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Portuguese Pages 319 [160] Year 2021
AN
PENHA
E PEDRO FELIPE NARCISO
(organizadores)
A BURGUESIA BRASILEIRA
de
a Bolsonaro
1ª Edição Enunciado Publicações
Florianópolis, 2021
AÇÃO:
su
Copyright© 2021, 1\nunciado Publicações Todos os direitos reservados. Não é permitida a reprodução integral ou parcial desta obra sem autorização expressa, por escrito, da editora.
Prefácio - Armando Boito Jr . ............................................................................................ .5 Auu''""""'" - André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso ............................................... 9
Coleção Teoria Marxista e análise concreta ENUNCIADO
PusucAçõEs
Editor Rafael dos Santos Pereira
Coordenação Danilo Enrico Martuscelli (UFFS) Davisson Charles Cangussu de Souza (Unifesp)
Conselho Editorial Produção Editm:ial Trem da Ilha Serviços Editoriais Revisão Trem da Ilha Serviços 1\ditoriais e autores Diagramação e Capa Trem da Ilha Serviços Editoriais
Adriano Nascimento (Ul'AL) Anita Handfas (UFRJ) Angela Lazagna (pesquisadora) Leandro Galastri (Unesp) Marisa Amaral (UFU) Patrícia Trópia (UFU) Tatiana Berringer (UFJ\BC) Thiago Barison (pesquisador)
PARTE 1-A BURGUESIA E OS GOVERNOS DO PT
O da e a indústria têxtil frente à externa brasileira para a China (2003-2010) - Mariana Davi Ferreira .......................................................... 23 O
e a burguesia no segundo governo Lula - Pedro Felipe Narciso ............... .51
As grandes construtoras brasileiras de obras de infraestrutura e a ... ~u.,,~~ econômica nos governos Lula e Dilma - Mariana Rocha Sabença .............................. 85 O fracionamento de classes no interior do agronegócio e os governos neodesenvolvimentistas - Maria Angélica Paraizo ...................................................... 111
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do _Livro, SP, Brasil) A Burguesia brasileira em ação : de Lula a Bolsonaro / organização André Flores Penha Valle , Pedro Felipe Narciso. -- 1. ed. -Florianópolis, SC : Enunciado Publicações, 2021. -- (Teoria Marxista e análise concreta)
PARTE 2A BURGUESIA, A CRISE E O PÓS-GOLPE
ISBN 978-65-992476-4-4 1. Brasil - Politica e governo 2. Bolsonaro, Jair Messias, 1955- 3. História do Brasil 4. Silva, Luís Inácio Lula da, 1945- 5. Política e governo I. Valle, André Flores Penha. II. Narciso, Pedro Felipe. III. Série.
21-87296
CDD-981 Índices para catálogo sistemático:
1. História do Brasil
981
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
1ª edição: novembro, 2021 ENUNCIADO PUBLICAÇÔES Estrada Haroldo Soares Glavan, 448 - Cacupé C:EP 88.050-005 - Florianópolis-Se [email protected]
Grupos financeiros, entidades de representação de classe e seus posicionamentos sobre a nova matriz econômica do primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014) - João Pedro Vazquez ................................................................................ 139
Perfil econômico e político do capital financeiro internacional: considerações sobre a atuação do setor no Brasil entre 2015 e 2016 - Nátaly Santiago Guilmo ....... 171 A burguesia industrial na crise do governo Dilma - Felipe Queiroz Braga ........... 193 Indústria da construção civil, dependência e crise política no governo Dilma Rousseff - Octávio Fonseca Del Passo ............................................................................................ 223 Capital financeiro, frações de classe e a crise política de 2015-16 - André Flores Penha Valle ....................................................................................................................... 249 Os produtores de soja e o primeiro ano do governo Bolsonaro - Luana Forlini ... .279
Pósfácio: Do neodesenvolvimentismo ao neofacismo - André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso .......................................................................................................... 305
http://enunciado.com.br
Sobre os (as) autores (as) .......................................................................................... 317
E A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro é uma coletânea que reúne
textos de vários autores e que traz uma contribuição muito significativa para o conhecimento do tema anunciado no título do livro. Os capítulos que a compõem analisam a atuação política da burguesia brasileira e de suas diferentes frações durante os governos da década de 1990 mas, principalmente, os governos das duas primeiras décadas do século
analisa as relações políticas complexas que essa
classe social e suas diferentes frações entretêm com as demais classes presentes na sociedade brasileira contemporânea e tais capítulos analisam também as relações da burguesia com o Estado nacional, mais precisamente, com as políticas econômica, social e externa implementadas pelo Estado brasileiro. Os textos desta coletânea combinam, o que não é pouca coisa, rigor teórico com levantamento e apresentação de informações e dados empíricos novos. O rigor teórico decorre da mobilização criteriosa e criativa do dispositivo conceitual elaborado pelo cientista político marxista Nicas Poulantzas - sim, o marxismo possui uma teoria política própria e este livro prova-o uma vez mais. As informações históricas novas os autores as obtiveram pesquisando sistematicamente as demandas das diferentes frações da burguesia brasileira, pesquisa feita por intermédio de levantamento sistemático da documentação oficial de dezenas de associações sindicais e civis que reúnem diferentes segmentos da classe capitalista no Brasil. Esses textos sintetizam pesquisas de mestrado e de doutorado dos seus autores, a maioria delas produzida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e nos quadros do Grupo de Pesquisa intitulado "Neoliberalismo e relações de classe no Brasil" vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), grupo de pesquisa no qual atuam os autores do livro e também o autor deste prefácio. A análise da atuação política da burguesia brasileira não é um tema novo na bibliografia de Ciências Sociais e de História, mas esta coletânea traz novidades. Ela mobiliza, dentre outros, os conceitos de fração burguesa, bloco no poder e hegemonia de fração, conceitos que permitem que as análises descubram regularidades no
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Armando Boirto Jr.
Prefácio
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comportamento político de uns e de outros segmentos da burguesia brasileira;
de Pesquisa "Neoliberalismo e relações de classe no Brasil", destaca a existência de
detectem os principais conflitos que dividem a classe capitalista no período; e
uma burguesia interna, fração que teria tido papel hegemônico no bloco no poder
expliquem a turbulência do processo político nacional dos anos recentes, não apenas
durante os governos do PT. Tais teses são desenvolvidas com base em amplo e
como resultado da contradição entre trabalhadores e capitalistas, mas também -
cuidadoso levantamento documental de primeira mão.
e por certo principalmente, em se tratando do Brasil atual - como resultado do conflito entre diferentes frações de uma mesma classe social - a classe burguesa.
O imperialismo, e também a dependência que é o seu correlato, passa por diferentes fases. Os clássicos citados analisaram o comportamento político
Os estudos pioneiros sobre a burguesia brasileira tiveram muitos méritos.
da burguesia brasileira na fase que Cardoso e Faletto denominaram "a nova
Foram estudos desbravadores, preocupados com o esclarecimento das grandes linhas
dependência". Tratava-se da fase na qual o capital estrangeiro, reagindo a um impulso
da política nacional e que não escondiam o seu engajamento político. Para boa parte
interno provocado pelo Estado desenvolvimentista construído a partir da Revolução
deles, tratava-se de saber se existia ou não no Brasil uma burguesia nacional disposta
de 1930, decidiu, não sem inicial hesitação do imperialismo estadunidense, aderir
a assumir a luta contra o imperialismo. Outro mérito foi o fato de tais estudos
ao processo de industrialização periférica. Foi diante desse quadro que Caio Prado
estarem atentos às mudanças nos laços de dependência - basicamente, a transição
Jr. perguntou em tom polêmico, no seu livro A revolução brasileira, por qual motivo
do que denominavam "modelo agrário-exportador" para a "industrialização via
a burguesia brasileira haveria de assumir a luta anti-imperialista se o imperialismo
substituição de importação". Essa transição exigiu a reformulação dos laços com
estava propiciando-lhe oportunidades inéditas e crescentes de investimento e
os países imperialistas e, portanto, diziam respeito, também, aos interesses dos
participando de um amplo processo de modernização capitalista do Brasil. Esse
diferentes segmentos da burguesia brasileira.
argumento de Caio Prado Jr. está superado na fase atual. O livro que o leitor tem em
É nossa opinião, contudo, que tais estudos padeceram de limitações. Dos
mãos analisa o comportamento político das distintas frações da burguesia brasileira,
dois lados da barricada, tanto aqueles que defendiam a existência de uma burguesia
não mais na fase que foi denominada "nova dependência", mas numa fase em que,
nacional no Brasil, quanto aqueles que a negavam, faltaram os conceitos de fração
para retomar a análise elaborada por Sarnir Amin, o imperialismo estabelece com a
burguesa, de bloco no poder e, particularmente, o conceito de burguesia interna. Se
periferia uma relação de "sucção" sem "compensação", tolhe o desenvolvimento do
considerarmos alguns estudos clássicos, como os estudos de Caio Prado Jr, Florestan
capitalismo na periferia e nada mais tem a oferecer, mesmo que secundariamente. O
Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, todos eles, em grau maior ou menor,
quadro é novo e diferente e os textos deste livro tomam esse fato em consideração.
ao negarem a existência de uma burguesia nacional, inclinam-se a cometer o erro
Saúdo a iniciativa editorial de André Flores Penha Valle e de Pedro Felipe
simétrico e oposto, pois sugerem a total integração subordinada e uniforme de todo
Narciso de organizarem este valioso livro que abriga contribuições variadas de toda
o conjunto da burguesia brasileira ao capital estrangeiro. Os estudos presentes em
uma linha de pesquisa sobre a burguesia brasileira e aposto que o leitor ganhará
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro procedem de outro modo. Concebem,
muito ao lê-lo.
apoiando-se em Nicos Poulantzas, uma gradação na relação da burguesia dos países dependentes com o capital estrangeiro, gradação essa que permite pensar,
São Paulo, agosto de 2021
conceitualmente, ao menos três posições: a posição de burguesia nacional, a de burguesia associada e, uma posição intermediária entre as duas anteriores, que seria
Armando Boito Jr.
a posição de burguesia interna. Este livro descarta a existência de uma burguesia
Professor de Ciência Política da Unicamp
nacional no Brasil, mas, e seguindo as análises que têm sido feitas no já citado Grupo A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
D A necessidade de expressar em uma frase a unidade que amarra o conteúdo de todo um livro torna desafiadora a atividade de intitulá-lo. Dentre os caminhos diversos pelos quais poderíamos ter seguido, optamos pelo mais curto, o mais direto: A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bo!sonaro. Temos, portanto, um objeto, uma delimitação temporal e uma questão de fundo que vincula aquela classe social
à dinâmica política do país. Esse título, se fiel ao conteúdo como desejamos, inscreve este livro num campo teórico delimitado, o campo do marxismo. Este campo distingue-se na conjuntura teórica atual, fundamentalmente, mas não somente, por observar a cena política - onde os partidos preconizam ideias, programas e valores - não como uma realidade autorreferente e autossuficiente, mas como uma superfície que responde, dissimula e revela os conflitos entre as classes, frações e categorias sociais em presença na atualidade de uma formação social. Na conjuntura teórica como um todo, portanto, distinguimo-nos por privilegiar os conflitos de classes, isto é, a contradição social. Neste vasto campo, no entanto, inserimo-nos também de modo particular devido, agora, aos diferentes desacordos sobre a hierarquia dos conflitos que deram vida à cena política no período. Tomando como objeto de consideração os governos petistas, observemos duas alternativas teóricas com as quais, respeitosamente, não concordamos. A primeira alternativa compreende o arco variado de tradições teóricas marxistas que caracterizam os governos petistas como governos de conciliação de classes. A unidade das diferentes versões dessa caracterização está ancorada em três elementos basilares: a) a unidade e a homogeneidade da burguesia brasileira e de seu programa; b) a cooptação dos quadros do movimento operário e popular com a finalidade de apassivá-los; e c) a continuidade da política econômica neoliberal dos governos tucanos nos governos petistas. Em resumo, a análise da conciliação entende que o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) foi substituído no comando do Executivo porque se mostrou incapaz de organizar o consenso popular em torno do programa neoliberal. Desta forma, a burguesia brasileira teria optado
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Introdução
André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso
por apoiar a candidatura de Lula que, gozando de influência sobre os movimentos
o assim chamado lulismo. Nessa chave de análise, o Partido dos Trabalhadores teria
sindical e popular, teria neutralizado as resistências a esse programa econômico
perdido - devido às denúncias de corrupção - a sua inserção social junto a setores
garantindo, com isso, estabilidade política ao regime democrático vigente.
significativos da classe média, enquanto o então Presidente Lula teria conquistado
Entendemos que na análise esboçada no parágrafo anterior há um equívoco
o apoio eleitoral do subproletariado por meio das políticas sociais executadas ainda
de diagnóstico derivado diretamente de uma concepção teórica que insiste em não
durante o seu primeiro mandato. Essa classe social, o subproletariado, compõe uma
observar uma distinção entre o conceito de modo de produção (objeto abstrato-
ampla e decisiva parcela do eleitorado e sua identificação com Lula teria concedido
formal) e o conceito de formação social (objeto concreto-real). Essa concepção
ao governo um elevado grau de autonomia em relação às classes fundamentais do
aparece no caráter transcendental atribuído à contradição capital x trabalho, que
capitalismo brasileiro. De tal modo, os governos petistas teriam sido marcados pela
sendo a contradição fundamental do modo de produção capitalista, não se constitui
aplicação de uma política ziguezagueante, funcionando como árbitro do conflito
como contradição principal em todas as conjunturas das formações sociais onde
fundamental entre uma "coalizão rentista" e uma "coalizão produtivista".
domina esse modo de produção. Esse obstáculo teórico à consideração das
Nosso desacordo com a tese do lulismo bonapartista começa com uma
particularidades conjunturais de cada formação social num momento específico
questão conceitual, o próprio bonapartismo. Segundo a sua formulação clássica,
marca presença no item "a'', invisibilizando as contradições no seio da classe
o bonapartismo é um fenômeno que emerge num tipo particular de conjuntura,
dominante; no item "b'', ao atribuir uma característica geral do Estado - amortecer
que tem como força dirigente uma categoria social particular e que anuncia o seu
a colisão de classes - a um único período; e no item "c" ao não observar a distinção
governo como executor de um tipo particular de política. Essa conjuntura é a de crise
entre o modelo econômico e a política econômica.
de hegemonia, essa categoria é a da burocracia civil e essa política é a da restauração
Dessa forma, todos os elementos mais gerais são arrolados e sua continuidade
da ordem. Quando nesse tipo de conjuntura, com essa função política manifesta,
verificada. Os elementos particulares e que demarcam as linhas de descontinuidade
aquela categoria social encontra uma classe-apoio que lhe oferece sustentação
entre os governos petistas e tucanos - tais como a reativação do Banco Nacional
para imprimir uma ditadura que arbitre sobre os conflitos fundamentais, tem-se o
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como instrumento indutor de
fenômeno do bonapartismo, um dos regimes políticos possíveis da forma ditatorial
crescimento, a política de compras do Estado orientada a fornecedores nacionais,
do Estado capitalista.
uma política externa que privilegia a exportação de capitais brasileiros entre as
Durante a maior parte do tempo nos governos petistas não foi observada -
economias periféricas, a ativação do mercado interno e a expansão do capital estatal
senão no processo que ensejou o golpe
no setor de petróleo - acabam por ser ignorados. Até 2015 a análise da conciliação
a burocracia civil não imprimiu a sua ditadura e a bandeira principal agitada pelo
podia se sustentar, ainda, pelo argumento de que as políticas petistas seguiam o
governo não era o da restauração da ordem. O fenômeno real destacado pela
curso natural do período tucano. O golpe do impeachment em 2016 e a imediata
tese do lulismo bonapartista que está presente na definição de bonapartismo é o
guinada no rumo dos anos de 1990 (alguns diriam para pré-1930!) evidenciam a
fetichismo de Estado, ou seja, quando uma determinada classe, de modo disperso
fragilidade do argumento, pois tais acontecimentos constituem um verdadeiro
e desorganizado, oferece suporte a determinado governo e, no entanto, não
índice dos conflitos que movimentaram e movimentam as frações da burguesia
atribui a sustentação desse governo à correlação de forças entre classes e frações
brasileira.
em presença. De tal modo que essa classe social desorganizada projeta no Estado
A segunda alternativa no campo das análises marxistas é aquela que caracteriza
uma conjuntura de crise de hegemonia,
uma capacidade e uma soberania que se assentaria sobre o nada, como se fossem
os governos petistas como governos de tipo bonapartista centrados na figura de Lula, A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Introdução
André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso
atributos autoproduzidos pelo próprio aparelho de Estado, um sujeito autônomo desvinculado das lutas de classe.
