A economia brasileira

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A ECONOMIA BRASILEIRA WERNER BAER

Uma breve análise desde o período colonial até a década de 1970

Uma abordagem profunda da economia brasileira até 2002 Os vários planos econômicos a partir da década de 1970 Texto bem docum entado, com informações quantitativas e institucionais Tradução de Edite Sciulli

2

edição revista, atualizada e ampliada -

Para Marianne e Peter Kilby Pia e D avid Maybury-Lewis June e Jerry McDonald Heloisa e Annibal Villela

Sumário Tabelas............................................................................................................................... 1 Gráficos e figuras................................................................................................................ 2 Prefácio à segunda edição brasileira.................................................................................2

Parte I: Perspectiva histórica

1. Introdução e aspectos gerais......................................................................2

Cenário físico e demográfico............................................................... 2 Recursos naturais...................................................................................Z A população........................................................................................... 2' Notas .....................................................................................................3

2. Perspectiva histórica.................................................................................3;

A economia colonial..............................................................................3; Organização socioeconômica inicial.....................................................31 O ciclo da cana-de-açúcar................................................................... 3^ O ciclo do ouro e o princípio do controle mercantilista.....................3í Os últimos anos da colônia.................................................................. 3> O século após a Independência.......................................................... 3/ O ciclo do café....................................................................................... 3Í Outras exportações............................................................................... 4C Políticas adotadas no século X IX ........................................................ 41 Notas .................................................................................................... 42

3. O início do desenvolvimento industrial.................................................... 45

O período anterior à Primeira Guerra Mundial.................................. 45 A Primeira Guerra M undial................................................................. 50 A década de 1920.................................................................................. 51 A Grande Depressão............................................................................ 54 Crescimento industrial durante a Depressão.....................................56 A Segunda Guerra Mundial ................................................................58 Avaliação do início do crescimento industrial brasileiro....................59 Primeiras tentativas de planejamento no Brasil.................................62 Notas .................................................................................................... 63

4. 0 impulso de industrialização pós-Segunda Guerra Mundial: 1946-61 .......................................................................................66

0 comércio exterior do Brasil e seu papel na economia................... 66 O mercado mundial para as exportações tradicionais do Brasil na década de 1950..................................................... 69 Os anos pós-guerra...............................................................................71 Controles de câmbio: 1946-53 .............................................................. 72 O sistema de câmbio múltiplo: 1953-57............................................. 74 Mudanças nos controles cambiais: 1957-61 ........................................ 75 Reforma cambial: 1961-63 .................................................................... 77 A Lei dos Similares..............................................................................78 Planos e programas especiais ...............................................................79 Programas de incentivos especiais...................................................... 82 Os efeitos das políticas de industrialização.........................................83 Desequilíbrios e gargalos......................................................................86 Notas...................................................................................................... 88

5.

Estagnação e boom: 0 Brasil nas décadas de 1960-70 ............................ 91

Dois pontos de vista sobre a estagnação da década de 1960 ............ 92 Políticas econômicas desde 1964........................................................ 93 Realizações dos governos pós-1964.................................................... 95 O setor governamental......................................................................... 98 Questões que envolvem a experiência de crescimento do período pós-1964........................................................................ 98 A questão da eqüidade...............................................................98 Quem poupa?........................................................................... 101 Perfis de demanda e produção................................................102 Outros problemas de distribuição...........................................103 Afastamento da ortodoxia do período pós-1964................................ 104 Notas ................................................................................................... 105

6. Dos ajustes aos choques externos à crise provocada pela dívida: 1973-85 .....................................................................................

108 O primeiro choque do petróleo: impacto e reação............................108 Mudanças políticas ............................................................................. 109 As políticas do governo G eisel...........................................................109 A crescente dívida internacional........................................................110 Em direção à crise provocada pela dívida......................................... 114 O desempenho econômico em 1980................................................. 119 Ajustes através da recessão................................................................. 120 O macroimpacto do período de aju ste..............................................125 O recorde de crescimento........................................................125 Os indicadores macroeconômicos...........................................125 A estrutura econômica.............................................................. 126 O efeito de igualdade produzido pelos programas de ajuste 126 O papel do setor público na crise do período de ajuste........ 130

O setor público durante a crise da dívida, 1981-85.................. 134 Notas ....................................................................................................136

7. 0 ressurgimento da inflação no Brasil: 1974-86....................................

139 A natureza da inflação brasileira: dois pontos de v ista.....................140 A tradição ortodoxa...................................................................140 Os neo-estruturalistas............................................................... 141 Antecedentes gerais da recente inflação brasileira...........................145 O impacto inflacionário produzido por choques externos...............145 O mecanismo propagador da inflação...............................................150 Aspectos monetários do processo inflacionário................................ 153 O processo inerente ao orçamento autoritário do Brasil...................156 Indexação.............................................................................................158 Controlando a inflação pela manipulação de índices....................... 160 Controle de p reço s............................................................................. 161 Conclusão.............................................................................................161 Notas ....................................................................................................163

8. Declínio e queda do Cruzado.................................................................. 167

A ntecedentes...................................................................................... 168 Acontecimentos que conduziram ao Plano Cruzado........................ 170 O Plano Cruzado................................................................................. 170 Dificuldades e contradições em ergentes.......................................... 172 O impacto alocativo do congelamento de preços................... 172 Crescimento excessivo............................................................. 177 O déficit do setor público......................................................... 179 Os meios de pagamento........................................................... 181 As contas externas..................................................................... 184 O colapso do Plano Cruzado.............................................................. 187 A dívida externa........................................................................ 190 Avaliação...............................................................................................191 Conclusão.............................................................................................192 Notas ....................................................................................................194

9. A vacilante economia brasileira: estagnação e inflação durante 1987-93 (cm co-autoria com Cláudio Paiva).......................... 195

Cenário g eral........................................................................................195 Sarney depois do colapso do C ruzado............................................... 197 Uma visão geral......................................................................... 197 O Plano Bresser......................................................................... 198 Do gradualismo aos choques e retrocessos.............................199 O impacto fiscal produzido pela Constituição de 1988.................... 201 O período C ollor................................................................................. 201 Plano Collor 1.............................................................................201 O impacto do Plano Collor I .....................................................202 Plano Collor I I ........................................................................... 205

O período Itamar Franco: uma transição..................................209 Uma revisão estatística dos anos de 1987-1993...................... 210 A estagflação brasileira, 1987-1993: uma interpretação................... 214 O eterno “conflito distributivo” brasileiro.............................. 214 A constante ausência de um ajuste fiscal................................. 215 Notas ................................................................................................. 217

10. A ilusão de estabilidade: a economia brasileira durante o governo Fernando Henrique Cardoso fem co-autoria com

Edmun Amann,)..................................................................... 220 O Plano Real............................................................................ 221 O impacto inicial do R eal........................................................222 A taxa de câmbio torna-se o principal instrumento da política econômica...................................................224 O dilema fiscal não-resolvido..................................................226 Fluxos de capital......................................................................233 O desempenho da economia do Real..................................... 234 A crise bancária.........................................................................236 A crise de 1998-99.................................................................... 237 Conclusões................................................................................239 Notas ...................................................................................... 240

P arte II: Questões contemporâneas

11.0 setor externo: comércio e investimentos estrangeiros..............................243

Políticas econômicas internacionais no período I S I ........................ 243 As políticas “voltadas para o exterior” do período 1964-74 ............ 245 Do crescimento sustentado pelo endividamento à crise por ele provocada..................................................................... 246 A abertura da economia na década de 1990 ..................................... 247 Resumo estatístico da posição internacional do B rasil.................... 247 As ligações do Brasil com o m undo externo..................................... 249 Comércio....................................................................................249 Políticas comerciais das décadas de 1980 e 1990................... 252 A procura por fontes de energia e matérias-primas............... 253 A dívida externa.........................................................................253 Complementaridade versus competitividade nas relações do Brasil com o mundo industrializado....................................... 255 Investimentos estrangeiros no Brasil: seus benefícios e custos......256 Perspectiva histórica.............................................................................256 O período de 1950-86........................................................................... 257 Os benefícios e custos das multinacionais: algumas considerações gerais.................................................. 264 Benefícios................................................................................... 264

Custos ........................................................................................265 O impacto no balanço de pagam entos..................................... 266 Tecnologia inadequada..............................................................266 Desnacionalização.....................................................................267 Distorções de consumo..............................................................267 Influência política..................................................................... 268 Um breve levantamento das provas empíricas.................................. 268 Lucros ........................................................................................268 Tecnologia................................................................................. 272 Considerações sobre a eqüidade.............................................. 274 Desnacionalização.................................................................... 274 Políticas governamentais e o comportamento das multinacionais no Brasil.................................................................................... 275 Controle de remessas................................................................275 O Sistema BNDES................................................................... 275 Empresas estatais..................................................................... 276 Controles de mercado.............................................................. 276 A era do neoliberalismo: a década de 1990....................................... 276 Um quadro estatístico do IED no Brasil...........................................278 O impacto dos investimentos estrangeiros na década de 1990....... 280 Conclusões...........................................................................................281 Notas ...................................................................................................283

12.0 ampliado setor público brasileiro: seu papel em processo de mudança e a privatização...................................................... 288

Estágios no crescimento do envolvimento do Estado na econom ia.............................................................................289 A era pré-1930........................................................................... 289 A década de 1930...................................................................... 290 A década de 1940: a Segunda Guerra Mundial e o período inicial do pós-guerra...................................................... 292 A década de 1950...................................................................... 293 A década de 1960...................................................................... 295 As décadas de 1970 e 1980 ...................................................... 295 O grau de controle do Estado sobre a economia..............................297 Im postos.................................................................................... 298 Regulamentação direta............................................................ 299 O controle do governo sobre a poupança e sua distribuição........... 299 O Estado como produtor.........................................................301 A decadência das empresas públicas................................................ 303 A privatização como solução diante da falência do Estado............. 305 As privatizações na década de 1990 ................................................. 306 Os resultados da privatização, 1991-99 ............................................ 309 O efeito da distribuição de renda resultante da privatização.......... 309 O efeito da privatização sobre a distribuição de renda resultante ... 312

C onclusão...........................................................................................313 Notas .................................................................................................. 314

13.0 sistema bancário:privatização e reestruturação ('em co-autoria

com Nader Nazmi^.................................................................318 In tro d u ção ..........................................................................................318 Uma breve perspectiva histórica.......................................................319 O comportamento dos bancos durante os períodos de elevada inflação....................................................................... 321 Estabilidade e mudança institucional.............................................. 324 A reestruturação do setor bancário....................................................328 Im plicações........................................................................................ 335 Notas .................................................................................................. 338

14. Desequilíbrios regionais......................................................................... 340

0 grau de desigualdade regional......................................................340 A dinâmica das desigualdades regionais.......................................... 348 A migração populacional interna.......................................................349 A interação entre o Nordeste e o Centro-Sul................................... 351 A transferência de recursos através do mecanismo fiscal................356 Políticas regionais...............................................................................357 A dimensão regional dos problemas setoriais........................359 As tendências regionais da década de 1980: o Nordeste versus o Brasil..................................................................................... 360 O Nordeste em uma economia cada vez mais aberta......................363 Impacto regional negativo.......................................................363 Possíveis tendências positivas................................................ 366 A fraqueza estrutural da economia do N o rd e ste ...................366 O mercado, o Estado e a igualdade regional..........................368 C onclusão...........................................................................................369 Notas ..................................................................................................371

I

15.0 desempenho da agricultura................................................................373

\

O crescimento da produção agrícola desde a Segunda Guerra M undial....................................................... 374 Mudanças nos métodos de produção................................................377 Padrões regionais............................................................................... 381 Fontes de crescimento agrícola......................................................... 382 Distribuição de terras......................................................................... 384 \ Pobreza rural...................................................................................... 387 Políticas agrícolas............................................................................... 387 A agricultura brasileira na década de 1990 ........................................ 391 j Reformas nas políticas no final da década de 1980 e na de 1990 .... 393 1 Novo modelo na década de 1990...................................................... 393 O emprego na agricultura.................................................................. 395 | Notas ..................................................................................................395

lójkspectos ambientais do desenvolvimento do Brasil

/

( \

j

J

('em co-autoria com Charles C. Mueller^............................... 399 A expansão econômica e o meio ambiente sob uma perspectiva histórica........................................................ 400 A industrialização, o crescimento urbano e o meio am biente......... 402 Poluição industrial............................................................................... 404 Poluição urbana.................................................................................... 409 A pobreza urbana e o meio ambiente.................................................410 Visão sumária da degradação do meio ambiente oriunda da pobreza urbana.................................................................... 411 O crescimento agrícola e o meio am biente....................................... 415 Impactos ambientais provocados pela expansão horizontal... 415 Impactos ambientais provocados pela modernização agrícola 415 A estratégia amazônica e o meio am biente....................................... 419 O impacto ambiental da Amazônia..........................................419 O recente impacto exercido pelas operações de corte de m adeira......................................................................421 A extensão do desmatamento na Amazônia............................422 As políticas ambientais criadas no Brasil............................................424 A evolução das bases legais e institucionais............................424 Políticas para reduzir a poluição urbano-industrial................ 426 Políticas conservacionistas........................................................427 Conclusão............................................................................................. 430 Notas ................................................................................................... 430

17. Saúde no processo de desenvolvimento do Brasil (em co-autoria com

Antonio Campino e Tiago Cavalcanti^...................................435 Informações sobre sa ú d e .................................................................... 436 Saúde e serviço de saúde no Brasil antes de meados da década de 1980.........................................................................439 A Constituição de 1988 e seu impacto sobre o sistema de distribuição de saúde no Brasil................................................ 443 Contribuições do setor público e do setor privado para o serviço de saúde do Brasil.................................................................... 445 A distribuição da atenção de saúde.................................................... 445 Condição da saúde no Brasil...............................................................447 Demanda por serviços de saúde......................................................... 447 Gastos com saúde................................................................................ 447 Financiamento do serviço de saúde................................................... 448 Conclusão.............................................................................................449 Notas.................................................................................................... 450

18. Mudanças estruturais na economia industrial do Brasil, 1960-95 (em co-autoria com Manuel A. R. da Fonseca

e Joaquim J. M. Guilhoto^.........................................................452 Mudanças estruturais gerais................................................................453

A história industrial do Brasil no período pós-Segunda Guerra M undial...................................................................... 454 Mudanças estruturais: 1959-1998 .................................................... 458 Estrutura produtiva................................................................. 458 A estrutura de demanda final..................................................458 Tecnologia de produção......................................................... 461 Encadeamentos regressivos e progressivos......................................464 Conclusões gerais...............................................................................467 Notas ..................................................................................................469

19. Epílogo: a economia brasileira de 1999 a 2002 .................................... 471

A crise de 2001................................................................................... 474 A crise energética................................................................................474 A deterioração do crescimento em 2001 .................................. ........ 475 A crise de 2002 ................................................................................... 476 Notas ..................................................................................................477

Apêndice estatístico.................................................................................479 Bibliografia............................................................................................... 491 índice remissivo...................................................................................... 505

Tabelas

3.1 Produção da indústria têxtil algodoeira, 1853-1945

46

5.1 A formação do capital bruto e os impostos como percentagem do PIB, 1949-77 97

3.2 Indicadores do produto real, 1911-19

47

5.2 Variações na distribuição de renda, 1960-70 99

3.3 índice de produção industrial,1920-39

48

3.4 Indicadores de formação de capital, 1901-45

5.3 Salários mínimos reais em cruzeiros, valor de 1965, 1966-76

49

6.1

3.5 Estabelecimentos industriais segundo a data de fundação, 1920

51

6.2

3.6 índice de mudanças no volume de importações brasileiras

54

3.7 Importação de maquinário 1913-30

55

6.3 O comércio exterior e os índices das relações de troca, 1966-85 115

3.8 Mudanças na estrutura de importações do Brasil, 1901-29

56

3.9 A estrutura industrial brasileira em 1919 e 1939

60

4.1 Distribuição de exportações e importações

67

Razão importação/produção doméstica, 1973-81

100 111

A dívida externa brasileira: seu crescimento e custo médio, 1968-86 113

6.4 A taxa de câmbio real, 1973-82

119

6.5 Relações de troca do setor agrícola, 1970-86

120

6.6

Os parâmetros da dívida externa brasileira, 1965-86 122

6.7 O comércio de bens e serviços (% do PIB em preços correntes)

4.2 A participação das exportações agrícolas na receita interna e na produção agrícola total, 1947-60

68

6.8

4.3 Mudanças na estrutura do comércio mundial, 1913-61

69

6.9 Distribuição de renda no Brasil, 1970-80

130

4.4 Importações, exportações e produção real, 1944-50

72

6.10 Estatísticas de distribuição de renda e fabricação, 1980-84

131

4.5 Mudanças na composição setorial do Produto Interno Bruto, 1939-66

84

4.6 Mudanças na estrutura brasileira de mercadorias de importação 4.7 As importações como uma percentagem do total de suprimentos, 1949-66

6.11 85

86

4.8 Mudanças na estrutura industrial brasileira: valor bruto agregado e emprego, 1939-63 87

125

Remuneração selecionada e estatísticas salariais 127-29

Estatísticas sobre receita, gastos e produção do governo e empresas estatais, 1970-80

132

6.12 Ajustes do setor público, 1980-85 (% do PIB)

135

7.1

Indicadores-chave de preços, 1970-85

7.2 Estatísticas de preços selecionados, 1971-84

146-47 148-50

15

7.3

EstlUísticas de indicadores de conl|ntração, 1973-83

7.4 Taxll nominal de crescimento da moeda e diDprédito, 1971-87 7.5

Fin íciamento do governo, 1973-85

154 155

7.6 Prir ipais forças de expansão e retração que nfluenciam a base monetária, 1973-84 157 7.7 Var

b) Brasil: índices de crescimento setorial do PIB 225

152

pões de preços, 1973-84

162

pões mensais de preços, 1986-87

173

8.1

Var

8.2

Pro jção e capacidade industrial, 1984-87 174

8.3

Ind adores econômicos externos mensais, 175 198 e 1987

10.3 Brasil —Relação de formação de capital/PIB

227

10.4 a) Itens do balanço de pagamentos, 1985-99

227

b) Fluxos de capital, dívida e reservas, 1985-99

8.4 Var pões de preços de atacado, de janeiro de '80 a fevereiro de 1986: produtos 176 sei lonados 8.5

Em ■ego, desemprego e salários, 1986-87 178

8.6

índ e de preços reais dos setores de preços 181 con alados, 1983-86

8.7 Cre

orç

9.1

imento dos meios de pagamento e íento governamental, 1986-87

Bra : os formuladores de política eco >mica e suas estratégias de est£ lização 1985-93

183

196

9.2 Tax l

juros, receitas e gastos públicos

200

9.3 Tax |

crescimento trimestral, 1988-93

204

9.4 Bra : tarifas médias de importação, 198 94 (%)

206

9.5 Pre s e meios de pagamento, 1988-92

228

10.5 a) Saldos da conta do setor público, 1990-99

10.6

229

b) Itens selecionados do orçamento: governo federal

230

c) Itens selecionados do orçamento: governos estaduais e municipais, 1998

230

d) Evolução do endividamento do setor público, 1990-99

230

e) Cronologia dos principais eventos e reformas econômicas, 1994-99

231

Gastos selecionados do governo

234

10.7 Taxas de juros e taxas de câmbio médias mensais

235

10.8

Produtividade de mão-de-obra no setor da indústria de transformação 235

11.1

A estrutura das mercadorias de exportação e importação, 1948/50-96 250

11.2

Distribuição geográfica das exportações e importações, 1945-98

251

11.3 A dívida externa brasileira

254

207

11.4 Distribuição setorial dos investimentos dos Estados Unidos no Brasil, 1929-98

258

9.6 A u ização da capacidade industrial, em ío Paulo, 1989-93

211

9.7 Bra : distribuição de renda

212

11.5 Distribuição setorial do total de investimentos estrangeiros e taxas de crescimento setorial, 1976-91

259

9.8 Salí os reais e emprego, 1980-93

212

9.9 De; mprego e status de trabalhadores emj egados nas regiões metropolitanas do 213 iBra , 1982-91 214 9MO Tax mensais de inflação, 1986-93 10.1 i) 1 cas de inflação anuais, 1990-99

10.2

16

11.6 A origem do capital estrangeiro no Brasil,

1951-95

260

b) Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais no faturamento total, 1998

261

223

b )r

tas de inflação mensais, 1994-99

223

c)l

;as de câmbio mensais, 1994-99

224

i)

