Shakespeare 8500013125


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Shakespeare
 8500013125

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Do original

William Shakespeare - An Illustrated Biography Copyright € 2001 Anthony Holden Copyright da tradução O 2003 Ediouro Publicações S.A. ISBN original O 3168519 0

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98. E proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios,

sem autorização prévia, por escrito, da Editora

Gerente Editorial: firo Takahashi Preparação de originais: Maria José de Sant'Anna Produção editorial: Cristiane Marinho

Revisão técnica: Márcia Amaral Copidesque: Gisele Porto

Assistentes Editoriais: Felipe Schuery, Jorge Amaral, Christiane Cardozo e Gilmar Mirândola Revisão tipográfica: Cecilia Moreira e Maryanne B. Linz Capa, Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Megaart Design Produção Gráfica: Jaqueline Lavôr

Dados

Internacionais de Catalogação na Publicação (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

(CIP)

H67 áw Holden, Anthony, 1947— William Shakespeare / Anthony Holden ; tradução de Beatriz Horta. — São Paulo: Ediouro, 2003. — il.; — (Vidas ilustradas)

Tradução de: William Shakespeare, an ilustrated biography Inclui bibliografia ISBN 85-00-01312-5 1. Shakespeare, William, 1564-1616. 2. Dramaturgos ingleses — Biografia. 1. Titulo. II. Série. CDD

03-0047

928.21

CDD-9295HAKESPEARE

Índice para catálogo sistemático: 1. Shakespeare : Literatura Inglesa

: Biografia

000.000000

Ediouro Publicações S.A. Rio de Janeiro

Rua Nova Jerusalém, 345 - CEP 21042-230 - Bonsucesso - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (21) 3882-8200 - Fax: (21) 3882-8212 / 8313

E-mail: livrosGediouro.com.br São Paulo

Rua Catulo da Paixão Cearense, 631 - Vila Saúde - CEP 04151-011 - São Paulo - SP Tel.: (11) 5589-3300 - Fax vendas: (11) 5589-3300 ramal 233 E-mail: vendaspediouro.com.br Internet: www.ediouro.com.br

PREFÁCIO).

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STRATRORD; 1504-1569.

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O “corvo ARROGANTE”

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Os Homens DO LORDE CAMERLENGO 1594 — 1599

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O TesTRO GLOBE 1599— 1603...

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O HoMEM DO Rei 1603— 1606

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“UM FELIZ ENCONTRO”

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CRONOLOGIA DA OBRA DE SHAKESPEARE

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ÁRVORE GENEALÓGICA DE SHAKESPEARE . .....cci. as REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....cccccccictct

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DTD

PAarA FRANK KERMODE GN

Se minha Musa a um tempo inane serve, O esforço é meu, porém é tua a verve. Shakespeare, Soneto 38

E

Segundo o crítico literário norte-americano Harold Bloom, há poucas

biografias boas de Shakespeare,

“não por não sabermos muito. mas

por não haver muito o que saber”. Essa sonora verdade não impediu que bardólatras bem-intencionados, tanto amadores quanto profissionais, se apoiassem no legado das gerações passadas para enxergar uma paisagem talvez mais rica em detalhes do que na época de Shakespeare. A floresta de Arden, por exemplo, ficava na região onde Shakespeare

Vívia, mas foi quase totalmente destruída na Idade Média — e é cenário da peça

Como gostais (As You

Like It). Mas será que podemos,

em meio às árvores de Arden — que hoje estão “catalogadas” e “numeradas” — espionar o homem? Dizem que, todo dia, em

algum lugar do mundo,

um

livro de

Shakespeare é lançado. Na virada do século XXI, quando ele é, por unanimidade,

eleito Homem

do Milênio e recebe indiretamente

o

prêmio Oscar pelas mãos dos roteiristas do filme Shakespeare Apai-

xonado (1998), o bardo está mais atual do que nunca. Enquanto a PREFÁCIO

(do lado) A sra. Fitziwilliam

no

papel! de Sra. Page, em As

alegres comadres de Windsor.

Gravura de Tbomas Sherra tt,

1860 — 80.

cidade onde

viveu é cada vez mais colonizada

por turistas, que po-

dem visitar o teatro que leva o nome dele, o sofrido nativo de Stratford

está sendo dissecado por historiadores, feministas, marxistas, novos historiadores, pós-feministas, desconstrucionistas, antidesconstruci-

onistas, pós-modernos,

imperialistas culturais e pós-colonialistas.

Talvez esteja na hora de alguém

tentar juntar os pedaços dele outra

vez.

Esse esforço pretende apenas o que o falecido escritor Anthony Burgess chamou de “direito que tem todo amante de Shakespeare de

fazer seu retrato dele”. Na minha opinião, Burgess fez a mais recente e melhor tentativa de uma biografia popular, acessível e, ao mesmo

tempo, acadêmica. Essa biografia é de 1970, há mais de uma geração, portanto, uma distância suficiente para justificar outra tentativa, de alguém de outra geração, de recriar o bardo numa imagem cosmopolita de virada de século.

Quatrocentos anos depois de o primeiro Globe ser inaugurado, o teatro de Shakespeare está de volta à margem sul do Tâmisa, apresentando as peças de uma forma bem próxima daquela a que a platéia dele assistiu. Quatrocentos anos depois de terminado o longo e glori-

oso reinado da primeira rainha Elizabeth, a Inglaterra comemorou em 2001 o Jubileu de Ouro de Elizabeth II. Mas a “ilha coroada” — como definiu João de Gaunt, o personagem histórico retratado em Ricardo

H — não está segura de sua identidade, com a Escócia e o País de

Gales garantindo seu separatismo de uma Europa potencialmente fe-

deral, e a Irlanda ainda com problemas, se comparada com a nação poderosa e segura da primeira Elizabeth, que ampliou as fronteiras da ciência, da cultura e da exploração do mundo.

Que momento seria mais oportuno para responder ao desafio do escritor Henry James de empunhar “a arma mais afiada, de ponta mais fina, o braço mais forte” para conseguir “a melhor estocada”? Meus motivos e anseios para enfrentar essa dura tarefa biográfica são maio-

res do que a oportunidade de desfrutar, na feliz expressão do meu SHAKESPEARE Ear”

— ANTHONY HOLDEN

professor em Oxford, “a aparente hospitalidade ilimitada da imagina-

ção de Shakespeare”. Esses motivos somam-se a uma tarefa de amor:

um retrato falado de um homem muito procurado que parece ter vivi-

do e trabalhado tentando impedir sua captura. Como escreveu o crítico literário e poeta inglês Matthew Arnold sobre o homem

de Strat-

ford. “Nós perguntamos; tu sorris, silente”. Na verdade, como afirmei no início, sabemos mais a respeito da

vida de Shakespeare do que de qualquer um de seus contemporâneos literários — exceto Ben Jonson.

E o resto está aí para todos verem, nas

linhas e entrelinhas de tudo o que ele escreveu —

e na sequência em que escreveu. Rigoroso, T.S. Eliot nos lembra: “Não entendemos Shakespeare

por uma única leitura nem, certamente, por uma única peça. Há uma relação entre as peças, (...)

vistas pela ordem”. E até Eliot admite que “a trama de Shakespeare tem um padrão”. Um dos muitos e repetidos bardismos, quase um clichê, é dizer que não lemos Shakespeare, ele

é que nos lê. Da mesma forma, há sempre conflitos nas diversas facções da crescente “indústria Shakespeare” dando a entender que há acadêmicos demais que reescrevem o poeta sem lerem seus

textos com a mesma assiduidade. Será que se pode dizer o mesmo dos biógrafos?

Talvez. Mas discordo de Harold Bloom quando afirma que “lendo e assistindo às peças de Shakespeare, não podemos saber se ele acreditava ou não em alguma coisa, afora em sua poesia”. Nenhum escritor, nem mesmo

esse incomparável Bloom, consegue se separar por

completo de sua obra. Bloom usa G. K. Chesterton para sugerir que

Shakespeare era um dramaturgo católico e que Hamlet

era “mais or-

todoxo do que cético”. Mas o próprio Bloom contra-argumenta:

“ao

ler Shakespeare, posso concluir que ele não apreciava advogados, gos-

O Sr. Henry Betty no papel de

Faulconbridge, em

Rei João.

Gravura

George

[792



de

Hollis,

1842,

tava mais de beber que de comer

e era lascivo em

relação aos dois

sexos. Bloom também escreveu que “se você ler e reler Shakespeare sem

parar, não conseguirá saber seu caráter ou sua personalidade” — e eu ouso discordar outra vez, depois de ler e reler o bardo para escrever este livro. “Mas certamente quem ler e reler o bardo aprenderá a reconhecer seu temperamento, sua sensibilidade e seu conhecimento.”

Os dois argumentos

me parecem,

como

costuma

ocorrer em

estudos sobre Shakespeare, igualmente verdadeiros e duvidosos. Um erudito que leu os originais deste livro antes de serem impressos discorda de algumas coisas tão

violentamente quanto “concorda, entusiasmado” com outras — dependendo, claro, se confirmam

ou não a sua própria e altamente controversa opinião. Outro conhecido acadêmico discorda até do próprio conceito de uma biografia de Shakespeare, enquanto um famoso ator e erudito shakespeariano diz, generoso, que a biografia o ajudou a entender melhor a obra (que já conhecia muito

bem).

Para alguns amantes

de Shakespeare,

é um

sacrilégio ver ligações entre os poemas e peças e a vida do autor; para outros, sua verdadeira auto-

A Sra. Winstantey biografia é a sua obra. Na impossibilidade de um acordo, creio que se Ho papel de Sra, R ' Quicklyem as pode chegar a um meio-termo relativa mente seguro (e muit: o legítissalegres comadres ã : de Windsor. me 2 mo) — é, claro, um campo cheio. de armadilh as para pegar não só Gravura de George Hollis,

go

ão

galinholas, mas também

E

DE

:

almas pródigas como a minha, com o sangue

quente, as respostas na ponta da língua, como a fala de Polônio em Hamlet (ato 1, cena 3): “dando mais luz que calor” e “extinguindo-se no mesmo momento”.

Uma pessoa de idéias parecidas com as minhas e que, parec e, vai

perdoar meu esforço, seja qual for o resultado, é o rom ancista John

Updike. Há pouco tempo, ele expressou o maior motivo € “talvez, o mais válido” para ler biografias de escritores: “o desejo de prolongar

e estender nossa intimidade com o autor; de compartilhar outra vez, por outro prisma, as alegrias que desfrutamos com sua obra, na pre-

sença de uma voz e de um espírito que aprendemos a amar”. Ao ler essas palavras, em meio à minha tarefa, percebi que um dos motivos para estar escrevendo este livro era querer lê-lo. Nos últimos tempos, a biografia de Shakespeare ficou tão imersa em briguinhas

sobre medidas de fossos e correção de divisas; pagamento (ou não pagamento) de laudêmios e dízimos;

arquitetura e funcionamento dos

teatros elisabetanos; saber como as pessoas escovavam

os dentes na

época e se tinham mau hálito — chegando ao cúmulo do detalhe da decoração do quarto de uma taberneira de Oxford, pois o bardo pode

ter

ido para a cama com ela, que era mulher do dono do estabeleci-

mento.

Isso para não citar as eternas hipóteses em

relação ao Belo

Jovem e à Dama Morena dos Sonetos. Assim, a pessoa de William Sha-

kespeare acaba escapulindo de capítulos inteiros dessas biografias e fica observando dos bastidores, sem dúvida com um risinho irônico.

Tentei manter sempre em foco essa pessoa, prendê-lo firme na página, por mais que ele quisesse fugir. Descobri ser fatal, de vez em quando, dar uma olhada em volta, nem que seja por um instante. Com isso, lá se vai O bardo outra vez, sumido num de seus horizontes imaginários. Ão fundo, ouve-se uma gargalhada. cê Se cada geração recria Shakespeare de acordo com sua própria imagem,

a minha contribuição é enviá-lo para a Lancashire da mi-

nha (e, tenho certeza, da dele também) juventude. Quando você ler

que o jovem Will “Shakeshafte” passou sua adolescência indo da casa

dos Hoghton para a dos Hesketh, pode querer ou não saber que meu falecido pai teve uma loja na Hoghton Street, em Southport, a uns trinta quilômetros de onde ocorreram esses fatos, no final do sécu-

lo XVI. E que uma das primeiras jovens a quem dediquei um olhar

13

com o mesmo ardor desesperado daquele de Sílvio por Febe (personagens

da peça Como

gostais) era da família Hesketh,

descen-

dente direta dos almofadinhas locais que receberam o jovem ator e dramaturgo na década de 1580. (Já que você perguntou, mais tarde

a moça se casou com um editor. Não se pode esperar que Shakespeare e eu aprovemos.)

Deixando de lado as coisas da juventude, minha primeira dívida, óbvia — explicada em detalhe nas Referências Bibliográficas (pág. 268)

— É com os quatro séculos de estudiosos e biógrafos de Shakespeare

que me antecederam. Segundo Ernst Honigmann, um grande nome na atual safra, é inevitável que “todos os que escrevam sobre Shakespeare peguem emprestado um pouco dos escritores passados”.

Juntamente com o falecido Sam Schoenbaum, o maior arqueólogo de Shakespeare no século XX, do biógrafo e romancista aventureiro Anthony Burgess e do iconoclasta Eric Sams, o nome de Honigmann encabeça a lista de autores que me ajudaram a escrever. (Ele também

foi gentil a ponto de ler e avaliar um rascunho dos Capítulos II e II.) Mas poupei o leitor de uma lista de minhas extensas leituras, pois, como qualquer bibliografia de Shakespeare que mereça o nome, essa citação apenas duplicaria o tamanho deste livro, que tentei manter num formato manuseável. Assim, minha pesquisa está detalhada nas já citadas Referências Bibliográficas, que informam sobre os livros que me

pareceram mais importantes. Tentei também poupar o leitor comum

do transtorno das notas de rodapé; as primeiras palavras das frases citadas estão nas Referências, com o número da página para o leitor encontrar as obras originais e fazer uma leitura mais ampla.

As citações seguem, basicamente, o texto de The Riverside Sba-

Respeare, que me pareceu a edição em volume único mais confiável, informativa e erudita. O texto do Riverside é a base do trabalho do professor Martin Spevack, feito em computador, Complete and

Systematic Concordance to the Works of Shakespeare, ora condensado no volume Harvard Concordance to Shakespeare. Nas demais cita-

ções, modernizei a grafia, em geral com certa relutância, mantendo algumas inconsistências para assegurar um certo charme de época.

A equipe da Biblioteca de Londres e a Biblioteca de Shakespeare em Stratford-upon-Avon foram infatigáveis na ajuda — como foi Ben Holden, procurando alguns textos mais especializados da biblioteca

Bodleian e na do departamento de Língua Inglesa, ambas da Universidade de Oxford. Agradeço também aos inúmeros acadêmicos especializados em Shakespeare que me ouviram e discutiram comigo nos

quatro anos de trabalho neste livro; não vou nomeá-los aqui, pois a responsabilidade pelo conteúdo é apenas minha.

Isso vale também para os atores, diretores e apaixonados por Shakespeare — amadores e altamenTer-

te profissionais, que demonstraram enorme paci-

eta

ência quando importunados por esse contador de

lit

“Tr

histórias do folclore do bardo em que me trans-

e

TF

formei nos últimos anos, parecendo o velho maseus relatos de aven-

1

rinheiro de Coleridge com A. Alvarez,

Melvyn

Bragg, John

Fortune

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Peter O Toole tiveram a fineza de ler o texto no original e deram

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turas no mar.

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inúmeras sugestões úteis. Pou-

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cas vezes discordei tão profunda e cordialmente

mi

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de alguém como de Eric Sams, que rasgou em pedacinhos meu penúltimo rascunho e vai protestar, furioso, diante do

A Srta. Glyn no

papel de Cleópatra, em

muito que ainda restou, sobretudo em questões controversas como

Antônio € Cleópatra. Gravura de George Hollis, 1792-1842.

colaboração, “reconstrução de memória”, publicações piratas (sobre-

tudo em relação aos Sonetos) e até quanto à grafia do nome do único filho de Shakespeare. Agradeço também aos professores Richard Wilson e Richard Dutton,

da Universidade

Lancaster, pelo convite para

participar da conferência “Shakespeare lancastriano”, em julho de 1999,

em parte realizada na Torre Hoghton, sob os auspícios do programa de estudos shakespearianos da universidade. Sou grato também aos Ra

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Jardim dos ursos

inúmeros especialistas

margem do

fessores Stephen Greenblatt , Eamonn Duffy, Gary Taylor e outros — cuja erudição e conhecimento me foram muito valiosos.

e teatro Globe à Tâmisa.

Gravura

anônima de mapa

1816.

veneziano,

x

Pp

presentes — ao padre Peter Milward, : nt

dOS pro-

O jornal Observer me concedeu generoso e inusitado espaço para discorrer longamente sobre as diversas formas como Shakespeare continua a assombrar nossas vidas; agradeço à editora de resenhas Lisa O'Kelly e à editora de arte Jane Ferguson. Robert Butler, crítico de teatro

do jornal Independent on Sunday, levou-me gentilmente a várias es-

tréias de peças de Shakespeare,

que provocaram

muitas e pacientes

horas de discussão. De todas as pessoas envolvidas neste livro, ele sabe

o trabalho que deu — além, é claro, de minha mulher e meus filhos, que receberam Shakespeare em nossa casa com toda a deferência que já haviam demonstrado com hóspedes demorados como Laurence Olivier, Tchaikovsky e outros, inclusive o Príncipe de Gales.