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As análises que serão apresentadas nos capítulos subsequentes rompem com estas abordagens e se filiam à caracterização desenvolvida por Armando Boito
Quando o Estado logra o apoio da classe dispersa com um discurso
e os pesquisadores ligados à Escola Poulantziana de Campinas, que definem os
conservador de restauração da ordem, estamos diante de uma relação politica (e
governos do PT como governos da grande burguesia interna, ou neodesenvolvimentistas.
não diante de um regime) de tipo bonapartista. Quando o Estado logra o apoio da
Os capítulos que seguem a esta introdução demonstram que, através de um
classe dispersa com um discurso progressista de proteção social, porém baseado na
"desenvolvimentismo possível nos limites do modelo econômico neoliberal"
ilusão do papel salvacionista ou paternalista do Estado, que deve sair em socorro
(Boito Jr., 2018), os governos do PT atenderam prioritariamente aos interesses do
dos pobres independente da correlação de forças e da capacidade de luta dos
grande capital nacional, presente no setor bancário, industrial, minerador, agrário
trabalhadores, estamos diante de uma relação política de tipo populista. Ambas as
e comercial, e puderam contar com o apoio maciço dos trabalhadores da massa
relações são variações de conteúdo na forma como pode se interpelar uma classe-
marginal e dos trabalhadores organizados no movimento operário e popular. Por
apoio por meio do aparelho de Estado. Considerando as relações estabelecidas entre
outro lado, estes governos tiveram a oposição da burguesia associada ao capital
a figura de Lula e o chamado subproletariado, estamos diante de um fenômeno que
estrangeiro e da alta classe média, representados durante o período de estabilidade
se configura mais como populismo do que como bonapartismo.
política pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). Na crise política de
Acerca da menção ao conflito entre rentistas e produtivistas, trata-se
2015-16, veremos que a convergência entre a ofensiva política do capital estrangeiro
efetivamente de um conflito realmente existente nas conjunturas em questão,
e seus aliados internos pela restauração do neoliberalismo ortodoxo, e a ascensão do
no entanto, não do conflito principal, aquele que cindiu a cena política em dois
movimento reacionário das classes médias pelo impeachment de Dilma Rousseff,
campos opostos. O conflito entre o grande capital industrial nacional e o grande
resultaram na implosão da frente política neodesenvolvimentista.
capital bancário nacional era observado no interior de um mesmo campo e suas
Os capítulos deste livro resultam de pesquisas empíricas realizadas em nível
contradições - sobretudo no que diz respeito a taxas de juros e ao spread bancário
de mestrado e doutoramento em diferentes programas de pós-graduação do país,
- não conformaram um ponto de ruptura. Mais que isso, ressalta-se a presença
apoiadas em documentação farta e unificadas em torno da teoria desenvolvida
do chamado rentismo nos dois campos principais e opostos da cena política, que
pelo marxista grego-francês Nicos Poulantzas. Através dos conceitos de frações
se distinguiam e opunham mais pela origem nacional do capital do que pela sua
burguesas, bloco no poder, hegemonia, cena política, fração reinante, classe
função no circuito de valorização do valor.
detentora, classes aliadas e classe-apoio, que apresentaremos ao leitor em seguida,
Até aqui apresentamos duas hipóteses que compõem o campo teórico do
podemos identificar os diferentes conflitos existentes e as forças sociais presentes
marxismo sobre as conjunturas políticas do Brasil no século XXI. Enquanto a
em uma conjuntura particular, assim como as relações que estas mantêm entre si
primeira aponta como conflito principal a contradição entre capital e trabalho,
e o papel desempenhado por cada uma delas no processo político. Este sistema de
a segunda aponta como conflito principal a contradição entre capital financeiro
conceitos se apresenta como um dispositivo superior de análise política, superando
e capital industrial. Renunciamos às duas análises porque ambas apresentam
os limites do formalismo e do economicismo, e informa a construção dos objetos
equívocos teóricos que atuam como obstáculos para uma compreensão mais precisa
de pesquisa, a seleção dos dados e a explicação dos fenômenos que serão abordados
dos conflitos de classes e frações de classes, assim como do conflito principal
nas páginas deste livro.
que organizou a cena política e a hierarquia de poder entre as classes dominantes durante este período.
Para levar adiante a análise dos conflitos, das representações e das instituições políticas, buscando desvendar os interesses sociais por trás de cada
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Introdução
André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso
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que assinala a existência de
interno e de disputa com este por mercados externos. Uma vez dependente
categorias específicas de capitalistas no plano político como forças sociais. As frações
financeira e tecnologicamente do capital estrangeiro, esta fração possui limites em
burguesas decorrem da concorrência capitalista e do conteúdo da política estatal,
seu enfrentamento político, sendo caracterizada historicamente pelo movimento
não constituindo mero reflexo da existência econômica dos diferentes segmentos do
pendular. Isto é, a depender das circunstâncias econômicas e do desenvolvimento
capital. A existência das frações burguesas depende, fundamentalmente, da política
dos conflitos com o capital estrangeiro, a burguesia interna pode ou não se apoiar
econômica, social e externa implementada pelo Estado, que impulsiona reações de
nas massas populares pata demandar proteção e favorecimento ao Estado, através
apoio ou de oposição dos agentes econômicos às medidas implementadas, levando
da adoção de medidas redistributivas ou compensatórias. Em outros momentos,
a aglutinação destes como frações a partir dos interesses correspondentes à sua
pode se aliar com o capital estrangeiro para imprimir uma ofensiva sobre as massas
inserção econômica. De tal modo, o fracionamento da burguesia pode comportar,
populares. A burguesia interna não possui uma posição constante, portanto.
uma delas, utilizamos o conceito de frações
pelo menos, três dimensões: o porte do capital (pequeno, médio e grande), a função
A
associada também é especialmente digna de atenção, pois foi
do capital (industrial, comercial, financeiro) e a origem do capital (nacional e
ela quem rivalizou com a grande burguesia interna durante os governos do PT e
estrangeiro). No entanto, cabe destacar que, na realidade, nenhuma destas dimensões
quem dirigiu a ofensiva política que resultou no golpe de Dilma Rousseff em 2016.
existe de maneira "puta", mas sempre entrecruzada (por exemplo: grande capital
A burguesia associada atua politicamente como preposto do capital estrangeiro no
financeiro internacional, médio capital industrial nacional, etc.).
interior da formação social, uma vez que é totalmente dependente de sua presença
A dimensão da origem do capital nos interessa de maneira particular, devido
pata a realização de suas funções. No entanto, não deve ser confundida com o
aos diferentes posicionamentos que podem ser assumidos pela burguesia ante a
capital estrangeiro internalizado, que remete os lucros para o exterior e constitui
presença do capital estrangeiro. No capitalismo dependente, onde a burguesia se
uma fração distinta. A burguesia associada pode existir como suporte do capital
encontra vinculada ao capital estrangeiro pela posição subordinada no mercado
estrangeiro internalizado, caso das empresas fornecedoras de peças e componentes
mundial e pela dependência financeira e tecnológica, ela pode assumir três posições
às indústrias estrangeiras instaladas no Brasil, ou como suporte do capital estrangeiro
distintas: como burguesia nacional, como burguesia interna e como burguesia associada. A
que atua desde fora, caso das corretoras e fundos de investimento que intermedeiam
burguesia nacional corresponde a uma posição anti-imperialista, representativa de
o fluxo de capitais especulativos externos. Ao contrário da burguesia interna, a
uma burguesia autóctone, com base de acumulação própria na economia nacional,
burguesia associada demanda a abertura do mercado interno e o alinhamento do
sem vínculos com o capital estrangeiro, interessada na proteção do mercado interno
Estado brasileiro às potências imperialistas.
e no desenvolvimento de um capitalismo autônomo. As pesquisas históricas sobre
De modo geral, estas frações burguesas estão unificadas politicamente pelo
o período republicano, ou seja, de 1888-1891 até os dias de hoje, indicam que esta
Estado, que assegura os seus interesses gerais enquanto classe ao criar as condições
fração jamais existiu no processo político nacional. De tal modo, não figura como
jurídicas, políticas e ideológicas para a reprodução da economia capitalista.
objeto de análise nos capítulos deste livro.
Contudo, o Estado abriga em seu interior a disputa entre estas distintas frações
A burguesia interna, por sua vez, merece maior atenção, pois constitui
pelo controle de seu processo decisório. O conceito de bloco no poder nos permite
o objeto da maior parte das investigações que serão apresentadas ao leitor neste
compreender as relações entre estas frações e o Estado, assim como a hierarquia de
livro. A burguesia interna possui uma relação política de ambivalência com o
poder entre elas, que se apresenta pela capacidade política destas frações fazerem
capital estrangeiro, ora de apoio, ora de oposição, que corresponde à sua relação
os seus interesses específicos serem atendidos pela política estatal. De tal modo,
econômica de dependência e concorrência com o capital estrangeiro no mercado
a fração burguesa que possui os seus interesses priorizados pela política estatal é
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Introdução
André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso
no interior do bloco no poder, ou
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o poder político aos interesses atendidos pelo conteúdo da política estatal. Tal
hegemônica. Cabe alertar que o critério de aferição da hegemonia política não são
diferença consiste, antes de tudo, na pergunta que orienta cada corrente teórica:
os indicadores econômicos, como faturamento, lucro, ou volume de investimentos,
enquanto as correntes formalistas colocam como questão quem governa, nossa
mas a correspondência entre os interesses de frafiiO e as definições de política econômica,
problemática teórica coloca em questão para quem se governa. Contudo, ao situar o
social e externa. Nesse sentido, o procedimento metodológico adotado nas pesquisas
poder político ao nível dos interesses priorizados pelo Estado, não excluímos a
deste livro envolve a comparação entre o conteúdo destas políticas e as demandas
pertinência de classificar teoricamente o pertencimento de classe da burocracia
endereçadas ao Estado pelas frações burguesas, que podem ser verificadas
de Estado, uma vez que a posição social dos decisores costuma produzir efeitos
através dos documentos e posicionamentos emitidos pelas associações patronais,
importantes sobre o resultado da política estatal, ainda que estes efeitos sejam
representações políticas e pelos próprios agentes econômicos.
secundários ante os interesses priorizados pelo seu conteúdo. Como a diferença
De maneira mais ampla, podemos desagregar o conceito de hegemonia para os níveis da economia e da ideologia, de modo que frações de classes distintas
que decorre da composição dos escalões superiores quando estes são ocupados por sindicalistas ou por militares, por exemplo.
podem deter estas primazias. Nos interessa particularmente a dimensão da hegemonia ideológica, tratada pelo conceito de cena
Finalmente, diferenciamos o papel desempenhado pelas classes ou frações
A especificidade
de classes que estão fora do bloco no poder, como o pequeno e o médio capital,
do Estado capitalista, que se apresenta como representante do interesse comum
as classes médias e as classes trabalhadoras. Devido à sua impotência política -
de toda sociedade, pressupõe um "anonimato de classe", que exige das frações
caso do pequeno e médio capital no capitalismo monopolista
burguesas omitirem de seus discursos e programas os seus interesses particulares,
de classes dominadas - caso das classes médias e trabalhadoras - estas forças
para se apresentarem como representantes de toda a "nação". Nesse sentido, estas
desempenham papel importante no tipo de suporte político prestado ao bloco no
frações disputam entre si o apoio das massas populares no campo das relações de
poder, repercutindo sobre o resultado da política estatal, particularmente a política
representação político-partidária - a cena política. A fração que detém a hegemonia
social, capaz de soldar a aliança ou apoio destas em uma frente política policlassista.
ideológica é aquela capaz de reinar na cena política, isto é, aquela capaz de reunir
As classes aliadas são constituídas pelas forças sociais que atuam de maneira
o apoio da maioria social e liderar os processos eleitorais. A esta denominamos
autônoma, apesar de não possuírem vocação hegemônica no Estado capitalista. Estas
como fração reinante. Apesar de existir uma tendência de cumulatividade entre
classes se encontram em melhor posição para apresentar os seus interesses e serem
a hegemonia ideológica e a hegemonia política, não é incomum no capitalismo
atendidas, de maneira secundária, pela política estatal, devido a sua organização em
neoliberal haver uma defasagem entre estes níveis, uma vez que a capacidade
torno de um programa político e de uma ideologia própria. De maneira diferente,
política de uma fração fazer valer seus interesses pode extrapolar a sua capacidade
a classe-apoio não se encontra organizada de maneira autônoma no processo
de interpelação das massas populares, influenciando o processo decisório estatal
político, não possui uma ideologia e um programa próprio. Esta classe tende a ser
por outros meios que não o sufrágio eleitoral, como o lobf::y e a participação direta
interpelada pelo alto, organizada pelo Estado, através da ilusão de representação
na alta burocracia de Estado.
pelo governante ou através do atendimento de seus interesses materiais pela política
Outra distinção conceitua! que é importante ser feita, diz respeito à classe
ou à condição
social.
ou fração de classe que ocupa a burocracia de Estado, a classe detentora. Ao
*****
contrário das análises formalistas, que atribuem o poder político aos decisores
Uma vez feita esta apresentação sumária dos conceitos que informam
que ocupam os cargos no interior do aparelho de Estado, nossa abordagem atribui
os nossos trabalhos, cujo conhecimento é importante para a compreensão dos
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Introdução
André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso
resultados que serao apresentados, podemos passar para a exposição, em linhas gerais, dos conteúdos que serão trabalhados em cada capítulo deste livro. No primeiro capítulo
No quinto capítulo - Perfil Econômico e Político do Capital Financeiro Internacional: considerações sobre a atuação do setor no Brasil entre 2015 e 2016
O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à
- N átaly Guilmo investiga a atuação do capital financeiro internacional durante
política externa brasileira para a China (2003-2010) - Mariana Davi Ferreira analisa
a crise do impeachment. Neste capítulo a autora consegue precisar quem são os
os conflitos entre dois segmentos distintos da burguesia interna diante da relação
principais grupos que compõem essa fração burguesa, como ela tem atuado na
Brasil-China. A autora relaciona o caráter desigual das trocas comerciais entre
apresentação de seus interesses ao conjunto da sociedade e qual sua relação com o
os dois países com as distintas demandas endereçadas ao Estado pelos setores
capital produtivo instalado no país.
estudados, buscando detectar dentro da burguesia interna qual o setor que tem seus interesses priorizados pela política externa.
Em
Grupos
financeiros
e
entidades
de
representação
de
classe:
posicionamentos sobre a Nova Matriz Econômica do primeiro governo Dilma
Em O Pré-sal e a Burguesia no Segundo Governo Lula, Pedro Felipe
Rousseff (2011-2014), João Pedro Pereira Vazquez analisa os posicionamentos
Narciso examina as disputas em torno do estabelecimento de um marco regulatório
políticos dos grupos Itaúsa, Bradesco e Santander, além da FIESP e da Febraban,
específico para a exploração do pré-sal, as quais resultaram no modelo de partilha
diante da tentativa de política econômica industrializante durante o primeiro
de produção estabelecido em 2010. Esse processo de disputa foi observado em dois
governo de Dilma Rousseff. O autor relaciona a conjuntura política e a conjuntura
âmbitos: o do posicionamento da representação partidária das frações burguesas
econômica para explicar os posicionamentos destes segmentos e a mudança de
na cena política e o do posicionamento das principais entidades de representação
política econômica entre os governos da presidente reeleita.
corporativa da grande burguesia interna.