:volução do PIB do Brasil, 1985-99

225

259

11.7 a) Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais no faturamento total, 1992

11.8

Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais nos ativos, faturamento e emprego, 1985

262-63

11.9 Investimentos, fluxos e rendimentos do capital estrangeiro no Brasil, 1967-92

269

11.10 Desempenho comparativo de empresas nacionais privadas, multinacionais e estatais no Brasil, 1977-91

270

11.11 Balanço comercial das firmas por setor 1975-77

271

11.12 Dívidas de empresas nacionais, multinacionais e estatais, 1977-85

273

12.1 Taxa real do crescimento do PIB e coeficientes de investimento/PIB, 1973-92

296

12.2 Gastos gerais do governo por categorias principais como percentagem do PIB

298

14.3 Distribuição setorial de renda das principais macrorregiões, 1949-95 344 14.4 Distribuição setorial da força de trabalho por região, 1940-98

345

14.5 Participação regional no PIB total e no total da População Economicamente Ativa, 1950-95

347

14.6 Taxas nacionais e regionais da migração interna líquida, expressas como percentagem da população nos primeiros censos, 1890-1970

350

14.7 a) Comércio exterior do Nordeste e distribuição regional de exportações e importações, 1947-60 b) Distribuição percentual regional de exportações e importações, 1947-60

352

302

12.4 Produção física de empresas públicas por unidade do PIB, 1979

14.8 Valor do comércio do Nordeste com o Centro-Sul, 1948-59

353

304

12.5 Privatizações na década de 1990

309

14.9 Transferência estimada de recursos do Nordeste para o Centro-Sul através do comércio, 1948-68

354

12.3 Distribuição do PIB por setores de controle acionário, 1970-83

12.6

Distribuição das 100 maiores empresas e suas receitas por tipo de controle acionário

13.1 Brasil: total de bancos comerciais

352

14.10 Perdas do Nordeste causadas pelo sistema cambial, 1955-60 355 311 321

14.11 Carga fiscal e várias transferências ao Nordeste, 1947-74

356

361

13.2 Brasil: total de bancos privados e filiais

322

13.3 Ganhos dos bancos brasileiros com a inflação

323

14.12 Taxas reais de crescimento do PIB, nacionais e do Nordeste, e taxa de crescimento anual de investimento, 1980-86

13.4 Participação das instituições financeiras no PIB

324

14.13 Investimentos do setor público e crescimento do emprego, 1980-83

362

13.5 Intervenção do Banco Central no sistema 329 bancário

14.14 O impacto de uma redução geral de tarifas de 25%

364

13.6 Os 8 maiores bancos (em termos de tamanho de ativo) da América Latina

14.15 a) Participação regional nas receitas do governo central

365

330

13.7 A evolução do sistema bancário no Brasil: 1995-98 331

b) Participação regional nos gastos do governo central

365

14.16 Faturamento, custo e estrutura de consumo

367

13.10 Crédito concedido pelo sistema financeiro 337

14.17 Distribuição regional dos efeitos multiplicadores de uma injeção inicial: Brasil, 1985

367

14.1 População regional e estatísticas de renda

15.1 Estatísticas agrícolas selecionadas, 1947-96

13.8 População e filiais de bancos 13.9 Aquisições bancárias março 1997 setembro 1998

332 334

341-42

14.2 Distribuição regional de renda por setores, 343 1949-95

375-76

15.2 Variações de preço na agricultura e outros setores, 1948-99 380

15. | Pro utividade agrícola, 1947-96

383

15.] Bras : variações d e área e de produção das rincipais culturas “modernas” e “trai icionais”, 1970-1989 e 1985-1995/6 384 15.

Inst nos agrícolas, 1960-85

385-86

15.6 Cias ificação por tamanho das propriedades rura por quantidade de estabelecimentos e ár< i total, 1950-85 386 15.; a) C cult b)P exp] poss

stribuição de estabelecimentos e área ada: 1970 e 1995 392 rcentagem de estabelecimentos e áreas radas por proprietários, meeiros, iros e administradores, 1970 e 1995 392

15.É a) B agrí. b) I) safn

isil: índices de produtividade )la, 1987-98 394 dices de produtividade das principais ;, 1986-98 394

17.6 Principais causas da mortalidade

441

17.7 Distribuição dos estabelecimentos públicos e privados no Brasil 442 17.8 Distribuição de planos de saúde

446

17.9 Distribuição do acesso aos serviços hospitalares

448

18.1 Dados de corte transversal de Kuznets: participação de setores de produção no PIB

453

18.2 Distribuição setorial do PIB

453

18.3 Distribuição setorial do PIB segundo Kuznets

454

18.4 Distribuição setorial de mão-de-obra

454

18.5 Mudanças na estrutura industrial do Brasil, 1949-92: valor bruto agregado 455 18.6 Mudanças na estrutura de emprego industrial no Brasil

456

16.á| Mu< inças na estrutura industrial brasileira:i: dist] buição percentual do valor agregado brut 404

18.7 Dados de corte transversal de Kuznets: participação no valor agregado da produção

457

16.: Cap cidade poluidora potencial das indi trias brasileiras, 1980

18.8 Estrutura do valor agregado

459

18.9 Estrutura de consumo pessoal de bens produzidos internamente

460

18.10 Participação do consumo pessoal na produção total

461

16.

16.

Con entração espacial da indústria bras eira, 1980

403

405

As r >ve regiões metropolitanas do Brasil: pop lação total e estimativas da população 412 da t ixa renda: 1989

16J

Reg 3es metropolitanas do Brasil: algumas met das de acessibilidade à infra-estrutura 413 urb: ia

16.í

Floi :stas brasileiras não-amazônicas

416

18.12 Participação dos salários e da Previdência Social na produção total 463

16.

Met das de modernização agrícola no Bra:

418

18.13 Participação dos salários e da Previdência Social no valor agregado 464

16.d Are; desmatadas na Amazônia legal met a anual, 1978

421

16.< A R gião Amazônica brasileira

423

16.

Uni ades de conservação ambiental, 199(

429

17.

Exp

17.

Moi alidade infantil

437

17.J

Ind :adores de saúde

438

17,

Infr -estrutura sanitária

438

17.

Gas >s públicos com saúde como % do PIB 440

181

:ctativa de vida ao nascer

437

18.11 Participação das exportações na produção total 462

18.14 Capacidade instalada

465

18.15 Participação de insumos importados na produção total

466

18.16 índice de encadeamento regressivo

467

18.17 índice de encadeamento progressivo

468

19.1 a) Brasil: desempenho econômico geral, 1999-2001

472

b) Brasil: crescimento industrial 19.2 Brasil: indicadores de posição econômica internacional, 1998-2002

472 473

15.3 Produtividade agrícola, 1947-96

383

15.4 Brasil: variações de área e de produção das principais culturas “modernas” e “tradicionais”, 1970-1989 e 1985-1995/6 384 15.5 Insumos agrícolas, 1960-85

385-86

15.6 Classificação por tamanho das propriedades rurais por quantidade de estabelecimentos e área total, 1950-85 386 15.7 a) Distribuição de estabelecimentos e área cultivada: 1970 e 1995 392 b) Percentagem de estabelecimentos e áreas exploradas por proprietários, meeiros, posseiros e administradores, 1970 e 1995 392

17.6 Principais causas da mortalidade

441

17.7 Distribuição dos estabelecimentos públicos e privados no Brasil 442 17.8 Distribuição de planos de saúde

446

17.9 Distribuição do acesso aos serviços hospitalares

448

18.1 Dados de corte transversal de Kuznets: participação de setores de produção no PIB

453

18.2 Distribuição setorial do PIB

453

18.3 Distribuição setorial do PIB segundo Kuznets

454

18.4 Distribuição setorial de mão-de-obra

454

15.8 a) Brasil: índices de produtividade agrícola, 1987-98 394 b) índices de produtividade das principais safras, 1986-98 394

18.5 Mudanças na estrutura industrial do Brasil, 1949-92: valor bruto agregado 455

16.1 Concentração espacial da indústria brasileira, 1980

18.6 Mudanças na estrutura de emprego industrial no Brasil

456

16.2 Mudanças na estrutura industrial brasileira: distribuição percentual do valor agregado bruto 404

18.7 Dados de corte transversal de Kuznets: participação no valor agregado da produção

457

16.3 Capacidade poluidora potencial das indústrias brasileiras, 1980

18.8 Estrutura do valor agregado

459

18.9 Estrutura de consumo pessoal de bens produzidos internamente

460

18.10 Participação do consumo pessoal na produção total

461

403

405

16.4 As nove regiões metropolitanas do Brasil: população total e estimativas da população da baixa renda: 1989 412 16.5 Regiões metropolitanas do Brasil: algumas medidas de acessibilidade à infra-estrutura urbana 413

18.11 Participação das exportações na produção total 462

16.6 Florestas brasileiras não-amazônicas

416

18.12 Participação dos salários e da Previdência Social na produção total 463

16.7 Medidas de modernização agrícola no Brasil

418

18.13 Participação dos salários e da Previdência Social no valor agregado 464

16.8 Áreas desmatadas na Amazônia legal média anual, 1978

421

16.9 A Região Amazônica brasileira

423

16.10 Unidades de conservação ambiental, 1990

429

17.1 Expectativa de vida ao nascer

437

17.2 Mortalidade infantil

437

17.3 Indicadores de saúde

438

17.4 Infra-estrutura sanitária

438

17.5 Gastos públicos com saúde como % do PIB 440

18

18.14 Capacidade instalada

465

18.15 Participação de insumos importados na produção total

466

18.16 índice de encadeamento regressivo

467

18.17 índice de encadeamento progressivo

468

19.1 a) Brasil: desempenho econômico geral, 1999-2001

472

b) Brasil: crescimento industrial 19.2 Brasil: indicadores de posição econômica internacional, 1998-2002

472 473

19.3 Brasil: posição fiscal do governo

473

19.4 Brasil: crescimento da capacidade de energia elétrica, PIB e consumo de energia 475 Al

Distribuição setorial do PIB (1950-99)

A2

Taxas de crescimento de subsetores (1971-99)

481 482-85

A3

Formação de capital fixo bruto, 1950-99

486

A4

Balanço de pagamentos, 1950-99

A5

Taxa de câmbio, salário mínimo, inflação, taxas de juros, 1950-99 489-90

487-88

Gráficos e figuras Gráfico 1

Entrada de investimento estrangeiro

278

Gráfico 2

Investimento estrangeiro líquido

278

Figura 1

Taxas de inflação anuais: 1989-98

319

Figura 2

Taxas de crescimento do PIB e do consumo no Brasil: 1993-96

325

Figura 3

Mudança percentual no crédito dos bancos privados brasileiros para o comércio, habitação e particulares

325

Figura 4

Importações, exportações e balança comercial, 1987-97

326

Figura 5

Taxa base mensal: 1995: 1 - 1997: 12

327

Figura 6

Empréstimos vencidos como percentagem do total de empréstimos no Brasil: 1994-96

328

Figura 7

Participação de bancos privados e estatais, 1996-98

332

Figura 8

Taxa de crescimento do total de ativos, 1994-97

333

Figura 9

Participação do capital estrangeiro nos ativos do setor bancário

334

Figura 10

Eficiência dos principais bancos brasileiros e internacionais

335

Figura 11

Medidas de eficiência: clientes por filial e transações eletrônicas

336

20

Prefácio à segunda edição brasileira E s t a É u m a SEGUNDA EDIÇÃO de A Efonom ia Brasileira atualizada. Há três capítulos novos e outros foram atualizados. O Capítulo 10 é novo e traz a análise do desempenho da economia brasileira até o ano 2000. Os capítulos 11, sobre o setor externo, e 12, sobre o setor governamental e a privatização, contêm grande quantidade de material novo baseado nos acontecimentos ocorridos na década de 1990. O Capítulo 13, sobre a reestruturação e privatização do sistema bancário brasileiro, é totalmente novo. Os capítulos 14, 15 e 16, sobre desequilíbrios regionais, o setor agrícola e o meio ambiente, foram atualizados com dados e análises de até o final da década de 1990. O Capítulo 17, sobre saúde e economia, é novo. E o Capítulo 18, sobre mudanças estruturais na economia industrial brasileira, contém mais dados recentes. Os capítulos novos foram escritos com a colaboração de vários colegas. Desejo agradecer a Edmund Amann (co-autor do Capítulo 10), Nader Nazmi (co-autor do Capítulo 13), Antonio Campino e Tiago Cavalcanti (co-autores do Capítulo 17).

21

Parte I Perspectiva histórica

Introdução e aspectos gerais O BRASIL PASSOU P O k PROFUNDAS mudanças socioeconômicas desde a Grande Depressão da década de 1930, e, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial. Sua economia, durante séculos voltada para a exportação de uma pequena quantidade de produtos primários, foi dominada por um setor industrial amplo e diversificado em um espaço de tempo relativamente curto. Ao mesmo tempo, sua sociedade, predominantemente rural, tornou-se cada vez mais urbanizada. Essa rápida transformação socioeconômica pode ser exemplificada com alguns números. Em 1940, apenas 30% da população do país era urbana; em 1970, essa proporção havia aumentado para 56%, e, em 1999, para 78%.1A contribuição da agricultura para o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 28% em 1947 para cerca de 10% no final da década de 1990 (avaliada em preços atuais), enquanto a da indústria cresceu de quase 20% em 1947 para cerca de 36% no final da década de 1990. Após quatro décadas de intensa industrialização, o Brasil produzia 2 milhões de veículos a motor em 1997, 26 milhões de toneladas de aço em 1997, 39 milhões de toneladas de cimento em 1998, cerca de 7,8 milhões de aparelhos de televisão e 3,7 geladeiras em 1997. Em 1998, possuía mais de 58 mil megawatts de capacidade energética instalada e mais de 60% de suas exportações consistiam em produtos manufaturados. Sua rede de estradas pavimentadas cresceu de 36 mil quilômetros em 1960 para cerca de 150 mil quilômetros em 1999.2 Embora a agricultura não fosse o setor líder nesses anos, seu crescimento foi considerável. A área cultivada do país ampliou-se de 6?6 milhões de hectares em 1920 para 52,1 milhões em 1985, caindo para 41,7 milhões em 1995,3 enquanto as terras dedicadas ao plantio de pastagens aumentaram de 74,1 milhões de hectares em 1985 para 99,6 milhões em 1995. O_país_tornou-se o maior produtor de açúcar e exportador de suco de laranja e o segundo maior exportador de soja, depois dos Estados Unidos. Essas realizações, entretanto, não transformaram o Brasil em uma sociedade industrial avançada, pois, em termos de prosperidade de seus cidadãos médios, ele continuou sendo um país menos desenvolvido. Embora em 1998 a renda per capita tenha sido de US$ 4.570, esse número não é um bom indicador de bem-estar geral, visto que

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a distribuição de renda se mostrou altamente concentrada entre determinados grupos d e renda e regiões do país. Em 1998, 10% da população recebeu 46% da renda nacional, enquanto os 50% pertencentes aos grupos de renda mais baixa receberam apenas 14% da renda nacional. A renda per capita variou regionalmente a tal ponto que em m uitos estados do Nordeste representou menos da metade da média nacional, enquanto em regiões mais avançadas ela superou a média nacional em mais de 50%.4 Em 1998, 80% das residências tinham acesso a sistemas de fornecimento de água, 36% estavam conectadas a um sistema geral de esgotos, 65,6% dispunham de serviços de coleta regular de lixo, 94% tinham eletricidade, 74,6% tinham uma geladeira, 81% possuíam um aparelho de televisão e apenas 32% possuíam telefone. ^ Em 1984-89, a relação habitante-médico era de 1:1.120, passando a 1:746 em 1995, comparada a 1:408 nos Estados Unidos e 1:334 na Suécia; a relação enfermeira-habitante era de 1:2.439 em 1995, comparada a 114 nos Estados Unidos e 95 na Suécia. A taxa de mortalidade infantil era de 65 em cada 1.000 crianças em 1990, caindo para 34 em 1997, comparada a 7 nos Estados Unidos e 4 na Suécia. Esses indicadores sociais descrevem apenas médias nacionais e, em muitas regiões do país, a população vivia em condições muito piores do que elas indicam. No início da década de 1990, por exemplo, no Nordeste do Brasil apenas 48% das residências urbanas tinham acesso a sistemas gerais de abastecimento de água, comparadas a mais de 85% no Sudeste; apenas 16% das residências estavam ligadas a um sistema geral de esgotos, comparadas a 70% no Sudeste. A expectativa de vida ao nascer era de 88,1 no Sudeste, comparada a 60,7 no Nordeste, e a taxa de mortalidade infantil atingia 26,8% no Sudeste, comparada a 63,1 no Nordeste.6 Os responsáveis pela política econômica tinham esperança de que, além de contribuir para o crescimento e desenvolvimento geral do Brasil, a industrialização diminuiria substancialmente a dependência econômica do país em relação aos tradicionais centros industriais do mundo. A divisão internacional do trabalho originada no século XIX conferiu ao Brasil e à maioria dos países do Terceiro Mundo o papel de fornecedores de produtos primários. Assim, sua taxa de atividade econômica dependia em grande parte do desempenho dos centros industrializados do mundo. Esperava-se que a industrialização - visando à substituição de importações - resultasse em maior independência para o país, quando, na verdade, modificou somente a natureza de sua dependência. O coeficiente de importação (o indicador de importação/PIB) não sofreu uma queda acentuada, enquanto a composição de mercadorias de importação mudou e, no que diz respeito à atividade econômica, ocasionou uma dependência do país em relação ao comércio exterior no mínimo tão grande quanto antes. Além disso, como a industrialização foi atingida por investimento estrangeiro maciço nos setores mais dinâmicos da indústria, a influência estrangeira no desenvolvimento e no uso de meios de produção aumentou substancialmente. O modelo brasileiro de industrialização baseou-se na ideologia das economias de mercado, isto é, na maioria dos governos durante o período em que a industrialização era estimulada. Enfatizou-se o respeito pela propriedade privada e a confiança nos empreendimentos privados domésticos e estrangeiros. O Estado, entretanto, envolveu-se diretamente em atividades econômicas com maior intensidade do que foi planejado originalmente pelos responsáveis pela política econômica do país. Isso ocorreu devido às

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limitações financeiras, ao atraso técnico do setor privado doméstico, à relutância do capital estrangeiro em penetrar em certos campos de atividade e à resistência dos governos em permitir a entrada do capital estrangeiro em alguns setores. Este livro examinará a evolução histórica da economia brasileira, concentrando-se principalmente no seu processo de industrialização no século XX, nos métodos usados para atingi-la, no impacto que produziu sobre o ambiente socioeconômico e nos ajustes das instituições socioeconômicas às mudanças estruturais ocorridas na economia. Esses fatos nos conduzirão ao estudo do tipo de sistema econômico surgido nesse processo, isto é, a combinação de capitalismo privado e estatal, em que algumas das características são diferentes das de economias mistas da Europa ocidental. Finalm ente, planejamos examinar alguns aspectos das políticas econômicas e do sistema econômico brasileiro responsáveis pela permanência do subdesenvolvimento em meio ao crescimento econômico.

Cenário físico e demográfico A extensão territorial do Brasil, de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, torna-o o quinto maior país do mundo, ultrapassado somente pela Rússia, Canadá, China e Estados Unidos, ocupando 47% da América do Sul. A maior parte do território é composta de montanhas geologicamente antigas, das quais cerca de 57% se encontram sobre um planalto que varia de 200 a 900 metros de altitude; 40% consistem em planícies com elevação inferior a 200 metros e 3% ultrapassam 900 metros. Ao norte da cidade de Salvador, observa-se um aumento gradual da costa para o interior. Entretanto, quem se aproximar do Brasil pelo Atlântico, ao longo das costas do Centro e do Sul, terá a impressão de ver um país de montanhas, visto que o planalto montanhoso do Centro-Sul do país desce bruscamente para o Atlântico. Esse declive, semelhante a um muro, chamado de Grande Escarpa, dificultou o acesso ao interior e foi muitas vezes citado como a principal razão para o lento desenvolvimento do planalto da região Centro-Sul, antes do século XX. Com exceção do Amazonas, a maioria dos principais sistemas fluviais tem suas nascentes na região Centro-Sul do país, relativamente próximas ao oceano. No entanto, como os rios correm para o interior, não há um núcleo natural de rotas na área mais dinâmica do país, motivo pelo qual o transporte fluvial não desempenhou um papel importante no desenvolvimento do Brasil. O sistema do rio Paraná é alimentado por afluentes que se deslocam em direção ao oeste, para o interior, até atingirem o rio principal, que corre em direção ao sul, para a Argentina. O rio São Francisco, cuja nascente fica no sul, segue em direção ao norte, paralelo à costa por mais de 1.600 quilômetros antes de direcionar-se para o leste. A maioria dos sistemas fluviais desce rapidamente à medida que atravessa a Grande Escarpa, impossibilitando a navegação interna para as grandes embarcações. O rio São Francisco, por exemplo, é navegável por cerca de 250 quilômetros para o interior, até pouco antes da Usina de Paulo Afonso. Somente o rio Amazonas é navegável por uma grande distância em direção ao interior, unindo uma região do Brasil esparsamente habitada, subdesenvolvida e inexplorada.

