha urn aumento dos percentuais embora nao haja alteragao da ordem: a Psicologia clfnica continua ocupando a preferencia dos profissionais corn 57,5%, seguido da Psicologia organizacio36
nal corn 21,2%. 0 percentual de escolha pela Psicologia escolar sobe para 11,9% enquanto as outras ainda mantern percentuais reduzidos (id. ibid., p. 45-54). Outro elemento de interesse é a natureza da instituicao na qual se vincula a atividade principal: entre os que atuam na clinica, 86,4% o fazem em clfnicas ou empresas privadas; no ensino, 88,1% em empresas privadas; escolar, 79,4% em escolas particulares e clfnicas privadas; em pesquisa, 75,9% em empresas pCiblicas; na organizacional, 80,4% em empresas e clinicas privadas e 86% da comuniOda distribuindo-se entre empresa pUblica, e social e comunitaria. Em resumo, 82,7% dos psicOlogos exercem suas atividades profissionais em instituicaes privadas — incluindo al as clfnicas e consultOrios particulares. A maioria dos psicologos trabalha como autOnomo (44,2%), e 37% tern seus contratos regidos pela C.L.T. Em relacao ao constatado por Mello doze anos antes, é interessante observar. aumento sensfvel no desemprego, subemprego e nao-exercfcio de atividades na area; atuagao, ainda que restrita em areas novas (Psicologia comunitaria e social, corn 0,6% por exemplo), e decrescimo acentuado de atuacao em ensino e Pesquisa (somados, 3,3% do total). A grande preferencia pela Area clinica continua; tomando-se os dados da segunda atividade, mais aqueles que desejariam mudar de area, ou ainda de trabalhar na area, pode-se concluir que as condigOes do mercado é que fizeram diminuir a incidencia na area em relacao ao estudo de Mello. Na realidade, na area clinica é bastante grande, desde a epoca da pesquisa de Mello, o subemprego, as "clinicas de urn cliente s6". As outras areas que garantem urn rendimento fixo permitem a manutencao da atividade clfnica. Em relacao ao vfnculo empregatfcio, considerando-se a tendencia desde o primeiro ate o segundo estudo, pode-se lancar a hipotese de que de fato esta havendo uma busca maior de trabalho no setor pUblico, muito embora ainda prevalega a atividade autOnoma e a empresa privada como grande empregador. E tam bern se confimia a hipotese de Mello de incremento na chamada area organizacional: já é a segunda na preferencia dos psicologos. Estes Catimos dois pontos serao retomados posteriormente, a respeito da questao da institucionalizacao. Ainda em ultimo dado a registrar: a vinculacao dos psic6logos as entidades de classe é pequena; apenas 17,8% sao sindicalizados, sendo a area clinica a de maior percentual (13,5%), nao obstante 90,6% declararem ser o sindicato importante para a categoria (Sindicato..., 1984, p. 83-98). No Ultimo estudo mencionado, Carvalho (1984) discute as chamadas "modalidades alternativas" de trabalho dos psic6logos recern-;formados trazendo dados interessantes. A autora parte de uma analise dos percentuais de atividade remuneradas e nao remuneradas dos psicologos observando clue da mesma forma que nas atividades remuneradas, é na area clinica que se concentra a maioria dos psicalogos que exercem atividades nao-remuneradas, corn 48,3% (id. ibid., p. 3). Este dado é 37
interessante, pois confirma a hipOtese da manutencao da preferOncia da atuacao na area clinica por parte dos psicologos, passando gradativamente de principal ocupacao a subemprego, e agora, ate mesmo atividade nao-remunerada como que urn sonho mantido as custas de trabalhos nas areas menos "nobres", ou quiça, fora mesmo da Psicologia. A segunda area desse grupo já 6 a categoria "outra", corn 40,3%. 1st° contrasta corn apenas 6,1% exercendo "outra" atividade rem unerada (id. ibid., p. 3). Carvalho entao se detern no exame do que consistia tal categoria, desmembrando-a em: a. atividades autonomas: incluem atividades variadas, desde tentativas de aplicagao de tecnicas psicolOgicas em situacOes nao-usuais, como em esportes ou artes; se destinam a parcela diferenciada em termos socio-econOrnicos, 0 que faz corn que nao representem uma ampliagao no ambito social do atendimento psicologico. b. atividades na area empresarial: incluem atividades como pesquisa de mercado e assessoria de criagao publicitaria, atividades portant°, diretamente vinculadas a producao, valendo tambern portanto, as mesmas consideracoes do grupo anterior. c. atividades de natureza assistencial: de acordo corn a analise anterior, se constituem mais em atividades de carater filantropico, que nao requerem habilitacao em Psicologia. d. atuacao em instituicaes ou entidades comunitarias: aqui se reunem as atividades mais frequentes da categoria "outros", subdivididas em dois grupos: aquelas vinculadas a instituicOes corn existencia formal mais definida, como creches, postos de saude, hospitais, etc. e aquelas exercidas em entidades de bairro ligadas a Igreja. Nesse grupo encontramos atividades mais afeitas a Psicologia, principalmente ligadas a area clinica, corn tintura "preventiva": aconselhamento corn casais, orientacao de pais, atendimento individual ou em grupos. Quanto a atuacao em "instituicoes formais", estao atividades bastante diversificadas que podem ser agrupadas em quatro categorias: atendimento direto populacao-alvo; atendimento indireto via funcionarios; supervisao-direcao e pesquisa. Nao fogem as atividades daquelas que normalmente se encontram entre os psicologos: dinamica de grupo, treinamento, aconselhamento, selecao de pessoal entre outros (id. ibid., p. 4-8). 0 mais importante desta caracterizacao é que ela permite vislumbrar, enquanto uma tendencia talvez, as "modalidades alternativas" comecando a ganhar peso entre os profissionais, ao menos entre os recern-graduados. Estes dados merecerao uma discussao pormenorizada, mais adiante. Existem outros estudos que caracterizam areas especificas, como o de Patto (1984) sobre a Psicologia escolar, mas que nao trazem elementos novos para a caracterizacao ora delineada. Antes de passarmos As avaliacoes criticas dos psicologos sobre sua atuacao, sao necessarias algumas observacoes acerca da situacao da prorissao. 38
Existe uma tendencia corrente entre os psicologos, de negar a divisao da Psicologia nas diversas areas de aplicacao, defendendo a ideia de que ha "a psicologia e o psicologo, detentores de uma identidade e uma especificidade de Ka() que se conservam mesmo quando se voltam para diferentes aspectos da realidade humana" (PATIO, 1984, p. 187). Se por urn lado, isto pode ser verdade em relacao ao "conhecimento psicologico" ou A tecnologia par ela gerada, e ate mesmo ao proprio papel que ao psicOlogo é reservado, é impossivel negar, par outro lado, caracteristicas especificas das diferentes Areas quando a Psicologia é analisada enquanto uma profissao. 0 confronto dos dados apresentados por Mello (1980) e pelo Sindicato/Conselho de Psicologia (1984), colhidos corn uma diferenca de cerca de doze anos, permite a visualizacao de algumas tendencias. Em primeiro lugar, tomando-se as quatro areas consideradas principais, observa-se que a (mica em que houve urn incremento real no percentual(11) de psicologos atuando, é a industrial (ou organizacional), tender -Ida alias, prognosticada por Mello (1980). Embora mantenha a preferencia dos psicologos, a area clinica teve o percentual de profissionais diminuido pela metade. JA a terceira area, a escolar, permanece corn percentuais ainda baixos. Excluo novamente desta arialise, os profissionais que atuam na docencia e pesquisa em Psicologia. Urn segundo elemento a destacar se refere a remuneragao: novamente observamos que na area industrial é quo encontramos o major percentual de profissionais auferindo os melhores salarios, ao passo que na area clfnica se observa exatamente o oposto. Por que nos deparamos corn este quadro, e quais sao as perspectivas para a profissao? A rigor, os profissionais das tres areas desempenham a mesma funcao reguladora e adaptativa — portanto, ideologica; a diferenca reside na esfera na qual exercem tais atividades. A situagao do profissionais da area deve refletir, em alguma medida, a importancia das esferas em questao, sob a perspectiva da contradicao capital-trabalho. A chamada Psicologia industrial, conforme já foi dito, é aquela que se subordina ao Capital de forma mais absoluta, seguindo colada as exigencias do proprio capitalismo. E a Cinica area em que o psicologo trabal ha junto a producao, embora influindo indiretamente na produtividade via esfera politica. Na situacao aqui delineada, acresca-se o crescimento verificado no setor industrial no Brasil(12) no intervalo de tempo entre as duas caracterizacoes, corn correspondente aumento da demanda desse profissional. Em termos de perspectiva, cabe notar que a tarefa que cabe aos psicalogos dentro das organizacoes — nao aquela de recrutamento ou selecao, muito embora ainda esta nao possa ser desprezada, ao menos no Brasil — mas a de assessor de recursos humanos (leia-se, "mediador" da relacao capital-trabalho...), é cada vez mais importante no controle da producao capitalista. 39
Uma exaustiva analise do trabalho do psicologo nessa area 6 proporcionada por Frgueiredo (1980), de modo a tomar desnecessario nos alongarrnos aqui. Ao contrario da area industrial, os psicOlogos das areas clfnica e escolar ,exercem suas atividades dentro do que genericamente se costuma denominar de "bem estar social", especificamente, sailde e educacao. A area canica continua a merecer a preferencia dos psicOlogos, confirmado pelos dados referentes ao que os psicologos consideram sua "atividade principal". Entretanto, conforme tambern havia sido previsto por Mello (1980), ha uma tendencia ao deslocamento das oportunidades de trabalho das atividades exercidas autonomamente em clinicas e em consultorios particulares para as instituicOes de saCrde, pablicas ou nao, na qualidade de assaianado. Embora a maioria afirme estar atuando como autOnomo, cumpre notar que a grande maioria desses psicOlogos dedica apenas uma parcela do tempo a essa atividade, insuficiente para garantir rendimentos para sua manutencao. Ac.,resca-se a isso, o indice de subemprego nessa Area, e ate mesmo de trabalho nao-remunerado, conforme se viu nos dados de Carvalho (1980). Esse deslocamento, a ja citada "institucionalizacao"(13), implica no abandono da atividade mais nobre da Area, a psicoterapia, ao menos nos moldes atuais. Claro esta que permanece ainda uma fatia sempre reservada a atividade autonoma a servigo das camadas de maior renda da populagao, corn a oferta de servicos dentro do que Basaglia (ap. PATTO, 1984, p. 201) denomina "relagao do tipo aristocratico". Dentro dessa mesma linha de raciocfnio, as perspectivas para o profissional que trabaihar na area clinica devera ser, dentro das instituicOes, de estabelecer relacoes do tipo "previdenciario" (aumento do poder arbitrario do medico frente ao paciente) ou ainda "institucional" (asilar, corn poder "puro" do medico). A situagao da terceira Area entre as consideradas principais da Psicologia — a escoiar — é mais obscura. 0 grande empregador do psicOlogo dessa area ainda 6 a iniciativa privada, corn predominancia para atuacdo junto ao ensino pre-primario e elementar. A atuagao nessa Area 6 eivada de ambiguidades. Ela 6 considerada a Area que permite, na opiniao dos psicologos, privilegiar o aSpecto social, corn possibilidades de um trabalho de cunho "preventivo". Isto contrasta, contudo, corn as caracterfsticas do local de trabalho — no mais das vezes, escolas da rede privada atendendo a clientela de elite — e corn as expectativas da direcao das escolas. Sena°, vejamos: A maioria das escolas, ao procurar os prestimos de urn psicOlogo, espera fundamentalmente urn especialista em diagnostic° — de problemas de ajustamento, maturidade, dificuldades de aprendizagem, etc., e secundariarnente, em reabiMacao (uma vez que ela geralmente é feita fora da escola, via encaminhamentos). Claro que, dentro da perspectiva do sistema . escolar, isto nao deixa de ser 40
"preventivo" — o que costuma conferir urn certo "valor social" ao trabalho, principalmente se nao questionarmos a natureza dessa "prevencao"... Todavia, nos já sabemos do fracasso da psicometria. Se na rede publica, eta serve ainda de instrumento de exclusao social, aqui a_ triagem é anterior, a cargo do proprio crivo economic°. Se lembrarmos que, rigorosamente falando, a (mica competencia exclusiva do psicologo é a testagem (e o (mico instrumento privativo sao os testes psicologicos, e ainda, nao todos...), o profissional dessa area se ye as voltas corn a necessidade de lutar corn os outros tecnicos (orientadores principalmente, supervisores, etc.) par urn lugar enquanto educador. Al, as atribuicoes se embaralham, tornando muito penosa a tarefa de justificar a necessidade desse profissional dentro da escola. Como consequencia, o psicalogo escolar acaba fazendo de tudo: diagnastico, aconselhamento, orientacao, terapia, reuniao corn pais e professores, a ate mesmo as atividades mais "nobres", como as descritas por Witter (ap. PATTO, 1984), a que já fizemos mencao. Interessante observar que, a despeito dos propositos de cunho social dos psicologos da area, a formacao nao permite, via de regra, uma perspectiva de conjunto de maneira a possibilita-los a se arvorar em "Educador". E a possibilidade de "transformagao social" via escola, como se pode depreender no levantamento empreendido par Patto (1984, p. 165), 0 absolutamente descabida — discussao diversas vezes encetada, sendo desnecessaria a repeticao aqui. Em relagao as oportunidades de trabalho, par fim, resta alem desse veio já explorado, a ampliacao na rede ptblica, com todas as dificuldades que isso encerra(14). Em termos de perspectivas dessas duas areas, portanto, parece que a expansao de oportunidades de trabalho depende, em grande medida, da politica de bem estar social adotada pelo Estado. Isso, por seu turno, se relaciona com o avanco do movimento popular organizado(15); ou em outras palavras, em momentos de fortalecimento da democracia — inclusive a burguesa — deve haver urn redimensionamento das despesas do Estado corn o bem estar social em relacao ao capital social(16). Nao cabe aqui entrarmos em detalhes sobre esse tOpico, mas é evidente tambem que a atividade que se encontra subordinada diretamente ao Capital deye ser sempre privilegiada em relacao as demais areas. Apenas algumas observagoes gerais: 0 estudo de Mello (1980) descreve a situacao do psicologo no inicio da decada de 70. A profissao, entao recern regulamentada(17), contava corn urn nt:Imero bastante reduzido de psicologos atuando, enfrentando o problema de se firmar enquanto uma profissao e necessaria, decorrendo dal a diminuta oferta de oportunidades de trabalho. 0 alargamento dessas oportunidades juntamente corn o contigente maior de 41
profissionais forrnados devido a expansao do ensino superior "coincidiu" corn a epoca que se convencionou denominar de "milagre brasileiro" — fase de crescimento da economia e modemizacao do Estado, levada a cabo pelos governos pos-golpe, e que readequava o Brasil as exigencias do capitalismo a nivel internacional. A avaliacao realizada pelo Sindicato/Conselho retrata justamente o period° da "falencia" do "milagre"(18), resultante do processo de concentracao e supremacia do capital financeiro em relacao ao produtivo, que tern enquanto uma de suas consequencias, o aumento do exercito de reserva(19). Interessante observar que o questionamento dos psic6logos passou a ganhar corpo justamente como uma das consequencias da crise do mercado de trabalho provocado pelo quadro recessivo de entao, adicionado ao enorrne contingente de antigos excedentes que trocaram as portas das universidades pelas dos consultorios, fabricas, escolas, etc. — e no entanto, a "crise" mencionada pelos psicOlogos se restringe a uma especie de "crise de consciencia", para utilizar uma expressao psicologica. Diante da falta de oportunidades de trabalho, surgem as cluvidas a respeito do "valor social" ou mesmo da prOpria necessidade do trabalho do psicOlogo. Datam dessa epoca — final da decada de 70, inicio da decada de 80, inclusive, as acirradas contendas "territoriais" entre os psicologos e outros profissionais, como medicos, administradores e educadores, principalmente, pela demarcacao das atribuicoes de cada profissao.
2. AS CRITICAS
A
ATUAQA0 DOS PSICOLOGOS
A discussao acerca das "mazelas da Psicologia", embora atual e hoje generalizada, nao é nova Mello (1980, p. 81) lembra que já em 1939, alguns psicologos norte-americanos denunciavam a Psicologia como estando a servigo da classe dominante. E bem verdade que, se auto-denominandp "consciencia organizada da profissao", afirmavam que o clima conservador compromete a "objetividade cientifica" — mas era urn sinal de alerta. Outro psicologo citado por Mello é Albee, que acusa de modo contundente as forgas sociais de modelarem a orientacao da ciencia e suas aplicagOes. Questiona quem seria o mais perigoso: os chamados "casos mentais" ou urn racista sofisticado? Que a sociedade em que vive em liberdade o industrial que constr6i autornoveis — armadilha mortal; aquele que pulveriza os frutos com veneno, mantem em reclusao o "paran6ico manifesto", e assim por diante (ap. MELLO, 1980, p. 83-84). Mais recentemente contudo, tern surgido unna serie de questionamentos que apresentam enquanto inovacao, a proposicao de alternativas de acao. Urn exemplo é Holland, antigo colaborador de Skinner(20), que em urn artigo que data de 1973 denominado "Servirao os principios comportamentais para 42
os revolucionarios?" inicia urn movimento de critica e de revisao dos trabalhos da chamada "modificacao de comportamento", que deriva dos principles da AnaIlse Experimental do Comportamento. Holland inicia sua analise partindo de uma serie de tres premissas que afirmam que: "a. existe uma base real e decisiva na qual se sustenta a resistencia dos criticos contrarios a uma major utilizacao dos talentos dos especialistas em analise experimental do comportamento no que diz respeito ao planejamento de sistemas de con trole social. 0 perigo é enorme, pois as tecnicas de modificacao de comportamento funcionam de fato, nab sendo valida a critica de que nao funcionam ou que funcionam somente para finalidades limitadas; b. em uma sociedade radicalmente diferente na- o somente havera urn grande papel reservado para a mudanca deliberada do comportamento, mas tambern, de fato, a transicao bem sucedida da sociedade atual para uma sociedade revolucionaria requer tal planificagao da mudanga e, c. a forma que assume a modificacao de comportamento em sociedades revolucionarias, se esta reflete as mesmas leis basicas do comportamento, sera mu/to diferente no que se refere a natureza dos reforgadores e na forma que se estabelecerao e se avaliarao as contingencias" (HOLLAND, .1973, p. 267).