Abrangendo o período da crise política de 2015-16, Felipe Queiroz Braga
No capítulo seguinte - As Grandes Construtoras e a Política Econômica
discorre sobre a ação política da burguesia industrial, particularmente os segmentos
nos Governos Lula e Dilma - Mariana Rocha Sabença investiga a ação política
organizados em torno da FIESP. No capítulo intitulado A burguesia industrial na
das grandes construtoras do setor de infraestrutura durante o segundo governo
crise do governo Dilma, o autor analisa a mudança de posicionamento da entidade
Lula e o primeiro governo Dilma, cujo período compreende o auge das políticas
industrial paulista, que passou para a oposição ao governo no decorrer da crise
neodesenvolvimentistas. Sabença conduz sua pesquisa e sua exposição orientada
política, e o compara com os posicionamentos de outras entidades industriais
por cinco perguntas principais: Quais as demandas do setor? Elas foram priorizadas
durante o mesmo período, como a Firjan, Fiesc, Fiep, Fieg, Fieb, Findes, Fiemg,
pelos governos de então? Esse setor faz parte da grande burguesia interna? A
Fiepe, Fiergs, além da CNI.
oposição oferecia um programa voltado às demandas do setor investigado? A
No oitavo capítulo, Indústria da construção civil, dependência e crise política
grande mídia brasileira manteve alguma posição diante do setor de infraestrutura?
no governo Dilma Rousseff, Octávio Fonseca Del Passo expõe os conflitos no
Avançando já dos governos Lula até o período de crise política que
interior da indústria da construção civil e os diferentes posicionamentos entre
desembocou no golpe do impeachment de 2016, Maria Angélica Paraizo toma
as pequenas, médias e grandes empresas, no tocante à Operação Lava Jato e ao
como objeto de observação a ação política do agronegócio. Neste terceiro
impeachment de Dilma Rousseff. Ao privilegiar a clivagem entre os portes
capítulo - O fracionamento de classes no interior do agronegócio e os governos
do capital, o autor demonstra como a exploração deste conflito pelo capital
neodesenvolvimentistas - a autora aborda a complexidade econômica do setor e
internacional contribuiu para a formação de uma frente golpista e para a restauração
como as posições políticas dos diferentes entes que compõem a cadeia produtiva do
do neoliberalismo ortodoxo.
agronegócio se relacionam com o modelo econômico vigente. A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
201
Introdução
Em Capital financeiro, frações de classe e a crise política de 2015-16, André Flores Penha Valle aborda os diferentes posicionamentos do capital financeiro durante o segundo governo de Dilma Rousseff e o período de interinidade do governo de Michel Temer. A partir dos resultados apresentados, o autor polemiza com as hipóteses correntes acerca da crise, baseadas na existência de uma frente única burguesa e de uma convergência em torno do rentismo, apresentando um quadro complexo dos interesses que se unificaram em torno do golpe do impeachment, cujo resultado foi a deflagração de uma crise de hegemonia. No capítulo que encerra o livro, Os produtores de soja e o primeiro ano do governo Bolsonaro, Luana Forlini examina a relação de apoio dos produtores de soja ao governo de Jair Bolsonaro. Através da análise documental, a autora compara as demandas do setor, representado pela Aprosoja, e o conteúdo das políticas econômica, ambiental e externa, observando o conflito existente entre a "porteira para dentro" e a "porteira para fora", isto é, entre os produtores rurais, de capital nacional, e as tradings representadas pela Abiove, de capital estrangeiro.
André Flores Penha Valle Pedro Felipe Narciso
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
1
B
Mariana Davi Ferreira
O presente capítulo apresenta algumas hipóteses sobre as contradições no interior da burguesia interna no que tange à política externa brasileira para a China nos governos de Lula da Silva (2003 - 2010). Para fins de viabilidade da pesquisa, analisamos a atuação política do empresariado da cadeia produtiva têxtil e da cadeia produtiva da soja no que tange à relação da economia brasileira com a China. Inicialmente, a hipótese da pesquisa apontava para posturas divergentes dos dois setores sobre as relações Brasil-China, sendo estes posicionamentos determinados pelos ganhos e perdas de cada setor no que tange às relações sino-brasileiras. Esses resultados refletiriam em posicionamentos diferenciados dos setores sobre a política externa brasileira para a China. Entretanto, o desenvolvimento da pesquisa apontou para uma realidade mais complexa: o entrecruzamento de sistemas de fracionamentos (que aprofundaremos nas próximas páginas) demonstra que há diferentes avaliações sobre o rumo das relações sino-brasileiras dentro dos setores estudados. Não é viável apontar apenas que a soja é favorável ao aprofundamento da política externa brasileira para a China, enquanto a cadeia produtiva têxtil é contrária. Essa é a aparência de uma realidade mais complexa e imersa em contradições. É também sobre isso que discorreremos nas páginas abaixo. Nesta pesquisa, analisamos a política externa brasileira como resultante dos interesses da fração hegemônica do bloco no poder e dialogamos com os estudos sobre relações de classe e frações de classe no Brasil, mais especificamente com os trabalhos da Escola de Campinas1. Além disso, é inevitável a interlocução com os principais estudos sobre política externa e relações sino-brasileiras desenvolvidos, majoritariamente, nas pesquisas de Relações Internacionais (RI). Geralmente, em coletâneas nas quais o conjunto dos artigos debruçam-se sobre política externa brasileira, a partir dos acúmulos da Teoria Marxista do Estado ,,, ,,
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A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Mariana Davi Ferreira
O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
125
desenvolvida por Nicos Poulantzas, é necessário realizar uma breve apresentação
externos do sistema internacional anárquico. Por um lado, a perspectiva marxista,
das categorias teóricas aplicadas à análise. Aqui, pelo contrário, entendemos ser
que leva em consideração a dinâmica interna e externa, corrobora a crítica das teorias
necessário abrir um parêntese para uma breve introdução sobre estudar política
da APE ao realismo. Por outro lado, enquanto os estudos de APE debruçam-se sobre
externa a partir de uma perspectiva marxista nas Relações Internacionais.
atores específicos da política externa - como os grupos de interesse, determinantes
Assim, antes de nos voltarmos especificamente sobre os elementos do nosso
psicológicos do líder, a burocracia ou o processo decisório - a análise marxista busca
objeto, tecemos algumas notas sobre os estudos de política externa na área de Relações
entender a dinâmica a relação das classes e frações de classe com o Estado para a
Internacionais, que se inserem no subcampo definido como Análise de Política
conformação de uma determinada política externa.
Externa (APE). A APE se desenvolveu desde a década de 1950 com estudos que
Assim, os estudos que partem da Teoria Marxista consideram que os
defendiam que não apenas a estrutura internacional determina a atuação diplomática,
interesses do Estado nacional variam de acordo com a fração burguesa que detém
mas também que a política externa é resultado da dinâmica de interação entre os
a hegemonia no bloco no poder e se preocupam em analisar a interrelação entre
ambientes doméstico e internacional. A APE criticava a concepção de política externa
fatores domésticos - composição do bloco no poder, sua fração hegemônica, suas
da Teoria Realista, que analisa o Estado como ator unitário e racional em um sistema
alianças - e internacionais na construção da política externa.
internacional anárquico. Para entendermos melhor, em suas análises, os realistas
Concluída essa digressão necessária, voltemos ao nosso objeto. Na Escola de
veem o Estado como uma "bola de bilhar", maciça e uniforme, sem considerar que
Campinas (Berringer, 2020), diferentes estudiosos desenvolveram pesquisas sobre
interações internas impactam nas relações internacionais. O Realismo desconsidera,
a política brasileira a partir dos conceitos poulantzianos. Como dito, Berringer
portanto, a relação entre política externa e política doméstica.
(2015) avançou na análise da relação entre a fração hegemônica no bloco no
Os estudos que buscavam explicar a política externa ou o comportamento de
poder e a política externa brasileira durante os governos de Fernando Henrique
política externa considerando, também, a dinâmica interna dos Estados consolidou
Cardoso e Lula da Silva. No último período, jovens pesquisadores vêm avançando
a APE como uma subárea ou um subcampo das RI (Figueira, 2011; Hudson, 2012).
na análise das relações de conflito entre o grande e o médio capital de alguns
Essa subárea abrange diferentes recortes teórico-metodológicos para investigação
setores econômicos no Brasil, como as pesquisas de Cyrino (2017), de Del Passo
da política externa.
(2019), de Perrin (2020) e Queiroz (2020, prelo). Esses conflitos expressam-se no
Em diálogo com os autores clássicos da APE, Berringer (2015) contribui com uma proposta teórica de analisar a política externa brasileira a partir do dispositivo
posicionamento dessas frações na recente crise política brasileira que resultou no impeachment da presidenta Dilma, em 2016.
conceitua! de Poulantzas. Se é importante considerar a dinâmica doméstica para
Ao corroborar com as hipóteses dessas pesquisas supracitadas, buscamos
compreender a configuração de uma política externa (Putnam, 2010), a perspectiva
analisar as relações de na cadeia produtiva da soja e na cadeia produtiva têxtil com um
marxista busca entender como as classes e frações de classes incidem (ou não) na
recorte específico: identificar as posições conflitantes entre esses setores da burguesia
determinação da política externa em determinada conjuntura histórica.
interna, com o objetivo de compreender como esses interesses conflitantes incidiram
Dessa forma, a análise marxista da política externa também desafia a
na política externa brasileira em relação à China. Acreditamos ser possível afirmar
concepção de Estado do Realismo - na qual o Estado sempre atua em defesa do
que essas contradições derivam, entre outros fatores, do entrecruzamento de sistemas
interesse nacional permanente que é sua própria "sobrevivência" (Waltz, 2000). Para o
de fracionamento dentro das cadeias produtivas.
Realismo, as mudanças na política externa são determinadas, não pelas mudanças
Tendo em vista que a centralidade que a China vem adquirindo para a economia
na política interna do Estado, mas apenas pelas alterações dos constrangimentos
e a política brasileira nas últimas décadas, acreditamos que essa análise também auxiliará
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
261
Mariana Davi Ferreira
O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
127
no desafio teórico de precisar o caráter das relações sino-brasileiras. Há um debate
o agronegócio2 e a indústria 3 realizaram vários protestos em Brasília, apresentando
acadêmico entre diferentes perspectivas teóricas que vêm analisando as relações Brasil-
uma oposição seletiva ao neoliberalismo ao reivindicar mais financiamento para a
China no século XXI. Por um lado, análises afirmam que a expansão chinesa possui
agricultura e uma maior cautela na abertura econômica, mas apoiando o restante
um caráter imperialista; alguns apontam para uma sino-dependênàa da economia latino-
da plataforma neoliberal.
americana (Carcanholo; Saludjian, 2013). Por outro viés, estudos fazem mediações sobre
Com a formação do governo Lula, esses setores, que, segundo trabalhos 2018) integram a burguesia interna, melhoraram a sua posição no
o caráter particular da economia chinesa. O regime de acumulação do país deve ser
recentes (Boito
considerado ao analisar as contradições da expansão internacional da China (Ribeiro,
interior do bloco no poder. Isso ocorreu a partir da implementação de uma política
2017). Esses apontam a necessidade de diferenciar as relações sino-brasileiras das
econômica e de uma política externa que possibilitaram a ascensão política do grande
clássicas relações entre países dependentes e países imperialistas. Por tratar-se de um
capital industrial e do agronegócio. Contudo, estas mudanças não aconteceram de
tema complexo, entendemos que mensurar o posicionamento de frações da burguesia
maneira uniforme para todos os setores da burguesia interna. No que diz respeito à
diretamente impactadas pelas relações sino-brasileiras pode contribuir para o debate a
relação com a China, a análise que venho desenvolvendo demonstra que a indústria de
partir de uma perspectiva pouco explorada até agora.
transformação ocupou uma posição subordinada em relação ao agronegócio. Nessa lógica, busco apontar a existência de uma hierarquia de poder no interior da burguesia
EXTERNA BRASILEIRA E AS NOS GOVERNOS LULA
interna quando falamos da relação desses setores com a economia chinesa. A partir deste quadro mais amplo, a hipótese levantada é a de que a atuação política do setor produtivo da soja e da cadeia produtiva têxtil remete a
As mudanças no posicionamento da burguesia brasileira a partir do governo
posicionamentos divergentes no que diz respeito às relações sino-brasileiras e,
Lula não podem ser entendidas de maneira homogênea. A tipologia construída
por consequência, nos leva a indicar possíveis conflitos no interior dessa fração
por Poulantzas (1978) que busca caracterizar o fracionamento da classe burguesa
da classe burguesa. A existência de conflitos importantes no seio de uma mesma
é uma metodologia importante para o entendimento deste complexo processo.
fração da classe capitalista sugere a necessidade de uma reflexão mais apurada sobre
Especificamente sobre a atuação política da cadeia produtiva da soja e da cadeia
a configuração da burguesia interna.
produtiva têxtil, visualizam-se alterações na atuação desses setores na passagem dos
Coadunando com a leitura de Berringer e Belasques (2020), parece-nos
governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (1995-2002) para os governos de
que, durante o período em análise, a política externa brasileira (PEB) para a
Lula. A presença do capital nacional é significativa em ambos os setores e tanto um
China, considerando a condição de economia de capitalismo dependente que é a
quanto outro tiveram os seus interesses prejudicados durante os governos de FHC
brasileira, reforça o caráter de subordinaçiio conflitiva4 do Brasil frente ao imperialismo
devido à política econômica de subordinação ao capital financeiro internacional.
estadunidense nas relações internacionais.
Com efeito, na década de 1990, há uma diminuição expressiva do espaço político
Deste modo, a hipótese está relacionada à particularidade das relações
do agronegócio dentro do bloco no poder. A burguesia agrária sofreu diante do
econômicas sino-brasileiras nos governos Lula, tendo em vista as determinações da
ajuste fiscal aplicado por FHC, com a forte redução de financiamento público
economia internacional dessa conjuntura histórica (2003 - 2010) e as diretrizes do
subsidiado e com alterações na Política de Garantia de Preços Mínimos do governo,
governo brasileiro. Neste período, a política externa brasileira interveio de maneira
entre outras medidas (Coletti, 2006). No que respeita à indústria têxtil, a abertura
significativa na geopolítica, aprofundando a relação com a China e contribuindo
comercial do governo de FHC tirou mercado da indústria interna. Nesse cenário,
para mudanças na política regional na América Latina. Neste cenário, ao considerar a
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Mariana Davi Ferreira
O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
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disputa de interesses domésticos que implica na condução da política externa, a relação
relações complexas com o imperialismo e isso implica entender a relação que ela
do Brasil com a China não pode ser considerada um processo homogêneo. Há diversos
tem com o capital internacional e com o Estado brasileiro. A existência da burguesia
interesses em jogo, por vezes contraditórios, entre os diferentes setores da burguesia
interna no Brasil pressupõe essa relação contraditória com o capital externo,
brasileira diante do aprofundamento da presença chinesa na economia brasileira.
dependendo do investimento externo (direto e outras formas) em determinados
Relembramos que Poulantzas (1978) caracteriza a relação do Estado capitalista com as classes e frações de classe por meio do conceito de bloco no poder,
momentos, mas necessitando da proteção estatal diante da concorrência que o capital externo, em sua pluralidade de formas e aplicações, representa.
que é uma unidade contraditória entre diferentes frações da classe dominante a
Os setores econômicos da grande burguesia interna se organizam em
fim de manter o seu interesse político geral, a saber: a manutenção do modo de
associações e entidades e buscam advogar pelos seus interesses na luta política
produção capitalista. As diferentes frações da classe dominante se aglutinam para
que constitui o conflito de classes e frações de classes pela distribuição da riqueza
defender ou rejeitar políticas estatais com o objetivo de defender seus interesses
produzida e do orçamento da União. A defesa de demandas setoriais busca
econômicos imediatos, onde uma fração geralmente detém a hegemonia no interior
influenciar a construção de uma política econômica vantajosa para seus interesses,
do bloco no poder. A movimentação de frações da classe dominante pode levar a
diretamente conectada à política externa brasileira.
conflitos entre as frações ou entre diferentes setores econômicos no interior de uma mesma fração (Farias, 2009).