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O Brasil é, em grande parte, um país tropical e seus climas apresentam poucos extremos, mas “eles não são, de modo algum, tão monotonamente uniformes, ou tão insuportavelmente quentes e úmidos a ponto de entorpecer o espírito humano. Se parece faltar energia aos brasileiros de determinadas regiões, este fato não pode ser interpretado como resultado inevitável do clima até que outros elementos, como a alimentação e as doenças, tenham sido avaliados”.7 A temperatura m édia em Santarém, na Amazônia, a poucos graus da linha do Equador, é de 25°C; no seco Nordeste, a mais alta temperatura registrada é de 41°G, porém, mais ao sul, ao longo da costa, a temperatura máxima é muito mais baixa. A média no Rio de Janeiro no mês mais quente é de 26°C. Nas montanhas do interior, as temperaturas são mais baixas do que nas mesmas latitudes na costa; somente nos estados ao sul de São Paulo ocorrem geadas. As chuvas são adequadas em quase todo o país. Há insuficiência somente no Nordeste, onde há áreas que recebem m enos de 244 milímetros por ano, enquanto a maior parte do N ordeste recebe entre 500 a 630 milímetros. O principal problema da região é a irregularidade das chuvas: as variações entre seu excesso e as secas.8 Áreas muito úmidas, com mais de 2.000 milímetros de precipitação por ano, existem em quatro regiões: nas planícies do interior da Amazônia, na costa de Belém, ao norte, em partes dispersas da Grande Escarpa, e numa pequena região no oeste do estado do Paraná.

Recursos naturais O Brasil possui muitos e abundantes tipos diferentes de recursos minerais. Tem uma imensa reserva de minério de ferro (em 1990, acreditava-se que as reservas potenciais chegavam a cerca de 36 bilhões de toneladas), manganês (em 1992, calculavam-se as reservas em cerca de 136 milhões de toneladas), e outros metais industriais. O país tam bém possui quantidades significativas de bauxita, cobre, chumbo, zinco, níquel, tungstênio, estanho, urânio, cristais de quartzo, diamantes industriais e pedras preciosas. Até o final da década de 1960, o conhecimento sobre o total das reservas minerais do Brasil ainda era limitado. O uso de técnicas modernas de levantamento topográfico e prospecção (o emprego de satélites, por exemplo) ocasionou descobertas novas e significativas9. Acreditava-se, por exemplo, que a maioria dos depósitos conhecidos de minerais estivesse localizada na cadeia de montanhas que percorre o Brasil central (principalmente no estado de Minas Gerais). Em 1967, entretanto, imensas jazidas de minério de ferro (estimadas em 18 bilhões de toneladas) foram descobertas na serra de Carajás, na Região Amazônica. Também no final da década de 1960, descobriu-se que a Amazônia continha grandes jazidas de bauxita. Calculou-se que reservas de estanho próximas à fronteira da Bolívia eram maiores do que as desse país e, na década de 1970, importantes jazidas de cobre foram encontradas no estado da Bahia. Houve uma drástica reformulação no consumo das fontes de energia do Brasil, nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial. Em 1946, 70% do fornecimento de

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energia do país foram extraídos da lenha e do carvão vegetal. Na década de 1990, porém, mais de 66% estavam sendo extraídos do petróleo e de hidrelétricas. Infelizmente, os recursos de combustível do país não se equipararam aos seus recursos minerais. Até recentemente, as únicas jazidas de carvão conhecidas estavam localizadas no estado de Santa Catarina, no sul do país, carvão este de má cjualidade, que contém grandes quantidades de resíduo mineral e enxofre, e, conseqüentem ente, não pode ser usado em sua totalidade pela indústria siderúrgica para a produção de carvão coqueificável. Cerca de 65% das necessidades de carvão metalúrgico são atendidas pelas importações. Na década de 1970, foram descobertas algumas novas jazidas de carvão nas profundezas da Região Amazônica, mas ainda não foram totalmente exploradas. As reservas de petróleo conhecidas no Brasil são inadequadas às suas necessidades. Até o princípio da década de 1970, a maioria das reservas conhecidas estava localizada nos estados da Bahia c Sergipe, mas a produção doméstica dessas fontes atendia somente a 20% das necessidades do país em meados da década de 1970. Explorações realizadas ao longo da costa pela Petrobras, empresa pertencente ao governo, resultaram em novas descobertas próximas à cidade de Campos, no Rio de Janeiro, em Sergipe e perto da foz do Amazonas. As dimensões dessas descobertas eram consideráveis. Em 1984, as reservas de petróleo do Brasil eram de 2 bilhões de barris, 600 milhões dos quais se localizavam em terra firme e o restante na plataforma continental. Em 1998, a produção doméstica de petróleo totalizou 56,6 milhões de metros cúbicos, o que representava 69% do consumo interno. O potencial hidrelétrico do Brasil é um dos maiores do mundo, calculado em 150 mil megawatts. Até o período posterior à Segunda Guerra Mundial, os melhores locais foram considerados afastados demais dos principais centros populacionais em desenvolvimento, mas desde a década de 1950 rapidamente o progresso de tais pontos ocorreu com a construção das usinas de Paulo Afonso e Boa Esperança, no Nordeste, Furnas e Ilha Solteira, no Sudeste, e Três Marias, em Minas Gerais. Em meados da década de 1970, deu-se início ao maior projeto hidrelétrico do mundo, Itaipu, na fronteira paraguaia e, em 1983, foram ligadas suas primeiras turbinas. Até a década de 1990, apenas pouco mais de 15% do potencial hidrelétrico do país estava sendo utilizado.

A população Em 2000, a população do Brasil era calculada em 170 milhões de pessoas, o que o torna a sexta maior nação em número de habitantes. Considerando-se o enorme território do país, sua densidade populacional é relativamente baixa, havendo 19,6 pessoas por quilômetro quadrado, em 1998 (comparada com 13 na Argentina, 49 no México e 36 na Colômbia). Pode-se verificar uma grande oscilação na densidade populacional, variando de 2,6 pessoas por quilômetro quadrado na Região Amazônica a 27,5 habitantes no Nordeste e 127 no estado de São Paulo. Em 1991, 6,8% da população vivia na Região Amazônica, 28,9% no Nordeste, 42,7% no Sudeste, 15,1% no Sul e 6,5% no Centro-Oeste.

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Uma característica notável sobre a distribuição regional da população no Brasil é o grau de concentração dentro de umas poucas centenas de quilômetros da costa marítima. A penetração populacional no interior apenas se tornou significativa no século XX, principalmente no sul. A construção de Brasília (que se tornou a capital federal em 1960) no interior, as estradas que se dirigiam a essa cidade e o elevado índice da atividade d e construção de estradas nas décadas de 1960 e 1970 aumentaram substancialmente a migração da população para o interior do país.10 A alta taxa de crescimento populacional (3% ao ano na década de 1950, 2,9% na década de 1960, 2,5% na década de 1970 e 2,0% na década de 1980) deve-se à continuada taxa elevada de nascimentos, combinada com a queda da taxa de mortalidade, o que fez com que uma grande parcela da população - 39,5% em 1995 (comparados com 21,5% nos Estados Unidos e 29,4% na Argentina) - se inserisse no grupo etário dependente de 14 anos ou menos. A taxa de alfabetizados de 15 anos ou mais cresceu de 49% em 1950 para 61% em 1970 e 84% em 1995. Esse fato está intimamente ligado ao recente elevado aumento do número de matrícula nas escolas. Até 1994, as inscrições em escolas do 1- grau do curso fundamental da faixa etária entre 7 e 13 anos representavam 90%; nos cursos médios atingiram 47% da faixa entre 14 e 19 anos e nos cursos superiores representaram 11% da faixa entre 20 e 24 anos. A elevada parcela da população presente nas faixas etárias mais jovens é responsável, em parte, pelo reduzido índice de participação na força de trabalho, que era de 32,9% em 1950, caiu para 31,8% em 1970 e subiu para 65% em 1995. A composição racial do país é bastante variada. Um especialista na população do Brasil declarou que “há poucos lugares no mundo em que a formação racial é mais confusa e complexa do que no Brasil. Todas as principais variedades do gênero h u mano, todos os grupos étnicos básicos em que os seres humanos estão divididos — vermelhos, brancos, negros e amarelos —entraram na composição da população deste grande meio-continente”.11 Até o final do século XIX, a população era formada principalmente por descendentes de portugueses, africanos e ameríndios. Durante o p eríodo de colonização, e durante o século XIX, ocorreu uma quantidade considerável de miscigenação que ocasionou a descendência variada de grande parte da população atual. No final do século XIX e na primeira década do século XX, houve intensa imigração da Itália, Portugal, Espanha, Alemanha, Polônia e do Oriente Médio. Esses imigrantes estabeleceram-se principalmente no sudoeste e sudeste do Brasil. Na segunda década no século XX chegou ao país um grande número de imigrantes japoneses que se estabeleceu principalmente nos estados de São Paulo e Paraná. Calculase que hoje há mais de 800 mil brasileiros descendentes de japoneses. A diversidade na formação da população não evitou que o Brasil atingisse um elevado grau de unidade cultural. Com a exceção de um reduzido número de índios instalados nas profundezas da Região Amazônica, todos os brasileiros falam português, com pequenas variações regionais de sotaque (possivelmente menos do que nos Estados Unidos). De acordo com um dos principais intérpretes da sociedade brasileira, “existe um sentimento forte e profundo entre os brasileiros de todas as procedências raciais e origens nacionais que os faz formar um ‘povo’ e uma nação. Eles partilham os mesmos ideais, gostos e problemas, um passado comum e o mesmo senso de humor”.12

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Notas 1. A fonte dos dados populacionais é a FIBGE, Censo Demográfico. Rio de Janeiro, FIB G E, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980. FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1996. Esses dados exageram o grau de urbanização, visto que a definição brasileira da palavra “urbano” , utilizada em recenseam entos, se aplica a toda a população que vive em distritos administrativos, q u e pode consistir em pequenas cidades com população de 500 a 1.000 pessoas ou grandes cidades. Como as atividades do primeiro grupo são, com freqüência, mais rurais do que urbanas, o grau de urbanização do Brasil em 1990 provavelmente é menor do que indicam os dados oficiais. Se, por exemplo, fôssemos definir população urbana como aquela que vive nas cidades de 10 mil ou mais habitantes, a parcela da população que é urbana cairia 51%. 2. FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1996. 3. A queda entre 1985 c 1995 ocorreu, em parte, devido ao aum ento de produtividade de algumas safras e, em parte, por causa da maior importação de alguns gêneros alimentícios. 4. FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1996. 5. Isso mudou rapidamente no final da década de 1990 com o uso de telefones celulares e os planos de investimento dos sistemas de telefonia fixa, recentemente privatizados. 6. W ILLUM SEN , Maria J.F., “Regional Disparities in Brasil”. In: The Brazilian economy: structure and performance in recent decades, editado por Maria Willumsen e Eduardo Giannetti da Fonseca, Miami, NorthSouth Center Press, 1996, p. 243; Brasil: Reforma ou Caos, editado por I lélio Jaguaribe, Rio de Janeiro, Paz c Terra, 1989, p. 24. 7. JAMES, Preston E. Latin America. Nova York, Odyssey Press, 1969, p. 389. Informações mais detalhadas sobre a geografia brasileira podem ser obtidas através da FIB G E, Sinopse estatística do Brasil, 1975. DYE R, Donald R. “ Brasil’s half-continent” . In: Modem Brazil: New patterns and development, John Saunders, Gainesveille, University of Florida Press, 1979, p. 29-50. 8. Ao com entar as secas do Nordeste, Dyer afirma que “a estação seca é regular, mas a seca não o é. Entretanto, as secas são por demais freqüentes para serem inesperadas, com períodos que variam dc um a quatro anos de duração”. DYER, op. cit., p. 41-2. 9. “Pesquisas de recursos naturais no Brasil”. In: Conjuntura Econômica, jan.1974, p. 66-70. Ver também FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil 1981. 10. S M IT II, T . Lynn. “The people of Brazil and their characteristics” . In: Modem Brazil', op. cit., p. 52-3. 11. Idem, ibid., p. 53-4. 12. WAGLEY, Charles. An Introduction to Brazil, ed. rev. Nova York, Columbia University Press, 1971, p. 5.

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Perspectiva histórica A economia colonial N o PRINCÍPIO DO PERÍODO colonial, durante o século XVI, o Brasil não era considerado algo valioso por Portugal. Embora o território adquirido pela Coroa portuguesa fosse imenso, não trouxe a inesperada sorte econômica obtida pelos espanhóis em suas conquistas do Peru e México, isto é, metais preciosos e uma população ampla, estável e bem organizada que poderia ser empregada na mineração e nos setores agrícolas de apoio.1O território brasileiro era esparsamente habitado por índios nômades que diminuíram em número devido a doenças contraídas dos primeiros colonizadores portugueses e que não puderam ser facilmente submetidos à disciplina e treinados para o trabalho de plantio.2 O nome Brasil originou-se de seu primeiro produto de exportação - o pau-brasil. A casca dessa árvore era utilizada como matéria corante na Europa, e sua colheita era uma atividade rudimentar que não criou muitos povoados permanentes e setores complementares.3 O primeiro produto de exportação importante do Brasil foi o açúcar. Seu cultivo foi introduzido aproximadamente em 1520 e trazido ao continente brasileiro por usineiros imigrantes e comerciantes de açúcar vindos de ilhas do Atlântico dominadas por Portugal. A rápida expansão do cultivo e da exportação do açúcar logo se transformou na primeira de uma série de grandes ciclos de exportação primária, que iriam dominar o crescimento econômico do Brasil até o século XX.4

Organização socioeconômica inicial A escassez de mão-de-obra e os baixos benefícios econômicos que o Brasil parecia oferecer a Portugal no início conduziram a uma organização político-econômica des-

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centralizada. O comércio estava principalmente em mãos de particulares e, a fundação dos primeiros povoados foi deixada a cargo de donatários, indivíduos que recebiam concessões para povoar e desenvolver determinadas áreas (capitanias) às próprias expensas. Eles vendiam terras a colonos e envolviam-se na promoção de vários tipos de empresas comerciais. Assim, o princípio da colonização no Brasil “foi essencialmente um empreendimento comercial, combinado com aspectos de subgoverno privado”.' Embora em meados do século XVI fosse indicado um governador-geral, instalado na cidade de Salvador para dirigir a colônia, o governo local foi mais forte até a última metade do século XVIII. Assim, “somente as principais linhas gerais da política a ser seguida eram formuladas na Europa e a implementação e interpretação real eram deixadas a cargo dos governadores e conselhos municipais”.6 Estes últimos, por sua vez, eram dominados pelos donos de grandes propriedades rurais (fazendeiros) e de engenhos de açúcar (senhores de engenho), e o centro da vida social e econômica concentrava-se nas grandes plantações costeiras de açúcar.7

O ciclo da cana-de-açúcar O primeiro grande produto de exportação do Brasil - o açúcar - era produzido principalmente próximo à úmida zona litorânea do N ordeste brasileiro, conhecida como Zona da Mata. Além das excelentes condições de cultivo, a localização da região também favorecia o embarque do produto para a Europa e o recebimento de mão-de-obra escrava da África. Com a escassez de trabalhadores índios locais, os portugueses lançaram mão da importação de escravos africanos (principalmente de Angola) para trabalhar nas fazendas de açúcar. A rápida expansão do cultivo do açúcar transformou a Zona da Mata em uma área de monocultura. O volume das exportações de açúcar aumentou com regularidade durante um século. O aumento da produção baseou-se na extensão de terra cultivada (já que havia uma grande quantidade disponível) e no crescimento da população escrava mais do que em mudanças no processo de produção e aumento de produtividade. A maior parte da cana-de-açúcar era cultivada em grandes fazendas (o número de escravos que trabalhava em uma propriedade de tamanho médio, na época, era de 80 a 100).8 Na época, o único ponto doméstico de integração econômica era o interior do Nordeste (o agreste e o sertão), cuja produção agrícola excedente alimentava os habitantes das zonas do açúcar. A população do interior era composta de imigrantes portugueses e seus escravos, escravos fugitivos e caboclos mestiços. Eles praticavam o cultivo e administravam as fazendas de modo bastante primitivo, mas eram capazes de produzir excedentes suficientes para dar apoio ao crescimento do setor de exportação. O setor de exportação de açúcar foi lucrativo para vários agentes econômicos: os fazendeiros e aqueles envolvidos na comercialização, financiamento, expedição e comércio de escravos. Os comerciantes também obtiveram lucros significativos com as importações, visto que a colônia era quase que totalm ente dependente de produtos estrangeiros manufaturados e mesmo de alguns alim entos importados.

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Nessa análise do passado colonial brasileiro, Celso Furtado chama atenção para uma diferença fundamental entre a estrutura produtiva do Brasil e as colônias inglesas na América do Norte. Grande parte destas consistia em pequenas propriedades rurais, enquanto a agricultura de exportação do Brasil era composta de grandes propriedades dedicadas à monocultura. Como conseqüência, a renda era distribuída de forma m uito mais uniforme na América do Norte do que no Brasil. Esse fato explica o aparecimento no início de grande mercado interno na América do Norte que criou a base para o desenvolvimento inicial de um setor comercial e industrial independente. A lim itação do mercado brasileiro devido à concentração da propriedade e renda serviu para manter estagnada a estrutura econômica colonial no Brasil.9 Embora seja atraente, esse argumento pode não ser totalmente pertinente ao período colonial. As economias de escala eram menos importantes para a indústria e o comércio naquela época do que seriam nos séculos XIX e XX. Também se poderia argumentar que, como a economia possuía uma vantagem comparativa natural no açúcar e algodão, o desenvolvimento das indústrias não teria sido uma forma eficiente de alocar recursos. Furtado também apresenta uma análise muito convincente a respeito das repercussões significativas sobre a economia causadas pelo fracasso da economia inicial de exportação de açúcar. Ele sugere que a maioria do excedente ia para as classes comerciais, que investiam seus lucros no estrangeiro, ou para os fazendeiros, que gastavam grandes somas em importações, tanto em bens de consumo como de produção (que incluíam escravos).10 Ele destaca o fato de como é fraca a relação entre investimento e renda em uma economia escravagista voltada para as exportações, visto que a maior parte dos gastos é realizada na importação de mão-de-obra e capital, enquanto a manutenção dos escravos é paga em espécie, na maioria das vezes. O investimento representado pelo emprego de escravos para trabalhar na infra-estrutura local também não representou entrada de dinheiro. Como o setor monetário da economia era, dessa forma, muito restrito, a estagnação da exportação exerceu poucos efeitos sobre a economia como um todo, e foi sentida apenas por uma queda na importação de mercadorias e escravos e um declínio geral na importância relativa do setor monetário da economia." A economia baseada na pecuária do interior foi a única a sofrer repercussões internas por causa da economia do açúcar. As quedas nas exportações iriam causar uma atrofia nesse setor à medida que ele iria transformar-se progressivamente em uma economia de subsistência (isto é, um setor auto-suficiente fora do setor monetário da economia). A migração da enfraquecida economia açucareira para o interior e a mudança da atividade econômica de criação de gado para exportação para a de subsistência resultariam em um processo que Furtado chama de “involução econômica” - precisamente o oposto de crescimento e desenvolvimento.1- Esse processo iria ocorrer, com freqüência, na história econômica do país e mostra, com efeito, como a organização socioeconômica específica do Brasil não permitiu que repentinas altas na exportação exercessem efeitos secundários duradouros na sociedade. Para que ocorresse um desenvolvimento orientado pelas exportações, seriam necessários muitos pré-requisitos que não existiam no Brasil. No início do século XVII, o Brasil havia se tornado o principal fornecedor de açúcar do mundo e, de acordo com Glade, “havia superado as especiarias asiáticas como os

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elementos principais do comércio anglo-português e as exportações brasileiras eram igualmente conhecidas no continente europeu”.13 A medida que o século XVII foi chegando ao fim, a atividade exportadora começou a enfraquecer. A queda nas exportações de açúcar não ocorreu devido à falta de m elhorias tecnológicas no Brasil, pois o custo do açúcar brasileiro ainda era 30% menor do que o das plantações inglesas no Caribe. A causa do declínio foi o desenvolvimento de uma crescente quantidade da oferta do produto nas colônias inglesas, holandesas e francesas, que tinham acesso preferencial aos respectivos mercados dos países de origem. As plantações de cana-de-açúcar não desapareceram. O fluxo de caixa declinante foi compensado, em parte, pela diminuição dos custos monetários “à medida que a criação de escravos nas fazendas oferecia um substituto, ao menos parcial, para sua importação”.14 Como descrevemos anteriormente, algumas terras foram redirecionadas para a agricultura de subsistência ou para o cultivo de alimentos para a população costeira em expansão. Nas proximidades de Salvador, algumas terras passaram a ser utilizadas para o plantio de fumo e, mais tarde, em meados do século XVIII, de cacau. No Nordeste sempre se plantou certa quantidade de algodão que iria provocar breves ciclos de exportação no final do século XVIII (à época da Guerra da Independência dos Estados Unidos) e no século XIX (por exemplo, durante a Guerra Civil Americana).15 O legado do ciclo de exportação do açúcar foi negativo. A organização da agricultura no interior do Nordeste permaneceu primitiva e nas plantações costeiras as técnicas agrícolas continuaram a ser arcaicas. O sistema escravagista manteve os recursos humanos subdesenvolvidos,16 e a distribuição de bens e de renda era extremamente concentrada. Muitos dos lucros não previstos proporcionados pelo ciclo da cana-de-açúcar passaram às mãos dos portugueses e intermediários estrangeiros, enquanto grande parte dos lucros que cabia aos fazendeiros e senhores de engenho foi gasta com bens de consumo importados, e não em melhorias técnicas e de infra-estrutura.

