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Portuguese Pages 1180 Year 2023
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A CRISE SISTÊMICA Teses para a atualização do marxismo
―Se, onde e como se efetuará esse renascimento do marxismo, é impossível, obviamente, mesmo ser aqui indicado. O demonstrar ontológico dessa possibilidade deve, contudo, constituir a conclusão de nossas considerações.‖ (Lukács, Prolegômenos e para ontologia do ser social, 2018, p. 500)
J. P.
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Agradecimentos: À Minha mãe, Ao meu pai, Ao meu irmão, À Iara Gomes.
Dedicatória: À Marcia Veruska, quem me iniciou na ciência e na arte.
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Estou convencido de que existe apenas um caminho para eliminar esses graves males, e esse é o estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educacional orientado para objetivos sociais. Em uma economia tal, os meios de produção são propriedade da própria sociedade, e utilizados de modo planejado. Uma economia planejada, que ajusta a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre todos os capazes de trabalhar, e garantiria o sustento de cada homem, mulher e criança. A educação do indivíduo, além de desenvolver suas próprias habilidades inatas, se empenharia em desenvolver nele um senso de responsabilidade por seus companheiros de humanidade, em lugar da glorificação do poder e do sucesso, como temos na sociedade atual. (Einstein A. , 2007)
Nossos sonhos são os mesmos há muito tempo, Mas não há mais muito tempo pra sonhar… (Humberto Gessinger)
À unilateralidade de um princípio filosófico se costuma contrapor a unilateralidade contraposta [de outro princípio filosófico]... (Hegel, Ciência da Lógica - a Doutrina da Essência, 2017, p. 203)
Uma nova verdade científica não triunfa convencendo seus oponentes e fazendo com que vejam a luz, mas porque seus oponentes finalmente morrem e uma nova geração cresce familiarizada com ela. (Max Planck)
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GLOSSÁRIO Apresentação, 11 PARTE 1 CRISE SISTÊMICA E INFRAESTRUTURA (ECONOMIA)
A última era do capital, 15 Crise do sistema de valor, 27 A empiria dos limites internos, 47 Os macrociclos do capital, 63 A crise do dinheiro, 87
PARTE 2 CRISE SISTÊMICA E ESTRUTURA (CLASSES, GRUPOS)
Crise da urbanização, 113 A crise das classes, 123 O sujeito revolucionário hoje, 133 Elementos específicos da revolução permanente, 141
PARTE 3 CRISE SISTÊMICA E GLOBALIDADADE
A função histórica dos ex-Estados ―socialistas‖, 147
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China: imperialismo sui generis, 173 O fim latente das fronteiras nacionais, 193 Meio ambiente e socialismo, 197 Risco de pandemias, 201
PARTE 4 CRISE SISTÊMICA E MENTALIDADE
Psique – Por uma psicologia Marxista, 209 Ética marxista – Por uma ética dialética – Crise da ética, 341 Estética marxista, 437
PARTE 5 CRISE SISTÊMICA E SUPERESTRUTURA OBJETIVA Crise da família monogâmica, 481 O despotismo esclarecido burguês, 493 Crise do Estado burguês, 501 A categoria mais-poder, 509 Syriza, Podemos, Psol: o que é um partido anticapitalista, 517 Crítica ao regime leninista proposto por Moreno, 525 Reflexões sobre o partido comunista, 539 Esboço para um balanço do comunismo no Brasil, 557 Guerras, não crises, estimularam revoluções sociais, 571
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Crise latente do aparato de repressão, 575 O partido territorial?, 597 Sobre a prática da educação, 599 A etapa histórica pós-queda do muro: em qual etapa histórica estamos?, 611 Contribuições para um programa de transição no século XXI, 615 Compreender as variações da luta de classes: categoria ―momento‖, 625 As pautas democráticas, 629 Uma só crise, 633 A transição ao socialismo, 639
PARTE 6 O NOVO MARXISMO – ATUALIZAÇÕES COMPLEMENTARES Reflexões sobre O Capital, 653 A metafísica marxista – Nova dialética da natureza – Uma teoria de tudo, 731 APÊNDICES APÊNDICE I: Como será o socialismo? – Manifesto de transição ao socialismo – Por um novo manifesto comunista, 1027 APÊNDICE II: O Brasil está maduro para o socialismo – Balanço de junho de 2013, 1065 APÊNDICE III: Como elaborar política marxista – Crítica à direção do PSTU, 1095 APÊNDICE IV: Por uma nova poética, 1137 APÊNDICE V: Esboço sobre arte marcial e dialética, 1181 Bibliografia, 1167
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APRESENTAÇÃO
Esta obra é fruto de algo em torno de 15 anos de estudo. Sua produção partiu do fato de que uma resposta geral sobre o mundo contemporâneo era necessária. Ademais, valeria a pena escrever um novo livro, ainda que com conclusões iniciais e gerais, apenas se oferecesse respostas qualitativamente novas. As teses as quais cheguei parecem autorizar tal empreitada. O método utilizado foi o dialético: ir ao conjunto do material necessário e, então, rastrear seu nexo interno. Em momento algum partiu-se de hipóteses ou postulados. Pode-se dizer, em linguagem menor, que se usou procedimento empírico-dedutivo ao procurar nos dados, a partir destes, aquilo que não é dado, a verdade impalpável. Como somos frutos de nossa realidade, deve-se destacar aqui o papel do perfil nacional. Diferente do que ocorre na literatura brasileira, focada provincialmente em sua própria terra, os marxistas nacionais absorvem com voracidade toda a produção mundial no campo teórico. Forma-se um meio cultural propenso à renovação das ideias. Apesar disso, tem-se o vício de abraçar alguma importante conclusão como se fosse uma bandeira que exclui previamente outras interpretações e atualizações. Há ainda outra característica no meio brasileiro: a sua divisão entre os práticos, concentrados no resgate dos clássicos quase inquestionáveis, tendendo ao dogmatismo, e os teóricos, como erro oposto, mais ativos na renovação das ideias, tendendo ao impressionismo, ao revisionismo, ao jogo de palavras, etc. Este livro pretende, portanto, superar o sectarismo intelectual e almeja oferecer uma primeira resposta unificada sobre os temas mais caros ao marxismo. Como cenário para tal tarefa, o Brasil, talvez, é, hoje, o país mais dialético ideal e materialmente. Minha tarefa foi, por tal ponto de vista, muito mais simples. Na medida em que as polêmicas caíam em oposições – se há crise do valor ou seu maior domínio, se há estagnação secular ou crises cíclicas, se a essência humana é natural ou histórica, etc. –, deram as bases da própria superação dos problemas, ofereciam caminho para a descoberta da resolução dos opostos. Em geral, bastou abordar o objeto do debate de modo histórico para encontrar a solução; A=A e… não-A. Tratou-se, portanto, de descobrir o grau de verdade das diferentes produções, na medida em que estavam fincadas na realidade, mais do que apenas perceber erros e limites. Por outro lado, serve de mérito particular da obra reunir em um todo artístico, em totalidade, o que havia sido tratado antes apenas de modo monográfico, separado. Por isso também foi um trabalho um pouco mais fácil, embora amplo.
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Esta obra trata da crise sistêmica do capitalismo. Tal como o escravismo e o feudalismo encontraram o limite histórico, o capital também o alcança. Assim, seja por qual ângulo observado, o sistema atual encontrou sua crise derradeira – contradição entre o grau de desenvolvimento das forças de produção e as relações de produção (e superestruturais) existentes. Mais: oferece em si próprio os elementos da primeira fase da próxima sociabilidade. Este é o primeiro sentido de transição: estamos na época de passagem possível e necessária para o modo de produção socialista. Também focamos na transição no sentido de primeira fase do socialismo: debatemos as revoluções do século XX, os aspectos gerais da transição social no regime, etc. De um lado, fazemos balanço do passado e, de outro, tentamos esboçar possíveis aspectos do futuro. No decorrer do livro, uma categoria destaca-se: a ficção, o falso. As categorias avançam para categorias fictícias. Vários autores focaram este ou aquele caráter ficcional do capitalismo contemporâneo, mas lhes faltou uma visão geral, unificada e categorial consciente. Na produção deste livro, surgiu como necessário partir da economia para, em seguida, as classes, depois a subjetividade (superestrutura subjetiva) e, então, para as organizações (superestrutura objetiva). Do contrário, teria de maneira constante de antecipar conteúdos, de remeter a outros assuntos, no lugar de uma absorção e uma exposição que avançasse e progredisse. É, enfim, o mesmo proceder de uma análise de conjuntura em uma ―análise de estrutura‖ e assim é porque a realidade social, que é histórica, tem tal hierarquia. A dialética estrutura-conjuntura também se faz presente de maneira natural e, além de formar oposição e contradição das categorias, forma principalmente a unidade entre elas, embora esta costume estar implícita no texto. A ideia de compor este livro começou quando soube que minha antiga organização política internacional, a LIT-QI, havia aprovado um debate de atualização programática; mais do que levantar novas palavras de ordem, isso significa chegar a uma concepção do que o mundo é hoje. Tal empreitada motivou o autor dessas páginas a publicar alguns de seus esboços na internet, porém, quanto mais pesquisava, mais precisei ir a fundo, aos fundamentos. Embora reivindique o partido político citado, mas não sua representação nacional, o processo de minha expulsão partidária, em base a uma dura luta de frações, foi bastante traumático e me impediu de ter qualquer participação nos debates internos. Anos depois, espero ter concluído o central da tarefa a que me propus, ou seja, dar uma explicação geral e unificada, ainda que sempre incompleta, do mundo.
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A pesquisa foi feita de modo independente, com todos os desafios e as dificuldades que isso representa. Um professor universitário tem bom salário, algum tempo livre, recursos para obter muitas obras. Com um pesquisador independente, tudo ocorre de modo outro. Várias vezes, tive de apertar os cintos para comprar livros e ter tempo livre para estudar e pensar. Em outro parágrafo, foi dito que a tarefa tornou-se mais fácil também uma vez baseada em outras pesquisas; mas, por outro lado, foi de fato dificílima dada a condição do autor. Isso fez com que fosse impossível esgotar a bibliografia sobre os temas tratados; também porque o assunto é amplo e profundo, porque faltam recursos, porque – e isso tem máxima importância – o tempo da política e da crise mundial impedem adiamentos. Uma pesquisa completa demoraria pelo menos mais dez anos de dedicação exclusiva, algo inviável ao escritor. Pode haver, portanto, neste ou naquele ponto, algum plágio inconsciente que deverá ser reconhecido em caso afirmativo. O temor maior era de que as ideais pulassem como piolhos para a cabeça de outros, daí outro motivo de lançar este livro com o material estável, amadurecido, em forma de teses. Nos casos em que descobri a posteriori que outros já haviam chegado às conclusões, refiz o material adicionando citações. Outro problema é o ambiente acadêmico. Seguindo programas de pesquisa de universidades, teria todo o trabalho deformado e limitado pelas regras das academias atuais. Há excessiva especialização como há montanha de pesquisas fictícias, pois ver a realidade a fundo obriga chegar a conclusões socialistas. A burocracia universitária consolidou regras conservadoras que impedem o exercício de livre pensamento. Para garantir o doutorado e evitar a desmoralização, os membros da academia evitam riscos teóricos reais. Nas humanidades, por exemplo, a pósmodernidade e outras quase ciências imperam, sufocando a verdadeira análise crítica. Como observou Lucáks, perdeu-se a noção de historicidade, de história viva. Pude me livrar de tais limites, contanto aceitasse certo isolamento social que ao mesmo tempo liberta e limita. A ciência beira uma nova revolução do pensamento. Veja-se o caso da física: conhece bem os fenômenos da fenda dupla e do emaranhamento quântico, inclusive usando este para fins práticos em testes, mas ainda não os explica. Na psicologia, uma teoria unificada falta surgir, desde a revisão de toda produção importante sobre este objeto. Na economia, a pseudociência impera. Nunca tivemos tantos doutores em filosofia, e nunca eles foram tão inúteis. A pesquisa de base tende a ser negligenciada, porque o capital precisa de investimento em pesquisa aplicada. Limita-se a poucos países, desde a relação de dominação imperialista, a pesquisa e o ensino de qualidade. Apenas a revolução social, que dará ao método dialético seu necessário destaque, produzirá condições materiais para o pensamento profundo, renovando o ensino e o trabalho
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científico. Somente assim, poderemos evitar a queda de nossa nova biblioteca de Alexandria – ameaçada pelo fanatismo religioso (que cresce à medida que a qualidade de vida cai), pelas crises econômicas, pela ignorância geral, pelo oportunismo público de cientistas e experts serviçais abertos ou disfarçados dos ricos (economistas, etc., desmoralizando o mundo científico para as massas), etc. –, com a ciência deixando de ser algo das elites, das classes dominantes, das grandes empresas capitalistas, pondo-se diretamente a serviço da humanidade. A crise da ciência acompanha a crise humanitária do capitalismo. É sintomático que tenhamos ouvido de Ronald Reagan, presidente americano, no início da crise sistêmica: "Por que deveríamos subsidiar a curiosidade intelectual?" (Discurso de campanha eleitoral, 1980.) Tal retórica contrasta com a do alvorecer do capitalismo estadunidense, quando George Washington, então presidente, afirmou: "Nada é mais digno de nosso patrocínio que o fomento da ciência e da literatura. O conhecimento é, em todo e qualquer país, a base mais segura da felicidade pública." (Discurso no congresso, 1790.) As primeiras nações socialistas no possível futuro próximo terão de ser potentes campos gravitacionais, por liberdade científica e por oportunidades, atraindo para si os melhores cérebros do mundo tal como os EUA atraíram por séculos os vanguardistas de todos os tipos perseguidos na Europa. Por fim, é interessante destacar aspectos de estilo do texto. Procuro ser o mais claro e direto na produção, apesar de que é necessário algum conhecimento prévio sobre certos temas. Uma das táticas comuns dos autores da área de humanas é vencer o leitor por meio do cansaço com textos longos e complicados, com debates de princípio que apenas reafirmam posições, com exposição da vasta erudição do escritor, com a construção de dialetos para disfarçar a baixa criatividade, etc. O marxismo tende a certos critérios de escrita, entre eles, a clareza destinada ao público popular potencial e a polêmica. Evito apenas a última característica porque o objetivo é ganhar aqueles de diferentes vertentes e tradições para um campo comum. Ao leitor, fica a indagação um tanto retórica: esta obra existira não fossem os limites absolutos do sistema capitalista revelados desde 2008? Dito de outra forma, positiva: chegou a hora de imaginar, com os pés no chão, uma nova sociedade? O marxismo bárbaro, formado longe dos grandes centros, deste livro pretende ajudar em tal tarefa. Teoria para guiar a rebeldia! Organize a tua revolta! J. P.
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PARTE 1 CRISE SISTÊMICA E INFRAESTRUTURA (ECONOMIA)
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A ÚLTIMA ERA DO CAPITAL ―A coruja de Minerva só voa ao entardecer.‖ Hegel O marxismo dividiu-se, entre outras, em duas concepções opostas: ou o capitalismo é fadado a ser substituído pela sociedade socialista ou é um sistema capaz de se renovar caso inexistam revoluções vitoriosas. Para resolver tal polêmica, precisamos analisar a história desse modo de produção. Tomemos por ponto de partida as três formas de capital: 1.
Capital produtor de juros;
2.
Capital industrial;
3.
Capital comercial.
E suas bases constitutivas: 1.
Capital-dinheiro;
2.
Capital produtivo;
3.
Capital-mercadoria.
Em diante, trataremos das eras do capital como etapas históricas com diferentes centros de gravidade.
Era do capital comercial A primeira era do capital inicia-se no século XVI com as grandes navegações. Nesta época, o artesão passa por processo de subordinação ao capitalista comercial. A grande nação do comércio é a Holanda; ao mesmo tempo, na Inglaterra inicia-se a acumulação inicial ou primitiva de capital com a expulsão dos camponeses das terras comunais e a transformação destes em mão de obra disponível em troca de salário. O desenvolvimento do capitalismo mercantil é base para elevar duas outras formas de capital, a produção de mercadorias e o capital a juros. Também transforma a força de trabalho, antes ligada à servidão, em mercadoria.
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Do ponto de vista lógico-histórico a mercadoria é também o ponto de partida e, na formação de sua totalidade, desdobra-se na criação das mercadorias dinheiro, força de trabalho e capital produtivo. Por isso, a primeira etapa do sistema tem o desenvolvimento das relações mercantis como base para o desenvolver das demais eras. A partir da mercadoria, uma nova totalidade passa a se consolidar. A alta demanda do mercado foi parte do impulso a esta etapa histórica e serviu, também, de impulso rumo à era seguinte.
Era do capital industrial A produção passa a ter força centralizadora com a I Revolução industrial, final do século XVIII. A necessidade de aumentar a produtividade e derrotar os trabalhadores, que usavam de suas habilidades para limitar a exploração, ou seja, luta concorrencial e luta de classes, motivaram o uso do maquinário. Algumas caraterísticas essenciais surgem e merecem destaque. Nesta era, a dominação de classe capitalista se consolida com o consolidar do novo sistema. As duas classes opostas ganham corpo: a burguesia torna-se cada vez mais conservadora na medida em que consolida seu poder e o proletariado tem cada vez mais peso político. Iniciam-se as crises cíclicas, de superprodução relativa. O capitalismo revela-se de fato como autocontraditório, como fonte de ebulições sociais. Pela primeira vez na história humana, as crises são por excesso, neste caso, de capitais e de mercadorias. O capitalismo maduro dá as condições para o desenvolvimento do mundo das mercadorias, com o capital comercial, e do capital produtor de juros, ambos sob a dominação do capital industrial.
Era do capital financeiro No final do século XIX, a necessidade de dispor recursos para o alto investimento em máquinas e matéria-prima, em capital constante, da II revolução industrial, obrigou a fusão de capital produtor de juros e capital industrial nas formas de sociedades por ações, sociedades anônimas e controle dos bancos sobre a indústria. É a fase imperialista do capital. O capital produtor de juros, o capital bancário em destaque, passa de intermediário e subordinado a
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centralizador de grandes operações econômicas. Sua missão foi desenvolver a nova etapa da indústria e consolidar as relações mercantis por todo o mundo.
Era do capital fictício A atual era surge na década de 1970. Há aí um movimento fundamental: a taxa de lucro cai em demasiado na economia global, logo os investimentos, em muitos casos baseado em dívidas por empréstimos, deslocam-se da produção para a superestrutura financeira (Roberts M. , Produtividade, investimento e lucratividade, 2019). Ocorre um poderoso deslocamento das finanças em relação à produção real de riquezas, observável nos gráficos a seguir:
GRÁFICO 1
Fonte: (Lacerda, 2012)
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GRÁFICO 2
Fonte: (Chesnais, 2012) Marx considerou o capital fictício – ações, dívida pública, etc. – algo como espuma econômica, que se desfaz logo depois de seu surgir por ter de responder à fonte original da riqueza. Isso está correto para a sua época, pois então destacou-se o crescimento e o poder do capital industrial, da produção de valor. Ele não antecipou tal ruptura do capital fictício em relação à sua fonte, ainda que tal ruptura seja relativa, além de ainda responder à base material inescapável. O capital fictício produz, por sua vez, lucro fictício (Carcanholo & Sabadini, 2011). Toda valorização especulativa toma uma forma ao mesmo tempo real e ficcional. Nesta conceituação, inclui-se a dívida pública que não tem por função novos valores de uso (estradas, portos, etc.) e que é paga com dívidas novas (idem, ibidem). Citemos um exemplo específico: um possuidor de capital pode substituir seu dinheiro para outra moeda para lucrar com a variação do câmbio1, especulação que é facilitada pelo alto desenvolvimento das comunicações. Esta era ―contamina‖ as modalidades de capital. Grandes empresas produtivas possuem importantes braços financeiros, pois a taxa de lucro nestes compensa em relação ao investimento 1
Ao leitor não iniciado: compra-se, supomos, um dólar por um real, mas há previsão de que no futuro precisaremos comprar um dólar por quatro reais; o especulador compra mil dólares quando vale um real, com mil reais, depois troca mil dólares por quatro mil reais quando um dólar valer quatro reais. Sua riqueza cresceu de modo fictício, sem menor lastro no trabalho produtivo.
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produtivo; e o grande comércio atua ainda mais como credor para escoar as mercadorias em meio a uma superprodução crônica latente. Ademais, as dívidas estatais, formas de capital fictício, porque o Estado tem de lidar com as duras crises, elevam-se a patamares nunca antes vistos. O lucro por ações em grandes empresas toma a forma de juro, de indenização do capital. No setor de serviços, as empresas de aplicativos alugam seus programas a taxistas, entregadores, etc. em troca de juros pelo uso (Prado, Subsunção financeira, 2018). Do ponto de vista da forma, o domínio financeiro na fórmula D-D‘ opera um ―salto para si‖ da terceira para a quarta era do capitalismo. Embora lhe faltasse teorizar em total, Marx intuiu: Se o sistema de crédito é o propulsor principal da superprodução e da especulação excessiva no comércio, é só porque o processo de reprodução, elástico por natureza, se distende até o limite extremo, o que sucede em virtude de grande parte do capital social ser aplicada por não proprietários dele, que empreendem de maneira bem diversa do proprietário que opera considerando receoso os limites de seu capital. Isto apenas ressalta que a valorização do capital fundada no caráter antinômico da produção capitalista só até certo ponto permite o desenvolvimento efetivo, livre, e na realidade constitui entrave à produção, limite imanente que o sistema de crédito rompe de maneira incessante. Assim, este acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercado mundial, e levar até certo nível esses fatores, bases materiais da nova forma de produção, é a tarefa histórica do modo capitalista de produção. Ao mesmo tempo, o crédito acelera as erupções violentas dessa contradição, as crises, e, em consequência, os elementos dissolventes do antigo modo de produção. O sistema de crédito, pela natureza dúplice que lhe é inerente, de um lado, desenvolve a força motriz da produção capitalista, o enriquecimento pela exploração do trabalho alheio, levando a um sistema puro e gigantesco de especulação e jogo, e limita cada vez mais o número dos poucos que exploram a riqueza social; de outro, constitui a forma de passagem para novo modo de produção. É essa ambivalência que dá aos mais eminentes arautos do crédito, de Law a Isaac Péreire, o caráter híbrido e atraente de escroques e profetas. (MARX, 2008, p. 588; grifos nossos.)
Faltou-lhe perceber o caráter qualitativo, toda uma era, da teorização acima.
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No início deste capítulo, propusemos avaliação a partir das três modalidades de capital, mas nada seria a Santíssima Trindade sem Lúcifer. Enquanto capital não diretamente ligado à fonte de riqueza, a produção, o capital fictício2 infla-se de modo inédito na história do capitalismo. Na primeira era, destaca-se o crescimento do comércio; a nação que domina o setor comercial também domina a produção, como observou Marx. Na segunda era, ao contrário, o país que domina a produção também domina o comércio, ainda tal qual Marx observou; trata-se da época em que a produção como produção de valor é o que mais se desenvolve. Na terceira era, os bancos inflam-se muito, há concentração e centralização bancária, além do desenvolvimento de outros financiamentos a partir dos juros; aqui, o capital produtor de juros desenvolve-se com destaque. Na quarta era, enfim, impera o desenvolvimento do chamado capital fictício e dos serviços3. Assim, mais correto é destacar: 1. Capital comercial; 2. Capital industrial; 3. Capital produtor de juros; E, colateral: 4. Capital fictício e capital de serviços. Percebemos por meio das próprias formas de capital, como etapas necessárias do desenvolvimento sistêmico, o limite endógeno do atual sistema socioeconômico4. O desenvolver da totalidade, suas partes e inter-relações, pôs o limite interno. Verifiquemos: 1.
Capital mercadoria: foco da economia capitalista, o comércio expandiu-se extensiva e
intensivamente por todo o mundo – alcançou o ápice. 2.
Capital produtivo: a produção-capacidade produtiva, com o avanço técnico –
especialmente, a automação e a robótica – e presença em todos os continentes junto a sua altíssima monopolização e oligopolização, tende à superprodução crônica – alcançou o ápice. 2
No próximo capítulo, o conceito de capital fictício será alargado, incluindo outro inchaço colateral, o do setor de serviços. 3 Mandel acerta ao afirma que esta última era, nomeada por ele “capitalismo tardio”, teria como destaque a grande inflação dos serviços; mas erra ao supor que, no setor industrial, com a queda da taxa de lucro, o autofinaciamento do capital fixo cairia, aumentando o financiamento por via financeira – isso não ocorreu, ao contrário, foi reduzido em nosso tempo. Sobre, ver: (Theodoro Guedes & Paço Cunha, 2021) 4 Nota-se, porém, que o método de exposição não equivale de todo ao método de investigação.
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3.
Capital dinheiro: o setor financeiro inchou-se absurdamente, com domínio sobre a
economia e impulsionando esta; o endividamento de famílias, de empresas e de estados é altíssimo; o capital fictício inflaciona, deslocada de sua base real – alcançou, também, o ápice. Nesta obra, em seus capítulos iniciais, o leitor poderá observar uma característica comum aos três elementos acima apontados: desenvolvem-se, em qualitativa medida, de maneira fictícia, ao modo de capitais fictícios, num capitalismo cada vez mais real irreal. E fundamentam em versão inversa, um mundo invertido, as bases do socialismo provável. O mundo capitalista, que constrói seu próprio fim, pode ser substituído pelo socialista, mas isso é uma possibilidade posta, de modo algum uma inevitabilidade5. Resultado oposto, o fim da civilização ou a extinção da espécie humana também aparecem no horizonte próximo. As duas possibilidades latentes estão de acordo com a observação de Marx e Engels no Manifesto:
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada, uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito. (MARX, ENGELS; 2005, p. 40, grifo nosso.)
Vejamos a oposição teórica que abriu este capítulo. A ideia de que o capitalismo é necessariamente superável e superado pelo socialismo foca, para provar a força de sua ideia, nos aspectos objetivos, caindo em objetivismo (e fetichismo). A ideia oposta, de que o capitalismo ―nunca cairá de maduro‖ já que tem de ser conscientemente derrubado, prioriza a importância do aspecto subjetivo, caindo em subjetivismo (e relacionalismo). A verdade supera ambas as
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O igualitarismo sempre foi de fato uma possibilidade em todas as formas de sociedade classistas. Junto ao escravismo, e até para que este surja, havia várias sociedades igualitaristas baseadas no cultivo, na pesca e na pecuária; porém os povos escravistas destruíam tais formações e escravizava seus membros, tomando suas terras, porque era a escravatura a forma social que mais desenvolvia as forças produtivas naquela época. Na consolidação do feudalismo, apareceram feudos sem senhores feudais, geridos por servos camponeses. No capitalismo, apareceram fábricas sem patrões e tentativas de sociedade igualitária quando o socialismo era mais possível do que necessário. A diferença, hoje, é que o socialismo é uma necessidade cada vez maior, e cada vez mais possível, como solução da crise desta sociedade. Se evitarmos a extinção humana ou o fim da civilização, a saída socialista será consolidada. A abundância atual, por exemplo, exige relações igualitárias como necessárias, não mais contingentes como no passado.
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posições, pois o fim sistêmico é certo, exigindo e dando as condições para revolução social, mas a vitória é incerta, uma possibilidade dada. Descobrir no próprio desenvolvimento das modalidades do capital em eras rumo ao seu fim soa tarefa fácil uma vez exposto o movimento 6. Então por que os marxistas demoraram a perceber os limites internos de tal modo? A falta de ousadia ou dogmatismo teórico explica apenas em parte a demora; a razão principal é que o momento histórico vigente, o próprio limite do capitalismo pondo-se, permite-nos ver o evolver de longa duração do sistema. A verdade científica depende de condições sociais desenvolvidas, precisa de bases sociais maduras para surgir. Marx conheceu o capitalismo maduro e Lenin, o início do imperialismo; ambos elaboraram nas possibilidades históricas dadas. A situação dos marxistas atuais é outra, nos dizeres hegelianos: ―A suprema maturidade e o supremo estágio que alguma coisa pode alcançar são aqueles em que começa o seu declínio.‖ (HEGEL, 2018, p. 77.)
AS TEORIAS DAS ERAS Do ponto de vista do estilo, o capítulo encerrou-se no parágrafo anterior. Mas somos obrigados a dizer algo mais. Após minha primeira versão deste texto em meu blog (Paulo, 2016), Eleutério Prado fez uma elaboração semelhante em seu próprio site, anos depois. De modo algum penso que seja caso de plágio ou mesmo inspiração não creditada; na verdade, quase tudo desta obra está tão maduro na realidade, de maneira tão gritante, já que ninguém antes se debruçou como deve sobre o real, que fica mais fácil chegar a tais conclusões, aparecendo alguns aspectos na cabeça de uns e de outros. A questão é superar os ―esboços‖ e as teses fragmentadas, que passam longe da totalidade. A falta de gênios do tipo de Marx e Trotsky entre nós atrasou o conhecimento e o reconhecimento das ideias deste livro, escrito por alguém certamente mais modesto, mas que contou com o excesso de maturidade das circunstâncias, facilitando a observação das tendências, e com uma ousadia pessoal acima da média, como se verá, longe da castração acadêmica presente na área de humanas.
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No ótimo artigo “O estágio último do capital. A crise e a dominação do capital financeiro no mundo” (Nóvoa & Balanco, 2013), os autores intuem, como afirma o título, a natureza da fase do capital, mas não o derivam ou percebem o limite sistêmico endógeno. A boa intuição é o que propomos desenvolver até o limite nesta obra.
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Este capítulo terá sua verdade exposta nos próximos – focaremos na última era do capital, apresentando de modo sintético a diferença com cada era anterior (no dinheiro, no Estado, etc.). Elaborações anteriores falharam, mesmo avançando, em ir ao fundamento de uma classificação de eras, muitas vezes limitando-se a esboços. Hobsbawm divide nossa época em Era das revoluções (1789-1948), Era do capital (1848-1875), Era dos impérios (1875-1914) e Era dos extremos (1914-17-1991) – mais sua divisão é apenas factual, não vai ao fundamento, erro igual ao de outras formulações; é uma divisão quase mercadológica. Mandel divide em 1° fase com capitalismo de mercado (1700-1850), 2° fase com o capitalismo monopolista (1850-1960) e 3° fase com o capitalismo tardio – também falha em ir ao fundamento, além de uma divisão muito duvidosa, pois assim, por exemplo, também deixa de derivar o autolimite do capital em seu evolver. Nancy Fraser elabora as fases como ―capitalismo mercantilista ou comercial, capitalismo laissez-faire ou liberal-colonial, capitalismo organizado pelo Estado ou social-democrata e capitalismo neoliberal ou financeirizado.‖ (Fraser, 2021) – Igualmente faz uma elaboração parcialmente certa, que arranha a verdade, mas com critérios externos, não imanentes à Coisa. Ter uma formulação das eras que seja interno ao objeto de estudo tornou-se uma necessidade para a compreensão de nosso tempo. As elaborações anteriores foram tentativas de uma resposta ao problema, mas, se bem observado, foram pouco além da intuição. Ao mesmo tempo, agregamos e superamos as propostas inexatas – em um desenvolvimento teórico mais profundo possível. Quando todas as condições para surgir uma nova ideia acontecem, estão na realidade madura, então pode surgir em mais de uma cabeça quase ao mesmo tempo. A história da ciência é recheada de fatos curiosos do tipo. Poucas semanas após a publicação de minha tese sobre, o tema, a versão inicial deste capítulo, em meu blog, o marxista Edmilson Costa também escreveu algo sobre em seu site. Descarto qualquer insinuação de plágio por parte veterano marxista. O acaso também faz a história! No mais, numa palestra da década de 1990, Maria da Conceição Tavares expõe tal divisão no seu quadro negro, sem destinar autoria. Via de regra, a polêmica é sobre a quarta era, quando ela é destacada: se é informacional, rentista, tecnofeudalismo, apenas imperialismo financeiro etc. Mas o caso que mais coincide com minhas ideias são as de Giovanni Arrigh, um gênio sem a devida fama, mas que deixou de levar suas intuições até o limite, tal como fazemos nesta obra.
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CRISE DO SISTEMA DE VALOR ―Sonhava Aristóteles, o maior pensador da Antiguidade: se cada ferramenta, obedecendo a nossas ordens ou mesmo pressentindo-as, pudesse executar a tarefa que lhe é atribuída, do mesmo modo como os artefatos de Dédalo se moviam por si mesmos, ou como as trípodes de Hefesto se dirigiam por iniciativa própria ao trabalho sagrado; se, assim, as lançadeiras tecessem por si mesmas, nem o mestre-artesão necessitaria de ajudantes, nem o senhor necessitaria de escravos.‖ (Biese apud Marx, O capital I, 2013, pp. 480, 481) ―Devemos temer o capitalismo, não os robôs. Se, no futuro, as máquinas produzirem tudo o que precisamos, o resultado vai depender de como as coisas são distribuídas. Todos podem desfrutar de uma vida de luxuoso lazer se a riqueza produzida for compartilhada. Ou a maioria das pessoas pode acabar miseravelmente pobre se os donos das máquinas continuarem se posicionando contra a distribuição de riqueza. Até agora, a tendência parece apontar para esta segunda opção, com a tecnologia conduzindo para uma desigualdade cada vez maior.‖ Stephen Hawking.
O marxismo rejeita, desde sua origem, o determinismo econômico. Não obstante, precisa-se de mergulhos profundos, superando a sociologia, para enxergarmos o objeto em totalidade. A técnica é, portanto, o ponto de partida7. A automação e a robótica devem despertar polêmicas vivas entre aqueles que lutam por um novo mundo; afinal, as mudanças na produção alteram todo o tecido da sociedade. Nesse sentido, nortear-nos-emos com a seguinte e reveladora citação de Moraes Neto: Sendo assim, como se coloca a natureza autocontraditória do capital quando sua base técnica possui a natureza taylorista/fordista? A resposta é: não se coloca; a forma taylorista/fordista de organizar o processo de trabalho não é contraditória
com
o
capital
enquanto
relação
social;
pelo
contrário,
o
taylorismo/fordismo chancela a forma social capitalista. Uma forma técnica lastreada no trabalho humano, que induz ao emprego de milhares de trabalhadores parciais/desqualificados, é perfeitamente assentada à forma social capitalista; o sonho da eternidade capitalista teria encontrado sua base técnica adequada. […] a aplicação da microeletrônica para o caso da indústria metal-mecânica terá como consequência trazer essa indústria para o leito da automação, no qual já
7 “Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar – sentia uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da eletricidade e, por último, ainda as de Mere Daprez.” (Engels, Discurso Diante do Tumulo de Karl Marx, 2006)
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caminham há muito tempo ramos industriais tecnologicamente mais avançados. A concorrência intercapitalista em escala mundial e as possibilidades abertas pelo conhecimento científico estão deslocando uma fração (nada desprezível) ―smithiana/bravermaniana‖ da base técnica capitalista em direção ao leito comum da automação, ou melhor, ao leito teórico marxista.‖ (Neto, 2003, p. 61, grifos nossos)
De forma oportuna, o autor cita Karl Marx8 – no mesmo texto: Tão logo o trabalho na sua forma imediata deixa de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem de deixar, de ser a sua medida e, em consequência, o valor de troca deixa de ser [a medida] do valor de uso. O trabalho excedente da massa deixa de ser condição para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não trabalho dos poucos deixa de ser condição do desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano. Com isso, desmorona a produção baseada no valor de troca, e o próprio processo de produção material imediato é despido da precariedade e contradição. (Marx, Grundrisse, 2011, p. 588, grifos nossos)
Percebemos que o atual avanço técnico – automação, robótica, informática, gestão científica – merece maior atenção por parte dos marxistas de todo o mundo, pois o capitalismo, como veremos, alcançou seu limite. Marx foi o profeta. Do ponto de materialista, percebeu a tendência constante de substituição do trabalho vivo por trabalho morto ou passado, quer seja, o maquinário adquirindo, objetivando, as habilidades humanas. A robótica, que há muito deixou de ser hipótese-ficção, apresenta-se como principal imagem-síntese. Em nosso entender, essa tecnologia – por questão de simplificação, trataremos a automação e a robotização como, em essência, de mesma natureza9 – tem duplo caráter: de imediato, serve ao capitalismo, à produção de mercadorias, ao lucro; mas também é um modelo útil por excelência ao socialismo, pois liberará os trabalhadores do trabalho manual, dará tempo livre a estes para que adquiram cultura e cuidem do poder, permitirá a planificação centralizada e científica da produção e da abundância. Podemos afirmar, evidenciase, que a base técnica amadureceu para a sociedade socialista, como a fruta avermelhada que ou é colhida e degustada ou apodrecerá e cairá.
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Pode-se argumentar que trechos de O Capital contradizem a citação acima, de um manuscrito anterior à obra final de Marx, o Grundrisse. Ora, a questão aqui não é confrontar uma citação com outra citação, ao modo acadêmico, mas uma citação com a realidade… Eis o acerto de Marx ao “pesar a mão” nos esboços preparatórios de sua grande produção. 9 A chamada quarta revolução industrial tem a mesma natureza qualitativa, põe fim à produção de valor, sendo considerada parte da terceira nesta obra.
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O capital é incapaz de generalizar a III revolução industrial. A substituição de trabalhadores por máquinas produz contratendências: 1) barateia a força de trabalho; 2) pressiona para o aumento da jornada de labor; 3) dão-se melhores condições para a patronal impor aumento da intensidade do trabalho; Nos três casos, o ―desemprego tecnológico‖ produz a pressão social que permite tais medidas. Assim, em movimento, pretendemos resolver – junto também ao fator 4 adiante – a polêmica sobre se há crise do valor, redução de sua massa e de mais-valor, ou seu maior império. Ademais, o leitor que conhece bem a dialética entre mais-valor relativo e absoluto reconhece tais observações. O destaque sobre pressão de tendência e contratendência será tema, também, de observações posteriores. 4) abaixa o preço dos produtos consumidos pelos trabalhadores; Em resumo, as alterações no preço e no valor da força de trabalho, no trabalhador e no ato de trabalho fazem com que compense manter o trabalho manual, adiando sua substituição por máquinas automáticas e robôs. 5) reduz o valor das máquinas baseadas no trabalho manual; Mais do que ―desmoralizar‖ as máquinas baseadas em técnica inferior, empresas automatizadas também podem produzir maquinário por onde as mãos humanas ainda cumprem função direta. 6) Barateia a matéria-prima de empresas baseadas na produção de valor. Esse barateamento produz um efeito anticrise cíclica nas empresas, atuando para que se mantenham através do barateamento das mercadorias por redução dos custos e aumentando o potencial de vendas. Em sistemas orgânicos, a menor distância entre um ponto e outro é uma curva: sob relações capitalistas, a automação impede a automação. Dito de forma pura, observa-se uma demonstração de como o presente é a unidade dialética do passado e do futuro. Na dinâmica de tendência e contratendência, há a contradição entre a necessidade de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção vigentes. Cabe ao socialismo desenvolver de modo organizado a técnica nos mais variados setores: a ampliação do uso da maquinaria automatizada gerará, sob novas relações, mais tempo livre ao trabalhador e realocamento organizado da força de trabalho, isto é, pelo emprego constante com escala móvel de jornada de trabalho. A relação de tendência e contratendência apontada acima pode ser observada pelo declínio do crescimento da produtividade em escala internacional:
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GRÁFICO 3
Fonte: (Extended Penn World Tables apud Cockshott, 2020) Tratamos de modo ainda um tanto puro, no universal, a relação acima. Desçamos um pouco mais ao concreto, ao particular. Porque têm baixo desemprego, ou seja, custo unitário da força de trabalho maior, alguns países – Coreia do Sul, Alemanha, Japão, etc. – adotam como vanguarda a produção automatizada. Porque a produção automatizada é mais desenvolvida em alguns países, tais nações vencem a concorrência mundial, atraindo valor para si: ganham dinâmica econômica que produz conjunturalmente baixo desemprego, motor para ainda mais automação; o processo, então, realimenta-se; processo este posteriormente limitado pelo monopólio, pela superprodução crônica latente, pela transferência de empresas para outras nações, pela imigração (causado, em boa parte, pela miséria nos países em desvantagem) e pelo retorno do desemprego (em certos casos e circunstâncias, também pelo efeito do câmbio). Já países em desvantagem tecnológica, que produzem produtos de menor valor agregado, que perdem na concorrência internacional, amargam piores condições de trabalho e maior desemprego, o que dá fôlego à produção baseada no trabalho manual. Isso é ainda mais verdade hoje porque a tecnologia deu um salto desde a década de 1970, exigindo muito para dominar a produção de certas mercadorias (chamam fábricas modernas de ―universidades produtivas‖); antes, o país atrasado poderia simplesmente copiar, com algum atraso, a tecnologia e a mercadoria do país avançado, algo difícil atualmente. Façamos, agora, um duplo mergulho na concretude, no singular. Há fábricas de todo automatizadas que, para reduzir os custos, operam com as luzes desligadas, pois é desnecessário a presença de trabalhadores auxiliares ao menos vigiando o maquinário fabril. Tal exemplo é uma boa imagem da tendência produtiva, mas há ainda outros casos, onde se revela a contradendência dentro do espaço fabril. Uma empresa pode automatizar apenas o setor onde antes o trabalho era feito por operários especializados, que podem impor ritmo mais lento ao conjunto da produção e
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salário mais altos – até serem demitidos e substituídos por capital fixo; porém os demais setores do processo produtivo interno, com salários mais baixos por baixa especialização, continuam com seu trabalho manual, desta vez, no entanto, com um ritmo ainda mais intenso de labor por razão da aceleração da atividade causada quando o novo maquinário foi posto em funcionamento10. Observa-se aí a relação tendencial e contratendencial – pois a lei é tendencial, relativa – ao fim da produção de valor. A observação da tendência a suprimir o trabalho manual na produção e ao lado do avanço técnico também em demais setores (serviços, comércio, etc.) é evitada por boa parte dos marxistas, pois veem aí uma equação irresolvida sobre o papel do proletariado na sociedade. Ora, se o desenvolvimento técnico incompleto causa tensão social sob o capitalismo, a classe operária continua tendo função revolucionária. A questão em Marx aparece de modo incomum aos marxistas. Ele observou, com uso de estatísticas, o aumento da classe dos serviçais e redução da classe operária. Vejamos afirmação em sua obra central: Todos os representantes responsáveis da economia política admitem que a primeira introdução da maquinaria age como uma peste sobre os trabalhadores dos artesanatos e manufaturas tradicionais, com os quais ela inicialmente concorre. Quase todos deploram a escravidão do operário fabril. E qual é o grande trunfo que todos eles põem à mesa? Que a maquinaria, depois dos horrores de seu período de introdução e desenvolvimento, termina por aumentar o número dos escravos do trabalho, ao invés de diminuí-lo! Sim, a economia política se regozija com o abjeto teorema, abjeto para qualquer ―filantropo‖ que acredite na eterna necessidade natural do modo de produção capitalista, de que mesmo a fábrica fundada na produção mecanizada, depois de certo 10
“(...) foram introduzidos sete robôs de solda a ponto distribuídos nas áreas de produção dos subconjuntos. Embora a gerência tenha justificado a introdução dos robôs pela sua superioridade de soldagem em operações que exigem uma precisão difícil de obter pelo trabalho manual, ficou-nos a impressão de que sua função principal é marcar o ritmo de trabalho, como veremos adiante. (...) apesar de ocorrerem eventuais atrasos, porque a circulação depende do acionamento manual de todos os botões, basicamente o ritmo de trabalho e de movimentação das máquinas de transferência segue o ritmo dos robôs. (...) A redução dos postos de trabalho de soldagem de conjuntos pequenos e a eliminação do trabalho manual nas operações mais difíceis facilitaram a predeterminação dos tempos de trabalho com maior realismo (...) a adoção da nova tecnologia abriu a oportunidade — aproveitada pelas empresas — de introduzir certos mecanismos na organização da produção que aumentaram significativamente o controle técnico sobre o conteúdo, o ritmo e a intensidade do trabalho, em detrimento da capacidade dos trabalhadores de produção de influir sobre o que acontece na fábrica. (...) Efetivamente, a nova organização do trabalho permite às empresas auferir economias de mão de obra não apenas relativas à substituição direta de homens por soldadores automáticos e equipamentos de circulação, mas também relativas ao melhoramento, em múltiplas formas, do aproveitamento do tempo de trabalho (...) dada a ritmação imposta pelas máquinas, e trabalha-se mais intensamente.” (Carvalho apud Lessa, Fetichismo da técnica, 2020)
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período de crescimento, depois de um maior ou menor ―período de transição‖, esfola mais trabalhadores do que ela inicialmente pôs na rua! Certamente, alguns casos já demonstravam – como, por exemplo, o das fábricas inglesas de estame e de seda – que, quando a expansão extraordinária de ramos fabris alcança certo grau de desenvolvimento, tal processo pode estar acompanhado não só de uma redução relativa do número de trabalhadores ocupados, como de uma redução em termos absolutos. (Marx, O capital I, 2013, pp. 519, 520; grifos nossos.)
Retomaremos o assunto em capítulo específico. Aqui, interessa destacar sobre que as considerações ao tema feitas superam uma oposição dentro do marxismo: de um lado, teóricos descobrem a crise da produção de valor, mas a absolutizam – ignoram o caráter tendencial da crise do valor11; de outro, marxistas práticos evitam o tema porque defendem a classe operária e seus métodos (greves, ocupações, piquete, etc.) como os caminhos para o socialismo. Superar as concepções opostas exige perceber o caráter transicional da realidade. Cumpre destacar, enfim, os dois estímulos à renovação técnica no capitalismo: 1) a concorrência – logo, a existência de monopólios e oligopólios modernos retarda o desenvolvimento técnico da produção, como mostrado na imagem anterior, adia relativamente o fim do trabalho manual, produtor de valor, nas empresas; 2) a luta de classes. A segunda é menos realçada, por isso merece mais atenção 12. A luta dos operários por menor jornada de trabalho, maiores salários e mais direitos estimula a adoção de melhor maquinário capaz de aumentar a produtividade e diminuir o número de funcionários. A luta de todos contra todos enquanto luta por parcela do valor demonstra a luta das classes – incluso intraclassista, entre burgueses – como motor da história. Isso significa, também, que a introdução de máquinas automáticas desestimula a própria automação porque o desemprego quebra as greves por um período mais ou menos longo, ou seja, uma contratendência derivada da tendência. Surge-nos, então, a pergunta: como o desenvolvimento técnico e científico será estimulado no socialismo? Vejamos por meio da história da humanidade, de negações de negações, em espiral: Primitivismo: É do interesse do produtor o desenvolvimento da técnica. Escravismo: Não é do interesse produtor o desenvolvimento da técnica – o militarismo cumpre tal papel. O escravo fazia o possível para atrapalhar a produção, em principal quebrando as ferramentas de trabalho, o que fazia exigir aparelhos pesados e robustos para maior resistência material. 11 12
Em parte, o impressionismo ocorre por absolutizar o papel da concorrência. Aqui, como na essência deste capítulo, nada mais fazemos além de resgatar Marx.
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Para o escravo, havia a aparência de que todo trabalho era para outro, mas uma parte do trabalho era para si, trabalho necessário. Feudalismo: É do interesse do produtor o desenvolvimento da técnica. A contradição de classe do escravismo é resolvida no feudalismo ao oferecer ao produtor domínio de ferramentas e direito a cultivar para si parte das terras feudais. Era claro ao servo que trabalhava uma parte para si e uma parte para o outro. Capitalismo: não é do interesse do produtor o desenvolvimento da técnica. A primeira reação dos trabalhadores contra as máquinas é o ludismo, que tinha por norte quebrar as novas ferramentas, mas logo se revelou um movimento limitado, contra o desenvolvimento histórico. A entrada do maquinário cada vez mais avançado demite operários, reduz salários, atua para aumento da jornada, etc. Ao operário, (a)parece que recebe por seu trabalho, de modo integral, no lugar de por valor de sua força de trabalho, não vê o mais-trabalho e o mais-valor. Socialismo: É do interesse do produtor o desenvolvimento da técnica. Para o trabalhador, será claro que trabalhará uma parte de modo direto para si e uma parte para a sociedade, de modo indireto também para si. O socialismo estimulará o avanço tecnológico porque 1) será do interesse daqueles que vivem do trabalho ter sua jornada de labor tanto reduzida quanto mais fácil; 2) a ciência será mais autônoma em seu desenvolvimento; 3) a humanidade tornar-se-á cada vez mais erudita, superando a atual e reduzida casta detentora do saber; 4) como consumidores, os trabalhadores quererão produtos novos e melhores. O VALOR Os teóricos da crítica do valor, Kurz e Postone em destaque, recuperam a categoria valor como substância social. O caráter qualitativo e histórico desta categoria real foi negligenciado por boa parte dos marxistas por muito tempo. Porém seu significado é resgatado exato quando a massa de valor global produzido tende a cair com a automação, com a redução do número de operários nas empresas e a dificuldade do capitalismo em produzir inéditos tipos de mercadorias baseadas no trabalho manual (Kurz, A crise do valor de troca, 2018). Por causa das contratendências à implementação da produção automatizada, por breves momentos históricos a massa total de valor e de mais-valor pode mesmo crescer, mas a tendência impõe-se e ela mais importa para a análise científica e militante. Desenvolvem-se também meios ―parasitários‖ de absorção de valor que são debatidos ao longo desta obra. Há contradição entre valor e capital que ganha intensidade na medida em que aquele se transforma neste. O evolver do capitalismo enfim destrói sua própria base, a produção como
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produção de valor e mais-valor. Apenas assim, destruindo a categoria central do sistema, o socialismo pode ser possível e necessário. Inúmeros marxistas confundiram valor e (valor de troca) preço. Aqui, com necessária dose de dialética, deixamos claro que valor não é preço, embora o seja. O preço, ideal, é a forma inexata de manifestação do valor, material. A INFORMÁTICA E O SOCIALISMO A planificação das sociedades antes em transição ao socialismo, na política keynesiana do pós-II Guerra e dentro das grandes empresas obteve enormes resultados (veja-se a superioridade da URSS na corrida espacial). Mas ainda havia os limites do desenvolvimento técnico. É apenas com a computação moderna que o amplo planejamento social pode ser feito no curto tempo exigido. Os computadores quânticos serão a grande prova empírica da possibilidade do planejamento pleno, já permitido pelos atuais supercomputadores. A moderna tecnologia da informação obterá rapidamente dados dos estoques, da saída de produtos destes, ajustando rapidamente a produção ao consumo. O planejamento central promoverá a identidade entre oferta e procura, pondo fim à forma preço ainda antes da automação quase completa da produção. Algoritmos trabalharão, reunindo e articulando dados, em base a protocolos sociais prévios13 (Benanav, 2021). Hoje obviamente o socialismo digital pode fazer muito mais. A internet possibilitaria canalizar grandes quantidades de informação de todas as partes do mundo para sistemas de planejamento, quase instantaneamente. Saltos gigantescos na capacidade de computação tornariam possível processar todos esses dados rapidamente. Enquanto isso, o aprendizado de máquina e outras formas de inteligência artificial poderiam vasculhá-los, para descobrir padrões emergentes e ajustar a alocação de recursos apropriadamente. (Benanav, 2021)
Um caso singular ajuda-nos a observar a tendência no socialismo. Apesar dos limites tecnológicos na década de 1970 e da tentativa de Allende de limitar a revolução em curso nos limites do Estado burguês, o governo frente populista chileno pôs em prática o projeto Cybersyn, um comando central de computação que coordenava dados vindos de diferentes empresas, onde eram instalados maquinários de teletipo, e organizava em tempo real os dados da produção por meio de grandes telas e uma pequena equipe em uma sala de trabalho de estética futurista. Se a revolução tivesse vencido, seria exemplo mundial de planejamento avançado, ainda que 13
O Estado socialista deverá ter pelo menos três obsessões em seu início: proteger ao máximo o meio ambiente, acelerar a automação até que se generalize e garantir meios de democracia socialista.
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houvessem duros limites tecnológicos naquela época. Hoje tal tipo de projeto é ainda mais viável com a universalização da internet, do computador e da capacidade de concentrar dados. A Big Data, o 5G, o 6G e a inteligência artificial podem ter, se vencermos, vitais fins socialistas. A polêmica sobre se é ou não possível planejar a economia foi resolvida pela prática, isto é, pelo avanço da ciência e da técnica, não por grandes jogos argumentativos entre teóricos. O capitalismo produz dentro de si as condições do socialismo. Somente se a tecnologia sob o capital der condições materiais para o funcionamento de outra sociedade o socialismo poderá surgir. Neste sentido, vale observar uma das máximas de Marx: um problema surge já produzindo as condições de sua solução. Tal resolução do problema do planejamento apenas surgiu na história recente (Cockshott & Cottrell, 2019), o que demonstra a prematuridade das revoluções sociais do século XX, tema de outro dos capítulos deste livro. A informática oferece também as formas complementares e consolidadoras da democracia socialista. O controle sobre os dirigentes mais gerais poderá ser feito por votações pela internet, por aplicativos. Correntes políticas minoritárias terão acesso mais fácil a públicos amplos, apresentando suas propostas e críticas por meio de sites, canais de vídeo, etc. Os debates nacionais serão, por tal ferramenta, de fato nacionalizados. Graças ao avanço tecnológico, dados essenciais chegarão com mais facilidade ao público. A forma democrática da próxima sociabilidade, se vencermos, tem sua viabilidade posta enfim pelo desenvolvimento técnicocientífico recente. O planejamento pleno também é permitido, de modo íntimo, pela plena cientifização da produção (automação, robótica, etc.), que oferece regularidade produtiva, grande oferta de produtos e controle contábil. O trabalho, diferente do que pensam Paul Cockshott e Allin Cottrell, desde observação de Mises, deixa de ser a unidade de valor. A MERCADORIA A) Mudanças na forma material da mercadoria. A dialética forma-matéria é muitas vezes desconsiderada no meio marxista. Buscando superar a ausência, observamos tais tendências à matéria da forma mercadoria: 1) Redução da extensão; 2) Redução da materialidade14;
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“Esse processo progressivo de domínio do valor sobre o valor-de-uso, no interior da unidade contraditória chamada mercadoria, constitui o que chamamos “desmaterialização progressista da riqueza capitalista”. Isso, por uma razão muito simples. O valor-de-uso é o conteúdo material das mercadorias e fica determinado pelas características (conteúdo e forma) materiais de cada uma delas. O valor é sua dimensão social. O domínio deste sobre aquele implica a desmaterialização do conceito riqueza capitalista, desmaterialização da mercadoria.” (Carcanholo R. , 2002)
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A perda relativa de extensão e materialidade, como precisar de menos componentes, permite redução dos custos e tempo de produção, além dos custos de transporte. A história dos computadores é um exemplo. Tais tendências colaboram para o aumento da superprodução no setor de matérias-primas e, ao agilizar a produção, nos produtos para consumo final. Marx observa em O Capital I que o aperfeiçoamento das máquinas leva à redução de sua materialidade, por isso incluímos também o valor de uso da mercadoria maquinário. 3) Fusão (ou aglutinação) de valores de uso; A consequência mais determinante desta é que, quando o automatismo está fora de questão, um mesmo trabalho constrói valores de uso múltiplos, estimulando a redução da massa total de valor. Pensemos quantos aplicativos de celulares substituem objetos antes produzidos por diferentes fábricas, por trabalho manual. Podemos exemplificar também por meio de falhas. Microsoft e Sony fazem uma guerra planetária por vendas e por quem primeiro implementa novos valores de uso em seus aparelhos. A corporação mais ousada nos lançamentos tem experimentado, no entanto, rejeição do público. E nesse ziguezague medeiam: A divisão do Xbox na Microsoft passou por um turbilhão de emoções no último ano, com o anúncio do Xbox One, toda a rejeição às políticas de sempre-online e o foco em recursos multimídia, como TV. A empresa, por meio do novo chefe da área, Phil Spencer, reconhece que errou bastante em algumas decisões tomadas. Spencer não fala explicitamente no vídeo, mas já deixou claro em outras entrevistas, como novo chefe da área, dará foco a jogos. Esta deve ser a mídia mais importante do Xbox One, mesmo com todas as outras alternativas de TV, e etc. Este foi um ponto que os rivais aproveitaram para tripudiar sobre o console da Microsoft, dizendo que ele ―só tinha TV, mas não tinha jogos‖. A Sony deixou clara em seu anúncio que o PS4 foi feito pensando em jogos. ( (Santino, 2014)
A Sony havia cometido semelhante erro de tentativa com o console anterior, o PS3. Tudo indica retorno futuro ao objetivo. Uma vez por fim concluída a meta, destruirá capitais destinados à produção dos mesmos valores de uso de modo autônomo, concentrando valor, e permitirá um salto de qualidade sobre a concorrência. As três tendências apontadas são mais comuns, por evidente, naqueles produtos de alta tecnologia. Aqui nosso foco é a relação das alterações materiais com o sistema de valor, mas é claro, por exemplo, que comumente a perda de tamanho e materialidade aparece como pressuposto da aglutinação dos valores de isso, assim como o próximo ponto. 4) Separação do valor de uso da matéria.
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Simples produtos naturais passam por tal processo. Para reduzir custos de produção e aumentar escala, a fruta transformável em suco pode ser substituída por um pó químico capaz de simular sabor e cheiro do produto original. Sobre a tendência, vejamos o trecho de uma matéria: Análises feitas desde 2008 pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Universidade de São Paulo (USP), mostram que o uso do milho é de, em média, 45%, bem próximo do limite máximo estipulado pela legislação de, 50%. — Sempre detectamos milho nas análises. Isso porque o milho chega a ser 30% mais barato do que a cevada. O problema é que o rótulo não é mais claro, e a legislação permite — diz o coordenador da pesquisa, professor Luiz Antônio Martinelli. (Figueiredo, 2014)
Sobre, a poderosa Ambev revela-se risível: Por incluir cereais não maltados – como milho e arroz – nas cervejas, a Ambev defendeu a prática e disse que ela é positiva para o mercado cervejeiro. A fabricante é dona de marcas como Skol, Brahma e Antarctica. "O mundo seria muito chato se todas as cervejas fossem iguais", disse o diretor-geral da empresa […] referindo-se às cervejas que levam apenas água, lúpulo e malte em sua composição. "Quem é contra arroz, milho e outras misturas na cerveja é contra a diversidade", declarou. (Ferreira, 2016)
Em O Capital, K. Marx trata da falsificação dos pães, e conclui (Livro III): falsificar é inadmissível para o capitalismo, embora as constantes tentações empresariais. Em sua época, com imensa dificuldade perceberia a substituição da matéria no valor de uso, formando algo fictício, como opção normal do próprio sistema. ―Eu sei que este filé não existe, eu sei que o que eu ponho na minha boca, Matrix diz ao meu cérebro que é… suculento e delicioso.‖ (Martrix, Wachowskis, 1999, referência ao livro e ao filme 1984, George Orwell.) Em alguns casos, a separação do valor de uso da matéria enfrenta a produção como produção de valor ao permitir acesso gratuito a produtos via internet. 5) Ganho estético do valor de uso. Com a superprodução absoluta latente, surge a necessidade de dar ares artísticos e sedutores à mercadoria para que saia com mais facilidade das prateleiras. As mercadorias disputam a atenção dos consumidores. O design de produtos é a profissão típica, pois pensa a estética e como, sempre que possível, reduzir custos com a matéria embora seja em si um acréscimo de custo improdutivo.
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Na produção também ocorre o ganho estético, pois as fábricas sujas e sombrias são cada vez mais algo do passado como tática de disfarce da condição classista. Ademais, grandes empresas investem em espaços de lazer, bibliotecas, etc. ao redor do espaço fabril. 6) Alteração da resistência dos valores de uso. Tendência percebida por Mészàros (2011), faz-se necessário diminuir a qualidade das mercadorias em nome da quantidade – a obsolescência programada para enfrentar a superprodução. A rotação do capital pode manter-se com a alteração do produto, o excesso de mercadorias é assim administrado. Segundo aspecto, aumentou-se a resistência de mercadorias para que se tornassem parte da produção em larga escala. O leite em pó serve de exemplo, pois permitiu a acumulação de capital e grande produtividade. Os dois movimentos, opostos, ganho e perda de perecibilidade, atuam nos limites da produção sob o capital, isto é, tratam de uma superprodução crônica latente. 7) A taxa de utilização decrescente do valor de uso Mészàros descobriu (Mészáros, Para além do capital, 2011) tal contradição entre valor de uso e valor, que tem inúmeras manifestações, entre elas: menor uso da força de trabalho, substituição acelerada das máquinas antes de esgotar seus usos, fragilização dos valores de uso, etc. O exemplo mais escandaloso é quando os alimentos produzidos em ―excesso‖, do ponto de vista do valor, em grande parte são simplesmente destruídos, na cifra das toneladas, antes de ir ao mercado para forçar os preços a caírem o mínimo possível. Observadas as razões particulares – a causa geral é a busca por lucro – das mudanças em nossa época, deve-se destacar um fator central: hoje, tornou-se muito difícil produzir tipos inéditos de mercadorias, por isso o giro dos esforços para aglutinação, mudança da matéria, etc. Tantas vezes, a natureza da mercadoria, ou do processo produtivo, ou de sua escala de produção exige automação e robotização completa ou quase total. É o caso, por exemplo, da grande produção de cimento no Brasil. Que a máquina se desmoralize, perca valor, na existência de outra mais moderna máquina – ocorre na sua condição de mercadoria. Logo, típico de qualquer mercadoria a desmoralização diante de outra melhor, como o celular novo no mercado. Tal desmoralização da qual fala Marx em O Capital quanto ao maquinário repete-se nos demais produtos no comércio. Daí o novo fenômeno: apenas mercadorias de ponta tecnológica permanecem como o computador, não a máquina de escrever.
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B) Desenvolvimento do capital comercial O estudo da integração dos capitais foca, em geral, na fusão entre o capital industrial e financeiro, sob liderança deste último. Destaquemos, então, o processo desde o comércio: 1.
Setores produtivos desenvolvem franquias para a venda de mercadorias suas;
2.
Setores comerciais passam a produzir (exemplo: uma rede de supermercado lançar um
produto próprio); 3.
O comércio desenvolve, por própria conta e junto aos bancos, seus cartões de crédito;
4.
Grandes redes comerciais passam a operar com capital aberto;
5.
Elevam-se a proporção e a massa de mercadorias movimentadas por crédito comercial,
compra-venda por meio de pagamento antes do consumidor final do valor de uso; 6.
Pode ocorrer movimentos simultâneos: uma empresa abrir produção e sua rede de franquia
juntos (uma fábrica de açaí com sua marca de franquias, etc.). O desenvolvimento do capital também ocorre no setor comercial, com a acumulação, concentração e centralização; ademais, ocorre, como demonstramos, fusões com outras formas de capital. A formação de grandes redes de lojas, super e hipermercados, de atacado e de varejo, por todos os ambientes de concentração humana, interconectados via internet e sistema financeiro, oferece a primeira forma social geral dos meios de armazenamento e distribuição dos valores de uso no início da transição ao socialismo, durante o processo geral de deflação, isto é, durante a economia planejada e o aumento da produtividade. Sobre o modo de distribuição, observamos as bases primeiras da próxima sociedade por meio do alto evolver deste. A consolidação da grande propriedade privada no comércio, ainda que persista o pequeno comerciante contra sua decadência, é condição sine qua non para a superação das relações monetárias uma vez estatizadas as grandes redes logísticas e distributivas pelo Estado socialista. C) A produção sob demanda A produção sob demanda é uma tendência que se reforça cada vez mais sob o capitalismo. É necessário destacar que tal processo será útil por excelência ao socialismo e ao fim da formapreço, ao fim do mercado. A transição ao socialismo tem por tarefa encerrar o segredo comercial como condição para unir empresas, até então concorrentes, em um plano produtivo central. A HISTORICIDADE DO VALOR DE USO Em geral, os marxistas consideram o valor algo histórico e o valor de uso, a-histórico. Tal concepção está equivocada. A começar, o valor existe a milênios, tendo sido objeto de estudo por Aristóteles, mas apenas no capitalismo tornou-se valor que se autovaloriza, ou seja, consolida-se como capital. Feita a consideração, vejamos agora o polo oposto.
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O valor de uso é fruto do desenvolvimento histórico. A vitrola só poderia ser resultado do capitalismo, não do feudalismo, ademais, na outra ponta, de ser imprópria para a etapa tecnológica recente. No decorrer do desenvolvimento da humanidade, fomos alterando os valores de uso, além de criar novos; por mudanças na sua genética, o milho já não é o mesmo desde a pré-história, pois o modificamos sempre que pudemos. A roupa muda de tipo de tecido com a época. E as ferramentas são para o modo de produção correspondente. A maquinaria da I e II revoluções industriais, que disciplinam o trabalho manual, pertencem ao momento histórico do capital, por mais que se tentasse fazer uso socialista deles. Os gregos e os romanos poderiam ter desenvolvido técnicas mais avançadas, mas, descobrem os historiadores, não faziam uso porque era desnecessário para aquele modo de vida (que se importava mais com a qualidade das mercadorias dos artesões do que com a quantidade). O socialismo concluirá algumas tendências do capitalismo em seu fim como a fusão de valores de uso e a desmaterialização. Descartará outras porque, por exemplo, no lugar de fragilizar o material, cuidará da qualidade dos produtos, que já não serão mais mercadorias ao colocar o valor no passado. O valor de uso e suas possibilidades modernas pedem por relações socialistas. O nylon é altamente resistente, mas a engenharia foi usada para fins destrutivos, para fragilizar aquela matéria e, assim, permitir nova compra, nova substituição. A internet e a automação avisam que uma nova época pode surgir. Ao libertar a ciência e a técnica da mão de ferro do lucro, o socialismo fará tipos novos de valores de uso e materiais, próprios de sua época, e renovará os ora existentes de acordo com as novas necessidades sociais. Tanto o valor quanto o valor de uso estão impregnados de história. Posta assim, a observação deste subcapítulo é óbvia, porém faz-se necessário dizer o evidente todas as vezes que a intelectualidade perde-se nos debates. CAPITAL FICTÍCIO A produção automatizada absorve para si parte da massa de valor global na venda de suas mercadorias sem oferecer mais-valor; ou seja, ao renovar a maquinaria, a mercadoria tem em si o custo de produção mais mais-valor extra, extraído de outras empresas que ainda produzem a forma valor. É, assim, capital produtivo fictício. É improdutivo porque improdutivo de valor (Kurz, O colapso da modernização, 1992). Seu preço acima do custo de produção deixa de ter ligação direta com trabalho não pago. Temos a primeira conclusão socialista: a produção poderá ser produção apenas de valores de uso graças ao avanço técnico iniciado por dentro do capitalismo. Aqui, o teórico Kurz demonstrou como as bases do socialismo estão por se realizar dentro do capitalismo.
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Outro setor a operar de modo ao mesmo tempo real e fictício são os serviços. São, por exemplo, empreendimentos empresariais que dão lucro, logo concorrem de modo direto pela massa de valor total da sociedade, mas a atividade aí apenas disputa, sem contribuir, parcelas do valor produzido nas fábricas (minas, etc.) baseadas no trabalho manual. Quando afirmamos no capítulo anterior que estamos diante da inflação do capital fictício, apresentamos apenas parte das conclusões, pois a hiperinflação dos serviços, graças à alta urbanização em grande parte, também faz parte testa era. Aprofundemos, pois é assunto até aqui tratado de modo impreciso. No capítulo 5 d‘O Capital, quando Marx coloca o trabalho por categoria necessária do homem, descreve a diferença da melhor abelha versus o pior arquiteto, pois este faz prévia ideação – e, destacamos, fica fora da transformação prática da matéria, do trabalho manual. O trabalho intelectual será a forma de trabalho dominante na produção socialista. Esta forma de labor transcenderá a si para fora da produção material, do trabalho, e vai-se até as formas sociais puras (Lukács): gestão do Estado, educação, saúde, etc. – o setor de serviços. É o homem tornando-se cada vez mais social, superando sua pré-história. Sob o capitalismo em sua última era, a elevação do setor de serviços, improdutivo de valor, portanto capital fictício quando para fins lucrativos, expressa de modo invertido e latente a tendência mais universal. O setor de serviços, que em parte também passa por avanços tecnológicos modernos, tem visível crescimento em todo o mundo. À medida que cai a taxa de lucro, o capitalista sente necessidade de expandir as fontes de dinheiro; tanto quanto pode, os serviços são desenvolvidos em grandes empresas. O socialismo tratará, por sua vez, de por várias das funções em extinção com o fim de suas necessidades e porá outras à disposição do bem-estar humano, não do lucro. As tradições luckasiana e a crítica do valor merecem acompanhamento atento, pois ofereceram importantes aportes. Mas caíram em oposições. Aquela volta à centralidade do trabalho e resgata seus tipos; porém confunde a categoria com trabalho manual, limitando o conceito a este modo de trabalhar. Esta percebe o peso da automação, resgata outros aspectos de O Capital, põe a crise da produção de valor em debate; porém negligencia a história e reduz seu trato ao capital, considera a categoria trabalho por apenas ligada à produção de valor e também apenas manual. A oposição é forte porque se apoiam em profundos aspectos da realidade. A síntese é feita na própria tendência, do passado ao futuro. N‘O capital I, p. 256, Marx (2013) trata do meio de trabalho como coisa ou complexo de coisas que o trabalhador interpõe entre si e o objeto de trabalho. Em seguida, complementa em
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nota de rodapé onde usa para argumento a Hegel (sic!), citação sobre a razão pôr objetos para intervir sobre outros objetos15. O socialismo é o alto desenvolvimento dessa dinâmica: ainda que se use o chamado trabalho manual de modo auxiliar, o trabalho intelectual dominará de todo o processo produtivo no ato de transformação. O trabalho continuará, desse modo, condição universal do intercâmbio do homem com a natureza. O avanço social é, portanto, em última instância, o avanço das mediações produtivas, dos meios de trabalho. O trabalho intelectual usa as mãos para, exemplo, arquitetura ou design industrial; o trabalho manual é obrigado, por sua vez, a usar o cérebro para evitar erros. A diferença nunca é o uso material de partes do corpo; a importância de cada membro corpóreo na produção é o determinante da diferença. O desenvolvimento do maquinário é, pois, a busca pelo uso mínimo do cérebro do trabalhador braçal, por meio de indução a movimentos repetitivos, e desenvolve-se na supressão do trabalhado direto sobre a matéria. Porque o tema é polêmico, incluiremos mais uma observação. O trabalho do homem primitivo era um só corpo e um só espírito, ou seja, havia máxima unidade do intelectual e do manual; era pensado antes, teleologia, o que seria feito depois, prática. Com a início das sociedade de classes, especialmente com o escravismo, o trabalho se aliena, divide-se em manual e intelectual, em oposição quase completa. Alguns dedicam-se ao trabalho manual e outros, ao trabalho intelectual. Algo semelhante acontece com o capitalismo: o trabalho manual-intelectual do artesão no fim da Idade Média sofre uma alienação, uma separação, que, pela transição da manufatura, chega à grande indústria com a subordinação do trabalho à máquina, o trabalho manual repetitivo e o trabalho intelectual para as camadas superiores da empresa. O trabalho manual nunca será totalmente superado, mas será enormemente reduzido no futuro – se o socialismo vencer.
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A citação de Hegel: “A razão é tão astuciosa quanto poderosa. Sua astúcia consiste principalmente em sua atividade mediadora, que, fazendo que os objetos ajam e reajam uns sobre os outros de acordo com sua própria natureza, realiza seu propósito sem intervir diretamente no processo.” (Hegel apud Marx, O capital I, 2013, pp. 256, 257, griffo meu). Tal citação encontra-se na Enciclopéria. Tratando do mesmo tema em A Ciência da Lógica, diz Hegel: “Mas assim ela coloca para fora um objeto como meio, deixa-o trabalhar exteriormente em seu lugar, abandona-o ao desgaste e conserva-se atrés dele frente à violência mecânica.” (Hegel F. , 2018, p. 227) Se a divisão do trabalho trás consigo um princípio, segundo Marx, platonista; hoje, ao surgir a base socialista, que amadurece dentro do capitalismo, obtemos uma realização histórica materialista, porém hegeliana; hegeliana, porém materialista!
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CRISE DO VALOR? Certa vez, ouvi de um professor que certa fábrica substituiu a nova maquinaria automatizada pelas máquinas anteriores e pelo trabalho manual mais uma vez, de novo, pois valeria a pena ao patrão com o então baixo preço da força de trabalho – assim ele concluiu que teorias do (quase) fim do trabalho manual eram absurdas. Ele não viu o processo real diante dele, viu a parte sem o todo. Não sei se o relato é verdadeiro, mas está de acordo com este capítulo, sendo algo materialmente possível. Por outro lado, a crítica do valor vê a força absoluta da concorrência – porém, se assim fosse, a substituição definitiva do homem pela máquina seria imensamente mais veloz e visível. Isso não se confirma. Uns caem no fetichismo ou substancialismo absoluto (Kurz, a crítica do valor); outro, no relacionalismo (a maior parte das tendências marxistas). A verdade está em outro lugar, que agrega os dois dentro de si. Uma teoria, como a crise do valor, não pode ser refutada apenas pondo outra oposta no lugar, mas ela mesma deve ser desenvolvida até seu limite, até ser superada por ela própria, já que é tanto verdadeira quanto falsa – como diz Adorno (aliás, teórico reivindicado pela maioria da corrente crítica do valor). Eis a dialética! O moderno pessimismo alemão, com sua negação da luta de classes, dá lugar a uma teoria melhor formulada porque não unilateral.
SUPERPRODUÇÃO ABSOLUTA LATENTE Uma das tantas oposições do marxismo está entre a defesa da importância dos ciclos econômicos decenais – de crescimento, estagnação, crise, recuperação – ou uma crise permanente, estrutural, depressed continuum, estagnação secular. Resolvamos o dilema. É evidente que o desenvolvimento atual das forças de produção é capaz de satisfazer todas as necessidades básicas da humanidade e ainda fazer sobrar recursos sociais para novos investimentos. Mas esta superprodução absoluta é latente, revela-se nas crises cíclicas cada vez mais intensas, em forma de superprodução relativa, crises cíclicas cada vez mais duras. Para agradar paladares eruditos, reforçamos o parágrafo anterior. Mészàros afirma que o tempo das crises cíclicas passou, substituído pelo tempo da crise estrutural, permanente; ele deixa de observar, assim, que a superprodução de capitais e mercadorias geram contratendências internas, como o barateamento das matérias-primas e da força de trabalho, a redução da quantidade de concorrentes, etc. Ele parte da ideia de que o capital move-se de onde tem mais concorrência até os setores onde há menos concorrência, ou seja, de onde os preços estão muito baixos até onde os preços estão mais altos – e ocorre que todos os setores estão hoje com
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excesso de capital, numa crise total, não mais particular a um ramo da indústria. Essa crise estrutural tem, em verdade, automediações; uma observação empírica das mais simples e reconhecida por todos vê uma tendência a crises cada vez mais duras entremeadas por algum crescimento, não uma depressão contínua. O erro oposto é considerar que há apenas as crises cíclicas, extremos de depressão e a de euforia do crescimento. Se assim fosse, o capitalismo seria uma eterna repetição igual e os reformistas teriam toda razão de pedir aos trabalhadores a máxima paciência já que a turbulência logo irá passar… Mas o que encontramos é produtividade crescente, contradição entre produção e circulação aumentada, incompatibilidade entre forças produtivas e relações de produção, etc. Isso ficará ainda mais claro no capítulo sobre os macrociclos do capital, quando será exposta a base das crises cada vez mais duras de nossa época. A defesa pura das crises cíclicas deixa de considerar a realidade em desenvolvimento, que produz crises cíclicas tendencialmente cada vez mais intensas. Resolvida a oposição teórica, avancemos. É destacável a observação dos teóricos da crítica do valor, um tanto instintivo para o pensamento comum: a III revolução industrial, de um lado, aumenta a quantidade de mercadorias (na automação, a capacidade produtiva superar os limites humanos do trabalho) e, de outro, diminui a quantidade de assalariados ativos, reduz a capacidade de consumo. A superprodução crônica de capitais e de mercadorias permite a economia planejada. No socialismo, a capacidade produtiva será acima do consumo comum e proverá estoques de produtos e matéria-prima; isso permitirá reagir de modo organizado a aumentos repentinos da demanda social. A existência de empresas zumbis que bancos e o Estado impedem a falência, a estatização de empresas como a GM nos EUA como reação à crise de 2008 (nomeado de modo irônico préprivatização), o impedimento de que as grandes empresas desapareçam, a compra estatal de ativos podres durante as crises, a importância estatal do investimento em tecnologia (que exige hoje grandes cifras, tempo e complexidade) e na formação de demanda, o socorro governamental na cifra dos trilhões de dólares durante a crise mundial, as empresas que são grandes demais para falirem, o desenvolvimento de monopólios naturais com o evolver do capital (veja-se que até empresas como a Amazon apenas podem existir como grandes monopólios) etc. são sintomas de que a grande propriedade privada está madura para outro tipo de propriedade, a social. A guerra da concorrência deixa de ser uma lei social de vigor, pois o fim de grandes monopólios e oligopólios geraria crise econômica e política dadas a acumulação, a concentração e a
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centralização de capitais, dado o grande capital adiantado necessário nesses investimentos 16. A estatização das empresas mais vitais por meio de um Estado operário, com democracia socialista e planejamento econômico, poderá reorganizar o tecido produtivo sem causar danos típicos das crises. A luta concorrencial desenvolveu, entre os vencedores, o oposto, monopólios e oligopólios. Ademais, a escala de produção de certos produtos, a grande rede produtiva necessária e a taxa baixa de lucro exigem a formação de poderosas empresas monopolistas e a concorrência de monopólio. Terceiro: o desenvolvimento social dá origem a modernos monopólios naturais (hidrelétricas, etc.). O tempo do monopólio social está latente dentro dos limites do capitalismo. A concorrência de oligopólio é a transição entre a livre concorrência e o posterior monopólio social. O assim nomeado em economia ―preço de monopólio‖, na prática a desregulação do preço de mercado em relação ao seu valor e seu preço de produção, em meio à escassez relativa artificial, é um sintoma invertido, quando com seu efeito inflacionário, das condições maduras de organizar a sociedade pelo fim da própria forma preço, isto é, do alto grau de desenvolvimento das forças de produção, que pedem nova forma social. Que algo destacado represente sua própria negação latente, que uma inflação artificial represente o fim da própria precificação espreitando a realidade, é um raciocínio que deve incomodar aqueles que pensam a estrutura capitalista como eterna, a-histórica. Mas eis que a aparência reluzente de algo representa seu contrário: o fim do valor e de sua forma de manifestação. Apesar de tal conclusão ser o não empírico extraído daquilo empiricamente dado, um exemplo pode tornar mais visível este aspecto. Em 2020, a Arábia Saudita e a Opep reuniram-se para diminuir artificialmente a oferta de petróleo para forçar o aumento dos preços; porém a Rússia, que opera com baixo custo de produção petrolífera, como o citado grupo, negou-se ao acordo; então, em reação, os sauditas fizeram o movimento oposto, superoferta da mercadoria, o que derrubou ainda mais os preços e levou ao absurdo, no mercado estadunidense, de pagar (!) para comprar, levar, sua mercadoria, ou seja, preços negativos (!), já que os estoques estavam utilizados ao máximo como parte dos efeitos da superprodução. Esse fenômeno antes impensável, um espanto jornalístico em todo o mundo, quase como sinal de um apocalipse, revela bem a capacidade produtiva atual que pode ser reorganizada para nova forma de distribuição, que deixe de envolver o valor de troca. 16
Insistimos, pois é algo vital. Vários marxistas e economistas perceberam que o Estado, de modo artificial (garantindo o funcionamento do sistema artificialmente – o que em si merece reconhecimento teórico) impediu que poderosas empresas fechassem as portas, desde 2008, o que é o natural durante as crises. Há superacumulação de capital, crônica, que, se grandes empreendimentos deixassem de existir no atual estágio, gerariam crises excepcionalmente duras e até mesmo o risco de derrubada completa do atual modo de vida.
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A EMPIRIA DOS LIMITES INTERNOS ―O quantum, uma vez que é tomado como um limite indiferente, é o lado no qual um ser aí é agredido insuspeitadamente e é direcionado para seu sucumbir. É a astúcia do conceito de capturar um ser aí nesse lado, onde a qualidade do ser aí não parece entrar no jogo, - e, com efeito, de tal modo que o aumento de um Estado, de um patrimônio etc., aumento que provoca o azar do Estado, do proprietário, até aparece, inicialmente, como sua sorte.‖ (Hegel G. W., 2016, p. 360) O capitalismo tem elevado sua produtividade por meio de aumento da composição técnica do capital, fator que produz queda da taxa de lucro na medida em que aumenta o peso monetário da máquina e da matéria-prima e substitui trabalhadores, o chamado aumento de composição orgânica. A queda da taxa de lucro manifesta e está ao lado da tendência latente à superprodução crônica, que só pode revelar-se de modo latente, concluindo-se ou em economia planejada ou em destruição sistêmica e barbárie. Observemos estes gráficos, que revelam a queda secular da taxa de lucro:
Fonte: (Maito, 2017)
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Fonte: idem
Fonte Idem
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Fonte: Idem
Fonte Idem
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Fonte: Idem
Fonte: Idem Percebemos que a taxa de lucro caiu tendencialmente até alcançar patamares muito baixos na história recente – nos países centrais, em torno de 40% no século XIX para, com ondulações, com contratendências relativas, em torno de 10% no começo do século XXI. O autor, Esteban Ezequiel Maito, de onde obtemos os gráficos17 acima expostos, afirma: 17 Dos dados e metodologia nos gráficos: “A taxa de lucro no capital fixo foi, de longe, a medida mais comum em estudos sobre a rentabilidade do capital. Em um estudo anterior, realizamos uma comparação entre quatro países sobre a taxa de lucro marxista, mas, com exceção à este caso, todos os estudos que abordaram uma comparação internacional, devido à disponibilidade dos dados, focam na taxa de lucro sobre o capital fixo. Chan-Lee e Sutch, em uma das primeiras análises
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Embora a taxa de lucro de 0% não seja considerada como o limite real do capital, mas níveis mais altos, os anos em que a linha de tendência atinge 0% foram considerados. Para o ano 1900, a tendência teria atingido 0% em 1990. Para 1919, em 2024. Para 1932, em 2007. Para 1944, em 2025. Para 1955, em 2040. Para 1970, em 2055. Para 1980, em 2046 Para 2010, em 2056. Para os países periféricos, este exercício marcou, para o ano 1970, uma taxa de 0% projetada no ano de 2072. Para o ano de 1980, em 2050 e para 2010, em 2064. (Maito, 2017)
O artigo conclui-se como poderia, colocando o limite da queda histórica da taxa de lucro no meio deste século: Dois pontos podem ser destacados a partir desses exercícios de projeção. Conforme observado anteriormente, a tendência não se desenvolve de forma constante, mas muda sua inclinação de acordo com o momento histórico e os fatores contrários. Assim, até 2010, o limite previsto em 1900 mudou 66 anos, de 1990 a 2056. No entanto, e, em segundo lugar, o progresso desta tendência continua diminuindo cada vez mais o número de anos em relação ao limite projetado, que tende, por outro lado, a permanecer fixo no meio deste século. A incapacidade do capital, e dos fatores contrários, em reverter sua própria tendência nas últimas décadas é refletida, assim, como sendo incapaz de avançar este limite hipotético. Vale a pena repetir neste ponto a citação de Grossmann: ―… à medida que essas contratendências são gradualmente fragilizadas, os antagonismos do capitalismo mundial se tornam progressivamente mais nítidos e a tendência para a ruptura aproxima-se cada vez mais da forma final de um colapso absoluto‖ (Idem, grifos nossos.)
comparativas, estudaram as taxas de lucro dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) durante o período de 1960-1980, refletindo claramente o declínio devido à crise de rentabilidade nos anos setenta. Lee e Sutch realizaram um estudo que considerava a rentabilidade à longo prazo no Reino Unido, EUA, Japão e na zona do euro (a partir dos anos 60) no contexto de uma análise histórica da hegemonia global de estados sucessivos no sistema mundial. Duménil e Lévy também compararam os níveis de taxas de lucro desses países, embora em um intervalo de tempo mais curto. Zachariah faz um exercício semelhante, acrescentando também a China e a Índia. No entanto, ele não estima o retorno do capital fixo reprodutivo, mas inclui moradias, que não fazem parte do capital fixo e do próprio processo de produção capitalista.” “As estimativas para catorze países são apresentadas neste artigo, em alguns casos cobrindo mais de um século de história e representando mais da metade da produção mundial nos últimos setenta anos. Em relação ao trabalho destes pesquisadores, são incorporados a longo prazo (série de mais de um século de extensão) estimativas para Alemanha, Argentina, Suécia e Holanda. A inclusão da Argentina no início do século XX, bem como da Coréia e da China nas últimas décadas, nos permite uma melhor interpretação das áreas periféricas, de acumulação mais dinâmica, durante alguns períodos específicos, em relação com a tendência geral de rentabilidade.” (Maito, 2017)
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Além de também poder adicionar o custo com capital circulante (matéria-prima, salários, etc.), mais do que somente com capital fixo; para percepção mais profunda da queda da taxa de lucro, levemos em conta teoricamente que o cálculo mais exato inclui o capital comercial e os transportes cujos pesos do capital constante sobre o capital variável – grandes redes de supermercados, colossais meios de navegação, etc. – adquire visível nova proporção18. Em resumo, as próximas três décadas, no máximo quatro, são as decisivas para a crise sistêmica, expressa em uma taxa de lucro que tende a cair para próximo de 0%. O limite do capitalismo torna-se evidente. O marxismo cindiu-se em opostos sobre a questão acima exposta: os limites do sistema são o desenvolvimento das forças produtivas em contradição com as relações de produção ou queda da taxa de lucro? Dito de outro modo: os limites do sistema capitalista ocorrem por crise do valor, redução absoluta de sua massa, ou queda da taxa de lucro? Ora, esta expressa aquela: a empiria estatística da queda da taxa de lucro aos níveis atuais revela tanto problemas na produção de valor quanto a contradição sistêmica. Vejamos como Marx expõe de modo claro a relação produtividade e queda da taxa de lucro: Mas, se v [capital variável] cai de 30 para 20, por se empregar 1/3 menos de trabalhadores, ao mesmo tempo que aumenta o capital constante, teremos o caso normal da indústria moderna: produtividade crescente do trabalho, domínio de quantidades maiores de meios de produção por menos trabalhadores. Na parte terceira deste livro, ver-se-á que este movimento está necessariamente ligado à queda simultânea da taxa de lucro. (Marx, O capital 3, 2008, p. 81)
A melhor postura é evitar o defensismo das escolas teóricas e perceber que manifestam o mesmo processo social por diferentes ângulos, de modo unilateral. O melhor método, portanto, é considerar o nível de validade das diferentes contribuições, pois apenas de modo artificial podemos descartar a relação íntima entre taxa de lucro e aumento da composição orgânica ou a crise do valor. Observemos, por sua vez, o efeito da queda da taxa sobre a produção: ―Se cai a taxa de lucro, o capital se torna tenso, o que transparece no propósito de cada capitalista de reduzir, com melhores métodos etc., o valor individual de suas mercadorias abaixo do valor médio social, e assim fazer um lucro extra, na base do 18
Por isso Marx excluiu a indústria dos transportes no cálculo comum da taxa ainda no século XIX.
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preço estabelecido pelo mercado; ocorrerá ainda especulação geralmente favorecida pelas tentativas apaixonadas de experimentar novos métodos de produção, novos investimentos de capital, novas aventuras, a fim de obter um lucro extra qualquer, que não dependa da média geral e a ultrapasse.‖ (Idem, p. 338, grifo nosso.)
Assim, a superestrutura financeira é o meio para reação contra a queda da taxa ao prover uma massa de recursos para investimentos. Uma superprodução crônica é gestada no interior do capitalismo, isto é, surge no seio do capital, por meio de suas leis inerentes, a base da produção socialista. Ao mesmo tempo, a queda dessa taxa de lucro na produção leva à queda da taxa de juros, pois este tira seu lucro em parte do lucro daquele; surge a tendência à morte da taxa de juros em todo o mundo, como as taxas negativas operadas por governos imperialistas (Botelho, 2019). Juros baixos, por sua vez, servem de estímulos para investimentos em ações, formando bolhas de capital fictício. Por outro, em inúmeros setores a queda da taxa de lucro desestimula novos investimentos – principalmente onde há monopólio e em países de maior custo de produção – e leva, por isso, a investimentos de curto prazo e garantidos no mercado financeiro, também estimulando a inflação da forma fictícia de capital (Roberts M. , Produtividade, investimento e lucratividade, 2019). A pressão pela renovação técnica citada acima mantém-se, mas mediada e reduzida pela superprodução crônica latente (o capitalismo já não desenvolve com o fervor de antes as forças de produção). Assim, a mesma lei social que pressiona pela deflação dos preços das mercadorias leva à hiperinflação do capital fictício. Eis a contradição – pois, em última instância, este tira seu lucro, seu valor, daquelas, que são frutos do trabalho manual. POR QUE CAI O INVESTIMENTO Michael Roberts, além de outros economistas, observa que o investimento sofre uma tendência de queda em nosso tempo. Eis um sinal de fim do sistema: o desenvolvimento das forças produtivas, que é base para justificar a existência do capitalismo, começa a encontrar seus limites. Em diante, reforçando o final do subcapítulo anterior, listaremos as principais razões disso com respostas não alcançadas por Roberts. 1. Queda da taxa de lucro Roberts é unicausal quanto ao tema, com o seguinte argumento: a queda da taxa de lucro em nossa época desestimula o investimento porque a burguesia investe apenas se ela tem perspectiva de lucro futuro, a partir da análise da lucratividade no presente; se esta é baixa, logo há pouco a esperar do amanhã, não vale o risco. Mas sua observação está parcialmente correta, então
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parcialmente errada. Marx demonstra no livro III d‘O Capital que a queda da taxa de lucro estimula, faz, a concorrência, logo impulsionando investimento (ainda que atrasado pela crise – mas Marx também afirma que a crise também tem como consequência, ainda que, complementamos, num ―segundo momento‖, novo investimento para substituir as máquinas). Por outro lado, os oligopólios atuais têm muito mais condições de fazer investimentos do que na livre concorrência anterior com empresas menores, ainda que seja alto investimento apenas em termos absolutos. A tese de Roberts não se sustenta bem, ao menos não sozinha, pois é apenas um pé da cadeira. A queda da taxa, em si mesma, tem efeitos opostos de reduzir e de estimular o investimento. Se há causa central empírica é esta: a crise do valor como superprodução crônica, porém latente, de mercadorias e capitais. 2. Tendência ao monopólio Com o evolver do capitalismo, surgiram monopólios ―naturais‖, empresas que somente podem existir como monopólios e a concorrência encaminha-se, ela mesma, para poucos vencedores. A monopolização atual empurra para redução do investimento – mas os preços de monopólios altos estimulam, por outro lado, o surgimento de concorrentes, logo é contratendência relativa à própria queda do investimento. Se os oligopólios, como quase monopólios, desestimulam, de um lado, o investimento, por outro, o estimulam porque a concorrência é agora mais dura e mais capaz, entre gigantes. A causa tem efeitos opostos. 3. Baixo custo unitário do trabalho Reforçamos o capítulo anterior. Cada vez mais, uma renovação técnica da produção aumenta os custos com maquinário e com matéria-prima (pois maior produtividade exige mais insumos). Por outro lado, empregam-se poucos trabalhadores com custo unitário do trabalho baixo, ainda que os salários individuais sejam altos (a tendência, em geral, é de queda na remuneração). Essa combinação faz com que não compense substituir operários por máquinas já que o custo de produzir mercadorias seria maior, não menor. O custo por razão da substituição seria maior, em muitos casos, do que o custo com funcionários. Daí, também, a redução do investimento na produção voltado à renovação tecnológica e novas empresas. A atual significativa queda da taxa de lucro é insuficiente, embora essencial, para explicar o fenômeno do baixo investimento.
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4. Inflação fictícia A própria inflação artificial, por meio da moeda fiduciária, de nossa época, desestimula investimentos, pois 1) derruba os salários reais; 2)inflaciona o preço das mercadorias – é um imposto inflacionário sobre os pobres para os ricos. Além disso, há a inflação parasitária dos preços dos imóveis, da terra, apenas ―deixando o tempo passar‖ sem grande investimento. Antes, em geral, o aumento dos preços causava o aumento da quantidade de dinheiro em circulação; agora, ao contrário, em geral, o aumento da quantidade de dinheiro aumenta os preços. Para sentirmos o peso qualitativo do acréscimo de moeda na inflação, desde o fim do lastro em ouro, dispomos o gráfico a seguir: GRÁFICO 4
Fonte: (Shaaikh apud Prado, A ameaça de estagflação, 2021) Uma inflação quase constante, arrastada e singela no curto prazo tem efeitos no rumo da queda do investimento. Por outro lado, a inflação pode, ao contrário, estimular concorrência já que os preços e os custos compensam. 5. Transferência de investimentos O investimento nos países mais ou menos maduros para o socialismo, focos teóricos de Roberts, cai também porque o investimento transfere-se para países atrasados, onde é mais fácil explorar e há mercado consumidor novo e potencial. A atual interligação dos países
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acompanhada do alto desenvolvimento dos transportes e comunicações empurra para tal transferência. 6. Altíssimos custo e risco de investimento É famosa a passagem d‘O Capital I em que Marx demonstra o começo do valor como capital, como valor que se autovaloriza na produção, quando o candidato a capitalista tem uma quantidade mínima exigida de valor na forma de dinheiro para começar o negócio, para explorar força de trabalho, pagando por matérias-primas, instalações e trabalhadores. O mínimo exigido para iniciar um empreendimento é um mínimo dado historicamente (Lukács, Prolegômenos e para ontologia do ser social, 2018) – e ele cresce com o passar do tempo, com o desenvolvimento do capitalismo. Hoje, o montante de valor na forma de dinheiro exigido pelo capital para investir é imenso, dificultando abrir uma empresa, concentrando, assim, o mercado em poucas mãos. Isso tem sua importância: o Estado socialista, ao concentrar recursos e empresas para si, terá condições de impulsionar a produção, de investir; como sintoma deste elemento, desde o século XX, o peso do Estado burguês no investimento deu um salto porque era preciso muitos recursos, e lucro apenas algumas décadas ou anos, para fazer certos empreendimentos – ou os capitalistas não tinham meios que bastassem ou não queriam correr o risco. Temos, então, mais um fator para a redução do investimento: o alto valor mínimo a se investir hoje e com um risco, por isso, alto. Isso é tendência, pois elementos como a concorrência empurram no sentido oposto, para o investimento. 7. Período de duras crises No próximo capítulo, veremos que há épocas, como a nossa, onde as crises são mais duras e/ou mais longas e os crescimentos são mais curtos e/ou frágeis; para nosso comentário, devemos incluir a fase transição, anterior, onde as crises são mais duras, mas com algum crescimento, uma estagnação ou quase estagnação. Pois bem; isso significa que, no médio e longo prazos, o investimento caia. Embora a saída das crises inclua a adoção, investimento, de novo maquinário, por exemplo – o que dá condições para mais, maiores e novas crises –, uma realidade por muito tempo tensa econômica, social e politicamente empurra para redução do investimento. 8. Alta massa de lucro No livro III d‘O Capital, Marx elaborou a hipótese de que, com a alta queda da taxa de lucro, a massa altíssima de lucro poderia, no futuro, mais do que compensar a queda dessa mesma taxa, logo o investimento desabaria – tal previsão não se confirmou, ao menos ainda, em absoluto, mas
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tem verdade relativa hoje, tendencial, pois a existência de bilionários e grandes milionários, com seus oligopólios e monopólios, tem duro efeito contraestimulante ao investimento. É um caso, um exemplo, como nos demais pontos, em que a permanência de relações de produção, com suas relações superestruturais e jurídicas, impede ou atrasa o desenvolvimento das forças de produção. 9. Excesso crônico de capital Como as empresas são grandes demais para quebrarem, como suas falências seria um risco ao próprio sistema, os governos – incluso defendendo a própria governabilidade – atuam para mantê-las em parte artificialmente, logo há um excesso de capital, o que desestimula investir (Prado, A ameaça de estagflação, 2021) 10. Esgotamento da criação de novos tipos de mercadorias Outro motivo para a queda do investimento observa-se ao olharmos as mercadorias. O primeiro papel do capitalismo foi mecanizar a produção de artigos feitos artesanalmente, aumentando a escala. Mas logo ele teve de usar os avanços da ciência para criar uma quantidade enorme de novos produtos, de inéditas mercadorias. Isso aconteceu claramente no século XX, mas esgotou-se na história recente (por outro lado, inventar algo novo é cada vez menos artesanal e individual, exigindo mais recursos e esforços). Aglutinam-se valores de uso, diminui-se o tamanho do produto quando possível, troca-se a matéria do valor de uso, etc.; mas criar uma quantidade nova de tipos de mercadorias, de novas necessidades sociais, não ocorre como antes (o que estimula, em contratendência, a aglutinação, etc.). Isso também limita o investimento. 11. Política neoliberal (privatizações, etc.) A queda da taxa de lucro aos atuais níveis é a base do conhecido como neoliberalismo. A privatização de empresas estatais, por exemplo, produziu um pseudoinvestimento capaz de aumentar a massa de lucro da burguesia (desestímulo ao investimento real). A liberalização financeira foi a saída final, a contragosto dos próprios governos de início, para lidar com a crise sistêmica. Criando massa maior de desempregados, o poder burguês quis recuperar a lucratividade, aumentar o mais-valor com redução dos salários, direitos e aumentando a intensidade e, quando possível, a extensividade da jornada de trabalho. Para isso, pesa a entrada da Ásia com produtos mais baratos também por baixos direitos sociais pressionando a ―austeridade‖, a retirada de direitos no ocidente se quer concorrer no mercado mundial.
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12. Financeirização Como a taxa de lucro está muito baixa, rumo ao mínimo histórico absoluto, o investimento financeiro, de curto prazo, mais compensa. Grandes empresas formam ―braços financeiros‖ para especular na bolsa, etc. 13. Modelo de Gestão Alguns países e empresas têm modelo de gerência que faz forcar no curto prazo. Enquanto dura seu mandato, o gerente executivo tenta conseguir o máximo de lucro no mínimo de tempo. Isso não é um elemento propriamente central para a queda do investimento, mas merece ser destacado. Listamos todos os elementos centrais para a tendência de queda do investimento. Tais elementos, tomados em isolado, são tendências com contratendências; a mesma causa comum, o alto desenvolvimento do capitalismo, ou contradição entre forças produtivas e relações de produção, produz efeitos opostos. A verdade desta queda está na combinação dos elementos, que faz imperar as tendências (e elas são tendências também enquanto focamos na atual fase do capitalismo). Assim, por exemplo, a inflação artificial, em si, tanto desestimula quanto estimula investir; porém a primeira, tendência, impõe-se porque está combinada com a exigência prévia de altíssimos recursos mínimos para investir. *** Observado o ótimo trabalho de Maito; o mérito central sobre a percepção da queda da taxa de lucro como importante fator da crise de nossa época, como a queda estrutural do investimento19, cabe a Michael Roberts. Sua limitação foi deixar de perceber as consequências para além da pura economia (como o Estado burguês sendo corroído pela lógica do lucro) e pouco focar no fundamento do problema, a crise do valor, etc. Ademais, ele deixa de considerar que a tendência à queda da taxa de lucro tem em si mesma a contratendência. De qualquer modo, foi seu acerto vital que também tem algo do seu contexto, a tradição empirista, não dialética, anglo-americana20. 19
Ao mesmo tempo, refutamos e agregamos, suprassumimos, a tese de Michael Roberts sobre a razão da queda do investimento. 20 Uma nota metodológica. Uma parte do trabalho científico é superar o limite nacional no perfil do pesquisador (Tanto Roberts quanto seu opositor, David Havey, têm o mesmo defeito, não dominar a dialética). Marx foi cosmopolita, indo da Alemanha à Inglaterra e França, o que afetou seu perfil. Este livro quer transcender os limites pátrios (facilitado pela internet, etc.). Kurz, por exemplo, absolutizou e percebeu o papel da automação por seu olhar desde a Alemanha.
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AS RELAÇÕES DE CONTRAEFEITO O leitor tem direito de ter pressa, acessar tudo central da obra já nas primeiras páginas. Mas, apesar de ter propriedades próprias, compreende-se melhor o todo por meio também da análise de suas partes inerentes. Por isso, antecipamos assunto que seria para o último capítulo formal, antes dos apêndices necessários, sobre O capital. SUBSTITUIÇÃO DO TRABALHADOR PELA MÁQUINA Adam Smith pensou que a quantidade de trabalhadores cresceria por causa da especialização em pequenas tarefas repetitivas, mas o maquinário mudou isso. Como demonstramos antes, Marx mostrou e previu a redução do número de operários na produção, algo visto hoje com clareza por meio da automatização e da robótica. Porém, a quantidade de operários cresceu em alguns momentos curtos ou médios, como nos primeiros ¾ do século XX, logo concluímos que a tendência de substituição do homem pela máquina, com a concorrência geral, tem contrantendências relativas, que atrasam o processo. Vejamos as principais causas do retardamento: 1. Redução da jornada de trabalho, fruto da luta de classes, como de 12 horas no século XIX para 8 horas diárias no século XX, obriga a contratar mais operários. 2. Os momentos de euforia econômica fazem surgir mais empresas, mais concorrentes. 3. Novos tipos de produtos exigem novas empresas, logo mais operários, algo reduzido hoje com a aglutinação de diferentes valores de uso no mesmo suporte. 4. Monopólios e oligopólios retardam o uso de novas técnicas de produção, novas máquinas. 5. A redução dos salários, por desemprego ―tecnológico‖ em central, faz compensar manter funcionários e o trabalho manual. 6. O barateamento de matérias-primas ajuda na sobrevivência de empresas menos tecnológicas. 7. Momentos de inflação, em especial de demanda acima da oferta, ajuda a manter empresas de menor intensidade de capital, menor composição técnica e orgânica de capital, pois os preços de seus produtos compensam. 8. Em algumas empresas, muito difícil diminuir o tempo de rotação do capital industrial, por causa do valor de uso produzido etc., em especial reduzir o tempo de trabalho e de produção, o que obriga criar outra fábrica com trabalho manual para atender a demanda.
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9. Protecionismo nacional comercial e industrial tem força relativa para impedir o avanço da tendência à diminuição do trabalho manual abstrato. Por tais fatores, os marxistas empiristas ―esqueceram‖ que O Capital de Marx demonstra que o caminho é a redução do número de operários, não seu crescimento. Temos, portanto, a queda tendencial da massa nova de valor. Vale a pena destacar, em contraposição, que o inchaço enorme e colateral do setor de serviços estimula relativamente a automação, pois, por ser pouco produtivo e de baixa tecnologia, emprega muito, forçando momentos de pleno emprego com suas duras greves e aumentos salariais – o que empurra para substituição do trabalhador pela máquina. TAXA DE LUCRO NA CRISE SISTÊMICA: CAUSA E CONTRACAUSA A queda da taxa de lucro é o sinal do aumento da produtividade. Os custos produtivos (máquinas, matérias-primas, salários) crescem, tendem a crescer, em relação ao lucro real. Pois bem; Marx afirma que a própria substituição do homem pela máquina produz efeitos opostos à queda da dita taxa, ou seja, uma contracausa, ou contraefeito. Vejamos uma por uma em nosso tempo. 1. Aumento do grau de exploração do trabalho. Hoje, tornou-se muito difícil ao capital aumentar a extensividade das horas trabalhadas – a jornada de 8 horas tornou-se parte da cultura, da tolerância operária e popular. Além disso, a intensividade alta impede a extensividade maior. Não bastasse, a intensividade alta tem também um limite, um limite humano, alcançado, em geral, no nosso tempo. 2. Redução dos salários. O salário mínimo por lei, também parte da normalidade e da cultura, além de efeitos contra o desemprego, deixam de pressionar tanto a queda de salários. A inflação constante das últimas décadas elavam à luta de classes e a reajustes. 3. Baixa de preço dos elementos do capital constante. As modernas matérias-primas são terras raras ou produzidas por monopólios e oligopólios internacionais, logo os preços não caem ou não tanto. A produção de máquinas também exigem altíssima especialização hoje, além de poucos fornecedores por consequência, além da alta renovação, o que pesa contra a queda de seu preço. 4. Superpopulação relativa. A população que vem do campo esgotou-se, há dificuldade de importar mão de obra, os partos diminuem e o desempregado ou recebe auxílio do Estado ou vive às custas de outros – ou
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entra artificialmente no setor de serviços (autônomo etc.). A burguesia tenta compensar isso com medidas como aumentar a idade mínima para aposentar-se, estímulo à natalidade etc. O alto nível de mecanização alcançado (automação etc.) diminui o peso da superpopulação relativa e da queda de salários na luta contra a queda da taxa. 5. Comércio exterior. Eis um fator importante, mas o mercado mundial já se tornou mundial – a mercadoria já está em todo canto. 6. Aumento do capital por ações. A financeirização, o capital fictício, já ocorreu, diferente de seu crescimento na época de Marx, já atingiu seu auge. Os efeitos de oposição à queda da taxa de lucro continuam operando, mas não como antes. Por outro lado, já demonstramos antes as causas, que reforçam umas às outras, que levam à queda do crescimento do investimento – contracausa, contraefeito, contratendência.
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OS MACROCICLOS DO CAPITAL O tema da longa duração, dos grandes ciclos, anima diferentes posições teóricas. Nesse sentido, Trotsky deu-nos uma grande contribuição esquecida mesmo entre seus seguidores. Tomemos nota de uma citação: Mas o capitalismo não se caracteriza só pela periódica recorrência dos ciclos, de outra maneira a história seria uma repetição completa e não um desenvolvimento dinâmico. Os ciclos comerciais e industriais são de diferente caráter em diferentes períodos. A principal diferença entre eles que está determinada pelas inter-relações quantitativas entre o período de crise e o de auge de cada ciclo considerado. Se o auge restaura com um excedente a destruição ou a austeridade do período precedente, então o desenvolvimento capitalista está em ascenso. Se a crise, que significa destruição, ou em todo caso contração das forças produtivas, sobrepassa em intensidade o auge correspondente, então obtemos como resultado uma contração da economia. Finalmente, se a crise e o auge se aproximam entre si em magnitude, obtemos um equilíbrio temporário – um estancamento – da economia. Este é o esquema no fundamental. Observamos na história que os ciclos homogéneos estão agrupados em séries. Épocas inteiras de desenvolvimento capitalista existem quando um certo número de ciclos estão caracterizados por auges agudamente delineados e crises débeis e de curta vida. Como resultado, obtemos um agudo movimento ascendente da curva básica do desenvolvimento capitalista. Obtemos épocas de estancamento quando esta curva, ainda que passando através de parciais oscilações cíclicas, permanece aproximadamente no mesmo nível durante décadas. E finalmente, durante certos períodos históricos, a curva básica, ainda que passando como sempre através de oscilações cíclicas, se inclina para baixo em seu conjunto, assinalando a declinação das forças produtivas. (Trotsky, A Curva do Desenvolvimento Capitalista - Leon Trotsky, 2012)
Se observarmos o consenso histórico de diferentes vertentes da economia, da marxista à liberal, da década de 1940, com o fim da II-Guerra, até a de 1970 tivemos crescimentos longos e crises fracas, renomeadas recessão. Da década de 1970 até 2008 vivemos um período de crises mais duras alternadas com crescimento e quase estagnações. Por sua vez, o peso da crise de 2008 e suas consequências duradouras apontam décadas de crises duras e crescimentos fracos. A ascensão possibilitou e correspondeu à prática keynesiana; a transição da curva necessitou da prática neoliberal; o declínio da curva encontra o esgotamento da política econômica burguesa e possibilita um programa de transição ao socialismo. Embora desconheça a teoria da curva de desenvolvimento do capitalismo tal como Trotsky esboçou, Pikett a confirma em seu livro nos limites do seu empirismo:
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A Europa continental — e a França em particular — vive, em grande medida, numa nostalgia dos Trinta Gloriosos, isto é, daquele período de trinta anos que vai do fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970, durante o qual o crescimento foi excepcionalmente intenso. Ainda não se sabe qual foi o espírito malvado que nos impôs um crescimento tão fraco desde o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Ainda agora, no início dos anos 2010, imagina-se com frequência que o infortúnio dos últimos trinta anos, os ―Trinta Desafortunados‖ (que, na verdade, estão mais para 35 ou quarenta anos), vai desaparecer, que o pesadelo vai se esvanecer e que tudo voltará a ser como antes. (Pikett, 2014, p. 120)
Da teorização exposta, o erro de Trotsky é concluir, à luz do fim da I guerra mundial, que a produtividade recuaria quando a tendência é de crescimento desacelerado (a contração das forças produtiva é possível no declínio da curva, como tende a ser no Brasil, que caminha para a desindustrialização, mas algo em si contingente). De sua elaboração econômica, a fenomenologia manteve-se: uma curva de desenvolvimento que vai de crises leves com grandes crescimentos até crises duras com baixo crescimento entremeados por uma fase de transição entre um extremo e outro. A produção dos EUA, principal exemplo, teve tendência de alta em meio às crises cíclicas tendencialmente cada vez mais duras (representadas nas faixas cinzas do gráfico abaixo)21. GRÁFICO 5
Fonte: (FRED apud redação, 2018)
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A estatística condiz com Marx, contra Trotsky: “A estatística das exportações e importações serve para medir a acumulação do capital real – o capital produtivo e o capital-mercadoria. E revela sempre que no período de desenvolvimento da indústria inglesa (1815-1870) marcado por ciclos decenais, o máximo da última fase de prosperidade antes da crise reaparece sempre como mínimo da subsequente fase de prosperidade, para em seguida atingir novo máximo mais elevado.” (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, p. 663)
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Cabe-nos uma tarefa de atualização. Trotsky expôs sua teoria em palestras, pois as obrigações políticas o impediam de fazer uma atividade científica total. Assim, enquanto criticava o formalismo e kantianismo de Kondratiev22, ele próprio apresentou o movimento geral percebido e suas manifestações, não esgotando o trabalho teórico enquanto, ciente disso, estimulava a necessidade de uma duríssima pesquisa em torno do tema. Tentaremos concluir os aspectos gerais de tal objetivo, o que tem nos obrigado a atualizar e discordar em parte do teórico russo. Esta conclusão nos leva às eras do capital e percepção de que as curvas históricas tomam a forma de ondas. Vejamos elementos em movimento: a) A revolução produtiva – I, II ou III revolução industrial – eleva a desigualdade do desenvolvimento de diferentes fatores da economia, ou seja, eleva a quantidade e o nível das contradições – dito de outro modo, maiores desigualdades de composição orgânica do capital entre os departamento I, produção dos meios de produção, e II, produção dos meios de consumo; b) A III revolução industrial – para nos aproximarmos de nossa realidade – faz falir empreendimentos que não acompanham a nova escala de produção; c) Por demitir assalariados operários, por causar limitação de concorrência, por desemprego maior comprimir os salários, a oferta se eleva enquanto a demanda tende a cair; d) Maior escala de produção exige, também, maior demanda de matérias-primas, nem sempre disponíveis na escala necessária – ou produz superoferta de meios de produção; e) Maior produtividade, este salto interno de qualidade, aumenta a possibilidade de elevação de estoques, ou seja, de cada vez mais mercadorias ficarem presas, de pouco a pouco, no processo de circulação, que pode gerar crise de superprodução; f) O capital exigido para investir em maquinário e matéria-prima a ser adiantado é maior, o que gera necessidade de endividamento para, se possível, ser pago com o lucro futuro; g) As possibilidades de o preço de mercado ficar abaixo do preço de produção (custo de produção mais mais-valor gerado) são mais presentes; h) Os transtornos da luta de classes, protestos ou revoluções, no país ou fora dele, também aparecem com maior frequência, mesmo que o desemprego, no imediato, quebre a resistência inicial;
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O próprio Kondratiev reconhece que foi Trotsky, no primeiro congresso da III Internacional, quem primeiro expôs a ideia de ciclos longos. Para localizar o leitor: após a exposição de Trotsky, Kondratiev partiu de sua ideia e elaborou a teoria dos ciclos, que duram entre 50 e 60 anos, com uma fase a, ascendente, e uma fase b, descendente; ao longo deste capítulo, ficará evidente a pobreza de sua elaboração.
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i) Há queda da massa de valor e da taxa de lucro à medida que as novas técnicas se generalizam.23 Por outro lado, ao mesmo tempo, as próprias crises cíclicas estimulam a adoção de novo maquinário (Marx, O Capital - livro 2, 2014, p. 209), o que revela um processo dialético de causalidade recíproca, de interinfluência em desenvolvimento. A conclusão de que as revoluções produtivas estimulam contradições e crises cíclicas foi observada por Schumpeter (1988), mas a este faltou descobrir ligação com os macrociclos do capital, de longa duração, com a curva de desenvolvimento capitalista descoberta por Trotsky ou, como complementamos, com o que chamamos de eras do capital. De qualquer modo, a tradição schumpeteriana fez a ligação entre macrociclos e revoluções tecnológicas, embora usassem o modelo limitado e falho de Kondratiev (mais à frente apresentaremos uma solução ao tema). As crises encaminham-se de leves e curtas, ao ponto de serem renomeadas recessão, de 1945 à década de 1970, para um período transitório com crises mais duras cujas sensações apocalípticas que causavam nos pensadores não se confirmavam mais do que trovões fortes antes da tormenta, entre meados dos anos 1970 até 2008. Agora temos um salto: declínio da curva do desenvolvimento capitalista – crises longas e/ou profundas e crescimentos débeis e/ou curtos. Mais do que os crescimentos, as crises cíclicas são formas de manifestação de processos profundos e essenciais do sistema. Através delas podemos medir o que ocorre e calibrar a percepção. Mantendo esta clareza, a de que as revoluções industriais, em seus processos de generalização, alimentam as contradições da economia capitalista, contradições estas que devem ser resolvidas após aprofundadas, partamos para o fator externo. Cada revolução industrial é uma revolução nas forças produtivas, dentro do modo capitalista de produzir – salto interno. Por isso essas mudanças, ao elevarem a produtividade, entram em contradição com as formações sociais e superestruturais ora existentes. Assim, a I Revolução Industrial gera contradição com a realidade, sua barreira: faz a curva histórica declinar de ascenso em transição e, em seguida, declínio, cujo ápice é a primavera dos povos, de 1848 à 1850. Antes, deu força às revoluções burguesas como na França. Este período onde a transição da curva e o declínio aconteceram é chamado por Eric Hobsbawm ―a era das revoluções‖. Após tais tensionamentos, contradições resolvidas, o sistema saltou-se para um novo ascenso da curva ou nova curva, de 1850 à 1873. Já a partir da década de 1870 surge a II Revolução 23
Nesta lista, vemos que as diferentes teses para a razão das crises periódicas são válidas; “subconsumo”, superprodução de capital, queda da taxa de lucro (aliás, o central), redução da massa de valor, desproporcionalidade, etc. Que são todos impulsionados pelo avanço técnico.
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Industrial e também entra em relativa contradição com a formação sócio-superestrutural existente, atrasada e conservadora no compasso histórico. Aqui se explica, por exemplo, a insistência ―humanitária‖ britânica pelo fim da escravidão no Brasil, por um nova multidão de assalariados e consumidores em potencial de suas mercadorias. Do mesmo modo à onda ou curva anterior, as contradições relativas tomavam ares de absolutas: crise em 1914 na forma de guerra mundial, ou seja, início do declínio da curva histórica até 1945, fim da II Guerra. Tratemos da atual curva. Ascenso entre 1945 até a década de 1970 com a II Revolução Industrial de acordo, em confluência não contraditória, com a formação social vigente. Logo depois: III Revolução Industrial gera nova contradição relativa da década de 1970 até 2008, a transição entre o ascenso e o declínio da curva histórica. Marx (Grundrisse), Schumpeter e Babbage observaram que o maquinário fabril dura em média 10 anos, seguido frequentemente de uma renovação com compra de máquinas mais modernas, que aumentam a produtividade do trabalho. Mesmo se deixamos de utilizar a ideia polêmica de revoluções industriais, a lógica acima se confirma com mudanças na produção que exigem demais mudanças e aprofunda contradições que se resolvem em uma estabilidade dinâmica temporária (ascenso da curva). Esse é o processo explicado neste capítulo. De modo geral, da cooperação simples e cooperação complexa (manufatura), correspondem à ascensão da curva, até a grande indústria, I revolução técnica; deu-se o mesmo processo: 1) ascensão; 2) mudança na produção, revolução industrial, como abertura de toda uma transição e, por consequência, 3) de 1820 à 1850 ocorre período de duras crises e fracos crescimentos. No período da primeira era, mercantil, inexistindo crises cíclicas mais ou menos regulares, medimos o processos histórico pelos demais fatores agregados na avaliação, quer sejam, a situação das classes e o desenvolvimento técnico. Ademais, o começo desta época inicial do capitalismo é também destrutivo em seu avanço, pois a acumulação inicial ou primitiva do capital foi produzida com expulsão dos camponeses das terras comunais na Inglaterra, escravidão na América, aumento da miséria urbana, etc. As elevações qualitativas da produtividade, saltos internos, não encontravam uma realidade total, ao redor de si, onde poderiam realizar-se. Assim, toda revolução na indústria primeiro gera décadas de estagnação (crescimento e crise com intensidades próximas) e desemboca em crises intensas de superprodução entremeadas por crescimentos, em geral, curtos e anêmicos. A totalidade social entra em contradição com as necessidades de reprodução em escala ampliada. O capital precisa rotar-se em nova velocidade, mas as ―externalidades‖ impedem seu pleno movimento e o diminui (aumento dos estoques, fábrica paradas, etc.) tanto na produção quanto
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na circulação. Descobrimos crises cíclicas e tensões cada vez mais intensas. Isso torna necessário romper tal contradição com as mudanças nas eras do capital, no dinheiro, no uso do Estado, no centro de gravidade do capital etc. Podemos representar as curvas visualmente:
Fonte: Própria (2020) O ascenso equivale a crises curtas e/ou anêmica; a transição apresenta crises mais duras ainda com algum crescimento, com um certo ―equilíbrio‖ entre os opostos, quase estagnação, etc.; por último, o declínio aparece como crises longas e/ou profundas. Vejamos as três curvas ou ondas:
Fonte: idem.
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Fonte: idem.
Fonte: Idem. Em resumo, as três curvas históricas: 1. Século XVI-1760 | 1760 – 1820 | 1820-1850 2. 1850-187324 | 1873-1913 | 1913-1945 24 “En esa época Marx no podía tomar en cuenta – sólo observó el ascenso en el mercado – que se enfrentaba con una nueva época de ascenso, donde las crisis serían sólo temporarias y las vacilaciones débiles, y un ascenso las superaría rápidamente, conduciendo la economía a niveles más
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3. 1945-1973 | 1973-2008 | 2008... Porém aqui há uma reviravolta, outro modo de observar. Do ponto de vista das eras do capital, o ponto de partida não é o ascenso da curva, a baixa contradição do capital consigo e com a totalidade social, mas as revoluções industriais, que iniciam a fase de estagnação, entre o ascenso e o declínio25 - do caos à ordem. Todas as revoluções produtivas foram o ponto de partida da fase de transição, de estagnação ou estancamento, da curva histórica, a caminho do declínio desta. Surgem elevando e gerando contradições entre o novo e o velho, entre forças produtivas e as superestruturas, entre produção e comércio, entre demanda e estoque, entre base econômica e as relações sociais de produção e organizacionais etc. Desse ponto de vista: Primeiro ciclo, comercial: 1500 - 1760 Segundo ciclo, industrial: 1760 - 1873 Terceiro ciclo, financeiro: 1873 - 1973 Quarto ciclo, fictício: 1973... No primeiro, a demanda sempre alta em relação à oferta, possibilitando bons preços de mercado, gera e é gerado pela transformação do trabalho artesanal em cooperação simples e complexa, manufatura. No segundo, a revolução industrial vence a força constrangedora do trabalho, o nível de autonomia do artesão, fator que o limitava e também o estimulava a superar esta contradição. No terceiro, a nova escala de produção exige um tal adiantamento de capital que o capital produtor de juros se torna mecanismo mais necessário para os saltos produtivos. Na última era, desde a década de 1970, a expressão monetária do capital necessita ainda mais que antes do capital produtor de juros, que passa a tornar-se fictício; a financeirização ganha importância como reação à impossibilidade de investimentos e à necessidade de permitir o montante de capital-dinheiro que urge ao setor produtivo, na atual composição orgânica do capital. altos. No previó esto. La revolución no vino en 1859-60. En cambio hubo guerras asociadas con la unificación de Italia, luego tuvimos la guerra de Crimea, y después la guerra franco-prusiana. Cuestiones urgentes, cuestiones de Estado y de orden nacional fueron resueltas por medio de batallas. Fue a principios de los ‘70 del siglo XIX que comenzó una nueva línea de depresión, estancamiento.” (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, p. 190) 25 Esse erro ocorre também, não apenas, por uma posição intuitiva e “estética”, como se algo que naturalmente devesse começar a visualização da curva pelo ascenso, pela baixa contradição, não pela transição.
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Vejamos a curva de desenvolvimento desde as três revoluções industriais ou, o que é outra expressão do mesmo, o início da fase intermediária entre ascenso e declínio, até novo ascenso.
Fonte: idem.
Fonte: Idem.
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Fonte: Idem.
Fonte: Idem. Por evidente, as datas são aproximativas dos processos. O mais complicado, nesse sentido, é a primeira curva de desenvolvimento, pois a I revolução industrial teve seu caráter também destrutivo desde o começo, mas apenas no início do século XIX (alguns consideram 1812; outros, 1825) começam as duríssimas crises cíclicas.
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Em sua elaboração original, o começo era a ascenção da curva. O que para Trótski era ponto de partida – por exemplo, o crescimento de 1945 à 1973 –, é, em nossa análise, a resolução de uma contradição na totalidade macroeconômica e macrossocial. Se prosperar, a transição ao socialismo será a resolução das contradições atuais iniciadas na década de 1970, desta era-curva, em uma nova ascensão, que tem por base superar os elementos existentes do sistema anterior, isto é, superar a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção existentes e suas superestruturas. Desde uma observação cuidadosa, percebemos que cada revolução industrial – portanto, cada curva que se inicia pela fase de transição – dura em média 100 anos. Por quê? As crises cíclicas ocorrem mais ou menos de 10 em 10 anos, em média tendencial, no processo circular e espiral de crescimento, estagnação, crise e recuperação. Este mal é parte necessária da própria saúde doentia do capitalismo. E gera as bases para as revoluções produtivas seguintes. As alterações singulares na produção geram contradições internas à sociedade total; se a ascenção permite a vitalidade para a revolução industrial, permite também o início de um autolimite que necessita ser resolvido. O mero fato de cada momento – transição, declínio e ascensão – durarem, cada um, algumas décadas e saltarem necessariamente para o próximo estágio, oferece o tom de secularidade a cada revolução industrial. A razão para a tendência secular das curvas de desenvolvimento histórico do capitalismo – uma vez observadas desde a estagnação (transição), não a partir do equilíbrio dinâmico – é idêntica em outra escala, superior, ao auge-estagnaçãocrise dos ciclos mais ou menos decenais da economia capitalista: a superprodução revelada empiricamente na contradição entre produção e circulação, cuja dinâmica é mediada por ações extraeconômicas, o Estado, etc. Trotsky pensava que inexistia uma regularidade temporal em tendência; hoje, um século depois de sua primeira elaboração do tema, podemos observar que de fato há uma regularidade. Se abstraímos os fatores sociais, que ditam parte do ritmo, e observamos de modo ―puro‖ a atual curva de desenvolvimento, os limites internos do sistema serão em meados do século XXI, concordando com o debate no capítulo anterior sobre a queda da taxa de lucro e também com os limites da crise ambiental. Entre as décadas de 2050 e 2070 ocorrerá, visto desse modo, o domínio relativamente estável da III revolução industrial via transição ao socialismo ou, ao contrário, um cenário de fim da civilização. É certo que a datação secular de cada curva uma vez observada pela fase de transição é insuficiente para a curva atual, pois a época de mudança sistêmica exige muito do fator subjetivo; por outro lado, serve de guia para pensar o tempo histórico no qual vivemos desde 2008, um tempo de crises duras exigentes de uma solução estrutural.
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*** O mérito reivindicado neste capítulo é o de baixar ao chão o debate sobre os ciclos, ondas ou curvas longas do capitalismo. Saímos do debate apenas abstrato e colocamos o tema na sua atual função histórica. Além das atualizações anteriores propostas, também propomos resolução da polêmica sobre se o avanço tecnológico marca o início do ascenso da curva, como pensava Kondratiev, ou seu declínio, como pensava a tradição schumpeteriana, ainda presos ao avanço em ―v‖ investido, ao incluirmos o período de transição, pelo qual começamos, da curva de desenvolvimento de Trotsky, que se inicia com a revolução industrial correspondente, quando as crises são mais duras, mas ainda não são o período depressivo do declínio posterior (que por sua vez antecede o equilíbrio dinâmico temporário, o chamado ascenso – que é, para nós, a conclusão, não o início). TEORIA DO COLAPSO A teoria do ―processo de colapso‖ é de Marx. Os marxistas sabem de cor a ideia de que um sistema cai e é substituído apenas quando explora todas as suas possibilidades; o raciocínio dialético – se levado a sério – impede ilimitada margem de manobra ao capital. No famoso posfácio de sua obra Magna, o mouro fala em "crise geral, que mal deu seus primeiros passos". Esta deu o grande passo em 1914... Mas ele não tinha um elemento teórico, qual seja, a teoria das curvas históricas, mais importante que a das crises cíclicas. Tal é uma enorme contribuição de Trótski. Se acrescentamos as eras do capital, percebemos toda a dinâmica e conseguimos explicar o motivo de Marx, Lênin e Trótski terem errado ao considerarem que aquela crise era a última quando não a era de fato. Diz o general do Exército Vermelho: e) A Teoria do Colapso Entre a época da morte de Marx e o início da Guerra Mundial, as inteligências e os corações dos intelectuais da classe média e dos burocratas dos sindicatos estiveram quase que totalmente dominados pelas façanhas logradas pelo capitalismo. A idéia do progresso gradual (evolução) parecia ter-se consolidado para sempre, enquanto que a idéia da revolução era considerada como uma mera relíquia da barbárie. O prognóstico de Marx era contrastado com o prognóstico qualitativamente contrário sobre uma distribuição melhor equilibrada da fortuna nacional com a suavização das contradições de classe e com a reforma gradual da sociedade capitalista. Jean Jaures, o mais bem dotado dos social-democratas dessa época clássica, esperava ajustar gradualmente a democracia política à satisfação das necessidades sociais. Nisso reside a essência do reformismo. Que resultou dele?
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A vida do capitalismo monopolista de nossa época é uma cadeia de crises. Cada crise dessas é uma catástrofe. A necessidade de salvar-se destas catástrofes parciais por meio de barreiras alfandegárias, da inflação, do aumento dos gastos do governo e das dívidas prepara o terreno para outras crises mais profundas e mais extensas. A luta para conseguir mercados, matérias-primas e colônias torna inevitáveis as catástrofes militares. E tudo isso prepara as catástrofes revolucionárias. Certamente não é fácil concordar com Sombart que o capitalismo atuante se faz cada vez mais ―tranqüilo, sossegado e razoável‖. Seria mais correto dizer que ele está perdendo seus últimos vestígios de razão. Seja como for, não há dúvida de que a ―teoria do colapso‖ triunfou sobre a teoria do desenvolvimento pacífico. (Trotsky, O marxismo em nosso tempo, 2009)
Percebemos que o cenário pintado por Leon Trotsky deixou de existir após a II guerra mundial. As crises tornaram-se mais leves nos países centrais e muitos países atrasados, como o Brasil, conheceram grande crescimento. Pouco antes de falecer (1883), K. Marx percebeu mudanças no capitalismo, expostas no livro III d‘O Capital. Engels, ao concluir esta obra, percebe ainda com mais clareza a existência de novos fenômenos. Os fundadores do socialismo científico estavam presenciando o início da terceira era do capital, fase de estagnação daquela curva histórica e a II revolução industrial. Vejamos passagem: [Depois de Marx ter escrito as linhas acima, desenvolveram-se, como é notório, novas formas de empresas industriais em que a sociedade por ações se eleva à segunda ou à terceira potência. A rapidez cada dia maior com que se pode atualmente aumentar a produção em todos os grandes domínios industriais se depara com a lentidão sempre acrescida com que se expande o mercado para essa produção ampliada. O que aquela fornece em meses, leva este anos para absorver. E acresce que cada país industrial, com a política de proteção aduaneira, se isola dos demais e notadamente da Inglaterra, ainda aumentando de modo artificial a capacidade interna de produção. As consequências são superprodução crônica geral, preços deprimidos, lucros em baixa ou mesmo desaparecendo por completo; em suma, a liberdade de concorrência, essa veneranda celebridade, já esgotou seus recursos, cabendo a ela mesma anunciar sua manifesta e escandalosa falência. É o que evidencia o fato de se associarem, em cada país, os grandes industriais de determinado ramo para constituir cartel, destinado a regular a produção. Uma junta estabelece a quantidade a produzir por estabelecimento e, em última instância, reparte as encomendas ou pedidos apresentados. Em certos casos formaram-se temporariamente cartéis internacionais, como o anglo-teuto de produção siderúrgica. Mas essa forma de associação entre
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empresas produtoras ainda não era adequada. O choque de interesses das diversas empresas violava-a com demasiada frequência e acabava restabelecendo a concorrência. Assim se chegou, em certos ramos em que o nível da produção o permitia, a concentrar a produção toda do ramo industrial em uma grande sociedade por ações com direção única. É o que já aconteceu, várias vezes, na América, e na Europa o maior exemplo até agora é a United Alkali Trust, que pôs nas mãos de uma única firma toda a produção britânica de álcali. […] O capital todo atinge, portanto, 6 milhões de libras. Assim, nesse ramo que constitui a base de toda a indústria química, o monopólio na Inglaterra substitui a concorrência e prepara de maneira alentadora a futura expropriação pela sociedade toda, pela nação. - F.E.] É a negação do modo capitalista de produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma contradição que se elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de transição para nova forma de produção. Esta fase assume assim aspecto contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando a intervenção do Estado. Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo de especulação e embuste no tocante à incorporação de sociedades, lançamento e comércio de ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade privada. (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, pp. 254, 255; grifos nossos)
O que Marx, Engels e depois Lenin observaram era o nascer da fase imperialista o que se difere de observar, tal qual hoje, a completa consolidação dessa fase. Ver-se limite potencialmente absoluto neste momento histórico: de 1873-1913, estagnação, à 1913-1945, declínio. Então, por que o colapso faltou? Trotsky oferece, inconscientemente, uma pista; o refutaremos dentro de seu próprio argumento: ¿EL CAPITALISMO HA LLEGADO A SU FIN? Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis; en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en
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la nueva situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas, debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede esperar aún hacer uma obra de progreso? (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, pp. 234, 235)
Em carta a Engels, Marx expressa dúvida semelhante ao perceber a mercantilização global: Não há como negar que a sociedade burguesa tenha sofrido pela segunda vez seu século 16, um século 16 que, espero, soa a sua morte, assim como o primeiro o conduziu ao mundo. A tarefa apropriada da sociedade burguesa é a criação do mercado mundial, pelo menos em esboço, e da produção baseada nesse mercado. (Marx, Marx To Engels In Manchester)
Esboço, diz Marx. Percebemos a ansiedade política na percepção teórica. Para nós, evidente o desenvolvimento quase máximo do mercado planetário atual para abrir a possibilidade alta de superação do sistema. Vivemos o terceiro e definitivo século 16 com a globalização, com o avanço e a redução de custos com transporte e comunicação. Trotsky, tal como Lenin, pensava improvável uma nova curva ascendente. Ele concluiu que os limites relativos sendo potencializados pelos fatores extraeconômicos, que determinam o ritmo da curva, faziam absolutos estes limites mesmos. Era verdade, mas verdade parcial. Agora, limites absolutos e relativos se encontram; os limites da autocontradição do capital encontram-se com os limites das relações externas à economia. Basta a observação de que o capitalismo já domina, em diferente da época do teórico, quase todos os poros do mundo. O capitalismo tinha ainda mais uma curva de desenvolvimento capitalista, como ficou provado. Esta curva, atual, põe a III revolução da indústria, que é forma em si contraditória com o capital e típica do socialismo. A teoria do colapso e a revolução permanente encontraram ao redor do século XXI o terreno tão esperado pelos seus autores. Enfim podemos afirmar que o capital está diante de seus limites históricos; a época de crises profundas retornou, desta vez, de maneira sistêmica. Observando o declínio da primeira curva, período de duras crises, após a transição, Marx e Engels afirmaram que as forças produtivas haviam se tornado forças destrutivas (Marx & Engels, A ideologia alemã, 2007, p. 41). No declínio da segunda curva de desenvolvimento, Trotsky afirmou ―As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material. As crises conjunturais, nas condições da crise social de todo o sistema capitalista, sobrecarregam as massas
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de privações e sofrimentos cada vez maiores.‖26 (Trotsky, O programa de transição). Com a crise estrutural, observando inconscientemente desde a transição da curva de desenvolvimento iniciado na década de 1970, a terceira curva, Mészàros afirmou que o capitalismo somente poderia desenvolver-se em diante de modo destrutivo (Mészáros, Para além do capital, 2011). Todos os teóricos aí citados acertam e erram ao mesmo tempo porque deixaram de oberservar a dialética das curvas de desenvolvimento do capitalismo do modo como expomos neste capítulo. O que justifica, então, supormos que esta terceira curva de desenvolvimento é de fato a última? Por que acertamos desta vez? Entre outros fatores: 1) a taxa de lucro aproxima-se de sua queda absoluta; 2) a III revolução industrial permite pela primeira vez a produção socializada – e coloca em crise a substância valor; 3) a crise ambiental exige solução sistêmica. Esses três fatores bastam para concluir que estamos diante da época de transição, a mais importante da história. Porque nossos mestres erraram, porque foram apressados, alguns teóricos afirmam que o capitalismo não cairá por si. Tal consideração também erra ao deixar de ver o motivo dos limites nas visões dos clássicos. O escravismo romano caiu em agonia lenta, mas objetiva; o feudalismo foi necessariamente dando espaço ao capital27. Neste momento, chegamos à fórmula ―socialismo ou barbárie‖ (Rosa Luxemburgo) ―se tivermos sorte‖ (Mèszáros) como duas alternativas. A morte do capital é certa; já a vitória do socialismo, não. O fator subjetivo, diante das bases objetivas maduras, fará diferença quanto ao resultado histórico. CURVA DE DESENVOLVIMENTO E A TEORIA DA MISÉRIA CRESCENTE Há polêmica entre os teóricos sobre se segue válida a teoria da miséria crescente e se o velho Marx manteve esta elaboração na sua maturidade. Antes de mais, destacamos que inexiste em O Capital qualquer referência a tal teoria, qualquer subcapítulo específico sobre o tema, qualquer comentário. O mais próximo que temos é isto: Segue-se, portanto, que à medida que o capital é acumulado, a situação do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de piorar. Por último, a lei [da acumulação] mantém a superpopulação relativa ou exército industrial de reserva em constante equilíbrio com o volume e o vigor da acumulação prende o trabalhador ao capital (…). Portanto, a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação de 26
Ver-se em Trotsky uma unilateralidade e catastrofismo quanto ao tema. Para ele, as forças produtivas sequer tornam-se destrutivas sob as bases atuais, mas há apenas uma paralisia completa de seus avanços. Em outro capítulo, daremos uma resposta sintética, mas clara e completa, sobre a relação das forças de produção e as relações de produção. 27 Cada modo de vida classista – escravismo, feudalismo, capitalismo, primeiras fases do socialismo – tende a durar menos tempo relativo ao modo de vida anterior, pois é mais produtivo do que aquele existente antes e desenvolve mais rapidamente as forças de produção, rumo ao esgotamento sob as bases vigentes, necessitando passar para outro estágio.
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miséria, o suplício do trabalho, a escravidão, a ignorância, a brutalização e a degradação moral no polo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital. (Marx, O capital I, 2013, pp. 720,721)
Porém a citação é insuficiente para afirmar que o mouro tenha erguido a miséria crescente ao patamar teórico. A questão, por outro lado, passa longe de ser literária e professoral: o importante é ver na realidade se há correspondência. Em primeiro lugar, precisamos fazer uma complementação: a assim chamada teoria explica uma lei se estiver correta. Em segundo, é comum que as leis da sociedade sejam tendenciais com suas autocontratendências 28; vejamos alguns casos: 1.
A miséria crescente produz luta de classes (greves, ocupações, etc.), o que, em caso de
vitórias dos trabalhadores, quando o capital é capaz de ceder, pode melhorar as condições de vida ou pelo menos impedir maior deterioração das relações trabalhistas29; 2.
Os momentos de superprodução, antes da III Revolução Industrial, costumam ser
acompanhados do pleno emprego e, por causa das melhores condições de luta, aumento salariais e das condições humanas; 3.
Empresas e Estados imperialistas podem exportar contradições superexplorando os
trabalhadores de outros países e, por tal motivo, oferecendo melhores condições para os proletários de países ricos – mas, em nossa época, com o alto desenvolvimento dos transportes e comunicações, o ―excesso‖ de direitos e salários tende a tirar empresas de determinada nação, ainda que seja a sede oficial, e sua implementação em um país mais viável para extração de maisvalor;
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Dito de passagem, há dúvida se a legalidade dialética de uma tendência produzir contratendências pertence apenas ao ser social, por ser o mais complexo, ou também abarca o mundo natural. Vejamos dois possíveis exemplos que podem responder a questão, no inorgânico e no orgânico. Uma estrela tem tendência a colapsar para dentro de si, de a gravidade fazer aproximação rumo a um buraco negro ou estrela de nêutrons; mas tal tendência produz fusões de átomos, que liberam fótons e estes a empurram para fora, em contratendência; surge uma estabilidade dinâmica na estrela até a tendência impor-se. As grandes extinções destruíram seres vivos e forçaram espécies ligeiramente diferentes a acasalarem entre si, formando eventualmente novas espécies; isso é empiricamente demonstrável desde a atual grande extinção, de origem humana, que tem impulsionado acasalamentos entre espécies diferentes; ademais, a extinção de algumas espécies facilita o surgimento de outras, a extinção dos dinossauros “abriu o terreno” para os mamíferos. Para fins de complemento, até em matemática encontramos uma relação de tendência e contratendência, na conjectura de Collatz. 29 Marx diz “a situação do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de piorar.” Ora, a remuneração alta dá melhores condições ao trabalhador, pode melhorar sua situação.
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4.
Por causa de pressões econômicas e classistas, o Estado pode intervir de maneira parcial
na realidade para gerar empregos por meio de obras públicas, reduzindo o exército industrial de reserva, algumas voltadas para a qualidade de vida (saneamento básico, etc.). 5.
Pode-se dar alguma qualidade de vida para a classe trabalhadora minando a classe média
(exemplo: o programa Mais Médico no Brasil levou médicos cubanos aos pobres, mas então prejudicou a aristocracia médica do país); 6.
Pôr maquinário novo pode reduzir o numero de operários totais de uma empresa, logo
com aumento da miséria dos demitidos, e ser acompanhado de aumento de salário e condições de trabalho daqueles que mantiveram o contrato de trabalho, ainda que a taxa de exploração aumente; 7.
Enfim, o capital sendo ao mesmo tempo ―destruição criativa‖ (Schumpeter) e ―criação
destruidora‖ (Chico de Oliveira) – ―Mas ambas são idênticas, o criar é destruidor, a destruição é criadora‖ (Hegel, Ciência da Lógica - a Doutrina da Essência, 2017, p. 224) – resolve as contradições internas que as fases de transição e de declínio da curva história expressam e passa por períodos de ascensão da curva, com maior estabilidade, o que reduz a miséria crescente por algumas décadas. O último ponto é nosso destaque. Como o jovem Marx observou a transição e o declínio de uma das curvas de desenvolvimento, da revolução industrial à primavera dos povos, pôde, assim, ver a miséria crescente ser produzida. Diante da qualidade de vida na Europa e nos EUA no pósII Guerra até o início dos anos 1970, teóricos marxistas como Roman Rosdolsky (Rosdolsky, 2001) abandonaram a teoria, e sua lei, aqui comentada. Apenas observando a tendência produzindo a própria contratendência relativa30 e ao perceber a ligação com as curvas de desenvolvimento histórico se faz possível clarear o tema e resolvê-lo. Trata-se de uma legalidade relativa, tendencial. CURVA DE DESENVOLVIMENTO NO MUNDO E NAS NAÇÕES Em teoria, somos obrigados a tratar níveis de abstração. Os países mais decisivos para o ritmo mundial são os imperialistas e grandes submetrópoles como o Brasil. Eles denunciam uma curva global de desenvolvimento capitalista. Por outro lado, há nações inteiras, como China, que estão em fases nacionais diferentes, de alto crescimento, das curvas de desenvolvimento. Mesmo
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Nota lógica. A relação dialética de tendência e contratendência está acima, por apontar o rumo, da relação em que a causa produz efeitos opostos.
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considerando que a totalidade é o vital para as mudanças mundiais, faz-se necessário explicar essa diferença. Tomemos os dados a seguir:
GRÁFICO 6
Fonte: (Freeman, 2019) GRÁFICO 7
Fonte: idem.
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Ambos os gráficos demonstram queda de crescimento após 1970. O trabalho foi feito por Alan Freeman no artigo ―A sexagenária tendência declinante do crescimento econômico nos países industrializados do mundo‖. No entanto, em que pese a ótima elaboração, ele evita explicar as razões do declínio. Podemos elaborar, como conclusão geral: quanto mais desenvolvido é, em nosso tempo, o capitalismo de uma nação, menores são as possibilidades de seu crescimento. Por isso, vai ficando cada vez mais – tendencialmente – lento o crescimento de Japão, EUA, Europa etc. O capital aí experimentou quase todas as suas possibilidades. O mesmo é válido ao Brasil, estagnado (PIB per capita) desde 1980, pois é tão maduro sistemicamente quanto pode ser um país não imperialista. Este conheceu taxas de crescimento maiores relativas aos da China atual, destino prioritários dos capitais internacionais por décadas, gerou demanda interna por urbanização no século XX; até que o fim da década de 1970 encontrou um país muito industrializado, muito urbanizado, com luta de classes citadina, elevados comércio e sistema bancário etc. A entrada da China no mercado mundial permitiu um ambiente mais ―saudável‖ para o capital; em diante, o principal país latino-americano conviveu com estagnação per capita do PIB – até hoje presente –, desindustrialização progressiva, crescimentos conjunturais limitados, destruição do patrimônio público por meio da privatização etc. O contrário ocorre em China e Índia, já que possuem uma grande massa populacional rural, espaço para urbanização e novos consumidores, novas terras agricultáveis para agronegócio etc. O capital pode se espalhar e se reproduzir em nações do tipo ―atrasadas‖ a taxas não aplicáveis – na proporção e no tempo – em países mais maduros, com, por assim dizer, excesso de capitalismo. Vejamos os 10 países de maior previsão de crescimento – acima da reconhecida China – em 2017 (BBC, 2017): Etiópia, 8,3%; Uzurbequistão, 7, 6%; Nepal 7,5%; Índia, 7,2%; Tânzania, 7,2%; Djibouti, 7%; Laos, 7%; Vamboja, 7%; Filipinas, 6,9%; Maynanmar, 6,9%. O que há em comum? O alto processo de crescimento tem como causa o baixo desenvolvimento… São países com base – isto é, seus atrasos – para uso de mecanismos estimulantes dos talentos capitalistas: endividamento do Estado, vantagens fiscais às empresas estrangeiras, expulsão dos camponeses, estímulos à urbanização, superexploração da força de trabalho etc. São países cujas características nacionais ainda permitem amadurecer em larga escala elementos capitalistas em oposição aos países que já desenvolveram a industrialização, a urbanização, a grande propriedade rural, etc. e por isso crescem muito menos, possuem menos possibilidades latentes.
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Os próximos saltos realmente globais de crescimento são alcançáveis apenas por meio de outra sociedade. Até esta se impor, o fraco crescimento do capitalismo nas nações maduras tomará ares desumanos, anticivilizacionais. Será um desenvolvimento destrutivo. O ―excesso de maturidade‖ demonstrará um divórcio entre crescimento humano e crescimento econômico de forma cada vez mais evidente e na medida mesma em que este último encontra autobarreiras sob o capital. Há ainda duas observações destacáveis. Em primeiro, o relógio do tempo histórico é internacional. Se o mundo vive a superprodução de capitais e mercadorias, então países como a China terão suas possibilidades ―nacionais‖ de desenvolvimento encurtadas. A temporalidade é, antes de mais, mundial, responde à alta integração das partes, dos países. Os limites da nação respondem, portanto, de um lado a fatores internos como nível de urbanização, industrialização, o grau de desenvolvimento da propriedade rural31 e, de outro, a fatores externos, que podem encurtar a margem de desenvolvimento, como o surgir de países com melhores condições de investimento para o capital internacionalizado, os limites gerais do capital, etc. Japão é, em muitos aspectos, o melhor país para observar a crise sistêmica e, em nosso tema imediato, as limitações internacionais; com o fim da II Guerra, aquele país recebeu um estímulo especial para se reerguer longe de vias socialistas como um câmbio muito desvalorizado; isso permitiu impulsionar a indústria nacional para o mundo, porém chegou-se a um ponto crítico em que começava a ameaçar o poderio estadunidense; este, então, operou todo tipo de pressão até forçar o governo japonês a valorizar sua moeda de modo drástico; a vantagem dissipou-se; o Estado do Japão derrubou os juros, tentou contrabalancear com o consumo interno, e conheceu décadas de quase estagnação com ameaças de depressão econômica a partir de 2008. A necessidade de uma revolução social para retomar a prosperidade consolidou-se por combinação de fatores internos e internacionais. Em segundo, o neoliberalismo é uma necessidade do capital quando o desenvolvimento nacional encontra limites, quando se esgota; tem de satisfazer a necessidade de acumulação capitalista por meio de privatizações, redução de serviços públicos, etc. Já em países em ―desenvolvimento‖, o keynesianismo é a política econômica adotada, que tem em seu próprio ventre o seu oposto, a futura adoção do paradigma neoliberal. De modo idealista, os políticos e os economistas ―progressivos‖, muitos de esquerda, reclamam e apontam diferenças entre as medidas de um Estado contra as de outro. Pedem que a razão tome de assalto o governo e ilumine, pelo exemplo, a mente dos estadistas. Ora, falta responder por que as coisas são tal
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O desenvolvimento dos três elementos citados – urbanização, industrialização, grande propriedade rural – são destacados ao longo do livro, por isso chamamos atenção ao leitor.
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como são, por que acontecem de maneira necessária, assim. É nas bases materiais que encontramos a resposta da adoção prática desta ou daquela teoria econômica instrumental. Quem está contra o governo ―privatista‖ mas nunca contra o capitalismo, quem quer de volta o poder estatal de Keynes, perde a locomotiva da história porque olha para o passado, nega a necessidade do socialismo, do futuro. Na fase imperialista, o poder estatal surge como o grande capitalista, capaz de endividar-se, de concentrar dinheiro para investimentos de grande porte típicos da época imperialista, ser o comprador por excelência, etc. Mas tão logo o desenvolvimento do capital encontra barreiras ao seu autodesenvolvimento privado, a principal superestrutura burguesa, o Estado, atua em defesa da taxa e da massa de lucratividade de sua classe. O modelo neoliberal demonstra que o modo de produção capitalista esgota-se, precisa e pode ser superado. Não é o modelo keynesiano que levou ao crescimento mas as condições da economia que permitiram o crescimento e a adoção da política econômica correspondente. O idealismo cede lugar ao materialismo. TENDÊNCIA AO LUCRO DESTRUTIVO O lucro tende a basear-se no regressivo pela contradição entre as relações de produção e as forças produtivas. No Brasil, a ditadura militar destruiu as ferrovias do país para que empresas de automóveis tivessem lucros maiores – aumentando a poluição, encarecendo os custos de transporte, etc. A Rússia depende da ativação de guerras para que seu complexo militar evite a crise. Em Israel, a ―nação‖ depende da construção civil e da indústria mélica, logo a guerra contra os palestinos é uma constante – as ações de suas empresas crescem quando o governo lança bombas contra a Palestina. No Brasil, temos o exemplo de as ações na bolsa crescerem exato porque há crise, recuo econômico, pois, por exemplo, a situação ruim impede a alta de juros, ao derrubar a demanda, facilitando o crédito, e as empresas têm menos concorrentes. É uma contradição entre lucro e qualidade de vida da maioria, já presente antes, mas acentuada em nossa época. Segundo a Oxfam, no auge da pandemia do Covid 19, surgiu um novo bilionário no mundo a cada 26 horas, e os 10 homens mais ricos do planeta mais que dobraram suas fortunas; ao mesmo tempo, a pobreza aumentou para a maioria (Globo A. O., 2022). Tanto melhor para o capital se há destruição; isso diminui a pressão sobre a sociedade e o Estado para prevenção, antecipação, reação, investimento; pois o lucro está logo ali, atrás de uma tragédia. O capitalismo é um canibal que devora o próprio braço. A situação de mais crise que progresso produz megaempresas que se sustentam graças ao meio ambiente declinante, seja porque leva a novo tipo de demanda, seja porque a concorrência não surge, seja porque controla a luta de classes; logo é de seus interesses a continuação de certo clima de terra arrasada.
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CRISE NA PRIMEIRA REVLUÇÃO INDUTRIAL Marx demonstra que a introdução das máquinas pela primeira vez foi um desastre completo para o trabalhador produtivo, que perdeu a batalha. Até o tamanho médio dos cidadãos assalariados caiu, geração após geração. Lembramos porque isso é, por si mesmo, crise, involução da principal força produtiva. Assim, afastamo-nos do economicismo. O próprio Marx destaca a poderosa crise de 1925, que inicia o declínio da curva de desenvolvimento, após a primeira fase, a transição, e antes da terceira, ascenso. Mas ele diz de crises parciais anteriores na economia: De 1770 a 1815, a indústria algodoeira esteve em depressão ou estagnação por 5 anos. Durante esse primeiro período de 45 anos, os fabricantes ingleses desfrutavam do monopólio da maquinaria e do mercado mundial. De 1815 a 1821, depressão; em 1822 e 1823, prosperidade; em 1824, são abolidas as leis de coalizão, grande expansão geral das fábricas; em 1825, crise… (Marx, O capital I, 2013, p. 641)
O processo todo foi desumano. Crise, ainda hoje, pode significar que o setor mais importante ou a maior parte da burguesia ri alegre da situação enquanto os trabalhadores veem suas condições definharem. Para a burguesa, em geral, crise é solução, lucro etc. A crise iniciada com a revolução capitalista na produção trouxe consigo o desamparo da maioria e bastante ouro para algumas poucas contas bancárias.
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A CRISE DO DINHEIRO A FORMA MATERIAL DO DINHEIRO Há certas polêmicas quanto ao dinheiro sobre os quais trataremos de maneira apenas indireta. Alguns, por exemplo, afirmam que tal forma social nunca precisou de fato do ouro; outros consideram sua forma vigente sem valor ou apenas fictício. Apresentaremos em diante algumas teses sobre o ser enigmático e cobiçado. *** A característica física do dinheiro mundial segue o mesmo caminho do dinheiro nacional, mas em um ritmo mais lento. Quando a equivalente geral nacional expressa-se pelo o ouro (ou prata) em especifico, o comércio internacional adota o escambo ou uma mercadoria ―falha‖ 32. Assim, a lei mantém-se enquanto tendência: quando o dinheiro nacional começa a expressar-se por meio do papel-moeda e do cobre lastreados em ouro (séc. XVIII, XIX), o dinheiro mundial segue atrasado, ou seja, é ainda o próprio ouro enquanto dinheiro mundial. Quando o dinheiro nacional deixa de lastrear-se em ouro, a sua versão internacional – ao seu modo, a libra inglesa, primeiro; o dólar, depois e até 1971 –, ao contrário e correndo atrás, continua ainda lastreado em ouro, em equivalência. Depois, o padrão dólar-ouro é rompido, mas continua a correr tendencialmente atrás do dinheiro nacional, pois a última começa um passo novo: a digitalização por meio, em especial, dos cartões de débito e crédito33. Abstração necessária à análise, Carcanholo desenvolveu com maestria a tendência à desmaterialização do dinheiro. Disponibilizamos trechos do artigo-réplica ―Sobre a Natureza do Dinheiro em Marx‖:
Esse processo progressivo de domínio do valor sobre o valor-de-uso, no interior da unidade
contraditória
chamada
mercadoria,
constitui
o
que
chamamos
―desmaterialização progressista da riqueza capitalista‖. Isso, por uma razão muito simples. O valor-de-uso é o conteúdo material das mercadorias e fica determinado pelas características (conteúdo e forma) materiais de cada uma delas. O valor é sua dimensão social. O domínio deste sobre aquele implica a
32 Iniciamos a abstração pelo século XVI, pelas grandes navegações; portanto, o dinheiro antes e em outros sistemas não nos interessa aqui. Fumo, conchas, aguardente, açúcar, etc. foram usados como dinheiro no triângulo comercial Portugal-Brasil-África. Ademais, o comércio começou como troca entre diferentes povos, iniciando pela troca mercadoria-mercadoria (escambo), para depois ser uma realidade interna destes. 33 Essa desigualdade (temporal) da forma dos dinheiros nacionais e mundial, o ritmo descompassado de suas mudanças, é tendencialmente reduzida quanto mais evoluído está o capitalismo.
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desmaterialização do conceito riqueza capitalista, desmaterialização da mercadoria. […] É justamente no dinheiro, e posteriormente no capital, em que se manifesta de maneira mais aguda e evidente o processo de desmaterialização, […] o dinheiro apresenta-se desprovido completamente desprovido de todo valor-de-uso. […] Mas, desde muito antes, desde a sua gênese, nos princípios da forma de equivalente, já se apresenta o processo de desmaterialização. Por exemplo, já na forma geral do valor, Marx afirma que o valor da mercadoria distingue-se não só do seu próprio valor-de-uso, mas de todo valor-de-uso, inclusive naquele próprio da mercadoria, ao aceitar o equivalente em troca da sua, não está interessado no valor-de-uso deste. A desmaterialização continua no dinheiro (ouro), mas ainda a materialidade-ouro continua ali. O processo fica muito mais evidente quando mais avançado, no dinheiro de curso forçoso e no dinheiro de crédito (que são as formas que conhecemos atualmente e que são estudadas por mais no livro III d‘O Capital). […] Por mais Impressionante que seja a desmaterialização já alcançada do dinheiro, ela ainda não chegou ao fim. Ela prossegue seu curso e, com certeza, a desmaterialização total, embora ansiosamente buscada pela lógica do capital, jamais poderá ser alcançada. [nota 4] As agudas crises fmaterialidainanceiras dos nossos dias são a manifestação mais cabal dessa contradição do sistema: o desejo incontido do capital pela desmaterialização e sua impossibilidade completa. (Carcanholo R. , 2002)
A que se deve isto? A questão que se nos apresenta é: por que destas duas leis, desmaterialização e ritmos desiguais entre dinheiro nacional e mundial? Ora, o capítulo I d‘O Capital I demonstra o valor e a construção da ―mercadoria das mercadorias‖ por um caminho: a relação conteúdo-forma: quanto mais tipos, mais fluxo e mais troca de mercadorias (conteúdo) existentes – quanto mais complexo e ativo o movimento delas – cada vez faz mais necessário destacar um elemento específico do conteúdo, elevá-lo, para que sirva de equivalente geral ou forma. Assim surge alguma mercadoria como meio de troca; depois, ouro; em seguida, o dinheiro-papel. O conteúdo, o mundo das mercadorias, possui características inerentes, quais sejam: tendência ao movimento, à instabilidade, à mudança, ao novo, à não-conservação. Por outro lado, fruto da contradição interna do conteúdo, a forma também possui singularidades: tende a conservar, à estabilidade e constância. Como o conteúdo, a forma tem duplo caráter: progressivo na medida em que conserva conquistas, consolida etapas; regressivo na medida em que tende ao conservadorismo, à estabilidade, a entrar em importante contradição com as necessidades novas do conteúdo. Portanto, pode haver contradição ente o conteúdo e a forma, que é superada cedo ou tarde a favor conteúdo, fazendo surgir uma forma nova.
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O dinheiro em geral, seja qual for sua forma física, ainda possui lastro, que não é mais a mercadoria-ouro, mas o conjunto das mercadorias. Assim, o dinheiro recebido representa idealmente o possível acesso a outras mercadorias, e mede-se assim. O valor expresso no dinheiro é determinado por sua capacidade de prover acesso a outros objetos. Ou seja, mede-se o lastro por sua proporção com essa substância geral, com o conjunto do valor por meio da possibilidade de acesso a outros valores de uso. Quando o dinheiro passou a se expressar no papel-moeda, ainda podia-se trocar pela mercadoria específica ouro; esta capacidade de troca pela mercadoria dourada já fazia surgir de modo latente a possibilidade de lastro com o conjunto das mercadorias, pela troca por outros produtos dotados de valor e preço.34 Porque na forma de expressão autônoma, separada, do valor-trabalho o lastro torna-se indireto, no lugar de direto à mercadoria específica ouro, ocorre com o dinheiro processo de meior autonomia relativa e torna-se ―dinheiro fictício‖, segundo expressão feliz de Eleutério Prado (Prado, Dinheiro: entre a ficção e o fetiche, 2020). A tentação governamental de oferecer quantidade maior de moeda, deslocando-se de seu lastro, em principal em momentos de crise, tende a diminuir o poder de compra do dinheiro, sua desvalorização, embora a maior base monetária seja apenas um dos fatores causais para uma possível inflação. O dinheiro mundial também é lastreado pelo conjunto das mercadorias ou, mais exatamente, pelo conjunto do valor. O fato de este ser o dólar expressa um fator histórico: os EUA produzem e consomem parte significativa das mercadorias de todo o mundo; natural, por conseguinte, que o lastro-valor agarre-se a esta moeda – o domínio militar garantidor desta ordem é consequência, que adquire aspectos de causa35. O controle da Alemanha sobre o Euro possui o mesmo motivo. A industrialização e urbanização da China, pela mesma razão, coloca em decadência esta realidade. Como percebemos, o equivalente geral expressa a realidade em sua forma física. O melhor exemplo do lastro é a mercadoria mais importante e cobiçada do mundo, o petróleo, na 34
Durante minha pesquisa, encontrei por acaso, por exposição de um militante, uma citação creditada a Hitler: "Nós não éramos imbecis ao ponto de tentar fazer uma moeda [lastreada em] ouro, do qual nada possuíamos, mas para cada marco que era emitido nós exigíamos um marco de valor de trabalho feito ou de bens produzidos... Nós ríamos das ocasiões em que nossos financistas nacionais apregoavam que o valor de uma moeda é regulado pelo ouro e pelos títulos do tesouro jazendo nos cofres de um banco estatal." Não encontrei nenhuma prova da veracidade dessas palavras, porém elas expressam muito bem o espírito das ideias sobre o dinheiro que aqui apresentamos, infelizmente talvez pela boca de um dos piores homens que a humanidade produziu. 35 Esta consequência desenvolve ares de causa. Este caráter duplo relaciona-se com a decadência do império norteamericano. O dólar como dinheiro e reserva internacionais, além de manter o nível consumo sustentado no deficit comercial, permite manter seu poderoso aparato militar em todo o mundo. Por isso, interessantíssimo o fato de algo tornar-se sua própria negação: a produtividade e consumo nos EUA permitiu sua moeda torna-se a forma do dinheiro mundial; mas isso abriu caminho para a desindustrialização futura e entrada facilitada do capital-mercadoria, com o nível de consumo controlando a luta de classes interna.
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medida em que o império americano há muito garante, com diplomacia e ameaça, a compra internacional de ouro negro apenas por meio de sua moeda, processo batizado ―petrodólares‖ 36. Aqui já observamos o erro de Marx ao considerar, em sua época, que o dinheiro adquire sua forma típica em ouro no mercado mundial, isto é, chegou a uma conclusão estática e incapaz de ver o desenvolvimento da forma material. Outro modo de demonstrar o lastro do dólar percebe-se quando os EUA emitem moeda para "compensar" seu déficit na balança comercial, mantendo o nível de consumo interno. Assim, ao emitir de maneira artificial a moeda, o Banco Central força, de fato, o lastromercadoria. Já o dinheiro virtual é lastreado, por enquanto, na cédula e similares. Tal lastro é garantido informalmente por 1) cálculo dos bancos do quanto lhes será exigido de dinheiro físico e quanto pode fazer circular em bits; 2) depósito compulsório que as instituições financeiras são obrigas prover ao banco central. Quando se paga no cartão de crédito supõe-se que esse pagamento é substituível por papel pintado ou que os bits são transformáveis em dinheiro-papel tão logo o suporte-cartão entre em contato com o banco ou caixa-eletrônico. De acordo com o debatido sobre a desmaterialização, o dinheiro virtualizado também tende a perder seu lastro imediato, tende a desprender-se do dinheiro-papel. Neste sentido aponta a matéria a seguir, sobre a moeda da Suécia: ―Dinheiro [em papel] pode sair de circulação na Suécia até 2030‖ ―O fim do dinheiro de papel já é uma morte anunciada na Suécia: até 2030, as cédulas e moedas deverão virtualmente desaparecer no país, que lidera a tendência global em direção à chamada ―sociedade sem dinheiro‖. A projeção é do Banco Central Sueco.‖ ―É o prenuncio de uma nova era, dizem especialistas. A previsão é de que, no futuro, as economias modernas serão dominadas pelo uso do cartão e da moeda eletrônica em escala mundial.‖ ―Na Suécia a transformação é visível […]‖ ―Novos dados do Banco Central indicam que as transações em dinheiro representam, atualmente, apenas 2% do valor de todos os pagamentos realizados na Suécia – contra a média de 7% no restante da Europa.‖ […] ―‘A Suécia continua à frente do resto da Europa em relação à redução do uso do dinheiro do papel. E principalmente dos Estados Unidos, onde cerca de 47% dos
36 Desde a Guerra do Iraque, é quase uma sabedoria popular a importância do petróleo para o capitalismo, fonte de energia e matéria-prima para a indústria (plástico, etc.). Seu preço tem repercussão vital sobre os demais preços.
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pagamentos ainda são feitos em dinheiro‖, acrescenta Nilervail, que destaca os avanços dos vizinhos nórdicos, Noruega e Dinamarca, na mesma direção.‖ […] ―Até nos quiosque de flores do bairro de Odenplan, no centro da capital, um aviso foi colado: ―Preferência para pagamentos em cartão‖. Feirantes e ambulantes também se adaptam à tendência e trabalham equipados com leitores portáteis de cartões.‖ (Wallin, 2016)
Como repetição histórica, sabe-se que o dinheiro em ouro era constantemente roubado, e por isso passou a ser guardado e substituído por um papel que o representava; assim hoje, a atividade econômica ―roubo‖ estimula e acelera o processo de desmaterialização do dinheiro, como aponta também a matéria: ―Ladrões de banco vão se tornado, assim, personagens do passado. O número de roubos em agências bancárias vem atingindo o índice mais baixo dos últimos 30 anos, segundo a Associação de Bancos Sueca.‖ […] ―Em 1661, as primeiras cédulas de papel da Europa foram introduzidas pelo Stockholms Banco, o embrião do Banco Central da Suécia. Agora, ironicamente, os suecos vão se tornando os primeiros do mundo a desprezar o dinheiro vivo.‖(Idem)
O lastro do dinheiro virtual em relação ao ―físico‖ tende a se perder, além dos fatores expostos, pelos seguintes movimentos: 1. A demanda por dinheiro leva aos bancos a tenderem a negligenciar o lastro informal, a relação entre bits e a possibilidade de saques desse dinheiro em forma física; 2. O próprio banco central tende a reduzir a proporção de lastro – quando deve ser guardado em conta do BC – para socorrer os bancos diante das crises. Destes, agregamos: 3. Intensificação do processo de circulação; 4. Menor custo de produção, transporte e armazenagem do dinheiro virtual relativo ao físico – assim como ocorreu com o dinheiro em papel em relação ao ouro. São as imediatas, visíveis, consequências capitalistas da digitalização do dinheiro:
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1) Maior controle social do capital financeiro sobre a circulação – e o conjunto da sociedade; 2) Lucro por juros nos meros processos de compra-venda; 3) Garantias à circulação: contra cheques sem fundo, calotes37 etc. Retomemos a história. Pela quantidade e intensificação, o ouro foi necessário como equivalente geral, expressão do valor, por suas características físicas e por seu valor em uma etapa específica de complexidade, do fluxo de mercadorias. Mas pela mesma razão – as características físicas – tornou-se uma forma atrasada, lenta, para poder seguir o conteúdo, a evolução do capitalismo, ou seja, o cada vez mais intensivo e extensivo mercado. Esta é a explicação geral para a lei da tendência à desmaterialização. O dinheiro adquire ―massa‖ no seu processo de aceleração e ampliação histórica para, em diante, pelas mesmas razões, tender à desmaterialização. Karl Marx, embora não tenha percebido isto com clareza, presenteia-nos ele mesmo com a tese: Título de ouro e substância de ouro, conteúdo nominal e conteúdo real iniciam seu processo de separação. […] Se o próprio curso do dinheiro separa o conteúdo real da moeda de seu conteúdo nominal, sua existência metálica de sua existência funcional, ele traz consigo, de modo latente, a possibilidade de substituir o dinheiro metálico por moedas de outro material ou por símbolos. A dificuldades de cunhagem de moedas muito pequenas de ouro ou prata e a circunstância de que metais inferiores foram originalmente usados como medida de valor no lugar dos metais de maior valor – prata em vez de ouro, cobre em vez de prata – e desse modo, circulam até ser destronados pelos metais mais preciosos, esclarecem historicamente o papel das moedas de prata e cobre como substituta das moedas de ouro. Tais metais substituem ouro naquelas esferas da circulação das mercadorias em que a moeda circula com mais rapidez e, por isso, inutiliza-se de modo mais rápido, isto é, onde as compras e as vendas se dão continuamente de modo mais rápido, isto é, onde as compras e as vendas se dão continuamente numa escala muito pequena. (Marx, O capital I, 2013, p. 199)
37 Exemplo: dedução automática da parcela de um empréstimo no salário; este último recebido pelo trabalhador num – por meio do – banco, não mais em escritório específico da empresa, como era até a década de 1980.
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E completa: ―Para impedir que estes metais satélites tomem definitivamente [! – exclamação nossa] o lugar do ouro, determinam-se por lei as proporções muito ínfimas em que eles podem ser usados no lugar desse metal.‖ (Idem.) Percebemos que o Estado intervinha contra a tendência ao desprendimento do equivalente geral do ouro. O ritmo poderia – e conjunturalmente deveria – ser mediado pela equivalência, porém, mais ou menos dia, o dinheiro estava destinado a abrir mão do lastro em metal precioso. A causa é a fluidez das mercadorias e, por consequência, do equivalente geral. Por outro modo de abstração, entre o ouro como dinheiro e o papel-moeda sem lastro direto tivemos uma secular transição por meio do dinheiro lastreado em ouro. Na prática e pela extensa duração, fora muito mais que mera forma transitória, pois o lastro era necessário para o nível de complexidade da circulação mercantil naquele e daquele momento histórico, sendo cada vez menos necessário a equivalência do ponto de vista do conteúdo-mercadoria. O suporte, a forma do equivalente geral, precisa, portanto, ser matéria capaz de acompanhar a velocidade e o fluxo das mercadorias. Essa é uma das razões da necessidade de expressar o valor cada vez mais tendencialmente desmaterializado – embora esta lei nunca se realize em plena forma-pura – durante o desenvolvimento do reino das mercadorias, cada vez maior, extenso, e cada vez mais intenso. Sigamos a aceleração capitalista. As revoluções na produção produzem mais mercadorias, mais tipos e vendem-se em maior quantidade de espaços, distâncias e em menor tempo; logo, o dinheiro deverá expressar a agitação festiva do conteúdo: mudanças incluem a mercadoria dinheiro. Quando as revoluções do valor fazem surgir novas tecnologias – máquina a vapor, eletricidade, a digitalização, a automação, etc. – as técnicas novas fazem surgir, portanto, mercadorias novas e, principalmente, quantidade nova de mercadorias no comércio. As inovações técnicas renovadoras das mercadorias têm de renovar, também, a mercadoria-mor, o equivalente geral, o dinheiro; mais uma vez, a forma do dinheiro expressa a própria realidade em sua estrutura física, isto é, expressa o desenvolver das forças de produção em forma corpórea. No início, isso se dá por meio do crédito; quando a economia se aquece, oferendo mais mercadorias e mais possibilidades de produção, o banqueiro não pode esperar a entrada de ouro em seus cofres (primeira e segunda eras) ou de dinheiro-papel (hoje), bastando dar ao desejante de crédito um símbolo representativo da riqueza entesourada, em papel ou bits. Exemplo: as novas tecnologias criaram quantidade maior de mercadorias e necessidade de impor uma realidade onde elas circulem tão bem quanto possível; o mesmo desenvolvimento permitiu a digitalização da moeda como possibilidade e, com o evolver do sistema, necessidade. Adiantamos, no entanto,
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que esta base produtiva é importantíssima, mas o processo de mudança também se dá por mudanças na circulação e com certa autonomia relativa em relação à produção de mercadorias. Percebamos: dinheiro = ouro representa e é típico do mercantilismo, do capitalismo mercantil (século XVI ao XVIII); dinheiro = moeda com lastro em ouro ou prata deriva do ciclo de era industrial do capitalismo, da revolução industrial (século XVIII ao final do XIX) – ainda que o papel-moeda tenha sua origem e inicial desenvolvimento na Europa tempos antes; dinheiro = lastro no conjunto das mercadorias representa a fase do capitalismo imperialista, financeiro; digitalização = quarta era do capital, III revolução da indústria, a partir de 1973. Basta-nos observar alguns fatos: o lastro em ouro fora rompido nas moedas nacionais com a I Guerra Mundial, anjo anunciador da imperialismo; desde então, o lastro foi descartado e as tentativas de retorná-lo foram teórico e empiricamente abandonados. No mesmo sentido, por dificuldade em manter quantias de metais em circulação (guerras, escassez do metal, alta circulação de mercadorias, hiperinflação, etc.), em meados do século XVIII, Estados e bancos utilizaram moedas em papel ou em metal não-nobre para representar quantias em estoque possíveis de acumular – antes, estas formas conversíveis eram embrionárias. As eras do capital determinam o modo como o dinheiro encarna-se no mundo. Claro também está que não é uma determinação mecânica, mas é uma determinação ainda; a desigualdade evolutiva e certos zigue-zagues acidentais apenas demonstram o quanto cada um desses quatro momentos históricos do capitalismo acaba impondo-se. No entanto, as formas-suportes passadas do dinheiro não podem ser superadas em absoluto – guardam alguma utilidade, alguma função. Quando o capitalismo emperra e sofre por gastrite da superprodução, da crise, o ouro e a prata passam a ter um papel um pouco mais relevante (transferência de investimentos em ações para estas commoditys, comércios específicos, custeio em conflitos miliares, etc.) ou o escambo (mercadoria por mercadoria); mas nunca passarão de um papel auxiliar já que não representam em absoluto as necessidades do valor e da intensa circulação de mercadorias. Para ilustrar, basta tomar nota de que as reservas são feitas nos títulos de países com juros negativos, isto é, mesmo perdendo dinheiro, pois são títulos seguros e há possibilidade de conseguir lucro futuro no mercado de câmbio. Em resumo, um fator fundamental atua na mudança da forma material do dinheiro, a quantidade das trocas (principalmente quando simultâneas). É elemento da circulação de mercadorias, não da produção, embora esta dê a base material. Por isso, por crescentes trocas particulares, na China do século XIII pôde-se adotar o papel-moeda antes dos europeus, que usavam ainda ouro (Harford, 2017).
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Se é necessário ser mais claro, sejamos. O dinheiro mundial muda-se de matéria de modo mais lento que o dinheiro nacional, pelo menos até o advento do dinheiro virtualizado, porque a quantidade de trocas é menor – e evolui mais lentamente – em relação às tantas, pequenas e grandes, trocas dentro de um país. O mistério ―O que eu tenho no bolso?‖ está resolvido. Este capítulo teve sua primeira versão em 2015; desde lá, o preocupante caso da Venezuela – que, diga-se de passagem, é capitalista e precisa de uma revolução social urgente – reforçou empiricamente a teoria aqui elaborada como caso singular. Naquele país, houve a ―doença holandesa‖, ou seja, neste caso, o preço de mercado do petróleo manteve-se altíssimo por anos, levando prosperidade aos venezuelanos, grandes produtores de tal mercadoria. Com dólar entrando em massa, ficou mais barato importar mercadorias do que produzi-las, então a produção industrial não petroleira, em geral, definhou. Mas tudo produz seu contrário. Os preços altos atraem investimentos em busca de grandes lucros, faz compensar extrair o óleo em poços mais profundos, mais custosos, e obriga a busca de alternativas energéticas, além de gerar crise em outros setores por alto custo da matéria-prima, o que derruba a demanda; enfim, após a euforia, com grande oferta mundial, os preços do petróleo desabaram e também desabaram feito uma bomba atômica sobre a Venezuela, dependente de produzir uma grande mercadoria. O resulto é conhecido: a bruta deflação do bem exportado gerou seu oposto, hiperinflação dos necessários importados… Aqui começa nossas observações. Os EUA, visando controlar o ouro negro da região, aproveitaram o desespero da crise, tentaram estrangular financeiramente o país. O governo reagiu com muita criatividade: após fracassos sucessivos de suas medidas, fundou o Petro, sua moeda digital, criptomoeda, lastreada no petróleo – um acerto, pois o dinheiro é lastreado nas mercadorias e na mercadoria central, como demonstramos. Teve-se de ir além. Faltando de tudo naquela nação, o custo de produzir dinheiro, algo ainda mais demandado com a hiperinflação, ficou imensamente acima do valor nominal do próprio dinheiro produzido! Logo, a governança teve de estimular a digitalização de sua moeda oficial em substituição ao papel-moeda – neste caso, vale a pena destacar, mais uma vez, que o desenvolvimento tecnológico cria a possibilidade de substituição da matéria do dinheiro, tornando-se possibilidade crescente, cada vez mais necessário. Vejamos, agora, o terceiro elemento: a desvalorização da sua moeda tem relação direta com a desindustrialização do país, baseado no boom de consumo geral de importados baratos. Por último, o dólar tem sido cada vez mais usado como moeda em seu território; isso é uma forma deformada e indireta de expressar a tendência, mas apenas a tendência, superada e suprassumida pelo socialismo, de maior unificação monetária. Se o Brasil tivesse ―vocação‖ para ser um imperialismo do tipo menor, poderia oferecer o Real como opção de moeda, mediante acordos especiais, durante as crises ―monetárias‖ na América Latina, mas sobre suas costas há a
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pata firme do monstro imperialista. De qualquer modo, a revolução socialista latino-americana permitirá a unificação monetária do subcontinente antes de quase extinguir o dinheiro como o mediador das relações sociais. *** Marx e Engels consideram o dinheiro, em essência, ouro; e isto para eles se revelava no mercado mundial. Por isso, consideravam a matéria-ouro um limite em si do sistema. Este erro confunde a forma física e natural com seu uso conjuntural e histórico. O equivalente geral é, antes de tudo, parte de uma relação social específica, tem caráter social: quanto mais geral, social e consolidado – aparentemente natural – o sistema menos precisa justificar-se, em sua forma ímpar, diretamente naquela mercadoria. Quanto mais natural parecer o sistema capitalista, menos precisa de uma forma natural, o ouro, para disfarçar sua natureza social, ou seja, sua natureza transitória, histórica e instável. O dinheiro revela o nível de alienação das relações sociais capitalistas. Em nossa era, atinge a forma mais reificada, mais fetichista ao parecer, aparência, independe das relações materiais onde opera – o lastro torna-se cada vez mais indireto. Por isso o trabalho científico de rastrear as ligações íntimas do dinheiro virtual e impresso, dólar-petróleo, do dinheiro com o conjunto das mercadorias etc. A tendência à moeda em total virtual, apontando níveis altíssimos de produtividade, perdendo seu lastro atual, mostra-se sintoma de um sistema próximo a desmanchar-se. Desde a origem da civilização, a história do dinheiro descreve a tendência ao fim deste: de materialidades frágeis – boi, sal etc. – ao ganho de materialidade – cobre, metais não nobres – até a forma material elevada – prata e ouro – para, em seguida, perder materialidade – ouro por cobre, por papel-moeda, por bits. Da imaterialidade à, cada vez mais, materialidade e, em diante, à imaterialidade. É uma tendência à inexistência, ao desaparecimento. Demonstra e expressa tanto o desenvolvimento da relação social de valor quanto, em diante, sua tendência à autossupressão. O dinheiro digital, virtual, é, assim, a forma material última. Toda moeda tem dois lados, mas quatro dimensões. Tempo é dinheiro: o capital reduz o tempo de trabalho, o tempo de reprodução, o tempo de circulação, enfim, seu fundamento abstrato. A tendência à moeda unificada visa acelerar as rotações do capital, reduzir o tempo e o custo de circulação, facilitar o movimento do dinheiro e da mercadoria. Doutro modo, sem maior unidade interfronteiras e monetária, as crises seriam mais duras econômica e politicamente, as barreiras à produção capitalista seriam sentidas com maior abalo. O tema do dinheiro leva-nos ao seu destino sob o socialismo. Um progresso contínuo e desigual de deflação, aumento da produtividade do trabalho, fará o caminho da extinção daquela
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forma mercantil; quando surge a possibilidade produtiva de uma oferta tal que os preços fiquem abaixo dos custos de produção, então será a hora de encerrar a forma do valor de troca na distribuição de parte considerável dos produtos – há um salto. Com algum atraso, a forma de distribuição será mudada. N‘O Capital II, Marx conclui: Não entra em cogitação na produção socializada o capital-dinheiro. A sociedade reparte a força de trabalho e os meios de produção nos diferentes ramos de atividade. Os produtores poderão, digamos, receber um vale que o habilita a retirar dos estoques sociais de consumo uma quantidade correspondente a seu tempo de trabalho. Esses não são dinheiro. Não circulam. (Marx, O Capital - livro 2, 2014, p. 406)
Na transição ao socialismo, os cartões de débito e crédito, suportes do dinheiro digitalizado na revolução informacional, permitirão absorção muito mais exata dos dados sobre consumo, demanda, necessidades sociais e fluxos na distribuição de produtos. Um banco único estatal com dinheiro virtualizado, encaminhando o fim dessa forma enquanto forma do dinheiro, o permitirá. Tais cartões (ou mesmo o uso de celulares) deixarão de ser suportes do meio de circulação e endividamento. O desenvolvimento técnico aí pede nova forma social38. Percebemos, logo, o limite determinado historicamente sobre o maior crítico e, ao mesmo tempo, maior teórico do capitalismo: dos vales permitíveis das I e II revoluções industriais, com seus limites inerentes, à contabilidade geral científica, rápida e precisa, na produção e na distribuição, possível desde a III revolução tecnológica. Lenin afirmou que o controle financeiro sobre a produção oferecia bases ao socialismo, ao planejamento geral; o controle também sobre a distribuição, os processos de troca, conclui a tarefa histórica. MEIO DE PAGAMENTO A relação credor-devedor generalizou-se no capitalismo contemporâneo. Para manter a rotação do capital, unidade de produção e circulação, o capitalismo endividou os assalariados, as empresas e o Estado. Quando o dinheiro é meio de pagamento, o comprador recebe o valor de uso antes de dar, em troca, o valor da compra. A generalização do meio de pagamento ao mesmo tempo esconde e revela que as relações sociais podem prescindir das relações de distribuição burguesas, da mediação do mercado, isto é, dos preços. O endividamento geral da sociedade é mecanismo de retardo de explosão na forma de crises cíclicas mais duras, portanto retardo também da 38
Antes, o novo Estado concluirá a digitalização da moeda, como observa Paul Cockshott: “Remover todo o dinheiro em papel e moeda, substituir por cartões de crédito eletrônicos.” (Cockshott, Big Data e Supercomputadores: Fundamentos do cibercomunismo, 2020).
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possibilidade de socialismo. A superprodução crônica latente é base da abundância socialista, mas, sob as relações atuais, é dado um estímulo ao consumo por meio da dívida (demanda fictícia). As forças produtivas evoluíram, mas as relações de produção mantêm-se: a contradição toma forma de uma relação jurídica entre credor e devedor. A não mediação imediata do dinheiro na troca, como meio de pagamento, generaliza-se como realidade invertida da futura não mediação do dinheiro na sociedade. Em momentos históricos muito diferentes, houve também processos transitórios para novos modos sociais a partir da luta de classes entre devedor e credor: A luta de classes no mundo antigo, por exemplo, apresenta-se fundamentalmente sob a forma de uma luta entre credores e devedores e conclui-se, em Roma, com a ruína do devedor plebeu, que é substituído pelo escravo. Na Idade Média, a luta tem fim com a derrocada do devedor feudal, que perde seu poder político juntamente com sua base econômica. Entretanto, a forma-dinheiro – e a relação entre credor e devedor possui a forma de uma relação monetária – reflete aqui apenas o antagonismo entre condições econômicas de existência mais profundas. (Marx, O capital I, 2013, p. 209)
A distribuição como distribuição apenas de valor de uso está latente. A forma jurídica, a forma da dívida, esconde a possibilidade posta. Surge, então, no horizonte a necessidade de exigir o cancelamento total e irrestrito das dívidas dos trabalhadores e pequenos empresários como parte de um programa de transição em nossa época. O alto endividamento dos Estados, frequentemente para lidar com as crises do sistema, é um fator da crise latente do aparelho estatal capitalista, junto a outros fatores que visam dar fôlego à lógica do lucro (privatizações; grandes empresas militares, de produção de armas e componentes até mercenários etc.). Nas empresas, conseguiu-se o desenvolvimento máximo por meio de dívidas impagáveis, o que coloca a falência e o maior controle financeiro sempre diante de si, em uma fuga constante para frente. Marx já observava a relação em que uma fábrica adianta (ou seja, dá o valor de uso antes de receber o valor em dinheiro) seu produto, matéria-prima, para outra fábrica, que por sua vez também adianta suas mercadorias ao comerciante, que, enfim, adianta a mercadoria ao consumidor, que somente paga após certo prazo… O alto grau desse processo hoje é o que demonstra a relação de valor e de preço prestes a desabar, sendo substituído pela distribuição planejada dos valores de uso. A concepção errônea de que o dinheiro é uma convenção social, não uma necessidade imposta "inconscientemente" pelo grau e tipo de desenvolvimento social específico e histórico, tem ganhado força porque tem alguma verdade em si, pois o avanço da humanidade já pode fazer do dinheiro mera convenção social, ou seja, pode descartá-lo na lata de lixo da história ou como
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peça curiosa de museu, onde estará escrito: por este pedaço de papel, os homens matavam uns aos outros. A VARIAÇÃO DA TAXA DE JUROS Como debatemos em outro capítulo, a taxa de juros responde, no sentido de balizar-se, à taxa de lucro; aquele é uma parte deste e o juro é uma parte do lucro total. Mas a variação da taxa de juros deve-se, de modo geral, à demanda por dinheiro. Marx faz tais afirmações nos manuscritos d‘O Capital III são manuscritos, faltando revisões e aprofundamentos. Neste e no próximo subcapítulos, regataremos Marx para polemizar com o reformismo teórico e, no necessário, pôr algumas atualizações. A elevação ou a queda dos juros são duas táticas burguesas para o enriquecimento, sem distinção, por isso a burguesia e seu Estado atuam à revelia das teorizações em que defendem um ou outro mecanismo; usa ora um e ora outro. Por quê? Porque a tendência – à elevação ou queda39 – transforma-se em sua negação, seu inverso. Vejamos um exemplo típico. A elevação de juros aumenta o lucro dos bancos, leva à falência as empresas ―em excesso‖, aumenta o desemprego, o que rebaixa salários e eleva a disciplina dos assalariados (quebra as greves), permite fusões de investimentos, atrai investimento especulativo influenciando o câmbio (importações mais baratas) (Serrano, 2010), etc. Tal ação, logo mais, torna as dívidas impagáveis, rebaixa o consumo a níveis perigosos, produz-se luta de classes a partir do ―segundo momento‖ da conjuntura, ocorre deflação ou inflação baixa, diminui a demanda por dinheiro, atrai investimento internacional como para os títulos da dívida melhor remunerados etc. Ou seja: estimulam o movimento oposto: surgem as condições para baixar a taxa de juros. A queda da taxa de juros estimula o setor produtivo, gera novos empregos, afasta parte do capital internacional (influenciando o câmbio), torna as dívidas pagáveis (o que reduz ainda mais os juros). E surge mais uma vez o oposto: a demanda de moeda aquecida aumenta a taxa de juros, a superprodução produz desconfiança dos bancos (aumentam os juros diante do risco acrescido, já que os pagamentos começam a faltar – os empresários produtivos também estão dispostos a pagar dívidas vencidas impagáveis com dívidas novas com juros maiores), ocorre o afastamento do capital especulativo internacional, o capital necessita que se ―limpe‖ a concorrência demasiada e precisa que a taxa de desemprego cresça para disciplinar os trabalhadores (o salário desses tende 39
Abstrairemos as pequenas flutuações e focaremos nas “ondas longas”. Além disso, a teoria que expomos aqui é ainda mais condizente nos EUA; o Fed (banco central) deste país afeta as taxas de juros nas demais nações ao alterar suas próprias taxas. Assim, se lá aumentam-se os juros, logo atrai capital para si, para os títulos de dívida estadunidenses, tirando dólar e investimento de outros países, que são, em regra, forçados ou pelo menos “estimulados” a compensar também elevando os juros, para voltar a atrair capital.
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a aumentar com o pleno emprego, e esta é a verdadeira inflação combatida no superaquecimento da economia) – a taxa de juros, então, responde com o devido aumento. A queda da taxa de juros deu as condições do seu oposto, a elevação. O movimento dialético, de uma tendência produzir as condições de seu oposto, e vice-versa, é o que interessa aqui. Em certa medida, abstraímos outros fatores e tratamos de modo mais puro a questão. A realidade, os ciclos industriais da indústria e do comércio, que tende a forçar e estimular a queda ou aumento da taxa de juros, a relação de oferta e demanda por dinheiro, transforma-se também em efeito da mudança da taxa por meio da causalidade recíproca. Os economistas do banco central ―fazem-no, mas não o sabem‖ (Marx) sobre a real razão da variação da taxa de juros de curto prazo; como dissemos, por exemplo, a chamada curva de Phillips – pleno emprego é igual a inflação e desemprego é igual a baixa inflação ou deflação; algo, em verdade, contingente – é o exemplo de justificativa formal das medidas, porém, reforçamos, a real inflação e motivo das medidas são problemas do tipo como os aumentos com o custo do trabalho a partir do baixo desemprego (no próximo subcapítulo, isso ficará ainda mais claro). A taxa de juros tendendo a orbitar em torno a um valor médio próximo de zero em vários países mantém tal tendência de flutuação, embora de maneira tão sintomática quanto ao fim do sistema capitalista. Há menor margem de manobra dos governos com a limitação ferramental dos juros desde sua queda para os atuais níveis. Fica cada vez mais difícil o governo estadunidense manter a meta de 2% de inflação anual com objetivo de pleno emprego assim como há dificuldade de o Brasil manter a meta de inflação de 4,5%. Tais metas, aliás, não são obra de uma economia supostamente pura, são uma resposta à luta de classes; algum nível de estabilidade prolongada faz-se necessário para o funcionamento do capital. Há ainda outro detalhe de época. Se um governo força por mais tempo que o necessário a queda da taxa de juros, como no caso das medidas anticíclicas do governo brasileiro desde 2008, ou, ao contrário, força seu aumento por maior período, logo mais intenso será, depois, a ação oposta a qual o Estado estará forçado a promover; assim, o aumento da taxa de juros no Brasil a partir de 2015 foi explosivo, algo como uma compensação relativo ao período anterior. Descobre-se que a tendência geral de elevação ou queda dos juros depende de fatores objetivos e endógenos. Mas, em si mesma, uma decisão singular do banco central sobre a taxa de juros é subjetiva e exógena. Uma sequência de medidas, que respondem a fatores materiais em geral, pode até ir contra as tendências e exigências da realidade, porém então fomenta condições, também políticas, para que a macrotendência econômica imponha-se. A oposição entre a endogeneidade ou exogeneidade da taxa de juros tem sua resolução proposta, pois medidas ―em si‖ determinadas pelo governo ou Banco Central representam, com acidentes, já que o fator
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exógeno tem margem de ação, uma legalidade quando vistas em conjunto. Vejamos um caso reconhecidamente extremo. O governo brasileiro elevou a taxa de juros para os estratosféricos 68,91% (!) em 1994; tal decisão foi em si determinada de forma exógena, foi uma decisão política. Mas qual motivo justifica tal ação? Algo forçou a subjetividade a pensar medidas do tipo? A resposta: sim: por mais de uma década vivia-se uma situação de hiperinflação com pleno emprego dos fatores de produção, greves duras e longas, crescimento radical da esquerda, instabilidade econômica e política constantes. Então foi necessário tal medida para atrair capital especulativo, dólar, e forçar a valorização do câmbio para em torno de 1 real equivalente a 1 dólar, ou seja, explodiu a entrada de importados baratos, empresas nacionais quebraram diante dos juros e da concorrência, isso gerou um desemprego que – junto com mercadorias de baixo preço – encerrou o longo período de grandes lutas sociais. Em diante, a partir dessa nova base de referência, a taxa de juros passou por seus ciclos de queda para, em alternância, o período oposto, de elevação, até chegar ao histórico 2% em 2020. Logo, a determinação dos juros é e não é exógena e ao mesmo tempo é e não é endógena. Vale dizer que, sob o capitalismo, a variação da taxa de juros pode ser em parte substituída pela mudança dos preços de energia (elétrica, gasolina etc.) regulados pelo governo. Tais mercadorias afetam as demais e a demanda e a oferta, o rumo do dinheiro etc. A ASSIM CHAMADA ―TEORIA MONETÁRIA MODERNA‖ No desenvolvimento do capitalismo no século XX e início deste século, inflou-se uma base social que deve ser considerada pela teoria das classes: o setor médio do assalariado servidor público, uma parte da pequena burguesia, entre o operário e o burguês. Com a ampliação numérica do número de membros deste grupo social e certa precarização do seu trabalho, houve uma esquerdização destes, expresso, por exemplo, na adoção dos métodos proletários de luta, como a greve. É natural, portanto, que surjam teorias que representem este setor. Assim, teóricos afins defendem o fortalecimento do estado burguês, os serviços públicos, contra as privatizações e pela adoção da política econômica keynesiana. Recentemente, a assim autoproclamada Teoria Monetária Moderna (MMT) busca destacar-se em meio ao reformismo político de esquerda. Dada a moda teórica recente de tal concepção, vamos aqui discordar de algumas de suas conclusões indo ao núcleo de sua natureza. A pergunta universal do nosso artigo é se Marx estava correto ao afirmar que o capitalismo tem contradições inerentes ou, ao contrário, podemos encontrar algum nível de estabilidade interna por dentro do sistema vigente; ou seja: se o reformismo e o centrismo (que está entre a reforma e a revolução) ou o marxismo tem razão.
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A MMT afirma: 1) é o Estado a fonte do dinheiro; 2) os impostos sevem apenas para retirar excesso de moeda e nunca para fins de financiamento estatal; 3) então, o Estado pode criar dinheiro ―do nada‖ ao ponto de produzir permanente pleno emprego. Vamos aos elementos que impedem a proposta de realizar-se. 1. O Estado A MMT tem por premissa o Estado abstrato, sem classe; o aparato estatal é, nesta visão, apenas o ente racional e bastam boas propostas para tudo dar certo… O caráter de classe da principal superestrutura burguesa é tema que passa longe dos teóricos da corrente aqui criticada. Adota-se a concepção de parte da classe média, a dos servidores públicos em especial: o Estado é mais ou menos em si neutro e disputável, pode ser ganho para esta ou aquela concepção. A luta de classes pode, em tal visão de mundo, ser mesmo útil para pressionar e gerar algum equilíbrio de forças opostas (veremos como isso é inviável). A MMT ignora que a principal instituição estatal são as forças armadas e que, para garantir as regras do capital, a força objetiva das armas, além de toda burocracia interna, pode ser usada para garantir que tudo ocorra tal como espera a classe dominante. Um governo ―progressivo‖ é incapaz de mudar qualitativamente a natureza do Estado; isso é provado pelos tantos golpes contra governanças de esquerda, mesmo quando fizeram tão pouco. A lógica da realidade atual impõe-se nem que seja por meio da bala e do fuzil. O centro de uma produção teórica é descobrir porque as coisas são como são e não de outra forma, porque algo se faz necessário; distanciamo-nos do ―como deveria ser‖ para entender como de fato o mundo é e os seus motivos. A mera consideração da natureza do Estado, independente do tipo de governo, já põe abaixo a defesa de políticas baseadas na MMT. A realidade tem mecanismos internos para impor suas leis. O mais absurdo é que toda a história humana é negada pela teoria citada já que, segundo seus teóricos, apenas faltou aos governantes a teoria correta cuja origem é tão recente… Se as propostas da MMT fossem corretas e viáveis, se garantisse a prosperidade do capital, os governos teriam pressa em implementá-las. 2. O pleno emprego Este é o ponto mais decisivo da compreensão e o mais importante deste comentário. Observemos como o equilíbrio entre as classes é inviável, o que torna o uso prático da ―moderna‖ teoria monetária um desejo utópico por um capitalismo mais humano. Para a MMT, o máximo do dinheiro ―criado do nada‖ sem inflação é alcançar o pleno emprego dos fatores de produção cuja medida central é empregar toda a força de trabalho nacional. Aqui o reformismo fica mais evidente ao deixar de compreender que ao capital é
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inerentemente insuportável por muito tempo uma situação de emprego pleno. Vejamos os motivos. 1. O pleno emprego, como força de lei objetiva – já que o medo de desemprego quase que desaparece –, leva necessariamente à onda de greves cada vez mais duras e confiantes, às paralizações longas, aos ganhos reais de salário; enfim, ao aumento do custo unitário do trabalho, ou seja, uma parte do que seria lucro empresarial torna-se salário e custo com direitos sociais. Os trabalhadores tomam, assim, a ofensiva até mesmo na política (Kalecki, 2020). Isto é um problema ao capital e de modo algum pode ser indefinidamente suportado. Observamos tal fenômeno ocorrer até o pico de 2016 no Brasil, antes do efeito do aumento vertiginoso da taxa de desemprego como política econômica burguesa. A partir da premissa equivocada de que a crise de 2008 seria apenas um abalo conjuntural, o governo do PT, esperando a normalização internacional, tomou medidas anticíclicas como a redução dos juros (em parte permitida pela entrada de capital especulativo no país, que saída dos países centrais em busca de melhores rendimentos contra a crise), investimentos estatais, aumento real do salário mínimo, etc. Observemos os dados a partir de 2013. A quantidade de greves explodiu:
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Fonte: (Dieese, 2020) O número de horas paradas também – desde 2009:
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Fonte: (Dieese, 2020) Aqui, temos de retomar a dialética. A realidade total nunca é como certa máquina ou relógio ou computador com sua causalidade mecânica; o real é um sistema orgânico, um organismo, por isso a causa, o (quase) pleno emprego em nosso caso, apenas de modo atrasado tem efeito nas mobilizações dos trabalhadores; pela mesma lógica da materialidade, o processo de fim do emprego pleno atrasadamente passa a reduzir a onda de paralizações. Como razão, o baixo desemprego correspondeu ao aumento das lutas: GRÁFICO 10
Fonte: (IBGE, 2020)
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Fonte: (idem, 2021) Veja-se que o governo petista40 adiou, não impediu, a forma destrutiva da crise por anos, com ações anticíclicas que fundamentaram um conflito distributivo de longa duração, que começa a ser revertido apenas com a entrada de vez do desemprego, com o processo de fim do pleno emprego: 40
Exato na época de grandes greves, entre 2013 e 2016, um setor da esquerda e de seus intelectuais, muitos petistas e muitos outros formalmente comunistas, defenderam a tese antimarxista de que havia no país uma “onda conservadora”. Tal “onda” pairava no ar, não se sabendo como surgiu nem de onde vinha, e entrava na consciência de todo o povo… Mas a empiria os desmentiu: se há onda grevista, logo há aí uma expressão da realidade esquerdizando a massa de assalariados. Eis tudo. Despois, a moda intelectual e reformista caiu em desuso, sem o devido balanço ou autocrítica. Daí se observa vários problemas, entre eles o fato de a intelectualidade acadêmica dita marxista viver em um mundo paralelo, mais próximo da classe média em seus apartamentos vizinhos, que entre trabalhadores de fato ou na periferia; isso também se expressa em que, em geral, estudam e pesquisam o que bem querem, não necessariamente o que o movimento revolucionário necessita, mesmo que por mediações e no próprio tempo da teoria, caindo por vezes em discussões alienadas, bizarras por vezes, das pressas da conjuntura ou da estrutura. Outro erro naquela conjuntura, que ainda persiste na esquerda, ocorreu quando caracterizaram a situação politica, pelo menos a partir de 2013, como pré-revolucionária. Nossas observações refutam tal análise. O crescimento das lutas foi causado não por destruição econômica, mas por certa marcha forçada de crescimento, permitido pelo boom da venda de commodities ao estrangeiro a preços elevados, especialmente à China (que também adiou a forma destrutiva da crise – a superprodução de capitais no mundo – em seu território com incentivos estatais). Logo antes de uma crise propriamente dita, o desemprego cai, os salários sobem e as lutas crescem; por isso, a situação política era não revolucionária, mas aí entra outra categoria, momento, tratada em outro capítulo, útil para perceber que estávamos, por causa de circunstâncias combinadas, em um momento ofensivo, não defensivo. Com o golpe jurídico-parlamentar contra o governo Dilma (na aparência, pois, na essência, visava acelerar os ataques contra os trabalhadores que a governança do PT já não era capaz de aprofundar ao perder apoio dos assalariados), a situação tornou-se reacionária – e o momento tornou-se defensivo – porque combinou destruição econômica, perda de direitos, redução das greves e das lutas, classe média voltada à direita, burguesia unificada e governos reacionários.
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Fonte: (IBGE, 2020) 2. O pleno emprego tem como base o aumento do número de empresas concorrendo pelas parcelas do valor global. O que isso significa? Com maior oferta, os preços tendem a cair (e o patrão já está perdendo lucro com o ponto 1, a força dos trabalhadores confiantes com o baixo desemprego). Eis outro problema, por isso a quebra econômica é bom para algumas empresas e ao capital em conjunto. 3. No aquecimento da economia, as empresas crescem e podem pagar suas dívidas, o que reduz os juros. Mas o consumo aumentado e os investimentos a todo vapor leva a uma demanda maior por dinheiro, o que por sua vez aumenta os juros – por mais um meio, o burguês "produtivo" é sugado cada vez mais, dessa vez pelos bancos. 4. Com o aquecimento da economia, as empresas de monopólio sugam parte do valor global, que reduz a apreensão de valor em outras empresas, com preços artificialmente altos. Mas há aqui ainda, aqui, outro caso típico. Pleno emprego dos fatores de produção, cuja medida é o uso de quase toda a força de trabalho disponível, é diferente de equilíbrio; enquanto a maioria dos setores está obrigada a rebaixar os preços, algumas empresas possuem oferta menor que a demanda, o que obriga aí à elevação dos preços, a sugar valor para si, aumentando os custos para outros (com matéria prima, etc.), e leva algum tempo para que surjam novas empresas que aumentem a oferta.
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Enfim: o pleno emprego é crise ou, adotando o raciocínio dialético, o primeiro sinal da crise por meio de seu oposto – e crise é solução do ponto de vista do capital. O governo será pressionado a adotar a política econômica correspondente como foi o caso do governo Dilma II (um golpe de Estado apoiado pela maior parte da burguesia impôs a política econômica que o governo tinha dificuldade de assumir, pois havia perdido base social com as medidas do ministro da fazenda Levy). A crise é uma necessidade do capital. Se queremos o pleno emprego, temos de aprender a ―política econômica‖ marxista, o programa de transição. No lugar da utopia de apenas fazer o Estado forçar o pleno emprego por emissão de moeda e gasto público, exijamos algo classista, o que mobiliza as massas quando o desespero as alcança: escala móvel de tempo de trabalho, ou seja, redução da jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza desemprego zero; isto é dividir todo o trabalho disposto na sociedade entre toda a força de trabalho disposta. Mas é mais fácil o capitalismo cair do que tal proposta ser aceita, especialmente durante a crise, e esta é exatamente sua grande força: empurra para uma luta ―reformista‖ pelo o fim do sistema. É uma política superior à noção de Keynes, muito. Há uma taxa social, não natural, de desemprego exigido pela própria lógica do sistema capitalista, portanto quebrar uma de suas leis leva à revolução social. Para isso, o caminho não é o voto em partidos ―progressivos‖ ou dar bons conselhos ao capital sobre como é supostamente bom uma economia capitalista a todo vapor, mas elevar o nível de organização dos trabalhadores. 3. A desvalorização do dinheiro É evidente que o governo pode aumentar a quantidade de dinheiro, acima da arrecadação. Mas isso é quantitativo, não qualitativo, isto é, deve lastrear seus gastos nos impostos41, lucro de estatais e em empréstimos. Um incremento massivo de dinheiro em curto tempo tende a gerar inflação, mesmo que seja dos ativos financeiros, como temos observado desde 2008. Assim, uma quantidade maior de dinheiro, acima do necessário à circulação e ao entesouramento, tende à desvalorização da moeda. Isso é verificável, em especial desde o fim do lastro direto ao ouro (produzindo, segundo José Martins, inflação fictícia): 41
A MMT afirma que o arrecadado via impostos é destruído, como dados que são, e o Estado cria, posteriormente, dinheiro de todo novo ao gastar. Assim, a “teoria” seria correta por ser mera descrição empírica do que ocorre. Ora, se o dinheiro é destruído em uma ponta do processo, ele passa a existir idealmente na contabilidade estatal, muda de forma, ou seja, é, no segundo momento, apenas fisicamente (papel, bits) substituído por matéria nova, que passa a representar em diante aquilo recolhido legalmente. Os teóricos da MMT separam em absoluto de modo artificial os dois momentos e ignoram a transição de um para o outro. Descobrimos que os gastos são, portanto, lastreados, não arbitrários.
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GRÁFICO 13
(Prado, Dinheiro: entre a ficção e o fetiche, 2020) Assim, uma política baseada na MMT pode gerar, sob certas circunstâncias e proporções, fenômenos como a estagflação (Prado, Dinheiro: entre a ficção e o fetiche, 2020). A solução real dos problemas econômicos duros das próximas décadas virá pelo, até agora esquecido, programa de transição, ou seja, pela revolução social. O ESTADO E A CRISE MONETÁRIA Observamos que o governo, digamos, sente os sinais de que deve elevar ou reduzir os juros – e sua ação tem importância vital (a taxa de juros começa endógena e, permanecendo assim, torna-se cada vez mais exógena por bancos centrais e por dinheiro artificial; A=A e… Não-A). Também soubemos que o dinheiro virtualizado torna-se, em certa medida, artificial, tornando também artificial e formal, em alguma medida, o sistema de arrecadação de impostos e de gastos (ver a última nota de rodapé). Enfim, em certo grau, a existência e a lógica do sistema é, hoje, garantida artificialmente pelo Estado, que garante uma regulação capitalista ―normal‖. Isso é um sinal negativo, invertido, na artificialidade do sistema, de que uma ferramenta estatal – desta vez, baseada na democracia participativa e direta, socialista – é necessária para um verdadeiro planejamento econômico finalmente possível. Além disso, denuncia que os limites do capitalismo expressam-se dentro dele próprio. Em nota anterior, dissemos: ―Vários marxistas e economistas perceberam que o Estado, de modo artificial (garantindo o funcionamento do sistema artificialmente – o que em si merece reconhecimento teórico) impediu que poderosas empresas fechassem as portas…‖ Eis uma conclusão inescapável. Isso é um dos modos de contradição
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entre a necessidade de desenvolvimento das forças de produção, exigindo novo modo de vida, e as relações de produção e superestruturais vigentes. O Estado e os bancos mantém e criam o dinheiro de modo artificial, ou seja, contradição, uma vez mais, entre forças produtivas e relações de produção-superestruturas. A aparência de dinheiro sem lastro é real, levada a sério, o que mina sua essência existencial; eis o contraditório. O dinheiro perde a medida, torna-se desmedido, um sem medida. A vã tentativa de salvar o sistema por criação hoje fácil e vulgar de moeda apenas adia e torna mais explosiva a catástrofe. O dinheiro é, em nosso tempo, um nada que ainda é tudo; eis o paradoxo. A facilidade atual de criar ou destruir moeda é o sinal de seu fim, de sua dispensabilidade. Carcanholo pensa a desmaterializacão da forma dinheiro como uma afirmação do valor, que tende a ser puro conceito – não vê sua crise como expressão da crise do dinheiro e do valor. No polo oposto, Kurz uniletariza ao pensar o dinheiro como sem valor, sem ver o lastro oculto na mercadoria, ou melhor, no seu valor. A ―impressão‖ desregulada de dinheiro é o quantitativo subordinado tentar dominar o qualitativo dominante; mas, assim, o quantitativo tende a negar-se em sua autoafirmação arbitrária. Veja-se que o presidente Biden dos EUA adotou a tática da MMT, criou dinheiro tanto quanto a política permitiu. Após o início da crise de 2008, a base monetária, saltou de 1 trilhão para 2 trilhões de dólares. Depois, saltou para 4 trilhões. Enfim, para 9 trilhões! Dinheiro solto, o que nos dá outro exemplo empírico para demonstrar ―pleno emprego é crise‖. GRÁFICO 14
(Fonte: na imagem)
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Mas a inflação que surgiu com o pleno emprego não é em exato por conta do excesso de moeda na praça, pois a circulação de dinheiro desabou naquele país: GRÁFICO 15
Fonte: (Roberts M. , Alta da inflação e risco financeiro, 2021) Assim, na Europa e no EUA deram-se todos os sintomas da nova crise mundial após a quebra de 2008, isto é: desemprego baixo, aumento dos salários, aumento das greves, aumento do preço das matérias-primas (incapazes de acompanhar como seria melhor o aumento da demanda industrial, caso dos chips em falta), aumento dos juros etc. A MMT faliu e envelheceu mal, pois pleno emprego é gerar instabilidade ao capital e ao capitalismo.
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PARTE 2 CRISE SISTÊMICA E ESTRUTURA (CLASSES, GRUPOS)
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CRISE DA URBANIZAÇÃO ―Um desenvolvimento das forças produtivas que diminuísse o número absoluto de trabalhadores, isto é, capacitasse realmente a nação inteira a efetuar toda a produção em menor espaço de tempo, acarretaria revolução, pois tornaria marginal a maior parte da população.‖ (Marx, O capital 3, 2008, p. 343) A transição do capítulo anterior para este (que é também transição, da esfera da infraestrutura para a estrutura) é o que se segue. Embora a centralidade da produção, a circulação maior, a maior quantidade de trocas, em especial se simultâneas, é importante base para as mudanças materiais da forma-dinheiro. A urbanidade crescente, portanto, ao ser o cenário central de tais eventos, deve ser melhor tratada. A tendência à urbanização surge de modo embrionário desde a fixação do homem ao solo, cultivo e criação. Nas sociedades escravista e feudal, baseados na agricultura, a necessidade de organizar o Estado, com suas forças administrativas e repressivas, fazia surgir centros urbanos cada vez mais inflados. A própria concentração urbana, ao deslocar massas humanas para fora do trabalho sobre a terra, fez surgir também o comércio e, com este, o comércio de dinheiro. Ao lado do setor produtivo por excelência, uma gama de ofícios estatais e não – centros de ensino, etc. –, serviço, e artesanais aumentavam em número. No entanto, apenas o capitalismo faz surgir um modo de produzir cujo centro de gravidade está não na relação imediata com a natureza, mas na fabricação, na fábrica, que pode e instala-se nas cidades. É necessário uma população concentrada e disponível para trabalhar com salários baixos, concorrendo uns contra os outros tal qualquer mercadoria; e é preciso, com o grau de produtividade cada vez mais elevado, concentração e aumento do número de consumidores. A urbanidade é típica do capitalismo; a tendência à urbanização crescente, cujo impulso primeiro é econômico, é uma lei desta sociedade. A expulsão do camponês das terras, pela concentração e centralização de capitais, ao lado da própria atração causada pelo espaço urbano, servem de estímulos constantes42. Podemos trabalhar três fatores centrais de interinfluência. Em primeiro e ponto de partida, o desenvolvimento da produção, seu aumento de escala, exige aumento e desenvolvimento de produção na indústria de insumos, que no campo necessita de pouca mão de obra para gigantescas propriedades. Em segundo, a própria urbanização exige aumento da capacidade produtiva, do desenvolvimento técnico, para suprir novas demandas, novos consumidores. Em 42 Elemento em parte exógeno, os problemas ambientais também atuam nesse sentido (vide secas periódicas no nordeste brasileiro por influência do el niño); no mais, o capital tem enorme talento para gerar problemas ao meio ambiente.
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terceiro, citado antes, o processo de queda dos preços das mercadorias e certas vantagens do mundo urbano exercem atração e possibilidade de fuga dos desesperos pessoais e familiares por um salário qualquer, o que expressa a desigualdade, a ser resolvida, entre cidade e campo. Para demonstrar o caráter histórico da questão populacional, enumeraremos como a crise sistêmica desenvolveu-se nos diferentes modos de produção classistas. Demonstremos o aspecto de alocação e crescimento populacionais: 2. Sistema escravista. A concentração de escravos em campos de trabalho tornou-se enorme, facilitando revoltas. Por isso, era preciso contratar mais capatazes e administradores para poder gerir os campos, que estavam maiores; contraditoriamente, retirava do senhor de escravos os rendimentos da exploração, já que aumentava as despesas. O aumento de revoltas, do território e da necessidade de guerra para capturar mais humanos, fazia necessário mais usar e ampliar o Estado e, para isso, retirar mais dos frutos do próprio trabalho escravista. Surge a greve de soldado. A crise romana tem como uma das causas o aumento e concentração populacional enorme de subalternos. No fim do império, já na antessala do feudalismo, limitaram-se as conquistas militares, logo o número de escravos passou a cair, o que em si colocava uma crise, uma contradição, em questão. 3. Sistema feudal. Com técnica e modo de trabalho mais avançados que o escravista, a reprodução humana permitiu o inchaço populacional nos feudos. Tornou-se um problema ao suserano, querendo evitar motins e desejando acumular para si os rendimentos da produção campesina. A classe dominante da época contou com a ajuda sagrada da Igreja Católica: esta excomungava servos para justificar, sob a acusação de infidelidade a Deus, a expulsão de homens daquelas terras. Os últimos tornavam-se comerciantes e judeus, principalmente. Assim, com excedente de produção e população no campo e, por consequência, o renascimento do comércio, surgem os embriões do capitalismo, dos bancos, o renascimento das cidades, etc. Como reação, formam-se Estados absolutistas feudais e, por efeito, nova larga camada de funcionários e funções, além de impostos. À decadência feudal corresponde à inflação do Estado e a corrosão de seu caráter original de classe por meio das dívidas públicas e dos ganhos, em impostos e poder econômico, com o avanço das relações mercantis. Junto a isso, o aumento populacional campesino – e também o na urbanidade – gerou base numérica para revoltas sociais e revoluções burguesas.
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4. Sistema capitalista. Centros urbanos concentradíssimos, megalópoles. Em todos os países com algum peso na economia mundial, a urbanidade e superurbanidade é a regra. Concentração urbana de operários, desempregados, assalariados de classe média precária e a pequena burguesia empobrecida – portanto: capacidade explosiva e de unidade maiores. A terceira revolução industrial, e mesmo o desenvolvimento da técnica produtiva anterior a tal base, torna crônico o desemprego. Campo dominado por monopólios e oligopólios, com altíssima tecnologia e proletarizando o camponês, além de expulsá-lo para o mundo urbano. A densidade relativa eleva-se por meio da internet – encurtamento das distâncias relativas, não físicas. O Estado é imprensado entre ser fonte de lucro para a classe dominante (dívidas públicas, etc.) e garantir, ao mesmo tempo, um aparato, uma superestrutura, para gerir a sociedade, incluso e em enorme medida por sua dinâmica populacional e urbana43. Engels, como se, ao final, falasse de nossa época e percebendo as tendências gerais:
[A revolução industrial] desenvolveu por toda a parte o proletariado na mesma medida em que desenvolveu a burguesia. Na proporção em que os burgueses se tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários mais numerosos. Uma vez que os proletários somente por meio do capital podem ter emprego e o capital só se multiplica quando emprega trabalho, a multiplicação do proletariado avança precisamente ao mesmo passo que a multiplicação do capital. Ao mesmo tempo, concentra tanto os burgueses como os proletários em grandes cidades, nas quais se torna mais vantajoso explorar a indústria, e com esta concentração de grandes massas num mesmo lugar dá ao proletariado a consciência da sua força. Além disso, quanto mais [a revolução industrial] se desenvolve, quanto mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto mais, como já dissemos, a grande indústria reduz os salários ao seu mínimo e torna, por esse facto, a situação do proletariado cada vez mais insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o descontentamento crescente e, por outro lado, com o poder crescente do proletariado, uma revolução da sociedade pelo proletariado. (Engels, Princípios Básicos do Comunismo, 2006, grifos nossos) 43
“A intervenção estatal não é nova. Em 100 anos, o tamanho do Estado moderno se expandiu de menos de 20% da renda nacional na década de 1920 para cerca de metade hoje. Os gastos dos governos da União Europeia atingiram em média 51,5% do PIB em 2021. Tem sido assim há muitas décadas, embora com flutuações e com alguns países, como Bélgica, França e Alemanha, mais altos e Reino Unido e Irlanda mais baixos.” (Sweeney, 2022) O autor da citação anterior vê o peso do Estado na manutenção do status quo, mas enxerga nisso uma salvação, não um sinal de que o aparelho sustenta artificialmente o passado, impedindo o novo por enquanto. Em outro capítulo focaremos na crise do Estado burguês como condição do fim de toda forma de Estado.
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Como parte das crises sistêmicas, a destinação improdutiva do mais-trabalho e mais-produto (sob o capital, mais-valor) e sua extração para outros setores ganha expressão particular no capitalismo na medida em que Há os bens industriais, para os quais o crescimento da produtividade tem sido mais rápido do que a média da economia, de modo que seus preços têm ficado abaixo da média. […] Por fim, há os serviços, para os quais o crescimento da produtividade tem sido, de modo geral, fraco (até nulo em certos casos, o que explica por que esse setor tende a absorver uma proporção cada vez maior da mão de obra) e para os quais os preços aumentaram mais do que a média. (Pikett, 2014, p. 109)
Ou seja, o sistema de preços, a sua mediação social, faz com que os serviços suguem parte maior do valor global sem produzir, em troca, novo valor. O preço de um tendendo a cair e do outro tendendo a ficar acima da média em muitos casos faz com que esta sucção seja crônica. Alguns destaques da urbanização ainda precisam ser feitos. 1) A concentração humana é mais decisiva para o destino da humanidade do que seu tamanho absoluto, que também tem importância real em si. Se os oprimidos são três vezes maiores em quantidade, mas muito mais dispersos, ou seja, pouco urbanizados e com nível de desenvolvimento das comunicações e transportes baixíssimo, então tem-se uma perda de força social, efetiva e potencial. Ao contrário, se a população absoluta diminui, por baixa natalidade, etc., Mas reúne-se, temos, por isso, a base material do explosivo histórico potencializado, ao cubo. 2) O setor de transportes, um setor bastante específico do capital industrial, que cresceu de importância com a urbanização e com o comércio no mundo, pode impor uma greve geral ainda que muitas categorias não paralisem. A velocidade da comunicação e do transporte diminui também a necessidade de estoques, logo uma paralização da circulação – que também pode ser feita por setores não operários como com bloqueio de vias, estradas, etc. por movimentos populares – tem grande impacto na economia e na política. 3) A própria urbanização elevada, elevando a demanda, per se gera necessidade de ampliação, maior complexidade e generalização de serviços. Utilizemos o exemplo da saúde: antes, o médico formado atendia pacientes em suas casas e desenvolvia relações sociais com os clientes; hoje – diante da proporção urbanitária –, há relação formal, objetiva e impessoal ligado à dinâmica adquirida por este trabalho, pelos centros médicos e hospitalares – fenômeno relativamente novo na história da medicina. Sobre este destino improdutivo de valor, Kurz complementa:
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O capitalismo (…) também estabeleceu uma estrutura de condições sociais institucionalizadas sem as quais seria inconcebível uma grande produção cooperada voltada ao mercado mundial (…) compreende (…) uma infraestrutura social, como, por exemplo, um sistema de transportes e de comunicação amplo e ramificado, fornecimento de energia, regulação (…) e, não menos importante, um sistema de ciência e educação amplo e integrado. (…) Todas essas condições de infraestrutura social custam trabalho e absorvem uma parte historicamente crescente dos recursos sociais da força de trabalho. (…) Em relação ao processo de criação de valor, ele permanecem, por conseguinte, improdutivos. (Kurz, A crise do valor de troca, 2018, pp. 29, 30, 31)
O impulso constante do valor-capital de transformar tudo em mercadoria transforma em relações mercantis produtos que não guardam em si valor, isto é, cria base de sua crise, pois sugam parte do valor criado na produção. É o exemplo do preço do solo (capital fictício), que infla seu preço com a urbanização44. A enorme urbanização eleva as necessidades e, por conseguinte, as demandas sociais. O Estado teve de ampliar-se por endividamento, atraindo empréstimos dos capitalistas no lugar de lhes tomar parte maior do mais-valor via impostos, dadas as proporções aumentadas dos elementos e custos para manter num patamar aceitável as condições sócio-ambientais para o processo de reprodução do capital (PRADO, 2018). As necessidades coletivas crescem; temos, então, todo tipo de questões a se resolver e acumuladas: transporte e mobilidade, salubridade, qualidade ambiental, violência, aluguéis e habitação, necessidade de espaços para estudo e lazer, acesso à água tratada, energia, etc. As coisas por se fazer juntam-se a todas as pautas de classe, como a salarial e tempo de trabalho; tendem ao acúmulo de tensões e stress socais. No Rio +20 (2012), patrocinado pela ONU, foi elaborada uma carta cujos alguns trechos são úteis:
Cerca de metade da humanidade vive hoje em cidades. Populações urbanas cresceram de cerca de 750 milhões em 1950 para 3,6 bilhões em 2011. Até 2030, quase 60% da população mundial viverá em áreas urbanas. O crescimento das cidades significa que elas serão responsáveis por prestar serviços a um número sem precedentes de pessoas. Isso inclui educação e habitação acessíveis, água potável e comida, ar limpo, um ambiente livre do crime e transporte eficiente.
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Além do preço de aluguel de terreno, o preço do solo tende a crescer, como percebeu Marx, porque a taxa de juros tende a ficar baixa com a queda histórica da taxa de lucro aos níveis atuais.
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Nas próximas décadas, 95% do crescimento da população urbana mundial ocorrerá em países em desenvolvimento. Espera-se que a população urbana da África cresça de 414 milhões para mais de 1,2 bilhão até 2050, enquanto a Ásia vai crescer de 1,9 bilhão para 3,3 bilhões. Essas regiões juntas vão contabilizar 86% do crescimento total da população urbana mundial. […] 828 milhões de pessoas vivem em favelas hoje e o número continua a crescer. Os maiores aumentos populacionais urbanos de 2010 a 2050 são esperados na Índia, China, Nigéria, Estados Unidos e Indonésia. Índia terá um adicional de 497 milhões à sua população urbana; China – 341 milhões; Nigéria – 200 milhões; Estados Unidos – 103 milhões; e Indonésia – 92 milhões. (RIO+20: FATOS SOBRE AS CIDADES)
Este gráfico da ONU expressa a tendência geral de altíssima urbanidade e, por outro, estagnação da população rural: GRÁFICO 16
Fonte: (ONU, 2014) Apesar de a urbanização alta ser um fato evidente, dispomos alguns dados de 2020 para fins de exemplificação, de sentir o peso social: Bélgica é 98,1% urbana; Japão, 91,8%; Brasil, 87,1%; EUA, 82,7%; Reino Unido, 83,9% França 81%, Alemanha 77,5%, China, 61,4%. São números extraídos da CIA World Factbook. Destacamos que em alguns países o Estado atua para manter o pequeno agricultor artificialmente por meio de subsídios contra a concorrência internacional.
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Observado o fator urbano, ainda que instintivamente, as correntes operárias revolucionárias tendem a atualizar a clássica palavra de ordem ―Poder operário e camponês!‖ para ―Poder operário e popular!‖ ou ―Poder operário, popular e camponês!‖ A AL [América Latina] é hoje uma das regiões mais urbanizadas do mundo, com cerca de 80% de sua população vivendo em cidades. O número de cidades com mais de um milhão de habitantes passou de oito em 1950 para 56 em 2010. (…) Existe um deslocamento no potencial revolucionário dos setores sociais que podem ser hegemonizados pelo proletariado industrial. Antes o bloco social que podia ser hegemonizado pelo proletariado industrial incluía prioritariamente o campesinato. Hoje o campesinato segue tendo importância, mas o maior potencial revolucionário se deslocou para os setores populares urbanos. (LIT-QI, 2016)
São sinais da crise sistêmica atual a superurbanidade e a concentração proletária, assalariada e precária. Todo sistema econômico-social gera os elementos da destruição própria. A concentração humana citadina – dos burgos medievos até nossos dias – amadureceu para a revolução comunista, facilitando, inclusive!, a democracia socialista. Este subcapítulo será devidamente atualizado e incrementado em debate específico no capítulo posterior sobre a China. Apenas antecipamos, para tratar adiante sobre revolução social e sujeito revolucionário, que a produção tende a ir, em nossa época, para cidades menores e países não centrais, pois assim é reduzida a luta de classes (menos necessidades pressionando os salários, menor concentração humana, menor preço de custo ao solo, mais facilidade de deslocamento, etc.). ASPECTOS DA POPULAÇÃO Faremos quatro destaques sobre a questão da população. Há o esgotamento da superpopulação latente, aquela que vem do campo, em inúmeros países por alto nível de urbanização e o consolidar da produção mecanizada em grandes terras. A lei da urbanidade crescente consolida-se e o capital deixa de contar com a fonte interiorana da força de trabalho. Por outro lado, há na cidade uma queda de natalidade. O aumento da cultura geral, os filhos enquanto longa despesa, os métodos anticoncepcionais modernos, a precarização e elementos como a ainda inexplicável queda da produção de esperma no ocidente são dos fatores que colaboram para tal mudança historicamente recente de perfil. Os dois fatores dispostos nos parágrafos anteriores servem de estímulo à automação nas fábricas e em outros setores. Ou seja: ocorre pressão para formar uma superpopulação relativa
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artificial por meio do avanço técnico a fim de reduzir os custos com força de trabalho. A alta urbanização da Europa foi fator de luta de classes para gerar superpopulação artificial substituindo trabalhadores por máquinas. Em países de pouco território, tendência a menor número absoluto de camponeses, como Japão e Alemanha ocidental, a produção de uma população urbana supérflua artificial se fez necessária por meio do avanço técnico. O quarto aspecto destacável da questão da população é seu efeito sobre pautas sociais. Como meras mudanças quantitativas geram mudanças qualitativas, a concentração urbana e o mero aumento numérico, permitiu um novo estágio nas pautas contra as opressões: facilitou organização, encontro e revoltas. A rebelião de Stonewall e os Panteras Negras nos EUA são exemplos paradigmáticos. Por último, reduziu-se o controle social direto dos hábitos. A grande concentração urbana foi acompanhada por um relativo isolamento, o que permitiu mais independência nos perfis pessoais. Ainda há que se debater pelo menos o aspecto geral da população no socialismo. Como sabemos, Malthus errou ao supor que a população cresceria muito mais do que a capacidade da produção de alimentos; a fome hoje se deve à desigualdade social, ao desperdício e ao não uso de métodos melhores, não devido à escassez ou subprodução. De qualquer modo, para garantir abundância geral e a devida proteção do meio ambiente, algo central aqui, o poder socialista terá de estimular, em longa campanha, a redução da natalidade e da população mundial (que já é uma tendência futura sob o capitalismo) por meio da educação dos jovens, acesso a métodos contraceptivos, legalização do aborto, melhoria da vida em geral, etc. O simples fato de que dois trabalhadores ganharão, nas duas primeiras fases do sistema socialista, de acordo com seu trabalho, não de acordo com sua necessidade, será desestímulo a ter filhos (na prática, quem terá, por exemplo, 3 filhos ganhará menos em relação àquele que não terá algum). Também a miséria, por baixa erudição e por alto estresse, tem sido a causa de grande prole; isso acabará numa sociedade igualitária.45
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Marx teria nomeado fantasia completa afirmar que, algumas décadas depois de sua morte, o homem iria à Lua. Tal exemplo visa tornar quase palpável a possibilidade de, no futuro, com os avanços científicos, sermos potencialmente imortais ou, ao menos, com longevidade muita acima do normal hoje. Tratar-se-á de um afastamento relativo das barreiras naturais. Do ponto de vista de nossa época, em nossa limitação, isso será, junto a outras mudanças, um processo de deificação do homem – não de uma classe ou casta como pensa Yuval Harari – após o fim da alienação social. Assim, a alienação religiosa faz de Deus uma visão impressionista daquilo que o homem tende a ser, um “além-do-homem” (Nietzsche) que se inicia com o homem de fato livre e completo, desalienado, pois ainda não somos sequer homens propriamente.
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A URBANIDADE NO SOCIALISMO Marx evitou explicar como será a sociedade socialista e limitava-se a comentários mais gerais. Tratar do tema tornou-se um tabu tanto mais forte quanto mais se tentava supor detalhes, que são de fato imprevisíveis. No entanto, o alto desenvolvimento do capitalismo permite-nos prover antecipações ideais, pois a sociedade revolucionada necessitará de propostas práticas. Espaço é poder (Lefebvre). A forma de organizar a cidade é tudo menos arbitrária ou neutra. Se Bonaparte fez uma reforma urbana para dificultar as revoltas dos de baixo (Lefebvre, 2008), a organização social futura deverá repensar sua estruturação para o amadurecer da nova sociabilidade. De imediato, o poder socialista acabará com a especulação imobiliária e o lucro por mero direito de propriedade da terra. A reforma urbana, como primeiro passo, garantirá abrigo a todos com o que já está disposto na sociedade. Resolver-se-á a contradição capitalista de haver casa sem gente e, ao mesmo tempo, gente sem casa. Resolvidos os problemas mais imediatos, projetos pilotos deverão entrar em prática em bairros e pequenas cidades. Debatamos as características organizativas. Cada bairro terá um centro onde estarão localizados os serviços estatais – escola, posto de saúde, biblioteca, organismos, etc. –, o espaço de lazer (cinema, etc.) e a praça, restaurantes públicos, o auditório das assembleias dos conselhos de poder, etc. Ao redor deste, formando um círculo, as casas serão substituídas por prédios onde habitarão os cidadãos. Sob o capitalismo, a moradia tende, em principal pelo aumento de seu custo com a urbanização, com a demanda, à redução relativa de tamanho e de materialidade46 que observamos em outras mercadorias e em outro capítulo. Sob o socialismo, ao contrário, os apartamentos serão amplos e espaçosos, semelhantes ao que hoje é luxo. A verticalização da cidade, que já é tendência sob o capital, será consolidada sob nova forma. Quando se iniciou a água por encanamento, deixou de ser necessário o trabalho de carregar o líquido para as casas; na Espanha, por exemplo, há locais onde o lixo é posto numa tubulação subterrânea que leva os dejetos até a área de tratamento – é o tipo de projeto que tem bons fins socialistas já que suplanta parte do trabalho e melhora a salubridade. A mobilidade urbana também será central. É impossível manter o paradigma do carro como objeto de consumo. De imediato, o transporte público deverá ser melhorado, incluso com a 46
“Em Hong Kong, uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, 49% da população vive de moradia social. E, de acordo com a Sociedade para Organização Comunitária, um grupo chinês de direitos humanos, mais de 100 mil trabalhadores vivem em imóveis de 3,72 metros quadrados, como mostra o site Architizer. Em apenas um cômodo funcionam cozinha, sala e quarto e, muitas vezes, mora mais de uma pessoa. O espaço é tão minúsculo que só mesmo fotografando do alto para conseguir ter um ângulo.” (Fábio, 2017)
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emergente direção automática, antes de pensarmos projetos futuristas. Aqui, uma revolução energética – como as usinas de fusão nuclear, que estão em fase inicial47 – dará também sua contribuição, reduzindo a poluição do ar. Como sabem de cor os marxistas, o possível futuro fará a fusão da cidade e do campo, com o melhor de cada polo aproveitado. Ao verticalizar bairros da cidade em torno de um centro comunitário, haverá maior espaço livre para plantações, parques e reflorestamento.
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Para ao menos tocar o tema, destacamos que cada era do capital tende a uma própria relação na produção de energia. Vejamos. Era mercantil: força humana, animais, moinhos de água e vento; era industrial: máquina a vapor; era financeira: eletricidade, hidrelétricas, petróleo, etc.; era fictícia: o mesmo da anterior, como um salto para si, com a consolidação, após os anos 1950, da fissão nuclear, e o uso recente de energias solar, eólica e maremotriz cada vez mais aperfeiçoadas (nesta era, prepara-se o caminho técnico-científico da próxima revolução energética, que inclui a fusão nuclear). Vale notar, de acordo com nossa ontologia lógica, que será tema tratada mais à frente, que a capacidade de lidar com a energia está na escala de Kardashev. Provavelmente inspirando-se no marxismo, por o proponente ser soviético, na concepção de que ainda estamos na pré-história, ele elabora níveis de civilização. A tipo 1 usa bem a energia disponível no planeta; a tipo 2 consegue usar sua estrela, no caso, o Sol; a tipo 3 usa bem a energia da galáxia. Nós estamos na civilização tipo 0 (zero) ainda, ou melhor, 0,75. A história mal começou.
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A CRISE DAS CLASSES A conhecida conclusão de Marx sobre a crise final dos sistemas econômicos, contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção existentes, pode ser interpretada de duas maneiras: 1) As relações de produção impedem a continuidade dos desenvolvimento das forças de produção (técnica, ciência, natureza, homem, etc.), logo precisam ser duramente substituídas; 2) As forças produtivas avançam enquanto as relações de produção permanecem, gerando crise sistêmica. Na realidade, ambos os casos ocorrem e até misturam-se. Há ainda um terceiro caso, combinado aos demais: as forças produtivas avançam e mudam apenas relativamente as relações de produção (casos deste capitulo) como sintoma, por mediação ou por deformação, da tendência à mudança completa dessas relações. Na crise do escravismo, tentou-se usar colonos no lugar de escravos, que eram insuficientes com as invasões à Roma, mas logo revelou-se limitado, apenas sintoma da necessidade de mudança completa das relações de produção, para o feudalismo com o senhor e o servo. O desenvolvimento das forças produtivas afeta as relações de produção, ainda que não as mude completamente de imediato. Há ainda uma segunda observação para introduzir as conclusões deste capítulo. Também aqui, o texto entra em sincronia com a concepção de ―crise categorial‖ trabalhada por pensadores como Kurz. No método dialético, as categorias nada têm de eternas, fixas e a-históricas; elas são transitórias, mudam-se, têm fim. A crise das categorias – crise da categoria valor, etc. – ocorre porque elas são reais, nunca meras palavras ou invenções artificiais do cientista, etc. Afinal, o método científico superior jamais parte das categorias ou conceitos enquanto modelos prévios, formas onde encaixar forçadamente os dados do real – jamais ao menos nos primeiros momentos das conclusões. A realidade pode exigir atualizações categoriais necessárias. No kantismo, os dados adaptam-se aos, encaixam-se nos, conceitos; na dialética, ao contrário, os conceitos modificam-se para que caibam nos dados. Os marxistas formais, no entanto, costumam usar o método dedutivo, por exemplo, encaixar este ou aquele grupo de assalariados numa noção categorial por meio de critérios prévios; assim, professores seriam do proletariado, do operariado quem sabe, porque vivem de salário, vendem sua força de trabalho, não dominam os meios de produção, etc. Pouco entendem que uma avaliação correta iria para ―depois‖ da aparência e da forma do salário rumo ao conteúdo e à essência, ou seja, o ―ponto de vista‖ do valor, que é, de fato, materialmente, a arché (arkhé) da sociedade capitalista (qual a água ou o ar a foram do cosmos para os pré-socráticos); como o princípio é o princípio, ele, o valor, aliás, começa a obra O Capital – assim como o Ser-nada-devir inicia tanto o mundo quanto a filosofia e, por isso, também a Lógica de Hegel.
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O SETOR DE SERVIÇOS Guiados pelo debate até aqui, observemos estes dados que nos servirão de exemplo: TABELA 1
Fonte: (Pikett, 2014) Os números acima, ainda que reativos, revelam uma tenência à perda de mão de obra na indústria e na agricultura e ganho no setor de serviços. Precisamos tirar algumas conclusões adicionais ao movimento descrito. O setor de serviços é produtivo de lucro, não de valor. É improdutivo do ponto de vista da produção como produção de mais-valor. Isso significa que seu inchaço, em parte por baixo uso de tecnologia, extrai parte do valor global para si de modo, por assim dizer, parasitário. Constituise como elemento para a crise do sistema. O desenvolvimento do capitalismo promoveu a ascenção do setor médio ligado aos serviços. Exigiu a inflação de fatores do tipo: 1) Serviço de autônomo como reação o desemprego ou trabalho precário; 2) Serviços exigidos ao Estado para prover as condições básicas do funcionamento do capitalismo; 3) Especialização de tarefas improdutivas nas empresas via terceirização (exemplo: empresa de call center cuida, com custo unitário menor, do atendimento em nome de empresas contratantes); 4) Urbanização produz demandas sociais que podem gerar lucro (igrejas, etc.). Por vezes, o setor de serviços pode ser tanto fonte de lucro ou apenas um custo social posto como necessário, na empresa ou na sociedade. O professor pode dar aula numa universidade pública ou particular; das duas maneiras suga do valor social ou como fluxo dos impostos ou, no
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outro caso, com mensalidades do cliente. Na medida em que cai a taxa de lucro, a classe dominante busca novas fontes lucrativas e as encontra, por vezes, tornando um trabalho improdutivo em fonte de extração de valor. O que mina a própria lucratividade. Reafirmamos o que dizemos em outro capítulo. Na medida em que o maquinário substitui o trabalho manual na produção, elevando o trabalho intelectual – controle, gestão, etc. – ao patamar de trabalho por excelência, o atual setor de serviços em parte deixará de existir e, noutra parte, será redefinida para fins socialistas. As ―formas sociais puras‖, que não são trabalho enquanto relação homem-natureza, serão a importante ocupação dos cidadãos. A hiperinflação dos serviços é sinal de que o fim da pré-história da humanidade aproxima-se, tornando-nos mais sociais. Há polêmica sobre se os assalariados fora das fábricas, minas e terras, etc. são parte do proletariado. Tal discussão é datada na história, pois são recentes certos fatores: várias categorias cresceram em número e passaram pela precarização das relações de trabalho. O professor era parte de uma aristocracia, formava-se já com bom salário; a política de Estado por aumentar a quantidade de formados concorrendo por uma vaga e o crescimento do número de escolas públicas sem o correspondente aumento de verba precarizaram a profissão levando à formação de sindicatos, ou seja, ocorreu a esquerdização desse setor. Os bancários passam por processo semelhante com a introdução dos caixas eletrônicos. A questão sobre a classe dos setores de serviço revela uma nova tendência: setores não operários podem protagonizar revoltas sociais ou servirem de vital apoio às mobilizações. Daí o problema teórico um tanto instintivo sobre a nomenclatura. Neste livro, consideramos os membros o setor de serviços classe média, setores médios. Porém o mais indispensável é perceber tanto a história desses setores, o processo de precarização (que é confundido com o conceito proletarização) e ampliação, quanto o papel que antes não tinham na sociedade e na luta por outro mundo. AFASTAMENTO DAS CLASSES OPOSTAS DA PRODUÇÃO Encontramos a seguinte conclusão do Livro III d‘O Capital: a burguesia produtiva tende a ser de todo improdutiva, quer seja, afasta-se da gestão fabril, contrata executivos em troca de bons salários para as tarefas de controle geral. Podem assumir cargos artificiais e figurativos, mas vivem do mais-valor gerado sem relação direta, pessoal, com o trabalho intelectual neste setor; e isto é tanto mais quanto mais é o capitalista coletivo – portadores das ações das empresas, dos títulos de propriedade – quem domina. A burguesia toma a forma parasita.
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Transformação do capitalista realmente ativo em mero dirigente, administrador do capital alheio, e dos proprietários de capital em puros proprietários, simples capitalistas financeiros Mesmo quando os dividendos que recebem englobam o juro e o lucro do empresário, isto é, o lucro total (pois a remuneração do dirigente é ou deveria ser mero salário para certa espécie de trabalho qualificado, com preço regulado pelo mercado como qualquer outro trabalho), esse lucro é percebido tão-só na forma de juro (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, p. 583)
Rastreemos o desenvolvimento das relações de produção por meio das era do capital: 1) capitalismo mercantil: a burguesia da produção cumpre tarefas de comando direto, trabalho intelectual, sobre os artesãos; 2) capitalismo industrial: o burguês dirige os dirigentes, uma rede interna hierárquica de comando; 3) capitalismo financeiro: a burguesia afasta-se do comando direto, contratando responsáveis para as tarefas de trabalho intelectual; 4) capital fictício: a burguesia infla seu caráter parasitário e perde identidade imediata para com as empresas – a classe dominante é, assim, uma classe que já não é uma classe. Expressando o próprio capital, sendo capital encarnado, vemos um movimento geral de alienação da burguesia em relação ao capital produtivo em si. Isso ocorre interligado à globalização capitalista, com a despatriação do capital, onde este internacionalismo burguês do sujeito valor-capital desenvolve a mobilidade do capitalista e o lucro enquanto único objetivo pátrio. A produção ocorre, em muitos casos, na China; a administração geral da empresa, nos EUA; os acionistas vivem suas vidas parasitantes em qualquer lugar do mundo onde lhes proporcione prazeres incomuns e possam obter consultas de seus dados via internet. O trabalhador sabe quem é seu supervisor ou gerente, mas desconhece o patrão porque, exceção de empresas menos avançadas, ele ao modo clássico inexiste. Há a empresa impessoal. Após a exposição deste parágrafo e de quase a totalidade do livro, tive bom contato com a palestra (Duménil, 2018) de Gérard Duménil, defensor da tese de que parte importante do valor vai para a camada superior da burocracia nas empresas, em tendência crescente nos últimos 30 anos, dado empírico que, segundo ele, Piketty não foi capaz de discriminar. O economista francês afirma que Marx apenas intuiu e deixou de desenvolver a questão; de fato, n‘O Capital III o mouro fala sobre a palavra ―juros‖ na contabilidade do gerente da fábrica esclarecendo que se refere à parte do lucro destinada ao burguês, enfim afastado da produção. Quando há fusão do capital produtor de juros com o capital produtivo – isto é, o imperialismo – o processo sai de seu estágio embrionário e fetal, consolida-se e avança. Com sua tese um tanto impressionista, o palestrante conclui que o socialismo é impossível e que estamos na transição para uma sociedade dominada pela ―gerentocracia‖; ora, deixa de perceber a importância elevada da gerência – tanto em fábricas automatizadas quanto as de presença operária – na sociedade de transição ao
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socialismo, pois eles serão eleitos pelo poder dos trabalhadores em assembleias e estarão, assim, sob avaliação constate dos novos ―patrões‖. Isso significa que, de um lado, parte da gerência atual, que está sob um fenômeno transitório, se aceitarem a nova realidade, poderá pegar cargos no Estado socialista, com salários relativamente atraentes, e, de outro, o poder gerencial tal como é, ainda que seja sinal de um socialismo latente, pode ser destruído pela revolução socialista. Há polêmica sobre a qual setor pertencem políticos, executivos etc. Localizamo-los na burocracia capitalista, a burocracia burguesa – nem tudo são classes. Seus privilégios lhes dão espaço para enriquecer de outros modos (empresas, ações etc.) tornando-os ligados orgânicos a mais de um setor privilegiado. A palavra ―burocracia‖ tende a passar apenas o sentido parasitário, mas também se refere a funções de comando, administrativo etc. 48 Tomemos por novo ângulo e ponto de partida na produção. No fim do feudalismo: ARTESÃO – funções: Produz Estoca Planeja Contabiliza Vende Controla Na medida em que o capitalismo desenvolve-se, tais funções são divididas e especializadas: o trabalhador coletivo produtivo cumpre a função do trabalhador produtivo individual exercendo controle sobre o alienado produtor de valor. Produz – operário Estoca – assalariado auxiliar Planeja – burguês ou gerente Contabiliza – gerente, contabilista, economista Vende – burguês, administrador, empregado improdutivo designado a esta tarefa Controla – capataz, gerente de diferentes níveis Ocorre divisão, alienação do trabalho produtivo – separação entre manual e intelectual. Sob outra forma, o socialismo superará as especializações acima postas. O afastamento parasitário da 48 Entre comunistas, falamos sobre atuação nos sindicatos e no Estado Operário: “podemos e devemos ser burocratas sem estarmos burocratizados”. Burocracia e (burocracia em) burocratização são categorias diferentes, estando íntimas.
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grande burguesia da produção (e realização) de valor corresponde, na outra ponta, ao afastamento do trabalhador produtivo, com vantagens a um e desvantagens a outro. A III revolução industrial é o máximo estágio do afastamento do operário da produção. O desenvolvimento das forças produtivas, portanto, induz à futura mudança das relações produtivas, hoje sob a forma de desemprego crônico e financeirização. A própria redução numérica da quantidade de donos do mundo, cujo poder é enorme ao concentrar em poucas mãos a riqueza social, uma vantagem imediata, uma redução em si quantitativa – de uma miríade de milionários para um punhado de bilionários (algo em torno de 3000) de fato dominantes –, produz as condições da mudança qualitativa, o fim da classe dominante, a redução numérica total, e é seu sintoma (assim como o afastamento da relação direta com a empresa é sintoma do seu futuro afastamento absoluto). A matéria abaixo ajuda-nos a ver: As grandes fortunas do mundo nunca tiveram tanto dinheiro como neste início de 2020. O ano de 2019 terminou num recorde histórico para as 500 pessoas mais ricas do planeta, que acrescentaram 1,2 trilhão de dólares (equivalente a 60% do PIB do Brasil), aumentando em 25% o seu patrimônio coletivo, que chega a 5,9 trilhões de dólares, segundo o índice da Bloomberg. (Os 500 mais ricos do mundo começam 2020 mais ricos do que nunca, 2019)
Em principal nas fábricas, surge uma ampla hierarquia de comando e funções (gerente, capataz, serviço de inteligência, etc.) que cresceu com o desenvolvimento do capitalismo. Surge assim o acréscimo sugador parasitário de valor dos falsos custos de produção (Mészáros, Para além do capital, 2011)49. No escravismo romano, a ampliação dos campos de trabalho exigia também aumento dos custos improdutivos com o controle prático da vida, mais capatazes, soldados, burocratas, etc. eram necessários para vigiar a quantidade maior de escravos e a extensão acrescida da propriedade. No capitalismo com concorrência de monopólio, as empresas em luta encarniçada forçam umas às outras a acrescentar pseudocustos de produção para vencer suas guerras mercantis. Tal aumento da sucção parasitária de valor, substância que surge apenas na produção, ocorre tanto, e principalmente, no capital industrial quanto nas demais formas de capital. No caso escravagista, a solução foi encontrada em outro modo de vida, o feudalismo, pois o antigo escravo passa a ser um servo, mais livre, com suas próprias ferramentas e direito a plantar uma parte da terra para si; a então nova sociedade superou custos improdutivos da
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Para evitar falsa citação: de Mészàros retiro “falsos custos de produção”, enquanto contribuo com o fator do aumento de tais custos.
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sociedade anterior, pois, por exemplo, tornou-se desnecessário uma vigilância tão direta sobre a classe dominada. O fim de boa parte dos custos improdutivos da produção – e da sociedade – capitalista dar-se-á com a mudança socialista do modo de vida; aqui, custos improdutivos serão reduzidos em termos relativos e absolutos, como com o fim dos grandes gastos com propaganda, espionagem, polícia, etc. Na sociedade, por causa de a crise sistêmica aprofundar-se, a tendência é aumento dos custos improdutivos, como com segurança. Na produção, a automação-robótica tem uma vantagem e estímulo como menor custo de vigilância, mas é uma redução parcial e limitada. O DESCABER NOS CONCEITOS O desemprego crônico fruto da alta produtividade sob o capital é expressão, inversa, da possibilidade de maior tempo livre no socialismo, aqui expresso no tempo ocioso e desesperado. Vejamos o crescimento: TABELA 2
Fonte: (Maddison, 2006, p. 134)
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Os dados são, ainda que claros, limitados. O trabalho estatístico comumente ignora o subemprego, os que desistiram de procurar trabalho e os autônomos como parte do grande número daqueles fora das relações empregatícias formais. Após a crise de 2008, certamente os dados são mais duros, apesar das oscilações conjunturais do nível de emprego. A tabela acima, apesar de faltar informações mais atuais, demonstra bem uma tendência contínua ao aumento da taxa de desemprego. A solução para esse problema social será reduzir a jornada de trabalho de modo a garantir desemprego zero, usar toda força de trabalho disponível, pleno emprego. Uma escala móvel de tempo de trabalho pode surgir como a nova lei social contra a lei capitalista do exército industrial de reserva. Trotsky falou na década de 1930 em subclasse de desempregados (Trotsky, O marxismo em nosso tempo, 2009), isto é, o número de desempregos havia crescido de tal forma que exigia uma atualização categorial, para além do exército industrial de reserva. Ele observava o declínio da curva histórica, de 1913 à 1945, como o momento final do capitalismo. Podemos afirmar que houve uma normalização e até pleno emprego após a II guerra para daí então, tendencialmente, aumentar o número de desocupados. Sua categoria volta a ter valor teórico para a análise da atual macroconjuntura com o declínio da atual curva de desenvolvimento capitalista. Outra das formas transitórias, comum em nosso tempo, ocorre quando é comum permear mais de uma classe. Um operário, porque de vida precária, tem uma pequena quitanda em sua casa ou a família trabalha em pequena propriedade; um petroleiro, operário aristocrático, pode ter ações na própria empresa; o empresário, tão logo tenha capital em forma monetária sobrante, tem investimentos tanto na produção quanto na área financeira (dívida pública, etc.) 50. Dizer a qual classe ou setor pertencem fica mais difícil, pois se encontram menos dentro do conceito. A MISÉRIA RELATIVA O capitalismo tirou enormes grupos humanos de relações arcaicas e os colocou em relações monetárias. Assim a miséria absoluta foi reduzida, com a monetarização do modo de vida. Mas este avanço é contraditório, negativo e positivo, pois aumenta os fatores estressantes da maioria, o que é base para a acentuação da luta de classes. Veja-se que em São Paulo um assalariado pode perder até 5 horas de seu dia com o tempo de transporte público; além do mais, convive com a poluição visual, sonora e do ar. A forma salário quando cresce a remuneração pode esconder
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Nesse tipo de burguês, ocorre uma cisão em sua personalidade pública, uma dupla personalidade, com exigências políticas e econômicas tanto financistas quanto produtivas, ainda que opostas.
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precarizações não medíveis por esta via com a intensificação do trabalho, a privatização dos espaços de lazer, etc. Os comerciários do século XIX eram bem pagos assim como os bancários há poucas décadas. A queda da qualidade de vida desses setores não operários é fator importante para a revolução, pois tende a afastar tais tipos da direita com maior facilidade. Ademais, inúmeros fatores não sindicais, para além e com as relações trabalhistas, afetam nossas vidas. A acentuação da miséria relativa, os fatores estressantes de diferentes origens que se combinam, tende a unificar grandes massas humanas por melhorias. O aumento da miséria relativa é mais sintomático para a revolução social que a miséria absoluta, pois, neste último caso, a situação é de tal modo deteriorada que impede uma luta comum. DUAS TENDÊNCIAS RELATIVAS A crise sistêmica, sua fenomenologia, parece apontar dois caminhos antes do socialismo ou da extinção. O primeiro, a lumpenização das diferentes classes: classes médias, operariado, assalariados e burguesia. A classe dominante torna-se vagabunda. O operário não encontra emprego. A classe média volta-se ao prazer desmedido. Empregos lupens como trabalhar no tráfico ou na prostituição ampliam-se. A polícia degenera como nunca antes. Os políticos tornam-se vadios. Lembramos que rejeitamos o tom depreciativo de ―lupem‖ usado pelo estalisnismo, infelizmente também pelo trostskismo em sua maioria, como um problema de todo moral, digna do desprezo total humano. Não é, em exato ou sob este ângulo, o caso. O lupemproletariado é formado, na sua forma comum, nos diferentes sistemas, pelos ladrões, prostitutas, mendigos, vadios, indisciplinados crônicos até etc. Os excluídos dos excluídos. Mas amplia-se nesta época, torna-se uma miríade de casos e de contaminação sobre outros setores e classes sociais. Segundo, há e haverá uma pressão por aumentar casos de escravidão não assalariada. Isso é incompatível com o sistema baseado no dinheiro, mas o sistema tem a honra de entrar em contradição consigo próprio… Nossa proposta é, então, por exemplo, que os trabalhadores resgatados de tal condição tornem-se donos, sob gestão operária, da empresa aonde foram superexplorados. O empresário e a empresa prosperaram a partir do suor de seus funcionários escravizados: nada mais justo que lhes dar o que deveria ser deles.
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O SUJEITO REVOLUCIONÁRIO HOJE Em capítulo anterior, apresentamos estes dados: TABELA 1
Fonte: (Pikett, 2014, p. 112) Por meio dos dois países centrais acima, percebemos que a classe camponesa e o operariado do campo foram substituídos pelos trabalhadores de serviços – uma numerosíssima massa humana. Como meras mudanças de quantidade promovem mudanças de qualidade, levemos em conta que a maior parte dessa nova camada é cada vez mais precarizada, concentrada num mesmo espaço, a cidade, e forte em número. Ao mesmo tempo, a classe operária passou por mudanças, entre as quais: 1) Como mostram os exemplos da tabela 1, a classe operária foi reduzida percentualmente e em número numa quantidade destacada de países, em principal nas nações centrais para a revolução mundial (países imperialistas, Brasil, etc.); 2) Muitas das fábricas foram transferidas para cidades menores ou para outros países na intenção de reduzir a luta de classes; 3) A produção de certas mercadorias – um carro, etc. – pode ser em parte subdivida em fábricas menores e auxiliares, o que fragmenta relativamente os produtores. 4) Há a aristocracia operária cuja qualidade de vida a torna de mentalidade pequeno burguesa, logo a distancia de fervores revolucionários; 5) A III revolução industrial funda fábricas desprovidas de operários. Essas observações significam a necessidade de atualizar as teses da revolução permanente. Chegamos, portanto, às conclusões a seguir:
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A)
Considerados os fatores elencados, a classe operária está mais dispersa, desconcentrada e, em alguns casos, reduzida. Isso significa que, para ser protagonista em uma revolução, os produtores de mercadorias precisam necessariamente de um elemento compensador, que são estes: um partido operário bolchevique e organismos de poder operário;
B)
Uma revolução de base operária, com apoio popular, será necessariamente socialista, pois precisa de seus próprios organismos revolucionários;
C)
Por causa do elemento exposto no ponto A, as revoluções têm sido, em geral, desde a década de 1980, de caráter popular-urbano com apoio popular do campo (Bolívia, 2003; Peru, 2000; Argentina, 200151; Tunísia, 2010; Egito, 2011; etc.), ou seja, sem centralidade do operariado;
D)
As chamadas ―revoluções democráticas‖ (Moreno), que derrubam um regime ditatorial mas não o capitalismo, observadas nas últimas décadas, são frutos, também, da concentração urbana;
E)
As classes oprimidas não-operárias tendem a ver sua força no número, no voto, já que são ―concentrados, porém descentralizados‖;
F)
A superurbanidade é a casa da democracia operária e do fascismo. A democracia burguesa é, portanto, uma falsa mediação para controlar o concentrado movimento de massas;
G)
As classes oprimidas urbanas não produtoras tendem a explodir antes mesmo de o operariado amadurecer – isso ocorre pela alta concentração na cidade, descentralização no trabalho e precariedade. Por isso, a tendência mais provável, em países sob ditaduras, é o avanço permanente de uma revolução democráticapopular para uma socialista-operária;
51 Neste país, chegou a haver uma tendência viva, possibilidade, ao protagonismo operário por razão do peso histórico do trotskysmo argentino.
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H)
A China é, talvez, a única a poder seguir o seguinte modelo: a classe operária avançar, com apoio dos camponeses, de uma revolução democrática até a uma socialista. Isto tende a acontecer pela alta concentração proletária e humana;
I)
Após uma primeira revolução operária-socialista vitoriosa, a revolução permanente dará um novo giro: como no pós-II Guerra, as classes não operárias oprimidas e, desta vez, urbanas poderão ser a base social de novas revoluções socialistas sem protagonismo operário52. A existência de um Estado operário revolucionário impulsionará as revoltas sociais para uma perspectiva;
J)
Diferente das revoluções de base camponesa, as possíveis revoluções socialistas urbanas-populares terão vantagens significativas: 1. Concentração humana facilitando a democracia socialista; 2. Indústrias automatizadas que poderão ser estatizadas pelo organismo revolucionário de poder para garantir a satisfação das necessidades sociais e iniciar o avanço técnico geral; 3. Atual interligação e interdependência dos países e do mundo facilitando a internacionalização da revolução e da economia planejada; 4. Maior nível cultural médio da sociedade e maior possibilidade instrução;
K)
Portanto, porque precisa de um impulso social, uma revolução socialista popularurbana antes de uma revolução operária com apoio popular é uma hipótese improvável – embora não impossível;
52 1) inclui-se avanço em permanência de fevereiro à outubro, de revolução democrática à socialista – ou, também, diretamente socialista; 2) Entre os explorados e oprimidos não operários, os assalariados do comércio, serviços, do estado, etc., e os desempregados, tenderão a ser liderança dos demais setores não burgueses por razão numérica e condição laboral. Para parte do marxismo estes setores são proletariado não operário; e, apesar de não concordarmos com esta caracterização, revela pelo menos na teoria e na semântica a tendência à substituição possível do sujeito social; 3) Mesmo essas revoluções, na medida em que tendem a implantar a democracia socialista, necessitarão de um partido bolchevique, ou uma frente de partidos revolucionários e semirevolucionários. Apenas após a vitória nos principais países, tornando a transição ao socialismo predominante, partidos da revolução serão relativamente desnecessários, as revoluções serão mais fáceis (ainda com seus riscos) e, em alguns casos, organismos de poder revolucionários sem liderança partidária comunista serão vitoriosos por iniciarem cooperação com outros Estados Operários. 4) Revoluções de protagonismo operário continuarão a ocorrer e serão motores das revoluções socialistas-populares.
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L)
De imediato, as revoluções de outubro, socialistas conscientes, tendem a ser de base operária com apoio popular-urbano e com um partido democrático-centralista. As de fevereiro, as democráticas, as socialistas inconscientes são e serão de base popular urbana;
M)
O campesinato perde força, pois há o assalariamento do camponês; a industrialização do campo tende a colocar a fome como o último dos problemas imediatos da transição ao socialismo; porém, essa classe ainda tem sua importância – maior ou menor a depender do país;
N)
As revoluções nos países atrasados mais avançados, mais contraditórios e mais latentes, por serem os iniciais (China, Brasil, Turquia, México, Índia, África do Sul, etc.), e os nas nações avançadas, por serem a consolidação da tendência, necessitarão de partidos revolucionários. Apenas após tais circunstâncias das vitórias – de modo análogo, mas inverso ao pós-guerra – partidos da revolução serão relativamente dispensáveis, pois o processo geral facilitará, ainda com enormes dificuldades, processos em nações atrasadas, que usarão do exemplo externo, comporão organismos de poder integrados aos de igual natureza nos Estados operários com os quais cooperarão e surgirão.
Comparemos, a partir do empírico imediato, com o exemplo do Brasil. O operariado fabril na Rússia de 1917, que liderou a revolução de outubro, única revolução socialista de força operária vitoriosa do século XX, era menor relativo ao proletariado brasileiro. Porém a constatação é limitada. Na Rússia, era urbano; no Brasil, tende-se a ir às pequenas cidades e ao campo. Num, concentrado em enormes fábricas; noutro, a produção de um produto fragmentase em fábricas auxiliares e menores. Naquele, apenas os ferroviários poderiam com certeza ser chamados aristocracia operária; neste, petroleiros, metalúrgico, mineradores e setores outros pertencem a tal ―subcategoria‖. Lá, a burocracia sindical era irrisória, diferente de aqui. A Rússia era um país interiorano povoado por camponeses dispersos em enorme território nacional enquanto aqui grande massa de assalariados não operários e demais setores precários concentram-se na urbanidade. A economia russa passava por forte processo de industrialização; nós passamos por processo forte de desindustrialização e parte da indústria aqui vigente adota a produção automatizada. O ―pós-fordismo‖ gera alta rotatividade dos trabalhadores, que deixam de criar laços pessoais, sociais e políticos nos locais de trabalho. Se no Brasil a revolução socialista
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terá liderança operária ou popular, depende de circunstâncias nacionais e internacionais: se há outras revoluções vitoriosas estimulando, se os comunistas estão ligados ao operariado não aristocrático, etc. O peso social das favelas, formadas pelos pauperizados, aqueles fora da relação fabril, onde há grande peso de empregadas domésticas, pequenos comerciantes, ambulantes, autônomos, desempregados e demais áreas de serviços cujo trabalho é precário serve-nos de exemplo latente do barril de pólvora popular, isto é, sobre quando o morro descer para o asfalto e não for carnaval. Resolvemos, assim, a polêmica marxista se a revolução pede poder operário ou poder popular, revolução via operariado ou multidões populares. A oposição surge porque de fato surgem tendências novas na realidade. O operariado ainda pode cumprir função de liderança por estar diretamente ligada à produção material. Por outro lado, surge uma massa concentrada de precários. Se os camponeses, com todas as dificuldades, como a dispersão territorial, foram base de revolucionamentos no século XX, tanto mais força latente têm os oprimidos urbanos. Fica apenas esta tendência: a revolução de liderança operária, primeiro, dá condições maiores para revoluções sem sua liderança. A QUESTÃO DO PARTIDO A teoria da revolução permanente afirma que apenas com a ajuda de um partido revolucionário a classe operária pode tomar o poder. A hipótese de avanço ao socialismo via partidos não revolucionários era considerada por Trotsky, mas como variante improvável. As revoluções sociais do século XX, no entanto, atualizam a conclusão porque foram lideradas por partidos centristas burocráticos (adotavam o centralismo burocrático). As contradições empurraram as direções pequeno burguesas a irem mais longe do que pretendiam. Também foi o caso da Comuna de Paris: Os membros da Comuna dividiam-se numa maioria, os blanquistas, que também tinham predominado no Comité Central da Guarda Nacional, e numa minoria: os membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, predominantemente seguidores da escola socialista de Proudhon. Os blanquistas, na grande massa, eram então socialistas só por instinto revolucionário, proletário; só uns poucos tinham chegado a uma maior clareza de princípios, através de Vaillant, que conhecia o socialismo científico alemão. Assim se compreende que, no aspecto económico, não tenha sido feito muito daquilo que, segundo a nossa concepção de hoje, a Comuna tinha de ter feito. O mais difícil de compreender é, certamente, o sagrado respeito com que se ficou reverenciosamente parado às portas do Banco de França. Foi também um grave erro político. O Banco nas mãos da Comuna — isso valia mais do que dez mil
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reféns. Significava a pressão de toda a burguesia francesa sobre o governo de Versalhes, no interesse da paz com a Comuna. Mas foi mais prodigioso ainda o muito de correcto que, apesar de tudo, foi feito pela Comuna, composta que era por blanquistas e proudhonianos. Naturalmente, os proudhonianos são responsáveis em primeira linha pelos decretos económicos da Comuna, pelos seus lados gloriosos como pelos não gloriosos, assim como os blanquistas pelos seus actos e omissões de carácter político. E quis em ambos os casos a ironia da história — como de costume, quando doutrinários chegam ao leme — que uns e outros fizessem o contrário do que lhes prescrevia a sua doutrina de escola. (Engels, A Guerra Civil em França, 2008, grifo nosso)
Os proudhonianos eram contra a associação no campo da economia e os blanquistas eram contra o poder controlado pelas massas com armamento popular. Mas fizeram o contrário de suas teorias e perfis. Em meio à revolução, tiveram na prática de superar seus programas. Se está correta nossa caracterização de que as próximas três ou quatro décadas serão as mais decisivas da humanidade, a pressão objetiva de uma realidade em crise pode forçar a que organizações centristas de esquerda sejam lideranças na substituição de sistema social. E isso será tanto mais fácil e provável quanto mais houver países iniciando a transição ao socialismo. Tal possibilidade deve ser considerada contanto evitada como guia para o futuro. A história pode fazer uso de partidos impróprios para impor suas necessidades, porém nada autoriza correr tal risco – uma vez que há ameaça de fim da civilização – e deixar de construir partidos revolucionários nos diferentes países e um partido mundial da revolução. A QUESTÃO DA LIDERANÇA Trotsky afirmou que a revolução russa só foi vitoriosa graças à liderança insistente e qualificada de Lenin. Isso sugere um peso enorme dos fatores subjetivos quando os fatores objetivos da revolução estão maduros. Isaac Deutscher polemiza contra o primeiro ao afirmar que, ao contrário, aconteceram revoluções vitoriosas lideradas por figuras menores e limitadas. Apresentemos uma proposta de resolução da polêmica. A imposição histórica de um grau de objetivismo apenas pode acorrer após a imposição de uma tendência, ou seja, após ação subjetiva – classes, partidos, líderes etc. – sobre a realidade. Exemplo: não fosse o acerto político do partido bolchevique, corrigido por Lenin, de fazer a revolução russa, onde pesaram a decisão e o perfil do indivíduo na história, a revolução cubana não seria uma imposição histórica, muito apesar de seus dirigentes de inspiração democráticoliberal – não haveria um necessário ponto de apoio continental à ilha. Outro: no século XIX, na
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Alemanha, a ―via prussiana‖, ir do feudalismo ao capitalismo por reformas e pelo alto, apenas pôde se impor longe da revolução burguesa, por meio do bismarkismo, porque o capitalismo se consolidou na Europa e no mundo, depois de duras revoluções e conflitos. Mesmo havendo possibilidade de ―objetivismo‖ numa etapa histórica, este continuará como certo grau relativo, isto é, subordinado, na luta geral, à relação dialética, aos resultados, entre o objetivo e o subjetivo. As primeiras vitórias são ainda mais dependentes de decisões e perfis subjetivos, como o gênio de Lenin na Rússia ou as primeiras revoluções sociais do século XXI. Tais conquistas produzem uma pressão histórica positiva para o revolucionamento social, tornando os próximos processos mais, de modo algum absoluto, objetivistas, menor dependência de homens e mulheres singulares (se e enquanto suas condições não tenham caído em decomposição, o adiamento da revolução social torna o processo futuro relativamente mais objetivo e menos subjetivo). De qualquer modo, o subjetivo e a individualidade cumpriram e cumprirão um importante papel, para a conquista ou a derrota, ainda que sob condições melhores para a transformação radical do modo de vida. Engels diz que a história sempre encontra os homens necessários, no nível exigido, às suas tarefas. Isso é um engano parcial. A história cria as condições apenas relativas para isso, uma pressão não determinista para que tais figuras surjam. A crise sistêmica ajuda a formar militantes e partidos capazes, dispensando em parte a manobra histórica do uso de grupos impróprios, mas nada substitui o talento e a decisão.
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ELEMENTOS ESPECÍFICOS DA REVOLUÇÃO PERMANENTE Vimos que as revoluções não diretamente socialistas tendem a um protagonismo não operário, enquanto a classe operária cumpre centralidade nos revolucionamentos sociais. Também vimos que a formação de um Estado Operário com democracia socialista abre maior possibilidade de revoluções socialistas com protagonismo urbano dos setores populares, em principal os assalariados precários. Em diante, debatemos questões levantadas pela conjuntura. Principalmente – mas não só, podendo valer para outros países – no norte da África e no Médio Oriente, onde ocorreu a primavera árabe, há uma particularidade da modernização capitalista, em boa parte desses países: a burocracia burguesa é também dirigente, além das forças armadas e do Estado, dos centros produtivos nacionais. A burocracia estatal do capitalismo tem aí relação muito mais direta com a geração de riqueza, com a produção. Isso significa: as revoluções democráticas53 precisam realizar-se destruindo ao mesmo tempo o regime ditatorial, o Estado e a burguesia, ou seja, precisam avançar ao socialismo. Diferente da burocracia de outros países, onde a classe dominante governa por meio de seus representantes diretos, esse perfil específico faz com que a democracia burguesa seja especialmente inviável nas nações da região. Na América Latina, as situações pré-revolucionárias e revolucionárias puderam desemborcar em democracia burguesa como modo de tentar impedir a revolução social54. Nestas nações, em diferente, a mesma tendência – por crise, crescimento da classe operária e urbanização – tende à guerra civil. As revoluções democráticas, por liberdades democráticas, emperram na necessidade da burguesia nacional e internacional por estabilidade no aparelho estatal. A classe dominante não pode supor a substituição de dirigentes por eleições periódicas, pois equivaleria um tipo anômalo de concorrência ao transformar a luta eleitoral em luta por cargos nas estatais. A burocracia estatal é também burocracia empresarial, um mesmo corpo de dirigentes. A luta por liberdades democráticas empurra, em permanência, para a democracia socialista, de revolução socialista inconsciente para consciente, onde, em curto período de altíssima tensão
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Revoluções democráticas são aquelas que derrubam um regime ditatorial, mas não o Estado. Diferem-se das revoluções democrático-burguesas, que têm por tarefas reforma agrária, unificação nacional, educação universal, etc. Hoje, toda revolução é socialista, mas nem sempre há tal consciência disso entre os revoltosos. 54 A América Latina – Argentina, Bolívia e Chile em especial – é uma revolução adiada
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social, um partido comunista, democrático e centralizado, precisa ganhar a confiança das massas a partir da clareza das tarefas. Vejamos exemplo da burocracia burguesa como dirigente direta dos organismos de poder e, ao mesmo tempo, seu peso na economia como impedimento de uma revolução democrática normal no mundo árabe:
O imenso peso das forças armadas (apenas para que tenhamos uma ideia, o exército do Egito é o maior do continente africano, com mais de 460.000 efetivos e um milhão de reservistas). Segundo informações do Wikileaks, o próprio governo dos EUA considera que as Forças Armadas do Egito são "uma empresa quase comercial". Possuem enormes extensões de terras, propriedades e empresas (muitas das quais são dirigidas por generais de reserva) que produzem, além de armas e suprimentos, muitos outros bens de consumo. Suas empresas são responsáveis por aproximadamente 40% do PIB do país. (León & Welmowicki, 2013, p. 14)
Há um fenômeno qualitativo. No mesmo artigo (idem, p. 13) é exposto que as Forças Armadas daquele país recebe constantes recursos financeiros dos EUA desde o acordo de paz de Camp David com Israel. Por isso, por lucro, o exército egípcio aceitou mudar o governo durante a revolução contanto que o regime ficasse em pé, mais ou menos estável. Manobrou tanto quanto pôde para manter-se no poder e evitar a guerra civil. Em muitos desses países, surge uma burocracia política no Estado que, se não transforma os regimes bonapartistas em monarquias, aproxima-se desse conceito. É exemplo Assad, sua família e os membros governamentais. Essa camada social, necessariamente ligada à burguesia, depende do controle do aparelho estatal para a manutenção de suas condições. Precisam manter os regimes políticos antidemocráticos. Casos típicos são os países rentistas do tipo Arábia Saudita, cuja produção petroleira, controlada pelo Estado, garante altos lucros por meio de uma única mercadoria muito cobiçada no mercado mundial. Embora falte apreender a consequência, a impossibilidade de revoluções democráticas, a causa é clara entre parte da vanguarda:
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JH | Gilbert Achcar usa o termo ―patrimonial‖ para descrever os países no mundo de língua árabe em que um pequeno grupo de famílias são ―donas‖ do Estado e do capital: Marrocos, Arábia Saudita e outros estados do golfo. Ao mesmo tempo, descreve Egito e Tunísia como ―neo-patrimoniais‖ – países em que parentesco, propriedade de capital e controle do Estado se misturam, mas não se fundem. Você coloca a Síria no primeiro grupo – por que isto? JD | A instrumentalização dos termos patrimonialismo e neo-patrimonialismo por Achcar foram muito úteis. Por ―patrimonial‖, queremos dizer um Estado que foi inteiramente privatizado, por dentro de uma família e através de suas próprias redes. Isto tornou a derrubada destes estados algo muito mais difícil que nos estados ―neopatrimoniais‖ que você mencionou, em que setores-chave do poder estatal foram capazes de remover Ben Ali e Mubarak enquanto mantiveram sua forma básica de governo. No Sudão e na Argélia – aonde atualmente estão acontecendo enormes levantes – o processo possui características neo-patrimonialistas, mesmo que o poder de fato esteja entre os membros do estrato mais elevado dos militares. Esta realidade se diferencia da Síria, em que o poder burocrático, militar e financeiro está inteiramente nas mãos de uma única família e sua rede mais ampla. (Revolução e Contrarrevolução na Síria: entrevista com Joseph Daher, 2020)
Três fatores gerais também diminuem a probabilidade de revoluções democráticas desprovidas da via socialista: 1) Com o fim dos Estados Operários Burocratizados, a burguesia mundial deixa de necessitar na mesma anterior medida da reação democrática enquanto tática de apaziguamento das situações revolucionárias; 2) baixo peso operário em parte dos países da região; 3) neste momento histórico, o capitalismo torna-se um fator anticivilização e precisa, para manter-se, reduzir os direitos democráticos. As razões de nossa derrota conjuntural na primavera árabe são, portanto: 1) a falta de partidos comunistas estruturados; 2) falta de uma teoria correspondente capaz percebesse este elemento da revolução a tempo; 3) pouco apreço pela arte militar na certeza ilusória de inevitabilidade do socialismo; 4) baixa solidariedade internacional prática. A conclusão a que chegamos, neste capítulo, é evitada por pensadores do tipo Luiz Carlos Bresser-Pereira. Vejamos o que ele diz: É claro que eu desejo que esses países se tornem nações prósperas e democráticas, mas, para seu povo, a prioridade hoje é garantir as liberdades civis ou o Estado de direito e realizar a sua revolução nacional e capitalista. Não é, portanto, o caminho islâmico, mas não é também o doce caminho da democracia. Só depois que cada país houver
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realizado sua revolução capitalista e, assim, houver encontrado o caminho do desenvolvimento econômico, poderá se tornar uma democracia consolidada. […] Pretender inverter a ordem histórica – implantar a democracia antes de fazer a revolução capitalista – é quase impossível. (Bresser-Pereira, 2011, p. 40)
O autor citado ignora, de um lado, que os protestos de massa urbanos, os maiores da história humana, são verdadeiras declarações de que a democracia tem condições plenas nesses países e, de outro, algo que esquece a revolução socialista e sua própria forma democrática. Ademais, são países tão maduros na economia quanto podem ser sob o capitalismo imperialista55. Ele intui a dificuldade de prover a democracia do tipo burguesa, representativa, nas nações do mundo árabe, mas simplesmente dá passos atrás e defende, em vez do avanço, um recuo centralizador dos regimes políticos. A primavera árabe ainda precisa concluir sua tarefa. Ao passarmos por três ou quatro décadas de duras crises e fracos crescimentos econômicos, as nações daquela região necessitarão de novos levantes e de novas conclusões sobre suas possibilidades imediatas. Sendo a guerra aí o único meio para alguma forma de democracia, a economia planejada certamente surgirá como alternativa. Trotsky argumentou, ao fazer o balanço da revolução russa de 1905, que a revolução burguesa na Rússia teria como fator central o operariado armado que, logo, estando com o poder das armas, atuaria para seus próprios fins, ou seja, transformaria a revolução capitalista em socialista (previsão que se demonstrou correta em 1917). A necessidade de duras guerras civis no tipo de país citado neste capítulo também empurra para uma solução socialista do conflito. A ―nova‖ democracia burguesia, a mudança de regime, poderia frear o ímpeto revolucionário das massas e seria em si viável? A possibilidade está posta, é-nos impossível desconsiderá-la. Mas o mais provável é um regime de duplo poder, chamado kerenkista, onde o poder oficial ―equilibrase‖ em luta com o poder real das ruas como na Rússia entre fevereiro e outubro de 1917. Então se abrirá a possibilidade de poder socialista ou outro regime fechado56, pois o capital já não pode ceder as reformas exigidas pela maioria. Em resumo: porque tais países tendem à guerra civil, tendem, também, ao salto qualitativo social, ao socialismo.
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Em tais nações, o nacionalismo cumpriu em seu tempo, dentro de seus limites burgueses, uma tarefa progressiva ao desenvolver as forças produtivas de suas nações. 56 A tendência geral desde 2008, por razão da crise sistêmica, é a de regimes políticos fechados, ao menos semifechados (semibonapartismo, etc.). Logo, uma revolução socialista que passe por uma “etapa” curta de democracia burguesa, tenderá, em geral, a concluir-se ou com a democracia socialista ou com a ditadura capitalista.
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PARTE 3 CRISE SISTÊMICA E GLOBALIDADADE
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A FUNÇÃO HISTÓRICA DOS EX-ESTADOS ―SOCIALISTAS‖ ―Estamos no socialismo, mas os dirigentes já estão no comunismo.‖ Ditado popular soviético. ―Contudo é preciso lembrar que uma economia planejada ainda não é socialismo. Uma economia planejada pode ser acompanhada por uma escravização completa do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sociopolíticos extremamente difíceis: como é possível, em face da centralização abrangente do poder político e econômico, impedir que a burocracia se torne todo-poderosa e prepotente? Como se podem proteger os direitos do indivíduo e garantir com isso um contrapeso democrático ao poder da burocracia?‖ (Einstein A. , 2007) ―A atual geração do povo soviético viverá sob o comunismo [na década de 1980].‖ Nikita Khrushchov, em 1962.
A luta pelo socialismo marcou o século XX. Polêmicas, lutas sociais, revoluções e contrarrevoluções, II Grande Guerra, guerra fria, etc. comunicam-se todos com o fato de um terço da humanidade ter vivido sob ―regimes não capitalistas‖. Após a queda do estalinismo, do muro de Berlim e da planificação burocrática, podemo-nos perguntar: qual era, afinal, o caráter daquelas sociedades? Para iniciar o leitor ao argumento, comecemos com um trecho de A Revolução Traída de Trotsky, que nos servirá de pista. Na obra, encontramos uma profunda análise da URSS e uma caracterização marxista dessa sociedade. Vejamos: Lenin […] acrescenta: ‗o direito burguês, em matéria de repartição dos artigos de consumo, supõe naturalmente o Estado Burguês, pois o direito não é nada sem um aparelho de coação que impõe suas normas. Surge-nos assim o direito burguês a subsistir durante um certo tempo no seio do comunismo, e até mesmo o Estado burguês a subsistir sem burguesia!’ Esta significativa conclusão, absolutamente ignorada pelos teóricos oficiais de hoje, tem uma importância decisiva para a inteligência da natureza do Estado soviético de hoje ou, mais exatamente, para uma primeira aproximação nesse sentido. O Estado que toma por tarefa a transformação socialista da sociedade, sendo obrigado a defender pela coação a desigualdade, isto é, os privilégios da minoria, torna-se,
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em certa medida, um Estado ―burguês‖, embora sem burguesia. Estas palavras não implicam louvor nem censura, chamam simplesmente as coisas pelo seu nome. As normas de repartição, quando incitam o crescimento da força material, podem servir a fins socialistas. Mas o Estado adquire imediatamente um duplo caráter: socialista, na medida em que defende a propriedade coletiva dos meios de produção; burguês, na medida em que a repartição de bens tem lugar segundo padrões de valor capitalistas, com todas as consequências que decorrem desse fato. [...] A fisionomia definitiva do Estado operário deve definir-se pela modificação da relação entre as suas tendências burguesas e socialistas. A vitória das últimas deve significar a supressão irrevogável da polícia, o que significa a reabsorção do Estado em uma sociedade que se administra a si própria. Isto basta para fazer ressaltar a enorme importância do problema da burocracia soviética, fato e sintoma. (Trotsky, A revolução traída, 1980, p. 41, grifos nossos)
O marxismo cindiu-se em duas posições opostas sobre os assim nomeados Estados Operários. Uma posição reitera o caráter socialista de suas revoluções, ainda que o regime político fosse criticado com dureza, por exemplo, pelos trotskistas; a outra vertente considera que havia capitalismo de Estado, domínio do valor (Kurz, O colapso da modernização, 1992) ou a ―destruição do capitalismo, mas não do capital‖ (Mészáros, Para além do capital, 2011). A posição destinada a este capítulo chama-os dupla revolução e, também por isso, duplo caráter de Estado. Trotsky demonstrou que, na era imperialista, a revolução democráticoburguesa era viável apenas por meio de uma revolução socialista, uma revolução em permanência. Assim, as tarefas da revolução capitalista – industrialização, unidade nacional, educação universal, reforma agrária, etc. – são cumpridas pelo Estado Operário. Daí que os trotskistas tenham considerado o lado burguês de tais revoluções apenas na medida em que é superado pela revolução social, portanto deixam de considerar um dos lados daqueles processos. 57 A formação de um amálgama entre diferentes tipos de sociedades é algo reconhecível na história. A colonização europeia nas Américas fundaram produções destinadas ao mercado mundial, capitalista, porém, por suas condições, adotaram relações de produção escravistas e, ao mesmo tempo, mas e mais, superestrutura feudal (instituições, cultura, etc.) com influências culturais de diferentes épocas (feudalistas, primitivas indígenas e africanas e valores capitalistas
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Se nos é permitido um debate filosófico, as posições caíram na oposição do entendimento, ou-ou, quando deveriam avançar para e-e. Melhor. Isto e aquilo mais nem isto nem aquilo, Estado operário e burguês ao mesmo tempo que nem propriamente operário nem propriamente burguês.
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nascentes)58. A combinação interna, oculta e inconsciente das duas sociedades, capitalismo e socialismo, é a nossa conclusão de amálgama histórico. Na medida em que as forças produtivas em desenvolvimento nos países revolucionados eram baseadas no trabalho manual, isto é, na produção pertencente à fase histórica do capital, o caráter duplo dessas sociedades se formava. De um lado, foi necessário dois passos à frente para dar outro atrás, foi necessário um salto histórico, quer seja, adotar a economia planejada, ainda que de modo burocrático, a grande propriedade estatal e o controle do comércio exterior. De outro, a técnica na produção ainda não era a socialista, baseada na III revolução industrial, na microeletrônica e na informática. Na citação acima, Trotsky tratava do uso, mesmo que parcial, do dinheiro e do comércio; porém o decisivo do destino da sociedade está na produção, que ainda se baseava no trabalho abstrato, quer seja, à etapa do capital59. Para clarear, vejamos que, ao lado da produção com maquinaria, o setor produtivo na URSS tinha de lidar, por exemplo, com o taylorismo, ou seja, com a produção cooperada pré-I revolução industrial. Trotsky deixou de levar sua observação até as últimas consequências. Em geral, recuou para a avaliação de apenas o conceito Estado operário burocratizado. Também perdeu a oportunidade de ver o caráter duplo da URSS ao teorizar que a revolução burguesa tenderia a se tornar socialista. Esse limite teórico é um dos pontos que pretendemos resolver neste capítulo. O conhecimento da verdade é aproximativo, por aproximações sucessivas, por isso reconhecemos o legado de Leon Trotsky como, por muito tempo, a mais avançada teoria, impedida de ir ainda mais longe por limites históricos, que precisa hoje ser revista e atualizada60.
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A exposição deste amálgama, da colonização, apenas reproduz conclusões de Moreno. Sobre, ver: (Moreno, Quatro teses sobre a colonização espanhola e portuguesa nas Américas, 2020) 59 Mandel também vai rumo à posição de Trotsky: “Uma economia híbrida. Entretanto, apesar do funcionamento da economia soviética não ser dominado pela lei do valor, ela também não pode abstrair-se de sua influência. Apesar de não ser uma economia capitalista, isto é, uma economia baseada na produção generalizada de mercadorias, também não é uma economia socialista voltada para a satisfação direta da necessidade humana, uma economia na qual o trabalho possui um caráter imediatamente social. É uma economia pós-capitalista com elementos de mercado. A sobrevivência parcial da produção de mercadorias é combinada com o domínio parcial da alocação direta de recursos produtivos.” (Mandel, 2020) 60 Aqui, pode ser útil uma comparação. As ideias de gravitação de Newton são corretas até certo importante grau: resolveram questões científicas e permitiram fazer previsões acertadas. No entanto, algumas questões ficavam em aberto, como a precessão anômala do periélio de Mercúrio. Uma teoria nova, de Einstein, concluiu que a gravidade não era uma força mas a curvatura do tecido espaço-tempo provocada pela massa (e pela energia). A teoria anterior permaneceu útil até certo grau, porém outra solucionava as questões postas. Toda essa digressão visa ganhar o leitor para nossas conclusões. O autor reivindica o ortodoxismo trotskista, embora dialogue criticamente com outras tradições ao longo da obra; é reconhecível o grande valor da teoria da revolução permanente, que dela surgia uma luta justa. Porém: o próprio Trotsky, enquanto estivesse vivo, atualizaria suas
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RESTAURAÇÃO E BUROCRACIA Em outro capítulo observamos a importância da automação-robótica para a economia socialista. A restauração do capitalismo veio exato quando chegou a hora de os países revolucionados implementarem uma infraestrutura avançada, útil e sua por natureza. Se a burocracia estatal implementasse tal revolução industrial, destruiria as bases de sua própria dominação, de sua razão de ser. Tal atitude, se houvesse, mudaria todo o tecido social e a superestrutura: a casta governante não duraria mais um dia porque seria dispensável. A dificuldade de, diferente dos EUA, transferir as conquistar técnicas do aparato militar-espacial para a produção revela-se muito mais que um erro tático, define-se como limitação objetiva da casta burocrática. Por temor do tempo livre para todos, da abundância geral, da facilidade de planejamento econômico e do consequente impulso à revolução mundial, boicotaram a ―reforma revolucionária‖ em nome de um prazer humano anormal e pouco acessível. Em síntese: as forças produtivas, a partir de certo ponto, poderiam desenvolver-se por apenas dois caminhos, ou socialismo e democracia socialista ou capital. Em entrevista, Guennádi Krasnikov, presidente do conselho de diretores da Mikron, empresa russa líder na produção de semicondutores, e integrante da Academia de Ciências da Rússia, descreve a limitação técnica da extinta URSS: Revista Itogi: O senhor acha que a microeletrônica soviética era mesma tão pobre e digna de ser objeto de piadas? Guennádi Krasnikov: Claro que não. Na União Soviética, a microeletrônica era nosso orgulho e símbolo da nossa liderança no mundo. Naquela época, estávamos no grupo dos três líderes mundiais em microeletrônica, que incluía os EUA e o Japão, e mantínhamos a frente incondicional em todos os indicadores, desde volume de produção e nível tecnológico até a política do governo para o setor.‖ R.I.: Os soviéticos não estavam cientes disso? G.K: Cerca de 99% dos produtos da microeletrônica soviética eram destinados à indústria
bélica,
enquanto
0,5%
era
voltado
para
a
fabricação
de
eletrodomésticos. Portanto, as pessoas comuns só podiam julgar o desenvolvimento da indústria eletrônica nacional pela presença de equipamentos eletrônicos no mercado de bens de consumo. Como essa não era uma prioridade das empresas, os eletrodomésticos de qualidade escasseavam no mercado interno. Cada empresa de microeletrônica tinha a obrigação de ter em sua gama de produtos um determinado percentual de artigos como relógios, calculadoras, brinquedos etc.
formulações à luz dos novos fatos. A mente aberta é, portanto, uma vantagem dos marxistas, a negação do dogmatismo.
