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Portuguese Pages 158 Year 2021
1 A AVENTURA
NOTAS SOBRE O ESTILO DE MICHELANGELO ANTONIONI Juliana Rodrigues Pereira
Edição Alexandre Rafael Garcia e Wellington Sari Preparação Juliana Vaz Revisão Álvaro Zeini Cruz e Cristiane da Silva Lopes Produção executiva Anderson Simão Projeto gráfico e diagramação Pedro Giongo Produção gráfica Iara Maica e Paula Azevedo Coordenação editorial Alexandre Rafael Garcia Capa Fotograma do filme A aventura, de Michelangelo Antonioni (1960) © Cino del Duca / Produzioni Cinematografiche Europee primeira edição - 2021 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pereira, Juliana Rodrigues A aventura : Notas sobre o estilo de Michelangelo Antonioni / Juliana Rodrigues Pereira. -- Curitiba : A Quadro, 2021. -- (Coleção Escrever o Cinema ; 1) ISBN 978-65-996017-0-5 1. Antonioni, Michelangelo, 1912-2007 2. Cineastas 3. Cinema - História e crítica 4. Cinema - Itália 5. Estilo 6. Filmes I. Título II. Série. 21-81113
CDD-791.4309
Índices para catálogo sistemático: 1. Cinema : História 791.4309 Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
Coleção Escrever o Cinema Conselho editorial
Álvaro Zeini Cruz - Senac-SP Ana Catarina Pereira - UBI - Portugal Ângela Prysthon - UFPE Bruno Leites - UFRGS Carolina Amaral de Aguiar - UEL Cristian Borges - USP Edson Costa - Unicamp Eduardo Dias Fonseca - Unila Fábio Uchôa - UAM Fernando Andacht - Universidade da República - Uruguai Fernão Pessoa Ramos - Unicamp Gilberto Alexandre Sobrinho - Unicamp Ignacio del Valle Dávila - Unila Luiz Carlos Oliveira Jr. - UFJF Manuela Penafria - UBI - Portugal Margarida Adamatti - UFSCar Mariarosaria Fabris - USP Pedro Plaza Pinto - UFPR/Unespar Rafael Tassi Teixeira - Unespar Rosane Kaminski - UFPR/Unespar Sandra Fischer - UTP/Unespar Tatiana Monassa - Université de Paris - França Vitor Zan - UFMS
Sumário
Apresentação, por Pedro Plaza Pinto 13 Prefácio, por Mariarosaria Fabris 17
Introdução 29
Parte I : Estilo e análise fílmica 1. O que é estilo 41 2. Sobre análise fílmica 47
Parte II : A aventura 1. Sobre o filme 55 2. Sinopse 61 3. Estratégias de desdramatização 65 4. Mise en scène 73 5. Ecos e repetições 103 6. Uso do som 109 7. Incompatibilidade entre palavras e gestos 121 8. Personagens como testemunhas 127 9. Paisagem expressiva 135
Considerações finais 141
Apresentação Por Pedro Plaza Pinto
São raros os trabalhos analíticos que se debruçam sobre um objeto fílmico de modo a produzirem uma atitude mimética eficaz em relação ao mesmo. Em geral, o travo da personalidade se sobrepõe ao filme, dominando-o totalmente a partir de um ângulo particular de abordagem. Essa submissão da obra à personalidade crítica e ao viés único já foi mais acentuada nas áreas dos estudos literários e cinematográficos e não é o caso do presente estudo, uma contribuição inédita no Brasil, muito informada, acerca do problema da novidade estilística e formal que se apresentou em A aventura, do eminente realizador italiano Michelangelo Antonioni. Juliana Rodrigues Pereira considera atentamente diferentes olhares sobre o realizador e o filme tratados e nos conduz com perspicácia em direção à análise, utilizando como ponte a discussão de premissas teórico-metodológicas dos atuais estudos sobre estilo e autoria do cinema. A sobreposição de emolduramentos que a autora identifica em trechos do filme serve muito bem para caracterizar o projeto
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subjacente a este estudo. O emolduramento em imediata evidência, desenhado pelo gosto e pelo conhecimento sobre o cinema, é o traço mais interessado e decisivo da análise e da formação de quem as realizou. A curiosidade sobre o cinema italiano se direcionou para uma dedicação ao conhecimento sobre a força de presença da “novidade” do filme de Antonioni na crítica italiana e estrangeira. A autora produziu também delineamentos impensados pela busca em compartilhar amorosamente este conhecimento com parceiras e parceiros de vida, entre estudos, muita informação e viagens, na lida com a língua, na busca de imersão em espaços cinematografados e na cultura observada. Aspectos não tão evidenciados no texto, dado o comedimento da pesquisadora. Outro claro emolduramento que não pode ser ignorado é o estabelecido naquilo que a leitora e o leitor encontrarão nas páginas do livro como domínio da expressão e da construção do texto. Síntese, objetividade e precisão são palavras insuficientes para classificarem o rigor com que a autora nos entrega o seu olhar sobre a obra de um diretor também rigoroso em suas expressões. O livro demonstra que há o acúmulo de considerável experiência com a expressão escrita. Sem deixar de trazer anotações personalíssimas, contudo, o discurso é igualmente discreto e generoso com o leitor e com a leitora. Abre espaços amplos para diferentes visões sobre o filme de Antonioni, seja com a apresentação necessária de históricos apontamentos já consagrados, seja com o cotejamento de tratamentos da atualidade advindos de estudiosos de diferentes origens e países. Estes aspectos, de anotação informada e cotejamento expressivo, foram construídos a partir do emolduramento que se acrescentou à formação de Juliana: a realização metódica de uma paciente pesquisa com o olhar histórico que impregna a dedicação crítica e
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analítica. Enfim, para isso mesmo é que serve a pesquisa universitária dentro de um programa de pós-graduação das ditas Ciências Humanas, no caso, um mestrado em História. Moldura sobre moldura cria o conjunto de quadros que este livro não proclama estarem no curso da sua exposição, mas que arrisco trabalhar como hipótese explicativa do porquê da origem e da sustentação de tão interessante estudo. Além disso, este livro apresenta uma também generosa contribuição em prefácio da mais renomada e experiente pesquisadora do cinema italiano no Brasil, Mariarosaria Fabris. A sua abordagem faz fervilhar o enorme sistema de referências tecido ao longo da vida de incansável pesquisadora, produzindo para as leitoras e leitores uma rede intricada e complexa que pode ser um excelente roteiro para o conhecimento do moderno cinema italiano. O livro e seu prefácio se comunicam como antípodas e pares complementares. A comunicação entre o corpo do texto e o seu prefácio teve como resultado esta publicação muito particular. Leitoras e leitores não vão conseguir atravessá-la sem serem intensamente atraídos pelo poderoso magnetismo daquilo que representa o filme A aventura, a um só tempo seu princípio, sua meta, seu centro e sua dispersão. Não ultrapassamos incólumes um volume com essa natureza, uma existência da ordem do cinematográfico que nos faz pensar em sentir, da ordem da escritura que nos faz sentir em pensar.
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Prefácio Por Mariarosaria Fabris
Em 1960, o cinema italiano foi laureado duas vezes no Festival de Cannes: A doce vida (La dolce vita, 1959), de Federico Fellini, recebeu a Palma de Ouro e A aventura (L’avventura, 1960), de Michelangelo Antonioni, dividiu o Prêmio do Júri com Alucinação sensual (Kagi, 1959), de Kon Ichikawa. Era a consagração de dois cineastas que, tendo iniciado suas carreiras à sombra do neorrealismo, vinham contribuir para mais uma renovação da produção peninsular, junto com realizadores emergentes surgidos entre o fim dos anos 1950 e meados da década seguinte, muitos dos quais agraciados com premiações na Mostra Internacional de Arte Cinematográfica de Veneza, como os próprios Fellini e Antonioni, que haviam sido contemplados com o Leão de Prata por Os boas-vidas (I vitelloni), em 1953 e A estrada da vida (La strada), em 1954, e As amigas (Le amiche), em 1955, respectivamente. Refiro-me a diretores como Francesco Rosi, Ermanno Olmi, Gillo Pontecorvo, Vittorio De Seta, Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Paolo e Vittorio Taviani, Valentino Orsini, Marco Ferreri, Marco Bellocchio, Francesco Maselli e a Tinto Brass em seus primórdios, dentre outros.
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Apesar desse clima de efervescência que havia tomado conta de um cinema produzido à margem daquele comercial, o filme lançado por Antonioni em 1960, que despertou a fúria de seus detratores e a devoção de seus admiradores, conseguiu surpreender pela ruptura com convenções narrativas e formais. É nessa ruptura que se detém Juliana Rodrigues Pereira em A aventura: Notas sobre o estilo de Michelangelo Antonioni. O livro divide-se em duas partes, uma teórica e outra analítica, precedidas de uma “Introdução”, na qual a autora traça a biografia e a trajetória cinematográfica do cineasta de Ferrara até sua realização de 1960. A leitura dessas páginas iniciais, que já trazem dados relevantes sobre a elaboração da poética antonioniana e quais elementos colaboraram para a constituição de seu estilo, é instigante também por propiciar reflexões pessoais a um leitor que conheça a obra do diretor italiano. A referência ao artigo que Antonioni escreveu para a revista Cinema, “Por um filme sobre o rio Pó” (“Per un film sul fiume Po”, 25 de abril de 1939), evidencia como o jovem crítico já se abria para aquela descoberta da paisagem italiana e sua interação com os personagens presentes em filmes ainda realizados durante o Fascismo, mas não alinhados com o regime, dos quais o melhor exemplo é Pequeno mundo antigo (Piccolo mondo antico, 1941), de Mario Soldati. Como salientará Giuseppe De Santis em “Por uma paisagem italiana” (“Per un paesaggio italiano”), publicado na supracitada revista exatamente dois anos depois: “Pela primeira vez em nosso cinema vimos uma paisagem [...] correspondente à humanidade das personagens, seja como elemento emotivo, seja como índice de seus sentimentos”.1 Uma concepção consoante com a apresentada por 1 Mariarosaria Fabris, O neo-realismo cinematográfico italiano: Uma leitura. São Paulo: Edusp; Fapesp, 1996, p. 66.
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Antonioni em seu texto, interessado em captar o “espírito” da paisagem padânea e seus habitantes, entendido como “um conjunto de elementos morais e psicológicos”.2 Assim, estava lançada uma das características de sua poética, aprimorada com o passar dos anos. O artigo escrito em 1939 é o germe do primeiro curta-metragem do diretor – Gente do Pó (Gente del Po) –, cujas filmagens foram iniciadas em 1943, a poucos quilômetros de distância das locações do seminal Obsessão (Ossessione, 1943), de Luchino Visconti, nas margens daquele mesmo rio onde Roberto Rossellini rodará o episódio final de Paisá (Paisà, 1946). O vale do rio Pó, com sua desolada paisagem brumosa, será ainda o cenário de um dos primeiros longas-metragens de Antonioni, O grito (Il grido, 1957). O documentário sobre o Pó foi lançado apenas em 1947 e, no ano seguinte, o cineasta rodou N.U. (isto é, “nettezza urbana” = “limpeza urbana”), no qual a voz over do narrador, depois das explanações iniciais sobre a vida dos garis, se cala diante da evidência das imagens. A estes curtas seguiram-se, em 1949, L’amorosa menzogna sobre o imaginário do universo das fotonovelas, temática a ser retomada num longa-metragem que acabou dirigido por Fellini, O abismo de um sonho (Lo sceicco bianco, 1952), sendo o nome de Antonioni arrolado apenas como um dos argumentistas; Superstizione, que, como o próprio título indica, tratava das superstições numa região da Itália Central, mas também de feitiços, crenças, rituais e medicina popular, os quais, vistos com os olhos de hoje, emprestam contornos de antropologia cultural a essa obra repudiada pelo diretor por causa da excessiva manipulação dos produtores; Sette canne, un vestito, em que o realizador, talvez por
2 Michelangelo Antonioni, “Por um filme sobre o rio Pó”. In: Adriano Aprà (Org.). Aventura Antonioni. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Ministério da Cultura; Voa!, 2017, p. 26.
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se tratar de um filme de encomenda, deixando em segundo plano os trabalhadores, se interessou mais pelo maquinário utilizado no processo de transformação de fibra vegetal em rayon e por aquela arquitetura industrial que será o cenário de Deserto vermelho (Il deserto rosso, 1964). Antes de suspender momentaneamente a atividade de documentarista, em 1950, o cineasta filmou ainda La funivia del Faloria ("O teleférico de Faloria"), em que tentou traduzir apenas visualmente a sensação de vazio e de vertigem dos passageiros de um bondinho dos Alpes Dolomíticos, e La villa dei mostri sobre o famoso Parque dos Monstros, com suas esculturas bizarras e fantásticas, que circunda a mansão dos Orsini, construído no século XVI, na pequena localidade de Bomarzo, no Lácio. A locução meio jocosa que acompanha as imagens reforça ainda mais a ideia de que este documentário lembra antes um fragmento de cinejornal.3 Nessas primeiras realizações já estão presentes alguns estilemas que caracterizarão a poética antonioniana, desde as amplas panorâmicas que varrem a paisagem e os planos longos que perscrutam as arquiteturas até a inserção do elemento humano que perambula livremente nesses cenários, embora, às vezes, como bem assinala Juliana ao referir-se a N.U. e a A aventura, o plano seja parcialmente vedado por algum obstáculo. E aqui e acola já se insinua o predomínio da imagem sobre o som. No primeiro longa-metragem do diretor, Crimes da alma (Cronaca di un amore, 1950), apesar de não muito apreciado pela autora do livro em tela, já se anunciam alguns elementos que
3 Dentre os documentários do cineasta, estão arrolados ainda Oltre l’oblio e RomaMontevideo (com a colaboração de François Reichenbach), ambos de 1948, e Ragazze in bianco, de 1949, a respeito dos quais não há referências. Sobre esse gênero na cinematografia do diretor, ver a seção “I cortometraggi” do volume Il primo Antonioni (Bolonha: Cappelli, 1973), organizado por Carlo Di Carlo.
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caracterizarão a produção mais madura, como movimentos de câmera mais elaborados, a abordagem de um triângulo amoroso, a descrição de ambientes burgueses, deixados de lado em obras que focalizam o mundo proletário – no qual o realizador parece deslocado –, como o episódio “Tentato suicidio” (“Tentativa de suicídio”), que integra o filme coletivo Amores na cidade (L’amore in città, 1953) e O grito. Na enquete filmada com as próprias protagonistas das tentativas de suicídio, o foco recaía mais sobre os lugares em que o fato era consumado, provocando um efeito de distanciamento, enfatizado também pela voz neutra do entrevistador e sua linguagem culta, em contraste com as falas populares das mulheres. A presença de Cesare Zavattini como mentor do projeto coletivo, o emprego de intérpretes não profissionais e as filmagens externas poderiam levar a pensar numa estética neorrealista, mas já não se tratava disso, assim como não se tratava ainda de procedimentos do chamado cinéma-vérité, cujos primeiros representantes na Itália serão Bandidos em Orgosolo (Banditi a Orgosolo), de De Seta, e O bandido Giuliano (Salvatore Giuliano), de Rosi, ambos de 1961.4 Se, de certo modo, Antonioni acabou fechando suas contas com o neorrealismo em A dama sem camélias (La signora senza camelie, 1953), ao tratar de forma crítica a questão dos atores improvisados – a protagonista fracassa ao ser escalada para um papel principal–,5
4 Henri-Paul Senécal, “Qu’est-ce que le Cinéma-vérité?”. Séquences, Montreal, n. 34, out. 1963, p. 4. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2021. 5 Um caso emblemático das dificuldades enfrentadas por atores tirados das ruas foi o de Liliana Mancini – lançada por Renato Castellani em Sob o sol de Roma (Sotto il sole di Roma, 1948) –, a qual, em Belíssima (Bellissima, 1951), de Visconti, interpretou a si mesma no pequeno papel de uma montadora que aconselha a mãe de uma menina a não sonhar com um futuro de fama para a filha.
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no terceiro episódio de Os vencidos (I vinti, 1952) já estavam presentes características que, de alguma forma, pareciam prenunciar Blow-up – Depois daquele beijo (Blow-up, 1965), embora o delito fosse desvendado: filmagens em geral mais soltas, Londres como um espaço urbano mais instigante do que Paris ou Roma (cenários das partes anteriores), o assassinato num parque, uma moral menos rígida em relação à dos outros dois países, o cinismo do protagonista, a atuação mais despojada do intérprete principal, certa semelhança física entre Peter Reynold e David Hemmings. Baseado no livro Mulheres só (Tra donne sole, 1949) de Cesare Pavese, em 1955, o cineasta lançava As amigas (Le amiche). Pavese, um precursor do neorrealismo literário, foi um dos principais introdutores da cultura norte-americana na Itália, com o objetivo de forjar a ideia de uma nova sociedade que se opusesse ao regime fascista. Isso a partir da década de 1930, a mesma em que Antonioni se interessava por filmes como Um romance no Mississipi (Banjo on my Knee, 1936), de John Cromwell, ou O rio (The River, 1939), de Pare Lorentzs, por ele citados em seu artigo de 1939.6 Como salienta Juliana, As amigas, mais do que relacionar-se com obras que o precederam, preparava o terreno para A aventura quanto à mise en scène. Uma carta aberta de Italo Calvino ao cineasta – “Le amiche e Pavese”, publicada no Notiziario Einaudi de novembro-dezembro de 1955 – oferece outros pontos de reflexão sobre essa aproximação. O escritor elogiava a observação de costumes que o diretor, na qualidade de “amargo cronista de uma geração burguesa”, já havia formulado em filmes anteriores e que agora atingia seu clímax, ao focalizar um grupo urbano e burguês de amigas e amigos – o que era incomum no cinema, mas já tradicional na
6 Antonioni, 2017, p. 25.
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literatura – “com um olhar sensível e, mesmo assim, sem indulgência [...], realçando impiedosamente a crueldade corriqueira, a sensualidade superficial, a constante covardia diante de situações morais mais tensas”; um grupo ao qual contrapunha a esfera do trabalho assalariado. Destacava ainda o modo “despojado e áspero” de narrar, típico do realizador, “baseado na relação entre paisagens sempre algo esquálidas e invernais” e falas pausadas e fortuitas, o qual lhe permitiu engendrar um estilo cinematográfico que remetia àquele tom menor, característico de muitos escritores modernos, dentre os quais o próprio Pavese.7 Dessa forma, As amigas continha em seu bojo a ideia de um círculo de amizades, cujos integrantes, porém, em A aventura, pertencem à alta burguesia, retratada em todos os seus rituais vazios e fúteis. Ademais, poderia se acrescentar, já estão presentes as questões do triângulo amoroso (que, no segundo filme, envolve todos os casais: Sandro-Anna/Claudia, Giulia-Corrado/Goffredo, PatriziaEttore/Raimondo), do desaparecimento, seja pelo suicídio, seja pelo sumiço, como acontecerá na realização de 1960, e, de forma mais atenuada, o contraste entre o mundo dos bem-nascidos e o dos trabalhadores braçais, como os pescadores contrabandistas das ilhas Eólias, que traziam estampada em seus semblantes a ancestralidade da miséria.8 Em As amigas, torna-se mais patente o embate entre o universo feminino e o masculino, presente desde Crimes da alma, que
7 Italo Calvino, “Le amiche e Pavese (lettera aperta a Michelangelo Antonioni”. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2021. Pavese e Calvino foram colaboradores da editora Einaudi de Turim, pela qual publicaram seus livros. 8 São os mesmos rostos de pessoas do povo que Visconti havia enaltecido em A terra treme (La terra trema, 1948), rodado na Sicília, tendo como intérpretes os habitantes de Acitrezza.