Ao menos duas consideragOes devem ser feitas al: a primeira, acerca da eficacia dos principles da analise do comportamento. Embora na literatura especializada exista uma infinidade de estudos bem sucedidos, de acordo corn seus padroes de julgamento, hoje nao ha tanto motivo para tat euforia. Passados cerca de cinquenta anos apos o lancamento do livro "Behavior of Organisms" de Skinner(21), marco do moderno behaviorismo, como encontramos a AnaIlse Experimental e Aplicada do Comportamento? Urn exemplo classic° de fragmentagao do conhecimento, ae estilo da ciencia burguesa, corn alto grau de especializacao acerca de questoes menores de modo a que os leitores de urn periOdico especializado nao conseguem sequer entender o que diz o.outro, tat o grau de esoterisMO.
0 mesmo ocorre corn suas aplicagOes — a chamada modificacao do comportamento — sem duvida amplamente difundida nas mais diferentes Areas de atuacao da Psicologia, parece estar colhendo muito mais fracassos que sucessos mesmo utilizando seu proprio referencial de avaliacao de resultados. A segunda se refere a possibilidade aventada por Holland de "reverter' o processo, ou seja, a possibilidade de utilizar esse mesmo conhecimento no sentido contrario, ou seja, contra o poder. ,Embora possa parecer urn pouco primario, parece obvio que ha a aceitacao da neutralidade da tecnica; neutralidade esta que 6 rompida pela sua aplicacao. Exatamente nessa direcao caminha Holland: da descricao de alguns exem43
plos dessa tecnologia sendo utilizada a servico do poder(22), parte para outros de uso na direcao inversa. Resumem-sc, contudo, a exemplos onde parece predominar urn pensamento neo-anPrz.l uista e extremamente individualista (coma por exemplo, sabotagens), alem de outros já conhecidos, que parecem estar muito longe de uma "sociedade igualitaria" — a menos que as concepcoes de tal sociedade sejam totalmente diferentes das do socialismo cientifico. Incompativel corn o referencial teOrico, a questao da divisao da sociedade em classes antagonicas nao pode entrar nessa analise, nem em quaisquer das proposicOes resultantes dessa postura, dal as solugoes individualistas ou as que introduzem outros cartes na sociedade. Sao os casos que Holland cita a titulo de exemplo: a famosa comunidade ficticia de Skinner (1972), "Walden Two", que dispensa.comentarios uma vez que já foram bastante discutidos(23), e sua concretizacao, a comunidade de Twin Oaks, na Virginia, Estados Unidos; uma "economia de fichas" para reforcar beneficiarios do bem estar em atividades de organizacao e defesa dos seus direitos, e o engajamento dos pacientes do hospital psiquiatrico Mendocino State Hospital, em sua propria "cura" para, nas palavras de Holland, "aumentar seu amor proprio e para fazer frente aos diversos tipos de situagOes sociais que, no passado, constituiram problemas para eles" (id., p. 279-280). Conclui propondo que: a) se interrompam trabalhos corn alta probabilidade de estar a "servigo da riqueza e do poder"; b) adaptar trabalhos as necessidades diretas de libertacao do controle e da exploracao do povo atraves de "contra-controle" e c) explorar formas de modificagao de comportamentos que sejam compativeis corn urn sistema igualitario, "nao-materialista e nao-elitista", mas "construtivo" (id. ibid., p. 280). A discussao acerca dessas proposigOes e suas implicagOes sera feita em conjunto corn as outras, no Capitulo IV. Poderiamos prosseguir indefinidamente discutindo trabalhos que questionam a pratica do psicOlogo(24); a literatura O prodiga. Contudo, centremos nossa atencao naquelas que tratam da Psicologia no Brasil(25), cuja caracterizacao foi delineada anteriormente, e é objeto do nosso estudo. Retomemos entao o trabalho já citado de Mello (1980), que talvez se constitua no primeiro estudo de peso acerca da questao. Adverte, de inicio, que a situagao que relata é possivelmente transitOria dada a recenticidade da profissao. Extrai da analise dos dados, parcialmente apresentada anteriormente, que a Psicologia se constitui numa atividade elitizada, cujo modelo idealizado e ansiado pelos profissionais 6 a atividade clfnica, exercida em consultOrio particular, na pratica da psicoterapia. Alerta que tal modelo se constitui na "mais sofisticada caracterizacao da prestagao individualizada de servicos" (id. ibid., p. 75). A rigor, este 6 o coroamento da base individual-individualista subjacente a Psicologia. 44
Tal modelo dificultaria, no entender de Mello, a aquisicao de uma imagem profissional mais adequada as suas funcoes sociais, ou seja, as de "urn profissional que esta empenhado na solucao de problemas afetos ao comportamento humano, onde quer que esse comportamento ocorra,. e nao de urn profissional empenhado na cura de doencas"(26) (id. ibid., p. 71-72). Essa limitada extensao de servicos que o psicologo presta a comunidade seria decorrencia tambern do limitado ambito de tune 6 - es que ele proprio se atribui; forjando sua imagem a luz da do medico(27), procura usufruir o prestigio assim simbioticamente obtido, sem contudo demonstrar meritos proprios pelos servicos que presta a comunidade (id. ibid., p. 72). Considera que a Psicologia deve ser mais que uma "atividade de luxo que ignora a imensa maioria da populaeao do pals e é igualmente ignorada por esta". Lembra que isso nao implica em "abandonar de prerrogativas profissionais legitimas em nome de uma cacao social utopica, ou a exigir dos profissionais atitudes de desprendimento e altruismo" mas tao somente uma "abertura profissional mais ampla para os problemas humanos presentes em nossa sociedade" corn reavaliaea° da imagem profissional do psicalogo — atualmente "elitizante e de escasso significado para o conjunto da sociedade" (id. ibid., p. 75). 1st° esta relacionado aos conteCidos ideologicos que transmite, de duas ordens: "implica uma concepeao da Psicologia alheia as instituicOes socials, devotada ao estudo do comportamento humano em si e por si; implicam num modelo de atuacao devotado a melhoria individual em si e por si" (id. ibid., p. 77). De suas proposicoes se conclui que a Psicologia ainda é concebida como uma "autentica ciencia" e que seus beneficios devem ser estent'idos a urn maior nCirnero de pessoas de modo a nao "desvirtuar seu valor como instrumento de modificagao social" (id. ibid., p. 113). Outro estudioso do assunto, e autor de alguns trabalhos que circularam amplamente no meio academic° 6 Silvio Botorne. Num dos artigos, de 1979(28), Botorne faz uma analise da atuacao do psicologo em termos do pUblico que tern atendido. A partir da confrontagao do trabalho de Mello (1980), corn uma tabela de honorarios profissionais e distribuicao de renda no Brasil, chega a conclusao de que cerca de 15% apenas da populacao tern acesso aos servicos do psicalogo(29). Questiona: os demais 85% nao necessitam desse servico? (BOTOME, 1979, p. 2-5). Constata, enquanto tendencia, uma exacerbacao desse quadro, seja pela prOpria direcao que toma a Psicologia, seja pela crescente concentracao de renda no pals. Diante desse quadro, Botorne analisa alguns determinantes e algumas propastas para a Psicologia. Ele parte da retracao do mercado de trabalho enquanto urn dado, sugerindo que 6 possivel examinar e interferir nas variaveis que afetam as relacoes de ofer45
ta e procura da Psicologia. A linha-mestra de seu raciocfnio seria passar dos servicos que ora presta a Psicologia, restritos a cura e a resolucao de problemas humanos já existentes, para a prevencao ou, mais alern, segundo ele, de promoco de "melhores condigoes de vida humana" (id. ibid., p. 9). - o, do "paciente" Distingue o "cliente" - aquele que financia a intervene d aquele que sofre a intervencao (id. ibid., p. 9). Dentro de uma concepcao vinculada a Analise Experimental do Comportamento, conclui que o "psicologo tern o que contribuir para conhecer, denunciar e interferir nos deterrninantes do tipo e frequencia da classe de respostas de procurar servicos de Psicologia apresentadas pela nossa populacao" (id. ibid., p. 10). Nesta perspectiva, sugere que é possfvel aos psicologos oferecer servicos de natureza diferente: "Vamos abrir consultc5rios e usar o conhecimento da Psicologia para ganhar dinheiro as custas do desconhecimento que a populacao tern a respeito do que interfere corn o comportamento humano? Ou vamos interferir e propor medidas que minimizam a necessidade do psicOlogo para lirar ou diminuir sofrimento?' "(Id. ibid., p. 9).
Faz ainda algumas observacoes a respeito de possfveis safdas (que discutiremos posteriormente), finalizando corn a questao já colocada por Holland: "a quem devemos tratar e mudar - o homem que sofre ou as condigoes que geraram o ,sofrimento?" (id. ibid., p. 14-15). E nesta .segunda perspectiva que procura desenvolver seu trabalho, nao sem antes lembrar que se trata de urn caminho novo eivado de crises e conflitos (id. ibid., p. 15). As posigoes de fundo de Botorne, bem como suas propostas mais gerais para a Psicologia sao explicitadas em outro trabalho: "Por uma Psicologia cientifica e nacional: criterios para uma avaliagao de prioridades", em co-autoria corn Souza, Williams e Williams (BOTOME e col., 1981). De uma maneira muito simplificada, ate mesmo simplista, procura enquadrar as caracteristicas de ciencia, educagao e psicologia nos "estilos de sociedade" de Varsavsky (1976)(30). .Tais estilos, ou "diferentes alternativas de desenvolvimento nacional" (VARSAVSKY, 1976, p. 13), seriam a "neo-colonialista", a "nacional-desenvolvimentista" e a "socialista nacional criativa" (ou "socialista independente", conforme Botome e col., 1981, p. 40). Em linhas gerais, Varsavsky (id., p. 17-18) define as caracteristicas dos esti I os: a. Neo-colonialista(31): metas para consumo opulento de uma minoria, e o indispensavel ao resto da populacao. Toma os Estados Unidos como modelo e IIder. Dependencia total: cultural, econOrnica, militar. Predomfnio de oligarquias exportadoras e classe gerencial das grandes empresas. Estfmulo ao individualismo e pouca participacao politica do povo. A Educacao superior seria meio de "adquirir 46
cultura", e privilegio das elites. Considera o process° como de "modernizacao-reflexa"(32), passiva e lenta. b. Desenvolvimentismo nacional: a cupula aumenta em relacao a anterior. Os E.U.A. continuam model°, mas corn menor dependencia econornica corn gradual nacionalizacao para a iniciativa privada e corn dependencia cultural total. Capitalismo de Estado, e substituicao da classe dominante agora nas maos do "empresariado nacional". Estimulo a competicao, e democracia formal. 0 leitmotiv é produzir, e a educacao é, portanto, formar recursos humanos(33). c. Socialism° nacional criativo: sociedade solidaria corn participacao popular, corn igualdade material. Nao existem paises modelos; desenvolve-se cultura nacional. IndepenclOncia econornica e tecnologica. Economia planificada e socializada. Formacao do "homem novo, solidario, participante, e criativo", corn a contribuicao da educacao nesse processo. As caracteristicas da Psicologia no estilo neo-colonialista, para Botorne seriam marcadas por ser esta fatalista e pessimista em relagdo a mudancas, por enfatizar variaveis intemas, basicamente inatas, pela determinacao do comportamento. As diferencas individuais sao inevitaveis reforcando as desigualdades sociais, raciais, etc. E altamente especializada, caracterizando-se pelo trabalho "curativo" constituindo-se numa atividade de elite. JA numa sociedade nacional-desenvolvimentista, a Psicologia se caracterizaria por urn "voluntarismo otimista, porem ingenuo", confundindo determinacees sociais e individuais. 0 eifoque seria individualista nao permitindo superar os recursos tradicionais empregados no grupo anterior, corn uma orientacao precariamente preventiva de carater assistencial. Já a sociedade socialista independente, de acordo corn as prol)osicoes já citadas de Holland e do mesmo Botorne, se pautam pela prevalencia da orientacao behaviorista: o comportamento humano é passivel de alteracao, pelo arranjo de condigoes ambientais (tanto restritas e especificas, quanto gerais e amplas); pela enfase no trabalho conjunto corn outros profissionais. Tarbem deve estar apto a intervir ("equacionar e resolver") problemas da comunidade social onde atuar, priorizando alem do trabalho "curativo", aquele preventivo. 0 servico entao se estenderia a amplas parcelas da populacao, basicamente sob responsabilidade do setor E de se supor que o "estilo" de sociedade que Botorne tern como horizonte seja a "socialista independente", o que faz corn que as caracteristicas da Psicologia dos outros dois "estilos" sejam -criticadas por ele. Embora o que na realidade ele faca seja retomar a velha discussao dos "mentalistas" ou cognitivistas versus behavioristas, que nãc cabe analisar aqui(34), o quadro que traga se constitui num retrato fiel do que hoje é a Psicologia. Algumas questoes se impOem, quanto as posicoes de Botorne: 1. Se é claro que a meta de BotornO é o estilo "socialista-independente", tambem deye ser claro que o Brasil nao pode se enquadrar nessa categoria, o que o coloca ou como "neo-colonialista" ou como "desenvolvimentista-nacional". 47
Embora a ten-ninologia hoje nao esteja ma's em yoga, remetendo a posigoes de isebianos historicos como Hello Jaguaribe(35), parece estarmos oscilando entre urn modelo e outro. 0 que falta explicitar é como se dá a passagem de urn mo•delo a outro. Sem isso, a discussao é estenl. 2. Na realidade, a dificuldade comeca pela propria conceituacao de "estilos de sociedade", pouco clara em Varsavsky. Ele procura uma aproximacao corn "modo de producao", que seria "estilo ou politica industrial, agraria e de servicos, corn sua organizacao institucional" (VARSAVSKY, 1976, p. 16). Ora, a questa° da conceituacao de "modo de producao", associada a de "formacao econornico-social" é bastante mais complexa, e ate mesmo controvertida(36), do que pretende Varsavsky. De acordo corn Gorender (ap. GERMANO, 1984, p. 120), "modo de producao constitui uma totalidade organica e urn processo reiterado de producao, distribuicao, circulacao e consumo de bens materials, todas elas fases distintas e, ao mesmo tempo, interpenetradas no fluir de urn processo Cmico"(37). 0 modo de producao é, assim, por si mesmo, urn modo de reproducao continuado das relacOes de producao e das forcas produtivas(38). A transicao de urn modo de producao a outro implica no crescimento quantitativo-qualitativo das forgas produtivas e num revolucionamento das relacoes de producao(39). Os "estilos" apresentados nao implicam, par seu turno, em diferentes modos de producao — pode-se supor que haja da "neo-colonialista" e da "nacional-desenvolvimentista" para a "socialista independente", mas é mera especulacao. E possivel a interpretacao de que ha possibilidade de intercambio entre os tres estilos, dentro do mesmo modo de producao. Ou na melhor das hipoteses, a suposicao de uma transicao gradual. 3. Se, de fato, nao estamos numa sociedade socialista independente, como propugnar por urn estilo de atuacao que nao condiz corn a realidade? E se supusermos, como de fato já ocorre, que o modelo behaviorista é amplamente encontrado em sociedades nao-socialistas-independentes, de novo voltamos a conclusao inevitavel da crenca na neutralidade cientifica deslocada aqui para sua aplicacao, mas que nao atinge a propria producao do conhecinnento. 4. Ha que se salientar novamente a crenca na compatibilidade da Psicologia behaviorista e da tecnologia que gerou, corn sociedades socialistas — nesse caso, mais explicito que Holland que dizia "igualitaria, nao-materialista, nao elitista, mas construtiva". Tal crenca se fundamenta na aceitacao da tese de Varsavsky (1976, p. 14): "Nem todo estilo cientifico seria compatfvel corn determinado estilo de sociedade". 5. Por a registrar, esta o credit° de Botome a ciencia(40). Nao fica muito clara, contudo, a concepcao subjacente de ciencia, nem a distincao entre as "ciencias humanas" e "fisicas". E elucidativo, entretanto, o objetivo das ciencias humanas no estilo "socialista-independente": "melhorar a qualidade de vida da populacao(...) alem de auxiliarem na otimizacao do uso das tecnologias ffsicas e biolOgicas disponiveis" (BOTOME, 1981, p. 61). Pode-se supor que as cien48