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Mas como os esses produtos não estavam entre as prioridades, seu desgin e qualidade deixavam a desejar. Essa atitude dificilmente pode ser considerada correta, mas tem uma explicação. R.I.: Muitas empresas de microeletrônica soviéticas sobreviveram? G.K.: De jeito nenhum! A URSS tinha uma indústria microeletrônica desenvolvida, que empregava mais de um milhão de trabalhadores e englobava uma infraestrutura colossal. Apenas algumas delas sobreviveram. E o processo de extinção não terminou: muitas das sobreviventes se mantém vivas, mas não se modernizaram. (Pokataeva, 2012, grifo nosso)
Percebemos uma limitação ao desenvolvimento das forças produtivas e dos produtos. Em outro capítulo, caracterizamos políticos, administradores de empresas e cargos afins burocracia burguesa. Os burocratas ―vermelhos‖ revelavam em si seu duplo caráter na medida em que impediam a existência da democracia operária e o avanço das forças produtivas socialistas por excelência. Havia, portanto, contradição entre a necessidade de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção e superestruturais. Vejamos outro exemplo, a internet: A história é relativamente desconhecida - mas foi investigada pelo historiador e professor da Universidade de Tulsa, nos EUA, Benjamin Peters. Ele é autor do livro ―How Not to Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet‖ (―Como não conectar uma nação: a complicada história da internet soviética‖, em tradução livre), ainda sem edição em português. O Ogas foi conduzido pelo cientista soviético Viktor M. Glushkov, que era diretor do Instituto de Cibernética de Kiev, na Ucrânia, nos anos 1950 e 1960, e era considerado por colegas cientistas ―a frente de seu tempo‖. ―A proposta era construir uma rede descentralizada, hierarquizada e em tempo real de gerenciamento de informação - algo semelhante ao que hoje chamamos de ―computação na nuvem‖.‖ ―O objetivo era facilitar o controle do Estado soviético sobre fábricas e empresas do regime e integrar economicamente todos os Estados da URSS.‖ ―Na União Soviética, uma rede centralizada de computadores significaria, portanto, um aumento das possibilidades e do apelo do controle do Estado sobre a economia: seria dar um largo passo à frente na demonstração de que o comunismo era um regime superior e inclusive com viabilidade administrativa.‖ ―A URSS tinha, à época, além dos motivos, os conhecimentos tecnológicos necessários e infraestrutura para fazer com que um projeto desse acontecesse. Além disso, o regime era conhecido pelas ambições e projetos megalomaníacos na área tecnológica.‖ (Freitas, 2016)
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Mas: De acordo com a pesquisa de Peters, a falha do projeto aconteceu por divergências administrativas, falta de consenso, burocracia, corrupção e falta de pragmatismo entre os dirigentes da URSS e aqueles que conduziam o projeto. Documentos importantes se perdiam, reuniões eram adiadas, manda-chuvas discordavam constantemente sobre os detalhes da rede, seus propósitos e sobre quem e como ela deveria, de fato, beneficiar quando fosse implantada.‖ ―O resultado da série de entraves que impediram o projeto Ogas de ganhar vida foi que, nos anos 1980, ele acabou implementado com um caráter completamente diferente da proposta em sua concepção: servidores desconectados entre si, sem interoperabilidade, em centros locais de controle de fábricas da URSS - bem diferente da ideia da internet. Apesar das discussões mais recentes sobre como a internet se dividiu em pequenas redes constituídas de bolhas sociais e sobre o controle de órgãos governamentais e empresas privadas sobre a informação, a internet foi concebida de forma técnica pelos EUA como uma rede cujo conceito não concebia hierarquias entre computadores. É uma rede descentralizada e que cresceu por meio de cultura colaborativa de consumo e alimentação de informações. E esse é um conceito oposto àquele empregado ideologicamente pelo regime soviético: censura, hierarquias de comando e uma cultura de controle em todas as esferas. Para o autor do livro, uma internet criada pela URSS teria valores muito diferentes daqueles que a nossa internet possui - talvez sequer tivesse se transformado na internet comercial como a conhecemos. (Idem)
O autor destacado na citação afirmou que ―The historic failure of that network was neither natural nor inevitable‖ (Peters, 1980). Mas o fracasso não foi contingente, teve como razão o regime de Estado estalinista e poderia ser revolvido apenas por meio da democracia real, socialista, ou retorno ao capitalismo. A partir do Livro II d‘O Capital, observamos a importância do sistema de comunicação e transporte para organização, diminuir o tempo de rotação do capital, diminuir desigualdades entre setores produtivos, integração internacional etc. Ao negar e relegar ao capitalismo tal meio superior; a burocracia impôs sua contradição com as necessidades produtivas e distributivas, elevando as contradições gerais, rumo a esta ou aquela solução – capital ou democracia socialista. A internet permitiria – tal como permitirá caso o socialismo vença –, enfim, o planejamento econômico pleno, a organização centralizada da produção e da distribuição; ademais, oferece as condições materiais para a democracia socialista, para a democracia participativa61. 61
O fato de estas condições materiais estarem maduras apenas na história recente é uma demonstração de que a realidade antes estava imatura para a revolução socialista e seu regime de Estado, a democracia socialista.
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Uma das manifestações da contradição entre a burocracia burocratizada e a necessidade de desenvolvimento das forças produtivas é a observação de que as empresas de baixo rendimento produtivo mantinham-se abertas apesar de seus resultados, pois a existência delas era o que sustentava a existência do burocrata como tal, como casta privilegiada. Nestas circunstâncias, a defesa do emprego dos funcionários era apenas demagógica já que, num governo de fato socialista, a redução da jornada de trabalho seria a solução posta para absorver a mão de obra disponível. Sem tirar todas as conclusões necessárias de suas observações, Elias Jabbour comenta em suas palestras e aulas que a URSS iniciou a terceira revolução industrial e a implementou na siderurgia, mas apenas nela; depois, exportou a moderna técnica ao Japão, que a generalizou tanto quanto foi possível; enquanto isso, as empresas ―soviéticas‖ estagnaram sua produtividade, sua intensividade técnica, sem nova revolução industrial e cheias de burocratas em cargos de comando e intermediários. Ou mudaria tudo ou nada mudaria. A fusão ou a aglutinação de valores de uso, por exemplo, num só produto-suporte, numa só fábrica, era algo impensável ao burocrata dependente da existência da quase sua empresa, ainda mais uma empresa sem ou quase sem subordinados diretos no trabalho manual, sem exercerem comando despótico esclarecido no lugar de uma gestão de fato científica. Outra expressão do limite da burocracia como forma de regime é a qualidade dos produtos. Quando se tentou medir a produção pela extensão ou quantidade, os produtos eram ―esticados‖ e ficavam frágeis; quando se media a partir do peso, os produtos ficavam cada vez mais pesados. Isso é uma contradição com as tendências da matéria do produto tal como afirmamos quanto à forma mercadoria em outro capítulo. A gestão burocrática tentava burlar as formas de controle. A casta burocrática tomou uma série de medidas para enfrentar os problemas de crescimento após a II Guerra (Júnior, 2019). Elas, no entanto, revelavam o caráter despótico e contraditório de tal camada dirigente, pois faziam de tudo, menos fortalecer a economia planejada ou restabelecer o regime da democracia direta. As medidas giravam em torno de desregular os preços, dar maior autonomia aos dirigentes de fábricas, acabar com subsídios, tentar tirar poderes da Gosplan (instituição de planejamento central na URSS), etc. Ou seja, via regime da burocracia, as tendências capitalistas internas impunham-se paulatinamente. Todas as tentativas de modernização interior, ainda sob alguma base socialista, esbarravam na forma de administração, que burlava, sempre que podia, todas as medidas ou tornava as novas normas disfuncionais. Após o esgotamento do crescimento extensivo da indústria, o esperado crescimento intensivo, o avanço técnico na indústria, foi bloqueado. Para os privilegiados e antidemocráticos
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comandantes, a restauração do capitalismo era quase que um caminho natural para manter-se no topo ou prosperar. A produção automatizada, a internet, a microeletrônica dariam um impulso gigantesco à reorganização das nações sob dupla revolução. A redução da jornada de trabalho seria enorme, por exemplo, e tiraria as condições materiais da necessidade de uma casta dirigente mais ou menos autônoma em relação à sua base social. Em um Estado operário com democracia socialista seria interesse majoritário direcionar forças para superar o trabalho manual e garantir altíssima produtividade, além de dar todo apoio possível às revoluções. Essencialmente, havia uma contradição entre as tendências burguesas e socialistas em desenvolvimento naquelas sociedades, paralisando-as. Como revolução burguesa, o regime de Estado, ditatorial, negava a democracia socialista, de tipo soviético; como revolução socialista, o Estado planejava centralmente a economia. Como revolução burguesa, ainda havia sistema de preços em parte dos produtos e em parte das nações revolucionadas, ainda havendo subprodução real ou em termos absolutos; como revolução socialista, os preços eram constrangidos, tabelados e limitados. Como revolução burguesa, baseava-se no desenvolvimento do trabalho manual, abstrato e produtor de valor; como revolução socialista, o desemprego era proibido e o trabalho ou o estudo era obrigatório. Uma série de contradições expressa a contradição geral. A luta por qual seria o polo determinante estava por ser revolvida. Tomemos o caso da China. Como revolução burguesa, sua revolução ofereceu pequena propriedade privada aos camponeses, principal classe revolucionária no país; como revolução socialista, por outro lado, limitava o desenvolvimento da propriedade. Como o camponês deveria dar seu excedente ao governo, à cidade, sua produtividade era baixíssima, o que colocava aquela sociedade diante de estagnações. Isso só foi revolvido quando a burocracia estatal liberou os preços dos produtos agrícolas e a venda livre no mercado da maior parte do que excedia na produção camponesa – ou seja, fortaleceu e consolidou o polo burguês daquela sociedade, no lugar de uma formação democrática e progressiva de grandes cooperativas com propriedade estatal do campo, que seria parte da solução socialista. A REVOLUÇÃO PERMANENTE Uma pergunta faz-se inevitável: a restauração do capitalismo era o caminho natural? Não, segundo a Teoria da Revolução Permanente. Se a revolução socialista fosse vitoriosa na Alemanha em 1918, se a II Guerra Mundial tornasse a Europa ocidental um grande continente vermelho, se revoluções políticas impusessem a democracia operária naqueles países sob o
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stalinismo… Poderia existir outro caminho, mas ao "destruir o capitalismo, mas não o capital" (Mészaros) internacional62, a revolução ficou bloqueada no terreno nacional. Segundo Trotsky: Os diferentes países chegarão ao socialismo com ritmos diferentes. Em determinadas circunstâncias, certos países atrasados podem chegar à ditadura do proletariado antes dos países avançados, mas só depois destes chegarão ao socialismo. (Trotsky, A revolução permanente, 2007, p. 208)
Pois: A revolução socialista não pode se realizar nos quadros nacionais. Uma das principais causas da crise da sociedade burguesa reside no fato de as forças produtivas por ela engendradas tenderem a ultrapassar os limites do Estado nacional. […] A revolução socialista começa no terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional e termina na arena mundial. Por isso mesmo, a revolução socialista se converte em revolução permanente, no sentido novo e mais amplo do termo: só termina com o triunfo definitivo da nova sociedade em todo o nosso planeta. (Idem)
O rio da história poderia desaguar em duas diferentes águas: ou revolução socialista por meio da revolução democrático-burguesa ou revolução democrático-burguesa por meio da revolução socialista. Estes são os casos de Rússia, China e Alemanha oriental por suas proporções, colocando outros países – um terço da humanidade – em suas órbitas, como ―efeitos colaterais‖. Quando a URSS caiu, por exemplo, Cuba, que dependia de sua relação com os demais Estados Operários, restaurou o capitalismo pelas mãos da própria direção da sua revolução ao fechar o centro de planejamento estatal, encerrar o controle do comércio exterior e atrair capital estrangeiro. A fórmula de Lênin acabou por ser invertida: dois passos à frente para, em seguida, um passo para trás. A revolução mundial faltou. Pode-se dizer que ocorreu em parte a exigência histórica de apoio internacional, pois aconteceram revoluções sociais em países atrasados. A revolução permanente em parte se impôs, mas não em nações desenvolvidas. Pelo contrário, os países imperialistas conheceram grande e inesperado desenvolvimento, o que afastou por décadas a 62 Sendo um grande entre os nossos, Mészaros obteve respostas inconclusas ao lhe faltar, neste tema, a devida atenção à Revolução Mundial. A ele, como a Lukács, bastavam outras medidas de Estado, internas, à revelia da revolução internacional, para haver outro rumo. A categoria “póscapitalismo” revela-se, se correta a formulação geral deste capítulo, uma categoria apenas em parte certa, de aparência. No Grundrisse, Marx diz que o capital somente pode existir como muitos capitais e luta entre eles, o que parece refutar Mészàros, pois tudo estava unido no Estado, mas isso é parcial, pois, vendo desde o mundo, não desde um país isolado, a URSS etc. tinham de lidar com o mercado mundial. O capital interno era, portanto, Sui Generis.
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possibilidade de revoluções sociais onde as forças produtivas eram mais avançadas. Lenin e Trotsky erraram ao suporem que o capital havia cumprido todas as suas possibilidades históricas. Vejamos como o fundador do Exército Vermelho dá as bases dessa explicação, embora apenas desconfie: Si el mundo capitalista pudiera ahora generar un nuevo ascenso orgánico, y si encontrara un nuevo equilibrio como base para un desarrollo ulterior de las fuerzas económicas, nosotros, como Estado socialista, colapsaríamos. Se puede ilustrar esto en forma teórica y práctica em dos palabras. Teóricamente, porque un ascenso del capitalismo en Europa crearía una tecnología colosal para la burguesía, y cambiaría la psicologia del proletariado. Si el proletariado ve que el capitalismo puede levantar la economía nacional, esto se reflejará inevitablemente sobre la clase obrera que trató de hacer una revolución, fue aplastada, y experimento un desengaño. Si el capitalismo lleva la economía hacia arriba, habrá conquistado al proletariado por segunda vez, arrastrando a las masas tras él. Desde el punto de vista teórico, vemos que el socialismo tiene derecho a existir precisamente porque el capitalismo no es capaz de desarrollar las fuerzas productivas. Nuestra revolución creció sobre bases económicas, y antes de la revolución éramos parte integrante de la economía mundial. Si el capitalismo es capaz de desarrollar las fuerzas productivas, tendríamos que llegar a la conclusión de que nos equivocamos de raíz en nuestro pronóstico – el capitalismo es una fuerza progresiva, desarrolla sus fuerzas más rápido que nosotros; el bolchevismo llegó al poder demasiado pronto, y la historia castiga muy rudamente a los nacimientos prematuros. Esto sería así si el pronóstico optimista para el capitalismo tuviera alguna base. ¿Pero tiene alguna base? Es difícil de demostrar. Pero por el momento la burguesía no ha podido probarlo, y no puede hacerlo. En Europa no hay ningún desarrollo de las fuerzas productivas. Lo que están sucediendo son crisis y una fractura de las fuerzas productivas disponibles –este es el hecho básico. Por lo tanto debemos decir que el socialismo tiene derecho a existir, a desarrollarse y a todas las esperanzas de victoria. (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, pp. 203, 204; grifos nossos) Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que
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nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis; en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas, debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede esperar aún hacer uma obra de progreso? (Idem, p.234; grifos nossos)
A citação longa deixa clara uma previsão na forma de uma aposta histórica. E ela estava errada. Uma das condições da teoria da revolução permanente, o capital encontrar seus limites internos absolutos, apenas consolidou-se muito depois da revolução de 1917. As nações que passaram pela dupla revolução, socialista e capitalista, eram todas atrasadas e necessitaram de um salto histórico, um esforço de avanço imenso, para evitar o colapso de suas sociedades, para modernizar-se. A história tem seus mecanismos, mas falta-lhe bom senso: inexiste caminho mecânico, desprovido de tropeços. Dito de outro modo, os grandes acontecimentos históricos ocorrem primeiro como ensaios gerais e depois como processo maduro. Assim, o século XX foi nosso teste inicial quando o tempo da revolução burguesa havia passado e o tempo da revolução socialista ainda não havia surgido. Nesse sentido, toda uma época de transição, algo cinza entre o preto e o branco. É preciso ter esta clareza: por limites de época, por ser o início e ascensão da fase imperialista, as revoluções foram burguesas parciais e, pela mesma razão, ainda ser o período de elevação do imperialismo, foram revoluções socialistas também parciais. Detenhamo-nos um pouco mais no assunto, pois fere o dogmatismo de certo marxismo ―ortodoxo‖. Pode haver certo consenso de que a Comuna de Paris tinha como uma de suas dificuldades a economia, já que o capitalismo ainda poderia se desenvolver e ainda faltava alcançar sua fase superior, o imperialismo; mais fácil, portanto, alcançar a conclusão de que o socialismo era ali mais possível que necessário. Mas o que dizer da revolução russa e as demais até a década de 1970? Lenin observou o nascer e o desenvolver inicial do imperialismo, seu período de ascensão, não seu período de decadência e consolidação. Observemos os critérios de Trotsky. O capitalismo fez ―enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo‖? Sim: a produção desenvolveu-se até a III revolução industrial sob o regime do capital; países dominantes promoveram o ―Estado de bem-estar social‖, que impossibilitou por décadas revoluções sociais no centro do mundo; países atrasados determinantes, como o Brasil, cresceram de modo espetacular pelo menos até durante a década de 1970. Percebemos, logo, que as condições do socialismo passaram a estar postas de fato desde
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2008, que anuncia a crise geral sistêmica (de acordo com a curva de desenvolvimento do capitalismo). O critério oferecido pelo fundador do Exército Vermelho aponta a prematuridade das revoluções sociais do século XX. Ele desconfiou tal resultado, mas sua posição dirigente do processo revolucionário soviético e a própria empiria dos fatos históricos daquele período dificultavam uma interpretação negativa da realidade. A possibilidade, antes de tornar-se necessidade, testa-se a si própria. De modo algum afirmamos que os bolcheviques, por exemplo, deveriam ter recuado; apenas devemos perceber as causas materiais da derrota, da ascensão do regime estalinista e da posterior restauração do capitalismo. No balanço da primavera dos povos, principalmente na França, Engels destacou que Marx considerava a crise econômica como uma constante e apenas depois ambos tomaram consciência de que o crescimento econômico posterior esteve na base da derrota assim como a crise econômica foi a base do levante. Apenas hoje a situação é outra. Como demonstramos em outro momento, o capitalismo tem macrociclos e está diante de seu último, a fase de declínio da atual curva de desenvolvimento, caracterizado por crises longas ou duras entremeadas por crescimentos fracos ou curtos (cuja destruição é base para a prosperidade posterior, o ascenso). É do conhecimento comum do marxismo que um sistema cai e é substituído apenas depois de desenvolver todas as suas possibilidades latentes. É preciso também que as bases da próxima sociedade já estejam a ponto de realizar-se dentro da sociedade anterior; a produção automatizada e a informática são exemplos de tal condição enfim madura. No campo lógico, citemos Moreno: A necessidade era considerada anteriormente como uma categoria que começava a atuar desde o começo de um processo, fazendo com que seus resultados se impusessem. Se um processo era provável não era necessário. Piaget encontra – na fórmula citada – uma resposta em um terceiro termo, o qual une os que se apresentavam como antagônicos até então. Com a ―probabilidade crescente‖, síntese dinâmica de probabilidade e necessidade, esta só surge e se impõe ao final do processo e não no começo. (Moreno, Lógica marxista e ciências modernas, 2007, pp. 68, 69)
A probabilidade crescente63 – atualizemos a citação – revelava-se nas revoluções sociais, porém antes de a necessidade se impor por completo já que ―esta só surge e se impõe ao final do processo e não no começo‖. A possibilidade verifica-se antes de se tornar realidade. O pensamento vulgar supõe que as revoltas sociais põem sempre em possibilidade um novo mundo e são em si expressões de um revolucionamento social latente. Mas a história da luta de 63
Faltou Moreno e Piaget destacarem, por outro lado, na dialética, a necessidade crescente.
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classes nem sempre foi assim. Havia inúmeras revoltas de escravos no mundo antigo, porém procuravam a liberdade dos revoltosos, não o fim de toda escravidão ou do sistema. As revoltas camponesas da Idade Média não podiam propor algo novo sob aquelas condições, mesmo assim ocorriam. O diferencial da guerra de classes hoje é que a classe oprimida tem de modo latente um projeto social próprio, mas suas revoltas também podem acontecer antes que as condições estejam de fato maduras para um revolucionamento completo. A conjuntura pode estar em descompasso com a estrutura, uma contradição dialética. Vale a pena pousarmos mais um tanto na dialética. Em sua Lógica, Hegel diz da ―Indiferença como relação inversa de seus fatores‖ (Hegel G. W., 2016); o indiferente, aqui, é a própria sociedade global, a materialidade social do mundo; a relação inversa de seus fatores é, se o socialismo cresce, o capitalismo diminui, e ao contrário, se o capitalismo cresce, o socialismo diminui; isso marcou o século XX de modo que a revolução permanente era uma necessidade, impossível a convivência pacífica dos opostos por muito tempo – ou avança ou retrocede. Mas Hegel é ainda mais sofisticado: um lado, um fator, tem ―um tanto‖ do seu oposto dentro de si, igualmente o outro lado tem ―um tanto‖ do outro em si mesmo; demonstramos no concreto este fato: os países formalmente socialistas, porque feita a revolução em países imaturos e atrasos, tinham dentro de si aspectos capitalistas, em resumo, desenvolviam dentro de si forças produtivas ainda capitalistas; por outro lado, os países capitalistas desenvolviam dentro de si as forças produtivas, ou seja, as condições para o socialismo. De imediato somente um polo, um dos fatores, poderia ser total, reduzir a nada o oposto, embora o capitalismo amadurecesse dentro de si as condições futuras para o socialismo. Agora, vale a pena ver os saltos de qualidade. Um pouco antes de a água saltar de líquida para congelada, formam-se pequenos cristais, mas eles logo se desfazem, não se generalizam nem têm resistência própria, apenas anunciando o salto qualitativo caso a temperatura caia ainda mais; do mesmo modo, a água como gás forma pequenas gotículas, que se desfazem logo por não ter força o bastante para se manter, também anunciando a mudança de estado caso algum fator como a temperatura mude ainda mais. Pois bem, a mesma dialética dos ensaios antes do salto qualitativo se vê no século XX. As tentativas de salto histórico, apesar das condições globais imaturas, tiveram como motor e estímulo os problemas da guerra, tema de outro capítulo. *** Em sua crítica-atualização da teoria da revolução permanente, Moreno lida com a própria lei do desenvolvimento desigual e combinado para demonstrar que revolução socialista pode ser igual à base camponesa, não operária, tal como Trótski havia usado a descoberta para dizer
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revolução democrático-burguesa é igual à protagonismo operário, não burguês. Assim, o argentino atualizou a teoria. Podemos dar novo passo. As Revoluções em países atrasados tiveram duplo caráter: democrático-burguesas e socialistas. Percebendo a mesma lei material, vemos que o caráter dessas revoluções abriam a possibilidade de liderança sob base camponesa por outra razão além da percebida por Moreno: o campesinato é base social histórica das revoluções burguesas. A imaturidade desses países os fez necessitarem de uma revolução onde o proletariado ainda era pouco capaz de um papel ativo ou estava derrotado. As revoluções sociais do século XX tendo duplo caráter, socialista e democrático-burguesa, abriam a possibilidade de substituir o sujeito revolucionário do operariado por camponeses, pois estes últimos são a base social das revoluções burguesas clássicas. Assim ocorreu no pós-II Guerra. A lei do desenvolvimento desigual e combinado já aponta a substituição do sujeito social, de uma classe cumprir as tarefas de outra – uma lei que prova toda sua validade em nível mais intenso. Mesmo a de fato operária revolução social, a russa, expressa o duplo caráter, pois a revolução de 1905, o chamado ensaio geral, foi derrotada por razão da ausência do campesinato na arena política revolucionária. Já em 1917 associava, segundo Trotsky, ―a guerra camponesa, movimento característico da aurora do desenvolvimento burguês 64, com o levante operário, movimento que assinala o crepúsculo da sociedade burguesa‖ (Broué, 2014, p. 20). A burocracia estatal apoiou-se na pequena burguesia rural precária, falida e sem terra (aspira a uma pequena propriedade privada) usando as bases do Estado operário mais, em contradição, regime de Estado ―bonapartista‖. Foi preciso saltar etapas históricas: antes de forças produtivas maduras foi preciso base socialista para amadurecer as forças de produção, logo também é um Estado burguês. Quando Lenin afirmou ―o socialismo é o poder dos sovietes mais a eletrificação do país‖, em outras palavras, disse: o Estado ―Operário‖ está obrigado a cumprir tarefas burguesas, sustentar um desenvolvimento ainda burguês das forças produtivas. A base sobre a 64
O programa dos Bolcheviques era avançado, ainda mais considerando aquele país naquela situação, ou seja, a estatização da grande propriedade rural sob controle de seus funcionários, do operariado rural. Porque a revolução também era burguesa, além de socialista, além de parcial, o partido teve de recuar da sua proposta, apoiando a luta por reforma agrária, fragmentação da terra. Isso tem consequências até hoje: atualmente, os partidos vermelhos ainda insistem na reforma agrária, como eixo e não secundária, um recuo programático, como sua proposta central para o campo. Está mais do que na hora de corrigir tal limite. Devemos ir para frente, não para o passado: a grande propriedade rural, se unificando as terras e empresas do campo, permitirá, por exemplo, comida barata, até gratuita, além de manter, no socialismo em seu começo, saudáveis as contas internacionais com a exportação de grãos, carne etc.
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qual o socialismo deveria se erguer estava, ao contrário, sendo erguida pelo Estado, por isso o duplo caráter da superestrutura, burguês e proletário, e da revolução era inevitável. Pela mesma razão, o duplo caráter das revoluções, tornou-se menor a necessidade de um partido revolucionário nestes processos, pois, também, 1) as contradições eram elevadíssimas; 2) as tarefas poderiam ser geridas por organizações pequeno-burguesas; 3) os países tinham formações sociais que dificultavam a construção de verdadeiros partidos comunistas. Por isso, Moreno percebe que todas as revoluções vitoriosas, após a II Guerra Mundial, foram de base camponesa e não operária, em países atrasados e dirigidos por partidos centristas centralistas burocráticos com liderança pequeno-burguesa. Passaram por fora das formulações de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Observado desde a macro-história, reforçamos, os saltos revolucionários expressavam em seus duplos caracteres o tempo da revolução burguesa encerrando e o tempo da revolução socialista ainda nascente. *** Vejamos a particularidade russa, a mais proletária das revoluções socialistas do século XX. Os problemas econômicos da I Guerra, a guerra civil revolucionária contra 14 exércitos e as dificuldade advindas junto ao isolamento econômico tiveram como efeito imediato: 1) desarticulação da indústria interna; 2) morte de parte dos operários mais avançados; 3) esvaziamento das duas grandes cidades, com deslocamento humano para o campo na intenção de evitar a fome ao dispor da reforma agrária então implementada. Esses três fatores foram base do regime ―bonapartista‖ inaugurado por Stálin e fortalecimento do polo burguês do Estado, expresso no regime político. Vários autores denunciam que as demais revoluções sociais já se concluíam burocratizadas, diferente da revolução russa em seu começo, baseada na democracia dos soviets. A explicação dada por muitos é que o caráter burocrático dos partidos e das guerrilhas afetou o regime de Estado. A nosso ver, a resposta é insuficiente. A questão é descobrir o motivo da burocratização inicial, da imposição de ―bonapartes vermelhos‖, ou seja, descobrir a realidade objetiva que fez tais condições e tais resultados. Se os países em questão estivessem prontos para uma transição ao socialismo, ainda que necessitassem do apoio internacionalista, não teriam desde o princípio a imposição da burocracia. O mesmo atraso que forçou a tentativa de avanço histórico por salto condicionou a burocratização. Como observamos, a conclusão de que os Estados operários, e a URSS em particular, eram formas de ―Estado burguês sem burguesia‖ (Lenin) foi considerada apenas parcialmente pelos teóricos, incluso pelo formulador da expressão, não levada às últimas consequências, preponderando a ideia de ―Estado operário deformado‖ apenas. Também observamos que o fato de a burocracia ter restaurado o capitalismo deveria ser alinhado aos motivos econômicos das
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crises daqueles países, em relação à superestrutura estatal, mas é comum somente reconhecer e descrever o processo. Algo semelhante ocorre com o tema da prematuridade das revoluções. Muitos marxistas consideram o regime de Estado estalinista desde sua versão, por assim dizer, russa, como se o isolamento internacional e a guerra fossem as únicas causas fundamentais da burocratização; porém as outras revoluções, especialmente a chinesa e a cubana, refutam tal caracterização, que pode ser remetida também a Trotsky, porque já surgiram, mesmo que com uma brevíssima transição, sob o poder da burocracia, sob o regime despótico. Logo o caso russo não era mera anomalia – como supuseram, até aqui, Trotsky e os trotskistas. Aqui também há reconhecimento e descrição, mas falta saber do seu fundamento. Como explicar tais características? A única solução possível é ver que a base econômica e social, nacional e principalmente mundial, ainda estava imatura para revoluções plenas, completas e socialistas. Apenas assim podemos compreender o susto de Trotsky diante da rapidez com que o Estado da URSS encontrou a degeneração de seu regime, de democracia soviética para ditadura estalinista, em menos de 10 anos.65 As respostas dadas neste capítulo são das questões que os importantes aportes de Moreno não avançaram, pois consideravam a revolução democrático-burguesa apenas na medida em que ela era superada pela revolução socialista, sem supor que esta primeira estava viva ao seu modo no seio do inimigo. A razão disso era a quase certeza de que o capitalismo estava com os dias contados, dada a enorme quantidade de países formalmente não-capitalistas e as revoluções vitoriosas ou em processo. Após o impacto da restauração no Leste Europeu, Kurz e Mészàros penderam para a ponta oposta, erro inverso, o caráter burguês daquelas sociedades. De modo geral, todos os pensadores marxistas críticos à casta burocrática aproximaram-se das conclusões aqui expostas, quase as alcançando. *** Trotsky observou que as sociedades sob revolução social não eram ainda socialistas mas de transição ao socialismo. A consideração de três etapas – transição, socialismo e comunismo – é uma das mais importantes atualizações marxistas.
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Sendo trotskysta, o autor tem maior facilidade de criticar ao trotskismo. Os argumentos externos sobre as causas da burocratização – morte da vanguarda, desarticulação da produção, isolamento momentâneo etc. – são, na verdade, a regra, grosso modo, de todas as revoluções socialistas… Se levamos seus argumentos a sério, deriva-se daí que todas as revoluções socialistas futuras degenerarão em ditadura bonapartista de uma burocracia, assim como toda revolução burguesa tronou-se ditadura militar… Mas o único argumento que se sustenta por inteiro é que aqueles países revolucionados eram imaturos, assim como imaturos os países considerado avançados à época. Para Trotsky, a burocratização na Rússia era uma anomalia em princípio irrepetível, além de breve no tempo. Apenas hoje, em nosso tempo, temos um beco sem saída para o capital.
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Tais formas transicionais deixaram de existir nas últimas décadas. Na obra O Veredicto da História, Martin Hernandez (2008) demonstra que os assim chamados Estados operários, de transição, possuem três características: 1) Controle estatal do comércio exterior; É o aspecto mais importante, mais universal. Na revolução russa, esteve presente já nos primeiros anos. 2) Grande propriedade estatal; Uma grande quantidade de empresas estatais não é um critério, haja vista que Mussolini expropriou alguns burgueses e elogiava-se ao afirmar que dois terços da economia pertenciam ao Estado. O critério é se a propriedade estatal na economia está a serviço ou não do mercado e se a tendência é o império da propriedade privada ou pública. 3) Economia centralmente planejada. As estatais francesas no pós-II Guerra faziam planejamento, para fins de mercado, e os atuais monopólios e oligopólios fazem planificação. O salto qualitativo para a transição ao socialismo é que o grosso da economia, com controle do comércio exterior e grande propriedade estatizada, passe por um plano central. Por tais critérios mínimos, Cuba e China são hoje países capitalistas. O primeiro, por ex., fechou a Junta Central de Planificação, encerrou o controle estatal do comércio exterior (as empresas passaram a ter liberdade de negociação nesse tipo de comércio) e absorveu grande capital privado de outros países, pincipalmente os imperialistas europeus e canadenses (Herrnandez, 2008). Eis um assunto polêmico, já que muitos pensam que o território cubano ainda é um bastião do socialismo, mas a realidade deve se impor sobre a teoria. China primeiro começou as medidas de restauração em 1979, com as Quatro Modernizações; o governo da URSS seguiu o exemplo chinês para enfrentar sua estagnação, em 1986, com a Perestroika. Cuba, como demais países do Leste Europeu sob regimes estalinistas, entrou em decadência com o fim dos subsídios da Rússia às exportações dos países parceiros (como ao açúcar cubano) e retoma o capitalismo na década de 1990. Martin Hernandez afirma que na Europa do Leste e na ex-URSS há revoluções como crítica à burocracia e suas medidas de restauração do capitalismo que afetavam a qualidade de vida da maioria dos povos, mas que em China e Cuba faltaram rebeliões de mesma intensidade diante das medidas estatais. No território chinês, houve protestos atrasados e parciais que foram rapidamente reprimidos; já no território cubano, a crise gerou as famosas fugas por meio de botes ao mar rumo ao exílio estadunidense. O teórico citado também afirma que, diferente da ex-URSS, onde a restauração via burocracia causou um recuo social e degeneração econômica semelhante a
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uma guerra, em Cuba e China, em oposição, houve algum avanço contraditório das forças produtivas e do estilo de vida, não uma grande destruição geral (como, aliás, previa Trotsky, acertando quanto à URSS). A que se devem tais diferenças? Hernandez não explica, apenas constata. A razão a que chegamos é a que se segue: as sociedades cubana e chinesa ainda eram bastante imaturas, isto é, rurais e pouco industrializadas; ao contrário, os países do Leste Europeu eram industrializados e urbanos (com todas as ressalvas, também com a grande e moderna propriedade rural), logo mais explosivos e com menor possibilidade de desenvolvimento interno do capital. Tal explicação demonstra a razão central da manutenção das ditaduras em Cuba e em China enquanto em outros países houve mudança para democracia burguesa. *** Observação destacável são as manobras para fins de restauração do capitalismo. Na medida em que os governos burocráticos pretendiam restaurar o poder do capital, praticaram um tipo específico e especial de despotismo esclarecido burguês. Medidas de Estado tornavam operários acionistas privados de suas empresas, cooperativas eram estimuladas, fábricas deixavam de servir a um plano geral para apenas um plano particular, terras eram dadas aos camponeses, liberava a venda no mercado dos excedentes no campo. Foi-se minando o duplo caráter daquelas sociedades, destruindo o polo operário determinante. Por fim, diante da derrota estratégica, a restauração do capitalismo, uma vitória tática – tanto positiva quanto negativa – era cedida, em alguns países, por pressão ao substituir as ditaduras por democracia burguesa e, assim, arrefecer as tensões sociais. *** O fanatismo de esquerda leva à adoração de heróis, ―iluminados‖ que supostamente não prestam contas à realidade. Esta forma positivista e idealista de ver os líderes leva à concepção de que, por exemplo, na Rússia o capitalismo foi restaurado apenas pela mera vontade de gente como Gorbatchov, que dirigia o país no momento da restauração. O método marxista explica as grandes ações desde a realidade. Se bastou a vontade de poucos homens para restaurar o poder do capital, logo o ―socialismo‖ era apenas algo contingente, sem fundamento histórico (como demonstramos, há algo verdadeiro aí – este é o caso, mas não explica todo o processo). A verdade é que o retorno ao capitalismo era um problema real e foi a forma negativa como uma contradição social, que inclui a contradição interna entre as tendências socialistas e capitalistas, passou a ser resolvida. A ideia restauracionista teve uma base material que a formou e a permitiu. Quando o baixo crescimento da economia exigiu mudanças nas relações sociais e na supererstrutura política, a casta burocrática fez seu trabalho de coveira da revolução, concluiu sua
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contrarrevolução nacional. Houve, portanto, um momento propício para a radical mudança, isto é, quando as forças produtivas encontraram barreiras ao seu desenvolvimento. A burocracia era um setor privilegiado, ainda que não formasse uma classe social, e como tal defendia seus privilégios e desejava aumentá-los. Era materialmente oportunista, inexistia controle da base social sobre os dirigentes. Há, portanto, um bom grau de verdade na crítica inocente aos restauradores: o fato de os países estarem sob ditaduras sobre o proletariado, não do proletariado, com muitas semelhanças de regime de Estado com o fascismo, foi parte essencial do que tornou possível o caminho do retorno pleno ao sistema socioeconômico adversário. Se os Estados fossem governados por democracia direta, participativa e, portanto, socialista, apenas em hipotéticos casos anormais os trabalhadores aprovariam em votações e debates medidas de retorno ao capitalismo. *** Os estalinistas diziam que os países atrasados deveriam passar ainda pela etapa da revolução burguesa, sob liderança da burguesia; mas em lugar algum se encontrou tal caminho concluído. No oposto, os trotskistas diziam que o tempo da revolução burguesa havia passado, logo as revoluções nos países atrasados tornar-se-iam socialistas; mas aí veio do desgosto geral deles, pois as revoluções radicais foram de base camponesa, não operária, de liderança oportunista, não revolucionária, em países atrasadíssimos, não combinando atraso e avanço, gerando regimes de Estado ditatoriais, não com democracia socialista, frutos de guerras, não de revoluções. Ninguém saiu satisfeito. A questão é que a impossibilidade da revolução burguesa não era igual à plena possibilidade de revolução socialista. Quod erat demonstrandum. *** Tivemos 3 teses sobre a revolução russa desde 1905, válidas para países atrasados: 1.
Mencheviques: a revolução socialista é inviável, pois é preciso uma revolução burguesa
liderada pela burguesia que desenvolva as forças de produção; 2.
Lenin, Bolcheviques até 1917: a burguesia é fraca e covarde, por isso revolução será
burguesa, mas com um governo e regime de aliança dos operários e camponeses, com maioria destes por ter grande população e pela etapa histórica; 3.
Trotsky: A revolução será burguesa, mas, porque a burguesia é fraca e covarde, a liderança
será operária, com apoio dos camponeses, logo tornar-se-á uma revolução socialista. Pois bem; ocorreu a combinação das três teses. Em 1: de fato, a revolução seria burguesa, mas a burguesia não liderará; mesmo assim, a pequena burguesia foi a liderança em outras revoluções similares; além disso, a revolução socialista era relativamente improvável. Em 2: de fato, o operariado perderia a chance de liderar várias das revoluções; de fato, a burguesia recuaria;
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de fato ,o socialismo pleno era inviável. Em 3: de fato, a revolução avançaria em permanência; de fato, era impossível novas revoluções burguesas; de fato, a burguesia recuaria; de fato, o operariado poderia ser gigante na Rússia; mas o socialismo era relativamente impossível ainda. Ocorre que cada tese limitava a outra não somente no plano das ideias – na prática, na realidade. Todos eles erraram ao não preverem a burocratização do Estado como a mais radical democracia da história humana, a dos soviets, degenerar numa das mais duras ditaduras da história humana, como o mais revolucionário partido da história degenerar num dos maiores aparatos contrarrevolucionários da história. *** Como dito antes, Trotsky atualizou – inconscientemente – a teoria marxista ao descrever que a nova forma de sociedade teria três, não duas, etapas: transição, socialismo, comunismo. Os países que passaram pelas revoluções parciais estavam na primeira etapa, a transição, onde o capitalismo ainda não poderia ser totalmente superado. Logo, do ponto de vista científico, é errado chamar aqueles países socialistas ou comunistas até a década de 1990. Eram sociedades transicionais onde a transição era muito mais difícil, pois ainda havia muito a amadurecer dentro dos limites do imperialismo. Em sua Ontologia, Lukács afirma a irreversibilidade dos processos, incluso sociais, como a impossibilidade de retornar ao feudalismo após a revolução francesa. A aparência dos fatos no fim do século XX o contradiz, mas apenas para percebemos a prematuridade dos processos forçados por altas contradições conjunturais e estruturais. Aqui a confusão teórica é completa. O socialismo inicia-se como ainda herdeira direta do capitalismo, com elementos capitalistas ainda dentro de si. Por causa dessa consideração, os marxistas viram apenas o caráter transicional socialista naquelas sociedades sob (dupla e parcial) revolução; o polo capitalista aparecia apenas como parte desse incômodo passageiro do processo. Mas os revolucionamentos ocorreram em países muito atrasados e, ao mesmo tempo, décadas antes de as condições internacionais para o fim do capitalismo começarem de fato a amadurecerem (a época de decadência, consolidação, do imperialismo desde – como início – a década de 1970, aprofundada em 2008, que tende a durar, como sua ascensão, como vimos em outro capítulo, 100 anos, com salto qualitativo até mais ou menos os anos 2050, como ascensão). É como se a revolução burguesa e o caráter também burguês daquelas nações estivessem por detrás, pelas costas da revolução vermelha, escondido embaixo da aparência. Se eram transição ao socialismo, eram igualmente transição ao capitalismo – os polos opostos anulavam-se em seu conflito e diferença. Mas a vitória final, após certo progresso pela relação dos em contraste, só poderia ser dada a um dos lutadores. Lenin disse que não há situação absolutamente sem saída, como caráter probabilístico e não determinístico; mas a história é cruel com os grandes líderes mais maduros do que as circunstâncias, diria Engels. As revoluções burguesas prematuras, ainda
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segundo Engels, como na Alemanha, jogaram este e outros países por muito tempo em atraso e fragmentação, pagando pesado preço pela ousadia antes da hora marcada. As revoluções duplas, por serem duplas, pelo menos foram ainda muito mais longe66 como esboços do que os esboços capitalistas de seu nascimento. Ficamos, portanto, como o duplo de um poeta: ―Força não há capaz de enfrentar/uma ideia cujo tempo tenha chegado/A força não é capaz de salvar/uma ideia cujo tempo tenha passado/(…)/Pra pegar a onda tem que estar/na hora certa num certo lugar…‖ (Gessinger, 1996) *** Percebendo a bifurcação do destino da URSS – ou revolução política, devolver o poder aos trabalhadores, ou retorno ao capitalismo – Trotsky elaborou possiblidades de restauração, de diferentes formas: 1)
Invasão estrangeira – tentada por Hitler cuja derrota deu fôlego ao regime de Estado do
país vitorioso; 2)
A classe trabalhadora soviética ser ganha ao capital pelo prazer do acesso de mercadorias
baratas e de qualidade de outros países – a crise inflacionária nos países capitalistas retardou a expressão do avanço técnico na produção de bens de consumo nos preços, mas as crises de subprodução e a baixa qualidade dos produtos também atuaram internamente para desmoralizar o lado vermelho do mundo; 3)
A burocracia desenvolver-se ao ponto de minar a sociedade para transformar a grande
propriedade estatal-planejada em propriedade privada – esta foi a possibilidade que ganhou concretude, a mais correta. Porém Trotsky supunha daí um processo violento de guerra civil por razão da contrarrevolução burguesa, restauracionista. As lutas aconteceram em quase todos os países sob ditaduras burocráticas, mas de maneira confusa e em proporção desigual ao tamanho do ataque. A contrarrevolução deu seus golpes finais por meio de ―reformas‖. A pergunta imposta é por que a restauração deu-se por contrarreformas, não por contrarrevolução, diferente do que previu o fundador do Exército Vermelho. Esta diferença entre a previsão e a realidade foi pouco observada pelos teóricos. Se o Estado era operário, ainda que deformado, o salto regressivo só poderia ser feito por ruptura brusca. Trotsky nomeou reformismo regressivo, reformismo investido, teorizar o fim do ―socialismo real67‖ sem altíssimos conflitos, pois seria supor o retorno ao capitalismo por via gradual assim como a concepção reformista de avanço pacífico ao socialismo. A explicação do erro de Trotsky e do processo tal
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Isso foi facilitado, também, pelo fato de o capitalismo ser uma transição, quase mera transição, entre as sociedades de classes e o socialismo – debateremos ainda em outros momentos. 67 Por nossa teorização, concluímos que o chamado socialismo real era, em certa medida, na verdade, uma ficção de socialismo.
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como ocorreu também está no fato de estarmos diante de Estados de duplo caráter, operários e burgueses, além de revoluções de duplo caráter, e a burocratização da burocracia ou, o que é o mesmo, o regime de Estado expressava o polo capitalista, o passado insistente representado. O fato de terem duplo caráter as revoluções e os Estados, somado ao atraso histórico de onde partiam, demonstra que o polo capitalista poderia impor-se por ―reformas liberalizantes‖. Por outro lado, porque havia também um polo socialista naquelas sociedades, mais do que apenas ―capitalismo de Estado‖, é que as medidas puderam ser tal como de fato foram, ou seja, destruíram o monopólio estatal da economia, o planejamento geral centralizado, o controle do comércio exterior, o uso de vales em substituição ao dinheiro, o emprego pleno obrigatório, etc. A teoria da revolução permanente fazia previsões cujos resultados poderiam ser positivos ou negativos. Ou a democracia socialista era imposta pelos trabalhadores, dando novo impulso à revolução mundial, ou o capitalismo retornaria. Tal conclusão foi considerada absurda, contrarrevolucionária e irrealista quando proposta por Trotsky, porém a história lhe deu razão da pior maneira. *** As revoluções parciais, limitadas por suas próprias épocas, permitiram inúmeras reformas e conquistas sociais em todo mundo, mais do que apenas naqueles países revolucionados. Muito mais do que isso: como ensaios gerais antes de o palco estar pronto, legaram-nos uma fina flor teórica como a teoria do partido de tipo bolchevique, a teoria do imperialismo, renovações na arte militar, a teoria da revolução permanente (a mais correta e avançada de sua época), a lei do desenvolvimento desigual e combinado, a teoria da curva de desenvolvimento do capitalismo, o programa de transição ao socialismo, acertos e erros de medidas transicionais, e assim por diante. Nestes casos, a revolução russa deixou inúmeros ensinamentos vitais para podermos acertar, como saber, por exemplo, de que modo devemos organizar um partido de fato comunista; este conhecimento permaneceria até hoje marginal não fosse a ousadia de Lenin e Trotsky. *** A teoria da revolução permanente antecipou nossa época, mas ela via, já naquele tempo, que os países atrasados apenas cumpririam sua modernização por meio do socialismo diante da opressão imperialista. Para Trotsky, o socialismo era a única alternativa civilizatória imediata. O Brasil, por exemplo, entrou no século XX, digamos desse modo, com a contrarrevolução de 1930. O semifascismo de Getúlio Vargas pôde iniciar ou consolidar: 1 – O processo de urbanização do país; 2 – Uma sólida indústria de base – estatal; 3 – Maior número de letrados, especialistas;
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4 – A preparação para a entrada do capital internacional. Em um discurso de balanço mais que simbólico, afirmou o ditador: A qualquer observador de bom senso não escapa a evidência do progresso que alcançamos no curto prazo de 15 anos. Éramos, antes de 1930, um país fraco, dividido, ameaçado na sua unidade, retardado cultural e economicamente, e somos hoje uma nação forte e respeitada, desfrutando de crédito e tratada de igual para igual no concerto das potências mundiais! (Vargas, 1940)
Há certo exagero na citação, mas porque a realidade foi, de fato, impressionante em seu salto qualitativo interno – outro Brasil surgiu, embora o mesmo e com seu passado. Não por acaso, neste país tivemos a famosa construção ―façamos a revolução antes que o povo a faça‖. Se pedíssemos a Lenin a demonstração da crise do sistema desde a queda da taxa de lucro a níveis limites, ele nada poderia dizer. Se exigíssemos de Trotsky a redução do trabalho manual e do valor como tendência do fim sistêmica, ele não poderia expor algo do tipo. Se perguntássemos a Sverdlov sobre a crise ambiental que ameaça nossa espécie, ele não entenderia muito bem do assunto. Se usássemos o nível de urbanização daquela época, nada seria dito pelos dados. Portanto, apenas hoje temos a crise no fundamento. Antes, eles usariam apenas a empiria das duríssimas guerras e crises. Finalmente, uma crise – de máxima dialética, no fundo. *** Demonstrada a impossibilidade do socialismo no século XX, resta uma pergunta que nos forçará a antecipar temas de modo telegráfico: por que, então, tais países atrasadíssimos conseguiram implementar alguns aspectos socialistas, mesmo que por curto período conjuntural e histórico? O capitalismo é todo um modo de vida, uma época da história. Mas, ao mesmo tempo, é transição, quase mera transição, entre o passado classista e o futuro aclassista do comunismo. Seu caráter transicional, mesmo que precise de maturação, permitiu aspectos socialistas em sociedades muito atrasadas. Como desenvolvimento imenso da química no universo, o grafite e o diamante são diferentes, mas o mesmo, átomos organizados de modo distinto. Em sua fase madura, o capitalismo é socialismo de cabeça para baixo. *** O grande significado histórico é que o capitalismo foi restaurado pelas castas burocráticas quando o desenvolvimento das forças produtivas estava tornando-se enfim maduro para o socialismo. Sendo mais preciso, e aqui entra a ironia da história, a restauração do capitalismo ocorreu porque as forças produtivas estavam tornando-se maduras para a via socialista.
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―Se todas as condições de uma Coisa estão presentes, então ela entra na existência.‖ (Hegel, 2017, p. 130.) Demonstramos que faltava fundamento histórico para o socialismo, ou seja, faltava o indispensável desenvolvimento alto das forças produtivas mundiais e nacionais; por isso foi fácil a restauração completa do capitalismo, por isso a burocracia na China viu uma oportunidade de ouro retornar completamente ao capital, por isso houve ditaduras em todos os Estados de transição com duplo caráter. Mas, por outro lado e oposto, porque as condições tornavam, cada vez mais, possível e necessário a sociedade socialista, encerrando o império dos privilégios despóticos crescentes, houve a assim chamada restauração. A China, por exemplo, apenas poderia manter o caminho ao socialismo por saltos econômicos rumo à automação com informática e por revolução política que implementasse a democracia do socialismo – o que daria grande impulso à revolução mundial. TESES – NOVA REVOLUÇÃO PERMANENTE Pela importância do tema, apresento de modo telegráfico a maior parte de nossas conclusões, em resumo: 1. As revoluções sociais do século XX tinham duplo caráter, burguês e socialista. 2. Eram sociedades transicionais de dupla natureza, socialista e capitalista. 3. A restauração plena do capitalismo ocorreu porque as forças produtivas – a partir de um certo ponto, quando a nova técnica passou a guardar um conteúdo oculto socialista – só poderiam se desenvolver se mudasse o regime social, pois havia uma contradição entre governo burocrático e as novas possibilidades tecnológicas (automação, informática etc.). 4. Derivada da primeira, além dos demais pontos anteriores, a segunda causa da restauração é que a contradição entre as tendências socialistas e capitalistas, que teve certo efeito progressivo e movente no começo, paralisou aquelas sociedades, levando-as a decidir qual dos dois caminhos prosperaria. 5. A premissa da revolução permanente, estar na época de transição ao socialismo, estava errada até a poucas décadas. 6. Tais revoluções sociais se deram em uma época em que o tempo da revolução burguesa já havia passado e o da revolução socialista ainda não estava madura. 7. O regime ditatorial da burocracia em países além da URSS prova que eram revoluções prematuras, antes das condições nacionais e internacionais maduras.
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8. O papel importante do campesinato até mesmo na revolução russa se dá porque as revoluções também eram burguesas, por isso a base social histórica correspondente (os camponeses são base social das clássicas revoluções capitalistas). 9. O retorno pleno ao capitalismo deu-se por contrarreformas, feitas em silêncio pela burocracia, não por contrarrevolução (diferente de como previa Trotsky), porque eram também capitalistas – e as medidas específicas (fim do planejamento geral, do uso de vales em substituição ao dinheiro, etc.) ocorreram porque eram também socialistas. 10. As nações ―socialistas‖ não centrais apenas poderiam manter-se com elementos socialistas se permanecessem com elementos de socialismo os países centrais Rússia, China e Alemanha oriental. Por essa dependência econômica e social, a queda do socialismo ―real‖, fictício, nos três citados impôs capitalismo aos demais. 11.As novas revoluções sociais serão de liderança operária – primeiro, variante mais provável. Mas a concentração enorme de setores populares (comerciários, funcionários públicos, autônomos, bancários etc.) no espaço urbano dá base, depois, estimulada, pela revolução operária, para novas revoluções socialistas de força popular, não proletária. 12. Os países onde o Estado é privatizado ou há fusão entre líderes políticos e patrões – Arábia Saudita, Egito, Síria, etc. – é praticamente impossível uma revolução para implementar apenas democracia, por isso as revoltas em tais nações devem lutar diretamente, em permanência, avançando, pelo socialismo, pela democracia superior e real. 13. A falta de revoluções socialistas vitoriosas nas últimas décadas avisa que a próximas primeiras revoluções devem ser, em certo sentido, ―ortodoxas‖, de liderança operária e com partidos leninistas. 14. Para ser liderança em revoluções, em grande medida a classe operária precisará, por estar mais fragmentada e reduzida, de seu próprio partido, leninista, como liderança. 15. A revolução socialista, sob certas circunstâncias, tendem a ocorrer antes nos países dominados por serem mais atrasados, por terem menos possibilidade capitalistas de desenvolvimento, por serem mais contraditórios, por combinação do velho e do novo, por tarefas democráticas ainda não resolvidas etc. 16. Porque o capitalismo, além de ser de fato um sistema, ser também e quase apenas a transição entre o passado classista e o futuro comunista, permitiu que revoluções parciais e duplas em países atrasados adotassem certas medidas socialistas. Mesmo assim, a transição, o capitalismo, precisa de seu próprio tempo e maturação.
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17. Graças à internacionalização quase máxima da economia e da sociedade atuais, como com a internet, tonou-se mais fácil, possível e necessária a internacionalização da revolução socialista – antes muito difícil e improvável. 18. A história tem a seguinte lei: algo do tipo grandioso primeiro ocorre como "ensaio geral" e depois como fato para si. O século 20 foi o ensaio geral da revolução socialista, própria do século 21. A nova revolução permanente, herdeira direta da anterior, deriva de seu caldo histórico, torna-se necessária.
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CHINA: IMPERIALISMO SUI GENERIS ―Perseguir o protecionismo é como trancar a si mesmo em um quarto escuro. Embora o vento e a chuva sejam mantidos lá fora, também o serão a luz e o ar.― Xi Jinping, presidente da China, em defesa do livre mercado.
O deslocamento da China no cenário mundial tem despertado interesses e produzido polêmicas. A questão permanece quase enigmática quando observamos os fatos sem seus fundamentos. Neste capítulo, portanto, começaremos com conclusões teóricas gerais para oferecer uma resposta que se pretende definitiva sobre o caráter geral do desenvolvimento chinês. Como o título deste capítulo antecipa, a oposição teórica sobre se a China é semicolônia privilegiada ou imperialismo (típico) solucionamos com a resposta de que é um caso Sui Generis de nação imperialista. OS DESLOCAMENNTOS DA PRODUÇÃO E O CAPITAL INTERNACIONAL As nações ricas passam por processo de desindustrialização. A produção desloca-se, em parte, para países atrasados, em especial a China, porque os custos de produção neles são menores – menos direitos trabalhistas, menor tradição de luta dos sindicatos, reduzida exigência de proteção ambiental, etc. – e há grande mercado real ou latente. Por razões semelhantes – menor custo com a terra, menor custo de deslocamentos, menor tradição de luta de classes urbana, menos necessidades pressionando salários, etc. –, tal deslocamento também ocorre das grandes cidades para as pequenas e para o interior Exemplo brasileiro: as cidades do interior de São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Bahia são onde está grande parte da produção de metalurgia, roupas, alimentos etc. Por evidente, a construção civil tem vida nas capitais e maiores centros urbanos, mas em todos os Estados da federação ver-se a interiorização do setor produtivo. A exceção até o momento parece ser a China, permitindo controle centralizado e ditatorial de sua classe operária, o que se configura como vantagem e estimula a adoção de regimes autoritários em outros países; mas mesmo aí as chamadas TVE‘s, a produção em vilas e no campo, conheceram algum importante auge por alguns anos. A localização espacial da produção tem a ver com a luta de classes, é um resultado de tal luta. Surgem, então, países e grandes cidades consumidores, permitidos pelo avanço dos transportes e das comunicações. Tal realidade afirma-se como tendência.
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O deslocamento de empresas, principalmente as baseadas no trabalho manual, para países em ―desenvolvimento‖ é uma das expressões da contradição entre a necessidade nova de desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais e jurídicas da atual sociedade, que devem ser superadas, isto é, na medida em que tal direito de propriedade permite deslocamentos territoriais e posterior recebimento dos lucros à revelia dos territórios. O desenvolvimento geral, internacional, das forças de produção é, assim, atrasado, contratendenciado dentro de si, evitando a substituição de trabalhadores por máquinas, enquanto o capital mina os conceitos de nação e fronteira. Precisamos extrair uma primeira conclusão geral do deslocamento do capital; destas observações, descobrimos que o capital cada vez menos tem pátria. Tal conclusão, que poderia ser relativizada em outras épocas, revelou-se plena com o presidente norte-americano Trump, pois este – representando a ala menos internacionalizada da burguesia daquele país – produziu medidas de Estado para atrair o capital produtivo ao território estadunidense. A partir do balanço sobre o papel da China no processo de desindustrialização nos EUA e no mundo, como no Brasil, inicia uma guerra entre estados nacionais. A burguesia sabe que qualquer um dos regimes e governos lhe serve e cada vez menos tem fidelidades nacionais, seguindo a tendência de seu próprio capital; vive na ―América‖, em Dubai ou é ―cidadão do mundo‖, mas sua pátria real é o dinheiro. Vejamos uma expressão disso em artigo sobre a restauração do capitalismo na Coreia do Norte: (…) existe uma ferrenha disputa em curso pelo domínio de seu mercado entre as burguesias da China e da Coreia do Sul. Como em ambos os países as empresas norteamericanas têm papel destacado, esta disputa está sendo aproveitada por elas, apesar do embargo norte-americano após 2006. A China não participa do embargo e as duas Coreias são consideradas, do ponto de vista comercial, um único país. (redação, 2017)
Desfiando a citação: 1) o Estado norte-americano aprova embargos contra a Coreia do Norte; 2) as empresas dos EUA estão instaladas na China e Coreia do Sul; 3) estas empresas operam, em nome da lei do lucro, por fora das medidas do Estado de onde se originaram. Este é um exemplo do processo de desnacionalização do capital. A base desta despatrialização tem relação direta com o altíssimo desenvolvimento dos transportes e das comunicações, a produção em um determinado país ser exportada para as demais nações sem perder competitividade.
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OS CENTROS DE GRAVIDADE NAS ERAS DO CAPITAL A China deseja ser a fábrica do mundo e começa a entrar em conflito com os EUA, que ainda dominam. Dito isso, se está correta nossa afirmação de que entramos na era da revolução social desde a década de 1970, que abre o período de decadência da fase imperialista, concluímos que chegamos ao fim da época ―país de domínio relativamente estável‖ (com decadência arrasta dos EUA), como foi a Holanda na era do capital mercantil, a Inglaterra na era do capital industrial e o EUA na era do capital financeiro. Embora faltasse teorizar, Marx percebeu o movimento de substituição de centro de gravidade em cada era do capital: A Holanda, primeiro país a desenvolver plenamente o sistema colonial, encontrava-se já em 1648 no ápice de sua grandeza comercial. Encontrava-se ―de posse quase exclusiva do comércio com as Índias Orientais e do tráfico entre o sudoeste e o nordeste europeu. Sua pesca, frotas e manufaturas sobrepujavam as de qualquer outro país. Os capitais da República eram talvez mais consideráveis que os de todo o resto da Europa somados‖. Com as dívidas públicas surgiu um sistema internacional de crédito, que frequentemente encobria uma das fontes da acumulação primitiva neste ou naquele povo. Desse modo, as perversidades do sistema veneziano de rapina constituíam um desses fundamentos ocultos da riqueza de capitais da Holanda, à qual a decadente Veneza emprestou grandes somas em dinheiro. O mesmo se deu entre a Holanda e a Inglaterra. Já no começo do século XVIII, as manufaturas holandesas estavam amplamente ultrapassadas, e o país deixara de ser a nação comercial e industrial dominante. Um de seus negócios principais, entre 1701 e 1776, foi o empréstimo de enormes somas de capital, especialmente à sua poderosa concorrente, a Inglaterra. Algo semelhante ocorre hoje entre Inglaterra e Estados Unidos. Uma grande parte dos capitais que atualmente ingressam nos Estados Unidos, sem certidão de nascimento, é sangue de crianças que acabou de ser capitalizado na Inglaterra. (Marx, O capital I, 2013, p. 1001, versão digital)
A mudança de países centrais – Holanda, Inglaterra e EUA – se dá pelas características particulares e históricas do país mais o impulso de seu atraso relativo, a contradição como motor. Caso dos EUA: a dificuldade de obter mão de obra barata, dada a quantidade de terras disponíveis para o cultivo, forçou a burguesia estadunidense a investir em capital fixo, maquinário, rumo à segunda revolução industrial. A Inglaterra supera a potência comercial holandesa por sua produção, por tomar as terras comunais dos camponeses, que não eram a avançada e decadente propriedade feudal, de modo a gerar propriedade privada do solo para fins de lucro e uma massa enorme de desempregados prontos para o trabalho em troca de um salário
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baixo. O atraso relativo da China cumpre papel semelhante na crise sistêmica. O mais provável é que os próximos Estados Operários reproduzam tal movimento. Se um país das proporções do Brasil – que não é como as avançadas nações imperialistas, tem grau relativo de atraso – inicia a transição ao socialismo, tornando-se gatilho da revolução mundial, teremos efeito análogo e de curta duração histórica já que o novo sistema geral dissolve tais desigualdades, respeitando as características e potencialidades de cada região. O atraso relativo gera a necessidade de avanço por saltos, como demonstra a lei dialética do desenvolvimento desigual e combinado descoberta por Trotsky. O processo de financeirização das economias decadentes, demonstrado por Marx no último parágrafo da citação anterior, também se generaliza na medida em que a economia global entra em decadência (ocorre também no Brasil). Naquelas nações que passavam o bastião, o rendimento deixava de compensar, direcionando a riqueza móvel, o dinheiro, às atividades de maior retorno, financeiras e de apoio aos investimentos noutros países. O investimento americano e de outros países desloca recursos, desta vez, para a China. ALGUMAS OBSERVAÇÕES Observemos que há um caminho inverso entre o PIB dos EUA e o Chinês em relação ao mundo:
GRÁFICO 17
Fonte: ( Quandl, 2016)
Observemos a quantidade de empresas entre as 500 maiores do mundo desde a relação entre China e EUA:
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GRÁFICO 18
Fonte: (History of the Global 500, 2020) Em seguida, destaquemos dois grandes projetos chineses para a circulação de mercadorias, para a rotação do capital – o que induz a certo perfil de divisão internacional do trabalho:
FIGURA 1
Fonte: (Folha de S. Paulo apud Lissardy, 2015)
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FIGURA 2
FONTE: (Ninio, 2015) Em complemento, os países dominantes no sistema internacional de Estados são aqueles destacados em pesquisa e inovação. É o caso chinês: GRÁFICO 19
FONTE: (McCarthy, 2020)
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Elias Jabbour observa que ―A China já é o segundo maior país em número de patentes registradas – atrás apenas dos EUA. (…) o registro de patentes no mundo cresceu 4,5% entre 2013 e 2014. No mesmo período, o crescimento chinês foi de 12,5%‖ (Jabbour, 2020, p. 191). Lembramos o fato de que o Estado alemão proibiu novas compras de empresas nacionais pelo capital chinês, pois isso significaria entregar conteúdo tecnológico de ponta. O investimento científico uma vez aplicado à técnica permitirá ao governo chinês manter o país na posição de destaque apesar da pressão da luta de classes por melhores salários e mais direitos. Por outro lado, tende a baixar a taxa de lucro. A taxa de lucratividade é a melhor forma de termos as tendências daquela sociedade. GRÁFICO 20
FONTE: (Roberts M. , A China na década de 2020 - Após a pandemia, 2020) Percebemos que o limite sistêmico aproxima-se na China, apesar das contratendências, mas é importante também explicar a base de seu sucesso ou, dito de outra maneira, como usa – e esgota – suas possibilidades. A contradição entre economia planejada e burocracia, a necessidade de solucionar o duplo caráter da revolução e daquele país, como debatemos no capítulo anterior, fez o governo restaurar plenamente o capitalismo, resolvendo negativamente o problema histórico, o que levou ao desenvolvimento tanto quanto possível das forças produtivas, ou seja, a base para nova revolução socialista.
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Por outro lado, a revolução chinesa adiou, ao afastar as empresas imperialista, para a partir de fins de 1978 aquilo que poderia acontecer bem antes, como no Brasil, altas taxas de crescimento com o investimento estrangeiro. Diferente do que foi a formação atrasada, pelo atraso da unificação nacional, do imperialismo na Alemanha, que tentou a via militar para ter acesso aos recursos naturais de outros países, possíveis colônias alemãs; a China é a maior produtora de parte significativa dos elementos da tabela periódica: FIGURA 3
Fonte: (Países com as maiores reservas minerais (e os maiores produtores))
Tal vantagem foi a razão de desvantagens, de subordinação imperial, de desgraça, em inúmero países, limitados à produção de matéria-prima, à submissão no mercado mundial, à sanha militarista de outras nações. O império chinês, diante da geopolítica mundial, é incapaz de uma dominação direta sobre outros povos para obter, por exemplo, matéria-prima ou mercados, podendo gerar, em nossa época, mecanismos para crescer sua influência política e econômica de maneira mais mediada, pois lhe faltam força e conjuntura para algo ainda mais ousado. Ademais, a China tem menos pressão interna para dominar diretamente outros países, pois que ela mesma é produtora rica, além de outras matérias-primas, daquelas chamadas terras-raras:
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FIGURA 4
Fonte: idem. O caso da China demonstra a tendência relativa em nossa época de a indústria, a produção dos meios de consumo em destaque, aproximar-se, como processo de integração das coisas, da produção de matéria-prima. Neste sentido, o alto desenvolvimento dos transportes e comunicações, em especial, produz tanto tendência como contratendência, enquanto causa com efeitos opostos simultâneos, ao, por um lado, facilitar a implementação de empresas em outros países com exportação de mercadorias às nações consumidoras, e, por outro, oferecer maior facilidade de obter insumos de modo rápido, barato e em grande quantidade. Enfim, o governo chino força a marcha de crescimento (em parte, fictício – como com recuo industrial) do PIB acima de 6%, contra os sinais de limite, com um processo estrutural de endividamento, em relação ao PIB, do Estado: GRÁFICO 21
Fonte: (DÍVIDA PÚBLICA % PIB - LISTA DE PAÍSES)
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Ao longo deste subcapítulo, fizemos uma derivação com a exposição de dados. Como dissemos em outro momento, a China estava na fase de ascensão da chamada curva de desenvolvimento; agora está indo-se para a estagnação, que significa naquele país, crescimento em torno de 6% do PIB – muito abaixo disso, ainda crescendo, é crise. Para manter-se, deve impulsionar o desenvolvimento intensivo da produção, maior aplicação tecnológica fabril, entrando em maior conflito com outras nações por mercado. A China acelera a decadência do capitalismo, não por estimular socialismo em outras nações, mas por 1) acelerar a decadência de países maduros em si para o socialismo, com o com a desindustrialização destes; e 2) acelerar o desenvolvimento, a maturidade para o socialismo dentro dos limites internacionais, de países muito atrasados no Oriente e na África ao investir neles seu capital. Se surgir, por isso, uma nação socialista nova, tal país concorrerá duramente contra os chineses por mercado – o que pode levar o exército chinês a ser uma enorme arma contrarrevolucionária em todo o mundo, por sua infantaria imensa em especial, ainda que abaixo dos EUA. Agora vejamos este gráfico, comparando com o aumento da dívida pública: GRÁFICO 22
Fonte: (FED apud Martin, 2021) Como vemos, a produção industrial desabou na china desde 2010 (incluso com fábricas transferindo-se para países mais pobres, com custo de força de trabalho menor). O PIB é uma medida comum internacional, mas inexata. O marxismo a usa pela sua extensão, mas seu eixo é focar na produção industrial, se sobe ou desce; há crise se a produção cai, independentemente de um PIB positivo. Veja-se que o governo chinês, com estímulos monetários e investimentos em obras, disfarça uma crise subterrânea, necessária. Ele pode fazer isso, tem maior margem de
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manobra, apenas enquanto os limites sistêmicos nacionais não amadurecem de todo. A produção industrial caiu exato quando começou todo o frenesi, preso à aparência, em apoio ao ―modelo‖ daquele país. O imperialismo chinês, por seu caráter sui generis, aterroriza os teóricos da esquerda. Tenta-se caracterizar aquele país por meio do método dedutivo, ou seja, se cabe ou não numa lista prévia e fixa de critérios do que seria um imperialismo. Esse não é o método marxista. Primeiro, devemos analisar o objeto de estudo em si para, só aí, explicá-lo; isso pode exigir atualizações categoriais no lugar de encaixes prévios neste ou naquele conceito. UMA VISÃO HISTÓRICA A história deve ser avaliada em seus traços específicos, como afirma Trotsky. Façamos comparações, semelhanças e diferenças, entre histórias nacionais e países para tornar visualizável e distante de mistificações, ainda que impressionante, o destino da China. Constitui-se uma lei da fase imperialista do capitalismo o fato de que países atrasados, e até mesmo muitos avançados, com bases materiais para desenvolvimento capitalista tenham de usar o Estado enquanto mediador necessário6869. O caso chinês deveria ser considerado familiar aos estudiosos da história brasileira. A partir da ditadura semifascista de Vargas, o Estado brasileiro reduziu e substituiu importações por exportações ao construir um poderoso parque industrial fundamentado na propriedade do Estado, além do sistema bancário estatal (bancos nacionais e regionais), e desenvolveu política econômica de prioridade à produção nacional; planos nacionais de desenvolvimento foram postos em prática; o crescimento médio anual permaneceu alto por décadas; os regimes de Estado fechados, adotando o semifascismo, caso da ditadura Vargas e do
68 O baixo desenvolvimento do capitalismo com sua burguesia limitada, ou seja, limitada financeiramente, faz do Estado o grande burguês, o grande patrão, nas nações com este perfil. Porque arrecada para si recursos via impostos e outros meios e pela facilidade de endividamento em grande escala, a superestrutura governamental pode dar os passos fundamentais para o salto por sobre o nível de atraso. A acumulação do capital, do inicial ou primitivo à moderna configuração das forças de produção, só pode ocorrer por saltos, não gradual, dado o fato de que o capitalismo mundial, na fase imperialista, está muito à frente e exerce domínio; a produtividade interna, por exemplo, deve compensar as tarifas proteciononistas e a relação de preços internacionais e deve oferecer recursos em quantidade necessária para o conjunto da cadeia produtiva. A vantagem relativa do atraso, lei do desenvolvimento desigual, está em poder modernizar-se de modo acelerado, tornar desnecessário um desenvolver evolutivo, camada por camada, etapa por etapa. 69 Desde a origem do atual sistema o Estado foi ferramenta importante: tarifas alfandegárias, endividamento estatal, guerras por mercados, acelerar a acumulação no campo, garantia de monopólios, investimento de comércio e transporte marítimos, etc. O peso qualitativo do investimento econômico mais direto, no entanto, avançou com o avanço-decadência do modo de produção e do atraso de nações com altos potenciais latentes.
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governo militar a partir de 1968, permitiram maior autonomia relativa do aparato governamental relativo às classes sociais, incluso àquela ao qual representa, a burguesia – o que também impulsionou os direitos trabalhistas e a legalização dos sindicatos como resposta às lutas dos trabalhadores; entre os países mais populosos do mundo, uma aceleradíssima urbanização proveu a sociedade com ampla mão de obra e inédito mercado consumidor. Assim o país pôde alcançar um grau intermediário entre o atraso e o avanço. O desenvolvimento dessa base econômica permitiu, logo em seguida e durante tal processo, a entrada do capital internacional; o Brasil tornou-se, assim, o principal destino dos capitais internacionais, com crescimento anual do PIB a taxas chinesas até a década de 198070, tendo atingido o pico de 13,9%. em 1973 (média anual de 7,4% entre 1947 e 1980). Ao mesmo tempo, o capitalismo em geral depende mais do Estado para alguns investimentos; hidrelétricas, por exemplo, exigem enorme capital adiantado e lucro satisfatório apenas após algumas décadas. No caso da China, as circunstâncias históricas deram a forma particular; o passado deste e as condições em que opera diferenciam-se dos daquele, permitindo uma forma nova de imperialismo. A grande nação latino-americana deu, durante a década de 1980, seu espaço histórico à gigante asiática de modo que a desindustrialização de um é a industrialização do outro71. Nos dois casos, o aparelho estatal pôde fazer grandes ações quando o atraso relativo o permitiu, a saber, quando havia capitalismo a amadurecer em seu território. O exemplo brasileiro, desconhecido dentro do próprio país, algo que desmistifica por semelhança boa parte do caso chinês, mas ainda não o explica em totalidade. O argumento posto aqui é que as condições materiais deram a possibilidade de ―genialidade‖ da burocracia burguesa na China. O keynesianismo é feito para aquelas nações que possuem capitalismo a desenvolver, a exemplo da urbanização72. Das particularidades chinesas, são: abundantes população, matéria-prima, território, indústria de base formada antes da restauração do capitalismo, regime semifascista, não-ameaça imediata nas fronteiras, relações trabalhistas análogos ao do século XIX – que deprimem o salário mundial – e a tradicional cultura de 70 A ideia do Brasil como “país do futuro” apoiava-se em fatos incríveis. Dos “50 anos em 5” ao “milagre econômico” até projetos faraônicos de nova capital federal surgida do nada, gigantescas hidrelétricas, megaempresas do Estado, urbanização explosiva, vanguardas artísticas, etc. 71 Em outro capítulo, debatemos os fatores internos do limite brasileiro – consolidar fatores como industrialização, urbanização, grande propriedade rural moderna, etc. –, que também é limitado ou impulsionado por fatores externos, como o aparecimento de outro país com muitas melhores condições de extração de mais-valor. 72 Quando o keynesianismo cumpre todas as tarefas auxiliares, a busca de novos rendimentos ou enfrentar a queda da taxa de lucro encontra limites; então a política de Estado muda, gira-se para o neoliberalismo, para a privatização de estatais, redução dos serviços públicos, etc. Ambos são táticas para dinheiro em busca de mais dinheiro, um dá as condições para o surgir, em um segundo momento, do outro. Daí que países menos “capitalizados” são keynesianos enquanto são neoliberais países onde o capital já cumpriu de modo claro suas tarefas.
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obediência73; podemos incluir fatores como a alimentação ampla, pouco rigorosa, dos proletários daquele país, o que tende a reduzir os custos com o capital variável74. As dimensões colossais da China fazem parte da base dos seus avanços também colossais. O gigantesco mercado consumidor real e potencial, características singulares da China, mesmo em relação a países como o Brasil, permite exigir que multinacionais transfiram tecnologia para a nação e aceitem que parte das ações da empresa sejam estatais se querem instalar-se naquele país, se querem vencer a concorrência. Eis, a olhos vistos, um imperialismo em formação: ao atrair capital internacional, surgem condições para fomentar o capital nacional dentro e fora de suas fronteiras, isto é, exporta capital, além de mercadorias, como para a África, e compra grandes empresas, a exemplo de hidrelétricas brasileiras, o que também lhe dá domínio a tecnologias oriundas de outros países. A China ―tornando-se – também – grande exportador de capitais como IED‘s, passando US$ 0,8 bilhão em 1990 para US$ 140 bilhões em 2014. Como receptor, os IED‘s saíram de US$ 1,4 bilhão em 1984 para US$ 11,6 bilhões em 2014.‖ (Jabbour, 2020, p. 107) Pode-se argumentar que o planejamento é destacado na realidade chinesa. Mas de modo algum novo sob o capital. Se empresas estatais e órgãos públicos unem-se para fazer a lógica capitalista melhor desenvolver-se, o ciclo da fórmula D-M-D‘, dinheiro em busca de mais dinheiro, se é voltado ao mercado, então o planejamento é capitalista, além de parcial. Exemplo: hidrelétricas podem vender seu produto a quase o preço de custo (ou com prejuízo em determinadas situações) para as demais empresas e assim diminuir os custos de produção destas com matéria-prima; empresas estatais podem agir com taxa de lucro quase nula, já que o Estado é o burguês oficial, para quebrar a concorrência e dominar aquele mercado. Quando Keynes propôs socializar parcialmente o investimento, estava expressando um fato histórico que o Marxismo tinha explicado muito antes dele: desenvolvimento capitalista significa uma crescente socialização das forças produtivas. Contudo, embora necessário, o envolvimento direto do Estado na produção cria um problema para o capitalismo. Seja porque administre empresas fortes, subtraindo lucros dos capitalistas privados, seja porque administre empresas em quebra, mediante impostos para mantê73
Parece contraditório que um povo que fez tantas revoluções seja obediente, conservador. Porém: a contradição é real, não das palavras. O povo francês é menos revolucionário potencialmente que o chinês exatamente por ser mais ousado, por fazer protestos por qualquer mínima ameaça de perder direitos. Propriamente por ser conservador, por respeitar os “mandatos do céu” estatais, etc. o povo chinês acumula tensões até… explodir. Eis a dialética em que algo produz seu inverso. 74 Vale notar que boa parte da população chinesa tem certa mutação genética que faz com que, diferente de nós, eles não liberem maus odores por meio da pele; por isso, para eles, nenhum sentido faz comprar substâncias químicas para jorrá-los sobre seus corpos – o que reduz o custo com capital variável, com salários.
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las em funcionamento. Em ambos os casos, os capitalistas não estão felizes. Esta é a contradição básica do Keynesianismo enquanto política industrial. Na época dourada do pós-guerra, isto não era muito importante por diversas razões. Os lucros eram bons e os capitalistas necessitavam do estado para reconstruir suas indústrias. Em terceiro lugar, o estado foi usado para administrar setores que não eram rentáveis em si mas que rendiam lucros para outros. Nesse momento, a burguesia podia aceitar o óbvio argumento teórico de que as indústrias que são monopólios naturais devem ser de propriedade estatal, uma vez que a concorrência não é possível em tais casos. Esta intervenção direta de longo prazo por parte do estado criou uma espécie de planificação capitalista com agências estatais, planos multianuais e assim por diante. Esta foi a era da ―planificação indicativa‖, como a chamavam os franceses. Nos países desenvolvidos 75, a planificação foi até mais importante, uma vez que tiveram de construir a indústria a partir do zero. (Lombardi, 2014)
Veja-se que a Coreia do Sul, por exemplo, país indubitavelmente capitalista, há décadas pratica planos quinquenais (além de ter nacionalizado o sistema financeiro, ter produzido uma base de fortes estatais, etc.). Ademais, ―Interessante destacar que o setor público na China detinha o controle de 77% das forças produtivas no país em 1978 e hoje diminuiu para 30%‖ (Jabbour, 2020, p. 31). Tal tendência ao incremento da grande propriedade privada – além de estatais voltadas à lógica do lucro – é dos maiores motivos da restauração do capitalismo naquele país76. Comparemos com outro país de fatores históricos e estruturais semelhantes. Por que a Rússia, que também passou pela restauração do capitalismo, além de ter várias semelhanças (grandes populações e territórios, matéria-prima abundante, etc.), não vive o mesmo boom chinês? No caso russo, foram consolidadas todas as condições para uma transição ao socialismo – industrialização, urbanização e grande propriedade rural. Na China foi diferente, pois o retorno ao capitalismo aí encontrou uma nação com grandes possibilidades ainda latentes. Por isso, um caiu no neoliberalismo – forma de aumentar o lucro privado diante dos limites históricos do capital – e o outro, no keynesianismo. O Estado russo atua para transformar sua influência geopolítica em poderio econômico, mas é ainda um projeto77 enquanto o Estado chinês avança a passos largos.
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O autor certamente quis dizer “países subdesenvolvidos”. “Entre 1998 e 2007, o total de empresas estatais na China caiu de 39,2% do total de empresas para 6,1%; enquanto o setor privado aumentou, no mesmo período, de 6,5% do total para 52,6%.” (Jabbour, 2020, p. 190) 77 “O vice-ministro da Energia russo, Iúri Sentiúrin, disse durante negociações em La Paz que a Rússia poderá compartilhar tecnologias para extração e utilização de lítio com os bolivianos.” 76
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Resta ainda comparação evidente com a Índia. Este país também conhece crescimento acima de 6% do PIB por décadas, tem sido destino duradouro do capital internacionalizado, aproveita as circunstâncias para gerar grandes empresas próprias, estimula o desenvolvimento científico nacional. O que há em comum são as proporções das duas nações, suas localizações geográficas e o atraso relativo; o que há de diferente é o fato de a China – que tem assumido muito mais protagonismo – ter passado por uma dupla revolução, socialista e capitalista, parcial, o que deixou de herança um regime estatal muito centralizado, herdando certo grau de planificação e grande propriedade estatal. Em última instância, os limites do capitalismo na China são os limites gerais do capital. Se o mundo passar por quebras porque o capitalismo cumpriu todas as suas tarefas históricas, o milagre chinês terá seu fim acelerado, já que dependem tanto de fatores em si nacionais – veja-se que já passa dos 60% o nível de urbanização daquele país – quanto internacionais. O proletariado chinês, um dos mais poderosos do mundo, terá por missão, com certa ironia histórica, derrotar o partido comunista para impor de vez a transição ao socialismo. TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA A Teoria Marxista da Dependência afirma que o mundo está dividido entre os dominantes imperialistas e os dominados. Por meio de suas empresas imperiais, os países fortes aceleram o desenvolvimento das nações subordinadas instalando-se nestas – mas é um desenvolvimento apenas do subdesenvolvimento, como semicolônias. Pois bem; este não é rigorosamente o caso da China. Por quê? Os teóricos da TMD afirmam que apenas uma revolução socialista daria autonomia às nações dominadas – este é o caso da China, embora apenas grosseiramente, por ter sido uma revolução abortada após seu retorno pleno ao capitalismo. A TMD afirma, também, que as nações dominadas precisam da imposição burguesa nacional de salários baixos e superexprolação da força de trabalho, logo sem mercado consumidor interno forte para pensar um projeto próprio – este é caso chinês quanto à miséria de seu assalariado, atraindo capital estrangeiro, mas, por outro lado, saindo da norma, tem um mercado consumidor absoluto, real e potencial, imenso, único. Tais elementos é o que faz com que tal teoria não consiga aplicar-se em pureza àquele país. No mundo de imperialismos consolidados, a China tenta brechas para entrar no clube sombrio.
“’As empresas russas estão prontas a investir centenas de milhões de dólares em projetos de lítio e gás, assim como em programas de cooperação bilateral com a Bolívia’, declarou Sentiúrin” “’A demanda por matérias-primas está crescendo em todo o mundo. Vários países, entre eles a Bolívia, podem se tornar novos fornecedores’, explica o especialista da consultoria financeira Finam Management, Dmítri Baranov.” (Lossan, 2016)
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A GUERRA MUNDIAL E OS COMUNISTAS A possibilidade de uma guerra mundial ou o caráter imperialista da China era difícil de observar de imediato. Mas o governo Trump deixou tudo muito mais claro. Há disputa entre Estados quanto qual país será destino do capital internacionalizado. A negação absoluta dos problemas ambientais, por exemplo, por parte do governo reacionário norte-americano demonstrou a luta por reduzir os custos de produção no centro do mundo tal qual fazem os chineses. O aparelho estatal, a burguesia nacional (construção civil, etc.) e parte da burocracia burguesa fortalecem-se ou definham a depender do destino dos investimentos. A existência das bombas atômica e de hidrogênio parece proibir guerras militares diretas entre as potências centrais, arrastando a decadência. Mas apenas atrasa e medeia o conflito, pois deve ser considerada a irracionalidade do sistema em seu ocaso. De imediato, a guerra é terceirazada, com apoio direto ou indireto a lados dos conflitos militares. Indo além; se os EUA ―forçam‖, por exemplo, um conflito entre Índia e China, isso tem por objetivo desarticular ou atrasar este país na concorrência mundial, porém as consequências disso podem ser bem maiores do que o inicialmente previsto, alastrando a guerra. Se a China dá impulso extra à sua moeda como reserva de valor internacional, os EUA serão forçados a ações mais agressivas, mais diretas. A faísca do fogo pode surgir por inúmeros acasos, mas surge por uma base que permite tal incêndio. As terras raras (o conjunto de 17 materiais) não são raras pela quantidade em que ocorrem, apenas pelas necessidades mundiais e concentração em poucos países. São aplicadas nos ímanes das eólicas, painéis solares, lâmpadas de baixo consumo, baterias dos carros elétricos, catalisadores, lasers, mísseis, óculos de visão noturna, indústria aeronáutica, aparelhos médicos de diagnóstico, submarinos. Sem eles não há ―transição energética‖. As reservas mundiais estimam-se em 124 milhões de toneladas, das quais 44 milhões estão na China, 22 milhões no Vietname, 22 milhões no Brasil, 12 milhões na Rússia e 6 milhões na Índia. Recordo que destes cinco países, quatro abstiveram-se de condenar a invasão russa [à Ucrânia], só o Brasil votou a favor. A China detém não só as maiores reservas, como produz atualmente 90% das terras raras do mundo. (Varela, 2022)
Política é economia concentrada – a guerra é a continuação da política por outros meios. Para os comunistas a questão se apresenta assim: dadas as diferenças teórico-programáticas impedindo uma organização internacional unificada, surgirá uma frente única revolucionária mundial contra a crise e a guerra? Se a decomposição do capital não desemborcar em socialismo, surgirá a última transição histórica para a barbárie ou nossa extinção.
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*** Na II Guerra, a Alemanha, a Itália e o Japão estavam unidos não somente no nível militar, mas também no nível histórico. Chegaram atrasados, na disputa por colônia etc., na modernidade e torraram-se nações sob um Estado burguês de modo ―pacífico‖, pelo alto. Por estar numa posição avançada, mas em desvantagem, o regime precisou fechar-se em forma de fortes ditaduras, ou seja, para controlar com mais força a luta de classes, mais intensa, que não conseguia meios democráticos de mediação por falta de recursos. Algo semelhante ocorre hoje. Países ―no meio do caminho‖ têm e tiveram poucos recursos, logo adotaram regimes fechadíssimos no conjunto do oriente e fora dele. Porque adotam ditaduras, seus governos têm mais autonomia de ação e reação em relação ao imperialismo, alguns por isso com próprios projetos imperiais (China, Rússia etc.). Os conspiracionistas de plantão dizem que todo protesto em tais nações são ―revoluções coloridas‖ ou agentes da CIA etc. Na verdade, tais nações são mais frágeis, pois possuem economia limitada, base das ditaduras, e sem mediação ilusória da democracia burguesa. É fato que serviços de inteligência imperialistas tentarão ganhar a liderança de tais protestos das mais variadas formas, mas a base das manifestações é os problemas do capital, em especial em nações ainda não dominantes. Entre dois projetos imperiais, o novo e o de manutenção, escolheremos o boicote à guerra mundial, fazer uma guerra revolucionária de classe, dos trabalhadores contra os ricos de todo o mundo. Mas os centristas e reformistas defenderão seu país ou o ―anti-imperialismo‖ dos candidatos a novos imperadores contra outras nações. A base comum, não em exato causa, da democracia no imperialismo atual dominante é a possibilidade de oferecer certa qualidade de vida, que amortece a luta de classes interna, com o roubo das nações dominadas, mais, por mediação, a alta urbanização. As nações inimigas com alto potencial são ditaduras porque ocorrem atrasadas no compasso histórico, e tal atraso produziu uma vantagem relativa pela forma de regime, pela superexploração etc. Daí, o imperialismo dirá que é uma luta do mundo democrático contra o mundo da ditadura; como no argumento oposto, de que é uma luta contra o império, há alguma verdade nisso, mas é uma falsidade. A luta é de classes que tem diante de si uma luta de candidatos a conjunto imperial dominante. O imperialismo ora dominante pode argumentar que o lado de lá atacará primeiro. Isso pode de fato acontecer, pois a luta de classes interna em países mais frágeis, certa dificuldade de crescer e os limites atuais, como sansões, podem forçar o lado oposto a ir para cima, como o Japão fez com os EUA após este limitar o recebimento de produtos por aquele.
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Quando os EUA e a URSS venceram a grande última guerra, viram-se forçados a oferecer vantagens aos perdedores para evitar a revolução mundial nessas nações. Conformou-se um sistema imperialista com Japão e Alemanha possuindo papel central ―inevitável‖, ainda que subordinado pacientemente aos EUA. Agora, China está contra o Japão, Rússia está contra a Alemanha, muitos contra os EUA. O anti-imperialismo vulgar se coloca apenas contra os norteamericanos, mas a luta contra o imperialismo é contra seu sistema total de funcionamento. Ser anti-americano nunca é critério sem mais para ser aliado dos verdadeiros comunistas. Há, portanto, dois erros opostos iguais, de aparência: 1) afirmar que é uma luta de democratas contra ditadores, 2) afirmar que uma luta de imperialistas contra anti-imperialistas. Olhando a história comum dos dois blocos capitalistas, percebemos que são um dragão de duas cabeças a ser derrubado e que suas diferenças e atrações entre si têm uma origem comum. PERÍODO DE DECADÊNCIA DA FASE IMPERIALISTA Relembramos que o imperialismo é um sistema econômico, uma fase da economia do capital, antes de ser algo político. Vemos nesta obra que tal fase cumpriu suas tarefas, suas metas. Tivemos o período de ascenção do imperialismo, da década de 1870 até 1970, e, agora, desde 1970, temos o período de declínio do imperialismo, que também é seu auge, quando esgotou o sistema de valor. É um nível de abstração. Por isso, por ser o ocaso, os objetivos imperialistas da China e da Rússia não têm futuro longo com o qual gostariam de contar. Há, portanto, na verdade mais precisa, no seu auge, crise do imperialismo, de outro modo, crise do conceito, da categoria de, imperialismo. Isso se expressa na ousadia russa e chinesa, no caráter sui generis, do Vietnã ao Afeganistão, na despatriação avançada do capital etc. A CHINA É SOCIALISTA? Em geral, teóricos e partidos reformistas disfarçados de comunistas consideram a China socialista, tratam os avanços daquele país, feito com sangue, como dádiva do marxismo, como conquistas nossas. Vejamos dois grandes argumentos. 1. É uma economia de grandes empresas estatais Isso não muda nada, pois uma economia socialista não visa o lucro, mas a otimização da produção para o consumo. A economia socialista não é propriamente estatal ou púbica, mas de propriedade social, socializada – sem lucro imediato ou futuro enquanto meta. Vamos para o mais profundo. Neste livro, levantarei a tese de que há uma nova corrente ―socialista‖ estatista, baseada na classe média funcionária pública. Veja-se que um professor de universidade púbica
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chamado Elias Jabbour ficou famoso defendendo que a China é socialista porque tem grande peso estatal. Engels, além de Lenin, diria o oposto: E digo que tem de tomar a seu cargo, pois a nacionalização só representará um progresso econômico, um passo adiante para a conquista pela sociedade de todas as forças produtivas, embora essa medida seja levada a cabo pelo Estado atual, quando os meios de produção ou de transporte superarem já efetivamente os marcos diretores de urna sociedade anônima, quando, portanto, a medida da nacionalização já for economicamente inevitável. Contudo, recentemente, desde que Bismarck empreendeu o caminho da nacionalização, surgiu uma espécie de falso socialismo, que degenera de quando em vez num tipo especial de socialismo, submisso e servil, que em todo ato de nacionalização, mesmo nos adotados por Bismarck, vê uma medida socialista. Se a nacionalização da indústria do fumo fosse socialismo, seria necessário incluir, Napoleão e Metternich entre os fundadores do socialismo. Quando o Estado belga, por motivos políticos e financeiros perfeitamente vulgares decidiu construir por sua conta as principais linhas térreas do pais, ou quando Bismarck, sem que nenhuma necessidade econômica o levasse a isso, nacionalizou as linhas mais importantes da rede ferroviária da Prússia, pura e simplesmente para assim poder manejá-las e aproveitá-las melhor em caso de guerra, para converter o pessoal das ferrovias em gado eleitoral submisso ao Governo e, sobretudo, para encontrar uma nova fonte de rendas isenta de fiscalização pelo Parlamento, todas essas medidas não tinham, nem direta nem Indiretamente, nem consciente nem inconscientemente, nada de socialistas. De outro modo, seria necessário também classificar entre as instituições socialistas a Real Companhia de Comércio Marítimo, a Real Manufatura de Porcelanas e até os alfaiates do exército, sem esquecer a nacionalização dos prostíbulos, proposta muito seriamente, ai por volta do ano 34, sob Frederico Guilherme III, por um homem muito esperto.‖ (Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico, 2003)
Mas Elias Jabbour, apesar de ser do degenerado PCdoB, não é oportunista em sua colocação – ele sofre do inferno do pesquisador: ser incapaz de compreender seu objeto de estudo. Isso se deve oor ser professor público aristocrático, além de profissional liberal, e partir de premissas erradas (ou seja, partir de premissas já é errado; ele põe a china como socialista e ponto final, toda a pesquisa deve se adaptar a tal ―conclusão‖ já de início). Estatismo não é socialismo. Mas também há dose de cinismo em suas posições. A China quer dominar militarmente Taiwan para dominar também sua produção de chips modernos. Com as sanções dos EUA, a China passou a ter dificuldades de acessar a matéria-prima para os produtos modernos que deseja produzir, pois não os produz no tamanho e na escala necessárias. O governo quer resolver isso, então pensa em invadir a ilha. Jabbour, no lugar de ver a geopolítica desde a economia, sendo
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geógrafo de formação, apela para o sentimento da humilhação pela qual passou a China desde o século XIX Socialismo com mercado só pode existir de maneira transitória ou marginal. O objetivo socialista é destruir o sistema de mercado, típico do capitalismo. Ao buscar lucro ou a tentar destruir a concorrência internacional operando sem lucro imediato, como fazem as estatais chinesas, o objetivo aí é valorização do valor, capital. Não muda o caráter imperialista se empresas estatais são os monopólios que querem internacionalizar-se. No mais, argumento de que a URSS fez a NEP, cedeu ao capital, não leva em conta que, como contrapressão, havia o poder democrático dos trabalhadores, não uma ditadura como a de Stalin. 2.
O partido comunista dirige o Estado Outra falsificação, presa à aparência. Se um partido no governo e nas empresas tem
privilégios sociais e não é diretamente controlado pelos trabalhadores, é, como diz Moreno, oportunista, oportunista, oportunista – burocrata, burocrata, burocrata. De comunista o PCC tem apenas o nome e o passado. Isso se vê quando governo obriga a que gente de alto escalão tenha cargos no executivo de empresas, enriquecendo-os e aburguesando-os. A incapacidade de medir de Jabbour se revela quando ele, em palestra registrada em um dos seus livros, afirma que o PT brasileiro seria parte do projeto socialista… O ―socialismo do funcionalismo público‖ alegra-se com o caso Chinês, evita chamar a ditadura pelo seu nome, desconsidera a restauração do capitalismo, relativiza a superexploração de sua classe operária. Elias Jabbour chagou a afirmar que os trabalhadores não governam empresas porque veem do interior e são incapazes culturalmente disso hoje… É típica visão gerencial da classe média. O despotismo esclarecido burguês, tema de outro capítulo, faz escola na ditadura chinesa.
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O FIM LATENTE DAS FRONTEIRAS NACIONAIS
A formação dos Estados nacionais, da unificação territorial, é uma tarefa em si burguesa; o poder absolutista feudal, ao concentrar forças na figura do rei, operava de modo ―déspota esclarecido‖ ao tomar medidas positivas ao desenvolvimento do capital no seio de sua sociedade: a unificação monetária, impostos nacionais, unidade nacional etc. Preparava-se, assim, o terreno para o domínio do capitalismo e a supressão do feudalismo. Em nossa época, o capital precisa corroer os limites das fronteiras nacionais, prover maior unidade internacional, preparando os caminhos para o internacionalismo socialista. Vejamos o caso mais avançado, a União Europeia. A histórica disputa entre França e Alemanha pela região mineradora de Alsácia-Lorena, localizada na área fronteiriça, fez com que Engels descobrisse, ao fazer balanço da guerra franco-prussiana, o amadurecer de uma grande guerra mundial. A região disputada garantiria meios de produção e maior autonomia para a economia nacional. No entanto, a II Guerra elevou os EUA ao estatuto de grande poder, impedindo qualquer possibilidade de disputa ao cargo de potência dominante. Com sua derrota, a Alemanha perdeu a possibilidade de resolver a contradição a seu favor. Os conflitos internacionais foram resolvidos de outro modo quando ambas as nações, francesa e alemã, tornaram-se incapazes de impor seus projetos. Quem hegemonizaria a Europa para conquistar o mundo deixava de ser uma questão posta. Logo, um acordo de livre comércio a partir da área sob disputa seria desejável e viável. A união avançou em vários aspectos até a formação da moeda unificada, o Euro, e há novos projetos apresentados como o exército europeu. É dispendioso focar em todos os tratados. O que nos cabe aqui é destacar o alto grau de integração dentro dos limites e possibilidades capitalistas, além de afirmar o máximo avanço dos transportes e comunicações. Veja-se que na atualidade empresas sentem-se à vontade de mudar o país onde produzirá já que em outra nação pode explorar mais a força de trabalho e tem condições de exportar em larga escala e em curta duração. A necessidade de dar ao capital e à forma mercadoria um meio ambiente onde possa fluir com maior facilidade possível, para enfrentar as crises de superprodução e suas possibilidades, para lidar com a alta produtividade, é o principal motor dos acordos. O capital produz um duplo movimento: positivo, na medida em que prepara o terreno para a unidade global, e negativo, na medida em que o faz em nome de mais lucro – nega o futuro socialista e, ao mesmo tempo, encaminha suas bases e condições. Trotsky descobriu que uma das contradições da fase imperialista é o fato de as forças produtivas não caberem nos limites nacionais. Essa contradição, irresolvida, é encaminhada dentro das
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possibilidades de avanço no capitalismo. Os acordos desde o fim da II guerra, que desemborcaram na UE e no Euro, salvaram o capitalismo alemão, onde tal contradição era mais intensa, permitindo o fluxo das mercadorias. Outra expressão disso em destaque é o dólar alçado a substituto do ouro no comércio mundial. Há várias expressões deformadas, invertidas e mediadas da integração latente. Apenas na história contemporânea, porque de fato encurtamos as distâncias, foi possível a formação e consolidação relativa dos mais variados organismos internacionais, a maioria subordinada ao imperialismo; isso expressa a necessidade de ligações internacionais e a impossibilidade de consegui-las de maneira plena sob o capital. A Organização mundial de Saúde, por exemplo, surge da necessidade de vigiar os riscos de pandemias por causa da intensa inter-relação dos países. Outras demonstrações são a unidade cultural enorme alcançado pelo mundo (o que tem seu lado negativo evidente como com o imperialismo cultural), a comunicação mundial instantânea e a informação global acessada pelos trabalhadores (ainda que seja por meio do jornalismo burguês). Por instabilidades e desenvolvimentos atrasados, formado por colônias e semicolônias, a integração econômica e social da América Latina78 e da África poderá alcançar os graus da União Europeia, ou mais avançado, apenas por meio da integração socialista, da transição ao socialismo. Parecem forçados ao salto. Antes, em algum nível de circulação sob base capitalista, podem antecipar alguns aspectos da integração produtiva e social. Sob o capitalismo, os acordos e uniões são instáveis, possuem limites e subordinam algumas nações a outras. Um superimperialismo com governo mundial também se demonstrou hipótese equivocada, mas a consolidação de organismos internacionais na história recente, subordinados aos Estados dominantes, já aparece como sintoma e latência da futura unidade real e internacionalista do mundo. É no socialismo onde uma articulação internacional e mundial poderá surgir de modo pleno e fraterno. Sobre a integração mundial, leiamos o que dizem Marx e Engels:
Essa ―alienação‖ [Entfremdung] para usarmos um termo compreensível aos filósofos, só pode ser superada, evidentemente, sob dois pressupostos práticos. Para que ela se
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Os EUA tentaram avançar com a Alca, mas o projeto foi derrotado pela luta anti-imperialista na América Latina. Isso deu alguma vantagem histórica à UE (França e Alemanha) e manteve o investimento estrangeiro na China a todo vapor.
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torne um poder ―insuportável‖, quer dizer, um poder contra o qual se faz uma revolução, é preciso que ela tenha produzido a massa da humanidade como absolutamente ―sem propriedade‖ e, ao mesmo tempo, em contradição com um mundo de riqueza e de cultura existente, condições que pressupõem um grande aumento da força produtiva, um alto grau de seu desenvolvimento – e, por outro lado, esse desenvolvimento das forças produtivas (no qual já está contida, ao mesmo tempo, a existência empírica humana, dada não no plano local, mas no plano históricomundial) é um pressuposto prático, absolutamente necessário, pois sem ele apenas se generaliza a escassez e, portanto, com a carestia, as lutas pelos gêneros necessários recomeçariam e toda a velha imundice acabaria por se restabelecer; além disso, apenas com esse desenvolvimento universal das forças produtivas é posto um intercâmbio universal dos homens e, com isso, é produzido simultaneamente em todos os povos o fenômeno da massa ―sem propriedade‖ (concorrência universal), tornando cada um deles dependente das revoluções do outro; e, finalmente, indivíduos empiricamente universais, histórico-mundiais, são postos no lugar dos indivíduos locais. Sem isso, 1) o comunismo poderia existir apenas como fenômeno local; 2) as próprias forças do intercâmbio não teriam podido se desenvolver como forças universais e, portanto, como forças insuportáveis; elas teriam permanecido como ―circunstâncias‖ domésticosupersticiosas; e 3) toda ampliação do intercâmbio superaria o comunismo local. O comunismo, empiricamente, é apenas possível como ação ―repentina‖ e simultânea dos povos dominantes, o que pressupõe o desenvolvimento universal da força produtiva e o intercâmbio mundial associado a esse desenvolvimento. (Marx & Engels, A ideologia alemã, 2007, pp. 38, 39)
A integração mundial certamente atingiu um grau elevadíssimo, muito acima da esperada pelos pais do socialismo científico. O alto grau de interdependência dos países leva a que os destinos de uns afete os caminhos dos demais, dito de outro modo, é mais fácil prover o caráter planetário da revolução social. A base prática do internacionalismo proletário, negação e superação do passado nacionalista, está dada dentro dos limites do capital. Assemelha-se isso, se cabe aqui alguma comparação, com o poder romano sobre larguíssimo território, sobre outros povos, antes eles mesmos dominantes, como anúncio, no mundo antigo, da crise geral – não mais local – do escravismo. Se todos os caminhos levavam à Roma, tornou-se impossível ao Estado e ao exército lidar com o grande território de modo estável. Os pequenos e fragmentados feudos e principados medievais tiveram de ceder, na fase final do mundo feudal, às novas pulsões capitalistas, formando um governo nacional. A internet forçou a liberação do fluxo de capitais, reação à crise. Mas o comércio já domina intensiva e extensivamente o mundo todo, logo a crise se adia com maior exploração e com
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protecionismos e afins para guardar mercados, o que aumenta ainda mais a superprodução crônica latente de capitais e mercadorias. Senhores capitalistas, não há saída! O mundo é redondo! A espécie humana é a única que tende a unificar-se como gênero globalmente, uma tendência própria do ser social, que está intimamente ligada a outras duas, o aumento da produtividade do trabalho (veja-se, mais uma vez, que tal aumento exige corroer os limites da nação) e o afastamento das barreiras naturais (Lukács, Prolegômenos e para ontologia do ser social, 2018).79
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Isso significa, por causa dos três fatores, que a história humana é teleológica, tem uma finalidade, qual seja, a entrada na verdadeira história humana, depois da pré-história na qual ainda nos encontramos. Tal afirmação contraria parte dos lukacsianos, porém derivada de sua própria elaboração comum; são as tendências imanentes do ser social. Em outra nota de rodapé, também debateremos a situação teleológica inconsciente até aqui, que avança como se pelas costas dos homens, e não determinista (assim como um homem pode falhar na tentativa fazer um machado antes planejado atentamente, a humanidade pode falhar em seu destino, pode ser extinta ou quase extinta com o fim da civilização.) No ser biológico, Kant afirmou que impera um “propósito sem propósito”, além de, segundo ele, inexistir aí leis ou teorizações como na física; Hegel segue, ao seu modo, o mesmo caminho. Porém Darwin os refutou com toda sua maestria. Ao debater A Origem das Espécies, Engels afirma a Marx, por meio de uma carta, que tal grande obra da biologia havia enterrado as concepções teleológicas sobre a vida. Já na obra Ontologia do ser social, Lukács observa que a modalidade do ser biológico tem a tendência de afastar-se das barreiras ambientais, especialmente as do inorgânico; o desenvolvimento do Ser que se reproduz é tornar-se cada vez mais capaz de lidar com o externo, com o exterior, com cada vez mais habilidade de apreender os dados do real e modificá-lo; visto de modo amplo, isso alcança uma etapa onde aparece o cérebro, logo surge a macrotendência de cérebros cada vez mais capazes e cada vez maiores relativo ao tamanho de seus corpos. Em resumo: o ser biológico realiza tendencialmente sua teleologia por meio de outro ser, o social, ou seja, ocorre uma transcendência. O ser humano é a realização – em boa parte, por sua constituição física, pelas mãos, pelo polegar opositor etc. – de uma tendência da vida desde quando esta surgiu. O ser biológico tem uma finalidade; resta saber, então, se o ser inorgânico também a tem – seria ir-se de si a si próprio por meio e através de seu autodesenvolvimento? Lançamos aqui a hipótese em forma de pergunta para abrir o debate e contar com o avanço posterior da ciência e da filosofia. Ao tema, fica evidenciado isto: entre os fatores comuns nas três modalidades do Ser, destacamos que todos eles, não apenas o ser vivo, são energia em busca de mais energia (para tornar mais clara a afirmação: 1) o ser social: o homem apropria-se da energia humana no trabalho, aperfeiçoa a agricultura e busca mais e melhores fontes de energia em seu desenvolvimento – como a máquina a vapor, a eletricidade de hidrelétricas, a fissão nuclear, a fusão nuclear, o hélio 3 da Lua etc.; 2) o ser inorgânico: a energia-massa curva o tecido espaço-tempo atraindo, produzindo gravidade). Há ainda outra questão sobre teleologia na história humana: as etapas de evolução do modo de produção – visto em geral: primitivismo, escravismo, feudalismo, capitalismo, socialismo – são necessárias ou o histórico poderia ser completamente outro? Basta ver, de começo, que é impossível saltar do primitivismo ao socialismo com robótica sem transição. A questão resolve-se ao observarmos que a terra é desigual, nunca uniforme, tem diferentes fertilidades, características e climas, o que leva, aqui, a desenvolver o escravismo e, ali, a prosperar o modo de produção asiático. Suponhamos, apenas para clarear o raciocínio, que existam humanos em outro planeta habitável.
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MEIO AMBIENTE E SOCIALISMO
A percepção do colapso em latência encontra estranho consenso quando referido ao meio ambiente. No entanto, todas as tentativas de solução fracassam, todos os avisos faltam à prática, todos os congressos governamentais limitam-se às boas intensões. Por que o capitalismo é incapaz de parar o relógio do fim? Uma resposta foi dada por Mèszáros de quem partimos, em geral, estes aspectos, ou seja, quanto ao fato de a acumulação do capital ser incontrolável e a produção destrutiva em nosso tempo (Mészáros, Para além do capital, 2011): 1) Para manter o processo de circulação do capital, para a reprodução em escala ampliada, para adiar as crises de superprodução; o capitalismo precisou aumentar a escala fragilizando os valores de uso para forçar novas compras, novas substituições, aumentando a quantidade de lixo, extraindo da natureza mais do que ela pode repor de si própria em seu metabolismo. 2) As empresas que negligenciam e burlam normas de segurança ambiental têm mais recursos sobrando para lucro, investimentos, etc. 3) Os países que se desleixam dos custos ambientais tendem a atrair capital internacional, conseguir recursos, formar sua burocracia burguesa numa concorrência de fronteiras. 4) A economia é não planejada, incapaz de suportar certos custos gerais em nome de ganhos de médio e longo prazos para a humanidade. 5) A queda histórica da taxa de lucro pressiona, demonstrado pela financeirização das empresas produtivas, o lucro de curto prazo. 6) A indústria de luxo e a criação de necessidades artificiais , fictícias80, causam enorme e desnecessário desperdício (Mészáros, Para além do capital, 2011). 7) Os grandes monopólios e oligopólios guardam ou retardam o uso de patentes capazes de melhorar a relação homem-natureza se prejudicam a lucratividade. Os danos ambientais em um país afetam outros fronteiriços e distantes, logo, conclui-se, a solução pode vir apenas por meio do internacionalismo (Marques & Marques, 2009). É condição da vitória. Uma articulação mundial pode vir por uma associação internacional dos governos socialistas, caso prosperem. Porque o capital deixa de ter pátria, há disputa entre os Estados Eles também têm de lidar com tais desigualdades – de fertilidade etc. – se (e para que) a vida muito complexa for capaz de se desenvolver em seu mundo (diferente de mundos quase totalmente congelados, por exemplo). Eles também viveriam os diferentes sistemas antes de chegar ao igualitarismo da abundância. 80 Mais uma vez, vemos esta categoria, a ficção, aparecer como que naturalmente no desenvolvimento da análise. Para este caso, basta o destaque reforçado por esta nota de rodapé, pois o caso é autoevidente no dia a dia do “consumidor”.
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sobre onde se localizarão as empresas. As legislações ambientais tendem, então, a ser negadas ou revogadas para reduzir os custos empresariais. Neste sentido, o governo anticientífico de Trump serve de exemplo e sintoma. Apenas a associação internacional dos Estados socialistas pode encerrar tal conflito, terminando a lógica do lucro. São algumas decisões previsíveis ao socialismo: 1) Reaproveitar ao máximo o material ora transformado em lixo; 2) Investimento intensivo e global em fontes de energia limpas e renováveis para que adquiram alto rendimento; 3) Reflorestamento de início ligado aos corredores ecológicos; 4) Toda a humanidade dotada de saneamento básico; 5) Obrigatoriedade do trato dos custos ambientais nos planos econômicos; 6) Autonomia energética a inúmeros produtos (pilhas que se recarregam com poucos balanços de mão, etc.) e nas ―localidades‖; 7) Aumento qualitativo da resistência dos produtos e a devolução quando obsoletos para reaproveitamento do material (responsabilidade condicionante para receber outros valores de uso); 8) Liberação dos segredos comerciais, mediante pesquisa metódica e publicação ampla, voltados à sabotagem de técnicas que melhoram o trato com o ambiente, mas reduziam lucros; 9) Que a comunidade e o Estado, via centros educacionais, garantam, junto às famílias, a educação pessoal das crianças para nova concepção de rotina, de higiene, de salubridade, etc. 10) Reforma urbana; 11) Construir sistemas autônomos e locais de energia ao lado de um sistema integrado; 12) Aplicar a moderna estatística para a produção corresponder aos níveis médios de demanda social, evitando o desperdício; 13) Transporte público gratuito e de qualidade (Löwy, 1014); 14) Substituição de caminhões por trens (idem, ibidem). 15) Desenvolvimento intensivo, não extensivo, e unificado da produção no campo. 16) Aprimorar intensivamente da tecnologia de captação de carbono. 17) Controle do uso de agrotóxicos para preservar a população de abelhas, necessárias ao ecossistema. 18) Alterar a genética de alguns seres para que resistam ao ambiente (queimadas, etc.), frutifiquem mais cedo, etc. Outras mudanças são e serão pensadas (fim da produção de luxo, etc.), muitas delas concretas para ambientes e situações específicas. O objetivo deste capítulo, que se limita a
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resumir a questão, é demonstrar a união entre revolução ambiental e revolução socialista não limitada ou presa à afirmação dogmática e propagandística. Exemplos práticos podem ajudar. O socialismo visa diminuir o tempo de trabalho e dar tempo livre e recursos para outros afazeres sociais, por isso precisa do avanço técnico permanente. Se no capitalismo as pilhas são recarregáveis com poucos movimentos, dispensando novas compras, a empresa falirá e haverá demissões. Se as lâmpadas podem durar, por modo de disposição de suas peças, décadas, também ocorrerá problemas no metabolismo do capital. Se fazemos alto reuso e reciclagem de materiais, empresas do Departamento I, produção de meios de produção, insumos para os departamentos I e II (este, II, produção para consumo final), entrarão em crise. Em todos os casos exemplificados, as crises se espalham para outros setores e empresas, pois deixam de comprar insumos e máquinas e os trabalhadores então desempregados reduzem o consumo. Vejamos o petróleo: se é substituído em grande escala via nova fonte, países inteiros entrarão em colapso no Médio Oriente e na América Latina, haverá guerras interfronteiras e guerras civis por causa da precarização da vida naqueles países; passa a ser do interesse de grandes oligopólios, bancos e governos o retardo ao máximo do desenvolvimento de novas fontes energéticas renováveis, limpas e em grande escala (além disso, o investimento ocorre sem cooperação científica internacional, por causa da concorrência, o que atrasa o desenvolvimento geral da tecnologia limpa). Neste caso, apenas uma sociedade planejada com democracia socialista permite realocação de trabalhadores com igual ou maior dignidade no trabalho, apoio entre as nações ainda divididas por fronteiras e pesquisa científica livre e intensiva. O desenvolvimento do metabolismo social socialista possibilitará a redução em quantidade dos centros produtivos, quando a integração internacional superar a concorrência entre Estados. Retomemos o exemplo da lâmpada: se a sociedade aumenta sua durabilidade de 2 para, digamos, 15 anos, a demanda mundial precisará de uma ou duas grandes fábricas automatizadas para suprir as necessidades dos consumidores81. O próprio desenvolvimento do trato com os valores de uso – maior resistência, reuso produtivo daquilo descartado, valores de uso múltiplos na mesma materialidade, etc. – está embrincado com o processo de superação da forma salário durante a construção inicial do socialismo. O salário do trabalhador, abstraindo a tendência a ficar abaixo de seu valor real, é determinado pelo custo médio de sua manutenção (Marx considera fatores culturais, como o hábito do operário inglês de ler jornal); portanto, o acréscimo de durabilidade, os descontos de 81 A mudança destacada no parágrafo fará parte do forjar das condições de simplificação do domínio do homem sobre as coisas, condição e consequência. Outro exemplo destacável – também para o meio ambiente – será a aceleração, já existente de modo vacilante sob o capital hoje, da fusão ou aglutinação de valores de uso.
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troca, a recarregabilidade autônoma, etc., ao lado de serviços públicos gratuitos (que, por escala, reduzem o custo social total), atuam para o fim da forma capitalista de distribuição. Nossas observações concluem que o capitalismo passou de força progressiva e produtiva para força regressiva e destrutiva. O exemplo mais famoso é a modificação genética: no lugar de usar a ciência para preservar a natureza e desenvolvê-la, usam-na para criar sementes que ficam estéreis na segunda germinação, forçando a recompra de nova saca de sementes modificadas. Lucro e natureza tornam-se inimigos mortais. Aqui, lembramos dois gerais consensos científicos: 1) desde a década de 1970, temos extraído, em escala crescente, da natureza mais do que ela pode repor-se no mesmo ano; 2) a humanidade é causa da nova grande extinção da vida sobre a Terra. Nos movimentos de luta social, temos a exigência por saneamento básico por parte dos movimentos sem-teto e urbanos, redução do agrotóxico no campo, etc. No destaque sindical, a inspeção operária da produção, muitas vezes antecessor da gestão operária, pode ser fermentada pelas CIPAS, pela verificação das exigências ambientais por parte da comissão de fábrica e do sindicato, pela greve por substituição de materiais danosos aos trabalhadores e ao ambiente por outros melhores, exigência por cumprimento das cotas de custos com segurança ambiental, etc. As pautas de segurança e saúde do trabalho encontram-se em inúmeros pontos com a luta ambiental, devendo estar ligadas no todo pela necessidade de mudança de sistema socioeconômico. À organização comunista caberá, sendo a mais aguerrida, fazer as pautas setoriais ligarem-se a um projeto maior, a uma crítica da origem dos problemas. E pode fazê-la apresentando um projeto de sociedade ao lado de propostas tanto imediatas quanto amplas. Uma luta ambiental contra uma hidrelétrica, por ex., é, se correta, uma crítica apenas negativa enquanto, pensando a totalidade social, deve também saber propor, isto é, responder de onde virá a eletricidade na escala necessária. Entre os séculos XIV e XV, o mundo medievo viveu uma crise ambiental que produziu inúmeros problemas à sobrevivência, como a baixa colheita. O crescimento do número de terras para a agricultura, a derrubada de florestas, a fundação de novos feudos foram base da alteração climática. No século XXI, mais uma vez passamos por perturbações do tipo, ainda mais intensas, que gerarão problemas econômicos (más colheitas, pragas, secas desproporcionais, etc.) e estresses sociais. A revolução socialista tem entre seus gatilhos as consequências das alterações no meio ambiente. A crise ambiental é uma das demonstrações mais vivas do limite sistêmico do capitalismo.
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RISCO DE PANDEMIAS
A primeira versão deste texto foi produzida em 2016. Estou reescrevendo o material em plena quarentena por razão do coronavírus, que torna mais evidente este capítulo. Convido o leitor à imaginação do quanto era difícil sentir o peso destas elaborações antes da crise sanitária global e quantos muitos aspectos se tornaram conhecimento comum após o fato histórico. O que fica suspenso no ar é a relação entre epidemias e pandemias com a crise sistêmica, portanto nossa tarefa é levar em conta tal aspecto. Antes de irmos ao conteúdo deste capítulo, façamos um breve balanço da pandemia de 2020. O problema sanitário do coronavírus, embora seja expressão da crise sistêmica, atrapalhou a luta pelo socialismo ao contrário do que pensam muitos intelectuais. No mesmo período da reclusão social, uma crise de natureza puramente econômica mundial surgiu com potência superior à de 2008, porém deu-se, por coincidência temporal, a impressão de que o recuo da economia teve fator central e apenas natural… Se os trabalhadores tivessem uma experiência pura com a crise do capitalismo, sua consciência teria avançado enormemente desde o balanço prático da crise cíclica anterior. Ademais, a lutas recuaram por causa da contaminação. O capitalismo ganhou, assim, certo fôlego histórico apesar de o problema pandêmico ativar alguma intuição sobre fins civilizacionais, em principal entre a vanguarda. Pandemias atrapalham o funcionamento ―normal‖ do capital como também a luta antissistema. *** O apogeu do império romano (marcado pelo início de sua decadência com o fim da república no século 1 a.C.) levou à urbanização e a laços comerciais e populacionais; todos os caminhos levavam à Roma. Ocorreram, entre o apogeu e a decadência, 11 grandes epidemias e pandemias em seu grande território, como a peste de galeno no ano de 164 com um quarto da população dizimada e a peste de Cipriano em 250. A peste negra atuou para a queda do feudalismo. Com o crescimento do comércio medieval e das cidades, dada a maior produtividade, base da transição para outro sistema, as ligações virais também cresceram e um terço da população europeia foi vítima da doença.
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A tese deste capítulo é que as condições do capitalismo hoje colocam, de modo mais intenso que outras fases do sistema, a possibilidade de epidemias e pandemias 82. Vamos aos fatores que produzem tal conclusão:
3. Diferenças entre ricos e pobres geram problemas alimentares, de higiene, de acesso à informação, de hábitos, de salubridade – há acesso desigual ao moderno. O aumento da miséria relativa desde 1970 e, em destaque, desde 2008 colabora no sentido do adoecimento. 4. A atual urbanidade, que alcançou altíssimo desenvolvimento, baseada na desigualdade de classe, reúne uma enorme massa urbana, facilitando a contaminação geral. 5. O fluxo humano e de mercadorias por todo o mundo interliga-nos também do ponto de vista viral. Lembremos que a aviação comercial é recentíssimo na história. Aqui entra mais uma vez o debate do acesso desigual ao futuro, ao moderno. A aviação global ocorre combinado com o ainda uso, por exemplo, de camelos no Oriente Médio, animais que tem fortes chances de passar vírus aos humanos. É o fruto do desenvolvimento desigual e combinado: o moderníssimo transporte mais, mas, pobreza ou vida arcaica. 6. Com a automação da produção, alta capacidade produtiva, a indústria farmacêutica necessita criar demanda e bloqueia ou atrasa pesquisas cujo objetivo é a cura. Richard J. Roberts, Prêmio Nobel de Medicina, denuncia em entrevista:
Eu verifiquei a forma como, em alguns casos, os investigadores dependentes de fundos privados descobriram medicamentos muito eficazes que teriam acabado completamente com uma doença ... […] Porque as empresas farmacêuticas muitas vezes não estão tão interessadas em curar as pessoas como em sacar-lhes dinheiro e, por isso, a investigação, de repente, é desviada para a descoberta de medicamentos que não curam totalmente, mas que tornam crónica a doença e fazem sentir uma melhoria que desaparece quando se deixa de tomar a medicação. […]
82
Ao que nos parece, o advento da AIDS foi o selo rompido de tal apocalipse, um aviso sobre nossa época. Tal mudança se expressa também na arte. Os filmes e jogos de terror-ação deixaram de tratar zumbis como criaturas místicas ou demoníacas e passaram a tratá-los como frutos de efeitos virais, de fungos, etc. mais próximo do materialismo e de nosso tempo.
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Mas é habitual que as farmacêuticas estejam interessadas em linhas de investigação não para curar, mas sim para tornar crónicas as doenças com medicamentos cronificadores muito mais rentáveis que os que curam de uma vez por todas. E não tem de fazer mais que seguir a análise financeira da indústria farmacêutica para comprovar o que eu digo. […] Ao capital só interessa multiplicar-se. Quase todos os políticos, e eu sei do que falo, dependem descaradamente dessas multinacionais farmacêuticas que financiam as campanhas deles. O resto são palavras… (Roberts R. J., 2011)
7. A crise do meio ambiente (alta concentração de carbono no ar, por exemplo) por si faz surgir novas doenças, além de tornar mais frequentes as que existem. Muitos cientistas afirmam que o aquecimento global, ao derreter as calotas polares, liberará antigos patógenos. 8. Há esgotamento do atual método de combate às doenças virais e bacterianas:
De acordo com especialistas, as superbactérias, que se desenvolvem por causa do uso em excesso de antibióticos em humanos e na produção agropecuária, são uma das maiores ameaças para a Humanidade. Cepas de bactérias resistentes aos mais potentes medicamentos existentes já foram identificados em diversos países, incluindo o Brasil. Estimativas apontam que, sem combate, esses micro-ogranismos podem matar 10 milhões de pessoas por ano a partir de 2050. — É irônico que uma coisa tão pequena provoque tamanha ameaça pública — disse Jeffrey LeJeune, pesquisador da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA, em entrevista ao ―Guardian‖. — Mas ela é uma ameaça global à saúde que precisa de uma resposta global. (Globo O. , 2016)
As bactérias resistentes a antibióticos também ocorrem na criação de animais para consumo. É um risco latente de infecção tanto desses seres quanto de humanos. A ciência pode resolver este problema em específico sem a necessidade de uma revolução social, mas ainda continua uma possibilidade não resolvida. 9. Invadimos o habitat natural de modo desenfreado, o que tira do isolamento doenças presentes na natureza. O pesquisador francês Serge Morand resume a questão:
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Certamente, observamos um crescimento constante do número de epidemias de moléstias infecciosas desde os anos 1920. Após a segunda guerra mundial, um conjunto de vírus, bactérias e parasitas emergiu, notadamente o tifo e as rickettsioses, doenças infecciosas transmitidas ao homem por artrópodes (piolhos, pulgas, carrapatos). Mais recentemente, foram detectados mais novos agentes patogênicos provindos da fauna selvagem. […] Minha hipótese de trabalho consiste em afirmar que a multiplicação das epidemias resulta das modificações dos contatos entre a fauna selvagem e o homem. Devido à intensificação da produção animal e como consequência, o aumento do número dos animais de criação e da superfície das terras agrícolas para nutri-los, a fauna selvagem vê seu território se reduzir. Obrigada a se locomover, ela tem mais contatos com os animais domésticos. Esta aproximação entre animais domésticos e fauna selvagem é condição propícia para a emergência das doenças infecciosas. Um micróbio ou uma bactéria pode viver num hospedeiro durante milhares de anos sem provocar problema algum, mas, ao mudar de hospedeiro, tornar-se patogênico. (Morand, 2020)
10.O processo de separação do valor de uso do suporte e o valor de uso ―poético‖, sob a forma capitalista, geram: 1) produtos com baixo valor nutritivo (exemplo de um suco artificial e barato); 2) estimula a adoção de substâncias nociva à saúde humana (para dar cheiro, cor, gosto etc.). 11.
A saúde privada negligencia custos em nome do lucro. Exemplo: as vacinas que perdem
potencial por problema de aquecimento são prontamente substituídas no serviço público enquanto no setor privado tende-se a evitar tal medida, que gera nova despesa. 12.
As armas biológicas são um recurso latente nos conflitos globais militares. Surge a necessidade de um sistema mundial público e gratuito de saúde – no socialismo. Tal
empreendimento social tratará tanto de prevenção e atendimento quanto das medidas de produção (medicação, nutrientes em alimentos, etc.) e sociais. Destacamos, por fim, que certa regularidade de epidemias e formas pandêmicas tem efeitos tendenciais sobre a estrutura social. Como as máquinas não paralisam por si mesmas nem adoecem, as crises de saúde pública tendem para a automação, digitalização e robotização – na produção em especial. As bases para a economia socialista têm mais um fator de estímulo ao seu desenvolvimento durante a e por causa da crise sistêmica, que se expressa, ademais, também em crises sanitárias.
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PARTE 4 CRISE
SISTÊMICA
E
MENTALIDADE
MARXISTA, PSICOLOGIA MARXISTA)
(IDEOLOGIA,
CIÊNCIA,
ÉTICA
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PSIQUE Para a crítica da psicologia Por uma psicologia marxista
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Temos, aqui, uma pesquisa completa, sistemática, mas ainda inconclusa. Alcancei uma série de conclusões sobre o tema cuja exposição não precisa ser adiada. A obra completa terá três partes: psique, ética e estética – marxistas. Tais terrenos precisam das sementes de nossa tradição, ainda. A psicologia marxista é uma das grandes tarefas intelectuais da humanidade. Como veremos, nem sempre o indivíduo será o foco, embora ele importe muito. Mudamos o ângulo e o foco desta ciência incompleta, que nunca poderá se sustentar por seus próprios pés sem mais. Uma das ideias vulgarizadas do marxismo é esta: o modo como vivemos determina o modo como pensamos. As ideias e sentimento nunca serão um raio em céu azul. No mais, elas são materiais e forças materiais. Nossa cabeça é concreta. Por muito tempo, por um materialismo vulgar e unicausal, os marxismo consideraram a idealidade como determinada mecanicamente pela economia; logo, havia um desestímulo à pesquisa desse mundo, dessa esfera, desse complexo. Mas as partes de uma totalidade influenciam reciprocamente umas às outras, além de possuírem uma autonomia relativa. A onda de depressão e suicídio em nosso tempo exige uma psicologia dialética para ontem e para o amanhã. A ideia de que somos determinados pelo meio tem altíssima validade, porém nada explica por si, sem pesquisa. A existência de várias psicologias, várias escolas, demonstra uma incompletude de tal ciência – teses e ângulos parciais surgem. A hora é de ao fundo, ao fundamento. Temos prédios frágeis por bases frágeis. Trata-se, portanto, de fundar uma teoria unificada da psique. O pluralismo teórico e metodológico pouco ajuda; apesar disso, devemos ouvir as diferentes vertentes, pois todas têm um lado da verdade, que é o todo. Sem dialética, impossível uma ciência da psicologia. Nosso objetivo, o objetivo da psicologia e do marxismo, nada mais é que tornar a vida humana, além da natureza, mais feliz, mais realizada – a humanização da humanidade. Por isso, separar o estudo da mente das questões gerais do destino humano é um erro enorme. A vida deve ser vivida, não apenas sobrevivida. A felicidade relativa deve ser para agora, não para outro mundo. Se todos exigirmos uma vida que vale a pena, o sistema cai. Eis a verdade oculta. A psicologia verdadeira é necessariamente anticapitalista.
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PARTE 1 ASPECTOS DE BASE
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NATUREZA HUMANA ―Aqui, a liberdade não pode ser mais do que o fato de que o homem socializado, os produtores associados, regulem racionalmente esse seu metabolismo com a natureza, submetendo-o a seu controle coletivo, em vez de serem dominados por ele como por um poder cego; que o façam com o mínimo emprego de forças possíveis e sob as condições mais dignas e em conformidade com sua natureza humana.‖ (Marx, O Capital III, 2016, p. 1071)
Em O Capital I, Marx toma nota:
Aplicado ao homem, isso significa que, se quiséssemos julgar segundo o princípio da utilidade todas as ações, movimentos, relações etc. do homem, teríamos de nos ocupar primeiramente da natureza humana em geral e, em seguida, da natureza humana historicamente modificada em cada época. Bentham não tem tempo para essas inutilidades. (Marx, O capital I, 2013, p. 685)
O mouro faz uma crítica e aponta o procedimento metodológico. No entanto, os marxistas
1)
Confundem natureza humana com personalidade;
2)
Confundem natureza humana com moral;
3)
Enfim, confundem ―natureza humana em geral‖ com ―natureza humana historicamente
modificada em cada época‖.
O primeiro passo para avançarmos dar-se por meio da teoria marxista da alienação. Em resumo, alienação é
1)
Fragmentação do homem, seu afastamento de relações plenas com a comunidade;
214
2)
Domínio do homem sobre o homem, a coisificação do semelhante (machismo, classes
sociais, homofobia, xenofobia etc.); 3)
Exclusão do homem de sua criatividade, capacidade singular da espécie, de imaginar e
colocar em prática de modo ativo.
Ou seja:
1)
Separação do homem da sociedade a qual integra;
2)
Separação do homem dos iguais, dos outros homens;
3)
Separação do homem de si próprio.83
Em duas sentenças de Marx: a valorização do mundo das coisas em proporção à desvalorização do mundo dos homens; humanização das coisas e coisificação dos homens. Dada a base, basta-nos rastrear a equação: se há alienação, há algo negado – algo alienado. Invertamos, deduzamos: seria qual a solução da alienação, o inverso?
1)
Integração dos homens;
2)
Relações mutualistas;
3)
Ser ativo.
Estamos diante da essência biossocial. E esta descoberta tem implicações sobre todas as ciências humanas, além da psicologia.
83
Este é um esforço de condensação e seleção da teoria, na relação homem-homem. A alienação em Marx se expressa em: “1) alienação dos seres humanos em relação à natureza; 2) à sua própria atividade produtiva; 3) à sua espécie, como espécie humana; e 4) de uns em relação aos outros.” (Mészáros, A teoria da alienação em Marx, 2006, p. 14)
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Qual, portanto, a origem da natureza humana? Dos primatas que desceram das árvores nas savanas84 até o homo sapiens sapiens ocorreu um longuíssimo período de formação da nossa espécie por meio da seleção dos mais aptos à sobrevivência. Aqueles cujo perfil facilitava a prática do que hoje é essência humana adquiriam probabilidade maior de sobrevivência, perpetuavamse85. Por isso, por história da humanidade devemos considerar, também, a história da formação da nossa própria espécie, isto é, a importância da biologia na formação do pensamento marxista. Resolvemos, então, a oposição sobre se a essência é histórica ou natural. Assim, superamos o falso ―historicismo‖ e a tese pós-moderna de que tudo é – limita-se à – construção social86. É a formação do homem como formação do próprio homem, do orgânico ao social87. Em elaboração geral, a alienação ocorre quando o mundo gerado pelo homem ganha autonomia frente a este e volta-se contra ele – a criatura passa a dominar o criador. É preciso, pois, ver a alienação como um fenômeno subjetivo, objetivo e intersubjetivo, assim como a natureza humana – interno e externo ao indivíduo. Tem sua existência na totalidade social e na psique. Destacamos aqui a psicologia por ser esta a questão que esta ciência faltou resolver, a natureza humana, seja por ideologia ou por pouco interesse pela filosofia marxista na ciência oficial. No entanto, curioso o espanto causado por esta exposição entre marxistas. Ficamos diante das observações: se a natureza é apenas histórica no sentido dos modos de produção, o homem é de fato adaptável – logo a alienação social não explicaria a onda de depressão e suicídio? Se explica, há algo de fato negado. Se o homem é, em essência, apenas o determinado pelo modo de 84 Nosso ancestral evolutivo já vivia abaixo das árvores, no solo, porque sua morfologia fazia-o habilidoso para andar e correr; por isso, adaptou-se ao ambiente de savana. 85 No mais, vale observar, o paleontólogo Nacho Martínez Mendizábal teorizou que o gênero homo, diferente de nossos primos primatas, perdeu o tamanho dos caninos, pois, ele diz, tais dentes elevados serviam para disputas internas, contra membros da própria espécie, e, entre nossos antepassados, a cooperação superou tal tipo de conflito, moldando a morfologia dentária. 86 A grande dádiva do marxismo não é apenas, nem no seu começo, afirmar que o homem é diferente e especial como dizem a religião e boa parte da filosofia. Ao contrário, descobre, pouco antes de Darwin dar a forma teórica ímpar, que o homem é um ser natural, biológico, antes de ser de fato social. Isso é parte do significado de que o homem precisa comer e de abrigo antes de poder fazer filosofia. Sobre isso trata Mészáros no capítulo sobre moral em seu “Teoria da alienação em Marx”. 87 Quem vem antes, a essência ou a existência? O processo de formação da existência é, também, o processo de formação da essência (Sartre pensa que a existência precede a essência porque ele vê o indivíduo, não a humanidade – por outro lado, na formação do indivíduo humano, sua maturação existencial avança para consolidação da essência humana em geral; uma criança têm uma fase egoística, pois ainda é um homem em formação). Além da formação de nossa espécie, o longuíssimo período de comunismo primitivo, igualdade e comunidade da escassez, operou uma seleção social com seleção natural, facilitando a reprodução e perfil daqueles que têm a essência humana em geral.
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produção, adaptar-se-ia às condições dadas sem maiores prejuízos, senão físicos, pelo menos psíquicos. Por isso, uma resposta própria do marxismo percebe contradição entre natureza humana historicamente modificada em cada época e natureza humana em geral. Entre as tarefas dos homens e mulheres no e rumo ao socialismo será resolver este problema objetivo.88 Mário Bunge, o menos limitado dos filósofos oficiais da atualidade, socialista utópico que nada compreendeu do método de Marx, assim expressa, de modo correto:
Estamos vivendo a década do cérebro. Avança-se bastante, mas também ignora-se bastante. Não sabemos exatamente quais são as partes do cérebro conscientes de si mesmas; mas acaba-se de descobrir que dar traz muito mais prazer que receber, e que é o mesmo tipo de prazer que sentimos ao comer algo saboroso. Descobriu-se também, que a desigualdade é muito mais nociva que a pobreza. A desigualdade causa stress e este, por sua vez, acarreta em uma superprodução de substâncias nocivas que destroem o cérebro. Nos países mais igualitários, as pessoas são mais longevas. Os costarriquenhos e os cubanos vivem muito mais que os norte-americanos. Ganham muitíssimo menos, são muito mais pobres, mas vivem mais porque são mais igualitários. (Bunge, 2014)
Complementamos que, socialmente, o altruísmo, não significando necessariamente desprazer, pode ter na outra ponta da relação um impulso egoísta de quem recebe a ação. Por isso mais correto é o estabelecimento do mutualismo, que supera os opostos, como expressão categorial da essência humana89. Vejamos o que diz Mèszáros:
Termos como malevolência, egoísmo, maldade etc. Não podem existir sozinhos, ou seja, sem a contrapartida positiva. Mas isso também se aplica aos termos positivos desses pares opostos. Desse modo, não importa qual o lado adotado por um determinado filósofo moral em sua definição de natureza humana como inerentemente egoísta ou maldosa, ou altruísta e bondosa: ele acabará necessariamente com um
88 O trabalho sobre a noção, até aqui mistificada, de essência humana pode receber a crítica de que usamos o método dedutivo para percebê-la. Marx também usa tal metodologia para expor um novo objeto, o valor, no Capítulo I d’O Capital. 89 Os psicólogos evolutivos (Robert Trivers) chamam altruísmo recíproco, reciprocidade. A expressão mutualismo, tomado emprestado da biologia, a associação de populações diferentes de modo vantajoso a ambos, é limitado, mas o mais próximo que consideramos para corresponder ao objeto.
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sistema totalmente dualista de filosofia. Não se pode evitar isso sem negar que ambos os lados desses opostos são inerentes à própria natureza humana. (Mészáros, A teoria da alienação em Marx, 2006, p. 151)
Ele Critica o kantismo, porém continua preso à dialética kantista. Deve-se ver a unidade superante dos opostos, além do desenvolver lógico e histórico das categorias. O nem positivo nem negativo passa para o positivo e negativo, que são superados em um novo nem negativo nem positivo. Assim, a negação prática da natureza humana levou a formar uma oposição entre egoísmo e altruísmo, superada – suprassumida – pelo mutualismo. Se o caráter comunitário, por exemplo, é natural entre nossos primos evolutivos, ele salta de natural para social na espécie humana. Tal mudança qualitativa de natureza é incompreendida. O aspecto natural da espécie não é destruída mas suprassumida numa nova natureza, a natureza humana90. É mais do que o comunitário natural, sendo elevado, mais dinâmico e complexo, ao social por meio do trabalho. Se abstraímos as origens físicas, parte significativa das doenças mentais possui origem na alienação, ou melhor, na não satisfação da natureza humana. A solidão excessiva, por exemplo, degenera e pode acarretar problemas como a paranoia, que expressa a necessidade de interação. Essa observação simples demonstra a inerência de certas características. Viver agrupado é mais do que uma vantagem evolutiva externa, pois está instalada no aparelho psíquico como necessidade, como exigência a ser satisfeita. O trabalho alienado, repetitivo e vazio de sentido, negação do caráter ativo do homem, é outro exemplo de insatisfação, que estressa o trabalhador. A teoria unificada da psicologia é uma tarefa por se fazer, no entanto muitos marxistas recuam. Não contradição na relação entre as naturezas humanas geral e histórica é o que se pode concluir de modo equivocado. É tarefa socialista desenvolver, na medida em que sua base
90
Vale a pena comentar em nota a questão, famosa hoje, do gene egoísta. O egoísmo do gene é base de nosso egoísmo natural, pois os genes focam em reproduzir a si mesmos? Ora, isso fica muito mais claro e correto se incluímos a categoria suprassumir; esta expressão, o suprassumir, é, ao mesmo tempo, concentrados dentro de si, misturados, os significados diferentes e opostos destruir, superar, guardar (conservar) e elevar. O lado egoísta do gene não é totalmente negado na realidade, nem totalmente afirmado nela, pois é suprassumido, como no fato de as espécies, como nível acima, que apareceu antes – do “ponto de vista do gene egoísta” – como mero nada ou instrumento, procurarem a perpetuação das próprias espécies; permanece, então, a possibilidade do altruísmo, da solidariedade, da comunidade, da comunhão, do mutualismo. No lado humano, acrescenta-se que o homem é a afirmação da natureza e, mas, ao mesmo tempo, sua transcendência.
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material amadurece, uma nova relação, ainda dinâmica, entre natureza humana e sociedade e entre natureza humana e a superestrutura subjetiva (moral, concepções, etc.) À concepção neoliberal de natureza humana – individualista, concorrencial e otimizador de bens – opomos outra, esta sim assentada na mais avançada apreensão científica de nossa época, corroborada pelas descobertas da ciência91. A concepção burguesa, sempre requentada, corresponde à imposição do mundo das coisas sobre a psique, tem caráter empírico mas naturalizado, não histórico, incorrespondente, também, com a história da formação de nossa espécie. Trata-se de diferenciar o conjuntural do estrutural e de expor a contradição que daí deriva. Por seu lado, o falso ―historicismo‖ foi uma forma incompleta mas muito eficiente ao afirmar o homem, o caráter social da espécie. O enfrentamento contra o darwinismo social puxou a balança para o lado oposto. Agora devemos limpar caminho contra o determinismo genético por outro meio: considerando o natural, o social e o ―um no outro‖ entre os humanos. As condições históricas, científicas e ideológicas permitem o avanço. Supera-se a unilateralidade da observação focada exclusivamente num ou noutro polo, sendo o polo determinante o social. Apoiados na categoria trabalho como categoria fundante do homem, podemos enfim superar a obra de Freud, que tem resistido bem até aqui às duras críticas e elaborações alternativas. A psicanálise, por não ter uma concepção própria de natureza humana, acaba cedendo à visão oficial, o homem enquanto lobo do homem. Todas as versões críticas anteriores sucumbiram e tomaram posição inferior no trato sobre a psique porque falharam onde também a concepção freudiana falhou. Não mais se trata de atualizar mas de ir além, suprassumir o legado psicanalista92.
91
A concepção aqui exposta pode dar base a outras observações e pesquisas. Exemplo: abstraindo o uso como ração, incomum hoje no ocidente; nós adestramos os lobos para que servissem de companhia (integração), fossem capazes de guarda (relações mutualistas) e auxiliares na caça (ser ativo). Desenvolvemos raças de cães para satisfazer diferentes necessidades. A demonstração dos tipos caninos é um tanto unilateral, pois os três elementos, abstraídos, estão como se misturados dentro da realidade; porém serve de primeira aproximação clara ao tema. 92 Freud está em relação a uma nova teoria da psique como Ricardo em relação a Marx. Considerar o aspecto natural do homem é uma das forças da psicanálise, embora seja uma ciência social, mesmo que seja negada esta localização pelo seu fundador, que a considerava parte dos estudos biológicos (possivelmente para dar ares mais científicos ao seu legado contra os ataques que sofria). Dito de outra forma, dar-se, com a psicanalística, primeira base materialista para a psicologia, embora deva ser superada. O Behaviorismo, por sua vez, também avança certos aspectos, mas de maneira unilateral. É tão ciência quanto o freudismo. Nega-se os avanços de Skinner porque se tem, entre os seus críticos,
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*** Na consideração das características essenciais da psique humana, devemos tomar uma exceção: o psicopata. Desprovido de estrutura cerebral e mental para a empatia e as emoções, a personalidade psicopática arranja-se fora da natureza humana. Seguindo o caminho frio do dinheiro e da luta de todos contra todos, os tipos psicopáticos tendem a estar em cargos de destaque: líderes religiosos, políticos, diretores de empresas. É o perfil que melhor acomoda-se às exigências subjetivas do capital. A luta de classes torna-se, em certa medida, contanto considerado sua natureza social, uma luta biológica. *** A consideração mais sábia sobre a felicidade humana afirma que ela é impossível, portanto devemos buscar, com todas as dificuldades inevitáveis, uma vida que valha a pena. Tentar ser feliz, portanto, aparece como mera ingenuidade. Neste nível do considerar, separemos alegria, um estado momentâneo de emoção, da felicidade, uma condição material. Este último é a palavra mais próxima antônima de alienação. Esta expressão, em oposição àquela, existe porque é necessário falar de um estado de coisas tão presente, enquanto falta nome melhor para o seu inverso, já que é escasso. Ter uma vida feliz é ser feliz em determinadas condições. O grande tema do marxismo é a felicidade e todos os meios são pensados, pelo ponto de vista revolucionário, para nos aproximarmos de tal fim. O mundo contemporâneo busca ser feliz por meio da teologia da prosperidade, da autoajuda, do esforço sobre-humano, etc. Vivemos uma época de coisas ricas e abundantes em si próprias, quase como se a felicidade pudesse ser e não ser tocada. A possibilidade latente de uma vida plena, ainda exigente de esforço e disciplina, sentida pela intuição geral, revela-se de fato como apenas em latência. Lembremos que a alienação, cujo oposto combina as palavras felicidade e liberdade, não é, em primeiro, um fenômeno psicológico. Um burguês é feliz com sua alienação, pois está no polo positivo, vencedor. Por outro lado, se sua condição de vida deixa de satisfazer a natureza humana, pode até mesmo viver em depressão e depender de remédios psiquiátricos. uma concepção burguesa de homem, como se livre e autônomo, longe de quase determinismos do ambiente, o que é falso. No mais, tal concepção percebeu que a repressão sobre os jovens não é um método válido como em animais, pois gera reações, manobras, problemas, etc. Mais um pouco e seria percebido que isso se deve a uma essência humana.
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Podemos determinar neste subcapítulo uma previsão e uma exigência: a plena integração das coisas ocorrerá a partir, somente se, da plena integração dos homens – entre eles e consigo próprios93. Dito de outro modo, a fusão futura da arte e da vida idealizada por Nietzsche encontra uma versão realista no socialismo. A humanização do homem, sua emancipação, sua saída da pré-história, se dá por um longo processo de desumanização, por meio da alienação, por meio do inverso. *** Pode-se argumentar que a natureza humana é dada pelas condições materiais existentes. Ora, o cérebro humano é uma ―condição material existente‖ e tem suas exigências de satisfação. Muitos marxistas, ao considerarem apenas a natureza conjuntural, tomam a essência do homem em uma sociedade como sua própria visão ideológica – no bom e no mau sentido – que a mesma sociedade tem de si. Assim, a essência humana seria de homem senhor de escravo no escravismo segundo a posição de seus filósofos, de um pecador no feudalismo de acordo com os pensadores teólogos e de egoísta no capitalismo como afirmam seus sérios ideólogos. A essência humana conjuntural confunde-se com o julgamento que os homens fazem de si. Para alcançar uma posição superior, uma pequena dose de biologia na produção teórica é necessária e pode manterse, como vemos, dentro dos limites do ortodoxismo. O homem é um ser social, mas ainda um animal; tem em si aspectos sociais, naturais, sócionaturais e naturais socialmente modificadas 94. *** A revolução socialista seria a realização e uma imposição da essência humana? Uma situação revolucionária surge quando as condições sociais de existência faltam ser atendidas e quando as 93
As coisas tendem à integração: aglutinação de valores de uso, internet das coisas, aproximação entre produção de bens de consumo e produção de matéria-prima, fusão entre capital financeiro e capital produtivo, etc. A tendência à integração coisal, falsa modalidade do Ser, é expressão alienada – por alienação – da tendência de integração do ser social, como a formação de uma única comunidade global no socialismo, respeitando as particularidades locais, a atração dialética após a repulsão, como demonstrou Lukács esta última humana tendência (até onde vai meu conhecimento sobre o húngaro, nunca tendo chegado a formular sobre a primeira e, logo, nem também a ligação ontológica de ambas, algo próprio como contribuição desta obra). Apesar de mais implícito que explícito, o movimento “das coisas” está entre as bases deste livro; como vemos, uma nota de rodapé é suficiente, embora o tema seja em si profundo e inédito científica e filosoficamente. Certo nível de integração das coisas, mesmo fragmentando os homens, é uma das condições para haver socialismo. 94 Exemplo deste último, natural socialmente modificado, podemos observar na atração pelo corpo feminino. Na idade média, a escassez levou a ver como sinal de saúde mulheres acima do peso; na China, os homens atraiam-se por pés femininos pequenos porque os pés das camponesas eram mais rudes, diferente dos das mulheres da aristocracia. Nestes casos, a busca por fêmeas melhor aptas para a reprodução teve mediação social em tipos específicos.
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necessidades humanas (também socialmente criadas e desenvolvidas) precisam e carecem de ser satisfeitas. É claro que a contradição entre natureza humana e os sistemas de dominação classista tem sua importância e são resolvidas pelo socialismo, mas a realidade material pesa mais e é mais ampla. *** Para esgotar os argumentos contra a descoberta de uma essência ou natureza humana em geral, dedicamo-nos a mais um aspecto. Alguns camaradas tratam o tema defendendo que Marx parte da concepção de que não há natureza humana natural, e haveria apenas essência histórica como ponto de partida de seus estudos. Isso é um erro, pois partir de um postulado qualquer, como afirmar que a essência humana responde apenas aos modos de produção, trata-se do método de investigação dedutivo, não do método dialético, que é o de Marx. Uma concepção deve ser um resultado da investigação científica, não seu ponto de partida. No mais, abrimos este capítulo com duas citações de Marx que sugerem claramente uma concepção diferente de natureza humana. Dito de outro modo: uma ―premissa‖, se escolhêssemos este caminho metodológico, deve ser abandonada sem rodeios assim que a pesquisa exigir outro resultado, outra conclusão. Do contrário, tratar-se-ia de um dogmatismo quase religioso, que despreza o real (assim como os avanços da ciência). O marxismo nunca parte de concepções arbitrárias para entender o mundo; seu ponto de partida é a empiria, o factual. Se há ou não uma essência humana ―natural‖, sendo também histórica ao seu modo como demonstramos, deve ser um resultado, não um começo. ***
Esta nova concepção marxista de essência ou natureza humana explica, supera e suprassume as concepções anteriores. Vejamos dois casos destacados na história da filosofia. Aristóteles afirmou que o homem é um animal político, da pólis, da comunidade – expressando o ser integrado, indiretamente o ser mutualista; afirmou ainda que o homem é um animal racional – expressando o ser ativo, embora do ponto de vista escravocrata, do trabalho intelectual. Hobbes afirmou do homem a competição, a desconfiança e a glória – exatamente ligados, embora por negação, com a integração, o mutualismo e o ativismo. Marx e Engels demonstraram que o homem só pode ser individualista e egoísta em sociedade, ou seja, de algum modo integrado. Todas as concepções rementem, mesmo que de modo negativo, incluso a concepção neoliberal antes citada, à essência humana em geral, ainda que exija trabalho filosófico-científico para perceber o lastro. Na revolução francesa, tivemos a bandeira da liberdade (ser ativo), igualdade (ser integrado, ser mutualista) e fraternidade (ser integrado, ser mutualista) como instinto
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revolucionário daquilo que é essencial em nossa natureza. Feuerbach filosofou que Deus é expressão da essência humana alienada; se tomamos a filosofia cristã, o Deus-pai criador é alienação o ser ativo, o filho expressa o ser mutualista e o espírito santo expressa o ser integrado. Hegel demonstrou que no começo da história, no primitivismo e no mundo antigo, a sociedade (ser integrado) é tudo e o indivíduo (ser ativo) é nada; por transição na Idade Média, o mundo moderno fundou a concepção de que o indivíduo (ser ativo) é tudo e a sociedade (ser integrado) é nada; segundo ele, chegaríamos, ainda sob o capitalismo, à concepção de que a afirmação e o desenvolvimento do indivíduo são, também, a afirmação e desenvolvimento da sociedade, e viceversa, sem mais tal oposição, em progressão mútua – seu projeto teve de ser adiado para realização socialista, onde a afirmação e desenvolvimento de ambos realizará a natureza de nossa espécie (com o mutualismo enquanto unidade de ser integrado e ser ativo, etc.). O comunismo é a afirmação completa do indivíduo, não sua negação, como indivíduo que só é todo seu potencial em plena comunidade plena. Em Hegel, no campo da Lógica, vemos que o individualismo é a negação do indivíduo:
A autossubsistência, levada ao extremo do uno que é para si, é a autossubsistência abstrata e formal que destrói a si mesma, o erro supremo e mais obstinado que se toma pela verdade suprema, - que aparece em formas mais concretas como liberdade abstrata, como Eu puro e, então, ulteriormente, como o mal. É a liberdade que assim se equivoca ao pôr sua essência nessa abstração e, neste ser junto de si, gaba-se de alcançar-se em sua pureza. Esta autossubsistência é, de maneira mais determinada, o erro de considerar o que é sua própria essência como negativo e de comportar-se frente a isso de modo negativo. Ela é, assim, o comportamento negativo frente a si mesmo que, na medida em que ele quer alcançar o seu próprio ser, destrói o mesmo, e esse atuar é apenas a manifestação da nulidade desse atuar. A reconciliação é o reconhecimento daquilo, contra o que o comportamento negativo se dirige, antes, como sua essência e [a reconciliação] é apenas como desistir da negatividade do seu ser para si, ao invés de manter-se firme nele. (Hegel G. W., 2016, p. 179)
O ser mutualista e o ser ativo preservam o para si, suprassumindo-o. O individualismo exacerbado neoliberal é, assim, de certa forma, um ato de transformar, apenas idealmente, necessidade ou condição em virtude. Em Heiddegger, o ser-para-mundo, o impulso para além de si do homem (o ser aí), com o cuidado dos utensílios, com os quais interage, influenciando-se mutuamente, é uma versão
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inferior e parcial do ser ativo. O ser-para-outro corresponde, embora de modo deficitário, quase unilateral, ao ser mutualista e, indiretamente, ao ser integrado. O ser-para-a-morte, reconhecer a própria finitude, então fazendo a vida valer a pena, leva ao correspondente ao ser ativo. Sartre, com seu existencialismo, expressando a classe média no auge do capitalismo europeu, defendeu que o inferno são os outros. Isso apenas se sustenta na escassez, na luta de todos contra todos – mas nada somos sem outro humano. Ele afirma o ser ativo, negando o ser integrado e o ser mutualista. É unilateral, portanto. O ser integrado expressa a essência humana no geral, no universal; o ser mutualista expressa a essência humana no particular; o ser ativo expressa a essência humana no individual, no singular. Também: o ser integrado liga-se ao objetivo; o ser mutualista liga-se ao intersubjetivo; o ser ativo liga-se ao subjetivo. Se o capital é, como dizem os marxistas modernos, antissocial intrinsecamente; cumpre notar que ele produz uma essência humana histórica também antissocial ou destrutiva, contra a essência humana em geral.
MATERIALISMO OU IDEALISMO? Grosso modo, o idealismo é afirmar que a ideia e seu desenvolvimento faz a realidade enquanto o materialismo, oposto, afirma que a realidade, a matéria, faz o pensamento. Marx adota a segunda posição, às vezes de modo muito intenso. Mas o mais correto é dizer: o marxismo é a fusão de idealismo e de materialismo num terceiro, o terceiro excluído incluído. É verdade que a matéria faz, primeiro, a ideia, mas, sendo a ideia uma forma toda especial e mui complexa de matéria, ela tem uma autonomia parcial, relativa, além de ser trabalho, de ser produtiva (cérebro) – a ideia, a idealidade, também afeta o mundo, em principal o social. O polo determinante dessa unidade é o materialismo, mas não de modo mecânico, unicausal, sem mediações (ele se medeia, no externo, consigo mesmo como se com outro, outro de si). Por isso fazemos de fato nossa história, pessoal e social, mas sob dadas condições materiais. O marxismo supera a oposição unilateral entre materialismo e idealismo, conclui a história da filosofia. Vale uma construção lógica. Na lógica aristotélica, A = x ou não-x, sem terceira resposta, sem um terceiro, que é excluído – ou materialismo ou idealismo. Na velha dialética, existe a verdade exato nesse terceiro, que passa a ser incluído. Mas o terceiro costuma não ser nomeado, ―entre‖ o
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relativo e o absoluto, podemos apenas aproximar com o relativamente relativo; ―entre‖ o materialismo e o idealismo não há, também, nomeação. Na nova dialética, mantendo em pé a velha, x vai até não-x em ―A‖. Assim, o materialismo em autodesenvolvimento constrói o ideal, o idealismo, sem deixar de ser o ―material‖ o verdadeiro motor primeiro e o centro, a verdade. Esse caminho do materialismo para o idealismo relativo é o caminho da sociabilidade cega existente até a sociabilidade organizada e planejada, central e democraticamente, no socialismo, quando a ideia fazer a matéria ganhará mais peso, ainda subordinado ao polo oposto unilateral, o materialismo. O terceiro, que supera o materialismo e o idealismo, desenvolve-se, dinamiza-se. O idealismo (abstrato) é o materialismo (concreto) em autodesenvolvimento (processo). Eis nossas conclusões, um novo marxismo. Mas precisamos limpar o terreno para ganhar outros marxistas para nossa concepção. O velho Marx, d‘O Capital, adotou o materialismo ―duro e rígido‖. Após elogiar muito um dos seus críticos, ele cita um comentário à sua obra, que diz:
Para tanto, é plenamente suficiente que ele demonstre, juntamente com a necessidade da ordem atual, a necessidade de outra ordem, para a qual a primeira tem INEVITALVELMENTE de transitar, sendo ABSOLUTAMENTE INDIFERENTE se os homens acreditam nisso ou não, se têm consciência disso ou não. (…) Se o elemento CONSCIENTE desempenha um papel tão subalterno na história da civilização, é evidente que a crítica que tem por objeto a própria civilização está impossibilitada, mais do que qualquer outra, de ter como fundamento uma forma ou resultado qualquer da consciência. (Marx, O capital I, 2013, p. 89)
Segundo o próprio Marx, o comentador foi preciso, exato:
Ao descrever de modo tão acertado meu verdadeiro método, bem como a aplicação pessoal que faço deste último, que outra coisa fez o autor senão descrever o método dialético? (Idem, p. 90)
O trecho tem outros pontos semelhantes ao exposto. Ademais, para Marx, a vontade do capitalista não é a vontade dele próprio, mas do capital impessoal, que se expressa no indivíduo.
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O jovem Marx, em textos não publicados em especial, ao menos esboçou nossa concepção. A posição materialista unilateral é substancialista; a idealista, relacionalista. Em outro capítulo, demonstraremos que Marx pendula entre a concepção de substância e de relação, apesar de sua revolução teórica-metodológica e resolver várias oposições entre esses dois pontos de partida. A velha geração marxista afirma que tentar antecipar aspectos gerais do socialismo, mesmo durante o ocaso maduro do atual sistema, trata-se de idealismo… Mas o ideal importa, a arte marxista é, também, prever, uma historiografia do futuro possível a partir das bases materiais presentes. O materialismo focou no aspecto animal do homem; o idealismo, na sua diferença para com os demais seres (Levins & Lewontin, 2015). A verdade supera os opostos. A própria realidade quebra-se em materialismo e idealismo. Materialismo – trabalho manual; idealismo – trabalho espiritual, intelectual. Como a verdade é o todo, a realidade supera e abarca ambos. A verdade supera e funde o materialismo subjetivo e o idealismo objetivo.
SUBJETIVAÇÃO DA OBJETIVIDADE No idealismo objetivo de Hegel, enquanto materialismo de cabeça para baixo, já fica claro, ao marxismo, a objetivação da subjetividade (pensa-se o projeto de fundar um sindicato, e funda-o). A relação é, ademais, retroativa: há, também, a subjetivação da objetividade. É famosa na internet uma lição de moral: os mais velhos têm um casamento longo, duradouro – mas por quê? Porque, dizem, na época deles, se algo quebrava, eles não jogavam este ao lixo, mas o consertavam, o reconstruíam. Isso transborda inocência e romantismo, porém há uma verdade importante aí: nós nos relacionamos pessoalmente com as coisas. Nossa psique nunca separa por uma parede fixa nossa relação com pessoas, animais e coisas. Marx diz que o homem tem a coisa, no entanto, por outro lado, a coisa passa a ter o homem. É como se os objetos tivessem, embora não o tenham, uma ―personalidade objetiva‖. Heiddegger trata, na relação recíproca, os objetos como utensílios, que têm utilidade para nós enquanto, por outro lado, nós os preservamos. Logo nossa relação atual com as coisas, com os objetos, afeta nossa subjetividade de fato, como intui o senso comum, embora sem conseguir reconhecer sua formulação (apenas na área da psicologia cabe o platonismo ―saber, mas sem saber que o sabe‖). Faz parte do declínio geral da psique, por
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exemplo, a descartabilidade e a alta perecibilidade das coisas enquanto mercadorias – afeta-nos. A forma como leio um livro, como me relaciono para com ele na dedicação de lê-lo, é semelhante ao meu comportamento com as demais pessoas. Um apartamento pequeno e sem varanda constrange a mente humana. Quando Bauman diz do mundo líquido, na verdade plasmático, diz, no fundo, isso. Tudo que era sólido desmanchou-se no ar – mesmo. Vale um destaque. O objeto central deste modo de vida, o dinheiro, passa pela alta desmaterialização, é virtual, o que reduz a capacidade de medida concreta pela razão humana, um desmedido, embora esta não seja a causa central do alto endividamento. Embora erre muito, Marcel Mauss acerta, em sua crítica a Marx, quando afirma o papel das coisas na vida humana. As coisas são o meio necessário da relação do homem com o homem, não apenas na forma de alienação, mesmo se coisas ideais como projetos comuns. A cerveja, por exemplo, é um lubrificante social que unifica os indivíduos (que o meio se torne fim é uma degeneração da relação). O desenvolvimento da criança deriva da interação com o meio coisal, com o meio social e por avanços físicos e biológicos – os psicólogos erram quando focam em apenas um desses aspectos. Vários pensadores idealistas, muito antes da ideia de virtual ou de matrix, duvidaram se a realidade é, de fato, real ou uma ilusão. O que levou, no fundo, a tal pensamento? Bem; pessoas que têm baixíssima relação prática com o mundo, como em casos de severa depressão imobilizadora, tendem a duvidar da existência como algo existente de fato. Um estilo de vida pouco ―fazedor‖ ou com pouco movimento, com pouca ação, produz na mente uma, por assim dizer, distância, que faz duvidar do estatuto da realidade. Por isso Platão, um escravocrata longe do trabalho manual, pensou o mundo das ideias e alegoria da caverna. Por isso Descartes pensou que o mundo poderia ser a criação ilusória de um demônio. A divisão de classes, em que um setor é pouco prático, é a base do idealismo, como o marxismo sabe. Vale relatos comuns. Cientistas programadores pararam de programar, nos casos que conheci, porque perceberam que estavam pensando segundo a maneira da programação. Tive muitas das conclusões deste livro ao lavar louças, pois limpar o material com as mãos ajuda a limpar os pensamentos. O modo como interagimos e trabalhamos afeta decididamente nosso modo de pensar. Em Lúkács, cm semi-idealismo, há apenas dois movimento diferentes, mas unidos:
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1) Objetivação (de ideia, teleologia subjetiva), 2) E sua exteriorização. Mantendo ambos, complementamos, sentido inverso: 1) Subjetivação da objetividade, 2) E sua interiorização, 3) Essencialização subjetiva da aprência ou forma objetiva externa, 4) Autônoma consciência do inconsciente social. O útimo exige explicação. Posso saber, de maneira imediata, que um tanto de sofás são trocáveis por uma casa – mas não sabemos o motivo e não sabemos o motivo de sabermos isso, nem porque somos ignorantes em relação ao lastro oculto. Eis o inconceitne social e pessoal.
O EU PRIMÁRIO Tratarei deste tema mais uma vez em outro capítulo. Adianto porque é difícil, essencial; além de soar como engodo, exagero, pseudocientífico por seu lado bizarro e sua difícil demonstração empírica direta. Freud tomou o inconsciente como um não-eu no sentido de ser sem tempo, desorganizado, armazenador de memórias inaceitáveis ao ego etc. Erram os marxistas que negam tal teoria correta – por isso deixam de ir além, de oferecer algo novo quantitativo e qualitativo, desde o freudismo. Como ir além, como superar tal concepção de inconsciente? Nós temos um Eu autoconsciente, vivo e organizado, mas oculto para nós e para os outros. Usamos máscaras, mas elas não são falsas, enganos ou teatralidade. Temos dois eus verdadeiros, um sujeito oculto determinado – como se fosse duas personalidades com a mesma personalidade. Quando olho, em análise, alguém por dentro, o seu eu interno; tal eu percebe, defende-se, sente-se ameaçado sem que o eu externo dele próprio perceba (então, passa a me odiar por um motivo qualquer, como autodefesa, gerando contra mim, o analizador, um inimigo para toda a vida…). Freud não percebeu que o chiste, que não é piada ou ironia, quando por meio da linguagem eu e outro falamos de nosso lado inconsciente, mas como brincadeira – é na verdade os eus internos comunicando-se diretamente, usando de modo mais direto o eu consciente. A consciência e o eu consciente são frutos do trabalho e da necessidade de lidar de modo prático com o mundo prático, externo. Já o eu inconsciente apenas foi desconfiado por poetas e filósofos em todos os
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tempos. Vale uma anedota: ao fumar maconha, os praticantes de tal arte têm certa moral informal de não falar sobre esse outro lado, mais essencial, percebido por meio da erva, para ninguém se perder no caminho… Como dissemos, trata-se de uma conclusão bizarra semelhante às descrições da física quântica. O nome pode ser Eu interno, infraEu (destacando-se do Eu-Ego e Supereu-Supego – também difere-se do eu verdadeiro e do eu falso, chamado falso self). Se a concepção de inconsciente de Freud causou tanta resistência, tanto mais causará esta concepção que supera qualitativamente a dele. Na clínica, o eu inconsciente é quem faz a barreira, resiste, manobra e, às vezes, foge da terapia porque tem em si consciência daquilo que não quer ter consciência. Qual, então, a relação disso com o marxismo? Toda relação. Mas agrademos os paladares conservadores ao iniciar o material com o eixo da economia.
O DESEJO Na parte sobre crítica da psicanálise, veremos que Freud errou sobre como avaliar um sonho, seu conteúdo. Mas o que mais importa é saber, antes, a natureza do desejo, não só descobrir quais. Além de desejos opostos, que costumam conviver no mesmo individuo (engravidar e não engravidar etc.), temos os desejos puramente biológicos, sem mediações. O mais importante, porém, está no fato de que nossos desejos costumam estar lastrados, com mediações, na natureza humana: queremos integração, mutualismo e sermos ativos. Eis o conteúdo do sonho em repouso ou lúcido. Lacan fala em desejo e demanda; este último é o desejo do desejo. Quero brigar com o vizinho por causa da calçada ou do seu cachorro, mas, no fundo, quero me relacionar com outro ser humano contra a solidão, mesmo que no modo de conflito. Mais um limite psicanalítico: desconhecer o desejo.
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PARTE 2 Psicologia e economia
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FIXAÇÕES HISTÓRICAS Podemos inferir a cada época da humanidade sob regime de classes pelo menos uma grande fixação coletiva. A grande tara social na época escravista parece ter sido a guerra, o tema dos poetas. O escravismo necessitava do conflito militar constante para conseguir escravos, terras e domínio sobre outras civilizações. Observou Maquiavel:
E embora depois esse império [Roma], por causa da invasão dos bárbaros, se dividissem em várias partes, essa virtú não renasceu; uma, porque se pena um bocado para recuperar as ordenações quando estão corrompidas; outra, porque o modo de viver de hoje, no tocante à religião cristã, não impõe a necessidade de defender-se que havia antigamente; então, os homens vencidos na guerra ou eram assassinados ou permaneciam em perpétua escravidão, em que se levava uma vida miserável; as terras vencidas ou eram devastadas ou despovoadas; seus habitantes eram destituídos de seus bens, dispersavam-se pelo mundo afora, de modo que os sobreviventes de guerra padeciam todo tipo de miséria. Apavorados por isso, os homens tinham em alto grau os exercícios militares e celebrava-se quem era excelente neles. Mas hoje esse temor em grande parte se perdeu; dos vencidos, poucos são mortos; ninguém fica muito tempo preso, porque com facilidade são libertados. As cidades, ainda que se rebelem mil vezes, não são arrasadas; os homens são deixados com seus bens, de forma que o maior mal que se pode temer são as taxas; de tal sorte que ninguém quer submeter-se às ordenações militares e esforçar-se nisso para escapar dos perigos os quais temem pouco. (Maquiavel, 2013, pp. 90, 91)
Daí que Heráclito diga, fundando a dialética instintiva: "o conflito é o pai de todas as coisas: de alguns faz homens; de alguns, escravos; de alguns, homens livres." (Pré-socráticos, 1996). Os jogos olímpicos gregos e as arenas romanas também expressavam tal fator cultural de origem na objetividade do modo de vida daquela época. A grande fixação feudal foi para com a questão religiosa e a negação do corpo. Era necessário justificar o subconsumo dos servos na subprodução daquele modo de produzir e as hierarquias classistas por meio da religião e seus pecados – gula, luxúria, preguiça, etc. Era uma ideologia útil ao feudalismo, à manutenção do sistema feudal.
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O dinheiro é tema, guia de ação e pensamento quase constantes no cotidiano sob o capital. Parecerá doença de fixação monotemática visto por um povo não mercantil futuro. A loucura de sua lógica, que toma a forma de um vício, pode ser bem visualizada quando vista de fora, quando o mundo do mercado era minoritário e paralelo nas sociedades:
―Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.‖ (1 Timóteo 6:9-11.)
E:
―Nunca entre os homens floresceu uma invenção/ pior que o ouro; até cidades ele arrasa,/ afasta os homens de seus lares, arrebata/ e impele almas honestas ao aviltamento, à impiedade em tudo‖, Sófocles, Antigone [ed. bras.: ―Antígona‖, em A trilogia tebana, trad. Mario da Gama Kury, 9. ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, versos 344-50] (Marx, O capital I, 2013, p. 206, nota 92)
Como reagirá as atuais gerações quando seus padrões de pensamento obsessivo deixarem de encontrar a base de origem? Soa inimaginável ao cidadão comum afirmar que o dinheiro será extinto ou, ao menos, marginal na economia do futuro possível. Ter é condição necessária de ser, de desenvolver as possibilidades deste. Há, nos sistemas classistas, uma contradição ao o ter ser negação do pleno e saudável desenvolvimento do ser. Sob o capital, ter é ter o dinheiro – mas é o dinheiro, o próprio capital, o valor como regulador social, que tem seu portador, mera encarnação de um almático poder estranho, inumano. Ter ou não ter – eis a questão! Por isso, sentimo-nos ―naturalmente‖ mal, desconfortáveis, quando temos de entregar nosso dinheiro, mesmo se em troca de algo de nosso desejo ou necessidade. De repente, ao vermos uma quantidade enorme e concentrada de dinheiro, imediatamente arregalamos os olhos impressionados como os insetos amam a luz artificial noturna.
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OS MOVIMENTOS DA SUBJETIVIDADE NA OBJETIVIDADE EM CRISE Quando todas as condições objetivas de uma situação revolucionária estão maduras – crise econômica, classe trabalhadora radicalizada, classe média à esquerda, burguesia dividida, Estado paralisado, forte partido revolucionário – ocorre que a subjetividade ganha máxima importância histórica. Até mesmo a subjetividade do indivíduo, como a do líder, adquire peso central no destino da sociedade. Quando da crise sistêmica do escravismo romano, as pequenas e individuais manipulações políticas, manobras, jogos pessoais, etc. tomaram alto relevo naquela vida social decadente (parte da crise do Estado burguês, isso se repete hoje). Em partidos políticos em dura crise interna, a psicologia individual ganha máxima importância, multiplicandose a questão da subjetividade por causa da paralisia estrutural da objetividade partidária. Tais exemplos visam deixar claro um fenômeno da crise sistêmica do capitalismo, a subjetividade na economia. Os jornais destacam que ―os mercados ficaram nervosos‖, o ―humor dos mercados‖, como se alguma entidade inumana e emocional. O peso da subjetividade no fluxo dos capitais, a reação aos fatos, e seus efeitos práticos, após a liberalização financeira como reação contra a decadência econômica, torna-se típico de nossa época porque a base sócio-econômica amadureceu para sua crise, seu ocaso.
CURVAS DE DESENVOLVIMENTO E SUPERESTRUTURA SUBJETIVA Na fase de alto crescimento do capital, de 1945 à década de 1970, o otimismo imperou com seu existencialismo, com seu ―marxismo‖ reformista, com suas revoluções parciais vitoriosas, com a bossa-nova (feita para a ascensão da classe média), com vanguardas artísticas longe malestar e da depressão. Mas tudo é transitório. A partir da década de 1970, vem a crise – vêm as crises – e, com ela, o pessimismo, o marasmo, a falência das antigas vanguardas, a literatura e o cinema distópicos, a crise do socialismo real, a crise moral, a crise dos partidos de esquerda, enfim, a filosofia e a realidade pós-modernas. O sentimento é o marasmo, o tédio como angústia – ainda não há saída. Veja-se que a base econômica, e social, mudando, mudam-se as filosofias e os humores, até as superestruturas objetivas. Com a crise aprofundada desde 2008, a depressão aprofundar-se-á, novas artes e filosofias pessimistas surgirão; porém uma revolução socialista, que é típico desta época, do declínio da curva de desenvolvimento do capitalismo, pode encher de otimismo – mesmo que momentaneamente, e com resultados duradouros – a classe trabalhadora, os artistas, parte dos filósofos, as organizações subversivas, etc.
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DIALÉTICA DO INCONSCIENTE AO CONSCIENTE Em outro capítulo e ensaio, debateremos nossa nova dialética; por enquanto, por aqui, desenvolvemos apenas os opostos inconsciente e consciente. Vejamos:
1. A ciência focou, de início, no ―como‖, não no ―o porquê‖ durante o capitalismo – a cientificidade socialista mudará isso. 2. Uma das condições para o socialismo é termos consciência de algo ainda inconsciente, de que somos ―uma forma de o cosmos conhecer a si mesmo‖. Algo feito após a revolução, mas cujas condições se dão no capitalismo – hoje, sabemos muito da história e natureza do mundo, uma das ―regras‖ para sermos capazes de revolucionar a sociedade. 3. A psique vai do inconsciente ao desenvolvimento da consciência, sua inflação. 4. A biologia produz, por tentativa e erro, seres cada vez mais conscientes. 5. A revolução socialista é os trabalhadores tomando consciência, elevando-a, tomando a história, que antes acontecia como se pelas suas costas, em suas mãos, com planejamento. 6. O inorgânico inconsciente vai-se para a biologia com consciência. 7. As regras da língua avançam do inconsciente para o consciente formal. 8. Marx afirma que, porque surgiu a troca com suas regras inerentes, depois veio a sua parte jurídica, a lei. Hegel diz que uma lei, como condenar assassinato, surge porque os cidadãos já condenam, antes, o crime. A lei inconsciente torna-se consciente. 9. Taxa de juros e dinheiro, que tinham origem inconsciente, tornam-se um tanto mais, de modo relativo, ação consciente, decidida, embora a objetividade inconsciente permaneça. 10. A macrotendência da macro-história é o aumento da cognição humana. 11. De modo relativo, em certa medida, as coisas que são frutos do homem desenvolvem-se do inconsciente para algum nível de consciência ou proto-consciência parcial dos robôs e da inteligência artificial.
O inconsciente permanece com e no consciente. Marx deu a base para percebermos o ―inconsciente social‖, incluso como resultado de contradições. Vemos isso na famosa expressão ―fazem, mas não sabem‖. Marx afirma:
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Na aplicação da maquinaria à produção de mais-valor reside, portanto, uma contradição imanente, já que dos dois fatores que compõe o mais-valor fornecido por um capital de dada grandeza, um deles, a taxa de mais-valor, aumenta somente na medida em que reduz o outro fator, o número de trabalhadores. Essa contradição imanente se manifesta assim que, com a generalização da maquinaria num ramo industrial, o valor da mercadoria produzida mecanicamente se converte no valor social que regula todas as mercadorias do mesmo tipo, e é essa contradição que, por sua vez, impele o capital, sem que tenha consciência disso, a prolongar mais intensamente a jornada de trabalho, a fim de compensar a diminuição do número proporcional dos trabalhadores explorados por meio do aumento não só do mais-valor relativo, mas também do absoluto.
(Marx, O capital I, 2013, p. 589, destaques meus)
Marx completa citação com nota de rodapé 153:
A razão pela qual essa contradição imanente não se torna consciente para o capitalista individual – e, assim, tampouco para a economia política que se move no interior de sua concepções – será exposta nas primeiras seções do livro III.
Para o capitalista, ele aumenta o lucro simplesmente reduzindo o custa com o salário, diminuindo este. Mas, na verdade, está aumentando o mais-trabalho e o mais-valor, aumentando o trabalho gratuito, reduzindo o valor na formado e salário e o trabalho necessário. Do mesmo modo, ao promover a automação, o capitalista prepara o terreno para o socialismo, embora queira o oposto, o aumento do seu lucro. O terceiro aspecto do inconsciente social já foi anunciado pelo marxismo, sem nomeá-lo. O filósofo, ou o artista, ou o cientista pode ser de fato original, genial, hipercriativo, autônomo e autêntico – mas ele será sempre fruto de sua época, de seu tempo, de sua realidade. Não existe ideia isolada e suspensa no ar. A realidade de uma época faz e permite as ideias, os sentimentos, o modo de sentir, a moral, as ideologias, as ciências de sua era. O modo como vivemos (a classe etc.) determina o modo como pensamos e sentimos – uma determinação não determinista, mas determinação que determina ainda assim. O hábito faz a maneira de pensar, por exemplo. O que passa na cabeça responde e corresponde ao que se passa no seu mundo, no seu contexto. Tal verdade apenas tornou-se consciente a partir de Marx. A materialidade determina a idealidade.
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DECLÍNIO GERAL DA PSIQUE É do conhecimento geral que a depressão – com comorbidades como a Síndrome de Burnout – tende a ser a principal causa de afastamento do trabalho no mundo. Tal processo está lastreado nas mudanças materiais da sociedade capitalista na história recente. Já que a cabeça segue o chão que os pés pisam, mesmo que em atraso, exige-se partir da realidade, do objetivo, como nos capítulos anteriores, ao subjetivo. Com o capitalismo recente, encerrou-se a possibilidade de um destino mais ou menos seguro, estável para a maioria, como os anos dourados do pós-II Guerra. A desconfiança quanto ao futuro tem levado a inúmeras angústias, uma incisiva incerteza. A realidade parece que será pior amanhã do que é hoje, embora a força individual de otimismo.
GRÁFICO 23
Fonte: (Roberts M. , Policrise e depressão no século XXI, 2023)
Veja-se que o recorde, o salto do gráfico, combina com o salto da queda da taxa de lucro, do aumento constante da inflação, do peso das crises cada vez maior etc. O PIB, por exemplo, afeta
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a mentalidade. Não é sem propósito considerar que eventos como separações de casais (ao menos na classe média) tendem a aumentar após início de uma crise cíclica. As fontes de frustração aumentam e veem por diferentes vias. Nas empresas, a produtividade é a grande religião; o esforço repetitivo por horas, quase todos os dias, e a busca de atender pesadas metas levam ao esgotamento psíquico. Vejamos um famoso caso:
Um trabalhador da Foxconn Technology tentou se matar ontem, tornando-se a 13.ª pessoa neste ano a cometer suicídio ou a tentá-lo na companhia, que fabrica produtos de alta tecnologia para gigantes do setor como Apple, Dell e Hewlett-Packard, segundo a mídia estatal chinesa. Desse total, foram 10 mortes. (…) Os suicídios e tentativas anteriores nas operações da Foxconn Technology Group no sul da China envolveram trabalhadores que saltaram de edifícios. Dois sobreviveram. Outro trabalhador se matou em janeiro em uma fábrica no norte da China. (Foreman, 2010)
Para resolver este problema a empresa teve uma ideia genial:
Gou disse aos jornalistas que estavam sendo instaladas redes para evitar que mais pessoas pulem para a morte. As redes estão sendo colocadas ao redor de praticamente todos os dormitórios e prédios do imenso complexo, que, de acordo com o correspondente da BBC em Xangai, Chris Hogg, "é uma verdadeira cidade, com lojas, postos de correio, bancos e piscinas de tamanho olímpico". "Apesar de parecer uma medida estúpida, pelo menos pode salvar uma vida se mais alguém cair", afirmou o presidente da Foxconn. (Idem)
Para garantir a ―imagem‖ da empresa:
Eles [ativistas que prepõe boicotes] afirmam que as jornadas de trabalho são longas, as linhas de montagem têm uma velocidade muito alta e os chefes aplicam uma disciplina militar para lidar com os trabalhadores.De acordo com jornais chineses, a companhia agora obrigou os funcionários a assinar acordos declarando que não vão se suicidar [um acordo, veja só! – comentário nosso]. A companhia ressalta que apesar da publicidade negativa, todos os dias cerca de 8 mil pessoas se candidatam para trabalhar na empresa. (Idem)
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Faltou observar que ou procuram um emprego, com risco laboral de depressão psíquica, ou sofrerão de um tipo muito específico de depressão estomacal. Como expressão da crise do valor, na medida em que cai a taxa de lucro aos baixíssimos patamares atuais, mais a patronal pressiona pela retirada de direitos, por uma maior submissão do trabalhador, por uma taxa de desemprego ―natural‖ maior. A moral também deve se adaptar, pois, para correr em busca dos difíceis lucros, torna-se preciso a luta de todos contra todos, o individualismo exacerbado, o vale-tudo; tal concepção vai contra a natureza humana e causa suas sequelas mentais. No longo prazo, a falta de concepção cooperativa torna o trabalho insuportável já que uma oculta guerra civil surge nos locais de trabalho. Há uma crise moral-ética evidente. A grande urbanidade trouxe consigo, na forma capitalista, a solidão social. Tal efeito de invisibilidade de um lado traz mais liberdade em potência, menor controle direto dos cidadãos, porém pode ter também efeito contrário ao obrigar o indivíduo a adaptar-se ao meio, a ser nada ou pouco autêntico, ou seja, a construir um ―falso eu‖, um eu adaptativo, para ser aceito. Para sobreviver, deve adaptar-se subjetivamente ao grupo, à empresa. Nos EUA, ficaram famosos os casos em que indivíduos completamente normais, provavelmente portadores de normose (doença da normalidade), de repente lançaram tiros sobre alguma multidão antes de cometerem suicídio. Tais atos violentos são vazios de sentido, não possuem conteúdo, porque foram motivados por vidas vazias de um sentido qualquer. No Japão, país simbólico da crise sistêmica em inúmeros sentidos, para dar mais um exemplo, a solidão excessiva, a depressão e o suicídio, junto com duríssimas jornadas, são profundas marcas sociais e, ao mesmo tempo, tabus gerais. O mundo das coisas integra-se e enfeita-se naquele país enquanto o mundo dos homens perde poesia e fragmenta-se. Retomando a questão dos grupos sociais, a tendência da classe média aristocrática é isolar-se, tanto quanto pode sua renda, criar um paraíso artificial que é um inferno para a psique. Dunker expõe:
[…] gente pode entender o condomínio mais além da forma concreta de vida entre muros, como uma espécie de patologia das nossas relações com o outro e com o espaço social, no sentido de que os condomínios [físicos] proliferam no Brasil num momento em que o Estado se demite da função de organizar o espaço público. Ele entrega isso para iniciativas independentes que vão ter muita autonomia para definir quais são as regras e a maneira de habitar aquele espaço que não é mais exatamente
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público. É uma espécie de concessão. Do outro lado, a gente tem uma certa alteração desse modo de vida dentro do condomínio, na medida em que se força e se cria artificialmente uma vida entre iguais. É uma vida em que você desaprende a lidar com as diferenças. É um berçário para modos muito empobrecedores de estar com o outro, nos deixando vulneráveis ao consumo de álcool e drogas de forma superexagerada, à agressividade e à violência de uma forma disruptiva – como eu não sei lidar com a diferença, ela acaba sendo uma espécie de ofensa à minha existência. Fica-se vulnerável ao tédio, à apatia, ao excesso da relação com o trabalho, a uma espécie de hiperinflação da produtividade. Quando você cria essa vida em condomínio, a vida privada passa a ser um pouco mais gerida por regras do espaço público. Então, a gente tem os clássicos sintomas do sentimento de inautenticidade, do sentimento de esvaziamento, de que você está permanentemente representando uma espécie de papel. (Redação Outras Palavras, 2015)
Entre a camada superior dos ricos, os bilionários em destaque, os verdadeiros donos do mundo, destaca-se a perda de noção da realidade por razão do próprio modo de vida. A falta de tato social da classe dominante na época de sua decadência foi observada por Trotsky, na clássica obra A Revolução Russa, quanto à nobreza durante a revolução francesa e o Czar e a Czarina durante a revolução russa. A existência apartada da minoria dominante mostra a alienação como em si uma vantagem ao polo ―aristocrático‖ das relações sociais. A prova de que o capital é incontrolável até para eles e os domina é que portadores de grandes fortunas preparam-se para o possível fim da civilização com caros abrigos especiais… Há entre a maioria, incluso políticos (vide Trump), uma loucura relativa que expressa a loucura da existência atual. Parte dessa deformação psíquica não tira das pessoas seu lado funcional, podendo até torná-las muito eficientes do ponto de vista desta sociedade. Gente que foi capaz de bloquear boa parte do desenvolvimento de sua vida emocional em nome da sobrevivência é o exemplo comum. Boa parte dos fatores que produzem o declínio da psique é fácil de extrair da realidade. Lukács, por exemplo, observou o desenvolvimento da manipulação das massas sob o capitalismo atual, uma forte influência sobre a subjetividade. De um lado, o capitalismo precisa vender constantemente a ideia de felicidade plena por via do máximo consumo, do acesso às mercadorias, etc. Por outro lado, o próprio capitalismo frustra as expectativas da maioria. Isso passa para uma armadilha interna ao sistema, pois os assalariados e setores médios querem conquistar a qualidade de vida mostrada nas propagandas por toda parte. Isso, a luta pelo acesso, motiva o revolucionamento total da sociedade.
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Sabe-se da revolução como uma reação a problemas objetivos como o desemprego. O caldo tem alguns ingredientes adicionais: os protestos revolucionários costumam parecer uma grande festa, como diz Lenin, em seus inícios, uma catarse coletiva, irracional do ponto de vista burguês, porque enfrenta também uma situação desumanizante subjetivamente. A mudança socialista do estilo de vida – menor jornada de trabalho, mais espaços de convivência, seguridade social, acesso aos produtos, etc. – tenderá a atuar contra as diferentes formas de alienação, que pesam sobre as mentalidades, ou seja, facilitará a realização da essência humana (ser integrado, ser mutualista e ser ativo) e oferecerá satisfatórias condições materiais. A crise sistêmica do escravismo produziu, por razões socioeconômicas, o declínio da psique naquela sociedade, aprofundado pelo uso do chumbo (no vinho, nos encanamentos, etc. – quase cometemos esse erro sob o capital). O mesmo ocorreu na crise sistêmica do feudalismo, potencializado pela contradição das novas tendências com a necessidade de repressão religiosa (com efeitos como a ―epidemia da dança‖ na Europa – a revolução freudiana em parte evita que repitamos hoje as mesmas causas). Sob o capital em crise, talvez existam outros fatores ocultos, em si – apenas em si – extrassociais e extraeconômicos, influenciando a crise subjetiva como, talvez, o efeito da mudança climática sobre os humores, a alimentação artificial, etc. Um filósofo vulgar dirá que nossa diferença essencial para com os outros seres vivos ocorre porque somos uma espécie capaz de suicídio, do indivíduo e da espécie… Na verdade, o pensamento oficial nega o fator sistêmico, histórico, da crise psicológica. Por exemplo. Para manter o gancho com o capítulo anterior e os demais; alguns teóricos afirmam que o mau humor e a tristeza, além da sensação de peso, derivam de átomos e moléculas no ar positivamente carregados enquanto o ambiente rural apresenta matérias negativamente carregadas, dando sensação de alívio e bemestar. Mesmo que isso seja uma causa, dentre outras, importante, está subordinada à ―causa única e comum das causas múltiplas‖, dito em dialética diacrônica, ou seja, o modo de vida, a forma de urbanização atual etc. O ser social exige solução social.
APONTAMENTOS SOBRE PSICOLOGIA N‘O CAPITAL A grande obra de Marx de modo algum é economia pura – é ciência humana em sua totalidade. Em linguagem inferior, algo interdisciplinar. Quando necessário, ele comentou os aspectos psicológicos dos temas tratados. Já no começo de seu livro, compara o fato de um rei precisar vestir-se como rei para ser tratado e reconhecido como tal. Isso é, porém, um simples comentário na margem.
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Logo mais, Marx elabora sua famosa conclusão: o fazem, mas não o sabem. Nesta observação central, ele, de fato, funda a percepção de que há um inconsciente coletivo, social – não genético ou natural, diferente de como pensava Jung (diz de algo como natural é um modo como a pseudociência passa por verdadeira ciência, sem ter que provar). Por claro, tal inconsciente é, ao mesmo tempo, individual e por meio da ação do indivíduo. Algo socialmente objetivo, intersubjetivo e subjetivo. Ao tratar da cooperação simples no final da Idade Média, Marx reafirma que o homem é animal social, logo trabalha mais e melhor se o fizer em conjunto com outros. O simples reunir de trabalhadores autônomos aumenta a produtividade. Em outro ponto, ele afirma: no cotidiano, somente nos lembramos que a mercadoria é feita por meio do trabalho quando ela apresenta algum defeito, que nos remete à sua origem. Outro fator está na população. Marx demonstra que cada modo de vida tem sua própria lei da população. Mas vai além: os trabalhadores que estão em péssimo estado têm mais filhos do que a média. Isso é o natural mediado pelo social, como ele próprio se refere à lei da alta reprodução em espécies de curta vida. Há, ainda, mais verdade aí. Vamos a um exemplo. A macieira é feita para climas temperados, onde produz novas maças; mas, se colocada em climas tropicais, abundantes em luz e nutrientes, ela não produz, não se reproduz, ela escolhe seu autodesenvolvimento. É preciso forçá-la por meio de estresse duro como cortar-lhe a água regular, podá-la etc. O mesmo ocorre entre nós: a pobreza, o estresse, produz filhos e, ao contrário, a qualidade de vida reduz a prole. Este fato natural é mediado pelo social capitalista, que gera importante desemprego. A psicologia histórico-social e a psicologia evolutiva estão aí fundidas. Para deixar isso claro, vamos para dois exemplos similares: 1) 9, 10 meses após o impactante ataque das Torres Gêmeas nos EUA, a natalidade explodiu naquele país; 2) quando ficou claro que haveria uma II Guerra Mundial, a quantidade de gravidez explodiu na Europa – na mente dos casais, há qualquer tipo de racionalização que justifique isso, mas com uma causa de fundo, em geral, inconsciente. Marx demonstra que a realidade das coisas tal como são escondem suas origens. Por exemplo: o dinheiro inglês que financiou a indústria dos EUA tem sua origem no trabalho escravo de criança na Inglaterra, mas, no mesmo dinheiro transferido, tal origem está apagada. Também notamos que os atores sociais, o proletariado e a burguesia em destaque, levam a sério a aparência da realidade, agem de acordo com ela. Não parece que o valor, fonte do lucro, vem do trabalho gratuito, logo do mais-valor; aparece para ambos que foi pago pelo trabalho feito, integralmente, não a força de trabalho. Vale exemplo específico sobre o poder da aparência. Durante a pandemia do coronavírus, participei de um grupo de leitura d‘O Capital, mas, ao
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avançar da obra, muitos membros tinha dificuldade de ―sentir‖ as conclusões da obra; para alegria e alívio deles, outro membro transformava o livro I, focado na produção, em exemplos do comércio, deste setor – como concentração e centralização, mas comercial; tal alívio dos membros é o prender-se na aparência e no comercial tão comum entre os economistas. Por isso, Marx vai mais fundo do que qualquer outro na produção, que está além ou por detrás do comércio. No livro três, Marx já inicia afirmando que se aproximará da forma como os atores sociais veem a realidade. Nisso, ele avança para as categorias práticas, comuns, de aparência do real: preço, taxa de lucro, massa de lucro etc. Como personagem, o capitalista é apenas um representante do capital, a vontade do capital torna-se a vontade do patrão. Ele encarna a vontade de um processo, do capital mesmo. Então, o homem não tem de fato vontade própria, sua vontade é imposta socialmente e de maneira alienada. Ao querer enriquecer mais, o investidor está sendo manipulado pelo mundo das coisas, por uma vontade ou pulsão alheia como sua. Trata-se de uma forma de subjetivação da objetividade. Pode-se especular, então: as personalidades e seus distúrbios estão lastreados no dinheiro, no valor como capital. Enfim, Marx deixa bastante claro que a economia política clássica foi muito longe, mas não longe o bastante. Isso se dá pelo ponto de vista deles, ao lado da burguesia, que impedia objetivamente tais cientistas de alcançarem visões de fato profundas do atual sistema. A moderna ciência da mente reforça isso. Certo grau de estresse, ao menos sob o capitalismo, é necessário para a criatividade como a árvore dá flor e fruto quando se sente ameaçada. A vida dos militantes socialistas é sem rotina, com novidade constante, com desafios, com ameaças – por isso, também, o movimento comunista produziu tantos gênios.
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PARTE 3 Psicologia e estrutura
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CLASSES E PSICOLOGIA Como o modo de viver determina o modo de pensar, cada classe tem tendências morais, de raciocínio, de valores etc. próprias, geras para seu grupo. Isso vem desde a infância. Uma pedagoga revelou-me que trabalhou em escola de rico e de pobre para crianças; na primeira, os infantes eram ―desligados‖ e até o lanche deveria ser dado na boca deles; na segunda, as crianças faziam fila, tenham iniciativa, comiam de modo independente etc. A divisão de classes causa divisão de perfiz de metais. Os trabalhadores são mais práticos e naturalmente disciplinados; os professores universitários, classe média, falam demais, são viciados em falar, pensam que falar é agir, e têm dificuldade de acordar muito cedo… No partido ao qual militei, havia grupos operários e de professores superiores, e tal padrão sempre se repetia, com exceções raras entre um ou outro indivíduo. Porque se sacrificam pouco, porque pouco agem para conseguir algo, porque pouco se frustram, aos ricos tende-se a faltar empatia, são narcisistas, são sádicos. Quando fizermos as críticas às categorias da psicanálise, veremos melhor a razão disso. Além do mais, psicopatas tendem a estar de acordo com o capitalismo, sociedade psicopática, logo prosperam e têm grandes cargos. Devemos falar, também, do lupemproletariado – vagabundos, ladrões, prostitutas, mendigos etc. Eles são acostumados ao estresse, mas indisciplinados. Além disso, são imediatistas, deixam de criar mediações para um prazer futuro maior, não agora. Sua condição aponta para o oportunismo, para a manobra, para o jogo. Por falta de prazer social, viciam-se no prazer químico. É, em geral, vítima da sociedade, mas um inimigo dos trabalhadores como com a violência urbana, arrancando destes o fruto difícil de seu trabalho.
DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO Hegel afirma que o Senhor teve a coragem enquanto o escravo focou no medo da morte; assim, aquele generaliza o que este toma como concreto; aquele tem a consciência essencial, mas por mediação deste, com e como a inessencial. Tal formulação na Fenomenologia do Espírito não tem validade teórica ou empírica, apenas algo da história da filosofia supervalorizada. Talvez se torne útil enquanto metáfora. Nietzsche, o grande elitista, reformulou a imagem assim: o senhor vê mundo como bom ou ruim; já o limitado escravo julga tudo como bom ou mau. Neste
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livro, fazemos diferente de Lukács, que apenas nega e (des)qualifica adversários do marxismo, pois fazemos a crítica imanente de escolas teórico-filosóficas, desenvolvendo ou reformulando seus caminhos. Vejamos. É, ao contrário, o senhor de escravos quem define o mundo como bom ou mau, pois ele é o polo idealista ou ―espiritual‖, do não prático, e isso é demonstrado quando o branco escravista do Brasil tratou a religião de origem africana como satanista, má. Já o escravo tem relação direta com a matéria, com o material, materialista e prático, logo deve definir o mundo como bom ou ruim. É o oposto do que disse o último alemão, o irracionalista; além disso, claro que o escravo toma seu senhor como mau, pois de fato o é, logo ele é mais completo, pois vem o bom e ruim e o bom e mau no mundo com maior maestria, o cérebro-consciência dele mais necessita ver cruamente a realidade. O senhor nega-se a ver na rebeldia de seu subordinado uma afirmação de humanidade, insiste em vê-lo como coisa, ferramenta falante; o escravo, a noutra ponta, ver-se como humano desumamizado e saber que a humanização e superioridade do seu ―dono‖ apenas é possível por meio da sua exploração, do roubo de trabalho. Assim, o escravo alcança instintivamente a identidade na e da não identidade enquanto o senhor insiste que A é igual à A, esta pobreza espiritual, que algo é apenas igual a si mesmo, numa oposição supostamente fixa entre ele e o outro, que não tem sequer a dignidade de ser outro para ele. Mas Hegel e Nietzsche não veem as coisas tal como são porque tomam as dores da burguesia para si, ainda que tal classe ainda tenha sido revolucionária e ―oprimida‖ no tempo do primeiro pensador. Isso é expresso na prática e hoje quando o marxismo, o ponto de vista da classe operária, é o mais avançado e dinâmico na produção teórica acadêmica e partidária – na área de humana. Além disso, este polo operário abraça para si a dialética, não apenas a lógica formal. De tal modo, influencia até as ciências naturais com Einstein, comunista, e Born, um socialista dialético, terem avançado tanto na macrofísica e na quântica, contra o limite positivista e mecanicista de seus pares.
CINISMO: TEATRO SOCIAL O baile de máscaras comum, tão conhecido, trata-se de relações pessoais, não diretamente sociais. Por outro lado, o teatro social revela-se, por exemplo, nos protestos da alta classe média em 2016 no Brasil. Durante mais de uma década, a aristocracia média perdeu poder econômico enquanto alguns ricos (bancos em central) e as classes assalariadas ganharam algo. Assim, a classe média viu os pobres como seus inimigos centrais, pois estes acessavam mais as universidades,
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pois as empregadas domésticas tornavam-se rebeldes e mais indisciplinadas, os gerentes eram vencidos pela rebeldia dos seus funcionários etc. Odiava-se gente com cara de precário acessando aeroportos ―como se rodoviária fosse‖. Então, protestos de massa da classe média encheram as ruas contra os pobres; mas isso não poderia ser dito, já que desmoralizaria já desde o início as manifestações. Logo, a luta formalmente era pelo Brasil, contra a corrupção etc. No fundo, no âmago, todos estavam ali, nas ruas, por um motivo egoísta e classista, mas fingiam que a pauta era outra. Os políticos dos ricos sabem que governam para os enriquecidos, mas devem mentir – usando a ideologia, que não é em si mentira – para enganar a maioria com discursos de ―pelo bem do país‖, ―para todos‖ etc. Tal cinismo é o mal da democracia burguesa. No partido no qual militei, surgiu uma disputa dura e suja pela direção do sindicato dirigido pela organização; na luta de frações internas, havia todo tipo de acusação: burocracia, machismo etc. Criava-se um documento político ótimo apenas para ganhar moral e continuar dirigindo o aparato sindical… Falava-se de tudo, menos da causa da luta, a disputa de poder para privilégios sindicais. Nos primeiros anos da revolução russa, a maioria do povo certamente considerava a homossexualidade um mal a ser combatido com dureza, mas toleravam os ―caprichos‖ dos revolucionários, como a libertação sexual, contato que o central – paz, pão e terra – fosse garantido.
O MAIS-PODER Temos a mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho-, o mais-produto e o hipotético maisgozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é pessoal. OS ARQUÉTIPOS SOCIAIS Minha teoria do ―inconsciente social‖ supera o inocente ―inconsciente coletivo‖ de Jung, reformulando o conceito em totalidade. Em geral, os junguianos são aqueles que devem encarar a ciência, mas não são cabazes de abandonar a ilusão religiosa – encontram, então, em Jung um meio-termo, que é falso, pseudociência. Mas dele temos duas teorias derivadas corretas, embora parciais: 1) classificação ótima dos perfis psicológicos, aperfeiçoado na MBTI; 2) a existência de arquétipos tipos humanos. No entanto, há um erro: para ele, os tipos de pessoas têm derivação
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natural, genética, biológica, evolucionista se quisermos – demostraremos que é um erro, pois a origem é social. Vejamos alguns tipos, os centrais, e a origem real comum: Sábio e Mago Aqueles destinados desde cedo ao trabalho intelectual, em pensar mais do que se mover, como os filhos da classe média letrada, tendem aos dois tipos de arquétipos citados. O cérebro toma forma e modo para tal perfil. A divisão classista entre trabalho manual e trabalho intelectual empurra para isso, para unilaterizar. Explorador A comunidade incentiva, para sua existência, a ousadia pessoal, a aventura. Ao oferecer tédio e rotina, empurra o indivíduo para algo aventureiro se tem condições para isso. O adolescente, mais afeito ao risco por cérebro ainda em formação, tende ao perfil, que também responde aos prêmios e punições sociais. Criador O indivíduo, para Freud, anal, que tem prazer em fazer sua ―arte‖ anal durante a infância, não em segurar as fezes com dor-prazer. Pois bem, a sociedade também precisa de especialistas, de artistas, por isso de algum modo os incentiva e os promove desde a infância. Herói, Rebelde Ora, uma sociedade que precisa de ambos é uma sociedade fraturada, contraditória – que gera seus algozes. Neste livro, afirmamos que a repressão estatal, que transbordar na repressão familiar, produz opositores crônicos, rebeldes crônicos. No socialismo, com educação familiar cientifizada e qualidade de vida, com sua democracia real, rebeldes e heróis serão coisas do passado. O rebelde e o herói podem degenerar no ladrão, no gatuno etc. Ora, isso também é social e criado via sociedade: no comunismo, o crime deixará de existir e de justificar-se. O tempo da abundância está quase a chegar. Amante Quero destacar uma variação já afirmada por Jung: toda mulher tem o arquétipo oculto da prostituta, da meretriz (amante, ―piriguete‖ etc.). A causa social, não natural, é esta: as mulheres,
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por milênios, têm sido oprimidas sexualmente e em quase todos os sentidos da vida. Por isso, por opressão, deliram o oposto, uma liberdade sexual maior de modo fetichista e impressionada. No socialismo, com a liberdade pessoal e financeira feminina, tal arquétipo será algo do passado. A família será saudável e acabará as culpas sexuais religiosas. Tolo, Louco A educação, incluso o conviver, educa para fazer rir, também. Além disso, aproximam-se do rebelde, sendo uma variação especial. Enfim: a loucura existe e a causa, em geral, está na sociedade imprudente, a loucura social. Cuidador Há uma demanda social por esses tipos, em geral mulheres – com algum traço maior, mas não absoluto, para isso. Ao praticar o cuidado, seja por obrigação etc., isso é internalizado, passa a fazer parte da personalidade. Homem comum e Inocente Sociedades opressoras e atrasadas têm de gerar tal tipo para seu ―bom‖ funcionamento. Governante Grupos humanos necessitam – socialmente! – criar tais tipos. Aqui, não negamos certa dose de genética, epigenética etc. Mas a educação e a experiência desde a infância mais importam. Somos diferentes, com diferentes inclinações, talentos e vocações. Há que destacar mediações também. Por exemplo: a sociedade cria cargos, então, uma vez criados por necessidade social, testa-se o humano ao empregá-lo; aqueles que conseguem manterse no cargo por seu perfil pessoal, prosperam; se não, são substituídos por gente talvez mais capaz e com o perfil. Há um processo de encaixe e desencaixe bastante dialético. Os arquétipos são sociais, de origem social em primeiro e amplo lugar. São, em geral, frutos de necessidades e perfis sociais. Por isso, são em geral, transitórios, históricos, com um fim marcado no futuro com os futuros homens mais completos em si. Mas alguém pode: 1) ter mais de um arquétipo, 2) mudar com o tempo seu perfil arquetípico, 3) buscar ter todos ou quase todos juntos. Veja-se que homens completos, sinais dos homens futuros, como Leon Trotsky
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abarcavam todas as características acima de algum modo. No fundo, tal completude deve ser algo de meta para todos. Em geral, os arquétipos sociais são estimulados por causa da essência humana. Por exemplo: ser governante gera, além do prazer material, um prazer de consideração social – ser integrado, ser mutualista, ser ativo.
LEI DA POPULAÇÃO Darwin inspira-se no erro teórico, para humanos, da teoria da população de Malthus: a população cresce, mas encontra um limite de alimentos, logo deixa de crescer. E se nos inspirarmos na lei de população de Marx sobre o capitalismo? Vejamos. Vamos, mesmo assim, deduzir, de início, um limite fixo de recursos. Assim: mais se reproduzem aqueles que estão mais ameaçados, pois isso ajuda a aumentar a possibilidade de passar seus genes (o que não impede que Darwin também esteja correto – que abundância é que produz mais reprodução). Vejamos uma pista dessa nova lei relativa. A macieira, quando levada ao clima tropical brasileiro, clima este que não é de sua origem, prefere investir em si do que na sua reprodução, pois tem muita luz, água, nutrientes etc. Então, os agricultores nacionais são obrigados a cortar a água da árvore, cortar galhos etc. para estressá-la – então surgem as maçãs novas, ela reage à sensação de ameaça ambiental, à escassez. Hibernar Na falta de alimentos, as espécies podem hibernar no inverso para guardar energia. Isso diminui o efeito da escassez sobre a população. Estocar Há um pássaro americano que, ao perceber a chega do inverno, cria enormes reservas de produtos, rumo ao consumo no inverno rigoroso. Variar ração Espécies podem mudar ou variar seu consumo. Por exemplo, surgiu uma abelha abutre que lida com carcaças. Mudar o ambiente
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Ao consumir uma fruta, o animal, depois, defeca fezes e sementes, ampliando extensivamente a quantidade de árvores úteis. Mudar de ambiente Os biólogos dialéticos Lewontin e Lewin haviam exposto tal movimento. Tamanho da espécie e dos indivíduos Uma quantidade maior de membros, constantes os recursos, tendem a ser menores, o que aumenta de modo relativo, em comparação, a quantidade de recursos mesmos. No longo prazo, tende-se a diminuir o tamanho da espécie, pois os menores têm, nesse sentido, mais chances de sobreviver. Capacidade de armazenar aumentada Uma falta de alimentos pode levar os descendentes imediatos a ter mais facilidade de armazenar energia, diminuindo a demanda, a procura. No nível celular, isso ocorre por redução do metabolismo causado pelo maior autoenrolameto do DNA. Roubo Algumas espécies e indivíduos podem se especializar em roubar outras, além de membros da mesma espécie, ou agregar este hábito. Formar bando Formar grupos permite otimizar o sucesso da caça, afastando a barreira individual da alimentação. Passar a produzir e criar ferramentas Vez ou outra, uma espécie que não produz, passa a produzir (e o estresse relativo, com a imprevisibilidade, com o movimento, aumenta a cognição). No caso das ferramentas, macacos aprenderam a quebrar cocos e a produzir varetas para apanhar cupins. As abelhas, ou algum ancestral, em algum momento passaram a produzir mel. Na internet, há inúmeros vídeos de pássaros usando ferramenta externa para pescar. O peixe tegastes diencaeus domesticou camarões para nutrir, fertilizar, seu cultivo (!) de algas, sua fazenda.
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Tais elementos relativizam, contratendenciam, a lei da população na natureza tal como pensou Darwin. No mais, nossa lei da população, oposta à de Darwin, tem prova empírica na própria humanidade: as comunidades mais pobres têm mais filhos, não menos. Aqueles com melhor qualidade de vida, entre humanos, costumam ter menor prole, mesmo tendo mais recursos. A quebra de 1929 levou ricos falidos aos bordeis antes do suicídio; na segunda guerra, os homens engravidavam as mulheres antes de ir ao combate; com o impacto, incluso midiático, da queda das torres gêmeas nos EUA, surgiu uma onda de nascimento algo como 9 meses após o fato. A causa da vontade de fazer sexo e filhos, nestes exemplos, o stress etc., está oculta e inconsciente – a consciência justifica de algum modo ou outro. No caso das árvores frutíferas, os biólogos apenas constatam sem interpretar ou generalizar; muitas árvores do nordeste brasileiro florescem e frutificam quando inicia-se o período de seca, rnenor humidade e mais calor, maior rico potencial; no Piauí, os ipês florescem o ano inteiro diante da temperatura e da baixa humidade, levando à sensação de risco. Na psicologia individual, acompanhei um ―caso‖ de uma jovem adulta excessivamente sexualizada, mesmo para padrões brasileiros, com imensa dificuldade em manter fidelidade sexual em um relacionamento. Em nossas conversas, suas falas deixavam claro o impacto sob(re) si que teve a descoberta de uma doença degenerativa autoimune. O medo da morte, lidar tão diretamente com a finitude, concluí, foi a base de sua sensualidade acima da média, que guiava sua rotina e relações. Tal pista não foi a princípio tratada como tal; apenas enquanto caso individual, singular e isolado. Necessitei de vários anos e outros aspectos para derivar uma teoria geral. Os seres menores, quanto menores, mais se reproduzem. Por quê? Porque vivem pouco. Mas algo mais pode ser acrescentado, evitando a tautologia anterior. Seres menores e mais frágeis, ou seja, em estágio inferior na cadeia alimentar em enorme quantidade de casos, são mais estressados, logo se reproduzem mais do que a alcateia de leões. A lógica darwiniana continua em pé no assunto desde parágrafo, porém atualizado.
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Parte 4 Psicologia e superestrutura
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A LIBERDADE OBJETIVA OU DIALÉTICA Para escrever um capítulo sobre a crise da psique, este, fui obrigado a entrar em questões cada vez mais básicas da psicologia marxista. Assim, a teoria da natureza humana, a teoria das fixações históricas etc. Neste livro, não apenas neste capítulo, tomo nota do que me parece o fundamento de uma psicologia unificada, marxiana. Mas nem tudo é central sobre o objeto, pode-se descobrir mil e uma leis parciais sobre tal ciência, sem alcançar o núcleo ou o ―porquê‖; por exemplo, um amigo, o músico Robicharlison Coelho, disse-me ter percebido que é muito comum espirrarmos quando alcançamos uma conclusão; logo percebi que aquilo era um ―orgasmo mental‖, algo análogo ao orgasmo sexual; depois, percebi que o nariz congestionado é sinal de que não estamos acessando no consciente alguma conclusão; tais descobertas são contingentes, sem revelar o fundo do aparelho psíquico, além de bizarras. Dito isso, outra entre as grandes questões da psique é sobre se somos subjetivamente livres ou não – há ou não liberdade? Se há, de que tipo é ela? Vejamos em alguns de nossos mestres, antes de oferecer uma nova resposta.
Kant Ele produz uma das quatro antinomias suas, que serão resolvidas nesta obra, perguntando se 1) a realidade inteira, incluso nosso pensamento, segue a causalidade, a necessidade, causa e efeito ou 2) há ao menos também liberdade humana. Ele não responde e considerava uma questão irresolvível. Antes de chegar a uma conclusão, vejamos como outros tentaram solucionar a pergunta.
Hegel Ele oferece pelo menos três respostas sobre a oposição liberdade-causalidade. Primeiro, a liberdade é reconhecer a necessidade. Por exemplo, respeitar as leis e as tendências da história. Um divulgador marxista afirmou que o animal tem a opção de evitar o fogo, sua liberdade de não se queimar é uma necessidade. Um burguês tem a liberdade de seguir a luta por mais lucro, embora possa escolher ser mendigo, ou seja, prejudicar-se. Segundo, Hegel afirma que o uno, o um, o indivíduo, parece afirmar-se ao isolar-se do conjunto (muitos, múltiplos), mas isso é sua destruição. Então, apenas se pode ser livre e
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individual em comunidade. Assim também, um átomo é instável energeticamente quando isolado, por isso deve ligar-se a outros átomos, formando uma molécula, para ganhar estabilidade. Terceiro, ele funde causalidade e liberdade afirmando a interação dos corpos, dos acidentes, das partes de um todo. A causalidade é recíproca, pois uma parte age sobre outra parte, e esta, vice-versa, também faz o mesmo. Mas todas as partes de uma totalidade, sendo causa e efeito ao mesmo tempo, pertencem uma única substância comum, que está no fundo, no fundamento (necessidade). As partes do todo-substância aparecem, de modo externo, umas independentes das outras, e o mesmo ao contrário, são fora umas das outras, apenas interagindo (liberdade). Mas essas partes são também o mesmo, uma mesmidade, pois são uma substância apenas.
Marx No final de O Capital, Marx afirma que no socialismo a produção será o reino da necessidade, onde o cidadão trabalha, mesmo que apenas jornada curta de 2, 3 ou 4 horas diárias. O que é produzido de modo organizado permitirá o reino da liberdade, fora da fábrica, quando nos dedicaremos à arte, à família, ao ócio etc. Como sabemos, tudo que puder ser robotizado, automatizado, informatizado o será, o que reduzirá com toda força o tempo de trabalho ou de serviço – o trabalho manual será superado, mesmo que não extinto.
Lukács O grande filósofo do século XX afirma que a humanidade tem produtividade crescente, cada vez mais produtivo – e com o aumento da produção aumenta também o grau de liberdade. O escravo antigo era não livre, o servo foi mais livre que o escravo, o assalariado (com liberdade formal) é mais livre que o servo, o trabalhador associado socialista será substancialmente livre. Nosso destino é cada vez mais determinado por escolha ou acaso, cada vez mais com mais opções. Outro aspecto da liberdade lukacsiana é que o homem no trabalho antes pensa ou imagina como e o que produzir (teleologia, prévia ideação, liberdade) e depois manipula as leis causais da natureza (necessidade) para produzir algo útil. Para Lukács, a liberdade era uma categoria apenas humana, social, além de histórica.
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Nossa proposta Vejamos como resolvemos o problema kantiano. Ora, se a realidade tem possibilidades e probabilidades, ela as tem em si mesma, dentro de si própria. Logo, a liberdade é objetiva antes de subjetiva – é dialética. O homem ou a partícula toma a decisão que tem já tendência, na sua personalidade ou perfil, além do contexto, de tomar. Um chiste famoso ajuda a esclarecer: podemos escolher o que quisermos (entre as opções), mas não escolhemos qual é nosso desejo, o que de fato desejamos. Se temos 4 opções, escolheremos aquela que melhor corresponde ao que somos. A liberdade é ter tais opções exato para escolhemos a que de fato somos levados a escolher, causalidade e necessidade (e nossa liberdade está dentro da realidade objetiva). Esse é o primeiro modo de fundir causalidade e liberdade. O segundo é que o ―o que‖ irá ocorrer é algo necessário, causal, determinístico até, mas ―o como‖ isso irá acontecer está, em geral, em jogo. Por exemplo, certo é que o capitalismo irá cair, mas pode desabar de várias formas, mesmo opostas, como por revolução ou por extinção da humanidade etc. Necessidade é reconhecer a liberdade. DESENVOLVIMENTO DO INTELECTIVO O dado empírico, de QI, embora fonte de medida limitada, demonstra que há elevação global, de 1909 a 201395: GRÁFICO 23
Fonte: (Change in average fullscale IQ by country) 95 A linha no gráfico sobre ao Brasil não corresponde aos dados reais, tendo sido um erro de organização. Também neste país houve elevação do QI.
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O desenvolvimento das capacidades mentais é vital para um projeto socialista. Os mais jovens, em especial, tendem a ter mais cultura e habilidade relativo aos mais velhos e, pela primeira vez na história da humanidade, dominam com mais desenvoltura a moderna ferramenta, o computador. As condições nunca serão ideais, mas são as melhores dentro dos limites do sistema capitalista. A internet – para citar um destaque – ajuda no acesso ao conhecimento. A urbanidade, a necessidade de ―pôr em algum lugar‖ os filhos dos trabalhadores, o capitalismo exigindo maior sensibilidade para prover o consumo são elementos que atuam para a elevação do nível mental geral. O mero aumento absoluto de pessoas capazes ou com habilidades latentes, em potencialidade, será útil ao desenvolvimento da sociedade socialista. O Neurocientista Michel Desmurget, no entanto, aponta tendência à redução do QI por razão da pobreza de experiência da vida digital:
[…] os pesquisadores observaram em muitas partes do mundo que o QI aumentou de geração em geração. Isso foi chamado de 'efeito Flynn', em referência ao psicólogo americano que descreveu esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverter em vários países. É verdade que o QI é fortemente afetado por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição, etc. Mas se considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante estáveis por décadas, o 'efeito Flynn' começa a diminuir. Nesses países, os "nativos digitais" são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, etc. (Velasco, 2020)
Evitamos arriscar, aqui, afirmar que esta é uma tendência atual ou mesmo secular, pelo menos enquanto a crise sistêmica perdura (como dissemos, as condições nunca serão as ideais). Porém a observação citada tem um valor relativo e pode ser incluído na decadência geral da psique.
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Em alto nível de abstração, o movimento ocorre assim, uma alienação nova em certo sentido: ganho de cognição das coisas na proporção da perda de cognição dos homens. A mesma tecnologia que pode dar habilidades e tempo livre criativo ao homem está, sob o capital, fazendo o inverso. A robótica, que ganha sensibilidade (como medir pressão etc.) cognitiva, e a inteligência artificial estão desobrigando o capital a investir em qualificação dos trabalhadores, em educação – além de a internet significar menos movimento e experiências à nova geração, viciada nas telas virtuais. Se o simples e constante movimento repetitivo imposto pelo maquinário declinava a mente do trabalhador, a nova tecnologia, sob o capitalismo, faz algo semelhante, aprofundando a perda cognitiva humana dentro e fora do ambiente de trabalho. A mercadoria faz a mediação entre a vida no trabalho e a vida fora do trabalho, infraestrutura e relações sociais, no sentido amplo, gerando seus problemas. A produção moderna dispensa, de um lado, trabalho qualificado, embrutecendo intelectualmente o operário e, ao mesmo tempo, produz os celulares modernos que estão desestimulando o desenvolvimento completo das capacidades cognitivas (relaciona-se menos, movimenta-se menos). Aqui, deve-se considerar a mercadoria máquina.
VONTADE E RAZÃO Unir o otimismo da vontade e o pessimismo da razão, um aforismo ao modo de Gramsci, tornou-se algo característico do século XX diante das derrotas e da impossibilidade, naquele momento, de superar o capitalismo. Após a queda do muro de Berlim, estamos diante da formulação oposta: pessimismo da vontade e otimismo da razão. Todos os teóricos lúcidos e a própria arte, tão focada na distopia, sabe ou intui um fim sistêmico latente; mas o pessimismo da vontade toma conta do espírito humano. É difícil os partidos imporem uma disciplina férrea, ainda que e principalmente se democrática, aos seus militantes porque as derrotas foram duríssimas. Apenas com situações difíceis e algumas vitórias determinantes a dialética entre vontade e razão resolver-se-á de maneira positiva. Como parte da crise geral da psique; com razão, reclama-se que não mais temos gênios na ciência, na filosofia, na arte etc. O poeta-músico Humberto Gessinger expressa isso:
Onde estão os caras que lutavam dia-a-dia Sem perder a ternura jamais?
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Onde estão os caras que desmaterializavam Moedas de dez mil reais? Onde estão os caras que desconheciam limites Universal e singular? Onde estão os caras que desenhavam novas cidades Em guardanapos na mesa de um bar?
Onde estão os caras que pregavam no deserto? O deserto continua lá Onde estão os caras que deixavam as portas abertas Para a vida poder circular? Onde está o teatro mágico só para iniciados? Onde está o espaço não privatizado? Onde estão os caras que acenavam com a mão invisível Um mercado para todos nós?
Onde estão as provas? Onde estão os fatos? As boas novas eram só boatos? Onde estão os atos de bravura e rebeldia ternura guerreada dia-a-dia Será que estamos sós?
A queda do chamado socialismo real, fictício, teve papel central na falta de ousadia, imaginação, criatividade, impulso etc. – e esperança. É hora de reerguermos a utopia, pois a realidade pede, a desmoralização já faz algum tempo e temos ainda algum outro tempo para virar o jogo. Fé cega, mas com pé atrás. A posição crítica e o estímulo ao pensamento autônomo, tão desestimulados em ―nosso‖ movimento no século XX, são e serão o nosso norte.
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Pode-se argumentar que a crise da sociedade produz a crise da psique, logo nenhuma vanguarda real surgirá no campo do pensamento como, para Marx, a consolidação do capitalismo encerrou a era dos grandes economistas burgueses. Isso tem muita verdade, mas ainda é parcial. Vejamos: 1) os críticos ao status quo, durante a crise, serão obrigados a produzir; 2) as partes da sociedade global têm particularidades, assim, em pelo menos um país ou região, a decadência produzirá nova filosofia etc.
A INFORMAÇÃO A literatura distópica do século XX produziu duas grandes conclusões opostas sobre o destino da informação na sociedade: George Orwell teorizou que seríamos privados de informação enquanto Aldous Hoxley, que teríamos informação em excesso. Embora a segunda hipótese seja mais sofisticada, nossa distopia real é uma combinação das duas projeções: há, ao mesmo tempo, excesso e falta de informação. Neste livro, evitamos tratar de ideias que já são senso comum entre revolucionários e reformistas, como a quase óbvia manipulação midiática. Podemos destacar apenas a inocente crítica ao pensar que basta a quebra dos monopólios de mídia e apresentar finalmente a verdade ao povo para tudo mudar de vez… Como disse Lukács, as ilusões da falsa ideologia são socialmente necessárias. É claro que os grandes meios de comunicação manipulam a verdade e criam, também, sentimentos e subjetividades; por isso é preciso, enquanto faltam duras conjunturas que abram a possibilidade de os revolucionários serem a maioria, uma luta de guerrilha pela informação e pela emoção.
LÍDER E PERFIL ORGANIZATIVO Via de regra, a objetividade de uma organização exige que o líder aliene-se, tone-se do perfil exigido. Mas também a organização, de cima à abaixo, sofre influência do perfil de sua liderança – ainda que parcialmente, de modo relativo, nada absoluto. Não é incomum, da base ao tomo, os membros parecerem com o perfil geral da instituição. Assim, um exército sofre influência do perfil de se general. O mesmo ocorre, por exemplo, em partidos. O partido leninista Bolchevique teve muitos pontos de confluência com a personalidade pessoal de Lenin.
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CRISE, ALMA E POSIÇÃO SOCIAL DO CIENTISTA A cientificidade marxista percebe que a posição do cientista sobre o mundo afeta e influencia – não determina de todo96 – sua capacidade de ver o mundo, de alcançar a verdade, de ir além da aparência. Quando se toma a posição conservadora da sociedade, de preservar o status quo, tendese a mistificar o real, a avançar menos, a justificar o injustificável, etc. Isso é mais verdade nas ciências humanas do que nas ciências naturais, embora também aí deva haver influência indireta. O cientista é, também, uma ferramenta, mais ou menos qualificada para lidar com o objeto de estudo. Mas isso é metade do caminho: a ciência moderna da mente-cérebro reforça tal concepção ao demonstrar que o stress relativo tende a produzir criatividade assim como a macieira produz maçã quando o ambiente lhe é hostil. Um cientista ou teórico que, além de tomar mera posição em defesa do socialismo do alto de seu apartamento, envolve-se praticamente com situações militantes ativas, dinâmicas, arriscadas, vive precariamente, etc. têm, assim, um estímulo do ambiente para sua produção intelectual. Por isso, Trotsky foi imensamente produtivo em sua vida militante e ainda mais quando no exílio mortífero forçado por Stalin (a experiência de viver no mundo, para além do país de origem, como foi o caso de Marx, também influencia – hoje relativamente compensado pelo atual cosmopolitismo, a internet, etc.). A sabedoria popular diz que ―a necessidade faz a criatividade‖, semelhante ao que afirma o consenso das pesquisas. Com a crise sistêmica, com o declínio da atual curva de desenvolvimento do capitalismo, ou seja, com a baixa estabilidade, a psique dos talentosos e honestos lutadores será pressionada para novas elaborações, para ver em profundidade, etc. Disso, este livro é uma demonstração. Por outro lado, porque vive sob privilégios, porque precisa negar a essência da existência, o lado da burguesia está, neste sentido, em desvantagem relativa – contanto que nunca subestimemos o inimigo. Trotsky, ao tratar da crise nos EUA, após 1929, destaca: os trabalhadores são levados a procurar razões do mundo melhores ao verem que, após uma breve recuperação econômica, outra crise já aparece… Hoje, que os comunistas aprendam a ter as respostas certas. No socialismo, o baixo stress será compensado pela alta erudição dos cidadãos, pelo avanço técnico, pelos debates públicos, pela popularização da dialética, pela pedagogia ativa, etc. Desse modo, a criatividade terá seu suporte.
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Parte dos pensadores atuais afirmam que basta ao cientista reconhecer a influência de sua posição social sobre sua prática teórica para que o problema esteja resolvido. Jamais um economista oficial, burguês, chegaria às conclusões profundas de Marx. Claro, nem tudo depende do ponto de vista e do olhar crítico, pois outros fatores influenciam: a disciplina de pesquisa, o perfil pessoal, o acesso a recursos, o grau de desenvolvimento técnico e histórico, etc.
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O pensamento vulgar no marxismo diz que o crescimento impulsiona a arte e a ciência enquanto a crise marca seus declínios. Isso é pensamento mecanicista, causalidade não dialética, apenas em parte verdadeiro. A crise de 2008 reduziu o investimento pesquisa no Brasil, desde 2016, e fez, ao contrário, o governo estadunidense aumentar o investimento estatal em pesquisa; a mesma causa com efeitos opostos em circunstâncias diferentes. O ascenso do escravismo na Grécia permitiu o nascer da filosofia, mas foi a decadência grega a importante fonte para surgir Platão e Aristóteles. A decadência italiana produziu Maquiavel. A Alemanha dos séculos XVIII e XIX e a Rússia no final do século XIX e início do XX produziram boa parte dos maiores gênios da humanidade, pois o atraso relativo deles, a combinação entre o velho e o novo, formando forte contradição, exigia melhores pensadores.
A CONSCIÊNCIA SOCIALISTA Ao tratar da consciência socialista, Enio Bucchioni afirma:
[…] a palavra de ordem ―Um, dois, três Vietnãs‖ atingia a consciência dos ativistas e das massas em todo o planeta. É nesse cenário que floresciam militantes no mundo inteiro, que sonhavam e lutavam para, num futuro próximo, expropriarem a burguesia em seus países. Era a consciência socialista que se apossava de milhões de pessoas em várias partes do mundo. […] O principal cenário de fundo desse gigantesco crescimento era a colossal vitória da Revolução Russa de 1917, que inspirava a consciência comunista para os ativistas nos mais variados quadrantes do mundo e penetrava fundo nas massas. (Bucchioni, 2015)
Em polêmica, Hernández opõe-se:
Para tentar demonstrar sua tese, Bucchioni transforma a consciência burguesa em socialista e daí conclui que, há quarenta anos, o fim do capitalismo e do imperialismo estava próximo. No entanto, esse não é o principal problema do texto, porque não era a consciência burguesa das massas o que impedia, naquele período, acabar com o imperialismo e com o capitalismo. Afinal, qualquer marxista sabe (ou deveria saber) que as massas fazem revoluções, contra a burguesia, com uma consciência majoritariamente burguesa. (Hernández, 2015)
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Resolvamos com dialética a questão acima. Se os trabalhadores fazem uma revolução socialista com consciência burguesa, logo esta consciência imediatamente adquire duplo caráter, socialista e capitalista. O raciocínio aprofunda-se: no caráter duplo, um dos polos domina a relação – o valor domina o valor de uso, o aspecto alienador da religião supera seu aspecto humano, etc. – até que a oposição se desfaça; então, pela tarefa histórica que esta consciência move, o polo central é seu caráter socialista, não o capitalista. A consciência precisa ser expressa. Quando faltam organizações corretas para expressar a consciência socialista, ela se direciona para os partidos centristas e reformistas. Pode haver, portanto, uma expressão deformada do real estado da consciência das massas.
PÓS-MODERNISMO DE ESQUERDA O grande marxista José Paulo Netto afirmou, numa de suas palestras, que, após o surgimento do setor pós-moderno reacionário e de direita, surgiu o pós-modernismo de esquerda e progressivo (dentro de seus limites, claro). Qual a origem, por quê? Desde pelo menos os anos 1970, com a alta urbanização em especial, surgiu uma camada de classe média maior e setores médios novos e precarizados. Isso levou à esquerdização do pensamento. O pós-modernismo propriamente reacionário, mais profundamente irracionalista, gruda no cérebro das pessoas e nas correntes ligadas à aristocracia da classe média, da alta classe média, e a burguesia. Destacamos que o pós-modernismo é mais afeito aos setores médios porque 1) são de vida, trabalho e convívio, mais fragmentado, mais atomizado, mais individualizado – tendências gerais aprofundadas da vida social na história recente para todas as classes, no entanto muito mais forte naqueles setores onde isso já é típico; 2) são mais volúveis emocionalmente, pois não passam pela escola dura da vida prática proletária; 3) tendem a ter mais necessidades democráticas, menos trabalhistas, de tipo formalmente individuais, como os direitos das mulheres, legalização das drogas, etc. 4) são incapazes de ter um projeto de sociedade próprio diante da decadência da sociedade burguesa, e apenas em circunstâncias especiais uma parte, a mais precarizada, aceita a liderança da classe operária; 5) são ligados aos afazeres intelectuais.
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CURVAS DE DESENVOLVIMENTO E SUPERESTRUTURA SUBJETIVA Na fase de alto crescimento do capital, de 1945 à década de 1970, o otimismo imperou com seu existencialismo, com seu ―marxismo‖ reformista, com suas revoluções parciais vitoriosas, com a bossa-nova (feita para a ascensão da classe média), com vanguardas artísticas longe malestar e da depressão. Mas tudo é transitório. A partir da década de 1970, vem a crise – vêm as crises – e, com ela, o pessimismo, o marasmo, a falência das antigas vanguardas, a literatura e o cinema distópicos, a crise do socialismo real, a crise moral, a crise dos partidos de esquerda, enfim, a filosofia e a realidade pós-modernas. O sentimento é o marasmo, o tédio como angústia – ainda não há saída. Veja-se que a base econômica, e social, mudando, mudam-se as filosofias e os humores, até as superestruturas objetivas. Com a crise aprofundada desde 2008, a depressão aprofundar-se-á, novas artes e filosofias pessimistas surgirão; porém uma revolução socialista, que é típico desta época, do declínio da curva de desenvolvimento do capitalismo, pode encher de otimismo – mesmo que momentaneamente, e com resultados duradouros – a classe trabalhadora, os artistas, parte dos filósofos, as organizações subversivas, etc.
ETAPAS DA SUPRERESTRUTURA SUBJETIVA (CIÊNCIA) Em A Ideologia Alemã, Marx criticou duramente a ideia de que etapas da história humana fossem idênticas e como etapas do indivíduo – criança, jovem, adulto, velho. A crítica está totalmente correta. Porém em parte da superestrutura subjetiva, como demonstraremos, ocorrem etapas semelhantes entre o desenvolvimento psíquico individual e das ideias, ideologias e concepções científicas. Leiamos a observação de Moreno:
Estudiando el desarrollo de las ciencias descubrió un paralelismo estrecho, aunque no total, entre el desarrollo natural de la inteligencia y el de las ciencias. Esta lógica es la de las grandes teorías de la ciencia moderna. (Moreno, Lógica marxista e ciências modernas, 2007)
E continua:
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Si Della Volpe ignora a la psicología genética de la inteligencia, ésta no lo ignoraría a él. Creemos que clasificaría su método de la abstracción determinada como un buen ejemplo de pensamiento de niño de entre 8 y 10 años. No estaría en mala compañía, ya que Bergson y otros ilustres filósofos están más atrasados aún, entre los 4 y 6 años de edad mental. (Moreno, Lógica marxista e ciências modernas, 2007)
O argentino, generalizando descobertas-invenções de Piaget, trata da ―nova lógica hipotéticodedutiva‖:
El autor que estamos criticando no sólo ignora que para Marx hay dos métodos de conocimiento del objeto […], sino también que la epistemología junto con la psicologia moderna han descubierto uno nuevo: el hipotético-deductivo, que ya no trabaja construyendo sobre abstracciones sacadas de la realidad o de la actividad, sino sobre posibles, hipótesis. La psicología del conocimiento advirtió que los adolescentes entre los 12 y 15 años, comienzan a utilizar una nueva forma de pensar, la hipotética deductiva. (Moreno, Lógica marxista e ciências modernas, 2007)
Além de com o método hipotético-dedutivo (dos adolescentes e da adolescência quase atual da cientificidade no capitalismo – como com o hipotético-dedutivo de Popper); com a pósmodernidade, e a hiperespecialização da ciência, podemos afirmar que não apenas a cientificidade mas também – ampliando – parte do conjunto da superestrutura subjetiva da humanidade está na fase final de sua adolescência, de sua juventude, podendo ou não alcançar a maturidade. Por ora, tendências de fragmentação, isto é, de esquizofrenia, típico da idade, imperam por razão das tensões acumuladas e conflitos irresolvidos. Essa fase maravilhosa, mas conturbada, base para o posterior amadurecimento, demonstra a possibilidade de sairmos da infância da espécie nesta transição para a fase adulta, o socialismo. No nível superestrutural subjetivo, o iluminismo, para o atual sistema, e sua concepção de racionalidade total tem relação real com o período de latência em Freud, o de desenvolvimento lógico em Piaget, o quarto estágio em Erikson, o estágio categorial em Wallon. Desenvolvemos, em seguida, a longa etapa vista em nível individual pelos três teóricos citados – que corresponde à adolescência e à sequência do capitalismo nas ideias.
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Nos dois níveis, pessoal e histórico, o processo instável da relação sujeito-objeto (que inclui a produção, etc.) leva a processos de assimilação e acomodação (Piaget97), base para a etapa seguinte. O avanço da superestrutura científica da humanidade para a priorização da acomodação (ver nota de rodapé anterior) é a futura dominação geral da dialética na ciência. A observação de Moreno sobre percorrer de modo inexato o mesmo caminho, entre um e outro, entre psicologia individual e a história das ideias, está de acordo com a crítica construtiva, ou seja, dialética de Henri Wallon a Piaget98: os processos não são exatamente lineares, pode haver recuo com acúmulo, o desenvolvimento ou mudança de etapa pode retardar, uma etapa agrega (suprassume) a anterior, etc. Nossa concepção é evolucionária e revolucionária. Thomas Kuhn teorizou ―A estrutura das revoluções científicas‖, como o seguinte movimento: ciência normal – resolução de quebracabeças – paradigma – anomalia – crise – revolução. Mas cometeu três erros. Primeiro, ele não generalizou esse ―modelo‖ de desenvolvimento para a dialética geral, além da do pensamento, como faremos em outro capítulo, sobre processo e crise. Segundo, ele pensa que um novo paradigma científico, fruto da revolução, ou melhor, da crise, não é superior ao anterior – apenas diferente. Ora, esse tipo de coisa acontece na arte: o próximo movimento artístico, demostrou Lukács, é apenas diferente do anterior, nunca melhor em si99. Porém isso é impróprio na ciência, pois ela se aproxima cada vez mais da verdade. A revolução científica é uma evolução 97 Resumo, primeiro contato: “Conforme Cunha (2002), Piaget considera que o processo de construção do conhecimento inicia-se com o desequilíbrio entre o sujeito e o objeto. Para ele, a origem do conhecimento por parte do sujeito envolve dois processos complementares e por vezes, simultâneos. O primeiro é chamado de Assimilação e o segundo a Acomodação.” “Em Mussen (1977), a assimilação é tomada como a capacidade de o sujeito incorporar um novo objeto ou ideia a um esquema, ou seja, às estruturas já construídas ou já consolidadas pela criança. Já a acomodação seria a tendência do organismo de ajustar-se a um novo objeto e assim, alterar os esquemas de ação adquiridos, a fim de se adequar ao novo objeto recém-assimilado.” “Para Cunha (2002), após algum tempo, a criança passará a dominar o novo objeto assimilado e acomodado, chegando a um ponto de equilíbrio. Assim, “a criança que atinge esse patamar não é a mesma, pois o seu conhecimento sobre o mundo agora é outro, maior e mais desenvolvido”. (p. 77).” (Piaget e os conceitos de assimilação, acomodação e equilibração) 98 Um oferece dialética ao materialismo do outro, não sendo resumíveis suas contribuições a esse encontro. Moreno vê apenas o lado positivo de Piaget, de fato impressionante. Além do mais, ele perde a oportunidade de desenvolver e consolidar o básico, como fizemos, dentro dos limites do objetivo desta obra, a questão das etapas no indivíduo e na ciência. 99 Na arte, assim ocorre: 1) o novo surge do aprofundamento, radicalização como do romantismo ao simbolismo; 2) vem da oposição: como do romantismo para o realismo; 3) vem da fusão. Eles permitem transição na passagem de um por outro, como o romantismo de terceira fase, crítico social e erótico, antes do realismo. Mas a origem de fundo das escolas, ainda que indireta, são as mudanças na sociedade.
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científica. Essa evolução pode ser contraditória, com avanços acompanhados de recuos como a época moderna, século 16 a 18, negando noções como ontologia e totalidade do pensamento antigo. No entanto, na larga escala, a tendência é de avanço, como do afastamento científico, ir além ou por debaixo e dentro, em relação ao mero empírico ou intuitivo (os gregos pensavam que, para compreender a realidade, bastava olhar). A ciência tem 2 níveis, as teorias (e categorias etc.) de aparência e as de essência. A teoria da gravitação de Einstein serve para o meso e o macrocosmos, ambos, enquanto a gravitação de Newton é funcional, instrumental, útil para apenas a escala ―meso‖, não extrema. As teorias oficiais em economia pensam que o valor e o lucro se dão assim, em resumo: custos com objetos (desgaste das máquinas, uso de materiais etc.) + custos com folha de pagamento + custo com impostos + custo de novo investimento +, finalmente, um lucro médio do mercado. Isso está certo na prática, na empiria, na aparência, na economia vulgar. Mas, na essência, na mercadoria há custo com capital constante (desgaste de máquina, uso de matérias etc.), cujo valor vem do trabalho humano, + um valor produzido pelo próprio operário para pagar o seu salário + um valor produzido a mais pelo próprio operário, mas entregue de graça ao patrão e a outros (impostos etc.). Ou seja, o mais-valor e o lucro vêm da produção, mas parecem vir da circulação, vêm da mão disciplinada do operário, mas parecem vir do cálculo mental do burguês. Eis a diferença entre teorias instrumentais, ou aparenciais, e teorias essenciais. Terceiro: se a humanidade manter-se de pé; alcança-se níveis onde é possível reformas científicas, ainda que profundas, não mais revoluções.
TDA O Transtorno de Déficit de Atenção (e Hiperatividade) tem sido a moda das questões mentais comuns. De fato, o nome não expressa bem sua natureza. Não há falta de atenção apenas, mas atenção também exagerada, hiperfoco, somente naquilo que desperta real interesse no portador. Também não é uma doença, mas uma personalidade, um tipo humano (INFP, principalmente). O fato de o TDA ter sido percebido em nosso tempo revela mais sobre este próprio tempo que a evolução da ciência da mente-cérebro em si. O portador de TDA têm muitas semelhanças com a psicologia do lupemproletariado, sendo provavelmente uma das origens individuais, não em exato históricas, deste grupo social, entre aqueles que não conseguem se adaptar ao mundo capitalista. A dificuldade de planejamento de longo prazo e a quase impossibilidade de se envolver com tarefas duras são exemplos da coincidência, não somente ocasional, entre ambos.
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O TDA é naturalmente intolerante contra as diferentes formas de alienação; por isso, também, pode tornar-se marginal na sociedade. Ele somente aceita ordens se: 1) vê nelas sentido lógico, 2) sente que o ordenador não tem intensões de dominá-lo, de se pôr como superior. Uma criação familiar e social por demais repressiva pode tornar o TDA um subversivo crônico, com transtorno opositor (como marginal ou revolucionário etc. – daí que Jung tenha posto o subversivo, seja o tipo negativo ou o positivo, na mesma categoria, na classificação de arquétipos100). Além disso, a impulsividade faz do TDA amoroso, muito solidário e empático. Marx teve as características de um TDA, com a vantagem de viver numa época de poucas distrações. Vejamos: 1. Como dissemos, um TDA é intolerante, em alto grau, às relações alienadas. Isso permitiu Marx ter uma sensibilidade muito maior para perceber a natureza da alienação, em especial no capitalismo. 2. Um TDA é altamente simpático e empático, além de impulsivo (carinhoso, naturalmente solidário etc. – mas costumamos associar impulsivo com violento). É o caso biográfico de Marx. 3. Um TDA tende a ignorar as ―inúteis explosões‖ do imediato, da aparência, e querer saber do lado interno do mundo, da lógica das coisas. Isso ajudou a tornar Marx um dialético. 4. Um TDA é, via de regra, imensamente criativo, associativo de ideias. Este é o caso de nosso gigante, o maior pensador da nossa era. 5. Um TDA, em geral, tem letra feia, ilegível ou quase (embora seja comum entre o tipo a habilidade de combinar as palavras, de estilo). É o caso de Marx, que perdeu uma vaga de emprego por tal razão. O TDA, independente de sua origem ser genética ou igualmente com outras causas possíveis, é uma afirmação do capitalismo, como com sua falta de planejamento, mas, ao mesmo tempo, é sua negação completa e típica, pela sua anti-alienação, por seu perfil mais humano, por sua 100
Vale notar que os arquétipos existem não por razões – em si, em primeiro ou em principal – biológicas, genéticas, naturais ou inconscientes, como pensa o limitado Jung, mas porque a realidade exige tais tipos humanos na história e, fundamentalmente, por isso, gira a educação da personalidade, desde cedo, para este ou aquele caminho (como com a especialização, às vezes unilateral, que costuma passar dos pais para os filhos – o arquétipo do sábio por devir de uma educação centrada no trabalho intelectual, desde os pais professores universitários, e assim por diante). Jung ofereceu a classificação, mas não a razão correta dos tipos humanos. O TDA deixará de ser o rebelde total quando o mundo deixar de produzir e necessitar de rebeldes totais. O arquétipo da meretriz existe nas mulheres porque há dura repressão sexual sobre elas, exagerando uma pulsão interna. Isso não nega certo substancialismo, junto e ao lado do relacionalismo, quanto ao tema; pois parece ser, por exemplo, natural, genético, que em torno de 4% da população mundial seja TDAH, com perfil geral que tende a ser o poeta ou o astrônomo da comunidade indiana antiga etc.
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indisciplinada disciplina, por seu lado criativo-associativo e profundo, por sua noção ―distorcida‖ de tempo etc. (Antes, éramos donos do tempo, mas hoje somos dominados por ele – certa vez disse Fonseca Neto.) Daí sua queda, hoje, no lado lúpem, seu fracasso comum. Assim, TDA, neste modo de vida, expressa em si contradição deste próprio modo de vida. A psicologia social beneficia-se desse tipo de observação. Uma sociedade sob ditadura, por exemplo, produz ou estimula relações de opressão por hierarquia, como na família, o que, por sua vez, produz subversivos tendentes a ir contra aquela mesma realidade.
LINGUAGEM É evidente que a linguagem humana, social, não tem sua origem primeira na biologia, mas na sociedade, embora a mecânica corporal de controlar os fluxos de ar seja vital. Como diz Engels, foi preciso a necessidade de dizer algo para algo dizer, ou seja, o trabalho cada vez mais complexo impulsionou a fala, depois a escrita; o erro desse gênio foi supor que a necessidade da fala fez surgir os órgãos necessários, como se o esticar do pescoço tivesse produzido as girafas. Em analogia aproximal, a relação valor de uso, valor de troca e valor na mercadoria tem algo de similar com três elementos da linguagem básica – o significante, o significado e a energia. A palavra é uma unidade de energia, energética. Temos agora de demonstrar pistas sobre tal conclusão. O cérebro tem, por exemplo, uma tensão interna, de energia, que precisa ser vazado tal excesso ao transformar a ―pulsão‖ em ato de falar. Uma energia, que incomoda, foi transformada em outra matéria e energia. Assim, o padre medieval – e toda ciência começa como misticismo e pseudociência, como o inverso de si – aliviava os fieis que desabafavam; assim, o psicólogo e o psicanalista melhoram o paciente. A energia descarregada em linguagem aqui afeta menos ou mais outro sujeito ali, a palavra é mediação dessa troca e transmissão energética. A fofoca precisa ser dita, o carente precisa conversar o que quer que seja com quem quer que seja. A palavra não é o inconsciente, mas algo vital mediante como o dinheiro é mediador das mercadorias. Vejamos por outro ângulo: há uma economia de energia. Em geral, as palavras tendem a ficar menores e mais simples economizando matéria-energia. Sabe-se que nos países frios as consoantes e a fala introvertida imperam por causa da perda energética do corpo. Nos locais quentes, impera a vogal, o gasto do excesso. As palavras Saara e Caatinga, em temperaturas mais
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extremas, bem expressam isso. A palavra ―muito‖ em português soa, de modo anormal, como ―muinto‖, pois gera economia, flui melhor. As palavras mais comuns, como sim e não ou yes e not, costumam ser menores. O ato falho verbal descoberto por Freud surge de uma tensão que supera uma tensão de censura contraposta e resistente. Mais uma prova do caráter energético e transformado da palavra. Em especial por suas origens, as palavras são comumente como onomatopeias do real, metáforas sonoras do objeto representado. Torquato Neto afirma, contra a palavra:
Escrever não vale quase nada para as transas difíceis desse tempo, amizade. palavras são poliedros de faces infinitas e a coisa é transparente – a luz de cada face distorce a transa original, dá todos os sentidos de uma vez, não é suficientemente clara, nunca. nem eficaz, é óbvio. depende apenas de transar com a imagem... chega de metáforas, queremos a imagem nua e crua que se vê na rua, a imagem – imagem sem mais reticências, verdadeira.‖ (Torquato Neto, Os Últimos Dias de Paupéria.)
Mas poliedros, a palavra, lembra poliedros, paralelepípedos lembra paralelepípedos. Ele não entende, também, que a duplicidade de significados é uma força, mais do que uma fraqueza, da linguagem. A fusão ou a combinação de significados torna poética a poesia real da vida. É muito comum sermos duplos para expressar a verdade do inconsciente e, ao mesmo tempo, a verdade consciente e funcional, não menos verdadeira. A expressão ―suprassumir‖ em alemão – ao mesmo tempo significando os opostos superar e destruir, guardar e preservar, elevar e suspender – facilitou descobrir a própria dialética da vida; pois a realidade é filme, não fotografia. A poesia estica isso ao máximo, ao limite; vejamos um pequeno exemplo, sem dispensar recursos visuais:
arrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr ar pe pe pe pe pe pe pe dra ááááááááguuuuuuuu a fo fo fo fo fo fo fo fo fogo
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Para fora, o pensamento era sem forma e sem ordem. Era um mar profundo coberto de escuridão; mas sobre suas águas pairava o espírito do homem. Então ele disse. *** Derivamos as seguintes conclusões sobre a linguagem: 1. Ela é unidade de ser e não ser – se dissemos ―não pense num elefante‖, logo pensamos positivamente num elefante antes de fazer negação. 2. Uma vez surgida, a língua ganha autonomia em relação aos indivíduos. Suas leis reais, desenvolvimento etc. não são decididos por ninguém. Novos sentidos e conteúdos surgem, elipses acontecem, formas mudam. 3. Ela vai da materialização à desmaterialização – as palavras mais usadas, após criadas, são diminuídas, reduzidas. 4. Ela é energia-matéria. 5. Vai do simples ao complexo, como sabe qualquer observador – e tende a simplificar-se de modo relativo. 6. Vai do extensivo para o intensivo, como concentrar significados na mesma palavra. 7. Vai do concreto ao abstrato ao concreto. 8. Um conteúdo palavrático pode ter várias formas, assim como várias formas podem ter diferentes conteúdos. ―Penso‖ pode ser pensar ou pender; ―fui‖ pode derivar de ser ou de ir – ou ambos! To be é ser, estar (aqui) ou estar (fazendo). 9. A palavra tende a mudar, adaptar-se, sua forma para ganhar a ―aerodinâmica‖ melhor para seu fluir. 10. Há o duplo sentido, duplo caráter, de polo inconsciente e outro inconsciente comum na linguagem, associação. 11. Saber bem uma língua ou saber várias línguas ajuda de modo relativo o pensamento. 12. A linguagem oral e escrita potencializa o pensamento, mais do que o limita. 13. A linguagem começa com um conceito, que se desdobra em dois opostos e avança para um conceito maior, unificador, mediador ou meio-termo – ou expressão conceitual. A criação de uma palavra, no começo, leva, tantas vezes, a criar outra oposta, similar (com sufixo etc.) ou oposta na sonoridade. 14. O verbo, o adjetivo, o substantivo etc. existem porque existem na realidade. O cérebro evoluiu e adaptou-se para perceber tais aspectos.
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15. As relações sintáticas existem porque existem na realidade. 16. Morfologia é lógica formal, grosso modo; sintaxe é lógica dialética, grosso modo. 17. Ir o ensino da letra para a sílaba, para a palavras etc. reproduz, grosso modo, uma sequência real na fundação da linguagem oral pelo homem primitivo. 18. Grosso modo, a morfologia costuma expressar o desenvolvimento real da linguagem no primitivismo, como começar – no estudo e na história da humanidade – pelo substantivo (antes, concreto; depois, abstrato) para poder, no evolver, fundar o verbo etc. 19. A contradição entre a língua falada (conteúdo e mutável) e língua escrita (forma) e erudita (forma e conservadora) é produtiva, oferece uma duplicidade que anima a psique. 20. A linguagem não é neutra, mas sua acidez não é tão alta. A realidade não é estruturada pela linguagem, apesar de sua vitalidade e influência parcial. 21. Há linguagem de aparência e, oposta e ―dentro‖, de essência. 22. A tarefa central do pensador não é esclarecer conceitos – sua missão é desenvolver as categorias, desdobrá-las. 23. A linguagem, de um autor etc., costuma, a priori, expressar sua personalidade. 24. Não basta desfazer o argumento adversário. Deve-se também demonstrar sua manobra, seu jogo e sua falta lógica. A origem do erro deve ser exposta, como a intensão real do outro. 25. A poesia é uma forma de encaixar o poema nele mesmo
MODERNO SOFISMO Kant e Hegel escreviam de maneira complicada porque eram distantes do mundo popular, porque o conteúdo era complexo, porque suas personalidades eram exuberantes, por falta de tato etc. Algo esperado. Assim como cálculos complexos são mais difíceis de entender, também textos complexos o são; assim como para entender cálculos complexos exige-se uma base, também textos complexos a exigem. Mas hoje é de todo diferente. Usa-se uma forma complicada para ocultar um conteúdo fraco ou um engodo. O leitor, coitado, já faz um esforço imenso para traduzir o material, falta-lhe energia posterior para fazer qualquer crítica. Com o linguajar nebuloso procura-se elevar à décima potência o sucesso da obra, além de usar o bizarro. É claro que a ciência e a filosofia podem desenvolver a linguagem e sua poesia, mas isso está subordinado. Tal como os sofistas antigos educavam os cidadãos pagantes na arte da retórica, aonde pouco importava a verdade de fato, os sofistas atuais também negam a verdade e apostam na linguagem, em jogo artificial. Isso tem uma razão histórica de fundo: de um lado, a perigosa
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verdade, classista, não deve ser acessada – de outro, esgota-se a filosofia-ciência humana desta época, exigindo novo paradigma, o marxismo. Incapazes de produzir algo novo com seus padrões velhos de pensamento, forçam a criação via o palavriado. Esta obra, por exemplo, apenas pôde existir após abandonar premissas e ―verdades consolidadas‖.
PALAVRA: RAZÃO E EMOÇÃO Por seu efeito, a palavra é unidade de razão e emoção. A palavra ―amor‖ ou ―saudade‖ causa em nós, ainda que de modo leve, tais sensações, repercute na nossa psique. A palavra tem, assim, poder – uma força material. Os poetas sabem disso, manejam tal jogo. Nomear um organismo partidário de ―célula‖ em lugar de ―núcleo‖, por exemplo, algo simples e vaporoso, tem certa influência pequena sobre a subjetividade e a dinâmica do próprio organismo, que passa a ser encarado como ambiente de debate e trabalho, além de conspiração e, de modo relativo, autônomo, diferente da outra forma de nomear. Mas não caímos na outra ponta, um extremo, de considerar que a realidade é linguagem – nada disso; tal formulação não resiste contra uma observação mínima. A palavra é uma objetividade subjetiva, uma subjetividade objetiva.
IDEOLOGIA A palavra maldita, ideologia, com a qual uns acusam os outros, e vice-versa, de a praticarem em suas afirmações talvez ou supostamente interessadas. Como veremos, todo este capítulo tem como centro tal objeto. Para nós, a mentalidade não é epifenômeno, como até Marx deixou quase entender em alguns momentos. Mas, mesmo assim, doloroso à consciência a ideia de que não decidimos quando decidimos ou que não temos livre arbítrio. Às vezes, somos até capazes de ver nos outros que eles e seus pensamentos são frutos do meio, de sua experiência não escolhida, mas ―esquecemos‖ de olhar com o olho de dentro para fazer a autoanálise. Em geral, apenas quem está numa posição social que necessita da verdade, a posição comunista e proletária, tornase capaz do julgamento muito pleno de si e dos demais, de saber a base concreta do pensamento ou sentimento abstratos. Vejamos, agora, o resumo de alguns de nossos mestres e uma conclusão específica sobre.
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MARX E ENGELS Eles começam a concepção marxista de ideologia enquanto sinônimo de falsa consciência, como oposto à ciência. Depois, Marx avança para um conjunto de ideias como forma de tomar consciência prática das tarefas e problemas de seu tempo. Eles elaboraram, então, a famosa máxima: as ideias dominantes de uma época são as ideias de sua classe dominante.
LENIN O teórico russo contrapõe ideologia como visão de mundo classista, das diferentes classes. Há, assim, a ideologia operária e, oposta e inimiga, a ideologia burguesa.
LUKÁCS O húngaro nomeia ideologia toda a superestrutura subjetiva: ciência, política, moral etc. Para ele, ideologia é ontológica, ou seja, tem função prática na realidade para 1) convencer uns aos outros a trabalhar de tal ou qual modo, 2) convencer os outros homens a organizar a vida social de certa ou daquela maneira.
ALTHUSSER O autor francês retomou a ideologia como falsa consciência, como uma versão ou visão invertida, de cabeça para baixo, do mundo real. Na prática, ele apenas retomou o senso comum e preconceitos de seu meio ambiente, a universidade burguesa. Sua meta foi adaptar o marxismo à academia e suas concepções de classe média.
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OUTRA CONTRIBUIÇÃO Como no tema da liberdade humana, todas as concepções acima estão certas em algum nível. As diferentes ideologias – filosofia, arte etc. – subjetivam a objetividade, ou seja, desenvolvem, unilateralizam e aprimoram o que já existe na realidade. Por isso, muitas vezes apenas organizam e sistematizam o senso comum, o cotidiano. Engels afirma:
Vimos como os filósofos franceses do século XVIII que abriram o caminho à revolução, apelaram para a razão como o juiz único de tudo o que existe. Pretendia-se instaurar um Estado racional, uma sociedade ajustada à razão, e tudo quanto contradissesse a razão eterna deveria ser rechaçado sem nenhuma piedade. Vimos também que, em realidade, essa razão não era mais que o SENSO COMUM do homem idealizado da classe média que, precisamente então, se convertia em burguês. (Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico, 2003, detaque meu)
Ele repete, na mesma obra:
Para o metafísico, as coisas e suas Imagens no pensamento, os conceitos, são objetos de Investigação Isolados, fixos, rígidos, focalizados um após o outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa só em antíteses, sem meio-termo possível; para ele, das duas uma: sim, sim; não, não; o que for além disso, sobra. Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objeto não pode ser ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo se excluem em absoluto. A causa e o efeito revestem também, a seus olhos, a forma de uma rígida antítese. À primeira vista, esse método discursivo parece-nos extremamente razoável, porque é o do chamado SENSO COMUM. Mas o próprio SENSO COMUM - personagem muito respeitável dentro de casa, entre quatro paredes - vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se aventura pelos caminhos amplos da investigação; e o método metafísico de pensar, pois muito justificado e até necessário que seja em muitas zonas do pensamento, mais ou menos extensas segundo a natureza do objeto de que se trate, tropeça sempre, cedo ou tarde, com uma barreira, ultrapassada a qual converte-se num método unilateral, limitado, abstrato, e se perde em
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Insolúveis contradições, pois, absorvido pelos objetos concretos, não consegue perceber sua concatenação; preocupado com sua existência, não atenta em sua origem nem em sua caducidade; obcecado pelas árvores, não consegue ver o bosque. (Idem, destaque meu)
Lukács fala que a ciência costuma derivar do cotidiano como a criação de pombos observada por Darwin, mas não teve tanta clareza sobre isso quanto à ideologia. Marx diz n‘O Capital:
O segredo da expressão do valor, a igualdade e a equivalência de todos os trabalhos porque e na medida em que são trabalho humano em geral, só pode ser decifrado QUANDO O CONCEITO DE IGUALDADE HUMANA JÁ POSSUI A FIXIDEZ DE UM PRECONCEITO POPULAR. Mas isso só é possível numa sociedade em que a forma mercadoria é a forma universal do produto do trabalho e, portanto, também a relação entre os homens como possuidores de mercadorias é a relação social dominante. (Marx, O capital I, 2013, p. 103)
Em seguida à citação, ele faz a famosa afirmação: por estar no mundo antigo e ser senhor de escravos, Aristóteles era incapaz de perceber a substância do valor. A realidade é traduzida pelo pensamento, não criada neste nível. Uma obra de moral expressa a moral objetiva da realidade, por assim dizer. Quando pós-modernos falam de ―Multidão‖ no lugar das classes em luta, eles estão intuindo o fim das classes no comunismo de modo impressionista e imediatista, pois as classes estão de fato em crise categorial. Quando outros pós-modernos falam de fim do trabalho e besteiras semelhantes, de fato sentem com exagero a crise do valor, a automação etc. O filósofo ou o artista está na vanguarda do novo, ainda que algo seja de curta vida. Adorno percebeu já e ainda no começo que a música se tornaria apenas o fundo de um cenário, logo fato comum hoje desde o walkman, o MP3, o celular, a internet etc. Claro, muitas vezes erram os ideólogos.
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Se a realidade humana, pessoal, está fragmentada, logo surgirá uma filosofia fragmentada. Passamos para a linguagem humana aquilo que não a é. O espírito do tempo hegeliano, Zeitgeist, na verdade é a objetividade do tempo, ou melhor, do meio, a carne e a coisa de uma época, corpo social e dinâmico – espírito, mas espírito concreto. Isso produz uma nova conclusão, teorema: se uma teoria parcial pode surgir, ela surgirá. Vejamos dois exemplos. A artificialidade atual do dinheiro, na artificialidade do sistema mantido pelo Estado, sua criação fácil, leva a membros da classe média a pensarem como solução para tudo a criação maior de moeda. A nova classe média e a aristocracia operária europeia fizeram a cabeça de Sartre e seu existencialismo. O materialismo parte, também, do senso comum: a realidade existe. Para um cidadão médio é óbvio que a objetividade há, e é, pois Deus a criou. O idealista apressado acusa tal ideia por ser vulgar, cotidiana, e eleva a voz para duvidar da existência autônoma do real. Na verdade, sequer dá dois passos à frente na sua elaboração. A realidade é um inconsciente objetivo para além do inconsciente individual, subjetivo. Assim, este é influenciado por aquele; então ocorre a racionalização, no duplo sentido, psicanalista e não psicanalista. Lukács, por isso, erra quando diz que o artista, similar ao Espírito hegeliano, vai para o mundo e, enriquecido por ele, produz algo, retoma-se; não; o poeta já está na realidade e sua inspiração vem de repente, tantas vezes do inconsciente duplo para a consciência; depois, uma ideia leva à outra, e outra, e assim por diante. Se o romancista pesquisa, parte da ideia inicial, age a posteriori, e suas investigações são muito específicas, como estudar arte militar para melhor descrever e narrar uma batalha. Veja-se que os reformistas enrustidos no meio marxista insistem em negar a validade teórica de três aspectos do socialismo científico: a dialética, a queda da taxa de lucro rumo a crises e ao fim do sistema e a necessidade de um partido democrático centralista. Fazem isso de modo, em geral, inconsciente, mas o fazem. Em geral, expressam a classe média em suas entranhas cerebrais, por isso, por exemplo, a maior dificuldade de ir além da lógica formal. Enfim, a subjetividade dominante de uma época é a subjetividade de sua objetividade dominante. O subjetivo é um espelho ampliador. A classe dominante não cria ideologia em uma sala secreta de reuniões, caso contrário seria pura falsificação, não ideologia; assim como não controla o próprio sistema, a burguesia não controla a criação ideológica de modo direto e inteiro; ―nós criamos, mas criamos apesar de nós‖. A realidade entra na cabeça da própria classe
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dominante, que traduz o real de seu ponto de vista, e tenta ganhar a sociedade para suas próprias posições, que têm origem primeira no objeto, ainda que unilateral. Uma ideologia, por mais força social potencial que tenha por si, costuma precisar de uma superestrutura objetiva, uma instituição, para prosperar em muitas cabeças. As teorias de Lenin e Trotsky somente deixaram de ser marginais porque lideraram uma revolução, um partido e um Estado. Na França, a escola de Annales apenas cresceu porque tomou espaços universitários. Para muitos filósofos, cargos como o de reitor de universidade tiveram um efeito brutal na popularidade de suas ideias. Fora de tais meios, costuma-se cair na marginalidade. O externo se internaliza. Os marxistas afirmam que apenas (re)conhecemos o objeto quando ele está maduro; antes, conhecemos imperfeitamente o objeto porque o objeto também ainda é imperfeito. Os mercantilistas na economia pertencem à época mercantilista; a teoria da evolução de Darwin, a seleção do mais apto, pôde surgir e ser corretamente aceita porque a revolução industrial impôs o império da livre concorrência, permitiu surgir tal avanço científico por sua estrutura-avanço social e tais ideias eram úteis para o desenvolvimento das forças produtivas. Eis uma forma diferente de identidade e unidade objeto-sujeito. Em duplo sentido, o objeto que se reconhece no sujeito. Além do mais, a realidade tende a produzir homens e mulheres para si, que veem tanto quanto podem ver. A ideologia traduz e expressa as contradições e as dinâmicas do real, ainda que seja para negar tais contradições e tais dinâmicas. A ideia de tradição medieval vem de uma objetividade que pouco muda, em que o passado dava respostas suportáveis – até não mais dar. Temos, portanto, uma concepção ideológica de ideologia. A consciência avança se sua base material avança; e recua se esta recua. Mas a consciência também é matéria, então tem força na própria materialidade, e resistência à mudança, para frente ou para trás, além de influenciar também o meio. Há aprendizado, há tradição. De tal modo, damos um novo significado para a dinâmica unidade e identidade sujeito-objeto; tal objeto como objetividade, realidade. A ideia é matéria – a ideia é matéria em processo.
CONCIÊNCIA De onde vem a consciência? Da contradição. Quando um todo no qual o ser vivo opera se desregula, ou seja, quando os hábitos, as repetições de comportamento, deixam de encontrar a
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externalidade (totalidade) correspondente à ação; então força-se à percepção, cálculo, medição, comparação e diferenciação de si, do si, em comparação ao externo. É a sobrevivência, a necessidade de satisfazer necessidades, o impulso íntimo, cuja fonte é exterior ao corpo-mente. O primeiro impulso deu-se com a obrigatoriedade dos antigos primatas a descerem das árvores nas savanas. A teoria da evolução descobre que um órgão corporal, uma parte do, o cérebro neste caso, pode ser mais ou menos flexível e modificável para novas funções; e que as mudanças, mutações, mais ou menos comuns, prosperam ou não a depender se gerarão vantagens, não-contradições, com o ambiente natural. Temos um segundo estímulo à consciência. Isso é válido para uma espécie ou seu ser singular, uma pessoa, como também para um grupo humano: uma crise econômica faz com que um ser coletivo, a classe trabalhadora, ao romper a rotina, avance de classe em si para, ao elevarem-se as contradições, classe para si, consciência de classe. É análogo ao processo em escala biológica. Na medida em que o homem primitivo, os antepassados evolutivos próximos, modificavam, por meio do trabalho e construção de ferramentas, os seus próprios hábitos, surgiam necessidades novas; o ambiente modificava-se, o que gerava novas limitações a serem superadas. Como agir a estas contradições e mudanças? Pela capacidade de projeção, de imaginar, de antecipar idealmente. Tal habilidade só pôde surgir como necessidade permanente, mais que casual. Temos aí a base para tudo a que chamamos inteligência, criatividade, consciência e pensamento. Para isso, já o sabia Engels, o cérebro contou com energia oferecida por alimentos cozidos, pelas carnes e ômega 3. Abordemos uma pista empírica – forma de protoconsciência – em outras espécies:
INSETOS PODEM TER TIDO ―CONSCIÊNCIA‖ BÁSICA HÁ MAIS DE 500 MILHÕES DE ANOS. (Comentado) Dr. Barron e pelo Dr. Klein acreditam que as origens da consciência, são rastreadas pelo menos, até o Cambriano, que começou há cerca de 540 milhões de anos atrás. ―Quando os organismos começaram a mover-se livremente em seu ambiente, eles enfrentaram muitos desafios novos‖, explicou o Dr. Klein.
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―Eles tiveram que decidir para onde ir. Eles tiveram que priorizar suas necessidades. Eles tinham de interpretar informação sensorial que mudou como consequência do seu movimento. Isso exigia um novo tipo de modelagem integrada, e é aí que nós pensamos que a consciência surgiu.‖ Bruno van Swinderen é professor associado da Universidade de Queensland e é um líder no campo da neurobiologia do inseto. Dr. Van Swinderen acredita que um dos pontos mais importantes do novo trabalho é a constatação de que a compreensão da evolução da consciência não virá da procura de comportamento inteligente em outros animais, mas sim de compreender os mecanismos fundamentais que apoiam a consciência subjetiva e atenção seletiva, que ele diz que ―sabemos agora que insetos têm‖. ―Os insetos têm sido vistos tradicionalmente como mini-robôs, respondendo a estímulos ambientais de uma forma bastante inflexível‖, disse o Dr. Van Swinderen. ―Em contraste, Barron Klein e sugerem que é provável que algumas dos bases fundamentais da consciência já foram resolvidas nos menores cérebros‖. Compreender completamente o que está na mente de um inseto ainda é impossível, no entanto. (Rossetti, 2016)
Uma coisa é o órgão; outra, o fruto de sua atividade: cérebro e mente são categorias reais interligadas, são o mesmo, mas, ao mesmo tempo, diferentes. Destas pistas, retiramos a seguinte hipótese, que nos parece mais correta: não há um local responsável pela consciência – é uma consequência da totalidade da atividade cerebral, da interação de suas partes. Mas, certamente, qualquer totalidade, incluso o cérebro e a consciência, tem um centro. A explicação científico-filosófica da consciência certamente terá de abandonar a explicação simples e dicionária, isto é aquilo, para uma explicação por saturação do conceito. De novo, as conquistas metodológicas da economia política nos servem de exemplo facilitador: Marx, ao longo de sua obra magna, não diz apenas em uma vez e explicação ―o capital é (isto)‖, escolhe desenvolver a categoria no seu próprio evolver, satura-o no seu significado próprio (é-se: valor que se valoriza, relação social etc.). Aqui, indicamos ―consciência é alucinação relativa‖ para o caminho lógico-teórico do tema. Tratemos por nome imaginação, imaginação controlável pela relação material: dúvida, sendo diferente de imaginar, é uma forma de imaginar; recordar, sendo diferente de imaginar, também apenas se expressa como imaginação específica; são exemplos de
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diferentes formas de imaginação. Essa é uma das instâncias de preenchimento do conceito de consciência. Tornemos ainda mais claro. O esquizofrênico tem, por sofrimento material, diante da realidade, nesta, a imaginação inflada com lógica também sob inchaço. Na selva amazônica, um macaco prende-se na armadilha de caçadores de uma cuia com frutas dentro e um pequeno furo para pôr a mão; coloca a mão dentro, agarra as pequenas frutas, e trava-se naquela situação, fica preso, pois lhe é impossível soltar as frutas para se desprender e fugir – o macaco não alucina perante o desespero, falta-lhe imaginação. ―Leve um homem e um boi ao matadouro; aquele que berrar é o homem. Mesmo que seja o boi.‖(Torquato Neto). Na falta de relação imediata com o objeto, alucina-se. A ―mente imaginativa‖ é um resultado da atividade cerebral, órgão específico e integrado aos demais, é material, e tem de ser considerada também em si, assim como o bombear de sangue não é o próprio coração – coisa e atividade. Apenas permanece aquilo que muda – e só a mudança é permanente. A consciência vem da repetição; quando a mudança tornar-se regra, logo o cérebro-mente tem a necessidade, em permanência, de saber o que permanece na mudança. Ele continua fixado no passado, na busca da repetição, do padrão, embora, diferente de um computador, de fato crie, faz o inédito. Isso permite explicar um comentário: não existem mais gênios judeus. Ora, a pergunta é por que judeus e ciganos contribuíram tanto para a humanidade! Porque 1) eles tiveram um grande período dinâmico, de movimento e nômade; 2) eles estavam, ao mesmo tempo, dentro e fora da sociedade (veja-se que a solidão leva, tantas vezes, à leitura, por exemplo). Isso explica, em parte, o motivo de os negros no Brasil (Machado de Assis, Gilberto Gil, Cruz e Sousa, Milton Santos etc.) e dos EUA (Jazz, Blues, cinema etc.) terem contribuído tanto com gênios máximos na história desses dois países. A mente, a consciência, a ideia (abstratos) são resultado do cérebro (concreto) e da realidade (concreto) em movimento, em mudança, em atividade (processo) – o abstrato é concreto em processo. Porque a realidade altera-se, e a realidade social mais ainda, produz-se um impulso de manter a repetição, que forma a mente e é base para todo pensamento avançado. Uma pessoa que permanece uma semana presa e apenas deitada num quarto sem sequer ter noção da luz natural solar sente sua psique ―desfazendo-se‖, dissolvendo-se, pois perde a noção de movimento e mudança. Os teóricos da consciência etc. erram ao partirem de dentro para fora, não ao
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contrário, como se fosse premissa básica que a mente etc. existe por si. Aumentamos, portanto, o peso do objeto sobre o subjetivo. Nesse sentido, embora forçando um tanto a mão, a consciência é objetiva antes de ser subjetiva. A consciência surge ou eleva-se por sua necessidade, por necessidade de satisfazer necessidades (individuais, coletivas). Por isso, países decadentes após largo avanço ou imensamente contraditórios, como entre o avançado e o atraso, produzem grandes gênios. A degeneração dada pela alta qualidade de vida por ser combatida pela combinação de arte, esporte realista, erudição, alguma dedicação manual, relação esforço-recompensa. *** Aqui, inspiramo-nos nos gregos. Eles negavam a empiria aparentemente aparência, instável, caótica, sem lógica, sem rumo, contingente e queriam acessar o mundo por meio da boa reflexão, do pensamento dedicado, de deduções abstratas, de lógica e conflito de ideias com palavras. Assim, continuavam querendo o permanente na mudança – e fizeram, portanto, filosofia! A filosofia experimental, a científica e a objetiva, claro, hoje baseiam muito mais diretamente nos dados, no fatos, na empiria, embora saiba que a aparência ao mesmo tempo revela e esconde a essência, a verdade. Isso leva-nos ao debate sobre inteligência artificial: podem os programas e robôs tornaremse conscientes? Para nós, o que é, em primeiro lugar, consciência? Devemos responder tal pergunta milenar, até hoje um enigma insuperável, com suas diferentes escolas e polêmicas. Consciência é, também (pois não o que ela é não cabe no dicionário), autoconsciência, consciência de si. Mas ser consciente de si é ao mesmo tempo diferenciar, ter consciência do outro e do externo. Por isso, dizer que consciência é consciência de algo tem tal algo igualmente como a si próprio, alguém. Assim, ter consciência exige ter consciência da sua finitude, de perceber ser algo que não outro, ou seja, ter borda e limite, ou seja, ter fronteira. O erro de dizer que pensamos e temos consciência por meio de todo o corpo deve ser (re)considerada – não penamos com o corpo inteiro, mas é quase isso. O cérebro é também sua função. Ademais, consciência é finitude não só espacial, também temporal – consciência exige falta, logo, necessidade, logo, desejo. Dito isso, considerando a consciência de seu lugar abstrato, ou seja, separado e isolado nas nuvens ideais, vemos a dificuldade de uma inteligência artificial tornar-se de fato consciente. Ademais, o cérebro é a coisa mais complexa e difícil de replicar do universo. Pode-se, com mais
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rapidez, simular um ―como se‖ tivesse consciência. Mas, ao oferecer algo como um sistema nervoso completo ao robô, além de sentir necessidades (falta de energia, incômodo etc.), quem sabe a singularidade finalmente ocorra, para o bem ou para o mal. Marx diz que a há humanização das coisas e coisificação dos homens; e isso tende a ser literal, atingir um máximo: das máquinas simples que imitavam o movimento repetitivo das mãos humanas às máquinas complexas que imitam a sua inteligência e consciência.
O MARXISMO BÁRBARO O marxismo acadêmico, antes alternativa, tornou-se o marxismo oficial, contaminando os partidos marxistas. Há uma razão clara para o melhor do marxismo – Lênin, Trotsky, Marx, Engels, Gramsci, Moreno etc. – ter se formado por fora da academia, não por meio dela; em muitas ciências e na arte este também foi, inúmeras vezes, o caso. Burocratas universitários cumprem tarefas de burocratas; se fazem ciência, é algo acidental – tanto mais se em profundidade; a universidade precisa ser libertada, assim como foi libertada, antes, das mãos do feudalismo. Pelo ambiente e por elevação da qualidade vida, tornar-se professor de universidade matou o ímpeto de boa parte dos melhores quadros do movimento socialista. O marxismo agora oficial pouco produz de fato, pouco contribui e, quando tem algo profundo a dizer, erra com maestria. É constrangedor a falta de domínio do método dialético, por exemplo, usando do sofisma para fingir que compreende algo sobre o qual pouco domina, nunca usou como ferramenta. O marxismo sofreu o primeiro duro ataque interno na II Internacional, com os papas da social-democracia alemã; apenas com o marxismo russo, como com o marxismo do mundo subdesenvolvido hoje, pôde renovar a teoria. Depois, o estalinismo matou teórica e fisicamente toda a nossa tradição criativa. Após a segunda guerra mundial, Mandel, na estável Europa, tenta atualizar o marxismo, mas falhou e pendeu para o revisionismo; em oposição, Moreno, na conflituosa América Latina, faz um trabalho melhor, mas ainda tímido e de resgate. É com Lukács que começa alguma virada após a morte de Trotsky. Mészaros, de um lado, e Kurz, fora da universidade, de outro, são aqueles que dão o passo de fato primeiro, ousado, mas caem em pensamento unilateral e impressionista. Outras contribuições pontuais surgiram, mas pontuais, como os de Henri Wallon, na psicologia, e Henri Lefebvre, na geografia. Moreno falou de ―trotskysmo bárbaro‖, formado longe dos ambientes de erudição oficiais e no calor das lutas; ampliamos para marxismo bárbaro, porque tem a sujeira necessária, como a palavra comunista em relação à palavra socialista, para a produção realmente criativa, embora não revisionista. O marxismo bárbaro tem adoração pela dialética, mas de modo por inteiro crítico e renovador. O
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marxismo bárbaro nunca teme a desmoralização ao querer resolver polêmicas e problemas teóricos ousados. Em geral, o marxismo acadêmico é estéril, pouco criativo. Quando não é bíblico e dogmático, é renovador sem critérios de fundo, novidade pela novidade, impacto pelo impacto ou para vender muito o próximo livro… Subversão sem marxismo de nada serve; marxismo sem subversão é inútil. Os intelectuais marxistas são incapazes de ligar teoria e prática, de fazer análise de conjuntura, de elaborar política correta etc. É preciso certa dose de vida dialética para pensar de modo dialético. Por isso, o marxismo que olha apaixonado para os teóricos europeus da história recente mantém a tradição, comum no Brasil, de abraçar qualquer novidade exótica vinda da Europa; nada se produz em profundidade, apenas se torna representante oficial deste ou daquele filósofo em palestras que pouco ensinam. O muro de Berlim caiu logo em cima de tais consciências! É necessário dizer que a razão de resgatar os clássicos, estudá-los, tem a função de atualizar a teoria, nada de apenas atividade literária ou repetição de fórmulas. Os jovens marxistas devem respeitar seus mestres e suas tradições, mas para subir em seus ombros e ver mais longe e melhor. Mas a prova de que isso não ocorre é a pobreza dos sites e revistas de marxismo dos partidos, às vezes com meses sem novas contribuições, sem polêmicas vivas! A paz dos cemitérios futuros. O despotismo partidário, a ordem dos dirigentes, destrói o livre pensamento, o impulso subversivo, o pensar com a própria cabeça, o arriscar acertar e errar. Com a devida humildade, espero que este livro – com sua teoria geral da crise sistêmica e outras teses – seja parte vital da recriação necessária do marxismo, demonstre que é possível, abra novos caminhos. Afinal, isso era tarefa, já muito atrasada, para dirigentes e eruditos da velha guarda que teve de ser cumprida por alguém fora dos ambientes oficiais. Pois, no entanto, ela gira.
O ÓDIO POLÍTICO Diante da situação reacionária no Brasil e no mundo, a esquerda fez campanha contra o ódio, em defesa do amor e do diálogo (pedindo, assim, que o inimigo na ofensiva não atacasse). Isso é reformismo do pior tipo. As pessoas não estão odiando à toa, pois o desemprego e a precarização batem à porta; a classe média, falando de outro grupo social, irrita-se com sua fragilização ou com pobres usando aeroporto. A luta de classes é inevitável, logo é necessário que ela tenha como motor os nervos pessoais, a raiva acumulada. Se tal ódio não se expressa de forma positiva, criativa, poderá transmutar-se em desmoralização, tristeza ou depressão e impotência, individual e social. São tempos de forma sem conteúdo, de café descafeinado, de suco artificial, de corpo sem pulsão, de mercadoria sem valor novo – dirá o, no mais, medíocre marxista Slavoj Žižek. Se não é
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fruto de acasos, o ódio importa, mesmo e em principal o ódio de classe dos assalariados contra os ricos, dos ricos contra os assalariados. O reformismo quer resolver tudo na base do voto, não da luta, quer o bom comportamento logo quando se deve destruir o comércio no templo. A emoção e a razão não são apenas opostos e nem sempre contraditórios, um limitando o outro; eles podem estar juntos, um impulsionando o outro e vice-versa, em unidade destrutiva-produtiva. O partido revolucionário deve estimular este ódio com a situação e a coragem, a ação ousada. Sem fortes sentimentos, nada grandioso e racional será feito. ―Nada grandioso no mundo foi realizado sem paixão‖, afirma Hegel. O pacifismo derrotista de nada nos serve, pois há horas para o máximo diálogo e há outras para o máximo confronto. O ódio como sentimento apenas e sempre negativo é filosofia e política da pior qualidade.
