Termos Filosóficos Gregos: Um Léxico Histórico


194 74 204MB

Portuguese Pages 272 [150] Year 1974

Report DMCA / Copyright

DOWNLOAD PDF FILE

Recommend Papers

Termos Filosóficos Gregos: Um Léxico Histórico

  • 0 0 0
  • Like this paper and download? You can publish your own PDF file online for free in a few minutes! Sign Up
File loading please wait...
Citation preview

F. E. PETERS

TERMOS FILOS Ó FICOS GREGOS Um léxico histórico

Pref ácio de Miguel Baptista Pereira

Tradução de Beatriz Rodrigues Barbosa

2.a edição

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN | LISBOA

Tradução do original inglês intitulado: GREEK PHILOSOPHICAL TERMS A Historical Lexicon de F. E. PETERS © Copyright 1967 by New York University Press Second Printing, 1974

Introdução A tradução portuguesa de Greek Philosophical Terms, agora posta pela Fundação Calouste Gulbenkian nas mãos do pú blico interessado, tem espaço pró prio no domí nio da Filosofia, apesar da dura crí tica movida ao passado em nome de um progresso esquecido da pró pria historicidade. Certa visão intermitente do tempo idealiza um passado concluso , por vezes atravé s de um sistema fict í cio de cortes ideais desferidos bem longe do acontecer real , que lhes permanece estranho e irredutí vel , como a conti nuidade do movimento à soma de unidades imóveis , segundo a hipótese cl ássica de Zenão. O passado não é pura e simplesmente o ultrapassado; pelo contr ário, age nos projectos hist óricos do homem, afirmando se na sua pró pria negação. Sob a forma de morte o passado perfeito e acabado , entra no núcleo extremo e enigmático do futuro e , pela sua contemporaneidade , desempenha um papel configurador do presente. Adormecidos na experiência rotineira e quotidiana do tempo, olvidamos facilmente a densidade velada dos dias que nos parecem iguais, bem longe do assombro augustiniano perante o mist ério do tempo ', que HUSSERL evocou no iní cio das suas lições sobre a consciência interna do tempo 2 e L. WITTGENSTEIN referiu nestes termos , nas suas Philosophische Untersuchungen: « Aquilo , que sabemos quando ninguém no lo pergunta, mas não sabemos quando o pretendemos explicar , é algo sobre que devemos reflectir » 3.

-



-



-

Reservados todos os direitos de acordo com a lei Edição da FUNDAçãO CALOUSTE GULBENKIAN Αν. de Berna | Lisboa

1

« Si

nemo a me quaerat , seio, si quaerenti explicare velim , néscio».

SANTO AGOSTINHO , Confiss ões , XI , 14. 2 E HUSSERL , Zur Phaenomenologie des inneren ( 1893- 1917 ) ( Den Haag 1966) 3. 2 L WITTGENSTEIN , Philosophische Untersuchungen 1967 ) 61.

.

Zeitbewusstseins

.

( Frankfurt a . M.

VIII

IX

Ao fugir do seu pró prio acontecer , construindo sistemas atemporais e perenes ou procurando ref ú gio num futuro pretensamente absoluto , o pensamento contemporâneo gera e alimenta a pró pria crise , oriunda sobretudo da obnubilação ou carê ncia de relaçõ es do pensar filosó fico com a sua pró pria hist ória. Se as geraçõ es novas se não revoltassem constantemente contra o legado tradicional , viverí amos ainda a vida das cavernas , mas a este tipo de vida regressaremos , se essa revolta se universalizar e radicalizar\ Neste último caso , cometeríamos a injustiça de supor que no passado já não haveria futuro. Após a especial irrupção do pensar hist órico na segunda metade do séc. xix 5 com a subida a primeiro plano do problema da Hist ória , iniciou se , na superação do dualismo metaf í sico , a leitura do ser como acontecer e jamais se extinguiu em fil ó sofos e te ólogos " a paixão pelo mist ério do tempo , na sequê ncia da c élebre pergunta já citada do Livro xi das Confissões. Neste contexto, apareceu , com particular relevância para o problema da valorização da tradição , a obra de H.-G. GADAMER, Wahrheit und Methode 7, que patenteou a ingenuidade da tentativa de filosofar a partir de zero , reabilitando o papel positivo do « pre-conceito » na construção filosó fica e oferecendo-o como tema de investigação 8. Este relance sobre a consciê ncia contemporâ nea da histo-

-

.

Der Anspruch auf die selbstverschuldete Unmuen( Hrsg) , Vom Sinn der Tradition (Muenchen 1970 ) 1 . 5 Cf . P. HUENERMANN , Der Rurchbruch geschichtlichen Denkens in 19 . Jahrhundert , Johann Gustav Droysen, Wilhelm Dilthey , Graf Paul Yorck von Wartenburg , Ihr Weg und ihre Weisung fuer die Theologie ( Freiburg-Basel-Wien 1967 ) . H. BERGSON, Essai sur les donné s immédiates de la ConscienceM ( Paris 1961 ) ; E. HUSSERL, Zur Phaenomenologie des inneren Zeitbewusstseins ( 1893-1917 ) (Den Haag 1966) ; M. HEIDEGGER , Sein und Zeit ( Halle 1927 ) ; E. BLOCH , Das Prinzip Hoffnung i2 ( Frankfurt a . M . 1970) , ir (Frankfurt a . M . 1969 ) , in 2 ( Frankfurt a .M . 1968 ) ; R. SCHAEFFLER , Die Struktur der Geschichtszeit ( Frankfurt a .M . 1963) ; M. MUELLER , Erfahrung und Geschichte ( Freiburg-Muenchen 1971) , r. MOLTMANN, Theologie der Hoffnung1 ( Muenchen 1973 ) ; K . RAHNER , Zur Theologie der Zukunft ( Muenchen 1971) ; w . KASPER , Das Absolute in der Geschichte , Philosophic und Theologie in der Spaetphi losophie Schellings ( Mainz 1965 ) ; ID., Glaube und Geschichte ( Mainz 1970 ) ; E. SCHILLEBEECKX , Gott , die Zukunft des Menschen, Uebers . ( Mainz 1969 ) ; .1. RATZINGER , Glaube und Zukunft ( Muenchen 1970 ) ; B. WELTE , Zeit und Geheimnis ( Freiburg- Basel-Wien 1975 ) . 7 H.-G. GADAMER , Wahrheit und Methode 2 ( Tuebingen 1965 ) . * w.-G. JANKOWITZ , Philosophie und Vorurteil , Untersuchungen zur Vorteilshaftigkeit von Philosophie als Propaedeutik einer Philosophie des Vorurteils ( Meisenheim am Gian 1975 ) . *

digkeit :

KOLAKOWSKI ,

L

.

L REINISCH

ricidade permite elucidar a situação epocal e individual do int érprete , que possibilita e necessariamente condiciona a leitura filosó fica que ele fizer do pensamento grego.



1 A rejeição do χωρισμός do dualismo metaf í sico implica, para além da destruição de qualquer tentativa de projecção do passado filosó fico como filosofia ideal , a tenaz oposição a toda a oferta de leitura absoluta do futuro , impondo-nos , por conseguinte , a diferença entre modos epocais e individuais de pensar e aquilo que é digno e merece ser pensado. « Uma coisa é registar e ’ des crever opiniõ es de filósofos; outra coisa completamente distinta é discutir com eles o que eles dizem , isto é, aquilo de que eles falam » 9. N ão podemos de modo algum praticar natação ou ginástica, lendo livros ou ouvindo lições magistrais sobre o assunto. A simples recepção do precipitado conceptual de uma é poca, escola ou pensador ilude nos quanto à essê ncia aut ê ntica do pensar. Seguindo a imagem da natação , é o salto ou o mergulho na intensidade original daquilo a que os Gregos chamaram φύσις, que nos fará viver e experienciar o que seja « pensar » e não simplesmente o pensar sobre o pensar , ou seja, a lógicq da tradição ocidental ou a logí stica, « a mais especial das ciê ncias especiais » 10. Por isso , observa HEIDEGGER , « O que significa nadar , diz-nos o mergulho na corrente. A pergunta ' que significa pensar?' jamais permite que lhe respondamos com a apresentação de uma determinação conceptual sobre o pensar , uma definição e a sua diligente divulgação » Libertar-se do peso e das peias dos conceitos hist óricos e abrir os ouvidos para aquilo, que atrav és da tradição se nos dirige como o ser dos « sendos » , é o sentido da « destruição heideggeriana » n , imprescind í vel para uma meditação do hist órico na sua densidade originária. Neste caso , a tradição não se reduz a um somat ório de proposições veiculadas atrav és do tempo a um depósito mental , mas é uma entrega e libertação para o que nos é transmitido como realidade originá ria e a que temos de responder na nossa diferença hist órica, apropriando e modificando. Daí , o problema da mesmidade ou identidade e dife-

-

-



.



Was ist das- die Philosophie? ( Pfullingen 1956 ) 31 . Was heisst Denkcn? ( Tuebingen 1954 ) 10. 11 ibid . 9 . 12 Sein und Zeif ( Tuebingen 1949) § 6, 19-27 ; ID. , Was ist das -die Philosophie? 33-34. 9

ln

M HEIDEGGER ,

ID., ID. , ID.,

V

XI

X

rença, pensado mas não tematizado sob o nome de analogia e participação pela tradição filosó fica e que HEIDEGGER sintetiza nestes termos , referidos à leitura de textos filosó ficos : «Uma recta interpretação nunca compreende o texto melhor que o compreendeu o seu autor , mas sim de outro modo. Apenas , esta diferença deve ser tal , que vise o mesmo sobre que o texto inter pretado reflecte » n . Este mesmo interpretamo-lo como a camada mats profunda da historicidade e da diferenciaçã o dos diferentes , como o ser ou acontecer , dinâmico na identidade e surpreendente na novidade. Ao estabelecermos a equação entre ser e acontecer e ao vislumbrarmos nestes a estrutura do diferir , ressalta-nos à pena a penetrante intuição de ARISTóTELES que fixou exemplar mente a distinção entre « diferente » e « diverso » , pois , ao contrário do « diverso » , o « diferente » pressupõe sempre o id êntico ou o mesmo, a partir do qual se processa o diferir dos diferentes: « Diferença e diversidade não são a mesma coisa, pois o diverso não necessita de ser diverso relativamente àquilo de que diverge , através de algo , porque todo o ente é ou o mesmo ou o outro ( diverso ) ; mas o diferente de algo deve ser diferente atravé s de algo; deve , portanto, haver algo id êntico, por que eles se dife , renciem » 4. Por acelerado que seja o ritmo da mutabilidade hist órica , sobretudo na era t écnica em que nos é dado viver, e por múltiplas que sejam as é pocas que tecem o acontecer hist órico , a reflexão filosó fica procura a unidade dinâmica e a velada identidade que se « repetem » no diferente como meio de proporções sempre novas. Nesta perspectiva , é óbvio que ao tempo, enquanto forma e modo fundamental de união do múltiplo desistente numa ordem consistente , é-lhe reconhecida intensidade ontol ógica na sua distensão , porque pensado dentro da analogia e participação do ser ou , noutra expressão, do acontecer do diferente . É esta a face oculta da filosofia de Plat ão, que transparece na meia luz de alguns

Holzwege ( Frankfurt / M . 1950) 197. δέ καί έτερότης άλλο τό μέν γάρ έτερον καί ού έτερον ούκ ανάγκη είναι τινί έτερον παν γάρ ή έτερον ή ταύτό δ τι άν ή ον το δέ διάφορον τίνος τινί διάφορον , ώστε άνάγκη ταύτό τι είναι φ διαφέρωσιν ». Met . I 3, 1054 b 23-27. Quanto à tradução em sentido ontológico, cf . L. BRUNO PUNTEL , Analogie und Geschichtlichkeit I ( Freiburg-Basel-Wien 1969) 102, ll 5. Na sequência de ARISTóTELES, TOMAS DE AQUINO escreve: « Differens et diversum differunt . . . Nam diversum absolute dicitur quod non est idem , differens vero dicitur ad aliquid : nam omne differens aliquo differt ». De Pot . q. 7, a. 3 ãd 2. 13

14

ID.,

« Διαφορά

-

passos, como provou w. BEIERWALTES 1S, embora sem aprofundamento e tematização subsequente. Trata-se de superar ο χωρισμός ou ruptura essencial estática entre mundo intelig í vel e sensí vel , entre eternidade e tempo, através de uma mudança ou transição ('μεταβολή, Parménides, 156 c ss. ) , em que o fundar do fundamento é o diferir do diferente, pois a unidade entra, deixando ser , na multiplicidade , a eternidade no tempo, o ser no devir , a validade na facticidade, a norma na onticidade dos sujeitos. N ão se trata de qualquer transformação dentro de um tempo preexistente , mas do processo do surgimento do pró prio tempo , dado num momento, acontecido « subitamente » ( έξαίφνης ) como aparece descrito em Parménides 156c-e. A relação eternidade-tempo, unidade-multiplicidade não aparece, como começo absoluto, vinculada à imobilidade e passividade de um estado, mas ao dinamismo de um processo de participação, ao acontecimento súbito ou trânsito do descanso do ser para o « sendo» como ov γιγνόμενον. A participação no tempo radica na participação do ser u. Raiz e começo do tempo e do múltiplo, estranha condição de possibilidade que temporaliza o tempo e espacializa o espaço , o Uno é o « ató pico », que d á espaços, e o atemporal, que diferencia tempos. Na Carta vn, PLATãO reconhece a impossibilidade de falar sobre este metaproblema como falamos relativamente a outros saberes ( (ηγτòv γάρ ούδαμώς έστιν ώς άλλα μαθήματα ) e recorre a uma experiê ncia originá ria em que do contacto intensificado e convivência com o assunto ( άλλ’ έκ πολλής συνουσίας γιγνομένης περί το πράγμα αυτό καί του συζήν ) algo ( a verdade ) surge de repente ( έξαίφνης ) como luz que jorra do fogo ( οίον άπο πυρος πηδήσαντος έξαφθέν φως ) e cresce na alma, em seguida, por si mesmo ( έν τή φύχή γενόμενον αύτο έαυτο ήδη τρέφει ) 17. Estes textos permitiram a M. MUELLER ver no « άγαθον » plat ónico o « at ó pico » , que não é dado apenas no regresso erótico e anamnésico ao passado, mas na intensidade e plenitude do « instante » como entrada repentina da eternidade no tempo. É o advento do « το αγαθόν » que transcende todas as normas e imagens, funda todas as coisas por sua dignidade e poder, como o « nada positivo » ( επέκεινα τής ουσίας ), o « mist ério real » i%. No έξαίφνης revela se a

-

15 w. BEIERWALTES, Έξαίφνης oder die Paradoxie des Augenblicks: Ph Jb 74 (1966/ 7) 271 ss., Cf . M. MUELLFR, Erfahrung und Geschichte 206-209. “17 «Μετέχει μέν &ρα χρόνου, έιπερ καί τοϋ είναι ». Parménides, 152a. PLATã O, Carta νιι 341 c d.

-

. . 208-209.

M. MUELLER, O C

XIII

XII

unidade diferenciadora do mundo intelig í vel e sensí vel , a presenç a fundadora do ver e do visí vel , a força originante da raz ão , sensi , bilidade e seus mundos de objectos 9. A interpretação intransitiva e est ática tecida à volta da ruptura do χωριομός perdeu o sentido ontol ó gico da intensidade do tempo e o dinamismo da participaçã o como diferir dos diferentes a partir do « mesmo » . O « instante » deixou de ser o que « hic et nunc » incondicionalmente insta , testemunhado na atitude socrática perante a morte , para se reduzir à fugacidade do momento indivisí vel que passa. O carácter absoluto , instante e imperativo do « το αγαθόν » continua ainda visí vel no expressivo texto do Aquinense, em que o « bonum » é voz que faz ser e impede a nadificação dos entes: « Bonum autem extendit se ad non entia , quae etiam in esse vocat ; dicitur enim bonum a boare , quod est vocare » 20.



O homem contempor âneo , presa f ácil do primado da II da t écnica e , portanto, de um tipo de experiê ncia essenncia e ê ci cialmente derivado , só por um esforço de ascese meditativa e de transcend ê ncia se liberta para a compreensão da experiê ncia grega da φύσις , por essê ncia originária, cuja vivê ncia do crescimento plurif ásico vital como aparecimento e vinda para a luz ( parte- se do pressuposto de uma raiz comum a φύσις , φαίνεσθαι e φάος ) 21 de modo algum se pode confundir com uma explicação derivada , biol ó gica ou bioquí mica , com pretensões a verdade ú nica e a PLATã O , República 508e-509a. Reproduzimos aqui a tradução portuguesa da Doutora D. MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA , dado o escr ú pulo e rigor cient ífico que a distinguem . A possibilidade de uma leitura ontológica resulta para nós da comparaçã o com os passos citados do diá logo Parménides A esta luz interpretamos també m o esquema de Adam citado pela tradutora . « Fica sabendo que o que transmite a verdade aos objectos cognoscíveis e d á ao sujeito que conhece esse poder , é a ideia do bem. Entende que é ela a causa do saber e da verdade, na medida em que esta é conhecida , mas , sendo ambos assim belos , o saber e a verdade , terás razão em pensar que há algo de mais belo ainda do que eles. E , tal como se pode pensar correctamente que neste mundo a luz e a vista são semelhantes ao Sol , mas já n ão c certo tom á-las pelo Sol , da mesma maneira , no outro , é correcto considerar a ci ê ncia e a verdade , ambas elas, semelhantes ao bem , mas n ão est á certo tom á-las a uma ou a outra , pelo bem , mas sim formar um conceito ainda mais elevado do que seja o bem » , PLATã O , A República , Tradução e Nolas de Maria Helena da Rocha Pereira ( Lisboa 1972) 311-312. 23 T. AQUI NO , i Sent . 8 , I , 3, ob. 2. Cf . M . J. NICOLAS , Bonum diffusivum sui : Rev. Thom . 55 (1955) 363-376. 31 M . HEIDEGGER , Einfuehrung in die Metaphysik ( Tuebingen 1953) 54 , 77.

interpretar e a criticar o que de originá rio nos é oferecido numa experiê ncia priorit ária mais ampla. Se olvidarmos ou descurarmos a compreensão desta profunda experi ê ncia grega da φύσις , facil mente cometeremos inevit áveis anacronismos na interpretação e , por isso , não é sem razão que J . LOHMANN propõe , como tarefa do nosso tempo, a superação do anacronismo da ideia de progresso, imposta ao pensar grego desde séculos de dist ância 21. Este tipo de imposição , apesar de partilhado pelo génio de Hegel, incorre na ingenuidade hermenê utica de supor como não problemático o horizonte cultural em que se vive e pensa e de o projectar sem cr í tica na leitura dos textos gregos. Toda a erudição, acribia c rigor filológico de pouco aproveitam, quando servirem a aplicaçã o simplista aos textos gregos do esquema interpretative escolá stico , cr í tico- transcendental , idealista ou da ideia de ciê ncia e seu pro gresso no sentido dos sees, xix e xx 23. Em vez da aut ê ntica compreensão do pensamento grego , lemos a pretensa omnipresença da pró pria escola, sistema ou tempo cultural em que vivemos. Os modelos interpretativos poder-se-iam multiplicar desde os de inspiração escolástica e moderna, os de SCHILLER, HOELDERLIN e HEGEL investigados por TAMINIAUX 24, passando pelos da apaixonada investigação de NIETZSCHE 25 e pelos do jovem MARX relativamente à filosofia helení stica, com relevo para EPICURO considerado por ele « grande iluminista » 2b , at é aos de CORNFORD, inspirados pela Psicanálise de JUNG 27. Assim , v. g., na interpretação que A. MANSION nos oferece da Física de ARISTóTELES 2ii, é bem visí vel , como modelo

-

13

.

j. LOHMANN , Ueber den paradigmatischen Charakter der griechischen Kultur : Die Gegenwart der Griechen im neueren Denken , Festschr. f H G . Gadamer z. 60. Geburtstag (Tuebingen 1960) 171 ss., 178. 23 F. WIPLINGER , Physis und Logos , Zum Koerperphaenomenon in seiner Bedeutung fuer den Ursprung der Metaphysik bei Aristoteles ( Freiburg-Muenchen 1971) 14. 24 ' à Vaube de VId éalisme Alle J . TAMINIAUX , La Nostalgie de la Gr ece Vitin Schiller , de Hoelderlin et de raire é de mand , Kant et les Grecs dans Hegel (The Hague 1967 ). Cf . w. BEIERWALTES , Platonismus und Idealismus ( Frankfurt / M. 1972) 67-82 (estrutura onto-teológica do pensamento grego em Schelling) , 83-153 (Plotino em Novalis , Goethe, Schelling , Hegel ) , 154-187 ( Hegel e Proclo), 188-201 ( redescoberta de Eriú gena pelo Idealismo Alemão). 25 c. RAMNOUX , Ê tudes Présocratiques ( Paris 1970) 9-14. 2 K . MARX-F . ENGELS, Werke , Erg ãnzungsband , Schriften- Manuskripte- Briefe bis 1844 , Erster Teil (Berlin 1973) 305. 27 v . MATOS , Originalidade e Novidade da Filosofia, A propósito das Teses de F. M Cornford (Coimbra 1972). 2 23 A . MANSION, Introduction à la Physique aristot élicienne (Louvain23

. .-

-

.