cias humanas so terao esse papel neste estilo de sociedade? Ou sera possfvel (e ate desejavel) que isso ocorra nos outros "estilos"? Novamente entra em jogo a questao da transicao, indefinida. Outro psicalogo cujas reflexoes merecem exame é Alvaro Duran. Na realidade, as consideracOes aqui SP referem a dois artigos: "A atuacao do psicologo social na sociedade moderna", de 1975, e "Objetivos da atuacao do Psicologo", em colaboracao corn Jefferson Pinto, de 1976. Para Duran, o psicologo tanto "descreve os controles existentes nas relacO - es entre as pessoas como ele proprio atua, diretamente, como urn participante nas relagOes de controle" (DURAN, 1975, p. 60). E isto coloca, para ele, quatro possfveis alternativas: a negacao do conhecimento cientifico ou da tecnica como valor valido; minimizacao dos perigos do controle porque se apOiam em modelos explicativos que priorizam as causacoes internas; a admissao do controle, mas negacao de sua responsabilidade e, por ultimo, "aquela que nao teme o controle como uma ficcao mas o enfrenta como uma realidade cujos riscos é preciso levar em conta" (id. ibid., p. 61-63). Aponta, como consequencias desta Ultima posicao, caminhos proximos aos sugeridos por Holland (1973) relativos ao "contra-controle" (DURAN, 1975, p. 63). Uma decorrencia dessa posicao, reiterada no segundo artigo, seria a de buscar equilibrar as relacOes de controle — caracteristicas de "uma sociedade humanizada" (DURAN e col., 1976, p. 4). Contudo, admite que a Psicologia esta longe disso, movendo-se nos "estreitos iimites de classe onde esse desenvolvimento (da Psicologia) se deu. Temos feito uma Psicologia de classe media", arremata (DURAN, 1975, p. 63). Conclui afirmando ser necessario estender os beneficios da Psicologia para populacoes nao-atendidas pelo psicologo. Diversas questOes ficam em aberto: como é possfvel, se desejavel, urn equilibrio nas relagoes de controle numa sociedade estruturada em classes antaganicas? A questa°, novamente, é estender os servicos da Psicologia — derivada da Analise Experimental do Comportamento — as parcelas da populagao que nao tern acesso ao trabalho do psicdlogo (leia-se, proletariado)? 0 seu posicionamento orbita, segundo se pode deduzir, proximo ao de Botome. NOTAS
1. Existem algumas tentativas de caracterizacao da profissao fora de Sao Paulo, quase tocias promovidas pelas entidades de classe. Urn desses trabalhos 6 a "Descricao do Profissional de Psicologia no Distrito federal", nao publicado, de Borges Andrade e colaboradores, patrocinado cela APP-DF. Durante o I Encontro Regional de Entidades de Psicologia do Nordeste, em Fortaleza, Ceara, em agosto de 1982, as entidades presentes (APP — Pernambuco; APPC — Ceara; APA — Alagoas e ASPRN — Rio Grande do Norte) apresentaram breves relatos acerca da situacao do profissional em seus estados ("Relato49
rio — 1 Encontro Regional de Entidades de Psicologia do Nordeste"). 0 relato realizado pela Associacao dos PsicOlogos do Rio Grande do Norte, inclusive, tern sua publicacao prevista na revista editada pelo Conselho Federal de Psicologia ("Psicologia: ciencia e profissao"). Outros relatos parciais podem ser encontrados em periOdicos, como os "Arquivos Brasileiros de Psicologia". 2. Embora publicado em 1975, o estudo foi realizado anos antes, tendo como pont° de partida urn trabalho anterior, cuja referencia 6 PEREIRA, S. L. M. Psicologia-Estudos e perspectivas de trabalho, da Fundacao Carlos Chagas. A versa° a que fazemos referencia 6 a quarta impressao do livro, datada de 1980. Apenas a titulo de complementacao, existem alguns trabalhos anteriores a respeito da questa°, como o de Azzi (1964-1965), alem de urn interessante trabalho de Pessotti (1975), que 6 uma cronologia da Psicologia brasileira. Nele constam, inclusive, outras referencias para a reconstrucao dessa cronologia. 0 Conselho Federal de Psicologia tambem dedicou uma edicao especial de sua revista "Psicologia: ciencia e profissao" (1979) ao mesmo tema. 3. Trabalho coordenado pelas psicologas Ana Merces B. Bock, Kimie Yamamoto, Marilena K. de Oliveira Leite e pelo psicOlogo Sergio A. da Silva Leite, executado pelo DIEESE — Departamento Intersindical de Estatfstica e Estudos SOcio-Econornicos. E, entre os tres estudos analisados aqui, o unico cuja abrangencia é o Estado — e nao apenas a cidade de Sao Paulo. De interesse tambern, outra publicacao do Sindicato dos Psicologos no Estado de Sao Paulo, o "Psic6logo: informacOes sobre o exercicio da profissao", de 1981. 4. 0 estudo em questa°, acerca das "modalidades alternativas" de trabalho de psicologos, faz parte de uma pesquisa mais extensiva levada a cabo pela mesma autora, acerca das condicoes de atuagao profissional de psicalogos recem- formados em Sao Paulo (CARVALHO, 1980). Uma vez que os dados por ela apresentados na caracterizacao corroboram no essencial os obtidos pelos estudos de Mello (1975) e do Sindicato/Conselho de Psicologia (1984), incluimos tab somente a parte referente as chamadas "modalidades alternativas". 5. Na realidade, a Lei n 2 4.119, de 27 de agosto de 1962, que regulamenta a profissao nao preve areas de atuacao ou especializacao, mas tao somente atividades. 0 § 1 2 do Artigo 13 reza: "Constitui funcao privativa do PsicOlogo a utilizacao de metodos e tecnicas psicologicas corn os seguintes objetivos: a. diagnostic° psicolOgico; b. orientacao e selegao profissional; c. orientacao psicopedagOgica; d. solugao de problemas de ajustamento" (Sindicato/Conselho..., 1981, p. 12). A fluidez e a abrangencia dessa formulacao tern causado uma serie de problemas de limites de atribuicOes corn outras profissOes, como os orientadores educacionais, administradores de empresa e profissionais da area medica, vide o "Projeto Julianelli", que previa a subordinagao de todos os profissionais da area ao medico. Ressalve-se que isso nao decorre exclusivamente da formulacao, é obvio, e que o "Projeto Julianelli" tern outras significagaes muito mais profundas que a simples disputa de "territOrio". E que, conforme se viu corn a mobilizacao em todo o Brasil, nao é o desejo da maioria dos prOprios medicos. 6. Cabe lembrar que na epoca da realizacao da pesquisa, existiam apenas tres cur50
sos superiores de Psicologia na cidade de Sao Paulo; a da Universidade de sao Paulo, e os da Pontificia Universidade Catolica de Sao Paulo (da Faculdade de Filosofia, Ciencias e Letras de Sao Bento e da Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae, que posteriormente foram fundidos), corn urn total de apenas 198 psicalogos formados. 7. Existem in6meros estudos a respeito, dos quais destaco apenas a tftulo de exemplo: Pastore (1971), Fernandes (1979), Cunha (1978), Martins (1981), alem do suplemento "Universidade Brasileira: organizagao e problemas", da revista "Ciencia e Cultura", da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciencia (BORI e col., 1985). 8. Grifos do autor. 9. Essa tendencia é ligeiramente alterada, conforme o estudo seguinte. No seu trabalho "Introdugao a Psicologia Escolar", Patto (1981, p. 1) discute a questa° salientando a contratagao de psicologos na rede ptlblica de Sao Paulo, alvo de sua pesquisa publicada posteriormente (PATTO, 1984). Sobre a questa° da contratacao de profissionais de psicologia na rede ptIblica de ensino, urn acontecimento interessante foi, he alguns anos, urn projeto que previa a obrigatoriedade de contratacao de psicalogos pelo Estado foi vetado pelo entao governador Paulo S. Maluf. 0 veto nao foi derrubado pela Assembleia Legislativa, malgrado as tentativas de mobilizagao do Sindicato e Conselho de Psicologia de Sao Paulo. Na ocasiao, Sergio A. Leite, urn dos diretores, comentava a necessidade de se rever a questa°, pois se de fato o psicalogo, pelo seu trabalho se mostrasse imprescindfvel, o apoio popular se faria sentir (comunicagao pessoal). 10. 31,8% dos psicologos se situam entre o salario minim° necessario na epoca, segundo o DIEESE, e o piso salarial reivindicado pela categoria (Sindicato/Conselho. .., 1984, p. 42). 11. Observa-se que a comparagao de percentuais fica algo comprometida devido aos totais aos quais se referem: no estudo de Mello (1980), 198 psic6logos, e no do Sindicato/Conselho (1984), 12.553! Os dados desse iltimo trabalho, portanto, permitem delinear uma caracterizagao corn margem maior de seguranga que aquela que a precedeu. 12. Embora as datas das publicagoes dos estudos de Mello e do Sindicato/Conselho sejam 1975 e 1984, os dados foram obtidos em 1970 e 1981, respectivamente. Nesse period°, a situagao da indtIstria apresentou, a rigor, urn desenvolvimento desigual. Houve uma grande expansao no perfodo 1968/73, registrando os maiores Indices o de bens de consumo duraveis (23,6% ao ano), seguido pelos dos bens de capital (18,1%). Ao lado disso, observa-se urn crescimento de investimento public() e uma queda do investimento privado no setor industrial. A partir de 1980, corn o corte de investimentos, a produgao entrou em declfnio, diferenciada conforme os setores. 0 mais atingido foi o de bens de consumo duraveis, e o menos atingido, o de bens de consumo nao-duraveis, por se tratar de produtos essenciais. Paralelamente, observa-se que o Produto Intern° Bruto (PIB) medio no period° 1968/73, foi de 11,43%; no period° 1974/80, de 7,08%, e finalmente, no perfodo 1981/83, declinou para —1,46% (GUIA DO TERCEIRO MUNDO, 1984, p. 33, 40 e 41). Finalmente, a observar, a participagao do produto industrial na composigao do produto ffsico nacional foi 4, 5 vezes major que a agricola, em 1980 (GORENDER, 1982, p. 104). 13. Sobre esta questa°. he uma interessante analise de urn grupo de trabalhadores italianos de vanguarda, publicada em "II Manifesto" (in GORZ, 1980), acerca da tendencia 51
proletanizagao dos empregados nas fabricas, o que os leva, em relacao ao conteudo do trabalho, direitos e remuneragao, a uma posigao mais prOxima dos operarios; caracterfstica da atual fase do capitalismo. Entretanto, conforme observa Gorz (1980, p. 240-241), a revolta dos trabalhadores intelectuais decorrente de sua nova posicao é ambfgua: insurgem-se nao como proletarios mas contra o fato de serem tratados como tais. 0 contado dessas contestacOes esta pals, em reaver alguns-dos privilegios que desfrutavam quando pertenciam, profissionalmente, as camadas medias. Claro esta que nenhuma transposigao direta pode ser tentada. Entretanto, o quadro delineado pelo Sindicato/Conselho (1984) parece confirmar isso: o percentual de sindicalizados 6 Infimo, caindo para cerca de 5% do total de psicOlogos formados, corn o menor fndice pertencendo aqueles que optaram pela area clinica, o que parece demonstrar que o apego a imagem cada vez mais distante do profissional liberal persiste. 14. Ver novamente a nota 9 deste capitulo. 15. Cumpre observar que nao estamos defendendo a importancia do trabalho nessas areas; o papel que cabe ao psicOlogo e a Psicologia, de acordo corn o nosso ponto de vista, já deve ter ficado claro a esta altura. Estamos nos referindo aos pOlos da contradicao capital-trabalho para podermos delinear, segundo o pont° de vista do sistema, as perspectivas da profissao. 16. Apenas para exemplificar, num levantamento realizado par Germano (1984), no bienio 74/75 (no auge do perfodo do regime militar, portanto), as despesas corn o bem-estar social atingiram 2,7% do orgamento da uniao, contra 82,9% corn o financiamento do capital! 17. Esta questa°, da criagao dos cursos e regulamentagao da profissao, sera retomada em maiores detalhes, no Capftulo III. 18. A "falencia" do chamado "milagre brasileiro" correspondeu ao fim de urn ciclo economic° já mencionado (ver nota 12). 0 crescimento economic°, evidentemente, teve como contrapartida, a concentragao de renda e a deterioracao da qualidade de vida da populagao. "A participagao na renda, dos 50% mais pobres da populacao economicamente ativa caiu de 17,71% (em 1960), para 14,91% (em 1970), descendo ainda mais, para 11,8% (em 1976)" (VIEIRA, 1983, p. 208). A participagao dos 5% mais ricos, por seu turno, aumentou de 27,69% em 1960, para 34,86% em 1970, e para 39% em 1976 (id. ibi., p. 208). No setor industrial, a exploracao da forca de trabalho é visfvel: em 1961, a participagao dos salarios na renda industrial era de 29% contra 71% para os lucros; e ern 1973, 23% para os salarios e 77% para os lucros (GORENDER, 1982, p. 104). Entre os fatores que contribufram para a chamada "falencia do milagre" — ou o surgimento da crise econOmica e politica, certamente figura o ressurgimento do movimento popular. 19. Ha que se considerar, no caso brasileiro, a recessao econornica como produtor
do exercito de reserva. 20. A obra, conhecida dos psicalogos, é "Anatise do Comportarnento", de 1969. 21. Editado originalmente em 1938, e reimpresso em 1966 (SKINNER, 1966). 22. Sao eles uma "economia de fichas" de militares no treinamento basico; outro incluindo doces e loteria como reforcadores de comportamentos de "nab cfvica", cOmo con52
servar folheto de propaganda, e urn programa de contra-insurreicao na regiao rural da Tailandia (HOLLAND, 1973, p.269-272). 23. Entre outros, Freedmam (1975) e Wheeler (1973). Este CrItimo se refere as posigees de Skinner em geral, e nao somente a Walden Two. 24. Apenas como referencia, Politzer (1975), Heather (1977), e May (1977). 25. Os criterios para a selegao dos tftulos já foram explicitados na Introducao. 26. Grifos do autor. 27. Mello (1980, p. 71) levanta ainda a hipotese de que nao seria tanto a atividade clfnica em si que atrairia os estudantes e profissionais, mas "a similaridade que evoca, e que as vezes procura acentuar, corn a figura e as atividades do medico, padrao de profissional liberal bem sucedido". 28. Este artigo, "A quern n6s, psicologos, servimos de fato?" é uma transcricao de sua exposicao no Simposio "A quem a Psicologia atende e a quem deveria atender?", parte da programagao da VII Reuniao Anual de Psicologia de Ribeirao Preto, Sao Paulo, em 1978. ilustrativo por representar a preocupagao dos psicalogos na epoca. Contou, inclusive, corn ampla participagao estudantil que se reunia, na ocasiao, num de seus primeiros ENEPs (Encontro Nacional de Estudantes de Psicologia). 29. Retomamos as questOes colocadas por Botorne (1979), considerando a situagao dos psicalogos do Rio Grande do Norte, num estudo realizado a pedido do Centro Acadernico de Psicologia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Observamos a mesma relacao encontrada ern Botorne, adicionada ao aviltamento salarial, que atingia tanto aos psicologos quanto as demais categorias de trabalhadores. Discutiu-se a questao da proletarizacao e da pauperizacao das camadas medias, alem de algumas alternativas de agao, remetendo a uma analise de Faleiros, de 1979 (YAMAMOTO, 1981). 30. Os autores indicam, como inspiradores, dois trabalhos do ffsico, maternatico e cientista social argentino Oscar Varsavsky (1974, 1976). 31. Varsavsky s refere a Argentina dos anos 70, como tendo entao, "estilo" semelhante ao "neocolonialista" (1976, P. 17). 32. A concepgao de "modernizacao reflexa" e "crescimento autonomo" já foram apresentados por Ribeiro (1975). 33. E a chamada "Teoria do Capital Humano". Entre outros autores, Salm (1980) e Frigotto (1984) estudaram o asSunto em detalhes. 34. 0 debate é bastante antigo, e assume diversas formas. Skinner (1974), por exemplo, discute exaustivamente o assunto. 35. Veja, por exemplo, Jaguaribe (1977). 36. Uma discussao interessante é apresentada em Germano (1984). 37. Grifos do autor. 38. Evidentemente, nao é a Crnica definicao de modo de producao. Ha diversos pon53
tos polernicos envolvendo a articulacao da infra corn a superestrutura a serem considerados. Ver Germano (1984). 39. "Ern certa etapa do desenvolvimento, as forcas produtivas materiais da sociedade entram em contradicao corn as relacifies de producao existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressao juriclica, corn as relacOes de propriedade dentro das quais aquelas ate entao se tinham movido. De formas de desenvolvimento da forcas produtivas estas relacties se transformam em seus grilhoes. Sobrevern entao uma epoca de revolucao social". E ainda: "Uma formacao social nunca parece antes que estejam desenvolvidas todas as forcas produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relacoes de producao mais adiantadas jamais tomarao o lugar, antes que suas condicoes materiais de existe' ncia tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade" (MARX, 1978, p. 130). 40. "Urn projeto novo — ou melhor! — para a sociedade e para o homem, exige o concurso da ciencia, da educacao e das diferentes atividades profissionais" (BOTOME, 1981, p. 16).
54
CAPiTULO III RUMO As ALTERNATIVAS.