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ganha contornos mais exacerbados ao ser transposto para a Sicília, terra de grandes contrastes também nesse campo. Se, na sociedade italiana em geral, a mulher frequentemente era ainda considerada um apêndice do homem (como Patrizia e Giulia em A aventura), nas camadas mais populares qualquer mulher livre da tutela de um homem se transformava numa presa (como no paralelo entre a prostituta de luxo em Messina e Claudia em Noto, vista apenas como fêmea). Com a afirmação de uma nova mulher, mais livre das amarras sociais, as relações sentimentais se tornavam problemáticas e não raro ficavam em suspenso (veja-se a hesitação da mão de Claudia ao pousar na nuca de Sandro), como retratado outras vezes por Antonioni, ou por Rossellini nos filmes estrelados por Ingrid Bergman – menos o episódio de Nós, as mulheres (Siamo donne, 1952), em que há uma domesticação da diva hollywoodiana –, ou por Visconti no amargo “O trabalho” (“Il lavoro”), um dos episódios de Boccaccio 70 (Boccaccio ‘70, 1962), ou ainda por Bertolucci em Antes da revolução (Prima della rivoluzione, 1964), no romance entre tia e sobrinho. Voltando ao livro em tela, seu fulcro é constituído por um sólido aparato teórico, exposto de forma concisa, mas consistente, em sua primeira parte, no qual se baseia a análise de três momentos significativos de A aventura, guiada pela noção de mise en scène, graças à qual Juliana se propõe demonstrar o caráter inovador do filme. A primeira sequência refere-se ao encontro amoroso entre Anna e Sandro. Pela porta-balcão do apartamento dele, o espectador consegue ver Claudia do lado de fora, esperando pelos dois. Mais do que pelas falas sobre a espera, é graças a essa nova moldura dentro do quadro – denominada sobre enquadramento por Jacques Aumont, como aponta a autora – que, a meu ver, se insinua a intromissão de Claudia no relacionamento da amiga, indício do futuro triângulo
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amoroso, já anteriormente anunciado quando as duas mulheres olham para a janela onde Sandro surge avisando que vai descer. Um triângulo sui generis, em virtude da supressão de um dos lados, Anna, a qual antes de desaparecer passa simbolicamente o bastão para a amiga quando, na cabine do iate, prestes a desembarcarem na ilhota de Lisca Bianca, lhe oferece uma de suas blusas. Adentrando a segunda sequência escolhida pela autora, é neste rochedo do arquipélago das ilhas Eólias, entre Panarea e Stromboli, de rosselliniana memória,9 que se dá um daqueles momentos quase de suspensão temporal – o outro será no hotel de Taormina – em que o quadro (uma janela e uma porta-balcão) dentro do quadro, sem a presença momentânea de um personagem (Claudia, nos dois casos), deixa entrever uma paisagem em estado puro, como destacou Pier Paolo Pasolini, conforme assinalado no livro em questão. É um escorço de paisagem, como numa tela, a lembrar que no cinema italiano, desde os primórdios, a pintura propiciou à sétima arte uma série de soluções em termos de enquadramento, composição, agenciamento espacial, perspectiva, linhas de fuga, luz, atmosfera dramática, dentre outras, e, a partir dos filmes em cores, harmonia cromática, como em Dias de amor (Giorni d’amore, 1954), de Giuseppe De Santis, no qual o cenógrafo Domenico Purificato, “seguindo uma poética antinaturalista, cria relações cromáticas, como por exemplo em alguns detalhes rubis, e antecipa o Antonioni de Deserto vermelho ao colorir árvores, paredes e objetos”.10
9 Na perturbadora paisagem vulcânica desta última ilha da Sicília, Rossellini havia rodado Stromboli (Stromboli, terra di Dio, 1950), sobre a devastadora crise existencial de uma mulher, com magistrais tomadas documentais. 10 Guido Aristarco, Il cinema fascista: Il prima e il dopo. Bari: Edizioni Dedalo, 1996, p. 126. Aqui, como no texto da autora, não estão sendo considerados, em termos pictóricos, os péssimos rabiscos do jovem Goffredo, que só reforçam a ideia da mulher-objeto.
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O diálogo com a pintura se faz presente também quando Claudia e Sandro, ainda em busca de Anna, chegam num povoado deserto. As linhas arquitetônicas da igreja e algumas tomadas em que as figuras humanas se tornam minúsculas num cenário grandioso levam acertadamente Juliana a lembrar da aproximação com a obra de Giorgio De Chirico. A meu ver, no entanto, a verdadeira sensação metafísica ganha força num travelling lateral que leva o espectador de volta ao lugar em que foi estacionado o carro, poucos segundos antes que os dois viajantes voltem para lá. Aquele instante de imobilidade, no meio de um vazio e de um silêncio absolutos, aliado ao suave movimento da câmera, gera uma sensação de deslocamento espaciotemporal. É como se se adentrasse uma outra dimensão, insondável, aquela em que Anna ficará perdida para sempre, pois é a partir deste momento que o ímpeto pela busca arrefece e Claudia se entregará de vez à paixão por Sandro. Os imponentes espaços vazios que circundaram os personagens em vários momentos de A aventura – como em Lisca Bianca, no povoado deserto ou na deslumbrante praça de Noto –, especialmente naqueles grandes planos gerais em que a paisagem, natural ou cenográfica, parece indiferente aos insignificantes sujeitos que a povoam, voltam na terceira sequência escolhida por Juliana e preparam o clima do desfecho do filme quando o choro de Sandro parece expressar que ele está se defrontando com o próprio vazio interior, existencial. O termo que dá título à obra, desse modo, ganha um novo significado, além daqueles de acontecimento inesperado (o desaparecimento de Anna) e de breve romance (o vivido até então por Sandro e Claudia): refere-se também à aventura da condição humana, à tomada de consciência da própria existência. É aquele “ver-se viver” pirandelliano que Antonioni retomará em O passageiro - Profissão: repórter (Professione: reporter, 1975), por
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coincidência seu segundo filme preferido depois de A aventura, como declarou numa entrevista radiofônica, em 5 de novembro de 1982.11
Em março deste ano foi anunciado que, no início de 2023, André Ristum começará a filmar Tecnicamente doce (Tecnicamente dolce), um roteiro que “herdou” de seu pai, Jirges Ristum – presumível assistente de direção de Antonioni em O mistério de Oberwald (Il mistero de Oberwald, 1980) –, cuja realização não pôde levar adiante. O roteiro, publicado em 1976 pela Einaudi, havia sido escrito pelo cineasta em meados dos anos 1960, enquanto trabalhava no projeto de Blow-up – Depois daquele beijo, e antecipava situações e personagens de O passageiro. De fato, a trama focalizava um jornalista, a ser interpretado por Jack Nicholson, que se engajava numa expedição sem volta na floresta amazônica, sua “complexa relação com uma garota a mais enigmática possível, as afinidades com um estudante de antropologia, uma série de acontecimentos, [que] o afastam cada vez mais da vida que levou até aquele momento”, a seu ver, decepcionante. Em virtude das dificuldades, Antonioni desistiu da empreitada, da qual sobraram fotos de locações e outros documentos, como uma carta enviada ao diretor por Calvino, o qual, provavelmente estava colaborando no roteiro. Nela, o escritor dava algumas sugestões bem específicas em relação ao prólogo, que devia anteceder os créditos iniciais, e sugestões sobre o personagem masculino, o feminino e o amigo comum, os quais deviam pertencer a uma determinada esfera
11 Mariarosaria Fabris, “Luigi Pirandello e Michelangelo Antonioni”. Disponível em: . Conferir também “Michelangelo Antonioni, il padre del cinema dell’incomunicabilità”. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2021.
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antes moral do que intelectual.12 À espera do filme, fica a curiosidade de ver como questões existenciais tão típicas de uma época serão abordadas na tela nos dias de hoje, sem que o projeto resulte extemporâneo. Para finalizar esta digressão sobre a trajetória de Antonioni até o início dos anos 1960, com alguns acenos a filmes posteriores, gostaria de explicar que diante da análise de Juliana Rodrigues Pereira, à qual pouco ou nada eu teria a acrescentar, preferi escrever um texto paralelo, deixando-me levar por evocações, despertadas pela leitura desse livro tão instigante, e, a partir de sugestões encontradas nas linhas e nas entrelinhas, tentar contextualizar um pouco o ambiente cultural no qual Michelangelo Antonioni se formou e atuou.
12 Davide Sica, “Michelangelo Antonioni, la sua sceneggiatura Tecnicamente dolce potrebbe diventare un film”. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2021. Conferir “Tecnicamente dolce”. Disponível em: . Acesso em: 25 mar. 2021. Leonardo Sanchez, “A nova aventura”. Folha de S. Paulo/Ilustrada, 11 mar. 2021, p. B10. No início da carreira, o diretor deveria ter tido seu primeiro contato com o Brasil, pois havia elaborado um projeto sobre o carnaval carioca. A produtora Lux, no entanto, achou temerário enviar toda uma equipe para o exterior.
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Introdução
A aventura (L'avventura, 1960) foi um dos filmes responsáveis por fazer do ano de 1960 o ponto de partida para a nova onda de revigoramento cinematográfico na Itália, 15 anos após o neorrealismo ter semeado uma das bases para o cinema moderno e reerguido o cinema nacional. Ao mesmo tempo em que demonstra a crença de Michelangelo Antonioni de que era necessário encontrar a cada obra uma linguagem original, A aventura é um filme exemplar do estilo maduro do realizador. Na busca por menos transparência, ele manipulou artifícios consagrados pelo cinema de preocupações mais comerciais e os converteu nas bases de uma poética que evita conclusões fáceis e desafia constantemente o espectador. Graças a esse trabalho de construção elaborado, e, todavia, sutil, ao rever seus filmes podemos sempre descobrir algum gesto, objeto ou fala que nos havia escapado antes. Mas no que consiste o estilo de Antonioni? Para chegar a seus principais elementos formais, narrativos e temáticos, este livro propõe a análise de A aventura, obra-chave que colocou definitivamente o nome do realizador entre os grandes do cinema moderno.
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Antes de abordar diretamente o filme, a primeira parte do livro traz algumas considerações sobre os aspectos da análise fílmica e o conceito de estilo que guiaram este trabalho. Chegar a uma explicação sobre a obra está entre as razões de ser da análise fílmica. Entre os diversos métodos possíveis de análise, procuramos nos fixar sobre o próprio filme e examinar o estilo e os principais temas presentes. Para todos os efeitos, consideramos que o estilo é resultado das escolhas consistentes nos aspectos do som e da imagem e também da narrativa do filme – o estilo é, em suma, uma maneira de se expressar do realizador. Os planos longos e com lentos movimentos de câmera, a montagem dentro do plano, a circulação dos personagens no espaço, que entram e saem do quadro, e o encadeamento contingencial da narrativa são algumas das características de A aventura que podiam ser observadas já em Gente do Pó (Gente del Po, 1947) e N.U. Netteza urbana (1948), os primeiros documentários dirigidos por Antonioni ainda na década de 1940. Se A aventura constituiu um ponto de virada no estilo de Antonioni, foi porque ele passou os quinze anos anteriores em um processo de depuração que o levou a aperfeiçoar sua visão artística. A análise de A aventura, na segunda parte do livro, foi segmentada em sete elementos que consideramos os mais importantes na constituição do estilo: as estratégias de desdramatização, a mise en scène, os ecos e repetições, o uso do som, as contradições entre gestos e palavras, os personagens como testemunhas e a paisagem expressiva. Ainda que por sua própria natureza o cinema não seja citável em texto, já que não é possível transpor o material audiovisual, usamos sequências de fotogramas para exemplificar os pontos analisados.
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Este livro deriva da pesquisa de mestrado que desenvolvi entre 2017 e 2018 na Universidade Federal do Paraná. Voltar ao texto e ao filme depois de dois anos me fez repensar sua organização. O capítulo sobre o cinema italiano, que buscava contextualizar o neorrealismo, cenário a partir do qual Antonioni começa sua atividade no cinema, e o panorama biográfico sobre o realizador, usados de maneira a apoiar o trabalho analítico, foram deixados de lado em benefício da análise fílmica mais profunda. Uma coisa permaneceu: a certeza de que falar sobre A aventura é estar disponível para que o filme se desdobre e saber que há sempre a possibilidade de acrescentar uma nova camada para interpretação. Mas analisar um filme não é justamente um trabalho infinito?
* * * Michelangelo Antonioni nasceu em 1912 em Ferrara, uma das maiores cidades da região da Emília-Romanha, no norte da Itália. De família de classe média, desde a infância demonstrou interesse por música, teatro, desenho e pintura. Frequentou a Universidade de Bolonha e graduou-se em Economia e Comércio, em 1938. Na década de 1930, trabalhou para o jornal Il Corriere Padano durante quatro anos, período em que publicou mais de cem críticas de cinema, além de uma série de contos.1 Depois de se mudar para Roma, em 1939, trabalhou por alguns meses na revista Cinema, onde entrou em contato com importantes intelectuais e personagens do cinema italiano, como os
1 Peter Brunette, The Films of Michelangelo Antonioni. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 15.
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diretores Mario Soldati, Cesare Zavattini e Roberto Rossellini, e o roteirista Ennio Flaiano, que assinaria o roteiro de A noite (La notte, 1962) com Antonioni e Tonino Guerra.2 Em seu primeiro artigo para a revista Cinema, “Por um filme sobre o rio Pó”, publicado em abril de 1939, Antonioni propõe um filme hipotético sobre o Pó, que deveria ter como temas fundamentais as inundações periódicas do rio e a mudança de ritmo de vida dos habitantes do entorno provocada pela modernização. O posicionamento no texto está totalmente alinhado com as inclinações de Antonioni como realizador, especialmente na preocupação com a forma do filme (“Tudo isso pode parecer, mas não é, literatura. É, ou quer ser, cinema; resta ver como pode se traduzir em ato”)3 e na preferência por uma abordagem intimista e inteligente. Além disso, o confronto entre o antigo e o novo foi o gérmen das questões afetivas e psicológicas de personagens dos filmes da década de 1960, principalmente. Em 1940, Antonioni frequentou o Centro Sperimentale di Cinematografia, escola referência para o estudo do cinema e formação profissional na Itália, mas teve que abandonar as aulas após três meses ao ser convocado para o serviço militar. Durante períodos de licença, trabalhou nos roteiros de Un pilota ritorna (1942), de Roberto Rossellini, e de Máscara de sangue (I due Foscari, 1942), de Enrico Fulchignoni, para o qual fez ainda assistência de direção. Foi também enviado à França pela produtora Scalera Films para trabalhar como assistente de direção de Marcel Carné em Os visitantes da noite (Les Visiteurs du soir, 1942), filme coproduzido pela Itália.
2 Adriano Aprà (Org.), Aventura Antonioni. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil; Ministério da Cultura; Voa!, 2017, p. 709. 3 Michelangelo Antonioni, “Por um filme sobre o rio Pó”. In: Adriano Aprà (Org.), 2017, p. 24.
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A primeira experiência de Antonioni na direção foi com o curta-metragem documental Gente do Pó (1947), que acabou por concretizar a proposta publicada anos antes. O filme acompanha o cotidiano de famílias que vivem no entorno do rio e mostra os efeitos das cheias; há um alinhamento estético e temático com o neorrealismo, que estava em seu apogeu neste período. Apesar do tom didático de boa parte do documentário, há muito espaço para a contemplação da paisagem e das pessoas. Filmado em 1943, Gente do Pó foi lançado somente em 1948. O processo de montagem foi interrompido pela Segunda Guerra e a finalização ocorreu apenas anos mais tarde. Além disso, o filme que conhecemos hoje é bem diferente do que estava previsto originalmente, já que mais de 70% do material bruto foi perdido durante o processo de revelação do negativo.4 Antonioni voltou à direção com o documentário de curta metragem N.U. (1948), que retrata um dia na rotina dos trabalhadores que fazem a limpeza das ruas de Roma. Não há uma narrativa clara nem um personagem principal, mas sim o encadeamento de pequenas cenas cotidianas. Assim como na maior parte dos documentários que dirigiu nesse período, Antonioni utiliza a narração para fornecer informações sobre o trabalho dos garis. Porém, na metade do filme o narrador desaparece, deixando ao espectador a tarefa de dar sentido às imagens. N.U. antecipa alguns procedimentos que continuariam a ser usados por Antonioni em filmes posteriores, como os lentos movimentos de câmera e a circulação dos personagens pelo quadro. Outro procedimento recorrente é o uso de objetos, como grades e veículos, para bloquear parcialmente o plano.
4 Peter Brunette, op. cit., p. 17.
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Em seguida, Antonioni dirigiu outros curtas-metragens documentais: L’amorosa menzogna (1949) mostra os bastidores das fotonovelas, extremamente populares na Itália da década de 1940; Superstizione (1949) é uma espécie de inventário de superstições, feitiços e crenças da população rural Itália central, com forte viés antropológico;5 Sette canne, un vestito (1949) aborda o processo de transformação do cânhamo em roupas; La funivia del Faloria (1950) fala sobre o trajeto do teleférico na região das montanhas Dolomitas, no norte da Itália; e La villa dei mostri (1950) mostra esculturas em um parque nas imediações de Viterbo. Todos esses documentários serviram para Antonioni como importantes ferramentas de experimentação com a forma fílmica, ainda que alguns deles contenham elementos radicalmente diferentes dos que se consolidariam posteriormente. É o caso, por exemplo, da reiteração de informações tanto pela narração como pela imagem e do uso ostensivo de trilha sonora. Para Seymour Chatman, foram especialmente Gente do Pó e N.U. e a maneira como eles retratam lugares reais que ajudaram Antonioni a estabelecer uma espécie de “método textual” que seria muito utilizado em seus filmes posteriores. Durante a década de 1950, Antonioni dirigiu cinco longas-metragens de ficção. O primeiro foi Crimes da alma (Cronaca di un amore, 1950), sobre uma mulher que vê seu passado ser devassado por um detetive contratado pelo marido. Durante a investigação, ela reencontra e se envolve com um antigo amor. O esforço contínuo para externar as emoções e as intenções dos personagens, seja por meio da atuação, do didatismo dos diálogos ou da trilha sonora
5 Seymour Chatman, Antonioni, or, the Surface of the World. Berkeley: University of California Press, 1985, p. 11.
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constante, e o modo direto como a trama é concluída, sem deixar espaço para ambiguidades, pouco remetem ao estilo dos filmes da década seguinte. Em seguida, com A dama sem camélias (La signora senza camelie, 1953), Antonioni volta a retratar os bastidores da indústria do entretenimento. A atriz Clara Manni (Lucia Bosé) aceita se casar com o produtor Gianni Franchi (Andrea Checchi), mas, após a união, ele a impede de continuar trabalhando com cinema. Frustrada, ela começa um relacionamento extraconjugal com um diplomata. Foi neste filme que Antonioni passou a usar elipses maiores, embora elas tenham a tendência a ser “marcadas por fusões, fade-outs, indicações musicais ou por diálogo explanatório intrusivo”.6 O filme episódico Os vencidos (I vinti, 1953), baseado em histórias reais, retrata jovens envolvidos com crimes na França, na Itália, e na Inglaterra. O filme é uma tentativa malsucedida de unir documentário com “drama sentimental popular para a edificação moral”, porém, já mostra indícios de uma crescente preocupação com a forma de retratar a paisagem e os espaços.7 Peter Brunette destaca o uso da paisagem como elemento expressivo, como o uso de longos planos de ruas vazias para exteriorizar as emoções dos personagens.8 Ainda em 1953, Antonioni dirige Tentativa de suicídio (Tentato suicidio), um episódio de Amores na cidade (L’amore in città), do qual também participaram os diretores Federico Fellini, Alberto Lattuada, Carlo Lizzani, Cesare Zavattini e Dino Risi. No filme, pessoas relatam suas tentativas de suicídio e quatro dessas histórias
6 Seymour Chatman, op. cit., p. 31. 7 Ibid., p. 21. 8 Peter Brunette, op. cit., p. 20.
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são encenadas por elas mesmas, o que traz uma reflexão sobre os limites entre documentário e ficção. Um grupo de mulheres é o foco do quarto longa-metragem de Antonioni, As amigas (Le amiche, 1955), uma adaptação do livro Mulheres só (Tra donne sole, 1949), de Cesare Pavese. Recém-chegada a Turim para abrir uma loja de roupas, Clelia (Eleonora Rossi Drago) é surpreendida pela tentativa de suicídio de uma desconhecida hospedada no quarto ao lado. Clelia se aproxima dela e de seu grupo de amigas, e passa a acompanhar os relacionamentos amorosos de cada uma delas ao mesmo tempo em que precisa lidar com seus próprios sentimentos por Carlo (Ettore Manni). Em termos de mise en scène, As amigas está mais próximo de A aventura do que dos filmes anteriores. Apesar de premiado em festivais importantes, como o de Veneza, o filme teve pouquíssima adesão dos espectadores nas salas de cinema – essa dissociação entre crítica e público predominou por praticamente toda a carreira de Antonioni. A burguesia, que estava em foco nos filmes anteriores, é deixada de lado em O grito (Il grido, 1957), que tem um operário como personagem principal. Antonioni volta ao vale do rio Pó, locação que já havia sido explorada em seu primeiro curta-metragem. Após Irma (Alida Valli) romper o relacionamento, Aldo (Steve Cochran) sai de casa levando a filha pequena. Em uma jornada sem rumo, a cada parada ele se envolve com uma nova mulher, mas não consegue se ajustar à nova vida nem esquecer Irma. Peter Brunette define este filme como uma “espécie de road movie que reprisa personagens, situações e imagens tanto de Ladrões de bicicleta (Ladri di biciclette, 1948), de De Sica, como de Obsessão (Ossessione, 1943), de Visconti”.9 O grito foi recebido com frieza pela crítica italiana, e Gian Piero Brunetta relata que a principal dificuldade dos críticos 9 Peter Brunette, op. cit., p. 21.
