129 97 26MB
Portuguese Pages 640 [641] Year 1999
Anísio Brasileiro, Etienne Henry & Turma
N I B U S DAS CIDADES BRASILEIRAS CULTURA EDITORES ASSOCIADOS
H erdeiro s dos bondes ou abridores de caminhos em novas fronteiras. os pioneiros das auto-viações fizeram do transporte coletivo um negócio que. com cerca de 150 000 ônibus. responde hoje por volta de 2.5 bilhões de viagens por mês em mais de 700 cidades do Brasil. Isso pode surpreender. pois mu itos reclamam das condições do transporte. mas poucos sabem que seus õnibus colocam o país em posição de destaque internacional. A ex periência acumulada por cerca de 2.500 empresas capitalistas de transporte rodoviário urbano não é isen t a de limites e problemas. Contudo. a organização do setor no pa ísconcentra um saber inquestionável. público e privado, que precisa ser reconhecido . E os conceitos afinados na pesquisa cientifica que a ele se dirigiu. com metodologia original e result ados inovadores, merece ser conhecido. Isso é o que nos dá Viação Ilim itada - Onibus das cidades brasileiras.
Viaçào Ilimitada
Anisio BRA5ILE1RO & Etienne HENRY Organizadores
Viaçao Ilimitada Ônibus das cidades brasileiras
Cultura Editores Associados
1999 © CULTURA EDITORES ASSOCIADOS ISBN 85-293-0043-2 1998 © TURMA - Transportes Urbanos, Regionals, Metropolltanos e Autônomw, 1998 © Capa' Zlraldo
Todos os d[reltos reservados. Nenhllma parte deste I[vro poderâ ser reproduzlda, son qualquer forma, sem prévla alltonzaçio dos ed[tores
ClILTlIRA EDiTOREs ASsOCIADOS
Avemda Paultsta. 2073 01311-9"jQ - S~O Paulo - SP Fone IFax (011) 285-4723 e-mail echtora@hvcultura com br
TURMA
e-matl turma.vlacao@zlpmatl com br
Prime/ra ediçiio Agosto de 1999 Impressiio.'fJ 4a 3a :p Ano: 03 02 01 00
Aos Viajantes
A Marcelo, Nathâlia, Célia, Manuel, jûlla, Bernardo, Diego, Gabriela, Maria Clara, Clara, Emilia, Ligia, Mariana, Diogo, Paula, Antonio, Vira, Juliana, Victor, Nathalia, Julia, Vilor, Livia, LUlse,joàoÂngelo, Ângela Cristina, jûlia, René, Luca, Gui/herme e Yan
A publicaçào deste livra foi posslvel graças ao apoio direto de vanas pessoas e instituiçàes publicas e privadas, brasileiras e francesas, no quadra de acordos especfficos:
o
Conselho Naclonal de Desenvolvimento Cientîfico e Tecnolôgico - CNPq, depols de ter apoiado a realizaçào das atividades prévias e colaterais aos projetos envolvidos, contriblllu para a impressào Junto COOl a Embaixada da França no I3rasil (Serviços de cooperaçào cientîfICa, técOlca e cultural).
o
Grupo Meler de Belo Horizonte, corn viaçàes em Mmas Gerais, colaborou para a difusào do ltvro em prol da promoç;10 cientîfICa da realidade do transporte urbano, COOl base na LeI Municipal de Incentivo à Cultura PMBH n° 6.498/93.
o
artista Ziraldo merece um agradecimento especwl dos organizadores e autores pela concepçào da capa e sua arte. Igualmente, a edItora Mirian Paglia Costa e sua dmâmica equipe, que, apôs numerosas correçoes do manuscnto, trabalharam em intenso ritmo na produçào da obra. Além de outras escritores citados, Pedro Drummond autorizou a reproduçào de trechos de Carlos Drummond de Andrade (extraîdos de Boifempu Il e A Balsa & a VIda © 1988 Grana Drummond), Luiz Filla acertOl\ autorizaçào da URBS para aqui serem reproduzidos os mapas e figuras do sistema metropolitano de transporte de Curitiba (© URBS SiA). Na França, os colegas Leca De Biaggi, no CREDAL, e Jean-Paul Hubert, no 1NRETS , realizaram ad honurem os demais mapas do livro e varias pessoas ajudaram preciosamente em trabalhos de traduçào, mformatica, reprografia e preparaçào do boneco; em Recife, Sidney Rocha e Myriam Brasileiro contribuîram na orgaOlzaçào lOicial. Os autores, além de renunciar aos proventos dos direitos autorals em beneficio do coletivo Transportes Urbanos, Regionais, Metropolitanos e Autônomos - TURMA, também aportaram recursos materiais e humanos proprios ou provenientes de outras atlvidades e instituiçoes às quais estào Iigados, l'omo a Coordenaçào de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior junto ao ComIté Français d'Évaluation de la Coopération Universitaire avec le Brésil - CAPES/COFECUB, a Financiadora de Estudos e ProJetos do MiOlstério da Ciência e Tecnologia ~ FINEP e outros ôrgàos acadêmicos ou técnicos.
o trabalho de pesquisa prévio, por sua vez, foi apoiado por instituiçàes nas quais os autores desempenhavam seu trabalho, mediante alocaçào de recursos humanos para a atividade cientifica: Institut National de Recherche sur les Transports et leur Sécurité - INRETS (França); Institut Français de Recherche Scientifique pour le Développement en Coopération - ORSTOM (hoje !RD), em convênlo corn 0 CNPq; Fundaçào Getûlio Vargas, Escala de Admmistraçào de Empresas de Sào Paulo FGV/EAESP; Universidades federais de Pernambuco - UFPE; Minas Gerais - UFMG; Rio de Janeiro - UFRJ; Rio Grande do Norte - UFRN; Rio Grande do Sul - UFRGS; BrasIlia UnB, uOiversidades estaduals de Sào Paulo - USP e Campinas - UNICAMP; Escala Nacional de Administraçào Pûblica - ENAP; Pontiffcia Universidade Catôlica do Rio Grande do Sul - PUC-RS; Governos do Distrito Federal e do Rio de Janeiro e Prefelturas MUOIcipais de Campinas, Porto Alegre, Santo André e Sào Paulo. Participaçàes diversas pravieram ainda da Associaçào Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes - ANPET, Associaçào Nacional de Transportes Publicos - ANTP e Forum Nacional de Secretarios de Transportes, que deram apoio essencial para 0 desenvolvimento do trabalho cientifico. Empresarios e sindicatos do ramo cooperaram para a praduçào do conhecimento e devem ser lembrados, assim coma as numerasas colaboraçàes de colegas, pesquisadores e assistentes, instituiçàes de afiliaçào dos autores e organizaçàes latino-americanas e internacionais receptivas ao trabalho de pesquisa e sensiveis à experiência brasileira do transporte urbano. Nossos agradecimentos sào extensivos a todos. E muito especialmente porque, nào implicando concordância irrestrita corn 0 conteudo do livra, sua cooperaçào reforça a importância do trabalho, realizado corn total liberdade ciemifica e sem injunçàes de qualquer natureza.
TURMA TRANSPORTES URBANOS, REGIONAIS, MErnOPOLITANOS E AurôNOMOS
Nazareno AFFONSO • ]oaquim ARAGÀo • Marcos BICALHO • Anisio BRASILEIRO Vera CANÇADO • Beatriz COSTA • Marcus Vinicius CRUZ • ]urandir FERNANDES Etienne HENRY • Luis Antonio LINDAU • Mauricio MUNIZ • Dominique MOUETTE Christine NODAR! • Rômulo ORRICO • Enilson SANTOS • Luiz SENNA Moema SIQUEIRA • Ivanice VEIGA • Fernanda WATANABE • Silvana ZIONI
Conteûdo
PROLOGO'
Dos coletivos ao coletivo na cidade Regina Paeheeo
E1>IHARQUE.
13
Afirmaçào da viaçào de ônibus urbanos
. . . . . . . 21
SeçàoA VIAÇAo E TUTELA SOBRE OS TRANSPORTES
Secretaria de Viaçào, fabricaçào e promoçào do sistema ônibus brasileiro Anîs/o Braszleiro & Etienne Henry
47 -
11 Ônibus na metrôpole, articulaçôes entre iniciativa privada e intervençào piiblica em Sào Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 _ Etienne Henry 6- Sill'{//l{'/ Zi01li III Sucesso metropolitano no Recife e influências estatal e empresarial no Nordeste Anîsio Brasileira & Eni/son Santos
187
Seçào B CRESCIMENTO E GERENCIAMENTO DA VIAÇAo
IV ünibuCad, cadastramento tipolôgico e dinâmica de escala da viaçào Etienne Hen/)' V Capacidade gerencial das empresas de ônibus frente ao ôrgào gestor em Belo Horizonte Vera Cançado. Mareus Vinieius Cntz, Moema Siqueira & Fernanda Watanabe
233 ,.'
. . . . . . . . 283
VI Modernizaçao, abordagem empirica das empresas frente às exigências do transpone
31'S
Joaquim Aragào VII Ônibus e lotaçao, uma experiência de convivio regulamentado em Pono Alegre Beatnz Costa, Luis Antonio Lindau, Chnstine Noe/mi, Luiz Sen na & /l'anice H?iga
337
Seçao C ÔNIBUS NA ECONOM lA E NA CIDADE
VIII Os funis, um esquema analitico, Da produçao simples do serviço à empresa capitalista de tr,msporte Etzenne Henry IX Hegemonia privada, da capital do bonde ao ônibus no Rio de Janeiro Rômu/o Ornco 0- t'm/son Santos
X A caminho da quaüdade, encontro entre empresas e prefeitura em Campinas Marcos Bica/bo, Jumndlr Fernandes & Dominique Mouette XI Rede integr.tda e viaçao diante do modelo urbanistico de Curitiba
, :373 , 401 431 4'S7
AI1f.~io Brasi/eiro
XII Cidade modernista e duopolio privado no transpone coletivo em Br.tsîlia Nazareno Alfonso, Etienne Henry & MauricIO }I,[u IlIZ
GAI{AGEM, Alcances do ônibus e limites da viaçao
El'iLOGO Algumas palavras do passado ao futuro Rogério Be/da
, , -'191_
, 'S3')
')')2
Almoxarifado APÊNDICES DA VIAÇÀO
BIUIETES: Notas e referências
557
LINHAS' Bibliografia da viaçao
'SH7
RODAS' Sumârio analitico , ,
60'S
LOGOMAI{CA' Abstract and Excerpts Ltd.
618
l'EÇAS, Glossario de siglas e acrônimos
628
TURMA. Sobre os autores
6:32
,
Pr61ogo
Dos coletivos ao coletivo na cidade
Este livro resulta de uma longa hist6ria de pesquisa em rede, iniciada nos anos 80. Um grupo de brasileiros, entre os quais eu mesma, desenvolveu seus estudos de doutorado no Institut d'Urbanisme de Paris - IUP da Université de Paris XII, entre 1980 e 1985, corn apoio da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos - EBTU, centrando suas teses sobre a gestào do sistema de transporte coletivo no Brasil. No desenvolvimento dos trabalhos, 0 grupo aproximou-se do INRETS - Institut National de Recherche sur les Transports et leur Sécurité e de Etienne Henry, que ja entào se dedicava ao estudo dos transportes coletivos em paises da América Latina, orientando pesquisas e teses, coma foi, anos mais tarde, a de Anfsio Brasileiro sobre poHtica de transportes e as experiências de Curitiba e Recife (apresentada na École Nationale des Ponts et Chaussées - ENPC, 1991). A rede ampliou-se a partir de 1985, para integrar pesquisadores latinoamericanos através da REDES - Red de Estudios sobre los Servicios Urbanos en América Latina, corn grande participaçào de Oscar Figueroa (Universidad Cat6lica de Chile), Mario Vasconez (CIUDAD-Quito), Alfredo Rodriguez (SURChile) e Samuel Jaramillo (CEDE - Universidade de los Andes - Bogota). Nessa expansào do grupo de pesquisadores, também a tematica se ampliou: passou a ver a oferta e utilizaçào dos transportes coletivos dentre os demais serviços urbanos, sua 16gica de provisào e financiamento, de gestào pelos poderes publicos e de utilizaçào pelos habitantes das periferias das grandes cidades latino-americanas. Multiplicaram-se, assim, os estudos sobre saneamento, coleta de lixo, limpeza urbana, ao lado das pesquisas sobre transportes coletivos. Articulava-se a problematica em toma dos serviços urbanos. No infcio dos anos 90, 0 Mestrado em Administraçào Publica e Governo, da Escola de Administraçào de Empresas da Fundaçào Getulio Vargas EAESP/FGV passou a sediar um importante n6 dessa rede de pesquisa ao rece-
Viaçào llimitada
ber Etienne Henry coma pesquisador-visitante entre agosto de 1991 e feverei0 Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientîfico e Tecnolôgico - CNPq e 0 Instituto Francês de Pesquisa Cientîfica para 0 Desenvolvimento em Cooperaçào - ORSTOM, colocado sob co-direçào de Etienne Henry, pelo INRETS, e de Regina Pacheco, pela EAESP/FGV]. Henry retomou em prafundidade a temâtica do transporte coletivo por ônibus nas cidades brasileiras, articulando um grupo de pesquisadores ligados ao tema, atuando tanto em universidades como em importantes ôrgàos gestores de transportes. Assim, 0 Primeiro Ateliê, organizado em Sào Paulo em abri! de 1992, marcou 0 inîcio de uma pesquisa sobre "Trajetôria e perspectivas de uma prafissionalidade urbana: 0 universo das empresas de ônibus", que se desenvolveu em parceria corn equipes de vârias cidades brasi!eiras. A partir daî, e mesmo depois do retorno de Henry a Paris em 1993, a pesquisa se desenvolveu por acùmulo sucessivo de conhecimentos, teste de hip6teses, descohertas, nova mergulho empîrico, sem contar 0 acompanhamento sistemâtico do Fôrum de Secretârios de Transportes em nîvel nacional e nas vârias regiàes. Além de numerosos relatôrios, artigos em revistas e livros, trabalhos apresentados em seminarios nacionais e conferências intemacionais, essa pesquisa levantou 0 interesse de um mimera crescente de colegas, entre os quais 0 grupo que se comprometeu com a produçào do presente livra. Ao longo destes quase vinte anos, muito aprendemos. Os primeiras posicionamentos tendiam a confundir 0 pûblico com 0 estatal na provisào dos serviços de transpoltes; imbuîdos de forte carâter militante em prol de melhores condiçàes de vida para as populaçàes periféricas, defendîamos corn ardor a existência das empresas municipais de ônihus c a municipalizaçào de todas as empresas privadas; retomavamos os "clâssicos" do debate em Sào Paulo nos anos 30, época do embate entre a Light e a prefeitura, que acabou culminando na criaçào da CMTC. Foi necessâria a volta de Jânio Quadros à prefeitura de Sào Paulo, em 1986-88, e 0 uso que fez da CMTC em favor dos interesses privados, para que a anâlise passasse a distinguir 0 pùblico do estatal. Aprendemos que a propriedade estatal da empresa de ônibus nào é garantia do carâter pûblico de sua atllaçào. Ainda assim, boa parte dos "técnicos pragressistas" de transportes defendiam corn vigor a estatizaçào total do sistema. A gestào de Luiza Erundina em Sào Paulo trauxe novo ensinamento: tendo defendido a estatizaçào durante a campanha, transformou essa praposta em "municipalizaçào" durante sua administraçào, preferindo rever as formas de contrataçào das empresas privadas - e reconhecendo sua importância, bem coma a impossibilidade de a prefeitura arcar corn toda a operaçào do sistema de transporte por ônibus. Muito mais do que 0 estatuto jurîdico da empresa operadora, tratou-se de melhorar a capacidade gestora e reguladora do setor pûblico. Formas de ra de 1994 [Convênio de cooperaçào entre
14
Pro/aga
contrataçao e de aferiçao de resultados passaram a presidir 0 dehate em toma dos transportes coletivos. 0 alvo das pesguisas foi colocado sohre a contratualizaçao entre setor publico e empresas operadoras, sendo elas privadas ou mesmo estatais. A EPT, de Santo André, nasce nesse contexto, junto a outras nas experiências de municipalizaçao do transporte gue começou na regiao do ABC paulista. No contexto de aguda crise financeira dos govemos, uma evoluçao recente vern sacudir os analistas dessa area, gue ja naD vêm coma imperiosa gualquer intervençao publica res prlhlicos (casa brasileiro) sela da pal1e dos prôprios operadores pril'ados (jllstamL'nte 0 caso de Caracas. mas também 0 de Santiago do ChUe). Parf?CC! uma falsa qllestào a oposiçào entre a informai e ofornlal. Na verdade, 0 que se obsenJQ nos diversos poises e cidades é a coexistência e a articulaçào ellfTY! mûltiplas fornws de transportes coletioos. Assim. a questào nào é opor uma forma a outra, mas considerar 0 funcionamento d" oferta como /lin todo, onde coe:I:istem diversasformas de transportes, pilblicas e prilladas, que eooluem de Jonna di1lâmica.I . .I Trata-se de nào isolar ° transporte ;,iformal. mas de estucki-Io 1IOS C01Uexta.~ eco1lcJmico. umlno e sockli em que af/llI, compreendc.>r suas IORicas internas de fU1Icionamento e ojX>raçiio e as reûlç6es 'I"e c.>stabe!ece com os olltros sC!Rmentos da oferta, com os usudrios e com os poderes priblicos. /Jo mesmo modo, /lInil illliilise des.~as.formas de transporte do P01lto de t'Lçta do arcabouço rl14l1latûrlo em l'ÎR0r, 'I"e define as opçi)es normatil1as do poderP/lb/ico. e dos jXlrâmetl"Os de eficihlCUI técnico-eccmcJmica./xJde conclllir pela ojKJT1unidade da presença de l-'L'fellios de peqllellO jXJrte em lima re'de de tmnsportes umanos!..! INo transjJDl1e /nfornwl/ a jJmpr/edade dos !J(Jiculos é atomizada, isto é. dissc.>nlÎllada ellfre numerosos propriellirios que, em geral, operam eles propria.ç os veiculos, acompallbados de cobmdor sem cal1eira de traholbo e me710r de ulade. Todar'ia, bd IIotfcias de que llf!T1l crescendo aformaçào de pequellasfrotas por um ûllico proprietdrio. A origem dos propriefdrlos é L'arlada, corn 0 predominio de polieiais. exmotonstas de ônibus e caminb6es (que. tendo perdido 0 emprego, compram um !-'eicllio com os recllrsos da indenizaçào), peqtllma.~ comercialltes, microempresârios de fretamento. aposentados, ex-empregados da indUstria ou do comércto, ori/mdos dos pianos de demissào volun/dria de empresas pubUcas e privadas. Em geml, esses plVprietiiriosimotoristas apresenlam !:Jaixo "ivel de escolarldade. Seu niLoel de organizaçào é inctpiRnte. embom tel/barn revelado, lU!Sfes lrês ultirllos aliOS, um sllrpreendente crescimerlfo fanto em nivellocallregiollaJ (cooperativas, associaçi5es. silldii;atas) quanto em nÎvel nacional.l.! Os prOprios proprietiirios asseR"ram a manutençào de s(''US œieulas. E 0 fazem de nWlleira al1esallm, jXJts MO possuem me/os para realizar 1'L1)(1raçàes cuidadosas e perlôdiClLç.l.I As tarifas sào definidas emfimçiio cJasji:radas pam 0 ôllibus, sendo gera/mente slljJeriores a estas. Nào hâ controle ou ac:ompallbametlJo dos
35
Viaçâo Ilimitada
insumos de prodliÇâo d{)s seroiços. l'\Sv difù:u/ta a discussiio sobre a renla&üidade dos proprietârios individuais ou do segmenta da oJima como um taio. Portanto, eles buscam por
todos os meios alrairpassageiros, ûnica maneira de garantir sua sobrevivência, oferecendo um serviço porta-a-porta eparando nos lugares mais convenumtes para 0 usuârio./ ../ Quanto à cobertura territorial, observa-se uma consideravel variaçào nas formas e gevgrafias da produçâo, indo desde a operaçâo somente em horas de pico ou POl' ocasiâo de eventos geradores de viagem até operaçâo em penodos similares aos seguidos pelo transporte regular. 1../ 0 modo de operaçào é jlexivel, pois eles buscam se adaptar às condiç6es locais. A partir de um terminal (fixo), os motoristas estabelecem seus itinerârios em funçâo da demanda, as paradas nào sendo fIXas. Os veiculos circulam cbeios, nâo sendo raro ver kombis transportando de 14 a 16 passageiros, ou 0 dobro de sua capacidade. Devido às carateristicas operacionais jlexiveis, os veiculos circulam com rapidez - principal exigência dos usuarios. 0 mesmo nâo se pode dizer de sua regularidade: sem obrigaç6es de atender a itinerârios, paradas ou intervalos definie/os, eles circulam apenas nos borarios e nas areas onde bâ demanda. 0 problema da operaçâo irregular é compensado, todavia, pelo fato de existir uma superoferta de veiculos de pequeno porte. Mas seus efettos perversos sao visiveis quando a questào é colocar em marcba um processo de planejamento da rede de transporte pûblico da aglomeraçâo. 1. . .1 Na medida em que, evadindo os impostos, nao sâo submetidos a custos de mâo-de-obra na mesma proporçào que os imputados aos ônibus regulamentados, os transpoltadores artesa1lais trabalbam com altos indices de rentabilidade. Isso tem tornado 0 serviço atraente e, del/ido à inexistência de barreiras à entrada /U!sse 1nercado, um nûmero crescente de operadores individuais tem passado a operaI' 1U1S cidades. Isso, a curlo prazo, tenderâ a provocar uma superoferla, sobretudo nos corred{)res, a/etando diretamente a rentabilidades deste setor. A questâo toda reside, justamente, em definir 0 que deve sel' regulamentado: tarifas, itinerârios, pamdas, intervalos, tecnologia do veiculo, tipa de seroiço a serprestado? Esta nao é uma questâo simples em se tratando de um serviço publico que questiona a experiência brasileira. Para fazer.frente ao crescimento do serviço par veîculos de fJequeno porte, as empresas privadas de ônibus começam a mudar de tâtica. Passam, progressivamente, da simples postura de pressâo sobre os poderes publicos para que estes 0 inibam ou proibam para v uso de estratégias diversificadas de enfrentar 0 problema. Tais estratégias vào da publicidade em jomais e televisâo sobre os riscos da uiagem em veiculos de pequeno porte à aquisiçâo de vefculos similares para concorrer com os "kombtstas", 'perueiros" e "vanzistas".