Ate o momento, foi apresentada uma breve configuracao da situacao da Psicologia, e delineadas algumas criticas a sua pratica. Podemos nos deter agora no que efetivamente os psicologos que rejeitam a pratica dita "tradicional" estao propondo, ou no que estao engajados. "Alternativa" aqui, esta sendo definida em contraposicao a "tradicional", ou seja, as tentativas de superar os descaminhos da pratica usual do psicalogo, na sua avaliacao. Para efeito de exposicao e analise, sera() distinguidas duas vertentes, ou modalidades de acao diferentes, que denominaremos a partir de agora de "Psicologia alternativa" e de "Contra-psicologia". As duas modalidades nao sac de todo excludentes, e a distincao talvez seja arbitraria(1), servindo tao somente aos propositos da presente analise, e assim deve ser entendida.
1. "PSICOLOGIA ALTERNATIVA" A questa° da definicao do que seja "Psicologia Alternativa" é muito complexa; a rigor, a propria definicao do que seria a Psicologia ja é par si s6 bastante dificil, quanto mais daquilo que pretende alterna-la... Salvo engano, esta denominagao se tornou corriqueira ao longo da decada de 70 no Brasil, principalmente na sua segunda metade. Talvez sejam necessarias algumas consideracOes previas a fim de situar a questa°. De inicio, nao se pode olvidar o fato de que a profissao de psicalogo é bastante nova no Brasil, datando sua regulamentacao de 1962. Clam esta que o exercicio da Psicologia data de muito antes; existem alguns estudos a respeito, os quais deixo de considerar aqui(2). Os cursos de Psicologia tambern datam 55
dessa epoca(3), o que faz corn que tenhamos pouco mais de vinte anos de curso, e de profissao regulamentada. Ao lado disso, deve-se lembrar que a grande expansao dos cursos de Psicologia se deu apos a "Reforrna Universitaria"(4) do regime militar, feita entao de acordo corn as diretrizes e conveniencias do regime instaurado em 1964. Como se sabe, a expansao do ensino supenor se deu basicamente devido ao crescimento desproporcional das instituicaes de ensino privadas. Quanta A Psicologia, o quadro é o mesmo: temos cerca de 75 cursos de Psicologia no Brasil; 24 deles em Sao Paulo, contra apenas tres da primeira metade dos anos 60. Das 24 faculdades que oferecem cursos de Psicologia, 20 sao particulares e apenas quatro pCiblicas(5). Esta breve digressao objetiva discutir as condicoes nas cuais "floresceu" o ensino de Psicolodia; alem de sua- recenticidade, encontra uma universidade corn visivel degradacao do nivel de ensino, acentuada pelo excessivo n6mero de escolas particulares que nao passam de verdadeiras "fabricas de diplomas"(6) de ensino duvidoso, e amordacada sob severo controle ideolOgico e repressao direta(7). Paradoxalmente entretanto, foi justamente na decada de 70, que comecou a circular urn enorme volume de publicacoes, inclusive as primeiras traducOes de alguns dos classicos do marxismo, assim como de autores "reprodutivistas", como Bourdieu, Passerdn e Althusser, para citar alguns (8). Ao lado disso, tambern comecaram a circular mais livremente os textos de autores ligados a "antipsiquiatria", e posteriormente, a "psiquiatria altemativa" (9). No aspecto conjuntural, observava-se entao a reorganizacao de amplos setores da sociedade civil em meados da decada de 70, inclusive do movimento operario e do movimento estudantil(10). Temos at alguns dos elementos que perrnitem esbogar uma possivel explicagao do fato de proliferarem criticas A Psicologia "tradicional", bem como a busca de alternativas. "Psicologia altemativa" passou a significar tudo aquilo que fugisse do convencional. Segundo minha avaliacao, duas tendencias diferentes brotaram desse movimento, que se distinguem pela sua preocupacao social. A primeira entao, que neste context°, cortsidero inconsequente, é aquela que busca o "original" independentemente do fato de o "original" apresentar ou nao os mesmos problemas do convencional. Incluo aqui as chamadas abordagens corporais, as diversas "bio" (dangas, energeticas, etc.), a titulo de exemplo. Elas absolutamente nao se apresentam como alternativas ao menos no piano em que as criticas a Psicologia "tradicional" eram feitas. A rigor, alias, dentro desta perspectiva de analise, elas já sao Psicologia "tradicional", corn todos os seus problemas, e merecem portanto, o mesmo tratarnento. Desse modo, simplesmente deixo de considerar esta tendencia. A segunda tendencia, que neste context° considero consequente, reune as
tentativas de se procurar saidas para a Psicologia de modo a incluir aquela "maioria da populacao" que antes nao podia usufruir de seus "beneffcios". Claro esta que aqui estao reunidas propostas que pouco tern em comum, que o fato mesmo de prdcurarem se constituir em "alternativas". Uma discussao frequente entao naqueles anos era se alternativa deveria, necessariamente, ser feita fora dos locais tradicionais de atuacao dos psicOlogos ou nao. Muito embora essa discussao tivesse sido superada pelo "born senso", e consideradas alternativas tanto uma quanto outra, pela prOpria analise que se fazia a restrigao imposta pela pratica tradicional, deu-se enfase a trabalhos realizados em areas nao usuais para o psicOlogo. Apresento dois grupos de trabalhos; aqueles realizados dentro de instituicejes p6blicas e diretamente "no comunidad d'. 1.1. Trabalho em instituicoes: urn exemplo Uma das experiencias mais interessantes realizadas na esteira das preocupagOes corn o significado social da Psicologia foi sem d6vida aquela desenvolvida por Botome (1981a e 1981b) a frente de uma equipe multidisciplinar na Secretaria de Higiene e Sa6de do Municipio de Sao Paulo, entre os anos de 1975 e 1978. Coerente corn as suas concepcOes, o objetivo foi promover "urn atendimento de satkle que produz(isse) melhoria nas condici5es de saude da populacao atrayes de uma prestacao de servigos mais eficaz" (BOTOME, 1981a, p. 7). Mais explicitamente, "descobrir e criar condicoes para a ocorrencia de comportamentos que produzissem melhores condigoes para a populacao-alvo do trabalho, abrangendo os nlveis de prevengao de mas condigOes de saude e manutencao de boas condigoes de sa6de alem dos niveis de recuperacao e reabilitagao já bastante existentes na atividade das instituigOes que prestam servicos na area da satkle" (id. ibid., p. 7). 0 trabalho teve inicio corn uma solicitacao da Secretaria, de urn curso que habilitasse a modificar o comportamento da populacao em relacao a sa6de, condicao para a implantacao de urn "programa de atendimento a gestantes, nutrizes e criancas ate dois anos de idade" (BOTOME, 1981b, p. 517). As primeiras etapas do trabalho foram entao um "levantamento do que caracterizaria o que a populagao-alvo tinha como problemas de saiide", seguido de uma "analise do que a populacao devia fazer para resolver ou minimizar estes problemas de saCide" e entao "descrever as condicOes que precisaria para fazer isto" (id. ibid., p. 520). 1st° significava uma mudanga de perspectiva: ao inves da aceitagao da queixa e conseqiiente proposicao de "solucaes", buscar delinear mais precisamente o problema onde intervir. Esta preocupacao esta calcada em algumas posicoes já explicitadas anteriormente: a definicao de quem atender, o "cliente" ou o 57
"paciente" (BOTOME, 1979) e da busca de "equilibrio nas relacoes de controle" (DURAN e PINTO, 1976). As etapas seguintes visavam estabelecer as condicOes que a agenda tena a seu alcance; que comportamentos dos funcionarios estavam associados a elas (BOTOME, 1981b, p. 521), e ainda uma analise das condicoes "para que os funcionarios agissem adequadamente corn a populacao" (id. ibid., p. 522). A etapa seguinte foi a analise do comportamento dos administradores e dirigentes (id. ibid. p. 522). Todo esse trabalho foi conduzido a base de urn conjunto de dez "estudos", cada um deles corn as seguintes fases: "1. descricao do problema; 2. levantamento de alternativas de solucao; 3. escolha da melhor alternativa de solucao; 4. planejamento da implantacao da alternativa escolhida; 5. implantacao gradual; 6. avaliacao a cada etapa de implantacao; 7. reformulacao sempre que necessario; 8. correcao da implantacao, etc..." (BOTOME, 1981a, P. 28) Empregando uma linguagem mais precisa dentro da abordagem utilizada, os "estudos" abrangiam "diagnostico" ou descricao do problema a ser resolvido pelos funcionarios dos Postos de Saode; classes de Noes que devenam ser apresentadas pelos Postos a partir da descricao; sequenciamento dessas acOes; detalhamento em outras mais simples e interrnediarias; especificacao das "condicOes" dos Postos de modo a permitir a ocorrencia das classes de resposta e da populacao-alvo, alem de exemplos dessas "condicaes" (como sistema de orientacao de saCide, sistemas de mapeamento de atendimento a usuarios, e outros) (id. ibid., p. 7). 0 resultado do trabalho, bastante distante da solicitacao inicial portanto, foi uma total reformulacao do servico, de modo a torna-lo mais eficiente da perspectiva do seu funcionamento interno e consequente assistencia a populacao. Todo o trabalho, em suas etapas intermediarias é minuciosamente relatado, corn farta documentacao, por Botome(11). Em cada uma das etapas, foi utilizado urn rigoroso procedimento derivado dos principios da Analise Experimental do Comportamento, segundo uma leitura de Botorne (1980), acerca das concepOes skinnerianas, buscando fugir da estreiteza de visao que caracteriza os behavioristas em geral(12). E impossivel, e desnecessario, descrever em detalhes o trabalho; mas tao somente, o necessario para estuda-lo, enquanto "altemativa" a pratica "tradicional". Num primeiro sentido, se lembrarmos que a Psicologia era caracterizada como uma "atividade de luxo", e que cerca de 85% da populacao a ela nao tinha acesso, o trabalho de Botorne obteve exito. Trata-se de urn trabalho realizado numa instituicao publica, que tern como funcao atender a populacao em questOes de saude. Poderia, segundo a analise de Botome, envolver aproximadamente 60.000 atendimentos mensais utilizando basicamente os recursos já disponiveis. Num segundo sentido tambern, o trabalho mostra-se bem sucedido: foge do esquema tradicional visando a terapeutica de problemas já instalados para urn equilibrio entre os niveis possiveis de acao na area da saCide. 58
Alern disso, o trabalho de Botome apresenta uma terceira caracteristica, desejavel segundo as avaliacOes antenormente apresentadas por ele e pelos outros: ha uma ampliacao das funcOes ou servicos que o psicologo pode oferecer a comunidade — ofertando tais servicos ao inves de simplesmente esperar solicitacOes(13). Ainda de acordo corn o que defendia Mello (1980), ha a apresentacao do profissional enquanto homem de ciencia, corn "formacao em metodologia cientifica (observar, argumentar, raciocinar, coletar dados, analisar os dados, tirar conclusOes de dados...)" (BOTOME, 1981a, p. 444). Este trabalho tambem parece representar urn exemplo de acao sugenda por Holland (1973), muito ma's consequente ate do que os que ele descrevia. Parece confirmar a possibilidade de urn trabalho corn caracteristicas marcadamente diferentes utilizando principios da Analise Experimental e Aplicada do Comportamento. 0 trabalho de Botome se enquadra, portanto, na definicao por nos colocada de "alternativo", na medida em que busca rumos diferentes da pratica "tradictonal", evitando os seus "equivocos". E se trata de urn trabalho inegavelmente seri° e cornpetente em Psicologia. Entretanto, diversas questoes ficam em aberto, de resto, já colocadas quando da analise das proposicoes de Botorne. Enfim, seria esta entao a "alternativa" buscada pelos psicalogos?
Trabalhos na comunidade (ou a "Psicologia Comunitaria")
Neste topic°, vamos apresentar a posicao de urn grupo de psicologos que tern realizado trabalhos sob o titulo de "Psicologia na cornunidad d', que pode ser identificado como vinculado a ABRAPSO — Associacao Brasileira de Psicologia Social. Nomes expressivos da area, como Silvia Lane e Abib Andery fazem parte do grupo. Sao justamente as posicOes de Andery (1984a, 1984b) que tomamos como referencia! basico. De acordo corn Andery (1984a, p. 203), a Psicologia na Comunidade é uma expressao relativamente nova em nosso meio, sendo comunidade entendido como "instrumentalizacao de conhecimentos e tecnicas psicologicas que possam contribuir para uma melhoria na qualidade de vida das pessoas e grupos distribuidos nas inumeras aglomeragoes que compOem a grande cidade"(14). Representa uma tendencia da Psicologia de sair do seu "locus" tradicional em direcao ao "cotidiano das pessoas principalmente nos bairros e instituicoes populares onde a grande parcela da populacao vive" (id. ibid., p. 203). Essa insercao visa corrigir urn dos "equivocos" da Psicologia: "a presenca ativa dos conhecimentos psicolOgicos tern sido pouco frequente, pnvando indivi59
duos e grupos Mit° numerosos dos beneficios que a ciencia deve proporcionar"
(id. ibid., p. 203-204) (15). Note-se al que Andery volta a focalizar o tema já discutido anteriorrnente, acerca dos benefloos da Psicologia enquanto ciencia. Os princIplos norteadores da Psicologia na Cornunidade, aos quais esta ligada a postura de Andery foram resumidos pelo professor americano Sheldon Korchin(16), e sao transcntas na Integra a seguir, dado o seu carater elucidativo: "1. Os fatos sOcio-ambientais sao mu/to importantes na determinacao e modificacao de comportamentos. 2. As intervencOes socio-comunitarias (intervencOes orientadas para as pessoas) podem ser eficientes tanto para tomar as instituigOes sociais (por exempla a familia, a escola) mais saudaveis quanto para reduzir o sofrimento individual. 3. Essas intervenceies deveriam visar mais a prevencao do que o tratamento ou a reabilitacao de desordens emocionais. Nao so a pessoa necessitada mas tambom a populagao-em-risco é a genuina preocupagao da Psicologia na comunidade. 4. Essas intervencOes deveriam ter como objetivo a melhoria da competencia social, mais do que a simples reducao do sofrimento psicoliogico. Pro gramas orientados para o comunitario deveriam acentuar mais o que é adaptativo do que o patologico na vida social. 5. A ajuda 0 mais eficaz quando obtida na proximidade dos ambientes em que os problemas aparecem. Portanto, os clinicos da comunidade deveriam trabalhar em ambientes familiares prOximos das pessoas necessitadas, antes que em locals social e geograficamente afastados delas. 6. As clInicas da comunidade deveriam ir ao encontro dos clientes, antes que ficar passivamente a espera de que eles o procurem pro fissionalmente. Sua atuagao pro fissional deveria ser flexivel, facilmente acessi'vel no local e tempo onde a necessidade surge e oferecida numa atmosfera que reduza, ao inves de aumentar, a distancia social entre o pro fissional e a pessoa ajudada. A ajuda deveria ser acessivel aqueles que dela necessitam e nao s6 aos que a procuram. 7. A fim de empregar recursos de facil acesso e aumentar seu Impeto potencial, o pro fissional deveria colaborar corn os recursos humanos da comunidade (responsaveis locais) e empregar trabalhadores associados nio-pro60
fIssionais. 0 trabalho do pro fissional pode envolver mais consultona do que atendimento direto. 8. Exigencias do papel tradicional e normas costumeiras pro fissionais devem ser abrandadas. 0 exercicio da profissao na comunidade exige uma programacao imaginosa e novos modelos conceituais: as inovaccies deveriam ser estimuladas. 9. A comunidade deveria, se nao con trolar, ao menos participar do desenvolvimento e execucao dos programas formulados, levando em conta as necessidades e preocupacOes dos membros da comunidade. 10. Problemas de sabde mental deveriam ser encarados de maneira mais abrangente do que restrita, desde que eles se entrela cam corn muitas outras facetas do bem-estar social tais como o emprego, habitacao e educacao. Para obter eficiencia maxima, os programas de satide mental da comunidade deveriam ocupar-se corn uma faixa de problemas sociais a mais ampla possivel. 11. A educacao do pablico para compreender a natureza e as causas dos pro blemas psicossociais e os recursos disponiveis para se lidar corn esses problemas é uma tare ía valiosa. 12. Desde que rnuitos problernas de satide mental relacionam-se corn uma ampla faixa de carencias sociais, tais como pobreza, racismo, densidade urbana e alimentacao, carencias essas que estao fora do alcance das intervencoes dos pro fissionais, o psicologo deveria ser orientack) para a promocao e facilitagao das reformas sociais (17).