Nos governos Lula, a política externa alçou grande destaque e trouxe ganhos importantes para os setores econômicos da grande burguesia interna. O
Na análise do posicionamento da cadeia produtiva têxtil e da cadeia produtiva
Brasil se destacou como Estado atuante nos organismos internacionais, dando
da soja no que tange às relações sino-brasileiras, venho tentando entender as possíveis
continuidade aos princípios de autonomia, multilateralismo e diversificação das
divisões entre os setores econômicos de uma mesma fração da classe dominante:
relações exteriores (Vigevani; Cepaluni, 2007), mas com mudanças significativas
a burguesia interna. Esses setores obtiveram ganhos político-econômicos de relevo
em relação aos governos de FHC, que guardam relação com o atendimento dos
na economia brasileira nos governos Lula, diante das mudanças nas diretrizes da
interesses da grande burguesia interna no cenário internacional.
política econômica, da política social e da política externa brasileira. Esta alteração
Algumas iniciativas destacam-se na prioridade das relações de cooperação Sul-
no conjunto da política de Estado foi possível porque a grande burguesia interna
Sul: a busca por novos mercados para os produtos brasileiros; o estreitamento
compôs com outros setores da sociedade brasileira uma frente neodesenvolvimentista,
das relações com economias emergentes como a China; a articulação do G-20
de caráter policlassista e contraditório. Marcado por essas contradições, o
e a construção do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Outro
neodesenvolvimentismo se constituiu o desenvolvimentismo possível dentro dos
foco foi a integração da América do Sul (Mercosul e Unasul) e a política de
limites do modelo de capitalismo neoliberal periférico (Boito Jr., 2018).
financiamento do BNDES para promover empresas e investimentos brasileiros
Para Boito Jr. (2018), a grande burguesia interna incorpora diferentes setores
no exterior (Boito Jr., 2018). As entidades patronais e associações setoriais da
da economia, entre eles o agronegócio, a mineração, a indústria da construção civil,
burguesia reivindicaram maior participação nas negociações internacionais
a indústria da transformação e os bancos de capital majoritariamente nacional. A
referentes ao comércio exterior. A Coalizão Empresarial Brasileira (CEB) 5 passou
caracterização dessa fração de classe se dá pela posição intermediária que ocupa entre
a atuar em outras negociações, como na Rodada de Doha da OMC e negociações
a burguesia compradora ou associada que é dependente dos interesses imperialistas e a
do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (Boito; Berringer; 2013, p. 35).
burguesia nacional, que possui uma base de acumulação própria e pode vir a assumir
Em síntese, como a grande burguesia interna foi a fração hegemônica do bloco
posturas anti-imperialistas (Poulantzas, 1978). A grande burguesia interna mantém
no poder, os seus interesses econômicos tornaram-se prioritários nos arranjos da
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Abu rguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Mariana Davi Ferreira
O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
política externa (Berringer, 2015). Entretanto, os setores da grande burguesia interna não são homogêneos na relação com o capital externo, o que pode ter resultado em divergências no interior dessa fração. Assim, se os estudos de Boito Jr. (2018) apontam
Grande, médio ou pequeno
Porte de capital Origem de capital
Nacional ou internacional
Posição nas fases do processo de acumulação/lugar que ocupa na cadeia
Produtivo / comercial / bancário
governos, venho procurando estudar o caráter heterogêneo dessa }ração e as contradições
que lhes são inerentes a partir dos interesses no campo das relações Brasil-China. Para
produtiva
tal, destaco a análise de Farias (2009, p. 81) que busca compreender a dinâmica do
Destino da produção
a burguesia interna como fração hegemônica no interior do bloco no poder nesses
fracionamento da classe burguesa, rompendo com uma visão essencialista de que a
Mercado nacional ou internacional
Fonte: Elaboração adaptada com base em Bo1to Jr., 2018.
fração seria "algo dado uma vez para sempre". Na dinâmica da luta política, é possível Como sistematizado no quadro 1, a tendência é que um desses atributos
que diferentes fracionamentos se formem, se diluam e se cruzem. Como já mencionado, há elementos que conferem coesão à burguesia interna
prevaleça sobre os demais no processo de formação de frações de classe, mas sem
enquanto fração de classe (capital predominante nacional, relações complexas com
que, por isso, os atributos secundários deixem de provocar efeitos pertinentes no
o imperialismo, fragilidade ideológica). Entretanto, essa fração também é permeada
nível da atuação política das frações 6 • Assim, o setor de soja e o têxtil podem agir em
por diferentes sistemas de fracionamento, ou seja, diferentes atributos do capital
comum como grande burguesia interna, mas divergir no que tange à relação com a
se combinam de forma complexa (Farias, 2009, p. 81). Diferentes sistemas de
China. Ou melhor, determinados fracionamentos no interior de cada setor podem
fracionamento incidem sobre a classe capitalista e se cruzam de modos variados.
adotar posições distintas sobre a China. Como já dito, é necessário considerar
O porte do capital, a sua origem, o setor da produção, a posição nas fases do
o entrecruzamento de outros sistemas de fracionamento da burguesia no
processo de acumulação e o destino da produção são exemplos de atributos que
interior dos setores econômicos estudados.
criam interesses específicos e podem originar frações da classe burguesa, isto é, segmentos específicos da classe capitalista organizados em torno de demandas
SINO-BRASILEIRAS NOS GOVERNOS
específicas (Boito Jr., 2018). A política econômica desenvolvida pelos governos Lula, que atendeu aos
QUADRO 1-Sistemas de Fracionamento (continua)
interesses do grande capital vinculado ao agronegócio e à parcela da indústria, tem
Porte de capital
Grande, médio ou pequeno
Relação de dependência com o capital
Burguesia nacional - possui uma base de acumulação
favorável às economias latino-americanas (Ferreira, 2016). Esse cenário guarda
estrangeiro
própria e pode vir a assumir posturas imperialistas
relação central com o crescimento da economia chinesa.
se
apresenta
(fracionamento majoritariamente
formações sociais dependentes)
que em
relação umbilical com a conformação de um cenário externo economicamente anti-
Na abertura do século XXI, o aumento da presença chinesa na economla
Burguesia interna - relação contraditória com o capital externo, dependendo dele cm determinados momentos, mas necessitando da proteção estatal
internacional trouxe impactos significativos para o Brasil. A China consolidou-se
diante da concorrência que ele representa.
como principal exportador mundial de produtos manufaturados (representando 12%
Burguesia associada com o
associação
-
possui uma relação de estrangeiro, sendo
capital
dependente dos interesses imperialistas
do total vendido no mundo em 2013)7, convertendo sua economia como uma grande consumidora de alimentos e produtos primários, o que impactou positivamente sobre a balança comercial de economias de caráter agroexportador como a brasileira.
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
131
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O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
Mariana Davi Ferreira
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Uma variável importante do crescimento chinês diz respeito à entrada da China na
números (Tabela 1), a participação chinesa no total de exportações do Brasil saltou de
Organização Mundial do Comércio (OMC), em dezembro de 2001 (Oliveira, 2015).
4,2% em 2002 para 15,3% em 2010. A intensificação das exportações de commodities
Além disso, visualiza-se uma forte expansão da presença de investimentos chineses
para a China deu-se principalmente a partir do minério de ferro, soja, carnes, petróleo
em diversas regiões do mundo, que ocorreu de maneira coordenada pela política
e celulose. Em 2014, o Brasil já era o principal fornecedor de alimentos e o segundo
"Going Out", uma política estatal à expansão das empresas chinesas em países
maior fornecedor de minério de ferro para o país asiático (CEBC, 2014). TABElA1
periféricos (Ribeiro, 2017). Nos anos 2000, no Brasil, os investimentos chineses
%]
ocorrem principalmente em áreas de temas como energia, minérios, agronegócio e infraestrutura (Becard; Luz, 2010). As demandas chinesas por matérias-primas e bens de consumo básico resultaram em um mercado essencial para as exportações latino-americanas nesse período, elevando os termos de troca em favor dos produtos primários 8 . Segundo
Porcentagem das exportações para China com base no valor total das exportações brasileiras
6,2
5,6
60,4 73,2
96,7
5,8
6,1
6,7
8,4
09
10
13,7
15,3
Pinto (2013), esse processo resultou na manutenção de altos preços internacionais das commodities, em termos históricos recentes. "Entre 2003 e 2007, a América Latina acumulou um ingresso de US$ 115,5 bilhões de dólares na balança de transações correntes, inédito desde 1950" (Martins, 2008, p. 118).
Valor Total das Exportações Brasileiras (US$ bilhões) corresponde à 100%
118,5 137,8 160,6 197,9 153,0 201,9
Os produtos primários foram os componentes que mais cresceram no conjunto das exportações latino-americanas para a China, de 10,78% em 1990 para 22,01% em 2009. Há uma inversão nas relações comerciais entre 1985 e 2009 que reside no aumento das exportações de produtos primários da América Latina para a China (mais de 80%) e uma drástica redução no que tange aos bens industrializados (Carcanholo; Saludjian, 2013). Por um lado, esses fatores anticíclicos contribuíram para um momento de crescimento econômico conjuntural que, associado à ascensão de governos
Fonte: Adaptado de Oliveira, 2015.
Já as exportações chinesas para o Brasil giram em torno de produtos industrializados e de alto valor agregado, principalmente máquinas, aparelhos elétricos, materiais têxteis, produtos de indústrias químicas ou das indústrias conexas (Mortatti et ai., 2011). Estas saltaram de 3,3% em 2002 para 14,1% em 2010 em relação ao total de importações brasileiras (Tabela 2).
progressistas na América Latina, gerou uma 'margem de manobra' para a introdução de
TABELA2
políticas de combate à pobreza e de tentativa de inserção internacional mais autônoma
Comércio brasileiro- importações advindas da China (2002-2om) [em%]
de alguns países da região, como o Brasil (Ferreira, 2016). Por outro, a longo prazo,
Ano (déc. 2000)
02
03
04 05
06
07
08
09
10
3,3
4,4 5,9 7,3
8,8
10,5
11,6
12,5
14,1
as relações econômicas sino-brasileiras configuram-se de maneira assimétrica. Esse elemento demonstra uma contradição das relações bilaterais Brasil-China, tendo em vista as diferentes interpretações teóricas na busca de caracterizá-las. Nos governos Lula, visualiza-se um aumento progressivo das trocas comerciais entre os dois países até que, em 2009, a China tornou-se o principal parceiro comercial brasileiro9, posto antes ocupado pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Em A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolso na ro
Porcentagem das importações da China com base no valor total das importações brasileiras Valor Total das Importações Brasileiras (US$ bilhões) - corresponde à 100%
47,2 48,3 62,8 73,6 91,4 120,6 173,0 127,7 181,8
Fonte: Adaptado de Oliveira, 2015. A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
341
Mariana Davi Ferreira
O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
Expressão do avanço das relações sino-brasileiras foi a criação do Conselho 10
135
Nesse cenário, observa-se diferentes impactos das relações econômicas sino-
em 2004, um instrumento institucional de
brasileiras no interior da burguesia interna. Os setores do grande capital vinculados
articulação entre as empresas chinesas e brasileiras, com participação de setores
à agroindústria11 e à extração mineral foram amplamente beneficiados pelas
estatais dos dois países (CEBC, 2015). Além disso, uma série de iniciativas
relações sino-brasileiras, sobretudo no que diz respeito àqueles setores vinculados
diplomáticas ocorreram no período dos governos Lula, aprofundando as relações
à exportação da soja e do minério, principais produtos exportados para a China
bilaterais estabelecidas desde 1974. Em 2004, o presidente Lula visitou a China
nos governos Lula12 • Por outro lado, a indústria sentiu fortemente o impacto das
e recebeu o Presidente da República Popular da China, Hu Jintao, ao Brasil. No
importações dos produtos manufaturados chineses no mercado interno, tendo
mesmo ano, foi criada a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e
em vista que a produção da indústria brasileira é voltada, majoritariamente para o
Cooperação (COSBAN) (Oliveira, 2015; CEBC, 2015).
mercado nacional e regional (América do Sul).
Empresarial Brasil-China (CEBC)
,
Em um primeiro momento, o boom das commodities resultou em uma ampliação
Diante destes dados, é necessário analisar como ocorreram estas disputas
da participação do Brasil no comércio internacional e em uma melhora do quadro
dentro do bloco no poder, para uma interpretação mais precisa de como atua a
macroeconômico por meio do relaxamento do Balanço de Pagamentos (Ribeiro,
cadeia produtiva têxtil, enquanto setor que tem conflitos com determinado capital
2017). Conjunturalmente, a despeito dos efeitos da crise internacional de 2008,
externo, nesse caso o chinês, em comparação com outro setor mais subordinado em
isso representou um aumento da taxa de crescimento econômico e uma redução
relação a um capital internacional (o setor da soja).
da vulnerabilidade externa do país (Pinto, 2013). Por outro lado, estruturalmente, a intensificação desse modelo de relações econômicas sino-brasileiras contribuiu
._.,,.,.,.,..,...,,.,.,º"" ""uo1no::·..,, POSICIONAMENTO DA CADEIA PRODUTIVA DA SOJA E DA
pata o processo de especialização produtiva. Entre 2000 e 2011, a participação do
EXTERNA BRASILEIRA
agronegócio e do extrativismo no conjunto das exportações brasileiras cresceu de 33 ,5% para 59 ,7%, enquanto as exportações advindas do setor da indústria tradicional
Analisamos como dois setores do agronegócio e da indústria brasileira,
caíram de 10%, em 2000, para 3,9%, em 2011 (Pinto, 2013). Ocorre, nesse sentido,
inseridos na burguesia interna, foram impactados diferentemente pela política
uma relação de dependência de altos preços das commodities e de crescimento da
externa brasileira para a China. A ideia é entender a relação entre a política econômica
demanda agregada internacional para que haja um resultado superavitário na conta de
e externa do Estado brasileiro e a movimentação das frações burguesas no interior
transações correntes (Ciade, 2016).
do bloco no poder, a partir da hipótese sobre a existência de um possível conflito
Destarte, a posição mais assertiva da China nas exportações de produtos industrializados para o Brasil e demais países da América Latina resultou em perdas para a indústria brasileira que tem como fim o mercado interno. Como afirma Ribeiro (2017, p. 125), "é inegável a dificuldade que os países periféricos enfrentam com relação à industrialização e avanço nas cadeias globais de valor em um contexto
e hierarquia no interior da burguesia interna. Como já informado em páginas anteriores, essa hipótese pressupõe trabalhar com a ideia de entrecruzamento de sistemas de fracionamento (Farias, 2009) e na compreensão de que a política estatal impacta a posição da fração no interior do bloco no poder. Farias (2009, p. 82) sustenta que:
em que a China ocupa posição fundamental em diversos ramos e setores". Para além disso, quando remetemos à política macroeconômica dos governos Lula, o projeto neodesenvolvimentista "aceita a especialização regressiva, recuo que o modelo capitalista neoliberal impôs aos países dependentes que tinham logrado desenvolver um parque industrial mais complexo" (Boito Jr., 2012, p.69). A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
O fator de preponderância política de uma fração sobre as demais no seio da classe dominante é o impacto da política econômica do Estado. O resultado da intervenção do Estado concretiza os conflitos potenciais de frações, enraizados na esfera econômica. As frações se aglutinam para defender ou rejeitar certas medidas. A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
137
Mariana Davi Ferreira
36 J O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
No sentido do que argumenta Farias (2009), também procuramos
setor econômico como um bloco único e homogêneo. Observa-se que há um
compreender como a ação política desses setores, buscando atender suas demandas
entrecruzamento dos sistemas de fracionamento das classes - apresentados na
no que tange especificamente à relação com a China, influenciou (ou não) a
Tabela 1 - no interior dos setores.
condução da política externa do Brasil para esse país. Ou seja, quais as respostas do
Assim, inserimos a análise de outras associações para compreensão mais
Estado brasileiro às demandas da soja e da indústria têxtil no que tange às relações
aprofundada das contradições derivadas do entrecruzamento de frações. A partir
sino-brasileiras?
da caracterização de cada um dos setores de maneira mais específica, foi possível
Inicialmente, foi observado que as divergências entre os posicionamentos das associações que representam a cadeia produtiva da soja e cadeia produtiva
compreender com mais detalhes a articulação entre os interesses econômicos e a posição das associações que os representam em relação à China.
