A Coerência das Incertezas 8588062046

A Coerência das Incertezas. Trata-se de um escrito no qual um dos maiores pensadores brasileiros, Paulo Mercadante, expõ

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Impresso no Brasil, novembro de 2001 Copyright © 2·JO1 by Paulo :\1ercadame Copyright da introdução e notas © 2001 by Olavo de Carvalho

Editor Edson Manoel de Oliveira Filho

Capa e projeco gráfico Shadow Design

Revisão Tereza Maria Lourenço Pereira

Fotoliro Oesp

Impressão Donnelley Cochrane

Os direitos dessa edição pertencem

à

É Realizações Ltda. Caixa Postal: 45321

04009 970 São Paulo SP Telefax: (11) 5572 5363 e-mail: [email protected] www.erealizacoes.com.br Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.

PAULO MERCADANTE

A ..��--W,A

DAS

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IN CERTEbk�� h--�

Símbolos e Mitos na Fenomenologia Histórica Luso�Brasileira.·""·

Introdução, edição de rexto e noras Olavo de Carvalho

�-

l:

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................... ............ 9 EXPLICAÇÃO INDISPENSÁVEL .... .......... .......................... . ................... .......... 19 .

I

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��--����-��-�-=- -=-���-=-�����-�- :�:.:.: .:.· :.:.: .:.: .:.::.:.:.: .:.: .:.: .:.: .:.:.· :.:�:.:.: ;; 55 §3 . . . . .. .. . . . .. . 57 §4 ............................................................................................................................................................... 59 §5 . . . . .. . . . .. . . . . 62 §6 . ... . . .. . . . . . 68 § 7 . . �. . . .. .. .. . . . ;..... 73 §8 ............................................................................................................................................................... 74 §9 . . . . .. . .. . . . 77 § 10 . ... .. . .. . . . .. . . . . . . . . . . . 78 §2

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O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA

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§I ....................................................................-........................................................................................ 81 §2 . . . . .

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§3

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§4 ............................................................................................................................................................... 89

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§5

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. 92

§6 ............................................................................................................................................................... 93 §7 ............................................................................................................................................................... 95 §8 ............................................................................................................................................................... 98 §9

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§ 10

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99

. 102

§ 11 .......................................................................................................................................................... 103 § 12

III

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FENOMENOLOGIA E IDÉIA TRINITÁRIA

I 06

................ 111

.. . ..... . . . . . 111 § 2 ............................................................................................................................................................ 114 .. .. . . . . . . .. . 116 §3 .. . . §1

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... . . . . . .. .. . . . . . . . . . . . . . . .. .. §6 . .. .. . . . . . . §7 . .. .. . . . . . ... . . §4

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§5

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IV

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123

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126

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A CIÊNCIA E A CONSCIÊNCIA

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131

. .. . . . . ... . . . . . .. . .. . . . . . . . . . . . . .. . . 131 . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . .. . . . . 13 5 §3 . . .. .:................... ............................................. ................................................ 153 §4 .. . . . . .. . . . . . . . . . . .... . . ... . .. 15 4 §5 . . . .. . . .. . . . . . . . . . . 157 §6 . . .. . . ... . .. . . . . . 159 . 166 §7 . . . . . . . . .... . . . . . . . . .. . . . . . . . . . §8 .. . . . . . . . . . . . . 168 §9 ... . . . . .. . .. . . . . . . . . . .. 174 §I

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§2

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177

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177

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185

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193

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§2 §3

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A TRANSPLANTAÇÃO DE SISTEMAS E IDÉIAS .

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§I

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V I � .��-�������-��. =�=����-=�==���.·.:.:·.:.:.· :.:.::.:.::.:.::.:. ��� ..

§2

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:................................................................................................................................ 200

. . . . .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201 . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . .. . .. . 203 §5 . . . . . . . . .. . . . . .. . . . . . . . . . . . . 208 §6 .. . . . . . . .. . . . .. ... .. . . . . . . . . . . . .... . . 215 §7 . . . . . . . . . . ... .. . .. . . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . 219 §8 . . .. . . .. . . .. .. . .. . . . ... . .. . . .. . . . . . . 221 ........... . . ..........

§3 .

. ...... .. ... . ....

§4 .

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VII

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O PROJETO PORTUGUÊS

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§2

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232

. . . . 23 5 . . . 242 . . . 24 5 . 248

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225

... . . 225 . . . .. 230

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.

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... . .. ... .... ... .. . .. .. .. ... .... . .. ............... . ... .. . ...... ... .

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. ...... .......

VIII

O CICLO ATLÂNTICO §I §2 §3 §4 §5 §li §7 §8 §9

IX

§2 §3 §4 §5

X

§I §3 §4

XI

...................... .................................................... .......................................... .......................................

255

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258

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266

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280 282

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275 275

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270 2 74

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287

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O TEMPO §2

249 249

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A ERA POMBALINA §I

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00 UTILITARISMO

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297 302

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297

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A SOCIAL-DEMOCRACIA OBSCURANTISTA

REFERRÊNCIAS BIBLIOORÁFICAS

.. . .... 315 ..

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319

344

A meu irmão, Aluízio

de Freitas Mercadante

INTRODUÇÃO

P.

ulo Mercadante destacou,se entre os historiadores brasileiros so,

bretudo por um de seus primeiros livros, A consciência conservadora no

Brasil.

É

ohra tão essencial que, até certo ponto, justifica a relativa

desatenção com que foram recebidos seus escritos posteriores. Tal é, aliás, o destino de muitos escritores brasileiros, vítimas de estréias felizes que obscurecem toda a sua produção subseqüente. Na área do pensamento e das ciências humanas, esse fenômeno é ainda mais marcante. Não lhe escapou nem o próprio Gilberto Freyre, , enquadrado para sempre na imagerr. inicial moldada pelo sucesso de Casa

Grande & Senzala. Não há nisso, aliás, injustiça alguma: não se espera nem se exige que um pesquisador, tendo resolvido uma questão central da discipli, na que o ocupa, faça em seguida novas descobertas mais decisivas. Mas, às vezes, ele de fato as faz, como as fez o Gilberto de Sociologia e de Além Jo apenas moderno, e como as faz Paulo Mercadante nes, te surpreendente e enigmático A coerência das incertezas. Quando essas descobertas passam Jespercebidas pelo público, o escritor, ga, rantido por seu prestígio inicial, :1ada perde. Quem perde é o públi, co, que, satisfeito com o antigo dom, se esquece de estender a mão para receber o novo.

O que Paulo Mercadante dá aos leitores neste novo livro é ao mesmo tempo algo de precioso e de sutil, que não se entregará facilmente nem mesmo a quem estenda a mão.

O

que este livro tem a dar não é aquilo

que a maioria dos interessados na nossa História está costumeiramente buscando.

É a resposta a perguntas que só os mais atentos e os mais finos 9

A COE�CIA DAS INCERTEZAS

observadores chegaram a fazer. Os demais, mesmo que passem por aqui, talvez nem cheguem a perceber de que raio de coisa o autor está falando. Para dar aos leitores uma idéia do que encontrarão nas páginas que se seguem, talvez seja bom voltar um pouco à Consciência conservadord. O problema de que ali se trata é decerto o mais decisivo na histôria de qual­ quer país: o que pensam e por que assim pensam os homens que mandam. No jargão das ciências sociais, é "a ideologia da classe dominante". Mas o termo ideolQg!a _ tem, desde seu inventor, Napoleão Bonaparte, a acepção de um discurso evanescente, ideal, irreal. Segundo Marx, esse véu Je irrealidades, ldeenkleid,

esse

, de Burke, Savigny e Adam

-

es do Leste; o confronto de duas éticas em Militares e civis; a influência paralisante das doutrinas comunistas na cultura brasileira, em Graciliano Ramos), mas, graças aos estudos filosóficos a que se dedicou com intensidade crescente ao longo dos anos, foi observando as coisas desde um ponto de vista cada vez mais profundo e mais pessoal. Em A consciência conservadora, movíamo­ nos ainda num terreno que, malgrado a originalidade do ponto de vista, era ainda o da tradição historiográfica e sociológica brasileira. A partir 12

INTRODCç."'-0

de um cena ponto da sua carreira, �tercadante desembocou em ques, tões que escapavam formidavelmente ao horizonte de consciência dos nossos cientistas sociais em geral - limitado por um materialismo e um imediatismo superficial que muito têm a ver com a formação da menta, lidade das nossas classes conservadoras - e abriam

um

campo totalmen,

te novo de investigações. A partir daí, ironicamente, o investigador se tomou um outs ider precisanente no momento em que se viu dotado de seu mais fino instrumental analítico. Por uma infeliz coincidência, isso se deu contemporaneamente à to, mada dos meios de comunicação cultural por um movimento político que, na ideologia, é herdeiro direto daquele do qual Mercadante, com toda uma geração de intelectuais de esquerda, se desligou quando da revelação do célebre Relatório Kruschev de

1956, e, na psicologia, é um

fruto do irracionalismo sociopático infundido na intelligenrzia esquer, dista do Terceiro Mundo pela crescente influência da New Age, do ecologismo e da apologia rr.arcusiana do lumpenprolerariado.

O pensamento de

Mercadante se tomava mais sutil e mais profundo

justamente na hora em que a vida intelectual neste país sacrificava tudo no altar do simplismo e se reduzia cada vez mais à obsessiva repetição de slogans e cacoetes. Concomitante ao florescimento geral do imbecil coletivo, a individualização da forma mentis de um grande espírito re, sultou num isolamento monástico imposto pelas circunstâncias. Seus trabalhos, muitos da mais alta relevância para todos os estudiosos da área, como, por exemplo, a monumental edição anotada das obras de Tobias Barreto, -em dez volumes, passaram a ser recebidos com o silêncio sepulcral, que, na falta de coragem para a difamação direta, é a reação, padrão da esquerda brasileiYa às realizações valiosas de seus desafetos. Mercadante é um dos homens mais humildes, bondosos e temos que já habitaram e:;se planeta. Além disso, é inteligente demais para esperar que cretinos o compreendam, e foi dotado pela Providência com um senso de humor que lhe permite sair incólume das mais depri, mentes situações mediante um sorrisinho irônico e um gracejo. Ad, miradores seletos, entre os homens mais cultos do País - um Roberto Campos, um Vamireh Chacom, um Meira Penna -, nunca lhe faltaram. 13

A COE�CIA DAS INCERTEZAS

Dos outros ele nada tinha a receber, e, se não recebiam o que lhes dava, eles é que perdiam. Esse mesmo isolamento contribuiu, decerto, para que as medita� ções do estudioso fossem tomando um rumo cada vez mais peculiar, mais distante das preocupações (ou meras ocupações) dos nossos c ien� tistas sociais acadêmicos. Quando levada às suas últimas conseqüências, a história das mentali� dades desemboca na Íhistória do subc� que é, a fortiori, o sub� consciente da história. Por baixo das ideologias, começa a se revelar a camada mais decisiva e misteriosa dos nexos sutis entre a história linear e o �empo cícJico do munJm ima,t;;inalis, a esfera dos símbolos, mitos c imagens primordiais que, desaparecendo e aparecendo à superfície dos fatos com regularidade assustadora, parecem constituir algo como o quadrante onde se movem os ponteiros da história. A partir dos anos 60, esse domínio, que mui apropriadamente rece� beu o nome de_ ineta�h!st� foi despertando a atenção de notáveis pesquisadores em todo o mundo. Henry Corbin, Jean�Charles Pichon, Eric Voegelin, Raymond Abellio mostraram que as relações entre histó� ria e mito não se explicavam pela mera distinção grosseira da infra� estrutura material e da superestrutura ideal a que as tinha reduzido a mistura de marxismo e positivismo, dominante nos meios acadêmicos desde o século passado e hoje, felizmente, moribunda. Muitas�� Qs mitos pareciam prefigurar a história, determinando de algum modo _o seu curso: longe de ser puras criações dos homens históricos, eles tinham uma força criadora e determinante por si próprios. Sua presença ativa, encoberta rela sucessão dos fatos político�sociais, revelava�se de tempos em tempos pela recorrência dos mesmos símbolos, das mesmas imagens, que, emoldurando o imaginário dos personagens, determinavam invisi� velmente o curso dos seus pensamentos e das suas decisões. Foi ao estudo dessa ordem de coisas que Mercadante, isolado da taga� relice ambiente, se dedicou cada vez mais. A essa ciência misteriosa e desafiadora, Mercadante acrescentou, porém, uma ênfase nova e pessoal, derivada dos estudos de c iência física que, desde a juventude, o ocuparam apaixonadamente. Isso per� 14

INTRODUÇÃO

mitiu que ele se integrasse, como portador de uma contribuição bas� tante original, numa linha de investigações que, no mundo, é ainda nova e mal compreendida e, no Rrasil, é radicalmente ignorada pelo estahlishment universitário. Vamos defini�la. À medida que no campo das ciências humanas se desmoral izavam as noçôes de progresso linear e de causalidade pre� dominante, dissolução similar sofria, na ciência física, o determinismo mecanicista. A constatação desse duplo fracasso ahriu para alguns estudiosos um campo de trabalho que é hoje o mais promissor de todos: a investigação das analogias entre causal idade física e causali� dade histórica, r orgulho nativista, mantido pela comunidade, que age de acordo com matrizes politicamente encobertas... Assim encarado, desempcnha o nacionalismo um papel imprevisível oo decurso do tempo. As distorções, que decorrem de sua exacerbação, 25

A COER�CIA

DAS INCERTEZAS

servem quase sempre de embaraço às mudanças sociais e políticas, pois, se o nacionalismo é intel igíve l em período de apogeu econômico ou cultural, toma�se injustificável durante as crises e a decadência. Muitas vezes, advém o conflito com o vizinho, desencadeando o ódio f?uerreiro com as trágicas conseqüências sociais e econômicas.

O nacionalismo visa ao patrimonialismo. Se as riquezas são de todos os nativos, se ao Estado cumpre explorá�las, reunindo�as, pnupando�as no interesse da comunidade, é óbvio que seu domínio cabe aparente� mente ao povo. A posse era no passado usufruída pela nobreza e, em nossos dias, pela nomenclatura. Eis então o patnmonialismo. Consiste no inchaço do nacionalis�

mo, em alguns casos no tumor que inv iabiliza nacionalidades. Como criá�lo e defini�lo ? No primeiro exemplo, por meia; pol íticos e finan� ceiros, aceitos pe la sociedade, quando os bens vão se grudando à cha� mada União e a seus apaniguados, cujos despojos avolumam�se sem conside ração a res u l tados pos i tivos. Basicamente, por m e i o da

estatização, a diversos pretextos, resu ltando daí bancos, empresas,

8 "Os

apóstolos

do Estado nacinnal, que espumam de indignação patriótica à si mp les idéia de privatizar

alguma empresa e�tatal, tomam-se de repente globalistas assanhados quando um poder supranacional

vem

defender os interesses deles contra m interesses da pátria ...

... Da pátria, só uma coisa lhe interessa: Em

o

dinheiro e o

roder que

lhes vêm das

segundo lu�ar, o nacionalismo que ostentam é de um tipo pecul iar,

estatais ...

desde o pomo de

vista ideológico.

É um nacionalismo seletivo e negativo, que enfatiza menos o apego aos valor� nacionai� do que a ojeriza ao estrangeim mas

-

e mesmo ass1m não ao es:rangeim em geral, como seria próprio da xenofobia ordinária,

a um estrangeiro em pa rt:c u lar: o norte-americano...

Ser nacionalista,

rara essa geP.te, não é amar o que é brasileiro: é apenas odiar o americano um poua•

mais do que se odeia o nacional ... Reduç 1o do nacionalismo à defesa das estatais, substituição do anti-amencar.ismo a n patriotismo positivo,

adesão oportunista

ao

que é

americano quar.do favorece a esquerda: desafio qu2lquer um a

provar que a conduta constante e sistemática da chamada "esquerda nacionalista" não tem sido exatamente

essa que aqui descrevo, definida por = três pontos." (CARVALHO, Olavo de. "Refúgio

dos canalhas". Época, 26 de maio de 2001.) 26

EXPLICAÇÃO !NDISPENSÁVEL

autarquias, fundações, que se tornam ineficientes na expressiva maio, ria dos casos. Em outra modalidade, por meio tributário, recorrendo,se ao excesso de exação, a medidas que vão de desapropriações a formas diferentes de execuções a confiscos. Por que meios se movimenta a seta atirada pelo nacionalismo a fim de alcançar o alvo que constitui o patrimonialismo? Pela fiscalidade. Ela não é apenas substantiva, mas ainda adjetiva, por ser primeiramente função ou modo segundo o qual o nacionalismo objetiva seu propósito patrimonialista. Do ponto de vista da mecânica, é manipulada pelo burocratismo. Este dispõe de seu locus, o cartório, de charta, o papel, manipulado pelo nepotismo, ungido à forma solidária de defesa de prer, rogativas ou corporativismo. Acrescente,se ainda o nepotismo ao quadro, figura que vincula o cartorialismo ao burocratismo. Trata,se do fámilísmo, favorecimento aos parentes na partilha dos empregos e das benesses públicas. lncluem,se, no caso, apêndices desenvolvidos nas áreas dos Poderes Públicos, das empresas estatais, a titulo de fundos de pensões, voltadas às manobras do patrímonialismo nos jogos que visam ao seu fortalecimento. Nacionalismo, ufanismo, xenofobia, patrimonialismo, burocratismo, cartorialismo, corporativismo, mantidos pela dinâmica dos impostos, confiscos, perdimento, descam inho, devassas, arrestos, seqüestros, pri, são por dívidas, indisponibilidade de bens, tributos, con tribuições e empréstimos compulsórios, taxas, pedágios, multas, laudêmios, foros, custas, emolumentos: eis algumas das denominações, de natureza medie,

val, próprias ao fenômeno envolvendo a economia, a sociologia, a juris, prudência e a política. Com o monte proveniente das receitas obtidas dos cidadãos, a nobreza e sua sucessora histórica, a nomenclatura, reali, zaram e realizam seus meios e fins tanto práticos quanto teóricos. Do mesmo modo que a nobreza, a nomenclatura não é uníssona em suas expectativas. Aqueles que, no longo percurso de seus privilégios, não obtiveram situações definitivamente iguais distanciam,se na hie, rarquia dos títulos, dos meios de vida, aj ustando,se, enfim, cada marquesadc ou baronato às condições financeiras próprias. A pobreza também rondava as estirpes mais tradicionais. 2i

A CüERíNCIA DAS INCERTEZAS

Hoje, do mesmo modo, a nomenclaturd não goza de idênticas situa­ ções, diversas que são as categorias burocráticas e, por conseguinte, os proventos e vantagens. Há os próx imos e os distantes ao Poder, os graúdos e os bamabés. Como no caso da nobreza, também os membros da no­

menclatura não se deixam, em geral, contaminar pelo mal da cormpçtío. Esta não se vincula ao Estado, digamos, não é necessariamente vínculo com o poder, denotando, sim, estado desordenado da consc iência do indivíduo a exercer o mal. Isso quer dizer que o indivíduo que integra a nomenclatura não é necessariamente obrigado, por qualquer motivo, a participar da corrupção. Quando se deixa por e la envolver, ele o faz por vício de caráter, até porque

o

recurso ao nepotismo dificulta a ação dele­

téria de qualquer pessoa menos prudente, garantindo-lhe provento en­ tre seus parentes que partilham o mando. Ela parte do nacionalismo e do ufanismo por meio da fiscalidade, desempenhada pelo burocratismo em trincheiras c1rtoriai.s, em busca do patrimonialismo. Do ponto de vista geométrico, considerada a parti­ da encetada pelo nacionalismo, dirige-se e la ao patrimonialismo, como destino histórico, recorrendo a duas forças auto-sustentadoras, como que subjetivas, que o assistem na trajetória: o ufanismo, em seu conteúdo ingênuo, ou a xenofobia, como sua aberração. Ao encetar a rota, a dinâmica leva-o ao corporati vismo, formando-se dois apêndices despiciendos, o nepotismo e o cartorialismo. Do ponto de vista da Física, a melhor figura parece-nos a de coordenadas genera­ lizadas, cujo conj unto constituído pelo nacionalismo e pela fiscalidade estabelece, de maneira unívoca, todo o estado do sistema, qualquer aci­ dente de percurso não provocando a implosão do conj unto. Tratando-se do fim ético a que se destinam os resultados,

a

idéia do

benefíc io geral decorrente produz a contrCipartida das reações psicológi­ cas no rumo da satisfação ufanista de progresso e cidadania. Em teoria, por meio da {isca/idade, apregoam -se as v irtudes volta­ das à produção, à pcupança. ao investimento com metas saudáveis, a fim de provocar a j usta distrituição da renda. Na prática, os beneficiários constituem a nomenclatura, formada democraticamente por burocra­ tas dos três poderes. De certo modo, agregam-se os oportunistas aos 28

EXPLICAÇÃO INDISPENSÁVEL

beneficiários, e são aceitos de bom grado a fim de revelar�se o sentido democrático do sistema. Há, além disso, membros definitivos e provi� sórios do corpo em questão. Os políticos, por exemplo, participam da distribuição das benesses, por mandatos com tempo fixado. De um as� sento pode alçar�se a qualquer sinecura, caso se continue como um peão no xadrez do Executivo. O fogos perfilhado pela atual nomenclatura consiste, porém, em direcionar, com zelo e competência, os dardos aos destinos da comuni� dade. Nisto se revela a razão prática enquanto competência. Um dos exemplos marcantes no País diz respeito ao monopólio do petróleo. Há meio século o dardo foi atirado em direção à rápida auto�suficiência da prospecção, bem como do refino do óleo. Os objetivos, por razões óbvias, não foram alcançados, mas o sentido patriótico do fim a que se visava foi plenamente absorvido pelo povo. O lema - "o petróleo é nosso" - é hoje um dos orgulhos da população enganada. Se houve prejuízo irreparável, a compensação patriótica adveio como recompensa. Na verdade, não se perdem os objetivos estratégicos, nem os rumos táticos, que se tomam metas disponíveis por meio de estudos econômi� cos e instrumentalidade adequada. As estruturas condicionantes, os fa� vores e cargas fiscais protegem aliados do setor privado contra a concor� rência; os recursos individualizados ou não buscam as formas de gerar novas fontes de receita. A importância da fiscalidade consiste em seu papel de sustentação do sistema, a manutenção dos grupos oligárquicos, os mais preparados, a fim de fugir�se a esquema arriscado de energúmenos e parvenus de aven� turas políticas. Trata�se da forma inteligente do Estado, por sua racionalidade. A fiscalidade é quase ciência, movendo�se no campo da legalidade formal, que lhe fornece o ramo adequado do Direito Admi� nistrativo, de programas que lhe propõem a Economia, as Ciências Contábeis, bem como circunstâncias do Planejamento Econômico e Político, que lhe oferece a Geopolítica, e, por fim, no campo das razões da Nomenclatura, que lhe fornece a motivação. Atravessada pela ética da defesa do bem comum, a nomenclatura mobiliza, por meio da mídia, sua obediente aliada, os meios capazes de 29

A COERtNCIA DAS INCERTEZAS

convencer o contribuinte de que o sonegador é responsável pela voraci, Jade do Estado e pela corrupção dos naturalmente corruptos, ao não pagar devidamente os tributos, persuadindo,o de que a receita fiscal é religiosamente apl icada em seu benefíc io. A imprensa, favorecida pela generosa publicidade das empresas do Estado, sempre se põe a seu lado nas m anobras, visando à sustentação dos princípios moral izadores. A l inguagem técnica da já aludida fiscalidade, a que se recorre para o funcionamento do establishment, por ser exclusivamente aritmética, apli, ca,se ao conjunto de razões que se foram aprimorando na vida das co, munidades. Apenas com duas operações, adição e multipl icação, resol, vem,se as crises financeiras do sistema, uma vez que a dança dos percentuais realiza,se em número expressivo de modalidades com deno, minações sugestivas. Coube à sofisticação matemática o papel para a fasc inante empreitada de manipular a d inâmica econômica, circunstân, cia que valorizou os números enquanto símbolos, conduzindo os cálcu, los aos problemas gerais. Alguns exemplos merecem registo para o endosso de tantas observa, , ções sugestivas: as equações diferenciais, por exemplo, aplicadas à teoria geral da preferência dos consumidores, máximos e mínimos, às condi, ções de equilíbrio e estabilidade de produção; e ainda o cálculo das varia, ções, ramo da teoria mais extensa das funcionais, aplicado ao problema dinâmico do monopól io, bem como as funções e derivadas, estas últimas apl icadas a problemas de duopólio. Do mesmo modo, a geometria analí, rica também oferece as suas aplicações no campo da economia. A fim de fac i li tar o objetivo patrimonialista, aplica,se o corporativismo da máquina burocrática, tanto das empresas estatais quanto do próprio funcional ismo, cujos d irigentes acabam por integrar a referida nomen, e/atura, inerente ao socialismo ou ao capitalismo de Estado. A burocracia realizada, na v isão de Max Weber, é das criações sociais mais d ifíceis de destruir. Descrevendo,a, o filósofo definiu,a como o meio específico para a ultrapassagem do comportamento da comunidade ao da sociedade racionalmente ordenada. Os dominados por ela, conclui, não podem mais viver sem a sua engrenagem, nem substituí,Ja. Isso não significa que ela seja i mprescindível. Tem apenas a função de servir, pois 30

EXPUC.A.Ç.Ã.O 1::-.JDISPB-.:S:,;.VEL

a soberania é exercida por pessoa ou grupo, quer este seja formado por altos membros do aludido aparelho, como na extinta Rússia comur:ista, quer por não�burocratas (W'eber, 1958).9 Há, por certo, duas espécies de burocracia: aquela da camada superior, próxima à nobreza, que desta recebe os favores que fazem jus a seus méritos; a segunda é constituída pela camada inferior, denominada pejorativamente de bamabés por sua insignificância nas deliberações. Na verdade, cabe à Ética o papel transcendental de legitimar a priori todo o conj unto de circunstâncias sociais, econômicas ou jurídicas. Do ponto de vista do último ramo citado desta esplendorosa árvore que é a comunidade humana, o moralismo concreto de Gentile e de Binder constitui a síntese de todo o proces:';o social e econômico. Para o primei� ro, o Direito nasce da Moral, nela apoiando�se em sua atividade. Tal identidade o leva a Hegel ao sustentar que a lei vigente jamais é injusta. Enquanto ela não for ab�rogada, representa a vontade do Estado, de modo que a injustiça da lei não é de rodo injustiça, podendo dizer�se mesmo que é uma justiça in fieri, que pouco a pouco amadurecerá até a ab�rogação de outra lei, pois esta sobrevirá por força daquela lei cons� tame e imanente, que governa a objetivação da liberdade em seu pro� cesso universal concrero. Quanto ao segundo, o Direito representa a plenitude da vida érica, sendo a Moral simplesmente um degrau (Reale, 1998, p.490; Gemile, 1937, p.97; Binder, 1945 , p. l07�33). Há, pois, j ustificativa jurídico�moral �ue sanciona o dever�ser in processu. Cele não tem o homem consciência, pois só em sua configura� ção derradeira, que nunca ocorrerá por corr.pleto em razão da infinitude do ideal, poderia ela revelar�se plenamente. Eis a razão por que todos contribuem para o propósito finalístico, até mesmo as vítimas das injus� riças incorporadas e dirigidas ao alvo. A escravidão, a tortura, o aniqui� lamento dcs povos em estágio inferior de civilização integram as vicissi� tudes que éesempenham o seu papel no enredo da história humana.

