Tratado de Direito Privado, Tomo LIV - Direito das obrigações: Responsabilidade das emprêsas de transporte. Exercício ilícito na justiça. Danos à pessoa. Acidentes do trabalho. Pretensão e ação. Dever de exibição. Liquidação das obrigações. Cominação [54, 4ª ed.] 9788520344729


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Tratado de Direito Privado, Tomo LIV - Direito das obrigações: Responsabilidade das emprêsas de transporte. Exercício ilícito na justiça. Danos à pessoa. Acidentes do trabalho. Pretensão e ação. Dever de exibição. Liquidação das obrigações. Cominação [54, 4ª ed.]
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42 M672 2012 Vol.54

TRATADO DE DIREITO PRIVADO

TRATADO DE DIREITO PRIVADO

Diretora Responsável GISELLE OE MELLO BRAGA TAPAI

Diretora de Operações Editoriais ORIENE PAVAN

Coordenadora Editorial DANIELLE CANDIDO DE OLIVEIRA

Analistas Documentais: Ariene Cristina Almeida do Nascimento, Bruna Shiindwein Zeni, Bruno Martins Costa, Cristiane Gonzalez Basile de Faria, Douglas Elmauer, Henderson Fiirst de Oliveira, Mário Henrique Castanho Prado de Oliveira e Rodrigo Domiciano Oliveira. Editoração Eletrônica Coordenadora ROSELI CAMPOS DE CARVALHO

Equipe de Editoração: Adriana Medeiros Chaves Martins, Ana Paula Lopes Corrêa, Carolina do Prado Fatel, Gabriel Bratti Costa, Ladislau Francisco de Lima Neto, Luciana Pereira dos Santos, Luiz Fernando Romeu, Marcelo de Oliveira Silva e Vera Lúcia Cirino. Produção gráfica: Caio Henrique Andrade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Miranda, Pontes de, 1892-1979 Direito das obrigações : responsabilidade das empresas de transporte, exercício ilícito na justiça... / Pontes de Miranda; atualizado por Rui Stoco. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. - (coleção tratado de direito privado: parte especial; 54) ISBN 978-85-203-4472-9 1. Direito civil-Brasil 2. Obrigações (Direito) I. Stoco, Rui. II. Título. III. Série.

12-05161

CDU-347.4(81)

índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Direito das obrigações : Direito civil 347.4(81)

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Pontes de Miranda RATADO DE DIREITO PRIVADO PARTE ESPECIAL

TOMO LIV DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Responsabilidade das emprêsas de transporte. Exercício ilícito na justiça. Danos à pessoa. Acidentes do trabalho. Pretensão e ação. Dever de exibição. Liquidação das obrigações. Cominação

Atualizado por

Rui Stoco

EDITORA U y F 1 0 0 a n o s REVÍSTÂ DOS TR1BUMA5S

TRATADO D E DIREITO PRIVADO PONTES DE MIRANDA PARTE ESPECIAL TOMO LIV DIREITO D A S OBRIGAÇÕES: Responsabilidade das empresas de transporte. Exercício ilícito na justiça. Danos à pessoa. Acidentes do trabalho. Pretensão e ação. Dever de exibição. Liquidação das obrigações. Cominação R u i STOCO

Atuaüzador CYROVARGAS JATENE

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Colaborador © Originais do Tratado de Direito Privado - 60 Tomos: P O N T E S DE M I R A N D A © Desta Atualização [2012]: E D I T O R A R E V I S T A DOS T R I B U N A I S L T D A . GISELLE DE M E L L O BRAGA TAPAI Diretora responsável Rua do Bosque, 820 - Baíra Funda Tel. 11 3613-8400 - F a x 11 3613-8450 CEP 01136-000 - São Paulo, SP, Brasil TODOS os DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). CENTRAL DE RELACIONAMENTO R T

(atendimento, em dias úteis, das 8 às 17 horas) Tel. 0800-702-2433 e-mail de atendimento ao consumidor: [email protected] Visite nosso site: www.rt.com.br Impresso no Brasil [08.2012] Profissional Fechamento desta edição [10.08.2012]

EDITORA ATCLIA2A

ISBN 978-85-203-4472-9 ISBN da Coleção 978-85-203-4321-0

À AMNÉRIS e à FRANCIS,

amor e gratidão de seu marido e de seu pai.

ÍNDICE G E R A L DO T O M O LIV

APRESENTAÇÃO, 9 APRESENTAÇÃO DO ATUALIZADOR, 1 1 PREFÁCIO À 1.A EDIÇÃO, 1 3 SOBRE O AUTOR, 2 7 OBRAS PRINCIPAIS DO AUTOR, 3 1 SOBRE O ATUALIZADOR E O COLABORADOR, 3 5 PLANO GERAL DA COLEÇÃO, 3 7 TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS, 4 1 BIBLIOGRAFIA DO TOMO L I V , 5 1 3 ÍNDICES

Alfabético dos Autores citados, 565 Cronológico da Legislação, 585 Cronológico da Jurisprudência, 623 Alfabético das Matérias, 649

APRESENTAÇÃO

A Editora Revista dos Tribunais - RT tem a honra de oferecer ao público leitor esta nova edição do Tratado de Direito Privado, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, reconhecidamente um dos mais ilustres juristas brasileiros, senão o maior. Para nós, da Editora, a republicação desta obra tem importância única: ao se consubstanciar num marco científico e editorial, pela contribuição que há tantas décadas traz à ciência do Direito e, especificamente, ao Direito Privado. Essas fundamentais características se compõem com as comemorações do primeiro centenário desta Casa Editorial e com a evocação dos 120 anos de nascimento do grande tratadista. O respeito ao texto original, também publicado por esta Editora em 1983, foi um dos maiores cuidados que nos determinamos a tomar, desde a estrutura e organização do texto, passando por alguns recursos usados pelo Autor, até a ortografia da época, com exceção do trema nas semivogais. O Direito, porém, como todas as ciências, vem sofrendo grandes transformações nas últimas décadas. Por isso, com o intuito de inserir a obra no contexto presente, notas atualizadoras foram elaboradas por juristas convidados entre os mais renomados do País. Inseridas ao final de cada tópico (§), encontram-se devidamente destacadas do texto original, apresentando a seguinte disposição: Panorama Atual: § x: A - Legislação: indicação das alterações legislativas incidentes no instituto estudado § x: B - Doutrina: observações sobre as tendências atuais na interpretação doutrinária do instituto estudado § x: C - Jurisprudência: anotações sobre o posicionamento atual dos Tribunais a respeito do instituto estudado

Neste século de existência, a Editora Revista dos Tribunais se manteve líder e pioneira na promoção do conhecimento, procurando fornecer soluções especializadas e qualificadas aos constantes e novos problemas jurídicos da sociedade, à prática judiciária e à normatização. Nas páginas que publicou, encontra-se o Direito sendo estudado e divulgado ao longo de cinco Constituições republicanas, duas guerras mundiais e diversos regimes políticos e contextos internacionais. Mais recentemente, a revolução tecnológica, a era digital, e a globalização do conhecimento trouxeram desafios ainda mais complexos, e para acompanhar tudo isso, a Editora passou a compor, desde 2010, o grupo Thomson Reuters, incrementando substancialmente nossas condições de oferta de soluções ao mundo jurídico. Inovar, porém, não significa apenas "trazer novidades", mas também "renovar" e "restaurar". A obra de Pontes de Miranda permite tantas leituras, tamanha sua extensão e profundidade, que não se esgotam seu interesse e sua importância. E por isso, também - para inovar - , republicamos seu Tratado de Direito Privado. Não podemos deixar de registrar, ainda, nossos mais profundos agradecimentos à família Pontes de Miranda, pela participação que fez possível a realização de um sonho. EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS

APRESENTAÇÃO D O A T U A L I Z A D O »

I - Não seria inédito dizer que PONTES DE MIRANDA representou e representa para as letras jurídicas, tanto no Brasil como fora dele, o que há de mais profundo e abrangente, não só no plano do Direito Privado como em inúmeras outras áreas e matérias, todas por ele dominadas. O seu "Tratado de Direito Privado", com nada menos do que sessenta volumes, esquadrinhou o Código Civil de 1916, artigo por artigo, com profundidade e cirurgicamente, bem como a legislação interna periférica e correlata, com trabalho intenso de mão e sobremão, produzindo comentários tão profundos e objetivos que a impressão é de que, para ele, cada dia tinha não apenas vinte e quatro horas mas o dobro ou o triplo, tal a sua capacidade de trabalho e omínio do Direito e de tantas outras matérias como filosofia, sociologia, matemática, literatura, além de inúmeras línguas. E assim fazia sem prejuízo de suas diversificadas atividades. Analisou e comentou, ainda, a legislação de outros países, com a mesma desenvoltura e familiaridade dos juristas de cada uma dessas nações. O seu conhecimento enciclopédico sempre surpreendeu, pois o fantástico número de citações doutrinárias, o trânsito fácil e o passeio desenvolvo na doutrina e jurisprudência pátria e estrangeira, confirmam o seu conhecimento universal e a sua proximidade e empatia com os juristas mais destacados de inúmeros países. Já disse Bertold Brecht: "Há homens que lutam um dia e são bons; Há outros que lutam um ano e são melhores; Há os que lutam muitos anos e são muito bons; Mas há os que lutam toda a vida e esses são imprescindíveis". O legado deixado por PONTES DE MIRANDA é imperdível e ficará para sempre, pois a atualidade de seus comentários continua surpreendendo. E, em se tratando do fenômeno que foi e continua sendo esse homem de todas as letras, para compreendê-lo é e sempre será necessário ter sensibilidade espacial e percepção temporal das coisas e olhos de ver além do tempo e dos limites. Afinal, como escreveu poeticamente a querida e saudosa Helena Kolody: "Quem bebe da fonte que jorra da encosta não sabe do rio que a montanha guarda". II - No desenvolvimento da parte

que nos coube buscou-se registrar os atos normativos citados pelo autor, sua eventual revogação e as leis que os substituíram, com o propósito de facilitar a consulta e a compreensão do texto original. O comentarios por nós desenvolvidos, através das notas de atualização, têm como objetivo precípuo não só apontar a legislação vigente, mas também revelar o entendimento doutrinário atual acerca de questões surgidas com a legislação advinda após a publicação deste Tratado. Não se buscou divergir, contrapor ou apresentar entendimento diverso, até porque os comentários e ensinamentos deixados pelo imortal PONTES DE MIRANDA são únicos e universais. Os assentamentos firmados permanecem sobranceiros. Cabe, por fim, dirigir todos os encómios e agradecimentos à Editora Revista dos Tribunais por reeditar obra de tamanha envergadura e importância. IH - A distribuição do trabalho de atualização dos Tomos LUI e LIV foi dividida entre o atualizador e o colaborador conforme segue, que tomaram por base e fonte de consulta os comentários contidos na obra "Tratado de Responsabilidade Civil" (Ed. RT), de Rui Stoco: Rui STOCO: Tomo L M : Parágrafos 5.498 a 5.512; Tomo LIV: Parágrafos 5.528 a 5.556;' CYRO VARGAS JATENE:

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Tomo LIE: Parágrafos 5,513 a 5.527; Tomo LIV: Parágrafos 5.557 a 5.583 São Paulo, junho de 2012. RuiSTOCO CYRO VARGAS JATENE

PREFACIO À 1. a EDIÇÃO

1. Os sistemas jurídicos são sistemas lógicos, compostos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos. Essas proposições, regras jurídicas, prevêem (ou vêem) que tais situações ocorrem, e incidem sôbre elas, como se as marcassem. Em verdade, para quem está no mundo em que elas operam, as regras jurídicas marcam, dizem o que se há de considerar jurídico e, por exclusão, o que se não há de considerar jurídico. Donde ser útil pensar-se em têrmos de topologia: o que entra e o que não entra no mundo jurídico. Mediante essas regras, consegue o homem diminuir, de muito, o arbitrário da vida social, a desordem dos interêsses, o tumultuário dos movimentos humanos à cata do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite. As proposições jurídicas não são diferentes das outras proposições: empregam-se conceitos, para que se possa assegurar que, ocorrendo a, se terá a'. Seria impossível chegar-se até aí, sem que aos conceitos jurídicos não correspondessem fatos da vida, ainda quando esses fatos da vida sejam criados pelo pensamento humano. No fundo, a função social do direito é dar valores a interêsses, a bens da vida, e regular-lhes a distribuição entre os homens. Sofre o influxo de outros processos sociais mais estabilizadores do que êle, e é movido por processos sociais mais renovadores; de modo que desempenha, no campo da ação social, papel semelhante ao da ciência, no campo do pensamento. Esse ponto é da maior importância. Para que se saiba qual a regra jurídica que incidiu, que incide, ou que incidirá, é preciso que se saiba o que é que se diz nela. Tal determinação do conteúdo da regra jurídica é função do intérprete, isto é, do juiz ou de alguém, jurista ou não, a que interêsse a regra jurídica. O jurista é apenas, nesse plano, o especialista em conhecimentos das regras jurídicas e da interpretação delas, se bem que, para chegar a essa especialização e ser fecunda, leal, exata, a sua função, precise de conhecer o passado do sistema jurídico e, pois, de cada regra jurídica, e o sistema jurídico do seu tempo, no momento em que pensa, ou pensa e fala ou escreve.

Diz-se que interpretar é, em grande parte, estender a regra jurídica a fatos não previstos por ela com o que se ultrapassa o conceito técnico de analogia. Estaria tal missão compreendida no poder do juiz e, pois, do intérprete. Diz-se mais: pode o juiz, pois que deve proferir a sententia quae rei gerendae aptior est, encher as lacunas, ainda se falta a regra jurídica que se pudesse estender, pela analogia, ou outro processo interpretativo, aos fatos não previstos. Ainda mais: se a regra jurídica não é acertada, há de buscar-se, contra legem, a regra jurídica acertada. Nota-se em tudo isso que se pretendem contrapor a investigação do sistema jurídico, em toda a sua riqueza, dogmática e histórica, e a letra da lei. Exatamente o que se há de procurar é a conciliação das três, no que é possível; portanto, o sentido - dogmática e historicamente - mais adequado às relações humanas, sem se dar ensejo ao arbítrio do juiz. A separação dos poderes, legislativo e judiciário, esteia-se em discriminação das funções sociais (política, direito); e a história do princípio, a sua revelação através de milênios, a sua defesa como princípio constitucional, apenas traduz a evolução social. O êrro do legislador pode ser de expressão: prevalece, então, o pensamento que se tentou exprimir, se êsse pensamento é captável no sistema jurídico; não se desce ao chamado espírito, ou à vontade do legislador, porque seria atravessar a linha distintiva do político e do jurídico; não se contraria o princípio de que a lei é para ser entendida pelo povo, no grau de cultura jurídica em que se acham os seus técnicos, e não para ser decifrada. Por outro lado, as circunstâncias sociais podem ter mudado: o envelhecimento da regra jurídica participa mais do julgamento do povo do que do decorrer do tempo; o problema torna-se mais de mecânica social do que de fontes e de interpretação das leis.

2. O sistema jurídico contém regras jurídicas; e essas se formulam com os conceitos jurídicos. Tem-se de estudar o fáctico, isto é, as relações humanas e os fatos, a que elas se referem, para se saber qual o suporte fáctico, isto é, aquilo sobre que elas incidem, apontado por elas. Aí é que se exerce a função esclarecedora, discriminativa, crítica, retocadora, da pesquisa jurídica. O conceito de suporte fáctico tem de ser guardado pelos que querem entender as leis e as operações de interpretação e de julgamento. A regra jurídica "Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil" (Código Civil, art. 1.°) é regra jurídica de suporte fáctico simplicíssimo: "Homem". Se há um ser humano, se nasceu e vive um homem, a regra jurídica do art. 1.° incide. Incide, portanto, sobre cada homem. Cada ho-

mem pode invocá-la a seu favor; o juiz tem dever de aplicá-la. Porém nem todos os suportes fácticos são tão simples. "São incapazes relativamente, os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos" (art. 6.°, I). Suporte fáctico: ser humano, dezesseis anos feitos. "Cessando a confusão, para ¡oao se restabelecer, com todos os acessórios, a obrigação anterior" (art. 1.052). Suporte fáctico: A devedor a B, A sucessor do direito de B, mas a sucessão é temporária, qualquer que seja a causa. É fácil compreender-se qual a importância que têm a exatidão eaprecisão dos conceitos, a boa escolha e a nitidez deles, bem como o rigor na concepção e formulação das regras jurídicas e no raciocinar-se com elas. Seja como fôr, há sempre dúvidas, que exsurgem, a respeito de fatos, que se têm, ou não, de meter nas categorias, e da categoria em que, no caso afirmativo, se haveriam de colocar. Outras, ainda, a propósito dos próprios conceitos e das regras jurídicas, que têm de ser entendidas e interpretadas. A missão principal do jurista é dominar o assoberbante material legislativo e jurisprudencial, que constitui o ramo do direito, sobre que disserta, sem deixar de ver e de aprofundar o que provém dos outros ramos e como que perpassa por aquêle, a cada momento, e o traspassa, em vários sentidos. Mal dá êle por começada essa tarefa, impõe-se-lhe o estudo de cada uma das instituições jurídicas. Somente quando vai longe a sua investigação, horizontal e verticalmente, apanhando o sobredireito e o direito substancial, é que pode tratar a regra jurídica e o suporte fáctico, sobre que ela incide, avançando, então, através dos efeitos de tal entrada do suporte fáctico no mundo jurídico. O direito privado apanha as relações dos indivíduos entre si, e cria-as entre êles; mas a técnica legislativa tem de levar em conta que alguns dêsses indivíduos são Estados, Estados-membros, Municípios, pessoas jurídicas de direito público, que também podem ser sujeitos de direitos privados. Interpretar leis é lê-las, entender-lhes e criticar-lhes o texto e revelar-lhes o conteúdo. Pode ela chocar-se com outras leis, ou consigo mesma. Tais choques têm de ser reduzidos, eliminados; nenhuma contradição há de conter a lei. O sistema jurídico, que é sistema lógico, há de ser entendido em toda a sua pureza. Se, por um lado, há tôda a razão em se repelir o método de interpretação conceptualístico (que se concentrava na consideração dos conceitos, esquecendo-lhe as regras jurídicas em seu todo e, até, o sistema jurídico), método que nunca foi o dos velhos juristas portuguêses nem o dos brasileiros, temos de nos livrar dos métodos que não atendem a que as regras

jurídicas se fazem com os conceitos e esses tem a sua fixação histórica e hão de ser precisados. Principalmente, tem-se de levar em conta que a regra jurídica, a lei, viveu e vive láfora, - foi para ser ouvida e lida pelos que hão de observá-la e é para ser lida, hoje, por êles. Nem o que estava na psique dos que a criaram, nem o que está na psique dos que hoje a criam, têm outro valor além do que serve à explicitação do que é que foi ouvido e lido por aqueles a que foi dirigida, ou o é por aquêles a quem hoje se dirige. O elemento histórico, que se há de reverenciai, é mais exterior, social, do que interior e psicológico. Se assim se afasta a pesquisa da vontade do legislador, no passado e no presente, o subjetivismo e o voluntarismo que - há mais de trinta e dois anos - combatemos (nosso Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Archivfür Rechts und Wirtschaftsphilosophie, 16, 5 2 2 - 5 4 3 ) , há de evitar-se passar-se a outro subjetivismo e a outro voluntarismo, - o da indagação da vontade da lei. Ratio legis não é voluntas legis; lei não quer; lei regra, lei enuncia. O sentido é o que está na lei, conforme o sistema jurídico, e não o que se atribui ao legislador ter querido, nem à lei querer agora. Nem o que E. R. BIERLING (Juristische Prizipienlehre, IV, 2 3 0 e 2 5 6 s.), nem o que K . BINDING (Handbuch, I, 4 6 5 ) e J. KOHLER (Über die Interpretation der Gesetzen, Grünhuts Zeitschrift, 13, 1 s.) sustentavam. Interpretar é revelar as regras jurídicas que fazem parte do sistema jurídico, - pode ter sido escrita e pôde não estar escrita, mas existir no sistema, pode estar escrita e facilmente entender-se e apresentar certas dificuldades para ser entendida. Nas monocracias, os trabalhos preparatórios ficavam mais ocultos, raramente se publicavam com propósito de servir à interpretação, e quase sempre se perdiam, ao passo que a interpretação autêntica tinha todo o prestígio de lei, uma vez que não existia o princípio constitucional de irretroatividade da lei. Nas democracias, com o princípio da irretroatividade da lei, a interpretação autêntica ou é nova lei, ou não tem outro prestígio que o de seu valor intrínseco, se o tem; é interpretação como qualquer outra, sem qualquer peso a mais que lhe possa vir da procedência: o corpo legislativo somente pode, hoje, fazer lei para o futuro-, não, para trás, ainda a pretexto de interpretar lei feita. O tribunal ou juiz que consultasse o Congresso Nacional cairia no ridículo, se bem que isso já tenha ocorrido na Europa. Se o legislador A ou os legisladores A, A' e A", quiseram a e todos os outros legisladores quiseram b, mas o que foi aprovado e publicado foi c, cé que é a regra jurídica. Bem assim, se todos quiseram a, e foi aprovado e publicado c. Os trabalhos preparatórios são, portanto, elemento de valor m í n i m o . O que foi publicado é a letra da lei, com as suas palavras e frases. Tem-se de interpretar, primeiro, gramatical-

mente, mas já aí as palavras podem revelar sentido que não coincide com o do dicionário vulgar (pode lá estar rescisão, e tratar-se de resolução; pode lá estar condição, e não ser de condido que se há de cogitar; pode falar-se de êrro, e só se dever entender o êrro de fato, e não o de direito). O sentido literal é o sentido literal da ciência do direito, tendo-se em vista que o próprio redator da lei ao redigi-la, exercia função da dimensão política, e não da dimensão jurídica, pode não ser jurista ou ser mau jurista, ou falso jurista, o que é pior. Demais, estava êle a redigir regra jurídica, ou regras jurídicas, que se vão embutir no sistema jurídico e tal inserção não é sem conseqüências para o conteúdo das regras jurídicas, nem sem conseqüências para o sistema jurídico. Jurisprudência contra a lei é jurisprudência contra êsse resultado. Por isso, regra jurídica não escrita pode dilatar ou diminuir o conteúdo da regra jurídica nova. Daí, quando se lê a lei, em verdade se ter na mente o sistema jurídico, em que ela entra, e se ler na história, no texto e na exposição sistemática. Os êrros de expressão da lei são corrigidos facilmente porque o texto fica entre êsses dois componentes do material para a fixação do verdadeiro sentido. Na revelação de regra jurídica não escrita é que se nota maior liberdade do juiz. Nota-se; mas ¿há essa liberdade? Revelar a regra jurídica, se não está escrita, lendo-se na história e no sistema lógico, não é operação diferente de.se ler na história, no texto e no sistema lógico. Não se cria a regra jurídica não escrita, como não se cria a regra jurídica escrita; ambas são reveladas, razão por que falar-se em lacuna do direito somente tem sentido se se critica o sistema jurídico, isto é, se se fala de iure condendo, ou se se alude a visão de primeiro exame, a algo que não se viu à primeira vista. Lacuna preenchida não é lacuna; lacuna que não é preenchível é lacuna de iure condendo. Analogia só se justifica se a ratio legis é a mesma (Ubi eadem ratio, idem ius); só se admite se, com ela, se revela, sem se substituir o juiz ao legislador: onde ela revela regra jurídica não-escrita, é analogia iuris, provém de explicitação do sistema jurídico e ainda é apenas reveladora, e não criadora. (A) Quando se revela por analogia legal, analogia legis, o que em verdade se faz é explicitar que a) a regra legal exprimiu, no texto, principio particular, e b) há princípio mais geral em que êle se contém. (B) Quando se revela por analogia iuris, explicita-se regra jurídica que se há de ter como a), pois já existe, não escrita, no sistema jurídico. Fora de (A) e de B a ( )' chamada analogia é edicção de regra jurídica, contra o principio da separação dos poderes.

3. A atividade mais relevante da ciência do direito consiste, portanto, em apontar quais os têrmos, com que se compuseram e com que se hão de compor as proposições ou enunciados, a que s e dá o nome de regras jurídicas, e quais as regras jurídicas que, através dos tempos, foram adotadas e aplicadas. A sucessão histórica dessas regras obedece a leis sociológicas. Outra atividade, que não é menos inestimável do que aquela, está no interpretar o conteúdo das regras de cada momento e tirai- delas certas normas ainda mais gerais, de modo a se ter em quase completa plenitude o sistema jurídico. Desde mais de dois milênios, porém principalmente nos últimos séculos, longo esforço de investigação, servido, aqui e ali, pela aparição de alguns espíritos geniais, conseguiu cristalizar a obra comum em enunciados sôbre os próprios enunciados e sôbre os têrmos, tornando cada vez "menos imperfeitas" a linguagem e a lógica do direito. A primeira necessidade da ciência jurídica passou a ser a mais rigorosa exatidão possível no delimitar os conceitos (E. I. BEKKER, System. IX). Os decênios passados puderam contemplar a obra imensa do século XIX, perceber o que não obtivera, até agora, "precisão"; e preparar-nos para a continuação criadora, que nunca seria possível sem a mole dos resultados anteriores e a depuração incessante de êrros. r O valor do método etnológico assenta em que precisamos conhecer as instituições jurídicas em seu bêrço, mesmo em seus nascedouros, ou para distinguirmos dos outros processos sociais de adaptação o direito, ou para podermos escalonar, no tempo, as formas que o direito foi assumindo. Só assim poderemos datar o que apareceu no momento próprio e o que apareceu em momento impróprio (regressões, prematuridade legislativas). Com o método etnológico e o histórico-comparativo, podemos alcançar a discriminação das fases, na evolução social (método sociológico científico ou faseológico, que foi sempre o seguido em nossas obras, quer de sociologia, quer de dogmática jurídica). O valor dos estudos históricos para o conhecimento do direito vigente assenta em que não se pode conhecer o presente, sem se conhecer o passado, não se pode conhecer o que é, sem se conhecer o que foi. Não se poderia situar, no tempo, na evolução jurídica, cada enunciado do sistema lógico; nem se colheria o que estava na psique dos elaboradores da lei, porque estava no ambiente social (e continuou de estar), e se supôs incluso nos textos, ou entre os textos; nem se poderiam fixar certos conceitos, nem se determinariam certas categorias, que têm os seus limites marcados

pelos fios históricos. Ainda onde o direito mudou muito, muito se há de inquirir do que não mudou. O direito muda muito onde em muito deixou de ser o que era. 4. A noção fundamental do direito é a defeito jurídico; depois, a de relação jurídica-, não a de direito subjetivo, que é já noção do plano dos efeitos; nem a de sujeito de direito, que é apenas têrmo da relação jurídica. Só há direitos subjetivos porque há sujeitos de direito; e só há sujeitos de direito porque há relações jurídicas. O grande trabalho da ciência jurídica tem sido o de examinar o que é que verdadeiramente se passa entre homens, quando se dizem credores, titulares ou sujeitos passivos de obrigações, autores e réus, proprietários, excipientes, etc. O esforço de dois milênios conseguiu precisar conceitos, dar forma sistemática à exposição, pôr êsses conhecimentos à disposição dos elaboradores de leis novas e aprimorar o senso crítico de algumas dezenas de gerações, até que, recentemente, se elevou a investigação ao nível da investigação das outras ciências, para maior precisão da linguagem e dos raciocínios. A subordinação dela à metodologia que resultou da lógica contemporânea, inclusive no que concerne à estrutura dos sistemas, é o último degrau a que se atingiu. Aliás, "ter direito" é, no falar diário, ambíguo, se não equívoco; Goethe tinha direito de escrever o que quisesse e, ainda naquele tempo, poderíamos ver no escrever o exercício de (direito de) liberdade de trabalho intelectual; A tem direito de se zangar com B, por B ter sido grosseiro, e vê-se bem que se está no mundo fáctico, a falar-se de direito, em sentido amplíssimo, que não é o sociológico, nem o técnico. Toda conveniência há em se evitar êsse sentido, extremamente largo, do falar comum; porém os juristas mesmos pecam em não verem que o direito abrange maior campo do que aquele que costumam, na rotina do ensino, da judicatura, ou da elaboração das leis, apontar ou pesquisar. Se A toma banho na praia, exerce direito de que êle não cogita, e é direito como os outros; se B vai ao cabeleireiro, com a filha, e diz que deseja as tranças do cabelo cortado, exerce direito. Onde quer que se distribuam bens da vida, inclusive os que se ligam à própria pessoa, aí está o sistema jurídico. Quem diz "aí está o sistema jurídico" diz há elementos fácticos sôbre os quais incidiu regra jurídica. Tal regra pode ser escrita, ou não escrita; em ambos os casos, faz parte do sistema jurídico, que é um cálculo lógico. A cada momento surgem problemas que somente podem ser resolvidos se se obedece a indicações e raciocínios exatos.

A incidencia da regra jurídica é que torna jurídicos os bens da vida. Muitas vêzes, porém, a incógnita é a regra jurídica; outras vêzes, o conjunto de fatos, o suporte fáctico, em que a regra jurídica incide. Ali, respóndel e às perguntas - "¿Há a regra jurídica e qual é?"; aqui, a duas outras "¿Quais os elementos que compõem o suporte fáctico; e qual a natureza de cada um dêles?" Tais questões são inconfundíveis com as da irradiação de efeitos dessa impressão da norma jurídica no suporte fáctico. Por onde se vê que não é de admitir-se, em ciência, que se comece a exposição, a falar-se dos efeitos, da eficácia (direitos, deveres ou dívidas; pretensões, obrigações; ações e exceções), antes de se descrever como os elementos do mundo fáctico penetram no mundo jurídico. O direito dos nossos tempos, depois de se haver o homem libertado do direito do clã e da tribo, bem como do privatismo oligárquico da Idade Média, é baseado em que cada um tem campo de autonomia em que pode rumar, como entenda, a sua vida. Supõe-se em cada uma aptidão biológica, social e psico-individual para alcançar fins autônomos, escolhendo os fins e, ainda, criando fins seus. A intervenção do Estado é excepcional, pôsto que, na elaboração das leis, se adotem - para os indivíduos e para o Estado - regras que não podem ser alteradas pela vontade de cada um. Algumas criam direitos; outras, deveres; outras, pretensões, obrigações e ações, ou só pretensões e obrigações. Outras criam direitos sem os subjetivar, de modo que o efeito, a que então se chama direito, é reflexo da norma jurídica que incidiu, sem ser, pois, o seu efeito adequado ou, sequer, anexo. Nem sempre o efeito reflexo cria direito sem subjetivação; o interêsse é protegido sem a criação de direito subjetivo, ou, sequer, direito. Todavia, guardemo-nos de reduzir a essa categoria alguns fatos do mundo jurídico, que ofereceram dificuldades às gerações anteriores ao terem de os classificar (e.g., a lesão da propriedade, ou da pessoa); e mais ainda nos havemos de precatar contra discriminações concretas entre direito e interêsses protegidos que corresponderam a momentos já passados, a momentos em que eram verdadeiras (hoje não mais o são), tanto mais quanto tais discriminações podem ter resultado de deficiência do direito público de povos grandemente progredidos no direito privado. A afirmativa, por exemplo, de que não há no s i s t e m a jurídico regra que proíba, em geral, causar dano à pessoa ou ao patrimônio alheio (e.g., A. VON TUHR, Der Allgemeine Teil, I, 56) é falha: primeiro, desatende-se a que essa regra jurídica pode ser não-escrita e a que as regras jurídicas de sanções supõem a regra jurídica que se há de ter violado; segundo, não se vê que, noutro ramo do direito, que é o direito público, às vêzes no direito constitucional, a regra jurídica, que se supõe, vem, de ordinário, escrita.

5. Quando se trata de direito privado contemporâneo, poucos são os que se dão conta de que há mais de dois mil anos se vem elaborando toda a doutrina de que desfrutamos. Em verdade, foi como se, através desses milênios, estivesse o homem a descobrir o que seria melhor - ou é melhor - para regular as relações inter-humanas. "Descobrir" é o termo; pouco se criou: revelou-se, nos livros de doutrina, nas elaborações de regras jurídicas e nas críticas, o que se presta a resolver os problemas do interêsse humano. Às vêzes por muitos séculos se procurou solução. No final, o direito, ainda o direito não-costumeiro, é a obra de milhares e milhares de inteligências. Daí ter-se de colher, aqui e ali, a verdade. Fácil é assim imaginar-se o que representa de esfôrço intelectual, de pesquisa, a Parte Geral do Direito Privado. 6. A respeito de conter, ou não, o Código Civil regras jurídicas de direito administrativo (portanto, heterotópicas), e de poder alguma regra de direito civil ser invocada como subsidiária do direito público, especialmente administrativo, tem havido graves confusões, provenientes de leitura apressadas de livros estrangeiros. No art. 1.°, diz-se que o Código Civil regula "os direitos e obrigações de ordem privada", de modo que é o fundo comum para o direito civil e o comercial; porém não para o direito público: para êsse, a regra jurídica de direito privado somente pode ser invocada se é elemento do suporte fáctico de alguma regra jurídica pubücística o fato jurídico privatístico, ou se - o que é causa das maiores confusões nos inexpertos - a regra jurídica privatística revela, no plano do direito privado, a existencia de princípio geral de direito que também se há de revelar no direito público. Exemplo de discussão imprecisa por ocasião dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, a 23 de junho de 1943, 5 de junho de 1944 e 5 de agosto de 1949 (.R. dos T., 148,777; R. de D. A., II, 560; R. F., 129,120). Em voto no acórdão da 2.a Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 23 de fevereiro de 1948 (R. dos T., 184,351), procurou-se critério distintivo, dizendo-se que, em direito privado, se permite o que não é proibido, ao passo que, no direito público, só se pode fazer o que é permitido; mas isso é fácil dito, sem qualquer apoio em princípios, - tanto há regras jurídicas permissivas e proibitivas no direito privado quanto no público e o campo da liberdade, no direito público, é ainda mais vasto do que no direito privado. 7. A Parte Geral do Direito é um dos ramos do Direito. Todo sistema jurídico é sistema lógico. Cada ramo também o é. Não é contemplação,

nem doutrina teleológica. Há de formar sistema lógico; ou, melhor, há de ser apanhado do que é geral e comum no sistema lógico, ou geral e comum nos sistemas lógicos de que se trata. O sistema jurídico pode ser o do Estado A, ou um dos sistemas jurídicos (o direito civil, por exemplo) do Estado A; ou o dos Estados A, B, C, ou um dos sistemas dos Estados A, B, C. Ou se restrinja a definições, ou explicite princípios ou regras, ou é sistema lógico ou é parte de sistema. Embora seja possível pensar-se em Parte Geral do Direito em algum sistema hipotético (imaginário) X, ou X, Y. Z, a Parte Geral do Direito, ou do Direito Penal, ou do Direito Privado, ou a que fôr, é a de direito existente, ou de sistemas jurídicos existentes, ou de ramo do direito existente ou de ramo de sistemas jurídicos existentes. O seu programa não pode ser o de filosofia do direito, nem o de sociologia do direito; menos ainda o de história ou etnologia do direito; nem o dela pode suprir, ou eliminar os programas dessas disciplinas, nem o de qualquer delas, nem os de tôdas o suprem, ou eliminam. Alguns conceitos, é de notar-se, são sôbre os sistemas, lógicos a que se dá a qualificação de jurídicos; por exigência prática, foram incluídos na Parte Geral do Direito, para se não recorrer a remissões. Outros são conceitos de que se precisa e, pois, subentendidos, o que os faz definições. A Parte Geral do Direito Privado tem, necessariamente, de trabalhar com, os conceitos que são comuns a todos os ramos do direito e a todos os ramos do direito privado; e com os conceitos que somente são comuns aos ramos do direito civil, ou ao direito comercial, ou a outro ramo. 8. À doutrina pandectista do século XIX deve-se a elaboração da Parte Geral do direito civil a ponto de se haver imposto, no século XX, às codificações mais autorizadas, exceto, o que é lamentar-se, à codificação italiana. As categorias jurídicas foram classificadas; os seus conteúdos discutidos e aclarados; e não há negar-se que, aos primeiros decênios do século corrente, a tal ponto havia chegado a sistematização, que os esforços, a partir desses anos, foram em profundidade e no sentido de classificação de toda a teoria geral do direito, em irradiações do que se conseguira na Parte Geral do direito civil. Exatamente por isso, a obra, que verse, no meio do século XX, matéria que se acrisolou com tantas investigações e controvérsias, exige-se pôr-se em dia com o que deixaram os últimos grandes civilistas das três primeiras décadas e o que as duas últimas conseguiram corrigir e aperfeiçoar. Seria, porém, incompleto o pôr-se em dia, se não se atendesse ao que se irradiava, em compensação fecunda, dos outros ramos

do direito. Daí a razão de se reputar da mais alta responsabilidade empreendimento tão complexo, a despeito de caber a matéria, nos códigos, em duas centenas de artigos (§§ 1-240 do Código Civil alemão; arts. l.°-Y19 do Código Civil brasileiro). 9. A divisão das matérias da Parte Geral aparece, nesta obra, pela primeira vez, em ordem lógico-ciéntífica. Primeiro, expusemos o que concerne ao plano da existência; depois, o que se refere ao plano da validade; finalmente, o que somente pertence ao plano da eficácia. O fato jurídico, primeiro, é; se é, e somente se é, pode ser válido, nulo, anulável, rescindível, resolúvel, etc.; se é, e somente se é, pode irradiar efeitos, posto que haja fatos jurídicos que não os irradiam, ou ainda não os irradiam. No Plano I, a regra jurídica e o suporte fáctico sobre que ela incide são o de que de início nos incumbimos tratar; depois da incidência, que torna fato jurídico o suporte fáctico, versa-se o que define os fatos jurídicos e os classifica. A personalidade e a capacidade entram no estudo do suporte fáctico, porque de tais conceitos precisamos desde logo. No Plano II, o assunto já supõe a existência dos fatos jurídicos; mais precisamente, dos atos jurídicos (negócios jurídicos e atos jurídicos stricto sensu), fora os fatos jurídicos stricto sensu. São a validade, a nulidade e a anulabilidade o que mais longamente nos ocupa. No Plano HE, cogitamos da eficácia, que supõe existência e, de ordinário, pelo menos, não ser nulo o ato jurídico. Respectivamente, Tomos I-3H, IV e Y-YI. A diferença entre o mundo fáctico e o mundo jurídico vê-se bem entre o passeio que alguém faz à casa do amigo e a entrega da carta com a oferta de contrato, entre o ato de cercar, interiormente, o terreno que lhe pertence e o de invadir o terreno do vizinho, entre a avulsão interior ao terreno de A e a avulsão entre o terreno de A e o de B. Duas pessoas que se divertem jogando cartas, sem parar qualquer valor (somente fichas de osso ou de matéria plástica, que voltam ao dono), mantêm-se no mundo fáctico; e duas que fizeram paradas de dinheiro, fizeram entrar no mundo jurídico, desde o momento em que acordaram em tal jogo, o negócio jurídico dos arts. 1.4771.479 do Código Civil. A diferença entre o plano da existência e o plano da eficácia percebe-se claramente quando se considera o fato jurídico e o direito, o dever, a pretensão, a obrigação, a ação e a exceção, que são efeitos, ou a condição e o têrmo, que só operam no plano da eficácia, e o distrato, a resolução sem ser por advento de condição ou têrmo, a própria resilição e a denúncia, que se passam no plano da existência. O distrato desfaz o ato

jurídico; a resolução resolve o ato jurídico, a resilição resile-o; a denúncia atinge o ato jurídico. A condição e o têrmo somente apanham efeitos. 10. A fonte mais extensa do direito civil brasileiro é o Código Civil, que'teve a data de 1.° de janeiro de 1916 e entrou em vigor um ano depois. "Este Código" disse o art. 1.°, "regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações". Em têrmos científicos, evitadas as elipses: o Código Civil regula os fatos de que resultam direitos e obrigações de ordem privada, quer de natureza pessoal, quer de natureza real. Como toda codificação, o Código Civil não foi exaustivo senão por algum tempo (= até a aparição de alguma regra jurídica derrogativa, ou a latere) e ainda assim não foi perfeita a sua exaustividade: somente onde se regulou alguma matéria foi, excluído o direito anterior (art. 1.807: "Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste Código"). No art. 1.806, estatuíra-se: "O Código Civil entrará em vigor no dia 1.° de janeiro de 1917". A fonte mais extensa do Código Comercial é o Código do Comércio (Lei n. 556, de 25 de junho de 1850). Os que não vivem atentos à história dos diferentes sistemas jurídicos dificilmente podem apreciar, com profundidade, a grande vantagem, que teve o Brasil, em receber o direito português e a doutrina jurídica dos séculos XV em diante, sem que direito estrangeiro fôsse imposto por invasores ou em imitações apressadas, como aconteceu a muitos dos povos hispano-americanos, em relação ao Código Civil francês. O Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, que nos teria dado o melhor Código Civil do século X I X , prestou-nos, não se transformando em Código Civil, o serviço de pôr-nos em dia com o que êle genialmente entrevia e permitiu-nos sorrir dos imitadores do Código Civil francês, enquanto Portugal, imitando-o, deixou que a sua história jurídica se fizesse mais nossa do que déle. O Código Civil brasileiro é bem, como disse L. ENNECCERUS, a mais independente das codificações latino-americanas. Para quem observa, isentamente, o que se passou com o direito comercial, nota a artificialidade com que se quis arrancar do direito privado o todo suficiente para aparecer, como autônomo, ramo de direito privado que apenas consistia em algumas leis especiais e algumas regras jurídicas concernentes aos comerciantes. Algumas leis foram soldadas ao direito comercial sem se justificar tal soldagem deliberada e violenta.