MÉTODO EMPÍRICO-DEDUTIVO Quando a civilização grega antiga atingiu seu apogeu, com o devido afastamento das barreiras naturais, o homem ainda mais social numa sociedade de classes, produziu a filosofia dos sofistas, onde a verdade, na prática, não importava, seria inalcançável. Algo semelhante acontece hoje. Com os avanços do século XX, em base a uma sociedade fraturada em classes, a filosofia pósmoderna, na área de humanas, declarou as várias verdades, as narrativas, a fragmentação, o culturalismo, o grande indivíduo – sentiu-se à vontade para desprender-se, em parte e ilusoriamente, do real. Duas questões (Machado, 2022) parecem operar o início do pensamento pós-moderno: 1) a crise do liberalismo como crise do capitalismo; 2) a crise do marxismo por razão das ditaduras estalinistas que transformaram o pensamento antes crítico em dogmas em nome de repressões contrarrevolucionárias. Isso, tal explicação, é parcial, quase apenas superestrutural; no fundo, estão também, além dos fatores análogos aos dos gregos: 3) o crescimento da classe média urbana; 4) a precarização de tal classe; 5) o aumento da solidão social; 6) diminuição e fragmentação da classe operária; 7) a necessidade de evitar conclusões socialistas, sistema ainda relativamente impossível naquele momento. A base econômica-social, as mudanças na estrutura, deu as condições necessárias para a criação da filosofia irracionalista correspondente, como sua imagem e semelhança, como carne que se faz verbo, matéria que se faz ideia. A loucura do sistema em seu ocaso faz a loucura metodológica da pós-modernidade, a realidade em migalhas faz o pensamento em migalhas. Por exemplo, dizer que tudo é construção social – à semelhança dos antigos sofistas – soa subversivo, até socialista, mas é idealismo puro, como se valores e hábitos pudessem mudar por
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pura decisão, por pura tomada de consciência. É absurdo que marxistas tomem tal posição como na questão da natureza humana. Tal erro tem uma base, qual seja, somos, de fato, mais sociais que antes, bem mais, além de estarmos sob escravidão assalariada ainda. O marxista italiano Francesco Ricci, um dos maxistas militantes mais interessantes da atualidade, também limita-se à crtícia externa e quase apenas superestrutural da pós-modernidade (Ricci, 2023). Suas observações e críticas estão e são corretas, mas temos de saber a causa do erro, a causa de sugir tal filosfia irracionalista, porque ela nasceu e prosperou – porque tornou-se necessária. Ora, os pós-modrernos falam em fim do trabalho ou sua crise e sua perda de importância de modo impressionista – mas há de fato crise do trabalho, do valor, embora ainda de maneira relativa, com contratendências (automação, robótica, virtualização etc.). O pósmodernismo, em sua pressa reformista e exagero, trocam classes por multidão, por indivíduos aglomerados – mas de fato a categoria de classe está em crise como sintoma do fim das classes, além de haver concentração inédita e qualitativa de humanos na urbanidade, ou seja, crise da urbanidade. Os pós-modernistas trocam o trabalho pela linguagem de modo a negar a centralidade marxista do trabalho, assim, caem em idealismo, como se a mente (linguagem) fizesse a realidade, não o oposto – mas a realidade material madura e, ainda no nosso caso, em crise de estrutura de fato abre caminho para uma dose materialista de idealismo, somos mais sociais e a subjetividade toma importância relativamente maior; além disso, o destino da humanidade se faz por convencimento dos demais, ao menos hoje, ou seja, à beira do fim. Eles negam que exista verdade, apenas haveria a verdade pessoal e angular – mas de fato a verdade está a ver navios: ela é negada, deformada, manipulada como nunca antes; a verdade verdadeira tornou-se revolucionária e o capitalismo tornou-se mentira, artitficial. (Observação: a física moderna tem várias situações em que um fenômeno existe ou não existe a depender se, por exemplo, o observador está parado ou em mesma velocidade do fenômeno, como a surgir de uma campo magnétido pro um partícula em movimento; também tal área possui indeterminismos gritantes; trata-se da crise da física, sobre o qual debaterei em outro capítulo, mas que nos faz ver já que o problema é profundíssimo.) Eles viram tendências, então exageram, unilaterizaram, impressionaram, deformaram etc. porque a realidade está, no nível humano, não coisal, fragmentada, desesperada, travada por contradições e surge uma classe média numerosa e urbana focada no trabalho não manual. Mas a solução não é o seu oposto, uma tomada conservadora. Aqui, entra a reflexão sobre o método propriamente científico. O método hipotético-dedutivo de Popper foi superado como paradigma pela moderna filosofia da ciência, mas cientistas atrasados ou pouco afeitos à filosofia
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permanecem no erro. Isso tem motivo. Não há método científico, no singular, mas métodos científicos, no plural; e o hipotético-dedutivo certamente ajuda a fazer descobertas, embora limitadas, por isso a sua resiliência. Mas permanece a mera aglutinação, não a fusão em um terceiro, do empírico e do racional. Einstein defendeu sempre o método dedutivo, por exemplo, enquanto outros, o indutivo. É necessário resolver a oposição e a contradição. O empirismo afirma que devemos nos limitar a colher e organizar dados, fazendo generalizações indutivas quando for razoável, evitando de todo refletir sobre eles; o racionalismo, ao contrário, diz que os dados enganam, logo devemos confiar na razão humana para, de ideias racionais, chegar a conclusões novas e racionais. Ora, ambos acertam e erram ao mesmo tempo. O método empírico-dedutivo, o oposto do superado hipotético-dedutivo e o adversário mortal da pós-modernidade, inicia pela apreensão dos dados empíricos, pois eles são o começo e vitais como fonte da verdade; mas tal empiria, além de revelar, esconde e engana, logo usamos a razão para saber desviar das armadilhas, para saber do interno por meio do externo, da unidade por meio da diversidade, da essência por meio da aparência enganosa – pois o essencial é invisível aos olhos e a realidade tem uma lógica própria a ser descoberta, não criada pelo cientista. Além de ter uma estrutura, a realidade tem um processo inerente – queremos ambos na nossa investigação. Queremos o mundo em seu vir-a-ser, em seu devir, em seu tornar-se, em seu desenvolvimento. A ciência já atrasou por demais seus avanços por falta da dialética como instinto básico da pesquisa. O universo estático, repetitivo, passou, com muito atraso, para o universo com história, com evolução; já podemos tomar como ainda mais racional que o cosmos teve e terá ciclos, gerações de universo, um após outro. Não se deve apenas interpretar os dados. A física quântica, por exemplo, tem uma dezena de interpretações conflitantes sobre tal estágio do mundo, todas baseadas nos dados. Mas estes nem sempre são criticados: antes, tomava-se como verdade incontestável que o salto quântico é instantâneo; hoje, ainda toma-se o spin como algo do reino quântico, como uma propriedade fora da nossa racionalidade, sem maiores explicações, portanto. Deve-se deduzir, também, o limite do empírico. A verdade está em algum lugar, nem que seja no meio ou na fusão. Deve-se evitar de todo iniciar por hipóteses, premissas, postulados, modelos, ―métodos‖, princípios ou mesmo conceitos – eles devem ser a conclusão da pesquisa, não seu início. E são descobertos, não criados de modo arbitrário. Em especial, os conceitos mudam se a realidade muda, não são fixos, são móveis, muitos com início e fim.
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A verdade é não empírica, impalpável, mas deriva sua descoberta da empiria. Ao que parece, Darwin correu o mundo colhendo dados multíplices, contingentes, diversos, caóticos – até perceber as leis gerais do desenvolvimento da vida. Nesse sentido, foi um dialético. É o objeto de pesquisa que diz como ele será explicado e apreendido. De modo algum, o cientista tem a honra de escolher um ângulo ou método para sua investigação como fazem o kantismo e o pós-modernismo. A verdade é o todo contraditório em evolver. Se há responsabilidade básica, nunca será escolha de todo pessoal do pesquisador qual será seu objeto estudado. É a realidade, o objeto, as necessidades sociais ou teóricas, que determina qual será o tema de pesquisa, nunca a mera vontade subjetiva do sujeito. Claro, entre assuntos urgentes e relevantes, pode-se escolher aquele pelo qual se tem mais afinidade. Até o modo de organizar e expor um livro deve ter origem no objeto, não no sujeito. A organização do objeto impõe uma organização clara da obra. Neste livro, tivemos de começar, primeiro, pelo primeiro na sociedade, a economia; não fosse assim, o material textual seria confuso. O método dialético torna-se o método empírico-dedutivo. Em outro capítulo, demonstraremos como no trato da lógica de tal método, Hegel deixou de observar como se deveria o diacrônico, o processo. Marx, Darwin, Einstein e Freud revolucionaram o pensamento e a sociedade. Além desse fator comum, todos foram base para uma concepção histórica do cosmos – Ser é histórico, ou melhor, histórico-geográfico. Mas algo ainda mais de fundo também os une. Consciente ou inconscientemente, com maestria ou com improviso; todos usaram o método empírico-dedutivo, dialético, bem ou mal. Marx percebeu, pelos dados, as leis de desenvolvimento da histórica capitalista e da humanidade. Darwin percorreu o mundo colhendo dados e experiências variadas sobre a vida, até deduzir a evolução das espécies. Freud deixava os pacientes falarem à vontade, de modo relaxado e aparentemente desconexo, até que era percebido o nexo interno oculto na diversidade externa, além de aspectos da história do paciente – o que lhe permitiu consolidar uma teoria. Einstein defendeu com veemência o método dedutivo, não o empírico-dedutivo, porém suas premissas, muitas vezes, já estavam sendo confirmadas na realidade, como a velocidade da luz e sua medida como a máxima do universo, aproximando-o intimamente do método aqui defendido (resumo grosseiro: partir do empírico para deduzir – Einstein declara: ―Vale então o princípio: a massa gravitacional e a massa inercial de um corpo são iguais uma à outra. Até hoje a
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mecânica, na verdade, registrou este importante princípio, mas não o interpretou‖ (Einstein, 1999, pp. 57, 58; destaques feitos por Einstein)). Sua formulação foi a base da teoria do Big Bang, da história, ainda incompleta, do universo. Isso explica o motivo do limitado Popper ter afirmado que a teoria da evolução de Darwin, a teoria da história humana de Marx e a teoria freudiana não serem, para ele, ciência… Depois, recuou no caso da biologia darwiniana para evitar desmoralização diante da merecida autoridade de Darwin. Popper desconhece as ciências históricas. Veja-se que todas as teorias acima são atacadas das mais diferentes formas; negadas por estados, correntes e religiões. Nenhum acaso há aí. Concepções de Marx como o lado não eterno do capitalismo fere interesses lucrativos, de classe e religiosos. A teoria da evolução derruba uma premissa da religião, logo é negada com fervor. A teoria freudiana tira o lugar consolador da fé e agride os bloqueios inconscientes de muitos (homossexuais enrustidos, pessoas que mal lidam com seu complexo de édipo etc.), levando até a acusação máxima de pseudociência (enquanto consideramos, aqui, ela incompleta). Einstein é acusado de charlatanismo até hoje, mas nunca refutado, nem superado (embora possa ser ao mesmo tempo preservado e superado no futuro como tentaremos esboçar em outro capítulo) – além de ser acusado, com razão, de ser… comunista! As ditaduras têm, em geral, horror às teorias de essência, mais do que instrumentais. Se são obrigadas, aqui e ali, a adotá-las, como para fazer uma bomba atômica, ou para parecer marxista enquanto rouba o povo, trata-se da verdade impondose. Ainda assim, o método dialético, como empírico-dedutivo, demonstrou apenas metade de suas capacidades revolucionárias na ciência. Em outro momento, demonstraremos construções como A=A e não-A, sincrônicas em geral, suprassumidas por A=A e… não-A, também diacrônicas. Isso casará bem com E=mc², a identidade dos diferentes no movimento ou no desenvolvimento.
LUTA POLÍTICA, LUTA DE CLASSES Há uma falha no movimento comunista, na sua comunicação. Exceção dos conflitos palacianos, as medidas de governo e de poder possuem um caráter classista oculto, que deve ser revelado às massas. Por que Dilma foi obrigada a tomar medidas neoliberais, por que o teto de gastos ao Estado? O objetivo da grande burguesia era quebrar a onda de graves daquele período por meio do retorno ao desemprego; por isso, cortar os estímulos estatais à economia. A causa classista das medidas de governo deve ser denunciada por todos os cantos. Enquanto a mídia cria um enredo para dizer que tal ou qual media é bom para todo o país, independente das classes, e
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faz justificativas ―técnicas‖; nós devemos, sempre, esclarecer o caráter de classe das medidas tomadas ou pretendidas. A luta política, em especial a partidária, camufla e esconde qual a luta real em jogo, a de grupos humanos opostos. Enquanto uns procuram esconder o caráter classista, nós revelaremos. Isso é um caminho necessário para retornar a consciência de classe. A luta política quer esconder, como se autônoma, o caráter de classe de sua dinâmica.
ASPECTOS DO MAXISMO Neste subcapitulo, trataremos de incompreensões sobre o marxismo. Muitas críticas contra tal ciência, derivam do mau entendimento de suas conclusões, algo comum mesmo entre os discípulos de Marx.
Individual e coletivo Diz-se que Marx acertou, mas apenas entre as formigas. Como se o velho pusesse o coletivo sobre o indivíduo. Isso é um erro. Sua concepção defende que o desenvolvimento de cada um será, no socialismo, a condição – condição! – do pleno desenvolvimento da sociedade. Como isso se mostra? O escravo antigo não tinha liberdade alguma; depois, o servo medieval era mais livre; depois, o assalariado no capitalismo é ainda mais livre, livre em formal; depois, o cidadão socialista terá o maior grau de liberdade possível. No marxismo, a história humana é a história em que o indivíduo é cada vez mais livre, logo a próxima etapa, a socialista, será de liberdade ainda maior que a anterior. O marxismo abomina o ―isto ou aquilo‖ e substitui por ―isto e aquilo‖. Assim, a oposição entre individualidade e coletividade deve ser superada na união de ambos.
Biologia Para Marx, o motor primeiro da humanidade não é a luta de classes, o modo de produção ou a economia. O central é que homem deve, primeiro, satisfazer suas necessidades, incluso sexuais. Ele pensou isso antes da revolução de Darwin, contra a religião e a filosofia de sua época.
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É necessário, antes, produzir e reproduzir as condições de vida de modo a ser capaz de, pelo menos, manter-se de pé e perpetuar o gene (desconhecia-se genes à época), a espécie e a comunidade. Vejamos a lei primeira de Marx, fala de Engels:
Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da Natureza orgânica, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da história humana: o simples facto, até aqui encoberto sob pululâncias ideológicas, de que os homens, antes do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se poderem entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc; de que, portanto, a produção dos meios de vida materiais imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento económico de um povo ou de um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições do Estado, as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas dos homens em questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, das têm também que ser explicadas — e não, como até agora tem acontecido, inversamente. (Engels, Discurso Diante do Tumulo de Karl Marx, 2006)
A luta de classes é uma luta por recursos e uma luta distributiva, não só de produtos ou dinheiro, mas também de tempo, de energia etc. Em resumo, luta de classes por: movimento, energia, tempo, espaço e matéria. Antes de ser social, o homem é natural. De outro modo, natural socialmente modificado e desenvolvido. Os marxistas relacionalistas pensam que a biologia humana é apenas uma carcaça vazia, como se a genética e o biológico nada tivessem a dizer, ainda que de modo relativo e mediado. Por vezes de modo cínico, os marxistas vulgares consideram apenas a homossexualidade como natural, biológica, pois isso é um bom argumento em defesa da causa. Mas é uma exceção e um limite. Têm medo da verdade, procuram encaixá-la em suas noções prévias.
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Essência humana Marxistas também erram sobre Marx. É o caso do tema da essência humana, pois seus seguidores dizem que a natureza do homem vem das "condições materiais existentes" em cada época. Pois bem; Marx diz, em O Capital, que temos, não uma, mas 2 essências humanas: 1) a geral, independente da época – de origem natural, como descobrimos; 2) a histórica, que muda com as mudanças ambientais da sociedade. Assim, o cérebro humano também é uma "condição material existente", apenas relativamente maleável. O Marxismo sociólogo pensa: 1) para a teoria burguesa, o egoísmo é a essência humana e algo natural; 2) a concepção burguesia está errada; 3) logo não existe essência natural. Percebe-se o absurdo salto lógico ilógico? O fato de a concepção burguesa de essência humana estar errada nada afirma sobre a existência ou não de, também, uma essência humana geral e natural. Deve ser investigado, incluso a posição de Marx da existência de duas essências humanas. Lembremos que na época de Marx: 1) as ciências da mente e do cérebro sequer engatinhavam, e a neurociência é recentíssima; 2) as revoluções científicas da história do homem e da vida, Marx e Darwin, haviam acontecido, mas ainda com muito a desenvolver. O princípio e o método marxistas permanecem como base das atualizações, como a essência humana ―natural‖. Marxismo não é estatismo Eis uma confusão universal. Se uma empresa do Estado visa, direta ou in 101, o lucro, o maisvalor, o dinheiro em busca de mais dinheiro, logo a empresa é capitalista. O Estado burguês é um burguês impessoal. Contra a oposição entre o público e o privado, alguns marxistas defendem o ―comum‖. Nas empresas socialistas, os operários governam a própria empresa por meio de assembleias regulares que decidem tudo o central de seu funcionamento; tais empresa só são estatais porque o Estado socialista não é uma entidade separada de seu povo, mas é diretamente controlado por ele, pelos que vivem do próprio trabalho.
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“Direta ou in” – vemos que a arte e a ciência podem atualizar relativamente a gramática, ou produzir algo colateral, nesse caso por redução, sem cair no sofismo obscurantistas dos mal chamados “continentais”, em especial dos irracionalistas.
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O ideal Pensa-se o materialismo de Marx como se a subjetividade nada importasse. No meio da militância comunistas, ―detalhes‖ psicológicos são tratados como descartáveis, exóticos, fora do materialismo etc. Mas a visão marxista é a visão do todo, o que inclui tudo subjetivo; ademais, criar um partido marxista tem a função de disputar consciências, pois não existe caminho inevitável ou natural, determinístico, para o socialismo. A oposição externa entre ideal e material, mente e corpo, consciência e realidade, é apenas… externa, pois tudo é matéria.
MARXISMOS Faz falta uma obra que faça a análise correta dos mais variados marxismo, dessa pluralidade teórica. O pensamento contemporâneo pode ser dividido entre marxistas e não-marxistas. Aqui, trataremos de maneira sintética apenas das escolas que têm algum peso maior, que formaram tradição – ainda que menores em suas contribuições. Apesar de nossas críticas, elas foram base desta obra, mesmo como um referencial de por onde evitar navegar.
LENIN O russo viveu uma das ditaduras mais violentas do mundo, da história. Isso serviu de base para que pensasse um modelo de partido hoje nomeado bolchevique. Democracia interna nos organismos, que lutavam por democracia, em especial a socialista, mas agir de modo unificado e disciplinado no movimento prático – contra um inimigo centralizado. Seu perfil partidário logo teve de ser generalizado para outros partidos, mesmo que sob democracia burguesa. Lenin foi um dos últimos a teorizar a natureza do imperialismo. Seu acerto, no entanto, devese mais à sua perspectiva, operária e revolucionária, que lhe deu um bom ângulo para caracterizar as mudanças. Um político genial, mas limitado em outras áreas do pensamento. Um dos seus limites é ter estudado a Lógica de Hegel apenas após o início da primeira guerra mundial. Assim, ele opunha luta política e luta econômica, sem ver a dialética unidade delas. Sua teoria do reflexo não tem muito a oferecer.
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Lenin, na obra Imperialismo, ora diz que a nova fase do sistema estimularia o desenvolvimento das forças produtivas como nunca antes, ora dizia que elas não mais conseguiriam se desenvolver. Por que a duplicidade? Pela pressa em torno da revolução mundial… É difícil aceitar que seu tempo ainda não é o tempo do socialismo, a vida é curta. Para os estalinistas, o Lenin que conhecemos hoje nasceu pronto, sem erros. Não poupam elogios ao revolucionário. Mas ele foi uma construção social, que se desenvolveu. Já criticamos a indução de que a causa dos Estados burocratizados ―socialistas‖ seria fruto da liderança por partidos centralistas – posição que vê a parte apenas, não o todo (a imaturidade daquelas sociedades e do capitalismo global). Há uma dedução mais sofisticada, que pode ser fruto até mesmo desta obra: como as condições estruturais, não conjunturais, estavam ainda imaturas para o socialismo, buscou-se um compensador social, o partido leninista; assim, não precisaríamos mais de tal partido porque as condições objetivas estão, agora, maduras, dispensando um compensador ―externo‖. Isso é um engano: nada garante, de antemão, mecanicamente, que o socialismo virá, pois depende de escolhas humanas, de convencimento amplo. Com os primeiros Estados operários, a revolução será, tendencialmente, mais fácil, o que diminui relativamente a necessidade de partidos prontos e elevados, mas, por outro lado, ao mesmo tempo, facilita a formação de partidos elevados, que se educarão por saltos.
TROTSKY Leon Trotsky ofereceu uma contribuição genial à dialética, a lei do desenvolvimento desigual e combinado; isso foi facilitado por viver num país desigual e combinado, com o mais avançado convivendo com o mais atrasado. Além disso, seus textos sobre moral e arte são memoráveis. Duas grandes contribuições suas são a teoria da revolução permanente e o programa de transição. A teoria da revolução mostrou-se verdadeira, pois a revolução burguesa de fevereiro de 1917 na Rússia tornou-se revolução socialista de outubro. Isso fez parecer correta a antes hipótese. Porém, isso é metade do caminho. Por exemplo: a teoria da gravitação de Newton é útil nas nossas escalas, mas superada em escalas maiores. Trotsky partia de uma conclusão que se tornou, assim, premissa: o tempo da revolução socialista havia chegado. Esse erro levou-o ao raciocínio sofisticado. Se estamos na época do socialismo, como ele ocorrerá em países atrasados? Daí pensar que a revolução burguesa nos países limitados teria de se tornar socialista logo, com o
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necessário apoio da revolução nos países ricos. Todo este livro é demonstração de que o gênio estava errado, pois a pressa levou às conclusões apenas de modo parcial e limitado verídicas. Era preciso ainda surgir a crise total, sistêmica. Sua contribuição militar foi muito mais prática do que teórica, sendo o líder máximo do Exército Vermelho capaz de derrotar outros 14 exércitos inimigos.
GRAMSCI A Itália teve como seu grande problema o Estado, o que produziu gênios como Maquiavel. Apenas no final do século 19 o país unificou-se. Isso pesou sobre o perfil de Gramsci, focado na superestrutura objetiva (organizações) e subjetiva (mentalidades etc.). Porém, ele não teve condições de oferecer uma obra sistemática, pois estava preso. Restaram-nos anotações vagas para evitar repressão. Não é por acaso que tantos centristas reivindiquem seu nome. A ideia de um revolucionário preso pelo fascismo escrevendo seu trabalho intelectual desde a cadeia tem algo de muito romântico, em especial para ―marxistas‖ de classe média, aquele professor universitário. Os funcionários públicos, como os professores, tendem a focar em temas superestruturais.
LUKÁCS Lukács viveu no ―socialismo‖ real cuja ideologia capitalista do trabalho imperava. Tal pensamento comum da propaganda governamental afetou seu perfil. Pensou, então, uma ontologia marxista, que tornava o trabalho a categoria fundante do ser social. Ele poderia ter ido mais longe, bem mais, derivando a nossa metafísica materialista, exposta em outro momento desta obra, mas havia um limite sobre si. Sua grande contribuição para a dialética é a ideia de que as partes de um todo se relacionam umas com as outras, o que produz, também, acidentes, acasos da causalidade recíproca dos muitos elementos constituintes de uma totalidade em movimento.
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Grosso modo, de maneira muito resumida, a ciência produzida pode, para ele, tornar-se, sendo uma ideologia, uma ideologia propriamente. Para nós, a ideologia, o senso comum, pode – também, pois é recíproco – ajudar, além de atrapalhar, a produzir nova ciência.
ESCOLA DE FRANKFURT Não sendo marxistas, mas não negando tal filosofia – surgiu a escola alemã, com seus fantasmas pessimistas. O mais destacado dentre eles foi, certamente, Adorno. Ele afirma que o ―todo é o falso‖, pois associa totalidade com totalitarismo, um jogo de palavras de baixo nível. A verdade é o todo, sabemos junto com Hegel; uma verdade parcial é parcial, certa e errada. Também levantou a ideia de que devemos focar na diferença, não na identidade. Erra mais uma vez: a dialética é a afirmação tanto da diferença quanto da identidade. O trabalho difícil de um cientista ou filósofo é ver a identidade, a unidade, do diverso que aparece. Por fim, propôs o foco na contradição, contra a totalidade, mas a contradição se resolve, dissolve-se, em seu lado produtivo; além disso, as categorias centrais da dialética são três, não uma: totalidade, contradição e movimento – e a contradição tem por debaixo a relação, incluso autorrelação.
MORENO Natural da Argentina, Moreno viveu as duras lutas do continente americano na segunda metade do século 20. Sua qualidade e defeito estão em forcar na ―estrutura‖, ou seja, nas classes, na sociologia, na antropologia. Ofereceu, assim, uma série de atualizações da teoria marxista segundo as exigências da realidade. Percebeu, por exemplo, que a teoria da revolução permanente de Trotsky estava incorreta, apenas em parte verdadeira, mas não soube propor algo melhor.
MANDEL Em oposição à Moreno, Mandel viveu uma vida estável, incluso de professor universitário, na Europa democrática do Estado de bem-estar social. A realidade, assim, impediu que fosse um grande marxista. Suas leituras são limitadas, embora tenha esta ou aquela boa sacada na infraestrutura, na economia.
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CHE GUEVARA Formado na classe média, de um subcontinente contraditório e atrasado, como com grande população camponesa, surgiu Guevara. Ele foi um lutador internacionalista e pelo socialismo, mas não foi um crítico total às ditaduras ―vermelhas‖. Sua pressa pela primavera, fez com que tornasse popular o seu princípio, resumido em: 1) não é preciso esperar o levante das massas, 2) um pequeno grupo armado e disciplinado pode tomar o poder, vencer o Estado. Sua morte ao promover uma guerrilha na Bolívia o refutou da pior forma, além da derrota de tantos movimentos guerrilheiros pelo mundo, em especial na América Latina. Como ser revolucionário tornou-se sinônimo de ser marxista, ele foi considerado por outros e por si como herdeiro de Marx. Basta dizer-se marxista para sê-lo. Mas, bem observado, ele fundou um neoblanquismo. Os blanquistas consideravam que um grupo de elite e bem armado poderia tomar o poder e implementar uma ditadura do proletariado, ditadura no sentido comum do termo. A grande contribuição do Che foi para a história da guerra, com sua guerra de guerrilhas, apesar de ter escritos econômicos, por exemplo. A pressa, tão comum entre revolucionários, levaram os melhores para uma guerra inglória, antes da hora, contra o inimigo articulado e poderoso.
ALTHUSSER É o mais limitados dos teóricos aqui citados. De imediato, sua função foi adaptar o marxismo às concepções acadêmicas de sua época, num momento de alta qualidade de vida, baixa luta de classes e alta moral do estalinismo. Por isso, condenava o que pensava ser ideologia; por isso, condenava a dialética; por isso, condenava o jovem Marx filósofo (para ele, o Marx maduro e final ―científico‖ surge apenas anos depois de publicado o primeiro volume de O Capital…). Sua concepção metodológica usava a metáfora interessada do pesquisador que colhe a matéria-prima amorfa e lhe dá, então, forma e ordem. Pois bem; o marxismo diz o contrário, que a própria matéria usada pelo cientista já tem sua forma, sua história e sua própria lógica – cabe-nos descobri-las, não criá-las. De seus manuscritos, descobriu-se que, para ele, os momentos de passagem de um sistema para outros ocorre aumento da aleatoriedade, um materialismo aleatório. Tese de impacto, mas não demonstrável. Pode-se dizer igualmente que o aleatório apenas ganha relevo diante da crise
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sistêmica, não aumenta quantitativamente de modo decisivo ou qualitativo, ou que na estabilidade o aleatório se torna ainda mais rotineiro, ou que o aleatório nada mais expressa que a necessidade (não sendo, logo, apenas aleatoriedade). Disso tudo, percebemos o carinho de intelectuais acadêmicos, eles com boas contribuições, pelo teórico limitado.
KURZ Com a terceira revolução industrial, alguns teóricos burgueses levantaram a bandeira do fim do trabalho, crise do trabalho etc. Kurz deu a estas intuições uma explicação marxista, a crise do valor. Ele pertence à Alemanha, vanguarda da nova tecnologia e com baixa luta de classes por uma qualidade de vida acima da média. Por isso, ele não vê na classe operária uma saída revolucionária. Em tempos midiáticos, Kurz lutava por seu prestígio e por não desaparecer. Mas suas saídas teóricas levavam-no para um beco sem saída, unilateral. Então ele e sua corrente forçavam a mão na tentativa de fazer novas elaborações, impressionistas ou forçadas.
MÉSZÀROS Com um estilo prolixo, focado em debater contra seus colegas universitários ingleses, Mészàros foi um gigante oposto ao Kurz, igualmente genial. Ele toma a ―obsolescência programada‖ já debatida nos meios intelectuais e a generaliza, como com a redução da utilização da força de trabalho. Também foi impressionista, advogando uma crise permanente. Não percebeu a crise do valor, por exemplo, assim como Kurz não percebeu a crise a partir do valor de uso, como fez Mészàros.
ESTALINISMO O estalinismo não formou uma teoria real ou geral, apenas adotou esta ou aquela posição segundo a necessidade do momento. Sua função era negar o marxismo, manipular as massas e seus ativistas. Para isso, usavam a terminologia marxiana, mas apenas ela. Há, no entanto, algumas contribuições para a história tática militar no oriente, como em Mao. Este usou a
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linguagem dialética para falsificar a realidade, afirmando existir contradição principal (como a luta imediata contra uma invasão) e não principal (como a luta de classes durante a guerra) em cada conjuntura – na verdade, corrigimos, as contradições entram em combinação, fundem-se, articulam-se. Não é que ele entendeu mal o dialético, apenas fez uso oportunista da linguagem.
Em geral, por terem encontrado a verdade, pensaram ter encontrado toda a verdade. Cada escola marxista fechou-se em si, num movimento autofágico. Esta obra visa quebrar o sectarismo ao fazer crítica e, ao mesmo tempo, absorção dos teóricos unilaterais. Um ―a partir daqui para frente‖ torna-se um dos objetivos aqui expostos. Isso quer dizer uma teoria unificada do marxismo, contra o isolamento escolar. Só nos resta o caminho de ir juntos, ou mais juntos ainda.
NOVO MARXISMO O marxismo antigo entrou em crise, pois seu modo de operação esgotou-se, tonou-se incapaz de responder aos novos desafios e ambientes. Ele foi avançado para seu tempo, mas precisa ser superado e guardado. Os atuais quebra-cabeças encontram mais sofismo que respostas na mão das velhas interpretações. Isso é normal: tenta-se responder ao novo ou ao velho, retrospectivamente, com as ferramentas de sempre, sem arriscar qualquer salto prematuro. Mas vamos acumulando limites cada vez maiores, ao estilo de Kurn. A velha guarda limita-se a repetir ad infinitum as velhas fórmulas, ignorando seus limites. Aqui e ali, tenta-se salvar a teoria comum com atualizações pontuais, quantitativas. Kurz e, na outra ponta, Lukács anunciaram a necessidade de uma renovação completa do marxismo, sem eles mesmos conseguirem apontar todo o rumo. Em geral, o limite dos marxismos recentes é, de um lado, não estarem ligados à luta de classes e, de outro, não passar pela escola dura do trotskysmo (leninismo), apesar de seus limites. Dificilmente um não trotskista chegaria ao conjunto das contribuições desta obra. Tentou-se um pós-marxismo, marxismo analítico, marxismo matemático, neomarxismo, socialismo do século XXI etc. Foram ensaios do porvir. O marxismo é a teoria social final, que apenas começou – assim como a nova síntese da teoria da evolução, a teoria da relatividade na macrofísica são as teorias definitivas, que podem, no máximo, passar por reformas revolucionárias. Marx é, no social, o que Darwin-Mendel é para biologia e Einstein é para física. Mas seu trabalho é, em grande parte, inacabado, como a necessária teoria da psicologia. Com a devida humildade, penso que esta obra coloca a teoria social marxiana em outro patamar, como
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com uma renovação completa e qualitativa da dialética (A=A e… Não-A). Seria uma anomalia inesperada que a crise sistêmica, final, do capitalismo não gerasse uma renovação teórica, se não por todos os lados, ao menos em algum local do globo terrestre. Uma vez encontrada as repostas gerais, as novas gerações de militantes intelectuais e mesmo acadêmicos poderão destravar suas percepções, resolvendo novos enigmas e oferecendo novas contribuições úteis e corretas, mesmo que parciais, não mais sofismas ou novismo artificial (como criar conceitos apenas porque sim, para vender livros e não cair no ostracismo…) A vida é dura, mas nós somos mais teimosos. Digamos a verdade, doa a quem doer. Destruamos a razão desse beco sem saída: o tempo nos faz esquecer o que nos trouxe até aqui, mas lembramos muito bem como se fosse amanhã!
FÉ E RAZÃO Além da oposição emoção-razão, há entre fé e razão. Os mais moderados dizem que ambos são necessários e complementares, portanto ambos devem ser preservados. Isso é dialética kantista, resolvida pelo diacrônico (A=A e… não-A). A ideia absurda de que há uma região do cérebro responsável, logo estrutural, pela religiosidade é um erro científico de principiante. Ou melhor, no máximo, a mesma região serve para cada oposto, pois o que o aparelho psíquico busca é compreender a realidade, certa garantia da previsibilidade de um futuro bom etc. A religiosidade foi uma das primeiras ferramentas, por isso a mais frágil. Porque não tinham meios melhores, os antigos usaram a religião. Depois, vieram a filosofia e a ciência maduras, além da arte desenvolvida. No socialismo, ao poucos, sem imposições, as novas gerações serão cada vez mais ateias, cientificas e filosóficas céticas ao admirarem o cosmos. A alta qualidade de vida permitirá isso; um país com maior pobreza material e espiritual tem mais religião e fanatismo; outro país mais agradável tem mais ateísmo e menos fanáticos. Há, portanto, uma evolução, uma progressão, da religiosidade para o sentimento filosófico futuro. Um passa para seu oposto. Se temos certo aumento da religião onde há mais sofrimento por causa das guerras etc., temos, por outro, a nova geração que ―acredita em tudo‖ como ciência, astros, energia, Deus etc. Tal bifurcação subjetiva expressa uma realidade bifurcada, com duas possibilidades, socialismo ou barbárie. No mais, o novo e amplo ateísmo deve se livrar seu perfil de seita sectária, próprio de movimentos em seus inícios, e focar, como orienta Trotsky, na divulgação científica popular (jornais, panfletos etc.), na formação de clubes, na defesa das pautas sociais etc. Curioso que muitos jovens ateus procurem Nietzsche, um anticientífico, pai do irracionalismo atual, quando deveriam assumir a responsabilidade de ligar-se a Marx, o revolucionário ateu e científico.
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NEOATEÍSMO O ateísmo é uma concepção antiga, mas imensamente marginal – imensamente, mesmo. Alguns filósofos antigos eram ateus. Hoje, membros da nova geração adotam tal postura, logo isso deve ser explicado. As razões são: 1) desenvolvimento da economia, o que oferece ouros prazeres como TV, séries, alimentos baratos etc. 2) alta urbanização, o que diminui o controle sobre o indivíduo; 3) alto desenvolvimento da técnica e da ciência, oferecendo alternativas e respostas; 4) governos democráticos, sem maior controle; 5) onda permanente de escândalos religiosos, como pedofilia e pastores ricos; 6) nível cultural médio maior das novas gerações. Assim, os novos ateus podem surgir em muitos países, em especial nos desenvolvidos e nos de cultura ocidental. Seus ares de seitas ocorrem por ser um movimento em seu início, que deve aprender a baixar a guarda dos seus adversários para ganha-los aos poucos, pelas beiradas. De qualquer modo, o futuro do ateísmo depende do futuro da economia, do resultado da luta das classes. Uma sociedade de decadência não resolvida tende ao fanatismo religioso.
SEMIDEUSES MODERNOS Em outro momento, oferecemos um novo significado sobre o super-homem, o além-dohomem, de Nietzsche, pois ainda não somos em exato humanos e no futuro faremos automodificações de acordo com certa ética; para ele, o filósofo irracionalista, em sua concepção limitada, aquele que acessasse grande sofrimento e a arte chegaria ao nível superior. Pois bem; daiemos mais um passo. A era da comunicação de massas levou à adoração de certos seres humanos. Em geral, reconhecemos o hiper-especialista em alguma tarefa como um homem total, autorrealizado. Mas, por ser unilateral, na verdade é incompleto e falho, meio humano. Tal lógica também ocorre quando olhamos para eles: tomamos a parte pelo todo. O divulgador científico Pirulla demonstra que a internet, e as câmeras celulares de bolso, ao permitirem novo tipo de vigília informal de todos sobre todos, afeta a visão impressionista dos artistas, intelectuais etc. como se perfeitos, completos, únicos. Mesmo assim, continuamos a procurar o absoluto no outro por nos sentirmos menos e menores. Vale notar que a erudição ampla de um Caetano Veloso e um Gilberto Gil, juntos com suas especialidades, facilitou seus sucessos, a aura em torno de si mesmos. Uma beleza rara, uma grande habilidade com o futebol etc. geram a figura dos semideuses modernos, adorados. Para isso, faz-se necessário o talento, o facilitador, e a
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vocação, este impulsionando o trabalho constante e duro; mas costumamos pensar a figura do gênio como natural, já pronta desde o seu começo, sem esforço e sem bastidores.
SENTIMENTO DE GUERRA Walter Benjamin observou: a guerra antiga produzia heróis, orgulho e poemas em ode – hoje: silêncio dos ex-combatentes, dificuldade de narrar etc. As causas são: 1) A abundância atual impedir justificativa subjetiva para a guerra, a razão; 2) Somos mais integrados internacionalmente; 3) Os fatos explosivos da guerra com alta tecnologia são imensos, colossais; 4) Pela mesma razão de 3, perde-se a noção de causa e efeito, de lógica, pois morre-se de repente por um objeto vindo de algum lugar obscuro, explode-se de repente (a causalidade, por exemplo, era clara na guerra antiga por espadas, lanças e flechas – vale destacar que o trauma tem como um de seus fatores certa perda de lógica); 5) Guerreia-se para outros e para outra classe, não para si e para sua classe. Trataremos os efeitos disso no capítulo sobre a crise militar burguesa.
PSICOLOGIA DA GUERRA Via de regra, o exército mais poderoso baixa a guarda, além de ir à luta com entusiasmo; logo cabe ao mais fraco, o defensor, ter criatividade e ousadia, que surpreende. Ao ganhar uma batalha, inevitavelmente o vencedor baixa a guarda, alegra-se, quer que aquilo termine logo depois de tanta tensão mental e física. Isso costuma ser a causa da derrota na batalha seguinte. O general pode reduzir tal otimismo negativo, mas não pode impedir de todo. Parte essencial da luta é fazer o inimigo perder o moral, o estímulo. Por isso, proíbe-se que haja reclamações entre soldados, que desestimula os companheiros, afeta-os. A psicologia tem força: tratamos bem o adversário que desiste para que outros também parem; matamos nossos desertores para que os nossos não parem
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SENTIMENTO DE DECADÊNICA DE SUA ESPÉCIE Novas experiências civilizacionais podem levar a novas experiências de sentimentos. Um deles, típico para nossa época, trata-se do sentimento negativo pela decadência de sua espécie. A primeira vez que sentir algo do tipo foi por meio da experiência cinematográfica, os primeiros filmes de ―O planeta dos macacos‖. ―Unam‖ é um nome possível para o sentimento novo que ainda não tem nomeação.
HÁBITO DEMOCRÁTICO NO SOCIALISMO Diz-se que no socialismo a democracia direta e participativa respeitará a vontade da maioria, mas isso deve incluir uma cultura de ampla tolerância. Vejamos as variantes: 1) Aprovação por ampla maioria; 2) Aprovação por maioria; 3) Aprovação por consenso; 4) Aprovação por a maioria ceder de modo voluntário à minoria; 5) Nada fazer por falta de consenso; 6) Adiar a decisão; 7) Solicitar voto secreto (em organismos de base). 8) Sorteio como para eleição de alguns dirigentes (CIBCOM, 2023). 9) Os mandatos de tipo e gerais serão curtos em duração. Assim, iremos mais longe porque juntos. O planejamento econômico democrático e centralizado é a afirmação do homem, seu auge, pois afirma e eleva a categoria central do trabalho, a teleologia. O homem vai, assim, de um caminho inconsciente para uma solução consciente (análogo do ir de um inconsciente ao consciente na natureza). O caminho cego para o socialismo torna-se um caminho claro, decidido – se vencermos, uma probabilidade real e não apenas formal. A elevação de consciência dos trabalhadores, sua decisão de reorganizar de vez a sociedade, torna-se condição da vitória.
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A DECADÊNCIA DA DEMOCRACIA DOS RICOS No ambiente protestante e neopetencostal, os privilégios de ser pastor atrai oportunistas, vagabundos e psicopatas. Assim, o processo se retroalimenta. Na política ocorre algo semelhante: atrai, por privilégios, gente de baixa estatura moral e intelectual. É um aspecto ―subjetivo‖ da crise do Estado burguês – e a decadência da sociedade atual reforça o aqui exposto. Com eleições regulares, que ora elegem um grupo e ora outro, além de políticos sem falta de projeto geral, o governo não tem plano de longo prazo, para além das próximas eleições. O que um governo começa, outro para ou desfaz etc. Um rei, que por ser mero rei merece a guilhotina, tem ao menos a vantagem de pensar em planos de 30 anos, pois estará, ele espera, ainda no comando da nação. Como o socialismo revolverá tais contradições? Debateremos melhor em capítulo específico, adiantaremos apenas alguns aspectos. De um lado, os cargos não terão privilégios, além de sofrerem eleições regulares e mandatos perdíveis a qualquer instante; de outro, um parlamento científico e apartidário, formado pelos maiores cérebros do país, agregados por difícil concurso e por notório e público saber, com salários altos, será formado, com suas propostas aprovadas de modo automático, apenas podendo ser negadas caso reclame o outro parlamento, que é eleito e sem privilégios, logo regulador. Pode ser que o parlamento científico seja posto em dúvida por plebiscitos a cada, por exemplo, 20 anos, se mantém ou renova os membros, mantendo apenas a ―chapa‖ minoritária, formada por uma parte dos cientistas que queria a renovação dos cargos. Assim, temos o melhor dos dois mundos aprofundando a democracia, não a negando. Direto ao tema, a crise sistêmica da economia torna a democracia representativa incapaz de melhorar a vida da maioria. A crise da democracia burguesa é a crise do sistema de dinheiro. O atual sistema democrático é, portanto, incapaz de resolver o problema. A democracia desmoraliza-se, com razão. Daí que muitos setores desejem o fim do jogo, que busque a volta das ditaduras contra a ralé. Daí que os eleitores, cansados de ser enganados, elejam comediantes e outras figuras pitorescas para o governo, já que nada muda, seja na esquerda seja na direita. Cabe aos comunistas democráticos exigirem na primeira oportunidade: democracia direta operária e popular já! Democracia real – só com o fim do capital!
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A PSICOLOGIA DO FASCISMO Trotsky, o caluniado, foi quem melhor explicou o fascismo e como combatê-lo. É um movimento burguês imperialista, que se apoia na classe média falida, raivosa porque desesperada pela crise; o fascismo é fruto dos erros do movimento operário. Porém os pensadores do século XX, possuídos de fetiche pelo tema, tentaram psicologizar a origem do fascismo e seu sucesso momentâneo. Todo tipo de tese original, embora nem tanto correta, surgiu. É claro que perfis psicológicos nacionais, perfis de classe etc. facilitam ou dificultam o sucesso nazista, mas a base é a crise do capital, não um inconsciente revoltado ou pulsão sexual não vivida… Pierre Félix Bourdieu afirmou, por exemplo, que o Brasil não tenderia ao fascismo porque vivia suas pulsões animalescas no carnaval. Os franceses, na verdade, fetichizam os brasileiros, e vice-versa; somos alegres e anárquicos nas festas carnavalescas porque nossa rotina é bruta e violenta; somos amigáveis, cordiais, porque estamos sempre à beira do conflito direto, da luta, da agressão; as mães trabalhadoras criam os filhos por meio da violência; ademais, Bourdieu não (re)conheceu de fato a história deste país, quase sempre sob ditaduras e um Estado ―democrático‖ assassino. O governo brasileiro Bolsonaro, extrema direita, ajudou a refutar o francês. O fascismo se combate com milícias operárias e populares, além de boas propostas socialistas para os trabalhadores e a classe média, não com psicanálise coletiva.
TELEOLOGIA OBJETIVA Para ganhar moral no meio acadêmico, um dos segredos é ser contra a teleologia, a concepção que a realidade tem finalidade, um fim, um objetivo. É uma crítica fácil e famosa, mas pouco refletida. Os erros nesse assunto se deram à visão mecanicista do tema, desde Aristóteles até Lukács. Vejamos a confusão, as igualdades falsas na crítica: 1) Teleologia exige uma consciência que planeja. Isso é a concepção mecanicista de um trabalho artesão ou artístico, generalizada e, logo, rejeitada por muitos. Mas as leis inerentes da realidade podem levar a um rumo específico. 2) A teleologia exige separar fim e meio. Falso. Ainda uma visão mecanicista, priorizando uma forma de trabalho, como vemos. O fim pode estar, em sistemas orgânicos, no próprio meio, vai-se realizando no processo, rumo
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a si mesmo. O socialismo vai rumo a si na lutando por ele, com práticas de acordo com o fim almejado. O fim (abstrato) é o meio (concreto) em desenvolvimento (processo). 3) Teleologia é determinística. Nada justifica essa hipótese. O homem, por exemplo, tende ao socialismo – tende. Mas pode se extinguir antes de se realizar. A teleologia não é nem determinística nem contingente, pois é tendencial. 4) Não existe teleologia fora da sociedade. Outra hipótese sem comprovação. Por exemplo, o olho surgiu 6 vezes de modo independente na história da natureza, pois era necessário que o olho surgisse. No social, a história ocorre como teleologia objetiva e insconciente até que a sociedade ganha consciência alta, toma as rédeas da história. 5) Teleologia exige um fim (absoluto). Na verdade, a teleologia pode ter um alto grau de autorrealização, mas ele permanece como pulsão, movimento, desenvolvimento. Não se encerra quando se encerra. Temos a teleologia objetiva. Lukács afirma que na arte há identidade sujeito-objeto, formaconteúdo, essência-aparência e nós completamos com criar-descobrir e nada-ser. Logo vemos que Hegel se inspirou no trabalho artístico para pensar sua Lógica, caindo em mecanicismo em certo sentido. De modo geral, prospera quem respeita a teleologia, quem está de acordo com a história; definha quem está na sua contramão.
IDENTIDADE E UNIDADE DE SUJEITO E OBJETO A ciência conheceu toda uma etapa burguesa, que foi progressiva para a humanidade em essência, pois ofereceu bases ao socialismo. A ciência será socialista – mais do que de forma latente ou oculta como com a III Revolução Industrial – quando der base ao desenvolvimento da nova forma social, suas tecnologias etc.
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Entre as condições para a revolução mundial encontra-se um alto desenvolvimento da ciência e da técnica. É preciso grande conhecimento das propriedades do mundo, de suas possibilidades, de sua natureza e de sua história para revolucionar a sociedade. Enfim, é preciso que o homem tenha produzido as condições para perceber que ―somos uma forma do cosmos conhecer a si mesmo‖ (Sagan). Tal identidade entre sujeito e objeto deve estar latente, ainda exigindo uma nova revolução científica, para sua realização socialista.
RELAÇÃO Há três relações psicológicas imediatas: 1. Homem-homem, sujeito-sujeito; 2. Sujeito-objeto; 3. Sujeito consigo. Inspiremo-nos em Winnicott. A relação 1 torna-se mais própria do neurótico; a 2, mais própria do perverso; a 3, mais própria do psicótico. No neurótico, interno em si, a 1, mais própria do histérico; a 2, mais própria do fóbico; a 3, mais própria do obsessivo. No psicótico, também 3, a 1 é mais própria da paranoia; a 2, mais própria da melancolia; a 3, mais própria da esquizofrenia. No perverso, a 1 é mais próprio do sadismo; a 2, mais própria do fetichismo; a 3, mais própria do masoquismo. O feto trata-se como relação consigo mesmo. Depois, relação com outro, em principal a mãe. Depois, pluraliza a relação, com outros. Tal relação cada vez mais é também relação dos outros consigo, na medida em que o Eu desenvolve-se. Enfim, ocorre a afinidade eletiva nos amores, nas amizades etc. Por meio do outro, meço-me, individualizo-me, reconhece-me e ao outro como iguais e humanos.
Forma 1 Relação consigo
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Forma 2 Criança
– Mãe (pai)
Forma 3.1 Criança
- Mãe - Pai - Irmãos - Parentes - Próximos …
Forma 3.2, inversa Mãe
- Criança
Pai Irmãos Parentes Próximos …
Forma 4, afinidade eletiva Jovem, adulto – amor
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Jovem adulto – amizade Jovem, adulto – família
Em resumo, a identidade, relação consigo, feto, passa para a relação com a mãe, com o outro, ou seja, põe-se a diferença; esta, e a sua relação, passa para a diversidade; isso, por sua vez, produz oposição, contradição, relação, concentração e atração – e, enfim, uma unidade (amizade, família nova, amor etc.). A semelhança com as formas de valor em O Capital e, logo, na ―relação‖ de medida na Lógica de Hegel apresenta-se como real, proposital.
DESEJOS OPOSTOS Somos a unidade tensa de desejos opostos. Certa mulher, jovem adulta, deseja, de um lado, focar na sua felicidade pessoal, sua carreira e ter prazeres; por outro lado, ao mesmo tempo, tem o desejo de ser mãe, de ter uma prole. Ambos os desejos opostos são essenciais, legítimos, justos – ainda que um mais social e outro mais natural. Cabe a escolha, ou mediação, ou atossabotagem, ou lidar com frustração parcial etc. Nossa tensão é mais do que por desejar, pois também trata-se de ter desejos diversos, que podem cair em contradição.
AFETIVIDADE: INTENSIVO E EXTENSIVO Certa mãe que tem oito filhos distribuirá, diluirá, seu sentimento maternal, ainda que tenha preferências. Já a mãe isolada e carente, dedicará de modo intensivo, menos extensivo, seu sentimento, saturando o filho único. Quem tem muitos amigos, logo baixa carência, não é ciumento com suas amizades. Numa sociedade de relações amorosas livres, a baixa dependência emocional, o gastar intensivo de sentimento apenas para um, fará fraco o ciúmes, como hoje entre amigos leais. De modo puro, o extensivo mostra-se, na unidade interna de ambos, oposto ao intensivo; menor extensividade, maior intensividade – e o mesmo ao inverso.
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ANGÚSTIA A psicanálise afirma que a angústia é sem objeto, diferente do medo, e sem tempo, diferente da esperança ou ansiedade, por exemplo. Os filósofos não marxistas consideram a alienação eterna, inevitável, junto com sua angústia. Assim, discordamos, a causa, talvez central, do angustiamento está na não satisfação da essência humana – ser integrado, mutualista e ativo. É uma dor de existência que é difícil nomear e, ao mesmo tempo, difícil de saber a sua causa (o que exige, literalmente, milênios de elaboração teórica-filosófica). Mas tal vazio ocorre pela negação, no hábito, de nossa natureza natural. A angústia, em geral, não tem objeto, pois seu objeto não é objeto algum, mas a relação que é a falta de relação.
FENÔMENOS COMUNS Há uma série de regularidades destacadas no mundo atual. Aqui, destacaremos dois, focos de minha atenção duradoura, dos mais comuns cuja explicação já é insinuada no mundo popular, mas sem formalização teórica acabada. 1. Tiroteio em escolas etc. Há casos de pura psicopatia sem causa outra, de fato, mas a maioria ocorre por uma construção. O sujeito acumula frustração, frustração, mais frustração – até que surge, aqui e ali, certa raiva pura, aparentemente sem conteúdo, apenas raiva. Ela vai e vem até que, por mais frustrações, domina o assassino. Lembramos apenas que explicar não é justificar, nem fazer do carrasco uma vítima. 2. Pedofilia entre padres etc. Para todos, óbvio que a causa é o celibato, a proibição de casar-se. Falta explicar o processo. Assim, a profissão atrai gente com problemas sexuais ou, mesmo, homossexuais enrustidos. Ao, em permanência, impedirem em si mesmos olhar a mulher ou o homem de modo sexual, ao censurar-se mais o acúmulo de desejo; o cérebro procura certa mediação, a transferência da pulsão para corpos infantis, meninos ou meninas – que têm, também, menos meios de se defender. Ocorre, então, a mistura de distúrbio e oportunismo. Uma das razões de quase todos os líderes da igreja católica oporem-se ao casamento deles, o que reduziria a tensão libidinal, seria porque passariam ser obrigados a casa com mulheres, não com homens.
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3. Déjà vu Esse fenômeno popular ainda precisa de explicação. De minhas observações, elaborei isto: O InfraEu, o Eu oculto, antecipa, planeja, tenta prever; mas isso não ocorre de modo consciente; logo, tomamos um susto de repetição quando ocorre o que, no fundo, já esperávamos que ocorresse. Devemos dizer algo sobre o InfraEu, abaixo do Eu e do SuperEu, para termos mais clareza. O Eu externo é produzido pelo trabalho, pela ação, pelo foco no mundo, pela prática. Pois bem; saímos de casa e temos a sensação certa de que esquecemos algo, mas não sabemos qual algo… O InfraEu, que nos avisa sem avisar, sabe, sabe muito bem. Tanto é que, com algum esforço, a informação do objeto salta dele para o Eu externo, pertencente ao Ego.
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Parte 5 ESBOÇO PARA A CRÍTICA DAS CATEGORIAS DA PSICANÁLISE
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Para superar uma teoria é insuficiente criar outra oposta, pois se deve criticar ela por dentro dela mesma, em seus critérios, levá-la ao limite; ou seja, ver o acerto no erro e o erro no acerto. Nesta obra, oferecemos algumas pistas para uma possível teria unificada da psicologia. Tal meta deve lidar com a teoria mais avançada de nossa época sobre a psique, a psicanálise. Ela foi acusada de charlatanismo e pseudociência, em geral, por gente que não é da área. Pensa-se assim: tenho pensamento, tenho psicologia, logo entendo do assunto por natureza… Mas a física quântica é tão bizarra e inesperada quanto a psicologia real, logo a ciência nunca tem a obrigação de ser agradável. Por outro lado, porque acerta o alvo muitas vezes, a psicanálise é negada e caluniada, pois, por exemplo, impensável a um jovem religioso e homossexual enrustido aceitar tal teoria que o desnuda por dentro. A resistência violenta contra a psicanálise é, assim, uma prova empírica de sua validade geral, ainda que incompleta. Na psicologia, sujeito e objeto são idênticos, em unidade. Vejamos, então, alguns dos comentários deste livro sobre a psique.
SONHOS, EMPIRISMO E DIALÉTICA Freud operou uma revolução ainda insuperada na ciência da psicologia. Por inevitável, cada ciência particular alcança um momento em que é possível profundas reformas, mas não mais rupturas de pensamento, revoluções. Sequer a neurociência, que ainda engatinha, foi capaz de tirar o lugar da psicanálise. O núcleo inicial da teoria freudiana foi sua intepretação dos sonhos. Em resumo, os sonhos são realização fantasiosa de desejos, claros ou ocultos, para manter o corpo em repouso. Freud sempre deixou claro, contra a crítica vulgar, que o conteúdo dos sonhos não são sempre e necessariamente sexuais; se dormimos com sede, sonhamos algo relacionado a isso, como, por exemplo, estar dentro de um rio. Feito o resumo de uma teorização que parece irrefutável pelo avanço científico, portanto correta, vamos ao método. Em geral, Freud usa o método indutivo (empirista), ou seja, opera generalizações por repetição de padrões. Na associação livre, porém, usa o método empíricodedutivo, quando as falas do analizante, desconexas na aparência, demonstram ter um nexo interno; mas não é o nosso foco aqui. A relação freudiana com o empirismo revela-se na seguinte citação:
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Nosso primeiro passo no emprego desse método nos ensina que o que devemos tomar como objeto de nossa atenção não é o sonho como um todo, mas partes separadas de seu conteúdo. Quando digo ao paciente ainda novato: ―Que é que lhe ocorre em relação a esse sonho?‖, seu horizonte mental costuma-se transformar-se num vazio. No entanto, se colocar diante dele o sonho fracionado, ele me dá uma série de associações para cada fração, que poderiam ser descritas como os ―pensamentos de fundo‖ dessa parte específica do sonho. Assim, o método de interpretação dos sonhos que pratico já difere, nesse primeiro aspectos importante, do popular, histórico e legendário método de interpretação por meio do simbolismo, aproximando-se do segundo método, ou método de ―decifração‖. Como este, ele emprega a interpretação em détail e não em masse; como este, considera, desde o início, que os sonhos têm um caráter múltiplo, sendo conglomerados de formações psíquicas. (Freud, 2001, pp. 118, 119; grifo nosso)
Nenhum método científico é, em si mesmo, errado – nem é o critério da verdade. Com métodos inferiores pode-se chegar à verdade ou parte dela. Mas o método superior, a dialética, faz uma crítica ao empirismo como crítica da citação acima:
Ora, a percepção é, mais, precisamente a forma em que se deveria conceber; e esse é o defeito do empirismo. A percepção, como tal, é sempre algo singular e transitório; contudo o conhecer não permanece aí, mas busca, no universal percebido, o universal e permanente; essa é a progressão da simples percepção para a experiência. Para fazer experiências, o empirismo se serve principalmente da forma da análise. Na percepção, tem-se algo variadamente concreto, cujas determinações devem ser separadas umas das outras; como uma cebola cujas cascas se tiram. Essa decomposição tem assim o sentido de que se desprendem e decompõem as determinações que ―cresceramjuntamente‖ [concretas]; e de que nada se acrescenta a não ser a atividade subjetiva do decompor. A análise contudo é a progressão da imediatez da percepção até o pensamento, enquanto as determinações que, em si, o objeto analisado contém reunidas recebem por serem separadas a forma da universalidade. O empirismo ao analisar os objetos encontra-se em erro, se acredita que os deixa como são; pois de fato ele transforma o concreto em um abstrato. Por isso ocorre, ao mesmo tempo, que se mata o que é vivo, porque vivo é só o concreto, o uno. No entanto, deve haver essa separação para conceber; e o espírito mesmo é em si a separação. Mas isso é apenas um dos lados, e a coisa mais importante consiste na reunião do [que foi] separado. Enquanto a análise fica no ponto de vista da separação, vale a seu respeito aquela palavra do poeta: ―Isso a química chama
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‗Encgeiresin naturae‘ que zomba dela mesma e que não sabe como; em suas mãos possui as partes. Mas, que pena! Está faltando só o vínculo do espírito.‖ A análise parte do concreto, e esse material tem muita vantagem sobre o pensamento abstrato da velha metafísica. (Hegel F. G., 1995, p. 105; grifos nossos)
Caiu o freudismo no erro do empirismo? Em parte… Ao fazer interpretação, foi além do mero empírico colhido, foi do sensível ao suprassensível. Mas ficou no meio do caminho. Minha tese é a de que os sonhos podem, sim, ser analisados desde sua totalidade. Em minhas análises de sonhos, todos os fatos sonhados eram incompreensíveis e aparentemente desconexos – até que, com esforço, o sentido do TODO aparecia para minha razão. Assim, as partes tinham um conteúdo geral e um sentido comum. Certa vez, sonhei estar num sítio com jacarés, logo depois, ato contínuo, dirigindo em marcha ré por uma estrada com minha mãe e minha namorada. Acontece que, tempos antes, havia viajado com elas e meu pai, este dirigindo para o sítio de uma familiar… O sonho aconteceu do final para o início, de trás para frente, além de revelar o conflito edipiano com o pai dominante. Pois bem; o sonho só faz sentido como uma totalidade, não por análise isolada das partes apenas e principalmente. Além disso, somente pode ser entendido como narrativa, como história – não como conteúdo fixo e estático. Eis a estrutura e o processo, a verdade é o todo. As partes do sonho apenas são compreendidos quando unidos e unidos por um fio condutor, como totalidade dinâmica. O sonho, ademais, tenta resolver uma contradição num movimento, numa narrativa. Outro exemplo, para dar substância: certa amiga sofria assédio moral todos os dias no trabalho, era humilhada, mas lhe era impossível se demitir, logo ela sonhava todos os dias, antes de acordar para ir ao serviço, que matava a outra funcionária que lhe fazia mal (ser ativo etc.). Assim, suportou o problema por um bom tempo. O sonho – além de ser uma forma de manter o corpo em repouso, além de ser uma forma de alívio psíquico por satisfação fantasiosa – parece ser uma forma de manter bem a psique ao manter de pé a consciência, que deriva do movimento externo, da contradição do permanente e da mudança. *** Jung afirma que Freud limita-se a considerar o sonho como a fantasia de um desejo qualquer, que gera tensão mental. Segundo ele, o sonho tem função, também, de orientação, de conselho – inspira-se na religião, como parte de seu limite pessoal conhecido… Unifiquemos sob prioridade da psicanálise. Se temos um problema que nos angustia muito, que gera tensão psíquica, logo
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desejo, o cérebro, pelo sonho, pode propor uma solução, um movimento. Um viciado em matemática pode criar, na fantasia do sonho, uma solução possível para um problema matemático no qual estagnou, por exemplo. Isso ocorreu comigo. Após assistir a Série Cosmos, de Carl Sagan, veio-me o projeto de escrever um estilo de poema coma poética daquele divulgador científico mais o realismo da ciência, um simbolismo realista, ateu. Mas não conseguia escrever algo, o que girava minha energia. Num sonho por esses dias, vi o nascer e o pôr do Sol de modo mágico, enquanto uma voz, provavelmente a minha, recitava um poema novo… Assim que acordei, corri para escrever os versos, antes de esquecê-los; foi quando percebi que minhas unhas grandes de violonista haviam deixado marcas na palma da minha mão, por pressão enquanto sonhava. O poema surgiu quase pronto, precisando apenas de retoques.
MÁGICA MATERIALISTA
Rubro o arrebol Do céu no universo
Todo o material estrelar queima Em uma queima cósmica de arquivos
Das cinzas negras das estrelas Surgem a noite E as sobras-faíscas dos fogos estrelares
Quem sabe um parto
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De novíssimas e efêmeras nebulosas planetárias
*** Freud:
1) Descobriu que os sonhos são fantasias de desejos. Mas não entendeu a natureza do desejo em si, além de, às vezes, escorregar igualando sonhos e desejo sexual (erro que nem sempre cometeu). 2) Descobriu os mecanismos de defesa que disfarçam o conteúdo do sonho. Mas não entendeu que a forma ocultadora e enlouquecida como o sonho aparece também tem seu próprio conteúdo e sentido complementar. 3) Aproximou-se do método correto da interpretação. Mas ficou no meio do caminho, tratase de integrar os fatos aparentemente separados do sonho.
O tema dos sonhos é o núcleo duro da psicanálise, mais difícil de quebrar. A única solução é superar, ainda guardando, sua teoria. Nossa formulação está para a psicanálise como a economia de Ricardo está para a economia de Marx. Portanto, metemos dialética na nossa cabeça e na matéria.
PULSÕES DE VIDA E DE MORTE Como vemos, Freud cai no dualismo dos opostos sem unidade interna, sem mesmidade. O que existe é apenas pulsão de vida. Esta pulsão desdobra-se de modo externo em: 1) pulsão de criação, 2) pulsão de preservação, 3) pulsão de destruição. Os três podem ocorrer de modo combinado ou misturado. A pulsão de morte é uma anomalia, uma doença, quando a mentecorpo não está em seu estado normal.
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COMPLEXO DE CRONOS Trataremos este ponto mais uma vez em nota de rodapé posterior para reforçar outras ideias. Sua importância justifica a repetição. A experiência do complexo de Édipo – os filhos disputarem o amor de um adulto contra outro – fica no inconsciente do adulto, que a revive de novo, mas de modo contrário. O carinho do pai pela filha ou da mãe pelo filho, por exemplo, produz conflitos, disputa de atenção. Além disso, constrangedor aos mais velhos o vigor e a beleza dos jovens filhos – o efeito maldito do tempo! Daí o jeito duro da ação paterna contra o filho homem ou da materna contra a filha. Isso tende a ocorrer mais quando o filhote adquire forma corporal mais humana, mais madura. Assim, o complexo de Édipo relaciona-se consigo próprio como com um outro, com o complexo de Cronos.
ENERGIA – PRINCÍPIOS DO PRAZER E DA REALIDADE Para Freud, a energia psíquica é sexual – mas a energia é mais do que isso. Ela é pulsão, que serve para satisfazer necessidades básicas, como comer ou praticar sexo. Daí sua fusão com o marxismo, que também parte das necessidades básicas e práticas. Vemos mais uma vez o erro apenas dualista do pai da psicanálise ao contrapor o princípio do prazer e o princípio da realidade. É a busca do prazer que obriga a criar mediações necessárias, logo o princípio oposto. É a necessidade de certa moral que faz adotar uma específica moral, diria Hegel. O princípio da realidade é o princípio do prazer – mas mediado.
PERSONALIDADE: DEFEITOS E QUALIDADES A unidade do defeito e da qualidade é a característica. O característico não é nem positivo nem negativo; e mostra-se como um ou outro apenas no contexto. Destruir ou bloquear um defeito é, em geral, destruir ou bloquear uma qualidade. A personalidade é uma, é una, e expressa-se externo em defeitos e qualidades, em opostos – que são internamente o mesmo. Alguém impulsivo pode ser, por isso, ―sem noção‖ e, por falta de limite interno, também, por ouro lado, muito criativo. A malandragem do jogador Neymar, por exemplo, para forçar faltas com quedas artificiais ou induzidas é a mesma malandragem usada para enganar o goleiro e fazer o gol (se, por exemplo, por ordem do técnico, ele bloqueia a primeira característica, então
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bloqueia a si próprio, ou seja, impede igualmente a segunda). A oposição e a contradição externas entre virtudes e vícios têm a unidade interna na característica, no característico, em uma só propriedade, particularidade, traço ou caráter. É o contexto, a situação, que faz aparecer de alguém um polo ou outro da unidade interna.
O INCONSCIENTE ORGANIZADO O inconsciente opera, de modo oculto à consciência, a formação de conhecimento por padrões, conclusões de funcionamento da realidade quase imperceptíveis ao pensamento, leituras da realidade não formalmente teorizadas etc. Isso ficou conhecido popularmente como a hipótese do ―superpoder‖ mental e cerebral do homem – a intuição. Citamos o caso de quando se teve o impulso intuitivo de comprar uma nova chinela com o fato de seu calçado de fato quebrar uma semana depois, pois a mente apreendeu alterações mínimas no objeto durante o seu uso, o que gerou a intuição. Porque um pneu de ônibus pode dar sinais imperceptíveis ao consciente, mas perceptíveis aos modos mais profundos da psique, um usuário do transporte pode dizer momentos antes ―o pneu irá fura‖ como suposta previsão ―mística‖. Sem qualquer método formal, muitos conseguem ler psicologicamente outra pessoa ou a tendência de dinâmica de um grupo. Pessoas do campo podem ―sentir‖ que irá chover apesar da aparente falta de sinais imediatos e aparentes. O autor deste material errava a chave do grosso molho a ser usada quando tentava escolher de maneira consciente, mas acertava sempre quando se deixava agir por ―instinto‖. O consciente deve focar-se no imediato, no prático, deve especializa-se e evitar excessos; logo cabe ao inconsciente o trabalho de base, que é expresso conscientemente em forma apenas de conclusões ―supostas‖, sem revelar seu lastro. Às vezes, o inconsciente aprende antes do consciente ou independente deste. Uma conclusão, mesmo teórica, está diante de nós, a pedir para ser falada ou sacada, mas temos bloqueios conscientes, como o medo da ousadia. Os artistas sabem muito bem disso, pois à vezes uma ideia ou letra de música nasce pronta, vinda não sei de onde, bastando externalizá-la e melhorá-la. O inconsciente tem ordem em seu caos. Assim, temos o Eu (ego), o SuperEu (superego) e o infraEu, que não é o ID puro. O inconsciente, infraEu, tem consciência de si. Somos, assim, um que é dois. O que um analista leva 5 anos para saber do paciente, e que o paciente também não sabe, o infraEu sabe de modo claro e organizado. Freud e a psicanálise são atacados também porque romperam um contrato social invisível, de ver apenas o eu que aparece de modo direto, também real. Os
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psicopatas, ao verem literalmente o mundo, veem bem este aspecto para manipular. É comum que usuários de drogas, como maconha, vejam a ―verdade‖, a camada por assim dizer proibida. Além da realidade como inconsciente e do inconsciente subjetivo sob novo significado, temos a visão materialista do inconsciente coletivo, como explicado sobre a origem dos arquétipos. Complementamos: o inconsciente coletivo existe sob forma diferente da de Jung porque, junto com as singularidades e particularidades, os cérebros diversos possuem e compartilham estrutura e processos comuns, universais. Por isso, um líder religioso antigo e um enlouquecido hoje podem ter ao mesmo delírio ou alucinação. O inconsciente organizado e a dupla consciência, com outro eu oculto, revela-se na linguagem humana, além da natural. Com frequência, falamos frases com duplo sentido, duplo caráter, um claro e funcional, outro não funcional, que revela o Eu interior – ambos verdadeiros.
PERSONALIDADE E PERFIL FÍSICO Esta área já foi obra de muita pseudociência, mas deve haver razão na loucura. Os escritores sabem descrever um personagem por seu modo físico para expressar sua personalidade, como traços pontudos para alguém perigoso e traços arredondados para alguém amoroso. O interno se externaliza. Isso deve ter origem genética, mesmo102. Uma parte – apenas uma parte – do perfil humano deriva de sua biologia. Mas há, também, o fator ambiental ou social. Em síntese: hábitos levam a perfis mentais e corporais; por sua vez, perfis mentais levam a hábitos e padrões corporais; enfim, perfis corporais levam a hábitos e perfis mentais (neste caso, em parte como alguém é visto pelos demais a partir do padrão, pressionando informalmente a colocar ―cada um em seu devido lugar‖103). Os três momentos ocorrem combinados, retroalimentando-se. Isso, ao modo de Platão, sabe-se sem saber no mundo cotidiano. Aquele adulto que tem o problema de ser um ―Rei-bebê‖ esticado tende ao, ao ser como crianças mimadas, desejo de comida e outros hábitos que lhe faz ser acima do peso, arredondado como um infante. Um sujeito por ter barba imperfeita por amadurecimento imperfeito, e crescer 102
Para evitar qualquer acusação de determinismo genético, aprofundamos que a genética tem efeito parcial e mediado na personalidade. A coisa se dá, por exemplo, assim: o conteúdo relativo da genética pode ser desenvolvido e expresso das mais diferentes formas, que derivam da adaptação e mediação social. 103 Pessoas mais altas e belas tendem a ter mais destaque em cargos.
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barba após, por exemplo, casar e tomar responsabilidades. O corpo fala de muitas maneiras tal como certa metáfora da psique. O leitor pode ver que há aí absurdo, mas a verdade não precisa ser agradável e não absurda. Em cachorros e raposas domesticadas, assim como em animais de pasto, observou-se que hábitos (ambiente etc.), genética e perfis afetavam seus modos físicos, em período curto, no ser individual e em poucas gerações; incluso com mudança hormonal.
TEORIA DO SINCRONISMO Vamos direto aos aspetos: 1) Observei diálogos de colegas de classe na universidade UESPI. Em torno de alguém extrovertido, papel de líder e comunicador, os amigos juntavam-se antes das aulas. No passar do tempo e das conversas, seus corpos faziam movimentos, tendo por resultado final: um círculo formado por aquelas pessoas, pernas abertas em forma de ―v‖ invertido, tão estável quanto possível, onde até certos outros movimentos corporais igualavam-se (mãos no bolso ou braços cruzados etc.); 2) Os movimentos corporais empáticos possuem como principal fator a imitação, como espelho, do movimento de outrem: cruzo as pernas quando quero me aproximar subjetivamente de alguém de pernas cruzadas; 3) Os hábitos coletivos em um determinado espaço (casa, escritório etc.) tendem a um ritmo e lógica internos de interação, tal como alguma ―dança informal‖, entre as pessoas naquele ambiente; 4) É possível fazer leitura corporal do estado da relação de um casal por meio de suas posturas ao dormirem. Por exemplo: um de costas para o outro, costas encostadas, e movimento espelhado idêntico – ideia de harmonia entre eles. A tendência ao sincronismo é uma dimensão intersubjetiva na objetividade social. No mais, corresponde ao desejo, dimensão psíquica, por harmonia, ordem, organização, integração etc. Em linguagem poética:
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Os corpos humanos estão interligados Em uma sincronia de movimentos cotidianos Como em um ballet invisível Que não percebemos também porque ‗Stamos demasiadamente nele
E Se teu corpo na sala movimentar-se Na cozinha alguém reagirá Ajeitar-se-á o outro alguém à mesa Como se fossem os corpos todos Maestrados e maestros partes todos d‘um todo Conectados integrados e interinfluentes Em um único instante num único coletivo movimento Onde juntos e inconscientes e sempre dançamos Até a data desta tese-poema
E Há uma camada pensante do não pensamento Somos Causa-consequência em igual medida-tempo
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Pois não há dia ou pedaço do dia Desprovidos desta dança complexo-lógica Como os corpos ao se encontrarem na rua que Agem reagindo como reagem agindo
Instantaneamente e ambos Simultaneamente Simultaneamente e simultaneamente
E Meu corpo vira-se enquanto o teu abraça-me Ao dormirmos
NOMES E PERSONALIDADE Os nomes e sobrenomes podem influenciar parte da personalidade. Em resumo, isso é deduzido das seguintes descobertas: 1) A formação do self na criança, sua diferenciação do meio, ser algo em si e para si, perceber-se, se dá também por meio do seu nome, em especial por meio do chamado verbalafetivo do pai e da mãe (descoberta de Winnicott). 2) Na infância, a capacidade lógica da criança passa por estágios e demoram os saltos de percepção. Até a pré-adolescência, há uma lógica muito rígida, não dinâmica, de opostos e significados (descoberta de Piaget).
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3) A mente opera, em sua função pré-consciente, associações e combinações (descoberta de Freud). 4) A mente é sugestionável, sem necessidade hipnótica, em níveis diferentes. Exemplifiquemos. Uma criança cujo nome é Flor apreende o significado de flor enquanto objeto externo com suas características e, ao mesmo tempo, esta palavra lhe é absorvida enquanto significado de si – então ocorre uma fusão interna, inconsciente. No A Interpretação dos Sonhos, Freud, citando Goethe, cita por alto, apenas em forma de intuição, que as pessoas vestem seus nomes, sendo que o seu nome significa em alemão ―Alegria‖, o que o influenciou a ser médico, psiquiatra e fundador da psicanálise.
PECADOS E PERSONALIDADES Toda ciência começa como religião e pseudociência. Como a alquimia deu lugar à química, o confessionário passou bastão para a clínica em psicanálise. Dito isso, o método classificatório de perfis é sempre imperfeito e falho – todos corretos com defeitos. Mas, em geral, podemos dizer que cada cidadão, ao menos nas sociedades de classe, é marcado por ao menos um dos assim chamados ―pecados capitais‖.
INCONSCIENTE E MENTE Busca-se refutar o freudismo de modo equivocado ao afirmar que a neurociência moderna provou a inexistência de um inconsciente, como se um pedaço do cérebro fosse. O aparelho psíquico como inconsciente e consciente ou ID, ego e euperego (super-eu) de modo algum são coisas ou partes mas frutos abstratos da interação da Coisa, do cérebro consigo próprio e com o ambiente, da interação de suas partes. A mente, também, de maneira nenhuma é coisa, pois é o fruto da atividade da coisa orgânica, ligada ao seu meio; e é essa própria atividade. Para comparação, não podemos tocar nem o valor nem o preço das mercadorias em si, mas eles existem e são dedutíveis. Para ser real e cientificamente válida, uma categoria não precisa sempre ser diretamente observável – já que pode sê-lo indiretamente.
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A TRÍADE DE PERFIS PSICOLÓGICOS Freud observou, por generalização bastante perspicaz, que existem três tipos humanos: psicótico, neurótico e perverso. O psicótico tem lei, e lógica, rígida, fixa; em ampliação, a figura comum do louco com sua ―vida paralela inventada‖. O neurótico, por muitos considerado o normal, aceita as leis, mas é capaz de crítica e reformulação; ele pode derivar o fóbico (cujo objeto central, de medo no caso, é externo), o histérico (cujo objeto é o corpo) e o obsessivo (cujo objeto é um pensamento ou comportamento de origem mental); logo veremos porque insistimos na palavra ―objeto‖ nos parênteses. O terceiro perfil é o perverso, que somente respeita a lei se lhe dá alguma vantagem. Pois bem; os psicanalista associam os três perfis com o complexo de édipo (homossexualidade etc.), do nível e do tipo de repressão em reação ao ―objeto‖ amoroso parental. Ao que parece, no entanto, levantamos a proposta na esperança de originalidade e acerto, que vale para todo tipo de objeto. Vejamos. O psicótico assim é, em nível menor ou na forma doentia, porque na infância frustrou-se muito em acessar os objetos de desejo (comida, brinquedo, afeto etc.) ou teve pouca experiência prática com a realidade – logo seu objeto tornou-se seu pensamento, sua imaginação, que se inflou, compensando. Daí que Lacan pensou que a loucura de Joice foi compensada por este ao destinar sua imaginação para a escrita. Muitos cientistas são psicóticos e psicóticos criativos, não só neuróticos. (Por outro lado, por exemplo, visto de modo reverso, a dedicação unilateral e constante à, por exemplo, matemática, leva a um desenvolvimento deformado, inflado e desigual do cérebro, perdendo outros aspectos necessários à vida por causa da especialização excessiva, levando matemáticos a verem padrões por todo canto, desregulado.) O neurótico comum teve acesso ao objeto e por mediações, como parte de um trabalho, além de uma satisfação normal; então, enriqueceu sua experiência para com ele. O perverso, por outro lado, não teve mediações, não teve trabalho, quer relação direta e imediata com o objeto, tornando até o outro como objetal; pouca frustação – enquanto o psicótico teve muita, base e gatilho de sua esquizofrenia comum –, prazer desmedido, satisfação quase imediata (daí que ricos tendam mais ao mundo e ao modo perverso – daí que empresas familiares tendam a falir com o passar das gerações); por isso, também, supõe-se, os perversos possuem pouca imaginação, disciplina e criatividade; por não sofrerem como se deve, os perversos não desenvolvem a empatia mutualista. Afirmações como ―a consciência é a consciência de algo‖, ou ―a consciência é alucinação relativa‖, ou ‖a consciência vem de fora para dentro por querer o permanente na mudança‖ etc. ligam-se bem com estas observações.
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O neurótico adoece quando não consegue alcançar seu objeto, como afirma Freud. Vejamos, para formar um círculo teórico, um caso de delírio persistente, psicótico, na qual o portador tem noção crítica de seus pensamentos doentios. Porque ele sente solidão, imagina que está sendo vigiado secretamente, sendo olhado (ser integrado); porque sente solidão sexual, imagina que moças famosas estão se guardando para ele (ser mutualista); porque se sente menos, tende a acreditar que é dotado de grandes habilidades e ações (ser ativo). Em Freud, a questão é quase sempre sexual apenas, como única base – sem suspeitar a essência humana natural-social ou relação com todo tipo de objeto de desejo. Vejamos dois estudos de caso opostos, um sádico (perverso) e um psicótico (delírio). O jovem adulto gosta de ver vídeos de pessoas acidentadas, agressões, lutas duras, cenas de guerra reais, torturas etc. Produz humor depreciativo, diminui amigos, humilha de forma engraçada, constrange os próximos etc. Quando criança, matava pintos com pedra para saber como eram. Brigava diariamente e controlava suas namoradas. Olhando de perto, sua mãe depressiva, abandonada pelo marido desde cedo, apegou-se em demasia com o filho. Ela dava tudo o que ele queria, controlava-o por meio do prazer, do presente. Ele venceu de modo edipiano, sendo o esposo da mãe. Desacostumado com frustração, sempre abandonava um negócio, uma arte marcial etc. sempre que havia sinal de sacrifício. Eis um sádico leve. O segundo caso é oposto. A mãe controlava, sendo narcisista, por meio da punição, da frustração – base para um filho com traços delirantes. O pai, obsessivo compulsivo, apegado ao dinheiro, e sádico, também costumava frustrar o infante. O garoto, na adolescência, revelou sua loucura parcial como reação ao controle paterno e materno. Aqui, o edipianismo também foi vitorioso com a proximidade coma mãe, contra o pai austero, mas não serve de causa para o delírio, pois, assim fosse, ocorreria algo semelhante ao primeiro caso; logo vemos que a frustração excessiva, não somente sexual, movimentou a psique deste caso, substituindo o objeto real pela fantasia. Uma nota metodológica: a mesma consequência, perfis, pode ter diferentes causas. Freud não entendeu isso, unicausal por princípio.
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FALAR-PENSAR – AGIR-COMPORTAR-SE A separação do agir e do falar deu-se em duas clínicas, a cognitiva-comportamental e a psicanálise (ou humanismo etc.). Mas a ação é exteriorizar, logo o mesmo que a linguagem. Mas falar é uma ação. Nada impede mudança de comportamento como parte da clínica – nada impede ouvir o paciente para ele melhorar. Materialismo e idealismo juntos no terceiro, práxis.
TRANSTORNO OPOSITOR PERSISTENTE Vale a pena citar este tipo para a nossa avaliação. Uma sociedade autoritária, como com ditadura, passa seus valores por meio da família, dos pais. Pais autoritários, expressando uma ditadura de Estado maior, geram filhos cronicamente rebeldes – por quê? Porque o infante já nasce com natureza humana natural, como a necessidade de ser ativo, afirmar-se. Assim, mediada pela família (escola etc.), a ditadura estatal gera seus próprios coveiros, seus inimigos. A sociedade socialista deixará de ter tais transtornos por sua democracia real, sua qualidade de vida e respeito aos jovens.
REPRESSÃO FAMILIAR Uma das causa importantes do masoquismo e do sadismo é a repressão familiar. Ao beber cerveja ou comer açaí pela primeira vez, odiamos a experiência; mas, se insistimos no consumo, o cérebro atua para modificar a experiência, que passa a dar prazer, até vício. O mesmo ocorre quando um pai tem mania de agredir a filha – a agressão tornar-se o sexo dela com o pai. Um menino que vive sempre com pai alcóolatra e violento pode passar a gostar de violência, de constranger os demais etc. torna-se sádico.
A TEORIA UNIFICADA DO DESENVOLVIMENTO Freud, Erik Erikson, Wallon e Piaget desenvolveram, cada um por si, suas próprias teorias do desenvolvimento infantil. Mas, bem observado, todas têm algo em comum: suas etapas ocorrem, grosso modo, na mesma época, na mesma divisão temporal (e as datações são
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tendenciais, aproximativas). A etapa 1, do nascimento até, via de regra, um ano e seis meses; a etapa 2, de um ano e seis meses até os três anos de idade; a etapa 3, dos três anos até os seis; a etapa 4, dos seis anos até os dose; a etapa 5, pela adolescência etc. Como todos têm tal temporalidade, bem ou mal, logo há uma teoria comum ainda oculta. O que há em comum são três fatores:
1. Etapa do desenvolvimento cerebral Como suas partes e suas interrelações estão quantitativa e qualitativamente ordenados. 2. O nível de experiência Diz-se que se um gato doméstico tivesse o tamanho de leão, ele comeria seus donos. Aprender a andar, por exemplo, leva a novas experiências. Há uma oposição teórica: a vivência leva a uma etapa (Vigostsky) ou a etapa permite certa experiência cognitiva (Piaget)? Ora, a etapa existe, mas ela pode demorar a surgir ou passar-se para a próxima por baixo estímulo ao desenvolvimento. Eis resolução da possível contradição real entre relacionalismo e substancialismo, posições unilaterais e igualmente válidos. 3. Energia (em busca de mais de si) Para Freud, a energia é propriamente sexual, mas, para nós, ela é energia corporal e cerebral que tem apenas a forma de energia sexual como seu centro, principal forma.
Vejamos cada etapa, que chamaremos totalidade, do ponto de vista comum, completo:
Todos corretos e unilaterais: Freud: psicossexual, biológico Erikson: psicossocial
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Wallon, Vigotsky: emocional e grupal, relação com os demais humanos Piaget: cognitivo, biológico, relação com objetos
Totalidade 1 – nascimento até 18 meses Aqui, a criança é totalmente dependente, seu problema central é a fome, a necessidade de amamentar-se. Seu problema é o outro. Freud: fase oral, quando o prazer centra-se na boca. Erikson: sensorial, nesta fase desenvolve-se a confiança ou a desconfiança. Wallon: impulsivo-emocional. Piaget:
inteligência
sensório-motora.
Da
indiferenciação
eu-mundo
exterior
ao
reconhecimento de objeto, espaço, tempo, causalidade.
Totalidade 2 – 18 meses até 3 anos Freud: prazer anal, foco na prática social comum. Prazer em prender (obsessivo-compulsivo futuro etc.) ou soltar (criativo no futuro etc.) fezes. Erikson: muscular, desenvolve autonomia ou dúvida e vergonha. Wallon: sensório-motor e projetivo Piaget: pré-operatória, pensamento indutivo, rigidez irreversibilidade do pensamento.
Totalidade 3 – 3 até os 6 anos Freud: fase genital, prazer genital, o filho se apaixona, em geral, pelo membro adulto da família do sexo oposto, complexo de Édipo.
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Erikson: O terceiro estágio – iniciativa ou culpa são consolidados na personalidade. Wallon: estágio do personalismo. Imitação motora e social. Fase em que discorda dos adultos. Piaget: pré-operatória, pensamento indutivo, rigidez irreversibilidade do pensamento.
Totalidade 4 – dos 6 aos 12 anos Freud: latência – deixa-se a energia como sexual, que se volta para outros centros, como a inteligência. Erikson: o quarto estágio – dois caminhos para a personalidade: indústria (produtividade) ou inferioridade. Wallon: estágio categorial – a capacidade de abstração e saber dos conceitos crescem. O estágio do personalismo é sucedido por um período de acentuada predominância da inteligência sobre as emoções. Piaget: operatório concreto – Passagem da intuição à lógica do concreto, início da descentração. Aquisição da capacidade de perceber a reversibilidade das operações, explicações causais, noções de permanência de substância, peso e volume. . Totalidade 5 – dos 12 aos 21 anos Piaget: operatório formal ou abstrato – Acesso à lógica operatória abstrata, descentração se completa. Pensamento proposicional e hipotético-dedutivo A partir daqui, apenas Erikson desenvolveu de modo oportuno e seguro. O quinto estágio – desenvolve-se em identidade ou confusão de identidade. Marca o período da Puberdade e adolescência.
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O amadurecimento total desta fase, em seu fim, é ser capaz de um raciocínio dialético, o mais maduro existente. A unidade dos opostos e a mesmidade do diverso é o central, passa-se do hipotético dedutivo – típico dos jovens – para a dialética, mas raro de acontecer na sociedade de classes ou atrasadas. A adolescência foi descoberta, reconhecida, não criada em si pela modernidade. Basta lembrar que os gregos antigos reclamavam que os jovens apenas pensavam em sexo e festas.
Totalidade 6 – dos 21 aos 40 anos Questão chave deste estágio: Deverei partilhar a minha vida ou viverei sozinho?
Totalidade 7 – dos 40 (35) aos 60 anos Os dois caminhos possíveis, a crise, está entre generatividade ou estagnação. Este ponto merece destaque. O corpo torna-se mais lento, mais frágil. Na psicologia, aprende-se a economizar energia, por exemplo, vencendo o adversário por cansaço ou saber esperar. Mas, porque se está mais frágil, começa a se tornar alguém com mais medo. Assim, podem surgir tendências cínicas e oportunistas. Alguém antes subversivo e revolucionário sabe que, mais velho, não será tão ativo numa perigosa revolução, por isso tende a ser mais mediador, mais covarde (nos protestos de 2013 no Brasil, os veteranos dos partidos radicais condenaram a violência dos manifestantes; o velho anarquista Proudhon condenou fervores revolucionários de sua própria juventude). O pensamento muitas vezes cristaliza-se ou torna-se conservador, algo mais comum na próxima totalidade. O desenvolvimento mental e lógico aqui é mais intensivo que extensivo: consegue fazer mais associações. Se pedimos para falar sobre França, logo ele citará aspetos ligados à palavra, como o pão, Louvre, poetas, revolução etc. Pode-se, assim, chegar ao auge da produção intelectual se não se curva à sua fragilização em andamento, se continuar ousado.
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Leminski diz que ―a política é o sexo dos velhos‖. Bem cabe a frase nesta época, de vida socializada. Quando vê que está perdendo os traços de juventude, o sujeito pode se agarrar ao passado, com crise da meia idade, namorando gente mais jovem, usando roupas da moda etc. Vivemos a ditadura do ser jovem sempre, porque estamos na época entre a juventude e a maturidade do ser social.
Totalidade 8 – dos 60 anos até a morte Ou o sujeito irá para a integridade ao fazer bom balanço de sua vida ou sentirá desespero por um mau balanço de sua existência. Mas, discordo de Erikson, há também a sabedoria da angústia no segundo caso, não apenas a sabedoria do acerto no primeiro.
Há inúmeras ―crianças crescidas‖, que estagnaram numa fase inferior em muitos aspectos, embora consigam desenvolver um outro lado funcional, que pague as contas. Não é incomum pessoas velhas com lógica infantil do tipo ―ou isto ou aquilo‖, de opostos fixos. A maturidade ainda é algo raro. Por outro lado, frustração moderada, como parte menor da riqueza de experiências, ajuda a amadurecer; mas estresse pesado pode, ao contrário, estagnar um sujeito. Outra observação precisa ser feita. Em nossa dialética, que debateremos nos últimos capítulos, passa-se, no tempo, não apenas logicamente (como em Hegel), da identidade para a diferença, para a diversidade, para a oposição, para a contradição e, se caso for, para a unidadeidentidade. Isso também ocorre como processo por cada etapa. A totalidade 1, unidade, tudo é um, e progressivamente o bebê vai diferenciando-se, percebendo-se; na totalidade 2, a criança tem diante de si a diferença (unitária) que quer passar para a diversidade ―solta‖; na totalidade 3, temos a diversidade que passa para a oposição; na quatro, temos a oposição que passa pra a contradição; na quinta, adolescência, contradição; na maturidade real, a unidade de opostos. Isso está exposto de modo rígido, o processo é muito mais confuso, com processo, retrocessos e saltos. Eis primeira formulação e esboço da teoria unificada do desenvolvimento.
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CLÍNICA – SOCIAL E PESSOAL O adoecimento psíquico, via de regra, deriva de relações sociais mediadas por relações pessoais. A clínica de terapia produz uma nova relação pessoal, desta vez positiva, em geral, como reação indireta às contradições do atual modo de vida.
COMPLEXO DE CAIM – LEIS E ESSÊNCIA HUMANA Os irmãos disputam, comparam as ações uns dos outros, formando-se. Mas a psicologia pode ter mil e uma leis, todas corretas sem chegar ao fundo, ao fundamento; ―irmão do meio‖ etc. Ora, irmãos formam personalidade porque nascem com necessidades biológicas e sociais com sua essência humana. A necessidade de amor (ser mutualista) pode gerar a formação de uma personalidade tanto por imitação ou por diferenciação, a depender das circunstâncias. É a natureza humana, com a qual abrimos este capítulo, que diz dos rumos do que seremos, ao menos na maior parte.
ASSIMILAÇÃO POR AFASTAMENTO O título parece contradizer as leis da natureza. Quando o filho sai de casa ou quando os pais morrem, a descendência, que conviveu com os cuidadores, faz uma compensação, absorve alguma característica do outro em seus hábitos, pensamentos, personalidade. O outro permanece conosco de modo indireto. Perder amigos etc. podem também produzir tal efeito.
O LUGAR DESTAS IDEIAS Tais formulações, teses, são com facilidade acusadas de pseudociência – são imensamente exóticas. Por isso, para preservar a moral dos demais assuntos, meditei exclui-las desta obra. Mas seria covardia teórica em um livro que propõe a renovação de quase toda a ciência, como com a nova teoria da essência humana.
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Nas próximas páginas e capítulos, teremos mais exemplos de formulações ainda não sistematizadas para uma proposta de psicologia marxista. Sobre elas, quase tudo aqui é muito novo, inédito, por isso haverá resistência conservadora, dos mais velhos em especial. Mesmo na teoria, nunca haverá revolução sem resistência do passado.No entanto, quase todo este capítulo serve de preparo para o próximo ponto, a crise da psique.
PSICOLOGIA MARXISTA Neste capítulo, próximo a concluir-se, apresentamos nossa proposta geral de psicologia marxista, o que não dispensará uma pesquisa especializada posterior. Em geral, os psicólogos nada sabem de economia, logo a base de toda a sociedade. Como separar a psique dos ciclos econômicos no sistema vigente? Em geral, nada sabem de história como totalidade. Em geral, são incultos, como em questões de dialética, ou biologia, ou neurociência. Enfim, a verdade é o todo, não a parte em si. A psicologia deve adentrar mais em temas como ética, emprego, classes, diferenças biológicas entre sexos (sim, há diferença na igualdade), estética, movimentos psicológicos da economia, educação, dinâmica política etc. Isso é psicologia marxista. Feita a crítica absorvente da teoria mais avançada, a psicanálise, façamos um breve passeio pelos teóricos.
PSICANÁLISE Focar no sexo como base da psique, em biologia humana sob tal ângulo, tornou-se a força e a fraqueza do freudismo. Isso é vital, mas não é a totalidade. O homem também é social. No mais, o psicanalítico caiu em dualismo, falha a ser superada.
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VYGOTSKY Aqui, tratamos mais da tradição do que da letra literal do autor. Inspirado na revolução russa, surgiu a ideia de que a psicologia é baseada na comunicação, nas reações sociais e pessoais, no estímulo externo, nas fases sociais. A linguagem seria o centro. Mas o homem é social-biológico.
PIAGET Caiu no erro oposto, as etapas de desenvolvimento como apenas cognitivas e naturais. Ainda assim, no final da vida pôde reconhecer que havia certas variações em tribos etc. Também não viu o homem total, a verdadeira sociabilidade. Focou na relação sujeito-objeto, não também no sujeito-sujeito, unilateralidade típica da psicologia histórico-social. Na verdade, a fase, a etapa de desenvolvimento, é dada pela CONDIÇÃO biológica, a etapa é uma CONDIÇÃO para, uma base; mas seu fluir e desenvolver, seu consolidar, é relacional.
WALLON Pôs dialética no materialismo de Piaget – como uma etapa agregar dentro de si a anterior. Via a variação de centro de gravidade entre emoção e razão no desenvolvimento infantil. Esqueceu, também, a totalidade ao focar na educação.
SKINNER Comete o mesmo erro dos demais: não encontra a essência humana. Para ele, valia a concepção de que o objeto (ambiente) é ativo e o sujeito (indivíduo) é passivo, adapta-se. Isso deriva de um erro parcial de Darwin, que criticaremos em outro momento. Mas a criança já nasce com uma essência natural, que busca ser satisfeita, além de pulsões naturais e sociais. Não apenas nos adaptamos: mudamos a realidade, manobramos, mentimos, jogamos, evitamos, mudamos, moldamos, insistimos, mediamos etc. Para ele, um comportamento flui ou tende a desaparecer por reforço ou punição. Apenas. Um empirismo medível. Há uma verdade aí, no entanto: o meio tem poderosa força sobre o que somos. A crítica ao Skinner é, antes, liberal disfarçada com
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roupas de esquerda, como se fôssemos livres, autônomos, individuais apenas, de todo conscientes etc. Somos ratos em uma gaiola de recompensas… Embora possamos, com a linguagem e com nossa essência, além da revolta, do ser ativo, reagir e revolucionar. O homem faz sua história, o cérebro é trabalho, produtivo, ativo.
SOCIOBIOLOGIA Tal escola não tem contribuição relevante alguma, por exemplo, na economia. Mas há algo a dizer sobre a psicologia, onde de fato avançam – só que de modo unilateral e impressionista. O homem não se reduz à sua condição biológica, ou genética ,ou sexual. Ademais, aquilo biológico pode ser ―natural socialmente modificado‖ ou mediado.
Todos eles buscam um ângulo, um erro que é um acerto. Dizer que tudo é construção social é tão certo e errado quanto dizer que tudo deriva de sua biologia. O método necessário torna-se método dialético, empírico-dedutivo. Devemos passar longe do empirismo. Nota-se que um programa virtual famoso de neurociência estava dando uma série de falsos positivos por décadas, sem que isso fosse percebido… A maioria dos testes psicológicos não dão o mesmo resultado quando repetidos, replicados, por outros, se e quando são retestados. A verdade é teimosa. Incluso, ela deve ser tema maior das reflexões psicológicas.
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ÉTICA MARXISTA POR UMA ÉTICA DIALÉTICA CRISE DA ÉTICA
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Como o leitor deve saber, a tarefa de escrever uma ética é difícil. Tanto mais difícil escrever uma ética de clara inspiração marxista, pois tal ciência única e correta da história humana exige um conhecimento da totalidade. Para falar de moral, tona-se necessário um alto conhecimento de psicologia, economia, sociologia, dialética etc., além de revisão de quase tudo importante escrito sobre o tema. Nunca foi escrito uma Ética, com pretensões gerais e definitivas na história da filosofia, de inspiração marxista. Isso tem razão de ser: somos minoria, mais, somos minoria perseguida em todo o mundo. Ninguém é torturado e triturado por seguir Aristóteles ou Piaget. Lukács, bastante perseguido pelo estalinismo, passou a vida toda a se preparar para tal tarefa, mas morreu sem deixa sequer um manuscrito editável. Nossa situação é deplorável, tanto mais porque as ditaduras estalinistas destruíram momentaneamente o marxismo, transformaram-no em religião dogmática e ensinou o cinismo por todo o mundo entre militantes. Para eles, moral é moralismo… Trotsky foi o único a deixar escritos claros sobre o tema, mas não algo com ares de definitivo relativo para nossa tradição. A decadência do capitalismo, que também é decadência moral, obriga-nos a pensar a ética, não apenas a ética do movimento marxista. Via de regra, o militante não está desconectado do mundo, e este empurra sua moral para dentro das organizações vermelhas por meio incontornável dos seus indivíduos. Isso é inevitável, mas combatível de modo efetivo. Sem moral correta não venceremos no final da história. Nesta obra, começo por um tema preliminar: como introdução, alguns aspectos da psicologia marxista que elaborei em seus aspectos mais gerais. Talvez, tenhamos finalmente superado a poderosa psicanálise, o freudismo – por dentro dele mesmo. Assim espero. Tive de pensar a economia capitalista de nossa era, o novo período do imperialismo, a mudança nas relações de classe, os problemas do Estado e do aparato de repressão etc. Ou seja, o todo, suas partes e suas interrelações. De tal trabalho, deduzi e descobri uma dialética marxista, diacrônica e, algo imensamente polêmico, certa metafísica. Por isso, fui obrigado a pensar uma hipótese marxista-dialética de interpretação da física moderna, macro e quântica, e certos pontos na biologia (até o momento em que escrevo este prefácio, não consegui contribuir na biologia uma fusão da evo-devo e da nova síntese). Assim, a metafísica, etc. são o fim, não o começo da pesquisa. Mas o marxista não pesquisa o que deseja, mas o que sua correte necessita entra as opções mais urgentes. Minha filosofia, exceção das teses inaugurais, tinha a lacuna de uma teoria da moral, Ética, de base marxista em seu fundamento. As condições subjetivas para escrever tal
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obra estavam, grosso modo, dados por um acúmulo de 15 anos de pesquisa geral, do mundo. Sem psicologia correta o bastante, por exemplo, impossível uma Ética correta, como se matéria de todo independente. A verdade é o todo, a moral é também cerebral. O tema é, então, urgente e necessário ao máximo. Não produzo uma ética marxista em si, ou seja, uma ética para a conduta marxista apenas; mas uma Ética, ou seja, uma filosofia de tal objeto, um, interpretação total de sua totalidade. Os problemas que tive no meu antigo partido, PSTU-LIT, os problemas morais contra os quais lutei numa dura questão fracional, têm, claro, peso pessoal para a escolha de tal assunto sobre outros. Não foram poucos os absurdos e os constrangimentos, morais e mais que morais. No entanto, quando entrei na organização em 2008, a primeira reunião da qual participei teve como foco a leitura coletiva de um documento sobre moral revolucionária, obrigatória para os novos membros. Assim quase impossível evitar apaixonar-se pelo tema. A Organização internacional a qual ainda reivindico, a LIT, tomou tal tema como tarefa, mas parece estar falhando em sua busca. A moral é fruto, antes, de uma realidade, apenas depois de uma decisão. Se se quer certa moral, crie-se as circunstância para ela. Como morenista, li um texto de Moreno sobre moral, algo deplorável. Por exemplo: condena como degeneração pequeno-burguesa a homossexualidade. Moreno escreveu tal texto no começo de sua militância e na prisão por razões de perseguição política. Depois, abandonou tal escrito, revivido de modo imprudente pelo PSTU. Está na hora, portanto, de resolvermos tal questão. Quando o Muro de Berlim desabou sobre nossas consciências, os marxistas oficiais perderam a ousadia, a necessária megalomania, adaptaram-se. Perdeu-se a perspectiva de projeto. Assim, a teoria produzida é em geral pobre, dispensável, parcial, repetitiva. O medo de desmoralização é maior que a vontade de vencer. Recuamos na teoria tanto quanto na moral, a crise moral tomou conta de nosso movimento (vendaval oportunista, segundo a LIT). A nova geração de marxista, os dos países pobres em especial, têm o dever e a capacidade latente de renovar nossa tradição e nossa teoria, respeitando e compreendendo nossos velhos. No Brasil, além do autor deste livro, temos marxistas talentosos vindos da classe trabalhadora: Jones Manuel, Santiago Maribondo, Gustavo Machado etc. São inexperientes na luta de classes, mas talentosíssimos. Devem, no entanto, aprender a ser ousados ao máximo – se necessário, escarrar sobre supostas verdades consolidadas.
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O leitor saberá que evito ao máximo ser prolixo, mas isso me fez cair no erro oposto, o laconismo. É um defeito da obra, ir direto demais ao ponto; ao menos, poupa o leitor. No decorrer do livro, o leitor verá quanta confusão existe, que atrapalha uma concepção correta de Ética.
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AS QUESTÕES CENTRAIS
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ALIENAÇÃO E ÉTICA: O CONCEITO GERAL CENTRAL DA ÉTICA Há o marxismo no sentido restrito, ortodoxo e revolucionário, além de dialético, e o marxismo no sentido amplo, que abarca várias correntes. Uma das formas de dividir o pensamento contemporâneo é entre marxistas e não-marxistas. Tal é o peso de desse pensador militante. O marxismo vulgar tenta tornar Marx algo tragável á academia: sem dialética, sem método, sem seu trabalho político, sem sua juventude – sem sua teoria da alienação. Uma posição fácil de refutar, cambaleante. O título deste capítulo seria mais exato se dissermos que o tema da alienação é base de toda ética marxista. Por exemplo, para Marx, alienação é separação do homem da natureza, como se externo a ela: logo vemos que a pauta ambiental, inerentemente socialista, é algo moral. Respeitar o meio ambiente é autorrespeito, pois somos parte da natureza, somos, em primeiro lugar, animais – não divino. A alienação significa, grosso modo, separação, separação daquilo que deveria estar junto. O operário não se identifica com o objeto que ele mesmo produz, estão separados. Muito mais que isso: porque estamos desorganizados e separados como humanos, surge uma lógica das coisas, para as coisas. O mundo das coisas passa a dominar o mundo dos homens – a criatura domina o criador. O dinheiro, a Coisa das coisas, domina o homem como se fosse um Deus real e material; o dinheiro desconhece e não aceita qualquer limite, dinheiro em busca de mais dinheiro, valor (a alma da mercadoria) em busca de autovalorização. A criação da mão do operário, a mercadoria, passa a dominá-lo, a subjugá-lo. A valorização do mundo as coisas ocorre na proporção da desvalorização do mundo dos homens. O contrário de alienação é felicidade, ou emancipação, ou melhor, humanização da humanidade, hoje coisificada. A ética marxista é esta: humanizar o homem. Por isso, somos contra o machismo. Por isso, fazemos greve por onde os operários tornam-se sujeitos. Por isso, nossos partidos são verdadeiramente democráticos e justos. A única moral real possível é a marxista, a operária e a socialista. A alienação é algo objetivo, um fato social, mas também subjetivo, afeta nosso aparelho psíquico. Tua tristeza chama-se capitalismo. A felicidade é, portanto, o grande tema central de
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Marx, nem mais nem menos. A felicidade é para hoje, não para o amanhã. De tal modo que se todos procurarem, sem recuo, de fato, ter uma vida feliz, que valha a pena, o sistema cai. A moral é anticapitalista até a medula. O capitalismo apenas pode persistir como alienação, ou seja, como sistema imoral. Sem mentira, trapaça, traição, manobra, assassinato, crime etc. o sistema não poderia ficar de pé. Ele depende até do cinismo social geral. Trata, portanto, de tentar produzir homens diabólicos que sejam a sua imagem e semelhança. Quantas família e nações foram arrasadas por causa do dinheiro? Ou acabamos com o capital, com a desumanização, ou ela caba conosco. Mentir ou falar a verdade, qual o correto? Depende: qual reduz a alienação, qual atua para a libertação da humanidade? Enfim, qual humaniza o homem e diminui sua desumanização? Mentir ao patrão em uma greve pode ajudar a luta a ser vitoriosa por parte dos operários. Mas mentir ao operário na greve é, grosso modo e via de regra, imoral do ponto de vista socialista – mesmo se com as melhores intensões. Podemos perder ou ganhar na luta sindical, mas é a moral, ou seja, o combate à alienação, que define, em última instância, se o balanço do processo foi positivo ou vitorioso. Por exemplo: se a greve consegue aumento salarial, mas os comunistas dirigiram a greve com mão de ferro, sem assembleias de base – o balanço é necessariamente negativo. Uma pequena ditadura surgiu, alienação, isto é, domínio do homem sobre o homem. Somos necessariamente imperfeitos, erramos. E tentar a perfeição artificial geral distúrbios mentais. Mas temos metas e guias de nosso comportamento, que devem ser lavados a sério. Por isso, sejamos tolerantes e didáticos, mas tenhamos limites e rumos cristalinos. Além disso, a moral marxista permite mediações, além de não ser uma receita de bolo. Certa moral surge, é defendida e racionalizada porque ela é necessária. A moral marxista, na teoria e na prática, não são frutos do pensamento iluminado – trata-se de uma reação inevitável ao altíssimo grau de alienação em nossa época. Sem moral correta, impossível a vitória da revolução solista. Pois a moral de um partido é a manifestação de sua realidade interna, de seu estado.
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ESTALINISMO E MORAL Trotsky escreveu um livreto sobre mora, Moral e Revolução, do qual seguimos os passos primeiros. Sem conhecer a importância da palavra alienação, porque os textos de juventude de Marx eram raros ainda, foi no rumo certo, em tal rumo. Em seu Programa de transição o Manifesto do século XX, disse:
A IV Internacional afasta os mágicos, os charlatães e os importunos professores de moral. Em uma sociedade fundamentada sobre a exploração, a moral suprema é a moral da revolução socialista. Bons são os métodos e os meios que elevam a consciência de classe dos operários, sua confiança em suas próprias forcas, sua disposição à abnegação na luta. Inadmissíveis são os métodos que inspiram nos oprimidos o medo e a docilidade diante dos opressores; sufocam o espirito de protesto e revolta e substituem a vontade das massas pela vontade dos chefes, a persuasão pela pressão, a análise da realidade pela demagogia e a falsificação. Eis por que a socialdemocracia, que prostituiu o marxismo, e o stalinismo, antítese do bolchevismo, são os inimigos mortais da revolução proletária e de sua moral. Olhar a realidade de frente; não procurar a linha de menor resistência; chamar as coisas pelo seu nome; dizer a verdade às massas, por mais amarga que seja; não temer obstáculos; ser rigoroso nas pequenas como nas grandes coisas; ousar quando chegar a hora da ação: tais são as regras da IV Internacional. Ela mostrou que sabe ir contra a corrente. A próxima onda histórica conduzi-la-á a seu cume. (Trotsky, O Programa de Transição)
Com a necessária mediação histórica, a classe operária, o que é essa moral senão a moral contra a alienação, pela humanização do homem? Ele produziu a obra em meio aos processos caluniais de Moscou, às perseguições da polícia política secreta GPU, à campanha internacional por sua desmoralização feita pelos partidos estalinista de todo o mundo. Ele foi, assim, obrigado a tratar do tema. E o fez de modo apenas inicial mas genial ainda assim. A moral estalinista nada é mais do que a expressão da realidade estalinista. Os burocratas ditadores precisavam, naturalmente, de certa moral sua. Daí a calúnia e a matança ser regra.
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Condena-se os campo de concentração nazistas – mas não os campos de concentração estalinistas e a morte, nas mãos de Stalin, da maior parte dos revolucionários que lideraram outubro. Sobre o assunto, os estalinistas são cínicos. Nenhuma luta moral, no entanto, resolveria a situação. A materialidade resolve-se por meio da materialidade mais do que mental e comportamental. Em desespero, vendo a burocratização do partido e do Estado avançar com rapidez, Lenin condena Stalin pouco antes de morrer:
Stáline é demasiado rude e este defeito, plenamente tolerável no nosso meio e nas relações entre nós, comunistas, torna-se intolerável no cargo de secretário-geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem na forma de transferir Stáline deste lugar e de nomear para este lugar outro homem que em todos os outros aspectos se diferencie do camarada Stáline apenas por uma vantagem, a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais cortês e mais atento para com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer uma fútil ninharia. Mas penso que, do ponto de vista de prevenir a cisão e do ponto de vista do que escrevi mais acima acerca das relações entre Stáline e Trótski, isto não é uma ninharia, ou é uma ninharia que pode adquirir importância decisiva.‖ (Lenin V. , 2006)
A fibra moral de Lenin era mais forte que a fibra de seu coração. Isso fez do leninismo uma religião falsificada nas mãos do estalinismo, o culto ao líder. Apenas se pode defender Stalin e o estalinismo falsificando a história, mesmo que se use verdades para isso, uma postura do tipo de um reformista ou centrista anti-liberal, mas não marxista de fato. Já disse em outro momento, inspirando-me de modo direto em Lenin: o primeiro dever de uma militante é discordar de seus dirigentes. Pensar coma própria cabeça, negar a alienação, aprender a pensar, torna-se direito e, ademais, obrigação, dever. Às vezes isso pode custar a vida, mesmo. Mas o futuro é dos teimosos. Lukács, que morreu pouco antes de começar a escrever sua ética (marxista), pensava que o problema da burocracia estatal ―socialista‖ era, primeiro, algo moral. Com tal premissa, teria errado por todo o livro.
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Esta obra não é, em primeiro, uma reflexão sobre como os marxistas devem se comportar. O foco é tentar uma obra definitiva de ética ou moral. Mas uma ética social, não setorial, deve ter pretensões generalizantes. Uma obra de Ética marxista tornou-se mais fácil de produzir porque o sistema entra em crise também moral, exacerbando as formas de alienação, e o socialismo é, finalmente, uma possibilidade necessária.
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MORAL E ECONOMIA
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MORAL E ―O CAPITAL‖ DE MARX: EXPLORAÇÃO A grande obra de Marx é, em primeiro lugar, um escrito de economia, no sentido positivo. Mas seu método é, dito de modo grosseiro, interdisciplinar: trata-se de história, geografia, psicologia etc. juntos. Eis a dialética, ou seja, a busca da difícil totalidade Os marxistas de baixo nível tentam reduzir a tal obra-prima a algo objetivista, típico da cientificidade burguesa, como algo sem moral ou ―moralismos‖, como pura ciência. Não é para deixar a obra maior em número páginas que Marx dedica tanto tempo para demonstrar a vida precária da classe trabalhadora com o advento do capital e do capitalismo. Suas denúncias visam ativar o senso de moral do leitor – uma obra, antes de tudo, militante. Ele toma lado, tem projeto. Nossa tese neste capítulo é este: a categoria marxista e ―econômica‖ de exploração tem duplo caráter, duplo significado. ―Exploração‖ é tanto objetivo quanto subjetivo, tanto um conceito econômico quanto moral! A escolha da chamada taxa de exploração – ou taxa de mais-valor no atual sistema – não é arbitrária ou uma coincidência. Marx deixa claro que não se paga pelo trabalho real, mas pela força de trabalho. Um engodo ocorre. A exploração capitalista obriga, de modo retroativo, a aumentar ainda mais, se possível, a exploração, logo, a taxa de exploração. Por isso, Marx diz que a elevação de um polo é a deteriorização do polo oposto – um ganha se o outro perde. Moral, portanto. Ele dá a base da moral imoral do capitalismo, embora sua obra não seja um tratado de Ética. Por várias vezes, Marx cita autores que demonstram como o dinheiro corrompe almas, perfis, pessoas, a sociedade etc. Não são meras frases de efeito para agradar o leitor. O dinheiro tem tal poder de corrupção quase irresistível. Resgatar a moral é destruir a sociedade do dinheiro e o dinheiro mesmo. Enfim, um forte senso ou instinto moral motivou Marx. Os incultos de direita dizem que imposto é roubo, mas não sabem que, no subterrâneo, o imposto vem do mais-valor produzido pelo operário. Na verdade: lucro é roubo
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MORAL E TRABALHO O trabalho, para Marx, configura-se como necessidade natural do homem. Ser humano é ser trabalhador produtivo. Eis a fonte do prazer, trabalhador à semelhança da boa arte, o oposto do desprazer da alienação. Mas é no trabalho atual quando nos sentimos mal, negados, objetados. Somos coisas no trabalho, sequer animais. O trabalho é, assim, tortura real, mental e física, porque é trabalho alienado, para outro indivíduo, explorado. Perde-se a autossatisfação e autoafirmação artesãs. O trabalho, como puro trabalho, abstrato, afastou o interesse do trabalhador pela sua concretude. No entanto, quando desempregado, o trabalhador não passa apenas por aperto financeiro. Sente mal cada vez mais, sente-se inútil, um fardo ou um peso. Sua autoestima desaba, seu orgulho fica ferido de morte. O trabalho foi rejeitado até antes do capitalismo como algo ruim, hoje é a medida do homem (mas a medida de todas as coisas, mesmo se parecem ser homens, é o dinheiro…). O socialismo fará uma nova rejeição saudável do trabalho: tudo possível será robotizado, automatizado e informatizado. Teremos uma jornada de trabalho, para nossos padrões atuais, ínfimo, pequeno, como quatro horas por dia, de segunda à quarta. Além, claro, de um trabalho leve, intelectual e estimulador. Pensa-se que os campos de concentração nazistas, como os estalinistas, como apenas depósito de gente, como prisões duras. Na verdade, tais campos eram tentativas de implementar a escravidão, por isso havia duro trabalho. Na porta de um desses campos estava escrito: o trabalho dignifica o homem. Não: hoje por hoje, nega o lado humano do ser humano, deve ser reduzido ao mínimo do mínimo necessário. Os economista vulgares enchem a boca para dizer ―taxa natural de desemprego!‘. Querem que uma parte dos trabalhadores passe fome para, segundo eles, não haver inflação. Assim, uma taxa social é dita natural, um a força da natureza… A burguesia dominante odeia o pleno emprego e suas onda de greves. Por isso, quer a economia morna, não aquecida. Uma jornada de trabalho de 8 horas diárias é, hoje, com a modernidade e a tecnologia, imoral. As vezes, com 4 horas destinado ao transporte, .mais uma hora ou mais de alimentação e higiene para o trabalho -- algo imoral. Reduzir a jornada diária para, por exemplo, 5 horas, com o mesmo salário, é necessidade moral urgente, humanizadora. Trabalhar para viver, não viver para trabalhar. A dignidade deve ser defendida. O trabalhador fabril sequer tem tempo de cuidar de sua saúde por meio de exercícios.
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Para o senso comum, com razão, a escravidão é, hoje, algo abominável, inaceitável, imoral. O marxismo descobre que o trabalho assalariado é uma forma oculta de escravidão, escravidão assalariada. Ambos são imorais! Deve-se, portanto, acabar com qualquer forma de domínio do homem sobre o homem. Abaixo o regime de salários! Abaixo o dinheiro! A luta por salário e dignidade forçará ao fim da forma-salário, forma-preço, forma-capital. Trabalhar para outro ou morrer de fome – eis a liberdade burguesa! Trabalhar para si e para sua comunidade – eis a liberdade socialista!
MORAL E FÁBRICA Marx demonstra que o patrão é um ditador na sua empresa, mesmo. Dentro de suas paredes de metal, nenhuma democracia. Se um operária fala muito de política, logo o gerente o marca como possível sindicalista ou inimigo. Há uma luta oculta, recheada de manobras, entre democracia real e ditadura nas empresas. Engels, um industrial, denunciou sua própria classe: os burgueses fazem da fabrica seu harém não oficial. Então, a imoralidade prospera. Mas não para aí: o ritmo, a velocidade, a quantidade de pausas – tudo é calculado e imposto sem mais, de cima para baixo. É muito comum que os patrões tentem impor um produto mais barato, mas venenoso, na produção, contra a saúde dos funcionários e do meio ambiente. Eis uma luta moral! Tudo isso ocorre porque é imoral a divisão dos homens em classes, em ricos e pobres, a dominação o homem sobre o homem
DECADÊNCIA SISTÊMICA A decadência de um modo de produção é, também, a decadência de um modo de vida. No capitalismo, por exemplo, a queda da taxa de lucro para níveis perigosos exige mais cinismo, mais luta, mais boicote e trapaça etc. Surge a moral imoral do neoliberalismo, sintoma do fim do capital. Na Roma antiga, as traições no Estado ganharam relevo nos seus últimos séculos e dias. Isso faz parecer que o problema todo é algo ético, ou seja, moral: os ideólogos (Platão etc.) passam, assim, a lutar por certa moral elevada, identificando aí – ao modo idealista – a raiz de
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todos os males sociais. É uma ilusão real, metodológica e prática. Debate-se moral e felicidade exato porque ela está ausente à mesa do cotidiano.
MORAL E DINHEIRO O dinheiro não é neutro. Ele pertence a certo modo de vida, ou melhor, o modo de vida lhe pertence. É típico do mercado e de sua sociedade, o capitalismo. Mesmo marxistas experientes pensam que o dinheiro existirá no socialismo. Eis erro de principiante promovido por quadros estudados… Vejamos como será a coisa toda. Na próxima sociedade, os trabalhadores terão um cartão magnético ou aplicativo em celular que dirá ter sido útil à comunidade, ao estudar ou ao trabalhar, logo tendo acesso gratuito aos produtos da sociedade nos estoques públicos de seu bairro. Esses dados não circularão, por isso não serão dinheiro – não serão dinheiro porque não circularão. Melhor: esses dados, não se acumularão, logo não serão dinheiro nas mãos de poucos (mesmo que esse ―poucos‖ seja o Estado). Os dados apenas informarão, via internet, ao supercomputador do centro de planejamento que tal ou qual, ou tanto de, produto foi retirado do estoque, por isso deverá ser reposto de acordo com o planejamento central e democrático, além de técnico. È famosa a frase no meio de esquerda: mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo! Ora, assim, mais fácil imaginar o fim de tudo do que o fim do dinheiro. No socialismo teremos outras categorias sociais. O dinheiro não será ―melhor distribuído‖ – ele terá fim. A lógica do dinheiro corrompe as almas, mesmo. O dinheiro não é apenas ele – é ele mesmo e sua acumulação. Dinheiro em busca de mais dinheiro: valor e capital. É de sua natureza objetiva, social, promover a disputa, a guerra, o egoísmo, a tara por acumular etc. O inconsciente social faz com que o burguês pense que quer enriquecer apenas por sua própria vontade livre, pois há vantagens evidentes nisso, mas ele segue a lei cega e objetiva do capital, personifica-o, está subordinado ao desejo e lógica do dinheiro. Sua subjetividade é a subjetivação da objetividade. Tudo isso é fácil de observar: famílias, amizades, empregos etc. quebram-se por causa da alma social imoral, a moeda. Irmãos brigam como nunca pela herança, mal o pai morre. Casa-se por sincero amor ao dinheiro. Projetos sensíveis são abandonados por falta de verba. Escolas
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privadas querem fechar escolas públicas necessárias. Entra-se na política para roubar. O empresário sonha acabar com os direitos trabalhistas de quem lhe garante o lucro. E assim por diante, e assim por diante. O mundo torna-se um mundo invertido, de cabeça para baixo. É um inferno na Terra, pois todo nosso pensamento está guiado por e para uma coisa que nos controla, apesar de ser apenas um papel pintado ou menos que isso hoje. Hoje, o dinheiro é um nada que é, porém, tudo – o próprio Ser, Deus material. Ou acabamos com ele ou ele acaba conosco. Por exemplo, vejamos: mesmo indo para rumo à extinção de nossa espécie, as pessoas atomizadas continuam a desmatar a floresta porque fazer isso lhes dá lucros. O médio prazo que se dane! De modo geral, apenas resolveremos a crise do meio ambiente acabando com o império do valor, do dinheiro. Inexiste meio-termo possível sobre: estamos diante de uma época em que ou resolvemos tudo ou nada se resolve. O dinheiro garante, enfim, a corrupção. Não se pode corromper bem um homem dando-lhe uma tonelada de milho que não se troca por dinheiro. Já o dinheiro troca-se por qualquer coisa, fácil de transportar, fácil de valorizar (juros!), não se deteriora, fácil de esconder, fácil de guardar etc. Suas características são corruptoras, geram a ―boa‖ condição para corromper. Abaixo o dinheiro! As propriedades de tal objeto empurram para degenerar a moral comum como se uma força irresistível. Veja bem. Uma sociedade abundante é a base da solidariedade, do fim da exploração, do fim da alienação, do reino felicidade e da liberdade etc. Mas uma sociedade abundante coloca em crise o dinheiro, pois o preço não compensa, o preço tende a ficar abaixo dos custos de produzir! O mercado, o dinheiro, serve e alimenta-se da escassez real ou, em nosso tempo, artificial.
MORAL E SOCIALISMO Trotsky acerta quando diz que o homem do futuro pouco parecerá com o atual revolucionário. Ele será mais doce, mas a educação pública cuidará de fazer dele forte e autônomo. Os sacrifícios revolucionários de nosso tempo serão objeto de elogio mais parte de algo ainda bárbaro – o heroísmo forçado pelas circunstâncias. Tempos de barbárie e tempo de heróis andam juntos. O modo de vida socialista terá sua própria moral não revolucionária, fruto da realidade específica não revolucionária.
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MORAL E RELAÇÕES SOCIAIS
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MORAL E TRIBALISMO A tribo tinha a moral como sua substância sem nela muito pensar. Sua moralidade desenvolveu-se. Por exemplo: podia-se fazer sexo com filhos, mas, coma deformação nos nascimentos, logo se deduziu que os deuses condenavam tal atitude, mudando a moral. Alguns, praticavam canibalismo; vez ou outra, percebiam o prejuízo disso. Os antigos abandonavam seus velhos – como o capitalismo hoje não quer pagar aposentadoria aos trabalhadores anciãos. Naquele caso, por escassez. Neste, veja só, por excesso abundância. Causas opostas com efeitos iguais em diferentes circunstâncias. É evidente que a coragem era um valor nobre dos tribais, contra a valorização da covardia no capitalismo. O indivíduo era pouco – o coletivo era tudo, condição direta de sobrevivência do singular e do geral. São os heroísmos forçados pelas circunstâncias. Nós nos apaixonamos pela moral indígena raiz, mas ela é sintoma apenas da moral superior socialista. As tribos são o comunismo da miséria, são obrigados a serem igualitários – o socialismo é o comunismo da abundância, a livre associação dos homens de fato livres, substancialmente.
MORAL OPERÁRIA, MORAL POPULAR Não romantizamos o mundo operário, nem o infantilizamos. Nosso foco é, portanto, dizer a coisa tal como ela é. Numa ocupação de terra rural, a coletividade, unidade e a disciplina torna-se máxima. Depois, terra ocupada, a solidariedade deixa de conduzir os sem-terra: disputam, brigam até, por qual pedaço será seu ou do outro. Algo semelhante ocorre em ocupações urbanas: qual rua será asfaltada? Na ocupação de fábrica, ao contrário, se a empresa passa a ser gerida pelos seus funcionários, não se pode dividir a máquina em pequenos pedaços, um para cada um; por isso a coletividade permanece. LADROAGEM E MAIS-VALOR Para tirar o peso dos capítulos anteriores, vale a pena, antes de mais avançar, focar num aspecto de imediato colateral. Aqui, o tema é este: há uma luta de classes da qual faz parte a ladroagem, parte do lupemproletariado. No Brasil, imensamente comum que, ao nos prepararmos para sair de casa, calculemos a possibilidade de sermos assaltados ou roubados e quais devem ser as decisões pra evitar isso. O país socialista do futuro saberá que isso era uma rotina da rotina bárbara de seus avós ou pais.
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Por isso, aqui é um bom cenário para dizer de tal relação que ela é uma forma de luta de classes aberta, de pequena guerra civil informal, na forma de guerra de guerrilha urbana. Quando um assaltante rouba dinheiro e um celular, ele está roubando uma parte do valor produzido pelo operariado – na forma de dinheiro ou na forma de valor de uso. Bom para ele, perda de valor para a vítima. Sem saber, o ladrão está disputando uma parte do valor global da sociedade – o faz, mas não o sabe. A luta de classes tem vários rostos. Por isso, o romantismo esquerdista de pensar o ladrão como um subversivo ou um inimigo real do Estado é pura inocência de ativistas vindos das classes médias. Há que se escolher um lado: ou o do trabalhador cansado por causa da disciplina ou do assaltante. É bem possível que o inimigo do assalariado seja uma vítima social de fato, porém degenerou-se e tornou-se, como dito, um adversário da principal classe revolucionária. A falta de foco nisso leva a que a esquerda, os comunistas em especial, não tenha, hoje, nenhum programa firme de combate à violência, ao tratamento digno ao detento (para que não faça da prisão uma universidade do crime), à organização das forças de segurança e assim por diante. Há algo ainda a ser dito. A ladroagem é uma atividade econômica em si e para si. E mais: ela afeta as características da economia. Neste sentido, vejamos o mais destacável. O roubo do ouro no fim da idade média estimulou o desenvolvimento dos bancos – que, como se sabe, também são ladrões –, pois o banqueiro guardava o dinheiro na forma de metal e oferecia ao poupador um papel representando este ouro; ora, com o tempo, este mesmo papel substituiu o ouro, tornou-se dinheiro-papel. Hoje, os roubos a bancos tendem a ser superados, na forma atual, com a digitalização do dinheiro; os próprios assaltos a banco tendem a estimular a virtualização da moeda. Nas favelas dominadas pelo tráfico e pelas milícias, tais espaços urbanos precários tornam-se unidades econômicas, ―feudos‖ capitalistas. Cumprem função de Estado, como ao proibir roubos naquela região, ao mesmo tempo em que exploram economicamente a comunidade. No Brasil, como cenário e base, é mais fácil de observar o caráter econômico da ladroagem. MORAL E AÇÃO SOCIAL A moral, o que rege a relação do homem com o homem e do homem com o mundo, não é coisa; sua atividade nunca é específica. Ao contrário, certa moral permeia o mundo social e os homens, por meios deles e neles. É sua prática, o abstrato concreto.
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O ÓDIO POLÍTICO Diante da situação reacionária no Brasil e no mundo, a esquerda fez campanha contra o ódio, em defesa do amor e do diálogo (pedindo, assim, que o inimigo na ofensiva não atacasse). Isso é reformismo do pior tipo. As pessoas não estão odiando à toa, pois o desemprego e a precarização batem à porta; a classe média, falando de outro grupo social, irrita-se com sua fragilização ou com pobres usando aeroporto. A luta de classes é inevitável, logo é necessário que ela tenha como motor os nervos pessoais, a raiva acumulada. Se tal ódio não se expressa de forma positiva, criativa, poderá transmutar-se em desmoralização, tristeza ou depressão e impotência, individual e social. São tempos de forma sem conteúdo, de café descafeinado, de suco artificial, de corpo sem pulsão, de mercadoria sem valor novo – dirá o, no mais, medíocre marxista Slavoj Žižek. Se não é fruto de acasos, o ódio importa, mesmo e em principal o ódio de classe dos assalariados contra os ricos, dos ricos contra os assalariados. O reformismo quer resolver tudo na base do voto, não da luta, quer o bom comportamento logo quando se deve destruir o comércio no templo. A emoção e a razão não são apenas opostos e nem sempre contraditórios, um limitando o outro; eles podem estar juntos, um impulsionando o outro e vice-versa, em unidade destrutiva-produtiva. O partido revolucionário deve estimular este ódio com a situação e a coragem, a ação ousada. Sem fortes sentimentos, nada grandioso e racional será feito. ―Nada grandioso no mundo foi realizado sem paixão‖, afirma Hegel. O pacifismo derrotista de nada nos serve, pois há horas para o máximo diálogo e há outras para o máximo confronto. O ódio como sentimento apenas e sempre negativo é filosofia e política da pior qualidade.
MORAL E LIBERDADE Em comentário informal, Valério Arcary afirmou que o lema ―liberdade, igualdade e fraternidade!‖ avisa que cada um da tríade apenas pode existir se com o outro. Mészáros, defende a liberdade e a igualdade substantivas, mais do que formais. De fato, a liberdade apenas existe se com igualdade, vice-versa, a igualdade apenas há se com liberdade. É uma tríade una. A afirmação da individualidade é anticapitalista, pois o atual sistema nega o desenvolvimento pleno do indivíduo. Afirmar-se é quebrar o capitalismo. Assim, ao individualizar o homem, o capital cria sua cova e seu coveiro.
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MORAL E OPRESSÃO O machismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia etc. são formas de 1) domínio do homem sobre o homem, 2) desumanização de membros de sua espécie. Ligado ao combate operário, deve-se combater as opressões. Dividir para governar é a regra da burguesia na luta das classes. Mas devemos confiar na causa, não ter medo da realidade nos refutar. Os homens e as mulheres são iguais ou diferentes? Ou um ou outro! Na verdade, um e outro: são iguais e diferentes ao mesmo tempo. De modo não determinista nem total, os homens tendem um pouco mais à violência e as mulheres, ao cuidado. Mas isso não determina destinos e perfis, pois somos sociais – naturais socializados. O marxismo, o racismo etc. são ideologias que geram sua própria justificativa. As mulheres gregas eram consideradas de pensamento inferior, por isso, elas eram excluídas, por isso, tinham pensamento inferior – por causas sociais, não naturais. Os homens brancos portugueses consideravam os de pela negra como inferiores; isso gerou pobreza entre os negros e seus descendentes, logo, os de pele escura são, por probabilidade social, mais dos membros ladrões, assaltantes etc.; na aparência, para os racistas, ser negro é ser vagabundo – mas a causa real é social, não natural. É como uma profecia que se afirma e se ―confirma‖ exato porque foi profetizada. É um tipo de mecanismo que nomeio pseudonaturalização do social, mas podemos criar nomes melhores. A homofobia existe porque casais do tipo não produzem nova mão de obra, filhos. O machismo existe porque o homem não quer trabalhar no cuidado dos filhos, na cozinha, no zelo da casa. O racismo surgiu para escravizar negros. A xenofobia existe para separar e dividir os trabalhadores e, assim, reduzir salários. Há outros fatores, mas esses hoje imperam. Por exemplo. A tarefa não é dar tarefas ao homem na casa (mas ele, naturalmente, deve ajudar), mas tornar social um custo que só cai sobre as mulheres – creches, lavanderias, restaurantes públicos, gratuitos e de qualidade, além de obrigatórios nas empresas.
MORAL: ADAPTATIVOS E ATIVOS Friedrich Nietzsche afirmou que há ativos e reativos. Os primeiro são talentosos e solitários, expansivos; os segundos, menores e andam em bando. Ele generalizou isso para as classes de modo imprudente (defendeu, por exemplo, o massacre da Comuna de Paris). Percebe-se que há
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outra divisão: os ativos e os adaptativos. Os ativos elaborar, tentam, agem, comovem, pensam coma própria cabeça, insistem. Os adaptativos pensam do seguinte modo: O que devo falar e fazer para ser aceito no grupo em que estou hoje? Como entrar em harmonia com mau grupo? Qual lado devo escolher para evitar prejuízos pessoais? É com espanto indisfarçável que vejo exsocialistas – embora não confessem que são ex – que até ontem defendiam a revolução comunista hoje apoiarem o governo. Bastou saírem de um partido para outro para mudar seus pensamentos, opiniões, posições e ações. Acomodam-se ao meio ambiente. Mas esse tipo fica para trás na história. Vele citar que, na revolução russa, Kamenev e Zinoviev, fizeram dura campanha contra a revolução russa, contra a tomada de poder pelo partido deles, o Bolchevique, presos à onda reformista e parlamentarista, mas depois assumiram cargos no partido e no governo soviético.
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MORAL E SUPERESTRUTURA
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MORAL E MAIS-PODER Temos a mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho, o mais-produto e o hipotético maisgozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é pessoal. Com sua inocência, inevitável em sua época, Rousseau afirma que nenhum homem deve ser tão pobre a ponto de ter que se vender, nenhum homem deve ser tão rico a ponto de poder comprar outros homens. O mais-poder (político, econômico, machismo etc.) é, inevitavelmente, imoral. Mas apenas na sociedade da abundância real, que começa seus primeiros passos na década de 1970, incluso abundância de tempo livre, a liberdade; o fim do mais-poder, do poder concentrado, torna-se possível, necessário e desejável. O reino desigual da inveja deve ruir, não me importarei se meu vizinho tem o que não tenho – ambos temos. O socialismo é poder acessar com facilidade os objetos necessários para o corpo e para o espírito, além de alguns caprichos sociais desejados.
MORAL E REALIDADE A versão popular e vulgar do pensamento de Rousseau afirma que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Ora: mas quem corrompeu a sociedade? O homem? Ficamos, então, num loop infinito sobre qual é a causa primeira, quem detonou quem. A resposta materialista e dialética parece ser esta: o homem cria seu próprio mundo, o mundo social, mas tal mudialidade, que produz o mundo das coisas, escapa de seu controle, as coisas dominam os homens atomizados, ganham autonomia. Assim, a sociedade coisificada corrompe o criador dela por meio de leis cegas, não decididas por ninguém – já que estamos em guerra uns contra os outros. O falso Ser coisal quer coisificar tudo, incluso o homem. A sociedade não é, imunda e imoral Margaret Hilda Thatcher!, a mera soma de indivíduos: ela é homens, coisas, ideias (sentimentos, morais etc.) e suas interrelações.
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MORAL E ARTE Em nossa crítica de outras obras, veremos que direito, religião, trato social e política são derivações concretas da moral abstrata. Esse o caso de outro abstrato, a arte. E ela é contaminada pela moral de sua época. Por isso, gozamos da vitória do bem contra o mal nos filmes. O recado é que, ao menos no final, a bondade compensa. Na antiguidade, a arte era controlada exato para ser meio de ensinamento de valores e outras artes. A arte está, via de regra, impregnada pela moral de sua época como um vestido que deve sempre vestir se não quer passar vergonha. A arte lubrifica as relações sociais morais, como a tribo fortalecendo sua unidade coletiva dançando inteira junta ao redor da fogueira. Jogando com palavras, ritmos e sentimentos; a arte tem valor educativo, normativo, na consciência e no inconsciente, ajuda a formar certo senso comum, mesmo que o artista não o queira.
MORAL, PORNOGRAFIA E PROSTITUIÇÃO Regina Navarro Lins afirma com frequência que o que foi pornográfico (imoral, logo) ontem, passa a ser comum e aceitável hoje ou amanhã. O modo como nos vestimos seria escandaloso e inaceitável nos séculos passados desde a cristandade. Nesse assunto, a esquerda tem o pé direto fincado. Boa parte da esquerda é criação das igrejas cristãs, que influencia nossos valores. Afinal, mais fácil uma agulha a um rico… Mas é o pé errado: a masturbação, por exemplo, nenhum pecado materialista torna-se. A pornografia é mais uma forma nova, muito imperfeita, de viver a sexualidade. Não há evidências científicas de que ela vicia ou faz mal. No entanto, como para a psicanálise tudo é sexo (trabalhamos para vencer a guerra pelo sexo etc.), sentir prazer sexual sem trabalho, sem o esforço de conquista, degenera uma deformação mental, como menor tolerância ao esforço e à frustração. Apoiamos esta tese: mas, em geral, a psicanálise, com razão, não é contra pornografia e masturbação moderada – apenas condena o exagero. Mas devemos evitar a terra sem lei: exploração, mau pagamento das atrizes, exposição involuntária, pedofilia etc. devem ser duramente reprimidos. Para os marxistas, o trabalho assalariado, servir a outro ou morrer de fome, torna-se uma imoralidade. Tanto a escravidão quanto o assalariamento são imorais, perversos e dignos de combate. Dito isso: em geral, o trabalho alienado assalariado é a forma mais antiga de prostituição. Uns prostituem o cérebro e as mãos; outros, o órgão sexual. Não há diferenças qualitativas aí. Mas a esquerda trata o sexo como, ao mesmo tempo, o mais sagrado e o mais profano dos profanos – tal e qual a Igreja. Em geral, o casamento também é prostituição, de
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longo prazo, mas não somos firme em seu combatem como os moralistas fazem contras as trabalhadoras sexuais. MORAL E PROTESTANTISMO Quem tem formação básica sabe que as rupturas religiosas da Igreja deram-se porque surgia um mundo novo, o mundo do dinheiro. Era preciso uma ideologia religiosa da prosperidade e do capital. Não entraremos na autoria teórica (Weber), ainda o debate é outro. Os pastores ficam constrangidos com o novo testamento, com Jesus, uma das figuras mais apaixonantes da história mundial, que diz: antes um camelo a um rico, a caridade é maior que fé, deve-se combater o império, o dinheiro é demoníaco, bebamos vinhos e andemos com as prostitutas, atire a primeira pedra apenas se… etc. Focam, por isso, no velho testamento, a antiga aliança, não a nova, que tem o Deus da guerra, o Deus vingativo e sádico, a imensidão dos desastres etc. Da boca de tais farsantes ouvimos muito as palavras demônio e homossexual. Do ponto de vista ideal, tais congregações crescem com velocidade porque estão de acordo com a moral dominante: dinheiro, querer mais dinheiro. É a teologia da prosperidade. Já a Católica é muito medieval (por isso, pende parcialmente ao anticapitalismo, como dirá Michael Löwy), passiva, humilde – e repetitiva em seus ritos. Vejamos a defesa escravista do velho livro: ―Meras palavras não bastam para corrigir o escravo; mesmo que entenda, não reagirá bem.‖ Provérbios 29: 19. ―O escravo que é mimado desde criança um dia vai querer ser dono de tudo.‖ Provérbios 29: 21.
"Os seus escravos e as suas escravas deverão vir dos povos que vivem ao redor de vocês; deles vocês poderão comprar escravos e escravas. Também poderão comprá-los entre os filhos dos residentes temporários que vivem entre vocês e entre os que pertencem aos clãs deles, ainda que nascidos na terra de vocês; eles se tornarão sua propriedade." Levítico 25: 44-45 "Se um homem vender sua filha como escrava, ela não será liberta como os escravos homens." Êxodo 21: 07
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Ao ―povo escolhido‖, o problema não é escravidão – é eles não serem senhores de escravos! A proibição de comer porcos, frutos do mar (incluso peixes), fazer a barba, usar dois tecidos, tocar mulher menstruada etc. Tudo isso é ignorado, mas a condenação da homossexualidade é aceita como lei maior. Preferimos os primeiros comunistas cristãos, embora utópicos: Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e dividiam o produto entre todos, segundo a necessidade de cada um. Diariamente, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração. Atos 2:45 Embora nunca tenha confessado, Marx inspirou-se nesta passagem. Ele defendeu que a bandeira comunista mundial do futuro tenha tal lema: ―A cada um segundo sua necessidade, década um segundo sua capacidade!‖. De fato, o dinheiro, que não aceita limites, quer acumular cada vez mais e sempre, é o que a Bíblia nomeia Mamóm, o demônio pagão do dinheiro. Quando o Estado põe ―Deus seja louvado‖ no dólar e no real, está dizendo, de outro modo, que seu deus real é a moeda. No fundo, os fiéis sabem da farsa que é seu pastor. Mas precisam de um pouco de teatro, um pouco de convívio para superar a solidão, um tanto de prazer por solidariedade etc. Por isso, têm de afirmar toda vez e de modo insistente sua fé: pois, hoje, tendem a ser ateus naturalmente. Drogas, mesmo que não químicas, relacionais, são necessárias para suportar a vida - alienada. Se duas pessoas se unem contra a solidão apenas para combater de modo direto tal sentimento, tudo é constrangedor, nada funciona; nem conversa há. Assim, a religião oferece objetos concretos e abstratos para termos uma desculpa para nos encontrarmos, para termos o que fazer e o que conversar. No mais, saber que há anjos e demônios lutando por aí faz a vida parecer mais interessante, como um filme, menos tediosa, estressante e limitada. Os comunistas cristãos podem contar, também, com as seguintes citações da Bíblia: ―Bendito sois vós, os pobres, pois herdarão o reino dos céus! Mas ai de vós os ricos!‖. (Lucas 5:27-28)
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: ―É mais fácil um camelo entrar numa agulha que um rico adentrar o reino dos céus.‖ (Lucas 18:18-25 / Mateus 19:20-21) ―O homem rico é sábio aos seus próprios olhos; mas o pobre que é inteligente sabe sondálo‖. (Provérbios 28:11) ―Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.‖ (1 Timóteo 6:9-11.) ―Quem amar o dinheiro jamais dele se fartará; e quem amar a abundância nunca se fartará da renda; também isto é vaidade‖ (Eclesiastes 5:10). ―Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.‖ (Mateus 6:19-24) ―Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, a maior delas é a caridade.‖ (1 Coríntios 13:13) ―E as multidões clamavam: Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia! Tendo Jesus entrado no templo, expulsou todos os que ali vendiam e compravam; também derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa
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será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores.‖ (Mateus 21: 11-13)
MORAL E ATEÍSMO Afirma Dostoievsky: ―Se Deus não existisse, tudo seria permitido‖. Ora, mas existe a educação, a natureza humana, a empatia, a lei e o Estado etc. Em geral, os ateus das classes trabalhadoras são pessoas acima da média na questão moral. Por quê? De um lado, o meio teatral da religião lhes escapa; de outro, eles precisam dar sentido à vida por meio da prática e de sua (re)significação. Há uma dose de inteligência também influenciando – mas boa moral e inteligência nunca serão sinônimos.
MORAL E GUERRA A única guerra moral é a que liberta um povo, seja do capitalismo ou seja do imperialismo. Dito isso, o senso comum pensa a guerra como casa de ninguém, o vale-tudo enquanto máxima. De fato, a regra da guerra é enganar o inimigo. Mas, mesmo aí, os países e corpos de força foram obrigados a seguir certa conduta, um mínimo de civilidade. Assim, se um grupo de combate rende-se, deve-se, via de regra, de modo recíproco, aceitar a rendição e manter os rendidos, agora prisioneiro, vivos. A objetividade de origem é, também, esta: se garantimos que os desistentes serão bem tratados, mais inimigos quererão desistir. De outro modo, os seus desertores devem ser fuzilados em punição, ao menos uma parte deles para ser vir de exemplo sem perder tantos combatentes. A violência pode ser um ato moral, portanto. É uma força produtiva, não apenas destrutiva, tal como o ódio. Espancar um homem machista que espanca a ―sua‖ mulher é um ato louvável. Deve-se odiar a burguesia e o fascismo, por exemplo. A moral é relativa, ou melhor, relativamente relativa, sem cair no poço sem fundo do relativismo.
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Lukács defende a tese de impacto de que a violência é social, humana, não natural. A violência animal não é, assim, violência alguma ou real. Resolvemos isso adotando a categoria de ―natural socialmente modificado, adaptado ou desenvolvido‖.
MORAL E TOTALIDADE A vida individual é acidental, contingente e caótica. Uma solução é ligar sua vida ao destino da totalidade. Assim, a militância socialista liga o indivíduo ou gênero e seu destino.
MORAL E SUPERESTRUTURA Superestrutura divide-se em duas: a subjetiva (moral, sentimento, direito, política, arte etc.) e objetiva, em resumo, instituições. Em seu desenvolvimento, no desenvolvimento social, a moral passou para a arte, para o direito, para a política, para a religião. Uma vez criados, ganharam autonomia cada vez maior, novas funções.
MORAL E NEUROCIÊNCIA A neurociência é a área que mais avança por causa doa avanços técnicos e por seu um terreno relativamente novo na sua atual configuração. Mas ainda é um bebê, belo e imaturo. Tal área demonstrou que a configuração do cérebro impõe certa conduta, ou seja, certa moral. Por exemplo: descobriu-se que um pedófilo assim agia porque tinha câncer cerebral; tirou o tumor, parou o hábito; mas o retornou de novo, pois o tumor retornou. È famoso o caso, também, do homem cujo cérebro foi atravessado pro um bastão de ferro – tornou-se irritadiço, agressivo, impaciente e intolerante. Pessoas de direita costuma ter mais nojo, mais sensibilidade. Mas, de certa forma, esquece-se nisso a historicidade de tal movimento político. Pessoas de esquerda são, claro, via de regra, mais solidárias. Já os fanáticos políticos, de qualquer cor, tendem a ter sérios problemas sexuais, como impotência. A moral é, primeiro, inconsciente; mas o cérebro é plástico, moldável e adaptável. Isso nos leva ao seu desenvolvimento. É evidente que o aparelho psíquico do adolescente é incompleto, mais perto da impulsividade e do risco (as meninas também são assim, mas reprimidas – então, por exemplo, namoram, maus exemplos etc.). A própria realidade, ao frustrar algumas ousadias, ajuda a desenvolver o aparelho mental que já evolver naturalmente. Por isso, o voto dos jovens não é obrigatório, mas facultativo – um acerto em si.
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Dirá o poeta: nós, que temos ideias tão modernas, somos o mesmo homem que vivia nas cavernas. Somos naturais – mas naturais socialmente modificados, adaptados, mediados. O pósmodernismo e o marxismo vulgar relacionalista-sociológico, afetado por aquele, pensam que somos apenas frutos do meio, somos apenas construções sociais – sem contradição. O corpo seria mera carcaça. A dialética passa longe deles: somos, antes, animais, antes de sermos sociais – afirmação de Marx contra o idealismo, a filosofia de sua época e a religião (afirmação feita mesmo antes de Darwin lançar sua revolução). A negação disso é a alienação, uma dentre suas formas sociais. Somos animal social; animal, porém social – social, porém animal. Quando Freud diz que tudo gira em torno do sexo, diz muito e de modo materialista; pois, para o marxismo, o homem produz ferramentas e relações sociais para satisfazer necessidades reais – incluso as sexuais, cujas gravidades e centralidades na psique e no corpo são enormes. Sociedade precisa, pelo menos, se reproduzir… Claro: mudamos, adaptamos socialmente, na história, o modo de sexualizar.
MORAL E MORTE Ainda por enquanto, a morte não foi enganada pela técnica. Quando e se ocorrer, gerará uma crise social: Deus? Aposentadoria? Para Camus, devemos aceitar a morde em forma de revolta contra o destino, mas nada de revolução socialista… Para Heidegger, somos um Ser para a morte, logo devemos criar uma boa vida enquanto vivos. O pior é alcançar a velhice sem ter vivido a vida, ter um mau balanço da própria história. Alguns escapam disso coma ilusão da vida após a morte: eu vivo, eu morro, eu vivo de novo… Mas é caminho perdido. Morrer sempre será um desastre da existência. Mas, como é inevitável, devemos lidar o melhor possível com o fato futuro. MORAL E SUICÍDIO É claro para o marxismo que suicídio costuma ser reação desesperada contra a alienação, contra a vida sem sentido. O mundo pesa mil toneladas sobre nossas cabeças. Quando a depressão começou a ser regra, também iniciou o hábito de romantizar o tiro sobre a própria nuca. A necessidade é, assim, tomada como se fosse vantagem. De fato, em situações raras, suicídios podem ser heroicos (explodir-se último com os fascistas numa guerra desesperada contra eles), mas não é a regra. É, via de regra, moral o suicídio? O autor dessas letras tentou quase que 10 vezes, todas falharam para minha sorte; portanto, há certa autoridade pessoal no assunto… A objetividade constrange a consciência de modo insuportável. O suicídio é condenável porque pune a pessoa errada.
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MORAL E APARELHO PSÍQUICO Na psicanálise, temos Superego (superEu), responsável pelo 1) ideal de Eu, 2) repressão interna; temos o Eu, ego, como mediador, o meio-termo; Temos, enfim, o ID, desejo e instinto. Cada um com seu impulso e nível de energia, tenta impor-se sobre o outro. Por isso, somos luta. Desejos opostos podem habitar o mesmo corpo. O superego vem da experiência externa, trata-se de uma subjetivação da objetividade – internalização da lei. O que é externo, a repressão, torna-se interno, autorrepressão. Ora, da disputa do ID instintivo e do Superego surge o Ego. Ainda assim, a estrutura está mal exposta. Existe um InfraEu, um eu interno. O Eu do ego é feito para o trabalho, para o externo, para o foco. Mas temos um Eu oculto até para nós mesmos, que, no fundo, decide. Ele sabe porque sabe, ele é porque é. De algum modo, tenta fazer valer sua vontade real, a demanda, como se por acaso. Manobra e luta no mundo. O Ego, de fato, faz a mediação possível: quero devorar aquela moça (ID), mas medeio (Ego) dando-lhe meu telefone, desde a força relativa de minha moral (Superego). O ID faz experiência que produz superego, que produz – na relação – o ego. Este é duplicado-uno, ou seja, tem o Eu externo e o Eu interno, InflaEu. O inconsciente tem consciência de si. Grosso modo, para Freud e sua tradição, a moral é obra do Superego, do SuperEu. Na verdade, trata-se de uma obra conjunta e autocontradiria. Os três, agora quatro, elementos unemse de certo modo dialético para afirmar certa moral, para gera-la com determinada estabilidade instável porque dinâmica. A verdade é o todo e sua narrativa contraditória. MORAL E IDEOLOGIA Para Althusser, a ideologia impera até no inconsciente – acerta, errando sobre quase todo o resto. Também temos, por Lukács, a ideologia como falso socialmente necessário; depois, ampliou o conceito para tudo que se passa na cabeça (ciência, religião, moral, sentimentos etc.). Aqui, trataremos o fato da moral precisar, dentro de si, do que chamo de mediação ideológica. Pela importância do tema nesta obra, serei repetitivo sobre contra as exigências de estilo. Os gregos usavam o ―lugar natural‖ no cosmos (cosmologia). Assim, neste mundo fixo, o senhor de escravos sempre será senhor dos escravos – o escravo continuará coisa, como se. Mudança não é algo agradável ao escravista grego – que tudo pare como as estrelas no céu! É assim como foi disfarçada, de modo inconsciente, a questão classista da felicidade e, ou seja, da moral. Os medievais usavam Deus (teologia). Tal mediação ideológica supunha o perfeito, o dono superior da verdade superior. É aproximar-se de Deus, por isso, seguir a sua moral, ou melhor, a
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moral da Igreja, ou melhor, a moral do Senhor feudal. Existem, claro, outras mediações ideológicas: por exemplo, o laço social e de dependência das classes opostas se expressava de modo coisificado como dependência da terra, o servo não poderia abandonar o feudo terrestre. Mas isso apenas vale aqui como expressão de uma moral e sua mediação. Os modernos elevavam o indivíduo (humanismo). O homem tornou-se átomo desconfiado, mais indivíduo, isolou-se, adotou a luta de todos contra todos. Seu foco é a individualidade da mercadoria e do dinheiro. São formas de disfarçar o caráter classista e social-histórico da questão ética-moral. Veja bem; o mediador ideológico não é, necessariamente, uma ilusão mediadora: a luta pela humanização do homem guia a moral comunista, um objetivo justo e verdadeiro. É a nossa atual mediação ideológica necessária, na época de transição, de crise ontológica. Tal mediação é correta porque concreta, não mais externa ou como mera concepção. Tudo isso se deu de modo inconsciente em geral. Os melhores pensadores enganavam-se sem saber, sem sequer desconfiar. Para eles, a empiria factual seria eterna: se assim aparece, assim é, foi e será. Mas a coisa é sendo, ou seja, a frase científica nega o movimento, quer uma verdade parada, estática. São vícios ocultos da linguagem que expressam vícios classistas. O homem seria escravocrata, pecador ou atômico. E, de cada concepção, certa moral clara, mas com alguns pontos cegos. A mediação ideológica é, assim, uma necessidade social e do pensamento, quer seja, do pensador. Das principais mediações de ideologia, temos as abstrações: Abstração como cosmos, o geral. Abstração como Deus, o puro. Abstração como indivíduo, o separado ou isolado. Tudo isso para evitar o concreto – o classismo, em principal – me seu movimento. Mas é porque o concreto está em movimento contraditório que se abstrai como fuga inconsciente. Para avançarmos, uma clareza. Quando Marx afirmou que a ideologia é a forma como os homens tomam consciência de seus conflitos e, logo, de sua época – assim é para, enfim, agir. Não é apenas reativo e consequência: interpretar para mudar. Outro modo de observar é este: a ética passa do geral ou universal, cosmologia, para, a mediação, o particular, isto é, um geral singular, Deus, teologia – enfim, o singular do humanismo, o indivíduo atômico. Tal avanço ocorre porque a liberdade aumenta no avançar da humanidade; por sua vez, tal liberdade aumenta por, grosso modo, aumento de produtividade.
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MORAL E REPRESSÃO Pensa-se a moral como puro reino da escolha ou da liberdade. No entanto, toda moral exige meios de repressão, controle e redução de danos. Regula-se. Pode ser a espada, a prisão ou um riso irônico. Pode ser até o próprio aparelho psíquico agindo sobre si como se sobre outro, outro de si. Somente a hipocrisia fala de pura liberdade, de livridade das opções. A vida é dura. MORAL E CIÊNCIA A ciência e a técnica apenas são neutras em si, se isoladas. Na história, temos uma ciência burguesa que é e foi progressiva em geral, pois, por exemplo, prepara o caminho do socialismo. Os limites éticos do cientista é a humanização da humanidade e da natureza. Vários deles evitam criticar empresas para evitar perder projetos e patrocínios; não arriscam, portanto. No mais, como lei cega, como estamos divididos em luta, surge uma lógica impessoal do sistema: se um não faz certa pesquisa ou invenção imoral, outro fará. De todo modo, seria errado culpar cientistas e engenheiros por desemprego causado pela inteligência artificial e os robôs. A culpa é sistema – e de sua classe social p´ropria dominante – que gera desemprego, do modo de vida baseado no lucro. SOBRE OS VALORES O homem primitivo necessitou compreender cada vez mais as propriedades do mundo, ou seja, de modo rústico, já fazia ciência. Ao analisar o mundo, teve de descobrir – não criar – valores, valorizar; esta pedra é ruim para este machado, mas bom para tal tarefa. Pois bem; grosso modo, isso está em Lukács, então apenas vale tratarmos do assunto se algo novo houver para ser dito. O valor artístico, por exemplo, dar-se pelo quanto de trabalho útil foi destinado na sua produção, incluso o ganho de habilidade do artista. Mas o guia é o valor de uso da arte, a mensagem. Se um ―artista‖ dedica mil horas para pintar um quadro preto de preto, perdeu seu tempo. Lukács diz da valoração com o exemplo do valor positivo de um bom vento para a embarcação. Ora, a diferença atmosférica deslocou ar de um ponto para outro, logo trabalho realizado. Na verdade, o valor tem origem direta em dois fatores opostos e complementares, unidos: o trabalho exigido e o trabalho economizado. Um mau vento exige mais trabalho, gasto extra – menos valor tem, menos bom é ele.
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Considerado isso, que trabalho e economia de trabalho são ambos base da valoração, o que os unifica? O objetivo, a finalidade, o valor de uso – eis a medida, ou melhor, o lastro da valoração. Uma arte somente é arte se tem mensagem fictícia (podendo ser afirmada como bom, bem, ou mau, mal, elaborada). Na relação homem e objeto, ou no trabalho-produção, a valoração divide-se, no contexto, em bom e ruim. Nas relações humanas, relações de produção e sociais ou pessoais, em bom e mau. Nada nisso de maniqueísmos, pois, por exemplo, um operário lutador da causa operária, logo bom, pode ser machista, logo mau. O que guia é o rumo da humanização da humanidade, o fim da alienação – a finalidade. Assim, a valoração dos valores está lastreada, no trabalho, por isso, na história, por isso, nas relações contextuais, logo, na finalidade. Já dissemos em outro lugar que o ouro vale muito porque se exige imenso trabalho para extraí-lo da terra. Mas tal imenso trabalho é exigido porque se exige muita energia-tempotrabalho para produzi-lo nas estrelas, nas explosões estelares. No social, o trabalho está ligado de modo direto e central com o problema da alienação, ou seja, da desumanização da humanidade. É moral o que economiza o trabalho e, ao mesmo tempo, preserva o trabalhador, algo que exige novas relações sociais de produção e novas superestruturas (instituições etc.). Tem valor, tem moral, aquilo que liberta o homem do trabalho manual e lhe dá saldável tempo livre, isto é, socialismo. O socialismo, a liberdade humana, a humanização do homem, é o valor dos valores – a meta inconsciente e, depois, consciente da humanidade.
MORAL E METAFÍSICA Platão ascende a conceitos cada vez mais gerais e abstratos até alcançar o Belo, o Bom e o Bem. Para ele, os mais puros. Ora, existe um conceito ainda mais puro, geral e abstrato. O belo, o bom e o bem são o quê? São valor! Com tal conceito, na economia Marx foi de fato ao mais abstrato. O bem (coisa privada) não é o mais profundo ou, se quisermos, o mais etéreo: isso é o que está dentro do valor de uso, o bem, ou seja, seu valor invisível dentro de si. Marx poderia dar qualquer nome ao valor, já que é descoberta sua, mas lastreou a palavra na metafísica. UMA ABSURDA TEORIA DO VALOR Marx convida a duvidar de tudo, de todas as certezas – incluso as de sua poderosa produção. Dito isso, José Paulo Netto afirma que, quando se quer atacar ou adaptar o marxismo, foca-se em
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três eixos: contra a dialética, contra a teoria da revolução e contra a teoria do valor-trabalho. Nosso foco será a questão do último elemento. Todas as tentativas de negar ou ver contradição na teoria marxista do valor são, quando muito, risíveis. Isso ocorre, simplesmente, porque ela está certa, completa e correspondente em alto grau à realidade. Os críticos confundem, por exemplo, valor e preço. Ora, por que a água, com a altíssima utilidade, apresenta-se tão barata – mas o ouro, carente de utilidade, tão caro? Eis contradição da teoria do valor subjetivo, do utilitarismo. Resposta: um exige mais trabalho social e humano para produzir em relação ao outro, muito mais. Mas é possível afirmar totalmente a teoria marxista do valor e, ao mesmo tempo, superá-la? Façamos a digressão e o exercício apenas para fins filosóficos, pois é uma teoria de todo correta. Apresento, agora, minha própria teoria, que eu mesmo a nego!, do valor-matéria. Marx começa sua obra coma seguinte pergunta: se duas mercadorias são qualitativamente, completamente, diferentes – como elas são igualadas? Como isso é possível? Ora, responde ele, são iguais porque são frutos iguais de trabalho humano! O tanto de trabalho gasto gera um tanto de valor, que as iguala no mercado. Mas, porém, todavia: elas não são completamente qualitativamente diferentes! Elas, as mercadorias, ou melhor, os valores de uso, são átomos concentrados, ou seja: – prótons, elétrons e nêutrons. São matéria e material igual, massa igual, ou seja, peso igual (com a gravidade). O que lhes iguala são suas matérias. Se o valor é energia, temos de ver que energia é massa (E=mc²), segundo Einstein. Entremos mais no absurdo. Primeiro. A máquina perde valor ao desgastar-se, ao desmaterializar-se. Segundo. O dinheiro ganha valor ao materializar-se na forma ímpar, o ouro (átomo pesado); depois, perde valor ao desmaterializar-se (prata, cobre, papel, bits.). Terceiro. Lamentamos muito mais a morte de um grande elefante contra a morte de uma reles formiga. Por instinto, associamos valor com materialidade – mais materialidade, aliás, mais raro, além e mais trabalho e energia exigir. Quarto. Uma pedra mais material é, via de regra, mais útil e tem mais valor relativo a outra pedra inferior materialmente de mesmo tamanho. Quinto. O ouro é difícil produzir nas estrelas, concentra muitos átomos. Sexto. Tenta-se tirar componentes ―desnecessários‖ da máquina para diminuir, assim, seu valor. Sétimo. A deterioração de certa mercadoria também é sua perda de valor. Oitavo. A abundância material é a base da liberdade e da felicidade. Novo. Valor só pode existir dentro e junto de algo, de certa matéria.
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Décimo. O que tem mais massa, em geral, mais matéria, tende a ter valor e preço maiores. Décimo primeiro. A redução do valor e do preço da mercadoria está, hoje, ligada à redução de sua materialidade, ou seja, os produtor estão mais frágeis. Ou seja: valor-matéria. Décimo segundo. Marx afirma que o valor de certa mercadoria (forma relativa) se expressa na materialidade de outra (forma equivalente). Assim, sua separação por um abismo entre valor de uso e valor cai e desaba para dentro de si: a medida dos valores e o padrão de preços, por exemplo, fundem-se, ainda que de modo a abarcar a diferença etc. Décimo terceiro, enfim. A água é barata por sua molécula ser fácil de se formar, precisa de átomos simples e ―leves‖, pouco materiais, oxigênio e hidrogênio, abundantes por facilidade relativa de produzir. O ouro é caro porque, como observamos, seus átomos unidos são ―pesados‖, complexos, com mais matéria-massa concentrado, lago mais raro, logo mais trabalho para produzir na estrela e extrair da terra, logo mais caro via de regra e tendencialmente. Décimo quarto. Vejamos a relação com a dialética. Marx exclui todas as propriedades físicas da mercadoria para chegar numa coisa-em-si invisível, o valor, a gelatina de trabalho dentro da coisa. Mas, contra Kant, Hegel afirmou, embora não tenha sido o único, que a coisa sem suas propriedades nada é – e que tais propriedades são, veja só, matérias ou materiais. Assim, a coisaem-si valor nada mais seria que suas próprias propriedades, ou seja, sua materialidade. A coisaem-si, o valor, é a coisa. Décimo quinto. Tanto no mundo inorgânico (Sol, buracos negros etc.), passando pelo biológico (macho dominante, o mais alto etc.), quanto no social (concentração de capital, ter mais dinheiro, ter maior população etc.; ter grande casa ou carro, mais dinheiro etc.) ocorre o seguinte processo: mais matéria-massa concentrada, em relação aos demais e à média, logo, tende a ser a causa de atração, de ser orbitado, de agregar para si. Assim, também, conectamos a teoria do valor-trabalho com a teoria da oferta e da demanda (procura). Algo é raro, logo, com muito valor por ser difícil de extrair ou produzir, porque tem mais materialidade – porque tem mais materialidade, é muito mais difícil. Por isso o ouro tem valor, sua raridade, ao exigir mais átomos para existir, exige trabalho extra. A matéria é a própria realidade – por isso seu valor, sua base de valor. Quando dizemos que movimento = energia = tempo = espaço (meio) = matéria – dizemos, portanto, que a energiavalor nada mais é que a matéria. Assim fazemos a unidade, ainda que ainda contraditória, entre valor e valor de uso. Não mais externos um ao outro, não mais apenas estranhos. Vejamos o parágrafo anterior. Marx diz que o preço da terra virgem não tem valor, pois não há trabalho gasto em sua produção, portanto, capital fictício; apenas há preço. Mas a terra, primeiro, tende a valer mais se ela é melhor, mais produtiva, então, mais rica materialmente! E,
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segundo, o oposto-idêntico-diferente de matéria é espaço ou movimento, logo, a terra mais diestante tende a perder valor, preço. Portanto: a matéria é a medida de todas as coisas! Vale uma comparação histórica. Platão teve de dividir o mundo em dois opostos e separados: o mundo das ideias ou formas e o mundo da aparência ou material. Depois, em oposição, Aristóteles – ainda idealista, mas com toque materialista evidente – defendeu um só mundo, aqui, onde está a própria substância, a essência, o conteúdo, a forma etc. Marx dividiu economia em dois: mundo do valor de uso e mundo do valor. Agora, unifico ambos os mundos no valor-material. Assim, o valor dado está ligado à sua 1) Raridade Que nada mais expressa além do 2) Trabalho médio – social ou natural – exigido para sua produção ou economizado Que é um dado gasto de energia expresso de maneira imperfeita no 3) Tempo médio exigido em sua criação Ligado, portanto, à sua 4) Utilidade Que é, por sua vez e em cadeia, expressão pobre de sua 5. Materialidade (valor-matéria) Tanto no sentido quantitativo quanto, em principal, qualitativo. Isso afastaria um tanto, como solução, o marxismo de sua necessária metafísica do valor – tão rejeitada pelos próprios marxistas, contra Marx. No entanto, não estou disposto a brigar essa luta, que é a raiz de 2 do marxismo. Uma ideia tão absurda, revisionista e pouco ortodoxa me levaria ao isolamento completo e final do movimento marxista, do qual dependo para mudar o mundo de vez e de fato. Recuo, portanto. Quem quiser correr o risco, deixo a base para o desenvolvimento posterior da ideia, seu desdobramento e suas deduções. Mas nada, absolutamente nada, garante que ela está correta ou sustenta-se na realidade, no argumento e na teoria. Incluso, pensa-se dela, a partir, parte do valor moral e do valor em geral. Mas um ponto de apoio seria que a empiria é suja, impura, concreta, impedindo a manifestação exata da lei do valor-matéria. Tal visão, enfim, reconecta o mundo dos homens com o mundo natural. Marx nunca poderia, ou teria imensa dificuldade de, criar a teoria do valor-matéria, que, grosso modo, afirma que o valor deriva de maior materialidade relativa. Isso ocorre porque a ciência, a metafísica (a verdade está no todo), a física, a filosofia, a Dialética da natureza e a sociedade ainda
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não haviam atingido seus ápices, de origem comum, durante sua vida. Quando Marx diz que se pode virar e desvirar a mercadoria, mas nela não se encontrará nenhum átomo de valor; esquece que a matéria, representada no átomo, é o próprio valor. Piero Sraffa estaria orgulhoso por ser tão positivamente inspirado e superado. MORAL E ADMINISTRAÇÃO Nas empresas, o tema da ética é moda na proporção de sua falta concreta. Palestrantes são chamados para tratar do tema, dinâmicas ―psicológicas‖ infantilizadas são feitas para criar confiança uns nos outros etc. Luta-se, sem saber, contra o problema de fundo: o sofrimento do funcionário, por falta de relações de confina, gera luta e lucro. No campo da esquerda, coisa toda é muito complicada. Em geral cuida das tarefas de organização e administração o militante menos político, de classe média, com perfil de gerente, com ares autoritários etc. Mas a forma de organizar as coisas e as pessoas – objetividade – influencia a moral delas, além da política aprovada. No socialismo, teremos de produzir bons e claros manuais de administração sob nova moral e perfil. O gerente será funcionário contratado pelos operários, nunca mais um todo poderoso manobrador e arrogante. De qualquer modo, comas fabricas de todo automatizadas, não haverá sobrem jugar seu despotismo e, então, o processo será muito mais técnico que subjetivo ou político. Por hoje, como ensaio de governo, os comunistas podem, por exemplo, criar manuais claríssimos e completos de gestão sindical – comunista, ou seja, guiada por sua moral. Como garantir que os trabalhadores decidam os rumos da instituição? Veja-se mistura necessária de administrar e moralizar. No Brasil decadente, a administração estatal decadente tende, como se força da natureza, a espalhar seu veneno pelo ar de toda a sociedade. Vejamos um caso. Em muitas escolas estatais do país, os diretores desviam verbas, por exemplo, aumentando a quantidade oficial de alunos acima da quantia real. Assim, o dinheiro que vem em sobra vai, desviado, para o bolso do administrador (em geral, eleito!). A causa de fundo são as relações monetárias imitadas e, por isso, também gerais. Por usa natureza, o dinheiro corrompe, deseja acumular-se. Um dos caminhos para resolver isso é dar ao diretor apenas valores de uso, os produtos consumidos na escola e pelos alunos, além de centralizar nacionalmente a contabilidade, além da distribuição, para facilitar descobrir erros. No Brasil, evitam digitalizar serviços estatais exato porque dificulta corrupção e desvios ou facilita descobrir erros.
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HUMOR E MORAL No tempo recente, debate-se a ética do humor e seus limites. Qual a medida de um humor correto? Ora, a democracia e suas regras não são decididas de modo livre e em livre acordo, são concessões de certa composição social. O humor, portanto, deve ter em conta a lei. Mas a arte, diferente de outras áreas, tem necessidade anarquista, de máxima liberdade. O certo, parece, será isto: o humorista faz o que bem quer no palco em relação ao conteúdo de suas piadas e sacadas – mas, em troca, deve tolerar e respeitar a crítica social, da opinião pública. Nada de reclamar da censura do meio. Eventualmente, isso lhe fará recuar de certos absurdos. Se o público ri de uma piada racista, o problema real e moral não está na cabeça do piadista. MORAL, JUSTIFICATIVA E EXPLICAÇÃO No senso comum, dizer que algo é sem sentido torna-se uma forma de afirmar que ele está errado. Explicar a base de um erro, que não é raio em céu azul, seria justificar o mesmo erro. Eis que isso é lógica formal inconsciente – quando, na verdade, tudo tem uma razão. Diz-se, por exemplo: ―isso é errado, pois não tem lógica‖. Mas serve para negar a contradição. No entanto, tudo é contraditório, apenas há lógica na contradição. Explicar não é sempre justificar. A UNIDADE INTERNA E INTERPENETRAÇÃO DAS SUPERESTRUTURAS SUBJETIVAS Vamos do abstrato ao concreto. Na dialética de Hegel, o interno e o externo estão em unidade – e a diversidade externa tem uma unidade interna. Em nossa dialética, diacrônica, a diversidade unitária é contraditória, ou melhor, autocontraditória. Move-se para um lado ou outro, mas o geral é isto: a unidade interna torna-se, no processo, unidade também externa. O capitalismo tratou de, diferente de antes, separar tudo no nível externo: Estado aqui, economia ali, religião acolá etc. Assim, ocultou e disfarçou a unidade interna verdadeiramente existente. A corrupção, por exemplo, um empresário subornar um político, trata-se de, no fundo do fundo, afirmação da unidade e interdependência interna na autonomia externa (política é – nada mais que – economia concentrada, dirá Lenin). O socialismo resolverá isso: o Estado cuidará da economia, o povo cuidará do Estado, o mesmo povo será armado sem polícia ou forçar armadas destacadas da sociedade etc. Pois bem; em geral, as superestruturas subjetivas (tudo que se passa, entes, na cabeça) têm unidade interna e autonomia externa. Cabe à teoria perceber a realidade escondida de si mesma em si mesma. Da moral, desenvolveram-se, autonomizaram-se e ganharam novas funções – a
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religiosidade, a política, o sentimento, a arte etc. E criaram suas instituições, causa e consequência de tais ideologias. Vejamos o caso menos evidente: sentimento é igual à moral: sente-se moralmente, tem-se moral sentimentalmente. É uma só cabeça, autointegrada. A religiosidade, com a religião, também é moral, também política; Bonaparte, então servidor dos novos ricos, que ninguém desconfiará ser comunista, afirmou que a religião existe para que os pobres não matem os ricos. O direito, que quer soar abstrato e impessoal, apolítico e objetivista, disfarçando seu laço íntimo com a totalidade, também é moral, também é política. O motor primeiro é a moral, incluso a moral dominante da classe (melhor, da objetividade) dominante em luta contra outras morais. A arte, sendo apenas arte, também é moral, também é – por isso – política. Por usa vez, a política tem algo de fé, mesmo, e algo de arte, e algo de direito, além de certa e inevitável moral, mesmo que cínica ou inconscientemente desconsiderada nas falas públicas. Assim, do concreto amorfo, elevou-se, mas decaindo, o abstrato separado e externo. Depois, mais concretude, unidade, interpenetração. O abstrato é o concreto em processo. Exige teoria para ver o que está diante e atrás dos olhos… Os cientistas, em geral, inspirados na química, que em certas línguas significa que separar, apenas separam, classificam e reafirmam cada superesterutura, cada elemento. Não avançam, assim, para além do aparente, da forma, do externo, da diversidade e, ou seja, do senso comum. Na dialética de Hegel e, de certa forma, de Marx o abstrato e concreto são ao mesmo tempo apenas, sincrônico. Para nós, também diacrônico: o concreto, sendo ainda concreto, abstrai-se, quase isola suas partes, que devem depois reforçar a unidade – no nosso caso, o socialismo porá certa moral comum que colocará fim à política, ao direito, à religião, que na primitividade estavam reunidos como um só. MORAL:SUPERDOTADOS, TDAHs E AUTISTAS Em geral, por serem impulsos (também no bom sentido), superdotados tendem a ser humanistas, liberais contra conservadores, revolucionários, comunistas etc. – tendem a ter empatia acima, ou muito acima, da média. O mesmo ocorre, pelos mesmos motivos, com TDAHs, que podem ter destaque especial em muitas áreas. Já, por outro lado, o autista tende ao retraimento, ao foco em si, à dificuldade de emparia e compreensão do outro. Mas, entre eles, despontam alguns com altíssima habilidade especializada que ajuda a humanidade como pode, com certa clareza racional do bem comum. Os melhores costumam estar do lado dos oprimidos e dos subversivos, ainda que por meio de mediações.
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MORAL E UNIVERSALIDADE O senso comum marxista, o marxismo dos manuais, diz que tudo é história e tudo está dependente das forças de produção de cada época. Está muito correto, mas cai em historicismo vulgar. Como acerta muito, deixa-se de lado o erro lateral. Assim como há, para Marx, certa essência humana geral ao lado e por debaixo das históricas – há uma moral geral por debaixo das de cada época e sistema. Eis a contradição em potência e em ato. A moral histórica pode afirmar, negar ou mediar a moral universal – total ou parcialmente. No fim das contas, a coisa acontece de modo caótico e misturado. A coragem, tão valorizada entre os tribais, torna-se, assim, de fato, um valor universal. Mas a moral capitalista entra em contradição com a moral essencial – logo, evita-se ir ao piquete de greve para evitar a repressão policial. Já dissemos em algum lugar que avida é dura? Bem: pelo menos por enquanto, em sociedades de não abundância socializada. Abstraído do contexto histórico concreto, indo ao abstrato e geral; torna-se claro que, entre conceitos opostos, um apresenta-se como o mais verdadeiro, o bom, o bem, o correto e o belo. Por exemplo, a lealdade ao leal sempre é superior à trapaça, mesmo se contra outro trapaceiro. Mas conceitos gerais opostos – deve valer a pena listá-los, expondo suas lógicas comuns, como Hegel listou as muitas categorias metafísicas em sua Lógica – podem apresentar um terceiro conceito, um terceiro antes excluído, mas que deve ser incluído. Como se ―entre‖ o egoísmo e o altruísmo, temos o mutualismo, que supera ambos, unifica-os e preserva-os. O contexto, no entanto, exige de nós mais do que a categoria de unidade não contraditória. Isso é descer ao chão, depois de tratar de modo geral, universal e abstrato. Tal método não é estranho ao marxismo: Em sua Ontologia, Lukács começou de tal modo sobre o trabalho, depois passou à concretude do trabalho em cada modo de vida – isso ele fez porque a realidade também é assim, reproduziu-a por sua sinuosidade. Damos contexto ao parágrafo anterior. Há momentos de recuar e respeitar o medo. Há momentos de coragem, de avanço apesar dos pesares. Há momentos ―entre‖ ambos, ao modo de Aristóteles. Ao modo de Hegel, há momentos de máxima imprudência necessária, afinal, nada foi feito de importante no mundo sem risco, sem ousadia e sem paixão avassaladora. Que o marxismo dogmático e universitário pôr-se-á no polo oposto deste capítulo, algo esperado. Não posso nutrir ilusões. Toda ideia de fato nova, tanto mais se correta, causará resistência, pois toda superestrutura – como o pensamento-sentimento – sempre é conservadora, preservadora, contra os avanços ousados do conteúdo.
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TESES
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TESES PARA UMA ÉTICA MARXISTA 26. A moral é objetiva, deriva da realidade, de sua concreticidade. Como observamos sobre psicologia, por um meio não controlado de modo direto pelos homens, a concretude produz certo perfil mental, portanto, certa moral. A vida fragmentada produz moral fragmentária. Tal moralidade não é decidida por ninguém e surge das condições objetivas. Por isso, a mudança de modo de vida, de produção, muda o modo de moral dominante. A moral dominante é a moral da objetividade dominante, não só da classe que domina; pois nem ela decide a moral real, prática.
27. A moral também é intersubjetiva. Por depender do meio e da sociedade ter certa moral. Os homens constroem relações sociais e pessoais, além de sociais mediadas pelas pessoas. Assim, regulamos uns ao outros de modo recíproco, mesmo se falta reciprocidade. O homem apenas é em bando. Até o riso de ironia e a exclusão operam como repressão aos desvios.
28. Enfim, a moral é também subjetiva. Pois cada um tem experiências diferentes, singulares, que o moldam. Nesse sentido, a moral é, também, em parte, inconsciente, uma força às vezes irresistível e produtora da ilusão de total livre escolha.
29. A moral pode negar a natureza humana, afirmá-la, mediá-la ou deformá-la. Como dissemos, a natureza humana una tem três modalidades: ser integrado, ser mutualista e ser ativo. Elas são forças irremovíveis, mas nem sempre diretamente observadas.
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30. O tema da moral ou ética, ou da felicidade, surge da contradição de um problema real, um problema moral concreto. O tema da moral surge por problemas na moral. Se ele fosse existente de modo relativamente pleno, o debate seria desnecessário. A coisa estaria resolvida.
31. A ética real e prática, ou a mesmidade que é a moral, pode ser algo ―antiético‖. A visão ontológica da moral supõe que existe várias formas de moral, se quiser, de conduta; por isso, a imoralidade pode ser certa forma de moral condenável.
32. Via de regra, não se sabe o que é certo na conduta a priori, sem contexto e sem finalidade. O estupro e pedofilia, por exemplo, sempre serão imorais (os camponeses medieval que se revoltavam estupravam as mulheres do castelo para que seus filhos não tivessem o sangue dos poderosos – uma ação política, mas baseada na alienação). Mas há um leque de outras questões em que não dá para julgar de modo isolado, sem sua concretude total.
33. Há certa dialética da moral. Ela pode ser: a) funcional para o sistema; b) pode ser disfuncional para o sistema, mesmo que surja dele, de sua objetividade, de seu modo de vida (caso demonstrado neste livro); c) pode ser uma combinação de ambos; d) pode ser funcional e tornar-se disfuncional – e) ou o contrário, o inverso. Por isso Florestan Fernandes conclui por instinto o fim próximo do capitalismo por este gerar, em nossa era em especial, um convívio ético antiético.
34. A luta comunista é pelo fim da alienação, sua finalidade, logo sua moral obedece a tal objetivo – ainda que por mediações.
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Roubar sindicato ou desrespeitar a decisão de uma assembleia de base são formas de imoralidade, pois desumanizam o outro. Mesmos e os resultados forem bons no imediato, afasta-nos da estratégia, da humanização da humanidade.
35. Cada classe tem, por seus hábitos e estilo de vida, tendências morais próprias. Há certa moral geral - a moral dominante é a moral da objetividade dominante. Mas as diferentes classes vivem, de modo relativo, diferentes objetividades. A greve estimula certa moral coletiva. O ser isolado da classe média aristocrática tende a valorizar o individualismo.
36. A filosofia da moral na história – na teoria e na prática – costuma usar um mediador ideológico. Os gregos usavam o ―lugar natural‖ no cosmos (cosmologia), os medievais usavam Deus (teologia), os modernos elevavam o indivíduo (humanismo). São formas de disfarçar o caráter classista e social-histórico da questão ética-moral. Veja bem; o mediador ideológica não é necessariamente uma ilusão mediadora: a luta pela humanização do homem guia a moral comunista, um objetivo justo e verdadeiro. É a nossa e atua mediação ideológica necessária.
37. Há saída para o imperativo categórico. Fazer algo, ter uma postura, porque é certa em si mesma não se sustenta. Erra Kant. Pois quase tudo é, apenas, em seu contexto. Mas ele diz: não fazer aos outros o que não quer que façam contigo. Como se houvesse indivíduos e iguais apenas. O imperativo categórico mantém-se se é, sob novo significado, imperativo de uma categoria, categorial, a emancipação, fim da alienação, liberdade e felicidade individuais e coletivas.
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38. A moral comunista é rígida, mas sua aplicação é dialética. A mesma causa, certa postura moral, pode causar ações diferentes, até opostas. Aqui, somos obrigados a dizer a verdade; ali, somos obrigados a mentir, a manobrar (na greve contra o patrão, por exemplo, se temos margem de manobra).
39. A moral, antes, inicia-se na prática, depois é estruturada, defendida ou criticada e ampliada de modo consciente. Pensa-se a moral como algo racionalista, que vem de si mesma, como se fosse primeiro motor. Nada se passa na mente que não as passa na realidade. A moral socialista, pro exemplo, é uma amplificação da moral já existente por meio das lutas operárias.
40. A luta socialista é também uma luta por uma sociedade ética, de boa moral, e cria as condições para tal moralidade, mentalidade. Um semimarxista como Elias Jabbour diz que marxismo não é moralismo – como se moralismoe moral fossem a mesma entidade. Isso ocorre porque seu partido, o PCdoB, é uma organização degenerada, que falsifica, agride, boicota, corrompe etc., enfim, estalinistas seguindo suas tradições… A imposição de uma vida ética é equivalente a impor o socialismo.
41. O comércio é o mundo da trapaça, da tentativa de barganhar – o mundo capitalista é o mundo comercial. É impossível boa ética no capitalismo por causa de sua própria lógica irracional. O valor-dinheiro não conhece limite, quer ser dinheiro em busca de mais dinheiro. Por isso, a corrupção é a regra. O funcionário do comércio tem de mentir ao cliente para convencê-lo a comprar os produtos da loja. O engano torna-se, assim, obrigatório. Por isso, o homem esconde quanto ganha, um tabu.
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42. Enquanto existir ricos e pobres, haverá corrupção. Querer melhorar de vida é um desejo impossível de largar. Quando o primeiro homem, dirá Marx, calçou os pé, nunca mais foi capaz de andar descalço. Portanto, quer-se ascender na vida. Enquanto houver o conceito de rico, haverá o de pobre. Quando classes sociais não mais existirem – quando formos apenas indivíduos –, os corruptos e os corruptores serão extintos, não haverá o que disputar.
43. Certa moral deriva de sua necessidade. Isso é base hegeliana – Hegel, aqui, acertou.
44. Os fins justificam os meios, mas os meios também justificam os fins. Maquiavel é sinônimo de oportunismo e manobra, mas isso é exagero completo. Ele apenas era realista na sociedade que propunha e um pensador seríssimo. Mas o meio já deve ser a realização, ainda que parcial e tendencial, do fim; o fim realiza-se no processo do próprio meio. Eis a dialética de fim e meio que Trotsky, como Hegel, não entendeu (no entanto ele deixa cristalino, contra o estalinismo, que o meio deve ser o meio correto de um fim).
45. A crise sistêmica, ao elevar tensões, produz crise ética, moral. Como a objetividade afeta a subjetividade, até determinando-a em muitos casos, a exacerbação da luta de todos contra todos tornará avida mais difícil. No começo, aos vencedores as batatas! Mas essa crise é de abundância, não de escassez. Com o tempo, os de baixo serão obrigado a ações de moral elevada.
46. Ao forçar a luta de classes, o capitalismo força a classe operária a adotar certa melhor moral, como a unidade coletiva, para ser vitoriosa – assim, o capitalismo faz surgir as concepções morais, boas e ruins, que serão partes de sua destruição.
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47. A moral do capitalismo em seu ocaso volta-se contra o próprio sistema, ajuda a torná-lo insuportável.
48. Impossível uma obra de ética final, conclusiva nos aspectos gerais, sem uma concepção correta de homem e de sua psicologia. É o que fiz em toda minha produção teórica. Desse modo, a produção da obra Ética tornase, enfim, possível.
49. O autor de uma ética definitiva, de clara inspiração marxista, deve, antes, ter passado por uma grande rede de experiências, ter vivido a vida, ter sofrido – ser muito mais do que um rato de biblioteca. Isso parece pouco, mas é preciso ter mais do que olhos para ver a verdade. A individualidade, os perfis diferentes, existe, logo temos diferentes e variadas capacidades. A ética exige um autor ético. Isso é ciência materialista de fato: nenhuma economista burguês conseguiria chegar à verdade sobre a economia – apenas Marx, o economista do movimento operário, foi capaz de ir tão profundo quanto necessário.
50. A decisão de regras moral não é, primeiro, gnosiológica, por leis artificiais. Aristóteles diz que a felicidade depende de uma sociedade organizada, justa e saudável; mas a ética surge exatamente porque não há eticidade na prática, porque surge a necessidade de pensar sobre ela – realidade adoecida e sua reação contra ela. Ele também afirma o meiotermo, o bom senso, entre estremos de comportamento; mas o que comanda não é a ideia, uma lógica a priori, a realidade é maior; pois isso, há momento para respeitar o medo, há momento de coragem e há momento de máxima ousadia.
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CATEGORIAS DA ÉTICA Além do valor em si, lógica formal, a dialética demonstra que há um valor no contexto, na situação: uma categoria é algo ou seu oposto, bom o ruim etc., segundo suas circunstâncias. Deve-se, então, analisar a situação concreta, por inteira. Já dissemos que, via de regra, há hora de uma posição moral e há de seu extremo oposto, ou, também, do meio-termo. O mundo é maior que nossa cabeça, ele manda. Além do mais, fácil reconhecer, de modo geral e abstrato, qual das categorias em jogo é, via de regra, superior. Os conceitos opostos extremos são, a maioria:
Bem e mau Sim, o mundo divide-se em, na essência, bem e mau. A realidade é, ainda, maniqueísta, embora evitemos considerar isso. Claro: ninguém é perfeito e flutuamos entre um e outro – mas flutuamos dentro de certos limites.
Bem e mal Há o trabalho bem feito – e o mal feito.
Bom e mau Toda atitude em relação ao outros homens e em relação à natureza pode ser julgada, em separado, assim.
Bom e ruim Julgamentos sobre as coisas podem ser imorais se deixarmos de julgar de modo honesto quando ou quanto bom e quando ou quanto ruim. Por exemplo: ao vender um produto do qual tirará sua comissão extra. Na finalidade, o ―bom e ruim‖ passa a palavra para ―útil e não útil‖, algo mais objetivo.
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Felicidade e tristeza A moral busca a felicidade, acima do prazer. Mas a tristeza, vez ou outra, torna-se necessárias: os sentimentos não são arbitrários.
Coragem e covardia Fácil ver qual o superior, mesmo com o meio-termo da prudência. A covardia costuma ser disfarçada sob o nome de prudência ou tradição etc. Às vezes, devemos perder a noção e arriscar tudo. À vezes, devemos respeitar e ouvir o medo (mais uma vez: os sentimentos têm razão de ser, devemos respeitá-los).
Lealdade e deslealdade Devemos ser leal apenas ao leal. Há, portanto, exigência de reciprocidade.
Luta e fuga O mesmo hormônio, adrenalina, serve para preparar o corpo tanto para fugir quanto para lutar. Há unidade dos opostos na mesmidade hormonal. Recuar nem sempre é um mau caminho: a ofensiva permanente e a todo custo já foi a desgraça de muitos.
Ativo e passivo Não há porque ver algum valor na passividade. Somos, enfim, seres ativos, construtores, desejosos íntimos de autonomia e liberdade. Certa vez, ouvi um marido reclamar que a esposa parou, de repente, de fazer sexo com ele. Com um tanto mais de conversa e desabafo, além de álcool, descobri que isso aconteceu desde o dia em que ele arranjou um novo e lucrativo
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emprego; desde então, ela passou a depender financeiramente dele. E o amor acabou: sem querer, ela afirma sua humanidade e individualidade negando o sexo.
Firmeza e maleabilidade Deve-se ser, ao mesmo tempo, firme, ativo e adaptativo. Mas há limites em tudo. O oportunismo começa quando a maleabilidade degenera no vale-tudo. Devemos ser duros e doces como a rapadura.
Dialética e teimosia Respeita-se as condições, modificando a ação. O contrário disso, o sectarismo, põe a ideia acima da realidade.
Amor e raiva O ódio é tão justo quanto o amor: ambos são necessários. A questão é administrá-los, mediá-los e tomar boas decisões.
Racional e irracional Para viver bem o racional, precisamos, também, descansar o cérebro e respeitar nosso lado emotivo, vulgar e animal. Mas sempre pondo a razão acima do não planejado, do impulsivo, do dionístico etc.
Emotivo e frieza Deve-se ser objetivo, mas sabendo que sempre somos afetados emocionalmente. Conscientes disso, tentamos calcular da melhor forma e maneira. A frieza nada ajuda, por outro lado:
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precisamos sentir também com emoção o estado da realidade. Acima de ser parciais, devemos ser objetivos, mesmo escolhendo um lado.
Sinceridade e mentira Mentir apenas por uma razão maior: salvar-se de um sequestrador etc. Mas cultivar a sinceridade entre os seus. No mais, nossas relações pessoais precisam de uma dose de mentira para amortecer conflitos potenciais – mas, em certo ambiente, como o militante, torna-se inadmissível.
Coletividade e egoísmo O coletivo apenas deve ser respeitado na medida em que ele, na prática ou no projeto, quer elevar e respeitar o indivíduo. Somos diferentes e o socialismo deve afirmar tal diferença. A individualidade é uma das mais poderosas conquistas da humanidade. Mas ela, em nosso tempo, pende para o egoísmo, uma inflação sempre nociva.
Altruísmo e egoísmo Ambos devem ser superados, mantendo o prazer de ambos, por meio do mutualismo, pois há prazer em doar-se e em receber.
Solidariedade e egoísmo A solidariedade é a base da sobrevivência possível de nossa espécie.
Tolerância e intolerância Deve-se intolerar os intolerantes. Deve-se tolerar os tolerantes.
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Disposição e preguiça O tempo livre e o nada fazer são necessidades: nada de ócio criativo ou produtivo. Precisamos de pausas estáveis para melhor render nas atividades. Dentro de todo preguiçoso há um oprimido – pois agir é da natureza humana. Claro, a preguiça desmedida deve ser punida. Come quem trabalha!
Respeito e desrespeito Isso inclui o autorrespeito e autodesrrespeito. Ouvi de certa mãe dizer que de fato desrespeita seu filho porque ela carregou ele por 9 meses… O filho, adolescente, percebe a incoerência prática e moral.
Responsabilidade e irresponsabilidade Não conheço qualquer situação que justifique a irresponsabilidade. Isso tem seu lastro na comunidade e no trabalho: as coisas devem funcionar como devem. Eis um dos casos categoriais absolutos, não relativos.
Elogiosidade e bajulação Também caso absoluto. Devemos elogiar de fato e de verdade, quando de verdade e de fato. Nunca a bajulação consciente é honesta.
Elogiosidade e calúnia Deve-se dizer a verdade, muitas vezes mesmo que isso promova processos por calúnia. Mas o lado caluniador, quase sempre na história da humanidade, já estava errado de início, tem intenção oportunista. Por saber que está errado, logo em desvantagem, tenta virar o jogo com jogo de
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acusação. Marx foi caluniado, quando vivo, de espião etc. por um certo senhor Vogt. Ele foi, assim, obrigado a responder às acusações, tão forte era a campanha. Escreveu um livro de sucesso em seu tempo, hoje esquecido, que levantava uma hipótese: o seu acusadrs, o senhor Vogt, era agente do governo alemão infiltrado no movimento operário… Dito e feito: após sua morte, foi a público documentos que demonstravam sua relação com os serviço secreto daquele país.
Mediação e autoritarismo Deve-se ter espírito democrático, mesmo. Tolerar a discordância, colocar a voto, mediar quando possível e bom (o que nem sempre é o caso), evitar levantar a voz para ganhar no grito de autoridade. Ganhar posições de pensamento e resolução por meios estranhos é um derrota, embora pareça uma vitória – aliena.
Realidade e cinismo Deve-se chamar as coisas pelos seus nomes, nem mais nem menos, na medida exata. Mesmo que doa, mesmo que gere isolamento por algum tempo, mesmo que soe amalucado. O cinismo faz diferente, contamina a realidade com acordos e meio-termos.
Orgulho e arrogância Sejamos orgulhos, não arrogantes. É uma linha tênue, mas é ainda uma linha. Alguns ou sentemse muito menos ou, depois, muito mais. A realidade não é assim, purificada e dura.
Orgulho e vaidade A boa vaidade pode ser positiva, até uma força motora construtiva se bem guiada. Isso tudo junto, com quem ela anda, com a inveja dos outros.
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Trotsky certa vez relatou uma visita ao Papa do socialismo, Kaustsky. Disse: o homem era um poço de grande humildade. Ele era humilde, porém, oportunista que era, porque o mundo lhe elogiava. Sua vaidade era, assim, externa a si. A vaidade negativa e excessiva é uma defesa dos fracos, humilhados, derrotados, isolados etc. Precisam de um compensador subjetivo para uma realidade imprópria e oposta, hostil.
Honra e desonra Honra-se quem tem honra. De modo algum, a desonra, em relações normais, tem algo válido.
Confiança e desconfiança Deve-se desconfiar de tudo. Confiar demais gera, em reação inconsciente, paranoia. Desconfiar de modo permanente, e tudo querer controlar, também. Devemos dialetizar ambos, misturá-los numa receita tão balanceada quanto possível.
Paciência e impaciência Embora pareçam absolutos, não são. São relativos: às vezes, deve-se perder a paciência, após cultivá-la. A impaciência é, em si, um erro; mas também depende de seu contexto.
Poderíamos preencher os olhos do leitor com firulas e sacadas elegantes sobre todos os pontos acima, um por um. Mas é desnecessário. É claro, por exemplo, que somos imperfeitos por natureza, que misturamos os opostos na prática. Surgem, ademais, leis como desrespeitar os desrespeitadores, ser egoísta contra os egoístas, ser desleal apenas contra os desleais, respeitar apenas os que respeitam, ser tolerante apenas com os tolerantes etc. Eis regulações, reciprocidade. Temos, então, dois tipos de relação categorial – a relativa e absoluta. Numa, um conceito exclui de pronto o outro. Noutra, um conceito mistura-se com o outro. O erro comum é misturar de
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modo exagerado as duas classes: relativas, mentir ou matar tornam-se uma proibição de pedra, lei de pedra, absolutas, dos 10 mandamentos, mas há situações e situações.
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EXPOSIÇÃO DIALÉTICA DE NOSSAS IDEIAS – CRÍTICA DA ÉTICA
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VÁZQUEZ
Vázquez escreveu um livro, Ética, que ganhou bastante fama de seu tempo até nossos dias. Ele apresenta a obra como introdução à área, mas isso é um engano: certa visão clara e específica sobre moral está exposta por toda sua obra aos estudantes e aos leitores. Trata-se de um marxista, por isso, para pensar uma ética marxiana, temos de ver se o autor citado já ofereceu, ou não, as respostas necessárias. Vejamos suas concepções erradas, uma a uma:
1. A ética não tem princípios universais. Primeiro erro, pois, além de elementos históricos parciais, de cada modo de produção, há elementos gerais.
2. A ética é teoria. Para ele, a ética é teoria da moral – mas a ética é também ontológica, real, não apenas gnosiológica, do pensamento.
3. A ética é ciência da moral, não filosofia. Confunde ética com história da ética como pensamento e como realidade. A questão se resolve, portanto, assim: ética é tanto filosofia quanto ciência porque filosofia é ciência.
4. A ética é racionalista. Ora, hoje sabemos que o pensamento está lastrado em fatores inconscientes irremovíveis.
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5. Ética pressupõe conduta. Mas o crescimento do debate moral só pode surgir se 1) há sua ausência, 2) cresce o número de opções reais.
6. Moral são normas. Não necessariamente, pode não haver listas para certa moral.
7. Moral nada tem a ver com natureza humana determinista. Porém, o homem pode, sim, agir contra sua própria natureza humana, se ela existe – e existe. Ele não vê que, se a natureza humana é histórica, também é histórica a formação de nossa espécie.
8. Se é inevitável, não é imoral. Para o autor citado, a escravidão antiga promovida pelo senhor não era imoral porque inevitável. Mas sempre há alternativas. O burguês não seria imoral por empregar crianças, pois é vítima de uma lei cega e impositiva…
9. O normativo é diferente de moral. Deixa, assim, de ver que o normativo e a moral derivam ambos do factual.
10.Os participantes aceitam livremente certa moral. Isso é metade verdade, metade mentira, pois desde o berço somos condicionados.
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11.Moral e religião são diferentes A religião vem, em grande medida, da moral – forma de manter e impor certa moral.
12.Moral e política são diferentes Também aqui não vê a unidade interna da diferença. Toda tarefa é impor certa moral na política, fundi-los e livrá-los de suas separações, algo realizado no socialismo.
13.Moral e direito são diferentes. Mas concepção moral dominante produz o direito dominante. A moral também cria meios de repressão, ainda que não físicos.
14.Moral e trato social são diferentes; aquele é interno e este, externo. O trato social deriva de e mantêm certa moral, a moral em ato.
15.Liberdade é ter consciência da causalidade do mundo. Cai, então, numa posição idealista sem o saber. Na verdade, nós somos individualmente livres para escolher porque nosso cérebro, embora seja apenas um com a realidade, também é um outro para ela e dela; ou seja, o cérebro é produtivo, além de ter autonomia relativa. A necessidade, ao lidar com a energia, produz cada vez mais liberdade, ou seja, alternativas. A realidade tem alternativa, assim a liberdade é objetiva; nós escolhemos aquilo que já iremos escolher entre as opções dadas; liberdade é ter, assim, opções; mais liberdade é ter mais opções para escolher a de nossa inclinação, pois não escolhermos desejar o que desejamos.
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16. O valor é apenas social. Ele não sabe a origem do valor: o trabalho ou sua economia para uma finalidade. Assim como a realidade é já a própria possibilidade por razão de suas propriedades – propriedade é já o valor, ainda que não pensado ou conceituado. Logo, o valor só é na coisa. Ademais, a relação homemnatureza é moral, subordinada a valores.
17. A moral não serve a casos anormais. Alguém com cleptomania não seria imoral, pois ele nunca escolhe roubar. Mas a moral serve exato para saber quais são os casos anormais, disfuncionais para aquela sociedade. A moral regula e, assim, controla – manda o doente ao psicólogo, por exemplo.
18. Diferente de no socialismo, o patrão e o operário na produção não operam relações morais. Não! Isso é fetiche! É uma forma de relação social coisificada.
19. O valor é algo do sujeito, subjetivo. Na verdade, o valor ob, sub e intersubjetivo, ou seja, tem suas camadas, que se mistura.
20. a moral é bom ou bem. Mas pode haver moral imoral, porque é conduta prática.
21. Na moral, limitamo-nos a conceitos opostos.
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Cai-se assim, na antidialética. Demonstramos que egoísmo e altruísmo são superados pelo mutualismo.
22. O valor moral depende de seu resultado. Ora, a ação – e a intenção – pode ser moral, porém o resultado, incontrolável no fundo, pode ser imoral. Pode haver, assim, contradição no processo.
23. Devo porque posso. Correto e dialético, mas limitado. Ele diz que devo escolher a opção mais moral porque tenho tal alternativa. Certo, porém, também: posso porque devo. O dever ser já apresenta diante de nós a opção correta, ainda que difícil.
24. A moral é social. Parcialmente certo. Mas não somos tábua rasa: nascemos com essência humana – ser integrado, ser mutualista e ser ativo. O home ainda é animal.
51. Nem somos totalmente absolutamente autônimos, pois estamos na realidade, nem somos de todo e em absoluto heterônimos, pois somos individuais e livres. Em parte. Primeiro, porque subjetivamos a objetividade, a norma externa passa a ser parte de nós mesmos, interna. Segundo, vai-se de realidade psíquica e social, na história, de heterônima para, de modo relativo, cada vez mais, autônoma (A=A e… Não-A). O problema de afirmações fixas e clara é que elas não expressam o tempo e o processo dentro de si.
27. Apenas existe a norma de cada época específica. Não necessariamente, pois uma norma geral pode ser válida para diferentes etapas históricas, embora isso seja possibilidade real.
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28. Os juízos morais são enunciativas, preferenciais ou imperativas. Ele deixa de ver a união dialética delas, embora tenha aproximado duas. Assim, dizer ―faça isto‖ (imperativa) também dizer, de maneira oculta e por derivação, ―e não faça aquilo‖ (preferencial). A imperativa é, logo, uma enunciação de que o que se deva fazer é correto, justo etc. Além disso, esquece o juízo do conceito, que afirma: isto feito deste modo é bom belo, justo etc. Que tem forma e conteúdo juntos no enunciado. 29. Moral é relação com os outros. Na verdade, pode ser relação coma natureza e, também, consigo, automoral. 30. A moral da tradição, por não ser refletida, é negativa. Moral é, também, tradição. O pensamento da moral muitas vezes serve apenas para justificar o que já se tem na sociedade e em si. 31. A moral é justificada 1) socialmente, 2) na prática, 3) na lógica, 4) na ciência, 5) na dialética (história). Ora, qual sociedade? Para que tipo de prática? Com qual das tantas lógicas existentes? A ciência é humana, pode errar, pode ser imperfeita e muito imprecisa, gerando morais erradas como o racismo desde a teoria evolutiva. A ciência não é feita de consensos, nem de paradigmas fixos Na história, o autor criticado pensa a história como evolução quase linear da moral. Cai em relativismo histórico. Como na parte, as morais de cada tempo são diferentes, não em si superiores entre si – até amoral de fato superior surgir, a socialista. E na mesma ética há morais contraditória com outras e com o seu próprio mundo social. Mas deve-se separar o concreto do abstrato: há um julgamento moral da história da moral, cujo eixo é se tal norma humaniza ou não o homem. 32. A moral cabe ao indivíduo. Ora, grupos humanos também podem, como conjunto e em conjunto, operar atos morais ou imorais. 33. A moral acomoda-se ao seu mundo.
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Mas a moral de um mundo pode entrar em contradição com ele mesmo, e o mundo é contraditório consigo.
SOFISTAS Para eles, o homem é a medida de todas as coisas. Logo, a verdade é subjetiva, não objetiva. Já demonstramos, ao contrário, que a matéria é a medida de todas as coisas
PLATÃO E SÓCRATES Ao escolher morrer envenenado, após condenação de sua tribo, Sócrates deu uma lição de moral: respeitar ao máximo sua coletividade, pois nada seria fora dela. Platão, seu discípulo, conclui o primeiro livro de sua A República no mesmo sentido: a justiça deve ser a mesma coisa que o coletivo respeitado. Não por acaso, ele fala da guerra: os guerreiros devem agir de modo coletivo se querem vencer, sem egoísmo. Assim é porque a sociedade escravista é belicista ao extremo. Mas, se há necessidade de isso debater, então isso não é realidade evidente.
ARISTÓTELES Defendia o meio-termo entre extremos opostos de conduta. Ele pensou, assim, o método como algo externo aos fatos e ao objeto de estudo. Além do mais, pensava que a felicidade era a contemplação filosófica Mas o homem também é cozinheiro das coisas: age, produz e cria. E se a felicidade, hoje, não for possível? Logo responderemos a pergunta
Como Aristóteles ofereceu um verdadeiro paradigma e uma obra sistemática, devemos dar mais atenção para refutar sua filosofia. Vejamos ponto a ponto, gradual:
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1. Moral e felicidade são coisas humanas Hoje sabemos que não é assim, ao menos nos animais superiores. Mas, claro, assim é de modo ímpar entre os humanos.
2. Cada um tem ou almeja um bem Não. Os diferentes bens são unificados no bem comum
3. Um bem não é superior por durar mais Mas o bem também é matéria, que deve permanecer
4. O bem não serve a todas as ciências Nossa teoria geral do valor provou o contrário. O bem, em geral, se particulariza.
5. A felicidade é algo completo O pai da lógica formal não sabe que a vida é contradição. Tentar evita-las no lugar de desdobrá-la apenas produz mais problemas.
6. Felicidade é atividade Felicidade é objetividade e subjetividade – também.
7. A moral é racional
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Não: a moral é racional e irracional ao mesmo tempo, consciente e inconsciente.
8. O hábito forma o caráter Isso é antidialético. O caráter também forma o hábito. Além, disso, aspectos físicos, relacionais e biológicos (este, parcial e mediado) também fazem o perfil pessoal.
9. Amar mulheres casadas é um vício – para siso não é meio-termo Ora, a monogamia é inatural na humanidade. Se quisermos: entre a monogamia e a depravação, há a poligamia (relações livres etc.).
10. Deve-se seuir a norma social Ela pode estar erra. Segue a máximo: se uma lei é injusta, devemos desobedecer a legalidade.
11. O homem é causa primeira de suas ações Não! A realidade total manda, o mundo muito maior do que nossas cabeças. A causalidade é dialética, não mecânica.
12. A ação ética é de todo voluntária Desde Freud, ao contrário, sabemos que voluntária e in.
13. O desejo, o querer e o impulso são voluntários Mas se o inverso deles é ruim, logo somos forçados em certo sentido a segui-los.
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14. O forçoso é involuntário Só um escravista diria isso! Pode ser voluntário, esmos e forçoso.
15. Atuar por ignorância é involuntário, logo não imoral Tal afirmação não se sustenta. É voluntário, mesmo se com informaçõess – sempre – incompletas.
16. Querer e opinar são diferentes de escolher Não! Querer e opinar já são escolher, embora a razão possa redirecionar.
17. Deseja-se porque deliberou-se Pode ser: mas pode deliberar-se porque desejou-se.
18. O fim é sempre, por natureza, bom Nem sempre: pode-se escolher um fim errado. Enriqueceu-se, mas ficou mais infeliz. O fato de buscarmos a felicidade não garante que saibamos o que de fato a causa em nós.
19. O fim é que importa Ora, há interdependência de fim e meio. O meio também importa.
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20. A justiça, por exemplo, não gera injustiça Mas o mundo é complexo, e a causa pode entrar em contradição com seu efeito.
21. A ética gera felicidade A boa ética não garante felicidade.
22. Não há acaso: os felizes por acidente foram abençoados pelos deuses Basta ser ateu para refutar tal afirmação. No mais, o acaso é a causa acidental: acaso e causalidade são um, sendo dois. Acaso e sorte acontecem, existem. Mas ele cai em Deus! Podemos, ao contrário, facilitar a sorte e a tendência de vitória.
23. Deve-se ir ao nobre, o homem totalmente ético Assim, ele pensa um homem ideal, artificial, inexiste.
24. Todos os bens são particulares Todos os bens, na verdade, buscam a matéria.
25. A busca da ética é a felicidade Mas a ética não busca apenas a felicidade. Ademais, uma ação ética pode gerar infelicidade.
26. A política serve ao bem comum Numa sociedade de classes, a política serve a uma classe.
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27. A prática justa gera o homem justo, etc. Mas o ato juto e bom em si pode ter 1) intensão oportunista e 2) efeito contrário ao esperado.
28. É-se bom de apenas um modo e mau de vários. Na verdade, pode-se ser bom de vários modos também.
29. A raiva etc. e sua ações sempre são voluntárias. Nem sempre: pode-se perder o equilíbrio e a razão.
30. Enfim, deve-se buscar o meio termo entre extremos Isso é a falácia do meio-termo, do bom senso. Como dissemos: há momentos para respeitar o medo; outros, a coragem; outros, a máxima imprudência. O problema não se resolve com lógica a priori, mas com o contexto. O problema não se resolve com lógica a priori, mas com o contexto. Ao subordinarmos o medo, a coragem, a prudência e a imprudência às circunstâncias – nós superamos, como se pairamos acima, os conceitos de medo, contagem, prudência e imprudência.
Aristóteles foi, assim, concluímos, um gênio – errou em quase tudo por culpa de seu tempo, não por sua cabeça.
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ESTOICOS Diziam que o universo tem cada coisa em seu lugar, logo devemos aceitar o destino. Isso é ser passivo, portanto, triste. O homem é desejo.
EPICURISMO Defendia o respeito ao desejo, ao prazer, mas de modo moderado para evitar vícios (bebia-se café sem açúcar, mas agora maioria é incapaz disso, exagerou-se). O rpblemade Epicuro é 1) não ver a necessidade de luta social diante da decadência, 2) quase sempre, impossível ser feliz, logo, deve-se tentar apenas uma vida que valha a pena.
CRISTIANISMO Se Deus e Lúcifer existissem, este trabalha para aquele. O Anjo da Luz pune o mal no inferno. Além disso, deu ao homem a sabedoria. Eia a contradição fictícia e interna da mitologia cristã.
HOBBIES E SMITH A ideia, em Hobbies, de que o homem é o lobo do homem tem validade empírica, mas temporária, e não natural (cerebral) ou estrutural – mas a ideia de comunidade unida já está, de cerda forma, nele desde a necessidade do Estado, da organização. Já o economista filósofo Adam Smith afirma que o egoísmo de cada uma faz com que, como se fosse mão invisível, a sociedade progrida e o bem prospere. Mas a história do capitalismo refutou tal concepção. Sem economia planejada e sua solidariedade democrática a sociedade vive o caos negativo.
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MAQUIAVEL Toda teoria tem sua versão vulgar. Nos senso comum, o maquiavélico é aquele que manobra, trapaceia, manipula e joga. Algo um tanto injusto com o italiano, pois ele era um pensador seríssimo e justo. Mas era, também, realista ao extremo. Sua famosa frase ―os fins justificam os meios‖ de fato leva à compreensão de que todo artifício é válido para conseguir o desejado. Trotsky afirma tal lógica, mas acrescenta um limite: os meios devem ser os meios apropriados para o fim. Em minha formulação: os fins justificam os meios, mas, também, os meios devem justificar os fins. Mais. O fim já se realiza no meio, no processo, cada vez mais e tendencialmente, o meio já é o fim, embora não realizado. Se quero acabar com a alienação, devo, respeitando o futuro desejado e mais maduro, praticar desde já ações desalienantes.
HEGEL Para o alemão, a luta do homem contra o homem é o motor de história (Marx e Engels atualizam e criticam ao mesmo tempo ao afirmarem que a luta de classe é tal primeiro motor). Nesse sentido, a dialética hegeliana afirma que a contradição é produtiva, além de destrutiva; portanto, temos base da moral, segundo ele. Hegel inspira-se na economia política – o egoísmo de todos faz o bem social na totalidade – e, claro, nos filósofos iluministas. Mas, como idealista que foi, afirmou: a sociedade externa expressa como os homens de fato são por dentro, internamente. É desse modo que ele unifica o subjetivo e o objetivo. Não haveria, por isso, contradição entre indivíduo e sociedade. Ao contrário, dizemos que a objetividade – não controlada pelo homens – é que faz certa subjetividade, ainda que possa entrar em contradição com a real natureza humana. No fim das contas, a concepção de Hegel não é concepção alguma. Mas ele soube disser isto: certa moral surge da necessidade de certa moral. Desse modo, ele foi um materialista invertido, um idealista objetivo. Quase acertou o ponto em questão. Na história idealista, Hegel afirma que, antes, a coletividade era tudo – o indivíduo era nada. Depois, no capitalismo, o indivíduo é tudo e o coletivo, nada. È chegada a hora, para próxima etapa era o socialismo.
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KANT Kant comete três erros. Primeiro, diz que devemos fazer algo por guia única da razão – não fazer o que se quer, negar o desejo, que é, para ele, irracional. Mas a minha razão pode convencer minhas emoções racionalmente. Segundo, diz para não fazer algo que condena que façam sobre si mesmo; certo, mas se eu for um masoquista que gosta da punição, da derrota e do sofrimento? Isto é, ele pensa um sujeito abstrato, sem concreto, irreal, sem contexto etc. Além disso, considera que ação moral é pura, sem peso da realidade na decisão. Kant pede para que o homem seja fim em si mesmo, não meio. Eis o socialismo! No entanto precisamos do homem total como fim em si mesmo. Total – não realizado ainda. Total – não apenas o indivíduo.
UTILITARISMO Tal escola é vista como egoísta, mas isso é um erro. Para eles, o bom é o bom para o maior número de pessoas possível, mesmo se prejudica o sujeito da ação. Eles resolvem o problema do egoísmo e do altruísmo apenas de forma negativo (resolvo de modo positivo com o mutualismo, que funde ambos). Isto: pode ser má ou boa ação, o que importa é o resultado de prazer para a maioria. É um instinto democrático em ascenção. Muitos de tal escola pensam, ademais, num utilitarismo pluralista: o bom e o bem seria prazer ou, outro caso, poder ou, terceira opção, conhecimento etc. Se descemos ao chão e pensarmos o classismo na realidade: tal pluralidade de opções guarda um objetivo de fundo comum – o fim da alienação, o socialismo, a humanização do semelhante.
UM PARADOXO DAS MORAIS A ética de Aristóteles, Kant, dos utilitaristas etc. ao menos a maioria deles, levariam a quebrar ao meio o sistema do tempo em que foram pensados (de modo positivo ou negativo). Se suas ideias abstratas descessem ao mundo, fossem concretas, quebrariam concreticidade. Elaboraram suas teses e normais sem atentar para a divisão de classes no mundo real. A ideia de fazer algo para o agrado da maioria (utilitarismo) ou certo em si (kantismo), derrubaria o sistema
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baseado na moral imoral, o sistema de classes. Assim, ao serem contra o concreto, são contra o concreto, o sistema. No mais, afinal: o que determina uma ação moral? Alguns dizem ser a intenção (Kant); outros, o resultado (Bentham etc., utilitaristas). Ou um, ou outro. Assim, cai-se na lógica formal e na unidade que não abarca a pluralidade. Além disso, quer-se evitar a contradição. O problema circular cai e loop, num jogo sem fim. Ora, uma ação pode ser moral, mas seu resultado ser imoral – e vice-versa. Uma ação pode ser oportunista sem intenção oportunista.
DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO Hegel afirma que o Senhor teve a coragem enquanto o escravo focou no medo da morte; assim, aquele generaliza o que este toma como concreto; aquele tem a consciência essencial, mas por mediação deste, com e como a inessencial. Tal formulação na Fenomenologia do Espírito não tem validade teórica ou empírica, apenas algo da história da filosofia supervalorizada. Talvez se torne útil enquanto metáfora. Nietzsche, o grande elitista, reformulou a imagem assim: o senhor vê mundo como bom ou ruim; já o limitado escravo julga tudo como bom ou mau. Neste livro, fazemos diferente de Lukács, que apenas nega e (des)qualifica adversários do marxismo, pois fazemos a crítica imanente de escolas teórico-filosóficas, desenvolvendo ou reformulando seus caminhos. Vejamos. É, ao contrário, o senhor de escravos quem define o mundo como bom ou mau, pois ele é o polo idealista ou ―espiritual‖, do não prático, e isso é demonstrado quando o branco escravista do Brasil tratou a religião de origem africana como satanista, má. Já o escravo tem relação direta com a matéria, com o material, materialista e prático, logo deve definir o mundo como bom ou ruim. É o oposto do que disse o último alemão, o irracionalista; além disso, claro que o escravo toma seu senhor como mau, pois de fato o é, logo ele é mais completo, pois vem o bom e ruim e o bom e mau no mundo com maior maestria, o cérebro-consciência dele mais necessita ver cruamente a realidade. O senhor nega-se a ver na rebeldia de seu subordinado uma afirmação de humanidade, insiste em vê-lo como coisa, ferramenta falante; o escravo, a noutra ponta, ver-se como humano desumamizado e saber que a humanização e superioridade do seu ―dono‖ apenas é possível por meio da sua exploração, do roubo de trabalho. Assim, o escravo alcança instintivamente a identidade na e da não identidade enquanto o senhor insiste que A é igual à A, esta pobreza espiritual, que algo é apenas igual a si mesmo, numa oposição supostamente fixa entre ele e o outro, que não tem sequer a dignidade de ser outro para ele. Mas Hegel e Nietzsche não veem as coisas tal como são porque tomam as dores
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da burguesia para si, ainda que tal classe ainda tenha sido revolucionária e ―oprimida‖ no tempo do primeiro pensador. Isso é expresso na prática e hoje quando o marxismo, o ponto de vista da classe operária, é o mais avançado e dinâmico na produção teórica acadêmica e partidária – na área de humana. Além disso, este polo operário abraça para si a dialética, não apenas a lógica formal. De tal modo, influencia até as ciências naturais com Einstein, comunista, e Born, um socialista dialético, terem avançado tanto na macrofísica e na quântica, contra o limite positivista e mecanicista de seus pares. Podemos aproveitar o alemão irracionalista do seguinte modo: a relação homem-coisa, no trabalho, pesa o bom e o ruim – as relações do homem com os demais, com a natureza e consigo pesa o bom e o mau.
KIERKEGAARD Para ele, existem três modos de vida: 1) o religioso, o superior e causa de felicidade; 2) o ético, em que o individuo é controlado pelo meio; 3) o estético, voltado aos prazeres e o mais vil. Problema: deuses não existem. Segundo problema: o homem é coletivo, precisa seguir certa ética de modo relativo ao menos. No mais, a vida estética, com seus prazeres, soa, como verdade que é, a opção correta.
SCHOPENHAUER A partir do foco de Kant nos sentidos, tal pensador pensou que o desejo ou o desejar é o nosso mal, a fonte da infelicidade. Como um religioso, pregou negar os desejos e vontades, fontes de frustração, ansiedade e tédio. Não é preciso muito esforço para negar sua filosofia.
LUKÁCS O pai da ontologia marxista morreu antes de iniciar sua obra de ética marxista. Deixou-nos apenas notas e indicações. Porém, ele antecipou a questão da liberdade. Nós, humanos, em nossa
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história universal, à medida em que aumentamos a produtividade do trabalho, somos mais livre, mais individuais e com mais opções. Em minha dialética, diacrônica, com determinações de desenvolvimento (A=A e…Não-A), estou com o pensador citado: a necessidade vai-se, permanecendo ela mesma, tornando-se cada vez mais liberdade. Do menos ao mais livre ainda dentro da necessidade. Pois bem: ter mais opções leva a pensar uma ética para escolher as melhores, as mais justas, as mais emancipadas. Como disse em outro momento, somos da heteronomia, subordinação moral a fatores externos, que são também subjetivados, para, sem romper, cada vez mais autonomia. Hegel considera que não há contradição indivíduo e sociedade (coletivo) porque, para ele, idealista, a sociedade é fruto da cabeça dos homens. A sociedade seria sua imagem e semelhança. Lukács faz o inverso: para ele, materialista, também não existe tal contradição, pois o coletivo social faz o indivíduo e seu pensamento, com o perfil correspondente. Ora, existe essência humana, que pode ser desrespeitada. E existe contradição na sociedade que contamina o indivíduo, e este entra em contradição com o todo ou com o todo por meio de outros indivíduos. Tomamos lado, ainda que sem percebermos, na autocontradição social. A harmonia do indivíduo e da coletividade, ambos sendo afirmados, ainda não é fato, ainda é tarefa.
ESSÊNCIA OU EXISTÊNCIA? Os gregos pensavam que, assim como a pereira produz pera, cada homem tem um lugar natural, um talento seu ou essência. O existencialismo pensa o oposto, que o homem faz a si próprio, a existência individual precede a essência. Pois bem; ambos estão certo e errados. Alguém que nasce com TDAH tende a ser criativo para a arte e a política, mas estará em más condições, em geral, como dirigente militar. É verdade que não se nasce mulher, torna-se; mas é verdade, também, que não se torna mulher, nasce-se – tem traços femininos determinados desde antes do nascimento. É outra forma de dizer isto: os homens fazem sua própria história pessoal, mas a fazem sob condições dadas, incluso biológicas e ambientais, que não escolhem. Eu sou Eu e minhas circunstâncias, mas o Eu é também circunstância. Eu sou o que sou. O existencialismo como escola de pensamento surgiu e cresceu com o aumento da democracia, a invisibilidade urbana elevada, o fato – em principal – de sermos mais sociais e mais individuais relativo à antes, a existência de abundância de mercadorias, a elevação das classes médias etc. A necessidade – causalidade etc. – produz, em seu desenvolvimento, a liberdade,
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ainda que relativa e parcial (teleologia etc.). A liberdade (abstrato) é a necessidade (concreto) em autorrelação e autodesenvolvimento (processo). Daí a ilusão de que somos já de fato livres e independentes, a inflação exagerada do conceito de liberdade individual. Para Sartre, ademais, o valor é subjetivo. Na verdade, unidade do subjetivo e do objetiva, existe na própria realidade.
MORAL E CAPITALISMO
Há a moral dita e a moral feita ou efetiva. O capitalismo precisa vender a moral de que somos todos iguais e livres. Mas, na prática, somos escravos assalariados.
CATEGORIAS E ÉTICA
A dialética é a contradição de categorias opostas. Mais do que isso: a contradição e a diferença também devem dar lugar à unidade oculta das categorias em oposição. Os teóricos da ética adotam uma categoria contra outra, de modo impressionista e unilateral. Como esta obra tem pretensões populares, apresento os conceitos em linguagem concreta e clara, contra o estilo de Hegel, o pai da moderna dialética.
FORMA E CONTEÚDO O conteúdo de uma ação pode ser boa, como a sua intenção, mas sua forma de aplicar ser ruim, negativa. Isto é, pode haver contradição entre forma e conteúdo. Na mente, pode-se focar apenas em um ou em outro – para produzir certa teoria, por exemplo. Sartre foca apenas no conteúdo; Kant, apenas na forma.
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APARÊNCIA E ESSÊNCIA Diz-se que é insuficiente ser bom, deve parecer bom igualmente. O que aparece como bom ou bem visto de modo isolado e na aparência, pode ser ruim ou mau no todo e na essência. Nem sempre são contraditórios, mas saber que isso pode acontecer já é um alerta importante.
NECESSSIDADE E LIBERDADE Debatemos exaustivamente, neste livro, o tema. Alguns veem apenas a necessidade, como o imperativo categórico de Kant, do dever fazer; outros, a liberdade irrestrita, como Sartre. Ora, somos cada vez mais livres, mas nossa mente tem opções limitadas e sempre escolhemos o que vamos, de fato, escolher.
CAUSA E CONSEQUÊNCIA Eles também podem entrar em contradição: a consequência pode ferir a causa e suas bases. Ademais, a consequência pode tornar causa de modo retroativo no sistema em questão. A causa pode ser boa moralmente, mas sua consequência ser má em sua moral, mesmo se regra não for. A causa e o seu efeito nunca estão isoladas do contexto, que também pesa nos resultados.
INTERNO E EXTERNO A moral interna real se externaliza na ação e na linguagem. Por outro lado, caminho inverso, a moral externa sempre, em alguma medida, torna-se internalizada. Há quem defenda o respeito às normas sociais e externas; há quem defenda o valor do interno, da subjetividade etc. Ambos desconhecem a verdadeira essência humana e do mundo social, além da relação às vezes contraditória do externo e do interno.
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ABSTRATO E CONCRETO Deve-se, primeiro, observar o ato moral de modo isolado, por si. Mas, se queremos ser rigorosos, devemos observá-lo de acordo com suas interconexões com a realidade posta.
INTENSIDADE E EXTENSIVIDADE O utilitarismo diz que devemos agradar o maior número possível de pessoas. Mas a extensividade pode estar contra a intensividade, e a quantidade contra a qualidade. A questão é que tal norma ―agradar ao maior número‖ não tem como ser a norma última. A verdadeira norma, que dá a extensão e a intensidade em cada caso concreto, depende da emancipação, do fim da alienação, da humanização do homem. A posição filosófica egoísta, ao contrário da utilitarista, foca apenas na intensividade: em defesa de meu prazer máximo, mesmo prejudicando aos demais.
MEIO E FIM Também debatemos muito tal tema neste livro. O meio deve ser o meio de um fim, conectados. Ademais: o meio já vai realizando, no processo, aquele fim que estaria apenas no final. O fim realiza-se, em alto grau, depois, mas amadurece antes. Fim e meio são apenas um, embora dois. Alguns autores focam apenas no meio, no ato em si; outro, apenas no fim, na consequência. No entanto, podemos abandonar a visão unilateral. Mas, quando o fim abandona os corretos meios ou os meios tornam-se fim em si mesmo – contradição.
SINGULAR E GERAL Há os que forcam no singular, no fato em questão, como Sartre e sua liberdade enquanto lei suprema. Outros, no geral, ou seja, na norma, naquilo que vale para todos. Um erra por não perceber que há normas que guiam. Outro erra porque não adapta a norma às circunstâncias, ao contexto ou uma concepção geral correta.
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TOTALIDADE, CONTRADIÇÃO E MOVIMENTO A verdade do mundo e da parte está no todo, pois tudo está integrado. Além do mais, a contradição é inevitável; tentar escondê-la apenas piora a situação – o outro é nosso inferno e nosso paraíso, a relação necessária. Por fim, tudo muda: a verdade, os fatos, as pessoas, as circunstâncias etc. Conceitos e relações conceituais, ao refletirem a realidade, também se alteram de tempos em tempos.
A dialética exige muito de nós, pois fere um pensamento rápido e apenas instintivo. Mas, sem a dialética moderna, torna-se impossível resolver as oposições e polêmicas da história de tal filosofia. A ética correta faz a correta relação das categorias opostas, isto é, a unidade interna delas.
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A ÉTICA COMUNISTA, MILITANTE
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VALORES DE UM MILITANTE COMUNISTA Até a década de 1990, a esquerda era sinônimo de anticorrupção, de ética, de ideia de justiça social, de abnegação. Mas o PT tomou o governo federal e, escândalo após escândalo, até a esquerda comunista foi desmoralizada. Para as novas gerações, que já cresceram diante de governos petistas, a direta era moral e justa (dita ―conservadora‖), não corrupta. Somo obrigados a reverter tal cenário no imaginário popular de parte das novas gerações. Vejamos, portanto, guias abertos para a moral militante revolucionária, comunista:
1. Coragem e ousadia Se tiveres medo, vá com medo – mas não recue se a questão for não recuar, for avançar. Treinar artes marciais pode ajudar na psicologia do ativista. A covardia não é boa conselheira. A imprudência parente é mais útil do que sempre recuar. Mas, claro, nada de ofensiva permanente. O que deve ser claro é isto: quando a oportunidade aparecer – ousadia, ousadia, ousadia! E criatividade, muita!
2.
Disciplina
O momento político costuma impedir uma disciplina total, por isso, evitemos esgotar os ativistas com exigências de ação permanente. No entanto, sem esforço grande e disciplina nada importante é feito. Disciplina é liberdade.
3.
Honestidade
As tentações são muitas, mas o futuro é nosso. Aceitamos perder aqui para ganhar mais depois. Nada de meio-termos, manobras etc. para facilitar o caminho supostamente justo.
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4. Rebeldia Cannon, um comunista dos EUA, afirma que tudo comunista verdadeiro pensa como marxista, mas sente como anarquista. O sentimento anarquista de liberdade total e pura nos guia sempre, embora direcionado pela razão científica e socialista. Os dirigentes que se danem se estão errados! Nada de obediência cega aos comandantes: pensar coma própria cabeça sempre, aprender a pensar. O primeiro dever de todo militante é discordar de seus líderes.
5.
Ódio à rotina e à burocracia
Nada de engordar dentro dos sindicatos e partidos: ir ao chão do mundo sempre. Ao contrário do romantismo comum, uma greve ou uma luta não é boa, pois cansa e esgota, exige muito de nós, mas é nosso território necessário.
6.
Espírito democrático radical
Deixar o outro falar, mesmo que seja de direita. Queremos convencer, não manipular resultados. No partido, evitamos ao máximo ganhar uma discussão no grito, embora vez ou outra a temperatura suba muito.
7. Solidário Somos ativos em solidariedade. Que tal os jovens militantes organizarem um sopão para os moradores de rua? Também devemos querer saber como estão nosso camaradas, contra a dureza da alma urbanizada.
8.
Disposição para ser teimoso e firme quando em minoria
Se somos minoria, paciência. Pois, se nossa proposta é a correta para a vitória, a defendemos mesmos sabendo que perderemos a votação na assembleia – contra o centrismo, o tempo pode nos ajudar. Aprendamos a perder e aprendamos ganhar. Sejamos firmes sempre. Nossa firmeza atrairá alguns, talvez os melhores.
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9.
Unir prática e teoria
Quem não estuda teoria é um irresponsável; para cada vitória terá uma derrota, pois age por instinto e padrão. Quem não pratica, está amputado e com ares de cinismo.
10. Cuidar de sua saúde Muitos militantes, como se incorporando Che, fumam. Como a vida de ativista é muito tensa, costuma-se precisar de um compensador para suportar a vida anormalmente ativa. Mas somos poucos e leva uma vida inteira para formar quadros políticos capazes e capazes de governar.
11. Paciência ativa Uma revolução, que demora acontecer, pode acelerar a história e surgir como se de repente, por salto. Nas próximas décadas, ou sistema cairá ou cairemos – tempo de duras e decisivas crises. Mas a velha geração teve de esperar por décadas, perderam a juventude e, embora não confessem se quer para si mesmos, a esperança; falam de revolução de modo automático. Mas a paciência deve ser ativa, não passiva – fazer, não só esperar.
12. Mentalidade autônoma e crítica sobre tudo e sobre os dirigentes 13. Desapego com os prazeres materiais O espírito de aventura deve ser permanente, busca-se a próxima grande emoção planejada e calculada, ou seja, responsável. Ser comunista é aceitar que pode ser preso, exilado, torturado, assassinado, demitido etc.
14. Desejo de se tornar dispensável ao formar outros militantes
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Nesta área, o oportunismo é enorme. Os militantes dirigentes não ensinam o necessário aos militantes de base. Por sua vez, os militantes em geral não ensinam o bastante os ativistas sem partido próximos de nós. Qual o objetivo disso? Criar dependência, ser indispensável – ver o movimento quebrar sem sua liderança.
15. Negar o poder sempre e até que o poder operário seja imposto pelos trabalhadores – não apoiar nenhum governo no capitalismo. Isso é autoexplicativo.
16. Ter nojo do cinismo O grande escritor cubano Padura escreveu uma obra que já é um clássico universal, O Homem que amava os cachorros, que conta como um militante sério tona-se um cínico. É-se revolucionário, porém não tanto. O cinismo toam conta das organizações vermelhas, junto com atividades artificiais etc. Não é exagero ser intolerante sobre quando diante dele.
17. Megalomania e romantismo realista É preciso sonhar, sonhar grande. Devemos rir dos limites e do bom-senso. Somos idealizadores e construtores de grandes projetos.
18. Encarar a vida como ela é de fato, sem ilusões Não temos medo de a realidade refutar nossas ideias. Não encaixamos o mundo em nossas concepções. Se a situação é difícil, não dizer que é fácil. Se há derrota, não dizemos que é uma vitória oculta. Esse ponto é o ensinamento de Trotsky.
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19. Dizer a verdade Lição de também de Trotsky, dizer que são tolos os que agem como tolos. Ter o brio de ser desagradável em nome da verdade.
20. Respeitar a diferença e a individualidade O capitalismo tenta nos padronizar, nos igualar – como se fôssemos máquina de máximo trabalho. Mas o socialismo não é o coletivo sobre o individual mas o apoio mútuo de ambos. Um militante ou célula partidária rende mais, a outra rende menos, como deve ser. Algo humano. Um organismo vivo não é como certa máquina uniforme. Só no socilaismo seremos livre, ou seja, indivíduos de fato, singulares. Não é normal, por exemplo, que quase todos os jovens, logo por serem jovens, sonharem o mesmo sonho universitário: direito, medicina ou engenharia. Isso é, em geral, falta de autorrespeito inconsciente. Como dissemos, moral e política não são duas atividades diferentes, são um sendo dois com certa autonomia e outras funções. A tarefa é aproximar a política da moral correta. Para isso, não podemos contar com os reformistas e centristas.
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O VENDAVAL OPORTUNISTA A LIT, organização comunista internacional a qual reivindico, afirma como uma dentre suas teses que uma crise moral abateu-se desde o fim da década de 1980. A causa seria, e estão corretos, a queda do muro de Berlim. Revolucionários antes disciplinados tornaram-se políticos da ordem, ativistas de ONGs, sindicalistas malandros, deixaram de militar, abandonaram posições revolucionárias. Terra arrasada. A própria LIT, em crise interna, quase deixou de existir. A velha guarda escolheu outros caminhos. Mesmo assim, para tal organização, a nova etapa seria revolucionária. Para outros, contrarrevolucionária. Na verdade, ―apenas‖ reacionária, difícil – mas ainda estamos de pé no ringe. Boa parte da vanguarda comunista surgiu inspirada no socialismo dito real. Natural, portanto, que com o retorno ao capitalismo naquelas nações, suas consciências recuassem com o recuo daquelas sociedades, da materialidade. Perde-se, portanto, material humano valioso. A tarefa seria perder o mínimo possível quando obrigados a recuar. Mas a LIT observou de maneira incompleta. Por debaixo das explosões, o neoliberalismo impunha-se. O fim do pleno emprego, base de uma solidariedade instintiva, por exemplo, afetou a moral geral. A queda da taxa de lucro, e reação contra tal queda, promoveu uma crise moral da sociedade. Lembro-me que quando a empresa estatal – Telepisa – em que meu pai trabalhava foi privatizada, funcionários e ex-funcionários entraram em depressão, suicidaram-se, enfartavam, famílias antes estáveis se separavam etc. O clima de terror, desconfiança, tristeza e disputa pairava no ar, incluso entre velhos amigos. A incerteza feria a dignidade dos trabalhadores. Sem perspectiva de outro mundo, resta o cinismo. Parece, desde lá, que outro mundo não é possível ou, se possível, algo viável. Então, amargamos a derrota. O sentimento difuso de socialismo na massa e na vanguarda recuou por um tempo, mas volta de maneira devagar ao rumo certo, graças às novas gerações. Mesmo uma próxima revolução socialista vitoriosa, dirigida pelos trotskystas, ainda terá diante de si uma, muitas vezes saudável, desconfiança. A burocracia fez história e tradição da pior forma. Até hoje, correntes internacionais como UIT, que rompeu com a LIT após formar uma fração secreta, e a CWI, esquecem ou nem colocar o debate sobre moral como centro. A CWI, por exemplo, que tem acertado tanto, capitula à moral atrasada dos operários e, por isso, evita o debate das opressões, alienações como o machismo e a homofobia.
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Na LIT, a Comissão de Moral deve ser eleita por ampla maioria, os membros eleitos devem ter bom histórico e o organismo é de todo independente do Comitê Central, do eixo político. As outras internacionais não seguem, via de regra, tal regra, em especial, o último ponto.
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EXEMPLOS PRÁTICOS DE MORAL
Desçamos ao mundo sujo e empoeirado, ao concreto. Feito o debate abstrato, ora de pousar no chão quente do real. Agora, trataremos de casos com tons pessoais, o exemplo ensina, embora não generalize.
I. Como alguém externo ao movimente, observei que a prática de esporte com skate (patins etc.) exige e impõe certa moral especial. Se um praticante cai, nunca se deve rir dele. Se faz certa manobra difícil e improvável, todos comemoram porque foi esplêndido. Tal moralidade corre entre praticantes de todo o mundo já há algumas décadas. Isso prova que há alternativas contra a degeneração. II. O indivíduo, com seu perfil, também faz a história – e o acaso faz a história. No Maranhão, em certo sindicato, houve a disputa de duas chapas na sua eleição: a dos revolucionários e a dos reformistas. Ganhou a segunda, mas tudo foi muito mais dialético. A presidente nova do sindicato – considero que ela seja de tipo obsessivo – não roubava nem deixa roubar. Ela era mais do que correta, corretíssima. Então, os outros membro da direção tentaram de tudo para ―resolver‖ isso: manobra, assédio, calúnia, ameaça etc. Mas ela era irredutível, firme e brava. Foi por isso, portanto, que ela se aproximou, depois, dos antigos inimigos, os socialistas trotskystas. III. De madrugada, tive a tarefa de colar cartazes por toda a UFPI. Era um trabalho de sísifo, pois os militantes do PCdoB, criados no oportunismo, arrancavam todos os dias nossos materiais. Na chapa para o DCE, cogitou-se fazer o mesmo. Mas os militantes do PSTU foram firmes: os estudantes, a base, devem decidir livremente e por voto, sem um grão de manipulação de nossa parte. A luta era também moral: manipulação estalinista ou democracia de base trotskista? Era uma luta pelo método, pela alienação contra a emancipação. Cumpre notar, que o PCdoB, UJS, invadiu a sala de contagem de votos e quebrou as urnas que sabiam que iam perder. Assim, pela
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força, ganharam a direção da organização estudantil… Veja-se que o debate universitário entre Stalin, o ditador, e Trotsky, o general democrático, não é abstrata, tem consequências práticas. Fui um grande aprendizado ver jovens, que deveriam ser dotados de certo romantismo, oportunistas. IV. Vi, por exemplo, sindicalistas do PCdoB e do PT agirem como verdadeiros mafiosos: ameaçavam de morte, agrediram um adversário com socos e em bando, tentavam corromper, furavam pneus de carros, roubavam dos sindicatos, encerravam uma greve sem votação, destruíam a luz de um prédio para não haver assembleia da categoria etc. São muitos casos. Todos eles diante da disputa pelo sindicato dos rodoviários do meu estado. Isso é comum, rotina, dentro do movimento sindical e popular – por isso, os pelegos terão, muito provável, de morrer porque estarão, com a maioria dos sindicatos, do lado da burguesia na guerra civil revolucionária. V. Uma duríssima luta fracional surgiu no PSTU do Piauí. Falava-se de tudo, mesmo do problema real. Eis o cinismo: elevar, de maneira artificial, o debate para evitar falar da importante podridão. No fundo, toda a manobra era uma disputa de dois grupos pela direção do sindicato, quem lideraria a instituição. Mas disso ninguém falava de maneira direta. O problema seria, por exemplo, de ―concepção e regime‖. O militante G fez assédio moral contra certa camarada que trabalhava de graça no sindicato; objetivo era afastá-la para empregar outro militante, pertencente ao seu grupo. A pauta do feminismo era usado de modo oportunista. Para acusar e desmoralizar o adversário. Numa dessas reuniões, a militante L disse contra uma camarada: se você me enfrentar na plenária de balanço, eu te destruo… Certa vez, uma ativista foi atacada com violência em sua pequena cidade por ter postado uma foto nua. Foi, então, para Teresina pedir ajuda. Mas as militantes do PSTU colocaram ela de escanteio. Por quê? Porque a garota, não elas, ganharia alguma fama com o caso. Na verdade, havia luta fracional em todo país, escondida pela direção nacional, incluso luta nos organismos dirigentes. Mas, de modo imoral, os quadro experientes esconderam o fato como força de lei interna. Assim, de maneira obscura a luta era feita – com expulsão clara ou velada de
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militantes e grupos internos para garantir maioria. Aqueles de base que eram espertos demais passavam para ostracismo. O sexo foi usado como arma de convencimento (muito usado no PSOL, PT e PCdoB: chamada tática dois, ou seja, se não ganha na política, namoro aquele ativista para ganhá-lo para minha corrente). Clubes sexuais informais surgiram, mas para manipular, não para emancipar a sexualidade. Muitos militantes, antes revoltados e aguerridos, recuaram e defenderam outras posições, que outrora criticavam, porque estar de um lado na luta de facções garantia seu emprego, sua casa, sua vida social, para não ser expulso etc. O cinismo passou, portanto, a tomar conta do cenário. Depois, G vendeu seu mandato sindical para seu parente, e escapou da polêmica morando em outro estado – com uma gratificação ilegal extra dado pelo membro do governo que é de sua família! Quando a informação chegou até mim, o susto foi tão grande que tive uma ―alucinação negativa‖, esqueci de fazer tal denúncia, seque lembrava dela. Neste tema, o G impediu enquanto pode, em nome de boa relação familiar, que o partido e o sindicato chamasse o ―Fora‖ ou ―Abaixo‖ contra seu parente. Nessa luta difícil, perdi algo como 20 quilos: de leve obesidade para alguém ósseo. Depois, surgiram as crises de pânico, que duraram alguns anos. De tal modo, é-me difícil falar sobre tudo ocorrido, existe uma peso subjetivo enorme. No lugar de manter a luta para a contradição ser resolvida, no lugar de debate franco, forçou-se a eleição imediata dos novos dirigentes – algo sem critério, manobra. Assim, um organismo de direção regional que deveria ter 5 militantes passou a ter 11 para agradar paladares oportunistas. Tudo isso sem debater, antes, programa, propostas, polêmicas etc. Até ameaças veladas e informais eram feitas. Por segurança, não as descrevo. Mas isso posso antecipar: os melhores militantes tendiam a ser afastados, premiando-se os priores, os submissos, os adaptativos. Cada grupo regional era ligado a um grupo nacional de modo informal e secreto. Como os iguais se atraem, os professores aliavam-se à ala intelectual; os burocratas, com os sindicalistas; os partidários, com os partidários. Isso revelava questões de fundo, de classe.
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O clima era insuportável, pois, a qualquer momento, era-se vítima de certa manobra. Diante da tensão, os com mais dificuldade afastavam-se aos poucos. Quem defendia acriticamente a posição a direção nacional ganhava claros pontos, espaço etc. Era um jogo de agrado, de submissão. Por exemplo: escrevi um documento sobre a crise do partido que previa sua contradição (até hoje não compreendi porque D. fez muito esforço para me impedir de enviar o texto ao congresso partidário). Mas, então, o texto – e outro para o congresso internacional da LIT – foi boicotado na minha própria regional… Mais uma vez, temos de falar de G. Ele afirmou na plenária dos servidores: o dirigente geral político do setor deve ser, por regra, o dirigente sindical. Assim, ele queria colocar a militante L., que era sua amante, na direção geral dos dois organismos, partidário e sindical. Mas a informação era falsa, não estava nos estatutos partidários. VI. Che Guevara abriu mão de uma vida estável e próspera como burocrata estatal cubano para enrolar-se nas selvas da Bolívia. Isso é moral. Quando os militantes soviéticos pediam desculpas pelos seus ―erros‖, ou seja, recuavam a crítica, faziam isso para evitar o exílio, o desemprego, a prisão, a morte e o isolamento. Mas Trotsky lutou pela verdade até o último instante de vida, por isso ele é uma personagem tão apaixonante no teatro da história universal. VII. Eis a era do cinismo. O professor finge que dá aula, o aluno finge que aprende, o médico finge que trabalha, o jornalista finge que faz jornalismo etc. certos patrões brasileiros lavavam dinheiro ao oferecer palestras sobre ética, ética empresarial… Vivemos tempo, de fato, de mercadoria sem valor, aparência sem essência, forma sem conteúdo, jarro vazio.
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O INDIVÍDUO
De modo formal ligado à tradição marxista, Sartre afirma que tal ciência tem a falha de evitar o indivíduo, focado apenas nas classes, nas forças produtivas etc. Os marxistas freudianos costumam fazer igual crítica. Mas na obra ―História da revolução russa‖, primeira obra de história do marxismo, por Leon Trotsky, um dos maiores representantes de nossa escola, há a afirmação: 1) o perfil pessoal do Czar e da Czarina importa para entender tal narrativa, 2) a revolução russa não teria sido vitoriosa sem Lenin, a direção do partido teria capitulado à democracia burguesa. Eis exemplos que refutam Sartre. Em uma de suas aulas, Sérgio Lessa traduz e resume Lukács: a história é e se faz na ação dos indivíduos – e a ação dos indivíduos se faz na história. Isso larga o objetivismo da história e o subjetivismo individualista sobre ela. Os indivíduos fazem a história, mas sob condições dadas e não escolhidas. Ora, tal verdade é incompleta, pois o todo adquire propriedades que as partes, os indivíduos neste caso, não têm. No nosso caso, porque os indivíduos estão atomizados e em luta uns contra os outros, o mundo das coisas ganha autonomia e poder – surgem leis imperativas que não foram decididas por ninguém. Rumamos ao abismo guiados por um carro automático. Em certos momentos e épocas, fazemos a história em parte apesar de nós mesmos. Veja-se que partidos oportunistas foram forçados a fazer revoluções socialistas no século XX. Para mim, todas as demais consciências são algo objetivo, não apenas subjetivo; eis a relatividade dos conceitos. Como o mundo é muito maior do que nossas cabeças, somos, em última instância, determinados por ele. Pode-se agir contra as necessidades reais e da história, incluso atrasando a realização de tais necessidades, mas elas são impostas no fim, enfim. Lukács cai em idealismo ao considerar a razão ou a idealidade como motor primeiro, sendo a categoria central do trabalho a teleologia. Para ele, focado nesse indivíduo que faz a história, pensamos em fazer o machado; então, fazemos o artefato; então, mudamos o meio ambiente, o mundo; então, o mundo nos muda; então, o novo ambiente exige de nós uma segunda teleologia. E assim por diante o processo repte-se, circular-espiral. Ora, a consciência é a busca permanente do permanente na mudança. É porque a realidade muda, que a mente eleva-se de seu patamar anterior. Uma mudança forte e inesperada do real, força a ainda buscar o permanente – o que é base para a criatividade. O primeiro motor é o mundo. Como isso acontece, apenas a pesquisa e a antropologia especializada poderá dizer. Vejamos casos hipotéticos. Uma mudança de clima em
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todo o mundo, seja por abundância seja por escassez, permite à mulher coletora na antiguidade pré-histórica perceber que da semente nasce a planta nova, o que inicia a agricultura. No mundo todo, a agricultura surgiu na mesma época, o que sugere uma causa comum (um clima que força ou, ao contrário, favorece perceber com rapidez a causalidade semente-árvore). O mundo força a teleologia ou dá suas condições. Hoje, a sociedade é uma associação não associada. O mundo social é apesar de nós, dos indivíduos enquanto isolados. Se as coisas pudessem livrar-se dos homens, o fariam. Marx, no livro III d‘O Capital, afirma que o socialismo é quando o desenvolvimento do indivíduo será condição para desenvolver o coletivo, a sociedade. Condição. Temos ainda a contradição sociedade e indivíduos, pois os desenvolvimentos daquela continua a ser feito com a redução deste. Os marxistas vulgares pensam que o marxismo é a afirmação da unidade do coletivo com máximo sacrifício individual, mas pensam pela metade e de modo mecânico. A verdadeira afirmação da individualidade é antissistêmica, pois exige junto consigo, com a liberdade, a igualdade e a fraternidade – tríade que só pode vencer se unidas.
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ESTÉTICA MARXISTA
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APRESENTAÇÃO
De estética – no geral sentido – marxista ou meio marxista relevante, temos Lukács e Adorno, algo de Walter Benjamin. Nos demais de inspiração marxiana, foi-se mais direto ao objeto concreto (algo corretíssimo), mais ou menos usando nossa tradição. Ou seja, temos um território central mal desenvolvido nas ciências humanas revolucionárias, profundas. Trotsky, que, durante a guerra civil contra 14 países invasores na Rússia, liderando o Exército Vermelho, escrevia, durante o descanso, artigos sobre poesia e arte, deixou-nos um bonito legado, mas insuficiente. Todos eles são pensadores, além de geniais, apaixonantes. Mas eis o limite universal: como reforçaremos, todos os grandes teóricos da estética foram geniais, mas nenhum propriamente artista. Meu caso é diferente, não só por ser mais modesto, mas também por ser artista permanente já há quase duas décadas. Poesia, composição musical (letra e música), contos, novela, novas propostas de como escrever arte – eis o meu currículo, que será em parte exposto nesta mesma obra. Diferencio-me, então, dos predecessores, subindo em seus ombros. Mas, aqui, fazemos uma talvez pequena estética que poderá, nos próximos anos e décadas, ser suprassumida por outra maior e mais intensiva. É uma aposta. Todo fim de pesquisa real, que vale a pena, é algo autoimposto, artificial – o objeto é potencialmente infinito, não tem fim suas descobertas ou os fatos relevantes. Por estética marxista quero dizer apenas estética, ou seja, uma tentativa de obra definitiva, ou ao menos base inevitável, de toda pesquisa sobre o objeto. O marxismo é a única ciência completa das humanidades. Como na questão da ética, apenas podemos escrever algo sobre, considerando a totalidade – uma compreensão ampla e correta da economia, da história, das classes e das superestruturas (instituições, mentalidades etc.) torna-se obrigatória, base mínima. Isso é difícil, mas a obra ―A crise sistêmica‖ tem tais pretensões. A autonomia relativa da arte deve ser considera, mas também suas conexões com os outros elementos e, mais, sua unidade interna com todas as abstrações do real concreto. Sem, por exemplo, uma teoria geral do valor, que apresentamos por nossa parte de metafísica materialista, em seção específica, errar será muito mais fácil. Que a arte está em crise, algo evidente. Mas defendo aqui uma crise relativa, em dois sentidos: 1) há um avanço que, por condições técnicas avançadas e sociais conservadoras,
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também recua; 2) trata-se de uma crise universal do sistema que, por altíssimo desenvolvimento, também transborda na arte. A crise da arte é a crise do capitalismo. Por isso, somos obrigados a pensar tanto uma teoria estética quanto, isso mesmo, propostas estéticas, muitas apartidárias em si. Quem conhece bem a história do século XX sabe o estrago que o estalinismo fez na arte, além de em tantos outros setores. Foi um câncer agressivo no nosso movimento, um antileninismo disfarçado, um cavalo de troia no nosso corpo e na nossa consciência. Até Lukács, que disfarçou como pôde seu antiestalinismo, sentiu o peso duro em sua própria letra: além de elogiar o grande líder e o regime, por obrigação, também pensou 1) o realismo como imperativo, pressionado pelo assim chamado realismo socialista; 2) fez uma glorificação exagerada do trabalho, contra a defesa marxista da redução máxima do tempo de trabalho, assim como a propaganda oficial dos governos ditos vermelhos pela disciplina laboral máxima. O homem é seu tempo, mas um pouco mais. Minha obra, em seu conjunto, também é um elogio e uma crítica ao lukacsianismo. De modo geral, sem a base teórica e militante trotskista, muito mais provável errar ou pender demais. É impossível diagnosticar e prognosticar a crise da arte sem entendê-las, a crise e a arte, em seus fundamentos. No entanto, aqui, evito repetir lugares-comuns da teoria, da militância; evito marca posições, ou seja, apenas fazer digressões sobre aquilo que todo marxista já sabe. É um vício presente em nosso meio, quilos de papel são desperdiçados nisso sob a justificativa de rigor. Em especial, os mais velhos querem ver o que já veem, querem a repetição no lugar do novo e no lugar de um mundo que muda. Isso seria uma atitude antiestética! Feita a provocação, costuma ser tarefa da nova geração aceitar novas ideias. Assim seja.
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A ARTE
A qualidade de uma obra de arte depende do quanto o artista se dedica a ela, à sua construção. São fatores: 1) A dedicação do artista à sua formação; 2) A dedicação à obra em si; Aqui, na arte, importa muito mais o trabalho concreto em relação ao abstrato, geral, este guiado pelo tempo regular. 3) Indiretamente, os materiais e o trabalho para produzi-los. Se pinta uma tela enorme toda e apenas de preto, exige um esforço; se constrói a Guernica, exige esforço outro e maior. Isto é rastreável pelo resultado. Tanto o tempo objetivo quanto o subjetivo são importantes: a inspiração cumpre seu papel mágico para, em seguida e em paralelo, ceder à transpiração. Uma história começa como ideia que toma forma de um microconto; depois, um conto; depois, uma novela; depois, um romance… Eis a exposição pura, lógica, do desenvolvimento real, histórico, por assim dizer; pois na prática do escritor o processo ocorre de modo menos consistente e, por isso, menos claro, recheado de tortuosidades. Pode-se argumentar que há gênios mais ou menos natos. De fato: isso lhes dá uma enorme vantagem que, em boa parte, os demais podem compensar pelo esforço. A própria inspiração deriva de um acúmulo prévio de observações, estudo, experiências pessoais, outras produções etc. Quando uma letra de música ―nasce pronta‖, exigindo apenas duas ou três mudanças , há aí uma produção inconsciente e subconsciente. A ideia de talento é verdadeira na medida em que somos diferentes, com perfis e tendência diferenciados, com diferentes e múltiplas disposições; sendo todos igualados na sociedade do capital, onde temos de nos adaptar às necessidades do mercado – surge o homem abstrato e suas unidades particulares, carentes de ser homens concretos plenos. Quando a produção artística separa forma do conteúdo, há perda de proporções, de medida, de sentir faltas e excessos. Ferreira Gullar foi o melhor observador deste problema e sua origem.
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A arte tipicamente burguesa do século XIX, o parnasianismo, arte pela arte, é substituído por a forma pela forma, matéria pela matéria, novidade pela novidade. Mesmo onde é quase impossível o vazio de sentido, na literatura (onde houve algum papel progressivo da pós-modernidade, a experimentação), ocorreu a tendência ao impacto pelo impacto, trato complicado com a linguagem para disfarçar enredos fracos e experimentalismos desprovidos de um fim estético maior e novo. De modo geral, o valor artístico de uma obra literária tem sido medido pela impossibilidade de lê-la, pela dificuldade de acessar o sentido, pela confusa linguagem – surge igualdade falsa: ser vanguarda é igual à arte inacessível, ilegível. Isto é tanto mais forte quando o livro não tem público e os eruditos oficiais buscam ―leituras de pertencimento‖ a uma casta do saber, a diferenciação dos demais. Nas artes visuais, a pós-modernidade pôde ir mais longe na medida em que a sensação visual é imediata, causa impressões desprovidas de esforço prévio da parte do espectador – e do artista… A crise da arte expressa, assim, a crise do trabalho (manual) teorizada por Kurz e Postone (já veremos a razão concreta disto). ―Não há arte revolucionária sem formas revolucionárias‖, Maiakovsky. A arte pós-moderna é uma falsa subversão; tal qual o realismo ―socialista‖, inverso análogo, está diante de raros momentos históricos em que, com disfarce de renovação, uma nova proposta artística cumpre papel negativo, reacionário, regressivo. ―Na poesia, a novidade obrigatória‖, Maiakovsky. Em arte, o novo – o de fato novo – é uma necessidade tanto do artesão ficcional quanto do público . Os três elementos acima mais o fator tempo, o nível de antiguidade da obra, impulsionam a formação do valor artístico de uma arte. Este valor específico expressa-se porcamente e de modo deformado no valor de troca preço. Ao que parece, para Mészàros, o valor artístico deriva da demanda (Mészáros, A teoria da alienação em Marx, 2006) do artista e do público, como ―necessidade‖, ao modo análogo aos dos economistas depois de Marx; o valor artístico aqui, ao contrário, deriva do trabalho, da energia humana – embora nem seja empírico, nem seja bem expresso fenomenalmente.
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NATUREZA DA ARTE
O que é arte? Resultado da atividade humana, arte é uso de técnicas para prover mensagens fictícias ligadas ao real. Se as ferramentas são usadas para construir uma mesa, temos um valor de uso de todo real; mas se as mesmas ferramentas são artifícios para produzir uma belíssima escultura, então temos um objeto real de verdade em si fictícia a nos passar uma mensagem conectada à realidade, mas em ruptura relativa com esta. Toda arte é fruto da atividade humana, fictícia e suporte de uma mensagem indiretamente ligada à não-arte. A técnica precisa pensar as proporções daquilo construído para ser um valor de uso, digamos, mesa. Na arte, a técnica trabalha o material para que suas formas expressem, de maneira criativa, o valor de uso mensagem; suas proporções são pensadas para a comunicação artística. Por mais bela e talhada, nunca a mesa será análoga à poesia ou à escultura. Por mais que ―artistas‖ coloquem tal artefato alimentício num museu. Por razões acidentais e não necessárias ou inerentes ao objeto, mesa ou cadeira podem ter formas transformadas em armas de combate, em valores de uso para agressão ou autodefesa; quem sabe, um quadro enorme do Louvre possa ser usado para sustentar pratos e talheres… Porém o caráter de cada qual logo se nos revela. Um mictório tem sua matéria e sua forma pensadas para uso específico ainda que esteja fora de seu lugar. A assim chamada arte pós-moderna é o desenvolvimento de uma pseudoarte. A arte falsa ou a ficção da ficção pode ser constatada, mas o desafio teórico irresolvido é saber por quais mediações o capitalismo fictício e irreal, com sua forma sem conteúdo, com o ―jarro vazio‖ desta época, produz a própria produção supostamente artística correspondente. Apenas na consideração acima, de que a forma material é pensada para mensagem fictícia, podemos então relaxar o conceito. A arquitetura produz valores de uso não artísticos e é, ou pode ser, ao mesmo tempo, arte. Um jarro pode ter belíssimas pinturas. Como dissemos em outro capítulo, o valor de uso tem ganhado maior valor estético para vencer a disputa comercial. Ainda que haja casos assim, combinados, sabemos reconhecer uma obra de arte mesmo quando está associada a outra função. Assim como há mercadorias que tem preço sem valor (terra, etc.), há produções que caem fora da concepção exposta. A arte é unidade de ser e nada, pois a arte é e não é – ao ser ficção real.
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CRISE DA ARTE
As razões para a crise da arte estão na ampliação do fator econômico, mas há mediação de outros aspectos que tornam o efeito da economia sobre o artístico mediado, indireto. O desenvolvimento da sociedade, por exemplo, impulsionou os mais variados estilos, o que dificulta, embora nunca esgote, a possibilidade de surgir novas escolas artísticas – por isso muitos artistas estancam na mera experimentação sem finalidade (poderíamos falar em escola experimentalista?). Também, entre as causas – frutos do desenvolvimento técnico-científico, da produção – está a fundação da fotografia, do cinema, das TVs, da internet e da arte em jogos eletrônicos; pois tornam menos atraentes e necessárias a pintura, a escultura, etc., que tentam se afirmar com uso de novos ou perecíveis materiais, com o estranho e o espanto, com o mero curioso, já que, ao mesmo tempo, querem atrair público e podem fazer qualquer coisa porque, por outro lado, não têm público (de modo, também, que não vale um longo esforço…). A literatura não escapa dessa dualidade entre produzir algo vanguardista artificial e produzir algo para o mercado. Em todo o mundo, surgiu um novo romantismo baseado no semiletramento das massas, na urbanização e na decadência do capitalismo. Vejamos a emulação: aquele romantismo, dos séculos XVIII e XIX, época das revoluções burguesas, tendia ao amor romântico e erotismo irrealizáveis; o atual, ao triângulo amoroso e ao erotismo vivo. Aquele e este aos mercados e à leitura fácil e fluida. Aquele, aos poemas instintivos, versos livres e atraentes; este, ao poematrocadilho, rimas rápidas e na velocidade da internet, versos curtos e autoajuda. Aquele, ao nacionalismo; este, ao internacionalismo primário. Aquele, ao fetiche pelo mundo medieval; este, também, por narrativas mistificadas. Aquele tendia à tragédia final; este, à vitória. Aquele, ao individualismo burguês; este, ao individualismo interligado ao conjunto. Aquele se expressou – terceira fase – com a crítica social e simpatia pelos excluídos; este, por ideias de revolta, revolução, antiburocráticas e antiditatoriais, instinto rebelde e sensação intuitiva de anormalidade e artificialidade do tempo presente. Este se revela na ficção científica, na distopia, como crítica social metafórica. O que pesa é a diferença na erudição dos próprios autores, pois o romantismo clássico teve nomes de peso na literatura. Na prosa e séries televisivas, há preferência por histórias profundas e longas – logo algo muito progressivo – como compensadores do vazio existencial, da rotina, da solidão coletiva, da passividade comum e dos aspectos rasos nas relações e vida pessoais, que oprime a consciência –
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logo reação ao regressivo no real. Séries como a primeira temporada de Narcos (poderíamos citar várias: Breaking Bad, Dark, Big Bang: A Teoria , etc, que são verdadeiras obras de arte) são dotadas de altíssimo estilo – e com grande público, o que revela em si a possibilidade de ter produções de qualidade com acesso popular. Apenas o pessimista por natureza, que tenta destacar-se com crítica indiscriminada a tudo, ou seja, uma crítica sem critério, sem ver o que há de avanço, deixa de ver também que a regressão da vida pessoal, como regressão da vida social, demanda arte acessível e popular como expressão inversa da decadência (na literatura, o público prefere, por sua carência existencial, a profundidade do romance, enquanto os autores têm caído em narrativas curtas ou rasas ). No cinema, o avanço é mais complicado, porque a busca pelo mínimo risco – e arte é correr risco – faz com que as empresas adotem fórmulas obrigatórias, ritos de roteiros, finais programados, estilo que atrai, etc. Aí há a contradição entre arte e lucro. Eis um dos fortes motivos da decadência relativa dessa forma artística nas últimas décadas .
Os marxistas podem estimular novas escolas artísticas e o reavivamento da arte, mas apenas o socialismo dará solução à crise artística ao elevar a cultura geral dos artistas e do público, além de oferecer mais tempo livre e recursos.
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ASPECTOS DA ESTÉTICA
QUASE-ARTE
A arquitetura, a jardinagem, a propaganda, a biografia etc. são, de fato, arte? São, ao que parece, por seus valores de uso centrais, quase-artes, mas não arte de modo direto e real. Um jogo eletrônico moderno, como God of war ou The last of us, é certamente arte em comparação ao demais citados, mas provavelmente será necessária uma nova geração de eruditos, já crescendo com seus consoles, para reconhecer isso. Uma das provas de que arquitetura etc. não são arte verse em Lukács ao este defender a incapacidade de tais manifestações romperem com a ideia de beleza, com a meta do agrado. Mas ele não deduziu disso que se trata de quase-artes, cuja estética está subordinada ao valor de uso esterno ao artístico.
ARTE E INSPIRAÇÃO
Os antigos diziam que inspiração vinha de um gênio mágico invisível que falava ao ouvido do artista. A inspiração importa, mas o trabalho duro também. Romantiza-se a arte como a pura e total liberdade, anarquia e caos. Arte pressupõe, incluso, técnica, aprendizado e treino disciplinado. Mas há um Eu interno, tratado por mim em Psique – Por uma psicologia marxista, inconsciente que produz, além de ser ativo e organizado. Às vezes, de fato, a música sai – de sair, mesmo – quase pronta, quase perfeita. Houve um trabalho oculto e inconsciente. O Eu consciente apenas foi capaz de traduzir e acessar o material. Por isso, apesar de não descobrir o Eu interno, a psicanálise é tão bem tratada no meio artístico – há uma experiência empírica surreal muito direta com o objeto da psique. Diga-se de passagem: 1) comum que criar seja, ao mesmo tempo, descobrir (caminhos) na produção artística; 2) novidade de fato exige, em geral, mais esforço, logo mais valor artístico.
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Sobre o primeiro, apenas quando o artista encontra uma parede à sua produção, uma dificuldade de expressar uma mensagem fictícia, ver-se obrigado a criar uma ponte especial, um novo modo de expressão.
NARRAR OU DESCREVER?
Lukács adquiriu várias veias conservadoras em seu pensamento. Por exemplo, de sua estética, conclui-se: deve-se narrar, não descrever (Lukács, Narrar ou descrever?, 2018). Mas assim ele cai no ou-ou, ou seja, esquece o caminho do meio, o narrar-descrever; além disso, obras descritivas também causam cartase estética. Se separados, dialético negativo: a descrição é a narração no simultâneo; a narração é a descrição no tempo. Narrar é descrever, descrever é narrar. O marxismo é mais do que histórico, pois é históricogeográfico. O meio do naturalismo de fato importa. Vale mais à arte uma riqueza de opções e escolas em relação a alguma regra normativa sobre como escrever da parte de um não escritor de ficção. É claro que o superior está na fusão de ambos, mas nada impede pesar a mão para um lado ou outro.
COMO ANALIZAR UMA OBRA?
A análise profunda na arte funde o aspecto marxista, materialista histórico e dialético, da percepção da obra com a tradição formalista, da produção em si em seus aspectos internos. A pergunta sobre a época que permitiu existir tal arte deve ser acompanhada da pergunta sobre o jogo de palavras ou de traços que deu tanta originalidade ao material. O marxismo vulgar pensa que a totalidade é a categoria absoluta, autônoma. Cai-se, então, no perfil holista. Ora, o todo nada é sem suas partes vivas e em interação. Devemos ser rigorosos nas grandes e pequenas coisas. Dito isso, claro que a totalidade tem propriedades próprias, que as
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partes isoladas não têm, mas, para a acessar o todo, que não é tudo, precisamos de avançar, parte a parte. Se quisermos, começamos analisando a obra em seu contexto histórico e social, que é a grande arma do marxismo. Vemos, então, que a economia e o perfil do país relativo ao resto do mundo, permitiu e, em certo sentido, impôs aquele tipo de arte. Isso é muito, mas não é o bastante. A obra em si, em seus detalhes, deve ser analisada, dissecada, verificada e teorizada.
A OBJETIVIDADE NATURAL DA BELEZA
A arte não necessita ser agradável, mas, por derivação, a beleza é um tema importante – o belo é objetivo ou subjetivo? Está na realidade ou nos olhos de quem vê? Em primeiro lugar, beleza está na própria coisa, portanto, natural em si (tanto natural para a percepção do externo quanto no próprio externo); trata-se da beleza no geral, no universal, pois o lado animal do homem e suas percepções capta a beleza do mundo, desde sua vida prática para com animais e situações (o sombrio na arte tem, remete a, traços do sombrio na vida real). Mas, por outro lado, a beleza é algo humano no sentido histórico, determinada historicamente, socialmente; porém, sendo a beleza no particular, não nega de todo a beleza geral, natural, antes pode mediá-la ou deformá-la. Por último, temos a beleza no singular, no individual, que responde à própria formação pessoal e da psique, algo único – este medeia e, ao mesmo tempo, é mediado pelos outros dois. Assim, as polêmicas sobre o caráter do belo, dentro e fora da arte, são resolvidos, percebendo os próprios ―níveis‖ que se misturam, um sendo a base do outro. Tenta-se refutar, por exemplo, a beleza natural geral, com o fato de existirem pessoas com gostos exóticos; por outro lado, tenta-se refutar a instância da beleza individual com a constatação de consensos gerais sobre se algo é belo, apontando para o objetivo ou, ao menos, o intersubjetivo. Os pontos de vista opostos acertam e erram ao mesmo tempo, são incompletos e sem mediações.
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ARTE COMO TRANSCENDÊNCIA IMANENTE DO REAL
Como Aristóteles, Lukács diz que arte é mimese, imitação do real. Essa verdade é metade mentira, pois a arte fala do verdadeiro por meio do falso – ela deforma, acentua e unilateriza o real para melhor expressá-lo. Uma escultura não é como uma mulher da escultura, por uma é feita de carne viva, outra é talhada em mármore. A arte não nos permite ver de cima, como um ampliador ocular facilita ver as estrelas e o nível microscópio, não amplia, pois ela, na verdade, agrega experiências ao espectador, ao lado e junto. É preciso romper relativamente com a realidade para melhor vivê-la. Por isso, a arte vai da materialização para a desmaterialização, e vice-versa, para o realismo e contra o realismo. Na estrutura, a poesia está entre a prosa e a música; a dança, entre a música e o teatro; a prosa, entre a poesia e o teatro; e assim por diante. Mas ocorre que a maior parte das artes separam-se e autonomizam-se umas das outras, como a prosa da poesia, a dança da música. Depois, na história recente, as diferentes artes separadas voltam a unir-se no cinema, com suas muitas variantes, e nos jogos de vídeo game. Então, temos: 1) fundação, 2) abstração e separação, 3) reunião. Concreto, abstrato, concreto. Lukács diz que a arte tem relação com o trabalho primitivo, pois o movimento repetitivo economiza energia e aumenta a produção, gerando prazer. Sem querer, chegou ao esgotamento de artes. O público cansa daquele estilo que deixou de ser novidade, mas o velho artista não muda, torna-se conservador, pois manter o mesmo modo de criação preserva energia e produz um modus operandi. Em geral, novas gerações mudam os rumos, renovam. Enfim, a arte tem um objetivo primário muito mais modesto e vulgar do que pensa Lukács, que pensa ela como uma forma de expor o real. Sua função é a mesma da religião por outros meios, ou seja, tornar a vida mais suportável e interessante (o homem primitivo faz a dança e uma ferramenta ambas para tornar a vida mais vívida). A arte, antes e além de expressar casualmente o real, cria realidade, humana e fictícia. Em resumo, não há falsa cartase, toda cartase é verdadeira, embora os lukacsianos pensarem a elevação do indivíduo ao gênero como único caminho catártico. A arte não eleva o indivíduo ao gênero, mas propriamente o individualiza, o subjetiva, alarga e dá mais forma ao Eu, contra a objetividade dura da qual faz parte, da qual é parte.
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ARTE DE VANGUARDA
A ruptura com a beleza é a afirmação do homem na arte, como mais do que natural, social. Lukács reclama que Ulisses trata de um personagem de perfil perturbado, não um personagem típico, que ele defende como realista. Ora, uma realidade louca produz loucos, eis o realismo. Lukács é um revolucionário conservador. Nesta obra, devemos afirmar mais de uma vez que a arte expressa a mensagem fictícia também deformando, ampliando, unilateralizando etc. Para o teórico criticado aqui, um pé de tamanho desproporcional seria uma negação da arte e do realismo. Ele vê que há unidade sujeito-objeto, aparência-essência e conteúdo-forma no artístico. Pois bem; esqueceu que há o essência-forma, a unidade e identidade deles: a forma do traço, o pé desproporcional, pode oferecer uma boa mensagem como o trabalho manual e precário de escravo na plantação de café. O expressionismo expressa a angústia – humana – com suas cores e sinuosidades. Lukács toma a posição de um burguês ou membro da classe média com déficit de realidade, logo exigindo da arte que lhe dê satisfação contra tal vazio pessoal. Um dos problemas subjetivos da classe trabalhadora é excesso de realidade e de realismo. Por isso, um bom livro ou filme ajuda… As pessoas comuns já conhecem o mundo, sentem-nos com toda força: não precisam de personagem arquétipos típicos no lugar dos bizarros e interessantes ou uma história de toda plausível e verossímil no lugar de outra alucinante e ativa etc. Se faltasse realidade, haveria demanda por ela na arte – tão simples quanto isso. Como denunciar a pobreza, ainda que de forma artística não politizada, para quem já é pobre e tem tal o mundo diante de si, bastando abrir a porta de casa para a rua? Nós exigimos transcendência, ainda que ainda imanente. Entre as arte de vanguarda dos séculos XIX e XX, o dadaísmo é o mais inútil, puro caos sem sentido – mas abriu espaço para ousadias novas, ainda que menores, em outras escolas. A arte abstrata sequer é arte. Mas, mesmo assim, o cubismo, o expressionismo, o impressionismo, o surrealismo, o hiper-realismo etc. são vitórias da humanidade. Deixando o realismo para fotografia e para o cinema, que são melhores em tal tarefa, decidiram ousar, ousar, ousar! Foi uma explosão criativa inédita, um novo renascimento cultural. No entanto, de modo mecanicista e conservador, traço de sua classe de origem, Lukács viu – apenas – decadência em todo canto, nunca reação à mesma decadência.
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CONTEÚDO, MATÉRIA E FORMA NA ARTE
Hegel diz que a arte vai do formal com baixo conteúdo (Pirâmides etc.) ao equilíbrio de forma e conteúdo (gregos etc.) e até alto conteúdo e pouca forma. Mas arquitetura não é arte, trata-se de quase-arte; e o homem faz arte desde antes da civilização, nas cavernas e ao redor do fogo. A arte ganha matéria, forma e conteúdo com o avançar da humanidade porque a mesma humanidade ganha, em seu processo, desde a produção, matéria, forma e conteúdo. A degeneração da arte leva a pedir ao espectador para esquecer o conteúdo e focar no hilário, no bizarro: por exemplo, quadros feitos com massa de bolo. Ou seja, novidade pela novidade, bizarro pelo bizarro. Tais supostas artes são feitos com conteúdos descartáveis porque são, também, no conjunto, descartáveis. Tem-se a matéria pela matéria, experimentalismo pelo experimentalismo. Os falsos artistas são carentes por atenção. Hegel diz que a unidade de matéria e forma é a matéria formada, ou, ou seja, o conteúdo. Porque a arte tem matéria e forma clara, pode-se ter a mensagem fictícia. Ora, até isso burlam: um quadro feitos de triângulos repetitivos e fácies de produzi, coloridos, parece como arte digna – mas sequer há mensagem abstrata. A arte abstrata, o ápice da pseudoarte, foca no sensível, na impressão imediata. Nenhum esforço dotado de sentido, direção rumo á mensagem, há ali. O artista suposto expressa sua liberdade como irresponsabilidade e incapacidade. O mundo à beira da extinção, então eles brincam de serem bebês com tinta guache. Conteúdo, matéria e forma reciprocamente determinam-se. Na arte, como um vice-versa, estão não são conectados, pois também formam uma unidade de identidade. Como a cadeira precisa ter ao menos três pernas para ser a si mesma, a arte precisa ser dialética em sua composição, sua tríade sagrada. Arte sem (boa) matéria de nada serve. Arte sem forma sequer é arte. Arte sem conteúdo é inútil, da pior forma de inutilidade. Da tríade, um desenvolve ou limite o outro, e o inverso. Muitas vezes, tal limite é bom à mente e à criatividade O desenvolvimento das forças de produção produz novos materiais (mármore etc.); tal desenvolvimento produz um conteúdo social que produz um conteúdo artístico novo e rico (Monalisa é o foco no homem, no indivíduo e em seu destaque novo); mais pessoas com tempo livre, fruto da economia que avança, produz mais artistas para novas formas.
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TRAGÉDIA E COMÉDIA
Aristóteles punha a tragédia acima da, para ele, vulgar comédia. Os eruditos atuais têm tal tendência ao supervalorizarem o drama etc. Ora, muito mais difícil fazer humor, pois exige, por exemplo, um ator melhor, mais capaz. Na nossa metafísica, o abstrato é concreto em processo. Nesse eixo, diz-se que a comédia é a tragédia mais um tempo. Os melhores atores são os de humor, pois controlam o tempo, o ritmo, o corpo etc. de modo superior. Um genial ator da comédia faz de modo também genial o drama – o contrário, via de regra, não é verdadeiro. Sobre a história, Marx diz que os grandes fatos ocorrem primeiro como tragédia e depois como farsa, ou seja, comédia. Isso também vale para a arte. O esgotamento da literatura de cavaleiros medievais levou Cervantes a escrever Dom Quixote. O esgotamento da arte sobre seca, nordeste, cangaço etc. levou à comédia de alto nível de Suassuna, Auto da Compadecida. Algo assim também ocorre no cinema dos EUA e nos animes japoneses. A comédia é um vulgar sublime. Veja-se que o cinema de Chaplin pouco faz rir, mas é deslumbrante, belo etc. O cinema de humor é desprezado pelos intelectuais, mas algo que exige mais da produção, dos atores etc. O tempo da cena e do ator devem ser corretos ao extremos, por exemplo. Fazer rir é dificílimo. Há de acrescentar que o humor é, em si, subversivo, mais do que a mera arte. É comum obras de humor escritas por gente de direita ter um conteúdo, em si, bastante crítico. O humor desarma resistências e vai à consciência, põe a nu aquilo sobre o qual não se fala, obrigada a ver outros ângulos. O escritor de humor vê a mundo literalmente, de modo cru, aquilo que é invisível porque normalizado, mesmo se absurdo. O rei e o patrão são humanizados ou reduzidos de seus postos arrogantes. Contra a tradição antiga, William Shakespeare pôs comédia em suas tragédias de teatro. A função era segurar o espectador. Mas, hoje, tal técnica é usada de modo degenerativo, em especial no cinema. O exagero de humor no filme de ação etc. faz perder o ritmo, a atenção e a imersão na obra. A tragédia tem dentro de si algo risível, mas é preciso dar a certa medida às coisas.
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MATERIALISMO E IDEALISMO
A arte era idealista no sentido místico, como os mitos contados ao redor da fogueira, então vai-se para cada vez mais materialista com o avançar do materialismo social, da matéria. Já foi dito que a incapacidade de suportar o materialismo na ideia é a incapacidade de suportar o materialismo na matéria, na realidade. A arte pode servir a idealismo ou ao materialismo. Com isso, um não é tudo enquanto o outro é nada: o simbolismo, por exemplo, trata-se de uma escola incrível, apensar de seu norte místico. O cinema de terror focava em zumbis místicos, frutos de rituais satânicos etc. Depois, coma crise da materialidade capitalista, e seus riscos de pandemia desde a AIDS, anjo anunciador do fim, os zumbis passaram a ser frutos de fungos e vírus. Foi-se ao materialismo. Hoje, temos zumbis velozes e agressivos, quase conscientes, como metáfora das revoltas urbanas presentes em todo o mundo – o que, para um burguês, soa como algo animalesco e irracional. A arte, desde Frankenstein, tem ajudo muito na popularização da ciência e de suas hipóteses. Todo jovem amante de cinema pop sabe algo sobre multiverso. Uma dose de filosofia e ciência sempre tendem a agradar o espectador ou leitor, que vê ali certa mágica materialista. No entanto, parte de tal sucesso é a incompletude da física moderna, que apresenta a realidade de modo parcial e bizarro. No filme Interestrelar, já um clássico do gênero, posições científicas foram usadas para simular um buraco negro, as diferenças de tempo pela gravidade etc. Eis um papel educativo sobre a idealidade, materialista. A magia às vezes justifica-se: a civilização é tão avançada que sua arte parece mágica aos olhos de um humano, como se o invasores etc. fossem deuses. Esse tipo de postura dá o sentido de uma transição, de uma sociedade que tende ao materialismo e à dialética. A arte vai do idealismo, desde o idealismo místico, até, de modo geral, passando pelo mero materialismo, ao materialismo dialético.
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ARTE E DINHEIRO
Há uma constante guerra invisível entre dinheiro e cultura. Uma das expressões disso é o baixíssimo nível das expressões culturais famosas, apesar da enorme quantidade de talentos existente; além do mais, fazer boa arte, trabalho análogo ao do artesão, exige tempo, tudo o que a economia monetária nega. Outra, o enquadramento do carnaval por meio de sua institucionalização e mercantilização, tirando da classe trabalhadora o perfil ativo e central nos eventos oficiais, empurrando os foliões, por instinto, a reorganizar os blocos de rua, gratuitos e mais anárquicos:
―O carnaval – festa pagã que nasceu nas ruas e foi enquartelada em clubes e sambódramos – está de volta ás ruas (e de graça) com mais força a cada ano. ―São Paulo, onde a celebração pro tempos se resumiu ao Anhembi, viu o número de blocos de rua crescer 400% em dois anos. Em 2015, 300 deles tomarão a cidade, 80 a mais que no ano passado, quando, segundo a SPTuris (empresa de turismo municipal), cada um recebeu 5.000 pessoas, em média. ―No Ro, onde a festa atrai mais foliões, os 456 blocos deverão reunir 5 milhões de pessoas nas ruas, diz o Riotur (empresa municipal de turismo). Enquanto isso, o desfile da Sapucaí (cujo ingresso não sai por menos de R$ 160) costuma ter 1 milhão. ―Essa multidão ai atrás de blocos como Cordão da Bola Preta, no Rio, que sozinho arrastou cerca de 1,5 milhão de pessoas no ano passado, e Agora Vai e Sargento Pimenta, em São Paulo, muitos deles com desfiles semanas antes do carnaval, que este ano começa no sábado dia 14 de fevereiro. (…) ―Salvador – que sempre loteou suas ruas separando quem tem abadá (o uniforme do bloco) da chamada ―pipoca‖, pela primeira vez terá um dia de pré-carnaval, no dia 8, com trios elétricos desfilando sem as cordas.
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――Na pipoca você é igual. O carnaval verdadeiro é aquele em que o povo sai para se manifestar coma fantasia que quiser‖, diz Edgard Oliva, 58, professor da Escola de Belas Artes da Bahia.‖ (Silveira, 2015)
Que se diga as coisas como são: o dinheiro e o capitalismo ajudaram na elevação e aceleração da arte – mesmo, mas apenas até certo ponto. Em nosso tempo, sua tarefa é mais degenerativa como no conjunto da sociedade. Encontramos um grande muro logo à frente do palco. Não sou como aqueles marxistas que elaboram teoria pensando sempre em escrever algo pessimista e catastrófico sobre tudo. Mas estamos desperdiçando talentos e potencialidades como nunca diante dos limites do capital.
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ARTE E ANTI-IMPERIALISMO
A esquerda grita contra a colonização artística, um pouco de modo idealista anti-materialista como se o problema da realidade fosse toda e só, como primeiro motor, as ―ideias‖. O mais caricato em tal bandeira foi Suassuna, um dos maiores gênios da arte brasileira de sempre, mas que, vindo do Brasil oficial, dos ricos, amou e adotou de modo externo e deformado o Brasil real e sua cultura. Ele, como os velhos costumam ser conservadores, queria que a cultura brasileira na prática estagnasse – por exemplo: violões, nada de guitarras! Mas a cultura deve mudar, renovar ou adapta-se com a mudança da realidade, incluso técnica. Foi um utópico no mal sentido, embora houvesse beleza nesse romantismo conservador. Nós tendemos a uma cultura universal – a verdade e o certo existem – com certa mistura de culturas e respeito às regionalidades. Mas, ainda assim, o avanço da humanidade aproximará culturas para irmos ao ponto máximo. Do mesmo modo que a necessidade de um dinheiro mundial se expressa no dólar, economia central, a necessidade de cultura mundial tende a expressar-se na cultura dos EUA e do chamado Ocidente. É uma etapa inevitável, ainda que combatível e superável. A luta anti-imperialista na cultura e cultura artística tem cinco aspetos: 1) afirmar a multiplicidade e altíssima criatividade interna – defendê-la, atualizá-la e divulgá-la; 2) internacionalista, absorver de modo não absoluto e resignificar para si a cultura externa e universal – evitando, assim, o nacionalismo culturalista; 3) tratar o outro como matéria-prima; 4) ergue uma autoidentificação com o subcontinente latino-americano; 5) combater a paixão por ―querer ser como e imitar o atual império‖ sempre presente na classe dominante, setores intermediários e, com a globalização, nas classes trabalhadoras. É necessário produzir artes de vanguarda, mas populares. A estética pode ser popular e erudita ao mesmo tempo. No cinema, agrada aos olhos um jogo criativo de angulação das cenas. Os sentidos pedem renovação estética. Mas tal reação estética anti-imperalista não deve acontecer de todo apesar do público e da necessidade de fazer o devido e merecido sucesso. Não justifiquemos nossos desleixos e erros sob o nome de vanguarda, experimentação, livre fluxo, ou algo do tipo.
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ARTE É ANARQUIA!
Trotsky, inspirando a terceira geração de surrealistas, defendeu a liberdade total e incomum da arte. Nem prisões financeiras nem prisões ideológicas ou estatais devem oferecer imposições e dificuldades sobre o e ao artista. Uma arte militante deve originar-se da inspiração, não do fuzil e da censura financeira ou estatal. Pobre também do teórico que deseja impor um modo de ser da arte a partir de seus preconceitos. A arte deve ser a expressão impressionada e impressionista, um sintoma, da liberdade no futuro – no socialismo. A arte é trabalho não alienado, emancipado, livre quando é livre. É o poder da unidade das mãos e do cérebro. As pessoas comuns sequer consideram o trabalho artístico como trabalho, mesmo sabendo do imenso esforço e imenso estudo dedicado, pois há prazer, há humanidade. E há um prazer raro, incomum, que poucas pessoas na história da espécie sentiram até agora ao criarem, ao inventarem – a ação mais humana existente. O estalinismo com sua ditadura de ferro tentou impor uma estética e uma arte para glorificar o governo, o trabalho longo e imoral, a ditadura, o líder; um ―realismo‖ dito ―socialista‖. A pobreza artística contaminou os países vermelhos e parte dos seus artistas nos países capitalistas. Um artista ofende-se profundamente quando sua arte é criticada, quando algo é alterado sem sua aprovação etc. Tal vaidade positiva ocorre porque ele está como se ali na sua obra. Ele se envolve pessoalmente com seu produto. Se um artista verdadeiro é forçado a algo, logo ele, quase sem querer e sem poder evitar, rebela-se, boicota e boicota-se. A melhor ajuda à arte que os marxistas podem oferecer é defender sua liberdade absoluta, ainda que inalcançável. Em matéria de arte, os comunistas verdadeiros são anarquistas. Uma arte rica ajuda a causa socialista, embora de modo indireto, ao tornar mais rico o homem. No socialismo, com a liberdade maior e o maior nível cultural, surgirão inúmeros partidos estéticos, partidos artísticos – numa dura e proveitosa disputa, incluso de egos. O Estado deverá garantir suportes para que estes movimentos ganhem força, espaço e autonomia. Cada bairro socialista terá um centro com todos os serviços públicos – incluso um centro cultural com palco, cinema etc. que dará voz também aos artistas locais e coletivos de arte.