- Paris 1945).

r XV

XIV

de leitura, a teoria escolástica da abstracção, de elaboração posterior na sua forma acabada; à leitura que de ARISTóTELES nos propõ e R. JOLIVET 29 , preside a ideia bí blica de criação; o estudo de w. WIELAND 30 sobre a Física de ARISTóTELES, ao tentar uma interpretação do fundamento da ciê ncia da natureza e das condições linguí sticas da investigação dos princí pios, procede incriticamente , impondo ao Estagí rita uma reflexão transcendental moderna sobre o uso pré-reflexivo e pré-crí tico da lí ngua com a agradecida aquiescê ncia de i. DUERING 31, que reconhece o muito que deve à leitura de WIELAND; a obra já clássica de F. BRENTANO 32 sobre a doutrina das categorias de ARISTóTELES movimenta-se segundo o binómio idealismo-realismo pós-kantiano e o estudo de K. OEHLER 33 sobre o pensar noético e dianoético considera PLATãO e ARISTóTELES precursores da filosofia transcendental da consciê ncia; a ουσία aristot élica é lida por J. V. d. MEULEN 34 no sentido de « essencialidade » e « meio » , dentro da perspectiva hegeliana da mediação enquanto H. J. KRAEMER 35 estuda em Aristóteles a origem da Metaf í sica do Espí rito a que HEGEL deu expressão plena. Fio condutor da obra, a muitos t í tulos í mpar , de w. JAEGER 3* é a explicação hist órico-evolutiva do pensamento filosó fico, fundada no pressuposto, de modo algum convincente, de que a traject ória de um pensador é linearmente progressiva e de antemão orientada pela ideia pré-definida de perfeição e consumação ( no caso de JAEGER, um misto de Neokantismo e de concepção cient í fica da Filosofia ) , quando, pelo contrário, em cada fase temporal o fim aparece de R. JOLIVET , Essai sur les rapports entre la Pens é e Grecque et la Pens é e Chrétienne 2 ( Paris 1955 ) 3-84. 30 w. WIELAND, Die aristotelische Physik . Untersuchungen ueber die Grundlagen der Naturwissenschaft und die sprachlichen Bedingungen der Prinzipienforschung bei Arist ó teles (Goettingen 1962) . 31 und Interpretation seines i. DUERING , Arist ó teles . Darstellung Denkens ( Heidelberg 1966) 29743. 32 F. BRENTANO, Von der mannigfachen Bedeutung des Seienden nach Arist óteles ( Hildesheim 1960) (fotomechan . Nachdruck d . 1. Aufl . Freiburg / B . 1862) . 53 K. OEHLER , Die Lehre vom noetischen und dianoetischen Denken bei Arist ó teles (Muenchen 1952) . 34 J. v. d . MEULEN, Arist ó teles. Die Mitte in seinem Denken (Meisenheim/GIan 1951) . 35 H. j. KRAEMER , Der Ursprung der Geistmetaphysik , Untersuchungen zur Geschichte des Platonismus zwischen Platon und Plotin (Amsterdam 1964) . 36 W. JAEGER , Arist ó teles . Grundlegung einer Geschichte seiner Ent wicklung ( Berlin 1955) . w

-

modo diferente e novo e não é lí cito reduzi lo a priori a um esquema único teleol ógico, determinado e imposto desde o passado. Se a crí tica do anacronismo revela a ilegitimidade da aplicação ao pensamento grego de esquemas reflexivos, crí tico-transcendentais, idealistas e dialécticos de leitura, porque o pensamento grego , além de não rebuscar na subjectividade as suas condições de possibilidade , de modo algum se reduz ao espaço estreito do « ainda não » relativamente à plenitude da realização futura, resta-nos , para al ém de toda a elaboração conceptual , o recurso à experiência originária da realidade , base de toda a tematização filosó fica e , ao mesmo tempo, conatural da experiência grega da φύσις. Neste contexto, assevera HEIDEGGER, na sua densa reflexão sobre « Hegel e os Gregos » , que o « ainda não » descoberto numa perspectiva hist órico-evolutiva como revelador , enquanto momento hist órico , da pró pria grandeza presente , de modo algum coincidir á necessariamente com aquilo « a que nós não bastamos nem satis fazemos » 37. Este sentido do « ainda não » permanece oculto a Hegel , porque « ele não pode cortar o ví nculo do ser em sentido grego, do είναι , ao sujeito nem libert á lo para a sua pró pria essê ncia » 38. Esta volta à origem procurada não na subjectividade cr í tica, transcendental , idealista e dial éctica mas na realidade-origem de todas as distinções e diferenças exige uma libertação e problematização da enorme avalanche de formas de pensamento depositadas no nosso saber quotidiano, cient í fico e filosó fico. Neste contexto , WIPLINGER aponta os benef í cios imediatos desta libertação: «Quanto mais um pensamento se esforçar por , esqueeido de si mesmo , meditar posteriormente noutro, perdendo se neste , tanto mais se lhe revela o que lhe é pró prio; na liberdade para outrem toma-se livre para si mesmo » 39. Por isso, no citado trabalho « Hegel e os Gregos » HEIDEGGER começa por determinar o conceito genuí no de tradição, depurando-o de toda a ganga e sabor pejorativo que o banalizam e apresentando a tradição como a portadora do presente e daquilo que neste vem ao nosso encontro , como realidade a pensar 40. Por isso, um pensador é tanto maior quanto mais profundamente compreender , a partir da pró pria experiê ncia e esforço de problematização e realização, o que

-

-

-

37 M. HEIDEGGER, Hegel und die Griechen: Die Gegenwart der Griechen im neueren Denken 57 . 33 ID., ibd . 54. 3 " F. WIPLINGER, O .C . 20. 40 M. HEIDEGGER, O .C . 44.

XVII

XVI

atrav és de mestres e da tradiçã o lhe é dirigido como apelo e tarefa , pois a originalidade e novidade de um grande pensador só a partir da sua experi ê ncia compreensiva e esclarecedora da realidade originá ria se poderã o revelar *' . O sentido profundo da historicidade nã o est á ao alcance do mero coleccionador ou sistema tizador de ideias e muito menos da mediocridade de espí ritos à procura da pr ó pria identidade . A atribui ção ao pensamento grego de esquemas que lhe s ã o estranhos , em traduções e exposições, justifica a cr í tica de « nã o gregas » que lhes dirige HEIDEGGER 42 e explica o novo programa de n « pensar os gregos ainda de modo mais grego » , que tem encon trado eco naqueles pensadores de hoje que procuram , num novo encontro com os Gregos , a mudança radical da problemática contemporânea do pensamento 44. Aqui, a « repetição » nã o é restau ração mas origem de novas possibilidades hist óricas , pois o acontecer , enquanto diferir , implica sempre o « mesmo » , um « meio » , como raiz do novo e fonte de originalidade e surpresa. Neste sentido, a fonte flui na corrente , embora o volume ou a cor das á guas acumuladas velem a presença da nascente. A historicidade da experi ê ncia originária aparece exemplarmente traduzida na imagem heideggeriana de vários riachos que jorram da mesma fonte e não na utopia de um regresso cí clico ou progresso indefinido 45. É hoje impossí vel partilhar do câ ndido optimismo e confiança de KANT no progresso cont í nuo da humanidade e rejeitar 46 dogmaticamente toda a hipótese de aniquilaçã o . A for ça at ómica , tornada ameaça nas nossas mãos , leva os cientistas e responsáveis

", F. WIPLINGER , O .C . 32. z M. HEIDEGGER, Vom Wesen und Begriff der

φύσις. Aristoteles Physik

B : II PENSIERO 3 (1958 ) 134, 135, 137, 139 , 146 , 273, 278. ID. , Unterwegs zur Sprache- ( Pfullingen 1960 ) 134 . von “ Cf . entre outros E. FINK, Zur onlologischen Fruehgeschichte 1 ( Frankfurt , Aristoteles ) w . BROECKER ; / Haag ( 1958 Raum- Zeit -Bewegung Den Beitrag Ein , Aristoteles bei Natur und Kunst , , Wahrheit ULMER . ) / M. 1964 ; K zur Aufklaerung der metaphysischen Herkunft der modernen Technik ( Tuebingen 1953) ; E. TUGENDHAT , TI KATA TINOS. Eine Untersuchung zur Struktur und Ursprung aristotelischer Grundbegriffe ( Freiburg / B . 1958 ) ; H. R. SCHLETTE , Das Eine und das Andere , Studien zur Problematik des Negativen in der Metaphysik Plotins ( Muenchen 1966 ) ; F. WIPLINGER , Physis und Logos ( Freiburg / B-Muenchen 1971). 2 " M. HEIDEGGER , Der Satz vom Grund ( Pfullingen 1958 ) 154. " I, KANT, Der Streit der Fakultaeten: Gesammelte Schriften VII ( Berlin 1917 ) 79 ss.

a interrogarem-se pelo homem e seu futuro 47 , já bem longe da crença no progresso indefinido e sua dial éctica , a proclamarem a possibilidade trágica da destruiçã o da vida planet ária e a apelarem para a responsabilidade da decisão do homem, pela primeira vez posto entre o ser e o não-ser da pr ó pria espécie 48, pois , como escreve K. LORENZ, dificilmente poderemos prever uma vida longa , quando sustentamos na mão a bomba de hidrog énio e albergamos no coração impulsos de agressividade 49. A opção humana chamada a intervir em assunto de tanta radicalidade tem de procurar e de reencontrar na densidade esquecida a fonte da força moral e da coragem de existir e sobreviver.



N ão só ao fil ósofo mas tamb é m ao historiador da FiloIII sofia e da Cultura interessa a presente tradução. Agora, outro tipo de « fonte » ou « origem » aparece sob a forma de « documento », onde se objectivou o esforço do pensamento humano. A ida às fontes cronologicamente ordenadas para aí colher as ideias sedimentadas , a análise da rede de influências entre pensadores , sistemas , escolas ou é pocas, incluindo o tempo em que vivemos, a determinação da originalidade e depend ê ncia de um fil ó sofo convertem-se em centro das preocupaçõ es do historiador das ideias filosó ficas. Isolando , por ém, a fonte documental da « fonte-origem » em sentido filosó fico , torna-se ambí gua , para não dizer contradit ó ria, a actividade do historiador da Filosofia, que facilmente degenerará em simples coleccionador doxográ fico, de cepticismo mais ou menos acentuado. Por isso , a interpretação de uma fonte documental filosó fica visa o aut ê ntico problema , ou melhor , metaproblema real atrav és do precipitado verbal escrito , reconhe cendo-se o int érprete por aquele igualmente envolvido tua res agitur , apesar das diferenças individuais , sistemáticas e epocais, constitutivas de rostos filosó ficos distintos. Ê essa última e radical inst ância , simultaneamente exigê ncia e apelo , que faz da Filosofia obra profundamente sé ria, desconhecida das meras doxografias e das exposiçõ es irreflectidas e exteriores dos filósofos , com que na banalidade da docê ncia e discê ncia quotidianas se identifica a





Cf . as Actas do Simpósio de Londres de 1962, subordinado ao tema Man and his Future. A Ciba Foundation Volume edit , by CORDON WOLSTENHOLME (London 1963). R. OPPENHEIMER , Drei Krisen der Physiker (Olten und Freiburg / B. 1966) 81. ,s K. LORENZ . Die Hoffnungen unserer Zeit , zehn Beitraege (Muenchen 1963) 147 ss. 41

«

XIX

XVIII Flist ó ria da Filosofia. A visão do expositor-espectador das ideias filosó ficas , pela sua exterioridade , perde se no linguajar da irreflexão e não atinge aquela conaturalidade com esse metaproblema ou inst ância última « mist ério » na expressão de 50 G. MARCEL — que justifica uma cr í tica interna dos pensadores , a única filosoficamente válida. J á E. HUSSERL advertira , embora sem eco em muitos dos que se dizem fenomenólogos, que a leitura cr í tica das suas páginas se não deve perder na objectivação literal 5 I , o que , sem d úvida , frequentemente se verifica na interminá vel justaposição de textos sem contexto, porque se perdeu de vista o sentido oculto e problema real que agitam o traçado versátil e sinuoso do discurso. £ de ter na devida conta esta atitude husserliana, quando se traça a outra face do seu g énio o culto da análise fina e pormenorizada, que o levava a exigir dos seus alunos « trocassem tudo por miúdos » , como nos relata H.-G. GADAMER 52. Nesta linha de exigê ncia interpretativa, para al ém do que um fil ósofo expressou e tematicamente disse, interessa a lat ê ncia do não-dito mas visado, modo de presença profunda a transparecer no aceno do discurso. Assim, na frase de HEIDEGGER, estimar um pensador é pensar com ele o « essencial » do seu pensamento 53, que pode estar não no que expressamente disse mas no que ele quereria dizer 5* . O « essencial » , para que deve apontar um dicioná rio filosó fico como texto auxiliar de leitura, não deve confun dir - se com o resultado da abstracção empobrecedora do real ou do modo abstractivo de conhecer. Se assim fosse , para filosofar

-





-

Position et Approches concretes du Mystè re ontologique? (Louvain-Paris 1967) 45 ss. 51 « Todas as críticas que conheço, erram de tal modo quanto ao sentido fundamental da minha fenomenologia, que esta de modo algum foi atingida , apesar da cita ção das minhas palavras » , E. HUSSERL, Vorwort zu E. FINK , Die Phaenomenologische Philosophic Edmund Husserls in der gegenwaertigen Kritik : Studien zur Phaenomenologie 1930-1939 ( Den Haag 1966 ) vn. 50

G. MARCEL,

Depois de afirmar que HUSSERL se sentira mestre e professor do trabalho descritivo, paciente e pormenorizado, GADAMER transmite-nos a expressão pitoresca com que HUSSERL refreava os altos voos prematuros dos jovens discí pulos: « Nicht immer die grossen Scheine, meine Herren , Kleingeld , Kleingeld » ( Nem sempre as notas grandes, meus senhores, dinheiro miúdo, dinheiro miúdo). H.-G GADAMER, Kleine Schriften in , Idee und Sprache (Tuebingen 1972) 3. M M. HEIDEGGER , Holzwege (Frankfurt / M. 1950) 235. 2 M ID. , Kant und das Problem der Metaphysik ( Frankfurt / M. 1951) 183. 52

bastaria registar as diversas concepções de Filosofia aparecidas no decurso de vinte e seis séculos, compar á-las entre si e abstrair delas o que t êm de comum, obtendo assim uma forma vazia , aplicável a qualquer subordinado l ó gico. Quando muito , far í amos obra de erudição , povoando a memória com muitos conheci mentos sobre opiniões de fil ósofos mas não filosof ávamos. Por outro lado , ao praticarmos semelhante abstracção , reduzir í amos a seriedade e autenticidade de tantos fil ó sofos à classificaçã o simplista e có moda do nosso espí rito. N ão ir í amos, em atitude dial ógica, at é aos outros que filosofaram, mas , por reduções sucessivas , integrá-los-í amos num esquema classificativo das múltiplas concepções de Filosofia. Submetidos a esta exigê ncia de formalização de uma lógica subsumptiva, seriam os outros esquecidos porque despojados da sua alteridade e diferença epocal e individual e compelidos a entrar nos estratos l ó gico-abstractos de um « eu » classificador. Tal aspecto meramente livresco , que anuncia a morte pró xima da Filosofia e da Hist ória da Filosofia , assenta na reduçã o da « fonte » do saber filosó fico à sua « fonte » documental , já objectivada e morta e que o analista, como espec tador desinteressado , pacientemente disseca e , depois , arquitectonicamente sistematiza. Por isso , o uso de um dicioná rio de termos filosó ficos não visa terminalmente a pura acumulação do saber mas a compreensão da realidade , que solicita a nossa fidelidade e correspond ência.

-

-

— Também

o filólogo encontrará neste dicionário de termos filosó ficos gregos um valioso auxiliar de investigação. A filosofia contemporânea sente no problema da linguagem um inexaurível pólo de interesse e, mais do que nunca, as fronteiras entre filologia e filosofia se tocam para proveito mú tuo e frequentemente se cruzam e invadem. A sabedoria a que a filosofia aspira , não se reduz a uma sistematização baseada na prioridade do conceito mas reside num terreno pr é-conceptual ou lugar pr ó prio da parusia do real: a palavra. Para o homem, segundo HERACLITO ouvinte da palavra 55 , o real não é desnudado de linguagem, opaco ao falar , de modo que a palavra fosse veste exterior a revesti-lo. Pelo contrário, é « diz í vel » , revelável na palavra que diz , isto é , desvela, deixa aparecer aquilo que é. Quando a palavra acontece , não suspendemos nem reduzimos a realidade mas dizemo-la,

IV

.

J. B. LOTZ , Hoerer des Logos , der Mensch bei Heraklit von Ephesus: Der Mensch im Sein ( Freiburg-Basel- Muenchen 1967) 13-51. 56

.

ID ,

XXI

XX

desocultando-a e percebendo-a. Se não entendemos o dizer da palavra, não percebemos a realidade. Falar não é envolver uma realidade neutra ou adversa em sinais f ónicos , como ouvir não é decifrar sinais. Na dicção e audição é a realidade que se torna patente e manifesta. Nesta experiê ncia de desvelamento assenta a constituição, derivada e posterior , de sinais e significados , cujo hipostasiamento, com a redução ou suspensão das coisas e dos sujeitos falantes, é nuclear dentro do estruturalismo. Abrindo a um sistema primariamente sincrónico de conceitos e sinais verbais è m mútua relação conjuntiva ou disjuntiva, com exclusão de qualquer realidade extralinguí stica e analisando a linguagem apenas como instituição, distinta do seu acontecer no discurso , a reduçã o estruturalista, pelo seu carácter unidimensional , não pode fundamentar o fenómeno linguí stico, como se fosse filosofia, embora, ao ní vel da ciê ncia, nos ofereça a exig ência mí nima a que tem de obedecer a leitura de um texto, seriamente ameaçada pela atomização de ideias gerais e conceitos, quando as palavras, esquecidas na sua polissemia, são arrancadas à rede das suas relaçõ es sint ácticas. Sob este aspecto, ganha sentido a critica à queles dicioná rios de termos , que , nos estudos semânticos que apresentam, não satisfazem as exig ê ncias mí nimas da análise estruturalista da linguagem 56. Se a atitude estruturalista polemiza com o atomismo, o substancialismo, o evolucionismo e o naturalismo ao contrapropor o relacionismo, o formalismo ou funcionalismo, o cstaticismo ou essencialismo e o antinaturalismo 37, não é menos certo que daí resulta a substituição do mundo dos indiv í duos, dos processos hist óricos , das decisões livres e de horizontes abertos por um todo de relações e funções, onde o est á tico e o sincrónico det ê m o primado, por um mundo fechado de regras, um mundo como partitura ( LéVI-STRAUSS ) , uma ordem de sí mbolos ( LACAN ) 58 . O sinal fica reduzido à oposição a todos os outros sinais e à diferença, que lhe é imanente , entre significante e significado , E. SCHILLEBEECKX , Glaubensinterpretation, Beitraege zu einer herme neutischen und kritischen Theologie , Uebers (Mainz 1971 ) 26 . " E. COSERIU , Einfuehrung in die struktureíle Linguistik , Vorlesung gehalten im Winter- Semester 196 Ί / 8 an der Universitaet Tuebingen (Tuebingen 1969 ) 39-68. 58 Cf . as considerações de F. WAHL sobre a episteme estruturalista de M. FOUCAULT e as posições de J. LACAN e J. DERRIDA em Qu’ est -ce que le Structuralisme? 5 . Philosophic ( Paris 1973 ) 17- 126 , 127-189. Sobre o conceito lacaniano de linguagem , s í mbolo e estrutura inconsciente da linguagem , cf . H. LANG , Die Sprache und das Unbewusste , Jacques Lacans Grundlegimg der Psychoanalyse ( Frankfurt / M. 1973) 57-78 , 79- 165 , 166- 246 . 55

expressão e conteúdo 59. Separada dos sujeitos falantes e das coisas a que espontaneamente se reporta, a linguagem apresenta-se à descrição anal í tica como um sistema de sinais caracterizado pela determinação mútua dos significantes em cadeia sonora e dos significados em série conceptual , pelo primado da sincronia e pela alteração e quebra de inteligibilidade da diacronia e da hist ória, pelo aspecto inconsciente das leis linguí sticas ou por uma ordem finita e categorial que se ignora. Neste contexto, o estruturalismo surge como um género de intelectualismo radicalmente anti-reflexivo , anti-idealist a e antifenomenol ógico “, O anomimato, o r í gido hermetismo , a instituição e ordem impessoal da linguagem como semiótica repousam, para al é m da exclusão dos sujeitos , na redução ou suspensão das relações dos sinais à realidade concreta , como meio de constituição dos significantes. Neste caso, o sinal , pela dist ância e negatividade que o separam das coisas, não é revelação , « exibição » ou dicção do real nem aut ê ntica palavra, pois o mais importante da fala humana o « dizer » o mundo no discurso começa para além do espaço estreito da semiologia , quando o universo dos sinais transcende horizontes fechados e se abre em discurso , dizendo, patenteando, mostrando as coisas. Isto seria a superação da estrutura pela abertura ao ser , que , pela sua « dizibilidade », provocaria indefinidamente a resposta do homem, encarregado de chamar os seres pelo seu nome. Esta superação dinâmica identificar-se-ia com o acontecer da estrutura, com a sua temporalização , com o « dizer » como abertura simult ânea do





homem e das coisas. A experiê ncia do real dizível e perguntável precede , como pr é-compreensão , toda a elaboração conceptual e , por isso , os conceitos, análogos ou uní vocos, são derivados necessários do terreno pré-conceptual da palavra. A poesia procura restaurar a linguagem e conduzi-la à sua fonte ; a « repetição » é, aqui, subida ao fundamento e o filósofo hoje , a exemplo de HEIDEGGER , pode explorar , seguindo o paradigma grego , a linguagem que outrora foi a da filosofia nascente , ainda muito próxima da poesia que nomeava deuses e veiculava mitos. Esta linguagem dizia o ser e o cuidado do ser que distingue o homem, porque possuí a ainda toda a seiva e conservava o eco das experiê ncias originá rias da pré-compreensão das coisas 61. Por isso, « o que permanece, instituem-no os s*

Cf .

p. RICOEUR ,

Le Conflit des Interpré tations , Essai d' Hermé neutique

( Paris 1969) 81-84 .