13. Para desenvolver o conhecimento necessario para uma intervencao corn o adequado conhecimento de causa, a Psicologia da Comunidade requer a contribuicao de abordagens e pesquisas ao natural e ecoldgicas",
Andery (id., p. 207) conclui que essas caracteristicas afastam a Psicologia da Comunidade do neutralismo do cientista e do profissional em Psicologia. Ela pretende se aproximar das "classes populares, ajudando-as na conscientizacao de sua identidade psicossocial de classes submissas e dominadas, como primeiro passo para uma superagao dessa degradante situacao de submissao". Deve "colocar os recursos da Psicologia em prol do processo de libertacao. Cabe A Psicologia na Comunidade trabalhar no individuo e grupos a visao de mundo, a autopercepcao enquanto pessoas e grupos; reavaliar habitos, atitudes, valores e praticas individuais e coletivas, familiares e grupais, no sentido de uma consciencia mais plena de classes e de destino" (id., p. 208). Andery adverte que ha posicaes divergentes, entre elas a "psicologia popu61
lista e assistencialista", a "controladora moral dos habitos e comportamentos desviantes" e o "ativismo politico-partidano", todas visOes que condena. Entre as expenencias possiveis, destaca aquelas "na area da saCide mental da populacao" via Centros Comunitarios de SaCid° Mental; "expenencias em grupos de mulheres e de jovens nos bairros"; "em instituiciies populares coma associacOes jurfclicas de moradores, igrejas, etc."; "nas escolas de pnmeiro grau da rede p6blica" e "publicacOes de pesquisa participante" (id. ibid., p. 210-218). 0 que o psicologo pode fazer nesses trabalhos? Atendimento convencional e trabalhos educativos em sailde mental; oportunizar aproximacao de membros da comunidade para discussao de assuntos variados, corn utilizacao de tecnicasdinamica de grupo, psicodrama, expressao corporal, sensibilizacao, desenvolvimento organizacional; trabalhos de conscientizacao das condicoes de vida da populacao; participacao em reuniOes de pais e mestres; visitas domiciliares; diagnostic° do bairro, entre muitos outros. Num outro trabalho, Andery (1984b) relata uma experiOncia em que participou juntamente corn outros profissionais do Departamento de Psicologia Social da Pontificia Universidade Catolica de Sao Paulo e da URPLAN (Institut° de Urbanism° e Planejamento), tarnbem vinculada a PUC-SP. As atividades entao desenvolvidas na area obedeceram a dois eixos: acoes de carater educativo-preventivo e acc5es de atendimento ambulatorial (ANDERY, 1984b, p. 31). No primeiro, o alvo sao as mulheres em clubes de maes e organizacao de uma creche no local, as criancas e adolescentes em atividades organizativas e culturais; alem de urn curso anual de satkle. No atendimento ambulatorial, criancas, adolescentes e adultos sao diagnosticados e atendidos em terapia breve ou encaminhados quando necessario e possivel. Alern do grupo de Andery, outros profissionais tern, ern diversos pontos do Brasil, experiencias semelhantes(18). Fade-se detectar duas tendencias diferentes, que algumas vezes se cornplementam em urn mesmo trabalho: a "educativo-organizativa" e a "psicologica". A primeira visa, fundamentalmente, organizar a comunidade, ou apoiar os movimentos organizados da comunidade. Os matizes sao diversos, passando em geral pela discussao acerca das condicoes de vida da cornunidade e luta por suas reivindicacoes. A proposta é expressa de maneira clara par Pontual (1981, p. 28): "procurar apoiar as organizacOes legitimas dos trabalhadores tanto no aspecto de formacao das pessDas que participam dos movimentos como nos aspectos de reforcar e aprofundar as rafzes dessas organizacOes no meio popular e Operario". A maneira de trabalhar é tambem diversificada: educativa, embora nao descreva bem, talvez seja a melhor maneira de caracteriza-la. Corn muitos matizes diferentes, elas se enquadram dentro das propostas da Educacao Popular que 62
existem na literatura, e guardam, algumas vezes, certa semelhanca corn as propastas de Paulo Freire (1980) (19). Neste grupo, nao se nota uma preocupacao excessiva corn a questa° da natureza da intervencao ser ou nao psicologica; em geral, ampliam o concerto de atuacao psicologica de modo a que seu trabalho possa ser considerada como tal. "(...) Nao procuramos, na EquIpe, recortar o que seria o trabalho do psicologo (...) Todos nOs nos identificamos como educadores populares e procuramos, como educadores populares, prestar servicos aos movimentos populares. A nossa identidade de psic6logo emerge claramente quando o nosso trabalho ou de algum companherro da Equipe, exige que a gente rnterfira, colabore corn o nosso preparo especffico de profissionais da area", drz Pontual (1981, p. 31). Já na segunda tendencia, que denominei "psicologica", ha uma ligacao mars estreita corn a pratica usual do psicologo enquanto urn profissional especialista na area da saude mental. Seja na prevencao, seja na terapeutica, utilizam-se basicamente os mesmos procedimentos e instrumental, adaptados ou nao as comunidades nas quais atuam, consagrados pela Psicologia "tradicional". Tat atuacao pode se dar em locals mais tradicionais, como ambulatorios de centros comunitarios, ou ate mesmo em locals nao-usuais, como clubes de maes e de jovens. De resto, as caracterfsticas dessa linha de acao já foram descritas quando do relato de Andery. Este grupo de trabalhos corn caracterfsticas tao diferenciadas pode ser chamado do "alternativo"? Dentro da definicao de alternativo adotada, e pelas mesmas razoes apresentadas em relacao ao trabalho de Botorne, a resposta é afirmativa. Esta seria entao, como diz Andery (1980a, p. 208), "uma nova maneira de se fazer psicologia"?
2. A "CONTRA PSICOLOGIA" -
Esta segunda vertente que denominei de "contra-psicologia", na realidade nao pode, a rigor, nem ser considerada como urn grupo a semelhanca dos anteriores, como uma unificacao, ao menos em algum grau, e corn experiencias ern curso ou já efetivadas. Trata-se mais de uma diretriz encontrada nas proposicOes de Campos (1983) e Patto (1984), e que pode gerar uma linha de atuacao "alternativa". 0 tftulo, alias, foi retirado de urn artigo bastante lOcido de Campos, onde discute a chamada "funcao social do psicalogo". Lancando mao do instrumental
tearico do materialismo histOrico, faz urn breve estudo sobre a questa°. A proposicao de Campos esta expressa no questionamento que faz: "sera possfvel que a categoria dos psicologos, nascendo, conforme demonstramos, como uma das categorias de intefectuais organicos da burguesia, podera reencon63
tar este lado obscurecido de seu saber, que é o saber sobre a dominacao?" (CAMPOS, 1983, p. 82). Segundo sua analise, que é correta, os psicOlogos estao send° empurrados, devido a cnse no mercado de trabalho, para as "classes de menor renda" (id. ibid., p. 83). Este ponto, alias, ja foi mencionado e sera retomado postenorrnente. nesse momento que se notam as "insuficiencias de seus modelos de interpretacao do real" (id. ibid.m p. 83). Corn base nisso, Campos (id., p. 84) vislumbra a "possibilidade histOrica de alteracao do lugar do psicologo na divisao social do trabalho", concebendo a perspectiva de transtormar, e nao de negar a pratica do psicOlogo. lai pratica sena, segundo o que se pode depreender de seu texto, aquela que denuncia a dominacao, "da significacao social de certas praticas adotadas pelo psic6logo" (id. ibid., p. 82). Corn efeito, Campos (id., p. 83) afirma ser possfvel, enquanto categoria, "nos apropriar dos meios de Producao da Psicologia e desvendar os seus na'o-ditos, naquilo que eta nega, embora esteja presente, sob a forma de negagao, no intenor de sua propria pratica". Embora possa guardar diferencas consideraveis, uma vez que a analise de Campos 6 bastante sucinta, creio ser possfvel cotejar as suas propostas corn as de Patto (1984). A sua analise crftica acerca da Psicologia Escolar parece ser urn born exernplo da postura defendida por Campos. Eta parte de uma extensiva analise das relacoes escola-sociedade, da hist& ria da Psicologia no Brasil e da evolugao da Psicologia escolar. Derruba mitos caros a Psicologia, como os de "carencia cultural", "marginalidade social",."deficiencias da linguagem", chegando a esbocar uma nova maneira de encarar as chamadas "caracterfsticas psicolOgicas do oprimido". Tat analise desemboca numa pesquisa a respeito da representagao dos psicologos escolares da rede pblica acerca de sua propna atuacao e, o que é mais importante aqui, discute e esboca alternativas. E o ponto que nos diz respeito. Patto inicia a discussao acerca da busca de caminhos alternativos denunciando a Psicologia como sendo uma "pseudociencia, urn emaranhado de discursos sobre o aparente" (PATIO, 1984, p. 187). Afirma que a "crItica a Psicologia empirista e cientificista frequentemente leva seus autores ao encontro do modelo psicanalftico, como o caminho que dá acesso a uma Psicologia nao subjugada aos ditames das classes dominantes" (id. ibid., p. 189). E 6 entre eles que Patto busca alternativas, inicialmente. Descreve e discute o trabalho do grupo argentino liderado por Harari (1974), corn comunidades marginais. A semelhanca corn alguns trabalhos relatados no topic° anterior, este grupo utiliza exaustivamente os recursos tradicionais de atuacao do psicOlogo, como por exemplo, testes como o CAT e o Bender, largamente empregados na pratica clInica convencional, ern mais de uma diizia de relatos contidos na obra. 64
Patto levanta uma serie de questOes sabre o trabalho, alertando para os perigos que ele pode trazer, ao escamotear sob nova roupagem, relacoes de dorninacao. E é na relacao psicalogo-cliente que localiza o problema central da Psicologia que se queira alternativa: "o da continuidade entre urna postura que denuncia uma psicologia comprometida corn o poder e uma pratica solidaria corn as forcas transformadoras da sociedade, quo contribua para a causa da desalienacao, que esteja atenta para a psicodinamica patolOgica do homem alienado, no sentido historic° e concreto de conceit° de alienacao" (id. ibid., p. 194). As tres soluceies tentativas, segundo a autora sao: a. a enfermidade mental entendida coma produto do sistema social e portant°, que nenhuma terapia sem concomitante mudanca politica pocle ter exito; b. a extensao dos servicos psicanaliticos a toda a populacao, e c. o entendimento que a cura produz no paciente urn esclarecimento ideologic°, e intersecciona a terapia corn uma pratica politica transformadora. E par esta oltima postura que Patio parece nutrir simpatia. Prossegue analisando as contribuicOes do grupo argentino, incluindo agora os grupos operativos e a psicologia institucional de PichOn-Riviere e Bleger, alem da orientacao vocacional na estrategia clinica de Bohoslavsky. Mas se detem nos trabalhos que empregam grupos operativos, que se assemelham em alguns aspectos, as propostas pedagOgicas dos trabalhos iniciais de Paulo Freire (20). Alerta para o perigo apontado par Basaglia, de tais recursos serem simplesmente transformados em "aperfeicoamentos tecnicos", tal qual o trabalho das comunidades terapeuticas. Urn delineamento urn pouco mais claro de sua proposta aparece na discussao que faz de Franco Basaglia, tracando urn paralelo das instituicOes totals corn a instituicao escolar (21). Conclui, corn Basaglia, que as alternativas nao se encontrarn nas inovacOes tecnicas nern na adocao de praticas que porventura tenham se mostrado Citeis no questionamento e mudancas institucionais, mas que sejam tomadas como etapas de urn "Iongo caminho permanentemente negador dos mecanismos de dominacao sutil e constantemente se regeneram no marco institucional, a cada movimento de oposicao em seu interior" (id. ibid., p. 203). Desse modo, enfatiza a necessidade de o psicOlogo criar oportunidades de desenvolver acties que contribuam para a "explicitacao atraves da palavra recuperada, na insatisfacao latente" (id. ibid., p. 205), nao sem antes tornar consciencia de sua prOpria exclusao, como concessionaho (involuntario) da violencia_ E nessa perspectiva que cre ser possivel que o psicOlogo supere a crenca na neutralidade tecnico-cientifica e cne condicees para que o exclufdo se perceba enquanto tal. Lembra, ainda, que se trata de urn convite para que se abandone a "identidade tecno-profissional", e se transforme em "politico". 65
Nao deixa de apontar as dificuldades a serem enfrentadas no percurso salientando a necessidade de acao conjunta e fortalecimento de "Orgaos representativos do povo" (id. ibid., p. 207). Conclui dizendo que o desafio requer a "possibilidade de re-leitura da psicanalise a luz da ciencia da historia ou a formulacao de caminho tearico-metodologico para a psicologia compatfveis corn o surgimento de uma nova ordem social", e que "colaborar corn o fortalecimento da sociedade civil (...) talvez seja a forma mais consequente de atuacao de uma psicologia critica a caminho da realizacao do sonho de absorver o politico no social" (id. ibid., p. 209). Nota-se at, uma confianca na redencao da Psicologia, muito embora corn caracteristicas algo distintas da tradicional. Pela sua analise, pode-se deduzir que Patio nao exclui de modo algum a pratica nos locals e funcoes onde usualmente o psicOlogo trabalha, mas enfatiza a necessidade de atuar no sentido de ocupar os chamados espacos institucionais possiveis(22). Como, corn que instrumental, Patto deixa em aberto. Contudo, desde que nao se cristalize enquanto "receitas", parece nao se opor a utilizacao do instrumental existente, corn enfase nas contribuicties dos novos psicanalistas argentinos, como por exemplo, os chamados "grupos operativos". Esta proposta, assim configurada, pode ser urn exemplo de alternativa em Psicologia? Segundo nossa definicao, sim. Poderia, entao, a construcao da , "Contra-Psicologia" ou da "Psicologia crItica" ser a alternativa mais consequente?
NOTAS
1. Ressalve-se, ainda, que os proprios autores nunca definiram, explicitamente ao menos, seus trabalhos de acordo corn as classificagetes aqui adotadas. 2. Entre eles, Patto (1984); Pessoti (1975) e Conselho Federal de Psicologia (1979). 3. 0 primeiro curso de Psicologia, da Faculdade de Filosofia, Ciencias e Letras da Universidade de Sao Paulo, foi criado corn a Lei Estadual n 2 3862, de 26 de maio de 1957, tendo iniciado seus trabalhos em 1958 (PEREIRA, 1971, p. 1-2). 4. Consubstanciada na Lei n 2 5540, de 28 de novembro de 1968, e precedido dos Acordos MEC-USAID, Relatorios Atcon e Meira Mattos, e do Grupo de Trabalho para a reforma Universitaria. Sobre a "Reforma consentida", ver entre outros, Fernandes (1979), Vieira (1982) e Germano (1981). 5. Tomando corn base 1969, e atribuindo o valor 100 como o nurnero de conclusOes, temos em 1978, dez anos depois, o valor 1.305,6! Desmembrado em localidade e tipo de instituicao, temos P6blica-capital, 74,4; Poblica-interior, 372,8; Particular-capital, 1.801,4 e Particular-interior, 3.261 conclusoes (Sindicato. , 1984, p. 24). 6. Ver, novamente, Martins (1981) e Bori e colaboradores (1985). 66
7. Ha relatos dessa repressao em Durhan (1979) e Ribero (1978). Elaboramos, tarnbeim, urn pequeno estudo a respeito do Rio Grande do Norte (YAMAMOTO, 1987). 8. A tendencia é visfvel, por exemplo, nas publicacbes de Educacao, tanto nos periodicos, quanto nas dissertacoes de mestrado e teses de doutorado publecadas, principalrnente na segunda metade da decada (muitas publicadas pela Editora Cortez, por exemplo). Uma breve nota acerca da questa° 6 encontrada no preface° da obra de Fngotto (1984), pot Demerval Saviani. 9. Referencia a obras de Cooper (1973), Laing (1978 e outros), Basaglia (1979) e Moffatt (1975), entre muitos outros. Alem deles, autores nao ligados a Psiqueatrea, como Goffman (1980 e outros) e Foucault (1978 e outros) passaram a "frequentar" os cursos de Psicologia. 10. Foi o period° de reorganizacao da UNE, precedido de alguns ENES (Encontro Nacional de Estudantes), violentamente reprimidos pelo governo. Numa dessas ocasiOes, al:6s a realizacao do Ill ENE, houve a famosa invasao das dependencias da PUC-SP, em 1979. Nesse perfodo, os estudantes de Psicologia se organizavam a nfvel nacional, atraves da COEP (Comissao Organizadora dos Estudantes de Psicologia), embriao da atual SEPUNE (Secretaria de Psicologia da UNE). Entre os temas constantes dos ENEPS, figuravam as questOes do "redefinir" a Psicologia e a busca de "alternativas". 11. Fluxogramas detalhados mostrando os caminhos mais racionais; urn conjunto de materiais (impressos em geral — prontuarios, agendas, etc.) cuidadosamente elaborados de modo a facilitar a acao dos funcionarios e diminuir a probabilidade de erro, treinamentos ou orientagOes de saude para cada situagao especffica do usuario foram alguns dos resultados materiais apresentados por Botorne (1981a). 12. A metodologia subjacente a proposta de Botorne é descrita em detalhes em outro trabalho (BOTOME, 1980). 13. Note-se que a solicitagao original era urn curso de Analise Comportamental, que evoluiu para intervencao em ampla escala, envolvendo todo o corpo de funcionarios, usuados e estruturagao dos servicos. 14. Grifo nosso. 15. Grifo nosso. 16. A referencia apresentada por Andery (1984a, nota de rodape, p. 204) é a seguinte: Korchin, Sheldon J. Modern Clinical Psychology: Principles of Intervention in the Clinic and Community, Nova lorque, Basic Books, 1976, p. 474-475. 17. Grifo nosso. 18. Entre outras publicacOes e relatos de encontros de profissionais da area, destaco: "Anais do I Encontro Regional de Psicologia na Comunidade" (1981); "Anais do I Encontro Brasileiro de Psicologia Social" (1980); "Anais do I SimpOsio Nacional de Psicologia Clfnica" (s/d). Em todos eles, diversos trabalhos nessa linha. Alem desses, relatos isolados em outras publicacoes, por exemplo, Landin e Lemgruber (1980) e G6is (1984). 19. Trata-se de uma questa° bastante controvertida, tornando-se diffcil a indicacao de publicacOes. Embora corn o risco de equivocos, as coletaneas de Brandao (1980) e de Pai67
va (1984) permitem uma visao geral. Uma perspectiva historica é propiciada por Paiva (1973). Entre as aprofundamentos: sobre Paulo Freire, Manfredi (1978), Paiva (1980) e Beisegue' (1982); sabre Dc pe no chao tambern se aprende a ler, Goes (1980) e Germano (1982), e sabre o MEB, Wanderley (1984), apenas coma exemplos. 0 texto de Paulo Freire, que 6 referenda para os trabalhos comunitarios, 6 a Introducao do livro "Cartas a GuineBissau" (Freire, 1980). 20. 0 texto "Grupos operativos no ensino", de Bleger (1980), 6 urn born exemplo a partir do qual se podem perceber algumas semelhangas. 21. "Uma instituicao total pode ser definida c,omo urn local de residencia e trabalho onde urn grande numero de indivIduos corn situacao semelhante, separados da sociedade mais ampla par consideravel period° de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada" (GOFFMAN, 1974, p. 11). 22. Patto apresenta, coma exemplo de possfvel agao numa situacao restritiva onde se exige que haja aplicacao de testes, a discussao dos resultados da testagem corn os seus solicitantes, de modo a esclarece-los acerca da "natureza desses instrumentos e do significado de sua aplicacao no contexto das escolas pablicas", como infcio do trabalho de desmistificapao (PATTO, 1984, p. 205).