Este livro jamais existiria sem a tocante fé na minha capacida de de escrevê-lo demonstrada por meu amigo e editor Alan Samson. Sou igualmente grato a Philippa Harrison, An drew Gordon, Rosalie Maciarlane, Linda Silyerman, Amanda Murr ay e todos Os seus colegas

da editora Little, Brown dos dois lados do Atlântico. E também a Julia

Charles, Andrew Barrow (designer gráfico), Aríanne Burnette (pesquisa iconográfica) e Rachel Connolly (editora) pelo esmero e atenção que dedicaram a essa edição ilustrada. Minha agente literária, Gill Coleridge,

deu o inigualável e constante apoio de sempre.

Mas minha maior gratidão, que se estende por mais de trinta anos, é para o estimulante orientador universitário John Jones, na década de

1960 no Merton College de Oxford, autor do muito celebrado Shakespeare at Work.

E também para Sir Frank Kermode,

amigo e mentor

cuja vida dedicada à poesia de Shakespeare pôde finalmente testemunhar a publicação de seu indispensável Shakespeare's Language. Frank e eu nos divertimos tanto enquanto escrevíamos nossos livros sobre nosso amado bardo, embora em diferentes formas e níveis, tirando conclusões

tanto ótimas (ele) quanto esquisitas (eu), que é um prazer e um privilégio

ter conseguido sua permissão para dedicar-lhe esse livro.

NOTA SOBRE VALORES MONETÁRIOS A magia “micreira” de Robin Marris, professor emérito de Economia

do Birkbeck College de Londres, aceitou meu desafio ao aparecer com uma fórmula misericordiosamente simples de conversão aproximada dos valores monetários elisabetanos para os atuais. Mas alimentos, por exemplo, foram excluídos porque os preços sempre variavam de acordo

com a oferta e a procura. Quanto a números mais estáveis, como de

renda, custos e propriedade, a fórmula Marris diz apenas: “multiplicar por 500”. Por exemplo: 60 libras em

New Place, a casa que Shakespeare comprou por

1597, valeria 30 mil libras hoje, o que parece uma pe-

chincha por uma das mais belas residências no centro de uma cidade

provinciana. A renda anual dele no teatro era, no auge de sua fama, de

200 libras, que corresponderia portanto a simpáticas 100 mil libras — bem menos, creio eu, que a renda anual de alguns dos maiores dramaturgos de nossos dias.

AH.

17

NOTA SOBRE A TRADUÇÃO Há acréscimos e explicações no próprio texto para não alterar a paginação do livro com a inclusão de notas de rodapé.

Os personagens

e

citações foram localizados em cada peça para auxiliar o leitor. Para trechos das peças de Shakespeare foram usadas traduções brasileiras consagradas; os textos de outros autores foram traduzidos livremente.

Sonetos, tradução de Jorge Wanderley.

Rio de Janeiro: Civi-

lização Brasileira, 1991. Ricardo II, tradução de Anna Amélia C. de Mendonça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1993. Henrique IV, partes 1 e 2, tradução de Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Como

gostais,

Lacerda,

tradução

2000.

de F.C. Medeiros

Rio de Janeiro: Aguilar,

e Oscar Mendes,

1969.

Otelo, tradução de Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999.

Rei Lear, tradução de Barbara Heliodora. Lacerda,

Rio de Janeiro:

1998.

Macbeth, tradução de Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. Coriolano,

tradução de Barbara Heliodora.

Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 1995. Conto de inverno, tradução de F. C. Medeiros e O. Mendes. Rio de Janeiro: Aguilar, 1969. Hamlet, tradução de Anna Amélia C. de Mendonça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, Agradeço

1995.

a gentileza e atenção de Barbara Heliodora,

crítica tea-

tral e tradutora, especialista em Shakespeare, e a inestimável colabo-

ração de Marcia A. P. Martins, professora de tradução da PUC-Rio e autora de uma Hamêlet.

tese de doutorado

sobre as traduções

brasileiras de B.H.

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Ireland 1795

19

STRATFORD CaritTuLo

|

1564-1569 Xo

William Shakespeare, de Stratford-uponAvon, trouxe duradouro prestígio para um

sobrenome

que

por muito

tempo

foi

considerado um constrangimento. (...) No

final da Idade Média,

Shakespeare

era

sobrenome bastante comum em Warwickshire e arredores, principalmente na próspera cidade de Coventry e em

várias aldeias

situadas onde, na época, ficava a floresta de Arden.

Os país de Shakespeare eram analfabetos. O pai, que chegou a prefeito de Stratford-upon-Avon, como

a maioria

assinava o nome

das mulheres

da época,

com

nunca

uma

marca. A mãe.

aprendeu

a ler ou

a

escrever. O batismo do filho William foi registrado na paróquia da igreja da Santíssima Trindade, de Stratford, em 26 de abril de 1564. Mas é lasti-

mável que não haja qualquer outra prova para confirmar a crenca popular de que William Shakespeare nasceu em 23 de abril, mesma data em que morreria, cinquenta e dois anos depois, e em que se comemora

na Inglaterra, desde

1222, o dia de São Jorge, o matador

de

dragão. Como a fama do poeta aumentou após sua morte, garantindo

um nicho especial para seu país na história cultural do mundo, era natural a tentação da posteridade de unir o aniversário do poeta nacional ao do santo padroeiro. Mas essa tradição se baseia na falsa premissa de que os batismos na época elisabetana se realizavam sempre dias após o nascimento.

tutsA

para o Rei Lear,

quadro de Joshua

Reynolds, cerca de

1760.

STRATFORD a

três

(to lado) Estudo

21

A recomendação que o Livro de Orações dava aos pais em

1559,

cinco anos antes do nascimento do bardo, era a de batizar a criança antes do primeiro domingo ou dia santo, “exceto se houver um grande e justo motivo que seja comunicado ao cura e por ele aprovado”. No ano de 1564, o vigésimo terceiro dia de abril foi um

domingo,

quatro dias após a festa de Santo Elfégio e dois antes da de São Marcos

— este, por tradição, era um dia aziago, por isso o cura deve ter permitido evitá-lo. Mas a inscrição no túmulo de Shakespeare na igreja da Santíssima

lrindade — a mesma em que foi batizado em 26 de abril pelo vigário

da paróquia, John Bretchgirdle — afirma que ele morreu em seu quinquagésimo terceiro ano de vida (obit anno ... aetatis 53”). Sabemos que ele morreu no dia de São Jorge, 23 de abril, o que parece implicar que nasceu antes desse dia, embora por uma pequena diferença.

Poucas soluções são tão satisfatórias para esse problema quanto a do poeta Thomas de Quincey, que deu a entender que a neta do bardo,

Elizabeth Hall, casou-se em 22 de abril de 1626, em “homenag em a seu famoso antepassado” — escolhendo o sexagésimo segundo aniversário do nascimento

e não o décimo

da sua morte.

ÇÕOO

William Shakespeare, de Stratford-upon-Avon, abrilhantaria para sempre um sobrenome que há muito era considerado constrangedor. Em 1487, ao se tornar reitor celibatário do Merton College, em Oxford, um certo Hugh Shakespeare mudou seu nome para Hugh Sawn ders. “Mutatum est istud nomen eius, quia vile reputatum est”, registram

os arquivos do College: “Ele mudou devido à má reputação que tal nome tinha”, diz o texto em latim. Apesar de sua associação a imagens fálicas — O que também

ocorria com outros parecidos, com Shake staff e Wagstaff — o sobrenome Shakespeare continuou muito comum (em todas as grafias) em Warwickshire e arredores até o final da Idade Média, principalmente na próspera cidade de Covent ry e em várias aldeias ma

SHAKESPEARE

-— ANTHONY

HOLDEN

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Vísdo em perspectiva de New Place. Desenho de Jobn

ds:

Jordan,

onde, na época, ficava a floresta de Arden, uns seis quilômetros ao norte

de Stratford-upon-Avon.

Clopton,

Em

1284,

um

em Gloucestershire, foi enforcado

William Sakspere,

por roubo;

um

de

século

depois, em 1385, outro William Shakespeare participou do júri de um processo sobre morte suspeita, em Balsall.

De

1530 a 1550, arrendatários de fazendas chamados

Richard

Shakspere, Shakespere, Shakkespere, Shaxpere e Shakstaff foram punidos em diversas ocasiões por não-comparecimento ao tribunal local de Warwick, preferindo pagar a segunda multa a perder um dia de traba-

lho andando os 10 quilômetros entre um lugarejo e outro, ida e volta. Naturalmente, esses nomes eram do mesmo

homem:

arrendatário na aldeia de Snitterfield, 7 quilômetros

o avô do bardo, a noroeste

de

Stratford, pela estrada principal de Warwick, O proprietário da fazenda era Robert Arden, da aldeia próxima de Wilmcote, na paróquia de Aston

Cantlow, e cuja filha Mary se casaria com John, o filho de Richard, em 1557. John era o segundo, talvez terceiro filho de Richard. Nascido em

1529, era chamado de agricola (agricultor, em latim) nos documentos das propriedades do pai. Mas, na época, início da década de 1560, ele “STRATFORD n

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1795.

de 1560, ele há muito havia trocado a tradicional vida dos Shakespea-

re no campo pelas terras urbanas, que considerou mais prósperas. Embora criado para administrar os terrenos arrendados pela família, desde jovem John tinha maiores ambições e, em meados do século, migrou para a cidade de Stratford, onde havia um próspero mercado.

Situada num vale cheio de árvores, Stratford-upon-Avon era, na época, uma respeitável cidade de uns 1.500 habitantes. Seu nome

vem do lugar onde uma estrada romana (ou “straet”) cruzava Cforded”, que em inglês arcaico significa “passar por

)o bonito rio que banhava

seu centro. Um dos lugares mais antigos da Inglaterra cristã, o povoado está no cadastro das terras inglesas como feudo pessoal dos bispos de Worcester. Na época de Shakespeare, seus arrendatários tinham

obtido

a emancipação

comercial:

e formaram

uma

artesãos e lojistas expunham

próspera

comunidade

seus artigos nos

dias de

mercado, ao lado dos habituais animais vivos e de produtos do campo.

Já o termo Avon (“rio”, em galês) era devido a uma bonita ponte de pedra, que ainda existe, construída por Sir Hugh Clopton, um rico

negociante de tecidos que chegou a prefeito de Londres. No centro

de Stratford, na última década do século XV, Clopton construiu a maior

Casa da cidade, que ele chamou de New Place. A casa serviu para se avaliar O posterior sucesso em Londres de outro nativo de Stratford, William Shakespeare, filho do luveiro que acabou sendo o orgulhoso proprietário de New Place. Stratford ficava a 160 quilômetros da capital — mas próxima dos condados centrais de Worcester, Warwick, Banbury e Oxford — e foi descrita por um cartógrafo da época como emporium non inelegans”, cidade de mercado

que tinha suas atrações, já ostentando a bonita igreja paroquial da Santíssima Trin dade, do século XIII, e, menor ma s ainda mais antiga, a capela da Guilda da Santa Cruz, toda de corada.

Sabemos que, por volta de 1552, John Shakespeare morava à roeste da cidade, na Henley Street,

e

com Humphrey Reynolds e Adrian Quiney, por deixar sem autorização um monte de esterco (sterquinarium) na frente da casa de um vizinho, o construtor de carroças William Chambers. Naquela época da peste, uma multa correspondente a dois dias de trabalho de um artesão era um castigo rigoroso e adequado para os preguiçosos que não usavam o monte de esterco comunitário, na extremidade rural da rua.

Num raro desafio à tradição familiar (e como faria sempre, mais tarde), John Shakespeare pagou logo a multa. Parece que ele já tinha planos de ser não apenas um valoroso cidadão de Stratford, mas uma eminente figura pública. Esse contratempo inicial parece não ter sido empecilho para sua ascensão social.

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Mapa

Yarwickshire. Do

Atlas da Inglaterra

c Gales, de

Christopher

Após cumprir (0 que só podemos supor) os obrigatórios sete anos — Saxton, cerca de 1579.

de aprendizado, o pai de Shakespeare entrou no comércio como arteCd

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são de luvas e arreios: preparador de couro, que era curtido e pintado na cor clara. De

1556 a 1592, diversos documentos legais de dívi-

das não saldadas e cauções

descrevem Johannes

Shakyspere,

ou

Shaspere, ou Shackspeare, como “luveiro”. Seu ofício era o “Curtimento” da pele ou do couro de animais — cervos e cavalos, bodes e ovelhas, mas não de animais protegidos, como bois ou porcos — mergulhan-

do-os numa solução de sal e alume. Depois, transforma va o couro em

luvas e também em cintos, bolsas, aventais —

qualquer coisa que pu-

desse vender em sua loja, ou na barraca de luveiros

que ficava em

local de destaque no mercado, sob o relógio da cruz do mercado. Hoje, esse lugar é o entroncamento de High Street , Bridge Street e Henley

Street, ruas que levam ao Shakespeare O historiador do século

Memorial Theatre.

XVII John

Aubrey,

uma

das primeiras

pessoas a visitar Stratford em busca de indíci os de Shakespeare, garantiu que o pai do bardo era açougueiro. Aubrey não é testemunha das mais confiáveis mas, a julgar pelo que ocorreu mais tarde, pode ter havido uma fase na vida de John Shakespeare em que ele desrespeitou as leis que separavam estritamente duas profissões no entanto relacionadas: curtidor de couro e açougueiro. Certamente, ele não fazia segredo da venda da lã das ovelhas que abatia para usar a pele. O lado leste da casa na Henley Street servia também de loja de artigos de couro, co-

nhecida como “a loja da 14”. Quando o piso foi trocado no século XIX,

depois que a casa se transformou numa hospedaria, o proprietário declarou ter encontrado

entre as tábuas de madeira

cardadura (...) enfiados nos alicerces”.

“restos de lã e de

Por que então não aproveitar também a carne dos animais, escon-

dido, por baixo do pano? Segundo Aubrey, o jovem William era cap az

de matar um bezerro “com muito jeit o e fazer um discurso”, e nas peças dele há muitas referências de que m conhece o ofício de açougueiro. Outros documentos legais, important es para nosso quebra-cabeças desse ra e venda

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O mercado com a cruz no afto.

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Stratford-upondron.

Artista

anônimo.

madeira e cevada, o que só se fazia para fabricar cervejas. Fica claro que ele era uma espécie de empresário, um faz-tudo — um “Johannes factotum”,

como

alguns

invejosos mais tarde zombariam

do filho.

quando o pai ainda era vivo. John Shakespeare foi, como depois seu filho, um grande comerciante de imóveis. Se no

ano

de

1552,

mais ou menos,

o pai de Shakespeare

com-

prou ou alugou toda ou parte da casa da Henley Street — hoje respei-

tada (apesar de poucas provas) como o “local de nascimento” —, ele logo aumentou suas posses com a compra, em 1556, de uma propriedade com jardim e terreno, “tenement cum gardino et crofto”, na Greenhill Street (rua mais tarde chamada More Town

End). Deve ter

sido um bom negócio, pois no mesmo ano ele comprou uma casa próxima, na Henley Street, timbém com jardim e terreno, a qual se tornaria a loja da lã, quando as duas propriedades foram unidas forman-

do uma bonita mansão de teto em três pontas.

— STRATFORD

Mais de quarenta anos depois, em

1597, os documentos

de Strat-

ford registram que John vendeu uma estreita faixa de terra ao lado dessa propriedade para um tapeceiro chamado

George

Badger construir um

muro. Vendeu outra pequena parte do terreno para Edward Willis, de King's Norton, que propôs abrir uma hospedaria chamada The Bell.

Portanto, podemos garantir que a família Shakespeare continuou morando na casa da Henley Street, apesar das muitas dificuldades enfrentadas pelo patriarca, por mais de meio século. E à casa continuava

pertencendo à família, cento e cinquenta anos depois.

Em 1553, pouco depois de John Shakespeare instalar-se em Stratford-upon-Avon, a aldeia recebeu da Coroa à carta formal de incorporação. O burgo dependia dos caprichos do dono da propriedade — no caso, o conde de Warwick, que era ta mbém quem indicava o cura e professor, e tinha poder de veto na es colha do prefeito. A carta deu mais autonomia ao conselho municipa l de cidadãos, que indicava os funcionários menos graduados. Por sorte, o ambicioso luveiro chegou na cidade certa, na hora certa, perfeita para iniciar um comércio na comunidade, ao mesmo tempo em que pr eenchia a nova necessidade local de líderes públicos. É de se supor qu e uma placa de ofício afixada à porta — portanto, indicadora de resp eitabilidade — não fosse nada mal para os negócios.

John teve o primeiro reconhecimento em setembro de 1556 — três anos após o burgo ter sido incorporad o à Coroa — quando foi escolhido um dos dois degustadores de cerveja, ofício para “pessoas capazes e discretas”, cujas funções co nsistiam em conferir se os pa-

(Ao lado) Hamlet e Horácio no cemitério.

Aquarela de Eugene Delacroix, 17991863.

28

deiros faziam os pães no peso estabeleci do por lei e se os cervejeiros vendiam os diversos tipos de “benfazeja s” cervejas pelo preço de lei. O degustador de cerveja tinha certo poder: se encontrasse alguém desrespeitando a lei, mandava co mparecer ao tribunal senhorial, que se reunia duas vezes ao ano € impu nha multas, açoitamento, um dia no tronco ou no pelourinho ou até uma humilhação públic a pior ain-

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da, o “banco de biltre” — uma cadeira na forma de um enorme penico,

na qual o infrator entrava e era jogado no rio, para escárnio e deleite de seus fregueses.