' Por burocracia �nrendc: Wcber não apenas a do Estado, p.234-45

c:

�lmr-xluction", in Weber, 1965, p.477).

rnas

a dos partidos e assoc iações (Frc:und, 1972

31

A COERt"lCIA DAS INCERTEZAS

Retomemos a outra figura: o nepotismo. O corpo tecnocrático, ao sa� bor de turbulências políticas, tem seus auxiliares também cooptados entre amigos e parentes de congressistas, magistrados e figuras ligadas aos minis� tros. Para os mais dotados pela instrução ou pela sagacidade, como em antigas concessc.}es de baronatos, recorre�se ao cartorialismo ou distribui� ção de privilégios. A divisão dos poderes e a ampla autonomia na manipu� !ação das verbas públicas facilitam

o

arreglo geral, arrumando�se a nova

classe nas linhagens das assembléias, dos ministérios

e

dos tribunais.

Sábios expedientes introduzem-se no círculo. Como no passado da

realeza, a requisição de talentos adequados é feita em atenção aos valo� res úteis. O bom esgrimista e o hábil marquês substitu íram�se pelo m.:D!S?E.NSÀVEL

estabelece a relação entre o poder e a corrupção. Quanto mais forte o primeiro, mais intensa a última. ( � ão esqueçamos que o liberalismo vitoriano nascera com a praga dos saudosistas em cujas costas Marx viu o brasão da aristocracia derrubada. ) �·1as o ataque fora tão ferino que um publicista combativo como Edward Gibbon chegou a situar a corrupção como sistema infalível da liberdade constitucional. Nada mais coerente a um tradicionalista fugindo à linha de BucLe, que rercebeu no fortale­ cimento do Estado a erupção da enfermidade. Afinal, a andarilha secu­ lar, sempre versátil e atualizada, manifesta-se em nosso quadro. Que razão existe para a perplexidade quando ela, cru:ando os mares, desem­ barca para e!lSinar às elites as regras de inte:venção total do Estado na economia ? Convertido o Po::ler Público em bancos

e

empresas estatais,

que motivo há para estranhar o agravament.::> da enfermidade?

É necessário,

no entanto, situar a figura da corrupção em sua auto­

nomia como integrante da ordem psicológica e mora�. Porta-se ela como enfermidade, ora se manifestando com recato, ora recrudescendo, a fim de septicamente dominar o organismo da sociedade. Ao exibir a condição patológica que leva o agente a praticar o mal, agride-se a harm onia, a boa ;)rdem das coisas, significando ainda, quanto aos espiritualistas, o exercício do pecado. O símbolo da corrupção é o

demônio, vi:>to que atua ele ao lado do mal contra

o

bem, conduzindo

o indivíduo a total subserviência. Com certeza, a ação diabólica manifesta-se com maior desembaraço no setor vinculado aos burocratas do Estado, pois tal :ircunstància expli­ ca-se em razão da in ·1estidura que desfruta como aurc.ridade com poderes de longo arbítrio. Não quer iss.J dizer, todavia, c_ue fiscais, policiais, tabeliães, procuradores, sejam em sua totalidade atraídos pelo símbolo maldito. Cogita-se de exceções no quadro de membros da nomenclatura. ]á é bem visível

c.

fadiga de todo

o

sistema descrito, ainda que o fun­

cionamento das coordenadas processe-se indiferente aos sinais do sinis­ tro. Aparen:emente, não há nada vontade, confiante de que

a

a

temer; a nomenclatura sente-se

à

coordenação a;>resente-se como os corpos

celestes, na lógica de seus movimentos sintcnizados, porque o conjunto apresenta-se como natural e necessário. 41

A CX1ER�CIA DAS 11'\CERTEZAS

A tranqüila convivência entre todos os elementos que compõem o referido conjunto afasta dos estrategistas o temor que a propagam alguns falsos profetas. Assustam-se eles com a crescente miséria que se alastra pelas praças e avenidas, refugiando-se suas vítimas como se fossem ratos sob as marquises e elevados, armando-se de punhais e �:arruchas, excita­ dos pelo tóxico, pelo alcoolismo, pelo ódio e ressentimento aos ricos e remediados. Como material incandescente, a massa avoluma-se e pren­ de-se nos porôes, aguardando o instante do explodir. Assustam-se os contribuintes, acuados entre a fiscalidade e a extorsão, o seqüestru ou o assalto, disparando pelos cabos o oum e a pn1ta que lhe caem nas bolsas; escondem-se, protegem-se enquanto temem; emigram ou refugiam-se nos seus cantos gradeados. Primeiramente, o exagero quanto à prohferação dos rd tos desman­ cha-se quando se considera o equívoco da comparação. Ele até poderia ser, como assinalam Chevallier e Gheerbrant, tema de metáfora galante; porém, como símbolo, parece criatura infernal. Sua associação mitoló­ gica à serpente toma-o ctôntco e ao mesmo tempo desprezível. Apesar da degradação já referida, não tem faltado à nomenclatura a preocupação com os roedores, imaginando-se possíveis subversões. O apelo ao chamado social tomou-se a constante dos programas. Propa­ gar modalidades diferentes de jogos de azar, até mesmo os monopolizando no âmbito público, talvez seja uma maneira louvável de minimizar os riscos de saques promovidos pelo populismo esquerdista. O jogo é símbolo de luta contra as forças adversas da vida. Mesmo quando é divertimento, incluem-se gritos de vitória e explosões de bombas. Liga-se, em sua origem, ao sagrado, como rio caso do tarô, riquíssimo de s ímbolos; enfim, não é o jogo apenas um passatempo, mas sim exercício iniciático, didático, competitivo. Ou trata-se daquele aspecto que se sen­ tia nas arenas romanas. Nelas, como nos campos esportivos de hoje, as oposições intestinas dos grupos resolvem-se ludicamente. Nelas cristali­ za-se o sentimento do nacionalismo, calando as rivalidades regionais, os próprios conflitos de categorias, até mesmo dos estamentos a serviço da nomenclatura. Mendigos e banqueiros vibram em uníssono nos estádios esportivos, nos sorteios de loteria. 42

EXPLICAÇÃO INDISPENSÁVEl

A esperança é dada, pela nomenclatum, aos desgraçados de todos os naipes, desJc o roedor, já aludtdo, ao aspirante àquela situação, ou seja, os suhcmprcgados, os de5graçados que vegetam no espaço da pobreza cres� cente, mediante simples pagamento, que os infelizes angariam em servi � ços ocasionais o u nas súplicas ao csmoler. Seja como for, é providencial a espcrc1nça, portanto, ante a expectativa de roedores que almejam à vida em sociedade, como a form it:a tão previdente 4uanto industriosa. Do ponto de vista do fut uro, é aleatório recorrer�se às previsões, po� rém as h ipútcses não são tão numerosas a ponto de escapar a formula� ções 4uanto às prohahilidades.

É

m ister recapitu lar o pao;sado a fi m de aventar�se o prognóstico.

O Romantismo adveio no Oitocentos; a el ite francesa exibiu a p latafor� ma que se esralhou nD Ocidente. Ecletismo filosófico, gradualismo polí� t ico, indianismo l i terário, entre nós se complementavam na dicotomia escravista e mercantil. Deu�se o nome de Conciliação a todo o processo monárquico, sendo o Poder Moderador o elo no campo institucional do compromisso assu� mido pelos senhores rurais e pela classe média urbana. Por todo o século passado, o estado de espírito dominante mostrava�se favorável ao h>Tadualismo

e

arredio aos rad icalismos. Citemos os processos de aboli �

ção d< 1 cativeiro, o curso d o movimento republicano, o caráter não cruen� to dos golpes de Estado.

A Repühlica pouco alterou a fisionomia política. Do ponto de vista da economia, as rdaçiks de produção ajustaram�se. O desapareci mento de situaçfJCs d típl ice� perm itiria a adoção de sistema de diretto privado compatível com a nova ordtm. O café passou a direcionar tendências, impor medidas, eleger estadistas. Punha�se ele na tendência, no rumo que partia da aliançél da nobreza lusa com a hurguesi:1 mercanti l. A Re, púhlic:J nada inovou em razão da forç:1 do passado, dos símbolos 4ue persistiam, dos mesmos ideais românticos que o l iberal ismo adotara. Dir��e�ia que paradigmas republ icanos - Rodrigues A lves, Afonso Pena, Washington Luís - fossem réplicas de espíritos imperiais como Bernardo de Vasconcelos, Visconde do l tahoraí e Marquês do Paraná, do ponto de vista do espírito público, da compostura e das soluções alvitradas. 43

A COER�::-JCIA DAS INCERTEZAS

A q u e l e t i po Je conc i l iação t i n h a , rorém, os d i as contados. O Positivismo minara as bases do Romantismo. Desenvolvera-se no Brasil como força de auto-suficiência e arrogânc ia. A pretensa certeza científi­ ca dava-lhe os ares de infalihil idade; a natureza autoritária selava- lhe o destino de ideologia das ditaduras. No sul do País, a versão nacional da corrente converteu-se em instrumento da intolerância política. O xaro­ re, preparado com os ingredientes de Augusto Comte, perdurou nos meios militares, apesar do desprestígio geral da escola em todos os países civilizados. Setor respeitável da incelligentsia nacional deixara-se i ludir por um pensador desatualizado, quando a ciência moderna nascia na reformulação da Matemática e da Física. Em 1930, a vitória revolucionária sorrira aos l íderes que tinham rro­ vocado a ruptura com o compromisso nacional. A ditadura, servindo-se da guerra mundial, perdurou por qu inze anos. A Conc i l iação afastara-se da atmosfera social e política. A dotou-se a carta autoritária de 1937; instituíram-se a tortura nos moldes nazista e soviético, o s institutos fas­ cistas das legislações trabalhista e tributária, bem como os meios adjeti­ vos também procedentes do direito italiano. A manceharam-se heranças continentais e símbolos da Contra-Reforma. A l iderança castilh ista também deu partida ao projeto de industria­ l ização à outrance, estimulando o êxodo rural aos grandes centros, a fim de faci l itar à indústria nascente a reserva de mão-de-obra miserá­ ve l ; anunc iava pelo interior as denom inadas conquistas sociais e ope­ rárias, enquanto retirava a ajuda aos lavradores. Provocava a fuga que daria origem às favelas do Rio de J aneiro e de São Paulo e, por conse­ qiiência, à violência e à criminalidade. De 42 m i lhões de remediados em 1 938, passou a população do País, em meio século, a cinqüenta milhões de fam intos. Em resumo, arrancou com falsas promessas a fa­ mília do interior, protegida pela economia de subsistência, para lançá­ la na mais hedionda pobreza. Conciliação e ruptura requerem o tema da dialética. Para a última, segundo o conceito mais d ivulgado, conciliação seria um estado apenas provisório, uma vez que as negações se sucedem e nova síntese advém, tendo início outro curso.

EXPLICAÇÃO IC'JDISPENS.Á..VEL

A revolução no vocábulo deve,se a Hegel. Os mc.rxistas o banaliza, ram, tomando,o mecanicista, pobre e inviável. Daí as posteriores desi, lusões dos discípulos 3a estatura de Korsch, Lukács e Gramsci, reduzin, do,se afinal

a

figura oficializada na extinta União Soviética a pobre

mecanismo de magia ou a sioples superstição. Por conseguinte, tratan, d o , se de conc i l iação ou rup tura. p roc ure mos :ugir ao d esastre epistemológico de semelhantes interpretações. Preferimos considerar o compromisso como restamável no processo histórico brasileiro. De certo modo,

:1

abertura polítiCa de 1 988, tendo

retornado o País ao estado de direitc com a nova constituição promul, gada, confima a condição de ajuste3 entre as variáveis já conhecidas.

O anterior autoritarismo do regime militar não teria também sofrido interrupção; antes, ajustara,se a perícdo de valores já presentes no orga, nismo social, mas de que participam as mesmas e determinadas invariâncias. Consideremos que o Positivismo, desde a concepção castilhista até a fase tecnocrata do regime de 1964, produziu a ruptura, exibindo os valo, res çré,românticos. O patrimonialismo, o corporativismo, a voragem fiscai vestiram,se de intenções de modernidade, paradoxalmente subin, do no que se refere ao crescimento industrial. Pouco importa que no futuro o artifício se mostrasse em maior atraso e pobreza. Exibe,se ele em forma de tabelas e gráficos, o que apetece aos tecnocratas. A questão se prende, pois, a conjunto de valores, bem como à dinâ,

mica d e l e s emergentes . N o Brasil colon i a l , s ímbolos l u s i tanos direcionavam as tenjências. O Saber de Salvação pontificava, refletin, do idéias da Velha Escolástica. Preconceitos inerentes ao movimento religioso permaneciam robustos por toda a sociedade, despertando rea, ção ao mercantilismo e ao lucro. A riqueza era abominada pelos cléri, gos; os comeciantes eram discriminados, mantendo,se o Estado no centro das atividades econômicas.

O pombc.lismo provocou a mudc.nça, introduzindo outros arranjos. As reforma� do Ma�quês, sobretudo no campo do ensino, tiveram re, percussão demorada, facilitando o movimento da Independência e a penetração do Romantismo entre as elites locais. Pombal instituíra, no entanto, feroz repressão medieval, métodos brutais de combate aos 45

A COE�CIA DAS INCERTEZAS

adversários pol ít icos, adotando, do mesmo modo, a corrupção e os institutos inquisi toriais anteriores. Foram símbolos e mitos franceses, desenvolvidos na universalidade que se seguiu ao progresso dos séculos

XVII

e

XVl l l ,

os provocadores de

correntes liberais e ecléticas na fi losofia, na literatura e no direito. Fendas e fendas abriram-se no muro reacionário que se rompeu em d iferentes pontos. Dessas circunstâncias, adveio a Conc il iaçãc monárquica. No final do século, j unto à efervescência intelectual européia, brota­ ram do espírito cartesiano o Positivismo e o Marx isno, primos cruzados que se estranham. A doutrina de Augusto Comte introduziu-se na esfe­ ra das d isciplinas científicas e institucionais. No co:1j unto novo que se tornaria a estratégia de militares e tecnocratas, assessorados por j uristas da mesma área, apagar-se- iam, em meio século, a conciliação e a cordia­ l idade do homem brasi leiro.

É preciso ter em conta que a passagem do milênio não pnxluzirá mu­ dança alguma na esfera do cotidiano. No dia primeiro da nova era, as pessoas encaminhar-5e-ão para a rotina, encontrando os sinais da véspera como o elo natural do processo da vida. Ao saírem da jornada do traba­ lho, o retomo a casa deverá refletir o passado vivido no milênio anterior, apagando d() espírito a diferença transcendental que por acaso desponte no trajeto. Porque, certamente, para o grupo de vabres que rondam os espíritos humanos, a relação é idêntica; ela não se altera do ponto de vista cronológico, mas sim no terreno de certa instabilidade sem previsão. Os físicos contemporâneos falam de sistemas d inâmicos instáveis q ue necessariamente lev:1m à revisão do conceito de tempo. Habituamo-nos a privilegiar a ordem, a estah l idade, tanto na sociedade quanto na natu­ reza. Associados a tais noções, também aparecem as escol has múltiplas e os horizontes de previsibilidade l imitada. Ilya Prigogine chama a aten­ ção para o fato de que, desde que as condições iniciais apropriadas sejam dadas, estas garantem a previsibil idade do futuro e a possibil idade de retroceder ( Prigogine, 1 996, p. 7 5 ) . Os sistemas dinâmicos instáveis quebram, porém, a simetria entre o passado e o futuro. Se voltarmos à H istória, encontramo-los, por exem­ plo, nos instantes que levaram César à passagem do Rubicão, Bonaparte 46

EXPLICAÇÃ..O INDISPEXS.Á..VEL

ao poder e, c:mseqüentemente, ao fechamento do ciclo revolucionário francês, bem como aos momentos deçisivos em que Lenin determinou o Golpe de Estado bolchevique de 1 9 1 7. Os valores duram milênios. Arrumarr.-se em funçãc suj eita a ordenamentos. Há, porém, si:uações novas com a emergência de símbo­ los que se revelam. Descobrem-se e provocam a mudança. Na fase da Conciliação, caíram eles de súbito sobre os arranjos anteriores, que vi­ nham do pombalismo; cresceram no papel que passariam a exercer, exi­ bindo-se no desempenho de idéias românticas. A questã::> dos c::>nj untos constitui o ponto crucial da matéria.

Os símbolos, como variáveis independentes, dispõem-se em arranjos: idéias e episódios deles decorrentes são função, como variáveis depen­ dentes. A de·:.::odificação compete ao� líderes arriculadores, na expressão de Voegelin, de mod::> que eles não produzem conscientemente os fatos, pois são meros agentes da função que, em última análise, desempenha a correspondência (Voegelin, 1 952, p.l07 ) . É mister considerar que os sinais arcaicos do ciclo templário e atlân­ tico j amais submergiram no conjunto romântico de natureza estetizame. Criaram-se e ordenaram-se na arqui[etura exposta. Da mesma forma, o advento da fase positivista, acrescentando os seus próprios símbolos, apen as subjugouos deslocados, sem destruí-los, tanto aqueles do tradicionalismo quanto os do iluminismo. O que vemos, pois, é lição de com?lementaridade. As situações sempre se compõem. A instabilidade histórica, de forma parecida com a disposição interatômica da matéria sólida, não só afeta a constituição geométrica dos arranjos, como também per:nite que outros valores encobenos ou emergentes se intro­ duzam nos conjuntos. Os opostos não são contraditórios, são complementares, assinalou N iels Bohr, o gên:o que abriu para o princípio de. física a aplicação a outros ramos do co:iliecimento ( Pais, 1 99 1 , p.97-3 1 1 -424; Reale, 1 977, p. l 39). A ruptura é um estado provisório na História. Não assistimos, jamais, à derrocada de valores consagrados pelos ho:nens. O "ser do homem é o seu dever-ser", consoante a meditação filosófica de Miguel Reale ( 1 966, p. 7 5 ) . A combinação apenas emardece em horas determinadas, 47

A COER�NCIA DAS INCERTEZAS

retomando com v igor na pujança de novos grupos de valores. J amais existiu crise maior, em nosso tempo, do que

a

do comunismo e do nazis,

mo, sob a batuta de Stalin e H itler. M i lhões de seres foram sacrificados pela fúria de dois tiranos; �erenado o hori2:onte, Alemanha e Rússia retomaram ao caminho da civilização. Se considerarmos as variáveis de quatro séculos de colonização por, tuguesa, observaremJS que apenas se atenuam as arcaicas no arranjo do conj unto. As atlantes - a pedra, o obelisco, o menir, o cromeleque; as templárias - a cruz,

a

procis:;ão, o cavalo,

a espada , o

báculo; as do ciclo

da navegaçãl) - a nau, o ouro, todas dançam Je modo ainda incompreen, sível, mas jamais se esvanecem do quadro. Dur,mte o regime m ilitar, precedido por passeatas político,rel igk�as, foram em geral os oficiais da cavalaria que assumiram o poder. O progmma era voltado à modernidade, JX.>rém, hábitos medievais seriam instituídos. A chamada aberturd democrática de 1988 pouco alterou o conjunto, ape, nas transferindo a brutalidade do autoritarismo para outros setores. Todos os símbolm permanecem, enquanw alguns surgem , a partir do século

XVll l ,

revolvendo o desenho. Do ponto de v ista dos valores, tanto

antigos quanto modernos, outros desempenham, por tempo maior, pa, pel de invariância no contexto. A lguns exemplos ilustram a situação, sobretudo aqueles que, consolidados, se projetaram no curso histórico, como o Saber de Salvação, destinado pela trad ição medieval a preservar a aversão ao lucro, o ressentimento aos ricos, a repulsa ao desenvolvi, mento econômico, bem corno a manutenção da nobreza em camada se, guinte aos senhores rurais da colonização,

a;

coronéis do latifúndio, os

beneficiários das estatais, os chamados marajás dos serviços públicos e os pmfiteurs da Previdência do Estado. Do período também remoto com:spondem as velharias, os privilégios

da nobreza lusitana, do clero, as práticas de governo. A estatização, o

nepotismo, a criminalização do d ireito tributário, a voragem fiscal ou modelos de confisco de hens, todos terão de conviver nos conj untos que hão de sobressair nas próximas etapas. A tecnologia posta a serviço de tais exped ientes aperfeiçoa os métodos de arrecadação. As escutas tele, fôn icas, meios sofisticados de gravação de vozes, e o poderoso Copei, j á 48

EXPL:CAÇÃO IN"DISPE::-JSAv"EL

inovação do atual sistema democrático - também denominado Serviço Secreto da Receita na caça aos sonegadores, sob a batuta competente dos fiscais -, acrescentam aos resultados novas parcelas que serão abocanhadas pelos parceiros do rei (Senna, 1 995 ). A universalidade, todavia, valor ainda lusitano, procedente da fase transcendental do reinado de D. Diniz, com freqüência permite que se introduzam variáveis estrangeiradas ou da era contemporânea arej ada pelo espírito da modernidade, isto é, tendências atuais do liberalismo, da economia de mercado, da ciência e da tecnologia. Por certo, entre tais vicissitudes, há outras que reproduzem parcelas de ideologias reacio, nárias, que encontram correspondência a valores arcaicos. �ão esqueçamos que o Positivismo e o marxismo uniram,se após a Re, pública no projeto de sustentar o autoritarismo, o patrimonialismo� bem como os prejuízos contra,reform.istas relativos à lh·Te empresa. Ao comunis, mo deve,se a preocupação de suscitar contradições, circunstância que o leva às tentativas de dis...--eminar a luta de classes, de estamentos sociais e raças.

Não há como impor, do ponto de vista de programa, seja este econô, mico, seja cultural, a ruptura do processo ou a forma de compromisso direcionada pelo princípio da complementaridade. Este impõe o modo como as variáveis da modernidade devem ajustar,se ao quadro, convi, vendo com os símbolos pujantes do passado. A questão consiste em direcionar as alternativas, que independem da ação prevista. O jogo das combinações determina,se pela incerteza, e apenas as relações decor, rentes da hipótese podem determinar o rumo histórico. Não há nada que discutir quanto aos resultados. Maus ou bons, são naturais, pois de, correm naturalmente dos componentes projetados. A complementaridade concilia, acomoda, ordena os contrários, ajusta, os, necessariamente. tanto para um destino nobre quanto para outro medíocre e odioso. A cada povo é proposto um ideal diferente de reali, zação da humanidade, observou

Á lvaro

Ribeiro ( 1957, p.323 ) .

Há outro aspecto que se deve avaliar no painel das relações entre variáveis independentes e as dependentes das idéias e episódios. As pri, meiras, no ato de receberem os acréscimos históricos, sofreram mutações importantes. A

cruz

original templária guardava o conteúdo medieval e 49

A COER�CIA DAS INCERTEZAS

atualmente apresenta,se, no movimento do sincretismo religioso brasi, leiro, propensa à ética capi:alista. A velha, arcaica, posto que mantida nos movimentos franciscanos e espirituais, como na Teologia da Liber, tação, é aos poucos batida pelo avanço das igrejas evangélicas e popula, res. O cavalo, também temphírio, convcrteu,se em meio avançado de transporte como o automóvel e o avião; o cetro d istanciou-se da coroa;

a mulher foi desmitificada do pedestal em que soberanamente era posta, igualando,se ora ao homem na vulgaridade; as procissões tomaram-se passeatas de reivindicações e demagogia. Do ciclo atlântico, no entanto, o ouro rohusteceu,se na glohal ização da economia. Desse quadro de valores, a comrlementaridadc hü de funcionar, en, contrando o equilíbrio na ordenação que

os

atores políticos obtiverem

do jogo imprevisível. A conc iliação nem sempre se mostra necessaria, mente positiva, do ponto de vista do avanço do homem, pois há o com,

promisso dos valores da banalidade. Como se trata de solução estatística embutida no aparente indeterminismo, os percalços, os recuos, os malo, gros ocasionais não invalid1m, contudo, a opção berente ao processo brasileiro de repúdio às radical izações, ao sectarismo, hem como aos apre, goados chavões do populismo.

A

primeira das alternativas expostas, como se viu, consiste na per

,

manência da trad ição do ecletismo. Criado pela miscigenação e con, seqüente sincretismo re l igioso, pelo influxo de correntes m i tigadas de reação ao Enciclopedismo, sobretudo pela feição que Rurke e Cousin lhe deram, forma o ecletismo, enfim, um conj unto de valores em nível razoável, perm itindo a re lativa absorção de processos cap i tal istas de desenvolvimento econômico e tecnológico de nações de�envolvidas. D i ga mos que se t ra t a de p roj eção como t e n d ê n c i a da c u l t u r a monárqu ica, nasc ida n o Oitocentos e repercutida a té a República Ve, lha pela inércia do pensamento filosófico nacional. Dir,se,ia ser a solução convencional, obtida sem esforço, deixando, se que as coisas aconteçam, apenas administrando os preconceitos ar, caicos, as idtossincrasias nacionais. Talvez a essa possibil idade se apltque o lema de Vargas, expl ícito em frase que aprec iava repetir aos próximos, sugerindo que 50

o

melhor seria "deixar como está pan ver como fica".

EXPliCAÇÃO INDISPENSÁVEL

A segunda possibilidade, também eclética, reside na africanização. Trata�se de vertente provisória, uma vez que a correlação demográfica no máximo em século e meio conduzirá o negro a reduzida parcela.