68
CAFITULO IV AS ALTERNATIVAS QUE NAO ALTERNAM. . . OU, VALE A PENA SAL VAR A PSICOLOGIA?
1. DAS ALTERNATIVAS QUE NAO ALTERNAM Utilizamos "alternativo" ao longo deste trabalho, como sinOnimo de praticas que nao incorram nos equfvocos da Psicologia utradicional", apontados pelos psicOlogos ern suas analises, de modo a atnbuir a profissao, urn significado social major. Corn tal criterio, apresentamos urn conjunto de experiencias corn caracterfsticas bastante diferentes entre si, e que, nao obstante, ainda que num primeiro momento, puderam ser classificadas de "alternativas". Contudo, diversas questOes permaneceram em aberto. Se "alternativo" significa simplesmente atividades diffceis de classificar nas areas tradicionais, conforme Carvalho (1984), ou ainda simplesniente, estender os beneffcios da Psicologia as parcelas da populacao que a ele nao tinham acesso, tudo esta bem: sao de fato trabalhos que abrem alguma perspectiva nova para a Psicologia. Entretanto, se "alternativo" significar consequencia social, ou mais explicitamente, for sinonimo de "pratica transforrnadora" em qualquer medida, a coisa muda totalmente de figura. Retomemos as experiencias relatadas no capitulo anterior, para explicitarmos nosso panto de vista. A modalidade de trabalho que certamente ocupa lugar de destaque entre as praticas alternativas 6 a assim chamada Psicologia Comunitaria (ou Psicologia na comunidade). De infcio, já se impOe a pergunta levantada por Chauf (1980, p. 30): o que se entende por comunidade numa sociedade de classes? Quando confundimos agrupamentos como bairros ou vilas de periferia corn comunidade, estamos fazendo uma clivagem outra da sociedade que a estruturacao de classes, escamoteando dessa forma, a contradicao principal e a estrutura antag6nica de classes, e os resultados podem ser desastrosos. 69
Nao Se pode esquecer a genese de trabalhos em comunidade(1): no period() final da U Grande Guerra, os Estados Unidos iniciam extenso programa de aiuda aos paises da America Latina, alannados corn a possibilidade do alastramento do quo chamavam de "ideologias nao-dernocraticas" em face da amplitude da pobreza desses parses, de moclo a garantir a ordem social no "mundo livre". Diversos acordos de cooperacao sao firrnados desde entao, dando inTcio ao trabalho denominado de "Desenvolvimento de Comunidades". A esse respeito, diz Ammann (1980, p. 32): "(...) durante os anos 50. a ONU se empenha em sistematizar e divulgar o Desenvolvimento de Comuntdade, como uma medida para solucionar o 'complex° problema de integrar os esforcos da populacao aos pianos regionals e nacionals de desenvolvimento economic° e social'. Essa integracao 6 concebida (...) sob uma visa° acritica e aclassista, quando, por exemplo, isenta o trabalho social de qualquer envolvimento politico, deixando permanecer sem critica as estruturas responsavels pelas desigualdades sociais e quando dissimula a divisao social do trabalho, cobrindo a realidade corn o manto da identidade de valores, interesses e objetivos. . ." Evidente esta que, ao longo desses anos, e corn as mudancas conjunturais que observamos, o trabalho em comunidade assumiu diferentes feigoes, sem no entanto, mudar no substancial. Tambern é importante se fazer a ressalva de que nao poucos tentaram alterar tal perspectiva conformadora desses trabalhos, p0rem isto nos remete a outras questOes. 0 importante da citacao acima é justamente o cuidado necessario em empreendimentos dessa natureza. Se atentarmos para os princfpios norteadores que Andery (1984a) lista, o resultado so pode ser desalentador. Trata-se de urn conjunto de banalidades que tern valor apenas na medida em que desnuda a que de fato se prestam trabalhos como esse. Senao, vejamos: partindo-se da constatacao de que os fatores socio-ambientais determinam e contribuem para a modificacao de comportamentos, afirma que as intervencoes na comunidade podem ser eficientes para "tornar as instituigoes socials mais saudaveis", orientadas para a prevencao de desordens emocionais, acentuando o adaptativo (ANDERY, 1984a, p. 205). Essa intervencao ainda deveria ser orientada para a "promocao e facilitacao de reformas sociais" por nao poder lidar corn o estrutural (id. ibid., p. 206). Ora, tal concepcao de trabalho comunitario, na realidade, nada tern de alternativo no sentido de socialmente conseqUente! Ela esta muito mais proxima de urn trabalho assistencialista corn inspiracao funcionalista que tanto já foi combatido pelos Assistentes Sociais(2). E certo que nao se pode generalizar, mas a leitura de muitos relatos de experiencias de Psicologia em comunidades parece ignorar as questoes de fundo envolvidas em praticas dessa natureza. o trabalho relatado por Andery (1984a, 1984b) contudo, apesar de sua refe70
rencia aos pnncipios aludidos, nao pode ser colocado tranqUilamente dentro dessa categosia. Parece haver, na realidade, uma oscilacao entre doss pelos: de urn lado, uma aproximacao corn as experiencias denominadas comumente de Educacao Popular, mas especificamente, pela analise e pela prOpria terminologia, as desenvolvidas pelo grupo NOVA, e discutsdas exaustivamente por Pasva (1984), e que pode ser caracterizada de "populismo catolico"; e de outro, uma tentativa de recuperacao da Psicologia pela extensao de seus servicos (tradicionais ou nao) as cistas comunidades. A questao da Educacao Popular já 6 ela mesma bastante polemica; a sua prOpria existencia — corn objetivos e metodologias proprias —é hoje questionada(3). A tentativa de moldar trabahos em Psicologsa a sua luz, portanto, multiplica os problemas ao snves de resolve-los. JA a pratica terapeutico-preventiva de salde mental 6 questionavel por outros motivos. Nesses trabalhos, ha uso indiscriminado de recursos da Psicologia "tradicional". Estamos novamente no campo da neutralidade cientifica que tanto negam? 0 instrumental teOrico é considerado Citil e seus fundamentos ilegftimos? Estamos cansados de denunciar instrumentos como os testes psicologicos(4), dinamica de grupo(5), e outros. Podemos simplesmente inverter o sinal? Esse, alias, parece ser o pensamento de Moffatt (1980, P. 10): "E fique claro que nao é nossa intencao lutar corn arcos e flechas, pois acreditamos na eficiencia do 'arsenal' cientffico europeu-norte-americano — tao eficiente, alias, que corn ele nos submeteram... Ao contrario, o que devemos fazer é aprender a bem utilizar as arrnas modernas da cies-Ida — so que numa perspectiva oposta aquela dos centros internacionais do poder, ou seja, a partir de e corn o nosso povo". Moffatt, na realidade, propoe uma alteracao que N/A alern da simples inversao de sinais — propoe a utilizacao do que for util, quando for otil, e seu abandono ou a sua modificacao quando E evidente que isso nao modifica o essencial, e que essa pratica pode levar a uma serie de procedimentos absolutamente desconexos, coma se costuma observar nessas experiencias. Uma das maneiras de evitar deceppoes desse tipo, 6 a proposicao relativamente segura de revisitar os classicos, atraves de novas "leituras". A proposta final de Patto (1984) se aproxima dessa posicao — corn a releitura da Psicanalise. Alias, uma vez que o referencial para a analise da estrutura da sociedade quase sempre utilizada é o materialismo historic°, resultam inomeras tentativas de fusao do marxismo corn as mais diferentes escolas psicologicas, onde sem dt'Jvida, reinam justamente aquelas corn a Psicanalsse(6). Outra possibilidade 6 a tentativa de utslizacao de categonas marxistas em analises psicologicas, como é freqUente encontrar nos trabalhos do grupo de Sflvia Lane(7). 71
Já tal preocupacao parece nao atingir Botome: o seu trabalho, quo classificamos de "alternativo" segue corn rigor a metodologia derivada da Analsse Experimental do Comportamento, atraves de uma releitura, mas agora, do pr6prio Skinner. 0 seu trabalho, contudo, em terrnos metodolOgicos esta muito prOximo do convencional, realizado contudo, corn uma boa dose de competencia, o que nao é absolutamente a regra Afinal, o que é entao "al ternativo"? Fazer urn trabalho assistencialista corn inspiracao funcionalista? Trabalhar corn a mesma metodologia, o mesmo instrumental e ate mesmo a mesma fundamentacao teem -Ica, mas de maneira mais competente e abrangente? Deixar de lado as questOes estruturais e se preocupar corn reforrnas socials?
• 2. REFORMAS SOCIAIS, GRADUALISMO OU PSICOLOGIA CRiTICA? Os rumos alternativos apontados convergem para uma de fres posturas, nao necessariamente excludentes, mas corn diferencas substanciais, quanto a questa° da transforrnagao social. A primeira admite que as rafzes dos problem as que a maioria da populagao enfrenta, inclusive os ditos de natureza psicologica estao entranhados na estrutura da sociedade de classes que, como diz Poppovic(8) (1979, P. 52) em relagao aos educadores; "parece evidente que a solucao para os problemas sociais e politicos deve ser social e politica". Ainda mais, que solugOes tecnicas ou especfficas e especializadas seriam nao somente inadequadas, mas tambem desonestas por dar aos profissionais a falsa ilusao de "dever cumprido". Entretanto, num pats como o nosso, onde "a pobreza e suas consequencias sao uma realidade corn a qual o convivio é diario e pungente, os educadores (e outros profissionais, incluindo os psicalogos?) nao podem se dar ao luxo do imobilismo, ou seja, de nao fazer nada educacionalmente (profissionalmente?) esperando que uma solucao radical venha a surgir do ponto de vista economic° e politico" (id., p. 52). Poppovic (1981, p. 21) expressa essa concepgao de maneira bastante clara em outro texto, se referindo a questa() do fracasso escolar. "Esse principio pode ser enunciado, em parte, pelas palavras da educadora francesa Anne-Marie Thirion; para quem 'é precis° denunciar a ilusao que consiste em colocar os pro blemas sociais em termos psicologicos e apresentar problemas em termos de educacao; as quais complementarlamos dizendo que é tambem preciso combater a posicao que consiste em considerar os problemas educacionais somente em termos sociais e apresentar solucOes que podem levar ao imobilismo, ou seja, negar as solugOes". Dito de outra maneira, uma vez admitido qUe os problemas sao estruturais, e portanto, fora do alcance do profissional, restaria uma de duas opcoes: cruzar 72
Os bracos ou partir para a agao mesmo que paliativa, pois de uma forma ou de outra, isso trara beneffcios para a populacao. Esta posicao coincide perfeitamente corn aquela expressa por Andery (1984a) ao enunciar os postulados do trabalho comunitario, especificarnente no tocante aos determinantes e reformas sociais. Dentro desta perspectiva, este grupo nao pode, por coerencia, ter qualquer ilusao de estar contribuindo para a transformacao estrutural da sociedade; na realidade, a questa() nem ao menos se colocaria a Psicologia, mesmo "alternativa", restaria tao somente se envolver nas "reformas sociais", Já a segunda postura coloca as coisas de uma maneira urn pouco diversa: partindo das mesmas constatacOes sobre a *nese dos problemas, admite outra opcao que simplesmente reformas Cu imobilismo. 0 trabalho de Botorne é urn exemplo desta postura: trabalhar corn o "ambiente que causa o sofrimento", nao corn o "homem que sofre". Contudo, ambiente, apesar de social, ainda é muito restrito: a equipe multidisciplinar tern acesso a urn conjunto de "variaveis", e nao a outros. Aguelas justamente as quais a equipe nao tern acesso sao as estruturais, evidentemente. Entretanto, longe de desanimar ou de considerar paliativas as agOes empreendidas, ha a crenca de que as pequenas intervencOes modificam de alguma forma . o "ambiente", de modo a criar condicOes para que gradualmente, as transformacOes de fundo tenham a oportunidade de brotar. Claro esta que nao estarnos a supor a crenca ingenua de que o trabalho do psicOlogo oportunizasse tais transformagOes estruturais. Mas tarnbern nao se pode negar que ha confianca no papel desse trabalho no processo. Na realidade, seria como uma evolucao da postura anterior ainda seriam "reformas" na medida em que nao rocam nas determinacoes de fundo, porem ao inves de entender seus beneffcios ("alfvio do sofrimento" conforme - Botome) como fins em si mesmos, consideram tambern como etapas de urn processo mais amplo. Conforme já foi dito, nao é possfvel detectar corn clareza nos seus escritos, uma posicao acerca da passagem da sociedade de "estilos neo-colonialistas e nacional-desenvolvimentistas" para as de "estilo socialista independente". Contudo existem indfcios de uma posicao gradualista: "E necessario prosseguir de forma que uns e outros con tinuem aprendendo e mudando progressivamente. 0 novo e o melhor se fazem aos poucos, tentando, testando, estudando e mudando. Nao ha urn carninho dado ou definido 'a priori'. Ele se fara ao carninhar" (BOTOME, 1981, p. 450).
Retornando a questa° sobre o que mudar, o "homem que sofre ou as condicOes que geraram seu sofrimento": sera que esse "novo" aos poucos construido vai chegar a mudar de fato as condicaes que geraram o "sofrimento"? Uma posicao semelhante as de Botome parece estar subjacente aos trabalhos de comunidade, principalmente naqueles em que ha enfase nas contribuicOes especializadas como a do psicologo. 73
As tentativas de estender, dentro de urn trabalho comunitano, o atendimento, seja curativo seja preventivo, nos moldes dos trabalhos (ou parte doles) de Andery e outros se aproximam bastante, no essencial, as de Botorn6. Se ha de tato, crenca de que o trabalho psicolOgico ampliado a populacao, de maneira a minorar seu sofnmento possa contribuir para a transforrnacao social, crew existir af urn duplo equfvoco. 0 pnmeiro é supor tat alcance ao trabalho profissional, mesmo inter ou muI r.s.m a Psicologia nem nenhuma outra profissao tern. 0 segundo, o de quo o caminho para a transformacao estrutural seja a das pequenas reforrnas sociais. Lenin (1979, p. 495-496) diz a respeito: "A burguesia oonvern ma's que as mudancas necessanas no sentido democratica-burgues sejam produzidas corn maror lentidao, de maneira mais paulatina e cautelosa, de urn modo menos resoluto, rnediante reformas e nao rnediante a revolucao (. . .). Pelo contrario, a classe operaria convem ma's que as mudancas necessanas no sentido democrat/Co burgues sejam introduzidas precisamente nao atraves de reformas, mas pela via revolucionana, pors o caminho reformista é o caminho das dilacries, dos adiamentos, da mode dolorosa e lenta dos membros em putrefacao do organismo popular, e os que ma's primordialmente so (rem corn o processo de mode yenta sio os proletanos e os camponeses". 0 mesmo vale para a superacao do capitalismo(9). A terceira das posicOes aludidas propOe como caracterfstica fundamental, a necessidade urgente da redefinicao da Psicologia. Esta redefinicao poderia passar pela "revisao de todo o sistema conceitual", conforme Lane (1980, p. 97); ou pela "formulacao de caminhos teorico-metodologicos para a psicologia compativeis corn o surgimento de uma nova ordem social conforme uma das propostas de Patto (.1984, p. 209); ou ainda, como outra opcao, a releitura dos classicos da Psicologia, principalmente a Psicanarise, como sugere Patto (id., p. 209) alternativamente. Neste grupo, ha uma crenca mais claramente explicitada no papel da Psicologia "redefinida", no processo de transformacao (ou de "libertacao"). Contudo, a pratica 6 urn pouco ingrata: trabalhos comunitanos como os descritos, ou o emprego de recursos psicanalfticos revistos como grupos operativos por exemplo, representam o advento dessa "nova Psicologia" a contnbuir para a transformacao social?