Anlsio Brasileiro Transporte "informai" x "formai": verdadeira ou falsa queslào?, 1995
36
Afirmaçao da viaçao A dependência congênita entre os transportadores e os governos (prôpria de etapas primitivas do desenvolvimento capitalista) da lugar à constituiçào de um setor totalmente impregnado de caracterfsticas classicamente catalogadas de "extra-econômicas": grupo de poder, lobby, sindicato, corporaçào, clientela polftica. Ou seja, de uma lôgica na quai nào operaria a racionalidade - justamente 0 elemento que deveria reinar na produçào capitalista. Ainda que tenham a mesma origem, os empresarios brasileiros do transporte tenderam a superar tais lôgicas, embora elas possam reaparecer, e tentaram transformar 0 corporativismo em profissionalidade. ***
Essa constataçào conduz a duas perguntas - uma, referente ao carater empresarial do transporte urbano; outra, quanto a suas perspectivas de desenvolvimento. Acompanhando inicialmente 0 desenvolvimento urbano, desde seus lugares mais periféricos até seus nôs centrais, quando 0 serviço pûblico teve que deixar de ser organizado e/ou assumido pela Estado, 0 transportador deixou de ser artesào dedicado a uma "produçào simples de mercadoria" (neste caso, de serviço; yale a precisào, amparada na teoria), pretendendo tornar-se capitào de seu prôprio navio. No entanto, de conheceu sérias dificuldades para combinar a propriedade de seus meios de produçào corn 0 gerenciamento empresarial, segundo a tfpica imagem do capitalista. A histôria recente dos transportes urbanos latino-americanos deixa antes de mais nada a imagem de um empresariado pujante e numeroso, porém atrofiado em suas funçoes e no prosseguimento de interesses econômicos prôprios. Por outro lado, 0 diagnôstico do setor atualmente predominante em muitos pafses é 0 de um capitalismo estagnado e de um "pseudo-empresariado" que nào demonstra grande autonomia frente ao poder polftico. A dinâmica interna dessa atividade explica em parte esse fato, enquanto sua via de desenvolvimento esta marcada por uma grande fragilidade institucional das empresas e um forte manejo externo da administraçào produtiva, que obedece também a uma lôgica sindical no campo da operaçào dos transportes (desde os ritmos da atividade até as relaçoes trabalhistas, incluindo a aquisiçào coletiva dos vefculos, no âmago das relaçoes de propriedade que permanecem bastante separadas dessa atividade). Por isso, verifica-se a permissibilidade das relaçoes extra-economicas, segundo os imperativos de um serviço pûblico constantemente reorganizado em variaveis redefinidas pelos sucessivos governantes, em conjunturas economicas e urbanas particulares, mesmo que as regras do jogo aparentem dar uma estabilidade. É por esse prisma que se deve analisar 0 agrupamento corporativo que marca de forma diferenciada 0 transporte urbano - no setor, os gremios transportistas, que sâo organizaçoes patronais, pretendem representar também os trabalhadores, devido à confusa figura do transportador autônomo, que ocuita 37
Viaçào Ilimitada
a divisào interna do trabalho de um ramo apresentado coma artesanal. A particular articulaçào sindical e corporativa dos transportadores nào nega, portanto, o carâter capitalista dessa atividade, apesar de as clâssicas funçàes empresariais se encontrarem disseminadas, tanto nas organizaçàes patronais coma nos 6rgàos gestores. Em simbiose corn elas, e em coesào, figura um setor econômico que adquire os atributos de um empresariado. 0 grupo dos transportadores é capitalista tanto porque se insere de forma aberta em uma economia local que tem tal atributo, quanto pelo fato de corresponder coletivamente à dinâmica interna do capital. Se tais afirmaçàes sào exatas, deve-se entào prosseguir para a resposta à segunda pergunta, referente ao futuro da atividade. Na perspectiva da consolidaçào capitalista de um setor que, enquanto tal, detém 0 domfnio basico dos fatores de produçào (por mais que escapem do controle dele variâveis ex6genas ligadas à valorizaçào enquanto nào possuir muita autonomia sobre as tarifas), é de esperar que esse setor cresça, se desenvolva, se modernize e se torne independente. Serâ assim? Ao se contemplar corn certo distanciamento tal processo, nào se pode deixar de observar uma (por certo nào linear) tendência do empresariado do transporte no sentido de desenvolver formas mais avançadas de organizaçào capitalista. Ao menos, pode-se formular tal hip6tese e pensar que as mudanças nas tendências que se verificam na atividade (descentralizaçào, desburocratizaçào, privatizaçào) se encontram na perspectiva do fortalecimento capitalista de um empresariado em mutaçào. Isso posto, cabe observar que, na atualidade, se verificam tanto tendências à resistência corporativa dos transportadores, quanta tendências à capitalizaçào do setor. A multipropriedade que acompanha a "infra-gestào" continua sendo um fato que poderia ser assinalado como remanescente e perdurâvel dos transportes urbanos latino-americanos em geral. Mas também chamam a atençào as transformaçàes que se verificam em varios pafses, que bem poderiam indicar uma revoluçào nos transportes, a partir da 16gica de grandes empresarios estarem concentrando e capitalizando 0 setor de forma mais agressiva e mais harmonizada ao espfrito de conquista e reestruturaçào de um mercado (mercado que, além do mais, viria sendo aberto a uma maior 16gica capitalista em outros serviços urbanos). Em linhas gerais, postula-se que esse processo é mais fluido em complexos urbano-regionais novos, nos quais nào tenham sido cristalizados fortes interesses corporativos nos transportes e onde 0 trânsito da famflia à empresa é mais fâci!. TaI processo é passfvel de minguar-se se 0 setor nào estivesse afetado, também, por tendências espontâneas de corte individual ou familiar e se nào permanecesse a ausência de uma decisào explfcita por parte de autoridades locais modernizantes. De fato, esse fator econômico requer a intervençào reguladora do Estado a fim de organizar-se em interesses pr6prios. Enfim, é importante ressaltar a heterogênea composiçào do setor, no 38
Afirmaçâo da viaçâo
que se refere ao tamanho das empresas, condiçào para seu desenvolvimento. Essa heterogeneidade é mantida pelos proprios grandes empresarios, muito além de seu afà de concentraçào (0 que explica em parte a separaçào entre as escalas de produçào e de propriedade), na medida em que permite que eles cresçam na diferenciaçào corn setores mais "atrasados". É conhecida a regra segundo a quaI a concorrência desigual entre as empresas permite fazer artificialmente pressào por um aumento das tarifas, ainda mais quando existem instâncias de compensaçào do lucro. E, obviamente, isso permite uma pressào maior sobre os poderes püblicos, mantendo-se na opiniào a imagem de um grupo social ·'arcaico". Tudo isso mostraria que esse setor esta longe de ser regulado exclusivamente pelas leis do capital e do mercado, sublinhando seu carater de "capital improdutivo" coma estabelecido na teoria econômica classica. ***
Assim sendo, as relaç6es entre as atividades de transporte e a construçào/urbanizaçào sào reveladoras. Vê-se também como, ao assumir internamente as atividades de manutençào de seus veiculos (0 que exige certa escala de produçào), essas empresas entram em relacionamento corn a indüstria automobilîstica e se encarregam de determinados elos, coma a importaçào ou a comercializaçào de peças. Logo, têm que desenvolver mecanismos proprios de acesso ao financiamento para aquisiçào de veiculos, 0 que as coloca em hoa posiçào nos mercados financeiros. A tendência desse patrimônio familiar de se transformar em capital implica a abertura e a diversificaçào do mesmo e acompanha a separaçào entre a propriedade empresarial e 0 controle sobre 0 processo de produçào. Varios elementos aqui rapidamente evocados, diferenciais dessa profissào e atuantes de modo vigoroso nas cidades latino-americanas, continuam impedindo que a concorrência seja total na atividade dos transportes urbanos. Ali, 0 corporativismo, que se expressa nas relaç6es travadas entre os transportes e os poderes püblicos, é ainda forte. Ambos os setores necessitam um do outro: em boa parte, 0 processo de concentraçào da empresa tem sido, no Brasil, acompanhado pelas autoridades estaduais e federais, requerendo uma boa organizaçào do setor. Também merece ser ressaltado 0 papel desempenhado pelas instâncias burocraticas (pelo menos nas dependências ministeriais e em alguns estados e cidades em diferentes escal6es da administraçào publica), onde se vai diferenciando um setor de técnicos püblicos, diferente do constitufdo pelos "profissionais" dos transportes. Dependências ministeriais, entidades planejadoras, companhias operadoras e prestigiadas universidades acentuam esse processo de profissionalizaçao, que inclusive se liga, se bem que de forma diferente, aos empresarios do transporte. Sào profissionais publicos ou privados, que emergem ao lado dos proprietarios e dos trabalhadores da atividade. 39
Viaçào Ilimitada Entre a poder pûblico e a poder empresarial nào se apresentam somente articulaçàes: dào-se, ocasionalmente, fortes confrontas até hoje, quando a tutela se descentraliza para os municîpios. E verificam-se negociaçàes pautadas nas diversas fôrmulas de regulamentaçào, atingindo as tarifas e as fomlas de concessào do serviço. As açàes sindicalistas. tanta dos proprietârios quanta dos trabalhadores dos transportes urbanos, além de ilustrar a desenvolvimento profissional, sào poderosas e nào isentas de corporativismo. A ohservaçào faz-se particulannente necessâria quando se verifica a constituiçào de sindicatos setoriais ou regionais de empresârios, assim coma quando ocorre a estruturaçào de associaçàes nacionais de profissionais dos transportes urbanos para gerenciar as manifestaçàes do conflito que, nessa atividade, ohedece mais a relaçào prestador/usuârio do serviço do que a classica oposiçào capitalltrahalho. 0 quanta a Brasil se diferencia da trajetôria latino-americana, da quai é oriundo? E até que ponta propàe um esquema altemativo?
••• Este livro parte do acùmulo de conhecimentos sobre os transportes na América Latina, enfocados num quadro de referência de um jogo de atores que analisa a lôgica de funcionamento dos transportes a partir das relaçàes triangulares entre operadores, autoridades de tutela e usuarios. Anteriormente a ele (em particular a partir dos trahalhos efetuados no quadro do coletivo REDES), os conhecimentos adquiridos mostravam, de um lado, a importância social dos transportes coletivos na regiào; de outro lado, a hegemonia do modal coletivo rodoviârio nos deslocamentos urhanos. Constatava-se, também, a maior lacuna, que dizia respeito às lôgicas de funcionamento das empresas brasileiras de ônibus, cuja superaçào necessitava do aporte de diversos campos do conhecimento. 0 projeta de pesquisa Trajet6ria e perspectivas de u ma projissionalidade urbana: 0 111liverso dos transportadores brasileiros, respondeu, assim, à meta de cobrir essa lacuna e ao espirito comum de prâticas cientificas em cooperaçào. Colocou-se a questào central em toma da quai se desenvolveu a pesquisa e se estruturou este livra: Par que as lôgicas que presidem a organizaçào das empresas privadas de ônibus nos paises em desenvolvimento resultam em formas organizacionais as mais variadas? Par que elas se defrontam sistematicamente corn dificuldades que as impedem de atingir uma perenidade e uma dinâmica de crescimenta satisfatôrias, tanto para elas prôprias quanta para os usuarios, os poderes pûblicos e as instituiçàes urbanas em geral? Foi a partir dai que se definiu a hipôtese central da pesquisa relativa ao casa brasileiro e a bateria de procedimentos metodol6gicos, combinando a interpretaçào critica dos conhecimentos e materiais estatisticos pré-existentes corn a necessâria produçào de dadas novas, tanto quantitativos (entre estes: 40
Afirmaçào da viaçào
OnihuCad e OnihuLis, que constitui a matriz estatfstica original do conjunto da obra) quanta qualitativos (em particular em observaçào participante do Fôrum de Secretarios de Transportes, cujos membros aportaram bastante ao avanço da pesquisa OnihuReg, e dos acontecimentos profissionais do setor, On ihuSin) , nacionais ou regionais, e a formulaçào de interpretaç6es diferentes das que prevalecem. Os resultados dessa pesquisa multiforme sào aqui apresentados: por que se consolidou a hegemonia da modema empresa privada capitalista no Brasil, enquanto nos demais pafses da regiào predomina a pequena empresa artesanal? Desde 0 infcio, acentuou-se a importância de colocar em evidência algumas sub-hipôteses a serem testadas nos estudos empfricos ora apresentados e que dizem respeito às três seç6es em que 0 volume se divide: quai re1açào entre empresa e Estado? Como 0 crescimento mudou 0 gerenciamento empresarial? Quai é 0 impacto do ônibus na economia e na cidade? A montagem das equipes locais, cujos trabalhos resultaram nos doze capftulos a seguir, obedeceu ao método adotado de infcio: pesquisa em rede; desenvolvida coma processo coletivo; respeitados os interesses locais e os objetivos do conjunto; abordagem interdisciplinar; uso de dados originais e secundarios, de natureza qualitativa e quantitativa; processo de trabalho iterativo e consultivo. Assim, a metodologia juntou pesquisadores, profissionais e administradores ligados ao setor, formando uma equipe horizontal, distribufda nacionalmente, polivalente, aberta e comunicativa. Esta contou corn 0 aporte de especialistas em areas especfficas, oriundos de organismos publicos, privados e instituiç6es nào governamentais. Dada a limitaçào dos recursos face à amplitude do trabalho, buscou-se sempre aproveitar a oportunidade de eventos, congressos no Brasil e no exterior, encontros cientfficos e seminarios, para reunir os pesquisadores associados, de modo a confrontar opini6es e resultados parciais em discuss6es francas e abertas, que confirmaram ou redirecionaram os caminhos da pesquisa. Sempre se manteve acesa a idéia de uma publicaçào que apresentasse ao publico os conhecimentos sobre 0 tema da empresa de transportes e suas relaç6es corn os meio econômicos, urbanfsticos e sociais das cidades brasileiras. Trabalhar na escassez, apesar de ter retardado indevidamente 0 projeto de pesquisa - que se adequou a importantes mudanças na conjuntura -, nào deixou de ser uma experiência rica, principalmente porque impediu 0 desenvolvimento em âmbito fechado e obrigou a associar os atores diretos da realidade numa pesquisa que se projetou para além dos recintos acadêmicos. 0 método participante permitiu, entào, associar diretamente personalidades, administradores, empresarios e profissionais do meio. Graças a e1e, foi possfvel confrontar as hipôteses de trabalho corn varios pontos de vista e, sobretudo, empreender formas inusitadas de produçào de dados empfricos em campos onde as estatfsticas inexistiam. 0 livro entrega ao grande publico 0 essencial desse material quantitativo, boa parte dele de carater original e obtido de fontes diretas.
41
Viaçao Ilimitada
***
Entre coletânea e tratado, Viaçao Ilimitada foi escrito em longo processo a quarenta màos informatizadas, usando reuniàes especfficas e canais virtuais para debater em atelié, mas é uma obra s6, tecida na rede comum. Nem todos os autores e equipes de redaçào coincidem plenamente na interpretaçào da realidade: 0 leitor podera se sentir mais afinado corn um ou outro ponto de vista, se identificar mais corn determinado enfoque disciplinar, reconhecer mais facilmente 0 ônibus da pr6pria regiào ou cidade, achar um jeito pr6prio de olhar pela janela. No entanto, 0 produto é um todo, cujas partes sào tào difîceis de separar quanto é certo que nào se pode retirar roda nenhuma do veiculo. Ele nào se compàe do c1assico quadro te6rico ilustrado por estudos de casos, mas, sim, de leituras gerais e aproximaçàes especfficas da mesma realidade. À riqueza e complexidade da mesma sobrepàe-se a variedade de enfoques disciplinares, por causa do carater de interface do transporte entre muitas dimensàes técnicas, econômicas, politicas e sociais. 0 leitor pode ficar à vontade: nessa rede nào ha aranha nem mosca; apenas fios entrelaçados no barroco tecido urbano, econômico e social, facilitando as piruetas de funâmbulos viajantes. Tentou-se apresentar 0 conjunto da forma mais atraente possive!. A montanha de informaçàes empfricas coletadas foi concentrada em 97 figuras e 75 tabelas. 0 material cartografico foi especialmente elaborado, resultando em 28 mapas. No total, 200 apresentaçàes empfricas ocupam mais de 100 paginas desse volume. 0 conjunto, inc1uindo outras 100 paginas de anexos, notas e referéncias bibliograficas, constitui uma base de informaçào bastante extensa, de grande utilidade para os profissionais e académicos e que convida a ulteriores atividades de complementaçào e atualizaçào. Esse material, selecionado entre numerosos outros dados e apresentado de forma bastante homogénea, também deve permitir que 0 leitor desenvolva sua pr6pria visào da realidade, corn relativa independéncia das interpretaçàes propostas. Quem optar por 1er 0 livro no ponto de ônibus podera, evidentemente, entrar nele pela porta que quiser, entre as doze que constituem os capitulos. Para quem preferir fazer a viagem de ponta a ponta, 0 trabalho foi estruturado coma um biarticulado. Ja que embarcou, pode passar pela Seçào A, onde a roleta (ou catraca) estabelece a linha divis6ria entre a viaçào e sua tutela. A pergunta colocada pelos trés primeiros capftulos seria de saber quem define as regras do jogo no sistema de ônibus brasileiro: se 0 Estado regulamentador, assistido pelo cobrador que ajuda a Secretaria de Viaçào a fiscalizar; se 0 empresariado, que em Sào Paulo se constituiu historicamente na trilha de forte intervençào da administraçào municipal; ou se um ente supramunicipal, que em Recife se consolidou graças a uma intervençào metropolitana assistida pelas forças vivas da regiào nordestina. Passando para a Seçào B, ja se esta na mecânica que produz 0 movimento da viaçào. Uma vistoria geral, no Capftulo IV, parte de uma profunda pesquisa para 42
Afirmaçào da viaçào
diagnosticar a dinâmica da viaçào, auscultando as partes de um organismo crescido numa lôgica empresarial, coma analisado logo a seguir no capitulo dedicado a Belo Horizonte. Entre ambos, tenta-se cernir empiricamente 0 processo de modernizaçào que acompanhou a concentraçào do setor. E, no Capitulo VII, contrasta-se a viaçào, privada e publica, corn a perene convivência do seu antônimo, o lotaçào regulamentado de Porto Alegre. A Seçào C do livro é coma 0 fundo do ônibus, de onde se enxerga melhor 0 contexto geral - ela olha os condicionantes e impactos da viaçào sob as perspectivas econômica e urbana. A
e
~
20
~
15
~
10
o o o
-
17,61 15,68 13,58
....
~
~
"""'"
6,93 1,80
o
0,11
•
1
•
Km rede
'" 00
-
-
50%
....
~
0%
~
~
-50% -100%
\0
00 00
100%
.....
o
o
N
'"
% Acréscimo
'" -
o
o
'"
'"
M
\0
o .....
'"
Decréscimo linear
Fonte: TURMA; Dados: Ferrovia Nacional; GE/POT, Anuàrios Estatisticos dos Transportes (DNER) (RFF5A; a partir de 1992: inclui trens urbanos CBTU)
52
Secreta ria de Viaçào
Entre 1860 e 1902, 77,6% dos capitais estrangeiros no Brasil eram ingleses, sendo 34% do total alocados na construçào de ferrovias. Entre 1903 e 1913, os ingleses participaram corn 53,6% do total dos investimentos. Ainda em 1930, contavam-se 32.478 quilômetros de ferrovias, representando 85% da extensào da rede férrea em 1960. Progressivamente, os maciços investimentos para essa expansào deslocaram-se: os Estados Unidos aumentaram sua participaçào de 1,5% entre 1860 e 1902 para 19,9% entre 1903 e 1913 (Castro, 1979). Porém, 0 decHnio da rede brasileira de ferrovias, estatizada, apareceu como irreversfvel a partir dos anos 60, quando a matriz produtiva do Brasil mudou da agro-exportaçào para a industrializaçào. E hoje, na hora de ser devolvida para a iniciativa privada (seis malhas regionais leiloadas a cons6rcios de capitais mistos), a rede reduz-se ao nfvel da década de 20, ja amputada de 33% corn relaçào ao ana de 1960. . A anterior opçào pela modal ferroviario havia resultado na introduçào do bonde nas capitais do Brasil voltado para a exportaçào. Começando a opera-Io em 1892, 0 Rio de Janeiro chegou a ter uma das mais extensas redes do mundo. Em seguida, os dez sistemas de bondes construfdos até 1910 corresponderam aos principais p610s portuarios, mais Sào Paulo e Belo Horizonte. Na configuraçào ffsica das cidades e dos transportes da época, os transportes urbanos partiam da area central, onde se localizavam 0 porto e os terminais ferroviarios, em direçào aos emergentes bairros suburbanos. A implantaçào de linhas de bondes, corn desenho articulado à infra-estrutura da economia de exportaçào, prosseguiu e acompanhou 0 crescimento das capitais das regiôes em vias de urbanizaçào até 1930, ana em que cerca de quarenta cidades brasileiras dispunham desse modal (vide boxe no final deste capftulo). Ali acabou a epopéia do bonde, que logo entrou em recessào e chegou ao quase total desmantelamento das redes no p6s-guerra. Bem mais drastica que 0 declfnio das ferrovias nacionais, embora derivada da mesma mudança da base econômica do pafs, a queda do bonde foi mais abertamente contradit6ria corn 0 processo de urbanizaçào, apesar da melhor aptidào do sistema de transporte ferroviario para orienta-Io. Na sucessiva epopéia do ônibus, a experiência das companhias de tramways marcaria 0 modo brasileiro de organizaçào dos transportes urbanos em varios aspectos que perduram até hoje: concessào municipal, modernizaçào do serviço publico, privatizaçào empresarial do setor e expansào para outras atividades urbanas. Ainda, para fazer face à urbanizaçào e ao crescimento da demanda por serviços, as infra-estruturas das capitais brasileiras foram construfdas sob a égide de empresas privadas estrangeiras, de origem inglesa em sua maioria, mas também corn presença de firmas americanas, canadenses e, eventualmente, alemàs, belgas ou francesas. Os poderes publicos - as municipalidades, depois da instauraçào da Republica - delegaram a essas companhias as atribuiçôes da operaçào, concedendo-Ihes 0 monop6lio do serviço publico. Donos de concessôes por perfodos de 30 a 50 anos que lhes garantiam 0 direito de cons53
Viaçào Ilimitada
truir e operar os transportes urbanos, assim coma serviços de agua, eletricidade, gas, telefonia e telégrafos, os capitais que aqui haviam entrado na trilha dos bondes ampliaram rapidamente suas atividades a outros setores, moldando um padrào urbanistico centralizado e privatizante (como no exemplo de Sào Paulo, exposto no Capitulo II3). Enquanto isso, as ferrovias regionais e urbanas, ao nào se estruturar em redes, ignoravam tanto 0 mercado interno quanta as demandas por deslocamento que surgiam no bojo do processo de urbanizaçào. Por seu lado, as operadoras de bondes (em particular a americanocanadense Light), tendo aposentado os burros ao proceder à eletrificaçào das linhas e exercendo 0 monop6lio do transporte, que nào constituiam motivos de preocupaçào da parte dos governos locais, assumiam até atividades imobiliarias. Desse modo, exerceram papel significativo na definiçào das formas urbanas em processo de consolidaçào e também no planejamento higienista das cidades, entào sob influência francesa (ver exemplo do Rio de Janeiro no Capitulo IX e consu1tar Monié, 1997). Os mecanismos de atraçào dos investimentos e da operaçào dos serviços pûblicos eram ditados conforme as relaçàes definidas pela Constituiçào do pais". As autoridades de tutela, de âmbito municipal, nào assumiam responsabilidade direta corn 0 financiamento das infra-estruturas nem corn os bondes. As prefeituras concediam aos prestadores de serviço vantagens para importaçào de equipamentos e material rodante, bem como garantias de juros elevados para os investimentos ferroviarios. Tarifas e itinerarios eram propostos pelos operadores privados, que os submetiam à aprovaçào do poder pûblico. As empresas estrangeiras, associando-se a capitais nacionais, assumiam todos os riscos da venda dos serviços. Termos e duraçào do monop6lio lhes asseguravam, via tarifas negociadas, 0 devido retorno pelos investimentos'. Sendo assim, a influência dessas companhias foi ainda além: ao se engajar no financiamento da construçào, operaçào e manutençào das infra-estruturas, bem coma ao ampliar sua atuaçào para outros serviços urbanos, elas desempenharam papel de primeiro pIano também na organizaçào e no planejamento dos transportes. Ou seja, no primeiro modelo de organizaçào institucional dos transportes urbanos, que imperou até metade do presente século, amplas atribuiçàes da secretaria municipal da viaçào foram assumidas pelas operadoras privadas. Nesse contexto, as camadas populares tiveram que conquistar 0 acesso ao bonde, exigindo a expansào das linhas e opondo-se a aumentos tarifarios. Testemunhas disso foram a Revolta do Vintém no Rio de Janeiro, 0 quebraquebra em Sào Paulo em 1947 e outras explosàes de ira popular em Manaus ou Salvador. A progressiva e continua diminuiçào dos investimentos estrangeiros em ferrovias (Figura 1) e bondes ocorreu entre os anos 20 e meados do século. Segundo diversas analises da polîtica de transporte brasileira, a opçào ferroviaria caiu em desgraça corn a crise internacional dos anos 30, que trouxe coma conseqüências principais a mudança no tradicional modelo exportador brasi54
Secretaria de Viaçao
leiro (Brasileiro, 1981) por um lado e, por outro, 0 desinteresse das companhias privadas em continuar investindo em bondes, por motivos ligados ara à crise (Mello, 1984), ara à perda de rentahilidade devida às lutas populares pela contençào das tarifas
~
'"
Q.