É prec iso notar que esta seria, antes de

tullo, uma modal idade também

eclética, porque inserida no quadro geral . Digamos ser essa preeminên� cia por certo curta, em termos históricos, conquanto os símholos da cul� tura africana se esmaecerão talvez nesse período, absorvidos ou expulsos do conjunto dos valores atuantes. A vertente avança com ímpeto nos últimos decênios, em razão da tendência atual para os critérios da ma l í� cia, do lúd ico e do esporte, preferidos pe la esquerda intelectual e, por conseguinte, pela mídia e por setores universit:f«JC3qS

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11 - O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA

madrugada de insônia, no rumc solitário, na dúvida metafísica que atra� vessa a vida? A esperança inventou a alma; o modo de conceber os obje� tos fez nascer o animismo, já definido como a poesia da religião. G>wper Pc·wys confessava que de cada planeta e de cada peJra emana uma presença que nos perturha com o senso da multiplicidade dos poderes divinos, for­ tes e fracos, grandes e pl'quenos, a moverem-se entre o céu e a Terra em seus secre­

tos propósitos. ( Durant, 1 942, p.63; cf. Powys, 1 930, p. l 80)

Que riqueza de valores nascidos do ciclo de formação mística e religio� sa, tanto dos orientais quanto dos ocidentais! A Lua, o Sol, as estrelas, a Terra, vários animais. A Lua precedeu a todos, pelo seu esplendor notur� no, pela forma circular de sua condição. Ora macho, ora fêmea, é deusa

das mulheres e dos poetas, fascínio das crianças, dignidade sobre a cahe� ça dos homens. Cabia-lhe ainda o governo das chuvas. Tornar-se-ia a presença dos ritmos biológicos, o tempo vivo, do qual é a med ida (Chevalier & Gheerbrant, 1 996, p.56 1 ) . O Sol a superou, quando, talvez, se firmou a agricultura. Era a bênção para o solo, crescendo o astro no fascínio másculo de seus raios. Atenas exilaria Anaxágoras por ele ter dito que o Sol não era Deus, mas simples bola de fogo. A religião o pôs na auréola dos santos. Extraordinária força ele exerce no espírito das coisas, das plantas aos animais, dos homens aos pássaros. É a ressurreição e a própria imortalidade, pelo eterno de seus elétrons. As estrelas, por fim. Movem�se sol itárias no pavor da noite, na d is� tância inconcebível. Tanto para o Antigo Testamento quanto para o j udaísmo as estrelas obedecem à vontade de Deus e, eventualmente, as anunciam. Não são cnaturas inanimada, portanto: um anjo vela sobre cada uma. A Terra também se constituiu d ivindade. Nesse papel ela intervém na sociedade como garantia dos juramentos. Nela as árvores possuíam alma, do mesmo modo que as fontes, os rios e as montanhas. A Terra representa a função maternal; ela e a mulher são com freqüência igua­ ladas. A mágica seguiu o animismo no rumo das crenças. Urgia con­ quistar os espíritos em prove ito de todos. Há cu ltos e simpatias. 87

A COER�CIA DAS INCERTEZAS

Levantam,se os feiticeiros, curandeiros nos festivais e cerimônias lú, guhres e estranhas. Visava-se à colheita, à expulsão de espíritos do mal. "A mágica principia na superstição e desfecha na ciência", expri, miu,se Will Durant ( 1 942, t. l , p. 7 l ) . O sacerdote aparece no difíci l período da transição apontada. Encar, regado, a princípio, das cerimônias religiosas, desdobra,se em atividades posteriores que o levam à classe espec ial dominadora do conhecimento dos mistérios e do saber. Se buscarmos alguns esclarecimentos nos perfis das culturas do Oriente Médio, identificamos aspectos que confirmam os elos acumulados du, rante o paleolítico e o neolítico. § 3 Elam, primeiramente, é o berço da cultura tanto oriental quan, to ocidental. Agricultura e comércio desenvolveram,se ali em tomo de símbolos já adquiridos e atuantes. Presentes definitivamente estavam o cavalo, o carro, a moeda, a escarita, a lei, o governo, a cerâmica; em conseqüência, apresentam,se a l iteratura, a música, a arquitetura, os jo, gos e até o imposto de renda. Tão estranha é esta cultura, a sumeriana, que os gregos tão sábios a ignoraram, Heródoto tudo desconheceu e os romanos não a perceberam em suas excursões militares! Foi posta no mundo há 7.200 anos. Cida, des se perderam, acompanhando o Eufrates, que segUla indiferente, rumo à Babilônia, vendo,as, depois, já sepultadas. Cepas raciais partiam,se, como hoje, entre semitas e não,sernitas. Terra de poetas e historiadores, mergulhada em mito, ligada a qual, quer passado profundo, inventou para os hebreus e para nós o terrível di lúvio, descreveu a Idade de Ouro, que Ovídio nos enviou. A guerra esculpiu,se entre os seus símbolos preferidos, dorninou, lhes as vidas; reis e rainhas tornavam,se deuses. No Louvre, a pedra funerária regista

o monarca Naransim, de arco e dardo, pisando os corpos dos guerrei, ros tombados. A agricultura também revelou os valores tradicionais com o arado puxado pelos bois, produzindo o trigo e o centeio. Os gregos os recebe, ram com o respeito poético de Ésqu:lo e Hesíodo. Este último produziu 88

11 - O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA

a oração, suplicando a Zeus e a Deméter pelo trigo sagrado, vinculando, o ao arado, aos bois e à terra. Jean Chevallier assinala uma curiosa cir, cunstância a propósito. A origem do cereal é desconhecida, pois nunca se conseguiu trigo ou qualquer dessas plantas alimentícias básicas. Ela surge, portanto, como presente dos deuses, ligada ao dom da vida ( cf. Cotterill, 1922, p. lO). Do mesmo modo, origina-se o milho. É ungido à prosperidade, em razão da semente. Outros, relativos à vida econômica, como o ouro e a pram, serviam de padrão de valores. Aparecem nos túmulos como vasos, em armas e ornamentos. A religião desempenha papel relevante na fixação de valores. O Sol é adorado, a Lua o é do mesmo modo, posto que encarnasse o pecado, sob forma humana. Já o ar vivia povoado de anjos e demônios, em luta pela posse e alma das pessoas. O acervo cultural inteiro da Mesopotâmia dirigiu-se ao país dos faraós. Razões geográficas e históricas explicam as vicissitudes. Podiam a cultura e o comércio passar facilmente, desde a Á sia, pelo Mediterrâ, neo, embora logo adiante se vissem contidos pelo deserto que isolava a Á frica do próprio Egito. Os sinais da emigração transparecem de ime, diato: a pitografia, o cobre, o selo cilíndrico, o tomo do oleiro, a roda e o carro; significativamente, na estatuária, as cabeças de ambos os povos são idênticas. § 4 "Quarenta séculos \-'O S contemplam", exclamou Bonaparte aos seus soldados defronte das pirâmides, o que nos põe lado a lado a velhos visitantes na dimensão da vida. Confirmavam-se entendimentos vetus, tos, jamais esquecidos. "Toda a gente teme o tempo", diz um provérbio árabe, "mas o tempo teme as pirâmides". Na visão do passado, César e Heródoto são mais próximos de nós do que dos primeiros faraós. Antes da primeira dinastia histórica, a cultura oscilava entre a caça e a agricultura. O que eles fariam com toda a riqueza de valores, recebidas de tantas fontes, do Ocidente e do Oriente, da Suméria, das ilhas gregas, talvez de civilizações esquecidas ou sepultadas ? Cerca de 4000 a.C., a resposta se deu com a unidade do mesmo totem, com o mesmo chefe do governo, com crenças e ritos idênticos. 89

A OOERíNCIA DAS INCERTEZAS

Ciência e arqu ite tura ex ibem,se pela criatividade de l mhotep. A pedra é a matriz de todas as atividades, ou dela saem os rumos estratégicos do poder, as aspirações das castas, o próprio anseio do povo, porque a engenharia, superior à dos gregos e romanos, nela se apoiava. Há muralhas de 37 mi lhas de comprimento, açudes de irri, gação, canais, um deles do N i lo ao Mar Vermelho, obeliscos enor, mes, além das pir:im ides. Blocos de pedras procedentes de distantes regiões, supriam as neces, sidades das obras monumentais. Dos animais notava,se a expressão do cavalo, que os egípcios obtiveram dos hicsos; o camelo só viria posterior, mente. O poder real encarnado no falcão ilumina o reinado de Quéfren, da quarta dinastia. Misteriosa ave, o príncipe do espaço, dominava o ,

céu. Senhor de olhos que tudo vêem, é herói de uma fecund idade uni, versal, familiar ao Sol e, pm fim, esperança na luz. A síntese de toda a herança dos Egito misterioso residiu nas pir{imides, obedientes a crenças religiosas e a ritos mágicos, túmulos que aspiram à eternidade, que reúnem na morte todo o conjunto de valores deposita, dos pelas mensagens do Oriente Médio e do Extremo Oriente . O emhalsamento perenizava a existência dos príncipes, a pintura dava, lhes meios de se perpetuarem, a mitologia desdobrava,se na missão de conciliar os espíritos de fontes diferentes. As bases da vida econômica repousavam em propostas também recebidas da Suméria. Do ponto de vista da ordem, os signos atuavam. Havia o cobre, o estanho e, por conseqüênc ia, o bronze; havia a cerâ­ mica, o couro, o papiro, o linho para tectdos finos. Do ponto de vista da ordem, agiam os signos com incrível brutalidade. Formalmente, como hoje, havia igualdade perante a lei. Aos juízes as súplicas se apre, sentavam; eram debatidas, j ulgadas, com direito a recursos às cortes. A tortura, o espan camen to, a m u tilação, o e x í l io e , afi n a l , o embalsamento em vida constituíam, porém, penas normais. O matriarcado proporciona situação privi legiada à m u l her, de l iberdade absoluta, até mesmo pelo sensualismo pré,marital inteira, mente l ivre. Há prostituição rel igiosa, os preconcei tos são reduzidos e o homossexualismo é tolerado. Da mesma forma que os sumerianos, 90

1 1 - O TESTEMUNHO DA HISTÓRL"-

os egípcios poriam na rel igião a pujança de suas mensagens. Ei-los atuantes, de forma intensa, j unto a ela. O céu e o Nilo eram as divindades inconfundíveis. Na abóbada situava-se a grande vaca. A Terra, deusa noite, recebia o céu e dessa cópula nasciam as coisas. A Lua também era divina, um deus, embo­ ra de menor importância que o Sol. Outras marcas sagradas adorna­ vam o quadro de entidades tão poderosas. A palmeira, o sicômorv floresciam na areia. Os animais, quase todos, eram adorados. A pró­ pria serpente punha-se no rol das venerações. Mitos subl imes ador­ navam a constelação de mistérios. Ísis, a Grande Mãe, que vencera a morte por meio do amor, era esposa e irmã de Osíris. Fora ela quem o revelara, bem como ao trigo e à cevada. Era também venerada pelo povo, considerada Mãe de Deus, mostrando-se no estáhulo, amamen­ tando um bebê. · Os sacerdotes tornaram-se a base do trono. De pai a filho, a casta enrij eceu-se ( Frazer, 1 964, p. 2 1 0- 7 ) . O que realmente i mportava quanto aos egípcios era, porém, a mística da imortalidade, a preser­ vação dos cadáveres, pois o corpo, como o pássaro, ;>ousava na alma. Ao contexto j untava-se Ka, formando-se a idéia trinitária, que abor­ damos no capítulo anterior em sua fase cristã. Fechando a mitologia, o barqueiro acrescentava, independente, o papel de porteiro do destino, dando rassagem aos bons que partiam da vida. A porta guarda o sentido transcendental da caminhada entre dois mundos, a luz e as trevas, o te5ouro e a pobreza. Convida à viagem des­ conhecida. Portais da morte e da vida, ali se acha o guardião. Diferentes traços juntam-se à preocupação da morte, constante no processo mítico do povo. O túmulo estava repleto de alimentos, talismãs, um deles o escaravelho, espelhando a alma redimida.

Amenotep m ou Ikhnaton seria a exceção na longa história do Egito. Um Shelley no trono, diria Will Durant, quatro mil anos depois ( Durand, 1 942, p.2 1 4 ). Deus era um só, exclamou ao tornar célere a derrubada dos mitos arcaicos e a revisão dos valores surnerianos. Já se observou algures que a concepção poderia ter sido a geopolítica necessária, visando-se à unidade do Mediterrâneo sob a liderança do 91

A COERENCIA DAS INCERTEZAS

Egito. Na verdade, os mesmos valores se sustentam em politeísmo dis­ farçado. Em cantos e versos candentes, o faraó saúdel o Sol no horizonte do Céu, avaliando como incomparável, cintilante, tudo dominando. As graças antigas estão em vigília no esforço da conversão. Tu és Rei, canta o poeta, teus raios estão sobre a Tt.·rra. N a descrição apologética, o leão sai de sua caverna; as serpen tes, do mesmo modo, manifestam-se no mundo, que cai em si lêncio. Pelos raios, o Sol explode, pois, em man ifestações, expulsando as trevas. O gado, as árvores, as plantas, os pnidade. Isaías é o maior deles. Em suas palavras é que se pressente, como fez Virgílio, o nasci� mento do cristianismo. Flutua em meio aos g:'itos trágicos da nacionali� dade, erguendo�os na poesia de suas prédicas loucas: O loho e o cordeiro comerão juntos, e o leão se alirnemará de palha, corno o

boi; e o pó será a comida da serpence. Ninguém ferirá nem destruirá, em toda a

minha montanha sagtada, diz o Senhor. ( Isaías,

LX'J,

25).

Do mesmo modo expressa-se Amós, cuja voz se dirigia às utopias do socialismo. § 7 Uma relação m isteriosa interligou Suméria e Índia, revelada aos especialistas pela semelhança de selos e sinetes, potes selados etc. Os estudiosos impressionarat::l.� se pelo fato de que tais objetos perten� cem aos primôrdios da cultura babilônica e à última fase da civilização hindu. Adoradores da serpente, divindade da virildade, de espíritos moradores em pedras e animais, em árvores, em montanhas e estrelas. No elenco de crenças havia o dragão, o touro. Antigos deuses dos Vedas saíam da natureza: o Sol, o Céu, a Terra, a Chuva. Havia também o fogo, chama da vida, o raio e o trovão. Houve aspectos que se mantiveram ignorados no longo percurso his� tórico dos povos semitas e não�semitas. Não nos referimos às origens, às possíveis relações com civilizações e culturas desconhecidas ou desapa� recidas, de que carecem provas necessárias. Trata�se de situações que brotam súbitas, marcando fases, provocando episódios inusitados, de� correndo, pois, surpresas e dificuldades de en:endimento. 95

A C:OERtNCIA DAS INCERTEZAS

Alguns desses incidentes apontados ocorreram na Índia, com sur� tos fi losóficos e com o próprio hudismo. J á nos Upan ishaJes apare� cem críticas ao sacerdócio trad icional. A dúv ida e o ceticismo atra� vessaram os melhores espíri tos do período, que desmentiam as crenças, pondo em dúvida o próprio conhec imento. A alma seria escrava do acaso; a morte encerrava de vez o ciclo de todas as coisas. Buda alcançou plenamente este ciclo de ateísmo e materialismo. Como explicá� los ? Os Chervacas selaram o final da era dos Vedas, debilitando os brâmanes e criando condições ao nascimento de novo credo. Talvez nisso resida a j ustificátiva agnóstica, ahrindo a expectativa ao hudis� mo nascente. Em verdade, seu fundador, Sidarta, ou Gautama, seu nome de fa� mília, nasceu envolvido por valores arcaicos. No H i malaia, tão prt)� x ima a outra cultura, a dos mongóis, sua mãe, ciente do significado de tudo, foi levada para o lago Anotata, vestida de roupas celestes e enfeitada de flores sagradas. Próxima, achava�se a nwrwmha de prata e, em seu cimo, a mansão de ouro. Fora lá posta a criatura grávida, a Rainha Maia, que no sétimo dia antes da Lua houvera tido um sonho revelador. Trazia em si como óleo na ânfora, aguardando o parto. Então, após dez meses, disse ao Rei, seu esposo, onde aspirava a parir. Aí chegando, deitou�se no bosque, pondo�se protegida por uma grande án'ore, estendendo a mão para u:n seu ramo. Este se inclinou, sol íci � to. No sonho, a criança nascia. O momento real chegaria, surgindo o Elefante Rranco, cuja tromba era cala bre Je prata com lótus branco. Entrou na mansão, rodeou três vezes o leito, recebendo a nova existência. No dia imediato, os brâmanes interpretaram o sentido, vaticinando o destino de Buda. Sua filosofia não se insere a rigor no processo brâmane. Antes se most ra teologia sem deus, psico logia sem a lma, adversá ria do animismo, definindo a vida como corrente neutra de transformação (Woodward, 1 974, p.46 ) . O brâmane reunia atribuições que extravasavam as do sacerdócio; educava�se ele ainda para pedagogia, legislação, literatura e ciência. 96

11 - O TL 'ICMUNHO DA HISfÓRlA

Manipulava a fé popular, interpretando lendas, dispondo,as oportuna, mente no contexto. A respeito da mulher, borda,se em tomo dela a constelação de sím­ bolos menores. Exemplificando: tomou a redondeza da lua e as curvas das trepadeiras, as volutas das gavinhas, a

fragi­

lidade da grama, a dekadeza dm caniços, o desabrochar das flores, a leveza das fo­ lhas. O meneio da tromba do elefante, o olhar dos cervos, o zunzum das colméias, a

alegria dos raios do sol, o choro das nuvens, a inconstância dos ventos, a timidez da lebre, a vaidade dos pavões, a maciez dos p=1pos dos papagaios, a dureza do diamante, a doçura do mel, a crueldade do �igre, o calor do fogo, a algidez da neve, a tagarelice dos gaios, o arrulho da kokila,

a

hipocrisia dos graus, a fidelidade do chakravaka,.

misrurando tudo, fazemo-se muiher, entregue ao homem. (Havell, 1 920)

A colocação da fêmea na sociedade, no entanto, era dramática e hu, m ilhante, e tais cintilações deslocaram,se para o cristianismo. A divisão do budismo em diferentes seitas, sua diferenciação em regiões, como Tibete, Mongólia, China e Japão, o debilitaram sobre, modo. Tomou,se ele suavizado em seus princípios; aj ustou-se às nor, mas da tradição, acatando o uso da água sagrada, de círios, incenso, rosário, jejuns, canonização. O advento do hinduísmo sequer sacudiu o passado, posto que intro, duz isse m udanças na h ierarquia das divindades. Brama assumiu a hegemonia, figurando na tríade com Shiva e Vishnu. Encarnava-se em Krishna, entidade milagreira, cujo maior discípulo foi Arjuna. Mas são milhões de pequenos deuses - os velhos permaneciam, como o Sol a ves do mar, elefante, macacos e cobras, crocodilos, tigres, pavões e pa, pagaios. No centro, a adoração remanescente: a Vaca. O esterco e sua urina utilizavam-se como ungüento e vinho, voltados à higiene; seu couro j amais era empregado. A Índia, não tendo concluído sua jornada, permanece no espírito universal como perplexidade. A trajetória experimentada nessa exposi, ção revela,se no conjunto; mil anos se resumiria em conjunto paradoxal de sabedoria e ignorância, riq"Jeza e pobreza. É terra de grandes matemá, ticos e poetas, de fanáticos e conformados. 97

A C..'OffitNCJA DAS INCERTEZAS

§ 8 Ao abalroar outro ponto - a China - encontramos os seus filhos, os mais profundos de todos os homens, segundo o j u ízo de Keyserling ( 1 929).2 Cerca de 20 mil anos antes de Cristo, a Mongólia já era povoada por gente na era do mesolítico. Outras centenas de povos lá arribaram, quan­ do se ignoram, inclusivamente, impactos do Oriente Médio. De certo modo, integra o quadro da cultura sumeriana e nesta os valores mostra­ vam-se então uniformes nas artes e indústrias. A metafísica, que corta esse impacto, atropela, no entanto, a visão de simples aditamento . Tao-te-Ching realiza obra assustadora pela profundidade. Lao-tsé, seu provável autor, vale por toda uma literatura. A cultura chinesa surpreende pelas contradições mbjacentes. A filosofia é avançada, priorizando a mo­ ral, mas o povo é supersticioso, dcminado por sacerdotes e enchido de deuses. Há mitos e símbolos recebidos do Elam e da Suméria. O animismo é seguido da adoração do Céu. Há o vento, o raio, as éirvores, as monta­ nhas, os dragi5es, as serpentes. Céu e Terra juntavam-se, e, por fim, eis o Tao, o caminho ce leste. O que se viu foi, portanto, a indiferença do povo ao racionalismo religioso de Confúcio. A preferência geral pelos valores tradicionais sobrepunha-se no respeito e submissão às estrelas, na obediência aos feiticeiros quanto aos ventos, à chu va e ao Sol. Dessa forma, o chinês tornou-se tanto budista quanto confucionista, taoísta ou eclético. Jamais se converteria ao cristianismo ou ao credo maometano ( Yutang, 1966, p.225 ) . Não fugiu o Japão às mesmas vicissitudes d o vizinho, adotando os deuses, os espíritos, as plantas, estrelas, insetos e árvores. Tem assimilada pelos leitores. 98

11 - O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA

como o Touro, montanhas, ca�·emas, bem corno o número 3. A magia a encanta. Dela fazem uso os mesopotâmicos, que lá aportaram com os produtos comerciais. O Sol, a Lua, a pedra, a serpente, as árvores reapa, recem. Zeus tomara,se a chuva, que fertilizava o solo, e as superstições empregavam,se para aplacar as iras dos deuses temperamentais. Recebe, ra,se dos egípcios o culto aos mortos, enterrando,os com rações de al imentos e artigos variados. Dos fenícios vieram as bases para novo alfabeto, ou talvez o tenham precedido.

§9

À herança sumeriana seguiram,se outras afins. Os mercadores

fenícios, os babilônios fomeceram,lhes a tecnologia, os instrumentos astronômicos e a própria geometria. O longo inventário mitológico se, ria enfadonho ao leitor, afastando,o do intento do volume. O Touro e a Vaca eram mistos de símbolos e semideuses, perseverando tanto remi, niscências egípcias quanto costumes incestuosos. A dispersão helenística, de 322 a 1 40 a.C., teria partido de nova inter, pretação após a morte de Alexandre. Havia de espalhar,se a civilização grega por todos os quadrantes, desde a Ásia Menor até a Índia, pelo Medi, terrâneo adentro até a Península Ibérica e continente europeu. A feição enriquecida de estética e saber arrastava,se vigorosa com o comércio, com a imigração de individualidades, como se uma raça fu[, gurante desse início à revolução da modernidade.

É preciso entender o

fato a fim de se avaliar o regresso dos símbolos enriquecidos aos seus penates e a outras regiões povoadas de bárbaros animistas. Seleuco uni ria sob o seu cetro toda a Mesopotâmia, construindo Antióquia, e m ilhares de almas povoaram esta região. Por onde ia aque, Ia gente grega, pouco importavam as vicissitudes de guerras e as derro, tas; o ar renovava,se em beleza e cultura. Da mitologia ao teatro, da ciência à literatura, a renovação brotava de raízes ignotas, incluindo o arado, que Roma receberia mais tarde na aliança espiritual que celebra, va com a herança helênica. No quadro de expansão, a J udéia crescera sob o domínio dos ptolomeus. Desse conúbio o cristianismo sairia, alguns séculos depois, com aquela graça subjacente ao rigor aramaico.

A CO�CIA DAS INCERTEZAS

Pela Sicília, a d1áspora alcançou a península italiana. Houve o con� fronto com Cartago, invasões seguidas, perfíd ias e v iolências, até que Roma decidi u acabar com a festa. A i lha tivera então o hom senso de manter por meio século a aliança com o continente. A vida cultural foi clássica, tempo de Arquimedes e Teócrito, o sábio e o poeta; Siracusa transformara-se na mais próspera cidade da Hélade.

O futuro império tomara-se epicurista. As forças que de longe vieram ajustaram-se à vida comum do povo, logrando abalar a fé antiga; proce� diam da Ásia e do Egito, reivindicando cultos, vegetarianismo, reencar­ nação, adoração do Sol, Mitras, soldados da luta entre a e as Trevas.

Luz

A semente cristã trazia, da parte dos j udeus, o monoteísmo e a certeza de um filho seu ressurrecto. Roma cresceu, tomando�se poderosa, não per­ dendo, porém, a relação cultural com a Grécia. Os séculos passavam; a maré oriental grega mantinha�se insolente. No segundo ano da era cristã, o povo continuava a crer na descrição

homérica de outra vida. Íris era a Rainha do Céu, a Estrela do Mar, a

(;. -

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u

Mãe de De s. Imperava também o culto persa de Mitras, e a ressurreição

;

de Osín·s era comemorada em procissões. ra tava-se da presença do

T�uro,

trazida de Capadócia por Pompeu. Não 1a 1tou a serpente, vinda à 1 erra a flm de servir de oráculo. Quando se inicia a decadência, Roma defronta-se com os cristãos em desmedido crescimento, como nos passados cultos de Ísis, quando os escra­ vos se agregavam aos neófitos. As mulheres, cabeças cobertas pelo véu, com­ pareciam submissas e sem encanto. A força centrífuga irradiava-se ptx:l.erosa pelos arredores, procurando o interior, os campos, ainda indiferentes. O patriarcalismo greco-j udaico fazia incidir sobre a comunidade nas­ cente os conselhos de Paulo: que

se

mantivessem quietas, ocupando lo­

cais d iscretos. A mulher foi feita do homem e deve cobrir a cabeça em sinal de respeito para mostrar a suj eição ( Paulo, Coríntios, XI ) . O rigor essênio, na antevisão do futuro Saber de Salvação, exprimia-se como comunismo então espiritualista, invectivando os ricos e, qual os teólo­ gos atuais da libertação, prenunciando a mais-valia marxista.