11. A obra obedece a programa rigorosamente científico: a distinção entre mundo fáctico e mundo jurídico, que é o do sistema jurídico, vem à frente, e concorre imensamente para clarear os assuntos e para a solução de problemas delicados que perturbavam a ciencia européia; depois, a distinção entre o plano da existência, o plano da validade e o plano da eficácia, sem a qual em tantas confusões incorrem os juristas, baralhando "ser", "valer" e "ter efeito", como se fossem equivalentes "ser", "ser válido", "ser eficaz", ou "não ser", "não ser válido", "ser ineficaz". A ciência do direito, colhendo das regras jurídicas, da sistemática e da prática os conceitos, obedece às diferenças; os juristas, aqui e ali, perdem-nas de vista. Tudo aconselha a que se ordenem as matérias com toda a precisão conceptual. Já TEIXEIRA DE FREITAS percebera que a parte do direito concernente à eficácia ("dos efeitos civis", dizia êle) havia de ser todo um livro, após as causas, as pessoas, os bens e os fatos jurídicos. Somente depois se trataria - no plano do direito civil - dos direitos pessoais e dos direitos reais. O Código Comercial fundir-se-ia, unificando-se o direito privado. Foi isso o que êle propôs em ofício de 20 de setembro de 1867, antes do Código suíço das Obrigações, - e a mediocridade circundante rejeitou. Há certo fio de coerência histórica e espiritual em realizarmos, já no plano da sistematização, com o material do direito vigente, complexo e de diferentes datas, versado lealmente, o que, no plano da técnica legislativa, fôra o sonho do jurista brasileiro, há quase um século. Serve isso para mostrar, mais uma vez, que o Brasil tem um destino, que lhe traçaram o universalismo português e as circunstâncias jurídico-morais da sua história de mais de quatro séculos. É Ele, e não apenas nós (o civilista do século XIX e o autor desta obra), que planeja e executa. Somos apenas os instrumentos da sua avançada na dimensão do Tempo, a serviço da ordem jurídica e da ciência, na América e no mundo. De nossa parte, outrem poderia levar a cabo esta obra, melhor e mais eficientemente; as circunstâncias trabalharam a nosso favor, de modo que cedo percebemos que sem elas não poderíamos, nem outrem qualquer poderia enfrentá-la. Também aí não se leve a conta de mérito excepcional do autor o que foi resultado, tão-só, da convergência, extremamente feliz, de múltiplos fatores, de ordem psíquica e de ordem material. Uma das circunstâncias foi a prática do direito, durante mais de quarenta anos; outra, a formação inicial, lógico-matemática; outra, a possibilidade de estar a par da ciência européia, especialmente alemã e austríaca, à custa de grandes sacrifícios. Porém não pesou menos o ter podido, materialmente,

realizar a obra, através de trinta anos de organização minudente e de disciplina estrita. A ciência precisa, para ser verdadeiramente prática, não se limitar ao prático ( R . VON JHERING, Jahrbücher für die Dogmatik, I , 18: "Die Wissenschaft darf, um wahrhaft praktisch zu sein, sich nicht auf das Praktische beschránken"). Êsse pensamento nos voltou à memoria, várias vezes ao revermos as provas deste livro. A falta de precisão de conceitos e de enunciados é o maior mal na justiça, que é obrigada a aplicar o direito, e dos escritores de direito, que não são obrigados a aplicá-lo, pois deliberam êles-mesmos escrever. O direito que está à base da civilização ocidental só se revestirá do seu prestígio se lhe restituirmos a antiga pujança, acrescida do que a investigação científica haja revelado. Não pode ser justo, aplicando o direito, quem não no sabe. A ciência há de preceder ao fazer-se justiça e ao falar-se sôbre direitos, pretensões, ações e exceções. Para honestamente se versar, hoje, o direito privado brasileiro, precisa-se de preparação de alguns decênios, quer pela necessidade de se meditarem milhares de obras, quer pela assoberbante jurisprudência que se amontoou. Por outro lado, não se pode impor ao público a exposição sistemática, sem críticas, do direito privado. Tem-se de apontar o que se diz e está errado; e chamar-se atenção para os que, com o seu gênio, descobriram, ou, com o valor das suas convicções, sustentaram a verdade. Rio de Janeiro, 15 de março de 1954. Rua Prudente de Morais, 1356.

SOBRE O AUTOR

FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA

Nasceu em Maceió, Estado de Alagoas, em 23 de abril de 1892. Faleceu no Rio de Janeiro, em 22 de dezembro de 1979. Foi um dos maiores juristas brasileiros. Também filósofo, matemático, sociólogo, deixou obras não só no campo do Direito, mas também da Filosofia, Sociologia, Matemática, Política e Literatura (poesia e prosa). Escreveu-as em português, francês, inglês, alemão e italiano. - Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Recife, em 1911. - Membro do Instituto dos Advogados do Brasil, em 1918. - Membro Correspondente da Ordem dos Advogados de São Paulo, 16 de dezembro de 1919. - Conselheiro da Delegação Brasileira à V Conferência Internacional Americana, 1923. - Prêmio de Erudição da Academia Brasileira de Letras, 1924, pelo livro Introdução à Sociologia Geral. - Juiz de Órfãos, 1924. - Prêmio Único da Academia Brasileira de Letras, 1925, pelo livro A Sabedoria dos Instintos. - Prêmio Pedro Lessa, da Academia de Letras, 1925. - Professor Honoris Causa da Universidade Nacional do Rio de Janeiro, 1928. - Delegado do Brasil à V Conferência Internacional de Navegação Aérea, 1930. - Conferencista na Kaiser Wilhelm-Stiftung, em Berlim, 1931.

- Membro da Comissão de Reforma Universitaria do Brasil, em 1931. - Membro da Comissão de Constituição, em 1932. - Chefe da Delegação do Brasil na Conferencia Internacional de Navegação Aérea, em Haia, 1932. - Professor de Direito Internacional Privado na Académie de Droit International de la Haye, 1932. - Juiz dos Testamentos (Provedoria e Residuos). - Desembargador do Tribunal de Apelação e Presidente das Câmaras de Apelação até 1939. Ministro Plenipotenciário de I a classe, em 1939. Embaixador em comissão, 3 de novembro de 1939, sendo designado para Colômbia de 1940 a 1941. Chefe da Delegação do Governo Brasileiro na XXVI Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, em Nova Iorque, 25 de setembro de 1941. Representante do Brasil no Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho, em Montreal, 29 de agosto de 1941; no posto de 15 de setembro de 1941 a março de 1943. Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Recife, 1955. Ordem do Tesouro Sagrado do Império do Japão, Primeiro Grau, 1958. - Medalha Comemorativa do Centenário do nascimento de Clóvis Beviláqua. 4 de outubro de 1959. - Prêmio Teixeira de Freitas, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, 1961. - Ordem do Mérito Jurídico Militar, pelo Superior Tribunal Militar, 1966. - Medalha Monumento Nacional ao Imigrante, Caxias do Sul, 1966. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal de São Paulo, 1966. - Comenda de Jurista Eminente, Instituto dos Advogados do Ri.o Grande do Sul, 1969.

- Professor Honorário da Faculdade de Direito de Caruaru, 26 de maio

de 1969. - Grã-Cruz do Mérito da tínica Ordem da República Federal da Alemanha, 1970. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Santa Maria,

Rio Grande do Sul, 8 de agosto del970. - Professor Honoris Causa da. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 11 de agosto de 1970. - Titular Fundador da Legião de Honra do Marechal, Rondon, 5 de maio de 1970. - Sumo Título de Mestre do Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 19 de setembro de 1970. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1971. - Premio Munis Freire de Pernambuco outorgado pela Associação dos Magistrados do Espirito Santo, 12 de agosto de 1974. - Premio Medalha Osvaldo Vergara outorgado pela OAB, Seção do Rio Grande do Sul, 6 de novembro de1974. - Professor Emérito da Faculdade de Direito de Olinda, 15 de maio de 1977. - Prémio Medalha do Mérito Visconde de S. Leopoldo, Olinda, 15 de maio de 1977. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas, 1978. - Prêmio Medalha do Mérito Artur Ramos outorgado pelo Governador de Alagoas, março de 1978. - Imortal da Academia Brasileira de Letras, 8 de março de 1979. - Membro Benemérito do Diretório Acadêmico Rui Barbosa. - Membro Efetivo do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. - Sócio Honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. - Membro da Ordem dos Advogados do Brasil. - Membro da Academia Brasileira de Arte.

• Honra ao Mérito, Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Grau de Grã-Cruz (Ordem Albatroz) Museu de História, Sociedade Cultural Tradicionalista. Membro da Association of Symbolic Logic. Membro da Academia Carioca de Letras. Membro da Academia de Artes. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Membro da Academia Brasileira de Letras. Cidadão Honorário de Minas Gerais.

OBRAS PRINCIPAIS DO AUTOR

JURÍDICAS

Sistema de Ciência Positiva do Direito (1922), 2 Tomos; 2. ed., 1972,4 Tomos. Os Fundamentos atuais do Direito Constitucional (1932). Tratado do Direito Internacional Privado, 2 Tomos (1935). Tratado das Ações, I-VII (1971-1978). Tratado de Direito Privado, Tomos I-LX, 3. ed. Comentários à Constituição da República dos E. U. do Brasil (1934), Tomos I e EL. Comentários à Constituição de 10 de novembro de 1937,1.° e 3.° Tomos. Comentários à Constituição de 1946, 3. ed., Tomos I-VHI. Comentários à Constituição de 1967, Tomos I-VI; 2. ed., com Emenda n. 1. La Conception du Droit internacional privé d'aprés la doctrine et la pratique au Brésil, Recueil des Cours de l'Académie de Droit Internacional de La Haye, T. 39, 1932. La Création et la Personalité des personnes juridiques en Droit international privé, Mélanges Streit, Athènes, 1939. Nacionalidade e Naturalização no Direito brasileiro (1936). À Margem do Direito (1912). História e Prática do Habeas Corpus (1916); 7. ed. (1972), 2 Tomos. Tratado de Direito de Família, 3. ed., 3 Tomos (1947). Da Promessa de Recompensa (1927). Das Obrigações por Atos Ilícitos, 2 Tomos (1927). Dos Títulos ao Portador (1921); 2. ed., 2 Tomos. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro, história, lacunas e incorreções do Código Civil (1928). Tratado dos Testamentos, 5 Tomos (1930).

Tratado do Direito Cambiário: I. Letra de Cambio. II. Nota Promissória. III. Duplicata Mercantil. IV. Cheque, 2. ed., 4 Tomos (1954-1955). Tratado de Direito Predial (1953); 5 Tomos, 2. ed. Comentários ao Código de Processo Civil (1939), 2. ed., Tomos I-IX. Comentários ao Código de Processo Civil (de 1973), Tomos I-XVII. Embargos, Prejulgados e Revista no Direito processual brasileiro (1937). Tratado da Ação Rescisória (1973), 5. ed. História e Prática do Arresto ou Embargo (1937). Conceito e Importância da "unitas actus" (1939). Die Zivilgesetz der Gegenwart, Band Hf, Brasilien (Einleitung von Dr. Pontes de Miranda), unter Mitwirkung von Dr. Pontes de Miranda u. Dr. Fritz Gericke, herausgegeben von Dr. Karl Heinscheimer (1928). Rechtsgefiihl und Begrijfdes Rechts (1922). Begriffdes Wertes und soziale Anpassung (1922). Brasilien, Rechtsvergleichendes em colaboração (1929).

Handwõrterbuch,

do Prof. Dr. Franz Schlegelberger,

Questões Forenses. 8 Tomos (1953). Princípio da relatividade gnosiológica e objetiva (1961). Dez anos de Pareceres, 1-10 (1974-1977).

D E FILOSOFIA

O Problema Fundamental do Conhecimento (1937), 2. ed. (1972). Garra, Mão e Dedo (1953). Vorstellung von Raune, Alti del V Congresso Internazionale di Filosofia (1924), Napoli, 1925.

SOCIOLÓGICAS

Introdução à Sociologia Geral (1926), 1.° prêmio da Academia Brasileira de Letras. A Moral do Futuro (1913). Democracia, Liberdade, Igualdade, os três caminhos (1945).

Introdução à Política Científica (1924). Método de Análise Sociopsicológica (1925). O Novos Direitos do Homem (1933). Direito à Subsistência e Direito ao Trabalho (1935). Direito à Educação (1933). Anarquismo, Comunismo, Socialismo (1933). Los Principios y Leis de Simetria en la Sociologia General, Madrid, 1925.

LITERÁRIAS

Poèmes et chansons (1969). Obras Literárias (1960), 2 Tomos. A Sabedoria dos Instintos (1921), 1.° prêmio da Academia de Letras, 2. ed., 1924. A Sabedoria da Inteligência (1923). O Sábio e o Artista, edição de luxo (1929). Penetração, poemas, edição de luxo (1930). Inscrições da Estela Interior, poemas, edição de luxo (1930). Epiküre der Weisheit, München, 2. ed. (1973).

SOBRE O ATUALIZABOR

R u i STOCO

O Autor iniciou-se na carreira jurídica como advogado. Atuou como Promotor de Justiça no Estado de São Paulo. Foi professor universitário e ministrou aulas em curso de formação de candidatos às carreiras jurídicas. Atualmente é Desembargador do TJSP, tendo sido indicado pelo STF para exercer o cargo de Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça em Brasilia/ DF, no período de 2007 a 2009. Convocado, a partir de maio de 2002 como Juiz de Direito Assessor da Presidencia do TRE-SP. Foi eleito em 2002 para o cargo de Juiz Eleitoral Substituto do TRE-SP - Classe Juiz de Direito. Atuou como Juiz Auxiliar da Propaganda do TRE-SP para as eleições de 2002. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Paraná. É professor permanente e Coordenador em cursos de Pós-graduação. Professor convidado em inúmeros cursos de Pós-graduação em Direito Penal, Direito Penal Econômico, Direito Processual Penal, Direito Processual Civil e em Direito Civil; no Curso de Pós-Graduação em Direito Civil da FGV-SP e no Curso de Pós-graduação lato sensu em Responsabilidade Civil no IDP - Instituto Brasiliense de Direito Público de Brasília. É conferencista nas áreas de especialização em Direito Público e Direito Privado, com estágio em Direito Civil na "Université Panthéon Sorbonne" de Paris (França), tendo participado de inúmeros congressos, simpósios e encontros em universidade, curso de outorado e Graduação e em Escolas Superiores da Magistratura e do Ministério Público em vários Estados. Autor de vários artigos de doutrina e obras, e é colaborador permanente na Revista dos Tribunais. Foi membro da Comissão de Reforma do Cód. de Proc. Penal, redator e relator do Projeto do Júri, que se converteu na Lei 11.689, de 09.06.2008, que alterou o PP. Presidiu no CNJ a "Comissão de Fundos e Reaparelhamento dos Tribunais de Justiça". Foi um dos redatores do Regimento Interno do CNJ, aprovado pelo Plenário na 79.a Sessão de 03.03.2009. Após seu desligamento do CNJ, proferiu aulas aos servidores e Assessores de

Conselheiros em 2010 sobre o Regimento Interno. É atualmente membro do Grupo de trabalho instituído pelo Presidente do CNJ para elaborar estudos e propostas para a edição de Lei Geral de Custas a que se refere o art. 24, IV. da CF/1988 (Portaria 232, de 20.12.2010). Integrou o Grupo designado pelo Ministério da Justiça para a elaboração de anteprojetos de leis de interesse do Governo (Portaria 2.063, de 20.10.2008, do Ministro da Justiça). Fez parte do Comitê Interinstitucional de Gestão do II Pacto Republicano de Estado, conforme Portaria 90, de 12.05.2009 do Presidente do STF.

SOBRE O COLABORADOR

CYRO VARGAS JATENE

Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo. Graduado em Administração de Empresas pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP, São Paulo. Assistente Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

PLANO GERAL DA COLEÇÃO

PARTE G E R A L

Tomo I - Introdução. Pessoas físicas e jurídicas. Tomo II - Bens. Fatos Jurídicos. Tomo III - Negócios Jurídicos. Representação. Conteúdo. Forma. Prova. Tomo IV - Validade. Nulidade. Anulabilidade. Tomo V - Eficácia jurídica. Determinações inexas e anexas. Direitos. Pretensões. Ações. Tomo VI - Exceções. Direitos mutilados. Exercício dos direitos, pretensões, ações e exceções. Prescrição.

PARTE ESPECIAL

Tomo VII - Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (Existência e validade do casamento). Tomo VIU - Dissolução da sociedade conjugal. Eficácia jurídica do casamento. Tomo IX - Direito de Família: Direito Parental. Direito Protetivo. Tomo X - Direito das Coisas: Posse. Tomo XI - Direito das Coisas: Propriedade. Aquisição da propriedade imobiliária. Tomo XE - Direito das Coisas: Condomínio. Edifício de apartamentos. Compáscuo. Terras devolutas. Terras de silvícolas. Tomo XHI - Direito das Coisas: Loteamento. Direitos de vizinhança. Tomo XIV - Direito das Coisas: Pretensões e ações imobiliárias dominicais. Perda da propriedade imobiliária. Tomo XV - Propriedade mobiliária (bens corpóreos).

Tomo XVI - Direito das Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade intelectual. Propriedade industrial. Tomo XVII - Direito das Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade industrial (sinais distintivos). Tomo XVHI - Direito das Coisas: Direitos reais limitados. Enfiteuse. Servidões. Tomo XIX - Direito das Coisas: Usufruto. Uso. Habitação. Renda sobre o imóvel. Tomo XX - Direito das Coisas: Direitos reais de garantia. Hipoteca. Penhor. Anticrese. Tomo XXI - Direito das Coisas: Penhor rural. Penhor industrial. Penhor mercantil. Anticrese. Cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas. Transmissões em garantia. Tomo XXII - Direito das Obrigações: Obrigações e suas espécies. Fontes e espécies de obrigações. Tomo X X m - Direito das Obrigações: Auto-regramento da vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. Tomo XXIV - Direito das Obrigações: Efeitos das dívidas e das obrigações. Juros. Extinção das dívidas e obrigações. Adimplemento. Arras. Liquidação. Depósito em consignação para adimplemento. Alienação para liberação. Adimplemento com sub-rogação. Imputação. Compensação. Tomo XXV - Direito das obrigações: Extinção das dívidas e obrigações. Dação em soluto. Confusão. Remissão de dívidas. Novação. Transação. Outros modos de extinção. Tomo XXVI - Direito das Obrigações: Conseqüências do inadimplemento. Exceções de contrato não adimplido, ou adimplido insatisfatòriamente, e de inseguridade. Enriquecimento injustificado. Estipulação a favor de terceiro. Eficácia protectiva de terceiro. Mudanças de circunstâncias. Compromisso. Tomo XXVn - Concurso de credores em geral. Privilégios. Concurso de credores civil. Tomo X X V m - Direito das Obrigações: Falência. Caracterização da falência e decretação da falência. Efeitos jurídicos da decretação da falência. Declaração de ineficiência relativa de atos do falido. Ação revocatoria falencial. Tomo XXIX - Direito das Obrigações: Administração da massa falencial. Restituições e vindicações. Verificação de créditos. Classificação de créditos. Inquérito judicial. Liquidação. Extinção das obrigações.

Tomo XXX - Direito das obrigações: Concordatas. Crimes falenciais. Liquidações administrativas voluntárias e coativas. Tomo XXXI - Direito das Obrigações: Negocios jurídicos unilaterais. Denuncia. Revogação. Reconhecimento. Promessas unilaterais. Traspasso bancário. Promessa de recompensa. Concurso. Tomo XXXn - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Títulos ao portador. Tomo XXXIII - Direito das Obrigações: Títulos ao portador (continuação). Títulos nominativos. Títulos endossáveis. Tomo XXXIV - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Direito cambiário. Letra de Câmbio. Tomo XXXV - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Direito cambiário. Letra de Câmbio. Nota promissória. Tomo XXXVI - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais Direito cambiariforme. Duplicata mercantil. Outros títulos cambiariformes. Tomo XXXVE - Direito das Obrigações: Negócios Jurídicos unilaterais. Direito cambiariforme. Cheque. Direito extracambiário e extracambiariforme. Direito internacional cambiário e cambiariforme. Tomo XXXVm - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos bilaterais e negócios jurídicos plurilarerais. Pressupostos. Vícios de direito. Vícios do objeto. Evicção. Redibição. Espécies de negócios jurídicos bilaterais e de negócios jurídicos plurilaterals. Tomo XXXIX - Direito das Obrigações: Compra-e-venda. Troca. Contrato estimators. Tomo XL - Direito das Obrigações: Locação de coisas. Locação de uso. Locação de uso e fruição. Tomo XLI - Direito das Obrigações: Locação de coisas. Renovação de contrato de locação. Fretamento. Tomo XLÜ - Direito das Obrigações: Mútuo. Mútuo arisco. Contrato de conta corrente. Abertura de crédito. Assinação e Acreditivo. Depósito. Tomo XLm - Direito das Obrigações: Mandato. Gestão de negócios alheios sem outorga. Mediação. Comissão. Corretagem. Tomo XLIV - Direito das Obrigações: Expedição. Contrato de agência. Representação de emprêsa. Fiança. Mandato de crédito. Constituição de renda. Promessa de dívida. Reconhecimento de dívida. Comunidade. Edição. Representação teatral, musical e de cinema. Empreitada.

Tomo XLV - Direito das Obrigações: Contrato de transporte. Contrato de parceria. Jôgo e aposta. Contrato de seguro. Seguros terrestres, marítimos, fluviais, lacustres e aeronáuticos. Tomo XLVI - Direito das Obrigações: Contrato de Seguro (continuação). Seguro de vida. Seguros de acidentes pessoais. Seguro de responsabilidade. Seguro de crédito. Seguros de riscos especiais e de universalidade. Seguros mutuos. Resseguro. Contrato de comodato. Contrato de doação. Contrato de hospedagem. Tomo XLVH - Direito das Obrigações: Contrato de locação de serviços. Contrato de trabalho. Tomo XLVm - Direito das Obrigações: Contrato coletivo do trabalho. Contratos especiais de trabalho. Preposição comercial. Ações. Acordos em dissídios coletivos e individuais. Contrato de trabalho rural. Tomo XLIX - Contrato de sociedade. Sociedades de pessoas. Tomo L - Direito das Obrigações: Sociedade por ações. Tomo LI - Direito das Obrigações: Sociedade por ações (continuação). Sociedade em comandita.por ações, Controle das sociedades. Sociedades de investimento, de crédito e de financiamento. Tomo LU - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos bancários e de Bolsa. Corretagem de seguros. Transferência de propriedade mobiliária, em segurança. Subscrição, distribuição e colocação de títulos e valores mobiliários. Tomo L m - Direito das Obrigações: Fatos ilícitos absolutos. Atos-fatos ilícitos absolutos. Atos ilícitos absolutos. Responsabilidade. Danos causados por animais. Coisas inanimadas e danos. Estado e servidores. Profissionais. Tomo LIV - Direito das Obrigações: Responsabilidade das empresas de transporte. Exercício ilícito na Justiça. Danos à pessoa. Acidentes do trabalho. Pretensão e ação. Dever de exibição. Liquidação das obrigações. Cominação. Tomo LV - Direito das Sucessões: Sucessão em Geral. Sucessão legítima. Tomo LVI - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Testamento em geral. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados. Tomo LVD - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados. Tomo LVni - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Disposições testamentárias em geral. Formas ordinárias do testamento. Tomo LIX - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Testamentos. Codicilo. Revogação. Tomo LX - Direito das Sucessões: Testamenteiro. Inventário e Partilha.

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS M A T É R I A S

TÍTULO L V I OBRIGAÇÕES

ORIUNDAS

DE ATOS ILÍCITOS A B S O L U T O S , ATOS-FATOS E FATOS ILÍCITOS A B S O L U T O S " S T R I C T O

ILÍCITOS SENSU"

(continuação) CAPÍTULO I X RESPONSABILIDADE DAS DE

EMPRÊSAS

TRANSPORTES

§ 5.528. RESPONSABILIDADE DAS EMPRÊSAS FERROVIÁRIAS E DE OUTROS TRANSPORTES 1. Estradas de ferro e incêndios. 2. Legislação especial. 3. Outros transportes § 5.529. ABALROAÇÃO MARÍTIMA E RESPONSABILIDADE 1. Dados históricos. 2. Código Comercial. 3. Convenção de Bruxelas (1910). 4. Navio de mar, conceito. 5. Navio de Estado. 6. Abalroamento causado por falta de um. 7. Abalroamento por culpa dos dois (ou mais de dois) navios. 8. Abalroamento fortuito ou por fôrça maior. 9. Abalroamento por culpa de terceiro e abalroamentos sucessivos. 10. Abalroamento e reboque. 11. Abalroamento em direito fluvial § 5.530. TRANSPORTES ESPECIAIS MODERNOS 1. Automóveis. 2. Colisões § 5.531. AERONAVES E DANOS POR ELAS CAUSADOS 1. Aeronaves. 2. Fundamento da responsabilidade. 3. Abalroamento ae'reo

CAPÍTULO X E X E R C Í C I O ILÍCITO, E M

JUSTIÇA,

DE PRETENSÃO A ADIMPLEMENTO

DE

DIVIDA

§ 5.532. COBRANÇA DE DÍVIDA NÃO VENCIDA OU JÁ PAGA

113

1. Textos da lei. 2. Dívidas e ofensas ao devedor § 5.533. REGRAS JURÍDICAS DE DIREITO PROCESSUAL

120

1. Espírito de emulação, mero capricho e êrro grosseiro. 2. Análise dos pressupostos § 5.534. PENALIDADES, E NÃO INDENIZAÇÕES

134

1. Exame da natureza das regras jurídicas do Código Civil, arts. 1.530 e 1.531. 2. Dívidas não vencidas. 3. Dívidas j á pagas. 4. Abuso do direito e ato ilícito. 5. Abstração do elemento objetivo do dano. 6. Ação e reconvenção. 7. Desistência. 8. Exercício. 9. Ressarcimento dos danos causados § 5.535. AÇAO DO DEMANDADO

145

1. Alegação de ser aplicável o art. 1.530 ou o artigo 1.531 do Código Civil. 2. Desistência da ação. 3. Extensão dos textos legais CAPÍTULO X I DANOS À

PESSOA

§ 5.536. INJÚRIA, CALÚNIA E OUTRAS OFENSAS

149

1. Ofensa à integridade moral e social da pessoa. 2. Injúria e calúnia. 3. Ofensas ao corpo que atingem a pessoa §5.537. HONRA DA MULHER E OFENSA

160

1. Ofensa à honra da mulher virgem e menor. 2. Fonte dos princípios. 3. Violência, ameaça ou sedução. 4. Indenização a título de dote § 5.538. OFENSA À LIBERDADE FÍSICA E DE PENSAMENTO 1. Ofensa à liberdade física. 2. Ofensa à liberdade de pensamento e outros direitos de personalidade. 3. Conceito de dano não-patrimonial e liquidação de dívida. 4. Vítimas de dano não-patrimonial. 5. Pessoas jurídicas e danos não-patrimoniais. 6. Reparação em natura e reparação indenizatória

167

CAPÍTULO X I I ACIDENTES DO TRABALHO

§ 5.539. CONCEITO E NATUREZA DO ACIDENTE DO TRABALHO

181

1. Precisões. 2. Problemas de técnica legislativa. 3. Natureza da responsabilidade por acidentes do trabalho. 4. Conceito de acidente do trabalho. 5. Tempo e lugar do acidente. 6. Limitações ao conceito de acidente do trabalho. 7. Acidentes específicos do trabalho. 8. Agravações e elementos influentes posteriores § 5.540. SUJEITOS DA RELAÇÃO JURÍDICA NOS ACIDENTES DO TRABALHO E RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR

199

1. Acidente do trabalho e relação jurídica que dêle se irradia. 2. Empregado e empregador. 3. Responsabilidade do empregador. 4. Dever de registo dos empregados. 5. Beneficiários. 6. Forças armadas e acidentes em serviço § 5.541. ASSISTÊNCIA MÉDICA, FARMACÊUTICA E HOSPITALAR

207

1. Deveres cautelares e de reparação em natura. 2. Acidentes de trabalho, perícia e assistência. 3. Escolha de médico para acompanhamento. 4. Recusa do tratamento por parte do empregado. 5. Dever de entrega de atestados § 5.542. MORTE, INAPTIDÃO, TRATAMENTO E INDENIZAÇÕES

216

1. Morte do acidentado. 2. Inaptidão total e permanente. 3. Inaptidão parcial e permanente. 4. Inaptidão temporária. 5. Indenização por morte ou por lesão § 5.543. REMUNERAÇÃO E SALÁRIO

227

1. Conceituação. 2. Salário § 5.544. COMUNICAÇÃO DO ACIDENTE DO TRABALHO

232

1. Prazo para comunicar. 2. Impossibilidade absoluta. 3. Dever de registo. 4. Caso de morte e comunicação à autoridade policial. 5. Casos de doença. 6. Acidente do trabalho em viagem § 5.545. LIQUIDAÇÃO DAS DÍVIDAS POR ACIDENTE DO TRABALHO 1. Acordos sôbre liquidação e adimplemento das dívidas por acidente do trabalho. 2. Acordos obrigatoriamente homologados. 3. Autorida-

238

de judiciária competente. 4. Liquidação das dívidas e procedimento judicial. 5. Prescrição e preclusão § 5.546. REVISÃO

245

1. Mudanças no tocante aos danos e revisão. 2. Correção monetária. 3. Cálculo da indenização § 5.547. READAPTAÇÃO PROFISSIONAL E REAPROVEITAMENTO DO EMPREGADO ACIDENTADO

248

1. Conceituação. 2. Modo de readaptação. 3. Estado e escolas. 4. Reaproveitamento. 5. Revisão e readaptação § 5.548. GARANTIA DO PAGAMENTO DAS INDENIZAÇÕES

251

1. Indenização por acidente do trabalho e seguros. 2. Impenhorabilidade e privilégio. 3. Renúncia a direitos a indenização. 4. Impostos. 5. Transferência da responsabilidade § 5.549. SANÇÕES E DEVERES

254

1. Liquidação das dívidas de indenização por acidentes do trabalho. 2. Infração pelo empregador e direito;do segurador. 3. Comunicação de infrações. 4. Processo penal. 5. Verbas para seguros. 6. Fiscalização das entidades seguradoras § 5.550. REGRAS JURÍDICAS DE DIREITO INTERTEMPORAL

257

1. Seguros e emprêsas. 2. Regulamentação e tabelas de seguros, finalidade CAPÍTULO X I I I PRETENSÃO E AÇÃO DE

INDENIZAÇÃO

§ 5.551. PRETENSÃO E OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR

261

1. Danos e irradiação dos fatos ilícitos. 2. Dano e causação. 3. Pluralidade subjetiva ativa. 4. Pluralidade subjetiva passiva. 5. Comunhão matrimonial de bens e direito à indenização. 6. Mora. 7. Garantias do direito à indenização. 8. Seguro § 5.552. TRANSMISSÃO DA DÍVIDA DE INDENIZAÇÃO 1. Transmissão da dívida sem transmissão da responsabilidade. 2. Texto do direito civil. 3. Transmissão de pretensões e ações de restituição de indenização. 4. Cessão do direito à indenização

275

§ 5.553. AÇÕES E PROCEDIMENTO 1. Ações cautelares, ação declaratória e ação de indenização. 2. Ação penal e ação civil. 3. Indenização em dinheiro. 4. Legitimação ativa. 5. Ação para a reparação dos danos não-patrimoniais. 6. Prescrição da ação de indenização. 7. "Beneficium competentiae". 8. Fôro das ações de reparação de danos § 5.554. AÇÃO DE PUBLICAÇÃO DA RESPOSTA À IMPRENSA

307

1. Direito de resposta. 2. Pressupostos da resposta. 3. Desatendimento pela empresa. 4. Ação de reparação pela resposta e ação de indenização. 5. Legitimação ativa. 6. Resposta excessiva. 7. Recurso e provimento § 5.555. JUÍZO CÍVEL E lUÍZO CRIMINAL

314

1. Preliminares. 2. Dados históricos do Império. 3. Direito vigente § 5.556. PROVA DE ILICITUDE ABSOLUTA

324

1. Princípio da alegação e da prova. 2. Dificuldades e notoriedade da prova. 3. Fato ilícito absoluto negativo TÍTULO L V I I DEVER DE

EXIBIÇÃO

CAPÍTULO I CONCEITO, NATUREZA E DO DEVER DE

EFICÁCIA

EXIBIÇÃO

§ 5.557. CONCEITO E NATUREZA

333

1. Direito romano. 2. Exibição de bem móvel, ou de bem imóvel, e exibição de documento § 5.558. PRESSUPOSTOS DA AÇÃO DE EXIBIÇÃO

335

1. Bem exibível. 2. Direito material e direito processual CAPÍTULO II OBJETO EXIBÍVEL E LEGITIMAÇÃO DOS

INTERESSADOS

§ 5.559. EXIBIÇÃO DE BEM MÓVEL OU DE BEM IMÓVEL 1. Objeto da exibição. 2. Legitimação passiva. 3. Alegação e prova; lugar da exibição. 4. Riscos e gastos

§ 5.560. EXIBIÇÃO E SENTENÇA

340

1. Desatendimento pelo demandado. 2. Sentença § 5.561. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO

341

1. Pretensão à exibição de documento. 2. Legitimação ativa. 3. Lugar, riscos e despesas. 4. Petição. 5. Decisão. 6. Documento em poder de terceiro § 5.562. EXIBIÇÃO DE COISA, LIVRO OU DOCUMENTO

357

1. Pretensão à exibição e ação cautelar de exibição. 2. Exibição incidental e exibição preventiva. 3. Exibição parcial e exibição total. 4. Alegações do réu TÍTULO L V I I I LIQUIDAÇÃO DAS

OBRIGAÇÕES

CAPÍTULO I LIQUIDAÇÃO EM

GERAL

§ 5.563. CONCEITO E NATUREZA DA LIQUIDAÇÃO

367

1. Certeza e liquidez. 2. Terminologia defeituosa e terminologia exata. 3. "Quaestiones facti" e "quaestiones iuris". 4. Assunção de riscos § 5.564. IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA E IMPOSSIBILIDADE RELATIVA DEADIMPLIR

370

1. Impossibilidade anterior e impossibilidade posterior à vinculação. 2. Impossibilidade de adimplir na espécie ajustada CAPÍTULO II DÍVIDAS NEGOCIAIS E DÍVIDAS DE ORIGEM

LEGAL

§5.565. ESPÉCIES DE PRESTAÇÕES

373

1. Fixação do valor e liquidação. 2. Prestação não cumprida. 3. Juros da mora e prestações ilíquidas § 5.566. LIQUIDAÇÃO AMIGÁVEL

-

377

•••••

379

1. Conceito. 2. Liquidação amigável e seus pressupostos § 5.567. LIQUIDAÇÃO POR AÇÃO 1. Conceito. 2. Procedimento da ação de liquidação

§ 5.568. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

380

1. Conceito. 2. Falta de liquidação. 3. Execução em caso de iliquidade 4. Integração da liquidação no processo executivo. 5. Operação de liquidação. 6. Três meios de liquidação § 5.569. LIQUIDAÇÃO POR CÁLCULO DO CONTADOR

385

1. Cálculo e operação líquidatória. 2. Êrro de conta. 3. Sentença de liquidação § 5.570. LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO

387

1. Pressupostos. 2. Necessidade de provar. 3. Arbitrador. 4. Lucros cessantes. 5. Reversão do capital. 6. Prestações devidas e tempo. 7. Inalienabilidade do capital. 8. Determinação sentenciai § 5.571. LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS

392

1. Conceito de liquidação por artigos. 2. Procedimento. 3. Insuficiência das provas. 4. Integridade da sentença liquidanda. 5. Eficácia de coisa julgada formal e material. 6. Defesas e exceções CAPÍTULO III FATOS ILÍCITOS A B S O L U T O S E I L I Q U I D E Z D E

DÍVIDA

§ 5.572. LIQUIDAÇÃO DAS DÍVIDAS POR FATOS ILÍCITOS ABSOLUTOS

399

1. Regras jurídicas insertas no Código Civil. 2. Conceituação de dano causado por fato ilícito absoluto. 3. Negócio jurídico solutório § 5.573. ESPÉCIES DE DANOS

404

1. Danos ressarcíveis. 2. Dano atual, dano futuro e dano eventual. 3. Danos diretos e danos indiretos. 4. "Compensatio lucri cum damno". 5. Violação de segredo e ressarcimento § 5.574. REPRISTINAÇÃO E DETERMINAÇÃO DO VALOR DO DANO 1. Couceito. 2. Valor e reparação. 3. Ressarcimento por bem específico. 4. Elementos para a determinação do quanto indenizatório. 5. Ressarcimento simbólico. 6. Casos previstos na lei. 7. Casos não previstos na lei sobre quanto do ressarcimento. 8. Lucro cessante. 9. Tempo para avaliação do dano. 10. Pena privada. 11. Juros compostos. 12. Concorrência desleal

410

TÍTULO L I X COMINAÇÃO EM DAS OBRIGAÇÕES

DIREITO E EM

GERAL

CAPÍTULO I C O N C E I T O E N A T U R E Z A DA

COMINAÇÃO

§ 5.575. AÇÕES DE PRECEITO COMINATÓRIO CONTRA QUEM É OU HÁ DE SER RESPONSÁVEL POR FATO ILÍCITO

429

1. Preliminares. 2. Dados históricos. 3. Limitações ao princípio da angularidade da relação jurídica processual § 5.576. AÇÃO COMINATÓRIA NO DIREITO BRASILEIRO

433

1. Cominação e direito brasileiro. 2. Cognição incompleta. 3. Entidades estatais e cominação em caso de alegação de urgência CAPÍTULO I I ESPÉCIES DE AÇÃO

COMINATÓRIA

§ 5.577. AÇÃO COMINATÓRIA PARA PRESTAÇÃO DE FATO OU ABSTENÇÃO DE ATO .,:.

439

1. Preceitação cominatória. 2. Rito processual da ação de preceito cominatório. 3. Conceito de cominação. 4. Carga de eficácia sentenciai. 5. Pretensão à cominação e preceitação. 6. Fiador, satisfação da obrigação pelo afiançado e exoneração da fiança. 7. Deserdado e "provocatio ad probandum". 8. Reforço e substituição da garantia. 9. Pretensão cominatória e pretensão a que se prestem contas. 10. Reparações em prédio locado. 11. Mau uso da propriedade. 12. Afastamento da inquietação ou caução de dano infecto. 13. Proprietário, comuneiro. 14. Desapropriação cominada de direitos autorais. 15. Ação cominatória contra obras. 16. Obrigação de abster-se e de prestar. 17. Pedido e procedimento. 18. Cominatória e pena negocial. 19. Contestação e rito ordinário. 20. Pena cominada a líbito do autor. 21. Mandados cominatórios sem cláusula. 22. Falta de contestação e decisão imediata do fato. 23. Custas § 5.578. CAUÇÃO EM AÇÃO COMINATÓRIA 1. Dano eventual e dano iminente. 2. Indenização § 5.579. CONSTRUÇÕES E OUTRAS OBRAS 1. Construção sem licença. 2. Princípios de julgamento

488

§ 5.580. PROCEDIMENTO COMINATÓRIO EM CASO DE EDIÇÃO, OU REEDIÇÃO DE OBRA

493

1. Legitimados ativos. 2. Construção conceptual e procedimento § 5.581. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS

494

1. Legitimados ativos e passivos. 2. Prestação de contas pedida pelo que as deve prestai; 3. Prestação de contas pedida por aquele a quem devem ser prestadas. 4. Forma mercantil e falta de tal pressuposto. 5. Saldo das contas e execução contra o devedor. 6. Custas § 5.582. PRÉ-ELIMINAÇÃO NEGOCIAL DO EXERCÍCIO DO PRECEITO COMINATÓRIO

509

1. Princípios. 2. Plano do direito material § 5.583. CONSIDERAÇÕES FINAIS 1. Eficácia sentenciai na ação do preceito cominatório. 2. Procedimento cominatório e procedimento executivo, distinção.