600
'"
500
_
Viaç6es
l--
.l.-
500 a 200 _
199 a 100
.l.-
99 a 50
.l.-
49
a 25
Frota
Fonte: TURMA; Dados: GEIPOT, Anuàrio Estatîstico dos Transportes 1997 (DNER)
64
.l.-
24 a 10
----"
.plosoes de Juror popular contra os .!req/Ïentes atrasos dos trens suhurhanos, os numerosos acidentes mortais que ameaçam ,l'eus usuarios e a elel'açào dos preços das passaf!,ens que leuaram, nesses três anos, parcelas significatiuas das massas urhanas das regiàes do grande Rio (Baixada Fluminense J. da Rrande Sào Paulo e das "cidades-satélites" de Brasilia a se mamjèstar pelo uso de ulOlência. / / A primeira rejère-se aos exemplos class/cos de "explosôes espontâneas" de massas populares suh11letidas a condiçôes demasiadamente adlJersas para a manutençào de um nivel, quando menos. "ace/tal'el". segundo os padràes soczalrnente sancionados, para a sua reproduçào /. .1 Outra hip6tese importante diz respe/to às condiçoes politlcas em que tais imlpçôes ocorrem. / . .1 A nossa hip6tese reivmdica uma dinâmica pr6pria para as "e:Aplosôes selvagens" das massas urhanas que. na aparêncza, irromperiam espontaneamente - a pm1ir de condlçàes externas a ela. como 0 agrauamento de suas condiçôes de existência -, mas que, em realidade, redt!!ine essa espontaneidade no pr6prio curso do seu deselll'Olz'/mento. /. . .1 Uma aplicaçào distorclda de recursos [do Mimstério de Transportes] apanta para uma co1ltradiçào a malS Enqua1lto um dos setores-ehaue da grande indûstria, 0 setor aut011l0hi/[stico. ahmenta as suas necessidades de mào-de-ohra nas areas suburhanas. este ahastecimellto é ameaçado par u ma politica de transportes que one1lta 0 desenvoluimento urhano em jimçào do mercado para os seus produtos, em detri11lento das necessidades do conjunto da populaçào. [Entre 1960 e 1974J. 0 transporte indll'idual, pr6prio dos gmpas ahastados, multiphcou-se por nove, enquanto que a transporte coletiuo se estancou Ohviamente. os lucros deCOITe1ltes do volume de vendas deue superar em mltlto 0 aumento de custos de produçào resultante da perda de horas de trahalho causada
89
Viaçao Ilimitada pela precariedade dos senAços de transporte coletlVo, penalizando-se os proprios usuanos por tempo perdido e até dernissàol. .1. 0 que exarceba os ânimos dos operarios e os lella à reuolta 1. .1 FlIlalmente, a propn'a qualidade dos transportes suburbanos os tOr/la antieconômlcos para a empresa [operadoraJ.I. . .I Como expltcar que, repentinamente, um problema tào lIelho como é 0 dos trens de suburbio se traniforme, pelo menos por um curto periodo de tempo, en! uma questào nacional? Seria possivel pensar em uma especificidade pr6pria para a problematlca dos transportes coletivos no quadro dos grandes centros brasileiros? Trata-se de uma questào isolada que, lel'adas as precariedades dos sen'iços a um limite extremo. teria pnJl'ocado uma reaçào momentânea das massas suburbanas? (Martinez-Alier & Moisés, 1978).
Todavia, estas açoes acompanharam as formas de mobilizaçào social que marcaram os ûltimos anos do regime militar, quando Sociedades de Amigos de Bairros, liberadas de traços populistas, passaram para 0 lado das pugnazes Comunidades Eclesiais de Base; quando se manifestaram os Comitês contra a Carestia da Vida e os "sem teto" se mobilizaram por habitaçào; quando se levantaram reivindicaçoes por creches populares e centros de saûde e se generalizaram as lutas dos sindicatos operarios e outros grupos sociais contra a degradaçào da situaçào econômica. Embora se diga que mobilizaçoes populares em toma de problemas de transporte tendem a expressar-se esporadicamente nos cenarios locais e/ou nacionais, conforme interpretaçào proposta por Nunes (1984), estas surpreenderam as analises reducionistas. Pois 0 fato é que a onda de protestas violentas espalhou-se, chegando até Salvador (quando um drastico aumento tarifârio levou à queima da metade da frota de ônibus em 1982). Manifestaçoes populares de indoles diversas continuariam sacudindo os transportes coletivos pelo menos até 1983, ana da constituiçào orgânica, embora dispersa e descontinua, do Movimento Reivindicativo de Transportes Coletivos: Para de/ender seus interesses, os MRTC /azem abai."(o-assinados, pesqlllSas, fiscaltzam 0 /unGionamento dos transportes, vào às portas das pre/eituras e empresas publicas, utilizam os orgàos de imprensa, vào às câmaras municipais e à assembléia legislativa e se solidarizam com as lutas dos trabalhadores do transporte. Mas, no seu corifronto com 0 governo, munindo-se das experiências das lutas politicas dos trabalhadores, os MRTC vào exigindo também a participaçào direta nas decisoes e questlonando a legltlmidade das estnlturas de poder do Estado. Os MRTC questionam também 0 serviço e os aumentos tan/anos expressando-se de forma violenta e espontânea, quebrando trens e ônzbus, raptando ônibus, pulando catraca, nào pagando passagem, impedindo a clrculaçào dos ônibus 1. / A atomizaçào dos MRTC rem 19821 pela cidade fica e:>.pressa nas reivindicaçoes que se concentraram sobre as melhorias locais e imediatas das condiçœs de transporte nos bairros populares: mais ônibus na linha, ônibus até 0 centro; mudança de itinerario; concorrência entre empresas de ônibus; linhas até areas de emprego /. / A resposta concreta do governo aos MRTC, a nivel/ederal, foi trans/enr, para as prefeituras, a atribuiçào do 90
Secretaria de Viaçào
Conselho Interministerial de Preços de aprovaçao das tarifas dos ônibus municipais e defender uma politica de os aumentos das passagens nao ultrapassarem 0 indice de Preços ao Consumidor- INPC -, buscando, assim, junto à Populaçdo, nao aparecercomo agente central na questao da definiçao da tarifa. (Affonso, 1987,1: 12,89).
Saliente-se que a crescimento descontrolado das cidades, das autovias e das frotas ligadas ao rodoviarismo dominante a partir de 1970 gerou mobilizaçào social também corn respeito às questàes do trânsito e da segurança CVasconcellos, 1987). Assim, na trilha dos movimentos habitacionais, numerosas comunidades populares, comovidas pela crescente nûmero de vitimas nas artérias abertas para melhorar a fluidez da circulaçào, intervieram em defesa dos vizinhos, das crianças e dos pedestres e em resposta à invasào da cidade pela automôvel, repetindo açàes coma abertura de valetas nas novas vias de grande velocidade atravessando seus bairros, construçào espontânea de quebra-molas (0 que reduz significativamente a velocidade comercial dos ânibus), irrupçào coletiva em "avenidas assassinas", etc. Importa observar ainda que até setores das classes altas e médias, beneficiados pela modela rodoviarista, mas desiludidos pela impacta desse modal em seus setores residenciais, começaram a mobilizar-se também - embora corn maior civilidade e buscando formas de negociaçào corn os poderes de tutela sobre a circulaçào. A verdade, portanto, é que a movimento policlassista acabou suprindo diretamente mais uma deficiência da Secretaria de Viaçào, apesar dos esforços dos departamentos técnicos para enfrentar os efeitos negativos da violenta entrada do autom6vel em cidades mal preparadas para esse modernismo. Outras mobilizaçàes contra projetas tecnocraricos, contra integraçào modal imposta ou de apoio as lutas sindicais dos rodoviarios continuaram a acontecer, até que diversas forças de oposiçào tentaram dar-lhes um perfil polftico. Foi a casa da Articulaçào Nacional das Lutas de Transportes ANLUT, que representou a esforço maxima de centralizaçào dos movimentos de usuarios e comunidades cidadàs. Na década de 80, a objetivo polftico de confronta corn poderes estatais pouco democraticos pre~alecia sobre a busca de soluçàes adequadas e inovadores. Tanta é assim que, apesar de a vindicta popular estar simb6lica e emotivamente dirigida contra companhias ou administraçàes do Estado na maioria das vezes, a alternativa que aparecia nas plataformas de luta era em prol de maior estatizaçào do transporte. Essa rapida evocaçào dos intensos movimentos sociais nos ûltimo anos do regime autoritario no pals leva a estudioso a perguntar-se em retrospecto sobre as relaçàes entre autoridades pûblicas e sociedade civil coma atores dos sistemas de transporte urbano numa abrangência mais ampla - incluindo Curitiba e Salvador, casas analisados por Brasileiro (994) e Orrico (992), respectivamente - embora a foco interpretativo seja geralmente dirigido sobre Rio de Janeiro e Sào Paulo, cujas exemplos servem à construçào de observaçàes gerais sobre a matéria. A saber, que as açàes diretas e espontâneas: 91
Viaçào Ilimitada
recaîam mais sobre as condiçôes do serviço oferecido (nào apenas quanto ao seu custo para a populaçào) do que sobre as formas da sua produçào, independentemente do modal ou do operador e sem questionar 0 principio da concessào, a organizaçào interna das empresas ou a divisào modal da oferta; (iD dirigiam-se mais - e corn claro conteûdo simbôlico - contra os ôrgàos de planejamento, fiscalizaçào e controle do transporte do que contra seus produtores diretos; (iii) revelavam existir certa conivência entre usuârios e funcionârios das empresas vindicadas, evidenciando relaçôes pelo menos intuitivas entre reivindicaçôes populares e sindicais, cujos interesses eram artificialmente ligados, dada a divergência entre objetivos de aumento salarial e de contençào da tarifa; (iv) ganhavam maior visibilidade quando atingiam as ferrovias suburbanas modal em que se apresenta 0 mais alto nîvel de inadequaçào à grande demanda - do que quando afetavam as empresas de ônibus, sem nunca voltar-se contra as companhias de metrôs.
(i)
Isso remete à congruência entre 0 trem suburhano, meio de transporte dos mais pobres, e a exacerbaçào das condiçôes de vida nos assentamentos multitudinârios e sem infra-estrutura que crescem nas periferias das novas metrôpoles. Yale dizer que a questào desses movimentos ia além da sua expressào direta, tanto no que diz respeito a sua inscriçào conjuntural quanto no que tange ao conteûdo dos problemas habitacionais envolvidos. Finalmente, à diferença de outros movimentos sociais, estes podem alcançar resultados imediatos - embora nào tenha sido sempre 0 casa -, sem esgotar-se neles 0 amplo espectro de reivindicaçôes setoriais. Essas e outras anotaçôes remetem a uma grande gama de dimensôes que reverberaram duradouramente na manifestaçào desse ator, para além de sua expressào na conjuntura referida. Pois nào hâ dûvida de que, se as mobilizaçôes nào se repetiram corn tal densidade ou intensidade nas décadas seguintes - sem que, no entanto, deixassem de acontecer, chegando até a quebra-quebras, coma no Rio de Janeiro em 1990 e em Sào Paulo em 1996 -, elas incidiram nas polîticas de transporte aplicadas jâ nào pela governo federaI, mas pelos municîpios. Modernizaçào dos trens, aumento da oferta, segurança nos transportes e na rua, contençào tarifâria, fiscalizaçào social e descentralizaçào das decisôes, sem que fossem definitivamente alcançados, figuram entre os principais objetivos das ulteriores intervençôes dos governos locais, mais sensîveis à reivindicaçào social. Assim sendo, pode-se dizer que foi esse 0 ator que virou definitivamente a pâgina da Secretaria de Viaçào, pouco inclinada à dimensào social dos transportes urbanos. Neste contexto, criou-se em 1984 a Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, que passaria a exercer a tutela sobre os trens em operaçào nas 92
Secreta ria de Viaçào
cidades. Yale lembrar que, na praposta original, era justamente sobre a sistema férreo que deveria se basear toda a montagem da rede integrada de transporte, coordenada nas aglomeraçàes pelas EMTU e no pIano nacional pela EBTlT. Ora, a presença de U1l1 terceira organismo nào apenas contribuiu para 0 enfraquecimento da primeira l'omo também constituiu uma das razôes para a débil integraçào modal, que perdura até os dias atuais. Clara esta que a setor privado de ônibus sempre reagiu à idéia da integraçào, desconfiando que acarretaria perda de demanda; enquanto, para os usuarios, ela representa a penalizaçào dos transbordas, sem os desejaveis ganhos em termos de tempo de viagem e reduçào das tarifas. Quanta e coma a mobilizaçào social impactou as viaçàes privadas de ônibus sào questàes a serem esclarecidas. Pode-se dizer que de forma ahertamente negativa quando, nos setores mais empobrecidos, foram destruîdos 40 ônibus em Brasîlia em 1982; a metade da frata municipal de Salvador no ana seguinte; um lote importante no Rio de Janeiro em 1990. No entanto, mesmo nesses casas, a ator interpelado era sempre mais a Estado (responsâvel pelas altas de tarifas) do que a empresariado. No entanto, se a questionamento das condiçàes em que a setor pûblico presta diretamente um serviço de transporte nào desfavoreceu os interesses privados, a destruiçào, a raubo dos seus veîculos e a insistente clamor par estatizaçào da atividade levaram os empresarios a certo temor, ou maior cautela, em sua polîtica de investimento reserva esta que, somada a outros fatores ligados à situaçào econômica naciona!, contribui para explicar parcialmente ao menos a queda que se observa nesses anos na curva hist6rica de fabricaçào nacional de ônibus da Figura 9. Poder-se-ia entào argumentar que a pr6pria mobiliza11e publico operados jX>r empresas COllcessiontirias de bondes. Antes, varias cidades jX>ssuiam transjxme colethJ() operado POl' diligências. nào necessariamente organizadas coma empresas. 0 primeiro seroiço de bondes, ainda puxados POl' hun'os, entrou em operaçào regular em 1859110 Rio de Janeiro. A empresa pertencia a u m homeopata escocês e no ana seguinte seria adquirida pela Barào de Maua. Outros sistemas similares seriam implantados no pais jX>r illiciativa de estrcmgeiros: franceses em P0110 Alegre (1864); americanus em SaIL'ador (1866), Rio deJaneiro (1868) e Belém (J870); ingleses em Recijè (1867), Varias outras cidades também possuiram tais sistemas; enl muitas delas. ùnplantados jX>r empresas de capital brasileiro. Uma das maioresfoi a Cia. Viaçêio Paulista, que obteve 0 mOlIOpalio em Sao Paulo, além de operaI' em Santos e Sào Vicente. o advento da eletricidade calJSaria II/na profunda transformaçiio no !Je/fil dessas companhias. A implamaçâo da nova tecnologia no transporte pI/bUco requeria grt/pas empresariClis corn mais lastro jlnanceiro, compativel cam os illvestimentos exip,idos pelas novas equipamentos de geraçào e disllifJuiçâo de energia elétrica. E as antigas compcmhias, sobretudo as nacionais, foram incapazes de eletrificar seus sistenzas. Issa possihililo/t a aquisiçêio das concessôes jX>r outras glUpos - na verdade, mais interessados nos serviços pûblicos de geraçào e distribuiçào de energia e/étrica e, jreqitentemente, também de i1uminaçào pilblica, telefonia e gas; a operaçêto de bondes elétricos etlfrava como negocio secunddrio para eles. Implantada no Brasil em 1892, fA nova tecnologia difundiu-se a partir de capilais americanos (1899 em Manaus). a/emâes (1897, Salvador e 1899, Rio deJaneim). canadenses (Sâo Paulo 1899, Rio de Janeiro 1904 e Sorocaba 1915), ing/eses (Belém 1907, Porto Alegre 1908, Santos 1909, Fortaleza 1913, Recife 1914, Pelotas 1915. Nova Lima-Raposo 1913, Manaus 1909 e Ni/erai 1911) e franGeses (Rio Grande 1911, Curitiba 1913 e Piraju 1915). Vale destacar que alguns sistemas eram operados par grupos de capilal nacional. 0 mais importante era 0 da famîlia Guinle, que explorava serviços pûblicos em varias cidades, incluindo a geraçào e disllibuiçêio de energia elétrica, e passau a operaI' bondes em Salvador, Juiz de Fora, Petrapolis, Guaratinguetd, Maceia e Campos do Rio. Esse quadro sofreria mudança a partir da década de 20, corn a entrada em operaçào no Brasil das Empresas Elétricas Brasileiras, razào social da American & Foreign Power, subsidiaria para a América Latina do grupo americano Electric Bond & Share. Criada em 1923 para a aquisiçào de sistenlas de geraçào e distribuiçào de (!Ilergia elétrica - selmo a operaçào dos sistemas de bondes mero componente de um pacote maior-, a AMFORP adquiriu serviços de injra-estnttllra em 1.134 nlltnidpios
115
Viaçao llimitada
da América Latina, sendo 333 deles localizados no Brasi/: Vitoria, Vila Velba, Petrapolis, P0110 Alegre, Campinas, Piracicaba, Curitiba, Recife; Belo Horizonte, Salvador, Pelotas, Maceio e temlinando por Natal em 1930. Assim, naquele ano. capitais estrangeiros dominavam 85% dos sistemas de bondes elétricos em operaçiio no Brasil. destacando-se as companbias canadellses em Silo Paulo e Rio de Janeiro, as inglesas em Niterai. Belém, F01taleza e Manaus; as brasileiras no Rio de Janeiro, Jolio Pessoa, Aracaju, Juiz de Fora, Sâo Carlos e Rio Grande e grupos americanos nas outras cidades. Obseroa-se ainda que, entre as 41 cidades onde foram recenseados sistemas de bondes constntidos na época, 11 pertenciam ao estado de Sao Paulo, 8 ao de Minas Gerais e 6 ao Rio deJaneiro. Ao todo eram 31 localizadas no sul do pais. A parHr de entfio, pOl' causa de obsolescência dos equipamel1tos em operaçfio, dificuldades para obterpeças de manutençào, aumentos dos custos operacionaispelo agravamento de problemas trabalbistas e concorrência das primeiras linbas de ônibus, as empresas estrangeiras prfijerem redirecionar setlS investimentos para as âreas de geraçào e distribuiçào de energia elétrica, desativando seus sistemas de boude ou entregando~s às municipalidades. A AMFORP começou a se retirar ria ârea corn a desativaçiio do sistema de Petrapolis em 1939 e terminou 0 processo corn Recife em 1960 (na vere/ade, paralisado desde 1954). Em 1952, seria a t'ez dos canadenses de entregar à prfijeitura de Santos 0 sistenlO daqueta localidade e, em 1959, os ingleses passariam adiallte os sistemas até elltào operados em Manaus e Nuerai. Ap6s 1959, 0 tlnico grmlde sistema a permanecer sob controle estrangeiro era 0 operado pela Ligbt no Rio de Janeiro. Os primeiros siStel1UlS de bondes elétricos a serem extintos /l0 Brasilforam os de Piraju e Sacramento em 1937, PetraJXJlis e Além-Paraiba ern 1939 - todos pertencentes a pequenas empresas operadOttlS de energia elétrica.Je'i na década de 20, alguns pequenos sistemas começaram a passarpara as municipalidades. Em Campos isso ocorreu enl 1924, mas nova repasse oconma em 1928 para a empresa distribuidora de energia elétrica. Em Cacboeiro do /tapemirim, 0 sistema reverteria à prfijeifura em 1933, sendo desativado cinco anos depois. Em 1940,0 sistema de Laurasfoi revertido para a Prefeitura Municipal. que 0 manteue ativo alé 1967, quando se retirou da operaçao de transporle pUblico. Os primeiros grandes sistemas a passar para 0 poder pliblico foram os de Sao Paulo e FOrlaleza (947). Em Sao Paulo, a prefeitura teve a preocupaçào de constituir uma companbia pilblica, que se dedicou em seguida à operaçiio de ônibus e à implantaçào da nova tecnologia de trolebus. Fortaleza, ao contrât70, extinguiria 0 sistema no mesmo ano, sem tentar a e:x:periência de Sào Paulo. Apenas em Santos (951), Salvador (1955) e Belo Horizonte (959) as prfijeituras criaram autarquias municipais para assumir a opemçao dos sistenlas de bolides, bem como para estnlturar os transporles, incltlSive através da implantaçào de novos sistenlas, como 0 trolebus. Em Campinas, 0 sistema reverteu para 0 mUllicipio em 1953, mas sua operaçàD foi arrendada no ano seguinte a um grupo prWado. que 0 manteve até 1968. Em Manaus, 0 sistema passou para a empresa municipal de energia elétrica em1956, que 0 desatil'Ou no anos seguinte. Em Curitiba e Sorocaba, onde os sistemas reverteram à prfijeitura respectivamenJe em 1950 e 1951. os siste1llaSforam ex/intos 116
Secretaria de Viaçâo
Tabela 5 Origem des bondes elétricos em 41 cidades brasileiras. inaugurados enln! 1892 e 1930 CId8de Rio
d~
Janeiro - RJ
Salvador - BA
ap.r.dor. Inlcl.1
c.p""lnld.'
Ferr-C.rril do Jardim Botanlco
BrasU.lra
In_urllÇlo 1892
Ferro-Carril Carioca
Cana Novas
X> Novos
• CMTC >
Mineiro~
CMTC > Novos
Fonte: TURMA; Dados: OnibuLis, OnibuGru, SPTrans
Desde 0 processo de "municipalizaçào", foi grande a experiência dos processos de licitaçào e contrataçào. Longe dos tempos das irregulares e precârias licenças e permissôes, que justificaram 0 processo de intervençào ocorrido em 1985, os lotes de serviços foram licitados e contratados COol presteza e de acordo COOl a legislaçào decorrente da ûltima reforma constituciona!(". Acompanhou 0 processo de "privatizaçào" a regulamentaçao" camo modalidade "bairro a bairro", dos serviços operados anteriormente por agentes irreguJares, "clandestinos", que chegam a atingir mais de 2 mil ônibus e linhas. Aparentemente, a efetiva abertura do mercado deveria ter ocorrido quando 0 poder pûblico deixasse de operar e assumisse parcialmente 0 serviço em forma direta. No entanto, a realidade expressa na Figura 13 contradiz essa presunçào. Entre 1983 e 1996, os "portugueses" melhoraram substancialmente sua posi\'ào, e os "tradicionais" mantiveram as suas. Outra estratégia da administraçao anterior era a de implantar 0 sistema de biJhetagem eletrônica. Iria significar um avanço na capacidade de controle operacional e administrativo do sistema de transporte de passageiros por ônibus no municfpio de Sào Paulo. Poderia, também, ampliar ainda mais a diversificaçào econômica do setor. 0 projeto previa que a comercializaçào e anecadaçao dos bilhetes fosse feita por empresas nào necessariamente operadoras e distintas do mercado tradicional. As empresas concessionârias, no entanto, rcivindicaram 0 direito de continuar a arrecadar as tarifas (conforme jâ dispo 0 176
Ônibus na metr6pole, Sào Paulo
contrato de prestaçào de serviço). Desse modo, a "privatizaçào", junto corn a terceirizaçào de serviços de transporte, continuarâ sendo circunscrita ou restrita ao setor das empresas de ônibus tradicionalmente estahelecidas. Deve-se considerar que 0 transporte dito "informai", utilizando ônibus, voltando a emergir no inicio dos anos 90, parece ter sido menos um modo alternativo ou flexivel e mais uma possihilidade de entrada no mercado convencional, valendo-se de situaçoes criticas de atendimento à demanda para agir. A partir de sua regulamentaçào, em 1993, essa modalidade abandona as caracterfsticas de informalidade e passa a se reconhecer no programa "bairro a bairro", aproximando-se ainda mais do modelo de operaçào das empresas regulares de transporte coletivo. Yale lemhrar certa convergência de interesses entre grandes e pequenos operadores, coma observa Barat6H . o modelo operacional do transporte coletivo por ônibus jâ vern dando mostras de que sua ampliaçào em Sào Paulo estâ limitada tanto pelas contingências da urbanizaçào e motorizaçào quanto pelas redefiniçoes ou exigências das novas formas de produçào econômica. Nesse contexto, poderia estar sendo criado espaço para novas soluçoes e alternativas de transporte. Assim, uma frota estimada (pela imprensa) em 15 mil peruas e vans Cincluindo ai as cerca de 2 mil corn cadastro regular), oferecendo maiores condiçoes de conforto e segurança e favorecida pela abertura do mercado aos vefculos importados, estaria hoje propondo um reabilitado serviço de lotaçào (nào muito longe daquele contra 0 quai tanto lutaram bondes e ônibus, pûblicos ou privados, no infcio do século)69, concorrendo corn os tâxis, cuja frota é de 5 mil vefculos, e atingindo a mesma importância da frota de ônibus. De menor custo operacional, este serviço possibilita uma economia de curto prazo, mesmo em situaçàes de aumento da freqüência de viagens, podendo reagir corn maior flexibilidade e produtividade às oscilaçàes de demanda. Antagônico aos corredores de alta freqüência e capacidade, 0 uso de vefculos de menor capacidade, corn vantagens de desempenho operacional (adequaçào à demanda, flexihilidade e menores custos operacionais) é incompativel corn ônibus em serviços ou sistemas troncais, embora representem adequado desempenho coma sistema alimentador. Serviços que exigem grande mobilidade e flexibilidade de itinerârios e operacional, os microônibus apresentam, coma principais vantagens para 0 usuârio, 0 conforto que os sistemas convencionais parecem nào conseguir oferecer. Mas vêm ocupando grande espaço viârio e, por isso, apresentam-se mais coma fator contaminante do ar e acentuador dos engarrafamentos do que coma uma verdadeira altemativa ao ônibus tradicional. Nesse imaginârio socio-técnico, que nào considera os sistemas de transporte de massa sobre trilhos, estar-se-ia esquecendo do brutal diferencial entre ônibus e micros em termos de capacidade. Dificilmente se poderia pensar que, numa nova marcha a ré na historia do transporte em Sào Paulo (que jâ substituiu 0 bonde pelo ônibus, 0 trolebus pelo ônibus e os modos coletivos pelos individuais), os microônihus poderiam substituir os rigidos ônihus, apesar da 177
Viaçào Ilimitada
possante estrutura empresarial que 0 setor veio construindo em mais de cinco décadas de crescimento da metrôpole. Tào certo quanto 0 fato de que muitos patriarcas "mineiros" e "portugueses" do transporte urbano paulistano começaram corn lotaçàes do mesmo gênero dos atuais alternativos é que 0 processo da acumulaçào capitalista sempre se reinicia nas partes do mercado nào abrangidas pelo desenvolvimento histôrico. Mas tanto a metrôpole coma a tecnologia evolufram a um ponto em que dificilmente terâ cabimento 0 sonho expressado pelo prefeito que os reconheceu: "Vocês começam pequenos e um dia serào tào grandes coma os seus atuais adversârios". Negôcio sustentavel nas três dimensàes econômico-financeira, ambiental e social, coma assinaladas pelos investidores internacionais (Banco Mundial, 1996)? Ameaça real de quebra do monopôlio restabelecido? Pode tirar 0 ônibus da chuva...