" 61

P. RICOEUR, o .c . 37 . M. DUFRENNE, Le Poé tiqué1 ( Paris

1973) 94-96.

XXIII

XXII poetas » 62, dando nomes segundo a natureza das coisas. O poeta fez a experiê ncia das coisas e da sua rela ção à palavra , sentindo que só a palavra permite que uma coisa esteja presente e apareça segundo aquilo que ela é, mantendo-a no seu ser. A linguagem não pode entender- se como simples ve í culo de significações ou função de comunicação , pois a sua essê ncia só pode pensar se a partir do ser , presente na palavra como na casa, em que habitam, em

-

estreita vizinhança, o pensador e o poeta. Enquanto chegada do ser que « luz » e se oculta, a linguagem diz , isto é, mostra, deixa aparecer , ver e ouvir algo 6 }. Como primeira forma hist órica de tudo o que se mostra ou modo originá rio de as coisas estarem na verdade , serem presentes e experienciadas , a linguagem é instituição primordial ou institui ção das instituiçõ es 61, em que permanece a unidade da multiplicidade , a verdade como desvelamento e o sentido que reúne as coisas. A densidade da experi ê ncia grega da linguagem em que a verdade é vivida como άλήθεια , est á presente à marcha heideg geriana do pensamento desde a interpretação do método fenome noló gico , assente na recuperação do sentido de λόγος e φαινόμενου, feita no § 7 de Ser e Tempo. Outra interpretação da linguagem a lógico-metaf í sica vinculou-se à verdade como adequaçã o ( όρθότης ) e ficou também abundantemente documentada no pensamento ocidental através de PLATãO, ARISTóTELES, BOéCIO, COMENTADORES e TRADUTORES áRABES de ARISTóTELES, Escol ástica Medieval , Lógica matemática e Log í stica. À proposição ou enunciação como lugar da verdade , subjaz a diferença metaf í sica entre formas l ógico-categoriais e o sujeito primeiro ( πρώτον υποκείμενον ) ou raiz material al ógica ( άλογον ) despida de todas as determinações ( άόριστον ) 65. Esta diferença onto-l ógica torna-se onto-teo-lógica , quando a forma ou essê ncia surgir elevada a expoente divino como Pensamento do Pensamento 66. Constituí da a predicação como





HOELDERLIN ,

.

Saemtliche Werke , grosse Stuttgarter Ausgabe , hrsg.

Bd . ii , 1 (Stuttgart 1951 ) 189 . M. HEIDEGGER , Platons Lehre von der

F BEISSNER , 63

Wahrheit , mit einem Brief ueber den Humanismus2 ( Berlin 1954 ) 70; ID., Unterwegs zur Sprache3 ( Pfullingen 1960) 252 , 254 , 255 , 257. M M. MUELLER , Transzendentale Erfahrung 73-77. “ υποκείμενον ( Met . Ζ 3 , 1029 a 10-27 ; Η 2 , 1042 b 9 ; Phys. I 9 , 192 a 31) ; άόριστον ( Met . Γ 4, 1007 b 27-29 ; 5 , 1010 a 3; Z 10, 1036 a 5 ; Θ 7 , 1049 b 2 ; άλογον ( Met . Θ 5 , 1047 b 35 ss.); άγνωστον ( Met . Z 10, 1036 a 8ss . ) . Cf . F. WIPLINGER O.C . 65 . " Met . E 1 , 1026 a 20-22. Cf . F. WIPLINGER , Urspruengliche Spracher fahrung und metaphysische Sprachdeutung : Die hermeneutische Frage in

lugar da verdade ou da falsidade , todo o « dizer » ser á interpretado como adequação , verificação ou comunicação intersubjectiva de que S é P , podendo P ser forma matemática , lei , modo de funcionamento , essência imutável e eterna, estrutura definitiva ou provis ó ria e hipot é tica. Log í stica, Teoria da Informação e Cibernética apresentam o aperfeiçoamento extremo de redução da linguagem ao modelo enunciativo e « catal élico » 67, na sequê ncia da progressiva transformação da relação das palavras , categorias e conceitos em cálculo e f órmulas matemáticas. Esta perfeição t écnica coincide com o empobrecimento do « dizer » e , por isso , a distinção entre linguagem e realidade , ao eliminar o peso ôntico da primeira , possibilita o aparecimento da concepção da linguagem como sistema de sinais. S ó a partir daquela distinção pode surgir a pergunta por uma origem extralinguí stica da linguagem. Nesta sequência de influências hist óricas , podemos , com κ.-o. APEL 68, dividir , segundo duas direcçõ es principais , os motivos aristot élicos da Metaf í sica e Lógica da linguagem a partir do fim da Idade M édia e sobretudo da Instauratio Magna Scientiarum do séc. xvn: A ) A do nominalismo de Ockham e seus continuadores, que preparou o empirismo inglê s sobretudo no capí tulo da semiótica e fundou a crí tica da linguagem no pressuposto da intuição extralinguí stica dos dados sensí veis. Os « idola fori » de F. BACON conti nuam os elencos sof í sticos aristot élicos quanto ao papel de encobrir os factos da experiê ncia sensí vel com as imagens enganadoras transmitidas pela linguagem, como o « véu das palavras » obscurece , para BERKELEY, a linguagem da natureza em que Deus nos fala , ou seja , a associação dos sinais dos dados dos sentidos. Em B. RUSSELL, a possibilidade de comunicação linguí stica repousa no poder de reduzirmos a significação das palavras a dados sensí veis anteriormente conhecidos. Ê esta a origem do crit ério empí rico do sentido da linguagem do séc. xx.

-

der Theologie , hrsg . von o. LORETZ und w . STROLZ ( Freiburg-Barcelona-Dar-es-Salaam-New York -São PauloTokio 1968 ) 53 ; M. HEIDEGGER , Die onto- theo1 -logische Verfassung der Metaphysik : ID., Identitaet and Different ( Pful lingen 1957 ) 37-73. 47 A expressão é usada por R . BOEHM, Das Grundlegende und das Wesentliche . Zu Arist ó teles' Abhandlung «Ueber das Sein und das Seiende » ( Metaphysik Z ) ( Den Haag 1965 ) e refere-se a « άλλο κατ’ άλλου λέγεται » ( Met. Ζ 4 , 1030 a 11 ) , « κατ ’ άλλήλων λεγόμενον » ( Ζ 17 , 1041 a 33) , que é ο « dizer-se uma coisa de outra » ou « o dito e predicado de outro » . “ κ.-o. APEL, Heideggers philosophische Radikalizierung der « Herme neutik » und die Frage nach dem « Sinnkriterium » der Sprache : Die hermeneutische Frage in der Theologie 96 ss.

XXIV

XXV

O ideal aristot élico de um cálculo ló gico-lingu í stico foi continuado na . é poca da « mathesis universalis » sobretudo por LEIBNIZ, que só numa linguagem artificialmente construí da vislum brou a plena formalização ou combinat ória de ideias simples a que se deveriam reduzir , por definição anal í tica perfeita , as significações das palavras. Neste caso , poderiam um dia os cientistas evitar as disputas, intermináveis e inevit áveis dentro da linguagem natural , atrav é s da palavra de ordem da nova linguagem: « calculemus » 69. Compreende- se o sentido do pressuposto racionalista de que uma linguagem se pode construir a priori , sem recorrer à experiê ncia sensí vel , apenas com o aux í lio da sintaxe l ógica, permanecendo o « calculus ratiocinator » sem realização intuitiva da intenção significativa dos seus sinais. Aqui est á a origem da afirmação de que a forma l ógica da linguagem , convenientemente entendida , nos fornece o crit é rio que permite distinguir o discurso com sentido do sem sentido 10. O cruzamento destas duas direcções saí das da concepção gico ló - metaf í sica grega da linguagem, ou seja, a sí ntese da forma lógica da linguagem e do crit ério empirista e nominalista caracteriza a filosofia anal í tica da linguagem do nosso século. Ao υποκείμενον aristot élico extralinguí stico sucedeu , apó s ltiplas mú vicissitudes hist óricas , a coisa-em-si kantiana , separada do seu logos ou palavra e subjacente a toda a ordem categorial e intuitiva e ao pensamento que nesta se movimenta. Toda a tentativa de mediação entre o sujeito incognoscí vel e seus predicados categoriais continua longe da concepção originá ria da linguagem , que ignora esta diferença metaf í sica. A pró pria aceitação da mediação por parte de Hegel só tem sentido dentro do primado desta diferença, mesmo que se reconheçam insufi cientes as duas partes componentes da sí ntese aristot êlica ou kantiana. A dial éctica continua metaf í sica e a radicalidade do acontecer como diferir impensada. Pensar com os Gregos não é abandonar a nossa situação hist ó rica mas aprofund á-la , em atitude de conaturalidade e co-genialidade; é uma empresa e um desafio gigantesco, a que não podem corresponder os que obstinadamente seguem a via da mediocridade. Neste nosso perí odo hist ó rico , pós-metaf ísico pela superação do χωρισμός , pressente-se o advento de novo sentido ,

B)

.

G w . LEIBNIZ , Opuscules et Fragments L COUTOURAT ( Paris 1903) 153 , cit . por K -O APEL O C

.



70

.-

K O. APEL

o.c. 97.

. .

iné dits de Leibniz , ed .

. . 97 .

apesar de continuar , densa e cerrada , a atmosfera niilista , vivida e descrita em diversas obras , sob diferentes â ngulos e n í veis 1'· . Desde a negação universal de sentido e a destrui ção do homem como pessoa à « morte de Deus » ultimamenle aparecida sob o nome de Teologia, o poder nadificante da razão humana atingiu na negação aquele absoluto que recusara na afirmação. O sonho nietzschiano de uma sociedade de negadores 11 , o niilismo activo 73 e a vontade de nada 74 infiltraram-se na sensibilidade dos pensa dores , artistas e do homem em geral . É o « tempo de penú ria » , « dic duerftige Zeit » de HOELDERLIN, sem festas nem culto , sem deuses nem j úbilo , porque « viemos tarde demais » e os deuses , embora vivam, est ão em cima , noutro mundo. Os poetas , neste tempo vazio , nada sabem da finalidade dos seus versos 75. Ê a terra convertida em deserto pelo homem, a noite do mundo, em que se desconhece a essê ncia da morte e onde os mortais já não habitam como poetas , segundo a expressiva descrição heideggeriana do niilismo contempor âneo 16 . Por isso , pensar com os Gregos é revigorar a esperança no advento de um sentido novo. MIGUEL BAPTISTA PEREIRA

Faculdade de Letras— Coimbra Maio de 1976



71 D. ARENDT , Der Nihilismus Ursprung und Geschichte im Spiegel der Forschungs - Literatur seit 1945: Deutsche Vierteljahrsschrift fuer Literaturwissenschaft und Geistesgeschichte 43 ( 1969) 346- 369 , 544-566 . 73 F. NIETZSCHE , Nachgelassene Werke , aus den Jahren 1872 / 73- 1875 / 62 : Nietzsche’ s Werke , Bd . x 2 (Leipzig 1903) 420-421 . 73 ID., Der Wille zur Machf : Nietzsche’ s Werke , Bd . xv ( Leipzig 1911 ) 156. 7< ID., ibd . 184- 185 . Cf . J . PIEPER , Zustimmung zur Welt , eine Theorie des Festes ( Muenchen 1969) 117-118 . 7! HOELDERLIN , Brot und Wein: Werke und Briefe , hrsg . von F. BEISSNER und J. SCHMIDT, Bd . i ( Frankfurt / M . 1969 ) 117-118 . 75 Cf . w . MARX , Heidegger und die Tradition ( Stuttgart 1961 ) 234-236 .

PREFACIO

A grandeza e a miséria da filosofia grega é a sua falta de passado. Contando apenas com a linguagem comum e o potencial dúctil da lí ngua grega , os filósofos helénicos não só formularam uma problemá tica dentro da qual todos os pensadores subsequentes moldaram as suas próprias reflexões , mas legaram também uma terminologia sofisticada e complexa como veículo dos seus pensamentos . Tanto os termos como os conceitos que empregaram têm sido, desde ent ão, acrescidos com um milénio e meio de conotações de que nem mesmo o mais decidido se pode desembaraçar complé tamente. O filósõfo ou o teólogo contemporâneos podem tentar repensar o conceito mas são traídos na forma de o exprimirem . Pois aquilo que o pensador se esforçou por remover, o leitor ou o ouvinte repõem-no. Palavras como « Alma » e « Deus » trazem com elas todo o peso da sua hist ória. Por uma ironia que pouco tem de invulgar o que , de vá rios modos , lemos retrospectivamente no nosso passado grego é o s e u futuro filosófico. Tem-se a experiência de um Platão whiteheadiano e nietzschiano, de um Aristóteles tomista e hegeliano e até de um Diógenes existencial. Como em muitos outros casos , os Gregos incriaram esta peculiar falácia hist órica. É evidente que os estoicos se reviram retrospectivamente em Heraclito; e os neoplat ónicos e Plotino em Platão. É obviamente necessário fazer de algum modo uma tentativa para abordar os Gregos através dos seus pró prios termos. Creio que isto pode ser realizado não pela habitual abordagem cronológica e histórica que, em virtude de todas as suas divisões em « escolas » e « sucessões » , mais obscurece do que ilumina as evoluções que de outro modo pod íamos discernir na filosofia antiga , mas sim por uma abordagem da problem á tica tal como se revela no tratamento sucessivo de alguns dos conceitos básicos . Isto pode fazer-se de vá rios modos e a diferentes níveis, mas o método e o n ível adaptados nesta obra são os mais adequados à s

3

2

necessidades do que pode designar-se por « estudante médio » do assunto , e não às do principiante que est á a tomar contacto pela primeira vez com a filosofia grega , pois esse ficaria melhor servido com uma hist ória da filosofia antiga e, talvez , um dicion á rio dos termos bá sicos , nem por outro lado à s do especialista que exigiria um tratamento simultaneamente mais profundo e complexo. Uma vez que é de presumir que um tal « estudante » esteja de certo modo familiarizado com a mat é ria , julgou-se seguro apresentar , de maneira bastante completa , uma terminologia transliterada directamente do grego para os seus equivalentes ingleses num esforço modesto de aligeirar a bagagem hist ó rica . A gí ria filosófica pode ser mais facilmente expurgada do que os preconceitos e é esta esperança que faz surgir com frequência stoicheion como « elemento » e physis como « natureza . » Além disso é apresentado no fim um índice remissivo completo. O m é todo que adoptamos isola ent ão algumas das á rvores da floresta que, por vezes, ameaça subjugar-nos a todos, e tenta traçar a sua evolução desde a glande ao carvalho plenamente desenvolvido. Procura também , se a metáfora é permitida por mais tempo, mostrar um pouco da estrutura da raiz que estabelece a ligação. Cada item está remissivamente referenciado com todo o cuidado e se estas referências forem seguidas emergirá um contexto filosófico bastante completo para cada um dos termos . Todos os itens fornecerã o uma certa informa ção , mas deve procurar-se o significado nos complexos mais vastos . Por ú ltimo, cada item destina-se a ser lido com os textos dos pró prios filósofos e há referências textuais completas a cada passo da explana ção . Esltes sã o os elementos finais na constru ção de um contexto frutuoso em que a hist ória anterior do conceito iluminará um texto filosófico, enquanto o texto dará beleza à compreensão do termo.

Tanto os originais como as tradu ções de Plat ão e Aristóteles são de f ácil acesso. Quanto aos primeiros fil ósofos e aos que se lhes seguiram , os livros abaixo indicados abrangerão todas as referê ncias feitas no texto com excepção de muito poucas ;

-

Pré socráticos

— H.

Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker , edições 5.a-7.*, editado por W. Kraz , 3 vols., Berlim , 1934-1954. (Abrev. Diels no texto).

, Ancilla to the Presocratic Philosophers , Oxford, — K. Freeman tradução dos fragmentos em Diels.

1948;

uma

— G1957. S

. Kirk e J. E. Raven , The Presocratic Philosophers *, Cambridge, ; textos e traduções de alguns fragmentos dos pré-socr á ticos.

Pós-aristot élicos



J . von Arnim , Stoicorum Veterum Fragmenta, 4 vols., Leipzig , 1903-1924. (Abrev. SVF no texto). De Vogel, Greek Philosophy: A Collection of Texts , vol. in , Leiden , 1964. Uma excelente selecção de textos, sem tradu ções, desde a filosofia pós-aristotélica.

— C. J.

Os seguintes autores sã o também referidos com frequência : , Aé — 1879 . . Laé — DiR. genes D.

cio, Placita editado por H . Diels in Doxographi Graeci , Berlim , (Abrev Aetius no texto).

rcio, Lives of the Eminent Philosophers, ed. e trad . Hicks , Loeb Classical Library , Londres, 1925. (Abrev. D. L. no texto).

ó

— Filon —.

, Works , ed. e trad . F. H . Colson et al ., 10 vols., Loeb Classical Library, Londres , 1929 até esta data.

Plotino, Enneads , ed. E. Bréhier , 6 vols., Paris , 1924-1938; trad . S MacKenna , 2.* ed ., Londres, 1956.



Plutarco, Moralia, ed. e trad . F. C. Babbitt et ah , Loeb Classical Library, Londres, 1927 at é esta data.

. E . Dodds 2.“ ed Oxford , . — 1963. Elements R . . Bury Adversas Mathematicos , ed e Sexto — Classical . 1935-1953. Proclo,

of Theology ed e trad

Empírico, Library, 3 vols , Londres ,

R

.

.,

,

trad.

G

,

, Loeb

manifestar a minha gratid ão ao Arts and Science Fund da Universidade de Nova Iorque pelo subsídio Research destinado à preparação do manuscrito desta obra , e particularmente às duas colaboradoras abnegadas, Eileen Markson e Kristin Helmers, que verteram o texto impenetrável para uma cópia clara . Quero aqui

* Nota do Editor: A editar, com o título de Os Filósofos Pré-Socráticos , na série de Manuais Universitá rios do Plano de Edi ções da Fundação Calouste Gulbenkian.