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foi aceitar “um proletário incapaz de estabelecer uma relação adequada com a vida, dominado por sentimentos e sem qualquer tipo de integração social”10 – este não era o personagem típico dos filmes neorrealistas. Na França, a crítica exaltou o que chamou de neorrealismo interior, definição que mais tarde Antonioni reconheceu e acolheu: Nunca tinha pensado dar um nome àquela que sempre fora, para mim, desde os tempos daquele documentário sobre os doentes mentais, uma necessidade: olhar o homem por dentro, ver quais os sentimentos, quais os pensamentos que o motivam no seu caminho para a felicidade, a infelicidade ou a morte.11
Esse mergulho no interior é possível pela maneira como Antonioni relaciona as paisagens com os sentimentos dos personagens, um recurso que já havia sido experimentado de maneira mais tímida em filmes anteriores e que se tornaria ainda mais marcante em seus filmes posteriores. Até a metade da década de 1950, a paisagem, que não passava de pano de fundo para os filmes italianos, assumiu a função de signo a ser usado de acordo com seu “valor expressivo”.12 O grito é considerado uma espécie de prólogo para os filmes dos anos 1960. Seus “longos planos, paisagens desnudadas e cenas encobertas pela neblina levaram, naturalmente, ao formalismo triunfante dos filmes futuros”.13 Essa ideia de prólogo
10 Gian Piero Brunetta, Guida alla storia del cinema italiano – 1905-2003. E-book. Roma: Einaudi, 2014, sem paginação. 11 Michelangelo Antonioni, “Para mim fazer um filme é viver”. In: Adriano Aprà (Org.), 2017, p. 29. 12 Pierre Sorlin, Italian National Cinema: 1896-1996. Londres: Routledge, 1996, p. 138. 13 Peter Brunette, op. cit., p. 21.
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para “a revolução antonioniana dos anos sessenta” também é defendida por Domènec Font, que afirma que: não é de se estranhar que alguns analistas notem no cansaço do protagonista, esse trabalhador sem consciência e em pleno desastre sentimental, e no desesperado grito final antes de se atirar da torre, gestos emblemáticos de ruptura com uma tradição cinematográfica que gravava todas as saídas de um ponto de vista ideológico e expressivo.14
Esse período inicial da filmografia de Antonioni aponta para uma crescente preocupação do realizador com a forma fílmica e com a narrativa, no sentido de se afastar das convenções do cinema – a cada filme podemos observar o processo de depuração do estilo. Ele entra em um movimento de consolidação de sua encenação, recorrendo a maneiras mais complexas de relacionar movimentos de câmera, personagens e espaço fílmico. A música, usada para enfatizar uma situação dramática, e os diálogos explicativos, comuns nos primeiros filmes, vão cedendo lugar ao silêncio e a uma maior relevância dos gestos e do rosto dos atores. Há também uma relação cada vez mais forte entre os sentimentos dos personagens e a paisagem, o que fica evidente nas longas sequências em que eles caminham pelas ruas das cidades. Tematicamente, há uma repetição em torno de situações como o permanente descompasso entre os personagens e a sociedade em que eles vivem e a impossibilidade ou o fracasso do relacionamento amoroso.
14 Domènec Font, Michelangelo Antonioni. Barcelona: Editora Cátedra, 2003, p. 50.
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Parte I Estilo e análise fílmica
1. O que é estilo
Como mostrar o que as palavras não dão conta de dizer? Ao assistir A aventura (L'avventura, 1960), mergulhamos de cabeça em um dos períodos mais inventivos do cinema italiano, o “ponto alto da trajetória”.1 Pautado pelo desejo de desprender-se de amarras das formas narrativas convencionais, Michelangelo Antonioni dá, com este filme, um passo adiante na pesquisa estética que estava em curso desde suas primeiras obras e consolida seu estilo e sua posição como importante autor no cinema moderno. Mas, recuemos: o que é o estilo no cinema? De maneira simples e direta, David Bordwell afirma que o estilo é o resultado das escolhas conscientes e consistentes de um diretor sobre todos os elementos que constituem o filme, tanto em matéria de imagem e de som (há uso de planos-sequências ou planos curtos? Os atores se posicionam próximos ou afastados da câmera? A câmera está fixa ou em movimento? A trilha sonora é usada constantemente ou em momentos pontuais?) quanto no aspecto narrativo (de que forma a história será contada? O que será mostrado e o que será omitido no filme?). Estilo não é a “decoração de vitrine”, mas sim a “própria carne” do filme, e está ligado à maneira como o realizador 1 Gian Piero Brunetta, Guida alla storia del cinema italiano - 1905-2003. E-book. Roma: Einaudi, 2014, sem paginação.
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organiza o material fílmico. O estilo pode, ainda, se referir tanto a um único filme quanto a um realizador (“estilo de Jean Renoir”) ou mesmo a um grupo de filmes (estilo “dos estúdios de Hollywood”).2 Para estudar o estilo cinematográfico é preciso, portanto, estar atento à organização do filme que se quer analisar e às continuidades e rupturas no uso das técnicas cinematográficas. No sentido mais estrito, considero o estilo o uso sistemático e significativo de técnicas da mídia cinema em um filme. Essas técnicas são classificadas em domínios amplos: mise en scène3 (encenação, iluminação, representação e ambientação), enquadramento, foco, controle de valores cromáticos e outros aspectos da cinematografia, da edição e do som.4 Na mesma linha, Jacques Aumont e Michel Marie definem estilo como a “parte de expressão deixada à liberdade de cada um, não diretamente imposto pelas normas, pelas regras de uso. É a maneira de se expressar própria a uma pessoa, a um grupo, a um tipo de discurso”.5 Outro conceito fundamental para se pensar a importância de A aventura na filmografia de Antonioni, que está, ao mesmo 2 David Bordwell, Sobre a história do estilo cinematográfico. Campinas: Editora Unicamp, 2013, p. 22. 3 Em Dicionário teórico e crítico de cinema (Campinas: Papirus, 2006), Jacques Aumont e Michel Marie explicam que o termo mise en scène começou a ser utilizado no século XIX, no teatro, para definir a atividade do diretor, e mais tarde foi apropriado pelo cinema. No livro, ele é traduzido como direção. Na mesma linha, David Bordwell e Kristin Thompson, em A arte do cinema: Uma introdução (Campinas/São Paulo: Editora da Unicamp/Editora da USP 2013), indicam que o termo se refere ao controle do diretor sobre tudo aquilo que aparece em quadro. Tanto nesta obra quanto em Sobre a história do estilo cinematográfico, o termo francês não é traduzido, e considera-se a encenação como a parte da mise en scène que diz respeito à atuação e à movimentação dos atores no quadro. Aqui, usaremos o termo mise en scène segundo a definição de Bordwell e Thompson. 4 David Bordwell, 2013, p. 17. 5 Jacques Aumont e Michel Marie, 2006, p. 109.
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tempo, ligado à ideia de estilo, é o de cinema de autor. Foi a proposta de crítica cinematográfica desenvolvida na revista Cahiers du Cinéma na primeira metade da década de 1950 que popularizou a política dos autores, embora não tenham deixado um texto ou manifesto com uma definição precisa do que é um autor.6 Para se referir ao que seria o tema essencial da obra de um realizador, Jean-Claude Bernardet usa o termo matriz, uma ideia derivada de Éric Rohmer e Claude Chabrol, que usaram as expressões viga mestra ou ideia mãe para comentar as repetições em Hitchcock. Portanto, as repetições e as similitudes identificadas na diversidade das situações dramáticas propostas pelos vários enredos que permitirão delinear a matriz. O autor é, nessa concepção, um cineasta que se repete, e não raro houve críticos que consideraram cineastas autores pelo simples fato de se repetirem. É necessário que o autor se repita, ou é necessário que o crítico interprete sua obra como um sistema de repetições da obra, identificando essas repetições com a obra.7
Bernardet explica que a matriz não é um filme, embora ela possa se manifestar em um. Ela é uma virtualidade e cada filme é um “meio através do qual podemos ter acesso à ideia”.8 Encontrar a matriz seria um processo de descoberta, uma espécie de trajetória a ser percorrida tanto pelo realizador como pelo crítico que interpreta a obra. Porém, alerta o autor, a matriz não é uma meta e não é algo que seja possível se programar para alcançar. Além disso,
6 Jean-Claude Bernardet, O autor no cinema: A política dos autores: França, Brasil anos 50 e 60. São Paulo: Brasiliense, Editora da Universidade de São Paulo, 1994. 7 Ibid., p. 31. 8 Ibid., p. 53.
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identificar a matriz, para o crítico, tem um efeito retrospectivo, já que nos ajuda a compreender melhor os “filmes anteriores em que os elementos ainda não estavam bem delineados, ou até totalmente imperceptíveis”.9 Novamente remetendo a Rohmer e Chabrol, Bernardet afirma que à medida que o autor se aproxima da descoberta, "o sistema se tornará mais coerente", "os filmes ganharão maior homogeneidade e as fórmulas que regerão sua construção se deixarão isolar com facilidade cada vez maior". Essa curva evolui até a cristalização, isto é, até o filme em que o autor expressa plenamente a matriz.10
A aventura é frequentemente assinalado como um marco para a filmografia de Antonioni, um ponto que marca o momento em que ele “descobriu uma forma narrativa e aperfeiçoou seu estilo”.11 Chatman vê em A aventura o ponto em que o realizador, após estar em atividade há mais de quinze anos e ter dirigido cinco longas-metragens, conseguiu chegar a uma narração por meio de “um tipo de minimalismo visual, por uma intensa concentração na pura aparência das coisas – a superfície do mundo como ele a vê – e a minimização dos diálogos explicativos”.12 Ou seja, a habilidade artística de Antonioni foi resultado de um processo de aprendizagem e de esforço e experimentação. Em mais de uma ocasião, o realizador falou sobre a questão do estilo em seus filmes. Em 1959, ele
9 Jean-Claude Bernadet, 1994, p. 34. 10 Ibid., p. 33. 11 Paul Adams Sitney, Vital Crises in Italian Cinema: Iconography, Stylistics, Politics. Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 136. 12 Seymour Chatman, Antonioni, or the Surface of the World. Berkeley: University of California Press, 1985, p. 2.
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afirmou achar necessário encontrar uma linguagem para cada obra e que isso não dizia respeito apenas a “como enquadrar certos planos ou como construir sequências, mas a todo o ‘material’ que usamos para um filme, como a fotografia, o som, os ruídos, a música e os atores”.13 Dois anos mais tarde, Antonioni se definiu como um diretor que “se forçou a seguir uma certa direção, a manter uma certa coerência” e que essa era a “única maneira de fazer filmes que o havia interessado”.14 Para Bernardet, a unidade do autor pode ser reforçada por meio do uso de dados biográficos ou de declarações do cineasta, “que facilitam a tarefa dos críticos na sua busca da unidade do autor, da matriz, da coerência interna da obra e do sistema de redundância”.15 Giorgio Tinazzi afirma que é possível, ainda que indiretamente, ver nas palavras do cineasta indicações de seus interesses e de sua poética, e, com mais frequência, nos momentos em que ele não fala diretamente sobre seus filmes.16 Segundo Carlo, embora Antonioni evitasse falar sobre sua vida, suas entrevistas são “insuspeitas fontes de informação, de observação e até mesmo de raras revelações sobre sua própria vida e seu trabalho, que completam e enriquecem sua biografia como homem e como artista”.17
13 Michelangelo Antonioni, "Actors and Paradoxes". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, The Architecture of Vision: Writings and Interviews on Cinema. Nova York: Marsilio Publishers, 1996, p. 18. 14 Michelangelo Antonioni, "A Talk with Michelangelo Antonioni on his Work". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996, p. 21. 15 Jean-Claude Bernardet, op. cit., p. 49. 16 Giorgio Tinazzi, “The Gaze and the Story”. In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996. 17 Carlo di Carlo, “Preface to the Italian Edition”. In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996, p. xii.
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2. Sobre análise fílmica
Por que analisar um filme? Segundo Jacques Aumont e Michel Marie, compreender as razões de ser do filme e chegar a uma explicação sobre ele, na forma de algum tipo de comentário crítico, são as principais funções da análise fílmica.18 A tarefa analítica deve ter em consideração três princípios: A. Não existe um método universal para analisar filmes. B. A análise de um filme é interminável, pois seja qual for o grau de precisão e extensão que alcancemos, num filme sempre sobra algo de analisável. C. É necessário conhecer a história do cinema e a história dos discursos que o filme escolhido suscitou para não os repetir; devemos primeiramente perguntar-nos que tipo de leitura desejamos praticar.19
Embora não seja possível estabelecer um método único para a análise, porque não haveria como aplicá-lo igualmente a todos os tipos de filme, os autores alertam que a tarefa deve se pautar por princípios bem definidos para evitar o discurso impressionista e as divagações interpretativas. Ainda que seja possível delinear métodos bastante abrangentes, que funcionem para uma variedade de
18 Jacques Aumont e Michel Marie, 2006, p. 13. 19 Id., Análise do filme. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009, pp. 30-31.
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estilos de filme, eles sempre devem ser ajustados de acordo com o objeto específico a ser tratado em cada caso. Manuela Penafria apresenta quatro tipos de análise fílmica: a textual (que se relaciona com o estruturalismo de inspiração linguística), a de conteúdo (que abrange apenas o tema do filme), a poética (que considera o filme como criador de efeitos sensoriais, comunicativos ou poéticos no espectador) e a de imagem e som (que vê o filme como um meio de expressão). Esta última é considerada pela autora como a única especificamente cinematográfica porque “centra-se no espaço fílmico e recorre a conceitos cinematográficos” e também porque evidencia “o modo como o realizador concebe o cinema”.20 Já Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété veem a análise fílmica como um exame técnico, uma operação que consiste em duas atividades principais. Na primeira, é necessário decompor os elementos constituintes do filme; ou seja, “despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não se percebem isoladamente ‘a olho nu’, uma vez que o filme é tomado pela totalidade”.21 Na segunda, é preciso reconstruir o filme, buscando estabelecer ligações entre esses elementos, ou seja, é o momento de interpretá-lo. Para os autores, as formas do filme por si só nada significam se não estiverem articuladas com o conteúdo. Um travelling por si só nada quer dizer. Adquire um sentido se acompanha determinado personagem, adquire outro se varre determinada paisagem... O conteúdo e a expressão formam um
20 Manuela Penafria, “Análise de filmes: Conceitos e metodologia(s)”. VI Congresso Sopcom, Lisboa, 2009, p. 7. Anais eletrônicos. 21 Francis Vanoye; Anne Goliot-Lété, Ensaio sobre a análise fílmica. 7ª ed. Campinas: Papirus, 2011, p. 14.
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todo. Apenas sua combinação, sua associação íntima é capaz de gerar a significação. Não é possível pretender trabalhar sobre o sentido de um filme sem convocar de imediato e em sincronia a história e a maneira.22
Já David Bordwell e Kristin Thompson propõem que a análise siga um processo de quatro etapas: 1) determinar a estrutura do filme; 2) identificar quais são as técnicas proeminentes (cor, iluminação, enquadramento, cortes e som); 3) definir de que maneira essas técnicas são organizadas em padrões; 4) propor significados para o uso das técnicas usadas e para os padrões. Ou seja, é preciso primeiro decompor o filme para em seguida reconstruí-lo interpretativamente.23 Antes de iniciar o trabalho de análise propriamente dito, é importante que se tenha claro se a análise será externa ao filme, ou seja, se o considerará como “resultado de um conjunto de relações e constrangimentos nos quais decorreram a sua produção e realização, como sejam o seu contexto social, cultural, político, econômico, estético e tecnológico”, ou se será interna, enxergando o filme “enquanto obra individual e possuidora de singularidades que apenas a si dizem respeito”.24 No caso da análise interna, Penafria afirma que o filme em questão pode ser confrontado com a filmografia do realizador, o que permite que ela se volte para o estudo do estilo. Um dos grandes obstáculos para a análise se refere à materialidade do filme, que faz dele um texto não citável.
22 Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, op. cit., p. 39. 23 David Bordwell; Kristin Thompson, 2013. 24 Manuela Penafria, op. cit., p. 7.
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Enquanto a análise literária explica o escrito pelo escrito, a homogeneidade de significantes permitindo a citação, em suas formas escritas, a análise fílmica só consegue transpor, transcodificar o que pertence ao visual (descrição de objetos filmados, cores, movimentos, luz etc.) do fílmico (montagem das imagens), do sonoro (músicas, ruídos, grãos, tons, tonalidade das vozes) e do audiovisual (relação entre imagens e sons).25
Para contornar essa dificuldade, Aumont e Marie apresentam três categorias de instrumentos auxiliares. Os primeiros são descritivos, como a decomposição plano a plano, a segmentação (que é a descrição das sequências do filme), a descrição das imagens e o uso de quadros, gráficos e esquemas. Em seguida, os autores apresentam os instrumentos de citação, como os excertos do filme e os fotogramas, que, ao mesmo tempo em que são considerados a “citação mais literal que se possa imaginar de um filme”, representam a negação do movimento da imagem. Ainda assim, o fotograma facilita o estudo da imagem, ou seja, “o enquadramento, a profundidade de campo, a composição, a iluminação – até os movimentos de câmera, que uma sucessão de fotogramas deixa decompor”.26 Finalmente, temos os instrumentos documentais, que podem ser anteriores à difusão do filme, como roteiros, orçamentos e diário de filmagem, ou posteriores, como dados sobre a distribuição do filme, número de espectadores e críticas do filme na imprensa. O segundo obstáculo para a análise fílmica diz respeito aos limites do processo de interpretação. Essa reconstrução do filme é o momento de criação para o analista, quando ele pode acrescentar
25 Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, op. cit., p. 10. 26 Jacques Aumont e Michel Marie, 2009, p. 55.