Mobilidade e dança da solidao na metr6pole Certamente, os "pobres viajantes" (segundo excelente expressào de Fagnani) da atualidade poderiam sentir saudades das condiçàes de deslocamento nos gloriosos anos 20, quando Sào Paulo era menor do que qualquer dos 39 municfpios que a compàem hoje (vide Tabela 1 e Mapa 1) e se lhes oferecia um serviço de bonde confortâvel. Todavia, ja no pôs-guerra, as amotinaçàes cotidianas dos que mal conseguiam subir nesses vefculos nào eram sinal de melhores condiçàes de mobilidade do que as observadas hoje nos grandes terminais de ônibus desde a madrugada e até nas estaçàes do metrô nas horas de pico. Tào decepcionante resultado para tanto esforço humano, financeiro e institucional poderiam fazer cruzar os braços aos governantes da metrôpole; mas continua mobilizando as pernas daqueles que têm que sobreviver nas diversas regiàes da metrôpole e dela nào conhecem mais do que a paisagem ao longo dos percursos cotidianos sobre trilhos, pneus ou sapatos. Pode-se perceber na Figura 14 as principais tendências da mobilidade numa metrôpole cujo crescimento populacional começa a se estabilizar (quando, no Mapa 1, os municfpios estào, em maioria, totalmente urbanizados, e 0 crescimento populacional entre 1991 e 1996 das zonas centrais e de sudeste caminha para oeste e norte - que apresentam fortes barreiras morfolôgicas - e também para leste). Para isso, além das très notôrias pesquisas domiciliares decenais anteriores, levantadas pelo Metrô-SP, dispôs-se dos resultados preliminares da pesquisa Origem e Destino de 199770.Nos 8 mil quilômetros quadrados da area metropolitana paulistana, 0 modo dominante era 0 ônibus em 1977 (Figura 14), corn 40% das viagens: virou a marcha a pé, estimada atualmente em 34% (apôs um pico de 36% em 1987)71, enquanto 0 primeiro modal caiu 178
Ônihus na metr6p a le, Sào Paulo
°
para 25%. Logo, predomînio dos modais individuais é hoje certo, corn a marcha junrando-se ao autom6vel particular, que subiu de 29% em 1977 para 32% do total das viagens metropolitanas em 1997 (incluindo-se a taxi). Ou seja, menos da metade dos deslocamentos diarios s da pOl' meios coletivos numa metr6pole de massa individualizante na qua! a transporte participa do corporativismo (enunciado pOl' Santos, 1990)
Figura 14 Mudanças na distribuiçao modal das viagens em Sao Paulo de 1971 a 1991 11 ,--------------------~:__--------~
10
80
70 60 50
6
40 30
4
20 10
0+----1977
1987
Milhào viagens dia
1997 Modo principal exponencial
• Metrô & trem
• VP, tàxi & lotaçào
-
Individual
.6nibus
• A pé
_
(aletiva
Fonte: TURMA; Dados: Metrô SP, Pesquisas domiciliares 1987 e 1998
Observa-se também, na Figura 15, que a proporçào de viagens sobre pneus se distribui entre veîculos individuais e coletivos, definindo uma forte elevaçào na categoria das viagens individuais. Nos 20 anos que medeiam entre 1977 e 1997, a metrô quase triplicou sua importància na divisào modal, chegando hoje a 5,5%, enquanto os trens, posta que nào tiveram aumento efetivo de oferta, permaneceram corn participaçâo relativa mînima: em toma de 2% na geraçâo do total de viagens diârias. Assim, se a nûmero de viagens cresceu em cerca de 9 miIhoes no perîodo, isso aconteceu principalmente devido a um acréscimo substancial dos modos individuais de deslocamento. o impacta dessa tendência, observada em todo a mundo, nào deixa de refletir graves desequilibrios nos padroes de vida e de transporte da Grande Sàu Paulo. Na Figura 16, constatam-se inflexoes que levam à perplexidade. 179
Viaçào Ilimitada
Figura 15 Desequillbrios metropolitanos na oferta e na demanda por ônibus em Sao Paulo em 1997
~c
1,40
20.000
.ri ni
~
18.000
:0 ni
1.17
0
16.000
J::::
1.20
alho, citados pela publicaçào da prefeitura cio Recife).
Figura 1 Predominância das atividades terciarias no mercado de emprego do Recife
Extrativa minerai
0.1 0,1
Outros
0,4 0,4
Agropecuària, vegetal, ca ça e pesca
E
,a c
8
Serviços industriais de utilidade pùblica
QJ
~
Administraçào publica
, a quai dividiu inicialmente a Regiào Metropolitana em 10 âreas em funçào dos 10 corredores de transporte coletivo, evoluindo para 17 âreas e ficando finalmente repartida a aglomeraçào em 16 âreas, cada uma a ser operada par uma empresa ou consârcio de empresas. De acordo ainda corn a documenta "Zoneamento ... ", os obietivos da criaçào das âreas de operaçào eram: tomar as viagens mais râpidas e, em conseqüência, menor a tempo gasto no deslocamento; eliminar a necessidade de transborda para a deslocamento entre âreas; obter melhor nîvel de serviça par parte das permissionârias. Além disso, a estruturaçào deveria permitir à EMTU-Recife melhores condiçàes para: controlar a operaçào; prestar assistência técnica às empresas; obter um câlculo tarifârio mais real, tendendo à unificaçào e reduçào do nûmero de tarifas, de forma gradativa, beneficiando, particularmente, as populaçàes de baixa renda; proporcionar maior garantia às empresas para investir no setor. Àquela época, a permissào era de um ana e sem segurança para a empresârio. Implantado a zoneamento, seria possivel aplicar a art. 16 do Regulamento que prevê a vigência de cinco anos para as permissàes, corn direito a renovaçào sucessiva par igual periodo, dependendo do desempenho operacional da empresa; eliminar a concorrência danosa entre empresas; reduzir de 32 para 16 a nûmero de empresas ou consârcios em operaçào; reduzir a consuma de combustiveis derivados do petrâleo no transporte coletivo; reduzir os custos operacionais pela concentraçào do equipamento das empresas. 213
Viaçao llimitada
o processo de negociaçào entre a EMTU, as empresas e a comunidade foi bastante rico, de modo que aqui se faz apenas a sintese do resultado concreto obtido. A equipe técnica da EMTU sabia das dificuldades para reduzir de imediato 0 numero de empresas de 37 para 16, tendo preferido proceder por etapas consecutivamente negociadas. Assim, entre os meses de março e maio de 1980, 0 numero de empresas foi reduzido de 37 para 32. Em seguida, foi introduzida a idéia de cons6rcios de empresas, que deveria obedecer a critérios definidos - escritura do cons6rcio, caixa unico ou distribuiçào par linhas, liderança definida do cons6rcio, equipamento minimo de apoio, estrutura econômico-financeira. Nos meses seguintes, as negociaçàes se acentuaram, tendo a EMTU apresentado entre 15 de julho e 31 de agosto de 1980 uma proposta que dividia as 32 empresas em quatro conjuntos de corredores , tendo as reuniàes corn cada grupo ocorrido separadamente. Foi estabelecido um prazo para que as empresas apresentassem suas propostas. É Interessante ressaltar que, embara buscasse a criaçào das areas de forma negociada, "simultaneamente, a equipe da EMTU-Recife elaborava minutas de editaI de licitaçào e normas para julgamento da concorrência, se fosse necessario·'. Ou seja, preparava-se para implantar a reorganizaçào do setor, mesmo no casa de nào haver acardo resultante das tratativas. Recebidas as propostas das empresas, foi possivel equacionar de imediato a distribuiçào delas em 10 areas de operaçào; as 6 restantes foram objeto de exaustivas reuniàes1-J. Na medida em que cada empresa deveria ter um minimo de 15 veiculos, houve reagrupamento ou concentraçào no setor. Entre 1980 e 1981, 0 numero de empresas passou de 37 para 23; houve uma renovaçào na frota de ônibus, corn a conseqüente diminuiçào da idade média dos veiculos; aumentou-se 0 IPK mediante racionalizaçào das linhas (eliminaçào de linhas superpostas, deficitarias e criaçào de linhas transversais ligando os bairros entre si, sem passar pela area central). Na Figura 4, a brusca queda do numero de operadores no transporte por ônibus do Recife é inversamente proporcional ao crescimento exponencial da frota; pela Tabela 6, observam-se detalhes de tal processo. Outro marco importante da evoluçào da EMTU diz respeito ao momento em que se da a elaboraçào do Estudo de Politica Tarifaria em 1981, desenvolvido pela equipe técnica do 6rgào, corn a finalidade de ''indicar soluçàes imediatas para 0 problema tarifario do transporte publico de passageiros por ônibus da Regiào Metropolitana do Recife". 0 contexto econômico-social da época era caracterizado por aumentos tarifarios sucessivos e pela crescente movimento dos usuarios em favor do congelamento das tarifas. Nesse contexto emergiu a expressào "impasse tarifario" para caracterizar 0 fato de que as tarifas subiam proporcionalmente mais que 0 salario minimo e menos que alguns itens que compunham 0 custo operacional das empresas. As soluçàes, originais na época 1o, orientaram-se para a idéia de que a soluçào do problema tarifario exige a atuaçào do poder publico segundo dois eixos: 214
Suce.'>'So metropolitano no Recife
0 da reduçào do custo da tarifa para os usuarios, que requer a adoçào de subsidios; (ij) 0 da reduçào do custo global do sistema, através de investimentos publicos em infra-estrutura viaria, equipamentos e operaçào do sistema.
Ci)
Ao longo do Estudo de Politica Tarifaria, sào identificados os mecanismos operacionais e financeiros propostos para a soluçào do problema. Observe-se que, implicitamente, nào se atribui às empresas, ao seu esforço de melharia, qualquer papel na reduçào de custos da produçào do serviço, 0 que permite inferir que havia à época uma concepçào, se nào consensual ao menos hegemônica, de que as empresas operadaras produziam os serviços especificados a custo minimo.
Tabela 6 Processo de concentraçao das empresas de ônibus do Recife *
1953
1961
1976
1
65
72
14
2a4
37
35
14
5 a 10
20
10
12
2
11 a 20
3
4
8
21 a 30
1
2
31 a 50
1
51 a 100
1
Veiculos
1
1981
1987
1990
1991
1992
1993
1997
7
4
2
2
2
2
3
2
5
5
4
7
2
5
9
2
1
1
1
1
5
5
5
2
6
6
6
6
6
4
5
4
5
101 a 150
1980 12
151 a 200 > 200
1
Total de empresas
128
124
Total de ônibus
501
417
66
37
23
1
5
5
5
5
1
2
3
2
2
1
2
2
2
3
3
5
20
19
19
19
20
21
1.281 1.380 1.418 1.627 1.958 2.186 2.211
2.182 2.515
*Empresas responsaveis pelos submercados urbano da capital e intermunicipal metropolitano Fonte: TURMA; Dados:1953: Nigro; 1961: PM Recife; 1976. GEIPOT; 1980 a 1997: EMTU-Recife:
Em 1985, a criaçào da Câmara de Compensaçào Tarifaria - CCT constituiu outro momento importante do 6rgào gestor. 0 contexto da época era caracterizado por uma situaçào de crise, cuja manifestaçào se dava no aumento progressivo dos custos operacionais, sempre repassados integralmente para as tarifas, que, por sua vez, eram aumentadas em niveis superiores aos dos aumentos salariais. A criaçào da ccr visou em essência propiciar l6 : a desvinculaçào da remuneraçào de cada empresa da receita tarifaria par ela auferida, passando-se a remunera-la pelos custos (presumidos); 215
Viaçào llimitada
a garantia de igual rentabilidade a todas as empresas, assegurando os 12% de remuneraçao de capital naqueles perfodos em que a receita do sistema cobria todos os custos. Quando 0 sistema apresentava déficit, este era proporcionalmente rateado entre as empresas; a adoçao de um parâmetro para calcular os custos operacionais de cada empresa em funçao de suas frotas, quilômetros rodados e passageiros transportados, no caso, 0 Fator B, igual a 10%17. Em 1992, a EMTU pôs em pratica um procedimento de avaliaçao das empresas, buscando associar a analise do desempenho empresarial das operadoras à renovaçao das permissôes existentes ou à outorga de novas permissôes. Nesse procedimento, a EMTU define que 0 perîodo pela quaI sao renovadas as permissôes é funçao das classificaçôes obtidas pela empresa nas avaliaçôes semestrais feitas ao longo do perîodo de vigência da permissào (Pina Moreira & Santos,1997). Dentre as inovaçôes tecnolâgicas que vêm sendo adotadas pela EMTU, destacam-se, ainda, a introduçao de um Sistema de Monitoraçào Automatica de Veîculos - SIMAV, que permitira a captaçào em tempo real dos indicadores operacionais do sistema, de modo a comparar os îndices programados com aqueles efetivamente realizados e a bilhetagem eletrônica. E possibilitara 0 aperfeiçoamento dos mecanismos de controle da receita do sistema, além de constituir fator importante para operacionalizar as integraçôes no SEI. o Sistema Estrutural Integrado - SEI foi proposto em 1985. À época, previa-se em Recife a implantaçao de um conjunto de açôes que implicaria grandes transformaçôes na estrutura organizacional dos transportes, incluindo a entrada em operaçào do trem metropolitano, a duplicaçao da linha sul do trem de subûrbio, a expansao do trolebus ao norte da aglomeraçao e 0 término dos contratos entre 0 poder pûblico e as empresas operadoras de ônibus. A fim de impedir uma implantaçao nâo coordenada dessas açôes, a EMTU realizou 0 Estudo de Integraçao do Sistema de Transportes Pûblicos de Passageiros que se compunha de dois subsistemas: Sistema Estrutural Integrado - SEI e Sistema Complementar. 0 SEI se compôe de seis eixos radiais para os transportes de grande capacidade (trem metropolitano, trem de subûrbio, trolebus); quatro eixos perimetrais a serem utilizados pelos veîculos de média capacidade (ônibus Padron) linhas alimentadoras a serem servidas por ônibus convencionais e microônibus. 0 Sistema Complementar é constituîdo pelas demais linhas existentes na cidade, por onde circulam os ônibus convencionais (78 lugares). A implantaçâo do SEI visa a atender três objetivos: proteçao à area central da cidade, pois os eixos perimetrais ligam os bairros sem passar pela centro. Isso permite a ruptura do modelo radioconcêntrico de crescimento urbano para um modelo descentralizado, pela quaI se incentiva 0 desenvolvimento de pâlos de geraçào e atraçao de via216
Sucesso metropo/itano no Recife gens em toma dos terminais fechados cie integraçào. Nessa VIsao, as opçaes de deslocamento para os usuarios aumentam, pois um unico bilhete serviria para todos os vefculos e linhas da Rede Integrada de Transportes. Em contrapartida, 0 fluxo do trafego dirigindo-se para a area central ou passando por ela diminui, tanto pela desconcentraçào das atividades econamicas quanto pelas opçaes de integraçào nos terminais localizados fora do centro; utilizaçào racional dos modos, pois as infra-estruturas ferroviarias e do trolebus estarào integradas à malha viaria por onde circulam os ânibus diesel em faixas exclusivas para diminuir os tempos de viagem. reforço do carater social dos serviços, dado que as populaçaes de baixa renda, cativas dos transportes coletivos, se aglomeram ao longo dos seis eixos radiais de grande densidade. A concepçào do SEI (985) e sua posterior revisào (994), bem coma as açaes atuais de construçào dos terminais de integraçào, representam a coroaçào dos esforços de planejamento urbano e de transportes amadurecidos ao longo dos pIanos e estudos realizados no decorrer da histôria do Recife. Isso explica 0 entusiasmo corn que a comunidade técnica local participou de sua elahoraçào e consolidaçào. Deve-se ressaltar que, nesses anos, a implantaçào operacional do SEI nào se realizou de modo a fazer frente às necessidades de melhorias do sistema de transportes para a populaçào usuaria. a descompasso entre as fases de concepçào e implantaçào operacional das açaes explica-se por varias razaes, entre as quais se destacam a crise econâmica, as dificuldades de obtençào de financiamento para construçào e conclusào de terminais e da malha viaria basica, as descontinuidades administrativas e as dificuldades polîticas implfcitas à meta de estabelecer um sistema baseado na integraçào. No entanto, pasto que 0 planejamento é dinâmico, 0 grande mérito do SEI (assim coma 0 das nuc!eaçaes) é 0 de apontar diretrizes orientadoras das intervençaes urbanîsticas na cidade e no seu sistema de transportes. 3.6.
As empresas face à açao estatal
Dentro desse quadro, a questào que se coloca aqui é compreender coma 0 setor privado empresarial respondeu às açaes do organismo metropolitano. Pode-se afirmar que as reaçàes foram positivas, corn 0 setor buscando se adaptar e responder afirmativamente às propostas do poder publico. Isso se explica pela fato cie ter-se construîdo ao longo do tempo - talvez em decorrência da prôpria cultura técnica de planejamento - uma convergência de interesses entre tutela publica e operaçào privada. Para além da cultura técnica, que abrange também 0 setor privaclo, tal convergência de interesses tem suas raîzes no prôprio contexto econâmico e 217
Viaçào llimitada
social do estado de Pernambuco, voltado para si prôprio, coma observado na caracteristica fortemente fechada do prôprio mercado de transportes. Nesse mercado, as empresas se formam e crescem à base de capital essencialmente local e nâo perdem esse traço mesmo quando hâ diversificaçâo para outros setores da economia. Isso é um fator explicativo do por que jamais empresa aiguma de outra regiâo ou estado penetrou no mercado da aglomeraçâo recifense. É bem verdade que, ao longo do tempo, a relaçâo entre poder publico e empresârios nâo esteve imune a conflitos e divergências de carâter técnico. A prôpria existência de dois sindicatos representativos do setar empresarial jâ demonstra formas diferentes de relacionamento corn a tutela pûblica. Mas 0 traço da originalidade local tem sido justamente a capacidade do poder pûblico de imprimir uma dinâmica técnica e urbanfstica, que estâ na origem do sucesso do planejamento metropolitano. Ao buscar adaptar-se ao padrâo técnico imposto pelo ôrgâo gestor, as empresas de ônibus trataram de desenvolver alguns indicadares que apontam para a existência de um processo de modernizaçâo empresarial e expansâo territorial em direçâo a outros estados da regiâo. Dentre esses indicadores, podem ser mencionados: Recursos Humanos. Desde meados de 1980, as empresas investem na contrataçâo de técnicos de nîvel superior (engenheiros, estatîsticos, advogados, psicôlogos); Informatizaçâo da gestâo interna e da operaçâo. Observa-se um esforço no sentido do uso de técnicas computacionais para a administraçâo e manutençâo, coma comprova 0 fato de que 0 Prêmio Nacional de Qualidade promovido pela ANTP em 1997 foi ganho par uma empresa local; Relaçôes profissionais de trabalho. As relaç6es de trabalho envolvendo 0 pessoal técnico, administrativo e de operaçâo/manutençâo, evolui do modelo artesanal, herdado dos anos 50, para relaç6es assalariadas regidas por dissîdios coletivos. Mudanças no comando das empresas. Profissionalizaçâo do quadro diretivo, tendo os herdeiros ou sôcios preparaçâo escolar e universitâria. Processo de concentraçâo empresarial. Sobretudo a partir dos anos 70, observou-se um movimento de fus6es, incorporaç6es e de associaç6es de empresas que resultou em um formidâvel processo de concentraçâo. Diversificaçâo do capital das empresas. Verifica-se que as empresas de maior porte Cern frota e demanda) passam por um processo de diversificaçâo vertical das atividades, estendendo sua influência geogrâfica para 0 transporte intermunicipal ou interestadual de passageiros, para 0 transporte de cargas ou 0 turîstico. Da mesma forma, constata-se uma diversificaçâo horizontal, pela quai algumas deias estendem suas atividades para a construçâo civil, 0 mercado imobiliârio, a revenda de automôveis, etc. 218
Sucesso metropolitano no Recife A maior mudança do setor consiste certamente na passagem do comando empresarial, mesmo se esse processo nào esta isento de conflitos familiares que podem até levar à concordata ou quehra da empresa. Passa-se de uma primeira geraçào, caracterizada pelos pioneiros, fundadores das empresas, que as geriram de forma artesanal, para uma segunda geraçào, composta par seus filhos e parentes, em geral corn formaçào de nfvel superior e mais receptivos às inovaçàes organizacionais e tecnol6gicas. Recentemente, uma terceira geraçào emerge no setor, composta de especialistas que vào assumir postos de comando nas empresas e que possuem um savoir faire nos domfnios de gerência empresarial. Esses especialistas sào, muitas vezes, oriundos de outros setores da atividade econômica, nào tendo assim vinculaçàes hist6ricas corn 0 setar de transportes. A tftulo prospectivo, poder-se-ia supor 0 surgimento de uma quarta geraçào que seria composta por empresarios ligados a grupos privados, provenientes de outros setores da economia, que passariam a atuar no mercado dos transportes urbanos, adquirindo empresas ou participaçào no capital de empresas de transporte. Evidentemente, esse processo de modernizaçào empresarial nào ocorre de forma linear e homogênea. Na pres de maior envergadura e se vê codificado pelas politicas pûblicas em geral e de transportes em particular, sejam estas ûltimas explicitas ou implidtas, centralizadas ou descentralizadas, planejadoras ou liberais. Nao se pode esquecer que 0 transporte é um serviço e que, dentro desse parâmetra, se verifica a possibilidade de sua organizaçao segundo cânones capitalistas mais ou menos abertos ou coibidos. Nao se ira detalhar mais 0 que acontece nos segmentos A e B do funi! superior, por mais que antecedam a atividade. Mas, se se tornar a conceituali395
Viaçào Ilimitada
zar os segmentas do funi! inferior, vistos coma os diferentes elementos presentes na constituiçào da empresa de transportes, sera passive! recuperar elementos essenciais. A pirâmide inicial do funi! inferior, no segmenta C de organizaçào primaria do serviço, guia a processo técnico de combinaçào entre a material rodante e os recursos humanos, ou entre a capital fixa e a força de trabalho. É a laborat6rio central da atividade, que pode conhecer uma série de melhorias, propiciando a aumento da eficacia do serviça. Os princfpios operacionais dos transportes urbanos estào sujeitos a aperfeiçoamentos de ordem técnico-institucional que deveriam prevalecer sobre outros critérios, que operam melhor em outras niveis. o segmenta D é precisamente aquele em que se organiza a pracesso produtivo e pode corresponder à c1assica confrontaçao entre exigências trahalhistas e capitalistas. Na 16gica de relaçoes assalariadas, a poder do segundo sobre a primeiro é assegurado par meio da hierarquia imposta na empresa e da apropriaçào do praduto. É no segmenta seguinte, a E, que prima uma 16gica gerencial da empresa em busca de modernizar-se segundo princfpios inspirados no modela organizacional de Taylor (911), decompondo a funçao de comando em varias especialidades. Uma ressalva à aplicaçao dos "modelos de gerenciamento empresarial cientffico" ao transporte provém da caracterfstica de ser uma atividade de serviços, na quaI certas funçoes de direçào ficam fora da empresa (coma a regulamentaçao da tarifa, que é externa), a produçao e a realizaçao sao simultâneas e ha impossibilidade de estocar ou substituir a mercadoria produzida. Aqui, a inovaçao nào é apenas desenvolvimento tecnol6gico, mas também, e sobretudo, dominio técnico dos processos pradutiva e administrativo. Portanto, a modernizaçào nem sempre implica reduçào de facetas diferentes do comando técnico e comercial. No segmenta F predomina a 16gica da capitalizaçào, na quaI a acumulaçào adquire caracteristicas fordistas, de monop6lios legitimados pela criaçao no seu entorno de novas formas de ordem doméstica, baseadas no meio econâmico e social (elementos A e B do funi!). É a reino dos gerentes de megaempresas, atentos tanto à otimizaçào da produçao quanta ao rendimento financeiro e à busca das melhores oportunidades na exploraçào do transporte de massa. Ja a empresa tende a incorporar-se a uma estratégia de grupo. No tocante ao processo de trabalho, este segue cânones c1assicos, ao nao poder estandardizar-se a processo produtivo. Porém, é no segmenta G, a ûltimo do funi!, que, de modo clara, a empresa se expande firmemente, ou se inscreve em uma estratégia, ultrapassando os limites pr6prios dos campos empresariais. Esta expansào é praduzida em uma dimensao superior à de sua cidade ou regiào e é marcada pela ingresso em novas mercados. A dinâmica da empresa nào segue, pois, a que é pr6pria do capital quando este, sob os rigores sociais e as exigências do poder pûblico, encontra a burocratizaçao que diminui a lucro setorial (Crozier, 396
Os fi mis, unz esquema ana/itico
1963). No capitalismo gestionârio, tende a se generalizar 0 movimento de concentraçào vertical que se observa no ramo do transporte, enquanto os movimentos de deslocamento horizontal do capital, de um ramo para outro, seria tfpico da situaçào mais recente de dominio das finanças sohre a produçào: 0 transporte estâ entre amhas as 16gicas. Figura 4 Esquema geral de produçâo e consumo de transporte - Encaixe dos funis
economia
cidade
""
,/
"----------{ " clientela 1
\~ ~~t~n..:i:! j
,/
A
\------, \ cliente la 1 \ real 1 \
1
\
B
1
\
1
\
(IJ
-eo
1 \ 1
S!c:
c
~
(IJ
'0 (IJ
:Jl'"(IJ
'"
'"
.~
C.
