Tráfico internacional de mulheres e crianças: Brasil: aspectos regionais e nacionais 9788502151963


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Tráfico internacional de mulheres e crianças: Brasil: aspectos regionais e nacionais
 9788502151963

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TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES E CRIANÇAS BRASIL A spectos R egionais e N acionais

Associação Internacional de Direito Penal

s a ra iv a ju r.c o m .b r

OBRAS DO AUTOR Código de Processo Penal anotado, Saraiva. Código Penal anotado, Saraiva. Crimes de corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais, Saraiva. Crimes de porte de arma de fogo e assemelhados-, anotações à parte criminal da Lei n. 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, Saraiva. Crimes de trânsito, Saraiva. Decisões anotadas do Supremo Tribunal Federal em matéria criminal, Saraiva. Direito penal, 1.° volume, Saraiva. Direito penal, 2 ° volume, Saraiva. Direito penal, 3 ° volume, Saraiva. Direito penal, 4.° volume, Saraiva. Imputação objetiva, Saraiva. Lei Antitóxicos anotada, Saraiva. Lei das Contravenções Penais anotada, Saraiva. Lei dos Juizados Especiais Criminais anotada, Saraiva Novas questões criminais, Saraiva. Novíssimas questões criminais, Saraiva. O novo sistema penal, Saraiva. Penas alternativas, Saraiva. Prescrição penal, Saraiva. Questões criminais, Saraiva. Temas de direito criminal, 1.“série, Saraiva. Temas de direito criminal, 2 .asérie, Saraiva. Teoria do domínio do fa to no concurso de pessoas, Saraiva. Tráfico internacional de mulheres e crianças — Brasil, Saraiva.

DAMÁSIO DE JESUS

TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES E CRIANÇAS BRASIL Aspectos Regionais e Nacionais Associação Internacional de Direito Penal

2003

> ^ É E d ito ra

S araiv a

ISBN 978-85-02-15196-3

D a d o s In te rn a c io n a is d e C a ta lo g a ç ã o na P u b lic a ç ã o (C IP ) (C â m a ra B ra s ile ira do Livro , SP, B ra s il)

J e s u s , D a m á s io de, 1935. T rá fico in te rn a c io n a l d e m u lh e re s e c ria n ç a s : B ra s il : a s p e c to s re g io n a is e n a c io n a is / D a m á sio de J e s u s . — S ã o P aulo : S a ra iv a , 20 03 . B ib lio g ra fia . 1. D ire ito p e n a l 2. T rá fico d e c ria n ç a s - B ra s il 3. T ráfico d e m u lh e re s - B ra s il I. T ítu lo . Editado também com o livro im presso em 2003.

ín d ic e s p a ra c a tá lo g o s is te m á tic o : 1. B ra s il : T rá fico de c ria n ç a s : D ire ito p e n a l 2. B ra s il : T rá fico d e m u lh e re s : D ire ito p e n a l

3 4 3 :3 2 6 .1 (8 1 ) 3 4 3 :3 2 6 .1 (8 1 )

Ao leal amigo IRAHY BAPTISTA DE ABREU, exemplo de homem e profissional.

Associação Internacional de Direito Penal

RELATÓRIO ELABORADO PELO AUTOR PARA O COLÓQUIO PREPARATÓRIO DO XVII CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL RIO DE JANEIRO 3 A 5 DE ABRIL DE 2002 Presidente M. CHERIF BASSIOUNI Relatora-Geral ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO

Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal Presidente: EVANDRO LINS E SILVA Vice-presidente: RENÉ ARIEL DOTTI Secretário-geral: SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA Diretor Secretário: CARLOS EDUARDO A. JAPIASSU Diretora Tesoureira: LUCIANA BOITEUX

AGRADECIMENTOS Aos dirigentes do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal pela confiança em nós depositada indicando-nos como Relator-Geral brasileiro no Colóquio Preparatório do Rio de Janeiro. À Editora Saraiva, que patrocinou parte da pesquisa. Às pessoas e instituições abaixo arroladas, que colaboraram di­ reta ou indiretamente para a realização do nosso trabalho: Andrelino Bento Santos Filho — Ministério Público da União. Che­ fia de Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça, DF Antônio Leandro da Fonseca Farias — Conselho Tutelar de Boa Vista, RR Aparecida Diogo — CEDIM, Assembléia Legislativa, RJ Carlos Eduardo Adriano Japiassu — AIDP Cláudio Ferraz de Alvarenga — Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo Conselho Tutelar de Curitiba, PR Delegacia Regional do Trabalho, RR Departamento de Polícia Federal, GO Departamento de Polícia Federal, SC Ela Wiecko Volkmer de Castilho — Procuradoria-Geral da Repú­ blica, DF Fábio Bechara — Ministério Público, SP Fábio George Cruz da Nóbrega — Procuradoria da República, GO Fórum Goiano pelo Fim da Violência Infanto-Juvenil, GO Francisco Moura Velho — DPF, DF João Baptista — DPF, GO Leslie Marques de Carvalho — M inistério Público da União, Promotoria de Justiça e Defesa da Infância e da Juventude, DF Luciano Pestana Barbosa — DPF, SP Lúcio Taveira — ABRAPIA, RJ

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Madi Rodrigues — Revista IstoE, SP Márcia Guedes — Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, BA Marcos Rolim — CHD, Câmara dos Deputados, DF Maria Aparecida Almeida — Secretaria de Assistência Social, SP Maria Aparecida de Laia — Conselho Estadual da Condição Femini­ na, SP Maria da Graça Fredenhagen — DPF, DF Maria José (Maninha) — Assembléia Legislativa Distrital, DF Maurício Reis — Secretaria de Justiça e de Direitos Humanos, MG Ministério Público da Bahia, BA Ministério Público, PR Nilmário Miranda — CDH, Câmara dos Deputados, DF Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes Violentos, MG Orlando Fantazzini — CDH, Câmara dos Deputados, DF Padre Roque — CDH, Câmara dos Deputados, DF Polícia Civil de Santa Catarina, SC Polícia Civil do Distrito Federal, DF Programa de Assistência às Vítimas da Violência Sexual, ES Rede SOS Racismo, MG Renato Simões — Assembléia Legislativa, SP René Ariel Dotti, AIDP Ricardo Cunha Chimenti — TJSP Sandra Valle — ODCCP Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, SP Secretaria de Segurança Pública, ES Secretaria de Segurança Pública, GO Secretaria de Segurança Pública, RR Secretaria de Segurança Pública, SP Secretaria do Trabalho e da Ação Social, BA

X

Selma Maria — Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, DF Tereza Cristina Cruz Vecina e Maria Amélia de Souza e Silva — Centro de Referência às Vítimas de Violência, SP Tribunal de Justiça, RS Wallace Pontes — DPF, ES D a m á s io

de

J esu s

XI

AUTORES DA PESQUISA Coordenação Geral Luís António Francisco de Souza Coordenação Jurídica Alice Bianchini Relatores Alice Bianchini André Rosemberg Luís Antônio F. Souza Consolidação de Dados André Rosemberg Marcelo Daher Márcia Marcondes Carvalhal Souza Levantamento de Dados Adriana Loche Cristina Neme Elisa Bianchini Marcelo Daher Régia de Oliveira Viviane Cubas

XIII

SUMÁRIO Agradecim entos........................................................................

IX

Autores da pesquisa..................................................................

XIII

A Associação Internacional de Direito Penal e o Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. XVII Congresso Internacional de Direito Penal................................................

XIX

Nota do a u to r.............................................................................. XXIII I — Introdução........................................................................... 1. Objetivo, justificativa e abrangência do relatório............ 2. Metodologia e dificuldades................................................ 3. Definição de tráfico de pessoas, especialmente de mulhe­ res e crianças........................................................................ 4. Padrões mínimos de prevenção e repressão ao trá fico 5. Padrões mínimos para a proteção e tratamento de vítimas de tráfico................................................................................ II — O tráfico internacional de pessoas: forma moderna de escravidão....................................................................... 1. Extensão do tráfico internacional...................................... 2. Extensão da migração e do tráfico de pessoas.................. 3. Causas do tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças............................................................................... 4. Rotas e fluxo do tráfico internacional de mulheres e crianças.................................................................................. 5. Histórico das convenções, pactos e conferências relativas ao tráfico................................................................................ 6. A Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional de Palermo e o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e C rianças.............................................................................. 7. Acordos, tratados e ações regionais para prevenir e re­ primir o tráfico de pessoas...................................................

1 4 4 7 10 11

13 13 16 18 21 27

38 43

XV

III — O Brasil: uma fonte do tráfico internacional de p essoas.................................................................................. 1. Perfil político, econômico e social do P aís....................... 2. Perfil do mercado de trabalho e em prego......................... 3. Desigualdade e relações raciais......................................... 4. Questão de gênero, desigualdade e violência contra a m ulher.................................................................................... 5. Trabalho escravo no B rasil................................................. IV — O tráfico de mulheres no B rasil.................................. 1. Extensão do tráfico de mulheres no B rasil....................... 1.1. A legislação sobre tráfico de mulheres no Brasil .... 1.1.1. Antecedentes legislativos................................. 1.1.2. Legislação a tu a l................................................ 1.1.3.0 Código Penal de 1969.................................. 1.1.4. Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código P enal..................................................... 1.2. Conceito e objetividade ju ríd ica............................... 1.3. Sujeitos do d e lito ....................................................... 1.3.1. Sujeito ativ o ...................................................... 1.3.1.1. Co-autoria e participação................... 1.3.1.2. Auxílio, instigação e induzimento .... 1.3.2. Sujeito passivo.................................................. 1.4. Elementos objetivos do tip o...................................... 1.4.1. Conduta.............................................................. 1.4.2. Presunção de violência..................................... 1.4.3. Conhecimento e consentimento da mulher de que seu deslocamento tem por finalidade o exercício da prostituição.................................. 1.5. Figuras típicas qualificadas....................................... 1.6. Elementos subjetivos do tip o .................................... 1.7. Qualificação doutrinária............................................ 1.8. Consumação e tentativa.............................................

XVI

52 52 56 58 61 65 71 71 76 76 77 78 79 81 85 85 86 86 87 89 89 90

93 95 99 99 101

1.9. Sanção p en al................................................................ 1.9.1. Tráfico de mulheres simples e qualificado 1.9.2. Distorções punitivas......................................... 1.10. Lugar do crim e............................................................. 1.11. Tempo do crim e.......................................................... 1.12. Confronto com outros tipos penais assemelhados 1.13. Ação p e n a l................................................................... 1.14. Com petência................................................................ Conexões Bilbao e Barcelona (Espanha).......................... Conexão Madri (Espanha).................................................. Conexão Israel..................................................................... Conexão Suíça..................................................................... Conexão Londres (Inglaterra)............................................ Rotas e mapa do tráfico no Brasil: regiões de origem; regiões e países de destino................................................... Perfil das vítimas e causas do tráfico................................. Formas de recrutamento e aliciamento............................. Dificuldades de prevenção e repressão.............................

122 127 129 132

V — O tráfico de crianças no B ra s il..................................... 1. Dimensão do tráfico e da exploração sexual de crianças 2. Como se procede ao tráfico de crianças no B rasil 3. Exploração sexual infanto-juvenil no B ra sil.................... 4. Pornografia infantil e pedofilia na Internet....................... 5. Redes de exploração sexual infanto-juvenil.....................

136 136 141 152 161 166

VI — Jurisprudência sobre o tráfico de mulheres e crianças

170

2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.

VII — Iniciativas de prevenção e repressão no Brasil e recom endações.................................................................... 1. Programas e instituições de intervenção e de assistência às vítim as............................................................................... 2. Programas de ação, sistemas de denúncia e accountability 3. Seminários e fóruns.............................................................

102 102 103 106 106 106 108 109 109 111 116 118 120

183 183 185 186

XVII

4. 5. 6. 7. 8.

Campanhas e eventos................................................... 189 Programas de suporte às OSCs de direitos humanos..... 190 Programas de informação, capacitação e pesquisa......... 191 Medidas de caráter legal e diplom ático..................... 193 Recomendações e plataforma de ação para o Brasil e América L atina.............................................................. 194

VIII — Conclusões...................................................................

202

IX — Respostas aos questionários........................................ Parte I — Tráfico Internacional de M ulheres.......................... Parte II — Tráfico Internacional de C rianças..........................

209 209 252

X — Referências bibliográficas..............................................

291

311 Apêndices.................................................................................... 1. Quadro geral das notícias veiculadas na imprensa nacional sobre exploração de mulheres e crianças (1994-2001). 311 2. Entrevistas (gravadas entre novembro e dezembro de 2001) 319 331 3. Instrumentos internacionais e leis brasileiras............ United Nations Convention against Transnational Organized Crime United Nations — 2000.................................... 331 Protocol to Prevent, Suppress and Punish Trafficking in Persons, especially Women and Children, supplementing the United Nations Convention against Transnational Organized Crime United Nations — 2 0 0 0 ................. 373 Decreto n. 2.740, de 20 de agosto de 1998.............................. 386 399 4. S ig las.............................................................................

xvm

A ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL E O TRÁFICO INTERNACIONAL DE MULHERES E CRIANÇAS. XVII CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL* O Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Pe­ nal promove, entre os dias 3 a 5 de abril de 2002, no Rio de Janeiro, um Colóquio Preparatório para o XVII Congresso Internacional de Direito Penal, que ocorrerá em Pequim, em 2004. Como já é tradicional, a centenária Associação, fundada por Von Lizst, Van Hamel e Prins, realiza seus Congressos Interna­ cionais a cada cinco anos, e dessa vez se dará em Pequim, na Chi­ na. Esses eventos são sempre divididos em quatro áreas temáticas: Parte Geral do Direito Penal, Parte Especial do Direito Penal, Di­ reito Processual Penal e Direito Penal Internacional. Além destas, ainda realiza mesas-redondas, que consistem em inovação na tra­ dição da AIDP. Para possibilitar o bom andamento dos trabalhos do Congresso, são organizados Colóquios Preparatórios em que se reúnem os dados apresentados por representantes dos 49 Grupos Nacionais e, assim, é elaborado um Relatório Geral, que será discutido em Pequim. O Tópico I terá como tema a “Responsabilidade Penal dos Meno­ res na Ordem Interna e Internacional”. O Colóquio Preparatório ocor­ rerá em Viena, Áustria, entre 26 e 28 de setembro de 2002, e terá como Presidente o Prof. Peter J. Schick, da Universidade de Graz, e como Relator-Geral o Prof. Reynald Ottenhof, da Universidade de Nantes. Já sobre o Tópico II, que tratará da “Corrupção e Delitos Correlatos nas Atividades Econômicas Internacionais”, haverá Co­ lóquio Preparatório em Tóquio, Japão. Seu Presidente será o Prof.

* Texto elaborado pelo Prof. Sérgio Salomão Shecaira, Secretário-Geral do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal, e Damásio de Jesus, Relator-Geral do Grupo Brasileiro para o Colóquio Preparatório do Rio de Janeiro.

XIX

Kunji Shibahara, da Universidade de Tóquio, e Relator-Geral o Prof. Dieter Dõlling, da Universidade de Heidelberg. Por sua vez, discutir-se-á Direito Processual Penal em Santiago do Chile (Tópico III), com o tema “Os Princípios do Processo Penal e a sua aplicação em Procedimentos Disciplinares”, cujo Colóquio Preparatório será presidido pelo Prof. Alfredo Etcheberry, da Univer­ sidade Nacional do Chile, e terá como Relator-Geral o Prof. Mario Chiavario, da Universidade de Turim. No Tópico IV, será debatido o tema “Competências Nacionais e Internacionais Concorrentes e o Princípio do Ne Bis in ldem". O Coló­ quio Preparatório ocorrerá em Berlim, Alemanha, de 2 a 4 de junho de 2003, e terá como Presidente o Prof. Albin Eser, Diretor do Max Planck Institut, de Freiburg im Brisgau, e como Relator-Geral o Prof. José Luís de la Cuesta Arzamendi, da Universidade do País Basco. Quanto às mesas-redondas, haverá um Colóquio Preparatório em Atenas, Grécia, que discutirá os “Crimes Informáticos, CyberTerrorism, Pornografia Infantil e Crimes Financeiros”. O evento será presidido pelo Prof. Dionysios Spinellis, da Universidade de Atenas, e terá como Relator-Geral o Prof. Ulrich Sieber, da Universidade de Munique. Por fim, o Colóquio Preparatório realizado no Rio de Janeiro, de 3 a 5 de abril de 2002, tem como Presidente o Prof. M. Cherif Bassiouni, Presidente da AIDP e Professor da DePaul University (Chicago, Estados Unidos), e como Relatora-Geral a Profa. Ela Wiecko Volkmer de Castilho, da Universidade de Brasília. Tendo em vista a importância do evento, considerando-se que a AIDP é órgão consultivo das Nações Unidas em matéria criminal e as conclusões de seus conclaves são submetidas à Assembléia-Geral, foi designado o Prof. Damásio de Jesus, Professor de Direito Penal e Presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus, como RelatorGeral do Grupo Brasileiro. A ele caberá reunir os dados colhidos no Brasil, tratando de tema tão dramático, e confrontá-los com a legisla­ ção nacional e com as decisões dos tribunais pátrios. Estima-se que dois milhões de mulheres e crianças tenham sido traficadas e sejam exploradas sexualmente, e 80% delas tenham me­ nos de 24 anos. Ademais, o fenômeno é abastecido pela pobreza e

XX

pela indiferença dos Estados, e exacerbou-se com o advento da globalização, que criou oportunidades a partir da liberalização das fronteiras e fez do tráfico internacional de pessoas uma atividade cri­ minal lucrativa. Esse problema carece de um estudo sério e, mais do que isso, de uma análise que confronte a situação fática com a possibilidade de atuação do Direito Penal, sem preconceitos e em total respeito aos princípios do Estado Democrático de Direito.

XXI

NOTA DO AUTOR Solicitamos, como Relator-Geral do Grupo Brasileiro da Asso­ ciação Internacional de Direito Penal (AIDP), junto ao Colóquio Pre­ paratório do Rio de Janeiro (abril de 2002), uma pesquisa sobre o tráfico internacional de mulheres e crianças no Brasil. Com base nos resultados desse trabalho, elaboramos um quadro demonstrando a dimensão, a legislação e as políticas públicas, bem como sua implementação, para prevenir e reprimir o tráfico regional e interna­ cional. O objetivo principal da pesquisa foi consolidar as informa­ ções produzidas por órgãos oficiais, as notícias divulgadas pela im­ prensa brasileira e os dados produzidos por Organizações da Sociedade Civil (OSC) que atuam em direitos humanos, sobretudo nas questões de gênero e nos problemas das crianças e dos adolescentes, nos últi­ mos oito anos (1994-2001). O presente relatório engloba a pesquisa. Estimativas da ONU, do Departamento de Estado dos Estados Unidos e de O rganizações Internacionais da Sociedade Civil especializadas em direitos humanos assinalam que o tráfico de mu­ lheres e de crianças atinge o número de 2 milhões de seres humanos, em sua grande maioria mulheres e crianças. A Organização Interna­ cional da Migração (OIM) calcula que 4 milhões de imigrantes são traficados por ano, contra sua vontade, para trabalhar em alguma for­ ma de servidão. Dados da mesma OIM indicam que, em dezembro de 2001, 200 milhões de imigrantes clandestinos estavam sob con­ trole do crime organizado internacional. Em 1996, as pesquisas apon­ tavam para, pelo menos, 100 mil mulheres submetidas à exploração sexual na Europa Ocidental. Em 1997, 175 mil mulheres e meninas haviam saído da Europa Central, da Europa Oriental e dos chamados Novos Países Independentes pelas mãos de traficantes. Todos os do­ cumentos internacionais apontam para a proximidade e semelhança existente entre a imigração ilegal e o tráfico de pessoas. As pessoas traficadas mundialmente, provenientes, em sua maio­ ria, de países do chamado Terceiro Mundo (Ásia, África, América do Sul e Leste Europeu), são encaminhadas preferencialmente para os países desenvolvidos (Estados Unidos, Europa Ocidental, Israel e Japão), onde são submetidas à exploração sexual, em condições

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similares à escravidão, e ao trabalho forçado. O tráfico internacio­ nal de seres humanos se confunde, muitas vezes, com o contraban­ do de imigrantes, mas possui características distintas. O tráfico de seres humanos é, sem dúvida, uma atividade lucra­ tiva. Segundo dados do Escritório da ONU para o Controle de Dro­ gas e Prevenção do Crime (ODCCP), são movimentados, anualmen­ te, valores que giram em tomo de 7 a 9 bilhões de dólares. Em termos do crime organizado transnacional, o tráfico de seres humanos so­ mente perde, em lucros, para o tráfico de drogas e para o contrabando de armas. As principais causas do tráfico internacional de seres humanos e de fluxo imigratório são a ausência de direitos ou a baixa aplicação das regras internacionais de direitos humanos, a discriminação de gênero, a violência contra a mulher, a pobreza, a desigualdade de oportunidades e de renda, a instabilidade econômica, as guerras, os desastres naturais e a instabilidade política. O tráfico de seres huma­ nos vitima preponderantemente mulheres e crianças, devido às con­ dições diferenciais de vulnerabilidade social das mesmas. As rotas do tráfico acompanham as da imigração. O movimento foi tradicionalmente do Sul para o Norte. Mas hoje, o tráfico também se dá entre regiões ou sub-regiões e dentro de países. Assim como as rotas da imigração, os trajetos do tráfico e os países de origem, de trânsito ou de destino mudam rapidamente. Os instrumentos internacionais de direitos humanos impõem responsabilidades sobre os países no sentido de respeitarem e asse­ gurarem a proteção legal, incluindo a obrigação de prevenir e investi­ gar violações, tomar as medidas apropriadas contra os perpetradores e encontrar mecanismos de proteção e de reparação para aqueles que sofreram as conseqüências do tráfico. Mas os princípios consagrados nos instrumentos internacionais nem sempre gozaram de pleno status de proteção universal. O p rin c íp io da u n iv ersalid ad e e da interdependência dos direitos humanos passou a ganhar força nas ações e discursos da ONU e de vários Estados-membros com a Con­ ferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, que ocorreu em 1993. O principal tratado para combater o tráfico é o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mu-

XXIV

lheres e Crianças, de 2000, que suplementou a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Palermo, em dezembro de 2000, encontrando-se ambos em fase de ratificação pe­ los países-membros. O Protocolo e a Convenção contêm medidas severas contra o tráfico transnacional, mas o primeiro, não obstante conter a primeira definição de tráfico aceita internacionalmente, peca por não propor medidas suficientes de proteção e assistência, dada a relutância das delegações nacionais em adotar medidas de proteção aos imigrantes ilegais, mesmo quando são vítimas do tráfico e de graves violações de direitos humanos. Nos últimos 100 anos, o Brasil passou da condição de país de destino para a de país fornecedor do tráfico internacional de mulhe­ res e crianças. Apesar de ser um problema flagrante, não há estatísti­ ca confiável no Brasil para fornecer uma precisa idéia de sua exten­ são. É certo que o País está às voltas com o tráfico de mulheres, sobretudo para fins de exploração sexual. Mas o tráfico de crianças para adoção ilegal e a migração ilegal também são questões presen­ tes no País e com freqüência chegaram às páginas dos jornais na últi­ ma década. Embora ainda não existam cifras, alguns números emergem e causam estarrecimento. Segundo a Fundação Helsinque para os Di­ reitos Humanos, 75 mil mulheres brasileiras estão, atualmente, en­ volvidas no mercado sexual na União Européia. Desde o começo dos anos 1990, o tráfico vem sendo admitido como uma realidade dentro dos limites territoriais do País. O tráfico de seres humanos no Brasil configura-se em direção à exploração sexual de mulheres e meninas, adoção internacional ilegal, turismo sexual e trabalho forçado. As rotas de tráfico se espalham por vários Estados brasileiros e têm ramificações em muitos países. Goiás, Distrito Federal, São Pau­ lo, Rio de Janeiro, Pará, Bahia, Tocantins, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Ceará são os mais recorrentes, tanto nas notícias divulgadas pela imprensa como nos inquéritos e processos instaura­ dos pela Justiça brasileira. E os países de destino mais freqüentes das vítimas de tráfico são Espanha, Alemanha, Suíça, Israel, Paraguai, Holanda, Japão, Portugal e França. As OSCs e as agências internacionais têm ressaltado o caráter

XXV

diferencial do tráfico de crianças em comparação com o tráfico de mulheres. Em geral, esse diferencial decorre da condição específica de vulnerabilidade da criança. Mas, mesmo com as recorrentes cam­ panhas de conscientização, ainda permanece alguma confusão no to­ cante a distinguir o tráfico de outras práticas de abuso. O tráfico é um fenômeno complexo que compreende uma série de atos à primeira vista isolados. Nem sempre são ilegais, embora pareçam sempre imorais. É a combinação entre a movimentação e a exploração que caracteriza o tráfico. Não há informações disponíveis que possam dar uma dimensão apropriada do tráfico de crianças no Brasil. As tentativas de mapeamento esbarram na ausência de uma adequada legislação naci­ onal e de políticas públicas específicas. Em geral, as informações existentes no País sobre violações, ao se concentrarem na exploração sexual, no trabalho infantil, na adoção internacional e na pedofilia, não especificam as redes que articulam o aliciamento, a movimenta­ ção, a coação e a exploração final. A exploração sexual de crianças e de jovens tem chamado a atenção da comunidade internacional. O Primeiro Congresso Mundi­ al contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em Estocolmo, em 1996, marcou o auge dessa atenção, e o segundo, realizado em 2001, em Yokohama, procurou avaliar os avanços nessa matéria. As estimativas provenientes desses dois colóquios apontam algo em tomo de 2 milhões de crianças sendo exploradas sexualmen­ te no mundo. No Brasil, seriam 500 mil crianças nessas mesmas con­ dições. Não obstante a universalização das medidas de proteção dos direitos das mulheres e das crianças e da adoção, ainda recente, de mecanismos de combate ao crime organizado transnacional, a con­ tenção dos efeitos danosos da exploração ainda é incerta. Soluções definitivas para o problema apenas surgirão quando a repressão ao crime organizado, a proteção e a assistência às vítimas estiverem ali­ adas a medidas econômicas e políticas duradouras que mudem a face da desigualdade, da pobreza e das violações de direitos que assolam três quartos da população do globo.

XXVI

Na parte final do relatório, junto com as conclusões, estão listadas as iniciativas nacionais que procuram dar conta do problema da ex­ ploração de mulheres e crianças no Brasil, bem como as recomenda­ ções relativas à implementação de uma política nacional e regional para fazer frente aos desafios do crescimento do crime organizado. Essas recomendações seguem a tendência atual de julgar que as me­ didas de mudança devem ser tomadas de maneira coordenada, entre os governos dos países do subcontinente sul-americano e com a par­ ticipação da sociedade civil. D a m á s io

de

J esu s

XXVII

I — INTRODUÇÃO Levadas por falsas promessas dos traficantes, meninas, entre 13 e 14 anos, de Benin, Togo e Nigéria, não são apenas submetidas a trabalhosforçados, nas lavouras de países do oeste africano: muitas se tornam escravas sexuais na Europa, princi­ palmente na Itália. Os traficantes renovam, constantemente, seus métodos para burlar a vigilância e estão usando a Grã-Bretanha e a França como entrepostos de escravas sexuais, procedentes na maioria da Nigéria. (...) Tiradas de fam ílias miseráveis, com promessas de uma vida melhor, as meninas do oeste africano chegam aos maiores aeroportos britânicos, onde pedem asilo. Por serem menores de 18 anos, ficam aos cuidados dos centros de serviços sociais, ou são levadas às casas das chamadas fa ­ mílias de adoção. Poucas semanas depois, elas recebem miste­ riosos telefonemas e desaparecem. Segundo a polícia britâni­ ca, as meninas são transportadas para outros países europeus, mas, em maior número, para a Itália. Ali, atendem clientes dia e noite, sem parar, por até cinco anos, para pagar ‘dívidas ’ com os traficantes, que chegam a US$ 50 mil. Em 1998, a polí­ cia de Sussex lançou a chamada Operação Ponte Nova. Com a ajuda da Brigada Nacional contra o Crime, prendeu dois trafi­ cantes. E fic o u sabendo que grande parte das crianças é arrebanhada num mercado de escravos em Benin City (na Nigéria), 200 quilômetros ao sul de Lagos, capital do país. Dessa localidade banhada por um sol causticante, iniciam uma longa caminhada, que muitas vezes acaba em morte1. Estimativas da Organização das Nações Unidas, ONU, do De­ partamento de Estado dos Estados Unidos e de Organizações Inter­ nacionais da Sociedade Civil especializadas em direitos humanos

1. LAPOUGE, Gilles. Jornal O Estado de S.Paulo, 17 abr. 2001.

1

assinalam que o tráfico de seres humanos atinge o número de 2 mi­ lhões de pessoas, em sua grande maioria mulheres e crianças2. Essas pessoas traficadas mundialmente, provenientes, em sua maioria, de países do chamado Terceiro Mundo (Ásia, África, Amé­ rica do Sul e Leste Europeu), são encaminhadas preferencialmente para os países desenvolvidos (Estados Unidos, Europa Ocidental, Israel e Japão), onde são submetidas à exploração sexual, a condi­ ções similares à escravidão e a trabalho forçado. O tráfico interna­ cional de seres humanos se confunde, muitas vezes, com o contra­ bando de imigrantes, mas possui características diferentes, que o presente estudo procurará deixar claras3. O tráfico de seres humanos é, sem dúvida, uma atividade lucra­ tiva. Segundo dados do Escritório da ONU para o Controle de Dro­ gas e Prevenção do Crime (ODCCP) são movimentados, anualmen­ te, valores que giram em tomo de 7 a 9 bilhões de dólares. D entre as infrações que com põem o crim e organizado transnacional, o tráfico de seres humanos somente perde, em lucros, para o tráfico de drogas e para o contrabando de armas4. Estimativas internacionais apontam o Brasil como um dos prin­ cipais países da América Latina a contribuir para o tráfico interna­ cional. São cerca de 75 mil mulheres e crianças brasileiras traficadas para a Europa. Desde o começo dos anos 1990, o tráfico vem sendo admitido como uma realidade dentro dos limites territoriais do País. O tráfico de seres humanos no Brasil se configura em direção à ex­ ploração sexual de mulheres e meninas, adoção internacional ilegal, turismo sexual e trabalho forçado. As suspeitas relativas à extração

2. INTERNATIONAL HELSINKI FEDERATION FOR HUMAN RIGHTS, IHF. A form of slavery: trafficking in women in organization for security and co­ operation in Europe — OSCE — Member States. Report to the OSCE supplementary human dimension meeting on trafficking in human beings. Wien, June 19, 2000. 3. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION, IOM. New IOM figures on the global scale of trafficking. Trafficking in migrants. Quarterly Bulletin, n. 23, April 2001 (Special Issue). 4. UNITED NATIONS. Office for Drug Control and Crime Prevention, ODCCP. Trafficking in human beings. Update. Jan. 2000.

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de órgãos nunca foram claramente comprovadas. Mas, infelizmente, os parcos dados disponíveis no País somente permitem uma primei­ ra aproximação da real dimensão do problema5. Vários países têm envidado esforços no sentido de ter uma vi­ são mais nítida do problema e, assim, relatórios têm sido divulgados na Europa, na Ásia e na América6. O Departamento de Estado dos Estados Unidos, particularmente, divulgou um levantamento global sobre o tráfico e procurou estabelecer padrões mínimos para seu com­ bate e para a proteção das vítimas. A grande maioria dos países, o Brasil entre eles, não segue integralmente tais padrões. O País ainda não conta com legislação específica sobre o tema, não obstante algu­ mas formas de exploração de pessoas estejam contempladas na le­ gislação penal7. Evidentemente, há uma maior visibilidade pública do problema e, no ano de 2000, o Brasil foi anfitrião da Primeira Conferência Internacional sobre Tráfico de Seres Humanos, numa iniciativa do Ministério da Justiça e do ODCCP, escritório Brasil. Em dezembro de 2000, foi assinada, em Palermo, na Itália, a Con­ venção contra o Crime Organizado Transnacional. A Convenção é suplementada por dois Protocolos (o Protocolo para Prevenir, Supri­ mir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crian­ ças é o que mais nos interessa). A Convenção e seus Protocolos estão em processo de ratificação pelos países-membros da ONU. O tráfico de mulheres é facilitado pela intersecção de práticas e crenças discriminatórias direcionadas às mulheres. As medidas contra o tráfico não podem privar as mulheres de nenhum de seus

5. CENTRO DE ARTICULAÇÃO DE POPULAÇÕES MARGINALIZADAS, CEAP. Tráfico de mulheres é crime. Um sonho, um passaporte, um pesadelo. Rio de Janeiro : [s. n.], 1996. p 50. 6. COMISSÃO EUROPÉIA. JUSTIÇA E ASSUNTOS INTERNOS. Tráfico de mulheres. A miséria por trás da fa ntasia: da pobreza à escravatura sexual. Uma estratégia global, 2001; INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION, IOM. Victims o f the trafficking in the Balkans. A study of trafficking in women and children for sexual exploitation to, through and from the Balkan Region, 2001. 7. UNITED STATES OF AMERICA. Department of State. Victims of trafficking and Violence Protecting Act 2000. Trafficking in persons report, July 2001.

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direitos fundamentais, e os princípios da não-discriminação, da uni­ versalidade, do caráter inalienável e imprescritível das normas de direitos humanos devem orientar toda e qualquer política nacional, regional e internacional sobre a matéria8.

1. Objetivo, justificativa e abrangência do relatório O objetivo principal do relatório, com base na pesquisa, é con­ solidar as informações produzidas por órgãos oficiais, notícias divulgadas pela imprensa brasileira e dados produzidos por Organi­ zações da Sociedade Civil (OSCs) que atuam em direitos humanos, sobretudo nas questões de gênero e nos problemas das crianças e dos adolescentes, nos últimos oito anos (1994-2001). O relatório também procura identificar as ações do Poder Pú­ blico, sobretudo Polícia Federal, Ministério da Justiça e Secretarias Estaduais de Justiça e Segurança Pública, para identificar os trafi­ cantes, bem como para garantir os direitos e prestar assistência às vítimas. Dentro desse objetivo, procuramos verificar avanços na le­ gislação nacional no que se refere à prevenção e repressão ao tráfico, à proteção das vítimas e à jurisprudência nacional. O trabalho tem um caráter nacional. Não obstante a ausência de dados que cubram a realidade do País de Norte a Sul, procuramos, sempre que possível, generalizar as conclusões para todos os Esta­ dos da Federação, reconhecendo, ao mesmo tempo, as dificuldades e limitações inerentes a tal empreitada.

2. Metodologia e dificuldades A pesquisa, seguindo nossa orientação, foi dividida em duas partes: mapeamento e estudo de caso. Ela teve início com um mapeamento do tráfico de pessoas no Brasil. Para tanto, foi feito levantamento de Comissões Parlamenta-

8. GLOBAL ALLIANCE AGAINST TRAFFICKING IN WOMEN, GAATW. Human rights and trafficking in persons: a handbook wien : [s. n.], 1999.

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res de Inquérito, relatórios oficiais, inquéritos policiais e processoscrimes para o dimensionamento do problema e de sua distribuição no País. Para realizar esse mapeamento, foram feitos contatos com agências do Poder Executivo Federal e Estadual vinculadas ao con­ trole e repressão do tráfico de mulheres e à definição de políticas públicas para mulheres e jovens. No âmbito federal, foram solici­ tadas inform ações à Polícia Federal, ao M inistério Público e Defensorias, ao Ministério da Justiça e das Relações Exteriores. No âmbito dos Estados, Secretarias de Justiça e de Segurança Pú­ blica, Secretaria de Bem -Estar Social e Polícias Civis. Foram contatados, no Poder Legislativo Federal e Estadual, as Comissões de Direitos Humanos e seus respectivos membros. No âmbito do Poder Judiciário, foram solicitadas informações aos Tribunais de Justiça dos Estados. De forma menos sistemática, foram solicita­ das informações aos Conselhos Estaduais da Condição Feminina e a alguns Conselhos Tutelares, além de diversas OSCs que atuam na área de direitos humanos, com destaque para aquelas que atuam em questões de gênero, da infância e adolescência. Em seguida, foram realizados estudos de caso em regiões selecionadas, nas quais a ação contra o tráfico se destacou. Sobretudo, foram analisadas as notícias veiculadas na imprensa nacional, as medidas jurídicas para a repressão ao tráfico e depoimentos de personalidades que, de al­ guma forma, se preocupam com a questão. O relatório final procura contemplar as Convenções e Protoco­ los internacionais relativos aos direitos da mulher e da criança, em geral, e ao tráfico de seres humanos, em particular. O levantamento de dados enfrentou diversas vicissitudes que, de uma forma geral, prejudicaram a abrangência e extensão dos da­ dos e análises aqui apresentados. A maior dificuldade decorreu da baixa colaboração dos governos estaduais. Foram encaminhados ofí­ cios, por correio, fax ou e-mail, para os 26 Estados e o Distrito Fede­ ral, em diferentes níveis de administração. O índice de respostas, infelizmente, foi baixíssimo. Até o fechamento deste relatório, rece­ bemos respostas provenientes de dez Estados: Bahia, Distrito Fe­ deral, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Roraima, Rio

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Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo9. Mesmo assim, os ór­ gãos de governo respondentes afirmavam, em geral, não dispor de dados, ou que a dimensão do tráfico de seres humanos não era grave. É possível tirar duas conclusões a partir dessa dificuldade na obten­ ção de informações nacionais: ou a consciência em relação à rele­ vância do tráfico de pessoas ainda não atingiu um grau satisfatório no Brasil, ou os Estados simplesmente não produzem nem proces­ sam os dados. Ou ambas. No relatório final da Comissão Parlamen­ tar de Inquérito (CPI) da Prostituição e Exploração Sexual InfantoJuvenil, de 1994, já se observava a ausência de pesquisa de caráter nacional sobre o problema da exploração sexual. Mesmo diante das inúmeras solicitações da CPI às unidades da Federação (por inter­ médio das Secretarias de Segurança, Delegacias da Infância e Ado­ lescência ou FEBEMs) para a coleta de dados, quando as informa­ ções eram enviadas careciam de padronização ou eram absolutamente lacunosas. De toda forma, não foram reportadas políticas públicas especi­ ficamente voltadas para o combate ou para a assistência às vítimas do tráfico de pessoas. O fato de o tráfico de pessoas não estar ade­ quadamente tipificado na nossa legislação penal ocasiona uma con­ fusão de onde sobressaem outros tipos criminais relativos à explora­ ção de mulheres e crianças, sobretudo a exploração sexual comercial e a pornografia. Dessa maneira, o caráter organizado do crime — as redes de aliciadores, mediadores e receptores — tende a não apare­ cer nas estatísticas brasileiras. Não obstante o trabalho que a Polícia Federal e algumas OSCs vêm realizando, dando a devida visibilida­ de ao problema, não há produção de dados primários, não há a reali­ zação de pesquisas baseadas em grupos focais (mulheres engajadas no comércio sexual ou vítimas atendidas por programas de assistên­ cia) que possam servir de base à propositura de disposições legais e de políticas públicas específicas.

9. Quando já terminado o relatório, respectivamente, em 30 de janeiro, 13 de fevereiro e 11 de março de 2002, recebemos informações da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal, da Procuradoria-Geral de Justiça de Santa Catarina e do Ministério Público de Goiás e do Paraná.

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3. Definição de tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças As redes globais de OSCs10, integradas às iniciativas de prote­ ção das vítimas do tráfico, elaboraram os Padrões de Direitos Huma­ nos (PDH) para o Tratamento de Pessoas Traficadas, nos quais há a seguinte definição de tráfico de pessoas: ‘Todos os atos ou tentativas presentes no recrutamento, trans­ porte, dentro ou através das fronteiras de um país, compra, venda, transferência, recebimento ou abrigo de uma pessoa envolvendo o uso do engano, coerção (incluindo o uso ou ameaça de uso de força ou o abuso de autoridade) ou dívida, com o propósito de colocar ou reter tal pessoa, seja por pagamento ou não, em servidão involuntária (doméstica, sexual ou reprodutiva), em trabalho forçado ou cativo, ou em condições similares à escravidão, em uma comunidade di­ ferente daquela em que tal pessoa viveu na ocasião do engano, da coerção ou da dívida iniciais”11. O tráfico pode envolver um indivíduo ou um grupo de indiví­ duos. O ilícito começa com o aliciamento e termina com a pessoa que explora a vítima (compra-a e a mantém em escravidão, ou a submete a práticas similares à escravidão, ou ao trabalho forçado ou outras formas de servidão). O tráfico internacional não se refere ape­ nas e tão-somente ao cruzamento das fronteiras entre países. Parte substancial do tráfico global reside em mover uma pessoa de uma região para outra, dentro dos limites de um único país, observandose que o consentimento da vítima em seguir viagem não exclui a culpabilidade do traficante ou do explorador, nem limita o direito que ela tem à proteção oficial12.

10. G lobal A lliance against Trafficking in Women, Foundation against Trafficking in Women e International Human Rights Law Group. 11. GLOB AL ALLIANCE AGAINST TRAFFICKING IN WOMEN, GAATW. Human rights standards fo r the treatment o f trafficked persons, January 1999. 12. GLOB AL ALLIANCE AGAINST TRAFFICKING IN WOMEN, GAATW. Regional meeting on trafficking in women, fo rced labor, and slavery-like practice in Asia and Pacific. Bangkok, Thailand : GAATW, 1997.

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Requisito central no tráfico é a presença do engano, da coer­ ção, da dívida e do propósito de exploração. Por exemplo, a vítima pode ter concordado em trabalhar na indústria do sexo, mas não em ficar em condições semelhantes à escravidão. O tipo de atividade em que a vítima se engajou, lícita ou ilícita, moral ou imoral, não se mostra relevante para determinar se seus direitos foram violados ou não. O que importa é que o traficante impede ou limita seria­ mente o exercício de seus direitos, constrange sua vontade, viola seu corpo. O Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pes­ soas, Especialmente Mulheres e Crianças, que suplementa a Con­ venção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em novembro de 2000, traz a primeira definição internacionalmente aceita de tráfico de seres humanos: a) “Tráfico de pessoas ” deve significar o recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, p o r meio de ameaça ou uso da força ou outras form as de coer­ ção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber paga­ mentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pes­ soa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de explo­ ração. E xploração inclui, no m ínim o, a exploração da prostituição ou outras form as de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à escra­ vidão, servidão ou a remoção de órgãos; b) O consentimento de uma vítima de tráfico de pessoas para a desejada exploração definida no subparágrafo (a) deste artigo deve ser irrelevante onde qualquer um dos meios defini­ dos no subparágrafo (a) tenham sido usados; c) O recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de uma criança para fin s de exploração devem ser considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios definidos no subparágrafo (a) deste artigo; d) “Criança ” deve significar qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade.

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A definição de tráfico, consagrada no Protocolo, incorpora as sugestões feitas pelo Alto Comissariado da ONU sobre Direitos Humanos (OHCHR), por OSCs de Direitos Humanos e por diversos especialistas ouvidos em diferentes momentos do processo de con­ sulta anterior à adoção da Convenção de Palermo13. O principal aspecto das sugestões refere-se aos inúmeros e se­ parados abusos cometidos durante o curso do tráfico, sendo que es­ ses fatos estão previstos nos Direitos nacionais ou no Direito Inter­ nacional dos direitos humanos. Essa definição ampla tem, portanto, algumas qualidades in­ contestáveis. Ela procura, em primeiro lugar, garantir que as víti­ mas do tráfico não sejam tratadas como criminosas, mas sim como pessoas que sofreram sérios abusos. Nesse sentido, devem ser cria­ dos, pelos Estados-membros, serviços de assistência e mecanis­ mos de denúncia. Em segundo, coloca em destaque o tráfico de crianças e o considera um capítulo à parte, dentro do enfoque dado pela Convenção sobre os Direitos da Criança e seus Protocolos opcionais. Em terceiro, enfoca o trabalho forçado e outras práticas similares à escravidão e não se restringe à prostituição ou à explo­ ração sexual. De fato, tudo revela que o tráfico engloba a prostitui­ ção ou outro tipo de trabalho sexual, trabalho forçado, casamento forçado, adoção ilegal ou outra relação privada14.

13. UNITED NATIONS. General Assembly. Fourth session. Ad Hoc Committee on the Elaboration o f a Convention against Transnational Organized Crime. Infor­ m al note by the United Nations H igh Commissionerfo r Human Rights. Wien, June 28-July 9,1999; UNITED NATIONS. General Assembly. Fifty-fifth session. Agen­ da item: advancement of women. Trafficking in women and girls. R eport o f the Secretary-General. August 22, 2000; COOMARASWAMY, Radhika. Integration of the human rights o f women and the gender perspective. Report o f the special rapporteur on violence against women, its causes and consequences, on trafficking in women, women’s migration and violence against women, submitted in accordance with the Commission on Human Rights Resolution 1997/44. Commission on Human Rights. E/CN.4/2000/68, February 29, 2000. 14. WUERS, Marjan & LIN, Lap-Chew. Trafficking in women, fo rced labour and slavery-like practices in marriage, dom estic labour and prostitution. The Netherlands : Foundation against Trafficking/STV, 1997.

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4. Padrões mínimos de prevenção e repressão ao tráfico De acordo com o Relatório sobre Tráfico de Pessoas do Depar­ tamento de Estado dos Estados Unidos, divulgado em julho de 2001, em decorrência das exigências do Ato de Proteção às Vítimas do Tráfico e da Violência 2000, são considerados os seguintes padrões mínimos para a elaboração adequada de políticas públicas contra o tráfico de seres humanos: 1) o governo deve proibir e punir os atos de tráfico; 2) o governo deve prescrever punição equivalente àquelas que incidem sobre crimes graves; 3) para qualquer ato de tráfico, o governo deve prescrever puni­ ção que seja suficientemente rigorosa para impedir o crime e que reflita adequadamente a natureza odiosa da ofensa; 4) o governo deve envidar esforços sérios e repetidos para eli­ minar o tráfico. O Ato do Governo dos Estados Unidos também estabelece sete critérios que “devem ser considerados” como indicadores dos “es­ forços sérios e repetidos para eliminar o tráfico”: 1) se o governo investiga vigorosamente e julga atos de tráfico dentro de seu território; 2) se o governo protege as vítimas do tráfico, encoraja a assis­ tência às vítimas em termos de investigação e julgamento, fornece às vítimas alternativas legais para sua remoção para países onde elas poderiam fazer face à retribuição ou às dificuldades, e se assegura que as vítimas não serão impropriamente penalizadas por atos ile­ gais como resultado direto do fato de terem sido traficadas; 3) se o governo adotou medidas, tais como educação pública, para prevenir o tráfico; 4) se o governo coopera com outros governos na investigação e no julgamento do tráfico; 5) se o governo extradita pessoas condenadas por tráfico como o faz com outros tipos de crimes hediondos;

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6) se o govemo monitora a imigração e a emigração, e se as agências policiais respondem apropriadamente; 7) se o govemo investiga e julga vigorosamente funcionários públicos que participam do tráfico, e toma todas as medidas apro­ priadas contra tais funcionários15.

5. Padrões mínimos para a proteção e tratamento de

vítimas de tráfico Numa perspectiva de direitos humanos, algumas OSCs interna­ cionais, tais como a Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres, a Fundação contra o Tráfico de Mulheres e o Grupo Jurídico Interna­ cional de Direitos Humanos, vêm definindo, desde 1999, os Padrões de Direitos Humanos (PDH) para o Tratamento de Pessoas Traficadas, a partir dos instrumentos internacionais de direitos humanos. Os Padrões têm por objetivo proteger e promover o respeito pelos direitos humanos das pessoas que foram vítimas do tráfico, incluindo aquelas que foram submetidas à servidão involuntária, trabalho forçado e/ou práticas análogas à escravidão. Os Padrões protegem os direitos das pessoas traficadas na medida em que lhes proporcionam assistência e proteção legais, tratamento nãodiscriminatório e restituição, compensação e recuperação: 1) princípio da não-discriminação: os Estados não devem dis­ criminar as pessoas traficadas no Direito Material ou Processual, nas políticas públicas ou em suas práticas; 2) segurança e tratamento ju sto : os Estados devem reconhecer que as pessoas traficadas são vítimas de graves abusos de direitos hu­ manos, tutelar seus direitos e protegê-las contra represálias e perigo; 3) acesso à Justiça: a polícia, os promotores de justiça e as cortes devem assegurar que seus esforços para punir os traficantes sejam implementados num sistema que respeite e salvaguarde os

15. UNITED STATES OF AM ERICA. D epartm ent o f State. Victims of trafficking and Violence Protecting Act 2000, cit.

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direitos de privacidade, dignidade e segurança das vítimas. Um ju l­ gamento adequado dos traficantes deve incluir julgamento, quando aplicável, por estupro, agressão sexual ou outras formas de agressão (incluindo assassinato, gravidez forçada e abortos), rapto, tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante, escravidão ou práticas análogas à escravidão, trabalho forçado ou compulsório, cativeiro por dívida ou casamento forçado; 4) acesso a ações civis e a reparações: os Estados devem asse­ gurar que as pessoas traficadas tenham direito a procurar reparações contra traficantes, assim como assistência ao moverem tais ações; 5) estatuto de residente: os Estados devem providenciar às pes­ soas traficadas vistos de residência temporária (incluindo direito a trabalhar) durante a pendência de qualquer ação criminal, civil ou outra e devem proporcionar a elas o direito de procurar asilo ou ava­ liar o risco considerável de retaliação a que a vítima está exposta em qualquer procedimento de deportação; 6) saúde e outros serviços: os Estados devem proporcionar às pessoas traficadas serviços de saúde adequados ou outros serviços sociais durante o período de residência temporária; 7) repatriação e reintegração: os Estados devem assegurar que as pessoas traficadas retomem às suas casas em segurança, se elas assim desejarem e quando se sentirem em condições de proceder dessa forma. A recuperação inclui cuidados médicos e psicológicos, bem como serviços legais e sociais para assegurar o bem-estar das pessoas traficadas; 8) cooperação entre Estados: os Estados devem trabalhar cooperativamente para assegurar a plena implementação desses padrões16.

16. GLOBAL ALLIANCE AGAINST TRAFFICKING EN WOMEN, GAATW. Human rights standards fo r the treatment o f trafficked persons, cit.

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II — 0 TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS: FORMA MODERNA DE ESCRAVIDÃO

1. Extensão do tráfico internacional O crime organizado transnacional está presente em todos os cantos do mundo. Esteve sempre relacionado com o chamado hard crime, tráfico de entorpecentes e contrabando de armas de fogo. Es­ ses crimes movimentam quantias extraordinárias de dinheiro. Nos últimos anos, no entanto, uma nova forma de crime organizado vem chamando a atenção da opinião pública mundial: o tráfico de pes­ soas. Todos esses crimes, pelas suas características, estão relaciona­ dos com os chamados crimes high tech: lavagem de dinheiro, falsifi­ cação de produtos, fraude de cartões eletrônicos e crimes relacionados com a informática. O crime organizado e sua extensão no tráfico internacional de pessoas colocam problemas fundamentais tanto para as organizações internacionais como para os Estados democráticos. A única forma de dar combate razoável a esses crimes é por intermédio de um es­ forço global. O tráfico de pessoas, além de representar um grande desafio para as agências nacionais e internacionais de aplicação da lei, ainda apresenta desafios para as políticas de direitos humanos, na medida em que as vítimas desses crimes sofrem inúmeras viola­ ções tanto por parte dos traficantes quanto por parte das organiza­ ções governamentais que supostamente deveriam protegê-las. O tráfico de seres humanos, especialmente o tráfico de mu­ lheres e crianças, tem crescido nos últimos anos. Acredita-se que os traficantes de pessoas também operam em outras formas de cri­ me organizado transnacional. Os grupos de criminosos escolhem o tráfico de seres humanos por causa dos altos lucros e baixo risco inerentes ao “negócio”. Traficar pessoas, diferentemente de outras

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“mercadorias”, pode render mais, pois elas podem ser usadas repe­ tidamente. Além disso, esse tipo de crime não exige grande investi­ mento e se apóia na aparente cegueira com que muitos governos lidam com o problema da migração internacional, de um lado, e com o problema da exploração sexual comercial, de outro17. Estimativas do governo dos Estados Unidos indicam algo entre 700 mil a 2 milhões de pessoas sendo traficadas no mundo inteiro, anualmente. Mas esses dados não são consensuais. Por exemplo, se­ gundo a Organização Internacional da Migração (OIM), 4 milhões de pessoas seriam traficadas por ano, contra sua vontade, para traba­ lhar em alguma forma de servidão. Em 1996, as estimativas já apon­ tavam para pelo menos 100 mil mulheres submetidas à exploração sexual na Europa Ocidental. Em 1997, 175 mil mulheres e meninas teriam sido traficadas para fora da Europa Central, da Europa Orien­ tal e dos chamados Novos Países Independentes. O Serviço de Inte­ ligência dos Estados Unidos calcula que, em 1999, entre 45 e 50 mil mulheres foram traficadas para o país, dentre as quais, 10 mil prove­ nientes apenas da América Latina18. O tráfico internacional de seres humanos está inserido no con­ texto da globalização, com a agilização das trocas comerciais plane­ tárias ao mesmo tempo em que se flexibiliza o controle de fronteiras. Juntamente com o movimento de mercadorias, há um incremento da migração global. São milhões de pessoas em constante movimenta­ ção, em busca de melhores oportunidades de trabalho e de vida. Calcula-se que 1,5 milhão de mulheres asiáticas trabalhem em outros países do globo, em geral sob condições sofríveis. Países de origem reportam um fluxo anual de 800 mil trabalhadoras imigran­ tes, e esse número está crescendo rapidamente. Os imigrantes —

17. BASSIOUNI, M. Cherif. Investigating international trafficking in women and children fo r commercial sexual exploitation. DePaul University College of Law : The International Human Rights Law Institute, March 23, 2001. 18. UNITED STATES OF AMERICA. Center for the Study of Intelligence. “International trafficking in women to the United States: a contemporary manifestation of slavery and organized crime”, by Amy O’Neill Richard, April 2000.

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homens, mulheres e crianças — são submetidos a trabalhos desqua­ lificados e a todo tipo de provação. Quando caem nas malhas da fiscalização de fronteira, não são tratados de maneira substancial­ mente diferente do tratamento que recebem dos criminosos. A imi­ gração legal simplesmente não dá conta da enorme oferta de gente proveniente dos países do chamado Terceiro Mundo. A imigração ilegal surge como alternativa para a maioria, e o contrabando de imi­ grantes é bastante rentável. Tanto os sindicatos organizados quanto os grupos menos formalizados de criminosos exploram a preciosa mercadoria que é o ser humano19. O problema do tráfico não é novo. É uma forma moderna de escravidão que persistiu durante todo o século XX, esse problema antigo que o mundo democrático ocidental pensava extinto. O com­ bate ao tráfico, em sua nova configuração, deve alinhar-se com a garantia dos direitos fundamentais das mulheres. Como já foi assi­ nalado, o tráfico internacional ocorre dentro ou através das frontei­ ras dos países. Seus efeitos são sentidos tanto em países chamados desenvolvidos como nos semi ou subdesenvolvidos. O tráfico está presente em países em que há sistemáticas violações de direitos hu­ manos ou mesmo em países nos quais os indicadores de direitos humanos são considerados excelentes. Somente uma estratégia global e a elevação dos indicadores sociais, de direitos e de qualidade de vida, com especial destaque para mulheres e crianças, podem, no médio prazo, reduzir os efeitos perversos do tráfico sobre aquelas pessoas que já possuem uma longa trajetória de vitimização20.

19. IN TERN A TIO N A L O RG A N IZA TIO N FO R M IG RA TIO N , IOM . Trafficking gets high level attention. Trafficking in m igrants. Q uarterly Bulletin, n. 18, June 1998. 20. COOMARASWAMY, Radhika. Further promotion and encouragement of human rights and fundamental freedoms, including the question of the programme and methods o f work of the commission, alternative approaches and ways and means within the United Nations system for improving the effective enjoyment of human rights and fundamental freedoms. R eport o f the special rapporteur on violence against women, its causes and consequences. Commission on Human Rights. E/CN.4/1997/ 47, February 12, 1997.

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2. Extensão da migração e do tráfico de pessoas Estimativas da OIM indicam que, em dezembro de 2001, 200 milhões de imigrantes clandestinos estavam sob controle do crime organizado internacional. Apenas a título de exemplo, as autoridades canadenses estimam que de 8 a 16 mil imigrantes entram ilegalmen­ te no país, por ano. Uma parcela desse total representa imigrantes que estão a caminho dos Estados Unidos. O dinheiro envolvido nes­ se mercado gira em tomo de 120 a 400 milhões de dólares. Em 1998, um Plano Nacional contra o Crime Organizado foi lan­ çado no Canadá para fazer frente à imigração irregular. O Canadá tornara-se objetivo das gangues chinesas que encaminham imigrantes para os Estados Unidos. Em 1998, foram detidos 1.365 chineses quando tentavam entrar no país ilegalmente. Segundo as autoridades canaden­ ses, os contrabandistas pagariam algo em tomo de 40 mil dólares para indivíduos especializados em colocar as vítimas em seu destino final, onde, invariavelmente, seriam submetidas a trabalho escravo. Um jornal londrino informou que, durante o ano de 1998, mensal­ mente, aproximadamente 550 imigrantes foram detidos ao tentar ingressar na Inglaterra, escondidos em contêineres de carga de navios. Muitas pessoas que buscam asilo no país apelam para contrabandistas, especializados em burlar a vigilância. O número de pessoas nessas con­ dições na Inglaterra subiu de 32.500, em 1997, para 46 mil, em 1998. Nos Estados Unidos, em 1999, o líder de uma das mais extensivas redes de contrabando de imigrantes foi detido pela polícia. Ele seria responsável pela entrada de 7.200 imigrantes ilegais provenientes da índia, durante um período de 20 meses. Calcula-se que o negócio pode ter rendido algo em tomo de 150 milhões de dólares. Estes números sugerem uma movimentação de 200 pessoas por mês. A rede movia pessoas da índia, passando por Moscou e Cuba, a partir de onde a rota prosseguia para as Bahamas ou Equador. Às vezes, os imigrantes eram encaminhados para a América Central, México e, por fim, Texas21.

21. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION, IOM. New IOM figures on the global scale of trafficking, cit.

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Todos os documentos internacionais apontam para a proximi­ dade e semelhança existente entre a imigração ilegal e o tráfico de pessoas. É preciso considerar que, enquanto toda forma de tráfico é, ou deve ser, considerada ilegal, nem toda forma de migração ilegal é, ou deve ser, considerada tráfico. Um dos fatores que têm impedido o avanço da legislação antitráfico é a relutância com que os países de destino, em geral ricos, enfrentam a questão da adoção de medidas de proteção às pessoas contrabandeadas. As políticas de imigração desses países, em geral, pecam pelo preconceito, pois, não obstante a boa intenção, o imigrante é visto e tratado como criminoso, mantido em áreas sanitárias de exclusão e repatriado sem assistência. A con­ fusão entre migração e tráfico e as políticas restritivas adotadas dis­ criminam as vítimas, sobretudo mulheres e crianças, e agravam a situação das pessoas traficadas. É preciso que as políticas de migra­ ção não igualem a imigração ilegal para fins de prostituição com o tráfico de mulheres. Imigração ilegal não é tráfico, embora alguns casos de tráfico de pessoas sejam realizados por meio das mesmas estratégias utilizadas pela imigração ilegal. O contrabando de seres humanos não deve ser considerado tráfico, embora os traficantes possam contrabandear as vítimas de tráfico. As distinções são muito sutis. É preciso reconhecer que as leis de combate à imigração ilegal ou ao contrabando de imigrantes podem contribuir para o tráfico, na medida em que impedem o acesso à proteção legal necessária para as vítimas do tráfico22. O tráfico entre a Europa Oriental e a Ocidental, por exemplo, ocorre dentro do fluxo da imigração irregular. O tráfico pressupõe exploração, e o contrabando de imigrantes não, necessariamente. A Convenção da ONU sobre Crime Organizado Transnacional procu­ rou resolver esse problema com os Protocolos que a suplementam. O Protocolo sobre contrabando de pessoas, por exemplo, define o con­ trabando como sendo “a consecução, para obter, direta ou indireta­ mente, um benefício financeiro ou outro benefício material, da en-

22. COOMARASWAMY, Radhika. Integration of the human rights of women and the gender perspective, cit.

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trada ilegal de uma pessoa em um Estado-membro do qual a pessoa não é nacional ou um residente permanente”. Uma das formas de combate à imigração ilegal seria uma mudan­ ça na legislação de imigração dos países de destino. Sabe-se que o pro­ blema não é, certamente, a ausência de oferta, pois somente Portugal precisou de 20 mil trabalhadores estrangeiros, até o final de 2001. A regularização da situação dessas pessoas já seria um passo importante. Por exemplo, em Israel, há 80 mil trabalhadores imigrantes legais e 200 mil em situação irregular. Segundo a ONU, a União Européia, que pas­ sa por um processo de envelhecimento e de esvaziamento populacional, precisará de 160 milhões de trabalhadores imigrantes até o ano 202523. Ao lado da imigração há o problema dos refugiados, que fogem da fome, das guerras e das perseguições. O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados estima que 21,5 milhões de pessoas, em todo o mundo, estão em situação de refugiados e são vítimas potenciais do tráfico de pessoas e de múltiplas formas de exploração. Como já foi assinalado, o tráfico inclui o uso da coerção, do engodo ou de outra forma de influência ilícita no processo de recru­ tamento, de transporte e de abrigo da pessoa traficada, e, em algum momento desse processo, ocorrem vários tipos de exploração. De toda forma, cresce a certeza de que a pessoa traficada não deve ser tratada como alguém que procurou realizar uma imigração ilegal, mas como vítima de uma cadeia de eventos que independem de sua vontade e de seu controle. As leis de imigração, assim como as leis relativas ao tráfico de seres humanos, devem ser compatíveis com os padrões internacionais de direitos humanos, consagrados em diver­ sos instrumentos do sistema ONU e dos sistemas regionais.

3. Causas do tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças As mulheres que entram em países de forma ilegal, ou ultrapas­ sam o período estipulado em seus vistos, são particularmente vulne­

23. Conforme matéria do jornal Folha de S.Paulo, de 23 ago. 2001.

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ráveis à exploração. O padrão é similar em muitos países: mulheres jovens que procuram trabalhos legítimos são ludibriadas por agentes especializados em tráfico de pessoas. Ao chegarem em um país es­ tranho, seus documentos são “confiscados” e seus movimentos são restritos. Mesmo que elas tenham oportunidade, não procuram ajuda por receio de represálias, de serem tratadas como criminosas ou da repatriação. As mulheres são estupradas, agredidas e drogadas pelos seus exploradores. Mas por que ocorre o tráfico no mundo de hoje? As principais causas do tráfico internacional de seres humanos e de fluxo imigratório são: a ausência de direitos ou a baixa aplicação das regras internacio­ nais de direitos humanos; a discriminação de gênero, a violência contra a mulher; a pobreza e a desigualdade de oportunidades e de renda; a instabilidade econômica, as guerras, os desastres naturais e a instabilidade política24. No caso específico das mulheres, já que praticamente 99% das pessoas traficadas são do sexo feminino, há aspectos culturais pre­ sentes na discriminação de gênero que devem ser considerados. Em vários países, as mulheres e as meninas são desvalorizadas ou são consideradas mercadorias que têm um preço no mercado do sexo. Muitas mulheres escolhem enfrentar a incerta jornada do tráfico ou da imigração para fugir de maus-tratos e de exploração sexual a que estão submetidas em suas próprias comunidades. Muitas meninas são vendidas e colocadas à disposição do tráfico porque seus pais não somente querem o dinheiro, mas também porque acreditam que elas estarão libertas da pobreza25.

24. LEIDHOLDT, Dorchen.Po.si/zo« paper fo r the Coalition against Trafficking in Women, special seminar on trafficking, prostitution and the global sex industry, United Nations Working Group on Contemporary Forms o f Slavery, organized by C oalition a g a in st T ra ffickin g in Women, in tern a tio n a l m ovem ent a g a in st discrimination and racism. Geneva, Switzerland : International Human Rights Law Group and Anti-Slavery, June 21, 1999. 25. KANICS, Jyothi. Foreign policy in focus: trafficking in women. Global survival network, v. 3, n. 30. October 1998.

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As meninas, principalmente, têm ficado mais vulneráveis ao tráfico por causa da epidemia de HIV/AIDS que assola as mulheres adultas. Os traficantes e os exploradores finais têm mostrado prefe­ rência especial por meninas muito jovens, em geral sem experiência sexual anterior26. A legislação leniente em relação aos abusos de direitos contra mulheres e crianças ou mesmo inadequada aos padrões internacio­ nais contribui para a efetivação do tráfico. A existência de autorida­ des policiais e/ou judiciais corruptas aumenta as chances de as mu­ lheres e crianças entrarem na rede da exploração. Sabe-se de casos de exploração sexual infanto-juvenil que ocorrem com a participa­ ção ativa de policiais, por exemplo. A globalização também é vista como fator de estímulo ao tráfi­ co. A facilitação do uso de novas tecnologias de comunicação contri­ buiria para a organização da rede do crime e para a fuga do capital empregado no negócio. As mulheres e as crianças de países subdesenvolvidos estariam mais vulneráveis à exploração porque não conseguem fazer valer os seus direitos e permanecem desprotegidas pelo sistema legal. Todos esses fatores juntos dão forma ao fenômeno denominado “a feminilização da pobreza”. As estatísticas mundiais mostram que as mulheres e as crianças são as que mais sofrem em situações de crise econômica e de guerra. Elas detêm a menor parte do PIB per capita dos países, e o índice de Desenvolvimento Humano, desagre­ gado por sexo, mostra que as mulheres estão em condições de extre­ ma desigualdade. Por exemplo, segundo dados da Confederação In­ ternacional dos Sindicatos Livres (CISL), na crise asiática de 1998, 2 milhões de pessoas perderam o emprego na Tailândia; desse total, 80% eram mulheres. Enquanto as mulheres não gozarem de oportunidades iguais em educação, moradia, alimentação, emprego, enquanto não tiverem alí­ vio do trabalho doméstico não-remunerado, enquanto seu acesso ao

26. UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND, UNICEF. Profiting from abuse. An investigation into the sexual exploitation of our children, 2001.

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poder do Estado e à liberdade não for garantido, vão continuar na lista das vítimas preferenciais da violência e do tráfico27.

4. Rotas e fluxo do tráfico internacional de mulheres e crianças As rotas do tráfico acompanham as da imigração. O movimen­ to foi tradicionalmente do Sul para o Norte. Mas hoje o tráfico tam­ bém se dá entre regiões ou sub-regiões e dentro de países. Assim como as rotas da imigração, as do tráfico e os países de origem, trân­ sito ou destino mudam rapidamente. A dificuldade em definir as ro­ tas do tráfico reside na indisponibilidade de informações. Existem números para Estados Unidos, Ásia e Europa Ocidental. Os dados para a Europa Oriental estão começando a aparecer. Mas sobre a África e América do Sul ainda há considerável carência de informa­ ções. Nessas duas regiões, a ênfase parece recair mais na migração de mulheres do que no tráfico. Foram reportados casos recentes de mulheres traficadas na In­ glaterra encontradas em casas de massagem e em bordéis, entre elas muitas tailandesas e brasileiras. A polícia britânica calcula que 300 mulheres e crianças traficadas vivem no país e que isso seja apenas a ponta do iceberg. Na Itália, a OLM calcula que existam entre 20 a 30 mil mulheres imigrantes irregulares, em sua maioria trabalhando na indústria do sexo. Pelo menos 20% delas teriam entrado no país pela via do tráfico internacional. Na Bélgica, em 1999, foram identificadas 334 mulheres vítimas do tráfico, em sua maioria provenientes da Nigéria, China, Albânia e Tailândia. Na Holanda, tomou-se conheci­ mento de 205 mulheres traficadas em 1998, e em 1999, 288, em sua maioria da Europa Central, Europa Oriental, África e América Lati­ na. Na Alemanha, entre 1998 e 1999, 498 mulheres e crianças traficadas foram assistidas por OSCs no retomo a seus países de ori­ gem. Em 1999, as autoridades alemãs estimaram em 801 o número

27. UNITED NATIONS POPULATION FUND, UNFPA. Ending violence against women and girls. Report on state o f world population, 2000.

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de mulheres traficadas para o país, em sua maioria provenientes da Ucrânia, Polônia, Rússia e Lituânia. Na Espanha, em 1999, foram identificadas 866 vítimas de exploração sexual, das quais 410 eram da Colômbia, 96 do Brasil e 81 da Rússia. Em 1999,4 mil mulheres teriam saído do Quirguízia pelas mãos do tráfico. Do Cazaquistão saem, por ano, 4 mil mulheres. O gover­ no da Turquia concedeu vistos de entrada para 39 mil pessoas da Geórgia, sendo que, desse total, 31.200 foram concedidos para mu­ lheres. O governo da Ucrânia considera que, nos últimos dez anos, 400 mil mulheres foram traficadas, mas OSCs locais acreditam que o número possa ser superior. Apenas em outubro de 2000, 185 ucranianas foram devolvidas por autoridades de diversos países. No mesmo ano, a OIM auxiliou o retomo de 81 delas. A guarda de fron­ teira da Rússia, nos dois últimos anos, interceptou 5 mil russas em seu caminho para fora do país portando documentos falsos. Há regis­ tros de mulheres traficadas da Lituânia, Romênia, Hungria, Moldávia, da antiga Macedônia, Albânia, Bósnia-Herzegóvina e Kosovo. A si­ tuação dos Bálcãs é desastrosa, como aponta recente relatório. As pesquisas mostram que a maioria das mulheres asiáticas que se oferecem como trabalhadoras do sexo entrou no comércio sexual contra sua vontade. Há em tomo de 4 mil a 5 mil mulheres proveni­ entes da República Popular da China engajadas em prostituição em Los Angeles. Muitas delas foram traficadas. Há um grande número de mulheres provenientes da Coréia, Tailândia e outros países do Sudeste Asiático trabalhando em bordéis ou em casas de massagem em Los Angeles. Em Bangladesh, nos últimos dez anos, foram reportados 3.397 casos de crianças traficadas, das quais 1.683 eram meninos com menos de dez anos de idade. As chinesas que buscam emprego legal no exterior enfrentam enormes problemas quando o período de estada expira e elas perma­ necem no local de forma ilegal. Há, também, o contrabando de pes­ soas quando migrantes tentam, mas não conseguem, obter permis­ são legal para viajar e encontrar emprego. Nessas circunstâncias, procuram ajuda em organizações clandestinas, snakeheads, que pro­ videnciam documentação ilegal a custos altíssimos. Para pagar esse

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custo, as mulheres são induzidas ao tráfico de drogas, contrabando de armas, seqüestro, assassinato, roubo, chantagem, extorsão e mes­ mo terrorismo. Elas normalmente viajam por longos caminhos, sob condições desumanas, para atingir seu destino, que é em geral um país desenvolvido, como EUA, França, Inglaterra, Itália, Austrália ou Japão. A China também atrai a imigração ilegal. Por exemplo, em uma operação de seis meses, realizada em 2000, a polícia chinesa resgatou 123 mil mulheres e crianças provenientes de vários países do sudeste asiático. O Japão enfrenta o problema da imigração ilegal mais do que o do tráfico humano. As pessoas que buscam emprego no Japão e en­ contram dificuldades acabam procurando “auxílio” junto às redes de crime organizado transnacional para adquirir documentação falsa, encontrar trabalho e entrar no país. Em 1992, por exemplo, entre as pessoas deportadas pelo Escritório de Imigração, haviam entrado no país ilegalmente 3.459 pessoas. Em 1999, o número de imigrantes ilegais no país subiu para 9.337 pessoas; destas, 6.281 entraram no território japonês por avião. Nos últimos anos, houve um aumento do número de imigrantes ilegais nas ilhas Fiji, em sua maioria mulheres e garotas de origem chinesa. Muitas dessas pessoas entram em Fiji por intermédio de bar­ cos de pesca, pulam na água e são resgatadas por pequenos barcos28. Existem ao menos 75 mil mulheres das Filipinas trabalhando no Japão como dançarinas ou profissionais do sexo. Em 1995, ao menos 150 delas foram vendidas para o sexo comercial na Nigéria. Em 1993, havia um total de 13 mil mulheres das Filipinas em vários países do mundo como mail order brides. Entre 1989 e 1998, 148 mil mulheres das Filipinas saíram do país como noivas ou esposas de estrangeiros.

28. ECONOM IC AND SOCIAL COM M ISSION FOR ASIA AND THE PACIFIC, ESCAP. R egional Sem inar on Using Legal Instrum ents to Combat Trafficking in Women and Children, Bangkok, August 1-3,2001 ; UNITED STATES OF AMERICA. Department o f State. Victims of trafficking and Violence Protecting Act 2000, cit.

23

Os métodos mais comuns são o recrutamento ilegal e a contra­ tação de noivas por correio, incluindo busca pela Internet ou por meio de anúncios. De modo um pouco diferente, a índia e a Tailândia estão situa­ das mais no tráfico sexual. O mercado sexual nesses países é negócio altamente rendoso, e os grupos internacionais de traficantes sabem disso. Alguns lugares, como Laos e Malásia, servem como pontos de trânsito de pessoas traficadas que seguem caminho para outro país no sentido da prostituição ou trabalho forçado29. As vítimas são obrigadas a permanecer em casas de massa­ gem, áreas de construções, bordéis e falsos hotéis. Muitas delas sofrem ameaças a sua pessoa ou a de seus familiares, ou são sub­ metidas a condições deploráveis de vida, ou mesmo a locais de trabalho perigosos. Na Nigéria, a média de idade de jovens que estão sendo traficadas para a prostituição é de 14 anos. Há evidências de que crianças de Uganda são seqüestradas por rebeldes sudaneses, levadas para o Sudão e usadas em combate ou vendidas como escravas ou trocadas por armas. Nos últimos anos, mais de 10 mil crianças foram seqüestra­ das e por volta de 6 mil continuam desaparecidas. Muitas mulheres deixam Uganda à procura de emprego, mas terminam no comércio sexual ou na escravidão. Em Gana, a estim ativa é de 3.582 mulheres traficadas entre 1998 e 2000, sendo que desse total apenas 535 retornaram ao país de origem. Dados relativos a 1999 indicavam que havia entre 12 a 20 mil mulheres etíopes trabalhando no Líbano, em geral em serviço dom éstico e, portanto, sob o risco de todo tipo de abuso. Na Colômbia, estima-se que em tomo de 10 mulheres seriam traficadas por dia. Existiriam 500 mil mulheres e crianças colom­

29. UNITED NATIONS. General Assembly. Fifty-fifth session. Agenda item: advancement o f women. Trafficking in women and girls, cit.

24

bianas vivendo fora do país sendo exploradas sexualmente ou em trabalho forçado30. O mapa seguinte mostra claramente as tendências atuais das principais rotas de tráfico no mundo. O padrão indica que as pessoas saem dos países do chamado Terceiro Mundo, ou das novas demo­ cracias, e se encaminham para os países desenvolvidos. Segundo dados da OIM, acredita-se que as mulheres traficadas vêm de quase todo o mundo, destacando, como regiões-fonte do tráfico, Gana, Nigéria e Marrocos na África, Brasil e Colômbia na América Latina, República Dominicana no Caribe, Filipinas e Tailândia no sudeste da Ásia. Há ligações bem estabelecidas entre alguns países-fonte e de destino. Após a emergência dos Novos Estados Independentes e da queda do muro de Berlim, notou-se que grande número de países da Europa Central e Oriental tomaram-se países-fonte e/ou de passa­ gem para o tráfico. Os países subdesenvolvidos ainda são responsáveis pela maioria das pessoas traficadas no mundo, mas o segmento que mais cresce está localizado na Europa Central e Oriental e nos países da antiga União Soviética. Vários especialistas têm notado vínculo entre o tráfi­ co e os deslocamentos associados com a transição econômica, particu­ larmente o crescimento da pobreza e do desemprego das mulheres. O fluxo está dirigido para os países industrializados e envolve praticamente todos os membros da União Européia31. Embora, no mapa seguinte, o Brasil não figure como exportador direto, isso de­ corre exatamente devido à carência de dados a respeito do cenário brasileiro.

30. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION, IOM. Final report on the “Analysis of Data and Statistical Resources Available in the European Union Member States on Trafficking in Humans, Particularly in Women and Children for the Purposes of Sexual Exploitation”, June 1998; MOLINA, Fanny Polania & CLASSEN, Sandra. Tráfico de mujeres en Colombia. D iagnóstico, A nálisis y Propuestas. Fundación Esperanza, 1998. 31. BERRY, Chad. Southern migrants, northern exiles. Illinois : University of Illinois, 2000.

25

Principais fluxos de tráfico de imigrantes no mundo

Fontes: The New York Times, International Labor Organization, Cambodian Women’s Development Center, Los Angeles Times, United N ations H um an R ights C om m ission, G lobal A lliance A gainst Trafficking in Women, Foundation for Women, International Human Rights Law Group Women in Law Project, International Organization for Migration.

No mapa seguinte, podemos perceber, a partir das notícias veiculadas pela imprensa nacional ou dos dados fornecidos pela Polícia Federal, que o Brasil está “integrado” nas redes interna­ cionais de tráfico, não obstante, do ponto de vista numérico, a situação brasileira não parecer alarmante exatamente pela carên­ cia de dados.

26

5. Histórico das convenções, pactos e conferências

relativas ao tráfico De acordo com a Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres, que congrega diversas OSCs internacionais que atuam na área da proteção dos direitos humanos das vítimas do tráfico internacional, os países têm a responsabilidade de proporcionar proteção às pes­ soas traficadas, nos termos da Declaração Universal dos Direitos Hu­ manos e na medida em que parte importante dos países assinou ou ratificou inúmeros instrumentos internacionais ou regionais. Os instrumentos internacionais de direitos humanos impõem responsabilidades aos países no sentido de respeitarem e assegura­ rem a proteção legal, incluindo a obrigação de prevenir e investigar violações, tomar as medidas apropriadas contra os seus perpetradores e encontrar mecanismos de proteção e de reparação para aqueles que sofreram as conseqüências desses fatos ilícitos. Mas os princípios consagrados nos instrumentos internacionais nem sempre gozaram de pleno status de proteção universal. O primeiro documento inter­ nacional contra o tráfico (1904) mostrou-se ineficaz não somente porque não era propriamente universal, como também porque reve­ lava uma visão do fato centrada na Europa. O segundo documento, de 1910, complementou o primeiro na medida em que incluía provi­ sões para punir os aliciadores, mas obteve apenas 13 ratificações. Os instrumentos seguintes, de 1921 e 1933, que foram elaborados no contexto da Liga das Nações, eram mais abrangentes, mas definiam o tráfico independentemente do consentimento da mulher. Esses qua­ tro instrumentos foram consolidados pela Convenção de 1949, que permaneceu como o único instrumento especificamente voltado para o problema do tráfico de pessoas até a adoção da Convenção de Palermo e de seus Protocolos. A Convenção de 1949 partiu de uma perspectiva proibicionista da prostituição e, nesse sentido, procurou criminalizar os atos asso­ ciados com a prostituição, embora excluindo a prostituição per se dessa criminalização. A Convenção não abraçou uma perspectiva de direitos humanos, na medida em que via a mulher como um ator dependente, vulnerável às estocadas amorais da mais “antiga forma

27

de trabalho do mundo” e de seus perpetradores. Assim, a Convenção não protegeu as mulheres contra as violações que ocorrem no curso do tráfico. Além disso, ao se confinar ao tema da prostituição, a Con­ venção excluiu um vasto espectro de mulheres de sua proteção e não elaborou uma definição de tráfico de pessoas. Na verdade, o instru­ mento, que ainda vigora, toma iguais o tráfico e a exploração da prostituição. A Convenção obrigava os Estados-membros a tomarem medidas sociais, médicas e legais para eliminar a prostituição e rea­ bilitar as mulheres, mas, para eventualmente repelir uma possível legislação de regulamentação da prostituição, não abordava as cau­ sas do tráfico e da própria prostituição. A Convenção, ademais, per­ mitia a expulsão de mulheres que tivessem sido submetidas ao tráfi­ co e que viviam da prostituição. Foi adotada por 69 países e tinha mecanismos precários de aplicação. Nenhum órgão independente foi estabelecido para monitorar sua implementação, e metade dos paí­ ses-membros não elaborou relatórios32. Acordos, convenções, protocolos, pactos e declarações internacionais Ano

Documento

1904

Acordo Internacional para Supressão do Tráfico de Escravas Brancas

1910

Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Escravas Brancas

1921

Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças

1927

Convenção sobre Escravidão

1930

Convenção OIT n. 29 relativa ao Trabalho Forçado

1933

Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de Mulheres Adultas

1947

Protocolo de Emenda da Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de M ulheres e Crianças e Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de M ulheres Adultas

Brasil*

I

1957

1948

32. COOMARASWAMY, Radhika. Integration of the human rights o f women and the gender perspective, cit.

28

1949

Convenção e Protocolo Final para a Supressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio

1958

1951

Convenção OIT n. 100 sobre Igualdade de Remuneração

1957

1951

Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, de Genebra

1961

1953

Protocolo de Emenda à Convenção da Escravidão de 1926

1956

Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravidão, o Comércio de Escravos e de Instituições e Práticas Similares à Escravidão

1966

1957

Convenção OIT n. 105 sobre a Abolição de Trabalho Forçado

1965

1958

Convenção OIT n. 111 contra Discriminação na Ocupação e Emprego

1965

1959

Declaração dos Direitos da Criança

1966

Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos

1992

1966

Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

1992

1967

Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados (Protocolo à Convenção de Genebra)

1972

1967

Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra M ulheres

1969

Convenção Am ericana de Direitos Humanos (Pacto de San José)

1992

1973

Convenção OIT n. 138 relativa à Idade M ínim a no Trabalho

2001

1979

Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a M ulher

1984 1994

1984

Convenção contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes

1989

1985

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura

1989

1988

Protocolo à Convenção Americana em M atéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador)

1996

1989

Convenção sobre os Direitos da Criança

1990

1990

Convenção Internacional sobre Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Imigrantes e Membros de suas Famílias (não vigente)

1994

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a M ulher (Convenção de Belém do Pará)

1996

Programa de Ação da Comissão de Direitos Humanos da ONU para a Prevenção do Tráfico de Pessoas e a Exploração da Prostituição

1999

Convenção OIT n. 182 contra as Piores Formas de Trabalho Infantil

2000

1999

Protocolo Opcional da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a M ulher

2 0 0 1 **

1995

29

continuação Ano

Documento

Brasil*

2000

Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança, sobre 2 0 0 1 ** a Venda de Crianças, a Prostituição e Pornografia Infantis

2000

Protocolo Opcional à Convenção sobre Direitos da Criança e sobre o Envolvimento de Crianças em C onflitos Arm ados

2 0 0 1 **

2000

Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional

2 0 0 0 **

2000

Protocolo para Prevenir, Suprim ir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente M ulheres e Crianças, suplem entando a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional

2 0 0 0 **

2000

Protocolo contra o Contrabando de Imigrantes por Terra, M ar ou Ar, suplem entando a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional

2 0 0 0 **

I

* Ano da ratificação ** Ano da assinatura

Segundo esse quadro, de 1949 a 2000 não foram introduzidos novos instrumentos internacionais que permitissem uma estratégia global mais eficiente para prevenir e reprimir o tráfico de pessoas e que refletissem uma nova compreensão acerca dos direitos das mu­ lheres e das crianças. Não obstante, no espaço de 50 anos que separa a Convenção de 1949 e o Protocolo de 2000, várias convenções in­ ternacionais ou regionais e diferentes iniciativas inter-regionais alertaram para a importância do tráfico internacional de pessoas, es­ pecialmente de mulheres e crianças, e assinalaram que a questão se inseria no conjunto das ações voltadas para a ampliação dos direitos humanos de mulheres e crianças. Ou seja, no âmbito do sistema da ONU, era cada vez mais consensual a idéia de que qualquer forma de combate ao tráfico deveria passar necessariamente pelo quadro de direitos humanos estabelecido, sobretudo, pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e pela Convenção sobre os Direitos da Criança. D ireitos hum anos e instrum entos internacionais de prote­ ção à m ulher A Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Hu­ manos, realizada em Viena, em 1993, foi um grande passo na defini­ ção contemporânea sobre os direitos humanos e sua importância nas

30

relações num mundo cada vez mais globalizado. A Declaração da Conferência fez um esforço para afirmar a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, fazendo que, finalmente, fos­ se possível abordar em conjunto todos os instrumentos elaborados pelo sistema da ONU e sistemas regionais. A Declaração afirma, na parte relativa às questões de gênero e da criança, que os “direitos humanos da mulher e da menina são partes inalienáveis, integrantes e indivisíveis dos direitos humanos universais”. A Declaração res­ saltou a importância de os países trabalharem, coordenadamente e com a participação integral da sociedade civil, na direção da elimi­ nação da violência contra a mulher, incluindo o tráfico internacional na lista das violações sexuais. As ações, embora não fossem clara­ mente assinaladas, seriam realizadas pela cooperação internacional, não de acordo com o plano de combate ao crime, mas sim nos termos do direito da mulher ao desenvolvimento econômico e social e à su­ peração da desigualdade e da discriminação. A Conferência Mundial sobre a Mulher de Beijing, em 1995, caminhou na mesma direção da Conferência de Viena e, em sua Pla­ taforma de Ação, propugnou medidas mais específicas numa agenda que procurou conciliar uma compreensão ampliada das questões de gênero e definiu os mecanismos de acompanhamento dos progressos conseguidos pelos países-membros das Nações Unidas. Na Platafor­ ma de Ação foram estabelecidas dez esferas integradas de ação, con­ sideradas fundamentais para a garantia dos direitos das mulheres: superação da pobreza, acesso à educação e aos serviços médicos, eliminação da violência contra a mulher, proteção da mulher nos conflitos armados, promoção da auto-suficiência econômica da mu­ lher, promoção da participação da mulher no processo de tomada de decisões, integração dos aspectos relacionados com a igualdade de gênero na política e no planejamento, promoção dos direitos huma­ nos das mulheres, aumento do papel dos meios de comunicação na promoção da igualdade e integração da mulher ao processo de de­ senvolvimento sustentável. No que se refere ao tráfico de pessoas, a Plataforma de Beijing refletiu uma compreensão gender based e, portanto, mais ampliada do que aquela existente na Convenção de 1949. A Plataforma reco-

31

menda que os governos tomem medidas apropriadas para atacar as raízes do tráfico — desigualdade, discriminação, falta de acesso às fontes de sobrevivência e à justiça — e os fatores que empurram as mulheres e crianças à prostituição e a outras formas de sexo comer­ cial, bem como ao casamento e ao trabalho forçados. Evidentemen­ te, as medidas que os governos deveriam tomar trilham tanto o cami­ nho da punição dos perpetradores como da prevenção, mas com amplo destaque ao último, por meio de políticas de proteção e assistência às vítimas. O relatório elaborado pela Comissão sobre o Estatuto das Mulheres, seguindo a Plataforma de Ação de 1995, e como prepara­ ção para a Conferência Beijing +5 “Mulheres 2000: Igualdade de Gênero, Desenvolvimento e Paz para o Século XXI”, indicou que foram tomadas algumas iniciativas governamentais e não-govemamentais que significaram substancial avanço em relação ao proble­ ma do tráfico de seres humanos. Alguns Estados-membros, por exem­ plo, procuraram garantir às vítimas do tráfico a possibilidade de permanência temporária no país de destino por razões humanitárias. Outros Estados-membros elaboraram planos de ação regionais ou nacionais e implementaram unidades de recepção e assistência às mulheres vítimas do tráfico. Diversos Estados-membros começaram a instituir mecanismos nacionais, com a participação da sociedade civil, para encorajar a troca de informações e documentar as causas, os fatores e as tendências em termos da violência contra mulheres, particularmente o tráfico33. Em resumo, a Declaração de Viena e a Plataforma de Ação de Beijing firmaram, incondicionalmente, a incompatibilidade entre trá­ fico de pessoas e a dignidade e o valor da pessoa humana e, assim, adotaram a eliminação do tráfico como um objetivo estratégico a ser assumido por todos os órgãos que compõem o sistema das Nações Unidas e os sistemas regionais. Outro instrumento internacional relevante para a garantia dos direitos das mulheres foi a Convenção sobre a Eliminação de todas

33. UNITED NATIONS. Division for the advancement of women. Beijing +5. Women 2000: gender equality, development and peace for the 21st century. Special session of the General Assembly, June 5-9, 2000.