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algo de seu. Mas esse processo deve manter contato estreito com o material fílmico em questão, ou seja, partindo dos elementos da descrição lançados para fora do filme, devemos voltar ao filme quando da reconstrução, a fim de evitar reconstruir um outro filme. Em outras palavras, não se deveria sucumbir à tentação de superar o filme. Os limites da "criatividade analítica" são os do próprio objeto da análise. O filme é, portanto, o ponto de partida e o ponto de chegada da análise.27
Alinhado a esse discurso, Aumont e Marie veem a interpretação como o motor imaginativo da análise fílmica. A análise bemsucedida é a que “consegue utilizar essa faculdade interpretativa, mas que a mantém num quadro tão estritamente verificável quanto possível”.28 Por a interpretação eventualmente se descolar do material analisado e se tornar excessivamente subjetiva é que alguns teóricos veem essa etapa sob um prisma negativo. Susan Sontag, no ensaio "Contra a interpretação", rejeita o enfoque excessivo dado aos temas das obras quando da interpretação da arte, por exemplo. Para a autora norte-americana, esse exagero incita a arrogância da crítica. Sontag sugere que o problema seja contornado com maior atenção do analista às formas da obra de arte. "O necessário é um vocabulário - descritivo, não prescritivo de formas. A melhor espécie de crítica, e ela é rara, é aquela que dissolve as considerações sobre o conteúdo nas considerações sobre a forma."29
27 Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, op. cit., p. 15. 28 Jacques Aumont e Michel Marie, 2009, pp. 15-16. 29 Susan Sontag, "Contra a interpretação". In: Contra a interpretação e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
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Parte II A aventura
1. Sobre o filme
É com seu sexto longa-metragem, A aventura (L'avventura, 1960), que Michelangelo Antonioni ganha reconhecimento internacional como um grande realizador. O filme mostra o desaparecimento repentino de Anna (Lea Massari) durante uma viagem entre amigos às ilhas Eólias, no sul da Itália. Uma busca exaustiva é conduzida no local, sem resultados. Enquanto todos parecem não se importar com o que ocorreu, Sandro (Gabriele Ferzetti) e Claudia (Monica Vitti) percorrem cidades da região seguindo pistas do provável paradeiro de Anna. Porém, encontrá-la perde o sentido à medida que os dois se envolvem romanticamente. Antonioni teve a ideia para o argumento do filme durante uma viagem de barco com amigos, quando costumava acordar mais cedo e passar um tempo sozinho observando a paisagem. Um dia, em um desses momentos, ele lembrou de uma situação que havia vivido anos antes, quando uma garota que conhecia desapareceu e não foi mais encontrada, mesmo depois de dias de busca. Ao passarem por uma ilha, ele imaginou que aquela garota poderia estar ali.1 Inicialmente, o filme se chamaria A ilha. 1 Michelangelo Antonioni, "Preface do Six Films". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, The Architecture of Vision: Writings and Interviews on Cinema. Editado por Carlo di Carlo e Giorgio Tinazzi. Nova York: Marsillio Publishers, 1996, p. 58.
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As condições de produção de A aventura foram muito difíceis e alguns desses percalços foram expostos no texto "As aventuras de A aventura", publicado no jornal Corriere della Sera, em 1976. Para Antonioni, era um filme amargo e doloroso, como “a dor dos sentimentos que acabam ou cujo fim você pode ver de relance no mesmo momento em que eles nascem”.2 Após uma série de atrasos, as filmagens nas ilhas Eólias, que deveriam ter ocorrido no verão de 1959, tiveram início apenas em setembro, no outono do hemisfério norte, e duraram nove semanas, em vez das três inicialmente previstas. A atriz Lea Massari sofreu um infarto e passou dois dias em coma. Algumas de suas cenas tiveram que ser filmadas com um dublê para substituí-la, como a que ela se lança ao mar. O barco usado como cenário precisou ser devolvido por causa dos atrasos e o substituto, muito maior, gerou diversos problemas de continuidade.3 A base da produção foi montada na ilha de Panarea, que não tinha energia elétrica e ficava a 20 minutos de barco de Lisca Bianca, cenário de parte significativa do filme. Sem o barco que deveria transportar diariamente a equipe de 50 pessoas e os equipamentos, a produção foi obrigada a utilizar uma balsa improvisada que acabava por colocar a segurança de todos em risco. Além disso, o terreno irregular de Lisca Bianca obrigava a equipe a carregar nas costas todo o equipamento que seria utilizado durante a diária, em jornadas de trabalho que chegavam a 16 horas. No meio das filmagens, a produtora que financiava o filme faliu e deixou a produção sem dinheiro por cinco semanas, o que levou Antonioni a implorar aos técnicos que continuassem trabalhando mesmo sem salário. Em uma ocasião, a equipe não conseguiu retornar a Panarea por conta das condições do mar e ficou 2 Michelangelo Antonioni,"The Adventures of L'avventura". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996, p. 80. 3 Peter Brunette, The films of Michelangelo Antonioni. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 29.
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três dias presa em Lisca Bianca, sem abrigo e comida. Depois desse episódio, a maior parte da equipe técnica entrou em greve e abandonou o set. Como ainda havia película, Antonioni, alguns assistentes e os atores continuaram as filmagens.4 Com o sucesso de O grito (Il grido, 1957) na França, Cino Del Duca, que inicialmente faria a distribuição do filme, assumiu a produção e enviou dinheiro para que ela continuasse.5 A aventura foi exibido na mostra competitiva do Festival de Cannes de 1960, edição que teve A doce vida (La dolce vita, 1960), de Federico Fellini, A fonte da donzela (Jungfrukällan, 1959), de Ingmar Bergman, e Cidade ameaçada (1960), de Roberto Farias, entre outros. O filme causou grande reação negativa do público, que vaiou e gritou durante toda a sessão, mesmo na presença do diretor, dos atores e de membros da equipe técnica. Essa indignação foi explicada por Peter Brunette como uma reação ao estilo do filme, com ritmo lento, uso ostensivo de tempos mortos (“Antonioni escolheu filmar relativamente em tempo real, evitando elipses de ações insignificantes”) e narrativa pouco convencional (“a própria história ou a linha narrativa de A aventura está repleta de elipses em momentos nos quais elas não haviam sido usadas antes. Abdica-se de muita exposição, no melhor estilo modernista”).6 No dia seguinte à fatídica exibição, um grupo formado por mais de 30 cineastas e críticos de cinema, entre os quais Roberto Rossellini e Georges Sadoul, assinou uma carta aberta em defesa do filme, alertando para a cegueira do público diante da importância da obra. Antonioni fez uma declaração à imprensa, na qual afirmou que A 4 Gene Youngblood, Faixa de áudio com comentários. In: A aventura. L’avventura. Direção de Michelangelo Antonioni. Cino del Duca/ Produzioni Cinematografiche Europee (P.C.E.)/ Lyre. Itália/França, 1960. 142 minutos. 5 Domènec Font, op. cit., p. 134. 6 Peter Brunette, op. cit., p. 29.
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aventura refletia o nascimento de um novo homem que carregava uma pesada “bagagem de traços emocionais, que não podem ser chamados de velhos e fora de moda, mas de incompatíveis e inadequados”,7 um homem contemporâneo dividido entre a ciência que se projeta para o futuro e uma moralidade ultrapassada. Antonioni via seu filme como uma história contada em imagens, na qual era possível ver como os sentimentos e as atitudes são incompreendidos. Todos os dias, cada encontro emocional ocasiona uma nova aventura. Mesmo que nós saibamos que os antigos códigos de moralidade são decrépitos e não se sustentam mais, nós persistimos, com um senso de perversidade, que eu só poderia definir ironicamente como patético, em continuarmos leais a eles. Desse modo, o homem moral, que não tem medo do desconhecido científico, está hoje com medo do desconhecido moral. Começando neste ponto de medo e frustração, sua aventura só pode terminar em um impasse.8
Mesmo diante de toda a polêmica, A aventura recebeu o Prêmio Especial do Júri, “pela notável contribuição na busca por uma nova linguagem cinematográfica e pela beleza de suas imagens”.9 Com este filme, Antonioni investiu no conteúdo das formas fílmicas "com um cinema que, justamente, não ‘fala’, que recusa falar ‘de’ alguma coisa – o mal do século, a incomunicabilidade, a neurose, a crise do casal ou a decadência burguesa –, pois não se preocupa e se satisfaz de ser um trabalho de imagens”.10 7 Michelangelo Antonioni, "A Talk with Michelangelo Antonioni on his Work". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996., p. 32. 8 Ibid., p. 33. 9 A menção ao Festival de Cannes e a justificativa pela premiação estão na cartela inicial da cópia do filme em DVD. 10 Jacques Aumont, Moderno? Por que o cinema se tornou a mais singular das artes. Campinas: Papirus, 2008a, p. 56. 58
Na sequência, Antonioni dirigiu A noite (La notte, 1961) e O eclipse (L'eclisse, 1962), filmes cujas semelhanças estéticas e temáticas com A aventura levaram críticos e pesquisadores a considerá-los uma trilogia não oficial e a atribuir a eles denominações como Trilogia da Incomunicabilidade, Trilogia da Solidão, Trilogia do Silêncio ou Trilogia da Alienação. Entre os autores favoráveis a essa tese está Domènec Font, que argumenta que nos três filmes há um “corpus unitário no qual se podem isolar núcleos temáticos e formais”, e que Antonioni segue personagens à deriva que vivem processos de reificação e de vazio em um ambiente burguês.11 O autor cita o crítico Guido Aristarco, que defendia que os filmes representavam três atos de uma mesma história. “Aristarco expõe uma continuidade ideal dos personagens, de forma que Claudia e Sandro, casados, depois da cena de 'pièta' final de A aventura, se transformam no casal Pontano que, após a última cena de A noite, se separa na primeira sequência de O eclipse”.12 Peter Brunette concorda com a ideia de trilogia, já que os filmes derivam “da mesma matriz cultural do mesmo diretor”, mas alerta que essa definição pode ter o efeito de ocultar as diferenças entre eles: “Em geral, parece produtivo eliminar os limites entre os filmes ou, ao menos, reconhecer as inevitáveis permeabilidades de tais limites, tentando entender os filmes intertextualmente”.13 A questão da trilogia não é um ponto pacífico e Paul Adams Sitney está entre os autores que a rejeitam. Ele afirma que não há sentido em se falar em trilogia quando os filmes sequer retratam os mesmos personagens, famílias ou comunidades. Para ele, o que há em comum é a presença de Monica Vitti como protagonista. Outro desdobramento dessa tese inclui Deserto vermelho (Il deserto rosso, 1964) ao grupo e trata os quatro filmes como uma 11 Domènec Font, op. cit., p. 32. 12 Ibid., p. 32. 13 Peter Brunette, op. cit., p. 5.
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tetralogia. Em entrevista publicada em 1979, Antonioni afirmou que, embora nunca tivesse falado em uma trilogia, isso não significava que a ideia não fazia sentido. E acrescentou: “Mas há quatro dos meus filmes, não três, que tocam no mesmo assunto. Deserto vermelho também lida com uma crise existencial”.14 Seymour Chatman afirma que, fora o uso da cor, o último filme “não difere significativamente em tema, estrutura da trama ou tipo de personagem [...]. Eu não afirmo que Antonioni pretendia um ciclo de quatro filmes, apenas que temas, estilo e visão de mundo são mais bem compreendidos se eles forem observados como uma vaga unidade”.15 Independentemente de haver consenso sobre a classificação dos filmes como trilogia ou tetralogia, o próprio fato de o caráter de unidade ser reconhecido corrobora as ideias de que Antonioni é um autor e de que os filmes carregam uma assinatura tanto temática – com a ideia de não pertencimento, de fracasso dos relacionamentos amorosos, de crise moral e existencial dos personagens – quanto estilística – com a montagem dentro do plano, a relação entre os sentimentos dos personagens e a paisagem, a busca por um ritmo diferente e a atenção à composição dos planos. A colocação de Peter Brunette, de que as semelhanças entre os filmes deste ciclo ocorrem porque eles derivam da “mesma matriz cultural do mesmo diretor”, é próxima do pensamento de Bernardet, para quem os filmes ganham mais homogeneidade após a descoberta da matriz do autor. Algumas das assinaturas estilísticas de Antonioni continuarão identificáveis mesmo em filmes posteriores, mesmo quando ele abordar novos temas em seus trabalhos.
14 Michelangelo Antonioni,"The History of Cinema is Made on Film". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996, p. 202. 15 Seymour Chatman, Antonioni, or the Surface of the World. Berkeley: University of California Press, 1985, p. 51.
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2. Sinopse
Em Roma, Anna, prestes a sair em viagem, conversa com o pai (Renzo Ricci), mas ele diz coisas duras sobre o relacionamento dela com o namorado Sandro. Depois do desentendimento, Anna, junto com a amiga Claudia, partem para buscar Sandro. Em frente ao apartamento dele, Anna confessa a Claudia que não sente vontade de ver o namorado e que o relacionamento e a distância entre os dois está sendo difícil. A conversa é interrompida por Sandro, que aparece na janela, e Anna, ignorando tudo o que havia acabado de dizer, entra no apartamento e os dois ficam juntos, enquanto Claudia os espera do lado de fora. A bordo de um barco nas ilhas Eólias, Claudia observa a paisagem. Anna, depois de um breve momento de afeto com Sandro, se irrita e se lança impulsivamente ao mar. Quando todos parecem estar aproveitando o mergulho, Anna grita que há um tubarão e provoca o retorno urgente de todos à embarcação. Em um momento em que estão sozinhas, Anna confessa a Claudia que mentiu sobre o tubarão. Claudia atribui o comportamento da amiga à insatisfação com Sandro. Depois de desembarcar na ilha de Lisca Bianca, Anna tenta falar sobre seus sentimentos com Sandro, mas ele, para evitar a conversa, a pede em casamento. Ela, angustiada, admite que decidiu ficar
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sozinha por tempo indefinido, mas é ironizada por ele. Claudia é a primeira a notar o sumiço de Anna. Sem encontrá-la no barco, todos se espalham pela ilha para procurar por ela, mas não encontram nada. Claudia, Sandro e Corrado (James Addams) decidem passar a noite por ali enquanto o restante do grupo parte em busca de ajuda das autoridades. No casebre onde o trio se abriga, Sandro e Claudia trocam acusações e discutem as responsabilidades de cada um pelas atitudes de Anna, mas são surpreendidos pela chegada do pescador que vive ali. Ao perceber a possibilidade de a amiga ter morrido, Claudia se desespera e é amparada por Corrado. No dia seguinte, o tom da conversa entre Claudia e Sandro é mais conciliador, e ele logo sinaliza seu interesse por Claudia, mas ela se esquiva. Em seguida, um grande aparato formado por policiais, mergulhadores, o pai de Anna, barcos e até um helicóptero chega a Lisca Bianca para intensificar a operação de busca. Apesar disso, não há resultados concretos. Antes de ir embora da ilha, Claudia vai até o barco para buscar suas coisas e é surpreendida por Sandro, que a beija. Na sequência, o grupo se separa e apenas Claudia e Sandro seguem mobilizados na tarefa de encontrar Anna. Depois de acompanhar o interrogatório de um grupo de contrabandistas, naquele momento a pista mais forte sobre o que pode ter acontecido com Anna, Sandro se frustra com a falta de respostas concretas. Ele vai até a estação de trem para ver Claudia, que está indo reencontrar o restante do grupo. Como maneira de evitá-lo ou de evitar assumir seus próprios sentimentos, Claudia pede que Sandro procure o jornalista que escreveu sobre o caso de Anna e não a acompanhe. Contrariando o pedido, Sandro entra no trem e os dois admitem sentir algo um pelo outro, ainda que Claudia esteja confusa com todas as mudanças que ocorreram em tão pouco tempo.
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Em Messina, Sandro se encontra com Zuria (Renato Pinciroli) em meio a uma multidão de homens que cerca a prostituta e aspirante a atriz e escritora Gloria Perkins (Dorothy De Poliolo). O jornalista diz que não irá escrever novamente sobre Anna porque a história já não interessa mais, mas fala sobre novas pistas que recebeu de leitores. Enquanto isso, na villa dos Montaldo, Claudia relata a busca exaustiva por Anna, mas os outros minimizam a situação. Claudia fica apreensiva quando especulam que o atraso de Sandro deve significar que ele encontrou a namorada. Giulia (Dominique Blanchar), cansada de ser tratada com desdém por Corrado, se envolve com o jovem pintor Goffredo (Giovanni Petrucci). Claudia vai ao encontro de Sandro para que eles possam continuar as buscas juntos, e eles logo se assumem como um casal. Eles chegam ao hotel em Noto, onde rumores apontam que Anna estaria hospedada, mas Claudia se recusa a entrar para não tornar o momento mais difícil para os três. Ela começa a caminhar na rua, mas logo é cercada por vários homens que a observam intensamente, fazendo com que ela se sinta culpada. No terraço da igreja, de onde observam a paisagem da cidade, Sandro confessa estar frustrado com o trabalho, já que, para ganhar mais dinheiro, trocou a atividade criativa na arquitetura por algo burocrático. Claudia o encoraja a se demitir para seguir seus desejos. Afetado pelo cenário, Sandro a pede em casamento, e Claudia, sem conseguir articular uma resposta, toca o sino como que para encontrar as palavras e é respondida por outras igrejas. De volta ao quarto do hotel, Claudia está feliz e diz a Sandro que o ama. Ele age com indiferença e sai sozinho para passear. Sandro encontra o esboço de um desenho arquitetônico na praça e o destrói em um gesto impulsivo. Confrontado pelo jovem arquiteto autor do desenho, ele se afasta. O descompasso entre Claudia e Sandro
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se acentua quando ele retorna ao hotel e tenta forçá-la a se relacionar com ele; ela recusa e diz que não o reconhece. Ela fala sobre as novas pistas de Anna, mas Sandro diz estar cansado e não querer mais segui-las. Eles chegam a um hotel luxuoso onde devem participar de uma festa, mas Claudia desiste justificando estar com sono. Antes que Sandro saia do quarto, ela pede que ele diga que a ama. Na festa, ele se encontra com seu chefe, Ettore (Prof. Cucco) e confirma que continuará trabalhando para ele, contrariando o que havia dito a Claudia. Sandro troca olhares com algumas mulheres, enquanto Claudia está insone à espera dele. Quando amanhece, ela decide procurá-lo no quarto de Patrizia (Esmeralda Ruspoli) e Ettore, mas ele não está lá. Claudia admite que não sente mais vontade de encontrar Anna. Depois de procurar por alguns salões do hotel, Claudia vê Sandro deitado no sofá com Gloria e foge em seguida, sem dizer nada. Claudia vai até um pátio fora do hotel e começa a chorar. Sandro chega e também chora. Sem trocar qualquer palavra ou olhar, Claudia se aproxima dele e faz menção de tocá-lo, mas desiste. Até que, instantes depois, em um gesto de piedade, ela pousa a mão na cabeça dele.