:0
E
'::l C.
(IJ
~c:
D
(IJ
'"u
:-e'"
8.
'" (IJ
-0
V'
'" ~
E
F
Fonte: TURMA
Tào esquemâtica resenha nào pretende reconstituir a 16gica do transporte urhano, que acompanha 0 trânsito do artesanato ao monop61io e às formas de prestaçào de serviço que Ihe hào de suceder. Ainda mais na atual etapa de novas relaçoes entre economia e sociedade, tentando se contrapor às tendências monopolfsticas deturpadas. Nesta linha, observa-se mais uma vez a propensào constante ao ressurgimento de formas anteriores de produçào do 397
Viaçào I1imitada
serviço de transporte, segundo modos de gestào que se pensava superados ou, ainda, modelas operacionais qualificados de regressivos - nem sempre corn razào. Pois se esta sempre frente à necessaria adaptaçào de uma atividade secundaria, frente a mudanças que acontecem no cenario econômico e social global. No p6s-fordismo do capitalismo periférico (Lipietz, 1987 & 1989), a peculiar reside justamente na combinat6ria de elementos de extrema modernidade, iguais aos encontrados em empresas que lideram os transportes urbanos, corn outros de carater "arcaico", tal coma sào cornu mente catalogadas em formas remanescentes de produçào e reproduçào simples da atividade. 0 "p6s" é aqui também um "pré", assim coma as organizaçàes secundarias coexistem corn as primarias e 0 econômico corn a polîtico. Correndo ao longo desse segundo funil, a concorrência entre as empresas - desigual, segundo os graus de desenvolvimento técnico e social delas ainda permanece, sem que se passa ver, terminantemente, um dominio absoluta de firmas imprimindo sua estratégia a uma atividade. No lado esquerdo do funil, nota-se a força modernizadora do capital que, em cada segmenta, vai adquirindo maior autonomia. Também se observa que essa modernizaçào de veiculos e garagens depende das condicionantes da industria automobilîstica, pela menas no tocante à organizaçào e gestào da produçào. Logo, essas determinantes padern ser inferidas dentro da pr6pria empresa ou grupo. Na direita do funil, aparecem os desenvolvimentos que partem dos fatores sociais da produçào. Vê-se também coma a simples realizaçào da mercadoriaserviço desemboca em uma autonomia da liquidez extraida da atividade, dentro de estratégias familiares e patrimoniais do empresariado, que chega a superar a mera l6gica da capitalizaçào prevalecente nos segmentas D e E do funil. o gargalo do funil abre-se a outras atividades econômicas e financeiras e remete a maiar nivel de concretude, isto é, à inserçào do transporte totalmente desenvolvido em sua forma capitalista, na economia e na sociedade locais. A rigor, se a tendência hoje dominante aponta para uma subordinaçào do transporte a exigências extra-setoriais, no arranjo de uma nova racionalidade econômico-financeira, dever-se-ia poder inverter a lugar dos dois funis, corn a postulado nada il6gico de que sào as l6gicas da oferta que determinam as da demanda. Ou, para formular a pergunta: a encaixe dos funis procede dos requisitos s6cio-econômicos do serviço ou dos ditames empresariais da atividade? Da experiência hist6rica, pode-se inferir a que vern a ser uma empresa de transporte urhano moderna: dinamizada par sua constituiçào em atividade capitalista, seu processo produtivo encontra-se paulatinamente depurado nas principais caracteristicas do corporativismo. Trata-se de um processo que combina elementos estruturais e s6cio-culturais; todos eles conduzem a um certo perfil das empresas de transportes urbanos, que crescem até certa dimensào desejaveL articulam capital e processa produtivo e se oferecem ao publico em condiçàes favoraveis de serviço. 398
Os fimis,
um esquema analîtico
No Brasil, assiste-se a uma depuraçào de todos estes elementos: um capital que vern se constituindo coma tal a partir da concentraçào e da diversificaçào; um processo baseado fundamentalmente em uma arganizaçào do trabalho que envolve, parém, modernizaçào tanto do material rodante e das instalaçôes fixas quanta da gestào empresarial; uma relaçào corn a mercado condicionada a uma institucionalizaçào publica do sistema de transportes. Tai experiência difere da dos paises industrializados que, par mais diversificada que esteja, apresenta algumas caracteristicas comuns: organizaçào prévia do mercado, maior importância da qualidade do serviço, separaçào quase total entre a passe do capital e a execuçào da produçào, assim coma entre a direçào do sistema e a operaçàa da empresa; combinaçào entre a gestào publica do conjunto e a serviço privado da empresa. A experiência brasileira mostra maior agilidade quanta a certa coesào e, sobretudo, mais ênfase na quantidade do que na qualidade do serviço oferecido. Issa conduz, em outros termos, ao problema da propriedade dos meios de transporte publico.
Os funis em perspectiva
Ainda assim, essa experiência lança luzes diferentes sobre a modela proposta pela enfoque idealista na analise dos transportes. Basta assinalar um ponta: a referente à tào propalada "desburocratizaçào". 0 Brasil oferece a imagem de um pais onde operam fundamentalmente empresas privadas, mas cujo desenvolvimento, par certo desigual, estaria em boa medida ligado à atuaçào dos poderes publicos. Foi instaurada uma relaçào dialética entre a acumulaçào no setor e a regulaçào do mesmo, assim coma entre a empresa privada e a serviça publico. Assiste-se a certa vontade de controle par parte dos municfpios, enfrentando hoje novas responsabilidades; mas também ocorre que a empresa privada redame a intervençào do Estado para arganizar a mercado de acordo corn suas exigências de rentabilidade capitalista, para modemizar-se e para transferir a ele os elementos menas rentaveis de seu processo produtivo. A pergunta basica sobre quaI empresa privada de transporte urbano é desejavel foi conceitualmente respondida no que diz respeito a um modela unico (mas heterogêneo), em que a grande empresa brasileira se expande no pais - e até para fara dele. Nào obstante, a encaixe dos dois funis indui uma preocupaçào corn a qualidade do serviço oferecido, segundo sua cobertura e atençào às crescentes necessidades sociais. 399
Viaçào Ilimitada
No momento das grandes redefiniçoes dos campos urbanos e da cidade no mundo inteiro, assiste-se na América Latina a uma tensào maior entre as lôgicas econômico-financeiras - que permitem a coexistência e a concorrência de racionalidades primârias e secundârias - e as lôgicas sôcio-pollticas de extrema degradaçâo dos esquemas clâssicos do desenvolvimento. Os transportes urbanos, sofrendo os efeitos de todas essas determinantes, estariam na encruzilhada de uma mudança qualitativa do mesmo porte da mudança que conheceu na década de 40. Coma prosseguira? Quando agarrado ao revés, a funi! derrama a fluido em vez de concentrala e a produto da atividade do transporte tende a se espalhar pelas paros permissiveis da cidade e da economia. 0 destina final da renda produzida no transporte, casa nâo seja reinvestida no setor, encontra desconhecidos caminhos que, sem duvida, dinamizam a economia urbana. Mas esse capital junta-se a outros e precisa se concentrar outra vez para entrar na concorrência entre capitais. 0 afunilamento desse produto concentrado ja escapa da prôpria dinâmica do setor. Acumulaçâo primitiva, capitalismo de concorrência e monopôlios (ou, antes, constituiçâo de oligopôlios), no casa brasi!eiro, nâo sào etapas claramente diferenciadas, mas formas de organizaçào que se sobrepoem, se articulam e, inclusive, se reengendram mutuamente. Assim, assiste-se hoje, em um contexto crftico, ao ressurgimento de formas artesanais que dificilmente se poderiam qualificar coma superadas. No outro extrema da lôgica capitalista, os transportes urbanos estào envolvidos em uma dinâmica maior, marcada pela comportamento especulativo da economia brasileira, na quai a produçào se vê subordinada a lôgicas puramente financeiras. Nâo é de estranhar, entâo, que se assista à emergência de grupos que superam os prôprios limites de uma empresa e, inclusive, da atividade do transporte. Também nâo contradiz a tendência - hoje mundialmente preponderante, sobretudo no pôs-fordismo - à constituiçâo dos serviços urbanos em geral (e da cidade enquanto ta]), muito além do simples transporte, em verdadeiros mercados nos quais operam Oocalmente, ainda que nâo totalmente) grandes oligopôlios e firmas intemacionais, sempre na interface entre lôgicas produtivas e financeiras. "Novas produtos voltam a ser elementos perturbando as condiçoes de vida do morador urbano e sâo postas em circulaçâo segundo formas ditadas pela organizaçâo capitalista da sociedade.I. . .I 0 automôve! é desenvolvido coma um modo imensamente proveitoso de transporte que termina destruindo a forma mais pratica de deslocamento no interesse do lucro. Coma a maquina na fabrica, a maquinaria da sociedade toma-se um pelourinho em veZ de uma comodidade e um substituto, em vez de uma ajuda, da competência" CBraverman, 1974: 278). Sâo tendências que merecem ser estudadas corn muita cautela, tanto empirica quanta analltica, cuidando das especificaçoes de cada casa para nâo se chegar a generalizaçoes apressadas e sem pretender embutir qualquer realidade e toda teoria num simples funi!. 400
Capitulo IX
Hegemonia privada, da capital do bonde ao ônibus no Rio de Janeiro
RÔMU'LO ORRICO
&
ENILSON SANTOS
....w....
Hegemonia privada. Rio de Janeiro
Mapa 1 Crescimento populacional do Rio de Janeiro na baia da Guanabara
REGIAO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
Oceano Atlântico
% de populaçao urbana em 1996
.95 76
[ ~ J 75
Indice de crescimento da populaçao entre 91/96
Populaçaa em 1996
..___-ç;::--- 5.559.638
.110
.64 •
100 ..___~---l-
139.634
rrzyc...-- 5.000
Fonte: TURMA; Elabaraçao: Leca De Biaggi; Dadas: CREDAUSamba 1998, IBGE
403
Viaçào Ilimitada
Mapa 2 A Regiao Metropolitana do Rio de Janeiro
localidade
JUnlli
Il ~
•, ~
Area urbanizada
Zona inabitada
~
Ferrovia
-------
Rodovia
----
Rio e lagoa
~
Mangues
R11
Estrada principal Auto-estrada Prefixo de rodovia
Rizicuitura ..................
Dunas
RS
Fonte: TURMA; Elaboraçao: Jean-Paul Hubert; Dados: Esri DON, 1993
404
limite de estado Estado
Hegemonia privada, Rio de Janeiro
Os transportes publieos coma neg6cio face à evoluçao da urbe capitalista
É complexo 0 quadro de relaçoes dinâmicas que se estabelecem entre os distintos atores a presidir a evoluçao social, econômica e espacial da aglomeraçao urbana carioca no contexto capitalista. Faz-se indispensavel compreendê-Io para encetar a analise do desenvolvimento s6cio-histârico e econômico da estrutura empresarial ofertante de transportes publicos na Regiao Metropolitana do Rio de Janeiro. . Assim, encontra-se ali, de um lado, aquele conjunto de atores econômicos vinculados seja ao desenvolvimento do mercado imobiliario - particularmente interessados em extrair do solo urbano a maxima rentabilidade -, seja ao neg6cio da construçao imobiliaria e infra-estrutural - orientados estes por perspectivas de luero a longo prazo, que se materializam corn base na expansaD da area urbana e na permanente reconstruçao da cidade 1• De outro lado, ha os usuarios residenciais e negociais do solo, corn perspectivas de beneficios a médio e longo prazos baseados na dotaçào de infra-estrutura técnica e de qualidade ambiental urbanas, especialmente daquelas areas que circunscrevem funcionalmente os lotes onde se localizam suas atividades. Outros atores especialmente relevantes sào a administraçào publica, em suas distintas instâncias, e as organizaçè>es representativas da sociedade. A administraçào publica esta formalmente empenhada em regulamentar e fomentar, em nome do interesse publico, 0 desenvolvimento da cidade e a dinâmica dos negâcios urbanos, mas é profundamente sensfvel ao poder e à influência dos atores econômicos. Em decorrência disso, as polfticas e açoes publicas podem ser por estes capturadas para que se orientem no sentido de ampliar a rentabilidade de seus neg6cios. Por fim, tenham ou nào status de organizaçào polftica, as entidades representativas da sociedade dedicam-se formai mente a promover a defesa das parcelas menos atuantes da populaçào, a zelar pela qualidade de vida dos menos afortunados e pela preservaçào do patrimônio hist6rico-ambiental. Édesse grande jogo de interesses, mediado pelas peculiares condiçoes histâricas, culturais e geomorfolâgicas do sftio urbano e pela dinâmica econômico-tecnolâgica da sociedade, que resultam os acordos hegemonicos que vào conformar, de forma dclica, as polfticas e estratégias publicas e privadas modeladoras do desenvolvimento metropolitano. No casa particular da Regiào Metropolitana do Rio de Janeiro, contribui significativamente para tomar ainda mais complexo 0 seu desenvolvimento 0 fato de ter sido sede dos govemos imperial e republicano desde os primârdios de sua evoluçào urbana. Como tal, a cidade se constituiu em locus aglutinador de atores, negociaçoes e decisoes polfticas e, conseqüentemente, em pâlo concentrador de renda e de funcionalismo publico de altos escaloes. Em contrapartida, a visibilidade nacional e intemacional do Rio de Janeiro também veio a induzir, durante boa parte deste século, uma importante atraçào de movimentos migrat6rios, bem superior à capacidade local de geraçào de empregos. 405
Viaçao Ilimitada
A somatôria desses fatores vai implicar uma profunda desigualdade - de renda, de propriedade, de oportunidades de vida - que, associada à geomorfologia singular, marca de forma indelével a feiçào sociolôgica, econômica e espacial do adensamento urbano carioca. As grandes favelas, os assentamentos remotos e carentes de infra-estrutura, a radialidade da pauta de deslocamentos e a importância econômica relativa da area central da aglomeraçào sào elementos conformados historicamente e que ainda permanecem coma dados cruciais para a apreensào de um modo de desenvolvimento urhanistico peculiar. Nào poderiam todos esses elementos deixar de ter influenciado, de modo marcante, 0 desenvolvimento histôrico do mercado de transportes pûblicos na Regiào Metropolitana do Rio de Janeiro. Ali, é muito forte 0 pape! das forças motrizes do desenvolvimento da economia urbana na estruturaçào espacial da metrôpole e, portanto, da pauta de mobilidade da populaçào. Essa influência se estende, direta ou indiretamente, à configuraçào da rede fisica infra-estrutural e operacional dos transportes e de sua regulamentaçào econômica. Tanto é assim que a presença de planejamento e de polîticas pûblicas norteadoras é historicamente destacavel por sua fragilidade e por seu carater francamente reativo, freqüentemente episôdico, a exemplo dos casos da estatizaçào da Light, nos anos 60, e da encampaçào de empresas de ônibus nos 80. 0 mesmo se nota quanto aos grandes ciclos do negôcio de transportes na urbe carioca (bondes competitivos, bondes monopolizados, ônibus), que sào abertos ou fechados corn embasamento em conflitos propriamente de mercado - veja-se 0 papel histôrico dos antigos 10taç6es e de seus similares hodiernos, as vans -, assim coma estruturados e resolvidos no âmbito privado, em um processo mais prôximo da reconstruçào permanente schumpeteriana do que de uma keynesiana intervençào pûhlica. Neste capitulo, busca-se orientar a analise do desenvolvimento dos transportes pûblicos na cena metropolitana carioca corn ênfase nesses conflitos de mercado, ressaltando-se 0 carater meramente formal da atividade reguladora do poder pûblico. Na verdade, ele tào-somente atua no sentido de institucionalizar movimentos ja pré-definidos pelos processos de contestaçào e acomodaçào, de conflito e consenso, realizados no seio da estrutura empresarial privada, seja aquela dedicada ao neg6cio urbano de valorizaçào fundiaria e/ou imobiliaria, seja aquela ofertante dos serviços de transporte. Em uma primeira parte, abordarn-se de uma perspectiva hist6rica as relaçoes entre 0 desenvolvimento espacial e s6cio-econômico da metr6pole, de um lado, e, de outro, 0 surgimento e evoluçào do mercado de transportes pûblicos. Busca-se entender coma os diversos ciclos do negôcio de transportes (primeiro, os bondes; depois, os ônibus) foram sendo moldados pela ordenaçào capitalista do uso do solo e pela estratégia privada dos ofertantes do serviço, atuando subsidiariamente 0 poder pûblico regulador para formalizar essa dinâmica. Uma segunda parte é dedicada à abordagem do quadro dos transportes coletivos vigente em 1995, procurando-se dar realce à força 406
lfegemonia privada, Rio de Janeiro das organizaçàes empresariais do setor em contraste corn a multiplicidade de organismos reguladores e sua correspondente passividade. Uma avaliaçào da concentraçào da oferta dos serviços rodoviarios é Feira na terceira parte, dedicando-se a quarta e ultima a consideraçàes sobre a possivel transiçào para um nova ciclo de neg6cios que talvez esteja sendo maturado neste momento.
1.
0 papel historico dos transportes publicos na conformaçâo da metropole
A Regiào Metropolitana do Rio de Janeiro - RMRJ é atualmente constituida por 17 municfpios, conta corn populaçào pouco superior aos 10 milhàes de habitantes e ocupa uma area de quase 5.500 quilômetros quadrados. Historicamente, a RMRJ apresenta elevados indices de concentraçào em todos os aspectos s6cio-econômicos e demograficos. Nos ultimos quinze anos, a porcentagem da populaçào estadual residindo na Regiào Metropolitana - cuja area representa menos de 15% do territ6rio do estado do Rio de Janeiro -, embora decrescente, pouco variou, passando de 77,3% em 1980 para 76,5% em 1991 e 75,4% em 1996. Também na metr6pole sào gerados 85% da renda interna do estado do Rio de Janeiro. Internamente, esses niveis de concentraçào de atividade econômica nào sào menos significativos: 0 municfpio do Rio de Janeiro abriga atualmente 54,4% da populaçào da RMRJ e é responsavel por cerca de 75% da renda ai gerada. Entretanto, cabe salientar que a importância re/ativa do municfpio da capital, ao menos em termos demograficos, vern se reduzindo, embora lentamente. Corn efeito, 0 peso da capital na populaçào da RMRJia foi de 58,3% em 1980 e de 56,9% em 1991. Na Tabela 1, verifique-se que a populaçào regional permaneceu praticamente estave/ entre 1991 e 1996, depois de ter registrado, nos anos 80, uma taxa anual de crescimento superior a 1,3%, significativa embora inferior à taxa, maior que 2% ao ano, registrada no perfodo pela conjunto de Regiàes Metropolitanas do pais. Decompondo-se esse crescimento populacional pelas distintas sub-regiàes da RMRJ, pode-se perceber que 0 conjunto dos municipios ao leste da baia da Guanabara (Niter6i, Sào Gonçalo, Itaborai, principalmente) vern experimentando crescimento populacional a taxas maiores - 32% contra 24% - que os da Baixada Fluminense (onde se destacam Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Sào Joào do Meriti e Be/ford Roxo), os quais Iideravam as taxas de crescimento populacional em décadas anteriores a 1980. TaI deslocamento vern produzindo uma uniformizaçào maior do adensamento populacional no territ6rio metropolitano, inclusive corn reduçào do contingente populacional no municfpio do Rio de Janeiro, 0 que certamente se traduz por mudanças significativas nas necessidades de transporte das pessoas e, conseqüentemente, na geografia do mercado de transporte pûblico intrarregional. 407
Viaçao llimitada
Tabela 1 Populaçào e taxa de crescimento dos municipios da RMRJ, 1980-1996 Municipio
Populaçao
f---
1980
1991
1996
Crescimento
°/olano
1980/91
1991/96
-0,31
5090.700
5.743.909
5.551.538
1,1
Sao Gonçalo
615.352
778.831
833.379
2,16
0,62
Nova Iguaçu
621.789
766.216
826.188
1,92
0,69
Ouque Caxias
575.814
665343
715089
1,32
0,66 0,3
RIo de Janeiro
Nlter6i
397.123
435.658
450.364
0,85
Sao Joao do Menti
398826
424689
434.323
0,57
0,2
8elford Roxo
282.428
377.698
399.319
2,68
0,51 1,05
Magé
140.414
163.244
183.113
1,38
Itaborai*
114.540
161398
184.560
3,17
1,23
Nd6polls
151.936
157.936
155.272
0,35
-0,15
Quelmados**
94.254
124.121
108.522
2,53
-1,21
Itaguai
90.133
113 019
125063
2,08
0,92
Japeri
56.334
65.576
73.130
1,39
1
Mancà
32618
46542
60.286
3,28
2,38
Paracambi
30.319
36.391
39441
1.67
0,73
Guaplmlrim
23. 188 1
28.005
32.6141
1.731
1,39
Mangaratlba
13.845
17.922
Total
1
8.729.613
'1
10.106.498
~~ 10.192.097
~
0,95 0,08
Indui a populaçao de Tanguà, municipio desmembrado de Itaborai em 1995. ** Indui a populaçao de 5eropédlCa, munlcipio desmembrado de Itaguai em 1995. Fonte: IBGE
No Mapa 1, também se padern verificar as mudanças estruturais em curso na demografia regional, tanto pela extensào dos elevados îndices de urbanizaçào populacional historicamente creditados à cidade central do agIomerado aos municîpios da coroa metropolitana - os da Baixada e aqueles a leste da baîa registrando mais de 95% de suas populaçàes em habitat urbano -, quanta pela fato de que as maiores taxas de crescimento populacional no perîodo 1991/96 se encontram em municîpios mais afastados do centro metropolitano, coma Itaboraî, Itaguaî, Magé e Mangaratiba. Verdade é que a Baixada e a regiào de Niterôi, sucessivos eixos de adensamento populacional no desenvolvimento da metrôpole, se vinculam a corredores de transporte, conforme se verifica no Mapa 2: a primeiro, à associaçào entre a corredor ferroviario formado pelas três ramais que adentram a area central da Regiào Metropolitana e a corredor rodoviario radial que se inicia na avenida Brasil; a segundo, ao conjunto rodoviario que se conecta à capital através da ponte sobre a baîa da Guanabara. Issa nào representa mais que concretizaçàes recentes de uma întima e histôrica ligaçao entre infraestruturas de transporte e expansào urbana, respondendo aquelas às necessi408
Hegemonia privada. Rio de Janeiro
dades de proyer boas condiçàes de acessibilidade às areas que 0 desenvolvimento econâmico capitalista ia e1egendo para implantar novas moradias ou novas atividades produtivas (Abreu, 1987). Assim. a formaçào urbana e metropolitana do Rio de Janeiro nào pode ser compreendida coma simples conseqüência de implementaçàes progressivas de infra-estruturas e de desenvolvimentos de novos modos de transportes, coletivos ou individuais. 0 espaço metropolitano do Rio de Janeiro, fortemente estratificado socialmente, é resultado de uma longa evoluçào, cujas origens remontam aos primeiros anos do século XIX - principalmente a partir da mudança da corte portuguesa para 0 Rio em 1808. quando a populaçào somava cerca de 60 mil habitantes e se concentrava na area central (Cunningham, 1980) - e que se deixa parcialmente modelar pela singularidade geomorfol6gica do sftio. 0 motor efetivo, primario, da evoluçào morfol6gicoestrutural da metr6pole carioca foi 0 desenvolvimento econâmico capitalista, que teve importância fundamental na determinaçào da ocupaçào do solo da cidade e na pr6pria evoluçào do sistema viario e de transportes, vinculandose este às sucessivas exigências e transformaçàes da economia. Rastreando as origens urbanfsticas do Rio de Janeiro. pode-se encontrar um primeiro povoamento fundado ao redor de 1565, corn intençàes principalmente de defesa da costa. situado entre os morros Pào de Açûcar e Cara do Cào, na penfnsula da Urca. Pouco tempo depois, 0 povoado se trasladou a um sftio hoje ocupado pela area central, de onde era posslvel exercer a defesa da bafa e onde, adicionalmente, havia maior disponibilidade de terreno pIano para expansào do tecido urbano. Nessa area, a cidade acomodou sua lenta expansào ao longo da segunda metade do sécula XVI e por todo a século XVII, chegando a 1620 corn cerca de 4 mil habitantes e uma economia baseada no cultivo de cana-de-açûcar e nas atividades portuarias dedicadas à exportaçào agrfcola (Cunningham, 1980). Uma forte mudança iria aIterar 0 ritmo de crescimenta da cidade: a descoberta de ouro nas Minas Gerais, cujos sertàes seriam acessados mais facilmente a partir da entào cidade de Sao Sebastiao do Rio de Janeiro. Inîcio da rota de penetraçao, entreposto comercial e sede das atividades coloniais referentes ao neg6cio de ouro e pedras preciosas, a cidade experimentaria um rapido crescimento no século XVIII, ampliado corn 0 seu alçamento à condiçao de sede do govemo-geral da colônia em 1763. Os 60 mil habitantes que receberam D. Joao VI em 1808 ainda se aglomeravam em uma pequena area central, a quai teria que ser estendida de forma acelerada para 0 oeste, tendo em vista fazer face aos quase 15 mil novos habitantes que chegavam corn a transferência da corte. Por outro lado, a remontagem da administraçào portuguesa e dos espaços e habitos do reino contribuem para a criaçao de novas funçàes urbanas e para a dinamizaçào econâmica do Rio de Janeiro. Passam a florescer as atividades comerciais Iigadas à importaçao, sob 0 efeito da abertura dos portos, assim coma as culturais. Ganha impulso uma incipiente indûstria, diversifica-se a economia, e a 409
Viaçao Ilimitada
cidade vai pouco a pouco se consolidando coma p610 de atraçâo demogrâfica. Estima-se que a populaçâo tenha atingido 100 mil habitantes em 1820. o desenvolvimento da cidade no século XIX também seria apoiado pela boom registrado pela café no mercado internacional, uma vez que os grâos praduzidos no Vale do Paraiba e escoados pela porto do Rio deixavam renda e impostos que lastreavam financeiramente a execuçâo de melharamentos da infra-estrutura urbana: uma primeira higienizaçâo da cidade (0 sistema de esgotos de 1864) e a implantaçâo da primeira ferravia urbana (1854) e da ferravia de penetraçâo na serra (Rio-Petr6polis, 1865>A praclamaçâo da independência em 1822, mantida a cidade do Rio coma capital do nova império do Brasil, veio solidificar a pracesso de expansâo urbana. A populaçâo atingiria 275 mil habitantes em 1872, superaria a meio milhâo em 1890 e chegaria ao princfpio do século XX contando corn mais de 800 mil residentes. A densidade populacional quase triplicou entre 1872 e 1900 (Cunningham, 1980), de forma que se pode afirmar que a area urbanizada pouco se modificou para albergar a migraçâo rural-urbana da populaçâo negra libertada da escravatura em 1888, ademais de uma incipiente onda de imigrantes de além-mar. Claramente, a perda de qualidade ambiental da cidade e também a sua limitada capacidade de dar origem a novas espaças para a mercado imobiliario e para a implantaçâo de unidades industriais s6 poderiam ser revertidas corn a intraduçâo em larga escala do transporte urbano motorizado, objetivanda expandir as areas de moradia para além da periferia imediata ao territ6rio ja adensado. 1.1.