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ARTE E ECONOMIA 1. O pensamento marxista vulgar é evolucionista, como se apenas avançássemos para frente, sem contradição. Assim, se a sociedade e, por isso, as forças produtivas avançam, logo a arte também avança. Quem conhece Marx sabe que ele considerou uma desigualdade: um povo anterior pode ter uma arte mais rica em relação a um povo posterior. O modelo de que da ―base econômico-social‖ ergue-se uma ―superestrutura ideológica, legal, artística etc.‖ não pode ser usada como modelo real, que dispensa a pesquisa real. O mundo é concreto. Dito isso, claro que o desenvolvimento da técnica permite novas artes como cinema, barateia tintas antes raras etc. 2. De modo geral, a arte desenvolve-se com o desenvolvimento da humanidade. De início, o fazer artístico está ligado ao fazer religioso nas tribos antigas – depois ganhou independência, tornando-se um complexo artístico. O pensamento marxista vulgar pensa que a economia determina totalmente a prática artística; isso tem sua verdade, pois uma época de duras crises, como a nossa, produzirá poetas depressivos com seus poemas de lamento, escritores com duras críticas sociais etc. Vejamos o caso da música sertaneja: o atraso do campo produziu a música sertaneja caipira, original; despois, a ida rápida dos homens do campo para a cidade produziu o sertanejo ―analógico‖ (João Paulo e Daniel; Chitãozinho e Chororó etc.) e, em seguida, a mecanização moderna do campo produziu o sertanejo universitário (que muitas vezes é mais rápido e dançante, além de baseado em instrumentos elétricos, como as máquinas na lavoura atual). Mas a arte tem um bom grau de autonomia no seu desenvolvimento e em como expressarse em relação à sua base material, a economia e as classes sociais. A base econômica e social faz as tendências gerais da arte, se será otimista ou pessimista etc., mas como a arte será em si mesma, os estilos específicos, depende mais da criatividade e do perfil dos artistas. 3. Se a arte responde à sociedade, por mais livre que seja, então devemos ter em conta que mudanças na economia mudam o tecido artístico. A estabilidade do socialismo produzirá, claro, uma arte mais leve, alegre, dançante etc.
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No capitalismo, devemos ter em conta os macrociclos da economia: 1) fase de grande crescimento e crises fracas; 2) fase de crises mais dura com algum crescimento, transição; 3) fase de duras crises e crescimentos fracos.
Do fim da II Guerra até a década de 1970, tivemos grandes crescimentos, logo, otimismo. Surgiu o concretismo diante das faraônicas construções, surgiu a bossa nova diante da nova e grande classe média urbana, surgiram vanguardas ousadas e otimistas (neoromantismo etc.), sugiram poemas filosóficos, a música impôs-se uma expansão em todos os sentido, o rock era dançante e alegre, o cinema testava-se. Era euforia geral, as obras de ficção científica até imaginam um futuro rico, igualitário, hipertecnológico, livre e – vejam só! – sem dinheiro! A pancada do início da década de 1980, que inspirou tantas obras de distopia, mal foi o começo. A onda de crises, desta vez sistêmicas, cairá como montanha sobre a consciência dos
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artistas. A arte pessimista ganhará fôlego até a próxima revolução socialista vitoriosa. A arte militante também será obrigada a surgir. Alguns da classe média artística penderão mais para a esquerda, enquanto outro para a extrema direita – ambos reações à decadência. Os roteirista americanos vivem uma sociedade rica mas injusta e decadente, ganham pouco enquanto estúdios lucram muito e possuem sensibilidade acima da média. Como eles não teriam simpatia por ideias de esquerda? Isso se revela em muitos filmes e séries com conteúdo radicalizado e elogios ao comunismo. Mas lembremos que o critério de uma arte não é ideológico. Pode ser uma obra genial com conteúdo de direita e conservador. 4. O perfil de um país leva ao perfil da arte. A pequena ilha chamada Inglaterra dominou o gigantesco mundo, pois isso sua prosa tornou-se gigantesca. O mercantislismo estadunidense fez sua prosa fraca e comercial. No Brasil, a negação do trabalho e do esforço como algo de escravos fez uma grande poesia, mas fraca prosa. A revolução francesa animou, por centenas de anos, vanguardas artísticas revolucionárias. O atraso com alta filosofia fez a cabeça dos artistas alemães. 5. O desenvolvimento técnico é base e condição, mas não determinista, do desenvolvimento da arte. A primeira geração moderna de cantores no Brasil deu-se pelo rádio (Carmen Miranda etc.). A segunda surgiu com o surgimento da televisão (Chico Buarque, Elis Regina etc.). A nova ganha força via internet, a nova forma de comunicação de massas. 6. Em certo artigo de conselhos aos novos ficcionistas, o escritor mercadológico Stephen King afirmou que o leitor se fixa no tema do trabalho, mas o autor desconhece o motivo disso. Temos uma resposta. Porque é viva na prática social, oprimindo corpos e mentes, que são o mesmo, é comum em livros e séries haver algum debate direto ou indireto sobre alienação, que inclui, por exemplo, existir com a personagem central – um investigador, um químico, etc. – um trabalho com traços artísticos, criativos, útil, desafiador, afirmador e desenvolvedor da personalidade, etc. Há o lado do público nos EUA com a tradição puritana da negação do sexo para afirmação do trabalho, para onde deve ser destinada a energia corporal, como afirmou Gramsci sobre o
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fordismo e o controle dos corpos, e também, íntimo a isso, a busca frenética por dólar; mas o sucesso mundial dessas produções revela, como diz o diretor Bong Joon-Ho, que vivemos em um grande país chamado capitalismo – com suas alienações influenciando o conteúdo das produções artísticas, quase como uma revolta fantasiosa contra o destino. Nas sociedades de classes, a arte tem duplo caráter. De um lado, desaliena ao enriquecer a vida do seu usuário, humaniza e conforta, faz da vida algo mais rico de sentido; daí mais condições para enfrentar o mundo inimigo. Por outro, aliena ao fazer mais suportável a difícil vida, ajuda na adaptação ao meio, promove moral e valores do sistema etc. Por isso, a religião sempre usou a arte como artifício para elevar a alma. Nos EUA, os senhores de escravo reprimiam a canção dos escravizados na colheita; depois, perceberam que o ritmo da canção ajudava na disciplina, na energia e na intensidade rítmica do trabalho na lavoura; passaram, então, a apoiar os cantos feitos pelos negros, estes que musicavam na intensão de tornar a vida mais suportável.
ARTE E CLASSES
1. Quando certo estilo de música afasta-se da dança, degenera em classe média. Isso não é em exato ruim, pois pluraliza a arte. As artes de negros da classe trabalhadora Jazz, Blues, Soul, Funk, Rock, Samba etc. passaram ser amado e adaptados à classe média. Tal setor social foca no pensar, no trabalho intelectual quase passivo, por isso sua música afasta-se da dança. Daí a decadência delas, suas supostas mortes; além de deixarem de ser novidades e o mundo ter mudado muito pesando para mudar os estilos. A classe trabalhadora, prática e manual, tende a gostar mais do ritmo que inclui a dança. Quem se mexe, mais quer mexer-se. A dança afirma o indivíduo e suas relações, reanima o lado bom animal do homem, liberta o corpo de sua mecanização, provoca erotismo.
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Há arte de classe. O forró ou cordel são expressões brasileiras populares, das classes trabalhadores, além de um época. Os historiados conhecem bem que os camponeses medievais contavam contos de terror à beira da fogueira enquanto a aristocracia reescrevia tais história para se tornarem doces contos de fadas. O plágio ou ressignificação, adaptação, da classe média aristocrática e dos ricos não é mero oportunismo. Os trabalhadores, em termos absolutos, infectam-se com gripe mais do que os ricos, muito mais. Porque somos maioria, mais provável que criemos novos estilos, arte, lutas etc. A preferência da maioria pela música dançante anda junto da busca da alegria. Veja-se que Gonzaga, o primeiro grande artista pop do mundo, escreveu Asa branca, um clássico, cuja letraimagem é triste – mas os acordes usados são os maiores (alegres, altivos, estimuladores) mais um ritmo dançante. Funcionou. Na classe média, usa-se mais acordes menores (mais tristes), ritmo lento, ou acordes incomuns ―sombrios‖ como os diminutos e meio diminutos.
3. A maioria dos artistas vêm das classes trabalhadoras. Ora, a subjetividade, antes, absorve a objetividade para depois, com o trabalho cerebral, objetivar, criar. Isto é o que queremos dizer: o artista tem a realidade como sua matéria-prima, e isso faz seu sucesso, base do; mas, ao ganhar muito dinheiro, muda de bairro, muda de restaurante, muda de amigo (podendo até isolar-se ao redor de sua riqueza), tem prazeres anormais, o que faz com que deixe de ter o material que serve de insumo para si, para sua produção. Aí pode entrar em decadência, talvez viver de renda etc. às vezes, morre a criatividade ou a vontade de criar.
ARTE E SUPERESTRUTURA
Como a arte é em si uma superestrutura (subjetiva), e de enorme centralidade, ente tópico quase é como uma queda em si mesmo, um dobrar-se para dentro de si na arte, na estética. Debatido outros fatores, a base fundamental e o que há ao redor relacionado consigo, vamos ao objeto mais uma vez por outro ângulo necessário.
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ARTE E MORAL A moral, debatemos na Ética marxista, deriva várias superestruturas subjetivas e objetivas: a religiosidade, a política, o direito – e a arte. A arte começa como norte moral, embora não apenas: dança-se ao redor da fogueira para estimular a unidade da tribo. Depois, a arte ganho novas funções e mais autonomia – sua função passa a ser tornar a vida melhor, mais agradável. Até hoje, o cinema de massa foca na vitória moral do bem contra o mal atiço. O foco da arte, erram Aristóteles e Lukács, não é a cartase – esta é meio, não fim em si, das funções artísticas. A cartase, antes, nos individualiza, mais do que nos eleva ao geral,. Ao gênero.
ARTE E INSTITUIÇÃO É raro um artista destacar-se de modo isolado, sem formar um grupo. Muitas vezes, apenas é reconhecido após sua morte, quando deixa de ser um fardo aos vivos. Por outro lado, um poeta isolacionista deve saber que a arte é um ato social, tem função social. Um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. É bom para a comunidade que os artistas desenvolvam relações. Uma das funções de muitas das centrais instituições é ampliar a voz, promover deias. De modo mecânico: as ideias, incluso sentimentos etc., produzem as instituições. A religiosidade cria uma religião etc. Mas o inverso também se apresenta verdadeiro. A institucionalização, por outro lado, cria consensos, que tendem a ser conservadores. Nesses casos, o clubismo é quase inevitável.
INIMITÁVEIS Há três artistas que, por suas simplicidades de estilo, são inimitáveis: Bertolt Brecht (poesia), Rubens Fonseca (prosa, contos) e Paulo Leminski (poesia). Imitá-los é degenerar a arte. Assim, eles são únicos e únicos exemplares da espécie. A obviedade clara dos poemas críticos do primeiro é inigualável e o século XX tinha a obrigação de criar um poeta capaz de dizer aquilo de modo popular ao extremo.
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PERFIL DO ARTISTA E DO ESPECTADOR - PSIQUE Lukács diz que a arte tem unidade de sujeito, artista, e objeto, a obra. O fato é que o interno, sendo também seu oposto, se externaliza: um bom artista, disciplinado, produz uma boa arte, diferente do desleixado, que faz uma arte desleixada. É comum que o artista faça aquilo que ele não é, o oposto de sua personalidade pública e formal. O tímido crônico escreve humor (Luís Fernando Veríssimo), o conservador escreve sobre traição e degeneração moral (Nelson Rodrigues), o pacífico foca na violência (Rubens Fonseca, Padura). É como se a arte fosse uma forma de expressar o lado reprimido de si, se reprimido for, o não vivido ou mediado. Sequer o poeta necessita falar de si: ele pode ser como um ator que imagina e escreve como sua personagem – o poeta é um fingidor, a poesia nunca necessita ser um desabafo ou algo do tipo. Quanto ao espectador, tenho observado um padrão. Pessoas por demais duras e concretas acessam algo mais sentimental e oposto de si externo por meio da arte abstrata (em principal a música), como se, por sua abstração, não encontrasse resistência em sua psique no fluir artístico; nesse caso, nas artes concretas, preferem a correspondência com seus perfis também concretos. As pessoas mais abstratas preferem ver o oposto de si na arte concreta por onde se realizam – no seu fluir; mas preferem a arte correspondente a si na arte abstrata. Correspondente no sentido de personalidade externa, formal, prática e consciente. Precisam ver materializado o oposto de si no artístico concreto. Exemplos:: certa moça muito doce e calma, além de abstrata, adora filmes (concreto) de terror; um homem duro e bruto, além de concreto, gosta de músicas (abstrato) bregas com pesado conteúdo emocional direto. Promover no indivíduo e na coletividade o ausente e o oposto, além do reprimido – eis uma das grandes forças da arte. Torna-nos, por um instante, completos e inteiros. O filósofo e sociólogo Bourdieu teorizou o carnaval como o antídoto tupiniquim contra ideais autoritárias, pois, ele supõe, toda a parte doentia e animalizada da sociedade poderia ser ali espessa, consumida. O autor desconsidera, assim, a monarquia, o semifacismo de Getúlio Vargas, a escravidão e a ditadura civil-militar nacional, além de Bolsonaro, ou seja, desconsidera informalmente a história. Como se sabe, os brasileiros fetichizam os franceses na mesma proporção em que os franceses fetichizam os brasileiros; na realidade, o contrário: somos festivos, livres, alegres, iguais e amáveis no carnaval porque os não somos no cotidiano e o ―fascismo cultural‖ é uma norma interna, fruto do capitalismo num país atrasado e do passado
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escravista. A festividade é a hora de sermos aquilo que deveríamos ser e gostaríamos de, mas ainda faltante. Vale um extra curioso. Está claro que os diretores Mel Gibson e Quentin Tarantino são sádicos,e não de forma oculta ou para si, que se realizam em suas obras.
OS GRANDES POETAS Cada sistema geral teve seu poeta maior, que expressou sua época de modo ímpar e amplo. Vejamos:
Maior poeta do escravismo: - Homero Maior poeta do feudalismo: - Dante Maior poeta do capitalismo: - até o momento, Fernando Pessoa
O sucesso de tais poetas fora da curva transcende seus tempos imediatos, pois tocam a essência humana, sua generalidade e profundidade. São universais particulares singulares, são atemporais dentro do tempo. É a imanente transcendência imanente. Fernando Pessoa, além de expressar-se de modo quase direto (Livro do Desassossego – por Bernardo Soares) e direto, criou três personagens centrais, cada um com um estilo de escrita e uma personalidade completa própria - Ricardo Reis, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos. Isso é único na história universal. Por meio das suas companhias mentais, ele expressou vários ângulos de nosso tempo, como a velocidade destrutiva da máquina em Álvaro de Campos. Como poeta, embora um não erudito do tipo oficial, eu mesmo quero concorrer ao cargo, ao menos ficar entre os 10 maiores sob o capital. O leitor terá ao final deste livro propostas e exemplos artísticos que me permitem tal megalomania vaidosa (uma forma nova de fazer poemas, além do temário renovado). Mas o autoelogio é sempre um defeito.
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PROPOSTAS ESTÉTICAS – DIALETICISMO
Se o leitor desejar, salte por sobre este subcapítulo. Agora, trataremos de propostas para renovação da arte. Este livro pretende ser base teórica da prática política, mas também artística. É insuficiente apenas criticar; por isso, temos de ir ao positivo. Nossas propostas estão focadas na literatura, área do autor, mas podem ter análogos em outras artes. A vantagem das obras de estética na história é que foram produzidas por gênios – Aristóteles, Kant, Hegel, Lukács etc. Mas o defeito deles é que, em nenhum dos casos, o autor era artista. Lukács, em especial, foi normativo ao pensar o realismo como único caminho digno na arte. O que seria de nós sem o expressionismo, por exemplo? Ele apoia um ou outro artista moderno, mas era contra as vanguardas a priori, embora seus discípulos isso pouco reconheçam. A arte não precisa expor com fidelidade a realidade, ou não precisa expô-la expondo-a. ―Nem só de política vive o Homem.‖ (Trotsky, Questões do modo de vida, 2009) Trotsky tem razão: em matéria de arte, os marxistas são anarquistas – liberdade total, sem limites políticos ou financeiros. Ao mesmo tempo, podemos propor, sem impor, caminhos inspirados no marxismo, sua lógica etc. Somos partes da solução da crise da arte, como parte da crise social, ou deveríamos ser – ou deveremos.
1. Realismo simbolista 1. As escolas opostas podem ter uma fusão. De imediato, soa como conteúdo realista e forma simbolista; mas pode-se ir além, com verdadeira mistura de ambos, mais do que mera justaposição. 2. O cemitério abriga mausoléus e indigentes. 3. Dirá Hegel: nada grandioso no mundo foi feito sem paixão. Portanto, o novo cientificismo afirma a emoção. O cosmos é poético, deslumbrante! 4. Infelicidade e fanatismo na era do conhecimento subatômico!
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2. Cartas 1. As extintas cartas devem ser postas como variação nova da prosa quando ficcionais ou discursivas. 2. As cartas permitem romper com o tecido espaço-tempo, objetivo e subjetivo, da prosa, como com o pensamento sem extensão. A escola experimentalista usa, muitas vezes respeitando o conteúdo, ―modelos‖ como obituários, diários etc. A carta, por outro, tem a vantagem de ser geral, universal como formato.
3. Soneto novo A arte poética cindiu-se entre o poema de forma fixa e o poema de forma livre. No entanto, há o caminho do meio. O primeiro modelo proposto são poemas que seguem a seguinte formatação: curta estrofe de apresentação, estrofes de desenvolvimento, estrofe de transição em que os versos são ―quebrados‖ para induzir à leitura ininterrupta, estrofe final com chave de ouro. Chamo-lhes soneto novo. A segunda proposta é, em termos hegelianos, conhecida, mas não reconhecida; nomeio-o refrão – estrofes livres entremeadas por refrãos, versos repetidos etc. Também pertence à forma fusionada, por assim dizer, de rigidez livre como a escada rolante que é, ao mesmo tempo, firme e flexível. O leitor perceberá a forma interna no informe externo, o necessário no contingente. Os poetas têm o desafio de utilizar o acúmulo histórico das escolas literárias para criar ―modelos‖ novos. Vejamos exemplo prático de soneto novo:
Existem borboletas Cujo sonho é cair
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Borboletas suicidas
Muitas delas coloridas Tropicais
Exclamações melancólicas Pairando Paradas no firmamento Branco e azul
Urubus florais Cemitérios flutuantes
Em confronto contra Os ventos Pois a aerodinâmica Da vida No tempo do Abate Fortalece para Matar
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Matar-se-ão Multicolores e ondulantes fragmentos acima do cinza
4. Conteudismo I O foco no conteúdo pode levar à redução da forma e da matéria na arte, em nome do conteúdo. A incompletude, o dito sem dizer, o sugerido, o vazio auxiliar. Na poesia, o uso de apóstrofos, abreviações etc. Devemos também ―atualizar‖ a gramática segundo o conteúdo. Além disso, devemos explorar a duplicidade das palavras e sentidos ao máximo. Se bem utilizados, vícios de linguagem podem ser, por igual, úteis.
5. Conteudismo II Temos a grande história da arte ao nosso favor. A regra conteudista é ter à sua disposição todos os recursos possíveis para a forma expressar bem o conteúdo. Se o poema é sobre forma, logo usamos métrica fixa; se é sobre o caos, logo os versos são caóticos.
6. Fusão de gêneros Shakespeare colocou doses de humor no drama, fazendo escola até nossos dias. Por outro lado, a vida é pluralidade, não unilateral. Logo, numa obra, podemos somar todos os caminhos: o humor, o drama, o terror, o policial etc. Uma das qualidades possíveis de tais obras é o fluir natural, não forçado, de algo ao outro, como do humor para o drama, além de fundi-los.
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7. Tempo verbal A literatura pode usar o tempo verbal futuro para contar uma história, como uma previsão. Isso permite um narrador vidente ou profeta.
8. O espaço Deve-se afirmar, contra o fragmentário pós-moderno, a construção sistemática de uma obra. O poema está naquela página do livro porque aquele é, de fato, seu lugar segundo a estrutura, o conteúdo e o desenvolvimento. As pinturas, por exemplo, devem estar ligadas umas às outras.
9. Nova ficção científica O procedimento é simular um tratado científico ou algo semelhante. Temos uma tese clara, em geral exposta ao leitor, então fazemos ―estudo de caso‖, argumentos, ―provas‖ para aquela ideia. Ou a hipótese procura os ―dados‖ ou estes desaguam numa conclusão. É científica, mas ficcional. O realismo e o naturalismo também demonstravam algum argumento; porém aqui somos muito mais diretos, mais ―científicos‖. Na poesia, temos o poema-tese. No cinema, podemos fazer falsos documentários, mas com inspiração real científica, como da vida em outro planeta, técnica hoje usada porcamente por pseudociência.
10. Crônica É hora de fazemos crônica para o futuro, destinado aos historiadores de amanhã. Em tais textos, procuramos escrever sobre o que é invisível para nós, do cotidiano ignorado, tentando adivinhar o que de nosso cotidiano é anormal ao cidadão do comunismo. Os cachorros donos da rua, os comércios típicos da esquina etc. Ao leitor hoje, o susto daquilo óbvio, mas esquecido, o atrai – o que parece natural, não o é. A tarefa de elevar o estilo crônica ao nível de alta literatura se dá de três modos: 1) trabalhar com de dedicação a forma, preencher de poesia; 2) conteúdo profundo, o presente passado do suturo; 3) temário relevante, o visível, porque visível, invisível.
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1. Crônica científica Tal estilo já existe de modo embrionário e inconsciente. A arte ―menor‖ da crônica – por exigir menos esforço – pode ser elevada por meio da união de base teórica, jornalismo e literatura. Guiado por um eixo teórico, escreve-se um uma crônica sobre o real, mesmo cotidiano, de maneira poética e estilística.
2. Antiode O antiode é o oposto do ode em conteúdo, pois é dura crítica, e o oposto da sátira na forma, pois não foca, por exemplo, no humor. O precursor de tal tipo de poesia foi João Cabral de Melo Neto com um poema de mesmo nome.
3. Minimanifesto da poesia conjuntural A poesia conjuntural agarra-se à notícia em destaque da semana, adapta seu fazer poético à historicidade de curta duração do jornal de ontem e de amanhã. Fazer poema demora – e é difícil. Para burlar os limites poéticos, usamos, para impor musicalidade, as rimas fáceis e desprezamos, em princípio, o trabalho de métrica. A poesia conjuntural é irmã da charge no jornal impresso ou na internet. Abusa dos trocadilhos, do humor, da sátira, da caricatura, das frases de efeito, das aliterações rápidas, dos jogos com as palavras, da repetição. Para nossa sorte, os fatos mais importantes duram algumas semanas junto à chamada opinião pública. É possível, assim, produzir poemas descartáveis de qualidade. A poesia conjuntural é realismo puro, velocidade e quase improviso. Que o poema esclareça! Que o poema exija!
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Que o poema denuncie! Que o poema seja palavras de ordem! Que o poema provoque risos desalmados e raivas repentinas!
4. Poesia filosófica sistemática Deve-se resgatar o hábito dos filósofos antigos de escrever suas ideias em versos. Mais uma vez, a forma deve impulsionar a expressão do conteúdo. A linguagem poética, em sua deformação da linguagem comum, ajuda a expressar. Mas os poemas têm seu lugar, sua hora, por isso o livro poético filosófico é sistemático, há um desenvolvimento das ideias ou um nexo geral entre elas.
5. Poema quase fixo, quase livre Pode-se fazer poemas com rima e metrificação dada, mas, aqui e ali, como em nome do conteúdo, quebrar os versos aonde a frase também quebra-se, um verso final de tamanho incomum. Vale a criatividade. Um exemplo é fazer estrofes de igual quantidade de versos, ou quase sempre, em que a métrica do primeiro verso da primeira estrofe tem a mesma metrificação do primeiro verso da segunda estrofe, o segundo verso da primeira e da segunda estrofe com a mesma métrica etc. De minha experiência, soa bem tal método, que funde livridade e fixidez.
6. Por uma – Nova Bossa A música brasileira focou muito na voz e na letra, tantas vezes de maneira genial, em parte por herança medieval dos trovadores. Mas isso deve ser suprassumido, mantido como conquista e ao mesmo tempo superado. Os instrumentos, por aqui, o violão em especial, tornam-se passivos, um acompanhamento, apenas por detrás da poesia cantada. Nossas propostas, portanto, são: a) Fazer no violão algo similar às frases do baixo.
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b) Apostar nas variedades de dedilhado. c) Como no rock internacional, usar bastante riffs durante a cantoria, não apenas nas introduções. d) Ritmo dançante. Isso merece justificativa. Quando a música se afasta da dança, degenera em classe média. Os trabalhadores manuais gostam de movimento; os intelectuais, de reflexão, de inércia. Por isso, um dos motivos do samba entrar em decadência, ao querer agradar paladares eruditos e semi. A MPB deve, logo, voltar a ser popular, retomar a dança – dançar é preciso. e) Muitos solos na canção. Nossos grandes músicos aproveitam pouco a melodia, a escala, o improviso de solo. O violão deve ser ativo. f) Quebra repentina do tempo e da intensidade, sem ou quase sem transições. Isso alerta o ouvinte, energiza-o. E é algo incomum na nossa música. g) Aproximar-se, de modo indireto, dos power acordes (tônica e quinta, tônica e terça, tônica e quinta com terça etc.). h) Não estrutura da letra. Uma letra estruturada – tipo: estrofe, estrofe, estribilho, refrão, estrofe, estribilho, refrão – já nada tem de novidade, espera-se, cansa o espectador. Uma letra sem norte formal, embora não improvisada, causa o inesperado, uma nova e boa sensação. Pode-se, por exemplo, fazer apenas uma letra longa, depois um estribilho e depois um refrão longo e final. Algo semelhante fazer com os versos e sequência de acordes. i) ―Faça você mesmo!‖ Nossos novos artistas são de alto nível técnico, mas comportados, não ousados – desconfiase que a qualidade técnica deriva do medo de ser rejeitado, por querer agradar. O princípio do punk, incluso os três ou quatro acordes, deve ser levado à MPB.
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j) Temos tristes produzem artistas tristes – porém a rebeldia é afirmar a alegria. A onda de MPB melancólico, com seus acordes diminutos e menores, pode ser superada, ainda que mantida na Nova Bossa. k) Levar à sério o visual, no palco enquanto teatro e nos clips. l) Músicas muito maiores do que a média ou menores, pequenas pílulas. m) Sistema de violões. O violão conquistou seu espaço assim como o ouro enquanto dinheiro. O ouro tornou-se o meio comercial porque era fácil de dividir e unir, porque era imperecível, porque guardava muito valor em pequenas quantidades. O violão tornou-se central, pois: 1) permite cantar, 2) permite solar, 3) permite fazer acordes, 4) permite tocar em alturas baixa, média e alta; 5) permite diferentes volumes; 6) permite fácil transporte; 7) seu som é especialmente agradável; 8) seu aprendizado mecânico é intuitivo; 9) relativamente barato; 10) fácil de consertar; 11) permite uma nota de ―baixo‖ auxiliar, uma tônica; 12) permite dedilhado; 13) oferece recursos únicos especiais; 14) preenche bem o cenário com seu som. O cavaquinho e a viola, além de outros similares, estão para o violão, e próximos, como a prata está para o ouro. O sistema de violões pode ser uma boa meta de um grupo musical. Nomeio tal projeto, ainda que apenas experimental de início, ―Nova Bossa‖ em oposição e homenagem à Bossa Nova. O músico Phill Veras, por exemplo, antecipa nossas propostas de modo belíssimo.
7. Frasismo Há, hoje, pseudopoetas e pseodopoemas. Isso não é apenas crítica negativa; na verdade, muitos praticam uma are nobre, embora desprezada – o frasismo, a elaboração de frases. Por não ter cultura, o falso poeta faz uma falsa poesia quebrando uma frase ao meio para parecer um verso, um poema. Soma-se a isso rimas fáceis e trocadilhos fracos. Mas podemos fazer um frasismo positivo para nossa épica com as seguintes características:
1. Duplo sentido
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2. Sentido intenso, concentrado 3. Jogos de palavras 4. Subverter clichês 5. Sugestão 6. Jogos de linguagem 7. Nova gramática parcial 8. Palavras atuais, não ―poéticas‖ 9. Foco na leitura, não na oralidade
Vejamos um poema frasista, um poema programático:
Rejeite as frases de efeito Rejeite os poeminhas fofos Rejeite os toscos trocadilhos Rejeite as risíveis rimas
Desconfie-das Desconfie-dos
O princípio é o princípio O fim é o fim
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O meio é o meio
Criamos jogos Agora jogos nos criam
Infelicidade e fanatismo na era Do conhecimento subatômico
Antes mal acompanhado do que só
Nascido no tempo errado Minha época é amanhã
Mas é Mais – Mais é Mas
Pois a poesia é a dimensão quarta Da matéria
Concreto tornam-se os que habitam A selva de
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Des – ou – cansa As ruas do mundo estão todas vazias
Unir o inútil ao desagradável Já que o afeto nos afeta
Todas as dores do mundo Doem mais entre os nossos
Tal como a vida A Morte tem – menos ou mais – 3, 6 bilhões de anos
Os suicidas têm razão
Aqui em Israel – Palestina – até as palavras explodem
Menos que a sombra da sombra
Uma bala instalada no cérebro de um burguês Equivale a 1000 poemas
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A sabedoria da angústia
Antivírus
Quase todas as características do frasismo novo estão em tais frases quebradas, versos. A arte nobre pode ressurgir com dignidade.
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PARTE 5 CRISE
SISTÊMICA
ORGANIZAÇÕES)
E
SUPERESTRUTURA
OBJETIVA
(INSTITUIÇÕES,
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CRISE DA FAMÍLIA MONOGÂMICA
―Pois o nome político do amor não é outro senão socialismo.‖ Frei Betto ―A medida de amar é amar sem medida.‖ Santo Agostinho
Além da inspiração evidente em Engels, este capítulo quase que repete de todo, embora chegue a conclusões diferentes e socialistas, o pensamento da grande sexóloga e psicanalista Regina Navarro Lins; ela recebe menos atenção da parte dos marxistas, ligados aos clássicos e limitados pela literatura estrangeira, do que o merecido por suas elaborações. Sua observação de que o amor romântico está em decadência e há uma substituição progressiva, ainda que lenta, por novas formas de amar é uma importante contribuição, pois demonstra que a instituição família nuclear burguesa está em crise e pode ser substituída por outra família com traços comunitários.
O AMOR CONTRA O CASAMENTO Afirma-se que o amor é social, mas podemos demonstrar, ao contrário, que o amor é, de fato, natural socialmente modificado ou, em principal, reprimido na história. Aliás, tal sentimento foi condenado na prática até recentemente, até a década de 1940, por mais que embelezasse obras de arte. Vejamos um exemplo. Manteve-se viva uma lenda dos índios do Piauí que trata do amor de um índio e uma índia de tribos diferentes; eles se conheceram por acaso, amaram-se e, por causa de tal amor, foram amaldiçoados: um transforma-se em pássaro durante o dia e o outro se transforma em onça durante a noite de modo que eles nunca se reencontram… A partir de nossa mentalidade, do ponto de vista que valoriza o amor, é estranho o resultado desta lição de moral indígena em forma mitológica. É o tipo de estória que demonstra: 1) o amor é natural e 2) foi socialmente negado. Entre os bonobos, espécie mais próxima dos humanos, a fêmea fica meio distante, em rejeição, dos membros do bando quando entra na puberdade e, logo mais, afasta-se para entrar em outro grupo, onde se reproduz104. Esse tipo de atitude tem valor biológico, pois aumenta a 104
Num filme típico de romance, observei a cena final de um quase casamento da protagonista com o próprio primo, que discursou, causando anticlímax, o fato de se conhecerem desde sempre, cresceram juntos, etc. até que o amor real, recém-conhecido, aparece e salva a noiva do desastre.
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variedade genética. Vemos que é uma tendência como no caso lendário dos índios e que os valores sociais podem negar ao máximo a mesma força natural (xenofobia, etc.). A história de Romeu e Julieta serve-nos também de exemplo. É uma lição de moral: seguir os impulsos juvenis, amar alguém de uma família outra e adversária, contra a sabedoria racional dos mais velhos, leva à morte, ao desastre. A ideia de que o clássico do teatro ocidental é algo romântico trata-se uma releitura posterior, sob novos olhares105. O texto de William Shakespeare já mostrava uma forte tendência social ao amor individual sexual (por urbanização, etc.) ao mesmo tempo em que mediava com a condenação de sua prática, ou seja, o sucesso ficcional da tragédia expressava um conflito real. Há aí uma contradição entre o homem natural e o homem social, contradição esta que, existente sob diferentes aspectos, será resolvida pelo comunismo, em uma nova relação ainda dinâmica entre os dois polos. Como afirmamos, apenas na década de 1940 o casamento por amor tornou-se prática social comum, aceitável. As críticas sociais do início do século, sob uma base social que se alterava (urbanização, trabalho feminino, etc.), e o fato de as tradições levarem a duas grandes guerras, impulsionaram a uma renovação dos hábitos. Antes, o casamento era de caráter financeiro ou formal, onde o amor ficava fora da equação social em si. Agora, o casamento envolve sentimento mútuo, e isso é – e merece máximo destaque – uma bomba de efeito retardado sobre a instituição familiar atual. Como os sentimentos não são eternos, a base emocional da união do casal pode, e frequentemente irá, ser desmanchada com o passar dos anos, ou seja, o fim do amor sexual pede o fim do casamento, o direito de separação. Enquanto o casório aconteceu por motivos sociais ―racionais‖, ele não entrou em crise, diferente de hoje. Como quase tudo que surge negando o velho e surgindo dele, há um período de transição. Entre o antigo casamento econômico e o amor antifamília tradicional do futuro, há a mediação da busca da realização total e plena por meio da união amorosa, por meio do casamento – o amor romântico. Isso gera uma enorme frustração, uma contradição na vida dos casais. O amar é a negação da rotina enquanto a vida de casal é a rotina completa, por exemplo. Os fatores da crise da família monogâmica serão melhor debatidos a seguir. Até aqui, ficamos com estas observações.
105
Tomo tal conclusão de uma palestra do historiador Leandro Karnal, que, por sua vez, cita de Michel Foucault. Este registro visa evitar plágio.
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PÍLULA ANTICONCEPCIONAL E OUTRAS MERCADORIAS O desenvolvimento tecnológico é também o desenvolvimento de mercadorias cujos valores de uso possam tornar mais fácil certas tarefas. Em A Revolução Traída, Trotsky afirma que o Estado soviético fez em seus primeiros anos o possível para coletivizar as tarefas domésticas, contra a opressão das mulheres, mas, por exemplo, diante de roupas rasgadas e mal lavadas vindas das lavanderias públicas, baseadas ainda no trabalho manual, os cidadãos passaram a preferir o retorno à atividade doméstica. Hoje, com a máquina de lavar, este problema pode, enfim, ser facilmente resolvido por lavanderias públicas, gratuitas e de qualidade. O desenvolvimento técnico atual permite liberar o tempo das mulheres em relação aos cuidados com a casa. Mas muito mais. Para dar profundidade às mudanças em curso, preferimos citar de modo direto Regina Navarro Lins:
A pílula anticoncepcional é a principal responsável pela mudança radical de comportamento amoroso e sexual observada a partir dos anos 1960. O sexo foi definitivamente dissociado da procriação e aliado ao prazer. A mulher se liberta da angústia da maternidade indesejada e passa a reivindicar o direito de fazer do seu corpo o que bem quiser. O sistema patriarcal entre nós há 5 mil anos, que se apoiou na divisão sexual das tarefas e no controle da fecundidade da mulher – uma mulher tinha quantos filhos o homem quisesse, passando grande parte da vida grávida –, recebe assim um golpe fatal e começa a entrar em declínio. A mulher, a partir de então, passa a ter a possibilidade de não só dividir o poder econômico com o homem, como ter filhos se quiser e quando quiser. As fronteiras entre o masculino e o feminino começam a se dissolver – nada mais interessa ao homem que não interesse à mulher e vice-versa –, atenuando a distinção entre eles, o que é uma precondição para uma sociedade de parceria entre homens e mulheres. (Lins, 2012, p. 216)
É conhecida a relação entre opressão das mulheres e propriedade privada. Quando o homem passou a cultivar e cuidar do gado, dando início ao processo de propriedade privada, percebeu que os machos também influem na capacidade das mulheres de ter filhos. Para controlar quem herdará os seus bens, a sexualidade feminina, e toda sua vida, passa a ser controlada. É isso que entra em crise em nossa época.
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Regina Navarro Lins (2012) complementa que o automóvel e o telefone foram duas ―ferramentas‖ que facilitaram o encontro livre no século XX. Hoje, observamos com facilidade que a vida sexual pode ser mais plena, mais rica, menos ―fiel‖ (contribuindo para a crise do casamento e da monogamia), por causa da internet – isso tem um valor especial para as mulheres já que os homens sempre foram poligâmicos. A família monogâmica burguesa é atacada por todos os lados. A entrada da força de trabalho feminina é outro destaque que corrói a família monogâmica burguesa. A primeira revolução industrial coloca as mulheres nas fábricas, dando-lhe renda própria e, logo, alguma autonomia. De lá para cá, houve avanços e recuos da participação da mulher no trabalho não domiciliar, porém a tendência do capital se impõe e já são as mulheres uma parte do ―mundo trabalhista‖ indispensável. Ao lado desses fatores,
Somem-se as crescentes dificuldades para impor a fidelidade feminina em uma sociedade que está se urbanizando, no qual os contatos sociais vão se tornando cada vez mais frequentes, e na qual, ainda, a abundância possibilita e requer o desenvolvimento (afetivo e racional, lembremos) das pessoas. (Lessa, Abaixo a família monogâmica!, 2012, p. 71)
Como observamos em outro capítulo, a tendência no socialismo é que se formarão grandes bairros com seus próprios centros, onde tarefas sociais serão guiadas, como a educação comum das crianças. Serão formas coletivas – como, provavelmente, restaurantes públicos, etc. – de socializar as tarefas nas quais as mulheres efetuam hoje sua segunda jornada de trabalho.
A NATUREZA DO CIÚME Neste ponto, destacamos o debate sobre se o ciúme é natural ou, ao contrário, social, cultural, condicionado. A resposta desta questão tem consequências práticas para os destinos e as ações de convívio. De imediato, a tese culturalista (idealista) deve ser descartada, pois nenhum tipo de sentimento perdura artificialmente, por mera insistente educação, sem que seja sustentada e estimulada pela própria realidade objetiva (social ou natural). O efeito da cultura, por isso, nada
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é de primário ou primeiro e é, portanto, secundário, resultado e reforço de uma base que está para além de si. Na tese natural, podemos observar espécies de libélula, onde o macho, após copular, vigia a fêmea para garantir que ela não copule com outros machos; mas isso nada significa, por analogia forçada, que seja o mesmo caso entre humanos. O ciúme é, em primeiro lugar, visto de imediato, algo de fato natural em nossa espécie, e nas demais quando ocorre, porque se trata de um processo físico-químico e biológico, corporal, cerebral. Mas a pura natureza acaba aí. Essencialmente, o ciúme, ao menos entre nós, deriva não de um fato em si mesmo, mas de um contexto – assim, algo social, ambiental. Porque há escassez emocional, relacional, há ciúme romântico. Se todos nós tivéssemos o costume, porque a realidade assim o confirma regularmente, de nos sentirmos desejados, amados, com um ―colchão social‖, etc.; se o medo de perder o amado fosse baixo na medida em que logo encontraremos outro ou teremos, ao menos, certa rede de amizade e vida social bem estabelecida, etc. se, dito de outro modo, tivéssemos a sociabilidade íntima bem desenvolvida típica do socialismo – então, só então, nesta abundância afetiva, além de também e necessariamente material, o ciúme amoroso será algo inexistente ou, quando muito, marginal. O ciúme sexual não existiu em tribos matriarcais ou não monogâmicas porque a comunidade cuidava dos filhos, porque não havia herança, porque a solidão social (e sexual) era baixa, etc. Nesse sentido, mesmo se for algo inteiramente natural, refutando a posição aqui apresentada 106, 106
Ao que parece, análogo à teoria do fetiche de Marx, quando algo social aparece como natural, fenômenos aparentemente de todo naturais são, na verdade, relacionais. Vejamos um exemplo. Nossos ancestrais primatas viviam em ambiente abertos de savanas, o que facilitava ver os predadores (especialmente quando em posição ereta); hoje, quando obtemos um terreno, capinamos seu entorno, diminuímos o mato em volta da casa, semelhante ao como nas antigas savanas – isso parece uma forte repetição, um padrão, indicando algo natural, quem sabe genético, na nossa forma de lidar com o entorno, o espaço. No entanto, há algo aí, na verdade, relacional, do perfil humano com o perfil do ambiente, da interação de ambos, da forma de reação, semelhante ao com nossos ancestrais evolutivos. Tanto nós como nossos ancestrais preferem ambientes com água próxima, como nossos riachos e piscinas sempre que possível nas chácaras e sítios, por uma questão prática, relacional, corporal e ambiental. Evitando negar que existam efeitos genéticos sobre a psique e sobre o comportamento, vejamos um exemplo outro. Tanto entre os homens primitivos, que viviam em bandos nômades, como entre os homens atuais temos um limite de, mais ou menos, 50 pessoas próximas realmente de nós. Isso pode parecer genético, já que se repete antes e agora, uma herança de tais tribos, mas é um limite numérico prático, da capacidade real de ligação com outros, relacional. A ciência comum caiu na armadilha do fetiche. O que é relacional aparece como individual ou coisal. O que é fruto de condições, aparece como independente. Respeita-se por demais a empiria, que muitas vezes esconde e engana. Marx diz que há certa metafísica real no fetiche da mercadoria, ou
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tal tipo de sentimento pode ser severamente reduzido, sem nenhum peso que hoje tem, pela forma de autocomposição da sociedade. Um cachorro criado preso dentro de uma casa e totalmente dependente para sua sobrevivência e afetividade será imensamente mais ciumento em relação a outro que pode sair quando quer, convive em grupo com outros de sua espécie, tem alimentação fácil, etc. Pensamos ter medido bem o peso daquilo que é natural e social no ciúme romântico, entre fato e contexto. Portanto, o corrosivo sentimento nunca acabará por uma tomada de consciência (embora tenha sua importância), por instalação forçada de relações amorosas mais livres, etc. Augustos dos Anjos, combinando naturalismo e expressionismo, afirmou: ―O Homem, que, nesta terra miserável,/Mora entre feras, sente inevitável/Necessidade de também ser fera.‖ (Anjos, 2002, p. 103) Porém esqueceu de poetizar, junto, aquela selva que faz tais feras ferozes, se mantemos a metáfora. Tentemos resolver, agora, outra oposição.
MATRIARCALISMO OU PATRIARCALISMO? Os períodos de transição possuem suas formas claro-escuro, suas mediações negativas. O isolamento social da alta urbanidade leva a uma dependência emocional dos pais em relação aos filhos, o que pode significar a repressão constante para controle ou a manipulação dos infantes (a opressão sobre os jovens costuma ser pouco destacada). Mas, por outro lado, pode levar ao ―rei bebê‖ mimado, ou seja, certa submissão paternal, algo de nossa época. Assim também, as mulheres podem liderar relacionamentos abusivos contras seus parceiros, acontecimento impossível em outros momentos históricos. São fenômenos transitórios, logo substituídos com o revolucionamento social quando e se o socialismo vencer. As sociedades primitivas foram matriarcais, sem opressão dos homens, a diferença dos iguais depois se transformou em oposição e, em seguida, em contradição entre os sexos com o patriarcalismo. Agora, podemos encontrar
seja, o valor parecer uma propriedade natural e da coisa quando é, na verdade, social. Seu amigo Engels tomou nota pessoal de que a metafísica foca nas coisas; a Dialética, nos processos. Ora, melhor se ambos! Mas o processo é o dominante. Temos a ciência fetichista. O materialismo, percebeu Lukács, é muito mais do que apenas coisas ou objetos – inclui processos, condições etc. O erro oposto é pensar que tudo é diretamente relacional, nada é em si. Na economia, pensa-se que o valor surge na circulação de mercadorias, na relação entre elas, não na produção. Pensa-se que o dinheiro deriva de uma escolha racional, logo relacional, não uma imposição material. O marxismo vulgar pensa que tudo é construção social, como se não houvesse biologia e genética também entre os homens.
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nova unidade com o fim da dominação sexual de qualquer tipo, com uma comunhão civilizada dos homens, mulheres e crianças. A separação tornou-se um processo comum e aceitável, até desejável, apesar das disputas por propriedade (aspecto esperado sob relações capitalistas). É possível ter vários namorados durante a vida, há o ―ficar‖ por apenas um dia, temos o ―juntar-se‖ sem casamento, ocorrem festas especiais de separação, etc. Neste aspecto, o mundo mudou para melhor (aqui, contrariamos o típico modo operante dos comunistas que pensam de forma negativa sobre tudo, veem apenas crise e derrota); se as características vigentes não alcançam as vanguardas da revolução sexual dos anos 1960, há que reforçar que eram apenas vanguardas, não fenômenos de massa como hoje. Claro, nem tudo está garantido, pois é uma época de transição que pode trazer resultados positivos ou negativos (novo fanatismo religioso durante a decadência sistêmica final, etc.). Neste tempo, os homens vivem esta fase de diferentes formas, incluso com violência contra a mulher: o feminicídio tende a ter novas causas, como a insegurança do homem machista em relação à maior libertação feminina da parceira107. Surge a questão sobre como serão as relações de amor no socialismo avançado. Para tal tentativa de prever, combinamos afirmações de Lessa (2012) e Lins (2012): de um lado, 107
Descobrimos a unidade, interpenetração e contradição dos opostos no córtex subcortical, responsável tanto pelo sexo quanto pela agressão. O exemplo destacado, a natureza dupla de tal parte do cérebro, resolve uma polêmica (há vários aspectos semelhantes no cérebro, como adrenalina servir ou para o confronto ou, o oposto, para a fuga). No debate sobre as opressões, o setor pós-moderno destaca que o estupro é uma questão de poder e domínio masculinos (com empiria de casos absurdos, como quando um homem impotente usa um pedaço de madeira para violar uma mulher etc.) e, na outra ponta argumentativa, o biologismo destaca a necessidade de satisfazer as pulsões (com outros dados empíricos, como a redução de estupros onde surgem casas de prostituição); nesta outra consideração da psique humana, que ademais inclui o aspecto físico do cérebro, percebemos que a exclusão mútua de ambas as teses tem uma base comum, uma unidade, que encerra as concepções opostas. É tanto uma questão de poder, cuja base é a violência, quanto uma questão sexual e ambos, pela tensão causada pela demora em satisfazer-se, misturam-se, interpenetram-se. A partir daí, façamos alguns complementos. Lacan afirma que o sexo tem algo de violência, o que é explicado materialmente por esta observação. O lema “faça amor, não faça guerra” expressa inconscientemente esta relação dialética (Em A Interpretação dos Sonhos, Freud diz da expressão “nem nos meus piores sonhos eu desejaria isso”, sendo o sonho a realização fantasiosa de um desejo, que demonstra certo “platonismo”, não saber que sabe, no conhecimento da psique). O tipo Incel, celibatário involuntário, ao concentrar energia libidinal em excesso, tem raiva do sexo oposto, origem de seu desejo sexual. Vale o destaque de que os chimpanzés e os bonobos são os seres mais próximos geneticamente dos humanos; os primeiros usam a violência como meio de poder, sendo patriarcais, e os segundos, o sexo, sendo matriarcais (a origem é que o ancestral comum a ambos dividiu-se em um local onde havia pouca disputa de recursos e abundância enquanto no outro local, separado do primeiro por um rio, faltavam recursos e havia disputa com os gorilas por alimentos). Regina Navarro afirma que usamos o mundo sexual nos xingamentos, nessa violência verbal; para ela, isso é preconceito; para nós, isso deriva, também, da unidade cerebral.
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satisfaremos a necessidade de afeto com relações estáveis temporárias com um ou mais parceiros; de outro, ao mesmo tempo, a pulsão sexual é permanente e não dirigida a apenas um único amante, logo teremos a liberdade sexual, sexo casual, longe de ciúmes, controles sobre o amado, etc. Deste modo, serão superadas as angústias dos relacionamentos de nossa época. Ao a sociedade socialista oferecer tempo livre, estabilidade financeira, vida social plena, coletivização de atividades domésticas, etc. a família deixará de ser uma ficção idealizada tal como é hoje ou uma fonte de traumas. Os pais terão como enfim acompanhar o desenvolvimento dos filhos, as uniões estáveis temporárias deixarão de ter aquela pequena guerra civil entre quatro paredes. De certa forma, a luta pelo socialismo também é a luta em defesa da família, de uma nova. O movimento progressivo afirma, com razão, a igualdade de homens e mulheres. Quando o machismo e outras opressões forem superados no comunismo, veremos ainda mais identidade entre os sexos, mais semelhanças – mas há, de fato, diferenças no idêntico oposto. Por biologia, a mulher tem uma leve tendência maior ao cuidado; os homens têm fibras musculares mais fortes (com o maquinismo atual, uma característica muito secundária) e um pouco maior apresso pelo risco. Somos iguais, apesar e com as diferenças inevitáveis, naturais. Isso exige a dialética da unidade e da identidade dos opostos, que algo é idêntico a si próprio e seu oposto, a identidade na diferença. Além do mais, podemos ir para além das tendências naturais, nunca são barreiras intransponíveis. Há mais homens na física porque, em primeiro lugar, há machismo, mesmo que exista uma tendência relativa para outras ciências entre mulheres (psicologia, medicina etc.). Quando a dominação do homem sobre o homem acabar, poderemos medir bem o que era social e o que é uma tendência não determinística natural. Há um debate no marxismo: a tarefa não é dar cargos no poder às mulheres, mas destruir o cargo e o poder inevitavelmente machistas, mesmo se liderados por uma mulher. Isso tem muita razão, mas é parcial. Nosso cérebro também funciona por padrões, por naturalizar repetições, assim como um programa-robô pensa, por padrão, que ser executivo é igual a homem branco. A presença de mulheres e negros em cargos de destaque onde antes era incomum educa bem as novas gerações, produz uma nova naturalização por padrão. Isso é contraditório: uma mulher dona de fábrica é uma inimiga, e machista por negar às funcionárias creches e licença maternidade de 1 ano; mas tem um traço positivo, embora menor. O machismo apenas acabará com o fim do capitalismo, mas temos essas mediações complicadas no meio, falsas e verdadeiras ao mesmo tempo.
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ORIGEM DA HOMOSSEXUALIDADE Há três grandes teses causais sobre a origem da homoafetividade: 1) no fluxo hormonal durante a gestação; 2) genética; 3) falta de satisfação sexual heterossexual (veja-se que há cobras que se tornam travestis, mudam de cheiro para atrair machos, quando falham na meta de copulação). O erro é considerar apenas uma causa, unicausal, quando o mesmo efeito pode ter diferentes, até opostas, causas – como penso ser este o caso: todas ou quase todas corretas, ambas presentes na realidade108. Engels, um defensor voraz da libertação das mulheres, cometeu o erro der ser homofóbico, embora nenhuma campanha contra tenha feito em público. Ele afirmou que a decadência de sociedades correspondeu ao aumento de hábitos sexuais ―antinaturais‖. Ora, pelo menos em nossa sociedade decadente, isso tem alguma verdade porque a alta solidão, a fragmentação dos homens, estimula a causa número 3. Ademais, o começo da 108
Isso nos dá uma deixa teórica. A obra de Engels Origem da família, da propriedade privada e do Estado deve ser reescrita, atualizada; mas a base e as conclusões continuam válidas, confirmadas pelo avanço científico. Por exemplo, teoriza-se que, com a urbanização, com a vida sedentária, iniciou-se a monogamia para evitar doenças sexuais, antes incomuns. Ora, as diferentes causas amadurecem mais ou menos juntas porque possuem uma causa comum, uma estrutura e um processo. Porque desenvolvemos a agricultura e a pecuária, além da formação das classes, precisouse da subordinação das mulheres e da família monogâmica por questões de adoecimento sexual, para controlar a origem dos filhos, para manter a propriedade privada etc. As novas descobertas aprofundam as conclusões de Engels. O erro seria, portanto, a concepção unicausal ou deixar de avançar para a causa comum das diferentes causas. Há ainda a contribuição de Freud. Outras causas da homossexualidade são: 1) nascemos todos bissexuais, logo somos isso em alguma, e móvel, medida; 2) o narcisismo de tipo exacerbado por ter como consequência a homossexualidade, como o amor por um igual a si; 3) o complexo de édipo*, que não é uma doença, pode se "mal“ elaborado, como com excesso de repressão do desejo pela mãe ou pai. * Deve-se considerar o inverso, no adulto, do complexo de Édipo, o complexo de Cronos, como nomeio. A experiência edipiana está guardada dentro do individuo adulto, não ficou apenas na infância, e a revive em nova posição quando lidera uma família. O pai oprime o filho ao disputar o amor da esposa-mãe; a mãe oprime a filha ao disputar o amor do esposo-pai. Isso se dá de modo inconsciente e com certo grau de consciência. Mas costuma-se focar apenas na “birra” dos jovens em suas oposições contra os familiares. Quando a criança ganha forma corporal mais autônoma, começa a intensificação da disputa. Temos o pai que sempre diminui o filho, mas diz que é para seu próprio bem; temos a mãe que, perdendo a beleza com a idade, inveja a saúde corpórea da filha, então a oprime. O pai desenvolve carinho especial pela filha; a mãe, pelo filho; há casos extremos como o lado doentio de um pai que controla por demais a vida amorosa da filha, como com casos de assassinatos, ou pedofilia. Os casos empíricos são muitos e de diversos tipos. Os contos de fadas também tratam desse tipo de exagero no Complexo de Cronos (destaca-se, por ex., a versão nova de Rapunzel, no filme Enrolados, e Caroline e mundo secreto). Na mitologia, Kronos era um Deus que cortou os testículos de seu pai, Urano, mas, no poder, temeu ser destronado por seus próprios filhos deuses, então os comia – até que sua esposa, a mãe deles, salvou um dos novos deuses. O tempo, o envelhecimento, pesa muito na ativação deste complexo.
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decadência dos modos de produção está acompanhada de maior urbanização, o que diminui um tanto o controle sobre os hábitos.
SOBRE A PROSTITUIÇÃO 1. O trabalho para outro é a forma mais antiga de prostituição. 2. Neste tema, confunde-se princípio, caracterização e mediação política. 3. Trabalho, num conceito amplo, e prostituição, que são o mesmo, se vagina ou se mãos, não incluem prazer. 4. No tema, a esquerda tem um pé, logo o pé errado, o direito, na religiosidade. 5. Sexo não é sagrado ou especial – algo normal e comum. Aliás, a prostituição reduz estupros (que, claro, não justifica). Sim, sexo é sempre uma forma que inclui dominação, não seria diferente na prostituição – nem no trabalho classista; logo dizer que prostituição é dominação, classismo também o é. Claro, também, que totalmente superior se consentido. Mas a mesma energia psíquica do sexo, a pulsão, vai para a violência – eles até se relacionam no mesmo local do cérebro. Homens que têm vida sexual escassa por inúmeros motivos tendem a adoecer mentalmente (com consequências, às vezes, seríssimas – para si e para outros), ademais de fisicamente; assim a prostituição ―diminui‖ o problema. Para a mulher é fácil ter relações sexuais; para os homens, não. Isso deve ser levado a sério, mesmo. Ignorar ou outra reação negativa sobre apenas é consequência do machismo, que ignora a saúde masculina. 6. Mas vamos ao centro: as prostitutas. Assim como o uso da maconha, a prostituição sempre existirá em sociedades de classes. Para ajudar as moças, devemos evitar a criação de empresas, mas garantir aposentadoria para elas, além de outros direitos. Elas irão se prostituir – como evitar a subordinação a cafetões e empresas sem, pelo menos, descriminalizar? Impossível.
FEMINISMO E ARTE Séries como The Boys e tantos filmes ―lacraram‖ nas pautas sociais e feministas sem serem ―cancelados‖ – lacraram e lucraram. Por outro lado, quando um roteirista sabe estar diante de certa má história, apela para pautas como feminismo na vã tentativa oportunista de justificar o texto, causar polêmica etc. A solução é a seguinte, parece: certa mulher guerreira e forte, por exemplo, deve estar na obra sendo guerreira de modo inteiramente NATURAL, de acordo com a história contada, o contexto – porque, de fato, É NATURAL (pasmem: um escritor de direita
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ensinou-me tal verdade, foi feminista sem o saber). A arte moderna pode ajudar a naturalizar mulheres em cargos, em ações ―masculinas‖ etc. Sem forçar, sem justificar por fora. Uma justificativa interna é muito melhor. Certo escritor disse que escreve bem sobre mulheres porque descobriu que, afinal, elas são seres humanos, então assim as trata.
HOMENS E FEMINISMO O feminismo também é para homens! A licença maternidade deve ser de, pelo menos, 1 ano – para mulheres e, veja só!, Para homens! Isso evita preferência por contratar homens nas empresas, produz igualdade. No mais, os homens estão cansados da personagem que têm de fazer, cansados – exaustos, dirá Lins. Nem sempre se é forte e exato, ou frio. A loucura relativa feminina é vista como algo belo, charmoso, atraente e aceitável. Um homem ―meio desequilibrado‖ recebe o oposto: rejeição, piada, crítica etc. É uma opressão sobre os homens. Portanto, nem matriarcado nem patriarcado: união e unidade pela igualdade e contra o machismo!
MEDIDA DA LIBERDADE Contra o imperialismo e o eurocentrismo, muitos afirmam que a sociedade ocidental não é superior. Mas como vamos medir a liberdade, o nível de civilização, sem cair no relativismo? A sociedade ocidental, incluso a América Latina, garante mais liberdade às mulheres, aos homossexuais etc. – eis a medida, engelsiana. Tal libertação tem como uma das suas bases a dominação sobre o Oriente Médio, mas é um nível superior, ainda que contraditório, ainda que baseado na barbárie alheia, mesmo assim. Outra medida, mais geral, passa por ter mais opções, como usar ou não usar burca quando quiser. A liberdade da mulher deve ser um valor universal, independente de país, pois é cientificamente provado que ela, sendo diferente, é igual ao homem. Essa medida está lastreada, de modo indireto e recheado de mediações, no nível de produtividade como base de níveis de liberdade.
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O DESPOTISMO ESCLARECIDO BURGUÊS […] robustece o domínio do capital, amplia-lhe a base e permite-lhe recrutar sempre novas forças das camadas inferiores da sociedade. O mesmo ocorria na Idade Média: a Igreja Católica formava sua hierarquia com as melhores cabeças do povo, pondo de lado posição, nascimento e fortuna, o que era um dos principais meios de fortalecer o domínio do clero e de subjugar os leigos. Quanto mais uma classe dominante é capaz de acolher em seus quadros os homens mais valiosos das classes dominadas, tanto mais sólido e perigoso é seu domínio. (Marx, O capital 3, 2008, pp. 775, 776) As épocas de decadência possuem suas excentricidades, suas combinações improváveis, suas falsas mediações. Neste capítulo, daremos exemplos de como, diante da época vigente e da possibilidade do socialismo, o mundo do capital procura ser o ―tirano esclarecido‖. Demostraremos a percepção universal por meio de suas particularidades e singularidades. Vamos às observações: 1. O século XX inaugurou a formação de grandes partidos de esquerda, mas, na medida em que negavam, clara ou ocultamente, o marxismo, fundaram o que o centrismo estalinista nomeou frentes populares, uma unidade governamental das organizações de esquerda com a burguesia ―progressista‖, ―democrática‖. Em geral, os governos de frente popular surgem quando há intensa luta de classes, quando beira a possibilidade de um conflito decisivo. Assim, este tipo de governo produz uma ilusão social, como se os trabalhadores já estivessem representados no poder. A presença dos chamados ―partidos operários‖ na gestão do Estado burguês é uma das formas mais claras de despotismo esclarecido. Ocorre a generalização da frente popular, ou seja, de governos burgueses com participação – majoritária ou minoritária – de organismos de luta social e de esquerda. Mesmo governos diretamente dirigidos por organizações burguesas agregam sindicatos ou pequenos partidos de esquerda em sua órbita109 – dito de outra maneira: algum nível de frente populismo costuma estar presente ao administrar o Estado. Essa nova normalidade possui um exemplo intenso no PSUV de Chavez com sua retórica ―socialista‖ e medidas governamentais na Venezuela, onde um partido patronal com programa semi-bonapartista110 agrega o grosso do movimento de massas; o
109 Interessante observar que no Brasil, logo após a redemocratização, o presidente de direita Collor de Melo impulsionou a “Força Sindical”. 110 A incompreensão quanto à natureza do chavismo não se deve sempre ou apenas à baixa formação teórica. Após o processo revolucionário desprovido de organização política revolucionária; apoiado nas forças armadas e usando mecanismos de democracia burguesa – à semelhança do Luís
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verniz vermelho do governo é reação à revolução incompleta naquele país, modo de adquirir apoio das massas radicalizadas. Evo da Bolívia, também com vestimentas ―socialistas‖, e Syriza da Grécia são exemplos. No mesmo sentido, inúmeros partidos burgueses usam o termo socialismo em suas propagandas. Diante dos efeitos do período iniciado com a crise de 2008, a eleição presidencial nos EUA (2016, 2020) tornou-se simbólica ao ter um pré-candidato do Partido Democrata, Bernie Sanders, verbalmente radicalizado pela esquerda. Apenas para vermos a ilusão comum, o centrista e chavista PC da Venezuela, toma tardia nota: Onde estava o socialismo neste governo? ―Em nenhum lugar, porque este governo não é socialista e em nosso país o socialismo nunca foi alcançado, sua construção nem começou. É verdade que na propaganda oficial se utilizam os clichês de ―socialismo‖, ―revolução‖, ―governo operário‖, mas na realidade as políticas econômicas e trabalhistas, sobretudo a partir de 2018, têm uma orientação claramente neoliberal, ou seja, impõem a tirania do ―livre mercado‖ e criam condições para o lucro capitalista máximo, tendendo a reduzir o papel regulador do Estado na economia. Ao mesmo tempo, sacrifica os trabalhadores com a destruição dos salários, o desmantelamento dos acordos coletivos e a extrema precarização do emprego, impondo uma desregulamentação selvagem e flexibilidade laboral‖. ―Desta forma, o governo presidido por Nicolás Maduro administra a crise e as ―sanções‖ criminosas imperialistas, apresentando como ―vantagens comparativas‖ o capital estrangeiro e a burguesia parasitária local (erroneamente chamada de ―burguesia revolucionária‖), a isenção de impostos e a mão de obra mais barata do continente e talvez do mundo. (Arnaldo, 2022)
Outro caso merece destaque: a esquerdização da Igreja Católica com o Papa Francisco após a renúncia do ultraconservador Bento XVI. A Igreja precisou relocalizar-se diante da crise mundial de modo, de um lado, a atrair novos fieis e, de outro, servir ao capital como contenção ao crescimento da esquerda marxista, desviando o ativismo para a instituição no lugar de irem ao partido revolucionário. Por isso pensaram uma figura pública sob medida com o ineditismo de ser um latino-americano e um franciscano; suas vestes simples e seu discurso são uma peça de propaganda central. Ingressa em tal lista o uso de figuras públicas que supostamente encarnam setores oprimidos (negros, mulheres, operários, etc.) em cargos de destaque. Eis outra armadilha que se combina Bonaparte de Marx, 18 Brumário –, o regime de Estado liderado por Chavez, bonapartismo semiparlamentar, parte de um bonapartismo em país atrasado, não imperial, e durante a decadência do capitalismo, quando o socialismo é possibilidade oculta e latente. A LIT e, depois, a UIT foram praticamente as únicas organizações a perceber a essência do fenômeno e a denunciar a farsa.
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com o conceito aparentemente progressivo de empoderamento. A função política é também psicológica, pois visa causar empatia dos setores populares com o suposto representante. A escolha do partido Democrata nos EUA do candidato e presidente Obama é apenas o caso mais famoso, por ser no centro do império, como reação burguesa à crise de 2008, de um inimigo da classe trabalhadora que simula identidade com as minorias e a maioria da população. Ainda neste ponto, devemos incluir a ditadura na China. O PC chinês só tem de comunista o seu nome, pois é formado por burocratas estatais que precisam de cargos e da negação da democracia socialista, ou mesmo a burguesa, para manter seus privilégios. Uma organização oportunista nunca é comunista mesmo quando dirige um Estado que, até a década de 1970, tinha elementos socialistas. Após restaurar o capitalismo, o PC tenta manter o controle do movimento de massas com uso da simbologia de esquerda – uma farsa após a tragédia. Lembremos que a ditadura militar no Brasil permitiu a existência de dois partidos oficiais com eleições enquanto a ditadura na China faz, p. ex., uma assembleia que nada de fato decide. O poder real, o poder das armas incluso, está sob domínio do capitalista PCC. 2. Com a alta concentração urbana somada à precarização, a democracia burguesa é o regime principal com longa duração em muitos países. Não raro, a classe dominante prefere golpes ―institucionais‖ a militares ou fascistas (embora não descarte as diferentes táticas). O ideal burguês e seu projeto originário é a democracia grega da qual faziam parte a classe dominante e homens livres. As circunstâncias históricas levaram os donos da propriedade privada a ceder, tão devagar quanto possível, o voto aos trabalhadores e às mulheres. O voto universal é um resultado da luta de classes e, ao mesmo tempo, uma forma de disfarçar a guerra na sociedade. Como o imperialismo está em decadência enquanto expressão da decadência do sistema, pensa-se duas vezes hoje se o império apoiará ou não um golpe para implementar uma ditadura. Vários regimes fechados têm enfrentado a decadência social interna em seus países com realinhamento na geopolítica mundial ou, ao menos, com alguma autonomia maior, retardando ou amortecendo suas crises e preservando o governo, o regime e o Estado – isso é possível porque os regimes são mais estáveis, incluso com maior autonomia em relação às classes, incluindo a burguesia mundial. Em democracias burguesas pode-se manipular com mais facilidade as lideranças, trocá-las, etc. Daí os golpes ―leves‖, que não mudam totalmente a organização estatal. Outro fator é o tema da corrupção. O imperialismo e a burguesia têm usado tal pauta necessária e correta para manipulações em disputas políticas e comerciais. Vazam-se escândalos tanto reais quanto fictícios para ganhar a subjetividade da população, implementar projetos,
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golpes brandos, privatizações, destruir – ao menos a imagem de – empresas concorrentes, etc. A guerra de informação ganhou muito relevo em nosso tempo. 3. O imperialismo ―apoia‖ revoluções temendo que cresçam por demasiado, tirem novas conclusões, implementem o socialismo; enfim, teme a independente reorganização revolucionária da classe, da vanguarda e da sociedade. O império sabe da inevitabilidade das revoltas, então tenta desviá-las para a democracia burguesa, para a direção com líderes duvidosos, etc. 4. Há o que Trotsky nomeia bonapartismo Sui Generis nos países atrasados quando um governo como o de Perón na Argentina coloca-se contra um imperialismo, ainda que seja submisso a outro império, e, para manter-se no poder, usa o movimento de massas ativo de modo ―progressista‖. O bonapartismo Sui Generis, ao ganhar autonomia relativa e ao colocar-se formalmente acima das classes, usa o movimento de massas para pressionar as classes proprietárias. 5. Foram introduzidos métodos como participação nos lucros e resultados, estímulo aos funcionários a obterem pequenas ações da corporação onde trabalham, eleição de representantes ao comitê executivo da empresa, concursos internos para subir de cargos, etc. Outro exemplo: o grande capital estimula a formação de empresas cooperativas de trabalhadores para comprar peças ou dispor de serviços. No Estado, surgiram iniciativas como o orçamento popular. 6. Sindicatos e partidos de esquerda estão altamente institucionalizados, adaptados, integrados ao Estado burguês. São organismos burgueses da classe trabalhadora, organismos frente populistas. Sindicatos são convidados a participarem de conselhos, comissões e organismos patronais, participam na gestão de empresas e do Estado. Muitas empresas obrigam seus funcionários a se filiarem às suas representações sindicais. Portanto, a tarefa é tanto ganhar sindicatos como, na primeira oportunidade, modificá-los111. Em situações revolucionárias, parte significativa destes, em geral a maioria, além dos partidos de esquerda, estará do outro lado da trincheira. Leiamos sobre:
111 Vale recordar que os bolcheviques tinham baixo peso nos sindicatos durante a revolução de outubro; os mencheviques eram maioria nesses organismos. Ou seja, o calor dos fatos pedirá organismos novos e alternativos de luta e poder, que podem ser impulsionados, mas não criados artificialmente pelos revolucionários. A revolução boliviana (1952) pôde quebrar esta lógica mais do que qualquer outro país, por ter naquele momento um movimento sindical novo, ainda não estatizado, baixo peso do estalinismo, concentrada classe operária e relativamente nova, além do impulso trotskista à COB, central sindical, operária e popular daquele país. Enfim, o processo revolucionário exige, entre outras coisas, enfretamento físico contra a burocracia sindical, o pelego, e de outro, o erguimento de novos organismos sindicais independentes (não se trata, porém, de sindicatos vermelhos), junto à renovação dos existentes, e por fora do Estado Operário – como um dos mecanismos antiburocratização deste.
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A partir daí, os capitalistas japoneses desencadearam uma feroz repressão ao movimento sindical combativo e impuseram uma estrutura sindical totalmente controlada e atrelada às empresas: sindicatos por local de trabalho, que participam da gestão das empresas num regime de colaboração, partindo do princípio de que cada empresa é, antes de mais nada, uma família… (Costa, Neto, & Souza, 2009, p. 118)
Na crise mundial de 2008, o governo dos EUA salvou as empresas da falência e deu aos sindicatos parte do controle acionário adquirido. A revolução de 1918 na Alemanha fez com que o governo frente populista da social democracia alemã estatizasse os nascentes conselhos (soviets) operários naquele país para tirá-los o caráter de poder alternativo. A mesma tática foi usada pelo chavismo na Venezuela quando a revolução formou as comunas. Se houver condições, será uma manobra usual contra embriões de poder socialista durante as próximas revoluções sociais. 7.O despotismo esclarecido burguês teve grande impulso improvável nas ditaduras burocráticas nos países ―socialistas‖. O aparato falava aos quatro ventos de Marx e de Lenin como propaganda para gerar passividade entre as massas trabalhadoras, enquanto os membros do poder engordavam por menor trabalho e por privilégios garantidos com a falta de democracia operária dentro da nação. A burocracia era o polo burguês daquelas sociedades transicionais. Enquanto isso, a literatura de fato socialista era censurada, parcial ou completamente, os manuais substituíram a crítica ampla. Enfim, o despotismo burguês se revelou nas medidas de restauração do capitalismo como a substituição da empresa nacional única por cooperativas ―independentes‖ de trabalhadores, separadas, restaurando o caos da concorrência e do não planejamento central. Esses são os fatores importantes observados; não há dúvida de que existem outros112 na realidade ou ainda por surgir (orçamento participativo, etc.). Podemos extrair deles uma primeira 112 Exemplo: “No México, os sindicatos transformaram-se por lei em instituições semi-estatais e assumiram, por isso, um caráter semitotalitário. Segundo os legisladores, a estatização dos sindicatos fez-se em benefício dos interesses dos operários, para lhes assegurar certa influência na vida econômica e governamental. Mas enquanto o imperialismo estrangeiro dominar o estado nacional e puder, com a ajuda de forças reacionárias internas, derrubar a instável democracia e substituí-la por uma ditadura fascista declarada, a legislação sindical pode transformar-se facilmente numa ferramenta da ditadura imperialista.” *…+ “A nacionalização das estradas de ferro e dos campos petrolíferos no México não tem, certamente, nada a ver com o socialismo. É uma medida de capitalismo de estado, num país atrasado, que busca desse modo defender-se, por um lado do imperialismo estrangeiro e por outro de seu próprio proletariado. A administração das estradas de ferro, campos petrolíferos etc., sob controle das organizações operárias, não tem nada a ver com o controle operário da indústria, porque em última instância a administração se faz por meio da burocracia trabalhista, que é independente dos operários, mas que depende totalmente do estado
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conclusão sobre o futuro: apresenta-se lei histórica antecipar certas tendências de nova organização social de modo invertido e mediador da luta de classes. Assim, o escravismo romano em decadência fundou a Igreja Católica ao abraçar a religiosidade dos escravos; o feudalismo conheceu o despotismo esclarecido diante do crescimento das bases burguesas da sociedade e o capitalismo, por sua vez, antecipa a gestão dos trabalhadores nas empresas e no Estado, a democracia socialista, mas de modo a negar o futuro latente. Para fins de analogia, algo semelhante aconteceu na escravidão brasileira quando leis artificiais e falsas na prática antecipavam a abolição e expressavam sua tendência embora fossem formas de negar o abolicionismo. Em resumo, o despotismo esclarecido antecipa, por falsificação, uma tendência real. O aspecto geral do despotismo esclarecido burguês pode ser assim resumido: envolvimento da não-burguesia nas superestruturas objetivas (Estado, direção de empresas, pequenas ações financeiras, partido, sindicatos etc.) e ações sobre os sentidos da superestrutura subjetiva (valores, moral, percepção da sociedade etc.), com dois objetivos: 1) estimular a passividade frente ao poder burguês; 2) estimular a produtividade. O despotismo esclarecido atual forma uma ficção social. A burguesia pode não reconhecer uma luta geral latente, mas por muito percebe a constância das lutas parciais, que representam um transtorno em si ao capital e são manifestações inconstantes de processos em gestação. O despotismo esclarecido burguês faz parecer com que o Estado e as demais relações de poder tenham um duplo caráter, burguês e operário, capitalista e socialista. Mas é de todo falso. Diferente das transições sistêmicas anteriores, a revolução socialista trata de destruir o Estado e demais superestruturas enquanto ferramentas de poder de uma classe sobre outra; precisa, então, de uma ferramenta paralela, outro aparato estatal capaz de expressar a nova sociedade e, com seu avanço, definhar-se113. Se os operários podem hoje eleger um membro para o executivo de uma
burguês. Essa medida tem, por parte da classe dominante, o objetivo de disciplinar a classe operária fazendo-a trabalhar mais a serviço dos "interesses comuns" do Estado, que superficialmente parecem coincidir com os da própria classe operaria. Na realidade, a tarefa da burguesia consiste em liquidar os sindicatos como organismos da luta de classes e substituí-los pela burocracia, como organismos de dominação dos operários pelo estado burguês. Em tais condições, a tarefa da vanguarda revolucionária consiste em empreender a luta pela total independência dos sindicatos e pela criação de um verdadeiro controle operário sobre a atual burocracia sindical, que foi transformada em administração das estradas de ferro, das empresas petrolíferas e outras.” (Trotsky, Os Sindicatos na Época da Decadência Imperialista, grifos nossos.) 113 Dissemos em outro capítulo que o Estado garante, hoje, artificialmente a existência do capitalismo. Em certa medida, inclui o despotismo esclarecido burguês. Cumpre notar, quanto ao tema da artificialidade, que deve ser diferenciado, embora possam estar misturados aqui e ali: 1) a aceleração do desenvolvimento capitalista pelo Estado – como a construção de hidrelétricas ou grandes investimentos arriscados e custosos que a burguesia é incapaz de promover logo; 2) a
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empresa114, amanhã exigirão a eleição de toda a diretoria com salários limitados e cargos revogáveis a qualquer momento por meio de assembleias gerais regulares onde a base tratará dos assuntos centrais da gestão.
manutenção sistêmica forçada – aqui entra projetos como o de renda mínima (bolsa família, etc.), que retardam a explosão social e a dissolução desta sociedade. 114 Em casos especiais, em estatais principalmente, pode haver eleições de toda diretoria por meio do voto dos funcionários. Em possíveis casos como esses, que serão exceção, os comunistas devem afirmar que a democracia representativa, ao modo da democracia burguesa, a eleição periódica de representantes, é insuficiente, logo exigimos a democracia operária, direta e participativa na gestão da empresa.
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CRISE DO ESTADO BURGUÊS
Marx e Engels avançaram da concepção de que o Estado burguês deveria ser tomado pela revolução para, desde a Comuna de Paris, mesmo desde a ditadura de Luís Bonaparte, a conclusão de que o processo revolucionário precisa destruir o aparelho burocrático e fundar outro em novas bases. A tese deste capítulo parte de tal consideração, mas afirma que o próprio sistema capitalista, antes, corrói sua instituição central, ou seja, dá parte das condições para superar a atual forma de poder. Vejamos as considerações, reconhecíveis por qualquer observador de nossa época, que nos permitem concluir a crise estrutural da superestrutura estatal. 6. O primeiro elemento ocorre nas finanças de todos os países de alguma forma centrais para a revolução. As dívidas públicas são colossais – importante forma de capital fictício – em relação ao PIB (ver gráficos abaixo) para enfrentar as crises e para manter serviços mínimos ao funcionamento da sociedade muito urbanizada. Tal processo contínuo e crescente de endividamento opera várias mudanças, como a necessidade de aumentar os impostos sobre os de baixo e cortar direitos sociais. Antes, no alvorecer do capital, a dívida pública foi meio de impulso ao capitalismo, dívida esta que era compensada pelas altas taxas de crescimento; hoje, ao contrário, é uma forma de gerir, adiar e prolongar a decadência do sistema. GRÁFICO 25 – JAPÃO
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GRÁFICO 26 - EUA
GRÁFICO 27 – UNIÃO EUROPEIA115
7. Por causa da queda da taxa de lucro e a necessidade de disputar com outros países o destino do capital, ocorre a necessidade de reduzir impostos sobre os ricos e aumentar sobre os trabalhadores e as classes médias, além de cortar direitos. Em outro capítulo, tratamos da crise sob o lado da população, e fomos algo que naturalmente impulsionados a tratar do Estado e dos impostos. Nas crises sistêmicas do escravismo e do feudalismo ocorreram o aumento dos impostos, o aumento do setor improdutivo do aparelho estatal e, como transição feudal ao capitalismo, o incremento de dívida
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Fonte dos três últimos gráficos: (DÍVIDA PÚBLICA % PIB - LISTA DE PAÍSES)
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pública. Seria um método equivocado inferir mecanicamente que este também seria o caso da crise sistêmica do capitalismo (que, tomemos rápida nota, tem mais semelhanças no seu modus operandi com a crise do modo de vida escravista para o feudalista). Mas também nada significa, de antemão, que seja algo incomparável ou não análogo, por isso deve ser confrontado e verificado. O Estado burguês, com seu desenvolvimento alto de uma burocracia política e administrativa, dependente do aparelho, com o governo portador de certo grau relativo de autonomia em relação às classes, incluso em relação àquela ao qual representa, pode mesmo obrigar o aumento dos impostos sobre os ricos, além de sobre os trabalhadores. Se os patrões deixam de investir porque o grau de monopólio é alto e a taxa de lucro está excessivamente baixa, o aparelho de poder central pode forçar investimento tributando lucros; porém, aí, reduz o desemprego, o que pode reduzir os lucros com o aumento de salário – crise conjuntural e aprofundamento da crise sistêmica, estrutural; porém alimenta a já grande quantidade, crônica em tendência, de capital na sociedade – crise; porém, se faz uma renda básica aos mais pobres, enfraquece o chicote invisível do desemprego – crise; porém os mais ricos se reorganizarão, em nome de sua suposta liberdade de lucro, sobre a política – crises políticas; porém o lucro real cairá com maior taxação – crise estrutural alimentada. Há uma contradição imanente entre a necessária manutenção de um Estado burguês capaz, forte, e as necessidades de lucro no ocaso do capital. Os estados escravistas e feudalistas tributaram ainda mais sua classe dominante quando e enquanto caminhavam, inconscientemente, para seu fim; o Estado capitalista passará por crises num ciclo vicioso sobre qual política adotar – veja-se a diferença gritante entre Trump e Biden em tal matéria nos EUA, entre neoliberais e Ciro Gomes no Brasil. Um fortalecimento estatal já não é um fortalecimento real do sistema, e vice-versa; a crise retroalimenta-se. O dilema é irremovível sob as bases atuais do capitalismo, em sua fase tardia, exigindo uma solução nova, completa, o Estado operário. 8. Há o surgimento e a consolidação de grandes empresas no setor militar, públicas e privadas, desde mercenários à fabricação de componentes de guerra. Neste sentido, longe de imaginar o futuro de imensos centros produtivos e serviços militares privados e estatais lucrativos, Maquiavel, o grande teórico da política e do Estado, observa:
De forma que, se um rei não ordenar as coisas de modo que seus infantes em tempos de paz estejam contentes em voltar para casa e viver de suas artes, sucede necessariamente que se arruíne, porque não há infantaria mais perigosa do que aquela composta por soldados que fazem a guerra por arte; porque força o rei ou a promover
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sempre mais guerra, ou a lhes pagar sempre, ou a viver sob o perigo de lhe tomarem o reino. Promover a guerra sempre não é possível, não se pode lhes pagar, eis então que necessariamente se corre o perigo de perder o estado. (Maquiavel, 2013, p. 36)
A citação ganha profundidade imensa em nossa época, muito acima da esperada pelo grande pensador italiano. A guerra tende, cada vez mais, a se tornar um fim em si mesmo na medida em que é fonte de lucro, de consumo e de reconstruções (ação de empresas da construção civil no país destruído). A burguesia é um artesão de escombros. Vejamos o caso mais famoso:
Há hoje entre 100 mil e 130 mil "soldados privados", termo preferido pelas companhias que os empregam, em ação na guerra, a maioria em atividades ligadas a segurança e defesa. O total é quase o equivalente aos 145 mil soldados norte-americanos atualmente no país. "Estima-se que US$0,40 de cada dólar destinado ao Iraque pelo contribuinte americano pare nas mãos de uma empresa de segurança privada", disse a democrata Jan Schakowsky, da Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes. Desde que assumiu o controle do Congresso, em janeiro, a oposição investiga o assunto. (Dávila, 2007)
A matéria continua:
Nele, o jornalista liberal relata palestra que Prince deu em 2006 numa convenção militar na Califórnia, em que o empresário chama a Blackwater de "o Fedex dos Exércitos": "Quando você tem pressa, não usa o correio normal, mas o Fedex. Nossa meta é ser o equivalente para o aparato de segurança nacional." Procurada pela Folha, a Blackwater não quis falar. Segundo o conservador "Wall Street Journal", Prince foi um dos maiores doadores da campanha do presidente, e sua empresa tem perto de US$ 800 milhões em contratos com o atual governo. Mas há outras, como a USIS, subdivisão do Carlyle Group, que já teve Bush pai e filho no conselho. (Idem.)
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Para financiar a guerra, o Estado precisa, com frequência, endividar-se como foi o caso dos EUA nas suas duas guerras no Oriente Médio. Eis um fator adicional sobre a dívida pública enquanto elemento da crise estrutural da superestrutura estatal. Nas fases anteriores do capitalismo, as empresas militares ainda eram não grandes o bastante, pois se tratava da época de livre concorrência. O gigantismo das atuais empresas impulsiona uma influência maior sobre os Estados. 9. Ocorre a transformação de países em protetorados vide Portugal em relação à Alemanha, França e União Europeia. Perder o poder de emissão da moeda e a menor autonomia econômica pesam sobre vários Estados. Também há o fator tecnológico como, por exemplo, depender de satélites de poucos países para ter acesso aos aspectos modernos (veja-se que mísseis guiados tornam-se dependentes de aparelhos de outras nações). 10. A privatização das empresas estatais e de serviços públicos é uma reação burguesa à queda da taxa de lucro. O neoliberalismo revela-se, assim, sinal da crise do sistema e dos limites em si nacionais do desenvolvimento. A perda de capital público reduz as fontes de renda do Estado, além de obrigá-lo a contratar serviços privados, e diminui a ação reguladora estatal sobre a sociedade. GRÁFICO 27
Fonte: (Pikett, 2014, p. 243)
Nestas condições, os keynesianos reclamam alarmados, com algum instinto de época, que o Estado é atacado pelas políticas neoliberais. Por isso, em oposição um tanto desesperada, pedem
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novo empoderamento estatal para salvar o capitalismo, para gerar novo equilíbrio social. Tais economistas e políticos olham para o passado, ao melhor estilo da pequena burguesia, querem inverter o tempo histórico. Neles, há a intuição de que o aparelho estatal é deteriorado, mas deixam de ver a tendência como tendência, ou seja, o devir é percebido apenas enquanto más escolhas governamentais. O limite classista de suas visões os impedem de tirar todas as conclusões necessárias. 11.Empresas parasitam o aparelho estatal ao oferecer serviços, o que inclui a corrupção. 12.O capital especulativo ganhou autonomia com o desenvolvimento tecnológico. O investimento feito em um país pode ser retirado para outro com poucos comandos de computador. A impossibilidade de um governo mundial unificado que controle o capital torna o problema irresolvível sob bases capitalistas. 13.A altíssima urbanização facilita e potencializa as revoluções. Ademais, exige mais do Estado. São razões que acenam para o projeto da construção de um Estado superior, socialista. Em resumo, a lógica do capital alcança o patamar em que corrói sua própria ferramenta de poder. A crise orgânica realiza-se com a crise revolucionária, que possibilita a mudança qualitativa da sociedade. É preciso distinguir aqui, como no conjunto desta obra, em sua unidade, os aspectos conjunturais dos estruturais: apenas em situações específicas, em conjunturas especiais, o Estado burguês pode ser superado; já em nível estrutural a superestrutura passa por um processo mais ou menos oculto, perceptível pela teoria, de aprofundamento das condições de sua superação. A crise estrutural do Estado dá condições para a sua plena crise de conjuntura, que muda a estrutura da sociedade. Em resumo, cada era do capital, em geral, impõe uma consequência, ainda que com atraso, sobre o Estado: a era do capital mercantil dá duplo caráter ao Estado feudal, que adquire traços burgueses – a polêmica, a oposição, sobre se o Estado feudal em seu fim era apenas feudalista ou tinha duplo caráter, também capitalista, é resolvido pela observação de que no caráter duplo um polo é o determinante, neste caso, o polo do feudalismo; a era do capital industrial funda o comitê geral dos negócios da burguesa, o Estado burguês; o imperialismo, expressão da terceira era, financeira e monopolista, tende ao controle mais direto da classe dominante sobre a sua superestrutura; a quarta era é marcada, enfim, pela crise estrutural da principal ferramenta classista.
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O CONJUNTURAL Por falta de uma teoria correta e completa o bastante, os partidos marxistas são incapazes de conectar o fato singular ao geral, no caso, a crise final do capitalismo. Quando tentam, borram-se todos, tateiam no escuro, fazem associações forçadas ou instintivas apenas. Vejamos dois casos de altíssimo destaque, que mostram a conexão conjuntura e estrutura, teoria e prática, fato e verdade. Biden, presidente dos EUA, fez uma luta de morte contra o congresso para aumentar a dívida pública, o teto da dívida estatal do país, para mais gastar. Mas os congressistas obrigaram, em troca, a cortar gastos sociais e estatais… Ele quis dívida para ajudar o capital ameaçado, e fez algo certo do seu ponto de vista – sacrificar mais o Estado e o povo em nome do capital. Após o presidente anterior cortar impostos sobre os ricos, ele até os aumentou de novo, mas não nos patamares de cobrança anteriores normais. No Brasil, a bomba prestes ao socialismo, forçou-se, pela direita, um teto de gastos rigoroso contra o pleno emprego, contra o investimento estatal, em defesa da dívida pública e pelo sucateamento dos serviços públicos. O novo governo de esquerda – de esquerda! – fez melhor ou pior, dependendo da classe de quem lê este parágrafo: um arcabolço fiscal, ou seja, o mesmo teto de gastos com um nome mais enigmático e somente mudanças de detalhes. A burguesia está cercando em batalha seu prórpio aparelho geral como quem certa e isola uma fortificação militar!
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A CATEGORIA MAIS-PODER
O argentino Moreno defende que devemos escrever um o Capital da política. Para ele, assim como a obra de Marx é a lógica do objeto estudado, devemos fazer a lógica da política. Faz algum sentido, mas há exagero. Seu marxismo e sua corrente, da qual faço parte de modo crítico, foca nas relações de produção e na superestrutura, na sociologia, sabendo pouco da necessária base econômica. É o marxismo parcial e relacionalista, sociológico (aliás, Moreno focou seus estudos em sociologia). Se tal tarefa, que superaria o legado de Maquiavel, for possível, a categoria de ―mais-poder‖ seria a chave conceitual real de tal empreitada, ponto de partida inevitável. Neste breve ensaio, exponho alguns de seus aspectos, longo de esgotá-los, mas com a profundidade suficiente e necessária.
FÁBRICA E DITADURA Marx expõe em O capital I o despotismo fabril, além de nas minas etc., a ditadura do patrão e do acionista. No escravismo grego, a elogiada democracia dos homens livres acompanhava e tinha por base a ditadura nos campos de trabalho escravo e nos lares contra as mulheres. Ditadura e democracia podem conviver juntas, aquela sustentando esta. Mais: a necessidade de implementar um ditadura de Estado capitalista vem tantas vezes pela necessidade de manter em pé, contra a rebeldia operária, a ditadura nas empresas. A democracia das reuniões de acionistas na cúpula executiva da empresa está baseada na mão de ferro contra seus funcionários. Ou a democracia externa à porta da fábrica existe para manter intacta a ditadura do capital sobre o trabalho, dentro da empresa. Assim, unimos base econômica-social e superestrutura objetiva.
O MAIS-PODER Temos a mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho, o mais-produto e o hipotético mais-degozar. Penso, eis a tese, que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder menor, menospoder, da classe operária. Um jogo de soma zero: um perde na proporção em que o outro ganha. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que buscam um
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conceito novo a cada instante, artificial e exótico, para ganhar mídia e espaço acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é pessoal.
ACRÉSCIMO DE PODER Nem tudo pode ser quantificado, por exemplo, o valor artístico, que deriva de seu trabalho útil, não cabe em números nem em seu preço. No entanto, torna-se possível perceber que o poder aumenta de modo geral. Ao desenvolver a técnica e a sociedade, o homem aumentou cada vez mais seu poder sobre a natureza (e, assim, sobre o próprio homem até aqui). Tal poder, até agora, ainda exclui sua má distribuição entre os homens, tratamo-lo como geral e abstrato. O poder deriva também, por isso, de ferramentas e como elas estão distribuídas. O arranjo do capitalismo, como tudo está organizado, torna-se base do poder do capitalista, ou melhor, do capital. Hoje, para haver poder socialista, basta o rearranjo social – o que exige um Estado paralelo. Assim, o poder na história não permanece o que é, ou seja, estático ou permanente. Sua grandeza, se podemos dizer de tal modo, acresce ou reduz. Existir poder é condição de maispoder; de modo relativo, este surge apenas quando aquele atinge certo valor acumulado.
MAIS-PODER E DEMOCRACIA A democracia não é um acordo, ponto livremente aceito, mas algo imposto. É uma concessão forçada pelas circunstâncias. É, portanto, algo inerentemente instável e parte de uma luta permanente. Para haver qualquer tipo de democracia deve haver, também, todas as condições para ela. Dito isso, não havia democracia nos Estados ―socialistas‖ do século XX porque não havia condições tanto para o socialismo quanto para sua democracia direta. A internet, por exemplo, exige e possibilita, enfim, a democracia socialista real. A democracia grega foi forçada a surgir por causa da forte classe dos comerciantes, da urbanização, da quantidade enorme de homens livres urbanos etc. Fui fruto da matéria, não da ideia. Embora muitos quisessem uma ditadura, em especial na época de decadência do
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escravismo grego, a configuração da realidade obrigava a diluir um tanto o mais-poder, baseado na falta de poder do escravo, na sua coisificação não desejante aparente. Quando o Brasil deixou a ditadura na década de 1980, o poder antes muito concentrado teve de ser diluído um tanto, fragmentado (num bom sentido). O povo passou a eleger seu presidente. Isso aconteceu para evitar uma guerra civil, teve-se de ceder ao poder real dos pés nas praças e ruas. A democracia é uma forma de os pobres não matarem os ricos – logo, uma falsa democracia que visa uma paz social artificial. Diante de uma realidade instável, uma nação pobre e com muita luta de classes parcial, o presidencialismo, concentrar o poder no chefe executivo, tornou-se uma necessidade. O parlamentarismo é para países urbanos mais estáveis, ou seja, mais ricos. Já nos países rurais é comum o bonapartismo, ou seja, ditaduras do executivo em geral militar que até permite a existência de 2 ou mais partidos. A urbanidade é a casa da democracia: nela, as ideias circulam ao lado dos protestos. Torna-se mais difícil concentrar o poder e, logo, o mais-poder. Por isso, o fascismo ocorre em países mais urbanos, diferente do bonapartismo, pois tem de impor uma derrota fortíssima sobre o movimento operário e popular concentrado usando de métodos de guerra civil. A ditadura concentra poder, logo um tanto mais de mais-poder em poucas mãos; a democracia, dá algum poder maior, liberdade, aos trabalhadores. Mas não vale a pena iludir-se com tal conquista parcial, embora positiva. O poder nunca flutua no ar de modo estável e uniforme. O mais-poder, enfim, nunca é apenas estatal, pois é um poder de classe, de uma classe social – os ricos de todas as épocas – contra outra. Poder é garantir que tudo funciona de tal ou qual modo. Com a crise mundial de 2008, mais a precarização do trabalho (fim da classe média), o governo Obama nos EUA tentou tirar do povo o direito de ter armas sob a farsa de justificativas humanitárias. A razão de fundo é uma tentativa de antecipação da burguesia: destruir a possibilidade dos trabalhadores tomarem o poder, manter o poder estatal burguês, derrotar uma revolta futura de maneira antecipada. Assim, por causa de luta de classes, o governo tentou aumentar o mais-poder dos ricos e de seu Estado. As ditaduras ―socialistas‖ também tiveram como base separar o povo das armas pesadas e formar um corpo especial de homens armados.
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O MAIS-PODER E O MAIS-VALOR O leitor marxista logo associa a questão do mais-poder com o mais-valor ou mais-valia. Claro: acumulação de valor na forma de dinheiro dá ao capitalista – e ao capital! – mais-poder em toda a sociedade. Somos jugados pelo que temos nos nossos bolsos. Mas a coisa é mais sofisticada… O poder do valor também se faz sobre os burgueses, pois o que há de fato é a alienação. Há um poder do mundo das coisas sobre o mundo dos homens – o mais-poder, hoje, do capital. Porque a humanidade está dividida, porque lutamos uns contra os outros, surgem leis coisais que não foram decididas por ninguém, que surgem da desorganização da espécie humana. A legalidade apresenta-se, em nosso tempo, como dinheiro em busca de mais dinheiro um processo que não encontra limite, freio, bom-senso etc. – valor que se autovaloriza, valor como sujeito-substância. O valor torna-se a alma tarada das coisas.
MAIS-PODER E BUROCRACIA O burocrata ―vermelho‖ precisava impedir a democracia socialista, operária, para manter seu cargo, ou seja, seu emprego, ou seja, seu estilo de vida destacado. Trotsky dizia que, na falta de comida na guerra, alguém deveria organizar a fila dos alimentos; tal organizador comia primeiro e comia melhor. O burocrata, apesar disso, morria de medo dos operários, por isso fazia-lhes concessões diante de uma leve greve. É o preço a se pagar, o que desestabilizava aquela sociedade. O irmão menor deles são os burocratas sindicais no capitalismo: fazem do sindicato o meio por onde engordam; até fazem assembleias para a greve, mas só enquanto sabem que será aprovado aquilo que já esperam ser aprovado. Eles precisam justificar à categoria seu cargo, que merecem estar na direção sindical. Quanto mais-poder tem o dirigente, menos-poder tem os representados. No Brasil, a burguesia bruta e escravocrata pedia a Getúlio Vargas, o ditado, que destruísse o movimento sindical. Mas ele era um gênio: preferiu torar os sindicatos um meio de corrupção dos líderes, sindicatos burgueses da classe operária. Assim, o número de dirigentes de um sindicato é limitado, apenas de haver uma base de representados enorme, o que concentra poder, maispoder, na mão de poucos sindicalistas. Assim, o líder sindical pode tomar certas decisões sem consultar sua base.
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MAIS-PODER E MORAL Com sua inocência, inevitável em sua época, Rousseau afirma que nenhum homem deve ser tão pobre a ponto de ter que se vender, nenhum homem deve ser tão rico a ponto de poder comprar outros homens. O mais-poder é, inevitavelmente, imoral. Mas apenas na sociedade da abundância real, que começa seus primeiros passos na década de 1970, incluso abundância de tempo livre, a liberdade; o fim do mais-poder, do poder concentrado, torna-se possível, necessário e desejável. O reino desigual da inveja deve ruir, não me importarei se meu vizinho tem o que não tenho – ambos temos. O socialismo é poder acessar com facilidade os objetos necessários para o corpo e para o espírito, além de alguns caprichos sociais desejados.
MAIS-PODER E ARTE MILITAR As ditaduras tendem a ter um exército mais burocrático, com os comandantes concentrando tudo o necessário. Os exércitos oficiais de países democráticos tendem a ter mais facilidade de dar iniciativa e autonomia aos grupos de base; isso tende a ser até uma necessidade da guerra, uma vantagem para quem dirige o aparelho. Esperar que o atarefado comandante do comandante tome uma decisão é impreciso (pois ele está longe), atrasa a ação etc. No entanto, a democracia não cabe em exércitos, mesmo nos revolucionários, como demostrou a revolução russa. É preciso seguir o dirigente que estudou e preparou-se na prática para bem dirigir: na hora do combate, não cabe debater decisões e votar. No entanto, outros organismos, como assembleias na cidade, devem eleger ou demitir tais comandantes.
MAIS-PODER E SOCIALISMO O socialismo acaba com o mais-poder, pois o povo passa a decidir tudo o que é central em assembleias diretas, votações por internet etc. Mas o poder em si mesmo será maior, não menor, embora radicalmente democraticamente distribuído. Trata-se de destruir o poder estatal e empresarial burguês por meio de um Estado paralelo, uma democracia superior, organismo de poder como assembleias, conselhos e comitês de fábrica.
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Na revolução surgirá, por meio do poder na luta social, um poder real ao lado do poder oficial anterior e caduco. Chamamos tal regime de regime de duplo poder, o operário e o burguês. Ambos são irreconciliáveis, apenas um vencerá. Quem decide como e quando produzir? A vitória operária depende, em grande medida, de um racha nas forças armadas, quando ganhamos a parte mais pobre dela para nossas posições. Apenas o poder contra o poder. O poder é, então, abstrato, a realidade social em processo.
MAIS-PODER E FAMÍLIA O mais-poder do homem baseou-se no fato de ele ter o poder econômico, sustentar a casa. Ou seja, ele tem meios de repressão e regulação. Quando a mulher começou a trabalhar fora do lar passou, também, a ruir tal poderio. No entanto, bem antes havia uma luta oculta na família. A mulher, sempre que podia, operava manobras para fazer valer sua vontade; às vezes, usando o sexo como ferramenta de barganha. Com a crise da família monogâmica e isolados pais carentes, surgiram formas deformadas de disputa pelo poder. Temos, por exemplo, crianças mimadas, que manipulam os pais. Mas é de notar que a opressão sobre os filhos, já citada no Manifesto, nunca foi tema sério nos meios marxistas; afinal, eles são pais… Como os infantes ainda não são homens completos, deve haver autoridade e aconselhamento, mas a coisa toda nunca precisa ser despótica. Autoridade nem sempre é autoritarismo.
MAIS-PODER, HOBBES E MAQUIAVEL No marxismo, refutamos uma teoria desenvolvendo ela mesmo até o limite, até extrapolá-la pode dentro de si. A teoria de que o mundo era uma guerra civil animal e o estado vem para organizar tudo, preservar a vida, reduzindo a negativa liberdade (caos)., está errada – mas tem alguma verdade. Coma altíssima urbanização brasileira, veio a crise estrutural do Estado, logo este se demitiu de agir na periferia urbana. A guerra de gangues aí era permanente, morte sobre morte. Então o tráfico e a milícia impôs a ordem, proibiu assaltos na região, organizou a comunidade, faz festas e bailes, gerou empregos, ofereceu serviços e cobrou impostos ou taxas etc. Claro, tudo por lucro e oportunismo. Mas surgiu um quase-estado não paralelo, um poder e um mais-poder, em tais regiões.
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Sobre o italiano, lembremos que sua ambição era unificar a fragmentada Itália. Para isso, pesou que um grande e sábio príncipe, concentrador de poder, mais-poder, deveria cumprir tal tarefa. Daí, por exemplo, o motivo de estudar a ―arte da guerra‖, com uma obra sua de mesmo nome.
MAIS-PODER E MATÉRIA Mais-poder é concentrar materiais como dinheiro, armas e humanos ao seu serviço. Ter mais-matéria é, nesse caso, ter mais-poder se a materialidade está organizada e arranjada de tal ou qual modo.
MAIPODER: FORMA E CONTEÚDO O conteúdo pode ter diferentes formas, eis a dialética. O mesmo poder abstrato e concreto que está no Estsado buguês pode passar-se para o estado operário. O conteúdo disputado pelas formas, muda de forma.
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SYRIZA, PODEMOS, PSOL: O QUE É UM PARTIDO ANTICAPITALISTA A esperança vinda da Grécia (2015) tem levado a esquerda a imensos debates e diferentes interpretações; pela primeira vez, um partido da ―esquerda renovada‖ chega ao poder de Estado. Qual o significado disso? Neste capítulo, apresentaremos algumas teses sobre a natureza dos chamados partidos anticapitalistas, que têm gerado esperanças entre ativistas e trabalhadores. AS BASES MATERIAIS Toda organização política é uma superestrutura gerada pelas relações da sociedade. Devemos, portanto, buscar na dinâmica social a ordem, a base e as influências que permitem a existência de novas superestruturas. Enumeraremos o que, a nosso ver, consideradas as conclusões expostas neste livro, serviu e ainda serve de combustível para os organismos que estamos estudando – três elementos são centrais: 1. A queda do muro de Berlim e dos ex-Estados operários proporcionou um enorme recuo nas ideologias socialistas, na consciência das massas e da vanguarda militante; 2. A enorme urbanização consolidou a urbanidade em nível planetário. É um fator determinante para o surgimento de uma imensa massa assalariada não-operária, de uma sub-classe de desempregados, de uma numérica classe média empobrecida116. Por outro lado, por automação e fragmentação do processo produtivo e diminuição nos países centrais, além de afastamento das fábricas dos principais ambientes urbanos, a classe dos produtores – os operários – foi, em inúmeros países, reduzida e/ou fragilizada; 3. A principal tática do imperialismo para perpetuar sua ordem tem sido o – e a ideologia do – valor universal do voto e da democracia representativa. Chamamos reação democrática, ou seja: apostar primeiramente em eleições, em plebiscitos, em constituintes ao invés da repressão, do golpe ou da invasão.
116 Ruy Braga, um dos defensores do termo “precariado” – uma tautologia na medida em que ser do proletariado é, em geral, ser precarizado, mesmo incluindo os assalariados não operários neste conceito – afirma: “Tendo em vista a composição social do movimento, não é estranho que suas lideranças sejam cientistas sociais da Universidade Complutense de Madri, tais como Pablo Iglesias, recém-eleito deputado europeu, e Íñigo Errejón, coordenador-geral da campanha do partido para o parlamento europeu. Da crise de financiamento das universidades às condições degradantes do mercado de trabalho, uma geração de estudantes que trabalham e trabalhadores que estudam tem estimulado o diálogo das ciências sociais com públicos extra-acadêmicos.” (Braga, 2014)
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São os principais elementos da origem dos anticapitalistas. Neles há a fonte da utópica proposta "radicalização da democracia". É a mesma antiga relação da vantagem instintiva do campesinato, quer seja, o número. Os setores oprimidos não-operários são uma enorme massa urbana e sua força viria, portanto, pela quantidade e não pela qualidade enquanto classe. Um partido que expresse este desejo inevitavelmente surge (somos 99%, gritavam os protestos). As organizações desse tipo são, então, pequeno-burguesas, urbanas e tendem a ser a expressão também do ―precariado‖ não-operário. A escassez de verdadeiros proletários em todas as suas instâncias internas tem por fonte as relações acima colocadas mais uma: construir-se nas fábricas é difícil e exige enfrentar sindicatos muito fortes e conservadores, burocratizados. O peso militante no movimento e, em geral, nos organismos tradicionais de luta é baixo117. Por este ponto de vista, na orientação organizativa, justificamos a valorização da liberdade individual e formal dos militantes, as tendências por dissolver em outros os agrupamentos internos, o fracionamento em permanência118, a propaganda de uma esquerda renovada e sem recorte de classe muito definido. A valorização da atuação enquanto partido político tem este norte claro: mostrar-se como uma saída eleitoral progressista em um mundo decadente. Por outro lado, vemos com clareza um
117 Syriza, com influência eleitoral de massas e principal organização anticapitalista, fica muito atrás do PC grego quanto ao peso sindical que, por sua vez, não é majoritário: “Na Grécia, o partido comunista se destaca por sua dinâmica suis generis. Ao contrário da grande maioria dos PCs europeus, que ao longo dos anos 1990 se alinharam à socialdemocracia moderada, o KKE fez um caminho de sentido inverso. Ao mesmo tempo, manteve importante peso político e social em seu país. Nas eleições de 2015, conquistaram 5.5% dos votos, um resultado dentro da média do partido ao longo dos últimos 15 anos. De longe a maior corrente da extrema esquerda no movimento sindical, o KKE tem localização privilegiada até mesmo no setor privado. Organizou a principal greve metalúrgica ocorrida em Atenas nos últimos anos, que em 2012 parou o setor por nove meses. Ele também é muito maior que o Syriza entre os estudantes. (LOUNTOS, 2015)” *…+ “Apesar de possuírem 10 dos 45 assentos da direção da confederação sindical nacional, o KKE não é a maior força do movimento sindical no país. Os dois partidos tradicionais do regime democrático, o PASOK e o Nova Democracia, são historicamente as organizações majoritárias, não só do sindicalismo, mas da vida social grega.” (Sauda, 2015) 118 A existência permanente de grupos expressa a heterogeneidade das classes médias politicamente, indiretamente, representadas dentro das correntes internas. Do mesmo modo, a busca por líderes políticos ligados à pequena burguesia – economistas, intelectuais, etc. – para a formação de governos frente-populistas é análogo à formação de frentes populares em torno de líderes operários, ou seja, a ideia de que sua base social tem um governo “seu” e expressa, ao mesmo tempo, o desejo de elevar-se socialmente por parte dos setores médios. Uma forma de expressão de “crescer e mudar por meio da educação”. Estas organizações podem também, com o aprofundamento da crise, sob certas circunstâncias, elevar líderes do proletariado ao posto de principal figura pública caso isto facilite a via eleitoral.
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foco especial entre os anticapitalistas nas – importantes – palavras de ordem democráticas. Há quatro razões fundamentais:
1.
Vivemos uma fase histórica onde o capitalismo não pode promover estáveis e profundas reformas. Por isso, Syriza boicotou o resultado do plebiscito (2015) – ―Não‖ contra a chantagem da UE – que ele próprio ganhou (!)119;
2.
O ideal democratizante é uma alternativa às ideias socializantes desde o enfraquecimento das ideologias igualitaristas na década de 1990;
3.
Muitas reformas democráticas são viáveis e até positivas ao capital. Legalizar a maconha, por exemplo, pode ser uma nova fonte de lucro e impostos;
4.
Uma parte da classe média e dos militantes de esquerda desta classe necessitam, para si, mais de direitos democratizantes já que possuem alguma estabilidade social e econômica. Defendem, por isso, o tipo de direito – na aparência – "individual", do indivíduo: ao aborto, ao uso da maconha, a mais mecanismos de voto, etc.
Partidos como o Syriza e o Podemos, com dirigentes profissionais liberais e pequenoburgueses, dos setores aristocráticos das classes médias (advogados, professores universitários, economistas, etc.), expressam, em larga medida, a origem popular, entre o burguês e o operário, de sua vanguarda e de seus militantes. Inclui o seguinte: um setor social mais letrado do que as gerações passadas, não-proletária (operariado), mais instável socialmente e uma parcela mais jovem. Base social do reformismo e do centrismo, os servidores públicos, também muito presentes entre os anticapitalistas, são classe média assalariada precária ou aristocrática a depender da qualidade de vida. Explorados e oprimidos, mas não produzem valor, não possuem um trabalho necessariamente coletivo nem manual. Inconscientemente, o interesse de classe dos trabalhadores do Estado é fortalecer o Estado Burguês como forma de também fortalecer suas condições de
119 Isto é ainda mais intenso se considerarmos que palavras de ordem mais profundas como “Sair do Euro” e “Sair da União Europeia” são, em si, democráticas e apenas potencialmente – sob certas circunstâncias – transicionais (se, mais provável, agregadas a outras propostas classistas e transicionais).
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trabalho e de vida120. O interesse estratégico dos operários é tomar as fábricas (não as destruir) – para isso, precisam destruir o Estado. Ao contrário, esse não é por si mesmo um interesse estratégico dos servidores públicos, por isso também pertencem à classe média. Nas últimas décadas, tivemos um fenômeno novo: altíssima urbanização. Isso obriga o Estado a criar um corpo muito maior de assalariados ao seu dispor com o mínimo recurso possível destinado aos salários e demais direitos; diferente da Rússia de 1917, com suas únicas duas grandes cidades, uma massa enorme de precários surge. Como setor intermediário, esses assalariados têm duplo caráter, comum aos setores da classe média121: de um lado, são mal pagos, subordinados, humilhados e sofrem alto stress; de outro, seus trabalhos ajudam na administração e manutenção da ordem, livram-se do trabalho fabril. Um exemplo: a função estratégica do professor é implantar a ideologia, o método, a visão e a disciplina burguesa na mente e nos hábitos do alunado – e isso ele faz sem o saber, sem o desejar. O professor cumpre uma tarefa de dominação burguesa e ideológica, de adestramento e repressão mentais. No fundo, nada muito diferente de um policial, embora a educação seja importantíssima. No capitalismo, a educação 120 Base material para uma esquerda keynesiana. Em específico sobre estatismo, Engels comenta: “E digo que tem de tomar a seu cargo, pois a nacionalização só representará um progresso econômico, um passo adiante para a conquista pela sociedade de todas as forças produtivas, embora essa medida seja levada a cabo pelo Estado atual, quando os meios de produção ou de transporte superarem já efetivamente os marcos diretores de urna sociedade anônima, quando, portanto, a medida da nacionalização já for economicamente inevitável. Contudo, recentemente, desde que Bismarck empreendeu o caminho da nacionalização, surgiu uma espécie de falso socialismo, que degenera de quando em vez num tipo especial de socialismo, submisso e servil, que em todo ato de nacionalização, mesmo nos adotados por Bismarck, vê uma medida socialista. Se a nacionalização da indústria do fumo fosse socialismo, seria necessário incluir, Napoleão e Metternich entre os fundadores do socialismo. Quando o Estado belga, por motivos políticos e financeiros perfeitamente vulgares decidiu construir por sua conta as principais linhas térreas do pais, eu quando Bismarck, sem que nenhuma necessidade econômica o levasse a isso, nacionalizou as linhas mais importantes da rede ferroviária da Prússia, pura e simplesmente para assim poder manejá-las e aproveitá-las melhor em caso de guerra, para converter o pessoal das ferrovias em gado eleitoral submisso ao Governo e, sobretudo, para encontrar uma nova fonte de rendas isenta de fiscalização pelo Parlamento, todas essas medidas não tinham, nem direta nem Indiretamente, nem consciente nem inconscientemente, nada de socialistas. De outro modo, seria necessário também classificar entre as instituições socialistas a Real Companhia de Comércio Marítimo, a Real Manufatura de Porcelanas e até os alfaiates do exército, sem esquecer a nacionalização dos prostíbulos, proposta muito seriamente, ai por volta do ano 34, sob Frederico Guilherme III, por um homem muito esperto.” (Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico, 2003) A propriedade pública é progressiva em relação à privada, pois desmistifica a “intocabilidade” desta última, mas nada tem de socialismo ou “administração operária e democrática da empresa”. Sob relações capitalista, a propriedade estatal é capitalista e tanto a é mais quanto mais busca o D-M-D’, o lucro. 121 Os marxismos sociológico (portanto, amputado e parcial) e sindicalista consideram quase todos os assalariados proletários ou operários. Mais importante que definir um objeto é compreendê-lo; de qualquer modo, localizá-los como um setor diferente do da produção é a mínima precisão conceitual aceitável, tolerável; porque senão transforma-se num debate de conceitos, lógico-formal, de dicionário, de definição pura.
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será sempre ou quase sempre burguesa, a serviço da burguesia. De imediato, apenas a classe operária e seu partido podem ganhá-los para outro caminho, para outro Estado. No campo estratégico e teórico-prático, por generalização, podemos expressar a questão do Estado nas diferentes classes: 1. Concepção burguesa: o Estado é uma ferramenta da e para toda a sociedade, contanto e sempre que respeite e promova a propriedade privada; 2. Concepção da pequena burguesia proprietária e aristocrática: A pequena burguesia resiste contra qualquer intervenção do Estado, registo e controlo tanto capitalista de Estado como socialista de Estado. Isso é um facto da realidade absolutamente indiscutível, em cuja incompreensão reside a raiz de toda uma série de erros econômicos.
(Lenin, 2012)
Contra qualquer intervenção estatal – impostos, direitos trabalhistas, empresas, etc. –, pois atrapalham a livre iniciativa e a propriedade privada. 3. Concepção da classe média: o Estado pode ser pressionado e gerido para este ou aquele rumo, sua função deve ser gerar e manter um equilíbrio das classes ao gerar qualidade de vida, por meio de governos e decisões progressivos, pois é uma ferramenta mais ou menos neutra, a ser disputada; 4. Concepção proletária: o Estado é uma ferramenta de dominação de uma classe sobre outra, sua essência são as forças armadas, para isso procura manobrar por meio da dominação, antes de tudo, ideológica a fim de servir ao seu caráter de classe inerente. Deve, portanto, ser destruído. Pode haver, aqui e ali, concepções intermediárias e intermediadas no entremundos ou de influência de uma classe sobre outra122. Mas estas são as concepções gerais a guiar todos os pensamentos particulares e partidos, ou seja, tem materialista origem de classe.
122 O centrismo é um exemplo ao, sendo reformista, adotar aspectos do bolchevismo. No mais, a tendência centrista tende a ser um fenômeno mais presente com a crise mundial, radicalizando correntes políticas e formando novas, entre a concepção do reformismo e a revolucionária. Outro exemplo é a concepção do lupemproletariado em defesa da liberdade individual total, prazer imediato, não organização, não critérios etc. Jovens e parte da pequena burguesia podem ter mais simpatia por tais concepções – base de parte do anarquismo.
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PARTIDOS FRENTE-POPULISTAS Um partido revolucionário pode, via classe operária, ser o representante fiel dos precários não-operários e urbanos. Como ocorria com o antigo setor popular, o campesinato, são uma massa fluida e disputável. Por este eixo, queremos apresentar três categorias de partidos de esquerda, sem anular outras categorizações: 1. Partidos frente-populistas. São organizações que, de uma forma ou outra, clara ou disfarçadamente, dizem aos trabalhadores que a mudança vem pelo voto ou outro meio que não seja a destruição violenta do Estado burguês. Os "anticapitalistas" são um exemplo; podemos agregar os reformistas, os centristas (costumam ser as alas minoritárias no fenômeno que aqui descrevemos 123), os neo-estalinistas, os chavistas etc. 123 “Quando se oscila à esquerda e afasta as massas do reformismo, o centrismo cumpre uma função progressiva; não falta dizer que isso não nos impedirá, chegado o caso, de continuar denunciando a hipocrisia do centrismo, já que a galinha progressiva acabará abandonada, cedo ou tarde, nas margens do lago. Quando, por outra parte, o centrismo trata de distanciar os operários dos objetivos comunistas para facilitar – sob a máscara da autonomia – sua evolução ao reformismo, cumpre uma tarefa que já não é progressiva e sim reacionária. Esse é, na atualidade, o papel que desempenha o Comitê pela Independência Sindical.” "Mas, essas são quase as mesmas palavras empregadas pelos estalinistas", repetirá Chambelland; já o escreveu. Seria inútil perguntar quem desenvolve uma luta mais séria e implacável contra a política mentirosa dos estalinistas: o grupo de Chambelland ou a Oposição Internacional de Esquerda comunista. Todavia, um fato é certo: a orientação de nossa luta é diametralmente oposta à da "luta" dos "autonomistas", porque nós seguimos a trilha marxista, enquanto que Chambelland e seus amigos seguem a trilha reformista. Com certeza não o fazem conscientemente: jamais! Porém, por regra geral, o centrismo nunca segue uma política consciente. Acaso uma galinha consciente se sentaria para chocar ovos de pato? Claro que não.” “Em tal caso – poder-se-ia perguntar –, como se pode acusar de centrismo a dois antípodas como Chambelland e Monmousseau? Entretanto, isso somente pode parecer paradoxo a quem não compreende a natureza paradoxal do centrismo: nunca é igual a si mesmo e nem se reconhece no espelho, ainda que bata o nariz contra o mesmo.” (Trotsky, O que é Centrismo?, 2005) "Lembremo-nos quantas vezes os marxistas foram acusados de atribuir os fenômenos multiformes e contraditórios à pequena burguesia. E efetivamente, sob a categoria de "pequena burguesia", é preciso que se inscrevam fatos, idéias e tendências que, à primeira vista, são incompatíveis. Possuem um caráter pequeno-burguês o movimento camponês e o movimento radical na reforma comunal; os jacobinos pequeno-burgueses franceses e populistas (narodniki) russos; os proudhobianos pequeno- burgueses; os anarossindicalistas franceses, o "Exército da Salvação", o movimento de Gandhi na Índia etc. Um quadro ainda mais variado se apresenta se passarmos para o domínio da filosofia e da arte. Isto quer dizer que o marxismo brinque com a terminologia? Não, isso quer dizer apenas que a pequena burguesia é caracterizada por uma heterogeneidade em sua natureza social. Embaixo ela se confunde com o proletariado e passa para o lupem-proletariado; no alto, ela se estende à burguesia capitalista. Pode apoiar-se nas antigas
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2. Os revolucionários. Aqueles que veem a derrubada do Estado por meio de uma revolução como saída. 3. As seitas. Organizações ultra-esquerdistas, sectárias, auto-proclamatórias, anarquistas pós-modernos; que desprezam a política como mediação, como caminho, entre o real e o ideal, etc. SÍNTESE Podemos resumir o fenômeno dos partidos anticapitalistas assim: 1. Partidos frente-populistas; 2. Filhos da consolidação da atual sociedade capitalista surgida na década de 1970; 3. Representam as numerosas classes médias urbanas com maiores tendências, por razão da decadência capitalista, à esquerdização 124; 4. Representam os anseios dos setores populares urbanos pelo instinto do número, pelo voto;
formas produtivas, mas pode depressa desenvolver-se também na base da indústria mais moderna (novas classes médias). Não é de se admirar que se enfeite ideologicamente com todas as cores do arco-íris. O centrismo no meio do movimento operário representa, num certo sentido, o mesmo papel que a ideologia pequeno-burguesa de qualquer espécie representa em relação à sociedade burguesa em geral. O centrismo reflete os processos de evolução do proletariado, o seu desenvolvimento político, assim como sua decadência revolucionária, ligada à pressão exercida sobre o proletariado por todas as outras classes da sociedade. Não é de se admirar que a querela do centrismo se distinga por tal variedade de cores! (...) é indispensável descobrir, por meio da análise social histórica concreta, a natureza real do centrismo da espécie em questão." (Trotsky, Revolução e contrarrevolução na Alemanha, 2011) 124 A “classe média assalariada e precária” não estava clara e perceptível para Trotsky, sendo ele quem melhor expôs o que é a moderna classe média: "Os principais efetivos do fascismo continuam a ser constituídos pela pequena-burguesia e pela nova classe média que se formou: pequenos artesãos e empregados do comércio nas cidades, funcionários, empregados técnicos, intelectuais, camponeses arruinados [...] mil operários de uma grande empresa representam uma força maior do que a de um milhar de funcionários, de escrivães, contando com suas esposas e sogras". (Trotsky, Revolução e contrarrevolução na Alemanha, 2011, pp. 45, 46) "[A burguesia] conseguiu submeter, nos quadros da democracia formal, não só a antiga pequena burguesia, mas também, em medida considerável, o proletariado. Para isso, se serviu da nova pequena-burguesia – a burocracia operária". (Idem, p. 284)
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5. Apoiam-se na ideologia capitalista do sufrágio universal; 6. Possuem baixo peso operário; 7. Frágil relação orgânica com os movimentos e os organismos de mobilização (sindicatos, etc.); 8. Reúnem em si certas características "de luta", "de combate" por causa da decadência social, pela fluidez das camadas médias que representam e para canalizar a indignação em direção ao voto; 9. Privilegiam algumas pautas democráticas – do direito do "indivíduo" – para representar sua base, sua ideologia e por o capitalismo não permitir reformas de outro tipo. A extrema-esquerda eleitoral, os anticapitalistas, é a expressão oposta – do ponto de vista reformista e parlamentarista – da chamada extrema-direita eleitoral. Esta última, burguesa, procura aglutinar as camadas médias urbanas mais favorecidas, enriquecidas e, através delas, influenciar as camadas mais pobres, precarizadas e até o voto proletário. Assim como os revolucionários podem participar de partidos frente-populistas por um curto tempo, organizações fascistas podem compor partidos de direita ou de extrema-direita eleitoral por um período mais ou menos longo. Os partidos anticapitalistas são, assim, uma versão nova do reformismo clássico.
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CRÍTICA AO REGIME LENINISTA PROPOSTO POR MORENO ―A história de nossa corrente é a história de seus erros.‖ N. Moreno ―Não podemos aprender a resolver os problemas de hoje pelos novos métodos se a experiência de ontem não nos abriu os olhos para ver onde foi que estavam errados os antigos métodos.‖ Lenin ―Devemos recuperar a liberdade de crítica e de criatividade. Devemos devolver a honestidade, a sinceridade e a verdade aos seus postos legítimos. Devemos devolver a independência, a dignidade e a confiança ao pensamento revolucionário.‖ Trotsky ―Disciplina é liberdade.‖ Renato Russo
Como organizamos a democracia e o centralismo partidários em cada conjuntura? Como estes dois elementos existem em cada momento político? Estas são as indagações presentes nas entrelinhas deste capítulo. Aqui, dividiremos com o leitor uma critica à concepção morenista de regime bolchevique, contrapondo-a à de Leon Trotsky no fundamental. Para que se desarme, de já, qualquer desconfiança, sugerimos as seguintes conclusões preliminares: a) como explanaremos, Moreno ao mesmo tempo acertou e errou; b) elaborou um regime partidário conjuntural, temporário, sem atentar-se para as mudanças possíveis; c) o autor deste artigo é morenista e absorve deste revolucionário, o maior trotskista depois de Trotsky, um princípio: d) nunca dogmatizar os mestres e o marxismo. Em resumo, a máxima leninista esquecida: o primeiro dever de todo revolucionário é criticar seus dirigentes. A REALIDADE DE NAHUEL MORENO O primeiro passo é contextualizar a situação. No pós-II Guerra o trotskismo era um movimento marginal sob a ameaça constante de degeneração ou, pior, de desaparecer. Ao contrário daquilo que Trotsky prognosticara, o stalinismo tornou-se uma potência no movimento de massas mundial. Deste período, mesmo as novas revoluções socialistas atrapalhavam um
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trabalho de fato comunista; vejamos: a) a base social dessas revoluções era camponesa, enquanto o trotskismo é uma corrente tipicamente operária; b) desde o princípio, surgiram sob a mão repressora,
antidemocracia
operária,
das
burocracias
estatais.
Estes
elementos
pendiam objetivamente para o desaparecimento completo do trotskismo. Martín Hernandez, veterano trosko-morenista, relata: Lembro-me quando, em 1968, entrei no PRT – La Verdad da Argentina, que era dirigido por Nahuel Moreno, o maior dirigente trotskista do pós-guerra. O partido, após 25 anos de atuação e depois de ter sido protagonista de grandes acontecimentos da luta de classes, como ter dirigido a grande greve metalúrgica de Buenos Aires, tinha somente 200 militantes. Da mesma forma, no Peru, apesar de ter dirigido a revolução agrária na década de 1960 e de ter em nossas fileiras Hugo Blanco, o maior dirigente de massas do trotskismo da época, nosso partido nunca teve mais do que 30 militantes. Nunca me esqueço do informe que recebi, poucos meses após ter começado a militar, sobre as forças da IV Internacional. Nosso partido era um dos maiores. Na França, tínhamos 30 militantes; na Espanha e em Portugal, nenhum. No Brasil e na Venezuela, tínhamos alguns contatos; na Colômbia e na América Central, nada. E, em 1976 (após a derrota do imperialismo no Vietnã), na Itália, ganhamos para a tendência bolchevique um grupo de estudantes secundaristas. E me lembro, como se fosse hoje, da dura discussão que Moreno teve com aqueles jovens, pois eles queriam ir militar na classe operária italiana e Moreno, que sempre teve a obsessão de inserir nossos partidos e grupos na classe operária, após longas discussões, convenceu-os a não irem para o movimento operário. Seu argumento foi muito simples: ―Vocês ainda são muito débeis e se forem para a classe operária o stalinismo vai acabar com vocês.‖ O PC italiano tinha, naquela época, um milhão de filiados e controlava, com mão de ferro, todo o movimento operário. (Hernández, 2015)
A duríssima dificuldade exposta é chave para compreendermos a atualização do regime partidário proposta por Moreno. Um projeto partidário, com sua forma organizativa, sendo uma superestrutura, deve ser explicada a partir da realidade que a forma. Para isso, precisamos recordar que, com a revolução cubana, o imperialismo patrocinou ditaduras militares por toda a América Latina, tradicional base territorial do trotskismo bárbaro (morenismo). Inevitavelmente, agregou-se mais um importante elemento impeditivo. Este tipo hostil de situação alimenta características exóticas, de seitas, nos partidos – e voltam-se para dentro de si. Segundo Cannon, relatando a clandestinidade vivida pelo PC americano:
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―O movimento permaneceu ilegal desde 1919 até o começo de 1922 depois que o primeiro choque das perseguições passou e os grupos e células se acostumaram a sua existência ilegal, os elementos na direção que tendiam ao irrealismo ganharam força, tanto e quanto o movimento estava então completamente isolado da vida pública e das organizações operárias do país. Então, eu, por minha parte, me dei conta pela primeira vez do completo mau da enfermidade do ultra-esquerdismo. Parece ser uma lei peculiar que quanto maior é o isolamento de um partido da vida do movimento operário, quanto menor é o contato que tem com o movimento de massas, e quanto menor é a correção que este pode exercer sobre o partido, tanto mais radicais se tornam suas formulações, seus programas, etc. (…) Vocês vêm, não custava nada ser ultra-radical porque de qualquer maneira ninguém lhe prestava atenção. Não tínhamos reuniões públicas, não tínhamos que falar aos operários ou ver quais eram suas reações à nossas consignas. Assim, os que gritavam mais forte em nossas reuniões fechadas se converteram em mais e mais dominantes na direção do movimento. A fraseologia do "radicalismo" teve seu dia de festa. Os anos iniciais do movimento comunista neste país estiveram mais que consagrados ao ultra-esquerdismo. […] O movimento teve uma vida interna muito intensa, até porque estava isolado e voltado para si mesmo. As disputas fracionais eram ferozes e largamente extenuantes.‖ (Cannon, 2006, grifo nosso)
COMO MORENO REAGIU O que apresentamos levou Moreno a precaver-se das tendências degenerativas nos partidos. No fundamental, propôs: a) proibir a possibilidade de frações e tendências em períodos não pré-congressuais; b) legalizar a possibilidade de fracionamento para meses antes do congresso partidário. Podemos deduzir que a fórmula proposta pelo argentino é útil para partidos clandestinos e muito minoritários ao girar a organização para fora de si; porém, esta é uma verdade em parte. Queremos demonstrar ao leitor o caráter antidialético da proposta deste marxista. Por isso, finalmente, vamos à defesa dele, nas ―Teses Para Atualização do Programa de Transição‖: Não pode existir democracia sem direitos para as tendências e as frações. Mas este é um direito excepcional porque o surgimento de tendências e fracções é uma desgraça para um partido centralizado para a ação. A discussão permanente em todos os órgãos partidários é a mais grande ferramenta de elaboração política para um partido trotskista. O partido deve viver discutindo sistematicamente. Tem que confrontar experiências individuais ou de organismos distintos e setores de trabalho distintos para que através
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do choque e da discussão surja una linha correta, a melhor resultante. Porém esta virtude da discussão permanente se transforma no oposto quando um partido vive discutindo permanentemente desde grupos organizados em frações e tendências, e muito mais ainda se estas sobrevivem através do tempo (aqui notamos a real origem de sua preocupação – comentário do autor). Quando isto ocorre, as frações deixam de sêlo para converter-se em camarilhas. O partido deixa de atuar em forma unitária para e rumo ao movimento de massas para voltar-se para dentro, se paralisa, cria um ambiente parlamentário de polémica permanente e inevitavelmente deixa de atuar de forma unitária e passa a ter como atividade principal a discussão, isto é, deixa de atuar principalmente no movimento de massas. A discussão é um meio fundamental e decisivo para nossa atividade, mas: só um meio. A existência de frações e tendências permanentes transformam a discussão num fim em si e não num meio do centralismo e da ação unida frente ao movimento de massas. (Moreno, TESIS XXXVIII - El carácter de nuestro partido y de nuestra internacional, 2001, grifos nossos)
Nahuel Moreno inverteu a causalidade. A origem do fracionamento permanente era, como nos indicaram as citações de Cannon e Martín, a permanente tendência à marginalização, a fragilidade interna – não o direito estatutário de fracionamento. Ainda assim, o argumento da Tese encontraria algum acordo em Trotsky? Não. Para este, a simples possibilidade de existir tendências e frações era, em si, uma necessária forma de pressão e controle da base sobre a direção e, por consequência, um mecanismo antiburocrático. Diz Leon: Naturalmente, grupos, assim como diferenças de opinião são um mal. Mas esse mal é uma parte necessária do desenvolvimento dialético do partido, assim como as toxinas o são na vida do organismo humano. A transformação dos grupos em frações organizadas e fechadas é um mal muito maior. A arte de dirigir o partido consiste precisamente em prevenir tal desenvolvimento. É impossível chegar a tal ponto pela mera proibição. […] Porque a tarefa não consiste em proibir frações, mas em evitá-las. (Trotsky, Stalin, o grande organizador de derrotas, 2010, p. 202, grifo nosso)
Como lemos, para Trotsky é o inverso. A contradição apresenta-se como parte inerente da realidade, incluso a de um partido revolucionário. Negar a contradição apenas muda ou camufla seu caráter. A possibilidade de um corpo dirigente sofrer reclamações da base, de perder a direção, de se desmoralizar é – por si mesma – um recurso democrático, um controle, um estado de alerta; além de abrir espaço para que políticas erradas e irrealistas possam ser corrigidas.
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Sequer precisa uma luta interna existir de fato: basta existir o mecanismo, o meio, uma pressão subjetiva sobre os dirigentes. Porém Moreno enfraquece a democracia vertical, da base para direção, e mantém a horizontal, dentro dos organismos.
A DIALÉTICA DO REGIME Ao mesmo tempo, há um acerto no erro de Moreno. Precisou adaptar o regime partidário às duríssimas
condições
em
que
militara.
Ou
seja,
a
proposta
dele
seria
correta
apenas conjunturalmente, nunca em permanência. Com o regime partidário que propunha, ocorreu exato o que ele temia: “Assim evitaremos o grave perigo de criar movimentos trotskistas com influência de massas que, chegado o momento da ação, vejam-se anárquicos e incapazes de atuar com a centralização e disciplina de um exército revolucionário.” (Moreno, TESIS XXXVIII - El carácter de nuestro partido y de nuestra internacional, 2001) Entretanto, foi isso de fato o que ocorreu com o MAS da Argentina, criado por Nahuel, após adquirir influência de massas. Tal conclusão também desconsidera a histórica do partido bolchevique, que teve frações e verdadeiras rebeliões internas ao longo do processo revolucionário iniciado em 1917. A tendência geral da matéria é ir do simples ao complexo. Complexidade é, necessariamente e inclusive, acúmulo maior de contradições e de diferenças internas. Assim também acontece com partidos. Quando são marginais e sob ditaduras, precisam de uma forma do regime; quando estão sob democracia burguesa, quando possuem influência de massas ou de vanguarda, quando são inexperientes, etc. precisam mudar a forma de se organizar, senão estagnam ou implodem. Podemos formular, regra geral, o seguinte: quando a realidade e o partido estão mais complexos, então o regime partidário deverá, também, tornar-se mais complexo. De modo sugestivo, Moreno descreve a realidade para justificar o afrouxamento da democracia interna nos partidos: Todos os nossos partidos e nossa Internacional em seu conjunto reivindicam orgulhosos, como seu exemplo, a estrutura do Partido Bolchevique. Isso significa que consideramos que nosso partido tem que estar formado por revolucionários professionais por um lado e que deve ter um regime centralista democrático por o outro. Reivindicamos mais que nunca o centralismo como a obrigação número um de todo partido trotskista. Em esta época revolucionária o trotskismo é perseguido implacavelmente, não só pelo estado burguês, os partidos burgueses e os bandos fascistas, senão também pelos partidos oportunistas, os quais com toda razão nos consideram seus inimigos mortais. Além do mais, nossos partidos se
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constroem para levar a cabo a luta armada pela tomada do poder, a insurreição. Este supremo objetivo só poderemos alcançar com uma rígida disciplina, cuja única garantia é o centralismo e uma dedicação que só pode ter os militantes profissionais. (Idem, grifo nosso.)
O curioso é que Stalin usou exato o mesmo argumento (Broué, 2014) para justificar o fim das lutas fracionais no partido e na terceira internacional quando tomou o poder. Mais uma vez, citaremos Trotsky contra Nahuel Moreno. Ao afirmar o caráter temporário e excepcional, quando na fase final da guerra civil na URSS, da proibição de frações no partido Bolchevique; o fundador do Exército Vermelho explica: Mas a decisão do X Congresso do partido sobre frações ou grupos, que mesmo então precisava de interpretação e aplicação jurídica, não é em caso algum um princípio absoluto que está acima de todas as necessidades do desenvolvimento partidário, independente do país, da situação e do momento. (Trotsky, Stalin, o grande organizador de derrotas, 2010)
E critica o stalinismo, que impôs sua fórmula a todos os partidos da IC: Um partido novo representando um organismo político em completo estágio embrionário, sem nenhum contato real com as massas, sem experiência de direção revolucionária, sem formação teórica, já foi dos pés à cabeça com todos os atributos da ―ordem revolucionária‖, ficando parecido com um menino de seis anos de idade que usa a armadura de cavaleiro do pai. […] Sem uma verdadeira liberdade na vida partidária, liberdade de discussão e liberdade de estabelecer seu rumo coletivamente, através de agrupamentos, esses partidos nunca se tornarão uma força revolucionária decisiva. (Idem, p. 206, 207, grifo nosso.)
Centralismo e democracia são polos internos, necessários, opostos, complementares e devese evitar o distanciamento um do outro ou um excessivo domínio contraditório de um sobre o outro, e vice-versa. No partido, o centralismo é uma reação à barbárie capitalista e necessidade de enfrentá-la; a democracia representa a necessidade do futuro, da desalienação e seu desejo, um leve sintoma do comunismo. O capitalismo costuma empurrar-nos mais para a tendência centralista, com a burocratização; no socialismo, a organização partidária, por outro lado, será cada vez mais democrática, frouxa, aberta, pois tenderá ao completo desparecimento em uma
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sociedade comunista; por hoje, ambos são completamente necessários, sendo a democracia partidária o polo determinante. Os fins justificam os meios, mas nem todo meio é válido (ou não em todas as situações). A democracia partidária não é nem pode ser uma concessão da direção para sua base, senão, do contrário, tratar-se-á de um ―estalinismo esclarecido‖, uma forma de falsa democracia partidária. Todos os partidos estalinistas adotam o centralismo; apenas partidos revolucionários procuram preservar em suas organizações a superioridade da democracia interna bolchevique, polo determinante do centralismo-democrático125. Assim: Centralismo burocrático = supremacia do centralismo, resquícios e aparência de democracia como aplicação do centralismo. È proibido a formação de frações, tendências e grupos de opinião; os dirigentes não são eleitos pela base, desde uma disputa política, com cargos revogáveis. Burocratismo não centralista = estabelece-se uma direção partidária dotada de privilégios (parlamentares, audiência, recursos, etc.) enquanto as estruturas de base fragmentam-se em democratismos, liberdade individual sobre a coletiva, indisciplina, lutas fracionais permanentes, organismos de base para intermináveis debates, etc. Centralismo democrático = supremacia da democracia, centralismo como aplicação da democracia. Frações, tendências e grupos de opinião temporários para fins de disputa política e de cargos; dirigentes eleitos pela base com cargos revogáveis. O centralismo democrático evita cair nos dois polos de um mesmo erro. CONSEQUÊNCIAS De forma preliminar, queremos escandir algumas consequências. Na medida em que um partido torna permanente a proposta morenista, ocorre: 1.
Com a escassez de polêmica, atrasa-se a formação dos militantes e quadros;
2.
À medida em que a organização cresce, organismo dirigente tende a ter autonomia,
desloca-se em relação a sua base; 3.
A partir do segundo ponto, é mais difícil a base controlar a direção;
125 Apesar de seus erros na aplicação e teorização do centralismo democrático, Moreno soube perceber que a grande diferença dos reais comunistas para com resto da esquerda é a defesa intransigente da democracia operária nos sindicatos, nos partidos operários e nos Estados operários.
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4.
Torna-se difícil perceber os erros e suas consequências na medida em que faltam meios
para expressar polêmicas; 6.
As contradições inevitavelmente acumulam-se, tomando forma fracional;
7.
Via de regra, por causa da proibição, as frações/tendências já surgem deformadas: na
forma de disputas por cargos, frações de direção, grupos de amigos-militantes, reuniões informais, frações secretas; 8.
No campo psicológico, os militantes movem-se por fé, não por confiar na democracia
interna; teme-se polêmicas; consideram toda diferença como divisão do partido; a direção desenvolve arrogância e desconfia da base; 9.
Surge a tendência a cometer mais erros políticos, com dificuldade de corrigi-los;
10. Ao impedir a existência de válvulas de escape, ocorrem rupturas, à esquerda e à direita, por indivíduos e por grupos, em relação à posição oficial. Em síntese, o partido vive um permanente ciclo crescimento-crise-ruptura. Por isso, tende a estagnar em um tamanho estável. Em 2014, o congresso da LIT, fundada por Moreno nesta concepção estática de centralismo democrático, reconheceu uma lei de seus partidos: frágil relação, em ciclos, de crescimento-crise-ruptura das suas organizações. Percebeu-se uma ―lei‖, mas a direção da internacional foi incapaz de saber o motivo, que parte do problema é a concepção de regime limitada126. Para guiarmos os pontos acima; Leon Trotsky explica que, nos momentos mais decisivos, a direção é sempre muito mais vacilante que a base: ―As bases do partido proletário são, por sua própria natureza, muito menos suscetíveis à pressão da opinião pública burguesa. Mas certos membros do topo e camadas médias do partido irão infalivelmente sucumbir em maior ou menor medida ao terror material e ideológico da burguesia no momento decisivo. Não levar a sério esse perigo é não saber lidar com ele. Não há, é claro, fórmula mágica contra isso que sirva em todos os casos. Mas o primeiro passo necessário para lutar contra um perigo é entender sua origem e sua natureza‖ (Idem, p. 163).
126
Para que se evite pensar o problema do regime interno como causa única e mãe de todas as soluções, destacamos, em nossa avaliação, uma das razões: os partidos da LIT são formados por estudantes e setores médios (funcionários públicos, etc.), crescendo dentro de tais camadas sociais, gerando permanente desencaixe entre programa e perfil social dos seus membros. Um regime correto, ao menos formalmente, nunca impediu por si, sozinho, a degeneração de partidos.
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Apresentamos ao leitor algumas perguntas. Se há possibilidade de agrupamentos internos apenas próximo aos congressos, então como os grupos conseguirão formar-se já que estes disporão de pouquíssimo tempo para reunir membros e amadurecer ideias? Como a base efetuará algum controle sobre os dirigentes? Como, em caso de grave erro, militantes conseguirão acionar 1/3 das regionais para convocação de um congresso extraordinário? Como evitarão que a direção adie congressos? Em partidos pequenos estas perguntas/contradições podem ser resolvidas com alguma facilidade, mas a situação muda quando crescem. Ao mesmo tempo, precisa-se evitar fracionalismos de todos os tipos. Um partido pequeníssimo – constituído de uma única regional com 20 ou 30 membros – suporta, por exemplo, boletins individuais com opiniões e propostas vindas da base. Porém, o mesmo não serve a um partido com 3.000 membros, pois este viraria um clube de debate e papéis; neste caso, a possibilidade de agrupamentos é a alternativa saudável (deve-se negar proibir documentos individuais, pode-se estimular a formação de grupos; pois é sinal de problema imensamente mais profundo, acumulado por longo período no subterrâneo, que surja um mar de boletins internos antes de um congresso). Já em um partido com influência de massas como o Bolchevique a partir de 1917/8, pode-se, como ocorreu, publicitar polêmicas e propostas em espaços específicos da imprensa partidária. São exemplificações para nos guiar a reflexão. Se, por outro lado, um partido de vanguarda tem alta contradição interna, caso de uma luta fracional prolongada, pode adotar aspectos de um partido grande ao divulgar suas polêmicas aos simpatizantes. O nível teórico da base, a experiência prática geral, a cultura nacional, a conjuntura, o tamanho do território onde existe, a composição de classe dos membros127, etc.: todos estes elementos ajudam ou atrapalham, consciente ou inconscientemente. Para perceber e corrigir, uma compreensão correta, dialética, do regime leninista faz total diferença 128. 127 Parte desse debate inclui a presença de militantes que trabalham para os sindicatos ou o partido e mandatos parlamentares. Não há espaço para debatermos este ponto como se deveria. Parte da degeneração de organizações, esses funcionários dos aparatos têm seu nível de vida e emprego – e mesmo seu prestígio pessoal – dependente se o partido no qual militam dirige ou não aquele sindicato, onde trabalha, se o parlamentar revolucionário (no terreno do inimigo) se reelege ou não etc. Vemos que é um setor, por mais honesta sua intenção, tendente a degenerar-se e degenerar uma organização comunista em centrismo ou reformismo. Vetar que tenha direitos a cargos dirigentes e de direção política e também acima das direções intermediárias, além de três anos de aspirância (com deveres, mas sem direitos, como a de voto interno) são contrapressões mínimas necessárias. Retomaremos brevemente este assunto no próximo capítulo. 128 Para este subcapítulo, por analogia, fiquemos com a observação Dialética de Hegel em sua grande Lógica: "Assim também estados obtém um caráter qualitativamente diverso pela sua diferença de grandeza, se se assume que o restante fica igual. Leis e constituição se tornam algo outro, se a extensão do Estado e o valor numérico dos cidadãos se ampliam. O Estado tem uma medida de sua grandeza, [e uma vez que é] levado para além dela, ele inevitavelmente se destrói sob a mesma constituição que constituiria sua sorte e sua força em uma extensão apenas diferente." (Hegel G. W.,
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No entanto, o risco da liberdade de fracionamento a qualquer instante é a direção preservarse por meio do autoelogio, criar uma imagem idealizada de seus membros na base, evitar autocríticas ou fazê-las apenas para nada mudar, além de manobras de exclusão dos membros ―espertos demais‖. É necessário cultivar, em permanência, a tolerância cultural às disputas. É famoso, embora pouco seguido, o fato de o PC Alemão ter expulsado um membro da direção do partido por ele ter feito críticas corretíssimas, mas públicas; Lênin fez o possível para que o partido alemão voltasse atrás, reintegrasse os direitos do antigo membro. O trotskysmo põe como grande exemplo o fato de um militante, com altíssimo talento teórico e prático, elogiado por Trotsky, ter sido expulso do SWP americano após dirigir uma poderosa e vitoriosa greve de caminhoneiros, mas sem estar centralizado no partido (lembremos que ele provavelmente abriu mão de uma grande carreira intelectual para ser proletário). Ora, esse não é o espírito do leninismo, que medeia tanto quanto for possível. Quando o SWP americano entrou em duríssima luta fracional, sobre defender ou não a URSS, Trotsky propôs que os debates fossem públicos para dar toda a ideia a todo o partido de que, em situações limites, a organização era a mais democrática possível, injustificando rupturas (algo que, por exemplo, o trotskista PSTU do Brasil não fez na dura história recente, quando necessário); vale votar, em tal momento, Trotsky comentou que tendências estalinistas, autoritárias, estavam afetando o bolchevismo da própria IV Internacional, inclusive nas direções majoritárias dos partidos membros. Vejamos o caso limite, situação revolucionária na Rússia em 1917; às vésperas da tomada do poder, kamenev e Zinoviev denunciam na impressa o plano de ―golpe‖ de seu partido; Lenin desespera-se e exige a expulsão imediata deles, mas o partido votou contra, o que é uma lição (logo a tolerância deve ser ainda maior sobre militantes de menor cargo). No mais, nesse mesmo período crítico Lenin dispôs-se inúmeras vezes a quebrar a disciplina do partido em nome do que concluiu como correto. O nome centralismo democrático pode ser, assim, substituído por democracia centralista. A INTERNACIONAL Em 1971, no congresso da IV Internacional, Mandel acusou Moreno de proibir grupos internos. Este, sem demora, percebendo a tentativa de desmoralização, respondeu aquilo que expomos: pode-se nos períodos pré-congressuais. Independente disso, o fundador da LIT explica sobre o regime do partido mundial e suas seções:
2016, pp. 399, 400) Logo, o aumento de membros, por exemplo, exige adaptações nas regras de um partido, anulando a fixidez de Moreno sobre o regime partidário, explicando em parte as crises dos partidos morenistas quando crescem.
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Nós estamos construindo a mais formidável arma organizativa revolucionária que tem conhecido a historia: um partido mundial bolchevique. Em este processo de construção do partido se impõe, para esta etapa, fortificar o polo democrático e não centralista, justamente porque nossas direções, tanto nacionais como internacionais, todavia não tem ganhado um grande prestígio político ante as bases de nossas sessões por seus êxitos na direção do movimento de massas. Só esse prestígio poderia fortalecer o polo centralista e disciplinado; portanto, deve primar o aspecto democrático. (Moreno, ¿Partido mandelista o partido leninista?, 2001)
A citação acima poderia ser muito bem usada para afirmar que o regime de partido tal qual Moreno propõe vai contra as necessidades partidárias. Se o polo democrático deve ser o mais forte, então o estatuto da organização deve corresponder à observação. Também encontramos uma singularidade. No texto há a valorização do aspecto psicológico, subjetivo, do regime: o centralismo será maior quanto maior for a moral da direção; e o mesmo ao contrário. Porém, sendo importante, este elemento é relativo, auxiliar. Se o prestígio facilita o caminho, a democracia interna é uma necessidade absoluta tanto quanto o centralismo. Ou seja, claras garantias – mesmo aparenciais, estatutárias – de democracia são vitais; do contrário, congressos, reuniões, boletins, debates e autocríticas serão nada mais que manobras para dar algum verniz não-estalinista aos dirigentes. Incluso em nível internacional, uma direção mundial qualificada e testada deve permitir às direções nacionais produzir suas próprias políticas e testá-las na prática, pois apenas assim ocorrerá o amadurecimento de equipes dignas de situações revolucionárias. Exemplifiquemos com a própria história de Moreno. Por suas posições minoritárias, sua corrente ficaria fora da IV Internacional quando do início de sua atuação, após a II Guerra; mas uma nova proposta do SWP criou os partidos simpatizantes ao lado dos partidos oficiais do mesmo país, no caso, da Argentina. Em seguida, Pablo, principal dirigente, tenta fechar o regime interno e organizar uma fração secreta contra o SWP, sua oposição interna; a reação desta corrente, ao lado de Moreno, permite uma luta fracional que desemborca em ruptura – e isto preserva o acúmulo programático, prático e teórico da corrente. Após a revolução cubana, há uma reunificação das correntes trotskystas; Moreno participa do processo para não ficar isolado internacionalmente, a partir das garantias de sua existência política como tendência – tendo organizado, em seguida, rebeliões internas. Sua experiência em tendências e frações até aqui se lhe revelou novos problemas e novos acúmulos. A capitulação final do principal dirigente do SU, Secretariado Unificado, Ernest Mandel, expressando seu centrismo ao colocar-se contra a defesa da brigada trotskysta Simón Bolivar, na Nicarágua, gera uma ruptura internacional. Isto abre caminho para a Fração Trotskysta, de Nahuel Moreno, tornar-se a LIT. O que percebemos,
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como balanço geral: a possibilidade de Nahuel Moreno, desde o princípio, organizar-se em tendências e frações, permitiu: 1) manutenção da democracia interna, do debate; 2) ruptura e reorganização caso houvesse degeneração; 3) educação acelerada; 4) evitar o isolamento. Não teria avançado se o regime da IV fosse igual ao regime que propunha aos partidos de sua fração e as internacionais que dirigiu. Este balançou faltou-lhe. Das afirmações concluímos a defesa de um regime semelhante em um partido mundial, com um adendo: por razões de convivência e espaço, parece mais difícil a articulação de frações e tendências internacionais. Ter em conta esta dificuldade já nos ajuda. Por isso, torna-se ainda mais necessário um regime que permita frações, tendências e grupos de opinião (e estudo) a qualquer momento no partido internacional. Além disso, a sede da Internacional deve ir para outro país, um pobre de preferência, que não a nação do partido ―mãe‖, assim diminuindo suas pressões enormes sobre a direção internacional; Lenin, ciente disso, queria que a III Internacional funcionasse na Alemanha, não na URSS. O PARTIDO E O SOCIALISMO A revolução socialista deverá fundar uma democracia superior à democracia burguesa. O pluripartidarismo, a organização de apartidários e a formação de correntes por pautas setoriais (meio ambiente, transporte, etc.) farão parte das disputas dentro do novo poder. Entretanto, ainda que surja a possibilidade de frentes revolucionárias, como a dos Bolcheviques com os Socialistas Revolucionários de Esquerda em 1917, a tendência é um grande partido comunista ser a direção reconhecida das massas para a tomada de poder. Surge, então, a pergunta: como evitar a fusão – prematura, antes do comunismo – do partido e do Estado? O debate apresentado será foco de outro capítulo; aqui discutimos a questão partidária dentro do tema. Uma organização com influência de massas no socialismo manter-se-á viva do ponto de vista organizativo se permitir a formação temporária e a qualquer instante de partidos dentro do partido na forma de tendências, frações, grupos de opinião e debates públicos. Assim, a democracia partidária reforçará a nova democracia estatal; eventualmente, as polêmicas serão base para rupturas e formação de novas organizações. Mais uma vez, percebemos os limites de proposta fixa, à revelia de inúmeros fatores, do regime leninista proposto por Moreno. PROPOSTA DE INSTITUIÇÃO INTERNA: COMITÊ DE CRÍTICA E PROPOSIÇÃO Com o avanço do movimento, tornou-se necessário formar nos partidos uma comissão de controle, comissão de moral, com tarefas jurídicas e totalmente independente do comitê central e
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do organismo político do partido. Com o mesmo princípio, como passagem para o próximo capítulo, fazemos uma proposta: um colateral, uma quase fração permanente. Deve ser fundado um organismo de três membros quadros e de perfil autônomo para elaborar, de maneira independente, propostas políticas para os organismos de direção, fazer críticas ―externas‖, propor sobre o jornal e a organização partidária etc. Seu trabalho é intelectual, crítico e propositivo – mas seu cotidiano deve ser próximo ao movimento operário, morar em bairro operário se possível. Os membros de tal organismo estarão proibidos de serem eleitos para direção no próximo congresso, formar frações ou tendências. Terão o direito, no congresso seguinte, de apresentar um documento próprio, tão grande quanto o documento político da direção, além de documentos individuais de cada membro, dos três presentes no organismo, um documento individual por membro. Assim, mesmo que partido proíba, de modo correto, fracionamento permanente, pode-se criar mediação – um organismo ―paralelo―, parcial. Isso ajuda a enriquecer o partido de propostas e alternativas, além de facilitar ver seus erros, pois o guia de propostas do organismo é a máxima ousadia, que deve ser aprovada ou não pelos organismos oficiais. Também ajuda ao combater a tendência de monolitismo, consenso permamente, pensamento único etc. Pode ser nomeado ―comitê de crítica‖, independente dos organismos de direção e dos organismos do movimento.
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REFLEXÕES SOBRE O PARTIDO COMUNISTA Reconhecer francamente os erros, pôr a nu as suas causas, analisar a situação que os originou e discutir cuidadosamente os meios de corrigi-los é o que caracteriza um partido sério. (Lenin V. , 2020) As observações abaixo partem das características gerais dos partidos comunistas em nossa conjuntura: organizações de vanguarda, inexperientes, de baixo peso operário e sob democracias burguesas decadentes. Os problemas levantados aqui tenderão a permanecer nos organismos citados mesmo com mudanças desde 2008, pois as superestruturas são conservadoras. Feita a apreciação, avancemos. O PERFIL MILITANTE É comum que os membros dos partidos comunistas sejam os melhores lutadores nos movimentos sociais. Mas isso faz deles apenas os mais dedicados, o melhores dentro dos limites da luta de classes sob o capital. O partido revolucionário, enquanto não é de massas, deve ter membros acima dos postos de meros soldados, todos devem ser capacitados oficiais. A organização precisa estar pronta para crescer de um perfil de vanguarda para, por saltos e em curtíssimo período, aglutinar dezenas de milhares de militantes de base. O marxismo militante deve formar, portanto, verdadeiros estadistas, pois é isso que serão caso a revolução seja vitoriosa, caso os partidos vermelhos sejam dignos da tarefa histórica. Dirigir sindicatos ajuda em certos aspectos na educação política prática, na arte de gestão. Mas é limitadíssimo. Apenas com educação teórica profunda os quadros partidários serão mais do que simples radicais de esquerda. O instinto de poder do partido deve formar dirigentes estatais em potencial, gente capaz de pensar grande, profunda e estrategicamente. O poder operário não se consolidará dirigido por gente incapaz. A VALIDADE DOS PARTIDOS COMUNISTAS Há três formas de o partido revolucionário desaparecer: 1) Ser destruído por repressão; 2) Degenerar numa caricatura centrista de si; 3) Dissolver-se na sociedade socialista.
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A organização, sendo o organismo antissistema dentro do capitalismo, surge e desenvolve-se a partir de uma dada base material. Mudanças de conjuntura, de situação, mudam em geral apenas relativamente a natureza do partido. Mas, ao contrário, mudanças qualitativas do tecido social ou da etapa (se revolucionária ou contrarrevolucionária), tende a mudar, com algum atraso, o perfil do organismo, da superestrutura partidária. Isso significa que todo partido revolucionário tem data de validade. Pode durar muitos anos ou até décadas com a mesma natureza, mas a realidade mutante é maior e determina o destino da organização. Serve-nos um exemplo. O Partido Bolchevique e os PCs da III Internacional degeneram com o fim da situação e da etapa revolucionárias, na passagem para uma situaçãoetapa contrarrevolucionária mundial. OS FUNCIONÁRIOS SINDICAIS, PARLAMENTARES E PARTIDÁRIOS Ao discutir a degeneração da II Internacional, destaca-se o peso dos parlamentares no perfil reformista e centrista. A questão fica muito mais clara quando levamos em conta que boa parte dos militantes e quadros dos partidos socialdemocratas era funcionários nos sindicatos e nos mandatos dos representantes no parlamento burguês. Por isso medidas formais devem ser tomadas contra a pressão daqueles que precisam de peso sindical e parlamentar para sua própria sobrevivência. Os militantes que têm empregos nos sindicatos, por exemplo, devem passar por aspirância, com deveres e sem diretos, por pelo menos três anos, a contar a partir do momento em que adquirem o cargo (jornalistas, advogados, economistas, vigias etc.). E quando forem aceitos como militantes plenos, fica proibido: ser dirigente político de células, ter cargos acima do comitê zonal (nunca de dirigente político), votar ou ser votado como representante nos congressos e conferências, participar de tendências ou frações. São medidas que diminuem a pressão externa dos aparatos, que até de modo inconsciente afetam a postura de tais membros. A degeneração de tantas organizações obriga regras duras por permanente precaução. Algo semelhante ocorre com os profissionais dos partidos, pois podem se alinhar internamente com aqueles que mantêm seus empregos. Um profissional do partido com cargo abaixo do comitê regional e que não seja profissional do partido para fins de direção política etc., mas tarefas burocráticas (vigia, atendimento etc.), está proibido de ser dirigente político, de votar ou ser votado em conferencias e congressos ou de participar de lutas em tendências e frações. Tais medidas não impedem a degeneração, mas são necessárias e demoramos muito para perceber o quão importantes são.
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GARANTIAS DA DEMOCRACIA PARTIDÁRIA Temos de formar medidas estatuárias que garantam certo grau de tensão interna saudável, que pese contra a dependência de um quadro em particular ou de um grupo. Os birôs político e organizativo do comitê central devem ter um tempo máximo de permanência nas mãos de certo dirigente e tempo mínimo de sua ausência no cargo. Assim evitamos a excessiva especialização ou a formação unilateral de insubstituíveis. A luta fracional deve garantir 20% dos cargos à fração derrotada que tenha alcançado pelo menos 30% dos votos congressuais com os membros escolhidos pela fração vencedora. Pode-se garantir no máximo 30% dos cargos a mais de uma fração derrotada. Assim, se uma fração consegue 40% dos votos e ganha a maioria, fica com 70% dos cargos; se outras duas frações conseguiram cada uma 30%, somando 60%, terão direito cada qual a 15% dos membros eleitos. Esta postura, que pode ser informal, uma boa diplomacia da fração majoritária, melhor uso tem se é formalizada como mecanismo da legalidade do partido. A PROLETARIZAÇÃO Em debate com o SWP americano, Trotsky orientou que os muitos jovens daquele partido fossem girados para apoio ao movimento operário. Tal proposta pode ter a forma permanente de células de proletarização nos partidos: uma parte da juventude e dos assalariados não operários das organizações formarem organismos de base cujas tarefas centrais são marcar presença constante em determinadas fábricas, ajudar as oposições sindicais proletárias, trabalhar voluntariamente nos sindicatos fabris, etc. Tão logo uma organização consolide uma certa quantidade de membros da classe média em seu seio, o que é em si fonte de contradição, deve-se fundar tais grupos para potencializar o trabalho na principal classe da sociedade. Algo semelhante pode ser feito em trabalhos sobre setores populares muito precários como o movimento de ocupação urbana. Um grupo revolucionário deve ser formado por proletários não aristocráticos e assalariados precários em sua maioria e especialmente na direção, por isso tal giro faz-se necessário. OS PROFISSIONAIS Os profissionais do partido devem ter tarefas bastante claras e seus salários deve ser próximo ao da média salarial do país. O critério da renda faz diferença, pois apenas morando e vivendo como um trabalhador não aristocrático o militante pode sentir as mesmas dores de sua classe e ter a necessidade de revolucionar o mundo. Um salário avantajado desregula por diferentes meios seu caráter militante. O fato de dedicar-se a um emprego que dá imenso mais prazer, apesar das
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dificuldades, do que o emprego comum, o fato de estar em um ―serviço‖ não alienado, deve ser um bom estímulo para aceitar ganhar menos do que sua capacidade no ―mercado de trabalho‖. Como deve ser quase lei interna que os profissionalizados tenham origem no movimento operário, deixa de ser um problema a questão salarial, diferente de se tentar dar tal posição a alguém de origem na classe média bem paga. Naqueles partidos onde esta regra é evitada, deve-se fazer uma transição como congelar e reduzir aos poucos a renda desses quadros, o que fará sobrar finanças para mais profissionais da revolução. É muito comum que os membros de classe média destaquem-se nos partidos ditos operários. Um funcionário público, por exemplo, pode ter estabilidade empregatícia, maior tempo livre, menos desgaste no trabalho, mais cultura e mais recursos. Logo torna-se um quadro dirigente, contaminando com seu perfil a organização e sua direção. A profissionalização prioritária de membros advindos dos meios proletários visa dar condições para seu pleno desenvolvimento e a formação de verdadeiros partidos da classe revolucionária. Evitemos também o debate fácil sobre o tema. Nesse limite, alguns defendem que a profissionalização deve ser cancelada após alguns anos para evitar carreirismos. A questão é que quadros capazes demoram a se formar, por isso, se voltam aos trabalhos não partidários depois de anos de dedicação militante, nós na prática perdemos e desperdiçamos potencial militante. Ademais, após longos anos trabalhando para o partido e para a revolução, dificilmente encontrarão emprego regular. Devemos manter financeiramente, mas com salários baixos e sob controle dos organismos partidários, uma camada de profissionais que acumularam capacidades práticas e teóricas. O carreirismo é devidamente evitado com o assalariamento limitado. O PARTIDO LENINISTA COMO O MEIO É um erro considerar, como faz Moreno, a construção do partido como estratégia, pois é o meio para um fim. Esta diferença, que parece desnecessária ou trivial à primeira vista, ganha importância prática quando observada mais de perto. Façamos antes um debate lógico, mais abstrato. O meio é o meio específico de um fim e este é também daquele, fim específico do meio – para um fim, nem todo meio é válido (Trotsky, 16. Interdependência Dialética Entre Fins e Meios, 2002). Há unidade de fim e meio (Hegel). Eis uma primeira consideração da relação entre as duas categorias. Ademais, o fim não está somente em algo como apenas no final mas vai-se realizando no processo; ir-se realizando rumo a si mesmo é o mais próximo que temos de uma teleologia objetiva – unidade de fim e meio,
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desenvolvimento que dispensa a necessidade de uma consciência maior, um Espírito ou um Deus129. Há ainda outra consideração: o meio pode, por assim dizer, degenerar em fim em si mesmo. O dinheiro, por exemplo, avança de puro mediador, meio de troca, para o centro da atividade. Algo semelhante pode ocorrer nos partidos: a autoconstrução passa de meio da estratégia para ser algo em si próprio, em um falso hiperleninismo. Eis um perigo real. Um exemplo deixará mais cristalino: no lugar de elaborar política de modo objetivo, para avançar alguns passos ao socialismo, a organização partidária pode agitar propostas erradas, segundo a conjuntura, que atraiam de modo artificial a vanguarda porque são as mais radicais, porque se diferenciam das demais correntes, etc. A QUESTÃO DO DIRIGENTE Percebemos um padrão sobre a direção geral das Internacionais: os dirigentes mais respeitados atuavam como força objetiva no retardo da quebra ou degeneração de suas organizações. A II Internacional avança sua adaptação ao regime democrático burguês após a morte de Engels; o partido bolchevique e a III Internacional saltam suas degenerações com a morte de Lenin; a IV internacional quebra-se com a morte de Trotsky; a LIT e o partido MAIS na Argentina, que havia alcançado influência de massas, quebram-se depois da morte de Nahuel Moreno. Como afirmamos anteriormente, as mudanças qualitativas da realidade mudam com atraso o perfil das organizações. Mas a superestrutura subjetiva, como grandes líderes revolucionários, tornam-se forças que também interferem no ritmo das mudanças. 129
Façamos breve debate lateral. Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx afirma: "O comunismo é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro imediato, mas o comunismo não constitui em si mesmo o objetivo da evolução humana – a forma da sociedade humana." (Marx, Manuscritos econômicos filosóficos, 2011, p. 148) Assim encerra subcapítulo A Propriedade Privada e o Comunismo. Damos outra resposta. A humanidade, corrijamos o mestre, por longa autotransição, desdobra-se do em si ao para si. O processo histórico de humanização da humanidade ocorre, portanto, de modo contraditório, pela separação e oposição dos homens, pela desumanização. Se por meio do trabalho o homem modifica a natureza e a si; se, por tal modo o desenvolvimento, sua capacidade de transformar e dominar a natureza torna-se necessidade incontornável e irresistível; se todo sistema econômico-social alcança pontos nodais ao se desenvolver desafiando saltos qualitativos; se as necessidades humanas são “cumulativas e irresistíveis” (Marx); se, enfim, a produtividade crescente do trabalho perpassa toda nossa história; então o homem encaminha-se, a humanidade encaminha-se inconsciente (teleologia inconsciente) e, depois, em certo grau de desenvolvimento, quando o igualitarismo começa a estar latente, conscientemente para o comunismo. Por outro lado, não é uma teleologia determinista, dada, inevitável, pois fatores não sociais podem impedir – uma catástrofe de fato natural sobre a qual o homem não pode reagir, etc. – ; o ponto nodal para o comunismo, sabe-se hoje, por ser o ponto de altíssimo desenvolvimento, mas destrutivo, pode antes nos destruir.
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A formação de grandes líderes leva décadas e muitos se afastam da militância, são presos ou morrem. Uma ―seleção natural‖ vai consolidando alguns militantes raros, de grande estatura. Apenas a democracia partidária, com uma sólida formação prática e teórica, permite reorganizar as tarefas e errar menos diante da falta repentina de algum ―insubstituível‖. A mera consciência do problema do dirigente central ajuda a pensar precauções, como preparar uma nova coluna de quadros de modo antecipado, organizar rupturas diante de degenerações qualitativas, etc. O COMPROMISSO MILITANTE Deve ser estatutário que, para ser membro do partido, é obrigatório o compromisso de apoiar apenas o governo baseado na democracia socialista, que surja da destruição revolucionária do antigo estado. Nenhum governo ―progressivo‖, ―nacional‖, ―anti-imperialista‖, ―popular‖, ―esquerdista‖ ou ―socialista‖ por meio da suposta renovação do estado burguês deve ser apoiado, mesmo que criticamente, por qualquer membro partidário, interna ou publicamente. Esta é uma das condições vitais para ser considerado parte da organização revolucionária, deve ser do acordo mínimo de militância. A QUESTÃO SINDICAL Pequenas organizações podem degenerar em seitas, em clubes, em casas de intelectuais. Mas há também o risco mais subterrâneo de transformar-se em partidos sindicais. É debate comum no meio militante que a ação eleitoral é algo tático, ainda que tenha de ser lavado muito a sério. Esquece-se, no entanto, que a atuação nos sindicatos é também do nível da tática militante. Os sindicatos produzem uma pressão enorme sobre as organizações como duplo peso: de um lado, dá base para a radicalidade e, de outro, prende a militância aos limites da reforma, aos limites burgueses, nas lutas parciais. Surge aí a condição para a formação de partidos centristas, que estão entre a reforma e a revolução, entre o reformismo e o bolchevismo. O sindicalismo vermelho ou radical esquece que os sindicatos são organizações defensivas e burocratizadas, por isso serão superestruturas secundárias durante situações revolucionárias na maioria dos casos, senão em todos. Dificilmente, por conservadorismo organizacional, os revolucionários serão maioria nos aparelhos sindicais quando chegar a hora mais perigosa e decisiva. O foco perante revoluções girará para ganhar maioria nos soviets, comitês fábrica, assembleias de bairros, isto é, nos embriões de poder operário e popular. Pequenos partidos revolucionários devem ter alguma influência sobre a vanguarda, ter trabalhos poucos e concentrados em determinadas fábricas, categorias e bairros operários. O mais importante é adquirir alguma influência social em bastiões, que possam irradiar-se em
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momentos oportunos de grandes lutas de classes. Ganhar sindicatos deve ser uma consequência destes trabalhos e posterior meio de ampliar a influência, não o grande fim. SOCIALISMO DO FUNCIONALISMO PÚBLICO No Manifesto Comunista, Marx e Engels tratam de diferentes tendências ―socialistas‖ como o socialismo burguês e o socialismo pequeno burguês. O desenvolvimento da urbanidade e a política keynesiana no pós-II Guerra fizeram surgir uma imensa massa de funcionários cujo patrão é o estado. Este setor esquerdizou-se com sua ampliação numérica e a precarização das suas condições de trabalho. Assim surge o socialismo do funcionalismo público. A base programática de tal setor é a defesa de um estado forte, empoderado, e o desejo ao retorno do paradigma keynesiano na política econômica (ainda que use terminologia marxista). Algumas de suas defesas são progressivas; apoiam e focam pautas democráticas, levantam o ―fora governo‖ quando este aparece como dirigente indesejável, criticam o pagamento da dívida pública, centram críticas aos bancos e defendem uma ampla estatização (que nada tem a ver diretamente com socialismo, que é pela gestão operária das empresas, mas é positivo na medida em que destrói a ideia de que é sagrada a propriedade privada capitalista). Tal programa forma partidos pseudocomunistas, reformistas radicais e o centrismo ultraesquerdista. Em determinadas circunstâncias, a base social descrita130 pode ser ganha para projetos reacionários ou mesmo fascistas que encarnam a ideia de um aparelho estatal fortalecido. São, portanto, um setor médio sob disputa, entre o operário e o burguês. AS ELEIÇÕES A eleição é a oportunidade de falar para muitos, de fazer agitação política. No entanto, é comum que partidos vermelhos sejam irresponsáveis no trato dessa tática. Por desvio sindicalista ou por baixo peso social, é recorrente a presença dos comunistas na eleição ser, no lugar de meio para ganhar audiência e simpatia, a fonte de uma visão popular negativa como taxados de seitas, deslocados da realidade ou folclóricos. A presença eleitoral acaba surtindo o efeito oposto ao almejado. O erro tem pelo menos uma origem: não parecer reformista e eleitoreiro perante a vanguarda radical; assim é produzido material de campanha para os ativistas ou para agrado da própria corrente, para sentir-se revolucionário. Numa eleição, devemos aparecer como aqueles que mais levam a política a sério, aqueles que apresentam propostas práticas segundo o realismo da conjuntura. Mas o repetido desleixo estético, a linguagem do militantês, expressões desequilibradas, o uso desnecessário do humor, a 130
O operário da empresa estatal pendula entre a concepção proletária e a do funcionalismo.
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defesa de propostas mais radicais possíveis etc. atrapalham o caminho ou isolam ainda mais a organização (ao ponto de perder a noção do quanto é marginal e ser considerado caricatural para a maioria). A rejeição indiferente das massas ocorre em grande medida por erro de apresentação dos partidos comunistas. O partido revolucionário deve apresentar nas eleições um programa claro aos trabalhadores, ou, ou melhor, dois, um segundo a conjuntura e um com mais peso transicional. O que o seu governo fará durante o mandato? Aonde quer chegar em 30 anos de governo? Qual o plano? De onde virá o dinheiro necessário para aplicar o programa? Quais e como as leis serão mudadas? Como garantir forçar o congresso a aprovar nossas medidas? Os comunistas crescem se apresenta, por exemplo, um livro com propostas práticas para todas as áreas e bem articuladas (de novo, de onde virá o dinheiro). Devemos provar que somos aos mais capazes, que conhecemos bem o país, que sabemos dos mecanismos de Estado etc. Os projetos devem ter prazos, início, meio e fim – mesmo sendo quase impossível sermos eleitos sob o capitalismo. No socialismo, teremos de fazer o mesmo só que no próprio governo; por isso, desde já devemos ter propostas, em diferentes níveis, e treinar a arte de governar, ensaiar, aprender a analisar para derivar e elaborar propostas práticas. Quem se limita ao sindicalismo perde logo na largada, não merecerá o poder. SOBRE A FORMAÇÃO DE QUADROS Em várias empresas, como nos call centers, uma gerência mais ou menos permanente tem a noção geral do trabalho enquanto jovens da mais baixa patente são levados até ao esgotamento após meses de labor, então são demitidos e substituídos por novos trabalhadores. Algo semelhante ocorre em alguns partidos vermelhos. Uma velha guarda tem a visão geral, dirigem os postos de comando, e jovens disciplinados são usados até ―quebrarem‖, então são substituídos por uma nova leva de militantes juvenis. É assim que quadros mais velhos mantém suas influências, poderes e prestígios. O tarefismo e o praticismo imperam, exige-se mais do que pode ser dado de modo equilibrado pela militância; assim, de modo artificial, o partido parece mais forte do que de fato é (no movimento, nas finanças, etc.), mas guarda dentro de si uma constante estagnação, quando não crises internas. De um lado, deve-se focar as poucas forças em poucas tarefas, setores e organismos (participar de poucos, de preferência apenas um etc.) e, de outro, deve haver uma verdadeira fixação constante pela formação de quadros capazes de levar para frente tarefas práticas e teóricas. Nada impede, por exemplo, um manual bastante completo, recheado com exemplos práticos, sobre gestão sindical. Aqui vale comparar com as igrejas neopetencostais, pois elas
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formam seus ―líderes de células‖ com muito material gratuito, claro e de qualidade sobre oratória, organização, etc. Nos partidos de esquerda, na relação dirigentes e dirigidos ou entre militantes e vanguarda sem partido, existe uma tendência ao desejo de ser insubstituível, que se tenha dependência por certos quadros (que sem eles muitos trabalhos militantes definham). É possível que militantes ―espertos demais‖ – pensam de forma autônoma, sabem elaborar política, discordam com propriedade – sejam informalmente excluídos, boicotados ou expulsos. SOBRE O PERFIL DA JUVENTUDE PARTIDÁRIA Os partidos comunistas tendem a atrair jovens com perfil ―paz e amor‖. Trotsky orientou o SWP americano para que seu jovens de classe média intelectualizada passassem 6 meses duros praticando o prático trabalho manual no campo, assim se reeducando. Isso soa impensável hoje. No entanto, pode haver mediação: todo militante jovem quadro e com certo tempo estável no partido deve aprender, três opções ao indivíduo, alguma arte marcial realista, ou escoterismo e sobrevivencialismo, ou praticar caça. É preciso reeducar jovens criados na democracia, na paz social relativa e em ambiente pequeno burguês. RELAÇÃO PARASITÁRIA Os comunistas podem ser membros de um partido reformista por um curto período. Moreno alerta que o tempo de presença em outra organização deve ser algo em torno de três anos, mas a realidade pode forçar o adiamento da ruptura. Sobre, o argumento do argentino é certeiro: passar muitos anos dentro de uma organização de esquerda do sistema produz pressões ao perfil da corrente revolucionária e vícios que podem se tornar incuráveis (centrismo, etc.). Ocorre que há correntes ditas revolucionárias que acabam se adaptando, focam em orbitar outro partido. Deixam de preparar as condições de crescer e, em seguida, compor um organismo independente. Passam a parasitar a organização reformista. Localizam-se à esquerda da direção majoritária, mas sem uma estratégia de tensionamento que produza uma positiva ruptura. Na prática, embora escondam até de si, abandonam a ousadia de formar um poderoso partido de tipo bolchevique e conformam-se em ser uma pequena corrente ―revolucionária‖ longe de maiores pretensões. A tática do ―entrismo‖, compor por alguns anos outra organização, tem por objetivo ganhar principalmente jovens radicalizados para, no segundo momento, já como partido independente, focar com mais força no movimento operário. Mas o meio acaba se tornando um fim, degenerase.
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O JORNAL DE VANGUARDA O desenvolvimento da TV, algo muito recente na história, e, depois, da internet tiraram do jornal impresso grande parte do espaço que tinha na sociedade. Antes, mesmo com a concorrência do rádio, a esquerda conseguia ter um grande público para sua impressa. Hoje, o jornal é, por enquanto, uma ferramenta para uso dos militantes e da vanguarda em todo o mundo, em parte reflexo das mudanças citadas. Quais alterações na realidade obrigam mudanças na comunicação partidária? O critério de ter no começo bons jornais no lugar de muitos deve ser traduzido em propostas e concepções de conjunto. Em primeiro lugar, a informação é de fácil acesso, mas não a verdade. A impressa socialista precisa explicar a notícia no lugar de oferecê-la, por isso necessita mostrar os nexos interno da realidade naquela ação em aparência isolada do governo, etc. O leitor tem carência de lógica e fundamento, de saber o nexo causal dos fatos, que a realidade faça sentido. Em segundo, os textos teóricos devem ser claros e, ao mesmo tempo, profundos o bastante. Os artigos de formação devem ter o tamanho necessário para o aprendizado, mais do quer dar ―alguma noção‖ nevoenta sobre o assunto. Certos livretos introdutórios podem ser lançados em forma de jornais especiais. Em terceiro, o tema da arte deve estar presente da forma popular e educativa. Poemas, imagem de quadros ou esculturas e contos centrais da história podem ser acompanhados de texto que explica o contexto histórico daquela obra. A educação estética é necessária junto à divulgação das produções. Em quarto, a impressa na internet e, sempre que possível com ajuda de especialistas, o jornal devem explicar as conquistas históricas da ciência e divulgar, de maneira crítica, as vanguardas atuais do trabalho científico. À medida que um partido comunista cresce, tende a atrair alguns intelectuais e sábios que podem ajudar em tal tarefa em suas especialidades. Em quinto, a parte política central da imprensa deve evitar as propostas mais radicais ou de transição quando a conjuntura ainda é imprópria. É preciso separar o que é defesa programática geral para a vanguarda daquilo que é feito para que os militantes agitem como exigências no movimento prático. O jornal deve guiar a ação e torna-se defeituoso quando sua leitura deixa de guiar os debates políticos onde se decide a ação. Se a impressa central é incapaz de ser um guia, uma base para a prática, então deixa de cumprir sua função. Em sexto, a prática da militância deve ir a balanço no jornal. Por exemplo: uma greve exemplar deve ser relatada para servir de bom exemplo e educação para os demais militantes. Um importante processo que foi derrotado pela burocracia sindical também deve ir a balanço público
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sobre o que os revolucionários fariam se estivessem na direção daquele sindicato. Uma ação internacionalista destacável pode servir de inspiração para os demais membros da organização. Em sétimo, deve-se apresentar o ponto de vista comunista daquilo que está na impressa, mas deve-se, também, leva temas e assuntos boicotados pela mídia burguesa. Mesmo um jornal de massas pode ter uma regularidade semanal ou quinzenal, em vez de diário, ao focar na qualidade das notícias e do material. O CLUBISMO Nahuel Moreno foi um dos que observaram que os partidos tendem a degenerar em clubes. Como o mundo é o cenário da brutalidade, quer-se evitar o problema vivendo dentro da organização. Quanto é uma tendência forte, degenera o organismo militante em uma seita apenas com aparência revolucionária. É difícil encontrar um remédio para o problema. Ter a clareza de que é uma tendência comum ajuda na precaução ao empurrar os organismos partidários para a ação efetiva, evitar excesso de atividades internas artificiais, etc. O PARTIDO EM GRANDES PAÍSES Em países continentais – Brasil, China, EUA, Rússia, Índia –, as regionais ganham importância para a dinâmica política dos partidos. É preciso que as direções de cada estado (ou província ,etc.) elevem-se à posição de direções ―nacionais‖ daquela região. Assim como um partido internacional oferece certa autonomia aos partidos nacionais para que aprendam e elevem-se, algo semelhante deve ser feito em grandes países. A política geral para a nação deve ser separada dos encaminhamentos que variam de local a local; uma política para eleição municipal, por exemplo, pode seguir certa tática em uma cidade do sul e outra completamente diferente em outra no nordeste. As direções regionais terão de fato que obter caráter de direção nacional – com eleição de Comitê Central, etc. – com o acúmulo de experiência e influência social, isto é, deverão ter a qualidade militante que um partido nacional exige. Isto era impensável no partido Bolchevique porque, além de pequeno quando ilegal durante o poder czarista, havia apenas duas grandes cidades na Rússia no início do século XX; a urbanidade era também menor, relativo aos nossos dias, nos países avançados. A ASSIM CHAMADA CRISE DE DIREÇÃO REVOLUCIONÁRIA No Manifesto Comunista do século XX, o Programa de Transição, Trotsky afirma que a crise da humanidade pode ser sintetizada pela crise da direção revolucionária do proletariado.
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Quase 100 anos depois do início de tal ―crise‖, sua permanência deve ser vista por nós como normalidade, como regra. Vários partidos trotskystas usam tal frase, que há uma crise de direção, como certo mantra explicativo. Mas o normal é que os partidos revolucionários, por serem o que são, sejam minoria, às vezes, por décadas no movimento de massas e nas eleições. Apenas durante situações revolucionárias ou, com muitos acertos, nas pré-revolucionárias, um partido antissistema pode ser de fato ouvido, ter muitos militantes, ser ou quase ser maioria. É preciso uma dura crise econômica, social e política para que a maior parte dos assalariados, em especial a classe operária, veja os radicais como a real alternativa para a solução de seus problemas. Se um partido dito comunista tem enorme peso social numa situação não revolucionária, reacionária ou contrarrevolucionária há que se pergunta se de fato é uma organização subversiva (caso dos PCs e PSs na Europa antes da fase neoliberal, organizações centristas e reformistas). O comum são as organizações de fato vermelhas serem pequenas por muito tempo, no máximo com certa influência sobre a vanguarda. A figura do burocrata sindical e partidário ou do militante honesto e equivocado nos seus rumos impera por muitos anos, talvez por décadas. Portanto, a janela de oportunidade dos partidos leninistas é aberta em poucos períodos, no amadurecer de momentos decisivos; até lá, devem aprender a ser minoria, tanto odiar quanto perceber a própria marginalidade e construir as condições para fundar um partido marxista de massas. Porém ser minoritário é diferente de ser marginal; um partido de vanguarda sólido ou com influência minoritária nas massas pode ser consolidado nas mais variadas conjunturas evitando a degeneração das correntes em seitas políticas. O TEATRALISMO MILITANTE131 Em especial nos momentos de recuo das lutas, surge um hábito que corrói no subterrâneo um partido leninista: a ação artificial, fictícia. Ocupa-se em demasia os militantes com palestras ou ―debates‖ que são desnecessários, não avançam a compreensão geral da realidade, apenas marcam datas tradicionais e são obrigatórios à militância. A constância de ações artificiais leva inconscientemente ao afastamento de militantes dos partidos e da prática política. O exemplo ajuda a compreender o fenômeno. Panfletar em frente a uma fábrica pode ser um ato de fundo inútil; se o panfleto tem uma mensagem deslocada da conjuntura concreta, se não há acompanhamento constante daquela empresa, se inexiste um projeto por detrás daquela panfletagem, então a atitude ―revolucionária‖ torna-se de fato limitada
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A primeira a observar tal fenômeno foi, se bem recordamos, Maria Rita Kehl. Infelizmente, não reencontramos a entrevista aonde ela defende tal ideia. Tal registro visa evitar acusação de plágio.
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quando não nula. Protestos de vanguarda podem ter a mesmo sentido enganoso, tornando-se pseudoprotestos. O teatralismo tende a ser erro gerado por longo refluxo das lutas – situações não revolucionárias, reacionárias, contrarrevolucionárias –, porém pode ―fazer escola‖ e permanecer mesmo em momentos de maior luta de classes como um vício de rotina. Em geral, a existência em parte artificial da organização política revela em tais atos. Um trabalho constante com finalidade clara, um curso profundo sobre um tema imprescindível, etc. são necessidades para consolidar militantes. É uma necessidade tanto do movimento revolucionário quanto da psique da sua vanguarda. Mover a militância por marcha forçada de atividades tira o sentido da mais importante tarefa que alguém pode assumir em nossa época e é uma forma de alienação. A MORAL MILITANTE O partido revolucionário deve ser um local respirável, diferente do ambiente de trabalho. É preciso uma relação de camaradagem que permita a presença ―desarmada‖ dos militantes, onde o temor de manobras e jogos seja quase inexistente. Pode acontecer uma ―facilitação do caminho‖ por meio de todo tipo de agrados, reposicionamento de militantes, artifícios psicológicos, etc. Esse tipo de postura deve ser severamente evitado. Peguemos exemplos práticos. A direção pode por si escolher quem será os novos dirigentes preparando militantes específicos; quando chega a hora de votar a nova direção, os militantes apenas reafirmam, em um teatro de democracia partidária, a composição dirigente escolhida pelos quadros antecipadamente; o correto seria a base decidir desde o começo quem seria preparado para os cargos ou renovação geracional. O que parece uma questão administrativa pura revela-se uma questão também moral. Outro exemplo: dirigentes podem fazer constantes autocríticas, o que é correto, para manobrar, para manter-se nos seus postos e evitar maior dureza da base sobre a direção. Temas como a sinceridade, o respeito, a disciplina são tratados nos debates de moral; o que pode faltar são as sinuosidades, as invisibilidades difíceis de acusar e provar. Em geral, se os membros de um partido adotam uma moralidade porca, muitas vezes disfarçada, é porque mudanças de fundo já ocorreram na organização e se expressam na prática. A moral, tomada de modo dialético, passa longe de ser uma receita de conduta, mas há um fim que a norteia nas variadas, até opostas, decisões: destruir a alienação. A ação militante deve ter por base diminuir, ainda que por mediações, o grau de alienação dos membros partidários, da classe trabalhadora e da sociedade. Todos os militantes devem ter claro que esta é a tarefa central
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a partir da qual elaboramos táticas e tomamos medidas desalienantes. Bons resultados em si baseados em meios alienantes escondem na aparência uma derrota essencial. O marxismo é, entre outras coisas, uma concepção moral. A exploração é um conceito sociológico, objetivo, mas também é um problema de moral, um tipo de imoralidade, alienação, domínio do homem sobre o homem, um roubo, ainda que inevitável em certas épocas e circunstâncias. É moral, por exemplo, a concepção de que só é verdadeiramente marxista quem apoia, mesmo que criticamente, apenas, e somente apenas, governos baseados em outro Estado, socialista, com democracia de tipo soviética, direta e participativa. Quem apoia governos ―progressistas‖, apenas ―anti-imperialistas‖, burocráticos ―vermelhos‖, ―socialistas‖ que não destroem o Estado burguês está numa posição imoral – não é marxista, mas centrista, está entre a reformar e a revolução. Para a causa do fim da alienação social, é moral a disciplina militante, mesmo que moderada e temperada pela conjuntura, e imoral o desleixo; é moral a liberdade de defender posições dentro do partido, imoral impedir artificialmente a polêmica; é moral mentir ao patrão para ganhar uma luta sindical, imoral mentir aos trabalhadores para ganhar uma votação em assembleia. A moral, como parte do meio para o fim da alienação, tem um recorte de classe. A moral comunista nunca é elaborada por fora, pelo mero pensar correto. É uma necessidade objetiva da luta, nunca um valor em si mesmo ou um imperativo categórico. Para isso, os militantes devem estar sob circunstâncias em que precisem de tais posturas diante da vida. Mas isso não diminui a consideração formal e a decisão na hora de seguir a moralidade, pois somos o tempo todo, inconsciente e conscientemente, objetiva e subjetivamente, educados pelo capitalismo para certa moral contra a qual devemos fazer uma contrapressão consciente, constante e imperfeita. Os comunistas na direção de um sindicato, por exemplo, fazem uma festa para a categoria, para a base, porque o capital falha em garantir o lazer, dificulta-o em nome do lucro, logo tomamos a medida desalienante de fazer um encontro festivo, por exemplo. O combate contra a alienação dá sentido real claro aos militantes sobre a natureza de suas ações, como e por qual motivo agir. A FORMAÇÃO TEÓRICA É uma obviedade que a formação militante deve incluir uma sólida coluna teórica, mas o desprezo pela teoria costuma ser uma constante inconsciente ou semiconsciente nos partidos. Para fins de exemplo, uma equipe de dirigentes deve ser formada por gente que alia estudo e
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prática, que supere a oposição que remete à divisão, alienação, entre trabalho manual e intelectual; precisa ser critério de balanço dos militantes se são responsáveis ou irresponsáveis para com o estudo. Em grupos de direção intermediários, pode ser interessante agregar aquele membro pouco especial em outras tarefas, mas que tem um domínio acima da média da teoria e do raciocínio dialético (outro problema surge se militantes de tal perfil tornam-se importante minoria, maioria ou dominem os órgãos dirigentes). De tal modo costuma-se estar aquém do mínimo exigido aos quadros que poucos levam em conta que uma formação sólida de dirigentes médios deve incluir um básico domínio da ciência militar. O centrismo estalinista foi, repetidas vezes, mais ciente da necessidade de dominar aspectos práticos da segurança e aspectos teóricos da arte de combate; isso se dá em parte pela substituição da posição de classe por uma interpretação geopolítica, lutas classistas por luta entre Estados, da realidade132 e em parte pela ligação com as ditaduras nos Estados operários burocratizados no século XX (que ofereciam treinamento, etc.). No trotskismo, raro ver-se a publicação dos escritos militares completos de Trotsky, um dos maiores dirigentes militares da história, e, apesar da origem da corrente no fundador do Exército Vermelho, o tema da formação teórica militar é marginal, senão inexistente. É preciso evitar que um militante mais afeito ao assunto ou uma equipe passe a centralizar o estudo militar. Como em todo partido revolucionário com algum peso social, há infiltrados na organização ou monitoramento estatal e bastaria uma repressão sobre militantes selecionados para quebrar a ―coluna militar‖ do partido. Por isso a solução é diluir tal responsabilidade de estudo entre todos os quadros consolidados; será necessidade também da própria revolução. Todos os dirigentes devem ter aprendizado obrigatório na arte da guerra. *** Deve-se evitar que um partido torne-se rotineiro grupo de debates intelectuais e, ao mesmo tempo, também precisa ser a fonte de novos grandes pensadores, atrair e formar as melhores mentes. A organização deve dar importantes e vitais aportes às ciências humanas (se possível, igualmente nas ciências naturais) por meio de pesquisas profundas e necessárias à própria compreensão da realidade, que é o cenário da prática militante. Intelectuais orgânicos, acadêmicos, integrantes quadros devem ter a responsabilidade de investigar o que interessa à plena compreensão do mundo. É necessário fazer um contraponto à degeneração científica (pósmodernismo, positivismo, pesquisas fictícias, etc.) das universidades.133
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O erro oposto, desconsiderar o peso da geopolítica na análise, também ocorre. Tal consideração foi feita, em primeiro, pelo marxista Santiago Marimbondo de modo informal.
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MILITÂNCIA E CINISMO Na grande obra ―O Homem que amava os cachorros‖ de Leonardo Padura, a narrativa demonstra o processo de transformação de um revolucionário em um cínico, embora negue isso a si próprio, caso do assassino de Trotsky, Ramón Mercader. No caso da personagem, percebeu que seus dirigentes eram oportunistas, mas, se rompesse com eles, passaria, no mínimo, por sérias dificuldades – então preferia uma ―alucinação negativa‖ ao desconsiderar para si tal conclusão. Esse foi o caso de grandes dirigentes do partido Bolchevique quando este degenerou sob liderança de Stalin. Apesar de suas críticas duras e corretas, vários quadros recuaram, até pedindo perdão por seus ―erros‖, para evitar o isolamento social e político, para manter sua renda, para não morrer, para evitar o exílio. Não é incomum, ainda hoje, o cinismo tomar conta dos militantes de origem socialista. O antigo e degenerado PCB, tinha a cultura de isolar, senão punir, certos ex-militantes, fazendo estes sofrerem pesadamente no ostracismo ou mesmo recuarem pedindo ―perdão‖, por meio da proibição de sequer falar com aquele membro expulso. Isso faz parte da tradição estalinista. Quem, por outro lado passou pelo peso de fatos como isolamento, fará de tudo para se adaptar, no lugar de aceitar um novo ostracismo advindo de posições corretas; quem bebeu o primeiro café com açúcar, nuca mais aceitou seu gosto puro amargo. Ocorre o mesmo que as seitas religiosas com táticas de manipulação para dar vida a um militante cínico, teatralmente comunista, como o pastor degenerado decora toda a bíblia e vive um personagem público. A NECESSÁRIA OUSADIA A queda do socialismo real teve um impacto poderoso sobre a subjetividade dos velhos e novos revolucionários. Os antigos militantes eram ousados, tinham altíssimo espírito de sacrifício, pensavam enormemente, era muito mais natural uma disciplina férrea. Não tem sido assim com as gerações atuais. A rotina sindical, o teatralismo do radicalismo, etc. tomam conta da militância. Acreditam na possibilidade e na necessidade socialista, porém não tanto nem tão rápido… Assim, faltam-nos grandes líderes como se o tempo dos heróis, das conspirações, das perseguições, etc. fossem coisa de um passado recente findado, de uma barbárie que foi superada pela civilização (pela democracia, etc.). Até a produção teórica decai em elaborações apenas parciais, não qualitativas. Para resolver isso, ajuda tomar consciência de tal psicologismo e treinar-se para a ousadia, para a grandeza, para um tipo de megalomania racional. É necessário pensar, agir e sonhar grandemente. Mas isso somente será resolvido de todo com grandes exemplos de revoluções vitoriosas e a própria pressão das circunstâncias (ditaduras, etc.).
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CALIBRAÇÃO DA POLÍTICA É comum que uma corrente elabore política para melhor se localizar, para se diferenciar, quando o certo seria elaborar uma política segundo a conjuntura, nem mais nem menos. Isso é comum no Brasil: as pequenas correntes trotskistas, para justificar a própria existência, elaboram políticas mais radicais do que a do centrista PSTU, que por sua vez costuma elaborar políticas ultraesquerdistas. Eles dobram a aposta independente das circunstancias, são mais radicais do que os radicais oportunistas. Mas elaboramos propostas para atrair as massas, não os ativistas. Às vezes, os oportunistas de direita e de esquerda desafiam os revolucionários a tomar medidas mais radicais que as corretas. Um golpista pode provocar a esquerda para ire às ruas em protesto axato para justificar seu golpe de Estado (isso ocorreu, por exemplo, na França de Luís Bonaparte e na revolução dos cravos em Portugal). Na Bolívia, o reformismo da direção da COB propôs um partido dos trabalhadores ligado ao grande sindicato; os revolucionários deveriam dizer: não façamos isso, não agora; esperemos uma dura crise e a desmoralização do MAS para fundar um partido novo, senão sairá um aborto e então teremos dificuldades posteriores de realmente fundar um partido nosso; provavelmente, o oportunismo quer realmente queimar a possibilidade de no futuro criar tal partido. Às vezes, é preciso recuar, adiar ou esperar para a madurecer as condições necessárias. PARTIDO: MÁQUINA OU ORGANISMO? Aqui, reforçamos a sensibilidade não conceituada de Moreno. Trata-se o partido como certo maquinismo em que a disciplina é total a qualquer instante, levando ao esgotamento de quadros e um tamanho artificial, que produz crises, necessitante de uma euforia militante permanente, tarefismo, para manter o peso social, sindical etc. A tarefa do partido é considerar o militante um ser humano, não máquina ou peça de uma. Se uma célula, por combinação de indivíduos, pode render no máximo 30%, então este é seu 100% real. Claro, deve-se fazer campanha permanente pela disciplina – mas o risco é passar do ponto, de estressar o partido mais do que o saudável. O partido é um organismo vivo, não uma coisa ou fetiche. Ao elaborar política, por exemplo, devemos ter em conta, no cálculo de conjuntura, a situação de nossa organização, o moral dos nossos soldados etc. Não os pensar como totalmente disponíveis e capacitados haja o que houver. O combate contra a alienação tem disso: ver a humanidade, a imperfeição, os talentos, as vocações etc. dos membros. Gente excepcional é excepcional, exceção. Alguns grupos e indivíduos dentro do partido renderão mais outros menos, em situações diferentes.
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A HORA DO TROTSKYSMO? Muitos trotskystas pensaram que a queda do chamado socialismo real e as revoluções antirregime no Leste Europeu abriram caminho para o trotskysmo. Uma derrota prevista por Trotsky, a restauração do capitalismo, pesou e pesa de modo negativo entre as massas, mas dá certa razão histórica entre a vanguarda. A situação seria diferente se as lutas antiburocráticas, que derrubaram o aparato estalinista, desemborcassem em novos Estados operários revolucionários, com democracia socialista. Não foi o caso. A pergunta é, então, se pelo menos se abriu a época dos verdadeiros leninistas. As revoluções socialistas da segunda metade do século XX foram camponesas enquanto o trotskysmo tem seu programa ligado ao movimento operário. Hoje, porém, as revoluções podem ter liderança operária, em principal as primeiras, mas tendem também a ter peso popular urbano. Isso significa que ou os trotskistas atualizam seus programas ou perderão a oportunidade histórica. Se lhes faltar uma compreensão correta de nossa época, a prática será limitada. Surgiram em quase todos os países com alguma real importância pequenos partidos que se reivindicam trotskistas. Mas há um problema acumulado em silêncio: desde a década de 1990, houve um recuo das lutas e da força ideológica do socialismo, então os partidos passaram por períodos mais ou menos reacionários que levaram as organizações à rotina, ao defensismo, ao abandono da teoria134 e à marginalidade. Isso cobra um preço. Quando as crises mundiais começam a balançar o sistema, os partidários oficiais do comunismo encontram-se educados em outro espírito e adquiriram inúmeros vícios. A ave acostumada a voos rasos é incapaz de alcançar grandes alturas. Os partidos vermelhos, portanto, deverão estar dispostos a duras reformas internas e, talvez em muitos casos, suportar rupturas. Neste sentido, o terreno, as conjunturas, e a crise sistêmica pressionarão de modo positivo pela autorrenovação do bolchevismo. Para fins de duro debate programático, campanhas internacionais conjuntas, tarefas unitárias em alguns países (como, por exemplo, a formação de um partido trabalhista e popular nos EUA); os principais partidos internacionais trotskystas – LIT, TMI, ASI –, que adotam o centralismo democrático e se diferenciam da degenerada SU, podem formar uma federação de internacionais, uma frente única revolucionária internacional a partir de certo programa mínimo revolucionário. Tal unidade deve deixar claro que não é a IV Internacional reconstruída, que é respeitada a independência das diferentes correntes, com a autoconstrução enquanto meta legítima, e que uma unificação só poderá surgir após a tomada revolucionária do poder em algum país. 134
Cumpre destacar que a teoria permite também aprender com o exemplo alheio, dispensando ter de passar por longuíssimas experiências para acertar. A prática completa o ensinamento, mas aprender com o outro, com a história do movimento socialista, dispensa começar tudo quase do zero; é o sinal mínimo de sabedoria necessária.
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ESBOÇO PARA UM BALANÇO DO COMUNISMO NO BRASIL O PSTU foi o principal partido comunista do mundo, por isso deve-se destacar sua história, ainda que de modo breve, e fazer o devido balanço para explicar sua degeneração em centrismo ultraesquerdista. É o objetivo, em geral, deste capítulo. Aqui, nós queremos evitar a postura rancorosa ou apenas negativa comum em alguns ex-militantes; por outro lado, faz falta balanços claros sobre as razões das rupturas com este partido, sejam elas mais progressivas ou, ao contrário, mais reformistas. A crítica pública entre os nossos é necessária para a evolução das organizações ou para reorganizações, rupturas, etc. O esboço abaixo – e, por ser esboço, tem linguagem direta – tenta ajudar em tal tarefa, baseando-se de maneira referencial em ―Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo‖ de Lenin. O leitor afeito à obra reconhecerá pontos de contato entre os textos. O fato de que nenhuma organização tenha algum trabalho do tipo leva-nos a crer que podem cair nos mesmos erros na medida em que falta percebê-los, caracterizá-los. UM BREVE APORTE O núcleo inicial da corrente que deu origem ao PSTU, a Liga Operária, surgiu na década de 1970. Seu acerto político garantiu seu desenvolvimento: colocou-se contra a tática ultraesquerdista e vanguardista de formar guerrilhas, apostando, em oposto, na formação de um partido revolucionário da classe operária. Na fase final da ditadura, era preciso uma forma de crescer e aglutinar a vanguarda das lutas que cresciam no país. A primeira proposta foi a formação de um Partido Socialista, com a presença de ilustres intelectuais, mas o projeto não vingou, ficando reduzido aos próprios membros da Convergência Socialista (futuro PSTU). Graças à intervenção do argentino Moreno, da LIT, a política foi corrigida: formar com os sindicalistas um Partido dos Trabalhadores. O acerto é sabido por todos: forçou os limites da ditadura, uniu a vanguarda nacionalmente, impediu maior crescimento de organizações diretamente estalinistas (ainda assim, a direção majoritária do PT tinha formação estalinista). Nesta época, ocorreu um dos auges da corrente ao liderar grandes greves e ocupações de fábrica. Mesmo assim, o partido entrou em crise ao menos duas vezes, gerando rupturas à direita: primeiro por causa do erro da tentativa de formação de um PS e, segundo, por atração imensa e a esperança que o lulismo gerou em parte da militância. No subsolo, uma forte razão para estas crises é a formação de classe média da maioria de seus membros.
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Um importante erro desta época foi não ter elaborado a proposta de criação de uma central única dos sindicatos (e dos demais movimentos populares). Se tivesse impulsionado esta elaboração, teria ganhado mais destaque na luta de classes. De qualquer modo, participou da CUT, embora sem ser protagonista em sua formação. O impressionismo teórico e político da organização, que será tratado adiante, já se revelava na época de formação inicial do comando partidário. A corrente pensava que a queda da ditadura seria seguida de uma revolução socialista. Isso serviu para disciplinar artificialmente os militantes, mas estava errado. A história mostrou que a democracia burguesa foi base para permitir inúmeros ataques contra os trabalhadores e amortecer a luta de classes. No balanço da LIT – corrente internacional da qual participa o partido em avaliação – por seus 30 anos, há um texto sobre o PSTU dentro do PT, em que afirma que o partido se tornou uma organização dos trabalhadores com a tática do entrismo (LIT-QI, 2016). Ora, ao ficar 12 anos dentro do PT, os quadros juvenis… envelheceram. No mais, a tática do entrismo em organizações reformistas é exatamente para ganhar jovens radicalizados e depois romper com algo em torno de 2 ou 3 anos de trabalho interno, não 12135. Sobre, ver Moreno em seu ―Teses para atualização do programa de transição‖: a permanência demasiada por dento de um partido não revolucionário produz pressões e vícios no perfil da organização ―infiltrada‖. Já aí, na década de 1980, vemos pressão para tornar centrista a corrente. De qualquer modo, o entrismo no PT foi praticado com enormes precauções, graças às orientações da LIT: evitava-se assumir cargos dentro do partido; a Convergência Socialista tinha sedes, jornais, finança, etc. próprias e independentes. Tais medidas atuavam com força contra pressões degenerativas – mas 12 anos de convivência permanente deixa suas sequelas. O PT quase monopolizava a esquerda, por isso havia riscos de uma ruptura prematura, como a ameaça de tornar-se seita por razão do isolamento político e social. Isso poderia ser mediado com trabalho na classe operária enquanto as lutas sociais fossem fortes, levando os jovens militantes ao mundo proletário, e também semiorbitando eleitoralmente o PT por algum tempo, até que este se elegesse. Quando a Convergência Socialista decidiu formar um partido próprio, fez uma aposta: Lula seria eleito presidente, a democracia nunca encontra estabilidade e longevidade em países atrasados – e o espaço para um partido revolucionário estava, enfim, dado. Neste aspecto, o erro foi completo. Devia-se, primeiro, deixar as condições objetivas amadurecerem tanto quanto possível e serem confirmadas, como com a eleição de Lula, para – uma vez que esperou longos 135
Valério Arcary demonstra em palestra que os organismos internos do PT, os de base em especial, tinham baixíssima presença de trabalhadores, sendo hegemonizados por jovens militantes (Arcary, De Jango a Lula, 2012).
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12 anos para romper – só então tomar a decisão de formar outro partido. Esse tipo de erro tornou-se típico no partido; por exemplo: no lugar de esperar amadurecer as condições objetivas e subjetivas para fundar uma nova entidade nacional estudantil, a organização decide antecipar-se, chegar primeiro, produzindo abortos (Conlute, ANEL). Usou-se uma tese impressionista para a ação militante136. A ruptura era necessária seja porque já havia ficado muito tempo dentro de outra organização seja porque iria abrir, em seguida, uma situação reacionária no país, que pressionava a degeneração partidária. A Convergência (PSTU) forçou a expulsão do PT ao propor o ―Fora Collor‖. A direção majoritária era contra o ―Fora‖ e o próprio congresso petista votou contra a proposta por ampla maioria. Rompendo a disciplina interna, a corrente impulsionou a luta pela queda do governo. Valério Arcary, ex-militante, faz o balanço: Foi um momento chave para a minha geração. Em especial, para aqueles com quem compartilhava a militância na Convergência Socialista. Tivemos um grande acerto tático e dois erros estratégicos graves, porque irreparáveis, nas consequências. Acertamos que era possível derrubar o primeiro presidente eleito depois de três décadas. Mas: (a) erramos ao subestimar a possibilidade de estabilização democrático-liberal em um país da periferia; (b) erramos ainda mais em apostar na possibilidade de disputar pela esquerda a influência de massas ao PT; (c) erramos ao não sermos capazes de evitar a explosão da corrente revolucionária, essencialmente, latino-americana, em que nos inseríamos. (Arcary, 11 de agosto de 1992: o impeachment de Fernando Collor, 2021)
E completa: O segundo erro foi a subestimação da força do PT e do apoio à liderança de Lula. Acreditávamos que, diante da gravidade máxima da crise econômico-social inflamada pela superinflação, e da linha quietista que saiu vitoriosa no I Congresso do PT, não era razoável aceitar as condições exigidas pela Articulação para permanecer como uma corrente interna ―invisível‖ diante dos movimentos de massas. O que aconteceu na sequência demonstrou que estávamos errados. A direção majoritária do PT se relocalizou a partir de agosto de 1992, chegou atrasada, depois que a UNE acendeu a
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Como no Brasil grandes mudanças aconteceram pelo alto, pela superestrutura – fim da condição de colônia pela vinda da família real, independência, fim da escravidão por decreto, início da república por golpe, modernização por governo ditatorial de Getúlio, queda da ditadura militar por acordos e gradualmente –, isso afeta a mentalidade dos dirigentes partidários, que caem no superestruturalismo. A questão central, por exemplo, é ganhar o sindicato no tudo ou nada, quando o foco deveria ser ganhar a consciência da base no local de trabalho.
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centelha, mas apoiou as mobilizações pelo Fora Collor. Lula foi o principal orador na Candelária e no Vale do Anhangabaú. O resumo da ópera é que derrubamos Collor, uma vitória tática, mas sofremos uma derrota estratégica. Tivemos que esperar dez anos pela eleição de Lula em 2002. (Idem.)
No congresso de fundação do PSTU, as correntes que se unificaram decidiram encerrar qualquer desconfiança entre elas com uma proposta estatutária: proíbe-se a formação de tendências e frações, partidos temporários dentro do partido, antes dos pré-congressos – liberando a formação de documentos individuais para os militantes. A possibilidade de estatuto de os militantes escreverem, a qualquer momento, documentos ao partido caiu em desuso como regra interna, sendo na prática proibida. POLÍTICAS IMPRESSIONISTAS Para melhor localizar-se sindicalmente, para manter os poderosos aparatos sindicais nas mãos de um pequeno partido, o PSTU passou a elaborar políticas para impressionar a vanguarda, que tende a se aproximar das posições mais radicalizadas. Assim, a elaboração deixou de ser um meio para atuar politicamente sobre as massas (mesmo que por meio prévio de convencimento do ativismo) e tornou-se meio de autopropaganda. Aquilo antes meio, ganhar os ativistas para que estes ajam corretamente sobre as massas, tornou-se um fim porque os sindicatos também se tornaram um fim em si mesmo. A busca por diferenciação constante e artificial em relação às demais correntes levou o partido a um perfil político duplo. Agita propostas mais radicais do que a realidade pede enquanto partido137 e, por outro lado, age dentro dos limites realistas do trabalho sindical enquanto organismo sindicalista (lembremos que burocratas, pelegos, também fazem greves duras). Isso é de tal forma que o jornal partidário não é um ―militante e organizador coletivo‖, pois suas matérias defendem os aspectos mais radicais do programa de modo artificial no lugar de serem um ―guia de ação‖ segundo a conjuntura. Damos um exemplo: se ocorre alguma inflação dos preços da cesta básica, exigimos no jornal e no movimento ―Todos às greves!‖ ou ―Todos às greves contra a carestia!‖ ou ―Unificar as greves por salário!‖; porém o jornal Opinião Socialista, do PSTU, frequentemente propôs aquilo que só é exigível em caso de hiperinflação, não inflação moderada, em caso extremo, ou seja, exigiu exageradamente ―gatilho salarial! – escala móvel de salário! – aumento dos salários em 3% a cada inflação de 3%!‖. Na prática, a militância nunca 137
Formalmente, um “mandelismo”, como criticado por Moreno em sua obra O Partido e a Revolução.
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levava tão a sério o que estava escrito, formando-se um grande hiato entre a política elaborada e a realidade dos militantes, e uma relação artificial com a imprensa partidária. Vejamos mais alguns exemplos. Diante do mensalão, sendo corretamente contra o Impeachment de Lula, o PSTU levantou a proposta ―Fora todos!‖, que tinha peso algum nenhum na realidade, na medida em que não era uma situação revolucionária ou de duplo poder (isso mesmo: ―Fora todos‖, isto é, fim do regime burguês imediatamente, até mesmo, no imaginário popular, na prática, fora PSTU). Nos protestos de 2013 por educação, saúde e transporte, a organização teve a chance de levantar propostas democráticas que teriam força transicional como ―10% do PIB para a educação!‖ e ―Rede única estatal de transporte público!‖ – mas radicalizou de modo artificial com ―Nem direita nem PT: trabalhadores no poder!‖ Não havia organismo de poder operário e popular, não havia disponibilidade de luta armada de massas, não havia possibilidade de o exército rachar, e assim por diante, e assim por diante. A proposta simplesmente era muito mais radical que a conjuntura. No dia a dia, o partido agita palavras de ordem as mais radicais, a exemplo da defesa de estatizações, à revelia da conjuntura – mesmo em situações não revolucionárias, etc. No caso da luta por estatizações, vale lembrar que a direita fascista (Enéias, Bolsonaro até antes de ser candidato à presidente, etc.) também fazia tais exigências, contra o privatismo – isso ocorre porque ambos estão baseados nas classes médias, especialmente nos servidores públicos. Já no começo do governo Bolsonaro, este ainda gozando de grande popularidade, o PSTU chamou o ―Fora Bolsonaro!‖. Assim, ganha simpatia da vanguarda por meio de uma política mais radical do que a possível no momento. Por mais desagradável que seja uma governança, só chamamos o ―Fora‖, se chamamos, quando o governo tem baixo apoio na classe trabalhadora e no setor popular; isso é o ABC da análise, caracterização e política marxistas, no entanto dirigentes com mais de 30 anos de experiência comentem este erro primário; o motivo disso é o que explicamos neste capítulo ao afirmamos, em resumo, que tais dirigentes já não são de fato comunistas, estão focados em manter, e manter-se nos, aparatos partidários e sindicais (há casos de militantes que são funcionários dos sindicatos, logo perdem a renda se o partido perde a direção da instituição, etc.). Políticas corretas podem gerar isolamento momentâneo, como ser contra uma guerra quando toda a nação está unida numa onda nacionalista e militarista. Políticas erradas podem gerar popularidade momentânea, como chamar o ―Fora Bolsonaro‖ antes da hora, antes de o governo perder apoio da maioria, junto com a vanguarda inexperiente e não educada cientificamente na escola marxista. A postura ultraesquerdista na verdade é um resultado de seu centrismo. Para manter o trabalho partidário nos sindicatos, precisa atrair jovens e ativistas, que tendem a simpatizar com
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políticas vanguardistas, deslocadas da conjuntura. É o exemplo da ruptura com a UNE, que gerou uma oposição artificial, um destaque ao partido, mas a partir de uma política errada, como se provou com os abortos de duas tentativas de fazer novas entidades estudantis nacionais – a Conlute e, depois, a ANEL (esta última ―fundada‖ sem o menor balanço do motivo daquela ter desandado). Evitamos, aqui, tratar de documentos internos, especialmente daqueles a partir de 2005, por haver dúvida sobre se isso seria moral. De qualquer forma, qualquer um que tenha documentos congressuais do partido perceberá um erro insistente do qual falamos neste parágrafo. O documento político da direção no pré-congresso deve, entre outras coisas, dizer em qual situação estamos (não revolucionária, pré-revolucionária, revolucionária, etc.) e, fundamentalmente, dizer quais tipos de propostas temos de levantar – as mínimas ou as transicionais? As democráticas ou as de poder? No entanto, congresso a congresso, o documento político encerra-se com uma longa lista em resumo de quase todas as palavras de ordens possíveis. E só. Deveria, ao contrário, indicar quais devem ser as propostas imediatas e as possíveis nos dois anos seguintes. Por exemplo: se estamos numa situação pré-revolucionária, deve-se priorizar as propostas transicionais, deixando as mínimas para a mera rotina, deve-se evitar por enquanto as propostas de poder, etc. A direção do partido, entre um congresso e outro, deve elaborar a política diante dos fatos novos e imprevisíveis, pondo suas propostas políticas para balanço no próximo período congressual partidário; mas o próprio congresso deve dar o norte – também aprovando propostas práticas – a partir de uma visão de conjunto do mundo e do país. Ainda entre um congresso e outro, pode-se fazer, sob democracia burguesa principalmente, uma conferência nacional para elaborar novas palavras de ordem e tomar novas decisões caso a conjuntura mude muito ou bruscamente, com os membros da conferência sendo os mesmos eleitos no congresso anterior ou novos eleitos nas regionais. Isso não existe no PSTU porque o centro não é a política partidária, mas a sindical.
TESES DE IMPACTO Outro aspecto do impressionismo são as teses de impacto. O partido elabora teses que visam manter ativas a esperança e a disciplina militantes. O primeiro exemplo foram as nomeadas teses de 90, que afirmavam ―a hora imediata do trotskysmo‖ e a abertura de ―uma nova etapa revolucionária‖; com a queda do muro de Berlim, teorizou-se que era a hora da máxima ofensiva política, o que se demonstrou um grande erro. Na mesma época, a direção do PSTU partiu da ideia da completa impossibilidade de democracia burguesa em países atrasados – algo que era verdadeiro antes de nossa época, modificado hoje por fatores como a alta urbanização – para
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afirmar que o possível governo nacional petista abriria espaço necessário para o partido revolucionário e para a revolução; o erro impressionista ficou claro depois. Recentemente, a tese da ―reorganização‖ é a ideologia movente, de modo artificial, da militância. No lugar de considerar como algo comum e relativamente constante a renovação dos quadros sindicais e políticos, cria-se a tese de que há um processo – pouco explicado, aliás, tal como a tese da ―onda conservadora‖ – de renovação política e sindical de algum modo especial. Todo dado empírico nesse sentido é posto como prova de tal novismo, ineditismo, ainda que seja algo de modo algum incomum. É claro, por exemplo, que a burocratização de uma geração leva a que a próxima surja tendo de enfrentar os novos burocratas, especialmente em tempos de crise. Isto é apresentado como grande tese, pincelado com fortes cores, algo que já é esperado. Ao mesmo tempo, tendese a associar reorganização apenas com ruptura; daí o erro do partido de romper com federações e sindicatos antes da hora; é claro que, se observarmos com atenção, a formação de nova vanguarda também se dá por meio de oposições, ganhar sindicatos, eleger-se para a CIPA, etc., não somente com rupturas institucionais. As teses de impacto ocorreram também quando se imaginou uma ―crise do regime‖ ou ―crise democracia burguesa‖ quando nada havia de fato – e deve-se lembrar que tais crises profundas acontecem se sua base econômica também está em crise. Outro caso: por diversas vezes, caracterizou-se como pré-revolucionárias situações que não eram de tal tipo; o impressionismo sobre o estado político social várias vezes tomou conta dos dirigentes e dos militantes. A perda de noção da realidade, a falta de calibragem, afeta as organizações revolucionárias muito minoritárias ou aquelas que se transformam em seitas. A AÇÃO ELEITORAL O ensinamento geral no PSTU afirma que as eleições são táticas, mas costuma-se esquecer de que o trabalho sindical também o é. Ambos são meios e serão limitados quando chegar a hora da revolução social. A posição sindicalista e a necessidade de uma postura ultraesquerdista para atrair ativistas levou a que a propaganda eleitoral da organização fosse uma antipropaganda na prática: aparecia como organização lunática perante as massas porque apresentava-se com dialeto militante, com propostas deslocadas da conjuntura, desleixo com a qualidade do material, etc. Tornou-se um partido folclórico, apenas abaixo, nesse sentido, do PCO e do PRONA de Enéias. A função da participação nas eleições é ganhar espaço, simpatia, boa audiência – não foi, com raras exceções, o caso.
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O PSTU melhora a estética de suas propagandas de modo incrível a partir de 2010. No entanto, apenas a estética: a apresentação melhor de propostas muito mais radicais do que a conjuntura, por exemplo, não muda a essência do problema. Em 1998, a organização é criticada pela LIT por ter enfrentado nas eleições apenas a direita, que então estava no poder, mas não ter destacado críticas ao PT. Em seguida, em 2002, caiu-se no erro oposto: focar a crítica ao petismo e ao lulismo. Naquele momento, de enorme esperança na frente popular, a melhor tática era pedir votos ao Lula ainda no primeiro turno por pelo menos três motivos: 1) acessar os trabalhadores nas eleições; 2) ganhar parte da vanguarda que surgiu no processo eleitoral; 2) acelerar a experiência dos assalariados com o partido reformista por meio de um governo. A política errada isolou o PSTU. Lembremos do ―Esquerdismo‖ de Lenin, onde ele afirma que os comunistas da Inglaterra deveriam facilitar, não ser obstáculo, a eleição do Partido Trabalhista (Lenin V. , 2020). O motivo: quanto antes os trabalhadores conhecessem um governo daquele partido, mais cedo perderão as esperanças nele. Faz toda diferença se ocorre uma situação revolucionária com os operários já considerando o PT como parte da ordem ou, ao contrário, ainda têm grandes perspectivas nessa organização… Veja-se que a política marxista, tais quais as táticas de guerra, é sofisticada. Com a formação do PSOL, surgiu novo erro. Apresentou-se como princípio a tática eleitoral de frente de esquerda ou chapa pura; qualquer variante diferente punha os militantes em crise, pois eram educados – dentro da política de diferenciação a qualquer custo – a considerar revolucionário apenas um corpo tático limitado (sob certas circunstâncias especiais, pode-se mesmo apoiar um candidato burguês, sendo vetado participar ou apoiar, ainda que criticamente, qualquer governo no Estado Burguês; mesmo no Estado socialista, só apoiamos o governo baseado na democracia direta). Dessa forma, quando há uma frente no Pará com a presença do PCdoB, que ao menos é um partido de esquerda, mas era governista, a militância entrou em crise. A solução foi a pior possível: após eleger o vereador Cleber Rabelo pela frente, o PSTU rompeu com esta de modo denuncista para recuperar a moral perante a vanguarda e sua própria base. Deveria manter o apoio, reeducar a militância, mas não participar do possível governo do PSOL, sendo oposição a ele. O cidadão comum e mesmo o ativista veem o PSTU como seita, em grande parte por sua desajeitada atuação eleitoral. Quando entra no partido, ao ser convencido, ele algo que tem o que chamamos em psicologia de alucinação negativa, esquece o caráter de seita da organização, pensando que isso ocorre apenas porque o partido que é revolucionário é de fato rejeitado por suas qualidades, não por seus defeitos… Apenas quando se afasta por motivos bruscos, tem a possibilidade de ver novamente, agora preenchido pela experiência, o caráter deslocado da
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realidade na organização. O interno externaliza-se, expressando-se, por exemplo, em momentos de mais audiência eleitoral. O PSTU tentou atrair o PSOL afirmando que este é centrista (na verdade, apenas reformista), melhor pressionável – mas a proposta regular de frente eleitoral com os psolistas e por uma unificação sindical revela que é aquele, o PSTU, que estava cedendo às pressões, que estava ―centrizando‖ diante de outro partido. O erro de fazer uma unificação das centrais Conlutas, dirigida pelo PSTU, e Interssindical, dirigida pelo PSOL, logo se revelou com a implosão vergonhosa do congresso que tinha esta tarefa (a burocracia sindical do PSOL queria com isso destruir a grande experiência da Conlutas). Ainda no tema deste subcapítulo, observa-se a pressa de se livrar das tarefas eleitorais, de disputar a consciência da maioria, especialmente no voto nulo. O PSTU aprova em muitos segundos turnos uma nota oficial pelo voto nulo – mas não milita por este voto, não o disputa. Ganharia moral em fábricas e bairros populares se fosse à campanha por este tipo de votação, ainda que com uma disciplina menor em relação a quando apresentou os próprios candidatos. Nestes casos, quanto mais votos nulos tivesse, mais frágil seria o governo burguês de plantão. O GOVERNO DO PT: A GRANDE PROVA O PSTU evitou o desvio oportunista típico das organizações de esquerda durante os governos de frente popular. Mas desaguou-se no erro oposto, quer seja, o sectarismo. O reformismo e suas frentes populares são uma armadilha ilusória não somente porque passam a ideia falsa de que faz um governo dos trabalhadores; também é um risco, pois, na medida dos limites do capital, se possível, faz algumas reformas, ainda que limitadas. O REUNI, por exemplo, ampliou as vagas universitárias e colocou no ensino superior filhos dos trabalhadores. O que seria correto fazer? Denunciar os limites do programa e exigir mais verbas; era preciso dizer ―isso é bom, mas ainda é pouco‖. Essa forma de fazer política, diante de uma reforma exigir sempre mais, é o que Marx nomeou revolução permanente (Marx & Engels, Luta de classes na Alemanha, 2010). O partido deixou de ver as reformas, na maioria dos casos chamando-as contrarreformas, e, logo, deixou de fazer exigência por aprofundamento das melhorias. Por exemplo: numa posição sindicalista, colocou-se contra o programa ―Mais Médicos‖, que melhorava a vida da classe trabalhadora e era contra a aristocracia dos médicos nacionais. O correto seria exigir mais verbas, mais SUS, melhores salários aos cubanos, etc. A combinação de governo de frente popular com algum crescimento econômico, situação não revolucionária, tendeu a colocar os revolucionários em minoria ou com pressões
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degenerativas; faltava base social para um partido comunista. Isso foi aprofundado pelos erros políticos da direção do PSTU. Como é comum, em especial em épocas de crise, a frente popular do PT foi a antessala de um golpe. É uma lei histórica relativa que tal tipo anormal de governo, frente populista, produza o golpismo contra si e contra os trabalhadores. No entanto, o PSTU negou-se a colocar-se contra o golpismo, vendo aí até um fenômeno progressivo (no caso, os protestos da classe média aristocrática pedindo o fim da gestão e… poder militar). O golpe de Estado reacionário, não contrarrevolucionário138, visava acelerar os ataques contra os trabalhadores, pois o governo Dilma, ao perder as ruas e o apoio da população assalariada, era incapaz de aprofundar ainda mais as contrarreformas139 (na mente dos burgueses, o bloqueio do PT sobre fazer mais e novos ataques contra a maioria soou para eles como um limite classista do governo e do partido, como se ligado aos trabalhadores e aos ―terroristas dos sindicatos‖; mas é apenas um engano do
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Eduardo Almeida, hoje, infelizmente, apesar de seu balanço real, dirigente da LIT, afirma: “Com o impeachment, não houve nenhuma mudança em relação ao regime democrático burguês. Se houvesse realmente um golpe, teria havido uma mudança para um regime repressor, para uma ditadura. Mas isso não ocorreu.” (Almeida, 2021) Não saber diferenciar um golpe reacionário de um contrarrevolucionário, não saber medir – eis a qualidade dos quadros do PSTU. A LIT colocou-se, corretamente, no caminho aposto ao “critério” de Eduardo almeida, contra os golpes na Bolívia, Paraguai e Honduras, no nosso subcontinente, mesmo sem mudança total de regime, sem novo “regime repressor” – porém não soube ler internacionalmente a realidade, o fato de que a crise de 2008 abriu uma nova tendência, expressa também em golpes parciais, reacionários. 139 Almeida continua: “A maioria da burguesia, que se deu muito bem com o PT por 14 anos, rompeu com Dilma e apoiou o impeachment. O PT já não tinha bases para conseguir implementar os novos planos de reformas que a burguesia queria. Assim, a burguesia aprovou impeachment e colocou o vice-presidente de Dilma, Michel Temer, no poder.” (Idem) Ora, se o golpe visava acelerar e até permitir ataques contra os trabalhadores, logo deveríamos ser contra ele… O autor citado responde: “Naquele momento, o PSTU, corretamente, não saiu em defesa do governo burguês de Dilma, nem apoiou a manobra para empossar Temer, defendendo ‘Fora Todos Eles!’.” Veja-se o grau artificial de impressionismo! A palavra de ordem “Fora todos eles!” serviu apenas para evitar assumir qualquer responsabilidade real na luta de classes, uma consigna inútil para aquela conjuntura, uma proposta – bastante duvidosa até para a revolução – apenas (insistimos, apenas) para situações revolucionárias, nem mais nem menos, apresentada de modo ultraesquerdista numa situação em que ela não cabia e em que ela não mobilizaria a classe trabalhadora. É preciso destacar que aí há um vestígio da política errada LIT, o “nem-nem”. Em vez de elaborar uma proposta real, positiva, a direção da internacional muitas vezes cai em “nem isto nem aquilo”, “nem Assad nem imperialismo”, “nem golpe nem roubo eleitoral”, etc. Isso é uma forma pobre, “fácil” e equivocada de elaborar política, deve ser abandonada, pois nada propõe de fato (e há que se propor de acordo com as circunstâncias, sem políticas mais radicais do que a conjuntura como forma de fugir da responsabilidade). Outro erro da LIT, semelhante: a metáfora do “queimou um fusível”; é uma retórica sofística, pois deixa entender que há uma quantidade limitada de fusíveis, até a hora final finalmente… Mas o capital, com seus poderosos meios, pode sempre produzir novas lideranças artificiais; por isso, a queda de um governante no Egito pode bem ser golpe dos militares, não uma vitória, assim como a queda da Dilma não é, também, “queimar um fusível”.
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pensamento vulgar da classe dominante 140). O governo Dilma merecia cair por derrubar a qualidade de vida dos assalariados, mas nunca por meio de um golpe jurídico-parlamentar: a saída seria exigir a antecipação das eleições gerais, forçar os limites democráticos do regime cuja patronal queria impor duras derrotas sobre os trabalhadores. O PSTU, neste momento histórico, falhou na prova de fogo do frente populismo. Cristalizou-se como seita. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS Vale a pena entrar nos detalhes amplos e de rotina da organização, os ―pequenos nadas‖, as expressões do centrismo na prática, etc. A vida partidária responde à sequência de erros do partido, acomodando-se a eles, e às conjunturas impróprias a uma organização vermelha, gerando uma estabilidade interna negativa. 1. Algo comum na militância, os dirigentes médios argumentam frequentemente que ―esta proposta não é possível, pois a consciência das massas ainda está atrasada‖. Isso é um erro. Nós nunca nos acomodamos à consciência das massas – nós a disputamos, procuramos elevá-la. As propostas práticas partidárias levam em conta, em primeiro lugar, as condições objetivas da realidade: situações de estabilidade exigem propostas mais leves, situações radicais exigem propostas mais radicais. Nem mais nem menos. Após a análise da objetividade, apenas após, consideramos a situação subjetiva. Observamos a subjetividade para melhor elaborar as palavras de ordem, para escolher estas ou aquelas propostas em hierarquia, etc. O fator subjetivo pesa muito, mas nunca é o determinante. Vejamos um exemplo. Se há dura crise econômica com alto desemprego, existe a possibilidade latente de socialismo, porém os trabalhadores consideram o revolucionamento da sociedade uma utopia. O que devemos fazer? Com o baixo emprego, temos de exigir ―Escala móvel de tempo de trabalho!‖ ou ―redução já da jornada, com o mesmo salário, na proporção que gere desemprego zero!‖ De início, tal proposta parecerá bastante radical para a maioria, no entanto, na medida em que a situação não melhora substancialmente, na medida em que agitamos esta proposta com força e em todo canto, os trabalhadores adotarão a fórmula para si – e isso levará a uma tentativa de saída ―reformista‖ que levará o país para as portas do poder operário e popular. 140
Aí é possível ver como a classe dominante age enquanto máfia, escondendo o que está de fato em jogo. Após o golpe, o vice, Temer, assumiu o governo, sem cair junto à Dilma por “impedimento”; então, para garantir que ele fizesse todos os ataques possíveis contra a classe trabalhadora, a justiça impediu que ele fosse capaz de se reeleger, ou seja, que não buscasse apoio popular. A possibilidade de reeleição, porque o governo quer manter-se, atrasa os ataques sociais; isso foi evitado no governo golpista por ação burguesa por detrás do palco político.
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2. Outro hábito ocorre quando ao esperar que os documentos internos, especialmente os congressuais, sejam impressionantes, motivadores. Entra aí o perfil impressionista. Os militantes são previamente condicionados a concordar com a direção nacional, algo quase religioso. O membro que concorda e defende a posição oficial é valorizado, ganha pontos, enquanto o militante crítico entra numa posição defensiva. O curioso é que, normalmente, o militante só esboça críticas quando está em crise com o partido ou em vias de sair da organização. A cultura de elaboração coletiva, de pensamento livre, não existe aí. Num partido revolucionário, é preciso educar intensivamente para a capacidade de pensamento autônomo (aprender a fazer análise de conjuntura, ganhar experiência, estudar, desenvolver o raciocínio dialético, etc.); num partido onde há pequeno poder, onde se quer preservar os mesmos quadros, um militante que se tornar inteligente demais deve ser excluído. 3. Ao afastar o militante, usa-se comumente uma tática estalinista ao dizer: o antigo membro é ―lupem‖, burocrata, etc. Visa-se blindar os militantes contra as possíveis críticas dos ex-membros. A quantidade enorme de afastamentos formalmente individuais, nucleares, exige superar a visão parcial e ver que tal grande quantidade de desligamentos deve ter uma causalidade comum. 4. Herdou-se de Nahuel Moreno a cultura de fazer autocrítica. No entanto, tal hábito tornou um modo dos dirigentes pouco sofrerem as consequências de seus erros, preservando-se. É um tipo de manobra comum. 5. Formalmente, os dirigentes são eleitos pela base (algo permitido com mais facilidade pela democracia burguesa). Ocorre que é apenas uma formalidade: os dirigentes escolhem quais serão os novos dirigentes, no lugar de essa preparação ser feita por eleição – a base deve, ela mesma, votar quais militantes serão preparados como dirigentes futuros. Isso não ocorre, a escolha é arbitrária. Na prática, os dirigentes escolhem novos membros das equipes de direção e a base apenas confirma, sem ter muito que fazer sobre. 6. O nível teórico dos quadros geralmente é baixa. Quando um militante evita o tarefismo praticista para dedicar-se um tanto mais aos estudos da teoria, passa a ser visto como um diletante e um militante menor. 7. Quando um militante torna-se ―esperto demais‖, os dirigentes oferecem novas e pesadas tarefas ao membro rebelde, como se uma forma de reconhecimento, mas apenas para que este
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―quebre‖, tome responsabilidades altas sem ser antes preparado para isso. Aí vem a desmoralização do membro. 8. Em regionais e sedes não proletárias, a maioria, a classe média dentro do partido torna o ambiente insuportável aos operários e aos mais precários. Há até mesmo desdém, semiinconsciente em alguns casos, de militantes contra aqueles membros ―com cara de empregada doméstica‖. Fato é que o partido tornou-se uma espécie de clube – como diz Moreno: quer-se viver dentro da organização – em que regras formais e, importante notar, informais devem ser critérios para participação. 9. Entre as expressões do centrismo no cotidiano militante, observamos a tendência a considerar sempre positivo o balanço das tarefas. Porque não foi um desastre evidente ou gritante, tem-se a cultura de ―otimismo‖ na avaliação das ações práticas dos militantes. Entre todas as consequências ruins desse hábito, atrasa-se a formação dos militantes e o desenvolvimento do partido ao deixar de ver seus próprios erros como se deve. 10. Entre as más influências do PT, do entrismo, sobre o PSTU está a tendência à valorização dos militantes de melhor oratória. Tal habilidade é boa para ganhar eleições e sindicatos, mas quase secundário para a causa socialista. Muitos militantes chegam a pensar que fazem muito ao muito e muito bem discursar nas assembleias, enquanto outros militantes envolvem-se em tarefas invisíveis essenciais141. Os militantes que são ótimos organizadores, teóricos, etc. poucas vezes recebem o mesmo crédito informal. 11. Por muito tempo, o partido teve o hábito de reunir-se frequentemente ―às pressas‖ no formato de plenárias. Outro hábito de origem petista, pois a plenária na prática, por reunir muito para tarefas imediatas, pouco debate e o dirigente decide, além de ter importância maior a oratória. Em outros casos, não havia reunião de célula de base (núcleo) regular e o dirigente resolvia tudo por telefonema, decidindo ele mesmo a política e as tarefas. Isso é péssimo para a disciplina que a própria vida sindicalista exige, por isso o partido combate até hoje, com menos ou mais sucesso, esse desvio organizativo. 12. Com a formação mais regular das células (núcleos), contra o erro comum demonstrado no ponto 11, outro problema revelou-se: o pequeno poder. Na prática, o dirigente político do 141
Os operários também dão grande importância ao uso das palavras, mas é algo típico da classe média, cujo trabalho dá grande peso ao discurso ou há baixa ação prática no cotidiano, diferente de entre o proletariado. O caráter de classe dos membros do PSTU, pertencentes aos setores médios, leva a chamar “um quadro de destaque” e “um grande talento” aqueles bons oradores.
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organismo decide tudo e apenas debate detalhes, como aplicar, quem vai para esta ou aquela tarefa. Nada há de debate real e elaboração coletiva. UM PARTIDO DA REVOLUÇÃO? O centrismo ultraesquerdista tem a aparência de um partido revolucionário. Sua natureza vem da presença da classe média – incluso dirigente sindicais – em seus postos de comando, baixo peso operário e largo peso estudantil. A história, no entanto, usa dos meios dispostos diante de si para fazer valer sua vontade. As revoluções sociais do século XX, exceção da revolução russa, foram lideradas por organizações centristas, que se viram forçadas objetivamente ao caminho da economia planejada. Há a hipótese de ser este o caso do PSTU ou PCB no futuro próximo, na falta de uma organização revolucionária independente. É improvável que o partido corrija seu perfil geral. Sua coluna central de dirigentes parece ter cristalizado o caráter pequeno burguês de suas ações. Sendo uma previsão, pode estar errada: se uma reviravolta partidária ocorrer por pressão da luta de classes e da crise?… Há pelo menos dois acertos destacáveis da organização: 1) a formação da CSP-Conlutas; 2) a prática internacionalista. Mesmo um relógio quebrado acerta as horas duas vezes ao dia. Tais acertos demonstram que o centrismo difere-se do reformismo porque aquele tem em si certo hibridismo, entre a reforma e a revolução. E é incapaz de superar seus limites, que expressam a classe média, entre o operário e o burguês. Tais acertos também respondem ao passado da organização, que foi de fato um partido comunista até degenerar-se em centrismo ultraesquerdista perante a soma de governo de frente popular com algum crescimento econômico e o recuo da luta de classes nas décadas de 1990 e 2000. Mais ou menos 20 anos de recuos, derrotas, frente populares, quase marginalidade, etc. cobram um pesado preço. Diante da defensiva, o PSTU focou por mais de uma década no movimento estudantil e foi incapaz de proletarizar-se nos últimos anos, especialmente desde 2005. Na década de 1990 teria acertado se, fazendo um giro temporário, apostasse também no movimento popular urbano por moradia, então nascente. Hoje seria, se estivesse tomado tal caminho, a direção majoritária dos sem-teto. O PSTU é ainda o mais operário dos partidos da esquerda radical. Mas tem peso maior no operariado aristocrático (petroleiros, etc.), nos funcionários públicos, na burocracia sindical de esquerda e entre estudantes de classe média. Em parte, é vítima do destino. A conjuntura reacionária após a queda de Collor de modo algum ajudou na cristalização do recém-fundado partido expulso do PT.
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GUERRAS, NÃO CRISES, ESTIMULARAM REVOLUÇÕES SOCIAIS
Entre marxistas, a percepção mais geral da revolução segue este roteiro: o capitalismo produz duras crises, tenta-se resolver por lutas parciais e reformismo, o aprofundamento das tensões sociais eleva com atraso as conclusões dos trabalhadores, um partido de tipo novo demonstra ser a melhor organização para impor, via revolução, nova época de reformas. Ricas em particularidades e singularidades, várias revoluções derrotadas seguiram a tendência, exceção da presença de partidos revolucionários. No entanto, as revoluções sociais, ainda que limitadas, do século XIX e XX foram, em geral, frutos das guerras; os conflitos armados precederam as revoluções. Vejamos exemplos: 1) A guerra franco-prussiana desemborcou na Comuna de Paris; 2) A I Guerra produziu revoluções na Alemanha, na Itália e uma vitória na Rússia. Neste último, foi levada a cabo a proposta dos socialistas de boicote à guerra, transformando-a em revolução social; 3) A II Guerra afastou o Leste Europeu, a Coreia do Norte e a Alemanha Oriental de um desenvolvimento capitalista; A seguinte citação de Trotsky revela o motivo do caminho militar:
―Enquanto escrevo estas linhas, a questão dos territórios ocupados pelo exército vermelho ainda permanece obscura. […] A maior parte dos territórios ocupados serão, sem sombra de dúvidas, parte da URSS. De que forma?‖ […] é mais provável que nos territórios que foram planejados para fazer parte da URSS, o governo de Moscou atue expropriando os grandes proprietários e estatizando os meios de produção. Esta variante é a mais provável, não porque a burocracia continue sendo fiel ao programa socialista, mas porque não deseja e nem é capaz de tomar o poder e os privilégios que comparte com a velha classe dirigente nos territórios ocupados. Aqui, é forçosa uma analogia literal. O primeiro Bonaparte deteve a revolução através de uma ditadura militar. No entanto, quando as tropas francesas invadiram a Polônia, Napoleão assinou um decreto: ―A servidão está abolida‖. Tal medida foi adotada, não porque Napoleão simpatizasse com os camponeses, e nem por princípios democráticos, mas pelo fato da ditadura bonapartista se basear em relações de propriedade burguesa e não feudais. À medida em que a ditadura bonapartista de
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Stalin se baseia na propriedade estatal e não na privada, a invasão da Polônia pelo exército vermelho levará, por si só, à abolição da propriedade privada capitalista, da mesma forma que fará com que o regime dos territórios ocupados estejam de acordo com o regime da URSS. Esta medida, de caráter revolucionário – ―a expropriação dos expropriadores‖ – neste caso é levada a cabo de forma burocrático-militar. O chamado à ação independe das massas nos novos territórios – e sem tal chamado, inclusive formulado com extrema prudência, é impossível constituir um novo regime – seria indubitavelmente esmagado no dia seguinte, por desapiedosas medidas policialescas, visando assegurar a predominância da burocracia sobre as massas revolucionárias vigilantes. (Trotsky, A URSS e a guerra, 2009)
4) A luta contra o Japão e, depois, contra o Kuomintang forçou Mao Tse-tung a mudar a natureza do Estado; 5) A guerrilha vanguardista de Fidel agia sob um programa liberal-burguês. Após a vitória militar, o erro do governo dos EUA de pressão e envio de tropas na chamada Batalha da Baía dos Porcos fez o novo poder radicalizar-se e alinhar-se com a URSS; 6) O Vietnã teve de enfrentar franceses e, depois, americanos, conseguindo sua independência radicalizando, por meio de uma revolução socialista. O título deste capítulo é parcial, pois as guerras têm origem econômica, portanto são expressões das contradições internas do sistema. Os conflitos armados geraram elevadas contradições e exacerbaram as existentes a níveis capazes de forçar revoluções sociais. As guerras fermentaram os trabalhadores, trouxeram problemas sociais (carestia, etc.), formaram novos soldados entre homens do povo e acarretaram problemas ao funcionamento do Estado burguês. A conclusão ―a guerra é a parteira da história‖ adquire significado mais amplo 142. Kurz alcança conclusões semelhantes:
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Observemos que a passagem do escravismo ao feudalismo na Europa teve como uma das causas, além da crise sistêmica do mundo antigo, as guerras e invasões de povos vizinhos à Roma. Poderia ser que com a crise e decadência romana, outro grande império escravista dominasse em substituição, sem passagem ao feudalismo.
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É bastante evidente que, no sistema capitalista mundial, mais conhecido como imperialismo, a guerra não é de modo algum a consequência direta da 'crise econômica', nem da crise de 'superprodução', nem de qualquer outra, mas se encontra baseada na lógica de concorrência do mercado mundial e na dinâmica interna da política mundial erigida sobre ela. As revoluções mais essenciais deste século não decorreram das crises econômicas e, nesse sentido, também não resultaram da incineração da lógica capitalista enquanto tal, mas de um contexto de crises políticas, conjugado a conflitos militares e derrotas das classes dominantes: começando com a Comuna de Paris de 1870, depois a Revolução de Outubro, a Revolução Alemã de Novembro, a Revolução Chinesa após a Segunda Guerra Mundial… (Kurz, O colapso da modernização, 1992, p. 48)
Algumas revoluções socialistas inconscientes e derrotadas também abraçam tal tendência. França e Grécia quase se tornaram socialistas ao final da II Guerra, mas os partidos de esquerda oficiais cuidaram do desarmamento do povo e do recuo reformista das pautas. O conflito colonial português radicalizou a baixa patente das Forças Armadas e deu origem a uma rebelião que se desenvolveu na revolução dos cravos em 1974, contra a ditadura e com elementos de transição ao socialismo. É do interesse marxista que uma guerra por lucro não preceda uma revolução social, porém agimos segundo a realidade, nunca temos o privilégio de escolher o cenário. As próximas revoluções sociais seguirão o roteiro dominante? Coloquemos condição para a hipótese: se e enquanto houver guerras imperialistas, é provável. Mas estamos diante das últimas décadas do capitalismo, logo as crises econômicas serão mais duras e a possibilidade de uma via socialista mais plena. Estando correta a nossa caracterização de que as revoluções sociais do século XX foram prematuras, concluímos que a exacerbação dos problemas econômicos e sociais por razão da guerra forçou um salto histórico antes das condições de sua realização estarem prontas. O martelo da história comprovou sua verdade com a restauração do capitalismo, isto é, com a resolução negativa da oposição entre as tendências socialistas e capitalistas naqueles países. A guerra é a parteira da história, mas falha em sua profissão nos partos prematuros. Assim, a guerra atuou como, em parte, verdadeiro fator externo. Antes das condições maduras no mundo, os conflitos forçaram condições conjunturais, não estruturais, extremas, que forçaram arriscar um salto por sobre etapas quando isso era, no médio prazo e em completude, inviável. Acidentes históricos acontecem.
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CRISE LATENTE DO APARATO DE REPRESSÃO ―Nesta terra de gigantes que trocam vidas por diamantes…‖ Humberto Gessinger. ―A única garantia possível de democracia é um fuzil no ombro de cada trabalhador‖ Lenin. ―O desarmado rico é o prêmio do soldado pobre.‖ Maquiavel, A Arte da Guerra, LPM, p. 200. A sempre possível luta entre Estados nacionais estimula como lei objetiva o alto desenvolvimento da maquinaria de combate. Por outro lado, para enfrentar a superprodução crônica latente, o capital produz uma pseudodemanda e um pseudoconsumo destrutivo com o desenvolvimento de um Departamento III da economia 143, o complexo industrial-militar (Mészáros, Para além do capital, 2011). Derivamos de tais constatações duas conclusões que se revelam de modo latente, estrutural: 1) as condições são mais favoráveis para enfrentamentos anti-imperialistas e revolucionários; 2) gesta-se uma crise do aparato de repressão. Ao longo desde capítulo, vamos destacar fatores centrais sobre os quais se baseiam as duas caracterizações. O MAQUINÁRIO DE GUERRA Igual como nas fábricas, o maquinário tem ganhado peso significativo no exército burguês. Isto gera uma série de problemas insolúveis: 1. Custos altos de construção e manutenção dos grandes aparatos (tanques, aviões, navios, etc.); 2. Máquinas caras e pesadas, de alta tecnologia, podem tonar-se inválidas por explosivos e armamentos semiartesanais ou de baixo custo: Os CBTPs sofrem ameaças ao seus deslocamentos e integridade de diversas fontes, e devido à natureza da guerra contemporânea qualquer forma de atraso ao movimento das colunas blindadas implica em tempo maior de duração do conflito, aumento de 143
Departamento I é o setor de produção de meios de produção; departamento II produz os meios de consumo. Tais conceitos, não o departamento III, são de Marx no livro II d’O Capital.
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baixas e crescente oposição interna e externa às forças amigas. Portanto meros fossos AC podem se tornar armas estratégicas em uma luta onde o campo de batalha físico é apenas uma parte dela, na guerra assimétrica ou não convencional. (Carvalho & Carvalho, 2015)
Em seguida, há exemplos de armas AC – destacamos duas partes do artigo: a) Foguetes - projéteis relativamente simples, providos de ogiva em formato de carga oca revestida por cobre, tem sua capacidade de perfuração associada com o diâmetro da ogica, pricipalmente. Tem baixo custo e não são guiados após o disparo. Os mais simples são os antigos RPG-7 russos e os mais modernos os Panzerfaust 3 alemães. Um mero RPG-7, equipado com granada tipo PG-7V pode perfurar 260 mm de aço balístico plano rolado. […] c) Explosivos Improvisados – Armadilhas nos campos de batalha não representam novidade, mas o acesso à arsenais de governos e o apoio de países simpatizantes faz com que pequenos grupos em luta tenham acesso a explosivos de grande potência e em grande quantidade. Na invasão do Iraque os americanos lidaram com granadas de artilharia e obuses em profusão, obtidos dos paióis dos antigo exército iraquiano, e que eram escondidos nas margens de rodovias e passagens movimentadas do país, causando explosões tão fortes, que eram capazes de despedaçar as viaturas Humvee, caminhões, CBTPs Bradley e mesmo imobilizar alguns CC Abrams M1. Toda viatura que se coloque hoje como sendo capaz de operar em cenários de guerra assimétrica ou convencional, terá que ser preparado desde a concepção do projeto para lidar com isto. (Idem)
Caso russo, vejamos uma das reações a isso: As rodas e as lagartas dos mais recentes veículos blindados nacionais criados na base da plataforma Armata serão equipadas com uma proteção adicional. O projeto é conduzido pelo Instituto de Pesquisa Científica da Rússia (NII, na sigla em russo). Ao longo do perímetro do veículo serão instalados ―escudos laminares‖ que se assemelham visualmente às grades de proteção dos beliches do quartel. Isso irá proteger os blindados contra os meios de destruição mais impactantes: granadas cumulativas e mísseis antitanque. A tarefa do novo kit é deformar a cabeça da granada quando ela acertar o alvo e amortizar parte da energia da explosão. Além disso, os projetistas ressaltam que, em termos de indicadores de desempenho de combate, as grades de proteção não ficam atrás da blindagem reativa.
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"São mais baratas, tecnicamente mais simples, e permitem melhorar em algumas vezes a proteção do motor e da transmissão em condições de combate urbano. A principal desvantagem é a baixa universalidade. As grades de proteção protegem o blindado somente contra alguns tipos isolados de granadas de mão antitanques", disse à Gazeta Russa Dmítri Safonov, analista militar do jornal Izvêstia. (Litôvkin, 2016)
De imediato, percebemos uma das razões de tantos conflitos do pós-II Guerra terem sido derrotados por exércitos rústicos contra os de enorme aparato. A Guerra entre URSS e Afeganistão parece-nos um bom exemplo, pois o primeiro investiu em uma numerosa invasão de tanques fracassada diante da resistência guerrilheira da Al-Kaeda e dos camponeses. Exemplos semelhantes: Guerra do Vietnã, revolução chinesa, revolução cubana. 3.
Surge uma relação dúbia com a urbanidade. Nessa questão, o artigo a seguir revela: O novo tanque será apresentado no stand russo na feira de armas Kadex-2016 […] O modelo, adaptado para combate urbano, é equipado com o novo sistema de controle de fogo com um sistema de mira Multicanal Sosna – o qual inclui um computador balístico digital e um conjunto de sensores bastante complexo (velocidade do vento, temperatura de propulsor, temperatura e pressão do ar, velocidade do tanque e sensores de velocidade angular). De acordo coma Gazeta.ru, o novo T-72 foi concebido como base na experiência russa da guerra na Síria e em outros conflitos no Oriente Médio. (Padilha, 2016)
A matéria conclui-se com chave de ouro: ―Se você olhar bem, os conflitos armados no mundo ocorrem principalmente dentro das cidades; ninguém se atreve a combater em campo aberto, pois isso levaria à destruição instantânea [dos veículos blindados]‖, observou o vice-diretor da Uralvagonzavod, Viacheslav Khalitov. (Idem)
Percebemos, no entanto, no caminho oposto à tendência natural do aparelho burguês, que o espaço urbano é melhor para a infantaria, por sua mobilidade e capacidade de localização/ocultação. ―Digo-vos, primeiro, que os cavaleiros não podem andar em qualquer lugar como o fazem os infantes‖ (Maquiavel, 2013, p. 65). O comentário citado leva em conta a guerra regular enquanto também destacamos a guerra revolucionária. Observamos que a altíssima urbanidade é um fator objetivo da luta revolucionária, pois concentra os oprimidos em grande quantidade para fins de mudança estrutural.
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4.
É conhecimento generalizado o balanço das guerras do Iraque e Afeganistão: a
dominação militar direta demonstrou-se por demasiado custosa financeira e politicamente, empurrando os EUA para um atoleiro instável. Para isso, há influência do custo do maquinário, da matéria-prima (energia etc.) e da logística de transporte. Outro fator colabora: o lado que dispensa fazer engajamento em outra nação, que não precisa deslocar-se de suas fronteiras, em uma posição territorial defensiva (mesmo que ofensiva nas táticas), possui relativas vantagens: facilidade maior de prover seus exércitos, maior capacidade de unir a nação na defesa, custos de transporte e meios reduzidos, intimidade com o terreno, etc. Por si, assim igual à Guerra do Vietnã, temos um fator limitante para o capitalismo imperialista. FATOR HUMANO A infantaria é a essência do exército; o peso do maquinário revela uma lei geral da arte da guerra: ―os povos ou reinos que estimaram mais a cavalaria do que a infantaria sempre ficaram frágeis e expostos a toda ruína‖ (Maquiavel, 2013, p. 63). No subcapítulo anterior, isso expomos como erro inevitável do conflito entre Estados. Porém o homem é uma ferramenta falha, difícil de adestrar: 5. Os exércitos oficiais, principalmente os imperialistas, procuram oferecer aos subordinados alguma qualidade de vida, a mais próxima possível da dos seus países ricos; estes, desacostumados com a dificuldade e com o stress, tornam-se um problema em si nos momentos mais difíceis do conflito – e é um custo financeiro adicional; movimentos revolucionários e mesmo exércitos de países atrasados possuem um material humano acostumado com a escassez, com o stress, com o risco e com o limite. 6. Ao mesmo tempo, os exércitos oficiais, dos Estados, têm um pouco mais de dificuldade para dar aos seus a causa, o sentido da luta e a percepção de ―nobreza no ato‖ – as I e II grandes guerras estão cristalizadas na memória coletiva assim como a desmoralização causada pelas guerras do Vietnã, Iraque e Afeganistão. Do outro lado, exércitos religiosos (ISIS, etc.) ou subversivos e revolucionários possuem este fator ideológico-disciplinador mais apurado. 7. Os filhos dos assalariados são a geração mais letrada, mais culta da história humana. Inteligência quando somada à moral pode ser um empecilho. No Brasil, políticos burgueses criticaram as greves da polícia militar com a justificativa correta de que os soldados eram defeituosos, pois boa parte deles havia feito curso superior, o que motivaria motins… 8. A alta concentração urbana facilita lutas latentes contra as guerras do capital, além de facilitar as rebeliões dos escravos assalariados.
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Das vantagens materiais – e eles são em si importantes – de um poderoso exército imperialista, um fator se impõe: toda a logística moderna envolvida faz com que seja necessário mais homens fora do combate – médicos, engenheiros, limpeza, segurança de perímetro, administrativo, comunicações, mecânicos, etc. – que aqueles para o enfrentamento. Há custo acrescentado e complicabilidade. HIERARQUIA E MOBILIDADE 9.
A gestão do tempo e suas consequências ganha importância maior. Assim sendo, o
exército burguês tem uma dura desvantagem ao adotar uma hierarquia de comando vertical, complexa, cheia de subdivisões e centralizada. Isto torna as forças armadas lentas para ordenar, receber e executar ordens. Hierarquias como a do Exército vermelho de Leon Trotsky, onde cada batalhão respondia apenas a um oficial, possuíam decisão, ação-reação e mobilidade superiores. Neste ponto específico, assim igual organiza-se o ISIS, além de permitirem autonomia de ação de suas células: É um típico combate de infantaria praticado com maestria pelo Estado Islâmico, conduzido de modo descentralizado – a iniciativa é transferida aos pequenos escalões e travado a curta distância – os últimos cem metros. Pressupõe, porém, grande savoirfaire na preparação das operações (reconhecimento, informações, treinamento com base em mapas, cenários e maquetes, instalação de depósitos avançados de munição e suprimentos), da utilização do micro terreno (ravinas, taludes, trilhas, construções, escombros, etc.) e de ações noturnas facilitando a infiltração e o combate aproximado. (Aranha, 2015)
10.
Os oficiais e o alto comando das forças armadas são formados por gente ―bem de vida‖,
acostumados ao trabalho ―intelectual‖ e à vida de poucos círculos sociais. Os grupos militares subversivos, por outro lado, costumam ter no comando gente prática, conhecedora dos aspectos prático da vida, com ligação orgânica com sua base social, que entende a vida comum e estão acostumados a ter pouco. Esta diferença do material humano – acentuada neste momento histórico –, uma diferença que permeia as classes, determina perfis decisórios. Segue válida a contribuição de Clausewitz: os grandes comandantes surgem entre homens do povo. 11.
Em nossa época, os exércitos burgueses procuram profissionalizar seus membros em
todos os níveis de hierarquia. Isto tem algumas consequências: afasta seus membros da vida real e da noção de como ela é para a maioria e recebem uma qualidade formal de vida que os ―desadestram‖ para situações de colapso; além disso, há um custo acrescido para a manuntenção de profissionais. Na crise sistêmica do escravismo romano e, em parte, na do feudalismo, tornou-
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se um sinal do fim daqueles mundos o fim da força militar como sinônimo de cidadãos armados – senhores de escravos, cavaleiros medievais, etc. – e início da profissionalização do exército com salários tendo de ser pagos. Quando o Estado era incapaz de pagar seus funcionários, ocorriam greves e rebeliões. PROBLEMAS LATENTES 12.
Por os pontos acima levantados, o ISIS pode fundar a ―guerrilha ofensiva‖; aproveita a
lentidão do comando e de parte do maquinário oficiais para substituir a tática ―atacar-recuar‖ por ―atacar-desarticular‖ usando os princípio da guerrilha: armas leves, mobilidade, hierarquia simples, autonomia das ações, sabotagem, propaganda e guerra psicológica; porém, com caráter ofensivo, e não o defensivo do fraco em relação ao forte comum às guerrilhas. Como causa, os exércitos burgueses estatais incharam-se para o enfrentamento inter-Estados, mas isso os coloca em dificuldades latentes diante da luta entre classes. 13.
As empresas que atuam no campo militar – da produção de arma à mercenários – tendem a
tornar a guerra um fim em si mesmo, uma fonte direta de lucro. Isso é um problema tratado na história da arte militar como a causa de ruína de reinos. Até mesmo empresas de construção visam a guerra de modo artificial para futuras reconstruções no país destruído. 14.
A urbanidade elevada fez surgir uma ampla categoria de assalariados armados nos setores
públicos e privados, porém precários. As diferenças entre as condições de vida dos comandantes e a dos da baixa hierarquia tende a rachaduras no aparelho de policial e de segurança. Gesta-se, assim, parte da tendência à quebra do Estado burguês: as greves na polícia, por exemplo, são sintomas de que podem, parte da baixa hierarquia, no futuro passar para o lado da revolução. 15. A sempre latente possibilidade de corrupção da política e das forças armadas cresce hoje por causa da decadência sistêmica. 16.
Em um artigo que serviu de base para este capítulo (Estado Islâmico – aspectos Operacionais:
Revolução Tática ou Infantaria Leve na Era Global, de Frederico Aranha), encontramos uma observação intuitiva do autor: Neste sentido, pode-se conjecturar que uma tal forma de organização é comparável à que existiu entre o século quinto e o oitavo da nossa era, com o surgimento dos nômades das estepes (Vândalos, Avaros, Godos, Magiares) e os árabes, todos capazes de derrotarem os exércitos ocidentais graças a sua mobilidade extraordinária. Esta comparação tem como objetivo colocar a perspectiva "revolução tática" para identificar alguns elementos potenciais. A resposta do Ocidente para as invasões dos cavaleiros da estepe é esclarecedora sob diversos aspectos para a nossa realidade contemporânea. Sob os repetidos golpes, o Império Romano e o mundo carolíngio se desintegraram
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deixando espaço para outros mais capazes combater as ameaças. No caos deste período surgiram, em função das distâncias muito grandes e comunicações primitivas, inúmeros pequenos exércitos aptos a garantir uma defesa eficaz. Desse modo, a solução foi a transferência das responsabilidades militares à aristocracia local mais capaz de proteger áreas nacionais contra invasões e ataques. O historiador Michael Howard (v.bibl.) observa a este respeito: Não é de surpreender que um tipo de sociedade que pode garantir a sobrevivência dos povos da Europa em tais condições, apareceu: as gerações seguintes de historiadores deram-lhe o nome de 'feudalismo'. (John Poole apud Aranha, 2015)
Se o pesquisador fosse comunista, talvez percebesse: vivemos o último momento do sistema capitalista, por isso a realidade necessita e está mais que madura para um sistema de milícias operária e popular. Incluso pela alta urbanização, o armamento dos trabalhadores, sustentado na prosperidade socialista, permitirá a reorganização social após o colapso de nossa Roma, o mundo do capital. Aqui entra a história nos limites internos dos exércitos. O modo do exército feudal provouse algo intrínseco à classe que o sustentava. Assim, Oliver Cromwell conseguiu vencer a capitalista revolução inglesa porque ofereceu New Model Army (Exército de Novo Tipo) adotando a meritocracia e novos modos de comando. Napoleão Bonaparte fez algo semelhante em seu tempo, como instituindo o alistamento obrigatório, para fins de dominação burguesa contra o poder feudal. O que o conjunto desde capítulo argumenta, portanto, é que o modo militar burguês desenvolveu-se para seu limite histórico e deve ser superado por formas novas de força. 17. Para manter o poder geopolítico, posições estratégicas, ameaçar e reprimir a luta dos
trabalhadores mais concentrados na urbanidade, cada vez mais o Estado deve sugar improdutivamente uma parte do valor global. Isso é tão mais verdade quanto a crise do valor, a redução tendencial de sua massa, como crise da sociedade, exige maior tentativa de controle das instabilidades. Algo semelhante aconteceu na Roma Antiga que profissionalizou e ampliou o exército para lidar com o território maior sob seu controle, reprimir as revoltas de escravos então muito concentrados nos campos de trabalho e conseguir nova leva de homens escravizados em territórios mais distantes; o custo social do aparato militar foi acrescido. Quando os impostos deixavam de bastar para pagar as contas estatais, pois o senhor de escravos tinham menos em relação ao custo acrescido, os motins militares facilitaram os motins dos escravizados rumo ao fim daquele sistema. Algo semelhante tende a ocorrer no capitalismo em sua fase tardia.
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18. Os próximos Estados operários forçarão os estados capitalistas a aumentar o investimento militar, parte da crise desses Estados e do menor investimento em outras áreas necessárias. 19. Lenin e Trotsky mal tinham acesso ao artigo de luxo rádio, imaginavam a TV por meio da ficção e é duvidoso que sequer tenham imaginado a internet. Percebemos que nossas questões técnicas são qualitativamente diferentes das deles. E o que tais mentes raras diriam hoje? Eis a tarefa coletiva dos marxistas atuais. O uso de robôs e satélites de combate, dois projetos em desenvolvimento, levará a guerra a outro patamar. Porém inexiste força militar contra limites históricos. O fim da civilização ou a consolidação da humanidade são as duas únicas alternativas viáveis nesta transição sistêmica. É evidente que em si a robustez dos exércitos oficiais, os imperialistas em especial, é uma das vantagens imediatas do poder capitalista. Porém guarda fatores latentes que podem se revelar como desvantagens perante resistências anti-imperiais ou revolucionárias. O FATOR HISTÓRICO Parte vital da vitória militar deve-se ao acerto político. Ter uma política de acordo com a necessidade histórica, a implementação do socialismo, facilita vencer as guerras revolucionárias. Mas de modo algum determina, pois a extinção da civilização, talvez mesmo de nossa espécie, estará colocada nas próximas décadas. A certeza de que possui superioridade e de que tende a ganhar as batalhas já foi a ruína de muitos exércitos, já que foram assim pegos na ―guarda baixa‖. O medo é irmão da coragem. O fato de termos a história do nosso lado de modo algum é determinista quanto aos resultados da humanidade já que a crise sistêmica abre um leque limitado de possibilidades opostas. Por outro lado, erro tanto inverso quanto idêntico, enganam-se aqueles a pensar que as duras derrotas são sempre parciais, que o capitalismo sempre existirá enquanto não for derrubado de modo consciente e teremos, portanto, sempre uma outra chance até vencermos… O fim da civilização ou da humanidade é uma possibilidade também latente. Se usarmos a lógica para justificar de algum modo as observações deste capítulo, lembramos que Hegel demonstra que o mundo que aparece é como o oposto do mundo essencial, o que é aparece como sorte é azar, e vice-versa. A robustez das forças armadas burguesas pode gerar problemas de manutenção e abastecimento, por exemplo, desde pequenos grupos de sabotagem etc. Dominar a arte militar, de qualquer forma, é obrigação de todo comunista.
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PARA UM MANUAL MILITAR Existem regras gerais, universais, para a arte da guerra? Há, pelo menos, afirmações que são encontradas de modo semelhante entre os principais tratados militares da história. Aqui, como um glossário geral, apresentamos certas ―leis‖ que se repetem mesmo com alterações significativas na concretude dos conflitos. Abaixo, desenvolveremos cada um dos pontos.
5 LEIS DA OFENSIVA 1. A guerra é resultado da economia Razão militar Cada época com sua forma de guerra Empresas de guerra 2. A guerra é a continuação da política Há vantagens em estar de acordo com a história O programa Como o perfil afeta o perfil da guerra Educação política Evitar sentimento de ―vitória antecipada‖ 3. A quantidade de soldados importa 4. A qualidade dos militares importa Classe dos soldados Comandante Perfil nacional Soldados dos países ricos e pobres Higiene 5. Priorizar outros setores que não a infantaria costuma levar à derrota 6. É necessário desestimular o inimigo 7. Sempre que possível e útil, engane o adversário 8. Sem fórmulas fixas, deve-se avaliar sempre a situação concreta e o todo 9. A guerra é uma otimização do uso de energia 10. A defesa territorial ativa costuma ser superior ao ataque Terreno Povo
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Logística Desgaste 11. Davi pode vencer Golias – não há situação completamente sem saída 12. Ousadia, ousadia, ousadia! *** POLÍTICA DE GUERRA INDEPENDÊNCIA NACIONAL COMO IMPEDIR E COMBATER O FASCISMO EM CASO DE GUERRA CIVIL BURGUESA GUERRILHA CRISE DO APARATO MILITAR FORMAÇÃO ROMANA – PM *** 5 LEIS DA OFENSIVA 1. A OFENSIVA É MENOS VANTAJOSA QUE A DEFENSIVA Ao invadir o território, o exército invasor está diante de a) problemas na logística por se afastar de seu próprio país, b) um inimigo com moral alta por defender-se, c) um inimigo que, após recuar muito, está concentrado, d) um inimigo que conhece bem o território, e) um inimigo bem posicionado. 2. OS PAPÉIS TERÃO DE SER INVERTIDOS, OFENSIVA E DEFENSIVA Quem invadiu, ofensiva, deve, depois, defender parte daquilo conquistado, portanto defensiva. Quem foi invadido, defensiva, deve passar para a conquista ou retomada do perdido, portanto ofensiva. 3. A FORÇA DE INVASÃO É CADA VEZ MENOR É raro aumentar a força, ímpeto, o número de soldados e ao moral depois de meses ou anos. Perde-se poder com o tempo, tempo este que, via de regra, ajuda o invadido (desgaste político do invasor em seu próprio país etc.). 4. SE INVADIR, USAR TODA A FORÇA DE UMA VEZ
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Não se deve perder tempo no início: avançar o máximo possível e tão veloz quanto. Não ir por camadas e posições seguras. 5. SE INVADIR, USE DA SURPRESA Se possível, deve-se invadir com máximo segredo, de uma vez, de repente.
PARA UM MANUAL MILITAR Existem regras gerais, universais, para a arte da guerra? Há, pelo menos, afirmações que são encontradas de modo semelhante entre os principais tratados militares da história. Aqui, como um glossário geral, apresentamos certas ―leis‖ que se repetem mesmo com alterações significativas na concretude dos conflitos. Abaixo, desenvolveremos cada um dos pontos. 1. A guerra é resultado da economia Razão militar Os filmes costumam afirmar a luta do poder pelo… poder, como algo abstrato e vazio. É um grande engano; via de regra, a guerra tem objetivo de gerar riquezas ao vencedor ou ao agressor. Pode-se invadir uma ilha próxima para ter apenas melhor localização militar, mas mesmo indiretamente há o objetivo lucrativo. O Estado socialista, que visa ao bem-estar da maioria, com economia planejada e centralizada, tem mais facilidade de girar recursos para o conflito, rumo à vitória. Cada época com sua forma de guerra Cada época exige uma forma de fazer guerra. O problema, então, é que se cristaliza um modo militar obsoleto, mas que teima em manter-se até o último grão de minuto. O escravismo no início tem um modo militar diferente de seu auge-crise. Via de regra, quando a força militar deixa de ser feita com os cidadãos livres armados, quando se profissionaliza a força de guerra, a decadência ocorre; foi assim no escravismo e é assim hoje, no capitalismo. Uma casta com desejos próprios surge e desestabiliza o estado.
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O modo militar feudal baseava-se no feudo isolado, em autodefesa desde os cavaleiros em postos de comando. Ora, isso resolveu a crise militar anterior, do escravismo romano – mas também se tornou atrasado. Os novos exércitos inglês e francês mudaram radicalmente o modo de guerrear, de acordo com o mundo novo, burguês; por exemplo, o cargo de comando passou a ser dado por mérito, não mais por origem de sangue; com o crescimento das cidades, o abastecimento das tropas passou a ocorrer nos locais urbanos por onde se passava por meio de compras, confisco ou em harmonia com o poder local. O socialismo substituirá progressivamente, desde seu começo, o exército por o povo armado, com leves e pesados calibres, e com treinamento básico, até que o comunismo tenha armas apenas para jogos e esportes, numa humanidade unificada. Isso é condição da democracia, do bom governo, da segurança e da superioridade militar socialista em seu começo, quando ainda haverá países capitalistas. Diz Maquiavel: apenas o mau governante teme seu povo armado. De qualquer modo, vale destacar a regra geral: raramente o objetivo é destruir totalmente o inimigo, mas tornar para ele demasiado custoso manter o conflito. Empresas de guerra Se a guerra em si, de modo direto, passa a ser fonte de lucro, seja do infante ou seja do exército, então o Estado ou o governo cai. Se o capitalismo hoje se levasse a sério, proibiria empresas de mercenários, empresas privadas de produção para guerra etc. Mas o caminho é, agora, o oposto: até pseudoestados como o de Israel dependem da construção civil e da empresa militar para sua economia, logo necessita de guerra para tomar terras, reconstruir e aumentar as ações na bolsa de suas empresas militares. A guerra, se injusta em especial, tantas vezes derruba o governo ou mesmo o sistema nos países em conflito. 2. A guerra é a continuação da política A máxima acima vem de Von Clausewitz, de imediato apropriado pelo marxismo. O silogismo torna-se este: A guerra é a continuação da política (por outros meios), A política é economia concentrada; Logo, a guerra é a continuação da economia.
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Desenvolvamos, portanto, as reflexões necessárias sobre. Vejamos a guerra do Vietnã. Os EUA venceram quase todos os conflitos militares naquele país asiático, mas perdeu a guerra porque o seu prolongamento do conflito fez o governo perder apoio de sua população. Também os EUA não invadem sua vizinha Cuba por fala de condições políticas, não militares. Há vantagens em estar de acordo com a história Estar do lado certo, junto ao futuro, dá alguma força; mas não absoluta, nenhuma garantia de vitória certa. Diante da superioridade militar do lado sul na guerra civil americana, Marx, ainda assim, apostou no norte industrial por estar de acordo com as leis do desenvolvimento capitalista. Che Guevara cometeu um pesado erro vanguardista e blanquista ao pensar que, em geral, pode uma pequena guerrilha vencer um exército nacional sem as devidas condições econômicas e políticas favoráveis. Para ele, a própria guerrilha faz suas condições. É um grande erro, que levou a perdemos muitos lutadores. O programa O primeiro passo para vencer uma guerra é convencer cidadãos, na prática, de sua justa luta. Quando os operários russos conquistaram jornada de 8 horas diárias e os camponeses ganharam terras novas, eles foram com máxima disciplina para a luta contra 14 – 14! – exércitos entre os mais poderosos do mundo. E venceram. Na guerra civil americana, o general do norte decretou: está abolida a escravidão em todo o território. Isso atuou para desestabilizar o sul escravista, facilitando a vitória. Como o perfil afeta o perfil da guerra Na guerra civil russa, os 14 exércitos invasores agiram cada um por si, em disciplina nacional, em busca de um pedaço próprio do território russo. Na outra ponta, o exército vermelho reuniu sob sua força, desta vez, unificada 5 milhões de combatentes. Veja-se que causas econômicas e políticas afetaram o perfil dos exércitos e da guerra, pendendo para a vitória de um lado contra o outro. O grande exército da URSS Pôde, assim, enfrentar um por um os invasores separados. Ainda na revolução russa, uma nova guerra ―mundial‖ logo em seguida da primeira grande guerra, somado com a nova pátria socialista, levou a uma onda de greves e protestos nos países invasores, em solidariedade com a URSS, o que desestimulou o conflito.
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Educação política Os soldados e o povo devem ser convencidos. Portanto, uma luta por suas consciências deve ser permanente. Não basta fé, pois é preciso ter clareza do motivo de estar lutando. Evitar sentimento de ―vitória antecipada‖ Dizer, por exemplo, ―fascistas não passarão!‖ revela mais o medo de que passem – e podem passar, mesmo – do que uma palavra de ordem útil; ela, na verdade, desarma o lado antifascista. A arrogância de vitória certa já foi a ruína de muitos em batalha. Por isso, deve-se manter o sinal de alerta, sempre e sempre. Em geral, o exército mais fraco é o mais criativo e ousado exato por medo da derrota. O desânimo e o medo total devem igualmente ser evitados. A esperança de vencer, portanto, deve ergue o moral dos soldados. 3. A quantidade de soldados importa Muitos soldados, ainda que medianos, ganham de poucos soldados bem treinados. O número tem grande peso. Um exército gigantesco contra um pequeno pode, ainda assim, perder, pois o defeito da força é confiar apenas na força. Assim, a tática fabiana de evitar conflito direto e cortar, em ataques surpresa, a comunicação e a logística do poderoso (e custoso) inimigo pode levar à vitória. A concentração alta de um exército leva à fragmentação guerrilheira de outro pequeno. Nem tudo é número: quem é dono de fato do território também tem certa vantagem, mesmo que em minoria. Nos países, aqueles exércitos que não têm grande tecnologia investem na quantidade maior de materiais menos avançados e de soldados. A quantidade é, ela mesma, uma qualidade. 4. A qualidade dos militares importa Engels, ao tratar das primeiras e fracassadas revoluções burguesas, toma nota que mendigos, vagabundos, ladrões etc. participarem de exércitos, o que atrapalhou, por exemplo, a disciplina.
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Na guerra, basta um treinamento médio, mas com alguns grupos de ―elite‖ melhor preparados. Classe dos soldados Trotsky, ao fundar o Exército Vermelho, fez questão que a primeira leva de oficiais e soldados fossem operários, base social do novo Estado. Só então chamou os camponeses, mas apenas aqueles que não exploravam trabalho alheio. Os operários, e os camponeses, são gente prática, disciplinada ―naturalmente‖ no trabalho duro, acostuma com pouco e tensão, útil para diferentes serviços. Já os membros da classe média, em geral, não têm tais características e psicologia. Comandante O perfil do comandante, sua personalidade, afeta o perfil geral do seu exército e da guerra. Se for, por exemplo, um homem disciplinado, mas, ou por isso, sem criatividade, afeta toda a operação. Perfil nacional Euclides da Cunha observou que o soldado brasileiro não serve para manobras complexas, logo seu comandante, além de demonstrar vigor, deve dar instruções gerais aos subordinados e, então, confiar em suas iniciativas próprias. Cada país tem, assim, uma cultura particular que deve ser levada em conta no perfil do soldado. Soldados dos países ricos e pobres Um soldado brasileiro é, via de regra, mais tolerante à tensão do que um suíço. São vidas reais muito diferentes, um deles precário desde o nascimento. Eis uma armadilha para os imperialistas. Higiene
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Tantas vezes, a principal causa de baixas no exército são as doenças, evitáveis algumas delas. Por isso, manuais simples sobre como ferver ou filtrar a água são muito úteis e devem ser seguidos à risca. 5. Priorizar outros setores que não a infantaria costuma levar à derrota Os EUA no Vietnã, a URSS no Afeganistão – ambos priorizaram a maquinaria sobre a infantaria, e perderam. É irresistível a um comandante usar sua vantagem, seus tanques etc. Isso é uma lei poderosa: deve-se priorizar a infantaria, os soldados. Veja-se que com a alta urbanização e a guerra urbana, a infantaria ganha ainda maior importância para manobras de terreno (os soldados lidam melhor com o caos da cidade em guerra do que as máquinas). Já o maquinário pesado exige muito custo de manutenção e conserto, além de exigir muita energia, o que por também exige ainda mais da logística. Os custos necessários, como manter operadores especializados no uso e no trato do material tecnológico, multiplicam-se. Nas batalhas, armas baratas ou semicaseiras podem prejudicar meios pesados. A máquina é necessária ao combate, mas sua prioridade é causa comum de derrotas. 5. É necessário desestimular o inimigo Tratar bem quem desiste no outro lado – punir com a morte quem do seu lado desiste. Eis uma regra de ouro, pois evita que se lute até o limite. Aqui, propagandas sobre os soldados do inimigo também são válidos. Nunca cercar totalmente o inimigo, sempre deixar uma brecha para ele fugir – ou, então, sempre lutará com máxima disciplina e heroísmo. 6. Sempre que possível e útil, engane o adversário Sun Tzu diz algo do tipo: 1) se és mais forte, pareça mais fraco para o inimigo tomar uma ação precipitada; 2) se és mais fraco, pareça mais forte para o inimigo ter dúvidas, hesitar. Deve-se ter a sabedoria de enganar quando necessário, de modo criativo, ou ocultar informações. Na guerra da Ucrânia o exército ucraniano deu a intender que atacaria uma cidade para fazer os russos esvaziarem outra, o que deu certo, permitindo retomar o território em outro ponto.
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7. Sem fórmulas fixas, deve-se avaliar sempre a situação concreta e o todo Inexiste norma ou modo de combate exemplar. Um bom comandante primeiro colhe todos os dados possíveis, trata de adivinhar as ações do inimigo e toma postura ativa, iniciativa. 9. A guerra é uma otimização do uso de energia É preciso não esgotar, extensiva ou intensivamente, seus soldados, ainda que se exija grande disciplina deles. Nesse sentido, a logística é importantíssima para abastecer as tropas. Um comandante tem de pensar em termos energéticos. 10.A defesa territorial ativa costuma ser superior ao ataque Pensa-se a defesa como passivo e o ataque como ativo. Mas, por exemplo, quem está na defensiva, pode tomar a iniciativa de cercar o inimigo ou operar surpresas. Dito isso, de imediato, temos esta lei: a vantagem defensiva, como defender o próprio território, usada em geral pelo mais fraco, serve para, assim que possível, ir, mudar, para a ofensiva. A coisa acontece muito assim: o lado invasor, ofensivo, vai pra luta com força máxima, arrasa cidades e avança com força imensa por boa parte ou quase todo o território do inimigo. Parece que ele vai ganhar fácil, mas há um engano: 1) ficou mais longe de seu próprio país, logo tem custos maiores de manter o exército por causa da distância; 2) logo, sabotadores podem cortar seus transportes e comunicações; 3) logo, o povo do país invadido é hostil e os sabota; 4) logo, concentrou-se os soldados inimigos em um pequeno território, o que lhes dá uma vantagem, mais força; etc. Então, começam as demissões de generais do país invasor, pois seu exército começa, passo a passo, a perder o território antes conquistado. Veja-se: o atacante invasor vai com máxima força, mas essa força vai caindo cada vez mais por morte, por doença, por cansaço, por falta de recursos, por desgaste político etc. Terreno Quem está na defensiva tem a vantagem de posicionar-se em pontos vantajosos antes, como locais altos (por onde vê, atira e localiza-se melhor – mas, em si, não é uma vantagem absoluta, mistificada). Uma das vantagens é, assim, ao conhecer o cenário, poder operar surpresas contra o invasor.
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Povo O apoio popular na marcha, na logística, na moral, na camuflagem entre o povo fortalece o exército que está defendendo o território. Franco atiradores, selecionados para matar alvos específicos, podem misturar-se na população, por exemplo. O povo armado em milícias pode ser condição da vitória da defesa, antes de ir ao ataque. Pequenos grupos de cidadãos armados podem ter a iniciativa, com apoio simpels do exército, de atacar e recuar os flancos (lados) do exército invasor Logística Quem defende território pode ter facilidade de comunicação e transporte. Já quem avança sobre outro país, tem este custo aumentado. Na II Guerra, a Alemanha avançou por demais na grande Rússia, o que dificultou a retaguarda e a manutenção das tropas; além disso, permitiu que grupos especiais atacassem suas provisões a caminho. Desgaste O exército que avança, que invade, na ofensiva tem desgaste maior. Uma defesa ativa, não passiva, aumentar ainda mais o desgaste militar. Assim, na guerra assimétrica, de um grande exército contra um pequeno, este aposta no prolongamento do conflito, tornando muito custoso ao inimigo. 11.Davi pode vencer Golias – não há situação completamente sem saída O século 20 é cheio de exemplos em que o lado mais fraco derrota o mais forte, usando, por exemplo, de sua leveza, de seu agilidade, ou seja, do movimento. Os elementos são estes: movimento e energia – tempo e espaço, campo – matéria e massa. O comandante pensa sobre tais aspectos. Se não tem matéria e massa, deve compensar com outro, equivalente, como a mobilidade, movimento. Exércitos pequenos (matéria) em grandes territórios (espaços) apostam na manobra e na velocidade (movimento); uma pequena guerrilha contra um grande exército (matéria, massa) aposta na mobilidade (movimento); um exército sem grande tecnologia (matéria) aposta em maior infantaria (matéria); um pequeno grupo militar
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(matéria) pode vencer ou repelir outro grande (matéria, massa) se se localiza numa montanha (espaço-matéria) embora um terreno elevado não seja uma vantagem absoluta ou garantia. A pequeníssima Chechênia venceu da grande Rússia compensando com mobilidade e uso do terreno montanhoso. Os comboios com tanques russos teriam de passar por regiões montanhosas com estradas estreitas, então a guerrilha inimiga quebrava alguns carros de combate russos para inutilizar toda a estrada, impedindo aproximação. Além disso, a aviação russa destruiu a capital chechena, mas isso facilitou o movimento de infantaria e dos guerrilheiros no ambiente urbano, não do pesado exército russo, o que facilitou ataques e manobras. Davi, de fato, pode vencer Golias. 12.Ousadia, ousadia, ousadia! Às vezes, é preciso a defensiva ativa ou mesmo recuar, nada de ofensiva permanente artificial. Clausewitz diz que a máxima ousadia às vezes é o que há de mais sensato. Tal afirmação tem reforço nos comandantes do Exército Vermelho, como Tukachev. Na origem, a palavra de ordem vem dos revolucionários da revolução Francesa, os jacobinos. E a história comprovou que ousadia imensa, bem calculada, muitas vezes define resultados. Portanto, ousadia! POLÍTICA DE GUERRA A guerra entre candidatos a império deve ser boicotada. Outro caso, exceção clara se for uma luta de países socialistas contra países capitalistas, pois sempre defendemos a sociedade com traços socialistas. Se os países nazistas imperialistas se unem contra os imperialismos ―democráticos‖, cabe analisar se tomamos os lados contra as nações fascistas ou o boicote total ao conflito. Se um país dominante entra em guerra contra um país atrasado, sempre apoiamos este contra aquele. Se dois países fracos e dominados entram em guerra, tomamos o lado do invadido contra o invasor, contra o atacante. INDEPENDÊNCIA NACIONAL Neste campo, seguimos o seguinte princípio: 1) queremos unidade humana, logo militamos contra a separação dos povos; mas, 1) se um povo decide livremente por separar-se, logo defendemos com unhas e dentes seu direito de independência.
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COMO IMPEDIR E COMBATER O FASCISMO Se o fascismo cresce, quer dizer que a esquerda está frágil e cometeu muitos erros. Por isso, devemos chamar uma frente única antifascista com toda a esquerda. Devemos organizar grupos de defesa dos sindicatos, partidos, greves e protestos – que serão atacados por bandos nazistas. No Brasil, os trotskista liderados por Mário Pedrosa chamo a frente única e promoveu um ataque contra o desfile dos fascistas brasileiros, os integralistas. Depois desse ataque, tal movimento sombrio nunca mais se reergueu. Além disso, temos que ter política, propostas práticas, que atraiam os trabalhadores e, pela força de sua luta, parte da classe média. Em geral, se há um risco fascista, há, oposto, um risco de socialismo – o parlamento corrupto burguês pode ser destruído por uma ditadura totalitária, ou, ao contrário, por uma democracia superior e verdadeira. Nesse sentido, não defendemos em exato a democracia corrupta atual, pois focamos nos problemas econômicos centrais dos trabalhadores na crise. Claro, a pior democracia é mil vezes melhor que a mais leve ditadura. Mais um detalhe: chamamos por uma frente de combate físico antifascistas. Se os reformistas aceitam, a luta cresce; se os reformistas negam, seus liderem se desmoralizam, então os comunistas crescem. Dos dois modos, ganhamos. O PSTU chamou uma frente apenas com revolucionários para combater o fascismo, o governo de extrema-direita. Assim, seu movimento agregou apenas eles, alguns centristas e todas as seitas lunáticas do país. De nada serviu.
EM CASO DE GUERRA CIVIL BURGUESA Se dois setores burguesas iniciam ou ameaçam a luta armada, devemos ver qual o lado progressivo – se há, se existe. Por exemplo, sem apoiar de fato seu governo, lutamos juntos com a ala democrática. Mas se ambos forem reacionário e a luta for apenas aoportunista, podemos fazer campanha pelo boicote à guerra. GUERRILHA Para pensar a guerrilha, pense no assalto urbano, a ladroagem: ação surpresa, rápida, intensa – e focada na fuga fácil e rápida. O mais fraco usa isso para enfrentar o mais forte, atacar e fugir.