511

TÍTULO L V I OBRIGAÇÕES DE ATOS ILÍCITOS ATOS-FATOS

ORIUNDAS ABSOLUTOS, ILÍCITOS

E FATOS ILÍCITOS A B S O L U T O S

(continuação)

"STRICTO

SENSU

:

CAPÍTULO I X RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES

§ 5.528. RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS FERROVIÁRIAS E DE OUTROS TRANSPORTES

1. ESTRADAS DE FERRO E INCÊNDIOS. - Embora tenha sido permitido às estradas de ferro uso da lenha como combustível, as empresas são obrigadas a colocar nas chaminés das locomotivas os aparelhos que evitem o lançamento de fagulhas sôbre os terrenos marginais da linha férrea, sobre os trens rebocados, ou sôbre os passageiros. O Supremo Tribunal Federal, a 20 de agosto de 1924, disse que, quando o incêndio é produzido por fagulhas expelidas pelas locomotivas de estrada de ferro, há obrigação de indenizar o dano causado, pois não cabe a alegação de caso fortuito ou de força maior, proveniente de ventos fortes e patinação do trem. O primeiro motivo, existência de ventos fortes, é fenômeno atmosférico natural, e previsível, principalmente em certas épocas do ano. Quanto à patinação do trem, de ordinario é atribuível a defeituosa composição do trem, pela qual são responsáveis as empresas e, perante elas, responsáveis os empregados, que deveriam saber qual a força da locomotiva. 2. LEGISLAÇÃO ESPECIAL. - A Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, regulou e regula a responsabilidade civil das emprêsas de estrada de ferro. Lê-se na Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, art. 26: "As estradas de ferro responderão por todos os danos que a exploração das suas linhas causar aos proprietários marginais. Cessará, porém a responsabilidade se o fato danoso fôr conseqüência direta da infração, por parte do proprietário,

de alguma disposição legal ou regulamentar relativa a edificações, plantações, escavações, depósito de materiais ou guarda de gado à beira das estradas de ferro". ¿Está em vigor êsse art. 26? Houve quem o negasse, ou por considerar revogada toda a lei, ou derrogada quanto ao art. 26, por se tratar de direito civil, e não comercial (contrato de transporte). Regeria o Código Civil, art. 1.523, segundo a interpretação, literal, que recusamos. Na maioria de seus artigos, a Lei n. 2.681 é de caráter misto; regula a culpa contratual das estradas de ferro e, por analogia, segundo a jurisprudência, das demais Companhias de transportes, com o caráter de serviço público. Certo, o dano aos proprietários marginais é de direito civil, e não comercial, extracontratual, e não contratual. Mas, evidentemente, trata-se de relações especiais, criadas pela natureza do serviço de condução do público. Os danos causados a terceiro não passageiros, não proprietários marginais - regem-se pelo Código Civil; porque o art. 26 da Lei n. 2.681 não cogitou de outras pessoas. Somente se referiu a passageiros e a proprietários marginais. Mas temos de interpretá-lo. Lê-se no acórdão do Supremo Tribunal Federal, a 30 de janeiro de 1924: "O art. 17 da Lei n. 2.681 dispõe que as estradas de ferro responderão pelos desastres, que, nas ruas, sucederem aos viajantes e de que resulte morte, ferimento ou lesão corpórea, sendo a culpa sempre presumida, salvo prova de caso fortuito ou força maior, ou de culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada. Se é certo que, no caso houve culpa do filho da autora, que viajava no estribo arriado do bonde, estando suspenso o travessão, verificou-se também a culpa da ré, que não pode, segundo cláusula contratual, permitir os seus veículos com o travessão nas passagens perigosas, como é o lado da entrelinha. Ora, já se observou que o travessão estava suspenso. Logo houve culpa da ré que se tornou responsável, conforme também dispõe o art. 1.523 do Código Civil". No art. 26, alínea 1.a, da Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, diz-se que as estradas de ferro respondem por todos os danos que a exploração das suas linhas cause aos proprietários marginais. Na alínea 2.a, acrescenta-se que não há tal responsabilidade (lá se diz: "Cessará, porém, a responsabilidade.") "se o fato danoso fôr conseqüência direta da infração, por parte do proprietário, de alguma disposição legal ou regulamentar relativa a edificação, plantações, excavaçÕes, depósito de materiais ou guarda de gado à beira das estradas de ferro". No acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 11 de novembro de 1921, confirmado em embargos, a 4 de janeiro de 1922, foi julgado que a

interpretação do Código Civil havia de ser no sentido de bastar a infringência de dever, que, no caso, era a falta de faróis para evitar desastre. Se um automóvel vai a grande velocidade e outro, para evitar a colisão, vira a direita e apanha alguém que andava pela rua sem imprudência, tem-se de verificar se a velocidade era proibida e se o era a manobra do outro carro. Se a velocidade não era proibida e o era a manobra, responsável é o motorista que deu a volta (cf. P. LALLEMENT, L'État de nécessité en matière civile, 180). Se ambos infringiram, são co-autores, salvo se a manobra era a única solução possível para se evitar a colisão. Sé nenhum infringiu a lei, o automóvel que causou o dano só se pode defender com a alegação de estado de necessidade; portanto, se somente não podia não colidir com o movimento que fêz e, no caso, não poderia fazê-lo sem a conseqüência que teve. Se alguém joga bomba em uma barraca da feira e o dono apanha e lança adiante, dando ensejo a que faça o mesmo o dono da segunda barraca, e assim por diante, até que ela explode noutra barraca ou explode e fere alguém (cp. na Inglaterra, em 1770, o caso Scott versus Sepherd, 2 Wm., Blackstone, 892), responsável foi quem lançou a bomba. Admita-se, porém, que houve estado de necessidade, sucessivamente, para os outros, e pode ser responsável o último, com os outros, solidàriamente, com a ação regressiva até o que iniciou o perigo (Código Civil, arts. 160, II, e 1.520). O que mais importa é que não se cause dano, ou não se concorra para isso. Tem o motorista ou qualquer pessoa que guie carro, ou animal, de abster-se de qualquer ato que possa ser danoso, haja ou não regra jurídica proibitiva. Nem tudo que se devia proibir está previsto em lei, regulamento ou postura. Aliás, julgados inglêses, por vêzes sublinham êsse ponto (cf. A. LEGAL, De la Négligence et de 1'Imprudence comme source de responsabilité civile, 91). Nos dias de corridas de automóveis quem foi atingido em rua fechada ou estrada fechada, conforme a deliberação das autoridades públicas, suficientemente conhecidas, não tem direito a indenização (cf. P. MARTEAU, De la Notion de la Causalité dans la Responsabilité civile, 19). Se o dono do automóvel empresta a amigo, ou parente, ou pessoa desconhecida, a título gratuito, discutiu-se se é responsável o dono, ou possuidor registado, ou se são as duas pessoas, ou só o trafegante autor do acidente. Frise-se o pressuposto: transporte por pessoa que de modo nenhum remunera e sem propósito de lucro por parte da pessoa que recebe o automóvel.

O dono ou possuidor do automóvel não transporta. Não há contrato inominado entre êle e o trafegante (não há algo de parecido com o mandato, nem contrato de beneficência, como pretendeu o Tribunal Civil de Avignon, a 22 de outubro de 1926). A responsabilidade da pessoa beneficiada é pelo ato ilícito absoluto, perante o emprestador a título gratuito; e perante o terceiro, se houve vítima. Surge a questão de se saber se o terceiro pode ir contra o dono ou possuidor do automóvel, e a resposta há de ser afirmativa, porque há a responsabilidade transubjetiva. O dono ou possuidor tem ação regressiva contra o trafegante que causou dano. O lesado, êsse, pode ir contra o lesante, diretamente, se houve culpa, inclusive por lhe ter esquecido a verificação do carro. O juiz, na ação regressiva, pode atender a dosagem da reparação, conforme a culpa (Louis JOSSERAND, Le Transport bénévole et la Responsabilité des accidents d'automobile, 14 s.). - No direito brasileiro há o princípio, contido no art. 17 do Decreto n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, segundo o qual as estradas de ferro respondem pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corporal. admitindo-se, em contrário, a prova de caso fortuito ou fôrça maior, ou da culpa do viajante não concorrendo culpa da estrada. O Supremo Tribunal Federal, em acórdão de 18 de outubro de 1921, aplicou êsse princípio em questão de indenização por acidente ocorrido com um bonde, de que resultou a morte de um viajante. Assim, equiparou o serviço de transporte de passageiros em linhas de bonde ao de estradas de ferro. A culpa é contratual, diz-se; poderia haver a apreciação como extracontratual e não seria diferente a boa solução. A Lei n. 2.681 rege todos os transportes por via férrea e, por analogia, todos os transportes de empresas de serviços ao público. A interpretação clássica diz: pela mesma razão da lei. Preferimos escrever: por ter sido a indução do legislador na apreciação de relações, que são as mesmas nos outros transportes. Dir-se-á que, uma vez admitida a presunção de culpa no art. 1.521, como anteriormente se pôs por princípio, não tem utilidade a distinção entre casos sujeitos à Lei n. 2.681 e casos sujeitos ao Código Civil. Mas não é procedente: a Lei n. 2.681, na parte eliminativa do pressuposto da culpa, não coincide com o Código Civil, arts. 159, 160 e 1.521-1.523. 3. OUTROS TRANSPORTES.

A decisão da Côrte de Cassação da França, a 16 de junho de 1896, que considerou responsável o dono de rebocador, que explodira e matara o meca-

nico, sem que se precisasse provar ter havido culpa, foi memorável. Com ela às outras coisas a.regra jurídica sôbre os danos causados pelas coisas que caem ou são lançadas de alguma casa. Ao mesmo tempo abriu as portas para a solução dos problemas concernentes aos acidentes do trabalho. A Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 9 de novembro de 1914 {D. de D., 37, 470), aplicou os arts. 17 e 18 da Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912 (responsabilidade civil das estradas de ferro) às colisões entre automóveis. A responsabilidade pelos danos causados pelos meios de transporte, quer às pessoas transportadas, quer a terceiros, transeuntes ou visitantes, não é responsabilidade pelo fato de coisas. O transporte supõe ato humano que fêz avançar ou parar o veículo, ou dirigiu o cavalo que puxa o carro. Se o cavalo foi pôsto no carro por terceira pessoa, que o deixou na rua, e o cavalo corre e atropela ou mata alguém, há responsabilidade do terceiro, ou do terceiro e de quem tinha consigo o cavalo, para uso, e foi imprudente ou negligente em não o guardar como deveria guardá-lo. Se há o elemento humano necessário ao transporte não é de fato de coisa inanimada, nem de animal, que se há de cogitar. Não são a mesma responsabilidade de quem não prendeu a janela como devia e essa caiu e causou danos, ou, a fortiori de quem é dono da estátua, posta à porta da entrada, e ela tombou com a ventania, e a responsabilidade do motorista do ônibus, ou do táxi, ou do trem. Qualquer elemento estranho (eletricidade, motor de carvão, fôrça animal) que o homem liga à coisa, revela a antecedência de ato humano que põe contra a classe a figura do ilícito. Por outro lado, tem-se de distinguir do dano que sofre o passageiro, ou algum bem do passageiro, ou remetente, o dano que atinge terceiro - ou bem de terceiro. Mais ainda: ambos têm de ser distinguidos dos danos de que são vítimas empregados do transportador, durante o transporte, ou antes ou após o transporte (acidentes do trabalho). estendeu-se

A colisão de veículos não se pode reduzir a colisão de coisas, porque ou houve uma pessoa, que estava guiando, ou duas guiavam, ou houve outra causa, estranha à atividade humana, que produziu o choque dos veículos, sem que fôsse fator relevante a atividade de qualquer dêles. Tem-se de buscar a origem do encontro, destrutivo, deteriorante ou contundente, entre os dois veículos. Quanto aos danos sofridos, durante a viagem, ou simples transporte, pela pessoa que viaja ou se transporta, há: a) a opinião radical, que afirma existir dever geral e anterior a qualquer negócio jurídico, de modo que o

transporte apenas dá ocasião ao dano negocial (e. g., CARLO FRANCESCO GABBA, Nuove Questione di Diritto civile, II, 1 3 7 ) : b) a opinião que parte da vinculação negocial, de modo que o transportador assume dever geral de transportar, incólume, quanto à pessoa e aos seus bens, o viajante ou simples transportado (EMILIO VALSECCHI, Le Responsabilità dei vettore di persone secondo il nuovo códice, Rivista di Diritto Privato, 1 9 4 3 , 1 , 6 9 ) ; c) a opinião que faz negociais todas as responsabilidades que se refiram a danos causados, durante a viagem, à pessoa do transportado, se o transportador não prova ter tomado todas as medidas idôneas para evitar o dano (cp. Código Civil Italiano, art. 1 . 6 8 1 ) . O contrato de transporte compreende responsabilidade negocial por danos, mas há danos que se têm de considerar como geradores de responsabilidade extranegocial (cf. Tomo XLV, §§ 4.863; 4.864, 2; 4.865; 4.867; 4.868, 2; 4.870; 4.871, 4.872-4.886; 4.887, 2; 4.888, 5). Não há assunção de risco por parte do transportador, pôsto que se possa falar de responsabilidade pelo risco objetivamente evitável. As regras jurídicas especiais sobre responsabilidade extranegocial dos transportadores têm de ser invocadas, e não a regra geral de responsabilidade extranegocial por dano culposo (Código Civil, arts. 1 5 9 e 1 . 5 1 8 ; cf. FRANCESCO CIGOLINI, La Responsabilità delia circolazione stradale, 8 0 9 ) . Tem-se de entender que o seguro pelos danos a terceiro vai até os danos causados a pessoas transportadas por simples cortesia. As regras jurídicas sôbre automóveis são invocáveis a propósito de quaisquer veículos com tração mecânica, porque está em causa a probabilidade dos acidentes (cf. FEDERICO P E Z Z E L L A , La Responsabilità dei proprietário di veicolo negli infortuni delia strada e dell'aria, 2 s.). Acentuável é que se estendam as regras jurídicas a todos os veículos, mesmo se a tração não é mecânica. A prova liberatória incumbe, em princípio, ao autor do dano porque lhe há de presumir a culpa, uma vez que a causação existe, mesmo se consistiu em não prever a imprudência do transeunte. Não basta a exata observância das regras de circulação e dos avisos ou sinais. Uma das provas liberatórias é a de ter sido o veículo guiado por outrem contra a sua vontade (não basta ter sido sem a sua vontade, cf. A D R I A NO DE CUPIS, Fatti illicito, Commentario del Códice Civile a cura de A N TONIO SCIALOJA e GIUSEPPE BRANCA, 341). Todavia, não podemos ficar no plano da simples indagação de ter havido vontade do transportador contra a vontade do terceiro, que passou a guiar o veículo, ou não ter havido von-

de que êsse se intrometesse. A empresa tem o dever de guardar, com o devido cuidado, os seus carros. Não pode deixá-los nas ruas, sem vigia, ou sem as medidas necessárias a mantê-los sem andamento. Nem pode pô-los em garagem aberta, sem porteiro, ou com mau porteiro, ou sem suficiente proteção. Se o vício ou defeito do veículo deu causa ao acidente, são responsáveis quem o construiu ou o consertou e quem é o proprietário, ou usufrutuário, ou locatário. Com a intensidade do trânsito nas ruas e nas estradas, mais freqüentes são as colisões de veículos do que as de navios e aeronaves. Tem-se de verificar a importância pecuniária do dano que cada um dos veículos produziu. Até prova em contrário, presume-se que o valor dos danos foram iguais. O transportado assume os riscos ordinários da viagem, como o enjôo no mar e a falta de respiração na aeronave que êle sabe sem compensação. Não os riscos do que é sinistro, como a derrapagem do automóvel, a falta de decolamento do avião ou a batida no muro, ou na árvore. Quem toma a posse ou a tença do veículo de outrem, conhecendo-lhe a qualidade e o estado, por sua própria conta, e não esporadicamente, assume os riscos. Idem, se passa, por conta própria, a exercer atividade perigosa. Se a pessoa lesada exerce a posse ou a tença por serviço ao dono do veículo, ou do animal, ou há acidente do trabalho, ou a culpa foi do lesado, ou de terceiro. tade

É inafastável a presunção de culpa em se tratando de animal, de automóvel ou de aeronave, salvo se há lex specialis mais rigorosa. De qualquer modo, se se permite a prova liberatória, o critério para se afastar a presunção há de ser objetivo, e não a simples prova de faltar a culpa, a despeito das expressões, por exemplo, do art. 1 . 5 2 7 , 1 , do Código Civil. A jurisprudência suíça tem sido clara e enérgica (cf. EMIL, HEUBERGER, Der Tier-, Automobil- und Flugzeughalter im schweizerischen Haftpflichtrecht, 17; KARL OFTINGER, Schweizerisches Haftpflichtrecht, 1 , 1 9 s.).

Panorama atual pelo Atualizador § 5.528. A - Legislação 0 parágrafo desenvolvido pelo autor faz menção ao Dec. 2.681/1912, que regula a responsabilidade civil das estradas de ferro e se encontra em vigor até hoje. No desenvolvimento do estudo o autor invoca, ainda, os seguintes artigos do Código Civil de 1916: art. 159 do CC/1916 (atuais arts. 186 e 927 do CC/2002); art. 160 do CC/1916 (atual art. 188 do CC/2002); art. 1.520 (atual art. 930 do CC/2002); art 1.521 (atual art. 932 do CC/2002) e art. 1.523 do CC/1916 (atual art. 933 do CC/2002).

§ 5.528. B - Doutrina 1 - Transporte ferroviário - Legislação de regência: O transporte ferroviário continua regido pelo vetusto Dec. 2.681/1912, estatuto inspirado, naquela época, na legislação da Polonia, posto a lume no início do século passado e informado de tendências de urna época na qual a responsabilidade civil no Brasil ainda sofria influência da escola subjetivista. No campo da regulamentação da responsabilidade civil do transportador, é pioneiro. Foi o primeiro instrumento legal posto a lume em nosso país. Referido decreto regula a responsabilidade contratual das estradas de ferro perante seus usuários, enquanto o regulamento da segurança, tráfego e polícia das estradas de ferro está disciplinado no Dec. 2.089/1963. Pode-se lembrar, ainda, o Regulamento dos Transportes Ferroviários, contido no Dec. 1.832/1996. Figurando como único instrumento de regulação da matéria no início do século passado, e com o surgimento de outras modalidades de transporte sem que o arcabouço jurídico da época estivesse preparado ou acompanhasse essa evolução no relacionamento e movimentação física das pessoas e coisas, tanto a doutrina quanto os tribunais passaram a estender a aplicação do Dec. 2.681/1912 a outras modalidades de transporte, com o uso da analogia e mediante integração analógica, como ao transporte com bondes (atualmente abandonados), por sua semelhança com os trens; depois aos ônibus coletivos e, enfim, ao transporte terrestre como um todo. II - O contrato de transporte: O contrato de transporte ferroviário, na sua essência, não difere dos demais contratos de transporte. Também constitui instrumento de adesão com as mesmas características, direitos e obrigações dos demais, informado das mesmas garantias asseguradas ao consumidor nas relações de consumo ou ao passageiro. Cabe apenas acrescentar que a obrigação do transportador tem início (segundo nossa compreensão e, com todo respeito ao entendimento contrário de outros estudiosos da matéria), antes mesmo do início da viagem, caso o bilhete já tenha sido emitido ou retirado e o passageiro se encontre na plataforma de embarque. Se nesta ocorrer qualquer acidente, o transportador, por força do dever de guarda e incolumidade, responderá pelos danos. Mas afigura-nos correta a assertiva de que o pagamento da passagem não

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é condição para a existência do contrato de transporte, que é de adesão e sem as formalidades de uma avença comum, como a leitura prévia e aposição de assinaturas. Há circunstâncias locais em que o passageiro primeiro embarca e depois, durante o percurso ou no seu final, paga o preço, de sorte que, nesta hipótese, o pagamento do preço já constitui a fase de execução. Vigência parcial do Dec. 2.681/1912: Mesmo após o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, impende observar que o Dec. 2.681/1912 encontra-se em vigor, ainda que parcialmente. Não mais prevalecem, contudo, os arts. 1.° e 17, quando dispõem que "será sempre presumida a culpa" da estrada de ferro. Embora o sistema ferroviário brasileiro esteja quase todo privatizado, essas pessoas jurídicas de direito privado exercem atividade privativa do Estado e, nos termos do art. 37, § 6.°, da CF/1988, equiparam-se, para efeito de responsabilização, às pessoas jurídicas de direito público. Sua responsabilidade está sustentada na teoria do risco administrativo e, portanto, é objetiva, independendo da verificação de culpa, como de resto ocorre com toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado, exercendo atividade do Estado, mediante autorização, permissão ou concessão. Também o disposto no art. 734 do CC/2002 leva a essa mesma conclusão, ao dispor que "o transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens", sem qualquer alusão ao elemento culpa. Para que nasça a obrigação de indenizar do transportador basta a existência de um fato e o nexo de causalidade entre ele e o resultado danoso, sem qualquer indagação acerca da culpabilidade ou da antijuridicidade, impondo-se levar em consideração o fato de que o passageiro está acobertado por cláusula de incolumidade e sua obrigação é contratual de resultado, impondo-lhe transportar o passageiro (ou a carga) incólume até o destino. A responsabilidade sem culpa da ferrovia somente será elidida nas hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. Ou seja, para ter direito à reparação dos danos, o passageiro terá apenas que provar que a incolumidade garantida não foi assegurada; que o acidente se deu no curso do transporte e que dele lhe adveio dano. De sorte que - impende reiterar - o transportador só se exonera do dever de indenizar provando uma daquelas causas taxativamente enumeradas na lei e acima anunciadas: caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. Caso o passageiro tenha concorrido para a eclosão do evento, embora não se possa mais falar em culpa da ferrovia, o quantum da indenização deverá ser proporcionalmente abatido, não sendo técnico falar em "concorrência de culpas", pois a culpa da empresa ferroviária não mais é considerada, ou seja, é irrelevante para efeito de responsabilização. Está, pois, revogado o art. 17, II, do Dec. 2.681/1912. Nasce então uma regra: o comportamento do passageiro de infringir as normas e regulamentos do transporte e de cláusulas do contrato de transporte que contribua para a eclosão do evento causador de dano, mas não seja sua causa exclusiva, não exonera o transportador de sua responsabilidade, mas justifica a redução equitativa da reparação, segundo o grau da culpa da vítima. Aliás, é este o conceito abraçado pelo Código Civil de 2002, ao estabelecer no parágrafo único do art. 738 que, "se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que

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a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano". Não se trata, portanto de "culpa concorrente" ou de "compensação de culpas" - pois a responsabilidade do transportador é objetiva e tal expressão, nessas circunstâncias, constitui verdadeira contraditio in terminis-, mas apenas de contribuição da vítima para a ocorrência do fato danoso. Contudo, se a causa exclusiva ou causa eficiente do acidente decorrer de ação ou omissão da própria vítima, tem-se o que a doutrina cognominou de "culpa exclusiva da vítima", hipótese em que o transportador fica exonerado da obrigação de reparar. A culpa exclusiva do viajante afasta a responsabilidade do transportador pela simples razão de que não há nexo etiológico entre a ação ou omissão do transportador e o resultado, ou, em outras palavras, este não ocorreu em decorrência do transporte propriamente dito, mas de causa autônoma. Ou, como se disse alhures, a viagem não é causa do evento, apenas a sua ocasião. Invoquem-se como exemplos as hipóteses do passageiro que, podendo viajar bem acomodado em sua poltrona, pratica o chamado "surfismo ferroviário", transferindo-se para o teto da composição, onde passa a disputar com outros irresponsáveis quem consegue desviar dos fios de alta tensão, ou daqueles que, em um grupo de pessoas em trem de subúrbio, passam a fazer "roleta russa" com uma arma durante o trajeto, até que esta dispara e mata um deles.

Ill - Prescrição: Mas o prazo prescricional de um ano estabelecido no art. 9.° do Dec. 2.681/1912 também não prevalece. Em primeira visada poder-se-ia entender que incidiria a regra geral contida no art. 206, § 3.°, V, do CC/2002, na consideração de que, excepcionalmente, e apenas com relação aos transportes, o art. 732 desse Estatuto determinou a aplicação de suas regras, preferencialmente, e a aplicação apenas subsidiária da legislação especial e de tratados e convenções internacionais, "desde que não contrariem as disposições deste Código". Ocorre, todavia, que, como regra, a prescrição com supedáneo no princípio da actio nata, nas ações propostas contra a Fazenda Pública, submetem-se ao prazo geral de cinco anos, não se aplicando a disposição específica para a reparação do dano constante do Código Civil de 2002. É o que dispõe o Dec. 20.910/1932. Dez anos depois foi editado o Dec.-lei 4.597/1942, cujo art. 2° - avançando um pouco mais -além de prever a prescrição quinquenal das pessoas jurídicas de direito público, previu esse alcance também para as "dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições (...)". Perceba-se que se ampliou o espectro de abrangência da prescrição sem, contudo, tirar do mundo jurídico o Dec. 20.910/1932. Em 2001 (um ano antes da revogação do Código Civil de 1916) a MedProv 2.18035/2001 determinou a inclusão na Lei 9.494/1997, do art. 1 .°-C, reiterando a prescrição de cinco anos do direito de obter indenização dos danos causados por í agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito ; privado, prestadoras de serviços públicos. Significa, portanto, que as ações de reparação de danos causados por agentes dessas pessoas jurídicas apontadas, seja a que título for, prescreverão em cinco anos. Ressalte-se que, com relação I ao sujeito passivo da ação de indenização, a previsão é completa e não exclui i qualquer pessoa, pública ou privada, desde que prestadora de serviço público, i Como se verifica, não mais se exigiu que essas pessoas tenham sido criadas por

lei ou mantidas mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições. O Código Civil de 2002, em sua parte geral, não repetiu a disposição do estatuto revogado, silenciando a respeito da prescrição da pretensão contra essas pessoas jurídicas. Essa omissão foi intencional e pertinente, pois o Código Civil não rege as relações informadas pelo Direito Público, entre o administrador e o administrado. Todavia, como o art. 1.°-C da Lei 9.494/1997, com redação da MedProv 2.180-35/2001, não regula inteiramente a prescrição, no que se refere à interrupção, suspensão, termo inicial, prescrição de parcelas, etc., tem-se que há convivência pacífica entre essa norma, o Dec. 20.910/1932 e o Dec.-lei 4.597/1942, no que couber. Cabe ponderar que o critério especial de prescrição estabelecido para as ações propostas contra a Fazenda Pública e as pessoas jurídicas de direito privado, mas prestadoras de serviço público, tem sustentação em lei especial, de sorte a afastar a incidência da lei geral, que é o Código Civil. Em conclusão, a prescrição com supedáneo no princípio da actio nafa, nas ações de qualquer natureza, inclusive, nas hipóteses de responsabilidade civil, propostas contra órgãos da administração direta ou indireta do Estado e demais pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, submetem-se ao prazo geral de cinco anos estabelecido no Dec. 20.910/1932 e art. 1.°-C da Lei 9.494/1997, com redação da MedProv 2.180-35/2001, na consideração de que, por força do princípio da especialidade, a lei geral posterior não revoga a lei especial. Aliás, o STJ, invocando o princípio da especialidade, vem decidindo acerca da prevalência da lei especial, que sobrepõe-se à lei geral (STJ, REsp 1,225.743/RS, 2.a T., j. 22.02.2011, rei. Min. Herman Benjamin, DJe 16.03.2011 e STJ, AgRg no REsp 1,257.434/RS, 2.a T„ j. 16.08.2011, rei. Min. Castro Meira, DJe 30.08.2011). IV - Outros aspectos: Quanto aos demais aspectos, apenas na análise do caso concreto é que se poderá afirmar o dispositivo aplicável, considerando que o contrato de transporte ferroviário está agora regido por inúmeras leis e atos: a legislação específica de licitações, o contrato de concessão ou permissão, a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 e o Dec. 2.681/1912.

§ 5.528. C - Jurisprudência "Administrativo e processual civil. Agravo regimental no agravo regimental no agravo de instrumento. Responsabilidade civil do estado. Indenização. Prazo quinquenal. Princípio da 'actio nata'. Prescrição do fundo de direito. 1. As ações que visam discutir a responsabilidade civil do Estado prescrevem em cinco anos, nos termos do Dec. 20.910/1932 (STJ, AgRg no REsp 1.124.835/ RS, 1.a T, j. 04.05.2010, rei. Min. Benedito Gonçalves, DJe 11.05.2010)" (STJ, AgRg no AgRg no Agin 1.362.677/PR, 1.a T„ j. 01.12.2011, rei. Min. Benedito Gonçalves, DJe 07.12.2011). "Admissível a concorrência de culpa em transporte ferroviário, quando verificado comportamento aventureiro da vítima, a dificultar, consideravelmente, a eficiência do serviço de fiscalização da empresa transportadora que, alertada, já tomava as medidas necessárias para a retirada do passageiro de local indevido, onde deliberadamente se alojara por ousadia, já que distante do carro destinado

ao transporte, onde não fora detectado excesso de lotação. Redução do valor, em face da concorrência de culpas, à metade" (STJ, REsp 729.397/SP, 4.a j ¡ 03.08.2006, rei. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 28.08.2006). "Civil. Responsabilidade Civil. Atropelamento de trem. Mal conservado o muro que cerca a via férrea, viabilizando a passagem de pedestre, o atropelamento deste resulta de concorrência de culpas: do pedestre, por imprudência; da empresa que explora a ferrovia, por negligência. Recurso especial conhecido e provido" (STJ, REsp 778.466/SP, 3.a T., j. 16.05.2006, rei. Min. Ari Pargendler, DJ05.06.2006, RT852/193).

§ 5.529. A B A L R O A Ç Ã O M A R Í T I M A E R E S P O N S A B I L I D A D E

1. DADOS HISTÓRICOS. - A colisão entre navios de mar é acidente de que em todas as partes do mundo e em todos os tempos há exemplos freqüentes. Há texto da Antigüidade, textos da Idade Média e textos contemporâneos. Mas a relevância jurídica do assunto cresceu no século XIX e no século XX, com o desenvolvimento da técnica naval. A máquina substitui as velas. Antes, as abalroações eram mais nos portos do que no alto mar (cf. R. VALIN, Nouveau Commentaire sur l'Oráennance de la Mer, 111). As pancadas causavam danos, porém não tanto como hoje. Mesmo as imersões não eram definitivas, porque nos portos se podia trazer à tona o navio afundado. Hoje, os navios não são mais de madeira e velame, salvo para esporte e pescaria. A abalroação teve a sua regra jurídica escrita na L. 29, ad legem Aquiliarn, 9,2. Lá está o pressuposto da culpa e a exculpação pela fôrça maior. Na Idade Média, tal foi o direito que subsistiu como costume do mar Mediterrâneo. No Atlântico e nos mares do Norte, exsurgiram as regras ditas "Roles de Oléron", do Consulado do Mar, do Costume de Hamburgo. Aquelas primeiras repartiam, simplisticamente, por metade, as reparações, em caso de inculpabilidade (havia o juramento). O Consulado do Mar nada estatuiu a respeito. O direito hamburgués continuou com a prática da metade do valor da reparação, se não houve culpa. A análise das atitudes que se tomavam diante dos danos que não resultavam de culpa, pelo menos de culpa provada ou de fácil prova, mostra que a técnica legislativa estava diante de grave problema. Ou a) se deixava irreparado o dano sofrido, ou b) se repartiam por metade, ou c) se atendia ao valor de cada navio. A solução b) essa, beneficiava os pequenos navios.

2.

- No art. 749 do Código Comercial faz-se pela reparação ao navio abalroado quem por culpa causou o dano. Se não se pode apurar a culpa, cada um sofre o dano que recebeu (art. 750). Sôbre os inquéritos, cf. Lei n. 2.180, de 5 de fevereiro de 1954, arts. 33-52. No art. 752, estatui-se: "Tôdas as perdas resultantes de abalroação pertencem à classe das avarias particulares ou simples; excetua-se o único caso em que o navio, para evitar dano maior de uma abalroação iminente, pica as suas amarras, e abalroa outro para sua própria salvação (art. 764). Os danos que o navio ou a carga sofre são repartidos pelo navio, frete e carga por avaria grossa". Durante o século XIX as medidas para se evitar abalroamento foram objeto de cuidadosas regras jurídicas e de instruções. O Acôrdo franco-inglês de 1848 a propósito das luzes foi o primeiro, que saibamos. Seguiu-se-lbe o de 1874. O Congresso reunido em Washington, em 1889, elaborou completo Regulamento das regras de rota, sôbre fogos, sinais de cerração e sinais de velocidade. CÓDIGO COMERCIAL.

responsável

3. CONVENÇÃO DE BRUXELAS (1910). - Sobreveio a Convenção de Bruxelas, de 23 de setembro de 1910, que o Brasil ratificou a 12 de outubro de 1913 (Decreto n. 10.773, de 18 de fevereiro de 1914). No art. 1, abstraise da diferença entre as águas ("sans qu'il ait à teñir compte des eaux oü l'abordage s'est produit"). O art. 2 coincide, em princípio, com o Código Comercial, art. 750 (cp. art. 752). No art. 3 está o princípio da culpa. No art. 4, diz-se: "S'il y a faute commune, la responsabilité de chacun des navires est proportionnelle à la gravité des fautes respectivement commises; toutefois si, d' après les circonstances, la proportion ne peut pas être établie ou si les fautes apparaissent comme equivalentes, la responsabilité est partagée par parts égales. Les dommages causes soit aux navires, soit à leurs cargaisons, soit aux effets ou autres biens de équipages, des passagers, ou d'autres personnes se trouvant à bord, sont supportés par les navires en faute, dans la dite proportion, sans solidarité à l'égard des tiers. Les navires en faute sont tenus solidairement à l'égard des tiers pour les dommages causes par mort ou blessure, sauf recours de celui qui a payé une part supérieure à celle qui, conformément à l'alinéa l.er du présent article, il doit définitivement suporter. II appartient aux législations nationales de déterminer, en ce qui concerne ce recours, la portée et les effets des dispositions contractuelles et légales qui limitent la responsabilité des propriétaires de navires à l'égard des personnes se trouvant à bord". Não importa se o piloto, causador do acidente, é obrigatório, ou não (art. 5). No art. 6, 1.a ali-

nea, frisa-se que a ação para reparação de danos oriundos de abalroamento não depende de protesto, nem de qualquer outra formalidade. No art. 6, 2.a alínea, diz-se que não há presunção de culpa quanto à responsabilidade por abalroamento. No art. 11, estabelece-se que a Convenção não tem aplicação aos navios de guerra e aos navios de Estado, exclusivamente destinados ao serviço público. As regras jurídicas da Convenção de Bruxelas atingem o Código Comercial em qualquer ponto em que haja divergência. São assaz importantes os dizeres da Convenção de Bruxelas, art. 1: "En cas d'abordage survenu entré navires de mer et bateaux de navigation intérieure, les indemnités dues à raison des dommages causes aux navires, aux choses ou personnes se trouvant à bord, sont réglées conformément aux dispositiones suivantes, sans qu'il y à teñir compte des eaux ou l'abordage s'est produit". Se o choque é entre navio de mar e com guindaste, ou rede de pescar, ou qualquer outro bem que se não possa desclassificar como navio de mar, a Convenção de Bruxelas não incide. Incide, sim, o Código Civil, art. 159 (artigo 1.518), ou o art. 1.528 ou o art. 1.129, conforme a interpretação que demos. A jurisprudência de muitos Estados signatários é explícita a respeito. Não é equiparável, nem, a fortiori, identificável com o navio de mar o pontão para sons (Tribunal de Comércio de Brest, 29 de abril de 1949; Corte de Rennes, 29 de junho de 1953). Idem, quanto o dock flutuante (Corte de Rouen, 10 de junho de 1954). 4 . NAVIO DE MAR, CONCEITO. - Navio de mar é o barco flutuante, destinado à navegação marítima e com os elementos necessários para isso. O submarino é navio de mar, pôsto que possa flutuar ou avançar nas profundezas do mar: a) O navio que naufragou deixou de ser navio de mar, salvo se o seu proprietário continua a ter a imersão como temporária e cuida de fazê-lo ir à tona, para as reparações (Alta Corte de Justiça da Inglaterra, 20 de julho de 1925). Trata-se de quaestio facti (Corte de Rennes, 5 de março de 1 9 4 8 ) . O abandono da nau submersa tira-lhe a classificação como navio de mar. b) O navio que não é apto para navegação no mar, ou que já não no é, não é navio de mar. Mas, se foi lançado e causou danos, há de ser responsável a emprêsa pelo que resultou da abordagem. Os barcos a remo, na Inglaterra, não são navios de mar pôsto que possam ir até longe no mar (cf. Merchant Shipping Act, art. 742). Não se submete à legislação especial inglêsa sobre abalroamento a canoa a remo (Alta Côrte Inglesa, 17 de março de 1939); porém, no sistema jurídico brasileiro, se o barco é de serviço no mar, mesmo se esportivo e sem qualidades para ir muito longe, é navio de mar (cf. Tribunal de Roterdão, 14 de março de 1939). c) O navio tem de sa-

tisfazer exigências que permitam considerar-se navio (hélice, vela, remo). Assim, os botes do clube que navegam no mar são navios de mar. Qualquer aparelho que, com propulsão, pode navegar no mar, é navio de mar. A draga que sai para o mar, habitualmente, com propulsão própria, com a equipagem, é navio. Se a abalroação se dá no mar ou no rio, não importa. A colisão pode ser entre navio de mar e navio fluvial. O que não se rege pela Convenção de Bruxelas é o abalroamento entre dois barcos ou navios fluviais. É de grande relêvo a proposição, porque abordagens são freqüentes em rios abertos à navegação marítima, nos grandes lagos e em portos internos. Nas águas fluviais, os barcos fluviais não ficam adstritos ao regulamento internacional para evitamento de abalroações; salvo se entram em águas a que se refere o art. 1 da Convenção de Bruxelas. Têm de observar o que lhes exige a legislação concernente aos rios e ao rio. As águas a que alude a Convenção de Bruxelas são as águas do mar e as águasfluviaisou outras quaisquer acessíveis aos navios de mar (ancoradouro, baía, pôrto, estuário, lagos, lagoas e tanque acessíveis a navios de mar). 5. NAVIO DE ESTADO. - A Convenção de Bruxelas pré-exclui a sua incidência no tocante a navios de mar do Estado, se de guerra, ou se exclusivamente destinados ao serviço público (stricto sensu, e não serviço público e serviço ao público). Diz-se o mesmo na Convenção de Bruxelas, de 23 de setembro de 1910, sôbre assistência e salvamento marítimos, ratificada pelo Brasil a 23 de outubro de 1913 (Decreto n. 10.773, de 18 de fevereiro de 1914). Na regra jurídica exceptiva ressalta a reminiscência dos tempos em que os Estados que tinham navios de guerra se julgavam donos dos mares. Ora, nada justifica que não se respeite o princípio de isonomia se a responsabilidade, de que se trata, é pelo fato ilícito absoluto. Compreender-se-ia que as regras jurídicas de executividade e de processo executivo contra o Estado fossem especiais, não as regras jurídicas sôbre responsabilidade por ato ilícito absoluto, ato-fato ilícito absoluto ou fato ilícito stricto sensu absoluto. No Regulamento para evitar os abalroamentos de mar (Règlement pour prevenir les Abordages de mer), não há limitação (cf. Conferência de Londres, em 1948). O Brasil ratificou-o. Sobreveio a Convenção Internacional de Bruxelas para unificação de certas regras concernentes às Imunidades dos navios de Estado, a 10 de abril de 1926, que o Brasil ratificou, a 23 de dezembro de 1930. No art. 1, diz-se que as embarcações marítimas pertencentes aos Estados, ou por êles exploradas, as cargas a êles pertencentes, as cargas e

passageiros transportados pelos navios de Estado, bem como os Estados que são proprietários dêsses navios ou os exploram ou são proprietários de tais cargas, se submetem, quanto às reclamações relativas à exploração dêsses navios ou ao transporte das cargas, às mesmas regras de responsabilidade e às mesmas obrigações que se aplicam aos navios, cargas e equipamentos particulares. No art. 2, estenderam-se a êles as regras jurídicas de competência, sôbre as ações e o processo relativos a navios mercantes pertencentes a particulares e às cargas particulares e seus proprietários. (Entenda-se, porém, que se hão de observar as regras jurídicas da Constituição do Brasil, se do Brasil o navio.) No art. 3, põem-se fora das incidências das regras jurídicas referidas os navios de guerra, os iates do Estado, os navios de vigilância, os navios hospitais, os navios auxiliares, os de abastecimento e outras embarcações pertencentes ao Estado, ou por êle exploradas e empregados exclusivamente, no momento do ilícito, em serviço governamental e não comercial. Não são sujeitos a seqüestro, arresto ou detenção por medida judicial, ou qualquer processo judicial in rem. Os interessados têm direito de reclamar aos tribunais competentes do Estado, dono do navio ou quem o explore, sem que o Estado se possa prevalecer de imunidade, se a ação é por abalroamento ou outro acidente de navegação, ou por motivo de assistência, salvamento ou avarias comuns, ou ação de reparação, fornecimento ou contrato referente ao navio. Tais regras jurídicas se aplicam as cargas pertencentes ao Estado e transportadas a bordo dos mencionados navios. Também se diz que as cargas pertencentes a um Estado e transportadas em navios mercantes, com fim governamental, e não comercial, não podem ser seqüestradas, arrestadas ou detidas, qualquer que seja a medida judicial, nem por processo judicial im rem. No artigo 5, estatui-se que, em caso de dúvida sôbre a natureza governamental, e não comercial, do navio ou da sua carga, o atestado assinado pelo representante diplomático do Estado a que pertença o navio ou a carga é meio de prova, mas só para o fim de se levantar o seqüestro, o arresto ou a detenção. O Protocolo adicional à Convenção Internacional para Unificação das regras relativas às imunidades dos navios de Estado (Bruxelas, 24 de maio de 1934), que o Brasil ratificou a 3 de março de 1936 (Decreto n. 1.126, de 29 de setembro de 1936), a propósito da expressão "explorados por êle" ("exploités par lui"), explicitou que os navios fretados pelos Estados, quer a prazo, quer por viagem, desde que se destinem exclusivamente a serviço governamental, e não comercial, bem como as cargas que êsses navios transportem, não podem ser objeto de seqüestro, arresto ou detenção, mas essa imunidade não prejudica, de modo nenhum, outros direitos ou recur-

sos que caibam aos interessados. O art. 5 ressalva a aplicação das regras jurídicas nacionais de processo nas questões em que o Estado seja parte. 6. ABALROAMENTO CAUSADO POR FALTA DE UM. - É princípio assente que os danos causados por navio que abalroou têm de ser ressarcidos pelo culpado. O art. 3 da Convenção de Bruxelas apenas reproduziu o que se fixou em todas as legislações marítimas anteriores. Somente se hão de apontar, na doutrina, quais são os pressupostos da culpa no direito concernente à abordagem e quais as diversas culpas possíveis. No direito brasileiro, não se há de descer a minúcias, porque qualquer culpa é suficiente. O navio é coisa inanimada, mas coisa inanimada que está sob a direção e a vigilância de alguém. A vítima dos danos somente tem de alegar e provar que houve a causalidade, e que houve negligência, ou êrro, ou dolo (qualquer culpa), se não basta a causação. O ato culposo é positivo, ou negativo. Cumpre não se confundir ou identificar com a culpa do.capitão a culpa da empresa, porque pode o capitão não ter tido culpa e tudo ter resultado de êrro quanto à distância ou a velocidade, razão por que mais importa a causalidade. A fôrça maior tem de ser alegada e provada pelo que causou o dano; idem, quanto à culpa comum, caso em que cada um tem de reparar o dano ou os danos que sofreu. A culpa pode resultar provada por ter havido violação de regulamento, ou de má direção do navio. A atividade na navegação marítima enseja muitos casos de culpa, a partir das violações de regimento, na direção do navio, fora do que foi regulamentado. O Regulamento de 1954 cogitou dos fogos ou luzes e das côres, "du coucher ou lever de soleil". A diferenciação de cores é de grande minúcia. Os balões ou marcas são os sinais de dia. Os fogos brancos muito baixos dos submarinos podem levar os outros navios a erros, por se poder pensar que se têm defronte pequenos navios (Estados Unidos da América, Alta Côrte do Almirantado, 8 de outubro de 1951). O que importa é que exista a relação de causalidade entre a infração do regulamento e o dano. Se, sem o ato culposo, não se teria o acidente, culpa houve e há responsabilidade. O capitão e os outros membros da equipagem têm de atender a que o radar é aparelho, como os demais, e pode falhar ou ser mal utilizado, na interpretação dos ecos e no plotting. O número dos abalroamentos diminuiu, com a introdução dos radares; mas tem-se dito que, com êles, aumentou a gravidade das colisões. Uma das razões está em que o navio que toma conhecimento, com o radar, de que há outro navio, não sabe se o outro o está vendo. O capitão que tem navio com radar não se exime da

responsabilidade pelo abalroamento. Tem de obedecer, rigorosamente às regras de navegação. Um dos problemas consiste no fato de um navio, sem radar, que vai entrai" na baía, ou no rio, ser guiado por um reboque ou navio-pilôto que tem radar, e há o abalroamento. Perante o dono do navio danificado pelo que ia rebocado ou pilotado por outro, responde o dono ou explorador do navio que abalroou, pois que, ex hypothesi, não houve causação direta do dano pelo reboque ou navio-pilôto. O dono ou explorador do navio abalroante tem ação regressiva contra a emprêsa ou o Estado que se incumbiu do serviço de rebocagem. O capitão do navio indenizante não se poderia eximir pelo fato de alegar e provar que estava sendo rebocado. Tinha, a despeito disso, de observar as instruções, e até mesmo verificar se o reboque ou navio-pilôto só se servia do radar e se estava pendente o suficiente trabalho. Se dois navios tinham radar e houve a abordagem, tem-se de conhecer a causa do dano, pois é possível que só um tenha tido culpa, ou que culpados sejam os dois. No Mar do Norte, em 1951, avançava durante cerração o navio "Rogenaes", quando foi visto diante dele outro navio, diminuiu a marcha e esperou que o outro navio passasse pelo bombordo, mas êsse continuou a marcha pelo estibordo, e houve o abalroamento. No julgamento, frisou-se que o navio, .que tem radar, dele se há de utilizar inteligentemente, e não aproveitar-se do aparelho para velocidade excessiva no nevoeiro, ou sem ter outras precauções. Outro caso notável de colisão foi, em 1952, o de dois petroleiros, um francês, o "Mékong", e outro inglês, o "British Tradition". Quanto à velocidade máxima, os regulamentos locais podem e soem fixar números máximos, principalmente se há nevoeiro ou noite muito escura. A regra jurídica de navegação a estibordo é uma das mais importantes (Regra 18.a: "Lorsque deux navires à propulsion mécanique font des routes directement opposées ou à peu prés opposées, de manière à faire craindre une collision, chacun d'eux doit venir sur tribord, de manière à passer à bâbord 1'un de 1'autre"). Outra regra de grande relêvo é a de se tomar a direita do canal ou o meio da passagem se estreito o lugar por onde vai se passar (Regra 25, a). No art. 5 da Convenção de Bruxelas alude-se ao piloto obrigatório. A Côrte de Apelação mista de Alexandria, a 9 de dezembro de 1937, decidiu que a Companhia do Canal de Suez tem de pagar a metade das a v a r i a s se é responsável pelo piloto.