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3. Estratégias de desdramatização
Para Antonioni, os mecanismos da narração cinematográfica convencional restringiam a liberdade e o estilo do realizador.16 Foi por meio da desdramatização que ele conseguiu construir em A aventura um filme que escapasse dessa condição. Antonioni desenvolveu um cinema desdramatizado ou até mesmo antidramático, o que no início dos anos 1960 foi revolucionário, e deu um passo além em relação a outros diretores contemporâneos no esforço de atenuar o tom dramático de situações carregadas se opondo à busca pela expressividade máxima.17 A desdramatização ocorre com o emprego de qualquer procedimento que vise tornar o filme menos transparente, como a colocação no primeiro plano da materialidade da imagem e do som (pelo grão da foto, o estilo de iluminação, o nível de gravação dos ruídos etc.); [...] o estilo do diálogo, o privilégio da descontinuidade e o emaranhamento da identidade das personagens; o arbitrário do estilo da decupagem: privilégio de longos planos-sequência, travellings laterais bem localizáveis, transgressões das regras dos raccords.18 16 Michelangelo Antonioni, "L'avventura". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996, p. 269. 17 David Bordwell, Figuras traçadas na luz. Campinas: Papirus, 2008. 18 Jacques Aumont e Michel Marie, Dicionário teórico e crítico de cinema. 2ª ed. Campinas: Papirus, 2006, pp. 82-83. 65
Os planos longos e os tempos mortos, que geralmente são descartados para acelerar a narrativa, têm relação muito próxima com a crença de Antonioni de que o cinema deveria reproduzir o ritmo da vida e estar mais próximo da verdade do que da lógica. “Há momentos que parecem quase estáticos e outras vezes se movem com uma velocidade tremenda. Acredito que tudo isso deve entrar na feitura do filme”.19 Além disso, os tempos mortos geram uma contradição para o espectador, pois, ao mesmo tempo em que exigem “um olhar atento às mudanças graduais que constituem a ação”, questionam o próprio conceito de ação.20 A desdramatização também está ligada à operação de contestação voluntária da narrativa, que busca acabar com as ilusões de realismo, continuidade e transparência.21 Embora em A aventura seja possível identificar uma relação sequencial entre os eventos retratados, ela é “atenuada, indireta e sugere menos um desenvolvimento em particular dos eventos do que um estado geral das coisas”.22 É o que Chatman classifica como narrativa contingencial, ou seja, aquela que tem como intenção principal expor uma determinada situação, sem assumir o compromisso de resolver qualquer mistério. Nesse tipo de narrativa, a “função do discurso não é responder a uma questão ou sequer colocá-la. Desde o princípio percebemos que as coisas continuarão como são”.23 Para ele, dessa forma a trama pode “se entregar livremente a eventos ‘desnecessários’ cuja relação com a cadeia lógica em andamento é marginal ou
19 Michelangelo Antonioni, 1996, p. 26. 20 David Bordwell, 2008, p. 228. 21 Jacques Aumont e Michel Marie, 2006, pp. 82-83. 22 Seymour Chatman, 1985, p. 75. 23 Id., Story and Discourse. Narrative Structure in Fiction Film. Ithaca: Cornell University Press, 1978, p. 48.
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não existente”.24 Essas passagens, justamente por parecerem gratuitas, trazem um efeito de realidade ao filme. Na mesma linha, Domènec Font afirma que os filmes de Antonioni são avessos à narrativa na medida em que evitam fáceis implicações causais, circulando em um espaço dilatado, digressivo, e recorrem a exercícios do pensamento através do monólogo interior ou se acomodam na derivação do sentido como uma maneira de expressar o drama do tempo e de sua ausência.25
A aventura pode ser dividido em duas partes, cada uma ligada a diferentes significados da palavra avventura. Segundo o dicionário Treccani, o termo possui quatro acepções: o evento único e inesperado, um acontecimento extraordinário; a iniciativa arriscada e fascinante, cujo resultado é desconhecido; a experiência vivida casualmente, sem preparação; e o breve relacionamento amoroso. Na primeira parte do filme, que está ligada às três primeiras acepções, vemos a apresentação dos personagens e das relações entre eles, a viagem do grupo para as ilhas Eólias, o desaparecimento repentino de Anna e o impressionante aparato mobilizado para encontrá-la. Esses elementos, até então, estão encadeados de forma a criar um mistério e a sugerir que em breve ele será esclarecido. Porém, o suspense implicado logo arrefece e se dissolve. Não há uma transição bem definida para a segunda parte do filme, mas sim um movimento sutil que está alinhado com o envolvimento entre o novo casal formado por Sandro e Claudia. O filme, então, “joga com essa duplicidade, movendo-se entre as duas possíveis correntes narrativas – a aventura de solucionar o mistério do desaparecimento de
24 Seymour Chatman, 1985, p. 76. 25 Domènec Font, op. cit., p. 64.
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Anna e a aventura do romance de Sandro e Claudia”.26 Essa mudança no sentido da aventura modifica a função de Anna para a narrativa. Se na primeira parte ela é a protagonista e as ações dos outros personagens parecem se mover na intenção de encontrá-la, na segunda ela se torna um personagem fantasmagórico cuja ausência, ou iminente presença, assombra os demais. Quanto mais envolvida no relacionamento com Sandro, menos Claudia deseja que a amiga retorne. Ernesto Laura também aponta uma fratura na estrutura narrativa de A aventura. Para ele, a primeira parte parece querer narrar um giallo, e o "suspense", a atmosfera do ambiente, tudo contribui para preparar o espectador para uma solução racional do mistério. Ao invés disso, esse mistério é abandonado não apenas no contexto temático, o que é óbvio, mas também como ponto narrativo estrutural, o que provoca um desequilíbrio e uma expectativa vã do espectador por um desfecho diferente da história.27
As sequências que retratam as buscas por Anna por cidades diferentes na Sicília se aproximam da lógica de encadeamento causal da narrativa. É uma reportagem sobre Anna no jornal que motiva Sandro a ir ao encontro do jornalista que a escreveu e são as pistas fornecidas por leitores do jornal que fazem com que Sandro e Claudia decidam ir a Noto para procurá-la. No entanto, essas pistas não levam a lugar algum e não há uma solução para esse mistério, apesar do longo tempo de filme dedicado a ele. Dos 142 minutos de
26 Sarah Barrow; Sabine Haenni; John White, The Routledge Encyclopedia of Films. Nova York: Routledge, 2015, p. 57. 27 Ernesto Laura, “Cannes’60: crisi dei valori umani”. Bianco e Nero, Roma, número 5-6, maio-junho, 1960.
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duração de A aventura, cerca de 90 envolvem algum tipo de ação para encontrar Anna – o desaparecimento ocorre aos 26 minutos. Para Peter Brunette, o fato de Anna ser esquecida é o verdadeiro escândalo do filme. Remetendo à definição de Pascal Bonitzer, que fala do “desaparecimento do desaparecimento de Anna”, Brunette afirma que esse “desaparecimento duplo cria uma brecha no filme, uma invisibilidade em seu centro, que sugere um outro lugar, um não lugar, que permanece inacessível para sempre à interpretação e que destrói o sonho de visibilidade total”.28
Chatman afirma que A aventura provavelmente se tornou um filme mais contingencial no set de filmagem ou mesmo no momento da edição, já que o roteiro, de autoria de Antonioni, Elio Bartolini e Tonino Guerra, previa “muitas passagens explicativas”.29 Ele dá o exemplo da cena em que Claudia e Sandro se beijam no campo, logo após visitarem uma cidade abandonada. No filme, há
28 Peter Brunette, op. cit., p. 31. 29 Seymour Chatman, 1985, p. 76.
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uma elipse e um corte abrupto entre o plano que mostra a saída da cidade e o beijo, ocultando toda a aproximação entre os dois. No
roteiro, esse momento é detalhado: Claudia está calada, um tanto consternada. Instintivamente, ela se aproxima de Sandro, que a conduz até um local sombreado onde o solo está coberto de mato... Claudia não oferece resistência; na verdade, ela entrelaça os dedos nos dele, quase com uma sensação de desespero. Sandro tenta beijá-la. Ela faz uma débil tentativa de resistir, olha em volta e vê a cidade deserta, os campos áridos, as paredes em ruínas e queimadas pelo sol. Ela se vira e volta a olhar para Sandro, e agora é ela quem o beija.30
Para Chatman, Antonioni evita estabelecer relações óbvias entre os eventos e os mostra como simplesmente acontecendo. As elipses do filme estão ligadas tanto à ideia de contingência como à de texto aberto, decisão que estimula os espectadores a se engajarem no processo de interpretar e dar sentido ao filme. Diferentes espectadores ou até mesmo um espectador que torne a assistir ao filme em outro momento terão uma percepção ou hipóteses novas sobre o que é mostrado e sobre os eventos suprimidos pelas elipses. É o filme que se desdobra e se modifica, apesar de ser sempre e rigorosamente o mesmo.
30 Seymour Chatman., 1985, p. 76.
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4. Mise en scène
Uma das principais características de A aventura é o esforço contínuo para tornar o filme menos transparente. No cinema narrativo, é esperado que os planos tenham alguma razão para existir e que o diretor conduza o olhar do espectador para aquilo que deve ser percebido. A mise en scène de Antonioni tem algo de fugidio, um deslocamento do centro para as bordas da imagem ou até mesmo para além delas – e algo estar na margem não significa que ele tenha menos importância. Antonioni “raramente usa mais de uma pista – diálogo, música, imagens, luz – para expressar um efeito. E ele está disposto a permitir discrepâncias entre a aparência visível e a importância do que está acontecendo”.31 Nos filmes de Antonioni se sobressaem aspectos visuais como a composição da imagem, as formas, as linhas, as texturas e, a partir de Deserto vermelho (Il deserto rosso, 1964), as cores. Nos anos 1960, houve uma grande aproximação entre o cinema e a pintura, ou, ao menos, foi o período no qual esteve em maior evidência a preocupação em incorporar aos filmes valores como a cor, a pincelada e a matéria.32 Tanto o cinema como a pintura manipulam o visível, estilizando cores e valores. A aventura não está longe disso. David 31 Seymour Chatman, 1985, p. 88. 32 Jacques Aumont, 2008a, p. 57.
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Neves afirma que o filme segue “quase o mesmo sistema de uma exposição de artes plásticas onde o expert ou o curioso se movem lentamente e se permitem livres divagações sobre as obras examinadas".33 O formalismo de Antonioni é uma novidade para o cinema da época. Brunette pontua que os filmes dele representavam interioridade (por exemplo, estados emocionais interiores) externamente na tela na forma de gestos, expressões e, mais importante, meios abstratos como linha e cor. Ainda mais radicalmente, filme após filme, os espectadores são levados a reagir aos personagens como expressões gráficas, além de seres humanos com os quais eles se identificam emocionalmente. [...] Seus personagens podem ser vistos (e até certo ponto devem ser vistos, para fazer algum sentido) abstratamente como elementos textuais, tanto como representações ficcionais de pessoas reais.34
Para Pasolini, o formalismo de Antonioni tem como base duas operações: o uso de planos sucessivos com pequenas variações de ponto de vista, um pouco mais próximos ou distantes ou um pouco mais frontais ou oblíquos, “uma insistência que se torna obsessiva enquanto mito da beleza autônoma substancial e angustiada das coisas”, e a montagem do filme formada por uma sequência de quadros nos quais “os personagens entram, dizem ou fazem algo, e logo saem, deixando novamente o quadro em sua pura e absoluta significação enquanto quadro”.35
33 David E. Neves, Telégrafo visual. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 114. 34 Peter Brunette, op. cit., p. 10 (grifo do autor). 35 Pier Paolo Pasolini, “Cine de poesía”. In: Adriano Aprà (Org.), Cine de poesía contra cine de prosa. Barcelona: Editorial Anagrama, 1970.
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Desde seu primeiro longa-metragem, Antonioni foi progressivamente adotando uma decupagem mais complexa, o que refletiu diretamente na duração média dos planos de seus filmes. Em A aventura, ela é de 18 segundos, valor alto se comparado a outros filmes produzidos no período, mas é o menor para um longa-metragem dirigido por ele até então.36 A sensação de ritmo lento do filme, no entanto, não é explicada apenas pela duração dos planos. É recorrente em A aventura que haja um intervalo de alguns segundos antes ou depois da ação principal de um plano: são os tempos mortos. É justamente nesse momento em que nada de importante acontece que Antonioni convida o espectador a contemplar as imagens. Para Bordwell, os tempos mortos geram uma contradição para o espectador porque contam uma história, mas de maneira tão demorada e vaga que ultrapassa as concepções padronizadas da economia narrativa. Nosso próximo impulso é interpretá-las, mas isso tampouco se mostra animador, já que a flagrante diluição da narrativa nas imagens é conjugada com uma falta de intenção simbólica também [...]. A imagem estendida excede os aspectos simbólicos e denotativos, buscando, em vez disso, expressividade emocional e abstração formal.37
Para Antonioni, mais importante do que expressar ideias por meio do diálogo, está a capacidade da câmera de capturar gestos banais dos personagens e, com isso, revelar os seus pensamentos.
36 Adriano Aprà, 2017, p. 17. Como referência, as durações médias dos planos dos outros filmes de Antonioni são: Crimes da alma – 33 segundos, A dama sem camélias – 59 segundos, As amigas – 27 segundos, O grito – 20 segundos, A noite – 16 segundos, O eclipse – 12 segundos, Deserto vermelho – 10 segundos, Blow up - Depois daquele beijo – 11 segundos, Zabriskie Point – 8 segundos, O passageiro - Profissão: repórter – 19 segundos (o penúltimo plano do filme dura mais de seis minutos) e Identificação de uma mulher – 14 segundos. 37 David Bordwell, 2008, pp. 228-229.
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Eu acredito que é muito mais cinematográfico tentar capturar os pensamentos de uma pessoa por meio de uma reação visual corriqueira do que tentar incluí-la em uma frase, isso é, em uma forma verbal e didática. Uma das minhas preocupações filmando é seguir os personagens até que eu sinta que é o momento de parar. Seguilos não só por fazer, mas porque eu penso que é importante estabelecer, capturar os momentos na vida de um personagem que parecem ser menos importantes.38
Há um esquema de decupagem presente na maior parte das sequências de A aventura que consiste em: 1) plano geral que mostra a chegada dos personagens, frequentemente com um intervalo antes do início da ação; 2) plano conjunto dos personagens com mudança de escala do quadro pelo movimento da câmera ou pela circulação dos atores, ou seja, montagem dentro do plano; 3) plano e contraplano dos atores ou, alternativamente, os dois personagens enquadrados no mesmo plano, mas com um deles de costas para a câmera; e 4) para encerrar a sequência, um novo plano conjunto longo com o deslocamento dos atores para fora do quadro e um novo tempo morto antes do corte. Três sequências serão analisadas, procurando as principais características da mise en scène em cada uma delas. A primeira mostra o encontro de Anna e Sandro no apartamento dele enquanto Claudia os espera do lado de fora. Um plano geral da praça onde fica o apartamento abre a sequência, que começa aos 4 minutos de filme e tem duração de 5 minutos e 20 segundos. O intervalo de alguns segundos até a entrada do carro onde estão Anna e Claudia permite ao espectador contemplar o local e seus frequentadores, mesmo que não haja um direcionamento claro para o nosso olhar. Ainda que o movimento do carro chame a atenção, não há 38 Michelangelo Antonioni, "My Experience". In: In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996, p. 8.
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muito destaque para o veículo, já que tanto o obelisco como as freiras estão mais próximos à câmera. O carro estaciona mais à esquerda do quadro, marcando a descentralização do enquadramento que irá predominar ao longo do filme. Jullier e Marie explicam que a descentralização pode ser feita: respeitando-se a regra dos três terços, regra clássica derivada da pintura: o sujeito fica situado ao longo dos dois eixos que dividem o quadro em três, horizontal, verticalmente ou ambos ao mesmo tempo. Fora dessa regra, a descentralização pode ser feita de duas maneiras, uma clássica e outra maneirista. A primeira consiste em abolir a regra dos três terços, usando não obstante o que em pintura se denomina "equilíbrio das massas". O vazio deixado pela descentralização excessiva do sujeito é então "compensado" pelas "massas" constituídas pelas outras figuras reunidas em torno dele. A segunda maneira de descentralizar consiste em usar, inversamente, o desequilíbrio das massas – por exemplo, por um protagonista ele próprio "desequilibrado" ou em estado de grande privação.39
39 Laurent Jullier; Michel Marie, Lendo as imagens do cinema. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009, p. 25.
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Em vez de entrar para reencontrar o namorado, que não vê há mais de um mês, Anna vai para o lado oposto ao do apartamento. Questionada por Claudia, Anna responde que não quer ver Sandro e desabafa sobre a dificuldade em manter o relacionamento à distância. No primeiro dos dois planos da conversa, a câmera faz um movimento lateral para acompanhar o deslocamento das atrizes na rua. A montagem dentro do plano é a alternativa adotada por Antonioni para evitar o uso do tradicional recurso de plano e contraplano. Os planos em A aventura, mais longos, apresentam variações de escala provocadas tanto pelos movimentos de câmera como pela circulação dos atores, que se aproximam, se afastam ou mesmo saem do quadro pelas laterais. Com o número menor de cortes, a interpretação dos atores ganha mais destaque. Quando Anna diz “Dói muito estar separada, sabe?”, ela está fora do quadro e vemos a reação de surpresa de Claudia com a confissão da amiga. Há um corte para Anna, que se justifica e, por fim, pergunta se Claudia a entende. O movimento da câmera para o lado direito e para trás coloca Claudia novamente em quadro. Ela está de costas e não responde à amiga – a sua reação, colocada em evidência no plano anterior, agora é ocultada. Bordwell aponta que Antonioni rejeitou a frontalidade dos personagens em seus filmes dos anos 1950 e começo dos 1960 e optou por enquadrar “os atores de costas se afastando da câmera em diagonal. Essa visão dorsal a três quartos minimiza nosso acesso à reação do personagem [...], geralmente empurrando-nos para ler as emoções somente pela postura e pela atitude”.40 Esse enquadramento com Anna ou Claudia de costas e a outra de frente para a câmera será repetido algumas vezes ao longo do filme, em uma evocação à complementariedade que uma exerce em relação à outra.
40 David Bordwell, 2008, p. 214.
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A conversa entre as duas é interrompida por Sandro, que aparece na janela para avisar que logo irá descer. Sem dizer uma palavra, e contrariando o que acabou de confessar a Claudia, Anna decide subir para encontrá-lo sozinha. No plano seguinte, Anna avança em direção à câmera, que espera por ela no interior do prédio, ao fundo de um corredor, criando profundidade. No centro da imagem está a porta aberta, que forma uma nova moldura dentro do quadro, uma abertura através da qual vemos Claudia na rua, ao centro. Esses recortes dentro do quadro, chamados por Aumont de sobreenquadramentos, são recorrentes ao longo do filme. Criados por elementos como portas, janelas e espelhos, eles também podem ter a função de descentralizar os enquadramentos. O autor define os sobreenquadramentos como “intermediários entre o quadro da imagem, o olhar da personagem, que eles enquadram, e o olhar do espectador”.41
41 Jacques Aumont, O olho interminável: Cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 126-127.
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O plano de Anna subindo as escadas que levam ao apartamento está dividido ao meio pela linha da parede: de um lado ela e do outro Sandro. Apesar de promover uma simetria visual, essa divisão, que aparece em outros momentos do filme, acentua as diferenças de estado de espírito dos personagens retratados. Anna é recebida com um beijo forçado e, em silêncio, olha para Sandro como se estivesse pensando no que fazer. Ela caminha pela sala, observando ao redor, até que se detém diante da janela, criando um novo sobreenquadramento da imagem. Sandro pergunta se há algo errado com ele e começa a posar para Anna, brincando, mas ela não lhe responde. Ela olha em direção a Sandro, sorri levemente, passa para o outro lado de uma barra de ferro nas paredes, o que cria uma barreira entre eles, e começa a desabotoar o vestido. Sandro pergunta sobre a amiga que está do lado de fora, e Anna, que fala com ele pela primeira vez, responde com apenas uma palavra, “Esperará”. Anna repete o discurso de Claudia, que antes, no pátio, já havia falado sobre deixar outra pessoa esperando. Assim, cria-se uma trama invisível entre os três, um prenúncio do triângulo amoroso por vir. Anna se aproxima da cama e logo depois Sandro entra em quadro para beijá-la. Há uma estrutura decorativa da cama em primeiro plano, entre a câmera e os atores, bloqueando parte considerável da imagem. Essa barreira na imagem também é uma marca de estilo de Antonioni e é usada tanto em outras sequências de A aventura como em outros filmes do realizador. Um contraplano com grande profundidade focal revela que o casal, que está diante da janela, é observado por Claudia a partir do lado de fora. Sandro percebe a situação e fecha as cortinas para bloquear o olhar indiscreto de Claudia.