NOTA PRELIMINAR

Linguagem e Filosofia

Os fil ósofos tiveram problemas com a linguagem quase desde o in ício. O escultor pode amaldiçoar a sua pedra ou o pintor as suas tintas, mas nenhum deles pretende a separação. O filósofo , pelo contrá rio, vive permanentemente na sombra da infidelidade, ora suspeitando da metáfora , ora da tautologia ou eventualmente sucumbindo ao extremo desespero, com receio de estar a lidar com nomina tantum. As afecções dos Gregos por estes males foram eventuais e benignas ; além disso, era-lhes poupada a indignidade final da deserção para a matemá tica , embora a atracção fosse longa e séria. Confiavam nos nomes e a sua autoconfian ça era tal que podiam mesmo permitir-se o luxo de jogar com eles. E quando chegavam ao ponto de dar nomes às coisas novas e desconhecidas que eles pr óprios tinham elaborado , abordavam a tarefa com confian ça e espí rito inventivo. A linguagem pré filosófica fora moldada pelo uso popular e pelas intuições mais transcendentes da religião e da mitologia. O primeiro estava marcado evidentemente pela sua predilecção pelas coisas ; mas havia , a juntar-se a isto , um depósito crescente de termos mais ou menos abstractos provenientes dos sentimentos morais da tradição épica . Dike , time , arete , embora pensá veis em termos puramente materiais , já eram utilizados como abstractos , e a primeira geração de filósofos, que ainda se submete à maioria das convenções poéticas, baseou-se largamente neste vocabulá rio épico . Mas quanto ao resto, havia coisas como ouro, carros, a alma ( psyche ) , lanças, e o ânimo ( thymos ) e eram todos objectos materiais e todos eles passíveis de localização bastante precisa. Mas havia outro factor a interferir. A busca do conhecimento racional não começou com Tales tal como a lógica não começou com Arist óteles. Todos os homens primitivos tentam pôr-se de acordo com os aspectos mais numinosos do seu ambiente por

-

7

6 intermédio do ritual e do mito, e a versão helénica deste , foi uma tentativa particularmente rica e imaginativa para organizar e explicar n íveis superiores da realidade de uma maneira coerente. O mito é, entre outras coisas, explicação e, quaisquer que sejam as dimensões que o seu conteúdo moralizante possa assumir , o

elemento didáctico nunca está por completo ausente. O mito foi o precursor imediato da filosofia e forneceu-lhe não só certas conceptualizações embrion á rias, mas também vislumbres relativos ao funcionamento do mundo. 0 mito já pressupõe uma ordem do mundo, aquilo a que os filósofos chamariam um kosmos , mas baseia-a principalmente nas rela ções genealógicas entre os deuses cuja estrutura familiar, derivada de paradigmas humanos, não só preservava mas também explicava a ordem da realidade terrestre . Incorporava ainda a noção do que mais tarde se ia chamar causalidade, embora na sua forma mitológica pudesse ser designado mais apropriadamente por princípio da responsabilidade, dado que quer ele quer os modelos de ordem se fundamentam no princípio mitológico característico do antropomorfismo. O divino ( theion ) havia sido personalizado, pelo mito, num deus ( theos ) e podia assim ser articulado, sistematizado e considerado responsável pelos fenó menos. Os fil ósofos primitivos , com todas as suas contribuições revolucioná rias, eram devedores da concepção mitológica do mundo. Eventualmente atacaram-se as bases antropomórficas em que este havia sido construí do , mas os efeitos não foram de in ício postos em causa visto que o hilozoísmo universal desses primeiros pensadores lhes permitiu explicar a acção e a reacção em termos de vida e de movimento naturalmente inerentes às coisas materiais. Porém , depois de Parménides ter negado a premissa hilozoística , o deus mitol ógico personalizado reapareceu, n ão certamente nas suas grosseiras formas homé ricas, mas como um artista que molda ou um pensador que persuade , ambos inequivocamente personalizados mas privados de aspecto f ísico e vontade. Assim , no â mago dum filosoficamente detestado retorno infinito, preservara-se aquilo que em certa medida pode ser identificado como o deus dos mitólogos. 0 que de facto os filósofos fizeram foi reivindar a t í tulo exclusivo toda a á rea intermédia da causalidade secundá ria . O mito foi banido destas regiões e a causalidade substituiu a responsabilidade. Mas antes que isto pudesse ser feito ou , melhor , ao mesmo tempo que isto se fazia , teve de se moldar uma nova forma de discurso e uma nova linguagem para o exprimir . Se Tales disse, realmente , que a água era a arche de todas as coisas ( Arist ó teles, Meta. 983b ) , o que é de

admirar não é tanto a substituição de Zeus por á gua ( os mitólogos já tinham personificado o Oceano para servir o mesmo fim genético ) , como a introdução de arche em vez de o pater dos mit ólogos. Tales ( ou talvez Anaximandro ) procurava um ponto de partida que não fosse o habitual ponto de partida mitológico do pai e escolheu um termo, arche , de uso já bastante comum , para exprimir o novo conceito. Os sentidos anteriores de arche continuaram a ser empregados mas uma nova dimensão fundamental fora acrescentada à linguagem. 0 que é que os filósofos fizeram à linguagem ? Ao princípio não fizeram nada , visto não saberem , felizmente talvez , que eram filósofos e assim continuaram a usar as palavras na sua acepção comum , a qual, na realidade , tendia a ter sentidos bastante concretos e individualizados: o quente e o bom eram alguma coisa. As grandes alteraçõ es terminológicas introduzidas pelos filósofos e uma análise do seu emprego sugere que se efectuaram apenas gradualmente estavam relacionadas com as « descobertas » da mcorporeidade e da predica ção universal ou , dita em termos mais triviais , com a consciê ncia de que havia coisas e coisas. As dimensões desta ordem nova da realidade, que nã o estava relacionada com objectos no sentido vulgar e que podia ser generalizada, só pouco a pouco foram compreendidas , e o obstinado carácter concreto da linguagem , consagrado por uma tradi ção épica que se deleitava no f ísico, nunca desapareceu por completo. Os seus efeitos posteriores mais óbvios podem ver-se, provavelmente , no persistente há bito grego de filosofar por meio de metáfora. Tal como o geómetra podia oferecer uma prova « por construção » , assim também o fil ósofo se sentia totalmente satisfeito com a substituição da análise pela analogia. A linguagem começou a mudar. Elementos pré-filosóficos como eros e chronos ( dos quais o mito já se tinha apropriado para os seus pró prios fins ) , eidos, physis e a já mencionada arche desenvolveram novas conotações, enquanto outras palavras antigas tais como hyle e stoicheion foram utilizadas para novas significações fundamentais. O concreto cedeu ao abstracto, e assim poion , « apenas uma coisa tal » , d á lugar a poiotes , « qualidade » ( no Teet ., 182a , Plat ã o pede desculpa pelo termo novo e bizarro ) . De facto, isto progride at é ao ponto em que só os nomes ( Cálias, Sócrates ) servirão para denotar o indivíduo, ou at é à s peculiaridades aristotélicas tais como: « este algo ou outro aqui » ou o intraduzível To ti en einai. Os poderes combinat ó rios da linguagem sã o mobilizados para descrever as novas complexidades ( hypostasis , hypokeimenon, symbebekos , entelecheia ) , e eis que aparece





8

um verdadeiro tesouro comum de termos abstractos para identificar processos recem-delimitados ( apodeixis , synagoge , phronesis, genesis , kinesis , aisthesis , noesis ) . Todos estes requintes e novas formações acabaram por conduzir a um vocabulá rio t écnico sofisticado que pouca semelhança tinha com o uso comum. Entraram também em jogo considerações literá rias . Um panfleto estoico dirigido a um audit ório popular fará com certeza mais concessões ao vulgo do que um comentá rio de Simplício, mas a impressão de popularidade no primeiro pode ser aumentada devido à passagem de termos técnicos para a linguagem coloquial . Plat ão esforçou-se por variar a sua terminologia, através do que parece ser uma tentativa deliberada para impedir o congelamento dos termos t écnicos ; e o que está implícito nos diálogos plat ónicos centrados pela figura de Sócrates é ainda a ideia de que dois cidadãos razoavelmente educados podem sentar-se e discutir tais assuritos. Se a verdadeira explicação é esta ou não passa de retórica literá ria , n ão o podemos dizer . Mas em Arist óteles, que insiste num uso t écnico estandardizado , tal premissa não é visível. Com Aristó teles o profissionalismo implícito na formaçã o da Academia atinge a maioridade na linguagem . A linguagem filosófica tornou-se de facto técnica embora a esítandardiza ção fosse e continue a ser um sonho por realizar. Na medida em que a tradição filosófica antiga esteve fortemente orientada para a sua estruturação em escolas, houve um certo grau de uniformidade dentro, por exemplo, da escola plat ónica ou peripat é tica . Mas mesmo neste caso, o universal impulso pós-aristotélico no sentido do sincretismo tende a turvar as á guas conceituais: o uso que Plotino faz de eidos dever á alguma coisa a Platão, a Arist ó teles e aos estoicos sem, ao mesmo tempo, especificar quer a sua d ívida quer a sua amplitude. Pode discutir-se se este virtuosismo terminológico foi para bem ou para mal. Mas é claro que ao fabricarem uma nova moeda corrente para um novo modo de verem a realidade os Gregos foram arrastados pelas próprias unidades circulantes para um mundo muito distanciado deste mundo material . A maioria dos filósofos foi unâ nime em concordar que este mundo de seres concretos e distintos é um lugar excessivamente desordenado e que « não há ciência do indiví duo ». O mesmo não acontecia , porém , com os termos universais recém-isolados que , tal como os deuses da mitologia agora desacreditada, podiam ser manipulados e , uma vez dotados com uma ordem de realidade , podiam ser erigidos num mundo de ordem e estabilidade. O eidos plat ó nico e a kaí egoria aristot élica são, cada um a seu modo , o tributo supremo

9

dos Gregos para com a linguagem e o kosmos noetos de Proclo é sem d ú vida o seu monumento mais barroco: um universo no qual cada conceito se combina com o seu termo universal adequado e o todo se organiza numa ordem hierá rquica de precisão matemá tica e beleza admirável.

Termos Filosóficos Gregos

a adi á phoron: sem diferença , moralmente indiferente ou estado

neutral 1. Uma vez que a finalidade do homem é , de acordo com as f órmulas estoicas mais antigas, viver harmoniosamente com a natureza ( ver nomos 2 ) , o bem consistirá nas coisas que são ú teis e têm algum valor para esta espécie de vida, enquanto o mal residirá naquelas que para tal não contribuem ( D. L. vn , 94, 105 ) . Entre estas duas classes de actos absolutamente úteis ou perniciosos ( justiça , prudência , moderação, etc., por um lado, cobardia , injustiça , imoderação, pelo outro ) existe outro grupo de coisas como a vida , a saúde e o prazer que são caracterizadas como moralmente indiferentes ( adiaphora ) pelo facto de não terem ligação imediata com a finalidade última do homem ( D. L., vn , 101-103 ) . Contudo, estes, na realidade, contribuem para ou impedem indirectamente essa finalidade e por isso são posteriormente divididos (D. L., vn, 105 106 ) em actos preferíveis ( proegmena ) , actos que se devem evitar ( apoproegmena ) e actos absolutamente indiferentes, constituindo a primeira categoria os « deveres » ( officia ) dos moralistas romanos que são definidos como aqueles actos para cujas realizações se pode dar alguma justifi cação racional ( eulogos, probabilis ) ( Cícero, De fin. m, 17, 58). 2. Estas últimas distinções provocaram considerável contrové rsia tanto na Stoa como na Academia. Estava fora de quest ão o ter-se a obrigação moral de escolher o bem ; o que estava em causa eram as implicações morais de dividir os adiaphora em actos justificáveis ou não- justificáveis. Havia aqueles rigoristas morais como Aríston de Quios e o céptico Pirro que negaram que qualquer valor moral pudesse estar ligado a estas actividades racionalmente justificáveis e por isso « convenientes » ( kathekonta ) (Cícero, De fin. iv, 25, 68 ) . Mais tarde, os ataques dos cépticos à certeza epistemológica tiveram os seus efeitos inevitáveis na esfera moral

-

-

14

15

e vemos as duas eminências da Academia Nova ou Céptica, Arcesilau e Carnéades , lançar a teoria de que uma vez debilitada a certeza, o acto moral só pode ser aquele a que podemos dar uma justificação racional, aproximando-se o primeiro dos agora nucleares kathekonta, ao aplicar um critério intelectual ( racionalmente provável, eulogon; Sexto Empí rico, Adv. Math, vil , 158 ) e Carnéades ao apresentar um crité rio experimental ( o praticamente provável, pithanon; idem, Pyrrh. i, 227-229 ) . 3. Estas atitudes , associadas, no caso de Carnéades, a uma íte da episitemologia estoica , tiveram o seu efeito no cr ítica acutilar pensamento da Stoa, no que se refere à ética , como resulta evidente da atenção que dá à escolha correcta dos kathekonta , como o problema nuclear da vida moral ( Estobeu , Ecl. n . 761. e do seu afastamento da anterior insistência de Zenão em que a virtude só por si ( neste contexto, a vida em harmonia com a natureza ) basta para a felicidade do homem, e da sua admissão da necessidade de satisfações provenientes da escolha correcta dos kathekonta ( D. L., vn, 128).

aér: ar

1. Para Anaximenes o apeiron de Anaximandro e a arche de todas as coisas era o ar ( Aristóteles, Meta. 984a ; Simplício, In Phys. 24, 26 ) , provavelmente em virtude da sua ligação com a respiração e a vida ( cf . pneuma ) . Tal como a maior parte das archai pré-socráticas , era considerado divino ( theion ) , ( Cícero , De nat . deor. i, 10, 26 ) . O divulgador mais tardio do aer foi Diógenes de Apolónia que fez dele a substâ ncia tanto da alma ( psyche ) como do espí rito ( nous ) , frgs. 4, 5, afinidade parodiada por Arist ófanes, Nuvens, 227 ss.; o que é surpreendente na concepção de Diógenes é evidentemente a associação de uma actividade que visa um fim com o seu aer- nous ( ver telos ) . 2. A conexão aer pneuma- psyche-zoe-theion tornou-se uma constante. A natureza da alma , enquanto semelhante ao ar , é evocada no F édon 69e-70a; Cebes receia-a, mas sob outro ponto de vista ela sugeria uma espécie de imortalidade impessoal ; o corpo podia perecer , mas a psyche seria reabsorvida na parte mais pura do aer , i.e., aither ( q. v. ) ainda não reconhecido como um quinto elemento ( ver Euripides , Helena 1014-1016; Suplicantes 533-534 ) . Uma vez que os corpos celestes ( ouranioi ) habitam no aither , havia ainda a possibilidade de a alma ser absorvida pelas estrelas ( ver Arist ófanes , Paz 832 ) . Esta crença foi incorporada no pitagorismo posterior , mas com a restrição de aither pertencer ao mundo

-

supralunar ; o aer , entre a lua e a terra , foi preenchido com daimones e her óis, D. L. , viu, 32; compare-se Fílon , De gigant. 2 e 3, onde os daimones são agora anjos , e a consequente identificação em De somn. i , 134-135 do aer e a Escada de Jacob ( Genesis 28, 12-13 ) ; ver kenon. agathón: o que é bem, o bem , um princí pio supremo, summum

bonum 1 . Platão , manifestando talvez a sua herança socrá tica , d á a uma das eide éticas posição central na sua hierarquia: na República ( ver 504e-509e ) a forma do Bem situa-se no centro do Estado plat ónico e o principal dever do filósofo é contemplá-la , ibid . 540a ( para os problemas emergentes da sua transcendência neste escalão, ver hyperousia ) . Além disso, é o termo do processo da dialéctica ( dialektike , q. v. ) . O facto de Plat ão se voltar para as condições do kosmos aisthetos nos últimos diálogos reflecte-se nas suas meditações gerais sõbre o Bem no Filebo; aí se examinam as pretensões apostas do prazer ( hedone ) e da sabedoria ( phronesis ) quanto a serem o bem supremo , e a conclusão inclina-se para um exame da « vida mista » ( ver hedone e o resultado misto da operação de nous e ananke no Timeu ) , que se verifica combinar prazer e sabedoria ( 59e-64a ) . Not ável aqui é não apenas a combina ção de eide nesta vida, mas a presença da medida e da proporção ( 64a-66a ) e, mais importante para o crescente teísmo de Platão, a emergência progressiva de uma transcendente e inteligente causa do bem no universo ( ver ibid . 26e-31b e theos , nous ) . 2 . Aristóteles critica a teoria plat ónica do Bem ( ver Eth. Nich. i, 1096a-1097 ) , mas o que entende por isso é nitidamente a teoria eidos-agathon da República ( ver ibid . 1095a e Eth. Eud . i , 1217b ) . Contudo, aceita ( Eth. Nich. i, 1094a ) uma definição platónica de bem como « aquilo para que todas as coisas tendem » ; para Arist ó teles isto é a felicidade ( eudaimonia ) ( ibid , i, 1097a-b ) , definida como adtividade ( praxis ) de acordo com a virtude ( arete ) , ibid , i , 1100b; e a mais alta virtude é a theoria, i.e., a contemplação pela contemplação, ibid , x , 1177a b ( para o tipo mais elevado de theoria e, daí , o Bem Cósmico, cf . telos ) . Os epicuristas voltam à posição rejeitada por Sócrates ( G órg. 495c-499b ) , Platão ( Phil . 55b c ) e Aristóteles ( Eth. Nich. vn, 1153b-1154a ) , afirmando que o prazer ( hedone ) é o bem supremo ( D. L., x , 129 ) . Na Stoa o bem era identificado com o ú til ( D. L., vix , 9 e 101-103 ) . 3. A « teologia » plotiniana do Bem pode encontrar-se nas Enn. vi 15-42, incluindo ( 25 ) uma descrição da hierarquia de bens

-

-

17

16

conducentes ao Princí pio Supremo; o Uno ( hen ) , que ele identifica com o Bem , é a unificação final das tensões socrá ticas e parmenídeas na tradição plat ónica . agénetos: não gerado , incriado ( universo )

-

No De coelo i , 279b Arist ó teles diz que todos os seus anteces sores concordaram em que o kosmos teve um começo. Deve talvez excluir-se Xenófanes , com base numa leitura interpretativa dos frgs. 14 e 26, e também se deve por certo excluir , como o faz especificamente Arist óteles na Meta. 986b , toda a escola eleá tica que entronca em Parménides, com a sua exclusão da genesis do domínio do Ser ( ver on ) . No Tim. 28b , Platão diz claramente que o kosmos está sujeito à genesis. Arist óteles, que no início da sua carreira tinha sustentado idêntica posição ( De phil., frg. 18 ) , entende por isto que ele teve um princí pio no tempo e critica-o severamente ( De coelo I , 279b ) . Mas havia outra interpretação deste passo, como o próprio Arist óteles reconhece ( loc. cit . ) , apresentada por Xenócrates ( ver Plutarco, De an. proc. 1013a ) , e que a maior parte dos plat ónicos posteriores adoptou , segundo a qual genesis , aqui , significa « num estado perpétuo de mudança » ( ver on ) . Em Plotino pode encontrar-se a mesma interpretação, adaptada à s suas teorias emanã tistas, ( ver Enn. n , 9, 2 ) . Aristóteles é categórico na sua convicção de que o universo é não gerado ( agenetos ) e incorrupt ível ( aphthartos ) . Esta torna-se a posiçã o fundamental, mas Fílon , por causa do relato no Genesis , tem forçosamente de ficar fora dela ( ver De opif . 2 , 7-9 ) . ágnõstos : desconhecido , não cognoscí vel

1. Devido à transcendência de Deus surgem alguns problemas acerca da possibilidade de este ser um objecto de conhecimento. Um agnosticismo simples é defendido por Protá goras ( Diels, frg. 80B 4 ) onde a questão se subdivide em duas: a de saber se os deuses existem e a de qual é a sua natureza ; o problema da agnosia trata, mais propriamente, do ú ltimo aspecto ( sobre a questão da sua existê ncia, cf . theos ) . 2 . Dada a importâ ncia da transcendê ncia na tradição plat ó nica , o problema da cognoscibilidade de Deus era a í fulcral ; o texto plat ónico comprovador da dificuldade de conhecer Deus era o Tim. 28c., apoiado pelos coment á rios pessimistas no Parm. 141c-142a , Symp. 211a , e especialmente , Ep. vn , 341 b-d. Como está indicado nos textos referidos, o problema é a transcendência do

_

-

princípio supremo, o « Bem para além do Ser » da Rep. vi , 509b ( ver hyperousia ) . Mas se a essê ncia de Deus n ã o podia ser directamente apreendida , os mesmos textos e outros similares de Platão sugerem outras vias para conhecer Deus, altamente desenvolvidas no platonismo posterior ( v. g. Albino, Epit . x e Máximo de Tiro , vil e XVIII ; comparar Proclo, Elem. theol., prop. 123 ) . As principais são: a ) por regresso indutivo à fonte ( epagoge, a via eminentiae medieval ) ; ver Symp. 209e-211e e confrontar Plotino, Enn. i , 6. b ) por analogia ( analogia ) ; ver Rep. vi, 508a-c e confrontar Plotino, Enn. vi , 7, 36; dado que Proclo negou qualquer participação ( methexis ) entre o Uno e o resto da realidade ( Elem. theol ., prop. 23 ) , ele está excluído da via analogiae. c ) por « remoção » , negação ( aphairesis; a via negativa ) ; ver « hipótese » do Parménides , que os plat ónicos posteprimeira a riores tomaram num sentido nada hipotético ; confrontar Plotino, Enn vi, 7, 32. d ) por união mística ( ekstasis ) ; cf . Symp. 210e-211a , Ep. vil , 340c-d ; Enn. vi, 9, 9-11 e, para a experiê ncia pessoal de Plotino , Porf í rio, Vita Plot . 23; ver hen.

.

ágrapha dogmata: doutrinas não escritas

Um dos métodos vulgares usados para eliminar a diferen ça entre o que Aristóteles diz acerca das eide plat ónicas e o relato preservado nos diálogos é presumir que Aristóteles , como membro da Academia , tinha acesso a material n ão publicado ( não dissera Plat ão no Ep. vn , 341c que nunca publicaria nada sobre os princí pios supremos ? ) . Há apenas duas referê ncias possíveis a este material em Aristóteles; in De an. ι , 404b ele refere-se a algo chamado « Sobre a Filosofia », possivelmente uma referência ao seu próprio diálogo do mesmo nome , embora comentadores posteriores o tomassem como uma referê ncia a uma lição plat ónica ( cf . Simpl ício, In De an. 28, 7-9 ) , e in Phys. iv , 209b onde se refere às « doutrinas não escritas » de Platão ( agrapha dogmata ) . O que eram estas agrapha dogmata? A ú nica possibilidade de as identificar é apenas uma lição « Sobre o Bem » que Plat ão deu a um público desiludido que veio para ouvir falar da felicidade mas onde, em vez disso, se tratou de matem á tica , geometria e astronomia ( Arist óxeno, Harm, elim., n , 30-31 ) ; a ela assistiram Arist óteles e outros membros da Academia , que tiraram as suas notas mais tarde publicadas ( Simplício, In Phys . 151, 453 ) ; cf . arithmos.