O ciclo do ouro e o princípio do controle mercantilista Uma nova arrancada no crescimento foi iniciada em 1690 com a descoberta de m oedas na região onde hoje é o estado de Minas Gerais. Apesar da precariedade do sistema de comunicação da época, a notícia do descobrimento espalhou-se rapidamente e logo a região antes desabitada estava repleta de migrantes que buscavam o precioso metal. A produção de ouro cresceu continuamente entre 1690 e 1760 (havia também alguma produção de diamantes, embora em menor escala). Afirmou-se que o Brasil foi responsável por metade da produção mundial de ouro no século XVIII.17 O ciclo de exportação do ouro mudou o centro de atividade econômica do Brasil para o Centro-Sul e migrantes chegavam de todas as partes do país. Muitos nordestinos, inclusive plantadores que traziam consigo seus escravos, deixavam seu território em decadência em busca das regiões do ouro, além de fazendeiros e rancheiros provenientes do rústico Sul e novos imigrantes de Portugal. Surgiram muitas novas cidades nas regiões de mineração que faziam as vezes de centros de serviços para as atividades de extração e possuíam estruturas ocupacionais mais complexas do que aquelas que haviam existido em outras cidades brasileiras. Pela primeira vez, desen-

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volveu-se um setor artesanal e surgiram grupos bancários privados, suprindo as necessidades dos setores de mineração e comercial. Uma grande parte da mineração era do tipo de aluvião, que podia ser realizada em pequena escala. Gomo as exigências de capital e mão-de-obra por unidade de produção eram, por conseguinte, pequenas, foi possível haver uma crescente participação nos empreendimentos de mineração e, conseqüentemente, a concentração de renda era menor do que no Nordeste.18 O setor de mineração de Minas Gerais surtiu consideráveis efeitos de encadeamento. A demanda por alimento nas cidades e centros de mineração representou um estímulo à produção agrícola não somente nesse Estado, mas também no Estado de São Paulo, nas regiões localizadas mais ao sul e mesmo no Nordeste. Como o transporte de ouro para os portos era realizado por animais de carga, a procura por mulas causou impacto em várias regiões fornecedoras no Sul. A exportação de ouro e diamantes tam bém financiou um crescente volume de importações de bens de consumo e suprim entos de mineração. O incremento da mineração fez com que o Rio de Janeiro despontasse como um porto importante, que se tornou o principal centro exportador de minérios e pelo qual entravam os artigos importados manufaturados. Não demorou muito para que as mais importantes casas comerciais, instituições financeiras e vários outros serviços lá se instalassem. Em 1763, o centro administrativo dessa colônia portuguesa foi transferido de Salvador para o Rio de Janeiro. Com a significativa valorização de sua colônia brasileira, o governo português aumentou drasticamente seus controles administrativos. As regiões de mineração eram cuidadosamente inspecionadas a fim de minimizar a evasão do pagamento à Coroa de um quinto do ouro extraído. Estavam proibidas as navegações particulares; todos os navios tinham de fazer parte de comboios oficialmente supervisionados; foram criados monopólios especiais de comércio; a manufatura local era rigidamente controlada e os bens que poderiam ser fornecidos pela metrópole não podiam ser produzidos no Brasil.19 A redução da integração interna com um novo setor manufatureiro ao mínimo manteve os fatores de produção da colônia em um estado muito primitivo, o que também foi resultado, em parte, do descaso em relação à instrução que era praticamente inexistente antes de 1776 (exceto pelos esparsos esforços empreendidos pelos jesuítas antes de sua expulsão em 1759). Mesmo antes desse ano, as poucas escolas que funcionavam exerciam pouco impacto sobre o nível cultural da população.20 A infra-estrutura de transporte era mantida intencionalmente primitiva a fim de se controlar o contrabando, o que manteve limitadas as dimensões do mercado interno durante muito tempo.21 O ciclo do ouro terminou no final do século XVIII, quando a maioria das minas economicamente viáveis se havia esgotado. Parte da população mineira, então, rumou em direção ao Planalto Central do Brasil, onde encontrou trabalho em fazendas de gado, e outros foram para o Sul, engajando-se em atividades agrícolas. Muitos permaneceram em Minas Gerais, também se dedicando a atividades agrícolas, muitas de natureza de subsistência. Na segunda metade do século XVIII também houve o renascimento da agricultura de exportação no Nordeste, especialmente de algodão. Mais notável foi o aumento do cul-

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tivo e exportação de algodão no Maranhão, em Pernambuco e na Bahia.22As exportações de açúcar, que nunca cessaram por completo, restabeleceram-se nesse século, provenientes não somente da região Nordeste, mas também de São Paulo. Glade resume bem a situação do Brasil no final do século XVIII. Ele declara que “a cortina... caiu sobre dois estados brasileiros nitidamente separados. No Norte, o complexo costeiro agreste-sertão estava aniquilado, com uma sociedade quase imobilizada por sua estrutura institucional interna depois que o antigo dinamismo havia deixado os vínculos comerciais externos... em direção ao sul, o primeiro ato, baseado no ouro e nos diamantes, também chegara ao fim. Mas lá permaneceu uma sociedade mais versátil e aberta, pairando, por assim dizer, numa espécie de intervalo de desenvolvimento. O palco já estava sendo preparado para a segunda apresentação - um trabalho mais demorado com o café como centro das atenções” .23

Os últimos anos da colônia Quando Napoleão ocupou Portugal, em 1807, a família real, sob proteção britânica, veio para o Brasil. Em 1808, instalou a capital do império português no Rio de Janeiro, e a criação de empregos no governo e os efeitos da folha de pagamentos do governo sobre os setores de serviços e manufatureiro estimularam o crescimento da cidade. A Coroa também assumiu a construção destinada a melhorar a infra-estrutura da nova sede do novo governo. A abolição dos controles mercantilistas ajudou a intensificar o comércio. Os mercadores portugueses e estrangeiros e os estabelecimentos financeiros intensificaram suas atividades, auxiliados pela fundação do primeiro Banco do Brasil, em 1808, e que operou como banco emissor e banco comercial até 1829. Durante esse período, uma prensa tipográfica foi trazida para o país pela primeira vez. A Coroa também fundou várias instituições educacionais e trouxe inúmeros cientistas e técnicos europeus para o Brasil como consultores, além de procurar incentivar vários tipos de estabelecimentos industriais que não criaram raízes devido à torrente de bens importados, principalmente da Grã-Bretanha. Os ingleses haviam recebido acesso especial ao mercado brasileiro em troca da garantia da defesa naval do Brasil. O rei retornou a Portugal em 1821, deixando seu filho como regente. Como, d epois de algum tempo, se tornou óbvio que Portugal iria devolver ao Brasil o status de colônia subordinada, o crescente descontentamento em todo o país levou o regente a declarar a independência em 1822. Dessa data até 1889, o Brasil foi um país independente, governado por um sistema monárquico cujo chefe era D. Pedro I, um imperador, que, após um período de regência de nove anos, de 1831 a 1840, foi seguido por seu filho, D. Pedro II.

O século após a Independência Na época da Independência, na verdade no ano após sua declaração, em 1822, a população brasileira era estimada em 3,9 milhões de habitantes, dos quais 1,2 milhão eram

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escravos.24 Considerando-se a imensidão territorial do país em relação ao núm ero de habitantes e as dificuldades de comunicação que ainda existiram durante quase todo o século XIX, é um fenômeno histórico notável que o país não tenha sido dividido em países independentes menores, como ocorreu com o império hispano-americano. Durante o século XIX, o Brasil adaptou-se facilmente à ordem econômica controlada pela Grã-Bretanha, que se tornou o núcleo do centro industrial do mundo, trocando seus produtos manufaturados por alimentos e matérias-primas do exterior, ou seja, de países cujas economias eram completamente dependentes da exportação deles. O Brasil tornou-se um típico exemplo de tais países, pois sua economia dependia de um importante produto primário de exportação (café) e de alguns secundários (açúcar, algodão, cacau). Durante quase todo esse período, sua economia estava aberta ao capital e aos produtos manufaturados estrangeiros (principalmente ingleses), que fluíam para dentro do país e destinavam-se a formar uma infra-estrutura financeira, comercial e de transportes que poderia ligar o país mais eficientemente à ordem econômica mundial do século XIX.

O ciclo do café Embora o café tenha sido introduzido no Brasil no início do século XVIII, ele foi cultivado primeiramente como uma especialidade e era consumido principalmente nas residências e nos cafés das mais importantes cidades européias. Com a melhoria dos padrões de vida na Europa e na América do Norte, resultado do progresso ocasionado pela revolução industrial, o consumo de café intensificou-se rapidamente. Na quarta década do século XIX, o café era o principal item de exportação do Brasil.25 O rápido crescimento das exportações de café no século XIX é indicado pelos seguintes dados de exportações por décadas (1.000 sacas, de 60 kg cada):26

1821-30

1831-40

1841-50

1851-60

1861-70

1871-80

1881-90

3.178

10.430

18.367

27.339

29.103

32.509

51.631

Na década de 1820, o café foi responsável por 19% do total de exportações; já em 1891, essa participação havia aumentado para cerca de 63%. Até 1880, a maioria do café brasileiro era plantada ao norte e oeste do Rio de Janeiro (especialmente no Vale do Paraíba) e também no nordeste (na região de Cantagalo). As técnicas de produção eram rudimentares, baseadas no trabalho de escravos negros e mulatos, que geralmente viviam à parte da economia monetária. A fazenda era administrada pelo proprietário, o fazendeiro, que reinava “como um patriarca poderoso sobre as questões sociais e políticas na área adjacente, além de controlar as atividades econômicas da fazenda em si”.27 Nos dias que precederam a construção das estradas de ferro, o café era despachado para o porto do Rio de Janeiro por uma tropa de mulas. Entre a fazenda e as casas de exportação, o café ficava aos cuidados de comissários.28

À m edida que as terras férteis do Vale do Paraíba se foram esgotando, por volta da década de 1880, a produção de café mudou para o sul, para São Paulo e depois para o oeste desse Estado. Na década de I860, capital e engenheiros ingleses construíram uma estrada de ferro sobre a escarpa litorânea que separava o planalto de São Paulo do porto de Santos, e nas décadas seguintes foram construídas ferrovias nas profundezas das zonas cafeeiras de São Paulo. A produção de café desse Estado cresceu rapidamente nas décadas de 1880 e 1890. Nessa época, a quantidade do produto que passava por Santos era igual à do Rio de Janeiro e, em 1894, esse porto havia se tornado o mais importante centro exportador de café do mundo.29 A expansão paulista em direção ao oeste ocasionou o desenvolvimento de imensas fazendas de café, visto que somente um pequeno número de pessoas possuía poder econômico e político necessários para estabelecer e defender propriedades e iniciar a produção em novas terras. Elas empregavam um crescente número de trabalhadores livres e, mesmo antes da abolição da escravatura, em 1888, fomentaram a imigração européia. Depois da abolição, houve uma grande afluência de mão-de-obra imigrante, principalmente do sul e do leste da Europa (especialmente da Itália).30 Não pode haver dúvidas de que as exportações de café foram o instrumento de crescimento durante quase todo o século XIX. Além disso, na última parte desse século, a economia cafeeira transferiu-se para São Paulo, de modo que o centro econômico mudou gradualmente para essa região, onde permanece até os dias de hoje. Os efeitos secundários da economia cafeeira paulista - emprego de mão-de-obra imigrante livre, investimento estrangeiro na infra-estrutura, acúmulo de capital de produtores de café e, como veremos num capítulo posterior, o conseqüente desenvolvimento da indústria — aprofundaram o dualismo regional entre o Centro-Sul e o restante do Brasil (levando-se em conta principalmente o Nordeste). Alguns estudiosos da história econômica do Brasil, especialmente Celso Furtado, identificaram o atraso do país em relação à Europa e aos Estados Unidos como resultado da posição privilegiada ocupada pela Inglaterra como fornecedora de bens manufaturados e da falta de uma classe comercial nativa importante. Dessa forma, o poder político estava nas mãos das classes proprietárias de terras cujos interesses eram compatíveis com a divisão do trabalho internacional no século XIX. Furtado dá ênfase ao seu ponto de vista comparando as situações que se sucederam à independência brasileira e americana. A influência dos pequenos produtores na agricultura, as classes comerciais e a guerra da independência contra o fornecedor de bens manufaturados são encarados por Furtado como importantes fatores institucionais que explicam o progresso havido no século XIX nos Estados Unidos em contraste com a estagnação socioeconômica ocorrida no Brasil.31 Nesse debate sobre a ascensão da economia cafeeira, Furtado é muito sensível a fenômenos não-econômicos. Ele destaca as diferenças existentes entre os anteriormente dominantes proprietários de fazendas de cana-de-açúcar e os emergentes proprietários de fazendas de café. No apogeu do açúcar, o comércio era monopólio dos portugueses e, conseqüentemente, os proprietários de fazendas de cana-de-açúcar, separados do comércio, nunca se transformaram em empreendedores progressistas. Os produtores de café, entretanto, estavam intimamente ligados ao objetivo comercial de seu setor, além de estarem muito mais próximos da capital do país do que os fazen-

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deiros de cana-de-açúcar. Desse modo, eles estavam muito mais conscientes da fu n ção potencial a ser desempenhada pelo Estado na influência sobre seus interesses econômicos do que outras classes. Essa visão é de importância fundamental para a compreensão do apoio do Estado obtido pelo setor cafeeiro no século XX.32

Outras exportações Embora o café tivesse dominado durante a maior parte do século XIX, outros produtos de exportação primários continuaram presentes na lista de exportações do país. A produção de açúcar expandiu-se principalmente por causa de um mercado doméstico em crescimento, visto que o valor do aumento das exportações anuais era inferior a 1%, devido à concorrência do açúcar de beterraba em mercados europeus protegidos, à produção de açúcar nos Estados Unidos e à concorrência do açúcar cubano, de custo mais reduzido.33 As exportações de algodão não apresentaram resultados muito melhores que as do açúcar, com um aumento de apenas 43% no período entre 1850-1900. Os elevados custos de transporte do interior para os portos parecem ter sido uma das principais causas para o lento crescimento dessas exportações.34 As exportações de fumo da Bahia iniciaram-se nas últimas décadas do século XIX e nunca se tornaram significativas em razão das péssimas práticas de produção empregadas, que tornaram o produto não-competitivo no mercado internacional. No final desse século, começaram as exportações de cacau produzido no sul da Bahia e, depois da introdução de uma variedade de alto rendimento, vinda do Ceilão, em 1907, as plantações expandiram-se rapidamente e o Brasil tornou-se um dos principais exportadores do produto. Um espetacular incremento de exportações teve início na Região Amazônica nas últimas décadas do século XIX. Como nessa época a região era a principal fonte produtora de borracha, a rápida demanda progressiva pelo produto e os preços em ascensão ocasionaram uma acelerada penetração e povoamento da área por grupos comerciais internos e estrangeiros. Grande parte da mão-de-obra para colher a seiva das esparsas seringueiras selvagens vinha do Nordeste do Brasil, principalmente do Ceará. A desastrosa seca da década de 1870 causou a disponibilidade de um grande pool de trabalhadores prontos para migrar para o Amazonas. As exportações de borracha passaram de uma média anual de 6 mil toneladas na década de 1870 para 21 mil toneladas na década de 1890 e para 35 mil toneladas na primeira década do século XX. Nesse período, o Brasil fornecia 90% da borracha do mundo e, em 1910, o produto era responsável por 40% das exportações do país.35 Em 1870, sem entes de seringueiras (hevea) foram contrabandeadas para fora do país com fins de experimentação nos jardins botânicos de Kew, em Londres. Em 1895, formaram-se fazendas na Ásia e, em 1899, aparecia a primeira borracha asiática no mercado mundial. O aumento da oferta de borracha na segunda década do século XX fez com que os preços caíssem drasticamente e, em 1921, atingiram menos de um sexto em relação aos de 1910. O Brasil não pôde com petir com o produto asiático, muito mais barato, e gradualmente perdeu toda sua participação no mercado mundial.

40

Depois de sua queda, os lucros líquidos obtidos da expansão da borracha na economia brasileira mal eram perceptíveis. A renda gerada era despendida, em sua maior parte, em importações e num consumo irrefletidamente conspícuo (como exemplificado pelo famoso teatro construído na cidade de Manaus).