A capital dos bondes
Corn efeito, introduzidas na cidade em 1838, as carruagens puxadas par cavalas ou burros, embora atuassem timidamente coma apoio à mobilidade urbana ja necessaria ao desenvolvimento capitalista da cidade, pouco efeito teriam na expansâo da area urbanizada. Razôes para isso nao faltavam, na medida em que esse transporte coletivo tinha tarifas praibitivas para a grande maioria da populaçâo e também porque, apesar de a ele se poderem atribuir alguns créditas no desenvolvimento de bairras coma Sâo Crist6vâo e Botafogo, as linhas que efetivamente se estabeleceram eram muito restritas no que concerne à penetraçâo nas periferias menas imediatas ao centra. Um pouco mais longe foram os bondes corn traçâo animal, intraduzidos em 1856 pela Barao de Maua. 0 fracassa das primeiras linhas nâo desanimou os pioneiras e, em 1867, passa a operar uma linha ligando a centra da cidade até a alto da Gavea, passando par Botafogo. Em 1871, a Barâo de Drummond vinculou a bairro nova de Vila Isabel à linha que conectava essa area corn a centra, passando par Maracanâ. No mesma ana, a Companhia Ferrocarril de Sâo Crist6vâo iniciou a implantaçâo do serviço nos bairras a oeste mais pr6xi410
Hegemonia privada, Rio de Janeiro
mos do centra, do Caju e Sào Crist6vào até 0 Rio Comprido. Exceçào feita ao casa de Vila Isabel, os bondes de burro simplesmente seguiam 0 traço das carruagens, atrelando sua rentabilidade ao surgimento de espaços periféricos urbanizados, viabilizando a especulaçào imobiliaria e ancorando a segregaçào espacial da sociedade. Dai resulta, coma saIienta Sica (980), que a expansào dos bairros burgueses na direçào sul (Catete, Botafogo, Copacabana) refletia muito mais 0 interesse das camadas mais abastadas da populaçào em se diferenciar espacialmente dos adensamentos industriais e de moradia operaria que vào se estabelecendo a oeste e noroeste do centro. Esse Interesse era evidentemente facilitado pela grande pressào imobiIiaria sobre as propriedades da area central, que assim obtinham forte valorizaçào para utiIizaç6es comerciais e financeiras. Também pouco significativa foi a desconcentraçào urbana induzida pelas ferrovias. 0 processo de formaçào das companhias de estrada de ferro se deu por obtençào direta junto aos poderes pûbIicos de concess6es por parte de empresas de capital estrangeiro ou, de forma indireta, através de seus representantes locais, ou, ainda, da compra através de especuladores nacionais. As Iinhas que entraram em operaçào entre 1858 (Dom Pedro II) e 1886 (Estrada do Norte, depois Leopoldina), especialmente a Central do BrasiI a partir de 1877, vào interligar pequenos nûcleos populacionais a noroeste, reforçando 0 assentamento suburbano nessa direçào sem gerar efetivamente alternativas locacionais - ao contrario, fortalecendo mais ainda 0 centro coma p610 de atraçào de viagens. Dentro desse contexto, a existência de uma linha de subûrbios (1858) incentivou de imediato a ocupaçào do espaço entre as zonas suburbanas e 0 centro. Antigas olarias, velhos curtumes ou mesmo nûcleos rurais passaram entào a se transformar em pequenos viIarejos e a atrair pessoas em busca de moradia barata, resultando dai uma elevaçào consideravel da demanda por transporte e a conseqüente necessidade de aumentar a quantidade de estaç6es e de composiç6es. 0 processo de ocupaçào dos subûrbios tomou, a principio, uma forma tipicamente Iinear, localizando-se as casas ao longo da ferrovia, corn maior concentraçào em torno das estaç6es. Aos poucos, entretanto, ruas secundarias, perpendiculares à via férrea, foram abertas pelos proprietarios de terras ou por pequenas companhias loteadoras, dando inîcio a um processo de crescimento radial. Mas, coma assinala Pereira (987), sera 0 transporte rodoviario que, mais tarde, conferira a esses pequenos nûcleos habitacionais um adensamento urbano significativo. Assim, 0 processo de formaçào do mercado de transportes na RMR], em estando vinculado à conformaçào capitaIista do espaço urbano nuclear, se deixava condicionar pela expansào real de alternativas locacionais para sua exploraçào corn fins fundiarios e/ou imobiIiarios. No ûltimo decênio do século XIX, 0 desenvolvimento capitaIista da ja entào capital da RepûbIica viria a requerer 0 equacionamento do problema dos transportes e do congestionamento ambiental das areas centrais. A partir de 1892, vai se implantar no Rio de Janeiro uma extensa rede de bondes elé411
Viaçào Ilimitada
tricos, a quai sera decisiva para sustentar a expansào urbana nas direçàes noroeste - até Méier, Muda e Tijuca - e suL alcançando areas do litoral entre o Leme e Ipanema ou interiores como Laranjeiras e Jardim Botânico. A superioridade tecnolôgica do bonde eletrificado sobre seus antecessores produziria rapidamente dois fatos significativos. Por um lado, e antes que terminasse 0 século, haveria uma tentativa de fusào das distintas empresas operadoras, provavelmente motivada pela necessidade de fazer face aos investimentos requeridos pela eletrificaçào. Por outro lado, a capacidade de transporte da nova rede permitia ir além da incorporaçào de periferias: possibilitava às forças que hegemonizavam 0 desenvolvimento urbano a implantaçào de um complexo processo de seleçào e adaptaçào de espaços territoriais a funçàes urbanas, promovendo uma ordem, uma hierarquia funcional adequada ao desenvolvimento capitalista da cidade e ao aprofundamento da segregaçào social no territôrio. Quanto à perseguida diferenciaçào funcional das areas urbanas, ainda hoie perceptivel, foi obtida pela especializaçào comerciaL finance ira e administrativa nas areas centrais, pela ênfase nos usos residenciais e comerciais na zona sul e pela circunscriçào da hoje zona norte à tarefa de albergar os excedentes populacionais de renda mais baixa e de receber incipientes implantaçàes industriais. Diversas empresas surgiram, destacando-se a Companhia Ferrocarril de Vila Isabel que se espalhou por toda a cidade. Somente corn 0 surgimento e expansào da Light, jâ no século xx, foi que houve a unificaçào de todas as linhas em uma (mica empresa (Silva, 1992). 0 predomfnio dos bondes se estenderia até 0 perfodo posterior à Segunda GuetTa MundiaL embora se registrasse uma crescente e organizada presença dos auto-ônibus desde 1927, principalmente como meio complementar da rede de trilhos eletrificados. Tai associaçào se vê reforçada pelo fato de que a Viaçào Excelsior - subsidiâria da Light - era, entre as operadoras rodoviârias da cidade, a mais modema e uma das maiores (Pereira, 1987). Entretanto, nos anos posteriores à Segunda Guerra, vao se configurar os elementos da crise dos bondes no Rio de Janeiro. A necessidade de reinvestimentos na via permanente e na renovaçào do parque de vefculos defrontava-se com a pressào do govemo federal e por extensào das municipalidades no sentido de conter as tarifas de eletricidade e transporte eletrificado. Por outro lado, na medida em que 0 pais, sob impulso de polfticas publicas substitutivas de importaçàes, ia desenvolvendo seu parque industriai e criando assim novas oportunidades atrativas para a inversào de poupança privada, 0 clâssico processo de levantamento de recursos financeiros para as redes de bondes através do lançamento de debêntures - que sustentara em âmbito nacional e intemacional a râpida expansao dos serviços - apresentava claros sinais de esgotamento. Além disso, a possibilidade de suostituiçào dos serviços de bondes pelos rodoviârios, ja à vista, permitia aos poderes publicos maior capacidade de barganha e de intervençao ordenadora da operaçào de transportes uroanos. A esses fatores, soma-se 0 fato de que, à época, a tendência hegemônica na sociedade bra412
Hegemonia pn'[Jada. Rio deJalleiro
sileira favorecia 0 controle estatal e nacionalista dos serviços de utilidade publica. manifestando-se contra 0 monop6lio privado, principalmente 0 das multinacionais, corn guarida no conceito de Interesse publico
:;;
'"o
Fonte: URBS (© URBS S/A)
Na capital, 0 processo de planejamento urbano e de transportes encontra-se consolidado e articulado à pauta quotidiana de deslocamentos da populaçào. Assim, a Rede Integrada de Transportes responde atualmente por 83% das viagens diarias. 0 restante é coberto pelas linhas "convencionais", "circular centra" e "ensino especial". Utilizando-se a tipologia desenvolvida por Henry no Capitulo IV (pesquisa Onibucad, 1996), verifica-se, na Tabela 3, que nas linhas municipais de Curitiba operam empresas de médio porte (tipo 0: entre 76 e 134 vefculos), enquanto as de grande porte (tipo B, corn 200 a 345 vefculos) predominam na capital. 468
Rede integrada, Curitiba
Tabela 3 Caracteristicas das empresas municipais de Curitiba Classe
B
C
0
E
(OnlbuCad)
200 a 349
135 a 199
76 a 134
46 a 75
Empresas Frota
Total
4
1
4
1
10
936
149
482
69
1.636
178
33
102
23
336
Prod. Km diâria
158.029
25.544
83767
12.570
279.910
Passageirosldia
414.067
81488
216.758
35.025
747.338
Linhas
Fonte: TURMA, Dados: URSS, 1997
Por outro lado, as Tabelas 4 e 5 mostram que, para 0 casa das ligaç6es entre os municfpios da aglomeraçào e a capital, sào as empresas de pequeno porte que predominam.
Tabela 4 Empresas metropolitanas integradas de Curitiba Classe
0
E
F
G
H
(OnlbuCad)
76 a 134
46 a 75
20 a 45
11 a 19
até 10
2
2
1
2
1
8
201
125
34
31
7
398
Empresa Frota
Total
41
16
6
10
2
75
Prod. km diâria
32.298
23.498
8948
6687
1.341
72.772
Passageirosldia
66215
34.937
12.199
8.869
3.674
125.894
Linhas
Fonte: TURMA; Dados: URSS, 1997
Tabela 5 Empresas municipais metropolitanas nào integradas de Curitiba Classe
0
E
F
G
H
(OnibuCad)
76 a 134
46 a 75
20 a 45
44 a 10
até 10
Empresas Frota Linhas Passageirosldia
Total
1
4
4
2
2
13
82
237
129
32
11
491
14
36
21
4
4
79
33.570
90.364
49.011
8.930
2.277
184.152
Fonte: TURMA; Dados: URSS, 1997
469
Viaçào llimitada
3.
Urbanismo e transportes a serviço da cidade
o entendimento da original experiência curitibana solicita a analise das inter-relaçôes estabelecidas ao longo do tempo entre poderes pûblicos, operadores e usuarios dos sistemas de transportes, inseridas nas dinâmicas econômicas, urbanîsticas e sociais da cidade, de sua Regiào Metropolitana e do Estado do Parana. 3.1.
Uma politica local favoravel aos transportadores
Ao final do século XIX, corn a construçào da estrada da Graciosa, Curitiba cresce para nordeste em direçào a Paranagua, importante porto de exportaçào de produtos primarios a 90 quilômetros da capital (vide Mapa 2). Na direçào sudoeste, 0 crescimento urbano segue as trilhas dos tropeiros que transportavam mercadorias para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. o transporte urbano favorece a ocupaçào nordeste/sudoeste, posto que sobre esse eixo foi inaugurada no ana de 1887 a primeira linha de bondes a traçào animal. Esta foi operada inicialmente por um particular, que criou a empresa Ferrocarril Curitibana, e comprada oito anos depois pela italiano Santiago Cole. A necessidade de ligar 0 interior do Parana ao mar determinou a construçào de uma ferrovia em direçào ao porto de Paranagua, 0 que em muito contribuiu para 0 progresso de Curitiba. Esse desenvolvimento teve também coma causa as migraçôes de poloneses, italianos e alemàes que, na época, colonizavam os arredores da cidade; logo, sera de dentro dessas diasporas que emergirào os empresarios de ônibus, as mesmas culturas (em particular a italiana) exercendo a hegemonia sobre a oferta de transporte urbano. A cidade cresceu de 49.755 habitantes em 1900 para 78.986 em 1920. Nesse contexto, inaugura-se 0 bonde a traçào elétrica, operado pela South Brazilian Railways Ltd. Os anos entre 1930 e 1940 caracterizam-se pela concorrência entre 0 ônibus e 0 bonde elétrico. As companhias estrangeiras perdem progressivamente 0 interesse em operar os serviços: em 1928, a South Brazilian transfere seus bens à municipalidade, que se vê obrigada a criar a Companhia Força e Luz do Parana. Nesse mesmo ano, a municipalidade publica 0 primeiro decreto regulamentando a operaçào de ônibus urbanos e define três tipos de linhas, que guardam relaçào direta corn 0 serviço prestado pelos antigos bondes: linhas cujos pontos de partida e destino coincidiam corn os dos bondes; linhas que efetuavam os mesmos percursos dos bondes; linhas totalmente independentes. Na década de 40, os ônibus e veîculos de pequeno porte intensificaram a concorrência corn os bondes. Em 1945, devido aos déficits da Companhia 470
Rede integrada, Curitiba
de Força e Luz, a municipalidade realiza licitaçàes para a operaçào dos serviços. A concorrência é ganha por um particular, Aurélia Fressato, que operava linhas regulares de ônibus desde 1936. Em seguida, a Campanhia Força e Luz transfere seus bens à nova Companhia Curitibana de Transporte Coletivo, empresa municipal criada neste momento. No p6s-guerra, a cidade cresce rapidamente: de 180.585 habitantes em 1950, passa a 356.830 em 1960. Capital virando metr6pole, os bondes, considerados "um freio ao progressa", deixam as ruas de Curitiba em 1952. Em paralelo, cresce a transporte em veîculos de pequeno porte - lotaçàes corn 8 lugares. Em 1954, observava-se uma forte atomizaçào da oferta, posta que havia mais de 150 proprietarios operando veîculos dos mais variados tipos. Nesse contexto, coma no restante do pais, a realizaçào de eleiçàes para prefeitos das capitais, pela primeira vez, revelou a importância dos transportes para a gestào das cidades. Em Curitiba, sucederam-se personalidades que tiveram destacado papel na organizaçào do transporte. 0 primeiro deles, a prefeito Ney Braga 0955-58), pôs em pratica a regulamento do serviço de transporte coletivo de passageiroso, que apresentava aspectas originais (Brasileiro, 1994). As tarifas passaram a ser fixadas pela municipalidade, assim coma horarios, freqüências e itinerarios. A cidade foi dividida em nove setores de operaçào, cada quai atribuido a uma ou mais empresas de ônibus. Pela nova estrutura operacional privada, deveria ocorrer um processo de fusào e incorporaçào dos proprierarios de veîculos de pequeno porte, interditados de operar na capital em veiculos de pequeno porte a partir de entào. 50b tutela publica, portanto, os anteriores 150 proprietarios individuais foram incentivados a se agrupar em 13 empresas, logo reduzidas a 9 - as quais permanecem no mercado local até os dias atuais. Foram estabelecidos contratos do tipo "permissào a titulo precario" corn prazos de duraçào de 5 anos, a que deu uma certa segurança aos operadores para investir e substituir por ônibus a frota anterior de veîculos de pequeno porte. Observe-se que os operadores individuais nào reagiram negativamente às açàes acima apresentadas. A racionalizaçào das linhas e itinerarios contribuiu para a aumento da rentabilidade e, de outra lado, as permissàes par 5 anos (sempre renovadas) dava-Ihes segurança. Mas a concentraçào capitalista levou à retirada do mercado de grande parte dos transportadores urbanos, que foram absorvidos ou sairam do rama. Esse processo concentrador permanece até a atualidade, por tras do numero formalmente estavel de empresas, em expansào do âmbito municipal para a metropolitano. RessaIte-se que, no casa de Curitiba, a passagem do bonde ao ônibus nào foi acompanhada da criaçào de uma empresa publica. Desde a infcio, a municipalidade optou par delegar a operaçào dos transportes ao setor privado, que se viu fortalecido pela assinatura de contratos de maior duraçào e pela criaçào dos "setores de operaçào". Foi a primeira vez que se praticou essa idéia no Brasil, difundida em seguida em outras capitais. No entanto, a delegaçào feita pela municipalidade ao setor privado nào significou renuncia ao ser471
Viaçào Ilimitada
viço, muito pela contrario. A delegaçao constituiu poderoso incentivo para as administraçoes municipais se concentrarem na regulamentaçào, no planejamento e no controle do sistema, sem se restringir ao mero aspecta da fiscalizaçao. Pois, corna contrapartida da delegaçâo a um setor incentivado a crescer sob forma capitalista, a municipalidade passau a exercer estrito controle sobre as tarifas, os itinerarios e a tecnologia a ser operada. Vislumbrava-se, ja nessa época, um esforça para resolver os conflitos potenciais entre poderes pùblicos e transportadores privados. Par meio de um consensa minima, estes ûltimos, em se beneficiando das açoes, apoiavam-nas e se comprometiam corn as orientaçoes gerais de urbanismo propostas pela municipalidade. Yale lembrar que, entre 1955 e 1964, lançaram-se as bases de um tipo de administraçâo pûblica caracterizado pela presença regulamentadora do poder pûblico, verdadeira tutela sobre uma oferta privada em processo de concentraçâo. 0 desmantelamento da rede de bondes, a reorganizaçào dos transportes coletivos, a expulsâo dos vekulos de pequeno porte da operaçâo na capital levaram ao reagrupamento da oferta em grandes empresas de ônibus. Estes foram elementos basicos - embora pouco ressaltados - para os ulteriores passos rumo ao planejamenta integrado à moda curitibana. Basicos, mas nâo suficientes para definir a modela: aplicados em outras cidades, nao desembocaram no mesmo resultado. Ou seja: coma na arte culinaria, em que importa sobremaneira a mao do chef, os ingredientes nâo bastam para a sucesso da receita. 3.2.