18

19

Para um problema relacionado , no que se refere a Arist óteles , cf . exoterikoi. á graphos nómos: lei não escrita

Ver nomos. aidios: perpétuo , perduração no tempo ( aidios kata chronon )

Embora a distinção terminológica nem sempre seja respeitada pelos filósofos, o conceito de « perpétua duração no tempo » ( aidios ) é independente e difere de « eterno » ( aionios ) , i. e., que não pertence à ordem do tempo ( chronos ) , mas à ordem da eternidade ( aion, q. v., e Plotino, Enn. ui, 7 , 3 ) ; « eterno » é usado incorrectamente para descrever ambos os conceitos, v. g. a « eternidade do kosmos »; mas aidios é na verdade uma quest ão de ocorrência ou a possibilidade de ocorrência de corrupção ( phthora ) , e assim o conceito será discutido sob aphthartos ; ver também aion, chronos. aión: perí odo de vida, eternidade

1. No seu uso mais antigo e não filosófico, aion significa um período de vida; a sua introdução como conceito na filosofia pode encontrar-se em Parménides, fl. 8, linha 5 , onde a negação do devir ( genesis ) no verdadeiro ser ( ver on ) conduz ao seu corolá rio, a negação das distinções temporais « passado » e « futuro » e à afirmação do presente como absoluta simultaneidade. Melisso interpreta isto como apeiron , sem limite, continuando sempre ( fls. 2, 3, 4, 7 ) , uma noção posteriormente distinta da de aidios ( q. v. ) , perduração no tempo, e o mesmo tipo de interpretação pode encontrar-se em Aristó teles , De coelo I , 279a onde aion abrange « todo o tempo mesmo até à infinidade ( apeiron ) » . 2. A distinção fundamental entre tempo ( chronos ) e aion implícita em Parménides torna-se completamente explícita em Platão, Tim. 37d onde o tempo é criado para servir como imagem ( eikon ) da situaçã o das eide , das quais Plat ão , como Parmé nides , baniu toda a genesis, ou , como Plotino põe a quest ão ( Enn. m , 7, 4 ) , aion é o « modo de existência » do Ser . Mas a admissão feita por Plat ã o, por intermédio da alma , de nous e kinesis no mundo inteligível cria um problema desconhecido do universo estático de Parmé nides. A solução pode encontrar-se na discussão de Arist óteles do Primeiro Motor cujo « período de existência » ( aion ) é sem

fim ( aidios ) , Meta. 1072b ; a razão disto é o tipo peculiar de actividade implicada numa noesis pensando-se a ela própria, o que Arist ó teles chama « a actividade da imobilidade » ( energeia akinesias ) na Eth. Nich. 1154b. Isto é o alicerce do modo de tratar a eternidade tanto em Plotino, Enn. m, 7, 4 como em Proclo, Elem. theol., prop. 52; Proclo na proposição que se segue, hipostasia aion enquanto uma substância separada, provavelmente em consequência de uma prá tica semelhante no pensamento religioso grego posterior. Ver chronos. aísthesis: percepção, sensação

1. A percepção é mais um complexo de problemas do que

uma simples questão. Entra na filosofia como uma tentativa , de um modo bastante modesto introduzida pelos primeiros physikoi, para explicar os processos fisiológicos envolvidos na percepção de um objecto. Foi elaborada á través duma série de soluções, principalmente em termos de contacto , mistura ou penetração dos corpos envolvidos. Havia, por certo, algumas anomalias como, por exemplo, o caso da visão em que o contacto estava aparentemente ausente mas a crise primeira e principal não surgiu antes que os graus do conhecimento fossem distinguidos e a percepção dos sentidos fosse separada de ouitro tipo mais seguro de percepção que pouco ou nada tinha a ver com as realidades ou processos sensíveis. A aisthesis achou-se envolvida nas dúvidas epistemológicas levantadas por Heraclito e Parménides e excluída de qualquer genuíno acesso à verdade ( ver aletheia , doxa, episteme ) . 2. Surgiram também outras transformações. A teoria da partícula ou somá tica em que se baseava a teoria da percepção dos physikoi começou a ser substituí da por teorias sobre a mudança que tomaram como ponto de partida uma nova visão dinâ mica dos « poderes » das coisas ( ver dynamis e genesis ) . Aristó teles, que foi um dinamista , incorporou na sua metaf ísica a aná lise da mudança nos seres sensí veis e pela primeira vez a aisthesis tornou-se um problema filosófico bem como fisiológico. 3. Uma terceira alteração importante manifestou-se pela crença crescente na natureza incorpó rea da alma ( psyche , q. v. ) , o princípio de vida nos seres e a fonte das suas aetividades sensitivas. Qual era pois a relação geral entre a alma imaterial e o corpo material e a relação específica entre aquela parte ou faculdade da alma conhecida por aisthesis e aquela parte do corpo que ela usava, o seu organon? O que fora outrora um simples contacto entre corpos era agora alargado a uma cadeia de causa-

21

20

lidade que começava com um corpo percebido e as suas qualidades e passava através de um termo-intermédio ( isto ainda no intrincado problema da visão ) , um ó rgão dos sentidos e uma faculdade dos sentidos, para a alma que se tornava , pelo menos para aqueles que defendiam a imaterialidade da alma, incorpórea em certa parte do processo. 4. Finalmente, começando com o ataque de Parménides à aisthesis e a sua defesa da episteme como ú nica fonte genuína da verdade, já não era possível tratar o pensamento ( noesis, phronesis ) apenas como uma forma quantitativamente diferente da aisthesis, mas sim como sendo de espécie diferente; e prestou-se atenção crescente tanto à faculdade como ao processo deste tipo superior de percepção ( ver nous, noesis ) . 5. Estas são pois algumas das complexidades da problemá tica da aisthesis. A principal autoridade antiga neste assunto, Teofrasto, cujo tratado Sobre os sentidos é a fonte principal daquilo que sabemos das teorias da Antiguidade, prefere abordar a questão dum ponto de vista f ísico. O parágrafo que abre a sua obra distingue dois tipos de explicação de como se processa a aisthesis. Uma escola baseia-a na semelhança ( homoion, q. v.) , a outra na oposição ( enantion ) do sujeito e da coisa conhecida. O primeiro grupo inclui conforme o testemunho de Teofrasto Parménides, Empédocles e Platão; o segundo, Anaxágoras e Heraclito. 6. A referê ncia a Parmé nides é, evidentemente, à segunda parte do seu poema « A Via da Aparência » ( ver on, episteme ) . Sabemos que Parm énides tinha pouco respeito epistemológico pela aisthesis ( cf . fr. 7 ) , e não est á de modo algum esclarecido que as teorias apresentadas na « Via da Aparência » sejam de facto suas. Mas o que ressalta do resumo de Teofrasto ( De sens. 3-4 ) é que « Parm énides » sustentou que a sensaçã o e o pensar ( phronesis ) eram idêí rticos ( fosse o que fosse que ele possa ter acreditado o certo é que o genuíno Parmé nides nunca defendeu tal coisa ) , e que o conhecimento brota da presença de apostos idênticos ( enantia ) no sujeito e no objecto do conhecimento , de tal modo que, por exemplo, até mesmo um cadá ver, que esteja frio, pode percep cionar o frio. 7. Seja de quem for, de facto, esta teoria , ela teve um efeito acentuado em Empédocles, que tinha uma teoria razoavelmente elaborada da sensação e que, ao contr á rio de Parménides, levou a sé rio os sentidos ( frg. 3, linhas 9-13 ) . Para Empédocles as coisas materiais são formadas por misturas dos quatro elementos básicos ( stoicheia , q . v. ) « que se atraem uns aos outros » ( frg. 21 , linhas







-

13-14 ) . Cada objecto liberta uma corrente constante de emanações ( aporrhoai , frg. 89 ) que entram nas passagens ( poroi ) que lhe correspondem nos sentidos apropriados e resulta a sensação ( Teofrasto, De sens. 7; Arist ó teles, De gen. et corr . n , 324b ) . Mas n ão é apenas uma quest ão de simetria entre a emanação e o poro; o que se requer também é que o semelhante entre em contacto com o semelhante ao nível da substância : vemos terra com terra , fogo com fogo ( Aristóteles , Meta. 1000b ) . 8. Quando se trata do problema do pensamento ( phronesis ) , Empédocles parece orientar-se no sentido de uma distinção entre ele e a sensação, mas ainda ao nível quantitativo. Para ele , como para os atomistas, é um tipo especial de sensação que ocorre no sangue ( por isso o coração como sede do pensamento ) visto que o sangue parece ser para Empédocles a mistura mais perfeita dos stoicheia ( fr. 105, Teofrasto, De sens. 9 ) . 9. Os atomistas, que tinham reduzido todas as coisas a átomos ( atoma ) e vazio ( kenon ) , reduziram apropriadamente toda a sensação ao contacto ( Arist ó teles, De sens. 442a ) , e explicaram o seu processo em termos nitidamente derivados de Empédocles. Também aqui os corpos libertam emanações, agora chamadas eidola ( q. v.; cf . Alexandre de Afrod ísias, De sens. 56, 12 ) , que se assemelham na forma à coisa de onde são emitidas. Estas entram no sensível, ou melhor, penetram entre os atoma do sensível, e resulta a sensação ( Aécio iv, 8, 10 ) . 10. Esta deve ter sido a teoria de Leucipo; mas no que se refere ao problema perturbador da visão, Demócrito parece ter acrescentado certos aperfeiçoamentos, de novo sugeridos por Empédocles. A imagem visual ( emphasis ) não ocorre no olho do contemplador, mas é devida ao contacto no ar entre o objecto e o contemplador. Uma vez formada , a emphasis regressa ao longo do ar e, sendo húmida, é admitida pelo olho hú mido do contemplador ( Teofrasto, De sens. 50; confrontar Empédocles em Aristóteles, De sens. 437 b-438a ) . Esta explicação é interessante não apenas na medida em que chama a atenção para o ar como meio de percepção, mas também ao indicar , pela referência à humidade da emphasis e do olho, que Dem ócrito baseou de igual modo a possibilidade da sensação, enquanto distinta da simples mecâ nica, no princípio de « semelhante conhece semelhante » . 11. Teofrasto ( ibid . 49 ) observa que os atomistas explicam a sensação em termos de mudança ( alloiosis ) . Dificilmente esta pode ser mudança qualitativa tal como é compreendida no sentido aristotélico visto que os atomistas são conhecidos por terem reduzido todos os pathe de uma coisa à quantidade ( ver pathos ) ;

τ

23

*

22

deve referir-se antes ao movimento dos aí oma em colisão que perturbaram a posição dos á tomos na pessoa que percebe ( confrontar Lucrécio ra , 246-257 ) . Todas as sensações se podem explicar em termos de vá rias formas e movimentos dos atoma em contacto com a pessoa que percebe ( Teofrasto, De sens. 66 ) ; aquilo que experenciamos como doçura e calor e cor nã o são mais do que impressões subjectivas (frg. 9; cf . nomos, pathos ) . 12. Empedocles e os atomistas est ão pois bem dentro daquilo que Teofrasto chama a tradição do « semelhante conhece semelhante » . A esta também pertence Diógenes de Apolónia para quem a arche de todas as coisas era o aer ( q. v. ) , o qual serve também como o princípio de toda a cognição ( Teofrasto, De sens. 39 ) . O conhecimento acontece quando o ar exterior ao organismo é misturado com o ar que está no interior , sendo determinado, tanto pela pureza do ar que entra como pela difusão da mistura resultante , o tipo de cognição. Assim a phronesis resulta quando o ar inalado é mais puro e a mistura de sangue e ar se espalha por todo o corpo ( ibid 44 ; cf . as observações satí ricas em Arist ófanes , Nuvens 227-233). 13. A frente da tradiçã o dos que se lhe opõem encontra-se Alcméon de Crotona, um discípulo primitivo do pitagorismo cujas opiniões conhecemos apenas por um sumá rio que não é acompa nhado por grandes demonstrações ou pormenores ( Teofrasto, De sens. 25-26 ) . Ele defendeu que o semelhante é conhecido pelo dissemelhante, que o cérebro é a sede da psyque ( ver kardia ) , e, o que é mais importante, que há uma diferença entre aisthesis e phronesis. É esta diferença que distingue o homem de todos os outros animais que assim funda uma ética intelectualista, do mesmo modo que est á na raiz da procura do mais elevado, a faculdade imaterial da alma, o logistikon de Plat ão e a dianoetike de Arist óteles ( ver psyche ) , e que é a progenitora do exaltado papel do nous ( q. v.) na história subsequente da filosofia grega . Mas nós só sabemos que Alcméon fez esta distinçã o; não sabemos com que bases, embora ela esteja quase de certeza ligada à bem conhecida crença pitagórica na alma imortal, ( ver psyche , athanatos, palingenesia ) . 14. « O semelhante conhece o dissemelhante » aparece de novo em Anaxágoras e aqui baseia-se na prova empírica de que as sensações, especialmente as sensações t ácteis, repousam no contraste, v. g. nós sentimos o frio graças ao nosso calor ( Teofrasto, De sens. 27 ) , numa teoria que está em perfeito acordo com a doutrina de Anaxágoras de « uma porção de tudo em tudo » ( ver

.

-

stoicheicm ) . Além disso, toda a sensação, visto que é uma mudança , é acompanhada de dor ( ponos; confrontar hedone ) 15. No Teeteto ( 155d-157d ) Plat ão apresenta uma teoria da sensação que é ostensivamente atribuída a Protágoras ou a algum relativista heraclí tico deste tipo. Mas uma vez que ela não é refutada na continuação e é coerente com outros passos dos diá logos, é possível que represente também os próprios pontos de vista de Platão sobre a sensação. Ela articula-se com o aspecto, frequentemente acentuado por Heraclito, de que entre as aistheta a ú nica realidade é a mudança ou , para usar a linguagem de uma geração mais sofisticada , as aistheta não são realmertte subst â ncias mas qualidades ( ver pathos; Platão acentua o mesmo aspecto no Tim. 49b-50, e confrontar stoicheion ) ; são poderes ( dynameis ) com a capacidade de afectarem ( poiein ) as outras coisas ou serem afectados ( paschein ) por elas ( Teet . 156a ) . Pode igualmente ser verdade, como os primeiros pensadores tinham defendido que o kosmos nada mais é do que kinesis (loc. cit . ) , mas também aqui sã o possíveis posteriores aperfeiçoamentos. Mesmo neste estádio ( ver Teet . 181c ) Platão é capaz de dividir a gené rica kinesis ( q. v. ) em alteração ( alloiosis ) e locomoção. 16. É dentro deste contexto que a teoria plat ónica da sensação se desenvolve. A sua formulação mais genérica encontra-se no Phil . 33d-34a e Tim. 64a-d . A dynamis do agente actua sobre o corpo do paciente. Se a parte afectada é uma parte imóvel na qual a terra predomina ( v. g. osso, cabelo ) a afecção não se espalha ; podia resultar dor ou prazer mas não a sensação. Mas se é móvel, como um dos órgãos dos sentidos , a afecção espalha-se até alcançar a consciência ( phronimon ) e resulta a sensação ( comparar Tim 43c, e ver psyche 17 ). 17. Podia parecer que estes dois passos sugerem que a percepção é uma pura passividade na pessoa que percebe; mas quando Platão se volta para uma discussão da visão ele volta a Empédocles e Demócrito por causa da teoria que faz da imagem ( emphasis ) uma produção cooperativa do objecto e do sujeito. Ambos são fundamentalmerite qualidades num estado de transformação ( alloiosis ) , mas uma vez postos ao alcance um do outro e com a ajuda da luz do sol ( Tim. 45b ) , a dynamis da brancura no objecto e a qualidade da luz no olho iniciam a locomoção e esta « dá origem » à cor, que faz com que o olho veja e com que o objecto se torne uma coisa colorida ( Teet 156c-e ) . Estas mudanças qualitativas, quando transmitidas à alma , conduzem à ínua sensaçã o ( Tim. 45c-d , 81c-d ) . Este passo do Teeteto cont ( 157a ) at é retratar a moral heraclí tica: se o sujeito e o objecto não

.

.

.

24

est ão ao alcance um do outro nã o temos uma ideia verdadeiramente exacta do que na verdade é a dynamis no objecto ( para as mudanças em Plotino ver sympatheia ) . 18. Plat ão parece, contudo , expressar-se de uma maneira ambivalente. A sua teoria , assim descrita , é fortemente dinâ mica na ligação que faz dos pathe com os poderes e na sugestão de que a dynamis é uma qualidade real inerente ao objecto percebido ( cf . Teofrasto, De sens. 60 ) . Mas também já na sua outra explicação da genesis pos-cósmica ( q . v.) , havia reduzido todos os corpos aos sólidos geométricos e assim , em última análise, a sua explicação dos pathe sensíveis no Tim. 61d ss. tem laivos de uma espécie de atomismo com a sua redução da qualidade à quantidade na ordem da forma ( schema ) , posição ( thesis ) e movimento ( kinesis ) , neste caso, evidentemente , locomoção. 19. Arist óteles rejeita a influê ncia atom ística e heraclítica na teoria plat ónica da aisthesis. Posta nos seus termos mais gerais, a aisthesis é a recepção de um eidos sensí vel sem a sua matéria . Aristóteles pode, como todos os seus predecessores, explicar a sensação em termos f ísicos e ele f á-lo subsequentemente ao aplicar a doutrina f ísica do « meio » . Mas primeiro ele situa todo o problema da cogniçã o nas estruturas já enunciadas na F í sica e na Metaf í sica: o acto ( energeia ) e a pot ê ncia ( dynamis ) . Percepoionar algo significa duas coisas: ser capaz de percepcionar algo quer se esteja ou não a percepcioná-lo, e o aoto propriamente dito de percepcionar a realidade. Por isso, qualquer faculdade sensível da alma, embora possa ser eidos ou ousia do órgão em que opera ( tal como a psyche como um todo é a ousia do corpo initeiro; De an. II, 412 ) , é , n ã o obstante, uma capacidade ( dynamis ) relacionada com o objecto percept í vel: é potencialmente ( dynamei ) o que o objecto é na realidade ( entelecheia; ibid , n , 418a ) . Isto é coerente com o que se disse da relação de energeia / dynamis no passo fulcral sobre este assunto na Metaf í sica: a energeia é anterior à dynamis ( o objecto deve ser vermelho antes do olho « se tornar vermelho» ; ver De an. n , 425b ) e a energeia termina como actualidade na coisa transformada ( a visão está no olho; ibid , m, 426a ) ; ver energeia e Meta. 1050a. 20. Assim pode descrever-se a sensaçã o como uma alteração ( alloiosis ) pelo facto de representar a passagem da potência à aétualidade de uma das faculdades dos sentidos. Desta maneira também Arist ó teles pode resolver o problema do « semelhante conhece semelhante » . Anaxágoras tinha razão ao sugerir que « o semelhante conhece dissemelhante » uma vez que, de outro modo, não se podia efectuar a mudança ; mas este é apenas o caminho

25

inicial do processo ; quando termina , o sujeito tornou-se, tal como o objecto, conhecido ( De an. II, 417a-418a ). 21. A explicaçã o toma-se um pouco mais clara quando Arist ó teles passa a descrever o processo da sensação em termos puramente f ísicos. Os corpos f ísicos têm qualidades percept í veis que os diferenciam; estas são os « opostos » ( enantia, q. v. ) , quente-frio, h úmido-seco, etc. O sujeito que percebe também os possui por ser corpóreo . Mas se é para percepcioná-los noutro, o órgão ( organon ) apropriado tem de estar num estado de equil í brio em relação a estes extremos. Aristóteles vê a capacidade de percepcionar como uma espécie de meio ou estado proporcional ( mesotes , logos ) entre estes opostos exltremos de tal modo que ela não é « realmente nenhum, mas é potencialmente ambos » ( ibid , II , 423b 424a ) . Para a distinção de Arist óteles entre sensação e pensamento ver noesis; sobre o problema de um meio ( metaxu ) para a sensação, ver sympatheia. 22 . Arist ó teles sente dificuldades ao querer distinguir o simples contacto da sensação do tacto. As plantas vivem e por isso têm uma alma nutritiva ( threptike psyche ) , i . é , são afectadas pelas coisas; absorvem a forma bem como a mat é ria das coisas que n ão elas próprias. Mas não percepcionam como os animais: a fun ção da aisthetike psyche , a ousia distintiva dos animais , é receber a forma das coisas sensíveis sem a matéria ( ibid , ui, 424-a-b ) e assim estar sujeita aos consequentes pathe do apetite ( orexis ) , prazer ( hedone ) , e dor ( ibid , II , 414b ) . Esta distinção desaparece em Epicuro; um eidos sem hyle foi e continua a ser impensá vel na tradição atomista. A sensação é de novo reduzida ao contacto e as diferentes sensações explicadas em termos de forma, organização e movimento dos at orna ( ver Lucrécio ΪΙ , 381-477, especialmente 434-435 ) . Onde o contacto não é imediato, como na visão, a teoria das emanações é de novo invocada: os corpos emitem contornos de si pró prios na forma dos eidola ( q . v .; os simulacra de Lucrécio iv , 49-50 ) que , se o olho estiver para eles voltado , imprimem nele a sua configuração e desencadeiam a sensação ( D. L., x , 46-50 ) . 23. Mas algumas das antigas posições democritianas parecem agora insustent á veis. Epicuro ainda sustenta a corporeidade essencial da alma ( cf . D. L., x, 63 ) , mas a sua relação com o corpo foi redefinida ( ver os comentá rios de Lucrécio m , 370 ss. ) e adicionado um novo ingrediente, o misterioso « elemento sem nome » ( ver psyche 27 para ambos os desenvolvimentos ) . É o agrupamento orgânico ( ver holon ) dos á tomos deste último que transmite a sensação , a qual é o movimento dos atoma, aos outros