Políticas adotadas no século XIX Uma década e meia antes da proclamação da Independência, a Corte portuguesa, “exilada”, envidou esforços para diversificar a vida socioeconômica-cultural do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro e vizinhanças, o que ficou patente com a fundação do primeiro banco do Brasil, em 1808, o primeiro banco moderno da América Latina; a fundação da bolsa de valores no Rio; a importação da primeira prensa tipográfica; a contratação de técnicos e a assistência oferecida a vários tipos de empreendimentos industriais (como o desenvolvimento da indústria metalúrgica em Minas Gerais e São Paulo).36 Como veremos no próximo capítulo, muitos dos primeiros esforços de industrialização fracassaram depois da Independência devido à política de portas abertas às importações industriais. Embora houvesse tarifas de importação durante todo o período, elas, juntamente com as tarifas de exportação, eram a principal fonte de renda do governo e raramente tinham efeitos protecionistas. Uma das principais medidas de desenvolvimento adotadas pelo governo na segunda metade do século XIX foi o incentivo à construção de ferrovias. Os principais instrumentos da política consistiam em subsídios e taxas de retorno garantidas.37 Infelizmente, a rede de ferrovias desenvolvida mostrou ser deficiente de várias formas; linhas diferentes possuíam diferentes bitolas, já que haviam sido construídas e eram operadas por várias firmas independentes. Elas ligavam as fazendas ao porto, onde muitas tendiam a serpentear em vez de fazer a ligação do interior para o porto de maneira mais eficiente. O sistema de transporte que daí resultou não transformou o país em um mercado mais unificado. A extensão das ferrovias brasileiras cresceu de 14 quilômetros, em 1854, para 474 em 1864; 3.302 em 1884; 16.306 em 1904, e 33.106 em 1934.™ A maioria das ferrovias foi construída por empresas inglesas. Em 1870, quatro companhias britânicas eram proprietárias de 72% da extensão das ferrovias brasileiras. Depois da suspensão das garantias das taxas de retorno, em 1901, quase toda a construção de linhas adicionais ficou nas mãos do governo, que também assumiu gradualmente um crescente número de linhas privadas estrangeiras.39 Durante todo o século XIX, o governo central estava constantemente ocupado em fomentar a imigração e a colonização. Antes da Independência, a Coroa portuguesa atraiu um grupo de colonizadores suíços com o pagamento de suas passagens e proporcionando-lhes meios para iniciar um povoado.40 A existência da escravatura dificultou a difusão de tais projetos, embora alguns outros tivessem sido levados a cabo no sul do Brasil nas décadas de 1820 e 1830 com imigrantes alemães. A imigração em larga escala no sul somente começou com o fim da escravidão nessa região. Depois da abolição, em 1888, e da proclamação da República, em 1889, a imigração começou a ser realizada em grande escala.41

41

A imigração deveria exercer um efeito positivo no desenvolvimento econômico do Brasil, especialmente no Sul, visto que oferecia ao país um grande número de pessoas economicamente ambiciosas. Além disso, uo ato público de subsidiar a imigração foi, a curto prazo, um substituto razoavelmente eficiente para o investimento em educação como meio de melhorar a qualidade dos recursos humanos na economia”.42 No final do século, o governo ocupou-se em proteger os principais setores de exportação do país. Os ganhos garantidos pelo governo e as isenções de tarifas de importação de equipamentos foram usados como incentivos para a realização de investimentos em usinas de açúcar altamente capitalizadas.43 Na primeira década do século XX, à medida que a produção de café superava a demanda mundial, ocasionando uma queda nos preços, o estado de São Paulo proibiu o plantio de novas mudas durante cinco anos e, em 1907, esse estado (com alguma cooperação de Minas Gerais e do Rio de Janeiro) deu início ao primeiro projeto de valorização (embora esse fato seja conhecido como o Convênio de Taubaté, o programa foi realizado quase que tão-somente pelo estado de São Paulo). Utilizando, primeiro, a arrecadação conseguida com as taxas de exportação e, depois, empréstimos estrangeiros (garantidos pelo governo central), São Paulo comprou grandes quantidades de café que eram sonegadas ao mercado a fim de estabilizar os preços.44

Notas 1. GLADE, William P. The Latin American economies: A study of their institutional evolution. Nova York, American Book - Van Nostrand, 1969, cap. 3 e 4. 2. PRADO JÚ NIOR, Caio. História econômica do Brasil. 12aed., São Paulo, Brasiliense, 1970, p. 35-6; JOHNSON, H. B. “T h e Portuguese settlement of Brazil, 1500-1580”. In: The Cambridge history ofLatin America, vol. 1, Colonial Latin America. Leslie Bethell, Cambridge, Cambridge University Press, 1984, p. 253-86. 3. PRADO JU NIOR, Caio. op. cit., p. 24-7; BLJESCU, Mircea & TAPAJÓS, Vicente. História do desenvolvimento econômico do Brasil. Rio de Janeiro, A Casa do Livro, 1969, p. 29-31. 4. Antes de 1548, bastava uma média anual de dois navios para atender ao comércio da colônia brasileira. Quarenta anos mais tarde, a média anual atingia 45 embarcações e, em 1620, chegava a 200. HUSSEY, Ronald Dennis. “Colonial Economic Life” . Itr. Colonial Hispanic America, vol. 4 de Studies in Hispanic american affairs, S. Curtis YVilgus, Washington, D.C.: George Washington University Press, 1936, p. 334. 5. GLADE, William P. op. cit., p. 156. 6 . Idem, ibid.; ver também BUESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 100-4. 7. O mais renomado trabalho que descreve essa sociedade é o de Gilberto Freyre, The masters and the slaves. Nova York, Alfred A. Knopf, 1946. A descrição de Freyre, entretanto, está longe de estar completa. Ele ignora, por exemplo, os plantadores livres de cana-de-açúcar que se encontravam em algum ponto entre os “senhores” e os “escravos” . Melhor do que qualquer outro fato, o escritor descreve com mais precisão o Nordeste do século XIX (principalmente Pernambuco). Veja também SCHWARTZ, Stuart B. “Colonial Brazil, 1580-1750, Plantation and peripheries”. ln\ The Cambridge history ofLatin America, vol. 2, Colonial Latin America. Leslie Bethell, Cambridge, Cambridge University Press, 1984, p. 423-500. 8. PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit., p. 34-8; BUESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 33-4. 9. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 11a ed., São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1972, p. 30-1. 10. Idem, ibid., p. 45-6. 11. Idem, ibid., p. 50-2. 12. Idem, ibid., p. 64. Buescu & Tapajós apresentam algumas estimativas sobre o rebanho brasileiro nos séculos XVI e XVII, op. cit., p. 36-7. 13. GLADE, op. cit., p. 162.

42

14. Idem, ibid., p. 163-71. Para algumas estimativas quantitativas sobre as exportações de açúcar em anos selecionados durante o período colonial, veja BIJESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 23-4, 128. 15. PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit., p. 81-2. 16. Em outro livro, Caio Prado Junior apresenta uma avaliação bastante negativa da influência exercida pela escravatura no desenvolvimento econômico e social: “O uso universal de escravos nos diferentes ramos e ocupações da vida social e econômica acabou por influenciar a atitude em relação ao trabalho, que veio a ser considerada desprezível e degradante”. Veja o seu livro The colonial background of modem Brazil. Berkeley e Los Angeles, University of California Press, 1967, p. 325. 17. GLADE, op. cit., p. 166; BUESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 38-40. Veja tam bém Estudos econômicos 13, número especial, 1983, que contém uma coleção de artigos sobre a economia colonial nos séculos XVII c XVIII; RUSSEL-WOOD, A. J. R. “Colonial Brazil: T h e gold cycle”. In: The Cambridge history of Latin America, vol. 2, Colonial Latin America, Leslie Bethcll, Cambridge, Cambridge University Press, 1984, p. 547-600. 18. FURTADO, op. cit., p. 76 & GLADE, op. cit., p. 167. 19. PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 50-9. 20. PRADO JUNIOR apresenta um quadro sucinto do nível educacional da colônia: “Não foi feita nenhuma tentativa para compensar o isolamento em que a colônia foi obrigada a viver, nem ao menos oferecendo um sistema elementar de educação. A instrução insuficiente dada nas poucas escolas oficiais existentes em alguns dos maiores centros das colônias não ia m uito alem do ensino da leitura, da escrita e da aritmética... Criadas após 1776, essas escolas eram geralmente negligenciadas, tendo um número insuficiente dc professores mal pagos, alunos indisciplinados e classes desorganizadas. O nível cultural da colônia era extremamente baixo c a ignorância prevalecia. Os poucos estudiosos que se destacavam viviam em um mundo à parte, ignorados por um país totalm ente incapaz de compreendê-los”. The colonial background, p. 160-1. 21. BUESCU & TAPAJÓS, op. cit., p. 110- 11. 22. PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit., p. 82-3. 23. GLADE, op. cit., p. 171. 24. PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 346. As primeiras estimativas sobre a população do Brasil eram as seguintes: 1550 1600

15.000

100.000

1660

184.000

1690 1776

300.000 1.900.000

25. HOLLOWAY, T hom as H. In: The Brazilian coffee valorization of 1906: Regional politics and economic dependence. Madison: Sociedade Histórica Estadual de Wisconsin para o D epartam ento dc História, Universidade de Wisconsin, 1975, p. 5. 26. PRADO JUNIOR, Caio. op. cit., p. 160. 27. HOLLOWAY', T hom as H. op. cit., p. 5; veja também STEIN, Stanley. In: Vassouras, a Brazilian coffee country, 1850-1900. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1957. 28. Idem, ibid., op. cit., p. 6 . 29. Idem, ibid., p. 7-9. 30. Idem, ibid., p. 15-7. Dc 1887 a 1906, cerca de 1,2 milhão de imigrantes chegaram a São Paulo, dos quais mais de 800 mil eram italianos. 31. FURTADO, op. cit., p. 111-13. 32. Idem, ibid., p. 114-16. 33. DENSLOW7, David. “Exports and the Origins of Brazil’s Regional Pattern of Industrialization”. In: Dimensões do desenvolvimento brasileiro, BAER, Werner, GEIGER, Pedro & HADDAD, Paulo, Rio de Janeiro, Campus, 1978; e “As origens da desigualdade regional no Brasil”. In: Formação econômica do Brasil: A experiência da industrialização, VERSIANI, R. Flávio & MENDONÇA DE BARROS, J. R. , eds., Série ANPEC Leituras de Economia. São Paulo, Saraiva, 1977. 34. DENSLOW, op. cit., p. 59-60. 35. PRADO JÚ NIOR, Caio. op. cit., p. 236-41; GLADE, op. cit., p. 297.

43

36. GLADE, op. cit., p. 299; BAER, Werner, In: The development o f the Brazilian steel industry. Nashville, Tenn.: Vanderbilt University Press, 1969, cap. 4 . 37. VILLELA, Annibal V. & SUZIGAN, Wilson. In: Política do governo e crescimento da econotnia brasileira, 1889-1945, Série Monográfica, nu 10, Z~ ed., Rio dc Janeiro, I PEA, 1973, p. 378-83. Villela e Suzigan observam que o sistem a de concessões de ferrovias estava sujeito a abusos: “As concessões eram freqüentemente oferecidas como favores a pessoas influentes que as vendiam como um privilégio monopolista. Além disso, as garantias de taxas de retorno sobre o capital investido não levaram a um planejamento mais racional de linhas, que muitas vezes eram mais longas que o necessário e tecnicamente imperfeitas”, p. 381. 38. FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1939, p. 139. 39. Idem, ibid., p. 383-84. 40. GLADE, op. cit., p. 303. 41. Idem, ibid., p. 306; GRAHAM, Douglas H. “Migração estrangeira e a questão da oferta de mão-deobra no crescimento econômico brasileiro, 1880-1930”, Estudos Econômicos 3, nü 1, 1973, p. 10-13. 42. GLADE, op. cit., p. 306. 43. Idem, ibid., p. 303. 44. HOLLOWAY, op. cit.

O início do desenvolvimento industrial O período anterior à Primeira Guerra Mundial A s LIMITADAS TENTATIVAS de promover a produção de artigos manufaturados nos últimos anos do Brasil colonial foram anuladas pelas políticas de portas abertas do governo pós-Independência. A presença de mercadorias inglesas era muito grande e elas tiveram acesso privilegiado ao mercado brasileiro durante muitos anos. Produtos de outros países europeus e dos Estados Unidos também apareceram depois dos tratados comerciais negociados na década de 1820.1 A tarifa de 1828, que fixou taxas de importação a 15%, precedeu o período comercial mais liberal. As tarifas foram aumentadas na década de 1840, atingindo uma média superior a 30% advalorem em 1844. Embora o objetivo principal da elevação das taxas de importação fosse ampliar a receita do governo, essa medida exerceu alguns efeitos colaterais que resultaram na criação de várias empresas têxteis. O Estado também oferecia isenção de taxas para a importação de matérias-primas e maquinário utilizado por empresas nacionais, que depois também ficaram isentas de pagar impostos.2 Até 1852, 64 fábricas e oficinas - do ramo de têxteis, vestuário, sabão, cerveja, fundição, vidros, artigos de couro e outros - haviam se beneficiado desses privilégios. Sob a pressão dos interesses dos cafeicultores que eram a favor de importações mais baratas, algumas dessas tarifas foram revogadas em 1857 e as taxas foram baixadas. Na década de 1860, por motivos fiscais, as tarifas sofreram nova elevação para uma média de 50% e, nas duas décadas seguintes, foram introduzidas, ocasionalmente, ainda outras medidas de proteção. As poucas oficinas que existiam em meados do século XIX estavam concentradas principalmente no setor têxtil, e várias empresas foram fundadas em meados da década de 1840 como resultado da tarifa acima mencionada, criada em 1844, e dos privilégios especiais concedidos para a importação de maquinário. O número de empresas

45

Tabela 3.1 Produção d a indústria têxtil algodoeira, 1853-1948 Ano

1853 1866 1885 1905 1915 1921 1925 1929 1932 1948

Número de fábricas

Operários

8 9 48 110 240 242 257 359 355 409

424 795 3.172 39.159 82.257 108.960 114.561 123.470 115.550 224.252

Produção (1.000 metros)

1.210 3.586 20.595 242.087 470.783 552.446 535.909 477.995 630.738 1.119.738

Fonte: Stanley Stein. The Brazilian cotton manufacture. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1957, p. 191.

têxteis em funcionamento aumentou ainda mais na primeira metade da década de 1870 na região do Rio de Janeiro e de São Paulo. Embora existissem 48 firmas têxteis em 1885, o impacto total exercido por elas era secundário, como evidenciou o fato de que todas elas juntas empregavam apenas pouco mais que 3 mil trabalhadores.3 Os dados disponíveis indicam que o desenvolvimento industrial brasileiro se tornou significativo durante a década de 1880 e assim prosseguiu durante as três décadas seguintes. A Tabela 3.1, por exemplo, mostra um aumento superior a dez vezes na produção de tecidos de algodão entre 1885 e 1905 e quase o dobro da produção nos dez anos subseqüentes. Imediatamente antes de 1914, a produção de tecidos já havia atingido 85% do consumo do país. A produção de roupas, sapatos, bebidas e produtos de fumo em 1912 alcançara 40% da produção de 1929 (ver Tabelas 3.2 e 3.3). Quando se leva em consideração que, no final da década de 1920, as indústrias têxteis brasileiras atendiam a cerca de 90% do consumo doméstico, a elevada produção anterior a 1914 indica que, mesmo então, uma grande parcela do consumo era suprida pelos fabricantes internos.4 Indicadores de formação de capital, apresentados na Tabela 3.4, disponíveis somente de 1901 em diante, cresceram ininterruptamente até 1914 e atingiram níveis muito elevados em meados da década anterior à Primeira Guerra Mundial. O consumo aparente de cimento aumentou 12 vezes (de 37.300 toneladas em 1901 para 465.300 em 1913); o consumo de aço aumentou mais de oito vezes (de 69.300 para 589 mil toneladas) e a importação de bens de capital quase quadruplicou no mesmo período. A extensão do desenvolvimento industrial no último período também está evidente no censo de 1920, cujos dados se referem ao ano de 1919. De 13.336 estabelecimentos industriais existentes naquele ano, 55,4% foram fundados antes de 1914, e sua dimensão média, calculada pelo número de empregados ou pela capacidade de força instalada por trabalhador, era maior do que aquelas instaladas durante a Primeira Guerra Mundial (ver Tabela 3.5). A estrutura industrial que se criou nesse primeiro período de desenvolvimento era dominada por indústrias leves. Produtos têxteis, roupas, calçados e indústrias alimentí-

T abela 3.2 Indicadores do p ro d u to real, 1911-19 (1929= 100) Ano

1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919

Têxteis

75,4 79,2 76,5 62,0 91,9 86,4 100,9 91,0 105,6

Roupas, calçados e outros têxteis

41,7 47,3 46,8 35,4 38,9 47,2 52,2 52,1 54,0

Bebidas

37,2 47,0 53,8 48,4 38,6 40,8 38,6 40,2 48,8

Fumo

38,2 42,5 46,6 42,2 40,9 53,3 41,3 46,4 65,0

Total*

60,9 65,8 65,3 53,5 70,8 70,6 78,5 73,4 85,4

* A ponderação de 1919 foi usada no cálculo do índice desta coluna. Fonte: V IU ,RLA Annibal V. & SUZIGAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira, Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1973, p. 432.

cias eram responsáveis por mais de 57% da produção industrial em 1907 e por mais de 64% em 1919. A força básica que apoiou esse desenvolvimento industrial foi o incremento cafeeiro baseado na mão-de-obra imigrante livre. Investimentos significativos voltados para a infra-estrutura que atendia ao setor cafeeiro (estradas de ferro, usinas elétricas, etc.), financiados por fazendeiros e capital estrangeiro,5 proporcionaram o ambiente para uma produção industrial local maior e aos poucos criaram uma demanda para peças de reposição produzidas internamente. A grande população imigrante empregada nos setores cafeeiro e outros a ele relacionados gerou um enorme mercado para bens de consumo baratos. Dessa forma, ao descrever os acontecimentos em São Paulo, Warren Dean observou: Os primeiros produtos a serem manufaturados... foram aqueles cuja relação peso-custo era tão elevada que, mesmo com o emprego das técnicas mais rudimentares, ficava mais barato produzi-los do que comprá-los na Europa... As atividades mais importantes empregavam produtos agrícolas locais, especialmente o algodão, o couro, o açúcar, cereais e madeira, ou minerais não-metálicos, principalmente argila, areia, cal e pedras.6 A maioria dos primeiros industriais brasileiros era importador que, em determinado estágio de suas atividades, achou que valeria a pena produzir bens no próprio Brasil, em vez de importá-los. Esse fato ocorreu principalmente em relação aos produtos têxteis; constatou-se, por exemplo, que, de 13 indústrias têxteis fundadas no século XIX e ainda em funcionamento em 1917, 11 eram controladas por importadores.7 Esses empreendimentos eram financiados tanto por importadores como por plantadores de café. Os importadores também tinham acesso especial a credores europeus para financiamento da importação de maquinário.

47

Tabela 3.3 índice de produção industrial, 1920-39 (1929= 100) Total

1920 1921

1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939

78,0

89,1 106,4

77,1

88,9

89,6

88,8

95,9 103,5

94,2

81,3

93,6 95,8

85,7 104,7

88,7 106,7

89,1

89,5

88,6

96,1 103,4

Mineração Transformação:

126,8

99,8 108,4

Total

76,9

76,6

93,0

101,6

43,7

46,2

Minerais não-metal. Produtos metalúrgicos Produtos de papel Produtos de couro Químicos e

farmacêuticos

Perfumes, sabonetes e velas

Têxteis Roupas e calçados Produtos alimentícios

Bebidas Produtos do fumo

100,0 100,0

95,2 103,1 103,4 118,6 133,9 152,9 174,9 187,1 199,4 224,6 91,1

85,8

104,9 132,0 125,9

87,9 82,7

70,8

97,8

100,0 100,0

47,5

62,7 56,1

53,1

78,0

100,0

81,9

67,7

51,2

84,1

100,0

80,3 120,7

59,7

51,7

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

-

106,8

52,1

58,7

79,4

82,8

87,8 96,8 105,1 108,8

100,0

47,5

46,5

62,6

72,6

84,0

73,0 73,1

106,6 104,1 116,7 116,5 61,7 55,0 63,6 65,6

110,2

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

97,1 112,9

77,8

105,8 105,6 76,2 72,9

122,1 86,6

123,9 95,5

63,2

66,7

86,2

77,8

79,2

86,7 88,3

90,2

93,4

64,2 67,6

63,2 61,5

73,2 72,4

76,1 70,2

70,0 67,0

75,5 81,0 85,8 69,5

92,6 81,6

96,4 91,7

86,2

85,0

96,3 104,5 128,3 140,1 137,7

95,3 103,5 103,9 119,3 135,1 154,2 176,5 188,4 200,7 226,6 87,8 151,2 145,4 208,9 282,5 332,0 426,5 498,6 558,3 619,5

100,0 121,0

55,5

82,3

71,9

102,2

238,8 290,8 424,1 459,7 564,9 566,6 781,9

118,7 107,8 137,2 146,1 172,8 152,8 175,3 160,1 161,0

100,3 66,4 77,9

90,2 130,5 155,3 172,2 202,0 225,3 274,1 397,7

77,0

73,4

82,7

79,2 105,0 113,2 133,6 138,3 151,2

95,6 107,8 153,7 157,0 285,9 221,0 255,9 259,2

97,2 125,6 127,4 131,0 145,7 165,4 195,8 207,5 219,8 247,0 75,0 67,3 71,2 74,6 94,7 110,9 121,0 113,8 124,8

70,8

107,9 102,3 83,5 86,7

70,3 87,7

99,3 76,3 85,5

111,6

116,9 128,6 132,4 120,9 125,5 124,9

79,8 81,7 88,5 135,5

97,3 107,7 110,4 110,5 129,6 121,2 143,4 148,4 120,3

102,0

Oi/s.: Os índices para cada grupo de indúscria são ponderados de acordo com a média de sua proporção no valor agregado à indústria manufatureira durante os censos de 1919 e 1939. Fíw/rYILLELA, Annibal, SILVA, Sérgio R. da, SUZIGAN, Wilson e SANTOS, Mario J. “Aspectos do crescimento da economia brasileira”. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1971; as estimativas se baseiam em dados do FIBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1939/40; IBGE, Recenseamento Geral do B ra silde 1920 e 1940, e Ministério da Agricultura, Serviço dc Estatística da Produção.