Quanto a prioridades para navios em pleno mar, nenhuma regra jurídica existe. Nos estuários, portos e rios, os regulamentos locais estabelecem algumas, o que é razoável. Por exemplo: para os navios que saem, para os navios que sobem, para os navios de mar (em relação aos barcos de navegação interior). Só há prioridade se a regra é explícita e qualquer interpretação há de ser estrita. Com ela não fica dispensada qualquer regra jurídica, internacional ou interna, de evitamento de abalroação (cf. Tribunal de Comércio de Marselha, 7 de janeiro de 1936). As avarias podem ser causadas pelos bulhões de água, oriundos de movimento de hélice, ou pela velocidade, ou outro fato, pela deslocação, pela sucção, pela negligência na ancoragem ou na amarração, sinal permanente, serviço de vigia (caso do "Lady Martin", Alta Corte da Inglaterra, 1.° de julho de 1925). A alegação e a prova da culpa incumbem ao demandante, que afirma ter sido o navio vítima de abalroamento, além da alegação e prova da causalidade e da existência e valor dos danos. Não há presunção iuris tantum. Se houve negligência, fácil é ao juiz apreciar a presunção facti. (Nas dissertações sôbre danos causados pelos navios e outros meios de transportes, a propósito da culpa, ou da presunção de culpa, ou mesmo da responsabilidade pelos riscos, tornou-se usual a elipse: culpa do navio, presunção de culpa do navio, ou responsabilidade do navio, abstraindo-se, mas apenas para simplicidade da exposição, de quem é o responsável pelo navio. Dá-se o mesmo com os trens, os ônibus, os carros, os automóveis. O que importa é que se atenda à elipsidade dos enunciados. Não há navio, nem trem, nem ônibus, nem outro veículo com culpa, ou com presunção de culpa, ou responsável pelos danos.) 7. ABALROAMENTO POR CULPA DOS DOIS (OU MAIS DE DOIS) NAVIOS. -

A culpa pode ser por parte de todos os navios em colisão, ou que causaram danos. Quase sempre, somente dois. Mas abalroam, às vêzes, embora raramente, três ou mais. As abalroações em comum são cerca de um quarto das que ocorrem. Os navios culpados logo se apressam em retirar elementos que serviriam à prova da culpa. O art. 4 da Convenção de Bruxelas trata da culpa comum nos abalroamentos. Cada navio tem o ônus de alegar e provar a culpa do outro e a relação causal. Desde que o juiz declara que a culpa foi dos dois (ou de todos), tem de determinar a proporção em que cada culpa contribuiu para os danos. Se o juiz não pode chegar a conclusão sôbre a proporcionalidade, cada um presta a metade ou quota do total dos danos.

8. ABALROAMENTO FORTUITO OU POR FÔRÇA MAIOR. - Os casos de força maior ou caso fortuito são raros. Nos nossos dias, com a meteorologia e a eficiência dos navios a propulsão mecânica, não há, ordinàriamente, a imprevisibilidade e muito fácil é vencer-se o que no passado seria obra do acaso. Afaste-se a discussão em torno dos conceitos de "fôrça maior" e de "caso fortuito", pôsto que se tenha cogitado, aqui e ali, de fôrça maior se o acontecimento é exterior ao navio (tempestade, tremor de terra), e de caso fortuito, se interior (quebra de peça de máquina, ou da direção, incêndio). O art. 2 da Convenção de Bruxelas tratou da abalroação em caso de fôrça maior, chamando-a "fortuita" Se há dúvida sôbre ter havido qualquer culpa, ou ter sido de fôrça maior, o caso é sujeito à regra jurídica sôbre fôrça maior ("ou s'il y a doute sur les causes de l'abordage, les dommages sont supportés par ceux qui les ont éprouvés").

A ressaca, em princípio, não é imprevisível, nem vencível. Dissemos "em princípio", porque pode ocorrer que o pôrto não tenha as amarras suficientes, por ser inesperado o tamanho do navio, como foi, em Rouen, o caso do petroleiro "Malhomus", aliás de danos a instalações na terra, e não de abalroamento (Corte de Apelação de Rouen, 12 de maio de 1949; cf. Tribunal de Comércio de Alger, 8 de fevereiro de 1932 e 1.° de junho de 1953).

r

O abalroamento pelo navio, ou tenha sido causadora a velocidade, ou se proveio do vento, dá ensejo à responsabilidade ( A N T Ô N I O DA GAMA, Decisionum Supremi Senatus Lusitaniae, d. 296); não assim se a água, em curso, compõe a figura da fôrça maior (o capitão nada podia evitar, d. 296, n. 2). A alegação e a prova de ter havido fôrça maior incumbem a quem é apontado como responsável e a fôrça maior pré-excluiria a sua responsabilidade. Se não houve a alegação, não pode a decisão judicial ser afirmativa da fôrça maior, salvo se a própria exposição do caso, pelo demandante, lhe dá os elementos necessários e suficientes para o enunciado. 9 . ABALROAMENTO POR CULPA DE TERCEIRO E ABALROAMENTOS SU-

- Pode dar-se que o navio abalroante atribua a terceiro a culpa do acidente, como se o navio B foi abalroado pelo navio A por ter sido êsse abalroado pelo navio C, cujas amarras se romperam. O navio B ou propõe a ação a) contra o navio A, causador imediato da colisão, ou b) contra o navio C, causador inicial (o que pressupõe que se conheça a culpa de C), ou c) contra os dois, o que dá a oportunidade da discussão e solução do problema da culpa. A atitude b) tem o inconveniente de pôr o navio A na situação de agente por fôrça maior (Côrte de Apelação de Bruxelas, 3 de

CESSIVOS.

julho de 1935). A atitude a) tem a conseqüência de retardar a condenação de C, se o juiz chega à conclusão de que não houve culpa de A. A melhor atitude é a atitude c). Os abalroamentos sucessivos são os abalroamentos em que há danos a um navio e, depois, outros danos, por não ser uma só a colisão, ou as causas de danos. Não é o mesmo o abalroamento com choques sucessivos. Aí, não há pluralidade de abalroamentos. Tem-se de considerar cada um dêles como distinto e separado do outro, ou dos outros. A Côrte de Apelação de Bruxelas julgou um desses casos: o barco a motor "Auto-Transport I" chocou-se com o barco "Adelf', quando em manobras no pôrto; ao mudar de lugar, de nôvo abalroa o "Auto-Transport I". A apreciação em separado evita confusão quanto às culpas e, na decisão, a Côrte de Apelação de Bruxelas, a 9 de dezembro de 1933, frisou que, na primeira abordagem, a culpa foi tôda do "Adelf' ao passo que, na segunda, ao rebocador, e não a ambos, pois o rebocador abandonara o "Adelf'. 10. ABALROAMENTO E REBOQUE. - A responsabilidade pode ser do rebocador, ou do rebocado, um perante o outro, ou perante terceiro. O reboque ou o navio-pilôto é navio, como os demais; apenas há a especialidade da função. Preliminarmente, frisemos que o navio que, normalmente ou devido às circunstâncias, precisa de reboque, e não o pede, incorre em culpa. Foi imprudente (cf. Tribunal do Comércio de Anvers, 7 de janeiro de 1935). Por outro lado, a cláusula de nenhuma responsabiüdade poder haver do rebocador é nula. Trata-se de contrato de locação de serviços, e não de transporte. O reboque pode ser a curta ou a longa distância, nas águas próximas ou no alto mar. O reboque pode abalroar ou ser vítima de abalroamento, ou culpado do abalroamento pelo navio abalroante. O reboque ocasional é o reboque que se faz em caso de necessidade de outro navio, acidentalmente ocorrida. Pode tratar-se de mera assistência, se não há profissionalidade do rebocador. Em caso de danos, pode haver responsabilidade do rebocador perante o outro navio, ou dêsse perante aquele, ou de um ou de outro perante terceiro. 11. ABALROAMENTO EM DIREITO FLUVIAL. - O abalroamento de navios ou barcos de navegação fluvial é regido pelo direito comum. Alguns Estados estendem à navegação fluvial as regras jurídicas do transporte terrestre, o que de modo nenhum se justifica no tocante à colisão e a outras

causas de danos. O abalroamento fluvial foi objeto da Convenção Internacional de Genebra de 29 de dezembro de 1930, sôbre a unificação de certas regras em matéria de abalroação na navegação interior. Estabeleceu-se, aliás, como se assentara nos princípios expostos pela doutrina de muitos Estados, que se o abalroamento é fortuito, se é devido a caso de força maior, ou se há dúvida sôbre as causas da abordagem, os danos são suportados pelos que os sofreram (art. 2, (1) "Si l'abordage est fortuit, s'il est dü à un cas de force majeure, ou s'il a doute sur les causes de l'abordage, les dommages sont supportés par ceux qui les ont éprouvés"). A regra jurídica do art. 2, (1), da Convenção incide mesmo se os barcos ou um deles se achava no ancoradouro no momento do acidente (art. 2, (2): "II n'est pas dérogé à cette règle dans le cas oü, soit les bateaux, soit l'un d'eux, sont au mouillage au moment de 1'accident"). Se o abalroamento é causado pela culpa de um dos barcos (art. 3, (1): "...par la faute de l'un des bateaux..."), a reparação dos danos incumbe a quem teve culpa ("à celui qui a commis la faute"). Em caso de reboque, diz o art. 3, (2), cada barco que faça parte do comboio só é responsável se de sua parte houve culpa. Se o abalroamento é causado por culpas de dois ou mais barcos, diz o art. 4, (1), todos são solidariamente vinculados à reparação dos danos causados ao barco sem culpa ("au bateau innocent"), bem como às pessoas e às coisas que se achavam a bordo dêsse barco. O barco que pagou uma parte superior à que é proporcional à gravidade da culpa, acrescenta o art. 4, (2), tem, contra os outros barcos culpados, direito de regresso ("droit de recours") proporcional à gravidade das culpas dos outros barcos. No art. 4, (3), explicita-se que a gravidade das culpas é considerada como equivalente se, conforme as circunstâncias, outra proporção não pode ser estabelecida. Se o barco danificado ou a bordo do qual se acham as pessoas ou as coisas que sofreram danos contribuiu, por culpa sua, para o abalroamento, a responsabilidade de cada um dos barcos é proporcional à gravidade das culpas respectivas (artigo 5, (1): "...proportionelle à la gravité des fautes respectivement commises"). Todavia, se, conforme as circunstâncias, não pode ser estabelecida a proporção, ou se as culpas aparecem como equivalentes, a responsabilidade é por partes iguais. Os danos causados, seja aos barcos, seja às suas cargas, ou efeitos ou outros bens da equipagem, dos passageiros ou de outras pessoas que se achem a bordo, diz o artigo 5(2), que são suportados pelos barcos em culpa, na dita proporção, sem solidariedade perante terceiros.

A propósito dos danos causados por morte ou ferimento, lê-se no art. 5, (3), que por êles os barcos com culpa são vinculados solidàriamente perante terceiros, com ação regressiva de quem pagou parte superior à que, conforme a alínea (1) do art. 1, deve definitivamente suportar. No art. 5, (4), diz-se que às legislações nacionais cabe determinar, no que concerne à regressividade, o alcance e os efeitos das disposições contratuais ou legais que limitem a responsabilidade dos proprietários de barcos no tocante às pessoas que se achem a bordo. Conforme o art. 6, a responsabilidade estabelecida pelos arts. 1-5 subsistem no caso em que o abalroamento é causado pela culpa do pilôto, mesmo se êsse é obrigatório. Tal como consta na Convenção sõbre navios de mar. A ação de reparação - está no art. 7, (1) - não é subordinada a protesto, nem a qualquer outra formalidade. Na alínea (2) acrescenta-se que não há qualquer presunção legal de culpa no abalroamento. O art. 8, (1), fixa o prazo proporcional de dez anos. A alínea (2) cogita do prazo - prescripcional, entenda-se - para a propositura da ação regressiva, no caso do art. 4 (2), e no do art. 5, (3), a partir do dia do pagamento. As causas de suspensão e de interrupção são determinadas pela lei do tribunal em que se propôs a ação. No art. 5, (4), os Estados reservaram-se o direito de admitir, nas suas legislações, que se "prorroguem" os prazos pelo fato de o barco réu não ter sido apanhado nas águas do Estado em que o barco demandante tem seu domicílio ou seu principal estabelecimento. Diz o art. 10: "La présente Convention s'étend à la reparation des dommages que, soit par exécution ou omission de manoeuvre, soit par inobservation des règlements un bateau a cause soit à un autre bateau, soit aux chose ou personnes se trouvant à leur bord, alors même qú'il n'y aurait pas en abordage". No art. 11, diz-se que se compreendem na denominação de barco ("bateaux") os hidropatinadores ("hydroglisseurs), as balsas ("radeaux"), as chatas e pontões ("bacs"), as dragas, os guindastes e os elevadores flutuantes, as seções móveis de pontes de barcos e todos os aparelhos e instrumentos flutuantes de natureza análoga. No art. 12, ressalvaram-se as imunidades dos barcos destinados exclusivamente ao exercício, a qualquer título, do poder público. No Protocolo-anexo, II, está dito que as palavras "no ancoradouro" devem ser entendidas como aplicáveis igualmente a barcos amarrados ou por outro modo imobilizados.

Tem-se de alegar e provar a culpa. As infrações dos regulamentos são elementos relevantes, como as violações de regras relativas a fogos e sinais da escuridão, de regras gerais de navegação, de regras de prioridade, e negligências no reboque. A falta de luz conforme as exigências regulamentares põe o navio em situação de culpado, na medida em que a ausência de fogo causou o abalroamento (e. g., canoa ou outro barco amarrado em posição que não é a que exige o regulamento e sem a iluminação devida, cf. Tribunal de Comércio de Rouen, a 6 de maio de 1 9 5 2 ) . O barco que vem em sentido contrário, se não pode ver a luz do outro, não é culpado (Corte de Apelação de Bruxelas, 8 de janeiro de 1 9 3 5 ; JULLIEN L E CLERE, L'Abordage en Droit maritime et en Droit fluvial, 251). A má conservação do material pode ser causa do abalroamento.

Panorama atual pelo Atualizador § 5.529. A - Legislação Em sua obra o autor faz alusão a inúmeros dispositivos de lei e de instrumentos internacionais, sendo certo, entretanto, que alguns já não mais vigoram, posto que substituídos foram por outros instrumentos normativos, como se verá. Apenas para efeito histórico invocam-se os dispositivos apontados neste Tratado: O art. 749 do CCo permanece em vigor; Convenção de Bruxelas de 23.09.1910, ratificada em 12.10.1913 (Dec. 10.773/1914); Convenção de Bruxelas de 10.04.1926, ratificada em 23.12.1930; Protocolo Adicional à Convenção Internacional para Unificação de regras relativas à imunidade dos navios de Estado, aprovado no âmbito internacional em Bruxelas, no dia 24.05.1934, ratificada em 03.03.1936 e posto em vigor internamente pelo Dec. 1.126/1936; Código Civil de 1916: art. 159 do CC/1916 (atuais arts. 186 e 927 do CC/2002), art. 1.129 do CC/1916 (atual art. 490 do CC/2002), 1.518 do CC/1916 (atual art. 942 do CC/2002) e 1.528 do CC/1916 (atual art. 937 do CC/2002). Cabe observar que o art. 2.045 do CC/2002 revogou a Parte Primeira do Código Comercial (Lei 556/1850), mas manteve em vigor os demais dispositivos, de sorte que há, atualmente, convivência entre as disposições dos arts. 457 a 796 do CCo com as disposições do Código Civil de 2002 e com alguns instrumentos normativos extravagantes^ e, ainda, com tratados e convenções internacionais.

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Mas não se pode deslembrar que o transporte em geral está disciplinado nos j arts. 730 a 756 do CC/2002, no Capítulo XIV ("Do Transporte"), do Título VI ("Das Várias Espécies de Contrato") do Título I ("Das Modalidades das Obrigações"), do ¡ Livro I ("Do Direito das Obrigações"), da Parte Especial. Esse Capítulo trata das j disposições gerais acerca do transporte, do transporte de pessoas e do transporte j de coisas. j

§ 5.529. B - Doutrina

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I - A legislação marítima: Tendo em vista a sua dimensão continental e o fato de que o mar recorta inúmeras nações soberanas, o Direito Marítimo tem interação com o Direito Internacional Público. Em palavras mais simples, Direito Marítimo é o complexo de regras jurídicas que regulam a navegação pelo mar. Tem-se, portanto, que o Direito Marítimo alcança e abrange o transporte marítimo. A legislação comercial marítima no Brasil foi a mesma que em Portugal e vigorou por largo tempo. Entretanto a codificação de normas acerca do aspecto comercial do transporte marítimo nasceu em 1850, com o advento do Código Comercial (arts. 457 e ss.), através da Lei 556/1850, promulgada no tempo do Império por Dom Pedro II. Esse vetusto e anacrônico estatuto, como observado acima, encontra-se - nessa parte - em vigor até os dias atuais. A Lei 8.617/1993 dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileira. A Lei 9.537/1997 (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário) estabelece as regras sobre a segurança no transporte ou do tráfego aquaviário em águas de jurisdição nacional. O transporte marítimo, por sua vez, foi regulamentado inicialmente pelo Dec. 19.473/1930 (revogado em 25.04.1991), com alterações posteriores pela Lei 9.537/1997 e pela Lei 9.578/1997, legislação essa que se refere apenas aos conhecimentos de transporte de mercadorias, segurança do tráfego aquaviário e sobre o Tribunal Marítimo. Com ressalva ao vetusto Código Comercial (arts. 457 e ss.), não se tem notícia de nenhum estatuto legal interno disciplinando a responsabilidade civil do transportador marítimo. Finalmente, o transporte marítimo internacional recebeu regulamentação interna e supranacional, através da Convenção de Bruxelas, conhecida por "Regras de Haia", de 15.08.1924, sem se deslembrar que o art. 36 da Lei 9.537/1997, que dispõe sobre o tráfego aquaviário interno, estabelece que "as normas decorrentes desta Lei obedecerão, no que couber, aos atos e resolução internacionais ratificados pelo Brasil".

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II - Competência: A questão da competência para a exploração do transporte aquaviário e sua regulamentação não é de fácil compreensão. Se com relação ao transporte aéreo, ferroviário e rodoviário a Carta Magna estabeleceu a competência da União para sua exploração, diretamente, ou mediante autorização, concessão ou permissão (art. 21, XII, da CF/1988), no que se refere ao transporte fluvial, lacustre e marítimo a solução foi outra. Note-se que a norma constitucional referida diz competir à União explorar apenas "os serviços de transporte aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território", ou seja, o transporte aquaviário interestadual e, portanto, nos limites do mar territorial (art. 21, XII, d, da CF/1988). Também compete à

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União explorar, diretamente ou mediante delegação "os portos marítimos, fluviais e lacustres" (art. 21, XII, f, da CF/1988). Todavia, a Constituição não chamou para si a prerrogativa de explorar, diretamente ou não, o transporte aquaviário de pessoas ou bens no âmbito internacional. Como se verifica, é da competência do Poder Público explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão apenas os serviços de transporte aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território e os portos marítimos, fluviais e lacustres de sorte que - nesse estreito âmbito - o direito de navegação é de ordem pública e de interesse nacional. Significa que o serviço público de transporte coletivo de passageiros entre portos brasileiros no mar territorial e por via fluvial constitui atividade privativa do Estado, que pode ser delegada ao particular (pessoa jurídica de direito privado) mediante autorização, permissão ou concessão, através de relação contratual entre o transportador e o transportado. Todavia, o transporte de pessoas e coisas pela via marítima que ultrapasse as fronteiras do País é privado. Assim ocorre com as embarcações privadas, pertencentes a pessoa física ou jurídica, as que fazem turismo internacional ou que transportam petróleo, combustível, alimentos e matéria-prima para outros países.

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III - O contrato de transporte: O contrato de transporte marítimo também é de adesão. O embarcador e o consignatário submetem-se às cláusulas e condições estabelecidas unilateralmente pelo transportador. Tais cláusulas e condições normalmente estão impressas no anverso do contrato. Mas o transporte marítimo é informado por regras mínimas, embora insuficientes. IV - Transporte marítimo: Aliás, cabe melhor especificar a conceituação de "transporte marítimo" que é aquele realizado por navios a motor, de grande porte, nos mares e oceanos, e pode ser dividido em duas categorias, de acordo com sua finalidade: Longo curso - que é uma navegação internacional, isto é, o transporte de cargas entre portos de países diferentes. Cabotagem - que é uma navegação nacional, e significa o transporte de cargas entre portos marítimos nacionais e portos interiores do país localizados em rios". O comércio marítimo e o transporte marítimo de bens em geral ainda são regulados pelo vetusto Código Comercial, posto a lume no tempo do Império, como se verifica na sua Parte segunda (arts. 457 a 796), quando disciplina questões relativas às embarcações, aos proprietários, aos compartes e caixas de navios, aos capitães ou mestres de navio, ao piloto e contramestre, ao ajuste e saldadas dos oficiais e gente da tripulação, aos fretamentos, ao contrato marítimo, ao naufrágio e arribadas forçadas, ao dano por abalroação, abandono e avarias; bem como pela Lei 9.578/1997, que alterou dispositivos da Lei 2.180/1954, dispondo sobre o Tribunal Marítimo, e pela Lei 9.537/1997, dispondo sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Há, portanto, convivência entre essas disposições e aquelas relativas aos contratos de transporte, previstas como regras principais no Código Civil de 2002 (arts. 730 e ss.). Cabe lembrar que até 25.04.91 vigorou o Dec. 19.473/1930, que disciplinava os conhecimentos de transporte de mercadorias por terra, água ou ar. V - Responsabilidade civil no transporte marítimo: Embora revogados expressãmente pelo Código Civil de 2002, os arts. 101 a 103 do vetusto CCo, previam a

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responsabilidade subjetiva do transportador, escorada na culpa presumida, com < a seguinte redação: ¡ "Art. 101. A responsabilidade do condutor ou comissário de transportes ou comissário de avarias começa a correr desde o momento em que recebe as fa¡ zendas e só expira depois de efetuada a entrega. Art. 102. Durante o transporte, corre por conta do dono o risco que as fazendas I sofrerem, proveniente de vício próprio, força maior ou caso fortuito. A prova de j qualquer dos referidos sinistros incumbe ao condutor ou comissário de transportes. Art. 103. As perdas ou avarias acontecidas às fazendas durante o transporte, não provindo de alguma das causas designadas no artigo precedente, correm por conta do condutor ou comissário de transportes."

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Ademais, o art. 749 do CCo - não alcançado pela derrogação a que se refere o art. 2.045 do CC/2002 - , ao dispor sobre o dano causado por abalroação, exige, para inculpar o transportador, imperícia ou negligência do capitão ou da tripulação. Impõe-se, contudo, advertir que essa disposição, na parte em que estabelece a responsabilidade por culpa e ainda que não tenha sido expressamente revogada, já não mais prevalece, devendo ser desconsiderada. Mas, para estabelecer a responsabilidade do transportador aquaviário impõe-se obediência à dicotomização acima feita, seja o transporte interno ou internacional. Assim, se a atividade exercida for de serviços de transporte aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacional, cuja exploração é privativa da União, mas que pode ser autorizada, concedida ou permitida, a responsabilidade será objetiva, por força do que dispõe o art. 37, § 6.°, da CF/1988. Portanto, no contrato de transporte, a responsabilidade do Estado transportador ou dos concessionários e permissionários independe da indagação de culpa. No entanto, segundo nosso entendimento pessoal e não obstante entendimento diverso adotado pelo STF (RE 591.874/ MS, Pleno, j. 26.08.2009, rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 18.12.2009), essa responsabilidade objetiva que se imputa aos concessionários e permissionários de serviço público de transporte ocorre no relacionamento destes com relação à parte contratante e não a terceiro não usuário do serviço. No transporte aquaviário internacional o contrato que se firma com pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado também empenha responsabilidade objetiva mas por outro fundamento, ou seja, com supedáneo no art. 734 do CC/2002, quando preceitua: "Art. 734.0 transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade". Essa aplicação é feita por força da analogia, nos termos do art. 4.° da LICC (Dec.-lei 4.657/1942 - atualmente denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), considerando que na parte em que o Código Civil de 2002 dispõe sobre o transporte de coisas (arts. 743 a 756) nada estabeleceu, silenciando. Mas há de imperar o princípio da responsabilidade sem culpa do art. 734, que trata do transporte de passageiros e suas bagagens não só por força de lógica formal, mas também por simetria. E nem poderia ser diferente, considerando que o transportador assume obrigação de resultado, com cláusula de incolumidade,

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de sorte que sua responsabilidade somente será afastada por cláusula excludente como a força maior ou culpa exclusiva do contratante, com o poder de romper o liame causal. Como se verifica, apenas o transporte rudimentar, unipessoal ou coletivo que não se caracterize como atividade privativa do Estado, como os pequenos barcos de uso privativo, barcos de passeio, recreação ou turismo, balsas, jangadas, escunas e, ainda, navios de turismo interno e internacional, é que não se submete ao regime do art. 37, § 6.°, da CF/1988, sendo exigida responsabilidade também objetiva mas por outro fundamento,como acima exposto. Acrescente-se que, se esse transporte que não depende de concessão ou permissão tiver objetivo de lucro e for explorado por empresa privada, pode-se, também, invocar a responsabilidade objetiva do empregador pelos atos de seus empregados, como estabelecem, em conjunto, os arts. 932 e 933 do CC/2002. Esses os fundamentos pelos quais não há como aderir a entendimento adotado por parte da doutrina quando afirma que, no âmbito contratual, a responsabilidade civil do transportador marítimo, a exemplo dos transportadores em geral, é regida pela teoria objetiva imprópria, de sorte que, havendo inadimplemento do contrato de transporte, a responsabilidade será sempre presumida. Em verdade esse entendimento está arraigado na dicção dos vetustos e superados arts. 101 a 103 do CCo/1850 (posto em vigor há nada menos do que 160 anos), e que previam a responsabilidade subjetiva do transportador, escorada na culpa presumida. Mas, em harmonia com as disposições ainda em vigor, hão de regular o contrato de transporte marítimo as disposições genéricas do Código Civil de 2002, contidas nos arts. 730 usque 756, como restou enfatizado anteriormente. VI - Transporte de mercadorias: Para que estas notas não falhem quanto a certos aspectos da questão ora posta, cabe fazer breves considerações acerca do transporte de mercadorias no transporte marítimo e da questão da vistoria quando do extravio ou avaria nas coisas transportadas. Advirta-se, desde logo e mais uma vez, que o transporte oneroso e mediante contrato de pessoas e coisas submete-se à disciplina do Código Civil de 2002, mas não se afastam as normas específicas acerca de cada modalidade e suas características. É que o art. 732 desse Estatuto estabelece que, "aos contratos de transporte em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais". O Dec.-lei 116/1967 determina à entidade portuária, em seu art. 1.°, que passe recibo do bem tão logo o receba para transportar, de modo que qualquer avaria ou extravio, ainda que parcial, seja ressalvado pelo recebedor e vistoriado no ato da entrega, na presença dos interessados. Presume-se que a mercadoria não contenha qualquer desses vícios, caso o recibo não seja fornecido imediatamente com a ressalva pertinente. Cabe lembrar que a responsabilidade da entidade portuária tem início com o ingresso da mercadoria em seus armazéns, pátios ou locais outros designados para depósitos e somente cessa após a entrega efetiva no navio ou ao consignatário (art. 2.° do Dec.-lei 116/1967). A responsabilidade do responsável pelo navio ou embarcação começa com o recebimento da mercadoria a bordo e cessa com a sua entrega à entidade portuária, ou trapiche municipal, no ponto de destino, ao costado do navio. Como garantia e documentação dos fatos,

o armador deverá passar recibo das mercadorias que lhe foram entregues para j transporte, de modo que, sendo o caso, possa ressalvar imediatamente faltas e avarias constatadas, com devolução da coisa avariada à entregadora mediante j vistoria prévia. Com relação à vistoria em caso de avaria na mercadoria ou produto ! entregue para transporte, há quem a considere necessária, para que se possa I responsabilizar o transportador. Ressuma óbvio que o transportador tem a obrlgaj ção de entregar a mercadoria ao destinatário no estado em que a recebeu, razão pela qual a ressalva que se fizer no recibo fornecido pela entidade portuária no momento da descarga do navio, acusando avaria ou falta de mercadoria, é prova suficiente e idônea do dano. Caberá ao transportador fazer a indispensável vistoria í na mercadoria a transportar ou formular o protesto adequado, se pretender afastar ou impugnar a ressalva do recibo e provar ter entregue a mercadoria íntegra. A vistoria é providência vetusta e superada que não mais encontra acolhida no ordenamento jurídico atual, constituindo resquício de uma legislação superada e anacrônica, vinda a lume quando D. Pedro II era Imperador do Brasil, no regime monárquico. Aliás, há necessidade imperiosa de editar novo estatuto para reger o transporte marítimo de pessoas e coisas, de modo a conjurar perplexidades e tornar harmônico o futuro regramento com os princípios e normas vigentes, i VII - Responsabilidade contratual: Em qualquer modalidade de transporte seja por terra, ar ou mar - o inter-relacionamento dos povos, a necessidade de consumo, de abastecimento e fornecimento de coisas, produtos em geral e alimentos e, ainda, em razão da inquietude do ser humano e sua necessidade de conhecer outros lugares e pessoas, fez com que se desenvolvesse o comércio, com a intensificação das relações e da troca ou da compra e venda. Dessas relações comerciais e industriais surgiu o transporte organizado e planejado de pessoas e de coisas e a responsabilidade contratual entre transportador e transportado, bem como de sua regulamentação. O contrato de transporte é atualmente elemento fundamental para a garantia e segurança de todos, sendo certo que a sua execução envolve inúmeras etapas, iniciando-se com o carregamento das mercadorias i a bordo do navio; o transporte até o destino, numa rota previamente programada, e descarregamento e entrega da carga no prazo ajustado, tudo sem que tenha ocorrido dano ou perda da mercadoria. i ¡

Pode-se, assim, afirmar, em síntese, segundo a doutrina abalizada, que a responsabilidade do transportador ocorre nos seguintes casos: (a) se houver perda total ou parcial da mercadoria; (b) se essa mercadoria chegar ao destino danificada; (c) se houver atraso na entrega. Nesses casos, estará caracterizada a irregular execução do contrato de transporte firmado, ou até mesmo a sua inexecução. Nessas hipóteses surgirá o dever de indenizar. O documento que expressa essa interação entre as partes e materializa o compromisso firmado e a obrigação contratual de transportar é o "conhecimento de embarque", que conterá a descrição pormenorizada dos bens ou mercadorias, suas condições no momento do embarque e indicará os termos da negociação ou ajuste no transporte, bem como o frete aplicável. VIII - A avaria que enseja reparação: Utiliza-se a expressão "avaria" para designar o estrago que um bem pode sofrer intrinsecamente e que resulta um dano

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não só para essa coisa em si, como significa um prejuízo, uma perda para o seu proprietário. É o prejuízo material extraordinário e imprevisto, resultante de transporte e que os proprietários do navio ou da sua carga suportam conjunta ou separadamente. Segundo entendimento da doutrina essas avarias, seu sentido técnico, classificam -se em de dano (avaries-dommages), quando compreendem prejuízos materiais, e avarias-despesas (avaríes-frais), quando se trata de despesas realizadas em caráter extraordinário, isto é, que não foram cogitadas, causadas por força maior. Não havendo convenção entre as partes contratantes no conhecimento de embarque ou na "carta-partida", as avarias seguem a disciplina específica do Código Comercial, na parte que permanece em vigor (art. 762). A doutrina alude a duas espécies de avaria: avaria grossa ou comum e avaria simples ou particular, com o objetivo de regular o ônus em suportar as despesas ou os danos decorrentes (art. 764 do CC/2002). IX - Causas excludentes da responsabilidade, cláusula limitativa do valor da indenização e cláusula excludente da responsabilidade: O transportador pode exonerar-se de sua responsabilidade como transportador, desde que prove o rompimento do nexo causal, ou seja, que a inexecução da obrigação assumida decorreu de fatos que não lhe podem ser imputados e que retiram a sua participação na falha em executar a avença e a estipulação de transportar. É o liame entre a ação ou omissão e o resultado danoso. Dentre essas causas podem ser invocadas a falta do afretador, o vício ou defeito próprio e preexistente na mercadoria, a entrega do produto em embalagem Inadequada, tanto que o art. 746 do CC/2002 faculta ao transportador recusar a coisa cuja embalagem seja inadequada. Significa, todavia, que, se este transportador descurou de sua obrigação de verificar e conferir o acondicionamento dos bens e isto restar comprovado, não poderá alegar causa excludente pelo fato de a embalagem ser inadequada e ter sido a causa eficiente do dano. Mas cabe invocar também as causas clássicas de desoneração da obrigação de reparar, como o caso fortuito ou força maior: forças naturais, como a tempestade, o bloqueio dos bens, a interdição, a greve e a culpa exclusiva do contratante. Advirta-se que o fato de terceiro, como sempre defendemos, mesmo antes do advento do atual estatuto civil, não é causa de exclusão da responsabilidade. Agora o art. 735 do CC/2002 espancou a forte dissensão antes travada pelos doutrinadores, posto ser expresso ao dispor que "a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva". Não há proibição para a inclusão em contrato de cláusula limitativa do valor da indenização. Tal possibilidade está prevista em alguns instrumentos legais, como a legislação sobre transporte aéreo, a Convenção de Varsóvia e outros. Todavia, considera-se nula e de nenhum efeito a cláusula excludente da responsabilidade do transportador. E essa proibição é expressa no art. 734 do CC/2002. X - Jurisdição e competência: No âmbito do mar territorial b r a s i l e i r o prevalece a soberania nacional. A jurisdição é o território sobre o qual se estende este poder, de sorte que, por força do princípio da territorialidade, aplicam-se as normas internas do Direito Marítimo e os direitos de jurisdição em todo o território nacional e suas águas interiores. Fora do mar territorial têm-se a internacionalização e

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a legislação de direito internacional. No plano internacional "alto-mar" são todas as partes do mar que não pertencem ao mar territorial ou águas interiores de um Estado soberano. Na hipótese de acidente ou de ocorrências da navegação em território nacional, aplicar-se-á a legislação interna sendo competente para julgar o juízo de direito onde o fato se deu, salvo exceções previstas em lei, em contrato ou em tratados internacionais. No âmbito dos fatos ocorridos fora do mar territorial, ou seja, em alto-mar, prevalece o princípio da jurisdição da bandeira, adotado na III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que teve a adesão do Brasil. Poderá ocorrer, contudo, a hipótese de competência concorrente, quando o acidente ou incidente envolverem navios ou embarcações de bandeiras diversas.

§ 5.529. C - Jurisprudência Acerca dos temas tratados neste parágrafo, cf. as seguintes súmulas: Súmula 504 do STF: "Compete a Justiça Federal, em ambas as instâncias, o processo e o julgamento das causas fundadas em contrato de seguro marítimo"; Súmula 109 do STJ: "O reconhecimento do direito a indenização, por falta de mercadoria transportada via marítima, independe de vistoria".

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"São solidariamente responsáveis as empresas fretadora e afretadora por danos causados a terceiros em transporte. Tratando-se de indenização por má prestação de serviços, a responsabilidade é contratual, incidindo os juros a partir da citação. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido" (STJ, REsp538.829/RJ,4.aT.,j. 09.09.2003, rei. Min. Asfor Rocha, DJe 28.10.2003, RT 820/230). j | |

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"Os arts. 470 e 479 do antigo Regulamento Aduaneiro (Dec. 91.030/1985), ao falarem da necessidade de imediata lavratura de termo de vistoria nas hipóteses de descarga de Volume avariado', referem-se aos danos verificados nos contêineres, não nas mercadorias neles contidas. Assim, o momento de lavratura do referido termo é o do desembarque de tais contêineres do navio, e não da respectiva abertura, no porto. Não tendo, a entidade portuária, feito qualquer ressalva quando ao desembarque de container avariado, ela responde pelos danos verificados nas mercadorias importadas, nos termos do art. 2° do Dec.-lei 116/1967. Recurso Especial Improvido" (STJ, REsp 958.956/ES, 3.a T., j. 05.11.2009, rei. Min. Nancy Andrighi, DJe 18.11.2009).

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§ 5.530. TRANSPORTES ESPECIAIS MODERNOS 1. AUTOMÓVEIS. - O automóvel é meio contemporâneo de condução, mas os princípios que o regem já procedem de outros meios de condução. A especialidade, essa, tem de ser apontada pela técnica legislativa.