Um piano de urbanismo baseado nos transportes
Cabe perguntar por que, na década de 60, Curitiba extinguiu tudo a que tinha em funcionamento em termos de transportes urbanos, fossem bondes ou lotaçoes. Em parte, a mudança do sistema responde àquela que aconteceu no sistema urbano. Contudo, essa explicaçâo também nâo recobre inteiramente a fenômeno: se fosse assim, resultados idênticos aos da capital paranaense teriam acontecido corn maior razâo em outras cidades do Brasil, onde a crescimento urbano, alias, foi bem mais forte. A diferença de Curitiba provém, em boa parte, do fato de a cidade ser a capital do Parana, que conheceu um not6rio desenvolvimento capitalista, corn mudança da base agrkola interna para exportaçâo e indûstria, dispondo do formidavel atributo da ligaçao portuaria corn a exterior, além de grande abertura à imigraçâo estrangeira. Ainda hoje, essas caracteristicas marcam a espaça econômico pr6prio que quer construir a Parana, alternativa ao potencial concentrado nos estados de Sào Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Na concorrência econômica, a transporte aparece corna atributo nada desdenhavel que qualifica Curitiba - em particular frente a Sâo Paulo, estourada corn insuportaveis problemas no setor (conforme verificou-se no Capitula ID. Desde os anos 50, a Parana vinha passando par intenso processo de desenvolvimento econÔmico. Sua populaçâo quadruplicou-se em vinte anos (de 1,2 milhâo de habitantes em 1940 para 4,3 milhoes em 1960). 0 tipo de 472
Rede integrada, Curitiba
colonizaçào posto em pnltica no norte do Parana, baseado em pequenas e médias propriedades, permitiu 0 rapido povoamento da regiào e a absorçào de mào-de-obra proveniente de outras regiàes do paîs CPadis, 1977; Swain, 1979). Nesse contexto, cria-se a Comissào de Coordenaçào do Piano de Oesenvolvimento Econômico - PLADEP, a fim de coordenar a elaboraçào de um projeto de desenvolvimento para 0 estado. As primeiras açàes em favor da industrializaçào foram tomadas apôs a eleiçào de Ney Braga como governador (1961-65), destacando-se a Companhia de Oesenvolvimento do Parana - CODEPAR e 0 Fundo de Oesenvolvimento Econômico - FOE, cujos recursos emanam de um "empréstimo obrigatôrio" reembolsavel, recolhido à base de 1% de um imposto sobre 0 valor das compras dos consumidores. Os resuItados dessas açàes foram significativos. A rede viaria pavimentada do Parana, por exemplo, triplicou em quatro anos (de 250 quilômetros em 1961 para 750 quilômetros em 1965); a oferta de energia elétrica passou de 160 mil quilowatts para 300 no mesmo perîodo. É nesse contexto, caracterizado pela vontade polîtica dos poderes pûblicos de colocar em marcha um projeto de industrializaçào baseado em uma convergência de interesses e no engajamento dos principais atores econômicos e polîticos do estado, que emergira 0 pIano de urbanismo da capital, Curitiba. o engenheiro Ivo Arzua, prefeito de Curitiba de 1962 a 1966, em pleno auge do nacional-desenvolvimentismo, orientou sua gestào em torno de três eixos. Primeiro, realizou uma reforma administrativa a fim de organizar a estrutura municipal para 0 processo de planejamento urbano. Em seguida, promoveu uma reforma fiscal corn vistas a gerar recursos para 0 municîpio. Por fim, procedeu à realizaçào do pIano de urbanismo da capital, que esta na origem da rede integrada. Ao iniciar-se a década de 60, Curitiba contava ja - e apenas - corn 400 mil habitantes. No diagnôstico realizado entào para 0 pIano de urbanismo, a municipalidade constatava a existência de problemas a clamar por soluçàes urgentes. o processo de urbanizaçào e 0 aumento do numero de vefculos nas ruas acarretavam dificuldades de circulaçào na ârea central. Ademais, Curitiba era uma cidade tipicamente terciaria, onde as carências de infra-estrutura geravam problemas de ocupaçào espacial, de energia elétrica, de drenagem e de pavimentaçào. Todavia, esperava-se que os obstâculos fossem superados, pois a cidade estava prestes a dar um "salto qualitativo" (Serete & Wilheim, 1965). Pensava-se fazer face aos problemas urbanos a partir do desenvolvimento industrial do Parana. Essa relaçào entre a orientaçào do processo de industrializaçào em curso e a vontade de dotar a capital do estado de um piano de urbanismo constitui uma explicaçào maior do bem-sucedido modelo curitibano. Varios estudos ja mostravam as vantagens da implantaçào de indûstrias em Curitiba, 0 mais importante tendo sido realizado em 1963 pela Sociedade de Analises Grâficas e Mecanogrâficas Aplicadas aos Complexos Sociais SAGMACSil. De outro lado, uma experiência de planejamento urbano iniciada 473
Viaçào Ilimitada
corn a "Plana Agache" e a fato de contar corn um meio profissional dinâmico e em plena atividade foram fatores importantes para a elaboraçào do plana de urbanismo. 0 mérita principal do plana Agache (elaborado em 1943) foi ter contribuido para 0 surgimento de uma mentalidade de planejamento urbano no seio das administraçoes municipais e estaduais, que daria seus frutos nos anos 60. A competência dos engenheiros e urbanistas de Curitiba constitui igualmente um fator importante para a elaboraçào do pIano de urbanismo. A importância das culturas locais ligadas ao urbanismo e ao planejamenta é demonstrada pela participaçào de engenheiros e professores da Escala de Engenharia na administraçào publica. Por exemplo, no momento da elaboraçào do pIano de urbanismo, ocupavam postos de destaque, coma a prefeitura (nas màos do engenheiro Ivo Arzua), a reitoria da universidade, a direçào da Estrada de Ferro, a direçào do Departamento de Urbanismo da prefeitura e a direçào da CODEPAR. TaI influência do meio acadêmico e profissional se consolidou corn a abertura, em 1961, do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Paraml, que constituiu importante ponta de encontro de arquitetos e engenheiros na discussào dos problemas urbanos de Curitiba. Alguns deles acabavam de retornar de estagios na Europa, especialmente na França. Este é, enfim, a contexto econômico, urbano e cultural onde se elaboram os eixos diretores do pIano de urbanismo da capital paranaense. Segundo seus autores, as linhas diretoras do pIano traçado para orientar 0 crescimento urbano da cidade nào deveriam provir exclusivamente de uma simples projeçào de dados a partir de modelos matematicos. Necessario se fazia tratar a cidade coma um organismo vivo, dinâmico, onde fosse dada ao planejador a capacidade de agir sobre 0 desenvolvimento futuro. Nessa perspectiva, as orientaçoes do pIano deveriam buscar7 : um desenvolvimento preferencial ao longo do eixo nordeste/sudoeste; um reforço dos centros secundarios, a fim de equilibrar a atraçào exercida pela centro principaL que seria servido par vias de circulaçào rapida; uma hierarquizaçào da rede viaria em funçào do tipo de usa do solo que, todavia, nào previa ainda a prioridade para a ônibus através da construçào de vias segregadas; um tratamento para a centro da cidade, corn a construçào de um anel circular de proteçào e de vias para pedestres. Por outro lado, a modela curitibano nào pode ser compreendido sem se considerar a contexto polîtico e institucional e a proprio processo de engajamento dos atores sociais na elaboraçào do plana. Isso porque a dimensào politica é particularmente importante no processo de planejamento urbano de Curitiba (Fachini, 1975; Fernandes, 1979). Uma vez que a CODEPAR se dispunha a financiar um plana, a prefeitura lançou um editaI para sua elaboraçào, tendo 6 empresas respondido ao 474
Rede integrada, Curitiba
chamado H. A comissào encarregada de analisar as propostas compunha-se de um representante de cada uma das entidades ligadas ao processo
6
'"CL
5
;::
3
~
a a a ci
4
2
o
•
Expresso
0
Biarticulado
•
Alimentador
•
C. Centro
•
Convencional
•
Troncal
•
Linha direta
•
Interbairros
Fonte: TURMA; Dados: URBS
A estabilidade da demanda ao loogo do tempo em Curitiba pode sel' explicada, em parte, pela ausência de concorrência do transpolte nào regulamentado (transportadores individuais operando COol veiculos de pequeno porte). Por outra Jado, a existência de um sistema integrado - abrangendo a capital e os demais municîpios da aglomeraçào e facilitando os deslocamentos da populaçào, que paga uma Lmica tarifa - e a presença de forte tutela püblica sobre 0 sistema constituern fatores determinantes para a inibiçào de formas nào regulamentadas de transportes. Para isso contribui também 0 fato de, a partir dos anos 90, 0 poder püblico ter dado prioridade tanto ao aumento da capacidade da tecnologia veicular, COol a entrada em operaçào do ânibus biarticulado, quanto aos veiculos coletivos nas vias (linha direta, troncal). Observe-se, todavia, que a ûltima curva da Figura 6 mostra um crescimento mais continuo da demanda pelas linhas diretas, alimentadoras, interbairros e centrais; 0 que seria explicâvel pelo fato de que essas linhas, atuando em l'ede, podern atendel' a uma demanda mais diversificada e oferecer serviços mais adaptados às necessidades de deslocamentos novos e menus ligados ao motivo trabalho, sendo estes atendidos por modalidades de trans487
Viaçâo llirnilada
porte de menor escala e percorrendo distâncias mais cunas. Paradoxalmente, a implantaçào de sistemas de alta capacidade tem CLlstos elevados e necessita de uma clemanda sempre em crescimento para que sejam coberros. Assim,o forte controle do poder pCilJlico e a busca constante de inovaçoes tecnol6gicas corn vistas a aumentar a eficiència do sistema regulamentado e oferecer melhores serviços à populaçào constituem uma garantia às empresas para que invistam nas melhorias tecnol6gicas, esrabelecendo-se, portanto, as bases do equilîbrio entre a tutela pliblica e a operaçào privada. Adem;.Jis, 0 pocler conceclente, através da Ulms, exc.:rce a tutela nao apenas sobre as empresas que operam na capital, mas também sobre as que ligam os municipios cla aglomeraçào à capital e no interior dos proprios l11unidpios (as chamadas "metrorolitanas integradas", subsidiadas; e as "nào integradas", autofinanciadas com a simples tarifa). Por outra iJdo, analisando-se a particiraçào clas dez empresas em operaçào no interior da capital, verifica-se a existência de uma forte concentraçào empresarial, pois as 4 maiores empresas respondem por 56% da demanda e 57% da frota (ver Tabela 6 no Anexo\ É importante notar que 0 peso clessas grandes empresas decorre de elas serem hegemônicas nos sistemas biarticulado e expresso, que constituem a espinha dorsal da recle de transportes - além do que, elas operam também todos os demais sistemas. Pode advir daf a estabilidade ou a equilibrio que se mantém na capital, a despeito do quadro nacional de crise dos transportes. Figura 6 Crescimento da demanda pelo sistema de transportes de Curitiba, 1980-1997 1200
1.000 al'emdas. Um estudo suhre 0 planejamento em Sàu Paulu, 1930. Tese de Doutoramento, FAU/USP, Sào Paulo - - - (991) "A formaçào do pensamento urbanfstico em Sào Paulo no mfclo do século XX" Espaço e Debates, n° 34, Sào Paulo LÉVI-STRAUSS, Claude (996) Saudades de Sàu Paulo IMS/Companhla das Letras, Sào Paulo MELLO, Luiz IgnacIo de Anha,a (946) "Um piano regulador para 0 municfplo: elementos constttuttvos do piano". ReVlSta engenhana, n° 41, Sào Paulo. - - - (940) Problemas de urbamsmo - 0 problema econômico dos servlços de utilidade publica PMSP, Sào Paulo - - - (933) "Urbanismo e suas normas para orgamzaçào de pianos" Boletlm do fnstituto de Engenhana, Sào Paulo - - - (929) Problemas de urbanismo' Base para a resoluçào do problema técnico lnstituto de Engenharia, Sào Paulo - - - (935) "A 'Socledade Amigos da Cldade' e sua funçào no quadro urbano". Boletim do fnstltUlo de Engenhana, n° 115, Sào Paulo MORALES, Carlos Antômo (1994) Expansàu da rede de ûmbus no mumclplO de Sào Paulo Dissertaçào de Mestrado, FGV/EAESP, Sào Paulo. SADER, Eder (988) Quando nooos personagens entraram em cena. Expenências e lutas dos trabalhadores da Grande Sào Paulo 19701980 Paz e Terra, RIO de Janeiro SANTOS, Milton (l990) Metropole corporatwafragmentada 0 casa de Sào Paulo SEC/Nobel, Sào Paulo, 117 p SEMPLA/PMSP (]990) Sào Paulo' Crise e mudança, Braslltense, Sào Paulo, 206 p SEVCENKO, Nicolau (992) Orfeu extatlco da
metr6pole. Sào Paulo, sOCledade e cultura nos frementes anos 20 Companhla das Letras, Sào Paulo. 390 p SINGER, Paul (1996) [Tm Rol'erno de esquerda para todos Luiza Enmdl1la 'la prefeltllra de Sào Paulo (1989-/9921 Brasiliense, Sào Paulo, 262 p. SOMEKH, Nadia (1997J A cidade vertical e u urhanismo modernizadur StudiO Nobel! EDUSP/FAPESP, Sào Paulo,173 p. SOUZA, Edgar de (]9821 HISt6ria da Ltght Primeiros 50 anos. Eletropaulo, Sào Paulo SPTrans, (]995-1996) Documentos diversos Sào Paulo Transporte S/A. Prefellura Mumclpal de Sào Paulo, Secretana dos Transportes, Sào Paulo - - - (]9%). Abordagem econômlca do sistema de ônibus de Sào Paulo. Periodo ju1!92Jun/96 PMSP/ST, Sào Paulo, 48 p - - - 0996a). Relat6no da admlmstraçào. Sào Paulo. - - - (997) Vefculo leve sobre pneus' a mais nova opçào para 0 transporte pubhco de Sào Paulo PMSP/ST, Sào Paulo, 33 p. - - - (]997a). Base de dados do slstema Sào Paulo. VILLAÇA, Flavio (]994). "Uma contribUlçào à hist6ria do planejamento urbano no Brasl!" III O Seminario de Hist6ria da Cldade e do Urbano, EESCIUSP, Sào Carlos - - - (]998). Espaçu l1ltra-urhano nu Brasil StudiO Nobel, Sào Paulo, 343 p ZIONI, Silvana (997). Evoluçào das relaç6es entre 0 poder publico e a ImClativa privada: o transporte urbano em Sào Paulo Texto Integrante da pesquisa Inovaçào Tecnol6gica e Urbamzaçào do Programa de Mestrado (em andamento), FAU/USP, Sào Paulo. - - - (1996) Vers l'analyse de la réglementatiun des seroices et de la pnvatisatlOn des transports collectifs urbal1ls (Sào Paulo' de la CMTC à la 5PTransJ, INRETS, ArcueIl, 40 p
1. As duas primelras partes deste texto têm por base um documento médlto de Silvana Zioni, Articulaçi5es entre iniciatwa pnvada l' intemençào pUblica - Trajet6ria paullStana e situaçào atual. A tercelra procede de matenal reumdo por Ettenne Henry no quadro da pesquisa Trajet6ria l' perspectivas de uma proflSSionalidade urbana os transportadores brasiletros (em particular, dados extraidos de OnibuLIS. OnihuCad e OnihuGru) Tanto os dados como as mterpretaçàes foram elaborados
em comum pelos autores; porém, esta sintese recorre a numerosas referências de colegas e autores, cujos aportes nào padern ser aqui esquecidos. 2. Corn uma populaçào semelhante à de Sào Paulo, a Cidade do México conta hOle corn uma rede de metrô que é a qumta do mundo em extensào e a quarta em frequentaçào, embora em decrésClmo absoluto desde 1989 (Henry & Kuhn, 1996)
563
Viaçâo Ilimitada
3. Analisando atentamente a constitulçào do "espaço mtra-urbano no Brasl1" em relaçào a dlversas formas de segregaçào, FlavIo VIl1aça (1998, 114) estabelece em relaçào a Sào Paulo (e Belo Horizonte) que "0 conjunto vale/ferrovla funClona entào como uma barreira que define 1 1 0 'Iado de la' e 0 'Iado de ca' 1.. ./ A barrelra dlvide o espaço urbano em duas partes, que têm custos e tempos de deslocamento ao centro diferenClados."
1897 Cristina Leme lembra que a Light, estabeleClda no Canada, fOl ongmalmente constituida corn capitais ingleses e téClllCOS norte-amencanos (Figueroa et al., 1993).
4. 0 peso relativo da capital dentro da RMSP vern decrescendo desde entào. Por sua vez, a estrutura urbana da Cldade de Sào Paulo fOl se alargando em direçào à periferia, mduzindo a expansào da rede viaria e do transporte coletivo corn predomimo do ônibus 5. Pouco tem mudado a Idenudade da cldade que se Impunha ao sentido comum no seu surglmento metropolitano: "Afmal, Sào Paulo nào era uma cldade nem de negros, nem de brancos e nem de mestiços; nem européia, nem americana, nem nauva, nem era mdustnal, nem subtropical; nào era ainda moderna, mas jâ nào tinha mais passado Essa cidade que brotou subita e inexphcavelmente, como um colossal cogumelo depois da chuva, era um emgma para seus pr6prios habitantes, perplexos, tentando entendê-lo como podlam, enquanto lutavam para nào serem devorados 1.. ./ Omal era urbano, ou melhor, metropolitano Sào Paulo, por força das circunstâncias, quisesse ou nào, devena pagar 0 preço da sua metropohzaçào desenfreada, orgulho primordial, alias, dos mesmos paulistas 1..1 Ao contrario da aldeia origmal, cntenosamente planeJada segundo 0 ambicioso projeto catequétlCo dos Jesuitas, a Sào Paulo moderna nasce de um motim dos fatos contra qualquer ética da prudência ou do bem-estar 1.. ./ Nesse quadro, estabeleCldo pela expansào internacional da economla cafelCultora, a Cldade de Sào Paulo, subproduto imprevisto e até inopartuno dessa evoluçào, aparece aos agentes desgarrados e itinerantes enredados nela como a passivel b6ia salva-vidas no descomunal naufrâgio que os flagelara 1. 1 Tanto a forma hlst6nca da metr6pole quanto as modernisslmas tecnologlas implicadas nela para transporte, comunicaçàes, produçào, consumo e lazer, a experiência mesma de assumlr uma existência coleuva inconSCiente, coma 'massa urbana', imposta par essas tecnologlas, se abateram como uma clrcunstânCla imprevista para os contingentes engolfados na metropohzaçào de Sào Paulo" (Sevcenko, 1992, pp 31 sq.). 6. Concessào outorgada à Light & Power Ltd pela Câmara Mumclpal através da Lei nO :303 de
7. Ao comentar duas fotografias do bonde na rua da Liberdade, que tirou em 1931 quando vlveu em Sào Paulo, 0 antrop610go francês Claude Lévi-Strauss lembra. "0 encanto da cidade, 0 mteresse que ela susCltava vinham pnmeiro de sua diversldade. Ruas provincianas onde 0 gado retardava 0 bonde; bairros deteriorados que sucediam sem transiçào às mais ncas residênClas, perspectivas Imprevistas sobre vastas paisagens urbanas' 0 relevo acidentado da cidade e as desfasagens no tempo, que tornavam perceptiveis os estilos arquitetômcos, cumulavam seus efeltos para cnar dia ap6s dia espetaculos novas Balrros nasciam" (Lévi-Strauss, 1996, pp 69-71) 8. Entre 1915 e 1922, 0 numero de vefculos passou de 374 a 404 e as dlstâncias percomdas de 9 mil a 13 mil ml1has, enquanto 0 numero de passageiros passou de 51 milhàes a 119 milhàes ao ano 9. "0 numero de vefculos, que inclui carroças, blCicletas e outros licenciados no Mumcfpio, em 1939, era de 57.846 A essas unidades devem-se somar 563 bondes e reboques que nào pagavam licença, compondo um total de 58 409 veiculos. Os acidentes apresentavam média de 150 mortes por ano. Em 1938, em 1.804 acidentes, reglstraram-se 159 mortes e, em 1939, 147 pessoas morreram em 1.575 aCldentes" (Somekh, 1997, p 121). 10. Decreto assmado pela presidente Getuho Vargas em 1937, um mês antes de se aplicar a denuncla do contrato pela Light, a quai teve que contmuar oferecendo 0 servlço por periodo mdefimdo, mantido ao longo da Segunda Guerra Mundial por imposlçàes de segurança nacional 11. "A quase totalidade dos novos loteamentos acha-se praticamente desprovlda de edificaçàes, o mesmo venfIcando-se corn grande nûmero de loteamentos antigos Constata-se, pOIS, que 0 espaço colocado à dlsposlçào da expansào urbana de natureza residencial contmua superando de mUito as necessldades da Cldade, permanecendo a especulaçào imoblharia que Jâ caracterizava 0 periodo antenor 1.1 0 bonde contmua arrojado. Passou a servir um bamo de ongem anterior a 1915. 1 ./ Os ônibus contnbuem também na valorizaçào de alguns bamos periféncos de Sào Paulo, aJudando a aumentar sua polanzaçào, de que resultarâ a formaçào de 'subcentros'" (Langenbuch, 1971)
564
Notas e referências 12. PMSP/SMT, 1992.
res, no seu caminho e nas horas, como no preço de suas passagens, para que 0 pubhco flque bem servido. A concorrência entre os auto-ônihus, fazendo-se pelo abalXamento Irregular [do preçoJ das passagens, pelo excesso de carros em certas horas do dia e pela sua falta em outras, pela abundância em alguns pontos da cldade e pela sua ausência em outros, constitui um mal para 0 publico. Convém que a Càmar
Empresas e ôrgâo gestor, conformando 0 poder 1. Especificidades das empresas de 6ntbus no cendrlo de transporte 1.1. Umcldade da oferta e duplicidade da açào pubhca Figura 1 Repartiçào modal das vlagens motonzadas em Belo Horizonte, 199'; 1 2. Um setor de ônlbus pouco concentrado e heterogêneo Tabela 1 Multlphcldade de empresas operadoras de Belo Honzonte em relaçào a algumas capltals hrasllelras, 1996 TaheJa 2 Caracteristicas das empresas mumClpals de ônihus de Belo Horizonte Figura 2. Heterogeneldade das empresas municlpals de ômhus de Belo Horizonte, 1997 Tahela 3 Dlversldade das empresas de ômbus belo-horizontinas 2. Orlgens do setor: dos bondes ao 6ntbus 2 1 Na era dos bondes Tahela 4. Reduçào da participaçào do bonde e captaçào de passagelros pela ômbus em Belo Horizonte, 1945-1948 2 2 Desenvolvlmento do modal ômbus 3. Capacttaçào gerenctal e tmpulso do 6rgào gestor 3 1 RaclOnahzaçào e gestào metropohtana Figura 3 Mudan\;a do sistema metropolitano de Belo Honzonte em 1981 Figura 4. Reduçào do numero de operadoras entre 1970 e 1980. Belo Honzonte versus Sào Paulo, Recife e RIO de JaneIro 3.2. Volta à mstâncla munIcipal Figura 5 Escala e vanaçào das empresas de ônibus do mumciplO de Belo Horizonte, 1992-1997 4. Prdtkas gerendats nos empresas de 6ntbus 4 1 Orgamzaçào do trabalho 4 2 GerenClamento da força de trahalho Figura 6 [mportânCla do pessoa! de operaçào na força de trabalho das empresas de ômhus mumClpals de Belo Horizonte 4 3 Condlçôes de trabaJho
611
285 286 287 288
288 2H9
2H9
290 291
292 292 293 293 294
294 295
295 296 297 299 301 301 301
303 304 306
Viaçào llimitada
4 4 Regulaçao de confhtos Dm estllo de relacionamento entre empresârlos, trabaJhadores e poder pûblico
308 309
Anexo Tabela 5. Empresas mumcipais de ônibus de Belo Honzonte - Dados operaClonalS, 1997 Figura 7 Esquema das relaç6es de trabalho na empresa
CAPiTULa VI
Modernizaçao, abordagem empirica das empresas frente às exigêndas do transporte
313 314
315
joaqlllm Aragào
Que modernizaçào? 1. Pesquisar sobre modernizaçào nas empresas brasileiras de ônibus 2. Eficiência efrota das empresas, indicadores de modernizaçào Figura 1 Concentraçao da frota total nas empresas de Regl6es Metropohtanas Figura 2 Distribuiçao das empresas de ônibus urbanos par épocas . Figura 3 Direçao predommantemente famlhar das empresas de ônibus Tabela 1 Fundaçao, dlreçao e parentesco nas empresas de ômbus 2 1 Produçao e modermzaçao . . . . . . Tabela 2 Quantidade de hnhas operadas pelas empresas pesqUlsaclas Figura 4 Quilometragem mensal percarrida pelas empresas pesquisadas Tabela 3 Passageiros mensalmente transportados pelas empresas pesquisadas Figura 5 indICes de passagelros transportados par quilômetros roclados segundo empresas de ônibus 2 2 Modermzaçao da frota Figura 6 Participaçao de ônibus alongados, artICulados e convencionais na frota total das empresas Figura 7 1dade média dos ônibus nas empresas de transporte urbano Tabela 4 1dade média dos ômbus convencionais nas empresas pesqulsadas Tabela 5 1dade média dos ônibus alongados nas empresas pesquisadas 3. Estdgios de modernizaçào empresarlal 3.1. 0 pessoa/. utllizaçao, quahfICaçao, treinamento e relaçàes humanas Tabela 6. Relaçao pessoal total par frota total nas empresas pesqUlsadas Tabela 7 Relaçao pessoal de operaçao par frota total nas empresas pesqUlsadas Figura 8 DlstribUlçao do pessoal par classe de empresas de àmbus urbano Tabela 8. PartIClpaçao do pessoal de nivel médlo nas empresas pesqUlsadas Tabela 9. PartIClpaçao de pessoal de nivel su penar nas empresas pesquisadas 3.2. 0 avanço da informatlzaçao 3.3. Contrataçao externa e relaç6es corn fornecedores 3.4. Estratéglas e marketing o quanto de modernizaçào?
CAPÎTULa
VII
ônibus e lotaçào, uma experlênda de convivio regulamentado em Porto Alegre Beatnz Costa, LUIs AntonIo Lmdau, Chnstme Nodarl, LUlz Senna & Ivamce Velga
612
317 320 321 322 323 323 324 324 324 325 325 326 326 327 327 328 328 328 328 329 329 329 330 330 331 332 332 333
337
Su ma rio analitico Mapa 1 Urbamzaçào da Reglào Metropohtana de Porto Alegre Mapa 2 Porto Alegre na regiào gaucha
.B9 .340
Diferentes formas de prestaçào dos serviços de transportes: urna experlênda bem-sucedida 1. Historlco do planejamento urbano e do sistema de transporte coletivo
.H1
2.
J.