-

'

27

26

constituintes da alma , e da í ao resto do corpo ( Lucr écio m , 242-251 , 271-272 ) , processo que é poss í vel apenas porque os á tomos da alma estão contidos no inv ólucro ( stegazon ) do corpo ( D. L., X , 64; ver genesis ) . 24. Desde o tempo de Arist ó teles aparece uma nova nota afirmativa na epistemologia da aisthesis. Para Aristóteles os sentidos são incapazes de erro em relação aos seus próprios objectos ( De an m, 428b ) , mas em Epicuro isto torna-se o ú nico crit é rio de verdade ( Sexto Empí rico, Adv. Math , viu , 9; D. L., x , 31; Lucrécio iv, 479; ver energeia , prolepsis ) . Entre os estoicos encontra-se idê ntica opinião acerca da verdade dos sentidos ( SVF li, 78 ) .· Esta asserçã o da certeza fisiológica é , contudo, de pouco significado visto que, para eles, como para Aristóteles, a verdade no seu sentido fundamental é uma função noétiea. É só quando as impressões ( typoseis ) nos órgãos dos sentidos são levadas, atrav és do pneuma ( q. v.; ver psyche ) à faculdade racional ( hegemonikon, q. v.) e a í aceites ( ver katalepsis ) que a verdade primeira é possí vel ; ver phantasia , noesis 16. 25. O processo da aisthesis faz exactamente parte do problema estoico mais amplo da materialidade dos pathe ( q. v. ) . O uso que Zenão faz da frase « impressão ( typosis ) sobre o hegemonikon » ( SVF i, 58; Aristóteles usara a mesma expressão: De mem. 450a ) provocou uma reacção por parte de Crisipo o qual tentou disfarçar a materialidade da imagem , substituindo expressões como « alteração ( heteroiosis ) no hegemonikon » ( Sexto Empí rico, Adv . Math , vn , 233, 237 ) ou reduzindo todos os pathe a juízos ( kriseis; SVF m, 461; ver noesis 17 ) . 26. A explicação que Plotino dá da sensação começa com a aceitaçã o da premissa aristotélica de que a alma é um eidos do corpo ( Enn. i, 1, 4; mas ver hyle n ) . O composto, i. e., o animal tem sensação por causa da presença da alma ( i, 1, 7 ) , mas a própria alma é impassí vel ( apathes ) : as suas faculdades são como reflexões de si própria que permitem à s coisas que as possuem , agir ( i, 1, 8 ) . 27. A alma em si e de si é apenas capaz de actividade intelectual . Como é então conseguido o contacto com o sensível ( aisthethon ) ? Este é função dos órgãos corpóreos do corpo ( iv, 5, 1 ) que são capazes de servir de intermediá rios. O organon é a coisa material que é afectada ( pathein ) , e o pathos do órgão representa o meio proporcional ( meson kata logon ) entre o objecto sensível e o sujeito noético ( iv, 4, 23; a ‘linguagem faz lembrar Arist óteles mas o conceito deve nitidamente, como na verdade a própria noção de meio aristotélico, alguma coisa à noção

.

plat ónica de limite ; cif . peras ) . Desite modo os pathe que são corpóreos no ó rgão ( e isto é um tipo de aisthesis ) , são noéticos quando recebidos pela alma ( e isto é a verdadeira aisthesis; i , 1, 7 ) . A fun çã o do órgão é pois converter as impressões ( typoseis ) sobre os sentidos em actividades ( energeiai ) anímicas de tal modo que a impassibilidade da alma possa ser mantida contra os estoicos ( confrontar m , 6, 1 ) . O processo de julgar estas formas inteligí veis transmitidas pelos sentidos é raciocínio discursivo ( dianoia; i, 1, 9 ) ; ver noesis 19-20. Para a extensão do princípio da semelhança para além limites da aisthesis , ver

sympatheis. aisthesis koiné: senso comum, sensus communis

Na psicologia aristotélica o « senso comum » é uma faculdade da psyche que tem como sua função 1 ) a percepção dos « sensíveis comuns » que são objecto de vá rios sentidos: movimento e repouso, n ú mero ( arithmos ) , forma, tamanho ( De an. 418a, 425b ) 2 ) a percepção de coisas acidentalmente sensíveis ( loc. cit . ) 3 ) a distinção entre os próprios sentidos ( ibid . 431a-b ) 4 ) a percepção que nós percepcionamos ( ibid. 425b ) . aisthêtón: capaz de ser percepcionado pelos sentidos; o objecto dos sentidos, o sensí vel ( oposto de noeton )

Os sensíveis ( aistheta ) são frequentemente opostos às formas platónicas ( eide; ver F édon 78d-79a, Tim. 28a-c ) , e como tal conduzem mais à opinião do que ao verdadeiro conhecimento ( ver doxa , episteme ) . Mas não são os objectos mais baixos na escala epistemológica ; são apenas reflexos da verdadeira realidade, a realidade dos eide, mas abaixo deles estão as « imagens de imagens », sombras, reflexos, etc. ( Rep. 509d-510a; cf . eikon , mimesis ) . O crescente interesse de Platão pelo mundo dos aistheta nos diálogos posteriores reflecte se no ser-lhes concedido um quase-ser ( Soph. 204b ) , e no seu dedicar-se, em grande parte do Timeu , a uma descrição da sua criação e funcionamento. Para Aristóteles o objecto singular sensível é a única verdadeira reahdade ( ver tode ti, on , ousia ) ; alguns são próprios dos sentidos individuais, outros são comuns, De an. n , 418a ( ver aisthesis koine ) .

-

27

26

constituintes da alma , e da í ao resto do corpo ( Lucrécio m , 242-251, 271-272 ) , processo que é possí vel apenas porque os á tomos da alma estão contidos no invólucro ( stegazon ) do corpo ( D. L., x, 64; ver genesis ) 24. Desde o tempo de Aristóteles aparece uma nova nota afirmativa na epistemologia da aisthesis. Para Aristó teles os sentidos são incapazes de erro em relação aos seus próprios objectos ( De an. m, 428b ) , mas em Epicuro isto torna-se o ú nico crité rio de verdade ( Sexto Empírico, Adv. Math , viu , 9; D. L., x , 31; Lucrécio iv, 479; ver energeia, prolepsis ) . Entre os estoicos encontra-se idê ntica opinião acerca da verdade dos sentidos ( SVF π, 78 ) . Esta asserção da certeza fisiológica é, contudo, de pouco significado visto que, para eles, como para Arist óteles, a verdade no seu sentido fundamental é uma função noética. É só quando as impressões ( typoseis ) nos órgãos dos sentidos são levadas, através do pneuma ( q. v.; ver psyche ) à faculdade racional ( hegemonikon, q. v. ) e aí aceites ( ver katalepsis ) que a verdade primeira é possível ; ver phantasia , noesis 16. 25. O processo da aisthesis faz exactamente parte do problema estoico mais amplo da m ã terialidade dos pathe ( q. v. ) . O uso que Zenão faz da frase « impressão ( typosis ) sobre o hegemonikon » ( SVF i, 58; Aristóteles usara a mesma expressão: De mem. 450a ) provocou uma reacção por parte de Crisipo o qual tentou disfarçar a materialidade da imagem , substituindo expressões como « alteração ( heteroiosis ) no hegemonikon » ( Sexto Empírico, Adv. Math, vn , 233, 237 ) ou reduzindo todos os pathe a juízos ( kriseis; SVF m, 461; ver noesis 17 ) . 26. A explicação que Plotino dá da sensação começa com a aceitação da premissa aristotélica de que a alma é um eidos do corpo ( Enn. i , 1, 4; mas ver hyle n ) . O composto, i . e., o animal tem sensação por causa da presença da alma ( i, 1, 7 ) , mas a própria alma é impassível ( apathes ) : as suas faculdades são como reflexões de si própria que permitem às coisas que as possuem , agir ( i, 1, 8 ) . 27. A alma em si e de si é apenas capaz de actividade intelectual. Como é ent ão conseguido o contacto com o sensí vel ( aisthethon ) ? Este é função dos órgãos corpó reos do corpo ( iv, 5, 1 ) que são capazes de servir de intermediá rios. O organon é a coisa material que é afectada ( pathein ) , e o pathos do órgão representa o meio proporcional ( meson kata logon ) entre o objecto sensível e o sujeito noético ( iv, 4, 23; a 'linguagem faz lembrar Arist óteles mas o conceito deve nitidamente, como na verdade a própria noção de meio aristotélico, alguma coisa à noção

.

platónica de limite; c!f . peras ) . Desite modo os pathe que são corpóreos no órgão ( e isto é um tipo de aisthesis ) , são noéticos quando recebidos pela alma ( e isto é a verdadeira aisthesis; i , 1, 7 ) . A fun çã o do órgão é pois converter as impressões ( typoseis ) sobre os sentidos em actividades ( energeiai ) anímicas de tal modo que a impassibilidade da alma possa ser mantida contra os estoicos ( confrontar m , 6, 1 ) . O processo de julgar estas formas inteligíveis transmitidas pelos sentidos é raciocínio discursivo ( dianoia; i, 1, 9 ) ; ver noesis 19-20. Para a extensão do princípio da semelhança para além limites da aisthesis, ver

sympatheis.

aisthesis koiné: senso comum, sensus communis

Na psicologia aristotélica o « senso comum » é uma faculdade da psyche que tem como sua função 1 ) a percepção dos « sensíveis comuns » que são objecto de vá rios sentidos: movimento e repouso, nú mero ( arithmos ) , forma , tamanho ( De an. 418a, 425b ) 2 ) a percepção de coisas acidentalmente sensíveis ( loc. cit . ) 3 ) a distinção entre os próprios senltidos ( ibid . 431a-b ) 4 ) a percepção que nós percepcionamos ( ibid. 425b ) . aisthetón: capaz de ser percepcionado pelos sentidos; o objecto dos sentidos, o sensí vel ( oposto de noeton )

Os sensíveis ( aistheta ) são frequentemente opostos às formas platónicas ( eide; ver F édon 78d-79a, Tim. 28a-c ) , e como tal conduzem mais à opinião do que ao verdadeiro conhecimento ( ver doxa, episteme ) . Mas não são os objectos mais baixos na escala epistemológica ; são apenas reflexos da verdadeira realidade, a realidade dos eide, mas abaixo deles estão as « imagens de imagens », sombras, reflexos , etc. ( Rep. 509d-510a; cf . eikon , mimesis ) . O crescente interesse de Platão pelo mundo dos aistheta nos diálogos posteriores reflecte-se no ser-lhes concedido um quase-ser ( Soph. 204b ) , e no seu dedicar-se, em grande parte do Timeu, a uma descrição da sua criação e funcionamento. Para Arist ó teles o objecto singular sensível é a única verdadeira rea1idade ( ver tode ti, on, ousia ) ; alguns são próprios dos sentidos individuais, outros são comuns , De an. n , 418a ( ver aisthesis koine ) .

28

29

Para os materialistas da tradiçã o atomista toda a verdade e toda a realidade est ã o nos aistheta , assim Epicuro em Sexto Empí rico, Adv . Math , viu , 9; ver aisthesis , eidolon. aithér: é ter

.

Uma etimologia ( fantasista ) é dada em Plat ã o , Cr ât 410b . a forma mais pura de aer ( F édon 109a-110b, Tim. 58d ) . Para Aristóteles constitui um quinto elemento ( quinta essentia ) , movendo-se naturalmente em eterno movimento circular , a subst â ncia dos céus ( De coelo i , 268b-270b ) . O « quinto elemento » aparece pouco depois também na Academia na Epinomis 984b de Filipe de Opus , onde lhe acresce a virtude de corresponder ao quinto «corpo plat ónico » ( ver stoicheion ) . A presen ça do aither , com o seu « natural » ( physei ) movimento circular ( De coelo i, 269b ) conduz ainda Aristóteles ao abandono da teoria dos corpos celestes possuídos de almas; ver ouranioi . Cícero ( citando Arist óteles ? ) sugere que o nous é també m composto de aither ( Acad . post , i, 7, 26 ) ; ver zoon , stoicheion , kosmos , aphthartos; para o elemento material envolvido, ver hyle. É

aítion (ou aitía ) : culpabilidade , responsabilidade , causa

1. Visto que a metaf ísica é definida como um estudo das causas ú ltimas , Aristóteles começa o seu trabalho sobre este assunto por uma revisã o pormenorizada da procura das causas feita pelos seus predecessores ( Meta. 983a-993a ; recapitulado 988 a-b ) . Plat ão não tem nenhum tratamento formal da causalidade como tal , embora haja uma crí tica da procura pré-socrá tica de uma causa motora no F édon 95 d-99d ; Timeu 46c-47e , e Leis 892c , onde os primeiros f ísicos sã o censurados por confundirem acessórios ( synaitia ) , que operam por necessidade ( ananke ) e sem desígnio inteligente ( techne ) , com a ú nica causa genu í na do movimento, a psyche ( confrontar Aristó teles De An. 414a e symbebekos ) . Mas no Phil . 26d-27c reduz a realidade a um elemento formal ( ver peras ) , eficiente ( ver demiourgos ) e « material » ( ver apeiron ) . 2 . A própria doutrina aristot élica das quatro causas formal ( eidos ) , material ( hyle ; ver també m hypokeimenon ) , eficiente ( ktnoun ) e final ( telos ) — pode encontrar-se na Phys . n , 194 b-195a e Meta. 1013a-1014a . Num desenvolvimento peculiar da doutrina é a identifica çã o da causa material com as premissas de um silogismo que necessariamente « causam » a conclusão ( cf . Anal.



post , ii , 94 a , Phys. n , 195a ) . Há uma outra divisã o dos tipos de causalidades orientada mais eticamente na Eth. Nich. 1112a . Os filósofos posteriores fizeram alguns acrescentos à análise aristot élica : o logos de Fílon é a causa instrumental da criaçã o ( De cher. 35, 126-127 ) , e Séneca ( Ep. 65, 8 ) dá uma lista de cinco. Para causas acidentais, ver tyche . alétheia:

verdade

A presença e mesmo a possibilidade da verdade est ã o intimamente relacionadas com a distinçã o grega entre doxa e episteme ( qq . v. ) e os seus objectos próprios. Assim , não há realmente nenhum problema crítico até Parménides distinguir o ser do nã o-ser , associar este último com a percepção dos sentidos , afirmar que não há verdade no mundo dos fenómenos da doxa ( Diels, frgs. 28B1, Bll , B30) , e comparar o último com a « Via da Verdade » ( ibid . 28B4 ) . Como corolá rio disto e da concepção da natureza arbitrá ria das leis e costumes ( ver nomos ) , Prot ágoras prop ôs a sua teoria da relatividade da verdade, descrita em Plat ã o, Teet. 151e-152e , 161e-167a. A teoria aristotélica da verdade e da falsidade assenta na convicção de que a verdade nã o está nas coisas ( Meta. 1027b-1028a ) , nem no nosso conhecimento das subst â ncias simples ( onde só é possível o conhecimento ou a ignor ância ) , mas sim no ju ízo , i . e. no conjugar de conceitos que não correspondem à realidade ( Meta. 1051b , De an m , 430a ; ver doxa ) . Para Epicuro todas as nossas percepções sensí veis são verdadeiras e assim a aisthesis , a sensa çã o, é o crit ério supremo da verdade ( Sexto Empí rico, Adv. Math , viu , 9; Lucrécio, De rerum nat . ( iv, 469-479 ; ver prolepsis. Os crit é rios estoicos são descritos

in D. L. vii, 54. A possibilidade do erro e da falsidade é discutida em doxa e

noesis. álgos: dor

ver hedone. allegor ía : interpretação aleg órica, exegese

ver mythos, theos. alloíosis: mudança , mudança qualitativa , alteraçã o

ver pathos , metabole , aisthesis.

30

31 analogia : propor ção , analogia

ver agnostos , dike , thesis , onoma.

anámnesis: memó ria, recordaçã o

A aceita ção, por parte de Plat ão , da teoria pitagó rica da metensomatose ( ver palingenesia, psyche ) d á oportunidade para a resolução de um sério problema epistemológico, i. e., como se conhecem as realidades imut áveis já formuladas por Sócrates como definições éticas e em via de se tornarem os eide plat ónicos , particularmente se o conhecimento dos sentidos ( ver doxa ) é t ã o claramente pouco digno de confiança ? Haverá solu ções posteriores , como eros e dialektike , mas inicialmente é a anamnesis que garante este conhecimento. No M é non 80e-86c Sócrates ilustrara a possibilidade de , por meio de diagramas ( estes reaparecer ã o na Rep. 510d ; ver dianoia , mathematika ) e interrogat ório apropriado , trazer à superf ície o conhecimento de objectos incapazes de serem percepcionados pelos sentidos; no F édon 72e-77a este é oferecido como prova da preexistê ncia da alma e ligada à doutrina dos eide. Temos conhecimento dos eide que n ão podemos ter adquirido através dos sentidos , por conseguinte devem ter sido adquiridos num estado pré-natal durante o qual estivemos em contacto com as formas. A teoria aparece uma vez mais num contexto mí tico e religioso no Fedro 249b c , e pelo menos implicitamente na visão concedida às almas antes do nascimento destas no Tim. 41e-42b ( confrontar a visã o no Fedro 247c-248b , e a dificuldade em recordá-la , ibid . 249e-250d ) ; ver eidos .

-

anánk ê : necessidade

1. O uso pré-socrá tico da ananke n ão é uniforme ; em Parm énides ( Diels , frg. 28A37 ) ela governa todas as coisas de uma maneira quase providencial, de um modo que nã o difere muito da sua personifica ção no « Mito de Er » na Rep. 614c-621 d , de Plat ã o c da figura ó rfica em Empédocles ( Diels , frg. 115 ) . Mas com os atomistas ( ver D. L. ix, 45; Diels , frg. 67B 2 ) entramos no campo da necessidade mecâ nica das causas puramente f ísicas que operam sem finalidade ( telos ) . 2 . Para Sócrates e Plat ão a verdadeira causalidade opera sempre com um fim , enquanto as opera ções dos elementos f ísicos são apenas condições ou « causas acessórias » ( synaitia ) ( ver F é don 99b , Timeu 46c ) . Contudo também a ananke tem o seu papel na

formação do kosmos; a razão ( nous = Demiourgos ) vence a necessidade f ísica ( Timeu 47e-48a ) . A necessidade , a quase-causa , só é digna de estudar-se pela sua rela çã o com o nous , a causa divina ( theion ) . 3. Em Arist óteles a ananke tem significados diversos ( ver Meta. 1015a c ) , mas , como em Plat ão, a necessidade f ísica na íto ao nous como à finalidade mat é ria tem de submeter-se não tar ( telos ) na nova compreensão que ele tem da physis ( Phys. II , 200a ) . Também devia ser notado o papel da ananke no raciocí nio silogístico: a conclus ão de um silogismo válido decorre necessariamente das premissas ( Anal . pr. i , 24b ) . Para a necessidade num sentido providencial ver heimarmene . pronoia.