32

as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979. A Convenção foi ratificada por 165 dos 188 Estados-membros das Nações Unidas. Todos os países da América Latina ratificaram a Convenção, embora com reservas que diminuem o impacto da ratificação e a efetividade das medidas, inclusive o Brasil, que a ratificou em 1984 e somente suspendeu as reservas em 1994. Mas foi o Protocolo Opcional da Convenção, elaborado na Con­ ferência Mundial sobre a Mulher em 1995 e adotado pela Assembléia-Geral da ONU somente em 1999, que promoveu mais avanços em relação à discussão sobre o problema. O tráfico de pessoas, espe­ cialmente de mulheres e meninas, foi especificamente coberto pelo art. 6.° da Convenção, que obriga os Estados-membros a suprimir toda forma de tráfico e de exploração das mulheres. No art. 1.° do Protocolo, a discriminação foi definida como qualquer tratamento que tem o efeito ou o propósito de negar à mulher o gozo ou o exer­ cício dos seus direitos. Como o tráfico viola vários direitos humanos e liberdades fundamentais da mulher (direito à vida, à integridade física, à liberdade, à segurança e à igualdade jurídica), ele foi enten­ dido como uma forma de discriminação. O tráfico de pessoas contra­ diz e cria obstáculo à obrigação dos Estados de eliminar a discrimi­ nação da mulher na esfera privada (art. 2.°, alínea f) e as atitudes tradicionais que vêem a mulher como ser inferior ao homem (art. 5.°), de assegurar igualdade no mercado de trabalho (art. 11) e de garantir desenvolvimento das mulheres que trabalham nas áreas ru­ rais (art. 14). O Protocolo Opcional da Convenção é um instrumento poderoso de transformação da realidade social das mulheres e cons­ titui instrumento de aplicação, acompanhamento e monitoramento de suas provisões. O Protocolo cria o Comitê para Eliminação da Discriminação contra a Mulher e lhe atribui competência para rece­ ber denúncias sobre casos de violação de seus direitos. No âmbito do sistema americano, a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, estatui que todas as pessoas são iguais diante da lei e gozam dos mesmos direitos. Os Estados-membros, ao ratificarem a Convenção, devem tomar medidas para garantir a igual­ dade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges no casamento.

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O Brasil é signatário da Convenção Interamericana para Preve­ nir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, a chamada “Con­ venção de Belém do Pará”. Como Estado-membro da Convenção de Belém do Pará, o Brasil assumiu uma série de obrigações específicas que complementam as disposições mais gerais da Convenção Ame­ ricana de Direitos Humanos. A Convenção de Belém do Pará define, em nível regional, a violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na privada”. Os Estados-membros da Convenção de Belém do Pará aceitaram adotar, “sem demora”, políticas destinadas a prevenir e erradicar a violência contra a mulher (art. 7.°). Em outros termos, os Estados se obrigam a assegurar o respeito ao direito da mulher a uma vida livre de violência, a agir com o devido zelo para prevenir, inves­ tigar e punir a violência contra a mulher (nas esferas pública e priva­ da), e para que todas as vítimas da violência tenham acesso a proce­ dimentos jurídicos justos e eficazes. Nesse sentido, a Convenção estatui que todas as leis, políticas ou práticas jurídicas que dão res­ paldo à continuação ou à tolerância em relação à violência contra a mulher sejam abolidas. D ireitos hum anos e instrum entos internacionais de prote­ ção à criança A Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, foi adotada por unanimidade e entrou em vigor no dia 2 de setembro de 1990, um mês depois de ter sido ratificada pelo vigési­ mo Estado. O Brasil ratificou a Convenção em 1990. É a Convenção com maior número de Estados-membros (191): as exceções são os Estados Unidos e a Somália. A Convenção contém 54 artigos sobre sobrevivência, desenvol­ vimento, participação e proteção da vida das crianças. Os princípios consagrados na Convenção são considerados indivisíveis, não obstante a independência dos diferentes artigos. A Convenção deve ser inserida no conjunto dos mais importantes instrumentos de direitos huma­ nos. Cinco artigos referem-se diretamente à questão do tráfico e ex­ ploração sexual de crianças: o art. 34, sobre a proteção contra explo-

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ração e abuso sexual, incluídos a prostituição e o envolvimento em pornografia; o art. 35, sobre a prevenção contra o seqüestro, a venda e o tráfico de crianças; o art. 36, sobre a proteção contra todas as outras formas de exploração; o art. 32, sobre a proteção contra a exploração econômica e contra o trabalho perigoso; e o art. 39, sobre a recuperação e reintegração social das crianças que foram vítimas de abusos. Além desses artigos, há outros: obrigação do Estado de prevenir e solucionar seqüestros ou retenções de crianças no estran­ geiro por um dos pais ou por terceiros; obrigação do Estado de pro­ teger as crianças de todo tipo de maus-tratos perpetrados pelos pais, parentes ou outros responsáveis; obrigação do Estado de proteger as crianças sem família; adoção, de acordo com o interesse superior da criança; proteção às crianças refugiadas; direito contra o envolvimento com drogas; e normas de Direito Humanitário Internacional de apli­ cação em caso de conflito armado. A Assembléia-Geral da ONU adotou dois Protocolos Opcionais à Convenção, em 25 de maio de 2000: o Protocolo Opcional à Con­ venção sobre os Direitos da Criança, sobre Venda de Crianças, Pros­ tituição e Pornografia Infantis, assinado por 89 países e ratificado por 16, e o Protocolo Opcional à Convenção sobre Direitos da Crian­ ça e sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados, que recebeu 93 assinaturas e 13 ratificações. O Brasil assinou ambos os Protocolos, em 6-9-2001, mas ainda não os ratificou. O primeiro Pro­ tocolo confere especial ênfase à criminalização das graves violações dos direitos das crianças: venda de crianças, adoção ilegal, prostitui­ ção infantil e pornografia. O texto destaca a necessidade de coopera­ ção internacional com o form a de com bater essas atividades transnacionais e clama pelo aumento da consciência pública, por meio de campanhas de informação e de educação para a proteção dos di­ reitos das crianças. Todos esses instrumentos devem ser seguidos pelo estabelecimento de mecanismos de acompanhamento e de de­ núncia. No final de 2000, a ONU adotou o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, suplementando a Convenção da ONU contra Crime Orga­ nizado Transnacional. Todos esses instrumentos foram elaborados para serem lidos, interpretados e implementados em conjunto.

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Antes mesmo da adoção dos Protocolos da Convenção da Crian­ ça, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou a Conven­ ção Relativa à Proibição e Imediata Ação para a Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, em 1999, que abrange, entre outros, a venda e o tráfico de crianças, a prostituição e a pornografia infantis. Outras iniciativas internacionais deram relevo à exploração se­ xual das crianças. A Agenda de Ação e a Declaração do Primeiro Con­ gresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial das Crianças, realizado em Estocolmo, em 1996, por exemplo, destacou como me­ didas importantes para a redução do abuso contra crianças a coopera­ ção, a prevenção, a proteção, o resgate e a participação. E, de maneira talvez mais detalhada e sempre dentro da perspectiva da parceria com a sociedade civil, o Segundo Congresso, que se realizou em Yokohama, em dezembro de 2001, encaminhou-se na mesma direção34. O Brasil ratificou a Convenção sobre Cooperação Internacional e Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Inter­ nacional, de Haia, em 1993. A Convenção estabelece garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse supe­ rior da criança e com respeito aos seus direitos fundamentais. A Con­ venção procura instaurar um sistema de cooperação entre os Estados para assegurar o respeito às mencionadas garantias, prevenindo o seqüestro, a venda ou o tráfico de crianças, além de garantir o reco­ nhecimento das adoções realizadas segundo as normas estabelecidas. Portanto, as políticas de proteção à infância referem-se a um conjun­ to de instrumentos internacionais que concebem proteção integral à criança. Outros instrum entos internacionais relacionados à m atéria O Brasil reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos em dezembro de 1998, por meio

34. WARBURTON, Jane. Prevention, protection and recovery o f children from commercial sexual exploitation, fo r the NGO group fo r the Convention on the Rights o f the Child Second World Conference against Commercial Sexual Exploitation o f Children. Yokohama, December 2001.

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do Dec.-Lei n. 89, de 3 de dezembro de 1998, nos termos do art. 62 da Convenção Americana. O Brasil ainda assinou o Estatuto do Tri­ bunal Internacional Criminal Permanente, aprovado em Roma, em julho de 1998. Nos dois casos, considera-se a jurisdição internacio­ nal para julgamento de crimes e violações contra os direitos huma­ nos ocorridos nos países-membros, e, particularmente no Estatuto do Tribunal de Roma, a violência contra a mulher figura como crime cujo julgamento o Tribunal chama para sua competência. Não obstante a existência de um considerável corpo legislativo internacional, ainda não havia a definição precisa de tráfico, nem o estabelecimento de prioridades, conceitos, estratégias de ação e a devida articulação internacional para o enfrentamento do problema, de suas causas e de suas conseqüências arrasadoras para as vítimas e seus familiares. Em suas sessões de números 55 e 56, de 1999 e 2000, respecti­ vamente, a Comissão de Direitos Humanos da ONU adotou resolu­ ções sobre tráfico de mulheres e crianças. Na Resolução 1999/40, a C om issão expressou grave preocupação com o aum ento do envolvimento do crime organizado transnacional, que ganhava mui­ to dinheiro com a atividade, e enfatizou a necessidade de uma abor­ dagem do problema baseada na colaboração global. Solicitava que os governos tomassem medidas apropriadas para enfrentar as causas do problema, inclusive por meio da ampliação das medidas e da le­ gislação de proteção dos direitos das mulheres e crianças e para a punição dos perpetradores. P edia tam bém que os governos criminalizassem o tráfico de pessoas em todas as suas formas e ga­ rantissem que as vítimas não fossem penalizadas. A Resolução 2000/ 44 encaminhou-se na mesma direção, mas ressaltou a importância da adoção de novos instrumentos de combate ao crime organizado e ao tráfico de pessoas, lembrando que era importante que esses ins­ trumentos assumissem uma perspectiva de direitos humanos. Res­ saltou a importância da participação dos Governos e de organizações intergovemamentais e não-govemamentais no Encontro da Iniciati­ va Regional Asiática contra o Tráfico de Pessoas (ARIAT), em Manila, em março de 2000, para desenvolver uma ação regional contra o tráfico de pessoas.

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A Resolução 1999/17, da Subcomissão de Direitos Humanos, pediu que os Estados-membros adotassem planos nacionais de ação contra o tráfico de pessoas. Esses planos deveriam estar baseados na coleta de dados, pesquisa e análise, elaborados e implementados em cooperação com organizações não-govemamentais. Os planos nacionais deveriam estar de acordo com o Programa de Ação para a Prevenção do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, de 1996, inicia­ tiva pioneira do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (OHCHR). Os planos deveriam assegurar a coordenação das leis, agências de implementação e empowerment de vítimas e sobrevi­ ventes. O OHCHR ficaria responsável pela definição de normas para a elaboração desses planos e, quando solicitado, forneceria assistência técnica35. A expectativa das OSCs de Direitos Humanos e dos órgãos que compõem o sistema internacional era de que o Protocolo da Conven­ ção contra o Crime Organizado Transnacional contribuísse eficaz­ mente tanto para a erradicação do tráfico quanto para a proteção e assistência às vítimas, numa perspectiva de direitos humanos.

6. A Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional de Palermo e o Protocolo para Pre­ venir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, espe­ cialmente Mulheres e Crianças A Convenção foi elaborada dentro da lógica da luta global con­ tra o crime organizado. Assim, pode causar e certamente causa estra­ nheza perceber que não houve uma nova Convenção sobre o tráfico internacional de pessoas, mas sim Protocolos adicionais relativos às matérias do tráfico de pessoas e do contrabando de imigrantes. Na 8.a Sessão, em 1999, em Viena, da qual participamos, a Co­ missão sobre Prevenção de Crime e Justiça Criminal da ONU re­ comendou a adoção, pelo Conselho Econômico e Social, de um

35. UNITED NATIONS. General Assembly. Eightieth session. Trafficking in persons: update and perspectives. M C/INF/245. November 22, 2000.

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número de resoluções relevantes para o combate ao tráfico de mu­ lheres e crianças. Entre elas estavam incluídas as resoluções relati­ vas à adoção da Convenção contra o Crime Organizado Transnacional e do Protocolo sobre o Programa da ONU de Prevenção do Crime e Justiça Criminal. Esta última Resolução ressaltou a iniciativa da Co­ missão, em cooperação com o Instituto Inter-regional da ONU para a Pesquisa em Crime e Justiça Penal, em desenvolver um Programa Global contra o tráfico de seres humanos. O Alto Comissariado de Direitos Humanos (OHCHR), após considerar o tráfico como tema essencial, passou também a elaborar um programa antitráfico para assegurar a integração dos direitos hu­ manos nas iniciativas nacionais, regionais e internacionais. A ênfase do programa foi sobre o desenvolvimento e promoção de padrões legais. Nesse contexto, o OHCHR apresentou documento na 4.a Ses­ são do Comitê ad hoc sobre a Elaboração da Convenção contra o Crime Organizado Transnacional, em Viena, entre junho e julho de 1999, enfatizando que a Convenção e seus Protocolos não deviam entrar em conflito nem prejudicar o Direito Internacional dos Direi­ tos Humanos36. Uma declaração nesse sentido foi divulgada pelo OHCHR, UNHRC, UNICEF e OIM na 8.a Sessão do Comitê ad hoc, em fevereiro e março de 2000. No 10.° Congresso da ONU sobre Prevenção do Crime e Trata­ mento dos Delinqüentes, que ocorreu em Viena, em abril de 2000, do qual também participamos, discutiu-se o impacto desproporcio­ nalmente adverso que o crime organizado, incluindo o tráfico, tem sobre as mulheres e crianças. Na Declaração de Viena sobre “Crime e Justiça: Enfrentando os Desafios do Século XXI”, adotada pelo Congresso, os Estados-membros assumiram a responsabilidade de desenvolver formas mais efetivas de colaboração para erradicar o tráfico de pessoas, especialmente de mulheres e crianças. O ano 2005 foi definido como meta para reduzir de forma significativa a inci­ dência desse crime e a implementação de medidas antitráfico.

36. UNITED NATIONS. General Assembly. Fourth session. Ad Hoc Committee on the Elaboration o f a Convention against Transnational Organized Crime. Infor­ m al note by the United Nations High Commissionerfo r Human Rights, cit.

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Após todas essas ações, a Convenção foi finalmente adotada pela Assembléia-Geral da ONU, em novembro de 2000, e aberta para assinaturas em dezembro do mesmo ano, em Palermo, na Itália. Ela foi suplementada por dois Protocolos, um sobre tráfico de pessoas e outro sobre contrabando de pessoas. Um terceiro Protocolo está sen­ do negociado e trata do contrabando de armas de fogo, de outros tipos de armas e de munições. A criação de dois Protocolos sobre tráfico revela o entendimento internacional da diferença que existe entre o tráfico e o contrabando de pessoas e a necessidade de medi­ das específicas para tratar dos dois problemas. A Convenção e os Protocolos foram assinados por todos os países-membros. Um total de 80 países assinou os dois Protocolos. Os novos instrumentos so­ mente passarão a vigorar quando 40 países os ratificarem. A bordagem de controle do crim e e punição dos autores A Convenção e os Protocolos estão claramente orientados para o controle do crime. Essa perspectiva vê o tráfico como um proble­ ma de efetividade da aplicação da lei contra o crime organizado local ou internacional. Essa abordagem ressalta a participação e coopera­ ção entre as agências de aplicação da lei. Ela exige das agências policiais maior controle e vigilância de fronteira. Atribui grandes poderes à polícia para fiscalizar, prender e investigar. Reforça os re­ gimes legais por meio da promulgação de leis específicas e reco­ menda medidas punitivas mais rigorosas. Suas provisões, voltadas à aplicação da lei, auxiliarão os governos dos países a se organizar e trocar informações sobre o crime organizado, aumentando sua capa­ cidade para localizar, deter e julgar os traficantes. Três são os objetivos do novo Protocolo sobre tráfico de pessoas, conforme o seu art. 2.°: prevenir e combater o tráfico de pessoas, dan­ do particular atenção a mulheres e crianças; proteger e assistir as vítimas de tal tráfico, com pleno respeito a seus direitos humanos; e promover a cooperação entre os Estados-membros de forma a cum­ prir tais objetivos. Todas as provisões da Convenção são aplicáveis ao Protocolo. Os dois instrumentos contêm numerosas provisões para proteger e assistir as pessoas traficadas que consentem em ser testemunhas nos

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processos movidos contra os traficantes, mas não fazem quase nada para proteger os direitos das pessoas traficadas que não consentem em se tomar testemunhas. As provisões propriamente policiais pre­ sentes no Protocolo possuem caráter mandatário, enquanto as provi­ sões relativas à proteção e assistência das vítimas são discricioná­ rias. Os governos que assinarem o Protocolo “devem considerar as medidas” ou “tentar” providenciar proteção e assistência “em casos apropriados”. É lastimável que essas provisões sejam tímidas dessa maneira, mas os países foram quase unânimes na oposição que expressaram contra medidas mandatárias. O Protocolo contém a primeira definição de tráfico internacio­ nalmente aceita. Essa definição é totalmente diferente daquela pre­ sente na Convenção de 1949, que focava apenas a prostituição e con­ siderava toda forma de prostituição, voluntária ou forçada, como tráfico. O Protocolo reconhece a existência da prostituição voluntária e da prostituição forçada. Intencionalmente, não dá uma definição para a frase “exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual” porque os delegados dos países não chegaram a uma defini­ ção consensual. Todos concordaram que a participação involuntária na prostituição constitui tráfico, mas a maioria rejeitou a idéia de que a participação voluntária, não-coercitiva, de adultos na prostitui­ ção possa constituir tráfico. Para garantir um grande número de assi­ naturas ao Protocolo, os delegados concordaram em deixar a frase indefinida. Assim, o Protocolo expressamente permite que os Estados-membros se voltem contra a prostituição forçada e outros cri­ mes que envolvem a coerção, e não exige que os governos tratem toda participação de adultos na prostituição como tráfico. Os gover­ nos que desejam focar suas ações nos crimes que envolvem força ou coerção para a prostituição ou outras formas de trabalho não preci­ sam incluir a frase “lenocínio ou outras formas de exploração se­ xual” em seu Direito Positivo. Os termos “trabalho ou serviços for­ çados, escravidão ou práticas similares à escravidão, servidão” cobrem qualquer situação, inclusive a participação forçada na indústria do sexo. Ademais, trabalho forçado, escravidão e servidão são defini­ dos na lei internacional, e tais noções podem ser incorporadas ao

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Direito Positivo. Quando se trata de legislação criminal, não se ad­ mitem termos indefinidos ou ambíguos, pois é a clareza na constru­ ção do tipo penal que permite saber exatamente o âmbito do que deve ser sancionado. Trata-se não só de uma garantia do acusado, mas uma certeza de toda a sociedade no que se refere às ações que são permitidas e às que, se cometidas, implicam uma conseqüência jurídico-penal. Dessa forma, a aplicação da regra da lei e os direitos dos acusados ficam garantidos.

The Human Rights Caucus Várias organizações internacionais de direitos humanos se fi­ zeram presentes nos encontros e nas negociações que levaram à ela­ boração do Protocolo. Essas organizações formaram um verdadeiro Human Rights Caucus para pressionar os delegados e demais parti­ cipantes a incluir no Protocolo um quadro de direitos humanos. Esse quadro seguiu os Padrões de Direitos Humanos (PDH) para o Trata­ mento das Pessoas Traficadas e Recomendações, que formaram a base de uma campanha global para melhorar e promover os direitos das vítimas do tráfico. A idéia básica é considerar o tráfico, como já foi dito anteriormente, uma violação dos direitos humanos funda­ mentais. Essa perspectiva apareceu pela primeira vez como preocu­ pação expressa do Secretário-Geral e da Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU. A perspectiva de direitos humanos leva em consideração as disposições sobre tráfico de pessoas, especial­ mente mulheres e crianças, presentes nos instrumentos internacio­ nais relativos à discriminação da mulher, aos direitos da criança, à proteção dos migrantes, à Corte Criminal Internacional, à proibição do trabalho infantil e ao enfrentamento da exploração sexual comer­ cial infanto-juvenil37. Nessa mesma direção, temos o Programa de Ação da Comissão de Direitos Humanos da ONU para a Prevenção do Tráfico de Pes­ soas e a Exploração da Prostituição, de 1996, e importantes acordos

37. LEIDHOLDT, Dorchen. Position paper for the Coalition against Trafficking in Women, cit.

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regionais, estabelecidos pelo Conselho da Europa, em 2000, pela Associação das Nações do Sudeste Asiático, em 1999, e pela Associa­ ção da Ásia do Sul para a Cooperação Regional (SAARC), em 2000. Em essência, o quadro de direitos humanos leva em considera­ ção os padrões que já foram codificados pelos tratados, pactos e pro­ tocolos internacionais, que são promulgados e monitorados pelo sis­ tema da ONU. Levando em conta os princípios da universalidade, da indivisibilidade e da não-discriminação, que são os fundamentos do quadro de direitos humanos, a análise das causas e conseqüências do tráfico deve incluir os fatores econômicos, sociais e culturais, bem como o contexto civil e político dos locais onde o tráfico ocorre. É essencial considerar esses fatores em qualquer estratégia para com­ bater e especialmente prevenir o tráfico em qualquer nível. É tam­ bém preciso lembrar que a inclusão dos preceitos da participação e da auto-representação é elemento-chave das ações de direitos huma­ nos nas estratégias antitráfico.

7. Acordos, tratados e ações regionais para prevenir e reprimir o tráfico de pessoas Paralelas ao processo de elaboração da Convenção de Palermo e de seus Protocolos, várias iniciativas regionais estavam em anda­ mento, a maioria delas trabalhando tanto com provisões punitivas quanto preventivas e assistenciais, num enfoque que privilegia os direitos humanos. Essas iniciativas têm em comum a forte presença de redes internacionais de OSCs e o apoio de muitos órgãos interna­ cionais, tais como a OIM, OIT, UNIFEM, UNAIDS etc. Sistem a asiático Em 1996, a polícia indiana resgatou mais de 400 mulheres e crianças que estavam sendo exploradas num bordel em Mumbai, no Nepal. As autoridades da índia queriam devolver essas pessoas, mas o governo do Nepal não queria assumir nenhuma responsabilidade sobre o retomo das mesmas. Desde esse incidente, os países-mem­ bros da Associação do Sul da Ásia para a Cooperação Regional

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(SAARC) vêm procurando coordenar esforços, no plano regional, para dar conta do problema. O esboço de uma Convenção Regional para Prevenir e Combater o Crime de Tráfico de Mulheres e Crian­ ças para a Prostituição foi finalizado em 1998. A Convenção Regio­ nal procura facilitar a colaboração entre os países e estabelecer uma Força-Tarefa para efetivar a aplicação da lei e garantir o tratamento adequado das vítimas no processo de repatriação. Um dos principais ganhos dessa Força-Tarefa foi a formulação e implementação do pro­ jeto “Para além do Tráfico: Uma Iniciativa Conjunta no Milênio con­ tra Tráfico de Meninas e Mulheres”, que refletiu a crescente necessi­ dade para a realização de pesquisa, o estabelecimento de bancos de dados e a criação de políticas. No Nepal, por exemplo, após a Con­ venção, a maioria dos abrigos governamentais e de organizações nãogovemamentais fornece aconselhamento e serviços médicos para as vítimas do tráfico. Na índia, o governo construiu 80 casas de prote­ ção para as vítimas, e nelas há cuidado médico e educação. Nessa direção, várias iniciativas foram ocorrendo no sistema asiático. Há uma iniciativa inter-regional chamada Plano de Ação para o Combate do Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças. A idéia começou em Seul, em 2000, onde os líderes nacio­ nais expressaram seu desejo de enfrentar questões globais comuns, tais como o crime transnacional de tráfico de pessoas para fins de exploração. Um encontro de especialistas definiu regras para coor­ denação das iniciativas relativas à prevenção e ao combate do tráfi­ co, aplicação da lei e proteção das vítimas, recuperação, repatriação e reintegração social. Por fim, estratégias de monitoramento e acom­ panhamento. A Iniciativa Regional Asiática contra o Tráfico de Pessoas (ARIAT), Especialmente Mulheres e Crianças, começou em março de 2000, quando as Filipinas sediaram um encontro da entidade, no qual estiveram presentes 23 representantes de Governos e de outras organizações. O encontro adotou um Plano de Ação completo e prá­ tico. Para lidar com o tráfico transnacional, definiu-se a necessidade de implantação de um banco de dados de mecanismos de troca de informação, cooperação com a sociedade civil e coordenação de ini­ ciativas paralelas. O Plano deu muito destaque ao combate à pobreza

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e às estratégias de educação e treinamento para garantir a prevenção. No que diz respeito ao treinamento, a ARIAT recomendou aumento de esforços dos Estados-membros no combate ao crime transnacional. O Plano de Ação reconheceu a necessidade da maior participa­ ção das mulheres no processo econômico de seus países e de partici­ pação das mulheres no processo de desenvolvimento. Embora não tenha havido a definição de prazos para a implementação do plano, algumas ações de acompanhamento foram indicadas, incluindo as ações dos Estados Unidos e das Filipinas para finalizar a legislação sobre tráfico e os esforços de todos os países para melhorar os meca­ nismos jurídicos38. Ainda no sistem a asiático, vale m encionar o projeto das Interagências da ONU para Combater o Tráfico de Mulheres e Crian­ ças na sub-região do Mekong, o Programa Internacional da OIT para a Eliminação do Trabalho Infantil, com foco no combate ao tráfico de crianças e mulheres para exploração no trabalho na sub-região do Mekong e no Sul da Ásia, e o Projeto da OIM para o Retomo e Reintegração de Mulheres Traficadas da China para o Vietnã. Ainda na região do Mekong, em maio de 1999, um projeto da ONU foi iniciado, com previsão para funcionar por três anos, com a meta de liberar mais de 300 mil mulheres que se encontram em condição de semi-escravidão. Sistem a europeu Dentro do sistema europeu, o tema do tráfico de pessoas foi levantado diversas vezes no contexto da Organização para Seguran­ ça e Cooperação na Europa (OSCE) desde o começo dos anos 1990, quando os Estados-membros incluíram o combate ao tráfico no Do­ cumento de Moscou (1991). Em 1996, a Assembléia Parlamentar da OSCE expressou preocupação com as práticas do tráfico e sua liga­ ção com os problemas econômicos e o crime organizado, conforme

38. ECONOM IC AND SOCIAL COM M ISSION FOR ASIA AND THE PACIFIC, ESCAP. R egional Sem inar on Using Legal Instrum ents to Combat Trafficking in Women and Children, cit.

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a Declaração de Estocolmo, de 1996. OSCs e Estados participantes identificaram o tráfico e a violência contra a mulher como tema de preocupação, no Seminário Dimensão Humana, de 1997, e no En­ contro de Implementação Dimensão Humana, de 1998. O tráfico voltou a ser mencionado como problema no Conselho Ministerial da OSCE, em 1998. Mas apenas em 1999 a OSCE assumiu passos con­ cretos para fazer frente ao problema, dando suporte à realização de um Seminário Internacional de especialistas em conjunto com a OSC La Strada e a Fundação Friedrich Ebert, financiando uma série de eventos organizados pela La Strada na Polônia, entre 1999 e 2000; e elaborando um projeto conjunto com a OIM para dar assistência téc­ nica ao Comitê de Coordenação Nacional contra o Tráfico da Pessoa Humana da Ucrânia. Além disso, O Pacto de Estabilidade para a Europa Ocidental e do Sul estabeleceu uma Força-Tarefa sobre Trá­ fico de Seres Humanos, em 1999. O pacto dá ênfase ao aumento de consciência, programas de treinamento e de intercâmbio, polícia e cooperação, proteção às vítimas, assistência para o retomo e rein­ tegração, reforma legal e prevenção. No mesmo contexto, foi assina­ da a Declaração Ministerial da Europa do Sudeste, em dezembro de 2000, dando ênfase à necessidade de implantação de programas efe­ tivos de prevenção, assistência e proteção à vítima, reforma legal, aplicação da lei e julgamento dos traficantes. A Declaração foi de­ senvolvida sob os auspícios do Pacto de Estabilidade da Europa do Sudeste. Cada Estado participante deve indicar representante para coordenar ações nacionais e esforços relativos ao tráfico, trocando regularmente informação com outros Estados, preparando relatórios de acompanhamento. Foram também elaboradas recomendações para planos de ação nacionais de combate ao tráfico. O Conselho da Eu­ ropa também tem sido proativo no combate ao tráfico, e recentemen­ te foram adotadas pelo Comitê de Ministros recomendações para combater o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. As re­ comendações basearam-se em esforços cumulativos da última déca­ da. O documento não tem efeito legal, não obstante proporcione re­ gras para estimular soluções nacionais para o problema. Desde 1996, a Comissão Européia (CE) vem desenvolvendo iniciativas relacionadas ao combate ao tráfico para fins de exploração

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sexual. Essas incluem o programa STOP (pesquisa, treinamento e programas de intercâmbio) e a iniciativa DAPHNE (que apóia as atividades das OSCs relacionadas à violência contra a mulher). A CE deu suporte para iniciativas fora da União Européia, como a PHARE e TACIS, que financiaram networking de OSCs na Polônia, Repúbli­ ca Tcheca, Bulgária e Ucrânia39. Sistem a am ericano No sistema americano, as duas iniciativas principais foram o chamado Processo de Puebla de 1996 e o US Protection Act de 2000. O Processo de Puebla foi iniciado durante a Cúpula Presiden­ cial da América Central e do Norte, que ocorreu em Tuxtla, Méxi­ co, em fevereiro de 1996. Os Chefes de Estado de 11 países da região deram especial relevância às questões imigratórias dentro do quadro do desenvolvimento econômico e social da região. Em março de 1996, o México organizou a Primeira Conferência Re­ gional sobre Migração na América, chamada de “Puebla Process”. No seminário foi discutido o problem a da m igração em nível multinacional, levando ao reconhecimento de que a migração pode ser benéfica para os países de origem e de destino, e de que o diálo­ go multilateral é a ferramenta mais efetiva para enfrentar essas questões. Um plano de ação foi elaborado e é atualizado a cada ano, sendo que seu acompanhamento é realizado por um secreta­ riado virtual, um site da Internet administrado de forma rotativa pelos países participantes. A iniciativa adotou um plano de ação bastante focado e criou um Grupo Regional de Consultoria sobre Migração, que se reúne duas vezes ao ano para discutir problemas de migração, com a presença de inúmeras OSCs. As iniciativas dos Estados Unidos referem-se ao Ato de Prote­ ção às Vítimas do Tráfico e da Violência, de 2000. O Ato forneceu

39. EUROPEAN UNION. Organization for Security and Co-operation in Europe, OSCE. Office for Democratic Institutions and Human Rights, ODIHR. Trafficking in human beings: implications for the OSCE. R eview C onference, September 1999.

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novos instrumentos e penalidades rigorosas para traficantes (inclusi­ ve para representantes diplomáticos de outros países) nos Estados Unidos. O ato proporciona proteção às vítimas de tráfico e emenda o Ato de Imigração e Nacionalidade para permitir ao Advogado-Geral a concessão de vistos de permanência. O Ato, como já foi assinala­ do, definiu Padrões Mínimos para a Eliminação do Tráfico e ordena que os países estrangeiros satisfaçam esses padrões ou façam esfor­ ços significativos nesse sentido. O Ato define o ano 2003 como limi­ te para que os governos atinjam esses padrões mínimos e, caso isso não ocorra, podem sofrer sanções, tais como perder a assistência re­ cebida pelo governo americano, técnica e financeira. O governo ame­ ricano também pode sugerir medidas de sanção contra esses países para instituições tais como o Banco Mundial. Com base no Ato 2000, o Departamento de Estado Americano fará uma avaliação anual do desempenho dos países com os quais os EUA mantêm relações di­ plomáticas, a ser divulgada no Relatório Anual do Departamento e nos Relatórios Anuais sobre tráfico. Para auxiliar os países nesse intento, o Ato reserva fundos na ordem de 94,5 milhões de dólares para programas de combate ao tráfico, tanto de iniciativa governa­ mental como não-govemamental, além de assistência técnica ade­ quada. Quem busca auxílio financeiro para seus projetos deve procu­ rar o sta ff da embaixada designado para as questões relativas ao tráfico e apresentar um projeto. A administração Clinton pressionou o Congresso a tomar me­ didas na área da prevenção, sobretudo em termos de programas que aumentem as oportunidades econômicas de vítimas potenciais do tráfico, disseminação de informação em outros países e financiamento de pesquisas. Na área da proteção e assistência, a administração so­ licitou legislação para a criação de abrigos e serviços de suporte para as vítimas que estão no país em situação irregular e, portanto, não podem ter acesso à assistência. Uma pressão dirige-se para a criação de vistos humanitários para que as vítimas recebam estatuto de resi­ dência temporária. Busca-se também dar suporte aos países-fonte de tráfico para proteger e reintegrar vítimas quando de seu retomo. Na área da repressão, os esforços se voltam para a elaboração de leis mais eficazes e mais severas contra os traficantes, mas também para

48

a possibilidade de abertura de processo civil com vistas a indeniza­ ção. O Departamento de Justiça vem solicitando leis que expandam a definição da servidão involuntária, que criminalizem um maior es­ pectro de ações a ela relativas e que aumentem as penas para aqueles que submetem pessoas à servidão. Internacionalmente, os Departa­ mentos de Estado e de Justiça estão treinando policiais e agentes de imigração para melhor identificar vítimas e desmantelar quadrilhas40. Interagências da O NU Na mesma direção, surgiram várias iniciativas dentro do siste­ ma da ONU ou no sistema de organizações internacionais a ela rela­ cionadas. Nos dois últimos anos, a IOM tem tentado trabalhar com os grupos mais vulneráveis. Existem 59 projetos contra o tráfico em 49 países da África, Ásia, Europa Central, Oriental e Ocidental e Amé­ rica Latina. Nesse sentido, a IOM tem trabalhado em algumas linhas estratégicas, tais como trabalho regional ou sub-regional, para apro­ ximar os países que compartilham os mesmos problemas; respostas integradas para prevenir o tráfico por meio da informação e proteção das vítimas, abrigo, acesso aos serviços, retomo e reintegração. A IOM procura atuar nas causas e impedir que as vítimas sejam inseridas novamente no tráfico; prevenir a infecção por Hl V/AIDS e as DST (doenças sexualmente transmissíveis); estimular a realização de pes­ quisas, sobretudo de caráter comparado; estimular a cooperação com organizações da sociedade civil e ampliar a cooperação técnica e a cooperação para fins de aplicação da lei41. Esforços para combater o tráfico foram feitos, também, por parte do UNIFEM, que investiu no aumento da colaboração governamen­ tal e não-govemamental, no suporte a redes antitráfico, no desenvol­

40. UNITED STATES OF AMERICA. Department o f State. International information programs. Congressional research service report 98-649C. Trafficking in women and children: the U.S. and international response. May 2000. 41. UNITED NATIONS. General Assembly. Eightieth session. Trafficking in persons: update and perspectives, cit.

49

vimento da capacidade das atuações não-estatais para enfrentar o problema por intermédio da prevenção, proteção e julgamento, no suporte para pesquisa, para a disseminação de informação e para campanhas de comunicação de massa. Em março de 1999, o UNIFEM (Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento das Mulheres) coordenou uma missão para a ín­ dia a fim de colher de OSCs informações sobre tráfico. Essa ação resultou no estabelecimento de um centro antitráfico, em Mumbai, para facilitar a coleta e a troca de dados, além do treinamento de agentes do Governo, incluindo aqueles que trabalham na esfera legal e no transporte de trabalhadores. Em parceria com a USAID, o UNIFEM estabeleceu um projeto regional no Sul da Ásia para pre­ venção do tráfico de mulheres e crianças, que busca aumentar o apoio político e comunitário, em níveis diferentes, nas áreas de alto risco, integrar dados afins, e pesquisar novos instrumentos legais e ativida­ des de proteção e de persecução, além de melhorar o monitoramento das leis já existentes sobre o assunto. Um centro de informação antitráfico será instituído para facilitar a coleta e a difusão de infor­ mações relevantes. Vários projetos criados por meio do UNIFEM foram igualmente endereçados ao combate do tráfico de mulheres e meninas. Alguns deles incluíram um projeto educacional e outro que visa à criação de uma coalizão entre OSCs para combater o tráfico de meninas em situação de risco e de jovens mulheres russas, além da elaboração de um filme para o ativismo nas OSCs de base, no Nepal. A OIT também vem trabalhando com o tema do tráfico de cri­ anças para fins de exploração, dentro, por exemplo, do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho da Criança, com proje­ to em vários pontos do mundo, principalmente na Ásia. Dentro desse esforço, deve-se assinalar a adoção da Convenção da OIT n. 182 so­ bre a Proibição e Ação Imediata contra as Piores Formas de Trabalho Infantil, que representa um importante instrumento na campanha glo­ bal contra o tráfico e o trabalho forçado de crianças. Em complementação ao trabalho de financiamento de estudos sobre o tráfico, o UNICEF tem colaborado em projetos das Nações Unidas e de OSCs direcionados ao tráfico de mulheres e crianças.

50

Por exemplo, UNICEF e ESCAP desenvolveram um projeto para a eliminação do abuso sexual e da exploração sexual de crianças e jovens na Ásia e Pacífico, para aumentar a capacidade das autorida­ des governamentais locais e de ONGs. O UNICEF e o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, da OIT, cola­ boraram numa iniciativa para combater o tráfico na Ásia do Sul e na sub-região do Mekong. Além disso, dá suporte ao projeto do PNUD sobre tráfico na mesma região do Mekong. É também parceiro da OIM num projeto de retomo e reintegração de mulheres traficadas da China para o Vietnã, da Tailândia para o Camboja e do Camboja para o Vietnã. Por último, financia um projeto no Benin para crian­ ças que precisam de proteção especial, que inclui campanhas, ativismo e implantação de escolas para meninas trabalhadoras em serviço doméstico.

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III — 0 BRASIL: UMA FONTE DO TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS

1. Perfil político, econômico e social do País O Brasil é uma República Federativa Democrática, caracteriza­ da pela eleição periódica, pelo princípio da regra da lei e pela separa­ ção de poderes — Executivo, Legislativo e Judiciário. Desde 1989, o país vem mantendo eleições regulares para cargos da administração pública, no âmbito do Poder Executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos) e no âmbito do Poder Legislativo federal (Câmara dos Deputados e Senado Federal), estadual (Assembléias Legislativas) e municipal (Câmaras de Vereadores). O Brasil está dividido em 26 Estados, um Distrito Federal e mais de 5.500 Municípios. Os Estados do País estão agrupados em cinco grandes Regiões geográficas: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Em 1988, o Brasil adotou uma nova Constituição Federal, ca­ racterizada pela garantia de direitos fundamentais, e tem procurado adotar os instrumentos internacionais voltados à proteção dos direi­ tos humanos. D em ografia A população do Brasil, segundo o Censo 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 169.799.170 habitantes, dos quais 49,2% são homens e 50,8%, mulheres. Entre 1991 e 2000, houve um crescimento de 15,6% da população nacional. A densidade demográfica do País é de 19,92 habitantes por km2. A re­ gião Sudeste é a mais populosa e concentra os maiores centros urba­ nos do País. Os Estados de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES) somam 72.412.411 habitantes, sendo

52

São Paulo o mais populoso da Federação, com 37.032.403 habitantes. A região Norte detém as maiores taxas de crescimento populacional, 28,6%, quase o dobro da média nacional. Segundo o censo de 2000, o País possui uma população predominantemente urbana, pois 79,7% dos habitantes residem em núcleos urbanos. E xpectativa de vida A expectativa de vida ao nascer cresceu 2,6 anos na década de 1990. Em 1991, um recém-nascido tinha a expectativa de viver 66 anos; em 2000, a idade aumentou para 68,6 anos. As mulheres têm maior expectativa de vida (72,6 anos) do que os homens (64,8 anos). A principal causa para essa disparidade é o aumento do número de mortes provocadas por fatores externos entre os jovens do sexo mas­ culino. A probabilidade de um homem jovem morrer aos 20 anos é 3,5 vezes maior do que a de uma mulher. Não obstante, na compara­ ção internacional, o Brasil tem expectativa de vida muito baixa, de­ tendo o segundo pior índice da América do Sul, superior apenas ao da Bolívia. A disparidade regional continua significativa. Por exem­ plo, no Sul do País, de mil crianças nascidas vivas, 18,5 morrem antes de completar cinco anos. No Nordeste, a chance de vida dimi­ nui dramaticamente, atingindo 124,7 por mil, segundo o IBGE. R enda e desenvolvim ento hum ano De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano (2000), o índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, apurado em 1998, alcançava 0,747. Em 1970, detinha o índice de 0,494. O País ocupa a 74.“ posição no IDH-2000, o que corresponde a uma taxa de desenvolvimento humano médio. Encontra-se, contudo, na 21.“ po­ sição no índice de Pobreza Humana (IPH). Na comparação interna­ cional, o Brasil ocupa uma posição melhor quando o critério é renda per capita (6.625 dólares em 1998) do que a posição em termos de IDH. O Produto Interno Bruto (PIB) foi de 775 bilhões de dólares em 1998. Embora esse valor coloque o Brasil na posição de país mais rico do subcontinente latino-americano, ele está em condição pior do que 16 países da região, entre eles Chile, Uruguai, México, Venezuela, Costa Rica, em termos de desenvolvimento humano.

53

O rendimento médio dos chefes de família no Brasil é de 769 reais. No campo, o rendimento médio é de 328, e na cidade, de 854 reais. O País apresenta alta concentração de renda. O índice Gini 2000 é de 0,609, sendo que 1 (um) representa a total concentração de renda nas mãos de uma única pessoa e 0 (zero), a perfeita distribuição de renda. A evolução do rendimento médio mensal entre os 40% de brasi­ leiros mais pobres é indicativa da desigualdade da distribuição da ren­ da. Em 1992, essa parcela da população percebia 95,38 reais. Em 1999, esse valor subiu para 127,27 reais, e no Piauí, o segundo Estado mais pobre da Federação, o valor não ultrapassou a marca dos 54,52 reais. Entre os 10% mais ricos, o rendimento médio mensal, em 1992, foi de 1.812,35 reais e passou, em 1999, para 2.397,07 reais. O Distrito Fe­ deral (DF) detém o maior rendimento médio do País: 4.427,86 reais. A média de distribuição de renda na década de 1990 foi a se­ guinte: os 50% mais pobres ficaram com 14% da renda, e o 1% mais rico ficou com 13%. Esse retrato fica bem caracterizado pelo fato de que quatro milhões de famílias brasileiras, com crianças de zero a seis anos, vivem com menos de meio salário mínimo per capita. Em 1999, 15,1 milhões de pessoas (9% da população) viviam com um dólar por dia, e 37 milhões (22%) estavam abaixo da linha da pobre­ za, vivendo com renda média mensal inferior a 60 reais, o que perfaz um total de mais de 50 milhões de miseráveis42. Taxa de alfabetização e acesso ao ensino superior A desigualdade na distribuição de renda se reverte em desigual­ dade social, na medida em que o acesso ao ensino superior é distri­ buído de forma extremamente diferencial entre os mais pobres e os mais ricos. Por exemplo, em 1992, os estudantes de 20 a 24 anos, de nível superior, representavam, entre os 40% mais pobres, apenas 1,9%; em 1999, esse número subiu para 2,6%. Em Estados como Acre (AC), Rio Grande do Norte (RN), Amapá (AP), Maranhão (MA) e Roraima (RR), esse percentual permanecia estacionado em 0%. Já os estu­ dantes de nível superior, entre os 10% mais ricos, em 1992, eram

42. Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA).

54

17,9% e, em 1999, passaram para 21%. Roraima detinha a marca de 100%, ou seja, não havia nenhum estudante de nível superior entre os 40% mais pobres da população; por outro lado, todos os jovens ricos, entre 20 e 24 anos, estavam estudando em um curso superior43. Entre 1991 e 2000, houve redução de 32% da taxa de analfa­ betismo. No País, a taxa de alfabetização de pessoas acima dos 10 anos atingiu 87,2%. Mas ainda existem 16,29 milhões de pessoas acima de 15 anos que não conseguem ler nem escrever. O analfabe­ tismo ou o retardamento do início do processo de alfabetização, segundo dados do próprio IBGE, representam uma séria barreira social no País. Os dados do Censo 2000, por exemplo, mostram que os distritos mais pobres e carentes das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro detêm porcentagens de crianças analfabetas de três a quatro vezes superiores aos distritos considerados ricos. Isso significa que as cidades não têm conseguido proporcionar às crian­ ças pobres creches e escolas infantis que permitam a elas e a seus familiares melhores condições de vida ou expectativa de futuro. No Brasil, um terço dos domicílios é comandado por um analfabe­ to funcional, ou seja, alguém que não consegue compreender a sim­ ples leitura de um texto. Essa situação de desigualdade de oportunidades, expressa pelos dados de escolaridade, pode ainda ser observada na seguinte tabela: Número de matriculas por grau de ensino — 1995 Grau de ensino

P o rcen tag em

M a tríc u la s (m il)

Pré-escola

8,56

3.500

1.°grau

76,35

31.220

2.° grau

11,03

4.510

3.° grau

4,06

1.660

T o ta l

100

4 0 .8 9 0

Fonte: Ministério da Educação (MEC).

43. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE. Síntese dos indicadores sociais, 1999. Rio de Janeiro : IBGE, 2000.

55

2. Perfil do mercado de trabalho e emprego Segundo o IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em 1996, estava dividido da seguinte maneira entre os setores da econo­ mia: agropecuária, 12,2%; indústria, 33,4%, e serviços, 54,4%. A população economicamente ativa, estimada para o ano de 1997, era de 75.213.283 pessoas. De acordo com o mesmo IBGE, em 1998, havia 6,65 milhões de pessoas desempregadas. Característica relevante é a distribuição do rendimento do tra­ balho. Segundo dados de 1990, conforme tabela abaixo, pode-se ob­ servar a disparidade entre os mais ricos e os mais pobres. Distribuição do rendimento do trabalho, regiões metropolitanas — 1990 (em %) Regiões 10% mais metropolitanas pobres

50% mais pobres

10% mais ricos

5% mais ricos

1% mais ricos

(ndice Glni

São Paulo

1,4

16,5

41,1

28,2

10,6

0.523

Curitiba

1,4

16,1

41,9

29,3

10,9

0.532

Porto Alegre

1,3

14,4

45,8

32,6

12,9

0.567

Brasília

1,0

12,2

43,8

28,5

9,0

0.582

Rio de Janeiro

1,2

13,2

47,6

34,1

13,4

0.587

Belo Horizonte

1,1

12,2

49,6

35,9

14,3

0.606

Recife

1,1

12,5

50,5

36,9

14,1

0.608

Fortaleza

1,0

12,4

52,6

38,4

15,3

0.618

Salvador

0,8

10,5

51,0

36,9

14,1

0.632

Belém

1,0

11,0

54,1

41,3

19,2

0.641

Fonte: PNAD/IBGE.

Homem, jovem, com até 24 anos, e mais de oito anos de estudo. Esse é o perfil do trabalhador brasileiro com carteira de trabalho assinada que sobreviveu à disparada no desemprego durante o ano de 2001. Estudos do IBGE e da FIESP mostram que mais da metade (55%) dos empregados admitidos no mercado de trabalho formal em 2001 tem entre 8 e 11 anos de escolaridade. As mulheres tiveram

56

mais dificuldade de voltar ao mercado de trabalho. Do total dos con­ tratados em 2001, apenas 34% pertencem ao sexo feminino. Com relação às taxas de desemprego, pode-se observar que, nas regiões metropolitanas, as mulheres negras sofrem mais com o desemprego do que as mulheres brancas, embora a discrepância maior esteja presente na comparação entre homens brancos e ho­ mens negros. Taxas de desemprego por sexo segundo raça, regiões metropolitanas — 1998 (em %) Negros Regiões metropolitanas Mulheres

Não-negros

Homens

Mulheres

Homens

Diferença entre as taxas Mulheres Homens negras e negros e não-negras não-negros

São Paulo

25,0

20,9

19,2

13,8

19,6

51,4

Salvador

27,6

24,0

20,3

15,2

36,0

57,9

Recife

26,3

20,5

22,6

16,2

16,4

26,6

Distrito Federal

22,4

18,9

21,0

14,2

6,7

33,1

Belo Horizonte

20,5

15,8

16,8

11.5

22,0

37,4

Fonte: DIEESE/SEADE e entidades regionais. PED — Pesquisa de Emprego e Desemprego. Elaboração: DIEESE. Obs.: Raça negra: pretos e pardos; raça não-negra: brancos e amarelos.

Numa análise mais sistemática do desemprego feminino na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), pesquisa da Fundação SEADE mostrou o seguinte: “Quando se analisa o comportamento do desemprego feminino na RMSP, observa-se que, em 1985, essa taxa era de 15,5% para as mulheres e 10,1% para os homens, aumen­ tando, em 2000, para 20,9% e 15,5%, respectivamente. Isso significa que na RMSP, em 2000, uma em cada cinco mulheres encontrava-se na condição de desempregada. No mesmo período, o indicador que mensura a entrada e saída das mulheres no mercado de trabalho passou de 44,7% para 52,7%. Estes dados mostram que a taxa de desemprego das mulheres, entre 1985 e 2000, aumentou 34,8% e a

57

de participação ampliou-se em 17,9%, indicando um descompasso entre a oferta de postos de trabalho e a quantidade de mulheres que passaram a pressionar o mercado de trabalho”44. A situação agravou-se a ponto de o tempo médio de desempre­ go, que em 1989 equivalia a um ano para as mulheres e cinco meses para os homens, em 2000 dobrou para o segmento feminino e triplicou para o masculino.

3. Desigualdade e relações raciais Os negros, sobretudo jovens, são as maiores vítimas da vio­ lência urbana. Os jovens negros morrem em maior número de cau­ sas externas violentas e de doenças contagiosas. Os negros são os que mais sofrem com o desemprego. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE em 1998 mostra que há diferenças na participação de brancos, negros e par­ dos na estrutura ocupacional. No Brasil, enquanto 5,7% das pes­ soas ocupadas de cor branca estão na posição de empregadores, entre os negros esse percentual responde por apenas 1,3%, e entre os pardos corresponde a 2,1%. Ao mesmo tempo, 5,7% da popula­ ção ocupada de cor branca estava na condição de trabalhador do­ méstico, mas entre a população negra esse percentual atingia 13,4%, e 8,4% das ocupações dos pardos45. A participação de negros e não-negros nos postos de trabalho de direção e planejamento, nas regiões metropolitanas brasileiras (São Paulo, Salvador, Recife, Distrito Federal, Belo Horizonte e Porto Alegre), é desigual. Por exemplo, em São Paulo, o percentual de negros em postos de direção era de 8,7; já os não-negros representa­ vam 18%. Em Salvador, apenas 5,9% de negros encontram-se nesse tipo de posto, ao passo que os não-negros perfazem 21,4%. No Recife,

44. FUNDAÇÃO SEADE. O desemprego feminino na região metropolitana de São Paulo. M ulher e trabalho, São Paulo, n. 5, set. 2001. 45. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE. Síntese dos indicadores sociais, 1999, cit.

58

onde 8,9% de negros estão em postos de trabalho de direção, os nãonegros participam com 29,2%. Exatamente o inverso ocorre quando são analisados os postos de trabalho mais vulneráveis, que incluem os assalariados sem car­ teira de trabalho assinada, autônomos, trabalhadores familiares nãoremunerados e os empregados domésticos. A pesquisa revelou que, em todas as regiões metropolitanas estudadas, nesses postos instá­ veis de trabalho os negros estão proporcionalmente mais representa­ dos do que os não-negros. Assim, por exemplo, em Porto Alegre, a proporção de negros ocupando postos de trabalho mais vulnerável era de 43,3% contra 32,4% de não-negros. A maior distância nessa proporção foi encontrada em Salvador, onde os negros eram 46,2% contra 27,3% de não-negros46. Os negros tendem a ter menor longevidade; habitam em piores condições e têm menores taxas de escolaridade. A tabela a seguir demonstra que, em todas as regiões brasileiras, os negros e pardos apresentam taxas de analfabetismo bem superiores àquelas que se podem encontrar na população de cor branca. Taxas de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais de idade, por cor ou raça. Grandes regiões brasileiras — 1997 R eg iã o

Total ( * )

B ranca

P re ta

P arda

Norte ( * * )

11,8

7,5

22,6

13,2

Nordeste

27,5

20,3

36,2

30,1

Sudeste

8,1

5,9

15,1

11,7

Sul

8,1

6,8

15,1

14,9

Centro-Oeste

11,1

7,7

21,6

13,4

B rasil

1 3 ,8

8 ,4

2 1 ,6

2 0 ,7

Fonte: PNAD, 1998 (IBGE, Síntese de indicadores sociais, 1999). (*) Inclusive as pessoas de cor amarela e a população indígena. (**) Exclusive a população rural.

46. INSTITUTO SINDICAL INTERAMERICANO PELA IGUALDADE RACIAL, INSPIR. M apa da população negra no mercado de trabalho. São Paulo : INSPIR/DDEESE, 1999. p. 121.

59

Os negros sofrem com maiores taxas de evasão escolar. Para confirmar esse dado, basta observar os números sobre a média de anos de estudo relativos a diferentes grupos raciais. Na PNAD de 1998, o IBGE apurou que, no Brasil, tanto os negros como os pardos com mais de 10 anos de idade possuem média de 4,4 e 4,5 anos de estudo, respectivamente. Portanto, encontram-se abaixo da média apurada para o País, que está em 5,6 anos. Por outro lado, os brancos têm média de 6,5 anos de estudo, acima desse número médio para o País. A mesma situação se verifica em todas as regiões brasileiras, onde negros e pardos apresentam anos de estudo abaixo da média para a região, enquanto brancos estão sempre acima dela. Em nenhu­ ma região brasileira os anos médios de estudo de negros e pardos são superiores tanto em relação ao número da região como em relação ao número do Brasil, como se verifica na tabela seguinte. Anos médios de estudo da população de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça. Grandes regiões brasileiras — 1998 R eg iã o

Total ( * )

Brancos

N eg ro s

Pardos

N orte ( * * )

5,5

6,4

4,5

5,1

Nordeste

4,1

5,3

3,4

3,7

Sudeste

6,4

7,0

4,9

5,2

Sul

6,1

6,4

5,0

4,7

Centro-Oeste

5,8

6,7

4,8

5,1

B rasil

5 ,6

6 ,5

4 ,4

4 ,5

Fonte: PNAD, 1998 (Síntese dos indicadores sociais, 1999). (*) Inclusive as pessoas de cor amarela e população indígena. (**) Exclui-se a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá.

Os negros são objeto preferencial de estratégias institucionais repressivas (da prisão à tortura em cadeias). De certa forma, para muitos, o negro é tido como responsável pela sua própria situação. Mais ainda, os negros e os pobres (às vezes os termos são intercambiáveis) são tidos, sub-repticiamente, como responsáveis pela ampliação da violência brasileira e pelo desastre social no País.

60

I

No Brasil, alguns consideram o preconceito como sendo suave e benévolo, suavidade esta que se originou da promiscuidade social e sexual existente entre os senhores e suas escravas nas fazendas. Florestan Fernandes dizia que o preconceito nunca é benévolo, pois o seu fundamento é rebaixar o outro a uma condição inferior, retirar dele seus direitos, impor-lhe uma distância impossível de ser com­ pensada. O limite extremo do preconceito é o extermínio do outro. O racismo, na sua forma mais crua, propugna a eliminação física do outro. O preconceito à brasileira, furtivo e embaraçoso, propõe a eli­ minação moral da identidade dos negros, o que pode ter efeitos tão perversos quanto os do ultra-racismo. A desigualdade, que é decorrência de um longo e persistente processo de afastamento dos negros do poder político e econômico, não desaparece como num passe de mágica. As experiências no mundo todo demonstram que as desigualdades diminuem somente por meio de políticas públicas específicas. Pessoas e grupos que vivem em situação de maior vulnerabilidade devem ser considerados objetivos preferenciais das políticas de caráter compensatório. A situação do negro no Brasil, portanto, não deve ser apenas objeto das políticas econômicas. Deve ser tema das políticas de respeito aos direitos hu­ manos e de políticas educacionais e culturais. Isso envolve reconhe­ cer os direitos das comunidades remanescentes de quilombos, am­ pliar a consciência dos educadores, dos operadores do Direito, dos médicos e policiais para os direitos dos indivíduos negros, bem como reconhecer que o negro tem o direito de interferir no processo de construção de sua condição de vida e de sua própria imagem.

4. Questão de gênero, desigualdade e violência contra a mulher Não obstante os avanços importantes conseguidos na última década, as mulheres brasileiras sofrem sérios obstáculos para parti­ cipar da vida econômica e política do País. As mulheres grávidas continuam sendo discriminadas no mercado de trabalho, e, em cer­ tos casos, exigem-se provas de esterilização como condição de em­ prego. Em 1991, as mulheres responsáveis pelos domicílios eram

61

18,1%; em 2000, passaram a 24,9%. A verdade, porém, é que o ren­ dimento feminino equivale, em média, a 71,46% do rendimento masculino47. Embora a participação da mulher na vida nacional e pública do Brasil tenha registrado grande avanço, é amplamente reconhecido que ela continua insuficientemente representada nas instituições do Estado e tem acesso limitado aos altos cargos do serviço civil e aos cargos por eleição popular. Em termos gerais, as mulheres ocupa­ vam 13,1% dos cargos eletivos do Governo em 1995. A primeira mulher Governadora de Estado foi eleita em 1994. Em nível local, dados de 1992 indicam que havia apenas 171 prefeitas municipais e 1.672 vereadoras eleitas para os 4.793 municípios do País. No Poder Judiciário, apesar da introdução de um processo de seleção pública, apenas uma mulher integra o Supremo Tribunal Federal48. A violência doméstica é uma das formas mais recorrentes de violência contra a mulher no Brasil, muito embora seja também uma das mais invisíveis. Ela inclui o assassinato de cônjuges, a agressão, o abuso e o estupro. A Organização Mundial da Saúde a reconhece como um problema de saúde pública, pois afeta a integridade física e a saúde mental das mulheres agredidas49. Em 1993, a Câmara dos Deputados instituiu uma Comissão Par­ lamentar de Inquérito (CPI) para estudar a situação da violência contra a mulher no Brasil. Identificou que, dos crimes cometidos contra a mulher, em média: 26,2% envolviam agressão física; 16,4%, ameaças; 3,0%, crimes contra a honra; 1,8%, estupro; e 0,5%, homicídio. Esses

47. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE. Síntese dos indicadores sociais, 1999, cit. 48. BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Relatório geral sobre a mu­ lher na sociedade brasileira, apresentado na Conferência Mundial sobre a Mulher. Beijing, 1995. 49. BRUSCHINI, C. & HOLANDA, H. B. (oig.). H orizontes plurais. Novos estudos de gênero no Brasil. São Paulo : FCC/Editora 34,1998; ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, OEA. Comissão Interamericana de Direitos Hu­ manos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, 1997. Capítulo VIII: Os direitos humanos das mulheres brasileiras.

62

dados variam de Estado para Estado. Em São Paulo (SP), por exem­ plo, os crimes relativos às agressões físicas representavam 70,2% do total de delitos cometidos contra mulheres. Em Alagoas (AL), um quarto das mulheres vitimadas o eram por assassinato; em Pernambuco (PE), isso representava 13,2%; e no Espírito Santo (ES), 11,1%. Nesses Es­ tados, havia alta incidência de estupro, e em 50% dos casos esse delito era praticado por membros da própria família da vítima. Os registros disponíveis indicam que 70% das agressões se dão no espaço domés­ tico e que o marido ou o companheiro são seus autores. O Brasil despende cerca de 10,5% do seu PIB em decorrência dessas violações. Em 2001, uma pesquisa do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), realizada em 264 Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAMs), demonstrou que 61% das delega­ cias estão localizadas na região Sudeste, 16% na Sul, 11% na Norte, 8% na Nordeste e 4% na Centro-Oeste. Em um ano, cerca de 469,8 mil mulheres se dirigiram a uma delegacia especializada para apre­ sentar queixa contra alguma forma de violência masculina. Na maio­ ria, conheciam ou dormiam com o agressor. Desse total, foram reali­ zadas 469.793 “queixas”, 302.290 boletins de ocorrência, 167.503 termos circunstanciados, 23.266 inquéritos policiais, 4.817 retiradas de “queixa” após instauração do inquérito policial e 26.127 inquéri­ tos encaminhados à justiça. Conforme o Relatório final da pesquisa, relativo ao ano de 1999, de onde foi extraído o quadro seguinte, os crimes mais denunciados são: lesão corporal, com 113.727 “quei­ xas”; ameaça, com 107.999; e vias de fato, com 32.183 intimações. Os chamados crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) representam 29.854, e o estupro corresponde a 4.697 “queixas”. Há grande incidência de crimes de menor potencial ofensivo, o que pe­ diria uma reavaliação do papel das DEAMs, minimizando seu papel essencialmente punitivo e valorizando o caráter assistencial da ativi­ dade, voltado tanto à vítima quanto ao agressor50.

50. SELVA, Kelly Cristiane da. As DEAMs, as corporações policiais e a violência contra as mulheres: representações, dilemas e desafios. Relatório fin a l da pesquisa nacional sobre as condições de funcionam ento das Delegacias Especializadas no Atendimento às M ulheres. Brasília: Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 2001.

63

Crimes comunicados às Delegacias Especializadas no Atendimento às Mulheres — 1999 Crím e e A rtigo do Código Penal e Lei das Contravenções Penais A borto, arts. 124 a 128 Ameaça, art. 147

N ú m e ro 211 107.999

A tentado violento ao pudor, art. 214

5.139

A to obsceno, art. 233

1.344

Calúnia, art. 138

6.805

Constrangim ento ilegal, art. 146

1.649

Corrupção de menor, art. 218

403

Crime contra a fam ília, arts. 235 a 240

3.500

Dano, arts. 163 a 167

3.140

Difamação, art. 139 Estupro, art. 213

10.049 4.697

Favorecimento da prostituição, art. 228

366

Homicídio, art. 121

159

Im portunação ofensiva ao pudor, art. 61 da Lei das Contravenções Penais Infanticídio, art. 123 Injúria, art. 140 Lesão corporal, art. 129, excluindo o § 6.°

1.109 41 13.000 113.727

Lesão corporal culposa, art. 129, § 6.°

7.131

M aus-tratos, art. 136

4.076

Parricídio, arts. 121 e 61, II, e Perturbação da tranqüilidade, art. 65 da Lei das Contravenções Penais Posse sexual m ediante fraude, art. 215 Rapto, arts. 219 e 220

1 6.096 31 403

Redução à condição análoga de escravo, art. 149

3

Rufianismo, art. 230

7

Sedução, art. 217 Seqüestro e cárcere privado, art. 148 Suicídio, auxílio, art. 122 Tentativa de estupro, arts. 213 e 14, II

64

1.009 90 226 1.242

Tentativa de homicídio, arts. 121 e 14, II

608

Tráfico de mulheres, art. 231 Vias de fato, art. 21 da Lei das Contravenções Penais T o tal

5 32.183 3 2 6 .4 4 9

Fonte: Ministério da Justiça, SEDH — Conselho Nacional dos Direitos da Mulher — Secretaria Nacional de Segurança Pública — Secretarias Estaduais de Segurança Pública — DEAMs.

No Brasil, a maior parte das mulheres não registra “queixa” (comunicação ou notícia de crime). Ameaças, temor, falta de enten­ dimento são algumas das causas. A agressão sexual vem crescendo e, segundo estimativas, 12 milhões de mulheres são violadas por ano, no mundo. Nos Estados Unidos, ocorre uma agressão sexual a cada 6,4 minutos, e uma em cada quatro mulheres já experimentou um contato sexual não consentido durante a infância ou adolescência. O abuso sexual está presente em todas as classes sociais e em todas as culturas.

5. Trabalho escravo no Brasil Em 14 de agosto de 2000, a Justiça dos EUA condenou a seis anos e meio de prisão e indenização de 110 mil dólares o engenheiro brasileiro R.B., naturalizado norte-americano, acusado de manter por 20 anos a empregada doméstica H.R.S. como sua escrava. O sociólo­ go britânico Kevin Bales afirma que há algo em tomo de 27 milhões de pessoas vivendo sob várias formas de escravidão, sem contar a semi-escravidão, no mundo de hoje. No Brasil, as vítimas do trabalho escravo são predominante­ mente jovens, desempregados, analfabetos e estrangeiros que vivem no País em situação, muitas vezes, irregular. A prática do trabalho escravo não é apenas uma realidade presente nas áreas rurais. Ela é encontrável também nas áreas urbanas. O trabalhador é recrutado e enganado. Ele pensa que vai ganhar algum dinheiro, quando, na ver­ dade, é transferido para fazendas distantes nas quais terá de pagar dívidas. Os ambientes de trabalho caracterizam-se pelas condições

65

precárias. Os trabalhadores não podem circular livremente e são vi­ giados ininterruptamente. A tentativa de fuga ou a resistência podem ser coibidas de maneira violenta, por ameaças ou espancamentos que, muitas vezes, resultam em morte. O peso moral da “dívida” pode fazer com que o trabalhador não resista aos termos exorbitantes do trabalho imposto51. Paralelamente ao trabalho forçado de adultos, o trabalho infan­ til é um problema persistente no Brasil do século XXI. Como signa­ tário dos principais instrumentos relativos aos direitos da criança e à eliminação do trabalho forçado, nosso País vem ganhando apoio do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Desde 1994, quando foi instituído o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Tra­ balho Infantil, o trabalho forçado infantil tem estado na agenda go­ vernamental e das OSCs. Desde então, foi criado, no âmbito do Mi­ nistério da Previdência e A ssistência Social, o Program a de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), que vem se disseminando no País. Em São Paulo, o trabalho congênere do PETI é a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil, com participação de amplo leque de organizações governamentais e da sociedade civil. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 1998, mostra que, no Brasil, existiam cerca de 7,7 milhões de crianças e adolescentes (10 a 17 anos) trabalhando. O trabalho infantil se con­ centra nas faixas de 16 e 17 anos e é mais freqüente para os homens e para os affodescendentes. Ocorre mais em áreas rurais, onde é fre­ qüente o trabalho de crianças e adolescentes na faixa de 10 a 13 anos. À medida que a idade aumenta, o trabalho infantil se desloca da área da agricultura para a dos serviços. Nas cidades, o emprego informal é predominante, e 15% das crianças e jovens trabalham em atividades domésticas não-remuneradas. Quem trabalha antes do tempo, acaba sofrendo uma forte defasagem nos anos de estudo, 2,7 anos de atraso

51. AZEVEDO, J. Trabalho da criança e do adolescente. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, n. 29, 1998.

66

em média. Dos jovens que atingem 17 anos, pelo menos 32% estão fora da escola. Entre os que trabalham, esse percentual chega a 40%52. Número de adolescentes de 10 a 17 anos que trabalham — 1992-1998 1992 Tipo

1998

1995

Número

%

Número

%

Número

%

756.625

9,70

822.635

10,67

559.104

8,94

2.165.236

27,76

2.087.506

27,08

1.742.632

27,85

Emprego doméstico

869.264

11,14

822.457

10,67

556.237

8,89

Conta própria

475.238

6,09

437.914

5,68

364.216

5,82

Consumo próprio

444.688

5,70

467.555

6,06

456.413

7,30

Doméstico não-remunerado

677.527

8,69

722.043

9,36

645.033

10,31

Sem remuneração

2.411.955

30,92

2.349.676

30,48

1.932.466

30,89

Total

7.800.533

100

7.709.786

100

6.256.101

100

Emprego formal Emprego informal

Fonte: OIT — Trabalho infantil no B rasil, 2001.

No Estado do Pará (PA) e em vários outros das regiões Norte e Centro-Oeste, as crianças trabalham, fundamentalmente, em carvoa­ rias. A Delegacia Regional do Trabalho (DRT) criou um núcleo espe­ cializado para combater a exploração dessa mão-de-obra. Os fiscais visitaram, no ano de 2000, 13 municípios paraenses e registraram 130 casos de crianças e adolescentes trabalhando em atividades penosas, inclusive nas carvoarias, onde ocorrem diversos tipos de mutilações e prejuízos incalculáveis à saúde. De janeiro a setembro de 2001, a DRT já surpreendeu 230 crianças e adolescentes, o que representa, em relação ao período anterior, 77% a mais. Já foram descobertas crianças de até três anos de idade enchendo fomos de carvão53. Em 1998, foram detectadas 614 pessoas, entre adultos, crianças e adolescentes, vítimas do trabalho escravo. Em 1999, foram 1.099. De janeiro a dezembro de 2000, foram registrados 465 casos. O Ministério

52. SCHWARTZMAN, Simon. Trabalho infantil no Brasil. Brasília : Organi­ zação Internacional do Trabalho (OIT), 2001. 53. Conforme matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo em 12 nov. 2001.

67

do Trabalho, num esforço nacional para combater o trabalho forçado, localizou e libertou, de janeiro a setembro de 2001, 1.812 empregados rurais escravizados em fazendas no interior do País. Calcula-se que, para cada pessoa resgatada, existam três em condição de escravidão. Há diferentes modalidades de escravidão. A mais comum é a escravidão por dívida, na qual a pessoa é submetida ao trabalho para ressarcir supostos débitos com transporte, alimentação, moradia e ferramentas. Foram relatados casos de pessoas escravizadas por meio de retenção de seus documentos pessoais. Para a OIT, o desflo­ restamento, o corte da cana e o cultivo de café e de algodão são as atividades rurais que mais utilizam trabalho escravo no Brasil. Mui­ tos trabalhadores são aliciados no Maranhão (MA), Bahia (BA) e Piauí (PI). O Estado com maior número de vítimas de escravidão é o Pará, onde foram registrados 1.300 casos em 2001, e 295 em 2000. Os dados constam no relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB54. Dentre as diferentes vítimas do trabalho escravo, os explorado­ res têm preferência pelo trabalho de crianças e adolescentes. As ra­ zões para isso vão desde a alegada maior docilidade das crianças, sua destreza, bem como a dificuldade que elas teriam para se insur­ gir contra o tratamento desumano e os riscos do trabalho. É fato, também, que o trabalho de crianças decorre das dificuldades extre­ mas que suas famílias têm para garantir sua subsistência. Atividades que utilizam trabalho infanto-juvenil no Brasil U rb an o

R ural Sisal

Algodão

Venda de jornal

Móveis e madeiras

Cana-de-açúcar

Tabaco

Tecelagem

Construção civil

Horticultura

C itricultura

Serviços

Supermercados

Coco

Babaçu

Catador de lixo

Oficina mecânica

Extração de pedras

Garimpo

Serralherias

Panfletagem

1

54. Conforme matérias publicadas no jornal Folha de S.Paulo, em 16 nov. 2001 e 29 dez. 2001.

68

Salinas

Cerâmica e olarias

G uardador de carro

Engraxate

Casa de farinhas

Pesca

Comércio am bulante

Indústria plástica

Carvoaria

Avicultura

Lixão

Curtum e

Seringais

Cafeicultura

Soja

Fonte: Câmara dos Deputados — Comissão de Direitos Humanos.

A exploração da escravidão, no Brasil, ainda vitima a popula­ ção indígena. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) denun­ ciou a escravidão de 22 índios Xakriabá, feitos prisioneiros em fa­ zendas no Estado de Goiás (GO), no ano de 2001. Segundo o Padre Ricardo Rezende, “Os trabalhadores são re­ crutados, se endividam com os próprios patrões e acabam obrigados a permanecer até pagarem o que devem, o que é praticamente impos­ sível. É um problema antigo, e não apenas brasileiro. No Primeiro Mundo, em geral, a vítima é um imigrante estrangeiro. No Brasil, temos a escravidão nacional, com pessoas trazidas de outros Esta­ dos, e a internacional, que usa mão-de-obra africana ou asiática e ocorre mais em áreas urbanas”. Para ele, a corrupção parece ser um empecilho às políticas de combate à escravização: “É que, muitas vezes, os agentes policiais são amigos dos fazendeiros. Então, o que ocorre, em geral, é uma multa trabalhista55”. Na cidade de São Paulo, por exemplo, há cerca de 100 mil boli­ vianos trabalhando em esquema de escravidão em confecções nos bairros do Brás, Bom Retiro e Pari. Os gastos de viagem, cerca de 150 dólares, moradia e alimentação são pagos pelo empregador, o que dá início a um círculo vicioso de endividamento. O trabalho escravo coexiste com outras formas de exploração de crianças e mulheres. Existem padrões internacionais de direitos humanos consolidados que proíbem a prática da escravidão. A Con­ venção da Escravidão, de 1926, por exemplo, define a escravidão

55.

FIGUEIRA, Pe. Ricardo Rezende e MARQUES, Nadejda. Justiça global,

2001.

69

como o estado ou condição de uma pessoa sobre quem é exercida qualquer forma de poder relacionada à posse ou propriedade. A Con­ venção Suplementar, de 1956, invoca a eliminação das condições similares à escravidão, com as quais, em geral, as pessoas traficadas acabam por ser envolvidas. O Protocolo de 1951 propugna a com­ pleta abolição da escravidão — do cativeiro por dívida, do casamen­ to forçado, da venda de mulheres e crianças com o objetivo de explo­ ração de seu trabalho. A OIT vem sistematicamente condenando essas práticas, na medida em que a Convenção n. 105, de 1957, e a n. 182, de 1999, proíbem o uso do trabalho forçado ou compulsório, tendo sido ambas ratificadas pelo Brasil.

70

IV — 0 TRÁFICO DE MULHERES NO BRASIL

1. Extensão do tráfico de mulheres no Brasil O tráfico de seres humanos faz parte da nossa história. O Brasil foi o último país ocidental a promover a abolição do trabalho compul­ sório, em 1888, não sem ter resistido por décadas. Os navios negreiros transportaram, durante 300 anos, milhões de pessoas, homens, mulhe­ res e crianças, para o trabalho agrícola. O trabalho era base da explora­ ção, que também se estendia à servidão doméstica, à exploração sexu­ al e às violações físicas. A escravidão reverberava a lógica do corpo incircunscrito do escravo, sobre o qual a violência era exercida. Após a escravidão, no princípio de um novo século, outro fluxo contínuo de pessoas se iniciou, agora proveniente da Europa. Milhares de pessoas, famílias inteiras, deslocaram-se da Europa para os países do Novo Mundo, fugindo da fome e da perseguição, em busca da realização de seus sonhos. O Novo Mundo tomou-se o locus de muitos pesadelos. Os imigrantes aqui encontraram a dura realidade do trabalho semiescravo, contra a qual também lutaram. Muitos foram deportados ou repatriados por resistir ou por denunciar as condições inaceitáveis de trabalho e de vida. Nesse novo fluxo e refluxo mundial de pessoas, emergiu o tráfico de mulheres brancas. Eram meninas ou jovens trazidas de vários países da Europa para serem exploradas sexualmente nos países da fronteira da crescente economia capitalista. A prostituição florescia a olhos vistos no centro e na periferia do capitalismo. As mulheres, agenciadas por traficantes mundiais, seguiam o caminho dos recursos monetários para alimentar o desejo recém-liberado dos homens da belle époque. Com tempero moralista e higiênico, o combate ao lenocínio e à prostituição começou e ainda não terminou56.

56. RAGO, Luíza Margareth. Os prazeres da noite. Prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1991.

71

Hoje, cruzam os oceanos centenas de milhares de pessoas em busca também de um sonho, a inclusão na sociedade de consumo, fugindo das guerras que assolam um quarto do planeta, da fome, da persegui­ ção religiosa e da violência étnica. As mulheres e as crianças, nesse novo contexto, deixam seu país de origem para engendrar uma via­ gem que muitas vezes não tem volta, nas mãos de quadrilhas interna­ cionais interessadas em sua exploração, no contexto do crescimento do mercado sexual. Nesses últimos 100 anos, o Brasil passou de país de destino para país fornecedor do tráfico de mulheres e crianças. Apesar de ser um problema flagrante, não há estatística confiável para fornecer uma precisa idéia da sua extensão. É certo que o País está às voltas com o tráfico de mulheres, sobretudo para fins de exploração sexual. O tráfico de crianças para adoção e migração ilegais também são questões presentes e, com freqüência, chegaram às páginas dos jor­ nais nos últimos seis anos. Embora ainda não existam cifras, alguns números emergem e causam estarrecimento. Segundo a Fundação Helsinque para os Di­ reitos Humanos, 75 mil mulheres brasileiras estão, hoje, envolvidas no mercado sexual na União Européia. Atualmente, existe a confir­ mação da presença de brasileiras traficadas em países como Espanha, Itália, Portugal, Alemanha, Suíça e Inglaterra, além de relatos que informam o paradeiro de mulheres em Israel, no Japão, em Hong Kong, nos Estados Unidos e no Paraguai. Um levantamento parcial da Polícia Federal (PF) revela que o Estado de Goiás é o principal exportador de mulheres, seguido do Rio de Janeiro e de São Paulo. De janeiro de 1996 a março de 2001, foram instaurados 172 inquéri­ tos policiais para apurar casos de tráfico de seres humanos em 14 Estados. Nesse mesmo período, foram condenados 94 indivíduos ou grupos de traficantes. No início de 2001, havia 85 casos de tráfico sob investigação57.

57. UNITED STATES OF AMERICA. Departm ent o f State. Victims of trafficking and Violence Protecting Act 2000, cit.

72

Entre 1995 e 1998, os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul apresentavam maior número de inquéritos abertos para apurar o tráfico de mulheres. Dados levanta­ dos pelo Governo federal, em 1998, indicam que a maioria das mu­ lheres que saem do país para se prostituir procura a Espanha. Em 1998, na Espanha, foram encontradas 463 meninas “fazendo progra­ mas”, descobertas 41 redes de prostituição e presas 161 pessoas. Em 1999, a Interpol descobriu 246 mulheres vítimas de tráfico no país. Foram presos ou deportados 74 traficantes. No mesmo ano, foram localizadas ao menos uma brasileira em Portugal e 45 mulheres na Alemanha, entre brasileiras e tailandesas. Em 2000, foram descober­ tas três brasileiras na Bélgica. Em Portugal, foram identificadas 38 estrangeiras se prostituindo, a maioria delas originária da América Latina, principalmente brasileiras, venezuelanas, colombianas e bo­ livianas. Em 2001,100 brasileiras foram encontradas, e não há ainda um levantamento preciso sobre quantas permanecem na Espanha. Desde 1999, a Polícia Federal estima que 400 brasileiras foram traficadas, sendo 25% delas provenientes do Estado de Goiás. Estima-se que existam 300 mil prostitutas na Espanha, das quais 90% seriam estrangeiras vindas do Leste Europeu e da América Latina. As portas de entrada para as brasileiras na Europa são Espanha e Portugal, pela facilidade do idioma, segundo informações da Dra. Sandra Vale, ex-Coordenadora do Programa das Nações Unidas para o Combate ao Tráfico de Seres Humanos. Ainda de acordo com os organismos internacionais, o Brasil teria uma fatia de 15% do movimento do tráfico mundial de seres humanos. Segundo a mesma projeção, cerca de 95% dessas mulhe­ res encontram-se com passaportes retidos, devem a aliciadores e vi­ vem em condições degradantes e humilhantes. Em termos comparativos, o tráfico de mulheres é a terceira maior fonte de renda do crime organizado transnacional, atrás apenas do comércio ilegal de armas e drogas. De acordo com dados obtidos pela Polícia Federal, há indícios de que as mulheres também estão sendo usadas para o tráfico de drogas. Recentemente, o Ministério da Justiça informou que o Go­ verno já deu início a um programa de treinamento de policiais cujo

73

objetivo é combater o tráfico de mulheres. Mas para além da inicia­ tiva oficial, o Ministro da Justiça cobrou publicamente um engaja­ mento maior da sociedade civil. Segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos, em relatório sobre tráfico internacional de pessoas, divulgado em julho de 2001, o Brasil é considerado um país fornecedor de vítimas para o tráfico doméstico e internacional de seres humanos. A maioria das vítimas do tráfico no País é composta por mulheres e garotas. Ho­ mens jovens são mais freqüentemente traficados internamente para o mercado de trabalho, mas também são traficados como atletas para a Europa. Esses homens são submetidos a condições humilhantes ou coagidos a entrar para a prostituição. As mulheres tomam-se empre­ gadas domésticas em condições análogas à servidão involuntária e são exploradas sexualmente58. Nos últimos cinco anos, o tráfico de mulheres para o exterior deixou de ser uma ocorrência residual nas delegacias de polícia do Brasil, marcada pela incidência de poucos casos desconexos, para se transformar em um evento sistêmico, cujas ramificações se es­ tendem por vários Estados do País. Atualmente, tanto a Polícia como a Justiça Federal, instâncias competentes para investigar e julgar os casos, confrontam-se com as atividades de quadrilhas organiza­ das e especializadas no aliciamento e no traslado das mulheres para o exterior. Devido ao grau crescente de conhecimento acerca dos esque­ mas de tráfico, é possível traçar um perfil mais ou menos comum nos casos em andamento. Nesse sentido, embora as autoridades brasilei­ ras trabalhem com recursos e infra-estrutura escassos, hoje é possí­ vel detectar nuanças que, num primeiro momento, ou seja, antes de 1996, passavam despercebidas. De fato, as primeiras ocorrências investigadas pela polícia, notórias pela brutalidade com que as mu­ lheres foram tratadas no exterior, levavam a crer que as vítimas, em sua maioria, viajaram ludibriadas por agenciadores cuja oferta se

58. UNITED STATES OF AMERICA. Departm ent o f State. Victims of trafficking and Violence Protecting Act 2000, cit.

74

baseava na promessa de trabalho em atividades consideradas regu­ lares, como enfermeiras e babás. Lá chegando, tais mulheres eram obrigadas a se prostituir e viviam em condições lastim áveis, endividadas e sem possibilidade de retomo, uma vez que seus pas­ saportes eram imediatamente confiscados. Atualmente, a sofistica­ ção da atividade mostra uma situação diferente, porém não menos grave. De acordo com as informações que obtivemos nos processos em andamento e nas entrevistas com agentes oficiais, percebe-se que uma parcela representativa das mulheres que partem para o exterior tem consciência da atividade que vai exercer. É fato que as mulheres são submetidas a condições desumanas, mas o consenti­ mento das vítimas gera uma situação delicada, em que o combate a esse delito toma-se mais difícil, não obstante as autoridades polici­ ais terem a obrigação de investigar as redes de aliciamento, de trans­ porte e de exploração, independentemente de anuência anterior por parte da vítima. Além disso, o Govemo brasileiro não preenche completamente os padrões mínimos para a prevenção e repressão do tráfico de seres humanos. Não obstante estar envidando alguns esforços, há evidente restrição orçamentária e ausência de coorde­ nação entre os níveis federal e estadual. Em nível local, o combate é prejudicado pela corrupção. Embora as vítimas não sejam trata­ das como criminosos, o acesso a abrigos e a serviços legais, médi­ cos e psicológicos é consideravelmente limitado, e seria muito pior não fosse o trabalho de algumas organizações não-govemamentais nacionais. Se tudo isso não é suficiente para indicar que o tráfico de pes­ soas é um problema que pede política pública específica, fiquemos apenas com a seguinte imagem: segundo o Itamarati, em 1990, havia 300 mil brasileiros vivendo e trabalhando no exterior; em 2001, esse número atingiu 2 milhões de pessoas59.

59. GARCIA, Pedro Frederico. O papel da rede consular brasileira sobre a questão de tráfico de seres hum anos: papel, atribuições e responsabilidades. P rim eiro Sem inário Internacional sobre o Tráfico de Seres H um anos. Brasília, nov. 2000.

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1.1. A legislação sobre tráfico de mulheres no Brasil 1.1.1. Antecedentes legislativos O tráfico internacional de mulheres encontra-se criminalizado, no Brasil, desde o Código Penal republicano (1890). Estabelecia o seu art. 278, primeira parte: Art. 278. Induzir mulheres, quer abusando de sua fraque­ za ou miséria, quer constrangendo-as por intimidações ou ame­ aças a empregarem-se no tráfico da prostituição. (...) Penas — de prisão celular, p or um a dois anos, e multa de 500$000 a 1.000$000. Dentre os elementos típicos, constavam: abuso da fraqueza ou miséria da mulher e constrangimento por meio de intimidação ou ameaça. O dispositivo, quando mencionava a fraqueza da mulher, por certo não estava se referindo à sua compleição física, mas à própria condição de mulher, o que demonstra o acentuado grau de discriminação legal. A Consolidação das Leis Penais de 1932, ainda que de forma indireta, tratou do assunto nos §§ 1.° e 2.° do art. 278: Art. 278. (...) § 1.0Aliciar, atrair ou desencaminhar, para satisfazer as paixões lascivas de outrem, qualquer mulher menor, virgem ou não, mesmo com o seu consentimento; aliciar, atrair ou desen­ caminhar, para satisfazer as paixões lascivas de outrem, qual­ quer mulher maior, virgem ou não, empregando para esse fim , ameaça, violência, fraude, engano, abuso de poder, ou qual­ quer outro meio de coação; reter, por qualquer dos meios aci­ ma referidos, ainda mesmo por causa de dívidas contraídas, qualquer mulher maior ou menor, virgem ou não, em casa de lenocínio, obrigá-la a entregar-se à prostituição: Penas — as do dispositivo anterior. § 2 .° Os crimes de que tratam este artigo e o seu § 1.0serão puníveis no Brasil, ainda que um ou mais atos constitutivos das in­ frações neles previstas tenham sido praticados em país estrangeiro.

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O dispositivo legal trouxe várias situações, umas mais graves (ameaça, violência), outras menos (consentimento), cominando-lhes idêntica pena. O título que o abrigava denominava-se Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das fam ílias e do ultraje público ao pudor — Título VIII.

1.1.2. Legislação atual O Código Penal vigente (Dec.-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940, alterado, na sua Parte Geral, em 1984, pela Lei n. 7.209), criminalizou o tráfico de mulheres em seu art. 231, da seguinte forma: Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro: (...) De acordo com Heleno Cláudio Fragoso, “na definição deste crime, inspirou-se o legislador brasileiro de 1940 no projeto CollGomez, elaborado para a Argentina, em 1937, afastando-se da legis­ lação italiana, que, na configuração do delito, exige a menoridade ou alienação mental da vítima, ou o emprego de violência, ameaça ou fraude”60. De lá para cá, não obstante modificações pontuais realizadas na parte especial do Código, o delito de tráfico de mulheres permane­ ceu intacto, seja no concernente aos seus elementos típicos, seja no que se refere à sanção punitiva. Uma análise comparativa entre a primeira descrição típica (Có­ digo Penal de 1890) e a atual (Código Penal de 1940) permite algu­ mas observações: a) continuou a lei brasileira a restringir a tutela penal ao sexo feminino; b) o Código Penal de 1890 não criminalizava a conduta quando havia consciência e consentimento da vítima, salvo se tivesse por

60. Lições de direito penal: parte especial. 3. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1981. p. 73.

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propósito o lucro (2.® parte do artigo referido)61, e, nesse caso, não fazia referência específica ao tráfico.

1.1.3. 0 Código Penal de 1969 O Código Penal de 1969, que não chegou a entrar em vigor por ter sido revogado ainda no período da sua vacatio legis, também cui­ dava do tráfico de mulheres, fazendo-o da seguinte forma: Art. 254. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro: Pena — reclusão, de três a oito anos, e pagamento de cin­ co a quarenta dias-multa. § 1.0Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1. °do art. 251: Pena — reclusão, de quatro a dez anos, além da multa. § 2.° Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena — reclusão, de cinco a doze anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência. As formas qualificadas mencionadas no § 1.° eram as se­ guintes: Art. 251. (...) § 1.° Se a vítima é maior de quatorze e menor de dezoito anos ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido, irmão, tutor, curador ou pessoa a que esteja confiada para fin s de educação, de tratamento ou de guarda (...). No que se refere ao tráfico de mulheres, seria aplicável, ainda, o art. 255 do Código Penal: Art. 255. Nos crimes de que trata este capítulo, é aplicável o disposto no art. 247.

61. Sua redação é a seguinte: “(...) Prestar-lhes, por sua conta própria ou de outrem, sob sua ou alheia responsabilidade, assistência, habilitação e auxílios, para auferir, direta ou indiretamente, lucros desta especulação”. Veja-se que, nesse caso, não se exige o deslocamento da mulher de um território a outro.