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Temos, também, o foquismo. Basta pensar nas milícias e tráficos no Brasil: controla uma érea, governa tal espaço, impede roubos etc. para ganhar apoio popular, faz festas gratuitas por apoio etc. O foquismo pode ser rural, urbano, revolucionário ou contra. Mas, via de regra, as guerrilhas não são estativas, vivem se movimento – o movimento é uma grande arma para si, diante de outros defeitos. Temos, ainda, antiga tática Fabiana: evitar o confronto direto contra um poderoso exército. Então focar em destruir suas linhas de comunicação, de abastecimento etc. (um grande exército exige muito recurso). Atacar, desarticular e fugir. A guerrilha tem comitê central, mas dá enorme autonomia de ação, iniciativa, aos seus grupos. No entanto, via de regra, o marxismo é contra o guerrilheirismo; algumas exceções há se forem apoiadas de uma real ação das massas revoltadas. FORMAÇÃO ROMANA – PM Uma linha reta de PMs é melhor rompida se atacamos seu meio, seu centro. A PM resolve isso coma formação de ―v‖, de cone, com o centro forte, Solução: um pequeno grupo rodeia o quarteirão e ataca por detrás a formação. Coquiteis Molotov são feitos de um combustível (álcool, gasolina etc.) mais um aderente (clara de ovo, óleo etc.) que faz grudar o fogo no inimigo. Se houver tempo, alguns matérias adicionais, como fibras de madeira bem cortadas etc. De resto, guarrafa fácil de quebrar e um pano seco ajudando a tampar a boca, por onde começa o fogo. Quanto aos jatos de pimenta – paciência. Saiba que o destacamento observar antes a direção do vento para saber de onde surgir na rua ou avenida de forma que o gás não afete os soldados. Assim, podemos antecipar de onde eles virão. CRISE DO APARATO MILITAR O aparato e o modo militar romano, causa de sua glória escravista, foi também um fardo de modelo que o levou às derrotas e ao seu fim. O feudalismo resolve isso com muralhas de castelos e grupos de defesa locais. No fim da era feudal, os defensores do então novo sistema, o capitalismo, fundaram modos de guerra novos: o novo exército na Inglaterra, que se baseou no mérito no lugar do medieval posto de comando por sangue; Bonaparte inaugurou o serviço militar obrigatório, o abastecimento de tropas nas cidades por onde passavam etc. Mas o sistema militar burguês também encontra sua crise, seu limite, após largo desenvolvimento. A luta entre
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Estados força investir na artilharia e em máquinas; mas, na história humana, aqueles que investiram mais em outros setores do que na infantaria, nos soldados, conheceram quase sempre a desgraça – ao fortalecerem-se para enfrentar uns aos outros, facilitam um tanto a vitória de exércitos revolucionários e das revoluções. Máquinas caras e modernas podem ser danificadas por armas e munições baratas ou semicaseiras, além do alto custo de manutenção, abastecimento e especialização de operadores. Em nossa época, depois de duas grandes guerras mundiais, o conflito armado não revolucionário ou não anti-império perde sentido na cabeça dos cidadãos. Um sistema de milícias operárias e populares, com todo o povo trabalhador armado com leves e pesados calibres, substituindo os aparatos militares, surgirá após a dissolução do exército revolucionário e ao mesmo tempo deste. Na revolução, os trabalhadores lutam apenas por reformas, para melhorar suas condições, para levar dignidade ao país de modo sempre pacífico. Quando a burguesia vê que vai perder a luta geral sem sangue algum, toma a decisão de usar o exército e os bandos fascistas para derrotar o movimento dos trabalhadores com métodos de guerra civil. Sempre são os grandes patrões e seu Estado que cruzam a linha, passam do limite, iniciam a violência contra os assalariados desarmados. Assim, eles obrigam os operários e setores populares a se defenderem para manterse vivos e melhorar de vez sua nação. O exército racha ao meio, uma parte da baixa patente vai para o lado da revolução. Nessas condições, ou muda tudo ou nada muda. Toda revolução é impossível – até que se torne inevitável.
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O PARTIDO TERRITORIAL? O perfil do partido democrático-centralista é insuperável, impossível negá-lo por outro formato. É a única formação que pode ir da legalidade para a ilegalidade e clandestinidade sem se destruir de todo. Além disso, 1) garante a democracia interna; 2) quase garante que a organização se mantenha inteira em situações revolucionárias; 3) permite o preparo de quadros para a revolução e para governar. Dito isso, devemos ver se, em situações raras, o modelo pode ser agregado, mas suprassumido ainda junto de si. O partido bolchevique teve duas inspirações: as máfias russas e o modelo da guerrilha urbana. No Brasil, temos os territoriais, foquismo urbano, do tráfico e das milícias em bairros e favelas – tais oportunistas podem ter algo a nos ensinar? A hipótese – hipótese, mesmo, para um ou outro caso – é a de que o partido leninista possa tornar-se um partido-movimento, quaseestado, mantendo trabalho fixo em fábricas e, nosso caso, bairros e favelas. Neste sentido, oferece serviços em forma de cooperativa ou autogestão, com o partido com poder de veto na direção, cobra-se um baixíssimo imposto, oferece festas e bailes etc. Faz daquele território um miniestado completo, assim como fazem hoje as máfias. Mas, no lugar de lucro, busca-se a cooperação e a emancipação real. Como garantir a democracia, base do fim da alienação, nesse caso? As milícias, traficantes e o estado se unirão para acabar com a experiência; logo uma democracia total é impossível, mas deve ser meta permanente. Toda oportunidade de votar, será votada, mesmo para questões pequenas (são exercícios de socialismo). Porém, a real garantia de democracia será o perfil interno democrático, liberdade de formar frações temporárias, partidos dentro do partido, da organização revolucionária – e a ilegalidade de acumular cargos e privilégios. Além disso, todo membro partidário dever saber usar armas e ter um bom calibre consigo, dificultando repressão interior. O braço armado externo, por outro lado, deve ser proibido de ter cargos de direção ou participar de frações. Como todo investimento (cooperativas etc.) e imposto não visarão lucro, como os salários dos profissionais serão muito limitados, o que o povo e outras rendas darão retornará, em geral, para o próprio povo em serviços (garantindo alto apoio popular). Eis uma forma de combater as máfias, que visam lucro, e crescer muito, atraindo. Desnecessário dizer que coisas como roubo serão proibidas em tais regiões. No entanto, o partido não será de todo territorial. Deve aproveitar os bastiões geográficos para ter trabalho nas fábricas, onde todo o nosso destino se decidirá.
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Moreno certa vez disse que a substituição de células do partido de grupos dos locais de trabalho por grupos por bairro é um sinal de degeneração partidária. Isso é verdade, mas pela metade já que podemos combinar ambos. Na favela, precisaremos de células e grupos dirigentes para todos os ―ministérios‖ que deverão colocar em prática ações para melhorar a vida dos trabalhadores. Mas, ao que parece, tal proposta é inviável ao Brasil – exceção em caso de ditadura do capital.
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SOBRE A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO A crítica à educação hoje é, via de regra, negativa, apenas importante crítica. A falta de propostas positivas têm razão de ser: nada importante pode ser feito sem muitos recursos. O atual modelo de escola é condizente com sua verba. Mesmo assim, faz-se necessário propor ao menos algo de transição. O pensamento pós-moderno vê apenas o lado negativo da escola, como prisão juvenil. Mas é um espaço de ciência e filosofia, de aprendizado subjetivo, de encontro com os demais. De modo algum, uma educação em casa ou virtual substitui o encontro, a necessária vida coletiva. Por outro lado, exemplos pedagógicos vêm de professores, mas deve-se levar em conta que suas ―pedagogias‖ são próprias de suas personalidades, seus perfis subjetivos deslumbrantes. Logo, não servem de exemplo imediato. Na pedagogia, o gênio Piaget erra ao, na prática, culpar a criança, e livrar o educador, ao dizer que, se o aluno não aprende, é porque ainda não está em certa etapa… Ora, a evolução é um ato de força, um esforço ou tentativa – não apenas um fluir de água, dirá Vygotsky. Como vimos, o desenvolvimento das forças produtivas empurram para a tendência de mudança do resto do tecido social, como a educação. Tecnologias como realidade aumentada serão parte do revolucionamento educacional ao permitir ao aluno ―ver‖ o funcionamento das partes de uma célula diante de si, os planetas e a galáxia etc. Mas, sob o capitalismo, o desenvolvimento tecnológico tem diminuído a demanda por trabalho qualificado. A mesma base que permitirá alta educação a deteriora segundo a exigência do capital. Feitas tais observações, vejamos nossas propostas. LIVRO DE MATEMÁTICA E AFINS Para facilitar o aprendizado e a memorização, tais medidas devem ser feitas nos livros: 1. Contar a história ou alguma anedota sobre aquele assunto; 2. Dizer sobre grandes aplicações práticas; 3. Derivar ou provar aquela equação etc.; 4. Revisar assunto anterior necessário; 5. Ir do concreto ao conceito abstrato; 6. Dar exemplos de aplicação, do simples ao complexo;
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Até o ponto 4, deve ser a parte que o aluno pode ―pular quando bem quiser‖ caso tenha pressa. 7. Os capítulos devem ser curtíssimos; 8. As questões devem ir do simples ao complexo, do concreto ao abstrato; 9. A diagramação deve ser espaçosa e agradável; 10. O livro deve ser o máximo completo, sem precisar da ajuda do professor ou da internet. Além disso, equações etc. devem ser apresentadas dentro de imagens fortes, criativas, de todo inusitadas o que facilita a mente tirar uma ―foto‖, memorizar. Macetes criativos e atalhos devem ser ensinados, além do uso de recursos artísticos e literários como o humor. No Brasil, as obras que mais se aproximam de um projeto tão simples é a coleção ―Conecte‖, da Saraiva, com uso mais comum na classe média alta. Deve-se acrescentar que o Estado deve oferecer manuais e vídeos que ensinem a estudar e a memorizar, com as técnicas disponíveis na psicologia moderna. ENSINO MÉDIO No ensino intermediário, o aluno deve ter acesso a todas as matérias, mas deverá escolher qual bloco, entre humanidades e ciências naturais, terá por média a nota 5 e qual a nota 7, entre 0 (zero) e 10. FILOSOFIA Deve-se dividir o ano desta matéria em duas partes por semestre: na primeira, história geral dos pensadores; na segunda, a história dos conceitos e ideias – conceito de espaço na história, concepções de moral, como os pensadores trataram a questão do um e muitos etc. Ademais, os diferentes métodos científicos devem ser explicados. PROVAS As provas devem ter uma questão de opinião ou redação do aluno sobre algum tema. O central é ele, desde a primeira aula do mês, ser levado a pensar sobre algum tema para escrever sua hipótese sobre na prova, valendo ponto extra. Os cálculos não devem ser exatamente decorados. A folha da prova deve dispor todas as equações necessárias ao aluno, como na vida real – o que interessa é aplicar. No ensino médio, o uso da calculadora também deve ser permitido. As questões da prova, e do livro, de modo algum
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devem ser uma verdadeira charada; devem ser claras e simples, mas pode haver uma questão extra especial de alto valor. Vale um relato pessoal. Minha professora de reforço fazia o seguinte: 1) eu deveria ler para ela um parágrafo do capítulo; 2) deveria resumi-lo em voz; 3) deveria dar minha opinião sobre. Isso foi de máxima positividade para minha formação. MÚSICA Há um conto de Machado de Assis sobre um maestro que passou a vida inteira apenas lendo partitura e reproduzindo os clássicos; quando decide escrever algo próprio, é incapaz. Às vezes, passamos 15 anos decorando, memorizando, absorvendo e, de repente, no doutorado, somos obrigados e incapazes de criar algo de fato novo. A música ajuda a resolver isso. Aos 12 anos, um aluno pode aprender música num instrumento, primeiro reproduzindo; mas, ao aprender as primeiras escalas musicais, pode ser imediatamente incentivado a improvisar solos. Esse é o eixo: ensinar, após certa absorção, a improvisar, solar, até mesmo de modo subconsciente. O cérebro, assim, aprende a ser criativo, a associar, nesta e noutras áreas. CURSO DE FOLOSOFIA O curso de filosofia deve ter duas etapas. Primeira, história da filosofia, de grupo de pensadores a outros, de um filósofo a outro; segunda, focado em ciência moderna para produzir hipóteses e novas conclusões. HISTÓRIA No ensino fundamental e médio, a visão marxista da história é a necessária ao alunado. Isso pode soar ideológico, mas é a ciência mais profunda de fato. O livro de história pode, por outro lado, apresentar as diferentes contribuições de outras escolas teóricas, uma ao lado da outra. Ouvi de um professor que ensina para alunos ricos de minha cidade: ―Eles preferem a história marxista porque é cinematográfica; brinco com um colega que estamos ensinando nossos inimigos de classe.‖ PRODUÇÃO DE ARTIGOS É notório que há uma fábrica quase inútil de artigos no meio acadêmico. Para preservar a qualidade, a medição deve pôr uma quantidade máxima limitada de artigos e papers que valem ponto num ano. Além disso, livros individuais devem valer mais, além da divulgação científica.
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LÍNGUAS Quase todos os alunos jovens sonham aprender inglês, mas não aprendem na sala de aula. Há algo errado, portanto. Minha proposta é a de imersão completa por 3 semanas ou 1 mês, no ano, estudando apenas inglês ou outra língua nesse período. Nos EUA, há uma escola em que o aluno vai para um retiro de férias onde tem contato apenas com a língua estrangeira, com todos os objetos com o ―nome‖ deles colado, com livros e filmes naquela língua, com pessoas para conversar etc. Isso deve ser feito em escala maior. Para economizar custos, o Estado pode colocar algumas escolas nas 3 primeiras semanas de aula; outros nas 3 seguintes etc. Além disso, o professor, se ainda mantemos alguma aula convencional, deve usar palavras opostas no ensino. Tal oposição gera gatilho para aprendizado. O Estado deve comprar certas séries, dos mais variados estilos, de episódios curtos, com um programa que permita o aluno ver uma cena em português, depois em inglês etc. A repetição importa. OUTRAS MATÉRIAS No quarto ano do ensino fundamental, todo aluno deve ter três cursos: 1) música, rumo ao improviso; 2) arte marcial; 3) no final de semana, escoterismo. Nos anos seguintes, pode escolher focar em um ou outro. BIOLOGIA O Estado deve aproveitar que a tecnologia computacional está avançadíssima para criar uma série completa, longa, repetitiva e ―devagar‖ sobre todos os assuntos dos livros didáticos. Por exemplo, cada processo celular invisível deve ter um vídeo com grande qualidade de efeitos especiais para demonstrar, repetida e agradavelmente, o processo. RENDIMENTO DO ALUNO Assim que um aluno, desde a alfabetização, demonstra dificuldade, notas baixas, logo ele deve ser encaminhado para um reforço extra com outro professor. Isso promoveu uma revolução educacional no pobre Ceará, que tem 87 das 100 melhores escolas do país, além das 10 melhores. Nem reprovar, que afasta o aluno, nem passar de ano em modo forçado, alimentando seu atraso. INTERNET A internet e o celular são base para a revolução educacional. Em salas de aula, os professores perdem a maior parte do tempo escrevendo no quadro, depois os alunos tiram foto daquilo
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escrito… O livro e a internet devem ser suficientes, com cada aluno pesquisando por si o que o professor apenas apresenta. Reforçamos: em pelo menos metade das matérias, o aluno poderá faltar às aulas para estudar por si numa biblioteca da escola com internet boa e aparelhos, para estudo isolado; além disso, poderá dedicar-se ao lazer e ao esporte no espaço interno da escola caso queira estudar em outro momento. Alguns alunos aprendem melhor sozinhos, outros, com aula etc. Assim, deve ser direito todo aluno ter um bom celular e internet permanente. Vale notar que há uma arte oportunista dos professores, a arte de enrolar. Aquilo que poderia ser oferecido em 1 ou 2 aulas é esticado para durar 1 mês inteiro. Como o aparelho psíquico do alunado ainda está em formação, apenas em casos raros há carinho por aprender. Por isso, deve haver alguma autoridade professoral, e estímulos ao aprendizado, por prazer e recompensa ou dever. SALÁRIO Os alunos devem receber salário, que cresce com o avanço das séries. Além disso, uma parte da renda recebida varia segundo as notas, segundo o rendimento em prova. Veja bem; ao cérebro do adolescente ainda falta maior senso de responsabilidade e é impulsivo, logo deve ser em parte guiado, incentivado. Além disso, bons resultados devem gerar salários maiores a professores e funcionários. AULA A aula deve começar 8 horas da manhã, não 7 ou 6. Além disso, nenhuma tarefa deve ir para casa, tudo deve ser resolvido no espaço escolar. Mais uma vez, o aluno tem direito a não marcar presença em metade das matérias, mas deve fazer prova como os demais, com nota mínima 7. Para isso, a escola deve oferecer bibliotecas para estudar, internet ou distrações como esportes etc. Ou seja, o aluno pode faltar em tais matérias, mas deve, de qualquer modo, oferecer bom resultado final. Uma nota mínima, 7 ou 8, deve ser condição para liberar-se da presença em aula. FARDAMENTO O fardamento não deve ser obrigatório, apenas opção, para estimular a diferença, incluso de perfil mental. Além disso, as fardas devem respeitar a moda e o clima.
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FORMAÇÃO DO PROFESSOR A formação do professor, em principal nas exatas, deve ter três perfis: 1) licenciatura superior; 2) bacharelado; 3) licenciatura de base. Um curso de matemática voltado a formar professores de ensino médio e fundamental deve ensinar algo de matemática avançada, cálculo etc., mas deve focar na didática, na oratória, no reforço do aprendido antes, na história de tal ciência etc. ENSINO SUPERIOR Todas as matérias de um semestre do curso deve ter um tema base, mas também um livro de base, cuja leitura é obrigatória. Os alunos do ensino superior hoje terminam o curso sem ter lido sequer um livro inteiro, apenas introduções ou pedaços de algumas obras. Isso deve mudar. Ler em sala e individualmente devem ser o foco máximo. Mil vezes melhor um único livro lido com atenção a 200 trechos de 200 autores. Ademais, todo professor capaz de dar grandes aulas deve ser pago para disponibilizar cursos gratuitos completos na internet. Toda cultura erudita humana deve estar disponível de graça na web em português. SOBRE FILHOS Em complemento, temos tais indicações para a educação familiar: 1. Dar opções ao filho. Por exemplo: se sairão juntos, pedir para que o filho escolha entre três roupas, entre três sobremesas etc.; 2. Sempre explicar o motivo de uma ordem; 3. Ouvi-lo sinceramente e de fato, mas, nas questões centrais, os pais decidem; 4. Elogiar mais o esforço do que o resultado; 5. Não contrariar ordem de outro, exceção de situações de debate; 6. Não bater, exceção de casos raros, mas punir com cortes de afazeres (não deixar sair, sem internet etc.) ou novas obrigações; 7. Desde cedo oferecer brinquedos desafiadores, mesmo que impróprios um tanto para a idade; 8. Dar tarefas domésticas, maiores ou menores segundo a idade; 9. Ensinar coisas práticas da vida: como retirar dinheiro em banco, como andar no centro, como pedir para descer do ônibus etc. 10. Estimular a brincadeira e convívio com outras crianças, evitar o isolamento típico de nossa época;
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11. Testar desde cedo quais os talentos ou vocações da criança, sem preconceitos ou ambições, e ―especializá-lo‖ desde já, incentivando enquanto o interessar, sem forçá-lo – uma habilidade desenvolvida desde a infância gerará um ótimo trabalhador, ou alguém saudável com seus hobbies particulares; 12. Respeitar a moda juvenil, mesmo com alguns limites relativos; 13. Nunca humilhar em público; 14. Dar direito à intimidade, à vida própria, ao filho – comum os pais sentiram-se donos das crias; 15. Falar sobre sexo com naturalidade, disponibilizar preservativos e espaço privado para vida sexual – isso dificulta muito a gravidez; 16. Punir egoísmo, mas premiar autorrespeito, a defesa das próprias vontades. No fim, não há manuais que garantam o destino da prole. A NOVA GERAÇÃO Refletir em filosofia sobre os mais jovens têm vários problemas associados. Primeiro, podese ter uma concepção saudosistas e criticista exagerada entre os mais velhos, que romantizam o próprio passado. Segundo, oposto, pode-se pensar que se trata apenas de geração diferente, como se a degeneração geracional não fosse uma possibilidade. Há ainda a armadilha do caminho do meio; vejamos um exemplo lógico: a impulsividade (mesmo) de alguém, a caraterística de fundo, produz em certas situações qualidades, como criatividade grande, mas também defeitos, como a falta de noção social; a característica, a mesmidade ou base, externaliza-se como defeitos aqui e qualidades ali. Pois bem; a nova geração teria, assim, igualmente, qualidades e defeitos próprios? Participo de um grupo de escritores; nele, com frequência, os mais jovens perguntam "isso pode?", ou "isso é certo?". Eles querem agradar, não ser rejeitados. Penso que há duas razões centrais para: 1) uma criação mais isolada, menos vida social, o que reduz o colchão psíquico; 2) a internet pede que sejamos desejados e vistos, contra o ridículo e a ridicularização pública (certo controle social abstrato retorna com a internet – em sistemas de punição e recompensa, reforço e desestímulo). Aonde há rebeldia? Aonde há originalidade? Isso é perigoso, muito. Ser ―alternativo‖ agora é comprar roupas ―alternativas‖ da moda… Bolos de aniversário falsos na festa e teatros de subversão. A nova geração, desde muito cedo, movimenta-se menos, socializa-se menos – eis a fragilização, o atraso do desenvolvimento em todas as esferas psíquicas. Se somos, por exemplo, rejeitados, mas temos uma fonte segura de amizade e amor, somos muito menos afetados pela
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ação alheia. Para comparação, veja-se que um militante de classe média, mais isolado em geral, cede com mais facilidade a pressões hostis, pendendo ao centrismo, em relação a militantes operários, mais ―duros‖, mais tolerantes aos isolamentos. A crise geral da psique, parece, cobrará seu preço sobre a nova geração. Por evidente, há qualidade maiores como a maior capacidade de aprender com a internet. Mas o que melhora a sociedade e o indivíduo, o que determina o peso do positivo e do negativo, é sua capacidade de subversão, o novo. Humberto Gessinger, Engenheiros do Hawaii, pensa na música Pose sobre: Vamos passear depois do tiroteio Vamos dançar num cemitério de automóveis Colher as flores que nascerem no asfalto Vamos todo mundo Tudo que se possa imaginar (…) Vamos ficar acima, velejar no mar de lama Se faltar o vento, a gente inventa Vamos esquecer o dia da semana Tem que ser agora, anos 90 Vamos remar contra a corrente Desafinar do coro dos contentes E completa: Tô fora voodoo, ranço, baixo astral Eu não vou perder meu tempo brincando de ser mal Não vou viver pra sempre nem morrer a toda hora Como rasgos pré-fabricados num novo velho blue jeans Há várias manifestações de adestramento, incluso disfarçados de rebeldia. Sabemos que, há poucos anos, os pais brigavam para os filhos entrarem casa; hoje, brigam porque não saem.
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AS LIÇÕES Os marxistas e os dialéticos evitam a filosofia do comportamento, dos estoicos etc. Mas seus raciocínios gerais podem ser muito úteis diante do sofrimento humano, ainda que este apenas possa ser muito reduzido numa sociedade socialista. Apenas Trotsky, em Questões do modo de vida, e Valério Arcary, em Ninguém disse que seria fácil, ensaiaram entrar em tais temas. Como este livro pretende tanto explicar o real quanto oferecer algo para a prática, derivamos as seguintes conclusões: 1)
O excesso constante de prazer não leva à felicidade, mas ao esgotamento. Felicidade tem
substância e conteúdo, quase medida. 2)
Se a sociedade está em situação difícil, mas difícil será o indivíduo obter vitórias
individuais ou felicidades. 3)
Na vida pessoal e no curto e médio prazo, às vezes, não há saída ou alternativa, embora
não tanto demore uma solução na maioria dos casos. Inexiste situação totalmente sem saída, mas pequeníssimas alternativas em probabilidade difícil e raramente se realizam. 4)
O processo importa, mas vitórias importam ainda mais.
5)
O grande esforço é condição da vitória, mas não suficiente nem garantia certa.
6)
Sofrer é o privilégio de viver, mas para evitar aquele desde o prazer e a felicidade.
7)
O trabalho não dignifica o homem, exceção quando obrigamos a sociedade a permitir
com que a necessidade natural do trabalho seja cumprida de maneira respeitosa. 8)
Vitórias pessoais são obras coletivas e mais ou menos democráticas.
9)
O inferno é a falta do outro.
10)
Perceber a causa, o motivo, a razão, a utilidade e a finalidade possível de um projeto ou
trabalho produz prazer e impulso, talvez felicidade. 11)
Precisamos dos opostos, lazer e atividade, dormir bem e acordar bem, amor e raiva, medo
e coragem, e assim por diante, e assim por diante. Sem excesso de um contra o outro, sem unilateralidade. Às vezes, um tornando-se o seu inverso. 12)
Desistir pode ser uma opção, em principal e muitas vezes apenas no limite, pois o acerto
também é feito de falhas no caminho ou ao lado. 13)
A perfeição de personalidade ou de vida é uma utopia irrealizável. Vida é conflito,
contradição. 14)
Os defeitos não devem ser reprimidos, produzindo novas doenças aparentemente sem
causa, mas redirecionados para algo positivo, produtivo, saudável e útil.
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15)
Exceto causas orgânicas, inexiste preguiça dominante mas não uso de talentos e
possibilidades, pelo individuo ou pela sociedade. 16)
Não há qualquer fórmula que garanta permanência de relações sociais e pessoais – só a
mudança é permanente. 17)
Nem sempre felicidade é abrir os olhos, mas é necessário.
18)
Apenas na impossibilidade de uma vida feliz, deve-se pensar a possibilidade de uma vida
que valha a pena, contanto não fira a essência humana natural. 19)
A popularidade dos livros de autoajuda é fruto da semialfabetização popular mais a
infelicidade constante, mais a felicidade como quase tocável pelo alto desenvolvimento do mundo social e das coisas. 20)
Nem sempre se colhe o que planta, nem sempre se planta o que colhe.
21)
Má condição não é sempre punição de um erro ou punição justa.
22)
Entre as piores sensações é sofrer, mas não saber a causa de seu sofrimento. Daí a
necessidade, por exemplo, da cultura. Daí que se procura soluções erradas como excesso de acúmulo de coisas. 23)
O corpo não é a negação da alma, mas sua afirmação. Corpo são para ter mente sã.
materialismo também é cuidar do corpo, de si. 24)
A principal tarefa do Marxismo é a felicidade humana, tanto quanto possível e
responsável. 25)
Agir por uma causa maior é tanto compensador quanto correto e necessário.
26)
Como na guerra, a máxima ousadia pode ser o mais racional.
27)
Exato o medo de algo produz o algo, o medo da rejeição produz rejeição.
28)
Às vezes, é preciso recuar antes de avançar com dignidade.
29)
Às vezes, é preciso adiar para ter algo melhor no futuro.
30)
Nem toda proposta boa em si é boa de fato quando considerado todo o contexto.
31)
Uma derrota aparente pode esconder uma vitória essencial. Uma vitória aparente pode
ser, na verdade, uma derrota oculta. O azar pode ser sorte, a sorte pode ser azar. 32)
Planejar, nunca nos mínimos detalhes, é preciso – até para alcançar bons resultados
diferentes do esperado. 33)
É necessário teimosia e insistência de médio ou longo prazo.
34)
O correto nem sempre recompensa.
35)
Quase nada é certo ou errado em si, pois depende do contexto.
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36)
Nos planos, o mais importante é fixa-se no ―o que‖ deseja realizar, pois tal ―o que‖ pode
acontecer de muitos modos, ―como‖ e formas diferentes; portanto, deve-se ter mente aberta aos modos de realização, os ―comos‖. 37)
O homem é ainda um animal, logo é negativo para o homem urbano afastar-se em
demasia da natureza, ainda que ela possa envolver algum risco. 38)
Se teu trabalho é intelectual, dedique um momento regular para ato manual; se, ao
contrário, teu trabalho é manual, dedique um momento regular para ação intelectual; além disso, tenha um momento do dia ou da semana para nada fazer, para o pensamento fluir solto ou planejar e refletir; ser unilateral produz problemas físicos e mentais. 39)
Sempre consulte outros antes de tomar uma importante decisão.
40)
Os fins justificam os meios, mas, ao mesmo tempo, os meios devem justificar os fins. Uma obra sobre moral ou ética marxista terá de adentrar em tal tema, incluso formulando
sobre, mantendo a noção de totalidade e tempo histórico. Certo ensinamento geral nem sempre é útil ao comportamento cotidiano, e vice-versa. É fato que podemos dividir os homens em ativos e reativos, mas ocorre de modo diferente, inverso, na amplidão das classes sociais. A classe operária é ativa e anda em bando; no nível pessoal, são os reativos que andam em grupo. A burguesia é reativa, mas mais individual.
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A ETAPA HISTÓRICA PÓS-QUEDA DO MURO: EM QUAL ETAPA HISTÓRICA ESTAMOS? É verdade que a década de 1990 marca uma derrota com o fim dos Estados operários degenerados e, por consequência, recuo na consciência das massas e degeneração dos partidos vermelhos. Também é verdade, por outro lado, que se liberaram possibilidades contidas pelo aparato estalinista em todo o mundo e a história deu razão ao trotskismo. Como resolver esta equação? A resposta que oferecemos é esta: abriu-se uma etapa reacionária mundial. A hipótese alternativa é a de que, além das etapas revolucionárias e contrarrevolucionárias, há outros tipos perceptíveis. Um exemplo no nível de nação em Moreno: Por exemplo, nesta etapa de revolução iminente que vivemos a nível mundial desde 1943, muitos países atravessaram ou atravessam etapas contra-revolucionárias a nível nacional (Indonésia, o Cone Sul latino-americano, a URSS, etc.). Outros países mantiveram-se em etapas de pouca luta de classes, de equilíbrio na relação de forças entre o proletariado e a burguesia, quer dizer, etapas não-revolucionárias (quase todos os países imperialistas e muitos semicoloniais). E outros que já mencionamos, finalmente, que são os que marcam a dinâmica, o signo da etapa revolucionária, atravessaram etapas revolucionárias que levaram ao triunfo da revolução, que foi abortada ou congelada, ou que foi derrotada. (Moreno, As Revoluções do Século XX, 2009)
Assim, não estamos numa etapa não revolucionária, revolucionária ou contrarrevolucionária, mas numa derrota gerando forte recuo reacionário. Para que o leitor melhor abstraia uma possível etapa reacionária, damos um exemplo comparativo em outra escala, de situação reacionária: Da mesma forma, dentro de uma etapa podemos encontrar diferentes tipos de situações. Uma etapa revolucionária não pode deixar de sê-lo se a burguesia não derrotar duramente, na luta, nas ruas, o movimento operário. Porém, a burguesia, se tiver margem, pode manobrar, pode convencer o movimento operário que deixe de lutar. Assim se abriria uma situação não-revolucionária, porém a etapa continuaria sendo revolucionária, porque o movimento operário não foi derrotado. Inclusive, a burguesia pode reprimir, sem chegar aos métodos de guerra civil, o movimento operário e impor derrotas que o fazem retroceder, abrindo uma situação reacionária, porém continuaria estando dentro da etapa revolucionária. Por exemplo, o governo de Gil Robles, que ocorreu no meio da revolução espanhola, iniciada em 1931, foi um
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governo reacionário que reprimiu duramente o proletariado e criou uma situação reacionária. Porém, ao não ser derrotado o conjunto do movimento operário espanhol, a etapa continuou sendo revolucionária. A melhor prova disso é que poucos anos depois estourou a guerra civil. (Idem.)
Fomos duramente derrotados, entretanto não anulados por nazismos, invasões imperialistas à URSS, etc. Disto vale recordar: os movimentos anti-restauração, como a confusa e heroica luta chinesa, que se encerrou no massacre na Praça da Paz Celestial, nem sempre geraram democracia burguesa, não mudaram o regime político. Mesmo a Rússia fechou seu regime, de democracia para semibonapartismo, pouco após seu retorno ao capital. A etapa é determinada, em primeiro, pela relação de superestrutura objetiva – instituições, Estado, partidos, organização etc. – derivada de uma determina correlação de forças entre burguesia e proletariado. Ao lado da queda do aparato stalinista ocorreu a restauração do capitalismo – a queda do caráter de transição ao socialismo do Estado –, mecanismo que fez recuar a consciência das massas, degenerou e fragilizou organizações, fortaleceu a posição da burguesia no cenário mundial, impôs-se derrotas a movimentos contra o neoliberalismo. Vejamos a oposição unilateral em lista: Etapa revolucionária
Etapa contrarrevolucionária
Caiu o estalinismo de Estado
Caiu o caráter operário do Estado
Aconteceram reações revolucionárias
As revoluções do Leste não salvaram o socialismo, nem foram sempre vitoriosas ao mudar o regime de Estado
Liberou-se espaço político para o trotskismo, a A LIT entrou em crise, partidos e ativistas LIT cresceu
honestos degeneraram em todo o mundo
Há espaço novo para a verdadeira ideologia A consciência das massas recuou pesadamente socialista
em todo o planeta
Aconteceram revoluções após a queda do A burguesia foi para a ofensiva, conseguiu Muro de Berlim
impor o neoliberalismo em todo o mundo e nenhuma revolução socialista vitoriosa surgiu nestes tempos
O imperialismo perde guerras
O imperialismo tem condições de impor guerras
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As duas posições apenas são explicadas se a etapa for, na verdade, reacionária, nem um nem outro. Dura derrota, mas que não fechou por longo período nosso espaço. A caracterização de etapa reacionária desde a queda do muro de Berlim pretende resolver a polêmica entre duas posições opostas, se estamos numa etapa revolucionária ou contrarrevolucionária. Ambas as posições destacaram na análise aspectos unilaterais da realidade. A crise desde 2008, porém, obrigará novas caracterizações144. Após mais de 30 anos da queda do socialismo ―real‖ e mais de 40 anos sem uma revolução socialista vitoriosa, parece que finalmente podemos sair da ressaca histórica. Para isso, a renovação geracional muito ajuda. O central é que a crise sistêmica, que deu um salto de qualidade em 2008, fará seu papel de pressionar as mentalidades, tendencialmente, para saídas revolucionárias entre os oprimidos. Dizer que após a queda do socialismo real, tal como foi, gerou-se uma etapa revolucionária ou contrarrevolucionária torna incompreensível a natureza do visível salto qualitativo desde 2008. Ao que parece, a partir dessa crise, entramos numa etapa, e numa situação, pré-revolucionária, superando a etapa reacionária anterior. A vitória socialista em alguma nação de peso certamente mudará mais uma vez a etapa. Organização internacional à qual reivindico, a LIT erra com a posição majoritária de etapa revolucionária após a queda do Muro de Berlim. Além da unilateralidade, de causas mais profundas, há duas causas imediatas: 1) centrismo, que vê sempre balanço positivo nas situações e ações, se não for um desastre completo, desejoso por estimular a psicologia dos militantes; 2) incapacidade de reconhecer erros, de voltar atrás, fazer balanço e perceber as causas do engano, com os militantes agindo como religiosos, adotando de pronto a posição oficial, sem grandes críticas – assim sem retorno ou mudança de posição. Mas creio que ainda há tempo de aprender.
144
Diga-se de passagem, os comunistas tiveram sorte ao o Estado amortecer o peso da crise mundial de 2008. Nossas organizações estavam, na prática e na teoria, despreparadas para uma implosão econômica como aquela que quase ocorreu a partir daquele ano. Agora, pode-se amadurecer os partidos vermelhos com algum tempo para experiência, acumular forças e obter posições mínimas para quando houver as próximas crises. A base real para a fermentação e a consolidação de partidos de fato revolucionários passa a existir.
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CONTRIBUIÇÕES PARA UM PROGRAMA DE TRANSIÇÃO NO SÉCULO XXI ―Existem momentos em que a audácia extrema é o auge da sensatez.‖ Clausewitz, Da Guerra. O programa revolucionário é mais do que uma lista de palavras de ordem; é, na verdade, em primeiro, uma compreensão do momento histórico. Este livro procura ajudar em tal sentido. Uma das vantagens de nossa época é o acúmulo de propostas transicionais na obra ―O Programa de Transição‖ (Trotsky) e em outros textos clássicos. No entanto, ainda precisamos elaborar sobre muitos temas, como violência urbana, moderna propriedade rural e setor de serviços. As propostas que trazemos são tentativas de pensar consignas práticas e transicionais. DÍVIDAS E COMÉRCIO N‘O Programa de Transição, Trotsky afirma:
A fim de realizar um sistema único de investimento e de crédito, segundo um plano racional que corresponda aos interesses do povo inteiro, é necessário fundir todos os bancos numa instituição única. Somente a expropriação dos bancos privados e a concentração de todo o sistema de crédito nas mãos do Estado colocarão à disposição deste os meios reais necessários, quer dizer, materiais e não apenas fictícios e burocráticos, para a planificação econômica. A expropriação dos bancos não significa de nenhum modo a expropriação dos pequenos depósitos bancários. Pelo contrário: para os pequenos depositantes o BANCO ÚNICO DO ESTADO poderá criar condições mais favoráveis que os bancos privados. Da mesma maneira, apenas o banco do Estado poderá estabelecer para os pequenos agricultores, artesãos e pequenos comerciantes condições de crédito privilegiadas, isto é, baratas. Mais importante, ainda, é, entretanto, o fato de que toda a economia, sobretudo a indústria pesada e os transportes, dirigida por um único estadomaior financeiro, servirá aos vitais interesses dos operários e de todos os outros trabalhadores. A ESTATIZAÇÃO DOS BANCOS não dará, entretanto, esses resultados favoráveis a não ser que o poder do próprio Estado passe inteiramente das mãos dos exploradores às mãos dos trabalhadores. (Trotsky, O programa de transição)
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Entre a luta por crédito barato mais luta sindical dos bancários e a exigência de estatização para fundar um banco único, há a questão econômica e política acentuada desde a década de 1970 e, em especial, desde os anos 2000: o crescimento da economia sustentado no endividamento geral dos assalariados e pequenos proprietários. Trata-se de um método de agiotagem. Localizado, do ponto de vista formal, no meio da relação das pautas reformistas com as de enfretamento à propriedade privada, exigimos a ―anulação total e irrestrita das dívidas dos trabalhadores e pequenos empresários‖.145 Nesta consigna, ao mobilizar a classe operária e os demais setores oprimidos, queremos estimular saltos de consciência, novas conclusões e exigências mais avançadas como por um banco único do Estado. Processo semelhante pode ser exigido ao comércio. Uma ―rede estatal única de grande comércio‖ deve ser imposta pela classe trabalhadora e setores populares para combater a hiperinflação, a especulação, o desperdício e as demissões no setor. Uma união entre comerciários, consumidores assalariados e pequenos produtores pode ser frutífera. Supera a limitada palavra de ordem ―congelamento de preços‖ e aparece ao lado do ―gatilho salarial‖, aumento dos salários automaticamente com o aumento dos preços. Tal proposta não visa intervir sobre o pequeno comerciante, antes deve obter meios de integrá-lo na luta. Porém, reforçamos Trotsky, tal proposta apenas pode cumprir todas as suas possibilidades se com a formação de um Estado Operário.
SERVIÇOS BÁSICOS O governo socialista deverá, assim que as condições permitirem, estatizar todos os serviços básicos privados, como empresas de saúde e educação. Tal proposta deve ser levantada ainda sob o regime capitalista quando a luta de classes pôr a questão como inadiável. Em determinadas situações, pode ser exigido imposto sobre lucro e dividendos das empresas privadas semelhantes. O imposto deverá ser destinado ao serviço público correspondente: sobre as escolas privadas para ajudar a financiar as públicas, sobre a rede privada de saúde para custos na rede estatal, sobre grandes franquias de alimento para criar e manter restaurantes populares. 145
Lancei em textos pela internet a proposta desde 2015. Recentemente, ela apareceu em textos militantes sem referência a possível origem em minhas elaborações. É bem possível que tenha surgido em diferentes cabeças a partir da compreensão da realidade. De qualquer modo, este livro formaliza a proposta.
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Para minar o fanatismo religioso, devem ser formados nos bairros operários e populares centros abertos de arte, cultura, esporte e lazer. Tais espaços empregarão pessoas da região e permitirão pequenos negócios internos. Apresentação em palco de grupos musicais regionais, biblioteca, campos de futebol, lavanderias públicas, instituições estatais etc. serão concentrados em tal espaço. A religião oferece encontros (integração), relações amigáveis (mutualismo) e algum protagonismo aos fieis (ativismo), ou seja, satisfaz parte da subjetividade humana. É preciso, porém, oferecer alternativas não mercadológicas e não ilusionistas aos assalariados e setores médios. Junto com as questões de avanço de nossa época, a natureza humana tende a ser irreligiosa, por isso os religiosos têm de travar uma luta constante contra si próprios para afirmar – com música, roupas, etc. – que são partes de uma crença, pois tendem constantemente ao ―desvio‖, como costumam dizer. Fortalecer as condições sociais para acabar com o fanatismo é uma necessidade da civilização.
O QUE TODO ECONOMISTA MARXISTA DEVERIA SABER A esquerda brasileira, erguida em um país muito desigual e contraditório, tem sido um celeiro de quadros talentosíssimo, de alto potencial latente. Apesar disso, os limites práticos da concepção teórica se nos revelam quando o programa e a mediação política são excluídos da educação marxista. Vejamos exemplos. Muitos são riquíssimos na análise e caracterização da realidade, mas, desde o limite acadêmico, pouco avançam ao próximo passo, a elaboração de uma política; outros, adotam o socialismo para si enquanto encarnação de uma futura racionalidade, porém, sendo idealistas informais, por razão de pertencerem à classe média, passam da caracterização marxista para… a política keynesiana146. Como evitar os limites e os erros? Uma tradição foi perdida, infelizmente guardada por poucos: desde os bolcheviques, tenta-se, inspirados no primeiro programa científico presente no Manifesto, produzir o chamado programa transicional. Este, sob sistematização e resumo n‘O Programa de Transição (Trotsky), oferece ferramentas da elaboração política propriamente comunista.
146 O keynesianismo faz parecer os problemas econômicos erros ou falhas corrigíveis por decisões racionais via Estado. Daí a hibridez – na filiação filosófica idealista, por racionalidade e o Estado enquanto tal encarnação racional possível – de muitos simpáticos ao mesmo tempo a Marx e a Keynes.
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Tal programa parte de uma conclusão: há um desenvolvimento desigual entre duras crises capitalistas e o nível de consciência das massas, ou seja, sua percepção sobre a natureza do problema, as tarefas e a possibilidade de um novo mundo. Tal contradição precisa ser resolvida pela prática política, pois é a arena dos partidos revolucionários. Como ela pode ser solucionada? Entre outros aspectos, assim: as características totais da sociedade de transição ao socialismo são separadas, fragmentadas, e apresentadas em forma de palavras de ordem aos trabalhadores dotados de consciência reformista. Aqui, o objetivo está um tanto claro: faz parecer reformistas e viáveis propostas inviáveis sob o sistema em crise. O caso mais simples e popular está em forçar a escala móvel de trabalho em caso de desemprego fortíssimo – já que a burguesia precisa da crise para elevar a taxa de desemprego geral –, fundando o desemprego zero, quer seja, dividir todo o trabalho disponível entre todos os trabalhadores disponíveis. Existir um exército industrial de reserva é uma necessidade inerente ao capital. A proposta comunista, embora pareça óbvia e ―racional‖, entra em contradição com as leis desta sociedade. Logo a luta ―reformista‖ tende a saltar as contradições e conflitos entre as classes, transformando a revolução social em real possibilidade. O acúmulo histórico do programa comunista supera a divisão entre programa mínimo, reformas, e programa máximo, nova sociedade; integra-os de maneira dialética no programa de transição. É, pois, muito mais que uma lista de palavras de ordem: há um método de uso e elaboração. Deve-se selecionar ou elaborar propostas pedidas pela própria realidade, a partir das demandas sociais imediatas, de modo a, ao haver luta da maioria da classe pela consigna, produzir um ―efeito em cadeia‖, tendendo ao poder operário e popular. Assim, a consciência atrasada das massas relativo ao momento social decadente pode deixar de ser um problema, pode ocorrer elevação dessa mesma consciência. Exemplo: organizar comitês operários para avaliar as contas das empresas, contra o segredo comercial, e depois elaborar uma proposta de gestão alternativa para, se o patrão não se subordina, pressionar e, defendem os comunistas, se necessário colocar em prática por iniciativa própria; então surge um poder dual na produção. Leiamos exemplo de Trotsky:
Em contrapartida, e em determinadas condições, é totalmente progressivo e justo exigir o controle operário sobre os trustes147, mesmo que seja duvidoso que se possa chegar a 147
No Brasil, talvez também em toda a América Latina, a proposta de “controle operário” da produção tornou-se sinônima de “gestão operária” da produção. Por isso, proponho que “controle operário” seja traduzido na palavra de ordem “inspeção operária da produção!” – assim fica bem mais claro. E “controle operário” pode ser tratado como “gestão operária da produção!”. Em
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isso no marco do Estado burguês. O fato de que tal reivindicação não seja satisfeita enquanto a burguesia domina deve impulsionar os operários à derrubada revolucionária da burguesia. Dessa forma, a impossibilidade de levar a cabo uma palavra de ordem pode ser mais frutífera que a possibilidade relativa de realizá-la. (Trotsky, Stalin, o grande organizador de derrotas, 2010, p. 306)
Por outro lado, negando a lógica formal, classificatória, palavras de ordem reformistas ou democráticas podem ser transicionais se a decadência é tal que estas exigências só podem levar à revolução. No entanto, em geral, precisam, para maior potência, estar combinadas com propostas em si transicionais. Cada situação exige suas próprias elaborações: situações de crescimento econômico estável, situação não revolucionária, pedem propostas reformistas e democráticas 148; situações prérevolucionárias e revolucionárias necessitam de propostas transicionais e, em apoio, democráticas (em caso de revolução em país sob ditadura, por exemplo) e reformistas. Situações sob ditaduras estáveis ou contrarrevolucionárias, por outro lado, forçam preferência por palavras de ordem democráticas e mínimas. Exemplo prático. O crescimento econômico gera alguma inflação e baixo desemprego, logo exigimos aumento salarial em lutas menos ou mais unificadas. Se surge uma crise manifestada em hiperinflação, a exigência reformista de aumento salarial de pouco nos serve e devemos avançar para ―gatilho salarial‖, ou seja, os salários gerais – não somente de um setor – aumentarem automaticamente e em proporção com o aumento inflacionário mensal. Isto tende-nos a exigir, em combinação, uma greve geral ou outro meio de luta para fazer valer a proposta; dito de outro modo: tende a mover a classe para novas conclusões, na luta prática, e avançar seu nível organizativo em partido e em poder paralelo.
estatais, a luta contra a corrupção do Estado e problemas da empresa – crise, risco de privatização, etc. – pode exigir a democracia direta, democracia operária, na sua gestão como saída classista. 148 Toda exposição exige algo de lógica formal. Porém, uma crise forte pode diminuir a luta por causa do desemprego, que fragmenta a classe e a coloca na defensiva; quando começa novo e fraco crescimento econômico, após a dura crise, palavras de ordem transcionais como “escala móvel de trabalho” podem ficar ainda mais fortes e importantes, pois há uma contradição acumulada, mas não resolvida, desde a crise. Se apenas uma parte dos trabalhadores conseguem novo emprego com o crescimento, a maioria fica estressada desde o desemprego prolongado e podem forçar uma revolução. Por razão do nível de contradição, crescimento econômico = revolução social. O erro seria afirmar crescimento econômico, que pode ocorrer em situação contrarrevolucionária, = situação não revolucionária; seria uma análise economista, parcial. Esta exposição rápida nada tem de original, sendo antes exposta por Trotsky em inúmeros discursos.
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Hoje, em tentativa de antecipar, percebemos a tendência a futuras rebeliões sociais por razão da crise atual. Mas de nada servirão se não encontrarem as propostas certas e os partidos relativamente prontos. Significa a alta possibilidade de nossa derrota após certo movimento espontaneísta das massas em luta. Mas, enquanto depender de fatores subjetivos, a muito possível vitória burguesa não está dada por nenhuma força natural. Contar com o programa de transição fará toda diferença. Aos economistas de vertente marxista, futuros ajudantes nos planejamentos gerais democráticos sob o possível socialismo, fica o desafio de entenderem o estudo enquanto absorção de ferramentas, mais do que informações. Enquanto verdadeira ―ponte para o futuro‖, não somente avaliações geniais. O primeiro programa de transição de fato sob bases científicas surgiu no Manifesto Comunista, em pleno declínio da curva do desenvolvimento do capitalismo (da década de 1820 à 1850). A segunda elaboração de um programa transicional ocorreu-se no declínio da curva seguinte (de 1813 à 1945). Desde 2008, as propostas e métodos transicionais voltam a ser uma necessidade social e precisam ser atualizados. Antes, as propostas mínimas, reformistas e democráticas (contra a ditadura, contra o imperialismo, independência nacional etc.) poderiam ser centrais; agora ocorre o inverso, quer seja, estas precisam contar com um sistema de ―ponte‖ entre o imediato e o possível porque avançamos na tendência incicilizacional do capitalismo. Antes de avançarmos, um aviso que permeia todo este livro. Propostas radicais servem para situações redicais – propostas moderadas, para situações moderadas. Um partido de longa data, forçado assim a ser experiente, na teoria e na prática, mas que apresenta o programa de transição, o mais radical, independente da situação real do país, ou até em crescimento largos da economia!, só pode ter uma necessidade interna, entre a direção, de errar. De onde vem a necessidade de errar - eis a questão. O trotskymo perdeu uma infinidade de oporunidades, mesmo, cujos erros empurravam para a degeneração partidária, porque foi sempre radical em seus propostas em todas e quaisquer mais variadas situações concretas. É a maldição do programa de transição.
CRÍTICA DO PROGRAMA DE TRANSIÇÃO Mantendo o caroço, o programa chamado ―Manifesto Comunista‖ manteve-se em pé até os nosso dias. Os melhores marxistas do século XX souberam, além disso, fazer críticas e atualizações. Por exemplo: segundo Marx, em 1848, o partido comunista não seria especial em
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relação aos demais partidos operários – mas, sabemos hoje, na verdade é, sim; ainda segundo o fundador, as classes seriam reduzidas cada vez mais a burgueses e operários – mas, já desde O Capital, décadas depois, descobrimos a redução da quantidade de donos do mundo e de proletários. O mesmo seria exigido para o manifesto comunista do século XX, o programa de transição? Trotskytas têm repetido as palavras do general como se fossem papagaios, sem críticas, sem atualizações, em memorização, sem comparar as palavras com os fatos. É claro que suas palavras de ordem transicionais permanecem imensamente vivas, mas também precisamos de novas. De qualquer modo, vamo-nos deter na apresentação dessa obra.
―A premissa econômica da revolução proletária já alcançou há muito o ponto mais elevado que possa ser atingido sob o capitalismo.‖
Falso. Tivemos quase um século de desenvolvimento capitalista NECESSÁRIO desde então.
―As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer.‖
Naquele momento, sim. Mas se demonstrou uma realidade parcial e conjuntural, superada após o fim da segunda guerra. Moreno tenta salvar a máxima com manobra: na verdade, desde 1945, desenvolveu-se as forças de produção como forças destrutivas, de destruição. Tanto uma observação rigorosa quanto parcial percebem que é um equívico, um jogo de palavras para preservar a tradição.
―As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material.‖
Isso poderia ter verdade relativa, mas o desenvolvimento industrial passou por saltos sobre saltos até a última revolução técnica possível sob o capital, décadas depois. Vemos aí o impressionismo de Trotsky, que não vê a pressão constante para o desenvolvimento da técnica mesmo em época de crise.
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―Os falatórios de toda espécie, segundo os quais as condições históricas não estariam "maduras" para o socialismo, são apenas produto da ignorância ou de um engano consciente. As premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer. Sem vitória da revolução socialista no próximo período histórico, toda a civilização humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe. Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada, de sua vanguarda revolucionária.‖
Ver-se a ansiedade política, típica dos marxistas. O capitalismo, diferente do catastrofismo fora de sua época, ainda tinha muito a desenvolver; após uma dura guerra, claro. As condições para a revolução proletária são hoje muito maiores, não menores.
―A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária.‖
Falso, também. Apenas em momentos ―anormais‖, em crises conjunturais, numa época de duras crises, ademais de uma crise sistêmica, ou seja, total, os partidos revolucionários podem sonhar ser maioria – uma possibilidade que depende das suas decisões. A ―crise de direção‖ é uma normalidade, não uma crise.
―Na França, o poderosa onda de greves com ocupação de fábricas, particularmente em junho de 1936, mostrou com clareza que o proletariado estava completamente pronto para derrubar o sistema capitalista. Entretanto, as organizações dirigentes (socialistas, stalinistas e sindicalistas) conseguiram, sob a égide da Frente Popular, canalizar e deter, ao menos momentaneamente, a torrente revolucionária.‖ ―A onda sem precedentes de greves com ocupação de fábricas e o crescimento prodigiosamente rápido dos sindicatos industriais (ClO), nos EUA, são a expressão indiscutível da instintiva aspiração dos operários norteamericanos a se elevarem à altura das tarefas que a História lhe reservou. Porém, aqui também, as organizações dirigentes, inclusive a Cl0, recentemente criada, fazem todo o possível para conter e paralisar a ofensiva revolucionária das massas.‖
Aí, Trotsky procura na mera empiria fatos que justifiquem a urgência e a necessidade plena, madura, para a revolução mundial. Mas revoltas não são sempre sinal direto de que no subterrâneo as condições estruturais estão de fato maduras. Podem ocorrer revoluções conjunturais antes de condições estruturais.
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Marx, Engels, Lenin e Trotsky são os teóricos obrigatórios para compreensão correta do mundo, a partir deles. Mas não são suficientes. Podemos ser trotskystas ortodoxos sem sermos dogmáticos. Nos momentos finais desta obra, apresento uma proposta de programa – Como será o socialismo? – para nosso tempo, o século XXI, com sua crise total, não mais parcial, de amadurecimento quase total de nossa época para a próxima sociabilidade.
REVOLUÇÃO PERMANENTE E PROGRAMA DE TRANSIÇÃO Sejamos Telegráficos. Em alguns poucos textos de juventude, como a Ideologia Alemã, Marx considerou que países como a atrasada Alemanha poderiam ir logo ao socialismo se com apoio da revolução mundial. Aliás, a revolução nacional tornar-se mundial não é revolução permanente, mas apenas internacionalismo operário de Marx e Engels. No final da primavera dos povos, o alemão judeu afirma em seus documentos políticos:
1) a burguesia alemã abandonou o barco da revolução, teme o movimento operário; 2) então, o partido pequeno burguês de esquerda terá de liderar, substituindo o sujeito revolucionário antigo; 3) os comunistas apoiarão a revolução democrática, mas serão oposição; 4) diante de cada reforma do governo burguês reformista, o partido exigirá uma reforma e meia, ou seja, nas palavras de Marx, revolução permanente! Deve-se tencionar o processo e o regime.
Vejamos agora a posição de Trotsky na sua mais famosa teoria:
1. Países atrasados abarcam em si o mais avançado e o mais atrasado. 2. O imperialismo impede o desenvolvimento livre de países dominados. 3. A burguesia teme o movimento operário, logo deixa de ser revolucionária. 4. Assim, a tarefa da revolução burguesa não será feita pela burguesia, mas pelos operários.
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5. Porque lideram uma revolução, os proletários quererão a liberdade para já. 6. Por isso, a revolução burguesa torna-se revolução socialista, de fevereiro a outubro, de maneira permanente. 7. Mas a revolução em país prematuro só pode surgir antes de nos países maduros se for o gatilho da revolução mundial, já que as crises são mundiais, para os países avançados saírem ao seu socorro.
É evidente que a concepção de Marx e a de Trotsky encontram-se. Mas o que isso se relaciona com o Programam de Transição? Ora, temos um novo e mais amplo sentido de revolução permanente: erguer propostas transicionais que forçam a realidade a avançar ao sistema posterior. Os marxistas instintivos pensaram tal relação direta, mas não a derivaram, não a demonstraram. Assim, o programa transicional é outro aspecto da revolução em permanência, a teoria generalizada. No entanto, demonstramos que a teoria de Trotsky era parcial, logo errada no seu destino imediato. Apresentamos, então uma nova revolução permanente. Por fim, os diferentes aspectos da revolução permanente – incluso a contradição entre economia mundial, internacionalização das forças produtivas, e Estados nacionais – tem como cola de fundo a lei do desenvolvimento desigual e combinado, descoberta dialética de Trotsky, núcleo de seu pensamento, como o fato de o programa de transição tentar resolver a desigualdade entre uma situação grave e de crise, pedindo objetivamente socialismo, mas com ainda atrasa consciência das massas, o atraso do fator subjetivo.
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COMPREENDER AS VARIAÇÕES DA LUTA DE CLASSES: CATEGORIA ―MOMENTO‖
A decadência atual do capitalismo, apresentado nas teses anteriores, impede reformas estáveis e duradouras. Problemas conjunturais tornam-se estruturais; há um divórcio cada vez maior entre ―crescimento econômico‖ e desenvolvimento da sociedade. Em síntese: a realidade e a luta de classes são mais fluídas e instáveis, alterando parcial e continuadamente, desigual e mutável, a relação de forças entre as classes sociais. Isso faz com que a ondulação da luta de classes, hoje, seja muito mais móvel. A relação entre momentos de avanço e de recuo da luta de classes – já existente antes – em uma determinada situação ganha nesta época novas, maiores e mais instáveis dimensões. Aqui, apresentamos um conceito, momento, subdividido em dois: 1. Momento de refluxo, recuo, defensivo ou regressivo; 2. Momento de ascenso, avanço, progressivo ou ofensivo. O pano de fundo é a chamada crise sistêmica do capital, debatida nesta obra. Tal conceito deve ser observado dentro das ―situações‖: em situações não revolucionárias, por exemplo, teremos ―momentos ofensivos‖ e ―momentos defensivos‖. Apesar de os temos autoexplicativos serem, merecem atenção na medida em que mostram erros entre marxistas. Dentro de uma situação ―não revolucionária‖ nacional, por exemplo, pode haver momentos em que as classes oprimidas agem na ofensiva. Ou seja: mesmo desprovido de ―crise estrutural da democracia burguesa‖, da economia ou do regime pode haver um processo de avanço progressivo nas lutas. Isso acontece sem alterar a caracterização geral da situação que é, neste exemplo específico, ―não revolucionária‖. Uma vitória parcial, uma forte repressão, um erro do movimento, o cansaço e esgotamento ao não obter resultado podem readequar e promover, de forma mais ou menos longa, uma mudança de um momento de fluxo para um de refluxo; e vice versa. Um ―gatilho‖ pode acionar também momentos opostos; no geral, o ―gatilho para a ofensividade‖ é a explosão de energia da insatisfação social acumulada passivamente. Ao mesmo tempo, temos de dimensionar os movimentos de uma classe ou setor de classe em relação às outras; se, por exemplo, as classes
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médias, dirigidas ou não pela burguesia, se movem, protestam pela direita, paralisando os trabalhadores, então temos um momento defensivo dentro de uma mesma situação. Em situações pré-revolucionárias pode acontecer, com mais frequência, um recuo passageiro da classe trabalhadora. Por medo, por desorganização, por uma frente popular, por uma derrota parcial ou por ser convencida; ela pode ficar paralisada por algum tempo dentro de uma mesma situação geral, o que inaugura um ―momento de refluxo‖, por exemplo. Especialmente em situações ―não revolucionárias‖ a soma de crescimento econômico e estabilidade social pode levar aos de baixo a sensação de que podem obter vitórias, reformas e conquistas e que devem arrancá-las – as greves multiplicam-se. Isso parte de uma importante contradição entre crescimento econômico somado às precariedades em diferentes pontos da vida da classe trabalhadora (violência, machismo, baixo salários, serviços públicos ruins, etc.). Já em situações ―pré-revolucionárias‖ pode haver ―momentos defensivos‖ por medo do desemprego, desconfiança com suas direções, desmoralização, frente populares, derrotas parciais fortes, etc. especialmente no início desses processos. O marxismo oferece as ferramentas para calibrar a análise da relação social de forças; esses elementos podem, em sua maioria, ser aplicados e adaptados a outras situações da luta de classes. Para além de sua atual fluidez, a necessidade de explorar esse conceito deve-se à observação de ser aí onde os marxistas tendem à maior confusão, mais impressionismo, menos clareza do que se passa. Momentos de (re)fluxo são da realidade social, não são algo novo. A real novidade, merecedora de maior atenção, é que a constância da variação entre o fluxo e o refluxo dentro de uma mesma situação é, hoje, bem mais presente pela evolução da decadência do capitalismo. Ter, portanto, a clareza desse fenômeno permite às organizações marxistas maior preparação. Assim: 1) Época: desenvolvimento das forças produtivas em confluência ou, ao contrário, em contradição com as relações de produção vigentes – época de reforma e reação ou, oposto e depois, época de revolução; 2) Etapa: estado da relação de forças na superestrutura objetiva – em principal, Estado e regime –, agregando-se, em complemento, a superestrutura subjetiva e demais fatores sociais (economia, etc.); 3) Situação: análise de conjuntura avalia todos os aspectos – economia, relação de classes, superestruturas subjetiva e objetiva;
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Assim como nas etapas, temos as seguintes situações gerais possíveis: não revolucionária, pré-revolucionária, revolucionária, contrarrevolucionária e reacionária. 4) Momento: dentro das situações, relaciona-se com a luta de classes e a superestrutura subjetiva, agregando a objetiva. Alterna-se entre momentos defensivos e momentos ofensivos149.
Tratemos do exemplo mais popular. A revolução permanente na Rússia, de fevereiro a outubro de 1917, sustentou uma situação revolucionária. Neste processo, a burguesia e os trabalhadores, com interesses antagônicos de fundo, variaram sobre quem estava na ofensiva ou na defensiva. A revolução de fevereiro colocou a classe operária na ofensiva; o fracasso das jornadas de julho a colocou na defensiva; a tentativa de golpe de Kornilov a colocou na ofensiva. A situação revolucionária resolveu-se com a ofensiva de outubro. Assim como uma determinada situação pode marcar uma mudança de etapa, um novo momento pode marcar a mudança de situação. Exemplo: uma situação de pleno emprego, antessala da crise, pode gerar muita luta de classes por pautas parciais dentro de uma situação não revolucionária e imediatamente antes de uma situação reacionária, recuo das lutas por desemprego alto (entra-se num momento defensivo), ou pré-revolucionária, avanço das lutas como reação à quebra econômica. Com a descoberta deste conceito, conclui-se o tratamento de todas as instâncias do real: época, etapa, situação – e momento. Todas as dimensões e aspectos passam a ser considerados na análise de conjuntura ou teórica. Nenhum acréscimo categorias precisa ser feita aí, por isso a contribuição deste capítulo tem aspecto de conclusão.
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Hipotéticos momentos de paralisia ou de equilíbrio são efêmeros e podem ser desprezados pela teoria.
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AS PAUTAS DEMOCRÁTICAS
―Não adianta derrubar o príncipe e manter o princípio.‖ Torquato Neto
As pautas democráticas são importantíssimas, ainda que em si burguesas. Se combinadas com as propostas em si socialistas, principalmente as transicionais, podem somar forças para fins revolucionários. Há, portanto, dois erros a serem evitados: primeiro, focar em demasia em exigências democráticas e desconsiderar as palavras de ordem de transição; segundo, esquecer a importância das propostas democráticas. Observemos que a revolução de outubro na Rússia teve as exigências de paz e terra, em si apenas democráticas, como parte das palavras de ordem centrais. Diante da queda da taxa de lucro, o capital tem de tentar novas formas de lucratividade. Daí que as pautas democráticas dos direitos do indivíduo (na aparência) ganham mais forças entre setores burgueses. A legalização da maconha, por exemplo, gera novos lucros e receitas ao Estado. Ao mesmo tempo e pela mesma razão de fundo, a queda da lucratividade, tende-se a corroer e mesmo a suprimir os direitos democráticos mais coletivos. Após a crise de 2008, quando ficou claro aos burocratas da burguesia que a luta de classes entrava em pauta, o governo Obama fez campanha pela anulação de uma enorme conquista democrática dos trabalhadores estadunidenses, o direito ao armamento pessoal; o medo das lutas sociais e da guerra civil revolucionária é o motivo oculto da tentativa de proibição ou limitação do acesso às armas nos EUA; a resistência instintiva dos trabalhadores ao projeto somou-se à ação da indústria de armamentos em defesa de seus lucros. O próprio Estado pode liberar certos direitos individuais para desviar revoltas ou reduzir a tensão das lutas sociais, além de produzir nova fonte de lucro como o direito ao aborto na área de saúde. O desenvolvimento de uma ampla camada de assalariados, operários e classes médias modernas, e sua concentração na urbanidade pressiona a que certos direitos individuais sejam cedidos. No Brasil, é comum que, ao entrar em pauta algo econômico, algum ataque aos direitos básicos, o judiciário promova alguma farsa de ―apoio‖ a algum setor oprimido, mulher, LGBTs, etc. Tal tipo de manobra tenderá a fazer escola pelo mundo.
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O critério das pautas democráticas é o lucro 150. A tendência secular de queda da natalidade, redução de nova prole dos assalariados, pressiona para limitação progressiva do direito ao aborto, por exemplo. Quanto às pautas da democracia burguesa, levemos em conta o debate anterior de que vivemos o período de declínio da última curva de desenvolvimento do capitalismo, ou seja, tendência a crises longas e profundas entremeadas por crescimentos curtos e anêmicos. Isso significa que a base da forma capitalista de democracia, como os direitos sociais, tende a ruir, o que empurra para o fechamento do regime (incluso formas híbridas como o semibonapartismo). Já, ao contrário, pelas mesmas causas, os países com ditaduras serão tensionados para a revolução social e, na aparência, política, para a queda do regime. Neste caso, a tarefa dos socialistas é fazer avançar em curto tempo a revolução das tarefas democráticas para o socialismo, para a democracia socialista. O fato de que nem a democracia burguesa nem o regime ditatorial possam solucionar os problemas econômicos empurra para a possibilidade comunista. Os comunistas devem ser os mais dedicados aos direitos democráticos e, ao mesmo tempo, cientes de que apenas ligando-os ao programa de transição e à estratégia socialista as conquistas sociais poderão ser garantidas. A pluralidade de regimes políticos no tempo durante o capitalismo é expressão de seu caráter transitório, de transição, logo instável. De qualquer modo, o declínio da última curva de desenvolvimento, período de duras crises, tenderá ou a tentativas de golpes, reacionários ou contrarrevolucionários, ou a solução socialista, a democracia operária e direta.
O PROBLEMA DAS PAUTAS DE MOCRÁTICAS Vamos entrar em uma questão datada, conjuntural. Na Europa, os partidos comunistas – ou seja, trotskistas – reagiram à crise de 2008 com um programa democrático (Romper com a Euro e a União europeia, não pagamento da dívida, etc.). Mas: nos países desenvolvidos é ainda mais necessário as propostas do tipo transicionais como a ausente exigência redução da jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza pleno emprego. É assim, com propostas de fato socialistas, que o socialismo pode ser uma possibilidade real e as próprias exigências democráticas ganham força extra. Apesar do crescimento dos partidos marxistas na
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Os movimentos por questões democráticas (feminismo, etc.) têm cometido o erro de tentar ganhar direitos de modo vanguardista, sente ganhar, antes, o apoio ou a tolerância da maioria. Por exemplo: a legalização da maconha deve acontecer se houver ação prática dos interessados para ganhar a consciência dos assalariados quanto ao tema. Nada menos que isso. O vanguardismo casase aí coma ilusão de que o Estado é um ente racional, acima da realidade concreta.
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Europa, seus balanços são negativos por não levantarem propostas transicionais durante a crise. O desemprego na Espanha bateu o recorde absurdo de 27,16%, cifra ainda maior entre os jovens, que são a vanguarda nas lutas, mas a Corriente Roja, partido trotskysta daquele país, nunca fez uma campanha insistente e geral pela escala móvel de tempo de trabalho, pela redução da jornada de trabalho na proporção em que produza desemprego zero. No Brasil ocorre o mesmo erro. No lugar de programa transicional como centro numa crise, foca-se nos pontos democráticos de modo unilateral. Assim, as exigências foram sempre ―Fora o governo‖ de plantão (Fora Dilma ou eleições gerais antecipadas, Fora Temer, Fora Bolsonaro); precisa-se, neste ciclo vicioso, derrubar quantos governos seguidos para chegar ao poder operário? O contra o pagamento de dívida, em si correto, também retorna ao jogo político, mas, infelizmente, sem estar ligado a propostas transicionais. Na Argentina e no Chile os trotskistas abraçam a exigência de Assembleia Constituinte que tem por função real, uma vez que as consignas transicionais estão fora da agitação política, desviar a luta para a legalidade burguesa, desarmar os trabalhadores em luta (são, ademais, exemplos de países sem ditaduras ou sob controle direto de um império). É fato que as pautas democráticas têm mais peso nos países atrasados, porém a combinação do mais avançado com o mais atrasado exige combinação das exigências.
Os países coloniais e semicoloniais, por sua própria natureza, países atrasados. Mas esses países atrasados vivem em condições do domínio mundial do imperialismo. Por isso que seu desenvolvimento tem um caráter combinado: reúne em si as formas econômicas mais primitivas e a última palavra de técnica e da civilização capitalista. É isto que determina a política do proletariado dos países atrasados: ele é obrigado a combinar a luta pelas tarefas mais elementares da independência nacional e da democracia burguesa com a luta socialista contra o imperialismo mundial. Nessa luta, as palavras de ordem democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas decorrem umas das outras. Apenas havia iniciado a organização de sindicatos, o proletariado chinês foi obrigado a pensar nos conselhos. É neste sentido que o presente programa é plenamente aplicável aos países coloniais e semicoloniais; pelo menos àqueles onde o proletariado já é capaz de possuir uma política independente. (Trotsky, O Programa de Transição)
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Uma das razões, além da baixa formação teórica de seus membros, é que os partidos vermelhos são formados por estudantes, membros da classe média, servidores públicos com estabilidade empregatícia, operários aristocráticos e dirigentes sindicais a muito afastados do chão da fábrica. Nas direções partidárias, o peso de tais setores tende a ser ainda maior já que possuem tempo livre extra para ―prosperarem‖ como militantes. O grande problema do desemprego no Brasil, por exemplo, não pressiona a cabeça de professores bem pagos das universidades públicas. Como vemos, os setores médios tendem a focar nas pautas democráticas por sua própria forma de vida. Outro motivo destacável é a pressão empirista ao deixar de perceber que a possibilidade de uma revolução socialista está se gestando em seus países e no mundo desde 2008. No fundo, embora não reconheçam sequer às vezes para si, pensam que a revolução social é algo mais ou menos distante e difuso, que pouco tem a ver com as preparações da atual conjuntura. Mas as mudanças, que demoram muito tempo, explodem rápido quando chega a hora. A burguesia aprendeu com a revolução russa e demais revoluções parcialmente sociais. Em 1917, o Estado burguês russo, o governo provisório da Duma, demorou muito para fazer a constituinte e a reforma agrária, duas pautas democráticas, não em si socialistas. Isso levou a maioria do país ao bolchevismo. A revolução de 1952 na Bolívia evitou tal equivoco distribuindo terras aos camponeses, dificultando a saída socialista da nação. No Chile, Allende atrasou e evitou a revolução social também com reforma agrária, entre outras medidas. Hoje, a alta urbanização, a moderna grande propriedade rural e a própria crise sistêmica dificultam tais manobras, porém é preciso que os socialistas aprendam e acertem. Enfim, observamos que a pauta da reforma agrária foi superada tanto nos países avançados quanto em parte significativa dos atrasados. A reforma agrária é uma pauta da revolução burguesa, imprópria para estes tempos de revolução socialista. Devemos exigir a estatização sob gestão dos trabalhadores das grandes empresas no campo como em qualquer fábrica, não a repartição fragmentária da terra. O Estado operário, ainda em nível nacional, fará alguma reforma agrária secundária, enquanto estimulará a produção cooperada, porém o grosso do agronegócio permanecerá grande propriedade, desta vez pública, para financiar as necessárias exportações e para ter escala produtiva. Uma parte das grandes terras deixará de produzir para o mercado externo e abastecerá o mercado interno, encerrando a época da fome.
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UMA SÓ CRISE ―Se todas as condições de uma Coisa estão presentes, então ela entra na existência.‖ (Hegel, Ciência da Lógica - a Doutrina da Essência, 2017, p. 130) Um observador atento percebe esta ou aquela forma de crise na sociedade contemporânea. Logo mais, vê que várias crises entram em curiosa sincronia: a crise ambiental, a queda da taxa de lucro, os ciclos do capital, etc. Todos caminham para um aprofundamento do caos na sociedade contemporânea com o ponto máximo das diferentes decadências algo próximo a meados deste século. Os limites cada vez mais absolutos aproximam-se. A conexão externa guarda e expressa a conexão interna, pois é um mesmo processo que avança em diferentes formas de manifestação. O desenvolvimento da produção reduz a produção de valor (descoberta de Marx resgatada pelos teóricos da crítica do valor) e aumentam os meios ―parasitários‖ de consumir o valor global, logo a consequência é a redução da taxa de lucro a níveis muito baixos. A queda desta leva à queda da taxa de juros. Por outro lado, a taxa de lucro decaindo empurra investimentos de curto prazo ao mercado financeiro. O desenvolvimento da produção, em parte forçado, alcança um patamar e uma forma – como o desperdício – que extrai do meio ambiente mais do que ele é capaz de repor, então acontece a crise ambiental; a queda da lucratividade pressiona, por exemplo, as empresas a desconsiderar medidas ambientais por causa de seus custos. O mesmo desenvolvimento produtivo, ao suprimir a produção de valor e ao derrubar a citada taxa de lucro, força a burguesia a adquirir novas formas lucrativas, parasitando o Estado ao privatizar e oferecer serviços, ao gerar empresas mercenárias no campo militar e o incremento da dívida pública. O impulso do capital por novas fontes lucrativas – uma fuga para frente – torna mais fácil ou agradável certos hábitos cotidianos, por isso a libertação da mulher está latente dentro da sociedade capitalista; eis uma das bases da crise da família monogâmica. A III revolução técnico-científica produz as condições de crises cada vez mais duras e crescimentos cada vez mais fracos. Com o aumento dos conflitos sociais como resultado do próprio desenvolvimento das forças produtivas, surge em reação o despotismo esclarecido burguês. O envolver da grande produção mecanizada no campo e a atração da cidade, forma-se uma poderosa massa humana com novas necessidades e meios de luta urbanos. A superprodução crônica latente leva a que se tente estimular o consumo por meio do endividamento geral. A queda da lucratividade tenciona a sociedade a adotar um norte moral correspondente à necessidade de maiores lucros.
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Há uma só crise, síntese das diferentes formas, que tem por base a produção capitalista altamente desenvolvida. A correspondente queda da taxa de lucro está na base da explicação da sincronia das diferentes crises, que são uma só crise civilizacional. Isso não é tão evidente. Adam Tooze afirma que há apenas pluralidade de crises, uma ao lado da outra e com influência recíproca delas. Ele aproveita para criticar o marxismo: Sem dúvida, os amigos marxistas serão tentados a dizer que tudo se resume ao capitalismo e seu desenvolvimento em crise. Ora, no mais tardar na década de 1960, a teoria marxista mais sofisticada já havia abandonado as teorias monistas da crise. E atualmente, o desafio óbvio para os críticos marxistas é explicar como a China, liderada pelo PCC, emergiu como o impulsionador mais consequente do antropoceno. Isso não quer dizer que a teoria marxista não seja capaz de oferecer uma resposta, mas, para ser convincente, seria uma teoria marxista da complexidade e da policrise, algo para o qual pensadores como Louis Althusser e Stuart Hall já haviam apontado o caminho. (Tooze, 2022)
Eleutério Prado critica (Prado, A crise: circulando em terra firme, 2022) tal artigo afirmando a dialética da unidade interna, para além e por debaixo da unidade apenas externa. Mas limitou à defesa lógica, não concreta. Isso se dá porque exige muitas mediações e pesquisas para demonstrar que as mudanças e as faltas de mudanças quantitativas e qualitativas na produção, com a mediação de fatores como a alta urbanidade, permitem uma crise geral, unitária. Este livro expõe tal descoberta. *** Mészáros percebeu uma crise crônica onde a superprodução de capital e mercadorias continua mesmo com a destruição das crises cíclicas; partiu, assim, do valor de uso, a riqueza real, para sua contradição com o valor. Por outro caminho, Robert Kurz descobre a crise de produção de valor, redução da massa de valor global, desde a racionalização na indústria (automação, robótica, etc.), como processo de colapso do sistema; parte do valor, a riqueza na forma capitalista, para observar sua contradição com o valor de uso. Terceira visão, Michael Roberts descreve a queda da taxa de lucro como o fator de crise do sistema. A grande tarefa, portanto, é unir tais teorizações até agora separadas e desenvolvidas do modo independente. Os três intelectuais citados desenvolveram suas teorias de modo unilateral e parcial, ainda que com enormes avanços, e às vezes ―perdiam a mão‖ porque pouco ligados ao movimento prático dos trabalhadores. Os partidos marxistas, por outro lado, deram menos atenção a estes elaboradores do que o necessário. Parte dessa falta dar-se pela razão de que a anunciação de
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―crises finais‖ foi lançada inúmeras vezes desde o próprio Marx, o que levou, diante do erro de previsão, a militância a desconsiderar a teoria do colapso logo quando chegou sua hora. *** O capitalismo entra na época em que é incapaz de promover profundas e duradouras reformas e passa a impor contrarreformas. As conquistas acumuladas por muito tempo pelas classes trabalhadoras são corroídas por diferentes meios em nome da lucratividade. A superprodução crônica latente, a redução da massa global de valor e a queda da taxa de lucro estão no fundamento da fase de recuo civilizacional. É preciso, portanto, uma revolução para impor uma nova era de reformas, que será de novo tipo porque sob nova base. A ideia de que o proletariado nada tinha a perder além de seus grilhões foi substituída pela percepção de que estamos a perder certa qualidade de vida151; os fatores estressantes acumulam-se e transformam a sociedade na panela de pressão da luta de classes. Tomemos o exemplo da China, que em si ainda tem caminho a esgotar no seu desenvolvimento; se as greves impõem maiores direitos trabalhistas, isto é, mais custos sociais, então menos atraente torna-se o país para investimentos; mas o governo, ciente desse problema comum na história de outros países, antecipa-se e investe em tecnologia para a produção, o que acaba, assim, ao substituir trabalhador por maquinário, por reduzir a taxa de lucro, reduzir a massa de valor e aumentar a já grande quantidade de mercadorias… De qualquer modo, uma conquista social, sob relações capitalistas, transforma-se numa reação do capital que retira por diferentes vias (desemprego, etc.) os ganhos do período anterior. O processo hoje é tal que limita cada vez mais a capacidade de mediações, de amortecer os conflitos classistas, pelos três fatores destacados acima. Se o sistema de fato entrou na fase em que lhe é impossível melhorar a vida da maioria, logo, e só a partir daí, a luta pelo socialismo é justificável e torna-se socialmente necessária. Na Europa, para citar o mais famoso caso, a luta em defesa da manutenção do passado, pela conservação do Estado de bem-estar social, pode ter força de ruptura sistêmica152 (pode ser transicional principalmente se junta a exigências em si transicionais). No Brasil, os direitos históricos dos trabalhadores são cortados, empresas públicas são privatizadas e o regime ameaça fechar-se para garantir os ataques neoliberais. O reformismo teve sua razão de existir por muito tempo, teve uma base material que o justificasse, porém agora faz falta o partido da revolução, a organização para este novo período histórico. Antes o capitalismo poderia ceder; hoje necessita forçar sucessivas derrotas aos proletários e setores populares para que estes tenham a chance, por desespero, de uma posterior vitória estratégica. ***
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Tomo esta reflexão de palestra de José Paulo Netto. Tomo tal reflexão de palestra da historiadora portuguesa Raquel Varella.
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Alguns teóricos consideram, como crise do sistema capitalista, como transição, que desde a primeira revolução industrial produzimos superprodução real, mas isso é falso. Marx diz sobre as crises de superprodução de sua época: ―Não se produzem meios de subsistência demais em relação à população existente. Pelo contrário, o que se produz é muito pouco para satisfazer, de maneira adequada e humana, a massa da população […] Não se produz riqueza demais.‖ (Marx, O capital 3, 2008, p. 337). Isso mudou. Com a altíssima produtividade de nossa época, temos, além da forma fenomênica de superprodução apenas relativa nas crises cíclicas, uma superprodução absoluta latente, pois agora podemos satisfazer todas as necessidades humanas básicas e ainda fazer sobrar recursos para investimento. Ela é latente porque nunca se revela de mudo puro, total; e absoluta por oferecer finalmente a abundância necessária ao socialismo e tender a afetar todos os setores produtivos. É desse modo, e apenas aqui, o dinheiro, o preço e a forma mercadoria do produto podem deixar de existir – ou tornarem-se marginais na sociedade – já que o mercado pressupõe escassez. Daí o valor de Mèszários sobre a crise estrutural, embora tenha caído em impressionismo teórico. *** O comunismo é o fim 1) Da propriedade privada, 2) Das classes, 3) Do Estado, 4) Da família monogâmica. O trabalho hercúleo da humanidade de superar tais elementos de sua pré-história é facilitado, se podemos falar em facilidade, pelas suas crises estruturais, uma crise sistêmica. A propriedade privada burguesa entra em sua fase final com a redução da massa global de valor, com a queda da taxa de lucro em seus limites históricos até meados deste século. As classes principais sociedade, a burguesia e o proletariado, afastam-se da produção, o que gera uma burguesia parasitária, classe social fictícia em certo sentido, e massa enorme de desempregados com dificuldade de realizar-se enquanto classe. O Estado é corroído pela própria lógica de lucro, e enquanto este se torna mais difícil, por meio da dívida pública crescente, da urbanização, da indústria bélica, etc. Por outro lado, as condições para o Estado socialista fenecer estão imensamente maduras. A família monogâmica entra em crise com o desenvolvimento tecnológico (anticoncepcional, etc.), com a urbanização, etc. Como observamos, a mesma base material – o motor são as mudanças na produção, o aumento da produtividade centralmente – motiva os diferentes aspectos da crise sistêmica, que
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podem ser abstraídos e tratados separadamente apenas pelo pensamento. Dentro da realidade, amadurecem juntos e combinados, ainda que em ritmo desigual. Estamos, portanto, no ponto crítico de nossa espécie, do ser social. O cálculo histórico bifurca-se em duas possibilidades latentes e opostas: ou libertamos a humanidade e a natureza ou abriremos a transição para o fim civilizacional e, talvez, de nossa própria existência biológica. Os países e os continentes adentram na crise sistêmica de modo desigual; uns amadurecem as condições para a transição socialista enquanto outros, em si, os menos decisivos para o futuro da humanidade em geral, têm elementos ainda em florescimento. Por outro lado, a revolução socialista em algumas nações, as avançadas em especial, por combinação histórica, aceleram o limite de época em nações até então passos atrás no compasso transicional. Decisivas revoluções sociais alteram até os costumes em todo o mundo, em curto período.
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A TRANSIÇÃO AO SOCIALISMO
Ela virá. A revolução conquistará a todos o direito não apenas ao pão mas, também, à poesia. Trotsky.
Enquanto aos relativamente escassos adversários da revolução soviética, se pode confiar no gênio inventivo dos norte-americanos. Por exemplo, poderiam mandar a todos os vossos milionários não convencidos a alguma ilha pinturesca, com uma renda para toda a vida, e que fiquem ali fazendo o que lhes agradem. Trotsky, Se os EUA se tornarem socialistas.
O AMANHÃ Falamos sobre a necessidade de um sistema mundial de saúde, o espaço pós-capitalista como fusão superante do melhor da urbanidade com o melhor do campo, a tendência das características dos produtos, etc.; agora adentraremos um pouco mais em outros aspectos da produção em si e o regime de Estado. Os marxistas do século XXI precisam recuperar a paixão e curiosidade por entender a ciência e a técnica; em última instância, o futuro depende disso, em especial após resolvermos as pendências imediatas da luta de classes. Um marxismo focado apenas nas dinâmicas dialéticas das classes e dos Estados é um marxismo amputado. O socialismo será a superação do paradigma fábrica, no sentido de casa do trabalho manual. Em todos os modos de produção a classe dominante afirmava-se por dominar o trabalho intelectual contra o trabalho manual da ferramenta falante. Se alcançarmos o igualitarismo, toda a humanidade será a ―classe‖ dominante, pois divisões serão inexistes, pois todos os indivíduos serão senhores do trabalho intelectual, diferente e emancipado, que será a forma de trabalho dominante em geral. Quem, por isso, ―pegará no pesado‖? As máquinas, maquinário automatizado, robôs e outras invenções desta sociedade pós-industrial. Em nossa época, isso se mostra em modo embrionário, larval, por exemplo, nas impressoras 3D.
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A fábrica está para o capitalismo como o feudo está para o feudalismo. A fábrica expressa em si a etapa da humanidade, capitalista, da histórica luta da espécie humana: ser social, mais do que natural153. Enquanto o escravismo e o feudalismo tinham na relação imediata com o solo e a natureza sua base econômica mais avançada, as ―casas de ferro‖ da produção sob o capital representam um salto para frente, embora de modo invertido, na humanização da humanidade e da natureza. A revolução social conclui tal objetivo em médio prazo histórico. Guiados pela questão técnica e pelos clássicos, deduzimos o socialismo como uma evolução de três etapas154: 1. A transição ao socialismo; São implementadas, na medida do possível, políticas socialistas por meio de um novo Estado com democracia socialista. A necessidade de etapa preliminar é informalmente percebida por Lenin e Trotsky no calor da revolução Russa. Porém, pode-se afirmar que eles, em termos hegelianos, ―conheceram, mas não reconheceram‖ esse fato. Nesta obra, apresentamos de forma direta e clara a conclusão.
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Como debatemos em outras notas, o ser orgânico realiza tendencialmente sua teleologia com o ser social, com outro ser, de modo cada vez mais aproximado nesta realização. O trabalho, principalmente o "manual", é comum entre animais, não sendo uma particularidade humana (alguns casos sabe-se que têm pensamento complexo, como primatas, golfinhos e corvos – mas não a estrutura corporal especial do homo sapiens, como a mão sendo a primeira ferramenta do cérebro, como a capacidade de falar, como o andar bípede, etc.). O trabalho é categoria fundante do ser social como desenvolvimento e realização em outro do ser biológico. O trabalho manual da humanidade é o que há de ainda natural, historicamente modificado, no social. O socialismo é uma ruptura com a natureza, como diz Zizek. Por isso, a nova sociedade superará nossa pré-história com o fim aproximado, não absoluto, do trabalho (manual). É o afastamento das barreiras naturais; afastamento este nunca total, mas crescente. Como dissemos, há uma tendência – onde o meio tem o fim em si mesmo, onde o fim vai-se realizando – da humanidade para o comunismo. As classes dominantes de todas as épocas são a expressão deformada e alienada da tendência à abundância comunista, ao tempo livre do futuro, à dedicação ao trabalho intelectual sobre o manual para o conjunto da humanidade, etc. 154 Ao longo dos três tomos de O Capital, Marx aproveitou as oportunidades dadas pela teorização da economia capitalista para supor aspectos gerais da próxima sociedade. Em outros textos também assim procede (Crítica ao programa de Gotha, etc.). Há no marxismo boa dose de idealismo calibrado e dimensionado pelo materialismo. Isso é típico do latente: o processo de fundação da atual sociabilidade precisou de pensadores capazes de fantasiar como deveria ser o futuro; a necessidade de derrubar o poder absoluto do monarca feudal fez a criatividade solucionar idealmente o problema do poder pela divisão do Estado em três poderes complementares e interelacionados – o executivo, o legislativo e o judiciário. Testes, adaptações, correções ou substituições ocorrem na prática, na aplicação. Se os marxistas desejam voltar ao subversivo, à imaginação, a enfrentar tabus de modo construtivo, o caminho está antecipado pela última fase do sistema ao nos permitir melhor visualizarmos as possibilidades.
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2. Socialismo; O poder socialista consolida-se em nível internacional e o Estado começa a definhar-se. Ainda há classes, mas a diferenciação é superada de modo progressivo. 3. Comunismo. A organização geral é apenas sobre as coisas, não sobre as pessoas. As organizações classistas – partidos, sindicatos, etc. – deixam de existir com o fim das classes.
O altíssimo amadurecimento do capitalismo ao mesmo tempo exige e possibilita tentarmos antecipar os aspectos gerais da transição ao socialismo. Arriscaremos, nos limites de um modelo exemplificativo, antecipar os aspectos da sociedade futura. Os iluministas, como Montesquieu, deram-se a tarefa de pensar aspectos de uma sociabilidade capitalista plena; a tarefa agora é pensar, tornar imaginável, o resultado da revolução social.
A TRANSIÇÃO AO SOCIALISMO A revolução mundial terá um inicio destrutivo, pois serão guerras civis por todo o mundo; ao mesmo tempo, erguer-se-á a partir das bases econômicas e culturais herdadas do capitalismo. Assim, a fase de transição terá como tarefa consolidar a nova sociedade em nível planetário rumo ao avanço estável. Aqui, elementos do sistema anterior estarão temporariamente em presença, definhantes; o Estado operário revolucionário e a quantidade de organizações, por outro lado e por isso, aumentar-se-ão. Já que corresponde uma luta interfronteiras, trata-se de um processo que pode durar décadas, mas não é secular. Teórico marxista admirável, Iván Mészaros opina em entrevista:
[Entrevistador] Como se dariam essas mudanças estruturais e qual estrutura social o senhor vislumbra a partir delas? O imperativo de se ir para além do capital como controle sociometabólico, com suas dificuldades quase proibitivas, é a condição compartilhada pela humanidade como um todo, pois o sistema do capital, por sua própria natureza, é um modo de controle global e universalista que não pode ser historicamente superado, exceto por uma alternativa sociometabólica igualmente abrangente. Assim, toda tentativa de superar os limites de
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um estágio historicamente determinado do capitalismo - nos parâmetros estruturais necessariamente orientados para a expansão e propensos à crise do sistema do capital está destinada mais cedo ou mais tarde ao fracasso, independentemente de quanto sejam "avançados" ou "subdesenvolvidos" os países que tentarem fazê-lo. A ideia de que, uma vez que a relação de forças entre os países capitalistas e os pós-capitalistas tenha mudado em favor dos últimos, a via da humanidade para o socialismo será uma jornada tranquila é, na melhor das hipóteses, ingênua. Pode-se avaliar a magnitude das dificuldades a serem superadas ao nos lembrarmos da maneira como o processo de produção foi sendo constituído durante um período muito longo, bem antes da emergência e do triunfo do capitalismo. A transformação radical necessária para o bom funcionamento de um processo sociometabólico baseado numa verdadeira igualdade envolve a superação da força negativa das estruturas hierárquicas discriminatórias e das correspondentes relações interpessoais da "economia individual" iniciada há milhares de anos. [Entrevistador] O que isso significa? Significa avançar radicalmente para além do capital, ou não chegar absolutamente a lugar algum, como na verdade aconteceu - tanto com o socialismo democrático do Estado de bem-estar social do capitalismo ocidental como com todas as reformas permitidas pelas determinações autoritárias do sistema do capital pós-capitalista. Como a história trágica da era Stalin, as quatro longas décadas subsequentes demonstraram conclusivamente que as personificações do capital poderiam trocar de pele, mas não poderiam eliminar os antagonismos do sistema do capital, nem remover os dilemas que confrontavam o trabalho. Nem a desintegração dos partidos social-democratas e comunistas poderia realmente resolver a crise estrutural do "capitalismo avançado". Apesar das falsas aparências em contrário, hoje mais do que nunca, a dura alternativa de Marx confronta o trabalho como o antagonista estrutural do capital, clamando pela rearticulação radical do movimento socialista que, em suas formas conhecidas de articulação defensiva, não pode corresponder à magnitude do desafio histórico. Assim, a chave para que ocorram mudanças significativas na complexidade da reprodução sociometabólica é a superação radical da determinação antagônica e conflitante do processo de trabalho, tanto se tivermos em mente a extração de trabalho excedente primordialmente econômica do capitalismo como a forma politicamente dirigida do pós-capitalismo. Nenhum socialista poderia nem desejaria defender o estabelecimento de uma ordem sociometabólica que não satisfizesse as necessidades dos indivíduos como resultado da abordagem simplista das tarefas e dificuldades encontradas. Tenho esperança na transformação radical de um sistema autossuficiente de poder político que controla o todo da sociedade em um órgão autossuperável, que transfira
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completamente as múltiplas funções de controle político para o próprio corpo social, permitindo, assim, a emergência daquela livre associação de homens e mulheres sem a qual o processo vital da sociedade permanece sob a dominação de forças estranhas. (Mészáros , O Marxismo de István Mészáros, 2011)
Lido com atenção, percebemos que o entrevistado tem dificuldade de dar uma resposta à questão levantada. Assim como György Lukács, seu mestre, faz uma crítica teoricista e, por isso, idealista da transição ao comunismo155. Como comum entre marxistas não militantes, esquece que a política e a prática revolucionária são o reino da mediação, e estão entre o real e o ideal. De modo abstrato, suas observações são corretíssimas, mas o papel de uma revolução é inaugurar uma nova época de reformas: o papel da transição ao socialismo, antessala da transição ao comunismo, é promover o definhamento gradual do valor, do capital e da alienação – mas, para isso, o Estado, por exemplo, de imediato crescerá no lugar de definhar. No mundo concreto, o socialismo puro não surgirá um dia após a declaração de fim da guerra civil revolucionária. A prova mais direta de que o Estado será ampliado está numa conclusão simples, desde a revolução russa: para defender-se de ameaças externas, será preciso o exército regular. O programa das ―milícias operárias‖ em substituição ao exército teve de ser mudado e atualizado. O Exército Vermelho oferecia alguns princípios: 1) dirigentes militares eleitos pelos trabalhadores via seus organismos; 2) hierarquia simples e direta: um dirigente por grupo de combate; 3) eleição de um dirigente político para acompanhar o batalhão, propor, informar etc. sem impor-se sobre as decisões militares do dirigente responsável; 4) prioridade à formação de quadros, do núcleo duro, vindos da classe operária; 5) os soldados enquanto tais não poderiam revogar a qualquer momento o mandato de seus comandantes, pois a indisciplina nos momentos defensivos geraria problemas. Para melhor percebermos o peso da transição inicial, demonstração da revolução russa: após a tomada do poder, os bolcheviques focaram na paz, rearticulação da economia e ampliação do poder dos conselhos operários, consolidação da reforma agrária, criação de comitês operários nas fábricas, redução da jornada de trabalho, etc., não defendiam de imediato o controle da grande produção nas mãos do Estado soviético, pois desejam preparar o terreno; mas foram forçados a isso antes das condições almejadas, em 1918, diante do boicote dos patrões em favor da contrarrevolução e invasão estrangeira.
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Tomo tal reflexão de uma palestra de José Paulo Netto.
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Temos em conta que a transição estimula a consolidação de tendências vivas no capital, por exemplo: 1) Concentração e centralização de capitais – formando única propriedade social;
No proceder do avanço ao socialismo o controle social da produção, que é muito mais do que mera estatização, se dará sobre as maiores e mais vitais empresas dos países – a miríade de pequenas e médias fica em geral fora de uma relação direta –, aquelas determinantes do metabolismo econômico e social. A revolução húngara de 1919, por exemplo, na esteira da russa, entre outros erros que a levaram à derrota, tentou ser ―mais bolchevique que os bolcheviques‖ e passou ao controle de toda propriedade, no lugar de apenas as centrais, faltando condições de gestão, de controle e de plano geral. 2) Deflação – ao elevar a produtividade, rumo ao fim do preço e do comércio; 3) Substituição do capital variável por capital fixo – investimento intensivo em pesquisas para automação produtiva; 4) Sistema único de finanças, banco único, contabilidade geral; 5) Queda da taxa de lucro; 6) Expropriação dos próprios capitalistas, antes operada pela concorrência entre capitais;
7) Integração socioeconômica internacional: dissolução das fronteiras nacionais por meio da associação, com autonomia e solidariedade.
Haverá também processo de substituição da forma salário. Parte do processo se dará por serviços públicos gratuitos e de qualidade (educação, saúde, transporte, etc.) que, por escala, diminuem o custo social total e deixam de pesar ao trabalhador. Outro dos modos será o aumento de resistência dos valores de uso, ainda boa parte mercadoria no primeiro momento (enquanto a deflação e o aumento da produtividade ocorrem), descontos por devolução de materiais desgastados, autonomia energética dos produtos, etc. Em parte, poderá haver formas transitórias iniciais, como, confirmado responsabilidade do indivíduo para com o estudo ou o trabalho, estando apto e a sociedade lhe oferecendo meios, uma parte do ganho virá em forma de algo como vales magnéticos (o substituto do cartão de débito e crédito, pois aí não haverá circulação, por isso deixará de ser dinheiro) e outra na forma monetária.156
156 Ainda haverá classes no começo da transição ao socialismo, logo salários desiguais (médicos ganharão melhor, etc.), o que pede mediação.
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Além do mais, a forma dinheiro será necessariamente superada, mas, por muito tempo, não totalmente. Um dinheiro mundial unificado e virtual – que já é tendência sob o capitalismo por causa da alta produtividade e necessidade de escoar mercadorias – poderá surgir para as poucas e paralelas atividades mercantis da sociedade socialista. ***
A fase de transição pede a construção dos seguintes mecanismos mínimos: 1) Economia democrática e centralmente planejada157; 2) Grande propriedade estatal; 3) Controle do comércio exterior (Herrnandez, 2008); 4) Controle democrático dos trabalhadores e setores populares sobre o regime de Estado, democracia socialista.
A falta de qualquer um desses fatores significaria devolver ao ―sujeito automático‖, a relação baseada no valor, sua força social. O controle do mundo dos homens sobre o mundo das coisas precisa de instituições, de organização, de tomadas conscientes e organizadas de decisões. Nenhuma força ―natural‖ ou ―autogerida‖ substitui a administração da existência coletiva, enfim possível no socialismo pelo seu nível de liberdade, nas primeiras etapas, significando Estado. O justo desejo anarquista de avançar diretamente para o fim do aparelho de Estado, seja capitalista ou socialista, seja democrático formal ou democrático real, das classes, da rede de organizações, das fronteiras ainda que parciais, quer seja, o salto ao comunismo, emperra nos limites materiais da realidade, exigente de transição e medidas construtoras. A necessidade de uma transição, antes do socialismo e do comunismo, tem os seguintes motivos:
157 Complementamos com citação pouco lembrada do Capital II: “Imaginemos que a sociedade, em vez de capitalista, fosse comunista: antes de mais nada, desaparece o capital-dinheiro e por conseguinte, os véus com que disfarça as operações. E tudo fica reduzido ao seguinte: a sociedade tem de calcular previamente a quantidade de trabalho, meios de produção e meios de subsistência que, sem prejuízo, pode aplicar em empreendimentos que, como construção de ferrovias etc., por longo tempo, um ano ou mais, não fornecem meios de produção, meios de subsistência nem qualquer efeito útil, mas retiram da produção global do ano trabalho, meios de produção e de subsistência. Mas, na sociedade capitalista, onde o senso social só se impõe depois do fato consumado, podem ocorrer e ocorrem necessária e constantemente grandes perturbações.” (O Capital II, Civilização Brasileira, p. 357, 358.)
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1) As revoluções vitoriosas tendem a ocorrer, em primeiro, nos países atrasados porque são socialmente mais contraditórios; 2) A maior parte das revoluções tende à guerra civil, à destruição; 3) É impossível, sob risco de dar passo maior que o possível, implementar todo um programa transicional com um só golpe; 4) Avançar ao socialismo só é viável se avançando para a revolução internacional, o que leva algum tempo, com avanços e recuos. *** São mecanismos possibilitadores da democracia operária, socialista: 1) Acesso popular às armas158159;
2) A concentração humana na urbanidade; 3) Experiência prévia com democracia burguesa – fator não obrigatório; 4) Impacto da revolução vitoriosa sobre a cultura e a consciência160; 5) Fim do desemprego, na medida em que permite contato humano e segurança para defender-se (basta observar a quantidade de greves quando o desemprego é baixo sob o capitalismo); 6) Tempo livre para dedicar-se às tarefas sociais e políticas; 7) Reformas que deem qualidade de vida, necessidade de defendê-las e a percepção de que o ato revolucionário tem por fruto melhorias, não frustrações; 8) Luta de frações, de ideias, de organizações impedindo o controle de uma única via organizacional161;
158 Citemos forte exemplo. No Chile, o governo de frente popular de Allende, ou seja, contrarrevolucionário (impedir a revolução por meio de um falso governo operário no Estado burguês), teve de ceder às ocupações de fábrica, pois o movimento foi fortíssimo. Depois, percebendo a inevitabilidade da revolução agrária, antecipou fazendo a reforma no campo, atrasando a revolução social. Após a moral alta – a paciência das massas se esgotando e período de cansaço (momento defensivo na situação revolucionária) –, com a confusão e esperança causada nas massas e na esquerda, abriu-se a possibilidade clara de um golpe de Estado. Nas ruas, os trabalhadores pediram armas para impedir a contrarrevolução: mas o presidente em pessoa as negou, pedindo aplausos ao “antigolpista” e general Pinochet. Um governo burguês, seja qual for o tipo, é capaz de tudo, menos permitir as massas organizadas em armas, já que isto é Estado. A tentativa “bondosa” de Obama, nos EUA, de restringir o histórico acesso dos trabalhadores às armas – desde sua revolução burguesa – é exemplo da decadência após 2008, do medo de uma revolução social interna. 159 “Somente o mau governante teme seu povo em armas” (Maquiavel, 2013). 160 Na luta de classes, as vitórias são muito mais educativas que as derrotas. 161 De modo geral, tratando dos diferentes elementos da vida humana: no capitalismo, a concorrência domina a cooperação; no socialismo, a cooperação domina a concorrência.
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9) Investimento intensivo em capacidade cultural de gestão superando a atual forma
despótica de gerência; 10) Organismos de luta fora e ao lado do poder (sindicatos etc.); 11) Na URSS, a quantidade de cargos burocráticos e intermediários nas empresas incharam
de modo desproporcional e parasita, logo devemos limitar o número de membros na direção central das empresas e nos cargos intermediários; 12) Integração socialista internacional.
O sistema de sovietes da URSS nos primeiros anos é o esqueleto geral dos pontos acima, por isso cumpre retomar temas antes aparentemente superados. Primeiro: o estatuto dos sovietes da Rússia erra ao exigir sindicalização para ter direito a voto – ao menos hoje soa absurdo –, pois devemos estimular máxima participação da base, ainda que no dia a dia os representantes eleitos cuidem dos aspectos constantes a partir de um controle dos representados. Segundo: que a eleição de representantes será por votos de variados pesos – igual quantidade elege mais representantes segundo categorias, bairros, classes, etc. Terceiro: durante conflitos duros de guerras, inevitavelmente o regime – aqui acerta Moreno contra Mandel – terá de passar por mudanças parciais, com maior liberdade aos grupos ―pelo retorno ao capitalismo‖ nos momentos de paz e menor nos momentos de tensão física. Quarto: ainda que os mandatos sejam revogáveis a qualquer momento, a experiência com a burocracia nos leva à necessidade de manter, ao lado, referendos de datação regular quanto a manter a composição do governo ou iniciar votações gerais. Quinto: no destaque de avaliação das necessárias tendências à constituição do Estado socialista, parece-nos justo apontar a rotatividade formal dos mandatos, ou seja, dirigentes com tempo máximo de permanência em determinado cargo e tempo mínimo obrigatório de ausência naquelas funções mais gerais cujo controle da base, mais ampla, pede mais mediação. Assim como a democracia representativa, burguesa, a democracia direta e participativa, operária, apenas pode existir se as condições materiais da sociedade estão maduras. Automação (abundância e gestão científica), concentração urbana, integração mundial, internet etc. são os mecanismos permitidores de tal forma democrática superior, antes inviável. São meios da democracia operária, socialista162: 1) Revogabilidade permanente dos mandatos163;
162 Os únicos governos e regimes de Estado apoiados pelos comunistas – mesmo quando criticamente – são os baseados no princípio da democracia socialista.
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2) Salário dos dirigentes políticos e cargos centrais igual à média nacional ou referência
próxima; 3) Fusão, por substituição, dos três poderes num único; 4) Assembleias e congressos regulares, de temporalidade formal (quinzenais, diários, anuais, bianuais etc.); 5) Meios de comunicação à disposição dos debates, polêmicas e organizações: internet, rádios, programas e canais de TV etc.; 6) Mecanismos de votação direta em casos de assuntos cujo longo debate prévio é
desnecessário – e mesmo em muito desses casos, em plebiscitos e referendos: votações on line etc. 7) Fim do voto secreto por parte dos representantes; 8) Fim da diplomacia secreta; 9) Criação de um centro legislativo formado por cientistas bem-remunerados e de
mentalidade autônoma cujas decisões serão aprovadas ou não pelo poder dos trabalhadores; Essa proposta exige maiores explicações. Ela foi primeiro elaborada por Trotsky. Lenin a princípio a rejeitou, em seguida a assumiu por sua para combater o processo de burocratização do Estado soviético:
Também penso em propor ao Congresso que dentro de certas condições se dê caráter legislativo às discussões da Gosplan, coincidindo neste sentido com o camarada Trotsky, até certo ponto e em certas condições.
A Gosplan (Comissão do Plano Geral do Estado) foi o grupo de trabalho responsável pela planificação e centralização da economia, criada em 1921. Lenin continua:
Esta idéia foi sugerida pelo camarada Trotsky, me parece, já faz tempo. Eu me manifestei contra, porque estimava que, em tal caso, se produziria uma falta de concordância fundamental no sistema de nossas instituições legislativas. Porém um exame atento do problema me leva à conclusão de que, no fundo, há aqui uma sã idéia: a Gosplan tem agido às margens de nossas instituições legislativas, apesar de que, como conjunto de pessoas competentes, especialistas, de homens da ciência e da técnica, se encontra, no fundo, nas melhores condições para emitir juízos acertados. […] Tenho
163 A instabilidade dos cargos gera a estabilidade, pois a) permite a seleção dos melhores, b) gera pressão contínua para o bom trabalho, c) premia os melhores e pune o mau trabalho.
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advertido que certos camaradas nossos, capazes de influir decisivamente na orientação dos assuntos públicos, exageram o aspecto administrativo, no qual, naturalmente, é necessário em seu tempo e lugar, mas que não se deve confundir com o aspecto científico, com a ampla compreensão da realidade, com a capacidade de se atrair pessoas, etc. […] Concebo este passo de tal maneira que as decisões da Gosplan não possam ser rechaçadas segundo o procedimento corrente nos organismo soviéticos, senão que para modificá-las condicione-se um procedimento especial; por exemplo, levá-las à reunião do CEC de toda a Rússia, preparar o assunto cuja decisão deva ser modificada segundo instruções especiais, relatando-se, segundo regras especiais, informes por escrito com objetivo de ponderar se dita decisão da Gosplan deve ser anulada; marcar enfim, prazos especiais para modificar as decisões da Gosplan, etc. […] Este trabalho duplo, de controle científico e de gestão puramente administrativa, deveria ser o ideal dos dirigentes da Gosplan em nossa República. (Lenin V. , 2006)
Um governo técnico é impossível numa sociedade dividida em classes, sendo apenas manobra afirmação de tal tipo quanto ao Estado burguês. O mesmo vale às primeiras fases do socialismo, onde ainda há classes – operários, camponeses, funcionários públicos, pequenos empresários, etc. – e diversos extratos. A tarefa socialista é, então, desenvolver mediações de transição ao futuro e ao verdadeiro governo técnico, do comunismo, onde classes sociais e seus partidos serão inexistentes. O senado moderno surge no Estado absolutista, onde legislavam representantes feudais, reacionários. O papel mais conservador relativo à câmara dos deputados foi aproveitado no capitalismo por meio de uma instituição cuja elegibilidade é dificultada (idade mínima alta, poucas vagas, etc.), filtrando os tipos de membros. No socialismo ocorrerá o inverso: uma câmara científica terá efeito progressivo sobre a gestão do Estado. Pode-se argumentar que aqui há algo platônico ao abarcar a visão de que os filósofos deveriam governar o Estado. De fato. A boa filosofia deve mais do que apenas negar as produções passadas, deve refazer velhas ideias de modo atualizado, aproveitando-as e modificando-as tanto quanto possível. Ademais, cria-se mecanismo de controle social de suas decisões. 10) Representatividade proporcional ao número e peso social. Exemplo: operários de uma fábrica com dez mil trabalhadores elegem mais representantes do que a assembleia da associação municipal dos pequenos comerciantes, pelo peso social e numérico, qualitativo e quantitativo. 11) Os organismos de poder direto surgirão nos locais de trabalho, moradia, cidades,
vilarejos, estados e nação.
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Um dos teóricos-base desta obra, Mészaros parece não ter conhecido o método do programa de transição. As questões levantadas e não resolvidas por ele pertencem a esta lacuna teórica, viva quase que apenas no meio trotskysta, no marxismo ortodoxo. Muito além de palavras de ordem, o programa transicional, sintetizado pela primeira vez por Trotsky, apresenta uma lógica interna para a ruptura histórica nos campos da economia e Estado, desde a luta de classes. Leitura atenta e comparada da literatura sobre Programa de Transição164 e o capítulo IV, Política Radical e Transição Para o Socialismo: Reflexões do Centenário de Marx, do livro A Crise Estrutural do Capital, de Mészàros, clareia as dificuldades do marxismo contemporâneo de se atualizar e saber com quais clássicos contar enquanto pontos de partida para suas tarefas. Uma última observação. Na medida em que o comércio e a cooperação artesanal evoluíam, o Estado feudal adquiria duplo caráter, feudal e burguês165. Como a revolução socialista trata-se de destruição da história das classes dominantes, o Estado burguês não suporta ter duplo caráter, além do despotismo esclarecido. No entanto, diferente e ao inverso do caráter duplo na URSS e China166, o Estado Operário de transição será socialista e burguês, definhando esta duplicidade, medida a medida, na proporção em que a realidade o permitir. Como transição para o próximo capítulo, vejamos a passagem possível do capitalismo para o socialismo. Sob o capital, temos a desordem, a desorganização e, ou seja, o caos; sob a bandeira vermelha, teremos a ordem, a previsão e, o que é o mesmo, a organização. Na desordem, há dentro de si a ordem enquanto lei, como tendência, como lei tendencial ao seu oposto, isto é, tornar-se ordem por meio de sua autointeração caótica e seu evolver – a desordem não suporta a si própria, por isso se autossupera; já a ordem tem, por seu lado, dentro de si como se aquele caos por meio de uma realidade ainda e sempre dinâmica167168.
164 Indicamos para primeiro contato: O Programa de Transição, de Trotsky; Introduccion al Programa de Transicion (Hansen & Novack, 1978); O Partido e a Revolução, de Nahuel Moreno; este capítulo e o conjunto da obra. 165 Como dissemos em outro momento: a polêmica, a oposição, sobre se o Estado feudal em seu fim era apenas feudalista ou tinha duplo caráter, também capitalista, é resolvido pela observação de que no caráter duplo um polo é o determinante, neste caso, o polo do feudalismo. 166 Estas sociedades elevavam-se por meio da elevação do trabalho abstrato – na produção, onde surge o mais-trabalho e o mais-valor –, não por um processo de sua destruição contínua. 167 Lembremos que a lei da entropia não é, como afirmam certos manuais introdutórios, medida de desordem. Ademais, aqui tratamos de uma instância diferente do real. 168 Ambos são duplicados dentro de si e, no processo que os unifica, são diferentes, opostos, e ao mesmo tempo o mesmo (embora esta forma de exposição seja imprópria). O caos absoluto como liberdade absoluta é a negação da liberdade real – é liberdade negativa. Por isso, Marx diz, de um
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PARTE 6 O NOVO MARXISMO – ATUALIZAÇÕES COMPLEMENTARES
lado, que o socialismo é uma economia planejada central e democraticamente, e, de outro, que é uma livre associação, ou seja, uma ordem com evolver, verdade e unidade de tais categorias. Há, ainda, três observações: 1) diferente do mero acaso, a categoria caos diz de si que é um sistema, porém não sistemático; 2) se, nossa hipótese, a unidade de ordem e caos cai-se na probabilidade (diferente da possibilidade); 3) na coisa, a ordem coisal é preenchida pelo caótico, e esta mesma coisa tem um lado ordenado e um lado mais suscetível ao caos (mas são um, misturados sem barreira entre elas, na coisa); 4) tal relação categorial passa-se para o concreto-abstrato a seguir.
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REFLEXÕES SOBRE O CAPITAL O marxismo oficial dos partidos são, em geral, presos ao imediato, ao empírico, são avessos, na prática, à abstração da filosofia. Tal defeito deve-se, em parte, por baixa formação teórica, por incompreensão da natureza do marxismo em sua raiz. Muitos autores de nossa corrente, portanto, giram em torno do mesmo eixo, repetem fórmulas batidas, olham sem ver, reafirmam posições ―consolidadas‖ como um devoto deve rezar a mesma reza de sua igreja. Sem máxima ousadia responsável, sem ver e ser a vanguarda do pensamento, o marxismo terá dificuldades de se renovar por dentro da ortodoxia. O que os marxistas têm a dizer, por exemplo, do fato de robôs militares tenderem a ser colocados em prática no futuro próximo? É uma questão militar, política, filosófica e científica ao mesmo tempo. Nós chegamos ao futuro, embora ele esteja desigualmente distribuído. Há uma diferença enorme entre os séculos 19 e 21, embora sua internalidade, sua lógica, esteja, no geral, preservada. Um intelectual marxista nunca deve levar sua pesquisa por meros desejos pessoais, embora eles sejam importantes e motores subjetivos. Deve-se escolher temas e projetos difíceis porque são aquelas lacunas ainda não resolvidas, esboços ainda não desenvolvidos, problemas urgentes da teoria e da prática. Por exemplo: inexiste uma Ética marxista na nossa filosofia, para além daquilo feito por Trotsky, também por Lukács ter morrido antes de concluir tal projeto de obra. Na falta de gênios entre nós, resta-nos o trabalho coletivo, mesmo que indireto, por meio de elaborações ativas, ainda que possam estar, em boa parte, erradas; precisa-se tentar ao menos, colocar sob crítica e, se necessário, produzir novas sínteses. A covardia acadêmica de modo algum nos interessa. Sobre o tema deste capítulo, tais parecem ser as obras e autores que oferecem o essencial sobre o Capital de Marx, sua maior compreensão: ―Tempo, trabalho e dominação social: Uma reinterpretação da teoria crítica de Marx‖ – Moishe Postone; ―Gênese e estrutura de O Capital‖ – Roman Rosdolsky; ―Marx e o Fetiche da Mercadoria: Contribuição à Crítica da Metafísica‖ – Jadir Antunes; ―A teoria do dinheiro em Marx‖ e ―Teoria marxista do valor‖ – Isaak Illich Rubin; ―Crise do valor de troca‖ – Kurz; ―Sentido da dialética – Marx: lógica e política‖, tomos I, II e III – Ruy Fausto (por acréscimo, indico ainda os artigos de Reinaldo Cacanholo e Eleutério Prado). De qualquer modo, nada substitui a leitura direta, repetitiva e atenta da obra em si. A seguir, temos observações que servem para aprofundar o sentido deste livro. As reflexões sobre ―o capital‖, aqui, têm duplo sentido: sobre a obra de Marx e sobre o objeto de estudo. A ―Crítica da economia política‖ de Marx, subtítulo de sua grande obra, não é apenas uma crítica gnosiológica, das teorias, mas também da economia política real, factual, ontológica, ou seja, crítica do valor, do capital e do capitalismo
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VALOR E NADA Por muito tempo, a categoria valor foi confundida com a categoria preço. Apenas teóricos posteriores absorveram a noção de valor como algo qualitativo, além do mais, que não é o preço, embora também o seja… Um raciocínio que, vale observar, causa espanto entre aqueles fora da tradição e do pensamento dialéticos. Desnecessário citar diretamente aqui a famosa passagem do Livro I d‘O Capital onde Marx afirma: pode-se virar e desvirar a mercadoria, mas não será encontrado nem um átomo de valor dentro de si. No entanto, ele existe sem ser empírico: O valor do ferro, do linho, do trigo etc., Apesar de invisível, existe nessas próprias coisas... (Marx, O capital I, 2013, p. 170)
O valor para Marx poderia ser subjetivo ou metáfora, uma ficção útil? Vejamos em outra ciência. Ainda hoje, os físicos insistem que o conceito energia é apenas para uso prático, que ela, a energia, não existe no mundo real… Os críticos de Marx que o acusaram de fazer metafísica na economia entenderam mais do que se trata o valor que gerações quase inteiras de marxistas. Se o valor existe, mas é empiricamente invisível, o que, de fato, é ele? Além de substância social, podemos conformar mais uma resposta. A mercadoria ou o capital é o ser – enquanto o valor é o nada. O nada está dentro do ser, o ser põe o nada, são unidade e diferença em devir, em vir a ser, em movimento. O processo de valor que se autovaloriza, ou seja, capital, encontra-se como outro aspecto: O devir dentro da essência, seu movimento reflexionante, é, por conseguinte, o movimento do nada para o nada e, através disso, de retorno a si mesmo. (…) O ser é apenas como o movimento do nada para o nada, assim ele é a essência… (…) Essa pura e absoluta reflexão, que é o movimento do nada para o nada, determina ulteriormente a si mesma. (Hegel, 2017, p. 43)
O nada é esta essência do capitalismo, da mercadoria e do capital – como essência, é nada. Quando um crítico diz que o valor não é nada ao afirmar sua inexistência, de certa forma tem razão ao mesmo tempo em que erra completamente. O valor é nada que, no entanto, em nossa sociedade, é tudo – logo também é o seu oposto, o ser. Capital é a forma de ser do valor, do nada. Neste sentido, Marx destina uma seção inteira a um único capítulo chamado ―A transformação do dinheiro em capital‖, que, visto pela essência, é transformação do valor em capital, em valor-capital.
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Que exista mercadoria sem valor (terra virgem etc.) e capital fictício, também sem valor, apenas mostra que a substância ou o nada impera, domando a natureza do ser como mercadoria ou como capital – o que faz uma contradição entre ―massa e energia‖ da qual falaremos em outro capítulo. O princípio é o princípio. Hegel começa sua Lógica com o começo da filosofia, da lógica e do próprio mundo – a relação ser, nada, devir. Da mesma forma, avança Marx em sua obra. E o começo tem de ser o vazio, o sem qualidade como sua qualidade. Destacamos que a citação de Hegel anterior é presente na Doutrina da Essência, livro II da trilogia em Ciência da Lógica. Porém o ser-nada inicia a primeira obra, A Doutrina do Ser. Por que fazemos tal observação? Ora, o nada é deduzido do puro ser, do ser sem determinações, oco por assim dizer. Como, por outro lado, é extraído o valor do valor de uso? O leitor já deve imaginar: pela exclusão de todas as características, determinações, das mercadorias: Abstraindo do valor de uso dos corpos-mercadorias, resta nelas uma única propriedade: a de serem produtos do trabalho. Mas mesmo o produto do trabalho já se transformou em nossas mãos. Se abstrairmos de seu valor de uso, abstraímos também dos componentes e formas corpóreas que fazem dele valor de uso. O produto não é mais uma mesa, uma casa, um fio ou qualquer coisa útil. Todas as qualidades sensíveis foram apagadas. E também já não é mais o produto do carpinteiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outro trabalho produtivo determinado. Com o caráter útil dos produtos do trabalho desaparece o caráter útil dos trabalhos nele representados e, portanto, também as diferentes formas concretas desses trabalhos, que não mais se distinguem uns dos outros, sendo todos reduzidos a trabalho humano igual, a trabalho humano abstrato. (Marx, O capital I, 2013, p. 116)(Marx, 2013, 116.)
O fato de o produto ―não ser mais uma mesa, uma casa…‖, está perdendo seu caráter de ente enquanto expressão de um Ser, está caindo no nada. E Mais: Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Não restou deles a não ser a mesma objetividade fantasmagórica, uma simples gelatina de trabalho humano indiferenciado, isto é, do dispêndio de força de trabalho humano, sem consideração pela forma como foi despendida. O que essas coisas ainda representam é apenas que em sua produção foi despendida força de trabalho humano, foi acumulado trabalho humano. Como cristalizações dessa substância social comum a todas elas, são elas valores — valores mercantis. (Idem, 116.)
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De agora em diante, o ser e o nada estão em comunhão com o valor e o capital. Não por acaso, valor e valor de uso (mercadoria) iniciam O Capital assim como ser e nada iniciam a Ciência da Lógica. É uma ironia, típica da história, que valor seja igual a nada. O valor econômico, enquanto nada social, difere-se do nada natural. Neste, o ser tem o nada em si como definhamento, perecer, decomposição. No valor social, ao contrário, o valor definha se o objeto em que ele está definha; se a máquina desgasta-se, perde valor; se a mercadoria é destruída pelo consumo, seu valor é destruído. Um filósofo ao modo grego, sem limites e critérios criativos para especulação, simpático à loucura, poderá afirmar: o valor – para além de substância enquanto relação social – pertence a uma quarta dimensão espacial, dimensão esta responsável pelo infinito, a energia e, manifestandose, pelo tempo. Porém a ciência e a filosofia negam, hoje, tais absurdos, com clara razão. Enfim, Marx afirma, reforçando nosso argumento, que o valor é real enquanto o preço, manifestação inconstante daquela, é ideal. Reforcemos nossa pista dedutiva. Marx trata no capitulo 1 da substância, da magnitude (grandeza) e da forma do valor. Pois bem; ele toma estes aspectos dos antigos atomistas, que diziam que o átomo, o fundamental da realidade, tinha três características, exatos a substância, a magnitude e a forma. Mas o pulo do gato é ainda outro: para os atomistas, havia apenas o átomo e o vazio, sendo que o vazio faria o átomo. A mercadoria é, portanto, o átomo; o valor, o vazio ou o nada – a energia. TEORIA DO FETICHE Quando falamos em fetiche da mercadoria, muitos imaginam uma crítica ao consumismo, à adoração dos produtos, ou algo semelhante. Essa forma sugestiva de interpretar está de todo errada. O fetiche ou feitiço é uma teoria sofisticada de Marx, por isso devemos ir-nos aproximando dela, passo a passo. Em resumo, o fetiche ocorre na sociedade quando relações sociais aparecem como relações de coisas, entre coisas, como propriedade das coisas. Chamamos coisificação ou reificação. Marx usa a palavra fetiche da nossa língua portuguesa, pois ela significa dar poder sobrenatural a um objeto, como os tribais venerando uma criação sua, o totem (uma escultura de madeira). Antes de Marx expor o dinheiro, mostra que as trocas anteriores eram casuais, raras, ao acaso, e aconteciam pela trocabilidade de certa mercadoria por quantidade de outra. Por exemplo: 1 braça de linho = 2 casacos. Veja-se que o valor do linho (que, lembramos, deriva do trabalho) é expresso no valor de uso de outra mercadoria, 2 casacos. Pois bem; parece uma propriedade
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natural do casaco ser expressão do valor do linho, parece ser de sua natureza material, natural, não social. Isso ficará mais claro demonstrando outras formas de fetiche. A mercadoria tem valor, mas parece ser uma propriedade natural da mercadoria ter seu valor, como se não fosse determinado socialmente. O valor tem como sua substância o trabalho abstrato (indiferenciado, igual, controlado pelo tempo) e sua grandeza no tempo de trabalho socialmente necessário – mas isso nunca fica claro no mercado, na troca. Foi preciso milênios de trabalho científico para, enfim, Karl Marx tornar evidente a propriedade social desse objeto, o valor. O que é uma relação social aparece como coisa, propriedade da coisa, ou relação entre coisas. O que é uma propriedade social da mercadoria, seu valor, aparece como natural dela mesma. Marx fala de um investidor que leva máquinas, ouro e matéria-prima para a Austrália na intenção de lucrar em novo ambiente. Porém tudo deu errado, pois era-lhe difícil disciplinar os trabalhadores – isto é, era preciso condições sociais de trabalhadores desprovidos de tudo, que necessitassem de um emprego, para o capitalismo prosperar. O patrão pensou – e isso é típico do fetiche – que o capital é maquinário, matéria-prima, dinheiro, ou seja, coisas, que as coisas lhe dão poder e riqueza. Na verdade, o capital é uma relação social entre pessoas que é coisificada, intermediada por coisas. A propriedade social parece coisal. Para que fique mais clara a teoria do fetiche, pensemos no poder do ouro. Parece uma propriedade natural do ouro, assim que é extraído do fundo da terra, sua capacidade de ser a riqueza por excelência. Parece uma força que vem do objeto em si, natural. A verdade é que para extrair esse metal é necessário muito trabalho humano, logo muito valor, por isso parte de sua importância; além do mais, passou a ter função útil para o mercado porque era muito uniforme e poderia ser dividido ou fundido com facilidade, o que ajudava a expressar o valor das demais mercadorias (já um casaco nunca poderá ser cortado e remendado à vontade). O que é uma dádiva social, o valor, aparece, no entanto, como algo natural do objeto. Aí entra o fetiche ou feitiço do dinheiro como se ele tivesse valor em si mesmo, como se fosse ele que desse valor às mercadorias, não as mercadorias dessem ao dinheiro seu papel, ou seja, como se o dinheiro e seu valor nunca fosse uma derivação do trabalho. Vejamos outro caso. A riqueza social capitalista vem do trabalho e, mais exatamente, do mais-trabalho, do mais-valor, do trabalho não pago ao trabalhador, portanto, trabalho gratuito – roubado. Porém, no capital produtor de juros, tudo aparece assim: D-D‘, dinheiro que gera mais-dinheiro. E pronto. Parece que uma coisa, o dinheiro, reproduz a si mesma sem mediação social do trabalho, a verdadeira fonte de toda riqueza (junto com a natureza, a ―terra‖). No D-D‘ dos bancos, há o máximo fetiche e coisificação (reificação). Nessa fórmula, D-D‘,
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apaga-se toda ideia de relação social realmente existente e inicia uma relação entre coisas. Chega-se ao absurdo de acontecer campanhas de propaganda oferecendo a multiplicação do seu dinheiro misteriosamente do nada se se investe no mercado financeiro. Os economistas vulgares falavam de fórmula triática: o capital, máquina ou dinheiro, gera o lucro ou juros; o trabalhador e o trabalho geram o salário; a terra gera a renda da terra. Mas coisas não geram valor, não geram lucro – apenas o trabalho produz mais-valor, lucro, renda da terra e salário. Enfim, a teoria do fetiche deriva da teoria da alienação, que tratamos em outro capítulo. Os homens e suas relações são coisificados e as coisas são humanizadas, ocorre uma relação social como se, sendo, relação social entre coisas. Reforçamos: a ciência, em geral, cai em erros opostos: a teoria fetichista e a teoria relacionalista. O espaço seria relacional; tudo, construção social; o valor, fruto da troca etc. Para pesquisa especializada, há que ver se há fetiche, ou outro tipo de fetiche, análogo, em outros modos de produção. No escravismo, o escravo é considerado ferramenta, embora falante, coisa, como se capital fixo (reificação). No feudalismo, uma dependência social entre senhor feudal e servo aparece como se o servo fosse ligado diretamente à terra, à coisa, ao natural, não numa relação de homens, embora fosse uma relação mais direta e transparente do que o confuso capitalismo. O servo não poderia abandonar a terra, como se em cordão umbilical com ela, como se fosse algo natural estar ali; mas logo passou a ser expulso de modo traiçoeiro por excomungação jurídica da Igreja, em nome oculto da classe dominante. CONTRADIÇÃO VALOR-CAPITAL Em outra oportunidade, afirmei que há uma contradição essencial na realidade capitalista, implícita na obra de Marx: a contradição entre valor e capital. Por comum, os marxistas consideram eles como somente mesmos, ou pensam o valor como apenas preço e quantitativo, ou ficam totalmente na categoria real capital deixando de lado a centralidade do valor. Diz-se que uma grande obra exige interpretações por parte dos especialistas, mas devemos nos ater ao dito pelo autor e, se necessário, atualizar sua contribuição. A contradição entre valor e capital cresce na medida em que este se torna aquele, em que o nada se torna o ser em devir, em que a energia se torna massa. A forma evidente no Livro I d‘O capital é a tendência dupla, mas oposta de: 1) o capital tentar ao máximo elevar a extensão da jornada de trabalho, embora os limites humanos, o que faz produzir ainda mais valor e maisvalor; 2) de outro, com novas máquinas, diminuir a quantidade de operários na produção, logo atuando para reduzir a massa de valor e mais-valor na empresa e na sociedade. Colocar um capital
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novo, como ferramentas modernas, entra em contradição com a produção de valor, que somente pode surgir do trabalho manual humano abstrato. Como esse trabalho definha com o evolver do capital, eis a contradição de essência no sistema. A produção automática ou robotizada de nossa época é a visão da tendência do futuro: o quase fim do trabalho manual, produtor de valor. Ao definhar o valor, o capital já não deseja ser capital – é, portanto, capital fictício, fora das relações diretas de valor, suga valor de modo parasita, sem oferecer mais-valor à sociedade do dinheiro. A contradição valor-capital é muito mais ampla. O aumento do preço da renda da terra, que não tem valor porque não tem trabalho, logo capital fictício, transfere, por diferentes mediações, valor da produção para este capital parasitário. As causas disso, da inflação de tal fato, são: 1) a queda da taxa de lucro derruba a taxa de juros, o que faz aumentar o preço do arrendamento; 2) consolidou-se a grande propriedade rural capitalista, limitando a terra; 3) a urbanização altíssima de nosso tempo encarece, por demanda, o preço do aluguel do solo; 4) a inflação fictícia, artificial, da moeda fiduciária de nosso tempo, por ―impressão‖ de dinheiro, faz valer a pena investir na terra, que sem maiores investimentos logo dará algum lucro. Outro exemplo da contradição valor-capital é o setor de serviços, outro capital fictício quando para lucro. Uma igreja, por exemplo, não produz valor desde a oratória do pastor. Ao contrário: esse serviço, essa franquia, suga uma parte do valor global para si de modo parasita. A inflação dos serviços em nosso tempo produziu uma forma de crise do capital, como crise do valor – os serviços são um capital, quando para fins de lucro, produtor de lucro, não de valor (penso que o leitor sabe que lucro e mais-valor ou mais-valia não são a mesma coisa, pois o lucro é apenas uma parte do mais-valor). A contradição valor-capital se expressa em parte como contradição entre preço e valor. VALOR E TEMPO Além de confundir com o preço, o marxismo vulgar, intelectuais de grande prestígio, afirma com toda certeza que ―valor é tempo de trabalho‖. Isso é, neste nível, erro completo: o tempo é MEDIDA do valor – apenas e de modo inexato, imperfeito. Se, no mesmo tempo de antes, trabalha-se com o dobro de intensidade em relação ao dia anterior, logo o trabalhador produz o dobro de valor no mesmo tempo. O valor vem da energia de trabalho humano manual – e é uma forma singular, social, de energia. Pois bem; em nossa ontologia e metafísica, energia é igual à tempo, logo, de modo tortuoso, o equívoco de confundir tempo com valor tem grande fundo de verdade. Para Marx, tempo é algo que artificial, a medida humana do movimento – seu estatuto
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real, ontológico, como aspecto do espaço, é algo recentíssimo. O pensamento popular diz que ―tempo é dinheiro‖, com algum acerto nesta sabedoria. ERRO DE MARX SOBRE O SALÁRIO POR PEÇA Neste ensaio, debatemos a defesa de Marx sobre a prioridade capitalista do salário por peça. Como sabemos, o diagnóstico está errado, pois o salário por tempo, não por peça, predomina no capitalismo consolidado, principalmente na produção. Com o trabalho por aplicativo, o salário por peça ganha algum destaque, porém permanece marginal na indústria de conjunto. Aqui, usaremos a própria letra de Marx para apontar o motivo de seu erro. Comecemos por sua afirmação: Da exposição precedente resulta que o salário por peça é a forma de salário mais adequada ao modo de produção capitalista. (Idem, p. 627.)
Está clara aí a posição do velho alemão. Vejamos elementos da ―exposição precedente‖ que parecem sustentar suas afirmações: Como a qualidade e a intensidade do trabalhado são, aqui, controladas pela própria forma-salário, esta torna supérflua grande parte da supervisão do trabalho. (Idem, p. 624.)
Porém, a supervisão do trabalho – capatazes, etc. – é um custo improdutivo pequeno em si, mesmo na indústria moderna. O salário por tempo não causa um desperdício de recursos especial. Ele continua: Dado o salário por peça, é natural que o interesse pessoal do trabalhador seja o de empregar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista a elevação do grau normal de intensidade. (Idem, p. 624.)
Um ponto para o salário por peça! Há mais: É igualmente do interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois assim aumenta seu salário diário ou semanal. (Idem, p. 625.)
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Se possível, o salário por tempo também estimula ampliar a jornada de trabalho. Mas o argumento anterior a este, a citação antecedente, ainda não foi refutado por nós. Vejamos o elogio e a ambiguidade de Marx: Mas o maior espaço de ação que o salário por peça proporciona à individualidade tende a desenvolver, por um lado, tal individualidade e, com ela, o sentimento de liberdade, a independência e o autocontrole dos trabalhadores; por outro lado, sua concorrência uns contra os outros. O salário por peça tem, assim, uma tendência a aumentar os salários individuais acima do nível médio e, ao mesmo tempo, a baixar esse nível. Mas onde um determinado salário por peça já se encontra a muito tempo consolidado de maneira tradicional – o que cria enormes dificuldades para sua rebaixa –, os patrões também recorreram,
EXCEPCIONALMENTE,
ao
procedimento
de
transformar
forçadamente o salário por peça em salário por tempo. (Idem, p. 626, destaque nosso.)
Onde Marx coloca a palavra ―excepcionalmente‖, aconteceu como nada sutil regra… O salário por tempo se impôs. Qual, então, o motivo? Eis, conclui-se: a luta de classes estimulada pela citada ―tradição‖! Marx diz que o salário por peça é o método para explorar mais (idem, p 627). Mas quase diz que isso valeu somente durante a manufatura, mas nada garantia que seria o mesmo na grande indústria, no sistema de maquinaria. Mostremos mais uma citação do próprio Marx, no mesmo capítulo, onde fica cristalina a luta de classes gerada pelo salário por peça: Essa variação do salário por peça, ainda que puramente nominal, provoca lutas constantes entre o capitalista e os trabalhadores. Ou porque o capitalista aproveita o pretexto para reduzir efetivamente o preço do trabalho, ou porque o incremento da força produtiva do trabalho é acompanhado de uma maior intensidade deste último. Ou, então, porque o trabalhador leva a sério a APARÊNCIA DO SALÁRIO POR PEÇA, COMO SE LHE FOSSE PAGO SEU PRODUTO, e não sua força de trabalho, e se rebela, portanto, contra o rebaixamento do salário, que não corresponde ao rebaixamento do preço de venda da mercadoria. (Idem, p. 629, destaque nosso.)
Concluímos pela comparação das citações que o salário por tempo é melhor ao capitalismo porque melhor produz uma aparência que esconde o real estado das coisas. O salário por tempo gera menos problemas classistas, menos luta de classes aberta. Marx conclui o capítulo sobre o salário por peça de modo, no mínimo, esclarecedor:
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os trabalhadores vigiam cuidadosamente o preço da matéria-prima e dos bens fabricados e são, assim, capazes de calcular com precisão os lucros de seus patrões. O capital, com razão, descarta tal sentença como um erro crasso acerca da natureza do trabalho assalariado. Ele roga contra a pretensão de impor obstáculos ao progresso da indústria e declara rotundamente que a produtividade do trabalhador é algo que não concerne de modo algum ao trabalhador. (Idem, p. 629.)
É preciso, portanto, uma forma de salário que menos estimule desconcertantes vigilâncias por parte do operariado… Por fim, Marx quase ofereceu o fato de que o salário por tempo tem prioridade em relação ao salário por peça nesta citação com a qual concluímos este esboço: O salário por peça, portanto, não é mais do que uma forma modificada do salário por tempo. (Idem, p. 623.)
Até gênios erram. Enquanto o trabalho manual perdurar, o salário por peça é mais apropriada ao socialismo, muito mais. (Levemos em conta que o dinheiro, com o tempo, deixará de existir, logo também a forma-salário.) Os motivos são claros na própria letra de Marx: 1) estimula a produtividade intensiva e extensivamente; 2) reduz o custo improdutivo com, por exemplo, vigilância, o trabalhador se autovigia; 3) desenvolve mais a individualidade do operário; 4) faz ele, quase de imediato, ter atenção com o lado administrativo da empresa, agora controlada por meio de assembleias dos funcionários. Isso cabe muito bem no fato de que, na primeira fase do socialismo, o trabalhador ganhará segundo seu trabalho, não segundo sua necessidade. LADROAGEM E MAIS-VALOR Para tirar o peso dos capítulos anteriores, vale a pena, antes de mais avançar, focar num aspecto de imediato colateral. Aqui, o tema é este: há uma luta de classes da qual faz parte a ladroagem, parte do lupemproletariado. No Brasil, imensamente comum que, ao nos prepararmos para sair de casa, calculemos a possibilidade de sermos assaltados ou roubados e quais devem ser as decisões pra evitar isso. O país socialista do futuro saberá que isso era uma rotina da rotina bárbara de seus avós ou país. Por isso, aqui é um bom cenário para dizer de tal relação que ela é uma forma de luta de classes aberta, de pequena guerra civil informal, na forma de guerra de guerrilha urbana. Quando um assaltante rouba dinheiro e um celular, ele está roubando uma parte do valor produzido pelo operariado – na forma de dinheiro ou na forma de valor de uso. Bom para ele, perda de valor para a vítima. Sem saber, o ladrão está disputando uma parte do valor global da sociedade – o faz, mas não o sabe.
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A luta de classes tem vários rostos. Por isso, o romantismo esquerdista de pensar o ladrão como um subversivo ou um inimigo real do Estado épura inocência de ativistas vindos das classes médias. Há que se escolher um lado: ou o do trabalhador cansado por causa da disciplina ou do assaltante. É bem possível que o inimigo do assalariado seja uma vítima social de fato, porém degenerou-se e tornou-se, como dito, um adversário da principal classe revolucionária. A falta de foco nisso leva a que a esquerda, os comunistas em especial, não tenha, hoje, nenhum programa firme de combate à violência, ao tratamento digno ao detento (para que não faça da prisão uma universidade do crime), à organização das forças de segurança e assim por diante. Há algo ainda a ser dito. A ladroagem é uma atividade econômica em si e para si. E mais: ela afeta as características da economia. Neste sentido, vejamos o mais destacável. O roubo do ouro no fim da idade média estimulou o desenvolvimento dos bancos – que, como se sabe, também são ladrões –, pois o banqueiro guardava o dinheiro na forma de metal e oferecia ao poupador um papel representando este ouro; ora, com o tempo, este mesmo papel substituiu o ouro, tornou-se dinheiro-papel. Hoje, os roubos a bancos tendem a ser superados, na forma atual, com a digitalização do dinheiro; os próprios assaltos a banco tendem a estimular a virtualização da moeda. Nas favelas dominadas pelo tráfico e pelas milícias, tais espaços urbanos precários tornam-se unidades econômicas, ―feudos‖ capitalistas. Cumprem função de Estado, como ao proibir roubos naquela região, ao mesmo tempo em que exploram economicamente a comunidade. No Brasil, como cenário e base, é mais fácil de observar o caráter econômico da ladroagem. MEIO DE PAGAMENTO NO SOCIALISMO Na URSS, o pagamento dos apartamentos populares era dado por meio de pequenas, quase simbólicas, prestações mensais. Como pagar no socialismo pelos produtos, não mais mercadorias, que exigem muito, caros? Mas o cidadão já paga o necessário com seus serviços para a sociedade ou por seu estudo, logo o Estado deve garantir tudo o necessário – casa ou apartamento, móveis etc. – tão logo alguém chegue à idade adulta. O custo estatal será, no longo prazo, pequeno, pois os produtos serão resistentes e de alta qualidade. O meio de pagamento no socialismo e no capitalismo tem a mesma forma, mas conteúdo real oposto e diverso, pois na sociedade socializada o dinheiro deixa de existir, os dados do cartão não circulam ou se acumulam.
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OS TRÊS LIVROS, ESTRUTURA FUNDAMENTAL Em minha pesquisa, percebi que a dialética tem três categorias centrais: 1. Totalidade; 2. Contradição; 3. Movimento. Por coincidência, cheguei à conclusão de que esta é a organização dos três livros de O Capital. Em O Capital, o livro I, O processo de produção do capital, prioriza – logo não exclui os demais em si – na tríade a contradição, como com a luta de classes, com a chamada acumulação primitiva, com as contradições imanentes ao capital-valor, com as oposição entre extensividade e intensividade da jornada de trabalho, e assim por diante (lembremos, porém, que contradição dialética não é igual a conflito, como pensa-se vulgarmente, embora possa também sê-lo em muitos casos). O livro II, O processo de circulação do capital, prioriza o movimento como sua categoria base primeira. Já no início deste, Marx afirma: O capital, como valor que acresce, implica relações de classe, determinado caráter social que se baseia na existência do trabalho assalariado. Mas, além disso, é movimento, processo com diferentes estádios, o qual abrange três formas diferentes do processo cíclico. Só pode ser apreendido como movimento, e não como algo estático. Aqueles que acham que atribuir ao valor existência independente é mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa abstração como realidade operante (in actu). (Marx, O Capital - livro 2, 2014, pp. 119, 120)
Sobre, vale um parêntese. A citação acima relaciona-se com a seguinte equação qualitativa, categorial: o abstrato é o concreto em movimento – o valor é o capital em processo. O livro III, O processo global de produção capitalista, prioriza a totalidade, logo a totalidade que inclui, juntos, contradição e movimento de modo pleno, total. O título de cada tomo já induz a tal conclusão, como vemos. A seção VII, O processo de acumulação do capital, última do tomo, do Livro I, marca a transição para o Livro II ao aumentar o relevo da categoria movimento (e, em certa medida, a totalidade). Já no livro II, a seção III, A reprodução e a circulação de todo o capital social, também última do tomo, marca a entrada da totalidade como transição para o livro III. No mais, o livro I demonstra o nascer e desenvolver da produção capitalista. O livro II mostra o capital industrial em sua fase robusta, como um ―adulto‖. O Livro III toma a produção como rumo ao seu fim sistêmico, como com as crises sendo tratadas de modo explícito e a queda
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da taxa de lucro. Isso é, ou deveria ser, mais evidente – se se evita cair na oposição antidialética entre exposição lógica ou histórica. A síntese da obra apresenta-se assim: a polêmica sobre se a obra O Capital é ―uma crítica ao capitalismo do ponto de vista do trabalho‖ (Marxismo clássico) ou ―uma crítica ao caráter historicamente determinado do trabalho no capitalismo‖ (Postone, 2014, p. 62) é resolvida com a afirmação de que é uma ―crítica do (ponto de vista do) trabalho ao trabalho no capitalismo‖. A tese e a antítese, a visão sindicalista e a visão intelectualista, uma por dentro e outra por fora, são resolvidas pela síntese unificadora. CAPITALISMO COMO TRANSIÇÃO Tal como o primitivismo, o escravismo, o feudalismo; o capitalismo é, de fato, toda uma época histórica, um modo de vida completo em si mesmo. Mas, ao mesmo tempo, trata-se de uma transição, quase mera transição, entre as sociedades de classe anteriores e o futuro socialista. Isso já se montra em O Capital quando Marx afirma que a mesma máquina que produz, de um lado, trabalho excessivo e, de outro, desemprego, também é ferramenta útil por excelência para reduzir a uma mínimo a jornada de trabalho. Com certo exagero relativo à robóticaautomação hoje, o teórico pensou o conteúdo material como tanto com forma social capitalista, como capital, quanto com forma socialista. Nisso acertou e errou, pois a terceira revolução industrial é que na prática coloca o valor em crise; mas aí, na sua elaboração, já está implícito o caráter transicional do capitalismo. De um lado, o capitalismo é uma quase constante onda periódica de quebras econômicas, de crise em crise. Isso já é sinal de seu caráter de transição e seu querer passar de algo para outro. Mas o inverso prova ainda mais. Para o capital, pleno emprego não é o inverso da crise, sequer seu sinal, mas é a própria crise mesma, enquanto a ―crise propriamente dita‖ é, na verdade, uma solução temporária. Com o emprego pleno está posto na realidade, temos um sinal sintomático da tendência ao socialismo: os lucros caem, os trabalhadores fazem mais greve e têm aumento salarial, a produção está a todo vapor – isso é o terror para a burguesia, que precisa resolver tal estado de coisas negando o futuro, derrubando a economia contra sua tendência ao socialismo (nas greves, na queda do lucro ,etc.). O mais curioso ocorre na ciência. Os ricos precisam da religião para que os pobres não os matem, precisa da religiosidade e da ignorância científica e cultural da massa; porém precisam, mesmo que parcialmente, não na profundidade possível, da cientificidade para lucrar mais, para fragilizar o valor de uso, para manipular. Temos, então, a infelicidade e o fanatismo na era do conhecimento subatômico, quântico. É a contradição expressada por Carl Sagan sobre uma
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sociedade que depende dos frutos da ciência, mas que a ignora. Aí vemos como o capitalismo é preso ao passado classista, mas, deformado por isso, tem de desenvolver, mesmo que parcialmente, a ciência. É como se o capitalismo fosse socialismo de cabeça para baixo, precisando ser desvirado para livrar-se do afogamento. O comércio, incluso comércio de dinheiro, marcou o processo fim de outros sistemas; agora, está como processo de fim do mundo de sistemas classistas. Quando Carl Polani diz que o dinheiro, o trabalho e a natureza degeneram se transformados em mercadorias, na verdade, acaba por dizer que esta é uma sociedade de transição, que degenera a si mesma, porque, não sabe ele, o dinheiro, a força de trabalho e a natureza são sempre mercadorias neste modo de vida. Tal caráter destrutivo e autodestrutivo é típica dessa transição histórica. O fato de a humanidade poder se extinguir de várias maneiras avisa sobre qual estado estamos. Este é ponto nodal para um salto aos céus ou ao abismo. Vale a pena destacar que as classes dominantes focavam suas forças armadas entre homens do ―povo‖, livres. Quando profissionalizaram seus exércitos, tivemos a decadência. O capitalismo tem disso: de um lado, profissionalizam-se as forças armadas em toda a hierarquia e, de outro, sempre teve que colocar os escravos assalariados como parte vital de seu corpo de membros armados. Quando realiza-se como totalidade, o sistema entra em seu ocaso – em sua máxima contradição, quando tenta impedir o automovimento. Enfim, a democracia burguesa, com todas demais as formas de despotismo esclarecido burguês, bem demonstra, por falsificação, a tendência a uma futura liberdade real, uma democracia de base e participativa, também dentro das empresas. CAUSALIDADE MARXISTA A causalidade comum, mecânica, não é negada pela dialética, mas ela é apenas insuficiente. Já é conhecido no meio marxista a afirmação de Marx: Vimos que o desenvolvimento do modo de produção capitalista e da força produtiva do trabalho – simultaneamente causa e efeito da acumulação… (Marx, O capital I, 2013, p. 711)
Neste ponto, vemos como a dialética hegeliana ajudou o pensamento marxista com sua causalidade recíproca, onde causa torna-se efeito e efeito, causa. Mas, ao que parece, Marx dá
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mais uma contribuição, embora implícita, à lógica por meio da lógica do capital: a mesma causa produz efeitos diferentes, mesmo opostos, ao mesmo tempo ou quase simultâneos. É o caso da queda da taxa de lucro. Um ramo industrial de algodão colocar uma máquina mais produtiva, que empregue menos trabalhadores, tende a sofrer queda da taxa de lucro – mas o algodão individual mais barato diminui os custos com matéria-prima, capital constante circulante, na indústria de linho, de tecido, de roupa fazendo subir em outro ramo, portanto, a taxa de lucro (porque o custo com capital constante reduziu em relação ao lucro). A mesma causa produziu efeitos opostos, aqui e ali, dentro da mesma totalidade. A elevação do câmbio, a desvalorização da moeda nacional freta ao dólar tem efeitos opostos, simultâneos neste caso, de estímulo e, ao mesmo tempo, desestímulo à indústria. O câmbio desvalorizado, o dólar caro, faz compensar comprar e produzir pela indústria nacional, no lugar dos caros importados. Por outro lado, aquelas indústrias do país que precisam comprar matéria-prima ou máquinas do exterior têm seus custos de produção sensivelmente aumentados, o que desestimula a produção, e eventualmente fecham as portas. Vele notar: sozinha, a desvalorização cambial, mesmo que os efeitos opostos não existam na mesma proporção, tornase insuficiente para estimular a indústria, embora possa ser um dos seus fatores. Para que isso fique claro, vamos para um exemplo em si extraeconômico. A alta urbanidade de nossa época produziu isolamento social relativo, e isso teve efeitos opostos simultâneos, pois, de um lado, ofereceu mais liberdade aos perfis sociais do indivíduo, sem controle direto dos demais, mas, por outro, ao mesmo tempo, fez com que muitos adotassem um ―falso-eu‖ para serem incluídos em grupos, para evitar a solidão. Muitos marxistas destacam a relação de tendência e contratendência, com a tendência produzindo, em geral, a própria contratendência relativa. Isso está em parte correto e errado: a causalidade com efeitos opostos está intimamente ligada a esta outra relação dialética de categorias. De qualquer forma, a relação tendencial é superior, embora falha se isolada, pois melhor aponta o futuro. A causalidade, deste modo, tem dois caminhos gerais: 1) uma causa produz um efeito que, por sua vez, produz um efeito oposto, depois, dentro da mesma realidade em movimento; 2) a causa produz efeitos opostos simultâneos ou quase. Isso pertence à Doutrina do Desenvolvimento. UMA CONCEITUAÇÃO DIALÉTICA DAS CLASSES SOCIAIS Como é sabido, Marx encerra seus escritos d‘O Capital exato quando, finalmente, iria oferecer sua conclusão sobre as classes sociais. O manuscrito é, então, interrompido. A questão
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ficou suspensa no ar, flutuando, a alimentar os moinhos de vento das mais variadas interpretações próprias dentro do marxismo. Segundo consta, nosso teórico alemão afirmou existir três grandes classes: os assalariados, os capitalistas e os proprietários de terra. Eis a tríade maldita. Porém teóricos como Trotsky afirmaram haver, em verdade, três outras classes principais: o proletariado, a classe média (ou pequena burguesia) e a classe capitalista. A letra literal de Marx, claro, tem mais peso, mais ―valor‖, tendo preferência entre os marxistas ―ortodoxos‖. É compreensível. De qualquer modo, resta elaborar com método dialético sobre o tema, tentando adivinhar qual seria o texto final do fundador do socialismo científico. Lembremos que nem sequer Engels ousou terminar o capítulo 52 do livro III, As classes. Após o necessário rodeio introdutório, este ensaio visa oferecer uma interpretação própria baseada na dialética, seu método científico e sua lógica (mas não, é evidente, em seu modo próprio de exposição das ideias, pois exigiria trabalho mais amplo). Em primeiro lugar, deixemos cristalino que por proletariado ou por operariado, nomes diferentes do mesmo objeto, da mesma classe, incluímos, aqui, todos os produtores de valor e de mais-valor, além de também somente, por outro ângulo, produtores de valores de uso alienáveis, com produção escalável e medível pelo tempo, ou seja: assalariados das fábricas, das minas, dos campos, dos transportes e da construção civil, além de trabalhadores mais ―artesanais‖ como os padeiros. Todos eles adicionam valor às mercadorias. A maioria dos assalariados não operários bem cabe no conceito de assalariados médios, parte da classe média. A forma-salário é, por isso mesmo, uma forma: faz parecer que todos os setores são iguais porque recebem um salário, escondendo a diferença de conteúdo que está para além da superfície da sociedade – que algumas atividades sociais produzem valor e outras não o produzem. Feito tais esclarecimentos, entremos mais diretamente na intenção deste texto. Na Ciência da Lógica, Doutrina do Conceito, Hegel faz exposição dialética das categorias universal (ou geral), particular e singular (ou individual). Como dialético, afirmou que as categorias não estão isoladas e fixadas no entendimento; na verdade, na razão, elas estão misturadas, em contato, onde uma é expressão da outra e na outra, e vice-versa. No Livro I d‘O capital, ao tratar da divisão do trabalho na sociedade, Marx recupera tal formulação, deixando claro que as reivindica (diferente de sua crítica parcial ao conceito de particular feita durante sua juventude). Pois bem; penso que a questão das classes expressa, também, a mesma relação. Vejamos, no capitalismo:
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Classe no universal, no geral: proletariado, classe média, burguesia, proprietários de terra, lupemproletariado. Classe no particular: a classe metalúrgica, a classe gráfica, a classe tecelã, a classe de padeiros, a classe vidreira, a classe petroleira, etc. – expressão particular do geral, do proletariado; jornalistas, advogados, professores, economistas, médicos, pequenos empresários, pequenos donos de terra, etc. – expressão do geral no particular entre a classe média; banqueiros, industriais, patronal comercial, burguesia da metalurgia, burguesia do setor automobilístico, etc. – expressão do geral, o capitalista, no particular; etc.; etc.; Classe no singular: aquele operário metalúrgico, aquele operário gráfico; aquele professor assalariado, aquele médico assalariado; Aquele burguês dono de empresa de cosmético; aquele proprietário fundiário de bosques; aquela prostituta (lupemproletariado), etc. É uma visão nova de fato. Até onde sei, nenhum outro marxista tomou a questão das classes desde o universal, o particular e o singular. Aí, a dialética cumpre seu papel. De qualquer modo, o pensamento ainda flutua. Tal observação corresponde ao pretendido por Marx? A resposta a esta indagação deve ser oferecida com outra pergunta: a elaboração acima está em si e, centralmente, na realidade correta ou errada? Justificando este esboço, penso que é a resposta justa ao tema, sim, corresponde ao real. Porém, o momento de virada: nem tudo é classe social. Os políticos, os dirigentes sindicais, os profissionais de partidos, os gerentes e os executivos das empresas – são o quê? São também apenas assalariados? Penso que devemos colocá-los na posição de burocracia, são os burocratas das diferentes classes da sociedade. É o ponto fora da curva ou a curva fora do ponto, que seja. Reforçamos: nem tudo é classe social. Há camadas de homens e mulheres que são desclassados, que são destacados pela própria necessidade de funcionamento social. Por fim, outra variação. O conceito nunca se cabe completamente dentro de si próprio. Com o atual nível de queda da taxa de lucratividade, um burguês industrial pode bem investir parte de seu lucro em dívidas públicas, transitando entre dois tipos da classe dominante, o que torna até sua mentalidade duplicada, com um pé em cada setor. Um operário pode, em nossa época, ter um pequeno comércio em sua casa para complementar a renda, ou ter um sítio pequeno, ou algumas ações raquíticas na empresa onde trabalha; assim também duplicando sua ―visão de mundo‖, um pé no proletariado e outro na classe média. Em tempos de desemprego crônico, diz Trotsky, o grande número dos sem emprego e sem esperança de contrato de trabalho – o exército industrial de reserva – quase forma uma nova classe em nossa época, uma subclasse dos desempregados.
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Essas são expressões deformadas, dentro dos limites categoriais do capitalismo, da tendência ao fim das classes sociais. POSITIVO, NEGATIVO: CLASSES Parte do marxismo considera o ―trabalho intelectual‖ uma categoria sem fundamento, apenas para fins práticos. O nome da coisa não determina o que é verdadeiramente a coisa 169, portanto devemos ver o conceito real, na realidade, na prática. O trabalho do homem primitivo era um só corpo e um só espírito, um verbo que se faz carne, uma ideia que se faz matéria. Assim também era o trabalho do artesão na fase final da Idade Média, do feudalismo: ele agia e pensava, pensava e agia. Ele planejava como seria a mercadoria, como produziria, como estocaria, como venderia – e produzia, e colocava em prática. Era algo manual-intelectual. Por bem; o nem positivo nem negativo, proponho como dialética, avança a si mesmo para o positivo e negativo, que, em luta, por ação do negativo, passa para um novo nem positivo nem negativo. É o caso do capitalismo nas classes: o artesão, nem positivo nem negativo, passa para o patrão, positivo, que se afirma na realidade, o trabalho intelectual, e operário, o negativo, o trabalho manual repetitivo e simples, o que se nega na realidade. Dessa oposição, tende a vir o socialismo, um novo nem positivo nem negativo, com o fim da divisão de classes, com a automação-robótica, com o quase fim do trabalho manual. O trabalho intelectual é improdutivo porque improdutivo de valor. Alguém que faz desenho para novos produtos faz um trabalho intelectual importante para a empresa, idealmente criativo, mas não produz a riqueza capitalista propriamente dita. O homem primitivo ou o artesão são a pré-história desse funcionário de criação, que coloca o proletariado para pôr em prática aquilo que ele pensou, teorizou. Foi disso que Marx tratou no livro I, avançando desde o artesanato simples, via manufatura simples e complexa, até a maquinaria, a grande indústria. O trabalho alienou-se de si mesmo, separou-se. Em geral, a classe dominante cuida do trabalho intelectual; com a automação, no socialismo, todo o povo será a ―classe‖ dominante focada nos afazeres intelectuais. Que as máquinas peguem no pesado por nós! 169
Isso não inteiramente verdadeiro para nomes de pessoas. O nome próprio sugestivo pode influenciar a personalidade de um indivíduo porque: 1) a criança tem uma lógica rígida, confundindo o significado e o significante (se me chamo flor, logo uma flor sou); 2) somos todos sugestionáveis em algum nível, tanto o portador do nome quanto as pessoas em volta; 3) o nome pessoal ajuda a formar o eu, a perceber-se como um outro em relação ao meio. São muitos os casos “isolados” ou “coincidências” quando o nome próprio influencia o destino de alguém, servindo para chegar à mesma tese por indução, não apenas por dedução.
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PREÇO DE MONOPÓLIO: TENDÊNCIAS E CONTRATENDÊNCIAS Lenin e Trotsky, tal como outros, perceberam a crise sistêmica rumo ao seu fim enquanto falhas e desvios na legalidade, nas leis, do modo de produção capitalista. São, então, sintomas ou manifestações. Nisso, há que levar em conta, primeiro, que o monopólio real, especialmente privado, trata-se de algo raro ou transitório no capitalismo, frequentemente substituído pela concorrência de oligopólios internacionais gigantescos. Por isso, trataremos do assunto aqui com alguma pureza e abstração. Muitos marxistas perceberam o preço de monopólio enquanto desregulação do centro de gravidade do valor e do preço de produção sobre os preços reais, de mercado. Nisto há certo consenso. Mas, logo: o que regula os preços de monopólio? O valor, ainda que de modo mais indireto. Talvez caiba aos marxistas a tarefa longa e difícil de serem detalhistas nos fatores estudados, elencando as interinfluências, tal qual Marx fez sobre alguns temas. A questão fica mais simples se observarmos do seguinte modo: o monopólio tende, em si, a elevar indefinidamente o preço de mercado de suas mercadorias – inflação constante, crescente (tal premissa não é arbitrária, está na própria realidade); por isso, temos de ver, tomando a teoria do valor por base teórica, quais fatores impedem e constrangem tal medida. Quais as contratendências em geral causadas pela própria tendência? Como a causalidade tem efeitos opostos? Façamos um esforço. Para isso, abstraiamos os resultados do capitalismo concorrencial ainda presente e tratemos a legalidade monopólio-preço de monopólio. Tanto quanto possível, o trato mais direto, puro e abstrato serve de recurso metodológico para interligar, em seguida, com o conjunto das leis fenomenológicas, no nível aperencial ou da circulação de mercadorias (não confundamos com circulação do capital). Partamos aos próximos parágrafos, listemos. 1) Há concorrência de monopólio – entre oligopólios – impedindo a elevação excessiva de preços. Por si, isto impede a elevação, e pode mesmo reduzir. Se uma empresa controla o mercado de um país e eleva demasiadamente seu preço, isto gera problemas econômicos e políticos tendendo a rupturas, ou seja, a facilitar abertura do mercado à concorrência externa. 2) Um preço demasiado elevado gera luta de classes e, isto incluso, luta de classes dentro da burguesia. Certa matéria-prima sob monopólio não pode aumentar seu preço ao ponto de destruir a galinha dos ovos de ouro, as empresas compradoras do produto para transformá-lo. Só pode fazê-lo relativamente, o que reduz a própria demanda – pressão para queda dos preços. Quando isto é feito parcialmente ocorre luta de classes interssetorial, porque há transferência de
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mais-valor em forma de lucro de um setor para outro, e entre classes antagônicas (a burguesia pode tentar transferir o custo acrescido com capital constante com redução de salários ou a matéria-prima em questão afeta o poder de compra real dos salários, etc.). O aumento artificial do preço da gasolina no Brasil, seguindo paridade com os preços internacionais, tem gerado duras lutas, ainda que atrasadas (aqui, vale destacar, a esquerda radical é de tal forma débil que sequer chamou ou chama por uma redução do preço do combustível, como de 6,20 reais o litro para 3,50). 3) Por maior que de fato seja, nenhum monopólio planifica a totalidade da economia, algo puramente socialista, estando, pois, dependente das variações conjunturais do capitalismo, afetando oferta e demanda. Isto força alterações no preço de monopólio, para baixo e para cima. 4) A monopolização, ao planificar produção e preço, pode supor preços diferenciados para ambientes de comércio diferenciados. Por exemplo: a empresa Coca-Cola oferece um preço de, supomos, 1,50 reais para seu produto num mercadinho e 3,00 reais para o mesmo produto num bar ao lado, pois percebe possibilidades de demanda diferentes. Este cálculo, em parte arbitrário, toma a experiência prática e pode regular-se de modo inexato por ela. Isto também pode acontecer na venda em diferentes países. 5) O preço de monopólio elevado eleva as tensões gerais da concorrência entre diferentes setores, afetando a geopolítica, gerando manobras enquanto tentativas de superar o constrangimento do preço elevado. Um exemplo particular do processo geral: certa nação pode bloquear o monopólio de outro país por meio de altas tarifas de importação ao mesmo tempo em que o Estado financia o surgimento de uma empresa monopolista de seu próprio país já que os preços altos estimulam investimento. 6) Se há concorrência entre monopólio e empresas menores, o monopólio pode reduzir seu preço, mesmo afetando enormemente seus lucros, para forçar fusões e falências. Porém, se a empresa, em circunstâncias parecidas, opera a preços visivelmente abusivos e constrangedores, estimula a formação de outras empresas ou crescimento delas, pois a demanda se transfere para estas caso ponham preços compensadores. Isto, porém, exigiria grande erro de medida da parte da empresa dominante. Por isso, supomos um planejamento às avessas, um planejamento de lucro, um plano central pelo mais-valor extra. Há inúmeros constrangimentos a um preço em demasia elevado; por mais que a orbitação dos preços em relação aos valores seja de fato parcialmente desregulado, ela ocorre enquanto sintoma de um sistema tendendo a ser superado. 7) A empresa a exercer o monopólio consegue, dentro dos limites postos, limitar sua produção; mas sua oferta máxima não pode acompanhar, de imediato, a demanda ainda mais
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elevada. Eis uma vantagem, a elevar os preços de mercado, que também pode transformar-se em desvantagem. Agreguemos o fator cultural: a empresa alemã Wolksvagem pôde instalar-se nos EUA porque a demanda por carros não poderia ser atendia em médio prazo pela Ford; e nisto pesa o perfil daquela população, onde seria natural o trabalhador ter um automóvel. O monopólio, ao desestimular investimento, cria uma armadilha para si. 8) Há uma percepção mais abstrata. O preço elevado de monopólio tende a impedir a demanda, reduzindo-a; mas este preço elevado continua, pois mais que compensa a perda parcial de demanda. Há um ponto, porém, ao continuar a elevação dos preços, em que a demanda começa a se reduzir continuamente, afetando o lucro, (ou estimulando os fatores acima expostos, mas estamos abstraindo deles); neste caso, encontrou-se um preço limite, um tanto abaixo daquele a gerar crise. Porém, este não é estável nem natural, estando subordinado à totalidade dos fatores. 9) A mercadoria do monopólio pode ser parcialmente ou totalmente substituída por semelhantes, por renovações, por cópias ou por falsificações. Exemplo da Microsoft, pois seus preços elevadíssimos produziram a cópia ilegal, além do programa alternativo e gratuito Linux (como o Ubuntu). 10) O monopólio privado, nosso foco, tem poder imenso sobre o Estado, mas, este, sob certas circunstâncias, pode se ver forçado a limitar a precificação do monopólio. Ademais, o monopólio estatal pode reduzir seus preços, até mesmo com prejuízos, para estimular o lucro de outras empresas. O setor estatal de energia elétrica pode oferecer seu produto barato para estimular a industrialização. 11) Há a concorrência potencial, que surgiria em caso de elevação excessiva dos preços. Logo o monopólio evita inflação para evitar o surgimento de adversários 12) Além de vender, o monopólio compra em grande escala – isso pressiona o custo de produção para baixo e, logo, o preço de produção, pois a compra, e a venda, em grande quantidade tende por si a baratear o produto. A questão está em perceber o ―preço de monopólio‖ enquanto também não estático e não determinado em absoluto pela empresa monopolista. Nas análises concretas, observamos os fatores que permitem ou impedem a elevação e a queda. Exemplo: o preço da gasolina no Brasil subiu sob justificativa de que a demanda mundial estava elevada e, logo, deveria existir correção dos preços; mas a queda do preço do barril de petróleo abaixo do preço de produção no mercado mundial faz o preço da gasolina… subir. Não só pela privatização da Petrobrás, exigindo funcionar ainda mais sob a lógica do lucro, a elevação dos preços internos permite não falir a empresa diante da crise global no setor. Isto, por outro lado, constrangeu os demais setores
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internos e tendeu à elevação dos preços finais (custos de transporte, etc.). Se há menor inflação no Brasil ou deflação, dar-se por queda do consumo, da produção, elevadíssimo desemprego, etc. constrangendo os preços. Extraímos duas questões metodológicas: não avaliamos a questão desde a megaempresa individual mas pela totalidade e consideramos fatores extraeconômicos. A economia ―pura‖ de nada nos serve. Ao expor a diferença da composição orgânica dos capitais concorrentes, Marx demonstrou, Livro III, a formação do preço de produção desde a taxa média de lucro afastando este do valor produzido em separado nas empresas, acima ou abaixo deste valor; desta variação, pôde demonstrar o valor de mercado enquanto um valor médio, não estável, em torno do qual as condições de oferta e demanda fazem o preços de mercado, preços reais, orbitarem. A relação entre central e orbitante, semelhante em comparação a uma estrela orbitada por planetas com suas luas, passa do valor orbitado para o preço de produção, por sua vez orbitado pelo valor de mercado e, em seguida, preço de mercado. O preço de monopólio faz parecer que a tendência real é elevação monopolística constante dos preços de mercado gerando as próprias contratendências. Isto está certo, embora também errado, dentro dos limites do sistema. Porém, o monopólio aponta, em essência, o fim do preço no planejamento geral socialista, preparado pela atual fase do sistema. É uma resistência, um modo inverso, ao fim da manifestação empírica do valor, o valor de troca preço – o monopólio social e socialista sobre as empresas, da sociedade sobre a própria sociedade. URBANIZAÇÃO E MIGRAÇÃO É popular a concepção de que uma solução comum para a crise da humanidade é a redução da quantidade de humanos no planeta. Essa teoria foi defendida por Malthus, ganhou fama, mas não tem base alguma na realidade. Hoje, dadas as revoluções tecnológicas, somos capazes de satisfazer as necessidades mais básicas de toda a humanidade e ainda fazer sobrar recursos para novos investimentos. Assim, existe somente uma superpopulação artificial, como o grande número de desempregados produzido pelo uso de máquinas mais modernas sob o capitalismo. Há três tipos principais de superpopulação relativa: flutuante, latente e estagnada. A seguir, debateremos cada uma. A superpopulação relativa flutuante é formada por trabalhadores que ora estão empregados e ora estão desempregados. Em geral, a dureza do trabalho esgota muito cedo a energia desses operários, tornando difícil arranjar ou manter o emprego com o avançar da idade.
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A superpopulação relativa latente é formada por aqueles que são substituídos por máquinas modernas no campo. Sem possuir terra e desempregados, mudam-se para as cidades ou para as grandes obras onde são necessários muito braços. A superpopulação relativa estagnada é formada por trabalhadores que trabalham de forma irregular e, por isso, têm uma qualidade de vida abaixo da média. Porém, Marx nem tratou propriamente da urbanização nem expôs alguma tendência especial da população. Hoje, é claríssima, por grande propriedade rural capitalista e as atrações da cidade, a lei da urbanização crescente relativa e absoluta (com contratendências como fato de se fazer menos filhos na cidade e mais no campo). A alta urbanidade de nosso tempo, ao concentrar os oprimidos, dá forçar revolucionária a estes, além de ser uma base para a democracia direta, operária, do socialismo. País camponês rima com ditadura, com bonapartismo. Em nível nacional, há o quase fim da superpopulação relativa latente. Isso, com outros fatores, como a queda da natalidade, empurra para o fim deste modo de vida como com a necessidade de criar massa de desempregados por meio de máquinas mais modernas. Mas Marx cometeu o erro, percebido hoje por muitos, de focar na economia nacional como totalidade. Faz sentido porque apenas a Inglaterra, onde ele morava, conhecia o desenvolvimento pleno e clássico do capital; enquanto a atual crítica tem como fator o quase fim das fronteiras nacionais como quase fim do capitalismo. De imediato, basta aplicar as mesmas leis, as mesmas formas categoriais de superpopulação para o mundo inteiro. Mas isso é parcial, embora avance. Deve-se inclui o nacional no internacional ainda. Dentro da fronteira, a migração é o quarto fator da superpopulação – hoje bem mais evidente. Como observamos em alguns destes ensaios, as incompletudes e falhas de Marx e Engels devem-se, em bora parte, ao fato de suporem que o capitalismo de sua época estava à beira de seu fim, portanto em sua consolidação final. Daí que a correta descrição tenha de passar, ulteriormente, por meio de outros teóricos, para a dinâmica evolutiva, o evolver. Apenas hoje temos uma crise total, de totalidade sistêmica e a da natureza. O DINHEIRO É conhecido o dizer de Marx: lixo pode ser dinheiro, embora dinheiro não seja lixo. Pois bem; por outro lado, ele e Engels consideraram a matéria ouro como insuperável para o sistema, embora reconhecessem certa pulsão, para eles irrealizável, de superar tal material. Isso gerou uma confusão completa no meio marxista até hoje, entre ecléticos e dogmáticos, que seria resolvido pelo próprio movimento da coisa, seu autodesenvolvimento.
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Marx diz que a história do dinheiro segue o oposto do dito pelos poetas. Os poetas antigos disseram: Idade do Ouro, a Idade da Prata, a Idade do Bronze, a Idade dos Heróis e o presente (até Hesíodo) Era do aço. Ora, para o mouro, foi o inverso: …bronze, prata, ouro… O que me parece é que ambos têm razão: o dinheiro, a forma, têm diferentes matérias, materiais – vai-se, porque assim vai o mundo do mercado, da cada vez maior materialização, até o ouro, para, daí, ir até cada vez mais desmaterialização; hoje é o virtual, eletrônico, o bit, o simples elétron. É a dialética de que algo deve materializar-se para, em seguida, desmaterializar-se. O dinheiro tende ao seu fim como fim do capitalismo, tende a ser um nada real. O dinheiro artificial revela o sistema do dinheiro artificial, mantido pelo Estado. Aqui, entra necessariamente o tema da perecibilidade. Na vida, surgiram animais cada vez mais materiais até surgir os gigantes (como dinossauros e outros seres), então começou a desmaterialização, a diminuição do tamanho das novas espécies. A quantidade maior de trocas e de dinheiro está ligada à desmaterialização deste; o menor tamanho de certos animais está ligado à possibilidade de maior quantidade deles. A maior materialização, nos dois exemplos, diminui a perecibilidade, aumenta o tempo de vida. A maior desmaterialização, em oposto, leva ao ganho de perecibilidade. Assim, temos na forma social do dinheiro, desde sua matéria, um sinal do apocalipse do capital. Segundo Ruy Fausto, Marx atualiza a dialética (da Doutrina do Conceito de Hegel) com a seguinte formulação: o sujeito passa para diferentes predicados, sem se confundir com eles. A mercadoria do capitalista têm o valor; ao vendê-la, tem o valor na forma de dinheiro; este valor em dinheiro é substituído por máquinas, matéria-prima e força de trabalho… O Valor passa de uma forma para outra, de uma matéria para outra. Valor é – dinheiro mercadoria capital produtivo … Portanto, dizer Dinheiro é ouro Sujeito é predicado É um engano. Assim, deve-se dizer Dinheiro é – bronze
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Prata Ouro Cobre Papel Bits Ele passa de certa matéria para outra, mesmo que por mediação do lastro. Na China do século XII, ocorreu uma crise de desmedida do dinheiro porque a desmaterialização, o ―papel‖ sendo moeda, facilitava muito, naquela época, a falsificação monetária. Hoje, basta alguns comandos simples de computador para gerar dinheiro do ―nada‖, levando à desmedida na vã tentativa do Estado de salvar seu sistema, o sistema do Deus-demônio dinheiro, do valor. O dinheiro é endógeno, criado dentro da economia (bancos, minas etc.), mas tendem a ser cada vez mais exógino, criado pelo Estado, além de cada vez mais artificial. É, em A, x indo para… não-x de modo relativo, como tendência, se formos para a lógica da nova dialética. No socialismo consolidado, será natural, como um simples ato administrativo, o fim do dinheiro como mediação da maior parte da circulação ou toda ela. Em outro momento, dissemos que a inflação absurda do endividamento, do meio de pagamento, anuncia o fim da mediação futura do dinheiro na sua não mediação imediata hoje, desde a necessidade de escoar mercadorias perante a superprodução crônica latente. Pois bem; lógica e historicamente, como na obra O Capital, o dinheiro começa como meio de circulação, padrão de preços e medida dos valores apenas; logo depois, meio de entesouramento; logo depois, meio de pagamento. Tal sequência, temporal e sistemática, anuncia o futuro possível, embora não inevitável. O dinheiro é lastreado no trabalho abstrato, antes de no trabalho concreto, antes mais do que no ouro. O velho acerto ao focar nas formas, no erro de quase alcançar o conteúdo: o dinheiro nunca foi lastreado em si no ouro – mas no trabalho. Ouro, sendo raro, exigia muito trabalho social. Em sua desmaterialização, o dinheiro é um qualitativo cada vez menos qualitativo e mais quantitativo (A = A e… NãoA). TRABALHO E ONTOLOGIA Lukács resgatou a e formulou uma ontologia. Bem observado, sua base ontológica e seu resgate metodológico devem-se à releitura de Dialética da Natureza, de Engels. Pois bem; uma terceira leitura, levaria-lhe a perceber que trabalho não é uma categoria, fundante, apenas do ser
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social, mas de todo o Ser, do Ser em si mesmo, nas três modalidades. Associado à energia, vemos que o trabalho, capacidade de trabalho, já faz parte do inorgânico, como Engels afirmou. Uma abelha e qualquer animal trabalham; mais, a abelha, sabe-se hoje, aprende e usa ferramentas (usam fezes para colocar na entrada da comeia, assim afastando as vespas). Descobriu-se uma espécie de peixe que cultiva seu próprio alimento, além de permitir que outro peixe entre em sua ―fazenda‖ porque ajuda no processo produtivo. Sabemos que macacos usam ferramentas para quebrar coco, aprendem entre si a lavar uma fruta, usam insetos na ferida de parceiros. Corvos fazem ferramentas e projetam. A célula, dentro de si, produz mais-energia do que aquela exigida para sua produção, trabalho. A própria fundação da vida, assim, foi um ato de trabalho. O trabalho humano é natural – socialmente modificado. Marx já falava em necessidade natural do trabalho, faltando-lhe um pouco de ousadia. A tarefa de humanização da humanidade, afastamento das barreiras naturais, inclui afastamento, redução, do trabalho, ao menos o manual. O comunismo, com a robótica e a automação, juntos à informática, quase colocarão fim no trabalho manual, além de reduzir muito o intelectual, como a mera coleta de dados (estimulando a reflexão sobre eles). Que as máquinas trabalhem em nosso lugar! A diferença do homem para as outras espécies complexas é de grau, quantitativo, mas a mudança quantitativa fez um salto, uma mudança qualitativa, incluso pelo fato de, como em nenhuma outra forma de vida, modificamos muito o ambiente e este, então, nos modifica. Os lukacsianos, empolgados e fixos em suas descobertas, consideram o trabalho de todo e irritam-se com a ideia de crise do trabalho; os kurzianos, empolgados e fixos em suas descobertas, veem a tendência ao fim do trabalho e irritam-se com o papel do trabalho na formação da sociedade; no socialismo, o setor de serviços, como governar e educar, formas sociais puras, quando nos tornamos mais puramente sociais, será menos robotizado por sua própria natureza prática, precisando ainda da alguma ação humana – além do mais, o trabalho dividiu-se em manual e intelectual, logo este último será mais presente na sociedade. De fato, o ser social é fundado pelo trabalho, mas porque o ser biológico realiza-se em altíssimo nível na espécie humana. Por causa do trabalho, na energia em busca de mais energia, incluso a falha em tal meta, funda-se o ser social porque ele faz parte da legalidade de todo o Ser. Ser, e a verdade, é o todo contraditório em desenvolvimento, em evolver. Ser é trabalho. Ser é energia em busca de mais de si. Ser é espaço-matéria. PREÇO E JUROS COMERCIAIS Leiamos a seguinte passagem do capítulo ―Capital-dinheiro e capital real – III (Conclusão)‖: No crédito comercial, o juro, a diferença entre o preço a crédito e o preço à vista, só entra no preço da mercadoria quando as letras têm prazo superior ao costumeiro. Se
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não têm, isso não acontece. E a explicação está em que cada um toma esse crédito com uma das mãos e o dá com a outra [isto não se ajusta à minha experiência. - F.E.]. Entretanto, quando o desconto surge aí nessa forma, regula-o não o crédito comercial, e sim o mercado financeiro. (Marx, O capital 3, 2008, p. 683, grifo meu)
Pensemos uma resposta à questão. As circunstâncias em que o crédito comercial, ―não‖ financeiro, ganha dinâmica ocorrem antes da elevação dinâmica do crédito financeiro (isto Marx havia percebido). Em geral, ocorrem após crises, quando a demanda começa a elevar-se. Se a demanda eleva-se para algumas mercadorias relativo à oferta (porque a crise diminui a concorrência, porque o nível de assalariamento está voltando a elevar-se, etc.), então o preço mais que compensa em relação às condições normais e, logo, o crédito comercial transforma-se em modo de extrair mais-valor extra na circulação de mercadorias. Em conclusão, no preço final há sim, entre os demais fatores, o fator juros comercial enquanto possibilidade de extrair mais-valor extraordinário, de outros setores. Por isso a observação de Engels de que a experiência concreta não confirma esta anulação do fator crédito comercial por razão dos intercréditos. Talvez a oculta preocupação de Karl Marx em sua apressada afirmação fosse reforçar que o valor não surge da circulação mas da produção. Com o conceito ―mais-valor extra‖ encontramos na produção capitalista a base do fenômeno acima citado. Ao pormos o parágrafo d‘O Capital em macrocontexto, sua dinâmica, podemos resolvê-lo. O crédito comercial permite acelerar a circulação, pois desprovido da troca imediata de mercadoria por dinheiro (este nem sempre disponível na proporção desejada). Quando oferece o crédito comercial, o burguês comerciante A oferece ao B uma massa de mercadorias após supor que estas serão vendidas e vendidas a um preço capaz de retornar as parcelas com acréscimo de juros. Se este cálculo demonstrar-se errado, ocorre porque faz parte dos riscos de uma economia não planejada. Se observamos, do ponto histórico da época de Marx, a autonomia externa e relativa dos três capitais, ainda assim percebemos pontos de contato, um no outro, a exemplo do crédito comercial. Relação de juros no setor comercial ocorre porque ambos pertencem o reino da circulação: comércio de mercadorias e mercadoria dinheiro. Neste nível, a relação social toma forma reificada, fetichista, ao supor a ilusão de que o valor surge na circulação e inerente às coisas. Vejamos o caso do capitalista industrial: ele cuida, de imediato, da produção, apenas da produção, não da circulação – mas, assim que tem algo já produzido, ele age como esperto comerciante de suas mercadorias, comerciante de fato mesmo que venda, é claro, para o comerciante
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propriamente dito, para um intermediário especializado na revenda. Por isso, não há uma parede total separando as diferentes formas de capital; o comerciante pode, portanto, ser também um usuário, um quase banqueiro, digamos assim. Evidente, portanto, que esta relação do juros comercial se reproduza ―naturalmente‖ quando o banqueiro empresta ao capitalista comercial. SALÁRIO E PREÇO A economia vulgar condena o aumento dos salários argumentando que isso gera inflação, que aumenta de novo os salários, que gera mais inflação – e assim por diante, numa espiral perigosa. Nada mais falso. Primeiro, diz Marx, os salários aumentam depois, porque os preços aumentaram; não, via de regra, o oposto. Segundo: o aumento do salário não costuma ser geral e sincrônico ou na mesma proporção. Terceiro: se há inflação, logo o trabalho que comprava, digamos, 20 produtos, passa a comprar apenas 15; logo, os 5 restantes perdem demanda, empurrando para a queda dos preços. A inflação produz seu oposto, deflação. Quarto: o aumento dos salários tira dinheiro do lucro real, logo o burguês consome menos luxo – os produtos luxuosos tendem a diminuir seus preços. Inflação dos salários gera, assim, deflação nas mercadorias. Quinto: o aumento da produção se dá por saltos, não pouco a pouco. Se o consumo está aquecido da parte dos trabalhadores, pode gerar breve, no tempo e no espaço (na medida), inflação, mas isso empurra para mais investimentos e mais concorrência. Uma fazenda, por exemplo, passa a produzir arroz por salto, não um pequeno lote acrescentado, por grandes extensões de terra, aumentando muito a oferta. Certa fábrica que funciona os três turnos geralmente exige nova fábrica se a demanda está alta (leva um tempo para nova planta, mas o crédito acelera o processo). Ainda assim, mesmo que de modo anárquico, em parte significativa dos casos e momentos, há certo turno ou parte da empresa ainda não utilizada, pronta para movimentar-se caso a demanda aumente muito. Sexto: O aumento dos salários, logo antes da crise, costuma ter junto de si o pleno emprego, ou seja, um grande número de empresas concorrentes, o que derruba o lucro (o consumo burguês) e aumenta a oferta. Sétimo: com a queda dos preços, incluso relativo ao preço do produto comum, de produtos luxuosos, o investimento desloca-se para produtos comuns para onde se destinam os salários maiores dos trabalhadores. Isso Marx já observa no livro II de O Capital.
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Oitavo: se sobra alguma renda extra, muitos trabalhadores iniciarão nova forma de consumo, acessarão novos tipos de mercadorias ou serviços, o que dilui o dinheiro, a demanda. A maior parte da demanda comum dos trabalhadores não é elástica, não comprarão mais sal e gasolina porque aumentaram a renda. Nono: no médio e no longo prazos, o aumento dos salários, além da busca por um lucro extra com mais-valor extraordinário, exige renovação tecnológica para substituir mão de obra ―cara‖ por maquinário, o que costuma ser acompanhado por aumento da oferta, ou seja, queda do preço individual do produto, além de queda de salários por desemprego e menor custo de vida. Décimo: com alguma frequência, há casos em que o comerciante ou a oferta de serviços não consegue aumentar o preço da mercadoria, até reduzindo em casos limites, mesmo com o aumento da demanda, mesmo com aumento dos salários, por causa da concorrência e da concentração-centralização de capital menor relativo ao mundo bancário e industrial. E o aumento dos preços, se ocorre por salários altos, ao aumentar o lucro comercial, aumenta o número de comércios, relativamente fáceis de fundar, logo maior concorrência contra aumentos de preços. Vale notar que aumentos dos salários ocorrem normalmente com a economia aquecida, com mais concorrentes. Décimo primeiro: com a produção ativa em três turnos, a burguesia aposta no aumento da intensidade do trabalho da produção, o que aumenta a quantidade de mercadorias, o que faz o produto ter preço abaixo do seu valor. Décimo segundo: muito dependente da cultura nacional, os trabalhadores poupam parte, pequena e a mais, da renda quanto esta cresce, adia o consumo. Décimo terceiro: com maior demanda por dinheiro e por mais empréstimos, os juros sobem, o que desestimula o consumo e o aumento dos preços consequente. Por fim: o maior ou menor consumo de importados é, antes, muito mais consequência do que causa da alteração do câmbio – além deste muito sensível ao preço e à quantidade das exportações. Mesmo se afetasse duramente o câmbio para desvalorização da moeda nacional, um preço maior da moeda mundial estimula em demasia a produção dentro do próprio país, aumentando a oferta mundial e nacional, o que derruba os preços. (Uma desvalorização da moeda brasileira no câmbio produz industrialização, pois compensa comprar dentro do país no lugar de importar, mas também produz, ao mesmo tempo, o oposto, desindustrialização, pois algumas indústrias nacionais necessitam importar insumos e máquinas do exterior.) Por outro lado, se os preços nacionais sobem muito porque cresceram os salários, isso estimula a importação capaz de concorrer dentro do mercado interno, caem-se os preços.
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Em caso de monopólio real ou oligopólio, o aumento dos salários pode ser repassado para os preços, seja porque os operários da empresa ganham mais seja porque a demanda pela mercadoria monopolizada aumenta – mas, mesmo hoje, no auge do imperialismo, não é a regra dominante ou exclusiva. CONCORRÊNCIA E TAXA DE LUCRO Marx afirma que a crise é a causa do aumento da taxa de juros, não o inverso. Mas, vale notar, a causalidade pode ser recíproca; uma vez aumentada, a taxa de juros realimenta a crise. A mesma lógica cabe à questão da taxa de lucro. Marx afirma que a queda da taxa faz a concorrência, não o contrário. Ora, claro é que a concorrência, ao exigir, por exemplo, novo maquinário, também empurra à queda da lucratividade. Causa torna-se efeito e efeito, causa. Como causa oposta gerando o mesmo efeito, a alta taxa de lucro num setor também estimula aumento do investimento, da concorrência – mas seu efeito tão ou mais importante é a ―mera‖ transferência de investimento em setores de baixa taxa de lucro para outro com alta (mesmo assim, o capital aonde a taxa é baixa pode ―resistir‖ até a situação melhorar, como mostra a experiência comum, baseada no passado). Assim, Michael Roberts erra quando afirma que a queda da taxa de lucro é a causa, sem mais e isolada, da queda do investimento.
TAXA DE JUROS MUNDIAL O economista e marxista José Martins afirma que a taxa de juros dos EUA é a taxa de juros mundial, planetária. Aqui, vamos desenvolver seu bom instinto. O mundo está altamente interligado de modo que os ciclos industriais e econômicos de uma país está sincronizado, tanto quanto pode, com as demais nações – como sabem os marxistas, os ciclos da economia, fazem grosso modo, os ciclos da variação da taxa de juros (as crises são cada vez mais globais, não apenas locais). Isso também é base para uma taxa de lucro mundial, como tendência, que limita a margem de manobra da taxa de juros corrente. Além disso, os EUA produzem e consomem como nenhum outro país do mundo, até agora (China aproxima-se), dando-lhe centralidade, o que repercute em possuir a dinheiro mundial. Quando o FED, banco central daquela nação, aumenta a taxa de juros com a qual paga seus títulos de dívida pública de curto prazo, atrai o dólar para si, o que tira tal moeda de outros países. Para compensar, as demais nações são pressionadas, até de modo inconsciente (por meio da inflação causada pela desvalorização da moeda nacional no câmbio, já que tem menos dólares em mãos), a também aumentar a taxa de
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juros para tornarem-se mais atraentes ao capital especulativo fluido em tempos de internet. Isso não é consciente ou dito pelos economistas do sistema: que a taxa de juros nacional depende também da taxa de juros no maior império, há um lastro. AOS "ESQUERDISTAS" QUE NÃO SABEM ECONOMIA O Banco Central manteve a taxa de juros em 2023, em seu início, acima de 13 por cento. Mas fez algo mais: criticou o governo… Isso fez Lula, afastando a responsabilidade de si, a colocar na conta da direção bancária todos os males do país. O ataque, a reação, foi fortíssima. Infelizmente, a esquerda radical costuma trazer para si todas as narrativas do oportunismo petista, social-liberal (vide a ―tese‖ da onda conservadora). Nesse frenesi político, tomei uma posição minoritária e, veja, só, científica da questão. Eis as afirmações: 1. Taxa de juros não é a medida de todas as coisas. Se o governo fizesse um plano de obras públicas agressivo, geraria mais emprego. Há várias ações não ligadas a juros que reativam a economia e são até mais importantes. 2. A taxa de juros só pode cair lentamente, para não ter fuga de Capital (especulativo) – o que levaria câmbio para mais de 6 reais com a falta de dólares – logo, inflação pesada, mesmo. (Quero ver reclamarem depois da carestia...) 3. Mesmo assim, a taxa só poderia ser reduzida para algo como 11% – e, de novo, lentamente, gradual. 4. A taxa de juros americana e europeia tende a ficar elevada este ano inteiro – isso pressiona uma concorrência por dólares, por investimento, que força outros países a manter, também, taxas altas para premiar especuladores. A vida é dura. 5. Há uma crise mundial surgindo. Isso empurra, no primeiro momento, juros altos em todo o mundo. 6. Haddad, sendo um idiota, quer provar aos ricos que é capaz de ser o sucessor de Lula no futuro. Por isso não milita por menor juros como deveria. 7. Juros altos aumentam o risco de inadimplência geral – mas, repito, isso só permite, pressionar por, reduzir um pouco a taxa e de modo lento. 8. A economia vulgar pensa que o aumento dos juros causa crise. Isso só ocorre por exceção. A elevação dos juros é um sinal de que já há uma crise em gestação no subterrâneo da sociedade. 9. Foi um acerto do banco central reduzir a taxa para 2%, em 2020, diante do risco de deflação. Mas foi um erro grave manter tal taxa por muito tempo, o que afastou capital, ou seja, dólar, o que estourou o câmbio para acima de 6 reais, ou seja, gerou inflação em cadeia. Pagamos o preço
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agora. Mas a esquerda inculta pensa que a regra é sempre taxa de juros baixíssima, o que é um erro básico. Era necessário certo aumento da taxa para evitar que o câmbio afetasse os preços. 10. Se Lula quisesse emprego e baixa inflação, acabaria com a atual política artificial e oportunista de preço do petróleo. Já disse que a vida é dura? 11. Nos próximos anos, de crises após estas crises, teremos o risco de uma revolta social no Brasil (desemprego mais inflação – ambos grandes e longos). Talvez uma revolução. Não precisamos esperar décadas para o socialismo no país. 12. No Brasil, apenas 5 bancos controlam quase todas as operações. Nos EUA, 5 mil bancos... Isso significa que aumento ou queda de taxa Selic, de juros, não tem o mesmo afeito aqui, onde há um oligopólio, em relação à lá, onde isso – quase monopólios – nem de longe acontece. Ume redução gradual de juros para algo como 11% pode fazer sentido, mas nem de longe resolve os problemas do país. O programa deve ser imensamente mais profundo. Os movimentos sociais petistas fizeram protestos pela queda dos juros que não mobilizou ninguém… Nem poderá mobilizar. O caminho não é esse, de modo algum. CONCEITO REAL ABSTRATO A realidade é a luta entre opostos, capital e trabalho. O capital, ao desprender-se do valor, produto do trabalho manual, torna-se puro conceito, capital abstrato, capital produtivo, realização do conceito de capital – então, sua crise. O trabalho torna-se, cada vez mais, puro trabalho, não apenas trabalho concreto, trabalho abstrato, trabalho geral, trabalho em geral – então, sua crise. O dinheiro, que une ambos os anteriores, torna-se, hoje, puro dinheiro, cada vez mais, dinheiro fictício, realiza-se, universaliza-se – então, sua crise. O socialismo realizará o conceito de homem e o indivíduo será, de fato, indivíduo – enfim, crise da ―sociedade‖ e do ―homem‖ tal como conhecemos. O socialismo é o conceito de ―Bem‖ para onde tende a vida humana. CONTRADIÇÃO ENTRE CAPITAL FIXO E CIRCULANTE Marx demonstra a contradição de opostos, capital constante (expresso nos elementos físicos) e capital variável (expresso no trabalhador), contradição entre máquina e operário. No entanto, isso deixa de ser claro no livro 2 d‘O Capital. Direto ao assunto, ocorre que o capital circulante, representado na matéria-prima e no trabalhador, tem limites que limitam o capital fixo, expresso na máquina ou no edifício etc., desejoso de ser mais circulante (capital fixo é circulante, embora não seja). A matéria-prima e o operário, em condições normais, impedem a aceleração maior da
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máquina (o fio quebra, o trabalhador greva contra a intensividade da jornada). Tal contradição é movente, como deveria ser: novos materiais são criados, antigos são substituídos, novas técnicas de trabalho são desenvolvidos. Assim, com dificuldades, o capital tende a reduzir o tempo de produção, que inclui a secagem da mercadoria por exemplo, ao tempo de trabalho. O tempo de circulação tem dificuldades de ser reduzido na produção. As duas contradições citadas estão lastreadas na contradição inicial, entre valor e valor de uso, são o desdobramento dela. PROPRIEDADE PRIVADA Não há propriedade privada sem propriedade pública, são opostos necessários e irmãos. O controle da instituição Igreja medieval sobre feudos nada tinha de igualitarismo. No mais, o Estado é um burguês impessoal. O contrário de propriedade privada, portanto, na verdade, tratase da propriedade social, não estatal, pois pressupõe controle dos operários sobre o seu Estado e sobre as suas empresas, a ditadura do proletariado, isto é, democracia direta socialista. Nos países que esgotaram o capitalismo interno, incluso por restrições externas, a propriedade privada devora para si a propriedade estatal, pública. Privatiza-se. Nesses casos, a luta pela estatização tem uma força que nunca teve antes na história do capitalismo, mesmo nas crises anteriores duríssimas. À época de Lenin e Trotsky, a propriedade estatal burguesa desenvolvia-se, ampliava-se, consolidava-se, demonstrava todo o vigor. Hoje é diferente. O reformismo, de esquerda ou de direita, não tem mais chão, não tem mais saída por dentro do sistema. Com isso, não nos confundimos coma esquerda centrista do funcionalismo público, que não toma a posição operária, incluso de seus desempregados, mas quer o passado keynesiano, quer o Estado burguês forte, estatista, ainda que não reconheça isso sequer para si mesma. ALIENAÇÃO N‘O CAPITAL Tenta-se, com certa constância, entre acadêmicos, reduzir Marx, diminui-lo. Assim, ele não chegou a uma economia política dos trabalhadores, positiva, mas apenas a uma crítica negativa, uma crítica da economia política burguesa, sem mais. Assim, evita-se o duro trabalho intelectual de ter uma estética, uma ontologia ou uma ética marxistas. O marxismo é uma concepção, científico-filosófica, total de mundo. Não cabe, portanto, em caixas apertadas. Neste norte que é sul, nesta bússola desregulada, afirma-se que Marx abandonou toda filosofia em sua maturidade; diz-se que ele, em especial, deixou de lado toda relação para com sua original teoria da alienação. Tal teoria conclui, entre outras, que o mundo das coisas domina o mundo dos homens, que o homem coisifica-se, que a criatura domina o criador (como Deus, criação do homem, domina o próprio homem). É este o caso, nega-se tal contribuição filosófica?
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Mèszáros refutou tal concepção negativa na sua obra ―Teoria da alienação em Marx‖, porém não focou especialmente em O Capital. Abaixo, veremos as citações claras na letra de nosso velho: Tais formas, em cuja testa está escrito que elas pertencem a uma formação social em que o processo de produção domina os homens, e não os homens o processo de produção, são consideradas por sua consciência burguesa como uma necessidade natural tão evidente quanto o próprio trabalho produtivo. (Marx, O capital I, 2013, pp. 155, 156)
Vejamos mais: A antítese, imanente à mercadoria, entre valor de uso e valor, na forma do trabalho privado que ao mesmo tempo tem de se expressar como trabalho imediatamente social, do trabalho particular e concreto que ao mesmo tempo é tomado apenas como trabalho geral abstrato, da personificação das coisas e coisificação das pessoas. (Idem, p. 187)
Já está claro, mas temos outros: O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga. (Idem, p. 307) Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve à máquina. Lá, o movimento do meio de trabalho parte dele; aqui, ao contrário, é ele quem tem de acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, tem-se um mecanismo morto, independente deles e ao qual são incorporados como apêndices vivos. (Idem, p. 494) […] em que o trabalhador existe para o processo de produção, e não o processo de produção para o trabalhador (Idem, p. 560)
A condição alienada da classe trabalhadora está de tal modo: E não poderia ser diferente, num modo de produção em que o trabalhador serve às necessidades de valorização de valores existentes, em vez de a riqueza objetiva servir às necessidades de desenvolvimento do trabalhador. (Idem, p. 697)
Podemos dar-nos por satisfeitos. No entanto, se se quer um trecho extremamente direto, temos este:
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Assim como na religião o homem é dominado pelo produto de sua própria cabeça, na produção capitalista ele o é pelo produto de suas próprias mãos. (Idem, p. 697)
São trechos, sequer todos, de uma leitura não guiada que demonstram a teoria da alienação de Marx, isto é, a continuidade, acima da descontinuidade, no desenvolvimento teórico entre o jovem e o velho Mouro. O método dialético, que é muito mais além de um jogo de palavras fácil, exige fazer, juntas, ciência e filosofia – fazer ciência é fazer filosofia; fazer filosofia, ciência. Isto, se se quer ir para além, ou melhor, para debaixo do mero empirismo e da mera descrição. Lukács afirmou que o socialismo não é a superação da alienação, mas o pôr de novas formas de. Assim, ele quis justificar a alienação nas sociedades ―socialistas‖ ditatoriais que ele defendia sem crítica até as últimas consequências. Na verdade, a sociedade socialista, se não destrói toda alienação social com o seu progresso, ao menos supera a maior parte dela e reduz o que ainda há de. VALOR E VALORES Aquilo que há, no fundamento, é apenas um único valor econômico, o valor global. Ele se externaliza e, portanto, se relaciona consigo mesmo. E faz isso por meio de sua interiorização nas coisas, dentro delas e por meio ou através delas. O valor passa, externamente, para diferentes valores, como cada valor individual em cada mercadoria. Assim, ele age e reage sobre si mesmo como se sobre e com o outro de si, seu outro. Duas empresas concorrentes são, essencialmente, dois valores em disputa. Mas eles são, no fundo, o mesmo, que concorre apenas contra si como com o outro. Logo o valor é sujeito e substância, que põe a si próprio, que se automovimenta, em sua autoconfrontação externa, nas coisas diferentes. Ao externalizar-se em vários valores, o valor não aparece como valor social global, mas apenas na diferença entre eles. A massa de valor quer crescer, mas tende, no longo prazo, a diminuir, pois o capital suplanta a fonte de valor, o trabalho humano. É a já comentada contradição entre valor e capital. O capital fictício, por sua vez, é um capital oco, sem valor, que suga valor para si de modo parasita. Este é, por exemplo, o caso da renda da terra, que surge pelo simples fato de alguém ter um pedaço do planeta terra para si. Em sua externação, o valor cai de volta no valor global, e este lado externo revela-se parcial e sem fundamento dentro de si mesmo. Mas ele, este lado, não é mero engano ou aparência. De fato, o valor confronta-se contra si próprio ao ser a alma das coisas e dos homens coisificados.
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O lado externo do valor promove a atração e a repulsão no seu evolver. As mercadorias concorrem umas contra as outras para realizar seus valores, que são apenas um; os capitais se fundem para enfrentar a concorrência. O valor tem preferência, é claro, por estar por dentro do dinheiro, por onde a atração domina, por onde ele é dinheiro em busca de mais dinheiro, valor em busca de autovaloração. Além de ser que é nada, além de essência da aparência preço; o valor é, também, força ou, se formos ousados, energia. A força de trabalho170, no ato de trabalhar, é fonte do valor econômico, fonte da riqueza abstrata capitalista, junto com a natureza. A força-valor social deriva unicamente da força de trabalho, mas o capital tende a superar ou quase superar o trabalho manual abstrato. Assim, apenas forças naturais não humanas serão o ativo na produção material, encerrando o império do valor, desta força. A totalidade do capital, e do capitalismo, seria uma totalidade artificial, em que as partes têm ligação apenas externa, um mero amontoado, um mero junto, um mero agregado. Mas há o nexo interno, que faz da totalidade uma verdadeira totalidade e da parte de fato parte, em relação com as outras partes essencialmente. O que dá unidade real ao todo é o valor. Diferente de Hegel em sua Lógica, onde a força apenas mantém a unidade da totalidade, algo sincrônico, adoto a dialética de que a força (na verdade, energia) é, também, em sua concentração, a base da formação diacrônica da própria totalidade, como da parte ao todo, seu impulso de ampliação e formação. O valor cumpre tal papel no evolver em totalidade capitalista. CAPITAL É CRISE A crise costuma ser vista como uma doença econômica ou fruto de certos acasos. Na verdade, o capital é crise – sua exigência consolidada produz mais crises do que estabilidades. O fato de haver quebras econômicas é parte de sua regra, de sua normalidade doentia; isso, em parte, por ser, também, uma transição entre as sociedades de classes anteriores e o socialismo de amanhã, entre o passado e o futuro dentro de si, como debatemos em outro lugar. O pleno emprego não é o inverso da crise, nem sequer sinal da crise posterior – trata-se da própria crise, ela mesma. Pleno emprego, para o capital, é crise. Na essência, o capitalismo promove, para si, uma constante fuga, mas para frente; o crescimento é a contratendência relativa da tendência à crise. Isso significa que a crise é, bem visto, uma solução temporária.
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A expressão conceitual “força de trabalho”, usada por Marx, deve ser substituída por “energia de trabalho”. Entre outras tantas definições corretas, energia é “capacidade de trabalho”. A categoria força entra em crise categorial.
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Dentro da relação dialética de tendência com, muitas vezes produzida por esta própria, sua contratendência relativa, percebemos a causa produzir efeitos opostos. Fatores da crise produzem a própria saída apenas relativa da crise, seu adiamento: 1. Baixa do preço; Com as falências e com o desemprego, o consumo geral cai – a demanda cai em relação à oferta de mercadorias. As empresas que resistem à quebradeira, normalmente as maiores, podem comprar matéria-prima, máquinas, etc. por um preço mais vantajoso. 2. Redução dos salários; Na crise, o desemprego aumenta, por isso as greves param de ter força, o medo da miséria volta. O patrão consegue novamente impor baixos salários, maior jornada de trabalho e mais intensidade do trabalho. Além do mais, como a crise é superprodução e há queda da demanda por desemprego, as mercadorias que o operário compra com seu salário ficam mais baratas. 3. Falências; A falência de muitas empresas, especialmente as menores, faz com que a concorrência reduza e, então, menor quantidade de capitalistas embolsa o lucro total da sociedade. 4. Novas mercadorias. Finalmente, as mercadorias acumuladas nos mercados são vendidas ou perdem validade. Então demanda-se nova produção. Percebemos que a face destrutiva da crise, a quebra econômica, tem seus fatores: excesso de capital, falências, queda do emprego, queda do salário, não escoamento das mercadorias, queda da demanda. Tais fatores que conformam a crise são, por outro lado, oposto, meios para sair dela própria temporariamente, na fuga para frente mesmo quando recua. A crise não é negada ou superada, mas, neste ponto, propriamente adiada. Assim amadurece as condições para socialismo. Se vemos apenas a causalidade com efeitos opostos, falta-nos ver por inteiro. Tudo fica mais claro quando pensamos, junto, que a tendência é a tendência de crise, rumo à crise final, contratendênciada dentro de si, contratendência esta criada, em geral, por ela mesma, pela tendência. Em geral, a razão de fundo é a queda da taxa de lucro causada por fatores como, por exemplo, baixo desemprego, porque a economia cresce, aumentando salários, retirando da massa de lucro. Mas há ainda a desproporção entre setores da economia, entre a produção de meios de produção e produção de meios de consumo, além de crises outras como as crises inflacionárias.
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O capitalismo é preenchido por crises de vários tipos, e além das econômicas, pois ele as estimula, as promove. Nisso está, por exemplo, como no escravismo, a necessidade de duras guerras, da crise de guerra, para obter lucros e boa posição geopolítica. É seu lado inteiro, seu lado destrutivo. A solução parcial e temporária da crise, seu adiamento, tem o efeito dialético de produzir mais crise, mais profunda, no futuro. A superprodução de capital mostrou-se como superprodução de mercadorias nos anos 2000. Solução para estimular o consumo? Facilitar o endividamento da população. Depois vem a crise do alto endividamento das famílias e da inadimplência. Na crise seguinte, viu-se uma poderosa financerização, o capital fictício das ações inflou-se ao nível absurdo. Solução? O Estado comprou os títulos podres. Depois, além do endividamento alto geral, os especuladores sentiram-se à vontade para jogar no cassino das bolsas de valores, de criar uma bolha financeira ainda maior, pois, se tudo der errado, os governos os salvará. Vamos de crise em crise, mediando a tendência ao fim sistêmico, que apontam o fim do capital. Assim, uma crise não está apenas separada da outra por um tempo ou parede intransponível, mas a quebradeira seguinte está internamente ligada à anterior por um mesmo processo. Trotsky, ao pensar a curva de desenvolvimento do capitalismo, começa sua construção com a fase de equilíbrio, quando há grandes crescimentos e fracas crises. É um erro. Como transição e como crise em si, o capital começa-se consolidado como crise, não como crescimento, por isso corrijo sua formulação iniciando o macrociclo coma fase de transição, entre a fase de crise e a fase de crescimento. O capital, além de formar um sistema de fato, é de fato uma fase transitória, como dissemos, quase mera transição, entre os sistemas classistas do passado e o socialismo do futuro. A CAUSA CENTRAL DAS CRISES PERIÓDICAS Existe larga literatura sobre a origem das crises, dentro e fora do marxismo. No meio marxiano, as polêmicas são muitas. As causas apresentadas, em geral, são: 1. Queda da taxa de lucro; 2. Desproporção dos setores da economia; 3. Por sua natureza, o setor de produtos agrícolas não conseguirem aumentar a tempo sua produção segundo a demanda aquecida; 4. Superprodução de mercadorias; 5. Subconsumo;
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6. Aumento dos juros. Nahuel Moreno, que pouco focou na economia, foi quem encontrou uma resposta geral: a causa das crises é o desenvolvimento desigual das partes constituintes – 7) como a população não crescer na mesma proporção do aumento da demanda por trabalho, fazendo crescer os salários, tirando dos lucros. É uma resposta lógica. Outro caminho, comum, é este: todas as causas são válidas, pois a crise regular é multicausal. Mas, eis mais uma contribuição nossa à lógica, as múltiplas causas costumam ter uma causa única comum. Todas as causas acima, em geral simultâneas, têm mesma origem ou fundamento, a produtividade, se a produção cresce ou-e deixa de crescer. A única exceção é o subconsumo. Tal explicação não pode ser útil porque sempre se pode imaginar um consumo maior do que aquele em vigor, logo ele nada explica, não baseia as variações de auge e crise. Além disso, o consumo cresce imediatamente antes da forma destruidora da crise. David Harvey e Michael Roberts fizeram uma polêmica interminável sobre a causa da crise. Eles deveriam ouvir os marxistas brasileiros, que, por razão da característica nacional, puderam dizer isto: a ambos falta compreensão da dialética, um defeito típico dos falantes da língua inglesa no mundo desenvolvido. O primeiro diz que a origem da crise é multicausal; o segundo, que é a queda da taxa de lucro. Ora, claro que é a queda da taxa – mas tal declínio não deriva, por exemplo, da desproporção dos setores da economia, como o aumento dos preços da matériaprima, o capital constante circulante? Ou do aumento dos salários? Se tivessem estudado dialética, saberiam que o fundamento real, entre tantas opções de fundamento, tem, ele mesmo, um fundamento, o fundamento completo. Assim, encontra-se nos problemas de produtividade, com suas consequências, a origem primeira das crises cíclicas. CRISE: SUBPRODUÇÃO OU SUPERPRODUÇÃO? Antes da maquinaria, as crises eram por falta, por escassez. Por razões naturais e ambientais, tinha-se má colheita ou os animais adoeciam, então, crise geral. No capitalismo, ao contrário, a crise costuma ser dor excesso, por abundância. Podem ocorrer crises de subprodução, mas a superprodução é a regra regular (de 10 em 10 anos, mais ou menos). Veja-se melhor: a crise é de superprodução de capitais, capitais em demais, não grandes quantidades de mercadorias acumuladas na circulação e no mercado; a superprodução de mercadorias é consequência da superprodução de capitais.
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Para o marxismo, trata-se de um ótimo argumento afirmar que o sistema capitalista é irracional porque causa fome e desemprego por meio da própria abundância. No entanto, sendo mais rigorosos, o processo ainda é mais complicado e dinâmico. A crise de superproduçãode capitais, como entre capitais que produzem o produto final, não matéria-prima etc., atua junto ou como causa de uma crise de subprodução, não superprodução. Assim, a produção de matériaprima, pela própria natureza do valor de uso (cerais etc.), não consegue crescer a contento, à tempo, logo há inflação de tal custo para muitas das empresas. A produção de novos trabalhadores, a reprodução humana, também está muito abaixo da necessidade do capital em superprodução – os salários sobem por isso. Enfim, a produção e a circulação de dinheiro encontram limites, logo há elevação dos juros. Eis três modos de corroer o lucro de ao menos parte da burguesia, o que produz crise. A produção também produz crise, sua própria quebra. Assim, a crise de superprodução é, também, uma crise subprodução – via de regra. Unidade dos opostos. Mesmo em tempos de superprodução geral e crônica, isso se afirma como lei capitalista relativa. OFERTA E DEMANDA Marx considerou fundamental a lei da oferta e da demanda para determinar os preços de mercado, mas não o valor real das mercadorias. Se oferta e demanda se igualam, se anulam, então deixam de explicar a origem do valor, que deriva, na verdade, do trabalho abstrato. Podemos afirmar que a fase mercantil do capitalismo tendia a uma demanda acima da oferta. Tal estado de coisas, fez um impulso à oferta mesma. A principal forma de demanda muito acima da oferta era a oferta baixa de força de trabalho, que permitia ao trabalhador impor melhores condições de trabalho na manufatura. Isso foi finalmente resolvido com a introdução inédita da maquinaria, derrotando o trabalhador. Desde então, a oferta tende a ficar acima da demanda vigente. Isso aponta para o planejamento socialista, quando oferta e procura entrarão em equilíbrio dinâmico. A oferta produz a demanda ou, ao contrário, a demanda produz a oferta? O problema circular esquece, primeiro, que um pode fazer o outro, e vice-versa – embora não proporcionalmente. Se a demanda permite bons preços, em cenário de concorrência, pode-se abrir um turno de trabalho novo na fábrica, o que aumenta tanto a oferta e a demanda, embora não na mesma proporção, porque emprega-se novos trabalhadores, a demanda produz demanda. Maior oferta de mercadoria matéria-prima para outras fábricas, logo por preços menores, produz nova oferta maior também na outra ponta, a oferta produz oferta; neste caso, por exemplo, a
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oferta maior pode vir com queda da demanda como com máquinas novas substituindo trabalhadores. O problema da teoria burguesa, mesmo as mais sérias, é limitar-se às formas e à aparência. Por isso a polêmica circular. Se, dada a demanda, a oferta de uma mercadoria se eleva (por mudanças na produção), logo o preço de mercado cai, o que aumenta, um tanto, a depender da elasticidade do produto, as possibilidades de venda, de demanda. Se, dada a oferta, a demanda se eleva, então aumentar-se-á o investimento na produção daquela mercadoria, a oferta. Há aí um tempo relativo em que demora a ação da causa sobre a consequência, ação e reação. As duas variantes burguesas estão erradas e certas, ou seja, há determinação recíproca. Assim, uma dentre as limitações dos teóricos da burguesia está em colocar o valor de uso acima do valor: se aumenta a oferta relativo à demanda, os preços caem – há novo equilíbrio entre oferta e demanda? Os preços rebaixados podem não compensar as vendas, os investimentos, ou seja, a produção daquele valor de uso, por isso queda acentuada do lucro; conjunturalmente, oferta diminuindo oferta e demanda. Demanda muito alta de alguma mercadoria essencial (ou monopólios reduzindo a oferta) pode gerar altos preços, diminuindo a possibilidade de os consumidores terem dinheiro para adquirir outras mercadorias, de outros setores; conjunturalmente, demanda diminuindo demanda e oferta. Tem-se de ver o todo, pois se o foco é oferta e demanda, nenhuma solução sai daí. O problema das crises cíclicas de superprodução de capitais, aparentemente superprodução de mercadorias, é que a taxa de lucro, depois a massa de lucro, cai, caindo também o investimento, logo caindo a produção de meios de produção também, porque há muitos concorrentes frutos da euforia anterior, porque há limitada força de trabalho produzindo pelo emprego rumo a salários e condições de trabalho melhores corroendo o lucro, porque há inflação aqui com deflação ali como fatores de corrosão da lucratividade na desproporção anárquica dos setores da economia. TRANSFORMAÇÃO DOS VALORES EM PREÇOS DE PRODUÇÃO A polêmica do ―problema da transformação‖ foi resolvida pela mesma resposta – ou seja, falsa polêmica – por diferentes caminhos: 1. A passagem dos valores para os preços de produção é uma passagem ontológica, não temporal. 2. Valor é uma categoria da totalidade, diferente dos preços de produção;
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3 Há igualdade na diferença, ou desigualdade, entre valores e preços de produção (Carcanholo); 4. A passagem dos valores para os preços de produção é lógica, não matemática (Kurz); 5. Os elementos ou fatores da produção já são, antes, comprados por seus preços, não por seus valores (Grespan). Estas e outras respostas são, no geral, uma unidade, encontram-se juntas. Mas há algo ainda a dizer sobre. Lembremos que no livro III d‘O Capital, de onde surge a polêmica, Marx volta para a aparência enriquecido pela essência, isto é, consegue ver o acerto e o erro naquele grau de percepção propriamente burguês. Preço é uma categoria de aparência, burguês. Mais. O preço é ideal, no cotidiano ou na teoria, enquanto o valor é, ao contrário, real. Para fortalecer o argumento e nossa conclusão, citemos em direto o livro I d‘O Capital, trechos do capítulo 2 (Marx, O capital I, 2013):
1. A mercadoria é realmente valor de uso; seu valor se manifesta apenas idealmente no seu preço…
2. Desse modo, a realização do preço ou da forma de valor apenas ideal da mercadoria…
3. Seu valor se manifesta apenas idealmente no preço, que reporta ao ouro…
4. No preço, a mercadoria pode possuir, ao lado de sua forma real – ferro etc. –, uma figura de valor ideal…
5. Os preços, ou as quantidades de ouro em que os valores das mercadorias foram idealmente convertidos…
Há ainda outras citações, mas vamos poupar o leitor. Vale a pena lembrar ainda que, como com o preço, o livro III aproxima-se das mentalidades: Assim, as configurações do capital desenvolvidas neste livro abeiram-se gradualmente da forma em que aparecem na superfície da sociedade, na interação dos diversos
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capitais, na concorrência e ainda na consciência normal dos próprios agentes da produção. (Marx, O Capital III, 2016, p. 132)
O capital é, também, como projeto original de Engels, uma crítica das categorias da economia política, incluso a categoria preço. No livro III, Marx abandona progressivamente a abstração dos livros anteriores em que, para fins teóricos, o preço foi considerado como equivalente ao valor. Dito isso; é chegado o momento de apresentarmos nossa conclusão, enfim. A passagem dos valores para os preços de produção é, portanto, a passagem do real para o ideal, do valor real para o preço ideal. No pensamento comum e no economista vulgar, no entanto, algo como valor é pura ideia, ficção, um ideal enquanto o preço é real e concreto. PROLETARIADO E VALOR Existe polêmica sobre se setores não operários, não produtivos, são, também, parte do proletariado ou se são setores médios. A resposta é esta: não importa. O nome é apenas um nome, nada diz de modo direto sobre a natureza da coisa nomeada. O que interessa é ter clara a centralidade do operariado (em espacial, o fabril) nas revoluções por suas características. No mais, os assalariados populares e urbanos não operários ganharam, de fato, enorme importância para as revoluções presentes, logo podendo mesmo existir revoluções sem protagonismo do operariado. O argumento central para dizer que o setor de serviços é proletariado e produz valor é esta citação d‘O capital: Se nos for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção material, diremos que um mestre-escola é um trabalhador produtivo se não se limita a trabalhar a cabeça das crianças, mas exige trabalho de si mesmo até o esgotamento, a fim de enriquecer o patrão. (Marx, O capital I, 2013, p. 544)
Somos obrigados a ensinar nossos adversários a ler. Vejamos. ―Se‖ – se! Reforço o pensador alemão – ―nos for permitido escolher um exemplo fora‖ – fora! – ―da esfera da produção material, diremos que um mestre-escola é um trabalhador produtivo se‖ – se! – ―não se limita a trabalhar a cabeça das crianças‖ – ou seja, o que todo professor faz! –, ―mas exige trabalho de si mesmo‖ – dele próprio, sem ser controlado pelo maquinário! – ―até o esgotamento, a fim de enriquecer o patrão.‖ O setor de serviços, o professor, pode ser produtivo de lucro ou não produtivo de lucro, se trabalha para o governo ou na rede privada, mas não produz valor (já uma fábrica ou operário
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improdutivo é uma anomalia teórica e prática, ainda que real nestes tempos anormais). Confundir valor com salário e mais-valor com lucro é um erro primário comum – tal como confundir maistrabalho com mais-valor, forma e conteúdo. Ouçamos, em extenso, Marx: As dimensões que o comércio assume nas mãos dos capitalistas não podem, evidentemente, transformar em fonte de valor esse trabalho, que não cria valor, mas apenas possibilita mudança de forma do valor. O milagre dessa transubstanciação não poderia, tampouco, operar-se por meio de uma transposição, isto é, se os capitalistas industriais, em vez de efetuarem diretamente aquele "trabalho de combustão", tornassem-no tarefa exclusiva de terceiras pessoas por eles pagas. Não será pelos belos olhos dos capitalistas que essas terceiras pessoas porão sua força de trabalho à disposição deles. Ao coletor de rendas de um latifundiário não importa que seu trabalho em nada aumente a magnitude do valor das rendas, nem, ao bancário, que fique o mesmo o valor das peças de ouro trasladadas para outro banco. Para o capitalista, que faz outros trabalharem para ele, compra e venda constituem função fundamental. Apropriando-se do produto de muitos em ampla escala social, tem de vender na mesma escala e, em seguida, reconverter o dinheiro nos elementos da produção. Como sempre, o tempo empregado na compra e venda não cria valor. O funcionamento do capital mercantil dá origem a uma ilusão. Mas, sem entrar em pormenores, fica desde já evidente: se uma função, em si mesma improdutiva, embora necessária à reprodução, se transforma, com a divisão do trabalho, de uma tarefa acessória de muitos em tarefa exclusiva, especializada, de poucos, não muda ela, com isso, de caráter. Um comerciante apenas (considerado aqui mero agente da conversão formal das mercadorias, somente comprador e vendedor) pode, com suas operações, encurtar o tempo de compra e o de venda de muitos produtores. É como se fosse uma máquina que reduz emprego inútil de energia ou ajuda a aumentar o tempo que se pode destinar à produção. Para simplificar o problema (uma vez que só mais tarde estudaremos o comerciante como capitalista e o capital mercantil), vamos supor que esse agente de compra e venda seja um indivíduo que vende seu trabalho. Gasta sua força de trabalho e seu tempo de trabalho nas operações M-D e D-M. Vive disso como outros que vivem de fiar ou de fazer pílulas. Realiza função necessária, pois o processo de reprodução também abrange funções improdutivas. Trabalha como qualquer outra pessoa, mas o conteúdo de seu trabalho não cria valor nem produto. Figura entre os custos improdutivos mas necessários da produção. Sua utilidade não consiste em transformar em produtiva função improdutiva, em produtivo trabalho improdutivo. Seria um milagre que se pudesse efetuar semelhante transformação mediante simples transferência de função. Sua utilidade, ao contrário, consiste em que se compromete parte menor da força de trabalho e do tempo de trabalho da sociedade nessa função improdutiva. E mais. Suponhamos que esse agente comercial seja um assalariado mais bem pago que os outros. Como assalariado, qualquer que seja seu
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pagamento, trabalha gratuitamente parte do tempo. Recebe por dia, digamos, o valor que corresponde a um produto de oito horas de trabalho e funciona durante dez. As duas horas de trabalho excedente que ele executa não produzem valor, nem tampouco as oito horas de trabalho necessário, embora, em virtude destas, a ele se transfira uma parte do produto social. Nas dez horas dessa função de mera circulação, se gasta sempre, do ponto de vista social, uma força de trabalho. Ela não pode ser aplicada em outra tarefa, em trabalho produtivo. Além disso, a sociedade não paga essas duas horas de trabalho excedente, embora tenham sido gastas pelo indivíduo que o executa. Mas, com isso, não se apropria a sociedade de produto excedente nem de valor. Mas os custos de circulação representados pelo agente comercial reduzem-se de um quinto, de dez para oito horas. A sociedade não paga equivalente por um quinto do trabalho do tempo de circulação. Se é o capitalista quem paga ao agente, diminuem, por não serem pagas as duas horas, os custos de circulação de seu capital, os quais constituem redução de sua receita. Para ele é um ganho positivo, pois decresce um elemento negativo para a valorização de seu capital. Quando pequenos produtores autônomos de mercadorias despendem parte de seu próprio tempo em compra e venda, esse dispêndio só poderá ser ou tempo gasto nos intervalos de sua função produtiva ou interrupção de seu tempo de produção. (Idem, p. 148, 149, 150, grifo nosso.)
Apenas nas fábricas, minas, transportes, campos e construção civil se produz valor, além de casos especiais como nas padarias. Apenas neles, portanto, há proletariado; um professor ou um pastor de igreja não tem escala crescente de produtividade, caso de algum modo falamos de produtividade em tais setores, o que é uma poderosa medida. O problema de muitos marxistas, sociológicos em especial, é terem lido, quando de fato leram, apenas o livro I d‘O Capital. Se tivessem lido o livro II, veriam que há trabalho improdutivo de valor na fábrica, e mais, se é improdutivo antes, logo é improdutivo depois, dirá Marx, mesmo gerando lucro. ―A divisão do trabalho, ao tornar autônoma uma função, não faz dela criadora de produto e de valor, se já não o era antes de tornar-se independente.‖ (Marx, O Capital - livro 2, 2014, p. 152) Veja-se, além disso, nas duas anteriores citações, a insistência de Marx em associar valor e produto (alienável); o abstrato é o concreto em processo – de troca. Isso quer dizer que, quando o setor de call centers, antes na própria empresa como custo, passa a ser terceirizado, ele é improdutivo de valor tanto antes quanto, por isso, depois, embora passe a gerar lucro. Marx faz uma observação que nos é sugestiva: Alterando-se sua concepção da natureza do mais-valor, altera-se, por conseguinte, sua concepção de trabalho produtivo. Razão pela qual os fisiocratas declaram que somente
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o trabalho agrícola é produtivo, pois só ele forneceria mais-valor. Mas, para os fisiocratas, o mais-valor existe exclusivamente na forma da renda fundiária. (Marx, O capital I, 2013, p. 545)
Por analogia, torna-se claro o motivo de os defensores enfáticos do ―precariado‖, do proletariado como igual a (quase) todo assalariado, da produção do mais-valor sempre que há mais-trabalho, ou aqueles que dispensam a centralidade, mesmo que relativa, do operariadoproletariado tenderem ao reformismo e ao centrismo, além de relativizarem o papel do partido de tipo leninista em nome dos partidos ―anticapitalistas‖ como Syriza e Podemos. A concepção teórica, como sobre qual trabalho produz valor, corresponde, em muitos casos, à concepção política. O ESTADO Embora sem obra específica sobre o Estado, Marx trata de tal ferramenta em vários pontos de sua grande contribuição literária. O poder despótico dentro da fábrica tem seu complemento e sua unidade necessária com o poder estatal. Destacamos que o capital iria a uma rápida autodestruição, levando junto consigo a humanidade, caso não fosse a ação da sociedade e do seu Estado como com a implementação de uma jornada normal limite de trabalho e um salário mínimo. Assim, por fora o capital foi parcialmente controlado na sua real e inevitável incontrolabilidade. Mas isso é metade do caminho, da reflexão: o capital ou o capitalismo impediu a rápida barbárie não como um outro, o Estado enquanto externo, mas limitou a si mesmo como se fosse por meio de um outro. Fato é, como dissemos em outra oportunidade, que o capital é transição entre as sociedades de classes e a possível sociedade não classista do futuro, logo as medidas que impediam a rápida deteriorização social apenas aumentaram o tempo necessário de transição. Ainda como dissemos, o Estado hoje mantém artificialmente a sociedade do capital. Isso se expressa na seguinte mudança: antes, a luta era pela vigência da livre iniciativa, sem controle estatal, que deveria cuidar apenas do básico; agora, já desde o passado keynesiano, tornou-se natural o Estado ou o governo ter um plano econômico, um projeto de desenvolvimento etc. Tal necessidade de intervenção, mesmo se negativa, demonstra, em parte, a artificialidade do sistema e a necessidade de sua superação por uma economia planejada.
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APONTAMENTOS SOBRE PSICOLOGIA N‘O CAPITAL A grande obra de Marx de modo algum é economia pura – é ciência humana em sua totalidade. Em linguagem inferior, algo interdisciplinar. Quando necessário, ele comentou os aspectos psicológicos dos temas tratados. Já no começo de seu livro, compara o fato de um rei precisar vestir-se como rei para ser tratado e reconhecido como tal. Isso é, porém, um simples comentário na margem. Logo mais, Marx elabora sua famosa conclusão: o fazem, mas não o sabem. Nesta observação central, ele, de fato, funda a percepção de que há um inconsciente coletivo, social – não genético ou natural, diferente de como pensava Jung (diz de algo como natural é um modo como a pseudociência passa por verdadeira ciência, sem ter que provar). Por claro, tal inconsciente é, ao mesmo tempo, individual e por meio da ação do indivíduo. Algo socialmente objetivo, intersubjetivo e subjetivo. Ao tratar da cooperação simples no final da Idade Média, Marx reafirma que o homem é animal social, logo trabalha mais e melhor se o fizer em conjunto com outros. O simples reunir de trabalhadores autônomos aumenta a produtividade. Em outro ponto, ele afirma: no cotidiano, somente nos lembramos que a mercadoria é feita por meio do trabalho quando ela apresenta algum defeito, que nos remete à sua origem. Outro fator está na população. Marx demonstra que cada modo de vida tem sua própria lei da população. Mas vai além: os trabalhadores que estão em péssimo estado têm mais filhos do que a média. Isso é o natural mediado pelo social, como ele próprio se refere à lei da alta reprodução em espécies de curta vida. Há, ainda, mais verdade aí. Vamos a um exemplo. A macieira é feita para climas temperados, onde produz novas maças; mas, se colocada em climas tropicais, abundantes em luz e nutrientes, ela não produz, não se reproduz, ela escolhe seu autodesenvolvimento. É preciso forçá-la por meio de estresse duro como cortar-lhe a água regular, podá-la etc. O mesmo ocorre entre nós: a pobreza, o estresse, produz filhos e, ao contrário, a qualidade de vida reduz a prole. Este fato natural é mediado pelo social capitalista, que gera importante desemprego. A psicologia histórico-social e a psicologia evolutiva estão aí fundidas. Para deixar isso claro, vamos para dois exemplos similares: 1) 9, 10 meses após o impactante ataque das Torres Gêmeas nos EUA, a natalidade explodiu naquele país; 2) quando ficou claro que haveria uma II Guerra Mundial, a quantidade de gravidez explodiu na Europa – na mente dos casais, há qualquer tipo de racionalização que justifique isso, mas com uma causa de fundo, em geral, inconsciente.
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Marx demonstra que a realidade das coisas tal como são escondem suas origens. Por exemplo: o dinheiro inglês que financiou a indústria dos EUA tem sua origem no trabalho escravo de criança na Inglaterra, mas, no mesmo dinheiro transferido, tal origem está apagada. Também notamos que os atores sociais, o proletariado e a burguesia em destaque, levam a sério a aparência da realidade, agem de acordo com ela. Não parece que o valor, fonte do lucro, vem do trabalho gratuito, logo do mais-valor; aparece para ambos que foi pago pelo trabalho feito, integralmente, não a força de trabalho. Vale exemplo específico sobre o poder da aparência. Durante a pandemia do coronavírus, participei de um grupo de leitura d‘O Capital, mas, ao avançar da obra, muitos membros tinha dificuldade de ―sentir‖ as conclusões da obra; para alegria e alívio deles, outro membro transformava o livro I, focado na produção, em exemplos do comércio, deste setor – como concentração e centralização, mas comercial; tal alívio dos membros é o prender-se na aparência e no comercial tão comum entre os economistas. Por isso, Marx vai mais fundo do que qualquer outro na produção, que está além ou por detrás do comércio. No livro três, Marx já inicia afirmando que se aproximará da forma como os atores sociais veem a realidade. Nisso, ele avança para as categorias práticas, comuns, de aparência do real: preço, taxa de lucro, massa de lucro etc. Como personagem, o capitalista é apenas um representante do capital, a vontade do capital torna-se a vontade do patrão. Ele encarna a vontade de um processo, do capital mesmo. Então, o homem não tem de fato vontade própria, sua vontade é imposta socialmente e de maneira alienada. Ao querer enriquecer mais, o investidor está sendo manipulado pelo mundo das coisas, por uma vontade ou pulsão alheia como sua. Trata-se de uma forma de subjetivação da objetividade. Pode-se especular, então: as personalidades e seus distúrbios estão lastreados no dinheiro, no valor como capital. Enfim, Marx deixa bastante claro que a economia política clássica foi muito longe, mas não longe o bastante. Isso se dá pelo ponto de vista deles, ao lado da burguesia, que impedia objetivamente tais cientistas de alcançarem visões de fato profundas do atual sistema. A moderna ciência da mente reforça isso. Certo grau de estresse, ao menos sob o capitalismo, é necessário para a criatividade como a árvore dá flor e fruto quando se sente ameaçada. A vida dos militantes socialistas é sem rotina, com novidade constante, com desafios, com ameaças – por isso, também, o movimento comunista produziu tantos gênios.
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KEINESIANISMO E NACIONALISMO Assim como o capitalismo leva a focar no mercado, não na produção, também eleva a focar na nação, não no mundo. Assim, a política keinesiana de esquerda foca nos talentos nacionais, nos próprios trabalhadores e empresários contra o resto do mundo. Ora, se os governos de todo o mundo acordam certo dia iluminados e adotam a política de Keynes, e da MMT, logo, no limite, elas se anulam mutualmente, deixam de ter efeito, pois prosperam na desgraça alheia, na precarização da classe trabalhadora de outro país. Embora seu vigor internacionalista constante, Marx teve algo de nacional na sua grande obra, feita na ímpar Inglaterra. Aos marxistas, bastaram extrapolar ao mundo suas conclusões e atualizar sob suas bases. CONTRA O IDEALISMO Marx contrapõe um fato contra outro fato, não, em primeiro, uma ideia contra outra ideia. Aqui e ali, uma ideia contra os fatos. O primeiro movimento materialista ou anti-idealista está ao demonstrar que o valor deriva do trabalho abstrato, não da subjetividade, por convenção social, na comparação etc. O valor vem da mão, não do cérebro separado. A ilusão ocorre porque o preço pode estar acima ou abaixo do seu real valor, sensível até ao humor do comerciante. Logo em seguida, Marx revela que o valor, mais-valor, a mais-valia, o valor extra derivam das mãos operárias, não do cálculo mental de um burguês qualquer; na prática, na empiria, o patrão calcula, tentando adivinhar em certa medida, quanto ―a mais‖ deverá colocar de preço acima dos custos de produção – mas isso é aparência, não a verdade de essência. O mais-valor e o lucro surgem das mãos, não do cérebro administrador. Avancemos: o burguês investe aonde a taxa de lucro é maior, independente de seus talentos, vocações, inclinações, formação etc. No mais, o valor extra do comerciante faz parecer que o burguês comercial coloca um dado preço extra na mercadoria comprada para revendê-la; mas, na verdade, o industrial lhe passou a mercadoria abaixo de seu valor real. O padrão ouro impôs-se independente da vontade do rei, do governante – e o dinheiro impôs-se de modo inconsciente à sociedade, não foi uma criação artificial. A economia vulgar do MMT diz que o governo tem liberdade de impor qualquer taxa de juros do tipo curta; o engano se dá porque de fato o governo tem margem de manobra, mas não vê a essência, que certo caminho para os juros domina, inconscientemente, a mentalidade do banco central, inescapável; os juros são, assim, endógenos, impostos pelos ciclos industriais e econômicos. A assim chamada, pelos burgueses, acumulação primitiva foi afirmada de modo mitológico com alguns espertos poupando e enriquecendo enquanto outros gastavam e festejavam, o que teria gerado a desigualdade humana no capitalismo… Marx demonstra a crueza materialista da acumulação
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inicial, ou seja, o capital se impôs com genocídio, escravidão, roubo de terras, perseguição etc. Não pelo perfil diferente dos homens, uns sábios e acumuladores e outros gastadores. VALOR E VALOR ARTÍSTICO Como se sabe, o preço é manifestação incerta do valor, e este é fruto do trabalho manual humano abstrato voltado à produção de mercadorias. A mercadoria que tem em si mais trabalho, para sua produção, tem, assim, também, mais valor econômico em si – se segue, pelo menos, a média social do tempo de sua criação. Mas o que dizer do valor artístico? De minha pesquisa, percebi que o valor artístico, embora não empírico, depende de dois fatores: 1) trabalho, esforço de criação (incluso a formação do próprio artista); 2) criatividade – esforço criativo subconsciente. É uma interessante descoberta perceber que os dois valores, o econômico e da arte, vem, ambos, do trabalho. No caso do valor da arte o 3) a quanto tempo foi criado e 4) o material usado também influenciam, mesmo que indiretamente, sua valorização. Um quadro todo pintado de preto tem um valor artístico nulo ou quase nulo, um, por assim dizer, zero positivo, enquanto a Mona Lisa de Da Vice tem enorme valor de arte por seu esforço, direto e indireto, condensado na obra, além do tempo de existência. Não é possível quantificar isso, o valor artístico, nem sequer é necessário quantificar tudo, mas de imediato percebemos as diferenças, embora sem saber traduzir, já que sem teoria, em palavras. O erro dos economistas vulgares é pensar que o valor econômico vem da oferta e demanda: se a demanda está alta, por exemplo, os preços sobem; se a demanda está baixa, relativo à oferta, os preços caem. Isso é apenas como a realidade deforma a realidade essencial: se demanda e oferta se igualam, se anulam, o que explicaria, então, o valor das mercadorias? Ora, o valor, que é e não é preço, deriva do trabalho. Por analogia, o pensamento vulgar pensa que o valor da arte vem da necessidade do artista e do público – de fato, a necessidade é importante como importa a necessidade de uma mercadoria qualquer satisfazer o homem, um desejo. Mas uma obra de arte tem valor em si, dentro de si, na sua formação, não por julgamento de público, não pela bilheteria. A necessidade de uma arte é apenas demanda ou oferta; seu valor artístico deriva, principalmente, do esforço humano criativo, inspiração e transpiração. O valor artístico, como o valor econômico, também pode se expressar no preço – mas porcamente. Uma péssima obra de arte, que sequer arte deve ser, pode ter um preço elevadíssimo enquanto o verdadeiro artista morre de fome. A falsa arte – que tem nenhum ou pouco esforço real – produz, assim, uma forma de capital fictício, além de servir frequentemente para lavar dinheiro…
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Não queremos, com isso, dizer que todo valor ou toda valoração, como a moral, são frutos do esforço humano, do trabalho – isso teria de ser provado, demonstrado. O central aqui, o bom susto, foi perceber a irmandade entre valor e valor da arte. A força das teorias estéticas de Aristóteles, Kant, Hegel, Lukács etc. é que foram produzidas por gênios; mas suas fraquezas são o fato de que eles não faziam arte, não eram artistas, às vezes nem sequer artísticos. Em geral, costuma-se romantizar o fazer artístico por algo como explosão imaginativa, puríssima iluminação. Há exagero aí. Escrever, fazer, um poema é difícil, exige dedicação. A inspiração é matéria-prima, para ser ou estar trabalhada – ou não. Temo, então, o valor artístico, fruto do trabalho de fundar o conteúdo pela fusão de forma e matéria. Temos, ademais, o valor artístico médio, que inclui o tempo da obra, os materiais usados etc. E o valor como preço, uma deformação necessárias no aspecto mercantil. Quanto aos demais valores, boa parte deles vem não do trabalho exigido, mas também do trabalho que economizam (pois o Ser é energia em busca de mais energia). Mesmo assim, exigirá um trabalho específico para tratar dos valores para além dos valores econômicos. DEPARTAMENTOS DE PRODUÇÃO No livro II, Marx conclui com os dois departamentos, no movimento global: o I, produção de meios de produção (máquinas, matérias-primas etc.); o 2, produção de meios de consumo. Rosa inclui o 3, produção de meios de destruição (armas, bombas etc.). A desproporção dos setores leva, no externo, às crises. Dito isso, vejamos possíveis contribuições. O departamento 2, produção de meios de consumo, divide-se na produção de mercadorias comuns e produção de luxo. Pois bem; primeira conclusão, produtos de luxo costumam caminhar para tornarem-se produtos de consumo popular, com maior mercado. Os temperos que hoje desperdiçamos foram antes a causa de guerras e consumo entre os ricos, os celulares em todas as mãos já foram produtos de luxo. No departamento 2, no consumo comum, podemos dividir a produção e as mercadorias em tipo 1, de primeira necessidade, e tipo 2, de segunda necessidade, estes últimos comumente mais tecnológicos e menos vitais, mais culturais até. Os de tipo 2 deixam de ser consumidos assim que há crise e desemprego ou importante inflação – logo, são mais sujeitos às quebras econômicas, e costumam ser a ponta de lança, além de tecnologia de ponta, nas fases de recuos. No departamento 1, tempos o tipo 1, produção de matéria-prima, e tipo 2, produção de máquinas. Este segundo tende a quebrar antes nas crises econômicas, um dos sinais de crise é a recuo da compra de máquinas, muito mais do que de insumos. Também em caso de inflação, das matérias-primas, tende-se a reduzir a consumo das mercadorias de tipo 2 do departamento 1.
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A divisão apresentada foca no valor, não no – e sobre o – valor de uso do tipo ―duráveis e não duráveis‖, que esconde parte da dinâmica. Por outro lado, a economia real mais geral pode ser dividida, em sua unidade em movimento (transportes), energia, tempo (máquinas, redutoras de tempo etc.), espaço (renda da terra, construção etc.) e matéria (massa). Há incluso, luta de classes por tais elementos, como por espaço, energia, matéria-água etc. CAOS E ORDEM, CAPITALISMO E SOCIALISMO Em nossa dialética, o caos não tem lei alguma, mas tem a lei de passar para a ordem. Assim, o capitalismo é irracional, mas suas leis de desenvolvimento são suas leis de passagem para o socialismo. A tendência de queda da taxa de lucro, a acumulação, a concentração e centralização de capitais, a redução tendencial do número de operários etc. são o caminho do caos para a ordem, a lei do sem lei. Entre outras determinações, a obra O capital é uma exposição de como o capitalismo tende a ser socialismo, do caos relativo para a ordem relativa. RELACIONALISMO E SUBSTANCIALISMO N‘O CAPITAL Em outros momentos desta obra, explicamos como o bom marxismo supera a oposição entre relacionalismo e substancialismo, ambos unilaterais. Lógico que há relações, que não são coisa, e que há substância, mas é comum uma ―terceira resposta‖ nos objetos de estudo mais complexos. Nesse sentido, vejamos um erro imenso de Rubin. Para ele, o trabalho abstrato não é trabalho, substancial, mas relação feita na troca, algo sociológico. Assim, o trabalho só se torna abstrato no comércio, pois é aí que os trabalhos concretos são igualados, possuem valor (ver-se outra oposição do tipo; ora, o valor surge apenas na produção, mas se revela e só se realiza apenas na circulação, ambos baseiam o valor). Como se fosse nada, Rubin se vê forçado a citar trechos onde Marx associa trabalho abstrato com atividade de trabalho: ―Se prescindirmos do caráter concreto da atividade produtiva, e portanto da utilidade do trabalho, o que permanece dele em pé? Permanece simplesmente, o ser um dispêndio de força de trabalho humana. O trabalho do alfaiate e do tecelão, ainda que representem atividades produtivas qualitativamente distintas, tem em comum o ser um dispêndio produtivo de cérebro humano, de músculos, nervos, braços etc.., portanto, neste sentido, são ambos trabalho humano‖ (C., I p. 11). (…) ―Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força de trabalho humana sob uma forma especial e voltada a uma finalidade e, como tal, como trabalho concreto e útil, produz valores de uso‖ (C., I, pp. 13-14). (Marx apud Rubin, 1987, p. 150)
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Mas, no lugar de ir para frente, aceitar as palavras de Marx, Rubin vai para o lado como um caranguejo. Ele não vê que o uso da força de trabalho, que é natural, ainda que socialmente modificada ou desenvolvida, faz, com o trabalho, a mediação do social e do natural. Ele coloca uma parede entre o social e o natural neste aspecto: De duas coisas, uma é possível: se o trabalho abstrato é um dispêndio de energia humana em forma fisiológica, então o valor possui também um caráter material reificado; ou então, o valor é um fenômeno social, e o trabalho abstrato deve ser entendido também como um fenômeno social, relacionado a uma determinada forma social de produção. (Idem, p. 151)
Então, cai na oposição não dialética ou-ou, ou isto ou aquilo, como se não houvesse um ―terceiro excluído‖ a incluir. Ele salta do natural ao social, sem mediação. É curioso como Rubin se vê forçado a citar Marx contra ele mesmo, mas ainda insiste no relacionalismo puro. Diz o fundador do marxismo, afirmando que o trabalho abstrato existiu por eras, mas a diferença atual é que se consolidou, contra o argumento ―historicista‖, como algo apenas de nosso tempo: ―(… )Assim, a abstração mais simples, que a Economia moderna situa em primeiro lugar e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, só aparece, no entanto, nesta abstração praticamente verdadeira como categoria da sociedade moderna‖ (Marx apud. idem p. 161)
Rubin finge que não vê, diz que não foi nada – e leva mais socos. Vamos agora à demonstração de que Marx, de modo implícito, não explícito, ainda que com passos tortos, evita cair no relacionalismo ou no substancialismo, neste caso abarcando ambos. Vejamos a nota de rodapé produzida pelo autor criticado: Na primeira edição alemã de O Capital, Marx resumiu a diferença entre o trabalho concreto e o abstrato da seguinte maneira ―segue-se do que dissemos que uma mercadoria não possui duas formas diferentes de trabalho, mas um único e mesmo trabalho é definido de maneiras diferentes e mesmo opostas, conforme esteja relacionado ao valor de uso das mercadorias como seu produto, ou ao valor mercantil como sua expressão material‖ (Kapital, I, 1867, p. 13; grifos de Marx). O valor não é produto do trabalho, mas uma expressão material, fetiche, da atividade laboriosa das pessoas. Infelizmente, na segunda edição Marx substituiu este resumo que destaca o caráter social do trabalho social pela bem conhecida sentença conclusiva da Parte 2 do
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Capítulo I, que deu a muitos comentadores uma base para compreender o trabalho abstrato num sentido fisiológico: ―todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força humana de trabalho no sentido fisiológico‖ (C., I, p. 13). Parece que o próprio Marx percebeu a inexatidão da caracterização preliminar de trabalho abstrato que dera na segunda edição de O Capital. Prova notável disso é o fato de que na edição francesa do Livro I de O Capital (1875), Marx achou necessário completar essa caracterização: aqui, na página 18, Marx deu simultaneamente ambas definições de trabalho abstrato…‖ (Idem, p. 163)
Assim, ele quase percebe o que está diante de seu nariz, mas recua – nem relacionalismo nem substancialismo. Rubin diz que até o valor é relacional, algo da troca. Não uniu produção (substância) e mercado (relação), tornou-se unilateral. Além disso, o trabalho social é trabalho também individual como necessidade natural do homem, algo desconsiderado por Rubin. Não é suficiente ter olhos para ver – aceitar dói mais. Toda a genialidade de Rubin sucumbe ao adotar premissas, como a sociológica e a relacionalista, no lugar de criticar-se desde o objeto. O abstrato é o concreto em processo – o trabalho abstrato é o trabalho concreto em processo, ou seja, no tempo (processo) e como gasto de energia de trabalho (processo). Hegel afirma na sua Lógica: aquilo que está na causa continua-se, transfere-se, na consequência. Ele cita a água da chuva que passa para o chão agora molhado, ambos com água. Assim, o trabalho abstrato, a energia de trabalho, passa para a mercadoria como valor. O trabalho abstrato, como gasto e transferência de energia humana (abstrato), é causa do valor. Rubin conclui suas observações citando Marx, quando este afirma que se todas as empresas aumentassem a intensidade do trabalho ao mesmo tempo e da mesma forma, nada mudaria, o valor expresso em dinheiro nas mercadorias seria o mesmo, nem mais nem menos. Ora, isso não acontece, pois a regra e a realidade é alguma empresa ou setor aumentando a intensidade por si, de modo desigual em relação a outras empresas e setores. O tempo de trabalho socialmente necessário como medida do valor é impreciso, imperfeito, inexato; pois o valor não vem do tempo, vem da energia, incluso cerebral, do homem. Assim, Marx afirma na sua grande obra algo do tipo: 12 horas de trabalho produz X valor, mas se aumentamos a intensidade do trabalho, no mesmo tempo, a quantidade de mercadorias produzidas será maior e a quantidade de valor também será maior, não alterando o preço individual do produto nesse nível de abstração. Se o operário leva 2 minutos para produzir dada mercadoria, mas, por maior velocidade da mesma máquina, produzir em apenas 1 minuto o mesmo produto, logo a quantidade de valor é igual, antes e depois, pois antes, em 2 minutos, e agora, em 1 minuto, são gastos a mesma quantidade de energia humana.
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Os trabalhos privados de fato se igualam no comércio, na circulação, mas porque, ao mesmo tempo, se igualam como trabalho abstrato, gasto de energia, de fato na produção. A superação do substancionalismo e relacionalismo puros pede passagem. Dizer que a igualação é algo do mercado é cair no erro de Aristóteles, criticado por Marx jpa no início de sua grande obra, de considerar que não há igualdade real, apenas existe o artifício de igualação para fins práticos. Marxismo não é relacionalismo! Hegel, fundador da moderna dialética, inspirou Marx ao dizer que, primeiro, há, no fundo, a substância e, segundo, ela – esta substância – expressa a si mesma nos seus ―acidentes‖, que estão, no externo, em interação livre, solta, (o mercado!) como se não houvesse o lado de ―dentro‖, digamos assim, o substancial. Assim, Hegel funde, na diferença, substância e relação, substancialismo e relacionalismo. Eis uma das bases ―literárias‖ dos primeiros capítulos d‘O Capital, em especial o primeiro. A verdade está em um terceiro, o excluído incluído. A PULSÃO DE CRESCIMENTO DO SOCIALISMO Na busca por lucro, o capital teve pulsão incontrolável e inconsciente, não decidida por ninguém, como lei cega, de expandir-se cada vez mais, de superar todas as fronteiras até que o mundo, por ser redondo, fosse todo preenchido consigo. Isso se mostrou como luta entre concorrentes, entre capitalistas, e busca do dinheiro por mais dinheiro. Ora, se o socialismo não for, no futuro próximo, algo contingente, ele teria de, necessariamente, tender – não deterministicamente – a expandir-se, tender a ser total, à superação do capitalismo em todo o globo terrestre. Do contrário, ele seria muito mais ideia no geral irrealizável do que matéria pronta para surgir no real. Em primeiro lugar, o socialismo é uma decisão consciente, a afirmação da racionalidade humana. Por isso, de modo algum virá naturalmente e precisa no mínimo um partido com projeto de poder de fato livre e igualitário. Em segundo, a própria revolução em um país, de imediato, serve de exemplo para outros povos. O exemplo é sempre contagiante, vitória estimula vitória. Em terceiro, as revoluções exigem, infelizmente, guerra civil, e isso significa destruição, além disso, quebra das relações comerciais internacionais. A revolução é, então, uma forma de crise econômica se ela acontece em algum país central. Em quarto, mas de modo algum abaixo na hierarquia, o socialismo somente pode vir se o capitalismo torna-se incapaz de oferecer reformas, de melhorar a qualidade de vida da maioria. Ou ele cumpre uma função civilizacional, mesmo se contraditória, ou merecerá cair, ser superado. A revolução impõe uma nova era de reformas.
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Em quinto, o socialismo, com seu planejamento democrático e central, com a concentração de recursos no Estado operário, poderá, por saltos, elevar a produtividade, respeitando o meio ambiente, o que o fará vencer a concorrência internacional, além de oferecer produtos de alta qualidade (resistência etc.), fazendo definhar a economia capitalista de outras nações. Em sexto, empresas internacionais, se o socialismo vence num país imperialista, serão estatizadas e colocadas sob gestão de democracia direta, operária, tanto dentro do país revolucionado quanto nas filiais da empresa em outras nações. Em sétimo, um Estado operário atua para colocar a classe trabalhadora na ofensiva. A pulsão do capital de expandir-se encarnou-se na personagem do patrão, do capitalista, que tomou a vontade do valor em busca de valorização como vontade sua, como pulsão sua como alguém possuído por um demônio, Mamón. Assim, por outro lado, a classe trabalhadora encarnará, vencendo ou não, se ganhar consciência disso, a pulsão do capital de deixar de ser capital, de haver condições maduras e a necessidade do socialismo. Dirá Hegel: liberdade é, também, reconhecer a necessidade. O primitivismo, o comunismo da miséria ou da escassez, impulsionava tal modo de vida por meio da reprodução da tribo-família, que se dividia em dois novos grupos quando crescia a si mesma até um ponto limite. O escravismo ampliava-se porque a guerra contra outros povos além das suas fronteiras era necessária para ter novos escravos, mais escravizados e mais terras para exploração rumo ao enriquecimento maior. Possivelmente o mais fraco em autoexpansão por seu ruralismo fixo, o feudalismo tinha por hábito passar a coroa ou o feudo para o filho primogênito, levando os demais filhos a, entre outros caminhos, ampliar o domínio feudalista sobre novos territórios sob justificativa da ampliação do domínio da Igreja. O PONTO DE IRREVERSIBILIDADE DO SOCIALISMO EM CAPITALISMO Lukács, em sua obra de Ontologia, afirma a irreversibilidade dos processos, como o feudalismo dando o lugar ao capitalismo na França sem ponto de retorno, ou da URSS não retornar ao capital. A história parece refutá-lo desde a queda do muro de Berlim. Podemos dizer, então que a parte muda de fato apenas se o todo também e necessariamente estiver maduro como deve, como o mercado mundial no final do século XVIII. Uma cadeira, uma parte ou coisa, pode sair do lugar e depois reverter ao análogo ao passado, retornar para mesma posição, enquanto a tempo humano simplesmente passou para frente, irreversível. Em primeiro lugar, o Estado radicalmente democrático do socialismo impede medidas de retorno pleno ao capital, boicota e reprime tais medidas. Assim foi o começo do capitalismo, a dominação formal era, por exemplo, até o século XVIII, obrigar toda a ―ralé‖ a trabalhar de
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modo humilhante; em seguida, diz Marx, uma lei como se natural regulava o trabalho, uma dominação real, mais que formal ou externa, que disciplina o trabalhador com medo do chicote invisível da ameaça de fome e desemprego. Mas temos, aqui, de abstrair o Estado, pois o sistema socialista deve se sustentar sob seus próprios pés, ao menos após alguns anos ou décadas. Um curioso leigo pergunta se ele terá liberdade de criar uma grande empresa no socialismo se ele bem quiser; respondemos que hoje é impossível criar feudos medievais por conta realidade que impede de todo. Como, portanto, o socialismo impede ―naturalmente‖ a grande propriedade privada? Em segundo lugar, a jornada de trabalho será baixíssima já no começo do novo sistema, reduzida ao mínimo. Assim, um operário não aceitará trabalhar para um empresário se ganhará mal e trabalhará mais do que deve. No socialismo, desemprego é proibido. Um dos defeitos do ―socialismo real‖, uma das causas centrais do ponto de retorno ao capital, era que o trabalho não se tornava quantitativamente e qualitativamente diferente do trabalho sob o capitalismo. Em terceiro, impossível concorrer com um Estado, ou seja, com uma sociedade que controla o Estado, e se este se organiza como uma enorme empresa unificada e planejada, tendo em suas mãos, com democracia operária dentro das fábricas, o grosso dos meios econômicos. Em quarto, o dinheiro, a partir de certo ponto, deixará de existir. Em quinto, as fábricas e os produtos modernos exigem hoje e cada vez mais enorme investimento em todos os aspectos, como pesquisa e sua fundação. O custo de construir colossais meios dá ao Estado – repetimos, gerido pelos cidadãos – uma vantagem larga. Em sexto, a revolução opera mudanças culturais como uma visão correta e crítica do passado. Parece-me que o segundo aspecto é o mais importante e vital, intimamente ligado à, sétimo, automação-robotização-digitalização generalizada no socialismo avançado, imponto tempo livre, abundância e novas relações de produção-sociais. Além disso, a revolução mundial, ao mudar a totalidade, ao menos os países centrais, porá o ponto de não retorno, junto com a necessária democracia real do socialismo (há que lembrar que um regime Estado existe por uma composição social que exige tal regime, além de certa inércia, logo a democracia socialista não existirá por mera decisão e acordo, mas por uma base real que a exige, como desemprego inexistente e jornada de trabalho baixíssima). Em nossa época, nos primeiros anos, um país de transição socialismo pode mesmo retornar ao capitalismo ou ir à barbárie, embora improváveis. Na URSS, em especial, vale destacar que se desenvolvia um conteúdo material capitalista, fábricas com certa tecnologia, certo nível técnico próprio ao capital, e tentava-se, em contradição,
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impor uma forma socialista, ainda que parcial. Uma contradição conteúdo-forma – e todo contraditório tem de se revolver, avançando, senão definha. CONTRADIÇÃO INTERNO-EXTERNO No Livro 3 d‘O Capital, Marx diz, ao tratar das diferentes formas de capital, de suas autonomias externas, até independência externa, junto, dentro, da unidade interna que são, apenas um. Isso é uma contradição movente, isso produz contradição. Por exemplo, a desproporção de desenvolvimento entre o departamento I da economia, produção de meios de produção e de matérias-primas, e o departamento II, produção de meios de consumo, gerando crise. Apesar do caráter autônomo que possui, o movimento do capital mercantil nada mais é que o movimento do capital industrial na esfera da circulação. Mas em virtude dessa autonomia, o capital mercantil move-se até certo ponto sem depender dos limites do processo de reprodução e por isso leva este a transpor seus limites. A dependência interna e a autonomia externa fazem o capital mercantil chegar a um ponto em que surge uma crise para restaurar a coesão anterior. (Marx, O capital 3, 2008, p. 407)
A tarefa é resolver tal limite de modo que a unidade interna dos capitais torne-se tão também externa tanto quanto possível. Isso é encaminhado pela concentração e centralização de capitais, pelo monopólio moderno, pela fusão dos capitais financeiros, industriais e comerciais, pela aglutinação de valores de uso, pela crise que destrói o capital em excesso etc. O auge, solução, é a economia como uma única grande empresa unificada e centralmente-democraticamente planejada do socialismo. A integração das coisas, como com a internet, mesmo que fragmente os homens, tornar-se condição para a plena integração dos mesmos homens e das mesmas coisas. CONQUISTA DO COSMOS Moreno, ao constatar o esgotamento dos recursos naturais e energéticos do nosso planeta, lança o desafio da conquista do espaço sideral. Ora, tal vitória exigirá fruto de um altíssimo desenvolvimento das forças produtivas, logo necessariamente a superação do capitalismo, a fundação do socialismo. Apenas torna-se ou consolida-se uma civilização do tipo 1 se avança para a liberdade igualitária. O desenvolvimento das forças produtivas, ou sua necessidade, impõe tal tarefa superior. Assim, se houvessem outras humanidades em outros planetas, também deveriam avançar para uma civilidade real, substantiva, tal como nós deveremos em pouco
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tempo, logo ali na escala histórica. Se se quer a conquista de fato, organizada e otimizada, do cosmos, tem-se que construir o socialismo. Assim, impossível, ao contrário do que pensam alguns, haver civilizações interplanetárias, mas bárbaras (dividida em classes, dominação do homem sobre o homem etc.) – claro, se houvessem os improváveis outros seres conscientes e avançados em outros mundos. Romper a atmosfera exige romper com a propriedade privada, com a existência de classes sociais, o Estado e a família monogâmica. O NÃO CRESCIMENTO DA ECONOMIA Intelectuais limitados como David Harvey e bons economistas como Eleutério Prado dizem da necessidade de não crescimento da indústria ou do PIB como saída social e ambiental. O socialismo resolve isso diminuindo a quantidade de empresas por aglutinação de produtos num só suporte, altíssima resistência dos produtos, reciclagem e reutilização de quase tudo que hoje é descartado, obrigação de custos ambientais nas empresas, transporte público autônomo e de qualidade, novas formas de captação de energia. Ademais, a sociedade socialista diminui muito a demanda por remédios etc. ao, por exemplo, elevar a saúde mental e corporal. A redução relativa do número de fábricas, contra o produtivismo, estará acompanhada de elevação da qualidade de vida. A ESFERA COISAL Lukács afirmou que nem a psicologia nem o lado coisal seriam esferas ontológicas próprias. Em acordo com ele, penso que a o mundo das coisas é, ao menos, um colateral, uma falsa modalidade de ser – um é que, ao mesmo tempo, não é. Quando Marx diz em sua grande obra que uma relação entre homens mostra-se como uma relação entre coisas, não trata de apenas um engano; na verdade, as coisas impõe uma lógica de si, uma relação entre elas mesmas tendo o homem como o suporte. O máximo desenvolvimento do ser inorgânico levou ao ser orgânico, ao biológico; o máximo desenvolvimento deste último levou ao ser social, o homem humano; o auge do desenvolvimento deste, o capitalismo, levou ao ser coisal. O anterior é sempre base e suporte do próximo, como na relação homem-coisa em nosso atual modo de vida. A esfera coisal, seu poder, inclui coisificar o homem. Como diz Marx, há humanização das coisas e, em relação direta, coisificação dos homens; a máquina é o sujeito enquanto o homem é um objeto, uma ferramenta de carne daquela. Assim como o homem, em seu desenvolvimento, humaniza a natureza, que veio antes e de onde veio, a coisa, em seu desenvolvimento, coisifica o homem, que veio antes e de onde veio.
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O ser coisal consolida-se com a imitação de movimentos humanos na produção, substituindo braços e cérebros. Mas não para aí: a robótica visa imitar a sensibilidade do homem, até mesmo superá-la. Em nosso tempo, temos vírus de computador que se multiplica, como um ser vivo, e recentemente criamos robôs com a pulsão, a programação, de multiplicar-se a si próprios. A concorrência capitalista, que é uma lei cega imposta pelas coisas tal como estão, leva a que surjam várias tentativas de produzir a melhor inteligência artificial – poderá surgir uma inteligência similar à humana, mas sem emoção? A integração das coisas tem vindo acompanhada do isolamento dos homens. Tal integração é condição da integração humana no socialismo, mas não condição absoluta – é, hoje, uma aposta social. O dinheiro é a coisa central, a Coisa das coisas; o valor é a alma objetiva delas, um verbo que se quer fazer carne. Segundo Carcanholo, o valor era apenas um adjetivo da coisa, do objeto, do produto como mercadoria; para ele, tornou-se, como capital, um adjetivo substantivado 171. Complementamos: tornou-se, depois, substantivo concreto, com a maquinaria e suas consequências humana e coisais, para tender a ir ao substantivo abstrato e, por outro lado, ao mesmo tempo, verbo que se faz carne (isto se relaciona com as quatro eras do capital: a era do capital mercantil, a era do capital industrial, a era do capital financeiro e a era do capital fictício). Com o devido jogo de palavras, o valor é um sujeito oculto, que exige teoria por detrás do preço, e um sujeito indeterminado, sem determinações. Como o espaço-matéria e energia-massa; o valor é um sujeito simples que se torna sujeito composto, valor e capital, valor-capital, que podem, como vimos, entrar em contradição. A esfera coisal tem sua grande história já no início do ser social, como ferramenta e produto. Marx diz que temos a coisa, o objeto, mas, por outro lado, a coisa nos tem – isto é ontológico. Relacionamo-nos pessoalmente com as coisas, nós as afetamos assim como elas nos afetam. Hoje, elas ganham poesia, estética, enquanto nosso mundo perde arte. O mundo das coisas, embora misturado conosco, opõe-se ao mundo dos homens. O valor, o capital, o coisal faz de nós um meio, encarnações e representantes deles. A relação homem-objeto, hoje, apresenta-se assim: 1) Humanização das coisas na proporção da coisificação dos homens; 2) Valorização das coisas na proporção da desvalorização dos homens; 3) Integração das coisas na proporção da fragmentação dos homens;
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Como o adjetivo “plástico” realizou, no grande desenvolvimento das coisas, sua substantivação por meio do material chamado “plástico”, com variadas possibilidades de uso, derivado do petróleo.
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4) Ganho de características das coisas na proporção da unilateralização dos homens; 5) Ganho de cognição das coisas na proporção da perda cognitiva dos homens (exemplo: a tecnologia que pode facilitar o ganho de cultura está tornando desnecessário ao capital o trabalho qualificado e especializado com consequências como o menor investimento em educação real); 6) Ganho de ativação das coisas na proporção da passivação dos homens; 7) Harmonização entre as coisas na propoção do aumento de contradição entre os homens; 8) Poetização, estetização, das coisas na proporção da brutalização dos homens. Apenas o último é relativo, pois o desenvolvimento da sociedade exige, em parte, um ser humana mais rico, mais complexo. Veja-se que os homens usavam roupas iguais e repetitivas, mas agora lidam com a moda. Quase exceção do próprio Marx (Capital I, como falsificação de charutos e pães, e Capital II) e de Mèszáros (taxa de utilização decrescente do valor de uso por causa da unidade contraditória com o valor), os marxistas deixaram nas mãos dos economistas vulgares o tema do valor de uso, do objeto. Usam a seguinte frase de Marx, num de seus textos preparatórios: a economia política centra-se no valor, não no valor de uso. Ora, Marx faz tanto uma economia política nova, no sentido positivo, quanto uma crítica da economia política, no sentido negativo. Por isso, abarca o valor e o valor de uso. A verdade está na totalidade, no todo. Vejamos o que ele diz pouco antes de morrer: ―…que, portanto, para mim, o valor de uso exerce um papel importante e completamente diverso daquele exercido na economia até agora.‖ (Marx, Últimos escritos econômicos, 2020, p. 60) E: ―Com isso, o valor de uso – como valor de uso ―mercadoria‖ – possui, por si mesmo, um caráter histórico-específico.‖ (Idem, p. 61) Bela passagem contra quem considera o valor de uso como apenas natural e ahistórico. Nesta obra, vimos que as mudanças no valor de uso afetam não só o valor, assim como aquele é afeado por este, como também afetam até a psique dos homens e mulheres neste modo de vida. Os objetos não são neutros. O dinheiro é típico do capital e do capitalismo, incompatível com o socialismo. O mero microfone, usado por líderes autoritários, é condição para a vida socialista com suas assembleias de bairros e fábricas. Ademais, temos a concepção correta da lei geral da história humana ―produtividade crescente‖, mas ela é apenas quantitativa. Temos ainda a produtividade qualitativa. Quando o socialismo cumprir, em poucos anos ou décadas, todas as necessidades humanas em quantidade, com a ajuda de mudanças qualitativas, terá ainda mais condições de garantir maior qualidade aos objetos. A alienação, em resumo, apresenta-se assim:
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O sujeito é o objeto O objeto é o sujeito De tal modo: o sujeito é o sujeito por seus predicados – o objeto é o objeto por seus predicados. A verdadeira unidade-identidade de sujeito e objeto, sem alienação, estará posta como tarefa socialista. HÁ UMA TEORIA DA HISTÓRIA EM MARX? Há, sim. Para muitos marxistas, a famosa introdução de Marx sobre a contradição entre forças produtivas e relações de produção é insuficiente para explicar que há, ou deriva-se, uma teoria da história marxista. A comparação de nossa crise sistêmica com as anteriores demonstra que há, de fato, lei gerais da história, junto com as leis particulares de cada sistema. Os marxistas acadêmicos têm a mania de reduzir Marx, diminuir seu papel, que é geral, como na negação da dialética e de sua visão de mundo. Assim, tratam suas ideias como se dele fosse. Deixemos o barbudo falar por si: É supérfluo acrescentar que os homens não são livres para escolher suas forças produtivas – que são a base de toda a sua história – pois toda força produtiva é uma força adquirida, o produto de uma atividade anterior. As forças produtivas são, portanto, o resultado da energia humana prática; mas essa energia é, em si, condicionada pelas circunstâncias nas quais os homens se encontram, pelas forças produtivas já conquistadas, pela forma social que existe antes deles, que eles não criam, que é produto da geração anterior. Devido a este fato simples, de que cada geração sucessiva se vê na posse de forças produtivas conquistadas pela geração anterior, que lhe servem de matéria-prima para a nova produção, surge uma INTERCONEXÃO na história humana, do homem, e portanto suas relações sociais, são ampliadas. Daí decorre, necessariamente: a história social dos homens é sempre apenas a história do seu desenvolvimento individual, estejam eles conscientes disso ou não. Suas relações materiais são a base de todas as suas relações. Essas relações materiais são apenas a forma necessária na qual sua atividade material e individual é realizada. (Marx apud Mászàros, Teoria da alienação em Marx, Boitempo, p. 226; destaque meu)
Lukács resumiu as tendências, leis, gerais da humanidade: 1) tendência ao afastamento das barreiras naturais; 2) tendência ao aumento da produtividade e 3) tendência à unificação global como espécie. Isso está correto, logo deve ser aceito como tal. Nenhum outro animal tem tais características, apenas o ser de fato social, sequer se combinados.
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Isso tem consequências. O homem é cada vez mais social, mais individual e com mais alternativas reais – tende a ser cada vez mais livre. O império absoluto do coletivo não é marxismo, pois a individualidade – como a intimidade – é uma poderosa conquista da civilização. Por que Marx não fez uma obra sobre? Ele era um pesquisador responsável, não pesquisava o que queria, mas o necessário. A obra O Capital exigiu quase tudo de si. Cabe, portanto, aos marxistas desenvolverem o marxismo como temas sobre moral e essência humana. Há que destacar: a história vai do primitivismo para escravismo, para feudalismo, para capitalismo, para socialismo. Isso no todo, não nas partes. O todo pode fazer uma parte saltar do modo de produção asiático para, sem passar pelo feudalismo, o capitalismo, por exemplo. Além disso, a forma como o capitalismo se desenvolverá, tomando o típico de Marx, tem um ―o que‖ acontecerá, ir ao capital, mas ―o como‖ pode ocorrer de várias formas e maneiras. O fato de por exemplo, Marx não ter criado uma psicologia não significa que não pode existir psicologia marxista. REDUÇÃO DE MARX Tenta-se colocar Marx numa caixa, em especial na reformista e na acadêmica. Assim, Marx não teria uma teoria da história, mesmo se por derivação, pois não escreveu de modo direto sobre. Não teria uma cosmologia, mesmo o universo tendo e sendo história, pois seu foco era o mundo social. Não haveria metafísica e ontologia, pois o trabalho está em crise. Não haveria dialética marxista, pois não há tratado dele sobre. Não haveria filosofia, pois devemos focar no Marx maduro, supostamente apenas científico. Não haveria economia marxista, pois Max teria feito apenas crítica negativa da ciência particular. Então, livro III de O Capital seria evitado, pois tem a ideia perigosa de que as crises são inevitáveis, pois tem a ideia ainda mais perigosa de que a queda da taxa de lucro aponta o fim inevitável do sistema capitalista, pois seria um manuscrito, pois teria intervenções de Engels. Depois, bastaria ler o livro I, da mais-valia e da luta de classes, contra o maçante e frio livro II. Reduzir, reduzir, reduzir… Assim, evita-se a revolução completa do pensamento iniciado pelo mouro. Há um antes e depois de Marx. O MARXISMO EXTERNO Imagninemos se Marx tivesse morrido logo após lançar o manisfesto; portanto, sua tradição existiria. Mas imaginemos que ninguém descobrisse a teoria do mais-valor, pois algo difícil e para poucos. Pois bem: mesmo assim, saberíamos, de modo externo, da crise do sistema – pela lógica material, não do valor. Preceberíamos, nas últimas décadas, a tendência da queda da taxa de lucro até zero por cento em nossos tempo. Veríamos a substituição, até o extremo, de trabalhadores
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por máquinas – a conta não fecha, pois derruba o consumo e aumenta a oferta. Veríamos a desmedida do dinheiro fácil de criar. Enfim, o produto necessário do trbalhor individual seria regular, mas o produto total à classe necessário seria reduzido; depois o produto geral para aspectos físicos e objetivos da produção cresceria no conjunto; e o mais-produto, que esconde o mais-trbalho e o mais-valor, cresceria de modo anormal. A quantidade enome crônica de valores de uso levaratria à noção de superprodução crônica de produtos e meios. Por fim, a desmaterialização das mercadorias, a fragilização etc. Sequer tocamos na matéria essencial: o meio ambiente e sua crise. O TEMPO DOS MODOS DE PRODUÇÃO Incluindo o socialismo e exceto o comunismo avançado, cada modo de produção e de vida tende a durar menos do que o anterior e os anteriores. Por quê? Porque é mais avançado, desenvolve melhor as forças produtivas, chegando com maior velocidade ao limite, ao ponto nodal, quando precisa passar para o próximo modo. Além disso, mantém o passado no seu presente. Um reformista declarado ou envergonhado justifica a manutenção atual do capitalismo pela duração longa, e absoluta, dos sistemas anteriores; faz uma falsa analogia. Assim, deixa de ver a atual crise sistêmica. Além de ser também uma transição, o capitalismo como organismo sistemático em evolver tende a ser mais curto em seu tempo de existência, esgota com alta velocidade seu desenvolvimento. FÁBRICA E DITADURA Marx expõe em O capital I o despotismo fabril, além de nas minas etc., a ditadura do patrão e do acionista. No escravismo grego, a elogiada democracia dos homens livres acompanhava e tinha por base a ditadura nos campos de trabalho escravo e nos lares contra as mulheres. Ditadura e democracia podem conviver juntas, aquela sustentando esta. Mais: a necessidade de implementar um ditadura de Estado capitalista vem tantas vezes pela necessidade de manter em pé, contra a rebeldia operária, a ditadura nas empresas. A democracia das reuniões de acionistas na cúpula executiva da empresa está baseada na mão de ferro contra seus funcionários. Ou a democracia externa à porta da fábrica existe para manter intacta a ditadura do capital sobre o trabalho, dentro da empresa. Assim, unimos base econômica-social e superestrutura objetiva.
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O MAIS-PODER Temos a mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho-, o mais-produto e o hipotético maisgozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é pessoal. SOCIALISMO E TENDÊNCIAS Já expomos que o capitalismo, além de ser de fato um modo de produção, torna-se transição, quase mera, entre o passo classista e o futuro possível. Já dissemos, também, que a existência de classes dominantes é um sintoma, expressão alienada, da teleologia não subjetiva, social, de serem expressões deformadas da qualidade de vida no futuro socialista, onde toda a humanidade será classe dominante, sobre as coisas (máquinas automáticas, robôs etc.). Feito isso, o socialismo destrói certas tendências do capitalismo, como a miséria crescente, base para o revolucionamento total. Muitas tendências ―coisais‖ serão reafirmadas contra as contratendências típicas de uma sociedade transicional: a substituição do homem pela máquina será acelerada e sem resistência, a concentração e centralização do grande capital será total (sem resistências como a repartição d e grandes heranças), a deflação ocorrerá como deve rumo ao o fim da precificação, o dinheiro ainda existente será virtualizado etc. Nesse sentido, o socialismo afasta as causas opostas e as contradendências, como as contratendências à queda da taxa de lucro (queda do salário em principal). A produção social será, por exemplo, social, não mais de apropriação individual ou de acionistas. O DETERMINISMO ECONÔMICO Dizer que Marx é determinista na economia é um erro primário, pois a dialética marxista substitui a causalidade unilateral pela interação, como o Estado também influenciando a economia, por exemplo. Mészàros tem uma resposta genial: (o erro do determinismo econômico ocorre, e é parcialmente correta, porque) a economia capitalista tem uma pulsão de ser determinista sobre toda a sociedade. Dito isso, há o erro oposto, o outro extremo: considerar que a superestrutura determina ou tem autonomia. Assim, o valor seria subjetivo e dado pela utilidade; o valor, preço, ―extra‖, à mais, seria dado subjetivamente pela mente do patrão, pelo seu cálculo subjetivo, não pelas mãos do trabalho manual; o contrato entre patrão e o operário seria uma escolha subjetiva, livre, relacional, sem imposição do estômago… No externo, há
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liberdade, interação, entre os iguais burguês e proletário; no fundo, no interno, há a substância (valor!) e a necessidade. A ilusão de que nossa subjetividade, personalidade e decisão são de todo livres é uma aparência necessária, um fato embora tenha algo de falso (diz-se que a mera adoção da teoria de que temos escolha ajuda nosso cérebro a fazer escolhas, a ter alternativas). Até a liberdade é determinística. Com a redução qualitativa e quantitativa da jornada de trabalho, junto com a abundância aclassista, erguer-se-á o reino da interação, do acaso, da liberdade, da escolha etc. O socialismo é a revolução contra o determinismo impessoal econômico, o homem decidindo guiar o próprio homem. O ABSTRATO É O CONCRETO EM PROCESSO Com o estudo das ciências naturais (massa é energia em forma de movimento etc.), pude perceber também com O Capital de Marx esta fórmula qualitativa: o abstrato é o concreto em processo. Assim, o valor é capital em processo – ou melhor, o capital, que não é coisa, portanto abstrato, é o valor, material e concreto, que se autovaloriza (processo). Assim, na produção, o trabalho abstrato é o trabalho concreto no tempo, ou, o que é o mesmo, no gasto de energia. Assim, na circulação, o valor e a mercadoria (abstratos) são o produto (concreto) na troca (processo). Assim, o trabalho manufatureiro, fragmentado, abstrato, é o trabalho comum, concreto, em processo. Uso os vários sentidos de abstrato, de concreto e de processo. Mas duas observações precisam ser feitas. Primeiro, para Hegel, a verdade é o todo, logo uma fórmula do tipo ―isto é aquilo‖, torna-se algo limitado, verdadeiro e falso. Mas, aqui, ainda respeitando o limite hegeliano, dizemos ―isto é aquilo no processo‖, de maneira superior. Por isso, ainda assim, não usamos a equação qualitativa como chave fácil para todos os detalhes da grande obra marxista. Segundo, ainda para Hegel, uma equação particular, como a da gravitação, não pode ser elevada à teoria de tudo, à teoria geral, universal – exato por ser particular, estar ao lado de outras leis, equações etc. Mas as categorias que usamos – abstrato, ―é‖, concreto, processo – têm tendências gerais. ATUALIZAÇÕES D‘O CAPITAL Após Marx, ocorreram inúmeras corretas atualizações parciais e não sistemáticas da economia política por marxistas e não marxistas. As contribuições sistemáticas que resistiram ao tempo são ―Imperialismo‖ de Lenin (inspirado em e corrigindo ―O capital financeiro‖ de Hilferding), as duas obras ―Laws of Chaos‖ de Farjoun e Machover e ―How Labor Power the global economy‖ também de ambos com Zachariah – usando a matemática moderna e a probabilidade. A terceira contribuição ampla e organizada é esta obra que o leitor tem em mãos,
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além deste capítulo; além de teoria unificada do marxismo, teoria de tudo (mais adiante aprofundada) e análise estrutural da última era do capital pode ser definida também assim, como atualização. De modo pouco indireto, a obra ―O programa de transição‖ de Trotsky, inspirada n‘O Capital, pode ser incluída como leitura obrigatória para O Capital do século XX e XXI. No mais, bem possível haver no futuro próximo uma ou mais atualizações, parciais e sistemáticas, da grande obra marxiana. Temos três obras de exposição teórica de tipo dialético na história do marxismo: O Capital, de Marx; A história da revolução russa, de Trotsky; e esta obra. Se tivesse concluído toda sua obra de Estética, ao menos na forma de grossos manuscritos, talvez Lukács fosse um caso dos casos. SOBRE O FIM O marxismo estuda o passado e o presente também para saber o futuro, os futuros possíveis. Vemos, escapando da mera empiria externa, a tendência geral da realidade. É uma historiografia do amanhã, também marxista. Isso é possível quando se evita o detalhismo. Sob o capital, voltaremos às condições gerais análogas aos do sistema entre os séculos 16 e 19, tal como descritas por Marx n‘O Capital. Caminharemos para frente como se para trás, mas com maior base tecnológica para a distopia. É uma forma de má negação da negação. Como reforçaremos a seguir, a decadência chegará a um ponto de não retorno, onde, se não acontecer antes, o socialismo passará a ser impossível. Por isso, socialismo ou extinção! Antes deste último, teremos uma forma de decadência da sociabilidade. Com sorte, alguns membros de nossa espécie sobrarão. Em diante, ponho a disposição um resumo de outro livro sobre as possibilidades opostas, ambas amadurecendo no real, logo de modo algum imaginativas do tipo artificial ou sem critérios.
ECONOMIA POSITIVA A economia planeja democrática e centralmente superará a anarquia da produção capitalista, que produz duríssimas crises periódicas. Com o auxílio de inteligência artificial e da informática, como a internet, a sociedade saberá como, quando e quanto produzir de modo a oferecer igualdade entre oferta e procura, nem desperdício nem carência. Todas as empresas estarão sob controle dos cidadãos, em especial dos seus funcionários.
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Com o tempo, as máquinas trabalharão por nós, em nosso lugar, em todos os serviços possíveis – todas as fábricas, nos transportes públicos etc. A verdade: o trabalho é para as máquinas. Os cidadãos focarão no importante, isto é, educação dos jovens, arte, filosofia, administração do Estado etc. Com o tempo, com a robotização e automação das empresas, o dinheiro deixará de existir. Isso mesmo – o fim da precificação dos produtos. Todos os membros da comunidade tirarão dos depósitos sociais públicos e gratuitos, que apenas de longe lembram os atuais supermercados em cada bairro, os objetos necessários à sua sobrevivência e vivência com plena saúde física e social. Para isso, um cartão eletrônico ou um aplicativo de celular, dirá que o indivíduo foi, de alguma forma, útil à sociedade, trabalhando ou estudando; depois, em estágio mais avançado, nem tal comprovante será necessário, nenhum controle direto será feito ao consumo. ECONOMIA NEGATIVA A automação e a robótica produzirão, sob tais condições, desemprego crônico, grande massa de miseráveis sem nenhuma perspectiva de, algum dia, ter um emprego, que dirá se digno. A indústria terá baixíssimo investimento em pesquisa e inovação. Monopólios privados serão a regra por grandes regiões do planeta; com isso, preços elevados. A crise econômica será permanente, sem grandes crescimentos, pois o cenário de debilidade será bom para muitos negócios, como o baixíssimo preço da força de trabalho ainda não escravizada. A jornada de trabalho será de, no mínimo, 12 horas diárias em todo mundo, algo mais em casos de escravidão aberta e legalizada. Direitos trabalhistas serão proibidos; haverá salário máximo a ser recebido, por lei, não mais salário mínimo como garantia. Os supermercados serão hipervigiados pela tecnologia moderna da informação e da vigilância para evitar, com bastante sucesso, roubos e invasões populares contra a fome. Tais espaços privados terão até armas automáticas com inteligência artificial precisa para controlar os consumidores. Haverá uma escassez artificial garantida pelo Estado, contra a possibilidade de abundância. Neste cenário, em certos lugares, quem mendigar será condenado à morte instantânea por lei que a proíbe em certos bairros. Tudo será privado, privatizado – tudo. Tudo custará, terá um preço. Como o Estado anulará os impostos dos ricos e pagará pesada dívida constante aos agiotas oficiais, liberar-se-á das despesas que em outras épocas seriam mesmo obrigatórias; não haverá, em exato, serviços públicos.
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Campos de concentração hipertecnológicos serão também campos de trabalho escravo. Neles, estarão desde comunistas até meros adversários oportunistas derrotados, como pastores de outras religiões.
RELAÇÕES SOCIAIS POSITIVAS Com o tempo, as classes sociais deixarão de existir. Assim como é absurdo o racismo, o machismo; será considerado parte de um passado bárbaro a humanidade dividida em ricos e pobres, em castas, em dominantes e dominados. Todos serão parte da ―classe dominante‖, pois todos terão tempo livre para dedicar-se ao trabalho intelectual, e ao manual de modo lúdico. Haverá apenas indivíduos em comunidade, juntos em sua individualidade completa. A afirmação do individual, o pleno desenvolvimento do indivíduo, será, ao mesmo tempo, o pleno desenvolvimento da sociedade, ambos evoluindo unidos. Como será uma sociedade da abundância organizada, a inveja será muito menor e, quando houver, terá, em geral, forma construtiva, de ir para frente, de ser como aquele outro – não destrutiva. O desemprego será proibido por uma escala móvel de tempo de trabalho – jornada curta, menor ou maior, como de 2 a 4 horas por dia de segunda à sexta, de modo que todo o trabalho disponível será dividido por todos os postos de trabalho disponíveis; pleno emprego constante; trabalhar menos, trabalhar todos. RELAÇÕES SOCIAIS NEGATIVAS Os humanos serão divididos em castas fixas, imóveis. Como veremos, sequer terão contatos visuais entre eles, os diversos e opostos. A parte dominante será, de todo, parasita, sem contato pessoal real com as empresas e investimentos; e, vale dizer logo, não pagarão impostos enquanto a maioria, ao contrário, pagará impostos pesadíssimos. Um sistema pesado de dívida estatal, que drenará a receita, garantirá a renda parasitária. O cinismo e a guerra de todos contra todos, em meio à miséria, será normalidade, parte do cotidiano. Ter escravos sequer será uma questão social importante, pois é melhor estar desumanizado, coisificado, a morrer de fome. O desemprego crônico será regra, não exceção, a maioria. A CIDADE POSITIVA Os muros serão algo do passado, uma relíquia da quase barbárie. Em cada bairro, haverá um centro – neste, haverá creche, lavanderia e restaurante públicos e gratuitos; haverá o cinema, o palco para shows, o clube, o posto de saúde e demais serviços públicos, a área dos mais variados
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esportes e exercícios, o jardim, a área de artes etc. Ao redor de tal centro público, as belas casas ou, muito provável, os prédios existirão. No caso de morada em apartamentos, estes serão espaçosos, com varanda, paredes grossas, belos, com mobília completa – semelhante e melhor ao que hoje é o luxo do luxo. O transporte será automático e gratuito, além de rápido. A CIDADE NEGATIVA Muros altos, grossos, vigiados e perigosos por toda parte. A cidade é dividida em muitas camadas por tais muralhas, às vezes segundo a casta, como o inferno de Dante. A maioria morará nas ruas, em casas abandonadas distantes, em improvisos de lar, dentro de carros velhos etc. A casta dominante terá área de golfe no quintal de casa… A tecnologia vigiará cada canto 24 horas por dia com inteligência artificial programada para controlar os cidadãos, lendo até seus pensamentos e emoções. O transporte avançará pouco, além de caro e ruim, pois pouco interessará mudança radical aos monopólios e governos. Ruas e estradas também serão privadas, cobrando taxas de travessia.