Tabela 3.4 Indicadores de formação de capital, 1901-45 Ano

1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 1908 1909 1910 1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945

Consumo aparente de cimento (1.000 t)

37,3 58,8 63,8 94,0 129,6 180,3 179,9 197,9

201,8

264,2 268,7 367,0 465,3 180,8 144,9 169,8 98,6 51,7 198,4 173,0 156,9 319,6 223,4 317,2 336,5 409,7 496,6 544,2 631,5 471,7 281,4 310,0 339,4 449,6 480,4 563,3 646,3 667,5 732,6 759,2 776,8 818,8 753,4 907,4 1.025,5

Consumo aparente de aço (1.000 t)

69,3 107,0

111,2

127,3 170,6 220,3 295,0 267,6 304,5 362,3 369,2 506,6 589,3 200,5 95,2 96,9 87,0 50,0 155,1 279,7 200,7

201,6

219,4 349,6 373,5 399,4 435,8 483,1 514,3 259,2 143,9 165,7 277,0 343,6 345,4 386,7 505,4 355,7 429,8 414,5 368,3 262,8 325,5 492,6 465,6

Índice de quantidade de importação de bens de capital (1939 = 100)

56,8 31,7 38,0 41,3 62,3

66,1

93,0 96,4 102,9 118,7 153,6 205,3 152,5 63,4 \ 25,2 4 4 ( 3^ 32,2 32,0 36,9 64,6 108,1 125,8 91,5 119,4 151,0 209,2 154,7 124,3 133,2 184,7 99,7 33,6 28,9 47,4 82,9 123,7 114,5 143,2 122,5 A 100,0 \ r \J 56,4 \ 86,5 67,1 1 176,1 166,7 82,7

j ' J

J

Fonte: VILLEI ,A, Annibal V. & SUZICJAN, Wilson. Política do governo e crescimento da economia brasileira. Rio de Janeiro, IPEA/ INPES, 1973, p. 437; para aço, Ministério da Agricultura, Serviço de Estatística do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento; para importações, Ministério da Fazenda, Serviço de Estatística Econômica e Financeira.

49

A expansão do crédito inflacionário (conhecido como encilhamento) na década de 1890 foi mencionada por alguns analistas como um elemento que contribuiu para o estabelecimento de novos empreendimentos industriais naquela década.8 Outros, entretanto, afirmam que as evidências existentes não sustentam essa hipótese.9 As tentativas ocasionais para proteção de tarifas desde 1840 não parecem ter colaborado de modo significativo para o desenvolvimento industrial.10 O mesmo pode ser dito sobre o auxílio direto do governo oferecido, raramente autorizado, a determinados setores. E verdade, porém, que a ajuda direta do governo era decisiva para setores específicos (concessões especiais e/ou subsídios a ferrovias, siderúrgicas, etc.). Finalmente, a ocasional desvalorização da moeda brasileira em relação à libra inglesa, através do aumento do preço dos bens importados, acelerou o desenvolvimento industrial.11 Voltando à nossa apresentação quantitativa, é interessante observar o substancial aumento da capacidade produtiva nos oito anos que precederam a Primeira Guerra Mundial. Vimos na Tabela 3.4 que todos os indicadores de formação de capital cresceram mais rapidamente naquele período do que em qualquer outro observado anteriormente. Esse grande impulso era devido, em parte, ao aumento da capacidade de importação daqueles anos e também à valorização da moeda em relação à libra esterlina no período de 1905-13, o que reduziu os preços dos bens importados e ocasionou grandes aumentos na importação de maquinário. Devemos observar na Tabela 3.5 que as firmas fundadas entre 1905-14 tinham um coeficiente de capital mais elevado (medido por cavalos-vapor - HP - por trabalhador, excetuando-se as relativamente poucas empresas estabelecidas entre 1885-89) do que as fundadas antes desse período ou durante a Primeira Guerra Mundial. Além disso, essas firmas originaram uma parcela maior da produção total em 1920 do que qualquer um dos estabelecimentos fundados no período de 1885 a 1904 ou mais recentes.12

A Primeira Guerra Mundial Até recentemente, quase todos os estudiosos da economia brasileira alegavam que a Primeira Guerra Mundial exerceu um pronunciado impacto na produção industrial e no crescimento de sua capacidade.13 Um exame mais atento de todos os dados disponíveis, entretanto, mostrará que a Primeira Guerra Mundial não foi um catalisador do desenvolvimento industrial, especialmente porque a interrupção da navegação dificultou a importação dos bens de capital necessários ao aumento da capacidade produtiva e no Brasil, naquela época, não havia indústria que os produzisse. Os três indicadores de investimentos apresentados na Tabela 3.4 também dão provas de fortes tendências de queda nos anos de guerra. O consumo aparente de cimento caiu de mais de 465 mil toneladas em 1913 para somente 51.700 toneladas em 1918; o consumo aparente de aço caiu de 589 mil para 50 mil toneladas no mesmo período e o índice de importação de bens de capital sofreu uma redução de 205,3 em 1912 para 32,0 em 1917. Uma análise comparativa das mudanças ocorridas na quantidade de importações em 1911 13 e 1914-18 também revela uma queda muito maior na importação de bens de capital do que de outros produtos.

Tabela 3.5 E stabelecim entos industriais segundo a data de fundação, 1920 Data de fundação

Número de

Estabelecimentos Número

Até 1884

388

1885-89

248

»

íinprnriíiv Uí H/A

n/ir* //C/f

HP

Valor da produção

%

estabelecimento

2,91

76

1,01

(%) 8,7

98

1,48

8,3

1,86

por operário

1890-94

452

3,39

68

1,08

9,3

1895-99

472

3,54

1,05

4,7

1900-4

1.080

8,10

29 18

1,01

7,5

1905-9

1.358

10,18

25

1,17

12,3

1910-14

3.135

23,51

17

1,15

21,3

1915-19

5.936

Data desconhecida Total

267 13.336

44,51

2,00 100,0

* Mcdias ponderadas. Fonte: Recemmmento do lirasil, vol. 5, Indústria, para 1919,

11

1,02

16

1,77

20*

1,13*

26,3

1,6 100,0

p. 69.

Observando os dados existentes sobre produção, verificamos na Tabela 3.2 um aumento considerável na produção de têxteis, roupas e calçados. A produção de bebidas e fumo sofreu pouca alteração, setores que foram responsáveis por cerca de 50% do valor agregado em 1919. A indústria alimentícia que, depois da indústria têxtil, era o setor mais importante da atividade industrial, não está incluída na tabela devido à falta de dados anuais, e era responsável por 19% do valor agregado na indústria em 1907 e 20,5% em 1919. Essa indústria teve sua capacidade grandemente ampliada na metade da década anterior à guerra - principalmente as refinarias de açúcar e frigoríficos. Estes últimos foram estimulados pela quase duplicação da capacidade de geração de eletricidade durante o período de 1910-14. O efeito exercido pela Primeira Guerra Mundial não foi o de expandir e mudar a capacidade produtiva do Brasil, mas sim de aumentar a utilização da capacidade de produção de artigos têxteis e alimentícios originada antes da guerra. O aumento da produção serviu principalmente para suprir a economia doméstica carente de importações, mas alguns produtos têxteis eram exportados para a Argentina e África do Sul, e vários países latino-americanos receberam açúcar e carne congelada. A quantidade dessas exportações, entretanto, era muito pequena, principalmente se comparada com as realizadas durante a Segunda Guerra Mundial.

A década de 1920 O dinamismo da economia brasileira na década de 1920 baseava-se em um setor cafeeiro em rápida expansão. A participação do café nas exportações aumentou de 56% em 1919 para mais de 75% em 1924. No mesmo período, as exportações, como uma

51

parcela do Produto Nacional Bruto (PNB) aumentaram de 5,7% para 12,5%. A situação favorável do balanço de pagamentos do país durante a década trouxe consigo uma ligeira valorização da taxa de câmbio que, combinada com o aumento dos preços internos, diminuiu qualquer proteção que as indústrias domésticas tinham em relação à concorrência estrangeira.14 A década de 1920, em geral, constituiu um período de crescimento relativamente pequeno no setor industrial. A taxa média de crescimento anual da produção industrial caiu de 4,6% no período de 1911-20 para 3% no período de 1920-29. N a Tabela 3.3 é especialmente digno de nota o crescimento extremamente lento da produção da indústria têxtil. Visto que era o setor industrial mais importante na época, sua estagnação explica o fraco desempenho geral da indústria. Um exame mais rigoroso, porém, indica um crescimento muito mais rápido de outros subsetores e uma notável tendência em direção à diversificação industrial. Alguns setores tradicionais, como alimentos, produção de chapéus e de calçados, vivenciaram quedas na produção entre 1924-25, mas recuperaram-se depois de 1926. Setores mais recentes - química, metalurgia, produtos de tabacaria - experimentaram um crescimento significativo. Entre 1925 e 1929, os fabricantes de artigos não-têxteis testemunharam taxas de crescimento superiores à média da indústria.15 A rápida expansão de artefatos de metal foi resultado do aparecimento de pequenas novas siderúrgicas e empresas de bens de capital. E claro que a pequena base na qual se iniciou o setor metalúrgico no início da década de 1920 também explica as elevadas taxas de crescimento observadas. A segunda metade da década marcou o início da produção doméstica de cimento. Uma firma estabelecida em 1924 começou a produzir dois anos depois e a produção aumentou de pouco mais de 30 mil toneladas em 1926 para cerca de 96 mil toneladas em 1929.16 A diversificação da indústria na década de 1920 tem sido atribuída a várias causas. Em primeiro lugar, muitas oficinas de reparos que existiam antes da Primeira Guerra Mundial ampliaram suas atividades durante os anos da guerra, reinvestindo seus lucros após a guerra para aumentar sua capacidade de produção. Em segundo lugar, o capital estrangeiro ingressou em setores como cimento, aço e vários bens de consumo durável, em sua maioria operações de montagem. Em terceiro lugar, o governo concedia ajuda especial a empresas de novos setores, como isenção de impostos para importação de equipamentos, empréstimos subsidiados, etc.17 E interessante comparar o desenvolvimento da produção industrial apresentada na Tabela 3.3 com os indicadores de formação de capital apresentados na T abela 3.4. Embora a produção tenha crescido em taxas relativamente pequenas, a importação de bens de capital aumentou dramaticamente na década de 1920 em níveis anuais médios superiores aos apresentados nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial. Também digna de nota é a expansão do consumo aparente de cimento e aço, que são indicadores relativamente confiáveis das atividades de investimento. Assim, temos uma arrancada nas atividades de investimento juntamente com um crescimento apenas modesto das taxas anuais de produção industrial. Isso fica especialmente claro ao compararmos a produção têxtil na década de 1920 com a importação de maquinário têxtil (ver Tabelas 3.1 e 3.7a). Embora a produção tenha realmente caído em muitos anos no período de 1921-29, as importações de maquinário têxtil aumentaram nos mesmos ní-

52

veis apresentados nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. A Tabela 3.7b, que mostra a diferenciação existente entre o valor do maquinário têxtil importado e outro tipo de maquinário, indica que a importação deste último continuou a crescer durante a maior parte da segunda metade da década de 1920, enquanto a importação do primeiro diminuiu, o q ue reflete atividades de investimento em novos setores industriais. O crescimento industrial, segundo Versiani, foi influenciado pela evolução cambial e pelas políticas governamentais. Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, a taxa de câmbio caiu bruscamente como resultado da queda dos preços mundiais do café e da rápida expansão da oferta de moeda. Entre 1924-26 a taxa de câmbio aumentou novamente, como resultado de políticas monetárias restritivas e, após 1926, caiu mais uma vez, quando as políticas afrouxaram. Versiani é de opinião que: “... o sucesso do p lan o de valorização do café, considerando-se o peso da receita das exportações desse produto na re n d a agregada, deve ter exercido um efeito positivo no nível geral de atividade durante a década. Por outro lado, a política monetária era altam ente restritiva nos períodos de 1924-26 e 1929-30. Quanto à taxa de câm bio, as grandes desvalorizações havidas no início da década de 1920 e, o u tra vez, em 1926-29, d ev em ter aumentado a com petitividade de produtores locais; por outro lado, a valorização dos m il-réis em 1923-26 apresentou o resultado oposto. Finalmente, a política tarifária era, em princípio, prejudicial à indústria local, permitindo uma deterioração no nível relativo da tributação das im portações ”.18

Versiani também mostra que as movimentações da taxa de câmbio nem sempre tiveram o efeito esperado. Por exemplo: “De 1910 a 1923, os preços em libra esterlina caíram e o m il-réis sofreu uma depreciação; esses movimentos contrários causaram am plas oscilações nos preços internos das importações. Nos três anos seguintes, por outro lado, am bas as forças tenderam a puxar para baixo o preço interno das im portações, que foi reduzido à m etade em termos reais de 1923 a 1926”.19

O lento crescimento da produção industrial deveu-se somente, em parte, ao influxo de bens estrangeiros de melhor qualidade e preço. Um exame das mudanças na estrutura das importações apresentada na Tabela 3.8 revela uma queda brusca nos produtos alimentícios e bebidas durante os anos de guerra, fato que teve continuidade ainda na década de 1920. Por outro lado, houve alguma recuperação proporcional na indústria têxtil, que poderia refletir a concorrência da importação de artigos têxteis com os produtos domésticos. O aumento que mais se destaca na fatia de importados ocorreu com produtos associados à formação de capital. O lento crescimento industrial também pode ser atribuído, principalmente no caso dos artigos têxteis, à arrancada havida na produção durante os anos de guerra que, de certa forma, previu o crescimento de um mercado para bens de produção doméstica. Em outras palavras, o aumento do uso da capacidade de fornecer bens no tempo de guerra poderia ter ocorrido durante um período mais longo caso a guerra não tivesse existido. Assim, o crescimento pós-guerra foi mais lento, em parte, porque o aumento “normal” da produção doméstica, que teria ocorrido caso a guerra não tivesse eclodido, se limitou ao período de 1914-19. O aumento substancial da capacidade produtiva durante a década de 1920 também pode ser atribuído à Primeira Guerra Mundial. Primeiro, porque a produção durante o

53

T ab ela 3.6 índice d e m udanças no volum e de importações brasileiras Período

1911-13 1914-18

Bens de consum o

Matérias-pri mas

100,0 45,1

100,0 47,8

Combustíveis

100,0 65,0

B ens de capital

100,0 22,2

Total

100,0 44,6

Obs.: Valores dos índices baseados na média de importações anuais. Fonte: V ILLELA etalii. “Aspectos...”, vol. 1, p. 174.

tempo de guerra crescia devido ao uso gradativamente mais intenso da capacidade, sem investimentos para reposição, alguns dos investimentos da década de 1920 podem ser considerados simplesmente como reposição e reparo do equipamento existente. Segundo, os dados indicam uma relação aceleradora com uma defasagem. O crescimento da produção, principalmente de artigos têxteis, criou entre os produtores uma previsão do crescimento futuro do mercado de produtos domésticos; dessa forma, eles pediram equipamentos que foram entregues apenas durante a década de 1920.20

A Grande Depressão A Depressão da década de 1930 causou um impacto fortemente negativo sobre as exportações brasileiras, cujo valor sofreu uma queda de US$ 445,9 milhões em 1929 para US$ 180,6 milhões em 1932. Em 1931, o preço do café atingiu um terço do preço médio que alcançara entre 1925 e 1929, e as relações de troca do país haviam caído em 50%. Além da redução das receitas de exportação, a entrada do capital estrangeiro cessou quase que por completo em 1932. A queda nas exportações e a grande quantidade de divisas necessárias ao financiamento da dívida externa do país (que totalizava mais de US$ 1,3 bilhão em 1931), sem contar as remessas dos lucros de entidades privadas, obrigaram o governo a tomar algumas medidas drásticas. Em agosto de 1931, ele suspendeu parte dos pagamentos da dívida externa e iniciou negociações para chegar a um acordo sobre sua consolidação. O Brasil também foi o primeiro país da América Latina a introduzir o controle de câmbio e outros controles diretos que, combinados com a desvalorização da moeda, que aumentava o preço das importações, geraram uma queda no valor das importações de US$ 416,6 milhões em 1929, para US$ 108,1 milhões em 1932.21 Gomo no início da Depressão, o café era responsável por 71% do total das exportações e estas, por sua vez, representavam cerca de 10% do PNB, a principal preocupação do governo residia em apoiar o setor cafeeiro. A forte queda da demanda mundial por café causada pela Depressão também coincidiu com uma grande produção desse produto, resultado do plantio realizado na década de 1920.22 Para proteger o setor e, dessa maneira, a economia, do impacto total da queda dos mercados e preços mundiais do café, o programa de apoio à atividade foi transferido dos estados (principalm ente de São Paulo) para o governo federal. O Conselho Nacional do Café foi fun-

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Tabela 3.7 Importação de maquinário, 1913-30 (a) Importação de maquinário têxtil (toneladas métricas)

1913 1915 1916 1917 1918 1919 1920

13.345 2.194 2.450 2.002 2.932 2.753 4.262

1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927

6.295 6.635 8.838 10.192 17.859 10.430 6.744

1928 1929 1930 1933 1934 1935

6.244 4.647 1.986 2.051 4.112 3.875

Fonte: STEIN, Stanley. The Brazilian cotton manufacture. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1957, p. 124.

(b) Importações de maquinário industrial (1.000 libras)

1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930

Maquinário têxtil

Out ms

314 416 752 954 839 934 1.128 1.778 1.050 740 755 562 283

760 1.189 3.587 3.137 1.443 1.537 2.744 3.433 3.306 2.985 3.415 4.095 2.220

Fonte: VERSIAN1, Flavio R. “Before the depression...”, trabalho para o workshop sobre os efeitos causados pela Depressão de 1929 na América Latina, St. Anthony’s College, Oxford, 21-23 set./1981, p. 169; obtido por Versiani em vários exemplares do Comércio Exterior do Brasil.

dado em maio de 1931 e comprou todo o café, destruindo grandes quantidades que não podiam ser vendidas ou armazenadas. A proteção do governo ao setor cafeeiro também incluiu medidas para ajudar os endividados produtores rurais, especialmente no estado de São Paulo, através de seu pagamento criando, assim, moeda nova e permitindo ao devedor postergar seus pagamentos. Esse programa, conhecido como “reajustamento econômico”, reduziu as dívidas dos fazendeiros em 50%.23

55

T a b e la 3.8 M u d an ças na estrutura d e im portações do Brasil, 1901-29 (percentagens anuais médias) Categoria de Importação

1901-10

1921-29

6,2

8,8

5,5

83,6

78,7

80,8 13,8

Mineração Manufaturas

1911-20

Produtos metalúrgicos

12,3

13,0

Maquinário

4,8

4,7

7,4

Equipamento elétrico

1,8

3,0

Equipamento de transportes

1,0 2,6

4,0

8,0

Químicos

5,6

9,0

11,9

Produtos têxteis

15,1

10,9

12,1

Produtos alimentícios

19,4

12,8

8,9

Bebidas Produtos não-industrializados (principalmente trigo) Total

6,0 10,2 100,0

4,1

2,1

12,5

13,7

100,0

100,0

Fonte: VILLELA et al. “Aspectos...”, vol. 1. p. 115.