Se alguém transporta a título amigável, a responsabilidade extranegocial é a mesma dos transportadores a título oneroso e há a responsabilidade extranegocial mesmo perante o transportado (cf. FRANCESCO CIGOLINI, La Responsabilità dalla circolazione stradale, 809), e a responsabilidade como se tivesse havido contrato. O dano causado pelo automóvel gera a responsabilidade conforme os princípios gerais sobre fatos ilícitos absolutos, salvo se há lex specialis que dispense pressupostos ou que agrave as conseqüências. As regras jurídicas sôbre responsabilidade pelos atos dos empregados (responsabilidade transubjetiva) são invocáveis. Algumas medidas se exigem aos automóveis: velocidade que não exceda o máximo que se estabelece para o lugar e a hora, ou só para o lugar, ou só para o tempo; a luz, à frente e atrás, a partir de determinada hora, ou circunstâncias; caderneta para direção (carteira). Um dos elementos que dão ensejo a negligências dos motoristas é a falta de energia dos prefeitos, devida a propósitos de evitar impopularidade ( L . RIXENS et J. L A F O N D , Legislation et Jurisprudence du Cyclisme et de VAutomobilisme, 185). O fato de estar o motorista na velocidade permitida, ou pequeníssima, e de ter fofonado, não pré-exclui ter tido culpa (cf. L U C I E N ARNETTE, La Responsabilité des Propriétaires d'Automobiles et autres véhicules, 76 s.). Nem o afasta a permissão do guarda do trânsito ou o ter seguido carro oficial, ou carro que possa ter velocidade excepcional. Tem-se querido dizer que a responsabilidade das emprêsas, pelos danos causados por seus empregados, ou por fatos ocorridos com o material, não supõem culpa. Assim, afastada estaria a responsabilidade por presunção iuris tantum da culpa in eligendo e da culpa in vigilando (cp. GIACOMO YENEZIAN, Danno e Risarcimento fuori dei contratti, Opere giuridiche, I, 2 7 8 ; GAETANO QUAGLIARDILLO, Sulla Responsabilità da illecito nel vigente Códice civile, 5 2 ; ADRIANO D E CUPIS, Fatti illeciti, 6 6 s.). De modo nenhum se pode acolher tal opinião. No caso de preposição, não se atende apenas ao dever de vigilância, porque, de ordinário, o preposto é adulto (cf. DALLANT, La Notion de préposé dans I'article 1384 du Code Civil, 35), mas o interêsse da empresa e a periculosidade, razão por que não se investiga, em princípio, o caso concreto (BIENENFELD, Die Haftung ohne Verschulden, 3 2 7 ) . Se se permite prova de fato, inclusive a força maior (cp. R E I N H . GEIGEL U. ROB. GEIGEL,

Haftpftichtprozess, 9.a ed., 283-287; E. BÕHMER, Das Saehschadenhaftpflichtgesetz, 33 s.), pré-excludente, presumiu-se culpa. Der

O art. 1.521, III, do Código Civil apanha qualquer pessoa escolhida, nomeada, ou promovida, ou admitida, desde o momento em que passa a praticar os atos relativos à sua função, à sua incumbência, ou qualquer outra relação jurídica, seja válido ou não o negócio jurídico entre o empregador, lato senso, e o empregado. Não importa qual o ramo do direito que rege o negócio jurídico, ou de direito público, ou de direito privado, ou regrado pelo direito nacional ou de outro Estado. As relações jurídicas do empregado com terceiros - haja ou não representação - podem ser negociais, ou não; quando fora dos podêres outorgados, podem ser decorrentes de atos ilícitos absolutos ou de atos-fatos ilícitos absolutos (sôbre as relações jurídicas com empregados de restaurantes, ROBERT SCHLESINGER, Über die Anstellung ais Grund der Vertretungsmacht, 34 s.). 2. COLISÕES. - Pode ocorrer que, em vez de só haver um responsável, haja dois ou mais responsáveis em virtude de regra jurídica de presunção iuris tantuni de culpa, ou mesmo de responsabilidade objetiva. Há a solidariedade. Mas há o problema da repartição entre os responsáveis. A ação regressiva há de atender a solução que resulte do sistema jurídico. Casos há em que um ou dois ou mais respondem sem se precisar alegar e provar culpa, e um ou dois ou mais de dois pela culpa provada possam responder. Complica-se o problema. Se todos são responsáveis por presunção de culpa, ou objetivamente, como se o automóvel vai de encontro ao carro que transporta gasolina, a colisão faz responsáveis os dois motoristas, ou as duas emprêsas. Se dois cavalos brigam e os coices atingem passantes, ou pessoas que estavam sentadas no circo, há concorrência de responsabilidades. Não há pensarl e , ex hypothesi, em caso fortuito. Somente o critério da causalidade pode dar solução, se se pode determinar a medida em que contribuíram para os danos os responsáveis. Dificilmente se poderia achar a proporção. Talvez não haja outro caminho que o das quotas ideais, por ser infixável a parte real do dano atribuível a cada responsável. Se o automóvel pegou fogo e o pôsto de gasolina estava com as calçadas cheias de óleo, razão por que se incendiou o prédio vizinho, é possível separarem-se o dano que o automóvel causou e o dano que resultou de falta de cuidado do pôsto de gasolina, sem que, com isso, se desça ao exame das culpas. A emprêsa de gasolina tinha dever de acautelar-se de todos os

riscos, portanto - de eliminar ou diminuir riscos. Não seria justo que em todos os casos se ressarcisse em partes iguais (sem, razão, MARIO COZZI, La Responsabilità civile per danni da cose, 264 s.). A dificuldade está em se determinai" o risco, para cada um, porque se têm de apreciar todas as circunstancias no caso concreto (cp.. R E I N H . GEIGEL u. ROB. GEIGEL, Der Haftpflichtprozess mit Einschluss des materiellen Haftpflichtrechts, 135 s.). Dados estatísticos concernentes às duas ou mais atividades seriam impertinentes, porque com êles não se poderia "convencer" o juiz (cf. KARL OPa TINGER, Schweizerisches Haftpflichtrecht, I, 2. ed., 282), e seriam apenas indiciários. As atividades, por serem diferentes (não é o caso de colisão de automóveis de passeio), têm maior ou menor periculosidade, e as circunstâncias podem mostrar que o uso, tal como ocorria, diminuiu ou aumentou os riscos. Tão-pouco se há de dar valor decisivo ao prêmio de seguro, tal como se estabelece, nas emprêsas, a quantia máxima. A função econômica que se espera das responsabilidades por presunção iuris tantum é a de equilíbrio dos patrimônios, com a advertência no tocante ao cuidado, à custódia, ao controle e à previdência. O valor máximo do seguro de certo modo revela quanto se há de prover para a cobertura dos riscos. Cumpre, porém, advertir-se que, a despeito da fixação maximal, a atividade de um seja mais perigosa. Mais: que se tenha captado a média de riscos de cada espécie de empresa e seja diferente, ou que haja prova da culpa. Se a responsabilidade de um ou de alguns é por presunção de culpa, ou objetiva, e a de outro ou outros é pela culpa alegada e provada, como se A lança o cigarro no pôsto de gasolina onde há óleo na calçada e leva o fogo adiante, provocando o incêndio, ou se o depósito de inflamável não foi protegido como devia. Pode bem ser que nenhuma culpa tenha tido a empresa. A solução que, em caso de concorrência de responsabilidades, uma pela culpa, outra por presunção, ou objetiva, seria criadora de dificuldades e apagaria a presunção iuris tantum ou a regra jurídica de responsabilidade objetiva, foi a que sugeriu e defendeu R . SAVATIER (Traité de la Responsabilité civile, I, 2.a ed., 355). A proporção à periculosidade foi o critério distributivo que propôs Louis JOSSERAND (La Collision de véhicules, Dalloz Hebdom., 1935, 41; aliás já antes, em 1919, 4, 29). Há ainda a solução de cada qual responder pelo inteiro dano (HENRI et LEON MAZEAUD et TUNC, Traité théorique et pratique de la Responsabilité délictuelle et contractuelle, II, n. 1529 s.), dividindo-se entre os responsáveis. A crítica a êsse critério mais se baseia em que a colisão de veículos é apenas uma das espécies de pluralidade de responsáveis e não seria acertado

estendê-lo a empresas diferentes. Aliás, se o caso é de colisão de veículos, a solução de cada um reparar o dano do outro, se não foi um só o causador, tem tido melhor acolhida que o da divisão (cf. JOATTON, Essai critique sur la Théorie général de la Responsabilité civile, 179). Quanto a terceiros, o que se pode presumir é a igualdade de elemento causal. Tem-se, porem, que procurar solução sôbre a eliminação da presunção, e assim se volta ao ponto de início. Mais ainda: o lesado pode ter dado a causa única do dano. (A respeito é de repelir-se que se tenha de investigar se o lesado procedeu de tal maneira que haja presunção hominis de ter-se exposto, como sustenta GLANVILLE WILLIAMS, Joint Torts and contributory Negligence, 2 9 5 ; ao lesado cabe o ônus da prova da causa do dano e, se foi alegada a sua negligência, a da prova contrária à afirmação do demandado.)

Quanto aos incêndios, que se estendem a outros edifícios, ou construções, ou plantações, ou criações, tem-se de distinguir da responsabilidade pela periculosidade da empresa a responsabilidade pela culpa que se tem de provar. Seria injusto que, sem ser perigosa a atividade da emprêsa a, fôsse responsabilizada pela destruição ou deterioração dos edifícios da quadra, ou da rua (cf. ALBERT A. EHRENZWEIG, Negligence without fault, 41 s.). Quanto às cláusulas exonerativas, em se tratando de empresas perigosas, seria inadmissível que se pudesse dar aos clientes a assunção dos riscos (cp., porque sustenta tese antijurídica, JOSEF ESSER, Grundlagen und Entwicklung der Gefãhrdungshaftung, 109), mesmo porque não bastaria distinguir-se do transporte público "necessário" o transporte "voluntário", digamos substituível por outro.

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Panorama atual pelo Atualizador

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§ 5.530. A - Legislação

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Apenas o art. 1.521 do CC/1916 (atual art. 932 do CC/2002) é invocado neste parágrafo da obra.

Impõe-se observar que o trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, está atualmente regulado pelo Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997). O transporte em geral em suas diversas modalidades tem disciplina variada em leis próprias, exceto os transportes rodoviário e metroviário que não estão disciplinados em lei específica. Por sua vez, o Código Civil de 2002 estabeleceu que aos contratos de transporte em geral (por qualquer < meio) aplicam-se os preceitos da legislação especial, dos tratados e convenções

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internacionais mas com ressalva, ou seja, desde que não contrariem as suas próprias disposições. É lamentavelmente o equivocado critério de fazer prevalecer o geral pelo especial e específico, contrariando princípio assente de que legis specialis derogat generali e, ainda, aquele que estabelece que a lei geral posterior não derroga a lei especial anterior (lex posterior generalis non derogat legipriori speciali), como será novamente exposto adiante.

§ 5.530. B - Doutrina i

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I - Abertura: Neste seguimento o autor cuida do que denominou "transportes especiais modernos", desenvolvendo estudo acerca dos automóveis e colisões. Todavia além da necessidade de se discorrer acerca de alguns aspectos gerais dos transportes em geral, impõe-se comentar o tema à luz das inúmeras alterações legislativas ao longo do tempo, da nova ordem constitucional e do advento do Código Civil de 2002.

II - Considerações gerais: Quando se fala em transporte não se pode restringir, pois o deslocamento de pessoas e coisas envolve um grande complexo de ações e providências. Atualmente não há como falar em transporte, em qualquer de suas modalidades, até mesmo nos sistemas intermodais, sem falar em logística. A importância da logística nos transportes é notória, pois envolve o escoamento da produção da indústria e dos produtos primários, além de outros, i e traduz a melhor forma de organizar o sistema de distribuição e efetivo deslocamento. É notório que a infraestrgtura brasileira de transportes é claramente insuficiente, principalmente quando comparada com a de outros países, e vem í criando obstáculos ao escoamento da produção nacional para os mercados interno e externo. A vigorosa expansão prevista para os próximos anos das malhas rodoviária e ferroviária, além de hidrovias, portos, terminais e silos, é condição necessária ao desenvolvimento do País e será uma grande oportunidade de retomada da reconhecidamente competente engenharia brasileira. Quando essa expansão ocorrer, será necessário pôr em vigor regras melhor definidas para o transporte de cargas no Brasil. ! Ill - A história dos transportes e a evolução legislativa na sua regulamentação '. (a prevalência do transporte rodoviário): Não se deslembre que em nosso País o transporte rodoviário prevalece e corresponde a cerca de 75% da malha que abriga os veículos que atuam na função de escoadores e distribuidores de proI dutos básicos e de primeira necessidade e no deslocamento de pessoas, sendo ; incipientes as outras modalidades de transporte, ao contrário de outros países, i Não obstante, inexiste em nosso País lei especial ou específica regulamentando o transporte rodoviário. A Carta Magna estabeleceu o transporte como uma das ati! vidades privativas do Estado, com a possibilidade de sua concessão ou permissão I para exploração privada. Nos centros urbanos e nas rodovias municipais e intej restaduais, a locomoção pessoal e exclusiva em veículos de passeio; o transporte i coletivo de pessoas e o transporte de mercadorias exigiram o estabelecimento j de regras de trânsito codificadas. O que se quer evidenciar é que essa evolução, I a partir da invenção dos veículos automotores, ocorreu nos últimos cem anos,

de modo que, a cada pequeno avanço tecnológico, nascia um feixe de regras visando sua disciplinação. Significa que o transporte ferroviário foi regulamentado em um momento histórico, ou seja, logo no início do século passado (1912); o regulamento do transporte marítimo, no modelo atual, veio um pouco depois, em 1930; o transporte aéreo internacional, em 1931, com a Convenção de Varsóvia - agora substituída pela Convenção de Montreal, a partir de setembro de 2006 - , e o transporte aéreo interno, com o antigo e revogado Código Brasileiro do Ar, em 1966, substituído pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986). Observe-se que os transportes rodoviário e metroviário, como acima observado, não mereceram disciplina regulamentar, ou seja, não há lei específica que os discipline. Dessa narrativa se conclui que esses dispositivos normativos expressam a tendência do seu tempo e a influência do entendimento da doutrina e do legislador no momento em que postos a lume. Significa que essas leis (para usar uma expressão genérica), considerando que no passado se legislou por decretos, não guardam entre si coerência lógico-jurídica ou mesmo factual, cada qual estabelecendo critérios de permissão, proibição e de sancionamento diversos e desajustados. Uma nasceu sob a inspiração clássica, tendo a culpa como pressuposto da responsabilidade; outra preferiu adotar a culpa presumida, com a inversão do ônus da prova. Uma terceira adotou o conceito da cláusula limitativa da responsabilidade, sendo que se pode encontrar, ainda, o sistema de indenização tarifada. IV - Os transportes na nova ordem constitucional: Com a vinda de uma nova ordem constitucional, através da Constituição Federal de 1988, e o aprimoramento da teoria do risco administrativo mitigado, os seus intérpretes - agora sob a inspiração de um novo tempo e de uma nova ordem jurídica - evoluíram no sentido de que o ato de concessão ou permissão para exploração dos transportes às pessoas jurídicas de direito privado e o exercício dessa atividade estatal a elas transfere, também, as mesmas obrigações do Poder Público. Nasce, a partir daí, a teoria da responsabilidade objetiva nos transportes públicos cometidos a terceiros e explorados mediante contrato entre prestador e usuário.

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V - A responsabilidade objetiva nos transportes: Pode-se concluir que a responsabilidade do transportador é, como regra, objetiva em todas as hipóteses de transporte explorado diretamente pelo Poder Público ou mediante autorização, concessão ou permissão, por força do disposto na Carta Magna. Significa, portanto, que, quando a atividade explorada está ao abrigo do art. 37, § 6.°, da CF/1988, como antes observado, a responsabilidade do transportador, em qualquer circunstância, é objetiva, pois adotou-se a teoria do risco administrativo e o prestador de serviço coloca-se na mesma posição jurídica do Poder Público e responde por seu ato tal como aquele responderia. Vale lembrar que o Código Brasileiro de Aeronáutica e o Dec. 2.681/1912 - na parte em que estabelecem o princípio da responsabilidade aquiliana ou com culpa - não prevalecem, pois, nessa parte, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que se sobrepõe a eles, caso se entenda que todos eles abraçaram a teoria da responsabilidade subjetiva. Mas cabe também acrescentar que a Convenção de Montreal, que passou a disciplinar o transporte aéreo internacional, aproximou-se ainda mais da Carta Magna ao adotar a responsabilidade objetiva do transportador aéreo internacional, no art.

17, como já o fizera internamente o Código Civil de 2002. Todavia é necessário esclarecer que o art. 734 do CC/2002 estabeleceu expressamente a responsabilidade objetiva do transportador apenas no transporte de pessoas, de sorte que no transporte de coisas dever-se-á buscar resposta acerca dessa questão na legislação específica de regência, ressalvada expressamente no art. 732 desse Estatuto

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VI - O transporte de pessoas e coisas à luz do Código Civil de 1916 e a previsão de prevalência de suas regras como normas gerais: Surge, então, a Lei 10.406, de 10.01.2002, que traz a lume um novo Código Civil com entrada em vigor em 11.01.2003, incluindo no Livro I da Parte Especial, Título VI, Capítulo XIV, regulamentação sobre o transporte de pessoas e de coisas, estabelecendo que os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais são aplicáveis aos contratos de transporte, desde que não contrariem as disposições deste Código (art. 732 do CC/2002). É o geral interferindo no particular, segundo parece, não obstante o princípio assente em nosso ordenamento jurídico seja o da especialidade, de sorte que lex specialis derogat generali, ou o da lei especial sobrepor-se à geral. Ademais, sempre vigeu a máxima latina de que lex posterior generalis non derogat legi priori speciali, princípio esse agasalhado em nossa Lei de Introdução ao Código Civil, atualmente denominada "Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro" pela Lei 12.376/2010 (STF, RE 115.770-4/RJ, 2.a T., j. 29.10.1991, rei. Min. Marco Aurélio, DJU 21.02.1992, RT 682/398 e RTJ116/541). A partir de então, a convivência de alguns atos normativos (já entrando em processo de anacronia) com outros contendo disposições antagônicas ou desarmónicas e, ainda, com uma nova ordem civil, tornou-se verdadeiro tormento. Harmonizá-los toâos, dar-lhes coerência lógica e descobrir seu significado e abrangência, através dos critérios disponíveis de interpretação, será uma tarefa hercúlea e um desafio incomensurável. O que se mostra pertinente, como advertência, é que, por mais alguns anos, persistirá grande exacerbação nas divergências entre doutrinadores e dissenso na jurisprudência dos tribunais, seja quanto à revogação e vigência, quanto ao papel que o Código Civil de 2002 exercerá, e o seu poder de ingerência e supremacia sobre o arcabouço legislativo existente no momento de sua entrada em vigor. VII - Limites de intervenção do Código Civil: O Código Civil de 2002 trouxe inovações e passou a disciplinar o transporte em geral, quando exercido mediante contrato. Aliás, o que esse Código disciplina especificamente é o contrato de transporte (art. 732 do CC/2002). Fê-lo no Livro I da Parte Especial, Título VI, Capítulo XIV, através de vinte e sete artigos, divididos em Disposições Gerais, Transporte de Pessoas e Transporte de Coisas. Em verdade, estabeleceu apenas os princípios e as regras gerais do transporte, sem, contudo, descer a minúcias, definir circunstâncias ou estabelecer sanções por inadimplemento. Como não trouxe uma disciplina completa, estabeleceu o art. 731 do CC/2002: "O transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código". Essa ressalva é absolutamente necessária, pois o transporte constitui atividade privativa do Estado, explorado por ele próprio ou através de autorização, permissão ou concessão, sendo certo que o instrumento

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para a efetivação dessa transferencia de encargo encontra-se previsto na Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/1993). Esse procedimento ou ato administrativo complexo, regido pelas regras dessa lei, submete à sua égide licitante e contratado, de modo que a exploração da atividade posta em disputa pública reger-se-á pelo contrato originado do procedimento licitatório, expressando a adjudicação do seu objeto e do que vier a ser firmado entre o poder concedente e o concessionário. Portanto, a lei civil de regência parcial dos transportes não poderia, como ressuma óbvio, deixar de ressalvar esses atos administrativos praticados segundo permissão da Constituição Federal de 1988 e da lei ordinária regente da atividade da Administração Pública. Mas o Código Civil de 2002 contém outra ressalva, assim dispondo: "Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e dos tratados e convenções internacionais." Dúvida não nos assalta - impõe-se reiterar até a exaustão - de que este dispositivo, assim como a inclusão do transporte no corpo do Código Civil de 2002, como acima enfatizado, vai trazer imensas dificuldades e exigir do operador do Direito muita boa vontade, bom senso e paciência para dirimir as questões e controvérsias surgidas das relações originadas dos transportes. Como se verifica, o art. 732 do CC/2002, ao estabelecer que os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais aplicam-se aos contratos de transporte em geral, desde que não contrariem as disposições dele próprio, o legislador não só deu sobrevida à legislação que apanhou no momento em que entrou em vigor, como buscou restringir o seu alcance e eficácia. Estabelecer em um atual estatuto legal a aplicação paralela de determinada lei regulamentadora da mesma matéria, desde que esta não contrarie aquele, é o mesmo que atribuir a esta regulamentação originária ou primitiva caráter subsidiário e supletivo, e ressaltar a prevalência e supremacia deste atual estatuto. Portanto, segundo a dicção do art. 732 do CC/2002, merecedora de nossa crítica, todos os preceitos das leis especiais que regem as modalidades de transportes e que contrariem as suas disposições constantes dos arts. 730 a 756 estariam revogados. Mas, segundo nos antolha, a questão não é tão simples quanto possa parecer. Isto porque esse Estatuto Civil não regulamentou inteiramente a matéria. Mais do que isso, além de não estabelecer regulamentação completa da matéria, contém apenas disposições gerais, nada dispondo sobre questões específicas e peculiares das mais diversas modalidades de transportes (aéreo interno, aéreo internacional, marítimo, rodoviário, ferroviário, metroviário), seja coletivo ou individual. E, como estabelece a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, já citada anteriormente: "a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior" (art. 2.°, § 2.°, do Dec.-lei 4.657/1942). Mas, se uma das novas disposições do Código Civil de 2002 conflitar e entrar em linha de colisão, pontualmente, com outra disposição da lei antiga, porém específica sobre a matéria, não se poderia fechar os olhos para essa circunstância, impondo-se ao aplicador da lei dizer qual a disposição incidente ao caso concreto, qual prevalece e qual há de ceder. Não será tarefa fácil, exigindo-se do

intérprete enorme desafio, máxime considerando a existencia de Tratados e Convenções acolhidos em nosso Direito interno, como ocorre com o transporte aéreo internacional, regulado, atualmente, pela Convenção de Montreal, que substituiu, de uma só vez, a vetusta Convenção de Varsóvia, o Protocolo de Haia e os Protocolos Adicionais de Montreal. Ora, embora os tratados e convenções estejam hierarquicamente abaixo da Constituição Federal, assumem posição parelha com a legislação ordinária interna. Ademais, a sua revogação não é automática e não se dá como ocorre com as leis internas editadas pelo processo legislativo comum, dependendo de denúncia perante os demais países aderentes e que adotaram aquele instrumento, não se podendo afirmar que lei ordinária posterior revoga, pura e simplesmente, um tratado internacional. Para dar supedáneo a essa afirmação impõe-se invocar o art. 178 da CF/1988, ao preceituar que "a lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade". Do que se infere que a disciplina específica contida em acordos internacionais (tratados, convenções e protocolos) acerca do transporte internacional deve sobrepor-se à disciplina interna, contida na legislação ordinária, sem, contudo, afastar a incidência desta última, no que se refere às normas principiológicas e programáticas (regras de intenção ou conceituais) que abriga e que sejam comuns a qualquer modalidade de transporte tanto interno como internacional. Para nós, o próprio art. 732 do CC/2002 deixou evidenciada essa reserva, embora com redação dúbia e insuficiente, pois essa circunstância deveria estar ressalvada em um parágrafo. Tudo isso e a grande perplexidade nascida com o atual Código Civil levam-à conclusão de que a legislação de regência e que disciplina os transportes necessita de uma nova leitura ou de uma releitura voltada a uma noção de conjunto. Cabe, aliás, observar que todo esse arsenal legislativo surgiu em momentos diversos e à luz de tendências díspares, que expressaram a visão e o entendimento do seu tempo, bem como a influência da doutrina e dos precedentes jurisprudenciais da época, quer dizer, do instante em que posto a lume. VIII - O transporte coletivo de pessoas: O transporte coletivo de pessoas, que é considerado atividade essencial do Estado (art. 30, V, da CF/1988), ao qual compete organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão. Aliás, na origem, é da competência do Poder Público explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; os serviços de transporte ferroviário e aquaviário; os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, e os portos marítimos, fluviais e lacustres (art. 21, XII, da CF/1988), Essa exploração do transporte coletivo de pessoas e coisas é, para o usuário, onerosa. Portanto, o contrato firmado entre o prestador de serviços e o usuário não é gratuito, mas oneroso. IX - A regência legislativa das diversas modalidades de transporte: Como já observado, não há legislação específica regente do transporte rodoviário, razão pela qual durante largo tempo aplicou-se subsidiariamente o Dec. 2.681/1912 acerca do transporte ferroviário. Este, o transporte ferroviário é regido pelo vetus-

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to Dec. 2.681/1912, estatuto inspirado, naquela época, na legislação da Polonia, posto a lume no início do século passado e informado de tendências de uma época na qual a responsabilidade civil no Brasil ainda sofria influência da escola subjetivista. No campo da regulamentação da responsabilidade civil do transportador, é pioneiro. Foi o primeiro instrumento legal posto a lume em nosso País. Referido decreto regula a responsabilidade contratual das estradas de ferro perante seus usuarios, enquanto o regulamento da segurança, tráfego e polícia das estradas de ferro está disciplinado no Dec. 2.089/1963. Pode-se lembrar, ainda, o Regulamento dos Transportes Ferroviários, contido no Dec. 1.832/1996. Mas sua vigência não é integral, por força das disposições gerais do Código Civil de 2002. O transporte aéreo interno regula-se pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986) e o internacional, pela denominada Convenção de Montreal, posta em vigor internamente pelo Dec. 5.910/2006, em substituição à Convenção de Varsóvia, originalmente promulgada pelo Dec. 20.704/1931, com as alterações posteriores impostas pelo Protocolo de Haia (Dec. 56.463/1965) e os Protocolos Adicionais de Montreal. Note-se que também o transporte metroviário não encontra regulação em lei federal, nem há qualquer disposição estabelecendo a responsabilidade desse transportador. Apenas nos municípios de Estados da Federação onde exista esse sistema de transporte podem-se encontrar leis municipais ou estaduais criando o transporte metropolitano, sem, contudo, dar-lhe as diretrizes básicas. Cabe advertir que o Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997) disciplina apenas o trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres, mas não o transporte de pessoas, bagagem e mercadoria. X - Acidente causado por servidor público: Também não causa controvérsia a questão relativa à responsabilidade extracontratual do Estado com relação à vítima de acidente causado por servidor público, no exercício da sua função, por exemplo, quando veículo oficial atropela um pedestre ou abalroa outro veículo, hipóteses em que nasce a responsabilidade objetiva do Poder Público prevista no art. 37, § 6.°, da CF/1988, com direito de regresso contra seu preposto, cuja culpa deverá ficar comprovada. A Carta Magna abraçou a teoria responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, independentemente de desses agentes terem ou não agido com culpa. Apenas a responsabilização do agente é que empenha a demonstração de culpa lato sensu. XI - A responsabilidade do transportador: Pode-se resumir que a responsabilidade do transportador pode ser apreciada em relação aos seus empregados, em relação a terceiros e em relação aos passageiros. Na primeira hipótese, sofrendo o empregado acidente durante o exercício de sua atividade laboral, por exemplo, o motorista de ônibus urbano ou o cobrador, o maquinista da composição férrea ou o piloto de aeronave, no exercício da sua atividade, caracteriza-se típico acidente do trabalho, regido por legislação própria, sob proteção e encargo da Previdência Social (INSS), sem prejuízo da ação de reparação contra o empregador, fundada no Direito Comum (art. 7.°, XXVIII, da CF/1988), questão que se posta a latere do que está sendo tratado neste estudo.

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XII - Responsabilidade do transportador com relação a terceiros: Quanto aos "terceiros", a responsabilidade do transportador é extracontratual, podendo-se exemplificar com o táxi que colide com outro veículo, o ônibus coletivo que atropela um pedestre, nascendo daí uma obrigação decorrente de um ato ilícito de natureza extracontratual, pois não havia antes qualquer vínculo entre autor e vítima. XIII - O transporte gratuito ou oneroso de pessoas e coisas por particular: O transporte de pessoas e coisas pode ser exercitado pelo próprio particular, em seu benefício e para sua conveniência, quando proprietário de um veículo e o usa para si próprio. Esse aspecto não apresenta especial relevância para o estudo aqui abordado, pois empenha discussão em outro plano, qual seja o da responsabilidade do particular por danos causados a terceiros com seu veículo, em acidente de trânsito, responsabilidade essa aquiliana, fundada na culpa. Também envolve o chamado "transporte de cortesia", que empenha a responsabilidade subjetiva do transportador, quando incorrer em dolo ou culpa grave. Cabe, apenas en passant, advertir acerca da distinção entre transporte puramente gratuito do transporte aparentemente ou impropriamente gratuito. Ocorre este último quando o transportador tem algum interesse patrimonial no transporte, ainda que indireto. O transporte puramente gratuito é aquele que é feito no exclusivo interesse do transportado, por mera cortesia e desprendimento do transportador, como no caso de alguém que dá uma carona a um amigo; socorre uma pessoa que acidentada ou ferida na estrada ou que no momento não dispõe de meio de locomoção. No transporte aparentemente gratuito em nada se modifica a responsabilidade do transportador. É objetiva e só pode ser elidida pelo fato exclusivo da vítima, pelo fortuito externo e pelo fato exclusivo de terceiro. Se a exploração de certa modalidade de transporte, como, por exemplo, o serviço particular de táxi ou o serviço de entrega de coisas com os chamados motoboys - empregados de empresas privadas - , não for concedida, autorizada ou permitida, considerando que não se trata, aqui, de atividade privativa do Estado, então já não mais se poderá invocar o art. 37, § 6.°, da CF/1988, nem afirmar sua responsabilidade objetiva. Aliás, este aspecto da questão já foi abordado. XIV - O transporte remunerado através de relação individual: Contudo, o transporte remunerado, ainda através de uma relação individual, mas agora na exploração de uma atividade profissional realizada por exploradores independentes, como o serviço de "táxi" e "lotação"; o transporte de valores, de bens e produtos especiais e perecíveis, têm interesse para este estudo, pois coloca na relação jurídica um contrato bilateral, no qual o transportador promete um resultado, ou seja, conduzir o passageiro ou a mercadoria, em segurança, até o destino por ele apontado. É uma relação contratual e uma obrigação de resultado, associada à cláusula de incolumidade. Empenha responsabilidade objetiva do transportador, posto ter este obrigação de incolumidade com a pessoa ou o bem transportado, que se encontra sob sua égide e proteção. Ademais, o art. 734 do CC/2002, ao tratar do contrato de transporte de pessoas e coisas, também estabelece a responsabilldade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior.

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XV - O transporte benévolo ou de cortesia: Em acréscimo ao que já foi exposto acima, há, por fim, o transporte de cortesia ou benévolo, através do qual o particular, o Poder Público e os permissionários ou concessionários, por liberalidade, permitem a utilização de seus veículos e o traslado de pessoas sem remuneração. Aqui não há falar em responsabilidade contratual, embora parte da doutrina tenha - no passado - se inclinado nesse sentido. Essa hipótese empenha, de lege lata, responsabilidade aquiliana (dolo ou culpa). XVI - A relação empregador-empregado: Pode-se, ainda, invocar a hipótese da relação empregador-empregado, quando aquele responde objetivamente pelos atos praticados por seus prepostos, nos termos do art. 932, 111, do CC/2002, invocando-se como exemplo o atropelamento de uma pessoa por veículo de empresa de transportes dirigida por seu empregado. Também aqui se empenha o dever de reparar fundado na responsabilidade extracontratual.

§ 5.530. C - Jurisprudência No tocante ao tema tratado neste parágrafo, cf. a Súmula 145 do STJ: "No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave". "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor nos casos de indenização por danos morais e materiais por má prestação de serviço em transporte aéreo" (STF, AgRg no RE 575.803/RJ, 2.a T„ j. 01.12.2009, rei. Min. Cezar Peluso, DJe 18.12.2009, fír894/124). "Prazo Prescricional. Convenção de Varsóvia e Código de Defesa do Consumidor. 1. O art. 5.°, § 2.°, da CF/1988 se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia [substituída pela Convenção de Montreal], que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349/RJ, 2.a T., rei. Min. Moreira Alves, DJ11.06.1999). 2. Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso especifico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da CF/1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos. 3. Recurso provido" (STF, RE 297.901/RN, 2.a T., j. 07.03.2006, rei. Min. Eilen Gracie, DJ 31.03.2006, Bol. AASP 2531/1384).

§ 5.531. AERONAVES E DANOS POR ELAS CAUSADOS 1. AERONAVES. - Já falamos dos danos causados pela navegação aérea. Como chefe da Delegação do Brasil à V Conferencia Internacional de Navegação Aérea, reunida na Haia, em 1930, propusemos que a navegação aérea sôbre território de outros Estados dependesse da permissão do Estado sobrevoado, bem assim o roteiro. Foi aprovado o que redigimos, com os votos contrários dos Estados que hoje mais se opõem ao sobrevôo sem o ato permissivo. Aliás, é surpreendente que antes não se houvesse cogitado de tal cláusula para os tratados (cf. Decreto n. 16.983, de 22 de julho de 1925, art. 1.°: "Os Estados Unidos do Brasil têm completa e exclusiva soberania sôbre o espaço aéreo situado acima do seu território e águas territoriais"; art. 2.°: "Compete à União, exclusivamente, a jurisdição sôbre o espaço aéreo nacional, devendo o estabelecimento das respectivas vias de comunicação obedecer às precisões deste regulamento"). No art. 82, foi dito que incidiam quanto às aeronaves e aos aeronautas as regras jurídicas "vigentes relativas aos acidentes do trabalho". No art. 84, que, "no caso de prejuízo causado por aeronave, a responsabilidade do piloto e do armador respectivos será regulada de conformidade com as disposições do Código Civil". No caso de fretamento da aeronave, firmou-se a^solidariedade quanto ao proprietário e ao armador (art. 85). No artigo 86, ácrescentou-se: "A ação de responsabilidade será intentada à escolha do autor, perante o tribunal do lugar em que tiver ocorrido o prejuízo ou perante o tribunal do domicílio do réu". O homem, eom o propósito de fazer o que os outros animais fazem e êle não aprendera a fazer, porque o seu caminho biológico foi outro, sonhou com o que as lendas revelavam e com o que fôra profecia de Leonardo da Vinci. Somente em 1783 os irmãos Montgolfier pensaram no aerostato. Em 1784 - a 25 de fevereiro - há a experiência de Andreani, em Milão. Depois, há as de Zamburro, Lunardi, Zambeccari, Renard, Francesco Hension e outros. Atribui-se ao inglês Sir George Cayley, em 1809, o primeiro projeto de aeroplano. Mas os dois primeiros e pequeninos aeroplanos, que, embora meras iniciativas, tiveram êxito, foram o aparelho de A. Penaud e o de Victor Tatin, em 1879, em Chalais-Mendon. No propósito de obter vôo sem motor, houve o triplano de Wenham, em 1866. E outras experiências, como a de Otto Lillienthal e a dos irmãos Wright. A técnica automobilística mostrou o caminho que se devia seguir. Daí, em 1906, os cem metros percorridos por Santos Dumont, que a n t e s já voara. Depois, Delagrange e Blériot alcançaram duzentos e vinte metros.

Em 1908, Henry Farman conseguiu um quilômetro; 1924 teve o vôo do aviador Bonnet, de seiscentos quilômetros; e 1926, os cinqüenta mil quilômetros de vôo em trezentas e setenta horas, devido a De Pinedo, a travessia Londres-Melbourne-Londres, que fêz Alan Cobbham, e a vitória de De Bernardi, com a "Copa Schneider". Com a expansão comercial da aviação, os problemas jurídicos tinham de apresentar-se com minúcias e discussões, principalmente pela parecença com a navegação de mar e o transporte de terra, mais a eventual queda ou lançamento de coisas. Os acidentes de automóveis e as soluções jurídicas a respeito tinham de influir. a) Diz o Decreto-lei n. 483, de 8 de junho de 1938, que é o Código Brasileiro do Ar, art. 96: "As disposições relativas à responsabilidade do transportador, para com terceiros, abrangerão quaisquer aeronaves que trafeguem sôbre o território brasileiro, sejam públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras". Há, aí, observância estrita do princípio de isonomia. Não se poderia abrir qualquer exceção aos princípios de responsabilidade pelos danos causados por aeronaves, direta ou indiretamente. b) Lê-se no Decreto-lei n. 483, art. 97: "Dará direito à reparação, qualquer dano que uma aeronave em vôo, manobras de partida ou chegada, causar a pessoas ou bens que se encontrem à superfície do solo". Acrescenta o parágrafo único: "Essa responsabilidade só se poderá atenuar, ou excluir, na medida em que à pessoa lesada couber culpa". No art. 97 não se estabeleceu a responsabilidade por culpa; presumiu-se a culpa, pois que a culpa do ofendido pré-exclui ou atenua a responsabilidade da emprêsa, ou proprietário, ou armador, ou locatário, ou possuidor, da aeronave. No art. 96 empregou-se a expressão "transportador". Frisa o Decreto-lei n. 483, art. 98: "Nas mesmas condições, será reparado qualquer dano causado por objeto ou substância que cair de aeronave, ou dela fôr projetado, não excetuados os alijamentos regulamentares, ou resultantes de fôrça maior". O art. 98 corresponde ao art. 1.529 do Código Civil, o que assaz facilita a sua explicação. c) Estatui o Decreto-lei n. 483, art. 99: "Serão regulados pelo direito comum os danos causados pela aeronave em pouso". Trata-se de regra jurídica remissiva. A aeronave em pouso é como a casa. Se os danos resultam de falta de reparos, ou de má construção, rege o art. 1.528 do Código Civil. Se provêm de coisa, que cai da aeronave, ou de parte dela, ou dela foi lançada, em lugar indevido, o art. 1.529 é que é a regra jurídica invocável.

Quanto à ação regressiva, lê-se no Decreto-lei n. 483, artigo 101: "Qualquer das pessoas solidàriamente responsáveis terá ação regressiva contra o autor do dano". d) O Decreto-lei n. 483, art. 100, estabelece: "Serão solidàriamente responsáveis pelos danos a que se referem os artigos precedentes: a) a pessoa em cujo nome estiver matriculada a aeronave; b) a pessoa em cujo uso ou exploração se encontrar a aeronave; c) quem quer que, de bordo de aeronave, haja ocasionado dano, salvo o caso de ato intencionalmente cometido por pessoa estranha à equipagem fora do serviço, e que o transportador ou seus prepostos não puderem impedir". Acrescenta o parágrafo único: "Em qualquer caso a execução recairá precipuamente sôbre a garantia estabelecida pelos arts. 103 e seguintes". Os arts. 103-108 do Decreto-lei n. 483 são de grande relevância. A pessoa física ou jurídica em cujo nome está matriculada a aeronave, ou em cujo nome ou exploração, ela se encontra, tem de dar a garantia de reparação dos danos pessoais ou materiais que a aeronave causou, "na forma e limites estabelecidos" no Decreto n. 483 (artigo 103). A garantia pode consistir, à escolha do transportador, do proprietário ou do explorador da aeronave: a) na justificação de que a responsabilidade está coberta por um seguro contratado com emprêsa idônea, ouvida a autoridade competente; b) em caução, fiança idônea, aprovada pelo Governo, de pessoa ou emprêsa com domicílio ou sede no Brasil; c) no depósito prévio, de dinheiro ou de valôres (Decreto-lei n. 483, art. 104). Acrescenta o art. 105: "Para os efeitos da disposição acima, poder-se-á subordinar a autorização do certificado de navegabilidade de uma aeronave, ou a sua revalidação, à apresentação de algumas garantias previstas". E o art. 106: "Se a garantia consistir em um contrato de seguro poder-se-á retirar, em qualquer momento, o certificado de navegabilidade da aeronave cujo proprietário, transportador ou explorador não possa provar estar executando regularmente as cláusulas a que estiver obrigado pela apólice respectiva, e, notoriamente, o pagamento pontual dos prêmios". Ainda o art. 107: "Exigir-se-á das aeronaves matriculadas em país estrangeiro, para reparação dos danos que possam causar a pessoas ou bens, em território brasileiro, a apresentação de garantias pelo menos iguais, ou consideradas equivalentes às das aeronaves brasileiras". E o art. 108: "Quem tiver direito à reparação do dano exerce, nos limites da soma que lhe competir, direito próprio sôbre a garantia prestada pelo responsável". e) Finalmente, está no Decreto-lei n. 483, art. 102: "A responsabilidade solidária limitar-se-á, para cada acidente: a) no caso de lesão corpórea,

OU morte, à importância máxima de cem mil cruzeiros por pessoa; b) no caso de dano, ou destruição de bens, à importância integral do seu justo valor". Acrescenta o parágrafo único: "A pessoa responsável não se poderá prevalecer dêsses limites, se o interessado provar que o dano foi causado por dolo". Primeiramente, frise-se que o art. 102 só se refere à responsabilidade pelos danos causados a terceiros, porque tal é o título da seção ("Da responsabilidade para com terceiros"). A responsabilidade negocial foi assunto dos arts. 83-95; e lá, no art. 91, se alude à convenção em contrário. Em segundo lugar, não só, de iure condendo, o valor era inadmissível a quanto máximo, como também não se poderia afastar a invocação do art. 1.537 do Código Civil, porque o princípio de isonomici afasta qualquer discriminação (Constituição de 1946, art. 141, § 1.°). No caso de ferimento ou outro dano à pessoa, a incidência do artigo 1.538. Há, ainda, de iure condito, a correção monetária. O art. 128 concerne ao abalroamento culposo. Nada tem tal responsabilidade conforme os arts. 83-95 (responsabilidade contratual) com a responsabilidade conforme os artigos 96-108, pois a emprêsa de aeronave que não foi culpada do abalroamento não está eximida daquelas responsabilidades, se não alega e faz a prova da culpa da outra emprêsa. O artigo 128 torna devedor do quanto indenizatório a emprêsa culpada do abalroamento; o art. 130 cogita da pluralidade de culpas. Lê-se no Decreto-lei n. 483, art. 127: "Abalroamento aéreo é qualquer colisão entre duas ou mais aeronaves em movimento". No parágrafo único: "Os danos causados por aeronaves em movimento a outra aeronave também em movimento e às pessoas nestas embarcadas, consideram-se prejuízos de abalroamento, mesmo que não resulte de colisão". Diz o Decreto-lei n. 483, art. 128: "A indenização, devida por prejuízos causados em caso de abalroamento entre aeronaves, cabe ao explorador da aeronave que tiver culpa". Tendo-se falado de explorador, frisa-se no Decreto-lei n. 483, art. 129: "Considera-se explorador quem tenha a aeronave à sua disposição e a utilize por conta própria". Parágrafo único: "Caso o nome do explorador não se ache inscrito no Registro Aeronáutico Brasileiro, o proprietário será reputado explorador, até prova em contrário". O princípio da proporcionalidade em relação à culpa é atendido no Decreto-lei n. 483, art. 130: "Se a culpa fôr comum às aeronaves abalroadas, a responsabilidade é proporcional à gravidade das faltas cometidas".