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O art. 247, por sua vez, referia-se aos casos em que se presume a violência. Eram eles: Art. 247. Presume-se a violência, se a vítima: I— não é maior de quatorze anos, salvo fundada suposi­ ção contrária do agente; II — é doente ou deficiente mental, e o agente conhecia esta circunstância; I I I — não pode, p or qualquer outra causa, oferecer resis­ tência. A semelhança do texto de 1969 em relação ao de 1940 é acen­ tuada. Há, apenas, sutil diferença de redação e um acréscimo no inciso I do art. 247, parte final (“salvo fundada suposição contrária do agen­ te”). A ausência de semelhante disposição no Código vigente não impediu, entretanto, que surgissem discussões, tanto na doutrina quan­ to na jurisprudência, sobre o assunto.

1.1.4. Anteprojeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal O Anteprojeto foi remetido ao Presidente da República em março de 1998. De sua elaboração final participaram: Vicente Cemicchiaro (presidente da Comissão), Nei Moura Teles, Ela Wieko de Castilho e Licínio Leal Barbosa (membros), e Evandro Lins e Silva e Damásio de Jesus (consultores). No Anteprojeto, o tráfico recebe basicamente a mesma moldura tí­ pica da legislação atual. O que o difere é a abrangência, visto que não se restringe à mulher: qualquer pessoa passa a ser sujeito passivo do delito. No Título que trata Dos crimes contra a dignidade sexual (II), que, por sua vez, abriga o Capítulo I I — Da exploração sexual, podese encontrar o dispositivo que criminaliza o tráfico:

Tráfico de pessoas Art. 177. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa que venha exercer a prostituição, ou sua saída para exercê-la no estrangeiro:

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Pena — reclusão, de três a seis anos, e multa. Vê-se, assim, que a descrição típica é semelhante à atual, com exceção do fato de prever que qualquer pessoa possa figurar no pólo passivo. No que se refere à cominação penal, o máximo de pena sofreu um decréscimo: de oito, na redação vigente, para seis anos, de acordo com o Anteprojeto. Incide sobre o delito o disposto no art. 178:

Aumento de pena Art. 178. Aumenta-se a pena até o dobro, nos crimes defi­ nidos neste Capítulo, sem prejuízo da pena correspondente à violência, se: I — a vítim a é menor de dezoito anos ou incapaz de consentir; I I — a vítima está sujeita à autoridade do agente ou com ele mantém relação de parentesco; I I I — o agente comete o crime com o fim de lucro; IV — o agente abusa de estado de abandono ou de extre­ ma necessidade econômica da vítima; V — o agente emprega violência, grave ameaça ou fraude. Todas as causas de aumento de pena previstas no artigo acima transcrito, com exceção da contemplada no inciso IV, já se encontram presentes na atual legislação. Aspectos relacionados à cominação pe­ nal, entrementes, destacam-se por suas diferenciações. Primeiro, o Anteprojeto não distingue, em termos de cominação penal, o inciso V dos demais. De acordo com a legislação em vigor, àquele é cominada pena de J a 12 anos, enquanto a estes a pena é de 4 a 10 anos. Também deve ser mencionado que na lei em vigor somente é feita remissão à cominação cumulativa da pena relativa à violência para os casos pre­ vistos no inciso V (§ 2.° do art. 231 do Código Penal atual), enquanto no Anteprojeto tal previsão encontra-se contemplada já no caput do art. 178, fazendo com que a possibilidade de aplicação cumulativa da pena relativa à violência possa se estender a todas as figuras. A distinção é importante, porque o Anteprojeto retira do âmbi­ to jurídico-penal a figura da presunção da violência, trazendo, para o

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seu lugar, cominação específica para os casos de envolvimento se­ xual com menor de 14 anos (vide comentários exarados no item 1.3 da próxima seção), bem como deixa de aplicar aos delitos de explo­ ração sexual (nos quais se inclui o tráfico) os mesmos patamares de aumento de pena previstos para o estupro e para o atentado violento ao pudor, quando resultem lesão corporal ou morte. Trata-se de me­ dida providencial. A atual equiparação punitiva, como se chamou a atenção no item 1.9.2, para todas as infrações penais previstas nos capítulos I (Dos crimes contra a liberdade sexual — arts. 213 a 216A) e V {Do lenocínio e do tráfico de mulheres — arts. 227 a 231), traz uma enorme injustiça, visto que as figuras básicas possuem pu­ nições bem distintas. Enquanto no Capítulo V há delitos com previ­ são de punição estabelecida em um ano, no Capítulo I há punições que partem do mínimo de seis anos. O tráfico de menor, no Anteprojeto, mereceu disposição espe­ cífica, em seu art. 153. O dispositivo, entretanto, não se restringe à prostituição, conforme se verá na próxima seção.

1.2.

Conceito e objetividade jurídica

No item 3 da Introdução estão colocadas várias definições de caráter internacional, sendo que a primeira internacionalmente aceita pode ser encontrada no Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, que suplementa a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, ado­ tada em novembro de 2000, e possui os seguintes parâmetros: a) Tráfico de pessoas deve significar o recrutamento, transpor­ te, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, de abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios, com o fim de obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra, com propósito de exploração. Exploração inclui, no mínimo, a exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravidão ou práticas análogas à es­ cravidão, servidão ou remoção de órgãos.

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b) O consentimento da vítima de tráfico de pessoas para explo­ ração deve ser irrelevante nos casos em que qualquer um dos meios antes mencionados tenha sido usado. c) O recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebi­ mento de criança para fins de exploração devem ser considerados tráfico de pessoas, mesmo que não envolvam nenhum dos meios an­ teriormente referidos. d) Criança deve significar qualquer pessoa com menos de 18 anos de idade. No Brasil, a previsão legal encontra-se insculpida no art. 231, cuja redação é a seguinte: Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro: Pena — reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. A lei brasileira, além de não trazer nenhuma menção ao tráfico de crianças, ao criminalizar o de mulheres o faz restringindo-se aos casos em que o deslocamento ocorre para fins de prostituição e, con­ trariando os documentos internacionais sobre o tema, dispensa, para a caracterização do delito, a existência de fraude, ameaça ou violência. Desde os primeiros comentadores do Código Penal, vem sendo dito que o bem jurídico protegido é a moral sexual pública62. Em alguns casos, inclusive, especifica-se ainda mais o bem jurídico, para incluir a moral sexual pública internacional63.

62. Júlio Fabrini Mirabete entende que “o objeto jurídico do delito é a moralidade pública sexual”. De acordo com o autor, “procura-se, com o dispositivo, evitar o parasitismo da prostituição, em especial no que tange às suas implicações (M anual de direito penal: parte especial. São Paulo : Atlas, 1997. v. 2, p. 498). 63. Para Damásio de Jesus, o “objeto jurídico são os bons costumes, protegen­ do-se a honra sexual contra lenões internacionais” (Direito penal: parte especial. São Paulo : Saraiva, 1999. v. 3, p. 169). José Carlos Gobbis Pagliuca entende ser “a moral e bons costumes, bem como a honra sexual no âmbito internacional” (Direito penal moderno: parte especial do Código Penal. São Paulo : Juarez de Oliveira, 2000. p. 229).

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E o que vem a ser a moral pública sexual? Iara ügenfritz da Silva responde: “Num sentido amplo, é a relação que tem a vida sexual com as normas morais. Cada sociedade elege normas morais que deverão ser acatadas pelos seus membros. São normas determinadas pelas ne­ cessidades e conveniências do próprio grupo. Então, em sentido mais restrito, a moralidade pública é representada por um conjunto de nor­ mas que ditam o comportamento a ser observado pela sociedade, nos domínios da sexualidade. Neste sentido, ‘a consciência ética de um povo em determinado momento’ estabelece a compreensão do que para ele representa o bem e o mal, o honesto e o desonesto, e sobre isso dita suas normas de conduta, no plano sexual”64. O Código Penal brasileiro data de 1940, época em que a preocu­ pação com a moralidade sexual, principalmente em relação à mulher, era bastante mais acentuada. Além disso, à mulher era dado desempe­ nhar papel de reduzida importância, de forma que “a proteção à moral não raras vezes se sobrepunha aos direitos individuais”65. É o que se pode ver quando da comparação entre as sanções penais previstas, ori­ ginariamente, para os delitos de estupro e atentado violento ao pudor e as cominadas para o tráfico de mulheres. No concernente aos dois primeiros, que, para a configuração típica, exigem violência ou grave ameaça, estavam previstas sanções iguais (no caso do estupro) ou até menores (é o que ocorre no atentado violento ao pudor) àquelas cominadas ao tráfico de mulheres, o qual não exige a presença dos elementos mencionados. Atualmente, tal distorção punitiva não mais subsiste, já que a Lei dos Crimes Hediondos aumentou significativa­ mente a reprimenda penal para tais crimes (art. 6.° da Lei n. 8.702/90). Decorrido mais de meio século de vigência do Código Penal, poucas foram as alterações elaboradas no título que trata dos crimes sexuais (na terminologia anacrônica do Código, crimes contra os costumes), porém inúmeras foram as conquistas amealhadas pelas mulheres no que se refere aos seus direitos, chegando ao ápice com a

64. D ireito ou punição?: representação da sexualidade feminina no direito pe­ nal. Porto Alegre : Movimento, 1985. v. 30, p. 60. 65. ELUF, Luiza Nagib. Crime contra os costumes e assédio sexual: doutrina e jurisprudência. São Paulo : Jurídica, 1999. p. 88.

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Constituição Federal de 1988, na qual se pode encontrar a afirmação de que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (art. 5.°, I). No Brasil, “desde a primeira Constituição — quando mal o País se desfazia da condição de Colô­ nia, até a recente Carta, dita Cidadã — quando a economia nacional está arrolada entre as mais ricas do mundo, não há declaração de distinções entre homem e mulher, antes, podem-se ler afirmações muito transparentes de igualdade. Eram e têm sido valores sociais concretos vigentes que produziam e permanecem produzindo uma leitura justificadora de posturas segregacionistas, indevidamente fulcradas nas normas constitucionais”66. Conforme denuncia Luiza Nagib Eluf, “por mais surpreenden­ te que possa parecer, os direitos femininos em algumas legislações estrangeiras e mesmo na legislação infraconstitucional brasileira anterior a 1988, como é o caso do Código Penal, são considerados ‘sub-direitos’, tendo em vista que qualquer outro direito (do homem, da sociedade, da família, etc.) pode se sobrepor aos da mulher”67. Não obstante seu insurgimento, Luiza Nagib Eluf também elege como bem jurídico dos delitos de tráfico de mulheres “a moral pública sexual”, ainda que ressalte que também os direitos humanos são ofen­ didos nos casos de exploração sexual. De acordo com a autora, “visa a lei coibir o comércio internacional de mulheres usadas na prostituição, para alimentar a prática tanto no Brasil como em outros países. Protegem-se os bons costumes contra os lenões que atuam rompendo fron­ teiras”. E prossegue a autora: “Indiretamente protege-se também a pessoa explorada, ou seja, a mulher que é levada, ludibriada ou sub­ metida à violência para que se dedique à prática do meretrício”68. A mulher, assim, de acordo com a autora, aparece como vítima indireta, porém somente nas situações em que não tenha havido sua

66. BIANCHINI, Alice. A (des)igualdade entre os sexos no direito constitucio­ nal brasileiro. Dissertação de Mestrado. UFSC, 1994. 67. Crime contra os costumes e assédio sexual: doutrina e jurisprudência, cit., p. 88. 68. Idem, ibidem, p. 110.

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anuência. Nos demais casos, é a sociedade que figura como sujeito passivo. Tal posicionamento remete a duas conclusões de certo modo antagônicas: se, por um lado, está-se de acordo em que, tendo havido ciência e consentimento em relação ao propósito do deslocamento (exercício da prostituição), não há que se falar na mulher como su­ jeito passivo, por outro, inexistindo tal anuência, a mulher passa a ser a vítima direta do delito, visto que todos os demais meios de prática do crime (violência, grave ameaça ou fraude) encerram ofen­ sa à própria mulher. Desarrazoada, assim, a consideração de que nes­ ses casos o bem jurídico protegido possa não estar vinculado, de alguma forma, à própria mulher, ou de que ela figuraria como vítima indireta. É a sua liberdade, sua integridade física, sua vida ou sua honra que estão sendo ofendidas no delito de tráfico, sempre que praticado sem a anuência da mulher. Esse tema será retomado em seguida quando se for tratar do sujeito passivo do delito (item 1.3.2).

1.3. Sujeitos do delito 1.3.1. Sujeito ativo Da forma como se encontra redigido o dispositivo penal, so­ mente pode ser sujeito ativo do tráfico de mulheres (art. 231 do Có­ digo Penal) aquele que promove ou facilita a entrada no, ou a saída do território nacional de mulher, com vistas à prostituição dela. Temse, aqui, a figura do traficante. Caso o crime tenha sido cometido com o fim de lucro, prevê o § 3.° do mesmo artigo cominação cumu­ lativa de pena pecuniária (tráfico mercenário). De acordo com Noronha, “dificilmente o crime apresenta ape­ nas um sujeito ativo: a pluralidade é a regra. Cada um tem sua tarefa: uns recrutam as mulheres no estrangeiro; outros se incumbem dos percalços da viagem, tratando dos papéis e passaporte; alguns acom­ panham as vítimas na jornada, e há os que se encarregam de sua colocação no mercado da luxúria e da prostituição”69.

69. p. 275.

NORONHA, E. Magalhães. D ireito penal. São Paulo : Saraiva, 1986. v. 3,

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Em verdade, há uma articulação bem estabelecida de organi­ zações que administram a prática do delito. Algumas das que atuam no Brasil, assim como suas ações, encontram-se mencionadas neste capítulo.

1.3.1.1. Co-autoria e participação De acordo com a legislação brasileira, “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (art. 29 do Código Penal). Aquele que, sem promover ou facilitar o deslocamento da mu­ lher, venha a usufruir da prostituição alheia, não responde pelo cri­ me, o mesmo ocorrendo em relação ao “comprador”, quando a mu­ lher já se encontrava em outro território, salvo se sobrevier algum tipo de colaboração. Em ambos os casos, entretanto, dependendo da situação concreta, pode subsistir algum outro delito. No item 3 deste capítulo foi mencionada a Conexão GoiâniaMadri. Nela, vários foram os envolvidos, cada qual com papéis bem definidos e importantes para o desdobramento final da ação de tráfico.

1.3.1.2. Auxílio, instigação e induzimento O art. 31 do Código Penal prevê que o auxílio, a instigação e o induzimento, salvo disposição expressa em contrário, não são puni­ dos se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. Dessa forma, mesmo diante da ocorrência, p. ex., da instigação, tendo-se consumado o crime, ou desde que se tenha configurado a tentativa, haverá punição do agente. Do contrário, não. Há que se observar o comando final do art. 29, o qual determina que se leve em consideração, no momento da aplicação da pena, a culpabilidade do agente, bem como o seu § 1.°, no qual se encontra prevista uma causa de diminuição de pena a incidir nos casos em que a participação tenha sido de menor importância.

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1.3.2. Sujeito passivo Os autores se dividem, no que se refere à identificação do sujei­ to passivo. Para alguns (a maioria) é a mulher. Outros consideram ser a sociedade. Também existem aqueles que nominam dois sujei­ tos passivos: direto e indireto. Às vezes, o direto é a sociedade e o indireto a mulher; em outros casos, os papéis se invertem. Para Noronha, o tráfico de mulheres não atenta somente contra um bem próprio do sujeito passivo, mas alcança também a coletivi­ dade, no que é acompanhado por Guilherme de Souza Nucci70. Faz-se necessário compreender que para se chegar ao sujeito passivo é necessário verificar qual bem jurídico está sendo tutelado pela norma. Um é dependente do outro. Por isso, parece estranho que se possa eleger como bem jurídico a tutela da moral sexual pú­ blica e como sujeito passivo a mulher. Ou o seu contrário: eleger a tutela da mulher como sendo o bem jurídico e, ao mesmo tempo, entender que o sujeito passivo do delito venha a ser a sociedade. Para se poder considerar a mulher como sujeito passivo do de­ lito, como já se defendeu anteriormente (item 1.3.2), é preciso que se estabeleça uma distinção: só poderá figurar como vítima a mulher que desconheça a real motivação de seu deslocamento (por ter sido obtido por meio de fraude) ou quando não tenha havido consenti­ mento seu (emprego de violência ou grave ameaça). Assim, tendo conhecimento de que a ação do sujeito ativo tem por propósito a sua prostituição, ou, no mínimo, estando ciente da finalidade, não se ha­ verá que falar na mulher como sujeito passivo. Sistematizando-se a discussão, pode-se afirmar que, a depen­ der das circunstâncias em que o tráfico ocorreu, pode-se ter diferen­ tes sujeitos passivos. Assim, havendo conhecimento e anuência por parte da mulher acerca da prostituição, o bem jurídico é a moral e os bons costumes, figurando a sociedade como sujeito passivo. Inexistindo aqueles, a mulher passa a ser a vítima do delito, e, de forma

70. Código Penal comentado. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000. p. 626.

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indireta, a sociedade, pois de qualquer forma permanecem sendo ofen­ didos a moral e os bons costumes. Importante insistir que a admissão da mulher como vítima, nas circunstâncias em que não tenha havido violência (nem sequer pre­ sumida), grave ameaça ou fraude, significa, ainda que de forma indi­ reta, inferiorizá-la. É que a proteção, aqui, acaba servindo, ideologi­ camente, para expandir e afirmar o entendimento de que o sexo “frágil” carece de cuidados particulares. Ou, como denuncia Iara Ilgenfritz da Silva, “a proteção estendida somente à sexualidade fe­ minina escamoteia a igualdade jurídica para a desigualdade de fato. Ao homem limita-se a liberdade de não fazer, como ser ativo, e à mulher resta a liberdade de não aceitar, como ser passivo. Está, dessa forma, o Código Penal reconhecendo liberdades abstratas de direitos iguais para todos, ao mesmo tempo em que particulariza, de modo discriminatório, a liberdade dependente da mulher, face à liberdade ativa do homem. Será que o Código Penal está estabelecendo ‘desi­ gualdades legais’ entre o homem e a mulher?”71. O rompimento de tais barreiras ideológicas é necessário para que não só no aspecto legislativo, mas também na consciência so­ cial, na responsabilidade individual e nas decisões judiciais o ideal igualitário possa ser realidade. Nos Códigos italiano, polonês e suíço o homem também pode ser sujeito passivo do delito72, situação que prestigia o igualitarismo sexual, reconhecendo possibilidade de submissão não desejada à concupiscência alheia tanto ao homem quanto à mulher. Estando a vítima entre as idades de 12 e 18 anos, será aplicável o art. 244-A da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescen­ te). Por envolver criança e adolescente, os apontamentos acerca do dispositivo legal mencionado serão elaborados na próxima seção.

71. D ireito ou punição?-, representação da sexualidade feminina no direito penal, cit., p. 64. 72. Cf. JESUS, Damásio de. D ireito penal: parte especial, cit., 15. ed., 2002, v. 3, p. 169.

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1.4. Elementos objetivos do tipo 1.4.1. Conduta O tráfico de mulheres admite duas modalidades de conduta: 1) promover a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no es­ trangeiro; 2) facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercêla no estrangeiro. Segundo entendemos, promover significa “causar, diligenciar para que se realize”, enquanto facilitar tem por sentido “tomar mais fácil”73, auxiliando, ajudando ou desembaraçando74. Ambas encontram-se voltadas para a prática de prostituição de pessoa do sexo feminino, seja no território nacional (promovendo ou facilitando a entrada), seja no exterior (promovendo ou facilitando a saída). A divergência doutrinária se instala ao redor da questão que envolve a configuração ou não de tráfico, na circunstância em que ocorre a simples passagem da mulher pelo território nacional. Noronha entende configurado o delito75. No mesmo sentido é a nossa posição e de Luiza Nagib Eluf. Fundamenta aquele autor seu posicionamento: “Primeiramente, porque, como já se disse, trata-se de delito interna­ cional; depois, porque, em trânsito por nosso território, não deixa de haver saída para o exercício da prostituição em outro Estado; final­ mente, porque o nome do crime é tráfico de mulheres, que, se signi­ fica negociação ou comércio, é também sinônimo de tráfego, e não se poderá negar que a passagem por nosso solo constitua um trecho desse tráfego, viagem ou transporte”76.

73. Idem, ibidem, p. 170. 74. Cf. PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. D ireito penal moderno: parte espe­ cial do Código Penal, cit., p. 230. 75. JESUS, Damásio de. D ireito penal: parte especial, cit., v. 3. 76. NORONHA, E. Magalhães. D ireito penal, cit., p. 276.

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Diverge desse entendimento Heleno Cláudio Fragoso. Confi­ guraria, em seu entendimento, o delito de favorecimento à prostitui­ ção (art. 228 do Código Penal). Razão está com a primeira corrente: “A simples passagem da mulher por nosso território constitui crime, uma vez que nele está en­ trando ou saindo”77. A configuração típica não exige mais do que isto. Para a existência do delito é indiferente que a mulher seja me­ retriz, “bastando a certeza de que a entrada no país ou a saída deste vise à finalidade do exercício da prostituição”78. A entrada ou saída do território nacional pode ser de forma regular ou irregular, sendo importante, neste último caso, conforme recomendações encontra­ das em diversos documentos internacionais, não venha a vítima a ser discriminada, criminalizada ou estigmatizada, sob pena de deixá-la mais vulnerável a outras violações.

1.4.2. Presunção de violência A questão que envolve a violência precisa ficar bem entendida. Duas são as suas espécies: real e presumida. Esta última possui pre­ visão legal específica (art. 224 do Código Penal) e decorre do fato de que a vítima: a) não é maior de 14 anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia essa circuns­ tância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. A presunção de violência fundamenta-se: a) na ausência por parte da vítima de discernimento acerca da conveniência ou não de adotar determinado comportamento sexual; ou b) apesar de possuir tal capacidade, ela não poder, nas circunstâncias, fazer valer seu dissenso por qualquer razão.

77. JESUS, Damásio de. D ireito penal: parte especial, cit., v. 3, p. 170. 78. MIRABETE, Júlio Fabbrini. M anual de direito penal, parte especial, cit., p. 499.

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A verificação do tipo de violência, se ficta ou real, se grave ou não, é desnecessária, como já se disse, para a configuração do delito de tráfico de mulheres, visto que ele se perfaz independentemente do consentimento da mulher traficada. Diferentemente é o que ocorre no momento de se fixar a sanção punitiva, pois o emprego de violên­ cia qualifica o delito. Assim, nas hipóteses em que da violência não resultar lesão corporal grave ou morte, a punição corresponde àquela prevista nos art. 231, § 2.°, Código Penal, ou seja, reclusão de 5 a 12 anos\ do contrário, aplica-se o disposto no art. 223 (8 a 12 anos para a lesão, & 12 a 25, havendo morte). Não se pode, porém, olvidar que, admitindo-se possa a violên­ cia ficta servir para qualificar o delito, o que logo se contestará, a ela não se aplica a última parte do dispositivo acima mencionado, que prevê a cumulação, ainda, da pena correspondente à violência, posto que, exatamente por havê-la presumido, ela não existiu. E se não existiu não se pode quantificá-la, a fim de saber se se está diante de vias de fato ou de lesão corporal leve. Exclui-se a lesão grave, pois, estando ela presente, a norma a incidir encontra-se prevista no art. 223, que, por obviedade, também não pode ter aplicação79. Pode-se questionar, ainda, a aplicação do artigo que cuida da violência ficta quando se trata de tráfico de mulheres. Antes, entre­ tanto, de apresentar as contestações, convém esclarecer que duas são as aplicações que se podem fazer desse elemento: 1) Servir para a configuração do delito: a ameaça, aqui, integra os elementos típicos. É o que ocorre nos delitos de estupro (art. 213), aten­ tado violento ao pudor (art. 214) e rapto violento (art 219, l.a parte)80.

79. A presunção de violência quando a pessoa sobre a qual incide o crime não fo r m aior de 14 anos (224, a) será objeto de apreciação do próximo capítulo, pois nele se concentrarão todas as discussões acerca do tráfico de crianças. 80. Art. 219. Raptar m ulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. Neste último caso, não se pode olvidar o disposto no art. 222, o qual determina que, tendo o agente, quando do rapto ou em seguida a ele, praticado um outro crime contra a raptada, “aplicam-se cumulativamente a pena correspondente ao rapto e a cominada ao outro crime”.

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Em todos esses casos, o crime pode ser praticado, também, mediante grave ameaça81. Mas o que importa distinguir nessas figuras delituosas é que a violência, quando existente, representa um elem ento configurador do tipo penal, diferentemente do que ocorre em relação aos delitos em que ela somente serve de qualificadora, como se po­ derá ver em seguida. 2) Servir para qualificar o delito (art. 231, § 2.°): nos delitos de mediação para servir à lascívia de outrem (art. 227), favorecimento da prostituição (art. 228), mfianismo (art. 230) e tráfico de mulheres (art. 231), a violência, quando existente, serve apenas para qualificar o de­ lito. Ela é, portanto, prescindível. Importa ressaltar, ainda, que em re­ lação a esses delitos, além da pena agravada em razão da violência, há previsão no sentido de que deverá ser aplicada cumulativamente a pena correspondente à violência. Em nenhum desses casos a violência pode resultar em lesão corporal grave ou morte, sob pena de incidir uma outra qualificadora, agora prevista no art. 223 (art. 232). Excluídas essas modalidades de violência, restaram as vias de fato (art. 21 da Lei de Contravenções Penais)82 e a lesão corporal leve (art. 129)83. Uma séria objeção, entretanto, há que ser oposta quanto à possibiüdade de cumulação das penas. É que se tem, aqui, flagrante ofensa ao princípio ne bis in idem, por meio do qual o mesmo fato ou elemento não pode servir para fundamentar mais de uma apenação. Entende-se que o dispositivo que abriga a presunção de violên­ cia (art. 224) possui seu âmbito de aplicação restrito às hipóteses mencionadas no item 1, ou seja, quando a violência é parte integran­ te do tipo. Outra interpretação traria uma disparidade de tratamento, porque nas hipóteses elencadas no primeiro item (e que são mais gravemente reprovadas), a presunção de violência serviria tão-so­ mente para configuração do delito, enquanto na segunda faria com que houvesse um aumento da reprimenda.

8 1 .0 rapto também admite, na segunda parte do art. 219, a utilização de fraude. 82. LCP, art. 21: P raticar vias de fa to contra alguém: Pena — prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa, se o fa to não constitui crime. 83. Código Penal, art. 129: O fender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

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Já que, para a configuração do delito de tráfico, conforme já se salientou, o consenso é prescindível (diferentemente do que ocorre em relação ao estupro e ao atentado violento ao pudor), não há por que se aplicar o art. 224, salvo, como também já se refutou, se se admitir possa a presunção servir para qualificar o delito, com o que a pena, inicialmente fixada entre os limites de 3 a 8 anos, alcançaria, a teor do § 2.°, o montante de 5 a 12 anos.

1.4.3. Conhecimento e consentimento da mulher de que seu deslocamento tem por finalidade o exercício da pros­ tituição O tema é bastante delicado, já que envolve discussão acerca de práticas discriminatórias em razão de aspecto ligado ao sexo do su­ jeito. Não há dúvida, na doutrina, de que “não se exige o conheci­ mento da mulher que a finalidade de sua entrada ou saída seja para prostituir-se”84, bem como é indiferente o seu consentimento para a configuração do delito85. Assim, se o deslocamento deu-se mediante fraude, ou mesmo com violência ou ameaça grave, desprovido, por­ tanto, da anuência da vítima, o delito estaria configurado. A dificuldade, entrementes, reside nos casos em que o consen­ timento é fornecido e a ação do agente facilitador ou promotor é realizada sem deixar de prestar obediência a todos os requisitos exi­ gidos pela lei, para a saída do ou a entrada da mulher no território nacional. Decorrendo o deslocamento de decisão consciente e váli­ da, justificada estaria uma punição do agente, principalmente quan­ do se considera o elevado quantum punitivo da pena prevista para o crime (3 a 8 anos)86? O disparate em termos punitivos demonstra o

84. PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. D ireito penal moderno: parte especial do Código Penal, cit., p. 230. 85. Nesse sentido: DELMANTO, Celso et alii. Código Penal comentado. 5. ed. Rio de Janeiro : Renovar, 2000. p. 375. 86. A discussão que envolve os limites punitivos foi realizada no item 1.9.

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quanto a moral sexual foi (e continua sendo) vista como bem jurídi­ co de elevada dignidade. Veja-se, inclusive, que o delito de tráfico de mulheres em sua figura simples, ou seja, com o consentimento desta, possuía exatamente a mesma sanção penal prevista originariamente para o estupro (3 a 8 anos) e era mais apenado do que o atentado violento ao pudor (para este o Código Penal previa pena de 2 a 7 anos), tipos penais nos quais a relação sexual, no caso do primeiro, ou o ato libidinoso diverso dela, o que caracteriza o segundo, são realizados sem o consentimento da vítima. Mais ainda: ambos os delitos são realizados por meio de grave ameaça ou violência. Comparando-se com a forma qualificada do tráfico em razão da violência, a questão se complica ainda mais, pois a reprimenda passa a ser de 5 a 12 anos. Há que se ressaltar, também, que, conforme se verá no item 1.8, para a configuração do delito de tráfico de mulheres não há necessidade de que a vítima venha realmente a se prostituir. A lei se contenta com a ocorrência de seu deslocamento para tal finalidade. Isso faz com que se tome mais acentuada a diferença entre este crime e as outras figuras típicas. No estupro e no atentado violento ao pudor, além da violência (ou da grave ameaça), houve ato sexual forçado por parte do sujeito ativo; no tráfico de mulheres, nem sequer há necessidade de ocorrência da violência (ou da grave ameaça), pois, subsistindo fraude, a pena já será aquela prevista no § 2.° do art. 231, ou seja, de 5 a 12 anos. Bastan­ te superior, portanto, às originariamente previstas para aqueles tipos penais (3 a 8 anos e 2 a 7 anos, respectivamente). Com a entrada em vigor da Lei dos Crimes Hediondos, que elevou os limites punitivos dos delitos sexuais antes mencionados, tal disparidade deixou de existir, para dar lugar a uma outra que será analisada no item 1.9.2. A Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional, de Palermo (2000), abordou a questão que envolve a partici­ pação voluntária de adultos na prostituição. A Convenção foi suplementada por dois Protocolos, um sobre tráfico de pessoas e outro sobre contrabando de pessoas. Neles pode ser encontrada a primeira definição de tráfico internacionalmente aceita. Ela difere daquela estabelecida na Convenção de 1949, a qual considerava toda forma de prostituição, voluntária ou forçada, como sendo tráfico.

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O Protocolo, embora reconheça a existência das duas formas de prostituição, intencionalmente não dá uma definição para a expres­ são “exploração da prostituição ou outras formas de exploração se­ xual”, porque os delegados dos países não chegaram a um consenso sobre o tema. Todos concordam em que a participação involuntária na prostituição constitui tráfico, mas a maioria rejeitou a idéia de que a participação voluntária, não-coercitiva, de adultos na prostitui­ ção possa caracterizá-lo. Não se pode olvidar, entrementes, o fato de ser bastante comum que, quando do deslocamento, a mulher tenha consciência de que irá exercer a prostituição, porém, não nas condições em que, normal­ mente, se vê coagida a atuar, ao chegar ao local de destino. De qual­ quer forma, esse ludíbrio caracteriza fraude.

1.5. Figuras típicas qualificadas As formas qualificadas do delito estão previstas nos parágrafos do art. 231: Art. 231. (...) § 1. °Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1. °do art. 227: Pena — reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. § 2. °Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência. § 3.° Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. No § 1.° do art. 227, acima citado, consta que: Art. 227. (...) § 1.° Se a vítim a é m aior de 14 (quatorze) e m enor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descen­ dente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiada para fin s de educação, de tratam ento ou de guarda: (...). 95

Aplica-se ainda ao delito de tráfico de mulheres, conforme pre­ visão encontrada no art. 232 do Código Penal, o disposto no art. 223 do mesmo diploma legal, o qual prevê: Art. 223. Se da violência resulta lesão corporal de natu­ reza grave: Pena — reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. Parágrafo único. Se do fa to resulta a morte: Pena — reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos. Sistematizando os dispositivos anteriormente transcritos, podese observar que nove são as qualificadoras do delito. Elas decorrem das circunstâncias da sua prática, dos meios de execução, da finali­ dade do agente ou do resultado advindo. Veja-se cada uma delas: a) Qualificadoras em razão das circunstâncias a.l) Idade da vítima (maior de 14 anos e menor de 18): A qualificadora justifica-se pela maior imaturidade da vítima e pela maior facilidade que o agente encontra para praticar o delito. Caso a vítima seja menor de 14 anos, a situação altera-se, pois se presume violência e, para alguns juristas87, a pena passa a ser aquela prevista no § 2.° do art. 231. a.2) Existência de relações domésticas entre a vítima e o sujeito: Tem-se aqui o tráfico fam iliar, pois cometido por ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador da vítima, ocorrendo violação de deveres familiares. a.3) Existência de autoridade entre vítima e sujeito ativo: Também qualifica o crime o fato de ele ser praticado por pes­ soa a que esteja a vítima confiada para fins de educação, de trata­ mento ou guarda. Nesses casos, há maior reprovação da conduta do sujeito, “que age aproveitando-se da autoridade exercida contra o sujeito passivo”88. Como diz Heleno Cláudio Fragoso, “o crime

87. Ver discussão realizada no item 2 do capítulo V. 88. JESUS, Damásio de. D ireito penal: parte especial, cit., v. 3, p. 153.

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odioso é aqui cometido precisamente pelas pessoas a quem incum­ bia zelar pela moralidade da vítima e protegê-la. Há, portanto, além da fealdade moral incomparavelmente maior, a violação de um de­ ver preexistente, bem como menor capacidade de resistência da víti­ ma”89. Em ambos os casos (a.2 e a.3), o rol é taxativo, não se poden­ do incluir pessoas que o legislador não tenha mencionado. Além disso, em relação a eles, havendo sentença condenatória, aplicam-se as con­ seqüências previstas no art. 92 do Código Penal90. b) Qualificadoras em razão dos meios de execução do delito b.l) Violência: A ofensa à integridade física da vítima, para caracterizar a pre­ sente qualificadora, não pode resultar em lesão corporal nem morte, sob pena de se aplicar o disposto no art. 232. Nas hipóteses de vítima menor de 14 anos, as implicações jurídicas serão analisadas na pró­ xima seção. b.2) Grave ameaça: A ameaça constitui promessa de mal sério, seja em relação à vítima ou a uma terceira pessoa. Para constituir a qualificadora, ela deve ser grave. b.3) Fraude: É o meio mais comum de execução do delito. O autor utiliza-se de “artifício ou ardil, para induzir a vítima em erro, fazendo-a agir

89. p. 59.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial, cit.,

90. Prevê o dispositivo legal mencionado: Art. 92. São também efeitos da con­ denação: I — a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade p o r tempo igual ou superiora 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Adm inis­ tração Publica; b) quando fo r aplicada pena privativa de liberdade p o r tempo su­ perior a 4 (quatro) anos nos demais casos; II — a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; (...) Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

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sem suspeitar o verdadeiro propósito do agente”91. A vítima, quando iludida, “locomove-se sem oferecer resistência, auxiliando o agente a levá-la ao seu lamentável destino”92. c) Qualificadora decorrente da finalidade do agente Quando o agente pratica o delito visando a auferir lucro, sua pena também é qualificada. Veja-se que não é necessário que o trafi­ cante venha, efetivamente, a receber alguma vantagem econômica, bastando que se tenha movido em razão dela. Exige-se, aqui, uma circunstância subjetiva do tipo: o fim de lucro. d) Qualificadoras em razão do resultado A imputação ao agente, em razão do resultado, somente pode ser realizada a título de culpa. Trata-se de crime preterdoloso. As­ sim, o tráfico de mulheres tem como elemento subjetivo o dolo, en­ quanto o resultado (lesão corporal ou morte), quando diverso do pre­ tendido, a culpa. Subsistindo dolo também em relação ao resultado, haverá concurso de crimes contra os costumes e contra a pessoa. O cúmulo é material, o que faz com que as penas de cada um dos cri­ mes sejam somadas (art. 69)93. Há que se ressaltar que entre o resul­ tado não desejado pelo agente (lesão corporal grave ou morte) e a sua ação (violência) deve existir nexo causal (art. 13 do Código Pe­ nal)94. Dois são, como já dito, os resultados possíveis: d .l) Lesão corporal grave: As hipóteses encontram-se previstas nos §§ 1.° e 2.° do art. 129. São elas: 1) incapacidade para as ocupações habituais, por mais de

91. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial, cit., p. 57. 92. ELUF, Luiza Nagib. Crime contra os costumes e assédio sexual: doutrina e jurisprudência, cit., p. 109. 93. Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas priva­ tivas de liberdade em que haja incorrido (...). 94. Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

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30 dias; 2) perigo de vida; 3) debilidade permanente de membro, sentido ou função; 4) aceleração de parto; 5) incapacidade perma­ nente para o trabalho; 6) enferm idade incurável; 7) perda ou inutilização de membro, sentido ou função; 8) deformidade perma­ nente; e 9) aborto. d.2) M orte: Apesar de o parágrafo único do art. 223 ter-se utilizado da ex­ pressão “se do fato resulta”, ela vem sendo, indiscutivelmente, en­ tendida pela doutrina em sentido restrito. Desse modo, o que deve ser analisado é se o resultado morte decorreu realmente da violência empregada pelo agente.

1.6. Elementos subj etivos do tipo O delito de tráfico de mulheres somente pode ser praticado de for­ ma dolosa O dolo pode ser direto (o agente quis o resultado — art. 18,1, primeira parte, do Código Penal) ou indireto (o agente assume o risco de produzir o resultado — art. 18,1, última parte, do Código Penal). Não se exige, para configuração do delito, que o agente aja com o intuito de a mulher vir a prostituir-se, bastando que tenha conheci­ mento de que o deslocamento está sendo realizado com essa inten­ ção. Com isso se alarga a possibilidade de incidência do tipo penal. Sendo o propósito de prostituição totalmente desconhecido do agen­ te, haverá erro de tipo95. A finalidade pretendida pelo agente é irrelevante. Havendo objeti­ vo de lucro, no entanto, ocorre agravação da pena, visto que esse ele­ mento é um dos que qualificam o delito (ver letra “c” do item anterior).

1.7. Qualificação doutrinária Os autores, normalmente, classificam o delito como sendo de perigo. De acordo com Noronha, o desenvolvimento regular da função

95. Código Penal, art. 20: O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas perm ite a punição p o r crime culposo, se previsto em lei.

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sexual e a honra sexual são expostos a perigo, “porque a simples entrada ou a mera saída não lesam efetivamente esses bens, podendo acontecer que a mulher se entregue a uma vida honesta, melhore até de situação, ocorrendo então que aqueles fatos encerravam apenas probabilidade de lesão do bem individual tutelado, que, todavia, não se efetivou”96. Diverso é o entendimento de Guilherme de Souza Nucci. Para o autor, o não-exercício do meretrício desconfigura o delito. Trata-se, na sua opinião, de delito material e não formal, e delineando um paralelo com o crime previsto no art. 228 (induzir pessoa a prosti­ tuir-se e condutas análogas), afirma: “Ora, ou a pessoa se prostitui (pratica o comércio habitual do sexo) ou não há crime. Seria ilógico o agente dar a idéia a alguém para viver da prostituição, sendo por isso punido, ainda que a pessoa não concretize tal sugestão. O mes­ mo se dá no caso presente. O agente que promove o ingresso de uma mulher no território nacional crendo que ela vá prostituir-se não pode ser punido imediatamente. Afinal, ela pode mudar de idéia e levar vida honesta. Crime contra os costumes não houve. Aliás, há contra­ dição nos argumentos de alguns doutrinadores que não exigem fina­ lidade especial para o cometimento do crime (bastando o dolo gené­ rico), mas crêem tratar-se de delito formal (fazer ingressar a mulher ‘com o fim de exercer a prostituição’). Ora, se o delito está consuma­ do com o simples ingresso, então, no mínimo, dever-se-ia sustentar a existência do elemento subjetivo do tipo específico (dolo específi­ co)”. E conclui o autor dizendo que “existe a vontade específica e, ainda assim, pela disposição do tipo penal, é crime material”97. Também Damásio de Jesus98entende ser o delito material, che­ gando, porém, a tal conclusão por meio de fundamentação diversa. É que, para o autor, o delito exige, sim, resultado, o qual, no entanto, não é aquele que se coliga com o efetivo exercício da prostituição por parte da mulher, mas refere-se à sua entrada ou saída do território

96. D ireito penal, cit., p. 277. 97. Código penal comentado, cit., p. 627. 98. D ireito penal: parte especial, cit., v. 3, p. 171.

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nacional com tal desiderato. Este, então, é que seria o resultado exi­ gido pela lei. Nada mais. O tráfico de mulheres, de acordo com o mesmo autor, é tam­ bém crime comum, instantâneo e plurissubsistente. “É crime comum, porque pode ser praticado por qualquer pessoa, sem distinção de sexo. (...) É instantâneo: consuma-se com a entrada ou saída da mulher do território nacional, em certo e determinado instante, sem continuida­ de temporal. É crime plurissubsistente. São necessários vários atos do sujeito para a sua configuração”99.

1.8. Consumação e tentativa Como já foi dito, para a consumação não é necessário o exercí­ cio efetivo da prostituição. “As expressões do dispositivo — ir e vir — não admitem dúvidas. Basta que a ofendida entre no país com esse propósito ou dele saia com mesmo desígnio. Isso feito, ainda que ela consiga livrar-se das garras do cáften internacional e entregar-se a vida honesta, o delito consumou-se. Mal agiria o legislador se assim tivesse estruturado o crime, mas exigisse um elemento futu­ ro e incerto e que sempre dependeria exclusivamente da vontade do sujeito ativo”100. Não está em questão a sorte da traficada, mas a prática da traficância, ou o ato do traficante. O crime, portanto, exige tão-somente que o deslocamento da mulher tenha por propósito a prostituição. Havendo o seu efetivo exercício, exaurido estaria o crime, podendo o magistrado, por oca­ sião da aplicação da pena, levar esse fato em consideração, a fim de aumentar a reprimenda, com base no art. 59 do Código Penal101.

99. JESUS, Damásio de. D ireito penal: parte especial, cit., v. 3. 100. NORONHA, E. Magalhães. D ireito penal, cit., p. 277. 101. Art. 59. O ju iz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja ne­ cessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (...).

101

A tentativa é admitida. De acordo com Noronha, Convenções Internacionais abrigam a preocupação em punir a tentativa do crime. É do autor citado a seguinte ilustração de tentativa de tráfico de mulheres: “Se um lenão desenvolveu a atividade necessária junto à vítima, convencendo-a de exercer o meretrício no estrangeiro, pre­ parando-lhe os papéis, provendo-a do indispensável para a viagem etc., e, tudo isso feito, é preso quando penetrava, em sua companhia, o navio surto em porto nacional, não cremos se possa dizer que não houve tentativa de tráfico, tráfego ou transporte, destinado ao mere­ trício. Trata-se de crime que admite fracionamento, podendo ser in­ terrompido antes do momento consumativo e, assim, ser tentado” 102.

1.9. Sanção penal 1.9.1. Tráfico de mulheres simples e qualificado O art. 231 do Código Penal prevê a pena de reclusão de 3 a 8 anos para a figura simples (a que se encontra descrita no caput). Outras punições também são estabelecidas para o delito, e depen­ dem da ocorrência de algumas circunstâncias. São elas: a) se a víti­ ma é maior de 14 anos e menor de 18; ou b) se o agente é seu ascen­ dente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda: reclusão de 4 a 10 anos (art. 231, § 1.°, c/c art. 227, § 1°, do Código Penal); c) tendo sido o crime praticado com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: reclusão de 5 a 12 anos, além da pena cor­ respondente à violência (art. 231, § 2.°, do Código Penal); se da vio­ lência resulta d) lesão corporal de natureza grave103: reclusão de 8 a

102. NORONHA, E. Magalhães. D ireito penal, cit. 103. Os §§ 1.° e 2.° do art. 129 do Estatuto Repressivo prevêem as hipóteses de lesão corporal grave. São elas: § 1. °Se resulta: I — incapacidade para as ocupações habituais, p o r mais de 30 (trinta) dias; II — perigo de vida; III — debilidade per­ manente de membro, sentido ou função; IV — aceleração de parto: Pena — reclu­ são, de I (um) a 5 (cinco) anos. § 2. °Se resulta: I — incapacidade permanente para o trabalho; II — enfermidade incurável; III — perda ou inutilização de membro,

102

12 anos, ou e) morte: reclusão de 12 a 25 anos\ e por fim, havendo f) intuito de lucro: aplica-se também a pena de multa (art. 231, § 2.°, do Código Penal).

1.9.2. Distorções punitivas Ainda no que se refere às sanções punitivas, há que se esclare­ cer que, com a entrada em vigor da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), houve uma exacerbação exagerada e desproporcional em termos quantitativos nas hipóteses em que da violência empre­ gada resulte lesão corporal grave ou morte. É que o legislador, quan­ do determinou fossem aumentadas as penas nesses casos (art. 6.° da Lei dos Crimes Hediondos), agiu corretamente, já que o mesmo documento legal alterou os limites punitivos de dois outros delitos sexuais (estupro e atentado violento ao pudor) para os quais tam­ bém se aplicam as mesmas qualificadoras. Não se deu conta, po­ rém , de que a alteração realizada no art. 223 (alargam ento sancionatório) também alcançaria, por força do previsto no art. 232, todos os delitos constantes do Capítulo V, aos quais, por sua vez, além de serem estabelecidas punições bem mais brandas, não se destinou qualquer agravamento punitivo104. Houve, assim, equipa­ ração de pena em todos os delitos do Capítulo V (no qual se inclui o tráfico) quanto ao resultado obtido a título de preterdolo (lesão corporal grave ou morte), independentemente da gravidade da ação antecedente dolosa praticada pelo agente. Veja-se, ilustrativamente, o quadro a seguir:

sentido ou função; IV — deformidade permanente; V — aborto: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. 104. Determinou o art. 6.° da Lei dos Crimes Hediondos um aumento conside­ rável em termos punitivos. Ao delito de estupro, originariamente, era prevista a pena de 3 a 8 anos, enquanto a sanção penal para o atentado violento ao pudor era fixada em 2 a 8 anos. Agora, com a nova redação determinada pela Lei dos Crimes Hedi­ ondos, ambos os delitos são punidos com reclusão de 6 a 10 anos. O dobro, no caso do primeiro crime, e três vezes maior, para a hipótese de ocorrência do segundo, portanto.

103

Delito

Figura simples

Agravaçâo pelo resultado lesão corporal grave

Agravaçâo pelo resultado morte

Estupro

6 a 10 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 3 a 8 anos

8a Antes Crimes 4 a

12 anos da Lei dos Hediondos: 12 anos

12 a 25 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 8 a 20 anos

Atentado violento ao pudor

6a10anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 2 a 7 anos

8a Antes Crimes 4 a

12 anos da Lei dos Hediondos: 12 anos

12 a 25 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 8 a 20 anos

Tráfico de mulheres

3 a 8 anos

8 a 12 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 4 a 12 anos

12 a 25 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 8 a 20 anos

As punições previstas, no caso de sobrevir o resultado lesão corporal ou morte, ficam ainda mais desproporcionais quando se leva em conta que, de acordo com a doutrina majoritária105, a fim de dar aplicabilidade ao art. 223, ambos os resultados, necessariamente, não podem ter sido desejados pelo agente. Se assim for, aplicam-se as regras do cúmulo material, respondendo então o autor por cada um deles. O resultado final dessa questão é que, com três únicas exce­ ções, as punições previstas para as hipóteses de crime preterdoloso são mais severas do que as resultantes do concurso material. Vejam -se os quadros comparativos abaixo. Nas duas últimas colunas de cada quadro encontram-se as penas correspondentes ao cúmulo material e a resultante da aplicação do art. 223 (preterdolo). Vê-se que a menor diferença entre uma e outra chega a três anos, e a maior alcança 14.

105. Posicionam -se no sentido de que os resultados lesão grave e morte previstos no art. 223 do Código Penal somente podem ser atribuídos a título de culpa: Heleno Cláudio Fragoso, Damásio de Jesus e Luíza N agib Eluf, entre outros.

104

Crime preterdoloso (dolo no antecedente e culpa no conseqüente)

a) Lesão corporal culposa (art. 129, § 6.°) Tráfico de mulheres

Lesão corporal Cominação culposa total, no caso de cúmulo material

Pena prevista no art. 223,

caput

Pena mínima

3 anos

2 meses

3 anos e 2 meses

8 anos

Pena máxima

8 anos

1 ano

9 anos

12 anos

b) Homicídio culposo (art. 121, § 3.°) Tráfico de mulheres

Homicídio culposo

Cominação total, no caso de cúmulo material

Pena prevista no art. 223, parágrafo único

Pena mínima

3 anos

1 ano

4 anos

12 anos

Pena máxima

8 anos

3 anos

11 anos

25 anos

Crim e doloso

a) Lesão corporal grave (art. 129, § 1.°) e gravíssima (art. 129, § 2.°) Tráfico de mulheres

Lesão corporal Cominação grave/ total, no caso Lesão corporal de cúmulo gravíssima material

Pena prevista no art. 223,

caput

Pena mínima

3 anos

1 ano / 2 anos

4 a n o s / 5 anos

8 anos

Pena máxima

8 anos

5 a n o s / 8 anos

13 anos / 16 anos

12 anos

b) Homicídio simples (art. 121) e qualificado (art. 121, § 2.°) Tráfico de mulheres

Homicídio simples/ Homicídio qualificado

Cominação total, no caso de cúmulo material

Pena prevista no art. 223, parágrafo único

Pena mínima

3 anos

6 a n o s / 1 2 anos 9 anos / 1 5 anos

12 anos

Pena máxima

8 anos

20 anos / 30 anos 28 a n o s /38 anos*

25 anos

* De acordo com o art. 75 do Código Penal, “o tempo de cumpri­ mento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos”.

105

1.10. Lugar do crime Prevê o art. 6.° do Código Penal: “Considera-se praticado o cri­ me no lugar em que ocorreu a ação ou omissão (...)”. A lém disso, por se tra ta r de crim e in tern acio n al, tem aplicabilidade o art. 7.°, II, a (Princípio da Justiça Universal e Cos­ mopolita), por meio do qual ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes que, por tratado ou Convenção, o Brasil se obrigou a reprimir. A extraterritorialidade, nos termos do § 2.° do art. 7.° do Códi­ go Penal, é condicionada, exigindo para a aplicação da lei brasileira o concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estran­ geiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoa­ do no estrangeiro, ou, por outro m otivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

1.11. Tempo do crime O momento do crime corresponde àquele em que foi praticada a ação ou omissão, “ainda que outro seja o momento do resultado” (art. 4.° do Código Penal). Portanto, o momento em que o agente tenha praticado uma das condutas mencionadas no art. 231 (promover ou facilitar) será consi­ derado o tempo do crime.

1.12. Confronto com outros tipos penais assemelhados A Lei faz distinção entre o tráfico de mulheres (art. 231) e o favorecimento da prostituição (art. 228). Não obstante o primeiro também ser uma espécie de favorecimento, o que nele se pune, e com maior gravidade, é o deslocamento da mulher de um território para outro.

106

Sem estar direcionado à questão da mulher, o Código Penal brasileiro também se ocupa com um outro tipo de deslocamento de pessoas, agora em razão de aliciamento de trabalhadores para o fim de emigração, nas hipóteses em que houver sido praticado mediante fraude. É o que prevê o art. 206 do Código Penal: Art. 206. Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro: Pena — detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Esse dispositivo sofreu alteração em virtude da Lei n. 8.683/93. A redação original era a seguinte: Art. 206. Aliciar trabalhadores, para o fim de emigração. Pena — detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, de dois mil cruzeiros a vinte m il cruzeiros. Como se vê, a cominação penal permanece inalterada106. Importa ressaltar que, a depender das circunstâncias, tanto no caso do tráfico de mulheres como no de aliciamento para o fim de emigração, pode haver deslocamento para a figura típica prevista no art. 149 do Código Penal, que comina a pena de reclusão de dois a oito anos para a conduta de “reduzir alguém a condição análoga à de escra­ vo”. Para tanto, exige-se que tenha ocorrido a sujeição de uma pessoa ao domínio de outra, independentemente da existência de consenti­ mento, visto que “a situação de liberdade do homem constitui interes­ se preponderante do Estado”107. É de notar-se que o delito pertence ao Capítulo VI — Dos crimes contra a liberdade individual), do Titulo I (Dos crimes contra a pessoa), enquanto o tráfico de mulheres encon­ tra-se inserido no Titulo VI (Dos crimes contra os costumes).

106.0 fato de a redação anterior trazer o quantum da pena pecuniária não serve para considerar que houve alteração da cominação penal, visto que tal fato decorre, tão-somente, de a Lei n. 7.209/84 (que modificou a Parte Geral do Código) ter trazido novas disciplinas jurídicas para a pena de multa, dentre elas a de suprimir da Parte Especial qualquer referência ao seu valor, deixando para a Parte Geral a especificação dos critérios cominatórios. 107. JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial, cit., v. 2, p. 231.

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No que se refere ao delito de aliciamento para o fim de emigra­ ção, uma vez presentes os elementos típicos, o deslocamento de uma figura delitiva para outra não traria qualquer espécie de empecilho. O mesmo não ocorre em relação ao tráfico de mulheres. É que, em­ bora tanto o desvalor da ação quanto o desvalor do resultado sejam muito mais intensos no que se refere ao delito de redução a condição análoga à de escravo, quando comparado ao de tráfico de mulheres, a primeira conduta é punida com menos rigor. Diferente é o que ocorre com o delito de aliciamento de trabalhadores para o fim de emigra­ ção, cuja punição é bastante inferior. Outro dispositivo contido no Código Penal também deve ser objeto de análise. Trata-se do art. 245, § 2.°: Art. 245. (...) § 2.0Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação do ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro. Tendo em vista que o sujeito passivo, aqui, é pessoa menor de 18 anos, os comentários pertinentes serão elaborados no próximo capítulo, que versa especificamente sobre tráfico de menores. Resta mencionar a falta de amparo jurídico a outra espécie cada vez mais crescente de tráfico: a que se volta para a subtração de órgãos humanos. A norma que trata especialmente da remoção de órgãos, teci­ dos ou partes do corpo humano, para fins de transplante e tratamento (Lei n. 9.434/97), embora dispense todo um capítulo para sanções pe­ nais e administrativas, nenhuma referência traz sobre o assunto.

1.13. Ação penal Em todas as hipóteses, a ação penal para apurar a ocorrência do delito de tráfico de mulheres é pública incondicionada. Assim sendo, inicia-se com a denúncia a ser apresentada pelo representante do Ministério Público. A norma brasileira encontra-se, nesse particular, em consonância com os documentos internacionais, por meio dos quais aconselha-se

108

a exclusão de qualquer espécie de ônus para as vítimas, quando da averiguação de responsabilidade penal dos envolvidos, assim como quando dos processos de indenização pelos danos sofridos.

1.14. Competência Preceitua o art. 109, V, da CF, in verbis: Art. 109. Aos juizes federais compete processar e julgar : (...) V— os crimes previstos em tratado ou convenção interna­ cional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; (...) A competência, portanto, é da Justiça Federal.

2. Conexões Bilbao e Barcelona (Espanha) Uma tragédia mortal marcou o caso de S.B.F., um dos primei­ ros a despertar a atenção da opinião pública. A goiana S. tinha 25 anos em janeiro de 1996, quando viajou para Bilbao, cidade situada no norte da Espanha. Segundo a versão da família, a jovem foi víti­ ma de uma proposta falsa de trabalho e deixou o País com a promes­ sa de que ela e mais dez brasileiras trabalhariam no Clube C.P., com vencimentos estimados em dois mil dólares. Ao desembarcar no país de destino, S. percebeu que havia sido ludibriada e foi obrigada a se prostituir. Além disso, seu passaporte foi confiscado, e a ela foi atrelada uma dívida concernente aos valo­ res da viagem, de vestimentas e de alimentação. O pai de S., J.J.F., trompetista da Orquestra Municipal de Goiânia, recorda a preocupa­ ção que o acometeu antes da viagem da filha e lembra com agonia as conversas telefônicas. “Ela dizia: ‘Aqui estamos todas aprisionadas. Nós trabalhamos num clube, tomaram nossos documentos, somos obrigadas a ficar só de tanguinha, com frio. Somos forçadas a traba­ lhar como prostitutas se quisermos comer. E 35 mulheres dormem no mesmo cômodo” ’. Após quase três meses de telefonemas aflitos, S. disse aos pais que estava voltando para o Brasil. Às vésperas da

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data marcada para sua volta, entretanto, J.J.F. recebeu um telefone­ ma de um hospital de Bilbao informando que sua filha havia falecido de tuberculose. Desconfiado da versão apresentada e com a ajuda da Polícia Federal e da Interpol, o pai de S. conseguiu trazer o corpo da filha de volta para o Brasil. Segundo ele, todas as autópsias realiza­ das negaram que a moça tivesse tuberculose. Ele suspeita que a filha foi eliminada para não contar o que sabia. Os donos do clube em que S. trabalhava em Bilbao foram presos, mas soltos após pagar fiança. Bilbao foi palco de outra história. Dessa vez o caso ocorreu com a goiana M., que foi para a Espanha, em dezembro de 1995, acreditando que trabalharia como garçonete ou babá. Ela e outras duas outras moças foram convidadas por E., a mesma pessoa que intermediou a ida de S., para trabalhar numa boate, mas, mesmo as­ sim, jamais imaginou que fosse ser levada a um prostíbulo. M. disse que a boate “era um castelo lindíssimo”, mas que as meninas traba­ lhavam drogadas, bebiam muito e tinham de andar em meio às me­ sas seminuas ou mesmo nuas. “Elas tinham de fazer todo tipo de coisa, desde striptease até programas sexuais”. Ao chegar a Bilbao, elas foram submetidas ao mesmo procedimento: seus passaportes foram apreendidos e ficaram detidas em cativeiro. Assim, seriam obrigadas a se prostituir. As três brasileiras conseguiram fugir com a ajuda de outra colega. Tomaram um táxi até Madri e se dirigiram ao aeroporto, onde receberam ajuda da atendente da companhia aérea, que disse conhecer o esquema de exploração e as encaminhou para um convento. Esm eralda (nom e fictício) é outra goiana, dessa vez de Anápolis, que deixou o País para viver na Espanha. De acordo com relatos de familiares, a pressão dos aliciadores em um país de lín­ gua diferente e a necessidade de se habituar com outros costumes provocaram um processo de esgotamento nervoso que teria culmi­ nado em distúrbios mentais. Esmeralda foi abandonada na rua, sem documentos, e acabou recolhida em uma instituição para tratamen­ to de doentes mentais. Percebendo que ela era brasileira, os fun­ cionários do hospital entraram em contato com o Consulado em Barcelona. A família foi localizada e levantou dinheiro para o re­ torno de Esmeralda ao Brasil.

110

Outro caso que terminou com doença foi o de D., de Rio Verde. Com dois filhos pequenos para cuidar e desempregada, ela embar­ cou para a Espanha com o propósito de juntar dinheiro. No início, ela telefonava quase todos os dias para os parentes, mas depois ficou cerca de um ano sem dar notícia. D. havia caído nas mãos de um gigolô que a explorava. A Polícia Federal acionou a Interpol, que conseguiu sua deportação108.

3. Conexão Madri (Espanha) Como ficou consignado, a sistematização do crime de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual foi notada pela polícia a partir de 1996, graças ao desbaratamento de uma quadrilha de ali­ ciadores que, a partir do Estado de Goiás, mantinha atividades em diversos Estados brasileiros e contatos constantes com empresários espanhóis. A Justiça Federal recebeu ações penais que julgaram e condenaram os réus nos termos do art. 231 do Código Penal brasi­ leiro. A partir daí, apesar das carências estruturais que marcam o cotidiano da polícia brasileira, a repressão ao tráfico de mulheres ganhou grande visibilidade. Um possível prenúncio do que hoje se conhece por Conexão Madri, uma rede organizada que envolve dezenas de pessoas no Bra­ sil e na Espanha, foi revelado com a prisão do espanhol H.G.P. pela Polícia Federal no Aeroporto Santa Genoveva, Goiânia, em 1997, quando embarcava para Barcelona acompanhado de uma brasileira. O depoimento da mulher que acompanhava P. e de mais três mulhe­ res que estavam prestes a embarcar para o mesmo destino desmasca­ ra o esquema: promessas de ganhos de até 12 mil dólares por mês e trabalho em cassino-hotel. Na ocasião, P. disse que estava custeando as passagens emitidas pela agência de viagens S.E., em Barcelona. Ele afirmou ainda que existem centenas de mulheres brasileiras se prostituindo em cidades

108. Segundo relatos de matérias publicadas no jornal O Popular, de 4 mar. 1997, e na BBC-Brasil, de 13 set. 2000.

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da Espanha, como Madri, Sevilha e Alicante, e que, por ser taxista, transporta essas mulheres para prostíbulos. Uma das mulheres disse que já havia sido convidada para ir à cidade de Bilbao. Todas as mulheres disseram trabalhar como prostitutas em Goiânia, na boate B. Elas também afirmaram que uma prostituta goiana que vive em Barcelona indicou-as para o agenciador espanhol. Em 2000, como um desdobramento das investigações do caso apresentado, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República em Goiânia identificaram um grande esquema de tráfico de mulhe­ res para prostituição na Espanha. O esquema envolvia 11 clubes no­ turnos distribuídos por nove cidades no Estado de Goiás, além de dezenas de pessoas espalhadas por vários Estados brasileiros e na Espanha. A Polícia Federal começou a investigação após descobrir que várias mulheres com as mesmas características, ou seja, jovens, de origem humilde e profissão indefinida, embarcaram para a Espanha a partir do aeroporto de Brasília. De acordo com depoimentos de policiais, a cabeça da quadrilha é uma brasileira que age na Espanha e se apresenta com o codinome de Rebeca. Ela é apontada nas declarações de sete mulheres como a proprietária das boates espanholas. Rebeca, cujo nome verdadeiro é Z., é goiana do município de Cristalina e atualmente reside na pro­ víncia espanhola de Extremadura. As garotas que aparecem como testemunhas escaparam do es­ quema e são peças-chave no inquérito da Justiça Federal que investi­ ga as acusações de tráfico internacional de mulheres e formação de quadrilha. A identificação da líder do esquema é o ponto culminante de uma longa investigação. “Tínhamos conhecimento de uma rede que atuava levando moças de Goiás para a Espanha, mas só agora conseguimos identificar os nomes dos envolvidos e a forma como agiam”, disse o Procurador da República em Goiás, Fábio George Cruz da Nóbrega. O esquema utilizado pela quadrilha para exportar as mulheres envolvia uma operação intrincada, com vários desdobramentos. Os aliciadores procuravam em bordéis e boates de Goiás prostitutas que queriam deixar o Brasil com a promessa de ganhar mais dinheiro

112

atuando na Europa. Cada aliciador recebia 600 reais por mulher re­ crutada. Assim que as mulheres fossem arrebanhadas, Rebeca man­ dava o dinheiro necessário para a aquisição das passagens aéreas em agências de turismo articuladas com o esquema. Ela mandava mais 800 dólares para que as moças burlassem a imigração espanhola, ingressando no país como turistas. Ao contrário dos outros casos, a maioria das mulheres viajava sabendo que seriam prostitutas. Apesar disso, algumas permane­ ciam em cárcere privado e assumiam dívidas pelas passagens. Essa informação pode ser verificada nos copiosos depoimentos arrola­ dos pelos processos em curso e é ratificada pelo Procurador da República Fábio George Cruz da Nóbrega. Responsável pela ela­ boração das denúncias contra os aliciadores, além de reforçar esse dado, ele afirma que muitas mulheres realizavam a rota BrasilEspanha até três vezes em um ano, cumprindo essa jornada volun­ tariamente. Ainda conforme as autoridades envolvidas, em uma estimativa pouco empírica, atualmente, conclui-se que de cada dez mulheres trasladadas apenas uma é ludibriada com promessas de emprego idôneo. É preciso deixar claro, entretanto, que esse fato não atenua em nada a gravidade do problema, pois a legislação brasileira é clara e repreende o envio ao exterior de mulheres com fins de exploração. De fato, não é adequado, na atual conjuntura internacional, abordar o problema do tráfico de pessoas a partir do julgamento moral das mulheres que são vítimas de exploração, com ou sem seu consentimento. As investigações sobre a Conexão Madri tiveram início em ja ­ neiro de 2000, com a prisão do corretor de imóveis T.H.S., de 33 anos de idade. Ele foi flagrado tentando embarcar duas mulheres no aeroporto de Goiânia. S. denunciou parte do esquema, mas somente no curso daquele ano a polícia identificou os nomes dos outros en­ volvidos. O corretor, acusado de aliciar as mulheres e dar orienta­ ções antes do embarque, ficou detido no Centro de Prisão Provisória em Goiânia. Ele foi condenado a 6 anos e 9 meses de prisão em regime fechado por exploração da prostituição. A pena ainda poderia aumentar, pois ele aguardava julgamento no processo por formação de quadrilha.

113

Em fevereiro do mesmo ano, cinco pessoas foram presas no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro: J.C.S., J.S.S., R.M.C., além de duas meninas. Em abril, duas mulheres, de aproximadamen­ te 25 anos, foram impedidas de embarcar para a Espanha no Aero­ porto de Brasília. Elas vinham de Tocantins. No mesmo mês, outras três moças conseguiram embarcar. A.A. foi detido quando tentava embarcar cinco mulheres goianas no Aeroporto de Brasília. Para não despertar suspeitas, ambas possuíam passagens para Paris, de onde seguiriam para Madri. Também foi detida G.M.G., que acompanha­ va duas mulheres, no aeroporto de Goiânia, que embarcariam para Paris e de lá para Oviedo, na Espanha. As passagens aéreas foram compradas em duas agências de tu­ rismo: a Z. Turismo, em Vitória (ES), e a T., em Governador Valadares (MG). A polícia investigava ainda a participação de outras pessoas no esquema. “Hoje, sabe-se do envolvimento da irmã de Rebeca, que agia com o pseudônimo de Bárbara”, disse o Delegado da Polí­ cia Federal Francisco Moura Velho, que presidia as investigações. Rebeca, Bárbara e um espanhol, conhecido apenas como M. ou P., também foram denunciados no inquérito. A Polícia Federal, por intermédio do Departamento de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras (DPMAF), empregou 20 agentes em um trabalho de três meses para descobrir a rede de 21 pessoas em vários Estados brasileiros. Sabe-se que pelo menos 25 pessoas fazem parte do grupo, que compreenderia três diferentes quadrilhas, formadas por cafetões, aliciadores, doleiros e agências de turismo. As irmãs Z.B., a Rebeca, e Z.B., a Bárbara, chefes da quadrilha, comandavam as atividades ilícitas de Madri, na Espanha. Estima-se que, em um ano, mais de 100 jovens se prostituíram nos dez estabe­ lecimentos de propriedade das duas. M.C. e M.B. atuavam como aliciadoras no Brasil e estavam foragidas. Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal, por enquanto, são os Estados onde os aliciadores atuavam. Em Brasília, o falso advogado, G.F.J., e os doleiros M.A.D. e F.M., que atuavam numa casa de câmbio clandestina, no Hotel R., no

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setor hoteleiro sul, foram presos. G. usava, ainda, uma carteira de policial civil falsa e era informante da quadrilha. Ele foi detido ao apanhar dólares no hotel e repassá-los às mulheres que iriam viajar. Em Dourados, Mato Grosso do Sul, a polícia prendeu M.A.R., L.B. e M.B. como sendo aliciadores pertencentes à conexão M adri109. No Espírito Santo, sete pessoas foram presas e acusadas de in­ tegrar a Conexão Madri. O aliciador recebia até mil reais por pessoa enviada para a Espanha. A quadrilha contaria com o apoio de uma agência de turismo localizada no Centro de Vitória, a Z. Turismo. Nessa cidade, a Polícia Federal prendeu M.Z.V., E.V., F.G. e S.V., todos da Z. Turismo, além de L.S.A., a Luna, B.P., a Neusa, e N.B. M.O.C., também acusada pela Polícia Federal de aliciamento, estava foragida. Além dos presos, a Polícia Federal apreendeu na Z. Turis­ mo cópias de passagens, relações de passageiros, agendas e um com­ putador, que terá seus arquivos analisados por técnicos. Segundo Walace Pontes, da DPMAF do Espírito Santo, as investigações co­ meçaram no Estado há um ano, após a mãe de uma das vítimas da quadrilha denunciar que a filha era mantida em cárcere privado em Madri, na Espanha. “Segundo informações da mãe, a moça viajou para trabalhar como cozinheira. Lá chegando, foi recepcionada pela dona de uma das casas de prostituição. Como ela se recusava a parti­ cipar do esquema, foi coagida pela mulher a pagar o dinheiro inves­ tido nela”, disse o Delegado. “Como ela não tinha dinheiro para retomar, apesar de estar livre até para ligar para casa, podemos con­ siderar isso como um tipo de cárcere privado. A pessoa não conhece o país, a língua e não tem dinheiro para se manter.” Depois da denún­ cia da mãe, segundo o Delegado, a dona da casa de prostituição identificada como Z.B., a Rebeca, liberou a moça, pagando a passa­ gem de volta para ela. Ainda em 2000, a Procuradoria de Justiça recebeu a oficialização das identidades e protocolou o pedido de extradição da quadrilha na Embaixada do Brasil na Espanha. Segundo a embaixada, Rebeca já

109. Conforme matérias publicadas nos jornais Correio B raziliensee Jornal do Brasil, ambos de 11 jul. 2001, e no jornal O Popular, de 20 jun. 1997.

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responde a processos na Espanha por tráfico de drogas, exploração da prostituição, apropriação indébita e falsidade documental. Ela chegou a ser presa pela polícia espanhola no final de 2000, mas aca­ bou sendo liberada. Em março de 2001, duas brasileiras, K.C.S., de 29 anos, e C.M.S., de 32, foram presas na Espanha por tráfico de mulheres. O Ministério da Justiça aguardava a extradição das duas, já condenadas pela segunda Vara Criminal do Rio de Janeiro. A maior dificuldade alegada pelas autoridades é o fato de a legislação espa­ nhola não considerar a exploração sexual como crime. O lenocínio só é considerado delito quando existe coação ou quando há explora­ ção de crianças e adolescentes. De qualquer forma, o trabalho conjunto com a Polícia Federal ajudou os espanhóis a identificar a rede que envia mulheres brasilei­ ras para prostíbulos em Cáceres, Almendralejo e Montijo, na provín­ cia de Extremadura110.

4. Conexão Israel Em novembro de 1998, veio à tona um dos casos de tráfico de mulheres com mais repercussão na mídia brasileira. A exemplo do desfecho do ocorrido com S., morta durante sua estada em Bilbao, Espanha, uma trágica morte marcou a passagem de oito brasileiras trasladadas para Israel, com fim de exploração sexual, no começo daquele ano. Segundo relatos da polícia, a carioca K.F.M., de 26 anos de idade, teria sido morta pelos aliciadores durante uma tentati­ va de fuga de um dos prostíbulos, após ter escrito para parentes no Brasil delatando a situação a que ela e as outras brasileiras estavam sendo submetidas. Ela morreu depois de ser encontrada em coma, em 17 de outubro, em uma rua de Tel-Aviv. Vítimas de uma rede de prostituição provavelmente de origem russa, nove brasileiras, com idades variando entre 19 e 34 anos, via­ jaram ao Oriente Médio pretensamente para trabalhar como garço-

110.

2001

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Conforme matéria publicada no jom al A Gazeta de Vitória, de 11 jul.

netes no comércio de Tel-Aviv. A expectativa inicial, entretanto, não se confirmou, e elas se viram obrigadas à prostituição, permanecen­ do em cárcere privado, sob pressão e ameaça de morte. Os relatos das vítimas estarreceram a opinião pública. “Fui enganada e vivi os piores momentos da minha vida”, con­ tou K., que foi convidada por R., identificada pela polícia israelense como uma das aliciadoras de dupla cidadania, para ganhar 1,5 mil dólares como garçonete. “Foi um horror lá. Só podíamos sair na com­ panhia de seguranças.” A.L.F., de 34 anos, afirmou que era ameaçada pelos chefões da rede quando não atendia 15 clientes por noite. “Eles diziam que não sairíamos vivas de lá.” Ana afirmou que as ameaças aumentaram depois do assassinato de K.F.M. “Eles ficaram apavora­ dos com a repercussão do caso.” Segundo as mulheres, os chefes da organização criminosa ameaçaram cortar suas pemas e matar suas famílias no Brasil, caso tentassem fugir ou chamassem a polícia. Como citado acima, o tráfico das nove brasileiras para Israel pode ter contado com a participação decisiva da máfia russa, aventou à época o então Ministro da Justiça Renan Calheiros. Segundo le­ vantamentos preliminares do Govemo, o aliciamento, até 1997, era feito em grande escala em Goiás e em pequena proporção no Rio de Janeiro. Diante da repercussão ocorrida por causa da morte em Bilbao, na Espanha, de S.B.F., os aliciadores passaram a trabalhar só no Rio e mais tarde estenderam suas atividades ao Nordeste. Ainda em 1998, S.C.B.V. foi presa em Fortaleza, Ceará, acusada de aliciar mulheres para o mercado sexual israelense. No momento da prisão, foram en­ contrados em seu apartamento passaportes de várias vítimas poten­ ciais. “Ela era do Rio e estava há pouco tempo no Ceará”, disse o Ministro Calheiros. Para o Govemo, existe muita semelhança entre os meios usados pelos aliciadores que estavam levando mulheres para Israel e o grupo que atuava no tráfico na Espanha. Os métodos tam­ bém coincidem com os da máfia russa, que tem ramificação em TelAviv. S. poderia pertencer a esse grupo, já que, em pouco tempo, viajou duas vezes para a capital israelense, onde teria um noivo que é segurança da Boate P. Lá, foram encontradas brasileiras em situa­ ção de prostituição.

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5. Conexão Suíça Durante o ano de 1997, repercutiu na imprensa brasileira a des­ coberta de uma rede de tráfico de mulheres do País para a Suíça. Mesmo após a denúncia de trabalho escravo de mulheres brasileiras e da morte de uma goiana em circunstâncias obscuras, o tráfico con­ tinuou intenso. Em Colônia, na Alemanha, a fachada de uma agência de casa­ mentos esconde uma estrutura para oferecer brasileiras a alemães e suíços. Num mailing distribuído aleatoriamente pela agência B.E. para empresas e pessoas, consta a frase: “Esta é a chave para realizar hoje o sonho de sua vida”. O anúncio garante: “Sua Hotline-Help pessoal garante para o senhor a sua brasileira”. Quem se interessa pelo anúncio pode solicitar uma fita de vídeo na qual as mulheres se apresentam numa casa com piscina, vestindo apenas biquínis. Se­ gundo a jornalista Cejana de Aquino, “trata-se praticamente de uma venda de mulheres por catálogo e vídeo”. A agência é de propriedade do alemão N.K., casado com uma pernambucana. Ele é também o narrador da fita de vídeo na qual diz que “no Brasil, para cada homem existem de 7 a 12 mulheres. Os homens que estão à disposição nem sempre são fiéis. Esse é o princi­ pal motivo por que as brasileiras procuram um marido no estrangei­ ro”. O alemão vai ainda mais longe ao sugerir que as mulheres brasi­ leiras preferem homens mais maduros, com até 20 anos de diferença. Diante dessa denúncia, o Deputado Federal Pedro Wilson, exVice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, solicitou providência contra a exploração de mulheres aos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores e às embaixadas brasileiras e suíças. À época, o Deputado disse que ficou particular­ mente alarmado com o caso de uma goiana, identificada como D., que se casou com um suíço chamado R., que conhecera num prostí­ bulo de luxo em que trabalhava, no Rio de Janeiro, e viajou para a Suíça, deixando família, inclusive um filho pequeno. Ainda segundo Pedro Wilson, o suíço lhe prometeu uma vida boa, moradia numa casa bonita e confortável e, depois de um período de adaptação, levar

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o filho. Chegando lá, a realidade foi bem diversa. Ele a humilhava e a mantinha em cativeiro doméstico. Ela foi sujeita a todo tipo de exposição sexual, sendo induzida a se prostituir em um clube de Zurique. A legislação suíça estabelece que a prostituição só constitui cri­ me se praticada por estrangeiras. A iniciativa do alemão, portanto, estava dentro da mais perfeita legalidade. O Dossiê Suíça, elaborado pelo Centro de Informações para Mulheres da África, Ásia e Améri­ ca Latina na Suíça (FIZ) e pelo Centro Humanitário de Apoio à Mu­ lher (CHAME), esclarece que cidadãos e cidadãs dos países do Ter­ ceiro Mundo não têm permissão ou direito a visto de trabalho na Suíça. Exceto em relação aos chamados “vistos de artistas”, conce­ didos a mulheres, que permitem o trabalho como dançarinas de striptease em boates ou cabarés. Segundo informações contidas no documento, uma dançarina ganha por noite, se vender bastante cham­ panhe, em tomo de 150 francos suíços. Revela o dossiê: “Como a maioria já se endividou consideravelmente no Brasil com o agente que paga a passagem e cobra os contratos feitos para obter o visto, e quer mandar dinheiro para a família, não há outra saída a não ser a prostituição”. O dossiê informa ainda uma outra modalidade de trá­ fico. Nesse caso, a exploração acontece de maneira mais velada, mas caracteriza igualmente o desrespeito ao tipo penal. As mulheres via­ jam para a Suíça como turistas e procuram, nos três meses de visto, arranjar um casamento com cônjuge local, bem como se estabelecer no mercado de trabalho. Diante das dificuldades, a maioria acaba no comércio do sexo e se expõe à violência dos clientes e ao risco cons­ tante de expulsão pela polícia. Uma tática dos suíços que vêm ao Brasil em férias é propor casamento a uma brasileira, levá-la consi­ go e se aproveitar sexualmente dela nos três meses de vigência do visto. Findo esse período, eles afirmam ter mudado de idéia sobre o casamento e as mandam de volta para o Brasil. Essa é a atitude que as agências chamam de “uma mulher como souvenir”111.

111. Conforme matéria do jom al O Popular, de 3 abr. 1997.

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6. Conexão Londres (Inglaterra) No início do ano 2000, a revista IstoE publicou uma reporta­ gem que flagrava a presença de um esquema de estelionato e tráfico internacional de brasileiras. Na época da denúncia, mais de 200 mu­ lheres, entre 18 e 40 anos, tinham sido mandadas para o exterior, segundo a reportagem, “embaladas por sonhos de trabalhar pouco, ganhar bem e ainda por cima estudar outro idioma e fazer turismo”. Conforme apurado pela revista, o ex-executivo defranchising M.C.C. montou, em Jundiaí, interior do Estado de São Paulo, a M.B., “espe­ cializada em exportar mão-de-obra ilegalmente”. Pelo esquema, o empresário cobrava entre 700 e mil reais de pessoas ávidas por tentar a vida no estrangeiro. “Por essa quantia, as candidatas receberiam propostas de trabalho intermediadas pela M.B. A maioria das vagas ‘oferecidas’ é como Au-Pair, uma espécie de babá que também se encarrega de pequenos afazeres domésticos”. As jornalistas infor­ mavam, no entanto, que logo ao chegar ao país de destino, as ilusões de um bom emprego ruíam: “Os cursos e as viagens de lazer prome­ tidos foram substituídos por trabalhos domésticos sem folga e em regime quase escravocrata. Muitas tomaram-se reféns das famílias que as ‘adotaram’, tiveram seus passaportes retidos, viveram situa­ ção de clandestinidade e até de cárcere privado. Várias, sem ter a quem recorrer, caíram no tráfico ou na prostituição”. O sucesso e a desenvoltura de M., que abriu franquias em vá­ rios Estados, chamaram a atenção da polícia, que, após a denúncia de quatro mulheres vitimadas pela fraude, decidiu dar curso à inves­ tigação por meio do Delegado de Polícia Paulo Sérgio Martins, titu­ lar do 1.° Distrito Policial de Jundiaí. Segundo consta da queixa, M. teria embolsado um valor corres­ pondente a 3.160 reais em troca da promessa de empregos e estudos no exterior. As quatro mulheres que deram a “queixa”, uma agrônoma, uma professora, uma encarregada de costura e uma encarregada de departamento pessoal, entregaram ao Delegado um dossiê com uma lista de mais de 50 mulheres que também teriam sido vítimas da M.B. Consta, inclusive, que a empresa já estava sendo investigada na cidade de Campinas pela Polícia Federal. Nesse caso, a denúncia de

120

tráfico de brasileiras relacionava a M.B. com o U.N. Centre, cujo proprietário, S.B., era representante de M. em Londres. As vítimas do esquema, entrevistadas pela reportagem da re­ vista, em geral não falavam inglês, não tinham dinheiro e trabalha­ vam ilegalmente. A., administradora de empresas paulista, de 33 anos, estava na Inglaterra há um ano. Ela chegou a Londres para trabalhar como dama de companhia de uma senhora de 70 anos. “Os dias fo­ ram passando e, todas as vezes em que tocava no assunto do estudo, a família dizia para esperar.” Enquanto isso, sua jornada de trabalho crescia assustadoramente. No início trabalhava das 10 às 19 horas e recebia 75 libras. Depois, a jornada se estendeu até a madrugada, por 90 libras. “Virei uma doméstica na prisão.” Outra mulher, moradora de um bairro de São Paulo, gastou todas as suas economias com computador, inscrição, passagens aéreas e um guarda-roupa de in­ verno para viajar. Ela chegou a Londres com uma carta do U.L. Centre, enviada a ela por fax, dias antes do embarque. A carta a apresentava como enfermeira e aluna do curso de inglês que, segundo depoimen/ tos ouvidos por IstoE, sequer existia. Para poder freqüentar a escola, a M.B. garantiu que ela só trabalharia quatro horas por dia. “M. me mandou mentir para conseguir o visto. Na Imigração eles me pedi­ ram o recibo do curso e, como não tinha, recebi um visto de apenas 15 dias”, disse a paulistana. Essa prática tomou-se tão freqüente que despertou a atenção dos ingleses, que passaram a barrar muitas mu­ lheres no aeroporto. Com medo da clandestinidade, ela resolveu vol­ tar com a roupa do corpo. “A família não entregou minha mala nem me pagou pelos serviços prestados.” Outra brasileira embarcou para a Inglaterra em setembro de 1999, confiante de que uma família a aguardava no aeroporto. Quando desembarcou, não havia ninguém à sua espera. “Passei fome, frio e fiquei uma noite inteira na ma. (...) Fui trabalhar com uma jamaicana e me transformei numa escrava branca prisioneira.” Ela combinou trabalhar como babá de duas cri­ anças por 80 libras por semana, mas acabou sendo mantida em cár­ cere privado. ‘Todo dia ela saía para trabalhar e me deixava trancada, levava a chave.” A jamaicana foi mais longe: criou um esquema ex­ tra para S., de modo que ela trabalhava de dia e de noite. “De dia eu cuidava dos filhos dela e à noite ela me mandava para a casa de uma

121

amiga onde eu cuidava de quatro crianças.” Uma secretária de um consultório de Londrina, Paraná, pediu demissão e embarcou para Londres com mais duas amigas, no fim de 1999. “A M.B. nos orien­ tou a dizer que éramos estudantes. Além disso, a empresa nos entre­ gou uma carta enganosa comprovando estada em uma pousada e um falso comprovante de matrícula num curso de idiomas”, contou. A Imigração desconfiou, e o martírio começou ali. ‘Tomaram os nos­ sos passaportes e ficamos presas na Imigração durante 13 horas. Só não fomos deportadas na mesma hora porque não havia vôo para o Brasil.” Uma gaúcha, professora de inglês, “caiu na escravidão disfarçada de intercâmbio cultural”, como disse seu pai. Em setem­ bro do ano passado, ela embarcou para Pembroke Pines, cidade ame­ ricana no sul da Flórida, para cuidar de uma criança. “Eu tinha que fazer faxina na casa inteira e ainda acordar de madrugada para dar a mamadeira para o bebê”, conta a gaúcha, que está morando nos Es­ tados Unidos, com um namorado americano112.

7. Rotas e mapa do tráfico no Brasil: regiões de origem; regiões e países de destino No estado atual do conhecimento que obtivemos sobre o tráfi­ co, levando-se em conta a precariedade dos dados disponíveis, qual­ quer tentativa de estabelecer rotas do tráfico é, no mínimo, temerá­ ria. De qualquer forma, juntando um pouco dos pedaços e com o risco de cometer equívocos, algumas rotas do tráfico de mulheres e crianças podem ser identificadas. Eis aqui algumas informações prestadas pelos Estados e que podem ilustrar um pouco mais o quadro da situação brasileira. A Polícia Civil de Santa Catarina informou que foram abertos 70 in­ quéritos para apurar crimes relacionados ao tráfico, entre 1999 e 2001. Desse total, 10 foram sobre tráfico de crianças, 11 sobre tráfico de mulheres, 35 sobre prostituição e 14 sobre prostituição infantil.

112. Conforme matéria das jornalistas Luísa Alcaide e Madi Rodrigues, / publicada na Revista IstoE, de 1.° mar. 2000.

122

Dados da Polícia Federal de Goiás apontam a abertura de in­ quéritos para investigar o crime de tráfico de mulheres, distribuídos da seguinte forma: 1997, um; 1998, três; 1999, dois; 2000, 10; e 2001, nove, o que perfaz um total de 25 inquéritos em quatro anos. A Polícia Civil de Goiás informou que foram abertos, entre 1997 e 2001, 265 inquéritos sobre crimes contra os costumes, distribuídos da seguinte forma: 227 sobre corrupção de menores, 37 sobre favorecimento da prostituição e um sobre tráfico de mulheres. A Delegacia de Defesa da Mulher de Roraima informou que fo­ ram identificadas 270 mulheres trabalhando em 52 casas noturnas de Boa Vista e oito de Pacaraima. Essas mulheres seriam provenientes de São Paulo, Pará e Amazonas e chegariam a Roraima por conta de uma rede de tráfico de mulheres. Essa rede de tráfico providenciaria docu­ mentos falsos para as mulheres em Manaus (AM). As mulheres se­ riam ludibriadas com promessas de casamento com “gringos milioná­ rios”. Seu destino final, contudo, não seria necessariamente a cidade de Boa Vista, pois dali elas seguiriam para a Guiana Inglesa, Suriname, Guiana Francesa e, por fim, Europa. Em outra rota, as mulheres se­ riam deslocadas para Santa Helena do Uairén, Puerto La Cruz e Ilha de Margarita, na Venezuela; ou, ainda, República Dominicana e de­ pois Espanha. Segundo a mesma fonte, 20 meninas teriam feito esse percurso em 1999. No ano 2000, foram 57 meninas. O Conselho Tutelar de Boa Vista informou que foram identifi­ cados 30 casos de exploração sexual de crianças em 2000 e, apenas entre janeiro e abril de 2001, esses casos já seriam em número de 12. Para o Conselho Tutelar, uma rede de agenciadores atua na região emitindo documentos falsos para as meninas trabalharem nas boates e bordéis da cidade. As meninas mais bonitas da cidade seriam traficadas para Puerto La Cruz, onde há boates gerenciadas por um brasileiro, um alemão e um espanhol. O preço de cada menina traficada varia de mil a 5 mil dólares. Tanto as mulheres quanto as meninas têm dívidas com os agenciadores ou com os donos das ca­ sas de exploração sexual. Os dados existentes e disponibilizados pela Polícia Federal permi­ tem ter apenas uma vaga idéia da dimensão do problema. Mesmo assim, é notável a existência de um total de 117 inquéritos em andamento refe­ rentes a crimes de tráfico, como é possível ver no quadro a seguir:

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Inquéritos policiais. Violações de Direitos Humanos. 1999 a setembro de 2001

ÊB Tráfico de mulheres



Tortura



Cárcere privado

Tráfico de crianças

YA Trabalho escravo

0

Ameaça



Exploração infantil



0

Lesão corporal



Pedofilia

□□ Homicídio

DQI Contra org. trabalho



Prostituição infantil





Racismo

Seqüestro

Assédio sexual

Fonte: SINPRO/DPF. Total de inquéritos policiais: 2.046.