Outro fator que agiu como um amortecedor parcial de choques da Depressão diante da agricultura brasileira foi o rápido crescimento da produção de algodão, principalmente no estado de São Paulo. Na década de 1920, o governo de São Paulo promoveu pesquisas sobre o cultivo dessa planta, gerando melhorias na qualidade das fibras produzidas e, em 1930, o Estado distribuiu grandes quantidades de sementes. Com melhorias patrocinadas pelo governo no marketing doméstico e internacional e com preços relativos na década de 1930 favorecendo o algodão, a produção aumentou substancialmente. Antes de 1933, o Brasil produzia menos de 10 mil toneladas por ano; em 1934, São Paulo colheu 90 mil toneladas. Entre 1929 e 1940, a participação do país nas áreas mundiais dedicadas ao plantio do algodão aumentou de 2% para 8,7% e a participação do algodão nas suas exportações cresceu de uma média anual de 2,1% no final da década de 1920 para 18,6% durante o período de 1935 a 1939.24

Crescimento industrial durante a Depressão A restrição das importações e a contínua demanda interna que resultou da receita gerada pelo programa de apoio ao café causou escassez de bens manufaturados e um conseqüente aumento em seus preços relativos, o que agiu como catalisador para uma arrancada na produção industrial. Examinando mais uma vez a Tabela 3.3, observamos que, em 1931, a produção industrial se havia recuperado totalmente de uma queda que teve início em 1928 e

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mais da» que dobrou nos oito anos seguintes. Em 1939, é especialmente digno de nota o rápidp crescimento da produção de setores como o de artigos têxteis (147% maior que em 1929); produtos de metal (quase três vezes maior que a produção em 1929) e artigds de papel (quase sete vezes maior que em 1929). Observando os indicadores de formação de capital (Tabela 3.4), notaremos que os investiJnentos se equipararam ou ultrapassaram o nível atingido na década de 1920 somentp na última metade da década de 1930. Em 1932, as importações de bens de capital naviam caído quase que ao nível mais baixo atingido durante a Primeira Guerra M undial e, depois disso, elevaram-se apenas lentamente, nunca atingindo totalmente |>s picos alcançados na década de 1920. O consumo de cimento e aço atingiu o seu ponto mais baixo em 1931 (o consumo de cimento caiu a menos de 50% do nível atingido em 1929), mas ambos recuperaram o apogeu anterior em 1937. Podi-se concluir que, como ocorreu na Primeira Guerra Mundial, o crescimento da produção industrial na primeira metade da década de 1930 se baseou na utilização mais completa da capacidade existente, grande parte da qual havia sido subutilizada e formada na década anterior. N a segunda metade da década de 1930, o crescimento da produção industrial foi acompanhado pela expansão da capacidade. A capacidade do aço dresceu com o surgimento de novas e pequenas firmas e, principalmente, com a abertura da nova fábrica da Belgo-Mineira em Monlevade.2^ De modo semelhante, surgiran novas firmas de cimento, e a capacidade de produção de papel cresceu a uma taxa mukto rápida. Celsy Furtado foi o primeiro economista a encarar a política de proteção ao café como um çjpo t^e pro^rama^anticíclico keynesiano; ele declara que esse programa foi financiajio pela expansão de crédito.26 Ã garantia de preços mínimos possibilitou manter o nhlel de emprego do setor cafeeiro e, indiretamente, de setores internos relacionados. ( omo a produção de café continuava a crescer, foi possível fazer com que a renda dd setor caísse menos que seus preços.27 Dessa maneira, segundo as palavras de Furtado: “É importante observar que o valor do produto que foi destruído era muito menor do que a receita que foi criada. Estávamos, de fato, construindo as famosas pirâmidds que muito depois seriam mencionadas por Keynes. Desse modo, a política de apoid ao café nos anos da Grande Depressão tornou-se o maior estimulador do crescimepto da renda nacional. Inconscientemente, o Brasil assumiu uma política anticíclida de proporções relativas mais amplas do que havia sido praticada em países industrializados até aquela época” .28 O didheiro injetado na economia a fim de adquirir e, parcialmente, destruir o café excedenüe e a resultante criação de renda contrabalançaram a queda de investimentos.29 Furtapo argumenta que a manutenção da renda interna e do poder aquisitivo, a queda das importações e o conseqüente aumento relativo dos preços industriais fizeram com que o mercado interno se transformasse em um setor dinâmico da economia. Com um excesso de capacidade no setor industrial e uma pequena indústria de bens de capital, a crescente demanda interna estimulou uma produção industrial doméstica maior que, por sua vez, também contribuiu, a princípio, para manter e, depois, aumentar a renda interna. O ma s severo crítico de Furtado, Carlos M. Peláez, tentou derrubar esses argumentos dp várias maneiras.30 Ele sustenta que a maioria dos recursos para a compra dos

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estoques de café se originou dos impostos de exportação desse produto, de modo que o programa de apoio não poderia ser considerado um mecanismo anticíclico keynesiano. Além disso, visto que o governo adotava políticas monetárias ortodoxas, os créditos fornecidos pelo Banco do Brasil para o apoio ao programa refletiam, necessariamente, uma queda nos créditos a outros setores; portanto, houve pouca criação de crédito líquido. Finalm ente, Peláez afirma que o programa de apoio ao café foi prejudicial à industrialização do país por ter distorcido artificialmente a lucratividade relativa.31 Um estudo empírico realizado por Simão Silber em relação a esse debate esclareceu muitas dessas questões e mostrou que a análise de Furtado estava basicamente correta, embora mostre que a apresentação dele estava longe de ser completa.32 Silber lança dúvidas consideráveis sobre muitas das afirmações de Peláez. No período de maio de 1931 a fevereiro de 1933, por exemplo, ele constatou que 65% das compras de café foram financiadas por impostos de exportação. Entretanto, ao acrescentar o período de 1933-34, Silber apurou que somente 48% das compras foram financiadas dessa forma.33 Além disso, uma vez que os impostos de exportação não eram totalm ente sustentados pelo setor cafeeiro, mas eram partilhados pelos consumidores de café (devido à baixa elasticidade de demanda pelo produto), o efeito final dos impostos sobre o setor cafeeiro era menor do que o alegado por Peláez.34 Peláez também desconsiderou a importância que teve a desvalorização do câmbio na manutenção da renda dos exportadores e o fato de que a existência de um programa de defesa ao café evitou que as condições de comércio tivessem caído ainda mais do que teriam caído sem o programa. Além disso, Silber mostra que a política monetária na década de 1930 era tudo menos ortodoxa, visto que a expansão monetária na década era superior a 100%, enquanto o orçamento do governo era freqüentemente deficitário.35 Finalmente, é difícil ver de que modo a defesa do setor cafeeiro prejudicou a indústria na década de 1930. E provável que a maior demanda agregada resultante dessa defesa tenha atraído mais investimentos ao setor industrial do que para o próprio setor cafeeiro.

A Segunda Guerra Mundial Da mesma forma que ocorreu na Primeira Guerra Mundial e na primeira metade da década da Depressão, a Segunda Guerra Mundial representou para o Brasil um período de aumento na produção, mas de pouca expansão da capacidade produtiva. A produção industrial cresceu a uma taxa de 5,4% no período de 1939-45. Especialm ente dignas de nota são as taxas médias de crescimento anual de produtos de metal (9,1%), têxteis (6,2%), calçados (7,8%), bebidas e fumo (7,6%), todas essas indústrias cujas importações foram drasticamente restringidas. O enfraquecimento do setor de equipamentos de transporte (-11%) deveu-se ao fato de que, sem importações, a capacidade doméstica não poderia operar totalmente. As atividades de investimento foram as primeiras a sofrer uma queda, mas voltaram a subir em 1945 (ver Tabela 3.4), principalmente graças aos bens de capital que o Brasil pôde importar durante a guerra para construir sua primeira grande siderúrgica integrada em Volta Redonda.36

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Exceto quanto às indústrias siderúrgica e de cimento, houve pouca formação de capital durante a guerra e conseguiu-se um aumento na produção somente por uma utilização mais intensa do equipamento existente. Dessa maneira, no final da guerra, uma grande parte da capacidade industrial do país se encontrava em um estado de deterioração e obsolescência.^7 Durante a guerra, as exportações de produtos manufaturados brasileiros cresceram rapidamente; em um determinado momento, os artigos têxteis contribuíram em 20% do total da receita de exportações. Devido ao reaparecimento de tradicionais fontes de abastecimento após a guerra, entretanto, e em parte devido ao péssimo desem penho das exportações brasileiras (freqüentes atrasos de entrega e controle de qualidade inadequado), os produtos industrializados praticamente desapareceram da lista de exportações.

Avaliação do início do crescimento industrial brasileiro Vimos que ocorreu um crescimento industrial significativo nas três décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial; que a guerra agiu somente como um estímulo à produção, visto que não se podiam realizar investimentos; que a década de 1920 foi um período de crescimento relativamente lento, mas de elevados investimentos devido aos efeitos exercidos pela Primeira Guerra Mundial nas expectativas dos produtores e que a grande arrancada na produção industrial na década de 1930, provocada por uma drástica queda na capacidade de importação, foi, primeiramente, baseada principalmente na maior utilização da capacidade existente e, a seguir, na adição de nova capacidade. Não seria correto, porém, falar sobre um processo contínuo de industrialização iniciado em 1890. E necessário estabelecer diferenças entre uma era de crescimento industrial e um período de industrialização. A primeira define acontecimentos ocorridos até o final da década de 1920, durante a qual o crescimento da indústria dependia principalmente das exportações agrícolas, o setor líder. Além disso, apesar do rápido crescimento de algumas indústrias, esse período não foi acompanhado por mudanças estruturais drásticas na economia. A industrialização, por outro lado, está presente quando a indústria se torna o principal setor de crescimento da economia e gera mudanças estruturais pronunciadas. Os seguintes dados sobre a distribuição dos produtos físicos brasileiros apoiam, em certa extensão, essa classificação. Apesar dos acontecimentos que conduziram ao crescimento industrial até e durante a Primeira Guerra M undial, a indústria < cribuiu somente com 21% do total dos produtos físicos em 1907 e 1919, comparados aos 79% apresentados pela agricultura. Em 1939, entretanto, a cota da indústria havia aumentado para 43%.38 Embora não tivesse sido realizado um censo para medir a participação da indústria em 1930, seu crescimento mais lento na década de 1920 nos leva a concluir que essa atuação aumentou na década de 1930. Essa participação surpreendentemente elevada deveu-se, em parte, aos preços mais baixos dos produtos agrícolas, principalmente do café, que não se havia recuperado totalmente dos reduzidos pontos atingidos durante a Depressão, estando 29% abaixo do elevado nível alcançado

59

T abela 3.9 A estrutura industrial brasileira em 1919 e 1939 (distribuição p ercentual do valor agregado total) Minerais não-metálicos Produtos de metal Maquinário Equipamento elétrico Equipamento de transportes Produtos de madeira Móveis Produtos de papel Produtos de borracha Produtos de couro Químicos Farmacêuticos Perfumes, sabonetes e velas Têxteis Roupas e calçados Produtos alimentícios Bebidas Fumo Editoras e material gráfico Diversos Total

1919

1939

5,7 4,4

5,2 7,6 3,8

0,1 -

2,1 4,8

1,2 0,6 3,2

2,1

2,1

1,3

1,5 0,7 1,7 * * *

0,1

1,9 1,7* 1,2* 0,7* 29,6 8,7

20,6

5,6 5,5 0,4 3,5

100,0

22,2 4,9 24,2 4,4 2,3 3,6

1,0 100,0

* A percentagem total de 1919 para essas três categorias foi de 3,6; em 1939, foi de 9,8. Fonte: Censos de 1920 e 1940.

em 1930. Além disso, os preços relativos de produtos manufaturados, provavelmente, encontravam-se mais altos do que no início da década de 1920. Mesmo que todas as informações sobre mudanças de preços estivessem disponíveis, os ajustes não diminuiriam a participação dos manufaturados em 1939 a ponto de anular a impressão de uma mudança estrutural importante. As taxas de crescimento estimadas da agricultura e da indústria desde 1920 indicam que somente na década de 1930 a indústria se tornou o setor líder, influenciando sensivelmente o crescimento econômico em geral. As taxas anuais médias de crescimento de 1920-29, 1933-39 e 1939-45, respectivamente, foram: agricultura - 4,1%, 1,7% e 1,7%; indústria - 2,8%, 11,3% e 5,4%; total - 3,9%, 4,9% e 3,2%.39 O coeficiente de importações de bens industriais (44,6%) de 1907 indica uma elevada dependência das importações. Essa percentagem, provavelmente, é elevada demais para ser comparada com os coeficientes de 1919 (28,0%) e 1939 (20,0%), visto que o censo de 1907 abrangeu somente a produção de empresas de maior expressão.40 A queda ocorrida de 1907 a 1919 e de 1919 a 1939 reflete a substituição que houve nas importações, especialmente durante a Primeira Guerra Mundial e a década de

60

1930.41 3arece que antes desse período o desenvolvimento industrial tinha um a natureza somente ligeiramente substitutiva no que se refere à importação. A produção industrial cresceu para satisfazer novas necessidades (dos imigrantes e da nova infraestrutuia) em vez de crescer para substituir suprimentos anteriormente importados, situaçãc que mudou antes e especialmente durante a Primeira Guerra M undial. Essa substituição à importação inicial, entretanto, não conduziu à industrialização, como já definido, e se transformou num processo de industrialização somente na década de 1930. A comparação realizada entre as estruturas industriais de 1919 e 1939 (Tabela 3.9) deve ajudar a esclarecer a diferença que há entre desenvolvimento industrial e industrializaç io. A estrutura existente em 1919 era dominada por indústrias leves. Têxteis, roupas, produtos alimentícios, bebidas e fumo somavam 70% da produção industrial. Até 193 os resultados desse grupo reduziram-se a 58%, com notável crescim ento de prod utos metalúrgicos, maquinário e produtos elétricos. O avanço em direção a um equ ilíbrio maior no setor industrial contribuiu para que a indústria se tornasse a força propulsora da economia, que é outra maneira de caracterizar o processo de industri alização. Med ições realizadas por Huddle mostram o grau que a industrialização intensiva já alcan

1920

1940

70%

67%

Setor secundário

14

10

Setor terciário

16

23

100

100

Setor primário

Total

A pri jporção da população economicamente ativa empregada pela indústria realmente c liu. Entretanto, devido a diferentes tipos de classificação usados no censo de 1920, as comparações realizadas entre este e censos posteriores são enganosas. O censo de m um choque deflacionário, será necessário que todos os agentes econômicos acei: e m reduções nos picos reais de renda anteriores. Quanto às políticas, a recomendação de Lopes é semelhante à de Bresser Pereira e '-^Takano. Ele defende um “choque heterodoxo” que consistiria em um congelamento : o t a l de preços e salários acompanhado de políticas monetárias e fiscais passivas. O : ongelam ento, temporário, seria seguido por uma descompressão gradual com controe s de preços. Na parte final do período, seriam permitidos aumentos moderados a fim i or quase um terço das exportações argentinas). A Argentina tentou contornar o í mpacto causado pela desvalorização brasileira instituindo taxas de importação espec iais. Assim, essa desvalorização destacou a necessidade de os membros do Mercosul coordenarem suas taxas de câmbio e políticas macroeconômicas se quisessem que a u n iã o alfandegária sobrevivesse. O impacto exercido pela desvalorização de janeiro sobre a taxa de inflação do país ±~oi relativamente branda. Pode-se observar na Tabela 10.1b que, após um salto inicial n o s dois primeiros meses após a desvalorização, a taxa caiu novamente durante quase t o d o o ano de 1999. Isso decorreu da excessiva capacidade produtiva e altas taxas de desemprego, que pressionaram vários setores a não passar adiante os aumentos de custos relacionados aos preços mais elevados das importações. Além disso, as autoridades do Banco Central mantiveram as taxas de juros extremamente altas a fim de desestimular a especulação negativa em relação ao Real (a taxa mensal do overnight aumentou para 3,33% em março e a taxa de CDBs de 30 dias, para 3,17%), reduzindoas gradativamente somente na segunda metade de 1999. N o final de 1999, a inflação liavia aumentado 8,9% naquele ano. 238

Durante todo o ano de 1999, o governo adotou várias medidas para produzir o t i p a de superávit primário do orçamento exigido pelo FMI em troca do empréstimo concedido ao Brasil durante a crise de 1998. O governo assinou um compromisso p a r a atingir um superávit primário do orçamento de 3,1% do PIB. Para tanto, o C ongressc aprovou um aumento de alíquotas de impostos para maiores patamares de renda. Entretanto, as tentativas mencionadas para aumentar os impostos para os servidores públicos na ativa e de cobrar impostos sobre os ganhos de funcionários públicos? aposentados foram declaradas inconstitucionais pela Suprema Corte, que in terp reto u tais taxações como confisco de salários e descaso com os “direitos adquiridos” .’11P a r t compensar, foram adotadas outras medidas severas para reduzir gastos e aum enta, outros impostos, fazendo com que o superávit primário totalizasse 3,8% do P Iftsuperando significativamente a meta estabelecida pelo F M I.’1 Entretanto, em c o i t l binação com elevadas taxas de juros anteriores, essas medidas contribuíram para q u < a taxa de crescimento continuasse baixa durante quase todo o ano de 1999, em bora a previsão de uma queda de 4% no PIB não ocorresse.

Conclusões Conforme mencionado no início deste capítulo, há cinqüenta anos o Brasil v e n enfrentando o eterno problema de chegar a um consenso sobre quais grupos socicz: econômicos devem assumir a carga do financiamento do setor público. O impasse fez resolvido durante várias gerações por m eio de um financiamento inflacionário. T o d a os vários choques heterodoxos, do Plano Cruzado, em 1986, aos subseqüentes e n u merosos planos para lidar com a hiperinflação do país, fra ca ssaram devido à falta A um ajuste fiscal, q u e permitiam a volta implacável de pressões inflacionárias. O m o d engenhoso pelo qual o Plano Real foi introduzido e gerou credibilidade nacional internacional perm itiu à economia funcionar de maneira estável durante um lo n g período. Isso se deveu ao fato de que a credibilidade facilitou o financiamento pam o déficit do governo por outros meios que não o do Banco Central. Os ajustes fisca puderam ser adiados por muito tem po. Entretanto, como a dívida do governo s avolumava, e o ajuste fiscal era constantem ente postergado, a credibilidade do gove= no foi reduzida gradativamente, e a crise internacional de 1997/98 simplesmente a c c lerou o final do Plano Real. Parece, portanto, que no início do novo milênio o Brasil será obrigado a encontra um mecanismo explícito para alocar a carga dos gastos do financiamento público, provável que, em termos políticos, isso represente um processo prolongado e a ltam ea te contencioso, porém ele é essencial, se o Brasil quiser começar a percorrer u j caminho de crescimento sustentável e não-inflacionário. O utro desafio criado pelo fi do Plano Real é se o Brasil (e outros países latino-americanos) estariam dispostos abrir mão de parte d e sua soberania quanto à criação de políticas econômicas dirigid a uma integração econômica regional.32

2-

"Jotas 1. Ver BAER (1991). 2. Para detalhes, ver Capítulos 8 e 9. 3. Para uma revisão detalhada sobre como o plano foi formulado ver: Bacha (1995) e Franco (1995). 4. Para detalhes sobre a criação da 1'RV, ver Conjuntura Econômica, abril 1994, p. 5-7. 5. A idéia de dar início ao programa de estabilização com a introdução de uma moeda indexada foi apresentada primeiramente por dois economistas brasileiros em 1985. Ver Arida e R esende (1984). Arida e t e s e n d e encontravam-se no grupo de conselheiros que ajudaram a formular o Plano Cruzado 6 . Para detalhes, ver Conjuntura Econômica, ago./1994, p. 172-3. 7. Boletim Conjuntural, out./1996. 8. Exame, 5/jul./1995, p. 27. 9. FRITSCH& FRANCO, 1991, p. 20 10. Por exemplo, transferências reduzidas para os estados e municípios e ajustes na Previdência Social. 11. DF.LF1M N E T T O , A . 1998. p. 731.

12. Esse fato foi salientado por Paulo Rabello de Castro, que fala em termos do “vício dos gastos excess iv o s ” por parte do governo brasileiro. The Walt Street Journal, sexta-feira, 6/nov./1998, p. A. 15. 13. PARENTE, 1999, p.20. 14. Idem, ibid, p. 20. 15. PIN HEIRO . Castelar «V/A. 1999, p. 18. Esses autores também apontam aumentos significativos de g a s to s em várias entidades do governo federal, aparecendo no item do orçamento referente a “outros gastos s t i i a i s e dc capital". 16. Veia, 20/jan./1999, p. 46 17. ALÉM & GIAMBIAGI, 1999, p. 96-7. 18. MONTEIRO, 1997. 19. Brazil Financial Wire, I l/jun./1997. 20. MONTEIRO, 1997, p. 254. 21. Fonte: BNDES. 22. McKinsey, 1998, p. 2. 23. FONSECA, 1998, p. 637. 24. BAF,R & NAZM1, 1999, p. 12 25. Programa de incentivos para a reestruturação e fortalecimento do sistema financeiro nacional. 26. BAF.R & NAZMI, 1999, p. 15. 27. Programa dc incentivos para a reestruturação do sistema financeiro estatal. 28. BAER & NAZMI, 1999, p. 17.