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A partir de então, a montagem paralela contrapõe esses dois espaços simultâneos de ação. Enquanto espera, Claudia entra em uma galeria de arte e se diverte observando os quadros e os frequentadores do local. Ela é, neste momento, uma testemunha passiva do mundo exterior e das relações entre outras pessoas, enquanto Anna, no campo da ação, age impulsivamente – para manter o equilíbrio dessas forças, Claudia só poderá desempenhar um papel mais ativo após o desaparecimento de Anna. Durante a visita à galeria, outra marca do estilo de Antonioni fica evidente quando ouvimos pessoas conversando em outro idioma, um pequeno comentário literal a respeito da incomunicabilidade. Dentro do apartamento, Anna e Sandro se beijam. Se num plano anterior as grades decorativas da cama estavam no primeiro plano da imagem, encobrindo parcialmente os corpos dos dois atores, agora não há intermediação. O close no rosto de Anna evidencia seu desconforto com a situação. Já Sandro, de costas para a câmera na maior parte do tempo, parece totalmente alheio a qualquer sentimento dela. Claudia vai para uma varanda logo abaixo do apartamento de Sandro. Primeiro ela observa a paisagem, que não vemos, e depois olha para cima, como se tentasse ver ou ouvir melhor o que se passa dentro da casa. Após entender que o casal demorará para descer, e que não lhe resta nada a fazer além de esperar, ela fecha a porta da entrada, em um plano que repete o mesmo enquadramento de quando Anna entrou no prédio. Além disso, esse gesto de Claudia ecoa o de Sandro, já que, assim como ele fechou as cortinas bloqueando o olhar intrusivo dela, ela agora impede olhar do espectador. Não há nada para vermos ali.
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A segunda sequência a ser analisada, que tem início aos 22 minutos de filme e duração de 4 minutos e 50 segundos, mostra a chegada do grupo de amigos a Lisca Bianca e o desaparecimento de Anna. Assim que desembarca na ilha, Corrado convida Anna e Sandro para verem as ruínas que ficam na parte alta e, como de costume, aproveita para insultar Giulia, que irá responder somente mais tarde, de maneira indireta e usando Claudia como intermediária. No meio da fala de Corrado, há um corte para o plano de Claudia brincando com o mar, sobre o qual o áudio da discussão entre Corrado e Giulia continua – isso cria um forte contraste entre
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o tom nada amigável da discussão do casal e a tranquilidade de Claudia. Neste primeiro momento, a câmera não se fixa em nenhum personagem em particular e passeia por diferentes situações simultâneas. As relações entre os personagens e o ambiente são criadas tanto pela ampla profundidade de campo da imagem, que permite que os atores permaneçam relativamente em foco mesmo em diferentes pontos do cenário, como pela decupagem, com movimentos de câmera que criam constante tensão entre o que está no quadro e o que está além das bordas da imagem. Enquanto Claudia e Corrado conversam em primeiro plano, Anna e Sandro estão ao fundo, à esquerda, se afastando do grupo. Claudia diz a Corrado que o achou simpático e ele, mais uma vez, menciona as ruínas da ilha, convidando-a para ir com ele. Giulia observa o diálogo entre os dois, consternada com o tratamento gentil que o companheiro reserva a outras pessoas. A fala de Corrado, aparentemente gratuita, trará uma nova dimensão para quando as buscas por Anna na ilha estiverem em curso já que ele demonstrará estar mais interessado em ver as ruínas e as peças de cerâmica que encontra pelo caminho do que em procurar por ela. Separados do restante do grupo, Anna e Sandro têm uma conversa difícil sobre seu relacionamento. A escolha pela longa duração dos quatro planos que retratam esse diálogo gera um paradoxo, já que ao mesmo tempo em que pressupõe um foco maior na interpretação, nem sempre os rostos dos atores aparecem diante da câmera, podendo até mesmo estar fora do quadro. Anna tenta falar sobre seus sentimentos, mas Sandro se esquiva, afirmando que as palavras confundem, o que é uma asserção literal de incomunicabilidade. Para evitar ter a conversa naquele momento, ele a pede em casamento, alegando que eles terão “uma vida inteira para falar”. Anna confessa a contradição de seus sentimentos, pois ao
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mesmo tempo em que quer ficar sozinha por tempo indeterminado, ela não quer perdê-lo. Enquanto ela fala, Giulia e Corrado aparecem no fundo da imagem, à esquerda, e, pela expressão corporal de Giulia sabemos que houve um novo desentendimento entre o casal. Sandro pergunta, ironizando, se Anna também se sentia assim no dia anterior, quando eles ficaram juntos. “Você sempre precisa estragar tudo”, diz Anna, decepcionada, em uma fala que é uma espécie de profecia das condutas questionáveis de Sandro ao longo do filme. Ele, em desdém, se afasta dela e se deita sozinho nas rochas. Anna permanece no primeiro plano, com ar pensativo, e depois de alguns instantes olha na direção de Sandro, ficando de costas para a câmera.
A conversa entre Anna e Sandro é seguida de uma fusão para um plano aberto da encosta de Lisca Bianca e do mar, onde um pequeno barco se desloca para a direita. A fusão é um recurso usado em A aventura para sinalizar a passagem do tempo ou as mudanças de estado mental dos personagens. Nesse caso, além de marcar a principal ruptura narrativa no filme, que é o limite entre a presença e a ausência de Anna, o plano também traz a questão da visibilidade. Esse barco não é visto por nenhum personagem – e talvez não o
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seja por parte dos espectadores –, mas seu ruído é ouvido e motiva especulações sobre se ele realmente existia e, mais ainda, se Anna poderia ter ido embora com ele. Brunette afirma que A aventura é uma “apoteose do visível”, ainda que ao mesmo tempo a realidade seja “sempre mais do que o que pode ser visto”. Se a imagem carrega um grande significado, o filme também nega a possibilidade de alcançar, por meio visual (ou por qualquer meio, aliás), uma presença total que é equiparada à realidade; ela nega, em outras palavras, o lugar-comum de que o que existe é o que é visível. […] No entanto, as ausências neste filme não são transcendentais nem marcam algo "inexprimível". Ao contrário, elas levam à negação, ou melhor, ao questionamento de uma presença anterior, não problemática e completamente visível.42
Logo após o plano de transição, Giulia desperta repentinamente, olha para o céu e diz “O tempo está mudando”, ao que Corrado responde: “Por favor, querida Giulia, não precisa ser tão literal o
42 Peter Brunette, op. cit., p. 31.
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tempo todo. Posso ver sozinho que o tempo está mudando”. Para Laurent Jullier e Michel Marie, esse diálogo pode ser considerado uma declaração sobre “a regra de conduta do cineasta, que não dará nenhuma explicação para o desaparecimento de Anna”.43 Quando se compreende que Anna desapareceu durante a fusão, a fala de Corrado pode ser interpretada como uma referência ao gesto de ver o filme e à recusa de Antonioni em conduzir o espectador pela reiteração de informações, já que ele também pode perceber sozinho o que acontece. A terceira sequência a ser analisada, que começa aos 132 minutos de filme e tem duração de 10 minutos, traz outra característica importante da mise en scène de A aventura, que é o amortecimento da carga dramática das situações retratadas. Após ter passado a noite no quarto à espera de Sandro, Claudia está na varanda observando a paisagem ao amanhecer, acompanhada de trilha sonora. A imagem dela na janela remete ao amanhecer em Lisca Bianca, quando Claudia observa o nascer do sol na casa do pescador.
43 Laurent Jullier e Michel Marie, op. cit., p. 167.
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No plano seguinte, a música acaba e o silêncio é quebrado pelo ruído desproporcionalmente alto dos passos de Claudia, que decide procurar por Sandro no hotel. Ela corre por um longo corredor em direção à câmera até chegar em frente ao quarto de Patrizia e Ettore e entra. No primeiro dos dois planos da cena, Patrizia dorme e Claudia, fora de quadro, a chama. Claudia pergunta sobre Sandro e pede que ela fale com Ettore. A câmera acompanha o movimento de Patrizia, que se levanta da cama e entra no quarto do marido, conjugado ao seu. A porta, além de marcar a divisão do quadro ao meio, cria um sobreenquadramento através do qual vemos a ação de Patrizia. Claudia entra no plano pela direita e, quando Ettore menciona seu nome, ela se vira de frente para a câmera e se esconde atrás da porta. Claudia revela a Patrizia que pressente que Anna voltou e que Sandro está com ela. No plano seguinte, próximo de Claudia, Patrizia, que antes estava na esquerda, entra pela direita, quebrando o raccord do movimento. Enquanto conversam, o quadro está novamente dividido ao meio, com o rosto de cada atriz ocupando uma metade do plano.
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Claudia: Alguns dias atrás, só em pensar que Anna poderia estar morta, eu sentia que morreria também. Agora nem mesmo choraria. Temo que ela possa estar viva. Tudo está se tornando assustadoramente fácil, mesmo que seja para se livrar da dor. Patrizia: Ninguém nunca deve desejar ser melodramática.
Para Sitney, essa fala de Patrizia pode ser considerada uma declaração de Antonioni sobre o estilo maduro de seus filmes, já que A aventura é um ponto de sua carreira em que há uma “supressão máxima das tensões melodramáticas, que estava em processo desde os filmes anteriores”.44
Depois de sair do quarto, Claudia anda pelos mesmos espaços onde houve a festa do dia anterior, que agora estão vazios e bagunçados, contrastando fortemente com o ambiente sofisticado e cheio de convidados. Essa sensação de ausência reaparecerá de forma muito mais radical dois anos mais tarde, na sequência final de O eclipse, quando os personagens serão excluídos dos últimos seis minutos do filme e os espaços onde eles haviam estado 44 Paul Adams Sitney, Vital Crises in Italian Cinema: Iconography, Stylistics, Politics. Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 125.
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anteriormente são revisitados, completamente vazios – isso reflete o que Gian Piero Brunetta chamou de perda das “razões de se comunicar, do sentido das palavras, do valor dos sentimentos, da percepção das coisas”.45 Na sequência final de A aventura, os enquadramentos são muito abertos, mesmo em ambientes internos, tornando a figura de Claudia pequena em relação ao espaço. Enquanto busca por Sandro nos salões do hotel, a câmera mantém uma certa distância e não acompanha seu deslocamento conforme ela percorre os espaços. Isso é uma indicação clara de que o mais importante não é ver o que ela vê, mas sim observar sua ação de procurar. Claudia entra em um salão amplo pela esquerda e se desloca para o fundo do quadro, ficando no terço esquerdo. A câmera, posicionada em cima de uma mesa, faz uma leve correção para a direita, revelando que no fundo do quadro há um sofá. Ela faz menção de retornar em direção à câmera, quando ouve um ruído e olha para o lado. O plano seguinte mostra Claudia de costas olhando para o sofá onde Sandro está deitado com outra mulher e só então há um corte para o contraplano do rosto dela. Aqui, Antonioni cria um instante a mais em que o espectador é privado de ver mais diretamente a reação de Claudia. Em plano um pouco mais próximo que o anterior, Sandro, em um gesto quase infantil, esconde seu rosto atrás do corpo da mulher no sofá. Claudia os observa por alguns instantes e, sem dizer uma palavra, sai dali. Em vez de acompanharmos Claudia, como seria esperado, vemos o desfecho da situação entre Sandro e a mulher. Ela toca o rosto dele, que afasta sua mão com um tapa. Sandro se levanta e a câmera o acompanha, deixando a mulher fora do quadro. A partir 45 Gian Piero Brunetta, Guida alla storia del cinema italiano - 1905-2003. E-book. Roma: Einaudi, 2014, sem paginação.
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desse momento, ela será mostrada apenas em fragmentos: suas mãos, que tocam no braço de Sandro, e seus pés, que recolhem o dinheiro que ele joga no sofá quando ela pede “uma pequena lembrança”. Essa mulher é Gloria Perkins, que já havia cruzado o caminho de Sandro outras duas vezes: mais cedo na festa, quando eles trocaram olhares, e em Messina, quando sua presença causou uma comoção e aglomerou uma multidão de homens. Em Messina, Zuria, o jornalista que escreveu a reportagem sobre o desaparecimento de Anna, havia revelado que Gloria era uma prostituta (“Bem, se cinquenta mil não fosse o valor de um mês de salário, isso seria um dos caprichos que eu teria, eu garanto”). Essa informação, que naquele momento não parecia relevante, adiciona uma nova nuance à traição de Sandro, já que o dinheiro tem uma função corruptora que parece afetar todos os homens do filme.46 Passar a noite com Gloria é algo que alimenta a vaidade de Sandro, já que, entre todos os homens que a desejavam, é justamente ele, por causa de sua riqueza, quem consegue ter uma noite com ela. É também uma maneira de Sandro compensar a frustração com a própria vida, já que foi para ganhar mais dinheiro que ele deixou de fazer o trabalho criativo de que gostava. Em toda a sequência final, a partir da saída do hotel, predominam os enquadramentos descentralizados, com elementos importantes dos cenários alinhados aos terços da imagem, tanto verticais como horizontais. O primeiro plano mostra a fachada do hotel, cuja porta em arco fica na linha do terço vertical esquerdo. Claudia caminha para a frente, em direção à câmera, e, após atravessar o arco, sai do quadro pela direita. O formato da porta é semelhante ao do terraço do plano seguinte, criando uma rima visual. Claudia entra no plano pela direita, quebrando o raccord de
46 Peter Brunette, op. cit., p. 46.
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movimento e causando uma certa desorientação espacial. A câmera muda de posição em 90 graus no plano seguinte, revelando que Claudia está diante de uma igreja em ruínas. A câmera só se aproxima de Claudia no quarto plano da sequência. Mas ela está de costas, do lado direito do plano.
A saída de Sandro do hotel repete o mesmo enquadramento da de Claudia. Mas, ao contrário dela, ele caminha lentamente, sem saber para onde ir. Há um corte para um plano mais próximo de Sandro, destacando sua expressão preocupada e hesitante. De volta a Claudia, finalmente vemos seu rosto. Ela chora copiosamente, um extravasamento emocional que não é muito comum ao longo do filme. Ela está alinhada mais à direita do plano, que tem o fundo composto pelo céu nublado e pelas ruínas. O barulho de passos faz com que, mesmo sem olhar para trás, ela segure o choro por saber que Sandro se aproxima. 99
No plano seguinte, uma variação mais aproximada do enquadramento anterior do terraço, Claudia está no fundo, de costas. Sandro entra pela esquerda e caminha até um banco, que está perpendicular à câmera. Seu movimento é acompanhado por uma leve panorâmica para a direita. Depois de alguns instantes, Claudia se vira para observá-lo, mas ele olha para outra direção. No plano seguinte, fechado em Sandro, ele chora e Claudia se aproxima lentamente, por trás dele. Em seguida, alternam-se planos do rosto de Claudia, que olha para frente e ainda chora, e do rosto de Sandro, que não consegue se virar para olhar para ela. Um novo plano de Claudia marca a entrada de uma trilha sonora suave. A mão dela, vacilante, avança em direção à cabeça de Sandro, mas subitamente para. O contraplano mostra que Claudia olha para os lados, hesitante. A música se intensifica e há um novo corte para a mão dela, que refaz o gesto do plano anterior, só que agora com mais firmeza. O momento do toque em Sandro, como um choque, é acompanhado por um crescente da música – para Brunette é um momento em que já há uma união perfeita entre o som e a imagem, uma harmonia que o filme buscou negar até este momento.47 47 Peter Brunette, op. cit., p. 30.
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O último plano do filme, em contraste com o anterior, mostra os personagens em plano geral. O quadro está dividido ao meio, metade paisagem com o vulcão Etna, onde está o casal, e metade uma parede. A incomunicabilidade está presente durante toda a sequência final, já que Claudia e Sandro não trocam nenhuma palavra, nem sequer se olham. O filme termina sem uma indicação clara de como será o futuro do relacionamento dos dois. O gesto de Claudia dá abertura para ser interpretado tanto como a reconciliação do casal como o reconhecimento do fracasso do relacionamento e a impossibilidade de eles permanecerem juntos. Para Sitney, o gesto de Claudia expressa piedade e uma “consciência realista e amarga, porém corajosa, da situação e da impossibilidade de evadi-la. [...] Ela pode consolá-lo pela traição inconsequente ao romance incipiente deles porque ela sabe que não há ninguém para consolá-la em razão de ter traído sua amizade com Anna”.48
48 Paul Adams Sitney, op. cit., pp. 135-136.
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5. Ecos e repetições
Em A aventura, há uma “intricada textura de discursos e gestos espelhados que interligam partes do filme”.49 É recorrente que objetos, enquadramentos, gestos e diálogos sejam retomados posteriormente, tanto para esclarecer como para contradizer o que já foi mostrado. Esses ecos fazem com que os espectadores tenham a impressão de “estar assistindo a um drama das formas tanto como a um drama das pessoas”.50 As semelhanças nos enquadramentos que retratam Anna e Sandro e depois Claudia e Sandro em momentos de intimidade apenas reforçam as profundas diferenças no estado emocional das duas mulheres. Nos dois casos, os casais são filmados em planos bem próximos, ainda que invertidos em relação ao outro, e na maior parte do tempo apenas as mulheres estão de frente para a câmera. Não há preocupação com a centralização da imagem e, por alguns instantes, os rostos chegam a sair das bordas do quadro. Anna está entediada e distante, e não há sintonia com Sandro. Ela disse que não queria vê-lo, mas foi encontrá-lo mesmo assim. Já quando Claudia e Sandro se beijam no campo, a primeira vez que
49 Paul Adams Sitney, op. cit., p. 131. 50 Peter Brunette, op. cit., p. 43.
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estão assumidamente juntos, há felicidade, êxtase e reciprocidade, ainda que esses sentimentos se mostrem passageiros. Outro exemplo de repetição de enquadramento que ganha diferentes conotações é o de Claudia observando a paisagem do amanhecer. Na primeira vez em que o plano é mostrado, na metade do filme, Claudia acorda após ter passado a noite em Lisca Bianca durante as buscas por Anna, caminha até a janela e a abre. Ela está de costas para a câmera, à esquerda e emoldurada pela janela. A câmera faz uma leve correção para a direita, para mostrar melhor a paisagem vista pela janela, e o plano continua por alguns segundos após ela sair do quadro. A imagem está totalmente em foco e o dia está bonito, depois de uma noite de tempestade. Na segunda vez, perto do final do filme, Claudia passou a noite em claro no quarto do hotel esperando Sandro voltar da festa. Claudia sai de uma varanda e depois caminha até outra janela. O movimento da câmera, o posicionamento da atriz em relação à janela e o intervalo entre a saída dela do quadro e o corte se repetem, mas, agora, Claudia está fora de foco. O dia está nublado e há muita neblina no mar. Se a primeira imagem pode ser um respiro de beleza em meio a uma situação difícil e talvez represente uma esperança, seja do encontro da amiga desaparecida, seja do início de um relacionamento, a segunda traduz a melancolia de Claudia pelo fim de um sonho e prenuncia a iminente descoberta da traição de Sandro.
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O gesto de Sandro de se colocar diante da porta para impedir a saída de Claudia é replicado por ela mais tarde. Na primeira vez, Claudia está se arrumando dentro do barco, sozinha, quando percebe a chegada de Sandro. Ela tenta sair, mas ele bloqueia a passagem e a beija pela primeira vez. Ela inicialmente não reage, mas, depois de alguns segundos, se afasta sem dizer nada. Quando esse gesto é mostrado pela segunda vez, a situação se inverte. Claudia e Sandro já estão juntos como um casal quando, para se vestir, ela dança e canta para ele, assumindo estar apaixonada. Sandro, impaciente, avisa que sairá sozinho e que ela poderá encontrá-lo depois. Como uma rima visual, Claudia repete o gesto de Sandro e se coloca diante da porta, não permitindo que ele vá. Sandro recua e a observa, ainda que demonstre estar pouco interessado na performance. Claudia, então, pede que ele diga que a ama. “Você sabe. Por que eu deveria lhe falar?”, diz Sandro, se esquivando do pedido e mais uma vez recusando as palavras para se expressar.