Nove

meses

após sua indicação,

em

junho

de

1557,

degustador de cerveja estava do outro lado da lei, manchando

o novo seu li-

vro de anotações por faltar a três sessões do Tribunal de Registro em

sua função oficial. A multa de oito centavos que pagou parece ter va-

lido a pena, pois naquela primavera John

motivos para distraí-lo de suas obrigações.

Shakespeare

tinha outros

Ir e voltar de Wilmcote, provavelmente fora do horário normal, custou um preço às atividades extras de John. Depois de criar uma base segura no centro de Stratford, ele voltou às raízes rurais para encontrar uma noiva e atingir a meta de subir na escala social. Mary Arden não era apenas filha de um próspero fazendeiro, proprietário

do terreno do futuro sogro. Mary pertencia a uma das mais destacadas famílias de Warwickshire, com uma árvore genealógica que antecedia a chegada dos normandos e já constava do Livro de Cadastro das terras inglesas, onde quatro colunas inteiras listavam as propriedades de

Turchill de Arden: a moça tinha mais posses do que qualquer cidadão. Mary era a caçula de oito filhas do viúvo Robert Arden que, em abril de 1548, casou-se outra vez, com Agnes Hill, nascida Webbe, viúva de outro próspero fazendeiro. A união trouxe mais quatro filhos à grande prole que já se apertava na casa de dois andares de Wilmcote. Não podemos garantir que a casa de madeira aparente na Featherbed

Lane, identificada no final do século XVIII e hoje visitada por bandos

de turistas, seja a “casa de Mary Arden”. Também não pod emos garan-

tir que o filho dela, William, tenha nascido na casa de Henl ey Street, hoje reverenciada como o “local de nascimento” — mas deve ter sido uma casa bem parecida, com fundação de ped ra e águas-furtadas em ponta, tetos de madeira e grossas vigas de car valho, lareiras e cantoneiras

de pedra e quadros adornando as paredes mais importantes.

“Local de nascimento.”

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Avon onde nascem Shakespeare.

Mary

mas deve ter-se realizado no final de 1557, provavelmente

na

igreja de São João Batista, em Aston Cantlow, onde também não há registro. O primeiro filho nasceu no nono mês de 1558; Mary não te-

ria se casado em 1556, quando seu pai faleceu. Em 24 de novembro desse ano,

Robert Arden

fez seu testamento,

cujos termos

dão a en-

tender que, como o personagem-título de Rei Lear, a filha caçula era sua preferida. Depois de “assinar” com as habituais dez cruzes, o pai

de Mary deixou para ela o que tinha de mais valor: a propriedade em Wilmcote chamada Asbies “e, assim sendo, a colheita do que for semeado e arado na terra”.

Esse foi o belo dote de Mary Arden ao casar-se com o luveiro de Stratford, com quem teria oito filhos, quatro meninos e quatro meninas, em mais de vinte anos. John era uns dez anos mais velho que a esposa e viveria mais de setenta anos, bem mais que a média em sua

época. Mary morreria uns sete anos depois dele.

cê William foi o terceiro filho homem

e o primeiro a sobreviver à

infância. Uma filha, Joan, foi batizada em 15 de setembro de 1558 por

RA

Roger Dyos, padre católico afastado do cargo nesse mesmo ano, logo

que a rainha Elizabeth sucedeu no trono a sua meia-irmã católica Mary, no final do ano. Não se encontrou registro da morte ou sepultamento da pobre Joan, mas o fato de, onze anos depois, o casal batizar outra filha com o mesmo nome, em 15 de abril de 1569, é uma triste prova

de que a primeira Joan faleceu, provavelmente com um ou dois anos, uma vez que os registros de 1559-1960 são muito incompletos. Uma

segunda filha, Margaret, foi batizada a 2 de dezembro de 1562 pelo

recém-chegado padre anglicano John Bretchgirdle, que também oficiou seu enterro apenas quatro meses depois, em abril de 1563. O terceiro filho do casal teve a sorte de sobreviver à infância.

William tinha menos de três meses quando Stratford foi assolada pela

peste, trazida dos cortiços de Londres por vagabundos e viajantes. A assustadora frase “Hic incepit pestis” está no registro de enterros do

dia 11 de julho de 1564, junto ao nome de Oliver Gunne, aprendiz

que foi apenas a décima segunda pessoa sepultada desde primeiro de

janeiro: nos últimos cinco meses do ano, morreram 240 pessoas. Calcula-se que mais de duzentos habitantes — ou um em cada sete em Stratford — sucumbiram à horrível doença, sendo os jovens e os idoSos OS que correram mais risco. Os registros mostram que a peste atingiu Os quatro filhos da família Green, vizinhos dos Shakespeare na Henley Street. É bastante provável que Mary, que já havia perdido duas filhas

bem pequenas, tenha levado o primeiro filho para ficar seguro na casa de sua família em Wilmcote, onde ainda morava sua madrasta , viúva. Já burguês, membro eleito do conselho, John Shakespeare compareceu a uma reunião de urgência naquele mês de agosto, realizada ao ar livre para evitar o perigo de contágio. Ele contribuiu com

três xelins para um fundo de amparo às vítimas da peste, flagelo que só minorou

a partir de dezembro,

com

o frio do solstício de inver-

no. Na ocasião, passagem do ano de 1564 para o de 1565, John Shakespeare era uma estrela ascenden te no conselho de vereadores de Stratford. SHAKFSPEARE

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com espaço para alterar o índice semanal de mortalidade.

No dia 30 de setembro de 1558, duas semanas após o nascimento de seu primeiro filho homem, o luveiro bem casado era indicado (junta-

mente com Humphrey Plymley, Roger Sadler e John Taylor) para ser um dos quatro condestáveis do burgo, “cidadãos capazes, encarregados de

manter a paz”. Embora proverbialmente idiotas, seu filho imortalizaria essa tradição elisabetana no oficial de polícia Dogberry e no meirinho Dull, personagens das peças Muito barulho por nada (Much Ado About Nothing) e Trabalhos de amor perdidos (Love Labour's Lost), respecti-

vamente. Essas sumidades locais, guardiãs da lei e da ordem, tinham res-

33

cad

ponsabilidades pouco invejáveis, naqueles tempos sem lei. John Shakespeare

seria amiúde homens

que

obrigado

a separar

se tornaram

rixas

ameaçcadores

de

bêbados.

por causa

confiscar de

bebida

armas

de

e testemu-

nhar contra eles no tribunal, Devia também proteger a cida de da constante ameaça de incêndios e comunicar às autori dades eclesiásticas so-

bre qualquer gazeteiro surpreendido “jogan do bola. apostando dinheiro ou bebendo” na hora em que deveria se dedicar do culto divino. Durante um ano, John Shakespeare cumpriu eficientemente es-

sas tarefas, pois a 6 de outubro de 1559 foi indicado subcondestável. apesar de ter recebido uma

multa em abril por “não manter seu esgo-

to limpo”. Foi promovido para o também impopular cargo de affeeror

Ou assessor, O funcionário

responsável por criar multas que não esta"am no estatuto. Não demorou para atingir o topo do Sucesso, ao ser

eleito um dos catorze burgueses de Stratford integrantes do conselho municipal e responsáveis pela administ ração que se reuniam na prefeitura diariamente.

às nove

da manha.

Seja qual for o efeito dos deveres públ icos na direção de seus negócios, a flutuante situação financeira de John Shakespeare parece ter tido pouco impacto em sua vida públic a. No mês de agosto, contribuiu com três xelins para o fundo contra à peste, após o nascimento de William; em setembro, deu apenas sei s centavos, quando seu nome entrou para a lista municipal de membros de uma corporação. Já ocupava então o cargo de tesoureiro do burg o e participou de todas as reuniões do conselho que apresentou as contas anuais de Stratford no

ano de 1564, numa reunião plenária realizada em primeiro de março

de 1565. Em julho, ele já havia sido prom ovido a conselheiro municipal — sem se constranger, ao que parece, coma ordem recebida pouco depois para pagar três libras, 25 xeli ns e sete centavos “para saldar uma antiga dívida”. Em meados de fevereiro de 1566, os registros mostram

(Ão lado) Lady

Macbeth. Quadro

de Jobann Heinrich

Fiisslt,

1741-1825.

34

que ele apresentou

outra vez as contas anuais, ci dadão res-

peitável o bastante para ser fiador, em setembro, de um certo Richard Hathaway — por acaso, futuro sogro de seu filho. Sempre que “assi-

SHAFESPEARE

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nava” as contas do burgo, John Shakespeare usava como marca um elegante compasso, uma das ferramentas de seu ofício de luveiro. A família Shakespeare prosperava e aumentava. O segundo filho,

Gilbert, foi batizado em

13 de outubro de 1566 e também conseguiu

sobreviver à infância, vivendo até 1612. Recebeu o nome do amigo

do pai, Gilbert Bradley, também fabricante de luvas e memb ro do con-

selho. Gilbert Shakespeare parece ter acompanhado

o irmão a Lon-

dres: é citado em 1597 como armarinheiro da igreja de Santa Brígida,

antes de voltar para Stratford, onde parece ter andado em más compa-

nhias e desrespeitado a lei. O registro de seu enter ro, em 3 de fevereiro de 1612, quatro anos antes de William, mostra que morreu adolescens, ou seja, solteiro.

Em setembro de 1567, o pai deles é tratado pela prime ira vez como “Mr Shakespeyr”, título de considerável dignidade. Um ano depois, aos

trinta e poucos anos, ele foi eleito meirinho ou prefeito, numa disputa

de três nomes, ao lado de Robert Perrot e Robert Salisbury, realizada em 4 de setembro de 1568. Em primeiro de outubro, John presidiu a primeira reunião de conselho como

prefeito, e cinco dias depois, seu

primeiro Tribunal de Registro. Como um impressionável menino de 4 anos, o futuro dramaturgo William Shakespeare passou a assist ir todo dia à chegada de um grupo de sargentos de exp ressão impassível, em-

punhando clavas, à casa da Henley Street para escoltar seu pai, em traje debruado de pele. Com grande pompa, o grupo saía em procissão pelas ruas de Stratford para presidir as reuniões mat inais na sala de reunião das guildas. Nas quintas-feiras e nos dias de mer cado, o mesmo desfile

percorria o mercado € a feira; nos domingos, pas sava solene pela igre-

ja, onde a família Shakespeare ocupava o primeiro banco. Como prefei-

to, John Shakespeare dividia com um con selheiro municipal mais velho

os deveres de juiz de paz, dand o autorizações, ouvindo casos de dívida

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do milho, do pão e da cerveja para a semana seguinte, em meio a irados apartes de padeiros e cervejeiros.

Com as honrarias públicas, aumentou a prosperidade comercial. Em 4 de novembro de 1568, o prefeito John Shakespeare vendeu 500 quilos de lã para John Walford, de Marlborough — continuou cobran-

do a dívida mais de trinta anos depois. De 1568 a 1570, está registrado como dono de Ingon Meadow, propriedade de 14 acres situada a 4 quilômetros a noroeste de Stratford, na paróquia de Hampton Lucy. Quando o eco de seu enorme sucesso chegou ao lugar de origem dele e da mulher, Mary, à mesma terra cultivada por seu teimoso trmão Harry, John deixou o cargo mais importante de Stratford, abrin-

do mão de concorrer a mais um mandato de prefeito. É provável que,

depois de conseguir tudo o que era possível pelo destaque em cargos públicos, decidisse que estava na hora de cuidar dos negócios da fa-

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Festa em Stratford, 1764. Artísta anónimo.

mília. Mas continuou sendo um respeitado ancião de Str atford e, em setembro de 1571, foi eleito conselheiro-chefe e juiz de paz para o ano seguinte. Com o cargo, ele passou também a representante do novo

prefeito, o vendedor de sedas Adrian Quiney, seu velho amigo € vizinho na Henley Street. Em janeiro de 1572, os dois foram a Londres como representantes do burgo, encarregados pelos demais conselheiros

de tratar de assuntos relativos à Stratf ord e de representar os interes-

ses municipais “conforme lhes aprouvesse”. Em 1569, ano do nascimento de sua segunda filha batizada Joan, John Shakespeare tomou coragem e des creveu-se como “prefeito, juiz de paz, oficial da Rainha

e chefe da cidade de Stratford” no pedido

formal que fez ao Colégio de Armas para a honra máxima em matéria de respeito por esforço próprio: um brasão. Esse sinal exterior de seu grande sucesso selaria literalme nte duas décadas de sólidas conquistas.

Mas John só conseguiu o brasão cerca de vinte e cinco anos depois, em 1596, quando seu filho dra maturgo e cada vez mais bemsucedido reiterou o pedido ao Colégio de Armas, em nome do pai. Como até hoje, o Colégio ficava à margem do Tâmisa — em Blackfriars, do outro lado do teatro

Globe.

Só então,

finalmente,

o chefe-de-ar-

mas Clarenceux anotou que John Shakespeare era “magistrado em Stratford-upon-Avon. Juiz de paz, casou-se com a filha e herdeira de Arden, tinha boa situação e estava habilitado”. O primeiro pedido, de 1569, foi negado pelas autoridades de Londres por motivos não documentados, mas fáceis de imaginar. cê

e

ou

O filho mais velho de John Shakespea re nasceu numa época peri80sa. Menos de cinquenta anos antes, o pai da rainha Elisabeth, o rei Henrique VIII, rompeu co m Roma, roubou e saqueo u suas igrejas e terras € matou pessoas impo rtantes, de Sir Thomas More a duas de suas esposas, inclusive a mãe de Elisabeth.

A era elisabetana estava próxima do apogeu — uma fase marcada por conquistas militares, políticas, científicas e culturaís sem igual na

História britânica. Foi também

uma época de forte perseguição reli-

giosa. Elizabeth, muito devota e instruída, chefiou com aparente relu-

tância a prisão, tortura e execução de papistas, em expurgos eventuais

de intensidade variada. Foi um tempo em que os seguidores da antiga

fé deviam agir com cuidado, praticarem seu culto às escondidas e, se preciso, negarem sua fé ou, pelo menos, recorrem ao equívoco. Em 1757, um século e meio após a morte de John Shakespeare, foi encontrado um documento de grande significado, escondido en-

tre as vigas da casa da família, na Henley Street, à época, residência de Thomas

Hart, descendente direto da irmã de William, Joan. Em

29

de abril, alguns operários estavam trocando o forro da casa — chefia-

dos por Joseph Moseley, mestre de obras descrito como “muito honesto, sóbrio, diligente” — e encontraram um pequeno

“livro de pa-

pel” ou panfleto enfiado entre o velho madeirame e as vigas. As seis folhas costuradas tinham catorze itens de uma profissão de fé católi-

ca. O documento — que ficou conhecido como Testamento ou Último

Desejo Espiritual de John Shakespeare — passou das mãos de Hart e Moseley

para

um

conselheiro

local

e acabou

com John Jordan,

colecionador de relíquias de Shakespeare, no século XVIII. Depois, através do vigário de Stratford, James Davenport, chegou ao biógrafo do bardo no mesmo

século, Edmund Malone. Certificando-se de que

era autêntico, embora

a essa altura estivesse sem a primeira página,

Malone publicou-o como adendo de sua edição de 1790 das obras de Shakespeare. Desde então, o documento desapareceu, impedindo que as téc-

nicas modernas examinassem o texto, o papel, a marca d'água, a letra e, claro, a assinatura de John Shakespeare — seria uma cruz ou sua marca característica, o compasso de luveiro? Malone depois negou que

o documento fosse autêntico e o pobre relicário Jordan foi acusado 39

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datado do século XVI.

Tratava-se

Último

do

erudito e atento jesuíta, vasculhando um

documento

de

testamento

São

italiano bem

Carlos

parecido,

Borromeu,

car-

deal-arcebispo de Milão, que morreu em 1584 e foi canonizado em 1610. “Último desejo da alma, feito no gozo da saúde para o cristão precaver-

se das tentações do demônio na hora da morte”: o texto de Borromeu foi escrito durante uma devastadora peste em Milão, na década de 1570, que consta ter dizimado 177 mil católicos. O testamento se transformou num mantra da Contra-Reforma e era o original da tradução inglesa

|

encontrada na casa onde morou John Shakespeare. Como o texto foi parar em Stratford? Em 1580, Borromeu rece-

|

beu em Milão a visita de um grupo de jesuítas liderados pelo padre

|

Edmund

não-conformista

Campion,

inglês que dois anos depois seria

julgado e cruelmente executado por traição. Campion € seus colegas levaram para a Inglaterra cópias do testamento de Borromeu, que já

|

circulava pela Europa católica em enorme quantidade. Eles encomendaram

em Roma

“três, quatro

mil ou mais testamentos,

pois muitas

|

pessoas desejam tê-los”. Na volta, Campion passou pelo centro da Inglaterra — mais exatamente por Lapworth, a apenas 20 quilômetros

|

de Stratford — rumo a Lancashire, onde mais uma vez teria papel im-

|

portante na vida do jovem William Shakespeare. Em Lapworth,

Campion

na casa de Sir William

hospedou-se

Catesby, casado com uma Arden, que por isso foi, desesperado.

le-

vado para a prisão de Fleet. Na Inglaterra elisabetana, os católicos arriscavam a vida se recebessem padres papistas em suas casas, fosse para ouvir confissão e celebrar missa ou apenas para conversar sobre teologia. O conselho privado fazia visitas periódicas a redutos

secretos de não-conformistas

em todo o país; a adesão à antiga fé

era crime de traição, que podia ser castigado com a morte. No reina-

E

avi

:

do de Elizabeth, quase duzentos católicos tiveram doloroso fim em '

,

Edmund

Campion.