Por isso a importância de um levantamento adicional, realizado por meio da imprensa nacional. Entre 1994 e 2000, foram localiza­ das 92 notícias relativas ao tráfico de mulheres e crianças, explora­ ção sexual e prostituição infantil, pedofilia e pornografia infantil, trabalho infantil, abuso sexual, rapto e estupro de crianças, desapare­ cimento de crianças, turismo sexual e leilão de virgens. Em 1994, foram 5 notícias; em 1995,12; em 1996,10; em 1997,13; em 1998, 16; em 1999, 12; em 2000 foram 22, e mais 2 matérias sele­ cionadas referentes ao ano 2001. As notícias estão assim distribuídas: Símbolos

Tipos

Números



Tráfico de mulheres

14

O

Tráfico de crianças

10

SC

Exploração sexual, prostituição de crianças

39

Pedofilia e pornografia infantil

10

124

1

4 r

Abuso sexual de crianças

9



Trabalho infantil

7

0)

Desaparecimento de crianças

6

0

Cárcere privado de mulheres

4

*

Abuso sexual e estupro de crianças

3

Turismo sexual

2

*

Exploração sexual, prostituição de mulheres

2

*

Abuso sexual e rapto de crianças

1

Leilão de virgens

1

V

71

Fonte: Jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde.

Seguindo as informações existentes em projetos de pesquisa em andamento em quatro grandes regiões geográficas do Brasil, co­ ordenados pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crian­ ças e Adolescentes (CECRLA), e as notícias da imprensa nacional (vide tabela no Apêndice), temos o seguinte mapa: Distribuição das violações, segundo noticias publicadas na imprensa nacional (1994-2000)

A exploração sexual de mulheres e meninas está disseminada por todo o País. A exploração sexual fornece a base de sustentação logística e simbólica do agenciamento de mulheres e crianças para o tráfico. A exploração sexual oferece o ambiente propício para a in­ serção no mundo da ilegalidade, da falsificação de documentos, da corrupção de policiais e da sujeição de pessoas. O turismo sexual parece ser mais comum nas cidades litorâneas — Rio de Janeiro e Vitória — , mas principalmente no Nordeste, a começar pela Bahia. Da Bahia, muitas mulheres acabaram exploradas sexualmente na Suíça e na Alemanha. No Norte, existe uma forte vinculação do trá­ fico de mulheres com o de drogas, característica que pode se repetir em outras regiões do Brasil. No Pará, as mulheres são traficadas atra­ vés do Suriname. Aquelas com melhor aparência são enviadas para a Europa, e as restantes permanecem no Suriname. Em Roraima, mulheres e meninas provenientes de Manaus e de Belém são traficadas para a Venezuela, Guianas e Suriname, de onde partem para a República Dominicana e Espanha. Em Minas Gerais, principalmente na região de Montes Claros, há a exploração sexual de meninas, e de Governador Valadares partem mulheres para a Espanha. Segundo suspeita a Polícia Federal, também para os Esta­ dos Unidos. Em São Paulo e no Rio de Janeiro chegam mulheres de várias regiões do País, principalmente provenientes do Nordeste e de Goiás. De São Paulo partem mulheres para a Inglaterra e também para os Estados Unidos. Do Rio de Janeiro partem mulheres para Israel. Em Mato Grosso, há o turismo sexual inclusive com a explo­ ração de crianças e adolescentes. Das regiões Nordeste e CentroOeste parte a maioria das brasileiras que se destina a países euro­ peus. De Goiânia, de Vitória e de Governador Valadares partem mulheres com destino à Espanha. De Santa Catarina e do Paraná, mulheres são traficadas para o Paraguai. É possível encontrar um grande fluxo de mulheres e crianças de Santa Catarina para o Rio Grande do Sul. No Sul parece haver movimentação de mulheres e crianças entre Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai113.

113. BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Parlam entar de Inquérito D estinada a Apurar Responsabilidade pela Exploração e Prostituição Infanto-

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8. Perfil das vítimas e causas do tráfico O que leva uma mulher a deixar o Brasil para tentar a sorte no exterior? Analisando as esparsas informações existentes sobre tráfi­ co de mulheres que obtivemos, é possível esboçar um perfil das víti­ mas. Em geral, são provenientes das camadas mais pauperizadas da população, as mesmas pessoas que podem ser vítimas da exploração sexual. As mulheres, em geral, têm baixo grau de escolarização e passam por dificuldades de ordem financeira. Muitas vezes já estão engajadas no sexo comercial. Mas há relatos de mulheres com perfis completamente diferentes: mulheres com formação em nível médio para cima, com trajetória de emprego anterior e, muitas vezes, com expectativa de retomo breve ao Brasil, acabando nas mãos de qua­ drilhas internacionais. De qualquer forma, é preciso ter em mente que o fato de muitas mulheres já exercerem a prostituição e busca­ rem melhores oportunidades nos países ricos não minimiza a gravi­ dade do delito. Para Roberto Monte, Presidente do Conselho Estadual de Direi­ tos Humanos do Rio Grande do Norte e membro da Rede de Direitos Humanos e Cultura (DHnet), “estão se reproduzindo no exterior as coisas que já aconteciam aqui, de meninas sendo levadas do interior para os grandes centros urbanos”. A situação do País, analisa Monte,

Juvenil. Relatório fin a l — Síntese. Presidente: Marilu Guimarães; Primeiro VicePresidente: Robson Tuma; Segundo Vice-Presidente: Benedita da Silva; Relator: Moroni Torgan. Brasília, 1995; BRASIL. Ministério da Justiça. Polícia Federal. Relatório anual de prestação de contas da polícia federal. Brasília, 2000; CENTRO DE ARTICULAÇÃO DE POPULAÇÕES MARGINALIZADAS, CEAP. Tráfico de mulheres é crime. Um sonho, um passaporte, um pesadelo, cit., p. 50; CENTRO DE REFERÊNCIA, ESTUDOS E AÇÕES SOBRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, CECRIA. Exploração sexual comercial de meninos, meninas e de adolescen­ tes na Am érica Latina e Caribe. Brasília, 2000; CENTRO DE REFERÊNCIA, ES­ TUDOS E AÇÕES SOBRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES, CECRIA. Projeto de pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e adolescentes para fin s de explora­ ção sexual no Brasil. Brasília. 2001; CENTRO HUMANITÁRIO DE APOIO À MULHER, CHAME. O que é que a Bahia tem. O outro lado do turismo em Salva­ dor. Salvador, 1998; e levantamento das notícias sobre tráfico de mulheres e crian­ ças publicadas na imprensa nacional entre 1994 e 2000.

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é possível que estimule as pessoas a procurar alternativas de ganhos aparentemente mais fáceis no exterior. ‘Tem muita gente querendo entrar para a prostituição. E essas pessoas são pelo menos alfabetiza­ das. Isso é quase servidão voluntária”, afirma. “Existe uma crise so­ cial aparente. E a face barra-pesada do País, que não cresce, não dá perspectivas.” Roberto Monte percebe um aumento no fluxo do tu­ rismo sexual, em especial no Nordeste, onde tem aumentado a che­ gada de vôos charter provenientes da Europa. “Parece uma indús­ tria”, afirma. “Se a gente não pegar essas rotas, não vai entender. Falam em Israel, Espanha, as pistas já existem. E eu acho que tem muito mais doideira por trás disso do que se pode imaginar, como drogas ou tráfico de órgãos”, especula114. É senso comum que o tráfico de mulheres no Brasil intensificou-se nos últimos anos devido às dificuldades econômicas do Bra­ sil. As altas taxas de desemprego e a absoluta falta de oportunidades estão forçando as mulheres e adolescentes a entrarem na prostitui­ ção. Mas as mulheres e as crianças compõem os grupos sociais mais fragilizados e mais vulneráveis a todo tipo de exploração. Sofrem as mazelas da violência doméstica e da exploração do trabalho domés­ tico não-remunerado. Os indicadores sociais, como já foi indicado, demonstram que as mulheres são inferiorizadas no mercado de tra­ balho e no salário, não obstante estarem mais presentes do que nunca nesse mesmo mercado e de representarem um terço dos chefes de família no Brasil. Sofrem ainda com a discriminação no acesso aos serviços públicos. Quando necessitam da intervenção da polícia, con­ tinuam sendo tratadas com desrespeito e, de vítimas, muitas vezes terminam sendo vistas como culpadas ou coniventes com a violação que sofreram! O Deputado Federal Marcos Rolim (PT/RS), membro da Co­ missão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, faz menção à brutal desigualdade social brasileira. “Estamos diante de proble­ mas complexos que não podem ser reduzidos a uma causa definida. A desigualdade social tensiona a realidade social de uma forma

114. Entrevista concedida à Revista do Terceiro Setor, em 2 ago. 2001.

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insuportável, pois as pessoas sentem que na origem do problema há uma grande injustiça. Essa situação enseja uma série de comporta­ mentos delituosos cujo objetivo é suprir, para esses cidadãos, algu­ mas condições que lhe foram negadas. E para alcançar isso, lança-se mão da transgressão da lei e da ordem.” O Deputado vai além: “A sexualidade se transformou em mercadoria. Isso é incentivado pelos meios de comunicação social, que criam uma demanda de sexuali­ dade exacerbada, além de outras causas concorrentes”. Seu colega de Câmara, Nilmário Miranda, complementa: “Ainda hoje existe tra­ balho ilegal, com os trabalhadores deixando suas raízes e suas famí­ lias em troca de uma vã oportunidade. O acesso às oportunidades é muito difícil no Brasil. O tráfico, portanto, às vezes, é consentido: quantas famílias não colocam meninos e meninas para se prostituí­ rem e trazer dinheiro para casa? Quantas famílias não roubam a in­ fância das crianças, sendo obrigadas a constrangê-las a trabalhar precocemente? O tráfico é uma coisa a mais. De uma certa maneira, é fácil analisar isso. Haverá sempre pessoas interessadas em fazer o trabalho sujo. Nós temos que fazer cumprir as leis. Por trás do tráfico há a leniência, a conivência, a cumplicidade ou a participação de políticos, autoridades, policiais, agentes alfandegários. Há toda uma cadeia de comprometimento de setores vinculados ao Estado para proteger essa atividade”. Em resumo, há dois perfis de mulheres traficadas: o da mulher que viaja à procura de um emprego com bom salário, mas que na verdade é enganada, pois o objetivo real da viagem é a exploração; e o da mulher que já estava inserida na prostituição antes mesmo de fazer a viagem ao exterior.

9. Formas de recrutamento e aliciamen to O recrutamento e o aliciamento acontecem das maneiras mais diversas. Uma carta, um bilhete, um anúncio, um e-mail podem ser o começo de uma longa jornada de explorações. O caso que se segue é representativo. Em 1997, uma menina de 16 anos recebe uma carta que fala de um homem que a escolheu para ser sua noiva. Ela recebe um passaporte e viaja para a Europa, onde

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pensa que vai se casar e alcançar a felicidade. Mas, de acordo com Joselina da Silva, do Centro de Articulação de Populações Margina­ lizadas (CEAP), a garota toma-se uma das muitas mulheres que per­ dem sua liberdade para o negócio milionário do tráfico de pessoas. As mulheres perdem o direito à livre escolha, não podendo decidir com quem se casar e onde ou quando trabalhar, direitos estes que deveriam ser garantidos pelo Estado. Exatamente por isso, as mulhe­ res tomam-se vulneráveis às investidas dos traficantes. A ativista diz que a maioria das mulheres não conhece os riscos a que estão se submetendo ao responder cartas como essas. Em outros casos, uma mulher trabalha como empregada para uma família rica, viaja com ela e chega a um país sem a permissão para trabalhar, tomando-se, dessa forma, escrava. Em outros, ainda, é o casamento com cidadão estrangeiro que muitas vezes se transforma em uma das situações mais perversas de exploração da mulher. De acordo com Malu de Carvalho, Coordenadora do Programa de Mulhe­ res do CEAP, um estudo da Frauen Informations Zentrum (FIZ), asso­ ciação suíça especializada no combate à exploração de mulheres es­ trangeiras, com sede em Zurique, “verifica-se que cerca de 70% das mulheres que pedem apoio da organização são casadas com cidadãos suíços; 15% são dançarinas com passaporte suíço, o que significa que são ou já foram casadas com cidadãos suíços; e 15% compõem-se de dançarinas com o chamado ‘visto de artista’, permissão de trabalhar em casas de espetáculos noturnos válida por oito meses em cada ano”. A Coordenadora afirma que, na maioria das vezes, os casamentos fra­ cassam e, quando são bem-sucedidos, embora se esforcem nos afaze­ res domésticos e na satisfação social do marido/patrono, “um dia aca­ ba a fase da doçura e elas são substituídas por outra ‘noiva’ e/ou conscientizadas de sua condição de escravas (...) assim elas tomam-se objeto de todos os tipos de escárnio, violências de todos os tipos, re­ sultantes do preconceito e da discriminação que seus naturais devo­ tam, sem escrúpulos, aos ‘bárbaros’ do Terceiro Mundo” 115.

115. CENTRO DE ARTICULAÇÃO DE POPULAÇÕES MARGINALIZA­ DAS, CEAP. Tráfico de mulheres é crime. Um sonho, um passaporte, um pesadelo, cit., p. 50.

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No mesmo sentido, Carla Dolinski, da polícia carioca que co­ manda uma investigação sobre o tráfico de mulheres, informou-nos sobre denúncias que havia recebido referentes a um e-mail que cir­ culou amplamente pela Internet. A mensagem eletrônica procurava recrutar prostitutas brasileiras que desejassem trabalhar na Espanha. A policial dizia que o correio eletrônico e a Internet podem se tomar uma ferramenta nas mãos de traficantes internacionais que procu­ ram brasileiras interessadas em viajar: “Se um estrangeiro tem um site oferecendo mil dólares por mês, as garotas vão. É difícil investi­ gar o que vem de fora do Brasil”, diz ela. Nos sites, por exemplo, os internautas trocam dicas sobre bordéis de várias partes do mundo. O que eles escrevem pode cho­ car: “Quase todas as garotas têm bebês, mas mesmo assim, são ótimas!!! Se você gosta de meninas, não encontrará mais baratas em nenhum outro lugar”, diz um homem falando de sua viagem ao Brasil. Outro site informa que o sexo com adolescente com menos de 18 anos de idade é ilegal no Brasil. Mesmo assim, dá a seguinte dica: “Se você tem menos de 50 anos, é branco, ou melhor ainda, louro e de olhos azuis, tente flertar com qualquer menina de 16 em diante, nas ruas perto das escolas”. O mesmo site destaca que o Governo brasileiro está procurando combater a prostituição infan­ til. Mesmo assim, diz o seguinte sobre as meninas: “Ou elas sofre­ rão abuso sexual em casa ou ficarão mendigando pelas ruas, bus­ cando comida em latas de lixo” 116. Outras formas de recrutamento relacionam-se mais diretamen­ te com a presença de aliciadores em casas de prostituição, boates, hotéis e, sobretudo, para a exploração de meninas, bares e restauran­ tes de beira de estrada. Em muitos casos, o aliciamento ocorre de boca em boca, por intermédio de mulheres que foram traficadas para trabalhar em boates no exterior e retomam com a incumbência de fornecer vítimas ao negócio. Em muitos casos, os aliciadores pro­ curam “consentimento” dos próprios familiares para o início da

116. Matéria do San Jose M ercury News, EUA, republicada na revista Consul­ tor Jurídico, em 8 jan. 2001.

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empreitada, sem revelar os muitos detalhes sórdidos e perigosos da oportunidade. As matérias dos jornais ilustram bem as formas de aliciamento, que trilham o caminho de falsas agências de viagem e de empregos no exterior que colocam anúncios na imprensa. Há a suspeita de que falsas agências de modelo cumpririam o mesmo papel, embora não haja na imprensa nenhum caso específico.

10. Dificuldades de prevenção e repressão Por ser País de origem, e não de destino do tráfico, o Brasil enfrenta dificuldades em combater o crime de tráfico, passível de punição com pena que varia de 3 a 8 anos de reclusão. A maior bar­ reira para a polícia é a falta de colaboração das famílias. O diretor da divisão da Interpol no Brasil, Washington do Nascimento Melo, afir­ ma que as famílias são coniventes e por isso não colaboram, mas esta é, naturalmente, uma visão simplista sobre a complexidade emocio­ nal e social das pessoas que têm ou conhecem mulheres traficadas. Mais razoável é pensar que a dificuldade decorre da desconfiança que as vítimas têm da polícia ou de temor de sofrerem represálias117. As autoridades da Polícia Federal e da Justiça que ouvimos são unânimes em eleger a precária infra-estrutura disponível como um dos principais obstáculos à repressão e ao deslinde dos casos. Em Goiás, um dos principais centros difusores do tráfico de mulheres para o exterior, apenas dois agentes trabalham na investigação das ocorrências, dividindo as atenções com outras atividades. Somado a esse empecilho, ainda não existe uma articulação sistemática entre as autoridades dos diversos Estados envolvidos. Em março de 2001, houve um encontro promovido pelo Ministério da Justiça com obje­ tivo de integrar os esforços no combate ao tráfico de mulheres, mas não se tem notícia dos resultados práticos. Em Goiânia, por exemplo, o Delegado da Polícia Federal João Baptista, responsável pela investigação e elaboração dos inquéritos

117. DIMENSTEIN, Gilberto. Folha de S.Paulo, 7 maio 2001.

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policiais, dedica-se ao serviço burocrático de emissão de passapor­ tes. João Baptista afirma, ainda, que a repressão é empírica. Muitas vezes, no balcão da Polícia Federal, durante a requisição de passa­ porte, os funcionários percebem alguma coisa errada, em geral por causa da aparência da postulante ao documento. O mesmo ocorre no momento do embarque. Devido ao grande número de embarques para a Espanha no Aeroporto Internacional de Goiânia, a Polícia Federal local incumbiu dois agentes à paisana para acompanhar o movimen­ to. Medidas como estas parecem ser, por enquanto, as principais es­ tratégias de repressão ao crime no Brasil. Entre as autoridades não há nenhuma que se refira aos compromissos internacionais que sina­ lizam para a articulação entre repressão e assistência às vítimas. As notícias sobre os casos de vítimas de traficantes que conseguiram se libertar demonstram que uma das formas de alcançar as redes é por intermédio das vítimas. Para isso, elas precisam ser acolhidas e so­ corridas. O Procurador da República em Goiás, Fábio George Cruz da Nóbrega, responsabiliza a ausência de infra-estrutura: “O Estado é omisso em reprimir esse tipo de atividade não porque quer, mas por­ que tem a polícia insuficientemente estruturada e voltada para outros crimes que não este. Os agentes fazem mais do que podem com a estrutura que têm. Dá pena porque, a cada dia, o número de mulheres aumenta e a idade diminui. Tem casos de meninas que falsificam documentos para viajar. Das mulheres constantes nos processos, pou­ cas têm mais de 25 anos. Se existisse uma estrutura melhor e se esse crime se tomasse uma prioridade para a polícia, essa atividade cairia muito. Eu tenho uma visão legal e posso dizer que a atuação da Polí­ cia Federal é mínima”. Outro empecilho que se antepõe ao trabalho da polícia está na incompatibilidade da legislação brasileira com a legislação de ou­ tros países. Enquanto no Brasil a exploração da prostituição está tipificada no Código Penal, na Espanha a exploração sexual é relati­ vamente livre e a polícia apenas intervém caso haja denúncias de cárcere privado, participação de crianças e adolescentes ou imigra­ ção ilegal. O Deputado Federal Nilmário Miranda (PT/MG) aponta uma solução. “Para erradicar o tráfico é imperativo haver a coope­

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ração internacional. E, nesse contexto, eu coloco o Tribunal Penal Internacional. Para o Tribunal Penal Internacional, os grandes ti­ pos penais são os crimes de guerra, o lenocínio, os atos de agressão e o crime de lesa-humanidade. Este último tipo abriria uma série de possibilidades para combater o tráfico de seres humanos. Na questão dos direitos humanos não se pode falar de números; às ve­ zes, as cifras até atrapalham. O número não é a principal referên­ cia. O tráfico de seres humanos é feito segundo a lei de mercado. E há mercado para isso, sobretudo o europeu. Dentro da lógica neoliberal, esse fato se explica, como o tráfico de drogas. A repres­ são deve ser feita nos mercados consumidores por meio da coope­ ração internacional. Quando o assunto envolve crianças, aí fica muito mais sério.” Para a advogada Michelle Gueraldi, Coordenadora do Proje­ to de Orientação Jurídica e Promoção de Direitos do CEAP, uma das dificuldades na repressão ao tráfico é o preconceito das autori­ dades diante das vítimas. Ela escreveu: “Enfim, a culpa é das mu­ lheres. Como depender de mulheres que, ‘traficadas’, já não vi­ vem mais no Brasil para iniciar tal tipo de investigação? Ou melhor, uma vez que se sabe que esse crime é recorrente, por que não se investiga, se reprime, se pune? Como esperar que outras mulhe­ res, dentre as que conseguem retornar, na maioria traumatizadas, procurem a polícia que, a despeito dos profissionais sérios que integram o seu quadro, é instituição por demais desmoralizada em nosso país? (...) Impera o juízo de valor das autoridades a respeito da conduta das mulheres, e não a lei. A mulher é punida por omis­ são das autoridades. E as quadrilhas de traficantes andam à solta pelo território brasileiro”. A advogada finaliza: “De fato, como afirmado anteriormente, as mulheres são consideradas culpadas, e não vítimas desse crime, por muitos representantes do Poder Pú­ blico e por grandes parcelas da sociedade. O Brasil reage à exis­ tência do crime de tráfico de mulheres da mesma forma que se posiciona diante de outras violações de direitos humanos. E, em todos esses casos, há que se notar que não somos vítimas de leis fracas, mas, ao contrário, dispomos de leis avançadas, sendo até signatários de importantes tratados internacionais de direitos huma-

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nos, inclusive dos que proíbem todas as formas de discriminação contra a mulher”118. Em resumo, os inquéritos policiais instaurados, com base prin­ cipalmente no art. 231 do Código Penal, demonstraram, no curso das investigações, a conexão existente entre crimes que ocorriam em Estados diferentes. A Polícia Federal entende que há uma quadrilha de tráfico internacional de mulheres, com ramificações em muitos países, que articula o recrutamento, o aliciamento, a documentação, o transporte e o abrigo com o fim de explorar mulheres e crianças, principalmente nos países de destino, que são invariavelmente do chamado Primeiro Mundo. Mas, infelizmente, os dados são precá­ rios. No Brasil, todas as organizações governamentais e não-governamentais apenas reproduzem os dados divulgados por pesquisas in­ ternacionais, em geral baseadas na assistência que os países de destino fornecem às vítimas do tráfico. Nem mesmo a Polícia Federal, que tem a competência legal para a repressão do tráfico internacional de seres humanos, dispõe de dados razoáveis sobre nossa realidade. Não restam dúvidas de que a ratificação dos instrumentos da ONU e a implementação de suas provisões no Brasil são passos im­ portantes na direção do reconhecimento de que as vítimas do tráfico merecem atenção e de que nossas autoridades policiais carecem de capacitação continuada e específica para fazer frente a esse desafio e aos desafios que ainda estão por surgir.

118. CENTRO DE ARTICULAÇÃO DE POPULAÇÕES MARGINALIZA­ DAS, CEAP. Tráfico de mulheres é crime. Um sonho, um passaporte, um pesadelo, cit., p. 50; GLOBAL ALLIANCE AGAINST TRAFFICKING IN W OM EN, GAATW. Rem oving the whore stigma: report on the Asia and Pacific regional consultation on prostitution. Bangkok, Thailand : GAATW, 1997.

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V — 0 TRÁFICO DE CRIANÇAS NO BRASIL

1. Dimensão do tráfico e da exploração sexual de crianças A criança gozará proteção contra quaisquer form as de negligência, crueldade e exploração. Não será jam ais objeto de tráfico, sob qualquer form a. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma form a será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, men­ tal ou moral (art. 9.° da Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959). Estimativas internacionais apontam que mais de 1 milhão de mulheres são traficadas e exploradas sexualmente no mundo inteiro. Pelo menos 35% desse total são meninas com idade abaixo dos 18 anos, que passam por histórias semelhantes à seguinte: M , uma garota de 16 anos de idade, moradora de uma província rural no Camboja, fo i abordada por um vizinho que lhe oferecia emprego na capital do país, Phnom Penh. Ao con­ trário do que havia prometido, o vizinho vendeu M. para um bordel pelo valor de 150 dólares. Passados cinco dias, ela fo i vendida mais uma vez para um outro bordel. Ao fin a l de dois meses, ela fo i vendida cinco vezes e a soma de sua comer­ cialização chegou a 750 dólares. M., que fo i forçada a manter relações sexuais com pelo menos dez homens por dia, não rece­ beu nada. A mãe de M , enquanto isso, alarmada com o desa­ parecimento de sua filha, persuadiu um policial conhecido a tentar encontrá-la, e por fim ela fo i resgatada. Ela tinha mar­ cas de injeção na base do crânio, indicando que fo ra sedada

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com Valium. M. também estava com infecção vaginal. Ela não apresentava HFV119. A rede do tráfico internacional movimenta crianças no mundo inteiro: de pequenas comunidades rurais da Ásia para cidades como Bangcoc, Bombaim e Phnom Penh; das favelas urbanas do Rio ou do Recife para campos de mineração nas fronteiras do Brasil; de Moçambique para a África do Sul; do México para os Estados Uni­ dos; da Federação Russa e da Polônia para a Europa Ocidental; da Romênia para a Itália. Existem rotas de tráfico que trasladam crian­ ças da África para a Europa e da Ásia para a Austrália, Nova Zelândia e Europa. Outra rota leva meninas da Romênia e Moldávia até o Sudeste Asiático sob promessa de empregos lucrativos no ramo do entretenimento, mas que terminam trabalhando como prostitutas. Pesquisas internacionais, consolidadas por relatório recente do UNICEF, apontam a dimensão do problema da exploração sexual infanto-juvenil e sua relação ainda nebulosa com o tráfico interna­ cional. Na Lituânia, por exemplo, de 20 a 50% das prostitutas são menores de 18 anos; meninas com 11 anos de idade trabalham em bordéis, e crianças de 10 a 12 anos são usadas para a realização de filmes pornográficos. No Camboja, uma survey de 6.110 trabalhado­ ras do sexo, realizada na cidade de Phnom Penh e em 11 províncias, demonstrou que 31% das entrevistadas eram crianças de 12 a 17 anos. Nos EUA, pelo menos 400 mil crianças estão envolvidas em ativida­ des de comércio sexual e de pornografia infantil. No mesmo país, entre as crianças que usam a Internet, uma em cada cinco é abordada por estranhos com interesse em sexo. Na América do Sul, o controle de imigração entre Paraguai e Brasil é frágil. Nessa fronteira pouco vigiada, as autoridades não pedem identificação para crianças desacompanhadas ou para adultos que viajam com crianças. Na Ásia, ao menos 50 mil garotas do Nepal foram vendidas e traficadas para a índia e mantidas em trabalho forçado em bordéis de

119. UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND, UNICEF. Prvfitingfm m abuse. An investigation into the sexual exploitation o f our children, cit.

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Bombaim. Crianças são traficadas da China para trabalhar na indús­ tria do sexo na Tailândia, enquanto crianças da Coréia e do Vietnã são traficadas para a China. Na Tailândia, 300 milhões de dólares são transferidos anualmente das áreas urbanas para as rurais por mulhe­ res que trabalham no comércio sexual. Meninas e jovens são traficadas da Tailândia para a África do Sul, através de Singapura, enquanto crianças provenientes de diversos países da África são traficadas em direção ao Sudeste Asiático, via África do Sul. No Sudoeste Europeu, mulheres e crianças são freqüentemente traficadas pelas mesmas rotas pelas quais passam o tráfico de drogas e armas. Em seis cidades do México (Acapulco, Cancun, Cidade Juarez, Guadalajara, Tapachula e Tijuana), estima-se algo em tomo de 4.600 crianças sendo exploradas sexualmente. Em todo o país, esse número salta para algo em tomo de 16 mil crianças. Estima-se que haja cerca de 25 mil crianças sendo prostituídas na República Dominicana120. As OSCs e as agências internacionais têm ressaltado o caráter diferencial do tráfico de crianças em comparação com o de mulhe­ res. Em geral, esse diferencial decorre da condição específica de vulnerabilidade da criança. Mas, mesmo com as recorrentes campa­ nhas de conscientização, ainda permanece alguma confusão no to­ cante a distinguir o tráfico de outras práticas de abuso. Por exemplo, segundo a ECPAT, o termo exploração sexual comercial de crianças abrange várias formas, tais como turismo sexual de crianças, prosti­ tuição infantil, pornografia infantil, e, dentre eles, o tráfico de crian­ ças para propósitos sexuais. O conceito, portanto, implica que não apenas abusa-se da criança sexualmente, mas também que a explora­ ção está articulada com um mercado.

120. UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND, UNICEF. Profiting from abuse. An investigation into the sexual exploitation of our children, cit.; ENDING CHILD PROSTITUTION, PORNOGRAPHY AND TOURISM, ECPAT. The fifth report on the implementation o f the agenda fo r action, adopted at the F irst World Congress against Commercial Sexual Exploitation o f Children in Stockholm, Sweden, A ug ust 28. 1996. Bangkok, Nov. 2001; ENDING CHILD PROSTITUTION, PORNOGRAPHY AND TOURISM, ECPAT. Looking back, thinking forward. The 4th Report on Commercial Sexual Exploitation o f Children. ECPAT International Newsletter, n. 33, Dec. 2000.

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Como a Convenção dos Direitos da Criança, de 1989, ainda era pouco precisa em sua definição de exploração sexual de crianças, foi elaborado um Protocolo Opcional à Convenção sobre Venda de Crian­ ças, Prostituição e Pornografia Infantis, em 1999.0 Protocolo oferece definições precisas para os três tipos de exploração acima mencionados, que, em geral, são denominados de exploração sexual comercial: a) A venda de crianças significa qualquer ato ou transação nos quais uma criança é transferida por qualquer pessoa para outra me­ diante remuneração ou qualquer outra consideração. b) Prostituição infantil é o uso de uma criança em atividades se­ xuais mediante remuneração ou qualquer outra forma de consideração. c) Pornografia infantil significa a reprodução, por qualquer meio, da imagem de uma criança, estando esta envolvida em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou qualquer imagem de partes sexuais de uma criança para, primariamente, propósitos sexuais. No que se refere ao tráfico de crianças, não existe consenso internacional em tomo de um conceito específico, embora a defini­ ção existente no Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, de 2000, seja sufi­ cientemente ampla para incluir quaisquer diferenças conceituais en­ tre o tráfico de mulheres e de crianças. Como já foi assinalado anteriormente, o tráfico é um fenômeno complexo que compreende uma série de atos à primeira vista isola­ dos. Nem sempre esses atos são ilegais, embora pareçam sempre imorais. Fundamentalmente, o tráfico envolve a movimentação de crianças de seu local de moradia para um novo local e, conseqüente­ mente, sua exploração em algum estágio desse processo. É a combi­ nação entre a movimentação e a exploração que caracteriza o tráfico, não importando o momento em que ocorre a exploração e qual o tipo de exploração a que a criança é submetida121.

121. SECOND WORLD CONFERENCE AGAINST COMMERCIAL SEXU­ AL EXPLOITATION OF CHILDREN. Trafficking in children fo r sexual purposes: an analytical review. Yokohama, Dec. 2001.

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O tráfico é um ato de violência, mas a violência per se nem sempre é empregada, pois, em alguns casos, os traficantes tiram van­ tagem da vulnerabilidade das pessoas que passam por uma situação desfavorável, que não lhes permite fazer escolhas, por exemplo, imi­ grantes ilegais. Apesar desse entendimento, no presente capítulo va­ mos considerar o tráfico de crianças não como parte da exploração sexual comercial, mas como um problema internacional que se am­ para largamente na exploração de crianças, independentemente do propósito. Ou seja, sempre que a expressão tráfico de crianças for aqui utilizada, estaremos indicando o tráfico de meninas, meninos e jovens, a exemplo do aliciamento, do transporte, do abrigo, do tras­ lado entre uma região e outra (ou de um país para outro), de qualquer propósito de exploração, seja sexual, adoção ilegal, pornografia, co­ mércio de órgãos, casamento precoce ou trabalho forçado. Em geral, as causas arroladas por especialistas e autoridades que entrevistamos tendem a apresentar valores que têm, em certa medida, uma carga universal e estrutural. Em maior ou menor grau, todas elas derivam da miséria e da desigualdade entre países. O esquema do tráfico de crianças copia o modelo econômico que impera hoje no mundo: as crianças das comunidades desfavorecidas são exportadas em proveito de representantes das sociedades ricas. Assim sendo, os outros fatores, derivados da falta de recursos e, portanto, endêmicos aos Estados marginais, consorciam-se para agravar a situação. Nesse rol, relacionam-se abuso doméstico e negligência, conflitos armados, consumismo, órfãos da AIDS, vida e trabalho nas ruas, discriminação, etnicismo e comportamento se­ xual irresponsável122. Não há informações disponíveis que possam dar uma dimensão apropriada do tráfico de crianças no Brasil. As tentativas que fize­ mos de mapeamento esbarram na ausência de legislação nacional

122. SECOND WORLD CONFERENCE AGAINST COMMERCIAL SEXUAL EXPLOITATION OF CHILDREN. Trafficking in children fo r sexual purposes: an analytical review, cit. INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION, IOM. Trafficking in children. Prevention before victimization. Trafficking in migrants. Q uarterly Bulletin, n. 17, Dec. 1997-Jan. 1998.

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específica, não obstante o Brasil ser signatário de instrumentos inter­ nacionais importantes, e mesmo de políticas públicas que destacam o problema. Em geral, as informações existentes no Brasil sobre vi­ olações, ao se concentrarem na exploração sexual, no trabalho infan­ til, na adoção internacional e na pedofilia, não especificam as redes que articulam o aliciamento, a movimentação, a coação e a explora­ ção final. Entre 1997 e 2000, a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA) recebeu apenas 36 denúncias sobre tráfico de crianças e adolescentes, provenientes, pela ordem, do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Goiás. Em sua maioria (84,84%), as denúncias referiam-se a tráfico de me­ ninas. A Polícia Federal, no período compreendido entre 1999 e se­ tembro de 2001, instaurou 2.046 inquéritos policiais. Desse total, apenas 28 eram relativos a tráfico de crianças e adolescentes, 33 ver­ savam sobre exploração sexual infantil, 60 sobre pedofilia e 6 diziam respeito à prostituição infantil. Devido à fragilidade dos dados dis­ poníveis, esses números são insuficientes para traçar um painel que possa orientar uma política eficiente de combate ao tráfico123.

2. Como se procede ao tráfico de crianças no Brasil Alguns tipos de violações dos direitos das crianças, no País, são descritos a seguir e têm relação direta ou indireta com o tráfico, não obstante, muitas vezes, essa relação parecer dissimulada. A doção internacional de crianças A denúncia do Deputado francês Leon Schwarzemberg, no Par­ lamento Europeu, em 13 de outubro de 1992, provocou o debate so­ bre tráfico internacional de crianças. O parlamentar europeu afirmou

123. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA, ABRAPIA. Sistema nacional de combate à exploração sexual infanto-juvenil. Relatório cumulativo das denúncias recebidas. Rio de Janeiro, fev. 1997-nov. 2001.

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que, na Itália, entre 1988 e 1992, apenas mil de um total de quatro mil crianças brasileiras adotadas irregularmente ainda permaneciam vivas. Na ocasião, o Deputado apontava o italiano L.N. como sendo responsável pela rede com conexões no Brasil. Desde então, muitas denúncias surgiram, e a questão da adoção internacional tomou-se matéria urgente no Brasil, principalmente porque estimativas do Govemo federal eram alarmantes, pois indicavam que, nos anos 1980 e 1990, 19.071 crianças haviam sido adotadas por famílias nos EUA e na Europa, e sua situação após a adoção era simplesmente uma incógnita. Em 26 de outubro de 1995, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública, presidida pelo Deputado Federal Nilmário Miranda (PT/MG), com o intuito de coligir informações e depoimentos sobre adoções internacionais ilegais que estariam ocorrendo em Itabuna/BA. Prestaram depoimento Davidson Magalhães, Vereador da Cidade e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara local, Nelson Pellegrini, Deputado Estadual da Bahia, Anorina Lima, Vereadora de Itabuna, e José Carlos Veridiano, também Vereador. De acordo com a declaração de Davidson Magalhães, desde 1990 a Comissão local vinha fazendo denúncias acerca do tráfico de crianças. Para ele, seria preciso distinguir a adoção internacional da “mercantilização de crianças”, que, na ocasião, assombrava Itabuna e que estaria se expandindo para Canavieiras e Itapetinga, outras ci­ dades da região. Na época, os trâmites estabelecidos pela legislação brasileira procrastinavam em 18 meses o processo de adoção para casais brasileiros; já os estrangeiros conseguiam efetivá-la em 18 dias. De acordo com as denúncias, o Judiciário local, com a inter­ venção de três ou quatro advogados, formava uma quadrilha, uma máfia de comércio de crianças. Em Itabuna, foram registradas 619 adoções em quatro anos. Na cidade de Itapetinga, havia um cadastro de mulheres carentes grávidas, para fins de adoção. Em Ilhéus, na Bahia, por exemplo, houve 20 adoções por estrangeiros e nenhuma por brasileiros. Naquela região, em 1995, tinham sido preenchidos 121 pedidos de adoção, 85% para casais estrangeiros. Além disso, um conjunto

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de advogados participa do esquema como aliciadores de mães ou de crianças abandonadas em hospitais. São eles que recebem os casais estrangeiros e fazem a intermediação dos contatos, simulando a rea­ lização de contratos legais. O mais grave é que, às vezes, a adoção acontecia à revelia dos pais. Quando as denúncias estavam no auge, tinham grande reper­ cussão pela imprensa e contavam com apoio popular, o Vereador Davidson Magalhães começou a sofrer ameaças, e foram instaura­ dos contra ele quatro processos por crime de imprensa. O Vereador chegou a ser detido, algemado e encaminhado a uma casa de deten­ ção, onde ficou preso por 48 horas, só saindo depois da intervenção política, mas com a ameaça de que poderia ser novamente encarce­ rado se continuasse com as denúncias. Da Bahia, esse esquema de adoção ilegal teria se deslocado para Minas Gerais. Segundo o Vereador, havia indícios de que o Brasil faria parte de uma rota de tráfico de órgãos. Um Juiz de Itabuna, denunciado por fazer parte dessa quadrilha, ameaçou de prisão todas as pessoas que o acusavam. Ele chegou a impedir que o Conselho Tutelar visitasse a malfadada “casa de engorda”, creche de onde par­ tiram 32 adoções em 1995. Todos os Vereadores e pessoas que esta­ vam envolvidos com as denúncias pediram habeas corpus preventi­ vo, a fim de não serem detidos. Havia indicações claras de que a presidente da creche, sra. D., teria viajado com o Juiz para a Itália com o fito de conhecer a instituição “parceira”. Deputados presentes à audiência apontaram que o problema também existe no Rio Grande do Norte, como lembrou a Deputada Rita Camata, e em Pernambuco, como mencionou Fernando Ferro. Na tentativa de minimizar esse grave problema, os Deputados com­ prometeram-se a tomar medidas urgentes e concluíram que as ado­ ções deveriam passar por uma autoridade central e respeitar o Esta­ tuto da Criança e do Adolescente, que impõe o princípio da exceção em casos de adoção internacional. A questão da adoção irregular ficou ainda mais transparente quando foi divulgado o suposto esquema de adoção fraudulenta de­ nominado “Indústria da Adoção”, na Comarca de Jundiaí (SP). Na época, documentos existentes no Tribunal de Justiça de São Paulo

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mostravam que, em Jundiaí, sob o manto da adoção internacional, desenrolava-se um esquema de exportação de crianças para a Europa que hoje, sob a luz dos tratados internacionais, seria prontamente caracterizado como tráfico internacional de crianças. Os dados que nos foram fornecidos surpreendem. Entre 1992 e 1998, a comarca de Jundiaí contabilizava 204 adoções internacio­ nais, contra, no mesmo período, 5 de Guarulhos e 40 de Campinas. O Juiz de Direito da Comarca alegava que, sob sua jurisdição, os processos de adoção internacional eram mais céleres que em outras varas. Mas as evidências sugerem que o problema era mais grave. O caso de E. é exemplar. Ela morava com o avô, a mãe, dois irmãos e uma tia, em um apartamento próprio. O avô, que trabalha como ca­ melô na cidade, afirmava que nunca faltou comida em casa. O Juiz de Direito, segundo consta do processo, ao receber denúncia anôni­ ma segundo a qual E. estaria sofrendo sevícias por parte de sua mãe, determinou a apreensão da menina e a realização de exame de corpo de delito, tomou os depoimentos da mãe e do avô e pediu que a assis­ tente social fizesse um estudo sobre a família. O estudo concluiu que “a família natural de E. não apresentava condições para sobrevivên­ cia digna. E., a mãe, demonstrava instabilidade emocional, falta de assimilação, diálogo e maturidade”. O laudo do exame de corpo de delito não foi anexado ao processo. Nenhum vizinho prestou depoi­ mento. Mesmo assim, a Promotora de Justiça solicitou a quebra do pátrio poder da mãe, e o Juiz acatou o pedido prontamente. Diante desse quadro, a mãe recorreu ao Tribunal de Justiça, que entendeu que o procedimento não havia sido adequado, e a decisão do Juiz foi revista. Entrementes, o dano já se consumara, e a menina havia sido adotada por um casal de alemães e levada para a Europa, em tempo recorde. O mesmo casal já havia adotado uma criança brasileira por meio de processo julgado pelo mesmo Magistrado. Essa decisão, de certa forma, corroborou as denúncias que um grupo de 94 mães, chamado de “Mães da Praça do Fórum”, vinha fazendo contra o Juiz. Segundo o Deputado Renato Simões, Presi­ dente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, “retiram-se as crianças de dentro de suas casas, mas depois intimam as mães por edital. Como elas não comparecem, ale-

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gam descaso. São mães humildes, que não têm como recorrer às ins­ tâncias superiores da Justiça e acabam perdendo os filhos”. A Procuradoria-Geral do Estado designou um grupo de cinco Procuradores para rever os processos. Nos nove autos consultados, as autoridades acenaram com irregularidades que sinalizavam a in­ tenção de promover a adoção das crianças sem respeitar os ritos exi­ gidos por lei e sem ofertar às mães o direito à ampla defesa. Esse elevado número de adoções levou a Polícia Federal a ave­ riguar a possível existência de uma rede de tráfico de crianças. As investigações levantaram suspeitas contra duas entidades: a AMI, da Itália, cujas principais atividades são o agenciamento de adoções internacionais e o financiamento de entidades que trabalham com crianças carentes no Terceiro Mundo, e o Centro de Orientação ao Menor de Jundiaí. Em maio de 1999, na CPI do Judiciário, o advogado Marco Antônio Colagrossi acusou o Tribunal de Justiça de São Paulo de ser conivente com o esquema. Segundo ele, Jundiaí não tem um Conse­ lho Tutelar da Infância e da Adolescência, como determina a lei (ECA), porque um processo sobre a criação do órgão está parado há mais de um ano no Tribunal. Esse Conselho, segundo o advogado, teria evitado a venda de crianças para casais estrangeiros. Algum tempo depois, veio a público novo esquema de adoção internacional irregular de crianças brasileiras, dessa vez em Goiás e no Ceará. Após cinco anos de investigação, a Polícia Federal pren­ deu 16 pessoas. Pelo menos oito bebês brasileiros teriam sido envia­ dos para a Itália e França, entre 1995 e 1996. Apenas como exemplo, das 11.100 adoções internacionais regulares feitas de 1984 a março de 2000,4.117 foram para a Itália e 2.837 para a França. O esquema funcionava da seguinte forma: a religiosa italiana P.P. fazia os conta­ tos com casais estrangeiros interessados em adotar crianças brasilei­ ras. M ães de fam ílias pobres da periferia de Fortaleza eram convencidas a doar os filhos para adoção, e em geral não sabiam que as crianças seriam recebidas por casais estrangeiros. Crianças aban­ donadas pela família também eram usadas no esquema. A tradutora M.N.S.C. encaminhava a documentação dos casais estrangeiros para

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as comarcas de Anápolis, Jataí e Santa Helena de Goiás. Os casais interessados na adoção eram então acompanhados pela tradutora até Goiás, onde falsas mães eram “contratadas” por cerca de 70 reais para registrar os bebês. No cartório, as falsas mães abriam mão do pátrio poder, colocando as crianças à disposição para adoção. Sus­ peita-se de que funcionários dos cartórios também tomavam parte no esquema. Por fim, os casais depositavam a quantia referente à transação, que chegava até a 8 mil dólares por criança, na conta de P. A religiosa fazia o repasse à tradutora. Em alguns casos, o pagamen­ to era feito diretamente a M. De acordo com uma Delegada de Polícia responsável pelo caso, M. e P. mantinham informantes em matemidades do interior para abordar as mulheres em pior situação financeira e emocional. Além desses dois casos com ampla repercussão pela mídia, tam­ bém foram identificadas redes de tráfico de crianças no Rio de Janei­ ro. Em geral, essas redes usavam creches e até missões religiosas como fachadas para acobertar as chamadas “casas de engorda”, con­ forme informa o Diretor do Departamento de Polícia Marítima, Aeroportuária e de Fronteiras (DPMAF) em Brasília, Tito Caetano Corrêa. Um relatório da Secretária Nacional de Justiça, Elizabeth Sussekind, mostra que as crianças eram retiradas dos bolsões de mi­ séria, como as favelas da Baixada Fluminense, da Zona Oeste do Rio, e do interior do Estado. Elas apresentavam, na maioria dos ca­ sos, estado de desnutrição e, portanto, receberiam cuidados médicos e alimentação. Enquanto isso, as quadrilhas providenciavam docu­ mentos falsos para retirá-las do País. As investigações da Polícia Federal também confirmaram ca­ sos em que gestantes de áreas carentes, principalmente no Nordes­ te, recebiam cestas de alimentação para que os filhos não nasces­ sem subnutridos. “Assim, logo após o parto, a criança não precisava passar muito tempo na ‘casa de engorda’, diminuindo o risco de o local ser descoberto pela Polícia”, lembra Tito Corrêa. O Delegado foi um dos responsáveis pela descoberta de algumas dessas casas no interior da Bahia. No Ceará, a Comissão Parlamentar de Inquérito do tráfico de bebês constatou, num universo de dois mil processos de adoção

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internacional, a existência de 1.900 processos fraudulentos. Segun­ do as investigações, o preço da fraude girava em tomo de 15 a 20 mil dólares e tinha seu valor majorado de acordo com o tipo físico da criança. Um sinal do descalabro está no fato de que, entre 1989 e 1994, houve no Ceará um total de 2.500 adoções internacionais, con­ tra apenas 14 no Piauí, durante o mesmo período. Na maior parte dos casos, as crianças cearenses foram enviadas para a Itália, França e outros países da Europa. Somente na cidade de Sobral, no interior do Estado, tramitavam mais de 200 processos de adoção internacional. À medida que as denúncias surgiam, a imagem idílica muitas vezes vinculada à adoção internacional, quando uma criança de ori­ gem humilde e sem perspectivas é levada para um país rico, parece ter sido definitivamente danificada. Por exemplo, a sordidez do abu­ so de crianças e adolescentes apareceu claramente no jom al La Provence, de Marselha, na França. “Levadas do Recife para Marse­ lha em 1993, duas garotas vinham sendo sistematicamente violenta­ das pelo pai adotivo, o francês A.M., 59 anos, um renomado conta­ dor, responsável oficial pela inspeção dos cartórios de todo o sul da França. Preso na véspera, M. confessou à Polícia que ameaçava as filhas adotivas ‘de mandá-las de volta ao Brasil’, caso elas denunci­ assem a quem quer que fosse as sevícias sexuais a que vinham sendo submetidas nos últimos anos. O drama das garotas brasileiras veio à tona no final de semana anterior, quando a mais velha delas, hoje com 14 anos, recusou-se a entrar na confortável casa da família M. e contou a uma assistente social o que acontecia entre quatro paredes.” Além disso, a ex-Coordenadora do Programa das Nações Uni­ das para o Combate ao Tráfico de Seres Humanos, Dra. Sandra Valle, acusava o recebimento de denúncias sobre estrangeiros que adota­ vam legalmente crianças no Brasil para depois explorá-las. Os abu­ sos iam do trabalho escravo à prostituição. O Conselho Tutelar de Boa Vista, Roraima, recebeu denúncia da existência de uma rede de adoção internacional irregular, que pre­ cisa ser investigada. Cidadãos americanos, venezuelanos e brasilei­ ros estariam envolvidos no esquema. Americanos interessados em adotar crianças alugariam casas em cidades da vizinhança de Ca­ racas. Brasileiros e venezuelanos procurariam, no Brasil, mulheres

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grávidas em situação de vulnerabilidade social e financeira. Elas re­ ceberiam uma determinada quantia em dinheiro e cuidados médicos do pré-natal até o nascimento da criança. Essas mulheres acabariam sendo trasladadas para a Venezuela, onde trabalhariam de emprega­ da doméstica para os americanos até o nascimento da criança. As mulheres seriam levadas a hospitais ou clínicas particulares e, após o parto, retomariam ao Brasil. A grave situação, observada na irregularidade dos processos de adoção internacional, provocou uma enxurrada de denúncias, a im­ plantação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) nacio­ nal e de CPIs em diferentes Estados, e levou a Secretaria Nacional de Justiça a anunciar a criação de mecanismos de acompanhamento das crianças adotadas, entre eles um banco de DNA, com intuito de evi­ tar o tráfico de órgãos. Para acompanhar o paradeiro das crianças adotadas por casais estrangeiros, houve o auxílio da Interpol, que, igualmente, ofereceu suporte técnico para a criação do banco de DNA. Cabe lembrar que a CPI da Prostituição e Exploração Sexual Infanto-Juvenil, de 1994, solicitou à Interpol a investigação sobre a denúncia de existência de banco de órgãos que teria como fonte principal as crianças brasilei­ ras, cujos órgãos seriam usados em transplantes. Mas não há infor­ mações sobre a veracidade dessas denúncias. A Convenção de Haia, de 1993, que versou sobre Cooperação Internacional e Proteção de Crianças e Adolescentes, foi o instru­ mento encontrado no intuito de controlar a legalidade das adoções no âmbito internacional. Nesse sentido, ela ampliou a Convenção de Haia de 1965, que tratou das adoções de crianças na Europa. A Con­ venção atual estabelece a cooperação internacional entre autorida­ des centrais para monitorar os casos de adoção. Suas provisões ado­ taram a regra estabelecida na Convenção dos Direitos da Criança e já presente no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dá preferência à adoção por casais nacionais e, somente de forma ex­ cepcional, por estrangeiros. Ela também adota o princípio da prote­ ção dos interesses supremos da criança e do adolescente. De forma mais detalhada, a adoção somente deve ocorrer quando não houver

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alternativa que garanta a segurança e o bem-estar da criança, em si­ tuações que envolvem a perda dos pais naturais, a não-existência de pais substitutos, abuso sexual praticado pelos próprios pais ou pa­ rentes etc. Em decorrência das discussões internacionais, tramita no Con­ gresso Nacional, tendo já sido aprovado na Comissão de Seguridade Social, o Projeto de Lei n. 1.391/99, de autoria da Deputada Rita Camata (PT/ES), que dispõe sobre as exigências para a adoção inter­ nacional de crianças e adolescentes brasileiros. No projeto de lei, fica expresso que a adoção internacional somente ocorrerá caso to­ das as alternativas de permanência das crianças se esgotem. A auto­ ridade judiciária somente poderá autorizar a adoção após consultar a Comissão Estadual Judiciária de Adoção, e esta, por sua vez, submete-se a uma autoridade central124. C rianças desaparecidas no B rasil Nos últimos anos, o problema das pessoas desaparecidas vem ganhando destaque no Brasil. Não existem, entretanto, dados nacio­ nais sistemáticos que mapeiem a contento o desaparecimento de pes­ soas. De qualquer forma, estimativas oficiosas, levantadas por uma reportagem da revista Veja, em 14-7-1999, informam que uma pes­ soa desaparece a cada três minutos no Brasil. O Movimento Nacio­ nal de Direitos Humanos (MNDH), entidade que congrega 300 OSCs de todo o Brasil, realizou um levantamento em 26 capitais brasilei­ ras. A pesquisa mostra que, em 1998, 204 mil brasileiros desapare­ ceram. Tabulando os resultados, totalizam-se 23 pessoas desapareci­ das a cada hora, uma a cada três minutos. O flagelo dos desaparecidos agrava-se pela carência de delegacias especializadas: há apenas três, em Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo. O papel do Governo resume-se aos serviços oferecidos pela Polícia Civil na divulgação

124. Conforme o Relatório Final da CPI da Prostituição e Exploração InfantoJuvenil, de 1994, e matérias publicadas pelos jornais Folha de S. Paulo de 8 mar. 2001, de 12 maio 1999 e de 14 maio 2001, 0 D ia de 4 mar. 2001 e pela revista IstoÊ de 25 nov. 1998.

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das fotos das pessoas desaparecidas. Nos últimos anos, várias enti­ dades da sociedade civil vêm criando sites na Internet para também divulgar fotos e receber denúncias, como é o caso do Cadastro Na­ cional de Pessoas Desaparecidas. Existe uma suspeita de que o desaparecimento de pessoas pode ter vínculo com outros crimes, a exemplo do tráfico internacional de mulheres, averiguado em Goiás, como informa o Delegado de Polí­ cia da Divisão de Pessoas Desaparecidas da Delegacia Estadual de Homicídios, Gilberto Ferro: “Por enquanto, o que há são suspeitas, porque essas pessoas não são localizadas em nenhum lugar e não há qualquer pista do seu paradeiro”. No caso da estudante W.A.F., de 19 anos, que desapareceu no dia 27 de dezembro de 2000, o Delegado frisa que foram publicadas fotos dela em jornais de quatro Estados da região Norte do País. Até hoje, porém, não há sinal de seu para­ deiro. Ferro salienta que a estratégia que pode estar sendo utilizada é a de viajar para o exterior com nome falso. Em junho de 2000, o Deputado Federal Padre Roque (PT/RS), membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputa­ dos, enviou ofícios para as Secretarias da Segurança Pública dos Es­ tados brasileiros para obter dados sobre o desaparecimento de crian­ ças, tráfico de crianças e tráfico de órgãos. Dos 26 Estados brasileiros, apenas 11 responderam às solicitações do Deputado, sendo que São Paulo, Minas Gerais e Bahia não responderam. Não obstante, boa parcela dos Estados que responderam não dispõe de dados sobre os três assuntos solicitados. Os Estados que têm algum tipo de dado não os apresentam de forma organizada. A única exceção foi Santa Catarina, que dispõe de informações sobre casos de tráfico de ór­ gãos. Dos Estados que responderam, apenas o Paraná possui Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas, criado em julho de 1995. E também é o único que conta com uma política pública voltada para o combate ao desaparecimento de crianças, lançando mão inclusive de ações preventivas. Como indicado, o número de registros de ca­ sos de desaparecimento de crianças não especifica quantas crianças foram localizadas. O resultado parcial do levantamento pode ser apre­ sentado da seguinte maneira:

150

Desaparecimento de crianças no Brasil 1998

1999

mmm

Total

Rio de Janeiro

50

83

98 (até maio)

231

Paraná

83

74

55

212

Ceará

462

396

137

995

M ato Grosso

116

140

65

321

Rio Grande do Sul







410

Goiás

634

628



1.262

Santa Catarina



1.183

588

1.771

Sergipe

38

139

60

237

DF

226

269

123

618

1.609

2.912

1.126

6.057

Estado

Total

Fonte: Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Esse levantamento, sem dúvida, não reflete a realidade. Apenas para efeito de comparação, na cidade de São Paulo houve o registro de 6.432, 5.765 e 5.429 desaparecidos, em 1994, 1995 e 1996, res­ pectivamente. No Estado de São Paulo, no ano de 1997, foram registrados 20.866, e, em 1999, foram 21.632 boletins de ocorrência sobre pessoas desaparecidas, conforme dados da Fundação SEADE. Dentre os que enviaram informações sobre desaparecimentos, apenas o Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraná apresentaram da­ dos sobre o tráfico de crianças. O primeiro relatou a existência de somente um caso, e o segundo reportou, em 1999, 14 casos, e em 2000, quatro casos de tráfico de crianças. No Paraná, houve o regis­ tro de 12 casos, entre 1996 e 2001. Esse quadro fragmentário fez com que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputa­ dos concluísse pela não-existência de políticas públicas, em âmbito estadual, para fazer frente ao problema. Não ficou evidenciada a pre­ ocupação em aprimorar os dados sobre esses crimes. Os Estados não dispõem de informações sobre tráfico de crianças e muito menos sobre contrabando de órgãos. Algumas iniciativas recentes podem m itigar o alto número de desaparecidos. Hoje, é necessário um lapso de 24 horas após a

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notificação para que a Polícia inicie as buscas. De acordo com a Lei n. 2.696/2000, a procura pelas crianças desaparecidas poderá começar logo após a notificação à Polícia, medida já adotada por alguns Estados. Essa proposta se aplica a menores de 16 anos e visa a combater o tráfico de crianças, adoções ilegais, exploração sexual ou mesmo comércio de órgãos. Mas, mesmo assim, é fundamental que os órgãos responsáveis pela investigação e repressão dos desa­ parecimentos se articulem para enfrentar a suspeita de existir víncu­ lo desse fenômeno com o crime organizado internacional.

3. Exploração sexual infanto-juvenil no Brasil A questão da exploração sexual de crianças e de jovens tem chamado a atenção da comunidade internacional. O Primeiro Con­ gresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em Estocolmo, em 1996, marcou o auge dessa atenção in­ ternacional, e o segundo, realizado em 2001, em Yokohama, pro­ curou avaliar os avanços nessa matéria. As estimativas provenientes desses dois colóquios apontam algo em tomo de 2 milhões de crian­ ças sendo exploradas sexualmente no mundo. No Brasil, seriam 500 mil crianças nessas mesmas condições125. Já foi dito que a ONU refere-se a três formas principais de ex­ ploração sexual comercial de crianças: prostituição infantil, venda de crianças através ou dentro das fronteiras dos países para propó­ sitos sexuais e pornografia infantil. Em geral, as meninas vítimas de exploração sexual são agenciadas e vendidas. As rotas de agen­ ciamento partem das cidades do interior para os grandes centros. O aliciador encaminha as crianças aos exploradores. Normalmente, as crianças permanecem em cárcere privado e têm de trabalhar para pagar as dívidas. A regra é o castigo, a ameaça, o sofrimento. Em

125. ENDING CHILD PROSTITUTION, PORNOGRAPHY AND TOURISM, ECPAT. Looking back, thinking forward. The 4th Report on Commercial Sexual Exploitation o f Children, cit.; SECOND WORLD CONFERENCE AGAINST COM M ERCIAL SEXUAL EXPLOITATION OF CHILDREN. Trafficking in children fo r sexual purposes: an analytical review, cit.

152

locais como os garimpos, as meninas chegam a ser assassinadas. Parte substancial do que elas ganham permanece nas mãos do explorador. Outro problema comum à exploração sexual de crianças é seu envolvimento quase que compulsório com as drogas. O abuso sexual, violência quase invisível, pois ocorre normal­ mente dentro de casa, é o primeiro passo na rota que leva ao comér­ cio sexual. A regra é: quem sofreu abusos pode perpetrar abusos. Meninas que sofreram abuso sexual têm maior probabilidade de engravidarem precocemente ou de adentrarem o mercado do sexo, por exemplo. O abuso sexual é subnotificado. Mesmo quando não há marcas que indiquem a violação, as seqüelas são profundas. Diante de um abuso, a regra tem sido o mais absoluto silêncio. Silêncio que decorre do medo de represálias ou do receio dos embaraços da publi­ cidade. Muitas vezes, quem deveria dar proteção a essas crianças também acaba explorando-as sexualmente. Foi identificada a pre­ sença constante da corrupção policial, que permite a existência da exploração sexual, quando não lucra diretamente do negócio, bem como a violência policial no tratamento das jovens e crianças como criminosos, e não como vítimas126. O Laboratório de Estudos da Criança (LACRI), do Instituto de Psicologia da USP, vem pesquisando a infância no Brasil há seis anos. De 1996 a julho de 2001, o órgão registrou 53.965 casos de violência doméstica. Desse total, 4.336 envolvem violência sexual. O Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual de Crian­ ças e de Adolescentes, que disponibiliza um disque-denúncia para casos de exploração sexual de crianças e adolescentes, mantido e dirigido pela ABRAPIA, funciona há quatro anos. Entre 1997 e 2001, o disque-denúncia recebeu 16.631 ligações. Desse total, 2.432 cons­ tituíam-se de denúncias sobre exploração e abuso sexual. Em decor­ rência desse trabalho, 51 aliciadores foram presos e 88 estão

126. UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND, UNICEF. P m fitingfm m abuse. An investigation into the sexual exploitation o f our children, cit.; BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Apurar Responsa­ bilidade pela Exploração e Prostituição Infanto-Juvenil, cit.

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indiciados em inquéritos policiais por todo o Brasil. Do total de denúncias, a cidade do Rio de Janeiro apresenta o maior número, 358 (14,72%), sendo seguida por São Paulo, 160 (6,58%), Fortaleza, 130 (5,35%) e Brasilia, 89 (3,66%). Denúncias de exploração sexual de crianças por região (1997-2001) Região

Número de denúncias

Percentual em relação ao total de denúncias

98

4,47

7,19

Nordeste

610

27,87

28,50

Sudeste

1.092

49,89

42,65

Centro-Oeste

204

9,32

6,69

Sul

185

8,45

14,97

2.189

100

100

Norte

Total

Participação na população (em %)

Fonte: ABRAPIA.

Em 12,01% das denúncias, o aliciador é alguém da própria fa­ mília. A mãe das crianças figura em 64% das denúncias em que o aliciador é da própria família. Em 87,99% das denúncias, o aliciador não tem vínculo familiar com a criança, mas pode ser alguém próxi­ mo da casa ou da comunidade em que as crianças vivem. Em ordem decrescente, os aliciadores são homens e/ou mulheres que exploram a criança em proveito sexual próprio (35,72%), aliciadores profis­ sionais (27,68%), proprietários de bar, restaurante ou boate (12,10%), donos de prostíbulo ou de casa de massagem (7,86%), proprietário ou funcionário de hotel (2,93%), produtor de vídeo ou revista eróti­ cos (2%), vizinho (1,39%), líder religioso, proprietário de agência de modelos, proprietário de agência de turismo, dono ou funcionário de escola, taxista, pedófilo etc. (menos de 1%). Os locais de exploração sexual, segundo as denúncias, são: re­ sidência (29,46%), pontos de concentração de crianças e adolescen­ tes (14,55%), Internet (12,53%), boate ou casa de massagem (9,97%), bar ou restaurante (9,13%), prostíbulo (5,72%), hotel ou motel (3,35%) etc. Das crianças vítimas de exploração sexual, 73,16% são do sexo feminino. Em 65,86% das denúncias, a idade das crianças

154

varia de 12 a 18 anos; em 7,11% das denúncias, as crianças têm menos de 11 anos de idade. Formas de exploração sexual de crianças (1997-2001)



Práticas sexuais com crianças e adoles­ centes m ediante algum a form a de pa­ gam ento

1 1 Pornografia infanto-juvenil na Internet ■

Turismo sexual



C onfecção, venda ou ve icu la çã o de m a te ria l p o rn o g rá fic o com crianças e adolescentes



Tráfico internacional de crianças e ado­ lescentes

Fonte: ABRAPIA.

As meninas estão presentes em quase 80% dos casos, seja de abuso ou exploração sexual. Especificamente nos casos de explora­ ção, 86,4% dos aliciadores não têm vínculo de parentesco com a vítima, e os donos de bares e boates figuram na lista de recrutadores de menores para esses fins127. Segundo Lia Junqueira, Coordenadora do Centro de Referência da Criança e do Adolescente (CERCA), órgão ligado à OAB e à Se­ cretaria Estadual de Desenvolvimento Social, em 2000 o centro aten­ deu 7.068 crianças, das quais 437 foram vítimas de abuso sexual. O pai biológico lidera o ranking dos agressores, seguido pelo padrasto, tios e avô. O CERCA mantém 157 crianças protegidas de seus agres­ sores. As meninas são as maiores vítimas de abuso. Quando elas de­ nunciam o abuso são, com certa freqüência, abandonadas pelas mães. A maioria das meninas atendidas tem idade entre 7 e 12 anos.

127. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA, ABRAPIA. Sistema nacional de combate à ex­ ploração sexual infanto-juvenil. Relatório cumulativo das denúncias recebidas, cit.

155

O Centro de Referência às Vítimas de Violência do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, atende, em média, 120 casos de violência doméstica por semana. O centro oferece tratamento psico­ lógico para as vítimas de abuso sexual e desenvolve trabalhos de prevenção em favelas e cortiços da cidade. O pai biológico é o maior agressor, seguido pelo padrasto, tios, primos e avô. A maior incidên­ cia do abuso ocorre dos 5 aos 8 anos e dos 10 aos 13 anos. Entre 1995 e 1998, o centro realizou uma pesquisa com 400 casos. Constatou-se que 40,06% eram vítimas de violência sexual. Além disso, 395 casos de estupro foram registrados na capital paulista, em 1996. Em 1998, foram 2.164 casos. Nos primeiros 6 meses de 2001, o Programa Bem Me Quer, do Hospital Pérola Byington, da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, atendeu 2 mil casos de estupro. As vítimas em sua maioria eram meninas. Existe um aumento anual de 5% na violência doméstica e se­ xual no ABCD, que compreende 7 cidades da região, em São Paulo, segundo o Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância (CRAMI). Entre 1992 e 2000, o órgão recebeu 3.279 denúncias. Desse total, 1.649 casos foram de violência sexual, 630 de abuso sexual, 687 de negligência e abandono, 208 de violência psicológica e 105, outros tipos de agressão. No primeiro semestre de 2001, foram registradas 402 denúncias, 69 delas de violência sexual. O CRAMI oferece tratamento psicológico às vítimas e aos familiares, além de promover palestras128. Para uma análise mais detida dos casos de exploração sexual, seria importante fazer uma abordagem por Estados no que concerne às informações disponíveis. O Distrito Federal, por exemplo, tem uma Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente fun­ cionando desde meados de 1999. Nos registros de ocorrência, não há informações sobre tráfico ou desaparecimento de crianças. No ano de 2000, a Delegacia registrou 508 ocorrências envolvendo crianças e jovens e recebeu 461 denúncias. Do total de casos, 88 foram relativos

128. Essas informações foram coletadas pela jornalista Madi Rodrigues, da revista IstoE , em setembro de 2001.

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a atentado violento ao pudor, 8 a desaparecimento, 33 a estupro, 2 a exploração do trabalho infantil e 17 a sedução. No Rio Grande do Sul, 40% das meninas prostitutas de certa área de Porto Alegre são provenientes de Chapecó (SC). Meninas ora chegam de Xanxerê e Palm itos, em Santa Catarina, ora são enviadas para o litoral catarinense ou para Foz do Iguaçu. As regiões mapeadas como sen­ do rotas de meninas são Passo Fundo, Erechim, Cruz Alta e Santo Ângelo. O aliciamento acontece por anúncios de rádio ou por inter­ médio de taxistas. No Distrito Federal, há aliciamento de crianças e adolescentes por anúncios de jornais. Existem também falsas agên­ cias de modelos. Nas periferias, o aliciamento ocorre a partir da entrega de brinquedos para as meninas. No Pará, nas áreas de ga­ rimpo, além de meninas e meninos trabalharem irregularmente, mergulhando, entrando em buracos, manipulando mercúrio, convi­ vendo com degradação e violência, expostos a um regime de semiescravidão, as crianças também são aliciadas ou traficadas para serem exploradas sexualmente. No Paraná, a Prefeitura Municipal de Curitiba criou, em 1990, o Programa S.O.S. Criança, que recebe denúncias e presta atendi­ mento às vítimas de qualquer violação de direitos, sobretudo às cri­ anças e adolescentes que sofreram abusos em suas residências. Entre 1993 e janeiro de 2001, houve 57 casos de violência sexual familiar (estupro), 47 dos quais envolvendo meninas; 59 casos de violência sexual de terceiros (estupro); 62 ocorrências de violência sexual fa­ miliar (atos libidinosos), 48 das quais com meninas; 28 casos de violência sexual de terceiros (atos libidinosos); 16 ocorrências de corrupção de menores, aliciamento para atos ilícitos, das quais 15 relacionavam-se com meninas; e 19 casos de prostituição infantil, 15 dos quais vitimando garotas. Ainda no Paraná, foi implantado, em dezembro de 2000, o Sistema de Informação para a Infância e Ado­ lescência, SIPIA, que reúne os dados obtidos pelos Conselhos Tute­ lares das cidades do Estado. O resultado parcial, em seis meses de coleta, é o seguinte: abuso sexual, 37; sedução, 20; estupro, 7; explo­ ração do trabalho doméstico, 17; regime de escravidão, 1; utilização na mendicância, 27 casos.

157

Existe uma modalidade de tráfico de escravas brancas, incluin­ do garotas na faixa de 13 a 15 anos, entre Belém e Itaituba (PA). Essa exploração também atinge tribos indígenas, onde meninas são vio­ lentadas por garimpeiros e soldados. A Assembléia Legislativa do Acre abriu CPI para investigar o comércio e o tráfico de jovens para servir nos prostíbulos de garimpos em Rondônia, onde ficam em cár­ cere privado, em decorrência das dívidas que mantêm com os cafetões. A CPI sobre Prostituição e Exploração Sexual Infanto-Juvenil, de 1994, concluiu: “Os horrores desnudados no decorrer das investi­ gações acrescentam ainda o estupro dentro do lar, violências físicas e psicológicas exercidas, o mais das vezes, por familiares e respon­ sáveis, meninas de rua que se prostituem pelo preço de um sanduí­ che, jovens de classes abastadas atraídas por pretensas ‘agências de modelos’, crianças oferecidas a estrangeiros nos denominados ‘pa­ cotes de pomoturismo’, casas noturnas especializadas, fixação na pedofilia, meninas prostituídas que se mutilam em praça pública para gritar seu pedido de socorro aos circunstantes, meninas escravizadas na prostituição dos garimpos do Norte ou dos hotéis do Sul e Sudes­ te, abortos violentos, brutalidade policial, abundância de doenças sexualmente adquiridas, matemidades indesejadas, exploração de bebês em adoções internacionais ilegais, meninos prostituídos por homossexuais, consumo de álcool e outras drogas como fuga, desde a mais tenra idade, mutilação de cadáveres de meninos para práticas de rituais satânicos e assim por diante, numa seqüência de atos e práticas que indicam a mais completa desumanidade”129. Turism o sexual A sensualidade da mulher brasileira é ainda vendida normal­ mente pelas agências de turismo do mundo inteiro. Ainda hoje, cen­ tenas de turistas provenientes do Primeiro Mundo procuram nas praias quentes do Brasil uma relação sexual tórrida, que alimente o mito de

129. BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Apurar Responsabilidade pela Exploração e Prostituição Infanto-Ju­ venil, cit.

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“Gabriela”. Os recursos da Internet facilitam a disseminação de anún­ cios de turismo sexual, mesmo quando as agências oficiais começam a fechar o cerco contra o problema. O turismo sexual ainda sobrevive na corrente da exploração sexual de mulheres disseminada pelo Brasil. Kevin Hall, correspon­ dente do jornal americano San Jose Mercury News, no Rio de Janei­ ro, escreve: “Na Agência R., um serviço de garotas de programa des­ te paraíso turístico famoso pelo sol e pelo pecado, os negócios estão florescendo, em grande parte graças à Internet. Italianos, alemães, americanos e outros estrangeiros agora podem marcar encontros com antecedência, antes mesmo de seus aviões aterrissarem. É a mais antiga profissão do mundo ganhando o apoio da mais recente tecnologia”. O turismo sexual, assim, passa a incorporar as novas tecnologias: “É a globalização”, explica V., gerente da agência de E.O.L., que cobra 150 dólares por três horas de programa. ‘Todo mundo tem uma home page e as prostitutas sabem disso”, diz B., uma prostituta que anuncia seu site no jornal O Globo, do Rio de Janeiro. Em 1994, a CPI da Exploração Sexual Infanto-Juvenil já apon­ tava a existência de ampla rede de exploração do chamado turismo sexual no Brasil. Dizia o relatório: “O processo do ‘pomoturismo’ inicia-se nas agências de viagens, que vendem o país como local de sexo fácil e barato. Para esse tipo de comércio marginal contribui a propaganda que, oficialmente, nosso País endossa: não há cartaz ou folheto de viagem sobre o Brasil em que faltem belos corpos nus ou semidespidos em praias paradisíacas. O maior afluxo de pomoturistas origina-se da Europa e EUA. São em sua maioria homens entre 30 e 50 anos, de classe operária ou média-baixa, que usam seu período de férias e economias para uma temporada de orgia a baixo custo. Não vêm conhecer o País, mas sim conhecer as brasileiras, famosas por uma fantasiosa sensualidade superior à das européias ou americanas. Há vôos charter lotados apenas com este tipo de turistas”. O mesmo documento estabeleceu o seguinte panorama nacio­ nal: no Rio de Janeiro, há presença de pseudo-agências de modelos que camuflam a exploração de adolescentes. Em São Paulo, a indús­ tria do filme pornográfico está presente na área da exploração sexual

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infanto-juvenil. No Ceará, mais especificamente em Fortaleza, há uma rede organizada de prostituição na avenida Beira-Mar. As agên­ cias que oferecem meninas prostituídas realizam filmes para fazer propaganda do negócio. As fitas são feitas, inclusive, com cenas de sexo, em apartamentos de hotéis de cinco estrelas. Pagando, o turista pode ter roteiros turísticos programados para cada dia da semana. As agências de prostituição costumam organizar um álbum com fotos das meninas nuas em poses provocativas. Na Paraíba, em Cabedelo, existe modalidade de prostituição náutica. Na zona portuária limítrofe com João Pessoa, a Polícia Federal impediu o embarque de menores desacompanhadas dos pais num navio cargueiro. A Polícia Federal também resgatou meninas de um barco pesqueiro português. Há agen­ ciadores e exploradores que enviam meninas para o Rio Grande do Norte. Em Pernambuco, mais precisamente no Recife, há a explora­ ção sexual de meninas articulada com o turismo, com o apoio de motoristas de táxi, hotéis, donos de boates, de hotéis etc. As agências de turismo fazem propaganda das mulheres e do sexo, e não dos pontos turísticos. Há toda uma organização para proporcionar o tu­ rismo sexual. As meninas podem, por exemplo, comprar em deter­ minadas lojas e efetuar o pagamento “quando os gringos chegarem”. Um depoente afirmou que um pacote turístico pode ser vendi­ do a qualquer pessoa na Alemanha pela quantia de 10 mil dólares. Tal pacote inclui uma passagem de ida para o Brasil, duas de volta para a Alemanha, hospedagem no R.P. Hotel e também dinheiro para compras. O bilhete sobressalente é para que a garota vá para a Alemanha. As que chegam a ir, normalmente, ficam trancadas den­ tro de casa e são impedidas de aprender a língua do país. Alguns indivíduos querem recuperar o dinheiro investido nas moças e as emprestam mediante pagamento para seus amigos. Outras acabam por cair em mãos de gigolôs e não conseguem mais voltar ao Bra­ sil. Na capital do Rio Grande do Norte também há os prostíbulos náuticos. Em um navio coreano foram encontradas 20 meninas que eram exploradas sexualmente. No Brasil, há sinal de que o turismo sexual vem diminuindo gradualmente. A ABRAPIA, em relatório recente, informou que, entre 1997 e 2000, recebeu apenas 80 denúncias sobre turismo sexual de

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crianças e de adolescentes, o que equivale a apenas 4,97% do total de denúncias recebidas. O número de denúncias vem caindo dramatica­ mente ao longo desses anos. Os Estados que mais se destacaram nas denúncias foram Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e São Paulo. As meninas representam 68,83% das vítimas. Em apenas 15% das denúncias houve a especificação da nacionalidade dos que abusam, que são, pela ordem, italianos, ale­ mães, suíços e americanos130.

4. Pornografia infantil e pedofília na Internet O Primeiro Congresso Mundial sobre Exploração Sexual Co­ mercial de Crianças, realizado em Estocolmo, em 1996, já havia iden­ tificado a grande ausência de informações sobre a pornografia infan­ til, principalmente sobre a situação na África e na América Latina. Essa situação não parece ter mudado muito de lá para cá. Não obstante a generalização desse tipo de infração e a universalização dos meca­ nismos de proteção à infância, não há dados confiáveis sobre o grau de investimento das autoridades no sentido de deter e condenar os responsáveis por esse crime. Desde 1996, com a generalização do computador e do acesso à rede internacional, houve um aumento considerável da pornografia por meio da Internet. Assim, não somente o mercado ilegal passou a oferecer maiores “oportunidades” para crianças e adolescentes, como também criou a figura daquela pessoa que alicia as crianças e as remete para locais distantes de sua família131.

130. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA, ABRAPIA. Sistema nacional de combate à exploração sexual infanto-juvenil. Relatório cumulativo das denúncias recebidas, cit.; BRASIL. Ministério do Esporte e do Turismo. Embratur. Combate ao turismo sexual infanto-juvenil. Brasília, DF, 2001; CENTRO HUMANITÁRIO DE APOIO À MULHER, CHAME. O que é que a Bahia tem. O outro lado do turismo em Salvador, cit. 131. HUGHES, Donna M. The Internet and sex industries: partners in global sexual exploitation. Technology and Society M agazine, Spring 2000.

161

Devido à facilidade de perpetração, a pedofilia espalha seus ten­ táculos por todo o globo, não poupando nem os países ricos. Um exemplo é a chamada “Operação Catedral”, considerada a maior operação policial internacional montada para desmantelar o crime organizado. A partir dessa iniciativa, a polícia britânica, em conjunto com a Interpol, descobriu uma rede de pornografia infantil, chamada de O Clube do País das Maravilhas, que possuía 180 membros espa­ lhados por 49 países. A organização possuía algo em tomo de 750 mil imagens pornográficas com crianças e mais de 1.800 horas de vídeo. As imagens retratavam mais de 1.200 crianças diferentes132. No Brasil, o Ministério Público, em 1999, desencadeou a Ope­ ração Catedral Rio, identificando 24 suspeitos por pornografia in­ fantil na Internet. Os acusados eram oriundos da classe média, pos­ suíam nível superior, em sua maioria, e moravam na Zona Sul da cidade. Entre janeiro e outubro de 2001, a Divisão de Direitos Huma­ nos da Polícia Federal, em Brasília, recebeu um total de 2.072 de­ núncias, via Internet, contra pornografia infantil e pedofilia, numa média de 200 delações por mês. Enquanto isso, a ABRAPIA rece­ beu, entre 1997 e 2001,255 denúncias sobre pornografia com crian­ ças expostas na rede mundial de computadores, sendo que, somente até o mês de outubro do ano de 2001, foram contabilizadas 178 dela­ ções. De acordo com esses dados, o número de denúncias de porno­ grafia infantil na Internet é o que mais cresce: 6,66% em 1997,20% em 1998, e 73,3% em 1999. Para se ter uma idéia, no período com­ preendido entre 12-9-2000 e 8-8-2001, as Promotorias da Infância e da Juventude do Rio Grande do Sul receberam um total de 435 de­ núncias sobre pedofilia na Internet.

132. ENDING CHILD PROSTITUTION, PORNOGRAPHY AND TOURISM, ECPAT. The fifth report on the implementation o f the agenda fo r action, adopted at the F irst World Congress against Commercial Sexual Exploitation o f Children in Stockholm, Sweden, A ugust 28, 1996, cit.; idem, Looking back, thinking forward. The 4th Report on Commercial Sexual Exploitation of Children, cit.

162

A Secretária-Executiva da organização não-govemamental ECPAT, a filipina Amihan Abueva, solicitou a identificação de gru­ pos que exploram o sexo infantil no país. Abueva disse que “prolife­ ra o número de fitas de vídeo pornográficas envolvendo crianças bra­ sileiras de 8 a 13 anos em Bangcoc, na Tailândia”. Essas fitas estariam sendo vendidas por camelôs por aproximadamente 20 dólares133. A ABRAPIA, por intermédio do disque-denúncia, descobriu que as crianças brasileiras são exploradas sexualmente por pedófilos até mesmo em pequenos municípios do país, e que a família da criança está muitas vezes envolvida. O pedófilo pode ser o pai ou padrasto, o tio ou avô ou ainda o irmão mais velho. Somente o cuidado com as crianças e jovens, sobretudo para protegê-las da exploração sexual, e a disseminação de Delegacias de Polícia e Promotorias de Justiça especializadas pode impedir a repetição desses fatos. A imprensa tem dado pouco destaque ao problema da pornogra­ fia e da pedofilia. Da busca de matérias sobre o tema, realizada na imprensa nacional, entre 1994 e 2001, poucos casos receberam desta­ que. Um dos poucos casos divulgados por um importante jornal paulista informava que a Polícia Federal prendera, em Itatiba (SP), o caixa L.M.S., acusado de divulgar fotos pornográficas de crianças por meio da Internet. Em sua casa havia grande quantidade de disquetes e CDROMs contendo material usado na confecção de páginas na rede: fo­ tografias de sexo explícito entre crianças (de 3 ,4 e 5 anos) e adultos134. Em 20 de novembro de 1999, a polícia prendeu o comerciante S.S.F., dono de uma locadora de jogos, em São Gabriel (RS), sob a acusação de atentado violento ao pudor, favorecimento à prostitui­ ção infantil e produção de filme pornográfico com participação de menores. “Já ouvimos sete meninos, de 10 a 14 anos, que confirma­ ram as denúncias”, disse na ocasião o Delegado de Polícia Emerson Wendt. A Polícia também apreendeu uma fita de vídeo com cenas de sexo entre F. e os garotos135. Em 2000, a Polícia Federal estava

133. Conforme matéria publicada no jom al Folha de S.Paulo, de 30 set. 1995. 134. Conforme matéria publicada no jomal O Estado de S.Paulo, de 24 ouL 1998. 135. Conforme matéria publicada no jomal O Estado de S.Paulo, de 20 nov. 1999.

163

investigando a participação do analista de sistemas E.B., de 47 anos, morador do município de São Bernardo do Campo, em crime en­ volvendo fotografias pornográficas de menores. Segundo informa­ ções da polícia, ele tirava fotos de crianças nuas e as enviava para a Nova Zelândia, por intermédio da Internet. A Interpol da Nova Zelândia comunicou à Polícia brasileira que as imagens estavam vindo do Brasil. De acordo com o Delegado da Polícia Federal Gil­ berto Tadeu Vieira Cezar, as investigações começaram em 1998. A Polícia foi até a casa do suspeito e apreendeu com putadores, disquetes, anúncios de concurso de beleza infantil e fotos de crian­ ças e adolescentes nuas. Segundo o Delegado, há indícios e provas do envolvimento do analista no crim e136. Ainda em 2000, as Polí­ cias Civil e Federal estavam investigando o envolvimento do Cônsul-Adjunto de Israel no Rio, A.S., numa rede internacional de prostituição de menores e turismo sexual. No curso das investiga­ ções, as autoridades prenderam o professor G.S. em seu aparta­ mento, na Zona Sul do Rio, no qual foram encontradas 154 fotos pornográficas de crianças e 12 fitas de vídeo. Os policiais do 12.° DP teriam evitado, inclusive, que S. cometesse suicídio por en­ forcamento com uma corda. Com mandado de busca e apreensão e acompanhados de comissários do Juizado de Menores, policiais civis e federais foram ao apartamento do Cônsul, em Ipanema, mas ele não estava no local. Após saber da prisão do professor, S. foi para o consulado, em Copacabana. Mas os policiais e agentes federais não puderam entrar. As denúncias partiram de uma me­ nina, ao descobrir que fotos em que estava nua haviam sido colo­ cadas na Internet. Em seu depoimento à polícia, ela afirmou tra­ balhar como secretária do professor. Ela costumava freqüentar o apartamento de S. e, juntam ente com outras colegas, ficava nua e tirava fotos pornográficas. Disse ainda que o professor gostava de meninos. No apartamento do cônsul, a polícia encontrou mais 21 fotos pornográficas de crianças, 5 fitas de vídeo e 2 DVDs. Os policiais também apreenderam uma agenda, na qual consta o nome

136. Conforme matéria publicada no jomal O Estado de S.Paulo, de 6 jul. 2000.

164

de um americano e seu telefone. O mesmo nome foi achado na casa do professor universitário A.N.F., de 78 anos, preso em junho ao ser flagrado fazendo fotos de uma menor nua em casa. Ele já havia sido preso em 1996 por pedofilia137. Em 2001, a Polícia de São Paulo prendeu quatro pessoas acusadas de integrar uma qua­ drilha de pedofilia, contra a qual havia a suspeita de ter vitimado mais de 50 garotos, entre 11 e 18 anos, em São Paulo. Segundo a polícia, o grupo atuava desde 1997. Apontado como chefe da qua­ drilha, o comerciante H.N.L., de 29 anos, foi preso. Além dele fo­ ram detidos E.F.S., de 35 anos, E.S.S., de 34 anos e C.A.L.S., de 34 anos. Todos estão sendo acusados de corrupção de menores e de desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, por tirar foto­ grafias de menores em cenas obscenas. H.N.L. também responde por atentado violento ao pudor, já que duas testemunhas, segundo a polícia, confirmaram terem sido molestadas sexualmente. A con­ firmação foi feita por dois rapazes que, quando conheceram L., eram menores. Outros sete garotos, um de 11 anos, também presta­ ram depoimento, mas negaram terem sido molestados sexualmen­ te. O Delegado de Polícia Ari Antonio Reginaldo, responsável pelo caso, afirmou que os menores compareceram ao DEIC com paren­ tes e que o “temor reverenciai” pela presença dos pais os teria im­ pedido de confirmar algum abuso sexual. Ele disse ainda que os meninos eram de classe média e média-baixa. Para a Polícia, a qua­ drilha abusava sexualmente de meninos. O Delegado apreendeu na casa do acusado 15 álbuns de fotos, câmeras e fitas de vídeo e um computador com fotos de menores em cenas de sexo retiradas da Internet. Em algumas fotos, os meninos aparecem de shorts e de cuecas, ou abraçados aos acusados. Uma nova investigação visa a descobrir se houve divulgação de fotos pela Internet. Segundo a Polícia, as crianças eram abordadas em portas de escola, fliperamas, shoppings e por meio da Internet. Após um primeiro contato, L. as convidava para um passeio em sua chácara em Bragança Paulista. O Delegado não soube dizer como o acusado convencia os menores

137. Conforme matéria publicada no jomal O Estado de S.Paulo, de 5 jul. 2000.

165

a viajar. Segundo a Polícia, ele mantinha na Internet, no site do serviço “Amigos Virtuais” de um grande provedor nacional, dois perfis para conhecer novas pessoas. O provedor retirou ambos do ar. No primeiro, dizia ter 10 anos, mas com o 2.° grau completo138. Outro caso veiculado pela imprensa diz respeito ao pedófilo L.C. Em 1999, esse jovem de classe média paulistana foi preso em Atibaia (SP), em um acampamento de férias para crianças de classe média. Em seu carro e quarto foram encontradas fotos e vídeos pornográficos de crianças e adolescentes. Na Internet, ele divulgava pornografia infantil e ensinava a outros aliciadores as regras para a conquista de garotos de 10 a 12 anos. A ABRAPIA informou que havia recebido várias denúncias contra esse mesmo indivíduo139.

5. Redes de exploração sexual infanto-juvenil O quadro abaixo organiza os dados das pesquisas e das de­ núncias sobre exploração sexual infanto-juvenil, faltando apenas a organização dos dados das vítimas. Estas, todos sabemos, são crian­ ças e jovens que apresentam características socioeconômicas espe­ cíficas, aliadas a um conjunto de condições que aumentam sua vulnerabilidade. Os relatos apresentados anteriormente dão conta desses fatores. O que falta é a elaboração de um banco de dados que permita compreender os cenários nos quais esses fatores pas­ sam a ter maior importância, para a definição de políticas públicas preventivas específicas e para a definição de estratégias de assis­ tência às vítimas140.

138. Conforme matéria publicada no jom al Folha de S.Paulo, de 7 nov. 2001. 139. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA, ABRAPIA. Sistema nacional de combate à exploração sexual infanto-juvenil. Relatório cumulativo das denúncias recebidas, cit. 140. CENTRO DE REFERÊNCIA, ESTUDOS E AÇÕES SOBRE CRIAN­ ÇAS E ADOLESCENTES, CECRIA. Exploração sexual comercial de meninos, meninas e de adolescentes na Am érica Latina e Caribe, cit.