têxtil sobre a aproximação da China e do Brasil foram determinadas pelos ganhos e perdas de cada um dos setores no que tange às relações econômicas. Iniciamos
cadeia
da
a investigação a partir da análise do posicionamento da Associação Brasileira de Indústria Têxtil (ABIT) e da Associação Brasileira dos Produtores de Soja
A cadeia produtiva da soja no Brasil apresenta um posicionamento favorável
(Aprosoja). Nesse primeiro momento, visualiza-se que a cadeia produtiva da soja se
às relações Brasil-China. Essa cadeia lidera as exportações do agronegócio brasileiro
beneficiou do adensamento das trocas comerciais entre a China e o Brasil, tendo em
(exportados como: soja triturada, farelo de soja, óleo de soja em bruto ou refinado)1
5
.
vista a alta demanda chinesa por produtos primários, conjugado à alta dos preços
Os dados mostram que, em 2003, 18% das exportações da soja brasileira iam para a
internacionais das commodities. Todavia, o aumento exponencial das exportações de
China, chegando a 61% em 2010 16 • A soja ainda figurou entre o primeiro e segundo
13
produtos têxteis e confeccionados da China para a América Latina a preços mais baixos representou uma perda de mercados para a indústria têxtil brasileira.
lugar no ranking dos produtos brasileiros exportados para a China entre 2003 e 2010. A política econômica e a política externa nos governos Lula beneficiaram
Esses resultados refletiram em posicionamentos diferenciados das associações
os interesses do grande capital do agronegócio, em particular do setor da soja.
setoriais sobre a política externa brasileira para a China, em especial na política de
Lula iniciou uma "política agressiva de exportação, centrada no agronegócio,
comércio exterior. A cadeia produtiva da soja demonstrou apoio às relações sino-
nos recursos naturais e nos produtos industriais de baixa densidade tecnológica e
brasileiras, buscando o aprofundamento das condições para ampliar a exportação
implementou as medidas cambiais, creditícias e outras necessárias para manter essa
de soja, enquanto a ABIT fez severas críticas à sinalização do governo brasileiro de
política" (Boito Jr., 2018, p. 41).
que reconheceria a China como economia de mercado14 em 2004, por considerar
Dessa forma, o posicionamento político da Aprosoja e outras entidades que
que o Estado chinês introduz produtos têxteis com preços "artificialmente mais
representam o agronegócio tendeu a apoiar o aprofundamento das relações sino-
baixos" no mercado brasileiro. Posturas como essas exigiram do Estado brasileiro medidas de enfrentamento à economia chinesa para proteção da indústria nacional. A análise das movimentações da Aprosoja e da ABIT nos sugere a constatação de divisões no interior da burguesia interna no que diz respeito à relação com a China, apontando a possibilidade de uma hierarquia de poder no interior da
brasileiras, mas sempre com caráter reivindicatório de melhoria nas condições para exportação (como por exemplo, melhorias na infraestrutura).
Nesse ínterim, destaca-se que há uma rearticulação e fortalecimento da Aprosoja Brasil nos governos Lula. Na cadeia produtiva, a entidade representa os produtores de soja. No site da associação, declaram que:
burguesia interna. Entretanto, no desenvolvimento da investigação, ficou explícito que não é possível avançar na análise do posicionamento das cadeias, considerando cada A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A entidade foi renomeada em 2001 para Aprosoja e, em 2004, tornou-se definitivamente a Aprosoja Brasil, embora sua atividade estivesse restrita a poucos A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
381
O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
produtores. Com o surgimento da Aprosoja Mato Grosso em 2005 e a expansão da produção na região Centro-Oeste, a Aprosoja Brasil foi resgatada em 2007 e voltou a liderar as principais agendas dos produtores de soja em todo o país (APROSOJA Brasil, s.d., s.p.)
Mariana Davi Ferreira
139
72% do volume de esmagamento da soja no Brasil, estão associadas à Abiove. Essa informação demonstra o poder da associação. O interesse das grandes tradings no aprofundamento da relação com a China expressa-se, por exemplo, na ida à China do então presidente da Abiove, e também
Essa breve passagem demonstra como o fortalecimento da Associação ocorre quando da expansão da produção da soja e da exportação da mesma. Esse
vice-presidente da Bunge, Carlo Lovatelli, acompanhando a comitiva do presidente Lula em 2004. Em entrevista à Abag, Lovatelli comenta que:
processo vincula-se ao quadro mais amplo da crescente demanda chinesa por nossas
commodities. Entretanto, os interesses chineses no setor da soja brasileira vão além da importação do grão e dos seus derivados. Há interesse em investimentos em infraestrutura para facilitar a exportação e na compra de terras. No site do governo do estado do Mato Grosso, há o registro de visitas de empresários da soja à China e de empresários chineses ao Brasil1 7• Além disso, há crescimento do investimento externo direto chinês no Brasil voltado para o setor, na área de infraestrutura. Em entrevista, Glauber Silveira da Silva, presidente da Aprosoja Brasil entre
2005 e 2009, apontou um gargalo na logística que encarece o transporte da soja para exportação e afirmou que: "os chineses querem investir no que for necessário para baratear a soja para eles - leiam-se custos de logística [...] O Brasil precisa desses investimentos para firmar-se de vez como grande player mundial do agronegócio" 18 . O presidente também comentou o forte interesse da China em firmar acordos diretos com os produtores brasileiros para garantir o abastecimento, fugindo da mediação dos intermediários da "Bolsa de Chicago". 19 Essa entrevista de 2010 demonstra que a Aprosoja tendeu a apoiar o aprofundamento das relações sino-brasileiras, mas com caráter reivindicatório de melhoria nas condições para exportação. Entretanto, é necessário considerar outra associação que se destaca na cadeia produtiva da soja: a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Representando a fase da industrialização da commodity, ou seja, da produção de farelo, óleos vegetais e biodiesel. AAbiove não representa apenas a indústria de processamento da soja, mas também girassol, mamona e milho20 . Entretanto, como a soja é a cultura agrícola de mais destaque no Brasil, ganha centralidade as reivindicações da entidade em relação a essa cadeia produtiva em particular. Além da indústria de processamento, a A biove incorpora os interesses das tradings vinculadas à exportação da soja e de seus derivados 21 • Segundo Buainain et al (2006), 11 empresas, responsáveis por cerca de
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A viagem foi importante, mas os grandes negócios com a China já e~stiam an;es disso. A soja, o minério de ferro, os aviões da Embraer, os automove1s._ Alem destes, há uma série de produtos que podem ser exportados para a China. O Brasil, porém, tem que aprender a vender seus produtos. Nós sempre compramos, nunca vendemos coisa alguma. Para se ter sucesso, é preciso visitar o cliente, cativá-lo. Você tem que ir para a China, abrir escritórios, fazer parceria com os chineses. Esta última viagem foi fantástica. Vejo boas possibilidades de negócios, em médio e longo prazo. Os chineses têm simpatia pelo Brasil. Eles veem o Brasil como um país continental, semelhante ao deles, com alguns problemas comuns. Não somos um risco, nem comercial nem político, para a China. (Lovatelli m Blecher, 2004, p. 5). A visita feita pelo presidente da A biove aponta duas questões: i) a centralidade das relações com a China para o setor e, ii) ao acompanhar a comitiva oficial do Estado brasileiro, demonstra a aprovação da Associação à condução que o governo do presidente Lula deu à política externa brasileira para a China. Pode-se analisar que no período dos governos Lula, as duas associações representativas da cadeia produtiva da soja, Aprosoja Brasil e Abiove, posicionaramse a favor do aprofundamento das relações sino-brasileiras. Entretanto, os motivos que impulsionam essa aprovação parecem derivar de interesses distintos. Enquanto a Aprosoja Brasil tem seus interesses vinculados ao investimento chinês em infraestrutura e melhores condições para produção, a Abiove tem como perspectiva a potencialização das exportações para o Estado chinês. Sérgio Silva (1995) desenvolve uma pesquisa da relação entre a economia cafeeira e a indústria nascente na primeira metade do século XX. Este estudo clássico apontava para uma subordinação dos proprietários das lavouras de café às casas de exportação. Retomamos essa pesquisa clássica porque ocorre algo semelhante na dinâmica da cadeia produtiva da soja. Os produtores de soja, representados na luta econômica pela Aprosoja Brasil, estabelecem vínculos de dependência com as A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
Mariana Davi Ferreira
40 f O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
grandes tradings que monopolizam o processo de compra e de exportação da soja
Aprosoja Brasil tende a defender os interesses dos produtores de soja, geralmente
e de seus derivados. Nesse processo, os produtores de soja ocupam uma posição
de médio capital se comparado ao porte de capital das empresas de processamento
de subordinação em relação às tradings e indústria de insumos. Isso se demonstra
e das tradings, a Abiove representa os interesses de empresas de grande capital e que
pelas pautas rebaixadas da Aprosoja Brasil, que tem como agenda principal "à
tem uma relação de associação com o capital externo.
renegociação de dívidas dos produtores rurais, a aprovação de nova legislação
Para demonstrar essa diferença, trazemos um exemplo de um conflito
ambiental e a melhoria da infraestrutura de transporte para o fluxo da produção
específico no qual a Aprosoja mobilizou-se contra os interesses chineses no Brasil.
agrícola." (APROSOJA Brasil, s.d., s.p.). Essas pautas demonstram que, no que
Trata-se da articulação para impedir a apropriação chinesa de terras brasileiras. Entre
diz respeito à situação de subordinação com a grande burguesia comercial, os
diferentes frentes de investimento que o Estado chinês iniciou no Brasil, a aquisição
produtores de soja limitam-se a exigir medidas compensatórias ao Estado brasileiro.
de terras era um dos eixos, tendo em vista seu interesse. Segundo Oliveira (2018,
No que tange às tradings, Cunha (2015) comenta que a intensificação da
p. 109): "Quando o agronegócio chinês renovou esforços para investir no Brasil
produção de soja na década de 2000, a Bunge, Cargill, ADM e Louis Dreyfus
depois de 2008, o seu principal interesse se deslocou de madeiras amazônicas para
chegaram a ser responsáveis por 60% do esmagamento mundial da soja e estão entre
cana-de-açúcar, palma de dendê, tabaco, e acima de tudo soja". Essa movimentação
as dez principais empresas exportadoras dos produtos derivados da soja. A presença
chinesa gerou resistência de diferentes setores da sociedade brasileira e resultou em
nacional na etapa de processamento e comercialização da soja é importante, mas
uma aliança atípica contra a aquisição das terras brasileiras. Uma aliança entre a
secundária se comparada às empresas de capital predominantemente internacional,
fração da burguesia vinculada à etapa produtiva do agronegócio e setores da classe
com destaque para o Grupo A. Maggi. O autor ainda comenta que:
trabalhadora vinculados ao movimento popular camponês. Entre esses, a Aprosoja
Essas Tradings das agroindústrias processadoras e/ ou das empresas de comercialização, frente aos produtores dispersos, em número e num amplo espaço geográfico, gera um desequilíbrio de preço no mercado e na concorrência nas partes constituintes das cadeias produtivas da agricultura nacional. Os produtores estão na mão das grandes Tradings comercializadoras [...] . Essas Tradings têm certo poder de decisão na hora da aquisição da matériaprima, visto que, quando estão com estoques elevados, podem forçar os produtores a venderem o trigo e a soja a preços inferiores àqueles do mercado. (Cunha, 2015, p. 89) Buainain et al (2006) defende a tese da submissão dos produtores de soja às empresas processadoras e às tradings que monopolizam o processo de comercialização/ exportação. Na cadeia produtiva da soja é visível uma tendência à concentração de capital nos segmentos de revenda/exportação e na indústria de processamento. Enquanto o produtor rural, a indústria de sementes e o segmento de armazenamento
Mato Grosso e a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (FAMATO) posicionaram-se contra a compra de terras pela China. Segundo descreve Oliveira (2018) Os grandes donos de terras do Brasil queriam continuar expandindo suas propriedades e, portanto, também tinham interesse em exportar e frear investimentos chineses, criando restrições que os forçam a assumir parceiros brasileiros como acionistas majoritários. Isso ficou evidente na A resistência à apropriação chinesa de terras no Brasil, posição tomada pelas principais associações do agronegócio nos estados-chave do Mato Grosso (Famato, Aprosoja) e Bahia (AIBA). Ainda mais, grande parte dos pecuaristas e sojeiros brasileiros que arrendam terra vislumbravam a chegada do capital chinês como um fator que aquecia o mercado imobiliário demasiadamente, limitando assim sua margem de lucro. Foi essa ampla convergência de interesses que produziu a estranha aliança de conveniência entre atores tipicamente discordantes como o MST e lideranças do agronegócio em favor das restrições supracitadas, possibilitando atuação efetiva do governo federal nesta pauta (Oliveira, 2018, p. 112).
tendem a ser composto pelo pequeno e médio capital (Buainain et al, 2006). Essa análise aponta que as Associações (Abiove e Aprosoja Brasil) representam diferentes frações do capital vinculados à cadeia produtiva da soja. Enquanto a
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
Esse episódio demonstra que a depender da conjuntura histórica e das demandas apresentadas, é possível uma movimentação de aliança tática entre frações
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
143
da burguesia e frações da classe trabalhadora. Mais especificamente, a posição da
A produção da cadeia produtiva têxtil brasileira é predominantemente voltada
Aprosoja Mato Grosso destaca-se porque esse estado é o maior produtor de soja do
para o mercado interno e regional. A parcela da produção que é exportada tem como
país, tendo assim uma forte representação dos produtores e latifundiários. O estado
principais destinos Estados Unidos e países latino-americanos 23 • Isso demonstra o
produziu 23,S milhões de toneladas de soja na safra 2012/2013, representando
receio do setor no que tange às importações chinesas de produtos têxteis para o
28,8% da produção nacional. O crescimento da produção de soja mato-grossense
mercado nacional e latino-americano. Segundo a ABIT24 , as importações brasileiras
sempre foi acima da média nacional, tendo um aumento de 6,8% ao ano nos últimos
de têxteis e vestuários chineses cresceram 32 vezes em onze anos, passando de US$
quinze anos (Cunha; Espínola, 2018, p. 230).
91 milhões, em 2001, para US$ 3 bilhões, em 2011.
Cyrino (2017) analisou a cadeia da carne bovina no Brasil e constatou a
Durante os governos Lula, a ABIT questionou alguns termos das relações
existência de conflitos entre pecuaristas e frigoríficos no interior da cadeia. Segundo
econômicas sino-brasileiras. A Associação pressionou o governo brasileiro para
o autor, os conflitos se estabelecem diante de suas demandas políticas direcionadas
adotar medidas que favorecessem os interesses do setor no âmbito da política
ao Estado. Na hipótese do seu trabalho, Cyrino afirma que a contradição
externa para comércio exterior. A Associação ponderou que "o Brasil, mesmo
fundamental que atravessou os principais setores da cadeia produtiva da carne
sendo a quinta maior indústria têxtil do mundo - e a quarta de confecção participa
bovina diz respeito ao porte de capital. De um lado o grande capital (grandes
com menos de 0,4% desse mercado. O mundo têxtil é mais de 50% asiático, com
pecuaristas e grandes frigoríficos) e, do outro, o pequeno e médio (pequenos e
destaque para a China" 25 . A centralidade da crítica da ABIT à China advém do não
médios pecuaristas e frigoríficos).
reconhecimento da mesma como economia de mercado, considera que a economia
Os resultados da pesquisa de Cyrino (2017) corroboram a hipótese em desenvolvimento sobre contradições no interior da cadeia produtiva da soja. Inicialmente, visualiza-se uma convergência das associações no que tange à aprovação do aprofundamento das relações comerciais sino-brasileiras. Entretanto, quando visualizamos a dinâmica intra-setor, elucida-se uma hierarquia entre o capital produtivo e o capital comercial. Em uma ponta da cadeia, encontra-se o médio e pequeno capital produtivo nacional (pequeno/médio produtor de soja). Enquanto no topo da cadeia está o grande capital comercial vinculado ao capital
chinesa se privilegia com medidas como a permanência de número elevado de grandes empresas estatais com fortes vínculos com a cúpula dirigente do Estado em todos os seus níveis, a manutenção de incontáveis subsídios proibidos e acionáveis perante a OMC e a desvalorização artificial de sua moeda no mercado cambial. Ou seja, enquanto continua a desfrutar do tratamento de Nação Mais Favorecida pelos membros da OMC, a China segue adotando estratégias pouco identificadas com o capitalismo democrático, que lhe propiciaram impressionante crescimento de suas exportações e causam danos generalizados às indústrias dos países de legítima economia de mercado. 26
internacional (grande empresa comercial estrangeira). Em reportagem do jornal O Globrl7, Fernando Pimentel, diretor da ABIT, criticou o grande peso das empresas estatais na economia e como o governo dita a
A cadeia produtiva têxtil
política de preços. Além disso, afirmou que "como a China produz de tudo no setor têxtil, pode nos prejudicar em todos os elos da cadeia".