Parágrafo único: "Se não puder ser estabelecida a proporção, divide-se a responsabilidade em partes iguais". Finalmente, diz o Decreto-lei n. 483, art. 131: "É obrigatória a comunicação do abalroamento às autoridades do aeroporto mais próximo ao acidente, para que prevaleçam os limites da responsabilidade previstos neste Código, desde que as aeronaves estejam sob jurisdição brasileira". Parágrafo único: "Essa comunicação, mesmo em mar alto, é obrigatória para as aeronaves brasileiras". Casos há em que os acidentes de navegação aérea não se enquadram no Código Brasileiro do Ar (Decreto-lei n. 483, de 8 de junho de 1938). No art. 67 fala-se de transportador como sendo quem transporta "com intuito de lucros" e houve julgado que pretendeu afastar a responsabilidade do Estado, porque o Decreto-lei n. 483 só disciplina a aviação civil e a comercial. Ora, o art. 96 explicitamente estatui, a respeito de terceiros, que as regras jurídicas relativas à responsabilidade do transportador, para com terceiros, abrangerão quaisquer aeronaves, que trafeguem sôbre o território brasileiro, sejam públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras. No Código Brasileiro do Ar, art. 9.°, diz-se que "são de ordem pública internacional as normas que vedam, no contrato de transporte aéreo, cláusulas que exonerem da responsabilidade o transportador, estabeleçam para a mesma limite inferior ao fixado neste Código, ou prescrevam o desaforamento do lugar do destino para as respectivas ações judiciais". A invalidade é da cláusula, e não do negócio jurídico (artigo 92; cf. Convenção de Varsóvia, arts. 23 e 32). Não importa a alegação da empresa de estar o piloto, por falta de comunicações, fora do controle da empresa, nem vale a cláusula que pré-exclua a responsabilidade. Quer no tocante a reparação por ilícito relativo (negocial), quer por ilícito absoluto. O único elemento atenuativo, quanto ao ilícito absoluto, é a medida de culpa do lesado. 2. F U N D A M E N T O DA RESPONSABILIDADE. - Funda-se na culpa a responsabilidade pelos danos causados por aeronaves. Ou se daria a solução da presunção da culpa ou a da responsabilidade objetiva ou pelos riscos, ou a da responsabilidade objetiva excetuável, dita, também, limitada. Seria impraticável o exercício da ação de reparação se se tivesse de apontar a culpa como elemento causal dos danos. Seria absurdo que se exigisse prova da culpa da empresa de navegação aérea, ou de algum empregado, em caso de queda ou lançamento de coisas que estavam na aeronave. Coisas, dissemos; mas o lançamento de pessoa,

que está na aeronave, é caso que se subsume na espécie comum. Se alguém se joga, por suicídio, a responsabilidade é a mesma, porque não se compreende que as aeronaves não tenham as portas fechadas quando estão em vôo. Trata-se de mais um exemplo da ejfusio et deiectio. No art. 97 do Código Brasileiro do Ar, que seguiu a trilha da Convenção de Roma, diz-se, claramente, que dá direito à reparação qualquer dano que aeronave em vôo, manobras de partida ou chegada, cause a pessoas ou bens que se encontrem à superfície do solo. A propósito escreveu JOSÉ DE A G U I A R D I A S (Da Responsabilidade Civil, II, 4.a ed., 504): "... o art. 97 do Código Brasileiro do Ar, adotando o critério assentado na Convenção de Roma, de 1930, não fêz mais que equiparar as aeronaves às casas de habitação, consagrando o acêrto da doutrina que P O N T E S DE M I R A N D A defendia muito antes daquele convênio". A emprêsa ou outro responsável pelo tráfego aéreo pode objetar que não houve dano, que não é o legitimado passivo, que não houve qualquer dano, que a vítima fôra culpada, por estar, por exemplo, em lugar proibido, ou por se ter pôsto em frente à aeronave em movimento ou que iria chegar (culpa exclusiva da vítima)". O art. 97, parágrafo único, permite a atenuação, e não só a pré-exclusão da responsabilidade, se a culpa cabe à vítima. Difícil é provar-se a duplicidade de culpas, porque a posição das vítimas era caso de manobras, ou de chegada, impede, quase sempre, que a aeronave evite o acidente, ou mesmo a colisão com outra aeronave. Diferente é o que se passa com o abalroamento aeronáutico. Ao que se invoca para se sustentar o princípio da responsabilidade objetiva ou pelos riscos, limitada ou não, a propósito dos outros danos causados por aeronaves, de jeito nenhum se pode aludir se a espécie é de abalroamento. Daí o art. 128 do Decreto-lei n. 483, (Código Brasileiro do Ar): "A indenização, devida por prejuízos causados em caso de abalroamento entre aeronaves, cabe ao explorador da aeronave que tiver culpa". O art. 129 explicita que se considera explorador "quem tenha a aeronave à sua disposição e a utilize por conta própria", acrescentando-se, no art. 129, parágrafo único, que, se o nome do explorador não se acha inscrito no Registro Aeronáutico Brasileiro, "o proprietário será reputado explorador, até prova em contrário". Trata-se, portanto, de presunção iuris tantum. A pessoa que dirige a aeronave assume deveres característicos e a infração deles pode dar causa a responsabilidade dela e da emprêsa, segundo os princípios. O primeiro dever é concernente à rota, quer quanto à orientação, quer quanto à inclinação. O segundo é no tocante à proximidade das aeronaves que estão saindo, ou que estão voando. Tem o piloto ou quem cuide

das observações de afastar da outra ou das outras aeronaves aquela que êle dirige, ou auxilia dirigir, para que não ocorra colisão ou qualquer dano oriundo de estarem perto. No art. 53 do Decreto-lei n. 483 diz-se que todas as aeronaves devem submeter-se, assim durante o vôo como na vizinhança dos aeródromos e aeroportos, "aos regulamentos de luzes e sinais gerais de circulação aérea, expedidos pela autoridade competente". A Portaria do Ministério da Aviarão, de 26 de novembro de 1926, foi revogada; e o Regulamento do Tráfego Aéreo foi aprovado pelo Decreto n. 8.352, de 9 de dezembro de 1941. Se o abalroamento resultou de qualquer infração, culpa houve. O art. 67 do Decreto-lei n. 483 suscitaria o problema da conceituação do intuito de lucro. O exemplo mais fácil de caso dúbio é o da aeronave do Estado, para uso próprio. No art. 83, parágrafo único, falou-se do transporte gratuito ou a título gracioso, com a limitação da responsabilidade aos casos de "dolo ou de culpa grave". E o art. 96 explicitamente estatui que as regras jurídicas "relativas à responsabilidade do transportador para com terceiros abrangerão quaisquer aeronaves que trafeguem sôbre o território brasileiro, sejam públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiros". Assim, perde todo o relêvo, no tocante à responsabilidade para com terceiros, a regra jurídica do art. 67. Sejam quais forem as instruções, há deveres que independem de regras jurídicas ou de normas. O piloto tem de verificar se, por ocasião da decolagem, há risco de colisão com outra aeronave. Salvo em caso de emergência, nenhuma aeronave há de cruzar o aeródromo ou o aeroporto abaixo de mil metros. Ao pousar, a aeronave tem de circular o aeroporto ou local de pouso, exceto se aTôrre de Controle lhe deu instruções diferentes, o que só se justifica se não cria ou não agrava o risco de colisão. Em qualquer aeroporto a aeronave tem de ficar nas pistas de rolamento ou nos locais para isso previstos. Nas pistas de decolagem e de pouso as aeronaves hão de estar o menor tempo possível, isto é, o tempo estritamente necessário. Se duas aeronaves estão voando com rumos convergentes e estão próximas à mesma altitude, a que tem a outra à sua esquerda é que tem direito à passagem livre, e a que a deixa passar deve manobrar sempre com giro à direita e passar pela cauda da outra. No Decreto n. 8.352, de 9 de dezembro de 1941, art. 2.°, c), diz-se: "Quando duas aeronaves estão aproximando-se frente a frente ou aproximadamente, assim, e houver perigo de colisão, uma deve alterar o seu rumo à direita, de forma a passar cada uma a um mínimo de 150 metros da outra".

Quanto ao art. 159, § 1.°, c), e § 2.°, do Decreto-lei número 483, discutiu-se se o prazo é prescripcional ou se é preclusivo. No sentido de se tratar de prescrição, e não de preclusão, H U G O SIMAS (Código Brasileiro do Ar anotado, n. 296). Quanto ao prazo do art. 159, § 3.°, o Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo, a 28 de agosto de 1944 e a 15 de outubro de 1946, considerou preclusivo o prazo de três anos. As ações a que se refere o art. 159, § 1.°, c), e § 2.°, são as ações para a reparação de danos ou cumprimento de garantia, cujo prazo se conta do dia do acidente, salvo se o interessado prova que, dentro do prazo, não teve conhecimento do dano, ou de quem foi o responsável, caso em que a contagem é a partir do dia em que teve ciência. No § 3.°, faz-se extinto o prazo, definitivamente, se da data do dano decorreram três anos. 3. ABALROAMENTO AÉREO. - No art. 127 do Decreto-lei n. 483 explicita-se que abalroamento aéreo é qualquer colisão entre duas ou mais aeronaves em movimento. No art. 127, parágrafo único, consideram-se danos de abalroamento quaisquer danos causados por aeronave em movimento a outra também em movimento, mesmo que não resultem de colisão. O passar perto demais, o emitir fumo ou fôgo ou qualquer outro elemento lesivo, ou o jogar de objetos ou salva-vidas, são exemplos de danos que se têm como de abalroamento mesmo que colisão não tenha havido. O que se exige é que as duas ou mais aeronaves estejam em movimento. Abalroa-se em decolagem, em vôo, como em pousada. Também em simples manobra no aeroporto, sem ser para saída ou entrada. A respeito da pluralidade de culpas, o Decreto-lei n. 483 acolheu o princípio da responsabilidade proporcional à culpa. Se a culpa foi comum (= de todas ou de algumas aeronaves), as culpadas respondem (não as não culpadas) e há a medida das culpas, para que se estabeleça a proporcionalidade no ressarcimento (Decreto-lei n. 483, art. 130: "Se a culpa fôr comum às aeronaves abalroadas, a responsabilidade é proporcional à gravidade das faltas cometidas"). É difícil, quase sempre, achar-se a medida das culpas, para que proporcionalmente se divida o quanto da reparação dos danos; daí dizer o art. 130, parágrafo único: "Se não puder ser estabelecida a proporção, divide-se a responsabilidade em partes iguais". As aeronaves que sofreram danos, sem ter havido culpa da emprêsa ou do pessoal, têm legitimação ativa, e não passiva. No art. 13 do Decreto-lei n. 483 diz-se que é obrigatória a comunicação do abalroamento às autoridades do aeroporto mais próximo ao aciden-

te, para que possa incidir o art. 130 ("para que prevaleçam os limites da responsabilidade previstos neste Código"), "desde que as aeronaves estejam sob jurisdição brasileira". Entenda-se: se o acidente foi sôbre território ou águas territoriais brasileiras, qualquer que seja a nacionalidade das aeronaves. Se a aeronave é brasileira, quer seja a lesada quer a lesante, a comunicação é obrigatória, "mesmo em alto mar" (art. 131, parágrafo único). As avarias grossas, causadas por aeronaves, são reguladas pelo direito comercial marítimo (Decreto-lei n. 483, artigo 132); as simples, pelo direito comum (art. 132, parágrafo único). Cf. Tomo XLV, § 4.946.

Panorama atual pelo Atualizador § 5.531. A - Legislação Ao discorrer acerca das aeronaves e danos por eias causados o autor citou inúmeros instrumentos legais, todos eles revogados, substituídos por outros instrumentos, notadamente os que seguem: No Código Civil de 1916: art. 1.523 do CC/1916 (atual art. 937 do CC/2002); art. 1.529 do CC/1916 (atual art. 938 do CC/2002). Dec. 16.983/1925 (revogado). Dec.-lei 483/1938 (Código Brasileiro do Ar) e Dec.-Lei 32/1966 (Código Brasileiro do Ar), ambos substituídos pela Lei 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica). Dec. 8.352/1941 (revogado). Convenção de Varsóvia de 1929 - Dec. 20.704/1931 (revogada). Convenção de Roma de 1930 (revogada).

§ 5.531. B-Doutrina I — Considerações gerais: A aviação, evidentemente, não nasceu apenas para o transporte com conteúdo econômico, como ocorre atualmente com maior ênfase, razão pela qual - desde logo - ensejou divergência de nomenclatura. Várias titulações foram propostas, como "Direito Aéreo", "Direito Aeronáutico", "Direito da Aviação", "Direito do Transporte Aéreo", "Direito de Navegação Aérea" e "Direito de Navegação". Para a doutrina o termo Direito Aéreo ("Droit Aérien"), que subsiste no Direito francês, coaduna-se com critério restrito, qual seja, o conjunto de regras jurídicas relativas à aeronave e sua circulação. Concerne ao conjunto de regras relativas à aeronave e à navegação aérea, esclarecendo-se que esta última atrela-se àquela, possibilitando, destarte, distinção com o Direito Espacial e, mais particularmente, com as telecomunicações. Agrada-nos a corrente que utiliza o

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termo Direito Aeronáutico. Aliás, essa a terminologia adotada pela lei interna de regência, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986) e também pelo concerto das nações que aderiram à Convenção de Montreal (em vigor), promulgada no âmbito interno pelo Dec. 5.910/2006. Portanto, Direito Aeronáutico constitui um feixe de regramentos estabelecidos no plano internacional e interno de cada nação, dirigidos aos transportadores e transportados, com preordenado ao propósito de regulamentar e disciplinar o transporte de coisas e pessoas através do espaço aéreo, utilizando-se de veículos (aeronaves) com capacidade e tecnologia para manter-se no espaço por impulso próprio. II - O transporte aéreo e o Código Civil de 2002: Cabe lembrar que a legislação regente dos transportes em geral e, especificamente, do transporte aéreo, mostrava-se anacrônica, fragmentada e sem a necessária eficiência e harmonia com o direito interno de cada país. A reger o transporte aéreo interno temos, atualmente, a Lei 7.565/1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), no plano interno ou "doméstico" e a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional ("Convenção de Montreal"), com ingresso no plano internacional em 04.11.2003, aprovado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo 59/2006, e promulgado pelo Presidente da República através do Dec. 5.910/2006. Esse estatuto, fruto do concerto de várias nações, substitui os seguintes instrumentos multinacionais: Convenção de Varsóvia de 12.10.29, promulgada pelo Dec. 20.704/1931; Protocolo de Haia, de 28.09.1955, promulgado pelo Dec. 56.463/1965, que procedeu a alterações pontuais naquela Convenção; Convenção de Guadalajara, de 18.09.1961; Protocolo da Cidade da Guatemala, de 08.03.1971, e Protocolos de Montreal (1 a 4), de 25.09.1975. Contudo, o Código Civil de 2002, não obstante essa legislação específica, acolheu em seu sistema, como já enfatizamos no § 5.530 deste t. LIV, a regulação parcial dos transportes, incluindo no Livro I, Título VI, o Capítulo XIV, regras gerais e programáticas acerca do transporte em geral, ou seja, de pessoas e coisas. São regras gerais e básicas, pois se aplicam a qualquer modalidade de transporte: rodoviário, férreo, metroviário, marítimo ou aéreo, sem, contudo, descer a minúcias e particularidades ou particularizações específicas. Significa - vale repetir - que a disciplina mínima e com o objetivo de harmonização dos princípios básicos, trazida pelo atual Código Civil, não substitui nem revoga a legislação específica que apanhou no momento em que entrou em vigor, salvo se houver conflito entre o Código Civil de 2002 e essa legislação referij da. Nesse sentido o art. 731 do CC/2002, ao dispor que "o transporte exercido em ! virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo do disposto neste Código", e o art. 732 do CC/2002, que permite a aplicação, quando couber, da legislação especial e de tratados e convenções internacionais. Portanto, continua em vigor, naquilo em que não contrarie a Constituição Federal de 1988 e as regras básicas estabelecidas no Código Civil de 2002, o arsenal legislativo mencionado, que já disciplinava o transporte, através de instrumentos normativos segmentados, í Não se deslembre, e cabe reiterar, que a lei posterior (no caso, o Código Civil de 2002) só revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela i incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

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III - A convivência dos instrumentos internacionais com o Código Civil: A Convenção de Montreal, em vigor desde setembro de 2006 (Dec. 5.910/2006) rege o transporte internacional e trata, à evidência, de uma obrigação contratual, na medida em que o bilhete de passagem estabelece uma avença entre transportador e transportado. Significa, ainda, que estabelece uma obrigação de resultado na medida em que não basta à empresa contratada conduzir o passageiro e sua bagagem, ou mercadoria, até o destino. Deve fazê-lo nas exatas condições estabelecidas, cumprindo a avença na parte relativa ao dia, local de embarque e desembarque e hora estabelecidos, condições das acomodações (classe executiva ou econômica), tipo de aeronave oferecida ou similar, refeição e outros, Estabelece -se, ainda, entre as partes, ums obrigação de incolumidade por parte do transportador, devendo este conduzir o passageiro, ou a carga, até o destino, sãos e salvos. Esses assentamentos da Convenção internacional, ingressados em nosso ordenamento jurídico por último (27.09.2006), já na vigência do Código Civil de 2002 e de outros instrumentos normativos, não contrariam a disciplina, como instrução geral, estabelecida nesse Código, até porque o seu art. 732 ressalvou a aplicação da legislação especial e de Tratados e Convenções Internacionais, como não poderia deixar de ser, e o art. 178 da CF/1988 determina a observância dos acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. Ademais, é lei posterior, assumindo contornos de prevalência com outras leis ordinárias e postando-se, agora, ao lado do Código Civil de 2002 para, juntos, disciplinar as relações contratuais no transporte aéreo internacional. Infere-se, pois, que o Código Civil de 2002 põe um fim à discussão"acerca da prevalência ou não dos Tratados e Convenções Internacionais sobre as leis ordinárias internas, como ocorreu com o advento do Código do Consumidor, a partir de quando surgiram vozes afirmando que este haveria de prevalecer sobre os diplomas Internacionais, tese à qual jamais aderimos, embora afirmada por parte da doutrina e alguns julgados de nossos tribunais, inclusive do STF. IV - Código Brasileiro do Ar, Código Brasileiro da Aeronáutica, Código Civil de 1916, Código Civil de 2002 e a regência do transporte aéreo interno e internacional: Os inúmeros juristas especializados que se debruçaram sobre o tema não chegaram a um consenso acerca da regência do transporte aéreo interno e internacional. Também a jurisprudência é fracionária e divergente, de sorte que as Cortes de Justiça não se direcionam todas no mesmo sentido e com um só olhar. Enquanto o antigo e revogado Código Brasileiro do Ar (Dec.-lei 32/1966) e, posteriormente, o atual Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986), conviveram com o antigo Código Civil de 1916, não havia divergência acerca da prevalência e incidência daqueles estatutos específicos, regentes do transporte aéreo. Significa, dessarte, que, originariamente - tratando-se de estatutos em vigor - , havia o Código Brasileiro de Aeronáutica, firmando a responsabilidade subjetiva do transportador (embora não haja absoluto consenso na doutrina acerca dessa afirmação), com previsão genérica de valores máximos de indenização no art. 246 da Lei 7.565/1986. Esse Código de Aeronáutica estabeleceu, no art. 248 da Lei 7.565/1986, regra no sentido de que na responsabilidade contratual "os limites de indenização, previstos neste Capítulo, não se aplicam se for provado que o

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dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos". Em seguida, o § 1 ° especifica que "ocorre o dolo ou culpa grave quando o transportador ou seus prepostos quiseram o resultado ou assumiram o risco de produzi-lo". Portanto, segundo esse estatuto, a responsabilidade do transportador é subjetiva, limitada a certo valor, mas admite o afastamento desse limite se provado que o dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador. Contudo, essa previsão não prevalece, sob o fundamento de que, por força da regra do art. 37, § 6.°, da CF/1988, a responsabilidade do concessionário de serviço público privativo do Estado é objetiva, tal como seria se o transporte fosse explorado diretamente pela Administração Pública do Estado. Como é do conhecimento geral, em 05.10.1988 e, portanto, há 25 anos passados, veio a lume uma nova Constituição Federal, estabelecendo no art. 37, § 6.°, a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. E, como o transporte público de passageiros constitui atividade privativa do Estado, as disposições da legislação infraconstitucional que estabeleciam a responsabilidade subjetiva, ou mediante verificação de culpa em sentido amplo, não foram recepcionadas pela Magna Carta. Em resumo, a responsabilidade civil nos transportes, em qualquer de suas modalidades e desde que decorra de um contrato, é objetiva. Aliás, é o que se infere, também do disposto no art. 734 do CC/2002 quando preceitua: "Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade." V - Código de Defesa do Consumidor e o transporte aéreo: Ainda na vigência do Código Civil de 1916, que estabelecia a culpa como pressuposto da responsabilidade (art. 159), veio a lume o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) prevendo a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço e a responsabilidade independentemente da existência de culpa (objetiva). A partir de então, certo e expressivo segmento da doutrina e também da jurisprudência passou a entender que, embora o Código Brasileiro de Aeronáutica discipline o transporte aéreo interno e a Convenção de Varsóvia (agora substituída pela Convenção de Montreal, a partir de 2006) regulamente o transporte aéreo internacional, os limites de indenização neles estabelecidos não prevalecem. Diz Sergio Cavalieri Filho que tanto o transportador aéreo nacional quanto o transportador internacional, por serem prestadores de serviços públicos, estão também subordinados ao Código do Consumidor naquilo que a sua disciplina inovou. Não se pode deslembrar da dicção do art. 732 do CC/2002: "Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais". Diante desse enunciado é que agora, com maior razão, nos posicionamos no sentido da não incidência do Código do Consumidor nos transportes, de sorte que a matéria, com relação ao transportador, é regulada pela lei específica (Código Brasileiro de Aeronáutica, no plano interno e Convenção de Montreal no plano internacional, que consolidou e substituiu todos os demais instrumentos até então

existentes), no que não contrariar a lei geral, ou seja, o Código Civil de 2002, considerado a lei geral referida. Portanto, esse Estatuto Civil afastou a incidência do Código do Consumidor nos transportes. Aliás, enfatizou o Min. Eduardo Ribeiro, do STJ, o Código do Consumidor, constitui lei de caráter geral, superveniente às leis que regulam cada modalidade de transporte, de modo que não afeta as disposições especiais, ainda que estas disponham diversamente do contido no Código de Defesa do Consumidor. E acrescentou: 'Tendo em vista a sucessão temporal das normas, para saber qual a prevalecente, aplicam-se os princípios pertinentes que se acham consagrados na Lei de Introdução ao Código Civil" (STJ, REsp 58.736/ MG, 3.a T., j. 13.12.1995, rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 29.04.1996, f?7"731/216). VI - Transporte aéreo interno: O transporte aéreo realizado exclusivamente no território nacional é disciplinado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986), incidindo, ainda e prevalecentemente, as disposições dos arts. 730 a 756 do CC/2002, acerca dos contratos de transporte em geral. Substituiu esse estatuto o vetusto Código Brasileiro do Ar, ocasião em que o legislador aproveitou a oportunidade para dar-lhe enunciados, contornos jurídicos assemelhados e bem próximos aos da antiga Convenção de Varsóvia, com as alterações pontuais do Protocolo de Haia e dos Protocolos Adicionais de Montreal 1, 2 e 4, agora substituídos todos pela Convenção de Montreal. Assim, seus princípios, no que respeita à responsabilidade do transportador, não divergem daqueles que foram consagrados pela Convenção de Varsóvia (atualmente substituída pela Convenção de Montreal). Seus princípios básicos podem ser assim enunciados: O Direito Aeronáutico é regulado pelos Tratados, Convenções e Atos Internacionais de que o Brasil seja parte, pelo Código Brasileiro de Aeronáutica e pela legislação complementar (cf. art. 1.°, caput, da Lei 7.565/1986); O Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial; Submetem-se à orientação, à coordenação, ao controle e à fiscalização do Ministério da Aeronáutica: I - a navegação aérea; II - o tráfego aéreo; III - a infraestrutura aeronáutica; IV - a aeronave; V - a tripulação; e VI - os serviços, direta ou indiretamente relacionados ao vôo (art. 12 da Lei 7.565/1986); No tráfego de aeronaves no espaço aéreo brasileiro observam-se as disposições estabelecidas nos Tratados, Convenções e Atos Internacionais de que o Brasil seja parte e na legislação complementar (art. 14, caput, da Lei 7.565/1986); Toda aeronave proveniente do exterior fará, respectivamente, o primeiro pouso ou a última decolagem em aeroporto internacional (art. 22, caput, da Lei 7.565/1986); Constitui infraestrutura aeronáutica o conjunto de órgãos, instalações ou estruturas terrestres de apoio à navegação aérea, para promover-lhe a segurança, regularidade e eficiência (art. 25 da Lei 7.565/1986); O sistema aeroportuário é constituído pelo conjunto de aeródromos brasileiros, com todas as pistas de pouso, pistas de táxi, pátio de estacionamento de aeronaves, terminal de carga aérea, terminal de passageiros e as respectivas facilidades (art. 26 da Lei 7.565/1986);

Os aeroportos constituem universalidades, equiparadas a bens públicos federais, enquanto mantida a sua destinação específica (art. 38 da Lei 7.565/1986); As propriedades vizinhas dos aeródromos e das instalações de auxílio à navegação aérea estão sujeitas a restrições especiais (art. 43 da Lei 7.565/1986); Compete à autoridade aeronáutica promover a segurança de vôo, devendo estabelecer padrões mínimos de segurança (art. 66 da Lei 7.565/1986); A aeronave é considerada da nacionalidade do Estado em que esteja matricul a d a (art. 108 da Lei 7.565/1986); Nenhuma aeronave poderá ser autorizada para vôo sem a prévia expedição de certificado de aeronavegabilidade (art. 114 da Lei 7.565/1986); São tripulantes as pessoas devidamente habilitadas que exercem função a bordo de aeronaves (art. 156 da Lei 7.565/1986); Toda aeronave terá a bordo um comandante, membro da tripulação, designado pelo proprietário ou explorador e que será seu preposto durante a viagem (art. 165 da Lei 7.565/1986), que será responsável pela operação e segurança da aeronave e pela guarda dé valores, mercadorias, bagagens e mala postal (art. 166 da Lei 7.565/1986); Os serviços aéreos compreendem os serviços aéreos privados e serviços aéreos públicos (art. 174 da Lei 7.565/1986); Pelo contrato de transporte aéreo, obriga-se o empresário a transportar passageiro, bagagem, carga, encomenda ou mala postal, por meio de aeronave, mediante pagamento (art. 222 da Lei 7.565/1986); A responsabilidade do transportador por danos ocorridos durante a execução do contrato de transporte está sujeita aos limites estabelecidos no Código Brasileiro de Aeronáutica (art. 246 da Lei 7.565/1986);

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E nula qualquer cláusula tendente a exonerar de responsabilidade o transportador ou a estabelecer limite de indenização inferior ao previsto (art. 247 da Lei 7.565/1986); O transportador responde pelo dano decorrente de morte ou lesão de passageiro e de atraso do transporte aéreo contratado (art. 256 da Lei 7.565/1986), assim como por dano consequente da destruição, perda ou avaria da bagagem despachada ou conservada em mãos do passageiro (art. 260 da Lei 7.565/1986) e, ainda, no caso de atraso, perda, destruição ou avaria da carga (art. 262 da Lei 7.565/1986);

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Fica estabelecida a responsabilidade por danos em serviços aéreos gratuitos (art. 267 da Lei 7.565/1986), para com terceiros na superfície (art. 268 da Lei 7.565/1986), por abalroamento (art. 273 da Lei 7.565/1986), do construtor aeronáutico e das entidades de infraestrutura aeronáutica (art. 280 da Lei 7.565/1986); Todo explorador é obrigado a contratar o seguro para garantir eventual indenização de riscos futuros (art. 281 da Lei 7.565/1986);

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Impõe-se ao transportador aéreo ou sua seguradora a obrigação de pagar voluntariamente (extrajudicialmente) o valor da indenização, no prazo de 30 dias, mediante habilitação do interessado.

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Calha observar que a limitação da indenização, exaustivamente analisada neste Capítulo, mostrou-se de rigor, em certo momento, diante dos riscos enormes não só para os passageiros e as cargas, como também para os operadores de vôo, tripulação e para os empresários, que tinham que investir quantias vultosas em empreendimentos dos mais arriscados O sistema do Código Brasileiro de Aeronáutica baseia-se, hoje, após o advento da Constituição Federal de 1988, nos princípios da responsabilidade objetiva do transportador, da limitação dessa responsabilidade e da proibição de cláusulas contratuais que tendam a excluir a responsabilidade ou fixá-la aquém dos montantes legalmente estabelecidos, não obstante as partes possam convencionar valores maiores de indenização. O Código Civil complementa as regras do Código Brasileiro da Aeronáutica estabelecendo, entre outras: (a) a não elisão da responsabilidade contratual por culpa de terceiro (art. 735); (b) sujeição do transportador aos horários e itinerários previstos (art. 737); (c) não recusar passageiros, salvo nos casos previstos (art. 739); (d) possibilidade de o passageiro rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, com direito à restituição do valor pago, nas condições estabelecidas (art. 740, caput)] (e) possibilidade de desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, com direito à restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, nas condições estabelecidas (art. 740, § 1.°); (f) obrigação do transportador de assegurar a conclusão do transporte contratado, ainda que a interrupção tenha por consequência evento imprevisível, correndo por sua conta as despesas de estadia e alimentação (art. 741). Finalmente, tendo em consideração o fato de que os limites de reparação no Código Brasileiro da Aeronáutica estão expressos em OTN, título público utilizado como referencial e fator de correção atualmente extinto, tais limites não mais prevalecem.

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§ 5.531. C - Jurisprudência "Prazo prescricional. Convenção de Varsóvia e Código de Defesa do Consumidor. 1. O art. 5.°, § 2.°, da CF/1988 se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia [substituída pela Convenção de Montreal], que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (STF, RE 214.349/RJ, 1.a T., j. 13.04.1999, rei. Min. Moreira Alves, DJ 11.06.1999). 2. Embora valida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso especifico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da CF/1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos. 3. Recurso provido" (STF, RE 297.901/RN, 2.a T„ j. 07.03.2006, rei. Min. Eilen Grade, DJ31.03.2006, Bol. AASP2531/1384). 'Transporte aéreo. Má prestação de serviço. Reconsideração. Dano moral configurado. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Ofensa indireta à Constltuição. Agravo regimental não provido.

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Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor nos casos de indenização por danos morais e materiais por má prestação de serviço em transporte aéreo" (STF, AgRg no RE 575.803/RJ, 2.aT., j. 01.12.2009, rei. Min. Cezar Peluso, DJe 18.12.2009, RT894/124). "O Tratado não se revoga com a edição de lei que contrarie norma nele contida. Perderá, entretanto, eficácia, quanto ao ponto em que exista antinomia, prevalecendo a norma legal. Aplicação dos princípios, pertinentes à sucessão temporal das normas, previstos na Lei de Introdução ao Código Civil. A lei superveniente, de caráter geral, não afeta as disposições especiais contidas em Tratado. Subsistência das normas constantes da Convenção de Varsóvia [substituída pela Convenção de Montreal], sobre transporte aéreo, ainda que disponham diversamente do contido no Código de Defesa do Consumidor" (STJ, REsp 58.736/MG, 3.a T., j. 13.12.1995, rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 29.04.1996, RT731/216).

CAPÍTULO

X

EXERCÍCIO ILÍCITO, EM JUSTIÇA, DE PRETENSÃO A ADIMPLEMENTO DE DÍVIDA

§ 5.532. C O B R A N Ç A D E D Í V I D A N Ã O V E N C I D A O U J Á P A G A

1. TEXTOS DA LEI. - Lê-se no Código Civil, art. 1.530: "O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dôbro". E o art. 1.531: "Aquêle que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que fôr devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dôbro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dêle exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação". Acrescenta o art. 1.532: "Não se aplicarão as penas dos artigos 1.530 e 1.531, quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide". A alusão à contestação apenas se liga à desistência da ação pelo demandante, que cobrara a dívida que vencida não estava, ou já fôra paga. 2. DÍVIDAS E OFENSAS AO DEVEDOR. - As cobranças de dívidas podem dar ensejo à responsabilidade pelos danos, conforme os princípios sôbre atos ilícitos absolutos. A lei focalizou espécies, sem que tal referência faça exclusivas as regras jurídicas concernentes a elas. Uma é a cobrança de dívidas ainda não vencidas; outra, a de dívidas já pagas, se já vencidas, ou não. A propósito do abuso do direito não há regra jurídica especial, que diga qual o elemento subjetivo. A exigência de haver malícia ou dolo é sem qualquer razão de ser, porque, na falta de lex specialis, os princípios

gerais é que são invocáveis (arts. 159, 160,1, 2.a parte, e 1.518). Sem razão, o Supremo Tribunal Federal, a 6 de setembro de 1934 (R. de J. B., 38, 141); com tôda a razão o voto vencido de EDUARDO ESPÍNOLA. SÓ se há de exigir obrigação e prova da culpa, porque não se encontra no Código Civil qualquer regra jurídica que estabeleça, a propósito do abuso do direito, a presunção inris tantum de culpa, nem, a fortiori, a responsabilidade pelo risco. Alguns casos já de si mesmos revelam a culpa, como o pedido de busca e apreensão se desnecessária, ou se não se chegara a ponto de tal medida cautelar ser a que bastasse (cf. N O É AZEVEDO, Abuso do Direito no exercício da demanda, 23; sem razão, in casu, a propósito da patente de invenção, a Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 5 de junho de 1925, R. de D., 79, 423), ou pedir arresto de bens que o credor sabia não pertencerem ao devedor (JOSÉ DE AGUIAR DIAS, Da Responsabilidade civil, n , 4.a ed., 549). É ato ilícito, e não abuso de direito o corte de luz ou gás ou de luz e gás se o freguês nada deve, mesmo se havia vício do medidor sem ser culpado o freguês (Côrte de Apelação do Distrito Federal, 11 de agosto de 1926, R. de D., 82, 605). Não é abuso do direito, porque, se o freguês não devia, não havia direito; portanto, não se poderia exercer direito que não existia. Tem-se dito que a responsabilidade civil supõe, necessàriamente, o dano. Pode não haver dano patrimonial, nem dano não-patrimonial, e haver a responsabilidade com a pena privada. Os arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil são os mais frisantes exemplos e a particularidade de tê-los o sistema jurídico brasileiro dá razão a que sublinhemos a sua relevância. Pode não ter havido qualquer dano a pessoa demandada. Os arts. 1.530 e 1.531 são regras jurídicas sôbre pena privada, que nos vem do passado, com alterações que não dizem respeito ao elemento do dano, nem os ligam aos arts. 159 e 1.518.

Panorama atual pelo Atualizador § 5.532. A - Legislação No desenvolvimento do estudo acerca do tema proposto neste parágrafo o autor cita os seguintes dispositivos: art. 159 do CC/1916 (art. 186 do CC/2002); art. 160 do CC/1916 (art. 188 do CC/2002); art. 1.518 do CC/1916 (art. 942 do CC/2002); art. 1.530 do CC/1916 (art. 939 do CC/2002); art. 1.531 do CC/1916 (art. 940 do CC/2002); e art. 1.532 do CC/1916 (art. 941 do CC/2002).

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§ 5.532. B - Doutrina

I - Responsabilidade do credor por cobrança em juízo de dívida não vencida: O Código Civil de 2002, no art. 939, tal como já o fizera o Código Civil de 1916, no art. 1.530, considera responsável o credor que demanda o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permite (art. 333 do CC/2002), punindo-o por essa prática. Portanto, a responsabilidade do credor por cobrar dívida não vencida ou cobrar dívida já paga, no todo ou em parte, nos termos e com as consequências estabelecidas nos arts. 939 e 940 do CC/2002, só surge em juízo, ou seja, apenas quando a cobrança é feita pela via judicial, segundo a dicção do preceito. Ressuma evidente que a cobrança extrajudicial de dívida já paga por inteiro ou parcialmente, sem ressalva das quantias já recebidas, também poderá configurar ato ilícito, dependendo das circunstâncias e havendo intenção do credor de locupletar-se, ensejando reparação por dano moral. Mas para a responsabilização do ofensor pelos encargos estabelecidos nos arts. 939 e 940 do i CC/2002, estabelece a lei como condição que a cobrança tenha sido feita em juízo. A consequência da cobrança antecipada é ficar o credor obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas do processo em dobro. Esta disposição da lei pressupõe culpa presumida, porque o credor sabe ou deve saber qual a data do vencimento da obrigação. Mesmo à luz do Código anterior a doutrina já se manifestava no sentido de que o credor somente incidiria nas sanções da lei se estivesse de má-fé. Caso contrário, sujeitar-se-ia apenas aos efeitos normais da sucumbência. Esta afirmação sempre nos pareceu equívoca e contraditória, pois a má-fé significa manifestação interna e volitiva e, portanto, intenção de obter, permitir ou conceder aquilo que é indevido ou ilícito. Como deixamos acentuado em outra obra de nossa autoria, má-fé, deriva do baixo latim maletatius (que tem mau destino ou má sorte), empregada na terminologia jurídica para exprimir tudo que se faz com entendimento da maldade ou do mal, que nele se contém. Decorre do conhecimento do mal, que se encerra no ato executado, ou do vício contido na coisa, que se quer mostrar como perfeita, sabendo-se que não o é. Se pelas circunstâncias que cercam o fato ou a coisa, verifica-se que a pessoa tinha conhecimento do mal, ou seja, estava ciente do engano ou da fraude, contido no ato e, ainda assim, praticou o ato ou recebeu a coisa, agiu de má-fé, o que importa dizer que agiu com fraude ou dolo. Também os léxicos, no plano comum, definem a má-fé como "intenção dolosa", "perfídia". Ademais, a disposição do art. 939 do i CC/2002 encerra, segundo nos parece, autêntica hipótese do abuso do direito, ; que surge da ideia da relatividade dos direitos e do seu exercício anormal, a significar, em linguagem simples, a existência de um direito legítimo e assegurado no antecedente e de um ato ilegítimo no consequente em razão do desbordamento no seu exercício. Ou seja, a dívida existe e é uma realidade, mas a sua cobrança , mostra-se abusiva, posto não vencida. Pode-se, então, concluir que o indivíduo para exercitar o direito que lhe foi outorgado ou posto à disposição deve conter-se dentro de uma limitação ética, além da qual desborda do lícito para o ilícito e do exercício regular para o exercício abusivo. Lembre-se que o abuso do direito foi consagrado no art. 187 do CC/2002, convertido em ato ilícito, quando o titular de

um direito, ao exercê-io, excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Impõe-se, então, obtemperar que, se o ato ilícito conceituado no art. 186 do CC/2002 funda-se na culpa, pois este Código consagrou a culpa como pressuposto da responsabilidade do agente, não há como afirmar que o art. 187, que está situado no Título 111, relativo aos atos ilícitos, possa dispensar esse fundamento. Veja-se a dicção do preceito: "também comete ato ilícito (...)". Ora, a que ato ilícito está se referindo o art. 187 se não àquele definido imediatamente acima, no art. 186? Direito, antes de tudo, é lógica, coerência e bom senso. No campo de incidência do art. 187 o abuso do direito só se converte em ato ilícito se presente um dos atributos da culpa, tal como previsto no art. 186: "ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência". Consequentemente, há de prevalecer a teoria subjetiva como informadora do abuso do direito, a significar que este se caracteriza quando presente o elemento intencional, ou seja, impõe-se que o agente tenha consciência de que o seu direito, inicialmente legítimo e secundum legis, ao ser exercitado, desbordou para o excesso ou abuso, de modo a lesionar ou ferir o direito de outrem. O elemento subjetivo é a reprovabilidade ou a consciência de que poderá causar algum mal, assumindo este risco ou deixando de prevê-lo quando devia. Portanto, para a imposição da sanção reparatória prevista no art. 939 do CC/2002 (desconto dos juros devidos e custas em dobro), o comportamento do credor deverá ser culposo, ou seja, com má-fé manifesta. Sem este elemento intencional não haverá responsabilidade. Nessa hipótese Inadmite-se a responsabilidade objetiva. Outra questão de grande importância surge da exegese do preceito legal, impondo-se Indagar qual a natureza das sanções ou encargos ali estabelecidos, quando o credor demanda o devedor por dívida ainda não vencida. Diz o art. 939 do CC/2002 que o autor da ação de cobrança ficará obrigado a: (a) esperar o tempo que faltava para o vencimento; (b) descontar os juros correspondentes, embora estipulados; (c) pagar as custas em dobro. A disposição legal, segundo nos parece, é equívoca, pois nada concede a título de reparação, seja de dano material ou moral. Ressuma evidente e palmar que não tem caráter reparatório senão e apenas sancionatório, pois não beneficia o ofendido (devedor). Ora, se a dívida ainda não venceu, exsurge evidente que só poderá ser cobrada a partir desse termo, ou seja, do vencimento, de modo que se mostra redundante a lei afirmar que o credor fica obrigado a esperar o tempo restante para o vencimento da obrigação. E se a dívida não estava vencida no momento do ajuizamento da ação judicial não há mora, nem se pode exigir os juros, considerando que o art. 394 do CC/2002 considera em mora "o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer". A previsão de que o credor deverá pagar as custas em dobro também não tem caráter reparatório, pois, como cediço, as custas judiciais, que anteriormente eram recolhidas ao Estado, agora, juntamente com os emolumentos, "serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça" (art. 98, § 2.°, da CF/1988, incluído pela EC 45/2004). Infere-se do contido no art. 939 do CC/2002 que o objetivo foi apenas e tão somente de estabelecer encargos (embora s e m s u c e s s o ) àquele que demandou por dívida não vencida. Contudo, nada concedeu à vítima

ou ofendido (devedor) a título de reparação. Como se verifica, o art. 939 esquej ceu-se da vítima. Mas caso não sejam aceitos estes argumentos e se vislumbre j nas sanções do art. 939 (descontar os juros correspondentes e pagar custas em dobro) característica de obrigação de Indenizar, estar-se-ia diante de curiosa hiJ pótese de indenização tarifada por presunção de dano, rompendo com a teoria j clássica e o princípio de que o dano não se presume, nem pode ser potencial ou hipotético, pois até então o devedor levado a juízo, afora o aborrecimento, não terá sofrido qualquer prejuízo material. Se aceitas as ponderações feitas, tem-se de concluir que a localização física do dispositivo é equívoca, pois não poderia estar incluído no Título IX do Estatuto em vigor, que dispõe sobre a Responsabilidade Civil, nem no Capítulo I, que regula a Obrigação de Indenizar, considerando que da ação do credor que abusa do seu direito e cobra dívida não vencida não decorre a obrigação de indenizar, submetendo-se apenas a sanções de outra natureza. A nós parece que atende melhor aos anseios de justiça aplicar à hipótese a legislação processual, declarando a má-fé processual daquele que demandar por dívi! da não vencida, com supedáneo nos arts. 14, parágrafo único, 16 e 17, II e III, do CPC, impondo-lhe a multa a que se refere o art. 18 do CPC, a obrigação de reparar perdas e danos e demais consectários ali consignados. À guisa de conclusão pode-se afirmar que, independentemente da dicção do preceito constante do art. 939 do CC/2002 e sem prejuízo da opção pelas sanções reparatórias por litigância de má-fé previstas no Código de Processo Civil, havendo cobrança abusiva de dívida já vencida, através de ação judicial, nasce para o suposto devedor o direito | de obter reparação por dano moral, com supedáneo no art. 5.°, X, da CF/1988. ! II - Responsabilidade do credor por cobrança em juízo de dívida já paga, no | todo ou em parte: Dispõe o art. 940 do CC/2002: "Aquele que demandar por dívida j já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição". Também aqui cabe advertir que a obrigação, tal como desj crita no referido artigo, só nasce, com aquelas consequências, se a cobrança for j judicial, como acima observado. Obtempere-se, ab initio, que, na parte em que o ! preceito prevê a cobrança de valor maior do que o devido, pressupondo-se então ¡ a existência de uma dívida, embora de valor menor do que o pretendido, valem ! as considerações acima, pois tal comportamento caracteriza verdadeiro abuso do direito, como ali esclarecido. Parte da doutrina entende polêmica a manutenção desse artigo, pois tem-se entendido que não mais se justifica em face do que dispõe o art. 16 do CPC, quando pune o litigante de má-fé, considerando-se tal o que incorrer nos incisos do art. 17 do CPC. Para nós a reclamação de Caio Mário vale | para o art. 939, mas não procede com relação à hipótese do art. 940 do CC/2002. E que o art. 940 estabelece uma sanção civil de direito material ou substantivo, e não de direito formal ou adjetivo, contra demandantes abusivos. Cuida, portanto, da responsabilidade civil do demandante por dívida já honrada, punindo o ato ¡ ilícito da cobrança excessiva. Essa responsabilidade decorre de infração de norma de direito privado e objetiva não só garantir o direito do lesado à segurança, protegendo-o contra exigências descabidas, como também servir de meio de re-

paração do dano, prefixando o seu montante e exonerando o lesado do ônus de provar a ocorrência da lesão. Outra parte da doutrina, agora divergente, entende que há uma relação de complementação entre esses dispositivos (art. 940 do CC/2002 e arts. 16 a 18 do CPC), na consideração de que eles não se excluem e, ademais, completam-se, tendo por finalidade estabelecer a forma de reparação por perdas e danos. Diante de interpretação literal do art. 940, poderia parecer que o Código Civil de 2002 teria abraçado a teoria da responsabilidade objetiva. Dada a sua severidade, contudo, sua hermenêutica propende para a teoria subjetiva, considerando-se aplicável somente no caso de estar comprovada a má-fé do demandante, tal como ocorre na hipótese do art. 939, que trata da cobrança de dívida não vencida. É o que buscamos esclarecer em outra obra deste atualizador. Nesse sentido jurisprudência pacífica dos tribunais estaduais e o entendimento do STF, sumulado nos seguintes termos: "Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil" (Súmula 159 do STF), que mantém a sua validade e eficácia mesmo após o advento do atual Código Civil. Aliás, esse entendimento foi perfilhado pelos nossos mais expressivos juristas. Este o nosso entendimento. Apenas mediante má-fé e uso abusivo do direito de demandar é que se poderá empenhar a obrigação de reparar por dívida já paga ou cobrada por inteiro, sem ressalva das quantias recebidas. Exige-se, portanto, comportamento culposo. Ressalte-se, contudo, o art. 940 do CC/2002 conter desenganada hipótese de reparação do dano moral, pois, em tese, a só cobrança em juízo de dívida já paga não impõe prejuízo de natureza material ou patrimonial, exceto com relação às despesas do processo, que certamente serão suportadas, a final, por aquele que cobrou indevidamente, por força do princípio da sucumbência. Mas tal conduta traz como consequência aborrecimento, dissabor, ofensa à moral subjetiva ou objetiva da pessoa física ou jurídica, conspurca e macula o bom nome e a imagem das pessoas. Caso, em razão da repercussão da cobrança indevida em juízo, a empresa ou sociedade comercial sofra efetivo abalo de crédito, com reflexo econômico devidamente comprovado através de seus resultados financeiros, quer parecer que, além dos valores previamente tarifados no referido art. 940 (dobro do que houver sido cobrado ou o equivalente ao exigido), a título de dano moral, nada impede que se busque, cumulativamente, a reparação do dano material decorrente do referido abalo. Ill - Desistência da ação por parte do credor: O art. 941 do CC/2002 dispõe: "As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver Indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido". A primeira observação que a redação enseja é de que a lei caracterizou como "pena" os encargos estabelecidos nos arts. 939 (espera pelo tempo que faltava para vencer a dívida como condição para voltar a cobrar a dívida; desconto dos juros e pagamento de custas em dobro) e 940 (pagar o dobro do que houver cobrado ou o equivalente do que foi exigido do devedor). As sanções estabelecidas nessas normas têm, efetivamente, caráter punitivo, embora as duas primeiras sejam inócuas. Entretanto, a imposição de obrigação de pagar ao devedor o dobro do que houver cobrado o credor, no caso de cobrança sem ressalva, ou de pagar o equivalente ao que foi exigido, quando se pediu mais do

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que o devido, tem nítido caráter reparatório. Sendo mais técnico, tem caráter compensatório, ou seja, concede-se uma compensação à ofensa moral sofrida. Quanto ¡ ao mais, a norma legal carece dos esclarecimentos necessários. São questões processuais que necessitam aclaramento. A primeira indagação é no sentido de saber se o réu, na ação em que se cobra dívida não vencida ou já paga, pode requerer a imposição das sanções do art. 939 e do valor reparatório do art. 940 do CC/2002 nos próprios autos, quando da sentença de improcedência da ação proposta por aquele que se disse credor, ou se há necessidade de ajuizar outra ação em face daquele. Dúvida não resta de que tais imposições hão de ser feitas na mesma ação proposta pelo suposto credor, nada justificando que se aguarde o trânsito em julgado da sentença de Improcedência para que o réu daquela ação anterior possa ajuizar nova demanda. Diante disso, havendo desistência da ação antes da apresentação de contestação pelo réu, não haveria mesmo como impor qualquer encargo, pena ou obrigação de reparar, considerando a retratação do autor e admissão de seu equívoco. Lembre-se que o Colendo STF assentou entendimento no verbete da Súmula 159 no sentido de que a: "Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil" (referia-se ao Código Civil de 1916). Contudo, se ainda assim, não obstante a desistência da ação antes da resposta do réu, houve repercussão negativa perante a sociedade, divulgação pela imprensa, causando à pessoa (física ou jurídica) prejuízo de ordem material comprovado, como o abalo de crédito e interferência nos lucros ou rendimentos, ou de ordem moral, toldando a imagem da empresa ou a honra da pessoa física, então nascerá a obrigação de compor os danos materiais e morais. É o que se infere da ressalva feita na parte final do art. 941: "salvo ao réu o direito de haver Indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido".