Gravura

| f

STRATFORD

41

de J

Neefs.

público, na forca. Em

1605, apenas dois anos após a morte da Rai.

nha, a apostasia católica teve um

festejado clímax na “Traição da

Pólvora”, depois mais conhecida como

“Conspiração da Pólvora”. O

líder do evento não foi Guy Fawkes, como garantia uma lenda de 5 de novembro, mas Robert Catesby, filho do mesmo Sir William que convidou

Edmund

Campion

para visitar Warwickshire,

em

1581.

Uma tradução para o inglês do testamento de Borrom eu finalmente

apareceu no recente ano de 1966, provando que o documento que

John Shakespeare jurou com fidelidade era uma fórmula, mas sem dúvida autêntica. Não-conformista a vida inteira — co mo provam as multas posteriores por não frequentar a igreja, quan do tante membro da comunidade de Stratford —.,

ainda era um

impor-

John Shakespeare po-

dia muito bem ser um dos furtivos convidados de Catesby, esposa católica de seu parente católico, para encontrar Campion em Lapworth e levar uma das traduções feitas às escondidas, tra zidas de Roma aos milhares. Se não, o texto foi provavelmente passad o por John Cotton, então mestre-escola em Stratford, cujo irmão nãoconformista Thomas foi um dos companheiros de viagem de Campion.

Três anos depois, os católicos de Warwickshire sofreram novos ataques e perseguições, após a ousada tentativa de John Somerville (importuno fundamentalista local) de assassinar à Rainha . Quando as autoridades quiseram se vingar, o escriturário do conselho, Thom as

Wilke, se esforçou muito para que os não-conf ormistas locais “tirassem de suas casas qualquer prova que pudesse levantar sus peita”.

Somerville foi preso e enforcado a caminho de Londre s. Era casado com Margaret Arden, prima católica da mãe do bar do: teria sido nesse momento que John Shakespeare achou melhor esconder sua cópia do Testamento Espiritual no teto de casa? O precoce

em sua casa,

William

tinha

e 20 quando

17 anos

quando

o testamento

seu pai se sentiu obrigado

entrou

a esconder

o

papel, mas certamente o rapaz absorveu o conteúdo, qualquer que

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

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Temer “Tori

inter

Os Conspiradores

da Pólvora,

1605.

Artísta anônimo.

tenha sido sua reação ao texto. O primeiro item do testamento admitia que o crente podia ser “surpreendido pela morte no meio de seus pecados”, perspectiva aterradora sintetizada no quarto item:

“Eu, John

Shakespeare, declaro que deixarei esta vida armado com o derradeiro sacramento da extrema-unção; portanto, caso haja algum impedimento

de minha parte, desde já deixo dito que desejo e exijo tal sacramento”. As palavras da tradução inglesa são muito semelhantes às do fantasma do pai de Hamlet, na peça escrita menos de um ano depois da morte de

John Shakespeare. Sem ter podido receber a absolvição de seus pecados, o fantasma ocupa uma autêntica versão católica do purgatório. Shakespeare recebeu muita orientação católica na infância, por mais que depois tivesse se afastado dessa religião. Em sua juventude, ele e o pai acreditavam que o equívoco tão caro ao Porteiro, na peça Macbeth, era um mal necessário, para se sobreviver à perseguição que

ameaçava os dissidentes de Warwickshire. Quando John se viu obrigado a esconder seu testamento católico

no teto de casa, estava afastado da política local e comemorando o

nascimento do primeiro neto, por parte de seu filho William. Deve ter sido muito a contragosto que John Shakespeare, vinte anos antes, cumpriu

seu dever como

tesoureiro municipal autorizando o paga-

mento

de dois xelins aos operários

encarregados

de

“desfigurar

ima-

gens na capela” — a capela da Guilda de Stratford, enfeitada com murais papistas mostrando

o assassinato

de São Tomás

Becket,

o sonho

de

Santa Helena e o Juizo Final. Até então, os murais

estavam protegidos

pelo

Clopton,

homem

filho, ambos

mais

poderoso

da cidade,

William

e por seu

católicos.

Clopton faleceu em 1560 e seu filho foi embora da cidade. Com à situação política, o conselho local aguardava uma chance para dani ficar

os afrescos heréticos que ameaçavam a reputação da cidade que há tão pouco tempo tinha merecido a carta real. Dois anos depois, o conselho gastou mais dois xelins para desmontar a galeria superior da cape la. E

em 1571, John Shakespeare estava presente quando seu amigo e suce ssor no cargo de prefeito, Adrian Quiney, mandou substituir os vitrais da capela por vidraças e doar os mantos e trajes religiosos que aind a estavam guardados no local, uma vez que não eram usados há tempos.

Pode ser que John Shakespeare tenha disfarçado bem sua religião quando passou a ser uma figura pública importante, como fizeram muitos católicos naquela época de perseguição. Mas esse era também um tempo de delatores, bem remunerados em seus serviços, ajudando as autoridades a vigiarem inúmeros nichos de rebeldia papista no país. As simpatias religiosas meio dissimuladas de John podem ter causado a misteriosa recusa do Colégio de Armas em lhe conceder

um brasão, em 1569. Pode também ter sido um dos motivos para a súbita e inesperada redução

da prosperidade

do ex-prefeito de Strat-

ford nos anos seguintes, após duas décadas de grande suce sso. Pelo mesmo motivo, a educação de seu filho William, de 5 anos, pode ter sido interrompida.

(Ão lado) Hamlet. Quadro de

Gustave-Adolphbe Mossa.

44

SHAKESPEARE

= ANTHONY

HoLDEN

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INFÂNCIA CaríituLo

1569-1579

II

oyo

Como aluno da escola elementar e filho de um ascendente membro do conselho, William teria tido aulas de catecismo com

o padre da paróquia e participava regularmente

das orações

matinais,

vesper-

tinas e da comunhão. Frequentar a igreja era obrigatório por lei e havia multas al-

tas por falta ou outros desrespeitos ao dia de descanso.

A famosa frase do escritor Ben Jonson diz que seu amigo Will Shakespeare “tinha mau latim e pior grego”. Pelos padrões de nossos dias, senão pelos dele também, Jonson estava enganado sobre os conheci-

mentos de latim do seu contemporâneo.

Mas persiste o mito de que

esse singular dramaturgo, por não ter tido a educação universitária dos literatos de seu tempo, “era desprovido de arte” GJonson, de novo). além de “inculto, sem prática” (segundo Dryden), “filho da fantasia”, chilreando “alegre seu canto” (Milton).

Não há prova documental de que Shakespeare tenha frequentado a escola elementar de Stratford, como se costuma acreditar. Era de

se esperar que não restassem registros da época. Mas temos a palavra de seu primeiro biógrafo, Nicholas Rowe,

de que John Shakespeare

colocou o filho “durante algum tempo numa escola pública” e havia apenas uma à altura do filho de uma autoridade pública, a King's New School, na Church Street, atrás da capela da guilda e a poucos passos

da casa dos Shakespeare, na Henley Street. Com a concessão da carta INFÂNCIA

(do lado) Retrato de Shakespeare por Soest.

47

de burgo, em

1553,

€ o zelo pós-reformista pela edu ação,

Stratford

€ outros novos burgos apressaram-se a instalar escolas nos melhor es padrões, administradas por um mestre cujas qualificações permit iam que tivesse uma casa “de graça e favor” por toda a vida, nos arredore s da guilda, e a bela remuneração



Eton — de 20 libras por ano.

mais do que pagava o colégio de

A idade mínima para frequentar a escola só de meninos era 7 anos , mas alunos de 4 ou 5 começavam a estudar na escolinha que ficava ao

lado, aos cuidados de um abecedarius (ou professor-assistente ) indicado e pago pelo mestre. Com o nascimento da segunda filha de nome Joan, no verão de 1569, em meio à aparentes flut uações na vida de John Shakespeare, podemos imaginar um relutante menino de 5 anos preparando-se para uma dura rotina escolar sob as ordens de seu impaciente e ambicioso pai. O horário escolar era de seis da manhã às seis da tarde, começando e terminando com pre ces protestantes e com apenas um intervalo de duas horas para o alm oço, às 11 horas. Eram dez horas de aulas por dia, seis dias na semana, todas as semanas

do

ano, exceto Os dias santos de guarda — que não eram a mesma coisa

que férias, conceito inexistente par a o aluno elisabetano.

Assim

que o aluno

dominava

o abecedário,

o Pai-Nosso

era

complementado pelo ABC com o cateci smo, que trazia o catecismo do Livro das Orações e algumas preces para dizer às refeições. O terceiro e mais adiantado dos livros adotados era o Devocionário

e cate-

cismo, que continha o calendário e o alma naque, mais sete salmos penitenciais e outros textos religi osos. Assim, Os alunos, crianças be m pequenas,

eram apresentados à prosodia

(pronúncia,

com

a boca,

das letras, sílabas e palavras”) e à orthographia (“escrita delas com as

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

Escola na época de Sbakespeare. Artista anônimo.

wrytite doune Ingglisshe wourdes in Chaxper's daie was notte dificulte (Não era difícil aprender a escrever as palavras da língua inglesa

na época de Shakespeare). Assim, o menino de 7 anos devia ter essas noções básicas, além, talvez,

dos primeiros

números,

ao terminar

1571, ano em que seu pai foi nomeado

a escola elementar

em

chefe dos conselheiros de

Stratford. A educação de William então seria confiada a bem prepa-

rados e pedantes pedagogos educados em Oxford

— uns eruditos, outros beatos, todos

e de aparente e inabalável retidão. O cargo de

Mestre tinha sido criado em 1565, um ano após o nascimento de Shakespeare,

por um

dedicado

amigo

do vigário Bretchgirdle,

cha-

mado John Brownsword, que em 1568 foi substituído por pouco tempo por um certo John Acton, erudito do Brasenose College, em Oxford.

O Corpus Christi College, também de Oxford, forneceu seu sucessor, Walter Roche, de Lancaster, que ficou no cargo apenas dois anos

— provavelmente, os que William passou na escoli nha, debruçado sobre seu livro de abecedário e catecismo. Roche deixou à função para ganhar mais dinheiro como advogado. Em

1571, ano em que William ingressou na escola mais adiantada, Roche foi substituído como Mestre por Simon Hunt, que quatro anos depois matriculou-se na Universidade Católica de Douai, orde-

nou-se padre jesuíta em 1578 e foi membro do tri bunal eclesiástico de São Pedro, em Roma, onde faleceu em 1585. Seja qual for a impressão que causou no jovem William e os laços que criou com o pai dele, não-conformista, Hunt se impôs um exílio religioso apenas quatro anos depois de assumir o cargo de mestre, supervisionando a educação do menino dos 7 aos 11 anos, idade em que as crianças são

bastante impressionáveis. O sucessor de Hunt também foi um importante preceptor, o clérigo e erudito Thomas Jenkins, que veio da escola elementar de Warwick. Filho de um *“ vel ho servidor” de Sir Thomas White, fundador do Saint John's College, em Oxford, Jenkins graduou-

se lá, tornando-se um aluno tão importante que teve permissão para alugar a casa de Chaucer,

em Woodstock.

Jenkins era londrino, mas seu nome pare ce ter inspirado a afetuosa paródia de um professor galês na peça As alegres comadres de Windsor, na qual o personagem Falstaff zomba de Sir Hugh Evans por falar “com sotaque galês” e “estropi ar a língua inglesa”. Talvez tam-

ções,

conjugações

e textos para

com decorar,

OS meninos

suas declina-

de 7 anos

eram

obrigados a ler antologias em latim como Cato, de Erasmo, e Sententiae Pueriles, de Leonard Cullman. Eram apresentados às Fábulas, do grego Esopo, numa tradução la tina, e às obras de Terêncio e Plauto, costumando encenar trechos de suas comédias. Com ajud a de dicionáRES

E

SHAKESPEARE = ANTH ONY HOLDEN tt

+

a

CATECHISMVS

rio, os alunos da escola elementar de Strat-

paruus pueris primum Latinê

ford já dominavam o latim escrito (tradu-

qui edifeatur , proponendus

zindo trechos da Bíblia de Genebra) e fa-

sn Scholts.

lado, nos colóquios de Cordério, Gallo ou Vives e nos diálogos de Erasmo. Quando o professor Jenkins assumiu o cargo de Mestre, em 1575, o jovem Shakespeare tinha 11 anos. Certamente, já havia estudado Cicero, Susebroto, Quinti-

liano e a De Copia de Erasmo, visto que

retórica e lógica faziam parte do currículo das séries mais avançadas (syllabus). Essas matérias foram o caminho para chegar a Virgílio, Horácio e Ovídio, que ficaram

LONDINI

para sempre no coração de Shakespeare — sobretudo as Metamorphoses,

Apud Iohannem Dayum Fypographum, Ãg. 1573.

de Ovídio,

Cum Priuilegio Regiz Maiefizdis.

fonte de tantos temas poéticos. Percebese também uma admiração por Juvenal no “velhaco mordaz”

de Hamlet,

e há regis-

tros de Pérsio, ou dos historiadores Salusto e César, ou do De Officiis. E

-

n

de Cicero, que era a introdução escolar padrão para filosofia moral.

Capa do

Carechismus

Paruus Pueris

Primum

Latine

Ben Jonson talvez julgasse ser “pouco latim”, mas, na opinião de uma

qui Ediscateur, de

autoridade bem mais atual em matéria de Shakespeare, o menino saiu

Alexander

da escola elementar de Stratford “tão bom

conhecedor de latim quan-

to qualquer aluno moderno graduado em letras clássicas”. Podemos admitir que Shakespeare tivesse “pior grego”, pois seus

estudos foram pouco mais que superficiais na confusa grafia de um

Novo Testamento em grego. Quanto à falta de verniz universitário, as universidades da época não davam tanta importância aos estudos

de um menino em literatura clássica ou lógica, retórica ou filosofia moral, a não ser para treinamento vocacional em profissões como

Nowell, 1573.

advogado,

médico

ou

teólogo.

O

homem

de

letras

não

era

rado como alguém que tivesse uma profissão.

Conside-

Como aluno da escola elementar e filho de um ascenden te mem-

bro do conselho, William teria tido aulas de catecismo com o padre da paróquia e participaria regularmente das orações matina is e ves. pertinas e da comunhão. lei, com

multas

desobediências

A frequência

à igreja era obrigatória

rigorosas pelo não-comparecimento ao “dia

de descanso”.

papista, testemunhou

Mas

por

ou por outras

Shakespeare

“morreu

Richard Davies, que foi capelão do Corpus Christi College, em Oxford, cerca de seténta anos após a morte do bardo. A prova mais persuasiva também dá à entender que o pai de Shakespeare educou-o secretamente como católico, embora obrigado a, por fora, obedecer à ortodoxia protestante, como ele mesmo fazia na função de membro do consel ho de Stratford. Por alguns anos, o jovem William continuaria um pa pista dissimulado, como veremos, mas conheceu a ortodoxia protesta nte na escola, em textos e princípios que ecoam em sua obra. Suas peças e poemas citam ou fazem referências a simplesmente 42 li vros da Bíblia — dezoito do Anti go e Novo Testamento e seis dos ev angelhos apócrifos.

Da mesma forma que não há registro d a entrada de William Shakespeare na escola elementar de Stratford, não há da saída. Após de z

anos ou mais de aulas intensiv as, os poucos meninos que tinham talento suficiente para chegar à universidade saíam aos 15 anos, m ais

enquanto os demais teriam de lutar para ganhar a vid a. Em relação a Shakespeare, há bo ns motivos para c rer qu e ele saiu da esou menos,

(Ão lado) Dr. Caio, Simples € Sra. Quickly, de As alegres comadres de Windsor, 1830. Quadro de Robert Walter Weir,

1803-1889.

52

cola com

menos

idade

ainda.

William tinha apenas 13 anos qu ando o sucesso prof issional do pai sofreu uma súbita queda. Os

de setembro de 15 76

registros de Stratford m ostram que 5

foia última vez em que o ex-prefeito compare-

ceu à uma reunião do conselho, tendo sido chefe dos conselheir os SHAKESPEARE

= ANTHONY

HoLDEN

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por alguns anos. As dificuldades financeiras não eram fáceis de disfarçar, é um processo de cinco anos por uma dív ida de 30 libras, cobrada outra vez em 1578 por Henry Higford, de Solihull, é tão evidente nos

registros de Stratford quanto a falta de ex plicação para a ausência de

John, de 1557 a 1578, nas deliberações do conselho, presidido recentemente.

que ele havia

Quaisquer que fossem os problemas qu e afastaram John Shakespeare do meio, os membros do cons elho continuavam a gostar dele, como provam diversas isenções de pa gamento que eram obrigatórias para os ocupantes de cargos públicos. Os registros de 29 de janeiro de 1578 citam John entre outros a serem isentos do pagamento co mpulsório

para

manutenção

arqueiro no burgo.

da taxa semanal

de três Piqueiros,

No dia 19 de novembro,

para

os pobres,

cobrada

três alabardeiros

e um

ele é isentado outra vez

de todos

os conselheiros

Apenas uma semana antes, há o triste registro de que John e sua EespoENE

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I

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SHAKESPEARE - ANTHONY HOLDEN

|

sa venderam

“70 acres

de terra para Thomas

Webbe

e Humphrey

Hooper”. Era parte do dote de Mary Arden; as posses da família estavam realmente correndo risco. Numa

crise assim, seria muito natural que o orgulhoso John Sha-

kespeare tirasse o filho mais velho da escola para começar logo a tra-

balhar na luvaria, além de ajudar a mãe nos afazeres domésticos. Um

século depois, em 1701, o biógrafo Rowe dá a entender que “a dificil situação e a necessidade de sua colaboração em casa forçaram o pai a tirá-lo de lá” — ou seja, da escola pública. Já em 1577, primeiro ano das desditas de John Shakespeare, John Aubrey mostra William,

aos 13 anos, trabalhando com o pai, como

versas referências em sua obra provam

“açougueiro”

— e as dí-

que Shakespeare conhecia

esse ofício. Nos quatro séculos seguintes, um grande número de boateiros € eruditos envolveu o bardo em outros ofícios, impressionados com o

profundo conhecimento revelado em referências às leis, à medicina, ao exército, à marinha, aos tribunais e ao campo — que só podiam ser, segundo se garantia, de um experiente advogado, médico, soldado, marinheiro, nobre, falcoeiro e/ou conhecedor da flora. Mas o fato

é que, além de seu batismo em 1564, o casamento e o nascimento de seus filhos, entre 1583 e 1585, uma ação judicial, em 1589, e a primei-

ra menção como dramaturgo em Londres, em 1592, não existe qual-

quer registro sobre William Shakespeare, de Stratford-upon-Avon.