Quando as mãos de Claudia protagonizam o gesto clímax do filme, percebemos que os diversos momentos que as destacavam
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não eram tão gratuitos assim. Um exemplo é o plano que evidencia o interesse de Sandro por Claudia, ainda em Lisca Bianca, que começa com um plano detalhe das mãos dela recolhendo água para lavar o rosto. Quando se dá conta do olhar insistente de Sandro, ela tenta se afastar, mas acaba se desequilibrando. Sandro a ampara, segurando longamente a mão dela. Mais tarde, quando eles se beijam no campo, Claudia coloca a mão nos cabelos de Sandro, antecipando o gesto no final do filme. Outros momentos singelos destacam as mãos de Claudia: quando ela dança no quarto de Noto e as luzes projetam na parede as sombras de suas mãos,
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que se movem na direção de Sandro, ou quando, como forma de carinho, ela beija os dedos e depois os encosta na porta do banheiro onde Sandro toma banho. A situação de Gloria Perkins sendo cercada por uma multidão descontrolada de homens em Messina é replicada quando Claudia fica sozinha na rua em Noto. Em Messina, a sequência começa com a chegada da polícia em frente à loja que é o epicentro da confusão, e Sandro é um dos que conseguem entrar no local. Gloria é uma mulher jovem e bonita cuja saia descosturada atraiu inúmeros curiosos. Ela se apresenta como escritora e aspirante a atriz, e responde a perguntas sobre sua viagem pela Itália – somente mais tarde é que Zuria, o jornalista com quem Sandro foi se encontrar, revela que Gloria é uma prostituta e uma noite com ela custa o equivalente a um mês de seu salário. Gloria está totalmente confortável em ser alvo de tantos olhares e, sorridente, ela acena e manda beijos para o público enquanto é escoltada para o carro que a aguarda do lado de fora.
Já em Noto, Claudia pede que Sandro entre sozinho no hotel onde supostamente Anna está hospedada para conversarem com
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privacidade. Assim que Claudia fica sozinha, a movimentação na rua, que era normal, se transforma subitamente. Enquanto ela caminha, homens surgem em um movimento sincronizado para observá-la, primeiro a uma distância maior e depois bem próximos dela. De repente, Claudia é cercada por homens que a encaram e sussurram coisas como “forasteira” e “Turim”, deixando-a acuada por se perceber alvo do olhar masculino, que ela vê como a personificação da culpa e da vergonha pelo recém-começado relacionamento com Sandro. Esse é um exemplo importante de uso da subjetiva indireta livre, já que há um entrelaçamento entre a forma do filme e o estado psicológico do personagem.51 Assim que Sandro reaparece ao fundo do quadro, a movimentação na rua volta ao normal, como se nada tivesse acontecido. Há uma diferença fundamental na forma como as três principais personagens femininas de A aventura se relacionam com o olhar do outro, especialmente dos homens. Enquanto Gloria deseja ser alvo do olhar masculino, este, para Claudia, é razão de sofrimento. Já Anna, ao desaparecer, se coloca fora do alcance de qualquer olhar.
51 Pier Paolo Pasolini, “Cine de poesía”. In: Adriano Aprà (Org.). Cine de poesía contra cine de prosa. Barcelona: Editorial Anagrama, 1970.
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6. Uso do som
A trilha sonora de A aventura, composta pelo colaborador de longa data de Antonioni, Giovanni Fusco, é usada de maneira econômica e frequentemente com a intenção de criar dissonância com a imagem. Embora não rejeitasse o uso da música em seus filmes, Antonioni preferia provocar sensações no espectador por imagens. Ele acreditava que a trama pedia por momentos musicais, principalmente quando era necessário se afastar da realidade, e que os ruídos deveriam ser considerados efeitos sonoros e usados de maneira poética.52 Com exceção dos créditos iniciais, a música aparece pela primeira vez aos 30 minutos, algum tempo depois de as buscas por Anna terem começado. Em um plano geral, Claudia, Corrado e Giulia atravessam o quadro diagonalmente, mas Giulia para no meio do caminho e olha ao redor, rodopiando: “Como é bela esta ilha!”. O estranhamento causado pelo som do oboé, que destoa do restante dos instrumentos, traz um ar cômico para a distração de Giulia, que não combina com a gravidade do momento. A música continua ainda por mais alguns planos, acompanhando a falta de foco dos personagens, que se distraem facilmente com a paisagem 52 Michelangelo Antonioni, "L'avventura". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996, p. 272.
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e os objetos que encontram e parecem mais interessados em passear do que em procurar por Anna. Há um momento mais musical em A aventura, na villa dos Montaldo, no qual várias cenas seguidas utilizam trilha sonora. Ele começa com Claudia se arrumando no quarto, quando o ruído de um carro se aproximando faz com que ela vá até a janela. A música que acompanha a cena reforça o clima de suspense. Sem conseguir ver nada, Claudia anda na direção de um terraço, e, assim que atravessa a porta, a música se modifica, ganhando um tom cômico. O plano seguinte revela que quem sai do carro é um empregado com um pacote, e não Sandro, como ela esperava. Além disso, Claudia observa a proximidade entre Giulia e Goffredo, que caminham juntos. Com o corte seguinte, a música muda novamente, para algo mais sombrio, acompanhando a evidente frustração de Claudia, e continua por alguns segundos em cima da imagem de Patrizia se arrumando diante do espelho. Depois de um breve silêncio, uma nova música começa logo antes de Claudia entrar no quadro. O andamento rápido e o piano trazem comicidade para a cena, que faz uma brincadeira sobre troca de identidade. Patrizia está usando uma peruca loira que a deixa parecida com Claudia. Refletida no espelho, Claudia também experimenta uma peruca, mas uma de cabelo curto e escuro como o de Patrizia e o de Anna, ao mesmo tempo em que Patrizia volta para seu cabelo original. “Sempre uma outra pessoa”, elogia Patrizia. Esse jogo com os espelhos faz com que tenhamos a impressão de estar vendo diretamente a personagem, mas em seguida percebemos que era apenas um reflexo. Esse quebra-cabeças com os espelhos é desmontado com a movimentação dos atores em cena e com o movimento de câmera. A trilha sonora também tem a função de sinalizar mudanças no estado de espírito dos personagens. Depois de passarem a noite em
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Lisca Bianca, Claudia observa Sandro e o pescador conversando em um ponto mais baixo da ilha. Logo que Sandro começa a subir em direção a ela, uma música melancólica começa a soar. Claudia se vira em direção à câmera, ficando de costas para Sandro, e sai pela esquerda. Sandro continua a subir e a se aproximar da câmera, até que levanta o rosto e olha longamente na direção de Claudia. Um novo plano mostra Claudia juntando as mãos para recolher água para lavar o rosto. Sandro se aproxima pelo fundo, se senta numa pedra e a observa atentamente. Quando Claudia percebe a presença dele, ela se vira e eles se olham em silêncio por alguns segundos. Ao se afastar, ela tropeça, mas Sandro a ampara e segura longamente sua mão. Constrangida e surpresa, ela tira a mão de maneira abrupta e sai. O corte para o plano de dois barcos se aproximando da ilha é acompanhado do som de uma buzina marítima e, logo depois, a música vai diminuindo de volume. Só então Claudia e Sandro entram em quadro para observar o mar. O som do apito e o fim da música interrompem bruscamente o clima de proximidade entre os dois e os traz de volta à realidade difícil das buscas por Anna. É como se todo o momento acompanhado pela música fosse uma espécie de distração, um desvio daquilo que eles deveriam fazer.
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Na trilha sonora de A aventura há apenas uma canção, Mai (“Nunca”), interpretada por Mina, que começa durante um plano de transição com um carro de propaganda circulando em frente ao hotel em Noto. No plano seguinte, vemos as roupas que Claudia usava no plano anterior espalhadas pelo quarto. Ela se levanta por trás da cama sorrindo, dançando e cantando junto com a canção enquanto se veste: “Não, não, nunca deixarei você / Não, não, você sempre será meu”. Em seguida, Claudia abraça Sandro e diz “Mas por que estou tão apaixonada por você?”, mas ele não responde.
Há uma inversão nos sentimentos dos dois, já que na sequência anterior, no topo da igreja, Sandro a havia pedido em casamento. No hotel, ela continua dançando e cantando pelo quarto enquanto Sandro a observa, impaciente. Ele se despede, mas ela vai até a porta, impedindo a saída dele. A performance dela continua e Sandro fala que ela poderá encontrá-lo na praça. Ela concorda, mas pede que ele faça uma série de declarações de amor. À medida que ela fala e dança pelo quarto, Sandro se torna cada vez mais ausente. Claudia anda de costas para a câmera em direção às cortinas e, quando se vira, o volume da canção começa a diminuir. Ela
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continua “E então deve me dizer que...”, mas interrompe a frase no meio. Quando corta para o plano seguinte, Sandro está olhando para o outro lado, distraído, e a música acaba. É como se o estado de encantamento e fantasia amorosa que Claudia estava vivendo, acompanhado pela canção, fosse subitamente interrompido pela realidade. Claudia insiste e pede que ele diga que a ama, ao que ele responde: “Você sabe. Por que devo lhe dizer?”. Ela, decepcionada, concorda. Ele então a beija e finalmente sai. O uso poético dos elementos sonoros pode ser observado nas sequências das ilhas Eólias, já que os ruídos que compõem a paisagem sonora do local, como o do vento, do mar e da chuva, ainda que naturalistas, são intensificados, sugerindo um ambiente hostil e pouco confortável. Nem sempre a fonte do ruído está em quadro, o que acaba criando tensão entre a imagem e o som, efeito que é explorado narrativamente para criar intrigas entre os personagens. É o caso do ruído de motor de barco que aparece em alguns momentos-chave em Lisca Bianca. Logo após a discussão entre Anna e Sandro, há um plano de transição que mostra o mar e um pequeno barco se afastando da ilha. O plano está aberto e não é possível ver a embarcação nitidamente e muito menos quem está a bordo, mas o ruído de motor pode ser ouvido claramente. O som continua durante os próximos planos, por aproximadamente mais um minuto e meio, até desaparecer. “Parece que ouvi um barco”, diz Corrado ao marinheiro que acompanha o grupo, que confirma tê-lo ouvido também. Ainda que esse diálogo se dê fora de quadro, de forma até dissimulada, a fala de Corrado estabelece que de fato aquele ruído era de um barco. Essa mesma ideia seria retomada anos mais tarde em Blow-up - Depois daquele beijo (Blow-up, 1965), quando o protagonista fotografa um casal no parque e, na revelação do negativo, descobre que flagrou um assassinato. Com isso, a sequência anterior ganha uma nova significação. Era possível ver o corpo ou o
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assassino no parque? Absortos na imagem, tanto o fotógrafo como nós espectadores não percebemos o que estava diante de nós. Um pouco mais adiante em A aventura, já dentro do casebre de pedra, Sandro e Corrado perguntam ao pescador onde ele esteve durante o dia, já que não o tinham visto antes. Ele responde que veio da ilha de Panarea, e Corrado, então, pergunta se era ele dentro do barco que viu à tarde, mas o pescador fala que saiu perto das 4 ou 5 horas da manhã e não menciona nada sobre como retornou. Na manhã seguinte, Claudia e Sandro estão do lado de fora da casa quando ouvem o mesmo ruído de motor do dia anterior. Eles procuram pelo barco, ação que é reforçada pelo movimento panorâmico de câmera que varre a paisagem da direita para a esquerda, em um raccord com o olhar dos personagens, mas não há nada na água. Uma nova panorâmica começa no mar e se movimenta para a direita, terminando na ilha. Claudia entra no plano da esquerda para a direita e se afasta da câmera, dirigindo-se para uma ponta da ilha de onde poderia ver outra porção do mar. No momento em que Sandro entra em quadro, também pela esquerda, o ruído do barco é interrompido e o do vento se intensifica. Ele está de costas para a câmera, olhando na direção de Claudia, e repentinamente olha para a direita. Um novo plano, do ponto de vista de Sandro, revela o pescador na parte inferior da tela, subindo para a parte alta da ilha. O plano anterior se repete e Sandro sai para a direita; Claudia, ao fundo, continua procurando pelo barco. No plano seguinte, o pescador entra em quadro pela esquerda e Sandro pela direita, invertendo o eixo dos planos e causando estranhamento visual. Sandro confronta violentamente o pescador, questionando-o sobre o barco e se ele o escutou. O homem nega, justificando que há muitos barcos no verão. Com isso, é colocada em questão a relação da percepção sensorial e a realidade. A audição é um sentido confiável? Havia mesmo um ruído? Era um barco?
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Se na ilha os sons do ambiente são duros e hostis, na villa dos Montaldo a natureza ganha outro tom. Ainda que o canto de pássaros combine com o ambiente luxuoso e idílico do local, eles contrastam com o conteúdo dos diálogos. Em um terraço grande e cercado de plantas, Claudia, Patrizia, Giulia, a princesa e Goffredo estão ao redor da mesa sendo servidos por um mordomo. Claudia relata a busca exaustiva e infrutífera pelas ilhas Eólias e diz não aguentar mais essa situação de Anna. Ettore e Corrado chegam, e Ettore, se referindo a Claudia, pergunta quem é ela. Patrizia responde que é a amiga de Anna, e apresenta um ao outro. Giulia complementa, dizendo “Ela acabou de voltar...”, mas é interrompida por Ettore, que pergunta se Corrado telefonou para Sandro. Giulia especula se ele teria encontrado Anna, mas Ettore ironiza o fato de os 40 mil desaparecidos anualmente na Itália serem numerosos o suficiente para encherem um estádio de futebol. A anfitriã pergunta quem é Sandro e se por acaso ele “se desfez de Anna”, para o deleite de Ettore, que é o único a rir. Claudia, que estava de costas para os outros personagens, se vira na direção deles, estupefata, e Giulia repreende o grupo. Um sino toca e a princesa chama os outros personagens para sair. Corrado encara Giulia, em reprovação, e sai.
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Fora do plano, Ettore, ainda mais preocupado com negócios do que com Anna, pergunta se a princesa já pensou em vender a villa para transformá-la em clínica para distúrbios nervosos, ao que ela responde “E já não é?”.
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7. Incompatibilidade entre palavras e gestos
Em A aventura, os personagens frequentemente veem no diálogo uma ação de carga negativa, seja porque ele provoca desentendimentos ou porque as palavras são consideradas desnecessárias. Além disso, o que é dito muitas vezes parece entrar em contradição com os gestos e as ações dos personagens ou ainda estar descolado do contexto em que eles estão. Seriam essas as raízes da incomunicabilidade frequentemente associada ao cinema de Antonioni? A impossibilidade de se comunicar é regra para os casais e o esvaziamento do valor da palavra se dá, ironicamente, por meio da fala. Os diálogos são o que Seymour Chatman define como “a ponta do iceberg” da consciência dos personagens e não garantem a efetiva comunicação entre eles.53 Sandro é o personagem mais alinhado a essa postura e em diversos momentos reafirma a inutilidade do diálogo. Quando desembarcam em Lisca Bianca, Sandro e Anna se afastam do grupo para ficarem juntos. Na maior parte das interações entre os dois até este ponto do filme, ela demonstra irritação e uma certa ambiguidade quanto a seus sentimentos por ele. Anna revela ter se habituado a ficar sozinha nas ausências de Sandro, e ele, sem dar muita importância, diz que o desconforto logo passará.
53 Seymour Chatman, 1985, pp. 88-89.
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Anna: Acredito que devemos falar sobre isso. Ou está convencido que somos incapazes de nos entendermos? Sandro: Temos tanto tempo para falar. Vamos nos casar. Há mais tempo que isso? Anna: Nesse caso, casar não significaria nada. Já não nos comportamos como se estivéssemos casados? Giulia e Corrado não se comportam como se estivessem casados? Sandro: Por que deveríamos ficar aqui discutindo e falando? Acredite, Anna, as palavras tornam-se cada vez menos necessárias, elas confundem. Eu me importo com você, não é o suficiente? Anna: Não, não é o suficiente.
Anna diz, então, que gostaria de passar mais tempo sozinha e assume a contradição de seus sentimentos, mas ele a ironiza por eles terem ficado juntos no dia anterior. “Você sempre estraga tudo”, lamenta Anna. Sandro ri debochadamente, se afasta e se deita em uma rocha, sob o olhar de Anna. A mise en scène também reforça a sensação de distanciamento entre os personagens. Durante todo o diálogo, que dura menos de três minutos, há poucos momentos em que eles se olham ou mesmo que os rostos dos dois atores estão visíveis ao mesmo tempo, o que dificulta a tarefa de interpretar como cada personagem recebe o que está ouvindo. Frequentemente algum dos atores está de costas para a câmera ou fora do plano, entrando em quadro apenas para falar. A postura de Sandro em negar as palavras continua mesmo quando ele muda de parceira. Em duas cenas diferentes, Claudia pede que ele diga que a ama. Na primeira, no quarto de hotel em Noto, ela fala abertamente sobre estar apaixonada; a canção que toca no quarto, que ela canta, funciona como complemento a suas palavras. Entre outras coisas, Claudia pede que Sandro diga que a
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ama, ao que ele responde: “Você sabe. Por que devo dizê-lo?”. Ela, resignada, aceita. Na segunda, no quarto de hotel em Taormina, Sandro se arruma para ir para a festa enquanto Claudia, que não quer sair, está deitada na cama. Sandro: Boa noite, amor. Claudia: Diga que me ama. Sandro: Te amo. Claudia: Diga de novo. Sandro: Não te amo. Claudia: Eu mereci isso... Sandro: Não é verdade, eu te amo.
A aventura mostra que outras formas de comunicação podem ser tão ou mais efetivas que as palavras. No campanário em Noto, Sandro desabafa sobre sua frustração com o trabalho burocrático e lucrativo que o afastou de projetos mais criativos na arquitetura. Claudia o encoraja, afirmando ter certeza de que ele pode produzir coisas belas. “Quem precisa de coisas belas? Quanto tempo elas durarão? Tudo isso foi construído para durar séculos. Hoje duram dez,
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vinte anos. E então?”, rebate Sandro, cinicamente, em uma analogia à efemeridade e ao iminente fracasso do relacionamento entre os dois. Sandro se afasta por alguns instantes e, repentinamente, propõe que eles se casem. Ela parece não entender bem a pergunta, e Sandro pressiona por uma resposta objetiva. Ela responde firmemente que não, mas logo em seguida recua, dizendo que aquele não é o momento. “Você diz que eu gosto de ver as coisas com clareza. Eu gostaria de ser lúcida, gostaria de ver as coisas realmente claras. Em vez disso...”. Então, como que para encontrar palavras certas para se expressar, Claudia puxa uma corda que faz o sino da igreja tocar e, em seguida, outro sino, distante, soa em resposta. A tensão é imediatamente substituída por surpresa e entusiasmo e, como em uma brincadeira, os dois tocam os sinos mais algumas vezes, sempre com resposta. No final da sequência, Sandro se aproxima de Claudia e eles se olham, sem dizer nada e sem se tocarem. Com essa sequência, Antonioni mostra o quanto pode ser mais difícil a comunicação face a face entre duas pessoas. Nesse caso, os dois, mesmo isolados no campanário – quase uma ilha –, podem criar uma ligação com outras pessoas mesmo a distância, e sem sequer serem vistos.
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As contradições entre palavras e gestos são evidentes em vários personagens, quase como uma falha coletiva no modo como eles se comprometem uns com os outros. “Você não deve acreditar sempre nas minhas palavras”, justifica Patrizia ao ser questionada como consegue suportar a confusão de pessoas da festa sendo que ela sempre disse se irritar com a energia das pessoas. Raimondo (Lelio Luttazzi), durante a viagem de barco para as ilhas Eólias, está equipado para praticar pesca marinha, mas, quando lhe perguntam se gosta do esporte, ele responde que o detesta e mesmo assim se lança ao mar. Ele se envolve tanto com a pesca que nem percebe a confusão causada pelo suposto tubarão.