MEIO AMBIENTE POSITIVO As espécies que sobreviverão ao capitalismo serão multiplicadas com a ajuda da moderna genética; e mais, novas espécies ressurgirão e surgirão com a ajuda da tecnologia. Desde a economia planejada, também o homem encontrará novo equilíbrio com a natureza: produtos tóxicos proibidos, obrigatoriedade de grande gasto com o custo ambiental nas empresas, energia de fusão nuclear abundante em total gratuita e limpa, reciclagem e reuso de materiais quase 100% evitando extrair matéria-prima da natureza, reflorestamento rápido de início por meio dos corredores ecológicos, administração avançada do clima a do tempo, colheitas com aproveitamento máximo possível, abelhas salvas e abundantes.
MEIO AMBIENTE NEGATIVO Extinção em massa dos animais de médio e grande porte, caça de todo liberada, epidemias e pandemias com alta regularidade, fim de florestas, desertificação, maior desregulamentação do clima com chuvas em falta ou em demasia, desastres causados por negligência de empresas – por anarquia social, por luta de todos contra todos da concorrência entre monopólios, porque a busca
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por mais dinheiro não tem limites. Escassez artificial de energia, para dar lucro, e escassez de produtos alimentícios como fonte de maior lucratividade, demanda sobre a oferta. ESTADO POSITIVO O Estado será gerido diretamente pelos trabalhadores e setores populares. Substituindo a corrupta democracia dos ricos, tudo central será decidido nos bairros e locais de trabalho por meio de assembleias de base abertas. Após decidir o importante, cada reunião geral elegerá os responsáveis pela gestão, pela implementação dos projetos aprovados, para cuidar da rotina do comitê de fábrica ou bairro. Para evitar corrupção, tais representantes terão: 1) salários limitados, evitando dependência pelo cargo e 2) mandatos perdíveis a qualquer momento se assim a próxima assembleia obrigatória regular decidir. Além disso, muitas votações serão por internet. Será parte da rotina social os debates gerais, onde todas as correntes políticas emitirão suas posições e opiniões por meio da internet e TV etc. Os representantes nacionais e internacionais serão eleitos por voto direto dos representados, também com mandatos perdíveis e renda limitada, ademais de tempo máximo num cargo e tempo mínimo fora do mesmo de representantes gerais. Na segunda fase, mais avançada, partidos deixarão de existir porque a humanidade já superará a divisão dos homens em classes sociais, em grupos diversos com interesses particulares. Um parlamento científico, ao lado de uma gestão de todo técnica, ajudará a gerir a sociedade de modo correto, ainda com inevitáveis polêmicas. ESTADO NEGATIVO Uma ditadura religiosa teocrática privatizará o Estado. O governo usará a tecnologia para impedir qualquer tipo, mesmo se moderado, de oposição. Ainda assim, elegerá gente ―sem partido‖, como representantes supostamente populares, logo corrompidos e controlados pelo poder oficial. Os serviços públicos serão escassos, quase inexistentes e nulos. O poder policial e militar será privado, com milícias bem ou mal servindo à família e à casta dirigente. Dados estatísticos serão proibidos ou, se necessários, secretos. PODER POSITIVO De início, todo o povo terá direito à formação com armas leves e pesadas, além de haver milícias operárias e populares nos bairros e locais de trabalho subordinados às assembleias populares – o exército será dissolvido no povo armado, auto-organizado e pacífico por razão da qualidade de vida e do autogoverno. Mesmo assim, no começo, um exército regular será
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necessário para vigiar fronteiras e evitar invasões; depois, o mundo unido e socialista dispensará de todo exércitos. O uso de armas entrará, pouco a pouco, em desuso, pois serão desnecessárias, usadas aqui e ali, vez ou outra, cada vez menos, para caça legal e limitada ou em disputas esportivas. PODER NEGATIVO Proibido qualquer armamento popular. Milícias privadas antidemocráticas dominarão bairros e favelas, cobrando um ―imposto de segurança‖. Servirão ao Estado teocrático e militar. Guerras serão travadas por lucro e para reduzir o número de desempregados incomodando, além de mobilizar mercenários ociosos e perigosos. Robôs de guerra avançados, na forma semelhante a humanos e animais quadrúpedes, serão a nova infantaria – sem compaixão, sem humanidade, por meio de inteligência artificial. Satélites de guerra com alta capacidade destrutiva serão usados antes do fim da civilização. EDUCAÇÃO POSITIVA Com a ajuda da internet, a educação será fonte de prazer e impulso. Haverá esforço máximo da sociedade para o aprendizado ativo, qualitativo e rápido. A autonomia do indivíduo será estimulada, e sua capacidade de cuidar de si próprio, e seus interesses e talentos inatos. O respeito à autoridade será ensinada, mas de modo crítico e respeitoso aos mais velhos e aos sábios, nunca uma subordinação ou desestímulo ao pensamento próprio. A maior parte da humanidade será erudita, muitos cientistas, haverá partidos de teorias químicas ou de teses sobre o mundo quântico; e todos terão, pelo menos, uma formação filosófica, científica, artística, prática e humana séria, básica. A constituição mundial do futuro dirá: Todo cidadão tem o direito e o dever de conhecer as conquistas científicas, racionais e emocionais da história de sua espécie. EDUCAÇÃO NEGATIVA As escolas militares serão regra, dominarão. A educação terá por base decorar, repetir, tornar a alma dos jovens como certa máquina. Trabalho qualificado será desnecessário. Proibido história, geografia, filosofia e sociologia reais, tal como devem ou deveriam ser. As poucas escolas serão particulares, para poucos, da casta dominante – a absoluta maioria será analfabeta ou semi. Como dito, será proibido mera menção a Einstein, Darwin, Freud, Marx, Engels, Hegel, Lenin, Trotsky, além de tantos outros. E a ciência ainda existente será quase de todo aplicada, nunca de base (ou seja, conhecer o como, nunca o motivo interno dos fenômenos). Apenas a arte religiosa será permitida.
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PSICOLOGIA POSITIVA Como o trabalho duro será de pouco tempo, quando for inevitável; como o tempo livre para a criatividade e para o ócio será alto; como a qualidade de vida e o acesso aos produtos serão plenos; como a vida em grupo será comum e natural; como os tabus e preconceitos serão superados, como a relação com a sexualidade; a essência humana será realizada, a vida psicológica será de boa qualidade, apesar de ainda imperfeita. PSICOLOGIA NEGATIVA Onda de suicídio por miséria material e espiritual; uso desregulado, não apenas recreativo, de drogas; alta solidão; luta de todos contra todos, desconfiança e paranoia constantes; banalização do absurdo; epidemia de estupros e assassinatos; terrorismo desprovido de objetivo, por pura revolta sem projeto. CORPOREIDADE POSITIVA Os corpos humanos serão belos e proporcionais. Do nosso ponto de vista, serão como os elfos da mitologia de Tolkien. Serão fortes, mas não de músculos inchados de modo desproporcional. A estrutura óssea será grande e larga, e as pessoas serão muito altas. Algo raro encontrar alguém feio, pois a pobreza é, muitas vezes, a mãe da feiura. O envelhecimento será saudável, adiado por muito tempo, e digno; porque, entre outros motivos, haverá demora para envelhecer. Mudanças genéticas responsáveis e não racistas ajudarão no desenvolvimento admirável e saudável dos cidadãos. Talvez, remédios simples para obter imortalidade prática serão possíveis. O cérebro será cada vez maior e mais complexo. CORPOREIDADE NEGATIVA Será comum gente com membros amputados por razão de acidentes de trabalho, além de cicatrizes das torturas na escravidão. Os corpos serão ainda mais desproporcionais do que já hoje são. A obesidade sem nutrientes de uns acompanhará a magreza excessiva de muitos. Assim, desagradável olhar um ser humano se poderemos falar em tal espécie ainda. Além das doenças comuns nos órgãos internos, doenças de pele serão fartas. Por fome e trabalho duro desde a infância, o tamanho médio dos ―cidadãos‖ cairá geração após geração. O tempo de vida médio também será reduzido com o passar dos anos. O cérebro será, em geral, cada vez menor e frágil em sua complexidade.
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A tendência ao negativo empurrará para a possibilidade da revolução vitoriosa, que forçará o positivo; a partir de certo ponto, porém, se o negativo consolidar suas bases, será impossível o revolucionamento total da sociedade. Ao que parece, temos poucas décadas para decidir nosso futuro. Olhando assim, a escolha é óbvia e clara – porém exige esforço. Socialismo ou extinção! Poder operário, camponês e popular! Organize a tua revolta! Trabalhadores de todos os países, uni-vos!
A CRISE SISTÊMICA – RESUMO A crise sistêmica é, em outras palavras, aquilo que Marx diz quando o desenvolvimento de um modo de vida chega a um ponto em que as forças produtivas (técnica, homem, natureza etc.) entram em contradição vital para com as relações de produção (classes etc.) e, também com suas superestruturas (Estado etc.). É a segunda época, de declínio, de todo sistema econômico-social. O comunismo é o fim 1) Da propriedade privada, 2) Das classes, 3) Do Estado, 4) Da família monogâmica. O trabalho hercúleo da humanidade de superar tais elementos de sua pré-história é facilitado, se podemos falar em facilidade, pelas suas crises estruturais, uma crise sistêmica. A propriedade privada burguesa entra em sua fase final com a redução da massa global de valor, com a queda da taxa de lucro em seus limites históricos até meados deste século. As classes principais sociedade, a burguesia e o proletariado, afastam-se da produção, o que gera uma burguesia parasitária, classe social fictícia em certo sentido, e massa enorme de desempregados com dificuldade de realizar-se enquanto classe. O Estado é corroído pela própria lógica de lucro, e enquanto este se torna mais difícil, por meio da dívida pública crescente, da urbanização, da indústria bélica, etc. Por outro lado, as condições para o Estado socialista fenecer estão imensamente maduras. A família monogâmica entra em crise com o desenvolvimento tecnológico (anticoncepcional, etc.), com a urbanização, etc.
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Como observamos, a mesma base material – o motor são as mudanças na produção, o aumento da produtividade centralmente – motiva os diferentes aspectos da crise sistêmica, que podem ser abstraídos e tratados separadamente apenas pelo pensamento. Dentro da realidade, amadurecem juntos e combinados, ainda que em ritmo desigual. Estamos, portanto, no ponto crítico de nossa espécie, do ser social. O cálculo histórico bifurca-se em duas possibilidades latentes e opostas: ou libertamos a humanidade e a natureza ou abriremos a transição para o fim civilizacional e, talvez, de nossa própria existência biológica. Hegel diz isto: ―Se todas as condições de uma Coisa estão presentes, então ela entra na existência.‖ (Hegel, 2017, p. 130) É o nosso caso? Todas as condições para a transformação do capitalismo, por dentro de si mesmo, em socialismo estão aí? Coloquemos de outro modo: todos os aspectos vitais da totalidade capitalista amadureceram ao seu máximo? Hegel também diz: O quantum, uma vez que é tomado como um limite indiferente, é o lado no qual um ser aí é agredido insuspeitadamente e é direcionado para seu sucumbir. É a astúcia do conceito de capturar um ser aí nesse lado, onde a qualidade do ser aí não parece entrar no jogo, - e, com efeito, de tal modo que o aumento de um Estado, de um patrimônio etc., aumento que provoca o azar do Estado, do proprietário, até aparece, inicialmente, como sua sorte. (Hegel G. W., 2016, p. 360)
Seguimos tal linha do máximo desenvolvimento. Agora, faremos um esforço de resumir teses fundamentadas em outra oportunidade: 1. O comércio atingiu seu máximo extensiva e intensivamente no mundo. 2. A produção atingiu seu máximo ao fundamentar uma superprodução crônica latente. 3. As finanças atingiram o ápice com o grande domínio do mercado financeiro – uma poderosa bolha de capital fictício formou-se. 4. A produção automatizada e robotizada encerram o trabalho manual direto sobre a matéria-prima. 5. A taxa de lucro real tende a quase zero até meados deste século. 6. O investimento tende a cair pela contradição entre forças produtivas e as relações de produção. 7. Passamos de crises leves com largo crescimento (de 1945 até 1974) para quase estagnação, transição, com crises mais duras (década de 1970 até 2008) para, então, chegar à fase das crises longas e/ou duras com crescimentos fracos e/ou breves (desde 2008). 8. O dinheiro perdeu a sua medida e é criada artificialmente pelo Estado.
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9. A urbanização atingiu seu quase máximo – o máximo é relativo – em países e regiões centrais, além de a população urbana ter superado a população rural pela primeira vez na história da humanidade. 10. A concentração de operários e setores populares na urbanidade impulsiona as revoltas sociais. 11. Tanto a burguesia quanto o operariado afastam-se da produção, e demais setores, por financeirização e desemprego, como sinal do fim das classes. 12. As fronteiras nacionais são desgastadas porque o capital impõe a internacionalização. 13. Na luta anárquica por lucro, o meio ambiente entra em severa crise. 14. Surgem diferentes formas potenciais de epidemias e pandemias – como a combinação de urbanidade e grande fluxo humano com desigualdade social, a má distribuição de futuro na sociedade. 15. A atual alienação degenera a psique humana, como os enormes casos de depressão no mundo. 16. A arte entra em crise relativa porque o cinema, a TV, os jogos de videogame, as séries e outras distrações novas marginalizam as demais artes. 17. A família monogâmica entra em crise com os anticoncepcionais, a urbanidade, mercadorias que facilitam o trabalho doméstico etc. 18. Surge o despotismo esclarecido burguês, como os governos de esquerda para diminui a pressão das classes trabalhadoras sobre a sociedade. 19. O Estado entra em crise ao manter artificialmente o sistema, ao prolongar sua decadência: dívidas públicas como se estivesse numa guerra, privatizações, urbanidade alta exigindo mais gastos e mais pressão dos trabalhadores etc. 20. A essência das forças armadas são os infantes, a infantaria – mas a disputa entre Estados obriga investimento na parte material, pesada, das forças, o que os coloca sob riscos diante de exércitos subversivos ou de países atrasados (armas semicaseiras podem inutilizar um caro tanque de guerra). 21. A ciência encontra limitações sob o capital em decadência, além de esgotar seus atuais paradigmas; o grau de desenvolvimento científico altíssimo permite um conhecimento profundo da natureza e da história dos seres inorgânico, biológico e social. Eis as bases para uma nova revolução científica.
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Reforçamos que, em geral, o aumento da produtividade está como causa central da crise sistêmica em seus diferentes setores. Ademais, os limites absolutos são, eles mesmos, além de aproximativos, relativos, ou melhor, relativamente relativos. Kurz percebeu a crise da produção de valor, esta a riqueza na forma capitalista, porém a exagerou com seu típico impressionismo, evitando perceber a mediação, a contratendência da tendência ao (quase) fim do trabalho manual. Mèszaros percebeu uma superprodução crônica no ocaso do capital, focando na riqueza geral de toda forma de sociedade, o valor de uso (e sua necessária e contraditória relação para com o valor – enquanto Kurz passa, a inverso, do valor para o valor de uso); porém também caiu em impressionismo teórico, com sua crise permanente, estrutural, com sua reprodução apenas destrutiva; o que temos, na verdade, é superprodução crônica, mas latente, crises cíclicas cada vez mais duras, cada vez mais intensas (além de outras formas de crise da crise sistêmica). A verdade de ambos, a fusão, está no aumento da produtividade, com as forças produtivas em contradição com as relações de produção e suas superestruturas (tal contradição, lembramos, em momento algum foi premissa, mas conclusão da pesquisa). Cada um observou de modo unilateral um dos lados da verdade. Enfim, Roberts, limitado à fenomenologia, percebeu uma grande depressão com a queda significativa da taxa de lucro – que tende a próximo de zero, portanto ao limite absoluto, até meados deste século. Isso leva ao caráter deste livro. Um jovem autor marxista tem a obrigação da humildade, mas é duas vezes mais obrigatório dizer as coisas tal como são, na sua medida precisa. O marxismo passou por 5 grandes revoluções ortodoxas; entre elas, ocorreram importantes reformas teóricas, mas parciais. A primeira revolução foi a fundação e consolidação do marxismo por Marx e Engels. A segunda ocorreu por meio de Lenin – teoria do imperialismo, teoria do reflexo, teoria do partido. A terceira, por Trotsky – teoria da revolução permanente, lei do desenvolvimento desigual e combinado, teoria da curva de desenvolvimento capitalista, teoria da burocratização, programa de transição, a estética, a moral etc. (ele foi inferior a Lenin na política, mas superior na amplitude de suas contribuições). A quarta, por Lukács – estética, crítica do irracionalismo filosófico, resgate (e atualização) do método dialético (causa e acaso), reificação e ontologia. Entre Trotsky e Lukács ocorreram grandes reformas teóricas, embora dificultadas pelo estalinismo, e despois deste último teórico – em principal: resgate de Gramsci, Lefebvre, Moreno, Mandel, Kurz, Mèszáros e os teóricos da dependência; além deles, houve avanços significativos na psicologia, quase revoluções. Mèszários e Kurz fizeram contribuições, reformas prérevolucionárias, preparando o caminho. Este livro que o leitor tem em mãos é a quinta revolução por dentro do marxismo. Inexiste nas últimas décadas contribuição semelhante em quantidade e qualidade, em profundidade. Quase todos os aspectos e temas do marxismo foram atualizados e
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corrigidos. Mas isso tem seu risco, pois a originalidade, ainda mais se correta, costuma ser acompanhada da marginalização. Um novo marxismo, ainda ortodoxo, que preserva as contribuições e conquistas do passado, está surgindo. Cada curva de desenvolvimento do capitalismo, quando começa a transição e o declínio, inicia revoluções no marxismo ortodoxo: a primeira curva produz, por assim dizer, não apenas de modo metafórico, Marx e Engels; A segunda, Lenin, Trotsky e Lukács (além de Gramsci etc.); a terceira, Mészáros, Kurz e, enfim, esta obra. Nesse sentido, temos três revoluções, cada uma correspondente a uma das três etapas do capital, cada revolução industrial etc. Embora pareça improvável, dada a profundidade intensiva e extensiva dente livro por exemplo, talvez as próximas revoluções socialistas ou a continuidade do aprofundamento da precarização na vida comum aprofundem a última revolução interna marxiana. Marx e Engels apenas poderiam surgir na Alemanha – com sua ânsia modernizadora, combinação e contradição de avanço e atraso, tradição filosófica etc. – desenvolver-se na França e consolidar-se na avançada Inglaterra. Trotsky e Lenin apenas poderiam produzir desde a Rússia com seu desenvolvimento desigual e combinado, com altíssimas contradições, com dura ditadura czarista, com sua combinação de oriente e ocidente etc. A preparação da terceira revolução marxista só poderia surgir na Europa da terceira revolução industrial, mas teria muito mais oportunidade e facilidade de desenvolvimento num país como Brasil, com forte classe operária, tradição de grandes lutas, democracia burguesa, decadência e desenvolvimento máximo de seu capitalismo não imperialista, diversidade, vocação internacionalista, país muito dialético (na realidade e no pensamento), dura presença da pobreza, pluralidade de marxismos etc. Os textos anexos a seguir visam dar um passo decisivo na consolidação do marxismo ortodoxo como visão de mundo definitiva.
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A METAFÍSICA MARXISTA Nova dialética da natureza Uma teoria de tudo ESPAÇO = MATÉRIA Uma mercadoria aparenta ser, à primeira vista, uma coisa óbvia, trivial. Mas sua análise a revela como uma coisa muito intricada, plena de sutilezas metafísicas e caprichos teológicos. (Marx, O capital I, 2013, p. 146) No entanto, a mesa continua sendo mesa, uma coisa sensível e banal. Mas tão logo aparece como mercadoria, ela se transforma numa coisa sensível-suprassensível. (Idem, ibidem) O valor do ferro, do linho, do trigo etc., apesar de invisível, existe nessas próprias coisas… (Idem, p. 170) Aqueles que acham que atribuir ao valor existência independente é mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa abstração como realidade operante (in actu). (Marx, O Capital - livro 2, 2014, pp. 119, 120) Mais-valia e taxa de mais-valia são, em termos relativos, o invisível e o essencial a ser pesquisado, enquanto a taxa de lucro e, portanto, a forma da mais-valia como lucro se mostram na superfície do fenômeno. (Marx, O capital 3, 2008, p. 34) Tem que se deixar de lado a opinião de que a verdade tem que ser algo palpável. (Hegel G. W., 2016, p. 53)
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ALERTA AO LEITOR Embora não saiba, tu tens necessidade de uma obra qualitativa, que mude teu modo de pensar ou, se jovem for, o faça dar um salto necessário. Sentes, mas não percebes. Os livros comuns apenas fazem digressão, contribuem pouco, repetem os ritos e as palavras já postas etc. O texto adiante é uma ruptura com a tradição até aqui, mesmo. Trará uma visão completa de mundo, base para a ciência-filosofia geral. Se duvidas, leia-o! Aqui, não cultivamos falsas humildades, pois temos de dizer a verdade na sua medida tão exata quanto possível: um novo paradigma surge. Com esta obra, concluímos a história da ciência e da filosofia nos seus aspectos gerais e essenciais. Parece muito, algo impressionista e megalomaníaco, talvez delirante – porém estás avisado dos desafios e da aventura das próximas páginas.
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GLOSSÁRIO Prefácio O que é metafísica? Marx, o capital e a metafísica Seção um O ser, o cosmo A história da e na ciência A igualdade de tudo O cosmo, o ser As leis gerais da metafísica materialista O ser e o socialismo O ser e a natureza humana O ser e a dialética O ―outro lado‖ metafísico O abstrato é o concreto em processo O absoluto A vitória do materialismo Antinomias de kant contra o materialismo Gnosiologia ou ontologia? Materialismo ou idealismo? A liberdade objetiva ou dialética Teleologia objetiva As causas O que é a conciência, a mente? Seção dois Teses sobre questões abertas nas ciências naturais As questões abertas na física moderna A crise da física moderna Física quântica e dialética Biologia e dialética Seção três Nova toeria geral do valor Valor-trabalho e valor-matéria Generalização do valor-trabalho
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Teoria do valor-matéria Tríade una do valor Seção quatro O método dialético empírico dedutivo Leis e categorias da dialética Os métodos científicos Método empírico-dedutivo Seção cinco A filosofia e a ciência A filosofia científica, da ciência Força, átomo e campo Sobre a teoria do Big Bang Matemática Teoria do caos Tempo Causalidade O fim do paradigma aristotélico Trabalho, linguagem e sociabilidade Críticas contemporâneas à metafísica As duas oposições científicas Platão e Nietzche Dialética Sentir e pensar na ciência As feridas narcísicas da humanidade A teoria de tudo Ideologia A duplicação dos mundos moderna Dedução do espaço ou campo como linha Dedução da unidade espaço-matéria Dedução da quarta dimensão Extra: os paradoxos O colapso ambiental Marxismo e metafísica Tecnologia moderna
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Educação O terrraplanismo Religião e ateísmo Teoria marxista da alienação Poemas científicos, universais
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PREFÁCIO Hegel alertou que uma introdução de obra, um prefácio, precisa evitar ser um resumo do conteúdo logo em seguida. Sigo tal norma dialética. No entanto, alguns esclarecimentos e reforços continuam necessários. Vejamos juntos. O tempo da filosofia profunda parecia ter passado em nossa época de distração e modos rasos. Nada pode ser maior. Até na política, interrompeu-se a noção de projeto, pois o muro de Berlim caiu sobre nossas consciências. Assim, no fragmentado soa como algo distante qualquer projeto sistemático. Mas a necessidade por conclusões gerais hora ou outra iria impor-se, de um modo ou de outro. Uma possibilidade crescente amadureceu no real, exigindo tradução e organização teórica. O PAPEL DE ENGELS Quando um pensador meio marxista quer negar Marx de algum modo, costuma atacar de maneira covarde, indireto, culpando Engels de todos os pecados mortais. Se há o ―erro‖ da dialética, a suposta farsante caluniada, cabe a este o peso do uso dessa filosofia… Para mim, no entanto, ele é um mestre imenso. Cabe lembrar que Marx aprovou, em cartas, a busca de Engels por uma dialética da natureza e apoiou em vida a obra Anti-During, escrita por seu amigo, onde este expôs de modo claro sua visão do não social como dialético. Mas também evitamos a visão dogmática dos mestres, que cometeram alguns erros ou pararam em limites parciais, em grande medida empostas por suas épocas. Minha dialética é um desenvolvimento qualitativo da dialética desses materialistas; além disso, discordo em profundidade da afirmação engelsiana de que dialética e metafísica são totalmente diversos, água e óleo. Dialética é certa e correta metafísica dinâmica. Por isso, nesta obra, permito-me a ousadia de tentar responder várias lacunas da filosofia e da ciência, mais do que demonstrar que a concepção dialeticista é confirmada pela ciência moderna. A CIÊNCIA MODERNA Após Engels, apenas Lenin tentou pesquisar sobre o mundo não social, oferecendo alguma conclusão sobre. Porém, ao fazê-lo, o líder russo ainda não havia estudado a Ciência da Lógica de Hegel, que tanto o transformará nos anos da grande guerra. De qualquer modo, mais de 100 anos depois, sua contribuição está desatualizada. A física quântica travou-se numa quase revolução, quase respostas. A física moderna foi longe, muito, recentemente descobrindo que o universo está em expansão acelerada, por exemplo
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(até tal expansão tem história, modifica-se!). A química também avançou, e continua motor vital para o desenvolvimento da indústria. A biologia impulsionou a genética e avançou para sua unificação coma teoria de Darwin, a nova síntese evolutiva. Os exemplos são muitos, e precisam de uma visão filosófica unificadora. Nesse sentido, muita pressão recebi do meio ambiente hiperespecializado de nossa época. Mas o perfil pessoal de querer o impossível, saber de tudo, ao menos nos aspectos gerais corretos, levou-me de modo inconsciente a uma concepção geral. Via de regra, o filósofo tem uma premissa ou visão de mundo do qual deriva suas conclusões, seguindo seu sistemismo. Tive de fazer diferente, o oposto: primeiro, cheguei a conclusões relativamente separadas na arte militar, na psicologia e na essência humana, na física, na filosofia, na história etc. para, apenas então, derivar, perceber, que havia um fio condutor comum, que unificava numa teoria de tudo a realidade. O sistema filosófico-científico é, portanto, conclusão, não o começo ou o primeiro. É comum que os marxistas e pessoas das chamadas ―humanidades‖ entendam pouco de ciências da natureza e da matemática. Meu caso não era diferente, por isso fiz todo um programa de estudo e pesquisa que partia do básico, matemática básica, para evitar qualquer lacuna, até a matemática e ciências avançadas. É raríssimo encontrar marxistas que dominam bem as ciências humanas de um modo geral, da economia até a ciência militar passando pela psicologia, e, ao mesmo tempo, uma visão estável da moderna ciência natural. A especialização excessiva cobra muito caro. Isso nos leva à questão da metodologia. Aqui, exponho de modo resumido o método empírico-dedutivo junto com um desenrolar da dialética para nosso tempo. Tal método nada mais é que o dialético sob nova roupagem, em oposição, real e conceitual, ao limitado hipotéticodedutivo. A FILOSOFIA Com este material, quero resolver com um ponto final, e como ponto de partida, a milenar disputa sobre a questão do Ser. A filosofia de nossa época ou rejeitou a questão a priori, diante da enorme dificuldade, ou deu passos ruins nessa direção. Lukács poderia ter resolvido a polêmica já na década de 1960, mas limitou-se à ontologia, metafísica, apenas do ser social. Ver-se-á nas próximas páginas como sua ontologia, correta, está abaixo da nossa, mais geral e profunda. A questão do Ser mobilizou os melhores filósofos não marxistas nos últimos 200 anos, mas que se perderam na sua pureza suposta, na negação do ente, na falta de domínio da ciência natural etc. Os marxistas antimetafísicos estão com Kant e com os positivistas, em má companhia. Kant
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contrapôs os avanços da física contra a estagnação da metafísica; ora, deixou de ver que a metafísica correta deve surgir da física contemporânea e da ciência; eis o segredo. Se esta obra apresentar algo correto nos seus aspectos gerais, trata-se, junto com a obra A crise sistêmica, de uma revolução copernicana na ciência e na filosofia, logo precisa ser reconhecida como tal. Dois limites subjetivos atrapalham tal reconhecimento: 1) acadêmicos sentem-se na obrigação de sempre discordar, nunca entrar em acordo; 2) esta obra foi escrita por um autodidata, sem prestígio e cargos. Algo novo tende a causar, quando não a cínica indiferença, a rejeição inicial. Eis que entra em questão os pares. Nunca tivemos tantos doutores em filosofia, e nunca eles foram tão inúteis. Em geral, apenas comparam um autor com outro, criando relações artificiais entre eles, ou tornam-se interpretes oficiais de algum pensador europeu ou americano, ou usam o jogo de linguagem e ―conceitos‖ para disfarçar a baixa criatividade e ausência de ousadia, ou aumentam apenas uma vírgula e um ponto a mais no pensamento geral. A situação é deplorável. No entanto, exato a falta de gênios entre nós deve exigir mais criação, mais riscos – e que seja posto sob crítica para novos apoios e aperfeiçoamentos. Os filósofos oficiais, se fazem filosofia ou ciência, trata-se de algo colateral, quase um acidente, pois o que importa é um texto de doutorado comportado, que garanta aquela vaga de professor estável. Enfim, para concluir, sou repetitivo em certos temas na obra. Ao menos isso ajuda a fixar o conteúdo, mas sua razão central é que o objeto exposto exige tal insistência. Há que ser rigoroso. Por outro lado, ganhamos em clareza, herança que guardo da letra de Engels, com quem aprendi a simplicidade da escrita para o público popular potencial. Peço a indulgência do leitor, incluso do especializado, pois tive de abarcar literalmente o mundo na busca das verdades primeiras. A riqueza de material, inesgotável, impõe certos limites. A questão sobre se há ou não certa metafísica real, material, apenas poderia ser solucionada na sua busca, nunca por críticas externas ou de princípio do tipo feito por Adorno. Ademais, ao lidar com aqueles a confundir metafísica e religião, faço certas ―metáforas‖ com o mundo religioso apenas para reforçar a riqueza do materialismo dialético. A incapacidade de suportar o materialismo na ideia é a incapacidade de suportar o materialismo na matéria.
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O QUE É METAFÍSICA? Na vida intelectual, um adversário acusa o outro de ser metafísico – e este, vice-versa, rebate seu inimigo de ideias com a mesma acusação. No senso comum acadêmico, metafísica seria algo místico, religioso, deísta etc. Confundem metafísica com metafísica medieval e de Aristóteles com seu Primeiro moro imóvel, Deus e causa do movimento. No dicionário, metafísica é isto: ―no aristotelismo, subdivisão fundamental da filosofia, caracterizada pela investigação das realidades que transcendem a experiência sensível, capaz de fornecer um fundamento a todas as ciências particulares, por meio da reflexão a respeito da natureza primacial do ser; filosofia primeira.‖ A metafísica materialista, dialética, objetiva ou marxista, como quisermos chamar, diferenciase da metafísica comum, embora use a mesma palavra. Mas a confusão ocorre: quando Lukács anunciou uma ontologia, todos diziam que isso era antimarxista, pois ontológico, para eles, excluía o movimento – mas a ontologia marxista é movimento puro, história. Uma dos equívocos é este: pensa-se que a metafísica sempre será ideias abstratas e gerais tiradas ―do nada‖, portanto, artificiais; mas minha metafísica tem tais ideias como resultado da empiria, não o começo arbitrário. Vejamos algumas questões metafísicas e nossa telegrafia de repostas: 1. Qual a causa do movimento? O universo teve um início, um colapso para dentro de si do infinito quando surgiu o ―átomo primordial‖ (o Uno). A matéria cai na quarta dimensão espacial como em si mesma. Na dialética, a causa do movimento, em geral, é a contradição – mas deve haver, antes, movimento para a oposição ser contradição. 2. Há liberdade? Liberdade é ter mais opções para escolher o que já vamos escolher, mesmo. O ―o que‖ ocorrerá é determinístico, mas ―o como‖ está em jogo. 3. Qual a origem do universo? Eis uma pergunta que deve ser necessariamente respondia. O nada vazio, infinito e caótico puro decaiu no seu oposto, o Ser preenchido, finito e com leis regulares. Ora, antes do universo só poderia existir o não existir, o nada! 4. O que é o tempo?
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O tempo é a manifestação indireta da quarta dimensão espacial, oculta e relativamente separada do mundo. Ainda no dicionário, temos a concepção de Kant: ―no kantismo, estudo das formas ou leis constitutivas da razão, fundamento de toda especulação a respeito de realidades suprassensíveis (a totalidade cósmica, Deus ou a alma humana), e fonte de princípios gerais para o conhecimento empírico.‖ Não existe alma, mas existe psique – explicaremos o que, grosso modo, demonstra-se natureza da mente e da consciência, além da natureza humana em geral. Também sabemos que não existe Deus, logo a questão resolve-se por si mesma. Mas existe mundo, e ele deve ser explicado para além e por debaixo de seus fenômenos (limitar-se aos fenômenos, aos dados, à empiria, à aparência e às formas é antimetafísico, além de antimarxista, ou seja, antidialético). Para Kant, o mundo não seria inteligível, compreensível, acessível. Provaremos ele que é, sim, de fato – hoje. Neste ensaio científico, temos uma virada nova, giro ou revolução copernicana do pensamento, que supera de vez os limites kantianos já frágeis desde Hegel, Marx e Eisntein. Por exemplo, há quatro críticas de Kant contra o materialismo, que ele nomeia ―contra a metafísica‖, que serão o foco de um capítulo específico. 1. O universo é finito ou infinito no espaço e no tempo? 2. A matéria é ou não divisível ao infinito? 3. Há ou não uma causa primeira? 4. Há liberdade humana ou apenas leis rígidas, causais, do universo? Somente uma teoria sistemática correta, enfim possível, pode responder tais indagações. Enquanto não respondíamos, havia uma lacuna enorme no pensamento universal. Até agora, o marxismo não tinha nenhuma resposta para tais questões, sequer de maneira fraca. Ou seja, o materialismo ainda tinha uma incompletude de base. Aos que ainda resistem à palavra metafísica – paciência. Toda superestrutura, incluso o pensamento, apresenta-se conservadora em duplo caráter da palavra, no sentido de conservar conquistas, mas também no sentido de resistir ao novo, mesmo se necessário e correto. Vejamos, agora, em seguida, provas da íntima relação de Marx com a matafísica.
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MARX, O CAPITAL E A METAFÍSICA
Faço esta introdução para agradar paladares do marxismo oficial, o acadêmico. De tal modo, aqui não estará exposto em exato um resumo do livro inteiro ou algo do tipo; por isso, adianto temas que apenas serão claros no desenrolar da obra. Como o assunto é difícil e desagrada o senso comum teórico, senti necessidade de antecipar algo, para facilitar a aceitação de nossas teses. Portanto, peço mente aberta, sem críticas a priori. O QUE É METAFÍSICA Metafísica é saber os aspectos mais gerais da realidade. Não se limita ao físico ou ao químico, ao biológico, ou social – quer o comum deles, neles, juntos. E pronto, apenas isso. É saber o Ser – a realidade total, incluso suas relações – enquanto Ser. Por que o mundo é assim e não de outra forma? Quais são as leis universais do mundo? Qual a origem de tudo? Qual a natureza do tempo? Há liberdade ou determinismo? Eis perguntas metafísicas, gerais. Trata-se de saber o ―por que‖ o mundo é assim, não apenas o ―como‖ ele opera, age, repete-se. Ninguém com mente saudável negaria tal objetivo. A metafísica medieval é religiosa, mas nem toda ciência metafísica precisa estar ligada à religião. Ela é a área mais ampla da filosofia e, logo, da ciência. Levantamos isso porque se confunde muito em tal tema; por exemplo, a metafísica não precisa ser uma série de princípios arbitrários, tirados não sei de onde, que guiam toda uma dedução de pensamento. Nossa metafísica deriva da física, da realidade, da materialidade, do empírico e sensível. O CAPITAL E A METAFÍSICA Marx ―diz‖ do capital que ele é uma metafísica real, concreta, materialista. Por isso, o dinheiro é o Deus efetivo e real de nosso tempo, o demônio a ser destruído. Tal divindade sensível desconhece qualquer limite e dobra a humanidade aos seus pés. Pois bem; isso ainda é dizer pouco, muito pouco em verdade. A coisa toda é muito mais sofisticada, ainda clara. Jadir Antunes, que também trata da metafísica em O Capital, embora pense a obra apenas como base de uma ―crítica da metafísica‖, nunca sua afirmação positiva, lembra que é pedra angular da metafísica isto: o abstrato domina o concreto. Quem leu a obra de Marx com atenção toma de pronto um susto! De fato, o valor domina o valor de uso! O trabalho abstrato domina o trabalho concreto!
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Mas para Jadir, o valor é algo relacional, então cai em erro. Descobri – e exponho em um capítulo – que uma das grandes oposições unilaterais da ciência moderna é entre relacionalismo e substancialismo (se quiser, fetichismo). No capítulo 1 d‘O Capital, o nosso mestre demonstra que o valor é substância, ―algo‖, propriedade real, até mesmo ―sujeito‖; mas a forma do valor – como a forma preço – trata-se de algo relacional, comparativo etc. Lembremos que valor não é preço: a mercadoria pode estar com o preço acima ou abaixo do seu valor real. O preço é mero nome do valor. Dito isso, nada custa lembrar que quase todo o marxismo até hoje não entendeu isso, o mais básico ensinamento, nas primeiras páginas da obra citada. É insuficiente ter bons olhos e boa razão para bem ler. O preço, dado pelo comerciante, é ideal; o valor é material – repetimos, material. Vamos às citações. Para Marx, o valor existe; leiamos: ―O valor do ferro, do linho, do trigo etc., apesar de invisível, existe nessas próprias coisas…‖ (Marx, O capital I, 2013,, p. 170; grifos meus) Que absurdo! A realidade, social ou quântica, tem o direito de ser absurda. Por exemplo: a energia existe, embora não seja diretamente observável, apenas indiretamente por meio de suas formas e manifestações. Como cada um tem um Marx para chamar de seu – diga-se de passagem: com frequência, culpando Engels de todos os pecados –, vamos para mais uma citação: ―Aqueles que acham que atribuir ao valor existência independente é mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa abstração como realidade operante (in actu).‖ (Marx, O Capital - livro 2, 2014, pp. 119, 120; grifos meus) Como dissemos, abstração que domina o concreto. Em minha metafísica – marxista, ortodoxa até – descubro uma equação qualitativa: o abstrato é o concreto em processo. Assim, o trabalho abstrato, produtor de valor, é o trabalho concreto, produtor de valor de uso, em processo, no tempo, em movimento. Assim, o capital (abstrato, que não é coisa) é o valor (material, embora invisível) que se altovaloriza (processo, movimento). Sobre este ponto, deixo ao leitor a curiosidade de saber mais no decorrer da obra. Passemos, portanto, para as demais questões.
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Quando Marx abre sua obra propondo tirarmos todas as qualidades, determinações e características da mercadoria – cor, peso, tamanho, massa etc. –, afirma: sobrou apenas uma gelatina (abstrata!) de trabalho. Veja bem; isso não é mera metáfora! Mais que isso: uma dedução da empiria! Isso é a chamada ―coisa-em-si‖ – exclusão das propriedades da coisa – que Kant supôs ser metafísica, portanto, para ele, inalcançável tanto aos sentidos quanto à razão. Marx, assim, refuta o kantismo antimetafísico. Vemos que ser contra a metafísica é abraçar sem mais o kantismo e a ciência aburguesada. Na última citação, Marx critica os economistas que, eles sim, perceberam o valor como algo, propriedade real, mas disseram se tratar de ―mera‖ abstração (gnosiológica, não ontológica). Anos depois, Engels também comenta nesse sentido no posfácio ao livro III: para os críticos, o valor seria uma categoria útil, mas fictícia, artificial, própria para entender a realidade. Ou seja, kantismo. Engels, ao contrário, afirma a existência do valor. Vale, então, dois pontos antes de avançamos para o próximo aspecto. Postone acerta ao dizer que o valor é como o ―espírito absoluto‖ de Hegel, embora tenha errado o tiro. E Jadir Antunes acerta ao dizer que o ouro, a suposta forma final do dinheiro, é o modo metafísico da forma de valor, pois com tal matéria dourada e rara ele se torna imperecível, melhor, O Imperecível. No entanto, a teoria do dinheiro em Marx está incompleta, algo que atualizo na minha obra ―A crise sistêmica‖, cujo capítulo específico indico já que não é nosso foco por aqui. O QUE É, AFINAL, O VALOR? Na física, energia é capacidade de trabalho. Ainda em tal ciência, trabalho é transferência de energia. Desde algumas notas de rodapé de Marx, penso que ele tomou da física clássica (correta) sua concepção de valor. A energia, não força, de trabalho – uma redundância necessária – produz uma outra forma de energia, o valor, a forma social, presa ainda à natural, de energia. Isso resolve tudo, mesmo: trata-se da explicação definitiva da obra de Marx e de nosso modo de produção. Por exemplo: o valor, como propriedade energética sui generis, apenas pode estar numa coisa material – logo, serviços não produzem valor. A leitura imanente da parte sobre extensividade e intensividade do trabalho demonstra tal tese com toda clareza. Primeiro, se aumento a intesividade, reduzo a extensividade da jornada, pois o trabalhador cansa mais rápido. Se, ao contrário, aumento a extensividade, reduzo a intensividade, por cansaço também. O que une os conceitos opostos? A energia do trabalhador . Mas há muito mais a dizer. O valor não é – não é, diferente do que pensa a maior parte dos marxistas – tempo de trabalho (socialmente necessário para reproduzir uma mercadoria). O valor é apenas MEDIDO
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assim; medida inexata, aliás, imperfeita, defeituosa, apenas aproximada. Vejamos. Se trabalho por 1 hora com certa intensidade normal, logo produzo um tanto de valor de uso e um tanto de valor, pois gastei um tanto certo de energia. Ora, se, na mesma 1 hora, dobro a intensidade do trabalho, trabalho em dobro no mesmo tempo, logo produz o dobro de valor! No mesmo tempo, 1 hora! Tudo porque gastei o dobro de energia. Valor é forma social de energia, substância invisível. Marx afirma que o desgaste da máquina é, também, sua perda de valor – e isso não é modo de dizer, metáfora ou algo kantiano. O valor está preso na materialidade. Seja por uso na produção, seja por fatores temporais e ambientais; o desgaste do maquinário o faz perder ou transferir a substância social que está em si mesmo. Idealmente, isso se expressa – na idealidade – pela contabilidade da empresa como a depreciação do capital. Isso fere nosso senso comum e o bom senso. Mas assim é, então devemos aceitar a verdade intragável. Como ideia nova, nova interpretação, natural que seja atacada e minoritária, mesmo em meios racionais. Vamos digerir o produto. ―Tem que se deixar de lado a opinião de que a verdade tem que ser algo palpável.‖ (Hegel G. W., 2016, p. 53) O valor entra em crise em nosso tempo – e apenas podemos acessar o socialismo se sua categoria central entra em crise. Do ponto de vista externo, apresenta-se assim: o valor-energia torna-se, cada vez mais, capital-massa, claro, menor quantidade de trabalhadores a produzir valor. A crítica do valor acerta aqui, ainda que de modo unilateral e impressionista , embora erre em quase tudo. Marx diz que podemos virar e desvirar a mercadoria, mas não encontraremos nela nenhum átomo de valor! No entanto, ela gira! Daí derivaríamos a casa do valor e da energia não empíricos como quarta dimensão espacial, o ―lugar‖ da infinitude qualitativa e causa do movimento, isto é, de queda da matéria em si mesma? Nesse momento, o leitor apegado aos olhos e ao que há apenas diante de si – como Aristóteles! – salta da mesa e grita contra o texto! Isso soa um delírio completo e desmoralizante porque ainda não o derivamos passo a passo, com todo o cuidado necessário – algo feito na obra inteira. A verdade está próxima da irracionalidade, sem nela desabar. Mas esqueçamos este parágrafo saltitante como um deslize do autor… Vejamos, portanto, o método! O MÉTODO METAFÍSICO DE MARX O que Marx faz não é mera descrição da realidade; para isso, nada de fato científico seria necessário. Ele vai direto para a empiria, para os dados, para os fatos, para o sensível – sem premissas, postulados mentais, concepções, conceitos, modo de separar o complexo concreto etc.
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Mas isso é metade do caminho: o método dialético é, grosso modo, empírico-dedutivo; da empiria, deduz-se o que não é empiria. Do sensível, deduz-se o não sensível, o suprassensível, ou seja, o invisível aos olhos ou essência. Vai-se ao Ser, isto é, observa-se o qualitativo, o quantitativo e, então, mede; depois, por isso, deduzimos seu lado essencial, antes oculto; depois, apenas no fim, chegamos aos conceitos e à concepção de como o mundo de fato é em si mesmo, longe de artificialidades mentais. Ouçamos Marx: ―Inicialmente, eu não parto de ―conceitos‖, portanto, nem mesmo do ―conceito de valor‖, e, assim, de modo algum tenho também que o ―dividir‖. Parto da forma social mais simples na qual o produto do trabalho se apresenta dentro da sociedade atual, e essa forma é a ―mercadoria‖. Eu a analiso, em primeiro lugar, precisamente dentro da forma pela qual ela aparece. Aqui descubro então, que, de um lado, ela é, dentro de sua forma natural, uma coisa de uso, também conhecida de valor de uso; de outro lado, ela é portadora de valor de troca e, desse ponto de vista, é por si mesma, ―valor de troca‖. A análise posterior desse último me mostra que o valor de troca é apenas uma ―forma de manifestação‖, modo autônomo de apresentação do valor contido na mercadoria, e então inicio a análise do valor.‖ (Marx, Últimos escritos econômicos, 2020, pp. 57, 58; grifo meu) Tomando as pistas da própria empiria, Marx foi cada vez mais ao mais puro e simples, diluindo, separando, abstraindo tal como fez, ao seu modo, o metafísico Platão. Levou tal processo químico e metodológico até as últimas consequências. Assim, ele alcançou o mais abstrato, o conceito mais simples e geral, além de não diretamente empírico, o valor; que é conceito real, realidade e conceito. Ainda como Platão, Marx divide a realidade econômica em duas: do valor de uso e do valor. Assim, surgem as oposições desdobradas dessa forma de opor: forma relativa e forma equivalente, medida do valor e padrão de preços, mercadoria e dinheiro, capital e trabalho, máquina e trabalhador, composição orgânica e composição técnica, força de trabalho (com trabalho) e valor da força de trabalho etc. Isso contraria a teoria do valor-matéria, tentativa de reunificação dos opostos, do qual trataremos num dos capítulos. Seguindo o pesado perfil de suas épocas, Marx e Engels foram contra a ontologia (que é apenas uma parte da metafísica, lembremos). No entanto, Lukács provou a existência de uma ontologia marxista desde a nossa tradição. De igual maneira, foram contra a metafísica, embora, sobre e sob o capitalismo, Marx tenha deixado claro seu lado metafísico real. As chamadas
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formas platônicas, por exemplo, tomaram o modo de ―forma do valor‖, ―forma preço‖, ―forma mercadoria‖ etc., que não são coisas como o objeto, o valor de uso (toca-se o produto, não a mercadoria; não se pode tocar de fato o preço, apenas sua representação numérica). Engels – e afirmou-me de já como engelsiano – contrapôs dialética e metafísica em sua Dialética da natureza. É compreensível, mas foi um erro do fundador de nossa tradição. Ademais, as condições para a metafísica marxista em forma teórica apenas deu-se na história recente. Antes, seria improvável, talvez relativamente impossível. Salvamos, assim, a metafísica de sua suposta crise final. Dialética é o oposto – mas – idêntico da metafísica, uma forma de metafísica materialista. Aos que dizem que Marx, à maneira gnosiológica, deseja destruir a metafísica, respondemos de modo ontológico: Marx quer destruir a metafísica – real, do valor-capital. UMA ANTECIPAÇÃO Há três leis gerais do Ser, a partir do inorgânico: 1. Ser é energia em busca de mais energia. No social, produtividade crescente – e trabalho. Na biologia a célula e o animal que caça têm de conseguir mais-energia (lembra-nos o mais-valor!) do que o gasto na sua obtenção. No inorgânico, temos a gravidade que atrai mais energia-massa. Ainda no social, mais-valor como forma de mais-energia. 2. Ser é ir-se do simples ao complexo. Isso é evidente no ser social, biológico e físico-químico – hoje, apenas hoje. Para Hegel, o simples já é o complexo, sem o tempo. No marxismo, de modo ainda instintivo, o simples avança ao complexo. No social, isso significa afastamento das barreiras naturais – e sociabilidade. 3. Ser é interconexões crescentes. O instinto marxista diz que tudo está conectado, em interrelações, ou seja, uma concepção estática. Ao contrário, átomos separados aproximam-se e formam moléculas. O olho teve de surgir 6 vezes na história animal, como nova conexão necessária. No social, apresenta-se como tendência lukacsiana de unificação global de nossa espécie (incluso internet etc.) – e como linguagem. Por fim, nossa dialética marxista. A lógica formal diz: A = A. Por exemplo, luta política aqui e luta econômica ali, opostos e sem contato. Por exemplo, a verdade é relativa ou absoluta, sem terceira alternativa.
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A velha dialética diz: A = A e não-A. Por exemplo, luta política já é luta econômica e, viceversa, luta econômica é, também, luta política. Por exemplo, a verdade é relativamente relativa, entre o relativo e o absoluto – a terceira alternativa. A nova dialética, marxista, diz: A = A e… não-A. Por exemplo, luta política torna-se uma série de greves econômicas (após junho de 2013!); luta econômica torna-se luta política, como uma greve geral após muitas greves parciais por salário. Por exemplo, a verdade vai-se de relativa, parcial, limitada, angular para cada vez menos relativa e mais absoluta, cada vez mais verdadeira, do relativo ao absoluto por aproximação. As duas outras lógicas estão dentro, são internas, desta lógica marxista. Pela profundidade dessas contribuições, ademais do risco tomado, torna-se necessário colocar sob avaliação e, se caso for, crítica dos pares no sentido de desfazer preconceitos e aperfeiçoar a teoria.
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SEÇÃO UM O SER, O COSMO
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A HISTÓRIA DA E NA CIÊNCIA A grande preocupação dos idealistas gregos era saber daquilo imóvel, sem mudança e movimento. Assim, a antiga metafísica supôs um mundo das Ideias e das formas (Platão), um Ser absoluto (Parmênides), o primeiro motor imóvel (Aristóteles). O que lhes faltou é saber que há as leis da mudança, além das leis da regularidade, algo apenas resolvido na moderna dialética. Até o gigante Heráclito orientava descartar os sentidos, pois no empírico reinava apenas o caos e o acaso – tema que aprofundaremos em outro capítulo. Para o filósofo escravista grego, era necessário negar a historicidade do mundo, pois queria a estabilidade e a perpetuação do seu modo de vida. A filosofia medieval, desde Agostinho, tratou de manter o império da rotina, da tradição, como com a cidade de Deus perfeita e estática e a cidade dos homens imperfeita e alterável. Então, veio o capitalismo e sua necessidade de saber como, não o porquê, o mundo funciona. O princípio da tradição cai por terra, a novidade ocorre sempre, nada é estável. O objetivo é econômico: saber navegar bem, produzir novas ferramentas. Assim, toda a filosofia antiga, a aristotélica em principal, é atingida de morte: as leis da terra são as leis do céu! Mas para Newton o espaço era absoluto, independente e imóvel como o palco de um teatro. Também o tempo era inalterado em seu movimento. E esse foi o paradigma por séculos. O universo, criado por Deus, ainda era eterno e imóvel, além de sem limites, como pensavam já os gregos. Newton foi, após seu grande sucesso teórico, desafiado: se sua fórmula estava correta, logo o universo deveria colapsar! Por que isso não acontecia? Ele pensou: porque o universo é infinito e as gravidades, no geral, em ampla escala, assim, se anulam de um ponto para outros. Mais uma vez, a história saiu do caminho! Os químicos, por sua vez, pensavam que os elementos sempre existiram e sempre existirão – sem criação, sem destruição. O papel seria, assim, descobri-los, isolá-los, classificá-los e dar-lhes bom uso industrial. E pronto. Algo análogo tinha-se na biologia. Os materialistas sempre ensaiavam formas de fazer alguns animais surgirem de outros, mas falhavam. Os idealistas, por sua vez, diziam que os seres sempre existiram e sempre existirão. A primeira etapa da ciência é conhecer, reconhecer e classificar os seres; isso é o seu começo. Mas logo sente sinais de que há um filme sendo contado ali, pistas surgem, especulações ainda tímidas ocorrem aqui e acolá.
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Hegel inicia a ideia de que o homem tem uma história, que o passado é a causa do futuro, que há um caminho a percorrer. Antes, a história de Roma era tratada como indiferente à história atual, sem progressão e progresso. Mas foi em Marx que a história humana foi materialisticamente explicada: com a necessidade de satisfazer necessidades materiais, os homens produzem objetos e relações sociais novos; assim, a produtividade crescente muda as coisas, o ambiente – e os próprios homens. Então, Marx generalizou: o inorgânico, a biologia e a sociedade são históricos, possuem um processo! Ele o fez de modo filosófico, resolvendo a charada apenas na história humana. Depois, Darwin deu forma científica à conclusão marxista: a vida e as espécies têm uma origem e um desenvolvimento, como dos seres simples aos mais complexos, menos diferenciados aos mais diferenciados. Algumas espécies e indivíduos prosperam se bem se adaptam e outros definham se mal sobrevivem. Apesar de ser o mais simples, o inorgânico e o cosmos foi o mais difícil de saber de sua historicidade. Nossa geração já cresce tendo contato com a teoria do Big Bang, logo perdemos a noção de quã recentíssima é tal concepção de mundo. Mas o próprio Einstein demonstrou resistência à ideia, com sua concepção estática – a constante cosmológica! – de universo. Ele teve de lidar com a mesma contradição de Newton, ou seja, por que o universo não colapsava para dentro de si ou, ao contrário, não se expandia? Descobrimos que o nosso universo teve um início, uma expansão rápida (não explosão) quando o ―átomo primordial‖, imensamente concentrado em si mesmo, decaiu em partículas cada vez menores, fundamentais. Tal teoria leva à concepção termodinâmica de Engels; o universo acabar-se-á frio, morto e estático. Mas a teoria nunca poderá parar aí. Para uns, o universo ―esquecerá‖ que se expandiu ao máximo e fará um novo big bang. Para outros, ele é como um pulmão indiano, expande-se para depois contrair-se, sabe-se lá como – embora isso seja muito mais dialético, tal como veremos. Outros tantos defendem que há muitos universos depois deste, infinitos. Em geral, temos duas teorias: o multiverso no tempo, que se expande e se contrai; o multiverso no espaço, uns ao lado dos outros. Aqui, proponho o universo no espaçotempo, uma fusão: a expansão ou contração de um universo se dá junto e porque outros expandem-se ou contraem-se. Mas suponhamos que exista apenas o nosso universo, não o cosmos como união de todos os universos existentes – qual a solução? Alguns físicos defendem que a próxima era cósmica, a dos buracos negros, gerará a fusão e atração destes, reiniciando o universo inteiro. Tudo bem, mas como? Há aí apenas descrição, não explicação. Na verdade, ao que me parece, apresento a hipótese, os buracos negros – maiores, ao menos – sugam espaço (que, debateremos, torna-se provavelmente matéria e luz), são produtivos, por isso não há buracos negros intermediários, nem observados no número necessário. Outro problema: se o
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espaço expande-se mais rápido do que a luz, o que ele é? Ora, matéria e espaço – nossa terceira hipótese – são o mesmo, sendo ainda diferentes, a matéria inicial em parte decaiu e decai em espaço. O próprio espaço tem história, modifica-se e nasce! Ainda outros, dizem que até o tempo tem uma história, que teve um início. Há, ademais, uma versão científica e pouco ortodoxa que diz: as leis da física são históricas, não permanentes, segundo a fase e configuração do universo. A dialética nem rejeita nem corrobora esta tese, penso. Vejamos: a história humana tem leis universais e tem leis que pertencem somente e tão somente àquela época específica, capitalismo ou feudalismo etc., ao modo de vida de um determinado tempo e sistema. Mas isso não significa, mecanicamente, que é assim também na biologia e na física, pois ambos são mais simples e menos dinâmicos que o sistema social humano. Para a dialética, no entanto, importa o contexto; por exemplo, um material não condutor em temperatura ambiente torna-se condutor em temperatura elevada. Fica, portanto, esta máxima: o mundo total vai do menos para o mais dialético – muito acima da lei de ir do menos ao mais perfeito. Agora, entramos de novo na química. Apenas hoje, há pouco tempo, soubemos que os elementos mais pesados surgem da fusão dos elementos químicos mais leves nas estrelas, como o Sol. Há fusão nuclear. Os elementos ainda mais pesados, por outro lado, exigem ainda mais energia para seus surgimentos, frutos das explosões estelares. A mera descrição da tabela periódica teve de dar espaço para uma narração épica! A revolução espácio-historicista da ciência ainda está incompleta, mas avançou de maneira qualitativa, contra a mentalidade estática dos próprios cientistas, que cederam à realidade. Os gregos, como os iniciadores dessa história, tinham o direito de errar – nós temos o dever de acertar.
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A IGUALDADE DE TUDO O início da filosofia grega foi a intuição da igualdade universal. Assim, buscavam apenas o geral e o único, esqueciam o papel da diversidade. Tales, o primeiro físico, afirmou, pela primeira vez na história, que tudo é um porque tudo é, vem da, água. A dedução tem sua lógica, pois todos os seres vivos precisam beber, precisam retornar às suas origens. Seu primeiro passo permitiu ao discípulo Anaximandro ir ainda mais longe: o princípio de todas as coisas não é algo específico, mas alguma coisa não empírica, no fundo do fundo, sem qualidades ou limites, que ele nomeou Apeíron. Também Heráclito algo propôs, o fogo como origem e causa de transformação de tudo. Anaxímenes, o ar. Logo surgiria a ideia natural de que o terra, o fogo, a água e o ar mudam-se uns para os outros, além de combinação e separação. Mas eles, em geral, ficaram muito presos ao sensível. Um dos pontos alto é o atomismo de Demócrito, de que o mundo é feito de átomos e vazio, muito depois seguido por Epicuro. A física clássica, além de outras ciências, tratou, primeiro, de separar, clarear e destacar a diferença no mundo e nos conceitos. Mas logo, com a ajuda da matematização, ensaiou a unidade ou identidade dos diversos, como v = s/t, velocidade é igual ao espaço dividido pelo tempo; dirá Hegel, o movimento é a unidade de espaço e tempo. Maxwell deu um gigantesco passo ao perceber que seus 4 cálculos poderiam ser unificados, formando a união do magnetismo e da eletricidade em eletromagnetismo – logo percebeu que a luz caberia dentro de tal descrição. Mas foi Einstein quem deu o passo imenso na unidade de tudo. Ele disse que massa e energia são um, são diferentes manifestações de algo comum (já debateremos o que é, para nós, este objeto comum). E foi ainda mais longe ao perceber que espaço e tempo são espaço-tempo, pois tempo é espaço! Mais: as duas formas de massa são um! Gravidade e aceleração são iguais! Hegel diz, inspirado no começo da filosofia: Entretanto, por meio do conceito de diferença interior, esse desigual e indiferente, espaço e tempo etc. são uma diferença que não é diferença nenhuma, ou somente uma diferença de homônimo. E sua essência é a unidade. Em sua relação recíproca são animados como o positivo e o negativo; mas seu ser consiste antes em pôr-se como não ser, em suprassumir-se na unidade. Subsistem ambos [os termos] diferentes, são em si como opostos; isto é, cada qual é o oposto de si mesmo, tem o seu outro nele, e os dois são apenas uma unidade. (Hegel, Fenomenologia do espírito, 1992, 2002, p. 127)
Veja-se que Hegel antecipou o princípio da ciência moderna! Não foi algo vago, mera intuição, mas afirmado com clareza como espaço e tempo enquanto apenas em unidade.
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E se levarmos unidade até as últimas consequências, por generalização? Surge esta fórmula qualitativa: Movimento = energia = tempo = espaço = matéria (= massa = luz = campo)172 Chegamos à teoria de tudo! Ao leitor especializado, pedimos que avance neste e nos próximos capítulos, que daremos as provas necessárias de nossa formulação. A busca de uma teoria do todo, como fórmula que unifique o micro e, por meio do meso, o macro, a relatividade e a quântica, tem uma proposta clara nesta obra. Isso passa por unificar as 4 forças fundamentais: a nuclear forte, que mantém o núcleo do átomo unido; a nuclear fraca, que é responsável pelo decaimento do átomo; a eletromagnética, que trata da relação de elétrons; a gravidade, que cuida da atração da matéria. Mas o conceito ―força‖, com seu quase misticismo, entra em crise, não corresponde a um objeto real. A gravidade não é uma força, mas uma curvatura do espaço-tempo. Podemos deduzir, por generalização, que as demais 3 ―forças‖ também não são forças de modo nenhum. Os físicos unificaram as três forças, menos a gravidade – meio caminho andado, portanto. Mas talvez tratase de olhar por outro ângulo. Tudo é energia (em busca de mais de si), a matéria-luz decai em espaço; por outro ângulo, tudo é espaço condensado, concentrado, para dentro de si! Assim, a mesma ―força‖ que mantém o núcleo do átomo unido, por exemplo, é a energia produzindo uma gravidade, uma queda para adentro de si no espaço. Nossa formulação, junto com a equação acima, reduzir tudo a espaço, formas de espaço, resolverá em outro capítulo todas as polêmicas científicas da física. A matéria primordial decaiu e decai em espaço, mas, por enquanto, concluímos este tópico pela palavra de Feyman: Os momentos mais dramáticos no desenvolvimento da Física são aqueles quando grandes sínteses acontecem, onde fenômenos que previamente pareciam ser distintos são subitamente revelados como sendo apenas diferentes aspectos da mesma coisa. A história da física é a história de tais sínteses, e o sucesso da ciência baseia-se principalmente no fato de que somos capazes de sintetizar. (Feynman, Sobre as leis da física, 2012)
Basta substituirmos o sentido limitado de física para a física enquanto sua toda realidade. Tudo é um e múltiplo, unidade interna no diverso externo.
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O ideal é ir do mais abstrato ao mais concreto, do mais imaterial ao mais material – como campo antes de matéria, este antes de massa etc.
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PARADOXO DE EINSTEIN Nesta obra, corremos vários riscos de desmoralização por apostar em ideias e caminhos incomuns, mas que me parecem corretas. Por isso, convido o leitor a insistir no adiante, pois em outro capítulo exporemos melhor nossas ideias, passo a passo, de modo que parecerão muito razoáveis, ainda que estranhas. Penso, como debaterei mais uma vez ao final deste ensaio, que Einstein, além de fazer descobertas geniais, apresentou paradoxos como se fatos fossem – mas a lebre ultrapassa a tartaruga. Por exemplo: o núcleo da Terra está como se 2 anos atrasado no tempo em relação ao resto do planeta. Como isso é possível? Um paradoxo. O núcleo e as demais camadas mais externas da terra relacionam-se direta e imediatamente, sem efeito temporal. Como resolver, ainda que corramos riscos de erros? Para Einstein e para os físicos tempo é o espaço; as coisas viajam no tempo, alteram seu tempo segundo sua velocidade. Veja-se que a matéria, aí, é algo externo ao espaço e ao tempo, não se sabe como. Tempo é espaço, espaço é matéria – tempo é energia. Ao acelerar, ao ganhar velocidade, o objeto reverte ou combate a entropia da decadência, ganha energia, ganha espaço, ganha matéria (massa) – o que aparece como ganho de tempo, mudança de tempo, mas isso é apenas a aparência, não a essência real. A coisa é a si mesma apenas em movimento; quanto mais movimento, mais velocidade, mais é-se (por mais tempo). A medida matemática de tempo é útil enquanto medida indireta da energia (podemos fazer uma analogia com a economia política: o valor-energia não é tempo de trabalho, pois o tempo aí é medida inexata e indireta do gasto de energia no trabalho manual). Porém, não é fácil defender isso, em especial sem o aparato matemático que o sustente. E é um ponto quase de todo consensual na física o paradoxo de Einstein. A filosofia deve apresentar alternativas de modo humilde, para a crítica de especialistas. ENERGIA Na Lógica de Hegel, pouco há, se algo há, sobre energia. Portanto, sua lógica ontológica não cabe aí. Em nossa ontologia lógica, ontologia da lógica, a realidade é energia, mais precisamente, energia em busca de mais energia. Isso é óbvio na filosofia para o mundo do ser vivo, mas também vale para o inorgânico e para o social. Naquele, como na gravidade enquanto atração por curvatura do espaço-tempo – massa é energia, a energia-massa (ou a ―matéria‖ sem massa que tem energia, como a luz) curva o tecido espaço-temporal; neste, no mundo humano, como com colheitas cada vez melhores, com busca de melhor energia, pela exploração da força (energia) de trabalho do operário. Em geral, quando se considera que o homem também é energia em busca
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de mais de si, ocorre apenas reduzindo este ser ao biológico, à vida, à sua condição animal; mas ele é mais do que isso. O Ser é energia em busca de mais energia, logo relação consigo, relação consigo como com um outro. Que tal relação seja instável, que há falha e contradições, veremos no decorrer do texto. A ciência oficial ainda considera energia apenas um conceito. Mas as diferentes formas de energia, mesmo se as supomos como conceituais, apontam a energia em geral, uma categoria real da realidade, embora não empírica, como é o caso da energia-valor na economia capitalista (vale destacar: a mercadoria é unidade do valor-energia e valor de uso-matéria-espaço-tempo condensado). Cada modalidade do Ser é, por assim dizer, melhor que a anterior na captação energética; em relação ao biológico, o inorgânico é passivo – o social suprassume aquele. Mas energia é insuficiente, pois, como o movimento, seu igual, não se sustenta sozinha. ESPAÇO-TEMPO: O ELEMENTO PRIMEIRO Vários filósofos indagaram-se qual a composição primeira, central, da realidade. Chegaram a algumas respostas: o ar, a terra, o fogo, a água, o éter etc. Com o desenvolvimento da física e da química, parece que o assunto saiu do campo amplo da filosofia. Mas o raciocínio especulativo ainda pode ter seu valor, embora os riscos e a boa mão calibradora da ciência. Raciocinemos juntos. Se pudéssemos dissolver as partículas subatômicas e seus possíveis campos, o que teríamos? O conceito real, a categoria irredutível, mais simples é – o espaço. Assim: tudo, portanto, são formas de espaço; espaço concentrado, condensado. Ou seja: mais do que curvar o tecido do espaço-tempo, toda matéria é o autocurvar do espaço-tempo para dentro de si (desde Einstein, a ligação de espaço e tempo faz-se necessária). É possível supor, a partir desta conclusão, que o átomo, o indivisível, é o maior, ou seja, o espaço, não o menor. Se correto, há unidade do contínuo e do discreto, este vindo daquele. Porém, diferente dos demais temas deste capítulo, tais pensamentos, filosóficos, carecem de base científica e empírica próprias, logo podem ser negados sem maiores esforços pelos cientistas naturais caso se demonstrem falsos. A tendência de uma totalidade, em geral, é ir-se do simples ao complexo. Isso no seu histórico, no seu evolver. O espaço(-tempo) é o que há de mais simples no cosmos, logo, se não veio antes na temporalidade, vem antes – é primeiro – pelo menos lógico-ontologicamente . Diz o princípio do impenetrabilidade: dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Por qual motivo? Porque, respondemos, dois corpos são, em si mesmos, cada
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um, espaço-tempo. É a tautologia de que dois espaços-tempos não poderem ocupar o mesmo espaço-tempo; porém o espaço-tempo pode revelar-se, digamos, condensado. Demócrito afirmou que existem apenas o átomo (ser) e o vazio (não ser). Ele intuiu ainda: há, de fato, unidade de ambos, o átomo é o vazio, o átomo vem do vazio, embora diferentes e opostos; em nossa linguagem e atualização, o espaço-tempo que se expressa também na matéria, com ou sem massa. Tal modo de ver o mundo pode gerar uma ontologia geral, além de no inorgânico, além do também geral proposto aqui. Na geografia, Milton Santos afirma que ―O espaço é acumulação desigual de tempo‖ (Santos, 2004). Podemos extrapolar para observações biológicas como, quanto maior o animal é, mais tempo vive, contrariando os problemas de reprodução celular (maior possibilidade de câncer), pois são seres com mais espaço-tempo concentrado em si (embora ainda seja necessária uma explicação propriamente científica, não apenas filosófica). Porém, apesar dessa elaboração-especulação, pensamos que a ontologia extraída de Marx, o Ser é histórico, como suficiente e insuperável para a ciência e a filosofia, sendo esta caracterização possível do espaço-tempo apenas uma expressão, também hipotética, particular da ontologia marxista. O espaço-tempo e a matéria ou as partículas são apenas um, mas que de fato são dois. O Ser, enquanto ente, como espaço-tempo condensado aparece como em si – e como energia em busca de mais energia aparece como para si. Espaço-tempo e energia são, na verdade, não apenas em unidade, mas propriamente o mesmo, uma identidade. Espaço-tempo, este sendo aquele, apenas um, equivalem ao sincrônico-diacrônico, processoestrutura e o Ser como histórico, mas, derivado, Ser é histórico-geográfico. Quando se diz ―a verdade está no meio‖ (na realidade, no todo contraditório em evolver), diz-se mais do que se pretendia: a verdade está, de fato, no – Meio, no espaço. Nossa Arkhé. Como se verá, porque tudo = tudo, o primeiro não necessariamente é primeiro no tempo. Descobrimos que espaço é matéria, incluso luz e campo, assim como a matéria, incluso luz e campo, é equivalente ao espaço. São diferentes e opostos que são também apenas um. Uma parte do fato de isso ser descoberto apenas agora deve-se da maturidade social e científica; outra parte, porque eruditos, doutores, sempre têm de discordar, nunca concordar, dos demais ao mesmo tempo em que evitam a qualquer custo qualquer risco real na teoria. Assim, quase se descobriu este fato novo por várias vezes, faltando a ousadia. Vejamos Aristóteles na sua Metafísica que fez longa escola:
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E comprimento, largura e profundidade, não substâncias: a quantidade não é substância, mas é substância o substrato primeiro ao qual inerem todas as determinações. Mas se excluímos cumprimento, largura e profundidade, vemos que não resta nada, a não ser aquele algo que é determinado por eles. (Aristóteles, 2002, p. 293)
Nem todo olho, mesmo um bom, consegue sempre ver o que está diante de si. O salto exige ousadia, portanto. É preciso explicar de modo correto, dizer que o aparente flogisto é, na verdade, gás oxigênio, por exemplo. SER, MATÉRIA, MATERIALISMO Ser, puro ser. Tudo existente, enquanto tudo, é matéria, abstraída de suas formas. Apenas há a realidade material, pura matéria – nada para seu além sobra. No seu começo, se podemos falar de começo, o ser é o máximo simples, sem determinação, sem qualidades, sem características – beira ser o nada, mas não cai nele porque cai dentro de si mesmo (o espaço é, na verdade, o sem qualidades, a transparência transparente). Aqui, por força negativa da abstração, nenhum movimento. A matéria, aqui, é mais do que a matéria empírica da física, diferenciada da massa e da energia. A própria energia é matéria, pois é material. Ademais, Hegel demonstrou que a substância (matéria, espaço condensado) é igual, está presente, nos acidentes, nas propriedades (massa), são apenas um como dois – matéria é sua propriedade, a massa. Isso deriva uma hipótese. Os neutrinos vindos do Sol são, uma parte, mais pesados do que o esperado, o que leva à dedução de que o neutrino mais leve tem alguma certa massa irrisória – mas daqui, deste texto, podemos derivar que o neutrino do elétron tem apenas matéria, ou seja, massa potencial, não real e direta, passando a adquirir massa nas versões mais pesadas. É uma hipótese, da origem filosófica, a ser posta em crítica pelos físicos especialistas. MOVIMENTO Movimento, puro movimento. Ele é o fluir absoluto, sem começo nem fim, sem causa primeira. O movimento é absoluto se tomado em isolado. Até mesmo ficar parado é ato de assim estar, movimento. O movimento e a estabilidade estão, no sincrônico, em unidade, A=A e nãoA, mas também é claro que o movimento antecede o estável, A=A… e não-A, no diacrônico. A contradição certamente faz o movimento, mas o movimento, ao contrário, também faz a contradição. No concreto, vai-se da identidade para a diferença, para a diversidade, para a
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oposição, para, enfim, a contradição; e, supõe-se, de volta à afirmação da unidade agora interna dos opostos contraditórios. Qual é, então, a causa central do movimento? Se, além das três dimensões, finitas, temos a quarta dimensão espacial, ponto do infinito, base da energia, a matéria e a luz caem em tal dimensão como em si mesmas. Eis a explicação metafísica científica, materialista, do mover. A lei da mudança é uma lei que muda, mas uma mudança permanente. DEVIR A verdade da matéria e do movimento é sua unidade necessária – o tornar-se, o vir-a-ser, o devir. O devir é mudança, movimento, deslocamento, desenvolvimento. De imediato, a matéria parece se sustentar sozinha, enquanto o movimento precisa dela – mas tanto o pensar filosófico quanto o empírico logo vê que um somente há com o outro, são apenas um. Ao movimento corresponde a energia; à matéria, o espaço-tempo. METAFÍSICA E ARTE MILITAR Trotsky, em seus escritos de teoria militar, teve de combater várias concepções fixas de luta, de guerra. Logo, ele protestou sobre certa metafísica, baseada em princípios gerais, que não deveria existir. Ora, temos uma equação qualitativa em nossa filosofia primeira: Movimento = energia = tempo = espaço = matéria A variedade da arte militar trabalha com tais elementos. O próprio Trotsky disse que o uso amplo da manobra na sua guerra (movimento) ocorria por causa do espaço amplo do território em disputa. Os cinco elementos acima dinamizam-se e devem ser considerados juntos e em separado pelo estrategista. Por exemplo, ir a uma distância muito grande em território inimigo (espaço), exige muita energia e logística – um dentre as razões de defender a nação é uma vantagem sobre quem a invade. Já disse em outro local que os marxistas mais capazes devem escrever um manual militar completo e claro. Nesse sentido, ajuda a organizar o pensamento considerar a identidade na diversidade dos elementos acima.
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Uma leitura atenta de Da Guerra de Clausewitz demonstra por toda a obra que tais aspectos, elementos, estão presentes com centralidade e devem ser considerados mais do que de modo instintivo ou pela experiência, também ideal e teoricamente. Um exército muito pequeno em relação ao inimigo, por exemplo, força a aposta – compensador – em outro aspecto que não sua matéria, logo, na sua mobilidade. Surge a guerrilha. Um exército concentrado e grande força o outro a desmembra-se, a fragmentar-se para melhor combater. METAFÍSICA E LUTA DE CLASSES Podemos demonstrar que a luta de classes aparenta os conceitos e as equivalências movimento, energia, tempo, espaço e matéria? Sim. A luta por recursos concretos e abstratos estão em jogo. Vejamos:
1.
Movimento
A luta contra a intensificação da produção é luta de classes, contra movimentos mais rápidos. Movimento é também o dirieito de ir e vir negado por quem não tem dinheiro, além da privatização do espaço. 1. Energia e tempo O trabalhador em todas as épocas classistas quer trabalhar mais para si e trabalhar menos. A burguesia, hoje, controla a energia e o tempo de trabalho. 2. Espaço A luta pela cidade, pela reforma urbana, contra a especulação mobiliária, pelo direito de ir e ver etc. A luta de classes também é espacial. 3. Matéria Hoje pela mediação do dinheiro, há uma luta distributiva de valores de uso e uma luta entre lucro e salário. A questão nunca foi colocada de tal modo até aqui. Tais lutas têm algo de comum com a luta biológica entre espécies e membros da mesma, mas em nível superior; de qualquer modo, demonstra que a luta de classes é uma barbárie, a divisão dos homens em classe é animalesco, até a greve é algo bárbaro, embora aponte para a civilização.
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METAFÍSICA E SETORES DA ECONOMIA Como a questão das classes, os setores produtivos também podem ser classificados segundo os conceitos da identidade dos diversos. Vejamos: 1. Movimento Aqui, em principal o setor de transportes. Marx afirma no livro II de sua grande obra que o transporte é parte do capital produtivo e industrial, mesmo sendo algo externo. O transporte de mercadorias oferece valor novo a estas. 2. Energia Por energia, incluímos também a cesta básica do trabalhador e tudo o que ele precisa comprar para manter-se, sobreviver. 3. Tempo As máquinas economizam tempo ou o otimizam. 4. Espaço Destaca-se a construção civil. 5. Matéria Da matéria-prima aos produtos de luxo e finais estão incluídos. Tal modo de expor mantém em pé os departamentos de produção de Marx. Sua formulação é completamente correta, embora possamos pensar outro modo de classificação móvel. Marx pensou mais em questão de valor, a riqueza no capitalismo, enquanto pensamos mais em questão de valor de uso, a riqueza social geral. METAFÍSICA E ORIGEM DA VIDA Para iniciar, substituamos o conceito sensível e instintivo de espaço por ―meio‖, algo abstrato e geral. Feito isso, podemos ir aos ingredientes da sopa vivente: 1. Movimento Precisa-se reunir materiais, compostos. 2. Energia Calor, como fontes terrnais no fundo do oceano, tona-se condição para a vida. 3. Tempo O processo, por ser processo, exige-o. 4.
Meio
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A água como solvente por excelência e o espaço necessário torna-se base inescapável para a vida. 5. Matéria Compostos químico com certa complexidade são condição. De tal modo: 1) o simples tornou-se complexo, 2) algo em busca de mais energia surgiu, 3) inéditas conexões iniciaram-se. Como se deu de modo real e concreto o surgimento do primeiro autorreplicante, trata-se de assunto direto da ciência parcial biologia, não da filosofia como ciência geral, metafísica. No entanto, tal exposição é inescapável: pode ter origem por diferentes tipos de energia, mas teve de contar com fatores energéticos extras, por exemplo.
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O COSMO, O SER É necessário uma concepção geral de mundo, do Ser. Como diz Aristóteles, o Ser se diz de vários modos: Ser (tudo) é energia em busca de mais energia ou mais de si, Ser é espaço condensado (concentrado, formas de espaço), Ser é espaço-matéria, Ser é trabalho, Ser é produção, Ser é histórico em desenvolvimento e geográfico, Ser é totalidade integrada em automovimento contraditório. De modo geral: movimento = energia = tempo = espaço = matéria (= luz = campo = massa), (no nível físico, há em principal identidade sobre a unidade dos diversos; nos níveis acima, ganha algum relevo, ainda subordinado, a unidade dos diversos). Se tudo é igual a tudo, logo tudo é um, ainda sendo também diverso dentro de si. 1. Ser (tudo) é energia em busca de mais energia ou mais de si. O senso comum orientalista diz que tudo é energia. Tendo algum fundamento, o mais correto é afirma que é energia em busca de mais de si. Um corpo com energia-massa atrai outros para si com a curvatura do espaço. Muitos animais começam a reprodução na primavera, quando aumenta a incidência de luz solar. É muito claro que a vida singular é energia em busca de mais energia; isso foi considerado no homem enquanto animal e enquanto indivíduo – mas também vale para a história de toda a sociedade. Assim, somos ainda a civilização nível zero, ou melhor, 0,75, na escala de Kardashev, porque sequer dominamos a energia no nosso planeta. A ciência primeiro descobriu formas de energia, depois as unificou com o conceito apropriado. Os físicos e químicos dizem que a energia não existe, apenas um conceito útil; mas o conceito necessário é, também, real. Contra o empirismo, há a energia, em geral, que podemos deduzir de suas formas aparentes. Graças a Einstein podemos deduzir que o Ser, o cosmos, tem por pulsão ser energia em busca de mais de si mesma, algo difícil de descobrir na cosmologia. Já o que energia, no fundo, de fato é, sua verdade, será exposto no próximo ponto. Para paladares marxistas, afirmamos que energia em busca de mais de si revela-se no capitalismo como valor em busca de mais valor, dinheiro em busca de mais dinheiro. 2. Ser é espaço condensado (concentrado, formas de espaço). O mais simples no universo, o mais sem determinações e qualidades, o mais abstrato – o espaço. Ele é o primeiro lógica e ontologicamente, além de talvez no tempo. O espaço é a transparência transparente e, ao mesmo tempo, com as maiores características como infinito (debateremos qual infinito), o puro, o indivisível etc. O átomo é o maior, o espaço, não o menor.
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Além disso, energia é espaço. Curioso que uma xícara, o café nela, o bebedor da substância etc. são todos espaço condensado, concentrado, para dentro de si. 3. Ser é espaço-matéria. Espaço e matéria são vistos como diferentes e opostos. Este é ativo; aquele, passivo. Mas isso está prestes a mudar: matéria é espaço, embora não seja; espaço é matéria, embora não seja. A união de ambos permite o movimento. A matéria, ou a luz, decai em espaço; e este tem propriedades semelhantes à matéria, como a ter energia. 4. Ser é trabalho e produção. Lukács em sua metafísica disfarçada apenas de ontologia, certa matéria interna àquela, diz que o diferencial do homem é o trabalho, a categoria fundante do ser social, mais do que biológico. Mas é necessário generalizar, pois há trabalho no reino da vida e da não vida. Os animais necessitam de um esforço coordenado para adquirir mais-energia do que o gasto na sua aquisição (caça etc.). As células produzem mais-energia do que exigido para produzi-la. Uma estrela, como o Sol, funde átomos por meio da gravidade, produzindo elementos mais pesados, perdendo energia no processo. Temos a entropia e energia enquanto ―capacidade de trabalho‖. Em sua metafísica, Aristóteles toma o artesão, tão comum em sua sociedade, enquanto modelo para suas conclusões. Assim, alcança as quatro causas e a ideia do primeiro motor, o artesão que move o mundo. Influenciado pela forte propaganda pela disciplina do trabalho no socialismo ―real‖, Lukács faz algo semelhante em sua metafísica ao colocar o trabalho como a categoria fundante do complexo ser social. Por as duas concepções serem mecânicas, são limitadas também, erradas e certas, não orgânicas. Ambos generalizaram de modo parcial ou de modo equivocado. De qualquer maneira, o trabalho-produção é algo próprio de todo o Ser, para além do trabalho humano social. Veremos que, por exemplo, também ambos confundem, por exemplo, teleologia orgânica com o modelo mecanicista do trabalho humano. Até a psicologia afirma o trabalho, além de as demais formas do Ser. Nada fazer gera angústia, logo o sujeito encontra uma tarefa, uma distração, um hábito, um problema (nem que seja no pensamento). A inércia, no sentido comum, torna-se negativo como expressão da necessidade de trabalho, no sentido amplo. Somos seres ativos. A categoria trabalho tem sentido amplo e sentido restrito, no social e na física. No mundo físico, tomando um exemplo de Feymann, subir a escada é trabalho; uma pessoa manter suspenso e parado um bloco pesado, não. Assim, no social também ocorre: a produção material (fábrica, mina etc.) é trabalho; os serviços, embora sejam trabalho no sentido amplo, não são de fato
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trabalho no sentido essencial. Há ainda o trabalho propriamente intelectual feito para o ato produtivo. Façamos, agora, em complemento, uma digressão sobre o ouro, o dinheiro por excelência. Ele tem altíssimo valor porque para tê-lo exige-se muito trabalho humano e muito tempo de trabalho. Ora, o ouro exige muito trabalho por ser relativamente raro, pois exige muito também trabalho-energia-tempo para o processo estelar criá-lo, produzi-lo. 5. Ser é histórico em desenvolvimento e geográfico. Entre as mais importantes bases científicas jamais criadas é a descoberta de que tudo é feito de história, em processo e desenvolvimento. Mas os fatos e o evolver nunca ocorrem no completo vácuo, por isso o cenário importa. O ambiente, o lugar, o espaço etc. também tem dinâmica, movimento e história. 6. Ser é totalidade integrada em automovimento contraditório. Ser é totalidade; este, em movimento, não apenas repetitivo, circular, pois também como se uma espiral e um evolver. Ademais, tudo está cheio de contradição; equilibra-se nesse paradoxo real, concreto. No fundo, no fundamento, o Ser é integração (auto)relacionada em processo. Tais afirmações, determinações do Ser, estão, de modo direto, ligados à nossa equação qualitativa movimento = energia = tempo = espaço = matéria. Assim, Ser enquanto histórico refere-se ao tempo; o Ser enquanto trabalho e produção, ao movimento e à energia etc. pelo modo de exposição, parece que deduzimos tais elementos a partir do conhecimento anterior, da equação qualitativa. No movimento real da pesquisa, eles foram descobertos de modo relativamente independente, então depois percebi, deduzi, o nexo interno dos dois capítulos, dos dois temas. Outras determinações do Ser – como matéria formada etc. – reforçam a elaboração.
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AS LEIS GERAIS DA METAFÍSICA MATERIALISTA Uma vez surgido, quais as leis gerais do universo? Com nosso alto conhecimento do mundo, temos condição de abstrair leis íntimas, validas paras as três modalidades do Ser – inorgânico, biológico e social. Há três leis gerais do Ser: I. Toma-se como energia em busca de mais de si, de mais energia. Isso considerado o espaço-matéria; este em sentido amplo, como centro. No social, vale a seguinte máxima: não se faz civilização plantando alfaces. Nesse sentido, até o café e o açúcar do Brasil e a batata americana cumpriram papéis importantes no avanço da humanidade (vale destacar que as flores usam açúcar e cafeína para atrair abelhas, que trabalham assim mais intensamente). Os senhores de escravos brasileiros davam feijão aos escravizados para que tivessem energia de trabalho. Bem observado, esta é a lei primeira. II. Ir-se do simples ao complexo. Hegel e Engels demonstram que o simples é tanto simples quanto complexo, como uma célula viva, A=A e não-A. Ora, também, ao mesmo tempo, vai-se do simples ao complexo, A=A e… não-A, como do ente unicelular para um pluricelular. Tal é movimento geral, lembrando, no entanto, que a entropia, se considerado como universal, não é medida de desordem, uma confusão comum. III.
Encaminha-se à interconexão universal, à maior interconexão.
Tanto Hegel quanto, séculos depois, Mario Bunge afirmaram que toda a realidade é um sistema orgânico, em que as partes apenas têm sentido em suas relações, integrados – exceção, dizem ambos, no aspecto físico ou no mecanismo. Para eles, a partir do aspecto químico já há conexão sistemática. Se assim é, vai-se da desconexão rumo à interconexão universal. Mesmo assim, mesmo isso sendo aprofundado com o aumento da complexidade do Ser, fruto da energia em busca de mais de si, talvez o mundo físico puro tenha uma conexão interna oculta e ―leve‖, com as partes independentes entre si apenas de modo aparencial – ou, ainda, isso se desenvolve como evolver cósmico. Vejamos: se tudo é espaço condensado, já há uma ligação íntima, embora indireta; se as partículas fundamentais, ou quase todas, não rompem com espaço, logo tudo está conectado via espaço enquanto entidade geral.
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Os átomos individuais são instáveis por suas energias e matérias, logo necessitam fazer ligações químicas com outros. Compostos cada vez mais complexos surgem até fundar-se a vida. Esta integra-se e desenvolve-se até fundar o ser social, a humanidade, que tende a unificar-se. Na física, a gravidade toma tal tarefa para si. O erro dos marxistas que intuíram a conexão global de tudo é não ver isso como lei de movimento, como processo, como evolver. A coisa já seria dada e fixa. Os três aspectos – as três leis do movimento – estão mais do que ao lado um do outro ou juntos, pois um está dentro dos demais, derivando-os. A energia em busca de mais de si faz o material cada vez mais complexo que exige novas interdependências, interconexões. As três leis são, no nosso universo, absolutas, mas seus entes falham muitas vezes em cumprir tais metas; logo o absoluto é também relativo. O Ser, a matéria, tem três modalidades internas, cada uma mais complexa do que a outra anterior – inorgânico, orgânico ou vida (biologia) e social ou humano. Os mais avançados são dependentes do nível ontológico precedente, como a biologia depende da não vida. O inorgânico, o pôr do outro, tem como suas as três leis gerais acima postas e expostas; o biológico, o pôr do mesmo, tem leis específicas ditas abaixo, em seguida; e Lukács sistematizou as da sociedade, o pôr do novo, como demonstramos. Em síntese, tornar-se assim as leis de movimento: O inorgânico e o Ser em geral: 1. Energia em busca de mais energia; 2. Do simples ao complexo; 3. Ruma-se para maior interconexão. O alto desenvolvimento deste, de tais leis materiais, leva ao salto para a vida. Na biologia, em específico: 1. Processo de diversificação das espécies; 2. Afastamento das barreiras do inorgânico; 3. Cada vez mais capaz de lidar com externo. A segunda lei de desenvolvimento foi já descoberta por Lukács enquanto as demais estão de alguma forma ou de outra existentes desde Darwin. O alto evolver da vida leva ao salto para o ser social. Em resumo, uma vez mais, no homem:
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1. Produtividade crescente; 2. Afastamento das barreiras naturais; 3. Tendência à unificação global como espécie. O alto desenvolvimento do inorgânico realiza-se em parte e tendencialmente no biológico; em relação ao inorgânico, o biológico é ativo como energia em busca de mais energia, enquanto aquele é, de modo relativo, passivo. O biológico realiza-se em parte e tendencialmente no social, pois este é mais capaz de lidar com o ambiente e com o externo. Tais aspectos gerais do Ser ligam-se bem com os três aspectos gerais do ser social em Lukács; as leis da humanidade são: 1) produtividade crescente – energia em busca de mais de si; 2) afastamento das barreiras naturais – do simples ao complexo; 3) unificação da espécie global – aumento das interconexões. Ou, outro aspecto: 1) produção, trabalho – energia em busca de mais de si; 2) sociabilidade – do simples ao complexo; 3) linguagem – interconexão. A ontologia de Lukács está, portanto, subordinada, em sentido positivo, à nossa ontologia geral e metafísica. Suprassumimos – suprimimos, elevamos e conservamos – o lukacsianismo, elevamos a teoria a um nível superior. Vejamos agora a ontologia geral, e do inorgânico, e sua expressão no biológico. A energia em busca de mais de si relaciona-se com a capacidade cada vez maior dos seres vivos de lidar com o externo, como passar a controlar a própria temperatura, obter novas habilidades de caça etc. O caminho do simples ao complexo ocorre por meio do aumento de diversificação das espécies, por exemplo. O aumento da interconexão é revelado na lei descoberta por Lukács, o afastamento das barreiras do inorgânico, como animais que se alimentam de outros animais, estes herbívoros, que por sua vez se alimentam de plantas, estas últimas mais próximas e ligadas à inorganicidade. Claro é que expomos de modo simples e quase esquemático; vejamos um exemplo menos abstrato; o olho surgiu de modo independente por 6 vezes, talvez mais, na história da vida, pois era necessário que surgisse algo do tipo no desenvolvimento e na diversificação das espécies; isso é energia em busca de mais de si, ou, no concreto, maior capacidade de lidar com o externo; mas também é uma forma de aumentar as ligações, interconexões. No mais: energia é o abstrato; complexo, o concreto; conexão, o processo. O abstrato é o concreto em processo – como energia no complexo em conexão (crescente). Mais à frente desenvolveremos tais aspectos.
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O SER E O SOCIALISMO O socialismo é a realização do Ser social e uma do Ser em geral. Para haver sociedade livre e igualitária, fraterna, são necessárias algumas condições maduras ou em possibilidade latente. São elas: 1) energia em busca de mais energia, ou seja, produtividade altíssima, com a superprodução crônica latente, energias de fissão e fusão nucleares etc.; 2) interconexões crescentes, ou seja, internet e mercados globais, união da produção mundial via sistema financeiro (e a interdependência enorme entre os bancos), por exemplo; 3) complexidade elevada, ou seja, hiperinflação da urbanidade e dos serviços etc. As concepções limitadas, embora corretas, de Lukács – trabalho, linguagem e sociabilidade; produtividade crescente, tendência à unidade global da espécie humana e afastamento das barreiras naturais – não permitem ainda ver com clareza o que expomos aqui. Tais elementos demonstram de modo claro e simples que o socialismo era impraticável de modo completo e correto antes do século XXI. Foi necessário um comércio saturado em todo o globo terrestre, comunicação e transportes avançados, supercomputadores, automação-robótica na produção etc. O socialismo é uma ruptura com a natureza, com o Ser, quando nos tornamos mais sociais, finalmente sociais – com aquilo natural socializado, socialmente adaptado ou modificado. Ao mesmo tempo, no fundo do fundo, o socialismo é uma afirmação da natureza, do Ser. O homem realiza as leis naturais de movimento, realiza-se. Teremos uma sociedade correspondente coma natureza humana, que a respeita – a humanização dos seres humanos antes coisificados, sequer animalizados, pois nega-se até a condição animal do homem sob a sociedade de classes. Como espécie capaz de ser o modo como o cosmo compreender a si próprio, o universo estudando-se, dominando-se, desenvolvendo-se; o homem também assim, com a última revolução científica unida à ultima revolução social-política, tornar-se-á outro modo de realização tendencial do Ser. No princípio, era a religiosidade, o misticismo das lendas e mitos, o modo de ver o mundo em sua inteireza e causa – um modo primitivo de ver típico de uma sociabilidade primitiva. Na sociedade avançada, teremos um modo avançado, uma visão de mundo definitiva.
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O SER E A NATUREZA HUMANA Em outro momento, abaixo, debatemos qual a natureza natural-histórica humana. Em resumo, são estas características, determinações: 1) ser integrado, grupal, logo, o simples (indivíduo) no complexo (comunidade); 2) ser mutualista, logo, interconexões crescentes; 3) ser ativo, afirmador de si, trabalhador etc., logo, energia em busca de mais energia. O inorgânico é ser em si; o biológico, para si; o social, para outro. Mais profundo: o inorgânico, em si; o biológico, em si e para si; o social, em si, para si e para outro. O ―para outro‖ significa também: 1) que ele se faz na experiência, de algo alguém para outro alguém; 2) que é reconhecido pelo outro, 2) que é solidário potencialmente ao outro. Em si, ser integrado; para si, ser ativo; para outro, ser mutualista. *** Em O Capital I, Marx toma nota:
Aplicado ao homem, isso significa que, se quiséssemos julgar segundo o princípio da utilidade todas as ações, movimentos, relações etc. do homem, teríamos de nos ocupar primeiramente da natureza humana em geral e, em seguida, da natureza humana historicamente modificada em cada época. Bentham não tem tempo para essas inutilidades. (Marx, O capital I, 2013, p. 685)
O mouro faz uma crítica e aponta o procedimento metodológico. No entanto, os marxistas
1)
Confundem natureza humana com personalidade;
2)
Confundem natureza humana com moral;
3)
Enfim, confundem ―natureza humana em geral‖ com ―natureza humana historicamente
modificada em cada época‖.
O primeiro passo para avançarmos dar-se por meio da teoria marxista da alienação. Em resumo, alienação é
771
1)
Fragmentação do homem, seu afastamento de relações plenas com a comunidade;
2)
Domínio do homem sobre o homem, a coisificação do semelhante (machismo, classes
sociais, homofobia, xenofobia etc.); 3)
Exclusão do homem de sua criatividade, capacidade singular da espécie, de imaginar e
colocar em prática de modo ativo.
Ou seja:
1)
Separação do homem da sociedade a qual integra;
2)
Separação do homem dos iguais, dos outros homens;
3)
Separação do homem de si próprio.173
Em duas sentenças de Marx: a valorização do mundo das coisas em proporção à desvalorização do mundo dos homens; humanização das coisas e coisificação dos homens. Dada a base, basta-nos rastrear a equação: se há alienação, há algo negado – algo alienado. Invertamos, deduzamos: seria qual a solução da alienação, o inverso?
1)
Integração dos homens;
2)
Relações mutualistas;
3)
Ser ativo.
Estamos diante da essência biossocial. E esta descoberta tem implicações sobre todas as ciências humanas, além da psicologia. 173
Este é um esforço de condensação e seleção da teoria, na relação homem-homem. A alienação em Marx se expressa em: “1) alienação dos seres humanos em relação à natureza; 2) à sua própria atividade produtiva; 3) à sua espécie, como espécie humana; e 4) de uns em relação aos outros.” (Mészáros, A teoria da alienação em Marx, 2006, p. 14)
772
Qual, portanto, a origem da natureza humana? Dos primatas que desceram das árvores nas savanas174 até o homo sapiens sapiens ocorreu um longuíssimo período de formação da nossa espécie por meio da seleção dos mais aptos à sobrevivência. Aqueles cujo perfil facilitava a prática do que hoje é essência humana adquiriam probabilidade maior de sobrevivência, perpetuavamse175. Por isso, por história da humanidade devemos considerar, também, a história da formação da nossa própria espécie, isto é, a importância da biologia na formação do pensamento marxista. Resolvemos, então, a oposição sobre se a essência é histórica ou natural. Assim, superamos o falso ―historicismo‖ e a tese pós-moderna de que tudo é – limita-se à – construção social176. É a formação do homem como formação do próprio homem, do orgânico ao social177. Em elaboração geral, a alienação ocorre quando o mundo gerado pelo homem ganha autonomia frente a este e volta-se contra ele – a criatura passa a dominar o criador. É preciso, pois, ver a alienação como um fenômeno subjetivo, objetivo e intersubjetivo, assim como a natureza humana – interno e externo ao indivíduo. Tem sua existência na totalidade social e na psique. Destacamos aqui a psicologia por ser esta a questão que esta ciência faltou resolver, a natureza humana, seja por ideologia ou por pouco interesse pela filosofia marxista na ciência oficial. No entanto, curioso o espanto causado por esta exposição entre marxistas. Ficamos diante das observações: se a natureza é apenas histórica no sentido dos modos de produção, o homem é de fato adaptável – logo a alienação social não explicaria a onda de depressão e suicídio? Se explica, há algo de fato negado. Se o homem é, em essência, apenas o determinado pelo modo de 174 Nosso ancestral evolutivo já vivia abaixo das árvores, no solo, porque sua morfologia fazia-o habilidoso para andar e correr; por isso, adaptou-se ao ambiente de savana. 175 No mais, vale observar, o paleontólogo Nacho Martínez Mendizábal teorizou que o gênero homo, diferente de nossos primos primatas, perdeu o tamanho dos caninos, pois, ele diz, tais dentes elevados serviam para disputas internas, contra membros da própria espécie, e, entre nossos antepassados, a cooperação superou tal tipo de conflito, moldando a morfologia dentária. 176 A grande dádiva do marxismo não é apenas, nem no seu começo, afirmar que o homem é diferente e especial como dizem a religião e boa parte da filosofia. Ao contrário, descobre, pouco antes de Darwin dar a forma teórica ímpar, que o homem é um ser natural, biológico, antes de ser de fato social. Isso é parte do significado de que o homem precisa comer e de abrigo antes de poder fazer filosofia. Sobre isso trata Mészáros no capítulo sobre moral em seu “Teoria da alienação em Marx”. 177 Quem vem antes, a essência ou a existência? O processo de formação da existência é, também, o processo de formação da essência (Sartre pensa que a existência precede a essência porque ele vê o indivíduo, não a humanidade – por outro lado, na formação do indivíduo humano, sua maturação existencial avança para consolidação da essência humana em geral; uma criança têm uma fase egoística, pois ainda é um homem em formação). Além da formação de nossa espécie, o longuíssimo período de comunismo primitivo, igualdade e comunidade da escassez, operou uma seleção social com seleção natural, facilitando a reprodução e perfil daqueles que têm a essência humana em geral.
773
produção, adaptar-se-ia às condições dadas sem maiores prejuízos, senão físicos, pelo menos psíquicos. Por isso, uma resposta própria do marxismo percebe contradição entre natureza humana historicamente modificada em cada época e natureza humana em geral. Entre as tarefas dos homens e mulheres no e rumo ao socialismo será resolver este problema objetivo.178 Mário Bunge, o menos limitado dos filósofos oficiais da atualidade, socialista utópico que nada compreendeu do método de Marx, assim expressa, de modo correto:
Estamos vivendo a década do cérebro. Avança-se bastante, mas também ignora-se bastante. Não sabemos exatamente quais são as partes do cérebro conscientes de si mesmas; mas acaba-se de descobrir que dar traz muito mais prazer que receber, e que é o mesmo tipo de prazer que sentimos ao comer algo saboroso. Descobriu-se também, que a desigualdade é muito mais nociva que a pobreza. A desigualdade causa stress e este, por sua vez, acarreta em uma superprodução de substâncias nocivas que destroem o cérebro. Nos países mais igualitários, as pessoas são mais longevas. Os costarriquenhos e os cubanos vivem muito mais que os norte-americanos. Ganham muitíssimo menos, são muito mais pobres, mas vivem mais porque são mais igualitários. (Bunge, 2014)
Complementamos que, socialmente, o altruísmo, não significando necessariamente desprazer, pode ter na outra ponta da relação um impulso egoísta de quem recebe a ação. Por isso mais correto é o estabelecimento do mutualismo, que supera os opostos, como expressão categorial da essência humana179. Vejamos o que diz Mèszáros:
Termos como malevolência, egoísmo, maldade etc. Não podem existir sozinhos, ou seja, sem a contrapartida positiva. Mas isso também se aplica aos termos positivos desses pares opostos. Desse modo, não importa qual o lado adotado por um determinado filósofo moral em sua definição de natureza humana como inerentemente egoísta ou maldosa, ou altruísta e bondosa: ele acabará necessariamente com um
178 O trabalho sobre a noção, até aqui mistificada, de essência humana pode receber a crítica de que usamos o método dedutivo para percebê-la. Marx também usa tal metodologia para expor um novo objeto, o valor, no Capítulo I d’O Capital. 179 Os psicólogos evolutivos (Robert Trivers) chamam altruísmo recíproco, reciprocidade. A expressão mutualismo, tomado emprestado da biologia, a associação de populações diferentes de modo vantajoso a ambos, é limitado, mas o mais próximo que consideramos para corresponder ao objeto.
774
sistema totalmente dualista de filosofia. Não se pode evitar isso sem negar que ambos os lados desses opostos são inerentes à própria natureza humana. (Mészáros, A teoria da alienação em Marx, 2006, p. 151)
Ele Critica o kantismo, porém continua preso à dialética kantista. Deve-se ver a unidade superante dos opostos, além do desenvolver lógico e histórico das categorias. O nem positivo nem negativo passa para o positivo e negativo, que são superados em um novo nem negativo nem positivo. Assim, a negação prática da natureza humana levou a formar uma oposição entre egoísmo e altruísmo, superada – suprassumida – pelo mutualismo. Se o caráter comunitário, por exemplo, é natural entre nossos primos evolutivos, ele salta de natural para social na espécie humana. Tal mudança qualitativa de natureza é incompreendida. O aspecto natural da espécie não é destruída mas suprassumida numa nova natureza, a natureza humana180. É mais do que o comunitário natural, sendo elevado, mais dinâmico e complexo, ao social por meio do trabalho. Se abstraímos as origens físicas, parte significativa das doenças mentais possui origem na alienação, ou melhor, na não satisfação da natureza humana. A solidão excessiva, por exemplo, degenera e pode acarretar problemas como a paranoia, que expressa a necessidade de interação. Essa observação simples demonstra a inerência de certas características. Viver agrupado é mais do que uma vantagem evolutiva externa, pois está instalada no aparelho psíquico como necessidade, como exigência a ser satisfeita. O trabalho alienado, repetitivo e vazio de sentido, negação do caráter ativo do homem, é outro exemplo de insatisfação, que estressa o trabalhador. A teoria unificada da psicologia é uma tarefa por se fazer, no entanto muitos marxistas recuam. Não contradição na relação entre as naturezas humanas geral e histórica é o que se pode concluir de modo equivocado. É tarefa socialista desenvolver, na medida em que sua base
180
Vale a pena comentar em nota a questão, famosa hoje, do gene egoísta. O egoísmo do gene é base de nosso egoísmo natural, pois os genes focam em reproduzir a si mesmos? Ora, isso fica muito mais claro e correto se incluímos a categoria suprassumir; esta expressão, o suprassumir, é, ao mesmo tempo, concentrados dentro de si, misturados, os significados diferentes e opostos destruir, superar, guardar (conservar) e elevar. O lado egoísta do gene não é totalmente negado na realidade, nem totalmente afirmado nela, pois é suprassumido, como no fato de as espécies, como nível acima, que apareceu antes – do “ponto de vista do gene egoísta” – como mero nada ou instrumento, procurarem a perpetuação das próprias espécies; permanece, então, a possibilidade do altruísmo, da solidariedade, da comunidade, da comunhão, do mutualismo. No lado humano, acrescenta-se que o homem é a afirmação da natureza e, mas, ao mesmo tempo, sua transcendência.
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material amadurece, uma nova relação, ainda dinâmica, entre natureza humana e sociedade e entre natureza humana e a superestrutura subjetiva (moral, concepções, etc.) À concepção neoliberal de natureza humana – individualista, concorrencial e otimizador de bens – opomos outra, esta sim assentada na mais avançada apreensão científica de nossa época, corroborada pelas descobertas da ciência181. A concepção burguesa, sempre requentada, corresponde à imposição do mundo das coisas sobre a psique, tem caráter empírico mas naturalizado, não histórico, incorrespondente, também, com a história da formação de nossa espécie. Trata-se de diferenciar o conjuntural do estrutural e de expor a contradição que daí deriva. Por seu lado, o falso ―historicismo‖ foi uma forma incompleta mas muito eficiente ao afirmar o homem, o caráter social da espécie. O enfrentamento contra o darwinismo social puxou a balança para o lado oposto. Agora devemos limpar caminho contra o determinismo genético por outro meio: considerando o natural, o social e o ―um no outro‖ entre os humanos. As condições históricas, científicas e ideológicas permitem o avanço. Supera-se a unilateralidade da observação focada exclusivamente num ou noutro polo, sendo o polo determinante o social. Apoiados na categoria trabalho como categoria fundante do homem, podemos enfim superar a obra de Freud, que tem resistido bem até aqui às duras críticas e elaborações alternativas. A psicanálise, por não ter uma concepção própria de natureza humana, acaba cedendo à visão oficial, o homem enquanto lobo do homem. Todas as versões críticas anteriores sucumbiram e tomaram posição inferior no trato sobre a psique porque falharam onde também a concepção freudiana falhou. Não mais se trata de atualizar mas de ir além, suprassumir o legado psicanalista182.
181
A concepção aqui exposta pode dar base a outras observações e pesquisas. Exemplo: abstraindo o uso como ração, incomum hoje no ocidente; nós adestramos os lobos para que servissem de companhia (integração), fossem capazes de guarda (relações mutualistas) e auxiliares na caça (ser ativo). Desenvolvemos raças de cães para satisfazer diferentes necessidades. A demonstração dos tipos caninos é um tanto unilateral, pois os três elementos, abstraídos, estão como se misturados dentro da realidade; porém serve de primeira aproximação clara ao tema. 182 Freud está em relação a uma nova teoria da psique como Ricardo em relação a Marx. Considerar o aspecto natural do homem é uma das forças da psicanálise, embora seja uma ciência social, mesmo que seja negada esta localização pelo seu fundador, que a considerava parte dos estudos biológicos (possivelmente para dar ares mais científicos ao seu legado contra os ataques que sofria). Dito de outra forma, dar-se, com a psicanalística, primeira base materialista para a psicologia, embora deva ser superada. O Behaviorismo, por sua vez, também avança certos aspectos, mas de maneira unilateral. É tão ciência quanto o freudismo. Nega-se os avanços de Skinner porque se tem, entre os seus críticos,
776
*** Vale o alerta para evitar confusões. A base de nossa psicologia marxista, acima, nada tem de derivação desde os princípios gerais, as três leis da matéria. Primeiro, na pesquisa, as conclusões deram-se de modo separado e independente – apenas depois apareceu o nexo interno de tais elaborações. O modo de exposição, por outro lado, faz soar como se a exposição lógica e a própria lógica fosse outra. Os princípio legais são resultado, não começo real na teoria – embora começo real na realidade.
uma concepção burguesa de homem, como se livre e autônomo, longe de quase determinismos do ambiente, o que é falso. No mais, tal concepção percebeu que a repressão sobre os jovens não é um método válido como em animais, pois gera reações, manobras, problemas, etc. Mais um pouco e seria percebido que isso se deve a uma essência humana.
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O SER E A DIALÉTICA Em outro momento, iremos debater as três categorias centrais da dialética, que aqui expomos de modo direto. Assim: 1) totalidade é integração, portanto o complexo; 2) o que está ―por debaixo‖ da contradição e da cooperação, opostos, é a relação, portanto interconexões crescentes; 3) o movimento e o automovimento apontam para o espaço-matéria, portanto a energia em busca de mais de si. Lukács reclama de Hegel por este unificar ontologia (metafísica) e dialética, a lógica. Fez-se, portanto, uma lógica ontológica ou ontologia lógica. Ora, uma lógica correta deve corresponder à realidade, ao Ser e à essência. Nem mais nem menos. As categorias de todo o Ser têm um desenvolvimento, uma razão de ser e um modo de acessá-lo. O mundo não é puro caos, pois ele é categorial. O erro seria separar a questão do Ser de sua logicidade, como mundos especializados e separados. Hegel, assim, desceu a lógica ao chão. Cabe ao cientista e ao filósofo absorver a lógica do concreto, do Ser. Além disso, descobrir e desenvolver novas categorias, leis e relações categoriais, o que faremos em outro capítulo de modo o mais completo e definitivo possível. Toda tentativa de tomar o Ser sem concretude, como o nada, parando aí, fracassa por não ver que a coisa-em-si pura, sem suas propriedade, nada é – apenas existe com suas propriedades mesmas. O Ser, ademais, apensas pode ser corretamente compreendido dialeticamente, por exemplo, em seu movimento, em seu desenvolvimento, em seu avançar contraditório. Em sua riqueza de determinações sintetizadas. Ser é totalidade contraditória em movimento. Mas reconhecer a movimentabilidade é limitada, pois ela pode ser tratada como ilusão, como apenas caos, como sem rumo e direção, como o mero permanecer ou meroacontecer, como desenvolvimento limpo e linear rumo ao progresso, como evolução sem revolução ou sem saltos de qualidade etc. Em sua Dialética da natureza, Hegel apresenta uma carta a Marx pedindo segredo temporário de uma descoberta: a física e a química tratam do movimento da matéria; a biologia, do movimento da vida; o marxismo, do movimento social. Claro é, como ambos são hegelianos, que se trata de um movimento contraditório em desenvolvimento de totalidades dinâmicas. Tudo é história, não cansamos de repetir: o passado é a causa do presente, vai-se do simples ao complexo, os processo macros são irreversíveis.
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O ―OUTRO LADO‖ METAFÍSICO Parmênides dividiu o mundo em Ser permanente, perceptível apenas à razão, e não-Ser móvel, empírico; depois, Platão separou o mundo entre o mundo da Ideia, das Formas, e o mundo sensível, impermanente; em seguida, Agostinho separa a cidade de Deus, fixa, e o mundo instável, a cidade dos homens. Apenas separam, sem unidade, ao modo idealista. Nossa metafísica científica vê um colateral, um aspecto dentro do próprio mundo, necessário se observamos o infinito (similar a um círculo sem começo nem fim) no finito universo, a origem do movimento e do tempo, o valor real invisível na economia e a energia em geral abaixo de suas formas particulares – chegamos à quarta dimensão, não empírica, do espaço, dimensão para dentro, para dentro de si. Assim, o ―outro lado‖ típico do idealismo é, de fato, um outro lado, a quarta dimensão espacial, responsável pela energia, pelo tempo e pela infinitude. A teoria moderna exige e até intui a dimensão extra, perceptível pelo trabalho teórico-filosófico. Talvez uma causa do movimento eterno seja que a matéria, que aparenta possuir três dimensões, cai o ―tempo‖ todo na quarta dimensão como em si mesma, assim como a Lua está caindo sempre na Terra por sua energia-massa-gravidade. Resolve-se o metafísico problema do movimento e sua origem. Até aqui, a existência do ―outro lado‖, em duplo sentido, sempre foi uma proposta do idealismo, não do então passivo materialismo. Um dos momentos que facilitaram tal dedução, a quarta dimensão ―espacial‖, ocorreu ao ler O Capital livro I, pois, após afirmar que podemos virar e desvirar a mercadoria, mas nenhum átomo de valor encontraremos nela, Marx afirma: ―O valor do ferro, do linho, do trigo etc., apesar de invisível, existe nessas próprias coisas...‖ (Marx, O capital I, 2013, p. 170) Eis uma pista metafísica, ao mesmo tempo sensível e suprassensível, como afirma o próprio alemão. A causa primeira do movimento é este eterno cair em si mesmo como na quarta dimensão, o vazio infinito (a quarta dimensão do espaço é representada, incluso na geometria, por números imaginários, como a raiz de menos um. Tal número imaginário aparece aqui e ali nas equações, como na de geometria, substituída pelo tempo por Einstein, e na equação de Schrödinger – mas eles tratam tal presença como algo incômodo, um problema apenas, limitado ao formalismo matemático.). A ciência moderna desde Galileu pensou o movimento como fato dado, sem maiores explicações, como algo que simplesmente é, foi e será – de fato, o estado natural é o movimento, não o repouso, diferente do que pensava Aristóteles. Pousar-se é dissolver-se, desabar-se, diluir-se; desmanchar-se no ar. Ao evitar as perguntas metafísicas, caíram em outra metafísica. Neste ensaio, buscamos unificar as visões metafísicas, suprassumindo-as como unindo as categorias da metafísica antiga (substância, conteúdo etc.) com a moderna (massa, matéria,
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energia etc.), o que inclui o papel do espaço. Enfim, a causa primeira do movimento não é um antes ao infinito, mas um abaixo, ou, se se quer, um dentro do ser – o infinito qualitativo, a dimensão quarta. O infinito não cabe todo dentro do finito, transborda-o, indiretamente observável e dedutível. A divisão metafísica de mundos na filosofia está lastreada na divisão social de classes. De fato, o capitalismo está dividido em dois mundos, dos ricos e dos pobres. Na geopolítica, fala-se em primeiro e terceiro mundos. Na filosofia antiga, quanto à psicologia, o senhor de escravo filósofo pouco se movimentava, pouco trabalhava, pouco agia; logo, por falta de prática, de ação, de contato, de matéria – duvidava do estatuto real do real. METAFÍSICA OU DIALÉTICA? Engels contrapõe a dialética à metafísica. Para ele, aquele foca no movimento e este no estático; aquele vê o processo enquanto este a coisa. Mas a metafísica de Aristóteles quer saber a origem e a natureza do movimento. Ora, a dialética é o exato oposto da metafísica, mas os opostos têm uma identidade interna, logo são também o mesmo; identidade da identidade e da não identidade. Por outro ângulo, elas são iguais porque possuem os mesmos objetos de estudo – o mundo, o Ser e as suas categorias. Metafísica é ir além, ou por debaixo, da física, das formas, ver o essencial da existência. Associar tal matéria à religião é crítica vulgar do iluminismo ao mundo medieval. De qualquer modo, devemos saber a natureza do movimento, algo ainda não respondido dentro dos limites da ciência. Temos, aqui, a metafísica científica, projeto abandonado por Kant. Evitar a metafísica é ceder lugar ao atraso religioso, que deseja ser a única visão geral de mundo. Engels, um dos maiores gênios da humanidade, cedeu, sem perceber, ao kantismo, contra a dialética, ao negar a metafísica materialista, dialética e objetiva.
780
O ABSTRATO É O CONCRETO EM PROCESSO A investigação do movimento continua para reforçarmos nossas teses. A equação categorial, ou qualitativa, acima, diz que o abstrato é o concreto em processo, em movimento, em evolver, em devir. Na metafísica, o abstrato domina o concreto. Aqui, isso é revelado pelo fator de igualdade e conversão, o movimento. O concreto cai no abstrato, movimentando-se, como na quarta dimensão, como queda em si próprio. Tal fórmula tem expressões mais diretas, em nível abaixo, como F=ma, força é igual à massa vezes a sua aceleração, ou, também, E=mc2, energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado. Nos dois casos o movimento, para nós, tem importância ainda maior do que dada pelos físicos, nada tem de passivo. Pois a ―força‖ e a energia, típicas da quarta dimensão, em reação ao concreto, como a massa-espaço, dão origem ao movimento. Na quântica, temos E=hv, energia do fóton é igual à constante de Planck vezes a frequência da onda. O cálculo clássico v=s/T pode ser expresso como T=s/v, tempo é igual ao espaço sobre a velocidade. O momento linear é igual à massa vezes a sua velocidade, p=mv. Até no cálculo de Einstein da massa relativística, que a massa ganha mais massa com o aumento da velocidade, tem a sombra de nossa fórmula, com o movimento na divisão como denominador:
Os exemplos são muitos. Assim, demonstram tais casos, o abstrato, além de igual ao concreto, também é equivalente ao processo; pois, por exemplo, o decaimento de átomos gera partículas com massa (concreto) menor já que esta se tornou energia (abstrato) em forma de maior velocidade (processo) – vemos aí também que movimento = energia = massa-matéria etc. A quarta dimensão espacial, por ser a casa do infinito, não tem borda, limite, fronteira ou outro. Está, assim, ao mesmo tempo dentro e fora desta realidade. Eis a falha dos filósofos gregos ao saberem a origem do real e do seu movimento. Quando Hegel diz que o movimento é a unidade de espaço e tempo, deixa de perceber que o tempo é o outro de si do espaço, a manifestação da quarta dimensão espacial. No processo caótico da pesquisa e do estudo, algo próprio do método dialético, que não tem passo a passo, lidei com os vários fatores singulares, como as equações acima, até que, por ―acaso‖ tive a ―sacada‖ ou insight quando reli um trecho de Marx em O Capital, livro 2. Ei-lo:
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O capital, como valor que acresce, implica relações de classe, determinado caráter social que se baseia na existência do trabalho assalariado. Mas, além disso, é movimento, processo com diferentes estádios, o qual abrange três formas diferentes do processo cíclico. Só pode ser apreendido como movimento, e não como algo estático. Aqueles que acham que atribuir ao valor existência independente é mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa abstração como realidade operante (in actu). (Marx, O Capital - livro 2, 2014, pp. 119, 120)
O valor (abstrato) é o capital (concreto) em movimento (processo); o melhor, o capital, que não é coisa, abstrato, é o valor, que é material, concreto, em processo, ou seja, valor ―que valoriza a si mesmo‖ (processo). Assim, pretendo convencer os marxistas da veracidade desta ideia – de seu ortodoxismo, além do seu valor para todo o Ser – e do conjunto de nossa metafísica marxiana. Vale como nota notar que a mente, o ideal, a ideia ou a consciência (abstratos) não são coisas, pois são, na verdade, resultado do cerebral e do meio (concretos) em atividade (processos). É a busca do permanente, querer a repetição, na mudança 183. O nada (abstrato) é o Ser (concreto) no devir (processo), por exemplo. Em nossa metafísica o espaço (abstrato) é a matéria (concreto) em movimento, em decaimento, em dissolução de si (processo). A quarta dimensão, vazio infinito, (abstrato) é o espaço (concreto) gerando movimento (processo). Na dialética, a verdade (abstrato) é o todo contraditório (concreto) em evolver (processo). Uso os vários sentidos de abstrato, de concreto e de processo. Mas duas observações precisam ser feitas. Primeiro, para Hegel, a verdade é o todo, logo uma fórmula do tipo ―isto é aquilo‖, torna-se algo limitado, verdadeiro e falso. Mas, aqui, ainda respeitando o limite hegeliano, dizemos ―isto é aquilo no processo‖, de maneira superior. Por isso, ainda assim, não usamos a equação qualitativa como chave fácil para todos os detalhes da grande obra marxista. Segundo, ainda para Hegel, uma equação particular, como a da gravitação, não pode ser elevada à teoria de tudo, à teoria geral, universal – exato por ser particular, estar ao lado de outras leis, equações etc. Mas as categorias que usamos – abstrato, ―é‖, concreto, processo – têm tendências gerais. Por fim, mais um exemplo: massa (abstrato, propriedade) é energia (concreto) em forma de movimento (processo) – como a massa do próton ser suas partículas internas em agitação. As três leis da metafísica materialista, já tratadas: 183
Para curiosidade, basta observar que nossa mente torna-se mais ativa – consciência estimulada – quando percorremos um caminho novo, mas, quando refazemos o mesmo caminho ou voltamos, a mente sente até o tempo passar com mais velocidade, como se a jornada fosse encurtada, pois está acostumada ao ambiente, repetição.
782
ABSTRATO (geral) –
CONCRETO
PROCESSO
Ser
Energia
Em busca de mais de si
Ser
Do simples ao concreto
Ir-se
Ser
Interconexões
Crescentes
O mesmo vale para outros modos de ser do Ser: Ser
Espaço
Condensado, por
Ser
Totalidade contraditória
Em devir
Ser
Geográfico
E histórico
Ser
Espaço-matéria
Cuja
unidade
produz
movimento Ser
Matéria
Sob trabalho e produção
Ser
Matéria
Formada, formatada
Ser
Realidade
Em
desenvolvimento
contraditório Ser
Infinito
Que se expressa no tempo
Ser
Finito
Posto pelo infinito
Ser
Ordem
Dinâmica,
em
processo,
dotada de caos
A descoberta das equações qualitativas demonstra-se muito frutífera. Em outro capítulo trataremos a maior parte das categorias ontológicas nessa formulação. Para tornar simples, basta ver que 10 = 6 nada diz, precisamos de um movimento, de uma operação combinatória, 10 = 6 + 4. O ato de somar é movimento e processo, em que o resultado é o abstrato do concreto. Aqui, fomos ao quantitativo de modo direto; o processo não é em exato o número 4, mas sua operação
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+4, como a multiplicação, a divisão etc. Eis a base de todas as equações, incluso as mais extensas e complexas, pois o abstrato é o concreto em processo.
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O ABSOLUTO Aqui, pretendemos fundir os opostos eleatas e jônicos. Hegel, idealista, pensou o absoluto como o Espírito, que sai para fora de si mesmo como natureza; na economia, Marx, materialista, pensou a substância valor. Nós pensamos em energia, ou melhor, no espaço-matéria. Os antigos pensavam do que o mundo é feito como, por exemplo, água ou ar, pois são simples, transparentes e abundantes. O que é mais simples, mais vazio, com menos determinações? Ora, o espaço é isso. E, com a quarta dimensão, ele põe categorias-determinações em si próprio como o da infinitude. Vejamos como o espaço tem os atributos dados a algum Deus: Esta extensão infinita e imóvel (que é percebida tão seguramente na natureza das coisas) não tem só a aparência de algo real (que comentaremos adiante), mas também de algo divino, quando enumeramos os Nomes divinos ou atributos que lhes convém exatamente, os quais darão ainda mais razões para crer que ela, com tantos atributos notáveis, não pode ser nada. Tantos são os que pensam assim, que os Metafísicos a assimilam ao Primeiro Ser: Uno, Simples, Imóvel, Eterno, Completo, Independente, Existente por Si, Subsistente por Si, Incorruptível, Onipresente, Incorpóreo, Aquele que Penetra e Envolve Tudo, Ser por Essência, Ser em Ato, Ato Puro. Pelo menos vinte atributos existem para designar habitualmente a Potência Divina, e todos convêm perfeitamente a esse Lugar infinito interior que demostramos existir na natureza das coisas; sem esquecer que ela, a Potência Divina, é chamada pelos cabalistas de ―makom‖, ou seja, lugar. (More apud Jammer, Conceitos de espaço, 2009, p. 73)
Ele, assim, ESTÁ no MEIO de nós… – E a verdade ESTÁ no MEIO. ―a extensão é atributo de Deus, ou seja, Deus é coisa extensa.‖ (Spinoza, 2018, p. 129) Pelo menos em nosso universo; o princípio, o absoluto, a essência não é o primeiro no tempo, mas primeiro ontologicamente, ou seja, a matéria-luz decai em espaço. Tudo é espaço concentrado. O espaço é a transparência transparente. O absoluto, dito de modo hegeliano, é resultado. O meio é o meio – também. A física moderna diz que a luz enquanto onda precisa de um meio que seria um campo próximo; cada tipo de partícula e matéria com seu próprio campo. Nesta obra, colocamo-nos contra a posição majoritária, pois, como a matéria, a luz e o espaço são o mesmo, sendo ainda diferentes, a luz, por exemplo, se propaga no espaço, não num campo. O chamado campo nada mais é que espaço condensado, a partícula ou a onda faz o campo correspondente e próximo por ser espaço concentrado, para dentro de si. Bohm, o físico dialético, afirma:
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Ainda não se pode dizer que tenha sido exaurido o problema de qual meio material, se há algum, transporta o campo eletromagnético. (…) Em vez disso, simplesmente se supôs a existência de campos, sem referência direta à questão de se o éter existia ou não. (…) levado adiante por Einstein e hoje sustentado pela maioria dos físicos (Bohm, 2015, pp. 118, 119)
Para Einstein, tudo poderia ser reduzido a campos que permeiam todo o universo. Para nós, tudo é reduzível ao espaço ou espaço-tempo. Quando a ideia de éter enquanto meio caiu, criouse a gambiarra teórica do campo; mas, se usarmos a velha navalha, o conceito de espaço pode cumprir tal função. Por exemplo: a expansão do espaço leva à expansão da onda de luz, que desvia para o vermelho. O espaço não é barreira para luz, é "transparente", porque a luz é o próprio espaço em movimento, de modo concentrado. O oposto da luz não é a sombra e a escuridão, mas a transparência; porém, logo vemos que são o mesmo, um identidade interna. O meio é o fim. O abstrato é o concreto em processo – a realidade é a substância em autorrelações. O espaço (abstrato) é as partículas (concretos) em relações. O decaimento dos átomos primordiais produziu o espaço – nesse sentido, lógico, o espaço-substância (abstrato) é-são as partículasacidentes(s) (concreto) em processo, em decaimento (movimento). A substância espaço é as partículas em (auto)relações, em processo.
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A VITÓRIA DO MATERIALISMO A filosofia grega já se inicia materialista, rompendo como a mitologia enquanto explicação válida. Mas o idealismo de Platão e Aristóteles, com muitos outros como os pitagóricos, tomaram o papel mais ativo e criativo – o idealismo vencia todas as disputas. Platão propôs que os escritos do materialista Demócrito fossem destruídos; logo vemos que a corrente concreta contra a ideal sempre passou por marginalidade como ocorre hoje com o materialismo marxista. Hoje, na física quântica, surgiu a hipótese absurda de que a realidade não em existe por si, mas para nós. Para nossa alegria, tal hipótese não é majoritária. Em resumo extremo, o idealismo diz que as ideias fazem a realidade, incluindo um mundo das ideias ou um céu místico etc.; o materialismo, ao contrário, diz que a matéria faz a ideia, e esta é uma forma bastante desenvolvida da matéria, ou seja, a cabeça segue o chão que os pés pisam. Para Marx, o campo das ideias, por ser material para ele, não é passivo, pois a criatividade, a decisão, a disputa de consciências também importam. O início da ciência atual teve de afirmar-se perante a visão de mundo medieval, da Igreja. Para isso, para atender a demanda por novos conhecimentos, formaram-se duas teses de mediação: 1) conhecemos Deus por suas obras, logo conhecer a natureza agrada a Ele (Aquino); 2) o ―como‖ funciona o mundo deve ser interesse da ciência, mas o ―porquê‖ ele assim opera deve ser obra da religião (Belarmino). Para sobreviver e prosperar, os cientistas absorveram como parte de suas personalidades tais resoluções. Por outro lado, muitíssimo mais fácil ver as regularidades, as repetições, o ―como‖ do que o ―porquê‖ tudo é de fato tal como é. Até o gênio Feynman, no século XX, coloca-se contra a filosofia e a busca da razão de ser das tantas leis descobertas: Outra coisa que pode acontecer é que, afinal, caso tudo venha a ser conhecido ou se torne muito sem graça, desapareça gradualmente a atenção que se dá a essas coisas sobre as quais falei. Os filósofos, que estão sempre de fora fazendo observações estúpidas, poderão se aproximar, porque não poderemos empurrá-los, dizendo: ―Se vocês estiverem certos, poderíamos encontrar leis ainda desconhecidas.‖ Quando todas as leis forem conhecidas eles terão uma explicação para elas. Por exemplo, há explicações sobre a razão de o mundo ser tridimensional. (…) Se tudo for conhecido, haverá alguma explicação de por que essas leis são certas. Mas essa explicação estará num contexto que não poderemos criticá-las, argumentando que este tipo de raciocínio não nos permite avançar. Haverá uma degeneração das ideias, do mesmo tipo que os grandes exploradores sentem que ocorre quando turistas começam a chegar a uma região. (Feynman, Sobre as leis da física, 2012, p. 179)
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Ele, sem saber, estava sendo colonizado pela religião, que manda a ciência evitar os assuntos de maior profundidade, da razão de ser do mundo. Daí vem, também, a tradição de igualar a metafísica e o misticismo, a religião, ao anticientífico; até marxistas caem nesse engano. Para Martin Heidegger, metafísica é saber porque há algo (e o Ser) em vez de nada; para Aristóteles, o estudo metafísico é a filosofia primeira, por que o mundo é assim, qual e se há a causa do movimento, qual a natureza essencial da realidade. Quem é contra tais metas científicas e, ou seja, metafísicas? Toda escola de ciência adota alguma variante metafísica, mesmo que não tenha disso consciência. A segunda grande vitória do materialismo é a descoberta de que os átomos são partes vitais da existência, que há partículas fundamentais. Para os atomistas, as partículas tinham apenas substância, forma e grandeza; depois, Platão supôs, com algum exagero, que cada elemento básico – fogo, terra, ar e água – tinha uma forma peculiar de esfera, como a esfera do fogo ser formada por triângulos, figura mais semelhante a uma chama. Hoje, teoriza-se as pequeníssimas cordas vibrantes e de modo variado articuladas, fechadas ou abertas etc., com 11 dimensões, como hipótese (teoria das cordas) para a forma real das partículas. Tanto ontem como hoje, fazse ao mesmo tempo ciência e filosofia; a diferença é que hoje temos mais ferramentas, como a complexa matemática moderna. De qualquer modo, acrescentamos, os átomos são acompanhados por ondas. O atomista Demócrito disse que apenas há o ser (átomo) e o vazio (não ser); além disso, afirmou que o ser vem do não ser! Hoje, sabemos que fótons e partículas virtuais surgem do ―nada‖. Mas, para nós, o não ser, ou nada, ou vazio é o próprio espaço, com existência ontológica. A terceira vitória do materialismo ainda está incompleta. O Big Bang foi o começo de tudo? Então, Deus pode ser a sua causa primeira, o primeiro motor. De qualquer modo, discordamos, o que teria criado Deus já que tudo tem uma origem? É chegada a hora de substituir tal teoria por uma que a mantenha viva, mas superada, como a concepção de que o universo ora expande-se e ora contrai-se. Sobre a primeira vez que isso aconteceu no passado, veremos em outro momento; antecipamos que a quarta dimensão põe o finito universo nosso. A quarta vitória é a teoria da evolução e a genética. Antes, Platão e Aristóteles pensavam haver um conceito por detrás da realidade, uma ideia. Parece evidente: um filho é como seus pais, logo deve haver um texto fixo, mas ideal, dando forma àquela matéria. A genética pousou tal concepção no chão da realidade; temos os genes, o DNA e o RNA. A vida, de fato, possui informações básicas e faz cópia delas; mas isso de modo materialista, não idealista. Além disso, as
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cópias podem ser imperfeitas, levando a diversificação de espécies por seleção dos mais aptos a sobreviver. A quinta vitória é o marxismo, a concepção materialista da história. Por não ser o foco, apenas indicamos o grande acerto. O homem precisa produzir para se reproduzir, logo trabalha de certo modo e, por isso, com certa organização social. A psicologia moderna, como Freud, Wallon, Piaget etc., além da neurociência e da psiquiatria, reforçam o aspecto psíquico como material, como ligado ao meio e à experiência, ademais também ativo. A busca do prazer e, em especial, do sexo, move a psique humana de modo singular. Nenhuma alma, separada, existe para além da complexa organização cerebral. Toda anticiência, ligada à religião, procura atacar tais vitórias. Os religiosos dizem que a Terra é plana, que a descoberta dos dinossauros é uma farsa, que Darwin e Marx são satanistas, que há um Design inteligente na natureza, que Freud faz pseudociência ou é um tarado, que é absurdo o universo surgir de uma ―explosão‖. No fundo, estão negando a história universal. Uma ciência correta causa espanto, muitas vezes positivo, e também uma negação desesperada contra suas ideias. Isso é próprio quando alcançamos um grande nível de verdade. A teoria de Darwin e a moderna biologia foram atacadas porque feriam de morte a religião. A teoria marxista foi negada com violência por religiosos, pelos ricos e pela classe média desejante de ser burguesa numa sociedade que não é a forma eterna, mas transitória. A teoria de Freud foi negada pela prisão mental de muitos, incapazes de aceitar sua própria mentalidade, além de ir contra a religião ao afirmar o sexo com sua grande importância. A teoria de Einstein derivou a teoria do Big Bang, além das modernas teorias do universo, para desespero de cientistas e professores ligados à física clássica e da religião com sua noção de mundo teísta, com um criador. O socialismo, se vencer, ao dar razão a Marx e Engels, colocará o materialismo no seu devido lugar, no auge da cientificidade.
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ANTINOMIAS DE KANT CONTRA O MATERIALISMO Kant, o organizador e o desenvolvedor do senso comum, apresentou ataques contra o materialismo, suas famosas antinomias, que são teses opostas que parecem ambas verdadeiras. Vejamos como nossa concepção, espaço = matéria etc., resolve isso nas questões físicas. 1. O universo é finito ou infinito no espaço e no tempo? Ora, a quarta dimensão, responsável pelo infinito do finito é para dentro, para dentro de si – o finito é uma parte de dentro do infinito (Hegel), o infinito é como um círculo (Hegel) sem começo e sem fim – não como uma linha reta que pode ser sempre maior – no espaço e no tempo, sem borda. O infinito ―circular‖ exige quarta dimensão. O próprio espaço e talvez o tempo são finitos porque têm origem e desenvolvimento, história. Em três dimensões mais o tempo o universo é finito, mas a infinitude real, qualitativa e intensiva no lugar de quantitativa e extensiva, não tem começo nem fim. 2. A matéria é ou não divisível ao infinito? A matéria apenas é estável sob certas proporções, do contrário, decai em outras partículas. Se dividirmos as partículas ao ―infinito‖, logo as dissolveremos em espaço, pois este é o mesmo que a matéria, pois esta é espaço condensado. O espaço é o átomo. Hegel diz que o contínuo é os discretos (partículas etc.) juntos, reunidos. Assim, o espaço poderia ser feito de partículas de espaço, mas ligados e unificados, formando algo como um tecido. Por outro lado, demonstraremos que as partículas, unidas, uma apenas no princípio, decaíram em espaço, continuaram unidas umas com as outras via espaço. Assim, de imediato, sem a história, o contínuo, o espaço, forma as partículas, que são espaço condensado – embora na história do nosso universo tenha ocorrido o oposto, as partículas (discretas) decaíram em espaço (contínuo). O contínuo, espaço, faz o discreto, partículas, assim como os discretos, partícula(s), fazem o contínuo, espaço. No próximo capítulo, apresentaremos uma proposta de espaço contínuo e discreto ao mesmo tempo por diferentes ângulos. 3. Há ou não uma causa primeira? O espaço é causa sui, causa de si mesmo, automovente, logo substância, contanto que mantenhamos a pluralidade (energia, movimento, tempo, matéria etc.). Junto disso, temos a quarta dimensão espacial, provável causa do movimento (cai-se no infinito, quantar dimensão, como em si mesmo). Hegel disse que a causalidade é recíproca, causa torna-se efeito e vice-versa, o que apenas encaminha a solução.
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No vazio infinito inexiste tempo e espaço em si, por isso nem causalidade. Kant afirmou nossa impossibilidade de pensar o absoluto, por nossa limitação mental. De fato, nossa mente é feita para lidar com nossa realidade, nosso universo. A noção de espaço e tempo de modo algum é a priori, mas uma adaptação ao real que tem o próprio espaço-tempo. Mas podemos entender o absoluto de modo indireto, com metáforas e analogias – e por conceitos, categorias sem a imagem limitada. Assim, o infinito hegeliano é simplesmente o infinito, mas podemos facilitar sua compreensão por meio da imagem do círculo sem início nem fim, envolto em si próprio – produzindo o finito de si, dentro de si, desabando-se em si mesmo. O problema de se existe ou não uma causa primeira falha porque pensa que uma coisa ou fato produz outra coisa ou outro fato apenas. Em verdade, a ideia de causa primeira leva a que a primeira causa e o primeiro efeito não vêm da parte, de uma coisa que passa para outra particular, mas da totalidade vazia. Toda a causa no todo. É o infinito vazio como totalidade que produz o início, a primeira causa. O infinito, quarta dimensão, desaba para dentro de si no finito, mas a causalidade parcial aparece como um movimento para fora, não para dentro, expansivo e não intensivo. A ideia de fato ou causa singular originar outro fato ou causa singular é espaço-temporal. Digamos de outro modo: a totalidade vazia do infinito antes do universo era puro caos, sem causalidade; e não tendo lei alguma, teve a lei do caos, de si, de passar a si mesma para a ordem, o nosso cosmos com espaço-tempo e matéria-luz – por não se suportar, por se autoanular. Assim, a primeira causa ao mesmo tempo não é uma causa, mas fruto de um sistema não sistemático, puro de acasos e aleatoriedade caso possamos expressar o antes de tudo de tal modo por aproximação. O (e tal) acidente ou o acaso é uma causa acidental, uma concessão da probabilidade. Os gregos antigos imaginaram que o universo era puro caos (material), então um deus o organizou, produzindo a ordem cósmica. Para nós, o caos vai a si próprio, sem um artesão, para a ordem. Em nosso tempo, Husserl, inspirado por Hegel, pensou o zero como relação do zero do conjunto infinito com o (mesmo) zero do conjunto vazio que desaba, por isso, no um. Pois bem; o mesmo deve ter valor na realidade, como fundação do universo, a autorrelação do vazio infinito, do vazio com o seu infinito, desabou na primeira geração universal, no finito não vazio prenhe de ordem. Sobre, Marx diria: temos dificuldades totais no tema do início do universo, portanto foquemos em outros temas – abaixo a metafísica! Mas isso é dar de bandeja o tema para pseudociência, ou seja, para a religião. A Igreja quer ser a única a falar sobre o início de tudo. Por seu lado, a teoria do Big bang – criada por um padre! – foca na expansão do universo, não em seu início ou em sua origem. Aliás, uma teoria correta, mas incompleta, pois o universo cresce e
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contrai-se ciclicamente, ciclicamente. No nosso tema, o início real do Ser, dizer que o universo expande-se e contrai-se apenas adia a questão, a resposta. É impossível imaginar o vazio, o infinito e o caos puro – mas é possível pensá-los de modo conceitual, sem imagem limitada. Do ponto de vista gnosiológico, nossa formulação, aqui exposta, torna-se a única aceitável, existente e correta: antes do todo, havia um vazio infinito e caótico. Tal não-ser, o nada, desabou-se no oposto, presença, finitude e possibilidade de ordem. Única resposta coerente. O começo só pode ser um acidente, uma causa acidental, uma concessão da probabilidade; a realidade total apenas pode ser um infinito qualitativo; antes do Ser, do cosmos, o nada, o vazio que, por ser vazio, era e é infinito e sem ordem profunda. 4. Há liberdade humana ou apenas leis rígidas, causais, do universo? Com a física quântica, redescobrimos o que já Marx sabia, a existência é a fusão de ordem e caos, de necessidade (determinismo) e, dentro de si, acaso ou contingente – na, afirmamos, probabilidade. Para Hegel, liberdade é reconhecer as necessidades, como as necessidades históricas. Marx diz que o trabalho é o reino da necessidade no socialismo que sustentará e dará base para o reino da liberdade no cotidiano. A necessidade é a base da liberdade parcial ou plena. Tal antinomia é mais própria do homem, da humanidade; mas dá oportunidade para debatermos de modo mais amplo. Lukács afirma que liberdade é uma categoria apenas social, humana. Com o avançar da história da humanidade, com o aumento da produtividade do trabalho, o homem é cada vez mais livre, mais individual, com mais opções. Vejamos uma nova conclusão, própria. Em primeiro lugar, a liberdade é objetiva, não subjetiva. A realidade dá opções, tem opções para si própria. A liberdade subjetiva é tomar a decisão para a qual já tem uma inclinação natural – a liberdade de fazer valer sua necessidade. Se o mundo não oferece a opção típica, de acordo com a personalidade, ou perfil natural, logo se pode escolher entre as opções que melhor expressam o determinismo no ser livre. Aí está o núcleo das soluções dessa polêmica, pois a liberdade é objetiva, do próprio real, antes de ser subjetiva e a confusão se dá por pensar o contrário ou desaperceber um dos polos. Mesmo quando há apenas uma opção, um ―o quê‖, então ―o como‖ irá se efetivar está em jogo. Assim também, fundindo de fato liberdade e necessidade, superamos visões substancialistas e relacionalistas unilaterais sobre a liberdade. Temos a liberdade dialética. Nem Hegel nem Marx e Engels atacaram de modo completo e de frente a parte física, não social, do problema das antinomias. Com imensa dificuldade poderiam fazê-lo, caso fosse
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possível, pois a ciência ainda não havia dado as pistas necessárias. Percebemos que as perguntas de Kant, antinomias, estavam erradas, escondiam armadilhas na aparente obviedade, então exigiram esforço histórico e trabalho para desembaraçar os problemas. Por exemplo, se há apenas causalidade ou também liberdade humana oculta que a liberdade pode ser objetiva, não ―humana‖, do real; se há ou não primeira causa oculta que a causa primeira não é coisa ou fato primeiro, mas uma totalidade, o vazio infinito, quarta dimensão, que desaba sobre si – indo para dentro como se para fora. Em resumo, primeiro, a dialética é considerar que uma afirmação e sua oposta são ambas verdadeiras, como a primeira causa ser também um acaso, como termos o determinismo da liberdade, como o universo ser finito no espaço mais o tempo estando por dentro do infinito; em segundo, se a verdade está também na afirmação oposta, as duas afirmações são ao mesmo tempo verdadeiras e falsas, pois elas são parciais e unilaterais ao excluir a outra e o todo; isso significa, terceiro, que são, também, nem verdadeiras nem falsas. Em complemento, segundo aspecto, Kant ainda afirma: há três conhecimentos impossíveis – a alma (psicologia), o mundo (cosmologia) e Deus (teologia). Vejamos um por um. 1. Alma (psicologia) A alma enquanto psique era uma ciência quase nula na época de Kant, mas o século 20 operou uma verdadeira revolução, desde Freud, nessa matéria. Nós temos, hoje, altíssimo conhecimento do espírito humano, faltando apenas uma teoria unificada, mais fácil de produzir. 2. Mundo (cosmologia) Com Newton, soubemos como atua a gravidade, mas não o seu motivo. Ele disse, sobre isso, que ―não elaboro hipóteses‖. Assim, usou o conceito de força, mas de maneira parcial, para dar lógica às suas descobertas; mas também considerava duvidosa a gambiarra teórica da força como conceito. Desse tipo de situação, Kant pensava que apenas podemos saber do fenômeno do mundo, não do mundo ele mesmo ou seu ―númeno‖. Mas Einstein, além de tantas contribuições, chegou à coisa em si da gravidade, que ela é uma curvatura do espaço-tempo, não uma força, causada pela massa-energia184. Mais uma vez, o kantismo cai por terra.
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Uma hipótese lateral: nas tentativas de provar a teoria de Einstein por eclipse solar ocorreu céu nublado atrapalhando. Talvez, não foi por acaso: o alinhamento gravitacional da Lua e do Sol pode ter afetado partículas da atmosfera, atraindo-as, concentrando-as, fazendo o céu nublado em alguns pontos. Mas, mesmo se correto, isso faz parte das mil e uma leis possíveis no universo, que não falam diretamente dos fundamentos das tantas legalidades.
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3. Deus (teologia) É impossível conhecer Deus porque ele não existe. O mais próximo disso é o infinito como quarta dimensão espacial, sem começo nem fim, em automovimento, sem imite nem borda, fundante do nosso universo finito e de seu movimentar primeiro; mas que não é separado de nosso mundo, pois está como se dentro dele, apenas relativamente separado. O Deus real, material, de nossa época, o dinheiro, foi devidamente exposto e conhecido, além de reconhecido, por Marx, em O Capital. O valor invisível, que busca mais de si, causa de si mesmo, substância, tornou-se visível por meio da teoria. Kant ainda apresenta um terceiro aspecto contra o materialismo: as categorias são mentais, para dar sentido à realidade, não reais. Mais uma vez, Einstein deu uma contribuição enorme; pois, para o kantismo, espaço e tempo são ideias do pensamento, mas o físico moderno demonstra que o tecido espaço-tempo existe, há. O conceito de campo avançou de uma consideração ―metafórica‖ para uma verdade objetiva. O mesmo ocorre na biologia com o conceito gene quando Morgan demonstrou em 1910 que a conceituação tinha uma forma física. Até hoje, os físicos e os químicos consideram que energia é um conceito necessário, mas que ela não existe, porque não diretamente observável. Os conceitos necessários são o que são por serem objetivos, por existirem no real. Idealistas como Hegel pensavam o átomo não existia, embora fosse um conceito, porque era impossível de ver um. Ora, Einstein – de novo! – demonstra que o movimento aleatório de um pólen sobre uma poça de água, movimento browniano, somente é explicável se a realidade for constituída por átomos. O mundo atómico é, considerado aí a onda, muito mais que apenas ideal. Devemos considerar a ―crise categorial‖, que pode ocorrer no campo das ideias ou a crise daquilo que uma categoria expressa. No caso primeiro, a categoria ―força‖, usada de modo amplo e absurdo como criticou Engels, entra em crise e desuso, de início por meio de Einstein ao demonstrar que a gravidade não é força e sim uma curvatura do espaço-tempo por razão da energia-massa. Energia e campo aposentaram e ainda aposentam a força como conceito; e este livro reforça isso demonstrando que as ―forças‖ fundamentais são campos do espaço condensado.
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GNOSIOLOGIA OU ONTOLOGIA? Kant afirma que devemos antes refletir sobre nossa capacidade de conhecer para determinar os limites dele. Ora, Hegel reponde: aprendemos a nadar nadando, sabemos se somos capazes de aprender a nadar tentando, ou seja, sabemos os limites de nosso conhecimento tentando conhecer a realidade, não com reflexões abstratas. Pelo menos a maior parte dos limites do conhecimento são históricos, não cerebrais. Ideias e provas viváveis hoje na ciência eram inviáveis aos gregos antigos. Até certas teses apenas podem surgir hoje, não na antiguidade. Há, no entanto, dois candidatos a limites de nosso conhecimento. Primeiro, na física quântica, nós podemos saber ou a posição da partícula ou sua velocidade, ou um ou outro, o princípio da incerteza. Segundo, buracos negros não permitem sequer à luz escapar de si, assim não temos seu externo do interno, não temos dados. No segundo caso, talvez simulações de supercomputadores nos salvem. Há ainda outro fator histórico que impede o conhecer – a posição de classe do cientista ou sua posição diante do mundo. Nunca um economista defensor do capitalismo chegaria às conclusões profundas de Marx em O Capital, mesmo se honesto e rigoroso. Isso tem um reforço estrutural da psique, pois uma vida mais dinâmica e com stress relativo leva a ser mais produtivo intelectualmente, como a macieira produz maçã quando sente-se ameaçada185. Enfim, a ontologia é a prioridade do objeto, não a prioridade do sujeito do conhecer, pois é ir até o mundo. A prova de que podemos conhecer o real é que podemos lidar com ele na prática. A ontologia tem uma gnosiologia sua, derivada e, por assim dizer, instável, móvel. Se há limitação ao saber, será uma limitação dada pela realidade externa, não ao sujeito pesquisador como pensava Kant – mas até isso, mesmo que provado por algum tempo, pode ser derrubado pela evolução posterior da ciência. No mais, a ontologia madura não deve significar um sujeito científico passivo, que apenas se adapta ao objeto ou que apenas colhe os dados e os organiza, como se fosse mero espelho. Para, por exemplo, deduzir, precisa-se de um sujeito ativo, criativo, ousado. Como a Terra em seu sistema, o sujeito gira em torno do objeto e, também, em torno de seu próprio eixo.
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Uma pista para pesquisa da história da ciência é ver tais fatores, dinamismo e stress, como estímulos. Einstein produziu seus milagres quando numa posição não favorável; Platão e Aristóteles surgem na decadência grega; Darwin e Wallace viajaram pelo mundo, tendo este último “sacado” a teoria da evolução enquanto evolução enquanto estava com uma doença tropical; Newton fez seu grande trabalho isolado por uma pandemia; Marx viveu uma vida militante (dinâmica) e precária, como Lenin e Trotsky.
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MATERIALISMO OU IDEALISMO? Grosso modo, o idealismo é afirmar que a ideia e seu desenvolvimento faz a realidade enquanto o materialismo, oposto, afirma que a realidade, a matéria, faz o pensamento. Marx adota a segunda posição, às vezes de modo muito intenso. Mas o mais correto é dizer: o marxismo é a fusão de idealismo e de materialismo num terceiro, o terceiro excluído incluído. É verdade que a matéria faz, primeiro, a ideia, mas, sendo a ideia uma forma toda especial e mui complexa de matéria, ela tem uma autonomia parcial, relativa, além de ser trabalho, de ser produtiva (cérebro) – a ideia, a idealidade, também afeta o mundo, em principal o social. O polo determinante dessa unidade é o materialismo, mas não de modo mecânico, unicausal, sem mediações (ele se medeia, no externo, consigo mesmo como se com outro, outro de si). Por isso fazemos de fato nossa história, pessoal e social, mas sob dadas condições materiais. O marxismo supera a oposição unilateral entre materialismo e idealismo, conclui a história da filosofia. Vale uma construção lógica. Na lógica aristotélica, A = x ou não-x, sem terceira resposta, sem um terceiro, que é excluído – ou materialismo ou idealismo. Na velha dialética, existe a verdade exato nesse terceiro, que passa a ser incluído. Mas o terceiro costuma não ser nomeado, ―entre‖ o relativo e o absoluto, podemos apenas aproximar com o relativamente relativo; ―entre‖ o materialismo e o idealismo não há, também, nomeação. Na nova dialética, mantendo em pé a velha, x vai até não-x em ―A‖. Assim, o materialismo em autodesenvolvimento constrói o ideal, o idealismo, sem deixar de ser o ―material‖ o verdadeiro motor primeiro e o centro, a verdade. Esse caminho do materialismo para o idealismo relativo é o caminho da sociabilidade cega existente até a sociabilidade organizada e planejada, central e democraticamente, no socialismo, quando a ideia fazer a matéria ganhará mais peso, ainda subordinado ao polo oposto unilateral, o materialismo. O terceiro, que supera o materialismo e o idealismo, desenvolve-se, dinamiza-se. O idealismo (abstrato) é o materialismo (concreto) em autodesenvolvimento (processo). Eis nossas conclusões, um novo marxismo. Mas precisamos limpar o terreno para ganhar outros marxistas para nossa concepção. O velho Marx, d‘O Capital, adotou o materialismo ―duro e rígido‖. Após elogiar muito um dos seus críticos, ele cita um comentário à sua obra, que diz:
Para tanto, é plenamente suficiente que ele demonstre, juntamente com a necessidade da ordem atual, a necessidade de outra ordem, para a qual a primeira tem INEVITALVELMENTE de transitar, sendo ABSOLUTAMENTE INDIFERENTE
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se os homens acreditam nisso ou não, se têm consciência disso ou não. (…) Se o elemento CONSCIENTE desempenha um papel tão subalterno na história da civilização, é evidente que a crítica que tem por objeto a própria civilização está impossibilitada, mais do que qualquer outra, de ter como fundamento uma forma ou resultado qualquer da consciência. (Marx, O capital I, 2013, p. 89)
Segundo o próprio Marx, o comentador foi preciso, exato:
Ao descrever de modo tão acertado meu verdadeiro método, bem como a aplicação pessoal que faço deste último, que outra coisa fez o autor senão descrever o método dialético? (Idem, p. 90)
O trecho tem outros pontos semelhantes ao exposto. Ademais, para Marx, a vontade do capitalista não é a vontade dele próprio, mas do capital impessoal, que se expressa no indivíduo. O jovem Marx, em textos não publicados em especial, ao menos esboçou nossa concepção. A posição materialista unilateral é substancialista; a idealista, relacionalista. Em outro capítulo, demonstraremos que Marx pendula entre a concepção de substância e de relação, apesar de sua revolução teórica-metodológica e resolver várias oposições entre esses dois pontos de partida. A velha geração marxista afirma que tentar antecipar aspectos gerais do socialismo, mesmo durante o ocaso maduro do atual sistema, trata-se de idealismo… Mas o ideal importa, a arte marxista é, também, prever, uma historiografia do futuro possível a partir das bases materiais presentes. O materialismo focou no aspecto animal do homem; o idealismo, na sua diferença para com os demais seres (Levins & Lewontin, 2015). A verdade supera os opostos. A própria realidade quebra-se em materialismo e idealismo. Materialismo – trabalho manual; idealismo – trabalho espiritual, intelectual. Como a verdade é o todo, a realidade supera e abarca ambos. A verdade supera e funde o materialismo subjetivo e o idealismo objetivo.
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A LIBERDADE OBJETIVA OU DIALÉTICA Outra entre as grandes questões da psique é sobre se somos subjetivamente livres ou não – há ou não liberdade? Há livre arbítrio? Se há, de que tipo é ela? Vejamos em alguns de nossos mestres, antes de oferecer uma nova resposta. Kant Ele produz uma das quatro antinomias suas, que serão resolvidas nesta obra, perguntando se 1) a realidade inteira, incluso nosso pensamento, segue a causalidade, a necessidade, causa e efeito ou 2) há ao menos também liberdade humana. Ele não responde e considerava uma questão irresolvível. Antes de chegar a uma conclusão, vejamos como outros tentaram solucionar a pergunta. Hegel Ele oferece pelo menos três respostas sobre a oposição liberdade-causalidade. Primeiro, a liberdade é reconhecer a necessidade. Por exemplo, respeitar as leis e as tendências da história. Um divulgador marxista afirmou que o animal tem a opção de evitar o fogo, sua liberdade de não se queimar é uma necessidade. Um burguês tem a liberdade de seguir a luta por mais lucro, embora possa escolher ser mendigo, ou seja, prejudicar-se. Segundo, Hegel afirma que o uno, o um, o indivíduo, parece afirmar-se ao isolar-se do conjunto (muitos, múltiplos), mas isso é sua destruição. Então, apenas se pode ser livre e individual em comunidade. Assim também, um átomo é instável energeticamente quando isolado, por isso deve ligar-se a outros átomos, formando uma molécula, para ganhar estabilidade. Terceiro, ele funde causalidade e liberdade afirmando a interação dos corpos, dos acidentes, das partes de um todo. A causalidade é recíproca, pois uma parte age sobre outra parte, e esta, vice-versa, também faz o mesmo. Mas todas as partes de uma totalidade, sendo causa e efeito ao mesmo tempo, pertencem uma única substância comum, que está no fundo, no fundamento (necessidade). As partes do todo-substância aparecem, de modo externo, umas independentes das outras, e o mesmo ao contrário, são fora umas das outras, apenas interagindo (liberdade). Mas essas partes são também o mesmo, uma mesmidade, pois são uma substância apenas. Marx No final de O Capital, Marx afirma que no socialismo a produção será o reino da necessidade, onde o cidadão trabalha, mesmo que apenas jornada curta de 2, 3 ou 4 horas diárias.
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O que é produzido de modo organizado permitirá o reino da liberdade, fora da fábrica, quando nos dedicaremos à arte, à família, ao ócio etc. Como sabemos, tudo que puder ser robotizado, automatizado, informatizado o será, o que reduzirá com toda força o tempo de trabalho ou de serviço – o trabalho manual será superado, mesmo que não extinto. Lukács O grande filósofo do século XX afirma que a humanidade tem produtividade crescente, cada vez mais produtivo – e com o aumento da produção aumenta também o grau de liberdade. O escravo antigo era não livre, o servo foi mais livre que o escravo, o assalariado (com liberdade formal) é mais livre que o servo, o trabalhador associado socialista será substancialmente livre. Nosso destino é cada vez mais determinado por escolha ou acaso, cada vez mais com mais opções. Outro aspecto da liberdade lukacsiana é que o homem no trabalho antes pensa ou imagina como e o que produzir (teleologia, prévia ideação, liberdade) e depois manipula as leis causais da natureza (necessidade) para produzir algo útil. Para Lukács, a liberdade era uma categoria apenas humana, social, além de histórica. Nossa proposta Vejamos como resolvemos o problema kantiano. Ora, se a realidade tem possibilidades e probabilidades, ela as tem em si mesma, dentro de si própria. Logo, a liberdade é objetiva antes de subjetiva – é dialética. O homem ou a partícula toma a decisão que tem já tendência, na sua personalidade ou perfil, além de contexto, de tomar. Um chiste famoso ajuda a esclarecer: podemos escolher o que quisermos (entre as opções), mas não escolhemos qual é nosso desejo, o que de fato desejamos. Se temos 4 opções, escolheremos aquela que melhor corresponde ao que somos. A liberdade é ter tais opções exato para escolhemos a que de fato somos levados a escolher, causalidade e necessidade (e nossa liberdade está dentro da realidade objetiva). Esse é o primeiro modo de fundir causalidade e liberdade. O segundo é que o ―o que‖ irá ocorrer é algo necessário, causal, determinístico até, mas ―o como‖ isso irá acontecer está, em geral, em jogo. Por exemplo, certo é que o capitalismo irá cair, mas pode desabar de várias formas, mesmo opostas, como por revolução ou por extinção da humanidade etc. Necessidade é reconhecer a liberdade.
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TELEOLOGIA OBJETIVA Para ganhar moral no meio acadêmico, um dos segredos é ser contra a teleologia, a concepção que a realidade tem finalidade, um fim, um objetivo. É uma crítica fácil e famosa, mas pouco refletida. Os erros nesse assunto se deram à visão mecanicista do tema, desde Aristóteles até Lukács. Vejamos a confusão, as igualdades falsas na crítica: 1) Teleologia exige uma consciência que planeja. Isso é a concepção mecanicista de um trabalho artesão ou artístico, generalizada e, logo, rejeitada por muitos. Mas as leis inerentes da realidade podem levar a um rumo específico. 2) A teleologia exige separar fim e meio. Falso. Ainda uma visão mecanicista, priorizando uma forma de trabalho, como vemos. O fim pode estar, em sistemas orgânicos, no próprio meio, vai-se realizando no processo, rumo a si mesmo. O socialismo vai rumo a si na lutando por ele, com práticas de acordo com o fim almejado. O fim (abstrato) é o meio (concreto) em desenvolvimento (processo). O fim, realizado tanto quanto pode, é, por sua vez, meio para algo realizar; por exemplo, o socialismo é o fim, mas, ao existir, será meio para a felicidade humana. 3) Teleologia é determinística. Nada justifica essa hipótese. O homem, por exemplo, tende ao socialismo – tende. Mas pode se extinguir antes de se realizar. A teleologia não é nem determinística nem contingente, pois é tendencial. 4) Não existe teleologia fora da sociedade. Outra hipótese sem comprovação. Por exemplo, o olho surgiu 6 vezes de modo independente na história da natureza, pois era necessário que o olho surgisse. No social, a história ocorre como teleologia objetiva e insconciente até que a sociedade ganha consciência alta, toma as rédeas da história. 5) Teleologia exige um fim (absoluto). Na verdade, a teleologia pode ter um alto grau de autorrealização, mas ele permanece como pulsão, movimento, desenvolvimento. Não se encerra quando se encerra. Temos a teleologia objetiva. Lukács afirma que na arte há identidade sujeito-objeto, formaconteúdo, essência-aparência e nós completamos com criar-descobrir e nada-ser. Logo vemos que Hegel se inspirou no trabalho artístico para pensar sua Lógica, caindo em mecanicismo em certo sentido. Vale a pena fazer uma observação histórica. Engels e Marx, em cartas pessoais famosas, concordaram que A origem das Espécies de Darwin marcava uma crise na teleologia, que elas
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associaram então à visão essencialista religiosa. Isso pode ser deduzido de sua grande obra, embora erra, mas, da própria letra de Darwin, este afirmou em mais de uma passagem que há uma tendência à perfeição das espécies, ou seja, evolução, para ele, não é apenas diversificação – e o homem, sendo animal, é um ápice biológico apaixonante, mas perigoso até aqui (a natureza viva criou seu próprio algoz, se próprio inimigo, caso não alcancemos o socialismo).
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AS CAUSAS Ainda segundo Lukács, com sua teleologia subjetiva apenas e mecanicista, a teleologia (humana, subjetiva, individual) usa a causalidade – posição correta em si, no entanto limitada. Mas, oposto, as relações causais dialéticas, ou seja, a interação recíproca produz de modo ―inconsciente‖ a teleologia. A teleologia faz a causalidade como a causalidade faz a teleologia. Aristóteles levantou quatro causas separadas: 1) causa material (água, éter etc.), causa formal (forma geométrica, forma social etc.), causa eficiente (causa para efeito) e causa final (teleologia, ir rumo ao). O grego tratou cada uma de modo separado, mas elas ocorrem juntas, de maneira simultânea e unificada, ao mesmo tempo, com relações recíprocas. Além de sincrônicas, ocorrem, por isso, de maneira diacrônica, como se depois, tempo lógico: a matéria, causa material, cuja forma é sua informidade, passa a ser com cada vez mais forma, causa formal, que impulsiona a causalidade mecânica e dialética, causa eficiente, o que produz uma teleologia, causa final. A ciência moderna focou apenas na causa eficiente enquanto o grego focou na separação delas ou na causa final. A causalidade eficiente produz imediatamente a teleologia, a causa final. Tal movimento ―real‖, mantida a sincronia, também foi ideal nas sucessivas gerações filosóficas antigas, dos gregos. Dialética real expressada na dialética ideal. Os primeiros filósofos gregos tiveram, do ponto de vista da mente, que fundar o materialismo para afirmar-se contra a religião, separar-se dela (Novack). Tal materialidade expressa, também, certa materialidade em desenvolvimento, a sociedade grega, sua vida e seu comércio etc. Daí iniciar pela causa material, supondo que a realidade é um único elemento, ou combinação de muitos. A matemática pura algo separa-se do uso de engenharia etc., surgem os pitagóricos e a realidade profunda enquanto número, formas numéricas. Platão avança para a separação entre mundo das formas – perfeitas, puras, imóveis – contra o mundo terreno, da aparência, da inconstância. A afirmação do movimento dá importância para a causalidade, o tempo, a relação. Então, intui-se a teleologia, a causa final, o destino para onde a existência tende a ir, vai-se. Hegel, o grande gênio, deixou claro que causa e efeito podem mudar de posição na causalidade recíproca. Então, ele passa para um conceito unificado de ambos os opostos, a interação. O marxismo vulgar toma a causalidade mecânica, como se a economia determinasse de modo único, direto, mecânico, determinista e unilateral as mentalidades e as instituições. Embora a produção, em principal, e os demais setores econômicos tenham prioridade, numa hierarquia do ser social, a causa é um ―ida e volta‖ dinâmico, incluso ao mesmo tempo, simultâneo – interação. A causa fazer, também, a teleologia, ser como um antes, está ligado, em principal, às teleologias gerais e objetivas. É claro, portanto, que o pensar humano teleológico e subjetivo faz a
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realidade, usa a causalidade do real. Mas o cérebro, de onde surge a teleologia individual e subjetiva, opera com relações causais, ainda que orgânicas e dialéticas. Assim, mesmo aí, a causalidade faz a teleologia. Vejamos um pouco mais. Para Aristóteles, a forma demonstra-se superior à matéria; em seguida, aquele seria inferior à causalidade eficiente, que faz a própria forma; por último, a teleologia, causa final, seria superior à causalidade eficiente. Cada um é superior ao interior. Isso está correto em si e de modo mecanicista, como um artesão que com sua teleologia usa a causalidade e ,assim, dá forma à matéra bruta. O mesmo limite de Lukács com sua apologia do trabalho. Nós, aqui, descobrimos que o geral, no geral, promove-se o caminho oposto: matéria, forma, causalidade e teleologia. A matéria, em relação consigo, ganha cada vez mais forma, além de ser sua condição; tal processo tem a causa eficiente que produz, primeiro, a própria teleolgogia. Para Aristóteles e, de certo modo, para Lukács, a mente com sua teleologia apenas subjetiva age como causa primeira, primeiro motor, autônomo e movente por si. Os biólogos atuais dizem que não há por exato, evolução, mas apenas adaptação e diversificação. Ora, a diversificação, que tem causalidade em si, faz a evolução relativa – chega-se ao homem, um dos ápices da vida. A biologia tem, assim, teleologia objetiva, inconsciente e tendencial não determinista derivada da causalidade. .
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O QUE É A CONCIÊNCIA, A MENTE? A dialética não usa, grosso modo, definição, algo dicionário – ela desenvolve o conceito, mais do que o explica. Dito isso, mostramos uma dentre as respostas possíveis, nossa proposta. A consciência dar-se, no ser complexo, quando a realidade muda, torna-se incerta, sem padrão aparente enquanto o cérebro continua preso ao passado, à repetição, ao padrão. Busca-se, assim, naturalmente, a permanência na mudança. A mente e a consciência (abstratos, que não são coisas) são o cérebro e a realidade (concretos) em movimento (processo). A contradição em ―querer‖ manter o permanente e a mudança incerta produz a mente e a consciência. Uma situação de crise, instável, empurra para elevar a consciência. A consciência é, portanto, antes, fruto da objetividade, do externo. Aqui, inspiramo-nos nos gregos. Eles negavam a empiria aparentemente aparência, instável, caótica, sem lógica, sem rumo, contingente e queriam acessar o mundo por meio da boa reflexão, do pensamento dedicado, de deduções abstratas, de lógica e conflito de ideias com palavras. Assim, continuavam querendo o permanente na mudança – e fizeram, portanto, filosofia! A filosofia experimental, a científica e a objetiva, claro, hoje baseiam muito mais diretamente nos dados, no fatos, na empiria, embora saiba que a aparência ao mesmo tempo revela e esconde a essência, a verdade. Isso leva-nos ao debate sobre inteligência artificial: podem os programas e robôs tornaremse conscientes? Para nós, o que é, em primeiro lugar, consciência? Devemos responder tal pergunta milenar, até hoje um enigma insuperável, com suas diferentes escolas e polêmicas. Consciência é, também (pois não o que ela é não cabe no dicionário), autoconsciência, consciência de si. Mas ser consciente de si é ao mesmo tempo diferenciar, ter consciência do outro e do externo. Por isso, dizer que consciência é consciência de algo tem tal algo igualmente como a si próprio, alguém. Assim, ter consciência exige ter consciência da sua finitude, de perceber ser algo que não outro, ou seja, ter borda e limite, ou seja, ter fronteira. O erro de dizer que pensamos e temos consciência por meio de todo o corpo deve ser (re)considerada – não penamos com o corpo inteiro, mas é quase isso. O cérebro é também sua função. Ademais, consciência é finitude não só espacial, também temporal – consciência exige falta, logo, necessidade, logo, desejo. Dito isso, considerando a consciência de seu lugar abstrato, ou seja, separado e isolado nas nuvens ideais, vemos a dificuldade de uma inteligência artificial tornar-se de fato consciente. Ademais, o cérebro é a coisa mais complexa e difícil de replicar do universo. Pode-se, com mais rapidez, simular um ―como se‖ tivesse consciência. Mas, ao oferecer algo como um sistema
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nervoso completo ao robô, além de sentir necessidades (falta de energia, incômodo etc.), quem sabe a singularidade finalmente ocorra, para o bem ou para o mal. Marx diz que a há humanização das coisas e coisificação dos homens; e isso tende a ser literal, atingir um máximo: das máquinas simples que imitavam o movimento repetitivo das mãos humanas às máquinas complexas que imitam a sua inteligência e consciência.
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SEÇÃO DOIS TESES SOBRE QUESTÕES ABERTAS NAS CIÊNCIAS NATURAIS
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AS QUESTÕES ABERTAS NA FÍSICA MODERNA Nada é maravilhoso demais para ser verdade. Michael Faraday Em sua Dialética da natureza, Engels apenas levanta várias questões ainda não resolvidas pela ciência. Muitos pontos foram resolvidos, mas a ciência moderna trouxe novos enigmas. Aqui, iremos um tanto mais longe, pois apresentaremos uma proposta de resolução das lacunas teóricas. A base é nossa equação qualitativa antes exposta resumida em matéria como espaço concentrado. Uma proposta teórica no geral correta deve apresentar soluções para quase todas as lacunas da ciência. Vejamos as conclusões de pesquisa que se tornaram premissas na exposição. Nossos postulados são: 1) espaço = matéria, matéria é espaço concentrado, espaço é matéria decaída; 2) o espaço, contínuo-discreto, organiza-se como linhas de espaço (tese não central, se os campos como linhas não foram diretamente espaço); 3) a equação QUALITATIVA geral é ―movimento = energia = tempo = espaço = matéria‖ ( = massa = luz186 = campo). 4) a matéria não apenas curva o tecido do espaço, mas é também o próprio tecido espacial curvado, para dentro, para dentro de si, concentrado na forma particular. 1. Efeito Casimir Comecemos por uma questão apenas na aparência resolvida, que reforçará na empiria nossa tese. O experimento é este: põe-se duas placas especiais próximas dentro de uma caixa a vácuo. Ocorre que tais placas aproximam-se, revelando uma pressão maior do lado de fora delas, forçando rumo ao encontro de ambas. Seria a prova de uma energia de ponto zero! Partículas virtuais surgem e deixam de surgir do ―nada‖! Mas o vácuo não exclui o espaço e, teorizamos, espaço é energia – logo flutuações do espaço faz ele se concentrar produzindo as tais partículas. Eis a prova de que espaço é matéria e energia (e luz etc.). Veja-se o autolimite posta pelos físicos e seus filósofos ao focarem na diferença entre espaço e todo o resto no lugar de ver sua unidade, e identidade de fundo, real: 186
Vale repetir. A expansão do espaço leva à expansão da onda de luz, que desvia para o vermelho. O espaço não é barreira para luz, é "transparente", porque a luz é o próprio espaço em movimento, de modo concentrado. O oposto da luz não é a sombra e a escuridão, mas a transparência; porém, logo vemos que são o mesmo, um identidade interna.
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Notamos já que na relatividade geral o próprio espaço-tempo tem massa-energia. Mas a massa-energia é o aspecto básico característico da matéria, tal como a entendemos habitualmente. Se até a distinção entre a matéria e o próprio espaço-tempo é problemática, podemos ainda falar de ―relações entre coisas materiais‖ em oposição ao ―próprio espaço-tempo‖? (Sklar, 2020, p. 60)
Há consequências totais de nossa reinterpretação de um experimento. Bohm critica a aleatoriedade da física quântica afirmando que existe um nível ainda mais abaixo, fundamental, subquântico; são, para ele, as variáveis ocultas da causalidade oculta na probabilidade. Neste reino, haveria uma substância e suas entidades, partículas etc. Mas há um grande problema: um nível micro tem um nível ainda mais abaixo, que tem outro mais abaixo, que tem outro etc. – ao infinito, má infinitude. Aqui, para nós, o nível mais fundamental é o espaço, talvez com partículas espaciais (a matéria escura como espaço discreto, particular etc.). Assim, concluímos, flutuações do meio, do espaço, afetam as partículas fundamentais. Um grande problema teórico aparece como com solução óbvia apenas depois de resolvido. Reforcemos nossas teses com outro fenômeno. Se, sob investigação, para melhor estudá-la, desacelera-se cada vez mais a velocidade uma partícula de elétron, o que ocorre? Ela cada vez mais espalha-se, expande-se, torna-se menos condensada, torna-se menos pontual – ou seja, tende a dissolver-se em espaço, por ser o espaço condensado, para dentro de si, sem romper de todo com este. Matéria é igual ao espaço. Terceiro fenômeno. Um pósitron (antielétron), positivo, e um elétron, negativo, iguais mas opostos, encontram-se por atração de cargas opostas e tornam-se fóton de alta energia. Pois bem; tal partícula de luz, fóton, pode tornar-se outras partículas do Modelo Padrão de partículas fundamentais, uma espécie de tabela periódica. Como faz isso? Sugando energia ao sugar partículas viruais ou de espaço. É a visão aprticular: basta, para ver melhor, que a partícula suga espaço para si, por ser atrativo, por ser espaço condensado, concetrado, para dento de si. O problema de como e se a partícula dobra o espaço é resolvido com a solução de que a partícula é o próprio espaço dobrado, para dentro, concentrado. 2. Positivo e negativo nas partículas (química) A ciência da natureza, em geral, foca no como, o caminho mais fácil, e esquece de saber o motivo. O que é positivo ou negativo? Não sabemos, sequer fazemos a pergunta. Na verdade ocorre algo do tipo: algo inteiro, nem negativo nem positivo em si, decai em pedaços, inteiros por si mesmos, que são também partes. O nêutron decai em dois, próton e elétron; um desliza para
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dentro do outro porque são, no fundo e na origem, apenas um, um algo de fato completo. Assim, são opostos no externo, mas atraem-se porque são o mesmo e semelhantes no interno. Isso vale para vários tipos de decaimento, de opostos que já foram juntos e um, como o elétron e o antineutrino, além dos famosos elétron com próton. Por que, então, dois prótons se repelem? Ou por que o elétron não cai no próton? Parecem duas perguntas, mas têm o mesmo princípio e resposta. O senso comum pensa o campo como certa camada protetora, o que os cientistas negam; mas o próton é mais do que sua parte ―visível‖, pois tem um ―campo próximo‖ e, portanto, uma fronteira, um limite. Dois prótons se repelem porque são excessos, desencaixe um relativo ao outro; o mesmo para dois elétrons. Um elétron e um antielétron, pósitron, atraem-se porque são antes, ontologicamente, o mesmo, como se pedaços inteiros de um inteiro. Também assim, o elétron não cai naturalmente no próton porque ambos, sendo pedaços, são ainda inteiros por si, com fronteira própria. Na química e na física, o próton é tomado como carga +1 e o elétron, -1. Como que dois objetos tão diferentes têm exato a mesma carga com sinais opostos? Que sorte do próton! (a única resposta decente, nesse caso, seria que o próton e o elétron são o mesmo, iguais, só que um é mais partícula que espaço-campo e o outro, ao contrário, mais espaço-campo do que partícula – daí as cargas iguais). Em verdade, tal matematização apenas expressa a aparência, enquanto pomos a essência de tal fenômeno. Isso nos leva à próxima questão. 3. A matéria e a antimatéria no início do universo A física atual postula que o decaimento do universo em sua expansão original deveria formar a mesma quantidade de matéria e antimatéria, logo elas se atrairiam mutualmente, aniquilando-se em forma energia, de luz – mas isso não aconteceu, pois temos ainda a matéria comum no nosso universo, bariônica. Por quê? Uma resposta é que o universo se contrai e se expande para sempre sem cair nesse estágio inicial. Os físicos tratam de afirmar como evidente que não existiu tal ―explosão‖ ou que há uma pequena diferença, até hoje não encontrada, entre os opostos. Outra resolução, propomos, é que de fato houve mesmo o grande encontro de matéria e antimatéria, destruindo ambos, e a energia resultante disso decaiu rapidamente em espaço, este expandindo-se salvando um pequena parte da matéria e, talvez e longe, da antimatéria do universo. 4. O segredo da matéria escura e da energia escura. A gravidade extra nas partes mais distantes da galáxia não corresponde com a massa-matéria existente, logo há alguma matéria transparente, invisível, criando a gravidade extra encontrada,
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uma espécie de cola. Como resolver tal quebra-cabeça? Matéria é espaço condensado, logo matéria escura é uma forma leve de matéria, de espaço (o que está de acordo com a tese semelhante de Marcelo Gleiser 187). Segunda hipótese, talvez – ou também –, por a matéria ser espaço concentrado para dentro de si, a matéria bariônica e/ou os buracos negros sugam para si mesmos uma parte do espaço, esticando-o, tornando-o tenso, logo com mais energia, logo com gravidade extra. E a energia escura? O universo está se expandindo, o que sugere uma energia escura, transparente, de repulsão. Se formos logicistas: matéria é energia e espaço; logo energia e matéria escuras são o mesmo, além de opostos, este decaindo naquele. A matéria (escura) e a luz do universo decaem em espaço (energia escura), o que expande o cosmos. Talvez outras causas incluem como o contrair dos universos vizinhos, por ação de seus buracos negros, esticando o nosso. Pode ser que a diferença de matéria escura e energia escura é que um seja espaço contínuo e o outro como espaço discreto, granulado. A matéria escura, extra, entre galáxias pode ocorrer porque os buracos negros e a matéria sugam e esticam parte do espaço, gerando nele tensão, logo energia, logo gravidade. É possível observar também, de modo matemático, se os buracos negros servem de trituradores da matéria, produzindo espaço, que tem velocidade de escape o bastante, ao menos não nos grandes buracos negros188, o que exigiria adaptação de nossa formulação universal aqui, como o fato de por isso produzir matéria escura que decai em energia escura (espaço). 189 5. Entrelaçamento quântico Descobriu-se, primeiro no cálculo e depois na empiria, que dois fótons que juntos surgem e são separados estão ―ligados‖ mesmo se distantes um do outro, ou seja, se medirmos um aqui e 187
Para Gleiser, apenas a matéria escura é “bolhas de espaço” enquanto considero tudo, matéria e luz, como formas de espaço, espaço condensado. 188 Veja-se que, para nossa cosmologia sustentar-se, reiniciando o universo, mesmo se os maiores buracos negros “suam” espaço, a taxa relativa é pequena relativamente, o que faz com que a atração seja, no futuro, maior, superante, consumindo espaço e matéria para dentro de tais titãs, o que reunirá tudo de novo em um pequeno ponto, na singularidade, ou próximo disso, podendo, por exemplo, por tal salto, a partir de certo nível de concentração, ricochetear, ao desabar para dentro de si, criar um impulso para fora, na direção oposto, para expansão, semelhante a um buraco branco. 189 As hipóteses que apresentamos aqui são suficientes, têm uma visão de mundo, de cosmos. Podemos agregar, ademais, uma especulação extra. O espaço (energia escura) e água são muito parecidos. A água aumenta o volume quando esfriada, congelada, por a estrutura molecular fazer espaços vazios entre os átomos. Pois bem; por esfriar, por reduzir energia, esta mesma transformase, o espaço decai em energia escura, ou melhor, a energia escura, que é o espaço, expande-se com o esfriamento do universo, torna-se menos condensado nesse sentido. Isso pode ser apenas uma das causas da expansão cósmica.
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descobrimos que ele está com o spin para cima, logo o outro ali estará com o spin para baixo (antes, ambos estavam no estado de sobreposição, nem para cima nem para baixo em exato). O assunto irritava Einstein, então ele supôs que a teoria quântica estava incompleta. Ora, basta aceitar, de modo materialista, que eles estão de fato em uma ―ação fantasmagórica à distância‖, instantânea, pois estão ligados por um fio de espaço, por um fio de linha de campo comum. 6. Enigma da fenda dupla Imaginemos uma placa com duas fendas, duas entradas; se um elétron ou fóton passa por um, logo não deveria passar por outro, agindo como uma partícula que de fato é. Mas, ao passar, vez por vez, várias partículas, elas batem na última placa e forma um padrão de onda, não de partícula! No lugar de baterem em apenas dois lugares, por serem duas fendas, elas batem em vários, como se ondas fossem ainda sendo particular! Às vezes, os físicos se apaixonam demais pela magia de seus mistérios no lugar de resolvê-los. Talvez, algumas partículas não rompam totalmente, apenas de modo relativo, com o espaço ao redor; ou, ao menos, eles têm um ―campo próximo‖ que se afeta pela outra fenda (a partícula passar por uma fenda, mas sofre interferência como se passasse pelas duas). 7. Salto quântico Um elétron ―orbitando‖ o núcleo está aqui e desaparece, reaparecendo quase ao mesmo tempo ali, em ouro ponto. Como ele saltou, como desparecer e reaparecer ―longe‖ e não percorrer um caminho até o outro local? A posição do elétron depende de si (nível de energia), do núcleo e do seu contexto. Pense-se no lençol esticado; pois bem; ele, sendo o espaço, é concentrado um pouco num canto por uma mão, formando um pequeno ―morro‖, nossa partícula; se, então, fazemos outro ―morro‖ em outro canto do lençol, aquele primeiro se desfaz, pois houve novo esticamento. Assim, o elétron desaparece aqui e reaparece ali. Outras formas de dizer isso, são estes: 1) o elétron decai, colapsa, em espaço que se reconcentra em outro ponto segundo seu contexto; ou 2) o elétron desaba em neutrinos ―emaranhados‖ (ou, ou também, neutrinos e antineutrinos que se atraem) que se reconcentram em outro local, reformando o elétron mais uma vez. Esse caso serve para o exemplo da passagem do elétron por uma chapa fotográfica, deixando marcas não contínuas, discretas e afastas umas das outras, de gotículas de prata (repetimos: decaindo ou decaindo em neutrinos-antineutrinos ―emaranhados‖ que se atraem). Para o positivismo, apenas descreve-se que a coisa desaparece aqui e aparece depois ali, sem mais, sem caminho para, sem continuidade. Outra hipótese é que o elétron se torna energia pura, sem uma de suas formas, na quarta dimensão, então retorna, mas isso me parece nem
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sequer indiretamente verificável, além de improvável também. Outra afirmação, que se sustenta, junta às demais inclusive, afirma que o espaço são linhas, enquanto as partículas são pontas, saliências, de tais linhas, linhas concentradas; por isso, a partícula desaparece aqui, torna-se mais parte da linha, decai em apenas linha, e reaparece ali, a tensão direcionada gera, produz, nova concentração, nova onda ou, ou seja, condensação da corda. Torna-se, assim, espaço e, pela tensão e direção, forma-se nova ponta-onda, partícula (à semelhança do comportamento de expansão da onda de som na atmosfera, aqui é corda-espaço concentrado, concentra e por isso expande etc.). A ideia da realidade como particular ou ondulatória torna-se superada, a oposição unilateral é superada. Dois comentários ainda devem ser feitos. Em quatro dimensões (espaciais), vemos em três dimensões algo desaparecer aqui e (re)aparecer ali, do ―nada‖. Ora, isso faz o salto quântico (e outros fenômenos, como demonstraremos). Mas não é comum ver no meso e no macro. Sobre o onda-partícula, a ideia de ―ondas de matéria‖ demonstra que a posição de onda ou de partícula estão unilaterais, mas mal fundidas nessa expressão conceitual – a matéria é (talvez linha de, talvez) espaço condensado. 8. A escassez de buracos negros intermediários Ainda não encontramos buracos negros de tamanho intermediário nem sequer na quantidade esperada; eis o mistério. Ao que parece, tais entidades cósmicas são produtivas, sugam matéria e… espaço. Por isso, são maiores do que deveriam ser se passivas ou semipassivas. 9. Unificação de campos Para a teoria quântica de campos, cada partícula é a ―ponta‖, a expressão de um campo específico e amplo. No real, todos os campos são um porque são apenas o espaço, já que cada partícula é espaço condensado, ou o campo é a forma mais leve do próprio espaço, mas um tanto condensado. É, antes, a partícula que faz o campo; não o campo, a partícula – a união faz a força. O fato de ela ser espaço condensado, ser algo com ―peso‖, a gravidade em nível superior (força forte etc.), forma o campo correspondente ou o campo próximo. 7. As dimensões A teoria das cordas diz que as partículas são, na verdade, cordas de uma só dimensão, unidimensionais, que vibram cada qual de modo diferente e são de formas diferentes. Até o momento, provou-se impossível comprová-la. Tal hipótese trabalhava com 11 dimensões, agora reduzidas para 6. Para nós, há quatro, incluso uma espacial oculta, que se manifesta como tempo.
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A fita de moebius tem apenas um lado, mas parece ter dois quando vista por apenas um pedaço dela. Algo semelhante temos na garrafa de Klein, com seu dentro-fora unitário. Penso que as três dimensões são também, assim, há apenas uma dimensão, o infinito, o todo, que por isso é dimensão nenhuma, mas tem quatro dimensões quando visto por seus pedaços, suas partes. 8.
Dualidade onda-partícula A física dividiu-se por séculos entre aqueles que diziam a luz ser partícula ou, ao contrário,
onda. A dialética pede a substituição possível do ―isto ou aquilo‖ por ―isto e aquilo‖ em inúmeros casos. Se houvesse uma boa formação filosófica, os cientistas teriam ao menos levado em conta a hipótese de que ambas as posições acertam e erram ao mesmo tempo, bem antes do século XX. Luz não é apenas onda ―e‖ partícula, mas propriamente uma sobreposição dos dois estados opostos – o dialético em ato! Mantendo nossa posição de que, em resumo da fórmula, tudo é espaço, ainda que concentrado, a parte ondular das partículas ocorre porque elas não rompem totalmente com sua base, o ambiente primeiro, o espaço, mas flui assim mesmo por ele, nele, sendo ele. Talvez exista ―resistência‖ e ―atrito‖ do espaço, gerando instabilidade e ondulação. Assim, as verdades primeiras são: é-se 1) partícula; 2) onda, 3) onda-partícula, 4) partícula com propriedades de onda, 5) onda com propriedades de partícula. Adicionamos: nem onda nem partícula, pois, não só por ser ora um e ora outro, mas por ser espaço condensado, concentrado (provavelmente: sem romper com sua base, o espaço) – o que permite propriedades aparentemente contraditórias, num um terceiro, uma terceira resposta de fato. Assim: tese – partícula; antítese – onda; síntese – espaço autoconcentrado, que explica as propriedades duplas. A onda vai-se para a partícula, cada vez mais partícula (em dialética diacrônica: x vai-se para nãox em A) – raios gama são muito mais partícula do que raios X, a luz ultravioleta é mais partícula que a infra vermelha (eis uma origem de partículas logo após o encontro destrutivo de matéria e antimatéria no início do universo, sob novas circunstâncias); mas há também outro modo de terceira resposta, o ―nem um, nem outro‖, unilaterais, mas a constituição do não espaço como o próprio espaço condensado, com as propriedades opostas, agora complementares. Mais uma dentre as hipóteses. Se o espaço for como linhas de espaço, então uma partícula é como quando balançamos uma corda presa numa das pontas, formando uma ondulação que avança, que se movimenta, algo que toda criança faz ao brincar. Um fóton, por exemplo, expande-se assim, no e sendo o espaço acentuado, concentrado, em movimento, em vibração. Superamos a teoria das cordas assim! A teoria das cordas exige cordas pequenas, particulares, de uma só dimensão, num universo de 11 dimensões. Agora, superando essa ideia ainda atomista, individualista e corpuscular, temos uma teoria de tudo nova, completa – ao que parece, correta.
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12.Excesso de raios cósmicos Sabe-se que a maior parte dos raios cósmicos que encontramos no espaço interplanetário não vem do Sol. De onde viriam? Uma parte pode ter origem nas flutuações do espaço, produzindo tal matéria-luz. 13.Spin do elétron O spin do elétron é uma ―rotação‖ muitas vezes maior que o permitida pelas leis da física. Na falta de explicação, os físicos dizem ―é assim mesmo, um mundo diferente‖ e ponto, e pronto. Isso não ajuda, apenas esconde uma ignorância. Como demonstramos em nossa equação qualitativa, movimento = energia = tempo = etc. Assim, o que medimos como apenas movimento de rotação é na verdade mistura com seus diferentes, outros de si, que são também idênticos, iguais. 14.A origem do movimento O movimento é, sempre foi e será. Mas qual a sua causa primeira? A matéria e a luz caem na quarta dimensão espacial, no infinito, como a si mesmas (o infinito não cabe dentro do universo finito, por isso se manifesta como tempo, sendo a quarta dimensão espacial). É possível, também, que o vazio infinito cai sempre em si próprio e, sob tensão, desabe no ―´átomo prrimordial‖, dando origem ao primeiro Big Bang. O paradoxo de Zenão é resolvido assim: a flecha percorre o espaço-tempo porque ela é o próprio espaço-tempo em Movimento – está e não está parada; pousada sobre si, move-se, cai-se. 15.Multiverso no tempo e no espaço Retomemos o assunto acima: há o multiverso no tempo, com o nosso universo crescendo e, depois, reduzindo de modo cíclico, para crescer novamente; e o multiverso no espaço, com vários universos separados. Mas podemos fundir no universo no espaço-tempo. Porque o universo se expande? Uma das causas, além das internas, é que outros universos estão contraindo, sugando espaço em alto nível por fusão de seus buracos negros, que sugam o tecido espacial (ainda que lentamente). O problema de os universos separados no espaço não serem empiricamente observável está resolvido porque eles interagem por meio do espaço único deles, caso existam. Deriva-se, então, outra hipótese. Se 1) todo o destino do universo está determinado desde o Big Bang e se 2) o universo contrai-se e expande-se ciclicamente – então o mesmo universo,
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exatamente igual, surge e ressurge, repetindo tudo num ―eterno retorno‖; temos, neste caso, a ―reencarnação‖, pois reapareceremos no próximo universo fazendo sempre o mesmo. Mas se há processo, além de circular, pode ser que o próximo início, do próximo universo, tenha pequenas variações de começo que mudam todo o destino, as condições iniciais determinam as condições finais. Eis uma questão em aberto, mas que aterroriza o pensamento, logo o meio científico evita tais tipos de questões. Quanto ao tempo no espaço, espaço-tempo, tempo ser espaço: por que o infinito não pode revelar-se diretamente no finito universo, não nele cabe, logo ele se manifesta como tempo, como fenômeno temporal, indiretamente. O nosso universo tem fim e é finito nas três dimensões mais o tempo – mas infinito na quarta dimensão. Assim, como no planeta, ir por demais ao leste te leva ao oeste, embora apareça como mágica ou salto numa mente comum capaz de fazer tal viagem cósmica. No mais, existe um centro inicial do universo verificável, pois o argumento de que todo ponto do universo é o centro não se sustenta de todo (apenas no sentido de que tudo estava concentrado, entes de espalhar-se); portanto, possível dizer, mais ou menos, por aproximação, a priori, qual o centro do universo, que tem, nas três dimensões, ―borda‖. 16.As quatro forças unificadas Em minha filosofia, temos a tríade, algo hegeliano, e o colateral, nossa atualização, algo que está ao mesmo tempo dentro e fora. Isso parece se confirmar com a unificação das três forças fundamentais (a nuclear forte, a nuclear fraca e a eletromagnética) sem conseguir incluir a gravidade, a quarta. Mas isso é logica, não ciência concreta. Ao que me parece, por tudo ser espaço concentrado para dentro de si chegamos à unificação das quatro ―forças‖, que não são, na verdade, força alguma (a união faz a força). Assim, a força nuclear forte é a mesma da gravidade, pois é o núcleo atômico concentrado, para dentro de si, caindo em si próprio, mantendo-se unido. A força repulsiva nuclear fraca deriva pela mesma causa, com efeitos opostos, pois a gravidade é também espaço condensado, para dentro de si, na coisa, o que causa repulsão das partes no núcleo, por exemplo. 17.A unidade do próton O próton, partícula do núcleo do átomo, é formada por três partículas, os quarks, que, diferentes e opostos, dois para um, se atraem e se repelem. O que mantém sua unidade na sua força forte é o glúon, certa partícula mediadora que transita entre elas. Isso vale também para o nêutron, um pouco mais pesado. Se operamos uma força enorme para arrancar um quark, este
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ato dá energia, força, tensão, ao material unido, permitindo criar do ―nada‖ (espaço!) outra partícula, pois elas só existem em três, juntas, um sistema orgânico. O ato de arrancar dá condições, como algo elástico esticado, de criar. Ora, se tudo é espaço condensado, talvez tais pequenas entidades estejam ainda por ―dentro‖ do espaço, logo esticar uma delas para que saia do conjunto, dá energia-espaço ao próprio espaço, fazendo brotar dele nova parceira (espaço condensado). Esta hipótese, além de outras, quebra o ortodoxismo, mas isso não significa que a versão ortodoxa, não esta, está incorreta (o espaço concentrado serve de ―cola‖). Um novo paradigma muda a forma de ver o mundo, de interpretar os fenômenos físicos, caso, por exemplo, do Efeito Casimir logo acima. Ademais, muitas conclusões aparentemente provadas pela empiria terão de ser revistas, se outro modo de visão surgir. Partículas efêmeras, de pouca duração, surgem simplesmente porque é possível suas existências, sem necessariamente significar que há um campo específico subjacente, caso do Bóson de Higgs, já que todos os campos tornam-se um, o espaço, e é a partícula quem faz seu campo próximo, não o inverso. A matéria torna-se massa, a substância cria seu próprio acidente a partir de si mesmo como matéria-prima, sem a necessidade de campo específico ou da brevíssima ―partícula de Deus‖, talvez pelo limite imposto pelo espaço ―vazio‖ e ―sem‖ atrito (a metáfora de andar mais lentamente na água é usada para explicar o campo que dá massa, mas pode ser reduzida ao espaço também). Mas é claro que rirão de um marxista metendo a colher naquilo que não domina… Afirmar que o gigantesco colisor de partículas – templo do empirismo e do reducionismo – de pouco serviu também não ajuda. Logo, devemos ter paciência sobre a intromissão, necessária mesmo com seus deslizes, da filosofia no mundo científico. Diz-se que o campo permeia o espaço; era, se o espaço é algo, logo nada pode permeá-lo, estar com ele, nele em si; a matéria (e luz), por exemplo, existe ―ao lado‖ do espaço, sendo, por isso, espaço concentrado, condensado. Uma consideração lógica como essa já demonstra a inconsistência da teoria de campos. A hipótese dos muitos campos apenas se sustentam, no máximo, como propriedades do próprio espaço, ele mesmo. Temos, em principal, espaço, possivelmente linhas de espaço-campo (ainda que se revelem espaço condensado). As partículas, portanto, fazem seu campo próximo, como acidentes do espaço, este condensando. Assim, as quatro forças são todas espaço condensado, atraindo e repelindo ao mesmo tempo, ou seja, são campos, um só campo na verdade, como o campo gravitacional, sendo, no fundo, este
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18. Tunelamento quântico Na memória de computador SSD, faz-se um elétron ―atravessar‖ um isolante ao ser atraído para o lado de dentro positivo do material, isolado – como ele atravessa? É como se uma bola de futebol atravessasse uma parede grossa sem destruí-la. Uma partícula alfa, núcleo de um hélio, dois prótons e dois nêutrons, logo radiação, sai de dentro de um núcleo atómico pesado e instável, mas isso exigiria muito mais energia do que a disponível para ir-se, para ir além da força forte – como ele atravessa? O elétron ao ser atraído, ao ser puxado, força o isolante inatravessável – mas isso faz o elétron desmanchar-se talvez em onda, mas principalmente em espaço, pois energia é espaço, desse modo a barreira não é barreira alguma, pois tudo é feito basicamente de espaço vazio com alguns ponto atômico ligados (o campo próximo do núcleo, do núcleo, que atrai e repulsa ao mesmo tempo, é o próprio espaço, espaço condensado, além de talvez dar a energia extra necessária por repulsão). ―Por meio de‖ e ―através de‖ são o mesmo nesse nível, nesse caso – por meio e através do espaço, do meio. Vejamos outra conclusão, igualmente derivada de nossa filosofia: a ―parede‖ se torna, na outra ponta, a própria ―bola‖ "nova", e a ―bola‖ torna-se ―parede‖. Do próprio campo próximo surge, sob pressão externa ou interna o elemento que quer transitar, que desaparece aqui e reaparece ali, por mediação. A metáfora da parede e da bola esconde que a ambas são o mesmo, espaço condensado, não apenas qualitativamente diferentes e de modo algum incomunicáveis; a ―parede‖ torna-se ―bola‖ ―nova‖ e a ―bola‖ torna-se a ―parede‖. Podemos aprofundar. Na quarta dimensão, podemos entrar dentro de uma esfera sem passar por suas camadas externas, por sua borda etc.; do ponto de vista de três dimensões espaciais, parece que algo desapareceu aqui e reapareceu ali, por salto. Assim, o salto cidado para dentro da ―caixa‖ do SSD do compudador, o elétron saltar (desparecer e reaparecer) camadas no átomo e o elétrón em movimento desparecer e reaparecer logo à frente – tais exemplos demonstram que há uma quarta dimensão espacial, que é visto como tempo no aspecto macro, quando algo deslocase desparecendo aqui e reaparecendo ali. 19.Causa da velocidade da luz A velocidade da luz no vácuo é constante, além de máxima possível. Mas por quê? Ninguém responde, sequer a pergunta é comum. Diz-se que é assim, apenas. Talvez o espaço vazio, por dentro do qual a luz-energia flui, sendo ele, seja o atrito necessário, o limitante. Tal resposta, claro, é insuficiente, mas já é um começo.
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20. Princípio da incerteza Cumpre notar o princípio, talvez transitório, da incerteza de Heisenberg, que afirma: quanto com mais precisão medimos uma propriedade de uma partícula, menos medimos a propriedade oposta, pois nossos instrumentos afetam o objeto de pesquisa, alterando-o (lançamos, por exemplo, um fóton num elétron, modificando-o). Assim, se medimos com exatidão a posição da partícula, não medimos a velocidade; se medimos a energia, não medimos o tempo etc. Vejamos uma tentativa, uma pista, para salvação da física. Se tudo = tudo; se energia, tempo, espaço, movimento, matéria etc. são todas iguais e mudáveis uns nos outros, logo podemos saber indiretamente, com algum grau de precisão a medida de uma propriedade por meio da medida e da alteração da sua oposta ou ―lateral‖. Além disso, tal princípio, embora possa ser superado, revela nossa hipótese de que o espaço é como linhas, então a matéria é como pontas dessas linhas, ondas, como linha concentradas para dentro de si. Em um livro de mecânica quântica para universitários, encontramos o autor falar de cordas, de linhas, e ondas, mas apenas de modo metafísico, como se! Na exposição do princípio da incerteza, diz, embora não desconfie que sua metáfora tenha valor real, ontológico: Imagine que você está segurando a ponta de uma corda muito longa e produz uma onda ao chacoalhá-la para cima e para baixo ritmicamente. Se alguém perguntar ―onde precisamente está a onda?‖ você vai achar que a pessoa é meio louca: a onda não está precisamente em lugar nenhum. Ela está distribuída por 45 m ou mais. Mas se essa pessoa perguntar qual o cumprimento de onda, você poderia dar uma resposta razoável. Algo em torno de 7 m. por outro lado, se você der um safanão na corda, terá um impulso relativamente estreito passando pela corda. (Griffiths)
Enfim, espaço é matéria que decaiu – e matéria é espaço concentrado. Talvez, o espaço contínuo visto de modo amplo, tenha modo de linhas de espaço visto em específico. O ―em lugar nenhum‖, na verdade, trata-se do próprio lugar, o espaço! 21. O que é a gravidade Como gambiarra teórica, Newton afirmou que a gravidade era uma força, força atrativa. Depois, Einstein demonstrou que ela é uma curvatura do tecido espaço-tempo, não uma força. Usa-se a metáfora do tecido real que se dobra diante da massa-peso de uma esfera. Tal visão é útil, facilita a compreensão, mas leva também ao erro. Dela, deveria-se deduzir que o planeta está ―mergulhado‖ no tecido espaço-tempo ao seu redor, por todos os cantos – veja bem: isso significa que a massa-energia atrai o próprio espaço-tempo, ou seja, voltamos ao conceito de força! Como resolver isso? O problema se explica porque cada átomo do planeta ou estrela não
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apenas curva o espaço-tempo, mas é o próprio espaço tempo curvado, para dentro de si, na forma de partícula, o que deforma, ao concentrar, o tecido em sua volta. Se isso está correto, conseguiu-se o mais difícil, aparentemente improvável até aqui: ir além do próprio Einstein, após ir além de Newton. Um adendo: as pesquisas atuais dizem de exoplanetas, planetas em outros sistemas solares, que não possuem a gravidade esperada para seus perfis (!), não se diferenciando tanto da Terra, por exemplo, apesar da variação de massa – isso pode ser uma pista de nossa nova teoria, hipótese na verdade, da gravidade, que não apenas nega, mas guarda e ao mesmo tempo supera a de Einstein. Caso, um hipotético tipo de resposta e solução, as partículas do núcleo do planeta não sejam tão pesadas, menos espaço concentrado, afeta a gravitação de tais partículas e corpos gerais. Façamos uma recapitulação breve de algumas ideias para fazer a dedução devida. Vimos: 1) espaço é matéria, espaço-matéria; 2) tudo, partículas, é espaço condensado; 3) as partículas atraem as outras por serem espaço condensado; 4) as partículas repelem as outras por serem também espaço condensado, formando um campo de espaço próximo; 5) assim, todas as ―forças‖ são a mesma força, a gravidade. Isso significa que a constrangedora semelhança desses dois cálculos clássicos, da gravidade e da carga, no macro e no micro, na verdade é uma consciência real, expõe uma igualdade real, a mesmidade. Vejamos:
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Ora, isso é a teoria de tudo! Façamos apenas dois comentários, adendos possíveis. Um: o campo elétrico e magnético são curvos se vistos de modo amplo porque o espaço é curvo perto da partícula, porque esta é espaço condensado – logo gravidade, mesmo que sob outra forma (as linha da campo são espaço, mesmo se condensado). Dois: para nós, o espaço é contínuo, não discreto; mas talvez ele tenha a forma de linha de campo, assim, por exemplo, discreto num rumo, como da esquerda para direita, dividindo espaço com outras linhas de campo espacial ao lado e colado, mas contínuo em outros sentidos e direções, exato por ser linha190 (a esperança é que isso seja uma pista para o problema quântico de por que a partícula prefere o desvio para direita, direção do movimento ―hiperleve‖ da linha de campo, linha de espaço, ainda que condensado, além do emaranhamento quântico já citado e proposto – temos, assim, duas possíveis evidências indiretas de linhas espaciais; grosso modo, a terceira pode ser a fenda dupla, pois não há de todo e de fato partícula, e sim uma linha de espaço com ―ponta‖, que é afetada pela segunda fenda, ondulando-se, partícula-onda, nem partícula nem onda).191 Daí semelhanças 190
Em sua dialética ontológica “inferior” à nossa, Hegel já demonstrava que o contínuo dava-se pela reunião de discretos, ou seja, mesmo sendo discreto uma direção ou sentido, por ser linha, o espaço, ao reunir linhas de espaço, torna-se contínuo em todas as direções. 191 Como se não bastassem os riscos de desmoralização pela concretude das propostas neste capítulo, apresento nesta nota uma outra. Os fótons não são partículas, mas modo de manifestação de campos de luz… Diria Sagan: valorizemos as especulações, mas não as confundamos com fatos científicos. Num dos lares nos quais habitei nos últimos anos, havia uma janela de vidro (ou plástico) que recebia muita luz solar e que era, também, coberta por uma camada de película (penso, bases do fenômeno a seguir). À noite, quando eu apagava todas as luzes internas, da casa, e olhava pelo
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―apenas‖ matemáticas curiosas como m.a = |q|.E , isto é, massa vezes a aceleração é igual à carga vezes o campo. O campo acelera, a massa é a carga – e o que mais possa ser deduzido. 22. Orbitação do elétron A teoria planetária do átomo põe o próton no centro com elétrons particulares orbitando o pesado núcleo. Demonstramos que isso é mais do que metáfora, na gravidade como ―força‖ única ou curvatura do espaço, mas a física quântica diz não saber de fato o que o corre e substitui pelo abstrato e não real em si ―nuvem de probabilidade‖ de um elétron estar aqui ou ali. Mantendo em pé a visão planetária da partícula elétron; podemos supor, em filosofia experimental, que a nuvem é de fato uma ―nuvem‖ com o elétron colapsando em campo próximo (e/ou onda circular-esférica – na camada certa), em movimento, desigualmente distribuído e quase espaço; assim, ele engloba o núcleo e, se afetado por um fóton, colapsa-se em – retorna à forma de – partícula por brevíssimo momento. O eléttron não cai no núcleo, por atração, porque ele colapsa para fora de si, não para dentro em forma de partícula, ou seja, envolve como um ―campo‖ e envelopa o núcleo atômico. Se um fóton o acerta, ele colapsa em partícula acima, elevada, para depois retornar ao seu estado nuclear como ―campo‖ a envolver. Enfim: o elétron não perde energia em seu momento-movimento porque, grosso modo, ele não se movimenta! 23.A teoria de tudo No ponto anterior, além dos demais, vemos uma teoria de tudo. Em resumo, tudo é espaço condensado, para dentro de si – o que não significa que este é sempre o primeiro no tempo, embora seja primeiro por sua simplicidade. Temos a igualdade e identidade na diferença de tudo: movimento = energia = tempo = espaço = matéria (= massa = luz = campo). Exigirá um
vidro, via a luz das lâmpadas das demais casas. O que acontecia? Não “via” a luz, mas um campo, de derivação eletromagnética, por evidente, que tinha formas de linhas redondas, formando formas como cilindros de linhas etc. Pois bem; percebi que a luz intensa na parede de um quintal, e de outros, não era luz, mas a fenomenologia de um campo até ali, antes, invisível que batia naquela parede… Assim, por generalização, a luz mais longe é mais fraca porque sua linha de campo é mais larga e, por isso, fraca com o passar da distância. A luz do Sol é seu campo, já está aqui, caso a linha não se expanda; vem até nós, caso a linha se expanda (por isso a luz não passa no tempo? Eis uma hipótese). O fóton é espaço condensado na forma de linhas de campo, linhas de espaço (ainda que concentrado). A luz, na verdade, torna-se uma sombra clara, cristalina, e visível de uma entidade invisível, ligado ao espaço e ao eletromagnetismo, mas de modo ainda mais profundo que o já considerado pela ciência; pois ele não é em si, torna-se mera manifestação de algo, isto sim, real, mais real, essencial. O fóton é e não é uma partícula, embora não seja. A aura ao redor da lâmpada é a forma de aparecer, aos nossos limitados olhos, um campo, com suas linhas, que ali está, ali está mais concentrado.
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trabalho específico para quantificar tal equação qualitativa. Tudo é espaço-matéria (e luz), tudo = tudo. Conseguimos, assim, colocar a gravidade, a relatividade, no micro, fundindo com o macro, pois tudo é espaço concentrado. Vejamos uma prova da relatividade, que massa é igual à energia. Quando um átomo decai, libera partícula mais leve, com menor massa, do que a esperada ao mesmo tempo em que sua velocidade, ou seja, sua energia, aumenta. Provou-se Einstein. Mas por que isso ocorre? Podemos suprassumir, não superar, a teoria einsteana. A massa, como propriedade da matéria (como a matéria sendo sua própria propriedade), decai em espaço ou linhas de espaço-campo; logo, tal linha ganha ―espaço‖, ―aumenta‖, o que faz com que a velocidade aumente também naquele ponto de espaço condensado, agora menos condensado – a massa, assim, menos pode resistir ao movimento. Tudo é espaço, ainda que condensado. Por outro lado: o espaço (abstrato) deriva das partículas primordiais (concreto) que decaíram e decaem (movimento) - o abstrato é o concreto em processo. Nossa hipótese natural de que tudo é espaço condensado, logo podendo ser linhas de espaço, pode ser nomeado, para fins populares, teoria das hipercordas e a teoria M – pois unifica criticamente as demais. O espaço é correntes, como a teoria quântica em loop, mas não é; as partículas são cordas, como diz a teoria das cordas, mas não é, pois as cordas-partículas, nem partículas nem ondas, são pontas de cordas de espaço. Ao que parece, se não for um absurdo a formulação, que deriva os 23 pontos acima, conseguimos unificar as soluções e os fenômenos do micro e do macro. Uma teoria de tudo. A dificuldade é se tratar de um caminho feito de modo filosófico, não matemático, por um físico amador. Se está correta, a crise da física, crise esta quase nunca reconhecida pelos seus profissionais, está resolvida no geral. Temos em torno de 100 anos de questões misteriosas pedindo solução, mas sem respostas. Confiou-se no ―sucesso‖ da mera descrição e do uso prático apenas. O defeito era, em parte, confiar em demasia nos dados empíricos, nas aparências, limitando-se a eles e, em parte, a baixa formação dialética dos cientistas. Deixamos, no entanto algumas questões auxiliares em aberto. Ei-las: 1) O espaço é contínuo? Ou linhas de espaço discretas-contínuas? 2) As linhas de espaço seriam não espaço, mas campos próprios? 3) Como explicar o paradoxo do gato de Schrödinger? 4) Apenas buracos negros grandes o bastante sugam espaço, tensionando o tecido? Os menores produzem espaço-matéria escura, que decai em espaço-energia escura? 5) As partículas rompem com o tecido ou linha espacial ou são parte direta dela, apenas relativamente autônomas?
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Uma dose de medição, empiria e especialização alta, incluso matemática avançada, serão exigidos para provar, ao menos no geral, nossas premissas e conclusões. A ideia geral, a igualdade de espaço e matéria-luz – aquele sendo este diluído, este sendo aquele concentrado –, resiste em pé, correta, mesmo que leve a conclusões diferentes, até opostas. Vejamos um caso, uma pista. Hawking teorizou que os buracos negros ―suavam‖, ou seja, evaporavam por causa de efeitos quânticos perto do seu horizonte de eventos. Tal radiação seria térmica. Mas, então, nessa forma, a informação seria perdida, algo proibido por princípios da física quântica. Então cientistas pensaram, para resolver tal contradição, que tal radiação seria como ―pelos‖ do buraco negro. Ora, tais ―pelos‖ podem ser pista de que o buraco negro acumula espaço ou campo em forma de linhas, seja absorvendo espaço, seja liberando-o para o meio externo, ou seja, evaporando, produzindo espaço como matéria escura que decai em energia escura, o espaço propriamente dito. Vejamos outro caso. Filamentos externos aos buracos negros, em espacial ao de nosso centro de galáxia, podem ser a pista para fios de espaço ou campo, que estão a sair ou a entrar em relação à estrela negra – algo a ser analisado por hiperespecialistas. Mas nosso foco é outro. Vejamos. No seu Lições de Física, Feynman destaca no capitulo 32 (amortecimento da radiação. Espalhamento da luz), as seguinte citações, a primeira com certa mensagem inconsciente: ―Em uma resistência comum, a energia ―perdida‖ vira calor; nesse acaso a energia perdida vai para o espaço.‖ Mas as duas citações seguintes são mais interessantes, pois demonstram um problema inconcluso na ciência: ―Contra qual força realizamos trabalho [no elétron isolado]? Essa é uma questão interessante e muito difícil que nunca foi respondida completa e satisfatoriamente para elétrons…‖ Se ainda soa confuso, oferecemos uma citação completa e esclarecedora: O problema no caso de um único elétron é que se existe apenas uma carga, no que a força irá agir? Foi proposto, na velha teoria clássica, que a carga era uma pequena bola, e que uma parte da carga agia na outra parte. Por causa do atraso na ação através do minúsculo elétron, a força não está exatamente em fase com o movimento. Isto é, se temos o elétron parado, sabemos que ―ação igual à reação‖. Portanto, as várias forças internas são iguais e não existe uma força resultante. Mas se os elétrons estão acelerando, então por causa do atraso no tempo através dele, a força que está agindo na frente devido à parte de trás não é exatamente a mesma que a força atrás devido à frente, por causa do atraso no efeito. Esse atraso no tempo causa uma falta de balanço, portanto, como efeito resultante, a coisa se segura por si só! Esse modelo para a origem da resistência para acelerar, a resistência de radiação de uma carga em movimento, tem encontrado muitas dificuldades, pois nossa visão atual do elétron é que ele não é uma ―pequena bola‖; esse problema nunca foi resolvido. Entretanto podemos calcular exatamente, é claro, o que força da resistência de radiação precisa ser quando
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aceleramos uma carga, apesar de não saber diretamente o mecanismo de como as forças funcionam.
A questão toda é a seguinte: os físicos tomam a partícula como partícula – de todo isolada, independente, tal como o homem moderno e contemporâneo na aparência. A solução é ver a partícula como ponta, como parte do espaço e com ele interligado. Daí a resistência. Resolvemos ou encaminhamos a solução de todos os problemas centrais e interessantes da física atual; resta ver se problemas como o motivo de ocorrer uma breve luz azul quando o açúcar é partido (Triboluminescência) podem ser também solucionados. A matéria escura não interage com a luz porque ela é espaço, ainda que concentrado. E, em nossa tese, espaço é transparente porque é o meio por onde flui a própria luz (sendo luz e matéria espaço condensado). Temos duas hipóteses opostas, mas que podem ser ambas verdadeiras: 1) o buraco negro, os menores em especial, produz espaço, que tem velocidade acima da luz, logo vaza da estrela negra, o que aparece como excesso de espaço, matéria escura (mas matéria é igual a espaço, em nosso sistema); 2) os buracos negros, oposto, em especial os maiores, sugam o tecido do espaço, gerando nele tensão, logo, energia, logo, gravidade, o que aparece como matéria escura. Nossa teoria, espaço = matéria, como as demais, tentam unificar o micro e o macro. Mas uma das diferenças e vantagens da nossa posição é que, de fato, respondemos também os principais mistérios da cosmologia, da astrofísica, não apenas do quântico. EINSTEIN E O TEMPO ONTOLÓGICO Adoto nesta obra todas as conclusões e premissas de Einstein, menos a ideia de que o tempo é relativo, ou seja, que ele de fato existe. Tempo é espaço em movimento (t=s/v), e matéria é espaço concentrado; logo, o que existe é espaço-movimento. A premissa einsteana de que a velocidade da luz no vácuo é constante é verdadeira, ao menos na nossa época cósmica, podendo a constante mudar em outros tempos; mas a segunda premissa, de que as leis da física são iguais se parados ou em movimento constante cai em erro. Velocidade e aceleração são o mesmo, têm identidade interna (v=a.t); idealmente, a aceleração pode ser decomposta em velocidades instantâneas. Assim, o corpo diminui e a massa aumenta se aumenta a velocidade, mas o tempo é geral, abstrato e absoluto – expressão indireta da quarta dimensão espacial. Reforçamos: a coisa é apenas em seu movimento; se deixa de mover-se, deixa de existir, desmancha-se; logo, mais movimento, mais velocidade – mais preserva-se, mais é-se como por mais tempo.
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CRISE DA FÍSICA MODERNA A física moderna iniciou como crise da física clássica, mas ela mesma está incompleta e recheada de contradições. Pela sua duração e por usos práticos e técnicos da mera descrição, os físicos evitam tratar o problema de modo direto ou reconhecê-lo. A grande quantidade de interpretações da quântica revela o limite, que algo está por faltar. Mas tratam-se absurdos empíricos e teóricos com toda normalidade. Os físicos teóricos nada mais são do que bons filósofos contemporâneos: eles filosofam com a ajuda de ferramentas, como a matemática avançada e as medidas, ausentes aos filósofos gregos. Mas, às vezes, perdem a mão, a proporção da realidade – a idealidade afasta-se em demasia da matéria em sua autonomia relativa. Aparece um subjetivismo e relativismo que fere o necessário materialismo. Chega-se ao ponto de afirmar que é o observador é quem faz a realidade ser tal como é. Mas parte-se de problemas concretos. Por exemplo: se uma partícula está se movendo para cima e para baixo, como um pêndulo, um observador parado vê um campo surgir e manter-se – no entanto, um observador na mesma velocidade que a partícula, nada vê. Ninguém explica o motivo. Como pode ocorrer isso? Parece que o real depende do ponto de vista, da vista de um ponto, e ela seria uma para cada um. Nossa resposta, contra tal relativismo subjetivista: o observador em movimento adentra mais e um tanto claro na quarta dimensão, tal como a partícula, por isso, nada observa; já um aparentemente e relativamente parado, está como se numa ―frequência‖ de dimensão quarta diferente, logo algo observa, uma diferença. No capítulo anterior, resolvemos, ao menos de modo geral e inicial, todos os problemas conhecidos ou não reconhecidos centrais da física. Quero dar um ponto final nessa eterna disputa. No século XIX, pesava-se que havia poucos e breves problemas na física, mas que quase tudo estava resolvido, com ponto final. Esses ―poucos e breves problemas‖ geraram uma revolução completa na ciência e na forma de ver o mundo. Mas uma questão: um avanço científico pode também impedir, por suas concepções parciais, o próprio avanço do pensamento. Ainda há muito a resolver, temos mistérios. Um caso para ilustrar o fim do parágrafo anterior. Adoto toda a teoria de Einstein como correta, mas ampliando ou adaptando um ponto ou outro, negando quase nada. Mas ele usa um exemplo popular: para um observador num trem, dois raios caindo em duas torres distantes ao mesmo tempo aparecem como em tempos diferentes para ele, primeiro ume depois o outro cai; já para um observado entre as duas torres e parado, acontece a queda dos raios ao mesmo tempo. Daí a relatividade. Ora, a verdade é o todo – há referencial prioritário, menos relativo: se
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colocamos detectores em ambas as torres, com o mesmo tempo de contagem, os raios de fato cairão ao mesmo tempo! Ou seja, o observador parado entre as torres terá razão – por quê? Porque ele está na mesma velocidade, da Terra, em relação às torres (velocidade e aceleração, sendo diferentes, são o mesmo, por isso afirmo que velocidades diferentes constantes mudam as leis da física, como demonstrei em parágrafo anterior). Por outro lado, diz Einstein, se estamos dentro de um elevador fechado, que se rompe ou algo do tipo, não sabemos se estamos caindo ou sem gravidade. Mas pelo todo podemos saber – se gravidade e aceleração são mesmo, mesmo assim, eles ainda são diferentes, ainda que com igual efeito, ou seja, causas imediatas, mesmo se não de fundo, diferentes. Ele cai em certo relativismo e subjetivismo da experiência, mas a teoria, a reflexão, pode superar a empiria imediata, aquilo angular. Seja pela quarta dimensão, seja pelas linhas espaço, seja pela identidade de espaço e matéria, seja pela explicação da causa do movimento etc. temos, enfim, uma resposta sistemática e materialista.
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FÍSICA QUÂNTICA E DIALÉTICA Já há algum tempo, tem-se o instinto de tentar relacionar física quântica e a dialética marxista. Porém, ambos, até esta obra ao menos, estavam incompletos: a Lógica de Hegel ainda não havia sido positivamente superada. Antes disso, todo trabalho seria incompleto e recheado de falhas. Ainda assim, nenhuma unificação textual delas estaria garantida a priori. Os comunistas e os marxistas – e por isso, dialéticos instintivos – Einstein e Born eram contra as conclusões da física quântica. Born sentiu a necessidade de estudar a dialética de Hegel para fundamentar suas discordâncias e expor sua própria interpretação. Não é por acaso que eles tenham tomado tal postura tão incomum em suas épocas. A mecânica quântica defendida por Bohr, contra a vontade deles, tornou-se obrigatória no meio universitário a tal ponto que um pesquisador que discordasse de um vírgula da interpretação dominante tinha a carreira encerrada de maneira prematura. Assim, os dois físicos citados, nadaram contra a maré – defenderam, por exemplo e centralmente, que a causalidade permanece no mundo quântico. Para eles, a realidade não era probabilística, mas causal, mas nossos limites é que fazem parecer ―não determinística‖ a realidade. Para Born, a intepretação dominante é mecanicista, mas de um mecanicismo indeterminado, sem causalidade. Portanto, novo mecanicismo, oposto unilateral e impressionista ao antigo. O acaso, para ele, quando vemos de modo mais amplo, expressa uma causa oculta, determinada – acaso e causa, opostos, são o mesmo, no fundo. O determinismo, as suas diferentes formas, não percebe contradição, saltos qualitativos, organicidade, que o todo é mais que a mera soma das partes etc. Para Einstein, a física quântica – que ele ajudou a fundar – está correta, mas incompleta. Há, pois, fatores ocultos ainda não descobertos na realidade. Apoio a posição do mestre, mas ele erra, por exemplo, quando considera, tal como todos até hoje, a partícula como partícula, como algo pontual, ou seja, isolado em si mesmo (mais uma vez, como o indivíduo autocentrado capitalista). Foi provado, contra o alemão, que o emaranhamento quântico instantâneo existe, ou seja, a informação pode viajar, sim, mais rápido que a velocidade inalcançável da luz! Então, qual a solução? Uma linha de espaço ou campo unifica as duas partículas-ondas, que são pontas ou concentrações de tais linhas (lembremos de nota lateral, ademais, que o espaço é mais rápido que a luz, e acelera). Assim, tudo se conecta. Se a linha gira, ambas as partículas giram ao mesmo tempo e juntas, ou mais rápido que a luz, assumindo posições opostas. A física quântica soa mágica e irracional porque ela é, mesmo. Seus mistérios avisam que ainda não alcançamos a verdade, a teoria final. Isso demonstra a mais de uma dúzia de
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interpretações alternativas, incluso a teoria absurda dos muitos mundos (multiverso). Um dos problemas das teorias sobre é este: não criticam os pressupostos e a própria empiria. Todo fato isolado é um fato e um falso. Quem disse que realidade é formada por partículas apenas isoladas, senhoras de si e autossuficientes? Sobre o caos, podemos supor: o todo, a totalidade, pode ser determinista; mas, dentro dele, nas partes e singularidades, ocorre o caos, o acaso, o não padrão, ao menos no nível matemático e gnosiológico; que, no entanto, no geral, empurra para a lei, para um rumo. Einstein, de maneira crítica à teoria majoritária, chegou a supor que uma onda está associada à partícula (na fenda dupla etc.), mas deixa de ver que tal onda é algo, uma linha espacial ou de campo. Foi assim que ele ganhou o ódio discreto de muitos cientistas. A intepretação oficial da física quântica é, por isso, positivista, da pior maneira de fazer ciência. Por isso, está incompleta – tem muito a deduzir, o não empírico do empírico – e aparece de modo enlouquecido. Os menos rebeldes dizem que ―é assim mesmo, outro mundo, impossível de traduzir na nossa escala‖. Assim, escapam do constrangimento, da resposta correta e do esforço necessário. Os físicos apenas apanharam os padrões, por mais absurdos que fossem, e os descreveram e os matematizaram – e somente. Ficam presos à empiria, à aparência e ao externo, ou seja, mera descrição. Mas a mera descrição já é errar, tem uma concepção oculta sendo defendida. O método correto e melhor para física quântica é, grosso modo, empíricodedutivo, dialético, partir da empiria (sem pressupostos ou premissas, até criticando-os) para interpretar, incluso, o erro da mera empiria. As tentativas de relacionar dialética e quântica ainda falham porque esta ainda está por se resolver. Mas são ousadias louváveis. Por exemplo: a luz é partícula ou onda? É ora um e ora outro! Pura dialética, ainda que parcial. Mas, no uso da dialética, concluo que a partícula está associada a uma linha de espaço ou campo, sendo uma ―onda‖ concentrada de tal linha; portanto, outro modo de resolver a oposição. Se minha interpretação da física estiver, no geral, correta, a dialética ganhará imenso prestígio. Se estiver, no entanto, errada no fundamental, ao contrário, permanecerá vanguardista e marginal. Nesse caso, talvez apenas a revolução salvará o avanço da ciência. Que a paixão causada pela física quântica com suas magias atraia jovens inteligentes e ousados, dispostos a resolver os enigmas de nosso tempo. A tentativa prematura de unir dialética e quântica parte do fato de que ambas são razões lógicas quase enlouquecidas. Mas a dialética tem muito ainda a ajudar e precisa atualizar-se.
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BIOLOGIA E DIALÉTICA O marxismo empolgou-se com as descobertas de Darwin, pois este colocou de vez a história na biologia, a evolução (diversificação) das espécies. Há inúmeras sacadas dialéticas na obra do inglês. Os críticos marxistas mais dogmáticos reclamam que a inspiração darwiniana é o capitalismo e sua economia política. Ora, nada de errado há nisso, em princípio, pois o mundo do capital é o sistema mais dialético já existente no universo, até agora. No entanto, os biólogos dialéticos Lewontin e Lewin, desde o século XX, propuseram atualizações e correções à teoria, reformas desde uma visão não cartesiana mecanicista, que separa organismo e meio. Vejamos um resumo das muitas entre suas contribuições. A espécie seleciona o meio, o ambiente Na biologia teórica, comum apenas a espécie se adaptar ao meio, ou ruir. Isso é uma separação cartesiana de meio e sujeito, este como mero objeto da seleção natural. No entanto, se as condições não são favoráveis, indivíduos e espécies agem como sujeitos, migram-se, mudamse, para outro local. As espécies modificam o ambiente O ambiente costuma ser posto como dado, ponto final. Mas a verdade é que o ambiente muda a espécie assim como a espécie muda o ambiente. A adaptação é relativa Os biólogos pensam que o formato do corpo do animal é um estado ótimo, como certa máquina, perfeito. Nada mais falso. A adaptação não é absoluta, antes é relativa, ou seja, o bastante. As nadadeiras da tartaruga são usadas para cavar e enterrar ovos, mas são ferramentas falhas, imperfeitas. A evolução é contraditória A orelha maior de um habitante do quente deserto faz com que a temperatura seja regulada, mas, por outro lado, facilita ser atacado por carrapatos. Nem tudo é adaptação Hegel, ao tratar de fundamentos, na sua Lógica, fala do fundamento como uma casa, em si necessária, mas que pode ter cores diferentes, quadros na parede, enfeites arbitrários etc. Os dois
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biólogos citados usam tal inspiração. Nem todas as características de um ser vivo são necessárias ou para fins adaptativos e reprodutivos. Darwin intui no sentido oposto: (…) com base nos conhecimentos colhidos nos últimos poucos anos estou convencido de que se poderá demonstrar depois a utilidade de muitíssimas estruturas que agora nos parecem inúteis e que entrarão consequentemente no âmbito da seleção natural. (Darwin, 1974, p. 74)
Mas a verdade costuma ser contraintuitiva – a verdade suporta opostos. Outro sentido de ―nem tudo é adaptação‖ é que a espécie e o indivíduo são ativos, sujeitos, não só adaptativos sob o risco de se extinguir. Maior reprodução pode ser extinção Uma espécie que, por mutação, quadriplica sua reprodução pode ser extinta, pois atrai mais predadores. Um gene trata de várias características, uma característica deriva de vários genes ―juntos‖ Dizer que um gene corresponde apenas a uma, somente uma, qualidade, relação um por um, nada diz, não corresponde ao real, que é mais complexo. As características físicas representam seu meio A aerodinâmica dos peixes, baleias etc., animais aquáticos, expressa o meio em que vivem. As características físicas são fruto da relação gene, espécies e ambiente A biologia vulgar pensa que apenas a genética afeta e determina as características da espécie. Mas a mosca tem o aparelho visual mais ou menos complexo a depender da temperatura com a qual conviveu durante sua maturação. Além disso, a prática da espécie também afeta sua morfologia. Até o ambiente vaginal atua como certo meio que seleciona os melhores espermatozoides. Relação ambiente e espécie Para a presa, o predador é parte do ambiente. Para o predador, a presa é parte do ambiente.
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As partes do corpo são interdependentes Uma parte do corpo pode não se desenvolver muito ou de modo exagerado porque está em relação necessária e mais ou menos proporcional comas demais. O grupo seleciona também (Wilson) Além da mudança diretamente genética, o grupo ―social‖ regula o perfil do indivíduo, operando uma seleção. Isso é muito evidente nas formigas, abelhas e entre os homens. O passado importa (complemento) Darei agora uma contribuição que não encontrei de modo claro nos seus textos: o peso do passado como fonte do presente. A mudança muitas vezes depende do passado, da resignificação de seu material e daquilo que já foi, como espinho sendo folhas modificadas e velhos órgãos adaptados para novas funções. A natureza viva raramente consegue criar ―do nada‖. GENÉTICA Os genes eram postos como individuais e separados uns dos outros. Hoje somos mais dialéticos, por exemplo, a cor branca de uma flor está associada à saliência típica de suas pétalas – se um muda, o outro muda. PROPOSTAS Vejamos, agora, algumas hipóteses, filosofia experimental, que derivam de modo natural de nossa filosofia, por dedução. Tais ideias, claro, devem ser demonstradas, após expostas. LEI DA POPULAÇÃO Darwin inspira-se no erro teórico, para humanos, da teoria da população de Malthus: a população cresce, mas encontra um limite de alimentos, logo deixa de crescer. E se nos inspirarmos na lei de população de Marx sobre o capitalismo? Vejamos. Vamos, mesmo assim, deduzir, de início, um limite fixo de recursos. Assim: mais se reproduzem aqueles que estão mais ameaçados, pois isso ajuda a aumentar a possibilidade de passar seus genes (o que não impede que Darwin também esteja correto – que abundância é que produz mais reprodução). Vejamos uma pista dessa nova lei relativa. A macieira, quando levada ao clima tropical brasileiro, clima este que não é de sua origem, prefere investir em si do que na sua reprodução, pois tem muita luz, água, nutrientes etc. Então, os agricultores nacionais são obrigados a cortar a água da árvore,
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cortar galhos etc. para estressá-la – então surgem as maçãs novas, ela reage à sensação de ameaça ambiental, à escassez. Hibernar Na falta de alimentos, as espécies podem hibernar no inverso para guardar energia. Isso diminui o efeito da escassez sobre a população. Estocar Há um pássaro americano que, ao perceber a chega do inverno, cria enormes reservas de produtos, rumo ao consumo no inverno rigoroso. Variar ração Espécies podem mudar ou variar seu consumo. Por exemplo, surgiu uma abelha abutre que lida com carcaças. Mudar o ambiente Ao consumir uma fruta, o animal, depois, defeca fezes e sementes, ampliando extensivamente a quantidade de árvores úteis. Mudar de ambiente Os biólogos dialéticos Lewontin e Lewin haviam exposto tal movimento. Tamanho da espécie e dos indivíduos Uma quantidade maior de membros, constantes os recursos, tendem a ser menores, o que aumenta de modo relativo, em comparação, a quantidade de recursos mesmos. No longo prazo, tende-se a diminuir o tamanho da espécie, pois os menores têm, nesse sentido, mais chances de sobreviver. Capacidade de armazenar aumentada Uma falta de alimentos pode levar os descendentes imediatos a ter mais facilidade de armazenar energia, diminuindo a demanda, a procura. No nível celular, isso ocorre por redução do metabolismo causado pelo maior autoenrolameto do DNA.
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Roubo Algumas espécies e indivíduos podem se especializar em roubar outras, além de membros da mesma espécie, ou agregar este hábito. Formar bando Formar grupos permite otimizar o sucesso da caça, afastando a barreira individual da alimentação. Passar a produzir e criar ferramentas Vez ou outra, uma espécie que não produz, passa a produzir (e o estresse relativo, com a imprevisibilidade, com o movimento, aumenta a cognição). No caso das ferramentas, macacos aprenderam a quebrar cocos e a produzir varetas para apanhar cupins. As abelhas, ou algum ancestral, em algum momento passaram a produzir mel. Na internet, há inúmeros vídeos de pássaros usando ferramenta externa para pescar. O peixe tegastes diencaeus domesticou camarões para nutrir, fertilizar, seu cultivo (!) de algas, sua fazenda. Tais elementos relativizam, contratendenciam, a lei da população na natureza tal como pensou Darwin. No mais, nossa lei da população, oposta à de Darwin, tem prova empírica na própria humanidade: as comunidades mais pobres têm mais filhos, não menos. Aqueles com melhor qualidade de vida, entre humanos, costumam ter menor prole, mesmo tendo mais recursos. A quebra de 1929 levou ricos falidos aos bordeis antes do suicídio; na segunda guerra, os homens engravidavam as mulheres antes de ir ao combate; com o impacto, incluso midiático, da queda das torres gêmeas nos EUA, surgiu uma onda de nascimento algo como 9 meses após o fato. A causa da vontade de fazer sexo e filhos, nestes exemplos, o stress etc., está oculta e inconsciente – a consciência justifica de algum modo ou outro. No caso das árvores frutíferas, os biólogos apenas constatam sem interpretar ou generalizar; muitas árvores do nordeste brasileiro florescem e frutificam quando inicia-se o período de seca, rnenor humidade e mais calor, maior rico potencial; no Piauí, os ipês florescem o ano inteiro diante da temperatura e da baixa humidade, levando à sensação de risco. Na psicologia individual, acompanhei um ―caso‖ de uma jovem adulta excessivamente sexualizada, mesmo para padrões brasileiros, com imensa dificuldade em manter fidelidade sexual em um relacionamento. Em nossas conversas, suas falas deixavam claro o impacto sob(re) si que teve a descoberta de uma doença degenerativa autoimune. O medo da morte, lidar tão diretamente com a finitude, concluí, foi a base de sua sensualidade acima da média, que guiava
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sua rotina e relações. Tal pista não foi a princípio tratada como tal; apenas enquanto caso individual, singular e isolado. Necessitei de vários anos e outros aspectos para derivar uma teoria geral. Os seres menores, quanto menores, mais se reproduzem. Por quê? Porque vivem pouco. Mas algo mais pode ser acrescentado, evitando a tautologia anterior. Seres menores e mais frágeis, ou seja, em estágio inferior na cadeia alimentar em enorme quantidade de casos, são mais estressados, logo se reproduzem mais do que a alcateia de leões. A lógica darwiniana continua em pé no assunto desde parágrafo, porém atualizado. GRANDES EXTINÇÕES E VARIEDADE Grandes extinções, ao reduzir exemplares, força a copulação entre espécies próximas, não tão, produzindo novos exemplares com o tempo, novas espécies por combinação. Assim, a extinção em massa que leva à redução de espécies, produz também o efeito oposto, dá base para variação. Além disso, grandes extinções aumentam riscos e estresse, estímulo à libido. GENES E CARACTERÍSTICAS A sabedoria popular do nordeste brasileiro diz ―dois pobres feios fazem um bonito‖. Assim, por combinação, dois pais de baixa inteligência natural podem produzir um filho superdotado. A combinação é mais rica e inesperada, menos mecânica – embora tendencial. GENES E EVOLUÇÃO É provável que a totalidade genética tenha elementos ―duros‖, difíceis de consolidar mutação, e, por outro lado, elementos ―fluidos‖, mais fáceis de mutar e permanecer alterados (em alguns casos, ativados ou desativados). Talvez seja mais fácil a mutação da cor da pele, ou da asa da borboleta, do que alguma composição do fígado. Por exemplo, a estrutura básica central mutase com mais dificuldade do que os aspectos em si não centrais. Isso tem seu risco, pois mutações na estrutura fundamental tende a matar o ser, torna-o menos capaz de se reproduzir; então gera a ilusão que as mutações ocorrem mais nas asas etc. Mas é evolutivo que se preserve uma parte ―dura‖ da informação genética, logo nada impede que algumas partes sejam mais mutáveis. A segunda hipótese é que, embora de modo fraco, o ambiente leva a que alguns genes, uma parte deles, em poucos aspectos e de modo colateral, se regule para se adaptar ao meio, como a geração seguinte à que passou fome ter mais capacidade de absorver e guardar energia.
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GENES E PERSONALIDADE-COMPORTAMENTO A biologia vulgar torna o homem como fruto direto do gene, sem cultura. Isso leva, por resistência, ao erro oposto, nenhuma influência genética. Pelo menos entre os humanos, quase tudo vem do meio e da experiência – mas há um efeito minoritário, sim, do gene. Mas, então, vem um giro: a parte genética é ela mesma mediada, o conteúdo genético do ―temperamento‖ é um conteúdo que pode adquirir as mais variadas formas a depender do meio ambiente social. Boa parte dos problemas teóricos se resolvem quando deixa-se de confundir conteúdo e forma, aparência e essência etc. A verdade é o todo. Portanto, afirmações como ―isto é aquilo‖ são certos e errados porque parciais, não totais. Dizer que ―tudo é construção cultural‖ é tão certo e errado quanto dizer que ―tudo é construção biológica ou adaptativa‖. Há efeitos biológicos e adaptativos – há cultura e ambiente. Nem pós-modernismo, nem determinismo genético e biológico! O marxismo relacionalista deve ser superado, pois ele considera o corpo enquanto mera carcaça viva. Há o biológico, há o social – e há no natral socialmente adaptado. . MAL DE ALZHEIMER Qual a causa do Mal de Alzheimer? Talvez, há várias causas, possivelmente o excesso de açúcar. Mas dois casos, embora pouca amostra, indicam que ao eletromagnetismo em excesso pode causar o fenômeno da degeneração celular cerebral e a consequente perda de memória. É, aparentemente, o caso de Faraday, o cientista que fazia experimentos didáticos com a eletricidade passando por seu corpo – e de uma senhora que, apesar de ainda adulta, não idosa, estava tendo lapsos de desligamento e perda da memória após anos de trabalho com alta tensão de fios de eletricidade. Tais experiências causam ―curto-circuito‖ de neurônios, ou suas degenerações. Ambos os casos são precoces. A CONQUISTA SEXUAL Embora imensamente alegre com as conquistas de Darwin, Marx usou sua ironia, comum no meio marxista, ao afirmar que o inglês descobriu a sociedade e a economia inglesa na natureza não humana. Assim, o fato de, no ambiente de Londres, os homens ousados cortejarem as, em oposto, educadas e contritas damas, disputando-as entre si, teria o equivalente no mundo natural. Ora, Marx deixa de ver que talvez o hábito social tenha origem natural, do homem – e da mulher – como animal que é de fato, tal como os pássaros. Temos o natural socialmente modificado ou adaptado. A natureza adapta-se ao e no social.
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Mas vamos muito além. A ideia da fêmea passiva deve ser superada. O macho solicita a fêmea, claro. Mas fêmea ―solicita ser solicitada‖ pelo macho, também. Assim, ela atrai e altera o comportamento do macho por seu cheiro de cio, por exemplo. Uma fêmea de gato castrada não mais atrai um macho qualquer para si. Assim, a fêmea perece passiva, mas ela é ativa, até mesmo ela inicia o processo de conquista. Isso se vê na sociedade ocidental contemporânea, quando se tornou mais comum a mulher tentar conquistar o homem. Mesmo quando a mulher evita a conquista, ela atiça-o, por exemplo, ao mover seus cabelos, dando inconscientemente o sinal para aproximação dele, daquele. Ele, por sua vez, estufa os peitos, em sinal de interesse, em resposta. Tudo, evidente, nem sempre feito com a devida consciência. Os ―sociobiólogos‖, amantes do gene egoísta, desesperam-se sociobiologicamente quando lidam com casos em que alguns machos ajudam outro a conquistar a fêmea, sem a comum de fato disputa entre eles. Para eles, egoísmo é igual à prazer; altruísmo, igual a desprazer. Não veem a cooperação como ajuda possível na seleção natural e na seleção sexual. Argumentam, por exemplo, que o pássaro ajudante logo aprende algo, para si. Como são péssimos em filosofia, deixam de ver que o altruísmo e o egoísmo são ao mesmo tempo fundidos e superados pelo mutualismo, pela cooperação, pela ajuda mútua. Curioso notar que certas cobras machos, ao falharem em atrair fêmeas, toram-se travestis, atraem outros machos por um odor hormonal alterado. Leoas em cio forçam o leão a mais sexo. Enfim, oferta e procura. Excesso de machos permite à fêmea ter vários parceiros, selecionando-os. Mas grande excesso de fêmeas, por sua vez, com a escassez de machos, faz com que estes tenham várias companheiras, temporárias ou fixas. Nos quilombos antigos, as mulheres tinham vários maridos, uma poligamia delas com monogamia tendencial deles. Se há tendência de uma espécie fazer vingar muito mais fêmeas ou machos, por exemplo, afeta as relações sexuais. PERFIL E ANATOMIA Em outro momento, demonstramos como – por meio das mudanças hormonais, por exemplo – hábitos, ambiente e perfis, além de em parte a genética, afetam o perfil físico de um indivíduo humano, expressando seu perfil psíquico. Indicou-se que pesquisas observam isso em cachorros e em raposas recém-domesticadas, além de animais de pasto. Pois bem; um leão tem perfil físico-mental de leão, interno e externo; um coelho tem o perfil ou ―personalidade‖ de um coelho. Pode haver, no entanto, diferenças entre eles, quanto mais complexo é o ser, como mais introvertido e mais extrovertido, mais corajoso ou mais medroso etc. Quando se diz que a moral tem senso estético ao condenarmos matar uma borboleta mas aprovarmos matar uma barata – tal
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senso não é de todo injusto ou arbitrário, tem realidade de fundo. A rejeição física à barata expressa um mal possível. OS GENES APRENDEM Parece absurdo, mas de modo parcial os genes aprendem, embora não aprendam muito. Um castor criado fora de seu ambiente, como numa casa, mesmo assim terá o impulso de criar represas com o material do lar onde vive (um primerio castor ou ancestral fez isso, então passou aos descendentes tal impulso). A genética cria a estrutura corporal, incluso cerebral, e seu modo de funcionamento. Mas aprende apenas o essencial: nos humanos, a sociedade complexa obriga um aprendizado apenas cultural, de geração a geração. Os mecanismos desse aprendizado em pássaros que fazem ninhos etc. trata-se de algo ainda a descobrir. Isso parece uma concepção pré-darwinista: os jogadores de basquete são altos porque jogam esse esporte, jogam esse esporte porque são altos, ou ambos? A coisa toda se resolve vendo o limite de mudanças: os genes aprendem, em geral, apenas o essencial – e há mudanças que ocorrem apenas na relação do indivíduo com o meio, sem passar aos descendentes. Entre as tantas referências indiretas a Platão nesta obra, temos mais uma, pois o grego afirmou que recordamos, já sabemos o que sabemos, embora sem perceber; isso tem valor, de modo parcial e relativo, no aspecto biológico em seres complexos, mas pouco entre os homens. BIOLOGIA E IDEOLOGIA A teoria das raças humanas fez um estrago em todo o mundo com seu darwinismo social. Ficou famosa a pesquisa feita ontem no tempo histórico: os negros americanos têm QI médio menor, logo a ―raça‖ negra é menos inteligente. A equipe de tal pesquisa, além do seu baixo nível científico, não soube de Machado de Assis e Milton Santos… Hoje, a sociobiologia apela para o determinismo genético, requentando antigas teses. De modo algum é acaso que eles sejam, via de regra, antimarxistas e de direita. A intensão é justificar este mundo e mantê-lo de pé, apesar de todos os imensos pesares. Podemos provar que, ainda sendo biológico, o ser social fundou algo inteiramente novo. Repetindo Lukács: somos a única espécie com produtividade crescente (trabalho, produção, energia em busca de mais energia), a única espécie que se afasta das barreiras naturais (sociabilidade e ―sociabilidade‖ dinâmica, do simples ao complexo) e a única espécie que tende a uma interconexão global (linguagem e ―linguagem‖ complexa, interconexões crescentes). O ser biológico é assim – no aspecto de todo e geral do Ser, como dizemos antes, energia em busca de mais de si etc., entre parênteses – de modo geral, não específico, não em cada espécie individual.
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Mesmo forçando a mão para ver tais aspectos em outras espécies elas não têm os três juntos e na mesma intensidade, que produz salto qualitativo. O machismo também afeitou muito a ―objetividade fria‖ da ciência biológica. Hoje, sabe-se que não apenas os espermatozoides são ativos no útero; este seleciona e o óvulo guia o caminho daqueles. Já citamos que a conquista também tem o lado ativo feminino entre humanos. Como as leoas, as mulheres também iam à caça nos tempos primitivos, pois era mais importante a ação grupal relativo à fibra muscular mais, homens, ou menos, mulheres, desenvolvidos. O mundo aristocrático, ditatorial e monarquista levou a ver a colmeia apenas como regime despótico. Hoje, sabemos que o regime das abelhas é mais democrático do que parece, algo permitido de ver pela etapa histórica atual. REVOLUÇÃO BIOLÓGICA A teoria da evolução de Darwin está no polo opostos à teoria genética, logo era necessária uma unificação consistente. O gigante da biologia leu o artigo de Mendel sobre genes, sua pesquisa; mas foi incapaz de ver sua importância, ignorando. Ora; se um animal é igualsemelhante aos demais e aos pais, logo um ―texto‖ replicado e orientador passa de uma vida para outra – os genes, o DNA e o RNA. Vejamos um exemplo de tal unificação. A mutação opera a unidade íntima de acaso (contingência) e necessidade (causalidade, lei): a mutação ocorre por acidente, acaso, seja por erro de cópia, de replicação, seja por algum raio cósmico, e talvez um etc.; mas logo tal mudança deve se por à prova, ou seja, deve ser verificado se está de acordo com as leis duras da seleção natural e sexual, ou seja, prospera ou deixa de existir com o tempo. A dialética em ato! O acaso pode estar em acordo ou em contradição com as leis cegas e gerais. A teoria da seleção natural-sexual pressiona sempre para o fim da diversidade, o que não tem valor empírico; foi com a genética o momento de ver a realidade como totalidade, que o diverso é necessidade biológica. Darwin deu o passo primeiro e mais importante da revolução biológica, mas muito mudou desde então. A nova síntese, união de darwinismo e genética, os biólogos dialéticos renovando as interpretações com maior riqueza, novas conclusões e, enfim, a teoria evolutiva do desenvolvimento (evo-devo); são renovações imensas como se A origem das espécies fosse uma criança cujos traços apenas gerais permanecessem no adulto que se tornou. A teoria do desenvolvimento, por exemplo, muda todo o foco: o centro seria não explicar a diversidade das espécies, algo que deve de fato acontecer, mas porque as mesmidade de uma espécie permanece com o tempo! Isso é um ângulo totalmente novo, que deve ser unificado com a chamada nova
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síntese. Dele, sugiram teses como a da seleção interna. Espero que a breve contribuição deste capítulo, a teoria da população em especial, contribua em tal rumo, em tal avanço qualitativo.
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SEÇÃO TRÊS NOVA TEORIA GERAL DO VALOR: VALOR-TRABALHO E VALOR MATÉRIA
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NOVA TEORIA GERAL DO VALOR: VALOR-TRABALHO E VALOR MATÉRIA Chegado aqui, o leitor já percebeu a originalidade rara desta obra. Agora, faremos duas ações, uma após a outra: 1) oferecer uma teoria do valor marxista a partir da generalização da teoria apenas do valor econômico em Marx e 2) apresentar uma teoria nova do valor, o valormatéria, que abarca dentro de si o primeiro generalizado. Assim, nossa teoria do valor é sobre todo tido de valoração, não apenas na economia. GENERALIZAÇÃO DO VALOR-TRABALHO O homem primitivo necessitou compreender cada vez mais as propriedades do mundo, ou seja, de modo rústico, já fazia ciência. Ao analisar o mundo, teve de descobrir – não criar – valores, valorizar; esta pedra é ruim para este machado, mas bom para tal tarefa. Pois bem; grosso modo, isso está em Lukács, então apenas vale tratarmos do assunto se algo novo houver para ser dito. O valor artístico, por exemplo, dar-se pelo quanto de trabalho útil foi destinado na sua produção, incluso o ganho de habilidade do artista. Mas o guia é o valor de uso da arte, a mensagem fictícia. Se um ―artista‖ dedica mil horas para pintar um quadro preto de preto, perdeu seu tempo. Lukács diz da valoração com o exemplo do valor positivo de um bom vento para a embarcação. Ora, a diferença atmosférica deslocou ar de um ponto para outro, logo trabalho realizado. Na verdade, o valor tem origem direta em dois fatores opostos e complementares, unidos: o trabalho exigido e o trabalho economizado (que pode ser resumido no primeiro). Um mau vento exige mais trabalho, gasto extra – menos valor tem, menos bom, ruim, é ele. Considerado isso, que trabalho e economia de trabalho são ambos base da valoração, o que os unifica? O objetivo, a finalidade, o valor de uso – eis a medida, ou melhor, o lastro da valoração. Uma arte somente é arte se tem mensagem fictícia (podendo ser afirmada como bem ou mal, ruim, elaborada). Na relação homem e objeto, a valoração divide-se, no contexto, em bom e ruim. Nas relações humanas, em bom e mau. Nada nisso de maniqueísmos, pois, por exemplo, um operário lutador da causa operária, logo bom, pode ser machista, logo mau. O que guia é o rumo da humanização da humanidade, o fim da alienação – a finalidade.
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Assim, a valoração dos valores está lastreada, no trabalho, por isso, na história, por isso, nas relações contextuais, logo, na finalidade. Já dissemos em outro lugar que o ouro vale muito porque se exige imenso trabalho para extraí-lo da terra. Mas tal imenso trabalho é exigido porque se exige muita energia-tempotrabalho para produzi-lo nas estrelas, nas explosões estelares. MORAL E METAFÍSICA Platão ascende a conceitos cada vez mais gerais e abstratos até alcançar o Belo, o Bom e o Bem. Para ele, os mais puros. Ora, existe um conceito ainda mais puro, geral e abstrato. O belo, o bom e o bem – são o quê? São valor! Com tal conceito, na economia Marx foi de fato ao mais abstrato. O bem (coisa privada) não é o mais profundo ou, se quisermos, o mais etéreo: isso é o que está dentro do valor de uso, o bem, ou seja, seu valor invisível dentro de si. Marx poderia dar qualquer nome ao valor, já que é descoberta sua, mas lastreou a palavra na metafísica.
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TEORIA DO VALOR-MATÉRIA Marx convida a duvidar de tudo, de todas as certezas – incluso as de sua poderosa produção. Dito isso, José Paulo Netto afirma que, quando se quer atacar ou adaptar o marxismo, foca-se em três eixos: contra a dialética, contra a teoria da revolução e contra a teoria do valor-trabalho. Nosso foco será a questão do último elemento. Todas as tentativas de negar ou ver contradição na teoria marxista do valor são, quando muito, risíveis. Isso ocorre, simplesmente, porque ela está certa, completa e correspondente em alto grau à realidade. Os críticos confundem, por exemplo, valor e preço. Ora, por que a água, com a altíssima utilidade, apresenta-se tão barata – mas o ouro, carente de utilidade, tão caro? Eis contradição da teoria do valor subjetivo, do utilitarismo. Resposta de Marx e nossa: um exige mais trabalho social e humano para produzir em relação ao outro, muito mais. Mas é possível afirmar totalmente a teoria marxista do valor e, ao mesmo tempo, superá-la? Façamos a digressão e o exercício para fins filosóficos, pois é uma teoria de todo correta. Apresento, agora, minha própria teoria – do valor-matéria. O ERRO PARCIAL DE MARX Marx começa sua obra com a seguinte pergunta: se duas mercadorias são qualitativamente, completamente, diferentes – como elas são igualadas? Como isso é possível? Como uma é trocável pela outra em certas quantidades? Como a passagem é famosa entre o publico leitor deste livro, destacamos apenas o caso de Aristóteles. O grego afirmou que um tanto de sofás são trocáveis por uma casa. Mas por quê? A troca é consciente, mas a razão de tal trocabilidade é inconsciente, inconsciente social. No entanto, o pensador antigo conclui que isso – a proporção de troca, a permutabilidade – era mero jogo subjetivo, para fins práticos. Segundo Marx, o gênio não foi capaz de responder por causa de sua época e por ser senhor de escravos – mais uma vez, complementamos, o inconsciente social a agir. Ora, responde ele, são iguais as mercadorias porque elas são frutos iguais de trabalho humano! O tanto de trabalho gasto gera um tanto de valor, que as iguala no mercado. Um tento de linho é trocável por um casaco porque ambos possuem dentro de si a mesma quantidade de trabalho gasto em suas produções. Mas, porém, todavia: elas não são completamente qualitativamente diferentes! Elas, as mercadorias, ou melhor, os valores de uso, são átomos concentrados, ou seja: – prótons, elétrons e nêutrons. São matéria e material igual, massa igual, ou seja, peso igual (com a gravidade). O que lhes iguala são suas matérias. Se o valor é (forma de) energia, temos de ver que energia é massa (E=mc²), segundo
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Einstein, propriedade da matéria. Marx não vê a qualidade igual, o fato de serem as diferentes mercadorias materiais, matérias. DEMONSTRAÇÕES DO VALOR-MATÉRIA O valor-trabalho do qual tratamos antes e generalizamos, ainda é válido e completo, mas abaixo e dentro do valor-matéria. Entremos mais no absurdo. Primeiro. A máquina perde valor ao desgastar-se, ao desmaterializar-se. Segundo. O dinheiro ganha valor ao materializar-se na forma ímpar, o ouro (átomo pesado); depois, perde valor ao desmaterializar-se (prata, cobre, papel, bits.). Terceiro. Lamentamos muito mais a morte de um grande elefante contra a morte de uma reles formiga. Por instinto, de causa inconsciente, associamos valor com materialidade – mais materialidade, aliás, mais raro, além de mais trabalho e energia exigir. Quarto. Uma pedra mais material é, via de regra, mais útil e tem mais valor relativo à outra pedra inferior materialmente de mesmo tamanho etc. Quinto. O ouro é difícil produzir nas estrelas, concentra muitos átomos. Sexto. Tenta-se tirar componentes ―desnecessários‖ da máquina para diminuir, assim, seu valor. Sétimo. A deterioração de certa mercadoria também é sua perda de valor. Oitavo. A abundância material é a base da liberdade e da felicidade. Novo. Valor só pode existir dentro e junto de algo, de certa matéria. Décimo. O que tem mais massa, em geral, mais matéria, tende a ter valor e preço maiores. Décimo primeiro. A redução do valor e do preço da mercadoria está, hoje, ligada à redução de sua materialidade, ou seja, os produtos estão mais frágeis. Isto é: valor-matéria. Décimo segundo. Marx afirma que o valor de certa mercadoria (forma relativa) se expressa na materialidade de outra (forma equivalente). Assim, sua separação por um abismo entre valor de uso e valor cai e desaba para dentro de si: a medida dos valores e o padrão de preços, por exemplo, fundem-se, ainda que de modo a abarcar a diferença etc. Décimo terceiro, enfim. A água é barata por sua molécula ser fácil de se formar, precisa de átomos simples e ―leves‖, pouco materiais, oxigênio e hidrogênio, abundantes por facilidade relativa de produzir. O ouro é caro porque, como observamos, seus átomos unidos são ―pesados‖, complexos, com mais matéria-massa concentrado, lago mais raro, logo mais trabalho para produzir na estrela e extrair da terra, logo mais caro via de regra e tendencialmente.
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Décimo quarto. Vejamos a relação com a dialética. Marx exclui todas as propriedades físicas da mercadoria (cor, massa, matéria, peso etc.) para chegar numa coisa-em-si invisível, o valor, a gelatina de trabalho dentro da coisa. Abstraindo do valor de uso dos corpos-mercadorias, resta nelas uma única propriedade: a de serem produtos do trabalho. Mas mesmo o produto do trabalho já se transformou em nossas mãos. Se abstrairmos de seu valor de uso, abstraímos também dos componentes e formas corpóreas que fazem dele valor de uso. O produto não é mais uma mesa, uma casa, um fio ou qualquer coisa útil. Todas as qualidades sensíveis foram apagadas. E também já não é mais o produto do carpinteiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outro trabalho produtivo determinado. Com o caráter útil dos produtos do trabalho desaparece o caráter útil dos trabalhos nele representados e, portanto, também as diferentes formas concretas desses trabalhos, que não mais se distinguem uns dos outros, sendo todos reduzidos a trabalho humano igual, a trabalho humano abstrato. (Marx, O capital I, 2013, p. 116)(Marx, 2013, 116.)
E: Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Não restou deles a não ser a mesma objetividade fantasmagórica, uma simples gelatina de trabalho humano indiferenciado, isto é, do dispêndio de força de trabalho humano, sem consideração pela forma como foi despendida. O que essas coisas ainda representam é apenas que em sua produção foi despendida força de trabalho humano, foi acumulado trabalho humano. Como cristalizações dessa substância social comum a todas elas, são elas valores — valores mercantis. (Idem, 116.)
Mas, contra Kant, Hegel afirmou, Ciência da Lógica – Doutrina da Essência, embora não tenha sido o único, que a coisa ou a coisa-em-si sem suas propriedades nada é – e que tais propriedades são, veja só, matérias ou materiais. Assim, a coisa-em-si valor nada mais seria que suas próprias propriedades, ou seja, sua materialidade. A coisa-em-si, o valor, é a coisa. Décimo quinto. Tanto no mundo inorgânico (Sol, buracos negros etc.), passando pelo biológico (macho dominante, o mais alto etc.), quanto no social (concentração de capital, ter mais dinheiro, ter maior população etc. – no social mental: ter grande casa ou carro, mais dinheiro etc.) ocorre o seguinte processo: mais matéria-massa concentrada, em relação aos demais e à média, logo, tende a ser a causa de atração, de ser orbitado, de agregar para si.
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Décimo sexto. Unidade do valor e valor de uso: o ouro tornou-se dinheiro por excelência por sua materialidade singular – raro porque muito material (átomos pesados), imperecível, uniforme, fácil de dividir e fundir. Em sua concretude, a teoria do valor-matéria exige observarmos três fatores: I.
A matéria
II.
Suas propriedades
III.
Seu contexto material
A teoria do valor-trabalho de Ricardo e, depois, de Marx tem função revolucionária, útil para o movimento social e para a humanidade. Além disso, está correta. Mas, por sua exatidão alta, impediu-se, além de tanto outros fatores, de ver o valor-matéria. Naquele tempo, mal se sabia dos átomos, por exemplo. A teoria do valor-trabalho está dentro da do valor-matéria. VALOR-TRABALHO, VALOR-MATÉRIA E OFERTA-DEMANDA Assim, também, conectamos a teoria do valor-trabalho com a teoria da oferta e da demanda (procura). Algo é raro, logo, com muito valor por ser difícil de extrair ou produzir, porque tem mais materialidade – porque tem mais materialidade, é muito mais difícil de existir. Por isso o ouro tem valor, sua raridade, ao exigir mais átomos para existir, exige trabalho extra. Se a oferta e demanda se igualam, deixam de explicar o preço e valor. Tal teoria apenas explica-se desde a teoria do valor-trabalho e do valor-matéria. A MATÉRIA É A MEDIDA DE TODAS AS COISAS A matéria é a própria realidade – por isso seu valor, sua base de valor. Quando dizemos que movimento = energia = tempo = espaço (meio) = matéria – dizemos, portanto, que a energiavalor nada mais é que a matéria. Assim fazemos a unidade, ainda que ainda contraditória, entre valor e valor de uso. Não mais externos um ao outro, não mais apenas estranhos. Vejamos o parágrafo anterior. Marx diz que o preço da terra virgem não tem valor, pois não há trabalho gasto em sua produção, portanto, capital fictício; apenas há preço. Mas a terra, primeiro, tende a valer mais se ela é melhor, mais produtiva, então, mais rica materialmente! E, segundo, o oposto-idêntico-diferente de matéria é espaço ou movimento, logo, a terra mais distante tende a perder valor, preço. Portanto: a matéria é a medida de todas as coisas! Marx não vê que que há unidade do quantitativo (valor) e do qualitativo (valor de uso) na medida.
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VALOR-MATÉRIA: UNIDADE DO MUNDO Vale uma comparação histórica. Platão teve de dividir o mundo em dois opostos e separados: o mundo das ideias ou formas e o mundo da aparência ou material. Depois, em oposição, Aristóteles – ainda idealista, mas com toque materialista evidente – defendeu um só mundo, aqui, onde está a própria substância, a essência, o conteúdo, a forma etc. Marx dividiu economia em dois: mundo do valor de uso e mundo do valor. Agora, unifico ambos os mundos no valor-material. DEDUÇÃO DA UNIDADE DO VALOR As diferentes teorias sofisticadas do valor são muito mais do que apenas diferentes ou lado a lado: são uma só teoria com diferentes graus de abstração. Temos, então, uma teoria unificada da valorização. Assim, o valor dado está ligado à sua 1) Raridade Que nada mais expressa além do 2) Trabalho médio – social ou natural – exigido para sua produção ou economizado Que é um dado gasto de energia expresso de maneira imperfeita no
3) Tempo médio exigido em sua criação Ligado, portanto, à sua 4) Utilidade Que é, por sua vez e em cadeia, expressão pobre de sua 5. Materialidade (valor-matéria) Tanto no sentido quantitativo quanto, em principal, qualitativo. A conexão mais difícil de observar está entre 4 e 5. Vejamos. O ouro parece ter baixíssima utilidade, o que deveria gerar baixíssimo valor; mas ele é dinheiro por excelência por ser ―pesadamente‖ material, logo, raro etc., o que faz dele o valor de uso útil por excelência, ou seja,
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trocável por tudo o mais. Por sua natureza social e natural, o ouro é o que é, natural socialmente desenvolvido, ou seja, socializado. Nos meios vulgares, diz-se que o valor é subjetivo porque a água vale muito mais do que o ouro no deserto. Ora, em tal ambiente seco, a água é uma materialidade rara, difícil de produzir e pouco material presente. Aí a água vale muito por sua materialidade em seu contexto. Portanto, valor-matéria. VALOR-MATÉRIA E MORAL Já vimos a diferença entre o assassinato de um elefante e uma formiga. No mais, o direito moral trata da perda de certa propriedade (roubo) ou de certa materialidade (dinheiro, vida-corpo etc.). VALOR-MATÉRIA E TOTALIDADE Isso afastaria um tanto, como solução, o marxismo de sua necessária metafísica do valor – tão rejeitada pelos próprios marxistas, contra Marx. Um ponto de apoio seria que a empiria – econômica etc. – mostra-se impura, suja, concreta, impedindo a manifestação exata da lei do valor-matéria (no preço etc.). Tal visão, enfim, reconecta o mundo dos homens com o mundo natural. Marx nunca poderia, ou teria imensa dificuldade de, criar a teoria do valor-matéria, que, grosso modo, afirma que o valor deriva de maior materialidade relativa. Isso ocorre porque a ciência, a metafísica (a verdade está no todo), a física, a filosofia, a Dialética da natureza e a sociedade ainda não haviam atingido seus ápices, de origem comum, durante sua vida. Quando Marx diz que se pode virar e desvirar a mercadoria, mas nela não se encontrará nenhum átomo de valor; esquece que a matéria, representada no átomo etc., é o próprio valor. A teoria do valor-matéria é a raiz de dois do marxismo. Como entender de fato o capitalismo, com o conceito central de valor econômico, sem entender o cosmos e o lado universal da valoração? Avança-se imensamente, mas até certo ponto. Darwin refinou sua teoria por 10 anos na esperança de evitar acusações e polêmicas – mas o escândalo foi geral e inevitável. Aqui, apresento algo primeiro, a ser desenvolvido para além do modo de ensaio. ASPECTOS QUANTITATIVOS Demosntramos que massa, tamanho e quantidade estão relacionados no qualitativo, no seu valor. E demos tambéma prova qualitativa do valort-matéria. Vejamos agora a tabela periódica e sua relação, tendencial, por aproximação, entre peso atômico e preço:
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(Elementos químicos por preços de mercado, 2018) É visível tedência. Veja-se que, para direita e para baixo, os elementos mais pesados tendem a ter preços maiores. Certos desvios parciais dão-se por questões conjunturais, além de desvios como certo nível de monopolização. Outros, por estruturais: o hidrogênio só há na realidade associado quimicamente, mesmo que com outro exemplar de si. Além do mais, o contexto material importa: a formação do Sol, por disputas gravitacionais, tendeu a atrair elementos mais leves, que escapram das formações palentárias em curso, deixando um tanto mais de elementos pesados de maneira relativa. Os elementos ainda mais pesados sequer preço claro possuem de tão raros e caros, de tão materiais e de tanto trabalho exigidos. A rararidade e, por isso, a materialidade, determina também limites de presença nos elementnos químicos. Nessa indútria de base, todos os produto mais avançados na linha de produção devem responder aos preços das mercadorias ou elementos de base, mesmo que por mediações. Pelo valor-trabalho, mesmo que seja o central, a explicação de tal precificação fica incompleta e recheada de jogos teóricos. Se só o valor-trabalho atuasse, os preços tenderiam a se
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igualar por mais investimento, visto o lucro alto, maior controle estatal dos preços e, também, por, dada a raridade, substituição por materiais de similar propriedade e, claro, máquinas moderníssimas com altíssima produtividade barateadora. Isso deformaria tudo, fazendo um caos sem padrão. Mas não acontece, não e nem de longe no nível esperado. A coisa se explica pela ―renda da terra‖, ou seja, a materialidade, suas propriedades, seu contexto e sua raridade, base do trabalho maior na sua produção ou extração. Pode-se usar o argumento do monoólio, mais comum no setor, mas ele, quando de fato há, é, antes, consequência, não causa! O valor-matéria, o lugar de negar, afirma e aprofunda o valor-trabalho, além de conectar meslhor este com a a lei da oferta-demanda.
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TRÍADE UNA DO VALOR Na dialética, nada é – tudo está. Um conceito diz-se de muitas formas – uma só classificação e significado dá lugar aos muitos. Isso é superar o limite da mera e pobre definição. Desdobramos a categoria acima de seu simples e unitário definir. Feita a exposição metodológica, vejamos nossa teoria. O valor diz-se de muitos modos. Portanto, a busca de teoria geral deve considerar isso, elevar-se. O conceito geral e abstrato, valor, tem conceitos gerais e abstratos, mais e mas abaixo, seguintes: 1. Bom 2. Belo 3. Bem Eis os eixos unificados, separado a apenas na teoria, do valor. Nossa exposição é, aqui, esquemática para facilitar a apreensão, mas tudo ocorre de modo misturado e sob hierarquia do ―bem‖. Podemos observar, então, que cada fator corresponde a um aspecto: 1. Bom – trabalho 2. Belo – natural 3. Bem – matéria, materialidade Indo mais ao fundo: 1. Bom – Ser social 2. Belo – Ser biológico, orgânico 3. Bem – Ser inorgânico A aliteração que, em nossa língua, surge dos três fatores é uma boa coincidência. Repetimos que eles são ou estão misturados, não separados por uma parede, sob o bem – matéria – inorgânico. Diz-se que o consumidor capitalista procura o ―bom, bonito e barato‖, sendo que este último, descobrimos, demonstra o valor-matéria. O belo como, em primeiro e mesmo se mediado, ter base natural e na biologia nos lembra que um animal venenoso parece um animal venenoso. Um ambiente sombrio parece um ambiente sombrio
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. A OBJETIVIDADE NATURAL DA BELEZA A arte não necessita ser agradável, mas, por derivação, a beleza é um tema importante – o belo é objetivo ou subjetivo? Está na realidade ou nos olhos de quem vê? Em primeiro lugar, beleza está na própria coisa, portanto, natural em si (tanto natural para a percepção do externo quanto no próprio externo); trata-se da beleza no geral, no universal, pois o lado animal do homem e suas percepções capta a beleza do mundo, desde sua vida prática para com animais e situações (o sombrio na arte tem, remete a, traços do sombrio na vida real). Mas, por outro lado, a beleza é algo humano no sentido histórico, determinada historicamente, socialmente; porém, sendo a beleza no particular, não nega de todo a beleza geral, natural, antes pode mediá-la ou deformá-la. Por último, temos a beleza no singular, no individual, que responde à própria formação pessoal e da psique, algo único – este medeia e, ao mesmo tempo, é mediado pelos outros dois. Assim, as polêmicas sobre o caráter do belo, dentro e fora da arte, são resolvidos, percebendo os próprios ―níveis‖ que se misturam, um sendo a base do outro. Tenta-se refutar, por exemplo, a beleza natural geral, com o fato de existirem pessoas com gostos exóticos; por outro lado, tenta-se refutar a instância da beleza individual com a constatação de consensos gerais sobre se algo é belo, apontando para o objetivo ou, ao menos, o intersubjetivo. Os pontos de vista opostos acertam e erram ao mesmo tempo, são incompletos e sem mediações. EXTRA: O LIMITE NO ACERTO DE LUKÁCS Sou, além de trostskista ou kurziano etc., um lukácsiano. Mas o conjunto de minha obra refuta parte importante de sua produção e, outra parte, suprassume, supera o ainda mantido. Entre outros tantos erros, Lukács pensou a valoração como, em primeiro, algo subjetivo, ideal, ideologia. Com a generalização do valor-trabalho e a descoberta do valor-matéria, podemos ver com facilidade seu erro e seu limite em seus manuscritos finais. O valor da coisa está na própria coisa, pois é ela mesma. Algo, portanto, objetivo, no mundo, factual - material e materialista, antes de idealista. Muitas vezes, apenas de modo inconsciente sabe-se do valor, ou seja, sabe-se o valor na consciência, para fins práticos, mas não se sabe a sua causa (um inconsciente ao mesmo tempo pessoal e social) – algo a ser desvendado pela teoria. A matéria é a medida da matéria, dela mesma, repetimos: a matéria é a medida de todas as coisas! Spinosa pensou a existência de uma só substância, mas ele perde a mediação: os atributos são formados por variadas substâncias, não apenas uma spinozista - estas, por sua vez, são, no fundo, a mesma substância, apenas um agora, em quantidades diferentes, o que gera qualidades (substâncias) diferentes, pois meras mudanças de quantidade geram mudanças de qualidade - tal substância única e essencial, a matéria, dilui-se
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em espaço, causa da infinitude na quarta dimensão, que é a própria matéria decaída. Espaço é matéria, são um sendo dois. No fim, o movimento é a queda da coisa em si mesma (orbita a si mesma), na quarta dimensão espacial – casa do infinito, da energia, do valor, do movimentar, ou seja, um abismo para dentro de si. Lukács, um mestre para todo o resto da história da humanidade, sequer chegou perto dessas considerações.
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SEÇÃO QUATRO O MÉTODO DIALÉTICO EMPÍRICO-DEDUTIVO
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LEIS E CATEGORIAS DA DIALÉTICA Antes de debatermos os métodos científicos, vamos à logica das categorias opostas. Falaremos das três lógicas – formal, velha dialética, nova dialética – com demonstrações da realidade e, quando necessário, a diferença entre minha dialética e a de Hegel. LÓGICA FORMAL Vejamos as leis desta lógica simples: 1. A=A, lei da identidade Algo é igual a si mesmo, um elefante é um elefante. Ele é o começo da ciência: distinguir e classificar os seres. Assim, o finito é finito; o infinito, infinito. Um dos problemas desta fórmula é pensar o objeto de modo isolado, sem seu contexto, e de modo estático, sem seu processo. A dialética vê a estrutura e o movimento de que depende o objeto. 2. A=A ou não-A, lei da não contradição Ou algo é finito ou é infinito; não pode o infinito, nesta lógica, ser finito. A fórmula é apenas um consequência natural da anterior. 3. A=x ou não-x, sem terceira resposta, lei do terceiro excluído Algo é ou relativo ou absoluto. E ponto, e pronto. Não há meio-termo, caminho do meio ou um ―terceiro excluído‖. Vejamos nossos exemplos. Hegel descobre que o finito é apenas um pedaço do infinito, aquele está dentro deste, eles são um, não externos um do outro; finito = infinito, ou melhor, igual a si mesmo e ao seu oposto. Mais: a ciência é relativa, ou seja, parcial, incompleta, temporária ou, ao contrário, é absoluta, chega à verdade ela mesma? Ora, há o caminho do meio, a ciência vai rumo à verdade, está cada vez mais correta, por aproximação – entre o relativo e o absoluto, ou seja, um absoluto relativo ou um relativo ele mesmo relativo. Refutemos a falsidade, embora também correta, da formulação aristotélica. Diz-se: ou a luz (A) é onda (x) ou partícula (não-x), não havendo, portanto, meio-termo ou o terceiro excluído. Ou um ou outro. Mas a física moderna descobre que a luz é uma sobreposição dos dois estados opostos, tanto onda quanto partícula, podendo também ser ora um e ora outro. Curioso que universitários insistam na clássica lógica quando a realidade já a superou.
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A VELHA DIALÉTICA A dialética de Hegel diz que A=A e não-A identidade da identidade e da não identidade. Ou seja, o finito é ele mesmo e o infinito, o interno é ele mesmo e o externo, energia é ela mesma e a massa, tempo é ele mesmo e o espaço etc. Preserva-se a diferença dos opostos e, ao mesmo tempo, a mesmidade deles, que são iguais, ou em unidade, ou em identidade. Repitamos o caso anterior, pois é paradigmático. Antes, diziase que luz (A) é ou partícula (x) ou onda (não-x), sem permitir uma terceira resposta, o terceiro excluído. Mas hoje sabemos que a luz é um sobreposição de dois estados opostos, partícula-onda. Pensar dialeticamente é, em parte, pensar assim: algo é ele mesmo e seu oposto; ou, senão, pelo menos em unidade com o seu contrário. O repouso é uma forma de movimento, por exemplo. A NOVA DIALÉTICA Hegel preserva a lógica formal dentro de si e, ao mesmo tempo, a supera. Aqui, preservamos quase toda a dialética de Hegel, além da lógica formal, numa nova dialética, com peso ainda maior ao movimento (diacrônico). A fórmula é esta: A=A e… não-A. O infinito põe o finito, o universo; o caos passa, a si mesmo, por não se suportar, para a ordem; o relativo desenvolve-se, tanto quanto pode, para o absoluto (o caminho do conhecimento – A=x e… não-x). O homem (A) é biologicamente determinado (x), mas torna-se, cada vez mais, tendencialmente (…), socialmente determinado (não-x). Demonstraremos melhor a seguir, perpassando a Lógica hegeliana e a nossa. CATEGORIAS CENTRAIS DA DIALÉTICA 1. Totalidade (integração). Direto ao ponto: a totalidade é mais do que a mera soma de suas partes, pois ela é a síntese das partes e suas inter-relações. Além disso, a relação da parte com o todo. O exemplo clássico na natureza é este: a água (totalidade) apaga o fogo, mas ela é formada por átomos de hidrogênio, que causam combustão, e de oxigênio, que permite a combustão. Assim, a totalidade tem características que suas partes não têm. Para saber o que é um próton não basta saber quais são suas partes num colisor de partículas. É preciso teorizar com e para debaixo dos dados.
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Mario Bunge redescobriu, sem saber, de modo incompleto, Hegel, ao dizer que não é nem holístico, com a visão apenas do todo, nem individualista, reducionista, que foca no individual e na parte. Chama o foco em ambos como sistemático. Ele acerta, embora não seja o primeiro, mas esquece que a totalidade forma-se, desenvolve-se, movimenta-se. Aliás, a totalidade não é apenas ―espacial‖, estrutura e sincrônico, pois também é ―temporal‖ processual, diacrônico e com história. A teoria da complexidade não dá crédito a Hegel. Ela diz que há níveis ontológicos em que um nível apresenta leis e características que não existem no nível anterior, de onde veio (propriedades emergentes). Ora, isso já é conhecimento na dialética! A complexidade é assunto desde o início do século XIX, de modo algum é uma grande novidade. A categoria totalidade exige, antes, a categoria de integração – numa totalidade. Sem isso totalidade não haveria. As árvores parecem mera coleção e indivíduos separados, mas elas estão ligadas, inclusive ajudando umas às outras, por ligações ocultas abaixo da superfície. Lembramos que para Hegel e, mais uma vez, para Bunge, séculos depois, o mundo físico (mecânico) não apresenta um caráter de interdependência geral das partes, estas são separáveis e divisíveis. Não dependem umas das outras, não existem apenas por união. Já no nível de imediato seguinte, a química, já existe essa integração necessária. Assim, vamos do não interconectado à conexão universal – ou a internconexão física é demasiadamente leve, difícil de teorizar. Bunge poderia ter poupado neurônios para outras lacunas intelectuais se tivesse lido Hegel com atenção. Destacamos, ainda, dois aspectos. Um bioma é um sistema que funciona por si, como totalidade. Mas se o homem põe, por exemplo, um animal novo sem predador natural naquela região, todo o sistema se desequilibra. Em um lago organizado e dinâmico, se pescamos e retiramos muitos peixes, o fluxo de matéria e energia se desregula podendo leva ao colapso do sistema inteiro. Na física, com características de química, os 3 quarks que formam o próton apenas podem existir se juntos, unidos, colados pelo mediador, o gluon. Quando se exerce uma energia para retirar uma das partículas, isso gera tensão, logo energia maior naquele local; assim, a energia de arranque gera logo a energia necessária para surgir de imediato outro quarks, mantendo a tríade e a ―cola que se estica‖ (gluon, ou, para minha pesquisa, espaço no mais fundamental). Enfim, uma parte, ao ganhar energia, desenvolve-se num todo. Uma parte pode entrar em contradição com o todo ou com este por meio de outra parte, como na disputa energética – o que pode fundar nova totalidade. Um todo, ao acumular energia, torna-se outro todo.
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2. Contradição (relação). Para Hegel, a base do movimento é, em geral, a contradição. Em dialética, apenas é logico o que é contraditório. Mas a contradição está na própria realidade, na própria coisa, não em primeiro no pensamento ou no argumento. Uma estrela como o Sol tende a colapsar para dentro de si mesma por causa de sua gravidade, mas tal pressão gravitacional é produtiva, produz novos átomos mais pesados, logo liberando fótons na direção aposta à da gravidade, empurrando para a expansão estelar; uma estrela dura bilhões de anos em equilíbrio dinâmico, na contradição, entre as tendências de contração e as de expansão. Na biologia, temos o exemplo da ―corrida armamentista‖: um leopardo corre em busca de um cervo, logo apenas sobrevivem os cervos mais rápidos; porque estes aumentaram sua velocidade média, as novas gerações de leopardos têm de ficar também mais velozes; assim, um e outro se tornam cada vez mais rápidos, geração após geração, por causa do conflito entre ambos. Os críticos de Hegel e Engels, dizem que o mundo natural tem identidade, diferença, diversidade, até oposição, mas nunca a contradição. Em geral, os pensadores de humanas do século XX foram, ao que parece, péssimos alunos de ciências da natureza. Na biologia, temos a seleção natural, do meio, e a seleção sexual; o cervo macho luta com outro cervo macho pela fêmea, logo quem tem galhas maiores tende a vencer as lutas; mas galhas cada vez maiores por seleção sexual gera peso extra, logo torna-se mais fácil de ser vítima de um predador por causa da dificuldade de correr – eis a contradição. Refutar a contradição como apenas social ou apenas capitalista é fácil, basta evitar a hiperespecialização de nossa época. Para Hegel, porém, a contradição é externa perante a unidade interna; para Marx, a contradição também é essencial. A contradição, para ambos, é produtiva, não só destrutiva. Para haver contradição, deve existir, antes, a relação ou a autorrelação. Por exemplo, os biólogos passaram da cooperação na natureza para a lei da luta de modo absoluto e unilateral, mas ambos existem na realidade biológica. A verdade, unidade, da contradição e da cooperação é a relação, relação recíproca ou relação consigo. Tudo apenas é em relação. 3. Movimento (espaço-matéria). Os antigos pensavam o movimento como circular, caótico ou ilusório. Hoje, sabemos que apenas permanece aquilo que muda – e só a mudança é permanente. Trata-se de, além de saber as leis regulares do mundo, saber também as leis de mudança, de modificação – e até as leis mudam! Movimento tem dois significados válidos: 1) deslocamento; 2) mudança. Adicionamos o terceiro: 3) mudança por deslocamento. Quando um objeto é muito acelerado, ganha massa e diminui seu volume.