Segundo Rowe, “após a saída da escola, parece que ele aceitou viver como seu pai propôs”. Nos fundos da loja ou no balcão, como mais um ajudante, William passava o tempo livre infringindo um pou-

co a lei no ofício de açougueiro e logo sentiu necessidade de abrir mais as asas. Os problemas financeiros da família, embora estabilizados com

a venda de terras e outros bens, não davam sinal de melhora. Com

vontade de ampliar sua experiência e, ao mesmo tempo, de ajudar o pai, será que Will foi escriturário do advogado de Stratford, que vivia

JNFÂNGIA

em constante litígio com John Shakespeare? Será que William levava carnes de animais escondidas para a mãe — os mesmos animais cujas

peles o pai usava para fazer luvas e cintos? Será que tentou ajudar a família nesses tempos difíceis, julgando ser dever de filho mais velho, além

de roubar alguns cervos?

Essas e muitas, muitas outras teorias foram consideradas por qua-

tro séculos de admiradores (amadores e profissionais) na tentativa de

preencher o complicado espaço entre o final dos tempos de escola e a chegada

de Shakespeare a Londres.

Nos dez anos entre a saída da

escola e a chegada à capital, só temos certeza de que ele se casou € teve três filhos. O resto foi e será sempre território fértil para investigação literária. Em 1790, Edmund Malone — kespeare —

primeiro biógrafo importante de Sha-

deu a entender que ele trabalhou,

“quando

ainda estava

em Stratford, com algum advogado da região que era ao mesmo tempo um pequeno notário e talvez também senescal de alguma mansão”. próprio Malone

era um

O

advogado que se tornou erudito. Parece pou-

co provável que alguém fosse escriturário com tão pouca idade e não há nenhuma prova disso, afora os inúmeros termos legais que Shakespeare usou com segurança em sua obra. Com tantas condenações per-

seguindo o pai e mais tarde a ele mesmo, o bardo deve ter adquirido um razoável conhecimento com diversos advogados e assimilado os ter-

mos técnicos do ramo com o gosto de um escritor nato. Ao chegar a Londres, pode ter passado algum tempo num escritório de direito, aprendendo pelo menos a arte de escrivão ou de escriturário de advogado.

Bem mais convincente (para não dizer atraente) é a tese há mui-

to sustentada de que o jovem Shakespeare desentendeu-se com o fidalgo local, Sir Thomas Lucy, por roubar um cervo, e por isso foi obrigado a fugir de Stratford. A história existe desde

1709, novamente

graças a Nicholas Rowe, que afirma que o recém-casado teve proble-

(ão lado) Edmund Malone.

mas com o fidalgo Lucy por invadir sua propriedade de caça, em

Quadro de Sir Josbua

[7T8.

Reynolds,

1723-1792.

INFÂNCIA

57

|

Charlecote. Shakespeare, o ladrão de cervos, logo alimentou as imaginações literárias, no mínimo por dedicar uma centena de linhas ao tema no início de As alegres comadres de Windsor, na qual o Juiz Shallow foi considerado uma caricatura de Sir Thomas Lucy. O clérigo do século XVII Richard Davies, do € jorpus Christi Colle ge,

em Oxford, aumentou a lenda local com a informação de que Shakes-

peare tinha “pouca sorte em roubar veados e coelhos, pri ncipalmente de Sir Lucy, que muitas vezes mandou açoitá-lo, às vezes prendê-o, até finalmente fazer com que voltasse para sua terra natal”.

Em 1763, a história do cervo chegou a ser menciona da no verbete de Shakespeare na Biograpbia Britannica. que comentava as constantes rixas entre o filho do ex-prefeito e o indignado fidalgo, a ponto de a raiva de Lucy levar Shakespeare “à extrema ruína, sendo obrigado a aceitar trabalho servil para se sustentar”. Como resolver o problema do quase total sumi ço de Shakespeare dos registros públicos entre a escola e à chegada a Londres? O ano

de 1585 é uma das poucas exceções, quando sua esposa Anne deu à luz gêmeos, batizados no dia 2 de fevereiro, conforme os registros de Stratford.

Costuma-se

aceitar essa

data

como

o início

dos

chamados

“anos perdidos” » EM que os biógrafos pode m dar asas à imaginação (e d 4o mesmo). Um estudioso contemporâneo prefere considerar os anos

perdidos a partir do nascimento do ba rdo, em 1564,

pois,

“exceto

nos anos de 1582 » 1585 e 1585 (casam ento e batismo dos três filhos),

não temos certeza das atividades ou do paradeiro dele nesses vinte € oito anos”. Se Shakespeare ficou na escola até os 15 ou os 16 anos, quando os meninos “ normalmente entr am para a

universidade”, os

anos “perdidos”

estariam mais bem situados en tre 1579 e 1592. Mas ele pode ter largado a esco la, como vimos, mais jovem ainda. Então,

(Ão

lado)

Hérmia

e Lisandro, de sonho de uma noite de verão. Quadro de Jobn

como (e onde) Shakespeare passou a adolescência?

Simmons.

58

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

Os ANOS “PERDIDOS” CaríruLo

HI

1579-1587 0x0 A pura verdade é que, entre o batismo, em

1564, o casamento, o nascimento dos filhos, em

1583 e 1585, uma condenação,

em

1589, ea primeira menção como dramaturgo, em 1592, nenhum outro documento faz referência a William Shakespeare, de

Stratford-upon-Avon.

O testamento do Sr. Alexander Hoghton, de Lea, em Lancashire, é datado

de 3 de agosto de 1581 e foi executado um mês depois, logo após sua morte. Alexander deixou para seu meio-irmão Thomas todos os instrumentos musicais e os “trajes de cena” ou costumes, “caso ele não se incomodasse de ficar com atores”. Se não estivesse muito interessado, os instrumentos e trajes deveriam ser passados para Sir Thomas Hesketh — vizinho e amigo do falecido, além de parente de sua segunda esposa Elizabeth (de solteira, Hesketh) — junto com dois atores para os quais o moribundo

Rogo

acrescentou um pedido expresso:

encarecidamente

ao dito Sir Thomas

que

seja gentil com os companheiros Gyllome e William Sbakesbafte que ora residem comigo. Ponha-os

a seu serviço ou ajude-os a conseguir

um bom patrão, como espero que faça.

Os ANOS “PERDIDOS”

(do lado) Retrato da

rainha

Elizabeth

1 no

rolo de suplicas do Tribunal da Corte, 1581.

61

Em outra parte do testamento, William Shakesha fte é citado como um dos onze criados que devem receber duas libras por ano, além dos

proventos deixados para todos os empregados. Qu atrocentos anos depois, parece claro que esse Shakeshafte era, na verdade, Wi lliam Sha-

kespeare, 15 anos, jovem educador que virou ator e vivia em Lancashire numa nobre e rica mansão católica e, portanto, contra a lei. John Aubrey testemunhou que “em sua juventude , Shakespeare foi professor rural”. Da forma como eram tratad os os sobrenomes no século XVI — escritos de qualquer jeito, como já vimos — não é de surpreender a mudança de Shakespeare para Shakeshafte. E não se pode dizer que esse seja um pseudônimo para esco nder o paradeiro de um jovem católico de Warwickshire da rede de informantes que perseguiam com rigor os não-conformistas em Lan cashire. Mas talvez tenha sido uma variante do nome, pois Richard, avô do bardo, aparece como Shakeschafte

e Shakstaff,

além

de Shakespere,

nos

registros

de

onitterfield. Em Lancashire, na época, a var iante era Shakeshafte, nome fácil de entender para os habitantes da região. Uma variação parecida era Cotham para Co ttom. Outro beneficiário citado no testamento de Alexander Hoghton foi John Cotham, vizinho, amigo e não-conformista. Por acaso, esse John Cottom (grafia

que ele preferia) era o mesmo professor que, em 1579, assumiu o cargo de mestre na escola elementa r de Stratford. Cottom nasceu em Lancashire, morou em Londres, formou-se no Brasenose College, em

Oxford, e foi escolhido por Thomas Jenkins para sucedê-lo no cargo

de mestre. Afora Jenkins — o “galês” nascido em Londres — todos os

cinco mestres da escola de St ratford, de Lancashire, além de católicos.

1569 à 1624,

eram de

Assim, não parece coincidência qu e Simon Hunt, antecessor de

Jenkins,

também

lancastriano,

tenha ido para a Universidade Douai antes de tornar-se jesuíta e mudar-se para Roma. Um do s ricos benfei-

tores da Universidade era Thomas

Alexander,

62

cuja

Propriedade

fazia

Hoghton, parte

SHAKESPEARE — ANTH ONY

do

HOLDEN

irmão

mais velho de

testamento

em

que

Autólico na cozinha. em Conto de inverno.

quadro de Harry Robert Milebam, 1873-1957.

Shakeshafte foi lembrado.

Filho de Sir Richard de Hoghton

(1498-

1559), Thomas era um não-conformista tão convicto e tão destacado 1569, e morreu onze anos depois,

que teve de sair da Inglaterra, em

exilado em Liége, na Bélgica. No século XVI, a família Hoghton foi descrita como “uma das mais importantes de Lancashire”, descendente direta de um dos companhei-

ros do rei Guilherme, o Conquistador e, pelo lado materno, da famosa Lady Godiva de Coventry, esposa de Leofrico, conde de Mércia. Quando Thomas Hoghton ainda vivia em Lancashire, cuidando dos bens da

família, reconstruiu a residência, o castelo Hoghton, que ficava numa colina, 12 quilômetros a sudeste de Preston, onde está até hoje, abri-

gando seus descendentes.

2a.

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Er RO o ds pa

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==

98 “PERDIDOS”. ra

A propriedade ficou abandonada quando Thomas foi embora, em

1569, mas ainda existia quando

ele morreu,

em

1580.

Como

o filho

dele era padre, não podia herdá-la, e a residência passou então para o irmão mais jovem, Alexander, que morreu no ano seguinte, sem filhos. A posse foi para seu meio-irmão, também Thomas, que obedeceu fiel. mente às instruções de Alexander. O nome de Fulke Gyllome, tão liga-

do ao de Shakespeare no testamento, aparece duas vezes em registros

dos Hesketh, como testemunha de documentos legais, em 1591 e 1608. Assim, parece que Thomas Hoghton não estava int eressado em ficar com atores, com ou sem instrumentos e trajes de cena — e eles

passaram, como queria o falecido em seu tes tamento, para o nobre e ainda mais rico amigo Hesketh. Até os instrumen tos musicais são cita-

dos nas posteriores relações de bens de Hesketh. Os dois atores do castelo, Gyllome e Shakeshafte, tinham por enc argo encenar peças para visitas importantes. A localidade de Lancashire era cheia de não-co nformistas na época em que a rainha Elizabeth intensificava as habituais perseguições

aos católicos: muitos foram multados ou presos e, nos piores casos, torturados e executados em praça pública. Em 18 de março de 1581,

meses antes de Alexander fazer seu test amento, a rainha aprovou no-

vas leis para “manter os súditos de Sua Majest ade em estrita obediência”. O castelo Hoghton era um dos muit os lugares seguros para papistas

em Lancashire, pois a região estava sob constante vigilância de infor-

mantes disfarçados e agentes auto rizados pelo Conselho Privado, em

Lancashire, inclusive os Hoghton, demonstr avam em público sua “obediência” mas, 2

Campion, que esteve no castel o dos Hoghton em 1581. » “ “entr e a Páscoa

e Pentecostes”. Campion foi deti do em julho e julgado em 12 de novembro, dois dias antes de Cottom , que tinha sido preso ao voltar da SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

Itália, em junho de 1580. Uma das provas contra Campion era ter se hospeda-

do em Lancashire com importantes famí-

8;

“ Perfecutiones aduerfus Catholicos à Proteftantibus Caluiniftis excita in Anglia,

lias católicas, cujas casas foram vasculhadas por ordem do Conselho Privado —

segundo os registros, “principalmente,

a casa de Richard Hoghton”, a quem Cottom pediu que guardasse seus livros.

Depois de torturados na roda, Cottom e Campion foram executados em público

como traidores — ou mártires católicos — em primeiro de dezembro de 1581 e 13 de maio de 1582, respectivamente. Campion

tinha uma cópia do tes-

tamento guardada na casa de John Shakespeare, em Stratford, talvez já escondida no teto. Não seria apenas coinci-

Sanguinis efufi firmeamus piamore Chrifiá

ndemina Petri, Meiorumá, fidem, mag Estantum Latijs apicem cveneramser ip orts. A? gregis eleéti odis non cadet aqua / profanos, Tn caput ,ô Reginatummregéque

A

Es minus in cuilem fides myfécria [exe a

dência John Cottom renunciar em 1581

MARIA

a seu cargo em Stratford (enquanto o ir-

mão definhava na prisão de Marshalsea, em Londres) e voltar para a casa paterna em Tarnacre, Lancashire, que

ficava próxima da propriedade dos Hoghton de Alston Hall, a 20 quilômetros da casa da família em Lea. Entre essa volta e sua morte, em

1616, Cottom herdou a propriedade do pai e demonstrou abertamente seu catolicismo. Por ser menos briguento que o irmão torturado,

de

conformista e, assim, pagou para não ter o triste fim do irmão.

o

as autoridades o consideraram menos perigoso: foi multado como não-

cê Em 1579, John Cottom chegou a Stratford: Shakespeare tinha 15 anos, e as atividades comerciais de seu pai estavam muito mal. Foi um

annus

horribilis para a família,

que no mês de abril enterrou mais

Gravura

da

berseguição aos

católicos ingleses 1587.

Gravura anônima mostrando Thomas Cottom.

P"PHOMAS CATTAMVS ANGL?

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9

Lu

e

uma criança: Anne, irmã de William, 8 anos. No mês anterior, a dívida de três xelins e quatro centavos de Jo hn Shakespeare pela compra

de armas “não estava saldada e quitada” . Na Páscoa, ele levantou 40 libras hipotecando tudo o que restava do dote da esposa. A propriedade de Asbies, com uma casa e 60 acre s em Wilmcote, foi hipotecada para seu cunhado Edward Lambert, casado com Joan, ir mã de Mary.

O rico Lambert vivia 30 quilômet ros ao sul de Stratford, na pe-

quena aldeia de Barton on the Heath, que parece tão familiar ao jo-

vem William quanto a hospedaria em Wilmcote (ou Wincot) que fic ava a meio caminho e é citada no prólogo de A megera doma da. No outono anterior, Lambert foi incluído no testamento de Ro ger Sadler,

padeiro da High Street, para receber “Cinco libras, dívida do Sr. John

RR parisDe

E

SHAKESPEARE — ANTHON Y i

o



a

: 4

HOLDEN

Shakespeare”.

O luveiro estava cada vez maís endividado com o cu-

nhado. Quando,

em

1580, venceu a hipoteca de 40 libras do ano an-

terior, John não pôde pagá-la, ficando Lambert com a propriedade, que manteve até morrer, sete anos depois. Seguiu-se um longo litígio no Tribunal Superior, quando John tentou reaver a propriedade, então de posse do filho e herdeiro de Lambert, o sobrinho John,

que

abriu outro processo por dívidas não-saldadas.

A propriedade de Asbies não seria recuperada pelos Shakespeare. Mas o pior foi em outubro de 1579, quando John precisou se desfazer da futura herança

de seus filhos:

duas

“propriedades”

em

Snitterfield, que pertenciam a John e Mary Shakespeare (um nono dos bens do pai, incluindo duas casas e 100 acres de terra) foram vendidas para Robert Webbe,

outro parente, por apenas quatro libras. O

“senhor” John Shakespeare e a esposa fizeram as habituais marcas no lugar da assinatura, na escritura de venda. No ano de

1579,

o ex-prefeito

de Stratford continuava

ausente

de todas as reuniões de conselho registradas em ata. Havia mais um

filho a caminho — o terceiro, que nasceria no mês de abril e recebe-

ria o nome de Edmund, como o amável parente Lambert. William tornou-se então apenas mais uma boca para alimentar: estava na hora de cuidar de seu sustento. No mesmo ano, segundo os registros, seu co-

lega de escola Richard Field, filho do curtidor de couro de Stratford,. Henry Field, foi ser aprendiz numa tipografia londrina. O manual de educação das classes governantes, escrito por Sir Thomas

Elvot, em

1531, diz que, “retirados da escola pelos pais, os mais aptos e melhores estudantes eram levados para a corte, onde se tornavam lacaios ou pagens, ou aprendizes em oficinas”. A ligação católica, secreta, da família Shakespeare com o recémchegado professor John Cottom tornava muito natural a ajuda dele para conseguir um emprego invejável para William, a uns 200 quilômetros,

em Lancashire. (Talvez até para, secretamente, estudar para seminarista.) Alexander Hoghton era patrão do pai de Cottom, em Tarnacre, ER

OS ANOS “PERDIDOS”

e tinha ligações secretas com o outro filho de Cot tom, que foi bem aquinhoado

em

seu testamento.