3. REDEFINIR Cu NEGAR A PSICOLOGIA? OU COLOCANDO PINGOS NOS II. 0 emprego de conhecimentos que a Psicologia "tradicional" desenvolveu, se acidental na Ultima postura analisada, 6 rotina nas duas primeiras. Os classicos 74
instrumentos de diagnostic° ou terapeutica, ate os principlos e a tecnologia gerada pela Analise Experimental do Comportamento sao largamente utili7ados. A tarefa de reconstrucao da Psicologia sempre esbarra corn terriveis dificuldades, de modo a tornar dificil sua distincao da Psicologia que pretendia alternar. Poder-se-ia argumentar que- se trata de urn empreendimento novo, e que o caminho 6 longo e penoso. Sem embargo, tambem se pode argumentar o contrano: que se trata de uma tarefa impossivel! Gorz (1980, p. 214), nos dá uma indicapao para esta discussao. Segundo sua analise, ate recentemente era corrente uma interpretacao mecanica da tese de Marx acerca do desenvolvimento das forcas produtivas, na qual a tecnica, a ciencia, a qualificacao do trabalho vivo e abundancia do trabalho mono eram consideradas fundamentais na transicao para o socialismo. A hipotese politica subjacente era a transicao pacifica e etapista, sem "alterar a organizacao do trabalho, a divisao do trabalho e as tecnicas de produced° material que as comandam" (id. ibid., p. 214). A consequencia era, portanto, a sua manutencao a servico de objetivos sociais "democraticos". "Ou seja, o conjunto de profissoes, competencias e capacidades de trabalho que concorrem para a producao capitalista sac, consideradas recuperaveis, em sua articulagao e estruturacao hierarquica, pela sociedade de transicao ao socialist-no, sem necessidade alguma de rupturas ideoldgicas, de revolugdes culturaisc de conversdes pro fissionais, intelectuais e morais" ibid., p. 214).
1st° nega uma questa° de base, que.os "trabalhadores da ciencia e da tecnica tern, no interior de sua funcao tecno-cientifica, a funcao de reproduzir as condicaes e as formas de dominacao do capital sobre o trabalho" (id., p. 217). Tais observagoes valem, embora em gradacao diferenciada, para todas as posturas alternativas estudadas. Figueiredo (1980, p. 10-11) expoe a questao corn clareza: "Nao poticos psicoldgos tern Venunciado' a ideologia subjacente a psicologia. Entretanto, sac) geralmente criticas que se fundamentam nos pressupostos tedricos da psicologia, vindas 'de dentro' dos sistemas psicologicos e, quando muito, mal atingem os limites do carater 'utilitarista' dado a psicologia. Invariavelmente, sao.questoes que estao centradas na 'coerencia interna' dos metodos psicoldgicos, criticas que teimam em focalizar as atencoes sobre o positivism', as leorias e sistemas em psicologia' e ins/stem em con finar a psicologia num sistema prOprio; acabando por 'recupera-la' enqua nto entidade independente. Esse bportunismo cientifico' que coloca a psicologia como ideolOgica, deslocando-a do processo produtivo e con ferindo a c/a urn carater de 'entidade contaminada' mas passive' de urna purificagaoc acaba escamoteando sua faceta real: urn instrumento de dominacao de classes, corn determinacdes extemas ao prdprio sistema". Todas as tentativas alternativas que hoje circulam insistem em ser Psicolo75
gra, seja pela incapacidade de sair dos esquemas tradicionais, seja por urn alar-
gamento da concepcao de Psicologia. 0 resultado é quase sernpre desastroso: uma pseudo-nova-psicologia que nao passa de Psicologia convencional recheada de terminologia emprestada da dialetica materialista. Em diversos momentos, todas as condicoes estao dadas para se concluir a impossibilidade de "salvar" a Psicologia, seja sob que roupagem for, mas no Cultimo momento, como que num passe de magica, uma safda 6 dada a Psicologia, sempre autonoma (embora admitindo-se ser urn fragmento de urn todo). E uma nova "identidade" é conferida, para se substituir a antiga que tao arduamen`.; corn bateu. Isto parece resultar de duas concepcOes, ao meu ver, ambas equivocacas. A primeira, resulta do entendimento da Psicologia como ideuiogica. E como tal, passfvel de recuperacao no processo revolucionario. No entanto, a Psicologia nao é ideologica; ela 6 propria manifestacao da ideologia (FIGUEIREDO, 1980, p. 36). Associado a isto, esta o entendimento do que seja o marxismo. Conforme já foi dito, o marxismo se diferencia de outras correntes de pensamento por ser visã° social do mundo, que se exprime pela negacao da sociedade capitalista - e conseqUentemente negagao da ciencia burguesa - e, mais quo isso, como sfritese, a sua superacao. A questa° principal do marxismo, portanto, 6 a do poder socialista. Nao cabe a colocacao de questOes especificas (10) - como a educacional, a agraria, a psicologica, tentando "suprir as falhas do marxismo" e torna-la "mais cientffica". As tentativas de construcao de uma "psicologia marxista"(11) sao totalmente destitufdas de sentido, apenas afastando a atencao da questa° central.
NOTAS 1. Ammann (1980) desenvolve urn cuidadoso estudo a respeito, em sua "Ideologia do desenvolvimento de Comunidade no Brasil". 2. Par exemplo, ver Lima (1980), e as revistas esnecializadas, como "Servico social e sociedade", da Cortez Editora, Sao Paulo, e os volumes dedicados a Servico Social dos "Cadernos da PUG". 3. Ver, a respeito, os texto de Vanilda Paiva, "Estado e Educacao Popular: recolocando o problema", em Brandao (1980), e principalmente, a "Introducao" do livro "Perspectivas e Dilemas da Educacao Popular" (PAIVA, 1984). 4. Ver, por exemplo, Block e Dworkin (1976); Herrnstein (1975) e Sisto e colaboradores (1979), entre outros. 5. Chauf (1980), por exemplo, trata do assunto. 76
6. Entre as diversas tentativas, apenas como indicacao, ha necessidade de distinguir dois grupos: aquelas tentativas corn caracterfsticas mais pragmaticas, como as da escola psicanalftica argentina, ou ate mesmo Wilhelm Reich (s/d), daquelas outras tentaivas "te6ricas", como os esforgos empreendidos pela Escola de Frankfurt — Marcuse, Horkheimer, Adomo, cu mesmo Erich Fromm. Uma discussao sabre a "questa° freudiana" e as tentativas de fusao sao apresentadas por Brown (s/d). 7. Ver Lane (1984), por exemplo. 8. Embora psic6loga, os escritos se referem mais propnarnente a questa() do educador, corn seus dais artigos se reportando ao fracasso no 1 9 grau e a educacao pre-escolar, areas em que teve contribuigOes marcantes. 9. A partir, basicamente do mesmo texto citado, no qual Lenin avaliava (em 1905, na Russia czarista) a iminencia de uma revolugao de carater democratico-burgues em contraposigao a Trotsky que previa a possibilidade de uma passagem imediata ao socialismo, algumas correntes do movimento comunista internacional ate hoje fazem a analise da necessidade de se passar por todas as "etapas" que precedem o socialismo. No caso do Brasil, isto equivale ao famoso argumento dos "resquicios feudais", levando a proposicao de uma revolugao de carater burgues, apoiando uma suposta "burguesia nacional". 0 que é esquecido, no caso, 6 a prOpria hist6ria e o comportamento do partido bolchevique. A respeito, ver por exemplo, Mantega (1984), capftulos 3 e 4 principalmente. 10. Nao me refiro aqui a questa° da relagao do todo e das partes. "A caracteristica precfpua do conhecimento consiste na decomposigao do todo. A dialetica nao atinge o pensamento de fora para dentro, nem de imediato, nem tampouco constitui uma de suas finalidades; o con hecimento é que 6 a prOpria dialetica em uma de sua formas; o conhecimento 6 a decomposigao do todo", diz Kosik (1979, P. 14). Na realidade, explica-se o todo pelo seu momento particular, mas este nao 6 parte do todo, senao o proprio todo. A explicitagao desta concepgao esta no Prefacio da obra "Para a critica da Economia Politica" de Marx (1978). Dessa forma, abordar o particular nao leva a diluicao da totalidade concreta, e nao este o sentido que deve ser interpretado. A afirmacao acerca das "questOes especificas" se refere a tarefa do marxismo de transformagao da realidade, ou seja, a questa° do poder, e nao de constituir "teorias marxistas" especfficas. 11. Como exemplo dessas tentativas, o texto já citado de Brown (s/d), cujo titulo é "Toward a Marxist psychology". Urn outro trabalho é o de Hiebsch e Vorwerg (1980). Os trabalhos de Silvia Lane e seu grupo parecem tambern pender nessa direcao.
77
CONCLUSAO A "FUN Q AO SOCIAL DO PSICOLOGO" REVISITADA
Diante do exposto, como fica a questa° da "funcao social do psicologo"? Nas discussOes travadas em tomb desse tema, muito em yoga entre agueles que fazem a Psicologia — estudantes, profissionais e docentes, principalmente a partir de meados dos anos 70, ele sempre esteve relacionado corn a definicao (ou a "redefinicao") do "papel do psicOlogo na sociedade". Parece evidente, portanto, que abordar a "funcao social do psic6logo" significaria, necessariamente, situa-lo na divisao social do trabalho. Entretanto, o rumo das discussees era outro: quando se falava em "funcao social", o social geralmente era tornado num outro sentido, que Campos (1983, p. 74) exprime da seguinte forma: "sera que o psicalogo enquanto profissional, teria algum compromisso corn a sociedade na qual se insere sua pratica, assumindo pois, corn referenda a esta, uma funcao social?". Creio que necessitamos nos deter nesse segundo sentido de "social" . Uma primeira interpretacao que pode ser extraida das colocacoes dos psicalogos avaliando sua pratica, vistas anteriorrnente, é a da extensao simples dos "beneficios da cioncia psicologica" para a maioria da populacao, atingindo parcelas que antes a ela nao tinham acesso. Se a interpretacao con-eta é essa, os psic6logos nao precisam mais se preocupar a propria realidade vai delineando uma resposta. Retomando a questao já colocada anteriormente observa-se uma tendencia que Nogueira (ap. MELLO, 1980, p. 46) denomina "institucionalizacao", ou seja, a substituicao de maneira generalizada da "situacao das profissOes liberals, em que o profissional trabalhava em funcao de uma clientela difusa, corn a qual mantinha contatos diretos e pessoais", para a de trabalho exercido junto a instituicOes, como assalariado. • Na realidade, isso que Nogueira chama de "institucionalizacao" nada mais é 78
do que uma das consequencias da tendencia historica do capitalismo em sua passagem de concorrencial para monopolista. Ao deixar de lado o ideal de profissional liberal, quer queira, quer nao, o psicologo passa a ter como seu "paciente", utilizando a expressao de Botome, camadas mais amplas da populacao(1). 1st° vai gradativamente substituindo aquela exigencia de ordem moral, de o psic6logo deixar de exercer uma "atividade de luxo", elitizada e de pouca significacao social, obrigando-o a urn redirecionamento de seu trabalho. lsso, contudo, longe de representar a resposta que os psicologos empenhados na revisao da psicologia buscavam, constitui-se num problema adicional: se nas buscas alternativas, diversos questionamentos sobre como intervir nessa populacao eram feitas(2), hoje praticamente elas nao se colocam. 0 que esta se verificando, entao, é a tat insuficiencia dos modelos explicativos e da tecnologia dela resultante, que mencionava Campos (1983), em dar conta na nova realidade. No entanto, "funcao social" ainda nao quer dizer isso; mais do que simplesmente a extensao dos seus beneffcios a parcelas mais amplas da populacao, eta geralmente esta relacionada corn a chamada "redefinicao da Psicologia", ou construcao de uma "Psicologia crftica". Em outras palavras, quer que o profissional se engaje, sem abandonar sua "ciencia", nas lutas das classes subalternas — explorando uma possfvel dimensao politica de sua pratica de psicOlogo. Quer, em suma, fazer da Psicologia, tomada como uma disciplina autonoma, e da Psicologia como profissao, o que eta, historicamente, nab tern condicoes de fazer. As praticas ditas "alternativas" examinadas aqui, principalmente a chamada "Psicologia na comunidade" sao resultados dessa visao. Por algum tempo, circulou a conceppao de que somente estes trabalhos tinham valor enquanto pratica comprometida, colocando estudantes e profissionais diante de un impasse: trabalhar nos locals ditos "tradicionais", diante da exigencia de uma atuagao "tradicional", corn uma perspectiva supostamente "revolucionaria" (vide HOLLAND, 1973), envolto numa relacao profissional diacrOnica, ou abandonar tais locals e se engajar em atividades no mais das vezes nao remunerada (e como foi visto, bastante questionavel), numa atitude messidnica? Explicitemos aguns pontos, a guisa de conclusao: 1. Parece claro em todas as propostas de trabalho alternativo aqui delineadas, bem como nas discussOes sobre a propalada "funcao social do psicOlogo", que esta subjacente uma crenca na possibilidade de a Psicologia vir a atender As necessidades da populacao, principalmente das classes subalternas. Dentro da concepcao aqui apresentada, contudo, creio nao ser possfvel nem sequer desejavel qualquer tentativa de "salvar" a Psicoiogia, seja eta a "tradicional", seja a "regenerada" — no mais das vezes, puro oportunismo. 2. Nao é tampouco possfvel propor para a categoria profissional dos psic679
logos ocupar urn lugar diferente na divisao social do trabalho. lsto, evidentemente, no passa pela vontade dos psicOlogos, sena° pelas deterrninacOes econOrnicas e socials. 3. 1st° nao significa, contudo, que todos os trabalhos dos psicologos se equivalem; existem infinitas gradacOes de compromIsso corn o poder e a dominacao , e quo aqueles que os denunciam sao, é claro, mais desejaveis. 4. Que, conforme argumenta Snyders (1977), a luta de classes perpassa todas as instancias da sociedade, e tern terreno fertil no ideologic°. E que este 61brno conjunto de praticas propicie algumas condivies para urn transit° mais !lyre para o marxismo, é inegavel. 5. Que, contudo, super-dimensionar a concepgao de "intelectual org'anico do proletariado" de Gramsci estendendo ao profissional psicologo empenhado em mudancas, sem considerar alaumas questoes, como, par exemplo, a distincao que o pensador Italian° faz entre "grande intelectual" e "intelectual subaltemo"(3), ou ainda, mail- a questa° do partido, é urn equivoco. 6. Que, por fim, a despeito do valor que possa ter como "alivio do sofrimento humano", ou como denuncia da dominagao, deve-se perder a ilusao de urn papel que historicarnente nao esta reservado ao psicalogo enquanto urn trabalhador intelectual geralmente pertencendo as camadas medias, muito menos a Psicologia, no processo de transformacao estrutural da sociedade, par mais tenue que seja a ligagao. Existem diversas experiencias que, sem a necessidade de serem consideradas de Psicologia, mas trabalhos de cunho politico, nao deixam de ter seu valor. A ligacao destes trabalhos de organizacao popular corn a questa° da revolucao socialista é bastante complexa, necessitando de uma reflexao mais aprofundada; mas inegavelmente, sao de natureza bastante distinta daquelas de "ampliagao e revisao" da Psicologia. Ao contrario de Ades (1978, p. 1005) que diz que nas situagOes de "crise" como a da Psicologia, "surgem arautos da renovacao a proclamarem a necessidade de refazer o conhecimdnto psicologico a partir de seus alicerces", par que nao proper justamente o oposto, de se dar o passo derradeiro no sentido nao de refazer, mas de, enquanto questa° politica, negar a Psicologia? NOTAS 1. Juntamente corn isso, ha que se reconhecer algumas conquistas do movimento de organizacao dos psicOlogos em entidades de classe, a pressionar a ampliacao do mercado de trabalho. Alias, a histdria da organizacao dos psicologos em tomb de suas entidades profissionais ainda esta par ser escrita. Enquanto profissao nova, o movimento 6 ainda inci80
piente. Corn a possibilidade de equfvoco, considero o movimento em tomb da rejeicao do curriculo mfnimo de Psicologia, proposto pelo Departamento de Assuntos Universitarios do MEC (atual SESU), conhecido como o "Projeto DAU-MEC", por volta de 1978, se constituiu na genese dessa organizacao (ao menos corn as caracterfsticas e- as preocupagOes atuais). Na ocasiao, estudantes, profissionais e professores se organizaram em todos os estados, atraves de Comissoes Paritarias Locais, desembodando numa "Comissao Paritaria Nacional". A rigor, foi o primeiro movimento articulado, a nfvel nacional, de psicOlogos. Tiveram atuacao importante os estudantes atraves da COEP (vide nota 10, capitulo Ill), as entidades profissionais entao existentes, e os docentes universitarios. A tftulo de exemplo, na Universidade Federal do Rio .Grande do Norte, a Comissao Paritaria composta por fits estudantes e ire s profissionais (incluindo os docentes), discutiu e criou oportunidades para o debate amplo acerca do projeto, 0 que remeteu as celebres discussOes sobre a lunge.° social do psicOlogo". Tal trabalho durou mais de ano, corn participaceo em diversos eventos a nivel nacional e regional, corn produce° de documentos e ate mesmo cursos na universidade sobre o assunto. A respeito do projeto, este se caracteriza pela orientagao nitidamente tecnicista, corn aberracOes do tipo "caorrigir desvios ideologicos" como funcao do psicOlogo. 0 projeto foi arquivado, e corn o tempo, as ComissOes Paritanas desativadas. Entretanto, nos anos seguintes, diversas entidades profissionais surgiram, tendo como catalisador outro "pacote", o Projeto Julianelli. 0 Rio Grande do Norte foi urn exemplo. 2. Moffatt (1975) levantava, por exemplo, a questa° de urn trabalho terapeutico em que o profissional e o paciente pertenciam a classes socials diferentes, implicando sempre numa relacao de dominacao. 3. Bento Prado Junior (1980) discute o assunto, referindo-se aos educadores.