O pão e o vinho crescem como símbolos renascidos dos orientais, consagrando as ceias já presentes nos cultos pagãos de Dionísio, Atis e 100

11 - O TESTEMUNHO DA HISTÓRIA

Mitras. As propostas da libido davam àquele ágape o toque sensual dos

beijos na boca, regulamentados cuidadosamente a fim de que o sexo não aflorasse com a intensidade do antigo fogo romano. As cautelas adotaàas contra a superstição eram constantemente to, madas para que os sinais pagãos não manchassem a pureza da nova fé. Assim nasceria, no final do século II, a missa em forma do credo. M istura de ritos gregos da purificação e formas judaicas recebidas do Templo de Jerusalém, o sacrifício exriatório do cordeiro de deus intro, duzia,se, substituindo ritos resguardados. O mundo gentio desabava aos poucos diante do pessoal disposto ao sacrifício e à dor. Sem dúvida, o código moral todo rigoroso exacerbava,se em razão do esperado retorno do Cristo, motivo por que o juízo Final se punha diante da dúvida de cada um e de seus sentimentos de culpa. Quando, aos poucos, a esperan, ça se ia desfazendo, retornavam as fraquezas humanas. R itos especi a is eram extraídos de antigos cultos; a parafernál ia firmara,se também em torno de vestígios, alguns sepultados, outros apenas escondidos. O batismo, a comunhão apareci am no cenário místico, e a eles se juntariam outras solenidades. Em outro passo, a Igreja tomou da Epístola de Tiago ( v, 1 4 ) a extrema,unção, por fim, o enterro, que trazia de volta o respeito egípcio ao corpo inanimado, enquanto se p roc lamava a ressurreição d a c arne . Surg i a m as catacumbas, no renascer de pirâmides acesas à e ternidade. N elas re, pontavam os símbolos da nova religião. Surgia a cruz, opondo,se ao fascio, conduzida pelos centuriões pela Á sia Menor, pelo norte da Á frica, de onde partiriam os grandes doutores - Tertuliano, Agosti, nho; surgia a pomba, que figurava a alma l ibertada, a Fênix, de raízes egípcias, que, queimada, renascia luminosamente das cinzas; surgia o peixe, vocábulo traz1do do grego, em cujo idioma a palavra parecia prestar homenagem ao Senhor; surgiam a i nda antigas reminiscências sumerianas nos preitos às t1ores, às trepadeiras, às a ves. Significativamente, o espírito judaico trazia nos afrescos dos artistas artesãos o recato quanto à estatuária, vista como idolatria. Era preciso criar o novo, sem o abandono do velho, o que ocorreria com o trata, menta da música nos templos, a seguir discretamente a escala helênica. 101

A COffit.'IJCIA DAS INnlo e da predestinação absolutos,

é

c mau emendimemo da

esnurura

como princípio que se desinregrc. inexoravelmente por .si mesmo. Esra visão emanística cobre de nuvens o papel que desempenha o meio - geográfico, histórico e social

obscurece rambém a margem das variações individuais. (Mannheim, 1957, p.l07) 132

-

e

IV - A CI�CIA E A CONSC:l�CIA

Já em nosso tempo, as pesquisas ao assunto tiveram o cuidado de avaliar a consciência histórica diante da necessidade de conceber idéias como combinação intelectual destinada a enfrentar a realidade que é exposta. Dir,se,ia ser o resultado do quadro de maior intercâmbio cultu, ral , de maior facilidade de diálogo entre os filósofos e cientistas, entre os intelectuais em geral. É preciso considerar que o ponto de vista não invalida ações perrna, nentes dos valores anexos aos conjuntos de símbolos, apenas com a cir, cunstância de maior presença daqueles universais. Digamos que os ob, servadores, sej a o filósofo, seja o ideólogo intuitivo, o captem no painel mais amplo da universalidade. A figura do estrangeirado, desde que do, tado de curiosidade intelectual, ou muitas vezes v iajado e melhor escla, recido, desempenha o papel de semeador ao regressar à terra. Outro fa, tor distributivo é o livro, desde a descoberta de Gutenberg, seguida ad nauseam, em nossos dias, até o satélite, o computador e a fibra ótica. Registre,se nessa moldura a fascinante dinâmica do número como sím, bolo universal, acima dos idiomas e das nacional idades. Quanto ao segundo item, ou seja, a produção do episódio, não é o observador intelectivo e atento que se desincumbe da tarefa intuit iva, mas o ator que articula a relação entre as variáveis independentes dos símbolos e dependentes dos objetivos. O discurso é tumultuado na segunda etapa. Ele, o articulador, percebida a intuição em seu mani, festar, dá partida à retórica e não a submete a meios tranqüilos de apu, ração, antes a realçando na forma bruta de correspondência intuição, retórica. Ou, em casos determinados, apenas atravessa o processo de apuração dialética com a pressa que os acontecimentos imprimem. Eis o motivo por que os erros dos líderes tornam,se comuns e facilmente identificáveis. A irracionalidade na H istória é constante e persegue fins contraditórios de ruptura. O processo se apresenta, pois, em con, d ição intuitivo,emocional e precariamente lógico. Por essa razão, a manipulação das idéias difere da dos fatos. Há outros complicadores durante os confrontos entre os valores, quan, do os intérpretes se jogam na azáfama das decisões. Uma delas, apenas para ilustrar, nasceu da atividade de Wycliffe, no século XIV, para antepor 133

uma discordância com o papa. O conflito entre os símbolos cresceu des, de o debate da transubstanciação, nome que se dava ao processo de mudança mística dos elementos cristãos. I)e matéria teológica, a tese alcança a Boêmia, já nos primórdios do século seguinte, durante a tenta, riva da reunificação da cristandade. A insurreição marca o tempo de sua dissolução, tendo começo as guerras religiosas. Desde a queima de ossos exumados, a j ustiça pelo fogo de pretensos hereges à radicalização dos hussiras para o comunismo, os símbolos sacodem os tempos em plena desgraça da peste negra. Em conseqüência de tudo haveria a Reforma, quando o livTO, como símbolo, subiu a pomo de rorr.ar,se uma das cons, rantes mais resistentes da humanidade. Desde os romanos, os livros sibilinos eram consultados como espécie de oráculos, até o Liber Mundi, a própria Revelação. Em nossa tradição de origem lusitana, também se identifica ele com cerras versões da Bus, ca do Graal, buscando,se aqui a palavra perdida. A pergunta que ora se formula diz respeito ao papel dos símbolos nos dois casos. Como se d:ferem em conseqüência ? Quando e como eles partem para o desencadeamemo do processo ? Tratando,se de va, riáveis independentes no conjunro, uma ou outra combinação produz a primeira faísca mental,

a

onda primeira do manifesro. No caso de

faros ou episódios, do modo como se desencadeiam em relações de causa e efeito, sugerimos que a ação da variância proj eta,se ao alvo, como se o calor de uma turbina servisse de atração ao míssil em movi, mento. Por cerro, a primeira cintilação na mente do líder,arriculador, esboçada por aquele incerto símbolo emerso do conjunto, sustenta,se na trajetória dos episódios até a interrupção da onda. O exemplo da revolução soviética lança alguma luz sobre as circunstâncias expostas. Lenine deixa o exílio por proposta alemã, desembarca em São Perersburgo, trazendo o propósito de não tentar per inteiro a mudança do sistema. Acreditava que as condições históricas não a ensejariam de modo radical, considerando a debilidade da classe operária e as cir, cunstâncias naturais da conjuntura intemc.cional. Em 22 de janeiro de

1 9 1 7, dizia ele em palestra com jovens que a velha geração não viveria a fim de assistir às baralhas da revolução em caminho (Wilson, 1 9 7 2 ) .

IV- A Crâ.:CIA E A CO:KSCI:ÉXCLA.

Desencadeadas as primeiras medidas táricas, imprimiu-se, todavia, velocidade imprevisível aos acontecimentos. O ainda obsenrador, no afogo do processo a que se visava, tomou�se ator, acabando por ser guiado. Na hipótese das idéias, o processo não comporta aceleramemo e não funcior.a de modo direto, em razão da assimilação pelo observador do próprio volume delas e de seu evolver. Na reflexão, que se apresenta como proposta, enconrram�se os pro� blemas de como relacionar tanto idéias e símbolos como os últimos e os acontecimentos. As exposições tomam�se independentes em virtude da forma do discurso e das personage:1.s, pois, em verdade, obs ervador e awr diferenciam�se apenas no modo como atuam em face da realidade. Ademais, aos episódios se atribui a condição de variáveis dependen� tes, enquanto aos símbolos e valores, a de variáveis independentes. A dificuldade consiste no relacionamento entre os dois conjuntos tal circunstância os percalços que

§2

se

e

de

levantam.

A matéria que nos propomos resumir, como vestibular a este

ensaio, sujeita�se à imerdisciplinaridade nos vários ramos do saber. Lidamos com idéias e episódios no quadro de algumas civilizações. O propósito de encontrar a equação analítica conduziu�nos a dois cami� nhos que, pela natureza própria de cada um, fogem às hipóteses de para� leias. Todavia, não descrevem no espaço rumos discordantes, antes se conjugam à mercê do prindpio quântico da não�te:nporalidade. Em primeiro lugar, aparecem

o:;

fatos, neles intercalam�se idéias,

teorias, religiões. Na tratar:va das vicissitudes que os unem e os sepa� ram, algum traj eto abre�se concomitante. Outras vezes, de idéias promanam episódios. Trata�se da gnose que se mistura ao conhecimento perdido, oculto na cerração de longínquo passado. Trara�se do númeno, núcleo da paidéia, cujo conjunto contém os mitos e os símbolos. O cadinho é or.de as misru� ras se darão primeiramente

n::> planeta, e depois no espírito humano. Nada

escapa da reação que as circunstâncias determinam no cômputo. A gnose fala por seus valores imemoráveis, a r_istória pelo relâmpago do fato ou por cintilação de idéias; afinal, elas se juntam para a criação do perene. 135

Na conclusão de seu trabalho clássico. Jean Chavalier aborda o as, pecto dos temas imaginários, que podem ser universais, intemporais. enraizados nas estruturas da imaginação humana, mas chama a atenção para o também dife:-ençar,se cada um deles, conforme os homens, as sociedades e a situação em dado instante. Essa advertência deve ser recebida a fim de que se atendam condi, ções próprias de cada cultura e de cada período histórico. O exemplo fornecido pelo citado autor é sugestivo. O !eão, poderoso. encarnação da força. da Sabedoria. orgulhoso como o Pai, o Mestre. ofuscado pela própria presença, toma,se o tirano, crendo,se protetor. Apresenta,se de várias formas. Serve de trono a divindades, símbolo da justiça, da Índia

à Europa e África. do Egito ao Extremo Oriente. Mas em cada cultura apresenta,se com virtudes e defeitos específicos.

O leão perseguido por um arqueiro, na cena de caçada babilônica. não apresenta o significado das visões de EzequieL Outro é o rei dos animais, embora idênticos, quase são a matriz, o código próprio. Quan, do no Brasil o leão é apresentado como o instrumento de i:ltimidação da máquina fiscal, exibe,se a cultura contra,reformista do País, embora conscientemente não o perceba o burocrata, que age em razão da heran, ça arcaica. Do mesmo modo, o povo manifesta,se com relação a diferen, tes situações. dei.'JCL-\ E A CONSCIÊ\CL-\

tetura juntara aquelas pedras. Nada disso deveria ser diferente pelo fato de Hamlet ter ali vivido. No entanto, apesar de exi5tir uma única refe� rência ao príncipe em crônica do século XIII, as muralhas exprimiam outra linguagem, pois o que os visitantes mesmo conheciam era o que Shaskespeare expusera sobre a condição humana. O sábio dinamarquês por fim concluiu: "Não é estranho que este castelo seja outro daquele onde imaginamos ter vivido Hamlet?" (Prigogine, 1 990, p.38). Prigogine e Stengers reconheceram no episódio o leitmotiv da vida de :-Jiels Bohr: a inseparabilidade emre a realidade e a existência humana. Imprime-se, neste exemplo, o toque vivo do condensado, a direcionalidade discursiva do consciente. O observador, movido pela preocupação da interligação, externou-se pelo consciente. A ação inter� posta deste com o não�consciente ou inconsciente só se daria na hipóte� se de ação intuitiva e emocional. Optamos, assim, por critérios da interdisciplinaridade na abordagem trinitária do problema. Para isso, acrescentamos ao triângulo a figura da função na questão dos episódios históricos, representada pelo líder arriculador, aquele que atua na decodificaçãv dos símbolos. Seu desempenho não obedece ao critério do citado observador de Botticelli, faltando�lhe a ric_ueza do juízo c:úico, por ser basicamente intuitivo. Eis o motivo por que, ausentes a coerência, o raciocínio sere� no, uma vez que irregulares lhe são os acenos, sempre ditados pelo aca� so, os enganos primários são às vezes fatais e definitivos. Figuras extrava� gantes e repelentes mostram�se na história como as dos tiranos, dos demagogos, dos energúmenos. Com freqüência, os últimos passam como meteoros, que parecem esfuziantes no momento, mas que em poucos anos se esvaem como pobre vaga�lume, paracléticos, montados em vas� souras, ressuscitandc fantasmas.

A TRANSFL�TAÇÃO DE SISTEMAS

E

IDÉIAS

v

Q

§ 1 bolos sobre

uanto ao segundo aspecto do problema, a ação dos sím­

ê.

sociedade, provocando episódios, é mister estabelecer, de

início, o caráter aparentemente indeterminístico da incidência. Eles, os primeiros, são duradouros, resistem a mudanças, a guerras e a dominações, impregnando tanto vencidos quanto vencedores. Do ponto de vista da exposição, a metodologia aplicada obedece à prioridade sociaL

De tal condição, os heróis e os deuses devem proceder, os fatos ocorrerão. As honras se prestam aos órficos, os símbolos se submetem aos fundamen, tos, matéria primordial. São filhos de tempo, que precede o princípio. As premissas de nosso trabalho são transcendentais na medida em que consideramos o Brasil integrado no espírito português desde a fase megalítica. A descoberta no século xv foi ato formal, facilitando, em razão da não-temporalidade do processo, que os símbolos, arcaicos, atlân, ticos e pombalinos, em sua dinâmica, se cravassem e funcionassem no novo território. Admitamos que, posta a questão em termos de conjunto de símbolos e conjunto êe episódios, a função se dê por meio de líderes,articuladores ou atores, sejam eles reis. rainhas, lfderes paracléticos, gnósticos ou de, magogos. É necessário esclarecer que, no caso em apreço, a leitura não será interpretada por meio de fórmula; há de decifrar-se de modo diverso. Em primeiro lugar, define,se o campo. É a natureza das coisas, o ponto inicial para o raciocínio. Aristóteles, que realizou a especulação primeira sobre o tema. cha, mou a atenção para os filósofos que o antecederam. investigando os prin, cípios de que elas provêm. Com o cristianismo, a noção amplia,se até l ii

A L:OERf:l':CtA !JA!:- INU:.!UELA.!:-

Deus. O Renascimento adveio abrindo caminho para a visão científica do problema, segundo Newton e Galileu. Depois veio Kant, que distin­ guiu a natureza, mar:erialiter spectata. ou conjunto total dos fenômenos, da formali ter spectata, ou sistema de leis

a priori

da mente.

Impondo a mente leis à natureza. aberto estava o caminho à especu­ lação transcendental sobre a matéria, e a ciência moderna abrangeu os aspectos mensuráveis da primeira. Filósofos como Bergson, Whitehead, no campo da física e da biologia, tentaram integrar, porém. as interroga­ ções formuladas pela ciência na filosofia (Pires, s. d., p. l079). Por fim, quase que voltamos aos pré-socráticos, que pensavam ser o mundo deri­ vado de um ou de poucos princípios. até mesmo do enigmático ápeiron ou de uma combinação, posto que :necânica. dos átomos. Desse modo, lendo as lições de Feynman sobre os elétrons e suas interações, do ponto de vista da mcdema eletrodinâmica, não mais sur­ preende a conclusão de que a forma que se tem no ramo mais coerente da Física ":rara ex--p�icar a Natureza nos é geralmente incompreensível'' (Feynman, 1 992, ?-99 ) . Ou em linguagem mais crua: "a teoria da eletrodinâmica quântica descreve a 1\atureza como absurda do ponto de vista do senso comum" (ibidem, p.2 7 ) . Isso não impede que considereoos a Natureza uma realidade com­ plexa que a ciência vem desvenda1do nos seus aspectos observáveis e mensuráveis, enquadrando-os e situando-os no espaço e no tempo. Com­ plementarmente, enquanto inquire seus temas, a Filosofia a retoma em dimensões mais profundas, a fim de descobrir o sentido e as condições inteligíveis subjace::1.tes ao processe da realidade, ao pa..;s; o que a Teolo­ gia, levada pela Metafísica, também participa da investigação, observa­ dos os métodos próprios de cada disciplina. Acresce que não se pode demonstrar, como já salientamos anterior­ mente, qualquer teoria matemática estatística ou de heurística que jus­ tifique a atividade cortical do homem. Como já assinalamos, com base nos mais sérios pesquisadores, malograram-se todos os modelos de enge­ nharia e de eletricidade prcgramados para 2 interpretação dos processos do pensamento a fim de decifrar-se a linguagem primária da lógica utili­ zada pelo cérebro humano.

Quando, de início, se invocou o testemunho da História, incluíram, se conseguintes heranças de culmras na sucessão do único ciclo que com, porta a era primeira, nosso razoavelmente conhecido Oriente �fédio. Eis o motivo por que não se fez esforço de resgatar o espólio adanta, que teria sido o anterior. Naturalmente, apesar de ausência de preconceitos quanto à literamra

a

respeito, descartou,se a aventura de incluir com

pormenores no elenco aquele mistério, partindo,se do pressuposto de que seria este, na hipótese de remissão, be:n diverso do abordado em suas circunstâncias tanto históricas �uanto de valores. Não há dúvida de que se cruzam ambos no destino do homem, pois as marcas ficaram e, quem sal::e, muita coisa sobrevive disfarçada no in, consciente das criaturas. Entre os símbolos, por certo, entes que trans, cendem as emoções dos seres vivos, o fenômeno seria fascinante, caso fosse possível decifrá, lo por inteiro. Uma das preocupações que mais conviveram com as naturais dúvidas do autor ao elaborar este texto foi aquela referente à participação de valores ocultos e desconhecidos no conjunto de outros já emergentes



I

·--

durante o fastígio das culturas na Mesopotâmia. Como resolvê,la sem a incidência de erros, recebidos de escritores que extravasam suas crenças ou que preenchem lacunas com expectativas às vezes delirantes? A opção pela experiência de vida, nela inclusa a leitura de obras bá, sicas, escritas por autores que também se debruçaram sobre o problema, foi a opção, confessa o autor, que levou de vencida o projeto inicial. Parece curiosa pretensão imaginar colheita tão variada de dados para a resolução de problemas tão complexos qua..J.to encobertos. Mas, justa, mente por isso, pela interrogação que eles nos propõem no cotidiano, é que os elementos da literatura em geral neles se insinuam. Eis a razão por que a interdisci?linaridade

se

propôs na forma como o leitor pode

perceber nas entrelinhas. Ele poderá constatar nesta altura, após a proposta do último capítulo, relativo ao desempenho do condensado conscieme,inconsciente, que as

relações entre os símbolos e as idéias, bem como entre os símbobs e

os episódios, só

se

concretizam graças à função do ideólogo e do líder,

arriculador. De modo diverso ocorre a decodificação, pois, no primeiro 1 79

-

A COE.RÉJ-;CL-'1. DAS INCERTEZAS

caso, a ação é mais lema e a soma de aros mentais apresenta-se de modo mais complexo. Dir-se-ia que nele, em relação à ideologia, há maior densidade nas idéias, porque se dirigem para a configuração de um con­ ceito, quando a soma dos fatores encaminha-se ao número primo. No marxismo vêem-se, na combinação rrinitária, correntes expressivas do pensamento ocidental - o materialismo francês do século XVIII , a econo­ mia clássica inglesa e, por fim, a dialética hegeliana revista -, conjunto apenas divisível por si e pela unidade.

É oporruno abrir aqui um parênteses p2ra avaliar conceito.

Emerge

sempre como síntese de um conjunto de seres nele inspirado. A razão o toma de determinado objeto ou grupo de coisas que o configuram. As­ sim chega à consciência daquele que o percebeu, recebendo cedo ou tarde a existência própria represen:ativa. Trata-se, pois, de uma capta­ ção e conseqüente representação da essência da coisa.

É comum assim a

vinculação do conceito à idéia, cor.fundinco-se ambas, visto que a últi?'.>�

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ma adquire o sentido mais concreto, posto que muitas vezes é prisioneira da intuição do observador ou do ator. Fixa-se o a questão da relação entre símbolo e conceito, considerando-se que os dois se apresentam na maioria das vezes de modo complexo, comendo variadas essências, e, pois, ensejando múltiplas relações, incluse formas eclerizantes de pensamento. As escolas filosóficas tantas vezes exibem-se, revelando o mosaico dos elementos de que se constituí­ ram, ocultando naturalmente a incidência dos conjuntos de símbolos ou permitindo que, da combinação intensa que se forma, erga-se um ou outro, soberanamente, no desafio permanente de suas definições.

Dar­

se-ia que, a tais situações, aplique-se a mesma perplexidade rerrocitada que Feynman proclamou quanto à própria Katureza.

A ideologia acaba, pois, por tomar-se a amálgama que demarca o terreno onde aruam os indivíduos, unindo-os ou separando-os no curso dos eventos.

Trara-se apenas de forma, de pele que cobre o organismo, sujeitando-se à ação do real, dirigido pelos valores inerentes 2. comunidade. A peculiarida­ de mostra-se rran:,--parente quando da mudançc. do sistema imperial russo em comunismo soviético. Os símbolo:: do velho conjunto de valores no remanejamento sofrido pela ação revolucionária permaneceram, sustentando 180

V - A TR:\NS?L"...c,!AÇ.Ã-0 DE SblEv1AS E I;)Él-\5

os remotos princípios da tirania política, apenas recompondo as linhas mes, rras

do nacionalismo, da violência social e da repressão.

A dinâmica das idéias difere,se ainda, como vimos, da mecânica pro, dução dos acontecimentos. Em sua modalidade, as relações das primei, ras

operam,se entre os observadores. (Katuralmente, sob cerras circuns,

tâncias, observador e ator confundem,se no painel da história. Este último e ideólogos, na divulgação de doutrinas políticas e sociais, colimando, quantas vezes, idênticos fins, concertam no discurso providências teóri, cas e insinuações de cunho prático.) Durante a Revolução Francesa, os tribunos e jornalistas, como João Paulo Marar, enunciavam teses enquanto participavam na linha de freme. Lenin tomou,se ator após a chegada a São Petersburgo, mantendo,se ideólogo durante as vicissitudes anteriores à tomada do poder pelos bolchevistas. Tudo faz crer que o observador extingue,se ao assumir pes, soalmente as rédeas do mando absoluto, quando imprime, já como líder,arriculador, sua ação na série de contingências, hipótese que se deu em quadros históricos marcantes. De modo geral, em ambos os casos, as idéias, impressas ou ainda cir, culando ao redor dos símbolos, logram manifestar-se no espírito dos indivíduos que se aprontam para as crises. No triângulo que se desenha, constituído pelo símbolo, pelas idéias, e pelo momento histórico, pene, rra o líder,articulador, captando da interação o rumo que lhe parece de possível objetivo. Transpondo o problema para a Mecânica, a matéria fica mais clara. O mamemo oportuno, aquele que singulariza o episódio, resulta de uma força, de idéias ou de feixe delas constantes no símbolo. As obras científicas, literárias e artísticas, por exemplo, repercutem próximas ou à distância sobre as criaturas que as assimilam, que se tor, nam aptas a constituir correntes de pensamento ou facções caudatárias. Trata,se de linguagem entre pessoas que constroem determinada refle, xão e outras que as aceitam e também as difundem. Sobre o macrocosmo e o simbolismo do mundo, Spengler produziu a síntese admirável, cujo texto constitui a abertura de sua obra clássica (Spencer, 1959, p.87 ). Os símbolos são sinais sensíveis, derradeiros, invi, síveis, e, acima de rudo, impressões espontâneas de significado definitivo. ]8]

A COER�CIA DAS INCERTEZAS

Desse modo, eles não desertam as posições adquiridas; atuam à revelia de apelos, atendendo-os apenas quando há adequação cultural, ohedecidas as condições das demais fcrças no conjunto de que participa. As idéias políticas e sociais propriamente ditas operam com proprie­ dades capazes de provocar tanto reações extremadas quanto conformistas. Ao se constituírem no meio intelectual, fazem-no insertas nos símbolos a elas sen:;íveis. A gestação do discurso que irá constituir a plataforma do v isionário ou do pensador realista é longa ou curta, desde a centelha inicial ao ponto final, quando o repouso der vitória ou da derrota se apre­ senta no quadro histórico. Seja tirânico pela razão exposta, seja anár­ quico pelo projeto, j á o tnhuno movimenta o ritmo do processo, que ele desencadeou ou no qual se engajou durante a trajetória. Distante de seus pressupostos teóricos ficou a centelha inicial, aquela que se identifica com a intuição Quantas vezes uma simples frase tu­ multua o quadro, injetando no organismo social o acicate que sangra todo o tecido. Uma delas é a de Mirabeau recusando-se a cumprir a ordem real de dissolução da Assembléia: "Aqui estamos pela vontade geral e não sairemos senão pela �orça das baionetas". Por certo o sím­ bolo da arma hranca manifestou-se na vontade da tropa, que não d is­ persou o� rebeldes. As idéias formam-se como conjuntos, sofrendo ainda o impacto dos traços, porém se constituindo em função deles, como que de modo dissi­ mulado. Nelas se agregam peculiaridades culturais, conduzidas pelos va­ lores soltos no contexto. Elas agregam-se ainda mais umas às outras em razão de maior duração histórica. Prime:ramente, porque são gravadas na pedra, no papiro, no perj;aminho, no papel; atualmente, galopam por cahos elétricos e por ondas. J á as ações políticas, revolucionárias ou não, pacifistas ou guerreiras, estas atravessam o espaço-tempo e podem impressionar tanto os espec­ tadores apenas encantados quanto os atores que irão vivê- las. Não fazem caso, não obedecem aos critérios �ormais do tempo, projetam-se ao futuro, revivendo os seus desempenhos. A história apresenta os exem­ plos significativos. A figura de D. Sebastião, monarca português do século XVI, repete-se no Brasil como rei idealizado, enquanto guerreiro 192

V - A TI.AN3PlAVTAÇÃO DE SISTEMAS E IDÉ:AS

que sacode o sertão ou enquanto mito de sermões, personagem de nove­ las, imagens de poetas. Fanático

C;)ffiO

ent;ronizá-lo; \

o

Antônio Conselheiro proYoca a guerra civil visando

poeta poderá apenas prevê-lo em versos, como Bandarra.

(Quadros, 1 982, p.24 ) . 1 O último foi espectador, ao passo que o primeiro foi ator. A atuação de cada um difere-se: Bandarra idealiza, junta o dom premonitório à produção do poema; o fanático do sertão brasileiro é líder, repete o tema �íblico para provocar a c.ção militar-revolucionária. Em verdade, !ato sensu, todas as criaturas, com exceção das inteiramen­ te alienadas. incluem-se na c:ttegoria dos que também observam. As idéias formam-se, porém, em matrizes determinadas, constituem­ se

em função do conjunto, estão presas às peculiaridades culturais que

nelas se grudam. Idéias, que se constituírarr. por outras anteriores, te­ riam resultados que produziriam idéias novas, geradas por algumas influ­ ídas em etapas históricas diferentes, de modo que os espectadores ou

atores que as receberam oralmente, ou por rr.eio de publicações, hão de comportar-se conforme identidades psicológicas próprias. Nesse aspecto, atuam outras circunstâncias, segundo o princípio da não-temporalidade. Cruzarn-�e os valores, vindos de diferentes culturas, brotados de modo diverso nc• quadro de cada uma. Os espectadores to­ mam conhecimento, avaliaram-nos em circunstâncias análogas ou não dos seus contextos históricos. Exemplificando: um poema budista chega por acaso ao conhecimento de criatura na..". é

que � fundaram as profecias do

chegada de um sobreano. aquele que é sonhado depois da tragédia de

Alcácer-Quibir. o regenerador não apenas messiânico de Portugal. de cristandade. da verdade e da paz. que �eria o Quinto tendo. se�ndo tudo o indica. falecido

nc

Império.

a.""lo de 1 545. nove

mas cabeça desse império iluminado

A data de seu nascimento é ignorada.

anos

antes do na.s da arivi� dade mercantil promovida pelo Infante D. Henrique e por rodos os agen� tes da exploração comerciaL tanto no continente africano quanto no sul�a:nericano. Em período posterior, no século

>..'VII,

a incorporação dos símbolos

espanhóis e franceses agride os velhos valores templários e atlânticos, possibilitando a prorr.iscuidade que levaria Portugal às tentativas de aca� tamento do Iluminis::no. A forma pombalina de integrar Portugal ao quadro econômico, polí� rico e cultural da Eur:Jpa, no século imediaro, não significou o predomí� nio francês, tal as características mitigadas que se impunham às refor� mas executadas pelo Marquês. O estadista em questão não rezava pela cartilha do Enciclopedismo, antes se formara no tradicionalismo, e sua experiência no estrangeiro não o fez olvidar o velho aprendizado.