Hoghton

aceitaria logo um

dos alu-

nos mais brilhantes da escola elementar de Stratf ord (rapaz gentil, sob vários aspectos) para tutor de seus filhos ou me mbro de sua criadagem,

desde que o rapaz respeitasse sua religião.

William ficou no castelo de Hoghton por um ano, talvez dois, até O final de 1581, quando foi trabalhar com Hesketh, 20 quilômetros q sudeste, na mansão chamada Rufford Old Hall. Com 17 anos, queren-

do ser simpático, Shakespeare sem dúvida im pressionou seu primeiro

patrão mais como ator do que como padr e em potencial. Ele teria então

uma verdadeira oportunidade para brilhar no palco, pois a majestosa propriedade recebia trupes de atores visita ntes — inclusive, companhias famosas, como a dos Atores do Co nde de Derby e mais

tarde q

do filho e herdeiro dele, Ferdinando (Lorde Strange). Essas trupes ser-

viam para recrutar atores para os Ho mens do Lorde Camerlengo. No mesmo ano de 1581, Sir Thomas Hesketh foi preso como “papista desafeto”. Documentos da époc a mostram que foi logo libertado, com a promessa de “reabilitar” sua propriedade, acabando com a prática do catolicismo. Três anos depo is, Hesketh foi preso por pouco tempo, mas deve ter convencido as au toridades de que sua mansão não era mais um centro de incitação papista. Entretanto, curiosamente, consertos feitos na mansão, no recente ano de 1939, mostraram um cômodo secreto, ou “toca do padre”, no lado oeste. Com

de altura,

15 metros de comprimento, sete de largura e quase seis metros

o Grande

Salão da residência seria tamb ém local de apresentações do grupo de ator es residentes de Sir Thomas Hesketh e de

as do amigo Henry Stanley, conde de

Derby. A ligação das duas nobres mansões

(Ao lado) Edmund

Campion sendo torturado.

Gravura de F. Bouttats,

o jovem.

68

está bem

documentada

no

Livro da Mansão Derby, que registra visitas regulares e recíprocas, nesse período.

E provável que William, embora intere ssado, não tenha ficado muito tempo na casa de Hesk eth. Mas ficou o bastante pa ra sentir um SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

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sopro de vida nos atores profissionais de Lorde Derby, que percorriam o país fazendo apresentações, enquanto na casa de Hesketh o entretenimen-

to era meramente

ocasional

e promovido

pelos membros da criadagem que eram tutores e músicos, mais do que intérpretes.

E a mansão de Hesketh também não era tão católica quanto o castelo de Hoghton. Logo Shakespeare (ou Shakeshafte) se sentiria num mau emprego, ou talvez até deslocado. Será que Hesketh, considerado um bom

patrão, atendeu ao pedido do falecido amigo Alexander Hoghton e achou-se na obrigação de

|

Henry

Stanley,

E

Derby.

Quadro

|

Seia de DO

|

quarto conde de

Re Otiver

“ajudar” aquele talentoso rapaz a conseguir outro “bom patrão”? Em caso positivo, ninguém seria mais óbvio — e mais próximo — do que seu amigo Lorde Derby, grande amigo também da :

"tainha, que mantinha uma trupe de atores, onde hav . eria lugar para o

ambicioso, talentoso e gentil rapaz de Stratford.

Mas, ao contrário do que se supôs, Shakespe are não poderia ter

à

ido diretamente para Londres com os Atores do Conde de Derby, em

1581. Sabemos pouco da juventude de Shakespeare,

mas

de uma

coi-

sa temos certeza: no verão seguinte , certamente em agosto de 1582 , ele estava de volta q Stratford.

A situação financeira de John Sh akespeare não tinha melhorado na ausência do filho: Em 1580, Jo hn foi multado em 20 libras por não

comparecer ao tribunal real para garantir à paz da Rainha, e em mais

20 libras pelo mesmo tribunal € pelos mesmos motivos, em no me de John Audeley, chapeleiro de Not tin

gham. Não restou qualq uer regis-

e:

UTI

E

SHAKESPEARE

- ANTHONY

HOLDEN

dade, quando deve ter sido fiador de tudo e de todos. Perdeu o direito ao bônus de 10 libras na dívida de 22 libras com o teimoso irmão Henry e foi fiador de Michael Price, um desonesto latoeiro de Stratford. Pre-

cisou então implorar para que o amigo e conselheiro municipal Híll fosse seu fiador e para assim evitar a indignidade de ser preso.

Os registros de 1581 mostram que John Shakespeare continuou não comparecendo

às reuniões do conselho, embora nesse ano não

tenha feito transações financeiras. Só podemos garantir que ele € a mulher se alegraram ao ver o filho mais velho voltar da longa estada no norte, embora se surpreendessem um pouco com a anímada conversa sobre teatro. Naquele verão, John tinha suas preocupações: desentendeu-se com

quatro velhos amigos

(William Russell, Thomas

Logginge, Robert Young e o açougueiro Ralph Cawdrey, então prefeito) a ponto de pedir garantias de paz “temendo ser morto € ter os membros mutilados”. Certamente, não estava precisando do problema que o jovem William iria causar. Em algum dia daquele mês de agosto, depois de percorrer quase dois quilômetros rumo a oeste, na trilha para a pequena aldeia de Shottery, o esperto jovem de 18 anos cometeu uma imprudência que

iria influenciar o resto de sua vida. É difícil acreditar que esse ambicioso sonhador, já sabendo da existência de um mundo além da provinciana Warwickshire, ficasse tão enamorado de uma camponesa sim-

ples, oito anos mais velha, a ponto de casar-se com ela. (A moça tinha a idade da mãe de Julieta, que na peça já se mostra impaciente por

netos.) Ou será que a filha do camponês, de 26 anos, apenas um mês

após a morte do pai, seduziu e assim conseguiu um marido bem mais jovem? De todo jeito, no outono de 1582, Anne Hathaway comunicou aos amigos de seu falecido pai que estava grávida do jovem Will Shakespeare, filho do vereador de Stratford.

Não há muita informação a respeito da origem e do batizado de

Anne Hathaway, visto que ela nasceu antes de 1558, ano em que começaram os registros batismais. A placa de bronze em seu túmulo na

Os ANOS

“PERDIDOS”

71

igreja da Santíssima Trindade, em Stratford, atesta que ela “partiu desta vida” no dia 6 de agosto de 1623, “aos 67 anos”. Portanto, teria nascido em

1556,

oito anos

antes do futuro

marido.

Quando

estava

com

vinte e poucos anos, a vida não devia ser fácil para ela, na fazenda em Hewland:

sentia-se deslocada desde a morte do pai, morando

com

a

madrasta e três meios irmãos, provavelmente tão ansiosos para casála quanto ela para se livrar deles.

Será que Shakespeare caiu na armadilha de um casamento forçado, com uma mulher oito anos mais velha, que temia ficar encostada numa casa que não era mais sua? Ou será que foi um verdadeiro amor? Quaisquer que fossem os sentimentos de Will naquele outono, dois amigos de Hathaway (Fulke Sandells e John Richards on) fo-

ram bater na casa da Henley Street, exigindo que o filho do dono se comportasse

corretamente

com

a grávida,

filha do falecido

deles.

amigo

Ou é isso o que podemos

concluir. Sandells foi citado no testamento de Richard Hathaway como um de seus execut ores, e Richardson colocou

sua marca no papel, como

testemunha.

A impressão

que se

tem, com os poucos documentos dos fatos poster iores, é que esses dois respeitáveis senhores forçaram o jovem William à comparecer ao tribunal de Worcester, distante uns 32 quilômetr os de Stratford, antes que ele fugisse às obrigações. Chegou-se a sug erir que Sandells e Richardson tiraram a licença de casamento, mento do pai de William, para garantir que

com

ou sem

o conheci-

o futuro bebê tivesse pai. Assim, Os dois amigos teriam dividido o paga mento da vultosa quantia de

40

libras para

garantir o casamento,

autorizado

num

documento

proclamas) de William Shagspere e “Anne Ha thwey de Stratford, diocese de Worcester, donzela”. Supõe-se que também H

ni

*

tenham

sido esses :

fiéis amigos que garantiram q duvidosa afirma ção de “donzela”. O padre do dia era bem tolerante, estava Pronto a substituir “ soltei ra” onde

fosse conveniente,

12

como

no Caso.

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

Hoje, o nome de Anne Hathaway pode constar da história da literatura, ligado ao chalé visitado por 200 mil turistas por ano — mas ao nascer, ela se chamava Agnes. O testamento do pai dela, feito no verão anterior, é claro ao

detalhar os bens legados aos quatro filhos e três filhas, inclusive 10 marcos a serem entregues à filha Agnes no dia do casamento. Parece que os nomes Agnes € Anne, como Shaxpere e Shakespeare, eram intercambiáveis. O papel que ela teve na vida de Shakespeare fica ainda mais complicado por outra anotação

no registro episcopal da diocese

de

Worcester, datada do dia anterior, 27 de novembro de 1582 dando

licença para William Shaxpere, de Stratford, casar-se com

— Os anos “PERDIDOS”

“Anne

Cena de A megera

domada. quadro

de Augustus Egg, ISI6G-1863.

Whateley, de Temple Grafton”. Esse nome não aparece em nenhum documento da época descoberto até agora, pelo menos em relação ao nosso bardo. Quem seria ela? A resposta óbvia mas provável é que um erro de grafia correspondesse na época elisab etana a um

erro de

digitação hoje. Percebeu-se que o mesmo escrivão de Wor cester tro-

cou Baker por Barbar, Darby por Bradeley e Edgcock por Elcock. É diferente trocar Whateley por Hathaway, mas há uma explicação cabível. No dia em que a licença para O casame nto foi concedida, o tribunal de Worcester tinha simplesmente quarenta processos, inclusi-

ve o do cura de Crowle, William Whateley, acusando Arnold Leigh de

não pagar dízimos. Esse cura parece ser um litigante contumaz, pois seu nome surge com freqiiência nos registros do tribunal, de 1582 à

1583. É compreensível que um escrivão apr essado substituísse o nome

dele pelo da futura esposa de Wm Shaxpere. No dia 26 de maio de 1583, domingo da Santíssima Trindade, o reverendo Henry Heicroft batizou a filha de William e Anne Shakespeare (casados há seis meses), que recebeu o nome de Susanna, pouco

comum € ostensivamente puritano. Teria sido uma ironia proposital? Ou as crenças religiosas de Shak espeare já estavam se enfraquece ndo? Aos 19 anos, ainda sem emprego fixo, William teria levado à es posa para morar com os pais dele na espaçosa casa de duas fren tes, na

Casa de uma pastora, de Conto de inverno,

detalhe

de um quadro de

Francis Wheatley, 1747-1801.

74

Henley Street. O casal não podia ter residência própria, pois o dote de Anne

em dinheiro era pequeno,

apenas seis libras,

13 xelíns e quatro

centavos “a serem pagos”, segundo o testamento do pai, “no dia do casamento”. A sogra teria gostado de ficar com o primeiro neto em casa

e dividir o considerável fardo de cuidar de uma criança, pois Edmund, o irmão de William, era apenas dois anos mais velho que a sobrinha recém-nascida. Os outros filhos —

Gilbert, Joan e Richard — tinham

respectivamente 16, 13 e 8 anos. Mas será que o jovem aspirante a poeta apreciaria morar nessa casa tanto quanto a esposa e a mãe? Dois anos depois, Anne teve filhos gêmeos, que receberam o nome de Hamnet

e Judith por causa dos amigos do casal Judith e Hamnet

Sadler, que moravam perto do Mercado de Grãos, na esquina da High Street com a Sheep Street. Treze anos depois, os Sadler retribuiram a gentileza batizando o filho como William. Os gêmeos foram batizados em 2 de fevereiro de 1585 pelo padre Richard Barton, de Coventry. sucessor do reverendo Heicroft, “instruído, cuidadoso e pio”, segun-

do um relatório puritano. Com quase 20 anos de idade, Shakespeare ainda morava com os pais. Já tinha sentido o gosto do mundo fora dos limites de Stratford e ouvido as histórias que os viajantes contavam nas tabernas sobre as atrações cosmopolitas de Londres. Então, quando foi que William finalmente saiu de Stratford para tentar a sorte como

ator e dramaturgo? Ele pode ter dado uma pista

nas palavras de uma velha e sábia pastora em uma de suas últimas peças, Conto

de inverno:

Bem quisera que não existisse idade entre os 10

e os 23 anos, ou que a juventude dormisse durante todo o intervalo, pois entre as duas idades só existem donzelas esperando filhos, velhos insultados, roubos e brigas.

Os ANOS “PERDIDOS”

75

Quando o Shakespeare maduro olha para seu passado, que a essa altura incluía algumas aventuras de juventude, 23 anos parece uma boa idade para escolher. O número surge mais duas vezes na mes ma

peça. Em

1587, ano em que completou

23 anos, Stratford recebeu

com festa a visita da grande trupe de teatro da época, os Homens da Rainha. Quatro anos antes, os atores de Elizabeth foram escolhidos a dedo pelo Master of the Revels, que acumulava a funç ão de responsá-

vel pelos entretenimentos da corte com a de censor teatral. Os atores da trupe usavam trajes em escarlate-real e tinham como protagonista

Richard Tarleton, o mais importante bufão da época, que serviu de inspiração para quando, anos depois, Shakespeare crio u o bobo Yorick, lembrado por Hamlet na cena dos coveiros. Mas, antes de chegar a Stratford, os Homens da Rainha se apresentaram em Abingdon, e o interesse do público causou um pequeno tumulto.

Em

13 de junho,

estiveram

em

Thame,

onde

um

incidente

após a apresentação parece ter afetado a vida de Shakespeare. Naquela noite, entre nove e dez horas, dois atores bêbado s brigaram — John Towne, do teatro Shoreditch, e William Knell. Num beco conhecido como White Hound, Knell empunhou a espada e encurralou Towne, que sacou da faca e enfiou-a no pescoço do outr o. Knell morreu meia hora depois, no local. Alegando legítima defesa, Towne foi perdoado pelo juiz do burgo e mais tarde recebeu induito da Rainha. Um

ano depois,

Heminges,

a viúva

de

Knell Casou-se

com

outro

que se tornaria grande amigo de Shakespe are,

ator, John

beneficiário

de seu testamento e um dos responsáveis pela primeira edição das peças completas, o Fólio de 1623. Na époc a, os Homens da Rainha deviam

chegar logo a Stratford — sem um dos atores da trupe. Será que encontraram um voluntário disposto na pessoa de William Shakespeare,

(Ao lado:) Hamlet eo coveiro, 1883. Quadro de

Pascal DagnanBoveret, 1929,

76

1852-

23 anos, sacrificado pai de três fi lhos, co m um pai problemático, ansioso por trabalho fi Xo e pronto para vi ajar? Teria sido como mais novo e mais jovem membro dos Homens da Rainha que o futuro dramaturgo foi pela primeira vez a Londres?

SHAKESPEARE

— ANTHONY

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LONDRES CaPiítTULO

1587-1592

IV

Yo A chegada de Shakespeare à cena teatral londrina coincidiu com mento dos jovens sidade”

o apareci-

“sabidos da univer-

(University Wits), como se auto-

intitulavam. A maioria desses jovens aco-

lheria com frieza o “rude” recém-chegado de Stratford, que tinha idéias acima de sua situação social — era um ator mediano, mas. como logo se saberia, com garra para se tornar dramaturgo.

A leste, o portão Aldgate; ao norte, os portões Bishopsgate, Moorgate.

Cripplegate e Aldersgate; a oeste, Newgate e Ludgate. Hoje. restam apenas os nomes

das sete entradas da Londres

elisabetana, nos três

quilômetros de muralhas que cercavam três lados da cidade — no quarto. ficavam os cais e os armazéns do movimentado

porto, no vasto rio

Tâmisa. Comparadas com as tranquilas águas do Avon, as do Tâmisa eram fétidas, cheias de excrementos e lixo, alimentando ratos € cau-

sando doenças.

Em sua superfície prateada, um intenso tráfego fluvial disputava espaço, sem cessar, com elegantes escunas de três mastros descarregando mercadorias para vender em Billingsgate e em outras feiras. A

ponte de Londres era a única forma de atravessar o rio a pé, por isso os barcos de aluguel eram muito procurados. Atulhada de lojas e moradias

de prósperos comerciantes, cada centímetro de seus 264 metros lembrava a do Rialto, por onde circularia o futuro personagem Shylock, de

O mercador de Veneza. Com gritos de “leste, ei” e “oeste, O” os bar. LONDRES

tão William

tado)

Herbert,

terceiro conde de Pembroke.