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Movimento é processo, desenvolvimento; mais do que mero movimentar; mais do que circular; também em espiral ascendente. Por outro lado, para haver movimento deve haver o espaço e a matéria (aqui, em sentido amplo), o espaço-matéria. Movimento é unidade de espaço e matéria. LEIS DA DIALÉTICA 1. Mudança de quantidade para qualidade; Hegel usa o exemplo da água: ele torna-se gelo de repente, no salto - não de modo gradual, aos poucos. A água torna-se cada vez mais gelada, mudanças apenas quantitativas, então salta de qualidade, torna-se gelo, sólida. O marxismo vê também a mudança de qualidade sem salto como a criança que se torna adulta de modo gradual. 2. Unidade, contradição e interpenetração dos opostos; O átomo é formado por prótons, positivo, e elétrons, negativo. Os sexos opostos devem se unir. A adrenalina serve tanto para lutar quanto, oposto, para fugir. Mais a frente desenvolveremos melhor tal aspecto. 3. Negação da negação; Hegel usa tal exemplo: a fruta nega a flor, o broto nega a fruta e assim o ciclo continua. 4. Desenvolvimento desigual e combinado. As partes de uma totalidade se desenvolvem de modo desigual, em ritmo desigual, não sincrônico, formando uma combinação. Uma estrela, por exemplo, produz elementos pesados no seu centro, mas suas camadas mais externas ainda são feitas de elementos leves. Um feto inicia com desenvolvimento desigual de suas partes. Como dissemos, mantemos de pé a dialética de Hegel, além da lógica formal, mas pesamos a mão no movimento, no diacrônico. Além disso, damos a base que falta à lógica de Hegel com nossa equação qualitativa, em especial aqui, a energia. OBSERVAÇÃO PRELIMINAR: UNIDADE DOS OPOSTOS NO PROCESSO Hegel tentou unifica as categorias opostas infinito e finito, conteúdo e forma etc. de modo reflexivo, mostrando a unidade interna e oculta delas, que são o mesmo ainda sendo diferentes. Mas ele permaneceu, em geral, estático, não diacrônico. Nesta obra, neste ensaio, demonstramos
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outros modos de ver tal unidade, como uma categoria passando tendencialmente à outra, ou a energia como base. Mas vamos mais longe: a categoria A é igual à categoria oposta B em processo. Assim, o contínuo (abstrato) é o discreto (concreto) em concentração, concentrado (processo) (veja-se: um feixe de luz aparece como contínuo porque várias partículas, fótons, os discretos, estão em movimento e juntas) – fórmula geral: o abstrato é o concreto em processo. O movimento de uma categoria, ou sua oposta, ou vice-versa, faz que com que haja a unificação delas. Isso é uma revolução na lógica dialética, junto a elementos como considerar a energia no ―fundo‖ das relações categoriais, além da contradição das categorias mais do que apenas a oposição entre elas. Se não todas, quase todas as categorias em oposição externa fazem tal movimento, expressando essa igualdade no processo, o que dispensa uma exposição exaustiva. Os não marxistas não podem mais reclamar que nossa dialética parou na, ainda revolucionária, ainda na vanguarda científica, lógica de Hegel do século 19. Aqui, uma categoria passa para a outra não só no pensamento, também na prática, na matéria, em devir real-conceitual de uma para outra. Sempre que for interessante, daremos exemplos nas ciências, ou seja, no Ser, no objeto, na realidade, contra a exposição apenas abstrata hegeliana e kantiana. MÉTODO DIALÉTICO No início do século 19, Hegel tornou-se imortal por sua grande Lógica, o moderno método dialético. Suas contribuições, ainda hoje, em permanência ao que parece, são insuperáveis; uma dialética superior soa impossível. Além disso, deu-se-nos uma dialética materialista, embora de cabeça para baixo. A força hegeliana é o fato, entre o outros, de ser não unilateral, de suprassumir as grandes oposições da filosofia. Este ensaio, portanto, toma a Ciência da Lógica como sua base correta e primeira, mas incompleta. Por isso, também, trata-se de um ensaio. Quando perguntamos a um hegeliano ou marxista ―O que é ou como procede o método dialético?‖, logo gaguejam, ficam desconfortáveis, improvisam. De um lado, de fato inexiste um procedimento investigativo fixo, o que perdoa tais intelectuais – na dialética, pesquisar é estar dentro de um labirinto, tentando descobrir o caminho correto; de outro, como disse Hartmann, o método dialético é irmão do fazer artístico, criativo e associativo, que ―saca‖ a realidade até ali invisível. O método dialético é, em resumo grosseiro, o inverso do método hipotético-dedutivo, ou seja, em linguagem inferior e falha, um método empírico-dedutivo. Parte-se sempre da empiria para alcançar a verdade do mundo, mas, como os dados mentem e escondem, além de revelarem, usa-se a razão para perceber aquilo oculto ou deformado. A partir da e na aparência saber a essência, da e na forma saber o conteúdo, da e na externalidade saber a internalidade, da e na
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diversidade saber sua unidade, do e no fundamentado saber o fundamento – nunca fora deles, mas neles mesmos. Assim, o empírico faz parecer que há apenas custos de produção somados a um cálculo do patrão para ter um preço de produção de suas mercadorias, mas Marx vai para além ou para dentro da empiria e descobre que há, na verdade, trabalho necessário com trabalho gratuito do operário ou mais-trabalho, valor e mais-valor, exploração e roubo. É verdade que os dados empíricos são vitais e são o começo da pesquisa, como diz o empirismo, mas também é verdade que os dados empíricos, ao mesmo tempo, escondem a verdade e enganam, como diz o racionalismo, logo usamos a razão para ver a conexão interna da realidade, para perceber os enganos da aparência dos dados, para ir além e abaixo ou dentro daquilo empírico. Eis o método dialético. Em minha pesquisa, além de procurar nos dados a verdade, evitando a mera descrição, percebi que o marxismo caiu em teorias opostas, em oposições. Minha tarefa, portanto, foi listar as principais polêmicas e, colocando-as em movimento, resolvê-las – com o raciocínio, claro, mas em base à empiria. Eis, de outro modo, o método dialético. A verdade é não empírica. Descobrimos na pesquisa empírica aquilo que não é palpável, tocável, mas que se revela ao pensamento desde a própria empiria. A dialética é a verdadeira fusão – mais do que mera aglutinação, como é o caso do hipotético-dedutivo – de empirismo e racionalismo; pois ao pensamento deve-se dois lados ativos, após colher o material necessário: 1) perceber os enganos dos dados; 2) perceber a verdade daquilo pesquisado. Daqui para frente, teceremos comentários e propostas críticas de atualizações da obra Ciência da Lógica de Hegel. Uma crítica possível, mesmo que parcial, tem, de um lado, de agregar o melhor daquilo criticado para si, de outro, acertar o outro exato no seu ponto mais forte, de base – o ser e o nada. SER, NADA, DEVIR O puro ser é como o puro nada. Vejamos: se o ser não tem qualidade, nem características, nem determinações – ele, enquanto puro, é nada! Já o nada é, logo ele é como o ser! A coisa se mostra assim, numa anedota: tem cara de jacaré, tem olho de jacaré, tem focinho de jacaré – não pode ser um coelho. Assim o puro ser é como o puro nada; são diferentes e opostos, mas estão em unidade. Já o materialismo afirma que o nada amplo não pode existir, que ser não pode vir do nada. Eis que há teses na física que afirmam ir-se do vazio ao cosmos. Em minha elaboração, tal vazio total seria o espaço, o mais próximo do chamado puro ser por ser mais simples, o transparente. Para os físicos, o vazio teria campos e nessa autorelação surgiriam fótons que decaiam em elétrons e pósitrons que, de novo, tornar-se-iam fótons, num ciclo repetitivo até
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tudo mudar; mas demonstrei em outro local que a energia de ponto zero é, na verdade, autoflutuações do próprio espaço. É o ser quem põe o nada como nada de um ente. Em nossa equação qualitativa, categorial: nada é ser no devir. O devir do ser, ele em movimento, põe o nada. Ou, se correto, o início do ser é tão simples que ele, sendo como nada, é um nada. Na matemática, torna-se assim, desde Husserl: o zero é o vazio e o infinito, o infinito e o vazio; um, porém o outro; a relação do zero do conjunto infinito com o zero do conjunto vazio – põe o um. O que é uma lógica da matemática pode ser sintoma da própria realidade, da origem do universo. Talvez, acomode-se na quarta dimensão. Ir do nada ao ser é nascer; ir do ser ao nada, perecer, processo de morrer. Mas as coisas e vidas, os entes, não surgem do nada, mas de outro ente. O nada no ente é apenas ausência e falta; o que pode ser diferente no nível, do Ser, do cosmos. A unidade, não identidade, do Ser e do Nada é, para Hegel, o devir, o vir-a-ser, o tornar-se. Nesta obra, o devir é a unidade de matéria e movimento; estes, separados não tem verdade alguma. Destacamos que matéria, aqui, inclui não apenas a matéria na física, pois tudo é matéria – nada existe divino. Em Hegel, ser não é nada, nada são de idênticos, mas estão em unidade. Para nós, o nada é substituído por energia e sua base, a quarta dimensão espacial, fora e dentro da coisa ou ente. O vazio infinito, quarta dimensão espacial, não tem porque não se movimentar dentro de si próprio. Ao menos ele tem uma tensão que desaba no finito, funda nosso universo finito. CONCEITO SUPRASSUMIR Hegel usa a palavra em alemã Aufheben ou Aufhebung para expressar três significados ao mesmo tempo: superar, guardar (conservar) e destruir. São significados opostos, conservar e destruir, na mesma palavra! E é isso que acontece na realidade (como o devir, viar-a-ser, como o suprassumir do nada e do ser). O socialismo, por exemplo, destrói de fato o capitalismo, mas, ao mesmo tempo, o preserva – e também o eleva. O capitalismo não apenas simplesmente superado ou destruído – é suprassumido. A DIFERENÇA E O MESMO A dialética é uma filosofia ao mesmo tempo da diferença e da mesmidade. Ser e nada são de fato diferentes e, ao mesmo tempo, o mesmo. Causa e consequência são diferentes e são também
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o mesmo. Finito e infinito são diferentes, mas são o mesmo. E assim por diante. Em todas as categorias duplas que trataremos daqui em diante é preciso ver a unidade delas na diferença. Essa é a dialética. Por exemplo: Lenin errou ao apenas opor a luta econômica (por salário, etc.) contra a luta política, como se esta última fosse a realmente válida e superior. Ora, a luta econômica é política e, ao contrário, a luta política é econômica. A grande luta política de 2013 no Brasil produziu uma onda de greve., por exemplo. SER AÍ, ALGO E OUTRO O devir, como unidade de ser e nada, passa para o Ser aí. A determinação torna-se QUALIDADE, ou seja, determinação que é aí. Por sua vez, a qualidade torna-se REALIDADE. Observemos bem: se determinação torna-se qualidade e, depois, realidade – e se determinação é negação –, então a própria realidade é negação. A realidade é negação de outra realidade. Na realidade, o ser vai para dentro de si mesmo, torna-se ALGO. ALGO E OUTRO Algo passa por mudança qualitativa e torna-se Outro. Este Outro é, assim, um Algo que também passa para um Outro – ao infinito. Aprofundemos Temos um livro e uma caneta. Se um livro é algo, logo a caneta é outro (o outro do livro). Ora, isso é artificial, pois a própria coisa não está nos dizendo se é algo ou outro – somo nós arbitrariamente que decidimos isso. Mais abaixo, vamos resolver esse problema. Os dois, livro e caneta, são algos e, ao mesmo tempo, os dois são outros (cada um é o outro do outro). Se o primeiro é algo e outro e o segundo também é algo e outro – logo eles são o MESMO. Vamos para o exemplo. No começo de O Capital, Marx fala de uma dúvida de Aristóteles: é possível trocar 3 sofás por uma casa, mas casa e sofá são coisas completamente diferentes! Como coisas diferentes podem ser iguais? Aristóteles não soube responder, disse que era apenas um artifício mental. Já Marx resolveu o problemas ao dizer que eles são também o mesmo, são igualado, porque são ambos frutos do trabalho humano – três sofás tem tanto trabalho humano quanto uma casa. Aprendido isso, avancemos. Como fazer com que o algo não seja outro, com que seja de fato algo – e que o outro seja de fato outro? A consequência é de fato o outro causa, por exemplo. Vamos para o reino místico: a
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alma, se existisse alma, é de fato algo e corpo da alma é de fato o outro. Veja que algo, uma pessoa, dividiu-se em dois algos, alma e corpo, um sendo verdadeiramente algo e outro sendo verdadeiramente outro. Isto ser algo e aquilo ser outro já não é uma decisão artificial, uma escolha. SER EM SI E SER PARA OUTRO Como algo divide-se em dois algos, que são também algo e outro, ocorre que eles se tornam ser em si e ser para outro. O ser em si é o ser dentro de si – enquanto o ser para outro é externo, digamos. Na metáfora da alma e do corpo, o ser em si é a alma e o ser para outro é o corpo pertencente à alma (por isso, para outro). Há ainda outra interpretação. Os dois algos, separados um do outro, nesta relação são, cada um, ser em si – ou seja, independente do outro, sem relação com o outro, relacionado apenas consigo mesmo. Mas cada um é, por outro lado, ao contrário e ao mesmo tempo, ser para outro – ou seja, ser que está nessa relação com o outro. DETERMINAÇÃO, CONSTITUIÇÃO A determinação é, por exemplo, o fato de uma bolsa ter a determinidade, para dentro, de guardar objetos; ele é um só com a sua constituição, que são o mesmo. O que nos interessa é que se põe na determinação a ideia de núcleo. O átomo é determinado pelo seu centro, formado de prótons e nêutrons, sendo a quantidade do primeiro o que determina a natureza primeira de uma partícula atômica. O núcleo preserva-se enquanto os elétrons em volta dele sofrem as ações do meio externo, ao menos de modo mais direto. O núcleo desenvolvido da vida complexa é o cérebro; na célula, evoluiu-se dos seres procariontes, sem núcleo, para seres eucariontes, com o código genético determinante protegido. A constituição pode revelar-se como tal ao fundar a determinação, e este último torna-se a si mesmo com a construção da constituição. LIMITE, MAU INFINITO, O INFINITO QUALITATIVO O infinito qualitativo exige uma dimensão, digamos, para dentro, uma quarta dimensão espacial. Tal dimensão, se existir, manifesta-se como tempo e como energia. O infinito está já aí sendo o finito apenas seu exemplar cósmico – o infinito está diante de nós, no meio de nós, não avançamos até ele. O bom infinito produz o mau infinito dentro de si, o infinito da progressão. Este infinito ruim se expressa na natureza como com a altíssima reprodução de gafanhotos, formando uma nuvem, comendo tudo em sua volta, logo faltando depois comida (energia) para
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sua própria sobrevivência, passando assim por algum tempo do nível de equilíbrio de sua população. Aqui vermos o erro de Hegel ao esquecer o conteúdo. O que é infinito, o infinito, senão o espaço? Ele abarca o finito dentro de si, além de o formar. Quando a Lógica diz que o Ser passa a ter a determinação da infinitude, diz apenas que o espaço, como o vazio, está no centro da ontologia. Finalmente, resolvemos a questão, encontramos o fundo. Se o infinito produz o tempo, manifestar-se como, a hipótese insistente de muitos sobre o tempo produzir o espaço, não o inverso, ganha novo significado: o infinito produz as três dimensões, ou melhor, as quatro. Curioso notar que a garrafa de Klein, sem externo nem interno, tal como a fita de Möbius, tem uma dimensão a mais; e, nestes casos, os ―lados‖ são uma quase ilusão ao se focar na parte, no pedaço, não no todo – o que aponta para as três ou quatro dimensões como pedaços do infinito, parcialidades relativas. Nossa teoria atual e os dados dizem que nosso universo é finito. Mas se ele tem fim, há algo depois de si e este também tem algo, como outro universo, depois de si – ao infinito. O problema é a concepção de infinito como uma linha reta cada vez maior, sempre podendo avançar mais, ou seja, o mau infinito, da progressão contínua, pois encontra um limite-barreira e o supera, encontra outro e o supera, e assim por diante. Como dissemos, o infinito como um círculo sem começo nem fim hegeliano tem por resposta prática a quarta dimensão espacial-temporal. Nosso universo é finito, mas infinito quando visto ―para dentro‖, além da possibilidade de haver outros universos irmãos. O universo em 3 mais um tempo dimensões, finito, tem a pulsão extensiva, amplia-se, um finito que quer ser infinito, má infinitude. A ideia de que há infinitos maiores do que outros também cai na má infinitude do progresso. Mesmo uma teoria errada pode ser desenvolvida ao limite, como é o caso. Sobre o limite, sabemos que a célula tem uma borda sua, uma membrana que a separado externo. Na física, dois espelhos ou duas placas de ferro não se fundem, não se tornam apenas um, quando encostados porque possuem sujeira feita de outros materiais nas suas superfícies, que servem como limite e borda, barreira; se eles são polidos, limpos, fundem-se, tornam-se apenas um. Em nossa teoria, o próton não se funde com o elétron porque são ambos pedaços em si inteiros como espaço concentrado, logo com limite, borda, barreira; logo, necessário muita força e energia para fundirem-se no nem positivo nem negativo, em nêutron (inteiro de fato inteiro, antes dividi em duas partes, um positivo e outro negativo). O vírus é vida por que possui: 1) determinação, ou seja, DNA, 2) constituição e limite, ou seja, uma borda celular que o separa do meio, e 3) quer superar o limite como barreira, ou seja, parasita células para se multiplicar. Vida, portanto.
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UNO E VAZIO – ATRAÇÃO E REPULSÃO Para Hegel, o infinito real desaba no uno, no ser para si. Ou seja, ele é um dos precursores da teoria do Big Bang e da concussão de que uma estrela expande-se e contrai-se num ciclo de repetição. É provável que o infinito, aqui exposto como quarta dimensão espacial, forme nosso universo, como o núcleo pequeno e denso do primeiro Big Bang. O que é vazio para Demócrito e Hegel, para nós é espaço. O uno, para ambos, é o mesmo que o vazio; para nós, o mesmo que o espaço, só que concentrado, como partícula e onda. O universo expandiu-se porque a matéria e a luz decaíram em espaço, facilitando a expansão, repulsão. Para Hegel, a relação do vazio com o uno (átomo etc.) é a causa da transformação do único uno em muitos unos, no múltiplo. O movimento, ao menos, está correto. O Big Bang foi uma expansão, as estrelas como exemplo de unos explodem em uma nuvem cósmica de partículas (os muitos, o múltiplo, os muitos unos). Mas Hegel foi além: a repulsão do uno único dá lugar à atração dos novos muitos unos; ou seja, o universo voltará a unificar-se como no seu começo e a nebulosa que surge da explosão da estrela reúne-se mais uma vez, e de novo, numa nova geração de estrela. Aqui, Hegel antecipa a teoria das estrelas e a do Big Bang, assim como a crítica superante desta última. Kant primeiro considera as partículas estáticas e apenas depois adiciona a repulsão e a atração nelas, teorizando a origem do Sol e de seu sistema. Hegel, de modo lógico, foi mais longe, pois havia antes outra estrela, outro Sol, que se expandiu, explodiu-se, e formou as tais partículas das quais começa Kant. Entre outras genialidades, duas se destacam neste ponto, entre elas: o Uno é produtivo. O animal é produção de energia, a estrela produz novos elementos químicos, a fábrica produz etc. Minha tese é a de que os buracos negros também são produtivos sob suas condições extremas como, talvez, transformando espaço em matéria ou elementos químicos excessivamente pesados estranhos. As descobertas e as teorias modernas reforçam Hegel, mas ainda há outro ponto: o isolamento do para si do uno na repulsão parece como sua afirmação, ao isolar-se dos demais, mas é sua negação, exato por seu isolamento. Por excesso ou fata de energia, como um átomo isolado, precisa ligar-se com os demais para de fato afirmar-se, em comunidade. Na biologia, uma árvore cresce melhor na floresta do que se isolada, pois a presença de outras espécies torna seu ambiente mais saudável, como maior disponibilidade de energia na terra.
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Para fazer jus, o primeiro filósofo a pensar algo como um Big Bang, onde algo concentrado dispersa-se no cosmos foi o grego Melisso de Samos: Com efeito, quando o Todo se dissolve em seus elementos sob a ação do Ódio, o fogo se une em um todo e cada um dos outros elementos. Inversamente, quando de novo sob a ação do Amor, há redução ao um, e as partes são forçadas a se separarem outra vez em cada (elemento). (pré-socráticos, p. 203)
São palavras de Aristóteles sobre Melisso que demonstram a poderosa intuição científica, recuperada em nosso tempo. O ISOLAMENTO DO PARA SI Quando o Uno (um) desmancha-se, dissolve-se, fragmenta-se, ou seja, ocorre a repulsão de si mesmo, surge os vários unos, os muitos (múltiplos). Cada uno novo nega o outro uno, isola-se. Mas esse isolamento, que aparece como sua afirmação absoluta, é na verdade sua negação, sua destruição. Ele somente consegue afirmar-se de verdade em comunidade, em união, em atração. Assim, uma pessoa isolada passa por instabilidades físicas e mentais – somos um ser social. Assim, um átomo isolado é instável, logo, para resolver isso, ele se liga a outros átomos formando moléculas. Darwin descobriu que a planta desenvolve-se melhor se agrupada com outras plantas, de outras espécies. Ademais, sabe-se hoje, as árvores têm uma conexão abaixo da superfície por onde trocam nutrientes e informações, ajudam umas às outras etc. SIMPLES E COMPLEXO Engels, em sua Dialética da Natureza, tenta demonstrar que o simples é, ao mesmo tempo ele mesmo e o seu oposto, o complexo, A=A e não-A. Assim, uma célula viva é simples, mas muito complexa quando observada por outro ângulo, dentro de si, pois é todo um grande sistema interno. Nossa nova dialética, além disso, inclui o momento do simples rumo ao complexo, A=A e… não-A. Assim, o ser vivo simples, unicelular passa para um ser composto, complexo, pluricelular, como a água viva e um elefante. INTENSIVO E EXTENSIVO Hegel diz da identidade de ambos, intensivo e extensivo. Um grito mais intenso, por exemplo, torna-se ouvido numa extensão maior. O que unifica os dois opostos é a energia, mas esta sendo limitada para o uso gera uma contradição, a afirmação energética do intensivo reduz a extensividade e vice-versa.
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Uma estrela com mais intensidade de energia poder ser muito menor que uma com menos energia, pois produz mais gravidade, maior curvatura do espaço. As quatro ―forças‖ fundamentais da física são apenas um, similares à gravidade, talvez excluída apenas a nuclear fraca, responsável pelo decaimento do átomo. A gravidade é a força mais extensa, logo a mais fraca em intensidade; a nuclear forte, que mantém o núcleo do átomo unido, é a mais curta, logo a mais intensa – além de ser a mesma da gravidade em proporções de intensidade e extensividade diferentes e opostas, como espaço condensado, para dentro de si. Para Hegel, o intensivo corresponde ao nada – para nós, a intensidade é, em primeiro, energia. Logo, o espaço-tempo, como matéria em principal, é a extensividade. Mas a intensidade é, também, espaço-tempo condensado; mas a extensividade é, também, energia que se propaga. Temos a unidade do intensivo e do extensivo. A intensividade passa para a extensividade, vice-versa, a extensividade passa para a intensividade. CONTÍNUO E DISCRETO A realidade é fluido ou feito de partículas? Ambos. A união de partículas, uns, unos, forma algo contínuo, como a água contínua é formada por moléculas discretas. A energia permite a separação ou a união dos unos, dos discretos, formando algo contínuo. O espaço é tanto contínuo quanto discreto, o que pode ser visto, uma solução, pela teoria da gravidade quântica em loop, que defende o espaço ser como correntes cujas partes estão ligadas umas às outras. Ou linhas de espaço. Como o contínuo tem fim, tem borda, ele é ao mesmo tempo discreto. Nossa nova dialética põe os conceitos em movimento, pois o abstrato é o concreto em processo – o contínuo são os discretos reunidos (como o feixe de luz), o discreto é o contínuo espalhado ou concentrado (como o espaço concentrado faz a partícula). Mas as categorias contínuo e discreto podem ser traduzidos como contínuo e descontínuo. Assim, repetindo as palravas de Lukács, o contínuo no tempo modifica-se, logo há a descontinuidade dentro da continuidade; e o descontínuo tem dentro de si continuidade também. Do broto, for, fruto, árvore há o DNA que permanece no fundo, há a mesmidade ou continuidade de repetir todo o processo sempre, voltando ao ponto inicial ao final. SALTO DE QUALIDADE Engels diz que a natureza não tem salto porque ela já opera por saltos. Como dissemos, a água não se torna gelo aos poucos, mas salta para tal estado após esfriar-se muito. Mas há saltos
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por sobre etapas na natureza? Porque há etapas necessárias é que pode haver saltos por sobre elas. Primeiro, surgem as estrelas, ao juntar a matéria por gravidade, e depois, os buracos negros. Mas a computação moderna demonstrou que no início do universo partes dele colapsaram diretamente em pequenos buracos negros. Na biologia, dados empíricos de salto por cima de etapas é dificílimo de conseguir, mas deve haver. O salto de qualidade ocorre por ganhar ou perder energia, de modo absoluto ou relativo. QUALIDADE E REARRANJO Para dialética, a coisa ocorre assim: mudanças de quantidade nada afetam a qualidade, mas, chega-se a um ponto em que mudanças altas de quantidade produzem uma mudança qualitativa – salto de qualidade por mudanças de quantidade. Caso famoso da água que congela de uma vez ao esfria-se muito. As diferenças de qualidade são diferenças, no fundo, de quantidade: a diferença da luz vermelha para a violeta é a de quantidade, de frequência; a diferença qualitativa de átomos diferentes é a diferença quantitativa da quantidade de prótons e elétrons de cada um. Pois bem; há outro modo de diferença qualitativa que exclui a quantidade em si – o arranjo ou rearranjo dos elementos constituintes. A diferença qualitativa do diamante e do grafite não é a quantidade nem o tipo de partículas, que são iguais para ambos, mas a forma em que elas estão organizadas. Na hipótese da teoria das cordas, as partículas são cordas unidimensionais em que seus formatosarranjos, se abertos ou fechados etc., importa para o que são. A primeira das três fases do socialismo é, grosso modo, um rearranjo – nova forma de organizar e hierarquizar os elementos – da última fase do capitalismo. Na obra O Capital, de Marx, este usa de modo inconsciente nossa formulação: primeiro, reúnem-se, a partir do capitalista, diferentes artesãos na oficina comum, cada qual com sua tarefa – todos fazendo, por si, alfinetes, por exemplo; depois, surge, por isso, o rearranjo das partes, pois, no lugar de trabalho mais isolado, cada trabalhador não faz uma agulha por si, mas uma das partes do processo de produzir agulhas – da cooperação simples à cooperação complexa, manufatura. Salto qualitativo sem mudança em si de quantidade. Tal formulação é tão gritante que duvido ter sido o primeiro a formulá-la, mas, ainda assim, não conheço nenhum autor que a tenha exposta, tanto mais no modo como fiz acima. No mais, mudanças quantitativas causam mudanças de arranjo, logo qualitativas. Rearranjo que tem por base, como em todas as categorias aqui tratadas, a energia, categoria central e unificadora, o calor e a pressão no caso diamante-grafite.
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SALTO PARA SI Na física, temos três tipos de neutrino, cada um mais elevado, mais pesado (com mais energia), em relação ao outro, mas ainda neutrinos, três sabores: neutrinos do Elétron, neutrinos do Múon e neutrinos do Tau. Como se o geral fosse o mesmo, ainda que diferentes e ―maior‖ em certos aspectos e no particular. CAOS E ORDEM O caos não suporta a si próprio e, nessa autointeração e autorrelação caótica, não tendo lei alguma, tem a lei de passar a si mesmo para seu oposto – a ordem. O caos, por ter uma lei que não é lei, tem como se a ordem dentro de si. A ordem, que veio do caos, por outro lado, ainda é dinâmica, por isso tem como se o oposto, o caos, dentro de si. Na coisa, a ordem é preenchida pelo caos; mas não há separação por uma parede entre caos e ordem dentro dela, logo a coisa é unidade de ambas ao mesmo tempo. Isso se vê na previsão do tempo, que deve ser sempre curta. O caos absoluto é liberdade negativa; e é um sistema, porém não sistemático. A unidade de caos e ordem cai-se na probabilidade. O socialismo é a ordem, como liberdade positiva, ou seja, é de um lado uma economia central e democraticamente planejada e, por outro, uma livre associação dos produtores. O caos é mais do que mero acaso, pois é acaso enquanto totalidade. Com o tempo, a Lua e a Terra se sincronizaram para que a rotação da Lua em torno de si esteja com o mesmo lado sempre direcionado para o nosso planeta. Na biologia, nos estágios iniciais de uma comunidade, formada por várias espécies em determinado espaço, há instabilidade; depois, com o seu avanço, adquire estabilidade, como população constante, e tudo o que a comunidade consome é por ela mesma produzido. Dentro da ordem como a totalidade, reina o caos relativo. . SOBRE A PROBABILIDADE A probabilidade revela a contradição de ordem e caos no mesmo. Há que separar o resultado geral do resultado particular. Em 2014, percebi que o governo Dilma, por causa das circunstâncias, iria cair, isso é o geral como resultado. O modo como iria cair poderia ser vários: 1) golpe, 2) renúncia, 3) impedimento, 4) protestos dos trabalhadores, não da classe média. São formas de cair. Há uma quinta forma de derrubar o governo, embora o mais improvável, o governo mudar radicalmente a politica e mobilizar nas ruas para impedir o processo; conhecendo-se a tradição pelega do PT, era pouco viável. O capitalismo cairá, isso é
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determinístico, mas a modo de cair, se vai ao socialismo ou à barbárie, ou à extinção, é algo em jogo. O erro do paradigma do mundo como certa máquina, ou computador, ou relógio, não como sistema orgânico, leva ao foco na coisa, como um dado ou moeda. Ora, no dado perfeito ou moeda ideal, o que acontece é acaso, aleatoriedade, além de possibilidade, não probabilidade como algo de ½ de ser cara ou coroa. Já no sistemático há, de fato, probabilidade ou possibilidade crescente. INFINITO QUANTITATIVO Antes, tratamos da má infinitude qualitativa; agora, o oposto, trataremos da má infinitude quantitativa. Perceba que o quantum ou quanto, como quantidade sem limite em si, pode ir para o infinitamente grande ou infinitamente pequeno. Sempre há um número maior do que o qualquer outro. Avançar para um número maior faz com que suja a má infinitude quantitativa. Na má infinitude da qualidade, algo supera sua barreira e se torna outra coisa – a semente é limite e barreira de si mesma, e supera-se tornando-se broto, depois planta, etc. No quantitativo, ao contrário, essa mudança não ocorre: a passagem de 5 para 6 não muda a qualidade, apenas a quantidade é alterada. E torna-se algo repetitivo: 6, 7, 8… Pequemos o Número 8: ele é um quanto ou quantum. E o que existe além de dele, fora dele? Existe o infinito da quantidade, do 9 adiante. Então temos o finito, de um lado, e seu oposto, seu além, o infinito, de outro. Esse finito tem natureza oposta, tem duas determinações opostas: 1) ele é uma quantidade determinada, por exemplo, 8; 2) mas tem o impulso irresistível de ir ao infinito, ou seja, de tornar-se 9, 10… Quando separamos o quantum, quanto, e seu além, o infinito, descobrimos uma relação de opostos – o quantum e seu além. Mas Hegel faz uma bela manobra: o além, onde está o infinito, é também um quantum! Logo surge uma relação entre 2 quantum, entre duas quantidades. Então entramos no próximo tema: a relação quantitativa. O quantum tinha um limite apenas indiferente, quer dizer, ele poderia simplesmente saltar de 8 para 9, para 100… Tanto faz. Mas, agora, limitado por outro quantum externo a ele, ele torna-se um quantum determinado, uma quantidade determinada e limitada por outro quantum. RELAÇÃO QUANTITATIVA Vamos tratar de quantidades, de quantum, que só têm sentido em relação um com o outro, nunca isolados. São três tipos de relação: a direta, a inversa (ou indireta) e a de potências.
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Vejamos a relação direta. Se pegarmos números como 4/2, quatro sobre dois, temos uma relação em que o 4 e o 2 só têm sentido nessa relação. A divisão dá 2. Mas podemos mudar a quantidade, mantendo o mesmíssimo resultado (chamado expoente por Hegel): 6/3, seis sobre três, que também é igual a dois. O mesmo resultado, a mesma natureza, é expresso em quantidades diferentes. Vejamos, agora, a relação inversa. Se dizemos que 3+2=5, podemos dizer, também, que 4+1=5. Se um número cresce, o outro número cai – e vice-versa. Simples assim. Um número nega o outro para manter o mesmo resultado, 5. O limite dessa relação é igualar ao resultado, como 5+0=5. O último 5 aparece como limite, como barreira, além do qual está o infinito. Por último, vejamos a relação de potências. Se dizemos 22 ou 23, dois elevado a dois ou dois elevado a três, dizemos, então, que o 2 está em relação consigo mesmo como se fosse relação com outro, 2x2 ou 2x2x2. Essa relação consigo mesmo na potência é o quantitativo retornando para o qualitativo – o quantitativo qualitativo ou o qualitativo quantitativo. Para passar ao próximo ponto, digamos algo especial. O quantitativo, inicialmente, aparece como aquilo que pode subir e descer sem limite, sem mudar nada. Mas a quantidade é verdade da qualidade. Para subir e descer como queira, o quantitativo deveria pertencer a algo que não muda nenhum pouco nesse subir e descer – mas isso nunca existe. A mudança de quantidade chega a um ponto em que muda a qualidade daquilo ao qual ele pertence – por isso chegamos à medida, unidade da qualidade e da quantidade. UMA INTERPRETAÇÃO O marxismo percebeu que quantidade e qualidade podem entrar em contradição. Vejamos dois casos. Para vender mais quantidade de mercadorias, os patrões fragilizaram a qualidade das mesmas mercadorias para forçar o consumidor a logo comprar um novo exemplar. Hoje, a produção científica se mede pela quantidade de artigos publicados, mas isso diminui a qualidade de tais artigos, pois produzir algo relevante leva tempo. Como a quantidade vem da qualidade como sua base, ao deteriorar a qualidade, a quantidade acaba, por fim, a deteriorar a si mesma – embora de início a medida tome partido da quantidade, tal contradição tem de ser resolvida por causa da deterioração do seu oposto, logo de si mesma. MEDIDA O que os qualitativamente diferentes têm em comum enquanto diferença apenas quantitativa por debaixo que faz a diferença qualitativa é a energia/espaço-tempo de cada um. O que torna as
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mercadorias iguais é a quantidade de trabalho nelas, de elas serem fruto do trabalho humano (lembremos que energia é capacidade trabalho). Na medida, Hegel diz que tudo tem a medida necessária, não arbitrária – e uma alteração importante na medida, destrói ou muda o ser aí. Pois bem; isso está relacionado com energia (em busca de mais de si) e espaço-tempo (condensado). As coisas inorgânicas têm sua proporção dada pela quantidade de energia concentrada. Na biologia, os animais não podem ser grandes em demasia, pois o calor gerado seria imenso, inadministrável; além disso, outro exemplo, as células não podem crescer tanto porque a relação de volume e superfície, aquele acima deste, limita a relação com o ambiente, dificultando trocas para com ele, limitando a energia. No social, o inchaço do Estado nas crises sistêmicas exigiu deslocamento de espaço-tempo condensado e energia de sua base necessária, por exemplo. Vejamos um exemplo mais próximo. A Coreia do Norte não produz alimentos e materiais como petróleo com suficiência, o que dá base para o regime autoritário, ou seja, não produz energia suficiente para homens, outros seres vivos e para as coisas; por isso, por salto, teve de compensar produzindo energia nuclear para bomba atômica, assim atraindo recursos para si em forma de chantagem internacional. Outro ponto é que, para muitos, por suas naturezas concretas muito diversas, maçã, por exemplo, não é igualável à xícara. Ora, ambas têm energia, logo certa quantidade de maçãs têm tanta energia quanto certa quantidade de xícaras. Em nível inferior, a quantidade de elementos atômicos também são iguais sob certas proporções de uma e outra. POSITIVO E NEGATIVO Vejamos. 1) o nem positivo nem negativo 2) passa para a oposição contraditória do positivo e negativo; 3) então, dessa dialética, surge um novo nem positivo nem negativo. Eis o movimento puro e uma pista para o pensar científico. Para Hegel, o nem positivo nem negativo estava apenas ao mesmo tempo com o positivo e o negativo. Uma estrada vai, ao mesmo tempo, para o leste, positivo, e o oeste, negativo; mas estrada mesma é nem positivo nem negativo, abarcando os opostos dentro de si; o átomo neutro tem dentro de si o positivo e o negativo. Nós vamos mais longe, mantendo a contribuição estática hegeliana. No início do universo, a matéria decaiu do nem positivo nem negativo para uma sopa quente de prótons, positivos, separados dos elétrons, negativo. Com o esfriamento do universo, a atração dos opostos permitiu a união do positivo com o negativo, do próton com o elétron, formando átomos completos neutros (nem positivo nem negativo). Veja-se que o átomo neutro tem dentro de si os opostos, o positivo e o negativo. Também os opostos, elétron e próton,
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podem se fundir formando o nêutron. Existe na física a polêmica sobre se o neutrino, uma partícula pequeníssima, tem um antineutrino, um oposto, ou se, outra hipótese, ele é a antipartícula de si mesmo; talvez seja melhor afirmar que ele é ―nem positivo nem negativo‖, diferente do elétron e do próton. Um fóton, sem carga, de alta energia divide-se em elétron, negativo, e anti-elétron ou pósitron, positivo, e, atraindo-se, colidem e tornam-se um novo fóton, também sem carga, nem positivo nem negativo. O próton e o elétron atraem-se porque são opostos, no nível externo, mas porque são o mesmo, no nível interno. Ambos são completos incompletos, pedaços de algo antes uno (nêutron). Já que são partes, além de proporções gerais diferentes, um cai no outro com facilidade; mas como cada um, sendo parte, é também um inteiro, o elétron e o próton afirmamse, têm fronteira, um não cai no outro como deveria. A fronteira também se dá pelo motivo de ambos serem espaço condensado, com campo próximo próprio. O mesmo fato da atração, ser espaço concentrado, causa a repulsão, ser algo em si como espaço condensado. A contradição entre o positivo e o negativo revela-se no exemplo da contradição entre proletariado e burguesia. A contradição de elétron e antielétron se dá porque, na atração, cada um afirma-se diante do outro – mas exato isso aproxima. Na biologia, os primeiros seres reproduziam-se por si, assexuadamente, e, por intermédio do herrmafrodismo, surgem seres mais complexos com sexos opostos. Nestes, os opostos, que podem disputar, por exemplo, espaço e energia, unem-se num nem positivo nem negativo para a reprodução dos genes e da espécie. Os opostos externos atraem-se porque são, no fundo, semelhantes, pois semelhante atrai semelhante. A REGRA A regra é uma forma de medir exterior, fora, daquilo medido. Mede-se, por exemplo, o tempo como uma forma de medir os segundos, os minutos, as horas, etc. A MEDIDA ESPECIFICANTE Agora, a medida específica de algo: diz, por exemplo, qual o tempo específico daquele objeto, daquele evento. RELAÇÃO DE AMBOS OS LADOS COMO QUALIDADES Para pensar o título deste subcapítulo, pensemos o seguinte cálculo: velocidade é igual ao espaço sobre o tempo – v=s/t. Para medir a velocidade, uma qualidade, eu preciso medir, dizer o
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quanto, de duas outras qualidades, o espaço e o tempo. Na fórmula, parece importar apenas a quantidade, não a qualidade, do espaço e do tempo – mas eles estão aí como qualitativamente por "detrás". O SER PARA SI DA MEDIDA O ser para si da medida é que, por exemplo, o cálculo da medida, como v=s/t, refere-se às características de algo, de um objeto, de um momento, de certa matéria, de uma coisa. COMBINAÇÃO DE DUAS MEDIDAS Como a medida se refere a algo, duas medidas se combinam. Vamos ter de dar um exemplo do capítulo 1 d'O Capital de Marx, onde ele usa as próximas observações para demonstrar o desenvolvimento lógico e histórico da mercadoria rumo ao nascimento do dinheiro. Nos povos antigos, não existia dinheiro. Dentro das tribos, as coisas não eram exatamente trocadas, mas apenas compartilhadas. Foi quando começou o contato entre uma tribo e outra, na fronteira entre aqueles povos, que começou a troca, o escambo -- produto por produto, mercadoria por mercadoria, de uma tribo para outra, e vice-versa. Aí não havia dinheiro algum: aquela mercadoria media-se em certa quantidade de outra mercadoria, de outra tribo. Algo parecido com: 1 casaco = 3 braças de linho. Veja-se que há duas medidas de duas coisas que se combinam. A MEDIDA COMO SÉRIE DE RELAÇÕES DE MEDIDA Com o tempo, a quantidade de trocas entre povos diferentes aumentou. Então uma certa mercadoria tornou-se trocável por certa quantidade de qualquer outra mercadoria. Algo parecido com: 1 casaco = 3 quilos de feijão ou 5 quilos de arroz ou 10 quilos de algodão ou 7 quilos de ferro -- ao infinito. Veja que qualquer mercadoria pode ser a mercadoria central pela qual todas são trocáveis. 7 quilos de ferro = 1 casaco ou 3 quilos de feijão, e assim por diante, e assim por diante. Se duas ou mais coisas podem ser aquilo pelo qual todas as outras se trocam, se medem – logo: deve haver algo em comum entre elas, nem que seja apenas tal relação mesma. No caso das mercadorias, de Marx, o comum é que todas são frutos do trabalho -- todos têm valor -- e se medem pelo tempo de trabalho socialmente necessário para construir a mercadoria. No caso da química, podemos observar que todos os elementos têm anergia ou todos são formados
pela
mesma
base
-
prótons,
elétrons
e
nêutrons.
O
que
diferencia
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QUALITATIVAMENTE os diferentes tipos de átomos -- hidrogênio, ouro, ferro, carbono etc. - é que eles têm "apenas" QUANTIDADE diferentes do mesmo material (de elétrons, etc.). A AFINIDADE ELETIVA A expressão "afinidade eletiva" vem da química e da alquimia. Significa que algo tem preferência, atração ou facilidade de combinação com outro algo específico. No caso em que estamos focados, sobre a mercadoria, surge uma mercadoria pela qual todas passam a ter preferência de troca, atração -- o ouro, tornando-se o dinheiro. Por que ele? Bem; ele exige muitíssimo trabalho para ser retirado do fundo da terra, logo têm muito valor dentro de si (e muito valor em pequenos pedaços), por outro lado, ele pode ser fundido ou repartido como se queira (já um casaco é ruim para ser dinheiro, pois não pode ser cortado e remendado à vontade). LINHA NODAL DE RELAÇÕES DE MEDIDA Para este ponto, primeiro diremos de modo puro, abstrato, depois concreto, com exemplos. A mudança quantitativa, para mais ou para menos, vai aumentando, aumentando até que deixa de ser possível continuar mudanças de quantidade -- ocorre um salto de uma qualidade para outra. A mudança passo a passo, gradual, é interrompida e ocorre uma ruptura, uma mudança de qualidade. É famoso até hoje a ideia de que na natureza não há saltos. Isso está errado. A água líquida fica cada vez mais gelada, mas ela continua água líquida -- ela não fica gradualmente mais sólida, ao poucos, ou cada vez mais rígida. A água salta de líquida para sólida, um salto de qualidade. Veja-se que mudança de quantidade, de estar cada vez mais frio, é interrompida para uma mudança de qualidade. A morte também é um salto: vai-se envelhecendo aos poucos, passo a passo, até que não basta, então salta-se de uma vez para a morte, interrompendo o gradual, o pouco a pouco. Na história, isso também acontece: mudanças graduais na sociedade -- como a tecnologia nas empresas levar ao desemprego -- leva a que, por salto, ocorra uma revolução. O SEM MEDIDA O sem medida ou o desmedido não é apenas uma qualidade, pois também é um substrato, uma coisa, uma substância ou matéria. É como se as mudanças de quantidades e de qualidade de algo fosse apenas uma mudança externa, na superfície da coisa – por dentro ela permanece igual a si mesma (mesmo se mudando). O lado externo é com medida – o que ele é por dentro é o sem medida, o que não se deixa limitar pela medida. Existem vários tipos de elementos químicos diferentes entre si em
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quantidade e qualidade. Ora, por dentro todos eles têm algo que permanece em todos – prótons, elétrons e nêutrons (eles são o sem medida em relação aos elementos). Como qualidade, o processo social chamado capital é desmedido, sem medida. A concorrência empurra para produzir mais mercadorias, mais quantidade de empresas. O problema é que o patrão não sabe se suas mercadorias serão vendidas, se há procura real por elas, pois a economia capitalista é sem planejamento central – ele só descobre depois de produzir, no mercado. Assim, com a vontade incontrolável de crescer a produção, o capital é o sem medida. O dinheiro sempre quer mais dinheiro, num acumular rumo ao infinito, um processo sem medida que o agrade de todo. A INDIFERENÇA ABSOLUTA Aquilo que é a parte interna de algo, a substância ou substrato, que permanece igual a si mesma na mudança, onde a mudança aparece como apenas externa, na superfície de algo – é a indiferença. Nós costumamos pensar a indiferença como "não dar atenção para aquilo", mas aqui o significado é outro: o indiferente é o que não tem diferença dentro de si, sua própria diferença é apenas externa, quase pelo lado de fora de si. A INDIFERENÇA COMO RELAÇÃO INVERSA DE SEUS FATORES O indiferente tem a diferença que ocorre na sua superfície como algo que pertence a si próprio. Ele é indiferente, mas a diferença pertence a ele mesmo. Vamos oferecer um exemplo. Em minha pesquisa, percebi que os países chamados socialistas eram, na verdade, frutos de revoluções, ao mesmo tempo, de duas naturezas, tanto capitalista quanto socialista, e eram então sociedades como duas naturezas apostas, capitalistas e socialistas. O indiferente é a própria realidade material daquelas nações -- as pessoas, as pontes, as fábricas, e assim por diante. Nesta realidade de base, do chão do real, ocorreu uma luta entre as tendências socialistas e as tendências capitalistas daquelas regiões -- isso é a relação inversa dos fatores. Na medida em que as tendências capitalistas cresciam, as socialistas eram, em oposto, diminuídas. Até que a tendência capitalista fosse total, engolisse toda a sociedade, reduzisse a nada o seu inverso -- na década de 1990, todos esses países tornaram-se totalmente capitalistas. No século 20, a sociedade mundial estava dividida entre países formalmente socialistas e capitalistas. O socialismo inicia em um país, mas nunca suportará sozinha ser cercada pelo capitalismo, logo o socialismo tem de acontecer em outros países durante algumas poucas décadas. O crescimento do número de países socialistas diminui seu oposto, o capitalismo – e vice-versa. O que não avança recua.
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UM POUCO MAIS DA RELAÇÃO INVERSA No ponto anterior, vimos que O indiferente, aquilo indiferente, divide-se por fora como dois fatores opostos, um cresce enquanto o outro diminui. Vamos aprofundar mais um pouco primeiro indo ao exemplo prático, depois à ideia pura. No século 20, os países formalmente socialistas tinham, na verdade, também elementos capitalistas dentro de si enquanto os países capitalistas amadureciam as bases do socialismo dentre de si mesmos – uns eram mais socialistas do que capitalistas enquanto outros eram mais capitalistas que socialistas. Veja que da oposição de um lado socialista e outro capitalista surgiu que os dois lados têm um tanto do lado oposto dentro de si mesmo. Até que o capitalismo domasse tudo, embora amadurecesse dentro de si as condições finais para o socialismo. Os opostos, assim, têm cada um mais de algo do que de outro algo. PASSAGEM PARA A ESSÊNCIA O ser tem tudo dentro de si. Até onde chegamos, temos algo que tem um lado dentro e um lado fora, um interno e um externo, uma essência e uma aparência, um conteúdo e uma forma. Todas as determinações (qualidades) que vimos até aqui foram tornando o ser menos vazio, menos abstrato: determinação, constituição, limite, uno, algo e outro, e assim por diante. Antes puro e esvaziado, o ser foi preenchido. Ele, o ser como substância ou substrato, repele-se a si mesmo, repulsão de si próprio, nega-se, desenvolve-se -- assim se preenche de qualidades ou determinações. Agora ele aparece como algo que é o substrato, a substância, a matéria em oposição ao seu lado "de fora". Mas essa oposição é apenas formal, errada: aquilo que é O indiferente, O sem medida -- o interno ou dentro -- também preenche o que aparece como o externo, as determinações. Isso ficará mais claro nos próximos pontos, onde resumiremos a doutrina da essência. DOUTRINA DA ESSÊNCIA A essência é a verdade do ser, o ser torna-se essência, a essência é o ser desenvolvido que foi para dentro de si mesmo. Quando pesquisamos o ser – os dados estatísticos etc. –, logo desconfiamos que este mesmo ser esconde algo, uma essência, que está atrás, ou melhor, dentro de si, dentro dele. O trabalho científico vai do ser (qualidade, quantidade) para a sua própria essência.
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A Doutrina da Essência é a mais difícil, mas também a mais interessante (além de ser um livro bem menor que os outros dois). Sobre, reforçamos o que dissemos na introdução: aqui, uma categoria aparece em outra: essência aparece na aparência, o interno aparece no externo, etc. DETERMUINAÇÕES DE REFLEXÃO Aqui, vamos já resumir a ideia central que unifica o livro, a grande ―sacada‖ de Hegel. Vejamos: ele percebeu que se dizemos a categoria ―positivo‖, então necessariamente vem a categoria ―negativo‖, pois um somente pode existir com seu oposto. Outro caso: se há causa, logo deve haver a consequência desta causa. O fundamento exige o fundamentado, o conteúdo exige a forma, e assim por diante. Isso são as determinações de reflexão, pois um conceito reflete o outro, e eles ficam nessa relação. Parece que a categoria, determinação, ―causa‖ é totalmente autossubsistente, autossuficiente, que se sustenta sozinho – mas percebemos que a categoria ―consequência‖ é sua derivação natural com o qual está ligado. Nas categorias da Doutrina do Ser – Ser, algo, constituição limite, uno, muitos, etc. – um conceito é fora do outro, passa para o outro, que passa para o outro, que passa para o outro… Agora, na essência, é diferente: como num espelho, um conceito se reflete no outro – um interno exige um externo, por exemplo. Os conceitos da Doutrina da Essência passam a ideia de um lado ―dentro‖ e de outro lado ―fora‖: uma essência e uma aparência, um conteúdo e uma forma, um interno e um externo, um fundamento e um fundamentado, uma parte e um todo, etc. ESSENCIAL E INESSENCIAL O inessencial é, por assim dizer, o lado de fora de algo, de um ser aí. Ele é o ser em oposição ao lado de dentro, a essência. Essa essência em relação com seu oposto não é mais exatamente essência, mas é o essencial. Então temos a essência transformada em essencial – e o inessencial que é a transformação do ser, do ―lado de fora‖. Mas nada diz num ―ser aí‖ qual pedaço dele é o essencial e qual é o oposto, o inessencial. Temos um problema, então. Como resolver isso? Hegel soluciona assim: na verdade, o inessencial não é o ser – o ser é a própria essência, e a essência é o próprio ser. Não sobra nada para o inessencial, que se torna zero, nulo, ou seja, mera aparência. ESSÊNCIA E APARÊNCIA A essência tem que aparecer.
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A filosofia anterior a Hegel separou essência e aparência. Por exemplo, Platão dividiu o mundo em dois mundos separados: 1) o mundo da essência, o mundo da ideia, o mundo perfeito, onde não há movimento; 2) o mundo do sensível, o mundo que vivemos, onde há movimento, onde tudo morre ou é perecível. Hegel supera esse tipo de visão: a aparência é o nulo, pois a aparência não é diferente da essência – a aparência é, na verdade, a própria essência, que aparece a si mesma. Em seu movimento de si mesma, a essência torna-se aparência. A essência não é morta, inerte, parada: ele movimenta-se para fora e para dentro de si mesma, modifica a si mesma, desenvolve a si mesma. A aparência é o aparecer da essência nesse movimento de si própria. Não está a essência aqui, escondida, e, em oposição, a aparência ali, exibindo-se. Na realidade, a aparência sequer existe de fato – existe apenas a essência que aparece. Somos nós que, quando vermos o mundo, vemos apenas um pedaço dele, um ângulo dele (por isso a aparência, como se nos aparece aquilo); mas o mundo mesmo é apenas essência aparecente. APARÊNCIA COMO ENGANO Marx diz algo assim: se a aparência do mundo revelasse de imediato a sua verdadeira essência, toda ciência seria desnecessária. Com certa inocência, os filósofos antigos pensavam que bastava olhar o mundo, como ele é imediatamente, para saber como este mesmo mundo é. A aparência esconde a essência, deforma a essência, aparece até como o inverso da essência. Vejamos o caso na física, no inorgânico. Pela maior parte da história da humanidade, a ideia de sucesso foi a de que a Terra era o centro do universo e o Sol girava em torno da Terra, de nós. Isso aparece assim, o Sol nos rodeando, para visão imediata. Ora, isso tem até mesmo utilide prática, para nosso dia a dia: todos os dias dizemos que o Sol está se pondo ou surgindo, guiamos nossa vida nesse ―fato‖, embora saibamos a essência real, que é a Terra que está girando em torno do próprio eixo e em torno do Sol. Na biologia, parece que as espécies mudam-se para adaptar-se por uso e desuso, por esforço: por se esforçar para comer em árvores altas, a girafa tem pescoço longo; porque a neve a branca, o urso é branco. Mas isso é um engano. Na verdade, acontecem mudanças genéticas ao acaso, que, se são úteis para a sobrevivência, são repassadas para os filhos. Surgiu um urso branco filhote por acaso, logo ele sobreviver melhor na neve, podendo camuflar-se, logo teve mais chances de sobreviver e reproduzir-se. Na vida social, na mente do escravo todo o trabalho dele é totalmente trabalho para o outro, para o senhor de escravo que o domina. Aparece para ele assim, como se todo o fruto de seu esforço fosse destinado para outra pessoa. Mas isso é um engano da aparência. De fato ele
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trabalha de graça uma parte de sua jornada de trabalho para o senhor escravista, mas este ―senhor‖ tem de manter vivo o homem escravizado, tem de fazer com que parte do seu trabalho retorne para ele mesmo. No capitalismo é o contrário: parece que o trabalhador é pago totalmente pelo seu trabalho, nem mais nem menos. Esse engano tem ―dados empíricos‖ que parecem provar que é este o caso, por exemplo: 1) o salário sobe se trabalha 1 hora a mais e cai se trabalha 1 hora menos; 2) o trabalhador qualificado ganha mais enquanto o trabalhador não qualificado, menos. Foi preciso o trabalho científico para superar esta aparência, para chegar à essência: o operário trabalha uma parte da jornada para si, para pagar o valor da sua força de trabalho, mas outra parte da jornada é trabalho para outro, de graça, não pago, um roubo do patrão. CONTRADIÇÃO ESSENCIA-FENÔMENO-APARÊNCIA A essência quer permanecer, permanece, mas ela é o próprio fenômeno, que muda e é inconstante, então, nessa contradição, este força aquela a mudar – mas são dois em um, o mesmo. Eis uma das formas de contradição unitária possíveis. REFLEXÃO Voltamos ao tema da determinação de reflexão. Desta vez, vamos desenvolver, derivar, este resultado do qual falamos antes. Agora, faz-se preciso atenção. A reflexão não é reflexão mental, filosófica, subjetiva – é mais parecida com reflexão da luz ou uma ―flexão para trás‖, algo que vai, bate e volta. Para ficar claro, em diante usaremos a determinação de reflexão de essência e aparência, embora outros casos (interno e externo, etc.) ainda serão trabalhados no avançar deste capítulo. REFLEXÃO POSTA, PONENTE Este é o caso inicial em que uma categoria põe a outra, sua oposta. A essência põe a aparência, o conteúdo põe a forma, o fundamento põe o fundamentado, o interno põe o externo e assim por diante. Veja que há uma ―hierarquia‖ como a essência ser a base da aparência. Na verdade, esse pôr é, também, nenhum pôr. Por quê? A aparência, como dissemos, é nula – é apenas a própria essência que aparece. A aparência (ou o externo em relação ao interno, ou a forma em relação ao conteúdo, etc.) não é um outro, não é separado daquilo de onde veio, não tem vida própria, não é independente.
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Consideremos o fato de ―a aparência ser a própria essência‖. Pois bem; essência sai de si mesma, bate na aparência, e assim retorna de novo para si mesma (reflexo, reflexão). Esse é o movimento, mas que, ao mesmo tampo, não é nenhum movimento – porque a aparência não é um outro, mas ―parte‖ da própria essência. REFLEXÃO EXTERNA, EXTERIOR Mas agora vamos pensar o contrário, o inverso. Pelo menos como as coisas parecem ser, a aparência é um e a essência é o outro. A aparência é, agora, a outro da essência. Reflexão externa porque elas estão formalmente separadas uma da outra. Aqui, o trabalho científico acontece assim: partimos da aparência (dos dados estatísticos, das qualidades de algo) para descobrir a essência desta aparência. A partir da própria aparência é que descobrimos a essência – nunca jogamos fora a aparência, pois ela permite chegar à essência. Tudo parece e aparece ao contrário: é fato que a essência põe a aparência, mas desta vez partimos da aparência para chegar na essência da realidade – outro: é fato que a essência é a própria aparência, mas aqui ele parecem como cada um no seu canto. Também partimos do fundamentado para descobrir qual é o fundamento de algo. Partimos do externo para descobrir o interno. Partimos da forma para descobrir o conteúdo. Partimos da consequência para saber a causa. É invertido. REFLEXÃO
DETERMINANTE,
DETERMINADA
–
DETERMINAÇÃO
DE
REFLEXÃO Quando fazemos o trabalho da ―reflexão exterior‖, descobrimos finalmente que aquela aparência (ou externo, ou fundamentado, etc.) da qual iniciamos não é nada sem sua essência. Cada um só existe com o outro e dentro do outro. Chegamos, de novo, às determinações de reflexão. Essência sempre põe a aparência – e elas são o MESMO. O interior, o interno, sempre põe seu oposto, o exterior, o externo – e eles são o MESMO. Um continua a si mesmo dentro do seu outro; cada um tem seu outro dentro de si mesmo. Assim, o outro não é verdadeiramente um outro, mas o mesmo. Vejamos o segundo caso: se sou internamente um mau poeta, logo farei maus poemas; se, ao contrário, sou internamente um bom poeta, farei bons poemas – o interno se torna o próprio externo. DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO Neste ponto, vamos das ideias abstratas para, depois, exemplos concretos.
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IDENTIDADE - DIFERENÇA A essência é igual a si mesma, A=A, assim ela é identidade. Mas ela é, também, a negação de si mesma, ou seja, um movimento. Nesse automovimento da identidade, da essência, ela se torna diferente de si própria. É tanto diferente quanto idêntica a si, dentro de si: a diferença tem a diferença e, ao mesmo tempo, a identidade. O diferente ou o diverso não está do lado de fora ou ao lado da identidade. Ao contrário: a mesma coisa idêntica consigo, a essência, é que desenvolve uma diferença interna, por dentro da identidade mesma. Assim, a filosofia e a dialética de Hegel são tanto uma filosofia da identidade (mesmidade, do mesmo) quanto da diferença. DIVERSIDADE – (DES)IGUAIDADE Como temos dois, a diferença e a identidade, chegamos à diversidade. As coisas diversas têm apenas uma relação externa umas com as outras – são indiferentes em relação às outras, cada uma em seu próprio canto, sem relação real. A relação dos diversos é a igualdade ou a desigualdade. Mas nada neles, nos diversos, diz se eles são iguais ou desiguais uns dos outros. Essa comparação, que iguala ou desiguala, é externa, feito por outro, por um terceiro, por alguém. Há algo mais sofisticado aí. Somente posso ser igual se eu for igual a outro, a um diferente de mim – um desigual. Por outro lado: somente posso ser desigual de outro se sou igual a mim. Veja-se que cada um, o desigual e o igual, estão um dentro do outro, e vice-versa. OPOSIÇÃO – CONTRADIÇÃO Os lados da mesma coisa tornam-se mais do que diversos uns dos outros – tornam-se opostos, o positivo e o negativo. O positivo e o negativo são, no começo, apenas o negativo um do outro, um para o outro – cada um nega seu oposto apenas. Depois, segundo momento, fica bastante claro que o positivo é de fato positivo; e o negativo é de fato o negativo. Enfim, terceiro momento, descobre-se que o positivo e o negativo são apenas nessa relação um com o outro, aquilo que são eles são em uma relação necessária. Tudo está em polos opostos, tudo tem oposição dentro de si mesmo. Em muitos casos, a mesma COISA é tanto positivo quanto negativo. O dinheiro que o credor empresta ao devedor é, este mesmo dinheiro, negativo para um e positivo para outro,
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passivo para um e ativo para outro. A estrada que vai para o leste, positivo, também vai para o oeste, negativo; a estrada tem os opostos em si. O átomo tem prótons, positivo, e elétrons, negativo, dentro de si próprio. Se eu digo +A e –A, o que existe de igual e comum entre eles é ―A‖. Já a contradição é, em geral, a fonte de todo movimento, automovimento. Tudo tem contradição de polos opostos, tudo está ―quebrado por dentro‖. Algo é tanto contraditório dentro de si mesmo como, ao mesmo tempo, é esta mesma contradição dissolvida. O negativo afirma a si mesmo excluindo o positivo; também, o positivo afirma-se excluindo o negativo de si. Ora, eles somente existem nesta oposição, dentro desta oposição – mas, ao mesmo tempo, eles recusam seu oposto, repelem um ao outro. Isso é a contradição. Pense-se na luta de classes: o movimento operário repele a classe dos patrões, embora ambos estejam unidos por atração na produção, na fábrica; o fim deles é o fim das classes sociais, o socialismo. A contradição não pode ser eterna, ela tem que se dissolver, se resolver. A filosofia comum pensa a contradição apenas como fonte de destruição, de fenecer, de morte; mas ela também é a fonte do desenvolvimento, do progresso, do movimento. ESSÊNCIA COMO FUNDAMENTO Assim, a essência foi para ―fora de si mesma‖ e foi ganhando determinações de reflexão (diferença, positivo e negativo, etc.). Os opostos em contradição, o positivo e o negativo, são no fundo o mesmo, porque eles têm um fundamento igual (veja-se a semelhança das palavras ―fundo‖ e ―fundamento‖). Vejamos um caso já citado. Uma pessoa impulsiva (fundamento, essência) torna-se ―sem noção‖ em algumas situações, logo algo negativo, mas também torna-se criativa, logo algo positivo. A mesma ―base‖, a essência que se tornou fundamento, faz os elementos ―externos‖, as qualidades e defeitos, o positivo e o negativo. Como a essência tornou-se fundamento? Indo dela mesma rumo à… ela mesma. Ou seja, desenvolvendo-se: ela se diferenciou dentro de si, se diversificou, se tornou oposição, positivo e negativo, contradição e… retornou para dentro de si porque os opostos nada são de fato, apenas dissolvem-se naquela essência que se tornou seu fundamento, que retornou para dentro de si mesma. UMA INTERPRETAÇÃO Há em Hegel um erro no seu grande acerto: as categorias identidade, diferença, diversidade oposição, contradição – acontecem ao mesmo tempo, ou melhor, sem tempo algum! Além dessa maneira de pensar, há outra mais ativa: a identidade passa, de fato, para a diferença, para a
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diversidade, para a oposição, para a contradição. As duas formas de pensar tais categorias, ao mesmo tempo e uma após a outra, são corretas, acontecem juntas. Vamos para casos práticos que saem do tempo, do passar, lógico de Hegel rumo ao tempo comum, histórico – esta elaboração não está mais em Ciência da Lógica. Vejamos. O operário e o patrão são IDÊNTICOS, pois ambos são pessoas livres no mercado. Mas são DIFERENTES: um é vendedor de sua força de trabalho enquanto o outro é comprador desta mesma força. Logo, eles são DIVERSOS já que cada um é diverso do outro. Quando o patrão contrata o operário, eles formam a OPOSIÇÃO, pois um é operário e o outro é, ao contrário, o seu patrão – um só pode ser patrão se o outro for operário, e vice-versa. Enfim, vem a CONTRADIÇÃO: as greves, a luta do patrão por aumentar a jornada ou acelerar as máquinas etc. O homem e a mulher primitivos eram IDÊNTICOS, mas logo se vê que eles têm DIFERENÇAS. Como essa diferença, tornam-se DIVERSOS. São também, formalmente, OPOSTOS. Quando surge a propriedade privada, o homem tem de saber se deixará herança para um filho legítimo, não de outro, logo a OPOSIÇÃO entre os sexos tornou-se CONTRADIÇÃO, controle do homem sobre a mulher. O ancestral dos atuais seres vivos era igual a si mesmo, ou seja, IDÊNTICO. Seus descendentes foram, geração a geração, tornando-se cada vez mais DIFERENTES do seu ancestral. Depois, por muitas mutações genéticas, surge uma DIVERSIDADE de espécies (cuja origem é aquele ancestral idêntico e comum). A diversidade cai na OPOSIÇÃO e CONTRADIÇÃO entre os animais, entre os seres. O império romano fez do Latim a língua da Europa – identidade. Mas as diferentes regiões desenvolveram diferentes sotaques – diferença. Estes diferentes sotaques avançaram para as variadas línguas latinas (português, italiano, espanhol, francês) – diversidade. Daí surge a oposição e, quem sabe, a contradição entre as línguas europeias. NEM POSITIVO NEM NEGATIVO – UMA INTERPRETAÇÃO O nem positivo nem negativo avança-se, para além de si, até a oposição entre o positivo e o negativo; por sua vez, esta oposição é resolvida – formando um novo ―nem positivo nem negativo‖. O trabalhador artesão medieval (nem positivo nem negativo) é modificado pela relação entre o capitalista (positivo) e o operário (negativo); um afirma-se na realidade, por isso positivo; e o outro está em desvantagem, precisa mudar o mundo, por isso negativo. Ocorre a negação da negação com o socialismo – e o próprio operário nega-se, deixa de ser operário ou classe. Por
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outro ponto de vista: o primeiro, o artesão, é o positivo em relação ao que lhe substitui, a oposição entre o operário e o burguês, ou negativo. No início do universo, a matéria decaiu do nem positivo nem negativo para uma sopa quente de prótons, positivos, separados dos elétrons, negativo. Com o esfriamento do universo, a atração dos opostos permitiu a união do positivo com o negativo, do próton com o elétron, formando átomos completos neutros (nem positivo nem negativo). Veja-se que o átomo neutro tem dentro de si os opostos, o positivo e o negativo. Também os opostos, elétron e próton, podem se fundir formando o nêutron. Existe na física a polêmica sobre se o neutrino, uma partícula pequeníssima, tem um antineutrino, um oposto, ou se, outra hipótese, ele é a antipartícula de si mesmo; talvez seja melhor afirmar que ele é ―nem positivo nem negativo‖, diferente do elétron e do próton. Para Hegel o nem positivo e nem negativo acontecer somente ao mesmo tempo que o positivo e o negativo. A estrada é nem positivo e nem negativo, que tem dentro de si o rumo para o leste, positivo, e para o oeste, negativo (qualquer um dos dois pode ser considerado o positivo ou o negativo). Mas nós vamos mais longe. Um fóton de alta energia, nem positivo nem negativo, passa, a si próprio, para o elétron, negativo, e o antielétron, positivo, que se atraem e tornam-se, de novo, um fóton, nem positivo nem negativo. FUNDAMENTO A essência que foi para ―fora‖ de si e, então, retornou para si – torna-se fundamento. É claro que o fundamento tem um fundamentado, logo desconfiamos que tudo existente tem um fundamento ―atrás de si‖. FORMA E ESSÊNCIA A essência é total, mas seu lado externo por ser visto como a FORMA. O lado externo é aquele onde vimos a diferença, a diversidade e a contradição – a forma está aí. Na verdade, a essência tem tudo em si, mas poderemos analisar forma e essência de modo – separado? É o que faremos na próximo ponto. FORMA E MATÉRIA Quando essência e forma se separam, a essência já não é essência de imediato, pois é reduzida à matéria, ao material. Podemos dizer que a matéria é passiva, pois é formada pela forma, enquanto a forma é ativa, pois dá forma à matéria.
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Aqui, parece que a matéria existe por si mesma e, do outro lado, a forma só tem sentido se é a forma de um material. Essas são as consequências do método de separar o que, dentro da realidade, está necessariamente unido, em unidade. Não existe forma pura, sem matéria; não existe matéria pura, sem forma. O que existe é matéria formal ou forma material. Vamos aos exemplos. A forma de moeda, para ser moeda, não pode ser apenas forma – ela é feita ou de cobre, ou de ferro, ou de prata, ou de ouro, ou seja, de algum material. UMA INTERPRETAÇÃO Em minha pesquisa, percebi que a matéria da forma vai da materialização para a desmaterialização (claro é que se faz preciso, antes, materializar para, depois, desmaterializar). A forma-dinheiro foi do menos material ao mais material – do cobre para a prata, para o ouro – para então, em seguida, ir rumo ao menos material como mais perecível – do ouro para a prata, para o cobre, para o papel, para o bits. Na vida, surgiram animais cada vez mais materiais até surgir os gigantes (como dinossauros e outros seres), então começou a desmaterialização, a diminuição do tamanho das novas espécies. A quantidade maior de trocas e de dinheiro está ligada à desmaterialização deste; o menor tamanho de certos animais está ligado à possibilidade de maior quantidade deles. A maior materialização, nos dois exemplos, diminui a perecibilidade, aumenta o tempo de vida. FORMA E CONTEÚDO A união da forma e da matéria – é o conteúdo. Vejamos um caso. Se eu tenho uma pintura retratando um jogo de futebol, esta mesma pintura tem a forma (da bola, dos jogadores, do campo, etc.) e também, junto, a matéria, a tinta principalmente, com diferentes cores. Ora, esta forma e esta matéria, unidas, passam uma mensagem fictícia, artística um conteúdo. Elas têm um conteúdo. Vejamos outro caso. Marx diz que a relação de contrato entre trabalhador e patrão, quando aquele está no mercado trabalho procurando emprego, tem a FORMA de uma relação entre iguais – ambos, operário e patrão, são livres, estão no mercado, estão fazendo um contrato livremente aceito. Mas o CONTEÚDO é outro, de exploração, em que ou o operário vende sua força de trabalho para ser explorado por outro ou morrerá de fome. Vamos para a terceira visão, comum no marxismo. A economia e a luta de classes, as classes sociais, são o conteúdo – já o Estado, os partidos, as organizações são a forma. Nesse modo de ver, tanto o conteúdo quanto a forma têm, cada qual, dupla natureza, duplo caráter. O conteúdo
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(economia, classes) é 1) muito mais dinâmica, mas 2) também mais instável, inconstante; por outro lado, a forma é 1) conservadora, lenta, paralisadora, mas 2) conservadora no sentido de conservar, de preservar (as conquistas, etc.). Assim, os conflitos e as instabilidades do conteúdo fazem surgir, de si mesmo, uma forma para ―compensar‖. Mas o conteúdo se desenvolve a tal ponto em que a forma conservadora torna-se um fardo, algo muito atrasado – o conteúdo renovado supera aquela forma e funda uma forma nova, para suas novas necessidades. Uma forma pode estar em contradição com seu conteúdo: um partido comunista pode estar organizado de forma incompatível com seu conteúdo, com o perfil dos membros e com seu programa. FUNDAMENTO FORMAL O fundamento formal é fácil de entender, pois é o chamado ―argumento circular‖, uma tautologia. Vejamos: Por que a Terra gira em torno do Sol? Por causa da gravidade. E o que é gravidade? O que faz a Terra girar em torno do Sol… Percebe que foi do nada ao lugar nenhum? O argumento não avança, o conteúdo e forma estão aí fundidos num fundamento apernas formal, digno de riso. A ciência tem vários tipos de tautologias óbvias do tipo, que devem ser combatidas. FUNDAMENTO REAL A gravidade, por exemplo, é de fato o fundamento da estrutura de uma casa, de uma base. Ou seja, os alicerces da casa têm a gravidade como seu fundamento. Estes alicerces e a gravidade são a base para o ―enfeite‖, o inessencial, o não essencial. Por exemplo: as paredes de uma casa podem ser pintadas de vermelho ou azul – mas tanto faz a cor, e a gravidade não é fundamento dessa cor escolhida para pintar a casa. Então, além do fundamento e do fundamentado, tem uma porção enorme de ―coisas‖ que não tem fundamento naquele fundamento. Hegel faz uma crítica ao fundamento real. Um trabalhador consegue o emprego porque é disciplinado, tem experiência, tem beleza, tem contatos, etc. Qual dessas características é o fundamento? Nada diz que um – por exemplo, a disciplina – foi o fundamento da contratação dele enquanto os outros fatores seriam o fundamentado… Assim, a reflexão que procura um fundamento de algo pode escolher entre centenas de fatores para um apenas ser o central, o que é em si um erro.
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FUNDAMENTO COMPLETO O fundamento (real) tem, ele mesmo, um fundamento! Então temos 1) o fundamentado; 2) o fundamento deste fundamentado; 3) o fundamento do fundamento… Este 2 que ficou no meio é unidade tanto do fundamento real quanto do fundamento formal, pois ele é de fato fundamento (do fundamentado), mas ao mesmo tempo é um fundamentado. Com isso, Hegel fecha o ciclo total – não é necessário ir, ao infinito, para o fundamento do fundamento, do fundamento, do fundamento, etc. O método de Hegel foi pegar o que é junto, a forma e o conteúdo enquanto fundamento formal, então separou a forma e o conteúdo no fundamento real, depois juntou novamente tudo no fundamento completo. Ele fez, também, assim antes: essência e forma estavam juntas, então as separou para chegar até a matéria e a forma, depois juntou no conteúdo e forma. Esse método será usado mais vezes, portanto merece atenção a este aspecto. Ainda sobre o fundamento completo, o grande marxista Valério Arcary diz sobre o caráter (fundamento) de um partido, como o PT: ―Partidos podem ser julgados pelo programa que apresentam para a transformação da sociedade. Ou podem ser explicados: (a) pela história de suas linhas políticas e de suas lutas políticas, sobretudo, as internas; (b) pelo confronto entre suas posições quando estão
na
oposição,
e
quando
se aproximaram do poder; (c) pelos
valores e ideias que inspiram seu programa (d) pela composição social de seus membros, militantes ou simpatizantes, ou dos seus eleitores, ou da sua direção; (e) pelo regime interno do seu funcionamento; (f) pelas formas de seu financiamento;
(g) pelas
suas
relações
internacionais. Todos estes critérios são válidos e significativos, e a construção de uma síntese exige uma apreciação da sua dinâmica de evolução.‖ Ora, cada um pode ser, por si, o fundamento real dos demais; mas o fundamento tem, também, um fundamento! Chegamos à necessidade do fundamento completo. Qual seria o do PT, o fundamento do fundamento? Este: o fato de ser um partido ligado diretamente, organicamente, com Estado burguês, logo com a burguesia. CONDIÇÃO O RELATIVAMENTE INCONDICIONADO Aqui, temos duas personagens, a condição (ou as condições) e o fundamento. Vamos, primeiro, separá-los e considerar tal separação. A condição é mero ser aí imediato, sem ser por ela mesma qualquer condição para algo. Ela é apenas material variado, material como seu próprio conteúdo. Por outro lado, isolado consigo mesmo, o fundamento vai para fora de si em seu automovimento e tem, portanto, também seu próprio material, seu próprio conteúdo. Assim: um é incondicionado em relação ao outro, e vice-versa.
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O ABSOLUTAMENTE INCONDICIONADO Nosso papel, agora, é ver a unidade real daqueles dois, que se colocaram como opostos e separados um do outro. A condição, como material externo, na verdade é o que representa o Ser (com o qual começamos este capítulo); ora, se ele é o Ser, vale comentar que este, este Ser, ―evoluiu‖ a si mesmo rumo à essência (que aqui é fundamento); o ser aí imediato, indiferente, não se nega ao se prender ao fundamento, ao contrário, ele se realiza, ele é ser que vai para a essência (o material do fundamento, para o fundamento). Assim, o fundamento põe seu fundamentado, vai para fora de si, dando forma ao material da condição. Por outro lado, o fundamento só se realiza a si mesmo quando passa, ele mesmo, para seu fundamentado, que é feito com o material da condição. Mas há uma virada incrível. O fundamento e condição estão aonde? Ora, eles estão dentro do ―absolutamente incondicionado‖, de uma Coisa incondicionada – estão dentro de uma totalidade! Esta Coisa, este Todo, tem dentro de si própria tanto o fundamento quando as condições, desmancha eles dois dentro de si. O SURGIR DA COISA NA EXISTÊNCIA Quando todas as condições de uma Coisa existir estão prontas, então estão ela entra na existência. Por exemplo: não se deve tentar criar um sindicato antes de estarem reunidas pelo menos as condições mais básicas necessárias para fundar tal organização. A vida na Terra surgiu depois que as condições – temperatura, ambiente, compostos, etc. – estavam prontas para isso. As condições se reúnem, ―caem‖ juntas, internalizam-se – e assim surge uma Coisa na existência. Algo, como uma revolução, é impossível até que se torne inevitável. É interessante ver que esta união das condições cria um lado ―interno‖ na Coisa, ou seja, as condições produzem o próprio fundamento! Por outro lado, o fundamento também cria a Coisa na existência. O fundamento sai de si mesmo, se externaliza – passa para o fundamentado. Mas, com isso, ele não fica atrás ou no fundo, não: o próprio fundamento está naquele seu fundamentado. Vimos duas formas que parecem fazer a Coisa surgir, pelo lado das condições e pelo lado do fundamento. Porém: a verdade final é que a Coisa vai rumo a si mesma, desenvolve-se a si mesma, põe a si mesma – ela já existe antes de existir (era uma coisa e tornou-se outra). Há outra forma de ver o parágrafo anterior. O fundamento torna-se o fundamentado, logo ele deixa de existir em si – a coisa é, então, um sem fundamento, embora tenha vindo dele. Por
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outro lado, a condição faz a coisa, mas, esta coisa, uma vez feita, é sem condição, é incondicionada, a condição superou a si mesma como o fundamento também o fez. EXISTÊNCIA Primeiro veremos a essência e a imediatidade como juntas (existência), depois como separadas (aparecimento), depois como reunidas e relacionadas (relação essencial). Comecemos, portanto, pelo começo, em que a essência tem que aparecer. Assim como o Ser, que é o geral, tem dentro de si o algo (algo como uma caneta é um ente do Ser) a existência tem como sua expressão nas coisas, na coisa. A grande questão deste capítulo é o fato de que Kant, antes de Hegel, afirmou: nós conhecemos apenas a coisa como ela é para nós, sua aparência, sua manifestação – não como esta coisa é em si mesma, não a ―coisa em si‖. Há, então, um duplo: de um lado, a coisa em si e, de outro, como aquilo aparece, sua manifestação. Vamos resolver este problema, como acessar a essência da coisa. A COISA E SUAS PROPRIEDADES A coisa divide-se em 1) coisa em si e 2) no seu lado externo, em dois. Mas, ora, este lado externo é também uma coisa, uma coisa em si, pois cai para dentro de si mesmo. Assim, essas duas coisas em si, a coisa em si original e a manifestação desta como outra coisa em si, são, na verdade, a mesmíssima coisa – que apenas aparece como relação de dois. A propriedade da coisa em si aparece como aquilo que uma coisa se torna diferente de outra coisa, o lado de fora, da superfície, da coisa. Mas nas duas (ou mais) coisas em si diferentes, como a propriedade é algo externo a elas duas, esta mesma propriedade fica do lado de fora delas, logo elas são internamente, por dentro, iguais, duas coisas em si iguais, são o mesmo. Na verdade, não existe coisa em si sem propriedade, a coisa em si não fica escondida ou por detrás, mas é a própria propriedade mesma. Uma coisa não é feita de propriedades, ela é apenas as próprias propriedades! Assim, o que chamamos de coisa em si pura, não é o lado essencial, como parece, mas o lado inessencial, sem essência, sem tanta importância. É o lado das propriedades aquele grande lado em que as coisas são de verdade, de fato. Uma coisa em si pura não é nada! Nada há que descobrir dela e nela, pois algo só é de fato algo em suas propriedades, com suas propriedades. Se queremos saber sobre alguma coisa, devemos estudar suas propriedades e a união delas, destas. Na astronomia, nós sabemos o que é uma estrela distante por meio de suas porpriedades: ver-se sua gravidade, seus efeitos, seu brilhos, observa-se ela no infra vermelho e no ultravioletas,
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e assim por diante, e assim por diante., conectamos esses dados, até que sabemos o bastante sobre ela. O CONSISTIR DAS COISAS EM MATÉRIAS, MATERIAIS A separação entre uma ―coisa em si‖, que é o lado sem importância por si, e o lado das propriedades faz com que estas mesmas propriedades se revelem como matérias, materiais. A coisa é feita de matérias (partículas, átomos, etc.). Sem ser feita de propriedades, ou seja, de matérias, a coisa nem sequer é coisa alguma. De imediato, a coisa é feita de matérias que são independentes, indiferentes, umas das outras, apenas juntas externamente dentro desta coisa. Mas logo se vê que elas, ao se afirmarem como si mesmas, negam as outras matérias. Mas, outra conclusão, oposta, elas penetram umas nas outras e, ao mesmo tempo, por outro lado, são indiferentes umas das outras nessa mesma penetração. Assim, a coisa é contradição entre a independência de cada material e a penetração umas nas outras ao mesmo tempo. A coisa se dissolve. As matérias entram e saem dela, e ela não é sequer um limite ou uma barreira para estes materiais. A coisa é um ―isto‖ (em que as matérias estão reunidas) e um ―também‖ (menos ou mais matérias). APARECIMENTO Antes de Hegel, alguns filósofos, como Patão, separaram o mundo em dois mundos: de um lado o mundo que é em si e para si, o mundo essencial, o mundo das leis; de outro, oposto, o mundo que a parece, o mundo do aparecimento. Ora, existe apenas um mundo, somente UMA totalidade, que se divide em duas totalidades, que são, ao mesmo tempo, separadas e unidas. O mundo essencial tem de aparecer, logo ela também é seu oposto, o mundo que aparece. Por seu lado, o mundo que aparece tem dentro de si um fundamento, o lado mundo essencial. Cada um de ambos é ele mesmo e seu oposto. O mundo que aparece mostra ou revela o mundo essencial, mas de modo invertido, ao contrário. O que é positivo no mundo essencial aparece como negativo no mundo que aparece; assim, no inverso, o que é negativo no mundo essencial é positivo no mundo que aparece; um azar essencial aparece como sorte no mundo que aparece, e vice-versa. Serve o exemplo já citado: no mundo que aparece, o Sol gira em torno da Terra, o Sol nasce e se põe; mas no mundo essencial, a terra é que gira em torno de si mesma e do Sol.
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RELAÇÃO ESSENCIAL A relação entre o ―mundo que é em si‖ e o ―mundo que aparece‖ torna-se relação essencial. São um só que aparece como dois, ou seja, relação consigo do mundo como e fosse relação com um outro. O TODO E AS PARTES De início, o todo não é as partes – e as partes são o oposto do todo. Mas há algo mais profundo. O todo sem partes é vazio, sequer é um todo, pois somente pode ser um todo de partes relacionadas umas com as outras. As partes, por outro lado apenas são partes se dentro de uma relação com outras partes dentro de um todo – como dissemos, um dedo, como parte, somente tem sentido se como parte do corpo ao qual ele pertence. Se ele sai desse todo, se é decepado, cortado, ele é uma parte que é uma totalidade em si mesmo, mas uma totalidade morta, inútil, um dedo que se decompõe. Há, assim, quase máxima unidade do todo e das partes, um necessitando do outro. Complementemos isso: as partes são dependentes umas das outras ou independentes umas das outras? Derivamos: Tese – as partes são totalmente independentes umas das outras; Antítese – as partes são totalmente dependentes umas das outras; Síntese – as partes são relativamente autônomas umas das outras enquanto são, ao mesmo tempo, relativamente dependentes umas das outros – mas a interdependência entre elas é o lado superior de ambos. O todo é mais do que a mera soma das partes, pois é a união das partes e suas interelações umas com as outras, recíprocas. Como dissemos: o hidrogênio queima, o oxigênio permite a queima – mas a união de ambos numa totalidade, H2O, produz a água, que apaga o fogo, tem função oposta. SOBRE A TOTALIDADE A totalidade pode ter um rumo, determinístico até. Ela é assim, porém, permitindo que suas partes internas sejam caóticas. Nesse caso, temos a lei do caos. A totalidade é por um avanço irreversível, a irreversibilidade lhe pertence, mesmo que pareça recuar. Mas suas partes, com relativa autonomia, podem avançar e recuar, são reversíveis. Em geral, a totalidade avança de modo desigual; as partes desiguais, então, combinam-se por associação e/ou contradição. O todo é etapista, a totalidade cumpre etapas necessárias; por outro lado, as partes podem, de modo relativo, saltar por cima de certas etapas, dadas certas condições (autocontradição, atraso etc.), como a influência de outras partes.
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O que é ruim na totalidade, no contexto – aparece como bom para a parte isolada. O que é inviável à totalidade – aparece como viável à parte com sua autonomia relativa.
FORÇA E EXTERIORIZAÇÃO Ora, o que faz do TODO de fato um todo, ou seja, que as partes não sejam apenas o mero juntar, um mero agregado indiferente, um mero unido artificialmente? A força. A força gravitacional, se força for aqui, mantém o todo do sistema solar junto em um sistema, além de mantar unido nosso próprio planeta como um todo. O que mantém o capital geral e o capitalismo como um todo, como mais do que meras partes? Resposta: o valor, valor este que há dentro das máquinas, matérias-primas, mercadorias, capitais, etc. O valor geral é o que unifica o sistema. A força se externaliza, assim ela aparece como duas ou mais forças – mas no fundo é uma força só que aparece como forças diferentes, diversas. Por exemplo: há apenas UM valor global na sociedade – uma única massa total de valor, uma só energia, apenas uma substância. Mas ela aparece como vários valores porque se colou por dentro de várias mercadorias diferentes. Veja que as mercadorias concorrem umas contra as outras, os capitais concorrem uns contra os outros; desse modo, por terem valor dentro de si, o valor (força) luta ou se junta com ele mesmo como se com um outro, um valor com ou contra outro valor, uma força com ou contra outra força (mas, na verdade, são a mesma força); externamente há vários valores, mas internamente há apenas um valor social global. O exemplo torna-se mais claro se o leitor domina a economia marxista. UMA INTERPRETAÇÃO Vale destacar que Hegel trata do todo e das partes, mas sem dizer como o todo forma-se, além do fundamento e das condições tratados bem antes em sua obra. O todo e a parte já estão aí, além de reciprocamente relacionados em sua unidade. O todo é um reunir atrativo de partes, pela força; um todo vem, também, de outro todo que se suprassume; uma parte do desenvolver do todo, sendo uma parte que é também em si um todo, desenvolve-se e pluraliza-se, então, se era apenas um antes, igualmente é um depois. Em especial, da parte rumo ao todo: o crescimento e desenvolvimento de um todo dar-se, por isso, pela força ou, ou melhor, energia que concentra em si, causa e consequência de seu evolver, como espaço-tempo condensado, em que uma parte torna-se um todo de partes unitário.
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UMA INTERPRETAÇÃO Na ciência física, o conceito de força está em ―crise categorial‖. Por muito tempo usada, parece não ter mais tanta sustentação. Cabe aos hegelianos e marxistas avaliarem se é o caso ou não de suprassumir tal categoria. Curiosos que a crise categorial, ideal, do conceito de força coincide na mesma época do início da crise categorial, real, do valor, da força de trabalho manual reduzida. Pura coincidência temporal e de forma? Não; na verdade, o desenvolvimento científico, que supera a força, e o desenvolvimento técnico, que supera o trabalho manual direto sobre a matéria-prima, andam juntos, mesmo que um pouco atrasado em relação ao outro. EXTERNO E INTERNO A relação de força e sua exteriorização produziu o interno e o externo. O externo é o próprio interno, que vai, este último, para fora, digamos assim. Um artista somente pode fazer uma arte, exterior, que expresse seu interior – fará grande obra se for, por dentro, um grande artista. O externo não está em unidade com o interno, pois o externo é, ele mesmo, o próprio interno. Eles estão separados, como se fossem dois, apenas na aparência. O externo NÃO esconde o interno, na verdade o revela, o mostra – se se quer saber o interno de algo, observe seu externo, pois o lado exterior é a revelação da essência, essência agora determinada como um interno. Uma personalidade, interno, revela-se na sua prática do sujeito, externo. O EFETIVO O efetivo ou realidade é a unidade de essência e existência. A essência que não aparece se junta coma existência que é apenas aparecimento; juntas formam a efetividade, a realidade. Veremos melhor a seguir. O ABSOLUTO Lembra-se que o exterior e o interior não mais do que uma unidade de opostos porque na verdade eles são UM? Por bem; este um, apenas um total, é o absoluto. Pensemos na palavra absoluto para pensar o absoluto real. O absoluto nega-se a se confundir com algo, com quaisquer coisas, pois é o absoluto. Por outro lado, oposto, ele tem tudo dentro de si, pois é o absoluto.
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EXPOSIÇÃO DO ABSOLUTO Tudo que vimos até agora é a exposição ANTERIOR do absoluto: ser, quantidade, qualidade, essência, existência etc. Mas é uma exposição para trás, digamos assim. E para frente? O absoluto tem o lado ―externo‖, mas que é ele próprio, um ir para frente dele mesmo, uma exposição dele mesmo não apenas como UM, mas como multiplicidade, como várias expressões. ATRIBUTO ABSOLUTO Pensemos a multidão de coisas diferentes. Elas são, na verdade, ―transparentes‖, pois uma reflexão filosófica perceberá que elas têm uma atributo em comum, de todas elas – esse atributo é o absoluto que há pro meio de toda, mas um absoluto parcial porque determinado como o atributo, atributo geral. Cada coisa tem vários atributos, mas, juntas, apenas o atributo geral, o absoluto. Mas esse método, de ir das coisas rumo a saber que elas tem um absoluto dentro delas em comum, é errado, defeituoso. Por, primeiro, devemos derivar o absoluto, como fizemos neste capítulo todo, e, depois, derivar o atributo e em seguida, o modo (maneira). MODO (MANEIRA) O atributo tem dois extremos em si. Por ―debaixo‖, tem o absoluto; por ―cima‖, tem o modo ou a maneira. O modo é como uma variedade externa, do lado de fora. Mas logo descobrimos que o modo ―externo‖, na verdade, é próprio absoluto mostrando a si mesmos, manifestando-se, exibindo-se, sendo esta própria manifestação ele próprio – não fora dele. Assim, o absoluto vai para dentro de si indo para fora de si, negação da negação; sua autoexibição é ele entrando unidade com ele mesmo, pois o modo ou maneira não é um outro. EFETIVIDADE Agora, veremos as categorias modais: efetividade (realidade), possibilidade, contingência (acidente), necessidade. De imediato, saiba que este último, a necessidade, tem força de lei, de que algo tem que ser necessariamente assim. Dito isso, sigamos juntos, unificando opostos. CONTINGÊNCIA, EFETIVIDADE, NECESSIDADE, POSSIBILIDADE – FORMAIS Vejamos, primeiro, a efetividade e a possibilidade como separadas uma da outra, como formais. A possibilidade formal é o pensamento de que há várias e opostas possibilidades; um pensamento limitado, que pensa todas as possibilidades futuras, sem hierarquia.
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A união, a unidade, da possibilidade e da efetividade (realidade) é – a contingência. Contingente é aquilo que pode ser ou pode não ser, tanto faz, pode acontecer ou não; por exemplo, uma inflação antes de uma crise pode tanto acontecer como não acontecer, não é necessário que ocorra. Veja: sendo o efetivo (realidade) e a possibilidade exatos opostos, eles estão fundidos num meio-termo, a contingência, pois o contingente, quando acontece, é ou existe, logo é efetivo, mas poderia também não acontecer, logo é possibilidade. É um e outro. Como derivamos a contingência, devemos agora derivar seu oposto, a necessidade, o necessário formal. Para isso, também usaremos, de novo, a possibilidade e a efetividade (realidade) formais. Sigamos juntos. De um lado, a possibilidade é algo que existe (por exemplo, um ovo tem em si mesmo a possibilidade, é a própria possibilidade, de ser comido pelo homem por causa de suas PROPRIEDADES, que fazem dele um ovo) – logo a possibilidade é o seu oposto, a efetividade ou realidade. Por outro lado, o efetivo separado do ―em si‖, da essencialidade, ou seja, separado do interno-possibilidade, é uma efetividade sem chão, sem base, sem por onde sustentar-se – logo, assim, torna-se apenas possibilidade, ou seja, seu oposto. Pelo fato de um cair no outro, e vice-versa, surge daí a necessidade formal. NECESSIDADE
FORMAL
RELATIVA,
EFETIVIDADE
(REALIDADE),
POSSIBILIDADE E NECESSIDADE – REAIS Passaremos do formal para o real. Ora, como a efetividade tem a necessidade, como vimos antes, ele é uma efetividade ou realidade real. Melhor: se juntarmos, como deve ser, efetividade e seu oposto, seu lado de dentro, a possibilidade, então temos a efetividade real. Mas, então, a possibilidade também é real. Para vermos tal tipo de possbilidade, isso ocorre quando avaliamos o mundo e vemos, de fato, com atenção e profundidade, as condições, as características, as tendências, as propriedades a organização e a desorganização desse mesmo mundo. Se na possibilidade formal, havia várias hipóteses futuras, na possibilidade real ocorre a hipótese limita. A possibilidade real tem de ser, tem de acontecer, necessariamente assim por causa de tais condições e circunstâncias – logo chegamos à necessidade real. A possibilidade real já é a necessidade real, pois são opostos apenas na aparência e na observação descuidada. Se olharmos o mundo como de fato é, ele é, ao mesmo tempo, tanto possibilidade quanto efetividade (realidade). É ambos, os opostos juntos. Ele é uma efetividade, uma realidade, mas que ―deseja‖ ser uma nova efetividade depois, por dentro dele mesmo. Aqui, Hegel faz uma nova sacada. A necessidade real vem da possibilidade e da efetividade; mas a possibilidade e a efetividade é, também, uma unidade que produz o contingente, o
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contrário da necessidade! Por isso, conclui-se: o contingente produz o necessário, além de estar unido com ele! NECESSIDADE ABSOLUTA O que existe de verdade, no todo, é unidade de essência e ser, de externo e interno no absoluto. A totalidade é necessidade. O contingente não só produz a necessidade como, o oposto, é produzido por ela. Temos a necessidade absoluta. Vamos derivar, agora, a contingência absoluta da necessidade absoluta. Atenção. A necessidade absoluta é um efetivo, um real, logo o efetivo é um efetivo absoluto. Mas, se o efetivo ou real é absoluto, logo tem a possibilidade dentro de si mesmo, porque é absoluto. Ora, qual a unidade do efetivo e do possível? Já dissemos duas vezes – é o contingente. Então a unidade do efetivo absoluto e da possibilidade também absoluta é o contingente absoluto (da e dentro da própria necessidade absoluta). A necessidade absoluta tem a possibilidade absoluta. O feudalismo teve de passar, por força de uma lei histórica, para o capitalismo! CRÍTICA DE LUKÁCS Lukács diz que a realidade não tem necessidade absoluta, pois o mundo é probabilístico, por probabilidade. Para isso, ele usa uma frase de Lênin: ―não há situação absolutamente sem saída‖. Assim pode ser 80% sem saída, 99, 9% sem saída, mas sobra, ao menos, O,1% de saída. Assim, tendemos a ir do capitalismo para o socialismo, mas podemos ser derrotados e humanidade ser extinta numa catástrofe econômica e ambiental. Deixo ao leitor a escolha sobre quem tem razão, Hegel ou Lukács. As duas posições fizeram a cabeça dos físicos no século XX. Algfuns afirmaram que é impossível causalidade e determinismo na física quântica, portanto deveríamos nos limitar a cálculos de probabilidade – apenas. Einstein e Born fizeram uma luta de morte contra tal concepção, afirmaram que nosso conhecimento hoje ainda é limitado, por isso usamos apenas aspectos probabilísticos – mas há uma solução oculta, causal, em variáveis ainda ocultas. Minha posição, conclusão, afirma que, por a realidade ser complexa, praticamente ou pro muito tempo apenas poderemos acessar ela de modo tendencial e probabilística – mas ela é, no fundo, determinística. No mais, 1) o ―o que‖ é e acontecerá de fate é determinista, mas ―o como‖ está em jogo; 2) a realidade tem opções para si e a partícula ou homem escolhe a opção que já deveria escolher, incluso pelo contexto.
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ACASO E NECESSIDADE Em primeiro, separo contingência de acaso. Isso faz o marxismo. O acaso é o oposto da necessidade, mas está, ao mesmo tempo, em unidade com ele. O caso mais famoso é ao da evolução das espécies na biologia. Uma mutação genética acontece por acaso; pois bem; ao mudar os descendentes a mutação prospera se facilita a sobrevivência da espécie ou deixa de existir se dificulta a sobrevivência dessa mesma espécie. O acaso aí não nega as leis da biologia, da evolução, mas atua dentro dessas leis (necessidade). Se o presidente morre hoje por um enfarto ao acaso, isso pode acelerar ou atrasar a história, suas leis ou necessidades, as tendências históricas, mas não nega a existência do acaso dentro da necessidade, atuando aí. POSSIBILIDADE E NECESSIDADE CRESCENTES Piaget atualizou a dialética ao afirmar que há a POSSIBILIDADE CRESCENTE. Algo é cada vez mais possível. Segundo Nahuel Moreno, ele fundiu os opostos, a possibilidade e a necessidade, nesta formulação, da crescente possibilidade. Assim, apenas ao final a necessidade é imposta na realidade. O socialismo é cada vez mais possível dentro do capitalismo, mas somente poderá surgir quando o capitalismo estiver muito maduro, no final, com a alta possibilidade que se desenvolveu. Penso que, ao mesmo tempo, ocorre a necessidade crescente. Mas ela é mais firme quando a necessidade se realiza após o caminho da possibilidade crescente; pois, a partir daí, a necessidade é cada vez mais necessária. Além disso, é possível que a possibilidade teste-se a si mesma antes de se tornar necessidade plena. Assim, antes de surgir o capitalismo, tentou-se revoluções burguesas fracassadas. Antes de surgir o socialismo, tentou-se revoluções socialistas fracassadas. PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO Além das atualizações anteriores, o acaso leva-nos à reflexão do caos e da ordem. O caos não suporta a si próprio e, nessa autointeração e autorrelação caótica, não tendo lei alguma, tem a lei de passar a si mesmo para seu oposto – a ordem. O caos, por ter uma lei que não é lei, tem como se a ordem dentro de si. A ordem, que veio do caos, por outro lado, ainda é dinâmica, por isso tem como se o oposto, o caos, dentro de si. Na coisa, a ordem é preenchida pelo caos; mas não há separação por uma parede entre caos e ordem dentro dela, logo a coisa é unidade de ambas ao mesmo tempo.
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O caos absoluto é liberdade negativa; e é um sistema, porém não sistemático. A unidade de caos e ordem cai-se na probabilidade. O socialismo é a ordem, como liberdade positiva, ou seja, é de um lado uma economia central e democraticamente planejada e, por outro, uma livre associação dos produtores. PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO Movimento = energia = tempo = espaço =matéria = massa = luz = campo Tudo = Tudo. Tudo é espaço-matéria, espaço condensado, para dentro de si. Tudo e energia em busca de mais energia, em busca de mais de si.
RELAÇÃO ABSOLUTA Agora que o absoluto é sua própria autoexposição, a própria aparência total, podemos ver a relação de substancialidade e a relação de causalidade. SUBSTÂNCIA A ACIDENTES Os acidentes são aquilo que não é essencial (a cor de algo etc.). A substância é, então, o oposto, o essencial de algo. Porém, Hegel descobre a unidade dos opostos: que a substância produz seus próprios acidentes, põe eles, põe eles como se fossem externos a si (embora não sendo de fato) – mas os acidentes são apenas expressão da substância ao mesmo tempo em que a substância somente é em, dentro de, seus acidentes. Eles são uma unidade, mas insistamos na diferença deles mais um pouco. A substância vai para fora de si e põe os próprios acidentes, mas, depois, ela ―abandona‖ os acidentes e volta para dentro de si mesma. Substância e acidentes separados produz um meio-termo que os unifica, a potência. Veja-se. Em nossa metafísica o espaço, embora não primeiro em nosso universo, torna-se substância e as partículas-ondas são os acidentes. CAUSASALIDADE FORMAL Como potência, a substância é a causa dos acidentes, pois põe estes como se fossem outros para ela, não ela mesma. Ocorre que a causa só pode ser causa sem tem um efeito e, ao inverso, o efeito só é efeito se tem uma causa – um depende do outro, apesar de ainda não fundidos com apenas um. Ora, se a causa se realiza no efeito, esta mesma causa deixa de existir, logo o efeito deixa de ser efeito. O
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que sobra disso? Um imediato, uma substância, um conteúdo indiferente em relação à causa e ao efeito – um ―mesmo‖ que está tanto em um quanto, depois, no outro. CAUSALIDADE DETERMINADA Aquilo que está na causa é aquilo que estará, também, no efeito. Uma chuva molha o chão – logo tanto na chuva quanto no chão há o mesmo, a água. A causalidade produz, além disso, sua própria causalidade. A água que foi ao chão evapora e produz, novamente, uma nova chuva. Mas essa causalidade tem o defeito do mau infinito: uma causa tem outra causa, que tem uma causa, que tem uma causa… Um efeito tem um efeito, que tem um efeito, que tem um efeito… Como resolver isso? EFEITO E CONTRAEFEITO A causa numa substância ativa produz um efeito sobre outra substância, logo esta segunda, a afetada, faz um contraefeito naquela primeira – ida e volta, efeito e contraefeito, a causa passou para outro e, depois, retornou para sua origem. Temos a causalidade recíproca. A causa passou, ela mesma, para o efeito, tornou-se o efeito, mas teve de retornar para sua origem como contraefeito, como nova causa. Os humanos modificam o mundo e o mundo modificado modifica o próprio homem. O poderio econômico imperialista dos EUA produz o poderio militar, que, por sua vez, produz mais poderio econômico. O vício em bebida pode causar depressão, e esta última causa, por sua vez, mais vício; ou, ao contrário, começa-se com depressão que produz vício – num ciclo vicioso que se aprofunda. A causa torna-se consequência e a consequência torna-se causa, efeito e contraefeito. Temos, então, a interação em que a mesma substância absoluta age como várias substâncias diferentes em interação umas com as outras. A interação de algo com outro algo ocorre para ambos ao mesmo tempo, vice-versa, o conceito ―interação‖ supera a ideia de causa antes e efeito depois, verdadeira mas limitadíssima. CAUSA E ACASO Segundo Lukács, há unidade de causa e acaso. Uma totalidade é feita de muitas partes que causam umas às outras e vice-versa; isso permite que ocorram acasos por causa da complexidade das interações das partes entre elas.
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UMA INTERPRETAÇÃO D‘O Capital, de Marx extraio a ideia de que há causa com efeitos opostos. Uma desvalorização da moeda brasileira no câmbio produz industrialização, pois compensa comprar dentro do país no lugar de importar, mas também produz, ao mesmo tempo, o oposto, desindustrialização, pois algumas indústrias nacionais necessitam importar insumos e máquinas do exterior. Há duas formas de tal causalidade: 1) a causa produz um efeito, que, por sua vez, produz um efeito oposto (instalar um novo maquinário derruba a taxa de lucro numa empresa, mas, por produzir matéria-prima mais barata individualmente, aumenta a taxa de lucro de outras empresas, pois reduziram o custo com capital); 2) a causa produz efeitos opostos ao mesmo tempo ou quase. Um efeito pode vir de diferentes, opostas ou combinadas causas. Para a economia vulgar, a inflação sempre vem do excesso de dinheiro – mas pode ter, na verdade, várias origens, como desvalorização do câmbio, monopólios etc. E mais dinheiro circulando pode mesmo não gerar nenhuma inflação se a velocidade de circulação da moeda cai, por exemplo. Uma causa pode gerar um efeito ou seu oposto. Novack observou que a industrialização alta produziu um império capitalista nos EUA enquanto produziu miséria e, depois, revolução socialista na Rússia. Mesma causa, efeitos opostos (porque em circunstâncias diferentes). Os teóricos da complexidade observam que uma grande causa pode produzir um pequeno efeito enquanto uma pequena causa pode produzir um grande efeito. Por quê? Por causa das condições, das circunstâncias em que ocorrem. São as condições ao redor que fazem, por exemplo, uma pequena causa ter grandes consequências. Causas diferentes, até opostas, que ocorrem ao mesmo tempo possuem, também, uma causa mesma comum a todas elas. IDENTIDADE, DIFERENÇA ETC. Para a dialética de Hegel, as categorias passam apenas logicamente umas para as outras, pois são sincrônicas, não diacrônicas: a identidade, a diferença, a diversidade etc. já estão todas aí, ao mesmo tempo, ou melhor, sem tempo algum. Em minha dialética, além de tal sincronia, existe também a diacronia das categorias: a identidade passa, a si própria, para a diferença, para a diversidade etc. Na biologia, com um ancestral comum, idêntico a si mesmo, seus descendentes são cada vez mais diferentes do inicial – depois, começa a diversidade: diferentes raças e diferentes espécies novas por mutação – como se depois, começa a oposição entre eles – que cai
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na contradição, no conflito. Passou-se no processo, no diacrônico, da identidade, para a diferença, para a diversidade etc. CONTRADIÇÃO IDENTIDADE DIFERENÇA A identidade guarda em si a diferença; a diferença, a identidade. Mas pode haver contradição movente de ambos, que se torna processo ou se resolve. As espécies e os seus indivíduos tendem a se diferenciar por mutação enquanto seleção natural e sexual, ao contrário, age no sentido inverso, para unidade, para o homogêneo, fazendo vencer a luta pela sobrevivência apenas os mais capazes de adaptação. OPOSTOS Já vimos isso no inorgânico antes. Cumpre notar o princípio, talvez transitórios, da incerteza de Heisenberg que afirma: quanto com mais precisão medimos uma propriedade de uma partícula, menos medimos a propriedade oposta, pois nossos instrumentos afetam o objeto de pesquisa, alterando-o (lançamos, por exemplo, um fóton num elétron, modificando-o). Assim, se medimos com exatidão a posição da partícula, não medimos a velocidade; se medimos a energia, não medimos o tempo etc. Na biologia, além de tudo evidente, como a luta entre os seres e os sexos, vemos que o corpo humano possui sistemas opostos, simpático e para simpático.
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Os opostos estão assim, em unidade, ainda que contraditória. Na física quântica, Dirac percebeu que os resultados dos seus cálculos poderiam ser tanto com sinal positivo quanto negativo, prevendo a existência da antimatéria, isto é, a matéria com sinal oposto, como neutrino e antineutrino, elétron (-) e antielétron (+). Nesta obra, expomos que os opostos em carga são, no fundo, o mesmo, o que antes era unido e dividiu-se, explicando a atração e a repulsão. Na química, temos a quiralidade, a produção de moléculas quase idênticas, mas opostas, uma canhota e outra destra. No nosso sistema solar, formado desde um disco de partículas, temos os planetas gasosos e rochosos. Os gasosos têm grande massa; os rochosos, pequena. Os gasosos têm grande tamanho; os rochosos, pequeno. Os gasosos, pequena densidade; os rochosos, grande. Os gasosos, elementos leves; os rochosos, elementos pesados. Os gasosos, longe do Sol; os rochosos, perto. (DES)MATERIALIZAÇÃO Em minha pesquisa, percebi que a matéria da forma vai da materialização para a desmaterialização (claro é que se faz preciso, antes, materializar para, depois, desmaterializar). A forma-dinheiro foi do menos material ao mais material – do cobre para a prata, para o ouro – para então, em seguida, ir rumo ao menos material como mais perecível – do ouro para a prata, para o cobre, para o papel, para o bits. Na vida, surgiram animais cada vez mais materiais até surgir os gigantes (como dinossauros e outros seres), então começou a desmaterialização, a diminuição do tamanho das novas espécies. A quantidade maior de trocas e de dinheiro está ligada à desmaterialização deste; o menor tamanho de certos animais está ligado à possibilidade de maior quantidade deles. A maior materialização, nos dois exemplos, diminui a perecibilidade, aumenta o tempo de vida. Se há retorno à materialização, após desmaterialização, é algo pertencente ao empírico. Isso está relacionado com a energia disponível. A falta de energia pode diminuir o tamanho de uma espécie. FORMA E CONTEÚDO Dentro do próton há quarks que têm menos massa, mas seu movimento-energia (conteúdo) aparece como massa extra (forma) de sua totalidade, o próton. O conteúdo é matéria formada (o abstrato é o concreto em processo).
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O desenvolvimento do conteúdo pode entrar em contradição coma forma conservadora. Ou a forma exige muita energia etc. do conteúdo, tendo de resolver tal contradição. DO MENOS PARA O MAIS FORMAL A realidade vai do informe, do menos formal, à forma. Uma nuvem informe, nebulosa cósmica, torna-se uma estrela com seus planetas ―redondos‖. Do organismo ameba quase informe até células mais formais como neurônios e seres complexos formatados.
TODO E PARTES Hegel afirma que a força mantém a unidade das partes e do todo, as partes juntas como um todo. Mas a categoria força entrou em crise categorial na ciência moderna (Jammer, Conceitos de Força - Estudo sobre os fundamentos da dinâmica, 2011), substituída por campo (para nós, espaço-tempo) e, dizemos, energia. Mas essa energia-força não apenas mantém a unidade do todo, mas forma o próprio todo, seja reunindo as partes, seja desenvolvendo uma parte em várias partes. No segundo caso, uma parte não suporta a quantidade de energia em si, então desenvolve-se em multiplicidade integrada, em várias partes com interrelações. Vale destacar que Hegel trata do todo e das partes, mas sem dizer como o todo forma-se, além do fundamento e das condições tratados bem antes em sua obra. O todo e a parte já estão aí, além de reciprocamente relacionados em sua unidade. O todo é um reunir atrativo de partes, pela ―força‖ (na verdade, pela energia); um todo vem, também, de outro todo que se suprassume, que entra em contradição consigo, ou com parte(s) de si, pela missão, do todo e da parte, de acumular energia. Uma parte do desenvolver do todo, sendo uma parte que é também em si um todo, embora não realizado, desenvolve-se e pluraliza-se, então, se era apenas um antes, igualmente é um depois. Em especial, da parte rumo ao todo: o crescimento e desenvolvimento de um todo dá-se, por isso, pela energia que concentra em si, causa e consequência de seu evolver, como espaço-tempo condensado, em que uma parte torna-se um todo de partes unitário. Provável, Hegel inspirou-se no fato de a força gravitacional manter unido o todo do sistema solar, de suas partes. Ora, hoje sabemos que a gravidade não é uma força, mas curvatura do espaço-tempo causado pela massa-energia. E mais. A gravidade (a energia, o espaço-tempo curvado) transformou a poeira estelar, por meio desse próprio material, em Sol e seus planetas, em central e orbitantes.
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No capitalismo, a energia-valor vinda da energia-força de trabalho mantém o todo como todo, um modo de vida, o capital como autoprocesso. Mais à frente, veremos o papel do circulante, do mediador, na manutenção do todo sistemático. Aqui, vemos o limite de Hegel; ele: 1) tomou as partes; 2) derivou o todo; 3) disse que as partes formam um todo pela força. Ora, se ele é o filósofo da unidade dos opostos, dos diferentes e diversos, qual a unidade da parte ou das partes e da força? Ele não responde, sequer levanta a questão. Se substituímos força por energia, se energia é massa e espaço, e matéria etc., logo a parte, como matéria, é um só com a ―força‖, ou seja, com a energia, são diversos e, ao mesmo tempo, o mesmo, um dentro do outro, um sendo o outro. Logo vemos que nossa elaboração, embora direta, é superior à hegeliana em estado puro. Uma parte, afirmando-se como todo em si, entra em contradição com o todo ou com outra parte por meio do qual entra em contradição também com todo com que qual este é alinhado. CONCRETO E ABSTRATO O concreto inicial, junto de si, passa para a abstração, a separação, que volta ao concreto. Padrão da geologia: do concreto amorfo, surgiram progressivamente os continentes iniciais, proto-continentes elevados no período Arqueano, que, após processo longo, fundiram-se no Pangeia; este, então, separou-se nos atuais continentes do planeta. O atual afastar aproxima. O nosso universo, provável, sai de um ponto comum (concreto), expande-se com o afastar das partes (abstrato) para possivelmente unir-se de novo (concreto). O abstrato é o concreto em processo. TRÍADE E COLATERAL A lógica dialética de Hegel e, de modo materialista, de Marx apresenta a relação de tríade. Tais relações em trio, que são relações categoriais, também ocorrem no real. Para exemplificarmos, algumas inter-relações de tríade: a) infraestrutura, estrutura, superestrutura; b) ID, ego, superego; c) inconsciente, subconsciente, consciente; d) proletariado, setores médios, burguesia; f) indústria de bens de produção, indústria de bens de consumo, indústria bélica; g) prótons, elétrons, nêutrons; i) forças produtivas natureza, técnica, homem; j) matéria-prima, maquinário, trabalhador; etc. Quando e se há, um quarto elemento ou o que destoa chamemos colateral, o que está ao mesmo tempo dentro e fora, separado e integrado. No social hoje, essa dialética, manifestada no inchaço do colateral, se apresenta em especial na hiperinflação do capital fictício, no alto desenvolvimento do setor de serviços e aumento da
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subclasse dos desempregados. Esses inchaços colaterais são expressões e consequências do alto amadurecimento e definhar do sistema capitalista. Na física, podemos expressar nos quatro estados típicos da matéria: sólido, líquido, gasoso e plasma. Também observamos nas forças fundamentais: força nuclear forte, força nuclear fraca, eletromagnetismo – e a gravidade. Mas a gravidade está ―dentro e fora‖, pois desde Einstein sabe-se que esta não é uma força mas curvatura do espaço-tempo. Dai a dificuldade dos cientistas de, após unificar as três primeiras, fazer a unificação matemática das quatro forças consideradas. Continuemos com exemplo de tríade na química, em forma de organização estrutural (abstraído, na formulação retirada, o movimento). Ao tentar classificar – método aristotélico, lógica formal – os elementos químicos, agrupando-os de modo lógico, o químico alemão Johann Wolfgang Dobereiner, em 1817, percebeu que no agrupar de elementos de propriedades semelhantes, tomando a forma de grupos de três, um deles tinha a massa atômica (MA) como média aritmética dos outros dois… Chamou ―lei das tríades‖. Exemplo: Cloro (Cl), Z 25,5; Bromo (Br), Z 80; Iodo (I), Z 137. Seu modelo foi rejeitado por considerem limitado para classificação simples dos elementos em geral, reunindo-os. Em versão hoje aceita, na tabela periódica, onde há o avanço do mais simples ao mais complexo na formação de elementos: entre metais e não metais, há os semimetais ou metaloides, de características parciais de um e outro – e os gases nobres ou raros (colateral). Utilizando tal ferramenta, Hegel afirmou existir três macroclimas: muito úmido e frio, muito seco e quente e o rico intermediário entre ambos (tríade). Leitor disciplinado da produção hegeliana, Euclides da Cunha, afirmou na obra Os Sertões (Cunha, 2002) que o filósofo alemão deixou de notar o perfil de alguns climas brasileiros – cap. V, em A Terra, subcap. ―Uma Categoria Geográfica que Hegel não Citou‖ –, em especial o sertão (no livro citado, faz comentários sobre este fator sui generis de norte a sul da nação, em diferentes paisagens), onde as chuvas em excesso por meses ocorrem após secas por maior período, onde o calor violento do dia contrasta com o frio agressivo da noite, etc. Isto é: colateral. Façamos uma aproximação. A tríade não é pura quantidade, mas pura qualidade, pura qualidade em quantidade. Temos 10 dedos nas mãos, não 3, porque aí impera o quantitativo. A tríade com seu possível colateral trata de qualidades, do qualitativo, do estado. REAL E FICTÍCIO O movimento do real ou verdadeiro rumo ao fictício ou falso e o inverso – pois este desenvolve aquele em si – ocorre na materialidade.
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O real produz dentro de si sua própria ficção. Este é meio que tem em si o próprio processo de realização. A própria formação humana, sua realização, produziu o fictício: a arte, ficção do e dentro do real. O fictício, existente, aparece como simulação do real. A ficção é e não é; por ser vazio dentro de si, opõe-se ao seu não ser, o real. No lastro lógico, o real corresponde ao ser enquanto o fictício corresponde ao nada; neste último, a ficção, fica mais evidente a unidade de nada e ser. A categoria fictício deve ser afastada da pura palavra falso no sentido puro de erro, sendo diferentes; o fictício está dentro do real e é autodesenvolvimento deste. A relação entre verdadeiro e falso na lógica formal é correta em seu nível, trata de especificidades externas, parciais e estáticas. Na dialética, o falso, o fictício, o pseudo, o imaginário, o artificial ou o virtual tem a realidade desenvolvendo-se dentro de si. Também se diferencia da relação dialética real e irreal. Em matemática, a teoria dos conjuntos numéricos, por meio da evolução social da humanidade, desenvolveu o conjunto dos números reais (naturais, inteiros, racionais e irracionais) até alcançar os números imaginários, fictícios. O real encaminha-se ao fictício; e este é, por isso, ficção real. É o caso das partículas fictícias ou quasipartículas em física. Em biologia, os pseudofrutos são bons exemplos. Outros casos, mais abstratos, são a força centrífuga como pseudoforça e as falsas espirais na matemática. Em geral, a própria nomeação científica, embora partindo do sujeito, revela a natureza; nosso trabalho aqui, portanto, é perceber e destacar sua unidade interna. A unidade do real e do fictício é o real efetivo ou completo. CENTRAL E ORBITANTE Lucáks critica Hegel por este deixar de perceber que as categorias de A Ciência da Lógica nos livros Doutrina do Ser e Doutrina do Conceito deveriam seguir a forma de determinações de reflexão do livro A Doutrina da Essência (Lukács, Prolegômenos e para ontologia do ser social, 2018). Assim, por exemplo, pôr o qualitativo põe o quantitativo. Pois bem; a obra de Hegel trata do centro apenas, sem colocar aí seu oposto com o qual ―mistura-se‖. Propomos, então, a relação central e orbitante. O centro é ―mais‖, naquilo que é central, do que aquilo que o orbita. O central apenas é central com e em relação ao orbitante, e vice-versa; daí a unidade deles. Quando o leigo pergunta a algum físico sobre a semelhança entre a orbitação do elétron em torno do núcleo e dos planetas em torno do Sol, logo explicam que esta visão atômica é antiga e, portanto, forçada. Percebamos que usa-se a comparação visual no lugar do conceito. Em nível de categoria, a relação próton e elétron é a mesma natureza de Sol-planetas. Entre os seres vivos isso
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também ocorre, como um macho forte agregando em torno de si outros de sua espécie ou fêmeas. GERAL, PARTICULAR, SINGULAR Para Hegel, o movimento dialético é de o universal que, diferenciando-se, vai, dentro de si, à particularidade, que se singulariza. Observou tudo de modo invertido; logo comentaremos o motivo de seu erro. Hegel deixa de ver que o singular evolui, evolve-se, para o particular e o universal. A descoberta disso deve ser creditada, primeiro, a Marx: o pequeno mundo singular do mercado na Idade Média desenvolve-se até ser a totalidade universal capitalista hoje. O singular já é o universal, mas não realizado. O que se reproduz, o gene individual ou a espécie geral? Ora, a oposição é desnecessária e unilateral. Quando, por exemplo, um animal quer se reproduzir normalmente, ele deve encontrar outro semelhante do sexo oposto, logo não pode ser algo de todo individual, singular. Há contradição temporária entre o geral e o singular. Quando uma fêmea chimpanzé mata seu filho albino, ela afirma o singular-geral dominante. A singularidade de um indivíduo destoa do geral, da espécie, até formar espécie nova. O coletivo pode oprimir, não afirmar, o individual. GÊNERO Na Doutrina do conceito, Hegel pensa o gênero apenas como o comum no sincrônico na estrutura das espécies. Mas também é assim no diacrônico, no processo. Por exemplo: na verdade, não existe peixe, pois para existir algo assim comum a tantos seres, eles deveriam ter um ancestral único comum, mas não o há. Os erros de Hegel nessas matérias devem-se ao fato de ele não ter ainda diante de si a Teoria da Evolução das Espécies, que dirá a do Big Bang. Mesmo para um gênio isso pesa, o fator histórico e o nível de desenvolvimento da ciência; para ele, valia a grande classificação, um ao lado do outro, das espécies; igualmente, valia ao movimento repetitivo e tedioso, aparentemente estático, do cosmos, da física de sua época. Diz Hegel, sobre o geral-singular e o gênero; ―Mas a natureza orgânica não tem história…‖ (Hegel, Fenomenologia do espírito, 1992, 2002, p. 212)Logo vemos o seu limite, não tomar as categorias como diacronia interna, não apenas passagem. POSSIBILIDADE E NECESSIDADE CRESCENTES
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Piaget atualizou a dialética ao afirmar que há a POSSIBILIDADE CRESCENTE. Algo é cada vez mais possível. Segundo Nahuel Moreno, ele fundiu os opostos, a possibilidade e a necessidade, nesta formulação, da crescente possibilidade. Assim, apenas ao final a necessidade é imposta na realidade. O socialismo é cada vez mais possível dentro do capitalismo, mas somente poderá surgir quando o capitalismo estiver muito maduro, no final, com a alta possibilidade que se desenvolveu. Penso que, ao mesmo tempo, ocorre a necessidade crescente. Mas ela é mais firme quando a necessidade se realiza após o caminho da possibilidade crescente; pois, a partir daí, a necessidade é cada vez mais necessária (até o ponto de não retorno). Além disso, é possível que a possibilidade, em seu evolver, teste-se a si mesma antes de se tornar necessidade plena. Assim, antes de surgir o capitalismo, tentou-se revoluções burguesas fracassadas. Antes de surgir o socialismo, tentou-se revoluções socialistas fracassadas. A contradição aí se dá de duas formas: 1) a necessidade constrange a possibilidade, a subordina a si; 2) a possibilidade tenta afirmar-se antes da necessidade madura. A necessidade nem sempre encontra a possibilidade de realizar-se. Vejamos a biologia. 1. Folhas verdes – mas absorveriam mais luz se fossem negras; 2. reprodução sexuada dominante – mas a assexuada seria mais simples, rápida e fácil; 3. dormir – isso faz perder muito tempo e há duros riscos, melhor seria "desligar" parte do cérebro por vez. São limites a partir dos quais os seres devem se adaptar, pois lhes é impossível uma adaptação máxima, perfeita, como folhas negras. CAUSALIDADE D‘O Capital, de Marx extraio a ideia de que há causa com efeitos opostos. Uma desvalorização da moeda brasileira no câmbio produz industrialização, pois compensa comprar dentro do país no lugar de importar, mas também produz, ao mesmo tempo, o oposto, desindustrialização, pois algumas indústrias nacionais necessitam importar insumos e máquinas do exterior. No inorgânico: a explosão de uma estrela produz onda de choque que impulsiona a formação de novas estrelas. Na biologia: 1) a hipólise estimula uma glândula no corpo humano, mas esse aumento passa a inibir o hormônio hipofisário. Há duas formas de tal causalidade: 1) a causa produz um efeito, que, por sua vez, produz um efeito oposto (instalar um novo maquinário derruba a taxa de lucro numa empresa, mas, por produzir matéria-prima mais barata individualmente, aumenta a taxa de lucro de outras empresas, pois reduziram o custo com capital); 2) a causa produz efeitos opostos ao mesmo tempo ou quase.
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Um efeito pode vir de diferentes, opostas ou combinadas causas. Os olhos do polvo e dos animais terrestres têm origens diferentes. Para a economia vulgar, a inflação sempre vem do excesso de dinheiro – mas pode ter, na verdade, várias origens, como desvalorização do câmbio, monopólios etc. E mais dinheiro circulando pode mesmo não gerar nenhuma inflação se a velocidade de circulação da moeda cai, por exemplo. Uma causa pode gerar um efeito ou seu oposto. Novack observou que a industrialização alta produziu um império capitalista nos EUA enquanto produziu miséria e, depois, revolução socialista na Rússia. Mesma causa, efeitos opostos (porque em circunstâncias diferentes). Os teóricos da complexidade observam que uma grande causa pode produzir um pequeno efeito enquanto uma pequena causa pode produzir um grande efeito. Por quê? Por causa das condições, das circunstâncias em que ocorrem. São as condições ao redor que fazem, por exemplo, uma pequena causa ter grandes consequências. Vejamos a contradição. A condição, ao redor, se opõe à causa, mas se torna assim, também, causa. Na década de 1930, a França viveu uma greve geral revolucionária com ocupação massiva de fábricas; os trabalhadores, com esta imensa ousadia, poderiam ter tomado o poder, mas exigiram, depois de tanto esforço e sacrifício, apenas aumento salarial, que logo foi consumido pela inflação. É uma contradição, por exemplo, que uma grande causa cause um pequeno efeito ou que o efeito seja o oposto da natureza e intenção da causa. Além disso, a causalidade não mecânica pressupõe a possibilidade do atraso da causa sobre o efeito. Isso se dá porque há a inércia e um passado ou estrutura. Uma crise econômica afeta a consciência dos trabalhadores, mas com atraso. Isso permite rápido comentário. Einstein, nosso gênio, ao que parece, igualou aceleração e gravidade, pois ambos produzem o mesmo efeito. Ora, efeito igual pode ter causas completamente diferentes, não necessariamente iguais de imediato, apenas no fundo como em movimento = massa = energia etc. As diversas causas, muitas vezes simultâneas, possuem, elas mesmas, juntas, uma causa comum. As várias causas simultâneas de uma crise cíclica têm a mesma causa, mesmo núcleo comum, as questões de produtividade. Para registro, Lukács, afirma que as partes de um todo interagem entre si reciprocamente, causando-se umas às outras – e isso permite que ocorram acasos. De modo resumido, a causalidade é recíproca, a causa torna-se efeito e o efeito torna-se causa, em processo de construção. A economia afeta a cultura, mas a cultura afeta a economia. Além disso, o que está na causa continua-se no efeito como a bola de sinuca transfere seu movimento-energia para a outra bola com a qual se choca.
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A causa reciproca ocorre em desenvolvimento porque as partes em relação estão em mudança, como energia em busca de mais de si. A contradição entre efeito e causa, é que aquele contraria a base deste, como um oposto. O crescimento do Estado é a causa da destruição do próprio estado, consequência. Vejamos um caso na biológico, na obra ―O biólogo dialético‖: Suponhamos que aparece uma mutação em uma espécie com alimento limitado, a qual causa a duplicação da fecundidade sem mudar a eficiência de colheita de alimento e o metabolismo. A mutação vai ser rapidamente estendida através da população, a qual vai ter logo o dobro de fecundidade. Mas como a espécie tem comida limitada, a população adulta não vai ser maior que a anterior. A população recentemente evolucionada estará em melhores condições de crescer rapidamente se há um incremento na provisão de alimento, porém seu número final não será maior que si tivesse fecundidade mais baixa. Por outro lado, se os predadores que se especializam em ovos ou jovens mudam sua imagem de busca a espécies que têm mais abundância nos estados juvenis, , pode reduzir-se a população ou incluso chegar a extinguir-se. (…) As mudanças evolutivas dentro de uma espécie podem causar sua propagação, incrementar seu número ou tamanho da população ou provocar sua extinção. (Levins & Lewontin, 2015, p. 104)
Ademais, como produz efeitos opostos, o avanço se dá pela passagem da causalidade para a tendência. TENDÊNCIA E CONTRATENDÊNCIA A tendência produz, de si mesma, a própria contratendência relativa. Eis a contradição em movimento. Uma estrela tende a colapsar dentro de si, mas, além da resistência natural dos átomos, estes se fundem e produzem fótons que empurram para fora. Novas formas de vida que passaram a produzir oxigênio abriram o caminho para maior diversificação biológica, mas, pouco depois de surgirem, tal elemento químico atuou como veneno contra as formas viventes então existentes. Um estrela que explode produz um impulsos que, em outro ponto, empurra para a união de partículas, o que forma nova estrela. COISA EM SI E MATERIAIS Para nosso trabalho, existe a coisa, não a coisa em si. Hegel descobre que a coisa em si nada é de fato, apenas é suas propriedades reunidas. Estas, então, são apenas materiais, matérias. A coisa se dissolve. As matérias entram e saem dela, e ela não é sequer um limite ou uma barreira
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para estes materiais. A coisa é um ―isto‖ (em que as matérias estão reunidas) e um ―também‖ (menos ou mais matérias). Destaco que, para Hegel, os materiais fluem como querem na coisa; mas, se bem observado, elas estão em conexões necessárias uma com as outras, na interpenetração, logo não fluem tanto; ao mesmo tempo, a coisa, e em estado superior como o ser vivo, tende a ser unidade tanto de matérias com interpenetração quase estável quanto, em agregado, os apenas juntos e externos uns aos outros. Por exemplo, diz-se que grande parte do corpo humano são bactérias e vírus em nós; mas o que permite que elas sejam conosco é a interconexão daquilo que permite sermos o que somos, para além ou por debaixo de nossos necessários agregados. Enfim, o mero agregado, onde as matérias são separadas uns dos outras, passa para a interpenetração. Mais uma observação importa. Kant diz que há limites ao conhecimento – que apenas sabemos do fenômeno, nunca da coisa em si mesma; já Hegel afirma que não sabemos se tais limitações existem ou não, apenas saberemos pesquisando, tentando (e sabemos da coisa em si por meio de suas determinações, de suas propriedades). Muito conhecimento antes impossível agora é claro e possível por causa do desenvolvimento histórico, especialmente o técnico. Pois bem; parece provável que os buracos negros são, enfim, a coisa em si incognoscível, do qual mal podemos saber apenas dos fenômenos (têm apenas três características destacáveis: massa, spin e carga). Na Lógica de Hegel, a coisa em si vai para fora, expõe-se, o interno vai para o externo. Mas o alto evolver do cosmos levou a que a curvatura do espaço-tempo, a energia em busca de mais energia, impedisse que até a luz, o objeto mais rápido existente, escapasse de si. A coisa em si (abstrato) é suas propriedades (concreto) expressando-se (processo). FIM E MEIO - TELEOLOGIA OBJETIVA Em Hegel, na Lógica, a teleologia é apenas subjetiva, que usa o objetivo, o objeto, como meio e tem-se na realização da finalidade, do fim, o subjetivo dentro do novo objeto, uma unidade do subjetivo e do objetivo. Exemplo: o escultor usa ferramentas, ou objetos, para agir sobre outros objetos e assim realizar um fim, a sua ideia de escultura - o resultado final tem o subjetivo no resultado objetivo. Há outra consideração: o fim não está apenas no fim, mas no próprio meio. O fim vai-se realizando no meio, no seu processo, rumo a si mesmo. Esta é uma forma de unidade de fim e meio. Eis a teleologia objetiva, orgânica, que dispensa uma razão pensante ou superior. Existe ainda o fato de o meio, que deve ser apenas meio, que, por suas propriedades e circunstâncias, torna-se fim – a degeneração do meio em fim, em fim em si mesmo. Esta
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contradição com o fim real deve ser resolvida. O fim continua afirmando-se como necessidade contra a autonomia do meio. Para evitar interpretações racistas, a ciência comum afirma que a teoria da evolução seria, na verdade, teoria da diversificação apenas. Uma galinha é ―inferior‖ aos antigos e poderosos dinossauros, mas bem adaptada ao meio. Há aí certa confusão, entre parte e todo. Os animais individuais ou espécies podem mutar-se das mais variadas formas, porém o todo, a biologia, caminha-se para produzir seres cada vez mais capazes, como dos incapazes para os capazes de regular a própria temperatura, teleologia relativamente realizada no homem. Enfim, Hegel e outros, como Lukács e Aristóteles, colocam o trabalho como centro e caem no maquinismo, separando meio e fim adotando o modelo escolhido como universal, ou metáfora. É uma forma indireta de mecanicismo. INTERNO E EXTERNO Hegel demonstra que os opostos tem certa mesmidade. Um poeta faz um poema na qualidade externa de sua qualidade interna como poeta. O externo expressa o interno; este, por sua pulsão, passa para aquele. O próprio Hegel diz do fato de que, no começo, o objeto é apenas externo, logo apenas interno – então desenvolve-se para algo interno-externo. O externo se internaliza – o interno se externaliza. A matéria externaliza-se ao decair-se em espaço; o espaço internaliza-se ao formar partículas. Em equação qualitativa, temos, por exemplo: o interno é o externo que se internaliza (ambos, interno e externo podem ser, ora um e ora outro, abstratos; o interno é abstrato por não ser diretamente observado ou o externo, por ser visto de modo isolado – assim, o abstrato é o concreto em processo). DUPLO CARÁTER Algo tem duplo caráter: a religião é um alívio humanizante, mas fonte de alienação; a luz é uma sobreposição de estados, partícula-onda; a mercadoria é valor de uso e valor. Nesse duplo, um domina o outro, o oposto, uma contradição que é resolvida no evolver. Além disso, um é, na coisa, um em si enquanto o outro é um em contexto (e no processo). Em si, a religião é alienação; no contexto, tem algo oposto, humanitário. Talvez a física descubra o que é ―em si‖ e ―em contexto‖ na dualidade partícula-onda da luz e do elétron. Por exemplo: diz-se que a partícula não é partícula, mas onda e campo, que colapsa em partícula porque a medimos, ou seja, lançamos um fóton nela.
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Mario Bunge, que nada entendeu de marxismo para além de erros acadêmicos, tentou refutar o ―duplo caráter‖ em Hegel. Vejamos, de novo, um exemplo da natureza: segundo a seleção sexual, o cervo ter grandes galhas é positivo, uma vantagem, pois vence adversários de espécie em batalhas pela fêmea; mas, segundo a seleção natural, isso é negativo, uma desvantagem, pois dificulta correr para longe de seus predadores – positivo e negativo, vantagem e desvantagem, duplo caráter! PROCESSO E CRISE A lógica deve elevar ao pensamento puro a lógica real dos ciclos empíricos na biologia, no cosmos, no ser social. No capitalismo, temos crises de 10 em 10 anos, mais ou menos, cíclicos – porém não apenas circular ou repetição, mas processo, desenvolvimento contraditório. A Terra também com ciclos regulares de, mais ou menos, 27 milhões de anos. Os ciclos são, portanto, periódicos. São espiral ou desenvolvimento embora apareçam apenas como repetição circular, regular; ou, antes, o circular faz, dentro de si, o processual. Aqui, entra o conceito central de crise; a crise, como destruição ou risco e oportunidade na sabedoria comum, abre caminho para o desenvolvimento posterior, como novas espécies vivas após uma grande extinção. O capitalismo não vai de equilíbrio em equilíbrio, mas de crise em crise, como afirmou Elias Jabbour; talvez por Hegel ver apenas o início de tal sistema, não tenha encontrado base material para seu grande cérebro formular algo do tipo, mais profundo do que este esboço em ensaio, além de as ciências naturais estarem ainda engatinhando relativo ao que virá no século XX. Assim, todo modo de produção entra em crise terminal após grande desenvolvimento; assim, a psicologia tem suas fases e ciclos. A crise aparece externamente como interrupção do processo, como apenas seu oposto, mas é, na verdade, sua condição de autoelevação. A crise, desde o processo, é uma questão, em resumo, em igualdade com os demais, energética, como crise de produção. Uma estrela como Sol entra em crise quando a fusão nuclear, sua produção, gera muito ferro, um elemento muito estável, que impede que a gravidade produza novos elementos, interrompe-se o trabalho – a estrela explode, o que produz elementos mais pesados. A crise dos modos de produção – contradição entre forças de produção e relações de produção – começa com problemas de produção e a destinação da energia social-natural, como o Estado sugando muito da sociedade para sustentar o mundo, a própria sociedade, tal como ele é (mas acaba realimentando a crise). Os ciclos planetários, talvez também cósmicos, crises, na nossa Terra geram problemas como a falta de alimento-energia para os seres vivos. Em geral, amplos processos e crises, que são o mesmo, produzem eras (eras do capital, eras biológicas, eras cósmicas, eras sistêmicas da sociedade etc.).
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Kunh informa que as crises científicas levam ao foco em filosofia e novas teorias. Em semelhança, as crises sociais também produzem uma pressão pelo pensamento, por novos guias mentais. As crises biológicas podem levar animais com alguma complexidade a algum traço de pensamento um pouco mais complexo ou protoconciência, como nas abelhas antigas. AUTORRERULAÇÃO DO SISTEMA ORGÂNICO Em seu Da Guerra, Clausewitz faz uma afirmação válida até hoje: as grandes nações atuam para que a correlação de forças entre os Estados mantenha-se estável, não mude, permaneça. Assim, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, todo o mundo ocidental de maior peso saiu em defesa deste contra aquele. A Coisa se autorregula. Assim, o sistema orgânico, que tende a mudar, tende a impedir a mudança de si próprio, age contra si nas duas pontas, contra a permanência e contra a mudança, pela permanência e pela mudança. Assim, os EUA fazem o possível para impedir que um concorrente à altura surja contra si, caso da subordinação do ascendente Japão no final do século XX, algo difícil de fazer contra a China por razão das circunstâncias. Na biologia, as comunidades e populações são contraditórias e desiguais, mas busca-se o equilíbrio. Na química, o princípio de Le Chatelier diz que a nova combinação de átomos em moléculas por efeito de reagentes pode até se reverter parcialmente, sair do anterior equilíbrio, onde mudança e contramudança se igualavam na equação, para uma adaptação ativa; assim, se aumentamos a pressão, as moléculas podem se recombinar em parte para o modo anterior de maneira a reduzir de novo a pressão, tornar a pressão como a de antes de seu aumento. Vale, sobre o quimismo, um comentário: a pressão externa é, na verdade, internalizada – não é apenas, como pensa um químico ou professor apressados, uma busca abstrata por equilíbrio. CONDIÇÃO Hegel diz: 1) o todo é absolutamente incondicionado; 2) a condição é relativamente incondicionado em relação ao fundamento; 3) algo somente surge quando todas as condições de seu surgir estão presentes – as condições colapsam para dentro do resultado novo, logo as condições estão no seu condicionado. Algo mais deve ser dito, complementado sobre: algo surge apenas quando as condições de seu surgir e de seu consolidar estão maduros – pois pode surgir sem se consolidar; e isso pode tornar até um tanto mais difícil seu ressurgir. A vida deve ter surgido várias vezes de modo independente, e talvez até hoje surja, mas apenas uma das oportunidades deu certo. E ela surge e ressurge porque há condições para tal como compostos complexos, o meio solvente água e energia alta.
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NECESSIDADE E ACASO O acaso ocorre dentro da necessidade, que é o geral. Pode haver contradição entre ambos: o acaso pode adiar a realização da necessidade; por outro lado, o acaso que entra em oposição com a necessidade, definha-se e destrói-se. O fluxo geral da água pode ser determinado, mas, ao ir ao fundo dela, às suas pequenas partes, impera o acaso, um paradoxo real, que aparece como intelectual sem o ser de fato. O acaso de uma mutação prospera se está de acordo com as leis da vida ou definha se dificulta a sobrevivência da espécie por meio do indivíduo. NECESSIDADE E LIBERDADE A necessidade, ao desenvolver-se, produz a liberdade, a rede de possibilidades. A liberdade é a necessidade que se desenvolve, desenvolvida, ou em processo. ENTRE O JUÍZO E O SILOGISMO Hegel diz que afirmações do tipo ―ser é nada‖ ou ―forma é conteúdo‖ são proposições impróprias, imperfeitas, falhas e deformadoras. Pois bem; ao que parece, a formulação está, apenas, em muitos casos, incompleta. Podemos dizer ―nada é ser no devir‖ ou ―conteúdo é forma com matéria‖; assim, mais do que apenas o simples ―sujeito é predicado‖. Tal fórmula nem cai no juízo puro nem no silogismo completo, mas se aproxima bastante da verdade. De modo cru, quer dizer ―A = BC‖ ou ―A é BC‖; esta é a fórmula básica, como nas equações quantitativas, por exemplo, o abstrato é o concreto em processo. Quando Lenin diz ―política é economia concentrada‖ chega ao nosso formato, sendo a palavra ―concentrada‖ ou fator de igualdade e conversão. Na fórmula de fundo e de começo, temos ―nada é ser no devir‖. Isso permite várias interpretações (assim como certas equações na física permitem diferentes interpretações ), mas reforçamos o inicial de que o ser, em seu movimento, põe o nada relativo no ente de si. Bem observado, rima com F=ma, ou seja, força é igual massa vezes a aceleração; como força foi suprassumida pelo conceito energia, temos, no nível superior, E=mc², energia é igual à massa vezes a velocidade da luz ao quadrado. Serve bem para expor a substituição proposta de nada e força por energia, além da referência ao espaço-tempo. No mais, tema lateral, elaboramos que nas determinações de desenvolvimento ainda temos A=A e não-A com o acréscimo proposto de A=A e… não-A, pois incluímos o movimento, ou seja, o tempo, este que está na própria coisa, na forma.
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Segundo Ruy Fausto, Marx descobriu novo juízo em que o sujeito passa por diferentes predicados sem se confundir com um deles. Dinheiro é – medida dos valores – padrão de preços – capital – meio de pagamento – meio de entesouramento – expressão ímpar do valor. Na verdade, já está como primeiro caso criado de equação qualitativa, entre o juízo e o silogismo. Para concluir este ponto, valerá a pena esforço teórico para sistematizar modos como ―se, então‖, ―todos, exceto‖, ―tanto quanto‖, ―tende à‖ etc. Um trabalho que não cabe nesta obra. É comum que um dos elementos de ―A é BC‖, em geral o ―C‖, represente movimento, processo. Lenin diz que ―política é economia concentrada‖ e Carl von Clausewitz afirma que ―a guerra é a continuação de política por outros meios‖; eis duas equações qualitativas bastante concretas, mas inconscientes. Se não todas, quase todas as categorias opostas são unificadas na seguinte equação qualitativa: a categoria A é a categoria B no processo. Desse modo, o caos (abstrato) é a ordem (concreto) em movimento (processo). Descobrimos, assim, uma nova forma de unidade e identidade das categorias, expressa pelo movimento de pelo menos uma delas. CONCEITO Para Hegel, como para Aristóteles, a vida tem seu impulso no conceito. Ele, assim, erra ao acertar pela metade. O que há na ideia de vida, no interior, é energia – em busca de mais energia. Sua escolha do conceito acerta apenas ao ser a antecipação lógica, idealista, da realidade do DNA, materialista, o bloco de informação da vida, que se reproduz. Com a unidade e a identidade de energia, em busca de mais de si, com o espaço-tempo, que se condensa em matéria, espaço-matéria, temos a Arkhé, o absoluto, ou seja, uma nova dialética, uma nova ontologia, uma nova metafísica. A ciência chega, inevitavelmente, a um estágio em que é possível apenas grandes reformas científicas, não mais revoluções do pensamento. Tal parece ser o caso da Ciência da Lógica de Hegel; porém, torna-se possível uma reinterpretação completa, que tem a dialética hegeliana como sua base inevitável por tanto ter avançado – mas base ainda limitada, sem correto fundamento. Hegel pensou, por limite de seu tempo, que a Ciência da Lógica poderia sustentar-se apenas, em seu início, na forma. Mas demostramos aqui que há um conteúdo, conteúdo lógicoontológico, fundamental. Quando ele diz, por exemplo, que o devir, como unidade de ser e nada, desaba no ser aí, nunca oferece a base desse desabamento, que nós oferecemos. Afirma ainda que no ser aí, ainda nada há do espaço e do tempo, quando demonstramos que existem no próprio ser aí (na física atual, tanto espaço quanto o próprio tempo estão apenas do lado de fora da coisa, não se sabe como). Assim, acolhemos a forma da dialética hegeliana como nossa, como nosso
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início e base, embora incompleta e sem base própria. A categoria energia, por exemplo, perpassa e pervade as três modalidades do Ser – ser inorgânico, ser biológico, ser social; além disso, na psicologia, a ideia de Freud do sexo como pulsão elementar da psique , tem dentro de si o conceito puro energia. O quase-materialismo de Hegel agora é de fato materialismo dialético.
SISTEMÁTICO Hegel diz do método sistemático, para pesquisa e para exposição, com a analogia do aprendizado da escrita, em sequência: começamos com as vogais, as consoantes, as sílabas, as palavras, as frases e, enfim, o todo do texto. Ora, isso também é diacrônico, no tempo: o homem primitivo teve de evoluir sua fala nesta mesma sequência, assim como a fala da criança. As duas formas de serem sistemáticas são juntos e apenas um, mesmo que ocorram, aqui e ali, certas incorrespondências. Hegel diz que o mais simples e abstrato é o mais geral (hidrogênio, mercadoria, células etc.), logo o começo da exposição, mas também é isso porque é o primeiro na história. Inspirado na química, completamos: temos: o analítico, que desenvolve a coisa sem nada nela acrescentar, o sintético, que adiciona algo como o oposto na coisa – e o combinatório, simples ou composto. Exemplo: A - BC para AB - C. Exemplo: máquina (construção etc.) e matéria-prima como capital constante e força de trabalho como capital variável. Passa para Máquina, construção etc. como capital fixo e matéria-prima junto com força de trabalho como capital circulante. Vejamos outro caso. A combinação de capital comercial e produtivo produziu o domínio do primeiro sobre a produção e as finanças. O domínio do capital produtivo, produziu subordinação do capital comercial e das finanças. O domínio das finanças, combinado com o industrial, produziu dominação do capital industrial e do comercial. Hoje, temos a hiperinflação e domínio do capital fictício. Se limitássemos a combinatória aos maquinário, insumos e força de trabalho; diríamos que tivemos 300 anos de domínio dos ―insumos‖, 300 de domínio da ―máquina‖, 300 da força de trabalho, socialismo antes do comunismo. Mas isso logo se demonstra limitado. A unidade do analítico e do sintético, ambos válidos por si, é o combinatório. Este tanto põe (sintético) quanto, por outro lado, não põe (analítico). Hegel apenas apresenta os opostos e, como dissemos, não viu o movimento, desenvolvimento, do sintético no sistemático; para ele,
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passamos do analítico para o sintético e vice-versa, como apenas dialética negativa, não positivamente dialético. Contra Kant, Hegel diz que 7+5=12 é analítico, não sintético. Mas é, bem observado, tanto um quanto o outro, combinatório. 7 e 5 estão separados, depois unidos pela ―cola‖ interna; eles se combinam. O conteúdo – que Hegel diz ser igual antes e depois – é e não é o mesmo, pois combinaram-se, e a forma, algo tão importante para a dialética, mudou, tornou-se 12 unitário. Outro sentido, lateral, de sistemático vem de uma coincidência curiosa entre psicanálise e história humana, ainda não encontrada por mim na natureza, mas cuja correspondência parece existir na célula viva. Na sociedade, temos: economia, classes, superestrutura subjetiva (mentalidades) e superestrutura objetiva (instituições). Pois bem; a psique arranja-se de modo análogo: ID ou instintivo e impulsivo (economia), ego (classes), parte do superego repressivo (instituições, Estado em central) e parte do superego da idealização de si (mentalidades). Assim, temos: infraestrutura, estrutura e superestrutura, sendo que este último se duplica – e eles se formam, em geral, a partir do infra. Ao que parece, pode-se elevar à lógica ontológica tal sistema. A base (infra e estrutura) é dinâmica e produtiva enquanto a superestrutura dupla é conservadora, conservativa, estrutural. Na célula, temos o infra citoplasma, produtivo; a estrutura como a membrana plasmática ou componentes internos do infra e do superestrutural; e o núcleo como superestrutura, com suas duas funções centrais: controle das atividades que ocorrem na célula e armazenamento da informação genética. Aqui, indicamos um possível caminho para ver a célula, podendo ser adaptado. No átomo, temos o seguinte: a estrutura é o elétron; a infraestrutura, quarks, glúon, neutrinos, espaço; a superestrutura dupla, que se duplica, os prótons e os nêutros no núcleo, que determinam o átómo, mantêm a unidade (função dos nêutrons) e atração total. De modo geral, visto do ponto de vista vertical, a superestrutura está acima da base (infra e estrutura), mas dependente desta última; do ponto de vista horizontal, a superestrutura está rodeada pelos demais. O método empírico-dedutivo que temos defendido nesta obra é um juízo analítico a posteriori, considerado impossível por Kant. Este defendeu a existência do juízo analítico a priori, sintético a posteriori, além do sintético a priori, que não depende da experiência, para ele a fonte de toda ciência real. Ao contrário, partimos do empírico, da experiência, para saber o que já está nele, mas oculto. UNIDADE DE PRODUÇÃO – FIXO E CIRCULANTE Hoje sabemos que o Ser é produção. As estrelas, por gravidade, produzem elementos novos, cada vez mais pesados, perdendo energia em forma de fótons e neutrinos. A célula é uma
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unidade produtiva que produz mais energia do que aquela exigida em sua produção. O homem teve, por exemplo, o campo de trabalho escravo, o feudo, a fábrica com trabalho manual e, agora, a fábrica sem trabalho manual. Temos, então, três fatores universais: a produção-consumo e a distribuição. Ser, não apenas o social, é trabalho também. Assim, as três modalidades de ser têm o fixo e o circulante. Mas o fixo é, também, circulante, apenas relativamente fixo. No sistema solar, nível inferior de sistema orgânico, a luz é exemplo de circulante. Os elétrons compartilham fótons. Na biologia, o sistema circulatório bombeia o sangue. No capitalismo, temos o capital fixo (máquina, instalações etc.) e o capital circulante (matéria-prima, força de trabalho etc.). O circulante costuma servir de cola adicional que mantém o sistema como sistema; assim, o dinheiro unifica o mundo do capital. Assim, o próton é formado por 3 quarks que se unificam em sistema com o auxílio da partícula glúon, compartilhada entre eles, em movimento. No partido de tipo leninista, revolucionário, o jornal une a militância. Até onde se sabe, aquilo circulante é, em termos absolutos e quantitativos, menor em matéria do que aquilo relativamente fixo. Em primeiro lugar, o circulante distribui energia, embora possa fazer mais do que isso. As abelhas são o circulante na biologia, em busca de energia, mas também polinizam as flores. A INDUÇÃO DEDUTIVA A indução, ter grande amostra igual que permite afirmar que ―todos os x são y―, e a dedução, partir de dois ou mais postulados (em certo sentido, arbitrários) para ter nova conclusão, são opostos. Vejamos, no entanto, a unidade negativa deles para depois alcançar a positiva. Se todos os muitos patos que observo são negros, logo deduzo que todos os patos são negro, dedução por indução. Se deduzo algo a partir de premissas ―aleatórias‖ ou ―intuitivas‖, logo tenho que provar uma e várias vezes tal conclusão, indução por dedução. Mas há a indução dedutiva, unidade positiva dos opostos. Dois postulados (ou mais) podem ter origem indutiva, que derivam uma dedução. Vejamos. Se digo apenas ―todas as revoluções socialistas vitoriosas formaram ditaduras‖, logo, por indução, ―socialismo é ditadura‖; mas, se faço a outra, segunda, indução ―todas as revoluções socialistas ocorreram em países imaturos‖, unificando com a primeira, logo deduzo ―as revoluções socialistas caíram em ditaduras porque eram países imaturos para o socialismo‖. Isso não se confunde de todo com o método dialético, que expomos aqui, empíricodedutivo.
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A PASSAGEM LÓGICA Demonstramos A=A e… não-A. A dialética comum diz que o simples é complexo, pois um simples ser vivo unicelular é complexo em si próprio. O socialismo é uma complexidade simples (daí sua maior facilidade de gestão). Isso é correto, mas apenas sincrônico, não diacrônico (o simples de fato, também, avança para o complexo). Agora, porém, seremos sincrônicos ao já termos pesado a mão nos processos. A=A já põe o segundo A como diferente, logo A=não-A, ou seja, A=A e não=A. Ora, se isso é uma passagem, mesmo se apenas mental ou lógica, logo A=A e… não-A. Façamos agora o caminho inverso. A=A e… não-A. Logo A tem em si a potência de Não-A, logo A=A e não-A (e A permanece em não-A). Assim, se A e não-A são o mesmo ou em unidade, A=Não-A, por isso A=A! Em nossa dialética, em A=A e… não-A, até o ―e‖ importa como impulso de adição, de acréscimo, pois mais é mas, e, ao mesmo tempo, mas é mais.192 O ―…‖ demonstra o tempo, o movimento, o processo, o genético, o diacrônico, o evolver, o (auto)desenvolvimento, evolução e revolução. De certa forma e modo, a fórmula A=A e... Não-A funde, em movimento, a lógica formal, A=A, e velha Dialética, A=A e Não-A. Dizer ―A=A e não-A‖ é transição, lógica e histórica, entre o classificatório ―A=A‖ e o dinâmico ―A=A e… não-A‖. Lênin, antes de estudar Dialética, caiu na lógica de Kant, dos opostos fixos. Assim, opôs a luta econômica e a luta política, preferindo esta última. Toda a diferença fica assim: A=A: luta política aqui, luta econômica ali. A=A e não-A: luta econômica é, ao mesmo tempo, luta política. A=A e... não-A: a luta econômica torna-se luta política, e vice-versa. Após uma luta política grande, em geral surgem lutas econômicas; o aumento das lutas econômicas as unificam numa luta política. As duas formas anteriores, lógica formal e a velha dialética, estão dentro da terceira forma, não apenas negadas. A unidade e contradição dos opostos categoriais no sincrônico leva ao desenvolvimento das mesmas categorias no diacrônico. O simples vai ao complexo porque o simples é complexo. A identidade vai para a diferença, diversidade, oposição e contradição porque a identidade já é diferença, diversidade, oposição e contradição. Vele observar que certas categorias já podem ser tratadas como estrutura ou processo: ―acidente‖ pode ser processo acidental ou característica 192
Hegel disse que a língua alemã facilitou perceber a dialética. Martin Heidegger exagera essa conclusão ao dizer, de modo nazista, que apenas é possível filosofar em Alemão. Resposta melhor: além de facilitar conhecer e adquirir culturas, saber várias línguas facilita pensar, embora não seja algo absoluto. Isso a neurociência já quase sabe.
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acidental; ―potência‖ pode ser possibilidade ou impulso e pulsão. Mas, em geral, devemos demonstrar o movimento real-conceitual interno.
SUJEITO E OBJETO Adorno opõe a dialética fechada de Hegel à dialética aberta (Adorno, 2013, p. 65). Mas há o caminho do meio, o terceiro ―excluído‖. Pode-se chegar ao todo estável, amplo e correto no geral, sem esgotar, sem domar tudo. Isso permite reformas apenas, atualizações, mesmo que reformas revolucionárias. Veremos neste livro e neste capítulo uma dialética nova, que preserva completamente Hegel, e põe, desta vez, o todo, ainda que não tudo. A ciência conheceu toda uma etapa burguesa, que foi progressiva para a humanidade em essência, pois ofereceu bases ao socialismo. A ciência será socialista – mais do que de forma latente ou oculta como com a III Revolução Industrial – quando der base ao desenvolvimento da nova forma social, suas tecnologias etc. Entre as condições para a revolução mundial encontra-se um alto desenvolvimento da ciência e da técnica. É preciso grande conhecimento das propriedades do mundo, de suas possibilidades, de sua natureza e de sua história para revolucionar a sociedade. Enfim, é preciso que o homem tenha produzido as condições para perceber que ―somos uma forma do cosmos conhecer a si mesmo‖ (Sagan). Tal identidade entre sujeito e objeto deve estar latente, ainda exigindo uma nova revolução científica, para sua realização socialista. A verdade é revolucionária. O sujeito é o objeto em desenvolvimento, isto é, o objeto é o sujeito em desenvolvimento. Por enquanto, isso se tem dado por meio de um processo contraditório, por um amálgama de ambos e por uma inversão alienante de papéis. O mundo é maior do que nós sempre, mas, ao mesmo tempo, somos o fruto maior do mundo por se realizar como deve – ser. Ter é a condição para ser, embora estejam ainda hoje em oposição contraditória. A abundância responsável do socialismo permitirá o reino da liberdade e da compreensão do cosmos. Cada humano será um universo de universos – e o todo será visto, enfim, como o indivisível. A revolução é a verdade, o verdadeiro.
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o ABSTRATO é o
CONCRETO
Em PROCESSO
O nada é o
Ser
Em devir
O ser é o
Nada-infinito
Que implode
Outro é o
Algo
Que passou para outro
A determinação é a
Constituição
Formada
O mal infinito é o
Finito
Indo além de seu limite e barreira
O finito é o
Bom infinito
Que produz a finitude
O muito (múltiplo) é o
Uno (um)
Que se fragmenta, pluraliza
O uno (um) é o
Múltiplo (muitos)
Que se reúne, concentra-se
O intensivo é o
Extensivo
Concentrado
O extensivo é o
Intensivo
Que se expande
A qualidade é a
Quantidade
Em mudança
A quantidade é a
Qualidade
Em alteração
O contínuo é o
Discreto
Concentrado, reunido
O discreto é o
Contínuo
Disperso
A aparência é a
Essência
Que aparece
O conteúdo é a
Matéria
Formada
O fundamentado é o
Fundamento
Que avança
A Coisa é as
Condições
Que desabam ―para dentro‖
O interno é o
Externo
Que se interrnaliza
O externo é o
Interno
Que se externaliza
O acaso ou o acidente é a
Necessidade
Que se revela
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A liberdade é a
Necessidade
Desenvolvida
O acaso das
relações causais recíprocas das Ocorre partes-todo
A necessidade é a
possibilidade
Crescente
A realidade é o
Desigual e combinado
Desenvolvimento
O sujeito é o
Objeto
Que se transcende
A realidade é a
Substância
Em autorrelações
O desigual e combinado é a Realidade em
Desenvolvimento
O sujeito é o
Objeto em
Desenvolvimento
O Objeto é o
Sujeito em
Desenvolvimento
O complexo é os
Simples
Reunidos, integrados
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OS MÉTODOS CIENTÍFICOS É muito comum em meios universitários e entre militantes de esquerda dizer ―isso é dialético‖ para afirma que algo é complicado, confuso, misturado. A dialética é algo sobre o qual muitos falam, mas poucos sabem exatamente do que se trata. Os textos a seguir pretendem oferecer uma introdução de fato completa e clara. A dialética é 1) um método científico, 2) uma lógica da realidade e do pensamento (logo, uma concepção de mundo, como afirmar que o real é necessariamente contraditório) e 3) uma forma de exposição da pesquisa científica concluída. No nosso dia a dia, comum ouvir alguém reclamar ―isso não tem lógica, é contraditório!‖; ao contrário, o dialético é o contraditório – apenas há lógica na contradição! Na Grécia antiga, a dialética era vista como parte da arte do diálogo, como Sócrates fazendo os adversários com os quais debatia cair em uma posição contraditória, a corrigir seus argumentos. Muitos séculos depois, o alemão Hegel escreveu uma obra chamada Ciência da Lógica, que toma para si toda a história do pensamento, e chega a conclusões inteiramente novas. Por exemplo: a história da filosofia caiu numa oposição: ou o universo era formado pelo acaso ou, ao contrário, por leis necessárias, então Hegel resolveu com a conclusão de que o acaso atua junto e em base à lei, à necessidade (a necessidade é aquilo que, de fato, é); a lei dá as condições para o acaso, seu oposto, acontecer, o acaso é o acontecer da própria necessidade (lei) – demonstra uma unidade, ainda que contraditória, dos opostos, acaso e necessidade (lei). Mas, se pareceu difícil, não adiantemos demais os assuntos: avancemos aos poucos e progressivamente. A HISTÓRIA DO MÉTODO CIENTÍFICO RELIGIÃO O primeiro método é o mais distante de si próprio, seu oposto e negação – ou seja, um método não científico. Os homens percebiam padrões tantas vezes reais, então davam uma explicação mística àquela regularidade, à repetição. Assim os antigos sacerdotes judeus diziam que Deus desejava que lavássemos as mãos antes das refeições. FILOSOFIA Separando-se e derivando da mitologia, a filosofia antiga tinha de lidar com a falta de dados empíricos. Para isso, contava com o pensamento, com a busca de bons raciocínios e argumentos para tentar explicar o mundo.
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Os filósofos negavam o empírico como algo sem permanência, incerto, perecível. Buscavam – aí está o lado forte – a essência da realidade, porém consideravam esta mesma essência como imutável, imóvel (diferente do que considera a dialética moderna). Um dos lados fortes de tal postura é querer saber das coisas nas próprias coisas, ―deixar a pedra falar por ela mesma‖. EMPIRISMO O empirismo afirma que o cientista deve limitar-se a colher e organizar os dados empíricos. Apenas, e talvez um ou outro comentário lateral entre os gráficos. Para Bacon, por exemplo, os sentidos revelavam a realidade, por isso devemos usar o seguinte procedimento: colher dados e, depois, generalizá-los – chamamos método indutivo. Segundo esse pensador, o erro seria colocar nossos pensamentos, nossos valores, nossos pontos de vista enganadores sobre os dados. O lado positivo é seu apresso pelo empírico, mas seu lado negativo é limitar-se aí. Hegel usa a seguinte metáfora para sua crítica: afirma que o empirismo separa as camadas da cebola, que, na verdade, crescem conjuntamente, e esquece-se de reunir o que foi separado (abstraído). Eles veem as partes do todo, mas esquecem da interação delas e que o todo tem características próprias, que as parte não têm. O empirismo toma dados empíricos e generaliza aquilo que é repetido. O problema é que deixa de tomar a realidade em seu movimento, em seu desenvolvimento. Um exemplo desse método é seu uso por Freud. Ele observou que várias pessoas tinham esta ou aquela característica central, logo ele pensou: existem três tipos de personalidade – 1) a psicótica, que é rígida nas ideias, 2) a neurótica, que reformula as ideias, 3) a perversa, que adota esta ou, depois, ao contrário, aquela ideia se causará prazer para si, se lhe dá alguma vantagem. É uma generalização, uma indução. Hoje, quando temos computadores que percebem vários padrões ocultos, o trabalho apenas empirista tornou-se desnecessário, a máquina faz o trabalho melhor, cabendo ao cientista a interpretação dos dados. Vale destacar o empirismo que fez escola e imperou, o de Newton. Seu método era colher dados separados, sem conexão entre si, e encontrar uma lei matemática comum deles, entre eles. Assim, ele descobriu a lei da gravitação universal, que serve para a Terra ao redor do Sol quanto para a maçã que cai da árvore. Pois bem; assim, ele vê apenas o lado externo da realidade, a aparência, a forma, a repetição. O que é, então, a gravidade? Ele não responde. Apenas Einstein, séculos depois, com o método (empírico-)dedutivo, ofereceu a resposta: a gravidade é a curvatura do espaço, desse tecido não absoluto. Antes, quem discordasse de Newton e de seu método cairia em descrédito.
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RACIONALISMO O racionalismo defende que se deve ir de conclusões racionais encaminhando novas conclusões racionais. É o método dedutivo. O cientista faz uma afirmação que considera verdadeira, então deduz daí as consequências de tal proposta. O lado positivo da visão é que colocar tudo sob dúvida, como as supostas premissas obrigatórias. O lado negativo, segundo Hegel, é que não propõe verdadeiramente um método. Os racionalistas pensavam que os dados poderiam nos enganar com muita frequência, logo é a razão que deveria guiar o trabalho do cientista – o oposto da ideia dos empiristas. Einstein usou e defendeu o método dedutivo, embora, no fundo, sem saber, seu método fosse outro, como demonstraremos. Ele partia, por exemplo, das premissas ―arbitrárias‖ 1) as leis do universo são as mesmas se o observador não está em aceleração; 2) a velocidade da luz é a maior possível no universo. Daí ele derivava conclusões, que poderiam se provadas. A EVOLUÇÃO DAS TENTATIVAS DE UNIFICAÇÃO A história da filosofia caiu-se em uma oposição entre empirismo e racionalismo. Veremos agora dois outros métodos científicos que procuram, cada um depois e mais avançado que o outro, resolver a questão – os métodos hipotético-dedutivo e dialético em principal. KANTISMO Kant tentou unir empirismo e racionalismo com a seguinte proposta: temos conceitos feitos pelo homem (racionalismo) que organizam a empiria, os dados confusos (empirismo). A crítica dialética é a de que os conceitos devem mudar se os dados empíricos mudam, se a realidade muda, ou seja, os conceitos devem se adaptar aos dados, não é os dados que devem caber dentro dos conceitos – os conceitos nada têm de fixos, eternos, imóveis, diferente do que defendia o kantismo. A ideia de Kant entrou em decadência por muitos fatores. Entre eles: ele pensava o espaço e o tempo como categorias apenas mentais, para organizar o pensamento ―por fora‖, mas a física einsteana provou que o espaço-tempo existe. HIPOTÉTICO-DEDUTIVO Sobre o método hipotético-dedutivo de Popper, dito em resumo: diante de um problema científico, delimita-se uma hipótese (ideia, racionalismo, subjetividade) e o cientista escolhe, ele mesmo, o método de verificação empírica (empirismo). A hipótese é, assim, testada – verificada.
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Como os demais, esse método rendeu muitos frutos, mas tem seus limites: um deles é que muitas vezes descobrimos o ―como‖ da realidade, porém também temos de descobrir o ―motivo‖, o ―porque‖. Além disso, pensar hipóteses é quase um tiro no escuro, mesmo com critérios que limitam tais hipóteses. O mesmo fato pode ter vários e vários fundamentos, razões diferentes, causas diferentes. A crítica conclui: 1) Nem sempre se parte de hipóteses, pois podemos simplesmente ir colher dados como primeira ação. 2) Uma hipótese não precisa ser falsificada, como quer Popper, mas, antes, comprovada. 3) Uma teoria errar uma previsão não significa que ela seja descartável, mas que deve ser apenas adaptada, em parte alterada, mantendo seu núcleo central de pé. 4) Há casos na ciência em que uma teoria erra a previsão, não acerta o fato, mas depois, por insistência nela, descobre-se que é, na verdade, correta. Por exemplo: a teoria da gravidade levava à previsão de novos planetas no sistema solar, mas não eles foram encontrados; mesmo assim, a teimosia de defender a teoria ―errada‖, fez depois descobrir tais planetas ocultos. Portanto, a concepção científica de Popper demonstrou-se limitada. Para ele, tanto o marxismo quanto a teoria da evolução não são ciências. Diante do prestígio da segunda teoria, atacado por isso, recuou, no início apenas de modo parcial, afirmando que a teoria de Darwin era certa metafísica bem sucedida, mas não em exato ciência. A questão é que o método defendido por Popper não é capaz de lidar com ciências que levam em conta a história do objeto de estudo, como a história humana, a história biológica, a geologia, a cosmologia etc. DIALÉTICA (EMPÍRICO-DEDUTIVO) Indo direto ao ponto, muito resumido: a dialética é o ir aos dados empíricos, colhê-los, depois, ou quase depois, passar a fazer intepretações, conclusões (não somente comentários) deles – e critica-se os limites e enganos dos dados empíricos. Do objeto em pesquisa, ver-se a estrutura e o processo, o sistemático e o histórico, o genético, a aparência e a essência, o externo e o interno, o diverso e a unidade interna e oculta. Leiamos o próprio Marx sobre seu método: A investigação deve se apropriar da matéria (…) em seus detalhes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno. Somente depois de consumado tal trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. (Marx, K. (2013). O capital I. São Paulo: Boitempo. P. 90; grifo nosso.)
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Ao longo deste livro, evito colocar citações, porém é impossível fazer um resumo tão claro quanto. Vejamos, agora, um comentador de O Capital elogiado por Marx: Para Marx, apenas uma coisa é importante: descobrir a lei dos fenômenos com cuja investigação ele se ocupa. E importa-lhe não só a lei que os rege, uma vez que tenham adquirido uma forma acabada e se encontrem numa inter-relação que se pode observar num período determinado. Para ele, importa sobretudo a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento, isto é, a transformação de uma forma a outra, de uma ordem de inter-relação a outra. Tão logo tenha descoberto essa lei, ele investiga em detalhes os efeitos por meio dos quais ela se manifesta na vida social. (Idem)
Lembramos o leitor que o método não é o critério da verdade. Com os demais métodos, ao menos uma parte importante da realidade foi compreendida pelos cientistas. O método dialético é apenas o mais profundo – também o mais difícil, por isso merece mais de um capítulo nesta obra. Vejamos o que diz Hegel: Mas a filosofia não deve ser uma narração daquilo que acontece, e sim um conhecimento daquilo que é verdadeiro no acontecimento e, além disso, a partir do verdadeiro, ela deve compreender aquilo que, na narração, aparece como um mero acontecer. (Hegel, Ciência da Lógica, Doutrina do Conceito, Ed. Vozes, p. 50.)
Para esta citação, vale um exemplo. A mera descrição da história da humanidade dirá que tivemos o escravismo; depois, a servidão (feudalismo); depois, o trabalho assalariado (capitalismo); depois, o trabalho associado (socialismo). Mas o que isso diz, embora sem dizer? Veja que a passagem de um sistema de trabalho para outro, com o aumento da produtividade, torna o homem cada vez mais livre: o servo é mais livre que o escravo; o assalariado moderno, formalmente livre, é mais livre que o servo; o trabalhador associado, verdadeiramente livre, é mais livre que o assalariado – há uma tendência para a liberdade. Isso, a conclusão, não é algo palpável, sensível ou tocável, mas descobre-se que é verdadeiro a partir do empírico. O método dialético evita de todo elaborar hipóteses, fazer especulações, histórias metafóricas etc. O cientista colhe o conjunto dos dados empíricos (empirismo, o papel necessário das informações) e busca descobrir, a partir daí, o não empírico (racionalismo, o papel ativo do pensamento, do sujeito). Em linguagem de Hegel: descobrir o suprassensível, o não sensível, por meio do sensível.
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A dialética funde racionalismo e empirismo. É verdade que os dados empíricos são vitais e são o começo da pesquisa, como diz o empirismo, mas também é verdade que os dados empíricos, ao mesmo tempo, escondem a verdade e enganam, como diz o racionalismo, logo usamos a razão para ver a conexão interna da realidade, para perceber os enganos da aparência dos dados, para ir além e abaixo ou dentro daquilo empírico. Vejamos o método dialético. A partir da e na aparência saber a essência, da e na forma saber o conteúdo, da e na externalidade saber a internalidade, da e na diversidade saber sua unidade, do e no fundamentado saber o fundamento – nunca fora deles, mas neles mesmos. É possível perceber, mas não é possível tocar a verdade, pois ela não é uma coisa. Chamo tal método, aqui exposto e desenvolvido enfim, método empírico-dedutivo (dialético). A conclusão, o não empírico, vem dos dados, mas os dados não dizem, ou melhor, escondem e revelam ao mesmo tempo. Reforçamos, portanto: 1) do empírico podemos chegar, também, a algo real, mas não diretamente observável, como o valor econômico, ou o elétron, ou a energia; 2) Os dados e a aparência podem enganar, não basta colher pistas ou provas. Bem ou mal, cientes ou não; Darwin, Einstein, Marx e Freud usaram o método empíricodedutivo (dialético). As premissas das quais partia Einstein eram razoáveis no sentido de já terem sido observadas, não eram arbitrárias e criativas, daí derivava conclusões. Darwin percorreu o mundo para conhecer a natureza viva em sua empiria para, daí, alcançar concussões – Wallace fez o mesmo. Freud ouvia sonhos dos pacientes e suas falas aparentemente soltas e desconexas para, aí então, perceber uma unidade interna oculta. Hegel explica que devemos começar pelos dados empíricos, sem impor conceitos: O saber que, de início, ou imediatamente, é nosso objeto, não pode ser nenhuma outro senão o saber que é imediato: - saber do imediato ou do essente. Devemos proceder também, de forma imediata ou receptiva, nada mudando assim na maneira como e se oferece e afastando de nosso apreender o conceituar. (Hegel, Fenomenologia do espírito, 1992, 2002, p. 83)
E critica o começo dedutivo do racionalismo: Quando se apresenta à ciência, como pedra de toque – diante da qual não poderia de modo algum sustentar-se –, a exigência de deduzir, construir, encontrar a priori (ou seja como for) o que se chama esta coisa ou um este homem, então seria justo que a exigência dissesse que é esta coisa, o qual é este Eu que ela ―visa‖; porém, é impossível dizer isso. (Idem, p. 87)
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No procedimento dialético, partimos do Ser, ou seja, vemos o qualitativo, o quantitativo e medimos; em seguida, chegamos, assim, no não empírico, na essência antes oculta; a partir disso, no fim, alcançamos os conceitos necessários. A seguir, comparamos a metodologia comum nas universidades com o procedimento dialético. COMPARAÇÃO ENTRE OS MÉTODOS No geral, veremos que, na relação sujeito-objeto ou objeto-sujeito, a prioridade, o mais correto, é adaptar-se ao objeto de pesquisa. Paradigmas A ciência anterior procurou objetos físicos como exemplares do funcionamento da realidade. O mundo, a sociedade, o universo seriam como um relógio, uma máquina, um computador. Um erudito sociólogo pode, assim, reclamar da existência de greves, pois os operários dessa forma negam seu papel no relógio social, isto é, rompem com um modelo artificial, posto de fora… A realidade é sistemática ou orgânica. Veja que tais palavras são mais abstratas, intocáveis. A concepção de sistema orgânico – ou complexo dinâmico – é, na verdade, mais concreto porque permite antever o objeto de estudo como complexo, composto de partes interligadas e mutualmente causais, em desenvolvimento, mutável, contraditório etc. Vejamos em psicologia: aspectos específicos do cérebro podem ser semelhantes a circuitos mecânicos, mas o todo é irredutível a tal concepção, se bem observada, muito pobre. A realidade também não é como o corpo humano, pois, além da estrutura orgânica, temos de ver, também, o processo, a história do objeto de estudo. A concepção de mecanicista de mundo tem origem histórica e efeito até mesmo no inconsciente dos cientistas. A cientificidade no capitalismo estava ligada à necessidade de produzir novas ferramentas, produtos-mercadorias e máquinas. Daí que a visão mecânica teve uma pesada base para impor. O maquinário, não a visão orgânica sistemática, tornou-se majoritária. Mas se a ciência que alçar voos mais altos ou menores, no macro e no micro, terá de considerar a realidade de outro modo, tal como ela é. Escolha de premissas Segundo o procedimento comum, o cientista precisa escolher entre duas premissas opostas: ou o homem é o lobo do homem ou o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Ora, escolher qualquer um dos caminhos é limitar a visão da realidade já na partida. O correto é
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escolher a realidade empírica como sua base; uma antecipação filosófica, uma concepção, deve ser resultado de pesquisa – não o começo. De igual maneira, um postulado ou princípio deve ser a solução final, o resultado que resolve, no lugar de ser o começo da pesquisa.
Com quais conceitos? Em projetos de pesquisa é comum perguntar com quais categorias o estudioso contará para alcançar conclusões. É o método científico anterior, inspirado em Kant. O método dialético tem, primeiro, de pesquisar a fundo para descobrir as categorias: elas são resultados, não o começo. Os conceitos não são inventados, fazendo a realidade caber neles; são descobertos e devem corresponder a um objeto real. Tem-se um conjunto categorial após a pesquisa. Enquanto o objeto é histórico, ele tem início com desenvolvimento e um fim. O trabalho surge num momento específico da história. Desde sua origem, modifica-se: trabalho primitivo, trabalho escravo, trabalho servil, trabalho assalariado, trabalho associado. Parte do esforço científico é a crítica das categorias. Há categorias de essência e de aparência. Por exemplo: dividir partidos em direita e esquerda é usual e correto em seu nível, mas é limitado na ciência mais profunda; partidos e líderes políticos representam com seus programas interesses de classes e frações de classes sociais; há partidos cujo programa representa os bancos, os industriais, a classe média servidora pública, os operários, etc. As categorias de aparência avançam em certos aspectos e limitam em outros, por isso a tarefa é descobrir as categorias de essência. As categorias de aparência são, também, em certo sentido, o ponto de partida, mas ao mesmo tempo em que são criticados. Kant considera que os conceitos são anteriores, algo puramente mental, principalmente o espaço e o tempo. Assim, tenta guardar para si o lado racionalista. No parágrafo anterior demonstrados que se pode ser mais sofisticado. É mais fácil ao esforço científico alcançar conceitos de aparência da realidade, que tanto avançam quanto impedem o avançar da compreensão do real. Ir à essência, compreender a essência da realidade, é o salto necessário à resolução dos mais profundos problemas científicos, que não cabem nos limites do aparencial. Valor de troca e valor de troca preço são categorias importantes, porém a realidade social capitalista apenas pode ser explicada pela categoria interna a elas, que elas expressam e ao mesmo tempo ocultam, como o valor-trabalho. Daí que o projeto inicial de Marx e Engels levava o nome de "crítica das categorias da economia política".
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Vejamos um caso de atualização categorial. Marx percebeu que, diferente de outros tipos de sociedade, o desemprego é uma lei social no capitalismo, chamou ―exército industrial de reserva‖. Com o desemprego crônico, Leon Trotsky necessitou atualizar o conceito para ―subclasse de desempregados‖. Em psicologia é cobrado em doutorado sobre os conceitos com os quais contará. Se escolhesse, por exemplo, os da psicanálise – pulsão de morte, complexo de Édipo etc. –, começaria limitando sua pesquisa a categorias arbitrariamente eleitas. No mais, o método dialético evita trabalhar com definições: o conceito é cada vez mais preenchido. Exemplo: o conceito de consciência não cabe numa simples definição única, ao contrário, vai sendo ―encharcado‖; aparece como ―a consciência é sempre consciência de algo‖, depois como ―imaginação determinada‖, depois é ―alucinação relativa‖ etc. Exemplo de Marx: o capital é, no decorrer de seu livro, dinheiro e mercadoria, valor que se autovaloriza, trabalho morto que suga trabalho vivo, uma relação social e não uma coisa, etc. Na física, energia como conceito tem inúmeros significados, todos corretos e limitados. Os conceitos de positivo e negativo na físico-química são de aparência. Como o próton e o elétron, tão diferentes e desproporcionais, seriam de carga +1 e -1? Descobrimos que os opostos são, antes, partes, embora também inteiros em si, de algo antes uno, por isso um encaixa-se e desliza-se no outro. Fontes Toda fonte é útil e, em certa medida, obrigatória: estatísticas, entrevistas, relatos,etc. A história positivista considerava válido apenas o material empírico das fontes oficiais do Estado… É uma concepção limitada. Os pós-modernos caem no erro oposto, qual seja, desconsideram dados estatísticos, quantitativos. Em geral, é o objeto de pesquisa que determina como ele será descoberto, logo nossa pesquisadora evita escolher por si como avaliar o real e tenta esgotar todas as fontes possíveis rumo à verdade. A pesquisa dialética é como estar em um labirinto. É preciso andar, aprender, percorrer, testar até entender o ambiente inteiro e, somente depois disso, encontrar o caminho correto. Espaço e tempo A orientadora de uma psicóloga pede que, para simplificar a pesquisa, limite em um determinado espaço, como um bairro da cidade, e em um determinado tempo, talvez uma
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década. Ora, mais uma vez é o objeto da pesquisa que deve delimitar o tempo e o espaço necessários para compreender de fato, por exemplo, o fenômeno do suicídio em Teresina/PI. Interdisciplinaridade Hoje, não é clara a fronteira da química e da física na física quântica. A ciência hiperespecializada não alcança a verdade. O caso acima é hipotético, mas indica como é o trabalho científico: a especialização deve ser acompanhada com uma cultura mais geral. Em parte, no decorrer da pesquisa, que costuma demorar anos, o cientista modifica-se, adquire tais conhecimentos. A verdadeira pesquisa costuma unir várias áreas de conhecimento, antes separadas e especializadas. A hipótese O método hipotético-dedutivo começa com a hipótese diante de um problema. O método dialético, ao contrário, termina com hipóteses, previsões e tendências. Foi a partir da avaliação da realidade que Marx percebeu que a livre concorrência de sua época desemborcaria no seu oposto, na sua negação, nos monopólios e oligopólios; concluiu que a tendência seria a redução do número de operários nas fábricas, substituídos pelo maquinário, o que corresponde hoje à automação/robótica; expôs que a taxa de lucro tende à queda no longo prazo (na sua época, foi mais uma demonstração lógico-matemática enquanto hoje é empiricamente observado, pois temos dados de duração secular). Por fim, destacamos que nem tudo permite previsão exata apenas porque foi explicado; Marx explicou as crises cíclicas do capitalismo, mas é impossível daí fazer previsões de quando e onde será exatamente a próxima quebra econômica (porque o objeto, a realidade, é muito complexo). Historicidade A realidade deve ser vista no espaço e no tempo. Interessa mais as leis da mudança da realidade, além das leis regulares e ―permanentes‖. É preciso ver, portanto a estrutura e a mudança, o que é próprio de cada época. Como organizar o material Na ciência comum, cabe ao pesquisador organizar como deseja os dados empíricos, tecer alguns comentários, aqui e ali, entre uma estatística e outra, e talvez encerrar seu livro com alguma proposta. A dialética descobre, ao contrário, que a organização de um livro, de uma sequência de capítulos, deve surgir do próprio objeto de pesquisa – nunca é uma junção
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arbitrária. Um capítulo, por exemplo, deve derivar o próximo, que deriva o outro, que deriva o seguinte, e assim por diante. O que é tratado no primeiro capítulo é condição para entender o segundo capítulo e todos os demais. Em minha pesquisa, A crise sistêmica, tive de tratar primeiro da economia, depois das classes, depois da subjetividade, depois das organizações – em sequência. Fiz isso não por um ―modelo‖ artificial, mas porque a própria realidade tem essa hierarquia, exigindo uma hierarquia semelhante também no avançar do livro. Se fizesse diferente, quase a todo momento teria de remeter a assuntos ainda não tratados. O que pesquisar De imediato, a liberdade de tema para pesquisa deve ser completa, pois o pesquisador vai ao rumo daquele assunto que lhe interessa. Mas, se o pesquisador tem responsabilidade, ele pesquisa o que a realidade ou a teoria estão de fato necessitando. Pode-se, por exemplo, listar uma série de temas centrais, urgentes, e escolher entre eles qual tem mais afinidade. No fundo, o objeto, o real, determina qual vai ser o tema da pesquisa – se se quer fazer algo relevante, útil. No Brasil, pesquisa-se bem menos sobre violência urbana do que a importância do tema, do problema. Prioridade do objeto Nos tópicos anteriores, fomos demonstrando a ―prioridade ou centralidade do objeto‖ na pesquisa. Isso é o dialético. Kant colocava, ao contrário, o sujeito como central, pois ele escolheria o espaço e o tempo, os conceitos, como organizar a pesquisa etc. Esse é método inferior, anterior a Hegel e Marx. Tomar para si a prioridade do objeto é a grande conquista científica. Bibliografia Devemos revisar o que já foi dito sobre o nosso objeto de pesquisa. É preciso ver, em outros autores, seus acertos nos seus erros e seus erros nos seus acertos, além de criticar as categorias usadas por eles. Em geral, uma área de pesquisa cai em teorias ou teses opostas inimigas e ambas unilaterais, parciais, erradas e certas ao mesmo tempo; isso nos dá a oportunidade de resolver a polêmica e encontrar uma terceira resposta que explica porque erraram e também acertaram os teóricos anteriores. Levamos ideias de outros ao máximo desenvolvimento até que são superadas por elas mesmas, transcendem ou são por si mesmas extrapoladas. Assim é a refutação dialética de outra tese: mostrar sua incompletude, desenvolvê-la ao máximo e corrigi-la.
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Ideologia Toda grande teoria tem sua versão vulgar. Entre alguns cientistas, afirma-se que é preciso separar a informação objetiva de ideologias. Mas ideologização é, apenas, uma concepção de mundo; se uma descoberta científica altera nosso modo de ver a realidade, ele gera uma nova ideologia como um dos produtos seus. Se o Sol passa a estar no centro do universo, não mais a Terra – tudo muda. Nossa sensibilidade, nossa capacidade de ver o mundo, é, assim, histórica, avança na história. Podemos separar a verdadeira ideologia da falsa ideologia. A primeira está revelando com o mundo tal como ele é – por aproximação da verdade; a segunda, ao inverso, mistifica ou deforma a realidade, produz um engano. Filosofia Desde Kant e Hegel, a filosofia separada da ciência tornou-se uma fraqueza. O desenvolvimento de uma pesquisa é tanto mais filosófica quanto mais profunda, por isso o método dialético funde ciência e filosofia na exposição de suas pesquisas. O perfil do cientista Nas ciências humanas, a posição do cientista perante a realidade – se é conservador ou revolucionário, se é religioso ou ateu etc. – e sua própria realidade – se é ligado aos trabalhadores ou aos ricos, se sua vida é ativa e contraditória ou extremamente estável – afeta a capacidade de ver o mundo tal como ele é de fato. Em geral, a posição verdadeiramente crítica é superior. Nas ciências exatas e biológicas, isto não é uma verdade em si. Mas é de se supor que o estilo de vida do cientista, no sentido amplo, ajuda ou atrapalha indiretamente seus avanços. Na psicologia, percebe-se que certos estudantes limitados sexualmente têm dificuldades com a teoria freudiana (estando tal teoria correta ou não). Outros negam as demais teorias e refugiamse em Jung para evitar a crise de lidar com a crítica irreligiosa, para fugir de conclusões ateístas. Nas áreas como história, economia e sociologia, os pensadores têm mais ou menos dificuldade – e mesmo capacidade – de ir a fundo no objeto de pesquisa, de acessar a realidade, segundo o projeto social que reivindicam, a classe ao qual pertencem etc. por mais que sejam muito esforçados. Nunca os economistas ligados aos patrões chegariam às conclusões tão profundas de Marx em O Capital. A moderna ciência da mente reforça isso. Certo grau de estresse, ao menos sob o capitalismo, é necessário para a criatividade como a árvore dá flor e fruto quando se sente
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ameaçada. A vida dos militantes socialistas é sem rotina, com novidade constante, com desafios, com ameaças – por isso, também, o movimento comunista produziu tantos gênios. Além disso, como sujeito-ferramenta, o cientista tem que ser capaz de ver, deve ser culto, como conhecimento do melhor na filosofia. Indicamos os seguintes filósofos: os pré-socráticos, Platão, Aristóteles, Epicuro, Hegel, Marx e Engels. O critério da verdade A teoria das cordas na física, por exemplo, quer ―provar‖ sua validade por ser matematizada, elegante, única disponível etc. – já que faltam provas empíricas. São maus critérios. A ideia de que a Terra era o centro do universo justificava-se por seus cálculos, que davam conta de movimentos e previsões… A teoria heliocêntrica, ao contrário, foi defendida por ter cálculos mais simples. Ora, o critério não pode ser de tal tipo. Marx afirma que, ao contrário, a prática é o critério da verdade – não simplicidade de cálculos, elegância da teoria etc. Uma teoria deve ser, antes de mais, verificável. Mas a falha de uma construção teórica não deve necessariamente indicar a negação de toda a sua teorização; pode ser que aspectos tenham de ser modificados, alterados, acrescentados – mantendo firme boa parte daquilo teorizado. Assim, a "falseabilidade" é relativa, não é o melhor critério.
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MÉTODO EMPÍRICO-DEDUTIVO
Quando a civilização grega antiga atingiu seu apogeu, com o devido afastamento das barreiras naturais, o homem ainda mais social numa sociedade de classes, produziu a filosofia dos sofistas, onde a verdade, na prática, não importava, seria inalcançável. Algo semelhante acontece hoje. Com os avanços do século XX, em base a uma sociedade fraturada em classes, a filosofia pósmoderna, na área de humanas, declarou as várias verdades, as narrativas, a fragmentação, o culturalismo, o grande indivíduo – sentiu-se à vontade para desprender-se, em parte e ilusoriamente, do real. Duas questões (Machado, 2022) parecem operar o início do pensamento pós-moderno: 1) a crise do liberalismo como crise do capitalismo; 2) a crise do marxismo por razão das ditaduras estalinistas que transformaram o pensamento antes crítico em dogmas em nome de repressões contrarrevolucionárias. Isso, tal explicação, é parcial, quase apenas superestrutural; no fundo, estão também, além dos fatores análogos aos dos gregos: 3) o crescimento da classe média urbana; 4) a precarização de tal classe; 5) o aumento da solidão social; 6) diminuição e fragmentação da classe operária; 7) a necessidade de evitar conclusões socialistas, sistema ainda relativamente impossível naquele momento. A base econômica-social, as mudanças na estrutura, deu as condições necessárias para a criação da filosofia irracionalista correspondente, como sua imagem e semelhança, como carne que se faz verbo, matéria que se faz ideia. A loucura do sistema em seu ocaso faz a loucura metodológica da pós-modernidade, a realidade em migalhas faz o pensamento em migalhas. Por exemplo, dizer que tudo é construção social – à semelhança dos antigos sofistas – soa subversivo, até socialista, mas é idealismo puro, como se valores e hábitos pudessem mudar por pura decisão, por pura tomada de consciência. É absurdo que marxistas tomem tal posição como na questão da natureza humana. Tal erro tem uma base, qual seja, somos, de fato, mais sociais que antes, bem mais, além de estarmos sob escravidão assalariada ainda. Mas a solução não é o seu oposto, uma tomada conservadora. Aqui, entra a reflexão sobre o método propriamente científico. O método hipotético-dedutivo de Popper foi superado como paradigma pela moderna filosofia da ciência, mas cientistas atrasados ou pouco afeitos à filosofia permanecem no erro. Isso tem motivo. Não há método científico, no singular, mas métodos científicos, no plural; e o hipotético-dedutivo certamente ajuda a fazer descobertas, embora limitadas, por isso a sua resiliência.
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Mas permanece a mera aglutinação, não a fusão em um terceiro, do empírico e do racional. Einstein defendeu sempre o método dedutivo, por exemplo, enquanto outros, o indutivo. É necessário resolver a oposição e a contradição. O empirismo afirma que devemos nos limitar a colher e organizar dados, fazendo generalizações indutivas quando for razoável, evitando de todo refletir sobre eles; o racionalismo, ao contrário, diz que os dados enganam, logo devemos confiar na razão humana para, de ideias racionais, chegar a conclusões novas e racionais. Ora, ambos acertam e erram ao mesmo tempo. O método empírico-dedutivo, o oposto do superado hipotético-dedutivo e o adversário mortal da pós-modernidade, inicia pela apreensão dos dados empíricos, pois eles são o começo e vitais como fonte da verdade; mas tal empiria, além de revelar, esconde e engana, logo usamos a razão para saber desviar das armadilhas, para saber do interno por meio do externo, da unidade por meio da diversidade, da essência por meio da aparência enganosa – pois o essencial é invisível aos olhos e a realidade tem uma lógica própria a ser descoberta, não criada pelo cientista. Além de ter uma estrutura, a realidade tem um processo inerente – queremos ambos na nossa investigação. Queremos o mundo em seu vir-a-ser, em seu devir, em seu tornar-se, em seu desenvolvimento. A ciência já atrasou por demais seus avanços por falta da dialética como instinto básico da pesquisa. O universo estático, repetitivo, passou, com muito atraso, para o universo com história, com evolução; já podemos tomar como ainda mais racional que o cosmos teve e terá ciclos, gerações de universo, um após outro. Não se deve apenas interpretar os dados. A física quântica, por exemplo, tem uma dezena de interpretações conflitantes sobre tal estágio do mundo, todas baseadas nos dados. Mas estes nem sempre são criticados: antes, tomava-se como verdade incontestável que o salto quântico é instantâneo; hoje, ainda toma-se o spin como algo do reino quântico, como uma propriedade fora da nossa racionalidade, sem maiores explicações, portanto. Deve-se deduzir, também, o limite do empírico. A verdade está em algum lugar, nem que seja no meio ou na fusão. Deve-se evitar de todo iniciar por hipóteses, premissas, postulados, modelos, ―métodos‖, princípios ou mesmo conceitos – eles devem ser a conclusão da pesquisa, não seu início. E são descobertos, não criados de modo arbitrário. Em especial, os conceitos mudam se a realidade muda, não são fixos, são móveis, muitos com início e fim. A verdade é não empírica, impalpável, mas deriva sua descoberta da empiria. Ao que parece, Darwin correu o mundo colhendo dados multíplices, contingentes, diversos, caóticos – até perceber as leis gerais do desenvolvimento da vida. Nesse sentido, foi um dialético.
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É o objeto de pesquisa que diz como ele será explicado e apreendido. De modo algum, o cientista tem a honra de escolher um ângulo ou método para sua investigação como fazem o kantismo e o pós-modernismo. A verdade é o todo contraditório em evolver. Se há responsabilidade básica, nunca será escolha de todo pessoal do pesquisador qual será seu objeto estudado. É a realidade, o objeto, as necessidades sociais ou teóricas, que determina qual será o tema de pesquisa, nunca a mera vontade subjetiva do sujeito. Claro, entre assuntos urgentes e relevantes, pode-se escolher aquele pelo qual se tem mais afinidade. Até o modo de organizar e expor um livro deve ter origem no objeto, não no sujeito. A organização do objeto impõe uma organização clara da obra. O método dialético torna-se o método empírico-dedutivo. Em outro capítulo, demonstramos como no trato da lógica de tal método, Hegel deixou de observar como se deveria o diacrônico, o processo. Marx, Darwin, Einstein e Freud revolucionaram o pensamento e a sociedade. Além desse fator comum, todos foram base para uma concepção histórica do cosmos – Ser é histórico, ou melhor, histórico-geográfico. Mas algo ainda mais de fundo também os une. Consciente ou inconscientemente, com maestria ou com improviso; todos usaram o método empírico-dedutivo, dialético, bem ou mal. Marx percebeu, pelos dados, as leis de desenvolvimento da histórica capitalista e da humanidade. Darwin percorreu o mundo colhendo dados e experiências variadas sobre a vida, até deduzir a evolução das espécies. Freud deixava os pacientes falarem à vontade, de modo relaxado e aparentemente desconexo, até que era percebido o nexo interno oculto na diversidade externa, além de aspectos da história do paciente – o que lhe permitiu consolidar uma teoria. Einstein defendeu com veemência o método dedutivo, não o empírico-dedutivo, porém suas premissas, muitas vezes, já estavam sendo confirmadas na realidade, como a velocidade da luz e sua medida como a máxima do universo, aproximando-o intimamente do método aqui defendido (resumo grosseiro: partir do empírico para deduzir – Einstein declara: ―Vale então o princípio: a massa gravitacional e a massa inercial de um corpo são iguais uma à outra. Até hoje a mecânica, na verdade, registrou este importante princípio, mas não o interpretou‖ (Einstein, 1999, pp. 57, 58; destaques feitos por Einstein)). Sua formulação foi a base da teoria do Big Bang, da história, ainda incompleta, do universo. Isso explica o motivo do limitado Popper ter afirmado que a teoria da evolução de Darwin, a teoria da história humana de Marx e a teoria freudiana não serem, para ele, ciência… Depois, recuou no caso da biologia darwiniana para evitar desmoralização diante da merecida autoridade de Darwin. Popper desconhece as ciências
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históricas. Veja-se que todas as teorias acima são atacadas das mais diferentes formas; negadas por estados, correntes e religiões. Nenhum acaso há aí. Concepções de Marx como o lado não eterno do capitalismo fere interesses lucrativos, de classe e religiosos. A teoria da evolução derruba uma premissa da religião, logo é negada com fervor. A teoria freudiana tira o lugar consolador da fé e agride os bloqueios inconscientes de muitos (homossexuais enrustidos, pessoas que mal lidam com seu complexo de édipo etc.), levando até a acusação máxima de pseudociência (enquanto consideramos, aqui, ela incompleta). Einstein é acusado de charlatanismo até hoje, mas nunca refutado, nem superado (embora possa ser ao mesmo tempo preservado e superado no futuro como tentamos esboçar em outro capítulo) – além de ser acusado, com razão, de ser… comunista! As ditaduras têm, em geral, horror às teorias de essência, mais do que instrumentais. Se são obrigadas, aqui e ali, a adotá-las, como para fazer uma bomba atômica, ou para parecer marxista enquanto rouba o povo, trata-se da verdade impondose. Ainda assim, o método dialético, como empírico-dedutivo, demonstrou apenas metade de suas capacidades revolucionárias na ciência. Em outro momento, demonstramos construções como A=A e não-A, sincrônicas em geral, suprassumidas por A=A e… não-A, também diacrônicas. Isso casará bem com E=mc², a identidade dos diferentes no movimento ou no desenvolvimento. Marx abre sua grande obra, primeiro capítulo, ao fazer uso do método de investigação e, ao mesmo tempo, método de exposição empírico-dedutivo. Observemos o que ele mesmo diz sobre si ao comentar um crítico:
Inicialmente, eu não parto de ―conceitos‖, portanto, nem mesmo do ―conceito de valor‖, e, assim, de modo algum tenho também que o ―dividir‖. Parto da forma social mais simples na qual o produto do trabalho se apresenta dentro da sociedade atual, e essa forma é a ―mercadoria‖. Eu a analiso, em primeiro lugar, precisamente dentro da forma pela qual ela aparece. Aqui descubro então, que, de um lado, ela é, dentro de sua forma natural, uma coisa de uso, também conhecida de valor de uso; de outro lado, ela é portadora de valor de troca e, desse ponto de vista, é por si mesma, ―valor de troca‖. A análise posterior desse último me mostra que o valor de troca é apenas uma ―forma de manifestação‖, modo autônomo de apresentação do valor contido na mercadoria, e então inicio a análise do valor. (Marx, Últimos escritos econômicos, 2020, pp. 57, 58)
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Temos, portanto, um pesquisador que inicia pelo fato e pela aparência (diz: ―pela qual ela aparece.‖) – e vai até a essência, ao valor, que está escondida por detrás das variações errantes, sem constância e padrão, do valor de troca e do preço. Empírico, mas dedutivo; empírico que deduz os enganos da empiria e o que ela esconde. Por isso, o próprio Marx diz que afirmar a mercadoria como unidade de valor de uso e valor de troca é, na verdade, falso – trata-se de unidade de valor de uso e valor. Um empírico; outro não empírico, mas igualmente real, objetivo193. A posição ao final da vida de Marx, ainda que instintiva, já estava em seu começo, no manuscrito A Ideologia Alemã:
Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, dogmas, mas pressupostos reais, de que só se pode abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aqueles por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação. Esses pressupostos são, portanto, constatáveis por via puramente empíricas (MARX, ENGELS; 2007; 86-7
Logo o mestre toma nota de que a única ciência é a história, portanto devemos considerar sempre o tempo e o espaço, o contexto e a origem, além do rumo, a estrutura e o processo, as partes e a totalidade. Platão ascendia da materialidade até os conceitos puros – bom, bem, belo – mais elevados; depois, votava ao mundo material. Marx faz o mesmo ao contrário: dissolve e separa a realidade até chegar ao conceito mais puro – energia, valor, espaço etc. –, ou seja, vai cada vez mais para baixo, descendente, para o fundo e o profundo; também tal como o grego, chega ao mais geral, abstrato, puro, insensível, quase conceitual. Então, retorna para a caverna: chegado à essência luminosa, mas oculta porque cega, vai-se de volta para o mundo da empiria e da aparência. O método de Marx é metafísico e materialista.
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Mais uma prova de que, para Marx, o valor é uma coisa real, para nós, forma de energia; repetimos parte da citação: “A análise posterior desse último me mostra que o valor de troca é apenas uma “forma de manifestação”, modo autônomo de apresentação do valor contido na mercadoria, e então inicio a análise do valor.” (Marx, Últimos escritos econômicos, 2020, pp. 57, 58). Ou seja, o valor está “contido na mercadoria”, mais do que algo apenas relacional, também substancial.
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SEÇÃO CINCO A FILOSOFIA E A CIÊNCIA
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A FILOSOFIA CIENTÍFICA, DA CIÊNCIA Muitos filósofos demitem-se da arte de pensar com a seguinte justificativa: a filosofia formula perguntas, não respostas… Assim, a filosofia científica apenas expõe os problemas de certa ciência, apresenta de modo organizado as diferentes propostas. E só. Na verdade, se quer alguma relevância, deve apresentar soluções e hipóteses, além de boas indagações. Uma filosofia baseada em evidências e na ciência chamo filosofia objetiva, quando a realidade guia o pensamento. Isso é o que está exposto neste ensaio. Em geral, os cientistas têm baixa formação filosófica, logo fazem má ciência; por isso, precisamos de filósofos dignos do nome e das tarefas modernas do pensamento. A filosofia válida é de Hegel para frente… A Ciência da lógica de Hegel e a filosofia de Marx, sua cientificidade, são as mais importantes para alguém ligado à ciência. As descobertas modernas afirmam os dois filósofos como os grandes e mais avançados paradigmas ainda não reconhecidos. Questões ideológicas e classistas, no entanto, atrapalham tal avanço. REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS Nossa concepção de ciência é evolucionária e revolucionária. Thomas Kuhn teorizou ―A estrutura das revoluções científicas‖, como o seguinte movimento: ciência normal – resolução de quebra-cabeças – paradigma – anomalia – crise – revolução. Mas para ele não há evolução e saltos ontológicos na ciência. Se bem observado, a ciência vai de teorias de aparência para teorias de essência. Newton tomou o espaço desde a empiria imediata, como imóvel e independente. Depois, chegamos mais perto da essência, o espaço enquanto móvel e ligado à matéria. É natural que a história da ciência avance assim, rumo ao mundo essencial que se demonstra oposto e inverso do mundo que aparece. Em resumo Kuhn erra nos seguintes aspectos; sobre a ciência, não observa: 1) que vai da aparência à essência; 2) que chega-se ao ponto em que pode haver reformas, não rupturas; Chegaremos muito próximo da verdade absoluta, algo entre o relativo e o absoluto. O conhecimento geral, não nas firulas e detalhes, poderá ser alcançado coma devida sociabilidade. Assim como o socialismo é fim da época de revoluções, a ciência fará apenas reformas, ainda que revolucionárias – apenas atualizações, correções etc. 13) que o próprio método científico segue tal roteiro de desenvolvimento e crise; Ele toma o método científico como único, inteiro, sem evolução – apenas os resultados e as teorias prontas mudam, entrem em crise e se revolucionam. Mas há uma história do método
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científico que se conclui na dialética contemporânea, exposta nesse livro. Tal desenvolvimento por saltos do método ocorre como se pelas costas dos cientistas, em geral sem domínio da filosofia. Os métodos científicos até agora operantes estagnaram, não alcançam mais tantas conclusões de essência. 3) que a ciência tem valor ontológico, que chega-se à verdade ela mesma. 4) A teoria escolhida entre as opções deriva da realidade. Realidade, aqui, em dois sentidos: a) a teoria deve corresponder bem com o real, 2) a realidade social tende a aceitar mais uma teoria e menos outra. O marxismo é a melhor teoria social, a correta, mas a sociedade capitalista não é incapaz de aceita-la, por isso a verdade torna-se marginal. A (meta)física aristotélica servia à sociedade escravista, por exemplo. Curioso que Kuhn descreveu as revoluções científicas do mesmo modo que as crises periódicas, cíclicas, do capitalismo. A realidade parece ter produzido uma boa influência sobre seu cérebro, abstraindo o concreto em teoria. Sua obra é genial, incluso supera muitos dos limites grosseiros de Popper, mas não é materialista o suficiente, como demonstramos com nossas propostas e críticas. SISTEMA FILOSÓFICO A decadência da filosofia moderna leva a negar, a priori, a possibilidade de um pensamento sistemático. Assim, o contemporâneo filósofo justifica sua falta de esforço e competência declarando uma limitação final à reflexão. Ao contrário, este livro expõe de modo acabado a base de um sistema científico-filosófico completo o bastante, que corresponde a uma concepção de natureza, de natureza humana, de estética, de arte militar, de teoria da história e da crise dos sistemas sociais etc. (expostos na obra A crise sistêmica). Pode parecer, visto assim, que se partiu de um princípio e de uma premissa para derivar, em dedução, toda uma rede de conclusões. Não é meu método, que é o oposto, o dialético. Primeiro, percebi a essência humana, a natureza comum das crises sistêmicas etc. para, a partir daí, perceber que há uma sistemismo por detrás, como conclusão, nunca enquanto começo da pesquisa. Assim, posições como movimento= energia = tempo = etc. e tudo como integração relacional em movimento são bases de um pretendido definitivo sistema de pensamento, ainda que relativamente aberto. Hegel afirma que uma premissa ou postulado é verdadeiro e ao mesmo tempo é falso, porque, de um lado, expressa uma parte da realidade, mas, de outro, expressa apenas uma parte da realidade. A verdade, diz ele, é o todo. Pois bem; com construções como nossa fórmula categorial movimento = energia = tempo = espaço = matéria etc. chegamos à totalidade, a todos os elementos de base.
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FORÇA, ÁTOMO E CAMPO Na busca da unidade de tudo, os cientistas procuram tal unicidade em algo por demais concreto ou por demais abstrato. Assim, tornou-se mania nomear este e aquele fenômeno como ―força‖, até tal categoria vulgar entrar em crise. Depois, tudo era átomo, nem sequer onda, supondo-se, por exemplo, uma partícula calorífica, responsável pelo calor. Por fim, tudo seria campo, um vício de nosso tempo. Para Einstein, toda a realidade física poderia ser reduzida a um conjunto de campos universais. Há unidade por debaixo, mas há diversidade externa. A pluralidade deve ser afirmada junto com a unidade de fundamento, de fundo, oculta. Ora, se campos permeiam o espaço, aonde fica o próprio espaço como entidade. Veja-se: uma partícula ou montanha não ocupam espaço, pois são, eles mesmo, espaço, espaço concentrado, condensado, para dentro de si; o espaço mesmo, a substância, rodeia-os. Logo, os campos e o espaço não podem ambos ocuparem o mesmo espaço, pois o espaço já ocupa a si próprio. Campos, logo, não existem; no máximo, são espaço concentrado, talvez em modo de linhas. Ou, se quisermos, propriedades do espaço, o de fato existente. A teoria de vários campos, bem observado, impossível manter-se em pé, no entanto é majoritária na ciência. Para cada aspecto ou partícula, um campo – multidão de campos. Assim, a partícula seria prova do campo e o campo a prova da partícula, pois, segundo o argumento circular, a partícula nada é mais do que manifestação do seu campo próprio. Tudo fica mais fácil se tomarmos tudo como espaço concentrado, em diferentes proporções quantitativas, o que produz diferenças, por sua vez, qualitativas. FORMA E ESPAÇO Dizer que o espaço é a possibilidade de forma tem um significado maior agora, em nossa teoria – mais do que o ―aonde‖. Alguns físicos afirmam que as partículas são, como em Platão, puras formas, sem matéria, sem conteúdo. As partículas-ondas têm, na verdade, conteúdo, forma e grandeza – como pensavam os antigos atomistas. O conteúdo da forma é o espaço, o conteúdo ―material‖ das matérias. A matéria é espaço condensado, apesar da matéria vir antes do espaço no tempo de nosso universo, aquele tornando-se este. O espaço é matéria-luz que decai.
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SOBRE A TEORIA DE BIG BANG Embora bastante correta, a teoria da inflação cósmica é incompleta. Ela é algo inocente em sua exposição, além de lhe faltar a resposta sobre por que o universo expandiu-se e o a que havia antes, ou seja, como tudo surgiu. A ideia de que o universo é como um pulmão que se expande e se contrai, geração a geração, soa muito melhor, mas não explica a origem de tudo (antes da primeira geração) ou a causa de tal movimento. Já a hipótese de que havia apenas o espaço vazio preenchido de campos em se começo nada explica de fato. O universo expande-se porque a matéria decai em espaço; o universo contrai-se porque os buracões negros maiores sugam o espaço. Eis a resposta. Ademais, a ideia de infinito obriga a pensarmos uma quarta dimensão, dentro e fora da nossa realidade, onde a matéria cai como se caísse em própria; assim a causa do movimento primeiro não seria um primeiro motor ou a contradição, mas tal queda na dimensão quarta. Antes do universo apenas poderia existir o nada; tal nadidade só poderia ser infinita; além disso caótica pura. O vazio infinito e caótico pôs os seu contrário, seu inverso: universo finito (em 3 dimensões mais o tempo) e com leis. Impossível imaginar o nado infinito (qualitativo) e caótico. Nosso cérebro é feito para compreender nosso universo, mas do ponto de vista da imagem; do ponto de vista conceitual, conseguirmos pensar o antes de tudo. A matéria e a antimatéria no início do universo, atraindo-se aniquilaram-se, decaindo rapidamente – por causa das circunstâncias – em espaço. Assim, um pouco de matéria e, talvez, antimatéria conseguiram ainda persistir. Salvamos a teoria do Big Bang, embora de modo a também a superar, porque o enigma da matéria e antimatéria parecia refutá-la, falseá-la, uma contraprova à hipótese. O padre Georges Lemaître pensou um átomo primordial, um ponto de singularidade que se expandiu, não se sabe como. A ciência caminha por aproximações sucessivas: primeiro, a teoria do Big Bang; 2) depois, a ideia do universo cíclico; 3) em seguida, a ideia de causa da expansão e do nada infinito, como expomos neste livro. Talvez, o padre tenha se inspirado em Hegel, que afirma, em sua lógica, que o infinito desaba no ponto (um, uno); logo depois, esse ―uno‖ expande-se, fragmenta-se, na sua relação com o vazio, formando os ―muitos‖ ou ―múltiplos‖, ou seja, os muitos unos que se atraem. Enfim, o universo surgiu de uma causa acidental, de um acidente ou acaso – uma concessão da probabilidade. O caos do nada infinito, a relação do vazio consigo enquanto infinito, pôs o espaço-tempo, ou seja, a matéria. Isso é a forma aproximada de entender o mundo. Do nada, o Ser.
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MATEMÁTICA A matemática é uma invenção ou existe na realidade? Sobre, a resposta correta deve revelar a causa da longa polêmica. Um e outro e, ao mesmo tempo, nem um nem outro. A matemática é uma construção humana feita para corresponder à realidade. Parece existir no real porque quer ser retrato dele, ao menos no quantitativo. Mas aí há um nó. A matemática não surgiu de dentro para fora do sujeito apenas ou primeiro; antes, "veio" de fora, do mundo, para dentro do pensamento. Quando se fala em matemática como invenção parece algo como na arte, uma pura inspiração, algo quase arbitrário, um raio em céu azul. Nada disso. A quantidade existe na própria matéria. Dito isso, fica clara, além de resolvida, a oposição, o ou-ou, de longa data. De modo lateral, incluímos que o limite matemático trata de indeterminações com resultados infinitos (indeterminação) ou zero sobre zero, o vazio infinito. Isso é uma expressão matemática indireta da nossa tese sobre o início do universo, o vazio infinito. No chamado limite, torna-se preciso certa manobra para evitar tais resultados e, enfim, cair na finitude numérica. Nosso terceiro comentário sobre a matemática beira o delírio, mas prefiro sua exposição. Os números positivos são os números naturais, logo os números negativos são artificiais, inaturais, formais. Não há -2, há ausência una de dois, ou seu retirar. Uma prova disso é que, além da engenharia fazer seu uso, para fins concretos, somos obrigados a produzir a raiz de menos 1, para tornar positivo o cálculo, a operação. A subtração, a divisão, a raiz, de um lado, e a soma, multiplicação e a potência, de outro, são apenas formas de adição, ainda que negativa. Daí a inexistência, também, na matemática comum do uso de raízes negativas. A ausência quantificada em número é muito própria do mundo social, artificial, como a dívida monetária. Nesse sentido, os números negativos são imaginários. Então, ao menos sete provas do imaginário e da artificialidade útil dos números de fato negativos: 1) ausência de raiz de números negativos; 2) os artifícios para trabalhar com potências de números negativos (se com ou sem parênteses); 3) o uso do número ―i‖, raiz de menos um, para manobrar um cálculo, torná-lo viável; 4) a soma, a multiplicação e, de certo modo, a potência têm propriedades (permutabilidade etc.) que seus opostos não têm, são mais limitados; 5) o logaritmando apenas pode ser positivo; 6) a probabilidade não pode ser negativa; 7) surge a necessidade de incluir o módulo, o valor absoluto, sempre positivo. O número negativo: há e não há, ser-nada, real-ficção. Uma consciência não arbitrária ainda merece ser destacada. No limite matemático, tende-se à, por exemplo, zero ou três sem nunca alcançar eles, tais números. Na lógica formal, A = x ou não-x, nunca uma terceira reposta. Já a dialética aposta justos no terceiro excluído, que não costuma ser o meio-termo entre x e não-x. Na nossa dialética, em ―A‖, x tende, também, até não-
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x, sem alcançar absolutamente este último. O conhecimento (A) vai de relativo (x) até mais do que relativo (…) sem nunca conseguir alcançar absolutamente o absoluto (não-x). A = A e… não-A. A matemática avançada aproxima-se da dialética, em especial de sua renovação. A nova dialética merece, portanto, formalização maior. Dissemos em outro momento: ―A quarta dimensão do espaço é representada, incluso na geometria, por números imaginários, como a raiz de menos um. Tal número imaginário aparece aqui e ali nas equações, como na de geometria, substituída pelo tempo por Einstein, e na equação de Schrödinger – mas eles tratam tal presença como algo incômodo, um problema apenas, limitado ao formalismo matemático.‖ A solução da última equação, elevar tudo ao quadrado, pode ser generalizada para todos os casos em que ―i‖, raiz de menos um, aparece. Talvez, para tirar o sinal negativo de 1, -1, fazer dupla elevação à dois, duas operações de potência quadrada. INFINITO Hegel demonstrou, num toque de genialidade, que o infinito é qualitativo, não quantitativo. O mau infinito é o infinito da progressão, que algo pode ser cada vez maior ou menor, pois encontra uma barreira e supera, então encontra outra e etc. O bom infinito, ele diz, apresenta-se à semelhança de um círculo, sem começo nem fim, não como certa linha sempre esticável. Nisso, ele deu a resposta geral correta para o problema da infinitude, mas foi ignorado pelos filósofos, matemáticos e físicos posteriores. Assim, surgiu a ideia absurda, embora apaixonante, por Cantor, de que há infinitos maiores do que outros; assim, surgiu o Hotel de Hilbert, aonde sempre se pode colocar mais um visitante num dos infinitos quartos, bastando passar os demais para o quarto seguinte da infinitude liberando a vaga do primeiro quarto. Hegel foi crítico duro da matemática e da redução quantitativa, mas a topologia e os nós, como qualitativos, têm feito escola. Assim, pode-se supor que um nó não possível de desfazer em 3 dimensões pode-se desfazer em quatro, mais uma espacial. A fita de Moebius, com todas as suas derivações como, juntando duas de tais fitas, que só têm um lado, forma-se a garrafa de Klein, quadridimensional. Em tal garrafa não tem externo e interno! Em sua lógica, Hegel já afirma que o externo e interno são o mesmo, são um, uma unidade. Enfim, o infinito real é como a quarta dimensão, sem borda, que transborda para fora e para dentro do nosso universo finito. É o vazio infinito e caótico que desaba no nosso universo preenchido, finito e com ordem-lei. Devo acrescentar, aqui, a ideia de relação infinita. Por exemplo: a partir de poucos átomos, podemos formar milhões, talvez bilhões, de novas combinações, compostos cada vez mais complexos (por sua vez, tais compostos entram em relações). A relação do homem com a natureza é uma relação infinita, um alterando o outro e vice-versa, por meio do trabalho e da
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produção. Na matemática, 7/3, sete divido por três, tem o resultado inexato e sem fim, 2,333333333333…Uma relação infinita do ponto de vista matemático. Uma evolução infinita de átomos cada vez maiores, mais pesados, cai de modo direto na má infinitude, além de ser algo virtualmente impossível - mas, por outro lado, as combinações atômicas produzem também o novo.
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TEORIA DO CAOS A concepção determinista e mecanicista entra em crise por vários caminhos, uma revolução do pensamento ainda incompleta. Nesse sentido, a teoria do caos reforça ou rejeita a dialética? Vejamos as premissas: 1. Há ordem no caos, caos na ordem. Isso é unidade dos opostos, dialética pura! Além disso, há sistemas que passam do caos para ordem, para novo caos, para nova ordem regular, e assim por diante. O próprio caos pode ter regularidade – a própria ordem pode ser irregular. 2. As leis interagem para produzir o oposto da lei, caos, não repetição. Uma legalidade pode dar em caminhos diferentes! Isso reforça a dialética unidade de necessidade (lei) e contingência ou acaso. 3. O todo não pode ser analisando separando as partes e tomando-as de modo apenas individual. A dialética afirma que o todo possui propriedades que as partes individuais suas não possuem, mas que é necessário analisar também as partes, suas relações recíprocas e sua história – para entender o todo (o todo ―espacial‖, estrutura, mas também processo, no tempo). Assim, vemos outra concordância, em que não basta o empirismo de separar as partes e juntá-las apenas externamente. 4. A sensibilidade do processo às suas condições iniciais. Aí encontramos a historicidade, que o passado é a causa do futuro. 5. O caos não se desaba na ordem. Aqui, parece haver uma contradição aparente com nossa dialética. Mas o caos é sistemático, tem e desenvolve própria dinâmica e regularidade-irregular. Além disso, a permanência do caos é típico de sistemas mecânicos, não dialéticos. Em processos, o caos, por exemplo, a atmosfera complexa e intratável, produz o furacão, algo regular. 6. Pode-se fazer previsões curtas, mas não de longo prazo, pois pequenas variáveis ocultas no início ganham importância tal que modificam o destino do processo. 7. Um todo ordenado tem caos dentro de si. O marxismo sabe que uma crise vem a cada 10 anos – mas ―mais ou menos‖. Se passarmos 10 anos sem crise alguma, podemos dizer que ocorre uma probabilidade crescente de quebra econômica nos anos seguintes; mas não podemos dizer exato quando e onde a bolha vai estourar.
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Uma análise de conjuntura nunca é perfeita simplesmente porque é impossível saber e medir todas variáveis em jogo – e tal análise deve ser de ―conjuntura‖, com possibilidade de caminho do real logo à frente, não capaz de medir ou antecipar em longo prazo. O processo estrutural é antecipável; mas o ―como‖ e os detalhes, não. No mais, há marxistas tentando, genialmente, aplicar a matemática moderna para atualizar O Capital de Marx. O cosmo escreve certo por linhas tortas.
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TEMPO Desde Einstein, há a coisificação do tempo, que é relação e abstração real, além de manifestação (da energia, do infinito, do espaço, da quarta dimensão, do movimento). Não se vê uma cor andando por aí. Por isso, há um tempo geral – não se avança ou recua no tempo, ambos impossíveis, embora o primeiro seja considerado real. Quando se discorda de uma concepção científica tão vitoriosa, tão correta e que dá tantos resultados, costuma-se cair em desmoralização e ostracismo. A teoria de Einstein está correta, mas incompleta. Porque a Lua gira em torno da Terra, pensa-se que o Sol também gira desse modo; porque o espaço existe, pensa-se que também o tempo enquanto ―coisa‖. Em velocidades muito maiores que há média, o ―tempo‖ passa mais devagar porque diminui a entropia, o objeto torna-se mais espaço concentrado. Com sua poderosa lógica abstrata – o ser é, o nada não é –, Parmênides ―provou‖ que o movimento não existe, uma ilusão. Com sua poderosa lógica matemática, Einstein, entre os maiores gênios da história universal, ―provou‖ que o tempo é relativo, além de existir. Ora, o fóton mover-se e não se mover, o tempo passar, mas não passar nele é uma, em lógica, redução ao absurdo – logo o tempo não é. Vale notar que o verbo ―durar‖ trata tanto do tempo quanto do aspecto físico, da resistência. Um objeto (satélite, relógio, luz etc.) em velocidade maior, por concentração, dura mais durando aparentemente menos. Adotamos, ao mesmo tempo em que superamos, mantemos em pé, toda a teoria de Einstein – atualizada para produzir uma teoria de tudo. O único aspecto deixado de lado é a relatividade real do tempo, como se fosse um em si. Contra a resistência conservadora natural de toda superestrutura, não dogmatizamos a autoridade. As matemáticas físicas de Newton são úteis para nossa escala, são funcionais – massa a teoria estava errada. Já nossa teoria de que não só se curva o espaço-tempo, como diz o alemão, mas matéria é próprio espaço-tempo curvado, para dentro de si, não anula a teoria einsteana como acontece com a teoria de Newton. O velho já nasce novo. Talvez, a premissa errada de Einstein é afirmar que as leis da física são as mesmas – na forma – se parado ou em velocidade constante, sem aceleração. Mas velocidade e aceleração são o mesmo, apesar de ainda diferentes (v=at). Assim como na química a lei falha relativamente em diferentes pressões atmosféricas, em diferentes velocidades também, com certo desvio da norma, do cenário comum.
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UMA HIPÓTESE INCÔMODA É difícil resumir a enorme contribuição revolucionária de Einstein, que tem sido confirmada pelas atuais e rigorosas medições. Sua teoria, ademais, permitiu prever o Big Bang, teoria contra a qual ele protestou por algum tempo, e os buracos negros, que ele pensava ser impossível na prática existir. No entanto, deve-se lançar a questão: e se parte das conclusões de Einstein são, na verdade, paradoxos científicos-lógicos abertos, não propriamente conclusões? Por exemplo, para a luz, o objeto mais rápido, o tempo não passa nem o espaço (isso reforça que movimento = espaço = tempo = etc. com um tornando-se o outro); isso é um paradoxo a ser resolvido, pois é claro que o fóton de luz vai-se do Sol para a Terra – mas, do ponto de vista da luz, isso não ocorre! Na antiguidade grega, dizia-se que o movimento de uma flecha, como todo movimento, seria uma ilusão ou que Aquiles nunca alcançaria a tartaruga porque sempre teria um caminho a vencer antes dela. Nesse caso, a ideia moderna de velocidade, espaço sobre o tempo, resolveu a questão. Talvez tenhamos de pensar uma nova e agregada teoria do movimento; por exemplo, uma pessoa que gira na terra sobre a linha do equador tem velocidade diferente de alguém que faz o mesmo giro no polo norte, pois eles percorrem o mesmo tempo, 24 horas, mas um espaço diferente na mesma temporalidade. Mas deve existir alguma medida de movimento que os iguale. A solução seria um novo conceito ainda oculto? Talvez. Os homens antigos rejeitaram a ideia de que a Terra estava girando, pois, se fosse o caso, os pássaros estriam em apuros com dada rotação – logo o Sol é que estariam em movimento. Eles não conheciam o conceito de inércia, ou que tudo terrestre está a girar junto, tão importante para ciência moderna. TEMPO E ENTROPIA A ideia de entropia está correta, mas é incompleta e relativa – pois é, na essência, energia em busca de mais energia. Que o tempo e a entropia tenham a mesma direção leva à intuição de que são o mesmo e ligados. Ora; a maçã decai, degenera; mas, antes, ela teve de acumular energia, teve de se desenvolver e se complexificar. O caminho inverso da entropia não faz o tempo andar no sentido oposto. A entropia não é igual ao tempo, mas à energia e, de modo mais direto, ao movimento. Há movimento, não em si o tempo. Reforçamos, portanto: entropia foca na energia, não na matéria, logo não é sinal de complexidade ou desordem-confusão maior.
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CAUSALIDADE Bunge defende que a causalidade é base da ciência e deve ser, portanto, defendida. Tudo bem: mas qual causalidade? Hegel suprassume a ideia de causa e efeito por efeito e contra-efeito, por causalidade recíproca – enfim, por interação! Assim, a economia influencia a cultura e esta, a economia (Bunge, que não entende bem de marxismo, mas se pôs a falar sobre, não percebe isso em sua crítica a Marx e sua tradição). O processo de ida e volta é movente, desenvolvedor, além de contraditório como contradição enquanto causa do movimento em geral. Além disso, aquilo que está dentro da causa passa a estar, depois, dentro do efeito. A ideia de acausalidade de Jung é revolucionária apenas no sentido de ser uma nova e original contribuição – errada… Coincidências acontecem, influências inconscientes do ambiente acontecem. Nem tudo se mede por probabilidade rara de acontecer ao mesmo tempo: um astronauta não pode confiar na probabilidade baixíssima de um lixo espacial acertá-lo dado o grande tamanho do espaço sideral, pois o aleatório não se limita à matemática com sua exatidão numérica. No mais, se consideramos os relatos de Jung sobre as muitas coincidências enquanto corretas, verdadeiras, elas podem esconder apenas que os diferentes fatos têm uma origem comum, uma base, uma circunstância, um padrão, uma só condição comum – além dos acasos muito prováveis, mas na aparência improváveis. A causa mecânica existe, afinal, máquinas existem… Mas em sistemas orgânicos a causalidade é muito mais complexa, como a mesma causa produzindo efeitos contrários aqui e ali; causas opostas produzindo o mesmo efeito, aqui e ali. Aliás, a causalidade vulgar de uma causa que tem uma causa, que tem uma causa, que em uma causa – deve explicar a causa primeira. Como dissemos, ela foi, uma totalidade ―causal‖, o caos da relação do vazio com o seu infinito interno, um acidente, uma causa acidental, uma concessão da probabilidade. Kant também foi outro ousado equivocado: insistiu na ideia já existente que a causalidade é uma forma subjetiva, humana, cerebral para dar ordem ao que não a tem, o mundo… Seria apenas método, gnosiológico. A ciência refuta-o todos os dias, no seu cotidiano. Einstein e Born, dois dialéticos e socialistas, os melhores de suas gerações de gênios, militaram contra o positivismo da interpretação ―correta‖ de Bohr, que apenas via o externo, as regularidade empíricas, dava forma de cálculo às manifestações; pois, supostamente, assim é se assim (a)parece. Por isso, caíram no acaso (que nada mais é que o outro lado, oculto, da causalidade, este como se por detrás), ou seja, na probabilidade incerta e inconstante. Mas o caos apenas expressa a lei e a ordem subterrâneas. A crise da física é uma crise científica geral ainda
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não devidamente reconhecida – crise da cientificidade burguesa, que se esgotou. Para fins industriais, as interpretações positivistas são úteis ao se limitarem à manipulação do real, sem compreendê-lo. Mas a essência é a causa da aparência – ir ao invisível e ao não empírico já! Se com sorte, nossa formulação anterior de teoria de tudo pode, com correções, ser a base do fim de tal crise, que ainda precisa de uma revolução social… Há uma causa, que interage externamente com diferentes causas – que se anulam, que se impulsionam, que se contradizem, que se combinam. Enfim, comum haver, entre elas, uma causa única comum. O todo é a causa das partes – as partes, e suas relações, são a causa do todo. Alguns afirmam que a relatividade de Einstein permite que o efeito venha antes da causa. Confundem manifestação e essência. Na essência, ocorre causa antes e efeito depois; mas a coisa pode aparecer invertida, na aparência. Isso acontece, por exemplo, em economia, quando a subida de juros, consequência da crise iniciando no subterrâneo oculto, aparece na economia vulgar, positivista e que vê apenas o nexo externo, enquanto causa da crise mesma. Born demonstrou que, se vemos numa perspectiva mais ampla, o acaso é uma expressão da causalidade. Lukács demonstrou que as muitas partes de uma totalidade interagindo em causalidade recíproca pode gerar relações ao acaso, acidentes de relação. Desde a teoria do caos, podemos incluir, demonstrar: as leis causais, necessárias, produzem o caos, e as contingências, o acaso como totalidade. As leis inerentes ao capitalismo produz um sistema irracional. Dado tal conteúdo pesado, vejamos um caso comum, de valor popular: quem veio antes, o ovo ou a galinha? O raciocínio semifixo pula de um para o outro, sem conseguir se decidir. Falamos de um ovo de galinha e de uma galinha de ovo de galinha. Pois bem, resposta: o processo de formação da espécie galinha é, também, o processo de formação de um ovo para si, de galinha, que ―produz‖ e comporta a espécie… Tudo parece melhor, mesmo na vulgaridade, quando treinamos o raciocínio dialético, em movimento. Na verdade, tal caso popular guarda em si uma grande questão abstrata. SIMULTANEIDADE A gravidade move-se na velocidade da luz. No social, as crises sistêmicas diferentes, do ponto de vista externo, amadurecem juntas, porque suas bases, a economia, a produção em principal, amadurecem. Se todas as partículas são espaço condensado, logo o surgir de uma altera instantaneamente, simultaneamente todo o universo, que é um só tecido. Assim como concentrar parte de um lençol esticado altera todo o objeto, ao mesmo tempo. Linhas de espaço ou de
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campo específico unem dois ou mais fótons, emaranhados quanticamente, alterando um ao mesmo tempo em que se muda o outro.
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O FIM DO PARADIGMA ARISTOTÉLICO As ideias de Aristóteles tiveram sucesso milenar, passando por toda a Idade média como teoria majoritária sobre o mundo. Mas a ciência moderna e contemporânea significa a superação de tal paradigma, que é baseado no inocente ―basta olhar‖ ou ―se assim aparece, assim é‖. Dante inicia o enfrentamento ao aristotelismo afirmando que uma obra aonde o conteúdo não é comédia tem a estrutura, a forma, de comédia. Assim, subverte a estética de Aristóteles. Depois, Cervantes tornou o conteúdo da comédia alta literatura, nada vulgar, diferente do que pensava o antigo. Segundo, o grego afirmava que o estado natural das coisas e do mundo é o repouso. Mas Galileu demonstrou que o repouso é forçado e o movimento é natural. Terceiro, afirmou que a física excluía a matemática e, assim, o quantitativo. Newton consolidou a revolução de Galileu e Copérnico com sua obra Principia, que matematizou o mundo. Ainda hoje temos o erro oposto, isto é, considerar o quantitativo sem o qualitativo e suas mudanças. Além disso, provou, contra Aristóteles, que as leis da Terra e do Céu são as mesmas, não diferentes no fundamental. Para Aristóteles, cada coisa tinha seu lugar natural por seu peso, por isso o ar ficava acima da terra. Mas os conceitos abstratos desenvolvidos de líquido, sólido e gasoso, além de plasma, superaram a visão de líquido igual à água. Kant disse que ao menos a lógica formal, aristotélica, A=A, o princípio da não contradição, estava preservada no seu tempo e para sempre. E eis que entra em cena Hegel ao, ao guardar e manter o passado, descobrir a lógica dialética, A=A e não-A, e a ideia de que o mundo objetivo é autocontraditório, em movimento e em contexto. Ademais, superou a separação aristotélica de ontologia (metafísica) em um canto e dialética em outro. Outra concepção resiliente foi a ideia do mundo enquanto mecanismo ou máquina. Assim, passamos das esferas cristalinas universais, que governavam o mundo para os medievais e antigos, para uma concepção coisal do universo. Apenas o hegelianismo e o marxismo fizeram um combate de frente contra tal visão, defendendo o ―todo orgânico‖ em desenvolvimento e em processo mais do que circular repetitivo. A física e a química desde o século XX também têm dado grandes aportes novos sobre. Para Aristóteles não existia o ―espaço‖, havia apenas o ―lugar‖ concreto. Porém, Einstein demonstrou a concretude espacial.
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A concepção classificatória dos seres, por características comuns, elevada por Aristóteles foi substituída pela cladística, que organiza os seres biológicos segundo a teoria da evolução, ou seja, segundo sua história evolutiva. Até o fim da primeira metade do século 20, até anteontem, continuou em pé a hipótese aristotélica do éter, meio por onde a luz fluiria. Mas, sabemos hoje, há pouco tempo, que tal substância não existe, descartada. Nesta obra, incluímos o espaço, não o campo, enquanto meio e meio da luz. Em resumo, a ciência atual é a refutação da construção aristotélica, baseada nas aparências. As ideias de Aristóteles pareciam, assim, autoevidentes. Por exemplo, um corpo pesado cai naturalmente mais rápido que um corpo leve – no entanto, sabemos que isso se deve ao atrito e resistência do ar; no vácuo, caem quase exato ao mesmo tempo, com desprezível diferença. Nesta obra, uma das formar de superar Aristóteles é separar, de vez, metafísica da reflexão sobre algum Deus ou algo do tipo.
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TRABALHO, LINGUAGEM E SOCIABILIDADE Demonstramos antes, em nossa metafísica, que trabalho é uma categoria central de todo o Ser, não apenas no ser social, não apenas trabalho humano. Assim, o ser imediatamente anterior ao o primeiro humano já trabalhava, como trabalho biológico, como animal. Lukács afirmou que o trabalho (humano, social) é fundante do ser social. Mas como surgiria aquilo que dele depende e de que ele também tem dependência – a linguagem e a sociabilidade? A resposta dele foi esta: os três sugiram juntos, ao mesmo tempo, mas todos de modo leve, inicial, primário – e foram, então desenvolvendo-se reciprocamente, com o trabalho como ―centro‖, ou primeiro motor na prática. Pois bem; essa forte hipótese pode ser contraposta por outra, que aqui apresento: de modo leve e inicial, a sociabilidade e a linguagem humanas sugiram antes de trabalho (humano), dando condições, então, para este último surgir. Depois de iniciado o trabalho humano, apenas depois disso, ele passou a ser de fato o centro e o centro desenvolvedor principal da linguagem e da sociabilidade, cada vez mais complexos por seus lastros no trabalho social (além, é claro, da ação recíproca entre eles, deles). Para clarear, vejamos outro caso. Se não tivéssemos dados empíricos sobre a origem do capitalismo, naturalmente teorizaríamos que o comércio, o dinheiro e a produção de mercadorias surgiram ao mesmo tempo e juntos de modo leve, de modo primário… Mas não foi o caso: o comércio e, depois, o dinheiro surgiram antes, dando base material para surgir, apenas daí, o centro, ou seja, o trabalho produtor de mercadorias e assalariado e a produção capitalista. Dialética: os pressupostos tornaram-se, então, postos – o posto torna-se, logo, pressuposto. O trabalho é de fato o ―centro‖ e o fundante, mas sua história tem uma pré-história mais complexa. O processo concreto apenas pode ser descrito pela pesquisa arqueológica e antropológica – se for possível. Todo início tem sua dificuldade de compreensão: como surgiu o universo? Como surgiu a vida? Como surgiu o ser social? A distância, a simplicidade e a falta de dados empíricos complicam toda a pesquisa. Deduções, argumentos e generalizações passam a ter importância vital. O simples é, assim, o complexo. A religião baseia-se em tal ignorância parcial para afirmarse, até mais uma vez ser superada. Sabe-se que as condições para a vida, por exemplo, exige muita energia, um meio solvente (água) e compostos moleculares ricos, possivelmente baseado necessariamente em carbono, que é capaz de fazer as corretas ligações atômicas. O resto são hipóteses baste corretas, correspondentes: energias termais do fundo do oceano, atmosfera ativa e com raios, raios cósmicos etc. Não temo como, de início, o início não ser confuso.
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METÁFORA E COISA Muitos cientistas apelam para a metáfora como meio de explicar, mas logo o exemplo imaginativo torna-se exemplo supostamente real, exemplar – eis o fetichismo na ciência. Na outra ponta, Kant e Hegel são contra exemplos, pois, dizem, deve-se acessar a ideia pura, mas ambos acabaram por exemplificar inúmeras vezes. São duas armadilhas. Vi um ótimo divulgador científico afirmar que a entropia é aumento de desordem (não é, na verdade, pois o foco é na energia, não na matéria) com o exemplo de um prédio explodir e ser impossível reunir seus pedaços. Outro caso é o da maçã que degenera, apodrece. Ora, se o universo se reúne novamente e reinicia-se, se a maçã teve antes de surgir, desenvolver-se e amadurece; logo a entropia é e segue válida, mas também à, acima, energia em busca de mais energia. Temos o paradigma da coisa, ou melhor, da mercadoria, quando se quer usar um objeto, como máquina ou computador, como paradigma, ou mesmo algo sensível e direto. Um dado, porque não conhecemos e não temos a medida de todos os fatores, é apenas um jogo aleatório, de acaso, não probabilístico. Para nós, reina o acaso, mas há uma causalidade complexa oculta no seu jogo (o acaso é a causalidade por acidente, acidental – o abstrato é o concreto em processo). Por outro lado, a probabilidade é como conseguimos acessar a realidade, que é determinística de modo oculto, no fundo, difícil de acessar. Peguemos o caso dos pedaços do prédio e transformemos cada parte, por salto, em pedados de universo, em galáxias ou aglomerados de galáxias; ora, esses ―pedaços‖ serão atraídos uns pelos outros e formarão, de novo, algo uno, reiniciarão o universo em nova geração universo, por repulsão nova após a atração. No mais, há um desafio que pode, talvez, mesmo renovar ainda mais a dialética, para além do que este livro fez. Olhando nossa geração universal, vemos que o mundo vai do simples ao complexo. Mas pode ser que ele vá, também e depois, do complexo ao simples (diz-se que um buraco negro é bastante simples). Vemos, assim, apenas a aparência e metade da verdade, pois a entropia, correta, também tem energia em busca de mais de si. MECANICISMO E TRABALHO A realidade é um sistema orgânico: tem causalidade recíproca, mudanças qualitativas, contradição, desenvolvimento etc. Mas a ciência moderna caiu no mecanicismo determinado, ou seja, a realidade seria como certa máquina repetitiva, sem mudanças qualitativas, sem contradição, apenas ordem, fixa etc. O erro tem origem no nível da ciência naquele, daquele, tempo. Segundo Born, caiu-se, termo dele, no mecanicismo indeterminado, ao a física quântica negar a causalidade dentro do acaso (a identidade dos opostos, acaso é, visto no mais amplo, algo causal), ao não considerar o qualitativo e seus saltos etc.
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O mecanicismo fez escola. Aristóteles adotou o trabalho artesão como seu modelo, algo próprio do mecanismo. Assim, um deus artesão formou o universo, um primeiro motor imóvel. Daí que ele tenha pensado, desde o mecanicismo do trabalho, as suas quatro causas (matéria, forma, causa, teleologia ou finalidade). O trabalho também afetou Hegel com sua versão de unidade e identidade sujeito-objeto (nesse formato, válido apenas à arte e à psicologia – apresentamos outro ―modelo‖ em capítulo anterior); daí, também, pensar que a razão, a planejadora do trabalho, é o que move a realidade, o Espírito absoluto hegeliano. Lukács cai no mesmo erro mecanicista do trabalho, reduzindo-o ao social, por isso pensando a teleologia como apenas subjetiva, algo da pré-ação humana. Não viu a teleologia objetiva e inconsciente. O marxismo cai nesse erro quando deixa de ver que a causalidade é recíproca, colocando a economia ou a produção como centro absoluto de tudo sem mais. O PRIMEIRO MOTOR Lukács cai em idealismo ao considerar a razão ou a idealidade como motor primeiro, sendo a categoria central do trabalho a teleologia. Para ele, focado nesse indivíduo que faz a história, pensamos em fazer o machado; então, fazemos o artefato; então, mudamos o meio ambiente, o mundo; então, o mundo nos muda; então, o novo ambiente exige de nós uma segunda teleologia. E assim por diante o processo repte-se, circular-espiral. Ora, a consciência é a busca permanente do permanente na mudança. É porque a realidade muda, que a mente eleva-se de seu patamar anterior. Uma mudança forte e inesperada do real, força a ainda buscar o permanente – o que é base para a criatividade. O primeiro motor é o mundo. Como isso acontece, apenas a pesquisa e a antropologia especializada poderá dizer. Vejamos casos hipotéticos. Uma mudança de clima em todo o mundo, seja por abundância seja por escassez, permite à mulher coletora na antiguidade pré-histórica perceber que da semente nasce a planta nova, o que inicia a agricultura. No mundo todo, a agricultura surgiu na mesma época, o que sugere uma causa comum (um clima que força ou, ao contrário, favorece perceber com rapidez a causalidade semente-árvore). O mundo força a teleologia ou dá suas condições.
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CRÍTICAS CONTEMPORÂNEAS À METAFÍSICA Mostramos que a metafísica materialista supera bem as objeções kantianas. Mas cabe algum espaço à crítica comum. Vejamos, então, os principais autores. Friedrich Nietzsche. Sua crítica era contra o mundo duplicado metafísico (mundo das ideias e formas contra o mundo da matéria etc.). Ele e o marxismo194, afirmam a unidade do mundo. Mas a unidade, na dialética, não nega a diferença e a duplicidade dentro de si, ao mesmo tempo. O outro lado é, dissemos, à maneira de uma quarta dimensão. Não por acaso, ele é o pai do irracionalismo filosófico. Martin Heidegger. Denunciou que a filosofia afastou-se do Ser, mas, ao focar nele, o separa do ente. Depois, de modo arbitrário, coloca o homem, o ser-aí, como a expressão direta de todo o Ser. Na dificuldade, apostou na quebra da linguagem. Ele não entende quase nada da ciência de sua época, não viu na cientificidade a pista para uma nova metafísica, correta em seus aspectos gerais. Analíticos. Tal escola atua para, na prática, destruir a filosofia. Negam as questões de ontologia, ou seja, de metafísica, e afirmam que a tarefa do filósofo é meramente esclarecer conceitos… Em vez de darem um passo à frente, logo quando a metafísica pode concluir sua história universal, dão passos atrás. Positivismo. O mau cientificismo acusa a metafísica porque confiam apenas naquilo diretamente verificável, empírico. Não veem que do empírico partimos para o não empírico, que da física chegamos à metafísica, que o argumento sustentável também faz parte da verdade na ciência (neste caso, por exemplo, se o Ser é possibilidade de ordem e finito, o Nada anterior é, ao contrário, vazio infinito e caótico). O positivismo mereceu sua crise, pois nem tudo são as aparências com suas leis apenas externas. Como vemos, os críticos atuais da metafísica não são boa companhia, atrasam o desenvolvimento científico e filosófico.
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O socialismo é a imanente transcendência imanente deste mundo em outro. Duplicação do mundo no tempo e na previsão teórica.
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AS DUAS OPOSIÇÕES CIENTÍFICAS Desde a vitória do retumbante materialismo sobre o idealismo; duas oposições surgiram, ganharam relevo maior: 1) reducionismo contra dialética; 2) substancialismo contra relacionalismo. O reducionismo diz que o todo nada mais é que a mera soma de suas partes, que algo pode ser reduzido aos seus elementos básicos constituintes, que as partes são iguais, que não há mudanças de qualidade. Já a dialética afirma que as partes são elas mesmas e suas interrelações recíprocas, que o todo tem propriedades que as partes isoladas não têm, que as partes são qualitativamente diferentes umas das outras e operam saltos qualitativos, que as partes ganham novas funções no todo quando deixadas de ser observadas isoladamente. A realidade é como um organismo vivo, orgânico, incluso com história, não como certa máquina ou qualquer objeto. O reducionismo, enquanto premissa errada, pode fazer avançar a ciência – mas só até certo ponto, quando encontra uma parede intransponível. A genética cresceu muito de modo reducionista, por exemplo. Bunge fala em ―sistemismo‖, sua suposta descoberta. Ele funde, de maneira dialética, mesmo sem reconhecer isso, o holismo, que foca no todo, e o reducionismo, que foca nas partes, nos elementos individuais, no atomismo. Usa ambos. Pois bem; ele, sem o querer, plagiou Hegel… Até o nome é o mesmo: o alemão nomeia ―método sistemático‖ ir das partes até o todo, do abstrato (isolado, individual) até o concreto (totalidade rica, integrada). É como aprender vogais primeiro, consoantes depois, sílabas em seguida, palavras após, frases logo, texto completo posteriormente… Do abstrato ao concreto. No Mais, Bunge deixa de ver a história tanto das partes como do todo, que deve ser vista, além das leis históricas como as gerais. Como poucos leem A Lógica de Hegel, menos ainda entendem, menos ainda devoram os três livros até o final; poucos sabem que o método do abstrato ao concreto, sistêmico, tratado por Marx como seu método já está exposto ao mundo pelo outro alemão, no final de sua grande obra. Quanto à oposição unilateral entre relacionalismo e substancialismo, este livro supera ambos em quase todas as suas páginas. Assim, o espaço e a massa seriam ou relacional ou substâncias; a essência humana seria ou relacional ou natural-substância; seríamos determinados pela biologia e genética ou pela construção social; a realidade humana seria materialista ou idealista; a psicologia seria relação homem-homem ou homem-objeto; a crise sistêmica seria econômica ou baseada na urbanidade elevada; o centro seria as forças produtivas ou as relações de produção; etc. Vale notar que as oposições científicas costumam estar acompanhadas por posições políticas e visões de mundo opostas, mesmo nas ciências naturais. Daí que Margaret Thatcher tenha dito,
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ao modo reducionista, que não há sociedade, apenas indivíduos. Daí que a classe trabalhadora inglesa, ao modo dialético, tenha se reunido para comemorar sua morte nas ruas. SUBSTANCIALISMO E RELACIONAISMO A ciência e sua filosofia caíram em duas teses unilaterais e opostas, a de substância e a de relação. Assim, a massa ou é substância ou relacional, o espaço existe de modo absoluto ou é apenas expressão de relações, a evolução das espécies é ou relaciona (lamakismo) ou genético. O substancialismo chegou a pensar que o calor seria uma partícula calorífera. Em Aristóteles, em sua metafísica, tal oposição limitante já existia: Mas, é absurdo dizer que são os mesmos para tudo: de fato, dos mesmos elementos derivam tanto as relações como a substância. E qual poderia ser esse elemento comum? Além da substância e das outras categorias não existe elemento comum; o elemento existe anteriormente àquele de que é elemento. Na realidade, nem substância é elemento das relações, nem qualquer uma das relações é elemento da substância. (Aristóteles, 2002, p. 551)
Pode-se perguntar se são diferentes ou idênticos os princípios e as causas das substâncias e das relações e do mesmo modo para cada uma das outras categorias. A teoria substanciaista do espaço de Newton imperou por muito tempo, mas começou a ser superado por Einstein ao se descobrir, a partir de suas teorias, que o espaço curva-se em relação com a matéria e movimenta-se. Neste livro, a ideia de que a matéria e a luz decaem em espaço visa superar também a oposição limitante entre substancialismo e relacionalismo. A verdade está no terceiro ―excluído‖. É verdade que somos, por exemplo, determinados pela genética, mas também é verdade que o ambiente nos altera reativamente. Os descendentes de um povo que passou fome tende a ter mais capacidade de acumular gordura. CIÊNCIAS FETICHISTA E RELACIONALISTA Em outro livro, expomos os dois erros impressionistas e unilaterais que parece caírem todas as ciências de todas esferas do ser – inorgânico, biológico e social: a teoria fetichista e a teoria relacionalista. A verdade está em um terceiro que superar tal oposição. Pensa-se a massa como propriedade relacional, o espaço como apenas relacional, o comportamento como apenas relacional (social) ou apenas natural etc. Lembramos que a palavra fetiche aqui de modo algum tem o significado comum do cotidiano; é prender-se em demasia ao empírico e tomar como natural, propriedade da coisa, algo que tem outra origem; o ouro tem um valor dado socialmente, pelo tanto de trabalho exigido para sua extração, mas parece ser seu valor uma propriedade
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natural dele, como se brotasse junto da terra; outros pensam, erro oposto, que o valor das mercadorias tem origem relacional, da comparação entre elas. Marx começa O Capital exato contra as duas unilateralidades. Vejamos o caso da física: o espaço e o tempo são relacionais, como pensava Leibniz, ou substâncias absolutas, atributos de Deus, sem origem nem fim, como pensava Newton? Nem um nem outro. Einstein começa resolver a polêmica, pois 1) o espaço e o tempo são apenas um, 2) o espaço-tempo é relativo, 3) sofre efeitos da matéria, pois tudo este interconectado, mesmo que fracamente. Além disso, hoje sabemos que o espaço está em movimento – e por quê? Penso ajudar em mais um passo na polêmica, resolvendo os opostos, com a concepção de espaço-matéria, pois o espaço-tempo não é absoluto e sem história, a matéria torna-se espaço, o espaço condensado torna-se matéria. Parece que a questão foi resolvida em seus aspectos centrais. A matéria-luz (energia), por meio do trabalho, decai em espaço. Pensava-se que a evolução das espécies vivas era relacional, como se a girafa esticasse o pescoço porque a comida está alta demais nas árvores; depois, caiu-se no erro oposto da pura genética e no darwinismo social. Hoje, é fato que há mudanças, ainda que apenas parciais, causadas pela experiência paterna (pais que passaram fome têm filhos com maior tendência a reter energia no corpo) ou ambientais (tese: nossa genética total tem partes mais firmes, que não mudam tanto ou com facilidade, juntas com partes mais maleáveis, com mais riscos, com mais imprecisão e menos essenciais). Além disso, certa mutação genética aleatória deve ser afirmada ou reprovada pelo meio ambiente; uma positiva mutação em si, como a mudança de cor da pele que melhor camufla, pode gerar reação da mãe do filhote mutado, matando-o. Isso significa que há um trabalho genético de DNA, RNA, de gene, de cromossomos que regula a existência (além disso, sabe-se, ou melhor, suspeita-se na ciência recente que uma parte do material genético é mais ―duro‖ e o outra, menos ―protegida‖, menos ―conservada‖). Eis que o trabalho atua contra o relacionalismo e o fetichismo! Em geral, a resolução das teses opostas vindas de teóricos marxistas conflitantes, aconteceu superando, também, o relacionalismo e o fetichismo (substancialismo). Por exemplo: Kondratiev pensava ciclos longos do capital determinado apenas por questões objetivas, mecanicistas, mais ou menos de 50-60 anos – fetichismo; na outra ponta, Trotsky pensava que não havia temporalidade, sequer tendencional, nos ciclos longos, pois passava as mudanças e as ações das superestruturas e da luta de classes – relacionalismo. Ambos acertam e erram, são unilaterais, embora Trotsky tenha sido mais sofisticado; isso significa que há uma tendência de 100 anos para cada macrociclo, que inicia na fase de ―transição‖, não do ascenso, e com a correspondente revolução industrial. O marxismo também caiu no fetichismo e no relacionalismo entre aqueles que colocam prioridade às forças produtivas ou, ao contrário, às relações de produção. Isso
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produz os marxismos unilaterais, uma disputa entre economicistas e sociológicos. Superando os dois extremos, vê-se que eles são juntos, ambos centrais, e apenas a análise concreta pode dizer o peso de um ou outro na prática. Assim, a oposição entre forças produtivas e relações de produção é unificada por Marx no conceito modo de produção. O relacionalismo nas ciências humanas revela-se, em principal, com o pós-modernismo, que afirma ―tudo é construção social‖, que a essência humana é fruto apenas do ambiente, que nosso aspecto biológico é neutro etc. Na outra ponta, retornam elementos teóricos de biologismo, geneticismo etc. Para irmos ao próximo ponto, levantemos ainda duas questões internas. As partes e o todo fazem com que o todo seja mais do que a mera soma e união das partes, pois ele é tanto as próprias partes (substância) e suas interações (relações), estas não existiriam sem aquelas. Os marxistas usam a frase de O Capital: o capital não é coisa, mas relação social por meio de coisas. Ora, isso não anula de modo algum o papel das coisas, pois se é por meio delas, e elas são historicamente específicas da época do capital. Marxismo, quando acerta o alvo, não é relacionalismo, pois é sua suprassunção. Vejamos algumas das oposições tratadas nem neste livro: SUBSTANCIALISMO Por leis
objetivas
RELACIONAISMO o
capitalismo
será O
capitalismo
apenas
cai
substituído pelo socialismo
conscientemente derrubado
As forças produtivas impõe a robotrização
As relações de produção imperam
se
for
Há a queda da taxa de lucro para níveis Há queda do investimento baixos absolutos Os macrociclos do capital são fixos
Os macrociclos do capital tem duração dependente de fatores extraeconômicos
O dinheiro é endógeno
O dinheiro é exógeno
Por estar na produção, as revoluções Por seu grande número e concentração, as socialistas será de liderança operária
revoluções socialistas serão de base popular e urbana
O socialismo caiu por fatores objetivos
O capitalismo foi restaurado por ação da burocracia
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A essência humana é natural
A essência humana é histórica
A noção de beleza é natural
A noção de beleza é social ou individual
A homossexualidade é natural
A homossexuaidade é social
As falsas notícias são fruto da tecnologia
As falsas notícias são fruto do meio vigente
O homem é determinado pela biologia
O homem é determinado pelo meio
O central são as forças de produção
O central são as relações de produção
Há o fim do trabalho
Há permanência do trabalho
A vitória da revolução depende, em última A vitória da revolução depende de fatores instância, das lideranças, incluso individuais
objetivos, podendo ser liderada, portanto, por figuras e por organizações menores.
Para ver a resolução desses opostos unilaterais, convido à leitura do livro A crise sistêmica, deste autor. MARX ENTRE O RELACIONALISMO E O SUBSTANCIALISMO Em outros momentos desta obra, explicamos como o bom marxismo supera a oposição entre relacionalismo e substancialismo, ambos unilaterais. Lógico que há relações, que não são coisa, e que há substância, mas é comum uma ―terceira resposta‖ nos objetos de estudo mais complexos. Nesse sentido, vejamos um erro imenso de Rubin. Para ele, o trabalho abstrato não é trabalho, substancial, mas relação feita na troca, algo sociológico. Assim, o trabalho só se torna abstrato no comércio, pois é aí que os trabalhos concretos são igualados, possuem valor (ver-se outra oposição do tipo; ora, o valor surge apenas na produção, mas se revela e só se realiza apenas na circulação, ambos baseiam o valor). Como se fosse nada, Rubin se vê forçado a citar trechos onde Marx associa trabalho abstrato com atividade de trabalho: ―Se prescindirmos do caráter concreto da atividade produtiva, e portanto da utilidade do trabalho, o que permanece dele em pé? Permanece simplesmente, o ser um dispêndio de força de trabalho humana. O trabalho do alfaiate e do tecelão, ainda que representem atividades produtivas qualitativamente distintas, tem em comum o ser um dispêndio produtivo de cérebro humano, de músculos, nervos, braços etc.., portanto, neste sentido, são ambos trabalho humano‖ (C., I p. 11). (…) ―Todo trabalho é, de um
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lado, dispêndio de força de trabalho humana sob uma forma especial e voltada a uma finalidade e, como tal, como trabalho concreto e útil, produz valores de uso‖ (C., I, pp. 13-14). (Marx apud Rubin, 1987, p. 150)
Mas, no lugar de ir para frente, aceitar as palavras de Marx, Rubin vai para o lado como um caranguejo. Ele não vê que o uso da força de trabalho, que é natural, ainda que socialmente modificada ou desenvolvida, faz, com o trabalho, a mediação do social e do natural. Ele coloca uma parede entre o social e o natural neste aspecto: De duas coisas, uma é possível: se o trabalho abstrato é um dispêndio de energia humana em forma fisiológica, então o valor possui também um caráter material reificado; ou então, o valor é um fenômeno social, e o trabalho abstrato deve ser entendido também como um fenômeno social, relacionado a uma determinada forma social de produção. (Idem, p. 151)
Então, cai na oposição não dialética ou-ou, ou isto ou aquilo, como se não houvesse um ―terceiro excluído‖ a incluir. Ele salta do natural ao social, sem mediação. É curioso como Rubin se vê forçado a citar Marx contra ele mesmo, mas ainda insiste no relacionalismo puro. Diz o fundador do marxismo, afirmando que o trabalho abstrato existiu por eras, mas a diferença atual é que se consolidou, contra o argumento ―historicista‖, como algo apenas de nosso tempo: ―(… )Assim, a abstração mais simples, que a Economia moderna situa em primeiro lugar e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, só aparece, no entanto, nesta abstração praticamente verdadeira como categoria da sociedade moderna‖ (Marx apud. idem p. 161)
Rubin finge que não vê, diz que não foi nada – e leva mais socos. Vamos agora à demonstração de que Marx, de modo implícito, não explícito, ainda que com passos tortos, evita cair no relacionalismo ou no substancialismo, neste caso abarcando ambos. Vejamos a nota de rodapé produzida pelo autor criticado: Na primeira edição alemã de O Capital, Marx resumiu a diferença entre o trabalho concreto e o abstrato da seguinte maneira ―segue-se do que dissemos que uma mercadoria não possui duas formas diferentes de trabalho, mas um único e mesmo trabalho é definido de maneiras diferentes e mesmo opostas, conforme esteja relacionado ao valor de uso das mercadorias como seu produto, ou ao valor mercantil como sua expressão material‖ (Kapital, I, 1867, p. 13; grifos de Marx). O valor não é
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produto do trabalho, mas uma expressão material, fetiche, da atividade laboriosa das pessoas. Infelizmente, na segunda edição Marx substituiu este resumo que destaca o caráter social do trabalho social pela bem conhecida sentença conclusiva da Parte 2 do Capítulo I, que deu a muitos comentadores uma base para compreender o trabalho abstrato num sentido fisiológico: ―todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força humana de trabalho no sentido fisiológico‖ (C., I, p. 13). Parece que o próprio Marx percebeu a inexatidão da caracterização preliminar de trabalho abstrato que dera na segunda edição de O Capital. Prova notável disso é o fato de que na edição francesa do Livro I de O Capital (1875), Marx achou necessário completar essa caracterização: aqui, na página 18, Marx deu simultaneamente ambas definições de trabalho abstrato…‖ (Idem, p. 163)
Assim, ele quase percebe o que está diante de seu nariz, mas recua – nem relacionalismo nem substancialismo. Rubin diz que até o valor é relacional, algo da troca. Não uniu produção (substância) e mercado (relação), tornou-se unilateral. Além disso, o trabalho social é trabalho também individual como necessidade natural do homem, algo desconsiderado por Rubin. Não é suficiente ter olhos para ver – aceitar dói mais. Toda a genialidade de Rubin sucumbe ao adotar premissas, como a sociológica e a relacionalista, no lugar de criticar-se desde o objeto. O abstrato é o concreto em processo – o trabalho abstrato é o trabalho concreto em processo, ou seja, no tempo (processo) e como gasto de energia de trabalho (processo). Hegel afirma na sua Lógica: aquilo que está na causa continua-se, transfere-se, na consequência. Ele cita a água da chuva que passa para o chão agora molhado, ambos com água. Assim, o trabalho abstrato, a energia de trabalho, passa para a mercadoria como valor. O trabalho abstrato, como gasto e transferência de energia humana (abstrato), é causa do valor. Rubin conclui suas observações citando Marx, quando este afirma que se todas as empresas aumentassem a intensidade do trabalho ao mesmo tempo e da mesma forma, nada mudaria, o valor expresso em dinheiro nas mercadorias seria o mesmo, nem mais nem menos. Ora, isso não acontece, pois a regra e a realidade é alguma empresa ou setor aumentando a intensidade por si, de modo desigual em relação a outras empresas e setores. O tempo de trabalho socialmente necessário como medida do valor é impreciso, imperfeito, inexato; pois o valor não vem do tempo, vem da energia, incluso cerebral, do homem. Assim, Marx afirma na sua grande obra algo do tipo: 12 horas de trabalho produz X valor, mas se aumentamos a intensidade do trabalho, no mesmo tempo, a quantidade de mercadorias produzidas será maior e a quantidade de valor também será maior, não alterando o preço individual do produto nesse nível de abstração. Se o operário leva 2 minutos para produzir dada mercadoria, mas, por maior velocidade da mesma máquina, produzir em apenas 1 minuto o mesmo produto, logo a quantidade de valor é igual,
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antes e depois, pois antes, em 2 minutos, e agora, em 1 minuto, são gastos a mesma quantidade de energia humana. Os trabalhos privados de fato se igualam no comércio, na circulação, mas porque, ao mesmo tempo, se igualam como trabalho abstrato, gasto de energia, de fato na produção. A superação do substancionalismo e relacionalismo puros pede passagem. Dizer que a igualação é algo do mercado é cair no erro de Aristóteles, criticado por Marx jpa no início de sua grande obra, de considerar que não há igualdade real, apenas existe o artifício de igualação para fins práticos. Marxismo não é relacionalismo! Hegel, fundador da moderna dialética, inspirou Marx ao dizer que, primeiro, há, no fundo, a substância e, segundo, ela – esta substância – expressa a si mesma nos seus ―acidentes‖, que estão, no externo, em interação livre, solta, (o mercado!) como se não houvesse o lado de ―dentro‖, digamos assim, o substancial. Assim, Hegel funde, na diferença, substância e relação, substancialismo e relacionalismo. Eis uma das bases ―literárias‖ dos primeiros capítulos d‘O Capital, em especial o primeiro. A verdade está em um terceiro, o excluído incluído.
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PLATÃO E NIETZCHE O leitor acostumado percebe os dois filósofos como inspiração interna, oculta, de outra obra, A crise sistêmica. De certo modo, reescrevemos a República de Platão. Por exemplo, há referência às três ondas plantonistas (os macrociclos do capital), o fim da família e da propriedade privada, os ―filósofos‖ no poder etc. Sendo Platão uma inspiração oculta e culta de Marx; na obra citada, A República, o grego fala em ―pessoas acorrentadas‖ numa caverna, a alegoria da caverna, o que estimulou o alemão, milênios depois, dizer aos trabalhadores: ―Vós não tendes nada a perder a não ser vossos grilhões!‖. Eis a metafísica materialista por detrás do marxismo! Vale uma digressão: na versão inicial, pomos Cronos, deus do tempo, o valor, contra Zeus, deus do raio, da energia, a classe operária – relacionando as eras, com Hera. A mitologia e a realidade casaram-se. Quanto a Nietzsche, façamos uma digressão própria. Pluralismo O sistemismo de uma obra é um sinal de sua verdade e de sua qualidade, de um esforço e de um nexo real expresso no nexo textual, conceitual. Tal modo de expor pode agregar dentro de si o pluralismo das formas de exposição. Dinamismo Mas qual dinamismo? O marxismo afirma que o movimento é desenvolvimento, movimento contraditório. O irracionalista reconhece a contradição, mas concebe o movimento como puro caos e apenas. A vida individual de fato é caótica. A vida social, o todo, tem ordem em seu caos. Uma alternativa é o indivíduo ligar-se mais ao todo para dar rumo e ordem, sentido – o socialismo ordenado. Perspectivismo No lugar de ir ao argumento dedicado, ele analisa os diferentes pontos de vista e ângulos. Ora, ambos podem ir juntos. Aqui, também, usamos o estilo contrito e direto. Experimentalismo Ele arrisca, diz. Aqui, nesta obra, o experimentalismo é uma forma científica de ser filosófico. Damos, então, rumo ao seu instinto.
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Além-do-homem, super-homem Para ele, tal ser surge por alguém sofrer muito e viver a arte. Outro modo de ver: o homem fazendo a si mesmo, criatura e criador de si. Oferecemos outro caminho, pois ainda sequer somos homens e, além disso, no futuro superaremos nossa condição de espécie (programação genética etc.). Apolíneo e Dionisíaco Afirma que focamos, desde Sócrates, na razão, esquecendo a paixão e a emoção, o gozo. Logo, defende a posição última. Se formos rigorosos, devemos fundir ambos, um ajudando o outro e vice-versa. Moral Sua moral busca a origem da moral na divisão de classes. Mas ele foi, de fato, elitista. Isso se prova na sua campanha contra a Comuna de Paris. Ao menos, ele busca a reflexão do valor dos valores, historiciza-os também. A vontade de potência Ele me inspira, junto com Clóvis de Barros, a pensar todo o Ser como energia em busca de mais energia, não apenas a vida. Ele pensou em termos cosmológicos, o que é incrível. Mas, para nós, a energia (para ele, força), vê como central sua expansividade, não sua concentração. Forças Para ele, tudo era um jogo de forças, no plural. Aqui, demonstramos que a categoria força é superada por espaço, campo e energia. Para ele, as forças fazem o espaço; para nós, a matéria decai-se em espaço. Se mantemos a categoria, para nós, há apenas uma ―força‖. O eterno retorno Como metáfora, seríamos felizes se nossa vida repetisse igual a igual para sempre? Trataríamos como sorte ou azar? Parece que ele considerava como algo também cosmológico. Neste ensaio, atualizamos sua intuição física para a ideia de que o universo reinicia-se para o ponto inicial, retrai-se após expandir-se. Além do mais, além do universo ter gerações ciclos, também houve de fato um início de tudo e do tempo, depois do vazio infinito. Em Nietzsche, porém, não há começo real.
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Amor fati A ideia de, de modo ativo, aceitar o mundo, ser alegre com ele tal como é, de modo, repetimos ativo. Isso casa com o marxismo: ser ativo e buscar a felicidade hoje, e já, não amanhã. Se todos buscassem uma vida que vale a pena, o capitalismo cairia. Fusão arte e vida Diz do futuro como fusão de ambos. Adapto isso no uso constante do conceito de ficção. Além do mais, o realismo diz que o socialismo será a poesia concreta. Uma obra digna tem de estar pousada no ombro de antigos gigantes. A refutação dialética não é apenas negar uma teoria ou filosofia, com porcos adjetivos, mas aproveitá-la no que ela tem de verdade, desenvolvê-la, levar a tese adversária até as últimas consequências, modificá-la e adaptá-la. Eis o ensinamento de Hegel e Adorno.
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DIALÉTICA DIFERENÇA NA UNIDADE A unidade e identidade dos opostos na lógica de Hegel é uma conquista de toda a civilização. Mas erros acontecem por se confundir forma com conteúdo, aparência com essência, conjuntura com estrutura etc. É preciso ver a diferença também. Nesse sentido, estamos com Adorno e Althusser, unindo ambos. A aparência nem sempre releva de todo a essência, pois o mudo que aparece pode ser, por exemplo, o oposto do mundo essencial, mesmo aquele estando dentro deste. A mesma forma pode servir a conteúdos diferentes, até opostos. O mesmo conteúdo pode ter diferentes formas. O MAIS ABSTRATO O mais geral é o mais simples e o mais abstrato, serve de base – a célula na biologia, a mercadoria no capitalismo, o átomo na química. Em método, devemos pegar o todo, ver suas partes em seguida, decompor, decompor – até alcançar o conceito real mais abstrato, mais puro, mais geral e invisível. Assim, temos o valor na economia; assim, temos a energia-espaço na física e na química (e na biologia, e o valor é energia); assim, o Bem em Platão. É outra forma de abstração, que não se reduz a isolar, a separar; também vê tal unidade interna oculta de tudo, do todo. Portanto, chegamos ao espaço, pobre em características (determinações etc.) e à energia apenas indiretamente observável. Levamos o limite mecanicista – decompor o todo em partes iguais, reduzir o todo às partes etc. – do método de Descartes até as últimas consequências, superando-o. Vejamos. O método cartesiano propõe dividir um problema, uma totalidade, em partes, tantas quantas forem necessárias – isolá-las e, então, sendo mais simples, logo compreensíveis, tratar com elas como modo de saber do todo. Do que isso se diferencia do método abstratoconcreto de Hegel e Marx? Curioso notar que os marxistas que afirma ser o método de Marx o ―abstrato-concreto‖ não leram ou não entenderam a Lógica de Hegel até o final do último, terceiro, livro. O método é, antes, de Hegel, o sintético, não de Marx ou dos economistas políticos… Ademais, n‘O Capital, Marx corrige seu caminho, mostrando, de modo relativo, que o abstrato faz, sim, o concreto e a totalidade num processo lógico-histórico, mais aquele do que esse, claro (o abstrato, as abstrações, é o concreto em autoprocesso). A questão é que a dialética volta a reunir as partes, a integração, o todo ―síntese de múltiplas determinações‖. A dialética sabe que as partes dependem do todo; que o todo tem propriedades inexistentes nas partes; que o todo e as partes são contraditórios, com saltos de qualidade e em desenvolvimento.
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Chasin, ao criticar Lukács, afirma que o marxismo não opera com ―abstrações razoáveis‖, instintivas e decididas pelo pesquisador. Não separamos as partes, não fazemos abstrações, de modo como escolhemos ao modo de Descartes. Na pesquisa do próprio objeto, desprovido de qualquer critério antecipador, o pesquisador vai descobrindo as abstrações, as partes, as divisões e como decompor a totalidade. Assim, nenhum critério anterior, artificial ou gnosiológico guia a pesquisa, pois vamos direto ao objeto. É ao pesquisar que descobrimos como separar, dividir, abstrair o real. MÉTODO DE EXPOSIÇÃO CRÍTICO O método pode ir do simples ao complexo, do passado ao futuro, do abstrato ao concreto. Ademais, um método possível é o crítico: exponha-se a ideia do adversário de maneira honesta, ponto a ponto, então se faz o comentário crítico. A própria ideia é apresentada na maneira de uma crítica, passo a passo. Pode-se, por exemplo, expor todas as teorias relevantes sobre Ética, dos antigos até os contemporâneos, ao mesmo tempo em que a própria ideia é exposta por contraste e por refutação. Todas as teorias quânticas podem ser expostas, discordando delas, demonstrando seus limites, rumo à solução. O precursor disso foi Marx com suas ―teorias da mais-valia‖ e outros manuscritos. MODELOS Parte da ciência foi ao racionalismo, unilateral. Alguns, o dedutivo a partir de postulados e leis intuídas, uma aposta. Depois, o hipotético-dedutivo, uma hipótese quase arbitrária a ser testada. Depois, os modelos hipotéticos para explicar, melhor, encaixar, o conjunto de fenômenos. Todos são úteis e científicos, mas limitados. O melhor método é ter o ―modelo‖ como conclusão, no final, como consequência necessária da empiria com a teoria. A ideia de modelo teórico parte do sujeito para o objeto quando se deveria partir do objeto ao sujeito. FALÁCIAS Em geral, grosso modo, as falácias ocorrem porque se quer focar na estrutura abstrata, numa lógica a priori, na gnosiologia, de uma argumentação – no lugar de focar na realidade, em seus nexos reais, na ontologia. Por exemplo, a falácia do apelo à tradição foca na ―mente‖ ou na cultura no lugar de no próprio objeto; do mesmo modo, o apelo à novidade tenta dar um critério externo ao objeto; o apelo ao erro de, contra, focar em algo antigo, também é um critério externo, como se a verdade não estivesse na coisa e no real, pois o fato de ser uma ideia antiga nada diz se está errada ou certa em si.
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Vejamos a falácia quanto à correspondência temporal, à coincidência como causalidade: se algo vem antes de outro algo, fato, logo aquele é a causa deste, pois a causa vem antes do efeito. Veja-se que, em vez de fazer uma pesquisa direta e disciplinada, fez-se uma dedução abstrata, não concreta, querendo supor nexos pela externalidade, no lugar de descrever o processo como – se há. Isso parte de uma premissa falsa de que a coisa em si, logo o nexo causal, é incognoscível, inalcançável. É um erro substituir a ontologia por gnosiologia, aquela deve dominar esta. Tentar fazer ciência apenas com formas lógicas é um erro comum, que desdenha a empiria. Sob tal base frágil ergue-se a ciência burguesa, em especial na economia. Uma teoria pode estar logicamente bem estruturada, mas completamente, ou quase de todo, errada, equivocada, unilateral etc. É um erro, por exemplo, escolher premissas maiores não empíricas nas ciências concretas. A DIALÉTICA NAS CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS O marxismo é, de longe, o melhor que há nas ciências humanas, apesar de inevitavelmente minoritário sob o capitalismo (as ideias dominantes de uma época são as ideias de sua classe dominante). Na psicologia, o freudismo agrega também os mais eruditos, junto com a psicologia marxista. Por que tal sucesso, embora minoria? Porque está numa posição social que necessita da verdade, saber como o mundo de fato funciona e suas razões. Por outro, a pobreza material e espiritual comove a muitos talentos; daí, por exemplo, a força do marxismo e do marxismo acadêmico na América Latina, em especial no Brasil e na Argentina. O capitalismo não é capaz, hoje, de provar que é um sistema merecedor de permanência. Mas a dialética é forte também porque 1) o objeto social é o mais complexo, incluindo aí a ciência da psique; 2) temos uma riqueza enorme de dados empíricos nesse objeto. Tais características não existem com tanta força nas ciências da natureza. De todo modo, o século XX teve muitos influenciados, de modo direto ou indireto, pelo marxismo e pela dialética, Born e Einstein em destaque. Isso levou ao ponto de conservadores acusarem a teria da evolução, a quântica e a relatividade de ―ciências marxistas‖. Vale recordar que o método não é o critério da verdade, embora a dialética prove-se um meio superior. LEIS DA DIALÉTICA Engels listou as três leis da dialética: 1) A lei da conversão da quantidade em qualidade e vice-versa; 2) A lei da interpenetração dos opostos; 3) A lei da negação da negação.
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O problema é que apenas listou as leis, sem derivar umas das outras. Observemos, vejamos. As mudanças qualitativas por mudanças quantitativas produzem a diversidade necessária para haver opostos que se interpenetram (já que há certa mesmidade entre eles); na contradição da relação íntima e dinâmica dos opostos, opera-se a negação da negação com seus saltos qualitativos. Tal processo funda, e é fundado pela, a lei do desenvolvimento desigual e combinado (por exemplo, desenvolvimento de desigual da quantidade e, logo, da qualidade). Essa formulação inspira-se, mas com movimento, à passagem, mais do que lado a lado, da lei da identidade, para a lei da não contradição, para a lei do terceiro excluído feita por Hegel na sua Lógica.
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SENTIR E PENSAR NA CIÊNCIA Opõe-se emoção e razão – mas a emoção pode, e muita vezes irá, impulsionar a razão. Hegel diz que nada relevante foi produzido na história sem paixão, opondo-se, com tal afirmação, à defesa da razão sobre os sentidos por Kant. Contra o antigo realismo objetivista na literatura, dito cientificista, temos o cosmos belo, apaixonante, deslumbrante e o sentimento filosófico superior. Em condições difíceis, os cientistas necessitam de um impulso subjetivo para perseverar. As mulheres na ciência venceram o machismo por teimosia, por emoção. Claro, a emoção científica pode ser negativa: os cérebros mais velhos procuram a mesmidade, a repetição, a confirmação do já sabido contra as novidades e novos paradigmas. Por isso Planck diz que a ciência avança de velório em velório. O mesmo cérebro que pensa é o mesmo cérebro que sente, dirá o professor Sérgio Lessa. Bem sentir ajuda a bem produzir ciência, pensar. Os divulgadores científicos – e precisamos de mais deles! – devem fundir razão e emoção, ainda que este subordinado àquele. O sentimento religioso pode ser substituído por sentimento filosófico moderno. Poesia, o homem apenas é com poesia! No campo da linguagem, os biólogos dialéticos reclamam com razão da posição neutralista nos artigos científicos comuns. Nada de exclamações, figuras de linguagem ou jogos etc. Nada de relatos pessoais da própria jornada do autor. Ao contrário, os textos devem ser agradáveis, poéticos, claros e dinâmicos - humanos. Devem ter potencial popular. Até os livros universitários devem estar vestidos de clareza e evitar o formalismo enigmático. Se precisamos tanto de mais engenheiros, os livros de cálculo devem prezar pelo didatismo ao máximo. O trabalho que a ficção científica cumpriu para a popularização da ciência é de enorme valor. Tornam parte do imaginário popular fatos e hipóteses que rodeiam o meio acadêmico – exemplo da popularíssima, mas improvável, hipótese do multiverso. Devemos agradecer ao poder da arte, do cinema em especial, com suas fortes imagens, pelo seu uso didático. Mais uma vez, emoção e razão podem entrar em contradição séria; mas, no geral, no longo prazo, são amantes fecundos. A razão deriva da emoção. Amar ciência, amá-la verdadeiramente, quando anda junta do amor pela humanidade, possui uma força que nenhum limite natural encontra. Quem estuda e pesquisa por burocracia, por obrigação, pouco avança; que os faz por pura paixão, primeiro, vez ou outra será um nome lembrado pela civilização.
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AS FERIDAS NARCÍSICAS DA HUMANIDADE Freud erra ao levantar quais são as feridas que tiraram a humanidade de seu posto especial nas ideologias e nas ciências. Vejamos como deve ser. O homem, a Terra, deixa de ser o centro do universo com a revolução copernicana: o Sol o é central. Assim, o ser humano foi retirado de um dos seus postos divinos. Tal ataque consolidouse com Newton, depois, com Einstein. Até hoje, há ditaduras religiosas que negam tal revolução. O segundo ataque ao narcisismo é a teoria da evolução de Darwin. O homem foi reduzido a animal, à parte da evolução da vida. Mais uma vez, a religião perdeu chão ao divinizar o homem. Por isso, tal teoria ainda sofre ataques. Vale lembrar, no entanto, que Marx antecipou – contra a filosofia e a religião de seu tempo – que o homem é, primeiro, um animal, que precisa primeiro satisfazer necessidades. Isso leva-nos ao terceiro ataque ao narcisismo da humanidade, não reconhecido por Freud: o marxismo. Marx demonstrou que, de modo inconsciente, somos frutos de nosso tempo, de nosso modo de viver – que nossas ideias expressam nossas materialidades reais (como pertencimento a classes, ao sistema em vigor etc.). A moral, a filosofia etc. não são frutos puros do cérebro, mas em primeiro lugar da realidade em que vivemos. Somos, enfim, frutos inevitáveis da história. No mais, o capitalismo, o modo de vida que parece natural, passou a ser visto como instável, transitório e efêmero. Por isso, o marxismo sempre será caluniado e perseguido em todo o mundo, enquanto tal modo de produção baseado no dinheiro existir. Curioso que Freud foi incapaz de reconhecer tal revolução, sendo vítima da própria censura. A quarta, não terceira, ferida contra o narcisismo da humanidade foi, é claro, a psicanálise. O homem é em grande parte governado pelo inconsciente, não pela razão pura, e seus instintos, em especial o sexual, têm força enorme sobre o indivíduo. Tal revolução teve como preparo direto o marxismo e o darwinismo, indiretamente a revolução da física. Por isso, nunca será perdoado, será caluniado e acusado de todo tipo de mal. Veja-se que as quatro revoluções do pensamento humano causaram tensões, crises e perseguições (todas até hoje negadas por algumas ditaduras e por religiões). Nem todos conseguem aceitar tais teorias, tanto mais no grau necessário. O socialismo, se vitorioso for, trará a paz e o prestigio geral-popular a tais descobertas, ainda que de modo superante como no caso da psicanálise, que ao menos acertou o miolo da questão. Mais associado ao marxismo, a moderna dialética, desde sua forma avançada em Hegel, também causa constrangimentos, desconfortos e resistências semi-inconscientes sobre cientistas e não. Para muitos, inaceitável que a contradição deva ser aceita e que ela é, ademais, produtiva,
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não apenas destrutiva; que a realidade é movimento e desenvolvimento, ainda que contraditório. Difícil sair da apenas individualidade para a integração, para o contexto, para a ideia de que o todo é mais do que a mera soma das partes. Mas a unidade e identidade dinâmica dos opostos, respeitando a diferença, torna-se o caminho inevitável. A vida é luta, não o conforto da alta classe média. Nem todos são capazes, material e mentalmente, de aceitar a dialética da matéria e da ideia. Mesmo que de maneira inconsciente e cambaleante; Einstein, Darwin, Freud e Marx usaram o método empírico-dedutivo, dialético, ou seja, colher criticamente os dados e, então fazer as devidas interpretações, ir para debaixo da empiria, para o oculto nos fatos. Vale destacar que nenhuma filosofia, nenhum modo de ver o mundo, sofreu tanta perseguição quanto a marxista. Também raro causar tanta paixão entre vanguardas e simpatia geral entre as massas. Nos EUA e na Inglaterra, países aonde o estalinismo com seus partidos não fez grandes e tantos estragos, as novas gerações, mais precárias, declaram simpatia pelo socialismo, pela ideia difusa e instintiva que tal palavra levanta. Tais resistências narcísicas costumam estar lastreada na religiosidade. Para a maioria, impensável uma vida sem religião, sem fé. A igreja garante vida social, emoção, casamento, fuga da solidão, apoio etc. Aceitar a verdade, que liberta, seria insuportável, tornaria suas vidas mais difíceis, material e subjetivamente. Eles precisam de um compensador numa sociedade descompensada, desequilibrada, precisam de uma droga simbólica. Por isso, resistem contra Marx, Darwin, Freud etc.
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A TEORIA DE TUDO Há mais de uma dúzia de teorias quânticas, todas de acordo com os fatos observados. O erro delas, em seus acertos parciais, está em não criticar os fatos – menos ainda suas premissas. Contra fato há, sim, argumentos. O fato é ele mesmo e um falso. É aparência. A ideia de descrição pura – dos fenômenos quânticos, da economia etc. – esquece que descrever é enganar, enganar-se. O suposto apenas descrever já parte de premissas, já parte de ―obviedades‖. Quem apenas descreve, ao iludir-se que apenas isso faz, erra e erra-se. Nisso caiu o positivismo quântico, a MMT na economia etc. Além do mais, o descritor parte de conceitos e preconceitos. É preciso criticar as próprias premissas, por mais evidentes que pareçam. A ideia de que a realidade é feita, primariamente, de partículas (ou ondas), gerou inúmeros erros. Nossa ideia de que a partícula é espaço condensado, condensação de linhas de espaço ou de linhas de campo supera a concepção paradigmática anterior. No nível atômico, segue válido tomar a realidade como atômica; mas a coisa se desfaz no nível subquântico, no espaço-campo. A linha metafórica que liga as partículas emaranhadas são linhas reais; as cordas que formam as partículas são cordas reais amplas, não apenas discretas; as correntes do espaço-tempo são de fato algo continuo etc. A tentativa de unir o micro e o macro (e o meso) numa teoria de tudo teria de lidar com a incompatibilidade em relação à teoria da relatividade. Veja-se. A teoria de Einstein estava correta, mas, deixou-se de perceber, precisava ser desenvolvida ao máximo, aprofundada, ir-se até seu limite. A matéria, o átomo, até a onda, nada mais é – nada mais é! – que espaço condensado, concentrado, para dentro de si. A gravidade é produzida pela concentração de espaço que é a partícula. Por isso, a luz, que não tem massa, mas tem energia (energia é igual à massa), também curva o tecido, pois é o próprio tecido de modo em linha em ondulação, tecido condensado, ou linha condensada. Deveria ser obrigação de todo físico passar por um ano de formação filosófica intensiva, em especial na dialética. Isso alarga o pensamento, produz criticidade, oferece alternativas. A ideia de que tudo = tudo já povoa a humanidade desde os gregos, por milênios. Antes, faltaram condições sociais, matemáticas, físicas e, enfim e o fim, ousadia. São tempos covardes. Nossa teoria, porém, tem caráter qualitativo, faltante da exigência quantitativa de nossa época – em que tudo deve ser abstrato, frio e medido pela quantidade. Papel para o matemático ou para o físico com outras qualidades que não a criatividade primeira. Coisas ficaram por exemplificar, talvez com a ajuda da futura matematização. Porque a linha de espaço-campo tem preferência natural para a direita? Resolver problemas geram novos desafios, novas perguntas. Explicamos, de modo geral, a preferência dos elétrons pela via direita,
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contra a simetria tão endeusada pelos físicos, e correta (a dialética trabalha, também, com opostos). Finalmente: a fenda dupla, o positivo e o negativo, o emaranhamento quântico, o desvio para a direita, o spin, a descontinuidade do movimento etc. estão explicados em sua base. Assim, recuperamos a unidade lógica – o mecanismo básico – da física clássica, de nosso nível, com a física quântica. Até agora, marabalismos justificavam a diferença com jogos de linguagem, com pedidos de fé etc. Como criador, descobridor, de tal interpretação física, tenho a esperança de que intelectuais especializados consigam, daqui em diante, revisar, pela base, quase todos os fenômenos estudados nos manuais universitários. Por exemplo: e se o espalhamento do gás quando aquecido se dá – ou menos também – por que cada ―partícula‖ acumula, assim, mais energia, ou seja, mais espaço para si, com sua autofronteira maior, afastando as demais? A megalomania parece não ser de todo delirante. As últimas gerações de filósofos puros e de formação têm fugido do conhecimento geral, universal, refugiando-se na ética etc. Se fossem sérios, teriam interesse genuíno por questões científicas, em principal suas polêmicas centrais. Filosofia nada mais é do que uma forma de ciência. Nossos doutores em filosofia são, via de regra, inúteis, parasitas do dinheiro público. Pensam, aliás, que todos os seus méritos e salários devem-se apenas ao esforço próprio e isolado – o capitalismo esconde o nexo e a interdependência dos homens entre si assim como das partículas exige-se muito para perceber o nexo interno entre elas, a teia, numa teoria geral, do todo, de tudo. O critério da realidade é a própria realidade.
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IDEOLOGIA
A palavra maldita, ideologia, com a qual uns acusam os outros, e vice-versa, de a praticarem em suas afirmações talvez ou supostamente interessadas. Como veremos, todo este capítulo tem como centro tal objeto. Para nós, a mentalidade não é epifenômeno, como até Marx deixou quase entender em alguns momentos. Mas, mesmo assim, doloroso à consciência a ideia de que não decidimos quando decidimos ou que não temos livre arbítrio. Às vezes, somos até capazes de ver nos outros que eles e seus pensamentos são frutos do meio, de sua experiência não escolhida, mas ―esquecemos‖ de olhar com o olho de dentro para fazer a autoanálise. Em geral, apenas quem está numa posição social que necessita da verdade, a posição comunista e proletária, tornase capaz do julgamento muito pleno de si e dos demais, de saber a base concreta do pensamento ou sentimento abstratos. Vejamos, agora, o resumo de alguns de nossos mestres e uma conclusão específica sobre.
MARX E ENGELS Eles começam a concepção marxista de ideologia enquanto sinônimo de falsa consciência, como oposto à ciência. Depois, Marx avança para um conjunto de ideias como forma de tomar consciência prática das tarefas e problemas de seu tempo. Eles elaboraram, então, a famosa máxima: as ideias dominantes de uma época são as ideias de sua classe dominante.
LENIN O teórico russo contrapõe ideologia como visão de mundo classista, das diferentes classes. Há, assim, a ideologia operária e, oposta e inimiga, a ideologia burguesa.
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LUKÁCS O húngaro nomeia ideologia toda a superestrutura subjetiva: ciência, política, moral etc. Para ele, ideologia é ontológica, ou seja, tem função prática na realidade para 1) convencer uns aos outros a trabalhar de tal ou qual modo, 2) convencer os outros homens a organizar a vida social de certa ou daquela maneira.
ALTHUSSER O autor francês retomou a ideologia como falsa consciência, como uma versão ou visão invertida, de cabeça para baixo, do mundo real. Na prática, ele apenas retomou o senso comum e preconceitos de seu meio ambiente, a universidade burguesa. Sua meta foi adaptar o marxismo à academia e suas concepções de classe média.