É preciso considerar então que o

barroco, como sentimento de culpa e remorso quanto à fácil riqueza da mineração, permitiu que se formasse na colônia a cultura própria dos artistas notáveis das Yl:inas Gerais. !9S

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A COEREI"CIA D..O.S INCERTEZAS

A brecha haveria de abrir-se, porém, ao triunfo do Romantismo, de seu apêndice, o Ecletismo, cujos sinais inovadores prendiam-se tam­ bém às mudanças que as vitórias napoleônicas imprimiram aos países europeus. Tudo faz crer que a vertente da Viradeira de D. Maria tivesse sido resultado de reação dos antigos símbolos, suplantados duran[e o despotismo esclarecido do Marquês. O espírito templário, agredido que fora pelos esforços estrangeirados, desesperara-se sem resultado. Os sím­ bolos pombalinos - o garrote, a serpente, o cerro, ainda a cruz, não se revelavam novos nem franceses, ainda que na França, poucos anos depois, serviriam à burguesia francesa para as atrocidades cometidas durante a Revolução. Também o liberalismo enxerta-se no processo romântico como instrumento político, servido pelos mesmos objeti­ vos do Novecentos. O século seguime não escapou ao rum.:> de conflitos e equívocos, afinal resultantes da universalização ditada a partir do Setecentos. A tradição permaneceu ativa e contraditória, viva na criacividade dos poetas e demagogos, idealizando ou subestimando o fastígio antigo, pro­ duzindo o Estado Novo, tanto em Portugal quanto no Brasil, quando o autoritarismo se firmava com roupagens características do passado. Aqui desembarcando, trazia o adventício os elementos que possibili­ tavam a construção do forte, de moradias, da técnica comum de caça ao inimigo, os preceitos da ciência da época, os hábitos, os costumes, as normas legais e a religião. O desempenho se dá em função da relação de correspondência entre "y", pessoas que formam a intelligenrsia, e "x", peswas exportadoras de idéias. São todas, enquanto ideólogJs, espectadores. Não se configuram ainda atores, uma vez que, produzindo idéi3.S, não executam ações que as traduzam como fatos. A relação processa-se sem que se fuja ao relacio­ namento básico do condicionador de símbolos. Trata-se, porém, de relações indiretas, posto que ambas se conjugavam em razão de impac­ tos comuns ou afins. Noutro complicador consiste a questão de conjuntos. Há diversos dispostos no arsenal aberto aos pensadores, filósofos, poetas e escritores. Conjugar os seus componentes, selecioná-bs, armar aquele que parece !96

V - A Th.A}lSPLA...'\ITAÇAO DE Sl::)TJ:.M.....S E IDÉIAS

ser o indicado, é tarefa de um só ou de alguns, dependente das circuns� tâncias. O movimento do Enciclopedismo ilustra a situação de vários ideólogos trabalhando com os mesmos conjuntos e tentando produzir o painel que servisse a projetos assemelhados. A repercussão mesma de acontecimentos efema�se na dinâmica de correntes literárias e políticas. Um exemplo: o espírito que nutrira o radicalismo francês em 1 848 alastrou�se por wda a Europa, irrompendo no sudoeste alemão e pondo�se em Berlim em menos de dois meses. Propagava�se a revolta até Milão, brotando com violência também na Áustria e na Hungric.. Triunfava em rodo o centro do velho continente. Nota�se, a propósito, que as sublevações dessa safra tinham motivações quase idênticas e estilos semelhantes. Reconhece�as, de imeciato, o his� toriador desengajado, tendo criado os franceses a expressão quarente� huitard para a identificação dos insurgentes. Dir�se�ia ser levantes gene� rosos, inspirados no romantismo, que nasceram no meio intelectual após a expectativa frustrada dos jacobinos. A repercussão revolucionária dar� se�ia também em diversas províncias brasileiras, especialmente em São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. Berrrand Russell chamou a arenção para a peculiaridade do fenôme� no da transplantação, sobretudo na questão política entre o país avan� çado e outro, menos adiantado. No primeiro, uma corrente é pouco mais que a sistematização das idéias reinantes; no segundc, que chamaríamos de dependentes, a adoção, a imitaçãJ, haveria primeirameme a prática para a inspiração final de uma teoria. Noutras vezes, em ressalva à gene� ralização do filósofo inglês, os símbolos dos países dependentes podem gerar a idéia rransfig..uada em outro independente, como, por exemplo, o caso da influência dos descobrimentos e da vida natural dos indígenas na utopia do socialismo de Tomás Morus ou na concepção do homem bom de Rousseau. Não parece correto o critério de submete:- as idéias ao determinismo cronológico. ]untá�las, porém, à cadeia de fa:os é necessário e ajustam o leitor ao princípio da não�remporalidade. Ligam�se à cultura, nela se impregnam como colorido dominante, que atravessa as camadas dife� rentes, provocando a interação dos fatores, sejam os econômicos, sejam 197

A COERÊNCIA DAS !:'-�CERTEZAS

os políticos. sejam os sociais. Agregam,se ao conjunto de circunstâncias históricas. aderindo a lendas e pedaços de fatos antes imaginários. Atua, ções ondulatórias, elas sacodem no espaço colunas perseverantes, levantando outras como acréscimos ao tempo. Enumerá,las só é possível com base na história escrita, porque elas, no passado pré,histórico, disfarçam,:::e como nuvens, escondidas e:n monumentos, desenhos, sinais, ora soltas na paisagem, ora presas ao mistério. A Idade Moderna foi o tempo da promiscuidade dos símbolos, dos

valores a eles agregados, umbral de um projeto universalista, que a tecnologia confirmaria nos últimos séculos.

O novo milênio irá dizimar os símbolos soltos entre as montanhas, solitários nas ilhas, perdidos na solidão de cada indivíduo. Novos valo, res, posto que apoiados nos antigos, irão deslumbrar

o

universalizando,o, talvez o degradando, talvez o purificando.

l9S

Dois Mil,

A FENOME:r-;oLOGIA Luso-BRASILEIRA

§1

VI

C

omo abordar o problema da fenomenologia luso,brasileira?

Cremos que as condições históricas facilitem a visão unitária do desen, volvimento das dua5 nações. 1\ecessariamente, havemos de partir de determinado marco. A histó, ria escrita a isto nos encaminhou. Impossível, sem a observação de labo, ratório, ditada pelos episód ios, fixar os termos comparativos e comprobatórios das relações. Os períodos apenas registrados perdem,se nas restritas significações cronológicas.

Já dos templários advém a manifestação primeira. impressa na visão que projetou e ergueu a nacionalidade lusitana. A Ordem do Templo era sociedade iniciática, voltada ao ideário do I mpério do Divino cá na Terra. A tal m ira ou parusia. invocava,se a volta gloriosa de Cristo para o Juízo Final. O prestígio dos freires transpôs os textos dos jograis e projetar,se,ia ao ciclo atlântico, transferindo aos navegantes a mis, são esotericamente entendida do

v

Império, quando o Infante Dom

Henrique, grão,mestre da Ordem de Cristo, empreendeu o proj eto dos descobrimentos.

A emancipação do Condado Por:ucalense expõe,se à vista, ocultan, do realidades cuja síntese Fernando Pessoa traduziria em Mensagem. Todo começo é involuntário. Deus é o agente.

O herói

a

si assiste,

vário e inconsciente. 199

O símbolo a prevalecer determina o ato, o líder o executa. O poeta o fi."Xa, oito séculos depois, çroclamando-o ( Pessoa, 1 994, p. 72) :

À espada em tuas mãos achada Teu olhar desce.

"Que farei eu com esta espada!' Ergueste-a, e fez-se. Já em nossos dias, Antônio Quadros suscitaria, numa pergunta, a pos­ sibilidade de realidades ocultas na circunstância (Quadros, 1 954, p. 2 1 ) . Foi o tempo dcs emblemas à memória, inclusivamente a edificação dos templos, em continuação aos dólmenes e menires. As pedras-fincadas perpetuavam-se nas catedrais, nas Capelas Imperfeitas de Batalha, nos conventos de Alcobaça e Tomar e, mais tarde. em outras épocas, no Convento de Mafra CNolding, 1 997, p.S l ) . O paideuma manifesta-se de forma ataJalhoad3. porque não mais se co:l.Stitui em sistema ordenado. Ocorreu a drcunstância de estilhaçar-se co:n qualquer ruptura cultural. ocorrida e por conseqüência ultrapassa­ da por novos valores. Conquanto não ter.ha se afogado no cataclismo ignorado, os símbolos reduziram-se na eficácia de suas incidências. O quadro é visto por Dalila Pereira da Costa pela ótica de Frobenius. A civilização portuguesa se:ia o fóssil cultural pré-indo-europeu, visto que decorria de cultura pelágica que do �editerrâneo oriental teria descido ao longo da costa africana e aí permanecido, chegando à península pela se­ mmtica platônica como o povo da Atlân:ida (Costa, 1990, p . 28-9) .

§2

Esqueçamos as vicissitudes que precederam a formação do Estado

português independente a fim de situá-lo na segunda metade do século xn. O mito que sacraliza a situação de autonomia deu-se na ocasião da Bata­ lh2. de Ourique, travada em 25 de julho de 1 139, n:::> ano anterior àquele em que começou D. Afonso Henriques a usar o títt.:lo de rei. CoiUCundem-se nonarca e Estadc, cujo patrimonialismo exacerba-se em seu testamento, pois os bem público; pertenciam-lhe.

À nobreza os privilé­

gios. as mordomias, as isenções, forma de cartorialismo hereditário. Os sím­ bolos unem-se no grupo da Coroa. do cetro, da lança, do brasão, do cavalo, zoe

VI - A FD:OMENOl.(XJIA LCSO-BRASILE!R:\

coexistindo com a cruz, a procissão, os mitos do cristianismo. Oferecem�se, pois, os modelos que emigrarão, século depois, até a colônia sul�americana. Uma série de doações do rei de Portugal assinala os diferentes estágios históricos do Brasil. A nobreza iria carregar consigo as prerrogativas nos institutos j urídicos, nas capitanias hereditárias, nos governos gerais, que exteriorizam os seus poderes mediante as concessões das sesmarias, dos cargos e privilégios. Após a Independência, os costumes se perpetuam na nobreza rural e urbana, não fugindo a república às mesmas práticas. O parrimonialismo mantém a prioridade, com base na influência positivista e nacionalista, após a queda da República Velha. Quando se atinge o final do Novecentos, a herança henriquina, os privilégios e o carrorialismo da nobreza agregam�se à burocracia do Estado.

Os conflitos no seio da nobreza, durante a primeira metade do século XIII, confirmam o quadro de perplexidade ocorrente na alvorada do novo Império. O clero também envolveu�se na sucessão de atritos, intervindo o papa

Inocêncio

III.

Já os templários participaram nas lutas internas, amenizando

problemas de revoltas nos castelos a eles então confiados. No rebuliço dos símbolos templários e de cerro modo dominantes no Império, caíra de cho� fre outro valor de raízes cristãs - a colheita -, cujo significado dizia re::.-peito

à prestação de gêneros destinada à manutenção da comitiva real em suas andanças. A prerrogativa revestia�se também de importância política, uma vez que era mister garantir�se a posição real em todo o território. O choque entre a incidência que se destacava e os valores cristãos que se opunham, entre os quais a cruz, a lança, o báculo, iria provocar a morre do rei em 1 2 12.

Os sucessores seguintes prosseguiram no embate, promovendo a dança dos valores em choque. A força papal, garantindo os símbolos da Igreja, removeram O. Sancho da sucessão, após a morre de O. Afonso

n.

Foi um

período curioso de lendas e mitos, entre elas a de São Frei Gil, que assinou um pacto com o diabo, vindo depois a ser santo. Quase no final do século, com D. Diniz, a calmaria desceu ao país, acomodando�se os símbolos.

§3

O. Dinu e sua e::.-posa, O. Isabel, a Santa, inauguram diferente

conjunto de idéias, criando princípios outros, posto que ligados ao senti� mento da matriz templária. A paidéia é reformulada. A árvore é introduzida ZOI

_

A CüERf.."lCIA OA.S INCERTEZAS

no conjunto, jungida à condição do lavrador, título que o mm.arca adota. Marta Nolding chama a atenção para o fato de terem as raízes ca Árvore da Vida os laços significativos no Zohar e no Etzchaim (Nolding, 1997, p.47).

A nobreza permanece junto à Coroa; traços idênticos são cultivados na formulação mais religiosa em face dos conceitos joaquimitas e franciscanos. A contribuição marcante de D. Diniz e de sua esposa resi­ de nos princípios da universalidade e da inter-racialidade. Sobretudo o segundo impregnou o sentido de colonização, tanto africano quanto sul­ americano. O mito da mulher santa e perfeita é sacralizado na Rainha D. Isabel, e o Brasil recebeu-o mitigado em diferen:es heroínas por su­ cessivos séculos. A circunstância explica-se nas profundas raízes da crença em Ana, deusa que simboliza o paideuma. No século XV, o ideal atlântico de D. Enrique, o Navegacor, imprime ao projeto português o conteúdo de navegações e ccnquistas, a cuja fase acresceram influências universais já incluídas no ideário ar:terior. Inte­ resses mercantis ligam-se

na

conquista da África. trazendo a pequena

nobreza e a burguesia à exploração colonizadora. O ouro ascende no conjunto de valores; as naus, do mesmo modo, produzem o rumo do patrimonialismo a um estágio de violência. O cartorialismo consolida-se e implanta-se nas colônias africanas e ori­ entais. Outros símbolos elevam-se, orientados pelo cetro, necessários ao financiamento das guerras

e

conquistas: a nau

e

o canhão. A voragem

fiscal advém como modelo, tomando-se próxima ao cetrc e às armas. Jamais perderia ela a sua presença no quadro do poder, tendo sua reper­ cussão se dado sinistramente no Brasil. Em seguida, sobrevém o período da Companhia cie Jesus, subentendo­ se

a Inquisição e a Contra-Reforma. Esta decorreria sobretudo do processo

ibérico, cujas raízes estão err.. signos antigos exacerbados por outros recen­ tes. Os cristãos gravaram-se no Jogos, rico de fascinante significado. Refere­ se ele

à luz e à vida, que combatem a morte e a noite, contrário da desordem

e do caos, do demônio e da escuricão, aparentado :linda à palavra e ao pen.•;amento. Neste sentido último, impregna o pensa:- no rumo da reflexão e da argumentação. Assim se introduziu o termo na :llosofia e na ciência. O Saber de Salvação ainda guarda a força carismática do fogos primitivo. zoz

\11 - A Ffl'.;OMD:OLCGIA LUSO-BRASILEIRA.

§ 4

Do pomo de vista do citado processo, a cultura portuguesa

j amais esconde as raízes senhoriais que se incorporaram à ideologia da Comra,Reforma. A Ética destaca,se mesclada à cultura, que, parado, xalmente, t1oresce em plena crise da nobreza lusitana. Distingue,se a apologia das qualidades cavaleirescas. Os modelos heróicos caracteri, zam o aspecto a partir do século

XV.

Remonta aos finais do Quatrocentos os traços dessa mentalidade, quando se difunde, em terras lusitanas, o ritual da cavalaria. Em Gomes Zurara tem a cultura precitada o cronista de seu apogeu. Segundo ele, a história destinava,se a perpetuar os feitos heróicos. Vislumbra,se, lhe ainda a idéia da honra ligada à nobreza. Trata,se da questão de recompensação: a do ganho e da honra. Quanto

à primeira, deve ser dada ao misterioso, mas a segunda, a quem fosse nobre e excelente. Zurara é o ideólogo dessa mentalidade. Deu ênfase aos feitos de guerra, desprezando os outros interesses. Apreciando,lhe os escritos, acrescenta Saraiva que todos os valores que não fossem guerrei, ros lhe eram insuficientemente nobres para merecer as honras da Histó, ria, só devidas aos feitos de guerra, aos feitos de geme da profissão, de tal modo que o escritor se mostra desinteressado das viagens marítimas a partir de 1448, pois as coisas seguintes não foram tratadas com ramo trabalho e fortaleza como as pas, sadas, porque depois de este ano em diante sempre os feitos daquelas partes se rrararam mais por tra:os e avenças de mercadorias do que por fortaleza ou trabalho de armas. (l'olding, 1997, p.60)

Eis a mentalidade cavalheiresca dominante na época em que tem início a expansão ultramarina. Caracterizam,na os assuntos de honra, vinculada ao feudalismo e à cruzada, decorrente a última da intervenção da Igreja. Antepunham,se os referidos temas, na ideologia senhorial, a proveito, a lucro. Traravam,se os primeiros de ganho espiritual, renome entre os homens e gratidão de Deus. O ato honroso é gratuito, sem fins mercantis; é atributo da alma e não do corpo. Sendo guerreira a nobreza, sua virtude afirmava,se na luta armada, nos campos de batalha, onde a honra é conquistada, quer em serviço de Deus, quer em serviço do Rei. 20'l

Reúnem,se neste conjunto os símbolos da lança, do escudo, do cavalo, do cerro, da coroa e da cruz. Identificam,se as idéias de honra e de guer, ra, opondo,se as primeiras necessariamente ao proveito. Caberia à Igrej a elaborar a teoria da honra, cujo enunciado deu,a Frei João de Xira, fixando a sua condição quando os homens ganham uma vitória, exercitando a virtude para conseguir algum bem, que deve ter sempre em vista o serviço de Deus.

É singular o compromisso a ser consagrado na e:>...rpansão marítima, que se promove pela dinâmica dos mercadores mediante métodos senhoriais. Os vassalos nobres do Estado, cujas manobras haviam provocado o desbancamento do comércio veneziano, acabariam por dei...xar,se dominar pelos fitos lucrativos comuns aos mercadores, porém sob roupagens de outros sentimentos. E a Coroa, incumbida de substituir o arcabouço capi, ralista, idealiza a e:>...rploração de novas terras pelas normas senhoriais da guerra de pilhagem, de apropriação das riquezas, beneficiando sobretudo os usufrutuários das vantagens nobiliárquicas. Embarcadores e comercian, res, unidos às populações das cidades sob o comando da nobreza, triunfa, ram em Aljubarrota; o litoral e a política oceânica venciam o dominador dos campos, mas os vitoriosos não lograram atingir os objetivos históricos. Não se encontrava a Península Ibérica equipada para dar forma capi, ralista à exploração da riqueza, pois os mercadores não se mostravam capazes de conquistar a preeminência; em contraposição à fraqueza política, continuava a predominar em Portugal, na época em que se ini, ciava a expansão, uma mentalidade idêntica, condicionada por símbo, los ainda identificados com o passado. Dessa forma, o compromisso en, tre a nobreza e os mercadores iria obstaculizar o destino da burguesia portuguesa. Tal incapacidade política da última e econômica dos nobres desobrigava a Coroa de uma opção de classe, fixando,se na mediação entre os interesses das duas forças. Seriam, em conseqüência, os Estados ibéricos que assimilariam e executariam a doutrina da Contra,Reforma. Nas cidades do Reno e do Báltico,

na

Holanda e na Inglaterra, con,

solidava,se a Reforma Protestante, que se convertia em ataque às insti, tuições estabelecidas, identificando seu vocabulário com o desafio à au, raridade. W illiam Cobett precedeu a Marx na interpretação econômica 204

VI - A FEK0�21LOG!A LCSO-BRA.SILEIRA

do movimento. Segundo aquele, a Igreja, durante a Meia Idade, havia acumulado enorme riqueza, cujo montante despertc.va cobiça e invej a de príncipes e monarcas endividados. As idéias de Lutero viriam legiti� mar o saque daqueles tesouros, cuja maior parte acabaria se destinando aos banqueiros credores da nobreza. A explicação de Cobett seria de� senvolvida pelos marxistas. Com o J:Oder crescente da burguesia, admi� tiram que ela se tivesse utilizado do protestantismo no combate à Igreja, que sustentava formas econômicas contrárias a seus interesses. Nas regiões européias, onde os homens de negócio eram mais forres, triunfaram as idéias de Lutero. A interpretação esposada por Marx care� cia de dado introduzido por Max Weber. A ética protestante teria sido fator de grande significação ao desenvolvimento cc.pitalisra, diferindo da ética do catolicismo. Os ideólogos do movimento protestante iriam buscar com adequada propriedade uma melhor correspondência aos anseios da sociedade mercarttil. A idéia de que todos os homens rece� bem de Deus o seu próprio pendor contribuía para a consolidação de valores ajustados aos negócios. O calvinismo insistia na necessidade do trabalho, pois constitui este dívida do homem para com Deus. Dessa forma, todo o estímulo se lhe dava a fim de gerar renda maior e, por conseqüência, maior poupança. Também se aceitava o juro com base no prin:::ípio de que a moeda possa ser aplicada na obtenção de coisas s de origem. Os donatários orgulhavam�se de suas linhagens .

-

-

VI -A FD:OMDIOLCGLA. LUSO-BRASILEIRA..

fidalgas, cultivavam hábitos aristocráticos, exacerbados pelo maior po� der que a distância da Corte proporconava. Avezados ainda à violência das guerras, ide::1tificavam o saque ao ven� ciclo à noção da própria honra, sendo compreendidas afinal a conquista da terra e a submissão do gentio como luta religic-sa contra os infiéis e idóla� tras. O Governo Geral não fugiu aos valores ig1ais. A nobreza, incumbida de exercer o roder, não só impunha a disciplina e a hierarquia aos nativos como cuidava de conter

a

libertinagem dos colonos. Transplantara�se a

escolástica da Contra�Reform.a, simplificada pelos jesuítas nos cursos conirnbricenses (estes. em Portugal, abordando os problemas de seu tem� po, buscavam as respostas nas soluções tridentinas). Pedro da Fonseca então exerce a influência marcante que caracteriza o saber. As investigações teo� lógicas predominam sobre as filosóficas de mo:::lo nitidamente barroco. A instrução limitava�se a e�colas fundadas px jesuíta; mesmo posterior� mente. o ensino não podia ccnfl.itar com a doutrina cristã. Outro instru� mento de divulgação consistia no sermão, recurso de que se utilizava o clero para difundir seus princípios. A filosofia moral propagava�se por meio de lições de religião em processo retórico adequado. Aceitando a classifica� ção de Max Scheler, \Vashington Vita denominou de "Saber de Salvação" o ensinamento adotado a fim de definir os pensadores de formação escolástica, de tendência mística ou de ambas, cuja especulação filosófica ou teológica se contives.-;. e ncs dogmas católicos. Trata�se de escolástica barroca. jesuítica, contra�reformista e militante, exemplificada, significati� vamente. nos cursos que tiveram ampla difusão no ensino lusitano. Sob a linguagem tradicional escolástica. os conimbricenses esforça� ram�se por colocar os hábitos mentais da Escola em consonância com os problemas do tempo, levantados pela Reforma e resp::mdidos pelo Con� cílio de Trento. Cuida�se de privilegiar, de forma unilateral e exclusiva, a religiosidade do homem. O ideal seria que a comunidade fosse integra� da de ascetas. Constituindo�se os imiJerativcs da sobrevivência em au� tênticos obstáculos a semelhante desiderato, incumbe aceitá-los na for� ma de penitência. Para tanto, a religiosidade há de exteriorizar�se a cada passo. A inc:dência do sentimento templário entremostrava�se assim com a força de seus valores antigos.

A ideologia da guerra sar.ta contra o gentio impregnou a vida colonial.

Em princípio, rrata-se de guerra missionária, cujo enunciado refere-se à evangelização dependente da obediência do infiel. Primeiro dominar, depois converter. l\óbrega engajara-se a tal estratégia, que se identifica­ va com os objetivos da Coroa, porém o jesuíta não pod:a desertar a tática própria de sua Ordem, por isso insistia na catequese das crianças e na subseqüente dos pais, pelas crianças já convertidas. Eis o espírito da Contra-Reforma, portadora de mensagem fechada, pois as novas forças que quebraram o universalismo medieval não enfrentaram a realidade americana com espírito novo. Estudar a vida de Loyola é aprender a conhecer o espírito restaurador da Igreja rr.edieval, baseando-se em sua dinâmica própria

e

em sua tenacidade, sem abertura, porém, às novas

forças que :heram ruir o universalismo medievaL O horror à riqueza manifesta-se a cada passo. Ela é favorecida por

pecados como ambição, soberba, llLxúria, avareza, gula, vícios que se encontram no infe:no, impedindo na vida o sossego, nada acrescentan­ do à pessoa humana, desonrando-c., privando-a da salvação da alma. Fatal foi a projeção no Brasil desse modo de ver e entender as coisas.

A quase tOtalidade dos trabalhos intelectuais de aurores ultramarinos, sobretudo 0s sermões, visava ao aproveitc.mento de um faro qualquer para evidenciar o ?rimado da salvação. Um deles é eloqüente em seu libelo. Combate a 0pulência, frisando que, se vivida de forma desmedi­ da, a salvação se arrisca, a liberdade se perde, e se estraga a vida. E inter­ roga Feliciano Nunes como não será a sua riqueza excessiva o mais cerro prognóstico da sua maior necessidade e miséria. Outro autor, Nuno Marques Pereira (1652-1735), revela o estado de espírito contra-refor­ mista, lembrando no prólogo de seu Compêndio ( 1939 ) , dedicado a Nossa Senhora da Vitória, que quem lê livros espirituais paga dízimo a Deus e quem lê os profanos paga terço ao diabo. A opulência é :nal indefensável, que carrega o pecador à perdição, deixando-o sem honra e sem esperança. Contrariamente, a pobreza re­ dime a criatura de rodas

as

faltas. A visão maniqueísta divide as esferas

do mundo temporal em céu e inferno, honra e desonra, bem e mal. A ética que alicerça tal inteligência é rígida e absoluta. Seus valores são 110

\'1- A FENOME:'-JOLOGU\ LCSO-BR:\SILEIRA

espirituais; residem na renúncia, no esforço, na disciplina, na honra. A vida na superfície da Terra é o exercício operativo em busca da fé de bem servir el,rei e o reino. Jamais se libertou a cultura brasileira da mar, ca desse

entendimento. Em :oda a literatura percebe,se o travo do sen,

tirnento barroco do remorso, a preccupação com o perigo dos valores materiais, o horror ao lucro, à riqueza. Mesmo em nosso século, no seu derradeiro decênio, a imprensa pros, seguia na defe...a dos pressupostos contra,reformistas. Jornal importante do Rio de Janeiro, o Jornal do Cornmercio, divulgava artigo a respeito de texto contrário à Constituição de 1988, e perguntava o seu autor por que advogar a privatização de empresas estatais quando "sabemos que elas pertencem a todo o povo" (Valente, 1990). Ao cartorialisrno a es, cusa se invoca no argumento de que ele traduz, em verdade. "benefícios que o Governo concede a brasileiros ilustres, de boas famílias, que ad, ministram o privilégio com patriotismo e altivez'' (ibidem). Outra profissão,de,fé impirada no ideal jesuítico articula,se em período segünte: O nosso povo, em verdade, não se irr:pressiona por exces..malista: Fiquemos ao lado do Governo nas iniciativas de estatização, aumentando os empregos, sem preocupações com prejuízos que afinal podem ser suportados pelos ricos, que mnca foram patriotas e devem pagar alguma coisa pelo nivelamento de todos na pobreza e no sofrimento. (Ibidem)

Nos países dominados pela Contra,Reforrna, nascera a Inquisição, unindo,se ao poder régio. Alterara,se, no século

XVI,

a correlação dos

símbolos, refl.etindo,se nas idéias. Movirnenta,se ela no mesmo período dos primeiros jesuítas em Portugal. Durante a dominação cultural por estes imposta, ressuscitava,se no Colégio das Artes a interpretação de Aristóteles por Santo Tomás de Aquino, fLxando,se, corno finalidade do en.;ino, a habilidade verbal em defesa da ortodoxia definida no Concílio Zll

A COERÊNCIA L>AS INCERTEZAS

de Trento. Assenhoreavarr�-se também os citados religiosos da Universi­ dade de Coimbra

e

conquistavam a educação da aristocracia. Era o do­

mínio absoluto da escolástica tomista. desprezado o humanismo do sé­ culo

x.v.