Artista anônimo

79

queiros dos táxis-flutuantes abriam caminho entre as esplêndidas em. barcações particulares dos ricos, inclusive a da própria rainha, que, nas tardes de festas, gostava de ir à frente de uma flotilha rio acima e rio abaixo, em meio a música e fogos de artifício. Naquela época como hoje, sobressaía sob o céu de Londres, à oeste,

a catedral de St Paul, que, antes mesmo

da ampliação feita pelo arqui-

teto Wren, já era uma das maiores e mais belas da Ingla terra, embora

ainda fosse lugar tanto de devoção quanto de comércio. A leste, ficavam o marco mais leigo e muito imponente da Torre de Londres, cujos sombrios e ensangiientados mistérios assombrariam peças de Shakespeare e, nessa época, a vida dos amigos e cont emporâneos dele. Mais além, ficava o campo aberto e a nova aldeia de Islin gton, primeira parada na estrada de St Albans, construída pelos romanos. Depois vinham as densas florestas das colinas de Hampstead e, fora dos limites da cida-

de, a oeste e ao sul, estavam as aldeias de St Pancras e Charing Cross. Dentro das muralhas, apertadas numa conf usão de passagens e

alamedas, viviam aproximadamente 200 mil pessoas — quase um décimo da população da Inglaterra. Lá, a vida era muito cosmopolita, colorida por inúmeros refugiados de perseguições religiosas em toda à Europa. A maioria morava em Cortiços miseráveis, cheios de lixo, em

ruas inundadas de excremento e urina, propícios para a proliferação do rato negro e seu parasita letal, a pulga, transmissora da peste bubô-

nica.

Sem

sistema

de esgotos,

ser sentido a 30 quilômetros.

dizia-se que

o fedor de Londres

podia

Os surtos regulares de peste na ca pital teriam papel importante na obra de Shakespeare, assim co mo Os fatos que ocorriam em sua vida e o catolicismo da época.

O acontecimento

mais próximo

fora em

fevereiro de 1587: a execução de Mary, rainha da Escócia, pouco antes de o bardo chegar à capital. O país estava prestes a entrar em guerra com a Espanha e, um ano de pois, os ingleses derrotaram à Invencível

Armada espanhola do rei Feli pe, incitados pela memorável frase da rainha em Tylbury (digna de en trar na peça Henrique V, quan do a Teias

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SHAKESPEARE

— ANTHONY

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cerca de

1608. Aguarela

ta f



i

de

anónimo.

de uma mulher existem o coração e a força de um rei, e rei da Ingla-

terra”. Foi uma época ótima para ser inglês, e inspiradora para um

escritor que chega ao palco de um drama político. Com a volta das perseguições aos católicos e mais execuções de

jesuítas disfarçados, Shakespeare parece sensato por não alardear sua religião — se é que o catolicismo ainda significava alguma coisa para ele. Rapaz “inculto”, vindo do campo e recém-chegado a uma cidade

cheia de galantes e presunçosos alunos de universidades, ele teria de abrir caminho usando outros tipos de preconceito e intriga. A chega-

da de Shakespeare à cena teatral londrina coincidiu com o aparecimento (University

Wits), como

artista

bolandes =

ação se passa em Agincourt). A frase era: “no corpo frágil e delicado

dos “sabidos da universidade”

de

rainha da

Escócia,

SS

nasa woctek Doce

E

Per

Execução

se auto-

intitulavam. A maioria desses rapazes acolhia com frieza o “rude” recém-chegado de Stratford, que tinha idéias acima de sua situação so-

cial — era um ator mediano mas, como logo se saberia, com garra para se tornar dramaturgo.

81

O

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The Tragicall Hiftorie of | the Lifeand Deathof Doêtor Fauítus. With new Additions,

— NWiittenby Cu. Mar.

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Capa de A

trágica história da vida e morte do Dr. Fausto, de Marlowe, 1631.

Printed at London for fobp bri gh, and are co be foldachis

hop without Newgare. 1631.

Antes de Shakespeare chegar a Londres, o jovem de mais destaque era Christopher (Kit) Marlowe, nascid o no mesmo ano que o bardo, filho de um sapateiro de Canter bury e que conseguiu entrar para o Corpus Christi College, em Camb ridge. Quando Shakespeare che ou, a peça Tamerlião4 , de Mar gou lowe, estava em cartaz, e nos cinco anos

seguintes surgiriam Dr. Fausto, O judeu de Malta e Eduardo II — até 1525, quando Marlowe faleceu violenta e prematuramente. Havia r apazes menos talentosos, lutando para aparecer — como Robert Greene, Thomas Nashe, Geor ge Peele, Thomas Lodge, John Lily. Eram diplomados por Oxford e Cambridge e abriam caminh o juntos, com pepeças de boa bi| lheteria, , que produziam com a mesma rapidez SHAKESPEARE

- ANTHONY

HOLDEN

com que as trupes conseguiam encená-las. Competiam para ver quem menosprezar, como fizeram com o colega de Shakespeare na escola elementar, Thomas Kyd, cuja Tragédia espanhola teve grande suces-

so, mas recebeu sátiras implacáveis. Zombando de uma peça de autor anônimo (ou autores), Lodge escreveu em sua Wit's Míserie (A desdi-

ta dos sábios) sobre um demônio, “pálido como a máscara do fantasma, que gritava horrivelmente no teatro, parecendo uma vendedora de ostras: “Hamlet, vingança!” Em

1588, um ano depois da chegada

de Shakespeare, Nashe atacou certos tradutores e escritores, sem nomeá-

los, dizendo que tinham “apenas um pouco de conhecimento grama-

tical que aprenderam no interior”. O alvo da ira de Peele foi mais cla-

ro, na peça Eduardo I, escrita no ano seguinte: “Brandi vossas lanças, em honra ao nome

da-

quele sob cuja realeza as portais”.

Marlowe era um caso à parte: rapaz de talento, elegante e educado — foi admirado, imitado e, quando morreu, pranteado por Shakespeare —, mantinha distância das rixas teatrais, pois era espião do chefe político da rainha, Sir Francis Walsingham.

Provavelmente, Shakes-

peare conheceu Marlowe, apreciando sua animada companhia — não podemos

garantir muito mais que isso —, e prestou-lhe homenagem

póstuma no pastor morto da peça Como gostais (As You Like Tt), quando a pastora Febe diz um verso de Hero e Leandro, de Marlowe:

Ob! Pastor desaparecido, preendo

bem

“Quem jamais meira

a verdade amou

como agora comde tua

que não

sentença!

amasse

à pri-

vista?”.

Os demais “sabidos da universidade” orgulhavam-se de sua poe-

sia rebuscada e erudita e dos panfletos polêmicos, dedicando-se a es-

The Sparish Traged e: Hieronimo is mad againe. Connining the lamentable end of Don Horario, and Belimperia 3 wvach che prisfull death of Hecronimo,

Newily correêted, amended, and colirged with new, Adiuious of che Painters past, and others,as it hathol late been divers times aéted,

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LONDON,

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Printed by VV. W'iuce, tor LW hite and T.Langley, andareto be (old at their Shop ouer aga infl the Sat azens head without New-gate, 161 s.

Capa de Tragédia espanhola, Kid,

de

1615.

crever peças apenas como uma forma nova e fácil de ganhar dinheiro, embora aquém da sua capacidade. o

|



Em

1576, apenas dez anos antes de Shakespeare chegar a Londres, James Burbage apresentou -se em Stratford como ator. Da mes-

ma forma que Smug em Sonho de uma

noite de verão (Midsummer

Night's Dream), ele era um marceneiro que virou ator. Burbage teve a brilhante idéia de obter “grande e contínuo lucro” construindo um lugar só para apresentar peças.

|

Rc.

SHAKESPEARE = ANTHONY HOLDEN

Uma “casa de peças” era uma idéia totalmente original. Até então, a arte dramática era mostrada no pátio de hospedarias como a Red

Lion, de propriedade de Burbage, construída em 1567 por seu cunhado John Brayne. Com um bom empréstimo de Brayne, que era próspero merceeiro, Burbage obteve a cessão por 21 anos de um terreno baldio em Shoreditch, ao lado de Finsbury Fields, a cerca de 800 metros do portão de Bishopsgate, uma das entradas da cidade. Ele então construiu — perto de onde hoje fica a estação de metrô Liverpool Street, num lugar abandonado e cheio de mato, ossos e todo tipo de detritos

— a primeira casa de espetáculos, que orgulhosamente batizou de Theatre (do grego théatron ).

os imitadores que logo surgiram, o Theatre de Burbage copiou os pátios das hospedarias, até então adequadas para as apresentações das inúmeras trupes: a platéia ficava em volta do palco e Como

havia galerias cobertas, de madeira, oferecendo assentos melhores, livres da chuva e mais caros, destinados à “pequena nobreza”. Havia tam-

bém venda de comida e bebida para o “público raso”, que pagava alguns centavos e ficava ao relento, em pé e apertado na frente do pal-

co elevado, retangular, com duas colunas que sustentavam um toldo chamado de céu. Em cada lado do palco havia uma porta de saída e de entrada e, ao fundo, um nicho com cortina para cenas mais intimas. Foi sob esse desenho básico que tomaram forma os pequenos ou

grandes dramas durante quase todo o tempo em que Shakespeare tra-

balhou. Acima do céu ficava um sótão, com teto de colmo e aberturas em que podiam servir de janelas superiores, como na cena do balcão

Romeu e Julieta. Com o tempo, esse espaço passou à ter uma roldana para efeitos especiais, como a descida do céu de Júpiter em Cimbelino (Cymbeline). No telhado, uma bandeira desfraldada com o símbolo

da companhia teatral avisava o início de uma apresentação — marca-

do também por um trombeteiro de libré. O palco tinha um alçapão

que dava num depósito conhecido por inferno, de uso ocasional, como

o porão

assombrado

pelo Fantasma

do pai de Hamlet.

Atrás

85

do prédio, longe das vistas da platéia, ficava o camarim,

um

espaço

apertado para os atores trocarem de roupa e guardarem suas coisas. O cenário, além do eventual banco para sentar, era mínimo e, na época, O dramaturgo

era responsável

pela pintura

de cenas.

O Theatre

de

Burbage logo emprestou seu nome para designar qualquer outra cons-

trução parecida e, por fim, para a própria atividade que lá se realizava. mé

Meses depois da inauguração, no início de 1577, surgiu out ra casa de espetáculos a apenas 200 metros ao sul, na mes ma Holywell Lane, numa alameda suja chamada Curtain Close. Esse teatro, denominado

Curtain, não foi construído por um ator, mas por um cavalheiro de posses chamado Henry Laneman. Apesar de ser pessoa respeitada, o súbito surgimento de dois lugares na cidade para diversão indignou os padres. “Observem essas suntuosas Casas, monumento vivo da dissipação e da leviandade de Londres!”, pregou , em novembro de LS FT, O vigário Thomas White, de St. Dunstan's in-the-West, no púlpito da catedral de St. Paul: “Isso prova que vivemo s uma época pecaminosa, em que os atores enriquecem a ponto de poderem construir esse tipo de casa”, trovejou o cônego William Ha rrison, de Windsor. Por algum motivo — talvez por ser ad ministrado por atores, que sabiam melhor o que o público queria — o Theatre de Burbage faturava mais do que o Curtain de Lanema n, que em 1579 foi obrigado a apresentar lutas de esgrima. Em 1585, os dois empresários decidiram . Na época,

entretanto, o centro de gravidade teatral já estava mudando para o sul do rio, no Paris (abreviatura de Paradise) Garden, jardim do pa raíso, uma area turbulenta, próxima à ma rgem do Tâmisa. Lá, num grande

campo, havia corridas, lutas, jogo de críquete e de arco e flecha, ao lado

do lado: Romeu e Julieta, 1870. Quadro de

Ford Madox Brown.

86

de tablados

Com

rinhas

de

Ursos

e de

casas

onde

funcionavam

bordéis. Em 1587, no lugar onde ficava um roseiral, um empreende-

dor chamado

Philip Henslowe

Construiu um

terceir O teatro, o Rose,

em parceria com John Cholmley, rico merceeiro. Henslowe, que tamSHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

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bém era penhorista e dono de bordel, tornou-se o maior empres ário teatral de seu tempo.

Seus livros-caixa

são um

interessante e ingênuo

diário dos gastos e recibos de bilheteria, oferecendo inform ações de valor inestimável sobre a permanência das peças em cartaz, a estréia

de obras de Shakespeare e outras.

Logo surgiria mais um teatro, o Swan, inaugurado em 1596, também à beira-rio, no lado oeste, com capacidade para três mil pagantes. Quando Shakespeare chegou a Londres, existiam apenas esses três teatros, mais ou menos prósperos, simbolicamente fora dos limites da cidade, em áreas não por acaso chamadas

“distritos livres”. Termina-

do em fevereiro de 1592, ao custo total de 100 libras, o Rose passou a sediar a trupe de atores de Lorde Strange, que havia se junta do aos Homens do Almirante e eram liderados pelo ator mais admirado da época, Edward (Ned) Alleyn. Shakespeare pode tê-lo conhecido numa das vezes em que o ator foi a Stratford, ou mesmo antes, em Lancashire. Famoso por sua interpretação de Tamerlão, disputava com Richard Burbage o posto de maior ator trágico dos palcos elisabetanos. Alleyn

casou-se com a enteada de Henslowe e, em sociedade com o sogro, enriqueceu e fundou o Dulwich College, onde suas cartas e os livros contábeis de Henslowe foram descobertos em

1790.

O primeiro mecenas de Shakespeare em Londres foi James Burbage,

que excursionava em Stratford com trupes de ato res desde o distante ano

de 1573, quando seu futuro contratado tinha apenas 9 ano s de idade. Esse

genial empresário era a pessoa certa par a ajudar o filho do ex-prefeito, fanático por teatro: Burbage disse q Shakespeare que o procurasse, se um dia

precisasse de trabalho em Londres. Seu filho, Richard Burbage, interpretou a maioria dos grandes papéis shakespearianos. Sabemos que foi no Theatre de Burbage pai, em Shoreditch, que o bardo fez algumas vezes o Fantasma

em sua peça Hamlet. Mas como ele começou no teatro? ai 9) É Da

Desde 1583, o Theatre era à sede da trupe Homens da Ra inha, com a qual vimos Shakespe are chegar a Londres. Ao lado ficava um SHAKESPEARE — ANTH ONY

HOLDEN

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onde deveria haver trabalho para um aprendiz de açou-

saguere do Rose,

gueiro. Reza a tradição que Shakespeare tinha acabado de se casar e

elizabeiao

de ser pai, era “pobre, sem dinheiro nem amigos”, estava “completa-

primeiro teatro construido

Niro

Der

mente arruinado” e via-se obrigado a fazer “trabalhos servis”. Segun-

do um biógrafo do início do século XVIII, ele “foi recebido na companhia, primeiro num ofício bem humilde, mas logo se destacou por seu

| a= a

a

admirável humor, que o levou naturalmente para o palco, se não como excelente autor”.

a

grande ator, como

Emi

Outro biógrafo lembrou em suas memórias, publicadas no final do século XVII, após a morte de Shakespeare, que ele “começou no teatro em

1573, como

serviçal”. Mas fazendo o quê, exatamente?

ferências

posteriores

mostram

LoNDRES

dramaturgo

como

“rude

E

o futuro

Re-

89

cavalariço”, parecendo confirmar a curiosa tradição de que, em seu

primeiro emprego, Shakespeare dividia-se entre cuidar dos cavalos dos espectadores, atuar no palco e ser faz-tudo nos bastidores. É o que diz, por exemplo, uma autoridade do porte de Samuel Johnson. Mas, se parece que Shakespeare inventou uma lucrativa versão de manobrista do século XVI, parece também que ficava nos bastidores, ao relento, durante as apresentações, exercendo a função de ponto, enquanto seus

“meninos” olhavam os cavalos. Segundo Rowe, o primeiro biógrafo,

Shakespeare “entrou no teatro como ponto, encar regado de avisar aos

atores a hora de entrar em cena, sempre que a peça assim o exigia”. É

bem provável que levá-lo para dentro do teatro tenha sido uma pro-

moção para o cavalariço: era lá que ele realmente queria estar. A função de ponto seria um começo oportuno, inclusive nos ensaios, quando Shakespeare pode ter sido sol icitado a tomar o lugar de atores, conseguindo mostrar seu talento dr amático. Em pouco tempo, já interpretava papéis secundários e até substituía atores em papéis mais importantes.

Devido a suas aparentes limitaçõ es

como

ator, era

natural que o poeta do interior — qu e ainda tinha na lembrança os textos de Plauto do tempo de escola —€xX perimentasse escrever para teatro. Um dramaturgo que podia subir 40 palco, num eventual papel secundário, era uma aquisição útil para qualquer trupe. Para Shakespeare, fazer parte da companhi a teatral da rainha era o perf eito começo de carreira — com o el enco mais importante da época, sempre

citado a se apresentar na corte. A trupe da rainha, esco lhid

soli-

sento

OHAKESPEARE

= ANTHONY

HoLDEN

Na

a pessoalmente por Elizabeth , apre-

zados estava O principal comediante da época, Richard Tarleton, que

inspirou Shakespeare na cena de Hamlet em que o príncipe lembra com

carinho de Yorick, o bobo do rei. Assim, a morte de Tarleton,

em

1588, faz supor que o bardo fazia parte dos Homens da Raínha nessa época. A referência ao comediante numa xilogravura do início

do século XVIII, como “um dos primeiros atores em peças de Shakespeare”, sugere também que o novo recrutado já estava contribuindo para o repertório da companhia, com peças novas ou adaptadas. E

o,

O primeiro endereço conhecido de Shakespeare em Londres foi em Westminster, mais próximo da corte do que dos teatros. A biblioteca Folger, em Washington,

possui um

exemplar do livro de leis

intitulado Archaionomia, editado por William Lambarde e publicado

em 1568. Nele está assinado à mão “Wm Shakespeare”; no mesmo exemplar há uma nota, provavelmente de um dono posterior, dizendo: “O Sr. Wm Shakespeare morava na Little Crown Street, número 1,

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Tâmisa.

anônima.