§ 5.532. C - Jurisprudência Súmula 159 do STF: "Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil" (referiu-se ao Código Civil de 1916). "A aplicação de penalidade estabelecida no art. 1.531 do CC/1916 [atual art. 940 do CC/2002] pressupõe o ajuizamento de demanda com malicioso pedido de pagamento de dívida já paga ou de quantia maior do que a realmente devida" (STJ, REsp 46.203/RJ, 4.a T„ j. 08.08.1994, rei. Min. Barros Monteiro, DJ 10.10.1994). "Restituição em dobro. Dívida já paga. Reconvenção. A demanda sobre dívida já paga permite a imposição da obrigação de restituir em dobro, independentemente de reconvenção. Art. 1.531 do Código Civil [atual art. 940 do CC/2002], Recurso conhecido e provido" (STJ, REsp 229.259/SP, 4.a T., j. 27.05.2003, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ01.09.2003). "Não se aplica a sanção prevista no art. 940 do CC/2002 quando não ficar demonstrada a má-fé do condomínio ao cobrar dívida já paga. A teor da Súmula 159 do STF, expedida ao tempo da vigência do art. 1.531 do CC/1916: 'Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil'" (2.° TACivSP, Ap 669.632-0/4, 10.a Câm., j. 01.10.2003, rei. Rosa Maria de Andrade Nery).

"A admissão da má-fé processual, que também se traduz em abuso do direito de demandar, não pode ser cumulada com a sanção de natureza reparatória do art. 1.531 do revogado Código Civil de 1916, reproduzida no art. 940 do CC/2002, posto que ambas pressupõem comportamento culposo do autor da ação judicial que vise cobrar dívida já paga. A cumulação conduziria a odioso e insuportável bis in iderrí' (2.° TACivSP, Ap 670.134-0/4,12.a Câm., j. 29.04.2004, rei. Rui Stoco, Voto 4.427/2004). "Para efeito de caracterização da ofensa moral indenizável mostra-se irrelevante o fato de o devedor ter pago a parcela da dívida com alguns dias de atraso se o credor, após satisfeita a dívida e ter registrado o pagamento, continuou enviando cartas de cobrança ameaçadoras e ter providenciado a inscrição do nome do autor no cadastro de inadimplentes" (2.°TACIvSP, Ap 681.127-0/4,12.a Câm., j. 18.11.2004, rei. Rui Stoco, Voto 4.709/2004).

§ 5.533. R E G R A S J U R Í D I C A S D E D I R E I T O P R O C E S S U A L 1. ESPÍRITO DE EMULAÇÃO, MERO CAPRICHO E ÊRRO GROSSEIRO. - N o

Código de Processo Civil, art. 3.°, diz-se, explicitamente: "Responderá por perdas e danos a parte que intentar demanda por espírito de emulação, mero capricho, ou êrro grosseiro". No parágrafo único acrescenta-se: "O abuso de direito verificar-se-á, por igual, no exercício dos meios de defesa quando o réu opuser, maliciosamente, resistência injustificada ao andamento do processo". No art. 3.° e parágrafo único supõe-se exercício da pretensão à tutela jurídica e da pretensão jurídica-processual, com abuso do direito pré-processual e do direito processual. Existe direito de litigar - dito direito de ação - e nenhuma limitação se faz a êsse direito no Código de Processo Civil, art. 3.° e parágrafo único. Tão-pouco à pretensão à tutela jurídica. Ou ao uso das formas. O que se condena, no texto legal, é o abuso. A liberdade de se defender em justiça é essencial à própria liberdade de pensamento e de ação, sem a qual a sociedade se envilece e regride. Onde a justiça falha, a infelicidade humana se insinua; onde se cerceia a defesa, estrangula-se a liberdade humana, antes mesmo que a justiça falhe. Assim, o abuso do direito processual so existe quando se compõem os seus pressupostos, segundo o art. 3.° e seu parágrafo; e nunca se aprecia antes de ter produzido os seus efeitos, porque então se estariam a peneirar, liminarmente, a pretensão à t u t e l a jurídica, a pretensão processual, a ação e a prática dos atos processuais.

(a) Para que se caracterize o abuso do direito processual, ou para que se aprecie, não é preciso que o acusado tenha decaído da ação, ou que da s e n t e n ç a conste que agiu com qualquer culpa. Se bem que o juiz possa entrar em considerações sôbre a atitude anormal, aberrante, abusiva, ou mesmo dolosa (cf. Código de Processo Civil, art. 63), da parte, ou de quem esteja em situação de parte, ou apenas semelhante, essas considerações não são necessárias nem suficientes para se assegurar que houve o abuso do direito processual. Salvo se ocorre algum daqueles casos em que os motivos da sentença fazem coisa julgada, ou em que a matéria do dolo, ou do abuso, é integrante da res iudicata, o juiz, na ação por abuso do direito, está livre quanto à decisão. (b) Presume-se de boa fé quem vai litigar, ou está litigando, ou litigou. Tal presunção somente pode ser elidida in casu e quando haja dolo, propriamente dito; a apreciação do abuso do direito processual tem de partir daí. Outrossim, o recorrente, o requerente de medidas acauteladoras ou provisórias, ou o que, em geral, pratica ato processual, tem-se de presumir de boa fé. A má fé a respeito de um ato não se contagia a outro, nem cria, a respeito dessoutro, presunção de má fé. O princípio é o de que se hão de tratar, para os efeitos de se caracterizar o abuso, separados, pluralisticamente, os atos e omissões do litigante. Se o abuso do direito se deu ab initio - quer dizer, desde o pedido - então se estabelece a má fé quanto à ação mesma, à demanda, ao processo, e não só quanto a parte ou ato do feito. Em todo o caso, à abusividade referente ao pedido podem vir a somar-se abusividades posteriores, independentes, reforçadoras das perdas e danos, sempre que, se tais novos atos não tivessem sido praticados, as perdas e danos teriam sido menores. O nexo de causalidade entre ato e perdas ou danos é essencial. A 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 27 de novembro de 1959 (D. da J. de 19 de dezembro de 1960), citou parte do texto acima, e frisou presumir-se de boa fé quem pratica ato processual, inclusive em se tratando de medidas provisórias ou cautelares. O art. 3.°, parágrafo único, do Código de Processo Civil não é de interpretar-se por analogia, nem cabe recorrer-se a princípios gerais de direito. O que se deve é explicitar, na doutrina, cada um dos conceitos - o de emulação, o de mero capricho, o de êrro grosseiro; e à justiça cabe verificar se o caso em exame entra em algum dêsses conceitos. O que primeiro se observa é que o Código de Processo Civil, no artigo 3.° e parágrafo único, não anuiu em se ser indiferente ao elemento subjetivo, se bem que não o

ponha em relação causal. Não se exige que a emulação tenha sido a causa das perdas e danos; basta que tenha havido a emulação, o capricho ou o êrro grosseiro, ligado, algum deles, ao processo, em sua origem. Origem do processo, e não dos danos. O elemento subjetivo pode ser, apenas, causa remota. Quem demanda pede justiça. Se, em vez de ser essa urgência de prestação jurisdicional o que conduz ao foro o autor, é algum daqueles motivos que prepondera, está composta a figura do abuso do direito, no campo processual. A justa decisão passou a segunda plana. Perverteu-se o processo. Conspurcou-se o exercício da pretensão à tutela jurídica ou a invocação da pretensão de direito material, ou o uso da ação, ou a pretensão de declaração, condenação, constituição, mandado, ou execução. A margem que fica ao autor e enorme, porque, fora de inépcia do pedido, raro é o caso em que se lhe pode imputar o ter querido por mal a prestação jurisdicional. De regra, o autor crê, ou sofre as conseqüências psicológicas de crer no que deseja, fato tão explorado, hoje, pela psicologia, e responsável por tantos distúrbios individuais e sociais. De modo que o escopo errado não é suficiente, nem é necessário. O autor pode ter tido tôda a razão, ou tôda a razão pode ter tido o réu, e incorrer em abuso do direito. Por isso mesmo, alguns escritores quiseram transplantar para o processo a distinção, corriqueira em direito material, entre dolus bonus e dolus malus. Mas, evidentemente, com êsse enxêrto, apenas se veriam repontar as velhíssimas dificuldades no caracterizarem-se os limites entre os dois. Além do contraditório, ¿que faz êle senão decantar dolo bom, dolo mau, verdade e falsidade de alegações? A lealdade, que se há de esperar entre as partes, ¿pode ela vir de outra fonte que da coragem moral, do saber perder, do lado dos que postulam? Razão, portanto, para que se precisem, quanto possível, os três conceitos. O princípio, no campo do direito processual, como do direito material, é o de serem irrelevantes os motivos do exercício dos direitos. Por êsse fundamento, assenta-se, a priori e na doutrina baseada em direito positivo, que o exercitar-se algum direito no sentido de outro fim que aquêle que fôra o da lei, de maneira nenhuma constitui infração da lei. O fim da lei serve, quando muito, a justificar interpretações ou sanções (Código de Processo Civil, art. 273,1); e o interêsse - qualquer que seja - do que tem alguma pretensão a traçar-lhe limites (e. g., o aproveitamento do espaço aéreo) ou a dar-lhe ingresso nos juízos (art. 2.°). Fora dêsses e outros poucos casos, a lei ignora o interêsse, a despeito da tentativa obsoleta de R U D O L F VON JHERING, ao querê-lo cerne dos direitos. O fim começa a sair da sua fundamental i r r e l e v â n c i a quando se edicta a regra de que o exercício de um direito não deve lesar a outrem. Não se apura a intenção. A lei possui a aplicação dêsse p r i n c í p i o

de proibição do abuso objetivo do direito, no plano processual, diferente do abuso do art. 3.°, quando permite ao juiz a absolvição da instância no caso dos arts. 201, DI, 203, ou outra providência similar ao despachar a petição inicial (art. 160), ou sanear o processo (art. 294, IH). Duas opiniões existem: uma afirma e outra nega a atendibilidade do princípio da relevância da imoralidade e da ofensa aos bons costumes, em se tratando de coisa julgada (contra, A. VON T U H R , Der Allgemeine Teil, I , 5 5 9 , nota 5 8 ) ; porém aí não se há de pensar, de modo nenhum, em abuso do direito. excepcional,

A emulação, o mero capricho e o êrro grosseiro são pressupostos da ação de indenização, segundo o art. 3.°. Qualquer dêles basta. Sem um dêles, não há a indenizabilidade por lide temerária (2.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 23 de setembro de 1947, ft 11,456; 4.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 31 de agosto de 1945, D. da J. de 29 de janeiro de 1947, 150; 5.a Câmara Cível, 28 de junho de 1946, D. da J. de 25 de fevereiro de 1948, 343). 2 . ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS. - Há emulação se há intenção de aborrecer, ou simples pendor de pleito, que só se explica como preferência ao litígio, ou à composição por meios ou medidas judiciais.

Há mero capricho se alguém insiste em propor ação sôbre matéria que já foi julgada, com eficácia de res iudicata (1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 4 de dezembro de 1947, D. da J. de 29 de setembro de 1949, 3.124), salvo se a incompreensibilidade ou dificuldade de se entender a sentença anterior pré-exclui tratar-se de má fé. Mas o mero capricho também pode existir em quem pela primeira vez litiga sôbre a matéria. Há êrro grosseiro em quem protesta título já estando prescrita a pretensão ou se já solvida a dívida (1.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 22 de outubro de 1945, R. dos T., 162, 233: "... bastando que se tenha verificado a publicação edital pela imprensa, nos têrmos do artigo 29 da Lei n. 2.044, de 1908, e que daí haja decorrido abalo de crédito ou qualquer outro dano para o suposto devedor"). Para maiores esclarecimentos, Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I, 2.a ed., 1948. A cobrança da dívida, como qualquer outro exercício de pretensão de direito material, se os pressupostos delituais se compõem, dá ensejo à responsabilidade sem que se tenha exercido a pretensão à tutela jurídica e a pretensão jurídica processual. Assim, nos arts. 1-530 e 1.531 do Código Civil fala-se de "demandar" mas isso apenas se prende à invocação da regra jurídica especial respectiva.

Panorama atual pelo Atualizador § 5.533. A - Legislação Neste seguimento da obra o autor desenvolveu comentários acerca da emulação, mero capricho, erro grosseiro e abuso do direito processual, invocando o art. 3.° do CPC/1939 (Dec.-lei 1.608, de 18.09.1939), sendo certo que o Código de Processo Civil atual (Lei 5.869, de 11.01.1973) não reproduziu norma com igual conteúdo. O art. 3.° do CPC/1939 dispunha: "Art. 3.° Responderá por perdas e danos a parte que intentar demanda por espírito de emulação, mero capricho, ou erro grosseiro. Parágrafo único. O abuso de direito verificar-se-á, por igual, no exercício dos meios de defesa, quando o réu opuser, maliciosamente, resistência injustificada ao andamento do processo." Também o Projeto de novo Código de Processo Civil, já aprovado no Senado (PL 166/2010), mas ainda aguardando apreciação da Câmara dos Deputados (PL 8.046/2010), não reproduziu texto semelhante.Todavia, tanto o Código de Processo Civil atual (art. 16) quanto o Projeto de Lei referido (art. 68), responsabilizam a parte que agir de má-fé, seja como autor, réu ou interveniente. Considerando o grande interesse que o tema suscita e o fato de Pontes de Miranda não ter abordado essa questão à luz do Código de Processo Civil de 1973 (atualmente em vigor) e considerando, ainda, que.este estatuto contém inúmeras hipóteses de imposição de sanção, sem guardar coerência entre elas, este atualizador, em respeito e consideração ao leitor, irá alongar-se um pouco mais na análise dessas normas de caráter punitivo.

§ 5.533. B - Doutrina I - Considerações introdutórias: Todos os Códigos de Processo Civil dos países mais civilizados estabelecem sanções pára reprimir a conduta temerária ou de má-fé do improbus litigator. Nosso Código não foge a essa regra, tanto que dá especial ênfase ao comportamento das partes em juízo, exigindo honestidade na condução da demanda, chegando a consagrar o princípio de que o litigante de má-fé deve indenizar os danos que a outra parte vier a suportar em razão do abuso do direito de estar em juízo, sem prejuízo do pagamento de multa, com caráter punitivo. E, como se verá, o Código de Processo Civil em vigor é pleno de hipóteses em que se previu expressamente a imposição de multa por abuso do direito ou má-fé processual e a obrigação de reparar as perdas e danos daí decorrentes. Ou seja, ali se identificam a multa punitiva, a multa cominatória e as perdas e danos que podem ser impostas às partes litigantes. II - Art. 14 do CPC: Este dispositivo firma os deveres das partes, exaltando os princípios da lealdade e da boa-fé em juízo de todos que, de qualquer forma, participam do processo, ao mesmo tempo em que impõe multa de valor não superior a 20% do valor da causa, àquele que violar o disposto no seu inc. V. A norma, como

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visto, deu maior relevo à transgressão do inc. V, que impõe ser dever das partes e de todos aqueles que, de qualquer forma, participam do processo: "cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de j provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final", tanto que o parágrafo único considera apenas esta conduta como ato atentatório ao exercício da jurisdição, não fazendo qualquer menção aos incs. I a IV. Essa multa, não superior a 20% do valor da causa, será fixada de acordo com a gravidade da conduta e tem caráter punitivo e intimidativo e não reparatório, tanto que é destinada aos cofres j da União ou do Estado, podendo ser inscrita em Dívida Ativa da União ou dos ; Estados federados. Portanto, não se insere no campo da responsabilidade civil. Ill - Arts. 16, 17 e 18 do CPC - Má-fé processual: Tais artigos apresentam-se como os mais importantes da legislação processual civil, acerca da má-fé e do abuso do direito processual e, portanto, estabelecem a obrigação de reparar danos causados pela parte que atua de má-fé em juízo. Tem-se aqui hipóteses de responj sabilidade civil expressamente previstas na lei processual, normas estas que atuam com o objetivo precípuo de exigir que as partes atuem em juízo com ética, boa-fé e lisura. Quando se fala em má-fé processual, pode-se afirmar que o Improbus litigator tanto pode ser o autor como o réu, ou ambos. Agindo com improbidai de, qualquer deles poderá sofrer sanções processuais, ainda que vencedor na demanda, desde que se tenha comportado, no plano processual, fora dos limites legais ou morais. O art. 16 do CPC afirma responder por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu, ou interveniente, incluindo-se entre estes o litisconsorte e o opoente. Tanto aquele que se posta no polo ativo, não importando o nomen iuris que se lhe dê (autor, requerente, exequente, impetrante, recorrente, apelante, agravante, embargante, paciente e outros), como aquele que se coloca no polo passivo (réu, requerido, executado, impetrado), como, de resto, aqueles | que aderem às partes ou as substituem, como os litisconsortes, assistentes, opoentes, denunciados ou nomeados à lide, são considerados para os efeitos do art. 16 do CPC. Em resumo, a responsabilidade por dano processual é do litigante como gênero. O membro do Ministério Público não responde por dano processual, nos termos da norma ora comentada. Responderá civilmente apenas quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções processuais (art. 85 do CPC). O juiz também não responde por dano processual, mas, também, somente quando i agir com dolo ou fraude (art. 133 do CPC). O procurador das partes em juízo (dej fensor ou advogado) não responde pessoalmente por má-fé processual senão e j apenas o seu representado. Portanto, nem o juiz, nem o advogado ou o membro j do Ministério Público podem ser sancionados pela norma que coíbe a litigância de j má-fé, pois esta se dirige à parte, de modo que, em última análise, esta parte responderá pelos atos de improbidade de seu representante judicial. O advogado : sofrerá as sanções de caráter disciplinar, estabelecidas no Código de Ética, poden| do sofrer as sanções previstas no Estatuto da Advocacia, que disciplina o seu j exercício (Lei 8.906, de 04.07.1994), embora a parte que for sancionada possa ! exercer, posteriormente, o direito de regresso em face do seu representante legal, para dele reaver o que houver pago a título de multa ou perdas e danos. A partir da redação dada ao art. 17 do CPC pela Lei 6.771/1980, estabelecendo hipóteses de

litigância de má-fé, através de sete condutas expressamente previstas naquele i preceito, os autores que se debruçaram sobre o tema fizeram uma leitura diversa I daquele texto legal e interpretaram que o legislador havia previsto objetivamente os comportamentos das partes nos processos e que ensejam sanção. Mas a ques- Í tão merece e comporta estudo mais detido. É certo que o Código de Processo Civil i estabeleceu critérios objetivos para a apuração da má-fé ou da fraude processual, ! prevendo, taxativamente, as condutas, convertidas em hipóteses que caracterizam ! o ato ilícito. Fê-lo tal como o legislador optou para as figuras penais, tanto no Códi; go Penal como na legislação penal extravagante, por força do princípio dá anterio- ¡ ridade da lei (nullum crimen nulla poena sine praevia lege). Abandonou o critério | contido na redação de alguns incisos do primitivo art. 17 que, exemplificativamente, j reputava de má-fé: (a) "deduzir pretensão ou defesa, cuja falta de fundamento não j possa razoavelmente desconhecer"; (b) "alterar intencionalmente a verdade dos fatos", (c) "omitir intencionalmente fatos essenciais ao julgamento da causa". Tanto o Código de 1939 como o primitivo art. 17 da atual Lei processual codificada (Código de Processo Civil de 1973) continham tipos abertos que dependiam não só de interpretação como de juízo de valor acerca da conduta do agente. Constituíam enunciados que necessitavam uma operação de subsunção do comportamento na hipótese da lei. Também se utilizavam de expressões que em Direito Penal são denominadas como "elementos normativos do tipo", tomando este tipo* contido na norma penal incriminadora, em tipo anormal, ou seja, impondo um juízo de valor acerca da conduta e uma incursão na parte anímica do agente, como, ad exemplum, com o uso das expressões "inte.ncionalmente", "objetivo ilegal", "resistência injustificada", "modo temerário" e "manifestamente infundado", sendo certo que obrigavam o intérprete a buscar em outros preceitos ou conceitos criados pela doutrina e pelos pretórios o significado destas expressões. Na redação atual do art. 17 do CPC não há necessidade dessa operação mental de enquadramento por parte do julgador, pois os arquétipos ali estabelecidos correspondem às condutas nele previstas em numerus clausus, embora os incs. IV e V ainda contenham expressões de cunho subjetivo. Mas, tal como ocorre no âmbito criminal e como exigia o art. 17 na redação anterior, e não obstante a renovada redação dos seus incisos, as condutas atualmente ali previstas, como comportamentos ou atos ilícitos da parte em juízo, não dispensam a verificação de culpa (lato sensu). Não se pode confundir critério objetivo na lei para disciplinar e coibir as condutas tidas como indesejáveis com responsabilidade objetiva. Embora taxativamente estabelecidas na lei processual civil, aquelas condutas somente ensejarão a imposição de sanção ou o dever de reparar se o agente ou a parte no processo agir com dolo ou culpa. Impõe-se não esquecer que tanto a fraude como a má-fé têm o dolo como pressuposto e atributo. Aliás, a má-fé processual, como autêntico abuso do direito de estar em juízo, ingressa, para nós, no campo dos atos ilícitos. O C. STJ acentuou que o art. 17 do CPC, ao definir os contornos da litigância de má-fé que justificam a aplicação da multa, pressupõe o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária (STJ, j REsp 397.832/RS, 6.a T., j. 05.03.2002, rei. Min. Vicente Leal, DJ 01.04.2002; e STJ, REsp 499.830/RJ, 6.a T., j. 23.03.2004, rei. Min. Hamilton Carvalhido, DJ

20.09.2004). O elemento subjetivo é fundamental para a caracterização da má-fé processual, da fraude processual e do abuso do direito de estar em juízo, em sentido genérico. Já se disse alhures que a boa-fé é a consciência de que a parte está usando o processo sem intenção de descumprir a lei. O elemento subjetivo entra em conta, sobretudo para distinguir do erro a boa-fé. Dessarte, tanto retarda o andamento do processo aquele que o faz com a intenção de procrastinar e prejudicar a outra parte, como o profissional que, por menor capacidade, falsa percepção da realidade ou desconhecimento de algum dispositivo legal causa este mesmo efeito. O primeiro, agindo com intenção de retardar e prejudicar, comete abuso. Este, se não se puder lhe imputar agir culposo, por imperícia, negligência ou imprudência (culpa relevante), não se subsume no preceito estabelecido em um dos incisos do art. 17 do CPC. Mas a doutrina logrou discernir a diferença entre previsão objetiva das condutas puníveis na lei processual, que não se confundem com responsabilidade objetiva, como também percebeu a necessidade do elemento subjetivo para a caracterização do ilícito processual. Ao partir da conceituação da má-fé como ato ilícito, concluiu-se que essa ilicitude depende da verificação do elemento subjetivo. Impõe-se lembrar que as hipóteses de caracterização de litigância de má-fé estão arroladas em numerus clausus no art. 17 do CPC, ou seja, taxativamente, não comportando ampliação. Esse o entendimento quase pacífico dos nossos doutrinadores. Para efeito de punição e responsabilização no plano civil, cabe, também ressaltar as consequências da atuação de má-fé em juízo. O Código de Processo Civil, ao prever um capítulo estabelecendo os deveres das partes e dos seus procuradores, abriu uma Seção autônoma onde dimensionou a responsabilidade das partes por dano processual. Estabeleceu a premissa básica no art. 16, ao afirmar a responsabilidade por perdas e danos daquele que pleitear de má-fé. Contudo, no art. 18 expandiu esse universo sancionatório para prever, além da reparação do dano, a imposição de multa, com caráter punitivo, não excedente a 1% do valor da causa, despesas, mais os honorários advocatícios. Diante disso e, de certo modo, da atecnia do legislador, algumas dúvidas restaram. A primeira indagação que emerge é se as punições a título de reparação do dano, de multa e a imposição de verba honorária e despesas podem ser aplicadas cumulativamente. Dúvida não nos assalta de que a resposta só pode ser afirmativa. Foi intuito claro da lei a imposição qualificada. Nosso legislador criou um sistema híbrido, tanto de natureza indenizatória como punitiva, abraçando, em parte, o sistema do contempt of court do direito anglo-americano e dos punitive damage ou exemplary damage do direito norte-americano, cujo objetivo maior é que sua imposição sirva de exemplo não somente ao causador do dano, senão também para prevenir, na sua advertência, a ocorrência de casos futuros. Assim, quando o canon contido na norma manda condenar também em "mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou", estaria se referindo apenas à sucumbência ou a uma dupla condenação nestas verbas? Ora, o art. 18 do CPC contém previsão de punição pelo exercício temerário da lide ou comportamento de má-fé. As verbas de sucumbência estão estabelecidas em outro estamento, em outra regra e em outro contexto e têm natureza diversa. Seu pressuposto é justamente a sucumbência, ou seja, a perda da causa. Portanto, além da multa e da indenização, a parte ímproba

responderá, a titulo de penalidade, pela verba honorária do representante da outra parte e, ainda, pelas despesas processuais. Mas, impõe-se esclarecer, responderá por dupla verba honorária e despesas. As primeiras decorrentes da perda da ação (principio da sucumbência) e as segundas pela indigna atuação em juízo (princípios da reparabilidade e da punibilidade), de modo que apenas a verba honorária e as despesas acrescidas ou aumentadas em razão do retardamento ou da maior dificuldade em se conduzir a causa, independentemente do seu resultado, é que serão devidas e quantificadas. O art. 18 do CPC diz que o litigante de má-fé será condenado a pagar multa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. Portanto, não se satisfez em punir com multa, na medida em que também buscou resguardar a outra parte visando ressarci-la dos prejuízos suportados com aquela atrabiliária atuação. Contudo, exsurge como necessário algum esclarecimento acerca do conteúdo da reparação prevista nos arts. 16 a 18 do CPC. Sabe-se que, para a litigância de má-fé, a própria lei, sem deixar margem a dúvida, previu punição de natureza pecuniária, com caráter indenizatório, por entender que este é o único dano que a outra parte poderá sofrer. O art. 16 do CPC assim dispõe: "Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente". Portanto, o nosso legislador tomou posição firme e atrelou o abuso do direito de demandar ao princípio da responsabilidade civil por atos danosos. Significa que aquele que pleitear de má-fé responde por perdas e danos, segundo a dicção do mencionado art. 16 da lei processual. Ficou esclarecido que as perdas e danos aludidas na lei referem-se ao aspecto material da reparação. São os lucros cessantes e os danos emergentes. Como o prejuízo sofrido em decorrência do mau uso do procedimento em ação judicial não pode ser composto como deveria ser, ou seja, com a recomposição do statu quo ante, a lei preferiu estabelecer critério de reparação pecuniária, baseada, em princípio - embora com incoerência-, no efetivo prejuízo, desde que de natureza material ou patrimonial. A afirmação de incoerência decorre da evidente contradição verificada no caput do art. 18, quando fala em indenizar os "prejuízos sofridos", como se estes tivessem que ser apurados e dimensionados, mas estabelece sistema limitado, através de margens, no § 2.°. Mas, se o dispositivo de regência e que reprime a má-fé não deixa dúvida quanto a permitir apenas indenização de natureza material, não significa que se tenha coarctado a possibilidade de reconhecimento do dano moral. Não será cerebrina a hipótese de uma das partes sofrer ofensa moral pela chicana, em decorrência da fraude ou da litigância mal intencionada da outra parte no transcurso da contenda em juízo. O uso da ação judicial - seja no âmbito penal ou extrapenal - com objetivo de retorção, vindita, maledicência, para desacreditar, desmoralizar alguém, seja caluniando com a imputação da prática de infração penal, difamando ou injuriando, pode importar em ofensa moral. Também o ato caracterizador de má-fé, expressamente estabelecido em um dos incisos do art. 17 do CPC (principalmente o inc. II -"alterar a verdade dos fatos"), que enseje o reconhecimento da má-fé em juízo, com imposição da sanção estabelecida no § 2.° do art. 18, pode, cumulativamente, ainda que decorrente do mesmo fato, ensejar reparação por dano moral. Ora, se vamos interpretar a legislação processual segundo a Constituição do Pais e sua

estrutura sistêmica, convém lembrar que esta Magna Carta busca objetivo maior ao estabelecer, como garantia fundamental irretlrável, posto que contida em cláusula pétrea, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Destarte, com o advento da Constituição Federal de 1988, estatuto no qual se assegurou, como afirmado, mais do que o direito de reparação por dano moral, a inviolabilidade dos direitos relativos à intimidade, vida privada, honra, imagem, sentimentos internos e, enfim, o resguardo integral da personalidade, inaugurou-se uma nova fase de garantias para uns, e de obrigações para outros. Evidentemente que, neste caso, como inexiste previsão expressa na lei processual de regência, essa indenização deverá ser buscada através das vias próprias, em ação autônoma e, como ressuma óbvio, com o resguardo do contraditório e da ampla defesa, pois apenas a reparação do dano material, nas margens e no limite estabelecidos no § 2.° do art. 18 do CPC, decorrente da má-fé processual, é que poderá ser estabelecida de ofício. IV - O art. 35 do CPC dispõe: "As sanções impostas às partes em consequência de má-fé serão contadas como custas e reverterão em benefício da parte contrária (...)". Essa disposição é repetitiva e desnecessária, pois o caput do art. 18 já estabelecera a obrigação de o litigante de má-fé indenizar a parte contrária "dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou". Essa disposição não contém qualquer sanção, mas apenas explicitou que as perdas e danos decorrentes da má-fé, tal como previsto nos arts. 16 a 18, serão contadas como custas, de sorte a permitir que o valor seja desde logo apurado por cálculo aritmético pela própria serventia ou contador judicial e exigido como custas, juntamente com as despesas e verba honorária, mas em favor da outra parte. V - O art. 129 do CPC preceitua: "Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes". A norma contém sanção de outra natureza, pois não impõe pena pecuniária ou reparação material. Visa apenas coibir o conluio das partes em benefício de ambos, mediante simulação. Cuida-se de aspecto apenas processual que não tem relevância no plano da responsabilidade civil, mas que interessa ao Direito Penal. O conluio das partes para simular uma contenda e uma pretensão resistida que não existe só poderá conduzir à extinção do processo sem resolução do mérito, por absoluta impossibilidade do objeto, sendo desnecessário dizê-lo, até porque, como ambos agiram de má-fé e o quantum que corresponde à soma da multa, custas e honorários cabe à parte inocente, ressuma claro que, não havendo inocentes, também a condenação de má-fé se converteria em verdadeira "ação entre amigos", na consideração de que um pagaria ao outro o valor pelo qual foi condenado. Segundo parece, o art. 129 do CPC encerra, em tese, hipótese de infração penal, pois o art. 299 do CP alça à condição crime a conduta de inserir em documento público ou particular "declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante".

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do padrão até então estabelecido, pois condiciona a interposição de qualquer i outro recurso ao efetivo depósito do valor da multa imposta. ; !

X - Art. 557, § 2.°, do CPC: Este artigo, com a redação que lhe deu a Lei 9.756/1998, estabelece multa entre 1% e 10% do valor corrigido da causa, na hipótese de interposição de agravo, quando manifestamente inadmissível ou infundado. Impende esclarecer que o caput do art. 557 permite ao relator, através de decisão monocrática, negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante dos tribunais. Por sua vez, o § 1.D-A (incluído pela Lei 9.756/1998) autoriza o relator a dar provimento ao recurso, "se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior". Caso a parte não se conforme com essa decisão do relator e pretenda submeter a questão à Turma Julgadora, poderá, então, interpor agravo inominado para o órgão colegiado competente,

nos termos do § 1 d o art. 557 do CPC. Nesta hipótese, caso o referido agravo inominado seja considerado manifestamente inadmissível ou infundado, o Tribunal (turma julgadora) condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre 1% e 10% do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor, conforme dispõe o § 2.° do art. 557 do CPC. Esta disposição legal não se confunde, nem interfere com o referido inc. VII do art. 17 do CPC, pois neste o que se pune é a manifestação de qualquer recurso "com intuito protelatório", enquanto no art. 557, § 2.°, do CPC, coíbe-se a interposição de agravo "manifestamente inadmissível ou infundado". Significa, portanto, que as sanções têm natureza punitiva, sem qualquer conotação ressarcitória, não ingressando no campo do art. 18 do CPC, nem ensejando a imposição de perdas e danos ali prevista.

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XI - Arts. 600 e 601 do CPC: No processo de execução, o art. 600 do CPC, com redação do caput renovada pela Lei 11.382/2006, considera atentatório à dignidade da justiça o ato do executado que: "I - frauda a execução; II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III - resiste injustificadamente às ordens judiciais; IV-intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores". São condutas que empenham e exigem ou o dolo, ou a culpa grave, ou seja, vontade dirigida ao fim de fraudar oúse opor maliciosamente à execução, resistir às ordens judiciais ou não indicar onde se encontram os bens sujeitos à penhora. O comportamento de má-fé do executado implica em multa não superior a 20% do valor do débito, sem prejuízo de outras sanções. O primeiro aspecto que se apresenta, mais uma vez, é a falta de critério para a fixação do valor da multa. Agora o legislador preferiu exacerbar ainda mais, abandonando o percentual de 1% sobre o valor da causa (arts. 18, capute 538, parágrafo único, do CPC), ou multa entre 1% e 10% do valor corrigido da causa (art. 557, § 2.°, do CPC), ou cinco vezes o salário mínimo (art. 233 do CPC), para estabelecer a multa em montante não superior a 20% do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material. A fixação de sanção, que atua como verdadeira pena de natureza civil, de maneira desconforme, para fatos semelhantes, todos caracterizando o abuso do direito de demandar e a má-fé processual, ofende o princípio constitucional da isonomia. Para ilícito igual, a pena deve ser a mesma, devendo prevalecer o princípio da proporcionalidade. Ademais, desse relevante aspecto, entendemos que o percentual de 20% sobre o valor atualizado do débito em execução, a título de sanção ou punição, exsurge escorchante e injusto. A uma, porque impôs-se a sanção incidindo sobre o valor do débito e não o valor da causa, como ocorre em outras passagens do estatuto processual. A duas, porque tal sanção poderá cumular-se com a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC, na hipótese de o devedor não efetuar o pagamento do valor da condenação no prazo de 15 dias. Essa cumulação mostra-se desarrazoada, máxime quando

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o reflexo econômico da ação for alentado. Mas não é só. O mais preocupante é que a disposição do art. 601 do CPC constitui preceito aberto, dando ensancha à insuportável exacerbação nas sanções, na medida em que, além da multa especificamente prevista em até 20%, prevê "outras sanções de natureza processual ou material", sem especificar quais sejam. Significa que o juiz poderá, ainda, estabelecer sanções de caráter meramente proibitivo, impondo restrições à parte no que se refere à atuação plena (retirada dos autos, não poder recorrer sem recolher valores, e outras); estabelecer multa e fixar valor a título de perdas e danos, considerando que, tratando-se de sanção de natureza material está a significar essa possibilidade, bastando que a parte contrária comprove ter suportado prejuízos decorrentes de atos atentatórios à dignidade da Justiça, praticados pelo oponente. Do que se conclui que a disposição do art. 601 do CPC é a mais virulenta das normas sancionatórias deste estatuto processual, apresentando natureza não só punitiva como restritiva de direitos-processuais e, ainda, ressarcitória. XII - O art. 633 do CPC dispõe que: "Se, no prazo fixado, o devedor não satisfizer a obrigação, é lícito ao credor, nos próprios autos do processo, requerer que ela seja executada à custa do devedor, ou haver perdas e danos; caso em que ela se converte em indenização". Significa que, se o devedor não cumprir a obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, diversa da obrigação de dar ou pagare, portanto, descumpra a ordem, aquela obrigação primitiva converte-se em perdas e danos, que serão apuradas em liquidação e, portanto, nos próprios autos, segundo se infere do parágrafo único do referido artigo. Mas as perdas e danos não se presumem. Devem estar comprovadas e apuradas nos autos, na fase de liquidação, antes de iniciar-se a execução. XIII - Art. 739-B do CPC: "A cobrança de multa ou de indenizações decorrentes de litigância de má-fé (arts. 17 e 18) será promovida no próprio processo de execução, em autos apensos, operando-se por compensação ou por execução". Referida norma afasta antiga discussão acerca da execução da multa ou da indenização de perdas e danos, decorrentes da litigância de má-fé, nos próprios autos. Agora, dúvida não mais ressuma. XIV - Art. 740 do CPC: Prevê o parágrafo único deste artigo a possibilidade de imposição de multa ao embargante, em favor do exequente, de quantum não superior a 20% do valor em execução, quando os embargos sejam manifestamente protelatórios. Essa norma veio a lume por acréscimo, através da Lei 11.382/2006. E, mais uma vez, o legislador foi casuista e repetitivo, pois estabeleceu no art. 538, parágrafo único, do CPC hipótese de abuso do direito de recorrer, quando houver a interposição de embargos de declaração protelatórios e no art. 740, posteriormente incluído no Código de Processo Civil, estabeleceu previsão assemelhada, para os embargos à execução. Todavia, naquele, a multa não excede 1% do valor da causa (salvo quando houver reiteração, quando a multa poderá ser elevada a até 10%) e neste a multa será de 20% do valor em execução. A nós parece que o art. 17 da lei processual já estabelece as hipóteses em que se pode reconhecer e coibir a má-fé processual. XV - Art. 746 do CPC: Refere-se o caput deste artigo aos embargos à execução opostos contra a Fazenda Pública. E, também aqui, a inclusão merece

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críticas. A nós parece que a previsão, em separado, de multa nos embargos do devedor (art. 740, parágrafo único) e nos embargos à execução contra a Fazenda Pública (art. 746, § 3.°) caracteriza superfetação, redundância e excesso de zelo do legislador e, ademais, falta de técnica legislativa. Ora, bastava que tal previsão fosse incluída na regra geral acerca do abuso de poder de demandar e da má-fé processual, constante do art. 17, unificando e padronizando as sanções.