1.1 Dos pianos de CIrculaçào aos pianos dlretares de desenvolvlmento urbano 1 2 Os transportes colettvos de Porto Alegre e da Reglao Metropohtana Tabela 1 Sistema de transporte urbano par ômbus de Porto Alegre Dados operaCIonals por empresa 1 3 0 transporte nao regulamentado Trajetorla da companbta pubUca porto-alegrense e dos operadores prlvados de 6ntbus 2 1 TranscendênCIa da Carns Porto-Alegrense Tabela 2 Ômbus e lotaçôes em Porto Alegre, 1996 Tabela 3 IndICes operaCIonals de ômbus e lotaçào em Porto Alegre Figura 1 Evoluçào da demanda nas hnhas transversalS da Carns, 1976-1996 2.2. Farmaçào e evoluçào das empresas pnvadas de ômbus 2.3 Futuro do sistema de transporte par ômbus em Porto Alegre e na RMPA Lotaçilo regulamentado inserldo no sistema de transporte 3.1 Ongem, justIficattva e cnaçao do Subslstema lotaçao 3.2 Caracteristicas da operaçao do Subslstema de lotaçào em Porto Alegre 33 Avahaçào do lotaçào e perfll do usuario Figura 2 Comparaçào da avahaçao dos atnbutos do ômbus e do lotaçào em Porto Alegre 3 4 Lotaçào sistema substituto ou concorrente ? Tabela 4. Probabilidades de escolha modal e equlvalência relatlva para cenarios porto-alegrenses Tabela 5 Parâmetros de equivalência relattva entre ômbus e lotaçao em Porto Alegre Tabela 6. Niveis de tarifa e tempo de viagem dos cenarios porto-alegrenses
Em perspectiva: plurimodalidade
342 .:H2
343 346 348 349 349 349 349 352 352 356 360 361 362 364
365 365 367 368 368 369
5eçào C ÔNIBUS NA ECONOMIA E NA CIDADE CAPITULO VIII Os Cunis, um esquema analitko. Da produçào simples
do serviço à empresa capitalista de transporte Etienne Henry
Um modelo empresarial emergente 1. Enfocar a empresa 1 1. Questào de enfoque' ideahzar, induzlr ou deduzir? 1 1.1. Enfoque idealista . LI 2 Enfoque mdutivlsta 1.1.3 Enfoque dedutlvlsta 1.1 4. Rumo a um enfoque slstêmico 1 2 Elementos para a economia dos transportes
613
373
375 376 377 377 378 378 379 380
Viaçao llimitada
2.
Os transportes colettvos em seu contexto: 0 dmbtto do funil Figura 1 Condlçàes gerals de produçào do transporte - Fuml 1 J. Os funts da produçào simples e ampUada de transporte 3 1 Esquema simples' 0 fuml da produçào baslca Figura 2 Da produçào à reproduçào sImples do transporte - Funil 2/1 3.2 Esquema complexo reproduçào ampllada no fuml Figura 3. Reproduçào amphada e acumulaçào no transporte - Funil 2/2 4. Esquema desenvolvido: 0 encaixe dosfunis Figura 4 Esquema geral da produçào e consumo de transporte Encalxe dos fums Os funis em perspectiva
CAPÎTULO IX
Hegemonia privada, da capital do bonde ao ônibus no Rio de Janeiro Rômu!o Omco & Em!son Santos
383 383 387 387 388 390 391 395
397 399
401
Mapa 1. Crescimento populaClonal do RIO de Janeiro na baia da Guanabara Mapa 2 A Reglào Metropohtana do RIO de JaneIro
403 404
Os transportes pûblicos como negôcio face à evoluçào da urbe capitalista 1. 0 papel bist6rlco dos transportes pûblicos na conformaçào da metr6pole Tabela 1. Populaçào e taxa de creSClmento dos municiplOs da RM~J, 1980-1996 1.1 A capital dos bondes 1.2. A cldade dos ônibus dos trilhos aos pneus
405 407 408 410 413 416 417 418 418 419 424 424 425 425 426
2. A atual begemonia do ônibus em um contexto de oferta plurlmodal 2 1. lima dlVbào modal alOda favorave\ aos transportes coletivos Tabela 2. Evoluçào da divISào modal na RM~j Figuras 1 e 2. DivIsào modal dos deslocamentos na RMR] 2.2 Uma organizaçào do setor privado supenor à dos poderes pûbhcos J. A concentraçào das empresas no mercado de transporte 3 1 Concentraçào empresanal das frotas Figura 3. Concentraçào das empresas de ônibus da RMR] em 1993 3 2. Concentraçào das empresas em grupos ReguIamentaçôes e reservas de mercados Anexo Tabela 3 Empresas de ômbus urbanos na RMRJ, 1993
CAPlTULO X
A caminho da qualidade, encontro entre empresas e prefeitura em Campinas Marcos Bicalho, jurandlr Fernandes & Dominique Mouette
429
431
Mapa 1 DlOàmica area metropohtana de Campinas Mapa 2 CamplOas, metr6pole nova no intenor pauhsta
433 ·!34
Campinas, metl'Ôpole em busca do seu transporte . Tabela 1 CresClmento populaclOnal da cldade de Campmas, 1940-1991
435 435
614
Su ma rio analitico 1.
Mudanças no sistetna regular de transporte prlblko de passageiros Tabela 2 Empresas de ômbus atuantes no mumcipio de Campinas em 1996 Tabela 3. âmbus fretado versus municipal na regiao de Campinas, 1992 1 1 De uma ûmca empresa operadora à diverslftcaçao do servlço Figura 1 Indicadores de desempenho dos ônibus mumcipais de Campmas, 1990-19% 1 2 A atuaçao do poder pûbhco Figura 2 Produtlvidade e frota de ômbus no mumcipio de Campinas, 1990-1996 2. ModernizaçiJo e busca de quaUdade no setor de transporte Tabela 4. Resultados operacionals do sistema ônibus de Campinas, 1990-19% 2.1. A evoluçao do modelo de remuneraçao . 2.2.0 slstema de bllhetagem automatlca . J. Relevanda do transporte por 6nibus .fretado Figura 3. Empresas e veiculos cadastrados em Campinas, 1995-19% 4. RedeflniçiJo da rede de transporte e do piano vidrlo de circulaçiJo Tabela 5 Empresas de transporte urbano na area metropolitana de Campinas, 1992 Qualidade de serviço e qualidade de vida: motorizaçao propria e transporte coletivo Figura 4 Motorizaçao mdlvidual versus coletlva no mumcipio de Campinas, 1990-1995
CAPfTULO Xl
Rede integrada e viaçào dlante do modelo urbanistico de Curitiba
436 436 437 437 440 441 442 443 444 444 447 448 449 450 451 452 454
457
AniSio Braslleiro
Mapa 1. Urbamzaçao da Reglao Metropolitana de Curitiba em 1991 e tendênclas popufac\onais dos municfpios até 19% Mapa 2 Espaço regional de Curitiba, capital do Parana Urbanismo e transporte em um projeto de cidade 1. Diretrlzes de planejamento em contexto de rdpida urbanizaçilo Tabela 1. Populaçào da Regiào Metropolitana de Curitiba em 1970, 1980 e 1991 e taxas de crescimento anual . 2. Da rede da capital Il rede metropolitana de transportes Figura 1. Desenho da Rede Integrada de Transporte por ônibus de CUrItiba Figura 2. Demanda na rede mtegrada e externa à RIT na Regiào Metropolitana de Curitiba, 1997 Mapa 3. A rede de transporte de CUrItiba em nive! metropohtano, 1998 Tabela 2. Dados operaclonals da rede metropohtana de transportes de Curitiba - Dia ûtll 1997 Figura 3. Esquema da estaçào-tubo para embarque e desembarque de passagelros na Rede Integrada de Curitiba (desde 1990) Tabela 3 Caracteristicas das empresas municipais de Cuntlba Tabela 4 Empresas metropohtanas mtegradas de Curitiba Tabela 5. Empresas muniClpais metropolitanas nào integradas de Curitiba J. U",-isfIW e transportes Il serviço da cüItJde . 3.1. Urna politica local favoravel aos transportadores
6-15
459 460 461 462 463
464 464 465 466 467
468 469 469 469 470 470
Viaçao Ilimitada
3.2 Dm piano de urbanismo baseado nos transportes 3 3 As empresas dlante da rede mtegrada de transportes Figura 4 Retrospectiva da construçào da Rede Integrada de Transporte de Cuntlba, 1974-1997 4. Novas respostas aos desa.JWs metropoUtarros emergentes 4 1. As empresas face à nova regulamentaçào dos transportes 4.2. Troca de lixo par passagem 4.3. Do projeto de bonde ao ônibus blartlculado em parcena 4.4. Planejamento metropolitano produtlvo e de transportes A empresa dJante da tutela piibllca Figura 5 Demanda na rede de transporte de Curitiba e subslstemas, 1963 - 1997 FIgura 6 Crescimento da demanda pela sistema de transportes de Curitiba, 1980-1997
472 476 478 480
480 481 482 484 485 487 488
Anexo Tabela 6. Empresas de ômbus da Regiào Metropolitana de Curitiba, - 1997
CAPiTULO
XII
Cldade modernista e duopôlio prlvado no transporte coletlvo em Brasilia Nazareno Affonso, EtIenne Hellry & MauricIO Muniz
Mapa 1. Distrito Federal Populaçào urbana (1991) e creSClmento das cidades-satélltes (1991-1996) Mapa 2. Brasilia, capital federal no planalto central Os elxos da utopla urbanistlca e rodovlâria
1.
2.
3.
BrasfUa sobre rodas 1.1. Concepçào da capital rodoviâna 1.2. Do sonho urbanistico à realidade dos transportes Figura 1. Cresclmento populacional do Piano Piloto e cidades-satélites. Distrito Federal, 1959-1997 1.3. Brasilia excludente dos seus candangos Tabela 1. Frota de ônibus urbanos do DIstrito Federal Figura 2. Frota e passageiros par quilômetro das empresas privadas e pûblica de ômbus no DF, 1972-1995 . . . FIgura 3 Passageiros transportados pelas empresas de ônibus urbanos do DF, 1972-1995 Estruturaçilo do transporte coletivo privado . . 2.1. Pioneiros dos transportes no surgimento da capital 2.2 Precârio começo da operaçào pûblica . . 2.3. Paulatina estruturaçào do setor privado Do monopOUo pubUco ao duopOUo prlvado 3.1. Consolidaçào privada via Caixa Ûnico Figura 4 Passageiros transportados pelas empresas de ônibus urbanos do DF, 1972-1995 . . . . . . ..... 3.2 Derrocada do monop6ho pûblico e crise atual Figura 5 Crescimento e queda da empresa pûblica TCB, 1972-1995 3.3. Consohdaçào do duop6ho privado
616
490
491
493 494 495 496 496 497 498 500 502 503 504 504 504 505 508 510 510 512 513 514 515
Sumârio analitico Figura 6. Farmaçào e cresclmento do duop6ho pnvado em Brasiha, 1972-1995 Figura 7 Produçào comparada das empresas pûhhca e pnvadas de ômbus do OF Figura 8 Predominio do duop6ho pnvado sohre a oferta de transporte do OF em 1996 34. Monop6hos e rodovlanos 4. 0 remoi"bQ de BrasiUa Tabela 2 Caracteristicas de ofertas do sistema de transporte coletlvo do OF em 1998 4 1 Transportes de vlzinhança, alternativos e dandestinos Figura 9. Modais do sistema de transporte coletivo do OF em 1998 4 2 Paraiso e inferno do autom6vel Figura 10. Evoluçào das frotas de autom6veis e ômbus do OF e tendêncla à motonzaçào pr6pria 4.3. Na trilha do reahsmo metrovlario 4 4 0 Oistrito Federal em movlmento Figura 11. Segregaçào urbana e mobI1idade diferenClal no OF em 1992 Mercados do transporte e urbanismo real Tabela 3 Caracteristicas das empresas de transporte par ônibus convenclonaJ do OF, março 1998 Mapa 3 Mercados dos transportes de Brasilia em 1998
519 519 521
522 522 524 524 526 526 528 529 531 532 533
Alcances do ônibus e limites da viaçJo
535
Algumas palavras do passado ao futuro
552
GARAGEM:
EpiLOGO'
517 518
Rogério Be/da
AImoxarifado APÊNDICES OA VlAÇÀO
Notas e referências
557
LINHAS:
Bibliografia da Vlaçâo
587
RODAS
Sumârio analitico .
605
BILHETIS.
Abstract and Excerpts LtcL
618
Glossârlo de siglas e acrônimos
628
LOGOMARCA. PEÇAS: TURMA:
Sobre os autores
632
617
Logomarca
Abstract and Excerpts Ltd.
Transporters Unlimited. Buses in Brazilian Cities Those that hve dady wlth transport are the ones that know least the cond[tlons in whlCh the service is prov[ded by compames, under the tute!age of the public authonties The concrete condltlons of provision of th[s pubhc service, whose responsibihty falls more and more on pnvate operators, are bemg fully redefined world-wlde For half a century, Braztl has dlstingUlshed itself from other LatmAmencan countries m possessmg a strong supply of private bus transport, on the basis of a concentration mduced m great compames. This being so, the Brazlhan transport entrepreneur, cornes to be, in a certain way, a pioneer on the world panorama. However, much of ItS ongin and ItS way of mternal orgamzation [S not very famlhar elther to the public or to spec[ahsts in the subJect Far from the management that prevalls m mdustrialloglC or m the provision of other urban serViceS, the organizatlon of transport m Brazil is not exempt from flaws and limlts, that become more evident m the current plCture of the real dlfflculties of the public authoritles when they mtend to take upon themselves the task of meeting the travel needs of urban populations. If It is certam that problems subs[st in the sector, such as the pnzmg of produCt[Vlty above quahty, family management stll1 prevaiImg over the VISion of the modern company or the mtentlons of monopoly by the State regulator, It IS also a fact that busmess people of the area accumulated an unquestionable knowledge of great soentific and practlcal mterest In Brazll, hlstoncal and soclo-economlC factors created a structure of transport productlon serViceS that, starting from an atom[zed and artisan supply, predominated until the flrst years of the 70s, and suffered rap[d evolution in the sense of a growmg concentration, whose result was the formation of great compames In counterpomt to the Isolated operator, wh[ch still charactenzes the LatmAmencan panorama, the transporter [S the entity that most dosely typlfles the Brazlhan umverse of urban transport Now, whlCh analytical dimension underhes thls contra-pOSItion between both denommations, that defme an apparently common reality? Several sClentlflc questions of general reach are answered here One of them tells ahout the supposed mexlstence of economles of scale 10 the transport sector analysis of the Brazlhan expenence negates th[s c1asslC postulate, speoflCal1y in Sào Paulo. Another refers to pnvatlzation, a formula that lacks strict sense m a country where, histoncal1y, urban transport was always largely control1ed by the initiative of owners that reached Important levels of accumulation Indeed, this is one of the secrets of the success of an expenence such as the one of Cuntlba, global1y valued as a mode! wlth regard to sustamahle development. Another recurrent theme dlscussed at mternatlonal level is the regulation of the service, mdudmg partnershlps and the assemhly of legal regulators beyond the bounds of city counols. here, also, Brazll tnes original formulas, as m the case of Reofe General1y fmanced by the users, urban
Abstract and excerpts ltd. transport does not stop hemg an Important theme of local pohucs, WhlCh IS expressed as much through strong social movemenb as through ongmal modes of participation of the Cltlzens The Impact of collecttve transport on OUtlt-up areas IS declslve, indudmg 10 modern artlflCial Clties hke BrasilIa, where the movement of populatlns between the center and the penphery contradlCls the ongmal planmng. Producttvlty. quality of management, and the Impact of the servIce on urbamzatlon are other themes treated To .summanze, a systems treatment by each of the acton, m the transport IS made, m whlch the development of a prores'Ionah'lll stands out - the busmessperson of the sector, today threatcncd by the growth of mdividual and semi-collective modahties of bus transport The book umtes origmaJ artIcles and the partial results of research accomplished m the scope of a wlde proJect, Path and perspectives of an urban professlOnaltsm the Brazl/u11l operators, deveJoped m mternatlOnal cooperauon Organized in three sections that combme analytlcal and empmcal aspects, generaI and local - "Transporter and tutelage on transport", "Grawth and management of the trJ.nsporter" and "Buses m the economy and m the city "-, the book offers, as weil as a general panorama (with ongmal data commg from field research), eight chapters that speclflCally refer to the urban centres of Sào Paulo, RIO de Janeiro. Belo Honzonte, Brasilla, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Campmas, Natal and Fortaleza Anîsio BRASILEIRO & Etienne HENRY,
organizers
A. TRANSPORTER AND THE TUTELAGE ON TRANSPORT 1. Transporter Secretary. fabrication and promotion of the Brazilian bus system In what measure has the urban bus been fnut of a concerted long-term pollcy or the consequence of msufficient and dlscontinuous pubhc intelVentlons' If compared with the rest of LaUn Amenca, the nauonal dimenSIOn of the Brazilian pohcy stands out. But, when confronted by the legltlmate daims of autonomy and soverelgnty of the local authontles, lts defects are shown Between both VISions, the semantic shp of the word transporter - that characterized the pubhc body entrusted with the sector and of ItS mfrastructure and began to slgmfy the urban bus companies - would indicate a degeneration of the contemplated reahttes' / / From a simple requirement for a vigorous regime of capltalist accumulatIon, transport returned to be one of the mam points of the via cruClS of the great urban centres and to exacerbate SOCIal tensions, that would requlre a more pronounced public intervention State and SOCIal mobihzatlon marked the last three decades, transformmg transport lOtO a "soCial problem" / / Concentration and modernization, accompanied c10sely by the car industry, ralsed by the benefit of state tutelage, seem to be the mam explanatory keys of the miracle that transformed a tradlttonal corporate craft lOtO a powerfuJ busmess, organized 10 powerfuJ economlC groups and mfluential bodies that represent the c1ass.
Anîsio Brasllelra & Etienne Henry
Metamorphosis of the Brazllian transporter 1 1. l 1.2 1:3 1.4 1.5
Road miracle and the transporter mirage From railways to the government of roads AdmlnIstratton of ciUes and delegation of transports Industnahzatlon and the peak of road transport The miracle of the transporter Hegemony of the automobile and the bus manufacturers
619
Viaçao Ilimitada
2 21 22 23 24 2.5
The bus transporter in the social emergence of urban transport Utopian central intervention m urban transport Pubhc companies and leftovers The transporter and social moblhzatlOn Municipal secretanes before the transporters From the transporter Itself to the transporter for itself
Beyond the transporter and the bus
Il. Buses in the mega-city, links between private initiative and public intervention in Sâo Paulo The pecuhar character found m Sào Paulo is to opt for road transport, marked not only by the fifty years of dommation by one large municipal public transport company, but also by the growth of a local business communIty that took the place of the foreign capital responslble for the operation of tramways smce the end of the last century / .. / In what did the intervention of the pubhc authonty help or limll the concentration and business modemization process? Or, VICe-versa, m what measure would have the dynamlsm of foreign capital - (of English or Canadian originJ, of ltalian or Portuguese immigrants, of other states (above ail from Minas Gerais) or mdeed local capital- allevlated or worsened the responslbdlty of the State, that could mamtain itself practically only m the role of concedmg power? What technical and, before anything else, economic and social limits, also assures this link, at the moment m which Sào Paulo arnves at the bnnk of a generalized collapse in urban services? / . / Thus, in Sào Paulo, in part because of poor links among public and private and in part through the dynamICs of the city and its transport system, mobliity IS practlced to the rhythm of a wild solitary dance, as soon as the partnershlp brought dlsillusion.
Etienne Henry & Si/vana
ZlOlll
Transport in the challenging mega-city 1. 11 12
Nostalgia for the tramway, trashed by the operator Ught Tramway, hght & power' wisdom of a double pnvate monopoly The modernist mtentlOn and the pubhc foundation of transport
2. 21 22 2.3. 24. 2.5.
DisWusion, or public motivation of bus companies PublIC monopoly and private operation. ambiguous mheritance Private buses. dependency of the tramway Public versus pnvate. re-articulation of the forces Pnvate versus pubhe the rules of the game redefme themselves Buses and metropohs. common challenges
3. 31 32 3.3
Stroke of necklace, or buses under private initiative Accumulation of buses in partnership: a Trojan horse Internai adminIstration from garage to company Alternative sustamablhty. a possibility for the bus
Mobillty and the solitary dance in the megalopolls
III. Metropolitan success in Recife, state and business influences in the Northeast In the urban and metropolitan areas of the capitals of the Northeast, an attempt may be made to authentlcate the hypothesis of the national strength of the modern pnvate capitalist company and its links wlth the local company ,1. / The concentration and modernization of bus companies from Pernambuco
620
Abstract and excerpts ltd. fmd, its hmlts m Its own formation Based on purely local and family capItal, mamtaimng sohd tles with the economlc and social structure of the reglon, actmg in a closed tmnsport market and m a relatlvely stable situatIon in recent years / / ReCIfe constitutes an exemplary case. there, the motive force of the processes of umficatlon of the market and of company concentration is the action of the public authoritles through the EMfU In thls condItIon. one may speak of state success, aIthough umque (in partlcular, m what Il says about metropolitan co-ordmation). Fortaleza, on the contrary, points to the fact that It IS the compames that extend thelr operating 10gIC over the whole metropolitan area, even though the public authonty has been assummg a relief role. Thus, both cases produce antagomstlC answers to the question about who exerclses the main role in the process of modermzation of private compames Amsio Brasi/elro & Emlson Santos
Public and private strategies in the metropolitan area 1. Urbanizatlon and socio-economy in crisis l i A physlco-spatlal confIguration m check 1.2 AcceIerated metropolizatlon and penpherizatlon 1 3 An economy m cnsls 2. 2 1. 2.2 2 3. 24. 2 5. 2.6.
Coexistence of public and private modes Modal repartition m pubhc transport Predommance of concentration in a diverslfied company picture MunicIpal, mtermuniClpal and interstate services Services provided by small vehlcles (mformal) An mnovative regulatory picture An ongmal metropohtan management
3. 3.1 3.2 33 3.4 3.5. 3.6
State interventlon and strategies of company concentratlon The role of the tramway m the mitial structunng of urban markets Appearance of the flrst small vehlCle transporters From mdivldual transporters to bus compames The private company m crisls State intervention and company concentration in the metropohtan market The compames face state actIOn
4. 4.1. 4.2. 4.3 4.4
Regional dynamlcs, or the spatial nature of the transport markets Bnef confIguration of the cilles and of thelr transport systems Fortaleza busmess hegemony and the atomization of companies From the urban to the metropolitan . reglonal Company 10gIC in regulated markets
Power of regu1atlon versus regional private logic
B. GROWTH AND THE MANAGEMENT Of TRANSPORTERS IV. OnibuCad, typological registration and scale dynamics of transporters By Simple countmg for dIrect research, Il is hoped to establish a typology of compames, group them accordmg to critena of quahty or of efflciency, to deduce levels of modernity or steps of scale and even to recogmze an Ideal slze of an operator umt, If thls eXlsts In addItion m the collection of quantitative mdlcators on several diverse physlCal, operational and managenal charactenstlcs of the compames, the typology is refined, cntena for the comparison among companies established and the inter-
621
Viaçào Ilimitada
pretation of this reality IS verified. Il is possible, then, to confront the knowledge acqUired emplflcally wlth the scienliflC postulates that guide the umversal reasonlng about transport, economlC thought and to approach quesllons of town planning directed to the citizen. / / Indlvldual, artesanal, famdy and Iradltional transporters, as evoJulionary, modermzlng, hegemomzing and monopollZlng compames, ail these forms of operation of the servICe conslltute types that cannot be reduced to the operation of cou nting buses. Nor the relation among them can Just be focused on an evolutlonary vlew from one form to another, under the protection of the process of concentration Illnited to the capital Invested ln buses. EtIenne Henry
Counting buses 1. From theoretical questions or methodologies to typological answers 1 1 Obsessive presumptlon of diseconomy of scales of productIOn 1 2 Prevlous charactenzallon of the units of production of the transport service
2.
Registering and verifying the typology of the Brazilian bus companles
3.
Measuring the dimensions of the companles
3 1 Growth of the companies m slze and fleet 3.2. Headquarters and garages of the compames 3.3. EqUipment of the compames and mfrastructure
4. 41 4.2 4 :3 4..1
5. '; 1 5 2. 5:3.
6. 6.1 6.2
Producing in scale: business management Management styles m transport Organizallon and mstruments of business management Management of maintenance Social pohcy J.nd management
Scaling the productivity of the companies ProductlVlty of the work OperatlOna! productivlty Producltvity and external vanahles
Evaluating growth and concentration of the companies For a histoncal VISIon of the process of bUSiness concentration GeographlCal viSion of the territonal concentration of urban huses
Telling a tale
V. Managerial capacity of the bus companies in relation to the public organizing body in Belo Horizonte A speClfIc observalion concermng Belo Horizonte' untll today, there are malntamed there small ta medium compames - in whlCh one type of traditional, family and paternalist management still prevails -, fightmg for power ln a transport system relatively httle concentrated, that the pubhc bodies tned ta rationahze through repeated interventIOn efforts. / / The position of prominence of the entrepreneurs of Mmas Gerais IS due as much to the ploneenng character of some local formulas of tute/age by the publIC authonty as to their power to Influence, whlch extrapolates the local scene. As weil as LtS charactenstic ahI1ity ID the relationshlp with the pubhc managmg body and wlth the category of workers and of expanding ItS busmesses to other Brazilian clties, the operators of Minas Gerais deserve the recogmzed ment of bUlldmg a strong patronal unit and of assuming a role of national corporate representallon Vera Cançado, Marcus Vl1licius Cnlz, Moema Siquelra