166

Dados das pesquisas e das denúncias sobre exploração sexual infanto-juvenil Rede de exploração sexual

Boates, hotéis, sexoturismo, garim po, rede de motéis, casas de massagem, prostíbulos/bordéis

Gerentes/donos de hotéis/ prostíbulos, estações rodoviárias, ferroviárias, narcotráfico

Explorador sexual (agressor)

M otoristas de táxi, gigolôs, cafetinas, policiais

Caminhoneiro, patrão/patroa, dono de loja, parentes

Delitos

Tortura, espancamento, ten ta­ M utilação, maus-tratos, tiva de assassinato, estupro, m orte, confinam ento, cárcere privado, seqüestro tráfico/venda

Problemas de saúde

AIDS, DST, aborto

Dependência química, depressão, suicídio

Ação da Polícia e da Justiça

Batidas, prisões, inquérito

Processos

Ação da sociedade civil

Denúncias, campanhas, movimentos

Seminários, serviços de atendim ento às vítim as

Fonte: CECRIA. Exploração sexual comercial de meninos, me­ ninas e adolescentes na Am érica Latina e Caribe. Brasília, 2001.

De acordo com Vicente de Paula Faleiros, “o combate e o des­ monte da exploração sexual de crianças e adolescentes, vale dizer, do tráfico, pelas redes e pelo crime organizado, não podem estar, assim, dissociados do combate e desmonte da violência intrafamiliar, na maio­ ria, praticada dentro dos lares”. Portanto, são necessárias pesquisas, tratamento de dados e criação de indicadores para identificação e especificação do problema, bem como as estratégias para sua minimização progressiva, no contexto social e institucional brasileiro141. Não há um perfil típico de quem abusa ou pratica exploração sexual de crianças. Muitos adultos que se engajam em exploração sexual de crianças não consideram suas ações abusivas. Quem abusa em geral usa um sem-número de justificativas para acreditar que seu

141. Apud LEAL, Maria de Fátima & CÉSAR, Maria Auxiliadora (org.). Indi­ cadores de violência intrafam iliar e exploração sexual comercial de crianças e de adolescentes. Brasília : CECRIA, 2001.

167

comportamento é aceitável. Mas não há desculpas para quem explo­ ra crianças, pois se trata de uma relação desigual, involuntária e ina­ ceitável do ponto de vista legal e ético. O abuso sexual de crianças é um ato de violência. Mesmo quando não há ferimentos físicos, há sempre prejuízo psicológico. Crianças que sofrem abusos têm sua infância negada e traída por alguém que está numa posição de au­ toridade. Pedófilos estão entre os exploradores, mas em geral são criminosos situacionais que, por causa de estresse, ou por conve­ niência ou curiosidade, engajam-se em atividade sexual com crian­ ças. A maioria das crianças vitimada sexualmente que não está en­ volvida no mercado do sexo, sofre abusos por parte de pessoas que conhece142. As forças que perpetuam o abuso sexual e a exploração de crian­ ças são muitas e poderosas: crime organizado, pobreza e desinte­ gração social, tradições, crenças e crescimento do tráfico de drogas. A pobreza cria condição que pode contribuir para a exploração se­ xual, mas a pobreza sozinha não explica por que as crianças são ven­ didas para o sexo comercial. No âmbito internacional, a maior preocupação continua sendo o fato de as crianças e os adolescentes serem um dos grupos etários mais vulneráveis. A pobreza e as crises sociais e econômicas têm, no mundo inteiro, estimulado o tráfico. Em muitas famílias, que já vi­ viam em situação de penúria, as crianças, sobretudo as meninas, pas­ sam a ser vistas como possibilidade real de conseguir algum ganho. As meninas podem ser vendidas pelas famílias a traficantes ou po­ dem ser colocadas em posições vulneráveis como trabalhadoras do­ mésticas em grandes centros urbanos. Crianças provenientes de co­ munidades pobres ou etnicamente minoritárias podem ser vistas como objeto de exploração. Pobreza, discriminação de gênero, conflitos e instabilidade política criam situações nas quais crianças, especial­ mente garotas, são mais facilmente vitimadas.

142. UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND, UNICEF. Profiting from abuse. An investigation into the sexual exploitation of our children, cit.

168

No Brasil, segundo o UNICEF, 2,9 milhões de crianças traba­ lham, ou seja, uma em cada dez crianças trabalha antes da idade regular. Enfim, as crianças e os adolescentes que se prostituem são vítimas, e como tal devem ser tratados. Os verdadeiros culpados são os exploradores e os usuários dos serviços de prostituição infantojuvenil143.

143. SECOND WORLD CONFERENCE AGAINST COMMERCIAL SEXU­ AL EXPLOITATION OF CHILDREN. Trafficking in children fo r sexual purposes: an analytical review, cit.; BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Apurar Responsabilidade pela Exploração e Prostituição Infanto-Juvenil, cit.

169

VI — JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TRÁFICO DE M ULHERES E CRIANÇAS A pesquisa jurisprudencial cingiu-se aos Tribunais, em face da impossibilidade de analisar todas as Comarcas de país com tão vasta extensão territorial como o Brasil. Indica, portanto, somente os ca­ sos em que uma das partes se insurgiu contra a decisão judicial. O trabalho abrangeu, além do tráfico de mulheres (art. 231 do Código Penal), os outros delitos previstos no mesmo capítulo V {Do lenocínio e do tráfico de mulheres). São eles: T ít u l o V I —

Dos c r i m e s

co n tra o s co stum es

Capítulo V — Do lenocínio e do tráfico de mulheres Mediação para servir a lascívia de outrem Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: Pena — reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. § l.° S e a vítima é maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confia­ da para fin s de educação, de tratamento ou de guarda: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. § 2.° Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. § 3.° Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

Favorecimento da prostituição Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitála ou impedir que alguém a abandone:

170

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. § 1.° Se ocorre qualquer das hipótese do § 1.° do artigo anterior: Pena — reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 2.° Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude : Pena — reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, além da pena correspondente à violência. § 3.° Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

Casa de prostituição Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou lugar destinado a encontros para fim libidi­ noso, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do pro­ prietário ou gerente: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Rufianismo Art. 230. Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena — reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1.0Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1. °do art. 227: Pena — reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, além da multa. § 2.° Se há emprego de violência ou grave ameaça: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da multa e sem prejuízo da pena correspondente à violência. Tal opção decorre de se ter entendido importante a elaboração de uma análise comparativa entre a incidência dessas diversas in­ frações, a fim de que se pudesse verificar se o resultado obtido de­ corre de uma tendência generalizada em relação àqueles delitos, ou se é resultante de especificidades que cercam o tráfico de mulheres. Foi por esse mesmo motivo que o delito de redução a condição aná­ loga à de escravo (Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de

171

escravo: Pena — reclusão de 2 a 8 anos) foi catalogado. Nesse caso, tal qual sucede em relação ao tráfico, todas as decisões com as quais se deparou no curso da pesquisa encontram-se arroladas. Por terem sido encontrados muitos julgados acerca dos tipos penais que compõem o capítulo no qual se insere o tráfico, apenas alguns, havidos por mais expressivos, integraram as tabelas. Também é interessante observar que a pesquisa, embora tenha dado ênfase a decisões proferidas nos últimos cinco anos, também trouxe informações envolvendo datas anteriores, a fim de poder tra­ zer mais subsídios. Os quadros, conforme se poderá verificar abaixo, foram sepa­ rados por tipo de infração, Tribunal julgador e Estado em que ocor­ reu o delito, para permitir uma melhor análise dos dados. Pelo que se pôde perceber, o número de casos que chegaram aos Tribunais envolvendo tráfico de mulheres é muito pequeno, o mesmo ocorrendo em relação ao delito previsto no art. 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo). Em relação ao primeiro, foram encontrados 23 julgados, e em relação ao segundo, 16. A situação piora quando se verifica que houve processo em que não restou qualquer condenação. Os números são os seguintes: Redução a condição análoga à de escravo — art. 149 do Código Penal Tribunal SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

172

Estado

N. Referência

Comentário

Resultado

Anol

PARÁ

Habeas Corpus 10.698

Alegação de atipicidade

SÃO PAULO

Recurso em Habeas Corpus 5.831

Alegação de inépcia Negado provimento 1997 e atipicidade

MINAS GERAIS

Processo 164.026-7/00

Necessidade de se­ gura verificação de total sujeição, de supressão do estado de liberdade

PARANÁ Laranjeiras do Sul

Apelação 36744000

Pedido indeferido, 1999 sem julgamento do mérito

Absolvição pela inexistência de provas

2001

Ausência dos requi­ Negado provimen­ 1995 sitos tipificadores to ao apelo da acusação

PARANÁ Umuarama

Apelação 10714200

PARANÁ Bocaiúva do Sul

Apelação 4791200

R 1 0 G R

General Câmara

São N Jerônimo

A

Santo Cristo

Absolvido do crime 1990 do art. 149

Arts. 147 (ameaça) e Dado provimento 1988 207 (aliciamento de parcial ao recurso trabalhadores) absor­ da defesa para vidos pelo art. 149 diminuir a pena

Apelação Criminal Não é qualquer Apelação da defesa 1995 694133075 constrangimento que provida caracteriza Habeas Corpus 692075005

D E

D 0 S U

Arts. 149 e 157 (roubo)

Apelação 697218717

L

Apuração do agir e Denegação da 1992 ordem; sem exame do dolo, matérias a serem apreciadas no do mérito processo Não é qualquer :onstrangimento que caracteriza

Apelo defensivo provido

1998

MATO GROSSO Recurso em Sentido Concessão de liber­ Cassação da liber­ 1996 Félix do Araguaia Estrito 924/95 dade provisória aos dade provisória réus, mesmo demons­ trada violência e grave ameaça

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1* REGIÃO

ACRE

Inquérito 1997.01.00.0 19389-4

Argüição de incom­ Arquivamento e re­ 1997 petência messa para a Justiça Estadual

GOIÁS

Habeas Corpus 1999.01.00.0 82086-9

Arts. 149, CP; art. 203, CP (frustração de direito assegu­ rado por lei traba­ lhista); art. 207, CP (aliciamento de trabalhadores)

Denegação da ordem

2000

MINAS GERAIS

Apelação 01037959

Impossibilidade de absorção do alicia­ mento para fins de imigração (art. 206, CP) pelo art. 149, CP

Absolvição

1995

MATO GROSSO Habeas Corpus 2001.01.00.0 32464-9

Inquérito 01320896

Alegação de atipi- Conceder a ordem 2001 cidade e incompe­ impetrada no que tência da Justiça tange à competência, Federal remetendo para a Justiça Comum Ausência de provas

Arquivamento

1995

173

continuação Tribunal TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.a REGIÃO

Estado

N. Referência

Comentário

Resultado

Anol

PERNAMBUCO

Apelação 1.270

Art. 149, CP; art. 206, CP (aliciamento de trabalhadores)

Absolvição, por falta de provas

1996

TOTAL DE CASOS

16

Lenocínio — art. 227 do Código Penal Tribunal

Estado

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

SÃO PAULO

GUANABARA

N. Referência

Comentário

Resultado

Anol

Habeas Corpus Alegação de falta de Recurso da defesa 46.700 justa causa improvido Recurso Criminal 2.643

Falta do requisito da habitualidade

absolvição

1998

Recurso Extraor­ Alvará não exclui a Conhecido e provi­ 1973 dinário Criminal antijuridicidade; do, mantendo a 75.305 desvirtuamento condenação RIO GRANDE DO SUL

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recurso em Habeas Corpus 7.125

Local com adoles­ centes

SANTA CATARINA

Zona de meretrício, Recurso desprovido, 1971 Recurso em mantendo a Habeas Corpus mesmo que com de­ vido pagamento dos condenação 49.476 impostos, constitui crime

PARANÁ

Recurso Especial Permissão das auto­ Não conhecimento 1998 ridades, ensejando a 146.353 do recurso da crença da licitude da acusação prostituição. Delito não caracterizado

DISTRITO FEDERAL

Apelação 731.084

Jogo do bicho — incentivo

Extinção da punibilidade

1986

Apelação 1.456

Prova da ocorrência Reforma da sentença 1971 para condenar o réu

Apelação 1.149

Art. 17, CP (atual­ Absolvição, aplican­ 1970 mente art. 20) do Medida de Segurança

Habeas Corpus Ilícito, mesmo quando 742 a pensão é licenciada e se localiza na zona boêmia

174

Negar provimento 1998 ao recurso da defesa

Denegação da ordem

1967

Habeas Corpus 503

Pensão na zona meretrícia não desconstitui o crime

Denegação da ordem

Recurso em Habeas Corpus 43.649

Instalada em zona devidamente auto­ rizada

Não constitui o delito

1966

Favorecimento da prostituição — art. 228 do Código Penal Tribunal

Estado

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

PARANÁ

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

N. Referência

Comentário

Recurso Criminal 0 licenciamento não 103.511 é apontado como causa que influa na antijuridicidade

Resultado

Ano

Conhecido e provido

1985

Improvido

1987

Recurso em Habeas Corpus 64.649

Aditamento de denúncia feito por novo Promotor de Justiça, em exercício, para coleta de provas

SÃO PAULO

Recurso em Habeas Corpus 46.700

Falta de justa causa Recurso improvido 1969 não merece ser acolhida

SANTA CATARINA São Francisco do Sul

Apelação 00.001399-4

Favorecimento da Concessão de subs­ 2000 prostituição; crime tituição da pena, permanente; possibi­ de ofício lidade de aplicação de pena substitutiva

PARANÁ

Apelação 53.009-0

Subsiste o delito mesmo ante fraude e ameaça

Recurso da defesa 1997 não provido

Casa de prostituição — art. 229 do Código Penal Tribunal

Estado

N. Referência

Comentário

Resultado

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

DISTRITO FEDERAL*

Apelação 121

Habitualidade

Recurso da defesa 1962 improvido

Habeas Corpus 43.328

Se forem bordéis, impõe-se o fecha­ mento pela Polícia

Ordem concedida 1966

Recurso em Habeas Corpus 43.891

Delito configurado somente na hipótese de ter sido cassada a licença

Provimento

A nol

1967

175

continuação Tribunal

Estado

N. Referência

Comentário

Resultado

Ano

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

DISTRITO FEDERAL*

Recurso em Habeas Corpus 43.649

Casa instalada em zona autorizada

Não configura o crime

1966

GUANABARA**

Recurso em Habeas Corpus 43.597

Havendo prática de lenocínio, cabe à po­ lícia providenciar o fechamento do hotel

Recurso provido

1966

Recurso em Hotel licenciado e em Recurso não provido 1969 Habeas Corpus dia com impostos 47.354 caracteriza o crime quando existir intuito de lucro

176

Não provimento

1967

Recurso em Habeas Corpus 44.067

Prova testemunhal da habitualidade

PARANÁ

Recurso em Habeas Corpus 47.256

Cassação da licença, Recurso da defesa 1969 desvio de sua fina­ desprovido lidade

SÃO PAULO

Recurso em Habeas Corpus 45.272

0 delito não se ca­ Ordem concedida 1969 racteriza quando há prisão de casais, mesmo que solteiros^ decorrente de bati­ das em hotéis devi­ damente licenciados

Habeas Corpus 47.636

Licenciamento. Caracterização do delito

Não provido

1970

Recurso em Habeas Corpus 52.678

Autorização para funcionamento cassada

Recurso desprovido

1974

Recurso em Habeas Corpus 42.658

Hotel licenciado

Recurso provido

1965

Habeas Corpus Licenciamento; o re­ 45.348 cebimento de casais não configura crime

Recurso provido

1968

Recurso em Habeas Corpus 45.348

Hotel licenciado

Recurso provido

1968

Recurso em Habeas Corpus 40.051

Não constitui crime a exploração do comércio hoteleiro

Concessão da ordem

1963

DISTRITO FEDERAL*

PARANÁ

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SANTA CATARINA Canoinhas

Recurso em Habeas Corpus 38.220

Indispensável prova de habitualidade

Prisão relaxada

1967

Recurso em Habeas Corpus 34.154

Prisão preventiva

Prisão mantida

1956

Recurso Especial Eventual tolerância, mesmo que das auto­ 149.070 ridades, não permite a absolvição

Condenação

1998

Habeas Corpus 786.997

Denegação

Art. 229

Apelação 311

Favorecimento, ma­ Provimento parcial 1986 nutenção, habituali­ ao recurso dade, rufianismo, escravidão

Apelação 65049500 Foz do Iguaçu

Habitualidade, me­ Negado provimento 1998 diação, ação direta ao recurso da da intermediante e defesa animus lucrandi

Apelação 32017200 Guarapuava

Irrelevante existência Negado provimento 1994 de alvará para ao recurso da funcionamento defesa

Apelação 53.009-2

Utilização de fraude Negado provimento 1997 ao recurso da defesa

Apelação 17108-5

Erro sobre a ilicitude Recurso defensivo 2000 do ato provido

Rufianismo — art. 230 do Código Penal Tribunal

Estado

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

SÃO PAULO

N. Referência

Comentário

Resultado

Ano

Habeas Corpus Impossibilidade de Denegado, sem 1978 56.408 análise de provas em análise do mérito sede de Habeas Corpus

RIO DE JANEIRO Habeas Corpus 75.648

Individualização da pena; razoabilidade de sua fixação acima do mínimo

Denegado

1997

177

continuação Tribunal SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Estado MINAS GERAIS

DISTRITO FEDERAL*

N. Referência

Comentário

Resultado

Ano

Habeas Corpus Consunção do crime Ordem para excluir 1999 8.914 de favorecimento à da condenação a prostituição pelo de pena do art. 228 rufianismo Apelação 1813097

Necessidade de prova Absolvição mantida 1998

Tráfico internacional de mulheres — art. 231 do Código Penal Tribunal SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Estado

N. Referência

Comentário

DISTRITO FEDERAL

Habeas Corpus 67.816-5

Art. 245, §§ 1.°e 2.°, CP

RIO DE JANEIRO Habeas Corpus 4.243-5

Compete à Justiça Federal processar e julgar delito de trá­ fico internacional de crianças; existindo crime em tese, inviá­ vel o trancamento da ação penal Art. 109, V, CF/88. Tráfico de crianças

Resultado

Ano

Processo e julga­ 1990 mento afetos à Justiça Comum Estadual (aplicação do art. 109, IV,Ve XI, CF) Denegado

1995

PARANÁ Paranacity

Conflito de Competência 63

PARAÍBA

Parto suposto (art. 242 do CP)

Competência da Justiça Federal

Recurso Especial Tráfico internacional 150.247 de crianças

Não conhecer o 1998 recurso da defesa

Recurso em Tráfico internacional Habeas Corpus de crianças 15.580

Declara a compe­ 1989 tência da Justiça Comum

Competência da Justiça Federal

2000

2001

Recurso em O deferimento de Recurso da defesa 1997 Habeas Corpus adoção de menor por improvido 6.322 casal estrangeiro não (199700163679) inibe eventual fraude no procedimento Conflito de Atribuição 52 (199600467269)

178

Art. 245, CP

Remessa à Justiça 1997 Federal; não conhe­ cimento do conflito de competência

MINAS GERAIS Conflito de Com­ Desclassificação para Não caracterização 1998 petência 21.356 favorecimento à do tráfico interna­ Coronel Fabriciano prostituição cional de mulheres Recurso Especial Tráfico internacional Prescrição retroativa 1999 219.841 de criança da pretensão (199900546520) punitiva CEARÁ

Recurso em Tráfico internacional Recurso da defesa 1999 Habeas Corpus de crianças. Falta de não provido 9.149 justa causa, inépcia

BAHIA Conflito de Com­ Feira de Santana petência 24.821 (199900057066)

Art. 239 do ECA. Prova

Se, ao término da 1999 instrução, não há prova do tráfico in­ ternacional, a com­ petência é da Justi­ ça Comum Estadual

PERNAMBUCO Conflito de Com­ Tráfico internacional Compete à Justiça 1997 petência 16.124 de criança. Conflito Federal processar e (199600001987) de competência julgar delito de trá­ fico internacional de crianças (Dec. Legis­ lativo 28/90, Dec. 99.710/90 c/c art. 109, V, CF/88) DISTRITO FEDERAL*

Conflito de Com­ petência 247

Envio de menores para o exterior

Compete à Justiça 1989 Comum Estadual, por não ter o Brasil ratificado qualquer tratado ou conven­ ção a respeito

Conflito de Com­ Tráfico internacional Compete à Justiça 1989 petência 246 de menores Comum Estadual, por não ter o Brasil ratificado qualquer tratado ou conven­ ção a respeito RIO GRANDE DO NORTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SANTA CATARINA

Recurso Especial Art. 239 do ECA 111.451 — Súmula n. 7 do (199600670781) STJ

Condenação mantida

1999

Habeas Corpus 97012059-1

Art. 239 do ECA; competência

Competência da Justiça Federal

1997

Apelação 99.019659-3 Caçador

Art. 238, parágrafo único, do ECA

Cabe à Polícia Federal

2000

179

continuação Tribunal

Estado

N. Referência

Comentário

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2.a REGIÃO

RIO DE JANEIRO

Apelação 1999.02.01. 032211-8

Art. 231 do CP

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3.a REGIÃO

SÃO PAULO

Habeas Corpus 95.03.089086-1

Necessidade da pri­ são por ocorrentes hipóteses autorizadoras da custódia preventiva

Ordem denegada

1995

PARANÁ

Apelação 96.04.10382-2

Desnecessidade do exercício do mere­ trício; envolvimento de crianças e adultos

Consumação

1996

TRIBUNAL REGIONAL DA 4.a REGIÃO

Resultado

Anol

Figura delituosa se 1999 consuma com a pro­ moção ou fadlitação da saída da mulher para o exterior

Recurso em Sen­ Tráfico internacional Presença dos requi­ 2001 tido Estrito de mulheres; prisão sitos autorizadores; 2001.70.02. preventiva decretação da 000606-3 prisão preventiva TOTAL DE CASOS

22

* A organização político-administrativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 18 da CF). * * 0 Estado da Guanabara foi incorporado ao Estado do Rio de Janeiro. M érito Crime

Enfrentado

Não enfrentado

Redução a condição análoga à de escravo

7

2

Tráfico internacional

2

11

T o tal

9

13

Elaborando-se as devidas subtrações, chega-se aos seguintes números: Redução a condição análoga à de escravo

7 casos

Tráfico internacional

10 casos

Diferença desse vulto entre o número de ocorrências e a quantida­ de de responsabilização colabora para dificultar medidas de combate aos delitos, em face da intensa sensação de impunidade por ela gerada

180

Cotejando-se esse número final com o quadro apresentado nos capítulos III, item 5 (trabalho escravo), IV (tráfico de mulheres) e V (tráfico de crianças) do presente Relatório, percebe-se uma enorme discrepância, o que perm ite concluir que há falhas básicas na responsabilização penal dos traficantes. Algumas delas, inclusive, serão objeto de comentário por ocasião das conclusões do Relatório. No que se refere à competência para julgar e processar o tráfico internacional, embora em algumas decisões haja referência à Justiça Comum, tal ocorre, tão-somente, porque na época em que foram exaradas ainda não vigoravam no Brasil os documentos internacio­ nais que versam sobre o assunto. A partir deles, a competência passa a ser regulada pelo art. 109, VI, da Constituição Federal, o qual a atribui à Justiça Federal. Quando a análise recai sobre o local de incidência dos delitos de tráfico internacional, tem-se a seguinte distribuição por Estados: E sta d o da Federação

N. d e casos

PARAlBA

5

DISTRITO FEDERAL*

4

PARANÁ

3

RIO DE JANEIRO, MINAS GERAIS E SANTA CATARINA

2

BAHIA, PERNAMBUCO, RIO GRANDE DO NORTE E SÃO PAULO

1

* A organização político-administrativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (Art. 18 da Cons­ tituição Federal).

A informação acima, vista isoladamente, não indica que nos Estados que deixaram de ser mencionados o delito de tráfico de mu­ lheres não ocorre. O fato de em outros serem constatadas ocorrên­ cias pode, tão-só, significar maior empenho e eficiência das autori­ dades responsáveis pelo combate ao delito. É de notar-se que a parcela mais significativa das vítimas constitui-se de crianças ou adolescen­ tes (17 dos 22 casos acima apontados). N os d elito s de len o cín io (art. 227 do C ódigo P enal), favorecimento à prostituição (art. 228 do Código Penal) e rufianismo (art. 230 do Código Penal), julgados mais recentes têm acolhido a

181

tese de erro sobre a ilicitude do fato. É de se anotar, ainda, que pou­ cas são as condenações por esses crimes, sendo que, das existentes, grande parte provém das décadas de 1960 e 1970, o mesmo aconte­ cendo em relação ao delito previsto no art. 229 do Código Penal (casa de prostituição). Difere, entretanto, este último pelo fato de existir abundância de decisões a seu respeito. E, por último, ainda subsiste controvérsia acerca da possibilidade de configuração do cri­ me previsto no art. 229 do Código Penal, nas hipóteses em que o estabelecimento possua licença de funcionamento.

182

VII — INICIATIVAS DE PREVENÇÃO E REPRESSÃO NO BRASIL E RECOM ENDAÇÕES As iniciativas brasileiras, nos últimos anos, para combater a exploração sexual e o tráfico de mulheres e crianças estão resumidas a seguir:

1 . Programas e instituições de intervenção e de assis­ tência às vítimas • Estabelecimento de Convênios com Secretarias Estaduais de Bem-Estar Social, para que o Conselho de Direitos da Mu­ lher criasse estabelecim entos de refúgio para mulheres agredidas e seus filhos, a partir de 1986. • Elaboração e implementação das Políticas de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, articulan­ do as seguintes ações: aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); investigação dos crimes federais liga­ dos à exploração de crianças e adolescentes, como o tráfico de crianças; atuação junto a agências, operadoras, hotéis e transportadoras, tendo em vista a desvinculação da imagem do País de qualquer expressão tendente ao apelo sexual; fis­ calização das atividades turísticas no País e descredenciamento das operadoras envolvidas em exploração sexual de crianças e de adolescentes (2000). • Implementação, em nível nacional, das recomendações da 1 l.a Assembléia-Geral da Organização Mundial de Turismo, realizada no Cairo, Egito, em outubro de 1995, especialmen­ te no que tange ao combate ao chamado “sexoturismo”, en­ volvendo crianças e adolescentes (1999).

183

Implantação do Projeto Casa de Zabele, em Teresina (PI), que fornece suporte psicológico, social e educacional para meninas de 9 a 16 anos que sofreram abuso sexual ou estão em situação de risco. Em 2000, 104 garotas provenientes de 87 famílias participaram do projeto, que encorajou discus­ sões sobre como prevenir e combater abusos sexuais, violên­ cia doméstica e trabalho infantil. A maioria das participantes sofreu abuso em casa, e 20% delas estavam envolvidas no comércio sexual. Promulgação da Lei n. 8.242, de 12-10-1991, que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que tem a incumbência de elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, fiscalizando sua execução. O CONANDA é integrado por representantes do Poder Execu­ tivo, assegurada a participação dos órgãos executores das políticas sociais básicas na área de ação social, justiça, edu­ cação, saúde, economia, trabalho e previdência social, e, em igual número, por representantes de entidades não-govemamentais de âmbito nacional de proteção dos direitos da criança e do adolescente. Implantação e funcionamento da rede de Conselhos de Di­ reitos e Tutelares da Criança e do Adolescente, em 1991. A política nacional está assentada na articulação dos órgãos do sistema de garantias de direitos e dos órgãos especializados das áreas de segurança, justiça e atendimento. Em 2001, o País contava com Conselhos Tutelares em 2.700 municípios. Implantação das Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAMs) em todo o Brasil, processo iniciado em 1986, em São Paulo. As D EA M s p restam serv iço s especializados às vítimas e contam com policiais treinadas para o cumprimento de funções relacionadas à aplicação da lei, e algumas delas oferecem serviços sociais e psicológicos integrados. Pesquisa realizada em 2000 identificou sérios problemas nas DEAMs, que devem ser corrigidos com urgên­ cia. Por exemplo, as delegacias não estão suficientemente

equipadas para atender às mulheres, e as policiais carecem de cursos de capacitação. Além disso, nos delitos sexuais, as vítimas devem se submeter a exame de corpo de delito no Instituto M édico Legal (IM L), órgão policial que está despreparado para atender e compreender as necessidades e direitos das mulheres. • Implantação de serviço de atendimento às vítimas de violên­ cia sexual, Programa Bem Me Quer, do Hospital Pérola Byington. O hospital ainda realiza exames de corpo de delito nos casos em que houve estupro.

2. Programas de ação, sistem as de denúncia e accountability • Criação da Rede Nacional de Controle à Exploração, Abuso Sexual e Maus-Tratos de Crianças e Adolescentes, como re­ sultado do Seminário sobre o tema, que reúne entidades na­ cionais do Governo e da sociedade civil, além de represen­ tantes de organizações internacionais, com o objetivo de produzir propostas de políticas e ações para o enfrentamento da exploração e abuso sexual. • Elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em 1996, que estabelece, entre várias metas, a implementação das disposições da Conferência Mundial de Viena, de 1993, da Convenção de Belém, de 1996, e da Con­ ferência Mundial de Beijing, de 1995. Desde sua elaboração, o PNDH tem estimulado um conjunto importante de iniciati­ vas e de campanhas sobre a violência contra a mulher, que ainda necessita de tempo para ser avaliado. O PNDH apoiou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e o Programa Nacional para Prevenir a Violência contra a Mulher. O PNDH prevê, ainda, a educação do público a respeito da discrimina­ ção e da violência contra a mulher e das garantias disponí­ veis e promoção de estudos estatísticos sobre a situação da mulher no mercado de trabalho. Desde o ano de 1999, o PNDH vem sendo submetido a processo de consulta pública para a

185

inclusão de provisões relativas aos direitos políticos, econô­ micos e culturais. • Lançamento, em 1996, do Programa Nacional para Prevenir e Combater a Violência Sexual e Doméstica. • Aprovação, em 2000, do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. O plano indica ações e estratégias que envolvem prevenção, atendimento, defesa, responsabilização e protagonism o in fanto-juvenil. A ABRAPIA é responsável, no referido Plano Nacional, por parte das ações de mobilização e articulação da sociedade civil e mídia e pela operação do Disque-Denúncia Nacional.

3. Seminários e fóruns • Realização do Seminário contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em Brasília, em abril de 1996. O seminário contou com apoio do Governo Federal e reuniu pesquisadores e formuladores de políticas de vários países do continente. • Congresso Internacional sobre Proteção de Crianças de Ex­ ploração Sexual no Turismo, promovido, em dezembro de 2001, em São Paulo pela Embratur. • Realização, em dezembro de 2001, do Seminário Internacio­ nal “Violência contra a Mulher: Tráfico de Seres Humanos”, pelo Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF) de São Paulo e pela Secretaria da Assistência e Desenvolvimen­ to Social, para discutir a dimensão e as iniciativas brasileiras relativas ao tema, e como parte do Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher. Foram discutidos os seguintes temas: “Globalização e Tráfico de Seres Humanos”, Salle Neumann (Bureau for International Narcotics and Law E nforcem ent A ffairs, EUA), Pedro F rederico G arcia (Itamarati), Washington Nascimento de Melo (Chefe da Interpol no Brasil), Maria Aparecida de Laia (CECF); ‘T rá ­ fico: Violação de Direitos Humanos”, Gustavo Üngaro (Se­ cretário Estadual Adjunto da Justiça e da Cidadania), Orlando

186

Fantazzini (Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados), Renato Simões (Presidente da Comissão de Di­ reitos Humanos da ALESP), Ana Paula Zomer (Instituto Bra­ sileiro de Ciências Criminais), Sônia Maria do Nascimento (Instituto da Mulher Negra — Geledés), Priscila Siqueira (Serviço à Mulher Marginalizada), Maria Esteia Segatto Correa (Elas por elas na política. Tráfico de mulheres e ado­ lescentes), Maria Jaqueline de Souza Leite (Centro Humani­ tário de Apoio à Mulher), Albertina Duarte (Programa Saúde da Mulher e da Adolescente), Maria Lúcia Leal (Centro de Referência e Ações sobre Crianças e Adolescentes), Maria Liege Rocha (União Brasileira de Mulheres). Material de parte das apresentações e a gravação do transcorrer do seminário estão disponíveis no CECF. • Realização, em novembro de 2000, do Primeiro Seminário Internacional sobre o Tráfico de Seres Humanos, organizado pelo Ministério da Justiça, pelo Escritório das Nações Uni­ das para o Controle de Drogas e Prevenção ao Crime e pelo Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas. O seminário é parte integrante do Programa Glo­ bal contra o Tráfico de Seres Humanos, aprovado pelas Na­ ções Unidas em 1999. No seminário foram discutidos os “Aspectos Legais e Sociais do Tráfico de Seres Humanos em Portugal: o Novo Protocolo da ONU Relativo ao Tráfico de Seres Humanos”, por Euclides Dâmaso Simões, ProcuradorGeral ad interim e Diretor de Investigação Criminal de Por­ tugal; “O Papel da Interpol no Combate ao Tráfico de Seres Humanos”, Sr. Hamish McCulloch, Especialista, Interpol, Paris. Também foi apresentado o tema ‘Tráfico de Imigran­ tes e Cooperação Internacional”, por Luiz Paulo Barreto, Chefe do Departamento de Estrangeiros, Ministério da Justi­ ça; “A Experiência do Ministério Público Federal da Bahia: Adoção Internacional e Tráfico de Crianças”, por Robério Nunes dos Anjos Filho, Procurador da República do Estado da Bahia, Procuradoria-Geral da República; e a “Adoção versus Tráfico de Seres Humanos”, por Tito Caetano Corrêa,

187

Chefe do Departamento de Polícia Marítima, Aérea e de Fron­ teiras, Departamento de Polícia Federal. Foi discutida tam­ bém “A Ação da Interpol e do Departamento de Polícia Fe­ deral (DPF) na Prevenção e Repressão ao Tráfico de Seres Humanos”, por Washington do Nascimento Melo, Chefe da Interpol (DPF); e o “Papel da Rede Consular Brasileira na Questão de Tráfico de Seres Humanos: Papel, Atribuições e Responsabilidades”, por Pedro Frederico Garcia, Subchefe da Divisão de Assistência Consular, Ministério das Relações Exteriores. Ainda foram discutidas as “Implicações da De­ linqüência Organizada no Tráfico de Seres Humanos. Cau­ sas do Aumento da Participação de Quadrilhas no Tráfico de Seres Humanos”, por José Garcia Santalla, Chefe da Unida­ de Central de Luta Contra as Redes de Imigração Ilegal e Documentos Falsificados, da Espanha, e a “Imigração Legal e Ilegal: Pesquisa sobre Trabalhadores Estrangeiros em Isra­ el”, por Hagai Hersl, Conselheiro Sênior do Ministro de Se­ gurança Pública para Trabalhadores Estrangeiros e Imigra­ ção Ilegal, de Israel. Os debates prosseguiram com a discussão da “Abordagem Estratégica do Reino Unido no Combate ao Crime Organizado, em Especial à Imigração Ilegal”, por John Dillon, Detetive Inspetor Chefe da Scotland Yard, e Sr. David Pryde, Detetive Superintendente da Scotland Yard, Reino Unido; “O Tráfico de Mulheres para Fins de Prostituição em Israel”, por Abraham Dawidowicz, Superintendente da Ses­ são de Investigação da Polícia Israelense, Israel. No debate, foram apresentados “Dois Casos Concretos Envolvendo Por­ tugal como País Destinatário e País de Origem. Enqua­ dramento Legal e Dificuldades da Investigação”, por José Almeida Rodrigues, Inspetor da Polícia Judiciária, Portugal, e “Combatendo o Tráfico de Seres Humanos: um Relatório dos Países Baixos”, Sra. Monika Smit, Escritório do Relator de Tráfico de Seres Humanos, Ministério da Justiça, Holanda; a “Experiência Espanhola: a Imigração, Aspectos Jurídicos (Especial Referência à Imigração Ilegal e ao Tráfico de Se­ res Humanos)”, por Isidoro Hidalgo Baras, Promotor-Chefe

188

de Cádiz, Espanha, e “Os Esforços do FBI para Combater o Tráfico Ilegal de Seres Humanos no Mundo”, por Thomas Fuentes, Chefe da Seção de Crime Organizado do FBI, Esta­ dos Unidos. Apesar da dimensão do seminário e da profundi­ dade com que muitos temas foram tratados pelos expositores e debatedores, e não obstante terem sido formuladas reco­ m endações, ao final do sem inário o m aterial não foi disponibilizado para acesso e consulta pública, o que é uma limitação lamentável, dada a carência de iniciativas na área.

4. Campanhas e eventos • Realização de Audiência Pública para Discussão do Tráfico de Crianças e Mulheres para Fins de Exploração Sexual, em 29 de agosto de 2001, pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados. Presentes: Maria Lúcia Leal (CECRIA); Alison Sutton (UNICEF); M aria Inês Bierrembach (DCA do Ministério da Justiça); Jairo Cruz Pinto (Interpol); Pedro Frederico Garcia (Ministério das Relações Exteriores); e os seguintes Deputados Federais: Padre Ro­ que, Regis Cavalcante, Nélson Pellegrino, Luiz Eduardo Greenhalgh, Fernando Ferro, Rita Camata, Orlando Fantazzini e Moroni Torgan. Câmara dos Deputados, Comissão de Di­ reitos Humanos. A transcrição da audiência está disponível para consulta e cópia na CDH. • Disseminação do Código de Conduta para Proteger Crianças contra Exploração Sexual em Viagens e Turismo, em 1995, elaborado pela Organização Mundial do Turismo (OMT) e pela ECPAT internacional. • Instituição do Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual Infanto-Juvenil, celebrado no dia 18 de maio. • Implantação, pelo CEDECA (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) da Bahia, de Campanha contra o Turismo Sexual, em 1995. Com a Campanha, cujo slogan era “Quem cala, consente”, foi instalado um disque-denúncia sobre ex­ ploração sexual de crianças e de adolescentes. A partir desse

189

trabalho, foi criado o Serviço Público Estadual de Denún­ cias, S.O.S. Criança. Foi criado um folheto que é distribuído pela Polícia Federal a todo turista que chega a Salvador. Tam­ bém foi estabelecido um disque-denúncia. Entre 1995 e 1998 foram recebidas 10 mil denúncias. Foi estabelecida também uma rede de denúncias composta pelas Varas Criminais da Infância e Juventude e por 70 entidades da sociedade civil, além de ter sido estabelecido convênio para a prestação de atendimento às vítimas junto ao Tribunal de Justiça da Bahia. • Realização da Campanha Nacional de Enfrentamento da Vi­ olência Sexual Infanto-Juvenil (2002-2003), organizada pela Embratur, SEDH, SEAS e outros. A oficina foi realizada em junho de 2001. • Realização da Conferência Regional sobre o Combate à Ex­ ploração do Turismo Sexual Infanto-Juvenil, em São Paulo, em dezembro de 2001, organizada pela Embratur, OMT e ONGs parceiras. Essa iniciativa decorre da estratégia global da OMT, que criou uma Força-Tarefa contra a Prostituição Infantil e Turismo, em 1997, após a Agenda de Ação de Esto­ colmo (1996).

5. Programas de suporte às OSCs de direitos humanos • Suporte técnico e financeiro a organizações da sociedade civil de promoção e defesa jurídico-social dos direitos da criança e do adolescente. Suporte técnico e financeiro aos Conselhos Tutelares, aos Centros Operacionais das Promotorias de Infância e Juventude, aos Juizados Especiais, às De­ legacias Especializadas de Proteção à Criança e ao Adoles­ cente e outros. • Estabelecimento de acordo de cooperação técnica e finan­ ceira com o UNICEF, com especial ênfase na implemen­ tação de programas conjuntos de proteção jurídico-social a crianças e adolescentes em situação de abuso e explora­ ção sexual.

190

6. Programas de informação, capacitação e pesquisa • Implantação do SIPIA, sistema de registro e tratamento de informações sobre a garantia dos direitos fundamentais pre­ conizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que enfoca o perfil da pessoa explorada sexualmente, as caracte­ rísticas do agressor, o registro da situação e outros dados re­ levantes. Formação, treinamento e capacitação dos agentes públicos governamentais, juizes de Direito, membros do Ministério Público, agentes de Segurança Pública e organi­ zações não-governamentais dedicadas à promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes abusados e explora­ dos. Capacitação de profissionais de saúde da rede pública para assegurar a identificação de vítimas de violência e de seus agressores, a redução ao mínimo das seqüelas físicas e psíquicas e a comunicação aos Conselhos Tutelares para as providências legais. • Execução do Projeto “A Promoção de Direitos de Mulheres Jovens no Brasil, Vulneráveis ao Abuso e à Exploração Sexual Comercial”, desenvolvido pelo M inistério da Jus­ tiça, em cooperação com o UNIFEM, que propõe a reali­ zação de mapeamentos e avaliação de programas e proje­ tos de enfrentamento da violência sexual, identificação e disseminação de experiências bem-sucedidas, capacitação de profissionais. • Criação da RECRIA, Rede Nacional de Informações sobre Violência, Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil, em 1996, pelo Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça. Articulação com a Associação Brasi­ leira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescên­ cia, ABRAPIA, para a manutenção de um disque-denúncia e para o encaminhamento dessas denúncias para a autoridade competente, inclusive denúncias sobre tráfico. • Realização, em 2001, da Pesquisa Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual no Brasil, pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre

191

Crianças e Adolescentes (CECRIA), a Organização dos Es­ tados Americanos (OEA) e o Ministério da Justiça, entre ou­ tros parceiros governamentais e não-govemamentais, nacio­ nais e internacionais. A pesquisa procura, a partir de focal points, estabelecer estratégia nacional para a construção de capacidade do Governo e da sociedade civil para enfrentar o problema do tráfico de mulheres e crianças. A pesquisa faz parte das iniciativas preliminares para a elaboração de uma Convenção Interamericana sobre Tráfico de Mulheres e Crian­ ças. A OIT investiu 130 mil reais numa fase do projeto que fará o levantamento das rotas do tráfico na região Norte do Brasil. As regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste estavam incluídas no levantamento de dados nacionais. Realização de pesquisa sobre Tráfico de Jovens do Brasil para a Espanha, Alemanha e França, pelo Coletivo Mulher Vida, do Recife (2001). Anúncio, em 2001, pelo Ministério da Justiça, do Programa de “Fortalecimento Institucional contra o Tráfico de Seres Humanos no Brasil”, que pretende estabelecer um banco de dados, desenvolver treinamento em relação à investigação e instauração de processos e desenvolver cam panhas de conscientização e prevenção. O programa se beneficia de uma parceria com o Centro das Nações Unidas para a Prevenção Internacional do Crime (CICP) e está dentro do Programa Global da ONU contra o Tráfico de Seres Humanos. O traba­ lho inicial se concentrará na análise dos dados disponíveis sobre o tráfico humano nos Estados brasileiros. O programa propõe criar também um banco de dados sobre as organiza­ ções e rotas utilizadas pelos criminosos, para ter o intercâm­ bio de informações e desenvolver operações com os demais países envolvidos. O Programa está em conformidade com as disposições da Convenção contra o Crime Organizado Transnacional e seus Protocolos. Criação, por parte de Cristina Leonardo, ativista de Direitos Humanos, de um site sobre conhecidos traficantes de mulhe­ res. A idéia é criar uma central telefônica nacional e interna-

cional para que as pessoas possam fazer denúncias. Por in­ termédio do Centro de Defesa Brasileiro (CDB), a ativista procura criar programas de capacitação on line para polícias, tribunais e sociedade civil. • Edição da Cartilha Trabalho precoce. Saúde em risco, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Inspeção do Trabalho, 2001.

7. Medidas de caráter legal e diplomático • Assinatura, pelo Brasil, do Protocolo da ONU para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mu­ lheres e Crianças, que suplementa a Convenção contra o Cri­ me Organizado Transnacional, adotada pela ONU em novem­ bro de 2000. • Ratificação da Convenção OIT n. 182, relativa à Proibi­ ção e Imediata Ação pela Elim inação das Formas mais Graves de Trabalho Infantil, em 2000, e assinatura do Pro­ tocolo Opcional da Convenção dos Direitos da Criança sobre a Venda de Crianças, a Prostituição e Pornografia Infantis, em 2000. • Ratificação da Convenção sobre Cooperação Internacional e Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional, de Haia, em 1995. A Convenção estabeleceu garantias para que as adoções internacionais sejam feitas se­ gundo o interesse superior da criança e com respeito aos seus direitos fundamentais. A Convenção procura instaurar um sistema de cooperação entre os Estados para assegurar o res­ peito às mencionadas garantias, prevenindo o seqüestro, a venda e o tráfico de crianças, além de garantir o reconheci­ mento das adoções realizadas segundo as normas por ela estabelecidas. • Proposição ao Congresso Nacional de alteração na legisla­ ção no que se refere aos crimes de exploração sexual infantojuvenil.

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• Comunicação à representação consular sobre envolvimento de cidadão estrangeiro na prática de abuso ou exploração se­ xual de crianças e adolescentes para que, após sua responsa­ bilização no plano intemo, seja ajuizado o competente pro­ cesso no país de origem do acusado, quando previsto em sua legislação. • Realização da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Prostituição e Exploração Sexual Infantil na Câmara dos Deputados, em 1993, que estudou denúncias, mapeou o pro­ blema, identificou áreas de risco e esquemas de exploração, tomou providências e propôs medidas concretas de preven­ ção e repressão. O Relatório Geral da CPI está disponível para consulta e cópia na seção de documentação da Câmara dos Deputados.

8. Recomendações e plataforma de ação para o Brasil e América Latina144 Princípios fundam entais e norm as gerais 1. O Governo deve tratar as vítimas do tráfico de mulheres e crianças a partir de uma perspectiva de direitos humanos e trabalhis­ tas; não como criminosas ou imigrantes ilegais. 2. As medidas antitráfico não devem discriminar, criminalizar, estigmatizar ou isolar as mulheres e crianças, pois isso as toma mais vulneráveis a outras violações. 3. As medidas devem ser sensíveis às questões de gênero. Ou seja, devem ser tomadas medidas adicionais para assegurar a plena participação das mulheres na vida econômica, evitando especialmente a disparidade de remuneração, assegurando o pleno gozo dos direi­ tos trabalhistas e evitando práticas discriminatórias.

144. Essas recomendações estão em consonância com os principais instrumen­ tos internacionais e também foram extraídas de diversos documentos e relatórios da ONU, OEA, UNICEF, OHCHR, GAATW, Primeiro Seminário Internacional sobre Tráfico de Seres Humanos, ESCAP e ECPAT.

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4. As mulheres, como vítimas do tráfico, devem receber garantias de viver livres de perseguição ou do assédio de pessoas que ocupam po­ sição de autoridade. Elas devem receber cuidados médicos e psicológi­ cos adequados. A elas deve ser garantido o acesso à realização de testes de HTV, quando solicitados, o acesso a um tradutor competente durante todos os procedimentos legais e assistenciais, acesso à documentação necessária à sua regularização, assistência jurídica gratuita, acesso à pos­ sibilidade legal de compensação ou indenização por danos econômicos, físicos e psicológicos causados pelo tráfico e/ou por pessoa em situação de autoridade e poder antes, durante e depois da exploração. 5. As mulheres traficadas não devem ser deportadas caso haja possibilidade de estarem correndo riscos. Todas as deportações de­ vem ser realizadas de acordo com a lei. 6. A história e a ocupação da vítima não serão utilizadas contra ela, nem deverão servir de argumento para desqualificar seu pedido de ajuda ou para a decisão de não processar o agressor. Por exemplo, os agressores serão proibidos de usar em sua defesa a qualidade da vítima como traba­ lhadora do sexo ou doméstica. A história da vítima não deve ser objeto de registro público ou privado e não deve ser usada para prejudicar seu direito de viajar, casar e buscar emprego bem remunerado. 7 .0 Govemo deve, em conjunto com as OSCs que atuam na área, desenvolver programas de capacitação para funcionários governamen­ tais e membros de grupos da sociedade civil, incluindo pessoal da imi­ gração, da fiscalização de fronteiras, de consulados e de alfândegas e representantes do Ministério das Relações Exteriores, considerando os riscos e os direitos das vítimas. Tais programas não devem criar “perfis” de vítima que impeçam as mulheres de receber vistos e passaportes. Deve-se estabelecer a consciência de que a causa primordial do tráfico de pessoas é o desrespeito aos seus direitos, a pobreza e a deficiente inserção social e política das mulheres e crianças em sua sociedade. C onvenções e Protocolos relativos à discrim inação, violên ­ cia, exploração sexual e tráfico de pessoas, principalm ente m ulheres e crianças 8. O Govemo necessita proceder com brevidade à ratifica­ ção da Convenção contra o Crime Organizado Transnacional e do

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Protocolo Relativo ao Tráfico de Pessoas, Especialmente M ulhe­ res e Crianças. 9. O Governo deve praticar a cooperação entre Ministérios res­ ponsáveis por áreas como a justiça, as polícias, a saúde, a segurança social, o poder local e a sociedade civil, quer em nível nacional, quer internacional. 10. O Governo deve considerar a possibilidade de solicitar ao Escritório da ONU para o Controle de Drogas e Prevenção ao Crime (ODCCP) assistência técnica para a implementação de políticas con­ dizentes com os novos instrumentos internacionais. Essa mesma as­ sistência técnica está disponível em diversas agências internacionais, mas, principalmente, no Departamento de Estado dos Estados Uni­ dos e no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Hu­ manos (OHCHR) da ONU. 11. O Governo deve considerar a ratificação dos Protocolos Opcionais à Convenção dos Direitos da Criança. 12. O Governo deve envidar esforços para implementação adi­ cional da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Dis­ criminação contra a Mulher. A eliminação de toda e qualquer forma de discriminação contra a mulher é uma meta a ser realizada de ma­ neira progressiva e sem retrocessos. 1 3 .0 Govemo está convidado a elaborar e pôr em prática, em conjunto com as OSCs, planos de ação de cinco anos, para serem capazes de enfrentar questões prementes, de forma integral e com resultados mensuráveis. C ooperação regional e internacional 14. O Govemo deve fazer esforços coordenados entre agências e organizações internacionais para fazer uso da abordagem de direi­ tos humanos de mulheres e crianças como base de todas as suas ações. Dentre essas ações, devem figurar a criação e a ampliação de empre­ gos legais para mulheres imigrantes, legais ou ilegais, e para mulhe­ res traficadas. 1 5 .0 Govemo deve desenvolver acordos bilaterais de coopera­ ção judiciária e policial em matéria penal, de caráter preventivo, como

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o controle de fronteiras e medidas que dificultem ou impeçam a fal­ sificação de documentos, e/ou de caráter repressivo-punitivo, como o confisco, entrega de bens ou extradição de traficantes, e outras medidas no âmbito do Judiciário. 16.0 Governo e as agências internacionais devem considerar a necessidade de compilar e manter banco de informações sobre ini­ ciativas bem-sucedidas e outros documentos de interesse para a pro­ teção dos direitos humanos das pessoas vitimadas ou vulneráveis ao tráfico. 1 7 .0 Governo deve também procurar assistência técnica e finan­ ceira junto às agências internacionais: para produzir guias de recursos legais e institucionais para combater o tráfico; para organizar encon­ tros sub-regionais com a participação ampla de todos os setores; para fortalecer as redes nacionais, sub-regionais e regionais para a troca de experiências e informações; para elaborar e estabelecer unidade re­ gional para coleta e disseminação de dados e experiências. 18. Agências regionais devem ser convidadas a formar uma Força-Tarefa sobre tráfico de mulheres e crianças, a ser reunida periodicamente para trocar informações e implementar programas de cooperação. L egislação nacional 19. O Govemo deve promover a adequação de sua legislação nacional aos instrumentos internacionais relativos ao tráfico de pes­ soas e implementar programas de ação para o enfrentamento do mes­ mo, que incluem medidas preventivas, repressivas e assistenciais. 2 0 .0 Govemo deve criar garantias, em seus sistemas jurídicos, com particular relevância para a proteção das vítimas. 2 1 .0 Govemo deve instituir leis que especifiquem tipos penais adequados para a punição do tráfico de mulheres e crianças e rela­ cionem esses tipos às figuras penais existentes, sobretudo aquelas referentes à exploração sexual e ao trabalho forçado. 22. O Govemo deve fiscalizar as atividades de agências de tu­ rismo, de modelos, de adoção e de casamento, e regras precisas de­ vem ser emitidas para esses casos particulares. As atividades da rede

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hoteleira, de boates e de clubes noturnos devem ser regulamentadas, e as medidas punitivas, ressaltadas. Toda viagem de crianças deve ser objeto de vigilância pelas autoridades rodoviárias e de imigração. Políticas e m edidas preventivas 23. O Governo deve reforçar e capacitar as estruturas locais existentes no sentido de dar-lhes condições para reduzir a explora­ ção sexual e o tráfico de pessoas. 24. O Govemo deve promover campanhas educacionais para alertar as pessoas sobre as formas de abuso de mulheres e crianças traficadas. As campanhas devem ser seguidas pela elaboração e dis­ tribuição de material informativo descrevendo os riscos inerentes ao tráfico e ressaltando informações importantes sobre direitos civis e trabalhistas, bem como endereços de organizações que oferecem su­ porte às vítimas. No mesmo sentido, o Govemo deve estabelecer centros de informação sobre trabalho que forneçam dados atualizados e práticas sobre todos os aspectos da migração para fins de trabalho. 25. O Govemo deve aprofundar o estudo e a compreensão so­ bre a prostituição e o trabalho escravo de mulheres e meninas exis­ tentes nas diferentes regiões do País, para permitir o planejamento de estratégias adequadas para a proteção das vítimas, a investigação dos crimes e a punição dos responsáveis. 2 6 .0 Govemo deve coordenar a repatriação segura e voluntária das pessoas traficadas e providenciar suporte para programas gover­ namentais ou não-govemamentais para a inserção de mulheres no m ercado de trabalho, o que envolve, inclusive, program as de capacitação e de extensão das experiências de cooperativas de mu­ lheres para as regiões mais carentes do Brasil. O mesmo deve ser feito com as crianças, no sentido de vinculá-las mais estreitamente à escola e à comunidade local. 27. O Govemo deve: coletar e publicar dados sobre os esfor­ ços governamentais para enfrentar o problema do tráfico em todas as suas dimensões; documentar o sucesso e/ou dificuldades encon­ trados nas experiências de parceria e cooperação; relacionar os ser­ viços e a assistência dados às vítimas do tráfico; informar sobre a

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situação dos casos de tráfico na justiça criminal; mensurar os efei­ tos das medidas adotadas sobre a situação das vítimas e o tráfico propriamente dito. M edidas de caráter repressivo 28. O Governo deve reconhecer que o tráfico é apenas um dos crimes cometidos contra as pessoas vitimadas. O Governo deve en­ quadrar os responsáveis como autores de crimes de: estupro, assé­ dio, violência sexual, assassinato e rapto; tortura, tratamento cruel, desumano ou degradante; escravidão ou práticas similares à escravi­ dão, servidão involuntária, trabalho forçado ou compulsório; cati­ veiro por dívida; casamento forçado, aborto e gravidez forçada. 29. O Governo deve assegurar que o processo não ocorra em detrimento ou prejudique os direitos da pessoa traficada e que seja consistente com a segurança psíquica e física da pessoa traficada e das testemunhas. No mínimo, o Governo deve assegurar: que o ônus da prova recaia sobre a Promotoria e não sobre a vítima; que a Promotoria chame a depor ou consulte ao menos um especialista sobre os efeitos do tráfico na vítima; que os métodos de investigação, detecção, coleta e interpretação de provas minimizem a intrusão, não degradem a vítima nem reflitam uma visão tendenciosa de gênero. O Governo deve informar à pessoa traficada seu papel, o escopo, dura­ ção e progresso do julgamento e a disposição de seu caso. 3 0 .0 Governo deve assegurar que, quando uma pessoa for acu­ sada de algum crime, durante o processo em que figure como vítima do tráfico, tenha oportunidade de alegar dificuldade ou coerção, e a mesma prova deve ser considerada como fator de mitigação da pena, caso seja condenada. Em casos envolvendo acusação de ter cometi­ do crime contra o traficante, inclusive homicídio, a vítima deve ter a oportunidade de alegar autodefesa e apresentar prova de ter sido traficada, e essa prova deve ser considerada como fator de mitigação da pena, caso seja condenada. Julgamentos envolvendo imigrantes traficados devem ser conduzidos de acordo com as determinações do art. 5.° da Convenção de Viena e outros documentos aplicáveis. O Governo que presta assistência a seus cidadãos deve agir em prol dos interesses da pessoa traficada.

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M edidas assistenciais e de proteção às vítim as 31. Para obter condenações de traficantes, o Governo deve implementar políticas e leis que permitam às vítimas a confiança necessária no sistema legal para que procurem ajuda, denunciem e, caso queiram, prestem testemunho em juízo. 32. O Governo deve providenciar medidas de segurança para a pessoa traficada, seus familiares ou amigos. O Governo deve provi­ denciar a inclusão dessas pessoas em Programas de Proteção à Tes­ temunha ou mesmo sua mudança de identidade. O Governo deve manter a pessoa traficada, seus familiares ou amigos informados das medidas tomadas contra ou em favor do traficante: prisão, julgamen­ to, soltura ou liberdade condicional. 33. O Governo deve fornecer informações sobre os direitos das pessoas traficadas ou imigrantes ilegais vítimas de tráfico. 34. O Governo não deve deter ou julgar pessoas traficadas por crimes cometidos em decorrência da situação de vítima, inclusive falta de visto válido, prostituição ou permanência ilegal. 35. O Governo não deve manter pessoas traficadas em centros de detenção, cadeias ou prisões em nenhum momento, antes, duran­ te ou após os procedimentos civis, criminais ou outros. 3 6 .0 Governo deve ser estimulado a estabelecer unidades poli­ ciais e Promotorias especializadas, treinadas para lidar com as ques­ tões de gênero e com as vítimas sensibilizadas pelo envolvimento com o tráfico. 37. O Governo deve tomar todas as medidas necessárias para que as pessoas traficadas tenham o direito de mover ação criminal contra os traficantes e outras pessoas que tenham abusado delas. No caso do traficante que tem imunidade diplomática, os Estados de­ vem suspendê-la ou expulsar o diplomata. 38. O Governo deve confiscar os bens dos traficantes condena­ dos e usá-los para o pagamento de despesas judiciais ou para resti­ tuição à vítima. A pessoa traficada deve receber toda a assistência necessária, inclusive legal, para mover ação de indenização contra o traficante.

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39. O Govemo deve impedir a expulsão imediata da pessoa traficada e proporcionar estatuto de residente, inclusive o direito de trabalhar, por pelo menos um período inicial de seis meses, para que ela possa decidir sobre as ações que deverá tomar contra o traficante. 4 0 .0 Govemo deve realizar parcerias com OSCs para a criação de abrigos ou para a ampliação dos existentes, de forma a aprimorar o atendimento às vítimas da exploração sexual e do tráfico de pes­ soas. Todas as pessoas que atuam nos serviços de assistência às víti­ mas (de saúde, legal, apoio psicológico etc.) devem receber treina­ m ento para serem sen sib ilizad as em relação aos d ireito s e necessidades das vítimas. 41. Durante o período de residência temporária, o Govemo deve proporcionar: moradia adequada e segura; acesso a serviços de saú­ de e social; aconselhamento na língua de origem; suporte financeiro adequado; oportunidade para emprego, educação e treinamento; quan­ do a pessoa traficada retoma ao seu país de origem, o Govemo deve providenciar os recursos necessários para a viagem. 42. O Govemo deve providenciar assistência para a reintegra­ ção e programas de suporte para as vítimas, de maneira a minimizar os problemas enfrentados na reintegração na comunidade. Os pro­ gramas de reintegração devem incluir educação e treinamento para oportunidades de trabalho e não devem estigmatizar as pessoas traficadas.

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VIII — CONCLUSÕES Atualmente, embora se reconheça que homens, principalmente meninos, também sejam traficados com o intuito de exploração sexu­ al, a parcela mais significativa das vítimas desses crimes, conforme se pode ver do levantamento de casos realizados no capítulo IV, e, de forma mais específica, em seu item 8, permanece sendo do sexo femi­ nino. O tema encontra-se intimamente ligado às condições precárias de vida das vítimas. A maior vulnerabilidade das mulheres acaba sen­ do condição e causa primordial da exploração. E decorre de inúmeros fatores, dentre os quais destacam-se: a feminilização da pobreza, assimetria e falta de eqüidade no acesso à educação e às oportunidades de emprego nos países de origem. As mulheres e as crianças compõem os grupos sociais mais fragilizados e mais vulneráveis a todo tipo de exploração. Sofrem as mazelas da violência doméstica e da explora­ ção do trabalho não-remunerado. Os indicadores sociais, como já foi mostrado (capítulo Hl), apontam que as mulheres são inferiorizadas no mercado de trabalho e na remuneração respectiva, não obstante estarem cada vez mais presentes nesse mesmo mercado e de represen­ tarem um terço dos chefes de família no país. As mulheres continuam sendo discriminadas no acesso aos serviços públicos. Quando necessi­ tam da intervenção da polícia, continuam sendo tratadas com desres­ peito, e de vítimas muitas vezes terminam sendo vistas como culpadas ou coniventes com a violação que sofreram. É por esse motivo que a criação de Delegacias Especializadas no Atendimento às Mulheres (DEAMs), em 1986, constituiu um grande avanço em nosso País, não obstante carecerem de aprimoramento. Essa espécie de crime exige, também, a implementação de efi­ cazes programas de proteção e assistência à vítima, pois o comum é que ele seja praticado por meio de redes organizadas, com as vítimas sofrendo ameaças, caso recorram à polícia. Ademais, a vítima não pode ser tratada como criminosa ou, simplesmente, como imigrante ilegal, sob pena de agravamento da delicada situação em que já se

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encontra. A vulnerabilidade também atinge crianças e adolescentes. Não obstante as semelhanças, mulheres e crianças merecem ser su­ jeitos de programas e iniciativas diferenciadas, segundo suas carac­ terísticas e necessidades. Por conseguinte, mulheres, jovens e crian­ ças tomaram-se mercadorias nas mãos das redes de traficantes. O tráfico fornece seres humanos para os mais diferentes propósitos, tais como a exploração do trabalho, a retirada de órgãos e a coloca­ ção em lar substituto. Os países de destino ainda se preocupam ape­ nas com a exploração sexual, e procuram fazer a distinção entre trá­ fico e imigração ilegal, dando às vítimas do primeiro algum tipo de atenção. O desafio das organizações internacionais é definir uma agenda segundo a qual às pessoas em movimento sejam estabelecidas garantias mínimas de emprego legal, de assistência e de retomo se­ guro aos seus países de origem. A responsabilização penal dos traficantes é recomendação que sempre esteve contida nos documentos internacionais. Apesar da importância de tal medida, não se pode olvidar que o arcabouço jurí­ dico como um todo, e o ordenamento jurídico-penal em particular, não é e nunca conseguiu ser determinante de transformações sociais substantivas. Por esse motivo, a luta contra o crime organizado transnacional deve se dar em várias frentes, conjuntas e coordena­ das, que articulem a prevenção, a repressão, a assistência e a garantia de direitos fundamentais. Deve-se considerar, no entanto, que o Direito Penal representa importante mecanismo institucional de poder. É instrumento de inú­ meras formas de dominação, incluindo-se a baseada nas relações de gênero. Nele, permanece a divisão de papéis sexuais, fundado num modelo ultrapassado de valores e virtudes cujo ônus recai sobre as mulheres. A existência de inúmeros tipos penais em tom o da pros­ tituição, não obstante o Brasil não a proibir, é um exemplo. A mu­ lher que se prostitui é destituída do exercício de seus direitos. Ela é tida como “uma depravada por profissão, tem ‘carúnculas no hímen’, é uma prevaricadora por natureza, sua palavra não vale nada” 145,

145. SILVA, Iara Ilgenfritz da. D ireito ou punição?-, representação da sexuali­ dade feminina no direito penal, cit., p. 111.

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enquanto aqueles que buscam os prostíbulos ou as prostitutas jamais são alvo de qualquer política ou ação estatal e, muitos menos, são reprovados moralmente. Há, ao contrário, uma aceitação cínica e, em muitos lugares do mundo, ainda subsiste incentivo no sentido de meninos terem sua iniciação sexual realizada pelas profissionais do sexo. A desigualdade de gêneros, a fragilidade dos mecanismos de proteção de crianças e adolescentes, a informalidade do mercado de trabalho e a flexibilização da capacidade reguladora do Estado são fatores importantes a facilitar a ação dos criminosos. A análise legal e doutrinária do tema (capítulo VI) demonstra, à evidência, o quanto é a moral sexual pública, e não a liberdade, a integridade física ou moral da mulher, o que se busca defender. Per­ mite constatar, também, que a legislação sobre tráfico de mulheres e crianças no Brasil é insuficiente e confusa, levando a que, em inúme­ ras situações, instalem-se dúvidas acerca de qual enquadramento tí­ pico deve ser realizado, já que diversos são os dispositivos passíveis de aplicação. Em face de tais razões, a alteração legislativa é necessária. Mas é preciso avançar em várias frentes de forma a compreender “como a assimetria sexual se processa e se reproduz em sociedades históricas concretas”, bem como construir um “novo modo de pen­ sar, com valores outros sendo disseminados e reconhecidos”. É pre­ ciso ter consciência de que as lacunas ou incorreções legais não são mais graves do que a quase total falta de aplicação das normas pe­ nais já vigentes. A análise jurisprudencial sobre o tema (capítulo VI) revelou a fragilidade de aplicação do dispositivo que sanciona o tráfico. As ações tendentes a com bater o tráfico podem ser delineadas da seguinte forma: 1) Articulação das iniciativas da sociedade civil no sentido de privilegiar os valores sociais relacionados à dignidade, igualdade, tolerância e pluralidade, princípios do Estado Democrático de Direi­ to. A criminalização de condutas pode e deve ser realizada, desde que fiquem claros quais valores fundamentais estão sendo protegi­ dos. Em outros termos, a moral “é condição de relação social, não

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uma estrutura a ser protegida em si mesma” e, assim, não deve cons­ tituir licença para a intervenção do Estado mediante processos jurí­ dicos padronizados e burocratizados146. Conforme se pôde verificar quando da análise legal efetivada no capítulo VI, a punição pelo de­ lito de tráfico de mulheres, o qual, frise-se, não exige o dissenso da vítima, era, na redação original do Código Penal, punido com sanção idêntica àquela cominada para o estupro. Quando se comparam as punições daquele delito com o atentado violento ao pudor, os desní­ veis são ainda mais estarrecedores. Para este, não obstante a confi­ guração típica exigir violência ou grave ameaça, a sanção penal foi fixada em quantidade menor do que aquela destinada ao tráfico. Isso indica claramente uma opção da lei, que não foi, obviamente, em favor da pessoa. Com isso não se quer diminuir a importância de se criminalizarem condutas que envolvam o tráfico de pessoas, apenas não é correto que, nas ocasiões em que há consentimento, possa-se cominar sanção penal superior àquelas previstas para delitos com igual ou maior gravidade. 2) Definição de medidas preventivas que abriguem programas de proteção e assistência às vítimas potenciais e reais, bem como campanhas de esclarecimento público. Desde 1904, quando foi rea­ lizado o primeiro Acordo Internacional versando sobre tráfico (ver capítulo II, item 5), diversas foram as medidas preventivas sugeridas nas Convenções, Pactos e Conferências de caráter internacional. Elas encontram-se sistematizadas no capítulo VII do Relatório. No que se refere à gênese do crime, este é mais um, a exemplo do que ocorre com tantos outros, que, não por acaso, atinge quase que exclusiva­ mente o contingente feminino, pois são as formas de assimetria se­ xual que lhe dão contorno147.

146. BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela p en a l São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001. 147. De acordo com Damásio de Jesus, “dados fornecidos por diversos orga­ nismos internacionais revelam que 99% dos casos de assédio sexual têm como víti­ ma a mulher” (Entrevista com Damásio E. de Jesus, Assédio sexual, disponível na Internet, www.saraivajur.com.brem l.°jun. 2001).

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3) Criminalização das condutas que ofendam os valores demo­ cráticos, atentando para que, na oportunidade, não sejam estabelecidas outras discriminações. A definição da conduta a ser sancionada bem como do quantum punitivo devem levar em consideração princípios do Direito Penal, especialmente o da taxatividade, que exige uma lei clara, e o da proporcionalidade, por meio do qual a gravidade da pena deve corresponder à gravidade do delito. Atualmente, é o art. 231 do Código Penal que a tipifica. O dispositivo legal, como já dito, encontra-se defasado, fazendo-se necessária alteração, tanto no que se refere à elaboração típica quanto no concernente à sanção punitiva cominada. Há total desrespeito a princípios fundamentais do Direito Penal, como o da proporcionalidade, conforme se viu por ocasião dos apontamentos realizados no capítulo IV, especialmente item 10. 4) Punição de todos aqueles que, a despeito das medidas pre­ ventivas implementadas, ofendam o bem jurídico. Para tanto, é ne­ cessário intensificar ou criar novos mecanismos de proteção de víti­ mas e testemunhas, a fim de que as infrações penais possam ser conhecidas e os responsáveis por elas identificados, sem que as víti­ mas ou seus familiares fiquem expostos a riscos. Não obstante as inúmeras denúncias e relatórios sobre casos envolvendo tráfico de mulheres e crianças, a subnotificação é elevadíssima. Diversos são os fatores que a ocasionam. Dentre eles, podem ser citados: temor de represálias, vergonha e corrupção policial, que é ponto comum nos crimes de tráfico, drogas, armas etc. Em face da complexidade do problema, a responsabilização penal dos autores de delitos de tráfico exige uma ação conjunta dos vários países envolvidos. Dados presentes no capítulo IV do presente Relatório (sobretu­ do no item 1) demonstram a elevada distância que separa o número de pessoas traficadas no Brasil quando comparado com a quantidade reduzida de traficantes que foram responsabilizados criminalmente por suas ações. 5) Estabelecimento de programas e ações que visem à não-reincidência ou à redução dela, evitando-se a criminalização secundária. Diferentemente do que ocorre em relação aos delitos clássicos, o cometimento do tráfico de mulheres, normalmente, não é praticado em decorrência de forte necessidade econômica, ainda que alguns

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envolvidos na rede se encontrem nessa situação, mas tenham papel secundário em toda a trama. De toda forma, é importante que sejam dadas oportunidades ao condenado, enquanto cumpre a pena, e ao egresso. Fazem-se necessárias importantes alterações no tipo e na cominação do tráfico, dentre as quais se incluem: l.a) estabelecer como vítima do tráfico qualquer pessoa, independentemente do sexo ou da idade; 2.a) responsabilizar penalmente também aquele que pra­ tica a ação de “comprar” a pessoa traficada, pois da forma como o art. 231 encontra-se redigido a criminalização incide somente sobre a própria ação de traficar; 3.a) não restringir o tráfico de pessoas à prostituição. Em seu lugar deveria constar exploração sexual. Além disso, há necessidade de se incluir as demais “modalidades” de tráfi­ co de seres humanos, como definem os instrumentos internacionais: a exploração do trabalho, o trabalho forçado, o casamento forçado, o cativeiro por dívidas, o cárcere privado, a extração de órgãos e a adoção ilegal; 4.a) estabelecer, no Estatuto da Criança e do Adoles­ cente, uma figura autônoma e com punição mais elevada para os casos em que o tráfico de seres humanos incida sobre pessoa menor de 18 anos. Além disso, para a existência do tráfico, a consumação da ex­ ploração final não é necessária, bastando que haja a indicação da finalidade do agente. Dessa forma, haveria a atenuação das eviden­ tes dificuldades probatórias. No concernente à sanção penal, para evitar que haja um valor desproporcional, convém que se analisem as punições fixadas para delitos de semelhante gravidade e que possuam elementos típicos próximos do que se está analisando. Pode-se começar cotejando os limites punitivos fixados para os demais delitos que integram o mes­ mo capítulo. A punição prevista para a figura simples, ao que parece, não apresenta problemas de proporcionalidade, quando cotejada com as punições estabelecidas para os demais delitos. Suas formas quali­ ficadas, em razão do resultado lesão corporal grave ou morte, entre­ tanto, necessitam de alteração em seus limites punitivos. Com a en­ trada em vigor da Lei dos Crimes Hediondos, houve um alargamento despropositado.

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Não se pode olvidar que o tráfico internacional de seres huma­ nos encontra-se inserido no contexto da globalização. Juntamente com o movimento de mercadorias, de fluxo de capital e de mão-deobra, há um incremento da migração global. São milhões de pessoas em constante movimentação, em busca de melhores oportunidades de trabalho e de vida. Ao lado da imigração há o problema dos refu­ giados, que fogem da fome, das guerras, das perseguições e dos abu­ sos (incluindo, em grande escala, os sexuais) praticados pelos exér­ citos e milícias. O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados estima que 21,5 milhões de pessoas, em todo o mundo, encontramse na situação de refugiados, sendo vítimas potenciais de tráfico e de outras formas de exploração. A reversão desse quadro exige a construção de um novo mode­ lo social, no qual as relações de poder não impliquem subjugação de alguns em favor de outros, modelo este que requer a participação ativa da sociedade civil. A condição social das mulheres e das meni­ nas determina que elas sejam vítimas preferenciais do tráfico. Para além desse dado, é preciso rever a divisão internacional de riquezas e de poder, que produz os milhões de indivíduos deserdados da terra, dos benefícios da sociedade de consumo e dos direitos internacio­ nalmente reconhecidos.

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IX — RESPOSTAS AOS QUESTIONÁRIOS P arte I

Tráfico Internacional de M ulheres 1. No ordenamento jurídico de seu país, há referência ao trá­ fico internacional de mulheres? O tráfico internacional de mulheres encontra-se criminalizado no Brasil desde o Código Penal republicano (1890). Estabelecia o seu art. 278, primeira parte: Art. 278. Induzir mulheres, quer abusando de sua fraque­ za ou miséria, quer constrangendo-as por intimidações ou ame­ aças a empregarem-se no tráfico da prostituição. (...) Penas — de prisão celular, por um a dois anos e multa (...). Dentre elementos típicos, constavam: abuso da fraqueza ou miséria da mulher e constrangimento por meio de intimidação ou ameaça. O dispositivo, quando mencionava a fraqueza da mulher, por certo não estava se referindo à sua compleição física, mas à própria condição de mulher, o que demonstra o acentuado grau de discrimi­ nação legal. O Código Penal vigente (Dec.-lei n. 2.848, de 7-12-1940, alte­ rado na sua Parte Geral em 1984, pela Lei n. 7.209), criminalizou o tráfico de mulheres em seu art. 231: Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro: (...). De acordo com Heleno Cláudio Fragoso, “na definição deste crime, inspirou-se o legislador brasileiro de 1940 no Projeto Coll-

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Gomez, elaborado para a Argentina, em 1937, afastando-se da legis­ lação italiana, que, na configuração do delito, exige a menoridade ou alienação mental da vítima, ou o emprego de violência, ameaça ou fraude”148. As formas qualificadas do delito estão previstas nos parágrafos do art. 231: Art. 231. (...) § 1.° Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1.° do art. 227: Pena — reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. § 2. °Se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude, a pena é de reclusão, de 5 (cinco) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência. § 3.° Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. No § 1.° do art. 227, acima citado, consta que: Art. 227. (...) § 1.° Se a vítima é maior de 14 (quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confia­ da para fin s de educação, de tratamento ou de guarda: (...). Aplica-se, ainda, ao delito de tráfico de mulheres, conforme previsão encontrada no art. 232 do Código Penal, o disposto no art. 223 do mesmo diploma legal, o qual prevê: Art. 223. Se da violência resulta lesão corporal de nature­ za grave: Pena — reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. Parágrafo único. Se do fato resulta a morte: Pena — reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos.

148. Lições de direito penal, paite especial, cit., p. 73.

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De lá para cá, não obstante modificações pontuais realizadas na Parte Especial do Código, o delito de tráfico de mulheres permane­ ceu intacto, seja no concernente aos seus elementos típicos, seja no que se refere à sanção punitiva. a) Em caso negativo, quando da ocorrência desse delito, que cri­ me é praticado e qual procedimento é adotado? Prejudicado. b) Em caso positivo, quais são as hipóteses motivadoras dessa modalidade de delito em seu país (prostituição, exploração sexual, pornografia, mão-de-obra barata, mendicância etc.) A lei brasileira criminaliza o tráfico de mulheres objetivando a prostituição (art. 231 do Código Penal). Trata-se de elemento objeti­ vo da figura típica, constituindo, portanto, requisito necessário para a configuração do crime. De observar-se que o delito estará consu­ mado ainda que a vítima não exerça efetivamente a prostituição no Brasil ou no estrangeiro, sendo suficiente que a entrada ou saída do território nacional se dê com esse propósito. Sem estar direcionado à questão da mulher, o Código Penal brasileiro também se ocupa com um outro tipo de deslocamento de pessoas, agora em razão de aliciamento de trabalhadores para o fim de emigração, nas hipóteses em que houver sido praticado mediante fraude. É o que prevê o art. 206 do Código Penal: Art. 206. Recrutar trabalhadores, mediante fraude, com o fim de levá-los para território estrangeiro: Pena — detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Esse dispositivo sofreu alteração em virtude da Lei n. 8.683/93. A redação original era a seguinte: Art. 206. Aliciar trabalhadores, para o fim de emigração. Pena — detenção de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, de dois mil cruzeiros a vinte mil cruzeiros. Como se vê, a cominação penal permanece inalterada149.

149.0 fato de a redação anterior trazer o quantum da pena pecuniária não serve

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Importa ressaltar que, a depender das circunstâncias, tanto no caso do tráfico de mulheres como no de aliciamento para o fim de emigração, pode haver deslocamento para a figura típica prevista no art. 149 do Código Penal, que comina a pena de reclusão de 2 a 8 anos para a conduta de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Para tanto, exige-se que tenha ocorrido a sujeição de uma pessoa ao domínio de outra, independentemente da existência de consentimento, visto que “a situação de liberdade do homem consti­ tui interesse preponderante do Estado”150. É de notar-se que o delito pertence ao Capítulo VI (Dos crimes contra a liberdade individual) do Título I (Dos crimes contra a pessoa), enquanto o tráfico de mu­ lheres encontra-se inserido no Titulo VI, que protege os crimes con­ tra os costumes. No que se refere ao delito de aliciamento para o fim de emigra­ ção, uma vez presentes os elementos típicos, o deslocamento de uma figura delitiva para outra não traria qualquer espécie de empecilho. O mesmo não ocorre em relação ao tráfico de mulheres. É que, em­ bora tanto o desvalor da ação quanto o desvalor do resultado sejam muito mais intensos no que se refere ao delito de redução a condição análoga à de escravo, quando comparado ao de tráfico de mulheres, a primeira conduta é punida com menos rigor. Diferente é o que ocorre com o delito de aliciamento de trabalhadores para o fim de emigra­ ção, cuja punição é bastante inferior. Não obstante existir norma que trate especialmente da remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo humano, para fins de trans­ plante e tratamento (Lei n. 9.434/97), nela não há qualquer referên­ cia ao assunto. As demais espécies de tráfico mencionadas na pergunta não possuem amparo de qualquer dos ramos do Direito.

para considerar que houve alteração da cominação penal, visto ser que tal fato de­ corre, tão-somente, de a Lei n. 7.209/84 (que modificou a Parte Geral do Código) ter trazido nova disciplina jurídica para a pena de multa, como a de suprimir da Parte Especial qualquer referência ao seu valor, deixando para a Parte Geral a especificação dos critérios cominatórios. 150. JESUS, Damásio de. D ireito penal: parte especial, cit., v. 2, p. 231.

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c) Quais os interesses protegidos (da mulher, da sociedade, eco­ nômicos)? De modo geral, a doutrina a esta questão responde que os inte­ resses protegidos são, em primeiro lugar, os costumes, ou seja, o conjunto de normas de comportamento seguidas por todos de manei­ ra uniforme em virtude da convicção de sua obrigatoriedade e, mais especificamente, a honra sexual contra lenões internacionais, recain­ do a proteção penal sobre a sociedade e a mulher. De ver-se, pois, que desde os primeiros comentadores do Códi­ go Penal vem sendo dito que o bem jurídico protegido é a moral sexual pública151. Em alguns casos, inclusive, especifica-se ainda mais o bem jurídico, para incluir a moral sexual pública internacional152. O Código Penal brasileiro data de 1940, época em que a preo­ cupação com a moralidade sexual, principalmente em relação à mu­ lher, era bastante mais acentuada. Além disso, à mulher era dado desempenhar papel de reduzida importância, de forma que “a prote­ ção à moral não raras vezes se sobrepunha aos direitos individuais”153. É o que se pode ver quando da comparação entre as sanções penais previstas originariamente para os delitos de estupro e atentado vio­ lento ao pudor e as cominadas para o tráfico de mulheres. No concernente aos dois primeiros, que, para a configuração típica, exi­ gem violência ou grave ameaça, estavam previstas sanções iguais (no caso do estupro) ou até menores (é o que ocorre no atentado violento ao pudor) àquelas cominadas ao tráfico de mulheres, o qual

151. Júlio Fabbrini M irabete entende que “o objeto jurídico do delito é a moralidade pública sexual”. De acordo com o autor, “procura-se, com o dispositi­ vo, evitar o parasitismo da prostituição, em especial no que tange às suas implica­ ções (M anual de direito penal: parte especial, cit., v. 2, p. 498). 152. Para Damásio de Jesus, o “objeto jurídico são os bons costumes, protegen­ do-se a honra sexual contra lenões internacionais (Direito penal: parte especial, cit., v. 3, p. 169). José Carlos Gobbis Pagliuca entende ser “a moral e bons costumes, bem como a honra sexual no âmbito internacional” (Direito penal moderno: parte especial do Código Penal, cit., p. 229). 153. ELUF, Luiza Nagib. Crime contra os costumes e assédio sexual: doutrina e jurisprudência, cit., p. 88.

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não exige a presença dos elementos mencionados. Atualmente, tal distorção punitiva não mais subsiste, já que a Lei dos Crimes He­ diondos aumentou, significativamente, a reprimenda penal para tais crimes (art. 6.° da Lei n. 8.072/90). Decorrido mais de meio século de vigência do Código Penal, poucas foram as alterações elaboradas no título que trata dos cri­ mes sexuais (na terminologia anacrônica do Código, crimes con­ tra os costumes), porém inúmeras foram as conquistas amealhadas pelas mulheres no que se refere aos seus direitos, chegando ao ápice com a Constituição Federal de 1988, na qual se pode encon­ trar a afirmação de que “homens e mulheres são iguais em direi­ tos e obrigações, nos termos desta Constituição” (art. 5.°, I). No Brasil, “desde a prim eira Constituição — quando mal o País se desfazia da condição de Colônia, até a recente Carta, dita Cidadã — quando a economia nacional está arrolada entre as mais ricas do mundo, não há declaração de distinções entre homem e mu­ lher, antes podem-se ler afirmações muito transparentes de igual­ dade. Eram e têm sido valores sociais concretos vigentes que pro­ duziam e permanecem produzindo uma leitura justificadora de posturas segregacionistas, indevidamente fulcradas nas normas constitucionais” 154. Conforme denuncia Luiza Nagib Eluf, “por mais surpreenden­ te que possa parecer, os direitos femininos em algumas legislações estrangeiras e mesmo na legislação infraconstitucional brasileira anterior a 1988, como é o caso do Código Penal, são considerados ‘sub-direitos’, tendo em vista que qualquer outro direito (do homem, da sociedade, da família, etc.) pode se sobrepor aos da mulher” 155. Não obstante seu insurgimento, Luiza Nagib Eluf também ele­ ge como bem jurídico dos delitos de tráfico de mulheres “a moral pública sexual”, ainda que ressalte que também os direitos humanos

154. BIANCHINI, Alice. A (des)igualdade entre os sexos no direito constitu­ cional brasileiro. Dissertação de Mestrado, cit. 155. Crime contra os costumes e assédio sexual, doutrina e jurisprudência, cit., p. 88.

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são ofendidos nos casos de exploração sexual. De acordo com a autora, “visa a lei coibir o comércio internacional de mulheres usa­ das na prostituição, para alimentar a prática tanto no Brasil como em outros países. Protegem-se os bons costumes contra os lenões que atuam rompendo fronteiras”. E prossegue a autora: “Indiretamente protege-se também a pessoa explorada, ou seja, a mulher que é leva­ da, ludibriada ou submetida à violência para que se dedique à prática do meretrício” 156. A mulher, assim, de acordo com a autora, aparece como vítima indireta, porém somente nas situações em que não tenha havido sua anuência. Nos demais casos, é a sociedade que figura como sujeito passivo. Tal posicionamento remete a duas conclusões de certo modo antagônicas: se, por um lado, está-se de acordo em que, tendo havido ciência e consentimento em relação ao propósito do deslocamento (exercício da prostituição), não há que se falar na mulher como su­ jeito passivo, por outro, inexistindo tal anuência, a mulher passa a ser a vítima direta do delito, visto que todos os demais meios de prática do crime (violência, grave ameaça ou fraude) encerram ofen­ sa à própria mulher. Desarrazoada, assim, a consideração de que nes­ ses casos o bem jurídico protegido possa não estar vinculado, de alguma forma, à própria mulher, ou de que ela figuraria como vítima indireta. É a sua liberdade, sua integridade física, sua vida ou sua honra que estão sendo ofendidas no delito de tráfico, sempre que praticado sem a anuência da mulher. 2. As disposições legais existentes se referem somente ao Direi­ to Penal ou há outro ramo jurídico envolvido? O tráfico internacional de mulheres consubstancia fato punido por outros ramos do Direito e não exclusivamente pelo Direito Pe­ nal. Há, além do ilícito criminal, ilícito civil na conduta dos respon­ sáveis pelo tráfico internacional de mulheres, razão pela qual a víti­ ma do crime fará jus a uma indenização, por danos materiais e morais,

156. Crime contra os costumes e assédio sexual: doutrina e jurisprudência, cit., p. 110.

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com base na Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, art. 5.°, inc. V 157, e no Código Civil de 1916158. a) As disposições penais são leis ou normas de natureza regula­ mentar? De acordo com o sistema jurídico pátrio, as disposições pe­ nais somente podem ser estabelecidas por lei, não se admitindo sequer a utilização de medida provisória. Assim, os dispositivos criminais aplicáveis, desde o tipo penal que define o tráfico inter­ nacional de mulheres (art. 231 do Código Penal) até as regras ge­ rais relacionadas com o tema (arts. 1.° a 120 do Código Penal), são, em sua totalidade, leis penais. De se acrescentar que o Código Pe­ nal foi publicado em 7-12-1940 na forma de um decreto-lei (Dec.Lei n. 2.848/40) e entrou em vigor no dia l.°-l-1942. A Constitui­ ção Federal de 5-10-1988 extinguiu o decreto-lei enquanto espécie normativa, mas o Código Penal continua em plena vigência, apesar das inúmeras alterações sofridas desde a sua publicação, pois foi recepcionado pela atual ordem jurídica como lei ordinária (art. 59, III, da Constituição Federal)159. b) Tais disposições se submetem aos princípios gerais do Direito Penal? Os dispositivos submetem-se integralmente aos princípios ge­ rais de Direito Penal, previstos expressamente não só no Código Penal como também na Constituição Federal: princípio da legali­ dade (art. 5.°, XXXIX, da Constituição Federal), da anterioridade da lei (art. 5.°, XXXIX), da retroatividade benéfica da lei penal (art. 5.°, XV), da personalidade da pena (art. 5.°, XV), da indivi­ dualização da pena (art. 5.°, XVI), da proporcionalidade (arts. 5.°,

157. “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da inde­ nização por dano material, moral ou à imagem”. 158. Arts. 159, 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553. 159. A lei ordinária configura espécie normativa que depende de aprovação, por maioria simples, das duas Casas Legislativas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e de sanção do Presidente da República.

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XV e XVI, 9 8 ,1, e 227, § 4.°), da humanidade (arts. 1.°, III, e 5.°, III, XLVI e XLVII), do estado de inocência (art. 5.°, LVII), da igualdade (art. 1.°, caput). Além desses, cabe mencionar os prin­ cípios da proibição da analogia in malam partem , do ne bis in idem, da culpabilidade, da fragmentariedade, da ofensividade, da proporcionalidade, da intervenção mínima, da lesividade e da in­ significância. Tanto na doutrina quanto na jurisprudência — embora em rela­ ção a esta última ocorra, em alguns casos, alguma resistência — , não se cogita da dispensa, no momento da argiiição da lei, da incidência dos princípios gerais do Direito Penal. É freqüente a argüição de inconstitucionalidade de norma penal que tenha sido editada em de­ sacordo com os princípios gerais do Direito Penal, principalmente o da intervenção mínima. No Brasil, as discussões mais acirradas sobre o assunto recaem sobre diversos dispositivos da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90). Aliás, foi a partir da sua edição que preocupações desse viés passaram a povoar com mais intensidade os discursos jurídicopenais. Tal é decorrência direta da total desarrazoabilidade dessa Lei, o que a toma de difícil aplicação, inclusive com suas conseqüências irradiando sobre o delito de tráfico de mulheres. Como ficou consignado, a Lei dos Crimes Hediondos aumen­ tou consideravelmente as sanções penais cominadas aos delitos de estupro (art. 213 do Código Penal) e atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal) e, concomitantemente, aquelas previstas para os resultados lesão corporal grave e morte (art. 223 do Código Pe­ nal). Não se deu conta, entretanto, o legislador, de que a alteração punitiva, em relação aos resultados estabelecidos no art. 223, por força do art. 232 também alcança, entre outros, o delito de tráfico de mulheres, que, entretanto, não sofreu alteração de seus limites puni­ tivos. Essa diferença faz com que os resultados lesão corporal grave e morte nos delitos de tráfico de mulheres que, de acordo com os autores, decorram de culpa do agente sejam punidos em quase todos os casos mais rigorosamente do que nas hipóteses em que o resulta­ do fosse desejado pelo agente.