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XVI - Art. 811 do CPC: Esse artigo estabelece sanções não mais pela prática de má-fé processual, mas pela mera ocorrência das hipóteses nele expressamente contidas. Perceba-se que ao requerente de procedimento cautelar impõe-se o ônus de responder pelo prejuízo que causar ao requerido, pelo só fato do ajuizamento da medida, combinado com o implemento das condições dos incs. I a IV do referido art. 811. Ou seja, está-se diante de responsabilidade objetiva do autor de medida de natureza cautelar. Como se verifica, criaram-se hipóteses de responsabilidade objetiva, posto não se tratar de má-fé processual ou de abuso do direito de peticionar, mas de evidente responsabilidade sem culpa.

§ 5.533. C - Jurisprudência "'O art. 17 do CPC, ao definir os contornos da litigância de má-fé que justificam a aplicação da multa, pressupõe o dolo da parte no entravamento do trâmite processual, manifestado por conduta intencionalmente maliciosa e temerária, inobservado o dever de proceder com lealdade' (STJ, REsp 397.832/RS, rei. Min. Vicente Leal, DJ 01.04.2002)" (STJ,:REsp 499.830/RJ, 6.a T., j. 23.03.2004, rei. Min. Hamilton Carvalhido, DJ20.09.2004).

§ 5.534. P E N A L I D A D E S , E N Ã O I N D E N I Z A Ç Õ E S 1. EXAME DA NATUREZA DAS REGRAS JURÍDICAS DO CÓDIGO CIVIL,

1.530 E 1.531. - Os arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil não são, rigorosamente, regras jurídicas sôbre indenização no tocante a alguns atos ilícitos absolutos. Dêles não resulta só dever de ressarcimento. Resultam penalidades, por infração de deveres que a lei criou (cf. arts. 916-927, 1.530 e 1.531). Trata-se de casos de plus petitionibus, pois que o autor pede o que ainda não se podia exigir ou mais do que se lhe devia. O plus pode ser: d) Re, isto é, quando se demanda por mais do que é devido (§ 33,1., de actionibus, 4, 6; L. 1-3, C., de plus petitionibus, 3, 10; B . PHILIP. VICAT, Vocabularium luris, III, 402: "Re autem plus petitur, quum re aut quantitate aliqua certa debita, res plures, aut maior quantitas petitur"; MANUEL GONÇALVES DA SILVA, Commentaria ad Ordinationes Regni Portugattiae, ARTS.

I 271 e 273): Deve A a B dez e B pede-lhe vinte ou já só lhe deve cinco e B lhe pede dez ou mais. b) Tempore, isto é, se o credor exige o pagamento se ainda não se impeliu a condição, ou não se atingiu o têrmo ( M A N U E L G O N Ç A L V E S DA SILVA, I, 273: "Tempore plus petit, qui petit ante diem, vel condicionem pactioni, seu obligationi adiectam"), porque pagar mais cedo é pagar mais do que se teria de pagar, c) Loco, isto é, quando se exige que se pague em lugar que não é aquêle em que se tem de adimplir ( B . PHILIP. VICAT, Vocabularium, Iuris, III, 4 0 2 : "Loco, quum quod ut certo detur loco cautum est, stipulatione, vel alio modo petitur, non facta mentione loci, in quo peti debuit. Loci nempe mentione facta, actioneque arbitraria constituía, ut iniquitas loci compensetur, alio loco recte petitur"). d) Causa, isto é, quando se pede, objetivamente, o que não se deve com a causa invocada (§ 33,1, de actionibus, 4, 6). Voltando ao assunto, de haver pena privada nos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil, cumpre-nos frisar: No art. 1.530, somente há o desconto dos juros correspondentes e a pagar as custas em dobro. A regra jurídica não incide se ocorre algum dos casos previstos no art. 954, ou algum que lex specialis haja concebido. No art. 1.531, supõe-se que dívida existia, mas já fôra solvida, no todo; ou em parte, sem que o credor se restringisse a só pedir o que restava, ou que a haja pedido mais do que se lhe devia. A pena privada consiste em pagar ao devedor o dôbro do que lhe pedira, se a demanda fôra da dívida solvida, ou da parte da dívida ainda não solvida e da parte já solvida. Não há inconveniente em que se chame a tais sanções penas privadas. Não se há de dizer que se repara, que há, na regra jurídica, apenas a função de satisfação, se a sanção não cobre os danos, em natura, ou por outros valores; e o que se estatui somente submete o ofensor a diminuição dos bens que lhe tocam, ou de restrição a direitos de personalidade. Caráter primitivo não tem a prestação de soma em dinheiro se o dano foi moral. Não se pode negar que exista se o que se presta não satisfaz, quer na mesma espécie, quer em valor. As sanções dos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil de modo nenhum indenizam totalmente. Tanto assim que o demandado que, pela instauração da lide, foi, por exemplo, levado à decretação da abertura da falência, ou ao pedido de concordata, pode propor contra o demandante a ação com fundamento nos artigos 159 e 1.518. Nos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil não se cogitou do lugar e da causa. Provêm êles das Ordenações Filipinas, Livro Hl, Títulos 34, 35 e 36. Já assim as Ordenações Afonsinas, Livro III, Títulos 32, 33 e 34.

Quanto à divida já paga, no todo ou em parte, procederam de Dom Dinis as regras jurídicas. Cf. Ordenações Manuelinas, Livro IH, Títulos 25-27. De iure condendo, foi contra tais medidas FRANCISCO DE PAULA BATISTA, entendendo que as Ordenações Filipinas, Livro El, Títulos 34, 35 e 36, estavam revogadas pelo Dec. n. 737, de 25 de novembro de 1850, por ser processual o assunto. Sem razão, e a inserção das regras jurídicas dos arts. 1.530 e 1.531 no Código Civil veio confirmar que a pena pode ser pelo exercício da ação (ação, no sentido do direito material) ou pelo exercício do remédio jurídico processual. Por isso, tanto o Código Civil como o Código de Processo Civil podem conter sanções que se refiram a abuso do direito. Se o autor cedeu os seus direitos, o cessionário não fica sujeito às penalidades dos art. 1.530 e 1.531 do Código Civil. Justa é a ignorância do fato alheio ( M A N U E L GONÇALVES DA SILVA, Commentaria ad Ordinationes Regni Portugalliae, I, 279: "Unde cessionarius, qui in ius succedit alterius, plus petens, non damnatur ex expensis... Iusta enim est ignorantia facti alieni, in quo prudentissimus etiam errare potest... Nisi is, qui ignorantiam facti alieni allegat, saepius illud tractasset, vel eius tractactioni interfuisset, ut sunt compositores amicabiles, seu mediatores, vel arbitratores, et c., vel nisi aliquid promulgatum sit, vel factum alienum grave sit, quod non facile excidat memória"). Salvo: a) se o cessionário foi coator ou cúmplice na plus petitio; b) se tão grave foi o fato que déle devam ter ciência todos; c) se o cessionário conhecia o fato da plus petitio, como, por exemplo, se era o procurador ou advogado do demandante; d) se o ignorava, mas, vindo a ter conhecimento do ocorrido, insiste na ação ( M A N U E L GONÇALVES DA SILVA, Commentaria ad Ordinationes Regni Portugalliae, I, 279), caso em que, logo após a informação, teria o cessionário de retificar a petição (FRANCISCO DE PAULA BATISTA, Compêndio de Teoria e Prática do Processo Civil, ed. de PONTES DE MIRANDA, § 105 e notas). Se o caso não é para se decretar a pena contra o cessionário, a sentença tem de condenar o autor, como se cessão não tivesse havido. Se o procurador, sem ciência do autor, pediu mais do que o demandado devia ao autor, então, êle, e não o autor, é o responsável, salvo se o autor expressa ou tácitamente ratifica a petição, isto é, se vem a saber do que ocorreu e não proíbe o andamento da causa, ou não exige a retificação ( M A N U E L GONÇALVES DA SILVA, Commentaria ad Ordinationes Regni Portugalliae, I, 279: "...quando petitio facta fuit per procuratorem, qui non dicitur habere mandatum ad faciendum incidere dominum in poenam... Nisi post motam litem dominaus ratificet tacite, vel expresse, vel sciens, motam litem fuisse, non prohibuit").

Ainda que por falta de culpa não se possa punir o autor, basta que haja a do procurador para que, feita a prova, se lhe aplique a pena. Mas, se não há prova da ignorância por parte do autor, pressume-se que conhecia o que o procurador fêz, porque procurator non sensetur habere mandatum ad faciendum dominum incidere in poenas. Primeiramente, advirtamos que a lei apenas determinou, excepcionalmente, duas especies de danos que os credores causam, na cobrança das dívidas. De modo nenhum, com isso, se afastam as espécies em que alguém, cometendo ato ilícito absoluto, cobra dívida. O caso principal é o do falso credor, isto é, de quem se diz credor sem ser. Seria, aliás, absurdo que se considerasse ato ilícito absoluto o de quem cobra divida antes de vencida, ou demanda por dívida já paga, ou pede mais do que era devido, e não se tivesse como tal a demanda condenatoria ou executiva pela pessoa que não era credor. Ali, a punição é segundo os pressupostos que apontam nos artigos 1.530 e 1.531 do Código Civil, isto é, se o credor - note-se bem: o credor - demanda o devedor antes de vencida a dívida, se é que, na espécie, a lei não o permite, ou por dívida já paga, sem ressalva do que já recebera, ou se pede mais do que lhe é devido. Se o demandante não era credor, ou o deixara de ser antes de propor a ação, a reparação dos danos é segundo os princípios gerais. Aliás, de modo nenhum a incidência, ou a invocabilidade dos arts. 1.530 e 1.531, nas espécies que eles precisamente designam, afasta a ação de indenização pelo ato ilícito da cobrança, inclusive em reconvenção. Quem paga a dívida alheia, crendo que tinha de pagar, inclusive no caso do pagante erradamente se ter considerado vinculado, ou mesmo como co-devedor, não tem ação de restituição contra quem seria o credor (L. 44, D., de condictione indebiti, 12, 6: "Repetitio nulla est ab eo qui suum recepit tametsi ab alio quam vero debitore solutum est"). Se o êrro consistiu em crer-se devedor, discute-se se tem a condictio indebiti contra o credor, ou apenas a ação de regresso contra o devedor, ou se tem a escolha entre as duas. Não se pode pensar em responsabilidade do devedor como dono do negócio jurídico, porque, ex hypothesi, o pagante não praticou o ato-fato jurídico do pagamento como gestor de negócios alheios. Só se poderia tratar de ação de enriquecimento injustificado. ¿Tem êle ação de enriquecimento injustificado contra o credor, pois o que êle cobrou foi a dívida de outrem? A resposta vulgar é no sentido afirmativo, pois o que foi pago foi o que não existia (e. g„ JOSEF ESSER, Lehrbuch des Schuldrechts, 445; ERICH M O L I T O R , Schuldrecht, I I , 2.a ed., 171). O devedor, se havia,

não ficou liberado, como ficaria se o terceiro lhe houvesse pago a dívida. Pode bem ser que não houvesse devedor. O credor que recebeu sem advertir que o pagante não devia, ou, talvez, que não existisse dívida, procedeu de má fé, ou por êrro. A dívida que êle cria sua não existia. Se dívida existia era de outrem e isso êle não quis pagar. Portanto, conforme a L. 65, § 9, D., de condictione indebiti, 12, 6, há a condictio indebiti: "Indebitum est non tantum, quod omnino non debetur, sed et quod alii debetur, si alii solvatur, aut si id quod alius debebat alius quasi ipse debeat solvat". O texto é de PAULO. O que se considera indevido não é só o que de modo nenhum se deve, mas também o que se deve a um e se paga a outrem, ou se o que alguém devia outrem o paga como se devesse. Aqui, porém, o que nos interessa é a eventual ilicitude. Pode quem se deixou considerar credor ter provocado o pagamento e o seu ato evidentemente é ilícito absoluto. Dá-se o mesmo se o pagante lhe perguntou se era credor, ou se era o credor, e o recebedor da quantia em dinheiro ou outra prestação não só errou como foi o culpado do pagamento injustificado. Aí, há ato ilícito absoluto. - Nem só a cobrança de dívidas não vencidas, ou já pagas, pode constituir ato ilícito. A cobrança de dívida extinta, sem ser por adimplemento basta, conforme os princípios sôbre a culpa, para que a responsabilidade se estabeleça. 2 . DÍVIDAS NÃO VENCIDAS.

Se há títulos de diferentes datas e só um não está vencido, ou só alguns não estão, tem-se, na sentença, de aplicar o art. 1.530 do Código Civil apenas aos que não estavam vencidos (sem razão, a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a 2 de maio de 1952, J. de 1953, 357). As penalidades do art. 1.530 de modo nenhum afastam a ação de indenização por ato ilícito absoluto, com base no art. 159 ou no art. 1.521. A incidência do art. 1.530 não exige que tenha havido alegação e prova de dano. Daí acertadamente ter dito o 2.° Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 14 de agosto de 1940 (R. dos T., 131, 602), que é de se repudiar a afirmativa de que a habilitação legal do advogado seja suficiente para se pré-excluir a culpa, in eligendo, ou, em certos casos, in vigilando, do cliente: presume-se que o advogado seguiu as instruções do cliente e obrou de conformidade com as instruções recebidas. No art. 1.530 há dois pontos que merecem exame atento: fala-se em ficar obrigado o credor a) a esperar o tempo que faltava para o v e n c i m e n t o e è ) a descontar os juros correspondentes. Quanto a a), há apenas explici-

tação, porque, se a dívida não estava vencida, óbvio é que tem o credor de que se vença. O legislador não teve a exatidão que se encontrava nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título 34, pr., onde apenas se dizia como havia de sentenciar o juiz. Quanto a b), os juros, que se descontam, são os correspondentes ao tempo que antecedera ao vencimento. Se a dívida se venceria em dezembro e a cobrança fôra em março, como se a dívida estivesse vencida, tendo o devedor pago adiantadamente os juros, de x por mês, o credor tem de descontar da dívida dez vêzes x, como pena privada. Se os juros teriam de ser pagos cada mês, o desconto é feito pela exclusão dos pagamentos: deixaram de ser devidos. Observou-se que a incidência do art. 1.530 é automática. Se o juiz não se referiu à pena, pode o demandado apresentar embargos de declaração. É dever do juiz, que se refere a fatos previstos no art. 1.530, aplicar a lei, que automáticamente incidira. Dever de aplicar de ofício. No art. 1.530 nenhuma vez se alude a dolo ou má fé. Nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título 24, pr., está o expressivo "maliciosamente", duas vêzes. Mas havia a referência à "ignorância, ou simpleza, sem outro engano ou malícia", que escusaria, e a margem para a condenação no dôbro das custas, "segundo a simpleza, ou culpa, em que fôr achado". "Maliciosamente" também aparece nas Ordenações Manuelinas, Livro IH, Título 25; e nas Ordenações Afonsinas. Livro EI, Título 32, pr. esperar

Se houve êrro escusável ou engano escusável, a regra jurídica não incide. O ônus de alegar e provar que o êrro escusável ou o engano escusável ocorreu incumbe ao credor demandante, ou reconvinte, ou quem alegou compensação. A culpa é presumida. O art. 1.530 não fala em culpa, nem dolo; de modo que a interpretação que se há de dar é a que faz presumida a culpa, salvo ao demandante, ou reconvinte, ou alegante de compensação, o poder objetar que não se há de aplicar a pena privada, pois procedera por êrro escusável ou por engano. 3. DÍVIDAS JÁ PAGAS. - O devedor, ou terceiro, interessado, ou não, no pagamento, pode ter pago à data do vencimento, ou antes, ou depois, o que se devia. Liberado está o devedor e a lei cogitou da cobrança de dívidas já pagas. Discutiu-se se o êrro ou engano do demandante afasta a incidência do art. 1.531 do Código Civil e invocou-se, depois, o art. 64 do Código de Processo Civil, onde se fala de dolo ou culpa. Primeiramente, o objeto do art. 1.531 do Código Civil é diferente do objeto do art. 64 do Código

de Processo Civil. A favor da opinião que exige ter havido culpa, de modo que o êrro ou engano justificável pré-exclui a aplicação do artigo 1.531 do Código Civil, a 2.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 19 de novembro de 1939 e a 19 de dezembro de 1941 (A. /., 55, 14; 62, 263), a 1.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de novembro de 1954, a 8.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 29 de agosto de 1950 (99, 371), a 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, a 20 de março de 1951 (R. dos T. da Bahia, 43, 244), que, erradamente, fala de "dolo", que estaria no texto (o artigo 1.531 de modo nenhum se refere a dolo, ou, mesmo, a culpa), a 5.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 15 de julho de 1941 (R. dos T., 137, 296), a 2.a Câmara Cível do Rio Grande do Sul, a 8 de janeiro de 1947 (/., 29, 197), a 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, a 22 de maio de 1951 (Paraná J., 54,171), a 5 a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 2 de fevereiro e a 17 de agosto de 1951, a 3.a Câmara Civil, a 17 de março de 1952, a 6.a Câmara Civil, a 21 de janeiro de 1949, a 4.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 5 de maio de 1942 e 1945 (R. dos T., 139,198 e 165,194), a l. a Câmara Civil, a 7 de agosto de 1944, (152,222), 2.° Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, 15 de outubro de 1942 (145, 139), a 2.a Câmara Civil, a 28 de outubro de 1941 (138, 184), e a 3.a Câmara Civü, 19 de agosto de 1942 (140, 568). Tôda a jurisprudência foi, portanto, no sentido que demos, em 1930, ao art. 1.531 (Das Obrigações por atos ilícitos, II, 492). A 2.a Câmara Civil do Tribunal de Alçada de São Paulo, a 15 de setembro de 1953, decidiu que a ação de despejo há de ser tratada como as ações de cobrança, se não havia alugueres atrasados. A solução foi acertada. Qualquer dívida, não vencida, ou já paga, no todo ou em parte, trate-se de prestação duradoura, ou não, por parte do outro figurante, é dívida inserível nas espécies em que se estabeleceu a sanção de pena privada. As Ordenações Afonsinas, Livro III, Título 32, pr., onde se fala de "auçam pessoal", as Ordenações Manuelinas, Livro III, Título 25, pr., e as Ordenações Filipinas, Livro m , Título 34, pr., aludiram à natureza pessoal da ação. O Código Civil, não. De lege condendo, a solução foi acertada, e havemos de sublinhar a diferença entre o direito anterior e o vigente, para que não se deixe de aplicar o art. 1.530 com invocação de só se referir às cobranças em ações pessoais. O credor, com direito pignoraticio, ou hipotecário, ou caucionai, ou outro direito real de garantia, está sujeito a incidência do art. 1.530, como à do art. 1.531.

O ônus de alegar e provar que houve o êrro escusável ou o engano incumbe ao credor, seja êle demandante, ou reconvinte, ou parte que afirma caber compensação. escusável

4 . ABUSO DO DIREITO E ATO ILÍCITO. - Nos arts. 1 . 5 3 0 e 1 . 5 3 1 do Código Civil o que se pune, privatisticamente, é o ato ilícito da cobrança, ilicitude que o direito reinícola explicitou. Há espécies que são de ato ilícito por propositura de ação, ou mesmo exercício de pretensão, que não cabe no artigo 1 . 5 3 0 , nem no art. 1 . 5 3 1 ; por isso é sem fundamento dizer-se que quem usa "maldosamente do direito de ação sem interêsses e sem motivo legítimo, comete abuso do direito", ao passo que, se não há direito, ou pretensão, ou ação, e há negligência, ou imprudência, o caso é de ato ilícito, "falta de quem, sem direito, causa dano" (A. PEREIRA BRAGA, Exegese do Código de Processo Civil, I I , 2 8 1 ; JOSÉ DE A G U I A R DIAS, Da Responsabilidade Civil, II, 4.A ed., 515). Apenas convém que se precisem os conceitos: para que haja abuso do direito, por propositura de ação, são pressupostos existir o direito, a pretensão e ação (não basta que exista o direito, ou que existam o direito e a pretensão), que haja a pretensão à tutela jurídica, que o exercício do direito seja "irregular". Se o suporte fáctico da regra jurídica se compõe, há ilicitude por exercício irregular do direito. Se não há direito, ou se não há pretensão, ou se não há ação, o ilícito não ocorre por abuso do direito, e é responsável quem propôs a ação, causando, com culpa, o dano. Evite-se falar em malícia do autor, ou do reconvinte porque, no sistema jurídico brasileiro de hoje, é suficiente a culpa.

Se o caso se inclui no art. 1.530 ou no art. 1.531 do Código Civil, a responsabilidade nada tem com a culpa, a fortiori com a malícia (sem razão, a Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 22 de setembro de 1926, R. de D., 59, 593, o Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 7 de julho de 1926, R. F., 47, 721, que falou, abundamentemente, do "propósito de vexar", como se fôsse pressuposto; e 10 de outubro de 1923, 41, 572). No caso de falta do advogado, que recebera e, a despeito disso, propusera a ação, o Tribunal da Relação de Minas Gerais, a 9 de julho de 1924 (R. F., 43, 291), julgou improcedente a ação da responsabilidade pela cobrança de dívida já paga. Ora, a ação era procedente, e ao autor tocava, apenas, a ação regressiva contra o advogado. Acertado o Supremo Tribunal Federal, a 29 de dezembro de 1942 (D. da J„ de 3 de abril de 1943) e a 12 de outubro de 1942 (D. da J„ de 3 de abril de 1943). Não se exigem a alegação e a prova da culpa (sem razão, o Tribunal de Apelação de São Paulo, a 26 de setembro de 1939, R. dos T., 126, 189). Sem qualquer base jurídica e erros

graves de conceitos, a 2.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 19 de setembro de 1939 (R. J., 55, 14), e a 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, a 20 de março de 1951 (R. dos T., da Bahia, 43, 244). Discute-se se o caso é de presunção de culpa. Primeiramente, temos de afastar que não se trate de responsabilidade pelo risco, sem que qualquer defesa de nenhuma culpa tivesse o autor, ou o reconvinte. Se tal responsabilidade não existe de iure condito e se não se precisa alegar e provar a culpa do autor, do reconvinte ou excipiente, só há a saída de ser afirmar a presunção de culpa, o que explica e justifica a especialidade dos arts. 1.530 e 1.531 diante dos arts. 159 e 1.518. Se existe a presunção de culpa, discutiu-se se é presunção iuris tantum, ou se é presunção facti. JOSÉ DE AGUIAR DIAS (Da Responsabilidade civil, II, 4.a ed., 519 e 521) sustentara tratar-se de presunção inris tantum, mas depois cedeu à afirmação de OROSEMBO NONATO, em voto no Supremo Tribunal Federal (D. da J. de 11 de fevereiro de 1947) que sustentou ser facti a presunção. De modo nenhum; se há, nos arts. 1.530 e 1.531, presunção, tal presunção é iuris tantum. As presunções iuris tantum podem resultar de textos explícitos, óu de interpretação da regra jurídica. Pela presunção iuris tantum, a 8.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a 29 de agosto de 1950 (A. /., 99, 371). A exigência da alegação e da prova de malícia, da má fé, ou da culpa deturparia o art. 1.531, ou o art. 1.530. O Código Civil afastou-se da interpretação do direito reinícola, de que procedem as duas regras jurídicas, consideraria de regra como pressuposto: a malícia. A jurisprudência contrária é sem qualquer justificativa (e. g., Côrte de Apelação do Distrito Federal, 22 de setembro de 1926, R. de D., 82, 164; 2.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, 5 de maio de 1943, R. R., 95, 610; Supremo Tribunal Federal, 7 de maio de 1948, O D., 56, 153; 1.a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, 22 de maio de 1951, Paraná J., 54, 171; 3.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de março de 1952; 5.a Câmara Civil, 2 de fevereiro de 1951, R. dos T., 191, 747; 6.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 18 de fevereiro de 1943, 144, 193; e 9 de agosto de 1945, 165, 194; e 2.° Grupo das Câmaras Civis, 15 de outubro de 1942, 145, 139). 5 . ABSTRAÇÃO DO ELEMENTO OBJETIVO DO DANO. - O artigo 1 . 5 3 0 e o art. 1.531 do Código Civil abstraem do dano, que possa ter existido. Trata-se de pena privada. Se dano houve, mesmo em caso de c o b r a n ç a de dívida não vencida, ou já paga, a ação pode ser a de indenização pelo ato ilícito conforme os princípios gerais (arts. 1 5 9 e 1 . 5 1 8 ) . Com razão, o 2.

Grupo de Câmaras Civis do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 14 de agosto de 1940 (R. dos T., 131, 602); sem razão, a 4.a Câmara Civil, a 18 de fevereiro de 1943, 144, 193. Quando o demandado pede a aplicação do art. 1.530 ou do art. 1.531, pode pedir, como plus, a indenização por ter sofrido danos. A pretensão é outra, sem que se possa argüir ser incabível a cumulação (2.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 28 de outubro de 1941, R. dos T., 138, 184). 6. AÇÃO E RECONVENÇÃO. - O autor, o reconvinte, não o excipiente, pode ser responsável pela cobrança. Surgiu o problema da inclusão do réu em ação de prestação de contas, que sustenta ser credor, e não devedor, e a 1.a Turma do Supremo Tribunal Federal, a 14 de abril de 1941 (A. /., 59, 362), julgou que ao réu não se pode estender a regra jurídica do art. 1.531. A ação de prestação de contas é ação em que pode ser autor o devedor, como pode ser autor o credor: ali, a petição inicial contém as contas de débito e de crédito; aqui, a petição inicial é para que o devedor venha a j u ízo prestar as contas. Por isso, temos de repelir a interpretação demasiado restrita que deu ao art. 1.521 a 1.a Turma. 7. DESISTÊNCIA. - A desistência, depois de contestada a lide, é ineficaz para que se afaste a pena privada (5.a Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 15 de julho de 1941, i?, ¿ra T., 137,296; 1.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 11 de novembro de 1940,134,174). 8. EXERCÍCIO. - O pedido de aplicação do art. 1.530 ou do art. 1.531 pode ser feito em reconvenção, ou em ação de prestação de contas, ou em ação de pena privada, que se baseie na decisão trânsita em julgado sôbre a improcedência total ou parcial da ação do pretendido devedor por quanto total ou parcial. Quanto à reconvenção, ou a ação dita autônoma, a 3.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 19 de agosto de 1942 (R. dos T., 140, 568), e a I a Câmara Civil, a 8 de novembro de 1954. 9. RESSARCIMENTO DOS DANOS CAUSADOS. - O exercício da pretensão a tutela jurídica com o exercício da ação de cobrança pode causar danos que têm de ser ressarcidos, mesmo nos casos em que se há de aplicar a pena privada. Aliás, êsses danos podem ser oriundos de exercício de pretensão antes de qualquer propositura de ação de cobrança, como se êles procederam de interpelação, protesto judicial ou extrajudicial, ou de qualquer publicação.

Panorama atual pelo Atualizador § 5.534. A - Legislação Neste seguimento da obra o autor invoca os seguintes dispositivos: art. 916 do CC/1916 (art. 409 do CC/2002); art. 927 do CC/1916 (art. 416 do CC/2002); art. 954 do CC/1916 (art. 333 do CC/2002); art. 1.530 do CC/1916 (art. 939 do CC/2002); e art. 1531 do CC/1916 (art. 940 do CC/2002).

§ 5.534. B - Doutrina Vide, também, as anotações constantes do § 5.532 deste t. LIV. Volta o autor a abordar a questão relativa ao credor que demanda o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos permitidos pela própria lei (art. 939 do CC/2002) e a hipótese daquele que demanda por dívida já paga ou pede mais do que o devido (art. 940 do CC/2002). É certo que essas questões já foram abordadas pelo querido Pontes de Miranda no § 5.532 do t. LIV desta obra. Todavia o estudo foi desenvolvido pelo autor para destacar aspecto específico da questão, ou seja, que tais preceitos legais do Código Civil de 1916 tratavam de penalidades Impostas pela lei e não exatamente de hipóteses de imposição com caráter indenizatório e, portanto, fora rio âmbito da responsabilidade civil. Mas a afirmação não é peremptória, nem se trata de posição rigorosamente assumida, tanto que esse autor diz que dos arts. 1.530 e 1.531 do CC/1916 "não resulta só dever de ressarcimento. Resultam penalidades por infração de deveres que a lei criou (cf. art. 916, 927, 1.530 e 1.531). Aliás, do original da obra lê-se que tais arts. 1.530 e 1.531 "não são rigorosamente regras jurídicas sobre indenizações". Como se verifica, o autor invocou artigos do Código Civil de 1916, ou seja, o art. 916 (atual art. 409), que dispunha sobre a cláusula penal; o art. 927 (atual art. 416), que se inseria no capítulo da cláusula penal e fazia referência à "pena convencional" e o art. 954 (atual art. 333), que estabelecia, como exceção, as hipóteses nas quais o credor poderia cobrar a dívida antes de vencido o prazo. Não há como divergir de tais assentamentos. Aliás, nas observações que fizemos no § 5.532 desta obra deixamos assentado expressamente o que segue: "A primeira observação que a redação enseja é de que a lei caracterizou como 'pena' os encargos estabelecidos nos arts. 939 (espera pelo tempo que faltava para vencer a dívida como condição para voltar a cobrar a dívida; desconto dos juros e pagamento de custas em dobro) e 940 (pagar o dobro do que houver cobrado ou o equivalente do que foi exigido do devedor). As sanções estabelecidas nessas normas têm, efetivamente, caráter punitivo, embora as duas primeiras sejam inócuas". E essa afirmação foi feita de lege lata, pois o art. 941 do CC/2002 é expresso quando preceitua que "as penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão....

Aliás, os comentários desenvolvidos pelo autor nesta quadra continuam atuais, pois as normas referidas só receberam alteração redacional, mas não de fundo ou substância. Todavia, a nós parece que as disposições referidas pelo autor - segundo a lei de regência - embora tenham natureza punitiva, inserem-se com mais conforto e por vocação, no campo dos atos ilícitos e, portanto, referem-se à responsabilidade civil das pessoas, não obstante esse peculiar aspecto. Acrescente-se que no Código Civil de 1916 as disposições relativas ao tema sob estudo encontram-se nos art. 1.530 e 1.531, incluídas no Título VII, relativo às "obrigações por atos ilícitos" e no Código Civil de 2002 os correspondentes artigos 939 e 940 incluem-se no Título IX ("Da Responsabilidade Civil"), Capítulo I ("Da Obrigação de Indenizar"). Ocorre, contudo, que o exame da natureza das regras jurídicas dos arts. 1.530 e 1.531 do CC/1916 desenvolvido pelo autor não esgotam o excepcional estudo contido neste parágrafo. Com perfeita exação o autor admite que "nem só a cobrança de dívidas não vencidas, ou já pagas, pode constituir ato ilícito", acrescentando que "a cobrança de dívida extinta, sem ser por adimplemento basta, conforme os princípios sobre a culpa, para que a responsabilidade se estabeleça". Perceba-se que o trabalho faz menção expressa à responsabilidade civil do agente. Aliás, dúvida não fica quanto ao posicionamento do autor quando expõe, in verbis: "Se dano houve, mesmo em caso de cobrança de dívida não vencida, ou já paga, a ação pode ser a de indenização pelo ato ilícito conforme os princípios gerais (arts. 159 e 1.518)". O estudo desenvolvido neste seguimento dispensa quaisquer outros comentários, considerando sua atualidade, adequação e perfeita exação.

§ 5.535. AÇÃO DO DEMANDADO 1. ALEGAÇÃO DE SER APLICÁVEL O ART. 1 . 5 3 0 o u o ARTIGO 1 . 5 3 1 DO CÓDIGO CIVIL. - O devedor, se a dívida ainda não podia ser cobrada, ou

o ex-devedor, que solveu a dívida, tem de alegar que a dívida ainda não podia ser cobrada, ou que já tinha sido solvida. De iure condendo, tinha-se de edictar regra jurídica sôbre o tempo para a alegação. Por exemplo, considerar o momento da contestação da lide, como o único em que teria de ser argüida a infração, ou o em que teria de reconvir, ou êsse ou qualquer momento posterior. A lei não escolheu. Se o demandado, na contestação, diz que a dívida não está vencida, ou já foi paga, é assunto para a sentença. 0 juiz há de aplicar o art. 1.530, ou o art. 1.531.

A pena do art. 1.531, como a do art. 1.530, pode ser pedida na contestação ou por reconvenção, ou em ação posterior ao pleito (1.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 8 de novembro de 1954; sem razão, por afastar a ação posterior, a 2.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, a 2 de setembro de 1941, R. dos T., 134, 221). O devedor pode ignorar que a dívida não estava vencida e só saber disso depois da contestação, ou do prazo para a reconvenção. Pode ignorar que outrem pagou por êle, ou que banco ou emprêsa, que costuma prestar o necessário a pagamento de dívidas, solveu a dívida. Enquanto não se profere a sentença, há a alegabilidade, por se tratar de ignorância de fato. Após a sentença, a única solução é a de se alegar em recurso, ou em ação rescisória. As penas dos arts. 1.530 e 1.531 do Código Civil não se aplicam se o autor desiste da ação antes de contestada a lide. É o que está no art. 1.532. Com a contestação, está extinta qualquer eficácia da desistência no tocante às penas (cf. 1.a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 11 de novembro de 1940, R. dos T., 134, 174). 2. DESISTÊNCIA DA AÇÃO. - Se, antes de contestada a lide, ou autor desiste da ação, não há invocabilidade do artigo 1.530 ou do art. 1.531. Pode êle ter obrado de boa fé; e. g., ignorou que alguém houvesse pago a dívida, depositando a quantia na conta do banco. O perdão jurídico que se contém no art. 1.532 não se estende ao processo; de modo que pelas custas e despesas responde o autor, infringente ou não, mesmo quando haja desistido antes da contestação. - Os arts. 1 . 5 3 0 e 1 . 5 3 1 do Código Civil, como os textos das Ordenações Filipinas, L. III, Títulos 34 35 e 36, só incidem em petições judiciárias, e não em requerimentos ou pedidos extrajudiciais ( M A N U E L GONÇALVES DA SILVA, Commentaria ad Ordinationes Regni Portugalliae, I, 279). 3 . EXTENSÃO DOS TEXTOS LEGAIS.

Panorama atual pelo Atualizador § 5.535. A - Legislação No desenvolvimento deste parágrafo o autor invocou os arts. 1.530 e 1.531 do CC/1916, atuais arts. 939 e 940 do CC/2002, que dispõem:

"Art. 939. O credor que demandar o devedor antes de vencida a divida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro." "Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição."

§ 5.535. B - Doutrina Neste seguimento da obra o autor criticou a legislação então vigente (arts. 1.530 e 1.531 do CC/1916), por entender que o legislador deveria editar regra jurídico-processual acerca do momento para essa alegação, ou seja, do devedor, no sentido de que a dívida ainda não podia ser cobrada, ou do ex-devedor, de que já havia solvido a dívida. E, de fato, tais regras não existiam à época em que a obra foi publicada e não existem atualmente. Esclareceu e ensinou, também o autor, que as sanções ou penas dos arts. 1.530 e 1.531 do CC/1916 (atuais arts. 939 e 940 do CC/2002) podem ser requeridas na contestação, pela via da reconvenção ou em ação autônoma posterior, questão sobre a qual não há disceptação, posto que o entendimento é escorreito. Processualmente essas são as hipóteses possíveis para obter-se a imposição das penas e obtenção da indenização a que se refere o atual art. 941 do CC/2002. Outro aspecto da questão também comporta dilucidação. Preceitua esse art. 941 do CC/2002 (substitutivo do art. 1.532 do CC/1916, mas com nova redação) que se o autor desistir da ação antes de contestada a lide, o réu terá direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido. Dúvida não ressuma de que a norma está se referindo apenas ao dano material. Ou seja, se houver desistência da ação antes de contestada a lide, não mais incidirão as penalidades previstas nos arts. 939 e 940 do CC/2002. Entretanto, o art. 941 contém ressalva quando ao direito do réu de obter "indenização". Significa que o réu terá que ingressar com ação autônoma para a obtenção da reparação civil de algum prejuízo. Aliás, a norma é expressa quando exige que o réu deva provar esse prejuízo. Todavia, utilizamos da expressão "reparação" pelo fato de que a indenização prevista naquela norma citada (art. 941) tem sentido restritivo, relacionado ao dano material, sendo certo, contudo, que ao réu indevidamente demandado caberá também o direito de obter compensação por dano moral, por força do que dispõe o art. 5.°, X, da CF/1988. Significa que, atualmente, a realidade é outra, tendo em vista o advento da CF/1988 e não por mérito do estatuto civil em vigor, que nada dispôs acerca do dano moral. Do que se infere que o legislador de 2002 foi tão restritivo quanto o legislador de 1916.

§ 5.535. C - Jurisprudência Súmula 159 do STF: Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil (referia-se ao Código Civil de 1916). "A aplicação da 'pena privada' do art. 1.531 do CC/1916 (atual art. 940 do CC/2002) pressupõe o ajuizamento de demanda com malicioso pedido de dívida já paga, ou de quantia maior do que a realmente devida" (STJ, REsp 14.016/SP, 4.a T., j. 10.08.1992, rei. Min. Athos Carneiro, DJ 31.08.1992). "A indevida cobrança de parcelas já pagas enseja o direito de pleitear reparação por dano moral, que é por si só indenizável. Não há um critério objetivo para a fixação da indenização pelos danos morais sofridos, devendo o problema ser solucionado dentro do prudente arbítrio do julgador à luz das peculiaridades de cada caso, e de maneira que o lesado tenha reparação, mas de maneira também que o patrimônio do ofensor não seja por demais ofendido" (TJSC, 1.a Câm., Ap 00.000721-8, j. 07.08.2001, rei. Des. Ruy Pedro Schneider, Bol. AASP 2293/639, 09 a 15.12.2002).

CAPÍTULO X I

DANOS À PESSOA

§ 5.536. INJURIA, CALÚNIA E OUTRAS OFENSAS 1. OFENSA À INTEGRIDADE MORAL E SOCIAL DA PESSOA. - O a r t . 1 . 5 4 7

do Código Civil refere-se à injúria e à calúnia. Além de se ter de dar à injúria e à calúnia conceito que não se junge ao do direito penal, não só ofende à honra da pessoa quem a injuria ou calunia. No Evangelho de São Mateus (16, 26) fala-se de "dano da alma". O Preussisches Allgemeines Landrecht (I, 6 § 1) definiu o dano como o detrimento ou menoscabo que sofre o homem em seu corpo, liberdade, honra e patrimônio. Assim foi em muitos povos (cf. O . HAMMER, Die Lehre von Schadensersatz nach dem Sachsenspiegel und den verwandten Rechtsquellen, 1 s.; SENG, Zur Frage der Vergiitung nichtõkonomischen Schadens aus Delikten, Archivfiir Bürgerliches Recht, V. 374). O dano moral, se não é, verdadeiramente, dano suscetível de fixação pecuniária equivalencial, tem-se de reparar equitativamente, sem se afastar que haja a apreciação operacional dos benefícios. Também se há de atender a que pode ter havido culpa por parte do lesado, sem ser culpa pré-elidente da indenizabilidade, caso em que se atenua a responsabilidade do lesante. De qualquer modo, o dano moral é indenizável, sem qualquer secundariedade. A reparação natural é, quase sempre, impossível. Daí a necessidade de se encontrar o valor patrimonial, por eqüidade, mesmo no caso de pecunia doloris. A ação para que se retire cartaz injurioso é ação de reparação natural, e ao pedido pode-se aditar o de retratação pública, bem como o de indenização. As ações são separáveis.

Os interesses de afeição podem, às vêzes, ser reparados naturalmente. Se não são reparáveis em natura, o caminho, que se tem, é o da avaliação por eqüidade. Certamente, é irreparável, em natura, a reação psicológica interna, que a injúria ou a calúnia causou, mas as suas conseqüências o têm de ser. Não se pode dizer que baste, para se reparar em natura, que o ofensor retire o que disse, retifique a asserção, ou se retrate públicamente. O que os sistemas jurídicos têm por fito é dar aos interessados os meios para se corrigir - lato senso - o que se produziu contra a sua vontade, ou contra a lei. O usufrutuário da casa grande ou do castelo não pode plantar canas no jardim da frente (cf. ULPIANO, L . 13, § 4 , D d e usufructu et quemadmodum quis utaturfruatur, 7 , 1 ; sôbre o texto da L . 1 3 , § 4 , R U D O L F VON JHERING, Ein Gutacht, betreffend die Gãubahn, Jahrbiicher für die Dogmatik, 18, 69). No direito brasileiro, levanta-se a questão de se saber se a pessoa, B, que, ofendendo a honra ou matando a A e, com isso, pondo em estado de ter de ir para o hospital o pai ou a mãe de A, responde pelo dano. Primeiro, observe-se que não se trata de dano moral, mas de dano patrimonial; o dano moral, no segundo caso, foi à filha do doente, ou da doente. Segundo, que o dano por homicídio foi previsto no art. 1.537 do Código Civil; e o dano à honra, nos arts. 1.538-1.540. A resposta negativa está em F. VON L I S Z T (Die Deliktsobligationen, 65). Cumpre distinguirem-se as espécies principais: se nenhum propósito teve B de lesar o pai ou a mãe de A, compreende-se que não se estenda ao pai ou à mãe de B a legitimação ativa; mas, se o intuito foi êsse, há a legitimação ativa de A e do pai ou mãe de A. Mais se o pai ou a mãe de A estava presente quando B matou A e houve o enfarte do genitor, o ato de B causou diretamente os dois danos. Aliás, se B queria assassinar A e assassinou o pai ou a mãe de A, B responde, e responderia também pelo enfarte de A, ou a lesão por tropeçamento. O pressuposto da causalidade, como o de culpa, está, nas espécies, satisfeito. 2 . INJÚRIA E CALÚNIA. - Lê-se no Código Civil, artigo 1 . 5 4 7 : " A indenização por injúria ou calunia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido". E no seu parágrafo único: "Se êste não puder prover prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dôbro da multa no grau máximo de pena criminal respectiva (art. 1 . 5 5 0 ) " .

O fato de o Código Civil, no art. 1.547, só se referir à injúria e à calúnia de modo nenhum pré-exclui o ilícito absoluto no tocante a outras ofensas à honra (