OUTRA CONTRIBUIÇÃO Como no tema da liberdade humana, todas as concepções acima estão certas em algum nível. As diferentes ideologias – filosofia, arte etc. – subjetivam a objetividade, ou seja, desenvolvem, unilateralizam e aprimoram o que já existe na realidade. Por isso, muitas vezes apenas organizam e sistematizam o senso comum, o cotidiano. Engels afirma:
Vimos como os filósofos franceses do século XVIII que abriram o caminho à revolução, apelaram para a razão como o juiz único de tudo o que existe. Pretendia-se instaurar um Estado racional, uma sociedade ajustada à razão, e tudo quanto contradissesse a razão eterna deveria ser rechaçado sem nenhuma piedade. Vimos também que, em realidade, essa razão não era mais que o SENSO COMUM do homem idealizado da classe média que, precisamente então, se convertia em burguês. (Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico, 2003, detaque meu)
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Ele repete, na mesma obra:
Para o metafísico, as coisas e suas Imagens no pensamento, os conceitos, são objetos de Investigação Isolados, fixos, rígidos, focalizados um após o outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa só em antíteses, sem meio-termo possível; para ele, das duas uma: sim, sim; não, não; o que for além disso, sobra. Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objeto não pode ser ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo se excluem em absoluto. A causa e o efeito revestem também, a seus olhos, a forma de uma rígida antítese. À primeira vista, esse método discursivo parece-nos extremamente razoável, porque é o do chamado SENSO COMUM. Mas o próprio SENSO COMUM - personagem muito respeitável dentro de casa, entre quatro paredes - vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se aventura pelos caminhos amplos da investigação; e o método metafísico de pensar, pois muito justificado e até necessário que seja em muitas zonas do pensamento, mais ou menos extensas segundo a natureza do objeto de que se trate, tropeça sempre, cedo ou tarde, com uma barreira, ultrapassada a qual converte-se num método unilateral, limitado, abstrato, e se perde em Insolúveis contradições, pois, absorvido pelos objetos concretos, não consegue perceber sua concatenação; preocupado com sua existência, não atenta em sua origem nem em sua caducidade; obcecado pelas árvores, não consegue ver o bosque. (Idem, destaque meu)
Lukács fala que a ciência costuma derivar do cotidiano como a criação de pombos observada por Darwin, mas não teve tanta clareza sobre isso quanto à ideologia. Marx diz n‘O Capital:
O segredo da expressão do valor, a igualdade e a equivalência de todos os trabalhos porque e na medida em que são trabalho humano em geral, só pode ser decifrado QUANDO O CONCEITO DE IGUALDADE HUMANA JÁ POSSUI A FIXIDEZ DE UM PRECONCEITO POPULAR. Mas isso só é possível numa sociedade em que a forma mercadoria é a forma universal do produto do trabalho e, portanto, também a relação entre os homens como possuidores de mercadorias é a relação social dominante. (Marx, O capital I, 2013, p. 103)
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Em seguida à citação, ele faz a famosa afirmação: por estar no mundo antigo e ser senhor de escravos, Aristóteles era incapaz de perceber a substância do valor. A realidade é traduzida pelo pensamento, não criada neste nível. Uma obra de moral expressa a moral objetiva da realidade, por assim dizer. Quando pós-modernos falam de ―Multidão‖ no lugar das classes em luta, eles estão intuindo o fim das classes no comunismo de modo impressionista e imediatista, pois as classes estão de fato em crise categorial. Quando outros pós-modernos falam de fim do trabalho e besteiras semelhantes, de fato sentem com exagero a crise do valor, a automação etc. O filósofo ou o artista está na vanguarda do novo, ainda que algo seja de curta vida. Adorno percebeu já e ainda no começo que a música se tornaria apenas o fundo de um cenário, logo fato comum hoje desde o walkman, o MP3, o celular, a internet etc. Claro, muitas vezes erram os ideólogos. Se a realidade humana, pessoal, está fragmentada, logo surgirá uma filosofia fragmentada. Passamos para a linguagem humana aquilo que não a é. O espírito do tempo hegeliano, Zeitgeist, na verdade é a objetividade do tempo, ou melhor, do meio, a carne e a coisa de uma época, corpo social e dinâmico – espírito, mas espírito concreto. Isso produz uma nova conclusão, teorema: se uma teoria parcial pode surgir, ela surgirá. Vejamos dois exemplos. A artificialidade atual do dinheiro, na artificialidade do sistema mantido pelo Estado, sua criação fácil, leva a membros da classe média a pensarem como solução para tudo a criação maior de moeda. A nova classe média e a aristocracia operária europeia fizeram a cabeça de Sartre e seu existencialismo. O materialismo parte, também, do senso comum: a realidade existe. Para um cidadão médio é óbvio que a objetividade há, e é, pois Deus a criou. O idealista apressado acusa tal ideia por ser vulgar, cotidiana, e eleva a voz para duvidar da existência autônoma do real. Na verdade, sequer dá dois passos à frente na sua elaboração. A realidade é um inconsciente objetivo para além do inconsciente individual, subjetivo. Assim, este é influenciado por aquele; então ocorre a racionalização, no duplo sentido, psicanalista e não psicanalista. Lukács, por isso, erra quando diz que o artista, similar ao Espírito hegeliano, vai para o mundo e, enriquecido por ele, produz algo, retoma-se; não; o poeta já está na realidade e sua inspiração vem de repente, tantas vezes do inconsciente duplo para a
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consciência; depois, uma ideia leva à outra, e outra, e assim por diante. Se o romancista pesquisa, parte da ideia inicial, age a posteriori, e suas investigações são muito específicas, como estudar arte militar para melhor descrever e narrar uma batalha. Veja-se que os reformistas enrustidos no meio marxista insistem em negar a validade teórica de três aspectos do socialismo científico: a dialética, a queda da taxa de lucro rumo a crises e ao fim do sistema e a necessidade de um partido democrático centralista. Fazem isso de modo, em geral, inconsciente, mas o fazem. Em geral, expressam a classe média em suas entranhas cerebrais, por isso, por exemplo, a maior dificuldade de ir além da lógica formal. Enfim, a subjetividade dominante de uma época é a subjetividade de sua objetividade dominante. O subjetivo é um espelho ampliador. A classe dominante não cria ideologia em uma sala secreta de reuniões, caso contrário seria pura falsificação, não ideologia; assim como não controla o próprio sistema, a burguesia não controla a criação ideológica de modo direto e inteiro; ―nós criamos, mas criamos apesar de nós‖. A realidade entra na cabeça da própria classe dominante, que traduz o real de seu ponto de vista, e tenta ganhar a sociedade para suas próprias posições, que têm origem primeira no objeto, ainda que unilateral. Uma ideologia, por mais força social potencial que tenha por si, costuma precisar de uma superestrutura objetiva, uma instituição, para prosperar em muitas cabeças. As teorias de Lenin e Trotsky somente deixaram de ser marginais porque lideraram uma revolução, um partido e um Estado. Na França, a escola de Annales apenas cresceu porque tomou espaços universitários. Para muitos filósofos, cargos como o de reitor de universidade tiveram um efeito brutal na popularidade de suas ideias. Fora de tais meios, costuma-se cair na marginalidade. O externo se internaliza. Os marxistas afirmam que apenas (re)conhecemos o objeto quando ele está maduro; antes, conhecemos imperfeitamente o objeto porque o objeto também ainda é imperfeito. Os mercantilistas na economia pertencem à época mercantilista; a teoria da evolução de Darwin, a seleção do mais apto, pôde surgir e ser corretamente aceita porque a revolução industrial impôs o império da livre concorrência, permitiu surgir tal avanço científico por sua estrutura-avanço social e tais ideias eram úteis para o desenvolvimento das forças produtivas. Eis uma forma diferente de identidade e unidade objeto-sujeito. Em duplo sentido, o objeto que se reconhece no sujeito. Além do mais, a realidade tende a produzir homens e mulheres para si, que veem tanto quanto podem ver.
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A ideologia traduz e expressa as contradições e as dinâmicas do real, ainda que seja para negar tais contradições e tais dinâmicas. A ideia de tradição medieval vem de uma objetividade que pouco muda, em que o passado dava respostas suportáveis – até não mais dar. Temos, portanto, uma concepção ideológica de ideologia. A consciência avança se sua base material avança; e recua se esta recua. Mas a consciência também é matéria, então tem força na própria materialidade, e resistência à mudança, para frente ou para trás, além de influenciar também o meio. Há aprendizado, há tradição. De tal modo, damos um novo significado para a dinâmica unidade e identidade sujeito-objeto; tal objeto como objetividade, realidade. A ideia é matéria – a ideia é matéria em processo. Platão contrapõe filosofia (ciência, dialética) e senso comum. Nós fazemos diferente, mais do que o oposto: o senso comum torna-se base tanto para o avançar quanto parta o limite do pensamento de uma época. O próprio senso comum é mediação da materialidade que gera e permite certo tipo de pensamento. Afinal: dizer que senso comum e ciência são opostos totais é um senso comum… O processo é reciproco, pois o avanço da ciência tende a gerar certos consensos.
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A DUPLICAÇÃO DOS MUNDOS MODERNA A ideia de dois mundos é antiga, desde a religiosidade dos primeiros homens. Sua popularidade atual vem do filme Matrix, que tanto influenciou a filosofia – normalmente, o caminho é inverso, a filosofia afetar a arte. Ainda há dualismos e idealismos disfarçados por aí. O cérebro de Boltzmann diz que, num tempo muito longo mais a entropia, há a possibilidade alta de fazer surgir um cérebro vagando no vazio do universo, vivendo por alguns poucos segundos ou minutos – e alucinando a nossa realidade. A imagem é maravilhosa, percebe-se. Outra versão é esta: estamos dentro de um programa de computador. Do ponto de vista probabilístico, isso é o mais provável – o que reforça nossa crítica aos limites da probabilidade na ciência. No mais, uma simulação gera outra simulação, que gera outra etc.; isso tão logo a civilização virtual tenha condições para isso, tecnologia. A caverna de Platão (mundo das ideias), a cidade de Deus etc. estão atualizadas. Há físicos que afirmam que a realidade não existe, que a coisa só há se a medimos, se a olharmos etc. É um erro crasso tratado como ciência séria. Outra ilusão é a concepção de muitos mundos, de universos paralelos; assim, ao fazermos a medida e o objeto colapsar numa de suas possibilidades, estados, outro universo é criado, aonde a outra possibilidade também se realiza… Bom; a matéria e a energia do universo são limitadas, não finitas, logo impossível que uma simples ação de medida crie algo novo e paralelo completo. A mais sofisticada diz que o universo é um holograma de buracos negros. Ainda que a matemática apresente alguma justificativa, a lógica numérica não é a própria realidade total. Uma concepção real de mundo duplicado, mas ao mesmo tempo uno, deveria surgir – este livro parece acertar em tal tentativa de expor sua natureza.
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DEDUÇÃO DA QUARTA DIMENSÃO Os físicos há muito tempo estão familiarizados com a ideia de uma quarta dimensão espacial, embora a concepção continue como curiosidade apenas ou apenas instinto. Ninguém tem coragem de afirmar sua existência. De certa forma, isso tem razão de ser: não é algo diretamente observável – se existe. A questão fica flutuando no ar, esperando as condições atmosféricas de sua solidificação. Há, no entanto, como deduzir indiretamente sua existência, pois problemas filosóficos e científicos obrigam sua existência se queremos soluções estáveis. Vejamos os aspectos: 1. A energia, por debaixo de suas formas e formas de manifestação, existe, mas não observável no nosso mundo tridimensional. 2. O universo em expansão é finito no espaço-tempo, mas é necessário e inevitável que o universo seja infinito. Logo, o infinito é hegeliano, ou seja, qualitativo, sem começo nem fim, tal como um círculo. 3. A existência antes do universo só poderia ser o nada infinito que põe o seu próprio oposto, o Ser ou algo finito. 4. Qual a causa de todo o movimento? Porque a coisa não para? Por que seu estado natural é o movimento? 5. Marx afirma que podemos virar e desvirar a mercadoria, mas nenhum átomo de valor há nela – no entanto, o valor existe na própria coisa, apesar de invisível. 6. As constantes abstratas na física e na química (G, constante de gravidade etc.) obriga pensar um aspecto oculto da realidade. A resposta necessária é uma quarta dimensão, espacial antes de ser temporal. Primeiro, ela é a casa da energia. Segundo, torna o cosmos infinito, como se para dentro de si. Terceiro, está conectado com a origem do Ser. Quarto, a matéria cai na quarta dimensão – movimenta-se – como se em si mesma. Quinto, o valor não empírico, mas real, encontra-se na dimensão quarta. Sexto, o tempo, algo relacional, expressa a quarta dimensão, algo substancial. A quarta dimensão está, portanto, dentro e fora de nossa realidade. Outro modo de ver isso é este: o infinito não cabe no universo finito, logo o transborda. O mar não cabe dentro do navio.
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Talvez, a ideia de quarta dimensão espacial responda algumas questões da física quântica, embora tenhamos dado respostas neste livro que em geral dispensam tal premissa. Podemos aprofundar. Na quarta dimensão, podemos entrar dentro de uma esfera sem passar por suas camadas externas, por sua borda etc.; do ponto de vista de três dimensões espaciais, parece que algo desapareceu aqui e reapareceu ali, por salto. Assim, o salto cidado para dentro da ―caixa‖ do SSD do compudador, o elétron saltar (desparecer e reaparecer) camadas no átomo e o elétrón em movimento desparecer e reaparecer logo à frente – tais exemplos demonstram que há uma quarta dimensão espacial, que é visto como tempo no aspecto macro, quando algo desloca-se desparecendo aqui e reaparecendo ali.
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DEDUÇÃO DO ESPAÇO OU CAMPO COMO LINHA Diante da refutação aparente da ideia de éter permeando o universo, pensou-se com pressa na ideia de campos, uma gambiarra teoria. Seria muito mais correto e simples supor o espaço como o meio por onde a luz flui-se. Talvez, apenas talvez, as linhas de espaço sejam, também, linhas do campo próprio daquele tipo de partícula. Vamos deduzir, pela empiria e por lógica concreta, que o espaço tem a forma de linhas espaciais. 1. As partículas têm assimetria, preferência pelo desvio para a direita. 2. O entrelaçamento quântico – efeito fantasmagórico à distância, segundo o cético Einstein – é, de fato, real e instantâneo, ao mesmo tempo nas duas partículas distantíssimas. Algo parece ligar as partículas. 3. Não se sabe o motivo: o espaço expandiu-se, e expande-se., quando havia apenas matéria no universo. 4. Ao atravessar uma fenda estreita de uma fenda dupla, parece que a partícula não medida atravessa as duas fendas ao mesmo tempo e interage, assim, consigo mesma como se com outra. 5. O espaço é transparente para a luz porque o espaço e luz são o mesmo, a luz fui pelo espaço. 6. Na lógica superior, dialética, uma afirmação e sua oposta são verdadeiras: logo, o espaço deve ser tanto contínuo quanto discreto, ou, ao menos, ter uma terceira resposta ainda oculta. Uma linha é, por exemplo, discreta da esquerda para direita, mas contínua de cima para baixo, por onde flui e é – ou seja: algo contínuo-discreto, a linha. 7. Ainda segundo a lógica superior, pode-se ser partícula e onda ao mesmo tempo. Uma onda percorrendo uma linha é algo, uma ponta ou linha concentrada. Devemos, portanto, superar de modo relativo o paradigma particular, dos objetos pontuais e isolados. São úteis e práticos no nível quântico, mas não no nível subquântico A aparência de autonomia externa esconde o nexo interno essencial. A visão mecanicista vê tudo separado e apenas com relação externa; o extremo disso é a concepção newtoniana de que o espaço é absoluto e sem relação com o resto do mundo, um palco fixo e sem história. Mas a matéria no início do universo decaiu e decai em espaço, a constante cosmológica real ou energia escura real. Já os buracos negros maiores sugam espaço, crescendo, o que reiniciará o universo por atração, fusão total. Fazemos, então, dedução ontológica, antes de gnosiológica.
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DEDUÇÃO DA UNIDADE ESPAÇO-MATÉRIA É um tanto assustador que a ideia de expõe como igual à matéria não tenha sido pensada antes. A ideia filosófica da igualdade de tudo não é nova, permeia todo o conhecimento. Devemos uma dedução matemática: um tanto de matéria é equivalente a quanto de espaço? Eis o desafio quantitativo. Do ponto de vista da qualidade, podemos deduzir também. 1. De onde viria o espaço e sua expansão no início do universo, quando existia apenas a matéria? Ora, da matéria mesma! 2. O que sobra da separação e dissolução da matéria o mais puro e abstrato, o espaço. 3. Se ouve aniquilação da matéria e antimatéria no início de tudo, o que dele sobrou? A luz decaiu em espaço. 4. Matéria e espaço têm propriedades comuns. 5. A matéria não ocupa espaço, não concorre contra ele, porque é já espaço concentrado. 6. Algo deve conectar as partículas emaranhadas. 7. Os opostos têm unidade interna. Estamos diante da última revolução científica. Energia, massa, matéria: são espaço, formas de espaço. Mas ele não é o primeiro, embora seja o absoluto. É o mais puro, abstrato e pobre de determinações (grosso modo, qualidades ou características). É o Ápeiron concreto. O desgaste da matéria produz espaço, que, por isso, ainda expande-se. O buraco negro, como alto, e auto, concentrador de matéria, suga o espaço, tornando-o mais matéria, concentrando-o. Ao sugar espaço, o buraco negro tensiona seu tecido, logo, produz energia, ou seja, gravidade – a matéria escura na verdade não é por exato matéria, pois é espaço esticado ou concentrado.
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EXTRA: OS PARADOXOS A solução dos problemas dos famosos paradoxos é que tais contradições deverão produzir ou mudança ou colapso, movimento. Vejamos três casos de destaque: 1) Se um barco tiver toda a sua madeira restaurada, ele continuará sendo o mesmo barco? E se a madeira velha, retirada, for usada para produzir um barco, será um novo ou o antigo? Ora, do ponto de vista hegeliano: ambos os barcos são novos e os mesmos. Mas em nossa dialética diacrônica, a coisa é um pouco diferente. Um vai tornando-se o outro. No quantitativo, um barco com 100 tábuas, se tira e substitui 2, então ele é 98% antigo, 2% novo. Mas ainda cabe outra resposta: todo, a realidade, do qual os dois barcos participam é outro ao mesmo tempo o mesmo, todo único. O erro seria focar na coisa, nos objetos. Outra resposta; a coisa é , em primeiro, sua forma, que pode mudar de matéria, não a própria matéria. 2) Quem barbeia o barbeiro na cidade aonde ninguém barbeia a si próprio? Como resolver? Colapsando ou movendo. Vejamos: 1) o barbeiro pode barbear-se em outra cidade, 2) ele colapsa a lei barbeando-se, 3) um não barbeiro o barbeia etc. Cria-se um carinho pela contradição apaixonante, quer mantê-la em pé. 3)O paradoxo de Ferrmi Esse é um paradoxo mais científico do que filosófico. Toda a probabilidade diz que há civilizações extraterrestres, mas elas não aparecem – por quê? Porque o mesmo Sol, estrelas, que dá vida e permite surgir uma espécie inteligente, destrói a tecnologia avançada com suas explosões, com seus ventos solares especiais e intensos. Civilizações, ademais, têm um ponto nodal, como no fim do capitalismo, quando se extinguem, a si próprio, ou prosperam. Talvez, nossa biologia tenha sido a mais rápida em produzir uma espécie especial. As civilizações inteligentes e avançadas, se existem, estão em demasia distantes umas das outras. Nem toda civilização inteligente é, de imediato, avançada. Por fim, evita-se o contato direto.
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O COLAPSO AMBIENTAL O Marx marxista começa a sua produção expondo que uma das alienações de nossa sociedade é que o homem não se vê como parte da natureza, põe-se enquanto externo a ela. Pouco depois, levanta a questão da defesa do meio ambiente contra a sua destruição, mas de modo muito limitado. Em O Capital, expõe que rompemos metabolismo da natureza ao transferirmos material do campo para a cidade, rompendo um ciclo natural. Observou também que a divisão da terra em propriedades separadas e privadas não permite um manejo bom do solo. Mas suas fortes observações param aí já que não percebeu que a crise ambiental é parte vital das crises de um sistema, como o capitalista. O homem sempre agredirá o planeta. Mesmo o homem tribal levou à extinção de espécies. A questão é que tanto podemos fazer isso hoje de modo profundo quanto temos condições, por outro lado, de agredir o mínimo possível, de modo sustentável. Uma hidrelétrica é necessária à sociedade, mesmo que agrida o natural, mas pode ser reduzida e compensada a sua ação social sobre o meio ambiente. Desde a famosa década de 1970, quando tudo mudou, passamos a extrair mais da natureza durante um ano do que ela é capaz de repor por si própria no mesmo período. A pulsão infinita do capital, a má infinitude da progressão, ao tentar agredir o infinito verdadeiro, na verdade agride sua própria base, o que pode nos levar à extinção. A vida – tanto mais a de grande porte – se reerguerá nos próximos milhões de anos, com ou sem a humanidade. Nossa tarefa é humanizar a natureza produzindo novos elementos químicos e mudando os animais. Podemos criar sementes mais fortes, mas, ao mesmo tempo, em nome do lucro, as tornamos estéreis na segunda germinação para forçar a compra de novos insumos. Torna-se uma necessidade reaproveitar e reciclar quase todo o lixo ora descartado, mas isso fere poderosos interesses. Além disso, o lucro não tem limites, quer sempre mais, por isso o desmatamento avança apesar da ameaça ao ecossistema. Ou socialismo ou extinção! O atual modo de vida precisa passar para outro mais organizado, planejado, sem lucratividade – mas não é algo inevitável. A produção romana escravista levava a esgotar o solo, algo resolvido com o método de descanso da terra praticado pelos medievais. Mas o feudalismo, em sua fase final, também criou uma crise ambiental ao aumentar a quantidade de feudos e destruir matas de nascentes etc. Cada fim de sistema classista tem sua crise do meio ambiente, mas apenas a atual ameaça a espécie humana total.
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ENERGIA A civilização pode ser medida por sua capacidade energética. Por exemplo, impossível ergue uma civilização baseada em alfaces, logo precisamos plantar aquilo que oferece mais energia. Nesse sentido, temos a escala de Kardashev, aonde há civilizações de tipo 1, que domina a energia de seu planeta, de tipo 2, que domina a energia de seu sistema solar, e tipo 3, que domina a energia da galáxia. Ainda somos a civilização de tipo 0, mais precisamente, 0,75 – ainda não somos uma civilização. Para ao menos tocar o tema, destacamos que cada era do capital tende a uma própria relação na produção de energia. Vejamos. Era mercantil: força humana, animais, moinhos de água e vento; era industrial: máquina a vapor; era financeira: eletricidade, hidrelétricas, petróleo, etc.; era fictícia: o mesmo da anterior, como um salto para si, com a consolidação, após os anos 1950, da fissão nuclear, e o uso recente de energias solar, eólica e maremotriz cada vez mais aperfeiçoadas (nesta era, prepara-se o caminho técnico-científico da próxima revolução energética, que inclui a fusão nuclear). A fusão nuclear, método que estamos tentando dominar, gerará energia global abundante e limpa, além de sem grandes riscos. Ela é própria para a sociedade socialista, por isso esta deve investir nela com máxima força. Isso nada mais é que imitar a fusão nuclear da nossa estrela em escala menor. Tal revolução energética por vir facilitará com que nos tornemos uma civilização interplanetária. Faremos, tanto quanto possível, mineração em outros planetas, principalmente no próximo e estável Marte. Uma sociedade desse tipo exige uma tecnologia mais avançada e tal mesma tecnologia mais avançada exige relações sociais mais avançadas também, ou seja, socialistas. A revolução comunista levará nossa espécie para além da atmosfera. É uma lei social que forças produtivas mais elevadas exigem relações de produção e sociais também mais elevadas. Tudo isso está de acordo com a necessidade drástica de redução do uso de petróleo. A poluição está causando um efeito estufa, está aquecendo e desregulando o clima. Mas o capital não demonstra o menor sinal de que combaterá o problema na sua medida, pois a lucratividade não conhece limites. Faz algum tempo, a escola americana MIT fez uma postagem na internet afirmando que o grande problema da captação de energia solar é que é muito eficiente, então a energia torna-se muito barata. Eis um problema capitalista! A afirmação de que o capital é incapaz de resolver tal problema não é um dizer por fé. Se tal sistema for capaz de impedir a catástrofe, tanto melhor aos socialistas, pois eles terão muito mais tempo histórico para mudar a realidade, com menor risco de extinção. O fato de podermos ser
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extintos em algumas décadas é um peso enorme, que reduz a margem de manobra da luta por outra sociedade.
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MARXISMO E METAFÍSICA É muito difícil enfrentar as tendências de seu tempo. No século XIX, a luta de Kant e dos positivistas contra a metafísica tornou-se popular, digamos assim, tornou-se uma obviedade científica, filosófica. Para que saber sobre o nada e o ser? O iluminismo associou metafísica com metafísica medieval, aonde a religiosidade impera – até nosso tempo, ser metafísico é considerado, no meio marxista, algo religioso. Para que saber ―o porquê‖ realidade, seus aspectos centrais e universais, se podemos fazer bom uso do ―como‖? Assim, ficou para a Igreja saber os fundamentos primeiros do mundo. Marx e Engels contrapuseram a dialética com a metafísica, sem atentarem que são o mesmo, ainda que opostos. A dialética é uma forma de metafísica, contra o que pensava, veja só, Aristóteles. O materialismo com história é uma concepção geral de mundo, de cosmos, de como é a realidade. Seguindo tal tradição, Lenin e Trotsky também abominavam qualquer associação coma palavra metafísica. Lukács corrigiu nosso caminho, usando um nome mais aceitável para a academia universitária burguesa – ontologia, um aspecto e área da metafísica. Como o marxismo tornou-se, em grande medida, acadêmico, teve de ceder à antimetafísica e burguesa concepção de ciência. Mas, entre não marxistas, aqui e ali, surgiam sinais de renascimento da filosofia primeira, como em Heidegger, Ser e tempo; como em Sartre, Ser e nada. Diz-se que o bibliotecário que organizou a obra de Aristóteles colocou os textos para além dos textos da física por uma questão apenas de ordem. Mas ordem nas prateleiras tinha, no fundo, uma correspondência coma ordem real. É a partir da física e das demais ciências que podemos chegar a certa e correta metafísica. Tal meta deve explicar e superar não só as ciências particulares, mas também soar como a evolução natural de toda a filosofia, sua conclusão inicial. O marxismo é uma concepção geral de natureza, de sociedade, de ética etc. de realidade primeira, de mundo. Não é a filosofia de nosso tempo; antes, filosofia do tempo. Assim, consegue transcender de maneira imanente a época de sua elaboração. Nas minhas pesquisas e elaborações, fui chamado a tomar as conclusões às quais alcancei como algo de todo novo, uma revolução imensa de ineditismos. Sou marxista como Marx era hegeliano ferrenho e, ao mesmo tempo, crítico. Nomeio minha metafísica marxista porque pertenço a uma tradição filosófica bastante clara. A ruptura permanece na continuidade.
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VALOR Apenas com Postone a questão da importância central do valor fez-se presente, para além e por debaixo da categoria capital. No entanto, o marxismo continua considerando tal conceito como não existente em si, como apenas relação. No posfácio de Engels ao livro III d‘O Capital, ele cita economistas que afirmaram ser o valor algo inexistente, uma ficção, mas extremamente útil ao trabalho científico. O comunista rico, ao contrário, afirmou a existência de tal ―coisa‖ ou ―propriedade‖. Vejamos citações que reforçam nossa tese: Uma mercadoria aparenta ser, à primeira vista, uma coisa óbvia, trivial. Mas sua análise a revela como uma coisa muito intricada, plena de sutilezas metafísicas e caprichos teológicos. (Marx, O capital I, 2013, p. 146) No entanto, a mesa continua sendo mesa, uma coisa sensível e banal. Mas tão logo aparece como mercadoria, ela se transforma numa coisa sensível-suprassensível. (Idem, ibidem) O valor do ferro, do linho, do trigo etc., apesar de invisível, existe nessas próprias coisas… (Idem, p. 170) Aqueles que acham que atribuir ao valor existência independente é mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa abstração como realidade operante (in actu). (Marx, O Capital - livro 2, 2014, pp. 119, 120) Mais-valia e taxa de mais-valia são, em termos relativos, o invisível e o essencial a ser pesquisado, enquanto a taxa de lucro e, portanto, a forma da mais-valia como lucro se mostram na superfície do fenômeno. (Marx, O capital 3, 2008, p. 34)
Metodologicamente, Hegel dá a pista: Tem que se deixar de lado a opinião de que a verdade tem que ser algo palpável. (Hegel G. W., 2016, p. 53)
O valor é uma entidade não empírica, invisível, metafísica – não apenas relacional. É nesse sentido que o dinheiro torna-se o deus real do mundo real, a medida de todas as coisas.
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No começo de suas pesquisas, Engels e Marx negaram a categoria valor, talvez por seu lado metafísico. Mas logo tiveram de recuperá-la, único modo de, no real, entender o capitalismo. O valor, sejamos ousados, nada mais é que nada, energia, aspecto da quarta dimensão. Hegel diz que o que está na causa passa para o efeito, como a água da chuva estará no solo molhado; ora, a energia corporal do trabalhador passa para a coisa, o objeto, a mercadoria física. São conhecidas as passagens em que Marx afirma que a máquina perde seu valor durante seu uso, com seu desgaste material, passando seu valor, imaterial, para a mercadoria em produção; assim, a máquina parada sob agressão da natureza também perde valor com e por seu desgaste físico. O valor-capital e o valor-material estão juntos, abstraídos apenas na teoria. Idealmente, isso se expressa na contabilidade da empresa, em que se calcula o desgaste médio do capital fixo, sua depreciação. O valor-energia precisa estar numa coisa, num suporte material, ou seja, num meio (sendo somente um com este); por isso nem todo trabalho é, de fato, trabalho. Na física, energia é capacidade de trabalho e trabalho é transferência de energia. Isso ocorre no mundo físico, material, da produção: o trabalho transfere energia-valor do trabalhador para a mercadoria. Assim, mais-valor é mais-energia, energia não paga, gratuita, explorada – o operário cria seu valor por gasto de energia, além de um valor extra também por tal gasto. Valor não é, não é, tempo de trabalho (socialmente necessário para produzir a mercadoria). Valor é apenas medido pelo tempo de trabalho. Isso fica muito claro com a leitura do Livro I quanto à intensidade do trabalho. Se trabalho por 1 hora com dada intensidade, produzo um tanto de valor, pela transferência de energia; mas, se nessa mesma 1 hora, trabalho com o dobro da velocidade, logo temos o dobro de valor produzido ou energia gasta no mesmo tempo! Valor é forma de energia. De sua parte, energia é espaço, talvez uma dimensão extra, quarta; mas essa identidade não é imediata para nós e neste assunto. Quando Marx diz, após mostrar que a relação de mercado faz apenas a forma (de manifestação) do valor sem fazer seu conteúdo, que podemos virar e desvirar a mercadoria, mas nenhum átomo encontramos de valor, diz de sua invisibilidade. A mercadoria tem, como demonstramos em outras citações, o valor dentro de si, não como relação externa. Refaçamos seu raciocínio. Se tirarmos todas as propriedades (físicas) da mercadoria, resta apenas uma ―coisa em si‖ kantiana vazia, o que há por dentro dela, nela, sendo ela: Abstraindo do valor de uso dos corpos-mercadorias, resta nelas uma única propriedade: a de serem produtos do trabalho. Mas mesmo o produto do trabalho já se transformou em nossas mãos. Se abstrairmos de seu valor de uso, abstraímos também dos componentes e formas corpóreas que fazem dele valor de uso. O produto não é mais uma mesa, uma casa, um fio ou qualquer coisa útil. Todas as qualidades sensíveis foram apagadas. E também já não é mais o produto do carpinteiro, do pedreiro, do fiandeiro
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ou de qualquer outro trabalho produtivo determinado. Com o caráter útil dos produtos do trabalho desaparece o caráter útil dos trabalhos nele representados e, portanto, também as diferentes formas concretas desses trabalhos, que não mais se distinguem uns dos outros, sendo todos reduzidos a trabalho humano igual, a trabalho humano abstrato. (Marx, O capital I, 2013, p. 116)(Marx, 2013, 116.)
E: Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Não restou deles a não ser a mesma objetividade fantasmagórica, uma simples gelatina de trabalho humano indiferenciado, isto é, do dispêndio de força de trabalho humano, sem consideração pela forma como foi despendida. O que essas coisas ainda representam é apenas que em sua produção foi despendida força de trabalho humano, foi acumulado trabalho humano. Como cristalizações dessa substância social comum a todas elas, são elas valores — valores mercantis. (Idem, 116.)
Trabalho abstrato é, portanto, puro trabalho, apenas transferência de energia no tempo. O abstrato é o concreto em processo – o trabalho abstrato é o trabalho concreto no tempo. Tal conclusão, com ares de definitiva, soa bizarra até para mim, que fiz a interpretação da obra de Marx. Fere nossa mentalidade presa à aparência, ao prático, ao bom-senso, à empiria. Mas deve ser aceita – por mais absurda que soe. O preço, dirá Marx, apenas é o nome do valor, algo outro, apenas forma, forma de manifestação autônoma. O preço pode estar abaixo ou acima do valor real da mercadoria singular. Preço é ideal; valor, material. Valor é um nada que, apesar disso, é tudo. Valor é o maligno espírito santo que permeia todas as coisas produzidas pelo homem, o Mamón oculto, o demônio bíblico do dinheiro. O valor determina nossas vidas e pensamentos, mesmo que nada saibamos de sua existência. Marx diz: ―(…) o valor de troca é apenas uma ―forma de manifestação‖, modo autônomo de apresentação do valor contido na mercadoria, e então inicio a análise do valor.‖ (Marx, Últimos escritos econômicos, 2020, pp. 57, 58; grifo meu). Ou seja, o valor está ―contido na mercadoria‖, mais do que algo apenas relacional, também substancial.
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TECNOLOGIA MODERNA O marxismo parou de estudar as novas ciências e tecnologias, permanece vítima do mundo acadêmico e da especialização. Talvez, criemos certa máquina de produzir novos compostos químicos, o que revolucionaria tudo – mas disso nada sabemos. A química tem vasto uso industrial; nesse sentido, de modo inconsciente, uma ciência socialista por excelência. As máquinas estão substituindo de vez o homem na produção – seja por imitação da mão humana, seja pela imitação de seu cérebro e sensibilidade (programas, robótica). Em muitos aspectos, a máquina nos supera. O tempo do tempo livre está por chegar, mas ele se manifesta hoje como desemprego desesperador. A culpa, claro, nunca é dos físicos e engenheiros. Se há certa culpa dos cientistas e técnicos é o fato de que os produtos estão sendo fragilizados, feitos para quebrarem, o que gera lixo maior, mais consumir a natureza, lucro acrescido e consumidores insatisfeitos. O socialismo acabará com essa palhaçada que nos leva à extinção. Programas como o ChatGPT são capazes de fazer música – ainda não muito bem –, matérias de jornais etc. É um recurso útil e inevitável em certo sentido. O desemprego crônico e a precarização é um tendência inevitável sob o capital. A verdade também está sob risco. Vídeos perfeitos poderão ser produzidos, com voz correta, com pessoas fazendo atrocidades que não cometeram em verdade. Mas a tecnologia não é a causa única, polo substancialista, pois se estivéssemos numa sociedade organizada e socialista, sem grandes lutas de classes, tais meios não teriam base relacionalista para degenerarem em falsificação criminosa ou caluniadora. O mais notável são os computadores e supercomputadores, incluso a emergente hipercomputação quântica, que permitem – finalmente! – o planejamento geral, central, técnico e democrático da produção, da distribuição e da economia. Atrapalham, no entanto, o desenvolvimento técnico o controle privado de patentes, o segredo industrial e os monopólios e oligopólios. A solução, evidente, não é propriedade em si estatal, mas social, o Estado e as empresas controladas pelos trabalhadores e pelo povo. Há uma tendência efetiva em investir em ciência aplicada, para fins lucrativos, contra a ciência de base, que estagnou em certo sentido. Isso prepara a queda da burguesia ao criar as bases para o revolucionamento total da sociedade.
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EDUCAÇÃO Os professores foram capaz de tornar o estudo da realidade algo tedioso, insuportável, angustiante. A educação científica da humanidade é deplorável, e o capital tem cada vez menos necessidade de gente com alta especialização (as coisas ganham cognição). Como tudo é contraditório, a internet permite uma educação superior. Posso dizer que ela mudou minha vida, permitindo-me ter cultura para escrever livros como este. De modo que parte do currículo pode ser cumprido com a autoeducação, via canais de vídeos etc. Porém o QI tende a cair por causa do pouco movimento e da pouca vivência prática das novas gerações, vidradas na tela de celular desde o nascimento. Não é exagero dizer que estamos destruindo o cérebro das novas gerações, e não teremos o direito de reclamar depois. Alguns infantes apresentam sinais de autismo sem serem geneticamente autistas. Apenas países dominantes investem na educação – e olhe lá! –, pois precisam de especialistas na concorrência global de empresas. Os EUA têm um povo, no geral, inculto, bom para controlar a classe trabalhadora; mas atrai para si os melhores cérebros, que surgem com dificuldade ambiental em todo o mundo. A educação não muda o mundo; por isso temos, no meio da crise econômica brasileira, engenheiros dirigindo taxi uber. É a economia, estupido! Apena s o socialismo é capaz de garantir a humanidade intelectualizada, ativa e senhora de si – reforçando o indivíduo e seus talentos. Temos uma educação do século 19 na era do conhecimento subatômico. Deve-se garantir a internet como meio prazeroso de aprendizado e paixão científica. Professores excepcionais, por didática e personalidade, precisam dispor cursos e aulas completos sobre temas de suas especialidades. Logo teremos óculos que permitirão entrar no mundo paralelo virtual ou, melhor, ou melhor, ampliar a nossa realidade. Isso permitirá, por exemplo, ―ver‖ a célula em tamanho amplo, seu funcionamento, suas partes e explicações. Mas isso depende, em grande medida, de construirmos uma sociedade justa, que necessite de um povo culto.
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O TERRAPLANISMO Todos nós somos carentes, desejosos de atenção, tarados por agrupamento; quem sabe, sonhamos fama. De repente, não mais que de repente, o indivíduo instável e em crise que defende supostas hipóteses absurdas – Terra plana, Terra jovem, cura quântica etc. – ganha: um coletivo para chamar de seu, espaço na internet, olhares e, se der um pouco de sorte, será entrevistado num daqueles programas de entrevista pela madrugada, por aonde passam pessoas importantes. Sua vida passar a ter sentido, na aparência – nem pensar largar sua ―verdade‖. Gente genial morreu ou sofreu repressão por defender que a Terra é redonda, que o Sol está no centro, que há outros mundos com outros seres, que Deus nada mais é que a natureza etc. A verdade liberta. Mas opositores crônicos, uma deformação mental, querem se destacar contrariando a realidade comprovada. Cada vez mais, precisam usar malabarismos para as suas ―hipóteses‖. Ciência é algo difícil, tanto mais para gente religiosa. Para tentar conciliar razão e fé, alguns psicólogos de baixa formação – e ser erudito é necessário – apelam para o místico Jung. Uma parte grande do povo compra tais besteiras, como caso da fama da acupuntura. Cada área da ciência costuma ter seu terraplanismo. Na história, temos dois centrais: 1) o nazismo era de esquerda; 2) o estalinismo não era uma ditadura contra o povo, sequer assassina dos revolucionários. Quase-marxistas caem na segunda onda, insistindo que isso seria igualar nazismo e socialismo. Não: o regime de Estado – não a economia, as relações de produção, certas superestruturas e não o Estado mesmo – são parecidos, semelhantes (ambos aliás, buscavam derrotar o movimento operário com força bruta). A categoria de totalitarismo é correta do ponto de vista das categorias de forma e de aparência, certas até certo ponto. Os dois regimes eram inimigos ditatoriais da humanidade. O estalinismo é um tipo de terraplanismo. As correntes negacionistas procuram manter de pé a religião contra as avançadas concepções científica, que são, em geral, históricas (para ales, os dinossauros não existiram há milhões de anos). Portanto, enquanto a religião for uma necessidade viciante, o problema existirá, aqui e ali. Apenas o socialismo, ao mudar e melhorar a realidade, porá fim aos delírios compartilhados. Muitos homens do povo pensam que a Terra é plana – bastaria ver! – sem assistir quer qualquer vídeo dos militantes da ―causa‖. Se dizemos a verdade, que ele é redonda, suas consciências sentem um sentimento de absurdo. Muitas verdades científicas devem ainda se tornar populares, mesmo que com alguma deformação. É possível uma humanidade erudita.
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RELIGIÃO E ATEÍSMO FÉ E RAZÃO Além da oposição emoção-razão, há entre fé e razão. Os mais moderados dizem que ambos são necessários e complementares, portanto ambos devem ser preservados. Isso é dialética kantista, resolvida pelo diacrônico (A=A e… não-A). A ideia absurda de que há uma região do cérebro responsável, logo estrutural, pela religiosidade é um erro científico de principiante. Ou melhor, no máximo, a mesma região serve para cada oposto, pois o que o aparelho psíquico busca é compreender a realidade, certa garantia da previsibilidade de um futuro bom etc. A religiosidade foi uma das primeiras ferramentas, por isso a mais frágil. Porque não tinham meios melhores, os antigos usaram a religião. Depois, vieram a filosofia e a ciência maduras, além da arte desenvolvida. No socialismo, ao poucos, sem imposições, as novas gerações serão cada vez mais ateias, cientificas e filosóficas céticas ao admirarem o cosmos. A alta qualidade de vida permitirá isso; um país com maior pobreza material e espiritual tem mais religião e fanatismo; outro país mais agradável tem mais ateísmo e menos fanáticos. Há, portanto, uma evolução, uma progressão, da religiosidade para o sentimento filosófico futuro. Um passa para seu oposto. Se temos certo aumento da religião onde há mais sofrimento por causa das guerras etc., temos, por outro, a nova geração que ―acredita em tudo‖ como ciência, astros, energia, Deus etc. Tal bifurcação subjetiva expressa uma realidade bifurcada, com duas possibilidades, socialismo ou barbárie. No mais, o novo e amplo ateísmo deve se livrar de seu perfil de seita sectária, próprio de movimentos em seus inícios, e focar, como orienta Trotsky, na divulgação científica popular (jornais, panfletos etc.), na formação de clubes, na defesa das pautas sociais etc. Curioso que muitos jovens ateus procurem Nietzsche, um anticientífico, pai do irracionalismo atual, quando deveriam assumir a responsabilidade de ligar-se a Marx, o revolucionário ateu e científico. NEOATEÍSMO O ateísmo é uma concepção antiga, mas imensamente marginal – imensamente, mesmo. Alguns filósofos antigos eram ateus. Hoje, membros da nova geração adotam tal postura, logo isso deve ser explicado. As razões são: 1) desenvolvimento da economia, o que oferece ouros prazeres como TV, séries, alimentos baratos etc. 2) alta urbanização, o que diminui o controle sobre o indivíduo; 3) alto desenvolvimento da técnica e da ciência, oferecendo alternativas e respostas; 4) governos democráticos, sem maior controle; 5) onda permanente de escândalos religiosos, como pedofilia e pastores ricos; 6) nível cultural médio maior das novas gerações. Assim, os novos ateus podem surgir em muitos países, em especial nos desenvolvidos e nos de
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cultura ocidental. Seus ares de seitas ocorrem por ser um movimento em seu início, que deve aprender a baixar a guarda dos seus adversários para ganhá-los aos poucos, pelas beiradas. De qualquer modo, o futuro do ateísmo depende do futuro da economia, do resultado da luta das classes. Uma sociedade de decadência não resolvida tende ao fanatismo religioso.
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TEORIA MARXISTA DA ALIENAÇÃO É da cultura comum afirmar que alguém sem interesse por política é um alienado. Tal significado de alienação até está correta, mas é muito limitada. Comecemos com uma reflexão. Se o trabalho é central para a espécie humana, porque só nos sentimos humanos quando terminamos de trabalhar? Bem observado, sentimos os prazeres mais básicos e animalescos de dormir, comer, praticar sexo, etc. Isso ocorre porque vivemos em uma forma de sociedade que nega nossa humanidade. Para nos aproximarmos do conceito completo, o primeiro significado de alienação é separação. E é ainda mais correto dizer ―separação daquilo que deveria estar integrado, unido‖. Veremos: tal concepção é insuficiente ao mesmo tempo em que permite uma aproximação bastante correta da teoria. O CAMINHO DA TEORIA DA ALIENAÇÃO Hegel, pensador anterior a Marx, elaborou: nosso pensamento, o subjetivo, cria o objetivo, como, por exemplo, o Estado. Aquilo criado a partir de nosso ―espírito‖ separa-se de nós: é a subjetividade objetivada. A partir da ideia de Estado, nosso exemplo, cria-se uma instituição que ganha vida própria, que ganha independência. Aqui vale uma atenção: o processo de formação de algo separado é, para Hegel, inteiramente positivo. Outro filósofo, desta vez da época de Marx, chamado Feuerbach, criticou Hegel com imensa dureza. Elaborou uma teoria ateísta e materialista da realidade, contra a religiosidade mais ou menos presente em Hegel. Feuerbach afirma: Deus não criou o homem – foi o homem quem criou Deus! Porém: a ideia de Deus passou a dominar o próprio homem, ou seja, a criatura passou a dominar o criador! Deus, esse pensador diz, é a representação do próprio homem, de sua própria essência, para o homem infeliz com sua realidade. Aqui vale outra atenção: para ele, a alienação é inteiramente negativa. Marx combina as duas formulações, de Hegel e Feuerbach, para formar algo novo. O homem – ou melhor, os trabalhadores – cria a realidade, mas essa mesma realidade volta-se contra o criador e o domina. O Estado, por exemplo, só pode existir porque há trabalhadores, porém o Estado existe para reprimir e controlar a classe trabalhadora. O mundo das coisas criado pelo trabalhador ganha autonomia e independência, então a criatura, como as mercadorias, controla o criador. Aquilo que chamamos ―capital‖, que é um processo social, é também um processo cego, que impõe regras sobre os homens. Porque os homens estão desorganizados como sociedade, separados uns dos outros, surge uma série de leis
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sociais que não são decididas por ninguém, pois surge uma lógica das coisas que passa a controlar a humanidade. Nas fábricas, o fruto do trabalho, o resultado do esforço, é uma mercadoria que não pertence ao trabalhador, ou seja, ao criador – pertence ao capitalista. Ele, o operário, é separado do fruto de seu próprio trabalho e nada tem de identidade com seu produto final. É muito comum o operário passar oito horas seguidas apenas colocando uma única peça num aparelho, no entanto ele nada sabe da função de seu ato de trabalho, para que serve aquele componente que ele instala no produto. O trabalhador serve ao processo produtivo, não é o processo produtivo que serve ao trabalhador. O operário torna-se uma ferramenta de carne e osso da máquina – o maquinário passa a dominar os trabalhadores. Assim, a máquina é sujeito e o operário é objeto – o trabalhador é coisificado, o maquinário é humanizado. Há, portanto, coisificação dos homens com a humanização das coisas. Vale a pena oferecer relatos sobre não alienação no trabalho. Certa vez, fui vigia de dependentes químicos; numa dessas vigilâncias, sentou perto de mim um paciente que pintou as paredes e colocou grama no pátio da instituição; pois bem: ele conversava com um colega e disse: fazer todo o trabalho é puxado, mas quando vemos o resultado, dá um prazer enorme. Esse ―prazer‖, um sentimento, é muito valorizado pelo marxismo; o trabalho escravo, feudal e assalariado negam esse prazer sentimental do animal humano. Tenho um amigo que, por improviso, sem formação oficial, produz, por exemplo, a própria mesa de sua casa; ele diz que, quando vê o fruto do seu trabalho, lhe dá um prazer enorme – o cérebro premia a criatividade, a criação ativa. No meu caso, a primeira vez em que tive tal sentimento foi quando ensaiava com minha banda nossas próprias músicas; nós não repetíamos as músicas como robôs musicais, ao contrário, experimentávamos, dávamos propostas para as canções, e uns aos outros, tentávamos, corrigíamos etc. – depois, era quase uma hora inteira sentido aquele sentimento sem nome, agradável, do qual comentávamos. Também senti isso quando as reuniões partidárias da qual participava eram dinâmicas, com observações, propostas, votações etc. É um sentimento fortíssimo porque é raro hoje; mas será natural no socialismo, pois, por exemplo, saberemos que nosso esforço é útil para a comunidade, que ajuda tanto a nós quanto aos outros. A alienação também é a separação dos seres humanos com a dominação de uns sobre os outros. A dominação de uma classe sobre outra, o machismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia são formas de separação daqueles que deveriam estar integrados, unidos. Os que dominam a relação – o patrão, o homem machista, etc. – recebem muitas vantagens por sua vida alienada enquanto o outro polo, o negativo – o operário, a esposa, etc. –, tem uma série de
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prejuízos nessa forma de alienar-se. A prática machista ou domínio do patrão sobre o empregado são formas de coisificar o outro, de diminuir sua humanidade, de subordiná-lo. A separação dos homens é ainda mais profunda. Vemos o outro como inimigo, como adversário. Os capitalistas lutam entre si por lucro e os trabalhadores entre si por emprego. Por isso, a missão do socialismo é superar essa animosidade, colocando, finalmente, fim à divisão da humanidade entre possuidores e despossuídos, entre classes sociais. A alienação inclui a transformação do dinheiro em um Deus. Hoje, o dinheiro é apenas um pedaço de papel pintado, mas guia nossa rotina e nossos pensamentos. A coisa domina os homens, a criatura domina o criador. Se alguém nos mostra um bolo enorme de notas de dinheiro, logo esticamos os olhos e ficamos afetados – e um desejo estranho de ter aquilo nos possui. Pense-se que sempre nos sentimos mal quando gastamos dinheiro, sentimento que nos pressiona a poupar, a guardar nossas notas. A humanidade aliena-se em seu desenvolvimento e tal alienação desenvolve-se até que existam condições para o reino da liberdade real. Em sua evolução, a humanidade nega-se a si própria – coisifica-se, etc. – para, depois, afirmar-se de modo pleno. Ou seja: o caminho da liberdade é feito por meio de seu oposto, de seu contrário, de sua negação. Os modos de vida escravocrata, feudal e capitalista são etapas necessárias para que o homem, no futuro, torne-se livre de fato. No escravismo antigo, os trabalhadores eram como coisas, nenhum pouco livres. No feudalismo, o homem na forma de servos medievais torna-se um tanto mais livre, preso ainda à terra, e um pecador. No capitalismo, somos formalmente, juridicamente, livres e iguais – apenas formalmente; ou trabalhamos como as condições difíceis nos impõe ou fracassamos. No socialismo, seremos de fato e finalmente – substancialmente – livres. A história da humanidade é a história por onde ela se torna cada vez mais livre, liberta. Em relação às coisas, hoje, a alienação aparece assim: 1) Humanização das coisas na proporção da coisificação dos homens; 2) Valorização das coisas na proporção da desvalorização dos homens; 3) Integração das coisas – a internet! – na proporção da fragmentação dos homens; 4) Ganho de características das coisas na proporção da unilateralização dos homens; 5) Poetização, estetização, das coisas na proporção da brutalização dos homens; 6) Ganho de cognição das coisas na proporção da perda cognitiva dos homens. Isso tem consequências no perfil das mercadorias, além de tanto outros aspectos, como a crise sistêmica.
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A ESFERA COISAL Lukács afirmou que nem a psicologia nem o lado coisal seriam esferas ontológicas próprias. Em acordo com ele, penso que a o mundo das coisas é, ao menos, um colateral, uma falsa modalidade de ser – um é que, ao mesmo tempo, não é. Quando Marx diz em sua grande obra que uma relação entre homens mostra-se como uma relação entre coisas, não trata de apenas um engano; na verdade, as coisas impõe uma lógica de si, uma relação entre elas mesmas tendo o homem como o suporte. O máximo desenvolvimento do ser inorgânico levou ao ser orgânico, ao biológico; o máximo desenvolvimento deste último levou ao ser social, o homem humano; o auge do desenvolvimento deste, o capitalismo, levou ao ser coisal. O anterior é sempre base e suporte do próximo, como na relação homem-coisa em nosso atual modo de vida. A esfera coisal, seu poder, inclui coisificar o homem. Como diz Marx, há humanização das coisas e, em relação direta, coisificação dos homens; a máquina é o sujeito enquanto o homem é um objeto, uma ferramenta de carne daquela. Assim como o homem, em seu desenvolvimento, humaniza a natureza, que veio antes e de onde veio, a coisa, em seu desenvolvimento, coisifica o homem, que veio antes e de onde veio. O ser coisal consolida-se com a imitação de movimentos humanos na produção, substituindo braços e cérebros. Mas não para aí: a robótica visa imitar a sensibilidade do homem, até mesmo superá-la. Em nosso tempo, temos vírus de computador que se multiplica, como um ser vivo, e recentemente criamos robôs com a pulsão, a programação, de multiplicar-se a si próprios. A concorrência capitalista, que é uma lei cega imposta pelas coisas tal como estão, leva a que surjam várias tentativas de produzir a melhor inteligência artificial – poderá surgir uma inteligência similar à humana, mas sem emoção? A integração das coisas tem vindo acompanhada do isolamento dos homens. Tal integração é condição da integração humana no socialismo, mas não condição absoluta – é, hoje, uma aposta social. O dinheiro é a coisa central, a Coisa das coisas; o valor é a alma objetiva delas, um verbo que se quer fazer carne. Segundo Carcanholo, o valor era apenas um adjetivo da coisa, do objeto, do produto como mercadoria; para ele, tornou-se, como capital, um adjetivo substantivado 195. Complementamos: tornou-se, depois, substantivo concreto, com a maquinaria e suas consequências humana e coisais, para tender a ir ao substantivo abstrato e, por outro lado, ao
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Como o adjetivo “plástico” realizou, no grande desenvolvimento das coisas, sua substantivação por meio do material chamado “plástico”, com variadas possibilidades de uso, derivado do petróleo.
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mesmo tempo, verbo que se faz carne (isto se relaciona com as quatro eras do capital: a era do capital mercantil, a era do capital industrial, a era do capital financeiro e a era do capital fictício). Com o devido jogo de palavras, o valor é um sujeito oculto, que exige teoria por detrás do preço, e um sujeito indeterminado, sem determinações. Como o espaço-matéria e energia-massa; o valor é um sujeito simples que se torna sujeito composto, valor e capital, valor-capital, que podem, como vimos, entrar em contradição. A esfera coisal tem sua grande história já no início do ser social, como ferramenta e produto. Marx diz que temos a coisa, o objeto, mas, por outro lado, a coisa nos tem – isto é ontológico. Relacionamo-nos pessoalmente com as coisas, nós as afetamos assim como elas nos afetam. Hoje, elas ganham poesia, estética, enquanto nosso mundo perde arte. O mundo das coisas, embora misturado conosco, opõe-se ao mundo dos homens. O valor, o capital, o coisal faz de nós um meio, encarnações e representantes deles. Os objetos não são neutros. O dinheiro é típico do capital e do capitalismo, incompatível com o socialismo. O mero microfone, usado por líderes autoritários, é condição para a vida socialista com suas assembleias de bairros e fábricas. Ademais, temos a concepção correta da lei geral da história humana ―produtividade crescente‖, mas ela é apenas quantitativa. Temos ainda a produtividade qualitativa. Quando o socialismo cumprir, em poucos anos ou décadas, todas as necessidades humanas em quantidade, com a ajuda de mudanças qualitativas, terá ainda mais condições de garantir maior qualidade aos objetos. A alienação, em resumo, apresenta-se assim: O sujeito é o objeto O objeto é o sujeito De tal modo: o sujeito é o sujeito por seus predicados – o objeto é o objeto por seus predicados. A verdadeira unidade-identidade de sujeito e objeto, sem alienação, estará posta como tarefa socialista.
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POEMAS CIENTÍFICOS, UNIVERSAIS
Alguns destes poemas foram obras do meu inconsciente (por isso, artistas filiam-se à psicanálise). Apenas pude entendê-los anos depois, depois de uma dura pesquisa científica. Até aí, eu não sabia interpretar de fato minha própria produção poética. Por exemplo, minha teoria física diz que espaço e matéria são o mesmo, diferentes manifestações do mesmo; pois matéria é espaço concentrado e espaço é matéria decaída. Mas uma década antes eu já havia escrito isso de modo instintivo em poema erótico: Explora o espaço; Temos tempo e todo o espaço. Podemos explorá-lo, Ir até ele. Não apenas o tempo dobra-se. És toda feita de espaço e dobra-se.
Tratarei disso na Estética Marxista, filha da psicologia – também. Tudo soa meio mágico, mas a vida é poética. Claro, apesar dos pesares… Mesmo a metafísica concreta é certa mágica materialista. Minha equação espaço matéria acompanha o valor-matéria, hipótese também antecipada em forma de arte de maneira inconsciente, que trato no conto ao final. Feita essa introdução, vejamos os versos do livro Cru.
43 Inexistência é normalidade Rumo natural e matemático do cosmos Potência inativa do inorgânico Imaterial fluidez inanimada e indiferente Acidente e acaso
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A concessão da probabilidade – Existência! Epifenômeno do epifenômeno! Repousante energia Para dentro do útero – Existência! Intervalo instável Orgânica matéria Pré-extinta – Existência! Ser o não ser – Existência! Líquido espelho do contrário Ao demonstrar A totalidade vazia da inexistência – Existência, Existência!
44 Manual incolor do vazio Apática e abstrata Pois essência pós-tudo do pré-nada Ausência exata da matéria Nem calor nem frio Nem movimento ou inércia Nem fuga nem abrigo Nem estabilidade ou enfrentamento Nem o belo nem o esquisito
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Não-coisa Não-valor Não-conteúdo Amorfa Descartas o espaço-tempo Descartas as quatro dimensões Descartas as energias todas Indolor Inodora Assexuada Temida Intrainfinita Indomada Inominada Equivalente a si mesma Genética origem de todos os ZEROS
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42 Continuar-se-á Energia-massa Do universo no universo No universo do universo Fluindo Fluindo Permanentemente mudável Pelo imenso espaço-tempo Poeira das estrelas Do pó vieste e ao pó retornarás
40 Humanidade do futuro Homo sapiens sapiens verdadeiro Amanhã existente Caso Talvez por acaso Tenhamos evitado a autoextinção Não nos perdoem Nem sequer Nem ao menos aos poetas Pois Como faz e fez A minha era A minha era
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Valoriza mais o plástico do que o Homem! Mais o plástico do que o Homem!
39 O Homem do Amanhã Por meio de singular máquina pós-industrial Visitou nosso tempo E por três sóis Chorou E por três luas Cada continente era angústia Cada país era dores novas Cada alma outra outro mutilado era (Cheiro chato das ruas Desproporcional corpo das quase pessoas Universal valor da indiferença Traçado tosco das coisas Portas e chaves e muros E famintos e fomes e fanatismos e farsantes) Retornou retorcido Por razão de segurança psíquica-emocional Emergencialmente e trêmulo Ao Amanhã Aquele Homem do Amanhã
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18 Sou dado empírico da realidade A observação gráfica da minha fenomenologia Traça tendências Sombrias ao decaimento da minha matéria Ah, fosse – outro seria – aquela partícula Indivisível Cuja massa Irrisória fizesse de mim Invisível Fantasma do mistério micronatural Indiferente a quase tudo, indiferente E sou apenas sub do sub Seria irreconhecível algo acima daquilo sido Homens de letras, cientistas, filósofos e eruditos Tentam descobrir o eu em mim de mim Analisam o corpo humanoide com suas inerentes partes Verificam das minhas manifestações a veracidade E a revisão de todos os cálculos das probabilidades limitadas De um jogo viciado e determinístico Em um grande espanto cínico Encontram o vazio de um jarro vazio Onde a donzela Harmoniosa, Fingida e Sanguinária – Cujo sobrenome é vida! – armazena, ali, Toda sorte de Angústias Duma tabela periódica de Ag-Agonias!...
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CONTO DO LIVRO – ANO ZERO
Veja-se que, muitas vezes, o inconciente, o InfraEu, expressa suas conclusões antecipadas em forma de arte, apesar do artista ter ou não capacidade de levar o conteúdo íntimo ao Eu externo. O Espaço = matéria e o valor-matéria estão aí, de maneira instintiva.
METROS QUADRADOS EM CENTÍMETROS CÚBICOS
Teresina/Piauí. 14 de Junho de 2010.
Breve além dos três meses desde o lançamento da ponte Estaiada. E uma ponte sobre o rio é o point desejado de todos os suicidas. Na ponta da ponte, no mirante, estava Anna com, apesar do nome fofo-jovial, de dois “ns”, seus 32 anos. A não-tão-jovem enfim recebeu devida atenção: curiosos, depressivos invejosos, ambulância, jornalistas e policiais chegaram às 7h ao encontro; no ponto mais alto, chegara adiantada em 2 horas. Todas as negociações falharam; os negociadores estavam desmoralizados. Nem o padre da paróquia serviu. Foram chamar a família, mas Anna era desprovida dessas coisas (nem imaginava a sorte disso). De qualquer forma, não se sabe se dava falta. Anna estava lá em cima com ninguém. — Tudo bem, posso sentar? — O dono dessas palavras, típico hétero-branco-barbamagro-arrumado, soube entoar a voz com certa firmeza não impositiva. — Como que entrou e subiu? — Assustou-se. — A entrada, pela entrada. Mas tudo bem, aqui ainda é propriedade do governo. — Para, não, não, não chega perto! — Chego não, senão caem dois — respondeu. Sentou-se. E sentando-se, meio longe, amarrou a carência degenerativa de Anna. — Psicólogo, dispenso.
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— Não, sou filósofo de profissão… —? — É difícil explicar. — Pagam as pessoas pra ficar pensando… — agrediu. O cenário era belo dali. Era o ponto de vista que só os dois viveram, nenhuma outra alma viveu. Talvez, quem sabe, os operários da construção. — Bom gosto pra descanso, viu; sabia que esse mirante ainda nem está pronto pra visitas? — (…) Uma pergunta que faz sentido agora é o porquê um filósofo. — Você tem certeza de morrer. —Tenho. — Exatamente isso… — Mandaram você subir aqui pra gerar dúvida em mim? — Não, sim… Se eu disser que é um novo projeto governamental, acredita? De longe, dava pra ver a gente correndo mais veloz que urubu, saindo dos bairros ao redor, pra acompanhar e ver. Pessoas no alto dos prédios. — Cansada… Dizer pra quê mesmo? Tudo se move apesar de mim, não tão nem aí de verdade. — Você acha? Silêncio, solvente de tédio ou indiferença. — Eu tenho uma explicação maluca. — Você é maluco — agrediu de novo. — Vou dispensar a piada óbvia pra evitar ser sombrio; eu quero você viva, espera um pouco. Continuou: — Por que tem tanta atenção e tanta gente e recursos para uma desconhecida? — Por causa do trânsito. —… — Ou porque atrapalha ou porque o trânsito deixa vir ver minha morte.
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— Bom, bom; você prova que, de duas, apenas uma: ou todo inteligente é suicida ou todo suicida é inteligente! — Tá. — Monossilabilou. — Acho que é a relação tamanho, qualidade e quantidade. Por exemplo, matamos formigas todos os dias e é bom matar as formigas; são demais. (Deve saber de biologia mais do que eu) acho que são bilhões de bilhões. E pequenas; o inferno é o tamanho delas. Quem é que não mata formigas? E tem os elefantes. São grandes, poucos, risco de extinção; se morre um, é documentário, é jornal, é filme lamentando e um monte de gente fresca sofrendo pelo coitado do elefante. Ele é grande, impacta, é muito e pouco. Não tô dizendo que você é um elefante. Raramente essas coisas acontecem – isso destaca. As pessoas julgam o valor da vida pelo tamanho: é a diferença do elefante para a formiga. E também pela quantidade: a espinha grande é mais importante do que o pequeno cravo. Se um artista morrer, todos choram porque material raro, mas morre gente demais todos os dias. Só não são pessoas elefantes. — Tô entendendo, um monte de indireta pra eu me sentir especial, sugestões. — Contrargumentou. — Nem me conhece. — Estou falando de tamanho, quantidade, elefantes, formigas, formigas e elefantes... — Certo. — Dobrou o rosto em 15 graus. — Cala a boca. — Diz se é coincidência ou não? Até aqui em cima tem formigas, olha só. Gosto de matá-las, dá prazer, desconto ódio nelas —, divertiu-se matando algumas com o polegar, esfregando, quebrando-as.
A Anna: — O filósofo: — — É a distância —, engatilhou. — ! —, exclamou-se-lhe quase interrogando. — A distância do pulo, de onde a gente está. Todo mundo está aqui pela qualidade do tamanho do pulo, o tamanho da ponte, formiga no elefante.
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Um corpo em queda livre, molhando-se de rio. Não era a Anna. V E R T I C A L Nenhum lá na avenida, os populares ou a polícia, sabia quem eram os dois. Dois suicidas, duas pessoas no mesmo local, altura, dia.
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APÊNDICE I COMO SERÁ O SOCIALISMO? MANIFESTO DE TRANSIÇÃO AO SOCIALISMO Por um novo manifesto comunista
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―Quando dou comida aos pobres, chamam-me santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me comunista.‖ Dom Hélder Câmara Vivemos uma coleção interminável de crises: crise ambiental, crise moral, crise das classes, crise econômica, crise de suicídio – todas se unem em uma crise sistêmica cuja base comum é o avanço, ou falta de, na produção. Finalmente, um colapso! Este colapsar, no lugar de ocorrer como explosão ou susto único, avança como um processo de decadência. Diante do possível fim da humanidade, o cinema, por exemplo, foca nas distopias decadentes pós-apocalípticas. Todos nós sabemos que amanhã será pior do que hoje, exceção caso façamos algo juntos para impedir a queda no abismo. Por isso, chegou a hora dos socialistas democráticos, os verdadeiros comunistas, exporem a natureza do estágio final do capitalismo. Diz-se que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do sistema do dinheiro, do capital; devemos, portanto, ensaiar na forma de um manifesto a natureza do futuro imediato se vencermos, se a humanidade vencer, se o mundo dos homens dominar o mundo das coisas, se Mamon enfim cair. Portanto, uma palavra de ordem impera: Socialismo ou extinção! Sob o capital, o hoje difícil desenvolvimento das forças produtivas tornou-se desenvolvimento das forças destrutivas. Contra a decadência, é necessário puxar o freio para evitar o abismo. O objetivo revolucionário do socialismo é impor uma nova era de reformas, incapazes de acontecer no capitalismo atual. Se o sistema capitalista é incompetente para resolver suas próprias contradições e melhorar a vida da maioria, então que morra! Tomaremos para nós todas as conquistas civilizacionais do atual modo de vida e as combinaremos com o melhor do futuro, do socialismo. O fantasma do comunismo causa arrepios inconfessáveis entre os arrogantes bilionários. O mundo necessita de emprego, saúde, educação e segurança – não de superricos parasitas e inúteis! Portanto, ainda estamos na pré-história da humanidade, quando a barbárie é a base da civilização. Ainda não somos humanos. Ninguém deve ser tão rico ao ponto de poder comprar outros cidadãos – ninguém deve ser tão pobre ao ponto de ter que se vender para outros. Até aqui, a maioria das rebeliões e revoluções focaram em geral apenas em derrubar o governo e o regime político vigente; no entanto, de nada adianta derrubar o príncipe e manter o seu princípio – chegou a hora de desafinar o coro dos contentes! Liberdade, igualdade e fraternidade! Que a classe dominante e seus políticos tremam diante do futuro digno – pois força não há capaz de enfrentar uma ideia cujo tempo tenha chegado!
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PARTE I A VELHA E A NOVA SOCEDADES
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A PRODUÇÃO – CRISE DO VALOR Pela primeira vez na história da espécie humana, produzimos tudo necessário e na quantidade necessária para satisfazer todas as necessidades da humanidade – e, ainda, fazer sobrar recursos para investir no desenvolvimento da economia social. O tempo da falta e da escassez pede para ficar no passado, mas o mundo do capital mantém a fome e o desemprego! Embora seja imoral a exploração do homem pelo homem, ela tinha um sentido histórico, pois a abundância antes nunca era suficiente para todos no escravismo, ou no feudalismo, ou no capitalismo até há poucas décadas. Agora, tudo mudou. Temos uma superprodução crônica latente, crises cada vez mais duras de superprodução de capital e de mercadorias, todos os poros e cantos do mundo estão possuídos pelo mercado. Que as máquinas trabalhem no nosso lugar! A última revolução industrial empurra para encerrar a era de produção de valor por meio do trabalho manual explorado; os robôs e as máquinas automatizadas podem trabalhar duro para nós, por nós; mas, sob o capitalismo, a introdução da moderna tecnologia produz desemprego crônico, expulsão de operários das empresas. De um lado, muito mais produtos por causa da produção alta permitida pelas máquinas, e, de outro, muito mais desempregados sem condições de consumir – a conta não fecha! A internet e a informática, juntas com a robótica e a automação, permitem uma produção organizada, planificada, planejada – evitando tanto o desperdício e o excesso fontes de duras crises quanto a falta, ou seja, a demanda será igual à oferta. Com a computação, a produção automatizada produzirá exato de acordo com a demanda, um pouco a mais para ter estoques em caso de aumento repentino da procura. Assim, teremos uma economia científica e estável, baseada em protocolos e dados. As empresas ainda com trabalho manual serão estatais, geridas pelos próprios operários em democracia direta – e de acordo com um plano geral da economia. Serão eleitos em assembleia os poucos representantes de direção da fábrica, com salários limitados e mandatos perdíveis a qualquer instante se assim os funcionários em assembleia decidirem. Para haver democracia operária e popular, sempre é necessário tempo livre e energia aos cidadãos, nunca esgotamento por longo trabalho. Por isso, desemprego zero! A jornada de trabalho, que será reduzida de imediato – por exemplo, para 30 ou 25 horas semanais –, será móvel, com o mesmo salário; isto é, se o desemprego aumenta, logo reduzimos a jornada para todos trabalharem; se a demanda da produção por trabalho aumenta, logo aumenta um tanto e pouco a jornada para a sociedade manter o equilíbrio.
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Apenas com o início da automação e da informática o socialismo, sua democracia e sua economia racional, tornou-se possível. O socialismo acelerará a substituição do trabalhador pela máquina, dando mais produtos e mais tempo livre ao ser humano. Já o capitalismo impede a plena robotização da produção, pois prefere manter o trabalhador ativo para lhe pagar salários baixíssimos com jornadas extensas ou intensas. Sob o capital, a automação impede a automação – pois a introdução da moderna maquinaria demite operários, que, desempregados, fazem aumentar a oferta de força de trabalho, logo seu preço, o salário, cai, compensando manter o trabalho manual barato no lugar de implementar de vez a nova tecnologia. Afastando-se cada vez mais do trabalho manual na produção material, os cidadãos dedicarão mais tempo livre para a família, para a arte, para o ócio, para cuidar do Estado, para o setor de serviços como educação e saúde. O crescimento da produção primitiva foi a base do surgimento do escravismo antigo. Depois, os problemas de produção no escravismo foram a base para a então nova produção feudalista, mais ainda produtiva. Em seguida, o avanço da produtividade feudal foi a base para a produção capitalista. A altíssima produção no capitalismo põe, por sua vez, em crise a sociedade do mercado, como veremos. DISTRIBUIÇÃO E A CRISE DO DINHEIRO O dinheiro é o verdadeiro Deus de nossa sociedade, domina todas as nossas vontades e valores. Parece, portanto, impensável uma sociedade sem ele. O escravismo e o feudalismo baseavam-se na distribuição somente de produtos, não se mercadorias. Por outro lado, o sistema de preço, o mercado, faz todo sentido em sociedades de baixa abundância, quando existe falta real; mas, quando surgiu a altíssima produtividade em nossa época, o preço e o comércio deixam de ser uma força social positiva – o preço, o valor, não se realiza! No socialismo, os atuais grandes supermercados, estatizados, serão a primeira forma social de distribuição gratuita dos produtos – que no começo, apenas no início, serão ainda mercadorias já que ainda precificadas. O que for produzido de maneira científica com a ajuda da alta tecnologia, será distribuído de modo científico, como trens e caminhões de direção automática. Todo cidadão terá um cartão magnético ou dados em aplicativo de celular comprovando que foi útil à sua comunidade, ao trabalhar ou ao estudar, assim tendo acesso gratuito aos produtos nos depósitos sociais presentes em cada bairro. Os produtos não serão mercadorias, pois não terão preço. Ou melhor: os dados entregues nos depósitos, de modo algum serão dinheiro, pois não circularão nem se acumularão
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em poucas mãos – apenas dirão ao centro de comando virtual que um tipo específico de produto saiu dos estoques sociais, logo sendo reposto. O dinheiro, este inimigo da humanidade, que nos torna escravos das coisas, é tanto ele mesmo quanto sua própria acumulação. O dinheiro tem por natureza sua acumular-se, dinheiro em busca de mais de si; por isso ele deve deixar de existir no socialismo – o dinheiro desconhece limites. O mundo dos homens deve dominar, de modo planejado e unificado, o mundo das coisas. Na medida em que aumentam a produtividade e a quantidade de trocas, a história do dinheiro aponta para seu próprio fim. Tornou-se cada vez mais material: primeiro, ferro; depois, bronze; depois, prata; depois, ouro – para, em seguida, ir para a desmaterialização: de ouro para prata, para bronze, para papel, para bits (elétrons) quase imateriais. Em nosso tempo, o dinheiro é fictício, mantido de modo artificial pelo Estado capitalista, um papel pintado, ou menos que isso, quase nada. O dinheiro, hoje, é um nada que é, porém, tudo. O moeda em papel e tanto mais, hoje, quando eletrônico não tem medida, pode ser criado, e destruído, com imensa facilidade, sem limites aparentes, o que é o mais poderoso sintoma de seu futuro fim. Como o sistema anterior dá base para o sistema posterior, o dinheiro virtual de nossa época com internet permite o controle do consumo e dos estoques sociais no comunismo. Mudanças radicais no modo de vida ou mesmo a crise do escravismo romano e da servidão feudal foram acompanhadas do alto endividamento, uma das bases de crises sistêmicas. No capitalismo, ocorre do seguinte modo: temos a constante ameaça de uma superprodução crônica, por isso o capital e os governos apostam no endividamento para estimular o consumo, para escoar as mercadorias. Temos, portanto, assalariados, governos e empresas muito endividados, sem condições de pagar aos agiotas. Então, exigimos a anulação total e irrestrita da dívida dos trabalhadores e pequenos empresários nem que seja necessário para isso estatizar todo o sistema financeiro. A dívida do Estado também deve, por isso, ser boicotada. O grande endividamento capitalista tem um segredo socialista. Como dissemos, graças à grande abundância, não haverá no futuro o dinheiro entre o cidadão trabalhador e o produto estocado. Hoje, a superprodução crônica latente de capitais e de mercadorias leva ao estímulo de consumo por meio da dívida, por meio de pagamento, ou seja, recebe-se o produto sem dar de imediato o dinheiro ou todo o dinheiro do preço daquela mercadoria. Ora, a grande ausência do dinheiro nas trocas imediatas, hoje, na forma de dívida, de promessa de pagamento apenas no futuro, torna-se o sintoma oculto da completa ausência futura do dinheiro na sociedade. Em ambos o casos, no socialismo e no endividamento capitalista, por causa da alta produtividade, base do fim dos preços.
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OS PRODUTOS Em sua última era, o capital fragiliza os produtos, diminui suas qualidades e resistências em nome da quantidade maior para venda. Mercadorias cujo uso poderia durar longos anos, são feitos para quebrarem logo e forçar nova compra similar. Para preservar a renda dos trabalhadores e o meio ambiente, o socialismo tomará medidas sobre a qualidade das coisas produzidas como aumento da durabilidade, virtualização do que for possível, redução de tamanho e da materialidade naquilo onde for viável de modo positivo. Hoje, há humanização das coisas na proporção da desumanização dos homens. Há valorização das coisas na proporção da desvalorização dos homens. Há integração das coisas – a internet! – na proporção da fragmentação dos homens. Há ganho de características das coisas na proporção da unilateralização dos homens e de seus pensamentos. Há ganho de poesia e estética das coisas na proporção da brutalização dos homens. É necessário desvirar o mundo! O socialismo passa longe de ser um voto de pobreza: queremos que todo o povo tenha acesso a uma vida digna, com os produtos comuns da sociedade – sempre respeitando os limites dos ciclos da natureza. CRISE DOS CUSTOS IMPRODUTIVOS A concentração de humanos em grandes cidades com baixa qualidade de vida, leva a sociedade e o Estado a elevarem os custos de manutenção do modo de vida atual. Assim, por exemplo, o aparato da polícia deve crescer, o que é um custo parasitário. Mas, no socialismo, com o fim da pobreza e o povo armado, um grande aparato de segurança será desnecessário socialmente. Apenas na produção material se faz o valor de uso, a coisa, e o valor, a riqueza de nosso tempo, como energia invisível nos objetos. Em nossa época, pelas causas acima, serviços que não produzem nem objetos nem valor sugam de modo parasita parte do valor global e disputam lucro sem dar, em troca, mais da riqueza econômica de nossa época. O setor de serviços, superinflado, disputa lucro, e dinheiro, contra a origem da riqueza, a produção. Apenas no socialismo muitas formas de serviços deixarão de existir, como segurança privada, ou serão mais baratas. A luta e a concorrência entre poderosas empresas de monopólio forçam umas às outras, e vice-versa, a aumentar muito os falsos custos de produção, custos improdutivos, como capatazes, mais gerentes, setor de propaganda, espionagem e contraespionagem industrial etc. O socialismo encerrará ou diminuirá tais custos ao colocar a cooperação acima da disputa. Por exemplo, a vigilância sobre o trabalhador será desnecessária porque será ele mesmo disciplinado por si, ao ganhar salário por peça produzida, e por seus colegas; o custo com propaganda será quase nulo,
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se existir; a espionagem empresarial será algo do passado já que as empresas concorrentes estarão unificadas. No escravismo romano, a ampliação dos campos de trabalho forçado exigia também aumento dos custos improdutivos com o controle prático da vida, mais capatazes, mais soldados, mais burocratas etc. eram necessários para vigiar a quantidade maior de escravos e a extensão acrescida da propriedade. No capitalismo com concorrência de monopólio, as empresas em luta encarniçada forçam umas às outras a acrescentar pseudocustos de produção para vencer suas guerras mercantis. No caso escravagista, a solução foi encontrada em outro modo de vida, superior, o feudalismo, pois o antigo escravo passa a ser um servo, mais livre, com suas próprias ferramentas e direito a plantar uma parte da terra para si; a então nova sociedade superou custos improdutivos da sociedade anterior, pois, por exemplo, tornou-se desnecessário uma vigilância tão direta sobre a classe dominada, sobre o trabalhador. Do mesmo modo, o socialismo reduzirá ou encerrará muitos dos custos improdutivos, capitalistas, nas empresas e na sociedade. URBANIZAÇÃO A crise sistêmica do império escravista romano teve como um dentre seus eixos a alta urbanização. O fim do feudalismo na Europa também conheceu aumento da urbanidade. As grandes cidades unem uma quantidade enorme de explorados e oprimidos, logo temos cenário que facilita rebeliões e revoluções. No capitalismo recente, pela primeira vez na história, temos mais pessoas na cidade que no campo, e mundo urbano é a casa da democracia socialista, direta e participativa. As revoltas tornam-se mais fortes e com as muitas exigências ―urbanas‖, de salários ao saneamento passando por transporte. No socialismo, a urbanidade será organizada, planejada. É muito provável que em cada bairro teremos um centro, de caráter social, onde estarão restaurantes, lavanderias, creches, escolas, postos de saúde, praça, locais de esporte, cinema, palco, espaço de assembleia do bairro, depósitos de produtos e assim por diante – todos públicos, gratuitos e de qualidade. Em muitos casos, ao redor de tal centro; as casas serão, de modo voluntário, substituídas por espaçosos apartamentos dotados de varanda, paredes grossas, personalizados, com todos os serviços residenciais necessários, semelhante ao que hoje é apenas luxo. De imediato, há muitas casas sem gente – e muita gente sem casa. Prédios e moradias estão sem função social alguma, nas mãos dos bancos e dos especuladores. Logo em seu início, o governo comunista garantirá a distribuição de todas as habitações disponíveis, antes nas mãos de poderosos, para os seus cidadãos. O problema da habitação terá fim imediato.
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CRISE DAS CLASSES SOCIAIS Um dos objetivos do socialismo é o fim da divisão da humanidade em classes sociais, em ricos e pobres, em patrões e assalariados. Queremos o fim da exploração do homem pelo homem! Isso é antecipado sob o capitalismo de duas formas: 1) o desenvolvimento das empresas afasta o investidor da administração real do negócio, tornando-o mero acionista, sem relação prática real com a fonte de riqueza, tornando-se parasita social; por outro lado, 2) a classe operária é afastada da produção por máquinas automatizadas e robotizadas, gerando duro desemprego e dificuldade de realizar-se enquanto classe. As duas classes principais da sociedade, a burguesia e o proletariado, afastam-se da produção e dos demais setores (comércio virtual, transporte automático etc.). Assim, estamos mais pertos de tratarmos uns aos outros como indivíduos, sem distinção de classe, sem sermos julgados pelo que temos no bolso. Por ser concentrado e por estar na produção, as revoluções socialistas tendem a ter, no começo, liderança do operariado. Mas, depois, poderão acorrer revoluções sociais de liderança popular pela reunião urbana de grandes setores populares, pela fragilização parcial do operariado em nosso tempo e porque revoluções vitoriosas facilitam outras revoluções. No escravismo antigo, o trabalhador escravizado era tratado como coisa. No feudalismo, o trabalhador era considerado mais humano, um pouco mais livre, mas formalmente preso à terra. No capitalismo, somos formalmente – apenas formalmente livres, um tanto mais livres. No socialismo, seremos substancialmente livres, de fato libertos; para além da sempre ameaça de trabalhar ou morrer de fome, de viver para trabalhar no lugar de trabalhar para viver. Com o aumento da produtividade, na história de nossa espécie, o homem social é cada vez mais individual, mais pessoal, com mais opções, mais livre. A divisão da humanidade entre senhor e escravo, senhor feudal e servo, patrão e assalariado, credor e devedor será algo do passado remoto, um passado de barbárie, nada natural ou tolerável. A burguesia tornou-se uma classe desnecessária, fictícia, já não é classe alguma. Uma fábrica sem trabalhadores é uma fábrica parada – uma fábrica sem patrão é uma cooperativa, no mínimo. Está na hora da gestão operária, com assembleias de base regulares e livres de seus funcionários, nas fábricas ainda não totalmente robotizadas ou automatizadas. A existência de patrões, o homem escravizando outro homem, tornou-se desnecessária! Lucro é roubo! UM PLANETA SEM FRONTEIRAS Na antiguidade europeia, todos os caminhos levavam à Roma escravista; mas o crescimento enorme de seu território exigiu mais do Estado e do exército, levando à instabilidade, um dos fatores de sua crise sistêmica. Na crise sistêmica do feudalismo, os feudos e os pequenos
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principados feudais foram atacados pela pulsão da então nova sociabilidade, a capitalista, levando à formação de estados nacionais unificados. O capital não tem pátria. As condições para a humanidade unificar-se como espécie, como indivíduos iguais na diferença e livres, estão dadas. O mercado está em todo canto, as fronteiras mal resistem à integração internacional. Assim, o capitalismo antecipa dentro de si o caráter planetário da próxima sociedade. Bastará, então, o poder operário e popular mundial, radicalmente democrático, para concluir tal tarefa. Por enquanto, vivemos tempos de conflito armado. A guerra é a continuação da economia por outros meios. Portanto, a luta entre os países por mercados e por qual nação será a casa prioritária do capital, levará a guerras cada vez mais duras, talvez uma guerra mundial. Deveremos boicotar este crime tanto do lado dos velhos imperialistas quanto dos novos candidatos à nação dominante. Não há motivos para que um trabalhador mate outro trabalhador em nome dos desejos de lucro dos patrões de seu país. A revolução tende a começar em um país apenas, um relativamente atrasado em geral, e vaise espalhando por todo o globo terrestre em poucas décadas. Mas a vitória nunca está garantida: para facilitar o sucesso da humanidade, os trabalhadores conscientes de todos os países devem se unir num partido mundial da revolução. O socialismo apenas poderá existir se se consolidar em todo o mundo em poucas décadas, pois recua aquilo que deixa de avançar. Uma dentre as vantagens do capitalismo sobre os sistemas anteriores é seu caráter mundial; junto disso, a matéria-prima, a tecnologia e o conhecimento são desigualmente distribuídos em todo o mundo. A integração internacional completa é urgente para um modo de vida que tem de ser superior ao mundo do capital. O socialismo será planetário, ou não conseguirá existir isolado. Neste campo, seguimos o seguinte princípio: 1) queremos unidade humana, logo militamos contra a separação dos povos; mas, 1) se um povo decide livremente por separar-se, logo defendemos com unhas e dentes seu direito de independência. A guerra entre candidatos a império deve ser boicotada. Outro caso, exceção clara se for uma luta de países socialistas contra países capitalistas, pois sempre defendemos a sociedade com traços socialistas. Se os países nazistas imperialistas se unem contra os imperialismos ―democráticos‖, cabe analisar se tomamos os lados contra as nações fascistas ou o boicote total ao conflito. Se um país dominante entra em guerra contra um país atrasado, sempre apoiamos este contra aquele. Se dois países fracos e dominados entram em guerra, tomamos o lado do invadido contra o invasor, contra o atacante. A pátria dos trabalhadores é o mundo!
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O COLAPSO AMBIENTAL No Egito antigo, em seu auge, a forma crescente e em monocultura de plantar à beira do rio Nilo gerou uma sequência de crises ambientais importantes. Na Roma escravista antiga, em seu auge, a forma de exploração da terra levava ao seu esgotamento e à perda da produtividade. Isso foi resolvido apenas com o próximo sistema, o feudal, que colocava uma parte da terra para descansar no ano enquanto usava outras. No entanto, o aumento da quantidade de feudos, no auge de tal sistema, destruiu florestas e nascentes de rios, o que produziu nova crise ambiental. Do mesmo modo, mas muito mais intenso, o capitalismo em seu auge também produz dura crise do meio ambiente. Apenas podemos salvar a natureza e a espécie humana se destruirmos a causa do problema, o capital: o dinheiro, além de não ter pátria, não conhece limite algum – a concorrência e a atração pelo lucro forçam a desconsiderar os custos ambientais necessários na sociedade. Por isso, socialismo ou extinção! Se a sociedade obriga grandes empresas privadas a tomarem todas as medidas necessárias, muitas delas faliriam, gerando dura crise econômica. Ou defende-se o meio ambiente ou defende-se a propriedade privada. A crise do capital e o socialismo lembrarão ao homem que a natureza não está fora dele, mas é ele mesmo parte dela. A economia planejada, sem concorrência, do socialismo tomará medidas como: medidas ambientais obrigatórias, reciclar e reutilizar a maior parte do material que hoje torna-se lixo, aumentar muito a resistência dos produtos, investir com prioridade máxima em fontes limpas de energia. Tais medidas, se tomadas hoje sob capital, gerariam duras contradições, falências, conflitos, desemprego etc. Ou muda-se tudo ou nada muda. O capitalismo é como um canibal faminto que devora o próprio braço. Se, por exemplo, a lâmpada que dura hoje 3 meses passar, por mudanças em sua forma, a durar 15 anos ou mais, as empresas produtoras da mercadoria faliriam por falta de procura, o que geraria desemprego e crise. Apenas a economia planejada típica do socialismo pode garantir tal resistência alta do produto, levando os trabalhadores, que seriam desempregados, para empregos ainda melhores e com bons salários. Se reutilizarmos e reciclarmos a maior parte do que hoje é perigoso lixo, várias empresas produtoras de matériaprima, insumos, faliriam, o que geraria desemprego e crise. De novo, apenas o socialismo pode organizar sociedade de modo a reduzir ainda mais a jornada de trabalho, impedindo o desemprego. Apenas uma sociedade superior pode respeitar os ciclos e os metabolismos da natureza.
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RISCO DE EPIDEMIAS E PANDEMIAS O auge-crise do escravismo romano produziu suas epidemias. Depois, o auge do feudalismo produziu pandemias violentas. Agora, o auge do capitalismo produz pandemias mais uma vez, como repetição das crises sistêmicas em todas as épocas. A causa geral é a urbanização e a integração combinada com desigualdade social, com pobreza. No capitalismo, temos fatores adicionais como armas biológicas, os transportes avançados (veja-se que a aviação comercial é recentíssima), a alimentação artificial, o descongelamento de calotas polares fazendo ressurgir antigos riscos microbianos etc. A mudança revolucionária da sociedade, como a elevação geral da qualidade de vida e da educação de higiene, diminuirá muito o risco de pandemias, junto com um a sistema unificado e mundial de saúde pública, gratuita e de qualidade. CRISE DAS MENTALIDADES Uma onda de depressão e suicídio cobre o mundo. O declínio geral da psique revela-se no salto para a morte de operários na China, na depressão e isolamento no Japão, nos muitos problemas mentais na caótica São Paulo. Isso demonstra como a cabeça segue o chão que os pés pisam: as duras crises econômicas e sistêmicas geram dificuldades que deterioram a saúde mental da maioria. A essência humana sob o capitalismo é guiado pelo dinheiro; somos, portanto, egoístas, concorrenciais e acumuladores de bens para sobreviver na selva de concreto. Mas tal natureza social entra em contradição com nossa natureza real, natural; pois somos, no fundo, seres integrados, seres mutualistas, nem egoístas nem altruístas, e seres ativos, ou seja, criativos e afirmadores de si próprios. O inferno é falta do outro, mas nunca estivemos tão isolados. O capitalismo promete alta felicidade caso acessemos as mercadorias, mas frustra o tempo todo nossas tentativas de acessá-las – eis a contradição. A sociedade socialista garantirá a paz psicológica ao garantir emprego, baixa jornada de trabalho, espaço de lazer e esportes, bela urbanização, estabilidade, convívio, serviços públicos amplos e eficientes. Mudando o modo de vida, mudamos a psicologia, pois a matéria determina a ideia. O Dinheiro é a fixação mental da nossa época, nossa tara monotemática. Assim, diante da decadência social, hoje temos uma luta ainda mais forte de todos contra todos – mas nenhuma sociedade pode se manter por muito tempo sem uma boa ética. A disputa moral, ética, faz parte da luta socialista. A decadência do modo de vida escravista na Roma antiga produziu declínio da mentalidade na época, junto com uso amplo do chumbo. No final do feudalismo, a decadência sistêmica também gerou decadência mental, junto com a contradição entre impulsos novos ou maiores e a
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dura repressão religiosa conservadora. O declínio da mente sob o mundo do dinheiro, hoje, consegue ser ainda mais degenerativo. Vivemos tempos de forma sem conteúdo, café descafeinado, mercadoria sem valor, arte sem mensagem, trabalho sem sentido, suco artificial, indivíduo sem pulsão. É o jarro vazio de nossa época, que deve ser combatida e revolucionada por um modo de vida pleno de sentido. Por enquanto, insistimos, o fracasso pessoal quase nunca é culpa do indivíduo isolado. CRISE DA ARTE Com a arte múltipla do cinema, da TV e dos jogos de videogame, além da internet, que funde diferentes artes, que é fruto do desenvolvimento técnico, as outras formas artísticas entram em decadência, tornaram-se menos necessárias. Os artistas oficiais compensam isso com o bizarro, com a forma pela forma, matéria pela matéria, novidade pela novidade, e, ao mesmo tempo, podem fazer algo ruim e sem esforço real e finalista porque, afinal, ninguém consome seus produtos. Temos a falsa arte, a ficção da ficção; se, ao sair de dentro de um museu de arte contemporânea, o visitante tem a sensação de que não entendeu muito bem o exposto, na verdade nada havia a entender, nenhum conteúdo havia. A solução para a crise artística é elevar a cultura geral do povo, aumentando a quantidade de artistas e a quantidade de gente sensível para os diferentes modos de arte. Somente o socialismo pode garantir educação e tempo livre para tal avanço. Não haverá poesia na vida enquanto houver burguesia! Para os marxistas, a arte deve ser livre tanto de imposições financeiras quanto de políticas. Valorizamos os artistas esforçados que fazem denúncias sociais, mas nunca impomos nossos valores aos poetas, pintores, cineastas etc. Propomos aos artistas independentes e revolucionários a formação de uma associação internacional própria. Liberdade da arte – para a revolução! O socialismo trará a todos o direito não só ao pão, mas também à poesia! CRISE DA FAMÍLIA MONOGÂMICA No capitalismo, a família é uma ficção, uma fraude, uma fonte de traumas e conflitos constantes. Por exemplo, os pais mal acompanham o desenvolvimento dos filhos, pois guiam todo tempo ao trabalho ou a algo relacionado a manter a casa em pé. O socialismo não acabará com a família, antes fundará uma nova e mais saudável, que respeite as mulheres e os filhos. A crise da família monogâmica burguesa já trouxe algumas vantagens: sexo causal, relacionamentos com duração somente enquanto haja amor recíproco, mais diretos às mulheres, mais liberdade aos homens quanto aos seus perfis pessoais etc. Entre as causas dessa crise estão a entrada da mulher no mercado de trabalho, a altíssima urbanização reduzindo o controle social dos perfis, a
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existência de ferramentas como pílulas anticoncepcionais etc. O nome político do amor chama-se socialismo. Ao garantir qualidade de vida aos indivíduos, os casamentos serão apenas por amor e durarão apenas enquanto este durar. A LUTA CONTRA AS OPRESSÕES Os capitalistas precisam dividir os trabalhadores para conquistar o lucro. As mulheres, os negros, os jovens, os estrangeiros e os homossexuais da classe que carrega o futuro nas mãos serão os mais beneficiados pelo socialismo, por isso tendem a ser os mais dedicados à causa revolucionária. O desenvolvimento técnico – como a entrada da mulher no mercado de trabalho e a criação de anticoncepcionais – e a urbanização alta – facilitando rebeliões ao reunir grande número absoluto de oprimidos e diminuindo o controle coletivo sobre as individualidades – colocam em crise a imposição das opressões. Não há capitalismo sem machismo. A opressão do homem sobre o homem começou com a opressão do homem sobre a mulher, pois a propriedade privada levou a que os homens da classe dominante soubessem quem era seus descendentes, que herdariam a riqueza. Não há capitalismo sem racismo. Enquanto o machismo inicia com a fundação das classes sociais no mundo antigo, o racismo é fruto maldito do capitalismo, pois era preciso justificar a escravização de homens e mulheres africanos com o argumento da pele inferior. O trabalhador branco apenas será livre quando o negro também o for. Não há capitalismo sem homofobia. O preconceito contra outras formas de sexualidade inicia quando as classes dominantes antigas necessitaram do crescimento populacional de seu povo. Não há capitalismo sem xenofobia, rejeição ao estrangeiro. O capitalismo precisa da má condição de vida ao trabalhador vindo de outro país, imigrante, para pagar baixos salários, reduzir os salários gerais e colocar os assalariados uns contra os outros. Paz entre nós, guerras contra os senhores! O ódio contra membros de outra nacionalidade também justifica idelogicamente a guerra por lucro de uma contra outra nação. O feminismo marxista, por exemplo, operário e popular, difere-se radicalmente do feminismo de classe média. Este foca na linguagem e no individual, nos cargos. O feminismo comunista é mais responsável e maduro, próprio da mulher trabalhadora, que precisa, além da liberdade de vestimentas, de creches, de lavanderias e de restaurantes públicos, gratuitos e de qualidade. O feminismo burguês foca em dar cargos e poder às mulheres. Para o feminismo marxista, além de destaque feminino, é urgente destruir o próprio poder, o cargo, inevitavelmente
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machista, racista e homofóbico – mesmo se liderado por uma mulher, por um negro, por um homossexual. Por exemplo: quase impossível que a maioria das grandes patroas ofereçam creches gratuitas às suas funcionárias, pois isso lhes tira lucro e vantagens sobre os concorrentes. Apenas o socialismo pode consolidar diretos aos setores oprimidos. DESPOTISMO ESCLARECIDO BURGUÊS Quando o sistema escravista romano entrou em crise, o poder estatal estatizou a religiosidade dos escravos, a fé cristã, como forma de evitar as inevitáveis revoltas dos trabalhadores. Quando o feudalismo estava decadente, ao parir o capitalismo por dentro de si, o absolutismo tornou-se ―esclarecido‖: unificou impostos e o território, aprovou leis comerciais, criou um parlamento limitado – isso para agradar a nova classe ainda não dominante, a burguesia. Do mesmo modo, o capitalismo decadente em seu auge produz um despotismo esclarecido. O despotismo esclarecido de nossa época serve para 1) aumentar a produtividade dos trabalhadores; 2) aumentar a passividade destes. É caso da eleição de um negro para a presidência dos EUA, a vitória de partidos de esquerda nas eleições a partir do século 20, a legalização e estatização dos sindicatos, a esquerdização recente da Igreja Católica, o operário ter direito a pequenas ações da empresa em que trabalha e participação nos lucros e resultados, além de eleger um diretor da corporação, ou o uso atual da falsa e corrupta democracia dos ricos para substituir a luta social pelo voto passivo. Porque as bases do socialismo provável estão maduras, porque há crise em todo canto; a classe dominante, os grandes patrões e os governos, usam da falsificação e do teatro para atrair os trabalhadores e o povo. Governos ―socialistas‖, ―operários‖, ―antiimperialistas‖, ―de esquerda‖, ―progressivos‖ enganam a nação para evitar a mudança socialista do país, para manter de pé o Estado dos patrões. CRISE DO ESTADO BURGUÊS No escravismo romano, o crescimento do número de terras e de escravos, exigia mais impostos, exigia retirar mais dos frutos do trabalho manual para sustentar funcionários e soldados, além de guerras e lutas contra as revoltas antiescravistas. O sistema todo começou a entrar em colapso. Também no fim do feudalismo, o crescimento da urbanidade e das revoltas, exigiu mais do Estado, que ruiu, dando lugar ao estado capitalista. Agora, o Estado burguês é corroído pela própria lógica de lucro, na medida em que a taxa de lucratividade tende a zero nas próximas décadas; pois: o problema de lucro exige 1) reduzir impostos sobre os ricos e aumentar sobre os pobres, 2) privatizar empresas estatais, 3) os custos de manter a sociedade em funcionamento (os serviços) aumentam com a urbanização elevada, 4) as empresas de guerra
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tornaram-se poderosas e por isso influenciam o governo rumo ao conflito, 5) a dívida pública tende a aumentar continuamente para o Estado enfrentar as crises e a urbanidade, 6) o desenvolvimento das comunicações e transportes facilita o capital não ter pátria e fluir com facilidade de um pais a outro, 7) a integração planetária sob o capitalismo transforma uns países subordinados a outros como com a perda da emissão de moeda própria. Com a destruição e substituição do aparelho burguês, o Estado socialista será radicalmente democrático: assembleias, conselhos, existirão em todos os bairros e locais de trabalho. Os cidadãos votarão tudo o necessário em tais reuniões periódicas; depois de decidido o central, elegerão membros para cuidar do cotidiano dos conselhos e garantir a aplicação daquilo aprovado. Tais representantes 1) poderão perder o mandato a qualquer momento se assim a próxima assembleia obrigatória decidir; 2) não ganharão um salário muito mais alto em relação aos seus representados. Tais conselhos serão criados também na cidade, no país e na esfera internacional. Votações por internet serão comuns; também no mundo virtual, além da TV, todas as correntes e partidos terão liberdade de defender suas ideias, de tentar ser maioria. Isso substitui a farsa da democracia atual, degenerada e serviçal dos ricos, quando o povo vota, mas não decide. A pior democracia é mil vezes melhor que a mais branda ditadura; mas não é suficiente – apenas com liberdade real, sem ricos e pobres, haverá democracia real. Como no socialismo ainda haverá classes sociais e muitos setores de classe, será impossível um governo de todo técnico – porém podemos antecipar isso. Ao lado de um parlamento eleito e com mandatos perdíveis a qualquer momento, sem privilégios salariais; deve-se formar um parlamento científico com cargos assumidos por eleição, por concurso e por votação desta mesma instituição que reunirá cientistas, engenheiros, especialistas, estatísticos etc., ou seja, a nata intelectual e criativa do país. Eles cuidarão dos planejamos de longo prazo – 5, 10, 30 anos –, além de pensarem leis e medidas que serão aprovadas ou negadas pelo outro parlamento. Ao concentrar o grosso das grandes empresas nas mãos do Estado, este poderá se financiar com imensa facilidade (além de criar dinheiro virtual com facilidade, enquanto esta coisa existir, o que deve ser breve). Além disso, muitos custos estatais para manter a sociedade serão reduzidos, como a força policial muito menor ou mesmo inexistente diante da qualidade de vida geral e do povo armado. De imediato, nos primeiros anos da revolução, os impostos – que serão, em geral, sobre renda e lucro, não sobre consumo (dos artigos básicos) – serão reduzidos sobre os trabalhadores e a classe média, e será crescente sobre os ricos. Artigos de luxo serão pesadamente taxados para financiar a moderna indústria socialista de consumo popular; haverá proibição de herdar riquezas, além de pesados impostos sobre grandes heranças; imposto algo sobre lucros e dividendos
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empresariais; impostos sobre a exportação de certos produtos vitais e sobre importação de certos concorrentes; imposto altíssimo sobre remessas de dinheiro para o exterior; importante e progressivo imposto sobre grandes empresas privadas de serviços e seus lucros – saúde, educação, alimentação etc. – para financiar serviços gratuitos e públicos do mesmo tipo, enfrentado de frente a tendência de privatização desse setor; o fim do pagamento da dívida pública, que pertence apenas ao Estado anterior, que faliu. Temos vários exemplos de como tirar dos ricos e melhorar a vida da classe trabalhadora, do povo e do novo Estado nos primeiro anos do novo modo de vida. Mas tais soluções, que devem ser exigidas já no capitalismo, ainda assim, são temporárias, pois o processo aprofundar-se-á, por exemplo, com a estatização das maiores empresas e com o fim do dinheiro. Não é possível haver democracia real aonde a sociedade está fraturada entre ricos e pobres, dominantes e dominados. Mais: os trabalhadores passam quase o dia inteiro dentro das empresas cujos destinos afetam toda sua vida, logo deve existir máxima democracia nos locais de trabalho e nas fábricas; os operários têm o direito, por seu esforço disciplinado e diário, de votar os rumos da economia onde trabalham. A falsa democracia atual é apenas uma forma de os pobres não matarem os ricos. A democracia escravista antiga, fundada na Grécia, excluía os escravos. O feudalismo, por ser rural, não dava espaço às formas democráticas; mas, no seu fim, viu-se obrigada a abrir um parlamento apenas parcial. O objetivo da burguesia era similar à democracia dos ricos antigos, apenas homens ricos votarem. A luta dos trabalhadores permitiu que eles mesmos e as mulheres votassem, além de conseguir com muita luta formar seus próprios partidos operários e sindicatos. A democracia socialista será a forma mais profunda e completa de democracia existente, a democracia de fato, por onde o povo governará. CRISE DO APARATO MILITAR O aparato e o modo militar romano, causa de sua glória escravista, foi também um fardo de modelo que o levou às derrotas e ao seu fim. O feudalismo resolve isso com muralhas de castelos e grupos de defesa locais. No fim da era feudal, os defensores do então novo sistema, o capitalismo, fundaram modos de guerra novos: o novo exército na Inglaterra, que se baseou no mérito no lugar do medieval posto de comando por sangue; Bonaparte inaugurou o serviço militar obrigatório, o abastecimento de tropas nas cidades por onde passavam etc. Mas o sistema militar burguês também encontra sua crise, seu limite, após largo desenvolvimento. A luta entre Estados força investir na artilharia e em máquinas; mas, na história humana, aqueles que investiram mais em outros setores do que na infantaria, nos soldados, conheceram quase sempre a desgraça – ao fortalecerem-se para enfrentar uns aos outros, facilitam um tanto a vitória de
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exércitos revolucionários e das revoluções. Máquinas caras e modernas podem ser danificadas por armas e munições baratas ou semicaseiras, além do alto custo de manutenção, abastecimento e especialização de operadores. Em nossa época, depois de duas grandes guerras mundiais, o conflito armado não revolucionário ou não anti-império perde sentido na cabeça dos cidadãos. Um sistema de milícias operárias e populares, com todo o povo trabalhador armado com leves e pesados calibres, substituindo os aparatos militares, surgirá após a dissolução do exército revolucionário e ao mesmo tempo deste. Na revolução, os trabalhadores lutam apenas por reformas, para melhorar suas condições, para levar dignidade ao país de modo sempre pacífico. Quando a burguesia vê que vai perder a luta geral sem sangue algum, toma a decisão de usar o exército e os bandos fascistas para derrotar o movimento dos trabalhadores com métodos de guerra civil. Sempre são os grandes patrões e seu Estado que cruzam a linha, passam do limite, iniciam a violência contra os assalariados desarmados. Assim, eles obrigam os operários e setores populares a se defenderem para manterse vivos e melhorar de vez sua nação. O exército racha ao meio, uma parte da baixa patente vai para o lado da revolução. Nessas condições, ou muda tudo ou nada muda. Toda revolução é impossível – até que se torne inevitável. CRISE CIENTÍFICA A filosofia antiga quase estagnou nas obras de Aristóteles e Platão. Depois, o pensamento medieval entrou em crise com as descobertas vindas do desenvolvimento inicial do capitalismo. Nos últimos 500 anos, experimentamos verdadeiras revoluções científicas, que agora estagnaram mais uma vez. A etapa burguesa da ciência, que foi progressiva em geral, escolheu o caminho do menor esforço, qual seja, saber o ―como‖ funciona o mundo, mas não o motivo, o ―porquê‖. Agora que sabemos a maior parte das leis gerais, chega a hora de saber a razão de tais leis. Nunca tivemos tantos doutores em filosofia, e nunca eles foram tão inúteis! A maioria dos artigos, teses e dissertações ―científicas‖ são descartáveis, imprestáveis, enquanto uma cientificidade que foge das questões gerais e centrais surge. Isso começa com a educação de base. O desenvolvimento tecnológico permite elevar a educação, como a autoeducação parcial do aluno via internet, mas torna desnecessário ao capital o trabalho qualificado, o que desestimula investimento educacional. Os países dominantes oferecem educação melhor ou atraem para si as poucas grandes mentes da humanidade, ao mesmo tempo, a maioria tem cultura limitada em meio à sociedade tecnológica. Eis outra contradição.
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Um das bases do socialismo é termos a condição de percebermos isto: somos um modo de o cosmos conhecer a si mesmo. Para haver socialismo, devemos saber as leis gerais e a história do universo, pois isso tem repercussões técnicas e filosóficas. Para a ciência de base sair da estagnação, precisaremos de um novo paradigma científico, o dialético, que nomeamos empírico-dedutivo. Nós devemos ir direto aos dados, aos fatos, possíveis e disponíveis para o objeto de estudo – sem elaborar premissas, postulados, técnicas, conceitos ou hipóteses artificiais. Mas os dados, além de revelarem, enganam e escondem – as aparências enganam! Dito isso, usamos a razão para ver o não empírico do empírico, a unidade interna na diversidade externa, o conteúdo na forma, a essência no aparencial, para ver o falso nos fatos; pois o essencial é invisível aos olhos. A cientificidade antiga, cujo auge foi Aristóteles, dizia: A=A, algo é igual a si próprio. Esta formulação simples é necessária para conhecer e classificar os seres, uma lógica de museu. É própria ao começo da ciência. No século 19, consolidando uma revolução científica, Hegel disse: A=A e não-A. Isso significa que o infinito e o finito, sendo diferentes, são também o mesmo; forma e conteúdo são o mesmo; o interno e o externo são o mesmo; massa e energia são o mesmo (o abstrato é o concreto em processo); espaço e tempo são o mesmo; a luz é tanto onda quanto partícula. Hoje, podemos preservar as duas fórmulas, uma dentro da outra, com uma terceira: A=A e… não-A. Na primeira lógica, a formal, temos, por exemplo, a luta política aqui e a luta econômica ali, separados. Na velha dialética, sabemos que a luta política é, ao mesmo tempo, luta econômica e a luta econômica é, também, luta política. Mantendo as duas fórmulas anteriores, descobrimos com a nova dialética que uma onda de greves econômicas tornar-se política e uma grande luta política passa para uma série de greves econômicas. É necessário uma concepção geral de mundo. Tudo (o Ser) é energia em busca de mais energia ou mais de si, tudo é espaço condensado (concentrado, formas de espaço), tudo é espaçomatéria, tudo é trabalho, tudo é produção, tudo é histórico em desenvolvimento e geográfico, tudo é totalidade integrada em automovimento contraditório. De modo geral: movimento = energia = tempo = espaço = matéria (= luz = campo = massa). Se tudo é igual a tudo, logo tudo é um, ainda sendo também diverso. Assim, o cosmo, o Ser, tem três movimentos gerais: 1) tomase como energia (espaço) em busca de mais de si, 2) ir-se do simples ao complexo, 3) desenvolvese em novas conexões. Junto disso, as categorias centrais do mundo e, logo, do trabalho científico são totalidade (integração), contradição (relação) e movimento (espaço-matéria). As ciências gerais caíram em erros unilaterais e opostos, o fetichismo (substancialismo absoluto) e, na outra ponta, o relacionalismo. Para uns, por exemplo, o homem é determinado
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pela sua biologia; para outros, os pós-modernos, tudo é construção social. A verdade está em uma terceira formulação, terceira fórmula, que supera ambos os erros contrários e extremos. A verdade é revolucionária.
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PARTE II O PARTIDO REVOLUCIONÁRIO
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O partido marxista difere-se de todos os demais por ser o único honesto, além de ser um partido que já não é partido algum. A organização marxista é um embrião da democracia socialista, por isso permite liberdade de discussão, de proposta, de organização interna; a qualquer momento, de modo temporário, como até o próximo congresso interno, os militantes podem formar partidos dentro do partido para disputar a política da organização e seus cargos dirigentes. Uma vez aprovada uma decisão, toda a organização e seus membros agem como um só homem, todos irão à prática com a mesma ideia – isso é a democracia centralista, liberdade máxima de discussão com máxima ação conjunta unificada de acordo com aquilo votado, aprovado. O organismo central do partido são suas células de base, por onde os militantes reúnem-se, debatem e votam quais ações centrais dos próximos dias. Em tais organismos, apenas militantes dedicados serão aceitos como membros. O partido revolucionário tem um jornal para orientar os militantes e tentar ganhar para nossas posições os melhores lutadores sociais. Queremos ganhar consciências. Quando o partido cresce muito, surge a urgência de criar um grande jornal popular, com linguagem própria para isso. Se o operário passa quase o dia inteiro fazendo o mesmo movimento na fábrica, ele nunca poderá desenvolver seus talentos para a causa comunista. É necessário que os operários e os militantes de origem popular mais capazes sejam profissionalizados, tornem-se profissionais da revolução, recebam básicos salários do partido para organizar a luta de modo eficaz, nunca improvisado. O partido marxista apenas aceita membros que estejam no dia a dia da organização, além de origem popular (assalariados, quem vive do próprio trabalho) e operária em principal; de modo algum donos de empresas grandes ou pequenas, ou possuidores de ações financeiras. Também rejeitamos, via de regra, para evitar corrupção, dinheiro de empresas, empresários e do Estado. O aparato partidário mantém-se de pé por contribuição voluntária de seus membros e por trabalho voluntário. Todo militante experiente deve ter domínio estável da teoria revolucionária; deve ser responsável com a capacidade de compreender o mundo, condição para transformá-lo. Elevar o nível cultural dos seus membros é a obrigação do partido comunista. Com humildade e democracia real, nossos militantes devem se preparar para serem estadistas, líderes de fato, líderes estatais, grandes políticos – nunca apenas meros sindicalistas.
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O PARTIDO E AS ELEIÇÕES A democracia dos ricos é uma farsa, constante fonte de corrupção e traições. Em certos casos participamos com candidatos; em outros, defendemos voto nulo; em outros, chamamos nossos deputados a renunciarem aos cargos; em outros, pedimos votos para candidatos de outros partidos. Vamos às eleições porque é a hora em que os trabalhadores mais dão atenção às questões de poder, para denunciar a própria farsa ―democrática‖, para apoiar lutas, para demonstrar ao povo que somos os mais capazes de governar e levamos a política a sério. As seitas ou negam a participação eleitoral ou participam de modo radicalista, passando-se por desequilibrados e folclóricos para a maioria. Participamos da disputa nas eleições porque aí também ocorre luta de classes, e queremos aumentar o apoio popular para nós, para as ideias comunistas. Se elegemos parlamentares, eles não terão grandes salários. Se elegemos um governo regional comunista, abrimos em todo o território conselhos populares por onde a população trabalhadora decidirá os rumos de todo o orçamento e do governo. Apresentamo-nos nas eleições como os mais sérios e preparados, com um plano detalhado de governo, com projeto debatido e desenvolvido feito de diferentes camadas de profundidade. Na falta de orçamento para propaganda, usamos a linguagem direta e simples, como o candidato olho a olho com a câmera. Apresentamos propostas tão radicais quanto a situação política exige, nem mais nem menos. Propomos reformas, melhorias na democracia e reformas revolucionárias. ANTIBUROCRATIZAÇÃO Ao acumular pequenos e grandes privilégios, os partidos marxistas degeneram, fazem do passado revolucionário um teatro. Alguns, tornam-se meros clubes de convívio e seitas. Nossos parlamentares e dirigentes sindicais estão proibidos de acumular vantagens de qualquer tipo; ao mesmo tempo, os militantes nossos que são funcionários nos sindicatos e parlamentos (vigia, segurança, advogados, jornalistas, administradores etc.) serão proibidos de votar ou ser votados para conferências, congressos e cargos de direção política, ou cargos acima dos intermediários, além de vetada participação em tendências e frações internas, partidos dentro do partido. Se a qualidade de vida de um militante depende de o partido ter aquele sindicato ou cargo de parlamentar, ele irá tencionar o partido para degenerar-se, tornar-se centrista ou um reformismo apenas na aparência revolucionário. No socialismo, será obsessão do partido comunista garantir e propor melhorias na democracia socialista, de base. Impedir privilégios políticos e administrativos, eleições regulares obrigatórias ao lado da revogabilidade permanente dos mandatos, estímulos ao maior número de
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administradores capazes, limitar a quantidade de dirigentes e intermediários nas empresas, o povo devidamente armado tirando o privilégio do Estado de ter armamento, votos via internet, cota de membros ―sem partido‖ no poder, simplificação científica da administração, tempo máximo no cargo e tempo mínimo ausente nele, baixa jornada de trabalho gerando tempo livre para a política – eis exemplos de medidas para manter e aperfeiçoar a democracia real. MORAL COMUNISTA Os militantes estão unidos pela causa mais nobre, a liberdade humana. Por isso, deve haver respeito, cuidado e sinceridade entre os companheiros de luta. Mentiras e manobras são intoleráveis, ainda que sejamos sempre imperfeitos. Já os conflitos honestos devem ser tolerados o máximo possível. Os comunistas nunca mentem aos trabalhadores, sempre os convocam a confiar em suas próprias forças. Na moral, quase nada é certo ou errado por si mesmo, pois depende do contexto. No entanto, a disciplina e o respeito, além de pensar sempre com a própria cabeça, além aprender a pensar, são valores gerais que devem guiar o bom militante. Disciplina é liberdade! A militância comunista é rebeldia, nunca cega obediência aos chefes partidários; o primeiro dever de um militante é discordar de seus dirigentes. Defendemos uma ação ou proposta, mesmo quando discordamos dela, porque confiamos nos nossos camaradas, porque confiamos no projeto, porque o individual apenas pode afirmar-se de modo completo no coletivo. Mesmo por mediações, o objetivo de todo militante socialista é o fim da alienação. Quando fazemos assembleia para que os trabalhadores decidam os rumos das ações dos sindicatos ou quando promovemos uma festa gratuita, isso ocorre mais do que para dar prestígio aos nossos membros e organização – fazemos isso porque queremos o desalienar da maioria, que os trabalhadores decidam seus próprios rumos e relaxem-se, algo negado pelo capital à maioria. Os fins justificam os meios e, ao mesmo tempo, os meios justificam os fins. O fenecimento do sistema alienante exige ações desalienantes. O REFORMISMO E AS SEITAS O reformismo e o centrismo, como as correntes estalinistas e os chavistas, tentam liderar os trabalhadores para provar à burguesia que são capazes de manter a paz social, ou seja, a paz sem voz, a do medo. Toda grande mobilização, eles procuram desviar apenas para o voto regular, para assembleias constituintes etc. Do outro lado, erro oposto e irmão, o ultraesquerdismo e as seitas desconhecem a mediação política, o meio-termo e elaboram proposta sempre radical para se
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sentirem revolucionários, para o autoelogio, para atrair ativistas radicalizados no lugar de mobilizar a nossa classe segundo as circunstâncias concretas. Em nossa época, com o inchaço do Estado e o aumento da classe média, surgiu o ―socialismo‖ do servidor público. Tal setor, reformista ou centrista, defende a estatização de tudo, o fortalecimento do Estado burguês, o fim da dívida pública, a impressão de dinheiro etc. Intuem que o Estado capitalista entrou em crise, mas querem, conscientes ou não disso, regenerar tal instituição no lugar de pôr outra melhor, ou seja, olham apenas para o passado na tentativa de resgatá-lo. Mas o futuro, se não for o colapso, será o socialismo. O único governo que os verdadeiros comunistas apoiam é aquele baseado na democracia socialista, direta e operária-popular. O centrismo faz diferente; por estar no meio do caminho entre o reformismo e a revolução, como a classe média entre a burguesia e o operariado, defende governos de esquerda traidores dentro do Estado capitalista. Os governos ―socialistas‖ na atual forma de Estado surgem, em geral, para impedir que a revolta social derrube o aparelho de poder existente, para preservar o regime e a economia do capital. Diante de rebeliões e revoluções contra os governos o quais apoiam, os centristas se colocam ao lado dos governos burgueses ―vermelhos‖, ―anti-imperialistas‖, ―nacionalistas‖, ―progressistas‖, ―de esquerda‖ etc., e caluniam a revolta da maioria com teorias conspiracionistas. Eles nunca levam o marxismo até as últimas consequências; no limite, costumam trair a luta dos trabalhadores. São formal e teatralmente como revolucionários, porém não tanto e quanto. O partido marxista deve lutar contra tais inimigos ocultos da luta socialista, reduzir a confiança do povo em tais correntes oscilantes. Fora do poder de fato democrático, baseado em conselhos operários e populares, tudo é ilusão. Por isso, o partido marxista é necessário, porque a vitória socialista nunca será inevitável.
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PARTE III O PROGRAMA REVOLUCIONÁRIO
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Momentos radicais exigem propostas radicais; momentos de paz social, propostas mais leves e reformistas. É um absurdo levantar palavras de ordem de poder ou profundas quando fora de uma crise econômica e social maduras. Nas lutas e nas eleições, apresentamos duas ou três propostas gerais que estão de acordo com o momento do país, além de um programa de governo completo com planos de médio e longo prazos, o que fazer e sua fonte de financiamento. Em resumo, nos momentos de crise, nosso programa é este: 1) Caso de alto desemprego. Plano de obras públicas para gerar empregos; redução drástica da jornada de trabalho como de 44 para 30 horas semanais; escala móvel de tempo de trabalho, ou seja, a jornada durar o tanto, como entre 30 e 44 horas, que faça com que todos tenham emprego e atendamos a demanda por força de trabalho na sociedade. 2) Caso de alta inflação. O limitado congelamento de alguns preços, útil em certas circunstâncias, deve dar lugar ao gatilho salarial ou escala móvel de salário, isto é, aumentar o salário automaticamente com o aumento dos preços. 3) Empresa em crise. Os trabalhadores devem fazer uma ―inspeção operária da empresa‖, para saber como andam as finanças e a produção na fábrica – e exigir o ―fim do segredo comercial‖, saber das contas empresariais para análise rigorosa. Nessa luta, devem consolidar um ―comitê de fábrica‖ para cuidar dos interesses dos funcionários. Caso os donos da fábrica queiram demitir ou fechar a empresa, os trabalhadores devem exigir o ―controle operário da produção‖, a ―gestão operária da produção‖ – e a estatização da empresa sem indenizações. 4) Máfia dos Bancos. O capitalismo endividou os trabalhadores para poder escoar as mercadorias; portanto, exigimos a anulação total e irrestrita da dívida dos trabalhadores e pequenos empresários. Se preciso, estatizaremos os bancos e o capital financeiro para garantir a qualidade de vida da maioria. 5) Economia. As empresas centrais do país, aquelas que determinam os ciclos do capital, devem ser estatizadas, sem indenização, sob gestão dos operários. 6) Deve-se formar uma rede única e estatal de grande comércio de atacado e de varejo, incluso estoques sociais contra a oferta baixa e a especulação. Nessa empresa, os grandes transportes também estarão sob sua gestão. Tal medida não deve mexer no pequeno comércio, antes irá oferecer produtos mais baratos para sua revenda. 7) Combate ao fascismo. Os trabalhadores defendem-se com piquetes de greve, quando usam da força para impedir a produção e a repressão; para enfrentar o fascismo e suas milícias, organizamos os destacamentos de combate defensivos; à beira da revolução, surge a necessidade
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de as armas deixarem de ser um privilégio de poucos, por isso o povo armado deve formar milícias operárias. 8) Poder operário e popular. Apenas em situações de grave crise, próximo de ou durante uma situação revolucionária, surgem organismos de poder paralelos, as assembleias ou os conselhos que aparecem nos locais de trabalho e nos bairros populares. Em alguns casos, o partido marxista chama pela criação de tais organismos ou os amplia por todo o país. Exigências como maiores impostos sobre lucros e heranças com redução dos impostos sobre os trabalhadores e a classe média são importantes, devem ser defendidas; porém não resolvem o problema global. As propostas acima são nomeadas ―transicionais‖, ou seja, soam como reformas viáveis, ainda que difíceis, mas empurram para o revolucionamento total do modo de vida já que enfrentam as leis do atual sistema. Por exemplo: o capitalismo precisa de desemprego para reduzir os salários e a luta social, em especial em momentos de crise, logo, impor o pleno emprego permanente com a escala móvel de tempo de trabalho é inaceitável para a burguesia, necessária e urgente aos trabalhadores. Duas considerações ainda precisam ser feitas. Os partidos centristas, por serem formados por militantes de classe média servidora pública, defendem, sem perceber, o fortalecimento do Estado burguês como com o fim do pagamento da dívida estatal, ruptura com o Euro/EU, ―fora governo‖ de plantão, estatização indiscriminada etc. São propostas em si corretas, mas apenas terão toda força se combinadas com propostas de transição prioritárias para o momento político. Outro ponto, as grandes empresas de agronegócio e do campo serão estatizadas pelo governo socialista. A pauta da reforma agrária é da revolução burguesa, não da socialista, contra a poder agrário feudal. Os comunistas tiveram de defender tal exigência porque no século 20 o campesinato ainda era muito forte, porque o tempo da revolução socialista ainda faltava chegar. A situação agora é outra. O Estado operário e popular fará uma reforma agrária secundária, mas manterá, agora unificada e estatizada sob gestão de seus funcionários, a grande terra, a grande propriedade. Isso tem pelo menos dois motivos: 1) por escala de produção superior, a fome será apenas lembrança de um passado bárbaro, 2) a exportação de grãos e outros derivados ajudará na manutenção das necessárias importações.
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AS TRÊS FASES DO COMUNISMO Tudo novo precisa de uma transição anterior, precisa de um processo de desenvolvimento ou fases. Apenas quando todas as condições para uma coisa surgir estão presentes, ela surge e consolida-se. O socialismo terá três etapas: a transição, que durará alguns poucos anos ou poucas décadas; o socialismo, que durará muitas décadas, talvez secular; o comunismo, fase madura máxima da humanidade. A transição ocorre porque a revolução socialista inicia, antes de espalhar-se, em um único país primeiro, muito mais provável em um em parte atrasado or ser mais contraditório. O poder operário e popular colocará as principais empresas do país sob seu controle, mas não, de imediato, toda a economia nacional. As reformas revolucionárias serão aprofundadas de modo progressivo, antes dos saltos. O aparelho estatal, recém-fundado, crescerá em tamanho-extensão e democracia. O socialismo, fase posterior, ocorrerá porque ainda existirão classes sociais (camponeses, classe média, pequenos empresários etc.) e setores de mesma classe muito diversos. Os salários serão, em geral, segundo a produtividade do indivíduo, salário por peça (isso tem vantagens: diminui a necessidade de inspetores de fábrica, estimula a produção do operário etc.). Ganharemos segundo nosso esforço de trabalho: quem trabalha mais, mais ganha. Aqui, o Estado começa a definhar, deixar de existir, passo a passo. O dinheiro, em tal fase, e na anterior se possível, deixará de existir ou será quase inexistente. O comunismo, auge da humanidade, será: 1) o fim das classes, quando seremos somente indivíduos diferentes e cidadãos; 2) o fim da propriedade privada, com o controle social e democrático da riqueza material; 3) o fim do Estado, pois todas as instituições (sindicatos, conselhos etc.) serão unificadas para administrar apenas as coisas, não mais as pessoas; 4) o fim da família monogâmica, com formas mais saudáveis de família e relacionamentos amorosos. Como observamos, a última fase do capitalismo já põe em crise estrutural tais elementos, o que prepara o caminho do futuro. Neste nível social, cada um ganhará segundo suas necessidades – e cada um contribuirá no trabalho social segundo suas capacidades. O capitalismo também teve fases necessárias, etapas de desenvolvimento. Vejamos; temos quatro tipos de capital: 1) capital comercial (capital mercadoria), 2) capital industrial (capital produtivo), 3) capital financeiro (capital dinheiro), 4) capital fictício (ações e títulos financeiros, serviços lucrativos, empresas sem trabalho manual). Cada um forma uma das quatros épocas: 1) era do capital mercantil, comercial, do século 16 até o final do século 18; 2) era do capital industrial, do final do século 18 até o final do 19; 3) era do capital financeiro, imperialismo, do
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final do século 19 até a década de 1970; 4) em diante, era do capital fictício, com a hiperinflação dos papeis financeiros e dos serviços. Assim, percebemos, pela quantidade de tipos de capital, que estamos na última era do sistema capitalista. O comércio, a indústria e o mundo financeiro atingiram o ápice, o desenvolvimento máximo. Ademais, cada uma das três revoluções industriais tendem a durar, em média, 100 anos, de seu início à consolidação. O PROBLEMA DO SOCIALISMO ―REAL‖ O chamado socialismo real era, na verdade, socialismo fictício. Bem observado, as condições internacionais e nacionais ainda eram imaturas para transformar o capitalismo em socialismo com democracia direta, operária e popular. Vejamos este exemplo: apenas agora, em nossa época, a taxa de lucro das economias centrais, que era de quarenta por cento no século 19, tende a zero por cento até a década de 2050 – e também zero em 2070 nos países atrasados; porém, bem antes, com taxas como próximo de três ou cinco por cento da taxa de lucratividade, o mundo do dinheiro já será insustentável. Se perguntássemos a algum comunista de inteligência excepcional no início do século 20 quais as provas de que o sistema capitalista chegou ao limite, diria: as duras crises e a ameaça de guerras mundiais imediatas. E só, meros fatos importantes. Hoje, seja por qual ângulo observamos, há crise de todo tipo, em todo canto, como demonstramos – uma crise completa, sistêmica. O fato de os países com características socialistas no século passado caírem com tanta rapidez em ditaduras e em poucas décadas voltarem ao mundo do capital, prova que foram ousadias prematuras, antes da hora, antes do século 21. O anterior século, 20, foi, assim, nosso ensaio geral – prepararam o terreno! Finalmente, chegamos ao momento mais importante do destino da humanidade! Poder operário, camponês e popular! Socialismo ou extinção! Organiza a tua revolta! Economia democrática e centralmente planejada já! É preciso lutar! É possível vencer! A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores! Construamos um partido mundial da revolução socialista! Trabalhar menos – trabalhar todos! Desemprego zero já! A revolução socialista será feminista, antirracista e LGBT! Trabalhadores de todos os países, uni-vos! Ousadia! Ousadia! Ousadia!
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POSFÁCIO Na produção deste material, fiz uso amplo de frases e reflexões de diversos pensadores comunistas ou de esquerda. Eis que uma obra do tipo é, ainda que de modo indireto, algo sempre coletivo. Mas um manifesto programático é diferente de um texto científico puro, ainda que derive todas as suas conclusões de um disciplinado trabalho científico-filosófico. Se o leitor deseja aprofundar as ideias manifestadas aqui, convido a ler a obra ―A crise sistêmica – Teses para a atualização do marxismo‖ (J. P.), que expõe uma teoria unificada do marxismo. O tipo de texto aqui presente deve resumir conclusões e energizar o espírito humano, por isso a sua agilidade. Enfim, nossa época exige união de boa teoria e correta prática, ambas necessárias, juntas, para mudar o mundo.
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APÊNDICE II O BRASIL ESTÁ MADURO PARA O SOCIALISMO
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O BRASIL ESTÁ MADURO PARA O SOCIALISMO Apesar da força interna do marxismo brasileiro, poucos marxistas concluem o que já está quase óbvio: o Brasil beira o socialismo, não apenas a barbárie evidente. Para isso, deixamos claro: apenas em situações muito específicas, em duras crises ou logo após elas, a revolução é conjunturalmente possível e viável. Mas, aqui, tratamos da estrutura social; faremos, neste ensaio, uma breve análise de estrutura, madura para a próxima sociedade, não de conjuntura específica. Vejamos o estrutural da economia (infraestrutura), as classes (estrutura), as mentalidades (superestrutura subjetiva) e as instituições (superestrutura objetiva). Não será necessário cansar o leitor com dados, gráficos e tabelas; pois todos os fatos que servem de base são amplamente conhecidos e reconhecidos, embora raramente interpretados, quanto mais de maneira correta. Veremos a mudança radical em, em média, 100 anos brasileiros. A inspiração bibliográfica é o artigo público de mesmo título produzido por Edmilson Costa (Costa E. , 2016). Deixamos apenas um aviso prévio: países africanos, por exemplo, rurais e sem base para o socialismo podem fazer a revolução socialista se saem em seu socorro outras revoluções ou nações socialistas de países importantes. A revolução é mundial. Mas é necessário que países determinantes alcancem certos ―máximos‖ relativos como alto nível de urbanização. Economia (Des)industrialização Como sabemos, o socialismo apenas é possível após um alto desenvolvimento do sistema anterior, o capitalismo. É o caso do Brasil: tão maduro para a próxima sociedade quanto pode ser um país dominado. Portanto, algo verificável. Há 100 anos, éramos um país rural, que exportava café, sem indústria. Em um século, tornamo-nos um dentre os países mais industrializados do planeta. Em termos relativos, no período recente, nossa indústria tem perdido espaço para os serviços (algo ―natural‖ e geral após toda alta industrialização); em termos absolutos, há uma desindustrialização relativa e continuada. Temos, então, dois fatores opostos, ambos estimulando a revolução social: alta industrialização, base para a próxima sociabilidade, e perda de indústria, decadência industrial, o que empurra os trabalhadores a mudar o país. Estamos na segunda revolução industrial e, ainda que de modo tímido, acessamos a terceira. A revolução socialista atuará para ampliar a automação e a robótica, algo difícil ao capitalismo de um país dominado, aonde opera baixos salários e condições de vida.
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Matéria-prima Produzimos, hoje, boa parte da matéria-prima necessária à produção. Tal fator, não central, dará mais estabilidade e resistência a uma sociedade socialista recém-fundada, embora necessite que a revolução seja mundial. ―Temos‖ uma das maiores mineradoras do mundo, o melhor regime de energia por queda de água do planeta, facilidade de produzir energia eólia e solar, petróleo abundante com a tecnologia de extração necessária, domínio da produção de energia nuclear etc. Agroindústria Somos um dos celeiros do mundo. Com a estatização das grandes propriedades do campo, formando uma só empresa rural, poderemos manter e aumentar a escala, defender o meio ambiente e tornar os produtos agrícolas centrais de consumo popular muito baratos, tornando a fome algo do passado bárbaro. Faz pouco tempo, os canaviais eram o local do trabalho humilhante, quase escravo; mas agora máquinas modernas, de tratores até drones, substituem o trabalho manual. Bancos A altíssima concentração bancária tem vantagens e desvantagens. Nos EUA, há mais de 5 mil fragmentados bancos enquanto no Brasil, 6 dominantes, 3 estatais. Nosso sistema bancário é moderno, mas degenerou em máfia, em oligopólio, que impõe duras taxas de juros, sugando de modo parasita a economia. Nosso sistema bancário impede o desenvolvimento das forças de produção. Eles são poderosos, forçando uma revolução socialista para impor um banco único do Estado, com empréstimos baratíssimos, reanimando a produção e a economia, além de cancelar, contra a escravidão bancária, a dívida enorme e crônica dos trabalhadores e pequenos empresários. Comércio O pequeno comerciante existirá por um bom tempo, pois é fácil criar um pequeno comércio. Mas já é regra haver supermercados e hipermercados em quase todos os bairros das cidades brasileiras. A rede comercial está interligada pelo mercado financeiro e pela internet. Assim, temos a base para as primeiras formas de depósitos públicos de produtos no socialismo. Uma rede única estatal de distribuição e grande comércio pode surgir. A concentração e centralização do capital comercial atingiram níveis altos nesta nação.
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Dívida pública O Estado é imensamente sugado para o pagamento da dívida estatal. Nesse sentido, veio o absurdo de aumentar como nunca os impostos sobre os trabalhadores e a classe média, reduzindo sobre os ricos (o imposto sobre lucros e dividendos foi retirado etc.). A dívida impede um investimento correto nos serviços público, levando a tensões sociais. O sistema de impostos impede a criação de novas empresas, mantendo o domínio das maiores. América Latina A América Latina tende a ser o palco inicial da revolução socialista por não ser rica como a Europa nem atrasada como a África. Está sobre a ameaça constante de ser pobre como os africanos, tanto mais nesta época de decadência, e tem ânsia de ser tão bem posta como os europeus. Por isso, por aqui, há imensa influência do trotskismo em suas variadas ramificações, além de ter sido o lugar de tantas rebeliões e revoluções nos últimos 100 anos. Integração mundial O Brasil não pode ser simplesmente ―desligado‖ no mundo – somos um continente, não uma ilha. Assim, continuaremos juntos ao mercado mundial em caso de socialismo. Nossas exportações e importações são igualmente vitais ao sistema global. Uma revolução socialista no Brasil provavelmente levará consigo toda a América Latina. Classes sociais Urbano Há 100 anos, o Brasil era 90% rural; agora, 90% urbano. Pequenas, médias e grandes cidades produzem concentração humana, risco de revoltas, greves, luta de ideias – a cidade é a casa da democracia socialista. As demandas sociais da urbanidade – caótica neste país – empurram para a luta de classes mais intensa. Dito isso, vale observar: o enorme tamanho absoluto de explorados e oprimidos, uma das maiores populações do mundo, é a força imensa da revolução brasileira. Burguesia parasita A burguesia tornou-se parasitária. Em vez de investir na produção e na circulação, investe em dívida pública, na renda passiva da terra, no mundo financeiro e bancário etc. Os superricos moram nos EUA, adquirem até sotaque estadunidense, perdem noção da realidade brasileira.
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Surgiu também uma burguesia comercial poderosa, que vive de juros no cartão da empresa, na dívida dos trabalhadores, cuja origem social em parte é a hiperinflação por décadas até os anos 1990. Outra parte da burguesia é dependente de contratos com o grande Estado brasileiro, que é um capitalista impessoal (o Estado capitalista é um capitalista impessoal). Nossa burguesia aceitou, contra sua classe operária, ser sócia menor da burguesia imperialista. Ela é bruta, de origem escravista, mas sabe contratar as mentes mais inteligentes do país para gerir o caos nacional. Operariado Temos uma das maiores classes operárias do mundo. Ademais, sua nova geração é culturalmente superior. Criou-se, aqui, uma tradição de greve e de luta nas categorias. Tendemos a reduzir numericamente o número de seus membros, mas eles continuam a ter força, pois podem parar a produção vital, além da circulação no caso do setor de transportes. Classes médias Há altíssima concentração de setores populares precários nas cidades, que costumam ganhar menos que boa parte dos operários. A tendência a salários menores nas classes médias faz com que se esquerdizem, como com greves, e tendendo à aliança operário-popular. O paraíso dos ricos O Brasil é o verdadeiro país dos ricos, mesmo. Não se paga aqui imposto sobre lucros e dividendos que todo país cobra, enquanto o trabalhador e a classe média pagam imposto de renda pesado. Enquanto quem vive de salário paga imposto sobre seus transportes, os ricos não pagam imposto sobre jatinhos, iates, alimentos de luxo, helicópteros etc. Os ricos pagam, em termos relativos, menos impostos que os pobres. O imposto para retirar dinheiro da nação, levar a outro país, IOF, é pífio. O imposto territorial das grandes fazendas é algo irrisório em comparação ao acumulado com as habitações urbanas. As dívidas dos empresários para com o Estado são ciclicamente perdoadas enquanto a dívida dos assalariados bate recordes. Isenção de impostos para grandes empresas ocorrem em todo o país, com os Estados disputando quem atrai mais. Enquanto no mundo, há importante imposto sobre heranças, o Brasil cobra, via de regra, apenas 4%. Os bancos são certa máfia legalizada, sem grande resistência, lucrando absurdamente por cima da desgraça popular – os juros mais altos do mundo.
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Superestrutura Marxismos É difícil encontrar um país aonde o pensamento marxista não seja marginal, dentro e fora das universidades. O Brasil é uma das exceções. Temos os mais variados tipos de marxismos, criando um bom caldo cultural. Temos o maior partido trotskista do mundo, o PSTU (o trotskismo tem força na América Latina inteira – são inúmeras as correntes inspiradas em Trotsky no Brasil – todos os fatores aqui tratados cabem, grosso modo, à Argentina). O PCB, embora centrista, hoje é muito diferente do antigo e pelego PCB. O PSOL tem revolucionários que não degeneraram, mesmo que oscilem bastante. Erguemos movimentos incríveis como o MST, no campo, e o MTST, na cidade, além de uma central sindical e popular revolucionária, CSP-Conlutas, que possui força nos principais batalhões da classe operária (embora, muitas vezes, aristocrático). Os pesquisadores marxistas ou de esquerda costumam ser os melhores, mais responsáveis e mais originais do país. Somos minoria na universidade, às vezes perseguidos, mas com posições que são difíceis de ignorar ou boicotar. Isso é incomum. A diversidade do país mais sua pobreza fazem com que a dialética seja um caminho natural para o pensamento. Por exemplo, difícil para um escritor de ficção não falar da pobreza nacional. Além disso, temos uma natural vocação internacionalista como com a marginalidade do pensamento xenofóbico entre as camadas populares. Letrados Há 100 anos, especialistas como economistas, advogados, engenheiros, arquitetos, administradores etc. eram raros, sem universidades no país. Hoje, temos uber, taxista, formado em engenharia… Temos uma elite intelectual. Além disso, apesar dos pesares, a alfabetização das massas é o maior da história, com poucos analfabetos totais.
Esquerda na economia, direita nos costumes Os trabalhadores têm instinto de classe, desconfiam de medidas capitalistas. Mas são conservadores em pautas de costumes. Mesmo assim, as novas gerações são mais abertas ou tolerantes relativo aos seus pais e avós.
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Correntes e partidos Os partidos burgueses degeneraram, deixam de ser um celeiro de quadros para gerir um país tão complexo. A corrupção é regra. A causa imediata disso é a decadência do capitalismo brasileiro. Risco do fascismo neopentecostal e miliciano O socialismo não é inevitável, podemos ser derrotados. Antes da extinção do Brasil como civilização ou talvez da humanidade como espécie, pode ocorrer um período transitório muito duro. Uma ditadura militar não é capaz de se manter em pé com as ―necessárias‖ políticas de aumento da pobreza somadas à urbanidade. Logo, o regime fechado, feito para evitar o socialismo, degenerará em liderança miliciana, em máfia, e regime ―religioso‖, teocrático, das igrejas evangélicas oportunistas. O país cairá no fascismo aberto. A democracia burguesa, ao ser incapaz de melhorar a vida da maioria, pode fechar o corrupto parlamento de duas formas, opostas: ou substituída por uma democracia superior e direta, ou grupos armados fascistas encerrando as duas câmaras. É necessário, portanto, disputar a consciência dos trabalhadores e das classes médias precárias para o projeto de outro Estado, o operário com apoio popular. Apenas quem tem medo pode ter coragem. Temos a oportunidade de ser, finalmente, o país do futuro no presente; e erguer, com o mundo, a bandeira mundial do comunismo, talvez entre os primeiros a mudar tudo. Um povo tão resistente e tão criativo pode servir de inspiração feliz às outras nações irmãs, aos trabalhadores sedentos por alternativa. EXTRA: UMA ―NEP‖ À BRASILEIRA? Demonstramos que é impossível reformar o capitalismo brasileiro, tão maduro quanto pode ser, na época de decadência mundial do sistema do dinheiro-valor. Se ficássemos isolados após uma revolução nacional, enquanto esperamos a revolução mundial – o que poderíamos fazer? Façamos o exercício, que pode ser educativo. 1. Antes de fundar o banco único estatal, antes de extinguir o dinheiro, liberar para que muitos bancos privados, não estatais, apenas um por país, para evitar acordos secretos, entrem no Brasil, para fomentar alta concorrência, baixando o juro real, estimulando a economia. 2. Antes de estatizar, sem indenização e sob gestão operária, as empresas; unificar as empresas médias, ou não grandes o bastante, em grandes empresas nacionais únicas, com uma só fábrica ou complexo fabril de preferência. Unir, por exemplo, os grandes fabricantes de sapatos para
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que invistam seu capital numa só grande empresa do setor, usando alta tecnologia, impondo alta escala, o que barateia o produto individual. O Estado teria parte do capital, além de poder de veto na administração. Ademais, seria necessária uma taxa de lucro menor que a média mundial, imposta por lei rígida, por lucro geral e por produto (evitando, assim, preço de monopólio; e estimulando a exportação, além do aumento da produtividade para aumentar a massa de lucro total) – lei válida por 30 anos, por exemplo. Após 30 anos de lucro, o capital se tornaria todo do Estado e de seus operários, sem indenização aos antigos acionistas. Nesses casos, o capital acionista apenas poderia ser nacional. 3. Imposto progressivo ao lucro dos serviços privados de educação, saúde, transporte, segurança, alimentação etc. para financiar serviços iguais estatais. 4. Um ―Amazon‖ das editoras focado tanto em venda como em gráfica, uma gráfica nacional das editoras. 5. Mediante acordos especiais de comércio prioritário, surgirá um banco de compensações entre países latino-americanos para economizar dólares, aumentando a integração regional. 6. A capitalização, transitória, da previdência terá como um dos focos de investimento a criação do complexo da saúde na área de medicamentos de modo que uma poderosa empresa automatizada, roborizada, será a fonte do retorno financeiro aos aposentados (o que, ademais, superará nossa necessidade de importar insumos e remédios). 7. Reforma na lei para permitir imposto de valor maleável sobre alimentos exportados como garantia de segurança alimentar caso os preços subam muito por demanda internacional. 8. Uma pequena porcentagem das grandes empresas de agronegócio serão obrigadas a plantar certas espécies, sem agrotóxicos, para preservar a população de abelhas. 9. Obrigar que uma parte das grandes terras, uma porcentagem progressiva, seja de determinados grãos e carnes para consumo interno, de modo a tornar as mercadorias baratas e acessíveis. 10. Instauração da prisão perpétua para crimes graves, incluso desmatamento. 11. Substituir o dinheiro físico por digital, com internet para todos e em amplos ambientes. 12. Pesado imposto sobre grandes heranças e sobre lucros e dividendos empresariais. 13. Criação de centros sociais em cada bairro. 14. Erguer uma poderosa rede ferroviária, que reduz em até 5 vezes os custos de transporte. 15. Treinar todo cidadão que vive de seu salário no manuseio de armas leves e pesadas, além de facilitar seus acessos a tais armas, de modo gratuito na medida do possível. 16. Reduzir, tanto quanto se pode, a jornada de trabalho, mesmo que isso exija relativa inflação – isso é inegociável, condição para governo dos trabalhadores. Pode-se compensar isso, por
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enquanto, com um organismo de câmbio de empregos, por exemplo, se o trabalhador e o patrão (se este há) estão de acordo, será permitindo de uma empresa para outra, trocando com outro funcionário, mantendo o pleno emprego. 17. Estatização, sob gestão operária, das empresas centrais da economia, apenas elas – não todas ou a maioria. Estatizar aquelas empresas que são vitais para os preços: transporte, petróleo, energia elétrica, regime de águas etc. e as que são monopólios naturais. 18. Criar uma reserva grande de ouro no meio geográfico país. 19. Criar forte indústria de defesa longe do litoral e no meio geográfico do país. 20. Empresar pequenas ou não centrais tornem-se cooperativas temporais quando tomadas por seus trabalhadores, funcionários. 21. Imposto sobre renda, não sobre consumo. Alta taxação de produtos de luxo. 22. Concorrência cooperativa. Pequenos e médios comércios, concorrentes, compram juntas, ao mesmo tempo, em grupo, para assim ter força de negociar melhores preços e maiores quantidades de mercadorias com seus fornecedores. 23. O Estado repassar aos seus serviços (educação, saúde etc.) não dinheiro, mas coisas, produtos – assim, reduzindo custo total, ao fazer grandes compras unificadas, e evitando as pequenas corrupções locais de diretores etc. 24. Trazer médicos cubanos também para ampliar muito os cursos de medicina, tão queridos pelos jovens. 25. Pôr acima da medida dos países centrais o investimento em pesquisa e desenvolvimento – rumo à informatização, automação e robotização da economia e da sociedade. 26. Grandes e novas empresas estatais, sob gestão operária, podem permitir o surgimento de empresas satélites privadas ou cooperativas, menores, que oferecem certos insumos à matriz – mas a empresa central, de produto final, terá direito de veto na administração de tais empresas. 27. Plano de reaproveitamento quase máximo do que ora é transformado em lixo para defender o meio ambiente, reduzir importações e reduzir custos. 28. Para qualquer caso de corrupção ou manobra ilegal empresarial, a lei deve de imediato condenar à estatização da empresa, sem indenização, sob gestão dos trabalhadores e seu comitê de fábrica que analisa os dados da empresa no cotidiano – e prisão irrevogável da direção empresarial. 29. Após reduzir a jornada de trabalho para gerar pleno emprego permanente, subir os salários acima da inflação por dois anos, de modo planejado para evitar grande inflação. Então, forma-se um plano para alcançar o salário mínimo constitucional burguês, do DIEESE, em
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10 ou 20 anos, com aumentos anuais planejados do salário mínimo acima da inflação; al[ém disso, com planos, como aumento da produtividade técnica, ara baratear os insumos e, além disso, fornecer serviços públicos no lugar de privados. 30. Os sindicatos, centrais sindicais e partidos que tiverem do lado da revolução depois terão direito a jornais impressos próprios, independentes e gratuitos distribuídos em todo o país e para os membros de suas categorias. 31. Aproveitar o programa burguês industrial de Ciro Gomes, complexos industriais específicos: complexo industrial da saúde, do agronegócio, da petroquímica e da defesa. Por que eles? Porque: 1) as patentes estão vencidas (80% dos remédios importados são patente vencida, por exemplo), 2) temos especialistas para desenvolver tais áreas, 3) o Estado já tem demanda alta por tais produtos, 4) substituímos de modo importante importações, 5) há alta demanda popular interna. Além disso, podemos escolher alguns campeões nacionais internacionais para dominar o mercado mundial de alta tecnologia. Tais propostas são indicações, pistas, nesta época de pouca criatividade, de baixa imaginação, de falta de projetos. É preciso aprender a pensar, ensaiar governo, a arte de governar. Os exemplos acima demonstram a maleabilidade possível se somos forçados a mediações por algum tempo. Apenas na situação concreta, sem listas ou manuais, poderemos dizer quais as medidas necessárias e possíveis. O programa acima, se prático for, é inferior, claro, pois o foco é implementar, já de início, tão rápido quanto possível, o programa de transição. EXTRA: TESES SOBRE O BRASIL 1. Marx inicia a lógica de sua grande obra com o início histórico, a pré-história do capital. Assim, trocas aleatórias, sem sinal de proporção e medida, passaram para trocas mais ou menos medidas, mas casuais, vez ou outra; em seguida, certas mercadorias trocam-se por várias ao crescer o mercado; em seguida, várias trocam por uma especifica. Em seguida, todas trocam por dinheiro, o ouro em especial. Pois bem; assim foi iniciado o país Brasil: os portugueses trocavam produtos-mercadorias por, por exemplo, pau Brasil, outra mercadoria. Rir-se como se fosse uma troca injusta, mas o espelho, por exemplo, era um produto, na oferta e demanda, absolutamente raro ao indígena, incapaz de ver a si mesmo com toda clareza. O transporte também aumenta o valor da mercadoria, de um continente ao outro pela primeira vez. Só em base ao mercado, como na obra O Capital, pôde surgir a produção para o mercado mundial, mas com trabalho escravo. Assim, o mercado como Brasil rapidamente passou ou pulou as etapas expostas acima.
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2. O Brasil nunca passou por uma revolução burguesa porque, desde 1500, sempre foi burguês, embora sui generis. 3. Diz-se ora que a escravidão acabou por impulso da classe dominante, ora por pressão da Inglaterra, ora por revolta crescente. A última explicação é a mais correta, mas ela tem por base, além de esconder, uma razão econômica. A escravidão existiu por falta de mão de obra desemprega, ou seja, regulada pelo mercado. Uma falta de mão de obra porque os índios sabiam fugir, conheciam o cenário e a floresta. Mas, quando a quantidade de escravos tornou-se imensa tanto em termos absolutos quanto em relativos, surgiu a base econômica para fundar o exército industrial de reserva, o desemprego, a superpopulação relativa artificial. Com quantos quilos de medo se faz uma tradição? Era, no entanto, difícil mudar as relações de produção, exigia muita mediação para algo gradual antes do salto. Por isso, isso se deu mais de modo gradual que por revolução real, final. Assim, um mercado consumidor interno de mercadorias tinha iniciado ao menos sua base latente e mínima. 4. O regime escravista era pouco produtivo, o que dificultou acumular capital; por outro lado, estimulou aumentar o mais-produto pela extensividade, aumento do número de terras em agricultura, logo, o número de escravizados. 5. As revoluções e revoltas nacionais fracassaram por ainda não terem caráter nacional, o que expressava indiretamente as forças produtivas pouco desenvolvidas. 6. A guerra do Paraguai foi, antes e também, um aviso do Brasil e da Argentina contra toda a América do Sul para que não ousassem produzir políticas protecionistas, maior autonomia econômica e projetos grandiosos próprios. 7. De modo inconsciente, inconsciente social; o Estado combater a inflação e manipular os juros para manipular câmbio e, assim, controlar a inflação desde 1990, têm por objetivo controlar a luta de classes, impedir a revolução brasileira a qual beiramos nas décadas de 1980 e 1990. Fazem, mas não sabem. 8. Surge, hoje, uma cultura própria das pequenas urbanidades, que devem ser interpretadas crônica e sociologicamente. Têm o poeta oficial (em geral, romântico ou parnasiano, adotador como pode do poema fixo), a família política oficial (em geral, duas inimigas), o radiologista, o louco ou bêbado oficial, a prostituta – e o burguês oficial, em geral quase único na cidade. Hábitos próprios como vestir-se com exagero de beleza para ir comer uma simples pizza. Veem de modo impressionista, via TV e internet, as grandes cidades. Por impressionante, a atividade sexual das jovens costuma ser ainda mais ativa e livre, hoje, em relação às da capital. Em geral, um pastor domina a religião do município, impedindo, por exemplo, a obtenção de preservativos no posto de saúde.
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CRISE DOS INTELECTUAIS MARXISTAS DO BRASIL Nos anos 2000, o crescimento econômico acima da média das últimas décadas permitiu ao governo ampliar as universidades públicas. Isso permitiu, também, que uma série de marxistas se tornassem professores universitários. Hoje, somos certa minoria com qualidade acima de média. Ao elevar a qualidade de vida, muitos abandonaram o marxismo, outros o defendem na academias, alguns mantiveram a militância. É difícil ser imune ao novo ambiente e ao novo salário. Houve, portanto, uma pressão para o centrismo. Sérgio Lessa, universitário da velha guarda, disse, em palestra em 2013, que a nova geração de intelectuais marxistas se livrou das armadilhas da antiga. Vejamos seus argumentos: 1. Os novos intelectuais marxistas não se impressionam com as ditaduras ―socialistas‖, pois surgiram após a queda do muro de Berlim. 2. Não se iludem com a democracia, pois já cresceram nela e em sua decadência. 3. Não cedem ao governo de esquerda, pois já o viu no poder. 4. Têm acesso a textos basilares com muito maior facilidade. 5. Vivem a crise evidente do sistema. No entanto, hoje apoiam o terceiro governo Lula, do PT. Bastou o bafo quente do fascismo sobre suas nucas para tornarem-se o último vagão do trem da burguesia. É difícil escapar de seu perfil de classe. Passaram a louvar o lulismo e petismo. O problema é que não passaram pela escola dura da luta operária, ou seja, formaram-se nos anos de refluxo, não de Ascenso das lutas. De qualquer modo, tenderam à esquerda porque a miséria sempre está diante dos olhos brasileiros. Quando junho de 2013 e a onda inédita de greves parciais surgiram, eles enlouqueciam com a tese sem fundamento de que o país estava diante de uma ―onda conservadora‖. No fundo, a pequena burguesia desagrada-se com as lutas sociais e o trabalho que exigem. Revolucionários, porém não muito. Por isso, na revolução russa, os marxistas acadêmicos ficaram, em geral, na margem da história. Tudo contra o petismo para eles é reacionário, no mínimo. Nos partidos de esquerda, posições da classe média são defendidas pintando-se de linguagem vermelha. O exemplo mais triste e risonho é o veterano trotskysta Valério Arcary: outrora revolucionário, hoje afirma que o governo Lula III está em disputa; tornou-se conselheiro da frente popular, tudo que sua tradição original – e suas próprias palavras anteriores! – condena.
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A USP, maior universidade da América Latina, torna-se a montanha que pariu um rato. No lugar de teses úteis, procura-se o novismo e o jogo de palavras. No lugar de originalidade, a eterna repetição dos clássicos. No lugar de ciência, comentários sagazes e dispensáveis. Sequer sabem elaborar política de modo marxista os membros marxistas de tal instituição. O cinismo e o meio-termo tomam conta dos espíritos. Esse tipo de gente dirige os partidos vermelhos ou amarelos. Chico de Oliveira afirmou que o intelectual brasileiro é um ornitorrinco, ou seja, escreve sobre marxismo e revolução, mas na política prática é do polo da direita ou da burguesia. Tal afirmação deve ser leva a sério. O Brasil produzirá originais e interessantes intelectuais marxistas, mas devemos cuidar para que não percam o rumo. Lula corrompeu os marxistas ajudando-os a dar aula.
SÃO PAULO: CASA DO BOLCHEVISMO DO BRASIL O título parece absurdo. Além disso, reclamamos da falta de espaço de quadros nordestinos, região mais precária que tem se urbanizado e se industrializado, nos cargos nacionais e partidários. O autor deste livro, por exemplo, mora num dos Estados mais pobres do Brasil, no nordeste. Mas O sul-sudeste, valerá a justificativa, têm o perfil para a formação partidária bolchevique: 1. Concentram massa de imigrantes de todo o mundo 2. Concetram massas de imigrantes do norte e nordeste 3. Têm altíssimo caldo cultural 4. Possuem os melhores intelectuais (USP etc.), apesar de a melhor educação básica ser do nordeste, do Cerará em especial 5. Concentram o grosso da enorme indústria do país 6. Por isso, concentram com força imensa a classe operária 7. Possuem grandes bairros operários 8. Possuem grandes periferias 9. Suas enormes cidades são anormalmente extressantes sobre a psique e o corpo do trabalhador, o que acumula pautas sociais 10.Em São Paulo, principal e melhor exemplar, tem-se a cultura da leitura de jornais no cotidiano – o que estimula e dá espaço para jornais partidários e operários
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11.São Paulo é conhecido pela disciplina forçada, artificial, sobre o trabalhador, que tende a ser natural também no militante 12.Possuem concentração urbana absoluta imensa 13.Possuem tradição de luta secular, Sâo Paulo em especial Tais fatores ajudam muito, até determinam. São Paulo destaca-se, tem de maneira avançada todos os elementos acima. Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também ganham peso extra. No norte, o Pará operário e ambiental. No nordeste, o radicalizado Ceará, com sua tradição operária e com até políticos burgueses muito esquerdizados (família de Ciro Gomes, que garantiu, por exemplo, uma superior educação pública relativo a todo o resto do país); Pernambuco com sua cultura e perfil ímpar, além de tradição revolucionária; e, claro, a destacável Bahia. Eis os centros de um trabalho comunista, os centros da revolução brasileira. Por uma incapacidade de adiar até condições nacionais melhores, por precarização extra etc. a revolução pode começar no Piauí – uma segunda luta por independência, uma segunda Batalha do Jenipapo –, mas apenas será vitoriosa se vencer, também, em São Paulo. BALANÇO DESDE JUNHO DE 2013 10 ANOS DE LUTA
APRESENTAÇÃO Após 10 anos da rebelião de junho de 2013, fato que ainda não acabou, pois é processo ainda vivo, muitos balanços surgiram sobre a data e o que houve depois. Porém, todos são balanços parciais, angulares e, em principal, externos; por isso na senti necessidade de escrever uma obra tão clara e completa possível sobre os últimos dez anos, desde aquele dia. O formato é de ensaio, mas o centro é científico e político. Todos os dados e fatos são conhecidos e reconhecidos, mas não ou mal interpretados. Quase todas as pessoas, hoje, diz-se de esquerda ou de direta, familiares dividem-se e brigam, humor contra a exploração laboral tornou-se popular na internet. Tudo isso começou em 2013. Em especial, entre os jovens. Muitos deles dizem algo do tipo: ―se você me conheceu antes de 2013, peço desculpas.‖ Ou seja, eles mudaram desde aquela data. Já aviso que minha visão é comunista e otimista em relação aos fatos: uma onda de greve surgiu após as manifestações, ou seja, as classes trabalhadoras esquerdizaram-se. Mas ninguém sabe muito bem a causa disso, o que pretendo explicar.
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Como observamos, ninguém saiu imune. Partidos entraram em crise, o Estado balançou, a direita e a alta classe média reagiram, a burguesia planejou reação etc. As mudanças na base da sociedade, na economia e nas classes, operam mudanças no resto do tecido social, nas assim chamadas superestruturas – mentalidades, moral, instituições etc. A figura do militante, mesmo se tratada de modo debochado, parece ter chegado para ficar. Cada local de trabalho, cada sala de aula tem aquele membro mais ativo, mais politizado. As conversas de bar rechearam-se com tempos específicos para conversar sobre política, às vezes com o sangue fervendo diante de polêmicas entre os membros à mesa. Está claro que mudou. Também está cristalino que algo estar por se resolver, parece que estamos em suspensão e uma névoa paira no ar. É a sensação de que algo deve ser resolvido de vez, de fato. Parece que o país não se encaixa nele mesmo. Isso tem implicações socialistas, como debateremos. Ou a ditadura do capital ou o socialismo, a democracia direta e de base socialista, a ditadura do proletariado, vencerão. O tempo do meio-termo está definhando. SITUAÇÃO MUNDIAL Uma crise econômica inicia-se antes da crise propriamente dita, antes de sua fase destrutiva. Isso ficará mais fácil em outro capítulo; por agora, isso deve ficar claro: ondas de luta, via de regra, surgem antes de uma quebra da economia. A crise brasileira começou em 2008, nos EUA e na Europa. Aquela crise quase levou ao colapso do sistema, mesmo. As bolsas de valores foçaram feriados para impedir a quebradeira. Depois, surgiram ineditismos: empresas imperialistas foram parcialmente estatizadas, uma onda de dinheiro foi lançada sobre a economia mundial. Isso salvou o capitalismo e o movimento socialista, pois este último estava de todo despreparado para o que poderia vir e quase veio. A onda de falências e demissões nos centros mundiais, reduziu o consumo das famílias e das empresas. Logo, a demanda por produtos chineses cairia. Logo, a demanda chinesa por matériaprima vinda do Brasil cairia. Crise geral. Porém, a China reagiu forçando o pleno emprego com onda de investimentos públicos. Assim, demandou ainda mais produtos brasileiros como ferro e outros produtos primários. Lula e o PT respiraram aliviados. A ação do poderoso Estado chinês permitiu exportar muito, o que baixou o dólar (entrou dólar, mais oferta da moeda derruba seu preço em relação ao real), que caiu para abaixo de 2 reais! A alegria reformista imperou, o consumismo tomou conta dos espíritos. Lula disse que a crise no Brasil seria ―marolinha‖, não tsunami. A esquerda radical criticou tal posição, mas ele acertou – e errou, pois tal crise foi apenas adiada para 2015. Vendo o problema econômico mundial, e ao acreditar ser algo conjuntural, não estrutural, o governo do PT, guiado
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pelo de fato reformista honesto Mantega, tomou uma série de medidas para aquecer a economia: Minha casa Minha vida, aumento real do salário mínimo (acima da inflação), imposto sindical (falaremos dele novamente), grandes obras públicas cujo setor gera mais emprego, redução dos juros da dívida etc. Merece destaque a redução dos juros. De um lado, os especuladores trouxeram dólar para o Brasil, a fim de comprar títulos da dívida estatal, porque o mundo desenvolvido estava em crise – isso valorizou nossa moeda relativo ao dólar. Por isso, e apenas por isso, o governo viu oportunidade de manter os juros baixos, de reduzi-los após anos mantendo-os altos. Uniu a fome com a vontade de comer. Ao ―apenas por isso‖ devemos acrescentar, claro: o câmbio tendeu a cair, repetimos, porque aumentou muito a demanda chinesa por nosso produtos brutos, o que facilitou e permitiu reduzir juros. Do ponto de vista da luta de classes, a Europa fez jus a sua tradição com duras lutas e protestos de rua. Os EUA estavam aprendendo a organizar suas guerras de classe. E no mundo árabe revoluções aconteciam. Todos são respostas, iniciais e desproporcionais, à crise. A situação começou a ficar favorável para partidos revolucionários. ANTECENDENTES Junho de 2013 nada tem de raio em céu azul. Se quisermos dar um começo, diremos que foi 2011 no Piauí, região do autor. Aqui, uma repressão policial contra um ato de vanguarda gerou revolta de rua. A luta contra o aumento do preço da passagem de ônibus colocou 30 mil nas ruas em seu auge, o que é muito para a cidade de Teresina, a capital. Vitória tamanha que os governos municipais seguintes evitavam aumentar o preço da passagem para estudantes (e a prefeitura deu 32% de aumento salarial, muito acima da inflação, após forte greve). Em todo o país, greves vitoriosas e radicalizadas aconteciam, em especial na construção civil; motins de policiais multiplicavam-se. Havia um aumento das lutas, com um detalhe: pequenas vitórias aconteciam, o que temperava os ânimos. Com o crescimento econômico, mesmo se fraco, migalhas poderiam ser cedidos pelos governos e pelos patrões. Um dos pontos auges foi a destruição, em 2012, do já consolidado bairro Pinheirinho, liderado pelo PSTU. Quando o governo estadual decidiu destruir tal avançadíssima experiência, Canudos moderno, que inclua democracia direta, surgiu algo inusitado: uma situação revolucionária em apenas um bairro! Grupos de combate e autodefesa surgiram na ocupação, prontos para enfrentar a tropa de choque. A intenção de fundo era política: quebrar a base social de tal partido, pois uma comuna numa das regiões mais industrializadas da América Latina era inaceitável.
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OS ATOS Qual a causa dos protestos de Junho de 2013? O pleno emprego. Quando o desemprego fica baixo por anos, os trabalhadores mais grevam, mais ousados ficam, mais lutas há. Isso, que evoluiu passo a passo, precisou de um salto – os grandes protestos no meio daquele ano. Os jovens, mais afeitos ao risco, até tinham emprego; mas usavam mais o transporte público ruim para ir até à faculdade e ao trabalho. Até tinham trabalho, mas ganhavam mal. O estresse aumentava dia a dia, acumulava-se. A luta por educação, saúde, transporte e segurança estava em alta. Por serviços públicos gratuitos e de qualidade. Problema: durantes os protesto, ninguém da esquerda transformou tais pautas gerais em pautas diretas, como por 10% do PIB para a educação. O PSTU, aliás, com sua mania impressionista, chamou a ditadura do proletariado (!) na forma de ―Nem direita nem PT: trabalhadores no poder!‖ Exigência sem chão na realidade e totalmente marginal. Pois não era uma situação revolucionária: a economia crescia e vinha de um crescimento, ainda que fraco, e o emprego era pleno. O desemprego baixo, mais precarização da vida, era a causa oculta da grande luta. Nenhum teórico percebeu isso. Mesmo naquela data, aos comunistas de classe média soava incompreensível tal jornada de massas. Qual a causa daquilo tudo? Sobre devo dizer algo inesperado: havia, sim, aspectos de cartase coletiva como certo ―delírio‖ coletivo – por exemplo, ia-se ao protesto porque outros iam, como a retroalimentação positiva. A causa consciente expressava um inconsciente social, pois as condições eram melhores para lutar. Por décadas de ultraesquerdismo, a esquerda radical foi confundida com os demais partidos da ordem. Assim, apanharam nas ruas. Eu mesmo tive que lutar em protesto em minha cidade. Os dirigentes, que engordaram com o tempo e com as circunstâncias, na verdade nada entendiam da nova realidade, do país. Anos depois, o PT e o PCdoB caluniaram a luta e o povo dizendo que se tratou de ―guerra híbrida‖ ou ação do imperialismo contra a esquerda. O cálculo oportunista do petismo é claro: lutou durante ou contra o governo, logo é algo, no mínimo, ruim. O PCdoB, em alguns Estados, proibiu a militância de ir aos protestos, o que lhe gerou crise; eles dirigem até hoje a UNE, que ficou, de propósito, paralisada. Desde esses dias, o país se dividiu – finalmente e ainda bem. Estamos próximos, muito mais, daquele momento em que ou o país se resolve ou nada muda. A classe média passou a protestar e ser ativa, em geral, pela direita. As empregadas domésticas estavam muito rebeldes, os pobres invadiam os aeroportos.
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O petismo diz que Junho de 2013 foi raiz de todos os males. É um erro: ele foi sinal e consequência de algo que ocorria e ocorre no subterrâneo, ou seja, a crise do capitalismo. A causa da queda do governo Dilma foi suas medidas de governo logo após a reeleição: estouro do câmbio, estouro da taxa de juros, aumento dos preços controlados pelo governo, corte de investimentos e serviços etc. IMPOSTO SINDICAL Mantega fez sua parte com sua tradição ao impor aos trabalhadores um imposto, um desconto nos salários de maio para financiar seus sindicatos. A burocracia sindical adorou, a extrema-esquerda colocou-se contra. Mas o melhor estava por vir. Ao irritar os trabalhadores com tal desconto salarial, estes passaram a exigir mais da instituição, a cobrar e prestar atenção nas eleições sindicais. Criou-se um laço forçado entre a base e os dirigentes sindicais. As greves anuais de rotina, campanhas salariais em central, tornaram-se mais obrigatórias para os oportunistas dos sindicatos. Junto com a onda de greves, uma onda de novos sindicatos surgiu. A burguesia viu o erro, então passou a preparar o fim do imposto anos depois, como fez, para quebrar tal dinâmica. A IMPORTÂNCIA DO ÓDIO POLÍTICO A união de esquerda pequeno burguesa com ofensiva de direita levou ao amor ao amor… Mas o ódio tem razão de existir: devemos odiar os ricos, os manipuladores, os corruptos. Luta de classes é razão e emoção. O ódio de classe importa. A classe média quer a conciliação quando não é a hora, ou possível, ou mesmo bom. Pensa-se o ódio como algo apenas subjetivo e, assim, artificial. Ele é necessário. Porque há luta de classes, há luta subjetiva. A causa é crise econômica, que gera crise social, que gera crise política, que gera luta de classes. Que bom que estamos divididos de modo claro, não mais de modo oculto. Então, o ódio classista não veio do nada – ele só se revolve resolvendo a crise econômica, ou seja, o socialismo. É a crise econômica que está dividindo a sociedade: ou vencemos ou vencem eles, os grandes patrões. ALGUNS DADOS Observemos os dados a partir de 2013. A quantidade de greves explodiu:
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Fonte: (Dieese, 2020) O número de horas paradas também – desde 2009:
Fonte: (Dieese, 2020)
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Aqui, temos de retomar a dialética. A realidade total nunca é como certa máquina ou relógio ou computador com sua causalidade mecânica; o real é um sistema orgânico, um organismo, por isso a causa, o (quase) pleno emprego em nosso caso, apenas de modo atrasado tem efeito nas mobilizações dos trabalhadores; pela mesma lógica da materialidade, o processo de fim do emprego pleno atrasadamente passa a reduzir a onda de paralizações. Como razão, o baixo desemprego correspondeu ao aumento das lutas:
Fonte: (IBGE, 2020)
Fonte: (idem, 2021) Veja-se que o governo petista adiou, não impediu, a forma destrutiva da crise por anos, com ações anticíclicas que fundamentaram um conflito distributivo de longa duração, que começa a
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ser revertido apenas com a entrada de vez do desemprego, com o processo de fim do pleno emprego:
Fonte: (IBGE, 2020)
Todos esses dados são impressionantes. Apesar dessa empiria, os intelectuais marxistas falaram em ―onda conservadora‖. Depois, fingiram que não criarame defenderam tal absurdo, saiu de moda. Muitos desses revolucionários da USP hoje apoiam o governo Lula. SITUAÇÃO PRÉ-REVOLUCIONÁRIA? Em seu congresso de 2014, o PSTU defendeu que situação era pré-reovlucionária, dado junho de 2013 e as novas greves. Fiz um documento para o congresso contrariando a caracterização, afirmando ser impressionista. Isso me rendeu certos desconfortos e perseguições partidárias. Ora, crescimento econômico pode ser igual às lutas ativas. De novo, baixo desemprego estimula muito lutas sociais. Basta ver o caso, hoje, 2022 e 2023, dos EUA, onda de greves, desemprego voluntário por melhor salário e… sinais de próxima crise. As grandes lutas são, então, nesses casos, sinais de crise, transições dentro de um situação não-revolucionária. Por acertos e erros políticos, poderia surgir, grosso modo, dois caminhos: ou um situação reacionária ou uma situação, agora sim, pré-revolucionária – após a transição. Isso exige o conceito ―momento‖, pois dentro de uma situação, por exemplo, não revolucionária pode haver momento de recuo, avanço de uma contrarreforma etc., ou avanço, grandes greves por baixo desemprego etc. No nosso caso, surgiu uma situação reacionária, e momento defensivo, entre 2016 e 2017.
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Veja-se que a causa da situação reacionária não é, não é em si ou não apenas o golpe de Estado contra o governo – pois a totalidade deve ser para caracterizar, fomos para defensiva, para derrotas etc. A TENDÊNCIA A FECHAR O REGIME O regime tende a fechar – mas por qual motivo? Porque a burguesia necessita derrotar o movimento operário e popular, impor uma derrota histórica; acabar com os serviços públicos, as greves, as ocupações e os diretos trabalhistas. A crise do capital obriga a isso se se quer manter altas taxas de lucro, se quer sobreviver à industrialização da China e, depois, da Índia. Sua tática burguesa está errada, mas é o que ela sabe fazer. O regime começou a fechar com medida do governo Dilma: a lei antiterrotista. Uma legalidade genérica que pode e será usada contra os movimentos sociais. Depois, veio o golpe de Estado formalmente contra o governo do PT. Depois, as eleições mudaram: menor tempo de campanha, restrições contra partidos menores, incluso os de extrema-esquerda. Depois, Temer colocou militares no governo. Depois, Bolsonaro ampliou muito a presença de militares no executivo. São fatos separado que mostram, juntos, a tendência ao regime fechar. Parece casual e contingente que Bolsonaro tenha sido eleito com militares – mas o acaso e o não necessário expressam o necessário oculto. No futuro próximo, o parlamento pode fechar de duas formas: democracia direta e de base socialista (ditadura do proletariado) ou ditadura fascista. A decadência econômica do mundo e do Brasil obrigam duas saídas, apenas um lado sendo saída real ao país. Desde junho de 2013, o povo passou a votar com os pés – contra tal voto reage a burguesia. QUEDA DO GOVERNO DILMA II Dilma foi eleita verbalizando contra a precarização, contra altos juros, em defesa dos direitos etc. Ela adiou medidas impopulares no fim do primeiro mandato para conseguir se reeleger. Uma vez reeleita, jogou a bomba: aumentou os juros com muita força, atacou o orçamento etc. Veja bem; a culpa não é de todo do governo: o capitalismo é inevitavelmente crise, precisa da crise. Nenhum governo pode evitar, nem o chinês: após o PCC estimular a economia de modo artificial, o processo esgotou-se. O minério de ferro que o Brasil vendia para a china saiu da hiperinflação para um preço pífio, o petróleo bruto que o Brasil exportava caiu de 140 dólares o barril para 30 – 30! Isso pesou no câmbio, que estourou, pois parou de entrar dólares no país. A reação do governo seria aceitar a crise, do ponto de vista burguês, e suplicar por mais dólares, por capital especulativo, aumentando os juros, o preço pago pelos papéis de dívida do governo.
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Em dois anos, 2015 e 2016, o governo Dilma criou uma terra arrasada. Diminuiu-se a concorrência por onda de quebras, o comércio recuou, o desemprego ressurgiu. O governo perdeu todo apoio das classes não burguesas. Quando surgiu os primeiros rumores de queda do governo, logo após sua reeleição, surgiram notas dos sindicatos patronais em defesa da governabilidade. Nesse momento, quando toda a esquerda considerou histeria absurda falar em impedimento de Dilma, fiz uma nota afirmando que, por razões econômicas, o governo iria cair – o problema seria como. Mas eu mesmo não sentia o sabor ou o clima para isso, apesar de publicar a previsão. Pouco tempo depois, tudo mudou: o golpe ou queda estava em jogo. A coisa tinha que ter algo legalista, pois a farsa deve parecer seu oposto. Com a ajuda oculta dos EUA, um acordo ilegal de promotores e o juiz Sérgio Moro procurava preparar o terreno para direita assumir o governo. Passou a perseguir os grandes políticos para forçá-los ao impedimento de Dilma, para o PMDB e, se possível, o PSDB assumirem o executivo. Prendeu-se Lula para evitar que ele assumisse a próxima gestão federal. Veja-se: o PT reina na corrupção, de fato, mas o jogo é entre oportunistas – quebrou-se a legalidade para forçar um arranjo de governo. Mesmo que exista, e existe, corrupção no petismo, não foi o centro real do problema, mas sua cortina de ferro. Formalmente, o golpe foi contra Dilma, sem o PT querer resistir de fato, mas foi na verdade contra os trabalhadores. O PSTU diz que não foi golpe, portanto defendia o artificial e fora do lugar FORA TODOS. Ora, se golpe ou não, o certo seria forçar o regime, ou seja, pedir eleições gerais antecipadas e já. O fato é que Dilma, por perder apoio popular, tornou-se incapaz de implementar mais medidas contra a classe trabalhadora. Tal limite, que soou à burguesia como limite de classe, como partido popular, foi a causa oculta da queda, do golpe. Os EUA, por seu lado, queria quebrar a construção civil brasileira, que havia se internacionalizado com a ajuda do BNDS, e ter chances de acessar nosso novo petróleo, do novo pré-sal. O jornalista William Waack, conhecido agente antes secreto dos EUA, chegou a rir em seu jornal da pretensão do governo de ser grande produtora de energia. Dilma sabe e sabia que a culpa de sua queda devia-se muito aos erros do governo, mas nunca os petistas fizeram a autocrítica. Eles sabiam que Temer e Eduardo Cunha eram oportunistas, a nata da bandidagem, até o talo, mas preferiu andar com eles. Temer empogou-se: seria presidente do país, aprofundando o programa da burguesia. Para garantir que ele fizesse tudo que a classe dominante queria, o judiciário decidiu que ele estaria proibido de se reeleger. O objetivo era fazer com que não tomasse medias populares para reeleição como fez Dilma. Sim: há um poder que
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planeja tais coisas. No jornal, porém, tudo aprece apenas como fato, apenas como juridicamente impedir de reeleger, mas a causa disso está oculta ao povo. Em 2017, quando a situação de um giro, veio a greve geral contra a reforma da previdência e a reforma trabalhista. A primeira paralização teve alguma força. Em protesto nacional em Brasília, o PSTU, que estava internamente desmoralizado e em crise, após ruptura, tentou ganhar moral entre os seus forçando um ato de vanguarda irresponsável que avançou sobre prédios e locais públicos, enfrentando a polícia. Para nada. O ultraesquerdismo, que alegrou tanto os militantes, não era necessário naquele momento. O ato, melhor, sua forma foi revolucionária, mas a intenção era oportunista – ainda que a organização não o seja. O fato era que situação do país havia mudado, um giro negativo para nós surgiu. Antes da queda de Dilma, golpes já ocorriam na América Latina: Paraguai, Honduras. Quem tivesse olhar internacionalista, logo perceberia a tendência a partir da crise de 2008. Após o golpe no Brasil, a porta do inferno foi aberta, como a tentativa na Bolívia ou na Venezuela. Eles têm um padrão comum: são golpes reacionários, não contrarrevolucionários, ou seja, querem derrubar o governo, não fechar, de todo, o regime. Além disso, tentam dar justificativas, como legais, ao golpismo. Por fim, são contra governos de esquerda burgueses. Um governo de esquerda, chamado frente popular, costuma ser a antessala de um golpe. Isso é uma lei relativa: governos de esquerda geram golpes, não porque são de esquerda, mas porque são incapazes de melhorar a vida da maioria dentro do capitalismo. No caso de Dilma II, mesmo abandonando o apoio do governo, as classes trabalhadoras desconfiavam do processo de golpe como algo feito para os ricos, contra a maioria. A LUTA DA BURGUESIA CONTRA O PLENO EMPREGO Como dissemos, o pleno emprego foi a causa oculta de junho de 2013 – era sinal invertido de uma crise em gestação. Pleno emprego é, para a burguesia, crise. Ela precisava de uma quebradeira econômica para mais lucrar e mais dominar. O desemprego baixo deixa o trabalhador mais ousado, mais desobediente – as greves multiplicam-se, os salários sobem, os gerentes ficam à flor da pele. A burguesia identificou o pleno emprego como ação do Estado. O aparelho investiu, reduziu juros, estimulou a economia real e artificialmente. Por isso, para ela, era necessário aumentar os juros, cortar investimento etc. A coisa tomou forma séria e original: após quebradeira de Dilma, que seguiu a cartilha, Temer e, em 2023, Lula (!) garantiram um teto de gastos, ou seja, um impedimento de o Estado investir, gastar, ampliar serviços. A burguesia rebela-se contra seu próprio Estado, cerca-o e limita-o.
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A onda semi-keynesiana, semiestatista, chegou ao fim por decreto. A causa de fundo e oculta das greves e lutas foi o emprego pleno – a causa da quebra das lutas, desde 2017, foi a volta do desemprego. Em 2017, passamos para uma situação reacionária. Não tanto pela queda do governo via golpe, mais porque vieram grandes derrotas e o nosso lado recuou, enquanto a direita e a classe média foram para a ofensiva. No final de 2016, o empresário das lojas Riachuelo, disse: ―O mito do Estado Robin Hood acabou!‖ Eis aqueles que têm a escravidão como herança. A empresa, os donos, já foi condenada na justiça por praticar escravidão, mesmo. Tal é instinto: a meta dos patrões é impor condições chinesas de exploração do trabalho. CRISE DO PSTU O momento de crescimento mais lutas, até 2013, gerou esquerdização da vanguarda. O PSTU crescia muito, o PSOL ia-se de crise em crise, grupos entravam naquele primeiro, o PCB estagnava. Mas cresceu na classe média, estagnado na classe operária. Isso gerou uma diferença que caiu na diversidade, na oposição e na contradição. Após 2 décadas de recuo e quase estabilidade, o partido acumulou vícios, muitos. Então, após 2013, a luta de classe levou à luta partidária: no geral, duas frações de classe média surgiram na organização. Isso expressava a realidade fraturada. Dentro de várias ações imorais dos dois lados, decidiram por elevar o debate e esquecer a sujeita prática. A crise econômica social em gestação afetou o partido, o que seria inevitável dada a composição social: questões quase pessoais eram expressões ocultas de problemas da realidade total. A organização quebrou-se em duas, surgiu o MAS, depois renomeada Resistência, dentro do PSOL. Seu perfil centrista, hoje apoia o governo Lula, deriva de sua composição social: muitos intelectuais, professores, operários aristocráticos (petroleiros) e estudantes de alta classe média. Foram incapazes de fundar uma reorganização revolucionária hoje necessária. O PSTU é, hoje, um partido sindical. Seu trabalho nos sindicatos, além de gerar burocratização relativa dos dirigentes, gera empregados do partido no aparelho: advogados, jornalistas, vigias etc. Há uma crise estrutural do partido, que de algum modo se resolverá. Apresenta-se como centrismo ultraesquerdista. Sua crítica foi feita por mim em outro momento. O PSOL cresceu após 2016 por dois motivos combinados: crise mais redução das lutas. O recuo das lutas leva a ter esperanças no voto, não nas ruas. Têm-se esperanças mais reformistas. O PCB também cresceu, muito; em parte, por causa de acertos táticos e boa propaganda. O PSTU, mais consequente do que os dois citados, estagnou; no fundo, como no PCB, parte dos dirigentes não quer o crescimento da organização, pois isso lhes tiraria o poder partidário.
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O ERRO DOS REVOLUCIONÁRIOS APÓS O GOLPE Já dissemos que o certo seria chamar por eleições gerais diante do golpe. Mas nenhuma corrente relevante, à época, lançou o chamado. Com a crise, surgiu desemprego crônico, mais gente desempregada, se incluirmos os informais, relativos aos com carteira assinada. Qual foi, então, a política da esquerda radical contra tal nova situação? Nenhuma, nenhuma. O PSTU, por exemplo, está povoado de servidores públicos estáveis, classe média e sindicalistas que pensam apenas nos contratados, na luta sindical direta. Por isso, incapaz de ver a tempo a política correta, qual seja, chamar pela escala móvel de tempo de trabalho, ou redução da jornada para 30 horas semanais sem redução dos salários – desemprego zero! Tal política exigiria, primeiro, grande agitação nas bases, depois, uma frente única por tal pauta, depois, um encontro nacional para amplificar a luta. Mas nada foi feito. Se fizéssemos, poderíamos gerar uma situação prérevolucionária e reverter o momento geral. Outro problema foi que o PT incentivou o consumo popular via dívida. Quando a crise veio, trazendo consigo o desemprego, ficamos inadimplentes, ou seja, endividados – mais de 70% das famílias. De novo: qual a política da esquerda radical para um problema tão gritante? Nenhuma… O certo seria chamar a anulação total e irrestrita da dívida dos trabalhadores e pequenos empresários. Veja-se que um jovem marxista do Piauí está fazendo um balanço de política que quadros de comitê central partidário foram incapazes de fazer… Isso é um absurdo, uma distorção, mas explicação há. Mal Bolsonaro foi eleito, ou seja, com máximo apoio, PSTU e outros chamaram o ―fora‖. Algo irresponsável. Apenas chamamos o fora governo se ele deixa de ter apoio popular. No mais, nem sempre chamamos, mesmo nessas condições: havia o risco de o vice militar assumir! Logo, o certo seria desgastar o governo ao máximo – e chamar o fora, se chamar, apenas no caso do governo perder largo apoio. Outro erro, algumas organizações foram contra formar frentes de esquerda diante da situação reacionária e o crescimento da extrema-direita. Tal unidade não seria a solução para todas as questões, mas seria um começo e uma importante ajuda. REELEIÇÃO DE LULA E 8 DE JANEIRO Bolsonaro, após perder a eleição, foi chamado a organizar o golpe. Mas ele temeu, covarde que é, e viajou para os EUA no último momento. Então, problemas de organização surgiram, o
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ato que daria pretexto ao golpe começou atrasado, depois da hora, depois de o governo assumir, 8 de janeiro. A minuta ―jurídica‖ do golpe já estava escrita e impressa. Os generais e alta patente são, hoje, parasitas vagabundos; para eles, governar dará muito trabalho… Mais ou menos, deixaram a chance passar. Mas, onde teve apoio, o protesto golpista não foi reprimido. O governo sabia via inteligência que o ato ocorreria, e deixou ocorrer. Se reprimisse, perderia moral; se não reprimisse, sairia como vítima. Com a derrota eleitoral, com o escândalo da morte de indígenas etc. a direita foi para a defensiva. Mas tentou reverter a situação, em vão. Agora, enquanto escrevo, os parlamentares de direita tentam de novo reverter a situação: avançam, fazem CPI do MST, aprovam leis absurdas, perseguem as parlamentares mulheres de esquerda, chantageiam o governo etc. Ainda possuem chão. O governo dos EUA foi contra o golpe por três razões: 1) fortaleceria a oposição nos EUA, Trump; 2) as condições para um golpe ainda não estavam mudarias, o que incluiria uma desmoralização geral do regime democrático; 3) ditaduras têm chances maiores de, durante a luta interimperialista EUA-China, ganhar autonomia, mediar dos dois lados e afastar-se. POR UMA CONCLUSÃO Insatisfeita com a situação desde 2013, as classes médias deram base para uma nova extremadireita com seus protestos. Militares e grupos de luta marcial alinharam-se, grosso modo, ao neofascismo, um pré-grupo de combate. Inúmeros e nacionais grupos fascistas discretos ou secretos existem hoje, esperando o melhor momento para expor-se com clareza. É a luta de classes quando há crise semiconstante do capital, ao tempo de decadência do sistema. Os revolucionários devem conquistar a classe trabalhadora jovem e, então, por sua força, conquistar parte da classe média. Por exemplo, nós teríamos maior simpatia se liderássemos uma campanha por redução drástica do preço dos combustíveis quando eles atingiram um exagerado auge. De novo, nada fizemos. Temos risco de fascismo, sim, mas porque temos risco de socialismo. O fascismo é uma reação ao movimento operário e seu projeto estratégico. É uma reação desesperada da pequena burguesia á crise final o capital, embora não saiba. Um ditadura bonapartista, militar, deve decair em fascismo neopetencostal para manter-se minimamente estável num país de capitalismo decadente, dominado pelo imperialismo e urbano. A esquerda radical apenas finge que abriu os olhos. Temo que apenas uma ditadura faça a renovação necessária dos quadros e dos perfis dos partidos vermelhos. Não poucas vezes, como
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na crise do PCB em 2023, parece que precisamos de uma organização nova e limpa, sem os entraves das velhas. Mas espero estar errado, muito errado. De qualquer modo, acostumados e viciados em voos rasos, nossos dirigente estão aquém da tarefa, incapazes de governar. E a questão toda é governar. Junho de 2013 já dura 10 anos. Aquele mês de lutas não acabou, portanto. Somente anos a fio de crescimento econômico poderiam diminuir as tensões, ou seja, adiar o inevitável conflito; um crescimento da economia algo, hoje, improvável. A crise da democracia burguesa no Brasil é apenas a manifestação da crise geral do capitalismo. Para evitar a revolução e a guerra civil, os militares passaram o poder para os partidos da ordem, a redemocratização na década de 1980. Diante de greves e rebeliões, a burguesia concedeu o SUS, a educação pública universal, alguns novos direitos como participação nos lucros e resultados etc. Teve de ceder. A democracia, para os ricos, custa caro. A questão para eles é esta: como amortecer a luta de classes? Ceder ou impor uma nova ditadura? Com a queda da taxa de lucro, com a industrialização da China, com a crise mundial sistêmica, com a altíssima urbanização – ceder já não podem e, por isso, não querem. A democracia representativa desmoraliza-se porque se tornou incapaz de melhorar a vida da maioria. Aproxima-se o colapso. A culpa, claro, não é em si do regime, pois o capitalismo brasileiro e mundial encontrou uma parede impossível de ser superada por meios comuns. Por outro lado, apenas outro regime, a democracia socialista, poderemos fazer o país do futuro no presente. Como deve ser. Ser oposição de esquerda ao governo Lula é a única alternativa moral e política consistente. Se a crise mundial próxima for muito forte, desmoralizará o lulismo. Se o povo tiver apenas a direita, ou pior, a extrema-direita como alternativa, teremos a mais dura derrota sob a democracia. Lulismo e petismo são juntos, mas diferentes; o petismo decaiu mais do que lulismo, que ainda tem certa moral, embora tenha perdido na eleição nos estados centrais. O lulopetismo é um dos alicerces do regime democrático burguês, mesmo. As novas gerações já cresceram e crescem tendo o governo petista como parte da ordem e do poder. São, então, menos iludidos, ainda que o apoiem. No meio militante, diz-se: filho de petista, PSTU é (caso, por exemplo, do autor). Assim, aceleramos a experiência com o reformismo coma ajuda da renovação geracional. As tarefas burguesas do Brasil foram cumpridas: industrialização, urbanização e moderna propriedade rural. Podemos acrescentar, por exemplo, que temos muito mais especialistas e, ademais, capacidade de formar novos. Por enquanto, temos engenheiros formados a trabalhar como taxista da Uber… Mesmo crescimentos fracos depois de 2015 e 2016 foram incapazes de tirar da sociedade a tensão tênue presente em cada casa e local de trabalho. Tudo é econômico. Enquanto não
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resolvermos tal nó, nada resolve – para isso existe o assim chamado Programa de Transição, a política econômica dos trabalhadores, hoje esquecido ou mal usado. A extrema esquerda tem ido de erro em erro e deve agradecer por ainda resistir à crise interna das correres e à tendência de isolamento. Não é exagero dizer que erram muito e em quase todas as questões importantes. Mas não precisava ser assim, dadas as décadas de militância dos principais quadros. A pergunta de um milhão é esta: por que erram? Ou melhor: por que necessitam errar? Não há mais saída para o capitalismo brasileiro. Dito isso, a tarefa, agora, trata-se de preparar as condições para dirigir uma revolução ou impedir uma contrarrevolução. Se os militares tivessem dado um golpe em 2023, seria como 1964, ou seja, sem resistência real. Tal é nossa situação. Os dirigentes de esquerda iriam se exilar no exterior enquanto os militantes de base iriam para tortura. No fundo, os velhos quadros perderam a esperança com a revolução, tornaram-se cínicos. Eles evitam ao máximo confessar isso, mas esta é a verdade: eles envelheceram e, ainda, não viram o grande momento. Desde a queda do muro de Berlim, o cinismo e o teatralismo tomou conta: falamos de revolução e socialismo, mas isso é apenas modo de dizer, algo que, no fundo, não se leva de fato tão a sério. E a democracia, então, adestrou tais quadros. Há uma crise dos nossos partidos vermelhos, devemos reconhecê-la. A conclusão deste ensaio quer ir junta da conclusão da história, de Junho de 2023. A realidade tensa e dinâmica pressiona por renovação, por elevação. O dia, além do tempo, das nossas vidas está mais perto do que longe, pertíssimo. Se nos prepararmos, ganharemos. Nunca podemos fazer do futuro uma roleta russa. Sim, o Brasil tende a uma revolução. Sim, tende à guerra civil. Sim, tende à crise crônica. Sim, há ameaça de fascismo. A vida é dura, mas bela. Não diga, depois, que não avisamos. Apenas o socialismo pode erguer a civilização brasileira. É o momento mais decisivo de nossa história – haverá um antes e um depois. Os socialistas que consideram isso exagero, perderam a fibra vital do coração e do pensamento. A verdade grita, está aí. Devemos aparecer ao país como os maus ousados e, ao mesmo tempo, os mais responsáveis e sérios. A radicalização da realidade exige contrapor uma outra radicalização, nada de bom-mocismos. Em todo o mundo e no Brasil, a extrema-direita tem roubado nosso papel de ser antissistema, anti-Estado, de denúncia da falsa democracia etc. Tenhamos vergonha e levantemos a bandeira correta e de modo correto. Já sabemos perder – chegou a hora de aprendermos a vence
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APÊNDICE III COMO ELABORAR POLÍTICA MARXISTA Minimanual do revolucionário Crítica à direção do PSTU
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Ao leitor, tentei escrever um texto mais claro direto e, em principal, mais curto possível. A diagramação original dava algo como apenas 30 páginas, mas, para a leitura tornar-se agradável, tivermos que mudá-la. Foi necessário ceder ao conteúdo, aumentando a extensão do material. Aproveite-o: se eu tivesse uma introdução tal como esta no início da minha ação política, tudo seria melhor e mais rápido. Veja-se que os intelectuais marxistas e de esquerda quase nada sabem das palavras neste livro; se pedirmos que falem sobre teoria, descrevem por horas seus conhecimentos, como se máquinas; mas se pedirmos uma política para a atual situação nacional, paralisam, gaguejam, justificam-se etc. Tal fenômeno é antigo no nosso movimento. E leva-nos à seguinte observação: os melhores marxistas teóricos são, via de regra, os melhores elaboradores de política. Deixar de saber elaborar impede, na maioria dos casos, uma boa elaboração teórica. O mundo é concreto. Em meus escritos, costumo passar longe de polêmicas diretas; mas, diz Moreno, a história de nossa corrente é a história de nossos erros. Portanto, neste caso, precisamos encarar as coisas mais de frente, sem rodeios. No avançar do texto, destaco o mar de erros – sem exagero – de meu antigo partido, o PSTU, que foi o maior partido comunista do mundo. Ao sair da organização, tive de me reeducar ainda mais para perceber os equívocos, a causa das crises partidárias, as paralizações políticas, as perseguições etc. Isso demorou, mas valeu a pena. Algumas palavras de introdução são necessárias. Faça, treine, tente. Erre, mas tentando ao máximo acertar. Faça balanço claro dos acertos e erros. Saiba porquê errou, porquê acertou. Não tenha medo de reconhecer que falhou, que cometeu um erro, que desleixou. Estamos todos aprendendo, tentando acertar. Aceite críticas, ainda que discorde totalmente delas. Um gênio solitário e correto nada pode sem um grupo coletivo – as vitórias são coletivas e democráticas. Nunca imponha pelo grito, pela manobra, pela teimosia, pelo cargo etc. suas ideias e políticas porque elas soam muito melhores que as demais. Conviva com pessoas de perfis diferentes dos seus na elaboração política. Ouça as pessoas comuns próximas de si, do seu cotidiano, o que elas pensam e deixam de pensar sem tentar ganhá-las para suas posições. Quando começar a acertar muito, não baixe a guarda. Se você está convencido de uma proposta, não recue – seja teimoso. É preciso ser insistente para se tornar maioria. GLOSSÁRIO Análise de conjuntura Totalidade Uma visão dialética A questão internacional
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Uma proposta Caracterização Mais um exemplo Erros comuns Ser maleável ao máximo Simplicidade e erro A arte de prever O caso das reformas Situação, etapa, época Programa de transição Estado, regime, governo Noções básicas de economia para elaborar política Crise de superprodução de capital – e mercadorias Capital produtor de juros Política e classes Política e questão militar Política de guerra Independência nacional Política, alienação e moral Política e organização partidária Regra de ouro Em caso de governo forte Em caso de ditadura Como impedir e combater o fascismo Quando chamar o ―fora governo‖ ou ―fora ministros burgueses‖ Quando chamar pela tomada de poder Saber ouvir Eleições e política Atividades artificiais Política organizacional Centrismo Deixar amadurecer Lutar juntos, marchar separados Ousadia!
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Dialética – primeiros passos Como será o socialismo?
ANÁLISE DE CONJUNTURA Como os marxistas elaboraram suas políticas? Para isso, faz-se necessário ter uma avaliação tão profunda quanto possível da realidade, ainda que imperfeita. Uma intepretação errada dos fatos leva a uma ação também errada ou ao improviso. Traduzir o real da conjuntura exige algum conhecimento amplo dos diferentes fatores das ciências humanas, portanto demanda algum esforço. Nosso papel, aqui, é facilitar tal aprendizagem. ANÁLISE Analisar começa por colher o máximo de dados da realidade que queremos compreender (um país, uma fábrica, etc.). Toda fonte é válida: estatísticas, vídeos, relatos, etc. Com o tempo, vamos aprendendo aonde encontrar as informações necessárias (IBGE, Banco Central, FGV, etc.). Para o sucesso da análise, o analista deve evitar ao máximo trabalhar a partir de hipóteses, de teses, de pré-avaliações. Os fatos imediatos causam fortes impressões sobre nós, muitas vezes levando-nos a erros de interpretação (porque ainda vemos a parte, não o todo). Por isso devemos evitar a ―análise-justificativa‖, da qual fala o argentino Moreno, quando apenas justificamos artificialmente uma posição elaborada sem critério, feita por ―instinto‖. Na análise, consideramos a TOTALIDADE do social. Vejamos um por um, elemento por elemento: 1.
Infraestrutura, economia, forças produtivas
O econômico é o fundamento da realidade – embora, lembramos, seja insuficiente. No país, devemos ver a situação da indústria, do comércio, dos serviços, como estão as importações e exportações, a situação do câmbio e a inflação também devem ser listadas etc. Nos próprios debates entre militantes, nos jornais, na sociedade, aparecem as questões centrais a serem observados naquela dada conjuntura. Por exemplo: se a inflação dos produtos centrais cresce muito na própria realidade, isso ―naturalmente‖ empurra a avaliar as causas dos aumentos do preço e suas futuras tendências. Na fábrica, avaliamos como estão os estoques, se o ritmo de trabalho aumentou, como anda a lucratividade da empresa, etc. Há algumas perguntas que surgem, por exemplo, ao se pensar em propor uma greve.
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2.
Estrutura, classes sociais, relações de produção
Precisamos avaliar qual a relação de forças de cada classe social, entre as classes sociais. Em resumo, temos três classes principais na sociedade: operários, patrões, classe média. De modo geral, a classe que se demonstrar mais forte, a patronal ou o operariado, tende a atrair o apoio da classe que está no meio, dos setores médios. Dentro da mesma classe, comumente é preciso ver a situação das divisões internas. Por exemplo: temos a burguesia comercial, financeira, industrial e dos serviços; elas podem ter discordâncias internas entre si sobre o que fazer diante dos problemas práticos da realidade. Na fábrica, avaliamos a situação dos patrões e do executivo da empresa. Também perguntamos se os gerentes de patente mais baixa estão do lado dos trabalhadores ou dos chefes, por exemplo, diante da ameaça de fechar a empresa. Entre os operários, como está aquele setor que não participou ativamente da última greve? E os demais turnos? Quão numerosos têm sido os protestos, a paralização e os piquetes? Observação: a união das forças produtivas com as relações de produção formam uma BASE socioeconômica da qual se ergue uma SUPERESTRUTURA, que trataremos a seguir. 3.
Subjetividade, mentalidade, superestrutura subjetiva
Embora a base econômica seja central para compreender a realidade, quem faz a história são os homens, que ainda são organizados em classes. A superestrutura subjetiva é tudo relativo à mente humana: moral, vontade, fé, cresças, pensamentos, valores, filosofias, etc. Para uma análise completa da situação, as mentalidades devem ser levadas em conta. Aqui, vemos que as acusações de ―determinismo econômico‖ do marxismo é um erro completo. Faz diferença, por exemplo, se a classe trabalhadora de certo país tem tradição de valores pacifistas ou de luta. Na fábrica, devemos saber como os trabalhadores avaliaram a última greve, que nível de confiança têm no sindicato, se estão com raiva ou apenas tristes com as demissões, etc. No país, avaliamos o quanto o governo é apoiado, se está vivo na memória dos trabalhadores grandes conquistas ou grandes derrotas, etc. Em resumo, o objetivo da política comunista é ganhar a consciência da maioria dos trabalhadores – disputar essa consciência. Há sempre uma guerra de política na sociedade, por isso devemos tentar convencer que nossas propostas são as melhores para nossa classe social, o operariado, e para os setores médios.
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4.
Instituições, organizações, superestrutura objetiva
Na análise, devemos observar as organizações. A organização central a ser avaliada é o Estado, ou seja, a situação do governo, do regime, a relação entre os poderes, as leis, etc. Aqui, também analisamos a geopolítica, a luta entre Estados e governos. Em uma consideração rápida, a subjetividade (superestrutura subjetiva) gera várias instituições, como partidos, igrejas, clubes, etc. Mas, uma vez criadas, tais tipos de organizações influenciam, ao inverso, também a mentalidade dos homens. No país, devemos avaliar a situação dos partidos, das instituições religiosas, do movimento sindical, das forças armadas, dos sindicatos patronais, da relação com governos de outros países, etc. Na fábrica, é preciso ver a força do sindicato da categoria (incluso nas finanças), se há comitês de fábrica, ver se o governo regional é forte para reprimir a greve, etc.
TOTALIDADE A economia é o principal fator, o motor central que opera para a mudança dos outros três elementos – mas ele é isso apenas em última instância, em último caso, no limite. É verdade que a economia influencia decisivamente as instituições, porém também é verdadeiro que o Estado, por exemplo, influencia muito a economia. As partes da totalidade influenciam uns aos outros, e viceversa. Os quatro fatores estão como se misturados na realidade, então o pensamento separa-os na análise, avalia-os e depois reintegra-os, reuni-os. UMA VISÃO DIALÉTICA Se olharmos com atenção, os países com a economia mais desenvolvida são os mesmos países que têm os melhores cientistas, os melhores esportistas, etc. O nível de desenvolvimento permite menos ou mais recursos para funções não produtivas, para o desenvolvimento humano. Países atrasados têm dificuldade de ter um Nobel de física ou de literatura em comparação a países avançados. Esse é o raciocínio correto em si, muito usado por marxistas, mas também insuficiente, incompleto. A Alemanha dos séculos 18 e começo do 19 era uma nação atrasada em comparação a outras potências da Europa: tinha elementos ainda feudais, o território ainda não unificado – o velho e o novo misturavam-se naquele ―país‖. Mesmo assim, produziu Kant, Hegel e depois Marx, três maiores gênios. Por quê? Tais grandes pensadores surgiram porque surgiram em uma sociedade que precisava de grandes pensadores já que era muito contraditória, combinando elemento avançados e atrasados. Algo semelhante ocorre na Rússia nos final do século 19 e início do 20:
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produziu grandes artistas universais e parte significativa dos melhores pensadores sociais (Lenin, Trotsky, etc.). Por quê? Porque unia em si o mais atrasado, como o governo de origem feudal e o atraso do campo, com o mais avançado, como a moderna indústria e ideias novas vindas da Europa avançada, unindo cultura entre o oriente e o ocidente. Além do desenvolvimento do país, o grau de contradição interna da base social e econômica conta na formação da superestrutura, das ideias, das criações. A necessidade, aqui, faz a criatividade; ali, a oportunidade faz a criatividade. A QUESTÃO INTERNACIONAL Destacamos um país e uma fábrica na análise, mas analisar a conjuntura deve ser a partir da totalidade, ou seja, do mundo. O mesmo procedimento deve ser feito, antes, para a situação mundial: avaliamos como está a economia, a luta de classes, a subjetividade, as instituições no mundo e nos continentes. Só a partir daí podemos ter clara a localização e o papel de nosso país na economia global, na geopolítica, na luta entre Estados, etc. Com a avaliação internacional feita, partimos para o nacional. UMA PROPOSTA Pode acontecer de se fazer uma análise de conjuntura com dados, porém com alguma pressa de encontrar respostas… Por isso é importante dar um ―duplo mergulho‖ na avaliação – ver, rever e aprofundar com toda atenção. São muitas as organizações que fazem avaliação apressada da situação concreta e, por isso, erram. CARACTERIZAÇÃO Primeiro, permita-me apresentar algo mais direto e rápido, baseado na conjuntura em que estou escrevendo: 1.
Economia
Crise econômica que dura anos, com crescimento fraco. O que mais se destaque: 1) com o desemprego e como estímulo do governo ao consumo pelo crédito, o povo está endividado – logo devemos exigir cancelamento total da dívida dos trabalhadores e pequenos empresários (isso tem força socialista, pode forçar a estatização dos bancos e do sistema financeiro). 2) o desemprego é crônico, há mais desempregados reais (incluso ―autônomos‖ e os que desistiram de procurar trabalho) do que o número de assalariados com carteira assinada – logo
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devemos exigir redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, com o mesmo salário, para forçar o pleno emprego, para forçar novas contratações, para que o desemprego seja baixo; assim, campanha será ―Desemprego zero! Escala móvel de jornada de trabalho!‖ 3) Exigir ―redução e congelamento do preço dos combustíveis‖ já que seu preço de monopólio está artificialmente alto. 4) exigir ―fora governo‖ na forma melhor de ―eleições gerais já‖ apenas e somente apenas se o governo se desmoralizar, perder apoio da maioria. 2.
Classes
Os trabalhadores fizeram muitas e longas greves de 2012 até 2016, mas agora estamos na defensiva. A classe média adota posições de direita. A burguesia está unificada. Logo: 1)
Para a luta dos trabalhadores, um frente única dos partidos e movimentos de esquerda
para lutar por pautas claras; por causa da defensiva, precisamos nos unir parcialmente. 2)
A proposta de redução do preço dos combustíveis e, em principal, pelo cancelamento de
suas dívidas – atrairá a parte mais pobre da classe média para o lado da esquerda, ao menos uma simpatia, unificando com os trabalhadores. 3)
Parte da burguesia odeia o custo maior com o preço dos combustíveis, logo a burguesia
rachará se as massas trabalhadoras e de classe média adotarem a proposta de redução, por exemplo, em 40% com congelamento do preço.
O PSTU, partido que, por sua importância, será a fonte de nossas críticas centrais, chamou o ―fora governo‖ quando este tinha máximo apoio, assim que assumiu o cargo! Um erro de amador feito por militantes com décadas de experiência. Mas por quê? Porque a intensão era se destacar de modo artificial e ganhar para si ativistas ultraesquerdistas por inexperiência. Ao mesmo tempo, mesmo estando diante de uma severa crítica, não chamou pelo pelo emprego, desemprego zero, porque seus militantes são funcionários públicos e líderes sindicais; o sindicalismo exagerado leva a considerar apenas os trabalhadores ativos. O chamado precipitado pelo ―fora governo‖ tem como uma das fontes o fato de o partido ser formado por servidores públicos, cuja preocupação é mais quem dirige o estado, ou seja, quem é seu patrão do que as questões econômicas. 3.
Superestrutura
Os trabalhadores estão angustiados, mas sem esperança. Devemos 1) mostrar força com frentes de esquerda; 2) sermos teimosos e insistente, em nossas propostas até que elas se tornem
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populares, após certa rejeição. Como a situação não melhorará tanto, o povo pode se radicalizar e se aproximar de nós. A maior parte das organizações são pelegas, oportunistas e são maioria. Nós devemos fazer uma campanha nacional pelo pleno emprego. Quando ela ganhar força, dobramos aposta: fazemos um encontro nacional pelo pleno emprego, exigindo uma frente única por tal pauta com proposta claras. Como o Brasil é continental, tal encontro deve ser em todo o país ao mesmo tempo. MAIS UM EXEMPLO Caracterização é o resultado da análise. Vejamos um caso de modo muito resumido. A economia mundial passa por uma superprodução de capital e mercadoria. A China estimulou sua economia artificialmente com investimentos, obras, etc., o que aumentou a busca por produtos brasileiros (minério de ferro, etc.) – mas a demanda alta acabou com a redução da produção industrial chinesa. Isso pressiona o câmbio a aumentar dos mais ou menos 2 reais para acima de 4, tornando mais caros os importados, o que gera inflação aos trabalhadores e à classe média. O Brasil também investiu artificialmente na economia para evitar a crise de 2008. O alto nível de emprego gerou lutas sociais fortes e confiantes, com muitas vitórias – isso tira o lucro dos patrões. O aumento dos juros e o problema de demanda gerou novo desemprego alto, que por sua vez ―quebrou‖ a onda grevista (que era baseada no baixo desemprego). O apoio ao governo reeleito de Dilma derreteu completamente, perdendo qualquer base social. A classe média aristocrática coloca-se contra o governo pela direita, pedindo o impedimento da presidente com grandes protestos de rua. Como o governo de ―esquerda‖ foi incapaz de aprovar ataques novos aos trabalhadores (já que tinha perdido base social, de apoio), a burguesia se uniu para derrubar Dilma. A proposta de derrubar o governo não tem apoio nas camadas mais pobres, embora esteja descontente com a governança, desconfiada com os protestos da alta classe média. O PSDB, há muito fora do poder, quase ganha as últimas eleições, por isso está inconformado com o resultado. O PMDB quer derrubar a presidenta para seu vice assumir. A esquerda dividese entre ser contra ou a favor da derrubada. O ministério público e parte do judiciário unem-se para impedir que Lula seja eleito de novo nas próximas eleições, formando uma farsa judiciária. Como o parágrafo ficou longo, mas inda longe de esgotar aquela situação, vamos direto para a caracterização. Temos: 1) crise econômica, 2) recuo forte das lutas trabalhistas – burguesia e classe média na ofensiva; 3) ódio ao governo e certo desapontamento desconfiado nas classes trabalhadoras; 4) PT em crise, PSDB tentando voltar ao poder a qualquer custo, PMDB tentando tomar o poder, a esquerda dividida – o judiciário pressionando pela queda do governo e fechando o espaço do PT para a eleição seguinte com a prisão de Lula. Temos, então, uma situação
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reacionária (tema de outro capítulo); 5) o imperialismo quer tomar o petróleo e o setor de construção civil ocupados por empresas brasileiras. Qual a política para essa situação? Na economia, queremos derrotar o desemprego – exigimos redução da jornada de trabalho com o mesmo salário; a classe está na defensiva e a esquerda dividida – defendemos uma frente única da esquerda pelos direitos que estão sendo atracados; para ganhar a consciência dos trabalhadores, preparamos panfletagens e demais materiais para esclarecer o que ocorre e propor nossas medidas (pressionando também as demais organizações de esquerda a fazer unidade). A esquerda divide-se entre ser contra o golpe, porque é uma armação da burguesia para mais facilmente atacar os trabalhadores, ou ser pelo ―Fora Dilma‖, porque fez medidas ruins, contra a classe trabalhadora. Entre essas duas posições, há a posição comunista: o governo merece cair, mas não por um golpe – logo exigimos ―Eleições gerais antecipadas já!‖.
ERROS COMUNS Os erros normalmente ocorrem por deixar de avaliar a partir da totalidade ou considerar demais apenas um aspecto. Vejamos exemplos. É importante ver a luta geopolítica entre Estados, mas é um erro enorme tratar como luta central e ―esquecer‖ a luta de classes. Na guerra atual entre o imperialismo americano e o candidato a novo imperialismo da China, devemos tomar o lado dos trabalhadores contra os governos dos EUA e chinês. Outro erro comum é defender a proposta mais radical possível para atrair os ativistas para sua organização. No lugar de propor algo correto segundo a conjuntura, nem mais nem menos profunda, segundo uma análise rigorosa, pensa-se em qual proposta dá ―melhor localização‖ ao partido, corrente, etc. É uma tática oportunista. Se a proposta for errada, leva depois à desmoralização dos militantes. O oposto ao parágrafo anterior é a supervalorização do fator subjetivo. Devemos elaborar propostas políticas para problemas objetivos, materiais; se a situação é de estabilidade, propomos algo correspondente – se é de instabilidade, pensamos propostas mais radicais. No entanto, muitos evitam propostas mais profundas porque ―a consciência da classe ainda é atrasada‖, ―os trabalhadores não vão aceitar‖. Nossa meta é ganhar os operários e setores populares para nossas propostas por meio de uma disputa social. Devemos considerar o nível de consciência das massas assalariadas quando pensarmos as propostas centrais, a estética, a linguagem – mas são as condições reais não subjetivas que determinam o caminho de nossas exigências políticas (embora o fator subjetivo importe muito).
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SER MALEÁVEL AO MÁXIMO Na guerra, toda tática é válida: qualquer forma de chegar ao objetivo é usada sem preconceitos contanto que funcione bem para aquela situação. Assim deve ser também a tática política. Aqui, os comunistas participam das eleições para tentar aumentar a simpatia social; ali, defendemos voto nulo e nossos parlamentares renunciam ao cargo; em outra situação, defendemos o voto em outro partido para aproveitar a popularidade dele. Para vermos o quanto central é a plasticidade, variedade, da tática, vejamos Lenin na obra ―Esquerdismo – Doença Infantil do Comunismo‖. Os comunistas ingleses eram contra qualquer apoio ao partido trabalhista (PT); Lenin diz que o melhor é fazer campanha e ajudar aquele partido traidor a se eleger tão rápido quanto possível – pois um governo do PT aceleraria a experiência da massa de trabalhadores com a organização inimiga. Veja: faz toda diferença se numa situação revolucionária os trabalhadores já têm alguma experiência com o partido traidor no poder ou ainda têm largas esperanças em seu futuro governo. Isso é um pensamento realmente sofisticado, esperto no bom sentido. Vejamos como isso deve ser sério. Na revolução russa de 1917, o partido comunista Bolchevique já poderia tomar o poder em junho daquele ano, mas não o fez, adiou ao máximo tal medida… Por quê? Porque era necessário acumular forças para que a ação fosse a mais perfeita possível, a mais madura, com mais chances de vitória, como com a necessária radicalização dos camponeses que aconteceu meses depois. Por outro lado, se esperasse muito mais, a situação degeneraria e a oportunidade seria perdida, um fracasso. Quando os desempregados, por estarem em uma situação mais frágil, ficaram impacientes e começaram a se afastar do partido, a direção partidária percebeu que era impossível, a partir dali, esperar uma condição ainda melhor – então começou a ação imediata de implementar o poder operário, a segunda revolução, em outubro, nem antes nem depois. Se um general bom de manobras tivesse provocado os revolucionários em junho e estes tivessem caído na provocação tentando, em resposta, tomar o poder antes das melhores condições, a revolução estaria perdida (foi o que aconteceu na revolução dos cravos em Portugal). É preciso que os comunistas sejam ousados na política. Quais ações práticas e propostas mais ousadas podemos de fato apoiar? Em certas situações, a altíssima ousadia é o que existe de mais sensato. Temos de ter, ao mesmo tempo, cuidado máximo e ousadia tão alta quanto possível.
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SIMPLICIDADE E ERRO Nahuel Moreno descreve a simplicidade de propor política: se há inflação, logo exigimos aumento salarial; se o governo perdeu o apoio, exigir a queda do governo, etc. Porém é comum seitas políticas errarem nesse aspecto. Ou exigem as propostas mais radicais independente da conjuntura real (em outro capítulo, falamos do programa de transição) ou cometem erros simples. Vejamos o caso da conjuntura atual do autor. Desde o primeiro dia do novo governo, de Bolsonaro, parte da esquerda chamou apressada o ―Fora Bolsonaro‖; isso é uma irresponsabilidade, pois não se chama a queda do governo, por pior que ele seja, enquanto ele tem grande apoio popular; os ativistas um tanto desesperados e sem educação militante e científica podem cometer tal erro, não os comunistas. O fato de ser um governo horrível de modo algum justifica o equívoco. A tarefa é desgastar o governo, ainda não derrubá-lo, até termos condições de pô-lo fora do poder. Moreno fala o seguinte: se há várias greves por aumento salariais, unificamos as greves numa greve geral – o sistema, então, cai. Isso é um erro. Na década de 1930, os franceses fizeram uma greve geral pelo simples aumento salarial diante da hiperinflação – o governo e os patrões cederam a vitória simples… para depois a inflação comer de novo os salários… Trotsky aprendeu com o erro: em caso de inflação descontrolada, devemos exigir mais, ―escala móvel de tempo de trabalho!‖, ou seja, aumentar o salário sempre que a inflação aumentar, mês a mês, gatilho salarial. Como a burguesia não aceitará isso, pois lhe tirará o lucro, o sistema, agora sim, pode cair. A ARTE DE PREVER Trotsky afirmou que a política é a arte de prever. Moreno afirmou que elaborar palavras de ordem, políticas, é uma verdadeira arte. Na análise, devemos caracterizar quais as possibilidades limitadas de futuro que a realidade impõe de acordo com as decisões humanas e as circunstâncias. Incluímos aí a tendência de mudança que desejamos fazer acontecer como resultado de nossa militância política. Podemos, por exemplo, prever que um governo cairá, havendo duas formas de cair, por golpe ou, ao contrário, por revolução. O CASO DAS REFORMAS Em nossa época, o tempo das reformas acabou. Mas pode acontece de um governo frágil ou pressionado pelas grandes mobilizações, ou ainda diante de um crescimento econômico extra, fazer algumas reformas para ter apoio popular. Marx ensina que, diante de boas reformas,
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devemos fazer uma ―revolução permanente‖: sempre exigir mais, mais reformas, melhoria das medidas. Se vem uma reforma, exigirmos uma reforma e meia, aprofundamento. O PSTU cometeu erros grosseiros nesse sentido. O governo do PT fez uma reforma, médicos cubanos para o povo, que prejudicava a classe média aristocrática dos médicos. Numa posição sindicalista e sectária, o partido colocou-se contra o programa. Assim fez com o RUNI, Minha casa Minha vida etc. Não viram a reforma, isolando-se mais do povo. Várias vezes, o partido quase apenas traduziu posições da classe média para a linguagem marxista e de esquerda, pois seus membros também são de classe média. SITUAÇÃO, ETAPA, ÉPOCA Para fazer uma análise de conjuntura, faz-se necessário saber os tipos mais gerais de circunstâncias, de como a realidade está. Apresentaremos de modo resumido os tipos de condições existentes. Aqui, entra o tema da longa duração na história, como interpretar a sociedade. Teóricos como Lenin, Trotsky e Moreno dedicaram-se às classificações a seguir. SITUAÇÃO A conjuntura política pode ter as seguintes situações: revolucionária, não revolucionária, reacionária, contrarrevolucionária e pré-revolucionária. Vejamos cada uma em comparação à situação revolucionária. Lenin chama a situação revolucionária como a conjuntura quando os trabalhadores já não suportam viver como antes e os de cima são incapazes de manter a ordem. Essa é uma forma resumida de expressar. Para complementarmos, mostremos a tempestade perfeita: 1.
Crise econômica
É necessário que a economia esteja em depressão ou em crescimento fraco após uma forte quebra. Isso motiva as demais mudanças. 2.
Luta de classes
A classe operária vai à luta com radicalidade e unidade. A parte mais pobre da classe média vai para a esquerda. A burguesia divide-se. 3.
Instituições
Os partidos tradicionais, incluso de esquerda não revolucionária, são desmoralizados perante a maioria do país. Pode ocorrer de o partido revolucionário crescer. A gestão do Estado tem dificuldade de fazer o instrumento agir em defesa da ―ordem‖. Surgem organizações de poder socialista, conselhos operários e populares.
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A situação pré-revolucionária ocorre quando pelo menos um desses fatores ainda falta amadurecer ou o conjunto dos elementos ainda está desenvolvendo-se, amadurecendo. A situação reacionária ocorre, por exemplo, quando há crise econômica ou crescimento fraco, mas baixíssima luta dos trabalhadores. Por exemplo: até 2016, houve uma onda de lutas e greves no Brasil, porém as manifestações e protestos recuaram imensamente por causa da volta do desemprego durante a crise iniciada em 2015, logo a situação tornou-se reacionária – a burguesia e o Estado brasileiros foram, unidos, para o ataque contra os trabalhadores. A situação não revolucionária é a de estabilidade econômica relativa e baixas lutas sociais. Nesse período, pode até haver algumas reformas positivas por parte do Estado. Aqui, a burguesia domina com alguma tranquilidade. A situação contrarrevolucionária ocorre quando há crise e a burguesia destrói a luta operária e popular com métodos de guerra civil. Aí surge uma ditadura, o regime político fecha-se. ETAPA Dentro da etapa ocorrem diferentes situações. Os 24 anos de ditadura no Brasil foram uma etapa contrarrevolucionária; dentro dela, ocorreram várias situações (contrarrevolucionária, reacionária, não revolucionária e pré-revolucionária). Os chamados anos dourados do capitalismo na Europa, do fim da segunda guerra em 1945 até a década de 1970, constituíram uma etapa não revolucionária, de relativa estabilidade. Como vemos, a etapa é mais longa que a situação. ÉPOCA Há duas épocas: 1) a de reforma e reação; 2) a de revolução. Enquanto a economia se desenvolve mais ou menos bem – em termos teóricos: em combinação não contraditória das forças produtivas com as relações de produção –, estamos numa época próspera para o sistema (época de reforma e reação). Mas quando ocorre de o desenvolvimento social e econômico chegar ao ponto em que precisa revolucionar a sociedade inteira para continuar a desenvolver-se, então, só então, chegamos à época de revoluções, de substituição de um sistema por outro. Dentro das épocas ocorrem as etapas. PROPOSTA DE ATUALIZAÇÃO Dentro de uma situação, ocorrem momentos de recuo ou de avanço. Isso é orientado pela luta de classes, se os trabalhadores estão na ofensiva ou na defensiva, se o governo está com apoio ou sem, pela consciência geral e pela situação da superestrutura. Em uma situação não
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revolucionária, por exemplo, uma baixíssima taxa de desemprego pode levar os operários para a ofensiva, para greves cada vez mais duras e longas, porque o medo de perder o emprego é menor – o momento é de avanço. Mas a ofensiva das lutas aí é relativa, não muda a situação, que é não revolucionária. Assim, temos quatro tipos de abstração: época, etapa, situação, momento. Por várias vezes, o PSTU afirmou que a situação do Brasil era pré-revolucionária, quando era um exagero, um impressionismo. Dizer, na prática, que ―a nossa hora está chegando‖ ajudava a manter o partido junto, disciplinado e acrítico com a direção partidária – mas foi um erro permanente.
PROGRAMA DE TRANSIÇÃO Momentos radicais exigem propostas radicais; momentos de paz social, propostas mais leves e reformistas. É um absurdo levantar palavras de ordem de poder ou profundas quando fora de uma crise econômica e social maduras. As seitas levantam propostas radicais sempre, faça chuva, faça Sol – por quê? Porque são inexperientes, porque querem se sentir revolucionárias, porque querem se diferenciar dos demais partidos, porque caem no oportunismo de tentar ganhar ativistas radicalizados para si de maneira artificial e errada etc. Nas lutas e nas eleições, apresentamos duas ou três propostas gerais que estão de acordo com o momento do país, além de um programa de governo completo com planos de médio e longo prazos, o que fazer e sua fonte de financiamento. Em resumo, nos momentos de crise, nosso programa é este: 1)
Caso de alto desemprego. Plano de obras públicas para gerar empregos; redução drástica
da jornada de trabalho como de 44 para 30 horas semanais; escala móvel de tempo de trabalho, ou seja, a jornada durar o tanto, como entre 30 e 44 horas, que faça com que todos tenham emprego e atendamos a demanda por força de trabalho na sociedade. 2)
Caso de alta inflação. O limitado congelamento de alguns preços, útil em certas
circunstâncias, deve dar lugar ao gatilho salarial ou escala móvel de salário, isto é, aumentar o salário automaticamente com o aumento dos preços. 3)
Empresa em crise. Os trabalhadores devem fazer uma ―inspeção operária da empresa‖,
para saber como andam as finanças e a produção na fábrica – e exigir o ―fim do segredo comercial‖, saber das contas empresariais para análise rigorosa. Nessa luta, devem consolidar um ―comitê de fábrica‖ para cuidar dos interesses dos funcionários. Caso os donos da fábrica
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queiram demitir ou fechar a empresa, os trabalhadores devem exigir o ―controle operário da produção‖, a ―gestão operária da produção‖ – e a estatização da empresa sem indenizações. 4)
Máfia dos Bancos. O capitalismo endividou os trabalhadores para poder escoar as
mercadorias; portanto, exigimos a anulação total e irrestrita da dívida dos trabalhadores e pequenos empresários. Se preciso, estatizaremos os bancos e o capital financeiro para garantir a qualidade de vida da maioria – um banco único do Estado. 5)
Economia. As empresas centrais do país, aquelas que determinam os ciclos do capital,
devem ser estatizadas, sem indenização, sob gestão dos operários. 6)
Deve-se formar uma rede única e estatal de grande comércio de atacado e de varejo,
incluso estoques sociais contra a oferta baixa e a especulação. Nessa empresa, os grandes transportes também estarão sob sua gestão. Tal medida não deve mexer no pequeno comércio, antes irá oferecer produtos mais baratos para sua revenda. 7)
Combate ao fascismo. Os trabalhadores defendem-se com piquetes de greve, quando
usam da força para impedir a produção e a repressão; para enfrentar o fascismo e suas milícias, organizamos os destacamentos de combate defensivos; à beira da revolução, surge a necessidade de as armas deixarem de ser um privilégio de poucos, por isso o povo armado deve formar milícias operárias. 8)
Poder operário e popular. Apenas em situações de grave crise, próximo de ou durante
uma situação revolucionária, surgem organismos de poder paralelos, as assembleias ou os conselhos que aparecem nos locais de trabalho e nos bairros populares. Em alguns casos, o partido marxista chama pela criação de tais organismos ou os amplia por todo o país. Todo poder aos conselhos! Todo poder aos comitês de fábrica! Exigências como maiores impostos sobre lucros e heranças com redução dos impostos sobre os trabalhadores e a classe média são importantes, devem ser defendidas; porém não resolvem o problema global. As propostas acima são nomeadas ―transicionais‖, ou seja, soam como reformas viáveis, ainda que difíceis, mas empurram para o revolucionamento total do modo de vida já que enfrentam as leis do atual sistema. Por exemplo: o capitalismo precisa de desemprego para reduzir os salários e a luta social, em especial em momentos de crise, logo, impor o pleno emprego permanente com a escala móvel de tempo de trabalho é inaceitável para a burguesia, necessária e urgente aos trabalhadores. Duas considerações ainda precisam ser feitas.
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Os partidos centristas, por serem formados por militantes de classe média servidora pública, defendem, sem perceber, o fortalecimento do Estado burguês como com o fim do pagamento da dívida estatal, ruptura com o Euro/EU, ―fora governo‖ de plantão, estatização indiscriminada etc. São propostas em si corretas, mas apenas terão toda força se combinadas com propostas de transição prioritárias para o momento político. Outro ponto, as grandes empresas de agronegócio e do campo serão estatizadas pelo governo socialista. A pauta da reforma agrária é da revolução burguesa, não da socialista, contra a poder agrário feudal. Os comunistas tiveram de defender tal exigência porque no século 20 o campesinato ainda era muito forte, porque o tempo da revolução socialista ainda faltava chegar. A situação agora é outra. O Estado operário e popular fará uma reforma agrária secundária, mas manterá, agora unificada e estatizada sob gestão de seus funcionários, a grande terra, a grande propriedade. Isso tem pelo menos dois motivos: 1) por escala de produção superior, a fome será apenas lembrança de um passado bárbaro, 2) a exportação de grãos e outros derivados ajudará na manutenção das necessárias importações. ESTADO, REGIME, GOVERNO Como dissemos, o Estado sempre serve a alguma classe, servindo para o funcionamento tão bom quanto possível de uma sociedade baseada na exploração do homem pelo homem. A ferramenta, então, define-se para qual projeto de sociedade ela funciona. O regime de um Estado é a forma como as instituições são organizadas – qual instituição lidera o aparato? Vamos aos exemplos práticos. Se as forças armadas controlam com mão de ferro o Estado em uma ditadura que permite um parlamento com apenas dois partidos oficiais, então temos um regime bonapartista ou uma ditadura militar. Se o parlamento e a presidência são eleitos por voto universal, então temos um regime democrático burguês. Se um exército partidário liderado por um partido fascista concentra o poder para si impedindo a existência de qualquer outro partido, então temos um regime fascista. Se o regime militar fecha-se ao ponto de alta repressão, censura e mesmo a proibição de um parlamento, então temos um regime semifascista. Há inúmeros tipos de regime de Estado classificáveis; o que importa é evitar confundir regime e Estado. Por exemplo: um Estado pode ser socialista, porém ter um regime indesejável, sem democracia socialista, ou seja, uma ditadura estalinista; nesse caso, defendemos o tipo de Estado – e lutamos contra o tipo de regime porque há aí uma contradição.
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Já o governo é formado pelos grupos que assumem a direção do Estado no regime. É um conceito mais simples e direto. Merece destaque os complicados ―governos de frente popular‖, que são tema de outro capítulo. A DEMOCRACIA Assim como o Estado, a democracia também é de classe. Na sociedade escravocrata da Grécia, surgiu a democracia escravista ou grega, onde os homens livres, ou seja, senhores de escravos e comerciantes, poderiam debater e votar os rumos da cidade de Atenas. Escravos, estrangeiros e mulheres ficavam de fora dessa forma democrática bastante limitada. Com o capitalismo, surgiu a democracia burguesa. O projeto inicial dos patrões era o modelo de Atenas, apenas homens ricos votando, mas tiveram que abrir o voto para trabalhadores e mulheres tão devagar quanto possível. A democracia burguesa é uma farsa bem armada: os trabalhadores, que são maioria, votam, mas não decidem. Essa democracia elege supostos representantes que agem como querem depois de eleitos. Em geral, os políticos são financiados por empresários para que ganhem as eleições e depois lhes deem vantagens. A estrutura das eleições é feita para direcionar o voto popular para candidatos da ordem como o fato de partidos maiores terem mais tempo de TV para propaganda eleitoral. É claro: a função é iludir aqueles a viver de salário de que alguma mudança é possível de forma passiva, sem luta, apenas ―votando certo‖. O modelo formalmente democrático é melhor do que uma ditadura, pois facilita a classe trabalhadora grevar, organizar-se, organizar um partido para si, etc. Porém evitamos a ilusão: se for preciso, até os melhores democratas usarão a força, até o exército, para garantir a exploração de classe trabalhadora. A democracia socialista ou a ditadura do proletariado é a democracia real, da maioria. É uma democracia participativa e direta: nos locais de trabalho e nos bairros populares formam-se assembleias de base que debatem todos os assuntos necessários e votam qual decisão tomar, então se elege um comitê de representantes responsáveis por garantir a aplicação daquilo votado e encaminhar questões de rotina. Esses representantes não têm privilégios, evita-se dar ―vantagens‖ aos que ocupam o cargo para afastar oportunistas ou mesmo a acomodação daqueles honestos. Os diferentes partidos que aceitarem o novo poder levarão aos trabalhadores suas propostas por meio de debates abertos físicos, via TV e internet – poderão disputar os cargos dispostos pela sociedade. Os mandatos públicos em tal sociedade serão perdíveis, revogáveis, a qualquer momento se assim os representados o quiserem – se o político desagradar seus representados, ele pode ser imediatamente substituído por outro através de uma votação nova. Por meio das assembleias gerais ou por meio dos representantes, são eleitos os cargos mais altos,
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os representantes da cidade, do estado, do país. Além do mais, votações via internet permitirão ações ainda mais diretas da maioria da população sobre seu Estado. O Estado socialista é uma ―ditadura‖ porque impede que os ricos retornem ao poder; assim, é também a dominação de uma classe sobre outra. PELO FIM DO ESTADO! O Estado socialista ainda é uma influência de gestão sobre coisas e sobre homens; além disso, o exército regular será mantido por algumas décadas (já no início do socialismo, todos os trabalhadores terão direito de armar-se, de ter armas e saber manejá-las, tirando o controle da força das mãos uma casta estatal, de um grupo, etc.). Isso muda na próxima fase, depois do socialismo, no comunismo. Quando a nova sociedade consolidar-se por todo o mundo, um grupo destacado de militares será desnecessário e até mesmo o armamento popular será algo em desuso. Com o avanço da ciência, da tecnologia e da sociedade, as classes sociais deixarão de existir, havendo então apenas indivíduos integrados nas suas comunidades. A gestão será somente sobre as coisas enquanto os homens terão ainda mais autonomia de ação. Como todos viverão bem, não haverá necessidade de sindicatos e partidos. As diferentes organizações sociais se fundirão em uma organização geral única que dispensará a força bruta. Isso levará um bom tempo, por isso nossa geração não verá isso acontecer, infelizmente – porém podemos dar os primeiros passos.
NOÇÕES BÁSICAS DE ECONOMIA PARA ELABORAR POLÍTICA CRISE DE SUPERPRODUÇÃO DE CAPITAL – E MERCADORIAS Mais ou menos de 10 em 10 anos, ocorre uma crise econômica no capitalismo. Em geral, a causa de fundo de tais explosões é a chamada superprodução de capitais (máquinas, matérias-primas, etc.) que produz uma superprodução de mercadorias. Isso merece máximo destaque. No feudalismo ou no escravismo antigo, as crises eram de baixa produção, de subprodução, pois, se acontecia uma seca anormal ou inverno rigoroso, a produção no campo caía a níveis muito baixos e perigosos. Sob o atual sistema, isso é diferente, pois a crise – e sua miséria – ocorre por haver máquinas demais, matéria-prima demais, empresas demais, mercadorias demais, etc. Vejamos, parágrafo a parágrafo, os fatores que produzem as crises periódicas.
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Na busca de lucro, novos e velhos patrões investem em meios de produção e em força de trabalho. A quantidade de empresas e de máquinas aumenta, a lucratividade é disputada a ferro e fogo. Mas se há ainda mais investimentos, ocorre um problema: a população trabalhadora nunca cresce na mesma velocidade do crescimento das fábricas e do número delas. O desemprego cai ao ponto de quase faltar mão de obra disponível; então as greves aumentam e ficam cada vez mais fortes, os trabalhadores têm aumento real de salários. Isso arranca dos patrões parte de seu lucro, que passa a pagar os funcionários. Cai a taxa e a massa de lucro. A euforia da fase de crescimento da economia produz muitos investimentos, por isso aumenta o número de concorrentes. Como todos estão disputando mercado, os lucros caem, são mais divididos – e o preço das mercadorias caem ainda mais com a grande oferta. Em geral, tem-se a tendência à deflação dos preços, menos o preço da força de trabalho, que cresce. Mas tal pleno emprego é muito diferente de equilíbrio. Enquanto as mercadorias de algumas empresas ficam mais baratas, as de outras ficam mais caras por causa da demanda aumentada. Por exemplo: duplica ou triplica o número de fábricas de fiação, mas as empresas no campo que vendem o algodão para elas não conseguem aumentar na mesma proporção a oferta dessa matéria-prima da fiação – leva um tempo para cultivar mais plantações algodoeiras. Os preços aí sobem: por mais um meio, o lucro cai para vários capitalistas. Um pouco antes das crises, o mercado está no seu máximo, por isso a demanda de dinheiro cresce. Além do mais, os capitalistas investem mais em busca de novos lucros, fazendo empréstimos novos. Quando as mercadorias acumulam-se demais no mercado, sem serem vendidas ou vendidas abaixo do preço comum, os empréstimos encontram dificuldade de ser pagos. Esses fatores fazem subir a taxa de juros, fazem com que o capitalista industrial passe uma parte maior do mais-valor, do lucro, para o banqueiro. Os economistas vulgares pensam que a crise vem porque sobem os juros, já que sempre sobe os juros antes das crises se revelem em suas formas destrutivas. Eles veem apenas a aparência, então invertem causa e efeito. É porque a crise está dando seus primeiros sinais que os juros sobem. CRISE E CONTRATENDÊNCIA Do ponto de vista do capital, a crise é, na verdade, uma solução temporária – e o pleno emprego, ou seja, a economia a todo vapor, é, na verdade, uma crise. Isso faz sentido, embora seja a quebra econômica uma tragédia aos trabalhadores. Vejamos as contratendências à tendência destrutiva das crises de superprodução de capital: 1.
Baixa do preço;
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Com as falências e com o desemprego, o consumo geral cai – a demanda cai em relação à oferta de mercadorias. As empresas que resistem à quebradeira, normalmente as maiores, podem comprar matéria-prima, máquinas, etc. por um preço mais vantajoso. 2.
Redução dos salários;
Na crise, o desemprego aumenta, por isso as greves param de ter força, o medo da miséria volta. O patrão consegue novamente impor baixos salários, maior jornada de trabalho e mais intensidade do trabalho. Além do mais, como a crise é superprodução e há queda da demanda por desemprego, as mercadorias que o operário compra com seu salário ficam mais baratas. 3.
Falências;
A falência de muitas empresas, especialmente as menores, faz com que a concorrência reduza e, então, menor quantidade de capitalistas embolsa o lucro total da sociedade. 4.
Novas mercadorias;
Finalmente, as mercadorias acumuladas nos mercados são vendidas ou perdem validade. Então demanda-se nova produção. SUBCONSUMO? A economia vulgar diz o quase óbvio fato de que as crises são por demanda baixa, por subconsumo. Eles deixam de observar que a estrutura de classes da sociedade capitalista limita o consumo geral inevitavelmente. E mais. Logo antes da crise, o consumo dos trabalhadores aumenta, não se reduz, porque o pleno emprego, mais demanda que oferta de força de trabalho, empurra para a elevação dos salários – ocorre que, mesmo assim, a oferta cresce ainda muito mais rapidamente. O problema não é a falta de demanda, mas vender as mercadorias a preços que compensem. Daí a crise. Mais ainda: as crises ocorrem porque a queda da taxa de lucro, tema de capítulo anterior, depois afeta negativamente a massa de lucro porque o pleno emprego suga lucro do empresário com os aumentos salariais, etc. CAPITAL PRODUTOR DE JUROS Todos odeiam os bancos. Tanto trabalhadores quanto empresários produtivos chamam os banqueiros parasitas, oportunistas, aqueles que vivem da desgraça alheia sem nada de fato contribuir. A rejeição tem justificativa, no entanto os bancos são vitais ao sistema capitalista na medida em que reúnem quantidade de dinheiro enorme capaz de financiar novos e grandes investimentos na economia real. De início, lembramos que há várias formas de produzir juros. Um comerciante pode adiantar mercadorias a outro comerciante em troca de juros sobre o preço delas – juro comercial; quando
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um capitalista aluga sua máquina a outro capitalista, há também relação de juros. Mas o destaque deste capítulo é o capital financeiro. CICLO DE JUROS O mais evidente sobre a taxa de juros é sua dependência entre oferta e demanda de dinheiro. Se os capitalistas industriais compram mais barato a matéria-prima e a força de trabalho, logo sobra dinheiro, que é guardado no banco até ser novamente necessário ou até acumular numa quantidade alta o bastante para comprar nova máquina, etc. – com maior quantidade de dinheiro no banco, os juros caem. Há uma luta social entre os empresários, industriais e comerciantes, e os banqueiros por qual será a taxa de juros. Observado em ciclos longos da economia, de crescimento e crise, para além dessa luta, percebemos um movimento comum, geral e tendencial. No início dos ciclos econômicos, depois da crise, com crescimento inicial, os juros são baixos; com o crescimento maior da economia, os juros sobem, mas ainda são baixos; com o altíssimo aquecimento da economia, os juros sobem, são altos; com a quebra súbita da economia, com a crise, os juros atingem o ponto máximo para o alto; após a destruição da crise, os juros caem aos níveis mais baixos. E o ciclo se repete novamente, novamente, etc. Expliquemos o motivo desse movimento. Logo depois da crise, o juro é muito baixo porque há poucas empresas, gasta-se menos com salários e matéria-prima, demandando menos dinheiro, investe-se pouco, os preços das mercadorias são baixos; com o aquecimento da economia, demanda-se mais dinheiro, mas ainda um tanto limitado; com a euforia do grande crescimento, há investimento em todo canto, demandando cada vez mais dinheiro, e os juros sobem; com a crise, todos correm nervosos aos bancos para pagar suas dívidas, suas contas, e os empréstimos se tornam mais arriscados, os juros atingem o máximo; após a destruição da crise, a demanda por dinheiro desaba, caindo os juros ao mínimo. JUROS E DÍVIDA PÚBLICA Com a existência moderna de bancos centrais, formalmente as taxas de juros são determinados pelo Estado. Apenas formalmente, repito. Eles são obrigados, geralmente, a seguir os ciclos dos juros como parte do ciclo da economia real. Se o governo, banco central, emite dívida nova, ele tira dinheiro dos bancos, que compram os títulos da dívida pública, os juros sobem por isso; se o governo compra de volta os títulos da dívida pública, retirando-os do mercado, ele joga dinheiro no mercado financeiro, logo os juros caem.
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Se os juros da dívida pública sobem, os bancos correm para comprar mais títulos, gastando dinheiro, por isso os juros bancários também sobem. Se os juros da dívida pública caem, tornando-se menos atraente, os bancos investem menos nesses títulos, e os juros caem. Tal movimento com títulos da dívida se deve porque é um investimento seguro, garantido, pago com impostos ou com novas dívidas. Essa relação entre taxa de juros e dívida pública não está no livro III de O Capital de Marx, sendo um acréscimo comum sobre o mundo financeiro hoje. TAXA DE LUCRO E TAXA DE JUROS O juro vem do trabalho não pago do operário, o mais-valor (a mais-valia), vindo de modo indireto ao bolso do banqueiro quando o comerciante e o industrial têm de pagar suas dívidas. Dessa forma, a taxa de juros é regulada e limitada pela taxa de lucro. Ora, vimos em outro capítulo, com o desenvolvimento do capitalismo, a tendência é cair cada vez mais a taxa de lucro. Logo a taxa de juros também tende a cair ao mínimo! Em nossa época, tornou-se comum taxa de juros real próximo de zero como sintoma da queda da taxa de lucro aos atuais níveis. Com o crédito muito barato, especuladores e investidores aventureiros têm levado dinheiro para o cassino da bolsa de valores, gerando uma hiperinflação de ações das empresas.
CAPITAL FICTÍCIO Há duas formas principais de capital fictício: dívida pública e ações. No caso da dívida pública, o capital é fictício porque o Estado simplesmente gasta o dinheiro; ao juro recebido pelo título da dívida acrescenta-se que o emprestador nada perde, nada de fato dá, pois os próprios títulos podem ser usados como dinheiro. Já as ações são um título de direito sobre a propriedade ou sobre o lucro futuro de uma empresa. Uma ação pode dar direito a, por exemplo, 1% da empresa, logo, 1% do lucro. É como se o mesmo capital se duplicasse, mantendo seu lado real e físico e, por outro lado, como um título de direito. Essas chamadas ações podem ser vendidas no mercado, podendo ficar até mais caras do que o lucro que realmente podem render (o que produz uma crise). Hoje, com o crédito barato, a procura por ações em um verdadeiro jogo alucinado atingiu um ponto máximo e absurdo.
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TAXA DE JUROS E TAXA DE CÂMBIO Quando o Brasil exporta muito e, principalmente, por altos preços, os exportadores vendem em dólar ao mercado mundial. Depois, trocam esse dinheiro mundial por dinheiro da nação, o real, com o governo, com o Banco Central. Assim, se faltar dólar porque vendeu pouco e/ou barato aos outros países, o preço do dólar em real sobe (precisa de 4 reais para comprar 1 dólar, por exemplo); quando vende muito e a preços altos, o dólar fica mais barato por ele ser mais abundante no Banco Central. Esse dólar acumulado tende a ir, a maior parte, para uma conta nos bancos e na dívida pública dos EUA. São nossas reservas internacionais. Quando a taxa de juros da dívida pública sobe, aumenta também a entrada de dólar, pois os investidores internacionais do capital especulativo querem investir nos títulos da dívida em busca de um lucro extra qualquer. Com mais dólar, fica mais barato importar – isso derruba os preços, empurra para reduzir a inflação (Marx não percebeu isso, que é uma contribuição de Serrano). BANCOS E SOCIALISMO Há dois fatores que fazem dos bancos um aviso do socialismo. Primeiro, eles forçam o desenvolvimento da indústria e da economia até o limite do sistema, dando base para a abundância socialista e as duras crises do capital. Segundo, ao controlar empresas e o dinheiro, serão a base para a futura contabilidade geral da sociedade com economia planejada socialista. POLÍTICA E CLASSES É preciso ter clareza que quase toda medida de governo busca ou mais lucro ou diminuir a luta de classes, contra o nosso lado. Mas eles dirão que suas medidas são ―pelo bem país‖. POLÍTICA E QUESTÃO MILITAR Se o leitor quer saber elaborar política apenas na sua empresa, tudo bem. Mas se há o risco de se tornar dirigente político em nível de cidade, estado país, ou mundo – então tem que saber o básico do básico de arte militar. Lembre-se que o marxismo foca na totalidade do real. Se vais fazer uma análise internacional, provavelmente a situação de alguma guerra terá de ser compreendida. De começo, indico o canal de notícias e análises militares ―Hoje no mundo militar‖, no youtube, com vídeos novos todos os dias. Quando com tempo livre e sobrando, assista documentários sobre guerras e, em principal, lenha livros sobre. O Da guerra, de clausewitz, apesar de desatualizado, é merlhor para entender os princípios gerais. Aqui, vamos
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fazer um exposição breve dos elementos, para ajudar a organizar e desenvolver teus pensamentos: PARA UM MANUAL MILITAR Existem regras gerais, universais, para a arte da guerra? Há, pelo menos, afirmações que são encontradas de modo semelhante entre os principais tratados militares da história. Aqui, como um glossário geral, apresentamos certas ―leis‖ que se repetem mesmo com alterações significativas na concretude dos conflitos. Abaixo, desenvolveremos cada um dos pontos. 1.
A guerra é resultado da economia
Razão militar Os filmes costumam afirmar a luta do poder pelo… poder, como algo abstrato e vazio. É um grande engano; via de regra, a guerra tem objetivo de gerar riquezas ao vencedor ou ao agressor. Pode-se invadir uma ilha próxima para ter apenas melhor localização militar, mas mesmo indiretamente há o objetivo lucrativo. O Estado socialista, que visa ao bem-estar da maioria, com economia planejada e centralizada, tem mais facilidade de girar recursos para o conflito, rumo à vitória. Cada época com sua forma de guerra Cada época exige uma forma de fazer guerra. O problema, então, é que se cristaliza um modo militar obsoleto, mas que teima em manter-se até o último grão de minuto. O escravismo no início tem um modo militar diferente de seu auge-crise. Via de regra, quando a força militar deixa de ser feita com os cidadãos livres armados, quando se profissionaliza a força de guerra, a decadência ocorre; foi assim no escravismo e é assim hoje, no capitalismo. Uma casta com desejos próprios surge e desestabiliza o estado. O modo militar feudal baseava-se no feudo isolado, em autodefesa desde os cavaleiros em postos de comando. Ora, isso resolveu a crise militar anterior, do escravismo romano – mas também se tornou atrasado. Os novos exércitos inglês e francês mudaram radicalmente o modo de guerrear, de acordo com o mundo novo, burguês; por exemplo, o cargo de comando passou a ser dado por mérito, não mais por origem de sangue; com o crescimento das cidades, o abastecimento das tropas passou a ocorrer nos locais urbanos por onde se passava por meio de compras, confisco ou em harmonia com o poder local. O socialismo substituirá progressivamente, desde seu começo, o exército por o povo armado, com leves e pesados calibres, e com treinamento básico, até que o comunismo tenha armas
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apenas para jogos e esportes, numa humanidade unificada. Isso é condição da democracia, do bom governo, da segurança e da superioridade militar socialista em seu começo, quando ainda haverá países capitalistas. Diz Maquiavel: apenas o mau governante teme seu povo armado. De qualquer modo, vale destacar a regra geral: raramente o objetivo é destruir totalmente o inimigo, mas tornar para ele demasiado custoso manter o conflito. Empresas de guerra Se a guerra em si, de modo direto, passa a ser fonte de lucro, seja do infante ou seja do exército, então o Estado ou o governo cai. Se o capitalismo hoje se levasse a sério, proibiria empresas de mercenários, empresas privadas de produção para guerra etc. Mas o caminho é, agora, o oposto: até pseudoestados como o de Israel dependem da construção civil e da empresa militar para sua economia, logo necessita de guerra para tomar terras, reconstruir e aumentar as ações na bolsa de suas empresas militares. A guerra, se injusta em especial, tantas vezes derruba o governo ou mesmo o sistema nos países em conflito. 2.
A guerra é a continuação da política
A máxima acima vem de Von Clausewitz, de imediato apropriado pelo marxismo. O silogismo torna-se este: A guerra é a continuação da política (por outros meios), A política é economia concentrada; Logo, a guerra é a continuação da economia. Desenvolvamos, portanto, as reflexões necessárias sobre. Vejamos a guerra do Vietnã. Os EUA venceram quase todos os conflitos militares naquele país asiático, mas perdeu a guerra porque o seu prolongamento do conflito fez o governo perder apoio de sua população. Também os EUA não invadem sua vizinha Cuba por fala de condições políticas, não militares. Há vantagens em estar de acordo com a história Estar do lado certo, junto ao futuro, dá alguma força; mas não absoluta, nenhuma garantia de vitória certa. Diante da superioridade militar do lado sul na guerra civil americana, Marx, ainda assim, apostou no norte industrial por estar de acordo com as leis do desenvolvimento capitalista.
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Che Guevara cometeu um pesado erro vanguardista e blanquista ao pensar que, em geral, pode uma pequena guerrilha vencer um exército nacional sem as devidas condições econômicas e políticas favoráveis. Para ele, a própria guerrilha faz suas condições. É um grande erro, que levou a perdemos muitos lutadores. O programa O primeiro passo para vencer uma guerra é convencer cidadãos, na prática, de sua justa luta. Quando os operários russos conquistaram jornada de 8 horas diárias e os camponeses ganharam terras novas, eles foram com máxima disciplina para a luta contra 14 – 14! – exércitos entre os mais poderosos do mundo. E venceram. Na guerra civil americana, o general do norte decretou: está abolida a escravidão em todo o território. Isso atuou para desestabilizar o sul escravista, facilitando a vitória. Como o perfil afeta o perfil da guerra Na guerra civil russa, os 14 exércitos invasores agiram cada um por si, em disciplina nacional, em busca de um pedaço próprio do território russo. Na outra ponta, o exército vermelho reuniu sob sua força, desta vez, unificada 5 milhões de combatentes. Veja-se que causas econômicas e políticas afetaram o perfil dos exércitos e da guerra, pendendo para a vitória de um lado contra o outro. O grande exército da URSS Pôde, assim, enfrentar um por um os invasores separados. Ainda na revolução russa, uma nova guerra ―mundial‖ logo em seguida da primeira grande guerra, somado com a nova pátria socialista, levou a uma onda de greves e protestos nos países invasores, em solidariedade com a URSS, o que desestimulou o conflito. Educação política Os soldados e o povo devem ser convencidos. Portanto, uma luta por suas consciências deve ser permanente. Não basta fé, pois é preciso ter clareza do motivo de estar lutando. Evitar sentimento de ―vitória antecipada‖ Dizer, por exemplo, ―fascistas não passarão!‖ revela mais o medo de que passem – e podem passar, mesmo – do que uma palavra de ordem útil; ela, na verdade, desarma o lado antifascista. A arrogância de vitória certa já foi a ruína de muitos em batalha. Por isso, deve-se manter o sinal de alerta, sempre e sempre. Em geral, o exército mais fraco é o mais criativo e ousado exato por medo da derrota.
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O desânimo e o medo total devem igualmente ser evitados. A esperança de vencer, portanto, deve ergue o moral dos soldados. 3.
A quantidade de soldados importa
Muitos soldados, ainda que medianos, ganham de poucos soldados bem treinados. O número tem grande peso. Um exército gigantesco contra um pequeno pode, ainda assim, perder, pois o defeito da força é confiar apenas na força. Assim, a tática fabiana de evitar conflito direto e cortar, em ataques surpresa, a comunicação e a logística do poderoso (e custoso) inimigo pode levar à vitória. A concentração alta de um exército leva à fragmentação guerrilheira de outro pequeno. Nem tudo é número: quem é dono de fato do território também tem certa vantagem, mesmo que em minoria. Nos países, aqueles exércitos que não têm grande tecnologia investem na quantidade maior de materiais menos avançados e de soldados. A quantidade é, ela mesma, uma qualidade. 4.
A qualidade dos militares importa
Engels, ao tratar das primeiras e fracassadas revoluções burguesas, toma nota que mendigos, vagabundos, ladrões etc. participarem de exércitos, o que atrapalhou, por exemplo, a disciplina. Na guerra, basta um treinamento médio, mas com alguns grupos de ―elite‖ melhor preparados. Classe dos soldados Trotsky, ao fundar o Exército Vermelho, fez questão que a primeira leva de oficiais e soldados fossem operários, base social do novo Estado. Só então chamou os camponeses, mas apenas aqueles que não exploravam trabalho alheio. Os operários, e os camponeses, são gente prática, disciplinada ―naturalmente‖ no trabalho duro, acostuma com pouco e tensão, útil para diferentes serviços. Já os membros da classe média, em geral, não têm tais características e psicologia. Comandante O perfil do comandante, sua personalidade, afeta o perfil geral do seu exército e da guerra. Se for, por exemplo, um homem disciplinado, mas, ou por isso, sem criatividade, afeta toda a operação.
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Perfil nacional Euclides da Cunha observou que o soldado brasileiro não serve para manobras complexas, logo seu comandante, além de demonstrar vigor, deve dar instruções gerais aos subordinados e, então, confiar em suas iniciativas próprias. Cada país tem, assim, uma cultura particular que deve ser levada em conta no perfil do soldado. Soldados dos países ricos e pobres Um soldado brasileiro é, via de regra, mais tolerante à tensão do que um suíço. São vidas reais muito diferentes, um deles precário desde o nascimento. Eis uma armadilha para os imperialistas. Higiene Tantas vezes, a principal causa de baixas no exército são as doenças, evitáveis algumas delas. Por isso, manuais simples sobre como ferver ou filtrar a água são muito úteis e devem ser seguidos à risca. 5.
Priorizar outros setores que não a infantaria costuma levar à derrota
Os EUA no Vietinã, a URSS no Afeganistão – ambos priorizaram a maquinaria sobre a infantaria, e perderam. É irresistível a um comandante usar sua vantagem, seus tanques etc. Isso é uma lei poderosa: deve-se priorizar a infantaria, os soldados. Veja-se que com a alta urbanização e a guerra urbana, a infantaria ganha ainda maior importância para manobras de terreno (os soldados lidam melhor com o caos da cidade em guerra do que as máquinas). Já o maquinário pesado exige muito custo de manutenção e conserto, além de exigir muita energia, o que por também exige ainda mais da logística. Os custos necessários, como manter operadores especializados no uso e no trato do material tecnológico, multiplicam-se. Nas batalhas, armas baratas ou semicaseiras podem prejudicar meios pesados. A máquina é necessária ao combate, mas sua prioridade é causa comum de derrotas. 6.
É necessário desestimular o inimigo
Tratar bem quem desiste no outro lado – punir com a morte quem do seu lado desiste. Eis uma regra de ouro, pois evita que se lute até o limite. Aqui, propagandas sobre os soldados do inimigo também são válidos. Nunca cercar totalmente o inimigo, sempre deixar uma brecha para ele fugir – ou, então, sempre lutará com máxima disciplina e heroísmo.
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Sempre que possível e útil, engane o adversário
Sun Tzu diz algo do tipo: 1) se és mais forte, pareça mais fraco para o inimigo tomar uma ação precipitada; 2) se és mais fraco, pareça mais forte para o inimigo ter dúvidas, hesitar. Deve-se ter a sabedoria de enganar quando necessário, de modo criativo, ou ocultar informações. Na guerra da Ucrânia o exército ucraniano deu a intender que atacaria uma cidade para fazer os russos esvaziarem outra, o que deu certo, permitindo retomar o território em outro ponto. 8.
Sem fórmulas fixas, deve-se avaliar sempre a situação concreta e o todo
Inexiste norma ou modo de combate exemplar. Um bom comandante primeiro colhe todos os dados possíveis, trata de adivinhar as ações do inimigo e toma postura ativa, iniciativa. 9.
A guerra é uma otimização do uso de energia
É preciso não esgotar, extensiva ou intensivamente, seus soldados, ainda que se exija grande disciplina deles. Nesse sentido, a logística é importantíssima para abastecer as tropas. Um comandante tem de pensar em termos energéticos. 10.
A defesa territorial ativa costuma ser superior ao ataque
Pensa-se a defesa como passivo e o ataque como ativo. Mas, por exemplo, quem está na defensiva, pode tomar a iniciativa de cercar o inimigo ou operar surpresas. Dito isso, de imediato, temos esta lei: a vantagem defensiva, como defender o próprio território, usada em geral pelo mais fraco, serve para, assim que possível, ir, mudar, para a ofensiva. A coisa acontece muito assim: o lado invasor, ofensivo, vai pra luta com força máxima, arrasa cidades e avança com força imensa por boa parte ou quase todo o território do inimigo. Parece que ele vai ganhar fácil, mas há um engano: 1) ficou mais longe de seu próprio país, logo tem custos maiores de manter o exército por causa da distância; 2) logo, sabotadores podem cortar seus transportes e comunicações; 3) logo, o povo do país invadido é hostil e os sabota; 4) logo, concentrou-se os soldados inimigos em um pequeno território, o que lhes dá uma vantagem, mais força; etc. Então, começam as demissões de generais do país invasor, pois seu exército começa, passo a passo, a perder o território antes conquistado. Veja-se: o atacante invasor vai com máxima força, mas essa força vai caindo cada vez mais por morte, por doença, por cansaço, por falta de recursos, por desgaste político etc.
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Terreno Quem está na defensiva tem a vantagem de posicionar-se em pontos vantajosos antes, como locais altos (por onde vê, atira e localiza-se melhor – mas, em si, não é uma vantagem absoluta, mistificada). Uma das vantagens é, assim, ao conhecer o cenário, poder operar surpresas contra o invasor. Povo O apoio popular na marcha, na logística, na moral, na camuflagem entre o povo fortalece o exército que está defendendo o território. Franco atiradores, selecionados para matar alvos específicos, podem misturar-se na população, por exemplo. O povo armado em milícias pode ser condição da vitória da defesa, antes de ir ao ataque. Pequenos grupos de cidadãos armados podem ter a iniciativa, com apoio simpels do exército, de atacar e recuar os flancos (lados) do exército invasor Logística Quem defende território pode ter facilidade de comunicação e transporte. Já quem avança sobre outro país, tem este custo aumentado. Na II Guerra, a Alemanha avançou por demais na grande Rússia, o que dificultou a retaguarda e a manutenção das tropas; além disso, permitiu que grupos especiais atacassem suas provisões a caminho. Desgaste O exército que avança, que invade, na ofensiva tem desgaste maior. Uma defesa ativa, não passiva, aumentar ainda mais o desgaste militar. Assim, na guerra assimétrica, de um grande exército contra um pequeno, este aposta no prolongamento do conflito, tornando muito custoso ao inimigo. 11.
Davi pode vencer Golias – não há situação completamente sem saída
O século 20 é cheio de exemplos em que o lado mais fraco derrota o mais forte, usando, por exemplo, de sua leveza, de seu agilidade, ou seja, do movimento. Os elementos são estes: movimento e energia – tempo e espaço, campo – matéria e massa. O comandante pensa sobre tais aspectos. Se não tem matéria e massa, deve compensar com outro, equivalente, como a mobilidade, movimento. Exércitos pequenos (matéria) em grandes territórios (espaços) apostam na manobra e na velocidade (movimento); uma pequena guerrilha contra um grande exército (matéria, massa) aposta na mobilidade (movimento); um exército sem grande
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tecnologia (matéria) aposta em maior infantaria (matéria); um pequeno grupo militar (matéria) pode vencer ou repelir outro grande (matéria, massa) se se localiza numa montanha (espaçomatéria) embora um terreno elevado não seja uma vantagem absoluta ou garantia. A pequeníssima Chechênia venceu da grande Rússia compensando com mobilidade e uso do terreno montanhoso. Os comboios com tanques russos teriam de passar por regiões montanhosas com estradas estreitas, então a guerrilha inimiga quebrava alguns carros de combate russos para inutilizar toda a estrada, impedindo aproximação. Além disso, a aviação russa destruiu a capital chechena, mas isso facilitou o movimento de infantaria e dos guerrilheiros no ambiente urbano, não do pesado exército russo, o que facilitou ataques e manobras. Davi, de fato, pode vencer Golias. 12.
Ousadia, ousadia, ousadia!
Às vezes, é preciso a defensiva ativa ou mesmo recuar, nada de ofensiva permanente artificial. Clausewitz diz que a máxima ousadia às vezes é o que há de mais sensato. Tal afirmação tem reforço nos comandantes do Exército Vermelho, como Tukachev. Na origem, a palavra de ordem vem dos revolucionários da revolução Francesa, os jacobinos. E a história comprovou que ousadia imensa, bem calculada, muitas vezes define resultados. Portanto, ousadia! POLÍTICA DE GUERRA A guerra entre candidatos a império deve ser boicotada. Outro caso, exceção clara se for uma luta de países socialistas contra países capitalistas, pois sempre defendemos a sociedade com traços socialistas. Se os países nazistas imperialistas se unem contra os imperialismos ―democráticos‖, cabe analisar se tomamos os lados contra as nações fascistas ou o boicote total ao conflito. Se um país dominante entra em guerra contra um país atrasado, sempre apoiamos este contra aquele. Se dois países fracos e dominados entram em guerra, tomamos o lado do invadido contra o invasor, contra o atacante. INDEPENDÊNCIA NACIONAL Neste campo, seguimos o seguinte princípio: 1) queremos unidade humana, logo militamos contra a separação dos povos; mas, 1) se um povo decide livremente por separar-se, logo defendemos com unhas e dentes seu direito de independência.
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POLÍTICA, ALIENAÇÃO E MORAL Por que fazemos uma festa do sindicato? Não é apenas para aumentar o prestígio da direção da entidade. Fazemos isso porque o capitalismo nunca garante o lazer como se deve – isso é alienação. Os comunistas sempre dizem a verdade aos trabalhadores, mesmo que seja difícil, mesmo que nos isole por algum tempo. Fazemos assembleias democráticas dos sindicatos porque queremos o fim da alienação, o socialismo, logo devemos ―ensaiar‖, ―treinar‖ o futuro livre por meio do poder dos trabalhadores do sindicato decidir os rumos de seu sindicato, que tem um minipoder. Não roubamos, nem deixamos roubar. Assim, toda nossa elaboração política tem um sentido: o socialismo, a liberdade humana, o fim da alienação – e praticamos isso desde já. Nosso objetivo, e o praticamos em toda ação política, é a humanização da humanidade. Por exemplo: se fazemos uma greve que ganha o aumento salarial, mas lideramos o sindicato sem assembleias, de modo ditatorial e burocrático, logo o resultado é negativo. POLÍTICA E ORGANIZAÇÃO PARTIDÁRIA O processo é simples. A política nacional, elabora o congresso e a direção nacional do partido; política da fábrica, elabora a célula da fábrica. O processo no geral é o seguinte: 1) acontece um fato importante novo; 2) após debate, o partido prepara uma política; 3) essa política vai para todo o partido por meio de seu jornal e boletins internos; 4) então, cada célula de base debate o texto e vê como pôr em prática a proposta na sua categoria, no seu local de trabalho. De novo, devemos dar o exemplo do PSTU. De modo ultraesquerdista, a direção do partido elabora a proposta mais radical possível; Se há alguma inflação, deve exigir ―todos às greves por reposição dos salários reais!‖. Mas a direção chama logo: ―Escala móvel de salários!‖ ou ―salário mínimo do DIEESE, 6000 reais!‖ Então, os militantes de base, coitados, leem o texto e encontram conexão alguma com a realidade deles. Eles leem o jornal com a política votada, adoram se sentir radicais e revolucionários, depois vão para casa ou o local de trabalho falar algo completamente diferente daquilo que está escrito. O erro nunca é deles, mas da direção nacional. Outro erro comum, também de décadas. O congresso do partido tem uma pauta chama política. Ela deve: 1) dizer qual situação estamos; 2) qual tipo de proposta é central – econômicas, mínimas, democráticas, de transição ou de poder? 3) votar a tática eleitoral; 4) definir quais as propostas práticas de política para um ou dois anos. Exceção de 1 e 3, o resto nunca ocorre. No lugar de definir quais as palavras de ordem da situação política do país, o documento político do partido faz uma lista de bolo enorme com quase todas as propostas possíveis para um partido de esquerda radica. E ponto. Nada é aprovado, nenhuma proposta de agitação política específica do tipo‖ abaixo o governo‖, ―cancelamento da dívida dos trabalhadores‖ etc.
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REGRA DE OURO Nós, comunistas, somos inimigos inevitáveis de todos os governos do mundo – contra eles declaramos guerra permanente. Apoiar um governo ―contra o fascismo‖ ou porque ele é ―antiimperialista‖ e ―progressista‖ é trair a tradição marxista. Nenhum governo é capaz de controlar o capitalismo para os trabalhadores – o sistema deve ser derrubado. Podemos, no máximo, fazer uma unidade, não frente, de ação com o governo, por exemplo, para lutar contra a invasão de nosso país, para derrubar uma tentativa de golpe de estado etc. Mas nunca entramos no governo, sequer o apoiamos criticamente. Nossa estratégia é derrubar o Estado dos ricos, mesmo que isso demore, mesmo que isso exija certo isolamento por algum tempo – resistimos, preparamo-nos para vitória futura, não tão longe quanto parece. EM CASO DE GOVERNO FORTE Caso o governo seja muito forte, fazemos ainda a crítica, mas somos mais maleáveis. Fazemos exigências ao governo: Faça isso, impeça tal demissão, reestatize tal empresa etc. Os trabalhadores concordarão com as nossas exigências e esperarão do governo uma boa resposta – mas, em geral, se frutarão ou terão de lutar com dureza. Isso acelera a experiência deles como governo, tornam-se mais críticos e, então, nós ganhamos moral. O PSTU fez isso, mas deixou de fazer a outra etapa, a segunda etapa: a denúncia. Caso o governo traia, recue ou negue a proposta – devemos, com linguagem cuidadosa, denunciar o governo aos mesmos trabalhadores. EM CASO DE DITADURA Nesse caso, temos que focar, durante a rotina, nas propostas mínimas (salário etc.) e democráticas (eleições etc.).
Numa crise do regime ditatorial, levantamos propostas como
―Assembleia constituinte!‖ ao mesmo tempo em que levantamos propostas mais socialistas, mais radicais como ―contra o desemprego, escala móvel de tempo de trabalho!‖ Nossos partidos se tornam pequenos e devem ter células muito independentes e ocultas umas das outras. COMO IMPEDIR E COMBATER O FASCISMO Se o fascismo cresce, quer dizer que a esquerda está frágil e cometeu muitos erros. Por isso, devemos chamar uma frente única antifascista com toda a esquerda. Devemos organizar grupos
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de defesa dos sindicatos, partidos, greves e protestos – que serão atacados por bandos nazistas. No Brasil, os trotskista liderados por Mário Pedrosa chamo a frente única e promoveu um ataque contra o desfile dos fascistas brasileiros, os integralistas. Depois desse ataque, tal movimento sombrio nunca mais se reergueu. Além disso, temos que ter política, propostas práticas, que atraiam os trabalhadores e, pela força de sua luta, parte da classe média. Em geral, se há um risco fascista, há, oposto, um risco de socialismo – o parlamento corrupto burguês pode ser destruído por uma ditadura totalitária, ou, ao contrário, por uma democracia superior e verdadeira. Nesse sentido, não defendemos em exato a democracia corrupta atual, pois focamos nos problemas econômicos centrais dos trabalhadores na crise. Claro, a pior democracia é mil vezes melhor que a mais leve ditadura. Mais um detalhe: chamamos por uma frente de combate físico antifascistas. Se os reformistas aceitam, a luta cresce; se os reformistas negam, seus liderem se desmoralizam, então os comunistas crescem. Dos dois modos, ganhamos. O PSTU chamou uma frente apenas com revolucionários para combater o fascismo, o governo de extrema-direita. Assim, seu movimento agregou apenas eles, alguns centristas e todas as seitas lunáticas do país. De nada serviu. QUANDO CHAMAR O ―FORA GOVERNO‖ OU ―FORA MINISTROS BURGUESES‖ Apenas lançamos a proposta de ―fora governo‖, se chamamos, ou melhor, o ―eleições gerais já!‖ se o governo perdeu o apoio da maioria ou dos trabalhadores. Somente, apenas. Quando Lula se elegeu pela primeira vez, o PSTU chamou no seu jornal ―Fora ministros burgueses‖. Assim, brincaram – sem exagero – de revolucionários. Simplesmente, imitaram a mesma proposta levantada pelos comunistas na revolução russa contra o governo de esquerda. Nesse caso, a situação era revolucionária, risco de tomar o poder. No caso do petismo, nada disso. QUANDO CHAMAR PELA TOMADA DE PODER Somente chamamos a tomada do poder quando isso está tão maduro quanto possível, quando a oportunidade não puder passar. Na crise da corrupção do mensalão ou na queda de Dilma, o PSTU chamou, veja só, ―Fora todos‖, ou seja, a queda do regime burguês antes da hora, sem condições. Nos grandes protestos de 2013, chamou o ―Nem governo nem PT: Trabalhadores no poder!‖, ou seja, quando era hora de ganhar o povo para nossas propostas práticas para educação saúde e transporte, a direção do parte chamou a proposta mais radical possível na história do movimento universal comunista… Mais uma oportunidade perdida. Havia organismo de poder operário e popular? Não. Havia possibilidade de armar o povo? Não. Havia crise econômica
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forte? Não. Enfim, curioso que esse tipo de erro não tenha gerado uma crise direta na organização. SABER OUVIR Sempre há aqueles sujeitos intuitivos e apressados que fazem análises do que está acontecendo no mundo e no país. Ouço várias opiniões, algumas contrárias, antes de tomar uma decisão. Aqui e ali, alguém tem uma sacada que ajuda a pensar a essência da coisa, do momento. Na reunião do partido ou do sindicato, até antes, vale a pena ouvir antes de decidir. Parte de colher dados é saber a interpretação apressada, mas talvez útil, dos outros. No mais, importantíssimo: se necessário, consulte um e mais de um especialista sobre pontos específicos. ELEIÇÕES E POLÍTICA Participar ou não das eleições? Depende da realidade. Numa situação, participamos; noutra completamente diferente, pedimos com vigor o voto nulo; noutra, chamamos nossos deputados a renunciarem. A situação manda. A eleição é nossa oportunidade de provar a todos que existimos e temos projeto de poder. Por isso: 1) apresentamos 2 ou 3 propostas centrais; 2) aparecemos como os mais sérios e preparados, o que levam a política a sério; 3) somos responsáveis com a estética do material de campanha, ainda que simples; 4) apresentamos um projeto de governo tão radical quanto radical é o momento político, nem mais nem menos – programa com começo, meio e fim, de onde virá o dinheiro necessário etc. Mais uma vez, o PSTU erra. Tornou-se uma espécie de piada política para a maioria do povo e a fama de lunáticos deslocados da realidade. Isso se deve aos elementos citado: 1) apresenta as propostas mais radicais possíveis; 2) não tem propostas práticas; 3) estética irresponsável; 4) mito improviso. Ora, isso ocorre porque o objetivo partidário é o sindicato, não o poder real, tornouse partido sindicalista; então, para provar aos ativistas ultraesquerditas que não é reformista, participa das eleições da pior forma possível, incluso com expressões teatrais e caricaturais. ATIVIDADES ARTIFICIAIS Se o partido se enche de atividades artificiais, sem sentido real, sem finalidade, sem projeto, apenas para cumprir datas ou ter o que fazer – os militantes se afastam aos poucos, pois militar para de fazer sentido. O teatralismo, o como se, toma conta. Outro erro em que cai o PSTU.
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POLÍTICA ORGANIZACIONAL De modo algum podemos usar 100% das forças do nosso partido. Tentar isso de modo permanente quebra militantes, estimula afastamento e gera crise partidária. A tentativa de parecer muito mais forte do que de fato é paralisa o partido, gera crise. Um partido revolucionário do Peru entrou em crise porque, no meio de uma onda de luta, tentou estar em todos os espaços e cantos de protestos ao mesmo tempo. O PSTU esgota seus jovens militantes, depois os substitui por uma nova leva. Só os militantes de classe média, com tempo e dinheiro prosperam na organização porque se exige demais. Vejamos outra causa disso. Os militantes têm que participar de 3 a 4 células do partido na semana! Só a classe média pode isso, então cresce dentro do partido. A boa solução do PSTU foi esta: militante que participam só da direção regional; outros, só da direção zonal; outros, só da célula de base. Perfeito, mas parece que nunca funcionou por o modo errado é útil para limitar-se aos sindicatos, ao mero sindicalismo. O modo como nos organizamos afeta nossa política, e também é afetado por ela! Sempre pergunte: qual a real situação da organização e dos militantes? O Moral esta alto ou baixo? Qual o nível de disciplina? E as finanças? Qual o perfil de classe dos membros? CENTRISMO Se nossa proposta política é a correta, então devemos ser teimosos e insistentes na sua defesa – mesmo que, de início, fiquemos isolados ou em minoria. O centrismo faz diferente, não suporta ficar isolado e perder uma votação; por isso, procura meios-termos, acordos, mediações etc. Tal postura tem muita relação com militantes de classe média, menos duros, menos tolerantes ao isolamento. DEIXAR AMADURECER Apenas aprovamos uma política se todas as suas condições estão maduras, deve-se deixar a coisa amadurecer. Tomamos o poder apenas na situação melhor possível, para não sermos derrotados no processo. O PSTU tentou por duas vezes fazer uma nova entidade nacional estudantil – a CONLUTE antes e a ANEL depois – de modo precipitado, antes de uma crise séria, entes de uma luta nacional etc. Os dois projetos, então, faliram.
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LUTAR JUNTOS, MARCHAR SEPARADOS O que isso significa? Que nos unimos com outras correntes para fazer um protesto, mas na luta agimos com nossos próprios grupos, temos nossos próprios panfletos diferente dos deles etc. Há algo que nos unifica, mas também algo que nos separa, o eixo político. OUSADIA! De nada serve esperar passivamente a ordem do comando superior, pois temos de ser criativos. A corrente FT, embora seja uma seita, teve a ideia de fazer uma rede internacional de sites de esquerda chamada Esquerda diário (até o nome é ótimo). Foi um sucesso: partidos pequeníssimos passaram a ter grande audiência para seus artigos. A ideia genial, a iniciativa, passou a dar errado, porém, porque eles confundiram material de propaganda (feita para militantes) com material de massa (feita para gente de esquerda que não milita). Assim, esvaziouse. No PSTU, a criatividade é castrada, pouco incentivada. A iniciativa tem de vir, quando vem, da direção partidária. Assim, demorou muito para eles terem um único canal individual no youtube, por exemplo. Lembramos que ousadia não é irresponsabilidade, pois planejamos, medimos, meditamos, debatemos antes. Em 2017, o PSTU estava em crise interna, baixo moral, depois de uma crise e uma ruptura. O que fez a direção partidária para resolver isso? Aproveitou um protesto nacional de vanguarda, não de massas, para radicalizar, para ser utraesquerdista, invadir prédios do governo, depredar (nada contra em si, mas no contexto). A TV boicotou falar do ato com ―violência‖, mas teatral… Assim os seus militantes faziam declaração orgulhosas e emocionadas na internet do ―partido revolucionário‖, ―de luta‖, ―o lado certo‖ etc. Foi um ato liderado por um dirigente do PSTU, mas no fundo, era uma ação para os militantes do partido, não para as massas. DIALÉTICA – PRIMEIROS PASSOS É difícil falar de dialética em poucos passos, mas tentemos. Primeiro, a dialética descobre que a realidade é, de modo inevitável, contraditória, em conflito – e tal conflito não é apenas destrutivo, também é construtivo (qual a contradição na nossa conjuntura?). Segundo, apenas entendemos a realidade se vemos por todos os ângulos, se vemos o todo e a totalidade. Terceiro, a realidade é movimento, ou seja, nada é eterno, tudo muda, tudo está em transformação e desenvolvimento – de onde vem esta realidade e para aonde ela tende a ir? Para aonde queremos que ela vá na medida do possível?
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Em geral, as aparências enganam, por isso fazemos uma boa pesquisa dos fatos para, só depois, chegar em alguma conclusão (a essência real da realidade). Não se prenda à primeira impressão! Nada é algo em si, pois depende de seu contexto, de seu entorno, do que está em volta. Uma proposta de greve geral parece revolucionária, mas ela pode ser antirrevolucionária, um erro completo, se o correto para a situação concreta seria chamar já o poder operário, a tomada do poder. Assim, a proposta de greve geral geraria nossa derrota por décadas! Uma cadeira de bar serve para sentar; mas, no contexto, durante uma briga, torna-se uma arma de abrir crânios! Um sindicato pode ser só um sindicato bom, pode ser um sindicato que serve aos ricos contra a revolução ou pode se tornar até um organismo um Estado socialista! Uma forma pode ter vários conteúdos! Via de regra, entre duas posições políticas opostas e estremas, costuma ter uma terceira resposta, uma terceira via ou, às vezes, um meio-termo, um caminho do meio. Entre aqueles que defendiam o ―Fora Dilma‖ e o ―Fora todos‖ contra os que defendiam ―defender o governo contra o golpe‖, havia uma terceira resposta, que superava os dois erros: chamar ―Eleições gerais já!‖ Isso derruba o governo ao mesmo tempo em que coloca o povo na jogada, força mais democracia (menos alienação) e impede o golpe. Cada fase, cada etapa, tem suas contradições inevitáveis que devem ser resolvidas ou, pelo menos, bem lidadas, bem convividas. Se meu partido cresce, ele fica mais diverso, logo ele deve ser democrático de tal modo que diferentes opiniões – que vêm de diferentes experiências de vida e de classe – sejam toleradas e organizadas. Há dois tipos de salto de qualidade, de natureza: 1) algo muda aos poucos, passo a passo, até tornar-se outra coisa, como a criança que se torna adulto; 2) algo muda apenas em quantidade, aos poucos, mas se vê forçado a saltar para outra natureza, outra qualidade, de repente, como a água que – após ir esfriando – se torna gelo de uma só vez, não aos poucos. O partido revolucionário cresce, em geral, de uma vez, por saltos, ganhando, por exemplo, vários ativistas de uma tacada após uma vitoriosa greve. O desenvolvimento é desigual, nunca de modo igual em todas as suas partes. Nós desenvolvimentos mais habilidade em matemática do que em geografia, por exemplo. Podemos ser ótimos administradores sindicais, mas péssimos em discurso – algo normal. Tentamos, então, diminuir tal desigualdade, diferença, do desenvolvimento das partes em questão. Um setor da economia cresce muito mais do que outro. Garrincha foi um gênio da bola exato por suas pernas desigualmente desenvolvidas. A forma como vivemos, e nossas experiências práticas, determinam a forma como pensamos. A classe social à qual pertencemos determina nossa moral, nossas ideias, nossas simpatias, nossa
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disciplina etc. A matéria determina a ideia, ou melhor, a cabeça segue o chão que os pés pisam. O modo de viver faz o modo de pensar. A noção de causa antes e feito depois é melhor superada por uma noção de interação, de causalidade recíproca, de ida e volta. A economia afeta a cultura; a cultura também afeta a economia.
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APÊNDICE IV POR UMA NOVA POÉTICA
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• MEU GENERAL • Leon! Leon! – Soldados de Leon! Marchar até – de tudo transformar Marchar de pé – o povo a cantar Cantar e assim – o mundo acordar Cantar o sim – e revolucionar Agir, gritar – o mundo todo unir Sorrir, clamar – vamos reconstruir Ação pra ver – hora da decisão O chão tremer – é a revolução Sonhar, dizer – é preciso lutar! Querer, poder – é possível vencer! É preciso lutar! – É possível vencer! Quero todo poder – operário, camponês e popular! Leon! Leon! – Soldados de Leon!
• SONETO NOVO II • O nada é o ser no devir… O vazio que me comove É o sentimento universal do universo! Sinto a falta sentida pelo cosmos
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Como a falta de si próprio Vir a ser aquilo que já é por meio de outro No movimento perpétuo de toda unidade Eis os Opostos tomando A forma de um Hermafroditismo filosófico O nada ir-se do nada ao nada por meio do nada!
• SONETO NOVO III • A menor distância entre um ponto e outro é Uma curva Se as condições do mundo fossem simples Desexistiria mundo Tudo está em oculta guerra civil E nada há desprovido de resistência A interação de todos os tipos de corpos A curvatura do tecido espaço-tempo O radiante raio por seus caminhos tortos, tortuosos A concha do Caracol faz Uma espiral que Se nega e se afirma no Seu evolver, pois
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Tem o impulso de ir para fora indo Também Para dentro! Curvo-me em mim, que não suporto todo este peso, Como quem delira curva-se diante do talvez deus do cosmos
>>> O ar-artificial Do ar-ar-condicional Macarrão instantaneamente Pizzaria embalada Suco pintado Dióxido de carbono Meus olhos absorvem peso concreto-asfáltico O nariz congestiona-se no caminho Meu estômago ferido
MÁGICA MATERIALISTA Rubro o arrebol Do céu no universo Todo o material estrelar queima Em uma queima cósmica de arquivos
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Das cinzas negras das estrelas Surgem a noite E as sobras-faíscas dos fogos estrelares Quem sabe um parto De novíssimas e efêmeras nebulosas planetárias
>>> Fui ao cemitério Visitar o corpo do amigo De um amigo A calmaria inurbana do ambiente Das árvores Dos túmulos amontoados Naquele lugar Daquele lugar Dentro entrava de mim E me acalmava A Morte é um problema dos vivos Problemas são problemas dos vivos No vazio até vazio falta Porém Na estética dos caixões e mausoléus Reparei a riqueza do rico Percebi a pobreza do pobre Ainda após o Democrático fim fabricado pela Morte
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Acompanhando-os Formavam uma comunidade numerosa de ossos De idades e séculos distintos De origens e motivos diferentes De lembranças das desigualdades Muito mais Vívidas que a vida dos vivos Mais, muito
POEMA QUASE FIXO Não adianta De madrugada Não durmo Nas frações da noite eu me abraço Os sonhos Que não cumprirei Faço Porque todo meu pensamento é nulo… Ah Eu nasci co‘ o gene do fracasso! E O frágil crânio desconexo e chulo Qu‘eu carrego no pescoço – Assumo-o! – Fez-me
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Um morto que fala e mexe os braços!
>>> Minh‘alma é a imensa fábrica escura Cálculos milimetricamente sensíveis tecem o instinto E elétrica mecânica atômica sistêmica e rítmica Mede analisa calcula e refina Tece a sina-além a fábrica de sinos A fábrica não dorme A fábrica não dorme A fábrica não dorme O combustível-cafeína alimenta e lubrifica Minh‘alma é a imensa fábrica escura Computadorizada armada produtiva No caos mecânico a pleno vapor plenamente e Na solidão coletiva Objetivamente A fábrica redesconstrói o sonho E tece – indiferente! – o poema A superprodução de deficiências Da minh‘alma – imensa fábrica escura
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PÓS No chacoalhar esquelético Dos movimentos ósseo-carnais Do cotidiano da vida e da guerra Carnaval fora de época Roteiro