-

anaplérosis: enchimento ver hedone. apá theia : nã o afectado , sem pathe ( q. v. )

1. O conceito aristotélico de virtude, fundado, como é, na doutrina do meio ( meson , q. v. ) , n ã o tem lugar para o estado de apatheia. Contudo ele tem de facto um significado na sua psicologia: é a aparente apatheia do nous que sugere que esta faculdade, ao contrá rio da psyche, seja incorpórea e imortal , visto que os pathe ert ã o sempre associados com a matéria ( De an . 403a , 408b ) . 2. A situa çã o com Epicuro é um tanto ou quanto mais . complexa . Uma vez que tanto o prazer como a dor são pathe ( D. L. x, 34 ) , não se pode pôr o problema de a apatheia constituir uma virtude nesta filosofia hedon í stica. Mas o tipo mais elevado de prazer é para Epicuro precisamente está tico ( ver hedone ) , e este estado de equilíbrio ou libertaçã o da perturba çã o ( ataraxia ) tem pelo menos uma semelhança superficial com a apatheia. 3. A diferen ça radical entre Epicuro e os estoicos a este respeito reside na insist ência destes de que todos os pathe são movimentos irracionais contra a natureza , pelo menos como Zen ão os definiu ( SVF i, 205, 206 ; ver horme ) . Isto criou dificuldades a Crisipo que n ã o conseguiu ver como as afecções irracionais podiam ocorrer na faculdade racional ( hegemonikon; ver SVF , ui , 459, 461 ) . Mas embora fossem discutidas as dificuldades disto , a Stoa foi un â nime em concordar que os pathe eram violentos e não naturais e por isso deviam ser extirpados ( ver Séneca , De ira i , 8, 2-3; SVF i , 207 , m, 389 ) . Assim podia parecer que os estoicos

32

33

estão empenhados em erradicar os pathe , os peripatéticos em moderá-los e os epicuristas em descriminar o bem e o mal que existe entre eles ( ver Sé neca , Ep. 116, 1 ) , atitudes reminiscentes das diferentes aproximações da katharsis (q. v. ) como harmonização e purificação. 4. O uso, se não a enunciação da apatheia teve as suas origens nos cí nicos e nos movimentos relacionados que precederam imediatamente Zenão, e era frequentemente acompanhado da acusação de que os que a usavam estavam pura é simplesmente a resvalar para a insensibilidade ( Séneca , Ep. i , 9, 1 ) . Os estoicos viram-se em apuros para distinguir a sua versão de apatheia da insensibilidade ou da mera estupidez ( D. L. VIII , 117; Séneca, Ep i , 9, 3 ) . De facto, é provável que fosse precisamente deste tipo de crítica que resultou a distinção, em geral com pouca consistência , entre os pathe bons ( eupatheiai ) e os maus ( D. L. vn , 116 ) na

.

Stoa tardia .

á peiron: não limitado , indefinido

1. A arche ( q. v. ) de todas as coisas era , de acordo com Anaximandro, o apeiron, o não limitado. O termo é susceptível de várias interpretações que dependem de como se entende o limite ( peras , q. v. ) que está a ser negado na palavra composta. Arist ó teles inclui na sua F í sica, numa extensa discussão, os vá rios significados da palavra ( 202b-208a ) , alguns dos quais, v. g., a infinidade espacial, podem ser rejeitados como sendo anacrónicos em relação ao pensamento de Anaximandro. O que está inclu ído na sua ideia de apeiron é a duração no tempo ( ver Diels, frg. B3 e aidios , aphthartos ) , um fornecimento infinito de substância básica « para que a geração ( genesis ) e a destruição ( phthora) não faltem » ( Aristóteles, Phys. m, 203b ) , e finalmen'te a indeterminação, i. e ., a ausência de limites internos dentro dos quais os simples corpos f ísicos, o ar e a água , ainda não estivessem distintos entre si ( Diels, frg. cit .; Arist ó teles, Phys. i, 187a ) . É também possível que Anaximandro visualizasse esta enorme massa de matéria que rodeia o nosso kosmos ( Aristóteles, ibid . 203b ) como uma esfera , e assim também nesse sentido sem limite, i. e., começo ou fim . 2. A hist ória subsequente do conceito, como Anaximandro o compreendeu , reside no sentido de um interesse pela natureza exacta daquilo que está fora da esfera mais afastada do ouranos ( q· v. ) , que marca o limite do nosso universo ( ver kenon ) . Com os pitagó ricos novas considera ções conduzem a outros aspectos do apeiron; limitado e ilimitado encontram-se à cabeça da Tábua ,

Pitagórica dos Opostos citada por Aristóteles, Meta. 986a . Este já não é o apeiron de Anaximandro, mas é ou o limite espacial ( ou a sua ausê ncia ) inerente à aproximação geométrica pitagórica do n ú mero e dos corpos ( ver arithmos ) , ou então um conceito musical onde o limite ( peras ) é pensado como sendo a imposição de certa medida finita ( em termos de m ú sica , harmonia ; em termos de matem á tica , proporção ou logos ) sobre um infinito cont í nuo em cada extremidade. Este tipo de infinidade dual é a razão, assim conjectura Aristóteles na Phys. m, 206b, pela qual o apeiron passou à noçã o de « díade indefinida » ( ver dyas ) . O segundo dos dois pontos de vista é provavelmente o que permite o uso que P'at ã o faz de peras e apeiron como princípios do ser no Phil. 23c-25b ( o primeiro uso, ibid. 15d-17a, parece referir-se a uma simples multiplicidade indefinida de particulares ) . 3. A proeminência do apeiron no Filebo garantiu o seu uso continuado como um princípio metaf ísico na subsequente tradição platónica , mas com ê nfases algo diferentes. Para Platão peras e apeiron aparecem como co-princí pios de maneira muito semelhante à quela em que a chora do Timeu aparece lado a lado com os eide. De facto, Aristóteles viu quer o apeiron quer a chora como os equivalentes plat ónicos do seu co-princípio do ser , hyle ( ver dyas em Phys. iv , 209b ) . Plotino aceitou a identificação do apeiron como um princípio material , mas o seu monismo mais rigoroso levou-o a subordin á-lo ao Uno como uma espécie de « momento » evolutivo quando , como « Alteridade » , ele sai do Uno e fica sem definição ( aoristos ) até se voltar e contemplar o Uno ( Enn. n, 4 , 5; ver hyle e confrontar a tríade de « momentos » de Proclo em Elem. theol , prop. 35: imanência , processão [ proõdos, q . v .] , e conversã o [ epistrophe , q. v.]; ver trias 3. 4. Outro factor no interesse continuado pelo apeiron como um princ í pio ontológico foi a sua inclusão , através da sua identifica çã o com o princí pio material , na problemá tica do mal ; ver

kakon. aphaíresis: separação, abstracção

1 . Para Arist óteles os principais objectos de abstracção sã o ( mathematika, q . v.; Anal. post , i , 81b, Meta. os 1061a-b ) , e o processo é descrito no De an. m , 431b como « pensamento ( noesis ) das coisas que est ã o incorporadas na mat é ria como se n ã o estivessem ». Os objectos da ciência da Física são substâ ncias separadas num sentido ontológico ( ver choriston ) , mas visto que eles incorporam a physis e estão sujeitos a mudança « matem á ticos »

35

34

não são conceptualmente separá veis da matéria ( Meta . 1025b ) , um erro que os plat ónicos cometem ( Phys , ir , 194a ) , enquanto que os objectos da matemática não são subst â ncias separadas no sentido ontológico mas podem ser separadas da mat é ria conceptualmente ; ver mathematika, hyle. 2 . O facto da incognoscibilidade bá sica da mat é ria e a consequente necessidade de a captar por analogia ( Meta. 1036a , Phys. i , 191a ; Plat ã o teve a mesma dificuldade: ver o « raciocí nio bastardo» do Tim. 52b ) conduz Aristóteles a uma exposição um pouco mats pormenorizada de como se d á o processo da aphairesis. Primacial aqui é a distinção que ele faz entre a maté ria sensí vel e a inteligível ( aisthete e noete hyle; ver Meta. 1036a , 1045a . Plotino usa os mesmos termos mas com um sentido diferente ; ver hyle ) . A última é a espécie de matéria que o espí rito apreende no processo abstractivo quando contempla coisas sensíveis ( aistheta ) mas não qua sensíveis, i . e., como corpos matemá ticos compostos de forma e extensão espacial ( megethos; ver mathematika e comparar Meta. 1059b, 1077b ) , ou por analogia , o princípio potencial em definição, i. e., o genos no que respeita à diferença ( Meta. 1045a ; ver diaphora ) . Para aphairesis como a via negativa teológica , ver agnostos. á phthartos. indestrut í vel; para a indestrutibilidade da alma,

cf . athanatos

1. Na discussão aristotélica dos possíveis significados do termo ( De coelo i , 280b ) ele aceita como primacial conota ção « aquilo que existe e que não pode ser destruído, i. e., deixará ou pode deixar de existir », e enquanto encontra acordo er ítre os seus predecessores sobre o facto de o mundo ser um produto de genesis ( ver agenetos ) , há aqueles que estão dispostos a admitir a sua destruição ( ibid , i , 279b ) . Entre estes últimos há alguns que postulam uma única destruição e outros que sustentam que a destruição do kosmos é periódica . Aristóteles não especifica quem faz parte do primeiro grupo, mas Simpl ício, ao comentar este passo, identifica-os como sendo os atomistas e essa identifica ção parece provável ( ver Diels, frgs. 67A1, 68 A40 ; confrontar Epicuro in D. L. x , 73 e Lucrécio, De rerum nat . v , 235 ss. ) . Entre os que propõem a destruição cíclica Arist ó teles nomeia Empédocles , cuja teoria da mistura dos quatro elementos através do Amor e da Luta é de facto cíclica (frg. 17, linhas 1-13) , e Heraclito. A posição de Heraclito é muito mais obscura; o frg. 30 nega qualquer dissolu çã o do kosmos e Plat ão faz especificamente a distin çã o entre a posiçã o

de Empedocles e a de Heraclito no que respeita à destruição do kosmos ( Soph. 242d ) . Há , por outro lado, passos em autores posteriores que sugerem que Heraclito defendeu uma doutrina da conflagração periódica ( cf . ekpyrosis ) . À primeira vista também Fí lon parece defender a destrutibilidade do kosmos ( De opif . 7 ) ; mas o seu verdadeiro ponto de vista baseia-se numa distinção que se encontra em Plat ão ; no Tim. 41a-b, ao falar dos deuses celestes ( ouranioi ) , Plat ão diz que a união dos seus corpos e almas podia ser dissolvida mas eles não o serão por serem obra do Demiourgos. De modo semelhante, Fílon sente que o kosmos, embora naturalmente destrut ível, não será destruído graças a um apoio divino providencial ( De Decálogo 58 ) . 2. Um argumento semelhante aparece em Plotino Enn. n , 1 , 3-4 , onde é a Alma que mantém o kosmos eternamerite unido; mas aqui a relação não é a relaçã o providencial e volitiva que se encontra em Fílon, fundamenta-se antes no elemento mimético da tradição platónica, v. g. o tempo é uma eikon da eternidade ( aion ) e este mundo é uma reflexão do universo inteligível ( kosmos noetos ) ; alé m disso , a criação no sentido de « processão » ( ver proodos ) e « retorno » ( ver epistrophe ) faz com que sejam perdurá veis na natureza . apódeixis: acçã o de evidenciar , demonstração, prova

Na metodologia t écnica aristot élica apódeixis é uma demonstra çã o silogística que , se as premissas forem verdadeiras e essenciais, conduzirá à episteme ( Aristóteles, Anal. post , i , 71b-72a ) . Os indivíduos não estão sujeitos a definição e, por isso, são indemonstr áveis ( Aristóteles, Meta. 1039b ) ; ver dialektike , katholou. apon ía: ausência de dor

.

ver hedone

aporia: sem saí da, dificuldade, questão, problema

1 . Aporia e as suas formas verbais cognatas estão intimamente relacionadas com a dialéctica ( dialektike , q. v. ) e por isso com o método socrático do discurso interlocutório. De acordo com a an á lise de Aristóteles ( Meta. 988b ) , a filosofia tem a sua raiz no espanto ( thauma; Aristóteles salienta aqui que a filosofia e a mitologia compartilham o espanto como um ponto de partida comum ) que provém de uma dificuldade inicial ( aporia ) , uma dificuldade

37

36 experimentada por causa de argumentos em conflito ( ver Top. vi, 145b ). Quer a aporia quer o seu concomitante espanto podem encontrar paralelo nos frequentes protestos que Sócrates faz da sua própria ignorâ ncia ( v. g. M énon, 80d , Soph. 244a ) e no nolle contendere surgido da sua própria interrogação deliberada ( elenchos ) ( ver Teet . 210b-c e katharsis ) . 2. Mas eslte estado inicial de ignorância, comparado por Aristóteles a um homem acorrentado ( Meta. 995a32 ) , cede a um sentido posterior onde a aporia, ou mais especificamente, a diaporia, uma exploração de vá rios caminhos , assume as características de um processo dialéctico ( Meta. 995a-b; ver dialektike ) , e onde a investigaçã o das opiniões ( endoxa q. v. ) dos antecessores filosóficos de cada um é um preliminar necessá rio para se chegar a uma prova ( De an. I , 403; Eth. Nich. vn , 1145b ) . Assim as aporiai sã o apresentadas, são tecidas prévias opiniões sobre estes problemas e é descoberta uma solução ( euporia, lysis , a segunda literalmente uma « libertação » mantendo a metáfora do acorrentar in Meta. 995a32 ) . A solu ção pode revestir-se de uma variedade de forma, v. g., validando a endoxa ( Eth. Nich. vn, 1145b ) , apresentando uma hipótese ( De coelo n , 291b-292a ) , ou mesmo ( Eth Eud . vil, 1235b , 1246a ) permitindo a existência de uma contradição racional ( eulogon ) . Mas qualquer que seja a solução, o apresentar do problema e a elaboração desde o problema até à solução, que é o cerne do método filosófico, é uma tarefa dif ícil e árdua ( Meta. 996a ) .

.

aporrhoa í : emanações

ver aisthesis. arché : começo, ponto de partida, princí pio, suprema substância subjacente ( Urstoff ) , princí pio supremo indemonstrável

1. A busca da « subst â ncia » básica de que são feitas todas as coisas é a mais antiga da filosofia grega e é acompanhada pelo problema com ela relacionado de qual é o processo que por sua vez faz surgir das coisas primá rias as coisas secundá rias. Ou , para utilizar terminologia estritamente aristotélica : o que é a arche ( ou archai ) e qual é a genesis dos syntheta? 2 . A procura pré-socrá tica de uma arche no sentido de uma causa material ( Aristóteles colocara a investigação dentro das suas próprias categorias de causalidade; ver endoxon para o método implicado ) é descrita por Arist óteles na Meta. 983-985b , e a palavra

f

arche deve ter sido usada pela primeira vez neste sentido técnico por Anaximandro ( Diels. 12A9 ). Os primeiros candidatos a elementos constitutivos das coisas foram subst âncias naturais individuais, v. g., água ou humidade ( Tales; ver Meta. 983b ) e o ar ( ver aer ) , mas com a sugest ã o de Anaximandro de que a arche era algo indeterminado ( apeiron , q. v. ) fora dado um enorme passo no sentido da abstracção afastando-se do puramente sensorial. Abriu a possibilidade de a arche ser algo mais básico do que aquilo que podia ser perceipcionado pelos sentidos , embora o apeiron fosse, neste estádio, inequivocamente material . Assim Anaximandro iniciou a linha de investigação que levou ao Uno simples e esf é rico de Parménides ( ver on , hen ) com a correlativa distinção entre o saber verdadeiro ( episteme, q. v . ) e a opinião ( doxa, q. v . ) , e às archai geométricas e matemá ticas dos pitagóricos ( ver arithmos, monas ) e aos atoma ( q. v.) de Leucipo e Demócrito. 3. Aquilo que se ipodia chamar a tradição sensualista continuou a procurar as entidades supremas e irredut íveis nos corpos percepcionados pelos sentidos at é que Empédocles os fixou em quatro, os stoicheia ( q. v.) terra, ar , fogo e água, mas poucos mais, além de Empédocles, aceitam estes como verdadeiras archai; eles sã o antes est ádios entre as archai ainda mais remotas e as complexidades superiores dos corpos compósitos ( syntheta ) . 4. A procura das archai toma então um novo rumo. Tanto Parménides como Empédocles tinham sido categóricos na negação da mudança , o primeiro atribuindo-a a uma ilusão dos sentidos, o segundo sustentando a eternidade dos stoicheia. Mas isso era uma limitação que a breve trecho foi superada ; Anaxágoras e os atomistas, cada qual à sua maneira , reafirmam a genesis e assim , também, a possibilidade de que os stoicheia de Empédocles se transformem uns nos outros. 5. Uma nova análise da genesis feita por Plat ão e Arist óteles rejeita as velhas noções da mudança como mistura ou conglomeração ou associação e concentra-se em vez disso o exemplo tinha sido dado por Anaxágoras ( ver frgs. 4, 12 ) na velha noção das «forças » contrá rias ( ver dynamis , enantion, pathos ) . Isto está bem dentro da tradição sensualista visto que estas forças podem ser distinguidas pelos sentidos ( reduzidas por Aristóteles , De gen. et corr. ii, 329b, ao sentido do tacto, haphe ) ; mas h á também uma inclina ção na direcção do apeiron com o isolamento da outra grande arche da mudança , o substrato indefinido e impercept ível ( ver hypokeimenon , hypodoche , hyle ) . 6. Esta é, pois, a solução eventual ( entre os « geneticistas » ; as versões atomista e pitagórica continuam a florescer ) do

——

38

39

T

problema das archai dos corpos f í sicos: for ças opostas , algumas das quais podem actuar ( ver poiein ) enquanto que outras podem ser actuadas ( ver paschein ) , um substrato material em que ocorre a mudança e, eventualmente, um iniciador da mudança ( ver nous , kinoun ) . 7 . Um problema relacionado é o que é posto pela demonstra ção ( apodeixis ) recuando às suas archai supremas , as primeiras premissas do conhecimento ou os princípios supremos em que assenta um silogismo. Para os plat ónicos para quem o verdadeiro conhecimento é fundamentalmerite inato baseado como é numa visão pré-natal dos eide ( ver anamnesis, palingenesia ) , o problema é de pouca import ância , excepto talvez na teoria posterior da dialéotiea onde toda a aproximação da anamnesis ao conhecimento tende a recuar à origem ( ver dialektike ) . Quanto ao sensualista que funda todo o conhecimento na percepção sensorial, ele é forçado , pela validação das premissas do conhecimento noético, a identificar a aisthesis e a noesis ( assim os atomistas, embora Epicuro se afaste um pouco com a sua noçã o de « auto-evidência » ; ver enargeia ) , ou a ligar ambas, como fez Arist óteles, com o conceito de intuição ( ver epagoge , nous ) . Para outra orientação do problema das archai dos corpos f ísicos , ver syntheton; para o processo pelo qual as archai se tornam entidades mais complexas , ver genesis; para a existê ncia de duas archai eticamente opostas, ver kakon. areté : excelê ncia , virtude

1. O conceito de virtude teve uma longa história evolutiva na cultura grega antes de ser incorporado na problem ática da filosofia . Os pré-socrá ticos , cuja principal preocupação era uma physis corpórea ( q . v. ) , não estavam muito interessados em especulações sobre a arete ; há alguns pensamentos ocasionais sobre o assunto, como em Heraclito designação de prudência como a mais alta virtude ( Diels , frg. 12 ) e em Demócrito a insistê ncia sobre o car ácter interior da arete ( Diels , frgs. 62 , 96, 244 , 264 ) , mas não é prestada verdadeira atenção filosófica à arete antes da geração de Sócrates. 2. A própria identificação socrá tica da virtude e do conhecimento foi um lugar-comum para os seus sucessores ( Arist óteles , Eth. Eud . i, 1216b, Eth. Nich. vn , 1145b ) , e os « diá logos socráticos » de Plat ão dirigem-se no sentido de uma procura das definições das vá rias virtudes , v. g., Laques 190c-199e ; e é provavelmente uma hipostasia ção destas definições que culmina na teoria

plat ó nica das formas ( ver eidos ) . Para Plat ão h á um eidos da M é non 72 c ) c das vá rias espécies dc ar et ai ( Parm . 130 b ) ; na Rep . 442-b- d descreve as quatro « virtudes cardeais » desejá veis no estado ideal , uma explanaçã o que tem como correlatos as classes dos homens no estado e as divisões da alma ( ver psyche , sophrosyne ) . 3. Para Arist óteles a virtude é um meio ( meson , q . v. ) , e ele distingue entre virtudes morais e intelectuais ( Eth . Nich. n , 1103a-b ) . A aproximaçã o socr á tica intelectualista da virtude é ainda visí vel em Arist ó teles , mas temperada também pelo reconhecimento dos elementos volitivos ( ver proairesis ) . Para os estoicos a essê ncia da virtude estava em « viver em harmonia com a natu reza » ( ver nomos ) . Para outros aspectos da moralidade , ver praxis , phroncsis , adiaphoron , dike e , para os seus correlatos ontol ógicos , agalhon ,

arde (

kakon. ariihmós: nú mero ( ver tamb é m arithmos eidetikos e arithmos mathcmatikos )

1 . A concepçã o pitagó rica de n ú mero é obscurecida por uma grande dificuldade inicial: a geral incapacidade dos pr é-socrá ticos em distinguirem entre o concreto e o abstracto e a consequente ausê ncia de distin çã o entre aritmética e geometria . O ponto de vista original dos pitagó ricos foi provavelmente a redu çã o dos intervalos bá sicos da m ú sica a razõ es matem á ticas ( ver harmonia ) , que eles alargaram ao princ í pio de que as coisas s ão, de facto , n ú meros ( Aristóteles , Meta. 1090a ) . E estas « coisas » incluem , para confusã o de Arist ó teles, não só coisas materiais sensí veis , mas abstracções como justiça , casamento , oportunidade , é tc. ( Meta . 985b , 990a , 1078b ) e qualidades como branco , doce e quente ( ibid . 1092b ) . Além disso , para Arist ó teles o n ú mero matem á tico era abstracto ( ver mathematika ) , e ele pôde distinguir entre sólidos sens í veis e corpos geom é tricos ( ibid . 997b ) . Mas para os pitagó ricos o arithmos era corpóreo e tinha extensã o ( ibid . 1080b , 1083b ; ver megethos , asymmetron ) , possibilidade não improv á vel se considerarmos o há bito pitag ó rico de construir s ó lidos a partir da disposiçã o espacial desses pontos ( Arist ó teles, Phys. ui . 203a ; Sexto Empí rico , Adv . Math , x , 280 ; um m é todo de gerar s ólidos posteriormente substitu ído pelo m é todo de « fluxã o » do movimento de um ponto até fazer uma linha , Arist ó teles , De an . 409a ; Sexto Empí rico op. cit . x , 281 ) . Mas enquanto é prová vel que os primeiros pitagóricos pensassem os n ú meros como

40

41

corpó reos , é imprová vel que dissessem que existiam antes do concreto e do abstracto serem distinguidos. O primeiro homem a ter dito que eles eram corpóreos foi Ecfanto ( Aécio, i , 3 ,19 ) que postulou um tipo de atomismo num é rico. 2. Uma vez que o vulgar ponto de vista grego era que o n ú mero era uma « pluralidade de unidades » ( plethos monadon ; ver Meta. 1053a e monas ) , o problema estendeu-se at é à geração da própria unidade ; os seus elementos constitutivos são descritos como « o ocasional e o constante » e « o limitado e o ilimitado » tendo este último em Platão um papel semelhante aos princípios dos números e aos eide ( ver dyas, peras ) . 3. O aspecto da antiga teoria dos n ú meros que nos deixa mais perplexos é o facto de Arist ó teles ter repetidamente afirmado que Platão ensinou que os eide eram n ú meros ( v . g. Meta. 987b ) , posição esta que deve ser distinguida de

a existência dos eide dos n ú meros ( ver arithmos eide tikos ) e 2 ) a existência dos « matemá ticos » como um grau intermédio do ser ( ver mathematika, metaxu ) .