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c) Se há normas penais, estão elas no Código Penal ou em outra lei especial? As normas penais que regem o assunto encontram-se especifi­ cadas no Código Penal. Quando se trata de vítima menor de 18 anos, entretanto, há casos em que a tipificação é encontrada no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) ou em outros dispositivos do Código Penal, conforme se verá quando da resposta ao questionário que trata do tráfico internacional de crian­ ças (Parte II). 3. Quais são as autoridades legislativas responsáveis para criar as disposições referidas no item anterior? De acordo com o sistema constitucional pátrio, somente o Con­ gresso Nacional poderá legislar sobre tema que envolva questões penais. Discute-se, no Brasil, sobre a pertinência de serem as normas penais instituídas por meio de medida provisória160. Vários autores se manifestaram sobre o assunto, sendo que a maior parte deles opi­ na no sentido de que tal possibilidade encontra-se destituída de fun­ dam entação constitucional. Nesse sentido: Francisco de Assis Toledo161, Alberto Silva Franco162, Walter Claudius Rothenburg163 e Manoel Pedro Pimentel164, citados por Luiz Flávio Gomes165, que também é da mesma opinião.

160. Constituição Federal, art. 62: Em caso de relevância e urgência, o Presi­ dente da República poderá adotar medidas provisórias, com fo rça de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. 161. Princípios básicos do direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 21-25. 162. A medida provisória e o princípio da legalidade. R T, v. 648, out. 1989, p. 366-368. 163. Medidas provisórias e suas necessárias limitações. RT, v. 690, abr. 1993, p. 313-319. 164. Medida provisória e crime. Repertório IOB de Jurisprudência, n. 14, 2.* quinzena de jul. 1989, p. 246. 165. Princípio da legalidade (ou da reserva legal) e os limites das “medidas provisórias”, in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p. 208-252.

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a) De acordo com o sistema jurídico de seu país, os Estados ou regiões têm autonomia para prover seus próprios interesses? A organização político-administrativa no Brasil é distribuída entre os Municípios, os Estados, a União e o Distrito Federal. Cada um desses entes políticos possui suas atribuições gerais previstas no diploma constitucional. Os Estados e Municípios possuem autonomia relativa. A orga­ nização e atribuições dos primeiros encontram-se descritas nos arts. 25 a 28; as dos segundos, nos arts. 29 a 31, todos da Constituição Federal. Convém esclarecer que, dentro do quadro organizacional do Estado, as regiões não possuem qualquer espécie de representatividade. A União, entretanto, poderá articular sua ação em um mes­ mo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimen­ to e à redução das desigualdades regionais (art. 43 da Constituição Federal). Este último objetivo, inclusive, é tido por fundamental, conforme se depreende da leitura do art. 3.°, III, da Carta Constitu­ cional166. Além disso, é de observar-se que a Constituição Federal permite que o Congresso Nacional, mediante lei complementar167, autorize os Estados-membros a, excepcionalmente, legislar sobre questões específicas de Direito Penal (art. 22, parágrafo único). Não houve, contudo, desde a promulgação da Carta Política brasileira, a edição de leis dessa natureza. 4. Existem em seu país organizações governamentais e nãogovernamentais para impedir o tráfico de mulheres? Sim. Numa abordagem preliminar, dentre as organizações governamentais, pode ser citado o NEIM (Núcleo de Estudos

166. Art. 3 .0 Constituem objetivos fundam entais da República Federativa do Brasil: (...) I I I — erradicar a pobreza e a marginalização e reduziras desigualda­ des sociais e regionais. 167. Trata-se a lei complementar de espécie normativa que depende de apro­ vação, por maioria absoluta, das duas Casas Legislativas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e de sanção do Presidente da República.

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Interdisciplinares sobre a Mulher, da Universidade Federal da Bahia — UFBA), idealizador do Projeto CHAME — Centro Humanitário de Apoio à Mulher, programa permanente de extensão (na área de serviços da UFBA), criado em agosto de 1997, voltado para a pre­ venção ao Tráfico Internacional de Mulheres e ao Turismo Sexual: “Esse projeto tem sua origem em uma demanda do FIZ (Centro de Informação para Mulheres da Ásia, África e América Latina, sediado em Zurique, Suíça) baseada na constatação do alto percentual de mulheres brasileiras envolvidas no tráfico internacional e na neces­ sidade de estabelecer políticas de prevenção nos países de origem. A Bahia, por ser o principal ponto irradiador na rota do tráfico interna­ cional de mulheres no Brasil, foi escolhida para ser também o da sua prevenção. Ainda no processo de elaboração e definição conjunta dos objetivos, entre o CHAME, FIZ e o NEIM, constatou-se que, dada a especificidade da Bahia enquanto pólo turístico, o tráfico está intimamente vinculado ao turismo sexual, sendo, portanto, necessá­ rio incorporar, também, esta problemática. Posteriormente, outras questões relacionadas a este contexto foram paulatinamente incor­ poradas, a exemplo da exploração sexual de crianças e adolescentes (prostituição infantil)”168. a) Em caso negativo, há previsão para criá-las? Prejudicado. b) Em caso positivo, quais são, e quais as atitudes que estão sen­ do tomadas? As iniciativas brasileiras, nos últimos anos, para combater a exploração sexual e o tráfico de mulheres estão resumidas a seguir: Programas e instituições de intervenção e de assistência às vítimas • Estabelecimento de Convênios com Secretarias Estaduais de Bem-Estar Social, para que o Conselho de Direitos da Mu­ lher criasse estabelecim entos de refúgio para mulheres agredidas e seus filhos, a partir de 1986.

168. Fonte: www.ufba.br/neim/chamehist.html.

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• Implantação das Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAMs) em todo o País, processo iniciado em 1986, em São Paulo. As DEAMs prestam serviços especializados às vítimas, contam com policiais treinadas para o cumprimento de funções relacionadas à aplicação da lei, e algumas delas oferecem serviços sociais e psicológicos integrados. Pesquisa realizada em 2000 identificou sérios problemas nas DEAMs, que devem ser corrigidos com urgência: por exemplo, as dele­ gacias não estão suficientemente equipadas para atender às mulheres, e as policiais carecem de cursos de capacitação. Além disso, nos delitos sexuais, as vítimas devem se submeter a exa­ me de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML), órgão policial que está despreparado para atender e compreender as necessidades e direitos das mulheres. • Implantação de serviço de atendimento às vítimas de violên­ cia sexual, Programa Bem Me Quer, do Hospital Pérola Byington. O Hospital ainda realiza exames de corpo de deli­ to nos casos em que houve estupro. Programas de ação, sistemas de denúncia e accountability • Elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em 1996, que estabelece, entre várias metas, a implementação das disposições da Conferência Mundial de Vi­ ena, de 1993, da Convenção de Belém, de 1996, e da Conferên­ cia Mundial de Beijing, de 1995. Desde sua elaboração, o PNDH tem estimulado um conjunto importante de iniciativas e de cam­ panhas sobre a violência contra a mulher, que ainda necessita de tempo para ser avaliado. O PNDH apoiou o Conselho Na­ cional dos Direitos da Mulher e o Programa Nacional para Pre­ venir a Violência contra a Mulher. O PNDH prevê também a educação do público a respeito da discriminação e da violência contra a mulher e das garantias disponíveis, e promoção de es­ tudos estatísticos sobre a situação da mulher no mercado de trabalho. Desde o ano de 1999, o PNDH vem sendo submetido a processo de consulta pública para a inclusão de provisões relativas aos direitos políticos, econômicos e culturais.

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• Lançamento, em 1996, do Programa Nacional para Prevenir e Combater a Violência Sexual e Doméstica. Seminários e Fóruns • Realização, em dezembro de 2001, do Seminário Internacio­ nal “Violência contra a Mulher: Tráfico de Seres Humanos”, pelo Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF), de São Paulo, e pela Secretaria da Assistência e Desenvolvimento Social, para discutir a dimensão e as iniciativas brasileiras relativas ao tema, e como parte do Dia Internacional de Com­ bate à Violência Contra a Mulher. Foram discutidos os se­ guintes temas: “Globalização e Tráfico de Seres Humanos”, Salle Neumann (Bureau for International Narcotics and Law E nforcem ent A ffairs, EU A ), Pedro F rederico G arcia (Itamarati), Washington Nascimento de Melo (Chefe da Interpol no Brasil), Maria Aparecida de Laia (CECF); ‘T rá ­ fico: Violação de Direitos Humanos”, Gustavo Üngaro (Se­ cretário Estadual Adjunto da Justiça e da Cidadania), Orlando Fantazzini (Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados), Renato Simões (Presidente da Comissão de Di­ reitos Humanos da ALESP), Ana Paula Zomer (Instituto Bra­ sileiro de Ciências Criminais), Sônia Maria do Nascimento (Instituto da Mulher Negra — Geledés), Priscila Siqueira (Serviço à M ulher Marginalizada), Maria Esteia Segatto Correa (Elas por elas na política. Tráfico de mulheres e ado­ lescentes), Maria Jaqueline de Souza Leite (Centro Humani­ tário de Apoio à Mulher), Albertina Duarte (Programa Saúde da Mulher e da Adolescente), Maria Lúcia Leal (Centro de Referência e Ações sobre Crianças e Adolescentes), Maria Liege Rocha (União Brasileira de Mulheres). Material de parte das apresentações e a gravação do transcorrer do seminário estão disponíveis no CECF. • Realização, em novembro de 2000, do Primeiro Seminário Internacional sobre o Tráfico de Seres Humanos, organizado pelo Ministério da Justiça, pelo Escritório das Nações Uni­ das para o Controle de Drogas e Prevenção ao Crime e pelo

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Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas. O seminário é parte integrante do Programa Glo­ bal contra o Tráfico de Seres Humanos, aprovado pelas Na­ ções Unidas em 1999. No seminário foram discutidos os “Aspectos Legais e Sociais do Tráfico de Seres Humanos em Portugal: o Novo Protocolo da ONU Relativo ao Tráfico de Seres Humanos”, por Euclides Dâmaso Simões, ProcuradorGeral ad interim e Diretor de Investigação Criminal de Por­ tugal; “O Papel da Interpol no Combate ao Tráfico de Seres Humanos”, Sr. Hamish McCulloch, Especialista da Interpol, Paris. Também foi apresentado “Tráfico de Imigrantes e Co­ operação Internacional”, por Luiz Paulo Barreto, Chefe do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça; “A experiência do Ministério Público Federal da Bahia: Adoção Internacional e Tráfico de Crianças”, por Robério Nunes dos Anjos Filho, Procurador da República no Estado da Bahia, Procuradoria-Geral da República, e a “Adoção versus Tráfico de Seres Humanos”, por Tito Caetano Corrêa, Chefe do De­ partamento de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, Depar­ tamento de Polícia Federal. Foi discutida também “A Ação da Interpol e do Departamento de Polícia Federal (DPF) na Prevenção e Repressão ao Tráfico de Seres Humanos”, por Washington do Nascimento Melo, Chefe da Interpol (DPF); e o “Papel da Rede Consular Brasileira sobre a Questão de Tráfico de Seres Humanos: Papel, Atribuições e Responsabi­ lidades”, por Pedro Frederico Garcia, Subchefe da Divisão de Assistência Consular, Ministério das Relações Exteriores. Ainda foram discutidas as “Implicações da Delinqüência Organizada no Tráfico de Seres Humanos. Causas do Aumento da Participação de Quadrilhas no Tráfico de Seres Huma­ nos”, por José Garcia Santalla, Chefe da Unidade Central de Luta contra as Redes de Imigração Ilegal e Documentos Fal­ sificados, da Espanha, e a “Imigração Legal e Ilegal: Pesqui­ sa sobre Trabalhadores Estrangeiros em Israel”, por Hagai Hersl, Conselheiro Sênior do Ministro de Segurança Pública para Trabalhadores Estrangeiros e Imigração Ilegal, de Israel. Os debates prosseguiram com a discussão da “Abordagem

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Estratégica do Reino Unido no Combate ao Crime Organiza­ do, em Especial à Imigração Ilegal”, por John Dillon, Detetive Inspetor-Chefe da Scotland Yard, e Sr. David Pryde, Detetive Superintendente da Scotland Yard, Reino Unido; “O Tráfico de M ulheres para Fins de Prostituição em Israel”, por Abraham Dawidowicz, Superintendente da Sessão de Inves­ tigação da Polícia Israelense, Israel. No debate, foram apre­ sentados “Dois Casos Concretos Envolvendo Portugal como País Destinatário e País de Origem. Enquadramento Legal e Dificuldades da Investigação”, por José Almeida Rodrigues, Inspetor da Polícia Judiciária, Portugal, e “Combatendo o Tráfico de Seres Humanos: um Relatório dos Países Baixos”, Sra. Monika Smit, Escritório do Relator de Tráfico de Seres Humanos, Ministério da Justiça, Holanda; a “Experiência Es­ panhola: a Imigração, Aspectos Jurídicos (Especial Referên­ cia à Imigração Ilegal e ao Tráfico de Seres Humanos)”, por Isidoro Hidalgo Baras, Promotor-Chefe de Cádiz, Espanha, e “Os Esforços do FBI para Combater o Tráfico Ilegal de Seres Humanos no Mundo”, por Thomas Fuentes, Chefe da Seção de Crime Organizado do FBI, Estados Unidos. Apesar da dimensão do seminário e da profundidade com que mui­ tos temas foram tratados pelos expositores e debatedores, e não obstante terem sido formuladas recomendações, ao final do seminário o material não foi disponibilizado para acesso e consulta pública, o que é uma limitação lamentável, dada a carência de iniciativas na área. Campanhas e eventos • Realização de Audiência Pública para Discussão do Tráfico de Crianças e Mulheres para Fins de Exploração Sexual, em 29 de agosto de 2001, pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara dos Deputados. Presentes: Maria Lúcia Leal (CECRIA); Alison Sutton (UNICEF); M aria Inês Bierrembach (DCA do Ministério da Justiça); Jairo Cmz Pinto (Interpol); Pedro Frederico Garcia (Ministério das Relações Exteriores); e os seguintes deputados: Padre Roque, Regis

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Cavalcante, Nélson Pellegrino, Luiz Eduardo Greenhalgh, Fernando Ferro, Rita Camata, Orlando Fantazzini e Moroni Torgan. Câmara dos Deputados, Comissão de Direitos Hu­ manos. A transcrição da audiência está disponível para con­ sulta e cópia na CDH. • Instituição do Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual Infanto-Juvenil, celebrado no dia 18 de maio. Programas de informação, capacitação e pesquisa • Execução do Projeto “A Promoção de Direitos de Mulheres Jovens no Brasil, Vulneráveis ao Abuso e à Exploração Sexual Comercial”, desenvolvido pelo Ministério da Justiça, em coo­ peração com o UNIFEM, que propõe a realização de mapea­ mentos e avaliação de programas e projetos de enfrentamento da violência sexual, identificação e disseminação de experiên­ cias bem-sucedidas e capacitação de profissionais. • Realização, em 2001, da Pesquisa “Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual no Brasil”, pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (CECRIA), a Organização dos Es­ tados Americanos (OEA) e o Ministério da Justiça, entre ou­ tros parceiros governamentais e não-govemamentais, nacio­ nais e internacionais. A pesquisa procura, a partir de focal points, estabelecer estratégia nacional para a construção de capacidade do Govemo e da sociedade civil para enfrentar o problema do tráfico de mulheres e crianças. A pesquisa faz parte das iniciativas preliminares para a elaboração de uma Convenção Interamericana sobre Tráfico de Mulheres e Crian­ ças. A OIT investiu 130 mil reais numa fase do projeto que fará o levantamento das rotas do tráfico na região Norte do Brasil. As regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste estavam incluídas no levantamento de dados nacionais. • Realização de pesquisa sobre Tráfico de Jovens do Brasil para a Espanha, Alemanha e França, pelo Coletivo Mulher Vida, do Recife (2001).

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• Anúncio, em 2001, pelo Ministério da Justiça, do Programa de “Fortalecimento Institucional contra o Tráfico de Seres Humanos no Brasil”, que pretende estabelecer um banco de dados, desenvolver treinamento em relação à investigação e instauração de processos, bem como campanhas de cons­ cientização e prevenção. O programa se beneficia de uma parceria com o Centro das Nações Unidas para a Prevenção Internacional do Crime (CICP) dentro do Programa Global da ONU contra o Tráfico de Seres Humanos. O trabalho ini­ cial se concentrará na análise dos dados disponíveis sobre o tráfico humano nos Estados brasileiros. O programa propõe criar também um banco de dados sobre as organizações e rotas utilizadas pelos criminosos, para ter o intercâmbio de informações e desenvolver operações com os demais países envolvidos. O Programa está em conformidade com as dis­ p o sições da C onvenção co n tra o C rim e O rganizado Transnacional e seus Protocolos. • Criação, por parte de Cristina Leonardo, ativista de Direitos Humanos, de um site sobre conhecidos traficantes de mulhe­ res. A idéia é criar uma central telefônica nacional e interna­ cional para que as pessoas possam fazer denúncias. Por meio do Centro de Defesa Brasileiro (CDB), a ativista procura criar programas de capacitação on line para polícias, tribu­ nais e a sociedade civil. • Edição da Cartilha Trabalho precoce. Saúde em risco, 2001, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Inspe­ ção do Trabalho. Medidas de caráter legal e diplomático • Assinatura, pelo Brasil, do Protocolo da ONU para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mu­ lheres e Crianças, que suplementa a Convenção contra o Cri­ me Organizado Transnacional, adotada pela ONU em novem­ bro de 2000.

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5. No sistema legal de seu país, quem são os responsáveis pela prática da infração: o traficante ou o com prador das m ulheres? Da forma como se encontra redigido o dispositivo penal, so­ mente pode ser sujeito ativo do tráfico de mulheres (art. 231 do Có­ digo Penal) quem promove ou facilita a entrada no, ou a saída do território nacional de mulher, com vistas à prostituição dela. Tem-se aqui a figura do traficante. Caso o crime tenha sido cometido com o fim de lucro, prevê o § 3.° do mesmo artigo cominação cumulativa de pena pecuniária (tráfico mercenário). O comprador de mulheres, entretanto, pode vir a ser responsabilizado, desde que tenha de algu­ ma forma concorrido para o crime (art. 29 do Código Penal). Caso, entretanto, sua ação (compra) seja posterior à promoção ou à facilitação e nenhuma vinculação possua com ela, não poderá responder pelo crime (ver letras b e c, infra). Em suma, no sistem a legal brasileiro, tanto o traficante como o com prador das m ulheres são punidos, uma vez que nos­ so Código Penal incrim ina todo aquele que prom ove ou fa cilita a entrada ou saída de mulher, no território nacional, para exer­ cer a prostituição. Não há, em princípio, norma específica pu­ nindo abstrata e mais severam ente o traficante ou o comprador, de modo que todos incorrem nas penas previstas no tipo penal, ou seja, de três a oito anos de reclusão. De notar-se, como ficou anotado, que o Código Penal determ ina a aplicação de pena de multa, além da pena privativa de liberdade, àquele que age com o fim de lucro (art. 231, § 3.°). Caberá ao Juiz, portanto, quando da aplicação da pena, dosá-la na m edida da culpabilidade dos réus, atendendo à sua personalidade, sua conduta social, seus antecedentes, os motivos, circunstâncias e conseqüências do cri­ me e o com portam ento da vítim a (art. 59 do Código Penal). O m agistrado deverá, ainda, levar em conta possíveis atenuantes e agravantes (arts. 61 a 66 do Código Penal), bem como causas de aumento ou dim inuição de pena (art. 68 do Código Penal). Em face disso, a pena concreta do traficante poderá ser quantitativa­ mente m aior do que a do comprador.

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a) Se são ambos, qual é punido com mais severidade? Prejudicado. b) O cúmplice é punido? De acordo com a legislação brasileira, “quem, de algum modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (art. 29 do Código Penal). Aquele que, sem promover ou facilitar o deslocamento da mu­ lher, venha a usufruir da prostituição alheia, não responde pelo cri­ me, o mesmo ocorrendo em relação ao “comprador”, quando a mu­ lher já se encontrava em outro território, salvo se sobrevier algum tipo de colaboração. Em ambos os casos, entretanto, dependendo da situação concreta, pode subsistir algum outro delito. No item 3 do capítulo IV do Relatório foi mencionada a Cone­ xão Goiânia-Madri. Nela, vários foram os envolvidos, cada qual com papéis bem definidos e importantes para o desdobramento final da ação de tráfico. c) Aquele que somente instiga é punido? O art. 31 do Código Penal prevê que o auxílio, a instigação e o induzimento, salvo disposição expressa em contrário, não são puni­ dos se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. Dessa forma, mesmo diante da ocorrência, por exemplo, da instigação, tendo-se o crime consumado, ou desde que se tenha configurado a tentativa, haverá punição do agente. Do contrário, não. Há que se observar o comando final do art. 29, o qual determina que se leve em considera­ ção, no momento da aplicação da pena, a culpabilidade do agente, bem como o seu § 1.°, no qual se encontra prevista uma causa de diminuição de pena a incidir nos casos em que a participação tenha sido de menor importância. d) Sabe-se da existência de organizações criminosas voltadas à prática de tal crime? Com base em notícias divulgadas pela imprensa, pode-se dizer que são várias as organizações criminosas que atuam no Brasil. Algu­ mas delas foram mencionadas no capítulo IV do Relatório. Nele tam­ bém podem ser encontradas as rotas e o mapa do tráfico no Brasil.

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Realmente, há no Brasil organizações criminosas voltadas à prática dessa atividade, inclusive com ramificações internacionais. Os órgãos de repressão, contudo, têm-se mostrado pouco eficazes para coibi-las. A Polícia Federal vem reunindo esforços conjuntos com polícias locais na tentativa de coibir o delito. Recentemente, em julho de 2001, ocorreu no Estado de Goiás a prisão de várias pessoas acusadas de fazer parte de uma organização internacional dedicada ao tráfico de mulheres brasileiras para se prostituírem no exterior. e) Existe a responsabilização das pessoas jurídicas nesses casos? A pessoa jurídica não pode ser penalmente responsabilizada pelo crime previsto no art. 231 do Código Penal. Nosso ordenamento ju ­ rídico adota, como regra, o princípio societas delinquere non potest, excepcionado somente pela Constituição Federal nos crimes contra a ordem econômica e financeira, contra a economia popular (art. 173, § 5.°) e nos delitos ambientais (art. 225, § 3.°). Atualmente, no siste­ ma jurídico brasileiro, a responsabilidade penal das pessoas jurídi­ cas encontra-se prevista somente para os casos de crimes ambientais (Lei n. 9.605/98). 6. Na legislação de seu país, qual o elemento material desse delito? O tráfico de mulheres admite duas modalidades de conduta: l.a) promover a entrada, no território nacional, de mulher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro; 2.a) facilitar a entrada, no território nacional, de mu­ lher que nele venha exercer a prostituição, ou a saída de mulher que vá exercê-la no estrangeiro. Entendemos que promover significa “causar, diligenciar para que se realize”, enquanto facilitar tem por sentido “tomar mais fácil”, auxiliando, ajudando ou desembaraçando169.

169. Cf. PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. D ireito penal m oderno: parte espe­ cial do Código Penal, cit., p. 230.

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Ambas encontram-se voltadas para a prática de prostituição de pessoa do sexo feminino, seja no território nacional (promovendo ou facilitando a entrada), seja no exterior (promovendo ou facilitando a saída). A controvérsia doutrinária se instala ao redor da questão que envolve a configuração ou não de tráfico, na circunstância em que ocorre a simples passagem da mulher pelo território nacional. Noronha entende configurado o delito170. No mesmo sentido é a nossa posição e a de Luiza Nagib Eluf. Para nós, “trata-se de delito internacional; depois, porque, em trânsito por nosso território, não deixa de haver saída para o exercício da prostituição em outro Estado; finalmente, porque o nome do crime é tráfico de mulheres, que, se significa ne­ gociação ou comércio, é também sinônimo de tráfego, e não se po­ derá negar que a passagem por nosso solo constitua um trecho desse tráfego, viagem ou transporte” 171. Diverge deste entendimento Heleno Cláudio Fragoso. Configu­ raria, em sua interpretação, o delito de favorecimento à prostituição (art. 228 do Código Penal). Razão está com a primeira corrente. “A simples passagem da mulher por nosso território constitui crime, uma vez que nele está en­ trando ou saindo”172. A configuração típica não exige mais do que isto. Para a existência do delito é indiferente que a mulher seja me­ retriz, “bastando a certeza de que a entrada no país ou a saída deste vise à finalidade do exercício da prostituição”173. A entrada ou saída do território nacional pode ser de forma regular ou irregular, sendo importante, neste último caso, conforme recomendações encontra­ das em diversos documentos internacionais, não venha a vítima a ser discriminada, criminalizada ou estigmatizada, sob pena de deixá-la mais vulnerável a outras violações.

170. JESUS, Damásio de. D ireito penal: parte especial, cit., v. 3, p. 170. 171. NORONHA, E. Magalhães. D ireito penal, cit., p. 276. 172. JESUS, Damásio de. D ireito penal: parte especial, cit., v. 3. 173. MIRABETE, Júlio Fabbrini. M anual de direito penal: parte especial, cit., v. 2, p. 499.

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7. Na legislação de seu país, qual o elemento moral desse delito? O delito de tráfico de mulheres somente pode ser praticado de forma dolosa. O dolo pode ser direto (o agente quis o resultado — art. 18, I, primeira parte, do Código Penal), ou indireto (o agente assumiu o risco de produzir o resultado — art. 18,1, última parte, do Código Penal). Não se exige, para configuração do delito, que o agente aja com o intuito de a mulher vir a prostituir-se, bastando que tenha conheci­ mento de que o deslocamento está sendo realizado com essa inten­ ção. Com isso alarga-se a possibilidade de incidência do tipo penal. Sendo o propósito de prostituição totalmente desconhecido do agen­ te, haverá erro de tipo174. A finalidade pretendida pelo agente é irrelevante. Havendo objetivo de lucro, no entanto, ocorre agravação da pena, visto que esse elemento é um dos que qualificam o delito (ver letra c do item anterior). a) Existe a modalidade culposa? Em nenhuma hipótese subsiste punição a título de culpa. r

8. E possível argüir os meios de defesa (impossibilidade física, erro ou ignorância quanto ao fato, estado de necessidade, le­ gítima defesa e ordem de superior hierárquico) para excluir a criminalidade dos mencionados ilícitos? No presente, indaga-se a possibilidade de argüir meios de defe­ sa, como a impossibilidade física, o erro ou ignorância quanto ao fato, o estado de necessidade, a legítima defesa e a ordem de supe­ rior hierárquico, para excluir a criminalidade dos mencionados ilíci­ tos. Questiona-se, por fim, qual o efeito do arrependimento eficaz e da desistência voluntária no crime em questão. De ponderar-se que, das defesas mencionadas no quesito, so­ mente a impossibilidade física, erro ou ignorância quanto ao fato (erro de tipo), estado de necessidade e legítima defesa têm o condão

174. Código Penal, art. 20: O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas perm ite a punição p o r crime culposo, se previsto em lei.

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de, em tese, excluir a criminalidade da conduta. A ordem de superior hierárquico, por sua vez, sem afastar o crime, isenta de pena o agen­ te, afastando somente a culpabilidade. Não há em nossa legislação disciplina própria para a “impos­ sibilidade física”. Tal alegação, porém, poderá ser válida se, por meio dela, o agente pretender demonstrar a ausência de conduta: que não realizou o comportamento típico e não contribuiu de modo algum para a ocorrência do resultado previsto no tipo penal, qual seja pro­ moção ou facilitação à entrada ou saída do território nacional de mulher, com o fim de prostituir-se. O erro ou ignorância quanto ao fato é tratado no Código Penal brasileiro como “erro de tipo” no art. 20. Dá-se quando a falsa per­ cepção da realidade incide sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justifica­ ção ou dados secundários da norma penal incriminadora. É o que faz o sujeito supor a ausência de elemento ou circunstância da figura típica incriminadora ou a presença de requisitos da norma permissi­ va. No tipo, pode recair sobre elementares objetivas ou normativas. Para que tal alegação surta efeitos, será necessário demonstrar que o agente, quando da realização da conduta, ignorava a presença, no contexto fático, de alguma das elementares previstas no tipo pe­ nal, ou seja, desconhecia totalmente que, com sua ação ou omissão, facilitava ou promovia a entrada ou saída de mulher no território nacional para exercer a prostituição. O erro de tipo exclui sempre o dolo, seja evitável ou inevitá­ vel. Como o dolo é elemento do tipo, a sua presença exclui a tipicidade do fato doloso, podendo o sujeito responder por crime culposo, des­ de que seja típica a modalidade culposa, o que não ocorre com o tráfico internacional de mulheres. A antijuridicidade da conduta sub­ siste. Essa questão, entretanto, fica prejudicada no aspecto penal, uma vez que na fase anterior a ela, i. e., no momento de apreciar a tipicidade, esta fica afastada pela incidência do erro. Na legislação brasileira, o estado de necessidade e a legítima defesa são excludentes da antijuridicidade, as quais se aplicam a to­ dos os crimes. Para que efetivamente incidam, contudo, será neces­ sária a presença de todos os seus requisitos legais, algo raro em se tratando de tráfico internacional de mulheres.

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Age em legítima defesa quem, defendendo direito próprio ou alheio, repele agressão injusta, atual ou iminente, utilizando-se mo­ deradamente dos meios necessários175. A defesa legítima constitui um direito e causa de exclusão da antijuridicidade. É a orientação seguida pelo nosso Código Penal ao afirmar que não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa (art. 23, II). Seus requisitos são: 1.°) agressão injusta, atual ou iminente; 2.°) direito do agredido ou de terceiro, atacado ou ameaçado de dano pela agressão; 3.°) repulsa com os meios necessários; 4.°) uso mode­ rado de tais meios; 5.°) conhecimento da agressão e da necessidade da defesa (vontade de defender-se). A ausência de qualquer dos re­ quisitos exclui a legítima defesa. Há estado de necessidade quando o sujeito age para salvar di­ reito próprio ou alheio de perigo atual que não provocou por sua vontade e que não podia de outro modo evitar, e cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, nos termos do art. 24 do Código Penal. Trata-se, portanto, no regime do Código Penal brasi­ leiro, de uma situação de perigo atual de interesses protegidos pelo Direito, em que o agente, para salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro meio senão o de lesar o interesse de outrem. Seus requisitos são: a) um perigo atual; b) ameaça a direito próprio ou alheio; c) situação não causada voluntariamente pelo su­ jeito; d) inexistência de dever legal de arrostar perigo (§ 1.° do art. 24). Além disso, a realização da conduta lesiva exige: a) inevita­ bilidade do comportamento lesivo; b) inexigibilidade de sacrifício do interesse am eaçado; c) conhecim ento da situação de fato justificante. A ausência de qualquer requisito exclui o estado de ne­ cessidade. Se o fato é praticado sob ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, só é punível, nos termos do art. 22 do Código Penal, o autor da ordem. Para que isso ocorra, no entanto, é preciso:

175. Art. 25 do Código Penal.

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1.°) que haja relação de Direito Público entre superior e subordinado — a subordinação doméstica ou eclesiástica não ingressa na teoria da obediência hierárquica. Assim, não há obediência hierárquica, para fins penais, entre pais e filhos, bispos e sacerdotes etc.; 2.°) que a ordem não seja manifestamente ilegal; 3.°) que a ordem preencha os requisitos formais; 4.°) que a ordem seja dada dentro da competência funcional do superior; 5.°) que o fato seja cumprido dentro de “estri­ ta obediência” à ordem do superior. Se o subordinado vai além do determinado pelo superior, responde pelo excesso. Nesse caso, o in­ ferior responde pelo crime, não havendo exclusão da culpabilidade. De acordo com o Código Penal brasileiro, deve-se entender por ordem de superior hierárquico somente a manifestação de vontade do titular de uma função púbüca a um funcionário que lhe é subordi­ nado, no sentido de que realize uma conduta (positiva ou negativa). Não se admite mais o cego cumprimento da ordem ilegal, permitindose que o inferior examine o conteúdo da determinação, pois ninguém possui dever de praticar uma ilegalidade. Não se coloca o subordinado numa condição de julgador superior da ordem, o que criaria um caos na máquina administrativa, mas a ele se outorga o direito de abster-se de cumprir uma determinação de prática de fato manifestamente con­ trário à lei mediante uma apreciação relativa. Relativa porque não lhe cabe julgar a oportunidade, a conveniência ou a justiça da prática do fato constitutivo da ordem, mas somente a sua legalidade. A ordem, ainda, não pode ser manifestamente ilegal. Caso con­ trário, respondem pelo crime o superior e o subordinado, este com a pena genericamente reduzida, de acordo com o art. 65, III, c, do Có­ digo Penal. Preenchidos todos os requisitos legais, há exclusão da culpabilidade. Embora a conduta do subordinado constitua fato típi­ co e antijurídico, ele não é culpado, em face de incidir um relevante erro de proibição. Diante disso, o subordinado não responde pelo crime. a) O arrependimento eficaz e a desistência voluntária operam que efeito no crime em questão? Determina o art. 15 do Código Penal que “o agente que, volun­ tariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resul­ tado se produza, só responde pelos atos já praticados”. Na primeira

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parte do dispositivo tem-se a desistência voluntária e, na parte final, o arrependimento eficaz. Em ambos os casos, opera-se o mesmo resultado: o agente so­ mente responderá pelos atos já praticados. Tratando-se de tráfico de mulheres, é comum que o delito venha acompanhado de ameaça (art. 147 do Código Penal), lesão corporal (art. 129 do Código Penal), constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal) e até mesmo se­ qüestro ou cárcere privado (art. 148 do Código Penal). Ocorrendo quaisquer dessas hipóteses ou mesmo outras, o agente será respon­ sabilizado. A desistência voluntária consiste numa abstenção de atividade: o sujeito cessa o seu comportamento delituoso. Assim, só ocorre an­ tes de o agente esgotar o processo executivo, sendo somente cabível na tentativa imperfeita ou inacabada. É impossível na tentativa per­ feita, uma vez que nela o sujeito esgota os atos de execução. Pode acontecer nos crimes materiais ou formais, porém não nos de mera conduta, pois nestes o início de execução já constitui consumação. O arrependimento eficaz, por sua vez, dá-se quando o agente, tendo já ultimado o processo de execução do crime, desenvolve nova atividade impedindo a produção do resultado. Enquanto a desistên­ cia voluntária tem caráter negativo, consistindo em o autor não con­ tinuar a atividade inicialmente visada, o arrependimento ativo tem natureza positiva: exige o desenvolvimento de nova atividade. Veri­ fica-se quando o agente ultimou a fase executiva do delito e, dese­ jando evitar a produção do evento, atua para impedi-lo. Em conse­ qüência, só é possível na tentativa perfeita ou crime falho e nos delitos materiais ou causais. Para tomar atípicos os atos executivos que iriam realizar a ten­ tativa, o arrependimento precisa ser eficaz. Assim, se o agente que procura agenciar a entrada ou saída de mulher do território nacional para vir a exercer a prostituição arrepende-se, mas não a ponto de impedi-la de adentrar ou deixar o território nacional, responde pelo tráfico internacional de mulheres, uma vez que o crime em questão se consuma com a simples entrada ou saída do território brasileiro, independentemente do exercício efetivo da prostituição.

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Caso o agente se arrependa ou desista do crime, logrando impe­ dir a saída ou entrada de mulher no território brasileiro para exercer a prostituição, não responderá pelo crime, pois os institutos em exa­ me constituem causas de exclusão da tipicidade. Diz a última parte do dispositivo que, não obstante a desistência voluntária e o arrepen­ dimento eficaz, o agente responde pelos atos já praticados. Dessa forma, retiram a tipicidade dos atos somente com referência ao cri­ me cuja execução o agente iniciou. É o que se denomina tentativa qualificada. Não é caso de absolvição176. Mas o sujeito só responde pelos atos praticados quando relevantes para o Direito Penal. Assim, se o traficante de mulheres empregar violência ou grave ameaça para compelir a vítima a deixar o Brasil para prostituir-se no estrangeiro e posteriormente desistir de fazê-lo, impedindo a sua saída, responde somente por crime de lesão corporal177 ou ameaça178. A desistência e o arrependimento precisam ser, ainda, voluntá­ rios para a produção de efeitos. Não se exige que o abandono da emprei­ tada criminosa seja espontâneo, bastando a voluntariedade. Isto signifi­ ca que a renúncia pode não ser espontânea, mas mesmo assim lhe aproveita. De acrescentar-se que não importa a natureza do motivo: o sujeito pode desistir ou se arrepender por medo, piedade, receio de ser descoberto, decepção com a vantagem do crime, remorso, repugnância pela conduta ou por qualquer outra razão. O importante é que sua con­ duta seja voluntária, não determinada por circunstância alheia. 9. Quais são as penas para esse tipo de infração? O art. 231 do Código Penal prevê a pena de reclusão de 3 a 8 anos para a figura simples (a que se encontra descrita no caput). Outras punições também são estabelecidas para o delito, e depen­ dem da ocorrência de algumas circunstâncias. São elas: a) se a víti­ ma é maior de 14 anos e menor de 18; ou b) se o agente é seu ascen­ dente, descendente, marido, irmão, tutor ou curador ou pessoa a que esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda:

176. i? r,v .7 6 1 ,p . 653. 177. Art. 129 do Código Penal. 178. Alt. 147 do Código Penal.

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reclusão de 4 a 10 anos (art. 231, § 1°, c/c art. 227, § 1.°, do Código Penal); c) tendo sido o crime praticado com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: reclusão de 5 a 12 anos, além da pena correspondente à violência (art. 231, § 2.°, do Código Penal); se da violência resulta d) lesão corporal de natureza grave179: reclusão de 8 a 12 anos; ou e) morte: reclusão, de 12 a 25 anos; e, por fim, havendo f) intuito de lucro: aplicase também a pena de multa (art. 231, § 2.°, do Código Penal). Ainda no que se refere às sanções punitivas, há que se esclare­ cer que, com a entrada em vigor da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), houve uma exacerbação exagerada e desproporcional em termos quantitativos nas hipóteses em que da violência emprega­ da resulte lesão corporal grave ou morte. É que o legislador, quando determinou fossem aumentadas as penas nesses casos (art. 6.° da Lei dos Crimes Hediondos), agiu corretamente, já que o mesmo docu­ mento legal alterou os limites punitivos de dois outros delitos se­ xuais (estupro e atentado violento ao pudor) para os quais também se aplicam as mesmas qualificadoras. Não se deu conta, porém, de que a alteração realizada no art. 223 (alargamento sancionatório) tam­ bém alcançaria, por força do previsto no art. 232, todos os delitos constantes do Capítulo V, aos quais, por sua vez, além de serem estabelecidas punições bem mais brandas, não se destinou qualquer agravamento punitivo180. Houve, assim, equiparação de pena em

179. Os §§ 1.° e 2.° do art. 129 do Estatuto Repressivo prevêem as hipóteses de lesão corporal grave. São elas: § 1. °Se resulta: I — incapacidade para as ocupações habituais, p o r mais de 30 (trinta) dias; II — perigo de vida; III — debilidade per­ manente de membro, sentido ou função; IV — aceleração de parto: Pena — reclu­ são, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 2. °Se resulta: I — incapacidade permanente para o trabalho; II — enfermidade incurável; III — perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV — deformidade permanente; V — aborto: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. 180. Determinou o art. 6.° da Lei dos Crimes Hediondos um aumento considerá­ vel em termos punitivos. Ao delito de estupro, originariamente, era prevista a pena de 3 a 8 anos, enquanto a sanção penal para o atentado violento ao pudor era fixada em 2 a 8 anos. Agora, com a nova redação determinada pela Lei dos Crimes Hediondos, ambos os delitos são punidos com reclusão de 6 a 10 anos. O dobro, no caso do primeiro crime e três vezes maior, para a hipótese de ocorrência do segundo, portanto.

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todos os delitos do Capítulo V (no qual se inclui o tráfico) quanto ao resultado obtido a título de preterdolo (lesão corporal grave ou mor­ te), independentemente da gravidade da ação antecedente dolosa pra­ ticada pelo agente. Veja-se, ilustrativamente, o quadro abaixo: Delito

Figura simples

Agravaçâo pelo resultado lesão corporal grave

Agravaçâo pelo resultado morte

Estupro

6 a 10 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 3 a 8 anos

8 a 12 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 4 a 12 anos

12 a 25 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 8 a 20 anos

Atentado violento ao pudor

6 a 10 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 2 a 7 anos

8a Antes Crimes 4a

12 anos da Lei dos Hediondos: 12 anos

12 a 25 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 8 a 20 anos

8 a 12 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 4 a 12 anos

12 a 25 anos Antes da Lei dos Crimes Hediondos: 8 a 20 anos

3 a 8 anos

Tráfico de mulheres

As punições previstas, no caso de resultar lesão corporal grave ou morte, ficam ainda mais desproporcionais quando se leva em conta que, de acordo com a doutrina majoritária181, a fim de dar aplicabi­ lidade ao art. 223, ambos os resultados, necessariamente, não podem ter sido desejados pelo agente. Se assim for, aplicam-se as regras do cúmulo material, respondendo então o autor por cada um deles. O resultado final dessa questão reside em que, com três únicas exceções, as punições previstas para as hipóteses de crime preterdoloso são mais severas do que as resultantes do concurso material. Vejam-se os quadros comparativos abaixo. Nas duas últimas colunas de cada quadro encontram-se as penas correspondentes ao cúmulo material e a resultante da aplicação do art. 223 (preterdolo). Vê-se que a menor diferença entre uma e outra chega a 3 anos, e a maior alcança 14.

181. Posicionam-se no sentido de que os resultados lesão grave e morte previs­ tos no art. 223 do Código Penal somente podem ser atribuídos a título de culpa: Heleno Cláudio Fragoso, Damásio de Jesus e Luíza Nagib Eluf, dentre outros.

238

Crime preterdoloso (dolo no antecedente e culpa no conseqüente)

a) Lesão corporal culposa (art. 129, § 6.°) Tráfico de mulheres

Lesão corporal Cominação culposa total, no caso de cúmulo material

Pena prevista no art. 223,

caput

Pena mínima

3 anos

2 meses

3 anos e 2 meses

8 anos

Pena máxima

8 anos

1 ano

9 anos

12 anos

b) Homicídio culposo (art. 121, § 3.°) Tráfico de mulheres

Homicídio culposo

Cominação total, no caso de cúmulo material

Pena prevista no art. 223,1

Pena mínima

3 anos

1 ano

4 anos

12 anos

Pena máxima

8 anos

3 anos

11 anos

25 anos

Crimes dolosos

a) Lesão corporal grave (art. 129, § 1.°) e gravíssima (art. 129, § 2.°) Tráfico de mulheres

Lesão corporal Cominação grave/ total, no caso Lesão corporal de cúmulo gravíssima material

Pena prevista no art. 223,

caput

Pena mínima

3 anos

1 ano / 2 anos

4 a n o s / 5 anos

12 anos

Pena máxima

8 anos

5 a n o s / 8 anos

13 anos / 16 anos

25 anos

b) Homicídio simples (art. 121) e qualificado (art. 121, § 2.°) Tráfico de mulheres

Homicídio simples/ Homicídio qualificado

Cominação total, no caso de cúmulo material

Pena prevista no art. 2 2 3 ,1

Pena mínima

3 anos

6 a n o s / 1 2 anos 9 anos / 1 5 anos

12 anos

Pena máxima

8 anos

20 anos / 30 anos 28 a n o s /38 anos*

25 anos

* De acordo com o art. 75 do Código Penal, “o tempo de cumpri­ mento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos”.

239

a) Vigoram as normas do sistema geral? Sim, não há cominação de nenhuma sanção penal que não aque­ las já previstas no Código Penal, bem como inexistem exceções para a concessão de benefícios, sejam de ordem penal, sejam de natureza processual. b) Há alguma sanção específica? Prevê o art. 44 do Código Penal: Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I— aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não fo r cometido com violência ou gra­ ve ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime fo r culposo; II — o réu não fo r reincidente em crime doloso; I I I — a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as cir­ cunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. Convém anotar que, em se tratando da figura simples, nas oca­ siões em que a pena fixada pelo magistrado não ultrapasse o limite de quatro anos (inciso I) e desde que presentes as demais exigências do art. 44, pode haver substituição da pena privativa de liberdade por uma das penas restritivas previstas no art. 43 do mesmo diploma legal, e que são: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição temporária de direitos; e) limitação de fim de semana. A previsão legal, está claro, não é exclusiva do delito de tráfico de mulheres, alcançando toda e qualquer condenação que preencha os requisitos previstos no art. 44 do Código Penal. 10. Qual o tribunal competente para julgar o delito de tráfico de mulheres? A competência é do juiz monocrático, não existindo nenhum tribunal especial para tais julgamentos. E a competência é da Justiça Federal, a teor do disposto no art. 109, III e V, da Constituição Fe­

240

deral. De observar-se que as regras de competência têm aplicação imediata, atingindo inclusive os processos em andamento, de acordo com o art. 2 ° do Código de Processo Penal. a) Qual o lugar do crime e qual o seu momento consumativo? O lugar do crime (locus commissi delicti), segundo estabelece o art. 6.° do Código Penal, é tanto o lugar da conduta (ação ou omis­ são) quanto o do resultado182. Nossa legislação, portanto, filiou-se à teoria mista, da unidade ou da ubiqüidade. Assim, quando o crime tem início em território estrangeiro e se consuma no Brasil, conside­ ra-se praticado no território nacional. Do mesmo modo, tem eficácia a lei penal nacional quando os atos executórios do crime são pratica­ dos em nosso território e o resultado se produz em país estrangeiro. Basta que uma porção da conduta criminosa tenha ocorrido em nos­ so território para ser aplicada nossa lei. A consumação do crime se dá com a entrada ou saída da mu­ lher do território nacional. Não é necessário que a vítima exerça efe­ tivamente a prostituição no Brasil ou no estrangeiro. Basta que a entrada ou saída do território nacional seja feita com esse propósito. Admite-se a modalidade tentada. Além disso, por se tratar de crime internacional, tem aplica­ bilidade o art. 7 .°, II, a, do Código Penal (princípio da justiça univer­ sal e cosmopolita), por meio do qual ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes que, por tratado ou con­ venção, o Brasil se obrigou a reprimir. A extraterritorialidade, nos termos do § 2.° do art. 7 .° do Códi­ go Penal, é condicionada, exigindo para a aplicação da lei brasileira o concurso das seguintes condições: “a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estran-

182. Código Penal, art. 6.°: Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

241

geiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoa­ do no estrangeiro, ou, por outro m otivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável”. b) A competência é limitada a infrações dentro do território de seu país? Não. Inúmeras são as hipóteses em que se admite a competên­ cia da justiça brasileira para processar e julgar infrações que tenham acontecido fora de seus limites territoriais, conforme se verá quando da resposta ao próximo questionamento. c) Em caso negativo, quais as hipóteses em que vige o princípio da extraterritorialidade? A competência brasileira não é limitada aos crimes praticados dentro do Brasil, uma vez que nosso legislador adotou o princípio da territorialidade apenas como regra183. Esse princípio sofre exceções no próprio corpo do dispositivo, ao ressalvar a possibilidade de renúncia de jurisdição do Estado, mediante “convenções, tratados e regras de Direito Internacional”. Como se vê, foi adotado o princípio da territorialidade temperada, permitindo-se a aplicação da lei penal estrangeira a delitos total ou parcialmente praticados em nosso território, quando assim de­ terminarem tratados ou convenções celebrados entre o Brasil e outros Estados, ou cânones de Direito Internacional. Além disso, o arL 7°, de forma expressa, permite a aplicação de outros princípios. Determinados crimes praticados no estrangeiro sofrem a eficá­ cia da lei nacional. É a extraterritorialidade da lei penal brasileira. No art. 7.°, I, a, b e c, foi adotado o princípio real ou de proteção: na alínea d, o princípio da justiça universal. No inc. II, a, adotou-se o princípio da justiça universal ou cosmopolita; na alínea b, o princí­ pio da personalidade ativa, na c, o da representação. Reza o § 3.° do art. 7.° do Código Penal que “a lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro

183. Código Penal, art. 5.°: Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de conven­ ções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

242

fora do Brasil”, se reunidas certas condições. Nesse dispositivo, te­ mos a adoção do princípio de proteção, ou real. É a seguinte a sua redação: Art. 7.0Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I — os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Dis­ trito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empre­ sa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou funda­ ção instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente fo r brasileiro ou domi­ ciliado no Brasil; I I — os crimes: 2l) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a

reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território es­ trangeiro e aí não sejam julgados. § 1. °Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2.0Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: 2l) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que fo i praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

243

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. § 3. °A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: a) não fo i pedida ou fo i negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. A extraterritorialidade excepcional pode ser: a) incondicionada; b) condicionada. A primeira é prevista nas hipóteses do inc. I do art. 7.°, quais sejam, as de crimes cometidos no estrangeiro: contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de M unicípio, de empresa pública, sociedade de econom ia mista, autarquia ou fundação estatuída pelo Poder Público; contra a Admi­ nistração Pública, por quem está a seu serviço; e de genocídio, quan­ do o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. Diz-se incondicionada a extraterritorialidade excepcional da lei penal brasileira, nesses casos, porque a sua aplicação não se subordi­ na a qualquer requisito. Funda-se o incondicionalismo na circuns­ tância de esses crimes ofenderem bens jurídicos de capital importân­ cia, afetando interesses relevantes do Estado. Cometendo um delito previsto nas alíneas do inc. I do art. 7.°, “o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro” (§ 1.°). Tal rigorismo vem amenizado pelo art. 8.°, que reza: “A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mes­ mo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”. A alínea a do inc. I do art. 7.° cuida de crime cometido contra a vida ou a liberdade do Presidente da República, que constitui delito contra a Segurança Nacional (art. 29 da Lei n. 7.170, de 14-12-1983). Delito contra a liberdade do Presidente da República (constran­ gimento ilegal, ameaça, seqüestro etc.) é figura típica definida na Lei de Segurança Nacional (art. 28 da referida Lei).

244

Os crimes contra a existência, a segurança ou integridade do Estado e a estrutura das instituições estão previstos na Lei de Segu­ rança Nacional, quando cometidos em tempo de paz; quando em tem­ po de guerra, pela legislação militar. As alíneas b e c do inc. I do art. 7 ° aludem a crimes previstos nos arts. 289 e 326 do Código Penal. A alínea d trata do crime de genocídio cometido no estrangeiro, “quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil”. Trata-se de crime previsto na Lei n. 2.889, de 1,°-10-1956. Vindo a ser cometido por estrangeiro contra brasilei­ ro, aplica-se o art. 7.°, § 3.°, do Código Penal. A extraterritorialidade condicionada ocorre nos seguintes casos: 1.°) crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir (art. 7.°, II, a); 2.°) crimes praticados por brasileiro no estrangeiro (art. 7.°, II, b)\ 3.°) delitos praticados em aeronaves ou embarcações brasilei­ ras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território es­ trangeiro e aí não sejam julgados (art. 7.°, II, c); 4.°) crimes cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (art. 7.°, § 3.°). Diz-se condicionada porque a aplicação da lei penal brasileira se subordina à ocorrência de certos requisitos (alíneas dos §§ 2.° e 3.° do art. 7.°). A primeira hipótese é a de crimes que, por tratado ou conven­ ção, o Brasil se obrigou a reprimir, em que foi adotado o princípio da justiça cosmopolita ou universal. Cuida dos crimes denominados in­ ternacionais, como o tráfico de mulheres, o tráfico de menores, a difusão de publicações obscenas e de entorpecentes e a destruição ou danificação de cabos submarinos. O segundo caso é o de crimes praticados por brasileiro no es­ trangeiro (alínea b). Adotou-se o princípio da personalidade ativa. Tem apoio no interesse do Brasil em punir o nacional que delinqüiu no estrangeiro segundo nossas leis, vedando a sua extradição184.

184. Lei n. 6.815, de 19-8-1980, art. 77, III; Constituição Federal, art. 5.°, LI.

245

A terceira hipótese cuida do princípio da representação, inova­ ção em nosso sistema penal, corrigindo uma lacuna na matéria. Trata dos casos de crimes cometidos em aeronaves ou embarcações brasi­ leiras, de natureza privada, quando em território estrangeiro. Assim, suponha-se um delito cometido a bordo de aeronave brasileira, em vôo sobre território estrangeiro, sem escalas, sendo estrangeiros os sujeitos ativo e passivo. Pelo sistema anterior, não era aplicável nos­ sa lei penal. O mesmo ocorria em relação aos delitos praticados a bordo de navios. Pelo novo princípio, o Estado a que pertence a ban­ deira do navio ou da aeronave se substitui por aquele em cujo territó­ rio aconteceu o delito, desde que não julgado por motivo relevante. O quarto caso é o de crime praticado por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (§ 3 .°), voltando o legislador a adotar o prin­ cípio de proteção, ou real. Nos quatro casos, a aplicação da lei brasileira depende do con­ curso das seguintes condições: 1.B) entrar o sujeito no território nacional; 2.a) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

3.a) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasi­ leira autoriza a extradição; 4.a) não ter sido o sujeito absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; 5.a) não ter sido o sujeito perdoado no estrangeiro, ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorá­ vel (art. 7.°, § 2.°). No quarto caso (crime cometido por estrangeiro contra brasi­ leiro fora do Brasil), além desses requisitos, só se aplica a lei brasi­ leira se: 1.°) não foi pedida ou foi negada a extradição (art. 7.°, § 3 .° , a)\ 2.°) houve requisição do Ministro da Justiça (art. 7.°, § 3 .°, b). Essas condições devem coexistir, isto é, a lei brasileira só é apli­ cável quando incidem todas as condições ao mesmo tempo. A primeira é a entrada do agente no território nacional. O ingresso pode ser voluntário ou não; a presença, temporária ou prolongada.

246

A segunda condição diz respeito à circunstância de o fa to ser punível também no país em que fo i praticado. Exige-se, pois, que a conduta esteja descrita como crime na legislação do país em que foi realizada, quer com o mesmo nomen juris empregado pela nossa, quer com outro. A terceira condição é estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição. Trata-se de condição objetiva de punibilidade. Outro requisito reside no fato de não ter sido o agente absolvi­ do no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena. Se o agente foi absolvido ou cumpriu a pena no estrangeiro, ocorre uma causa de extinção da punibilidade. Se a sanção foi cumprida parcialmente, novo processo pode ser instaurado no Brasil, com atendimento da regra do art. 8.°. Por último, exige-se não ter sido o agente perdoado no estran­ geiro, ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segun­ do a lei mais favorável. Como é evidente, cuida-se de causas de extinção da punibilidade. No caso de crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, além das condições previstas no § 2.°, são exigidos os requisitos das alíneas do § 3.°, para que haja a aplicação de nossa lei, que são: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requi­ sição ministerial. d) A competência abrange delitos de nacionais cometidos no exterior? Sim, conforme prevê o art. 7.°, II, b, do Código Penal. e) Qual a atuação dos tribunais internacionais nesses casos? O Brasil reconhece a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Dec.-Lei n. 89, de 3-12-1998). 11. No seu país, existe convenção, acordo ou tratado que verse sobre direitos e proteção da mulher? Sim. Eles foram mencionados no capítulo II, item 5, do Relató­ rio e são os seguintes:

247

Acordos, convenções, protocolos, pactos e declarações internacionais Brasil* I

Ano

Documento

1947

Protocolo de Emenda da Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de M ulheres e Crianças e Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de M ulheres Adultas

1948

1949

Convenção e Protocolo Final para a Supressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio

1958

1951

Convenção OIT n. 100 sobre Igualdade de Remuneração

1957

1951

Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, de Genebra

1961

1958

Convenção OIT n. 111 contra Discriminação na Ocupação e Emprego

1965

1979

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a M ulher

19 84 * 1 9 9 4 **

1993

Convenção de Haia

1999

1994

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a M ulher — Convenção de Belém do Pará

1995

1994

Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores

1997

1999

Protocolo Opcional da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a M ulher

2 0 0 1 **

2000

Protocolo para Prevenir, Suprim ir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente M ulheres e Crianças, suplem entando a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional

2 0 0 0 **

* Ano da ratificação ** Ano da assinatura

a) A Convenção Internacional relativa à repressão do tráfico de mulheres maiores, firmada em Genebra (1933), tornou-se norma vigente em seu país? O Protocolo de Emenda da Convenção para a Repressão do Trá­ fico de Mulheres e Crianças, concluída em Genebra, em 30-9-1921, e da Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, concluída em Genebra, em 11-10-1933, adotado pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 1947, em Lake Success, Nova York, foi firmado pelo Brasil em 17-3-1948 e ratificado pelo Brasil por Carta de 7-3-1950, tendo sido depositado, em 6-4-1950, junto ao Secreta-

248

dado Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York, o Instrumento Brasileiro de ratificação do referido Protocolo. O Decreto que o promulga recebeu o número 37.176 e é datado de 15-4-1955. b) Em caso positivo, que espécie de norma é? Os preceitos lá estabelecidos são cumpridos? De acordo com Flávia Piovesan, “o Direito brasileiro faz opção por um sistema misto disciplinador dos tratados. Este sistema misto caracteriza-se por combinar regimes jurídicos diferenciados: um re­ gime aplicável aos tratados de direitos humanos e outro aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de pro­ teção dos direitos humanos — por força do art. 5.°, §§ 1.° e 2.° — apresentam hierarquia constitucional e são incorporados automati­ camente, os demais tratados internacionais apresentam hierarquia infraconstitucional, não sendo incorporados de forma automática pelo ordenamento jurídico brasileiro” 185. No que se refere à segunda parte da pergunta, deve ser dito que poucas das recomendações constantes na Convenção foram realiza­ das. Vide nos itens 4.b e 12 do presente questionário as ações já rea­ lizadas ou que se encontram em andamento. 12. Que medidas sociopreventivas estão sendo tomadas em seu país para evitar a continuidade de tal delito? • Convênio com Secretarias Estaduais de Bem-Estar Social, para que o Conselho de Direitos da Mulher viesse a criar estabelecimentos de refúgio para mulheres agredidas e seus filhos, a partir de 1986. • Implantação das Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (DEAMs) em todo o País, processo iniciado em 1986, em São Paulo. As DEAMs prestam serviços especializados às vítimas e contam com policiais treinadas para o cumprimento

185. PIOVESAN, Flávia. A incorporação, a hierarquia e o impacto dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro, in GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia (coord.). O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000. p. 172-173.

249

de funções relacionadas à aplicação da lei, e algumas delas oferecem serviços sociais e psicológicos integrados. Elaboração do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em 1996, que estabelece, entre várias metas, a implementação das disposições da Conferência Mundial de Viena, de 1993, da Convenção de Belém, de 1996, e da Con­ ferência Mundial de Beijing, de 1995. Desde sua elaboração, o PNDH tem estimulado um conjunto importante de iniciati­ vas e de campanhas sobre a violência contra a mulher que ainda necessitam de tempo para serem avaliadas. O PNDH apoiou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e o Pro­ grama Nacional para Prevenir a Violência contra a Mulher. O PNDH prevê, ainda, a educação do público a respeito da dis­ criminação e da violência contra a mulher e das garantias disponíveis, e promoção de estudos estatísticos sobre a situ­ ação da mulher no mercado de trabalho. Desde o ano de 1999, o PNDH vem sendo submetido a processo de consulta públi­ ca, para a inclusão de provisões relativas aos direitos políti­ cos, econômicos e culturais. Promulgação da Lei n. 9.034/95, que dispôs sobre a utiliza­ ção de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, alterada pela Lei n. 10.217, de 11-4-2001. Lançamento, em 1996, do Programa Nacional para Prevenir e Combater a Violência Sexual e Doméstica. Execução do Projeto “A Promoção de Direitos de Mulheres Jovens no Brasil, Vulneráveis ao Abuso e à Exploração Se­ xual Comercial”, desenvolvido pelo Ministério da Justiça, em cooperação com o UNIFEM, que propõe a realização de m apeam entos e avaliação de program as e projetos de enfrentamento da violência sexual, identificação e dissemi­ nação de experiências bem-sucedidas e capacitação de pro­ fissionais. Assinatura, pelo Brasil, do Protocolo da ONU para Preve­ nir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente

Mulheres e Crianças, que suplementa a Convenção contra o Crime Organizado Transnacional, adotado pela ONU em no­ vembro de 2000. • Promulgação da Lei n. 9.807/99, a qual estabelece progra­ mas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, e proteção de acusados ou condenados que tenham volunta­ riamente prestado efetiva colaboração à investigação polici­ al e ao processo criminal.

251

P arte II

Tráfico Internacional de Crianças 1. No ordenamento jurídico de seu país, há referência ao tráfi­ co internacional de crianças? Ao tráfico de crianças no Brasil nunca se forneceu uma disci­ plina jurídica própria, ficando a possibilidade de criminalização res­ trita às hipóteses em que o sujeito passivo fosse do sexo feminino — era, então, criança em condição de mulher — , pois, nesse caso, des­ de o Código Penal republicano, o tráfico de crianças vem sendo criminalizado. a) Em caso negativo, quando da ocorrência desse delito, que crime é praticado e qual procedimento é adotado? A Lei n. 8.069/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Ado­ lescente (ECA), possui 18 tipos penais186 que têm a criança ou o adolescente como sujeito passivo. Nenhum deles, entretanto, elabo­ ra referência específica ao tráfico, muito embora, como se verá, três tipos penais possam ter incidência no caso. A falta de um tipo penal que incida específica e diretamente so­ bre a matéria traz um sério inconveniente, na medida em que, por mais esdrúxulo que possa parecer, a resposta penal é dependente do sexo do sujeito passivo. Tratando-se de vítima do sexo feminino, e estando a conduta do sujeito voltada para a prostituição dela, toma-se duvidoso o enquadramento típico, pois, se por um lado, no Código Penal, é en­ contrado o art. 231, que possui como elementares mulher e prostitui­ ção, por outro, é no Estatuto da Criança e do Adolescente que se con­ centram os delitos praticados contra criança ou adolescente. A questão toma-se ainda mais dificilmente dirimível quando se verifica que os tipos penais prevêem cominações bastante diferenciadas.

186. Um deles, o art. 244-A, foi criado pela Lei n. 9.975/2000.

252

Sendo o ECA posterior ao Código Penal e específico no tra­ tamento de pessoa menor de 18 anos187, não há dúvida deva o primeiro ter aplicabilidade em detrimento do segundo. Dessa for­ ma, independentemente do sexo da vítima e do propósito com que o agente atuou, deve-se fazer o enquadramento no art. 239 do ECA, que prescreve: Art. 239. Promover ou auxiliar a efetivação de ato desti­ nado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena — reclusão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos, e multa. Como se pode perceber da leitura do dispositivo, há situações que não foram acobertadas pela norma, causando problemas de enquadramento típico. São elas: 1.a) Envio da criança ou do adolescente para o exterior em obediência a todas as formalidades legais, ou que não tenha como fito a obtenção do lucro: não se pode falar do delito previsto no ECA, em face da ausência de elemento típico. O correto, então, seria, já que a vítima é do sexo feminino, enquadrar a conduta no art. 231 do Código Penal, desde que haja conhecimento por parte do sujeito ativo de que o deslocamento tenha por finalidade a pros­ tituição. Inexistindo este e desde que a ação envolva ato praticado pelo progenitor, resta a possibilidade de enquadramento no delito previsto no art. 245 do Código Penal (“entrega de filho a pessoa inidônea”). A vítima, que pode ser de ambos os sexos, tem de ser menor de 18 anos188. 2.a) Promoção ou facilitação da entrada da vítima no território nacional: configura o art. 231 do CP, pois o ECA somente criminaliza

187. Há dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente que alcançam, também, pessoas que ainda não completaram 21 anos; porém, eles não são aplicá­ veis ao tema que se está desenvolvendo. 188. Aspectos que digam respeito ao dispositivo penal mencionado serão mais bem desenvolvidos logo em seguida, quando se estiver tratando do devido enquadramento penal da conduta que envolva tráfico de menor do sexo masculino.

253

a remessa de criança ou adolescente para o exterior. Não se encontra tipificada, portanto, a ação de trazer. Relembre-se, novamente, que apenas pode ser enquadrado no disposto no Código Penal quando se trata de ação que recaia sobre vítima do sexo feminino, por ser mu­ lher uma das elementares do tipo penal previsto no art. 231. Nas hipóteses em que a vítima, menor de 18 anos, não é do sexo fem in in o , tam bém são d iversos os p ro b lem as acerca do enquadramento típico. São respostas possíveis à questão: 1.a) Art. 245, § 1.° (nos casos de progenitor como sujeito ati­ vo) ou § 2.° (nas demais hipóteses) do Código Penal: o art. 245 do Código Penal criminaliza a ação de “entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo”. A sanção previs­ ta para o delito é de detenção, de 1 a 2 anos. Seus parágrafos prevê­ em a mesma conduta, apenas incluem a remessa do menor para o exterior ou a finalidade de lucro (modalidades qualificadas), quan­ do, então, a pena m áxim a é aum entada para 4 anos, e o § 1.° menciona a conduta do progenitor, enquanto o outro abrange qual­ quer pessoa e retira a necessidade, para a configuração típica do delito, de perigo moral ou material, mantendo, entretanto, a finali­ dade de lucro. 2.a) Art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente: o dispo­ sitivo possui a seguinte previsão típica: “Promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro: Pena — reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”. Para Maria Auxiliadora Minahim189, o ECA teria, tacitamente, revo­ gado o § 2.° do art. 245 do Código Penal. Não se pode olvidar, entre­ tanto, do alerta anteriormente realizado no sentido de que nem sem­ pre todos os elementos típicos do art. 239 se fazem presentes, ocasião em que se há de resgatar a aplicabilidade do disposto no Código Penal.

189. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 3. ed. 2. tir. São Paulo : Malheiros Ed., 2001. p. 774.

254

3.a) Art. 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente: por meio desse dispositivo, o que se pune é a promessa ou entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou promessa de recompensa. A pena prevista é de reclusão de 1 a 4 anos e multa. “Não há confundir o tipo do art. 238 do ECA com o do art. 245 do Código Penal. Há, em comum, entre uma e outra dessas figuras criminosas, o núcleo do tipo, representado, numa, pelo verbo ‘efetivar’ a entrega e, noutra, pelo verbo ‘entregar’. O objeto direto de ambas as condutas alude ao filho menor de dezoito anos de idade. Excluída essa zona comum, tudo o mais diverge. Na hipótese do art. 238 do ECA, além da efetiva entrega do filho, incrimina-se também a entrega de pupilo, alargando-se dessa forma o campo do sujeito passivo, e ainda se estatui que, num e noutro caso, o agente alimente o propósito de obter paga ou recompensa. No delito referido no art. 245 do Código Penal a entre­ ga visa, com exclusividade, o filho menor, e a preocupação do legis­ lador se centrou na conduta da pessoa a quem o menor é entregue, conduta essa idônea a deixá-lo em perigo seja de ordem moral, seja de ordem física. Ademais, é imprescindível para a configuração cri­ minosa que o sujeito ativo saiba ou deva saber — dado de subjetivi­ dade do tipo — que a companhia da pessoa a quem o filho é entregue possa provocar-lhe perigo moral ou material”190. 4.a) Art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente: mais recentemente, com a entrada em vigor da Lei n. 9.975, de 23-6-2000, que inseriu uma nova figura delitiva no ECA (art. 244-A), as discus­ sões se intensificaram ainda mais. Prevê o citado dispositivo: “Sub­ meter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2.° desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena — reclusão de quatro a dez anos, e multa”. Sistematizando toda a discussão, pode-se traçar o seguinte qua­ dro, observando-se que dele foram retiradas alusões à idade da víti­ ma, visto que em todos os casos ela deve ser inferior a 18 anos, sob pena de não se estar falando em criança ou adolescente:

190. FRANCO, Alberto Silva et al. Leis penais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2001. v. 1, p. 537.

255

Tipo penal

Conduta

Requisito subjetivo especial

Art. 231, CP

Promover ou facilitar

Art. 244-A, ECA

Submeter à prostituição ou à exploração sexual

Art. 245, CP

Entregar filho

Art. 245, §1.°. CP

Entregar filho

Fim de lucro

Art. 245, § 2.°, CP

Auxiliar a efe­ tivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior

Fim de lucro

Art. 239, ECA

Promover ou auxiliar

Fim de lucro

Art. 238, ECA

Prometer ou efetivar a entre­ ga de filho ou pupilo a terceiro

Fim de lucro

Art. 238, par. ún., ECA

Oferecer ou efetivar paga­ mento ou re­ compensa

Especial condição do agente

Elementos objetivos

Sanção

3 a 8 anos: Vítima mulher; entrada no ou vítima menor saída do territó­ de 14 anos* rio nacional; fi­ 4 a 10 anos: nalidade de vítima entre 14 e 18 anos* prostituição 4 a 10 anos, e multa

Progenitor da vítima

Perigo moral ou material a que o menor se en­ contra exposto

1 a 2 anos

Progenitor da vítima

Perigo moral ou material a que o menor se encontra ex­ posto; o menor é enviado para o exterior

1 a 4 anos

1 a 4 anos

Envio de menor para o exterior; inobservância das formalida­ des legais Progenitor, tutor, guardião

4 a 6 anos e multa

1 a 4 anos

1 a 4 anos

* A contradição verificada no tocante às punições será explicada quando da resposta ao item 9.

256

b) Em caso positivo, quais são as hipóteses motivadoras dessa modalidade de delito em seu país (prostituição, exploração sexual, pornografia, mão-de-obra barata, mendicância, trá­ fico de órgãos etc.)? De acordo com a legislação brasileira, pune-se criminalmente o tráfico internacional de criança ou adolescente, qualquer que seja sua hipótese motivadora. Independe, portanto, para fins penais, se o agente visava à exploração sexual, à prostituição, à pornografia in­ fantil, mão-de-obra barata, mendicância ou venda de órgãos. Desde que o sujeito ativo do crime promova ou facilite ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior, em desconformidade com as regras estipuladas no próprio Estatuto da Criança e do Ado­ lescente, ou vise ao lucro, incorrerá no tipo penal. c) Quais os interesses protegidos (do menor, dos pais, econô­ micos)? No caso do art. 231 do Código Penal, o interesse protegido é o livre desenvolvimento de sua personalidade sexual, enquanto no de­ lito do envio ilícito ou para fins lucrativos de criança ou adolescente para o exterior (art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente) o que se tutela é o direito do menor à assistência familiar. 2. As disposições legais existentes se referem somente ao Direi­ to Penal ou há outro ramo jurídico envolvido? No Brasil, o tráfico internacional de criança ou adolescente consubstancia conduta disciplinada por outros ramos do Direito, e não exclusivamente pelo Direito Penal. Há, além do ilícito criminal, ilícito civil na conduta dos responsáveis pelo tráfico internacional, razão pela qual o menor, a vítima do crime, e seus pais fazem jus a uma indenização por danos materiais e morais, com base na Consti­ tuição Federal de 5-10-1988, art. 5.°, V 191, e no Código Civil de 1916, arts. 159,1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.

191. É assegurado o direito de resposta, proporciona] ao agravo, além da inde­ nização por dano material moral ou à imagem.

257

a) O tema é abordado nas legislações que tratam da adoção in­ ternacional? A adoção internacional encontra-se regulamentada no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 39 a 52), não sendo feita nenhuma menção ao tráfico. b) As disposições penais são leis ou são normas de natureza re­ gulamentar? De acordo com o sistema jurídico pátrio, as disposições penais somente podem ser estabelecidas por lei, não se admitindo sequer a utilização de medida provisória. Os dispositivos penais aplicá­ veis, desde o tipo penal que define criminalmente a conduta daque­ le que pratica o tráfico internacional de crianças ou adolescentes (art. 239 da Lei n. 8.069/90) até as regras gerais relacionadas com o tema (arts. 1.° a 120 do Código Penal), são, em sua totalidade, leis penais. c) Tais disposições se submetem aos princípios gerais do Direito Penal? Os dispositivos submetem-se integralmente aos princípios gerais de Direito Penal, muitos deles previstos expressamente não só no Có­ digo Penal como também na Constituição Federal: princípio da legali­ dade (art. 5.°, XXXIX), da anterioridade (art. 5.°, XXXIX), da retroatividade benéfica da lei penal (art. 5.°, XV), da personalidade da pena (art. 5.°, XV), da individualização da pena (art. 5.°, XVI), da proporcionalidade (arts. 5.°, XV e XVI, 9 8 ,1, e 227, § 4.°), da hu­ manidade (arts. 1.°, III, 5.°, III, XLVI e XLVII), do estado de ino­ cência (art. 5.°, LVII), da igualdade (art. 1.°, caput). Além desses, cabe mencionar os princípios da proibição da analogia in malam partem , do ne bis in idem, da culpabilidade, da fragmentariedade, da proporcionalidade, da intervenção mínima, da lesividade e da insignificância. d) Se há normas penais, estão no Código Penal ou em outra lei especial? A definição do crime encontra-se no art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). Já os princípios e regras

258

gerais estão contidos no Código Penal (arts. 1° a 120), além dos dispositivos constitucionais acima mencionados. 3. Quais são as autoridades legislativas responsáveis para criar as disposições referidas no item anterior? No ordenamento jurídico brasileiro, somente a União (ente na­ cional) pode legislar sobre matéria penal ou Direito Civil, por força do disposto no art. 22, I, da Constituição da República Federativa, prom ulgada em 5 -1 1-1988192. D iscute-se, no B rasil, sobre a pertinência de serem instituídas por meio de medida provisória193. Vários autores se manifestaram sobre o assunto, sendo que a maior parte deles opina no sentido de que tal possibilidade encontra-se des­ tituída de fundamentação constitucional. Nesse sentido: Francisco de A ssis Toledo194, A lberto Silva F ran co 195, W alter Claudius Rothenburg196 e Manoel Pedro Pimentel197, citados por Luiz Flávio Gomes198, que também é da mesma opinião. a) De acordo com o sistema jurídico de seu país, os Estados ou regiões têm autonomia para prover seus próprios interesses? A organização político-administrativa no Brasil é distribuída entre os Municípios, os Estados, a União e o Distrito Federal. Cada

192. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I — direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (...). 193. Constituição Federal, art. 62: Em caso de relevância e urgência, o Presi­ dente da República poderá adotar medidas provisórias, com fo rça de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. 194. Princípios básicos do direito penal, cit., p. 21-25. 195. A medida provisória e o princípio da legalidade. RT, v. 648, out. 1989, p. 366-368. 196. Medidas provisórias e suas necessárias limitações. RT, v. 690, abr. 1993, p. 313-319. 197. Medida provisória e crime. Repertório IOB de Jurisprudência, n. 14, 2.* quinzena de jul. 1989, p. 246. 198. Princípio da legalidade (ou da reserva legal) e os limites das “medidas provisórias”, in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal, cit., p. 208-252.

259

um desses entes políticos possui suas atribuições gerais previstas no diploma constitucional. Os Estados e Municípios possuem autono­ mia relativa. A organização e atribuições do primeiro encontram-se descritas nos arts. 25 a 28; as do segundo, nos arts. 29 a 31, todos da Constituição Federal. Convém esclarecer que, dentro do quadro organizacional do Estado, as regiões não possuem qualquer espécie de representatividade. A União, entretanto, poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu de­ senvolvimento e à redução das desigualdades regionais (art. 43 da Constituição Federal). Este último objetivo, inclusive, é tido por fun­ damental, conforme se depreende da leitura do art. 3.°, III, da Carta Constitucional199. Os Estados-membros da Federação brasileira, assim como os Municípios, ainda que tenham autonomia para prover seus próprios interesses, uma vez que possuem autonomia administrativa e financei­ ra, não podem criar normas de natureza penal. Nada impede, entretan­ to, que os Estados-membros e Municípios criem normas específicas relacionadas ao combate ao tráfico internacional de crianças ou ado­ lescentes, desde que, evidentemente, não se trate de normas penais. De observar-se que a Constituição Federal permite que o Congresso Nacional, mediante lei complementar200, autorize os Estados-membros a, excepcionalmente, legislar sobre questões específicas de Direito Penal (art. 22, par. ún.). Não houve, contudo, desde a promulgação da Carta Política brasileira, a edição de leis dessa natureza. 4. Existem em seu país organizações governamentais e nãogovernamentais para impedir o tráfico de crianças? Várias são as organizações governamentais e não-govemamentais que externam a preocupação com o tráfico de crianças.

199. Art. 3.° Constituem objetivos fundam entais da República Federativa do Brasil: (...) III — erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualda­ des sociais e regionais. 200. A lei complementar configura espécie normativa que depende de aprova­ ção, por maioria absoluta, das duas Casas Legislativas do Congresso Nacional (Câ­ mara dos Deputados e Senado Federal) e de sanção por parte do Presidente da Re­ pública.

260

a) Em caso negativo, há previsão para criá-las? Prejudicado. b) Em caso positivo, quais são e quais as atitudes que estão sendo tomadas? • Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infân­ cia e Adolescência (ABRAPIA), do Rio de Janeiro, que ofe­ rece um disque-denúncia. • Criação da Comissão Parlamentar de Inquérito do Tráfico de Bebês, no Ceará. • Criação da Comissão Parlamentar de Inquérito da Prostitui­ ção e Exploração Sexual Infantil, na Câmara dos Deputados, em 1993, que estudou denúncias, mapeou o problema, iden­ tificou áreas de risco e esquemas de exploração, tomou pro­ vidências e propôs medidas concretas para atacar o proble­ ma. O Relatório Geral da CPI está disponível para consulta e cópia na seção de documentação da Câmara dos Deputados. • Criação de um banco de DNA, por parte da Secretaria Na­ cional de Justiça, com o intuito de evitar o tráfico de órgãos. • Criação da Comissão Estadual Judiciária de Adoção e da Autoridade Central, órgãos responsáveis por autorizar a ado­ ção internacional de crianças brasileiras. • O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) pro­ moveu uma pesquisa sobre crianças desaparecidas. • Criação do Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas. • Atuação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. • Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas, criado em julho de 1995, no Paraná. • Lei n. 2.696/2000, que estabelece que a procura pelas crian­ ças desaparecidas poderá começar logo após a notificação à autoridade policial, medida já adotada por alguns Estados. • O Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) do Instituto de Psicologia da USP vem pesquisando a infância no Brasil

261

há seis anos. De 1996 a julho de 2001, o órgão registrou 53.965 casos de violência doméstica. Centro de Referência da Criança e do Adolescente (CER­ CA), órgão ligado à OAB e à Secretaria Estadual de Desen­ volvimento Social, que atendeu, em 2000, 7.068 crianças, das quais 437 foram vítimas de abuso sexual. Programa S.O.S. Criança, criado pela Prefeitura municipal de Curitiba/PR, o qual recebe denúncias e presta atendimen­ to a qualquer violação de direitos, inclusive às crianças e aos adolescentes violados sexualmente em seus domicílios. Criação, no Paraná, do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (SIPIA), que reúne os dados obtidos pelos Conselhos Tutelares das cidades do Estado. Centro de Referência às Vítimas de Violência do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, que atende, em média, 120 casos de violência doméstica por semana. O Programa Bem Me Quer, do Hospital Pérola Byington, já atendeu dois mil casos de estupro. Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância (CRAMI), de Santo André, que compreende sete cidades da região do ABC paulista. Entre 1992 e 2000, o órgão recebeu 3.279 denúncias. Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente, funcionando desde 1999, no DF. A Assembléia Legislativa do Acre abriu CPI (Comissão Par­ lamentar de Inquérito) para investigar o comércio e o tráfico de jovens para servirem nos prostíbulos de garimpos em Rondônia. O Ministério Público, em 1999, desencadeou a Operação Catedral Rio, identificando 24 suspeitos por pornografia in­ fantil na Internet. Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal, em Brasília, que, entre janeiro e outubro de 2001, recebeu um total de 2.072 denúncias, via Internet, contra pornografia infantil e pedofilia, numa média de 200 denúncias por mês.

• Promotorias da Infância e da Juventude, em vários Estados brasileiros. • Realização, em 2001, da Pesquisa “Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual no Brasil”, pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (CECRIA), a Organização dos Es­ tados Americanos (OEA) e o Ministério da Justiça, entre ou­ tros parceiros governamentais e não-govemamentais, nacio­ nais e internacionais. A pesquisa procura, a partir de focal points, estabelecer estratégia nacional para a construção de capacidade do Governo e da sociedade civil, a fim de enfren­ tar o problema do tráfico de mulheres e crianças. A pesquisa faz parte das iniciativas preliminares para a elaboração de uma Convenção Interamericana sobre Tráfico de Mulheres e Crianças. • Implantação do Projeto Casa de Zabele, em Teresina, Piauí, que fornece suporte psicológico, social e educacional para meninas de 9 a 16 anos que sofreram abuso sexual ou estão em situação de risco. Em 2000, 104 garotas provenientes de 87 famílias participaram do projeto, que encorajou discus­ sões sobre como prevenir e combater abusos sexuais, violên­ cia doméstica e trabalho infantil. A maioria das participantes foi vítima de abuso em casa, e 20% delas estavam envolvidas no comércio sexual. 5. No sistema legal de seu país, quem são os responsáveis pela prática da infração: o traficante ou o comprador da criança? No sistema legal do Brasil, tanto o traficante como o compra­ dor de crianças ou adolescentes são punidos, pois nossa lei incrimina todo aquele que promover ou auxiliar ato destinado ao envio de cri­ ança ou adolescente para o exterior com inobservância das form ali­ dades legais ou com o fito de obter lucro. Não se pode esquecer, conforme já mencionado na resposta à questão n. 1, que, no Brasil, inexiste referência específica ao tráfico de crianças, utilizando-se, em razão disso, para o devido enqua­ dramento legal, dispositivos diferenciados, conforme se esteja dian­ te de criança do sexo feminino ou masculino.

263

Nas situações em que houver possibilidade de enquadramento no Código Penal (ver resposta à questão n. 1), somente pode ser su­ jeito ativo do tráfico (art. 231 do Código Penal) aquele que promove ou facilita a entrada no ou a saída do território nacional de criança do sexo feminino, com vistas à prostituição dela. Tem-se, aqui, a figura do traficante. Caso o crime tenha sido cometido com o fim de lucro, prevê o § 3.° do mesmo dispositivo cominação cumulativa de pena pecuniária (tráfico mercenário). O comprador de crianças, entretanto, pode vir a ser responsabi­ lizado, desde que tenha de alguma forma concorrido para o crime (art. 29 do Código Penal). Caso, entretanto, sua ação (compra) seja posterior à promoção ou à facilitação e nenhuma vinculação possua com ela, não poderá responder pelo crime (ver letras b e c, infra). a) Se ambos são responsáveis, quem é punido com mais severi­ dade? Como ficou consignado, não há, em princípio, norma específi­ ca punindo mais severamente o traficante ou o comprador, de modo que todos incorrem nas penas previstas no tipo penal. b) O cúmplice é punido? De acordo com a legislação brasileira, “quem de qualquer forma concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (art. 29 do Código Penal). O tipo penal pune todo aquele que promove ou auxilia o tráfico internacional de crianças ou adolescentes, de modo que, quer o cúmplice como o instigador, tanto um quanto outro realizam o comportamento. Qualquer que seja a forma de participação, seja moral, por cumplicidade ou instigação, ou participação material, há incidência da norma penal. c) Aquele que somente instiga é punido? Sim, nos termos do art. 29 do Código Penal, conforme a respos­ ta ao quesito anterior. d) Sabe-se da existência de organizações criminosas voltadas à prática de tal crime? Não há informações disponíveis que possam dar uma dimensão confiável apropriada do tráfico de crianças no Brasil. As tentativas

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de mapeamento do tráfico de crianças esbarram na ausência de legis­ lação nacional específica, não obstante o Brasil ser signatário de ins­ trumentos internacionais importantes, e mesmo de políticas públicas que destaquem o problema. Em geral, as informações existentes no País sobre violações, ao se concentrarem na exploração sexual, no trabalho infantil, na adoção internacional e na pedofilia, não especi­ ficam as redes que articulam o aliciamento, a movimentação, a coa­ ção e a exploração final. Entre 1997 e 2000, a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA) recebeu apenas 36 denúncias sobre tráfico de crianças e adolescen­ tes, provenientes, pela ordem, do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Goiás. Em sua maioria (84,84%), as denúncias referiam-se a tráfico de meninas. A Polícia Federal, no período compreendido en­ tre 1999 e setembro de 2001, instaurou 2.046 inquéritos policiais. Desse total, apenas 28 eram relativos a tráfico de crianças e adoles­ centes, 33 versavam sobre exploração sexual infantil, 60 sobre pedofilia, e 6 diziam respeito à prostituição infantil. Devido à fragi­ lidade dos dados disponíveis, esses números são insuficientes para traçar um painel que possa orientar uma política eficiente de comba­ te ao tráfico. Alguns tipos de violações dos direitos das crianças, no País, com indicação de responsáveis, encontram-se descritos no capítulo V, item 2, do Relatório. Elas possuem algum tipo de relação com o tráfico, não obstante, muitas vezes, isso se dar de forma dissimulada. e) Existe a responsabilização das pessoas jurídicas nesses casos? A pessoa jurídica não pode ser penalmente responsabilizada pelo crime previsto no art. 239 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Nosso ordenamento jurídico adota, como regra, o princípio societas delinquere non potest, excepcionado somente pela Constituição Federal nos casos de crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular (art. 173, § 5.°) e nos delitos ambientais (art. 225, § 3.°). Hoje, no sistema jurídico brasileiro, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas se encontra prevista somente para os casos de crimes ambientais (Lei n. 9.605/98).

265

6. Na legislação de seu país, qual o elemento material desse delito? Como ficou esclarecido, não existe no Brasil uma norma espe­ cífica criminalizando o tráfico de crianças, salvo nos casos de ado­ ção ilegal internacional (art. 239 do Estatuto da Criança e do Adoles­ cente). Como se viu quando da resposta ao primeiro questionamento, tal carência faz com que, dependendo do sexo da vítima e das cir­ cunstâncias da ação delituosa, diversos enquadramentos possam ser realizados. No que se refere ao art. 231 do Código Penal, o elemento mate­ rial encontra-se descrito no questionário que versa sobre tráfico de mulheres (pergunta n. 6). Tratando-se, entretanto, das demais condu­ tas passíveis de configuração e que se encontram mencionadas no primeiro item do questionário, podem ser encontrados os seguintes elementos materiais: • Art. 245, § 1.0 (nos casos de progenitor como sujeito ativo), ou § 2.° (nas demais hipóteses) do Código Penal: O art. 245 do Código Penal criminaliza a ação de “entregar fi­ lho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou materialmente em perigo”. Seus parágrafos prevêem a mesma conduta, apenas incluem a re­ messa do menor para o exterior ou a finalidade de lucro (modalida­ des qualificadas), sendo que o § 1 menciona a conduta do progeni­ tor, enquanto o outro abrange qualquer pessoa e retira a necessidade, para a configuração típica do delito, de perigo moral ou material, mantendo, entretanto, a finalidade de lucro. • Art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente: A ação é de promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior. Além disso, a ação deve ser realizada com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro. • Art. 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente: Por meio desse dispositivo, o que se criminaliza é a promessa ou entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou promes­ sa de recompensa. “Não há confundir o tipo do art. 238 do ECA com o

266

do art. 245 do Código Penal. Há, em comum, entre uma e outra dessas figuras criminosas, o núcleo do tipo, representado, numa, pelo verbo ‘efetivar’ a entrega e, noutra, pelo verbo ‘entregar’. O objeto direto de ambas as condutas alude a filho menor de dezoito anos de idade. Ex­ cluída essa zona comum, tudo o mais diveige. Na hipótese do art. 238 do ECA, além da efetiva entrega do filho, incrimina-se também a en­ trega de pupilo, alargando-se dessa forma o campo do sujeito passivo, e ainda se estatui que, num e noutro caso, o agente alimente o propósi­ to de obter paga ou recompensa. No delito referido no art. 245 do Código Penal, a entrega visa, com exclusividade, ao filho menor, e a preocupação do legislador se centrou na conduta da pessoa a quem o menor é entregue, conduta essa idônea a deixá-lo em perigo, seja de ordem moral, seja de ordem física. Ademais, é imprescindível para a configuração criminosa que o sujeito ativo saiba ou deva saber— dado de subjetividade do tipo — que a companhia da pessoa a quem o filho é entregue possa provocar-lhe perigo moral ou material”201. • Art. 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente: Prevê a ação de submeter criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual. Sistematizando: Tipo penal

Conduta

d

) Art. 231, CP

Promover ou facilitar

Art. 244-A, ECA

Submeter à prosti­ tuição ou à explo­ ração sexual

Art. 245, CP

Entregar filho

Especial condição do agente

Elementos objetivos Vítima mulher; entrada no ou saída do território nacional; finalidade de prostituição.