Ao considerarmos a cadeia produtiva têxtil, segundo a ABIT (s.d) 22 , o Brasil
É fundamental considerar os regimes internacionais que regulam a compra
é a última cadeia têxtil completa do Ocidente, considerando a etapa de produção
e venda dos produtos dos setores econômicos estudados, como o exemplo do fim
das fibras, passando por fiações, tecelagens, beneficiadoras, confecções, até a etapa
do Acordo Multifibras, em 2004, que previa a definição de cotas de exportação do
do comércio atacadista/varejista.
produto têxtil e vestuário. Ocorre, então, uma liberalização do comércio mundial
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
145
de produtos têxteis. O fim desse acordo coincide com o segundo ano do primeiro
chinesa na esfera comercial, possibilitando afirmar uma fragmentação da cadeia
governo Lula
produtiva têxtil no que tange às relações sino-brasileiras diante das alterações na
2004 - e pode ser uma variável importante para entender a posição
da Abit em relação à China. No mesmo ano do fim do acordo, a ABIT foi a primeira
dinâmica da economia internacional.
entidade da burguesia industrial a dar entrada em um pedido de salvaguarda contra
A pesquisa demonstra uma posição de conflito no interior da cadeia produtiva
a China no Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC)28. Após a
têxtil sobre a relação com a China. Principalmente no campo da indústria, há
pressão do setor, em novembro de 2005, o governo brasileiro trouxe dois decretos que
uma forte demanda para que o Estado brasileiro desonere a produção e priorize
internalizaram a aplicação de salvaguardas unilaterais contra importações chinesas de
a indústria têxtil nacional, tendo em vista que os interesses do Brasil e da China
têxteis, mecanismo previsto no protocolo de acesso da China à OMC (CEBC,
são concorrentes nesse setor. Isso se expressou em decretos de salvaguarda que
Esse episódio relaciona a atuação política dos setores e frações de classe às mudanças
apontam para um enfrentamento do Estado brasileiro à economia chinesa.
no âmbito da política externa. Além disso, a indústria têxtil brasileira possui três medidas antidumping contra os produtos chineses em vigor2 9 . Outro elemento que demonstra a posição da ABIT na busca por diminuir o impacto chinês na indústria têxtil brasileira diz respeito ao apoio às negociações
A análise exploratória sistematizada neste capítulo demonstra a existência
da União Europeia e do Mercosul, como uma forma de ganhar competitividade
de uma contradição nas relações da cadeia produtiva da soja e da cadeia produtiva
em relação aos chineses no mercado europeu. Em entrevista ao Estadão em 2010,
têxtil com a China, o que resulta em demandas distintas endereçadas ao Estado
Domingos Mosca, consultor da área internacional da ABIT, afirmou que "os acordos
brasileiro na relação com esse país. A análise dos documentos e posicionamentos
poderiam provocar um desvio de comércio nos mercados europeu e americano,
dos representantes de suas associações corroboram a análise apresentada
afastando a China e beneficiando o Brasil" 3º.
correspondente ao caráter assimétrico das trocas comerciais sino-brasileiras. Esse
Entretanto, é importante ponderar que a cadeia produtiva têxtil no Brasil
caráter assimétrico demonstra-se na variação do posicionamento da política externa
apresenta fissuras internas entre o capital produtivo e o capital comercial. Isso
brasileira para a China: por um lado, iniciativas do Estado brasileiro que buscam
porque, algumas empresas importam produtos têxteis asiáticos para venda no
estreitar as relações bilaterais, mas, por outro, alguns posicionamentos conflitivos
mercado interno e regional. Exemplo disso foi a abertura de escritório da Riachuelo
em relação à economia chinesa na defesa aos setores econômicos nacionais.
em Xangai com o objetivo "ampliar o mix de produtos importados, básicos, para
Entretanto, visualiza-se contradições intra-setores que demandam uma
abastecer as suas lojas, elevando a fatia dos que vêm de fora para 11% de suas
complexificação na análise das tensões entre diferentes sistemas de fracionamentos
31
Essa contradição é apontada por notícia na seção Cartas do Estadão:
no que tange à relação do Brasil com a China. Essa análise nos leva a consideração
"com isso reduz a produção nacional, dando emprego aos asiáticos, tirando os que
de que a dimensão do porte, origem e tamanho do capital pode elucidar mais
vendas"
.
produzem aqui"
32
•
Enquanto a ABIT manifesta-se contra a importação de produtos
têxteis chineses alegando as consequências negativas para o capital produtivo, a Riachuelo, representando a fração do capital varejista, torna-se importadora a partir da abertura de joint venture na China.
elementos da dinâmica dos setores estudados do que o setor visto como bloco unitário quando analisamos a relação das frações burguesas e o Estado. Visualiza-se uma maior necessidade de proteção do Estado aos setores do médio capital (produtores de soja) e da indústria (têxtil) que tem nos produtos chineses
Essa contradição intra-setor acima mencionada demonstra, por exemplo, um
fortes concorrentes. Entretanto, há uma inesperada compatibilidade de aceitação
interesse de segmentos da cadeia produtiva têxtil ligada à Jast Jashion na produção
das relações sino-brasileiras - mesmo que em níveis distintos - quando pensamos
A burguesia brasileira em ação: de Lu Ia a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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46 j O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
distingue ainda a força motriz principal que é aquela que fornece a maioria dos quadros e dos ativistas". (Boito Jr., 2020, s.p.)
no capital comercial de ambas as cadeias produtivas. Isso porque a exportação da soja e derivados para a China é central para as tradings e a importação de produtos têxteis chineses para empresas varejistas do setor têxtil tem se tornado uma opção
7. 8.
CEBC, 2015. A alta demanda por commodities resulta em um importante posicionamento da China no que tange às decisões centrais no processo de investimentos em países agroexportadores. Afirma-se que "a China detém parte relevante da demanda mundial de commodities, influenciando, direta e indiretamente, decisões ligadas a projetos de investimentos nessas áreas e a taxa de câmbio de diversos países" (CEBC, 2015, p. 60).
9.
Neste capítulo, o debate construído foca principalmente as relações econômicas estabelecidas entre o Brasil e a China. Mas é importante esclarecer que o fortalecimento das relações sino-brasileiras durante os governos Lula aconteceu não só no âmbito comercial e financeiro. Uma série de parcerias de cooperação internacional e fortalecimento das relações Sul-Sul foram estabelecidas, como eixo central da aproximação Brasil-China.
mais rentável no último período. Essas contradições demonstram ainda mais a importância de focar a análise no entrecruzamento de sistemas de fracionamento, que elucidem o posicionamento das frações burguesas quando falamos da relação do Brasil com a China.
NOTAS
1.
Escola de Campinas refere-se ao conjunto de pesquisas sobre a política brasileira desenvolvidas com base na Teoria Mar?Cista do Estado de Nicos Poulantzas por estudiosos vinculados à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
2.
Como exemplo, em 1995, a burguesia agrária organizou protesto em Brasília contra a política agrícola de FHC. O movimento "Não posso plantar - marcha sobre Brasília" é conhecido na mídia como "Caminhonaço" (Coletti, 2006).
3.
A atuação da burguesia industrial nos governos FHC revela a relação contraditória desse setor com a política neoliberal (Mancuso, 2004). Segundo Boito Jr. (1999, p. 6265), por um lado, o setor industrial foi prejudicado pela política de juros altos e de abertura comercial dos governos de FHC, motivo de protestos e pressões da Fiesp e da CNI. Na manifestação dos industriais em Brasília, em 1996, protestavam contra o "sucateamento da indústria" e a abertura comercial. Já em 1997, o Fórum das Reformas organizado pela Fiesp, exigia o apressamento das Reformas Neoliberais no âmbito do trabalho e da privatização.
4.
Berringer (2015, p. 72) afirma que a posição política dos Estados dependentes nas relações internacionais pode variar, a depender da conjuntura histórica e da fração da burguesia hegemônica no bloco no poder, entre a subordinação passiva, subordinação conflitiva e anti-imperialista. Esse posicionamento expressa-se no exercício da política externa.
5.
A CEB foi criada em 1996, sob liderança da CNI, "como uma resposta dos empresários à necessidade de maior participação na definição de estratégias brasileiras de inserção internacional" Disponível em: admin.cni.org.br/portal/data/pages/ FF80808121B560FA0121B59D09731A40.htm.
6.
Trago aqui uma citação de um comentário do professor Armando, que retoma Mao Zedong, sobre o papel do médio capital no golpe de 2016 a partir dos conceitos de força dirigente e força motriz em um processo político: "Mao Zedong elabora esses conceitos discorrendo sobre os processos revolucionários. A força dirigente é a classe social ou a fração de classe que logra impor os objetivos políticos da luta e a força motriz é a classe ou fração que fornece os quadros e os ativistas para tal luta. Mao
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
j47
10. Para mais informações do Conselho Empresarial Brasil-China, acessar http://www. cebc.org.br/. Há uma série de publicações e relatórios sobre as relações comerciais entre os dois países que podem ser acessados. 11. A China é o principal destino das exportações do agronegócio brasileiro. A importância dessa relação para o setor demonstra-se em uma reunião entre o presidente da CNA, a então presidenta Dilma Rousseff e o primeiro-ministro da China, Li Kequiange para promover um maior acesso ao mercado chinês, em 2015. Disponível em: http:// cnabrasil.org.br/noticias/joao-martins-defende-agronegocio-brasileiro-na-relacaobrasil-china-em-encontro-com. 12. Dados retirados de Atlas of Economy Complexity. Disponível em: http://atlas.cid. harvard.edu/. 13. O volume de comércio exterior da indústria de vestuário chinesa representa 35% do volume de todo o comércio global. Textilia. Disponível em: http://www.textilia.net/ materias/ler/textil/mercado/desafio_e_estrategia_da_industria_textil_chinesa 14. ABIT
Notícias. Disponível em: http://www.abit.org.br/noticias/noticia10794
15. Estatísticas de Comércio Exterior do MDIC. Disponível em: https://bit.ly/2SOLFqg 16. Dados retirados de Atlas of Economy Complexity. Disponível em: http://atlas.cid. harvard.edu/. 17. http://www.mt.gov.br/-/8511711-chineses-conhecem-potencial-de-mato-grosso-naproducao-de-graos-e-suinos 18. Disponível em: www.revistagloborural.globo.com/Revista/Common/O,,EMI17617418283,00-EM+ BUSCA+DO+ POTE+DE +OURO .html 19. Sobre essa questão Oliveira (2018) comenta que há um forte interesse nos "Agronegócios do Norte Global" em travar os investimentos chineses no Brasil, seja em acordos de compra direta com os produtores de soja ou na aquisição de terras, porque as tradings têm interesse em continuar a agir como intermediários entre produtores brasileiros e importadores chineses.
A burguesia brasíleira em ação: de Lula a Bolsonaro
481
Mariana Davi Ferreira
O agronegócio da soja e a indústria têxtil frente à política externa brasileira para a China (2003-2010)
20. Disponível em: https://abiove.org.br/sobre/ 21. Essa representação expressa-se nos nomes que ocupam os dois principais cargos da associação. Na presidência da Abiove está Martus Tavares, da Bunge, e na vicepresidência, Paulo Sousa, da Cargill. 22. ABIT - Perfil do Setor. Disponível em: http://www.abit.org.br/cont/perfil-do-setor. 23. Exportações Brasileiras de Produtos Têxteis e Confeccionados por País. Disponível em: www.abit.org.br/uploads/arquivos/EXP%20BR%20POR%20PAÍS%20201712%20 YTD.pdf 24. ABIT - Notícias. Disponível em: http://www.abit.org.br/noticias/noticia10794 25. ABIT Publicações. Disponível publicacoes/agenda_site.pdf
em:
http://www.abit.org.br/conteudo/links/
26. Disponível em: http://www.abit.org.br/noticias/noticia10794 27. O Globo - Economia. Disponível em: https://glo.bo/2HoNWHy 28. Estadão - Economia e Negócios. Disponível em: https://bit.ly/2RFkMJ3 29. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/industria-brasileira-resistereconhecer-china-como-economia-de-mercado-20744341#ixzz50nj5F06 U 30. Estadão - Economia e Negócios. Disponível em: https://bit.ly/2DtRdkY 31. Estadão- Economia e Negócios. Disponível em: https://bit.ly/2Msfmv1 Opinião. Disponível 32. Estadão geral,cartas-17082011-imp-,759557
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empresas. As indústrias de grande porte apresentaram melhores resultados em todos os indicadores, e mesmo com as crises econômica e política, não registraram deterioração nas mesmas proporções que as demais.
1
O forte contingenciamento no desembolso do BNDES no período
Durante o último ano de governo Lula, as pequenas e médias indústrias
afetou toda a indústria de transformação brasileira, e aumentou ainda mais a
possuíam índices superiores aos das grandes indústrias apenas no indicador de
insatisfação do industrial paulista com o Governo Federal. Entre 2014 e 2015,
acesso ao crédito. Porém, com o início do governo Dilma a situação se inverteu
o desembolso do BNDES à indústria de transformação geral diminuiu 26% - já
e o indicador passou a segmr a tendência dos demais. Conforme abordamos
em relação à indústria paulista, a diminuição foi de 34%. Quanto às pequenas e
anteriormente, uma das razões para as indústrias de grande porte registrarem
médias indústrias de São Paulo, no período, o desembolso do BNDES recuou
melhores índices no indicador de acesso ao crédito está ligado ao fato de que elas
40% e 46%, respectivamente. Os industriais paulistas não culpavam nem a crise
possuem acesso facilitado a diferentes fontes de crédito e financiamento e não
econômica nem o conteúdo da política econômica (o arrocho fiscal proposto
dependem apenas do sistema bancário. Apesar de as fontes alternativas de crédito e
pelo Ministro da Fazenda do segundo governo Dilma, Joaquim Levy) pela
financiamento não estarem bloqueadas às empresas de médio porte (tecnicamente,
redução dos empréstimos do banco de desenvolvimento, mas o próprio governo
nem para as de pequeno porte também), elas são mais restritas, e tendem a cobrar
e as "campeãs nacionais", como se todos os recursos fossem deliberadamente
maiores taxas de retorno em decorrência do maior risco das operações.
destinados à grande burguesia interna.
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
2121 A burguesia industrial na crise do governo Dilma
Felipe Queiroz Braga 1213
já não possuía mais "sustentabilidade política e econômica". No entanto, o mesmo que dizia que o governo não perdera a capacidade de articulação política, foi um dos
transforma
que empreenderam esforços para minar a formação de uma frente ampla de apoio
22%
ao governo antes de o processo de impeachment ser aprovado. Depois de ter iniciado esse processo, Skaf esteve à frente de um grupo de empresários que foi pessoalmente até o Congresso Nacional pressionar Deputados e Senadores a votarem a favor da cassação do mandato de Dilma Rousseff'. No início de agosto de 2015, o vice-presidente Michel Temer
que
ocupava a posição de articulador político do Palácio do Planalto, após reunião com líderes da Câmara e do Senado, havia declarado à imprensa que a situação do país era "grave" e que a nação precisava de alguém que tivesse "capacidade de reunificar 2012
2013
2014
2015
2016
Fonte: B:NDES - Elalwradtf p Acesso em 14 abr. 2020. 12. Disponível em Acesso em 14 abri. 2020. 13. Disponível em Acesso em 14 abri. 2020. 14. Disponível
em
Acesso em 14 abri. 2020. 15. Disponível em Acesso em 15 abri. 2020. 16. Disponível em Acesso em 15 abri. 2020. 17. Disponível em Acesso em 15 abri. 2020. 18. Disponível em Acesso em 15 abri. 2020. 19. Disponível em Acesso em 15 abri. 2020. 20. A Fedíol é a associação das indústrias de óleos vegetais e farelos da União Europeia. 21. O primeiro caso de Peste Suína Africana na China foi relatado em agosto de 2018 e, a partir dísso, a produção de suínos no país caiu consideravelmente. Disponível em Acesso em 16 abri. 2020. 22. Disponível em Acesso em 16 abri. 2020.