81
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ABRAPSO (Associacao Brasileira de Psicologia Social). Anais do I Encontro Brasileiro de Psicologia Sociai sao Paulo, 1980. Ana's do I Encontro Regional de Psicologia na Comunidade. Sao Paulo, setembro de 1981. ADES, Cesar. RetlexOes acerca da "crise ern psicologia". CiOncia e Cultura, Sao Paulo, 30 (9): 1055-1063, setembro de 1978. AMMANN, Safira B. ldeologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. Sao Paulo, Cortez Editores, 1980. ANDERY, Alberto A. Psicologia na comunidade. in LANE, Silvia T. M. e CODO, Wanderley (org.)Psicologia Social: o homem em movimento. sao Paulo, Brasiliense, 1984, p. 203-220. . Trabalhos em comunidade: seu significado para a producao de novos conhecimentos cientfficos. Psioologia: ciencia e profissao. 4 (1): 30-33, 1984. ASSOCIAcA0 PROFISSIONAL DOS PSICOLOGOS DO ESTADO DO CEARA. Relatorio — 1 EnconW Regional de Entidades de Psicologia do Nordeste. Fortaleza, agosto de 1982, (nao publicado). AZZI, Enzo. A situacao atual da Profissao de Psicologo no Brasil. Bolefim de Psicologia, 16/17: 57-61, 19641965. BASAGLIA, Franco. A psiquiatria altemativa: contra o pessimismo da razao, o otimismo da pratica. Sao Paulo, Brasil Debates, 1979. BEISEGUEL, Celso de R. Politica e Educagao Popular.
sao Paulo, Atica, 1982.
BLEGER, Jos& Grupos operativos no ensino. in Temas de Psicoiogia: en&evistas e grupos. Sao Paulo, Martins Fontes, 1980, p. 53-82. BLOCK, N. J. e DWORKIN, G. The IQ Controversy. New York, Pantheon Book, 1976. BORGES-ANDRADE, Jairo E.; CUNHA, M. Helena B. e COSTA, M. Tereza P. M. Descricao do profissional de psicologia no Distrito Federal. (s/d) (nao publicado). BORI, Carolina M.; CANDOTT1, Ennio; GALEMBECK, Fernando; RODRIGUES, JosO A. e SCHWARTZMAN, S. (org.). Universidade Brasileira: Orgarlizacao e Problemas. Ciencia e Cuttura, 33(7); suplemento, julho de 1985.
82
BOTOME, Sflvio P. A quem nos, psicologos, servimos de fato? Psicologia, 5(1): 1-15, marco de 1979. . Objetivos comportamentais no ensino: a contribuicao da Analise Experimental do Comportamento. Tese de doutorado apresentada a Universidade de sao Paulo (nao publicado). sao Paulo,
1981. Administracao de comportamento humano em instituicao de sadde - uma experiencia para servigo poblico. Dissertacao de mestrado apresentada a Universidade de sao Paulo (nao publicado). sao Paulo, 1981. . 0 exercfcio do contole na intervencao social do psicologo. Ciencia e Cultura, 33 (4): 517-524,
abril de 1981. .; SOUZA, Deisy G.; WILLIAMS, LOcia C. A. e WILLIAMS, Larry. Por uma psicologia cientlfica e nacional: criterios para uma avaliacao de prioridades. Sao Paulo, Edicon, 1981.
BRANDAO, Carlos R. (org.) A ques-tio politica de educacao popular.
sao Paulo, Brasiliense, 1980.
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradacclo do trabalho no seculo XX. Rio de Janei-
ro, Zahar, 1981. BROWN, Phil. Toward a marxist Psychology. New York, Harper/Colphon Books, s/d. BRUCHER, Richard. Psicologia cientifica: realidade ou mito? Psicologia: ciencla e profissao, 1 (1); janeiro de 1981, p. 11-37. CAMPOS, Regina H. F. A funcao social do Psicx5logo. Educagao e Sociedade, Sao Paulo, 16:74-84, dezembro de 1983. CARVALHO, Ana M. A. Alguns dados sobre as condigOes de atuago pro fissional de psicdlogos recerri-formados na cidade de Sao Paulo. (nao publicado), Sao Paulo, 1980. Modalidades alternativas de trabalho para psicologos recern-formados. Cademos de Analise do Comportamento. 6: 1-14, sao Paulo, 1984. CENTRO DE PSICOLOGIA SOCIAL (CPS). Anais do I Simprisio Nacional de Psicologia (0 terapeuta, sua fomlagao e seu papel na comunidade). Rio de Janeiro, s/d. CHAUI, Marilena S. Ideologia e Educagao. Educacao e Sociedade, 2 (5): 24-40, janeiro de 1980. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Psicologia: ciencia e profissJo. Edicao Especial, 0, Brasflia, dezembro de 1979. COOPER, David. Psiquiatria e Antipsiquiatria. Sao Paulo, Perspectiva, 1973. A linguagem da loucura. Lisboa, Presenca, 1978. CUNHA, Luis A. Educacao e desenvolvimento social no Brasil. 3'2 edicao, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1978. DURAN, Alvaro P. A atuagao do psicologo social na sociedade modema. Anais da V Reuniao Anual de Psicologia. Ribeirao Preto, 1975, p. 58-65. e PINTO, Jefferson M. Objetivos da atuacao do psrcdlogo. (nao publicado), 1976. DURHAN, Eunice R. 0 livro negro da USP: o controle ideoldgico na universidade.
sao Paulo, ADUSP, 1979.
FALEIROS, Vicente de P. Espaco institucional e espago profissional. Servico social e sociedade. 1: (1): 137152, setembro de 1979. FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira: reibrma ou revolucao. 2 edicao. Sao Paulo, Alfa-Omega, 1979. Introduced°. in. MARX, Karl e ENGELS, F. MandEngels: Histdria. Sdo Paulo, Mica, 1983. FIGUEIRA, Pedro A. Refoima Agrdria. (nao publicado), s/d.
83
FIG UEIREDO, Marco A. C. Pstcologia e Trabalho: urn ensato sabre a pattica do psicologo no controle politico da producclo capttalrsta. Dissertacao de Mestrado apresentada a Universidade Federal de Sao CarIos (nab publicada). sao Carlos, 1980. FOUCAULT, Michel. Doenca Mental e Psicologia. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1968. 0 nasomento da clInica. Rio de Janeiro, Forense-Universitaria, 1977. Histana da Loucura. Sao Paulo, Perspectiva, 1978. FRAISSE, Paul. Evolucao da Psicologia Experimental, in e PIAGET, Jean: Tratado de Pstcologia Experimental, v.1 Historia e Mod°. Rio de Janeiro, Forense, 1968. FREEDMAN, Anne. Uma sociedade planejada: andlise das proposic6es de Skinner. EDUSP, 1976.
sao
Paulo, EPU/
FREIRE, Paulo. Cartas a Guine-Bissau. 3 edicao. Rio de janeiro, Paz e Terra, 1980. FRIGOTTO, Gaudencio. A produtividade da Escola lmprodutiva. 1984.
sao
Paulo, Cortez/Autores Associades,
GERMANO, Jose W. A politica educacional pds-64. Jomal ADURN, 11 (3): 4-5, outubro de 1981. Lendo e aprendendo: a campanha de pd no chdo. Sao Paulo, ADURN/Autores Associados/Cortez, 1982. Acerca dos conceitos de modo de producao e forrnacao econdmico-social. Educacao e Sociedade, 18, 116-138, agosto de 1984. GOES, Moacyr (de). De lad no char, tambem se aprende a let (1961-1964): uma escola democratica. Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1980. GOIS, Cesar W. L. Por uma psicologia popular. Revista de Psicologia, 2(1): 87-122, Universidade Federal do Ceara, janeiro/junho de 1984. GOFFMAN, Erving. Manicomios, Pris6es e Con ventos.
sao
Paulo, Perspectiva, 1974.
Estigma: notas sobre a manipulacao da identidade deteriorada, 3 edicao. Rio de Janeiro, Zahar, 1980. GORENDER, Jacob. A Burguesia Brasileira. 2s1 edicao. Sao Paulo, Brasiliense, 1982. GORZ, Andre. Critica da divisao do trabalho. Sao Paulo, Martins Fontes, 1980. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organizacao da cultura. 3 edicao. Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1979. GUIA DO TERCEIRO MUNDO. Rio de Janeiro, Edttora Terceiro Mundo, 1984. HARARI, Roberto (org.) Teorfa y tdcnica psicologica de comunidades marginales. Buenos Aires, Nueva Vision, 1974. HEATHER, Nick. Perspectivas radicais em Psicologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1977. HEIDBREDER, Edna. Psicologias do Sdculo XX. 5-4 edicao. Sao Paulo, Mastro Jou, 1981. HERRNSTEIN, R. J. 0 Oina meritocracia (versa° resumida). Rio de Janeiro, Zahar, 1975. HIEBSCH, Hans e VORWERG, Manfred. Introducao a Psicologia social marxista. Venda Nova-Amadora, No- , voCurs,1980. HOLLAND, James G e SKINNER, Burrhus F. A Andlise do Comportamenb. Sao Paulo, Herder/Editora da Universidade de Sao Paulo, 1969. HOLLAND, James G. Serviran los principios conductales para los revolucionarios? in KELLER, Fred S. e INESTA, Em(lio R. (org.)Modificacion de conducta: aplicaciones a la educacion. Mexico, Trillas 1973. IANNI, Octavio. Sociologia e Historia. Cidncia e Cultura, 27 (10): 1103-1110, outubro de 1975.
84
JAGUARIBE, HEW°. Brasil: estabilidade social pelo colonial-fascismo? in FURTADO, Celso. Brasil: tempos rnodernos. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1977, p. 25-47. KLINENBERG, Otto (org.). Psicologia Modema. Rio de Janeiro, Agir, 1953. KORCHIN, Sheldon J. Modern clinical psychology principles of intervention in the clinic and community. New York, Basic Books, 1976. KOSIK, Karel. Dialetica do Concreto. 2 edigao. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. KUHN, Thomas S. A estrutura das revolucOes cientilicas. Sao Paulo, Perspectiva, 1975. LAING, Ronald L. 0 eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura. 3e edigclo. Petr(Vohs, Vozes, 1978. LANDIN, Regina e LEMGRUBER, Vera. 0 trabalho do psic6logo na favela. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 32(1): 67-73, janeiro/margo de 1980. LANE, Silvia e CODO, Wanderley. Psicologia social: o homem em movimento. Sao Paulo, Brasiliense, 1984. LENIN, Vladimir I. Ulianov. Dos tacticas de la socialdemocracia en la revolucion democratica. in ()bras Escogidas. Tomo I, Moscou, Progresso, 1979, p. 456-571. Karl Marx in As fres fontes e as tres panes constitutivas do marxismo. Sao Paulo, Global, 1978, p. 5-54. LIMA, Sandra A. B. Participagao social no cotidiano. Sao Paulo, Cortez, 1980. LUKACS, Georg. HistOria e Consciencia de classe. Porto: Escorpiao, 1974. Marxism° e teoria da literatura. Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira, 1968. MANFREDI, Sflvia M. Politica: educagao popular. Sao Paulo, Sfmbolo, 1978. MANTEGA, Guido. A economia politica brasileira. Sao Paulo/Petropolis, PolisNozes, 1984. MARCONDES, Durval. Psicologia Medic&in KLINENBERG, Otto (org.). Psicologia Modema. Rio de Janeiro, Agir, 1953, P. 181-203. MARTINS, Carlos B. Ensino Pago: urn retrato jern retoques. sao Paulo, Global, 1981. MARX, Karl. Para a crItica da economia politica. in Manuscritos EconOmicos-filos6ficos e outros textos. 0 Capital (Crftica da Economia Polftica). Livro 1,2 vol. 5 4 edigao. Rio de Janeiro, Civilizagao Brasileira, 1980. e ENGELS, Friedrich. A ideoiogia Alerna (Feuerbach) 4 edigao. Sao Paulo, Hucitec, 1984. MARX, Melvin H. e HILLIX, William A. Sistemas y teorias psicologicos con temporaneos. Buenos Aires, Paidos, 1969. MAY, Rollo. Ps',ologia e Dilema humano. 3e edigao, Rio de Janeiro, Zahar, 1977. MELLO, Sylvia L. Psicologia e profissao em Sao Paulo. 0 impressao. sao Paulç Atica, 1980. ,
MOFFATT, Alfredo. Psicoterapia del oprimido: ideologia y tecnica de la psiquiatria popular. 3e edigao. Buenos Aires, ECRO, 1975. O'DONNELL, Guillermo. Anotagoes para uma teoria do Estado II. Revista de Cultura e Politica. 4, 71-82, 1981 OVERSTREET, H. A. A matundade mental. sao Paulo, Companhia Editora Nacional, 1960. PAIVA, Vanilda P. Educacao popular e educacao de adultos: contribuicao a historia da educacao brasileira. sao Paulo, Loyola, 1973. Estado e educagdo popular recolocando o problema. in. Brandao, Cabs R. A questao polftica da educacao Popular.
85
Paulo Freire e o Nacionalismo desenvolvimentista. Rio de Janeiro, Civilizacao Brasileira/UFC, 1980. (org.) Perspectivas e dilemas da Educacio Popular. Rio de Janeiro, Graal, 1984. PASTORE, Jose. 0 ensino superior em Sao Paulo (Aspectos quantitativos e qualllativos de sua expansio, sao Paulo, Companhia Editora Nacional/IPE, 1971. PATTO, Maria H. S. Introducao a Psicologra Escolar. 1984.
sao Paulo, T. A. Queiroz, 1981.
Pstcologia e Ideologo: uma introduolo critica a Psicologia escolar.
sao
Paulo, T. A. Oueiroz,
PER EIRA, Sylvia L. M. Psicologia - Estudos e perspectivas de trabalho. Sao Paulo, Fundacao Carlos Chagas, 1971. PESSOTTI, Isaias. Dados para uma hist6ria da Psicologia no Brasil. Psicologia. 1(1): 1-14, maio de 1975. POLITZER, Georges. Critica aos fundamentos da psrcologia. (2 volumes). Lisboa, Presenca. 1975. PONT UAL, Pedro C. Experiencia de Bairro operario. in ABRAPSO. Ana's do I Encontro Regional de Psicologia na Comunidade. sao Paulo, 1981, p. 27-31. POPPOVIC, Ana M. A escola, a crianca culturalmente marginalizda e a comunidade. Cadernos de Pesquisa, (30): 51-55, setembro de 1979. Enfrentando o fracasso escolar. ANDE, 1 (2): 17-21,1981. PRADO Jr., Bento. A educacao depois de 1968, ou cem anos de ilusao. in Descaminhos da Educaolo pOs-68. sao Paulo, Brasiliense, 1980, p. 9-30. REICH, Wilhelm. Materialism° dialectic° e Psicanalise. 3=ledicao. Lisboa, Presenca, (s/d). RIBEIRO, Darcy. A universidade necessana. 2 edicao. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975. UnB: invencao e descaminho. Rio de Janeiro, Avenir, 1978.
SALM, ClaUdio. Escola e trabalho. Sao Paulo, Brasiliense, 1980. SARGENT, S. Stanfeld e STAFFORD, Kenneth R. Ensinamentos basicos dos Grandes Psiceologos. Porto Alegre, Globo, 1974. SINDICATO DOS PSICOLOGOS NO ESTADO DE SAO PAULO. Pstailogo: informacoes sobre o exeracio da profissao. sao Paulo, Cortez, 1981. e CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA - 6 Regiao. 0 perfil do psicologo no Estado de Sao Paulo. Sao Paulo, Cortez, 1984. SISTO, Fermino F.; CODENOTTI, Nestore; COSTA, Carlos A. J. e NASCIMENTO, Terezinha C. N.(do). Testes psicologicos no Brasil: que medem realmente? Educaolo e Sociedade.1(2): 152-165, janeiro de 1979. SKINNER, Burrhus F. The behavior of organisms. New York, Appleton-Century-Crofts, 1966. Walden Two. 23edicao. New York, MacMillan Company, 1972. About behaviorism. New York, Alfred Knopf, 1974. SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classes. Lisboa, Moraes, 1977. VARSAVSKY, Oscar. Estrlos tecnologicos. Buenos Aires, Periferia, 1974. Por urna politica cientifica nacionaL Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. VIEGAS, MARIA DE L. Psicologia do Trabalho. in KLINENBERG, Otto (org.) Psicologia modema. Rio de Janeiro, Agir, 1953, p. 238-244. VIEIRA, Evaldo. Estado e Miseria Social no Brasil.
sao Paulo, Cortez, 1983.
YAMAMOTO, Oswald° H. Psicologia: altemativas profissionais (e (nao publicado). Natal, 1981. 86
Educacio Especial: integracao ou reproducao social'? (nao publicado) Natal, 1985.
0 autontansmo na Universidade: notas para o debate acerca da questa° da democratizacao. Educacio em Questa°, 1 (1): 38-55, janeiro/junho de 1987. WANDERLEY, Luis E. W. Educar para transtormar: educacao popular, igreia catolica e politica no Movimento de Educacao de Base. Petropolis, Vozes, 1984. WERTHEIMER, Michel. Pequena historia da Psicologia. Sao Palo, Companhia Editora Nacional, s/d.
WHEELER, Harvey (org.). Beyond the punitive society (operant conditioning: social and political aspects) London. Wildwood House, 1973.
87