O tipo monopolista de pensamento, a que recorria o estrato

intelectual. dirigira-se ao escolaticismo, dando força dogmática obriga­ tória a seus métodos. A superação desse estado de coisas na Europa já se havia dado com o desenvolvimento do comércio e da indústria na época do Renascimento. Sobre a base dos conhecimentos empíricos. a Física se de.-.-envolvera,

so­

bretudo a mecânica com Galileu. Este deixara entrever em suas obras a surpresa dos efeitos desconhecidos

e

maravilhosos dos usos das máquinas

e instrumentos. Atingia-se o animus liber de Kepler, estado de espírito indispensável ao desafio da autoridade. Galileu e Leonardo da Vinci insti­ tuíram, na prática, o processo da experimentação. O último deixava claro que, sem a aplicação da Matemática à Física. não havia possibilidade de ciência. Durante os séculos XVI,

XVII

e a primeira metade do século X'v1II, o

Santo Ofício e a rigidez pedagógica dos jesuítas predominaram. O ciclo africano terminara, a crise acentuava-se, a unidade com a Espanha provocava a emergência da

cruz influída

pelo fogo. A delação é

outro tema que se incorpora ao quadro inquisitoriaL O Edital de Fé con­ sagrava o princípio, sob pena de excomunhão. Os fiéis eram coagidos a denunciar "se sabem ou se ouviram" o que alguém dissera ou fizera no domínio religioso. São, portanto, as denúncias e as confissões sob tortu­ ra a base do processo do Santo Ofício. Porquanto a denunciação é um dcs meios principais, que há para se poder em Juízo proceder contra os culpados; Os lnquisidores, sem d:lação alguma. ouvirão as pessoas que vierem denunciar à Mesa do Santo Ofício e tomarão pe5soalmente suas denunciações. (Livro li, título 3,

Pela ação da

cruz

§ 1- Saraiva, 1953, p.77)

e do fogo, a prática do delatório transferiu-se da

Metrópole à Colônia, tornando-se comum e quotidiana nos escalões intermediários do Estado. A sua consagração sofística-se nc final do No­ vecentos, quando é instituída por meios eletrônicos de comunicação em televisores e rádios. Z12

'v1- A F&:OMENOLOGIA LCSO-BRA.SILE!RA

Do mesmo modo ocorre com o confisco, habitual como ato do monar, ca, tanto na ajuda oficial à Igreja quanto em sua função secular. O institu, to nascera com a própria Coroa, pela ação do cetro, com o apoio da cruz, do brasão e ca espada. Posteriormente, consagrou,se nos reinados mais duros, atingindo o seu zênite durante o regime :;;ombalino. Movimenta,se, no sistema fiscal, sob a batuta de burocratas e agentes de órgãos repressores. Nele incorpo::ararrHe símbolos do Velho Testamento, sobretudo na Pe, nínsula Ibérica, convocados que eram os judeus para tarefas de arrecada, ção de impostos. Aliavam,se aos ritos da tortura, aos esquemas da delação e aos estilos de violência política e social. O Brasil os cultiva com esmero no exercício da corrupção, de métodos intimidativos e de extorsão indire, ta, bem como na legítma arrecadação de taxas e impostos. Na sistemática atual, emprestam à forma da fiscalidade os requisitos penais adjutórios. Trata,se da luta contra o demônio, o décimo quinto mistério do Tarô no es:ilo templário, quando o símbolo do ma! toma a forma de Bafomet com cabeça de bode, seios e braços de mulher. Também socorre o propó, sito a invocação de Judas, malhado no estilo já degradado da Idade Mé, dia, recorrendo,se ao costume do bode expiatório e selecionando,se as bruxas e os corruptos que deverão ser linchados moralmente. Do locus onde se põe o leão, incumbido de intimidar, abominar, execrar e devorar o sonegador, delineia,se em correspondência o ouro ou o sol subterrâneo (Cirlot, 1971. p.l89). Houvera o esforço de mediar o espiritual e o secular, ligando,se o cargo de lnquisidor ao monarca. A dissociação tem origem no começo do século XVII, a fim de tomar,se, alguns anos depois, luta acesa. cujo desfecho sabe, ria Pombal marcar com a liquidação do poder inquisitorial. Esse evolver da relação entre os dois reflete, no plano da direção política do Estado, a alteração das estruturas resultantes do rápido progresso da burguesia mer, cantil. À medida que símbolos se movimentavam na interação européia e outros se juntavam em razão dos descobrimentos marítimos e intercâm, bio com noves continentes, os conjuntos alte:-avam,se. O Império português transformara,se com a queda do comércio com o Oriente, que era mcnopólio régio. Com a América era livre. só depen, dente das iniciativas individuais, fosse a dos colonos, fosse a dos

banqueiros holandeses que financiavam os engenhos. Recorrendo à fómmla de Saraiva, o açúcar suplantava a pimenta. Paradoxalmente, a atividade persecutória, por sua vez, havia :acilitado a concentração da riqueza mobiliária, notadamente entre os judeus e cristãos-novos, já que não se lhes permitia atividade além da financeira. Outra circunstância é também lembrada por alguns autores. Criara­ se, na fuga dos perseguidos, a infra-estrutura comercial fundada no pa­ remesco, o que facilitava aos portugueses de origem judaica deter apre­ ciável parte do comércio mundial. Tomavam-se rivais dos genoveses, o que mereceria do Padre Vieira a revelação: Por estes reinos e províncias da Europa está c::,--palhadc· grande número de mer­ cadores portugueses, homens de grandíssimos cabedais, qLe rrazem em suas mãos a maior parte de riquezas do mundo.1

O mesmo sacercote, nos meados do século

XVII, já

retratando o rom­

pimento da Companhia de Jesus com a Inquisição, recomendava a li­ berdade de comércio e a nobilitação dos mercadores. Em 1643, apresen­ taria em sermão um plano para formar companhias comerciais financiadas por cristãos-novos (Cirlot, 1971, p.7 1). Outros valores irrompem no conjunto tradicional de símbolos. D. Luís da Cunha apresentava o programa desde

a

subordinação dos inquisidores

ao poder régio, sugerindo a reforma total do Santo Ofício e dando aos judeus liberdade de consciência, abolição do processo inquisitorial e fim do confisco de bens. Duarte Ribeiro de Macedo preconiza a introdução das artes em Porrugal para estancar a saída de dinheiro e Ribeiro Sanches atribui à lnquisiçãc o ofício de fabricar judeus e não de extirpá-los. O pombalismo, aparentemente :1.ascido como antítese deste Saber de Salvação, inerente à Contra-Reforma, está preso ao mesmo conjunto de fanatismo templário, crenças dionisíacas e atlânticas, sendo, porém, construído pela radicalização do poder delegado em condições exacer­ badas que

1 Cf. Saraiva

214

o

acorrentam à vocação portuguesa.

(1969}; Domingu.,; (1995); Gom.,;(l981 e 1999); Calafa[e (:981).

\1- A FENOME'OLOGLA. Lt;SO-BRASILEIRA

No campo do ensino, caberia a Luís Antônio Vemey lançar as bases

da reforma. Fixou�se como modelo também renascido no Brasil.

§6

As raízes do liberalismo vir:.culam�se, pois, historicamente, ao

quadro de reação às idéias medievais. Dera�se a ruptura no conceito de lei natural, entendida, desde Bodin, no sen:ido de manifes::ação não� divina. Posteriormente, con:::luía�se a separação entre o humano e o intemporal, quando Hugo Grócio laiciza o direito natural. A Grócio segue Locke, que conceitua a icéia liberal na limitação do poder do Estado e no reconhecimento de direitos individuais do homem. Parte da existência do estado de nanreza com a igualdade de todos. Para evitar inconveniências, os homens criam a comunidade, constituindo um corpo político em que governe a vontade da maioria. O contrato tomava efetivas as normas de direito natural a fim de b:mar o abuso da autoridade. Tal é a ba.riedade, pois intervém acionando ao objeto natur-al qualquer coisa que se lhe agrega, mas que pertence a quem produz. Também estabelecia cena relação entre o rrabalho e o valor das ucilidades. Com Adam Smirh, os postulados liberais pem1item a formulação do princípio de que o tra� balho é a medida real de valor de intercâmbio de rodas as mercadorias. Nasceu assim a economia clássica, adiantando�se Smith aos fisiocratas e aos mercantilistas, que davam ênfase à imp:mância da agricultura e dos metais preciosos. As circunstâncias luso�brasileirc.s acomodaram�se às teses da econo� mia clássica. A solução para contomar o problema do preconceito con� tra o labor :1atural, em vigcr na sociedade escravocrata, Cairu a percebe na 3uplicidade de quantidade de trabalho e quantidade de inteligência. Observou .Antônio Paim que o conceito a�)fesenrado na obra de Cairu está bem próximo do que Aristóteles entendia por política. Engloba� vam�se, em sua conceituação, a ética, a política e a economia, decorren� do a intenção ético�normativa não apenas do próprio objeto da ciência econômica, mas ainda da d0utrina ::]_ue apo:1ta o trabalho como fome de roda propriedade e valor. A elaboração de. tese própria à realidade econômica nacional, devida a Silva Lisboa, marcaria os limites necessá::-ios de manobra para os libe� rais brasileiros. Abria�lhes a rota para o compromisso, porque os recur� sos estratégicos liberais emre nós estavam fi.xados pela diversidade das relações de produção, isto é, as externas, representativas de nosso co� mércio com o mercado externo,

e

as internas, derivadas da atividade

agrícola. 1\as primeiras, era necessário o liberalismo econômico, de que é exemplo a liberdade de troca; nas últimas, a escravidão fixava o cará� ter pré�medieval da economia. 216

vl - A F'E"OMENOLOGLA LUSO-BR.ASILEJR.A..

A tese de Cairu justificava a conciliação. O sistema político havia de tomar-se resultante de relações aparentemente contraditórias e que se resol­ viam por meio de dualidade jurídica de direito privado. Em face de tais cir­

cunstâncias, que determinaram a Independência, e de acomodações neces.-�­ rias, coube a juristas e a cientistas a formulação da política nacional. De pouco valeram as tentativas de intuitos radicais. O ruralismo envolveu o príncipe, afastando-se do aulicismo luso, constrangendo-o, por fim, a abdicar. Tem início o centralismo, cuja mola é o café. A prosperidade gerara o predomínio saquarema e os conservadores pontific am. Américo Brasiliense resume o programa, indicando os seguintes pontos: observa­ ção rigorosa dos preceitos da Carta, resistência a inovações que não fos­ sem estudadas e restabelecimento do Conselho de Estado. Itaboraí e Paulino traçam a linha de ação; Minas, pela voz de Bernardo de Vascon­ celos, liga-se à liderança fluminense de Rodrigues Torres.

O ruralismo refinara-se, sendo agora mais dotado de senso de propor­ ção e adepto de medidas suasórias. Havia de caber-lhe, pois. do ponto de vista ideológico, a liderança política do Império. A partir da Maiorida­ de, passaram a combater o Ato Adicional. O centralismo assegurava o controle maior sobre o País, ao passo que a autonomia das províncias poderia ocasionar mudanças nas relações econômicas do campo. Punha-se de lado a federação, pois ela, em face da superfície de nosso território, da diversidade climática, das peculiaridades de cada lugar, poderia proporcionar brechas à unidade nacional. Tal é o sentido da política conservadora, investimento para a unidade nacional. Em Burke encontramos os componentes do conservantismo brasileiro: a importância da religião e a conveniência de seu reconhecimento pelo Estado, bem como a condenação das injustiças cometidas durante o cur­ so de reformas políticas. C onsiderava a sociedade mais como organismo do que mecanismo; em relação a este conceito organicista, encarece a importância de sempre manter a continuidade com o passado, a fim de suavizar toda a mudança. A política conciliatória e o espírito de efetuar as reformas, atenden­ do ao sentido gradualista. cravam as suas raízes no conservadorismo bri­ tânico. Não houve apenas transplantação, porque surgiu outra vertente, 717

A COE.RfNCIA DAS 1:-.JCERI::.ZAS

a francesa, vinculada ao espírito liberal. Esta lançou também a cautela de um ensinamento. Trazia concepções avançadas em ciências sociais, que não entravam em choque com o sentido organicista de Burke. Saint, Simon, por exemplo, apoiava,se no princípio de que devemos estudar os fatos passados a fim de descobrir as leis do desenvolvimento social. A concepção de Saint,Simon liga,se à Filosofia da História de T hierry e à meditação de Ghizot, sentido oriundo do romantismo que dá o lastro

aos estadistas brasileiros. Cousin, Benjamim Constam, Tocqueville são os autores influentes na mentalidade conservadora. No compromisso do Império está a fundamentação eclética: Burke sustenta as reses de que as mudanças devem ser suavizadas no processo evolutivo sem saltos; tendência racionalista do Enciclopedismo; libera, lismo sob medida a fim de atender às necessidades do comércio exterior; resultante de tudo, o espiritualismo, para a tranqüilidade da sociedade, constituída de católicos e escravos. Nesse quadro, destaca,se o ponto de vista em que se aceitam como liberais mesmo aqueles que não incluíam ostensivamente em suas ativi, dades a preocupação com o abolicionismo. Não seriam adeptos do cati­ veiro; antes, moralmente o repeliam, ou o aceitavam em face das circunstâncias provisórias do País. Mas, do ponto de vista de sua signifi, cação, o sistema que tolera a escravatura não pode ser puramente libe, ral, porquanto o escravo esvazia o conteúdo do liberalismo. Dividem,se os setores entre os liberais combatentes do instituto e aqueles que, con, formados, silenciavam ou lhe davam apoio. O centralismo, desempe, nhado pelo Regresso, denunciara o projeto nitidamente conservador. Já aqueles que podiam considerar,se liberais seriam, primeiramente, os "réus do liberalismo", por serem abolicionistas. Liberais verdadeiros, pou, co importava se fossem de um partido ou de outro, monarquistas ou repu, blicanos, conservadores, autoritários, pois o objeto da medida abolicionista restaurava o primado do indivíduo no contexto da sociedade. Dessa forma, o pensamento liberal brasileiro vincula,se, necessariamente, ao programa antiescravista. De raízes revolucionárias no princípio, está pre, sente em ambos os movimentos radicais de Pernambuco. Mais tarde, marca, ria, com a Regência, o pronunciamento de Feijó contrário à escravatura. 218

VI- A FENOMDOLOGIA LCSO-BRASILEIRA

O esforço pela descentralização é outro capítulo do liberalismo. O Ato Adicional dispunha maior autonomia às províncias, sendo seus adeptos contidos por interesses ligados ao trabalho �ervil. �o meado do decênio de 1850, a geração de esrucantes de Direito de São Paulo participa, na imprensa, de movi:nento liberal. Vejam,se os versos de Bittencourt Sampaio, os trabalhos de Antônio Carlos, o se, gundo, os artigos de Tavares Bastos, que, ao prefaciar o livro do educa, dor José Ferrão, louvava o liberalismo e fuscgava o cativeiro. Já

na

década seguinte, o Parlamento recebia os frutos daqu�la geração.

Na Câmara de 1864, confluírclll diversas correntes, omoreando velhos con, ciliadores com o antigo grupo acadêm�co, prorlro "para um exame vago em matéria de governo", como disse Nabuco.

É o período atuante ::lo liberalis,

mo de Tavares Bastos. "Os projetos que apresenta, as idéias que advoga não pertencem ao conjunto dos programas dos partidos" {Nal:uco, 1936, p.411,2). O solitário de 1861 tãria prosélitos. No Parlanento de 1864, esta, vam Bittencourt Sampaio, eleito por Sergipe, e o fluminense Pedro wís, bem como os antigos revoluc:onários praieiros, Urban:> Pessoa de Mello e Lopes Nero. Enconrravam,se a primeira e a segunda geração do liberalismo. A m uralha conciliatória, conservadora, opunha,se, porém, ao abolicionismo. Os liberais refugiam,se na poética. A culminância desse recurso encontra,se no movimento condoreiro, cuja águia de generosa inspiração, Castro Alves, lança o libelo à sociedade ruborizada. Dão,se as mãos o desafio da poética e a retórica dos estudantes agitadores. Um ano antes da Proclamação da República, dos,

e

então se viu vitorioso

o

os

cativos foram liberta,

propósito liberal. Pouco importa, do ponto

de vista ideológico, que as relações de produção nas fazendas e latifúndios continuassem defasadas com respeito às necessidades histórias do País. Na verdade, a criatu.a estava redimida e retomava a condi�o humana, eliminado o sistema de diabólica contradição entre a exterioridade jurídi, ca, que consagrava o instituto, e a interiorida::le ética, que o condenava.

§7



o

Romantismo deve,se a fatores universais na fase de maior

intercâmbio europeu. A pletora de símbolos, que saltaram de todos os cantos, havia de incidir expressivamente na literatura. Desse ventre 219

enturvado iria nascer o naturalismo literário. Comideremos o primeiro em seus suportes, a começar pelo individualismo. A liberdade do indivíduo é a qualidade prima da atitude romântica;

seu corolário é o reformismo. jungido ao sentimento liberal. Em seguida, o desejo de reformar o mundo liga-se à fé e ao sonho, ambos visitantes freqüentes do universo simbólico. Daí a valorização do sentimento, da intuição, do misticismo, da utopia. Outro valor adotado: a natureza. Já no século

XII,

Allan of Lille a

descrevia como figura alegórica. usando un diadema com jóias na imi­ tação de estrelas: doze pedras a simbolizar os cinco planetas conhecidos. Liga-se à exuberâr:cia da floresta, às regiões distantes e aos costumes exóticos. E a fuga conduz o romântico ao passado, provocando a valori­ zação da história. Finalmente. há os traços formais da escola. A liberdade derruiu os grilhões que o classicismo imprimira às regras do pensamento. O sentimento recorria à inspiração de cada um e o estilo passava a ser o próprio artista. Outro aspecto impor:ante: o Romantismo suscitava a idéia da evolução, certo senso que abrange

transformação

e

desaparecimento de gêneros. Comentando o aspecto deste conjunto de características. Cirlot admite ser o conceito totalmente astrobiológico, uma vez que ele partilha da tendêr:cia a fim de apelár aos números para sustentar as coisas vivas, bem como para impregnar o astral, o mineral e o abstrato com as forças vitais das vidas vegetal e animal (Cirlot, 1971, p.2). No BrasiL o ideal romântico descamba pa-a o indianismo. Representaria a polarização dos valores necessários à ordem estatuída em 1822. O fndio representava a força que não ameaçava a sociedade, esgotado, disperso, de­ gradado. Constituía. entretanto. paradoxalrr:ente, gente que nunca

se

sub­

metera aos colonizadores. Durante séculos combatera até tombar. Ao nacio­ nalismo em busca de mito, de síntese. afigurava-se a concretização do valor a. "capaz também de amar Lindóia" (Calmon, 1951, p.318). Se lhe faltavam o bacamarte e a espada. dispunha do arco e da 220

VI -A FE'JOMEKOLCGIA LUSO-BRASILEIRA

flecha. O primeiro, no plano espiritual, investe�se do poder de preservar todas as coisas e garantir o renascimento delas. Já a seta significa a luz do poder supremo, pois tanto na Grécia antiga como nas civilizações pré�co� lombianas era utilizada para designar os raios do sol (Cirlot, 1971, p.l90).

§8

Quais teriam sido as razões de vingar, mais tarde, a idéia repu�

blicana entre nós, quando, pelo processo mesmo da atividade política, as reformas iam sendo realizadas? Como explicar a derrocada da Monar� quia por facção que vinha de compromisso com o sistema? No sentimento brasileiro, j á estavam as idéias adversas à tradição monárquica. Os espíritos inquietos desfraldaram, desde os primeiros tempos, o desafio à Coroa, sem cor genuína nem o indispensável décor. Em verdade, o tecido monárquico, projetado na crise da Independência, constituía o fundo do palco, a resistir, anos a fio, graças ao Príncipe sensato, que sabia corresponder às necessidades conciliatórias da sociedade ruraL As instituições monárquicas envelheceram, no que eram acompa� nhadas pela decadência física do Imperador. E os fatos acrescentavam, inexoravelmente, novos elementos ao p rocesso de decomposição , sobretudo com a queda do Gabinete de 1868, em face das circunstâncias que o envolveram e que ensej aram o desabafo unânime na área do Partido Liberal, traduzido na moção de desconfiança que José Bonifácio, o Moço, apresentou à Câmara dos Deputados. Cresceu, dia a dia, a cor� rente, publ icou�se o manifesto e um jornal diário passou a circular, con� gregando os dissidentes que se afastaram das hostes monarquistas. As tentativas de divulgar o ideal não tinham, até então, provocado conse� qüências, observou Nabuco; eram, quando muito, apenas o perigo de con� flito, de perturbação parcial da ordem; não afetavam os espíritos. A partir de 1870, porém, a militância torna�se diária, organizada e permanente. Na verdade, consideremos a instituição monárquica sem que tivesse havido no País seu completo desenvolvimento. Aqui se escolhera, em face de certas condições históricas, determinada forma de governo. O sistema impusera�se de modo convencional . A engrenagem montara� se com todos os seus elementos. A doutrina política da Restauração estatuía�se no palco, onde não faltava o Príncipe,

mas

o artifício sobressaía 221

A COERÊNCIA DAS INCERTEZAS

nítido. As i:astituições inspiradas em doutrinas de países avançados, sem raízes no processo colonizador, não haviam sofrido o silencioso curso de formação e desenvolvimento. A; eleições realizavam,se de modo fraudulento, donde artificial a representação; e os políticos, fossem do Partido Liberal, fossem do Conservador, não tinham programas ou convicções diferentes. Por certo não existia povo que pudesse agir. ccrrigindo o esquema, mas havia

a

elite, que acompanhava nos centros maiores o rumo dos

acontecimentos e constituía, nos momentos de crise, um contrapeso decisivo.

A

instituição mcnárquica, afinal, desbotara,se. Ante os ho,

mens, na conciliação estava o desencanto. Nada a fazer para salvá,la, desde que suas bases ruíam sem remédio. Como agir em face de sistema que repousava na escravidão e cujo fun, cionamento dependia da vcntade do Príncipe? Não é por mero acaso que o Conselheiro Natuco dizia a seus pares, no Sena::lo, que à escravidão



��) v;::.f ·

;;;

faltava legitimidade. Era o reconhecimento público de que o sistema care, cia de base ética indispensável à ordem e à sua própria sustentação. Em que pese todas as fr.1strações, o ideário persistia no contexto do liberalismo. Quando ocorre a crise :le 1868, a ruptura se processa. Trata, va-se de cisão no âmbito da própr_a intelligentzia moderada, razão por que os redatores do Manifesto Republicano de 1870 adotaram a plata, forma de frente única. Faltavam,lhe vibração e originalidade, disse José Maria Bello; mas o clima do Brasil ::1ão permitia maior audácia de idéias. Boehrer salienta o caráter cauteloso, já que sempre ressalvava que o re, gime devia ser instituído por meim pacíficos. Trata,se de documento de cunho pragmático, que visava somar ade, sões e reuni,las no intento de derrubar a Monarquia. Daí seu sentido unicamente antimonárquico. Opo:tunista, passa a desempenhar a força polarizadora do descontentamento :le todas as classes sociais, em especial de intelectuais e estudantes. O sentido moderado que emprestou ao manifesto, sem eliminar a participação de liberais mais avançados, pos, sibilitava

a

adesão dos próprios escravocratas frustrados com a derrota.

Eram os chamados republicanos de 14 de maio, saídos do desaponta, mento do dia anterior. 222

VI - A F'El'OMENOLOGIA LL:SO-BRASILEIR.A.