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Luana Forlini
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A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Os produtores de soja e o primeiro ano do governo Bolsonaro
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André Flores Penha Valle Pedro Felipe Narciso
Neste livro apresentamos as praticas políticas das frações burguesas nos governos dos presidentes Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. A exposição seguiu o itinerário de pesquisa de diferentes pesquisadores, examinando distintas frações da burguesia em momentos específicos da recente história política brasileira. Concluída a exposição analítica das partes, impõe-se sobre nós um segundo tipo de redação, orientada à elucubração sintética e à perspectiva panorâmica sobre o todo. Desse modo, pretendemos apresentar uma periodização política do intervalo temporal abrangido pelo conjunto dos capítulos. Para constituir a referida periodização apresentaremos a caracterização de cada período a partir de a) a configuração política do governo e b) as políticas aplicadas pelo governo. Além da caracterização de cada período, pretendemos também observar algumas características das crises políticas que propiciaram a passagem de um período a outro. Num segundo momento, pretendemos detalhar a relação do governo Bolsonaro com o bloco no poder, prospectando alguns cenários políticos futuros. Nossa periodização indica a existência de três grandes períodos. O primeiro refere-se aos governos encabeçados pelo Partido dos Trabalhadores, o qual designamos como período da frente neodesenvolvimentista. O segundo refere-se ao governo em que a Presidência esteve ocupada por Michel Temer, que designamos como período da aliança neoliberal. O terceiro período refere-se ao governo de Jair Bolsonaro, que denominamos período neofascista. A configuração política do neodesenvolvimentismo aponta para a existência de uma frente política policlassista, em que diferentes classes e frações encontravamse hierarquizadas no cumprimento de diferentes funções políticas. Esta frente, que garantiu a hegemonia política da grande burguesia interna, tinha como classe A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
3061 Pósfácío: do neodesenvolvimentismo ao neofacismo
André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso
1307
dirigente essa mesma fração burguesa, que orientava os pontos mais decisivos do
No lugar do governo da frente neodesenvolvimentista assumiu, por intermédio
programa político e econômico aplicado pelo governo. O movimento operário e
do golpe do impeachment, o governo da aliança neoliberal, que pretendia restaurar
popular ofereceu os principais operadores políticos da frente em diferentes níveis,
o cenário político e econômico dos governos FHC. Essa pretensão não pôde,
funcionando como a sua força principal. Por fim, a sustentação eleitoral da frente foi
obviamente, ser realizada. A complexa conjuntura de crise política não foi superada
garantida por uma classe-apoio numerosa, os trabalhadores da massa marginal.
pelo golpe do impeachment como provavelmente esperavam os seus operadores,
A política econômica desse período foi marcada por uma significativa moderação da abertura comercialindiscriminada, através do estabelecimento de nichos
sendo a crise consideravelmente agravada por um tipo de golpe que, não alterando a forma de Estado, deteriorou o regime democrático.
protecionistas e reservas de mercado, pela reativação do BNDES e pela expansão de
Nesse governo a burguesia associada ao grande capital internacional recuperou,
obras e compras públicas voltadas a fornecedores nacionais. A política externa teve
não sem instabilidade, sua hegemonia no bloco no poder. A força principal no processo
como uma das principais marcas o desengajamento em torno do projeto ALCA e
de restauração hegemônica foi a fração superior da classe média. Não se pode deixar
uma diplomacia que projetava o capital nacional em países da periferia capitalista em
de citar aqui uma categoria social específica que emerge como o partido dessa alta
América-Latina e África. Vale citar ainda o engajamento do Brasil na criação do Novo
classe média, a burocracia judiciária, mobilizada e orientada pela operação Lava Jato.
Banco de Desenvolvimento (o Banco dos BRICS) que reafirmava uma posição de
A hegemonia do capital internacional e da burguesia associada pode ser
menor dependência internacional do Brasil em relação aos mecanismos capitaneados
aferida pelas medidas implementadas em ritmo acelerado pelo governo de Michel
pelos EUA Na política social, podem ser citados os programas de transferência de
Temer. No núcleo da política econômica foram aprovadas a PEC 55, que congelou
renda, a política de recuperação do salário-mínimo, a política de cotas raciais e sociais,
os investimentos públicos federais por 20 anos, e uma nova taxa de longo prazo
de construção de moradias populares e de financiamento da agricultura familiar
nos financiamentos do BNDES, diminuindo os subsídios custeados pelo Tesouro.
(Boito Jr., 2018).
No setor de petróleo o marco regulatório do pré-sal foi revisto, desobrigando os
Enquanto essas políticas conseguiram atender as demandas dos grupos
consórcios de contarem com participação mínima de 30% da Petrobrás e retirando
que compunham a frente atenuando as suas contradições internas, os assédios
da estatal o monopólio sobre as operações. Ainda no que tange ao setor petroleiro,
restauradores do capital internacional e da burguesia associada não produziram
foi adotada uma política de preço de combustíveis vinculada às flutuações de preço
o efeito esperado. A crise do mensalão, que ocorreu em contexto de crescimento
do barril de petróleo no mercado financeiro internacional. No governo Temer, além
econômico e de moderação do conflito distributivo de classes, no ano de 2005, não
disso, foi legalizada a expansão da terceirização para toda e qualquer atividade de uma
atraiu a oposição da grande burguesia interna ao governo, que, ao contrário disso, foi
empresa e aprovada uma reforma da legislação trabalhista, flexibilizando jornadas de
a público defender o mandato do presidente Lula contra as ameaças de impeachment,
trabalho e pondo fim a contribuição sindical compulsória1•
através de suas associações empresariais (Martuscelli, 2015; Boito Jr., 2018). Quando
Embora o governo de Michel Temer tenha sido bem-sucedido ao restabelecer
os conflitos internos da frente se aguçaram, já no primeiro mandato da presidente
a preponderância do grande capital internacional e da burguesia associada sobre a
Dilma, devido em grande parte ao baixo crescimento econômico, ao aumento do
política econômica nacional, o governo trazia consigo um problema originário do
número de greves (com conteúdo predominantemente ofensivo) e ao fortalecimento
bloco neoliberal e um problema derivado do golpe do impeachment. O problema
do capital estatal, o assédio restaurador, contando agora com manifestações massivas
originário refere-se à incapacidade eleitoral desse campo político de vencer pelo voto.
da classe média, logrou o objetivo de desagregar a frente neodesenvolvimentista e
O problema derivado do processo golpista foi a constituição da pequena-burguesia/
substituir o seu governo. A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
308 f
André Flores Penha Valle e Pedro Felipe Narciso
Pósfácio: do neodesenvolvimentismo ao neofacismo
classe média como força social distinta, o que acabou por agravar o isolamento eleitoral do partido do capital internacional e da burguesia associada.
O neofascismo, portanto, resulta da radicalização do movimento de massas da alta classe média e da pequena-burguesia na conjuntura de crise que atravessa o
Desenhava-se então um tipo muito específico de crise, cujos elementos
governo Temer. O aspecto dominantemente fascista deste movimento se apresentou
combinados adubaram o movimento de tipo fascista. Essa modalidade de crise
de maneira explícita durante o locaute dos caminhoneiros, em março de 2018, quando
política é composta por seis elementos invariantes, que são os seguintes:
a agitação golpista em prol da "intervenção militar" penetrou nos protestos e se
a) acirramento dos conflitos no interior do bloco no poder; b) crise da representação partidária das classes dominantes; c) ativismo político da burocracia civil e militar provocando crise institucional; d) série de derrotas e situação defensiva do movimento operário; e) constituição da pequena burguesia como força social distinta; e f) a crise ideológica generalizada (Boito Jr., 2021, p. 11).
elevou sobre as reivindicações corporativas da categoria, atraindo a adesão da classe média e da pequena-burguesia aos bloqueios nas estradas (Valle e Martuscelli, 2018). Naquela ocasião, a figura de Jair Bolsonaro já era reivindicada como a representação fidedigna daquele movimento, e, dali em diante, até as eleições no mês de outubro, ascenderia progressivamente nas pesquisas eleitorais, alcançando definitivamente a
O primeiro desses elementos se constituiu visível com a contestação eleitoral do pleito de 2014 e a pressão da grande imprensa corporativa contra as políticas de
primeira posição nas intenções de votos após o indeferimento da candidatura de no final do mês de agosto.
aprofundamento do neodesenvolvimentismo nos governos de Dilma Rousseff. O
A extração social de classe média e pequeno-burguesa, o conservadorismo no
segundo elemento aparece primeiro no seio da burguesia interna, com a incapacidade
plano dos costumes, a ideologia anticomunista e o objetivo de implantar uma ditadura
do governo de fazer valer os interesses da fração que se via nele representada. Mais
para banir as esquerdas da vida política e cultural, são critérios que nos permitem
tarde, a crise da representação partidária fez-se presente também na fração associada,
caracterizar o bolsonarismo como um tipo de fascismo, ou neefascismo (Boito Jr., 2020;
que não conseguiu emplacar um candidato viável nas eleições de 2018. O ativismo
Melo, 2020). A existência de uma base de massas politicamente ativa e organizada,
político da burocracia foi peça fundamental do golpe do impeachment e a consecução
e a concretização dos interesses do capital internacional e da burguesia associada
desse não desmobilizou essa categoria social, pelo contrário, fortaleceu a burocracia
pela política econômica e social, diferenciam a natureza neofascista deste governo
civil "lava-jatista" levando o ativismo político, pelo menos agora de modo visível, aos
em relação ao bonapartismo, enquanto governo ou regime político desmobilizador,
quartéis, quando o comando do Exército recolocou publicamente o STF sob a sua
controlado por uma burocracia civil descolada dos interesses imediatos do bloco no
tutela. As derrotas do movimento operário se verificaram com a sua incapacidade
poder e executora de uma política econômica e social ziguezagueante. Diferenciam
de resistir ao golpe e às políticas antipopulares aplicadas pelo governo Temer. A
também em relação ao populismo, que, assim como o bonapartismo, é igualmente
constituição da pequena-burguesia (particularmente da classe média) como força
desmobilizador e controlado por uma burocracia civil, mas, diferentemente deste,
social distinta foi um fenômeno observado desde a massificação dos protestos de
executa uma política econômica e social progressista.
rua organizados à margem da representação usual da burguesia associada, de quem a
A configuração do governo neofascista envolve um conjunto heterogêneo
classe média havia sido antes não mais que uma simples classe-apoio. A crise ideológica
de forças, que desempenham funções distintas dentro desta aliança. A função
é o elemento que perpassa todo esse cenário de desagregação, em decorrência dos
desempenhada pela alta classe média e pela pequena-burguesia bolsonarista é a de
efeitos da Operação Lava Jato sobre o sistema partidário, que levou à decadência dos
classe reinante, isto é, a força social que imprime a dinâmica do processo e polariza
partidos burgueses tradicionais e à interdição da candidatura de Lula, franco favorito
a cena política. O caráter mobilizador e de massas distingue o bolsonarismo do
nas pesquisas de intenção de votos para as eleições presidenciais de 2018.
chamado "partido militar", corrente marcada pela ideologia tecnocrática e pelo corporativismo profissional, que também faz parte do governo. A ocupação de
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aproximadamente 6 mil cargos no Executivo credencia o alto escalão militar como
Apesar de serem atendidas e de apoiarem a política neoliberal implementada
classe detentora do aparelho de Estado, isto é, como a força social que predomina
pelo governo, as frações burguesas se dividem ou se opõem à gestão negacionista
nos quadros governamentais. Deve-se considerar, ainda, que parcelas dos evangélicos
da pandemia e ao fechamento do regime democrático, defendidos abertamente
conservadores, compostas por trabalhadores manuais dos grandes centros urbanos,
pelo bolsonarismo. É aqui que o conceito de neofascismo contribui para explicar
constituem uma reserva importante de apoio social do governo neofascista entre as
precisamente a relação contraditória que as frações burguesas entretém com o
massas populares, cumprindo a função de classe-apoio.
governo, na medida em que os seus interesses não são idênticos aos do bolsonarismo,
No que refere ao bloco no poder, o capital internacional e a burguesia
que constitui uma força social distinta e autônoma, não um instrumento passivo nas
associada, a grande burguesia interna e os proprietários de terra são as frações
mãos da burguesia. De acordo com Armando Boito Jr. (2020), a contradição entre a
mais contempladas pela política econômica e social do governo Bolsonaro, embora
burguesia e o neofascismo pode ser encontrada nos conflitos em torno das prioridades
possamos detectar, entre elas, uma determinada hierarquia de interesses, por meio do
da política estatal, do tratamento hostil ao Estado chinês e da política ambiental
cotejo entre o conteúdo da política econômica e social e as demandas endereçadas por
predatória; nos conflitos envolvendo o governo, o Congresso Nacional e o Supremo
estas frações ao Estado. Grosso modo, a política neoliberal do governo Bolsonaro,
Tribunal Federal (STF); e nos conflitos no interior da equipe governamental.
assim como a do governo Temer e a dos governos de Fernando Henrique Cardoso nos
A expectativa de que o movimento bolsonarista poderia ser neutralizado e que,
anos 1990 (Boito Jr., 1999; Saes, 2001), é alicerçada em quatro pilares fundamentais:
assim, o governo poderia ser plenamente instrumentalizado para os seus interesses,
1) privatizações (leilões de infraestrutura, Eletrobras e Correios); 2) desregulamentações
para além do compromisso com as reformas neoliberais, baseou o apoio de última
trabalhistas (reforma da previdência, carteira de trabalho verde-amarela, lei de liberdade
hora do grande capital à candidatura de Jair Bolsonaro durante as eleições de 2018.
econômica); 3) desregulamentações financeiras (autonomia do Banco Central, nova lei das
Uma vez que essa expectativa esteve frustrada, sobretudo durante o período da
agências reguladoras, lei do cadastro positivo); 4) e abertura economica (mercado de
pandemia da Covid-19, estabeleceu-se entre as frações burguesas um quadro crescente
refino e gás natural, setor aéreo, setor bancário, redução das alíquotas de importação
de insatisfações, refletindo em intensa fuga de capitais e em severas críticas contra o
de bens de capital).
governo na grande imprensa. Essa contradição se apresentou na cena política através
Se, por um lado, o primeiro e o segundo pilares unificam as frações burguesas,
da conformação de uma oposição de direita e da articulação em torno da chamada
por outro lado o terceiro e o quarto pilares ensejam conflitos: as medidas de
"terceira via" para as eleições presidenciais de 2022. No entanto, o apoio à política
desregulamentação financeira representam um revés para o capital industrial, ao
neoliberal implementada por Paulo Guedes representou, até o presente momento, um
aprofundarem o controle do capital financeiro sobre os instrumentos de política
fator de moderação dessa oposição burguesa, e explica as suas vacilações diante dos
monetária, em particular a definição da taxa básica de juros e da taxa de câmbio; e
pedidos de impeachment, assim como a relação ambígua com o governo e com a base
as medidas de abertura econômica atingem as empresas de capital nacional, seja de
aliada no Congresso Nacional: ora de unidade para aprovar as reformas neoliberais,
maneira direta, nos setores abertos à concorrência estrangeira, seja de maneira indireta,
ora de conflito contra o negacionismo e as manifestações antidemocráticas.
nas cadeias de fornecimento e insumos integradas a estes setores, aprofundando a
Com o desenvolvimento da contradição entre a burguesia e o neofascismo,
tendência à desindustrialização. O entrecruzamento destes conflitos nos indica
durante a pandemia, pudemos inferir diferentes níveis de apoio e de representação
que a política econômica e social prioriza os interesses do capital financeiro ante o
entre as frações burguesas e o governo Bolsonaro (Valle e Del Passo, 2021).
capital industrial, e do capital internacional ante o capital nacional, concretizando a
Setores do grande capital, como o capital financeiro associado, representado pela
hegemonia do capitalfinanceiro internacional sob o governo Bolsonaro.