Progenitor da Perigo moral ou material a que o menor encontravítima se exposto

201. FRANCO, Alberto Silva etal. Leis penais e sua interpretação jurispruden ciai, cit., v. 1, p. 537.

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continuação Tipo penal

Conduta

Requisito subjetivo especial

Especial condição do agente

Art. 245, §1.°, CP

Entregar filho

Fim de lucro

Progenitor da Perigo moral ou material vítima a que o menor encontrase exposto; menor é en­ viado para o exterior

Art. 245, § 2.°, CP Auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior

Fim de lucro

Art. 239, ECA

Promover ou auxiliar

Fim de lucro

Art. 238, ECA

Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro

Fim de lucro

Art. 238, par. ún., ECA

Oferecer ou efetivar pagamento ou recompensa

Elementos objetivos

Envio de menor para o exterior; inobservância das forma­ lidades legais Progenitor, tutor, guardião

7. Na legislação de seu país, qual o elemento moral desse delito? No sistema penal brasileiro, os crimes são punidos, via de re­ gra, exclusivamente na forma dolosa, consoante o disposto no art. 18, par. ún., do Código Penal. O dolo, consistente na vontade livre e consciente de realizar as características objetivas do tipo, existe tan­ to na modalidade direta, quando o agente vise a certo e determinado resultado, quanto na forma eventual, hipótese em que o sujeito assu­ me o risco de produzir o resultado, isto é, admite e aceita o risco de produzi-lo (art. 18,1, do Código Penal). O tráfico internacional de crianças ou adolescentes é punido exclu­ sivamente na forma dolosa, uma vez que não há ressalva expressa no art. 239 do Estatuto da Criança e do Adolescente quanto à modalidade culposa. Aquele que concorre culposamente para o tráfico internacional de menores, portanto, não responde criminalmente por seus atos. a) Existe a modalidade culposa? Nenhuma das infrações penais antes mencionadas é passível de responsabilização quando a ação decorreu de culpa do autor.

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8. É possível argüir os meios de defesa (impossibilidade física, erro ou ignorância quanto ao fato, estado de necessidade, legítima defesa e ordem de superior hierárquico) para ex­ cluir a criminalidade dos mencionados ilícitos? Das defesas mencionadas no quesito, somente a impossibili­ dade física, o erro ou ignorância quanto ao fato, o estado de neces­ sidade e a legítima defesa têm o condão de, em tese, excluir a criminalidade da conduta. A ordem de superior hierárquico, por sua vez, sem afastar o crime, isenta de pena o agente, afastando somente a culpabilidade. Não há em nossa legislação disciplina própria para a “impossi­ bilidade física”. Tal alegação, porém, poderá ser válida se, por meio dela, o agente pretender demonstrar que não houve conduta voluntá­ ria ou não contribuiu de modo algum para a ocorrência do resultado previsto no tipo. O erro quanto ao fato é tratado no Código Penal brasileiro como “erro de tipo” (art. 20). Dá-se quando a falsa percepção da realidade incide sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secun­ dários da norma penal incriminadora. É o que faz o sujeito supor a ausência de elemento ou circunstância da figura típica incriminadora ou a presença de requisitos da norma permissiva. No tipo, pode reca­ ir sobre elementares objetivas ou normativas. Para que tal alegação surta efeitos, é necessário que o agente, quando da realização da con­ duta, ignore a presença, no contexto fático, de alguma das elementa­ res previstas no tipo, ou seja, desconheça totalmente que, com sua ação ou omissão, facilite ou auxilie a saída de menor do território nacional sem atender aos requisitos relacionados com a adoção in­ ternacional ou com a finalidade de obtenção de lucro. O erro de tipo exclui sempre o dolo, seja evitável ou inevitável. Como o dolo é elemento do tipo, a sua presença exclui a tipicidade do fato doloso, podendo o sujeito responder por crime culposo, des­ de que seja típica a modalidade culposa, o que não ocorre com o tráfico internacional de menores. A antijuridicidade da conduta sub­ siste. Essa questão, entretanto, fica prejudicada no aspecto penal,

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uma vez que na fase anterior a ela, i. e., no momento de apreciar-se a tipicidade, esta fica afastada pela incidência do erro. Na legislação brasileira, o estado de necessidade e a legítima defesa são excludentes da antijuridicidade. Para que efetivamente se apliquem, contudo, é indispensável a presença de todos os seus re­ quisitos legais, algo raro em se tratando de tráfico internacional de menores. Age em legítima defesa quem, defendendo direito próprio ou alheio, repele agressão injusta, atual ou iminente, utilizando-se mo­ deradamente dos meios necessários (art. 25 do Código Penal). A defesa legítima constitui um direito e causa de exclusão da antijuridicidade. É a orientação seguida pelo nosso Código Penal, ao afirmar que não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa (art. 23, II). Seus requisitos são: 1.°) agressão injusta, atual ou iminente; 2.°) direitos do agredido ou de terceiro, atacado ou ameaçado de dano pela agressão; 3.°) repulsa com os meios necessários; 4.°) uso moderado de tais meios; 5.°) conhecimento da agressão e da necessidade da defesa (von­ tade de defender-se). A ausência de qualquer dos requisitos exclui a legítima defesa. Há estado de necessidade quando o sujeito age para salvar di­ reito próprio ou alheio de perigo atual que não provocou por sua vontade e que não podia de outro modo evitar, e cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se (art. 24 do Código Penal). Trata-se, no regime do Código Penal brasileiro, de uma situação de perigo atual para interesses protegidos pelo Direito, em que o agen­ te, para salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro meio senão o de lesar o interesse de outrem. Seus requisitos são: a) um perigo atual; b) ameaça a direito próprio ou alheio; c) situação não causada voluntariamente pelo sujeito;

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d) inexistência de dever legal de arrostar perigo (§ 1.° do art. 24). A realização da conduta lesiva exige, ainda: a) inevitabilidade do comportamento lesivo; b) inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado; c) conhecimento da situação de fato justificante. A ausência de qualquer requisito exclui o estado de necessidade. Se o fato é praticado sob ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, só é punível, nos termos do art. 22 do Código Penal, o autor da ordem. Para que isso ocorra, é preciso que: 1.°) haja relação de Direito Público entre superior e subordi­ nado. A subordinação doméstica ou eclesiástica não ingressa na teo­ ria da obediência hierárquica. Assim, não há obediência hierárquica, para fins penais, entre pais e filhos, entre bispos e sacerdotes etc.; 2.°) a ordem não seja manifestamente ilegal; 3.°) a ordem preencha os requisitos formais; 4.°) a ordem seja dada dentro da competência funcional do su­ perior; 5.°) o fato seja cumprido dentro de “estrita obediência” à ordem do superior. Se o subordinado vai além do determinado pelo superi­ or, responde pelo excesso. Nesse caso, o inferior responde pelo cri­ me, não havendo exclusão da culpabilidade. Nos termos do Código Penal brasileiro, deve-se entender por ordem de superior hierárquico somente a manifestação de vontade do titular de uma função pública a um funcionário que lhe é subordi­ nado, no sentido de que realize uma conduta positiva ou negativa. A ordem, ainda, não pode ser manifestamente ilegal. Caso contrário, respondem pelo crime o superior e o subordinado, este com a pena genericamente reduzida (Código Penal, art. 65, III, c). Preenchidos todos os requisitos legais, há exclusão da culpabi­ lidade. Embora a conduta do subordinado constitua fato típico e antijurídico, ele não é culpado, em face de incidir um relevante erro de proibição. Diante disso, o subordinado não responde pelo crime.

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a) O arrependimento eficaz e a desistência voluntária operam que efeito no crime em questão? Determina o art. 15 do Código Penal que “o agente que, volun­ tariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resul­ tado se produza, só responde pelos atos já praticados”. Na primeira parte do dispositivo tem-se a desistência voluntária, e na parte final, o arrependimento eficaz. A desistência voluntária consiste numa abstenção de atividade: o sujeito cessa o seu comportamento delituoso. Assim, só ocorre an­ tes de o agente esgotar o processo executivo, sendo somente cabível na tentativa imperfeita ou inacabada. É impossível na tentativa per­ feita, uma vez que nela o sujeito esgota os atos executórios. Pode ocorrer nos delitos materiais ou formais, porém não nos de simples atividade, os denominados delitos de mera conduta, como é o caso do tráfico internacional de menores, pois neles o início de execução já configura crime consumado. O arrependimento eficaz, por sua vez, dá-se quando o sujeito, tendo já ultimado a fase executória do delito, desenvolve nova atividade, impedindo com isso a produção do resultado. Enquanto a desistência voluntária tem caráter negativo, consistindo em o autor não continuar a atividade inicialmente visada, o arrependimento ativo tem natureza po­ sitiva: exige o desenvolvimento de nova atividade. Verifica-se quando o agente ultimou a fase executiva do delito e, desejando evitar a produção do evento, atua para impedi-lo. Em conseqüência, só é possível na tenta­ tiva perfeita ou crime falho e nos delitos materiais ou causais, ou seja, é impossível no crime de tráfico internacional de menores. Tratando-se de tráfico de mulheres, é comum que o delito ve­ nha acompanhado de ameaça (art. 147 do Código Penal), lesão cor­ poral (art. 129 do Código Penal), constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal) e, até mesmo, seqüestro ou cárcere privado (art. 148 do Código Penal). Ocorrendo quaisquer dessas hipóteses ou mesmo outras, o agente será responsabilizado. 9. Quais são as penas para esse tipo de infração? O caput do art. 231 do Código Penal prevê a sanção de 3 a 8 anos de reclusão. Suas figuras qualificadas estão previstas nos pa­

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rágrafos do mesmo dispositivo. Das nove hipóteses, duas possuem alguma vinculação com o tráfico de menores: a) Qualificadora em razão da idade: contando a mulher com mais de 14 e menos de 18 anos, determina o § 1.° do art. 231 seja a pena fixada entre os limites de 4 a 10 anos. A qualificadora fundamenta-se no maior desvalor da ação. A vítima, nesses casos, é mais inexperiente, mais despreparada, tomando o delito de mais fácil execução. b) Qualificadora em razão de violência: a previsão encontra-se estampada no § 3.° do art. 231, o qual comina a pena de 5 a 12 anos de reclusão. Ela se aplica a qualquer caso, independentemente da idade da vítima. De ver-se, contudo, que, não possuindo a vítima mais de 14 anos, discute-se a possibilidade de aplicação do disposi­ tivo, pois, nesses casos, a teor do art. 224, presume-se ter a ação sido praticada mediante violência. Predomina o posicionamento de que a qualificadora deve incidir. O principal argumento utilizado refere-se ao fato de que a fundamentação da presunção da violência reside no dissenso da vítima, o que não é exigido no tráfico. Tal entendimento encontra reforço na própria Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal. Consta do item 70 que “o fundamento da ficção legal de violência, no caso dos adolescentes, é a innocentia consilii do sujeito passivo, ou seja, a sua completa insciência em relação aos fatos sexuais, de modo que não se pode dar valor algum ao seu consentimento”. A violência, diferentemente do que ocorre, por exemplo, no estupro e no atentado violento ao pudor (aos quais também se aplica o art. 224 do Código Penal), não é elementar do crime. A sua presença serve, tão-somente, para qualificá-lo, fazen­ do com que a pena seja elevada para o mínimo de 5 e o máximo de 12 anos202. A aceitação do entendimento de que a presunção de vio­ lência não possa servir para qualificar o delito encerra, entretanto, um sério inconveniente: é que a resposta penal nos delitos praticados

202. Além disso, o § 2.° prevê a cumulação com a pena correspondente à vio­ lência. Já chamamos a atenção para o absurdo da norma, já que o mesmo elemento (violência) acaba por ser utilizado duas vezes para elevar a pena, em flagrante ofen­ sa ao princípio non bis in idem.

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contra menor de 14 anos passa a ser menos grave do que aqueles em que a vítima encontra-se entre a idade de 14 e 18 anos. Isso ocorre porque som ente no segundo caso há previsão específica de qualificadora, enquanto para o primeiro o mais que se consegue é o aumento da pena com base na agravante prevista no art. 61, n , h, do Código Penal. Esse é mais um problema cuja solução depende da criação de nova norma penal. Aliás, é o que propõe o Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal. Veja-se que nele, ainda que não se estabeleçam categorias diferenciadas de acordo com a idade do me­ nor, houve a criação de um artigo específico, com punição mais se­ vera, para esse tipo de tráfico. Os demais dispositivos passíveis de enquadramento não reque­ rem qualquer discussão sobre a sanção punitiva, motivo pelo qual as penas serão apresentadas de forma esquemática: Infração penal A rt. 244-A , ECA Submissão de criança ou adolescente à prostituição ou à exploração sexual

Sanção 4 a 10 anos e multa

A rt. 245, CP Entrega de filh o m enor a pessoa inidônea

1 a 2 anos

A rt. 245, §1 .°, CP Entrega de filh o m enor a pessoa inidônea com o fim de lucro, ou se o m enor é enviado para o exterior

1 a 4 anos

A rt. 245, § 2.°, CP Auxílio de ato destinado ao envio de m enor para o exterior com o fim de lucro

1 a 4 anos

A rt. 239, ECA Envio ilícito ou para fins de lucro de criança ou adolescente para o exterior

4 a 6 anos e m ulta

A rt. 238, ECA Promessa ou entrega de filh o ou pupilo

1 a 4 anos

A rt. 238, par. ún., ECA Oferecim ento ou efetivação da paga ou recompensa

1 a 4 anos

a) Vigoram as normas do sistema geral? Sim, não há cominação de nenhuma sanção penal que não aque­ las já previstas no Código Penal, bem como inexistem exceções para

274

I

a concessão de benefícios, sejam de ordem penal, sejam de natureza processual. b) Há alguma sanção específica? Prevê o art. 44 do Código Penal: Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I— aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não fo r cometido com violência ou gra­ ve ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime fo r culposo; II — o réu não fo r reincidente em crime doloso; III— a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as cir­ cunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. Convém anotar que a quase totalidade das sanções penais apli­ cáveis ao tráfico de crianças pode ser substituída por penas alternati­ vas, por preencherem o requisito objetivo mencionado no inc. I do art. 44 do Código Penal (pena cominada não superior a 4 anos), des­ de que se façam presentes as demais exigências contidas no mesmo dispositivo legal. A substituição da pena privativa de liberdade se faz por uma das penas restritivas de direitos, que se encontram previstas no art. 43 do mesmo diploma legal: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição temporária de direitos; e) limitação de fim de semana. A previsão estabelecida no art. 44, esclarece-se, não é exclusiva dos delitos que podem incidir no caso de tráfico de menores, alcan­ çando toda e qualquer condenação que preencha os requisitos legais. 10. Qual o tribunal competente para julgar o delito de tráfico de crianças? A competência é do juiz monocrático, não existindo nenhum tri­ bunal especial para tais julgamentos. ‘Tendo o Congresso Nacional,

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através do Decreto Legislativo n. 28, de 24.9.90, e o Governo Fe­ deral, por força do Dec. n. 99.710, de 21.11.90, incorporado ao Di­ reito pátrio os preceitos contidos na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, não mais há de se discutir sobre a competên­ cia da Justiça Federal em casos de tráfico internacional de criança, aplicando-se à hipótese o art. 109, V, da Constituição Federal de 1988” (STJ, RHC 6.322/PB). De modo que o crime de tráfico internacional de menores, desde a promulgação do Dec. n. 99.710/90, é de competência da Justiça Federal, a teor do disposto no art. 109, III e V, da Constitui­ ção Federal203. Anteriormente, competia à Justiça Estadual o proces­ so e julgamento dos acusados desse crime. De notar-se que a pro­ mulgação do referido decreto provocou a imediata transferência de todas as causas relativas ao tráfico internacional de menores à Justi­ ça Federal, por aplicação da regra legal tempus regit actum, prevista no art. 2.° do Código de Processo Penal. De acordo com a Justiça brasileira, tal regra não ofende o princípio do juiz natural, pois não se trata de criação de juízo ou tribunal de exceção204. a) Qual o lugar do crime e qual o seu momento consumativo? O lugar do crime (locus commissi delicti), segundo estabelece o art. 6.° do Código Penal, é tanto o lugar da realização da conduta (ação ou omissão), quanto o da produção do resultado205. Nossa legis­ lação, portanto, filiou-se à teoria mista, da unidade ou da ubiqüidade.

203. Superior Tribunal de Justiça, HC 15.580, Sexta Turma, j. 28-6-2001, relator Ministro Hamilton Carvalhido, D JU 24-9-2001, p. 349, e RT> v. 748, p. 570. No sentido da competência da Justiça Federal: MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código Penal interpretado. São Paulo: Atlas, 2000. p. 1.424. Após a promulgação da Con­ venção sobre o Direito das Crianças, ratificada pelo Brasil e aprovada por força do Dec. Leg. n. 28/90 e pelo Dec. n. 99.710/90, a competência é da Justiça Federal (CF/ 88, art. 109, V). Nesse sentido: STJ, RHC 4.243, relator Ministro Cid Flaquer Scartezzini, Quinta Turma, D JU 8-5-1995, p. 12.401. 204. Superior Tribunal de Justiça, HC 15.580, D JU 24-9-2001. 205. Código Penal, art. 6.°: Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

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Assim, quando o crime inicia-se no território estrangeiro e se consu­ ma no Brasil, considera-se praticado no território nacional. Do mes­ mo modo, tem eficácia a lei penal nacional quando os atos executórios do crime são praticados em nosso território e o resultado se produz em país estrangeiro. Basta que uma porção da conduta criminosa tenha ocorrido em nosso território para ser aplicada nossa lei. Em se tratando de tráfico internacional de menores, contudo, em face da redação do dispositivo penal, só há crime quando a conduta visa ao envio de criança ou adolescente do território nacional para o exte­ rior, e nunca do estrangeiro para o Brasil. Por se tratar de crime de mera conduta, consuma-se com a simples prática do ato destinado a promover ou auxiliar o envio do menor ao exterior, independentemente do resultado, isto é, do efeti­ vo envio da criança ou adolescente para fora do Brasil. A competência brasileira não é limitada aos crimes praticados dentro do Brasil, uma vez que o legislador penal adotou o princípio da territorialidade apenas como regra206. Esse princípio sofre exce­ ções no próprio corpo do dispositivo, ao ressalvar a possibilidade de renúncia de jurisdição do Estado, mediante “convenções, tratados e regras de Direito Internacional”. Como se vê, foi adotado o princípio da territorialidade temperada, permitindo-se a aplicação da lei pe­ nal estrangeira a delitos total ou parcialmente praticados em nosso território, quando assim determinarem tratados ou convenções cele­ brados entre o Brasil e outros Estados, ou cânones de Direito Inter­ nacional. Além disso, o art. 7.° do Código Penal, de forma expressa, permite a aplicação de outros princípios. Determinados crimes praticados no estrangeiro sofrem a efi­ cácia da lei nacional. É a denominada extraterritorialidade da lei pe­ nal brasileira. No art. 7.°, I, foi adotado o princípio real ou de prote­ ção. No inc. II, a, adotou-se o princípio da justiça universal ou cosmopolita; na alínea b, o princípio da personalidade ativa, e na c, o da representação.

206. Código Penal, art. 5.°: Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

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Nos termos do § 3.° do art. 7.°, “a lei brasileira aplica-se tam­ bém ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Bra­ sil”, se reunidas certas condições. Nesse dispositivo, temos a adoção do princípio de proteção ou real. Eis o texto do art. 7°: Art. 7.0Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I — os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Dis­ trito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empre­ sa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou funda­ ção instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, po r quem está a seu serviço; à) de genocídio, quando o agente fo r brasileiro ou domiciliado no Brasil; I I — os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiro; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território es­ trangeiro e aí não sejam julgados. § 1. °Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. § 2.0Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: 2l) entrar o agente no território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que fo i praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

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e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. § 3. °A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fo ra do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: &) não fo i pedida ou fo i negada a extradição ; b) houve requisição do Ministro da Justiça. A extraterritorialidade excepcional pode ser: a) incondicionada; b) condicionada. A primeira é prevista nas hipóteses do inc. I do art. 7.°, quais sejam, as referentes a crimes cometidos no estrangeiro contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de M unicípio, de empresa pública, sociedade de econom ia mista, autarquia ou fundação estatuída pelo Poder Público; contra a Admi­ nistração Pública, por quem está a seu serviço; e de genocídio, quan­ do o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. Diz-se incondicionada a extraterritorialidade excepcional da lei penal brasileira, nesses casos, porque a sua aplicação não se subordi­ na a qualquer requisito. Funda-se a não-exigência de condição na circunstância de esses crimes ofenderem bens jurídicos de capital importância, afetando interesses relevantes do Estado. Cometendo um delito previsto nas alíneas do inc. I do art. 7.°, “o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no es­ trangeiro” (§ 1.°). Esse rigorismo vem amenizado pelo art. 8.°, que reza: “A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas”. A alínea a cuida de crime cometido contra a vida ou a liberdade do Presidente da República, que constitui delito contra a Segurança Nacional, nos termos do art. 29 da Lei n. 7.170, de 14-12-1983.

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Delitos contra a liberdade do Presidente da República, como constrangimento ilegal, ameaça, seqüestro etc. são figuras típicas definidas na Lei de Segurança Nacional (art. 28). Os crimes contra a existência, a segurança ou a integridade do Estado e a estrutura das instituições estão previstos na Lei de Segu­ rança Nacional, quando cometidos em tempo de paz; quando prati­ cados em tempo de guerra, pela legislação militar. As alíneas b e c do inc. I do art. 7.° aludem a crimes previstos nos arts. 289 e 326 do Código Penal. A alínea d trata do crime de genocídio cometido no estrangeiro, “quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil”. Trata-se de crime previsto na Lei n. 2.889, de 1.°-10-1956. Vindo a ser cometido por estrangeiro contra brasilei­ ro, aplica-se o art. 7.°, § 3.°, do Código Penal. A extraterritorialidade condicionada ocorre nos seguintes casos: 1.°) crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir (art. 7.°, II, a)\ 2.°) crimes praticados por brasileiro no estrangeiro (art. 7.°, II, b); 3.°) delitos praticados em aeronaves ou embarcações brasilei­ ras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território es­ trangeiro e aí não sejam julgados (art. 7.°, II, c); 4.°) crimes cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (art. 7.°, § 3.°). Diz-se condicionada a extraterritorialidade porque a aplicação da lei penal brasileira se subordina à ocorrência de certos requisitos (alíneas dos §§ 2.° e 3.° do art. 7.°). A primeira hipótese é a de crimes que, por tratado ou conven­ ção, o Brasil se obrigou a reprimir, em que foi adotado o princípio da justiça cosmopolita ou universal. Cuida dos crimes denominados in­ ternacionais, como o tráfico de menores, o tráfico de mulheres, a difusão de publicações obscenas, o tráfico de entorpecentes e a des­ truição ou danificação de cabos submarinos. O segundo caso é o de crimes praticados por brasileiro no es­ trangeiro (art. 7.°, II, b). Adotou-se o princípio da personalidade

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ativa. Tem apoio no interesse do Brasil em punir o nacional que delinqüiu no estrangeiro segundo nossas leis, vedando a sua extradição207. A terceira hipótese cuida do princípio da representação. Disci­ plina os casos de delitos cometidos em aeronaves ou embarcações brasileiras, de natureza privada, quando em território estrangeiro. Assim, suponha-se um delito cometido a bordo de aeronave brasilei­ ra, em vôo sobre território estrangeiro, sem escalas, sendo estrangei­ ros os sujeitos ativo e passivo. Pelo sistema anterior, quando ainda não vigorava o princípio da representação, não era aplicável nossa lei penal. O mesmo ocorria em relação aos delitos praticados a bordo de navios. Pelo novo princípio, o Estado a que pertence a bandeira do navio ou da aeronave se substitui por aquele em cujo território aconteceu o delito, desde que não julgado por motivo relevante. O quarto caso é o de crime praticado por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (art. 7.°, § 3.°), voltando o legislador a ado­ tar o princípio de proteção ou real. Nos quatro casos, a aplicação da lei brasileira depende do con­ curso das seguintes condições: 1.*) entrar o sujeito no território nacional; 2.a) ser o fato punível também no país em que foi praticado; 3.a) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasi­ leira autoriza a extradição; 4.a) não ter sido o sujeito absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; 5.a) não ter sido o sujeito perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorá­ vel (art. 7.°, § 2.°). No quarto caso, qual seja o de crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, além desses requisitos, somente é aplicável a lei brasileira se: 1.°) não foi pedida ou foi negada a extradição (art. 7.°, § 3.°, a);

207. Lei n. 6.815, art. 77, III, de 19-8-1980; Constituição Federal, art. 5.°, LI.

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2.°) houve requisição do Ministro da Justiça (art. 7 °, § 3.°, b). Essas condições devem coexistir, i. e., a lei brasileira só é apli­ cável quando incidem todas as condições ao mesmo tempo. A primeira é a entrada do agente no território nacional. O ingresso pode ser voluntário ou não; a presença, temporária ou prolongada. A segunda condição é de ser o fato punível também no país em que fo i praticado. Exige-se, pois, que o fato esteja descrito como crime na legislação do país em que foi praticado, quer com o mesmo nomen juris empregado pela nossa, quer com outro. A terceira condição é estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição. E condição objetiva de punibilidade. Outro requisito é não ter sido o agente absolvido no estran­ geiro ou não ter aí cumprido a pena. Se o agente foi absolvido ou cumpriu a pena no estrangeiro, ocorre uma causa de extinção da punibilidade. Se a sanção foi cumprida parcialmente, novo pro­ cesso pode ser instaurado no Brasil, com atendimento da regra do art. 8.°. Por último, exige-se não ter sido o agente perdoado no estran­ geiro, ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segun­ do a lei mais favorável. Como é evidente, cuida-se de causas de extinção da punibilidade. No caso de crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, além das condições previstas no § 2.°, são exigidos os requisitos das alíneas do § 3.° para que haja a aplicação de nossa lei, que são: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição ministerial. De se concluir que a competência não é limitada a crimes ocor­ ridos dentro do território nacional, e que nossa lei penal pune os delitos praticados por brasileiro fora do território nacional, inclusive o tráfico de menores, satisfeitas as condições acima analisadas e des­ de que o agente, de fora do Brasil, promova ou auxilie o envio de

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criança ou adolescente do nosso País para o exterior com inobser­ vância das formalidades legais ou visando lucro. Além disso, por se tratar de crime internacional, tem aplicabilidade o art. 7.°, II, a (princípio da justiça universal e cosmopolita), por meio do qual ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir. A extraterritorialidade, nos termos do § 2.° do art. 7.° do Códi­ go Penal, é condicionada, exigindo para a aplicação da lei brasileira o concurso das seguintes condições: “a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estran­ geiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoa­ do no estrangeiro, ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável”. b) A competência é limitada a infrações dentro do território de seu país? Não. Inúmeras são as hipóteses em que se admite a competên­ cia da justiça brasileira para processar e julgar infrações que tenham acontecido fora de seus limites territoriais, conforme se verá quando da resposta ao próximo questionamento. c) Em caso negativo, quais as hipóteses em que vige o princípio da extraterritorialidade? Quesito já respondido (lO.a). d) A competência abrange delitos de nacionais cometidos no exterior? Sim, conforme prevê o dispositivo acima mencionado (art. 7.°, II, b, do Código Penal). e) Qual a atuação dos Tribunais Internacionais nesses casos? O Brasil reconhece a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Dec. Legislativo n. 89, de 3-12-1998).

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11. No seu país, existe convenção, acordo ou tratado que verse sobre direitos e proteção da criança? Os diversos documentos internacionais dos quais o Brasil parti­ cipa foram comentados no capítulo II, item 5, do Relatório. São eles: Acordos, convenções, protocolos, pactos e declarações internacionais que versam diretamente sobre criança e adolescente Brasil* I

Ano

Documento

1947

Protocolo de Emenda da Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de M ulheres e Crianças e Convenção Internacional para a Supressão do Tráfico de M ulheres Adultas

1948

1973

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1990

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Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores

19 97 *

2000

Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança, abordando Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis

2 0 0 1 **

2000

Protocolo Opcional à Convenção sobre Direitos da Criança, relativo ao Envolvimento de Crianças em C onflitos Arm ados

2 0 0 1 **

2000

Protocolo para Prevenir, Suprim ir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente M ulheres e Crianças, suplem entando a Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional

2 0 0 0 **

* Ano da ratificação ** Ano da assinatura

a) A Convenção Internacional dos Direitos da Criança se tor­ nou norma vigente em seu país? Sim, por meio do Dec. n. 99.710, de 21-11-1990, a referida Convenção foi incorporada ao Direito pátrio. b) Em caso positivo, que espécie de norma é? Os preceitos lá estabelecidos são cumpridos? De acordo com Flávia Piovesan, “o Direito brasileiro faz opção por um sistema misto disciplinador dos tratados. Este sistema misto caracteriza-se por combinar regimes jurídicos diferenciados: um regi­ me aplicável aos tratados de direitos humanos e outro aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de proteção

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dos direitos humanos — por força do art. 5°, §§ 1.° e 2 ° — apresen­ tam hierarquia constitucional e são incorporados automaticamente, os demais tratados internacionais apresentam hierarquia infraconstitucional, não sendo incorporados de forma automática pelo orde­ namento jurídico brasileiro”208. No que se refere à segunda parte da pergunta, deve ser dito que muitas das recomendações constantes na Convenção encontram abrigo no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). A imple­ mentação delas não é, ainda, satisfatória, muito embora várias ações tendentes à execução dos preceitos tenham sido realizadas ou encontram-se em andamento {vide itens 4.b e 12 do presente questionário). c) A Convenção de Haia (1993) se tornou norma vigente em seu país? Sim. No Brasil ela passou a vigorar em 1.°-7-1999, por meio do Dec. n. 3.087, de 21-6-1999. d) Em caso positivo, que espécie de norma é? Os preceitos lá estabelecidos são cumpridos? Vide resposta à letra b. e) A Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores se tornou norma vigente em seu país? Sim, por intermédio do Dec. n. 2.740, de 20-8-1998. f)

Em caso positivo, que espécie de norma é? Os preceitos lá estabelecidos são cumpridos? Vide resposta à letra b.

12. Que medidas sociopreventivas estão sendo tomadas em seu país para evitar a continuidade de tais delitos? Diversas são as medidas nesse sentido, destacando-se as seguintes:

208. PIOVES AN, Flávia. A incorporação, a hierarquia e o impacto dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro, in GOMES, Luiz Flávio & PIOVESAN, Flávia (coord.). O sistem a interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro, cit., p. 172-173.

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Elaboração e implementação das Políticas de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, articulan­ do as seguintes ações: aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente; investigação dos crimes federais ligados à ex­ ploração de crianças e adolescentes, como o tráfico de crian­ ças; atuação junto a agências, operadoras, hotéis e transpor­ tadoras, tendo em vista a desvinculação da imagem do país de qualquer expressão tendente ao apelo sexual; fiscalização das atividades turísticas no país e descredenciamento das operadoras envolvidas em exploração sexual de crianças e de adolescentes (2000). Implementação, em nível nacional, das recomendações da 11 .a Assembléia-Geral da Organização Mundial de Turismo, realizada no Cairo, Egito, em outubro de 1995, especialmen­ te no que tange ao combate ao chamado “sexoturismo” en­ volvendo crianças e adolescentes, 1999. Promulgação da Lei n. 8.242, de 12-10-1991, que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que tem competência para elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, fiscalizando as ações de execução. O CONANDA é integrado por representantes do Poder Exe­ cutivo, assegurada a participação dos órgãos executores das políticas sociais básicas na área de ação social, justiça, edu­ cação, saúde, economia, trabalho e previdência social, e, em igual número, por representantes de entidades não-govemamentais de âmbito nacional de proteção dos direitos da cri­ ança e do adolescente. Implantação e funcionamento da rede de Conselhos de Di­ reitos e Tutelares da Criança e do Adolescente, em 1991. A política nacional está assentada na articulação dos órgãos do sistema de garantias de direitos e dos órgãos especializados das áreas de segurança, justiça e atendimento. Em 2001, o País contava com Conselhos Tutelares em 2.700 municípios. Criação da Rede Nacional de Controle à Exploração, Abuso Sexual e Maus-Tratos de Crianças e Adolescentes, como

resultado do Seminário sobre o tema, que reúne entidades nacionais do Governo e da sociedade civil, além de represen­ tantes de organizações internacionais, com o objetivo de pro­ duzir propostas de políticas e ações para o enfrentamento da exploração e do abuso sexual. • Aprovação, em 2000, do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. O plano indica ações e estratégias que envolvem prevenção, atendimento, defesa, responsabilização e protagonism o infanto-juvenil. A ABRAPIA é responsável, no referido Plano Nacional, por parte das ações de mobilização e articulação da sociedade civil e mídia e pela operacionalização do Disque-Denúncia nacional. • Disseminação do Código de Conduta para Proteger Crianças contra Exploração Sexual em Viagens e Turismo, em 1995, elaborado pela Organização Mundial do Turismo (OMT) e pela ECPAT internacional. • Instituição do Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual Infanto-Juvenil, celebrado no dia 18 de maio. • Implantação, pelo CEDECA da Bahia, de Campanha contra o Turismo Sexual, em 1995. Com a Campanha, cujo slogan era “Quem cala consente”, foi instalado um disque-denúncia sobre exploração sexual de crianças e de adolescentes. A partir desse trabalho, foi criado o Serviço Público Estadual de De­ núncias, S.O.S. Criança. Foi elaborado um folheto que é dis­ tribuído pela PF a todo turista que chega a Salvador. Entre 1995 e 1998, foram recebidas 10 mil denúncias pelo disquedenúncia. Também foi mantida uma rede de denúncias com­ posta pelas Varas Criminais da Infância e Juventude e por 70 entidades da sociedade civil. Foi estabelecido convênio para a prestação de atendimento às vítimas, junto ao Tribunal de Justiça da Bahia. • Realização da Campanha Nacional de Enfrentamento da Vi­ olência Sexual Infanto-Juvenil (2002-2003), organizado pela Embratur, SEDH, SEAS e outros. A oficina foi realizada em junho de 2001.

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Suporte técnico e financeiro a organizações da sociedade civil de promoção e defesa jurídico-social dos direitos da criança e do adolescente. Suporte técnico e financeiro aos Conselhos Tutelares, aos Centros Operacionais das Promotorias de Infân­ cia e Juventude, aos Juizados Especiais, às Delegacias Especializadas de Proteção à Criança e ao Adolescente e outros. Estabelecimento de acordo de cooperação técnica e financei­ ra com o UNICEF, com especial ênfase na implementação de programas conjuntos de proteção jurídico-social a crian­ ças e adolescentes em situação de abuso e exploração sexual. Implantação do SIPIA, Sistema de Registro e Tratamento de Informações sobre a Garantia dos Direitos Fundamentais Pre­ conizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que enfoca o perfil da pessoa explorada sexualmente, as características do agressor, o registro da situação e outros dados relevantes. Pro­ picia formação, treinamento e capacitação dos agentes públi­ cos governamentais; conta com Juizes de Direito, membros do Ministério Público, agentes de Segurança Pública e organiza­ ções não-govemamentais dedicadas à promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes abusados e explorados. Ca­ pacita profissionais de saúde da rede pública para assegurar a identificação de vítimas de violência e de seus agressores, a redução ao mínimo das seqüelas físicas e psíquicas e a comuni­ cação aos Conselhos Tutelares, para as providências em lei. Execução do Projeto “A Promoção de Direitos de Mulheres Jovens no Brasil, Vulneráveis ao Abuso e à Exploração Se­ xual Comercial”, desenvolvido pelo Ministério da Justiça, em cooperação com o UNIFEM, que propõe a realização de mapeamentos e avaliação de programas e projetos de enfrentamento da violência sexual, identificação e disseminação de experiências bem-sucedidas e capacitação de profissionais. Criação da RECRIA, Rede Nacional de Informações sobre Violência, Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil, em 1996, pelo Departamento da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça. Articulação com a Associação Brasi­ leira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescên-

cia (ABRAPIA) para a manutenção de um disque-denúncia e para o encaminhamento dessas denúncias, inclusive sobre tráfico, para a autoridade competente. • Promulgação da Lei n. 9.034/95, que dispôs sobre a utiliza­ ção de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, alterada pela L ein. 10.217, de 11-4-2001. • Edição de 15.500 exemplares da Cartilha Trabalho precoce. Saúde em risco, 2001, pelo Ministério do Trabalho e Empre­ go, Secretaria de Inspeção do Trabalho. • Ratificação da Convenção OIT n. 182, relativa à Proibição e Imediata Ação pela Eliminação das Formas Mais Graves de Trabalho Infantil, em 2000, e assinatura do Protocolo Opcional da Convenção dos Direitos da Criança sobre a Ven­ da de Crianças, a Prostituição e Pornografia Infantis, em 2000. • Ratificação da Convenção sobre Cooperação Internacional e Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional, de Haia, em 1995. • Promulgação da Lei n. 9.807/99, a qual estabelece progra­ mas especiais de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas; proteção de acusados ou condenados que tenham voluntaria­ mente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. • Proposição ao Congresso Nacional de alteração na legisla­ ção no que se refere ao agravamento da pena, para os crimes de exploração sexual infanto-juvenil, o que culminou com a promulgação da Lei n. 9.975/2000, que inseriu no Estatuto da Criança e do Adolescente mais um tipo penal, agora criminalizando a conduta de submeter criança ou adolescen­ te à prostituição ou à exploração sexual. • Comunicação à representação consular sobre envolvimento de cidadão estrangeiro na prática de abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes, para que, após sua respon­ sabilização no plano interno, seja ajuizado o competente processo no país de origem do acusado, quando previsto em sua legislação.

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Sites consultados • Superior Tribunal de Justiça • Supremo Tribunal Federal

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Tribunal Regional Federal — 1.® Região Tribunal Regional Federal — 2.® Região Tribunal Regional Federal — 3.® Região Tribunal Regional Federal — 4.® Região Tribunal Regional Federal — 5.® Região Tribunal de Justiça do Estado do Amapá Tribunal de Justiça do Amazonas Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso Tribunal de Justiça do Estado do Ceará Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Tribunal de Justiça de Minas Gerais Tribunal de Justiça da Paraíba Tribunal de Justiça do Estado da Bahia Tribunal de Justiça do Estado do Paraná Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco Tribunal de Justiça do Piauí Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia Tribunal de Justiça de Santa Catarina Tribunal de Justiça de São Paulo Tribunal de Justiça de Sergipe Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais Tribunal de Alçada de Minas Gerais

310

A PÊ N D IC E S

1 . Quadro geral das notícias veiculadas na imprensa nacional sobre exploração de mulheres e crianças (1994-2001) Jornal

Crime

Ano

Região

Vítimas

Explorador

Folha

Tráfico de mulher

1994

Jacarepaguá (bairro do Rio de Janeiro)

13 crianças eram mantidas em uma casa. Três eram de Guarapuava (PR).

Folha, UNICEF

Exploração sexual 1994 e prostituição

Brasil

500 mil crianças, in­ cluindo meninos e meninas de rua.

Folha

Exploração sexual 1994 e prostituição

Recife

2 mil meninas para turistas estrangeiros. Meninas carentes, entre 13 e 20 anos.

Folha

Exploração sexual 1994 e prostituição

Recife

Começou com 15 anos. Agora com 20. Já viajou para a Ale­ manha.

Folha

Exploração sexual 1994 e prostituição

Recife

255 garotas pesqui­ Motorista de táxi e sadas, de 13 a 19 menores de rua anos: 30% vivem da prostituição; 23%, de emprego doméstico; 22%, de biscate. Ren­ da familiar de até dois salários.

Folha

Exploração sexual 1995 e prostituição

Bangu (bairro do 7 meninos* de 4 a 7 Rio de Janeiro) anos* oferecidos para práticas homossexuais

Mulher

Rede de sexo com outros países. Maio­ ria dos turistas vêm da Alemanha. A es­ trutura de agencia­ mento incluía mo­ toristas de táxi e menores de rua.

Homem

311

continuação Jornal

Crime

Ano

Região

Vítim as

Folha

Exploração sexual 1995 e prostituição

Folha

Pedofilia

Folha

Exploração sexual 1995 e prostituição

Folha e IBGE

Trabalho infantil

1995

Brasil

Folha, FHC Trabalho infantil

1995

13 cidades no 80% da mão-de-obra Pedreiras interior da Bahia são crianças.

Folha, FHC Trabalho infantil

1995

Bahia

Folha, FHC Trabalho infantil quase escravo

1995

Norte de Minas e Mato Grosso do Sul

Folha

Criança desaparecida

1995

Rio de Janeiro

Desde março de 1993, mais de 40 crianças desapareceram.

Folha

Tráfico de mulher

1995

Região metro­ politana de Curitiba

Tráfico para a Espanha Casal

Folha

Tráfico de mulher

1995

Folha

Tráfico de mulher

1995

Campos Elíseos Tentavam levar 4 mu­ (bairro de São lheres para a Espanha. Paulo)

Folha

Abuso sexual e rapto

1996

Rio Claro (SP)

Menino de 9 anos. Caseiro de um sítio Outras 3 crianças só foram libertadas após sofrerem abuso sexual.

Folha

Exploração sexual 1996 e prostituição

Goiânia (GO)

Meninas entre 8 e 17 anos em 57 pontos.

Folha

Exploração sexual, 1996 prostituição e abuso sexual

Goiânia e cida­ Mais de 5 mil meni­ des vizinhas nas precisam de as­ (Aparecida de sistência. Goiânia, Canedo, Trindade, Nerópolis e Anápolis)

312

Centro do Rio de Janeiro

Explorador

1995

Prostíbulo Crianças de 8 a 13 anos.

Fitas de vídeo ven­ didas na Tailândia

36 crianças (4 meni­ nos e 32 meninas) entre 11 e 17 anos. Quase 3 milhões de crianças na faixa dos 10 aos 14 anos.

Crianças de 8 a 10 anos já perderam dedos, mãos e até braços trabalhando com sisal.

Sisal

Carvoarias

Tráfico para a Europa Rede na Europa Duas mulheres, uma espanhola e uma brasileira.

Saunas, casas de massagem e pornoturismo

I

Folha PM Exploração sexual 1996 MP e prostituição

Canedo (GO)

Prostíbulo adminis­ trado por 3 meninas de 13,14 e 15 anos.

Folha CPI

Exploração sexual 1996 e prostituição

Goiânia

500 mil crianças

Folha

Tráfico de crianças 1996

Rio de Janeiro

20 meninas

Folha

Prostituição de criança

1996

Ciudad del Este Menina de 16 anos (Paraguai) (UNICEF diz que há 200 brasileiras se prostituindo no Pa­ raguai, sendo 65% menores de idade. Nos municípios do Alto Paraná haveria 1.500 prostitutas menores).

Folha

Tráfico de mulher e criança

1996

Alto Paraná (PR) 200 meninas

Folha

Exploração sexual

1996

Distrito Federal

Folha

Tráfico de criança e adoção

1996

Goiânia

Folha

Abuso sexual e estupro

1997

Cidade Dutra Mais de 5 meninas Empresário, dono (Zona Sul de São entre 8 e 12 anos. O de bufê infantil Paulo) algoz perdeu a con­ ta de quantos estu­ pros praticou. Pelo menos 20.

Folha

Exploração sexual 1997 e prostituição

Vila Mariana (bairro de São Paulo)

Meninas virgens. Se­ gundo uma das res­ ponsáveis, ela dizia que as meninas ti­ nham 15 anos para atrair clientes, mas todas eram maiores, com uma exceção.

Folha

Exploração sexual, 1997 prostituição e abuso sexual

Itaituba (PA)

Meninas entre 8 e 17 13 pessoas (9 co­ merciantes, 2 bal­ anos conistas e 2 sem profissão definida)

Rapaz de 16 anos, que venderia as crianças em Copacabana.

Cafetina brasileira

138 estupros, 112 abusos e 40 seduções. 3 mulheres

Policial militar, dona-de-casa e um proprietário de posto de gasolina

313

continuação Jornal

Crime

Ano

Região

Vítim as

Explorador

Folha

Exploração sexual 1997 e prostituição

Manaus (AM)

Menina de 15 anos. Ela era do Maranhão e vivia em cárcere privado. Foi o primei­ ro caso comprovado pelo DEOPS de tráfi­ co interestadual de adolescentes.

Folha

Exploração sexual, 1997 prostituição e trans­ porte de drogas

Rua Helvetia, Centro de São Paulo

23 crianças e adoles­ Um homem e uma mulher centes

Folha

Exploração sexual 1997 e prostituição

Tucuriú (PR)

Menores entre 11 e 17 anos

Folha

Criança desapa­ recida

Natal (RN)

9 adolescentes, meninas entre 13 e 18 anos

Estado

Exploração sexual, 1997 prostituição e pedofilia

Itaituba (PA)

40 meninas, de 9 a 15 anos

5 homens (donos de motéis, bares e farmácias)

Folha

Abuso de criança e pedofilia

1997

Itaituba (PA)

Meninas (120 fotos)

Homem de 46 anos, paraense

Folha

Tráfico de criança e adoção

1997

Vitória (ES)

Uma menina

Casal italiano pa­ garia 10 mil reais

Folha

Prostituição e 1997 estupro de criança

Itaituba (PA)

Crianças de 8 a 17 anos

11 homens acusados

Folha

Falsificação de documentos e prostituição

1997

Maceió e Arapi- Menores raca (AL)

Folha

Turismo sexual

1997

Pantanal (MS). Menores 65 pontos de prostituição em seis cidades

Pescadores e turis­ tas, principalmente de São Paulo

Folha

Tráfico de mulher 1998 e semi-escravidão

Rio de Janeiro, 8 mulheres cariocas Fortaleza (CE) e liberadas. Uma foi Tel-Aviv (Israel) morta. Tinham entre 19 e 34 anos. (Cone­ xão Israel)

Brasileira era o elo entre a máfia de prostituição e o Brasil. Prostíbulo em Tel-Aviv.

Folha

Tráfico de crianças, 1998 pedofilia e porno­ grafia infantil

Itatiba (SP)

314

1997

Crianças de 3, 4 e 5 anos

Donos de bordéis

Homem (ele não produziu o material)

I

Folha

Abuso sexual

1998

Bebedouro (SP)

41 meninos, de 12 a Suposto professor 18 anos de Educação Física, dono de uma falsa escolinha de futebol

Folha

Abuso sexual

1998

Zona Oeste de São Paulo

Filhas do algoz, uma Fornecedor de de 11 e outra de 18 drogas

Folha

Exploração sexual 1998 e prostituição

BR-230 — Soledade (PR)

Meninas a partir dos Caminhoneiros 10 anos

Folha

Exploração sexual 1998 e prostituição

Patos (PB) e Rio de Janeiro

Meninas a partir dos Menina de 16 anos 10 anos

Folha

Exploração sexual 1998 e prostituição

Caminhoneiros Cariri, Alto Sertão, Meninas e adoles­ Patos e Campina centes (cerca de mil) Grande — BR-230 (PB)

Folha

Tráfico de mulheres 1998

Rio de Janeiro e Mulher de 26 anos Tel-Aviv (Israel)

Folha

Tráfico de mulheres 1998

Espanha

Folha

Tráfico de mulheres 1998

Goiânia, Rio de Janeiro, Fortaleza (CE) e Espanha

Participação da máfia russa no aliciamento.

Folha

Trabalho infantil semi-escravo

1998

Ilha de Marajó (PA)

Agências de em­ prego e casas de famílias

Folha

Exploração sexual 1998 e prostituição

Riolândia (SP)

Meninas de 12 a 15 anos

Estado

Tráfico de mulheres 1998

Luz (bairro em São Paulo

De 240 entrevista­ dos, entre crianças e adolescentes, 4% ad­ mitem se prostituir.

Folha

Prostituição infantil 1998

Fortaleza (CE)

Folha

Bingo e leilão de virgem

Goiânia (GO)

700 meninas, entre 9 100 agenciadores e 14 anos

Folha

Tráfico de mulheres 1998 e meninas

Sarandi (PR) e Ciudad del Este (Paraguai)

Duas menores

Estado

Tráfico de mulheres 1999 e cárcere privado

1998

Homem e mulher

20 brasileiros são deportados por mês sob acusação de participar de rede de prostituição.

Dois comerciantes donos de um bar

17 acusados

Uma mulher de Sarandi que seria ligada à máfia de Taiwan.

Uma brasileira foi en­ Seis espanhóis pre­ viada para Madri. sos na Espanha

315

continuação Jornal

Crime

Ano

Região

Vítim as

Explorador

Estado

Prostituição infantil 1999

Pernambuco

Crescimento da pros­ tituição no Estado. Em Araripina e Trin­ dade, chega a 10% o número de meninas prostituídas.

Estado

Prostituição infantil 1999

Piauí

Rede de prostituição Promotor de con­ com meninas de 13 a cursos de beleza, 16 anos. cronista social e ou­ tros dois acusados

Estado

Criança desaparecida

1999

Betim (MG)

Criança de 2 anos

Estado

Crianças desaparecidas

1999

São Paulo

Criação de associação para busca de crian­ ças desaparecidas, in­ vestigando 567 casos, 98 solucionados.

Estado

Prostituição infantil 1999

Pará

Aumento da prostitui­ ção infantil no Estado

Estado

Tráfico de mulheres 1999

Barcelona (Espanha)

3 presos, uma bra­ sileira

Estado

Pedofilia

São Gabriel (RS) 7 meninos de 10 a 14 anos

Comerciante

Estado

Tráfico de mulheres 1999

Espanha

51 pessoas de uma quadrilha presas

Estado

Turismo sexual

Estado

Exploração sexual 1999

Norte e Nordeste 70% dos casos brasi­ leiros estão no Norte e no Nordeste.

Folha

Tráfico de crianças 1999

Rocha Miranda (bairro do Rio de Janeiro) e Buenos Aires

Foi encontrada uma menina de 2 anos em sua casa. Ela já teria facilitado a saída de pelo menos mais 2 crianças.

Mulher de 19 anos, suspeita de partici­ par de uma quadri­ lha internacional. Seu namorado chile­ no é o responsável pela venda das crian­ ças na Argentina.

Estado

Abuso sexual, maus-tratos e negligência

ABC (SP)

1.131 casos de violên­ cia contra crianças e adolescentes, 524 ca­ sos de maus-tratos, 137 de abusos sexuais e 231 de negligência.

A faixa etária que sofre mais agres­ são: de 2 a 12 anos. O agressor mais freqüente é a mãe.

316

1999

1999

2000

Brasil

A própria mãe (ou a babá) teria vendi­ do a criança.

313 casos em 1997

I

2000

Zona Sul do Rio de Janeiro

6 menores entre 15 e 17 anos (em fla­ grante)

Americano aposen­ tado

Estado

Exploração sexual, prostituição e pedofilia

Estado

Pornografia infantil 2000 na Internet

São Bernardo do Campo (SP) e Nova Zelândia

Folha

Rapto, exploração 2000 sexual e prosti­ tuição

Rio de Janeiro

Menina de 16 anos

Esquema de prosti­ tuição pela Internet

Estado

Maus-tratos

2000

ABC (SP)

Crianças de 5, 7 e 9 anos

Pai e padrasto

Estado

Abuso sexual

2000

Brasília (DF)

Menina de 14 anos, tedadista e corista da banda de uma cantora mexicana

Empresário da can­ tora

Estado

Exploração sexual, 2000 prostituição e abuso sexual

Santos (SP)

Menino de 16 anos, baiano

Padrasto

Estado

Criança desapa­ recida

Estado

Exploração sexual 2000 e prostituição

Rio de Janeiro e 3 meninas, uma de 14 anos São Paulo

Estado

Abuso sexual

2000

Zona Leste de São Paulo

Estado

Trabalho infantil

2000

Rondônia

Estado

Exploração sexual 2000 e prostituição

Periferia de Brasília

Meninas

Boate

Estado

Exploração sexual, 2000 prostituição e pornografia infantil

Rio de Janeiro

Meninos e meninas

Professor de colé­ gio e Cônsul-adjunto de Israel no Rio de Janeiro

Estado

Pedofilia

2000

Estado

Rapto, trabalho escravo e cárcere privado

2000

Estado

Exploração sexual 2000 e prostituição

2000

Homem

Menino de 15 anos, do Maranhão. Fugiu de casa e conheceu quase todo o país viajando de carona de caminhão. Casa de prostituição

Menina de 16 anos e Pai menino de 4 anos Garimpo

Professor universi­ tário Teixeira de Freitas Menina de 17 anos (BA) e Estados Unidos Acre

Adultos que con­ trolavam uma rede de prostituição de meninas brasileiras.

Crianças a partir de 9 Família das vítimas anos

317

continuação Jornal

Crime

Ano

Região

Vítimas

Explorador

RJ: 284 casos; SP: 272; BA: 110; DF: 83; MG: 77; PE: 69; CE: 65; RS: 48; PR: 45; e RN: 41.

MG

Exploração sexual 2000 e prostituição

Vários Estados brasileiros

JT

Criança desapa­ recida

2000

Parelheiros (bairro 26 casos, boa parte em São Paulo) envolvendo crianças de 6 a 16 anos.

JT

Abuso sexual e cárcere privado

2000

Santo André (SP) 4 crianças de 8 a 12 anos

JT

Exploração sexual, 2000 prostituição, drogas e rapto

Meninas de 13 a 16 Do Maranhão, Piauí e São Paulo anos para Caxias (RS)

JT

Tráfico de mulheres 2000

Zurique (Suíça)

Mulher de 23 anos

JT

Estupro, pedofilia, 2000 exploração sexual e prostituição

Rio Grande do Sul

Entre outras, uma Vereador menina de 15 anos, que sofria abuso des­ de os 10.

JT

Tráfico de mulheres 2001 e trabalho escravo

JT

Exploração sexual 2001 e prostituição

318

4 homens

Rede internacional

75 mil mulheres tra­ balhando na União Européia. Cadeias de São Paulo

Meninas

Prisioneiros e, em alguns casos, os próprios pais das meninas.

I

2. Entrevistas (gravadas entre novembro e dezembro de 2001) M aria A parecida L aia (Presidenta do C onselho Estadual da C ondição Fem inina) “Na verdade, essa questão do tráfico, de uma certa forma, está ligada à rede de tráfico de mulheres. Aliás, segundo informações que possuímos, quantitativamente, essa atividade já suplantou o tráfico de drogas. Nós não temos nenhum conhecimento de redes direta­ mente organizadas. Há muito pouca informação sobre o tráfico de seres humanos. Temos uma proposta para montar um grupo com pessoas que participaram do seminário, que estão trabalhando com essas questões há tempos. A nossa idéia é fazer algumas propostas a serem encaminhadas não só para o Programa Nacional que se está pensando em criar, como também propostas para os candidatos à Presidência da República. A partir do seminário, também estamos pensando em fazer uma campanha de esclarecimento junto ao Aero­ porto de Cumbica.” “Outro dia eu estava em um local dando entrevista e nesse mesmo lugar havia modelos conversando e foi interessante ouvir delas a forma como as agências as tratam: elas ficam todas ju n ­ tas, sem espaço, alimentação. Esse pode ser um caminho para a prostituição.” M aria A parecida A lm eida (Secretaria de E stado de A ssis­ tência Social de São Paulo) “Nesse seminário, uma coisa que me chamou a atenção foi sa­ ber do número de brasileiras que são vítimas do tráfico. Isso foi sur­ preendente, porque não era um assunto que me pautasse. Foi estarrecedor tomar conhecimento de como o Brasil é um grande ex­ portador e o Estado de São Paulo, com certeza, deve ter uma grande participação no total nacional, mas eu não posso afirmar com certeza

319

qual seria esse número. Na Secretaria na qual eu trabalho, isso não é uma das áreas de atuação. Seria necessária uma integração entre as secretarias para que fosse possível a criação de ações que fossem feitas juntas. Não existe um serviço de apoio às famílias.” W ellington (O N G Visão M undial) “A OIT considerou que a prostituição é uma das piores formas de trabalho. Olhando por esse lado, se a gente não diz que ela está se prostituindo, mas sendo vítima da prostituição, ela é uma forma execrável de trabalho que deve ser combatida com políticas públi­ cas, saúde, educação e renda, acima de tudo.” Tereza C ristina C ruz V ecina e M aria A m élia de Souza e Silva (C entro de R eferên cia às V ítim as da V iolên cia — C N R vv — , Sedes S ap ien tiae, SP) “O instituto oferece cursos de saúde mental e educação po­ pular. O objetivo atual é atender crianças e adolescentes de zero a 18 anos. Esse atendimento é feito à criança, ao adolescente, aos pais, aos familiares, sejam eles autores ou co-autores da agressão ou simplesmente membros protetores dessas crianças. Nós temos o tratam ento psicológico, que é o piscoterápico, dado como psicoterapia mesmo, seja a qualquer um desses membros, perso­ nagens do drama da violência. Temos o atendimento social, sen­ do que o atendimento jurídico é feito em parceria com o CERCA. O atendimento médico é feito em parceria com alguns hospitais: nós temos a Santa Casa, o Pérola Byington e o Instituto da Crian­ ça como parceiros.” “Primeiro nós trabalhamos para provocar sensibilização, trei­ namos os educadores da região; na educação informal também, treinamos os adolescentes para que se tom em multiplicadores. Eles então vão se encarregando da questão de cidadania e, inclu­ sive, da busca de recursos da própria comunidade. Então, o traba­ lho é voltado para a violência, mas não é um trabalho pontual de palestra. Geralmente é um trabalho com contrato feito com a ins­ tituição, de um ano.”

320

D eputada D istrital M aria José — “M an in h a” (A ssem bléia L egislativa do D istrito Federal) “Aqui no Distrito Federal nós tivemos comprovação do trá­ fico de crianças e mulheres. Há mais ou menos quatro anos rece­ bemos denúncias que chegaram aqui do tráfico de crianças para fins de serem doadoras de órgãos em outros países. Na época, eu era Secretária de Saúde do Distrito Federal, e essa denúncia che­ gou de m aneira informal, sem nenhum dado concreto, preciso, mas com grandes chances de que fosse verdadeira. Isso não foi investigado. O tráfico de crianças e mulheres está relacionado à prostituição infantil e adulta. E no Distrito Federal essa prostitui­ ção existe, basta andar na rua para verificar. Mas essa questão é quase um ícone para a sociedade, porque estando aqui os poderes constituídos, era de se supor que a Capital fosse um exemplo para o País e não é. O que a gente presencia é que a maioria dessas crianças que estão, a princípio, em busca de auxílio, de dinheiro para a sobrevivência, são crianças que também estão submetidas à prostituição. Existe uma rede subterrânea, mas não se consegue identificar os responsáveis.” “As varas da infância e juventude têm dificuldades de atuar por­ que não há infra-estrutura que permita uma intervenção direta; então há um crescimento da violência. Na medida em que a pobreza au­ menta e que a juventude não vê perspectivas, ela vai para a rua.” “Eu fui relatora de uma CPI que investigou o tráfico de dro­ gas. Não foi possível detectar nenhuma relação da prostituição in­ fantil ou da exploração sexual de adolescentes e crianças com a questão das armas. Em contrapartida, foi averiguada a relação da prostituição infantil com o tráfico de drogas. Mas, infelizmente, o relatório da CPI não foi aprovado pela Câmara. Em todo caso, de­ monstramos, mas sem provas cabais, que muitas crianças eram uti­ lizadas por grupos que também exploravam tráfico de drogas, oferecendo-as nas festas a políticos do Distrito Federal. Essa é uma rede subterrânea. No relatório, foram citados nomes e situações, mas as investigações não puderam seguir adiante porque o relató­ rio não foi aprovado.”

321

E liane (G EC TIPA ) “Nas ruas há um problema sério dos baleiros e vigias de carro que trabalham à noite. Eles estão expostos a diversos tipos de explo­ ração. O próprio ambiente em que trabalham é propício à promiscui­ dade, prostituição, drogas; além disso, não há ninguém que os prote­ ja. Nós observamos, por meio de entrevistas, que existem crianças pequenas, com irmãos, que o pai leva para que trabalhem junto com ele para aumentar a renda mensal.” “O trabalho forçado existe mais no meio rural. De vez em quando mandamos equipes de fiscalização para verificar isso. Mui­ tos pegam trabalhadores para fazer colheita do feijão. Existem co­ lheitas específicas em que o trabalhador jovem é mais ágil. Eles trazem essas crianças de várias regiões, às vezes ficam em acampa­ mentos. Isso acontece. Eles também costumam levar toda a família da criança para o trabalho. Às vezes, são transportados em cami­ nhões abertos, correndo o risco de sofrer acidentes de trânsito. Es­ sas crianças nunca viram escola. Mas a nossa documentação é sigi­ losa porque envolve denúncias.” D eputado Padre R oque (C om issão de D ireitos H um anos e C âm ara Federal) “No Distrito Federal, em 1998, foram 226 casos de desapareci­ mento de crianças. Em 1999, foram 269 e, até maio de 2000, já con­ távamos com 126 casos. Portanto, um índice crescente de desapare­ cimento de crianças. O que eu mais estudei foi o desaparecimento de crianças, mas, infelizmente, por causa da CPI do narcotráfico, por causa da caravana dos idosos e por uma série de outros problemas, eu não consegui dar conta de ir mais a fundo nessa questão. Nós recebemos o resultado de parte dos Estados que nos deram alguma informação, mas poucos Estados têm informações precisas a respei­ to. A própria Polícia Federal tem muita dificuldade em ter um con­ junto de dados. O que sabemos é que, agora, começando o verão, no Estado do Paraná, meninas brancas, em geral novas, acima dos 13 e abaixo dos 17 anos, são levadas por taxistas para os hotéis da orla marítima, principalmente de Santa Catarina, e algumas sobem até

322

São Paulo. Elas são levadas, com o pretexto de trabalho doméstico e do serviço de comércio, a prostíbulos e não voltam mais. Nós não temos o índice exato porque as mães vêm buscar auxílio, mas não denunciam o fato, até porque têm vergonha de denunciar. Às vezes, somos surpreen­ didos com meninas que são levadas para fora do País. Uma vez eu viajei de avião e casualmente embarquei com um desses agenciadores, que veio me contando das maravilhas que ele fazia com as mulatas nos países europeus. Então, tudo isso me fez despertar para esse problema. Mas infelizmente eu não tive acesso e nem tempo para me dedicar mais a fundo sobre isso. Eu tento mais junto às polícias civil e federal e entidades internacionais que trabalham com esse problema.” “Depois que eu fui ao Paraguai e vi a situação de nossas meninas exploradas, mantidas numa escravidão literal, eu me preocupei com a prostituição. Na Bolívia é a mesma coisa. Hoje tenho a convicção de que tudo faz parte de uma mesma cadeia: prostituição infantil, tráfico de mulheres e crianças, tráfico de drogas e de armas. Cada crime é um crime diferenciado e específico, mas tudo forma uma grande rede e normalmente as pessoas estão envolvidas com as várias coisas. Estive em Fortaleza vendo isso e lá se enxerga a olho nu.” R osângela (C antinho do G irassol, D istrito Federal) “Aqui é o projeto-piloto de Brasília de assistência às adolescen­ tes de 12 a 17 anos. Elas ficam até os 18 anos. Em diversos casos há esforço de emancipá-las para o futuro. Fazemos acompanhamento psicológico, terapia de grupo, trabalho individual. Também traba­ lhamos com a família. Agora iniciaremos um trabalho com os pais. Elas estudam aqui, todos os seus direitos são viabilizados: estudo, esporte, lazer. Estudam nessa região e fazem o acompanhamento aqui, têm aula de informática, artesanato. Duas fazem cursos profissionali­ zantes. Há um trabalho em rede: SOS, Conselho Tutelar, CEAR, Vara da Infância, órgãos ligados à prevenção e repressão, trabalhos de prevenção do Centro de Desenvolvimento Social (CDS), de Ceilândia, que fazem palestras com as famílias, repassando os direitos e mos­ trando onde denunciar. É um trabalho preventivo. Também fazem um trabalho educativo, dão bolsas para as crianças estudarem e dei­ xarem de trabalhar.”

323

“A maioria das jovens que estão aqui sofreu abuso dentro de casa. Nós fazemos então um trabalho de reintegração da jovem na família. Geralmente ela não quer voltar para casa.” D elegada de Polícia Selm a M aria (D PC A ) “Existe um fórum permanente sobre a questão da prostituição infanto-juvenil. Essa prática, em si mesma, não é considerada crime. Só é crime a exploração da prostituição. A prostituição em si é con­ siderada apenas má conduta. Com relação à prevenção, os Delega­ dos e os psicólogos vão às escolas e falam com os pais, os professo­ res e alunos sobre dependência química e sobre o comportamento que a criança tem.” Delegado de Polícia João B aptista (Polícia Federal de G oiás) “Muitas vezes no balcão da PF, durante a requisição de passa­ porte, os funcionários percebem alguma coisa errada devido à apa­ rência da postulante ao documento. O mesmo ocorre no momento do embarque. Devido ao grande número de embarques para a Espanha do aeroporto internacional de Goiânia, a PF local incumbiu dois agen­ tes à paisana para acompanhar o movimento. Só que os aliciadores, para despistar, alteravam o lugar de destino das mulheres. Em vez de Madri, elas passaram a desembarcar em Lisboa ou Paris.” D elegada de Polícia M aria da G raça Fredenhagem (Polícia Federal do D istrito Federal, responsável pelo G rupo de In­ teligência) “A polícia precisa se modernizar, pois ela sempre está um passo atrás do crime. Além disso, a legislação é falha e a falta de recursos também é uma barreira para a ação dos agentes e delegados. Acredi­ to que as mulheres saiam do Brasil em busca de uma chance melhor de vida. Elas são normalmente provenientes das camadas mais desfavorecidas da população. Grande parte das mulheres não sabe nem falar direito. Mas mesmo assim, hoje em dia, são raras as mu­ lheres iludidas com a promessa de empregos ‘honestos’. Calculamos uma em cada cem. Para finalizar, o combate a esse crime é muito complicado, pois é difícil haver uma denúncia, primeiro porque a

324

prostituição pode ser a única fonte de renda, já que muitas delas retomam para o exterior várias vezes e, depois, porque há conivência da família”. D elegado de Polícia Francisco M oura Velho (Superinten­ dência da Polícia Federal de B rasília) “O tráfico de mulheres é um crime muito grave, pois, segundo estatísticas da ONU, haveria cerca de 300 mil prostitutas brasileiras na Europa. Só as acusadas Rebeca e Bárbara são responsáveis pelo tráfico de mais de 200 mulheres em dois anos. A dinâmica do crime não muda. Os traficantes sempre usam o mesmo sistema. E, além disso, é um delito de difícil configuração, uma vez que as vítimas alegam que vão visitar o namorado espanhol, que o dinheiro para a passagem é da família, não reconhecem os aliciadores ou desmen­ tem em juízo. Eu considero o tráfico um crime peculiar: o aliciador vem da alta sociedade; é, pode se dizer, uma ‘pessoa normal’ e, ge­ ralmente, só comete esse tipo de delito. A PF de Brasília possui dois agentes para investigar os cinco inquéritos sobre tráfico. Na tentativa de minimizar o problema, em março de 2001 foi realizado um even­ to que reuniu a Interpol, a Secretaria dos Direitos Humanos, o Mi­ nistério da Justiça, o das Relações Exteriores e os quatro Delegados de Polícia mais atuantes na área. Mas, mesmo assim, eu sugiro que deve haver pressão para que a Espanha altere sua legislação, além do aumento dos efetivos locados para o combate ao tráfico de seres hu­ manos e, principalmente, maior investimento no social.” P rocurador da R epública Fábio G eorge C ruz da Nóbrega (G oiás) “Até cinco anos atrás, as ações em curso eram apenas residuais, ou seja, não se sabia de uma rede organizada para o tráfico de mulhe­ res. Hoje, essa rede, chamada de Conexão Madri, atua na Bahia, Rio, São Paulo, Goiás, Espírito Santo e Minas Gerais, com a participação de aliciadores no Brasil, donos de boates na Espanha e agências de viagens que ‘ensinam’ as mulheres como se comportar para se pas­ sar por turistas normais e não suscitar suspeitas. Existem, também, casas de câmbio ilegais que fazem parte da rede, mas não houve

325

provas suficientes para incluí-las na ação. A Polícia Federal assumiu a investigação em nível nacional, ligando as pessoas, ensejando uma série de ações, que, por continência, foram para a justiça goiana. O tráfico de mulheres é uma atividade que sai pelas vias normais, ou seja, pelo aeroporto oficial da cidade. Agora, se a PF fizer um plan­ tão no aeroporto, ela pode coibir a saída das mulheres. Os agentes bem treinados notam com um olhar se a mulher viaja para turismo ou para se prostituir. É preciso criar esse plantão. Eu acredito que o tráfico de mulheres possua ligação com outros crimes, principalmente com a lavagem de dinheiro; tráfico de drogas ou tráfico de armas não foram ainda associados. Uma das dificuldades em combater a rede é que a repressão na Espanha não existe, pois tanto a prostituição quanto a manutenção da prostituição, isto é, a exploração da prostituição, são consideradas atividades lícitas. A polícia espanhola só adentra os locais para reprimir imigração ilegal, permanência acima do prazo e cárcere privado. Depois, a maioria dessas mulheres já atua no ramo. A gente sabe de uma ou duas que são iludidas, mas o grosso já viaja sabendo o motivo. A demanda por emprego, a carência socioeconômica, tudo isso conta muito. Já ouvi várias vezes as mulheres di­ zendo em audiência para o juiz que voltariam para a Espanha porque ganharam mais dinheiro que no Brasil. O Estado é omisso em repri­ mir esse tipo de atividade não porque quer, mas porque tem a polícia insuficientemente estruturada e voltada para outros crimes que não este. Os agentes fazem mais do que podem com a estrutura que têm. ‘Dá pena’ porque a cada dia o número de mulheres aumenta e a idade diminui. Tem casos de meninas que falsificam documentos para via­ jar. Das mulheres constantes nos processos, raras têm mais de 25 anos. Se tivesse uma estrutura melhor e se esse crime se tomasse uma prioridade para a polícia, essa atividade cairia muito. Eu tenho uma visão legal e posso dizer que a atuação da polícia federal é mínima.” D eputado Federal M arcos Rolim (P T — R io G rande do Sul) ‘Tráfico de seres humanos deve ser definido como toda e qual­ quer forma de agenciamento que transforma as pessoas em merca­ doria. Isso evoca inclusive a proposta de emprego ou de salários

326

maiores que levam as pessoas a deixarem seus lugares de origem, para tentar a sorte em outras regiões, mas, quando chegam ao desti­ no, descobrem que o emprego não era bem aquele, o salário não era o prometido. Qualquer iniciativa como essa deveria ser considerada tráfico.” “No Rio Grande do Sul, as denúncias de tráfico de seres huma­ nos envolvem os agenciamentos em frentes de trabalho no Paraguai, na Colômbia ou em outros países fronteiriços. Eu já tive conheci­ mento de alguns casos nesse sentido. Por outro lado, não temos notí­ cia de que no Rio Grande do Sul existam casos de tráfico de mulhe­ res ou crianças com fim de exploração sexual. Temos notícia de que esses são problemas que acometem com mais freqüência os Estados do norte do Brasil, mas não me surpreenderia se essa fosse uma prá­ tica corrente aqui também. Afinal, são fenômenos globalizados.” “Estamos diante de problemas complexos que não podem ser reduzidos a uma causa definida. A desigualdade social tensiona a realidade social de uma forma insuportável, pois as pessoas sentem que na origem do problema há uma grande injustiça. Essa situação enseja uma série de comportamentos delituosos cujo objetivo é su­ prir, para esses cidadãos, algumas condições que lhe foram nega­ das. E para alcançar isso, lança-se mão da transgressão da lei e da ordem.” “Falta de profissionalismo e de inteligência das forças polici­ ais. Nós temos uma polícia que foi formada pela tradição de perse­ guir seletivamente aqueles delitos praticados pela população mais desfavorecida, como furto e roubo.” “A sexualidade se transformou em mercadoria. Isso é incenti­ vado pelos meios de comunicação social, que criam uma demanda de sexualidade exacerbada, além de outras causas concorrentes.” “Falar em segurança pública no Brasil significa falar no papel desempenhado pela polícia. A idéia de segurança pública no Brasil ficou reduzida à atuação da polícia, quando, na verdade, em qual­ quer política de segurança pública o papel a ser desempenhado pela polícia deveria ser apenas um elemento. No Brasil, perdemos a no­ ção de que segurança pública é uma coisa muito mais ampla.”

327

“Como regra, os governos estaduais e federal identificam segu­ rança pública com a hipótese repressiva, ou seja, a presença da polí­ cia na rua, armamentos, mais rigor no combate à criminalidade. De­ veríamos apostar numa política de segurança pública sob uma ótica preventiva e, curiosamente, quem faz prevenção no Brasil não são os Governos, mas sim as ONGs ou projetos da sociedade civil, cujos resultados são muito interessantes.” “O Estado não está presente na proteção à vítima. Como a se­ gurança pública é um dever do Estado e um direito do cidadão, sem­ pre que há a prática de crime existe uma falha na prestação desse serviço. Por isso, o Estado deve ser objetivamente responsável por esse crime. Assim, o mínimo que o Estado poderia fazer seria ofere­ cer à vítima condições de minimizar seu sofrimento.” “A Câmara pode oferecer uma série de propostas legislativas para minorar a questão do tráfico de seres humanos. A dificuldade que temos na Câmara é a seguinte: a grande maioria dos parlamenta­ res tende a atuar publicamente, estabelecendo uma sintonia com o senso comum, com as aspirações médias do eleitorado. Nós, que trabalhamos numa área como essa, que envolve diretamente o mane­ jo do Direito Penal, vivemos uma situação gravíssima, pois, em re­ gra, a opinião pública apresenta uma demanda repressiva muito gran­ de. A sociedade quer sanções penais m ais duras, sugerindo, eventualmente, penas corporais. Essa demanda se reflete dentro do Parlamento, e a maioria dos parlamentares, uns por convicção, mas outros por puro oportunismo, acaba cedendo a essas demandas e faz discursos sintonizados com a opinião pública. Assim, as reformas nas leis penais brasileiras são absolutamente impopulares. Mesmo as autoridades governamentais, cientes da necessidade de mudan­ ças, que implicariam o abrandamento das penas e a reformulação das leis de execução penal, diante da impopularidade dessas ques­ tões, não fazem força para alterar o ordenamento, reforçando a traje­ tória anterior equivocada. No Brasil, há poucos políticos que conse­ guem ir contra a opinião pública, majoritária, porém equivocada.” “Mesmo diante das dificuldades, é possível fazer muita coisa. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara tem um papel muito importante, pois a tendência é que nessa Comissão se reúnam parla­

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mentares mais sensibilizados com a questão. A atuação desenvolvi­ da pela Comissão normalmente não é de influência no processo legislativo, mas exerce um papel importante na influência da opinião pública. Trazemos para a pauta política temas marginalizados e visa­ mos criar uma massa crítica que possa ensejar uma mudança de com­ portamento na sociedade civil, alertando a imprensa e mesmo pres­ sionando o Governo.” “Estamos vivendo um período importante na história brasilei­ ra. Há uma gramática de direitos humanos que é aceita e repartida consensualmente entre os agentes políticos mais significativos. Não temos hoje no Brasil, com raríssima exceção, um discurso influente contra os direitos humanos produzidos por agentes políticos. O que há são discursos que vêm de certos setores da polícia e são dissemi­ nados em alguns veículos da mídia. Mas todos os partidos, todos, tanto da Direita como da Esquerda, fazem reverência à idéia de di­ reitos humanos. Esse foi um avanço importante. O problema todo é que nessa aceitação há um problema de formalidade. Isso é muito sensível quando esses discursos saem do campo genérico e abordam questões práticas, a exemplo da parceria civil de homossexuais, das condições carcerárias e da redução da responsabilidade penal. Nes­ sas situações, os parlamentares, mesmo os de partidos de Esquerda, voltam-se contra as propostas mais progressistas. Em todo o caso, se compararmos a realidade de hoje e a de vinte anos atrás, notamos avanços muito grandes.” “Existe uma certa relação, que em certos momentos é mais for­ te, mas nada orgânica e sistemática, no tocante à comunicação entre as instâncias legislativas e judiciais. Aliás, estamos engatinhando no fluxo de informação entre as entidades de direitos humanos. Há uma compulsão de falar sobre as realidades locais, que se mostram des­ conhecidas pelos setores mais constantes.” D eputado Federal Orlando Fantazinni (P T — M inas Gerais) ‘Tráfico, no meu entendimento, começa com tráfico de crian­ ças para adoção ilegal e remoção de órgãos e, depois, o tráfico de mulheres para fins de prostituição.”

329

“No Brasil, não há estatísticas sobre o problema. Não existem levantamentos exatos sobre a questão. Não há informação qualificada nas Secretarias de Segurança. Mas os números não são tranqüilos.” D eputado Federal N ilm ário M iranda (PT — M inas G erais) “Ainda hoje existe trabalho ilegal, com os trabalhadores dei­ xando suas raízes e suas famílias em troca de uma vã oportunidade. O acesso às oportunidades é muito difícil no Brasil. O tráfico, por­ tanto, às vezes é consentido: quantas famílias não colocam meninos e meninas para se prostituírem e trazerem dinheiro para casa? Quantas famílias não roubam a infância das crianças, sendo obrigadas a com­ peli-los a trabalhar precocemente? O tráfico é uma coisa a mais. De uma certa maneira, é fácil analisar isso. Haverá sempre pessoas inte­ ressadas em fazer o trabalho sujo. Nós temos que fazer cumprir as leis. Por trás do tráfico há a leniência, conivência, cumplicidade ou a participação de políticos, autoridades, policiais, agentes alfandegá­ rios. Há toda uma cadeia de comprometimento de setores vinculados ao Estado para proteger essa atividade.” “Devemos estimular o lado do trabalho educativo, da difusão da cidadania, dos direitos. Também temos que trabalhar na raiz do problema, isto é, atuar na luta contra a desigualdade, a iniqüidade da efetivação dos direitos. Nosso problema é de aplicabilidade das leis.” “Para erradicar o tráfico, é imperativo haver a cooperação inter­ nacional. E, nesse contexto, eu coloco o Tribunal Penal Internacio­ nal. Para o Tribunal Penal Internacional, os grandes tipos penais são os crimes de guerra, o lenocídio, os atos de agressão e o crime de lesa-humanidade. Esse último tipo abriria uma série de possibilida­ des para combater o tráfico de seres humanos. Na questão dos direi­ tos humanos, não se pode falar de números. Às vezes, as cifras até atrapalham. O número não é a principal referência. O tráfico de seres humanos é feito segundo a lei de mercado. E há mercado para isso, sobretudo o europeu. Dentro da lógica neoliberal, esse fato se expli­ ca, como o tráfico de drogas. A repressão deve ser feita nos merca­ dos consumidores por meio da cooperação internacional. Quando o assunto envolve crianças, aí fica muito mais sério.”

330

3. Instrumentos internacionais e leis brasileiras U N IT E D N A TIO N S C O N V E N T IO N A G A IN S T T R A N SN A T IO N A L O R G A N IZ E D C R IM E U N IT E D N A T IO N S — 2000 Article 1 Statement o f purpose The purpose of this Convention is to promote cooperation to prevent and combat transnational organized crime more effectively. Article 2 Use o f terms For the purposes of this Convention: (a) “Organized criminal group” shall mean a structured group of three or more persons, existing for a period of time and acting in concert with the aim of committing one or more serious crimes or offences established in accordance with this Convention, in order to obtain, directly or indirectly, a financial or other material benefit; (b) “Serious crime” shall mean conduct constituting an offence punishable by a maximum deprivation of liberty of at least four years or a more serious penalty; (c) “Structured group” shall mean a group that is not randomly formed for the immediate commission of an offence and that does not need to have formally defined roles for its members, continuity of its membership or a developed structure; (d) “Property” shall mean assets of every kind, whether corporeal or incorporeal, movable or immovable, tangible or intangible, and legal documents or instruments evidencing title to, or interest in, such assets;

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(e) “Proceeds of crime” shall mean any property derived from or obtained, directly or indirectly, through the commission of an offence; (f) “Freezing” or “seizure” shall mean temporarily prohibiting the transfer, conversion, disposition or movement of property or temporarily assuming custody or control of property on the basis of an order issued by a court or other competent authority; (g) “Confiscation”, which includes forfeiture where applicable, shall mean the permanent deprivation of property by order of a court or other competent authority; (h) “Predicate offence” shall mean any offence as a result of which proceeds have been generated that may become the subject of an offence as defined in article 6 of this Convention; (i) “Controlled delivery” shall mean the technique of allowing illicit or suspect consignments to pass out of, through or into the territory of one or more States, with the knowledge and under the supervision of their com petent authorities, with a view to the investigation of an offence and the identification of persons involved in the commission of the offence; (j) “Regional economic integration organization” shall mean an organization constituted by sovereign States of a given region, to which its member States have transferred competence in respect of matters governed by this Convention and which has been duly authorized, in accordance with its internal procedures, to sign, ratify, accept, approve or accede to it; (1) References to “States Parties” under this Convention shall apply to such organizations within the limits of their competence. Article 3 Scope o f application 1. This Convention shall apply, except as otherwise stated herein, to the prevention, investigation and prosecution of: (a) The offences established in accordance with articles 5, 6, 8 and 23 of this Convention; and

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(b) Serious crime as defined in article 2 of this Convention; where the offence is transnational in nature and involves an organized criminal group. 2. For the purpose of paragraph 1 of this article, an offence is transnational in nature if: (a) It is committed in more than one State; (b) It is committed in one State but a substantial part of its preparation, planning, direction or control takes place in another State; (c) It is committed in one State but involves an organized crim­ inal group that engages in criminal activities in more than one State; or (d) It is committed in one State but has substantial effects in another State. Article 4 Protection o f sovereignty 1. States Parties shall carry out their obligations under this Convention in a manner consistent with the principles of sovereign equality and territorial integrity of States and that of non-intervention in the domestic affairs of other States. 2. Nothing in this Convention entitles a State Party to undertake in the territory of another State the exercise of jurisdiction and performance of functions that are reserved exclusively for the authorities of that other State by its domestic law. Article 5 Criminalization o f participation in an organized criminal group 1. Each State Party shall adopt such legislative and other measures as may be necessary to establish as criminal offences, when committed intentionally: (a) Either or both of the following as criminal offences distinct from those involving the attempt or completion of the criminal activity:

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(i) Agreeing with one or more other persons to commit a serious crime for a purpose relating directly or indirectly to the obtaining of a financial or other material benefit and, where required by domestic law, involving an act undertaken by one of the participants in furtherance of the agreement or involving an organized criminal group; (ii) Conduct by a person who, with knowledge of either the aim and general criminal activity of an organized criminal group or its intention to commit the crimes in question, takes an active part in: a. Criminal activities of the organized criminal group; b. Other activities of the organized criminal group in the knowledge that his or her participation will contribute to the achievement of the above-described criminal aim; (b) Organizing, directing, aiding, abetting, facilitating or counselling the commission of serious crime involving an organized criminal group. 2. The knowledge, intent, aim, purpose or agreement referred to in paragraph 1 of this article may be inferred from objective factual circumstances. 3. States Parties whose domestic law requires involvement of an organized criminal group for purposes of the offences established in accordance with paragraph 1 (a) (i) of this article shall ensure that their domestic law covers all serious crimes involving organized criminal groups. Such States Parties, as well as States Parties whose domestic law requires an act in furtherance of the agreement for purposes of the offences established in accordance with paragraph 1 (a) (i) of this article, shall so inform the Secretary-General of the United Nations at the time of their signature or of deposit of their instrument of ratification, acceptance or approval of or accession to this Convention. Article 6 Criminalization o f the laundering ofproceeds o f crime 1. Each State Party shall adopt, in accordance with fundamental principles of its domestic law, such legislative and other measures as may be necessary to establish as criminal offences, when committed intentionally:

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(a) (i) The conversion or transfer of property, knowing that such property is the proceeds of crime, for the purpose of concealing or disguising the illicit origin of the property or of helping any person who is involved in the commission of the predicate offence to evade the legal consequences of his or her action; (ii) The concealment or disguise of the true nature, source, location, disposition, movement or ownership of or rights with respect to property, knowing that such property is the proceeds of crime; (b) Subject to the basic concepts of its legal system: (i) The acquisition, possession or use of property, knowing, at the time of receipt, that such property is the proceeds of crime; (ii) Participation in, association with or conspiracy to commit, attempts to commit and aiding, abetting, facilitating and counselling the commission of any of the offences established in accordance with this article. 2. For purposes of implementing or applying paragraph 1 of this article: (a) Each State Party shall seek to apply paragraph 1 of this article to the widest range of predicate offences; (b) Each State Party shall include as predicate offences all serious crime as defined in article 2 of this Convention and the offences established in accordance with articles 5 ,8 and 23 of this Convention. In the case of States Parties whose legislation sets out a list of specific predicate offences, they shall, at a minimum, include in such list a comprehensive range of offences associated with organized criminal groups; (c) For the purposes of subparagraph (b), predicate offences shall include offences com m itted both within and outside the jurisdiction of the State Party in question. However, offences committed outside the jurisdiction of a State Party shall constitute predicate offences only when the relevant conduct is a criminal offence under the domestic law of the State where it is committed and would be a criminal offence under the domestic law of the State Party implementing or applying this article had it been committed there;

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(d) Each State Party shall furnish copies of its laws that give effect to this article and of any subsequent changes to such laws or a description thereof to the Secretary-General of the United Nations; (e) If required by fundamental principles of the domestic law of a State Party, it may be provided that the offences set forth in paragraph 1 of this article do not apply to the persons who committed the predicate offence; (f) Knowledge, intent or purpose required as an element of an offence set forth in paragraph 1 of this article may be inferred from objective factual circumstances. Article 7 Measures to combat money-laundering 1. Each State Party: (a) Shall institute a comprehensive domestic regulatory and supervisory regime for banks and non-bank financial institutions and, where appropriate, other bodies particularly susceptible to moneylaundering, within its competence, in order to deter and detect all form s of m oney-laundering, w hich regim e shall em phasize requirements for customer identification, record-keeping and the reporting of suspicious transactions; (b) Shall, without prejudice to articles 18 and 27 of this Convention, ensure that administrative, regulatory, law enforcement and other authorities dedicated to combating money-laundering (including, where appropriate under domestic law, judicial authorities) have the ability to cooperate and exchange information at the national and international levels within the conditions prescribed by its domestic law and, to that end, shall consider the establishment of a financial intelligence unit to serve as a national centre for the collection, analysis and dissemination of information regarding potential money-laundering. 2. States Parties shall consider implementing feasible measures to detect and monitor the movement of cash and appropriate negotiable instruments across their borders, subject to safeguards to ensure proper use of information and without impeding in any way the movement

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of legitimate capital. Such measures may include a requirement that individuals and businesses report the cross-border transfer of substantial quantities of cash and appropriate negotiable instruments. 3. In establishing a domestic regulatory and supervisory regime under the terms of this article, and without prejudice to any other article of this Convention, States Parties are called upon to use as a guideline the relevant initiatives of regional, interregional and multi­ lateral organizations against money-laundering. 4. States Parties shall endeavour to develop and promote global, regional, subregional and bilateral cooperation among judicial, law enforcement and financial regulatory authorities in order to combat money-laundering. Article 8 Criminalization o f corruption 1. Each State Party shall adopt such legislative and other measures as may be necessary to establish as criminal offences, when committed intentionally: (a) The promise, offering or giving to a public official, directly or indirectly, of an undue advantage, for the official himself or herself or another person or entity, in order that the official act or refrain from acting in the exercise of his or her official duties; (b) The solicitation or acceptance by a public official, directly or indirectly, of an undue advantage, for the official himself or herself or another person or entity, in order that the official act or refrain from acting in the exercise of his or her official duties. 2. Each State Party shall consider adopting such legislative and other measures as may be necessary to establish as criminal offences conduct referred to in paragraph 1 of this article involving a foreign public official or international civil servant. Likewise, each State Party shall consider establishing as criminal offences other forms of corruption. 3. Each State Party shall also adopt such measures as may be necessary to establish as a criminal offence participation as an accomplice in an offence established in accordance with this article.