O ideal federalista serviria, ainda, de indispensável instrumento ao projeto de reforma, talvez pela projeção do progresso americano. Omra justificativa emerge diante dos movimentos europeus. A república an­ dava no

ar,

diz Joaquim Nabuco, chamando a atenção para a int1uência

da revolução republicana francesa de 1870. O tema das autonomias lo­ cais também empolgava o espírito gaulês, e mesmo da Itália vinha ele impregnado de tese liberal com motivação republicana. A idéia federalista com inclinação republicana havia-se difundido por toda a Europa e de lá chegavam até nós as ondulações ideológicas liberais e antimonárquicas. Projeta-se sobre a 1'\ação desencantada o modelo que parecia corresponder à realidade do tempo, à certeza democrática do povo e à própria vocação de um país situado em plena América. A literatura cir­ cula e a juventude das escolas superiores engaja-se na campanha. Com o Positivismo, abre-se nova frente de ataque, apesar das restrições que le­ vantava à forma convencional da república; mas participaria como for­ ça autônoma durante o movimento. Miguel Lemos justifica-se de não haver querido aderir a qualquer diretório republicano na Primeira Cir­ cular Anual do Apostolado Posirivisra do Brasil (cf. Mercadante, 1978, p.114): "Temos o nosso sistema político, a nossa disciplina e até a nossa hierarquia, tudo isso fundado em doutrinas inteiramente diferentes das adotadas pela maioria do partido republicano" (Lemos, 1978, p.l14). Às int1uências de Comte acrescentem-se as de Littré, Spencer e Stuart Mill. E, se a Escola do Recife não provocara a tomada de posi­ ção em favor da República, sua abordagem de contestação em todos os outros domínios significava a crítica sistemática às instituições e às próprias mazelas do sistema. No Sul, a onda cresceria no sentido de uma ideologia que facilitasse a unidade do liberalismo e do Positivismo. Alberto Salles pesquisa a conciliação a fim de iniciar a crítica das incoerências monárquicas; aceita o evolucionismo que serve para mitigar as arestas dogmáticas de Comte. Diga-se ser o necessário instrumento à mudança desejada, sem saltos e sem riscos. O sentimento republicano que nascia nas fazendas de café, no seio do próprio regime servil e no sentido de um progresso lento, natural e

moderado, servia para atender aos :'mpetos de mudança que a própria estrutura reclamava em sua5 transformações econômicas e sociais. Em Salles, temos o ideólogo que pesquisa a doutrina. Em 1881, seu trabalho Polític a Republicana persegLe os objetivos do Catecis, mo Republicano, em cujo prefácio revelava que

a

"vulgarização das

doutrinas democráticas seria um trabalho preliminar e indispensável para o advento definitivo do governo repLblicanc no Brasil" (Salles,

1888, p.lll }. A propósito, assinala Luís Washington Vira o sentido eclético da sua obra, pois, embasada no Positivisrr:o, não segue a ten, dência dogmática. Lembrara ainda o ideólogo que Augusto Comte, ao traçar o seu cur, so, não deixava de censurar acremente a soberania popular como dogma exclusivamente metafísico, circunstância que nada mais era do que atri, buir à �ação uma ::tualidade tão absoluta como aquela que se queria negar aos reis e que, em última análise, não passava do direito de revolta contra as autoridades constituídas. E recordava Stuart Mill, citando,o, que semelhante censura de Comte :lão tinha razão de ser. Posteriormente, o malogro da eleição direta co:nprometia de vez a salvação do sistema. Contudo, juntava,se ao clima do desencanto geral a existência do instituto servil, cujo aspecto provocara a hostilidade dos estudantes e das pe5soas de bem, sacudindo a bandeira que despertava a simpatia de todo o povo. A natureza da campanha acabaria por identificar o regime com a própria escravidão. Não havia como sustentar a instituição combatida e condenada pelo clero e por membros da tamília imperial. Por fim, a pretensa cumplicidade exporia o Monarca ante os setores conservado, res, favoráveis ao trabalho escravo, tornando,os adversários do sistema. Afonso Celso ressalta o fato: A classe mais poderosa e aristocrácca do Império, a lavoura, à qual por índole incumbiria sustentar

as

instituições imperiais, agredira de;c.omunalmente o Impe­

rador e a exorbitância dos seus poderes, porque o presumia impulsor do movimento abolicionista. (Celso, 1929, p.28-9)

224

VII

O PRoJETO PoRTUGUÊS

§1

O

espírito português retira a seiva disponível no século XII

de variadas bntes. Primeiranente, do próprio mistério, desde que Platão descreveu e situou a ignota civilização da Atlântida, pois no tempo que seguiu, relataria no Timeu (1980 p.44), houve terremotos violentos e cataclismos no espaço de

um

dia e de uma noite funestas, quando o

povo inteiro dos ccmbatentes, em massa, desapareceu sob a terra e, concomitantemente, a Ilha Atlântida foi engolida pelo mar. A descrição do continente submerso, provavelmente recebida dos

marinheiros egípcios e fenícios, fora bordada de lendas, e destas brota� va a utopia do paraíso perdido, sempre constante no sentimento hu� mano . A catástrofe geológ ica teria ocorrido a part ir do pl ioceno ou no final do pleistocenc. Inexistindo base histórica,

m

autores que trata�

ram do assunto merecem, no entanto, atenção quanto ao aspecto an � tropológico. João de Almeida, no começo do século XX (Quadros, 1987, p.l20), em suas investigações arqueológi::: as, admitiu um tipo muito antigo, o atlante, dominante r.a raça portuguesa, correspondente ao Homem de Muge, an� terior a todas as migrações territoriais e predominante ainda na população em percentual de 23%. Mendes Correa, anos depois, estudaria o homem do Tejo, mais iberoinsular do que euro�africano (ibidem, p.122). Já nos anos oitenta, Antônio Quadros investigou dedutivamente a matéria com a sua conhecida lucidez . Recorda, de início, que, se� gundo Platão, sacerdotes egípcios haviam indicado a Sólon o local, a organização e o destino trágico da ilha antiqüíssima anterior à civili� zação conhecida. Erxão admite que, relacionada com a fase megalítica 225

A (..;Cl:RI:.:-.ICIA lJAS lNCEK 1 eLA�

portuguesa, irradiou,se a cultura ao longo do Mediterrâneo. Ade, mais, a hipótese de ter,se ela situado nos mares do Egeu e Creta é inteiramente afastada. pois o que se evoca é a ilha além do estreito de G ibraltar, maior do que a Líbia e Ásia juntas. Afinal, a conjetura invocada, ao avaliar diferentes aspectos do enig, ma, ou seja, dos arquétipos, dos cânones, dos padrões arquitetônicos e dos símbolos, fixou,se no sentido de chamar a atenção para o papel de civilização fundadora que, desenvolvendo,se intensamente na área galaico,portuguesa, pode ser considerada como a pedra angular sobre a qual se edificaram as grandes culturas posteriores, desde a cretense à egípcia e, portanto. também à grega. Do mesmo modo, Bosh-Gimpera a..-;sinalou provas documentais so'­ bre a infiltração do megalítico português, bem como do vaso campaniforme, a ele ligado, no sul de Espanha, na região que mais tarde seria a sede do império de Tartessos (Quadros, 1 986, p. 149,50). Sejam quais forem os aspectos fantásticos da hipótese, os argumen, tos de outros adeptos estão robustecidos pela observação de Mendes Correa tendo em vista que a cultura megalítica portuguesa revela a existência de vida coletiva intensa, sem a qual não se compreenderiam os esforços para a edificação dos monumentos dolmênicos, e de vida moral , religiosa, militar e políticas, que se traduz na sua arte esquemática, no culto dos mortos, nos seus ídolos, nas suas expedições guerreiras ou pacíficas ( ibidem, p.l 5 5 ) . A síntese de todos os estudos, mesmo o último citado, desemboca na conclusão de pesquisadores que identificam nos atuais portugueses os descendentes da cepa atlante sobre cujas sementes espalhadas pelo mundo ergueu,se o edifício da civilização mediterrânea. Assinakm, por fim. sucessivos estudiosos, inclusive Antônio Quadros, que os grupos dolmênicos mais ativos foram aqueles que se distribuíram pela Península, pelo Mediterrâneo e pelo Norte da Europa, na diáspora do megalitismo e da religião da imortalidade. Há prov3S documentais, lem, brou Antônio Quadros, invocando o parecer de Bosh,Gimpera, da infil, tração da cultura do vaso campaniforme em Los Millares e no que são as prcvíncias de Huelva, de Sevilha, de Córdova e de Granada. 226

v1! - O PROJETO PORTUGl...:ÊS

Posteriormente. outra situação delineia-se na extensa pesquisa de Herculano, colocada no sistema, que era a çrópria Península, cujas :nu­ danças e ha"Jitantes, diversos em raças, em costumes, em lbguas, se li­ gavam de modo complexo na sucessão dos tempos por uma consta'"lte: os limites topográficos do vasto trato de terra entre os Pireneus e o mar (Herculano, s.d., p.25 ). Nestes, a ocupação ibero-céltica viera sobrepor­ se à colonizc.ção greco-feníca, seguindo-se, depois, o domínio sucessivo dos cartagineses, dos romanos, dos germanos e dos árabes. Ao contrário da Espanha, Portugal. pos::o que nascido de idêntico solo, não achava um laço só de parentesco legítimo aos tempos anterio­ res à conquista god:1. Faltavam os caracteres pelos quais se aprecia a identidade nacional de gerações sucessivas, isto é, a raça, a língua e o território. No primeiro caso, a herança mais forte é 3. celta, que se teria reproduzido em sua essência, como assinalou Herculano. De um dos �eus grupos, formou-se o lusitano ao ocidente da Penínsda. Adveio, depois, a ocupação cartaginesa, subjt.:.gados os celta-fenícios e os próprios célticos das margens do Ana, alterando os vencedores a anterior mistura ce�to­ greco-fenícia na Espanha. Em seguida, teve início a conquista romana, que persistiu por duzentos anos. A superioridade militar e cultural aos vencidos impusera os deuses, o idioma e os costumes. Mas Roma caminhava para dissolução, o cristia­ nismo avançava, os chamados bárbaros espalhavam-se no continente. Por fim, corr. os gados se compuseram. sujeitos todos os pentnsulares às leis de um direito comum. As dissensões do império visigótico trouxeram os muçulmanos à Espanha. A resistência começava po·Jco depois, leva:1tando os conquis­ tados nas As:úrias o estandarte de urna guerra de religião e reconquista. Foram quase oito séculos de �utas, mas sem intensidade, com influência sobre as populações peninsulares. O sinal mais observado refere-se à im­ portação vocabular a traduzir renovação na técnica de produção, de:::a­ dente desde os tempos dos romanos. Já Portugal. nascido depois do ângulo da Galiza, é outra nação. Pro­ víncia separada de Leão, o reino formou-se pela conquista do território. Herculano assinala que a neva monarquia no século XII compôs-se de Z27

A COEI\tNC!A DAS

L'ICERTEZAS

dois fragmentos: um leonês, outro sarraceno. Daquele trouxe a origem e corr. ela a fisiologia e a fisicnomia da sociedade; ao último referido im� pôs a vencedora os próprios caracteres, posto que dele tenha recebido mudanças orgânicas. A vertente cristã, emanada da Igreja, isto é, do clero cono organiza�

ção, que precedera à própria monarquia, perdura como fonte inspiradora na luta posterior contra os sarracenos. O domínio cultural era absoluto durante os períodos suevo e visigótico, cujos cÓncílios eram abrangentes. Os árabes invasores os respeitavam. não impedindo os cultos católicos. A influência vizinha da Gúza fortalecia a religião ::10 mito de Santiago de Compostela, ponto final de distantes peregrinações, e catedrais di� versas tamcém foram construídas na época. como, entre tantos, os mo� numentos românicos de Braga, Porto, Viseu e Coimbra. Nem árabes, nem cristãos zelavam rigorosame::1te por sua cultura, não se opondo respectivamente à influência diversificada. Havia, pois, o contingente moçárabe, constituído por naturai.; que assimilaram o idioma, o trajo, a alimentação, os costumes dos árabes, permanecendo na fé católica. Do mesmo nodo, havia o rnudéjar, árabe que se subme, tia, mediante acordo, ao cristão. As diferenças raciais e religiosas também se resolviam no meio da nobreza: estudos em Saragoça, Sevi� lha. onde governavam os sarracenos. Por fim, havia os judeus, ora to� lerados, ora perseguidos, presentes desde os tempos romanos. Até o século

XIV

os monarcas os acolheram, empregando,os na administra�

ção pública. Tratava�se de culturas de feição religiosa, pcrém adversárias, razão por que, ao serem mais tarde perseguidas, lhes foram apagados os sinais exteriores de permanência. Há um tecido de variadas cores, iesde a partida inicial no mistério da Atlântida ao nascimento da nação. A procissão dos símbolos, talvez em dezenas de séculos, atravessa a geografia das guerras, a arquitetura das civilizações, a psicologia dos povos. Inicialmente, há as raízes plantadas em outras histórias que se apre, sentam fantásticas e impossíveis. Há os frutos místicos, como a crença na supervivência de> ser após a inumação do corpo, que deu origem aos dólrnenes, aos menires e aos cromeleques. Os primeiros são sepulcros 228

VIl - O PROJETO PORTCGl:ÊS

coletivos; os segundos, pedras pontiagudas a representarem o antepassado carismático, envolvendo a idéia de litofania e mesmo do princípio mas� culino da vigilância. Ademais, há a verticalidade que se expande em torres, agulhas das catedrais góticas, na união do plano natural e do plano divino (Cirlot, 197 1 , p.207). Os terceiros, pedras curvas, dese� nhadas por monólitos, maiores ou menores, contêm uma pedra de altar. Trata-se da pedra havida como santa, disposta em sua ordem própria. Hildeg arda de Bingen descreve�lhe três virtudes: a umidade, a palpabilidade e a força ígnea. A primeira impede que se dissolva; quanto à segunda, é de extrema importância, tendo em vista a relação da cons­ ciência dos indivíduos e da realidade; por fim, o fogo contido em suas entranhas toma�a quente, permitindo manter a sua dureza ( Chevalier & Gheerbrant, 1996, p.702 ). Correspondem à categoria do culto à fer­ tilidade, ligado ao símbolo da Grande�Mãe. De extrema importância, este fogo interior também significa a ascese. Obtê-lo, na condição de tapas, estimula o ardor interior, a chama espiri� tual, segundo as mais antigas crenças orientais. Na tradição céltica, que foi repassada à portuguesa, o calor relacionava�se com o valor guerreiro de um herói. Outros rnegalíticos destacam�se. Em Algarve foi descoberto, nos anos sessenta, um grupo de antas de planta circular, cujo tipo também se en� contra no Alentejo, provavelmente do quarto milênio a.C. Há o touro, ainda, um dos mais complexos símbolos, representando, por sugestão de Jung, a figura do pai (Cirlot, 197 1, p.35). Do mesmo modo, tem-se o polvo, símbolo masculino, que representa o oceano (Quadros, 1986, p . l 38), bem corno a serpente, que se associa à árvore, expressão de ener� gia, de força pura e simples (Cirlot, 197 1 , p.286). Admitamos que no período de um milênio dava�se a interação no rolar dos conjuntos de símbolos. Os mitos cresciam à sombra dos confli� tos e corno centelhas fantásticas disputavam o lugar ao sol na nacionali� dade em formação. Foi permitido o assimilar, pelos valores emersos na aurora do cristianismo, dos outros que se salvaram do provável cataclis� mo, pela razão de não constituírem eles traços isolados na paisagem mediterrânica. Não que os rochedos existentes em Açores os tivessem 229

conservado no vazio conseqüente, nem que o vale das Sete Cidades, do mesmo modo, os retivessem em lendas sepultadas. O arquipélago de ilhas vulcânicas só milênios depois foi outra vez pisado pelos descobridores lusitanos. Tratava�se de valores agregados às circunstâncias de coloniza� ção ou tráfego comercial em face do intercâmbio marítimo. A posteridade os receberia órfãos, porém pujantes, uma vez que se formaram em ciclo distante, que encontrara o sepulcro no cataclismo. Restaram exemplos de sobrevivência de tempo ainda não revelado por vestígios materiais, um deles com relação ao touro, animal consagrado a Posídon, deus dos oceanos

e

das tempestades. Desde o Enlil babilônico,

Rig� Veda indiano, o bovino representa os deuses celestes nas religiões indo�mediterrâneas, projetado no processo colonizativo do continente submerso, em cujo domínio a figura mitológica instalara os filhos con� cebidos de mulher mortal (Chevalier & Gheerbrant, 1 996, p.97; Platão, 1 9 7 1 ) . Não esqueçamos a serpente, o mais complexo de rodos, introduzida na civilização mediterrânica com roda a força do passado desconhecido do homem,

e

lançada após tudo aos distantes pontos da

terra, incluída a terra dos maias.

§2

O projeto português, no entanto, tem mesmo as suas raízes em

duas matrizes posteriores: a cavalaria templária e a caridade cisterciense. Eis o ponto de partida das experiências, embora em um exemplo ou outro se introduzam interferências de valores do período dolmênico e megalítico. Razão de tempos remotos, do passado já referido, a elas se acresceram sucessivas contribuições. A palavra templário, formada de templo, dizia respeito originariamen� te aos membros da ordem militar e religiosa dos pobres Cavaleiros do Tem� plo de Cristo, fundada quando Balduíno num palácio

nas

n,

rei de Jerusalém, os alojou

vizinhanças do antigo templo de Salomão. Adquiriram

grande riqueza, romand�se a Ordem banqueira do Papa e de numerosos príncipes. Cresceu nos países da cristandade até 1 3 1 2, quando Clemente v, por instigação da França, a extinguiu (Augé & Augé, 1 950, p.1 7 1 8). Formaram eles ordem iniciática, isto é, adoraram espirirualidade pró� pria, erguendo o modelo para a ação. Algumas formalidades 230

suas

até hoje

VIl - O PROJETO PORTUGUÊS

permanecem tanto em Portugal quanto no BrasiL Por exemplo, às per­ guntas feitas devia-se necessariamente responder: ''Sim, se Deus quiser'. Condições rigorosas precediam a admissão do cavaleiro à Ordem. A falta maior era a da covardia perante o inimigo. Os valores eram

diversos. O bastão de comando do Grão-Mestre tinha na extremidade um globo sobrepujado por uma cruz templária dentro de um círculo, sinal da missão ecumênica e universal. Outro sinete ostentava dois ca­ valeiros montados em único cavalo, alegoria à pobreza voluntária deles, que obrigatoriamente renunciavam a seus cens. A Ordem era todavia poderosa. Isto não afetava o joanismo templário

que se caracteriza por cerro n.úmero de sinais que se ligam a S. João

e

ao

seu Evangelho. Consideravam-se os cavaleiros simultaneamente prote­ tores e servidores do Templo visível e do Santo Sepulcro. Mesmo quan­ do a derrota dos cruzados os �orçou a abandonar a Terra Santa, continu?­ ram a ser a milícia de Jerusalém (Quadros, 1 986, v. l , p. l 83 ) .

Os templários desenvolveram também a doutrina da Sinarquia, espé­ cie de plano de governo, por meio de uma federação de países, sob a dire­ ção de dois chefes, um espiritual, o Papa, e outro político, o Imperador ( ibidem, p.l84 ) . O objetive consist:a

na

reconciliação e na cooperação

dos três grupos humanos monoteístaS: cristãos, muçulmanos e j udeus. A prova cabal de que este templarismo joanino e paracletiano, argu­

menta Antonio Quadros, tenha ganhado raízes fundas e ímpeto criacionista em terra lusíada reside porventura em visões, mitos e concep­ ções filosófico-teológicas da história que, sobretudo a partir de D. Diniz, foram vividas e assumidas entre os portugueses: o Culto, o Império e

as

festas do Espírito Santo, bem como o plano e depois o mito do SQ Império. A função é ponto essencial no quadro das ações, reações e interações.

Inerente ao líder-articulador, esta tem início na cor oa e realiza-se no cetro. A coroa é a mais próxima ao monarca. Encontra-se sempre em seus pensamentos, revista e:n seu processo de mudanças históricas, aos fatos, às tradições de família. Destir.ada a colocar-se sobre a cabeça, re­ presenta a luz, o iluminismv espiritual. Procede de ramos, atributo de deuses, ligando-se a0 simbolismo de árvores. Já o cetro complementa o triângulo com o monarca e a coroa. Confunde-se com trono, reinado, 231

pois a execução da vontade real nele se apóia. O cetro é a espiritualidade da ordem, não se levantando da dignidade para a ação. Esta se corporifica na espada, wmposra de lâmina e pW1ho. Ka pan:icularidade está a con­ junção da palavTa que ordena e a ação realizada, ou seja, a mão. Na Idade Média, toma ela a for:na da cruz. §3 Pon:ugal estrutura-se na pédra, na pedra das montanhas do norte. O Porto é seu berço, porru cales, dando a forma de Pon:ucale ou a variante Portocale, que aparece em moed� visigóticas no século VI. A palavra, que apenas se aplicava à cidade do Pon:o, propagou-se ao terri­ tório atuaL O Pon:o chamava-se Cales, de Gaia, onde existiam as minas de pedra verde, venerada pelos celtas. :-.Ja cultura portuguesa ela perma­

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nece, motivando Fernando Pessoa a. definir, em Ode A1arítima, o senti­ mento da saudade, um milênio e meio depois: "todo o cais é uma sauda­ de de pedra'' (Pessoa, 1994, p.3 14).1 Os monumentos dolmênicos: os célticos, os árabes cercam-se d� pe­ �- Os lusitanos cortam-nas no ciclo adâ.J.tico, numeram-nas, põemnas em naus, transpon:am-nas para as cidades que fundaram além-mar, construindo com elas os for:es que os defendiam dos invaso:-es e piratas. São muitas as espalhadas no mundo: Rio de Janeiro, Bahia de Todos os Santos, �agasaki. A pedra é o símbolo da coesão; ma consistência e durabilidade suge­ rem às pessoas o co:1trário das coisê.S que se desintegram e que morrem. Ela representa unidade e resistência. Pan:e das estrelas para explicar a origem da vida. Procede da água, após o processo vulcânico de ter sido água e fogo. Trata-se da foroa primeira do ritmo criativo, constituindo a estrutura do movirr.ento essencial ou da música petrificada da criação. Os prim:tivos habitantes da Adântida teriam levado pe:iras às colô­ nias distantes, pelo Mediterrâneo afora; os celtas c-::>m elas construíram as moradas nas citânias, e de lá os habitantes futuros as retirariam a fim de construírem suas casas. �a religião cristã foi a pedra consagrada por

1 Cf. Borelho ( 1990); Pimeru:el

232

( 1994 ão tradicional. A postura do comandante no ato da proclamação carrega os símbolos da �pada, que é sacada com o grito cavalariano equivocado de "Viva o Imperador", imposto pela mentird oficial, posteriormente, corno "Viva a República". De tudo o povo não parti� cipou, hestializado, na expressão de Aristidt.-s Lobo, acreditando estar assis� rindo a um desfile ( ibidem, p.529). O sincretismo religioso e a miscigenação são formas ultramarinas dos valores de O. Oiniz. Havia de manifestar�se no Brasil desde que os escravos aqui chegaram. Nas lavouras da cana�de�açúcar, no Nordeste, 247

A COERÊI'CLamento das novas terras descobertas ofereceriam campo i l im itado à ambição de manter o velho

status. Da classe decadente, pois, partiriam para o Brasi l os seus repre­ sentantes à procura do prest[gio que as grandes propriedades poderiam proporcionar. Ademais, não estava Portugal preparado para o divórcio com a mentalidade senhorial. Os velhos símbolos mantinham-se infle­ x íveis. AfimJ, assume o Estado a defesa da fé além de suas fronteiras. A organização feudal-merccmtil vinha lardeada das característ icas do passado. Em primeiro lugar, estava a Cruz de Cristo, erguida em frente ao mar ou no cimo alpestre Je um O. João

Ill

cerro.

recebia a herança da imprudência. As especiarias desvalori­

zaram-se; abandonaram-se as praças africanas; mostrava-se a ruína pelo endividamento externo. Era o ortodoxo que tentava retornar aos símbo­ los passados. Ao ouro se atribuiria a decadênci3; aos judeus se incriminaria o domínio dcs valores mobili�rios, dos excessa; do mercantil ismo. A ideo­ logia desse comportamento prende-se necessariamente aos símbolos

templários, na ação, traduzidos por Diogo de Gouvêa. Seu epitáfio na Sé de Lishoa é consagrador: "DoLtor em Teologia e Reitor da Universidade de Paris, serviu a cinco reis de Portugal e a quatD de Fr;mça. Tratou e nego­ ciou por hem da Fé e honra c este Reino" (Calmon, 195 1 I p. l l 8 ) . Educador de portugueses em Paris, provavelmente ligado ao ági l ser­ viço de espionagem, foi mestre de Inácio Loiola, aquele que primeiro o 259

A COER�NCIA DAS INCERTEZAS

compreendeu, declarando-o ( entre 1 5 2 9

e

1 534) :::a valeim puro, santo

e, por conseguinte, herdeiro do espírito templário Portugal seria a comunidade preferida pelos jesuítas. Diogo de Gouvêa perceheu que a solução pam o problema da crise estaria na ocupação do Brasil e, talvez, movido pela intuição dos �ímbolos antigos, nestes tenha percebidn a ferramenta própria para a defesa Jo territóio contm os franceses. A extração do pau-hrasil não fixava o habitante. Lembrou-se o conselho antigo de O. Henrique, o Navegador, quanco, refcrhdo-se à5 ilhas, propu· sera a cana-de-açúcar para povoá-las. A Coroa financia as expedições, que vingariam os marinheiros portu�rueses sacrdcados pelos corsários, incum· bindo-as de organizar as feitorias, bases para o futum povoamento. O projeto de ocupação nasce de um conjunto, a saber a

cruz,

posta

na catequese dos mdígenas; a espada, na defesa co território contra os invasores; a pedra preciosa, no mercantilismo qut se inaugurava. O elemento essencial da empreitada pun�1a-se na ação nova dos jesuítas. Formara-se a Sociedade de Jesus e e la p3e em prática a reflexão que tivera início nos diálogos de Santa Bárbara, em Paris, a respei to da refor­ ma de Lutero. A

cruz

que ideal izavam não devia submeter-se ao ouro,

antes seria a luz a dirigi-lo; a tarefa seria a :::atequese que visava à univer­

salidade do cristianismo. S. Francisco Xavier havia de partir para o Orien· te; com Tomé de Sousa chegariam ao Brasil os evangelizadores Nóbrega, Aspicuelta Navarro e outros. Os episódios giram em tomo de valores religiosos. As naus Concei­ ção, Salvador e Ajuda aportam na capital a ser edificada - Salvador, a baía de Todos os Santos. Em 1 549, a armc.da saíra de Lisboa, aproej ando em março do mesmo ano. Dois d ias dep::Jis, Nóbrega celebrava solene missa ao pé de um grande cruzeiro (Calmon, 1 95 1 , p.226 ) . A cruz também s e j untava aos símbclos náuticos.

É significativa

a

descrição de Gabriel Soares acerca da construç'ío da Sé primitiva de Salvador: "situada com o rosto sobre o mar da Bahia, defronte de anco­ radouro das naus. . . " ( ibidem, p.248 ) . Restam pedras, cuja presença se distribui nas comtruções da cidade. O sistema colonial das capitanias hereditárias foi instituído e os donatários trouxeram às terras descobertas a autoridade semifeudalizante. 2f:IJ

A COERÊKCIA DAS INCERTEZAS

A cruz an ti�:a vem acompanhada pelo báculo e pela espada. Reunidos na a ldeia do Espírito Santo, o clero e o povo, sch a chefia do Bispo D. Marcos Teixeira, que suhstitu íra o capitão,mor, tomaram,se as pri, meiras providências. Na pessoa do comandante reuniam,se o missioná,

rio e o cavaleiro. Significativamente, após as preces públicas, vestiu,se, como em cerimônia temphiria renascida,

c

héíhito de penitente, depois

em armas, com a roupeta por c ina do amês, cruz no peito, chapéu

verde, empunhando ao mesmo tempo a e,�pada e tornou,se o guerreiro enérg ico, impondo

a

o

báculc. O re ligioso

pena de morte aos vacilan,

tes� fazendo pregaçôes, deliherando o cerco da cidaJe, armcndo ca\'alei,

ros, escolhendo para 1 3 de j un h o , d ia de Santo Ant ôn io , o assalto final. Afinal, lihcrtava,se a Bahia a 1 2 de maio ce 1 62 5 . Por certo, o processo de decodificação resolvia-se na forma anterior ao domínio espanhol. Mesmo admit indo

a

participação de nativos na

fahricação de vitónas memoráveis nos campos de luta, cumpre reconhe, cer que a mecânica e a dinâm ica das ações dos l íderes part iam dm bra, vos l usitanos ou dos moradores.