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8. Personagens como testemunhas
Segundo Antonioni, olhar é a principal tarefa do diretor de cinema. “Eis uma ocupação da qual eu nunca me canso: olhar. Gosto de praticamente tudo o que vejo: paisagens, personagens, situações. De um lado é perigoso, mas, do outro, é uma vantagem, porque permite unir completamente a vida e o trabalho, a realidade (ou irrealidade) e o cinema”.54 Em A aventura, Antonioni delega essa tarefa para os personagens, que passam a representar o olhar do diretor na tela, transformando-se em narradores substitutos. O personagem se torna “um sujeito que fala, que não é mais meramente um objeto sobre o qual se fala. Em termos narratológicos, a pessoa é um instrumento ou uma instância do discurso, não apenas um componente da história”.55 O espectador, testemunha por excelência da ação que se desenrola na tela, é constantemente lembrado de que também faz parte desse jogo de olhar. É que frequentemente o personagem na função de testemunha é filmado de costas para a câmera, próximo das bordas da imagem. Dessa forma, podemos “não só focar no que ela vê
54 Michelangelo Antonioni, "Preface to Six Films". In: Michelangelo Antonioni; Carlo di Carlo; Giorgio Tinazzi; Marga Cottino-Jones, 1996, p. 62. 55 Seymour Chatman, 1985, p. 92.
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como também inferir seus julgamentos não ditos”.56 Para Chatman, esse enquadramento é um “signo textual de que as coisas ou os eventos que ela vê a absorvem intensamente” e, embora não tenha representado uma inovação em si, a frequência com que Antonioni usou esse recurso foi distinta.57 Claudia é quem melhor exemplifica a função de testemunha – para Sitney, mais especificamente, ela é a testemunha dos conflitos de Eros entre os demais personagens.58 Até se envolver em seu próprio conflito sentimental, Claudia parece se divertir ao observar as dinâmicas de sedução e rejeição dos outros casais. É o que acontece quando ela está no barco, conversando com Patrizia. Raimondo se junta a elas e olha lascivamente para Patrizia, que pergunta se ele a quer. Claudia, no fundo, entre os dois, se levanta para ir embora, mas é convencida a ficar. A câmera acompanha o movimento de Raimondo, que se inclina para olhar as pernas de Patrizia debaixo da mesa. Na sequência, com indiferença, ela permite que Raimondo coloque a mão em seus seios por uma abertura na camisola. Claudia está fora de campo, mas sua presença é marcada pelo diálogo, já que Patrizia olha na direção dela e pergunta sua opinião sobre Raimondo (“Ele é corrupto, eu diria”). Patrizia diminui a tensão sexual dizendo que, para ela, Raimondo é apenas uma criança, o que o irrita. Ela emenda que não ama ninguém, e Raimondo, ironicamente, fala que Patrizia é dada a decepção, vício, traição e deboche. “E sabe o que mais? Ela é fiel. Uma fidelidade nascida de um tipo de preguiça”. Patrizia se diverte com o comentário – mais tarde revela-se que ela é casada com outro homem, Ettore, que não participou da viagem.
56 Seymour Chatman, 1985, p. 93. 57 Ibid., p. 94. 58 Paul Adams Sitney, op. cit., p. 130.
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Quando se reúne com o grupo de amigos na villa dos Montaldo, Claudia observa a proximidade de Giulia com Goffredo. Depois de encontrar os dois juntos no corredor, Giulia insiste para que Claudia a acompanhe até o ateliê do rapaz. A situação tem uma carga altamente erótica que é intensificada ainda mais pelos quadros de nus femininos que ocupam todo o ambiente. Apesar de desconfortável com a situação, Claudia consegue encontrar distrações nas obras e na paisagem. Nesta sequência, Claudia é mostrada principalmente em planos separados do casal, mas é constantemente
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trazida de volta pela conversa. Giulia pergunta a Goffredo sobre as modelos das pinturas e ele fala: “É estranho como as mulheres gostam de se mostrar. Parece que faz parte de sua própria natureza”. Extrapolando o contexto, essa fala pode ser compreendida como um comentário irônico sobre a própria situação de Anna, já que ela, contrariando a suposição do rapaz, ficou fora alcance do olhar de outras pessoas. Giulia se senta numa poltrona e começa, meio disfarçadamente, a posar para Goffredo, que logo a convida para ser sua modelo. Ela recusa alegando que Claudia é mais bonita, mas ele a desestabiliza quando diz que é ela quem o atrai. Entusiasmada, e com um comportamento totalmente diferente de quando está com Corrado, Giulia beija Goffredo com paixão. O olhar está no centro do jogo de sedução entre Giulia e Goffredo, já que posar para uma pintura é se submeter ao olhar do outro. Giulia vê uma oportunidade de ser vista e admirada, um contraste com o tratamento de Corrado, que insistentemente a menospreza e até finge que não a vê. O som do cavalete de pintura derrubado chama a atenção de Claudia, que entra no plano, de costas, e os observa. O contraplano mostra o rosto de Claudia, que primeiro acha graça e depois se incomoda com a situação e chama a amiga pelo nome. Giulia demora alguns segundos para reagir e se afastar de Goffredo. A feição de Giulia muda da alegria para a irritação, conforme ela se aproxima da porta, insinuando que Claudia deve sair: “Se Corrado estiver me procurando, diga-lhe que estou aqui. E diga que meu coraçãozinho bate forte, forte, forte. Neste momento, essa é a única coisa que me interessa”. Claudia, além de testemunha, torna-se também interlocutora para as frustrações conjugais de Giulia, que não conseguiu se expressar diretamente a Corrado quando ele fez um comentário maldoso sobre ela em Lisca Bianca (“Seu coraçãozinho sensível se
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emociona à toa”). Giulia pergunta a Claudia o que deve fazer para ser deixada em paz. “Basta fechar a porta, Giulia”. E, repetindo os gestos de Sandro e Claudia, Giulia fecha a porta do ateliê, criando uma barreira ao olhar de Claudia.
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Se Claudia se limita a observar ou, ao menos, a causar pouca interferência sobre o que vê, Sandro é seu oposto e frequentemente sai da posição de testemunha para agir – quase sempre de maneira violenta, demonstrado sua incapacidade de controlar impulsos. É o caso da cena em que ele está dentro da delegacia de polícia em Milazzo, em um local reservado, acompanhando o interrogatório de pescadores suspeitos de estarem envolvidos com o desaparecimento de Anna. Um dos homens se atrapalha na resposta e Sandro, irritado, invade a sala e começa a agredi-lo.
Outro exemplo é quando Sandro tenta visitar um museu em Noto, mas descobre que o lugar está fechado. Frustrado, ele caminha pela praça e encontra um desenho com detalhes de uma das janelas da igreja. Sandro olha ao redor para ver se alguém o observa e então se aproxima do desenho enquanto balança suas chaves no ar. Simulando um acidente, ele derruba o tinteiro no desenho, destruindo-o. O autor, um jovem arquiteto, tenta tirar satisfações e parte para a briga. Sandro pergunta quantos anos o jovem tem e, em tom de lamento, diz: “Eu também já tive 23 anos...”. A passagem de um grupo de seminaristas interrompe a conversa, e Sandro se afasta.
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9. Paisagem expressiva
A função expressiva da paisagem nos filmes de Antonioni é uma prática que apareceu já no primeiro documentário dirigido por ele, Gente do Pó, e que foi tomando corpo com o passar do tempo. Mais do que estabelecer o local onde se passa uma determinada ação, a paisagem em A aventura está ligada aos sentimentos e ao estado mental dos personagens.59 Para Brunetta, a partir deste filme Antonioni “procurou substituir espaços reais por topologias que ajudassem a medir as distâncias interiores”.60 A relação entre os elementos do cenário e a maneira como os personagens estão enquadrados exprime “a realidade dos sentimentos com muito mais autenticidade do que os diálogos e a dramaturgia clássica”.61 Em entrevistas, Antonioni afirmou que era extremamente raro ter ideias de planos fixadas na cabeça e que preferia ficar alguns minutos no local onde iria filmar. Esse é o sistema que eu prefiro: chegar no momento da filmagem absolutamente sem preparação, virgem. Frequentemente peço
59 Seymour Chatman, 1985, p. 90. 60 Gian Piero Brunetta, op. cit., sem paginação. 61 Laurent Jullier e Michel Marie, op.cit., p. 167.
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para me deixarem sozinho [...] e deixo meus pensamentos fluírem livremente. Me limito a olhar ao meu redor. Eu também uso as coisas que estão ao meu redor: elas sempre sugerem ideias. Eu tenho muita simpatia pelos objetos, talvez mais do que pelas pessoas, mas elas me interessam mais.62
A aventura se passa em quase sua totalidade na Sicília, no sul da Itália. A primeira metade é essencialmente filmada em lugares abertos e naturais e, a partir da saída de Lisca Bianca, há uma atenção maior à arquitetura e aos espaços fechados. Inclusive, a ilha onde ocorre o desaparecimento de Anna fica a poucos quilômetros de Stromboli, cenário do filme homônimo de Rossellini – o vulcão pode ser visto em diversos planos de A aventura. Chatman indica que Antonioni trabalha frequentemente com justaposições visuais, ou seja, os “planos de fundo nunca são fortuitos: eles fornecem comentários implícitos sobre as ações dos personagens e vice-versa”.63 A impotência frente ao desaparecimento de Anna se traduz na preferência pelos planos abertos, nos quais os atores estão muito pequenos em relação ao cenário. “Antonioni consegue criar uma espécie de vazio no espaço ao redor de seus personagens de modo que há uma correspondência entre o vazio interior ou a dor de viver com a falta de vínculos possíveis com o ambiente ou com as pessoas que os circundam”.64 Essa discrepância entre a proporção da figura humana e a paisagem não ocorre apenas no ambiente natural. No final do filme, quando Claudia corre pelos corredores vazios do hotel,
62 Michelangelo Antonioni, 1996, p. 27. 63 Seymour Chatman, 1985, p. 68. 64 Gian Piero Brunetta, op. cit., sem paginação.
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Antonioni replica esses enquadramentos abertos como forma de evidenciar a solidão da personagem. Sitney afirma que, mesmo em momentos de dramaticidade, as paisagens reduzem as figuras humanas, e “as distâncias, à medida que separam ou aproximam [os personagens] uns dos outros e da câmera, refletem o relacionamento entre eles tanto como suas palavras e seus gestos”.65
65 Paul Adams Sitney, op. cit., p. 131.
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A sensação de instabilidade dos personagens também é sugerida pela maneira como os movimentos de câmera os situa em relação ao espaço. É o caso de um plano em Lisca Bianca, durante as buscas por Anna, que começa com as ondas batendo nas rochas. Sandro entra no quadro e, por alguns instantes, de costas para a câmera, observa a força do mar e o vapor d’água que se forma após o impacto da onda. Ele se vira e sai do quadro para a direita. Um movimento da câmera para cima termina no topo das rochas, onde vemos Claudia, de longe, procurando pela amiga. Para Domènec Font, “no deserto geográfico de Lisca Bianca, as idas e vindas dos personagens
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constituem uma vã atividade que combina com o vazio insensível que o desaparecimento, real e inexplicável de Anna, produziu”.66 O vazio também é explorado quando, seguindo uma nova pista sobre Anna, Claudia e Sandro chegam a uma cidade que acreditam se tratar de Noto. Em dúvida se aquele realmente seria o local indicado, eles decidem procurar por alguém e batem nas portas e nas janelas das casas, mas ninguém responde. É nesta sequência que críticos apontaram um diálogo com as pinturas metafísicas de Giorgio de Chirico. Visualmente, o filme e as pinturas apresentam semelhanças na arquitetura dos prédios, que têm arcos nas fachadas, e nas proporções entre a figura humana e as construções. Para Sitney, além do destaque para o vazio, ambos os artistas possuem o que ele chama de air de pressentiment. Chatman também vê uma evocação a De Chirico, mas adverte para uma diferença importante, já que “as pinturas sugerem que a cidade foi alguma vez ocupada, que as pessoas foram embora e podem, talvez, retornar. Em A aventura, no entanto, a cidade parece nunca ter sido habitada”.67
66 Domènec Font, op. cit., p. 139. 67 Seymour Chatman, 1985, p. 102.
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De Chirico. Piazza, 191351,5 x 75,5 cm, Museu Nacional de Belas Artes, Buenos Aires.
No que constitui, então, o estilo de Antonioni? Podemos afirmar que sua construção fílmica está baseada em uma complexa textura de elementos ora fugidios e oblíquos, ora evidentes e simples. São detalhes que podem escapar ao olhar desatento, mas que enriquecem o filme a cada nova visão. Para analisar A aventura é preciso mergulhar na superfície do visível. Os pontos elencados para análise não são elementos com fronteiras fixas e muitas vezes se misturam. O primeiro ponto, das estratégias de desdramatização, é uma espécie de núcleo ao redor do qual todos os outros aspectos estudados orbitam. A mise en scène, o uso do som, as repetições e a expressividade da paisagem são elementos usados para quebrar a ilusão de transparência e trazer para o espectador a consciência de estar diante de um filme. Os espectadores que se deixam levar pela beleza das imagens correm o risco de se tornarem, assim como os personagens do filme, testemunhas completamente absorvidas por aquilo que está diante de seus olhos.
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Considerações finais
A vontade de escapar dos mecanismos de um modo convencional de fazer cinema fizeram com que Michelangelo Antonioni criasse uma maneira própria para se expressar. A sua originalidade reside em como ele se propôs a manipular e a reconstruir procedimentos consagrados de cinematografia e narração em favor de sua própria poética. A aventura, seu sexto longa-metragem, é o ponto culminante de um longo processo de depuração do estilo que estava em curso desde a década de 1940, quando Antonioni dirigiu seus primeiros curtas-metragens. Não existe um método universal de análise fílmica e a cada filme precisamos estabelecer um modelo que funcione para os objetivos pretendidos. Aqui, a análise teve como escopo o que acreditamos serem as técnicas e os temas proeminentes no filme. Foram eles: as diferentes estratégias de desdramatização; as características da mise en scène; o uso de repetições de enquadramentos e situações para marcar diferenças de estado mental dos personagens; as incompatibilidades entre as palavras e os gestos dos
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personagens; o uso poético do som e da trilha sonora; o modo como os personagens assumem o papel de narradores substitutos ao se colocarem como testemunhas das ações de terceiros e o modo como a paisagem é usada para expressar sentimentos dos personagens. Apesar de tratados como itens de análise separados, eles frequentemente se misturam e se complementam. Dois pontos merecem destaque por serem frequentemente tidos como as contribuições mais significativas de Antonioni para o cinema. O primeiro é a desdramatização, que está diretamente ligada à ideia de contestação dos preceitos de transparência, realismo e continuidade do cinema – talvez seja a característica que melhor represente a intenção do realizador de se libertar das convenções. O segundo ponto é a maneira como Antonioni transformou seu rigoroso formalismo – a composição do plano, os enquadramentos e movimentos de câmera, as pausas, os sons e os silêncios – em expressão visual do estado mental e dos sentimentos dos personagens. Analisar um filme é certamente uma tarefa interminável e de fato há sempre algo que escapa. Mas hoje, mais de 60 anos após o lançamento de A aventura, podemos afirmar que os elementos de estilo que fizeram com que o filme fosse recebido com frieza em um primeiro momento foram os mesmos que o transformaram em referência para cineastas e espectadores de todo o mundo e o mantiveram como uma obra instigante até os dias atuais. A potência de A aventura está justamente na maneira como ele propõe desafios – ao nosso olhar, à nossa atenção, às nossas emoções – mais do que em como oferece respostas. É o filme como experiência, que enriquece a cada vez que o assistirmos novamente..
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Referências
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Websites ASSOCIAZIONE MICHELANGELO ANTONIONI. .
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FONDAZIONE CENTRO SPERIMENTALE DI CINEMATOGRAFIA. . FONDAZIONE GIORGIO E ISA DE CHIRICO. . INTERNET MOVIE DATABASE. . TRECCANI. . VOCABULÁRIO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. .
Filmes A AVENTURA. L’avventura. Direção de Michelangelo Antonioni. Cino del Duca/ Produzioni Cinematografiche Europee (P.C.E.)/ Lyre. Itália/França, 1960. Preto e branco. 142 minutos. A NOITE. La notte. Direção de Michelangelo Antonioni. Nepi Film/ Sofitedip/Silver Films. Itália/França, 1961. Preto e branco. 122 minutos. AS AMIGAS. Le amiche. Direção de Michelangelo Antonioni. Trionfalcine. Itália, 1955. Preto e branco. 104 minutos. BLOW UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO. Blow up. Direção de Michelangelo Antonioni. Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). Reino Unido/Itália/Estados Unidos, 1966. Cor. 111 minutos. CHINA. Chung Kuo – Cina. Direção de Michelangelo Antonioni. RAI Radiotelevisione Italiana. Itália, 1972. Cor. 135 minutos. GENTE DO PÓ. Gente del Po. Direção de Michelangelo Antonioni. Artisti Associati/I.C.E.T. Itália, 1947. Preto e branco. 11 minutos.
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IDENTIFICAÇÃO DE UMA MULHER. Identificazione di una donna. Direção de Michelangelo Antonioni. Iterfilm/Gaumont/Rai 2. Itália/França, 1982. Cor. 130 minutos. N.U. - Nettezza urbana. Direção de Michelangelo Antonioni. Lux Film. Itália, 1948. Preto e branco. 11 minutos. O PASSAGEIRO - PROFISSÃO: REPÓRTER. Professione: reporter. Direção de Michelangelo Antonioni. Metro-Goldwyn-Mayer/Compagnia Cinematografica Champion/Les Films Concordia/CIPI Cinematografica S.A. Itália/Espanha/ França, 1975. Cor. 126 minutos. DESERTO VERMELHO. Il deserto rosso. Direção de Michelangelo Antonioni. Film Duemila/Federiz/Francoriz Production. Itália/França, 1964. Cor. 117 minutos. O ECLIPSE. L’eclisse. Direção de Michelangelo Antonioni. Cineriz/Interopa Film/Paris Film. Itália/França, 1963. Preto e branco. 126 minutos. O GRITO. Il grido. Direção de Michelangelo Antonioni. SpA Cinematografica/Robert Alexander Productions. Itália/Estados Unidos, 1957. Preto e branco. 116 minutos. O MISTÉRIO DE OBERWALD. Il mistero di Oberwald. Direção de Michelangelo Antonioni. RAI Radiotelevisione Italiana/Polytel International Film. Itália/Alemanha ocidental, 1980. Cor. 129 minutos. OS VENCIDOS. I vinti. Direção de Michelangelo Antonioni. Film Costellazione Produzione. Itália/França, 1953. Preto e branco. 113 minutos.
Pinturas DE CHIRICO, Giorgio. Piazza. 1913. 51,5 x 75,5 cm. Acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Buenos Aires.
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MICHELANGELO ANTONIONI
Filmes não cabem só na tela. A Coleção Escrever o Cinema expande para a página dos livros o ato de se fazer cinema, trocando a lente pela letra, substituindo o roteiro pela reflexão. Nos volumes da coleção, pesquisadoras e pesquisadores ligados à universidade lançam luz sobre aspectos teóricos, históricos e críticos de diferentes obras da cinematografia mundial, em diálogo com outros campos do conhecimento, mas sempre retornando para os filmes em si.
1 . A aventura: Notas sobre o estilo de Michelangelo Antonioni Juliana Rodrigues Pereira 2. Eugène Green e a hipótese do cinema descortinado Pedro Faissol 3. Contos morais e o cinema de Éric Rohmer Alexandre Rafael Garcia 4. A representação do milagre no cinema: Iconografia, idolatria e crença Pedro Faissol 5. Documentário: Filmes para salas de cinema com janelas Eduardo Tulio Baggio
fontes Milo e Minion papel Pólen Soft 80 g/m² cidade de Curitiba Outubro de 2021