Anbima; os grandes bancos comerciais nacionais, representados pela Febraban; a
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indústria automotiva, representada pela Anfavea; as grandes empresas de telefonia,
financeiro internacional e os grandes bancos nacionais, se deve à divergência com o
representadas pelo SindiTeleBrasil; a indústria de alimentos, representada pela ABIA;
negacionismo e com a mudança do regime político, enquanto aspectos próprios do
as grandes redes de supermercados, representada pela Abras; e parte minoritária
neofascismo, por outro lado o apoio e os vínculos de representação mais estreitos
do comércio varejista, como a rede Magazine Luiza, esses setores foram a público
entre a burguesia comercial varejista, a burguesia industrial, os produtores rurais e
defender as medidas de isolamento social e, por vezes, criticar o negacionismo do
o governo Bolsonaro, estão relacionados à política social conservadora, à política de
governo Bolsonaro. O capital financeiro associado e os grandes bancos nacionais
ordem repressiva contra os movimentos populares (em particular os movimentos
lideraram a oposição burguesa nesse período, tendo lançado críticas públicas em, pelo
camponês, indígena e quilombola) e à política ambiental predatória. A redução
menos, duas ocasiões: primeiro contra a gestão negacionista da pandemia, reunindo
do custo de reprodução da força de trabalho ("custo Brasil") se tornou o aspecto
a assinatura de mais de 500 banqueiros e financistas, em março de 2021; e, depois,
dominante no programa destas frações burguesas a partir da crise do governo Dilma
criticando as manifestações golpistas contra o Congresso Nacional e o STF, através
Rousseff. No caso da burguesia comercial varejista, esta fração jamais logrou obter
de carta assinada pela Febraban em agosto e setembro de 2021.
nos governos do PSDB e do PT o mesmo protagonismo político e participação no
Por outro lado, a burguesia comercial varejista, representada no grupo Brasil
processo decisório estatal, como aquele que encontrou no governo Bolsonaro. E no
200; a burguesia industrial, representada pela CNI e por algumas federações estaduais
caso dos proprietários de terras, a flexibilização do porte de armas, o desmantelamento
(como a Fiesp, a Fiemg, a Firjan, a Fiep, a Fiesc, a Fiergs e a Fieg); e pequenos e
dos órgãos ambientais, e o incentivo ao garimpo ilegal e à grilagem de terras, foram
médios frigoríficos e produtores rurais, representados pela Abrafrigo, Aprosoja,
medidas que atenderam diretamente os seus interesses.
CNA e algumas federações estaduais (como a Faesc, a Faep, a Farsul e a Faemg),
Todos estes aspectos nos permitem levantar a hipótese de que o conservadorismo
essas frações se posicionaram ferrenhamente contrárias às medidas de isolamento
dessas frações burguesas, que se comportam como burguesia interna e que outrora
social, respaldando o negacionismo do presidente da República. No que refere às
apoiaram os governos neodesenvolvimentistas do PT, as converte em potenciais
manifestações golpistas do 7 de setembro de 2021, as frações regionais da burguesia
apoiadoras de governos autoritários e neofascistas em conjunturas de acirramento
industrial e produtores rurais foram a público para apoiá-las e defender a sua
do conflito distributivo de classes e de ofensiva do bloco no poder sobre as massas
legitimidade, inclusive por meio de notas oficiais de suas associações empresariais,
populares. Nesses contextos, em que a desregulamentação das proteções sociais e
tendo o inquérito aberto pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, levado às
trabalhistas adquire centralidade em seu programa, a demanda por favorecimento
contas da Aprosoja e de empresas transportadoras - que além de financiarem os
e proteção estatal é deslocada para o segundo plano, resultando na aceitação dos
protestos, compareceram presencialmente e fizeram desfile de caminhões em Brasília
sacrifícios impostos pela hegemonia do capital internacional e da burguesia associada,
(DF). Tais episódios revelam que essas frações são a principal base de apoio burguês
como as medidas de abertura econômica e desregulamentação financeira (ainda que
do governo Bolsonaro, apesar de não terem seus interesses priorizados pela política
não sem protestos e resistências seletivas). Nesse sentido, o atendimento de suas
econômica e social.
demandas prioritárias tem sido suficiente para justificar o apoio ativo ao governo
O aparente paradoxo entre a oposição da fração burguesa hegemônica, que
Bolsonaro, a despeito das eventuais penalidades impostas pelo conjunto da política
possui os interesses priorizados pela política econômica e social, e o apoio das frações
econômica e social. Tal dado deve ser levado em conta para a elaboração da tática das
burguesas não-hegemônicas, pode ser explicado pelo caráter neofascista do governo
forças democráticas e populares em sua luta contra o neofascismo, o que passa, entre
Bolsonaro e pela fragilidade política e ideológica da burguesia brasileira, enquanto
outras coisas, por aferir corretamente as forças interessadas na mudança de governo.
uma burguesia dependente. Se a oposição do grande capital, particularmente o capital A burguesia brasileira em ação: de Lula a Bolsonaro
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Voltando, então, à cena política, é possível vislumbrar o delineamento de três
Central. E, por fim, a existência de um movimento reacionário de massas que não
campos em disputa pela direção da política nacional. As fronteiras que os diferenciam
deve se dissolver espontaneamente e que, persistindo, constituirá um fator importante
constituem-se, em resumo, pelo resultado da combinação de duas posições de ordem
de instabilidade política. Considerando as resistências elencadas, uma vitória eleitoral
programática, uma sobre a política econômica e a outra sobre o regime político. O
do lulismo pode não significar uma reedição do neodesenvolvimentismo, mas uma
campo neofascista, combina a defesa de uma política econômica neoliberal com a
moderação do programa neoliberal acompanhado de políticas sociais que mitiguem os
defesa de um regime político ditatorial. O campo do neoliberalismo histórico combina
efeitos mais degradantes desse mesmo programa. Com isso não queremos sentenciar
a defesa de uma política econômica neoliberal com a defesa da manutenção do regime
a impossibilidade histórica do neodesenvolvimentismo, apenas assinalar que o quadro
democrático. O campo do lulismo defende a combinação de uma política econômica
político atual é profundamente distinto do
neodesenvolvimentista com a manutenção do regime democrático.
um governo de centro-esquerda sem mobilização popular aglutinar setores da
É importante aqui salientar
embora possa parecer uma observação trivial
- que os programas políticos são elementos constitutivos das conjunturas políticas.
dos anos 2000, quando foi possível
burguesia brasileira e das massas populares em torno de um programa de crescimento econômico com alguma distribuição de renda.
Esses expressam a unidade de um conjunto mais ou menos articulado de forças
No que tange às oportunidades inscritas na conjuntura, o campo lulista tem
sociais que disputam o controle sobre a política estatal com outros conjuntos. As
diante de si um paradoxo. Ao mesmo tempo em que o lulismo desincentiva a auto-
conjunturas, portanto, não são resultado dos programas formulados por um ou
organização popular, privilegiando a relação direta e de tipo eleitoral do líder com
outro conjunto de forças, mas resultado do conflito entre essas forças articuladas
sua base atomizada de eleitores, é somente a mobilização popular de massa que tem
em torno de programas numa realidade dada. Dito isso, é possível visualizar que
condições de fazer frente às resistências da atual conjuntura. É a mobilização popular
um governo neofascista guarda diferenças com o programa das forças sociais que
que pode contestar a racionalidade política das medidas de desmonte das regulações
o anima, não sendo o seu governo sinônimo de regime político ditatorial. Esse
trabalhistas e proteções sociais diante da necessidade de manutenção da unidade do
mesmo raciocínio deve ser válido para pensarmos a relação da conjuntura com os
bloco no poder, chegando assim a tocar num dos pontos nodais que tem amarrado a
outros campos políticos, nos autorizando, assim, a distinguir o campo do lulismo dos
burguesia interna à hegemonia política do capital internacional.
campos da política econômica neoliberal sem depreender disso que a possibilidade
O paradoxo do lulismo é hoje o paradoxo de toda a esquerda que quer livrar o
de um terceiro governo Lula signifique, necessariamente, uma reedição da política
Brasil do neofascismo e do neoliberalismo: (1) Lula constitui, na realidade, a única saída
econômica neodesenvolvimentista de governos anteriores.
eleitoral; (2) se eleito sem o povo organizado terá um governo com pouca margem
Toda conjuntura oferece oportunidades e resistências e a conjuntura atual
de manobra; porém, (3) esse mesmo Lula não inspira à organização e mobilização
algumas resistências importantes à possibilidade de reedição
populares. As ameaças do movimento neofascista e a tutela militar sobre a democracia
neodesenvolvimentista. A primeira delas refere-se a aparente indisposição de setores
burguesa colocam à prova toda a estratégia desmobilizadora e centralmente eleitoral
significativos da burguesia interna em retomar o neodesenvolvimentismo. Uma
da esquerda, na medida em que geram incertezas sobre o acontecimento das eleições
segunda resistência refere-se ao baixo crescimento econômico, que acirra o conflito
ou mesmo sobre a posse de uma candidatura que não seja a de Jair Bolsonaro. Nesse
distributivo e amplifica a demanda do conjunto das burguesias pelo desmonte das
sentido, a derrubada do governo deve ser um objetivo imediato, não adiado para
regulações trabalhistas e das proteções sociais. A terceira resistência diz respeito
as eleições de 2022, dentro de uma tática consequente e decidida de luta contra o
aos novos mecanismos de blindagem dos instrumentos de política econômica, tal
neofascismo. Reafirmando a importância de desatar esse nó, não nos atrevemos aqui
como a instituição do congelamento de gastos públicos e da autonomia do Banco
a prescrever alguma solução, no entanto intuímos (como o poeta) que "en la lucha
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parece oferecer
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Pósfácio: do neodesenvolvirnentismo ao neofacisrno
BRE
de dases todas las armas son buenas" e que nas urnas e nas ruas o neofascismo e o neoliberalismo precisam desde já serem derrotados! Campinas e Porto Alegre, outubro de 2021.
1. Tal medida guarda uma contradição: ao atingir a principal fonte de financiamento dos
sindicatos, no curto prazo, tende a ser prejudicial para a organização da luta econômica dos trabalhadores - a começar pela fraca resistência às reformas neoliberais e às privatizações. No entanto, tal medida também representa um duro golpe contra as burocracias sindicais e, no longo prazo, pode contribuir para desatrelar os sindicatos ao Estado, fortalecendo a luta pela liberdade sindical e a organização independente dos trabalhadores.
Mariana Davi Ferreira Bacharel em Relações Internacionais (UEPB) e em Ciências Sociais (UFPB). Mestre em Relações Internacionais (UFSC). Doutoranda em Ciência Política Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) Processo nº 2019/01515-0. Autora da tese: "RELAÇÕES BRASIL-CHINA NOS GOVERNOS LULA E AS CONTRADIÇÕES DA BURGUESIA INTERNA" (em andamento).
Narciso Bacharel em Ciências Sociais (UFRGS). Mestre em Sociologia (UFPel). Doutorando em Ciência Política (UNICAMP). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autor da dissertação: "O PRÉ-SAL EM DISPUTA: petróleo e burguesia no Segundo Governo Lula". Ano de obtenção: 2019.
Mariana BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. 1.ed. São Paulo: Xamã Editora, 1999. BOITO JR., Armando. Reforma e crise política no Brasil- os conflitos de classe nos governos do PT. São Paulo e Campinas: Editora Unesp e Unicamp. 2018. BOITO JR., Armando. Neofascismo e neoliberalismo no Brasil do Governo Bolsonaro. Observatorio Latinoamericano y Caribeiio. Vol.4. n.2. 2020. BOITO JR., Armando. O caminho brasileiro para o fascismo. Caderno CRH, Salvador, v.34, p.123, 2021. MARTUSCELLI, Danilo Enrico. Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil. 1.ed. Curitiba, PR: I \ditora CRV. 2015. MELO, Demian. O bolsonarismo como fascismo do século XXI. ln: (Neo)Fascismos e educação: reflexões críticas sobre o avanço conservador no Brasil/ Eduardo Rebuá et al (orgs). Mórula Editorial. 2020. SAES, Décio. República do Capital. 1.ed. São Paulo: Boitempo. 2001. VALLE, André e MARTUSCELLI, Danilo. A paralisação dos caminhoneiros no Brasil (maio de 2018): força dirigente, alianças e interesses de classe em disputa. Boletim LIERI, n.1. 2018. VALLE, André e DEL PASSO, Octávio. As frações burguesas e o governo Bolsonaro. Le Monde Diplomatique Brasil. Julho/2021.
Sabença
Bacharel em Ciências Sociais (UNICAMP). Mestra em Ciência Política (UNICAMP). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autora da dissertação: "As grandes construtoras e a política econômica nos governos Lula e Dilma". Ano de obtenção: 2018.
Maria Angélica Paraizo Graduada em Ciências Sociais (UNESP/Marília). Mestra em Ciências Sociais (UNESP/Marília). Doutoranda em Ciência Política (UNICAMP). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autora da tese: "A AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA PAULISTA E OS GOVERNOS NEODESENVOLVIMENTISTAS" (em andamento).
João Pedro Vazquez Graduado em Ciência Política (UnB). Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autor da dissertação: "GRUPOS FINANCEIROS E ENTIDADES DE REPRESENTAÇÃO DE CLASSE: posicionamentos sobre a Nova Matriz Econômica do primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014)". Ano de obtenção: 2020.
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Sobre os (as) autores (as)
Graduada em Ciências Sociais Mestra em Ciências Sociais (UFRN). Doutoranda em Ciência Política (UNICAMP). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autora da tese: "O CAPITAL INTERNACIONAL COMO AGENTE POLÍTICO NO BRASIL" (em andamento).
Graduação em Ciências Econômicas (FMU). Mestre em Ciências Sociais (PUC/ SP). Doutorando em Ciência Política Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autor da tese: "A FIESP NA CRISE POLÍTICA DO IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF" (em andamento).
L
E
R
s
NC
Ciência Política, Direito, Economia, Educação, Relações Internacionais e Sociologia
EMENTA:
Passo Graduado em Ciências Sociais (UNICAMP). Mestre em Ciência Política (UNICAMP). Doutorando em Ciência Política (UNICAMP). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autor da tese: "OS EMPRESÁRIOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL NA CRISE DO GOVERNO DILMA" (em andamento).
André Flores Penha Valle Graduado em Ciências Sociais (UFRRJ). Mestre em Ciência Política (UNICAMP). Doutorando em Ciência Política (UNICAMP). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autor da dissertação: "DIVISÃO E REUNIFICAÇÃO DO CAPITAL FINANCEIRO: do impeachment ao governo Temer".Ano de obtenção: 2019
A Coleção Teoria Marxista e análise concreta tem o objetivo de estimular e difundir estudos e pesquisas orientados pela teoria marxista. Pretende publicar trabalhos teóricos, que discutam a produção de intelectuais e militantes marxistas ou abordem problemas do capitalismo ontem e hoje; e análises concretas da situação concreta, que tratem de questões relacionadas às lutas de classes no Brasil e na América Latina. As propostas de publicação submetidas para avaliação poderão ter o formato de livro, coletânea de artigos e tradução de livro. Coordenação Danilo Enrico Martuscelli (UFFS) Davisson Charles Cangussu de Souza (Unifesp) Conselho editorial
luana Forlini.
Adriano Nascimento (UFAL)
Graduada em Ciências e Humanidades (UFABC) e em Relações Internacionais (UFABC). Mestra em Ciência Política (UNICAMP). Doutoranda em Ciência Política (UNICAMP). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Autora da dissertação: "O POSICIONAMENTO DOS PRODUTORES DE SOJA NO CONTEXTO DE CRISE POLÍTICA NO BRASIL (2014-2019)". Ano de obtenção: 2020.
Anita Handfas (UFRJ) Angela Lazagna (pesquisadora) Leandro Galastri (Unesp) Marisa Amaral (UFU) Patrícia Trópia (UFU) Tatiana Berringer (UFABC) Thiago Barison (pesquisador)
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