No cenário e, ror conseguinte, no plano existencial dos guerreiros, os batavos se v iam como sarracenos infiéis e idôla:ras. São substituídos nas d imensões históricas posteriores, séculos após, com o recurso dos mesmos símholos passados. O báculo se destaca em aliança com a cruz e

a espada,

o

ouro do ciclo atlânt ico se desvanece e o fogo dos sentimen,

tos anti,semitas se exacerha. Quanto à invasão de Pernambuco, há outras características que j á revelam a adoção na colônia d e símholos arcaicos. Outra vez h á

a

pro,

miscu idade em razão da unidade peninsular, ou esüo presentes tab sím, bolos no espaç de ferro anterior o dirigismo econômico não terminaria. Retomava, ademais, a tradição de D. João v, por cerro guardadas as medidas do tempo. A Basílica da Estrela recorda­ va Mafra, desfazendo o espírito nivelador pombal:no. O Convento de Santa Clara de Vila do Conde trazia em seu nome, em sua grandeza, o espírito de D. Isabel em Coimbra. Concessões ao próprio estrangeirismo se acresceram com o Palácio de Queluz, a confirmar a francesia. A priva[ização efetuou-se, tomando-se positivo o saldo da balança comercial portuguesa. Tudo faz crer que o erro do Marquês se deveu à ausência de símbolos próprios à sua pessoa. uma vez que, çertencente à pequena nobreza, não lhe foi possível converter-se em mor,arca, vendo­ se obrigado, assim, a manter a coro3 e o cetro, robustos no conjunto que adotara, presos à dinastia reinante. A

§3

No século XVIII viveram as Minas Gerais a idade do ouro; a cruz desligou-se da espo.da e incorporou-se aos nichos das igrejas; as procis­ sões tomaram-se práticas habituais, incluindo a do Imperador do Epíri­ to Santo. A espada separou-se do escudo e do cavaleiro. O mar calou-se na zona mineradora, tomou-se saudade do imigrante. O ouro cobriu os interiores dos templos, converteu-se no esplendor barroco dos interio­ res, mas despertou a cobiça e o sentimento de remorso. O cavaleiro, perdida a motivação das baralhas, embrenhava-se nas matas das conjurações; os portugueses, convertidos em adversários, ape­ lidavam-se de galegos; o ideal da nova reconquista iluminava o coração dos poetas. Maria Dorotéia ou Marília de Dirceu e Bárbara Heliodora eram as musas dos inconfidentes. Foram amadas à maneira renascentista, tomaram-se miras, deixaram-se envolver r.o sentimento da saudade, de natureza lusitana. A cultura do ciclo aurífero dera-se em cont1ito entre os novos ideais liberrários da América e da França e os arcaicos signos da mãe pátria. 282

IX - A ERA POMBALII\A

A l iberação da donzela, de origem mitológica, surge nas lendas pagãs e propaga�se nas cristã�. O ato é apaná�io dos cavaleiros, como na h istória da Bela Adormec ida e de Perseu liberando Andrômeda. O arquétipo cria a missão de salvar também a pá:ria de forças cruéis de dominação política e econômica. Nele os mineiros se inspiraram, cada inconfidente na paixão pela mulher ideal, a merecer do p:Jeta os Yersos de amor. Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga en�zajam�se à corrente secreta que apa� rentemente se prendia à fiscalidade da Metrópole . As figuras da J ustiça, do pergaminho, idealizado na Constiuição, teciam�se na mente do v isio� nário Joaquio da Silva Xavier, o Tiralentes: forja�se a missão mística da Independência. Sem possibilidade alguma para o bom êxito da aventura, seguiram os cavaleiros, todos l igados ao próprb poder dominante, resolutos para o calvário. A forca e o esquc.rtej ame:lto só

a

um atingiu, e

a

pompa de

seu sacrifício bordava�se com os prrmenores do arcaísmo português. A descrição deixada na h istoriograf�t impressiona tanto quanto os fu� nerais de D. J oão

1.

Ouçamo�la na descrição dos cont.:mporâneos. Fcrmaram�se os regi� mentos da Praça com os uniformes de gala, desde a Cadeia Velha ( hoje a Assembléia Legislativa) até o Largo Je S. Dcmingos ( Praça Tiradentes) , onde se dispusera o patíbulo. A cava!o, o comandante, filho e ajudante� de�ordens do v ice�rei, passoL em rev$ta as tropas presentes. Tiradentes seguiu em procissão atrás de frades entoando salmos. Estava presente o J uiz de fora en seu corcel. Emm 1 1 h>ras LJuando o condenado subiu os degraus do pUve falar em matem'ítieo, e logo lhe per�'llnta se ru'í Je chover ou ·le fazer hom tempo. (lhidem, p.48)1

Na crítica literária, é veer.1ente tamhém o l ihelo. Estão todos persuadi� dos de que a eloqüência consiste na afetação t na singularidade, e, por �sta re1-,rra, querendo ser eloqüentes, procuram sermuito afetados nas palavras, mui singu lares nas idéias e mui fora do propi•sito nas aplicaçôes. Portugal procurava pôr�se no n ível dos puvos mais adiantados. A U ni� versidade reformou�se. Criou�se a Faculd ade de Matemática, aceitou�se a experimentação como apoio aos estudos Jas c iênc i as naturais, deu�se ao Direito a hase histórica. De pouco valeu a reação ir.iciada po.>r D. Mutor em Teologia pela Univ•rsidadt• de Évora e mene na mc�ma universidade, sendo

c ons iderado o ma:or solíticas, mas tal esforço jamais convencia as correntes vencidas, de vocação tradicionalista e contra-reformista. Apenas calavam-se, disfarçanm-se para sobreviver. Ademais, as reformas 3X

X - O TEMPO DO UTILITARISMO

apregoadas não eram de cunho radical. O Romantismo e a Restauração apenas preparavam o século para o compromisso teorizado pelo ecletismo francês. O conjunto de relações, no que tange aos símbolos, caracterizou� se, então, pelo respeito à tmdição. Assim como a cabala atravessara os sécu los anteriores, a pletora de ímpetos estrange i rados fac i l i tava a interpenetração, uma das propriedades da simbologia, pois a incidência é movida, em seu processo de aglutinação, por afinidade essencial, segundo a aguda observação de J ung ( 1 995, cap.2 ) . Assim, no rebuliço das mudanças, alguns símbolos mais antigos, como

a espada, o estandarte, a procissão, transmudaram�se em lâm inas, ban� deiras, passeatas, permanecendo símbolos antigos como o cadáver, a mu� lher, o ca valo, emergindo outros, como, por exemplo, o velho papiro, a equivaler a pergaminho, livro, constituição, diploma. Posteriormente, desfeito o ímpeto revolucionário, acomodadas as pretensões utópicas da

ordem trinitária, retomou a cruz o seu papel outra vez tradicional, dando à situação restauradora o equilíbrio monárqu ico. As teses da nova corrente, em Portugal, procediam do "saber de ilus� t ração " . No t e mpo pomb a l i n o , m a n i fe s t av a � s e por m e i o dos estrangeirados, cuja reflexão cruza o Atlântico para alcançar os enge� nhos e as c idades. A el ite brasileira participa com Alexandre de Gusmão, que estudou em Paris e viveu em Lisboa. Outro paul ista, Marias Aires, acadêmico na França, expôs para os portugueses as teorias físico�químicas em voga entre os enciclopedistas. Posteriormente, Santos Leal e José Bonifácio completam o quadro do movimento renovador. O primeiro, sacerdote, procurou d ivulgar as virtudes da c iênc ia; o segundo, de saber enciclopédico, retomou ao Bra� sil, após diversos cursos na Alemanha e na França. Observador dos acon� tecimentos da Revolução Francesa, descreveu a trajetória ideológica, aj ustando�se à realidade brasileira a fim de l iderar o movimento da I n� dependência. Sua formação científica e experiência pessoal levaram�no a adotar o senso pragmático no trato dos negócios políticos e, por canse� qüênc ia, as formas mitigadas do movimento da Restauração. A transição tivera início com Silvestre Pinheiro Ferreira, em 1 8 1 3 , na oportunidade de curso no Colégio Real de São Joaquim. Lança�se 301

A COERÉNCIA DAS INCERTEZAS

a uma refonnulação, tomandt•, como ponto de partida, as idéias consolidadas pela tradição. Reinterpreta Aristóteles, segundo cânones empiristas, e situa Locke e Condillac como seu desdohra:nento natural. Pretende harmonizrt(lti Jo Rr,uil, que rrivou Portugal do Ctlmércio e:samente sem campo para

as

o

êxodo do

cidades.

Apesar das novas influências romântica e eclética, não cessava, po­ rém, a incidência de valores que atuavam no 5entido 3e freqüentes con­ flitos militares com os espanhóis. Sem a cruz, mas com os demais instigadores, envolve-se o Brasil em luta armada comra o Paraguai, du­ rante cinco anos, prejudicando o processo de econômico em curso. Apesar das vicissitudes de então, o balanço do crescimento revela­ va os dados disponíveis que a história registrou. O Brasi l pusera-se entre os grandes participantes do comércio internacional, com eleva­ do intercâmbio exte:no. A infraestrutura desenvolvera-se. D trem ou as estradas de ferro s-::>mavam nove mil quilômetros de l inhas; a nave­ gação a vapor estendera-se com o sistema internacional e interno, bem como a t1uvial a vapor, instalada até o Amazonas e seus afluentes (Pra­ do Júnior, 1 953, p.208). Nascera o liberalismo radical, o gundo Reinado contrariou

a

cetro

tolhendo-lt.e os abusos. O Se­

tradição lusitana. Aqt:i se reformulara o

passado em razão do mercado externo. O domínio rural partiu-se, a es­ cravidão negra foi abolida, a própria monarquia tombou de vez. Mas as idéias de D. Diniz prosseguiam, velando a conciliação política e social do Oitocentos. No final ào século, duas seqüências de fatos, no Brasil e em Portugal, apresentam feições muito prôximas. Na chamada questão de Christie, ocorrida em dezembro de 1 862, o ministro inglês no Rio de Janeiro apresentou ao Imperador

D. Pedro II,

o ultimarum de S. Majestade britânica para que fossem prestadas satisfa­ ções quanto a um incidente entre marujos ingleses e policiais, sob pena de represálias extremas. Estas, diante da repulsa do Imperador, se fize­ ram de imediato, com apreensão na entrada da barra de alguns navios 324

XI -

A SOCIAL-CEMOCRACIA OBSCUR.-\NTISTA

mercante�. As manifestações do brio nacional deram,se em todo o terri, tório, com riscos ao comércio bntânico estabelec ido. Recuou em seus pmpósitos o governo de S. Majestade. Da questão resultou o patriotis, mo que mobi l izou toda a �ação (Calmor., 1 95 1 , p.4 1 7 ) . Anos depois, em 1 1 de janeiro d e 1 890, uma nota britânica exigiu do gcvemo de Lisboa que até a tarde desse dia mandasse retirar as tropas portuguesas que 5e encontravam no Vale do Chire. Um cruzador de S. Maj estade aguardava a respos:a. O ultimato teve uma repercussão dt •lorosa. Pouco importa que o monarca cedesse. Ergueu,se a honra do bravo povo, congregaram,se os intelectuais. J amais houvera reação tão pmfunda. A ação revelou-se plena e imediata, despertando o sentimen, to de repulsa ao estrangeiro. Os símbolos mobilizados nos dois episédios ergueram,se de forma se, melhante. Provocaram ressonâncias que se projetaram em direção à Re, pt:bl ica. A inte l igência, tanto a brasileira quanto a portuguesa, manifes, tou,se de modo dramático. No Bras i l , a mobil ização cond uziu os líderes,articuladores, em tomo do Imperador, a reações contra os países vizinhos em repet�das questões militares. Em Portugal , a emoção ativou o 1deal republicano. No ano seguinte, eclodia a Revolução do Porto, de

3 1 de j aneiro, que produziu os primeiros mortos da causa. E, poucos anos depois, duas vítimas novas, do rei e do príncipe herdeiro, selam o desti, no da monarquia. Que conjunto de símloolos teria atuado nas duas s ituações ? Certa, mente a handeira de cada um, a velha insígnia totêmica, posta no topo de um mastro desde os tempos i11emoriais, em espéc ie de exaltação, se11pre exprimindo a auto-afirmação. Do ponto de vista luso,brasileiro, ela encarna

o

estandarte templáno, atlântico e de autonomia face aos

vizinhos de Castela e Aragão. Subjacente, pt..>sava, porém, a idiossincrasia entre os brasileiros e os vizi nhos Je origem castelhana. Ela partia dos va lores que também al11nentaram, durante sucess ivos reinados, os conflitos militares. Estes abrangiam problemas de casamentos, v izmhança, relações de a l ianças externas. \lo Brasil , os símbolos palp itavam e manifestaram,se, afinal, nos anos sessenta do Oitocentos. 325

A COERÊNCIA

DAS

INCERTEZAS

Alguns historiadores perceheram que a cpestão já vi nha de longe. Pedro Calmon ohservou que apesar de ilógica, dada a natural simpatia entre os dois povos, até i nconseqüente, pela atitude que

o

lm['ério assumira em defesa de sua indepe:1dência,

a

guerra com

o Paraguai estava de antemão prevista. (Ihidcm, p.42 7 )

Do ponto d e vista convencional, a latência residia n a incompreensão das chancelarias acerca da navegação do Paraná e dos limites territoriais. Em Portugal e no Rrasil, o Positivismo propagou-se

a

partir dos mea­

dos do Oitocentos. Aos poucos, por meio sécu lo, a força revelou-se so­ hretudo no meio mi litar e pd itécnico. Entre os hacharéis, Littré teria influência maior do que Augusto Comte, por meio do qual entende-se me lhor a importância do número como símholo condicionador. Os mímeros transcendem

as

expressões de quantdades. São idéias-

força. Derivando-se todos do um, nota-se o significado particular em

� :?f;,

�Y �

cada um deles. Os primeiros dez algarismos no sistema grego pertenciam ao espírito. Tomaram-se entidades, arquétipos e símbolos. Spengler aval iava-os com profundo respeito. Ahria sua exposição sohre o declínio da civil ização ocidental corr. a reflexão acerca de sua imp( )ftância. A origem dos números assemelha-se à do mito, sendo por meio de nomes e números que o entcnLi imento hum-mo adquire o poder sohre o mundo ( 1 95 9 ) . Spcngler voltava a Platão e a Pitágords, este merecendo o lugar pioneiro de avaliar a explicação racional das coisas, vendo o motivo nas diferenças Lle quantidade e de arranjo de t na escola r itagórica faz a-se por tran.,missão oral: daí resulta uma ausência de textos orig inai.' 1... 1 há que f,1:rr recoru;truções pelas rererênci:l!> po."!erimes".

326

XI - A SCX::I AL-IF .-MOCRACL.nósticos e cabalistas, aprox i , mam,se também aos alquimistas, sendo mais antigas no pensamento oriental, em LalHsé. Por fim, em nosso tempo, a lógica simhólica retroage à idéia do quantitativo Ctlmo a base do qual itativo. No pensamento l usitano, já figurava o três, que representava a sínte, se, a própria solução do cnnflito posto pelo dual ismo. Seria assim produ, to harmônico da ação da unidade sobre a dualid ade. A exposição joaqu imita o consagrava. O Positivismo, corrente francesa de pensamento, pusera

o

número, no

entanto, como valor embutido naturalmente na m:1temática, considerao, do que a ciência em questão constituía o ponto de apoio de todas as outras . A lei dos estados, apoiada no número três, traduziria o primado do positivo. O Brasil precedera Portugal nas conquistas políticas éos adeptos de Augusto Comte, proclamando a república 2 1 anos antes. Em Portuga l , fora produto d a geração de 1 8í0. O movi mento t i vera i n ício em Coimbra, com jovens acadêm icos que l iam M ichelet, Renan, Cornte e Marx. Em vão se tentaria o bloco. A crise do Positivismo na própria ciência ocorre pouco depois, porém , a i nfluênc i a tanto num país quanto noutro permaneceu. Na pol ítica, os preceitos do autoritarismo do crc, do mantinham,se no Sul, nascendo no R io G rande a versão castilh ista no governo do Estado. Mais fortes no âmbito Ja nobreza, os valores autênticos de Portugal resistiram às mudanças políticas. O regime republicano instituitHe em

1 9 1 O, nos primeiros dias de outubro, participando do movimento as for, ças armadas. Como ocorrera vinte anos antes, no Brasil, os republ icanos incumbiram,se da articulação e Jo apoio aos nditares. O A lmirante Re is, que c hefiava a conj uração, suic idou,se durante o período de indefinição do quadro. A circunstânci a parece ter favorecido a adesão dos navios �.le guerra, definindo a situação. Idêntico processo seguiu,se: governo provisório enquanto se rrcparava o indefectível pergaminho, que sinalizava o retomo à Carta de 1 8 2 2 . 327

A COER�CIA DAS :NCERTEZAS

O Congresso assuniu as rédeas do poder, competindo� lhe eleger e destituir o Presidente da República. Em deze,'{Xmsahilidade histórica da

mudança de rumo lJUe quase conduziu Portugal ao desastre definitivo. A Revoluçã() nascerc:l da espada de oficiais da chamada rt.."SCrva, constituída de acadêmicos que intehrravam a tropa ultramarina. Uniam-se no quadro conceitos marxistas e pomb:1linos. Seja como for, trata-se de um estado de espírito anticapitalista. O lema da exploração do homem pelo homem, con­ tido no Manifesto de 1 848, ouvia-se a todo o instante, imcrevia-se nos murais e na imprensa. "Planejar para o homem e não pam o lucro", eis a manchete Jc um jomal de Lishoa. E os apelos para que o Estado as'iumisse as ..

principais responsahilidades do setor cx:onômico apareciam com freqüência. Os valeres importados predominaram, porém, Jo ponto de vista de

duração; terminaram por sucumhir em razão do espírito rraJicionalista e conservador do norte, que se mobilizou em tomo do sihrno da cruz, favore­ cido por outros compatíveis com as democracias ocidentais. Ou todos os símbolos nele estão, segundo Fernando Pessoa: cavaleiro leal, soldado-rei, 335

A

COERÊ:'\CIA

DAS

!:'\CERTEZAS

gládio de fé erguido acima da cruz, D. Sebastião encarnado. Salazar reto, ma o cetro pombalino sem o fito de modernizá, lo. Aqui prosseguiram os símbolos, por exemplo, vestindo,se para servir ideais. A atuação dos articuladores se lhes junta necessariamente. A redução da referência lusitana no BrasiL com o domínio do populismo. de cunho positivista, acentuou,se após a Revolução de 1 930. A influência negra robusteceu,se no sincretismo afro,brasileiro. Tentava,se um regres, so

a arquétipos animistas, a crenças politeístas e a hábitos tribais. As forças perseveram. A cavalaria mantém,se na esfera militar, arma

de prestígio entre as demais; os pilotos sentem,se cav-aleiros nos aviões de caça; a equitação é esporte da nobreza. No hipódromo. a elegância se mostra e os proprietários posam ao lado dos cavalos vencedores. O ani, mal na linguagem diária é termo de comparação com os fortes e os resis, tentes. Os cavaleiros distinguem,se pela educação e trato. A cruz ainda o segue nas jornadas. No final dos anos vinte, Cristo, no cimo do morro do Corcovado, no Rio de Janeiro, então capital do País, foi posto como protetor da cidade e dos cariocas. A forma da pedra, reproduzindo o obelisco megalítico, junta,se ao Filho e à Cruz.

É ainda

padrão monetário que dança entre templários e navegadores, isto é, en, tre cruzados e cruzeiros, escolhendo afinal o cetro do "real'. A cruz, a procissão e a espada manifestam,se com freqüência.

À Re,

volução de 3 1 de março de 1 964, serviu a primeira de manifesto nas principais cidades do Brasil. A segunda foi o ponto de partida para uma jornada de equívocos e acertos. Os militares assumiram o poder servin, do,se de valores arcaicos e modernos. Enquanto se atiraram ao progra, ma primeiro de Roberto Campos, a fim de modernizar o País, deixaram, se entregar à radicalização ética nos governos seguintes, imbuindo,se de preconceitos contra a economia de mercado, que traz em seu ventre o malsinado lucro do capi talista. Em que pese . pois, o sent ido de modernidade impressa ao movimento. as forças culturais da Contra, Reforma não cessaram de agir, aproveitando,se das vacilações. Velhos valores de quando em vez predominam por meses e até anos. Com freqüência, a plebe idealiza um demagogo salvador, brandindo a vassoura como simulacro de lança templária. Ou ressuscitando o fantasma

XI -

A SOCIAL-DEMOCRACIA OBSCURANTISTA

da corrupção como arma eleitoral para em seu braços atirar-se no fim da festa. A vocação para o sebastianismo salvador dirige a opção eleitoral. A Vargas, que recebera consagração pela forma como reagiu ao Golpe de Estado de 1 954, venerado como o "pai dos pobres", seguiu-se, poucos anos depois, o l íder paraclético Jânio Quadros, montado na vassoura medieval, tendo este governado por seis meses como salvador i lustrado. Em menos de vinte anos, outro demagogo, invocando a figura do "maraj á" indiano, cercado de prostitutas e auxi liares corruptos, empol­ gou o eleitorado para a desastrada carreira de vilão expulso do poder. A situação, todavia, não se alterou. Os sucessores arrumaram-se em seguida. Tancredo Neves, um dos pre­ tendentes, falecido após eleição indireta, cujo sistema ele sempre conde­ nou, converteu-se em salvador e hoje, em seu túmulo mineiro, é venerado como santo municipal. Guiado por imprensa medíocre e por jornalismo alienado de inspiração esquerdista, o povo acatou a posse do v ice, José Sarney, sem carisma mas obediente às simplificações do populismo. Não terminaria a sucessão de Sebastiões caboclos. Ulisses Guimarães, declaradamente oportunista, revelou-se o energúmeno da política; foi consagrado por suicídio não formalizado, caindo ao mar de um pequeno avião, em condições impos1'íveis de vôo. Afinal, a social-democracia, por­ tando a bagagem da Contra-Reforma e do Saber de Salvação, montou-se no mesmo cava/o do atraso com o professor e ideôlogo Fernando Henrique Cardoso, cujo espírito conciliador e confuso deixou-se arrastar pela inér­ cia do poder, sem

o

carisma necessário dos fatigados demagogos.

Nesse ponto, cumpre registrar uma observação nostálgica. O brasilei­ ro

não percebe, de modo algum, que a corrupção reside na mente-corpo

do Estado. A cultura da contra-reforma, formadom da c lasse média ur­ bana, localiza no sistema do capitalismo-industrial a origem dos escân­ dalos administrativos e financeiros, porém, se recusa a identificar o pivot de todos eles no próprio poder político. A orquestra da mídia volta-se, estimulada pelos panfletários, contra os empresários, sugerindo medidas j esuíticas de repressão. Os autores teatrais os mostram, segundo modelos de degenerescência, enquanto retratam os marginais e assassinos como vítimas da sociedade industrial. 337

A COERÊNCIA DAS !NCERTEL\S

A pujança do Saher de Salvação revela-se certamente na crise con­

temporânea, que se mostra após a queda do muro de Rerlim. Abatido pela inviabilidade de seus métodos de política econômica, o social ismo ainda encontra em suas hostes destroçadas as lamentações saudosistas de velhos stalin istas

e

de atuais admiradores da ditadura de Fidel Castro,

bem como dos terroristas sul-americanos. Quanto aos cadlterrilha sucedida nos anos setenta, durante o regime militar, nas fl( lrestas de Amh:ruaia. Outro morticínio intercala-se no contexto sinistro, que

a

mídia jornalística propaga com in­

tensidade dmmática: o extermínio de desempregados reunidos em assaltos a fazendas do interior paraense. Estes últimos

se

denominam os "sem-terra",

organizados por al ianças de padres estrangeiros e social-fascistas. Governado por burocracia Je socialista..'! travestidos Je liberJis, egressos das universidades públicas, toma-se raradoxal ao País a feição política. As refonnas pretensamente populares são dirigidas por corporativismo dos funcionários das estatais, por interesses dos bancos estrangeiros, por investi­ dores de capitais a taxas astronômicas

e

por egressos d:1 nomenclatura do

Banco Central e de outro estabelecimento oficial, reinfiltrados nos l>rgãos de comando financeiro do País. Forma-se pois a promiscuidade final, a escatologia do desespero e do atraso, colorida por expressfJes de nacionalis­ mo bastardo. Voltam-se as forças populares, iludidas pelos professores-ban­ queiros com fantasia de esquerda, a reivindicações que afinal consistem nos 338

XI - A SOCIAL-DEMOCRACIA OBSCLJRANTISTA

institutos arcaicos e reacionários, vitoriosos na Constituinte de 1 988, quan­ do da promulgação do papiro conhecido por avanço do retrocesso. Pergunta afinal o leitor que símbolos são esses que conduziram um país com tamanha potencialidade produtiva ao caos e ao risco de seces­ são. Vimm que as procisst>es com cruzes, estandartes e hrasi)es, que cons­ tituíam a herança c lássica, vestiram-se de passeatas, foices e martelos, apresentados em vermelho. As d uas ú l timas figuras citadas resumem-se na primeira, ostensiva desde o século XV. Primeiramente, a foice j un­ tou-se ao esqueleto, como força igualizadora, após a transição do foicinh( ' • atributo de div indades agrícolas, que se convertera em diferenciação ocorrente na evolução individual

e

coletiva.

O martelo, que se acrescentou à utopia da Internacional socialista, é pois valor recente, que nãn prosperou, visto que sua importssado em lei� to de morte, seguiu a rotina e transmitiu o cargo ao líder paraclético Colbr 342

XI - A SOCIAL- DEMOCRACIA OB�URA!\ITISTA

de Mello, que governou por um ano. Viera eleito diretamente na crista da onda popular, empolgada com os valores mobilizados de combate à corrupção. Recorreu o candidato à figura que j á se encontrava no arsenal de recentes referências populares, afinal constituindo assemelhada versão da vassoura de Jânio Quadros. O lema lançado à campanha, d irigido à figura do marajá, título de certos príncipes da Índia, era tirado de pala# vra cunhada para indicar funcionários públicos ou de estatais que rece# hem vencimentos elevadíssimos. A este nome agregava#se um outro mordomia -, na acepção de vantagens adicionais que cahem também a funcionários de empresas públicas. !vlarajá e mordomia casavam#se as# sim para a denúnci a de favorecimentos, que foram durante a campanha eleitoral estendidos às pessoas remediadas e ricas, por setores das cama# das populares que apoiavam o j ovem candidato. A no e pouco ap6s a investidura, o Congresso destituiu#o por envolvimento em corrupção. Nos anos noventa, a mídia favoreceu o nome do social#democrata, saído do corporativismo universitário, a fim de barrar rretensões do radi# calismo de esquerda aliado aos grupos sindicais das emrresas estatais. O rleito feriu#se, elegendo#se Fernando Henrique Cardoso, sociólogo com rassado de adversário do autoritarismo anterior dos militares. No gover# no, articulou#se com os antigos companheiros, disfarçando a l inguagem socialista e divulgando aroio a medidas l iberais como rrivatização e aher# tura ao capital estrangeiro. Os anos correram e revelou#se o eleito o pr ofiteur da conciliação, iludindo a opinião pública com o artifício de moedél está# vel - o real -, !-,Yfaças a juros elevadíssimos pagos ao capital especulador, vindo a curto prazo para financiamento da aventura monetária. Os símbolos que determinaram a social#democracia d ispuseram#se no conj unto, fixados aos valores velhos da nobreza lusitana, embora degra­ dados pelas versc.1es da nova classe. A ditadura fisca l aperfeiçoou-se na elahoração de leis ampliativas da crimina hzação do direito trihut;írio; a nomenclatura fortificou-se, nela agregado o grupo de formação terroris# ta; a reforma agrária rrogramou-se soh a hatuta de figuras comprometi­ das com os partidos radicais; a campanha contra a economia de merca­ do persistiu no painel indefinido, em razão de se terem convertido em banqueiros e especuladores os antigos mil itantes de esquerda. 343

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