1)

Mas em nenhuma parte dos diálogos parece ter Plat ão identificado os eide com o nú mero. Para fazer face a esta dificuldade alguns postularam uma teoria do platonismo « esotérico » posterior , conhecido de Aristóteles ( mas ver agrapha dogmata ) ; enquanto outros tentaram ver o aparecimento da teoria dos eide-arithmos descrita em passos como Phil . 25a-e , a redução dos corpos f ísicos a formas geométricas no Tim. 53c-56c ( ver stoicheion ) , e a ênfase crescente numa hierarquia entre as Formas ( ver Soph. 254d e genos, hyperousia ) , que, de acordo com Teofrasto , Meta. 6b , sugeriria a sé rie descendente: archai ( i . é, monas / dyas ou peras / apeiron, qq . v. ) , arithmoi, eide , aistheta. Outros ainda dizem que Arist óteles confundiu , deliberada ou inconscientemente , a posição de Plat ão com as de Espeusipo e Xen ócrates ( ver mathematika ) . 4. Para Arist ó teles o n ú mero é apenas o n ú mero matem á tico , produto da abstracção ( ver mathematika , aphairesis ) , percepcionado nã o por um ú nico sentido mas pelo « sentido comum » ( De an. m , 425a-b ; ver aisthesis koine ) . O renascimento do pitagorismo nos primeiros séculos da era crist ã assegurou a cont í nua sobrevivência da teoria dos eidos-arithmos ( ver D . L. vm , 25; Porf írio, Vita Pyth. 48-51 ) , de tal modo que , para Plotino, o n ú mero tem uma posição transcendente entre os inteligíveis ( Enn. vi , 6, 8-9 ) .

arithmós eidetikós: número ideal Que há eide de nú meros em Plat ã o tal como há de outras entidades é indiscut ível ( cf . F édon 101b-c ) , e Arist ó teles tem razão ao dizer que eles são singulares ( Meta. 987b ) e « incompará veis » ( ibid . 1080a ) , i. e., incapazes de serem adicionados, subtraídos, etc., uns aos outros . Platão também afirmou, segundo testemunha Aristóteles, Phys. m , 206b e Meta. 1073a , que os nú meros ideais só chegavam a dez. Para a identificação de eidos e arithmos ver arithmos.

número matemático; os números abstractos que são objecto da matemática ver mathematika, metaxu, aphairesis.

arithmós mathêmatikós:

asymmetron: incomensur ável ( scil . megethos , grandeza )

1. A descoberta de que a diagonal de um quadrado não podia ser descrita em termos de uma proporção ( logos ) com o comprimento do seu lado, foi provavelmente consequê ncia da descoberta do teorema de Pitá goras. Na Antiguidade foi atribu ída ao pitagórico Hipasso que foi afogado por causa da sua revelação da irracionalidade ( a-logos ) da diagonal do quadrado ( I â mblico, Vita Pyth. 247; a prova da incomensurabilidade é dada por Arist ó teles em Anal. pr . 41a ) . Provas para a incomensurabilidade de V 3, V 5, etc., surgiram imediatamente a seguir ( ver Platão, Teet . 147d-148b ) . 2. Filosoficamente estas descobertas levantaram sérios problemas no que se refere à natureza do n ú mero ( arithmos , q . v. ) e à rela çã o entre a aritmética e a geometria . A incomensurabilidade começou e para a maior parte permaneceu um problema geom é trico; estas eram , afinal , magnitudes incomensurá veis ( ver Euclides , Elem. x , passim ) . Onde surgiu a dificuldade , e o destino de Hipasso dá testemunho da sua gravidade , foi na insistência pitagó rica sobre uma correspond ência entre os n ú meros e as coisas. Os n ú meros para os Gregos eram os n ú meros inteiros e não havia nú meros iriteiros para exprimir as novas magnitudes incomensurá veis. Uma reacção, testemunhada por Arist ó teles, foi a de distinguir entre n úmero e corpos e assim separar a geometria da aritmética ( ver megethos ) . A outra , que teve algum apoio na Academia ( ver Epinomis 990c-991b ) , foi a de tentar incorporar V"2 na fam í lia dos arithmoi. "

"

43

42 atarax í a: sem perturba ção , equil í brio , tranquilidade da alma

ver hedone.

athánatos: imortal , a incorruptibilidade da psyche ; para a incorruptibilidade dos corpos naturais , ver aphthartos 1. A crença na imortalidade da alma começa com a sua associaçã o com o aer , o elemento vital na vida ( ver Anaximenes, Diels , frg. 13B2 ) , e com a noção vitalista de que o que é vivo é divino ( Cícero, De nat . deor. i , 10, 26 ; ver theion ) e, portanto , imortal . Daí não haver nenhuma tentativa pré-socrá tica para demonstrar que a alma como tal é imortal ; faz parte de algo mais que é imortal. O problema da imortalidade psíquica individual surge com a nova visão religiosa , xaman ística da psyche ( q . v. ) como a pessoa verdadeira , fechada na alma como numa prisão; mas mesmo aqui trata-se mais de exposiçã o religiosa do que de argumentação filosófica , uma opção que se vê melhor nos quatro grandes mitos escatológicos de Plat ã o: F édon 107c-114c ; G ó rgias 523a ss.; Repú blica 614b-621d ; Fedro 246a-249d . Mas em Plat ã o também entra aquilo a que ele chama « prova » ( apodeixis ; ver Fedro 245c ) . A prova da anamnesis ( q. v. ) ascende ao pitagorismo religioso ( F édon 72e-77a ) , enquanto que a do parentesco com os eide ( ibid . 78b-80c ) é exclusivamente plató nica . 2. Estas são provas unitá rias concernentes à alma como um todo, mas a distinção das partes mortais e imortais da alma no Timeu ( ver psyche ) abre outras perspectivas ; nem mesmo nos seus primeiros escritos Aristóteles sustenta a imortalidade de toda a psyche ; apenas o nous tem essa característica ( Eudemo , frg . 61; De an. I , 408b, IH , 430a ) . O materialista é normalmente levado a negar a imortalidade da alma ; assim os atomistas ( ver Lucrécio , De rerum nat . m, 830-1094 ) , e assim , em primeira inst â ncia , os estoicos ( SVF i , 146, n , 809; D. L. vn , 157 ) , embora mais tarde com Posidónio ( C ícero, Tusc. i , 18-19; comparar De republica vi , 26-28 ) , afirmassem uma espécie de imortalidade astral ( ver aer ) . Para Plotino nunca h á um problema da imortalidade da alma ; o que é discutido é a individualidade da alma imortal após a sua separação do corpo ( Enn iv, 3, 5 ) .

.

á tomon :

« inseccionável »

, mat éria indivisí vel ,

part í cula, á tomo

1 . A cr í tica de Parm énides ao vitalismo dos Mil é sios e à s

suas inexplicadas genesis e kinesis produziram frutos nos pontos de vista de Empedocles e Anaxágoras , que reduziram toda a genesis a um ou outro tipo de mistura da mat é ria indestrutível ( ver Empedocles , Diels 31A28, 30; Anaxá goras frg. 12 ) e que postularam uma fonte de movimento que era diferente da coisa movida ( ver kinoun ) . Mas tanto Empédocles como Anaxá goras tinham postulado uma pluralidade de tipos de elementos básicos e assim n ã o conseguiram encontrar a hipó tese parmenidiana de que o verdadeiro ser é uno ( ver on e Melisso, frg. 8 ) . Deste complexo de problemas e soluções parciais desenvolveu-se a posição atomista: a exist ê ncia do ser e do não ser ( i. é ., o vazio; ver kenon ) , estando na forma de um nú mero infinito de part ículas indivisíveis e indestrut íveis substancialmente idê nticas e divergentes só na forma e tamanho , por meio de cuja agrega ção ( synkrisis ) as coisas sens í veis passam a existir ( Diels , frgs . 67A14, 68A37 ; Arist óteles, Meta . 985b ; ver genesis ) . 2 . Os á tomos tê m movimento eterno ( Aristóteles , De coelo iir , 300b ; ver kinesis ) e os mais m óveis são a alma esf é rica e os á tomos do fogo ( idem , De an. I , 405 a ) ; toda a sensação é reduzida ao contacto ( idem, De sensu 442a ) ; todas as outras qualidades sensí veis sã o apenas convenção ( nomos ; Dem ócrito, frg. 9; ver pathos ) . As varia ções posteriores de Epicuro e Lucrécio podem encontrar-se in D. L. x, 35-39 e De rerum nat . i, 265-328, 483-634; n ,

passim. Para a versão pitagórica do atomismo numérico, ver arithmos, monas, megethos; para o atomon eidos como a infima species na divisã o, ver diairesis , diaphora , eidos; para a cinética do atomismo , kinesis; para a formação de corpos compostos, genesis; sobre o problema geral das magnitudes indivisíveis , ver megethos. autárkeia : auto- suficiência

A auto-suficiência é uma característica da felicidade ( eudaimonia ) como uma meta da vida humana ( Aristó teles , Eth. Nich. i , 1097b ) , e portanto da vida contemplativa , que é o bem mais elevado para o homem ( ibid , x , 1177a ) . Depois disso a autarkeia como uma qualidade da virtude torna-se um lugar-comum tanto na Stoa ( D. L . vn , 127 ) como na tradiçã o plat ónica posterior ( Plotino, Enn. i , 4, 4 ) . automaton : espontaneidade

ver tyche .

45

b

e o primeiro a tê-la feito deve ter sido o protofilósofo do século vi, Ferecides ( D. L. I , 119 ) . Fosse quern fosse que a originou , um Tempo poderoso é um elemento principal nos poétas ( cf . Pí ndaro, Ol ii , 17 e fr . 145 ) , e particularmente nos tragediógraifos ( Oed . Col. 607-623 é apenas um dos muitos exemplos de Sófocles, que gostava especialmente da figura ) onde o Tempo é uma figura de poder que não só está à cabeça ou próximo do processo geneal ógico , como nas cosmogonias, mas domina e governa o kosmos 2. O pensamento de um poeta a respeito do tempo tem significado particular visto que é notavelmente semelhante ao que um filósofo quase contemporâneo dizia sobre o mesmo assunto. Sólon , in frg. 12, linha 3, usa a expressão « no tribunal [ dike ] de Chronos » , e uma figura quase idê ntica ocorre no fragmento preservado de Anaximandro onde os elementos « fazem mú tua reparação [ dike ] pelas suas injustiças de acordo com a determinação [ taxis ]

.

boúlesis: desejo ver proairesis; kinoun 9.

.

boúleusis: deliberação ver proairesis.

de Chronos »

c chõra : terra, área, espaço

ver hypodoche, topos. chõristón: separado, daí 1 ) subst ância separada 2 ) separado conceptualmente ( ver aphairesis ) A separação é uma característica da subst â ncia ( ousia ) que, ao contrá rio das outras kategoriai, é capaz de existê ncia separada; todas as outras modificações do ser existem em algo ( Meta. 1028a-b, 1029a28, 1039a32 ) . Uma das acusações mais frequentes que Aristóteles fez a Platão é o facto de ter dado aos eide , que Arist óteles compreende no sentido de um universal ( katholou ) , uma exist ência substancial separada , i. e., Platão hipostasiou-os ( ver Meta. 1086a, 1087a ) . Sobre a separabilidade do intelecto agente, ver nous, ousia.

,

chronos: tempo 1. O tempo como personificaçã o, Chronos, aparece nas cosmogonias quase míticas antes de conquistar um lugar nas cosmologias filosóficas . Chronos em vez de Kronos, o pai de Zeus , foi uma substituição bastante vulgar ( ver Plutarco, De Iside 32) ,

.

3. A linguagem figurativa desaparecida como especulação filosófica afastou-se das suas origens mitológicas de tal modo que, por exemplo, quando mesmo o poeta fil ósofo Empédocles está a falar num contexto semelhante ao de Anaximandro, o chronos aparece com bastante menos sugestão de personificação (frg. 30 ) . Onde, porém, Anaximandro e Empédocles concordam é em colocar o tempo fora do kosmos que é, por seu turno, em certa medida regulado pelo tempo. 4. Começa a aparecer uma mudança com os pitagóricos para os quais o kosmos era ao mesmo tempo uma criatura ( zoõn, q. v.) viva , que respirava , e o princí pio do Limite ( peras ) . Fora do kosmos só existem várias manifestações do Ilimitado ( apeiron ) , que o kosmos « inala » e sobre as quais impõe o Limite ( cf . Arist óteles, Phys. 203a, 213b; Aécio n , 9, 1 ) . Entre estes apeira, dizem-nos, ( Aristóteles , frg. 201 ) está o tempo. É provável que o processo inalante envolvesse, limitando o aspecto natural e perdurativo do tempo ( a perduraçã o é uma característica primitiva do apeiron , q . v. ) pela sua redu çã o ao nú mero ( arithmos ) , uma associação que continuou através de toda a subsequente discussão do tempo. 5. Este ponto de vista pitagórico, a despeito de só ter sido vislumbrado adequadamente através de apartes aristot élicos , foi de grande importâ ncia . Distinguiu um tempo ilimitado, extracósmico, de um tempo numerável, cósmico e , com efeito, deslocou este último para o contexto da quantidade . Plat ão continuou por este mesmo caminho mas juntou novas e consideráveis dimensões às duas noções de tempo pitagóricas. Assumiu o conceito de aion ( q. v.) , que ocorrera no pensamento pré-socrático como uma

47

46 designa ção do per í odo de vida do universo , e aplicou-υ ao tempo extrac ósmico , n ã o já visto como um apeiron pitagorico indefinido , que provavelmente inclu ía uma certa espécie de movimento n ã o regulado, mas como imobilidade dos eide { Tini . 37d ) . Por outro lado , o tempo cósmico é identificado com a revolução periódica da esfera celeste ( Tim. 39c ; Arist ó teles, Phys. 218a - b e Simpl ício , ad loc . ) . Chronos, em resumo, é para Plat ão « um reflexo [ e i k o n ] perdurador , que se move de acordo com o n ú mero, da eternidade [ aion ] que repousa no uno » { Tim. 37d ) . Assim , a estabilidade e a unidade do aion est ão em contraste com o movimento e a pluralidade , ou melhor , a numerabilidade do chronos, e o todo incor porado na sua teoria da mimesis ( q . v. ) . 6. Tanto para Platão como para Arist ó teles o tempo e o movimento est ão intimamente associados numa espécie de rela çã o rec í proca . Plat ão, como vimos, identificou os dois , e embora Arist ó teles critique essa identificação { Phys. 218b ) , a verdade é que ele afirma essa íntima relação ( ibid . 220b ) . Concorda igualmente com Plat ão ao afirmar que a melhor unidade para medida é o movi mento regular e circular porque é o primeiro e mais bem conhecido ( ibid . 223b ) , mas não especifica , como faz Plat ã o , que este é o movimento diurno dos céus, uma posição també m criticada por Plotino { Enn. III , 7 , 9 ) . Mas onde os dois mais nitidamente divergem é na ausê ncia em Arist óteles do contraste entre o tempo e a eternidade e todo o mecanismo demiú rgico da teoria da

confrontar Lucr écio l , 459-461 ) . Estas distin ções tendem a ser dilu í das no estoicismo que assumiu todas estas entidades incluindo o tempo ( S V F li , 1142 ) , sob a rubrica geral de « corpos » . Mas de uma maneira geral a Stoa situou-se bem dentro das linhas mestras plat ó nica e aristot élica ( evidentemente sem os enfeites plat ónicos de aion e eikon ) , substituindo o « intervalo » mais corpó reo por arithmos , mas preservando a liga ção com o movi mento { S V F n , 509 , 510 ) . 9. Plotino d á bastante aten çã o ao problema do tempo , considerando-o, tal como Plat ão, intimamente ligado à quest ão da eternidade. Quaisquer tentativas para separar os problemas, como fez Arist ó teles , est ã o destinadas ao fracasso ( Enn. m , 7 , 7-10 ) . Plotino n ão se satisfaz com os tratamentos filosóficos do tempo em termos de n ú mero ou medida do movimento ( ver Enn. m , 7 , 8 ) , nem mesmo com a identificação que Plat ão faz do tempo e do movimento dos céus. Em vez disso ele esboça o problema do aion e do chronos em termos de vida , representando o primeiro a vida dos intelig í veis ( m , 7, 2 ) . Por outro lado, o tempo é uma espécie de degenera ção desta total autopresença devida à incapa cidade da alma em aceitar esta tola sinmlteitas ( confrontar a id ê ntica degeneração da teoria em praxis na alma : ver physis ) ; o tempo é , ent ão, a vida da alma progredindo de estado para estado ( III , 7, 11 ) . ,

mimesis. 7. A sua existê ncia como eikon permite a Plat ão atribuir , pelo menos implicitamente, um estatuto ontologico ao tempo . Tem mesmo uma finalidade no esquema das coisas , permitir aos homens contar { Tim. 39b ) . Mas Arist ó teles , para quem o tempo é « o cá lculo [ ou numera çã o , arithmos ] do movimento de acordo com o anterior e o posterior » { Phys. 219b ) , n ã o est á convencido. Tempo nã o é sin ónimo de movimento mas tem de ser calculado a partir do movimento. E o cá lculo requer um calculador : da í que se n ã o existisse uma mente não existiria o tempo { ibid . 223a ) . É o reconhecimento da sequ ê ncia ( anterior e posterior ) que toma o homem consciente do tempo { ibid . 219a ) . 8 . A contribuição epicurista para uma filosofia do tempo consistiu principal mente numa tentativa para definir o seu modo de exist ê ncia . O tempo não é uma prolepsis ( q . v. ) , um conceito universal constru ído sobre uma sé rie de experiê ncias , mas antes uma percepçã o imediata ( D. L. x, 72 ) . Parece ser uma qualidade associada à s acções e movimentos das coisas , em resumo , « um acidente de um acidente » ( Sexto Empí rico, Adv. Malh. x , 219;

d da í tnõn ou daimónion : presen ça ou entidade sobrenatural , algures entre um deus ( theos ) e um herói



k. A cren ç a em espí ritos sobrenaturais um pouco menos antropomorfizados do que os Ol í mpicos é uma característica muito recuada da religi ã o popular grega ; um certo daimon est á ligado a uma pessoa ao nascer e determina , para o bem ou para o mal , o seu destino ( confrontar a palavra grega para felicidade , eudaimonia , que tem um bom daimon ) . Heraclito protestou contra

48

49

esta crença ( frg. 119; ver ethos ) , mas sem grande efeito. Na concepção xamanística da psyche (q. v. ) , daimon é um outro nome para a alma ( Empédocles, frg. 115 ) , reflectindo provavelmente as suas origens divinas e poderes extraordin á rios. Sócrates está , pelo menos parcialmente, dentro da tradição religiosa arcaica quando fala do se