29. O pacote dc 28 bilhões incluiu as seguintes obrigações por parte do governo brasileiro: 1) aumento de impostos sobre transações financeiras de 0.3% para 0.38%; 2) aumento das contribuições previdenciárias de salários de servidores públicos ativos; 3) cobrança de impostos sobre as aposentadorias dos servidores civis aposentados; 4) alimento da idade para aposentadoria. 30. Subseqüentemente, o Congresso aprovou uma nova fórmula de cálculo para aposentadoria de trabalhadores do setor privado, estimulando-os a trabalhar durante mais tempo (ultrapassando a idade média de 52 anos e 33 anos de trabalho). A estabilidade do emprego tam bém foi derrubada e foram aprovadas algumas medidas de austeridade para reduzir gastos. 31. Em 1999, o governo tam bém foi ameaçado pela possível eliminação do imposto sobre transações financeiras, a CPMF. Esse imposto foi introduzido em 1996 e programado para durar até 1999. Em março, o governo conseguiu que o Congresso prorrogasse o imposto por mais três anos. A eliminação da CPMF reduziria significativamente as receitas do governo. Segundo jurisprudência, o governo usou o termo incorreto no projeto dc lei para prorrogar o imposto: ele deveria ter dito que iria renovar em vez dc prorrogar a CPMF. Latia American Economy & Business, out./1999, p. 2. 32. BEV1LAQUA, Afonso S. “Macroeconomic Coordination and Commercial Integration in Mercosul”, Texto para Discussão, n- 378, Rio de Janeiro, Departamento de Economia, PUC-Rio, out./1997.

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Parte II Questões contemporâneas

11 O setor externo: comércio e investimentos estrangeiros As

POLÍTICAS ECONÔMICAS internacionais adotadas pelo Brasil desde a Segunda Guerra Mundial podem ser divididas em vários períodos distintos. Do final da década de 1940 até o início da década de 1960, a industrialização como objetivo de substituir importações (ISI - Import-Substitution Industrialization) era a preocupação dominante dos governos, e as políticas econômicas externas eram moldadas de tal maneira a maximizar esse processo. De 1964 a 1974, os formuladores da política econômica deram ênfase à racionalização da economia, isto é, à busca de soluções para alguns dos desequilíbrios e distorções que surgiram durante o período mais intenso de industrialização com o objetivo de substituir as importações, o que incluía, como vimos em capítulos anteriores, políticas econômicas externas que se tornaram mais voltadas para fora do que antigamente. De 1974 até a década de 1980, como resultado do choque do petróleo c a subseqüente crise originada pela dívida, houve uma renovada ênfase na ISI e a procura de ofertas seguras de matérias-primas tornou-se o tema dominante nas políticas econômicas externas do país. Desde 1990, os planejadores tomaram medidas para abrir a economia através da redução de barreiras e de restrições ao capital estrangeiro.

Políticas econômicas internacionais no período ISI O Brasil saiu da Segunda Guerra Mundial com um substancial acúmulo de reservas cambiais. Como o governo q u e assumiu o controle em 1945 era dominado por adeptos do livre-comércio internacional e por indivíduos preocupados em controlar as forças inflacionárias, todas as barreiras ao comércio e ao câmbio foram suprimidas; ao mesmo tempo, o câmbio perm aneceu no mesmo nível praticado no período anterior à guerra (de 1937 a 1952, a taxa de câmbio oficial permaneceu fixa em 18,50 cruzeiros velhos 243

por dólar) —até 1942 a moeda em vigor era o mil-réis), o que resultou numa '‘farra” de importações que deixou o país sem reservas adequadas no período de um ano e em 1947 levou à reimposição de restrições de comércio e pagamentos. A taxa cambial “real” em 1952 chegava quase à metade do que era em 1946. As medidas de proteção adotadas no final da década de 1940, embora tivessem sido planejadas essencialmente para defender o balanço de pagamentos do país, agiram como estímulo ao prosseguimento do processo de industrialização, principalmente de bens de consumo, que havia começado na década de 1930.1 Já vimos como o governo brasileiro adotou a ISI (Import-Substitution Industrialization) na década de 1950 como sua principal estratégia de desenvolvimento e como as medidas de proteção do final da década de 1940 eram agora deliberadamente empregadas como instrumentos de promoção da ISI em vez de serem usadas primordialmente para proteção do balanço de pagamentos. A ênfase estava em desenvolver a capacidade produtiva doméstica para tantos produtos manufaturados antes importados quanto possível. Deu-se atenção especial à produção interna de bens de consumo mais sofisticados, insumos básicos, energia, e assim por diante. Notamos que para esse fim foram aplicados vários tipos de sistemas de controle cambial e de tarifas. Estas últimas resultaram numa estrutura de tarifas efetivas superior a 250% para produtos manufaturados.2 As políticas voltadas para o capital estrangeiro eram extremamente favoráveis. Não só havia a atração de um mercado amplo e largamente protegido, como foram desenvolvidas outras medidas que favoreciam as empresas que instalavam unidades de produção no Brasil (ver Capítulo 4). Essas políticas não-ortodoxas da ISI dificultaram a obtenção de muitos financiamentos de instituições internacionais, como o Banco M undial ou órgãos de auxílio americanos, e a maioria dos financiamentos vinha do setor privado internacional. A abordagem global do desenvolvimento na década de 1950 tinha uma “preocupação interna” . A ISI deveria tornar o crescimento do Brasil menos dependente dos centros industriais tradicionais do mundo, isto é, o “mecanismo de crescimento” residiria cada vez mais no setor industrial em recente desenvolvimento. Conseqüentemente, o indicador de sucesso do período era a rapidez com que o coeficiente de importações estava sendo reduzido. Durante todo o período as exportações foram negligenciadas. De fato, as políticas da ISI adotadas pelo Brasil funcionaram em detrimento do setor de exportação. Muitos analistas acharam que longos períodos de supervalorização do câmbio limitaram a expansão das exportações tradicionais e novas. Como resultado de sua negligência, a estrutura das mercadorias de exportação pouco mudou na década de 1950, enquanto uma profunda transformação se instalara na estrutura da economia. No início da década de 1960, as exportações primárias tradicionais ainda eram responsáveis por mais de 90% do total de exportações, enquanto os produtos manufaturados representavam somente 2% em 1960. Na década de 1960 ficou evidente que a negligência em relação ao comércio internacional durante os anos da ISI estava colocando o país numa posição precária. Atingira-se um limite para a redução do coeficiente de importações ao mesmo tempo em que o setor industrial em crescimento necessitava da entrada de materiais primários, bens intermediários e de capital que não poderiam ser obtidos internamente. O

contínuo descaso com as exportações colocava o país numa situação perigosa quanto ao balanço de pagamentos, visto que o declínio nos ganhos com exportações associado à necessidade de uma redução nas importações poderia levar à estagnação industrial. O resultado foi um grande acúmulo de deficits na conta corrente e, como era difícil obter financiamento, o Brasil acumulou uma quantia significativa de “dívidas forçadas”, principalmente na forma de créditos de fornecedores. Em 1964 ficou claro que essa política não poderia continuar.

As políticas “voltadas para o exterior” do período 1964-74 A formulação de políticas econômicas após a mudança de regime de 1964 agiu na suposição de que as elevadas taxas de crescimento na era do Brasil pós-ISI somente poderiam ser atingidas num cenário econômico mais aberto do que o da década de 1950. A fim de aumentar a taxa de crescimento e de diversificação nas exportações, o governo implementou uma série de medidas: aboliu os impostos estaduais de exportação, simplificou procedimentos administrativos para os exportadores e introduziu um programa de incentivos fiscais às exportações e de créditos subsidiados aos exportadores.'’ Essas políticas visavam não apenas a um crescimento mais rápido no total das exportações, mas também a um aumento na participação dos bens manufaturados, o que levaria à redução da dependência do país na exportação de bens primários, especialmente o café. Na área de políticas cambiais, o desenvolvimento de uma abordagem consistente com suas metas de diversificação de exportações por parte dos governos pós-1964 foi apenas gradual. Embora tivessem ocorrido várias desvalorizações que eliminaram substancialmente a supervalorização do cruzeiro, os longos períodos entre as desvalorizações causaram períodos recorrentes de supervalorização e especulação em relação à moeda nacional. Em 1968, o governo adotou um sistema de minidesvalorizações que consistiam em pequenas desvalorizações freqüentes, mas imprevisíveis. Esperava-se que esse sistema evitasse a supervalorização do cruzeiro à medida que a inflação prosseguia, que manteria a especulação da moeda a um mínimo e que evitaria a transformação do câmbio numa questão política.4 A orientação voltada para o exterior das políticas referentes às importações consistiram principalmente em uma reforma tarifária em 1966, que resultou na redução das tarifas nominais de um a média de 54% em 1964 e 1966 para 39% em 1967. Mudanças posteriores levaram novamente a um aum ento das taxas, mas não aos níveis anteriores à reforma. Há provas de que as tarifas nominais eram mais elevadas do que as reais devido à freqüência das isenções e reduções especiais para importação de bens para projetos prioritários. A proteção real também foi reduzida no final da década de 1960 e início da de 1970, pelo fato de que a taxa de desvalorização do cruzeiro era menor que a taxa de inflação.’ As políticas posteriores a 1964 relativas ao capital estrangeiro pretendiam estimular o aporte de capital de empréstimo oficial e privado e de investimentos privados diretos. Não há dúvida de que a estabilidade política e a orientação geral ortodoxa dos 245

governos pós-1964 proporcionaram um clima favorável aos investimentos estrangeiros, dom o veremos na próxima seção, entretanto, foram necessários vários anos para que afluxos significativos de capital estrangeiro se tornassem efetivos. A estagnação econômica que perdurou até 1968 e o considerável excesso de capacidade do setor xnanufatureiro nos primeiros anos de rápida prosperidade de 1968 a 1974 explicam em _grande parte por que os aumentos substanciais nos investimentos estrangeiros diretos ocorreram somente após 1971. Antes dessa época, dominavam os aportes de capital financeiro, que haviam crescido de maneira notável somente no final da década de 1960. Parece haver duas razões importantes para explicar essa demora. Primeiro, houve um longo período de gestação envolvido na realização de estudos de viabilidade para grandes projetos e na negociação de empréstimos de entidades como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Agência Americana para D esenvolvimento Internacional. O segundo motivo foi que os investidores estrangeiros esperaram algum tempo até que estivessem convencidos da estabilidade do regime e de seus compromissos para com a nova orientação política. As políticas financeiras internas também foram responsáveis por grandes aportes de capital de empréstimo privado na década de 1970. A taxa de desvalorização do •cruzeiro, por exemplo, foi substancialmente menor que a taxa de inflação interna, e a correção monetária aplicada aos instrumentos financeiros foi maior que a desvalorização cambial. Esse fato tornou os empréstimos de fontes externas especialmente atraentes para as empresas brasileiras. Os significativos afluxos de capital devidos, em grande parte, à oferta excessiva de moeda internacional, aumentaram as reservas cambiais e também contribuíram para as pressões inflacionárias, o que obrigou o governo a impor aos fundos estrangeiros uma exigência de tempo mínimo de permanência no Brasil a partir do final de 1972.6

Do crescimento sustentado pelo endividamento à crise por ele provocada No Capítulo 6 examinamos as circunstâncias que levaram o Brasil a optar pelo crescimento sustentado por dívidas em meados da década de 1970. Muitas das políticas adotadas na segunda m etade dessa década contribuíram para uma diversificação maior das exportações do país e para os investimentos com o objetivo de substituir as importações em muitos setores, tais como o de bens de capital. A crise provocada pela dívida que surgiu no início da década de 1980 fez com que o Brasil desse grande impulso à promoção de exportações não-tradicionais e à redução das importações. Estas sofreram uma queda extraordinária devido aos vários tipos de restrições a elas impostos, à queda dos investimentos (cujo conteúdo de importações costuma ser muito elevado) e às baixas taxas de crescimento que predominaram por vários anos durante a década de 1980. O resultado final foi o desenvolvimento de superávits comerciais anuais consistentes necessários para o serviço da dívida externa, visto que a crise provocada por ela também ocasionou uma queda nos aportes de capital.

246

A abertura da economia na década de 1990 Gomo vimos no Capítulo 9, uma das principais metas políticas do governo Collor foi a abertura da economia do país. As tarifas foram gradualmente abolidas, a reserva de mercado de certos produtos (especialmente computadores) foi eliminada e vários estímulos às exportações também foram removidos. Essas políticas continuaram a s e r adotadas com Itamar Franco, que assumiu a presidência no final de 1992, e Fernando Henrique Cardoso, eleito em 1994 e reeleito em 1998.7 Além disso, foram instituídas várias medidas para facilitar os investimentos estrangeiros. O objetivo de todas essas medidas foi o de aumentar a eficiência da economia por meio da concorrência estrangeira e a entrada de investimentos estrangeiros diretos.

Resumo estatístico da posição internacional do Brasil Durante o período da ISI (ver N. do T . à página 92), a dependência comercial brasileira medida pelos coeficientes de exportação de bens e serviços/PIB e de importação de bens e serviços/PIB caiu de 9% em cada setor em 1949 para 5% e 6%, respectivamente, em 1960. Durante as décadas de 1970 e 1980, a taxa de exportações aumentou consideravelmente, atingindo um pico de 15% em 1974; no início da década de 1990 ela atingiu uma média de cerca de 10%, caindo novamente para 7,5% no final dessa década.8 A taxa de importações atingiu o pico de 13,3% em 1974, caiu para 5,5% em 1989, tornou a aumentar na década de 1990, ultrapassando a marca dos 10% em 1997. Pode-se ter uma idéia geral da posição internacional do Brasil analisando o balanço de pagamentos, apresentado no Apêndice, Tabela A4. Embora o saldo da conta corrente tenha sido negativo em quase todos os anos desde a década de 1950, a balança comercial foi quase sempre positiva desde 1971. Apesar das altas taxas de crescimento das exportações resultantes dos programas de incentivo do governo, o elevado crescim ento interno (especialmente o dos investimentos de 1970 em diante) associado à liberalização das importações, provocou uma expansão maior nesse setor do que no de exportações. Além disso, o contínuo e rápido crescimento interno fez com que muitas indústrias atingissem a capacidade total de produção antes de satisfazer a demanda doméstica, o que gerou uma dependência maior das importações —como foi o caso, por exemplo, dos produtos siderúrgicos. Naturalmente, os elevados déficits comerciais de 1974 foram resultado, em grande parte, dos desmedidos aumentos dos preços do petróleo. Além disso, porém, os ambiciosos programas de investimento do governo e as empresas multinacionais também foram responsáveis pelos sucessivos aumentos das importações de bens de capital e matérias-primas. Desde 1981 a balança comercial apresentou resultados positivos e assim continuou até meados da década de 1990, fato devido ao aumento progressivo das exportações naquele período e à extraordinária queda nas importações. As exportações aumentaram de cerca de US$ 21 bilhões no início da década de 1980 para mais de US$ 36 bilhões em 1992, enquanto as importações caíram de aproximadamente US$ 22 bilhões no início da década de 1980 para cerca de US$ 13,5 bilhões em 1992 e 1993.

Na segunda metade da década de 1990, a balança comercial apresentou significativ o s resultados negativos. Em 1998, o déficit comercial chegou a quase US$ 6,5 bi1 hões, como resultado de um maior número de importações do que de exportações, refletindo o impacto das políticas de liberalização adotadas pelas autoridades brasileir a s segundo o plano de estabilização do Real e da valorização da taxa cambial. O balanço de serviços sempre foi negativo, e a carga maior residia nos pagamentos de •capital, seguida de custos de transporte. Como podemos observar no Apêndice, Tabela a taxa de crescimento desses pagamentos foi muito rápida na década de 1970, refletin d o o aumento da dívida externa do Brasil, a maior dependência de investimentos estrangeiros diretos com a concomitante remessa de lucros e o aumento da utilização de transportadores estrangeiros que acompanhava o rápido crescimento das importações. O crescente déficit da conta corrente e as amortizações do principal foram mais que compensados pelos aportes de capital, especialmente a partir do final da década de 1960 até 1973, o que permitiu ao Brasil acumular reservas cambiais no valor de US$

100.0 100,0

Fonte: BERGSMAN, Joel. Brazil: industrialization and trade policies. Nova York, Oxford University Press, 1970; DOEL LINGER, Carlos von. “Foreign trade policy and its effects” . Rio de Janeiro. 1PF.A Brazilian FronomicStudies n 1, 1975; Banco Central do Brasil, Boletim.

250

T abela 11.2 D istribuição geográfica das exportações e im portações, 1945-98 (a) Exportações: distribuição geográfica (%)

Estados Unidos Canadá América Latina Europa ocidental Europa central e oriental Japão Outros (Oriente Médio) Total

1945-49

1957-59

1967

1970

44.3 23,3

41.3

33,1

24,7

32,4

3,0 29,4

-

26,3

-

100.0

-

1.0

9,7 39,8 5,9 3,4 7,1 (0,9)

100,0 100.0

1985 1992 1998

1975

1976

1981

15.4

40,3

11,5 35,2

13.8 31,4

18,2 1.4 11,9 34,9

17,6

1,5

1974 21,8 1,2

18,1 27,1

30.0

5,0 7,0 18,3 (4.2)

8.8

9,0 6,3 18,3 (2,7)

7,3 5,2 17,5 (5,4)

3,9 5,5 23,1 (5.9)

11,1

4,5 5,3

12,6

(0 , 6 )

1.6

7,8

21,2 (5.2)

100.0 100.0 ) 100.0

(b) Importações: distribuição geográfica

1.2

27,3

1.6 8,6

19,7

19,3

1.1

1,0

19.9 29,7

24,7 28,8

1,0 6.4

2.3 3,8

(5,2)

(4,8)

22,2 20,1

100,0 100,0 ) 100,0 100,0 100.0 redominio nacional

^Agricultura Comércio varejista Construção Distribuição'automóveis Madeira e móveis Roupas Hotéis Têxteis Papele celulose Supermercados Comércio atacadista Fertilizantes Serv iços de transporte Produtos elétricos Min. nâo-metálicos Produtos alimentícios Aço Prods, de transporte Autopeças de metal

97 90 85 85 81 77 75 75

68

67 67 64 56 46 44

3 10

15 lí 19 23 25 7 I 33 33 36 6

45 48

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

18 31 0 0 0

37 9 8

100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Predomínio estrangeiro

Autos e peças Produtos higiênicos Farmacêuticos Computadores Plásticos e borracha Bebidas e fumo Gasolina distrib. Máquinas e equipamentos

6 12

18 33 35 40 12

50

94 83 82 65 65 60 55 50

0 0 0 2 0 0

33 0

100 100 100 100 100 100 100 100

Predomínio estatal

Serviços públicos Químicos e petroquímicos Mineração

0

13 32

Ohs.: Cada setor inclui as vime maiores empresas. Fonte: “Os melhores e maiores*', F.xame, ago./1993.

260

0 21

7

100 66

61

100 100 100

Tabela 11.7 (continuação) b) Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais no faturamento total, 1998 (%) !\acionais

Estrangeiras

Estatais

Total

Predomínio nacional

Construção

96

4

Serviços de transporte

96

4

Bebidas

85

15

Têxteis

84

16

Mineração

83

15

2

Papel e celulose Serviços

84 78

16 9

13

Aço

72

Materiais de construção

66

28

Varejo

62

37

1

Atacado e com. exterior

46

35

19

7

93

II

Eletroeletrônicos

21

89 79

Telecomunicações

24

75

Farmacêuticos

25

75

Máquinas e equipamentos C omputadores

27

73

19

67

Plásticos e borracha

37

63

Prods, alimentícios

44

56

21 20

14

65

25

55

34

100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

Predomínio estrangeiro

Autos e peças Produtos higiênicos

1 14

100 100 100 100 100 100 100 100 100

Predomínio estalai

Serviços públicos Químicos e petroquímicos

100 100

Fonte: “Os melhores e maiores” . Exame, junh./1999, p. 11.

A Tabela 11.8 apresenta os resultados de um levantamento que inclui quase todo o universo de empresas em cada setor. Como é de se esperar, a predominância das empresas estrangeiras é bem menos pronunciada nesse quadro muito mais amplo. Em termos de faturamento, elas superam o nível dos 50% somente em sete casos; entretanto, tomando-se uma parcela de 30% ou mais, encontram-se 15 setores. A predominância estrangeira permanece em setores dinâmicos, como o de equipamento elétrico, automóveis, farmacêuticos e maquinário para construção, e é consideravelmente menor nos setores têxteis e de produtos alimentícios. 261

Tabela 11.8 Participação de empresas nacionais, estrangeiras e estatais nos ativos, faturamento e emprego, 1985 {%)

Agricultura

2,6

14,2

3,8

71,8

31,9

51.4

33,8

14,8

62,0

35,2

17,1

Aço

63

24,4

Metais não-íerrosos

57 265 19

Máquinas, motores, equip.

22 101

1,1

0,1

92,6 82.8

instrumentos e equip, escritório

Faturamento Nacionais Estrangeiras

96.4 85,6

503 52

Cimento

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1 k;