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4. For the purposes of paragraph 1 of this article and article 9 of this Convention, “public official” shall mean a public official or a person who provides a public service as defined in the domestic law and as applied in the criminal law of the State Party in which the person in question performs that function. Article 9 Measures against corruption 1. In addition to the measures set forth in article 8 of this Convention, each State Party shall, to the extent appropriate and consistent with its legal system, adopt legislative, administrative or other effective measures to promote integrity and to prevent, detect and punish the corruption of public officials. 2. Each State Party shall take measures to ensure effective action by its authorities in the prevention, detection and punishment of the corruption of public officials, including providing such authorities with adequate independence to deter the exertion of inappropriate influence on their actions. Article 10 Liability o f legal persons 1. Each State Party shall adopt such measures as may be necessary, consistent with its legal principles, to establish the liability of legal persons for participation in serious crimes involving an organized crim inal group and for the offences established in accordance with articles 5, 6, 8 and 23 of this Convention. 2. Subject to the legal principles of the State Party, the liability of legal persons may be criminal, civil or administrative. 3. Such liability shall be without prejudice to the criminal liability of the natural persons who have committed the offences. 4. Each State Party shall, in particular, ensure that legal persons held liable in accordance with this article are subject to effective, proportionate and dissuasive criminal or non-criminal sanctions, including monetary sanctions.

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Article 11 Prosecution, adjudication and sanctions 1. Each State Party shall make the commission of an offence established in accordance with articles 5, 6, 8 and 23 o f this Convention liable to sanctions that take into account the gravity of that offence. 2. Each State Party shall endeavour to ensure that any discretionary legal powers under its domestic law relating to the prosecution of persons for offences covered by this Convention are exercised to maximize the effectiveness of law enforcement measures in respect of those offences and with due regard to the need to deter the commission of such offences. 3. In the case of offences established in accordance with articles 5, 6, 8 and 23 of this Convention, each State Party shall take appropriate measures, in accordance with its domestic law and with due regard to the rights of the defence, to seek to ensure that conditions imposed in connection with decisions on release pending trial or appeal take into consideration the need to ensure the presence of the defendant at subsequent criminal proceedings. 4. Each State Party shall ensure that its courts or other competent authorities bear in mind the grave nature of the offences covered by this Convention when considering the eventuality of early release or parole of persons convicted of such offences. 5. Each State Party shall, where appropriate, establish under its domestic law a long statute of lim itations period in which to commence proceedings for any offence covered by this Convention and a longer period where the alleged offender has evaded the administration of justice. 6. Nothing contained in this Convention shall affect the principle that the description of the offences established in accordance with this Convention and of the applicable legal defences or other legal principles controlling the lawfulness of conduct is reserved to the domestic law of a State Party and that such offences shall be prosecuted and punished in accordance with that law.

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Article 12 Confiscation and seizure 1. States Parties shall adopt, to the greatest extent possible within their domestic legal systems, such measures as may be necessary to enable confiscation of: (a) Proceeds of crime derived from offences covered by this Convention or property the value of which corresponds to that of such proceeds; (b) Property, equipment or other instrumentalities used in or destined for use in offences covered by this Convention. 2. States Parties shall adopt such measures as may be necessary to enable the identification, tracing, freezing or seizure of any item referred to in paragraph 1 of this article for the purpose of eventual confiscation. 3. If proceeds of crime have been transformed or converted, in part or in full, into other property, such property shall be liable to the measures referred to in this article instead of the proceeds. 4. If proceeds of crime have been intermingled with property acquired from legitimate sources, such property shall, without prejudice to any powers relating to freezing or seizure, be liable to confiscation up to the assessed value of the intermingled proceeds. 5. Income or other benefits derived from proceeds of crime, from property into which proceeds of crime have been transformed or converted or from property with which proceeds of crime have been intermingled shall also be liable to the measures referred to in this article, in the same manner and to the same extent as proceeds of crime. 6. For the purposes of this article and article 13 of this Convention, each State Party shall empower its courts or other competent authorities to order that bank, financial or commercial records be made available or be seized. States Parties shall not decline to act under the provisions of this paragraph on the ground of bank secrecy. 7. States Parties may consider the possibility of requiring that an offender demonstrate the lawful origin o f alleged proceeds of crime or other property liable to confiscation, to the extent that such

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a requirement is consistent with the principles of their domestic law and with the nature of the judicial and other proceedings. 8. The provisions of this article shall not be construed to prejudice the rights of bona fide third parties. 9. Nothing contained in this article shall affect the principle that the measures to which it refers shall be defined and implemented in accordance with and subject to the provisions of the domestic law of a State Party. Article 13 International cooperation fo r purposes o f confiscation 1. A State Party that has received a request from another State Party having jurisdiction over an offence covered by this Convention for confiscation of proceeds of crime, property, equipment or other instrum entalities referred to in article 12, paragraph 1, of this Convention situated in its territory shall, to the greatest extent possible within its domestic legal system: (a) Submit the request to its competent authorities for the purpose of obtaining an order of confiscation and, if such order is granted, give effect to it; or (b) Submit to its competent authorities, with a view to giving effect to it to the extent requested, an order of confiscation issued by a court in the territory of the requesting State Party in accordance with article 12, paragraph 1, of this Convention insofar as it relates to proceeds of crime, property, equipment or other instrumentalities referred to in article 12, paragraph 1, situated in the territory of the requested State Party. 2. Following a request made by another State Party having jurisdiction over an offence covered by this Convention, the requested State Party shall take measures to identify, trace and freeze or seize proceeds of crime, property, equipment or other instrumentalities referred to in article 12, paragraph 1, of this Convention for the purpose of eventual confiscation to be ordered either by the requesting State Party or, pursuant to a request under paragraph 1 of this article, by the requested State Party.

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3. The provisions of article 18 of this Convention are applicable, mutatis mutandis, to this article. In addition to the information specified in article 18, paragraph 15, requests made pursuant to this article shall contain: (a) In the case of a request pertaining to paragraph 1 (a) of this article, a description of the property to be confiscated and a statement of the facts relied upon by the requesting State Party sufficient to enable the requested State Party to seek the order under its domestic law; (b) In the case of a request pertaining to paragraph 1 (b) of this article, a legally admissible copy of an order of confiscation upon which the request is based issued by the requesting State Party, a statement of the facts and information as to the extent to which execution of the order is requested; (c) In the case of a request pertaining to paragraph 2 of this article, a statement of the facts relied upon by the requesting State Party and a description of the actions requested. 4. The decisions or actions provided for in paragraphs 1 and 2 of this article shall be taken by the requested State Party in accordance with and subject to the provisions of its domestic law and its procedural rules or any bilateral or multilateral treaty, agreement or arrangement to which it may be bound in relation to the requesting State Party. 5. Each State Party shall furnish copies of its laws and regulations that give effect to this article and of any subsequent changes to such laws and regulations or a description thereof to the SecretaryGeneral of the United Nations. 6. If a State Party elects to make the taking of the measures referred to in paragraphs 1 and 2 of this article conditional on the existence of a relevant treaty, that State Party shall consider this Convention the necessary and sufficient treaty basis. 7. Cooperation under this article may be refused by a State Party if the offence to which the request relates is not an offence covered by this Convention. 8. The provisions of this article shall not be construed to prejudice the rights of bona fide third parties.

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9. States Parties shall consider concluding bilateral or multi­ lateral treaties, agreements or arrangements to enhance the effective­ ness of international cooperation undertaken pursuant to this article. Article 14 Disposal o f confiscated proceeds o f crime or property 1. Proceeds of crime or property confiscated by a State Party pursuant to articles 12 or 13, paragraph 1, of this Convention shall be disposed of by that State Party in accordance with its domestic law and administrative procedures. 2. When acting on the request made by another State Party in accordance with article 13 of this Convention, States Parties shall, to the extent permitted by domestic law and if so requested, give priority consideration to returning the confiscated proceeds of crime or property to the requesting State Party so that it can give compensation to the victims of the crime or return such proceeds of crime or property to their legitimate owners. 3. When acting on the request made by another State Party in accordance with articles 12 and 13 of this Convention, a State Party may give special consideration to concluding agreem ents or arrangements on: (a) Contributing the value of such proceeds of crime or property or funds derived from the sale of such proceeds of crime or property or a part thereof to the account designated in accordance with article 30, paragraph 2 (c), of this Convention and to intergovernmental bodies specializing in the fight against organized crime; (b) Sharing with other States Parties, on a regular or case-bycase basis, such proceeds of crime or property, or funds derived from the sale of such proceeds of crime or property, in accordance with its domestic law or administrative procedures. Article 15 Jurisdiction 1. Each State Party shall adopt such measures as may be necessary to establish its jurisdiction over the offences established in accordance with articles 5, 6, 8 and 23 of this Convention when:

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(a) The offence is committed in the territory of that State Party; or (b) The offence is committed on board a vessel that is flying the flag of that State Party or an aircraft that is registered under the laws of that State Party at the time that the offence is committed. 2. Subject to article 4 of this Convention, a State Party may also establish its jurisdiction over any such offence when: (a) The offence is committed against a national of that State Party; (b) The offence is committed by a national of that State Party or a stateless person who has his or her habitual residence in its territory; or (c) The offence is: (i) One of those established in accordance with article 5, paragraph 1, of this Convention and is committed outside its territory with a view to the commission of a serious crime within its territory; (ii) One of those established in accordance with article 6, paragraph 1 (b) (ii), of this Convention and is committed outside its territory with a view to the commission of an offence established in accordance with article 6, paragraph 1 (a) (i) or (ii) or (b) (i), of this Convention within its territory. 3. For the purposes o f article 16, paragraph 10, o f this Convention, each State Party shall adopt such measures as may be necessary to establish its jurisdiction over the offences covered by this Convention when the alleged offender is present in its territory and it does not extradite such person solely on the ground that he or she is one of its nationals. 4. Each State Party may also adopt such measures as may be necessary to establish its jurisdiction over the offences covered by this Convention when the alleged offender is present in its territory and it does not extradite him or her. 5. If a State Party exercising its jurisdiction under paragraph 1 or 2 of this article has been notified, or has otherwise learned, that one or more other States Parties are conducting an investigation,

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prosecution or judicial proceeding in respect of the same conduct, the competent authorities of those States Parties shall, as appropriate, consult one another with a view to coordinating their actions. 6. Without prejudice to norms of general international law, this Convention does not exclude the exercise of any criminal jurisdiction established by a State Party in accordance with its domestic law. Article 16 Extradition 1. This article shall apply to the offences covered by this Convention or in cases where an offence referred to in article 3, paragraph 1 (a) or (b), involves an organized criminal group and the person who is the subject of the request for extradition is located in the territory of the requested State Party, provided that the offence for which extradition is sought is punishable under the domestic law of both the requesting State Party and the requested State Party. 2. If the request for extradition includes several separate serious crimes, some of which are not covered by this article, the requested State Party may apply this article also in respect of the latter offences. 3. Each of the offences to which this article applies shall be deemed to be included as an extraditable offence in any extradition treaty existing between States Parties. States Parties undertake to include such offences as extraditable offences in every extradition treaty to be concluded between them. 4. If a State Party that makes extradition conditional on the existence of a treaty receives a request for extradition from another State Party with which it has no extradition treaty, it may consider this Convention the legal basis for extradition in respect of any offence to which this article applies. 5. States Parties that make extradition conditional on the existence of a treaty shall: (a) At the time of deposit of their instrument of ratification, acceptance, approval of or accession to this Convention, inform the Secretary-General of the United Nations whether they will take this

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Convention as the legal basis for cooperation on extradition with other States Parties to this Convention; and (b) If they do not take this Convention as the legal basis for cooperation on extradition, seek, where appropriate, to conclude treaties on extradition with other States Parties to this Convention in order to implement this article. 6. States Parties that do not make extradition conditional on the existence of a treaty shall recognize offences to which this article applies as extraditable offences between themselves. 7. Extradition shall be subject to the conditions provided for by the domestic law of the requested State Party or by applicable extradition treaties, including, inter alia, conditions in relation to the minimum penalty requirement for extradition and the grounds upon which the requested State Party may refuse extradition. 8. States Parties shall, subject to their domestic law, endeavour to expedite extradition procedures and to simplify evidentiary requirements relating thereto in respect of any offence to which this article applies. 9. Subject to the provisions of its domestic law and its extradition treaties, the requested State Party may, upon being satisfied that the circumstances so warrant and are urgent and at the request of the requesting State Party, take a person whose extradition is sought and who is present in its territory into custody or take other appropriate measures to ensure his or her presence at extradition proceedings. 10. A State Party in whose territory an alleged offender is found, if it does not extradite such person in respect of an offence to which this article applies solely on the ground that he or she is one of its nationals, shall, at the request of the State Party seeking extradition, be obliged to submit the case without undue delay to its competent authorities for the purpose of prosecution. Those authorities shall take their decision and conduct their proceedings in the same manner as in the case of any other offence of a grave nature under the domestic law of that State Party. The States Parties concerned shall cooperate with each other, in particular on procedural and evidentiary aspects, to ensure the efficiency of such prosecution.

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11. Whenever a State Party is permitted under its domestic law to extradite or otherwise surrender one of its nationals only upon the condition that the person will be returned to that State Party to serve the sentence imposed as a result of the trial or proceedings for which the extradition or surrender of the person was sought and that State Party and the State Party seeking the extradition of the person agree with this option and other terms that they may deem appropriate, such conditional extradition or surrender shall be sufficient to discharge the obligation set forth in paragraph 10 of this article. 12. If extradition, sought for purposes of enforcing a sentence, is refused because the person sought is a national of the requested State Party, the requested Party shall, if its domestic law so permits and in conformity with the requirements of such law, upon application of the requesting Party, consider the enforcement of the sentence that has been imposed under the domestic law of the requesting Party or the remainder thereof. 13. Any person regarding whom proceedings are being carried out in connection with any of the offences to which this article applies shall be guaranteed fair treatment at all stages of the proceedings, including enjoyment of all the rights and guarantees provided by the domestic law of the State Party in the territory of which that person is present. 14. Nothing in this Convention shall be interpreted as imposing an obligation to extradite if the requested State Party has substantial grounds for believing that the request has been made for the purpose of prosecuting or punishing a person on account of that person’s sex, race, religion, nationality, ethnic origin or political opinions or that compliance with the request would cause prejudice to that person’s position for any one of these reasons. 15. States Parties may not refuse a request for extradition on the sole ground that the offence is also considered to involve fiscal matters. 16. Before refusing extradition, the requested State Party shall, where appropriate, consult with the requesting State Party to provide it with ample opportunity to present its opinions and to provide information relevant to its allegation.

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17. States Parties shall seek to conclude bilateral and multi­ lateral agreements or arrangements to carry out or to enhance the effectiveness of extradition. Article 17 Transfer o f sentenced persons States Parties may consider entering into bilateral or multi­ lateral agreements or arrangements on the transfer to their territory of persons sentenced to imprisonment or other forms of deprivation of liberty for offences covered by this Convention, in order that they may complete their sentences there. Article 18 M utual legal assistance 1. States Parties shall afford one another the widest measure of mutual legal assistance in investigations, prosecutions and judicial proceedings in relation to the offences covered by this Convention as provided for in article 3 and shall reciprocally extend to one another similar assistance where the requesting State Party has reasonable grounds to suspect that the offence referred to in article 3, paragraph 1 (a) or (b), is transnational in nature, including that victims, witnesses, proceeds, instrumentalities or evidence of such offences are located in the requested State Party and that the offence involves an organized criminal group. 2. Mutual legal assistance shall be afforded to the fullest extent possible under relevant laws, treaties, agreements and arrangements of the requested State Party with respect to investigations, prosecutions and judicial proceedings in relation to the offences for which a legal person may be held liable in accordance with article 10 of this Convention in the requesting State Party. 3. Mutual legal assistance to be afforded in accordance with this article may be requested for any of the following purposes: (a) Taking evidence or statements from persons; (b) Effecting service of judicial documents; (c) Executing searches and seizures, and freezing;

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(d) Examining objects and sites; (e) Providing inform ation, evidentiary item s and expert evaluations; (f) Providing originals or certified copies of relevant documents and records, including government, bank, financial, corporate or business records; (g) Identifying or tracing proceeds o f crim e, property, instrumentalities or other things for evidentiary purposes; (h) Facilitating the voluntary appearance of persons in the requesting State Party; (i) Any other type of assistance that is not contrary to the domestic law of the requested State Party. 4. Without prejudice to domestic law, the competent authorities of a State Party may, without prior request, transmit information relating to criminal matters to a competent authority in another State Party where they believe that such information could assist the authority in undertaking or successfully concluding inquiries and criminal proceedings or could result in a request formulated by the latter State Party pursuant to this Convention. 5. The transmission of information pursuant to paragraph 4 of this article shall be without prejudice to inquiries and criminal proceedings in the State of the competent authorities providing the information. The competent authorities receiving the information shall comply with a request that said information remain confidential, even temporarily, or with restrictions on its use. However, this shall not prevent the receiving State Party from disclosing in its proceedings information that is exculpatory to an accused person. In such a case, the receiving State Party shall notify the transmitting State Party pri­ or to the disclosure and, if so requested, consult with the transmitting State Party. If, in an exceptional case, advance notice is not possible, the receiving State Party shall inform the transmitting State Party of the disclosure without delay. 6. The provisions of this article shall not affect the obligations under any other treaty, bilateral or multilateral, that governs or will govern, in whole or in part, mutual legal assistance.

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7. Paragraphs 9 to 29 of this article shall apply to requests made pursuant to this article if the States Parties in question are not bound by a treaty of mutual legal assistance. If those States Parties are bound by such a treaty, the corresponding provisions of that treaty shall apply unless the States Parties agree to apply paragraphs 9 to 29 of this article in lieu thereof. States Parties are strongly encouraged to apply these paragraphs if they facilitate cooperation. 8. States Parties shall not decline to render mutual legal assistance pursuant to this article on the ground of bank secrecy. 9. States Parties may decline to render mutual legal assistance pursuant to this article on the ground of absence of dual criminality. However, the requested State Party may, when it deems appropriate, provide assistance, to the extent it decides at its discretion, irrespective of whether the conduct would constitute an offence under the domestic law of the requested State Party. 10. A person who is being detained or is serving a sentence in the territory of one State Party whose presence in another State Party is requested for purposes of identification, testimony or otherwise providing assistance in obtaining evidence for investigations, prosecutions or judicial proceedings in relation to offences covered by this Convention may be transferred if the following conditions are met: (a) The person freely gives his or her informed consent; (b) The competent authorities of both States Parties agree, subject to such conditions as those States Parties may deem appropriate. 11. For the purposes of paragraph 10 of this article: (a) The State Party to which the person is transferred shall have the authority and obligation to keep the person transferred in custody, unless otherwise requested or authorized by the State Party from which the person was transferred; (b) The State Party to which the person is transferred shall without delay implement its obligation to return the person to the custody of the State Party from which the person was transferred as agreed beforehand, or as otherw ise agreed, by the com petent authorities of both States Parties;

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(c) The State Party to which the person is transferred shall not require the State Party from which the person was transferred to initiate extradition proceedings for the return of the person; (d) The person transferred shall receive credit for service of the sentence being served in the State from which he or she was transferred for time spent in the custody of the State Party to which he or she was transferred. 12. Unless the State Party from which a person is to be transferred in accordance with paragraphs 10 and 11 of this article so agrees, that person, whatever his or her nationality, shall not be prosecuted, detained, punished or subjected to any other restriction of his or her personal liberty in the territory of the State to which that person is transferred in respect of acts, omissions or convictions prior to his or her departure from the territory of the State from which he or she was transferred. 13. Each State Party shall designate a central authority that shall have the responsibility and power to receive requests for mutual legal assistance and either to execute them or to transmit them to the competent authorities for execution. Where a State Party has a special region or territory with a separate system of mutual legal assistance, it may designate a distinct central authority that shall have the same function for that region or territory. Central authorities shall ensure the speedy and proper execution or transmission of the requests received. Where the central authority transmits the request to a competent authority for execution, it shall encourage the speedy and proper execution of the request by the competent authority. The SecretaryGeneral of the United Nations shall be notified of the central authority designated for this purpose at the time each State Party deposits its instrument of ratification, acceptance or approval of or accession to this Convention. Requests for mutual legal assistance and any communication related thereto shall be transmitted to the central authorities designated by the States Parties. This requirement shall be without prejudice to the right of a State Party to require that such requests and communications be addressed to it through diplomatic channels and, in urgent circumstances, where the States Parties agree, through the International Criminal Police Organization, if possible.

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14. Requests shall be made in writing or, where possible, by any means capable of producing a written record, in a language acceptable to the requested State Party, under conditions allowing that State Party to establish authenticity. The Secretary-General of the United Nations shall be notified of the language or languages acceptable to each State Party at the time it deposits its instrument of ratification, acceptance or approval of or accession to this Convention. In urgent circumstances and where agreed by the States Parties, requests may be made orally, but shall be confirmed in writing forthwith. 15. A request for mutual legal assistance shall contain: (a) The identity of the authority making the request; (b) The subject m atter and nature o f the investigation, prosecution or judicial proceeding to which the request relates and the name and functions of the authority conducting the investigation, prosecution or judicial proceeding; (c) A summary of the relevant facts, except in relation to requests for the purpose of service of judicial documents; (d) A description of the assistance sought and details of any particular procedure that the requesting State Party wishes to be followed; (e) Where possible, the identity, location and nationality of any person concerned; and (f) The purpose for which the evidence, information or action is sought. 16. The requested State Party may request additional information when it appears necessary for the execution of the request in accordance with its domestic law or when it can facilitate such execution. 17. A request shall be executed in accordance with the domestic law of the requested State Party and, to the extent not contrary to the domestic law of the requested State Party and where possible, in accordance with the procedures specified in the request. 18. W herever possible and consistent w ith fundam ental principles of domestic law, when an individual is in the territory of a

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State Party and has to be heard as a witness or expert by the judicial authorities of another State Party, the first State Party may, at the request of the other, permit the hearing to take place by video conference if it is not possible or desirable for the individual in question to appear in person in the territory of the requesting State Party. States Parties may agree that the hearing shall be conducted by a judicial authority of the requesting State Party and attended by a judicial authority of the requested State Party. 19. The requesting State Party shall not transm it or use information or evidence furnished by the requested State Party for investigations, prosecutions or judicial proceedings other than those stated in the request without the prior consent of the requested State Party. Nothing in this paragraph shall prevent the requesting State Party from disclosing in its proceedings information or evidence that is exculpatory to an accused person. In the latter case, the requesting State Party shall notify the requested State Party prior to the disclosure and, if so requested, consult with the requested State Party. If, in an exceptional case, advance notice is not possible, the requesting State Party shall inform the requested State Party of the disclosure without delay. 20. The requesting State Party may require that the requested State Party keep confidential the fact and substance of the request, except to the extent necessary to execute the request. If the requested State Party cannot comply with the requirement of confidentiality, it shall promptly inform the requesting State Party. 21. Mutual legal assistance may be refused: (a) If the request is not made in conformity with the provisions of this article; (b) If the requested State Party considers that execution of the request is likely to prejudice its sovereignty, security, public order or other essential interests; (c) If the authorities of the requested State Party would be prohibited by its domestic law from carrying out the action requested with regard to any similar offence, had it been subject to investigation, prosecution or judicial proceedings under their own jurisdiction;

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(d) If it would be contrary to the legal system of the requested State Party relating to mutual legal assistance for the request to be granted. 22. States Parties may not refuse a request for mutual legal assistance on the sole ground that the offence is also considered to involve fiscal matters. 23. Reasons shall be given for any refusal of mutual legal assistance. 24. The requested State Party shall execute the request for mutual legal assistance as soon as possible and shall take as full account as possible of any deadlines suggested by the requesting State Party and for which reasons are given, preferably in the request. The requested State Party shall respond to reasonable requests by the requesting State Party on progress of its handling of the request. The requesting State Party shall promptly inform the requested State Party when the assistance sought is no longer required. 25. Mutual legal assistance may be postponed by the requested State Party on the ground that it interferes with an ongoing investigation, prosecution or judicial proceeding. 26. Before refusing a request pursuant to paragraph 21 of this article or postponing its execution pursuant to paragraph 25 of this article, the requested State Party shall consult with the requesting State Party to consider whether assistance may be granted subject to such terms and conditions as it deems necessary. If the requesting State Party accepts assistance subject to those conditions, it shall comply with the conditions. 27. Without prejudice to the application of paragraph 12 of this article, a witness, expert or other person who, at the request of the requesting State Party, consents to give evidence in a proceeding or to assist in an investigation, prosecution or judicial proceeding in the territory of the requesting State Party shall not be prosecuted, detained, punished or subjected to any other restriction of his or her personal liberty in that territory in respect of acts, omissions or convictions prior to his or her departure from the territory of the requested State Party. Such safe conduct shall cease when the witness, expert or other person having had, for a period of fifteen consecutive days or for any

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period agreed upon by the States Parties from the date on which he or she has been officially informed that his or her presence is no longer required by the judicial authorities, an opportunity of leaving, has nevertheless remained voluntarily in the territory of the requesting State Party or, having left it, has returned of his or her own free will. 28. The ordinary costs of executing a request shall be borne by the requested State Party, unless otherwise agreed by the States Parties concerned. If expenses of a substantial or extraordinary nature are or will be required to fulfill the request, the States Parties shall consult to determine the terms and conditions under which the request will be executed, as well as the manner in which the costs shall be borne. 29. The requested State Party: (a) Shall provide to the requesting State Party copies of government records, documents or information in its possession that under its domestic law are available to the general public; (b) May, at its discretion, provide to the requesting State Party in whole, in part or subject to such conditions as it deems appropriate, copies of any government records, documents or information in its possession that under its domestic law are not available to the general public. 30. States Parties shall consider, as may be necessary, the possibility of concluding bilateral or multilateral agreements or arrangements that would serve the purposes of, give practical effect to or enhance the provisions of this article. Article 19 Joint investigations States Parties shall consider concluding bilateral or multilateral agreements or arrangements whereby, in relation to matters that are the subject of investigations, prosecutions or judicial proceedings in one or more States, the competent authorities concerned may establish joint investigative bodies. In the absence of such agreements or arrangements, joint investigations may be undertaken by agreement on a case-by-case basis. The States Parties involved shall ensure that the sovereignty of the State Party in whose territory such investigation is to take place is fully respected.

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Article 20 Special investigative techniques 1. If permitted by the basic principles of its domestic legal system, each State Party shall, within its possibilities and under the conditions prescribed by its domestic law, take the necessary measures to allow for the appropriate use of controlled delivery and, where it deem s appropriate, for the use of other special investigative techniques, such as electronic or other forms of surveillance and undercover operations, by its competent authorities in its territory for the purpose of effectively combating organized crime. 2. For the purpose of investigating the offences covered by this Convention, States Parties are encouraged to conclude, when necessary, appropriate bilateral or m ultilateral agreem ents or arrangements for using such special investigative techniques in the context of cooperation at the international level. Such agreements or arrangements shall be concluded and implemented in full compliance with the principle of sovereign equality of States and shall be carried out strictly in accordance with the terms of those agreements or arrangements. 3. In the absence of an agreement or arrangement as set forth in paragraph 2 of this article, decisions to use such special investigative techniques at the international level shall be made on a case-by-case basis and may, when necessary, take into consideration financial arrangements and understandings with respect to the exercise of jurisdiction by the States Parties concerned. 4. Decisions to use controlled delivery at the international level may, with the consent of the States Parties concerned, include methods such as intercepting and allowing the goods to continue intact or be removed or replaced in whole or in part. Article 21 Transfer o f criminal proceedings States Parties shall consider the possibility of transferring to one another proceedings for the prosecution of an offence covered

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by this Convention in cases where such transfer is considered to be in the interests of the proper administration of justice, in particular in cases where several jurisdictions are involved, with a view to concentrating the prosecution. Article 22 Establishment o f criminal record Each State Party may adopt such legislative or other measures as may be necessary to take into consideration, under such terms as and for the purpose that it deems appropriate, any previous conviction in another State of an alleged offender for the purpose of using such information in criminal proceedings relating to an offence covered by this Convention. Article 23 Criminalization o f obstruction o f justice Each State Party shall adopt such legislative and other measures as may be necessary to establish as criminal offences, when committed intentionally: (a) The use of physical force, threats or intimidation or the promise, offering or giving of an undue advantage to induce false testimony or to interfere in the giving of testimony or the production of evidence in a proceeding in relation to the commission of offences covered by this Convention; (b) The use of physical force, threats or intimidation to inter­ fere with the exercise of official duties by a justice or law enforcement official in relation to the commission of offences covered by this Convention. Nothing in this subparagraph shall prejudice the right of States Parties to have legislation that protects other categories of public officials. Article 24 Protection o f witnesses 1. Each State Party shall take appropriate measures within its means to provide effective protection from potential retaliation or

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intimidation for witnesses in criminal proceedings who give testimony concerning offences covered by this Convention and, as appropriate, for their relatives and other persons close to them. 2. The measures envisaged in paragraph 1 of this article may include, inter alia, without prejudice to the rights of the defendant, including the right to due process: (a) Establishing procedures for the physical protection of such persons, such as, to the extent necessary and feasible, relocating them and permitting, where appropriate, non-disclosure or limitations on the disclosure of information concerning the identity and whereabouts of such persons; (b) Providing evidentiary rules to permit witness testimony to be given in a manner that ensures the safety of the witness, such as permitting testimony to be given through the use of communications technology such as video links or other adequate means. 3. States Parties shall consider entering into agreements or arrangements with other States for the relocation of persons referred to in paragraph 1 of this article. 4. The provisions of this article shall also apply to victims insofar as they are witnesses. Article 25 Assistance to and protection o f victims 1. Each State Party shall take appropriate measures within its means to provide assistance and protection to victims of offences covered by this Convention, in particular in cases of threat of retaliation or intimidation. 2. Each State Party shall establish appropriate procedures to provide access to compensation and restitution for victims of offences covered by this Convention. 3. Each State Party shall, subject to its domestic law, enable views and concerns of victims to be presented and considered at appropriate stages of criminal proceedings against offenders in a manner not prejudicial to the rights of the defence.

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Article 26 Measures to enhance cooperation with law enforcement authorities 1. Each State Party shall take appropriate measures to encourage persons who participate or who have participated in organized crimi­ nal groups: (a) To supply information useful to competent authorities for investigative and evidentiary purposes on such matters as: (i) The identity, nature, composition, structure, location or activities of organized criminal groups; (ii) Links, including international links, with other organized criminal groups; (iii) Offences that organized criminal groups have committed or may commit; (b) To provide factual, concrete help to competent authorities that may contribute to depriving organized criminal groups of their resources or of the proceeds of crime. 2. Each State Party shall consider providing for the possibility, in appropriate cases, of mitigating punishment of an accused person who provides substantial cooperation in the investigation or prosecution of an offence covered by this Convention. 3. Each State Party shall consider providing for the possibility, in accordance with fundamental principles of its domestic law, of granting immunity from prosecution to a person who provides substantial cooperation in the investigation or prosecution of an offence covered by this Convention. 4. Protection of such persons shall be as provided for in article 24 of this Convention. 5. Where a person referred to in paragraph 1 of this article located in one State Party can provide substantial cooperation to the competent authorities of another State Party, the States Parties concerned may consider entering into agreements or arrangements, in accordance with their domestic law, concerning the potential provision by the other State Party of the treatment set forth in paragraphs 2 and 3 of this article.

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Article 27 Law enforcement cooperation 1. States Parties shall cooperate closely with one another, consistent with their respective domestic legal and administrative systems, to enhance the effectiveness of law enforcement action to combat the offences covered by this Convention. Each State Party shall, in particular, adopt effective measures: (a) To enhance and, where necessary, to establish channels of communication between their competent authorities, agencies and services in order to facilitate the secure and rapid exchange of information concerning all aspects of the offences covered by this Convention, including, if the States Parties concerned deem it appropriate, links with other criminal activities; (b) To cooperate with other States Parties in conducting inquiries with respect to offences covered by this Convention concerning: (i) The identity, whereabouts and activities of persons suspected of involvement in such offences or the location of other persons concerned; (ii) The movement of proceeds of crime or property derived from the commission of such offences; (iii) The movement of property, equipment or other instrumen­ talities used or intended for use in the commission of such offences; (c) To provide, when appropriate, necessary items or quantities of substances for analytical or investigative purposes; (d) To facilitate effective coordination between their competent authorities, agencies and services and to promote the exchange of personnel and other experts, including, subject to bilateral agreements or arrangements between the States Parties concerned, the posting of liaison officers; (e) To exchange information with other States Parties on specific means and methods used by organized criminal groups, including, where applicable, routes and conveyances and the use of false identities, altered or false documents or other means of concealing their activities;

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(f) To exchange information and coordinate administrative and other m easures taken as appropriate for the purpose o f early identification of the offences covered by this Convention. 2. With a view to giving effect to this Convention, States Parties shall consider entering into b ilateral or m ultilateral agreements or arrangements on direct cooperation between their law en fo rcem en t ag en cies and, w here such ag reem en ts or arrangements already exist, amending them. In the absence of such agreements or arrangements between the States Parties concerned, the Parties may consider this Convention as the basis for mutual law enforcement cooperation in respect of the offences covered by this Convention. Whenever appropriate, States Parties shall make full use of agreements or arrangements, including international or regional organizations, to enhance the cooperation between their law enforcement agencies. 3. States Parties shall endeavour to cooperate within their means to respond to transnational organized crime committed through the use of modem technology. Article 28 Collection, exchange and analysis o f information on the nature o f organized crime 1. Each State Party shall consider analyzing, in consultation with the scientific and academic communities, trends in organized crime in its territory, the circumstances in which organized crime operates, as well as the professional groups and technologies involved. 2. States Parties shall consider developing and sharing analytical expertise concerning organized criminal activities with each other and through international and regional organizations. For that purpose, com m on definitions, standards and m ethodologies should be developed and applied as appropriate. 3. Each State Party shall consider monitoring its policies and actual measures to combat organized crime and making assessments of their effectiveness and efficiency.

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Article 29 Training and technical assistance 1. Each State Party shall, to the extent necessary, initiate, develop or improve specific training programmes for its law enforcement personnel, including prosecutors, investigating magistrates and customs personnel, and other personnel charged with the prevention, detection and control of the offences covered by this Convention. Such programmes may include secondments and exchanges of staff. Such programmes shall deal, in particular and to the extent permitted by domestic law, with the following: (a) Methods used in the prevention, detection and control of the offences covered by this Convention; (b) Routes and techniques used by persons suspected of involvement in offences covered by this Convention, including in transit States, and appropriate countermeasures; (c) Monitoring of the movement of contraband; (d) Detection and monitoring of the movements of proceeds of crime, property, equipment or other instrumentalities and methods used for the transfer, concealment or disguise of such proceeds, property, equipment or other instrumentalities, as well as methods used in combating money-laundering and other financial crimes; (e) Collection of evidence; (f) Control techniques in free trade zones and free ports; (g) M odern law enforcem ent equipm ent and techniques, including electronic surveillance, controlled deliveries and undercover operations; (h) Methods used in combating transnational organized crime committed through the use o f com puters, telecom m unications networks or other forms of modem technology; and (i) Methods used in the protection of victims and witnesses. 2. States Parties shall assist one another in planning and implementing research and training programmes designed to share expertise in the areas referred to in paragraph 1 of this article and to that end shall also, when appropriate, use regional and international

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conferences and seminars to promote cooperation and to stimulate discussion on problems of mutual concern, including the special problems and needs of transit States. 3. States Parties shall promote training and technical assistance that will facilitate extradition and mutual legal assistance. Such training and technical assistance may include language training, secondments and exchanges between personnel in central authorities or agencies with relevant responsibilities. 4. In the case of existing bilateral and multilateral agreements or arrangem ents, States Parties shall strengthen, to the extent necessary, efforts to maximize operational and training activities within international and regional organizations and within other relevant bilateral and multilateral agreements or arrangements. Article 30 Other measures: implementation o f the Convention through economic development and technical assistance 1. States Parties shall take measures conducive to the optimal implementation of this Convention to the extent possible, through international cooperation, taking into account the negative effects of organized crime on society in general, in particular on sustainable development. 2. States Parties shall make concrete efforts to the extent possible and in coordination with each other, as well as with international and regional organizations: (a) To enhance their cooperation at various levels with developing countries, with a view to strengthening the capacity of the latter to prevent and combat transnational organized crime; (b) To enhance financial and material assistance to support the efforts o f developing countries to fight transnational organized crime effectively and to help them implement this Convention successfully; (c) To provide technical assistance to developing countries and countries with economies in transition to assist them in meeting their needs for the implementation of this Convention. To that end, States

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Parties shall endeavour to make adequate and regular voluntary contributions to an account specifically designated for that purpose in a United Nations funding mechanism. States Parties may also give special consideration, in accordance with their domestic law and the provisions of this Convention, to contributing to the aforementioned account a percentage of the money or of the corresponding value of proceeds of crime or property confiscated in accordance with the provisions of this Convention; (d) To encourage and persuade other States and financial institutions as appropriate to join them in efforts in accordance with this article, in particular by providing more training programmes and modem equipment to developing countries in order to assist them in achieving the objectives of this Convention. 3. To the extent possible, these measures shall be without prejudice to existing foreign assistance commitments or to other financial cooperation arrangements at the bilateral, regional or international level. 4. States Parties may conclude bilateral or m ultilateral agreements or arrangements on material and logistical assistance, taking into consideration the financial arrangements necessary for the means of international cooperation provided for by this Convention to be effective and for the prevention, detection and control of transnational organized crime. Article 31 Prevention 1. States Parties shall endeavour to develop and evaluate national projects and to establish and promote best practices and policies aimed at the prevention of transnational organized crime. 2. States Parties shall endeavour, in accordance with fundamental principles of their dom estic law, to reduce existing or future opportunities for organized criminal groups to participate in lawful markets with proceeds of crime, through appropriate legislative, administrative or other measures. These measures should focus on:

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(a) The strengthening of cooperation between law enforcement agencies or prosecutors and relevant private entities, including industry; (b) The prom otion o f the developm ent o f standards and procedures designed to safeguard the integrity of public and relevant private entities, as well as codes of conduct for relevant professions, in particular lawyers, notaries public, tax consultants and accountants; (c) The prevention of the misuse by organized criminal groups of tender procedures conducted by public authorities and of subsidies and licences granted by public authorities for commercial activity; (d) The prevention of the misuse of legal persons by organized criminal groups; such measures could include: (i) The establishment of public records on legal and natural persons involved in the establishment, management and funding of legal persons; (ii) The introduction of the possibility of disqualifying by court order or any appropriate means for a reasonable period of time persons convicted of offences covered by this Convention from acting as directors of legal persons incorporated within their jurisdiction; (iii) The establishment of national records of persons disqualified from acting as directors of legal persons; and (iv) The exchange of information contained in the records referred to in subparagraphs (d) (i) and (iii) of this paragraph with the competent authorities of other States Parties. 3. States Parties shall endeavour to promote the reintegration into society o f persons convicted o f offences covered by this Convention. 4. States Parties shall endeavour to evaluate periodically existing relevant legal instruments and administrative practices with a view to detecting their vulnerability to misuse by organized criminal groups. 5. States Parties shall endeavour to promote public awareness regarding the existence, causes and gravity of and the threat posed by transnational organized crime. Information may be disseminated where appropriate through the mass media and shall include measures

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to promote public participation in preventing and combating such crime. 6. Each State Party shall inform the Secretary-General of the United Nations of the name and address of the authority or authorities that can assist other States Parties in developing measures to prevent transnational organized crime. 7. States Parties shall, as appropriate, collaborate with each other and relevant international and regional organizations in promoting and developing the measures referred to in this article. This includes participation in international projects aimed at the prevention of transnational organized crime, for exam ple by alleviating the circumstances that render socially marginalized groups vulnerable to the action of transnational organized crime. Article 32 Conference o f the Parties to the Convention 1. A Conference of the Parties to the Convention is hereby established to improve the capacity of States Parties to combat transnational organized crim e and to prom ote and review the implementation of this Convention. 2. The Secretary-General of the United Nations shall convene the Conference of the Parties not later than one year following the entry into force of this Convention. The Conference of the Parties shall adopt rules of procedure and rules governing the activities set forth in paragraphs 3 and 4 of this article (including rules concerning payment of expenses incurred in carrying out those activities). 3. The Conference of the Parties shall agree upon mechanisms for achieving the objectives mentioned in paragraph 1 of this article, including: (a) Facilitating activities by States Parties under articles 29, 30 and 31 of this Convention, including by encouraging the mobilization of voluntary contributions; (b) Facilitating the exchange of information among States Parties on patterns and trends in transnational organized crime and on successful practices for combating it;

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(c) C ooperating with relevant international and regional organizations and non-governmental organizations; (d) R eview ing p erio d ically the im plem entation o f this Convention; (e) Making recommendations to improve this Convention and its implementation. 4. For the purpose of paragraphs 3 (d) and (e) of this article, the Conference of the Parties shall acquire the necessary knowledge of the m easures taken by States Parties in im plem enting this Convention and the difficulties encountered by them in doing so th ro u g h in fo rm a tio n p ro v id ed by them and th ro u g h such supplemental review mechanisms as may be established by the Conference of the Parties. 5. Each State Party shall provide the Conference of the Parties with information on its programmes, plans and practices, as well as legislative and administrative measures to implement this Convention, as required by the Conference of the Parties. Article 33 Secretariat 1. The Secretary-General of the United Nations shall provide the necessary secretariat services to the Conference of the Parties to the Convention. 2. The secretariat shall: (a) Assist the Conference of the Parties in carrying out the activities set forth in article 32 o f this Convention and make arrangements and provide the necessary services for the sessions of the Conference of the Parties; (b) Upon request, assist States Parties in providing information to the Conference of the Parties as envisaged in article 32, paragraph 5, of this Convention; and (c) Ensure the necessary coordination with the secretariats of relevant international and regional organizations.

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Article 34 Implementation o f the Convention 1. Each State Party shall take the necessary measures, including legislative and administrative measures, in accordance with funda­ mental principles of its domestic law, to ensure the implementation of its obligations under this Convention. 2. The offences established in accordance with articles 5, 6, 8 and 23 of this Convention shall be established in the domestic law of each State Party independently of the transnational nature or the involvement of an organized criminal group as described in article 3, paragraph 1, of this Convention, except to the extent that article 5 of this Convention would require the involvement of an organized crimi­ nal group. 3. Each State Party may adopt more strict or severe measures than those provided for by this Convention for preventing and combating transnational organized crime. Article 35 Settlement o f disputes 1. States Parties shall endeavour to settle disputes concerning the interpretation or application of this Convention through negotiation. 2. Any dispute between two or more States Parties concerning the interpretation or application of this Convention that cannot be settled through negotiation within a reasonable time shall, at the request of one of those States Parties, be submitted to arbitration. If, 6 (six) months after the date of the request for arbitration, those States Parties are unable to agree on the organization of the arbitration, any one of those States Parties may refer the dispute to the International Court of Justice by request in accordance with the Statute of the Court. 3. Each State Party may, at the time of signature, ratification, acceptance or approval of or accession to this Convention, declare that it does not consider itself bound by paragraph 2 of this article. The other States Parties shall not be bound by paragraph 2 of this article with respect to any State Party that has made such a reservation.

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4. Any State Party that has made a reservation in accordance with paragraph 3 of this article may at any time withdraw that reservation by notification to the Secretary-General of the United Nations. Article 36 Signature, ratification, acceptance, approval and accession 1. This Convention shall be open to all States for signature from 12 to 15 December 2000 in Palermo, Italy, and thereafter at United Nations Headquarters in New York until 12 December 2002. 2. This Convention shall also be open for signature by regional economic integration organizations provided that at least one member State of such organization has signed this Convention in accordance with paragraph 1 of this article. 3. This Convention is subject to ratification, acceptance or approval. Instruments of ratification, acceptance or approval shall be deposited with the Secretary-General of the United Nations. A regional economic integration organization may deposit its instrument of ratification, acceptance or approval if at least one of its member States has done likewise. In that instrument of ratification, acceptance or approval, such organization shall declare the extent of its competence with respect to the matters governed by this Convention. Such organization shall also inform the depositary o f any relevant modification in the extent of its competence. 4. This Convention is open for accession by any State or any regional economic integration organization of which at least one member State is a Party to this Convention. Instruments of accession shall be deposited with the Secretary-General of the United Nations. At the time of its accession, a regional economic integration or­ ganization shall declare the extent of its competence with respect to matters governed by this Convention. Such organization shall also inform the depositary of any relevant modification in the extent of its competence.

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Article 37 Relation with protocols 1. This Convention may be supplemented by one or more protocols. 2. In order to become a Party to a protocol, a State or a regional economic integration organization must also be a Party to this Convention. 3. A State Party to this Convention is not bound by a protocol unless it becomes a Party to the protocol in accordance with the provisions thereof. 4. Any protocol to this Convention shall be interpreted together with this Convention, taking into account the purpose of that protocol. Article 38 Entry into force 1. This Convention shall enter into force on the ninetieth day after the date of deposit of the fortieth instrument of ratification, acceptance, approval or accession. For the purpose of this paragraph, any instrum ent deposited by a regional econom ic integration organization shall not be counted as additional to those deposited by member States of such organization. 2. For each State or regional economic integration organization ratifying, accepting, approving or acceding to this Convention after the deposit of the fortieth instrument of such action, this Convention shall enter into force on the thirtieth day after the date of deposit by such State or organization of the relevant instrument. Article 39 Amendment 1. After the expiry of 5 (five) years from the entry into force of this Convention, a State Party may propose an amendment and file it with the Secretary-General of the United Nations, who shall thereupon communicate the proposed amendment to the States Parties and to the Conference of the Parties to the Convention for the purpose of

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considering and deciding on the proposal. The Conference of the Parties shall make every effort to achieve consensus on each amendment. If all efforts at consensus have been exhausted and no agreement has been reached, the amendment shall, as a last resort, require for its adoption a two-thirds majority vote of the States Parties present and voting at the meeting of the Conference of the Parties. 2. Regional economic integration organizations, in matters within their competence, shall exercise their right to vote under this article with a number of votes equal to the number of their member States that are Parties to this Convention. Such organizations shall not exercise their right to vote if their member States exercise theirs and vice versa. 3. An amendment adopted in accordance with paragraph 1 of this article is subject to ratification, acceptance or approval by States Parties. 4. An amendment adopted in accordance with paragraph 1 of this article shall enter into force in respect of a State Party 90 (ninety) days after the date of the deposit with the Secretary-General of the United Nations of an instrument of ratification, acceptance or approval of such amendment. 5. When an amendment enters into force, it shall be binding on those States Parties which have expressed their consent to be bound by it. Other States Parties shall still be bound by the provisions of this Convention and any earlier amendments that they have ratified, accepted or approved. Article 40 Denunciation 1. A State Party may denounce this Convention by written notification to the Secretary-General of the United Nations. Such denunciation shall become effective 1 (one) year after the date of receipt of the notification by the Secretary-General. 2. A regional economic integration organization shall cease to be a Party to this Convention when all of its member States have denounced it.

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3. Denunciation of this Convention in accordance with paragraph 1 of this article shall entail the denunciation of any protocols thereto. Article 41 Depositary and languages 1. The Secretary-General of the United Nations is designated depositary of this Convention. 2. The original of this Convention, of which the Arabic, Chinese, English, French, Russian and Spanish texts are equally authentic, shall be deposited with the Secretary-General of the United Nations. IN WITNESS WHEREOF, the undersigned plenipotentiaries, being duly authorized thereto by their respective Governments, have signed this Convention.

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PR O T O C O L TO PR EV EN T, SU PPR E SS A N D PU N ISH T R A F F IC K IN G IN P E R SO N S, ESPEC IA LLY W O M E N A N D C H IL D R E N , SU P PL E M E N T IN G TH E U N IT E D N A TIO N S C O N V E N T IO N A G A IN S T T R A N SN A T IO N A L O R G A N IZ E D C R IM E U N IT E D N A T IO N S — 2000 Pream ble The States Parties to this Protocol, Declaring that effective action to prevent and combat trafficking in persons, especially women and children, requires a comprehensive international approach in the countries of origin, transit and destination that includes measures to prevent such trafficking, to punish the traffickers and to protect the victims of such trafficking, including by protecting their internationally recognized human rights, Taking into account the fact that, despite the existence of a variety of international instruments containing rules and practical measures to combat the exploitation of persons, especially women and children, there is no universal instrument that addresses all aspects of trafficking in persons, Concerned that, in the absence of such an instrument, persons who are vulnerable to trafficking will not be sufficiently protected, Recalling General Assembly Resolution 53/111 of 9 December 1998, in which the Assembly decided to establish an open-ended intergovernmental ad hoc committee for the purpose of elaborating a comprehensive international convention against transnational organized crime and of discussing the elaboration of, inter alia, an international instrument addressing trafficking in women and children, Convinced that supplementing the United Nations Convention against Transnational O rganized Crim e with an international instrum ent for the prevention, suppression and punishm ent of

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trafficking in persons, especially women and children, will be useful in preventing and combating that crime, Have agreed as follows: I. G eneral provisions Article 1 Relation with the United Nations Convention against Transnational Organized Crime 1. This Protocol supplements the United Nations Convention against Transnational Organized Crime. It shall be interpreted together with the Convention. 2. The provisions of the Convention shall apply, mutatis mutandis, to this Protocol unless otherwise provided herein. 3. The offences established in accordance with article 5 of this Protocol shall be regarded as offences established in accordance with the Convention. Article 2 Statement o f purpose The purposes of this Protocol are: (a) To prevent and combat trafficking in persons, paying parti­ cular attention to women and children; (b) To protect and assist the victims of such trafficking, with full respect for their human rights; and (c) To promote cooperation among States Parties in order to meet those objectives. Article 3 Use o f terms For the purposes of this Protocol: (a) “Trafficking in persons” shall mean the recruitm ent, transportation, transfer, harbouring or receipt of persons, by means

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of the threat or use of force or other forms of coercion, of abduction, of fraud, of deception, of the abuse of power or of a position of vulnerability or of the giving or receiving of payments or benefits to achieve the consent of a person having control over another person, for the purpose o f exploitation. Exploitation shall include, at a minimum, the exploitation of the prostitution of others or other forms of sexual exploitation, forced labour or services, slavery or practices similar to slavery, servitude or the removal of organs; (b) The consent of a victim of trafficking in persons to the intended exploitation set forth in subparagraph (a) of this article shall be irrelevant where any of the means set forth in subparagraph (a) have been used; (c) The recruitment, transportation, transfer, harbouring or receipt of a child for the purpose of exploitation shall be considered “trafficking in persons” even if this does not involve any of the means set forth in subparagraph (a) of this article; (d) “Child” shall mean any person under 18 (eighteen) years of age. Article 4 Scope o f application This Protocol shall apply, except as otherwise stated herein, to the prevention, investigation and prosecution of the offences established in accordance with article 5 of this Protocol, where those offences are transnational in nature and involve an organized crimi­ nal group, as well as to the protection of victims of such offences. Article 5 Criminalization 1. Each State Party shall adopt such legislative and other measures as may be necessary to establish as criminal offences the conduct set forth in article 3 of this Protocol, when committed intentionally. 2. Each State Party shall also adopt such legislative and other measures as may be necessary to establish as criminal offences:

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(a) Subject to the basic concepts of its legal system, attempting to commit an offence established in accordance with paragraph 1 of this article; (b) Participating as an accomplice in an offence established in accordance with paragraph 1 of this article; and (c) Organizing or directing other persons to commit an offence established in accordance with paragraph 1 of this article. II. Protection o f victim s o f trafficking in persons Article 6 Assistance to and protection o f victims o f trafficking in persons 1. In appropriate cases and to the extent possible under its domestic law, each State Party shall protect the privacy and identity of victims of trafficking in persons, including, inter alia, by making legal proceedings relating to such trafficking confidential. 2. Each State Party shall ensure that its domestic legal or administrative system contains measures that provide to victims of trafficking in persons, in appropriate cases: (a) Information on relevant court and administrative proceedings; (b) Assistance to enable their views and concerns to be presented and considered at appropriate stages of criminal proceedings against offenders, in a manner not prejudicial to the rights of the defence. 3. Each State Party shall consider implementing measures to provide for the physical, psychological and social recovery of victims o f trafficking in persons, including, in appropriate cases, in cooperation with non-governmental organizations, other relevant organizations and other elements of civil society, and, in particular, the provision of: (a) Appropriate housing; (b) Counselling and information, in particular as regards their legal rights, in a language that the victims of trafficking in persons can understand; (c) Medical, psychological and material assistance; and

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(d) Employment, educational and training opportunities. 4. Each State Party shall take into account, in applying the provisions of this article, the age, gender and special needs of victims of trafficking in persons, in particular the special needs of children, including appropriate housing, education and care. 5. Each State Party shall endeavour to provide for the physical safety of victims of trafficking in persons while they are within its territory. 6. Each State Party shall ensure that its domestic legal system contains measures that offer victims of trafficking in persons the possibility of obtaining compensation for damage suffered. Article 7 Status o f victims o f trafficking in persons in receiving States 1. In addition to taking measures pursuant to article 6 of this Protocol, each State Party shall consider adopting legislative or other appropriate measures that permit victims of trafficking in persons to remain in its territory, temporarily or permanently, in appropriate cases. 2. In implementing the provision contained in paragraph 1 of this article, each State Party shall give appropriate consideration to humanitarian and compassionate factors. Article 8 Repatriation o f victims o f trafficking in persons 1. The State Party of which a victim of trafficking in persons is a national or in which the person had the right of permanent residence at the time of entry into the territory of the receiving State Party shall facilitate and accept, with due regard for the safety of that person, the return of that person without undue or unreasonable delay. 2. When a State Party returns a victim of trafficking in persons to a State Party of which that person is a national or in which he or she had, at the time of entry into the territory of the receiving State Party, the right of permanent residence, such return shall be with due

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regard for the safety of that person and for the status of any legal proceedings related to the fact that the person is a victim of trafficking and shall preferably be voluntary. 3. At the request of a receiving State Party, a requested State Party shall, without undue or unreasonable delay, verify whether a person who is a victim of trafficking in persons is its national or had the right of permanent residence in its territory at the time of entry into the territory of the receiving State Party. 4. In order to facilitate the return of a victim of trafficking in persons who is without proper documentation, the State Party of which that person is a national or in which he or she had the right of permanent residence at the time of entry into the territory of the receiving State Party shall agree to issue, at the request of the receiving State Party, such travel documents or other authorization as may be necessary to enable the person to travel to and re-enter its territory. 5. This article shall be without prejudice to any right afforded to victims of trafficking in persons by any domestic law of the receiving State Party. 6. This article shall be without prejudice to any applicable bila­ teral or multilateral agreement or arrangement that governs, in whole or in part, the return of victims of trafficking in persons. III. Prevention, cooperation and other m easures Article 9 Prevention o f trafficking in persons 1. States Parties shall establish com prehensive policies, programmes and other measures: (a) To prevent and combat trafficking in persons; and (b) To protect victims of trafficking in persons, especially women and children, from revictimization. 2. States Parties shall endeavour to undertake measures such as research, information and mass media campaigns and social and economic initiatives to prevent and combat trafficking in persons.

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3. Policies, programmes and other measures established in accordance with this article shall, as appropriate, include cooperation with non-governmental organizations, other relevant organizations and other elements of civil society. 4. States Parties shall take or strengthen measures, including through bilateral or multilateral cooperation, to alleviate the factors that make persons, especially women and children, vulnerable to trafficking, such as poverty, underdevelopment and lack of equal opportunity. 5. States Parties shall adopt or strengthen legislative or other measures, such as educational, social or cultural measures, including through bilateral and multilateral cooperation, to discourage the demand that fosters all forms of exploitation of persons, especially women and children, that leads to trafficking. Article 10 Information exchange and training 1. Law enforcement, immigration or other relevant authorities of States Parties shall, as appropriate, cooperate with one another by exchanging information, in accordance with their domestic law, to enable them to determine: (a) Whether individuals crossing or attempting to cross an international border with travel documents belonging to other persons or without travel documents are perpetrators or victims of trafficking in persons; (b) The types of travel document that individuals have used or attempted to use to cross an international border for the purpose of trafficking in persons; and (c) The means and methods used by organized criminal groups for the purpose of trafficking in persons, including the recruitment and transportation of victims, routes and links between and among individuals and groups engaged in such trafficking, and possible measures for detecting them. 2. States Parties shall provide or strengthen training for law enforcem ent, im m igration and other relevant officials in the

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prevention of trafficking in persons. The training should focus on m ethods used in preventing such trafficking, prosecuting the traffickers and protecting the rights of the victims, including protecting the victims from the traffickers. The training should also take into account the need to consider human rights and child- and gendersensitive issues and it should encourage cooperation with non­ governmental organizations, other relevant organizations and other elements of civil society. 3. A State Party that receives information shall comply with any request by the State Party that transmitted the information that places restrictions on its use. Article 11 Border measures 1. Without prejudice to international commitments in relation to the free movement of people, States Parties shall strengthen, to the extent possible, such border controls as may be necessary to prevent and detect trafficking in persons. 2. Each State Party shall adopt legislative or other appropriate measures to prevent, to the extent possible, means o f transport operated by commercial carriers from being used in the commission of offences established in accordance with article 5 of this Protocol. 3. Where appropriate, and without prejudice to applicable international conventions, such measures shall include establishing the obligation of commercial carriers, including any transportation company or the owner or operator of any means of transport, to ascertain that all passengers are in possession of the travel documents required for entry into the receiving State. 4. Each State Party shall take the necessary measures, in accordance with its domestic law, to provide for sanctions in cases of violation of the obligation set forth in paragraph 3 of this article. 5. Each State Party shall consider taking measures that permit, in accordance with its domestic law, the denial of entry or revocation o f visas o f persons im plicated in the com m ission o f offences established in accordance with this Protocol.

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6. Without prejudice to article 27 of the Convention, States Parties shall consider strengthening cooperation among border control agencies by, inter alia, establishing and maintaining direct channels of communication. Article 12 Security and control o f documents Each State Party shall take such measures as may be necessary, within available means: (a) To ensure that travel or identity documents issued by it are of such quality that they cannot easily be misused and cannot readily be falsified or unlawfully altered, replicated or issued; and (b)To ensure the integrity and security of travel or identity documents issued by or on behalf of the State Party and to prevent their unlawful creation, issuance and use. Article 13 Legitimacy and validity o f documents At the request of another State Party, a State Party shall, in accordance with its domestic law, verify within a reasonable time the legitimacy and validity of travel or identity documents issued or purported to have been issued in its name and suspected of being used for trafficking in persons. IV. Final provisions Article 14 Saving clause 1. Nothing in this Protocol shall affect the rights, obligations and responsibilities of States and individuals under international law, including international humanitarian law and international human rights law and, in particular, where applicable, the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees and the principle of non-refoulement as contained therein.

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2. The measures set forth in this Protocol shall be interpreted and applied in a way that is not discriminatory to persons on the ground that they are victim s o f trafficking in persons. The interpretation and application of those measures shall be consistent with internationally recognized principles of non-discrimination. Article 15 Settlement o f disputes 1. States Parties shall endeavour to settle disputes concerning the interpretation or application of this Protocol through negotiation. 2. Any dispute between two or more States Parties concerning the interpretation or application of this Protocol that cannot be settled through negotiation within a reasonable time shall, at the request of one of those States Parties, be submitted to arbitration. If, 6 (six) months after the date of the request for arbitration, those States Parties are unable to agree on the organization of the arbitration, any one of those States Parties may refer the dispute to the International Court of Justice by request in accordance with the Statute of the Court. 3. Each State Party may, at the time of signature, ratification, acceptance or approval of or accession to this Protocol, declare that it does not consider itself bound by paragraph 2 of this article. The other States Parties shall not be bound by paragraph 2 of this article with respect to any State Party that has made such a reservation. 4. Any State Party that has made a reservation in accordance with paragraph 3 of this article may at any time withdraw that reservation by notification to the Secretary-General of the United Nations. Article 16 Signature, ratification, acceptance, approval and accession 1. This Protocol shall be open to all States for signature from 12 to 15 December 2000 in Palermo, Italy, and thereafter at United Nations Headquarters in New York until 12 December 2002. 2. This Protocol shall also be open for signature by regional economic integration organizations provided that at least one member State of such organization has signed this Protocol in accordance with paragraph 1 of this article.

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3. This Protocol is subject to ratification, acceptance or approval. Instruments of ratification, acceptance or approval shall be deposited with the Secretary-G eneral of the United Nations. A regional economic integration organization may deposit its instrument of ratification, acceptance or approval if at least one of its member States has done likewise. In that instrument of ratification, acceptance or approval, such organization shall declare the extent of its competence with respect to the m atters governed by this Protocol. Such organization shall also inform the depositary o f any relevant modification in the extent of its competence. 4. This Protocol is open for accession by any State or any re­ gional economic integration organization of which at least one member State is a Party to this Protocol. Instruments of accession shall be deposited with the Secretary-General of the United Nations. At the time of its accession, a regional economic integration organiza­ tion shall declare the extent of its competence with respect to matters governed by this Protocol. Such organization shall also inform the depositary of any relevant modification in the extent of its competence. Article 17 Entry into force 1. This Protocol shall enter into force on the ninetieth day after the date of deposit of the fortieth instrument of ratification, acceptance, approval or accession, except that it shall not enter into force before the entry into force of the Convention. For the purpose of this paragraph, any instrum ent deposited by a regional econom ic integration organization shall not be counted as additional to those deposited by member States of such organization. 2. For each State or regional economic integration organization ratifying, accepting, approving or acceding to this Protocol after the deposit of the fortieth instrument of such action, this Protocol shall enter into force on the thirtieth day after the date of deposit by such State or organization of the relevant instrument or on the date this Protocol enters into force pursuant to paragraph 1 of this article, whichever is the later.

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Article 18 Amendment 1. After the expiry of 5 (five) years from the entry into force of this Protocol, a State Party to the Protocol may propose an amendment and file it with the Secretary-General of the United N atio n s, w ho sh all th ereu p o n co m m u n icate the p ro p o sed amendment to the States Parties and to the Conference of the Parties to the Convention for the purpose of considering and deciding on the proposal. The States Parties to this Protocol meeting at the Conference of the Parties shall make every effort to achieve consensus on each amendment. If all efforts at consensus have been exhausted and no agreement has been reached, the amendment shall, as a last resort, require for its adoption a two-thirds majority vote of the States Parties to this Protocol present and voting at the meeting of the Conference of the Parties. 2. Regional economic integration organizations, in matters within their competence, shall exercise their right to vote under this article with a number of votes equal to the number of their member States that are Parties to this Protocol. Such organizations shall not exercise their right to vote if their member States exercise theirs and vice versa. 3. An amendment adopted in accordance with paragraph 1 of this article is subject to ratification, acceptance or approval by States Parties. 4. An amendment adopted in accordance with paragraph 1 of this article shall enter into force in respect of a State Party 90 (ninety) days after the date of the deposit with the Secretary-General of the United Nations of an instrument of ratification, acceptance or approval of such amendment. 5. When an amendment enters into force, it shall be binding on those States Parties which have expressed their consent to be bound by it. Other States Parties shall still be bound by the provisions of this Protocol and any earlier amendments that they have ratified, accepted or approved.

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Article 19 Denunciation 1. A State Party may denounce this Protocol by w ritten notification to the Secretary-General of the United Nations. Such denunciation shall become effective 1 (one) year after the date of receipt of the notification by the Secretary-General. 2. A regional economic integration organization shall cease to be a Party to this Protocol when all of its member States have denounced it. Article 20 Depositary and languages 1. The Secretary-General of the United Nations is designated depositary of this Protocol. 2. The original of this Protocol, of which the Arabic, Chinese, English, French, Russian and Spanish texts are equally authentic, shall be deposited with the Secretary-General of the United Nations. IN WITNESS WHEREOF, the undersigned plenipotentiaries, being duly authorized thereto by their respective Governments, have signed this Protocol.

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D E C R E T O N. 2.740, DE 20 DE A G O ST O DE 1998 Promulga a Convenção Interamericana sobre Tráfico In­ ternacional de Menores, assinada na Cidade do México em 18 de março de 1994. O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe con­ fere o art. 84, inciso VIII, da Constituição Federal, CONSIDERANDO que a Convenção Interamericana sobre Trá­ fico Internacional de Menores foi assinada na Cidade do México, em 18 de março de 1994; CONSIDERANDO que o ato multilateral em epígrafe foi opor­ tunamente submetido ao Congresso Nacional, que o aprovou por meio do Decreto Legislativo n. 105, de 30 de outubro de 1996; CONSIDERANDO que a Convenção em tela entrou em vigor internacional em 15 de agosto de 1997; CONSIDERANDO que o Govemo brasileiro depositou o Ins­ trumento de Ratificação da Convenção, em 8 de julho de 1997, pas­ sando a mesma a vigorar, para o Brasil, em 15 de agosto de 1997, na forma de seu artigo 33, DECRETA: A rt. 1.° A Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacio­ nal de Menores, assinada na Cidade do México, em 18 de março de 1994, apensa por cópia ao presente Decreto, deverá ser executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém. A rt. 2.° O presente Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 20 de agosto de 1998; 177.° da Independência e 110.° da República, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, Luiz Felipe Lampreia.

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C onvenção Interam ericana sobre Tráfico Internacional de M enores Os Estados-Partes nesta Convenção, Considerando a importância de assegurar proteção integral e efetiva ao menor, mediante a implementação de mecanismos ade­ quados que garantam o respeito aos seus direitos; Conscientes de que o tráfico internacional de menores constitui uma preocupação universal; Levando em conta o direito convencional em matéria de prote­ ção internacional do menor e, em especial, o disposto nos Artigos 11 e 35 da Convenção sobre os Direitos do Menor, adotada pela Assem­ bléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989; Convencidos da necessidade de regular os aspectos civis e pe­ nais do tráfico internacional de menores; e Reafirmando a importância da cooperação internacional no sen­ tido de proteger eficazmente os interesses superiores do menor, Convêm no seguinte: C

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I

DISPOSIÇÕES GERAIS Artigo 1 O objeto desta Convenção, com vistas à proteção dos direitos fundamentais e dos interesses superiores do menor, é a prevenção e sanção do tráfico internacional de menores, bem como a regulamen­ tação de seus aspectos civis e penais. Neste sentido, os Estados-Partes obrigam-se a: á) garantir a proteção do menor, levando em consideração os seus interesses superiores; b) instituir entre os Estados-Partes um sistema de cooperação jurídica que consagre a prevenção e a sanção do tráfico internacional de menores, bem como a adoção das disposições jurídicas e admi­ nistrativas sobre a referida matéria com essa finalidade;

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c) assegurar a pronta restituição do menor vítima do tráfico in­ ternacional ao Estado onde tem residência habitual, levando em con­ ta os interesses superiores do menor. Artigo 2 Esta Convenção aplicar-se-á a qualquer menor que resida habi­ tualmente em um Estado-Parte ou nele se encontre no momento em que ocorra um ato de tráfico internacional de menores que o afete. Para os efeitos desta Convenção, entende-se: d) por “menor”, todo ser humano menor de 18 anos de idade; b) por “tráfico internacional de menores”, a subtração, a trans­ ferência ou retenção, ou a tentativa de subtração, transferência ou retenção de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos; c) por “propósitos ilícitos”, entre outros, prostituição, explora­ ção sexual, servidão ou qualquer outro propósito ilícito, seja no Es­ tado em que o menor resida habitualmente, ou no Estado-Parte em que este se encontre; e d) por “meios ilícitos”, entre outros, o seqüestro, o consenti­ mento mediante coação ou fraude, a entrega ou o recebimento de pagamentos ou benefícios ilícitos com vistas a obter o consentimen­ to dos pais, das pessoas ou da instituição responsáveis pelo menor, ou qualquer outro meio ilícito utilizado, seja no Estado de residência habitual do menor ou no Estado-Parte em que este se encontre. Artigo 3 Esta Convenção também abrangerá os aspectos civis não pre­ vistos da subtração, transferência e retenção ilícitas de menores no âmbito internacional, não previstos em outras convenções internaci­ onais sobre a matéria. Artigo 4 Os Estados-Partes cooperarão com os Estados-não-Partes, na medida do possível, na prevenção e sanção do tráfico internacional de menores e na proteção e cuidado dos menores vítimas do fato ilícito.

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Nesse sentido, as autoridades competentes dos Estados-Partes deverão notificar as autoridades competentes de um Estado-não-Parte, nos casos em que se encontrar em seu território um menor que tenha sido vítima do tráfico internacional de menores. Artigo 5 Para os efeitos desta Convenção, cada Estado-Parte designará uma Autoridade Central e comunicará essa designação à SecretariaGeral da Organização dos Estados Americanos. Um Estado federal, um Estado em que vigorem diferentes sis­ temas jurídicos ou um Estado com unidades territoriais autônomas pode designar mais de uma Autoridade Central e especificar a exten­ são jurídica ou territorial de suas funções. O Estado que fizer uso dessa faculdade designará a Autoridade Central a que possam ser dirigidas todas as comunicações. O Estado-Parte que designar mais de uma Autoridade Central enviará a pertinente comunicação à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 6 Os Estados-Partes cuidarão do interesse do menor, mantendo os procedimentos de aplicação desta Convenção sempre confidenciais. C

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II

ASPECTOS PENAIS Artigo 7 Os Estados-Partes comprometem-se a adotar, em conformida­ de com seu direito interno, medidas eficazes para prevenir e sancio­ nar severamente a ocorrência de tráfico internacional de menores definido nesta Convenção. Artigo 8 Os Estados-Partes comprometem-se a: a) prestar, por meio de suas autoridades centrais e observados os limites da lei interna de cada Estado-Parte e os tratados intema-

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cionais aplicáveis, pronta e expedita assistência mútua para as dili­ gências judiciais e administrativas, obtenção de provas e demais atos processuais necessários ao cumprimento dos objetivos desta Convenção; b) estabelecer, por meio de suas autoridades centrais, mecanis­ mos de intercâmbio de informação sobre legislação nacional, jurispru­ dência, práticas administrativas, estatísticas e modalidades que tenha assumido o tráfico internacional de menores em seus territórios; e c) dispor sobre as medidas necessárias para a remoção dos obs­ táculos capazes de afetar a aplicação desta Convenção em seus res­ pectivos Estados. Artigo 9 Serão competentes para conhecer de delitos relativos ao tráfico internacional de menores: a) o Estado-Parte em que tenha ocorrido a conduta ilícita; b) o Estado-Parte em que o menor resida habitualmente; c) o Estado-Parte em que se encontre o suposto delinqüente, no caso de não ter sido extraditado; e d ) o Estado-Parte em que se encontre o menor vítima de tráfico. Para os efeitos do parágrafo anterior, ficará prevento o EstadoParte que haja sido o primeiro a conhecer do fato ilícito. Artigo 10 O Estado-Parte que, ao condicionar a extradição à existência de tratado, receber pedido de extradição de outro Estado-Parte com o qual não mantenha tratado de extradição ou, se o mantiver, este não inclua o tráfico internacional de menores como delito que pos­ sibilite a extradição, poderá considerar esta Convenção como a base jurídica necessária para concedê-la no caso de tráfico internacional de menores. Além disso, os Estados-Partes que não condicionam a extradi­ ção à existência de tratado reconhecerão, entre si, o tráfico interna­ cional de menores como causa de extradição.

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Na inexistência de tratado de extradição, esta ficará sujeita às demais condições exigíveis pelo direito interno do Estado requerido. Artigo 11 As ações instauradas em conformidade com o disposto neste Capítulo não impedem que as autoridades competentes do EstadoParte em que se encontre o menor determinem, a qualquer momento, em consideração aos seus interesses superiores, sua imediata resti­ tuição ao Estado em que resida habitualmente.

C

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III

ASPECTO S CIVIS Artigo 12 A solicitação de localização e restituição do menor decorrente desta Convenção será promovida pelos titulares determinados pelo direito do Estado de residência habitual do mesmo. Artigo 13 São competentes para conhecer da solicitação de localização e de restituição, por opção dos reclamantes, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado-Parte de residência habitual do menor ou as do Estado-Parte onde se encontrar ou se presuma encontrar-se retido. Quando, ajuízo dos reclamantes, existirem motivos de urgên­ cia, a solicitação também poderá ser submetida às autoridades judi­ ciais ou administrativas do local onde tenha ocorrido o ato ilícito. Artigo 14 A solicitação de localização e de restituição será tramitada por intermédio das Autoridades Centrais ou diretamente perante as auto­ ridades competentes indicadas no Artigo 13 desta Convenção. As autoridades requeridas estabelecerão os procedimentos mais expedi­ tos para tomá-la efetiva.

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Recebida a respectiva solicitação, a autoridade requerida esti­ pulará as medidas que, de acordo com seu direito interno, sejam ne­ cessárias para iniciar, facilitar e coadjuvar os procedimentos judici­ ais e administrativos referentes à localização e restituição do menor. Adotar-se-ão, ademais, as medidas para providenciar a imediata res­ tituição do menor e, conforme o caso, assegurar sua proteção, custó­ dia ou guarda provisória, de acordo com as circunstâncias, bem como as medidas preventivas para impedir que o menor seja indevidamente transferido para outro Estado. As solicitações de localização e de restituição, devidamente fundamentadas, serão formuladas dentro dos 120 dias de conhecida a subtração, transferência ou retenção ilícitas do menor. Quando a solicitação de localização e de restituição partir de um Estado-Parte, este disporá do prazo de 180 dias para sua apresentação. Havendo necessidade prévia de localizar o menor, o prazo ante­ rior será contado a partir do dia em que o titular da ação tiver tomado conhecimento da respectiva localização. Não obstante o disposto nos parágrafos anteriores, as autorida­ des do Estado-Parte em que o menor tenha sido retido poderão, a qualquer momento, determinar sua restituição, atendendo aos inte­ resses superiores do mesmo. Artigo 15 Os pedidos de cooperação previstos nesta Convenção, formula­ dos por via consular ou diplomática ou por intermédio das Autorida­ des Centrais, dispensarão o requisito de legalização ou outras forma­ lidades sem elhantes. Os pedidos de cooperação form ulados diretamente entre tribunais das áreas fronteiriças dos Estados-Partes também dispensarão legalização. Ademais, estarão isentos de legali­ zação, para efeitos de validade jurídica no Estado solicitante, os do­ cumentos pertinentes que sejam devolvidos por essas mesmas vias. Os pedidos deverão estar traduzidos, em cada caso, para o idio­ ma oficial ou idiomas oficiais do Estado-Parte ao qual esteja dirigi­ do. Com relação aos anexos, é suficiente a tradução de um sumário, contendo os dados essenciais.

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Artigo 16 As autoridades competentes de um Estado-Parte que consta­ tem, no território sujeito à sua jurisdição, a presença de um menor vítima de tráfico internacional deverão adotar as medidas imediatas necessárias para sua proteção, inclusive as que tenham caráter pre­ ventivo e impeçam a transferência indevida do menor para outro Estado. Estas medidas serão comunicadas por intermédio das Autori­ dades Centrais às autoridades competentes do Estado onde o menor tenha tido, anteriormente, sua residência habitual. As autoridades intervenientes adotarão todas as providências necessárias para co­ municar as medidas adotadas aos titulares das ações de localização e restituição do menor. Artigo 17 Em conformidade com os objetivos desta Convenção, as Auto­ ridades Centrais dos Estados-Partes intercambiarão informação e colaborarão com suas competentes autoridades judiciais e adminis­ trativas em tudo o que se refira ao controle de saída de menores de seu território e de sua entrada no mesmo. Artigo 18 As adoções internacionais e outros institutos afins, constituídos em um Estado-Parte, serão passíveis de anulação quando tiverem como origem ou objetivo o tráfico internacional de menores. Na respectiva ação de anulação, levar-se-ão sempre em conta os interesses superiores do menor. A anulação será submetida à lei e às autoridades do Estado de constituição da adoção ou do instituto de que se trate. Artigo 19 A guarda ou custódia será passível de revogação quando sua origem ou objetivo for o tráfico internacional de menores, nas mes­ mas condições previstas no artigo anterior.

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Artigo 20 A solicitação de localização e de restituição do menor poderá ser apresentada sem prejuízo da ação de anulação e revogação pre­ vistas nos Artigos 18 e 19. Artigo 21 Em qualquer procedimento previsto neste Capítulo, a autorida­ de competente poderá determinar que a pessoa física ou jurídica res­ ponsável pelo tráfico internacional de menores pague os gastos e as despesas de localização e restituição, contanto que essa pessoa física ou jurídica tenha sido parte desse procedimento. Os titulares da ação, ou, se for o caso, qualquer autoridade com­ petente, poderão propor ação civil para ressarcir-se das despesas, nes­ tas incluídas os honorários advocatícios e os gastos de localização e restituição do menor, a não ser que estas tenham sido fixadas em ação penal ou em processo de restituição, nos termos desta Convenção. A autoridade competente ou qualquer parte prejudicada poderá propor ação civil objetivando perdas e danos contra as pessoas físi­ cas ou jurídicas responsáveis pelo tráfico internacional do menor. Artigo 22 Os Estados-Partes adotarão as medidas necessárias para possi­ bilitar gratuidade aos procedimentos de restituição do menor, nos termos de seu direito interno, e informarão aos legítimos interessa­ dos na respectiva restituição os benefícios decorrentes de pobreza e quando possam ter direito à assistência gratuita, em conformidade com as suas leis e regulamentos. C

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IV

DISPOSIÇÕES FINAIS Artigo 23 Os Estados-Partes poderão declarar, seja no momento da assi­ natura e da ratificação desta Convenção ou da adesão à mesma, ou

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posteriormente, que reconhecerão e executarão as sentenças penais proferidas em outro Estado-Parte no que se refere à indenização por perdas e danos decorrentes do tráfico internacional de menores. Artigo 24 Com relação a um Estado que, relativamente a questões trata­ das nesta Convenção, tenha dois ou mais sistemas jurídicos aplicá­ veis em unidades territoriais diferentes: a) toda referência à lei do Estado será interpretada com referên­ cia à lei correspondente à respectiva unidade territorial; b) toda referência à residência habitual no referido Estado será interpretada como à residência habitual em uma unidade territorial do Estado mencionado; c) toda referência às autoridades competentes do referido Esta­ do será entendida em relação às autoridades competentes para agir na respectiva unidade territorial. Artigo 25 Os Estados que tenham duas ou mais unidades territoriais onde se apliquem sistemas jurídicos diferentes a questões tratadas nesta Convenção poderão declarar, no momento da assinatura, ratificação ou adesão, que a Convenção se aplicará a todas as suas unidades territoriais ou somente a uma ou mais. Tais declarações podem ser modificadas mediante declarações posteriores, que especificarão expressamente a unidade territorial ou as unidades territoriais a que se aplicará esta Convenção. Essas de­ clarações posteriores serão encaminhadas à Secretaria-Geral da Or­ ganização dos Estados Americanos e produzirão efeito noventa dias a partir da data do recebimento. Artigo 26 Os Estados-Partes poderão declarar, no momento da assinatura e ratificação desta Convenção ou de adesão à mesma, ou posterior­ mente, que não se poderá opor em juízo civil deste Estado-Parte ex­ ceção ou defesa alguma que tenda a demonstrar a inexistência do

395

delito ou eximir de responsabilidade uma pessoa quando houver sen­ tença condenatória proferida por outro Estado-Parte em conexão com este delito e já transitada em julgado. Artigo 27 As autoridades competentes das zonas fronteiriças dos Estados-Partes poderão acordar, diretamente e a qualquer momento, com relação a procedimentos de localização e restituição mais expeditos que os previstos nesta Convenção e sem prejuízo desta. O disposto nesta Convenção não será interpretado no sentido de restringir as práticas mais favoráveis que as autoridades compe­ tentes dos Estados-Partes puderem observar entre si, para os propó­ sitos desta Convenção. Artigo 28 Esta Convenção está aberta à assinatura de todos os Estadosmembros da Organização dos Estados Americanos. Artigo 29 Esta Convenção está sujeita à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 30 Esta Convenção ficará aberta à adesão de qualquer outro Es­ tado, uma vez que entre em vigor. Os instrumentos de adesão se­ rão depositados na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 31 Cada Estado poderá formular reservas a esta Convenção, no momento de assiná-la, ratificá-la ou de a ela aderir, desde que a re­ serva se refira a uma ou mais disposições específicas e que não seja incompatível com o objetivo e fins desta Convenção.

396

Artigo 32 Nenhuma cláusula desta Convenção será interpretada de modo a restringir outros tratados bilaterais ou multilaterais ou outros acor­ dos subscritos pelas partes. Artigo 33 Para os Estados ratificantes, esta Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que haja sido depositado o se­ gundo instrumento de ratificação. Para cada Estado que ratificar esta Convenção ou a ela aderir depois de haver sido depositado o segundo instrumento de ratifica­ ção, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que tal Estado haja depositado seu instrumento de ratificação ou de adesão. Artigo 34 Esta Convenção vigorará por prazo indeterminado, mas qual­ quer dos Estados-Partes poderá denunciá-la. O instrumento de de­ núncia será depositado na Secretaria-Geral da Organização dos Es­ tados Americanos. Transcorrido um ano da data do depósito do instrumento de denúncia, os efeitos da Convenção cessarão para o Estado denunciante. Artigo 35 O instrumento original desta Convenção, cujos textos em por­ tuguês, espanhol, francês e inglês são igualmente autênticos, será depositado na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Ame­ ricanos, que enviará cópia autenticada do seu texto à Secretaria das Nações Unidas para seu registro e publicação, de conformidade com o Artigo 102 da sua Carta constitutiva. A Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos notificará aos Estados-membros da referida Organização e aos Estados que houverem aderido à Convenção, as assinaturas e os depósitos de instrumentos de rati­ ficação, adesão e denúncia, bem como as reservas existentes e a retirada destas.

397

Em fé do que os plenipotenciários infra-assinados, devidamente autorizados por seus respectivos Governos, assinam esta Convenção. Expedida na Cidade do México, D.F., México, no dia dezoito de março de mil novecentos e noventa e quatro.

398

4. Siglas Sigla

Nome Completo da Instituição ou do Programa

I

ABRAPIA

Associação Brasileira M ultiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência

ACT 2000

A to de Proteção às Vítim as do Tráfico e da Violência, 2000

AIDP

Associação Internacional de D ireito Penal

ARIAT

Iniciativa Regional Asiática contra o Tráfico de Pessoas

ASI BAN-YING Beijing Beijing + 5

Anti-Slavery International Ban-Ying Coordination Center, Alem anha Conferência M undial sobre a M ulher de Beijing Conferência Beijing + 5 "M ulheres 20 00 : Igualdade de Gênero, Desenvolvim ento e Paz para o Século X X I"

CADH

Convenção Am ericana de Direitos Humanos

CAST

C oalition to Abolish Slavery and Trafficking

CATW

Coalizão contra o Tráfico de M ulheres — C oalition against Traffic in W om en

CCOT

Convenção contra o Crime O rganizado Transnacional

CDB

Centro de Defesa Brasileiro

CDC

Convenção sobre os Direitos da Criança

CDH

Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados

CDHAL

CDS CE

Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo Centro de Desenvolvim ento Social Comissão Européia

CEAP

Centro de A rticulação de Populações M arginalizadas

CECF

Conselho Estadual da Condição Feminina, SP

CECRIA

Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes

CEDAM

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrim ina­ ção contra a M ulher

399

continuação Sigla CEDECA

Centro de Defesa da Criança e do Adolescente da Bahia

CEDIM

Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, RJ

CERCA

Centro de Referência da Criança e do Adolescente

CFEMEA

Centro Feminista de Estudos e Assessoria

CHAME

Centro Hum anitário de A poio à M ulher

CIA

Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos — ■Central Intelligence Agency

CIDH

Corte Interam ericana de Direitos Humanos

CIMI

Conselho Indigenista M issionário

CIOSL

Confederação Internacional dos Sindicatos Livres

CIPC

Centro das Nações Unidas para a Prevenção Internacional do Crime

CISL

Confederação Internacional dos Sindicatos Livres

CNBB

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNDM

Conselho Nacional dos Direitos da M ulher

CNRW

Centro de Referência às Vítim as da Violência do Instituto Sedes Sapientiae

CONANDA

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

CPI

Comissão Parlamentar de Inquérito

CPT

Comissão Pastoral da Terra

CRAMI

Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância

DEAM

Delegacia Especializada de A tendim ento à M ulher

DHNet

Rede Direitos Humanos e Cultura

DIEESE

D epartam ento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

DPCA

Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente

DPF DPMAF

D epartam ento de Polícia Federal Departam ento de Polícia M arítim a, Aeroportuária e de Fronteiras

DRT

Delegacia Regional do Trabalho

ECA

Estatuto da Criança e do Adolescente

ECPAT

Ending Child Pornography, Prostitution andTourism

ESCAP

United N ation Economic and Social Commission fo r Asia and the Pacific

ESPERANZA

400

Nome Completo da Instltulçio ou do Programa

Fundación Esperanza, Colôm bia

1

ETICP

Estatuto d o Tribunal Internacional Crim inal Permanente

FEBEM

Fundação Estadual do Bem-Estar do M enor

FIESP

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FIZ

C entro de Informações para M ulheres da África, Ásia e América Latina na Suíça — Frauen Inform ations Zentrum

GAATW

Aliança G lobal contra o Tráfico de M ulheres — Global Alliance against Trafficking in W om en

Geledés

Instituto da M ulher Negra

GSN

G lobal Survival N etw ork

HRI

Human Rights Internet

IBGE

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH

Indice de Desenvolvimento Humano

IHRLG

Grupo Jurídico Internacional de Direitos Humanos — International Human Rights Law Group

INSPIR

Instituto Sindical Interam ericano pela Igualdade Racial

Interpol

Polícia Internacional

IPEA

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPEC

Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil

IPH

Indice de Pobreza Humana

IWDA

International W om en Development Agency, Austrália

LACRI

Laboratório de Estudos da Criança, do Instituto de Psicologia da USP

La Strada

Programa Internacional de Prevenção ao Tráfico de M ulheres — International Program for Prevention o f Trafficking in W om en

MEC MNDH

M inistério da Educação e Cultura M ovim ento Nacional de Direitos Humanos

MNMMR

M ovim ento Nacional de M eninos e M eninas de Rua

NEIM

Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a M ulher

OAB

Ordem dos Advogados do Brasil

ODCCP

Escritório das Nações Unidas para o Controle de Drogas e Prevenção ao Crime — Office o f Drug Control and Crime Prevention

ODIHR

Escritório para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos — Office for Democratic Institutions and Human Rights

OEA

Organização dos Estados Americanos

401

continuação Sigla

Nome Completo da Instituição ou do Programa

OHCHR

A lto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos — Office o f High Commissioner fo r Human Rights

OIM

Organização Internacional da M igração

OIT

Organização Internacional do Trabalho

OIT,n. 182 OMS

Organização M undial da Saúde

OMT

Organização M undial do Turismo

ONU

Organização das Nações Unidas

OSC

Organização da Sociedade Civil

OSCE

Organização para Segurança e Cooperação na Europa

PC

Polícia Civil

PDH

Padrões de Direitos Humanos

PED

Pesquisa de Emprego e Desemprego

PETI

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PF

Polícia Federal

PGE

Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo

PIB

Produto Interno Bruto

PNAD

Pesquisa Nacional por Am ostra de Domicílios

PNUD

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

P0CDC1

Protocolo Opcional à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis

P0CDC2

Protocolo Opcional à Convenção sobre Direitos da Criança sobre o Envolvim ento de Crianças em C onflitos Arm ados

PPSPTP

Protocolo para Prevenir, Suprim ir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente M ulheres e Crianças

RDH, 2000 RECRIA REDE SAUDE

402

Convenção da OIT n. 182 sobre a Proibição e Ação Im ediata contra as Piores Formas de Trabalho Infantil

Relatório do Desenvolvimento Humano, 2000 Rede Nacional de Inform ações sobre Violência, Abuso e Exploração Sexual Infanto-Juvenil Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos

RMSP

Região M etropolitana de São Paulo

SAARC

Associação do Sul da Ásia para a Cooperação Regional

SEADE

Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados

SEDH

Secretaria de Estado dos Direitos Humanos

I

SIPIA TJ

Sistema de Inform ação para Infância e Adolescência Tribunal de Justiça

UN AIDS

Programa das Nações Unidas para a AIDS

UNCPCJ

Programa da ONU de Prevenção do Crime e Justiça Crim inal

UNESCO

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura — United N ations Educational, Scientific and Cultural Organization

UNFPA

Fundo das Nações Unidas para a População

UNHRC

Comissão das Nações Unidas de Direitos Humanos — United N ations Human Rights Commission

UNICEF

Fundo das Nações Unidas para a Infância — United Nations Children's Fund

UNIFEM

Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento das Mulheres

Viena, 1993

Conferência M undial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos

403