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visto do

CGrarura

em Westminster, perto da escada Dorset, em St. James Park.” o

Westminster

J647.

Por que Shakespeare estaria morando

tão longe da zona teatral?

Talvez porque o aluguel fosse mais barato, mas os registros legais mostram

que

no início de

pais continuavam

1589,

num

processando

tribunal

de Westminster,

o primo John

Lambert

ele e os

para reaver a

propriedade de Asbies. Eles perderiam a causa e, assim, o patrimônio,

mas no processo Shakespeare parece ter se aperfeiçoado como escrevente jurídico.

É o que sugere a assinatura dele no livro: e há ainda

um contemporâneo, Nashe, que afirma que alguns dramaturgos da época moravam um pouco longe do centro literário de Londres, percorrendo um caminho “peripatético” para chegar aos teatros e livreiros “que

ficavam dentro das muralhas”.

Será que Shakespeare estava trabalhando com Thomas Kyd, seu colega da escola elementar, e zombava,

desafiador, dos ataques inve-

josos de Nashe, que estudou em universidade? Será que os dois rapazes interioranos tramaram

uma

cruel tragédia de vingança

sobre um

príncipe dinamarquês chamado Hamlet, criando uma peça que depois se perdeu, mas que obteve certo sucesso no final da década de 15807 Os dois teriam admirado a peça Tamerlão, de Marlowe, que pode ter

sido inspiradora, para não dizer apropriada. Quanto aos demais “sabidos da universidade”, combinava com o caráter de Shakespeare voltar do Theatre — depois de tomar muita cerveja — e zombar dos versos tortos declamados naquela tarde, prometendo melhorá-los no trabalho que estava fazendo. Como

integrante da companhia da rainha, que se apresentava no

interior e na capital, ele teria tomado conhecimento de diversas peças anônimas que faziam parte do repertório da trupe e que mais tarde ecoariam em sua obra, reescritas num estilo bem mais refinado. Ha três peças de autores anônimos em que Shakespeare pode ter dado uma ajuda: O complicado governo do rei João, Às famosas vitórias de Henrique Além

dessas,

Ve A verdadeira crônica do rei Leir e suas três filhas. os Homens

da

Rainha

fizeram

sucesso

com

Félix

Filomena, cuja primeira apresentação foi para a patrona, à rainha, em

LONDRES

e

(do lado) Hanete Horácio no cemiterio. Quadro de

Eugene Delacroix, 1799-1863

93

|

|

janeiro de 1585, no palácio de Greenwich. O texto da peça foi, sem dúvida, alterado pelo elenco — como era costume, antes de obterem o direito de encenação — e baseava-se numa obra de Montemayor es-

crita em espanhol em

1542, traduzida para o francês em 1578 e intitulada também Félix e Felismena. Essa foi, sem dúvida, a fonte de sua comédia Os dois cavalheiros de Verona (The Two Gentlemen of Verona).

Mas a comédia podia esperar, assim como Andrônico

a tragédia.

Tito

é, certamente, uma de suas primeiras peças, situada por

alguns estudiosos bem no início de sua carreira teatral, mas que hoje

é considerada posterior às primeiras incursões — algumas vezes toscas — do cavalariço na dramaturgia. As peças históricas eram o fenô-

meno de bilheteria do momento e foi com um ciclo histórico sem precedentes que Shakespeare mostrou aos companheiros que era melhor escritor do que ator. Os Homens da Rainha precisavam ter certeza

disso, o que fez com que o Shakespeare autor — se não o ator também — passasse a colaborador. Mais tarde, claro, a trupe encenaria suas peças com regularidade, como faria qualquer elenco que pudes-

se ter em mãos uma obra dele. Mas sua primeira tentat iva teve suces-

so na versão encenada pelos atores da famíli a Derby, com quem ele

fez aquele primeiro contato em Lancashire — e cujos antepassados a

peça, espertamente, glorificava.

Em 1592, Nashe, um dos “sabidos da uni versidade”, escreveu: “O

corajoso Talbot, terror dos franceses, apreciaria muito saber que, depois de enterrado há duzentos an os, ele triunfaria no palco, teria seus Ossos conservados nas lágrimas de milhares de espectadores (em várias sessões), e veria sangue nas Veias, na tragédia que representa sua pessoa”. Pelo jeito, o invejoso Nashe estava ironizando o texto reescrito por Shakespeare, que engran dece o papel da Casa de Derby na Guerra das Rosas. E foram os Homens de Lorde Strange que consagraram o ciclo Henrique VI, fa zendo com que o ator-que-v irou-dramatur-

80 se transformasse numa força no palco londrino. SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

No sábado, 19 de fevereiro de 1592, os Homens de Lorde Strange, li derados por Alleyn, fizeram uma estréia medíocre no teatro Rose. A comé-

dia de Robert Greene, Frei Bacon e Frei Bangay, encheu apenas meia casa, assim como o ciclo de peças anônimas apresentadas naquela semana: Muly

Mulocco, À comédia espanhola de Don Horácio, Str Jobn Mandevíille e Harry da Cornualha. No sábado seguinte, 26 de fevereiro, o teatro estava cheio para assistir a O judeu de Malta, de Marlowe. Mas até essa lotação foi supera-

da por uma peça histórica que estreou na sexta-feira seguinte, 3 de março, €

que veio a ser a melhor bilheteria da temporada. “Recolhidas três libras, 16 xelins e 8 centavos”, anotou Henslowe em seu livro-caixa.

Segundo Nashe, mais de dez mil pessoas assistiram naquele verão

ao primeiro ciclo histórico completo de Shakespeare, no teatro Rose. “Os lucros continuam altos”, festeja o diário de Henslowe em 5 de abril,

depois das apresentações de 7, 11, 16 e 28 de março. Por isso, ele mar-

cou mais catorze apresentações para os meses de abril, maio e junho. As trupes de teatros rivais enfrentavam tempos duros, o que dificulta o rastreamento das primeiras encenações de Shakespeare. Sabemos, pela capa de uma versão da terceira parte de Henrique VI, que ela foi

“encenada frequentemente” pela companhia do conde de Pembroke, cujo repertório também incluía Tito Andrônico. Mas isso não nos diz muita coisa. O direito autoral de uma peça não pertencia ao dramaturgo, mas à companhia teatral que a apresentava. Além disso, havia mui-

tas versões piratas, inclusive impressas, e atores que mudavam de companhia eram subornados para “lembrar peças de memória”, criando versões obviamente ruins, € ainda acrescentando trechos por conta própria. Tudo isso, somado aos erros e improvisos dos tipógrafos, forneceria à futura “indústria Shakespeare” infinitos problemas em relação aos textos, a serem discutidos até o final dos tempos. Temos certeza de que, em 1590, a companhia dos Homens de Lorde Strange e a dos Homens do Almirante se fundiram sob a liderança de Alleyn, usando os dois teatros de Shoreditch — o Theatre, de Burbage, e seu anexo, o Curtain. Em maio de 1591, Alleyn se desentendeu com

Burbage

e, decidido,

carregou sua trupe para o teatro Rose, que fica-

va do outro lado do rio e pertencia a Henslowe. Lá, voltaram a se apresentar como

Homens

de Lorde Strange.

Mas nem

todos os atores fo.

ram: Richard, filho de Burbage, achando que tinha os mesmos dons dramáticos de Alleyn, convenceu alguns colegas a ficarem com ele em Shoreditch e formarem uma nova companhia, de de Pembroke.

Richard estava com

patrocinada pelo con-

23 anos, quatro a menos

que

Shakespeare, e mais tarde faria os protagonistas em Ricardo HI, Hamlet, Otelo e Rei Lear. Mais que o bardo, ele teria uma longa parceria com

atores reuniram suas peças e publicaram o Primeiro Fólio, em 1623,

dedicando o volume ao conde. É possível que a companhia do conde de Pembroke tenha sido uma dissidência dos Homens

da Rainha, vis-

to que o trabalho nos palcos era irregular e sujeito a frequente s dispersões com os surtos de peste. Havia, certamente, uma lig ação especial entre o dramaturgo colaborador (e ator, no elenco de Burbage) e o jovem nobre que pagava o salário da trupe. Os reg istros sugerem que suas peças eram encenadas mais pelos Homens de Pembro ke do

due por outras companhias. Pembroke exercia a função de Master of the Revels,

o mestre de entretenimentos

e festividades na corte, mas

o nobre estava mais preocupado em mant er o decoro do que em proteger as rudimentares leis de direito autora l. As peças de Shakespeare, como

todas as demais,

eram

muito

encenadas.

= +

k

=

aa!

Considerando sua ampla e variada pr odução, parece adequado

que Shakespeare

tenha escolhido

ciosa tetralogia abrangendo

iniciar-se no drama

cod

uma

ambi-

meio século da história britânica rec ente

SHAKESPEARE

- AntTHONY

HOLDEN

E SE e E

disso, o conde, que amava o teatro, não conseguiu mais visitar O loca l onde “seu velho conhecido“ tinha pisado o palco. Alguns estudiosos acreditam que o conde de Pembroke seja o Belo Jovem dos sonetos aos quais Shakespeare logo se dedicaria. Pod e-se supor a ligação dos dois porque, após a morte do bardo, os colegas

E

o conde de Pembroke, só desfeita com a morte do ator, em 1619. Depois

— proeza teatral que ninguém jamais tentara antes, num estilo que, embora ainda imaturo, era diferente de tudo o que havia. Shakespeare deu personalidade e razões, pensamentos e sentimentos a personagens

históricos que ainda estavam na memória das pessoas, e fez com que esses personagens fossem responsáveis por seus atos — e não que tudo

Hamlet

atores

. 1875.

Quadro

Ladislas

O rei Henrique VI (que viveu de 1421 a 1471) foi uma mera sombra de seu heróico e briguento pai, Henrique V, cuja história Shakespeare retomaria no devido momento. Henrique VI assumiu o trono criança e, quando adulto, continuou incapaz de resolver as brigas de nobres competindo por cargos, uma vez que ele, o soberano, não tinha autoretrabalhou

a edição

Holinshed, entre outras obras menos sempre como mero

de

1587

importantes,

das Crônicas

e mostrou

de

o rei

espectador de sua triste história, incapaz de evi-

tar a perda da França, a queda do duque de Gloucester, a ascensão do

LoNDRES n



af

RO

MA

von

1850-1911.

mistério das peças da tradição medieval.

Shakespeare

de

zachorskI.

ocorresse por vontade divina. Assim, o bardo e Marlowe libertaram os enredos dos arquétipos arrastados e unidimensionais de moralidade e

ridade.

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duque de York e a desintegração do reino numa virtual anarquia — foi incapaz até de impedir que o matassem. Na terceira parte da peça

Henrique VI, ele está, simbolicamente, incapaz também de falar: por duas vezes pede a palavra e por duas vezes esta lhe é negada. Tal fato, apresentado para uma platéia elisabetana, era o máximo

da heresia

contra a aura de divindade que ainda cercava os reis.

Esse ciclo de peças traça o longo e lento declínio da Inglaterra

após a morte de seu rei-guerreiro, Henrique V, já que a perda de suas conquistas francesas e o desgaste do poder real levam, inexoravelmente,

às disputas dinásticas que resultam em guerra civil. No começo da peça, os nobres da corte já discutem a sucessão de Henrique, e Shakespeare explora, de forma ampla € panorâmica, as relações de causa € efeito. Para o dramaturgo, o reinado de Henrique VI foi um vazio que possi-

bilitou explorar o início do caos e da desordem. Esses temas seriam duradouros, ainda presentes em suas tragédias mais maduras — assim

como a humanidade que ele confere ao infeliz monarca, cada vez mais eloquente à medida que seu destino se torna trágico.

A impetuosa autoconfiança do jovem dramaturgo aparece em todo o ciclo de peças — com seu vasto tom épico, seus inúmeros personagens, sua preferência por fausto e ação em vez de introspeção desesperada e, acima de tudo, seu grande e pomposo estilo em que as muitas € à provariadas vozes mal se diferenciam. Há honrosas exceções, como

sa peculiar do personagem Jack Cade e a força emocional do verso do

segunda jovem Clifford ao descobrir o cadáver do pai em duas cenas da a mostrar parte de Henrique VI E a obra de Shakespeare está prestes

fim da orprodígios temáticos ainda maiores — como, por exemplo, o irmão tramando matar dem civil refletida nas famílias guerreando entre si,

irmão, e a humanidade reduzida à anarquia amoral dos animais e dos

o e ar). quatro elementos formadores da natureza (terra, água, fog A terceira parte de Henrique

VI traz também

um

personagem

igerível”, para ind sa mas , ódio de eio “ch , ais dem dos nte ere dif te tan bas “Eu sei o qual Shakespeare tinha outros planos. Diz esse personagem: LONDRES

(ão tado)

Henrique artista

VI, por

ANHÓBNÍDIO.

99

sorrir, eu sei matar sorrindo.” Trata-se de Ricardo, duque de Gloucester,

e nossa primeira impressão é que ele transporta o bardo para uma nova dimensão,

como

se já estivesse escrevendo a próxima peça, conclusão

lógica da tetralogia. Ricardo III começa onde a terceira parte de Henrique

VI termina, com o duque de Gloucester tramando no velório do rei. Na famosa fala de abertura de Ricardo HI —

“O inverno da nossa desespe-

rança / Fez-se verão glorioso ao sol de York” — está a base dos grandes monólogos que virão. A estranha justificativa de Ricardo para ser vilão é mais um longo aparte do que um monólogo, mas com as primeiras marcas de autoconhecimento (ou falta dele, que leva ao autoquestionamento)

que dariam a Shakespeare alguns de seus momentos supremos. À amarga

eloquência de Ricardo ao analisar sua própria vilania antecipa a incapacidade bem mais interessante do personagem lago para analisar-se em Otelo e a ambivalência paranóica do personagem-título Macbeth.

se Ned Alleyn monopolizou o primeiro grande papel shakes peariano ao viver Henrique VI, foi Richard Burbage (e, portanto, os Homens de Pembroke) que se consagrou

na sequência, Ricardo

HI. Sa-

bemos disso graças a um fato ocorrido secretamente com Shakes peare, embora não confirmado. No dia 13 de março de 1601, Joh n Manningham



advogado

do Middle Temple,

um dos quatro tribunais de Lon-

dres na época — anotou em seu diário: Quando

Burbage

i nterpretava Ricardo HI, uma

cidadã ficou muito interessada nele e, do final

do espetáculo, pediu que 0 ator a procurasse naquela

noite e se dpresentasse

com

o codinonie

Ricardo III. Shakespeare ouviu a conversa por acaso, chegou antes de Bu rbag e ao local do entÃo lado)

Ricardo

HI, por artista anonimo.

100

contro e foi muito bem recebido . Quando alguém avisou

mandou

que

Rica rdo

Hl

e

Stava à porta,

dizer que Guilherme SHAKESPEARE

= ANTHONY

(William), HoLDEN

o bardo o Con-

quistador,

THE

rei-

nara antes de

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Ricardo

QVEENE.

Difpofed into rwelue books)

HI

Isso, para os biógrafos

Falbiamin:

|

XII. Moral vertues,

de Shakespeare, é uma daquelas historinhas impossíveis de confirmar, mas boas

demais para serem rejeitadas

apenas por terem

origem

duvidosa. Mostra o turbulento € popular bardo de fértil imaginação (que, mais tarde,

LONDON

ic

teria gonorréia pelo menos

o nor pin

uma vez), desfrutando a

mesma louca vida londrina

de seus personagens mais mundanos

de

e sedutores, en-

Capa de quanto sua mulher e seus filhos ficava m a segura distância, em Stratford. A Rainha Feliz, Mostra, em resumo, o homem imoderado, Spenser, 1590. que gostava de se divertir e

No final de 1589, o poeta Edmund Spense r, que passou quase toda a vida na Irlanda, voltou a Londres natal para uma audiência com a Raiínha. Aproveitou para entregar ao ti pógrafo os originais dos três primeiros livros do seu majestoso épico A rainha feliz (The Faerie Queene),

certamente admirado por Shakespeare, a julgar pela homenagem prestada em sua peça Trabalhos de amor berdidos (Love's Labour's Lost). Um

ano após sua visita à capital, Spense r (também grande poeta da époc a) retribui a honraria no livro Lágrim as das musas (The Teares of the Muses), registrado em dezembro de 1590. Nesse livro, Spenser lamenta a ausên-

cia de comédias no palco londrino — com duas honrosas exceções. Uma,

na pessoa de um ator que tinha faleci do há pouco (clara referência a Dick

Tarleton) e a outra, de um escritor, “um espírito gentil”, SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

de cuja pena fluem

doces torrentes de néctar e

mel, zombando desses homens matnas cídos que

ousam tais sandices ofertar-nos,

Se Spenser assistiu a uma comédia de Shakespeare antes de 1590, qual teria sido? Considerando apenas o estilo, a primeira possibilidade é Os dois cavalheiros de Verona, sua comédia menos sofistic ada,

que parece ter sido encenada no início da década de 1590. Sua carpintaria teatral é primitiva, tem poucas cenas com mais de três personagens e um desfecho visivelmente fraco. Poucas platéias, de qualquer idade, conseguem suportar a rude generosidade de um dos cavalheiros, Valentino, perdoando a traição amorosa do outro, Proteu, e desistindo de seu amor num gesto de grande amizade. Mais uma vez, a mulher é tratada como mera escrava, sem participação no próprio destino. E a peça não tem uma locação determinada: pode ser à margem do Tâmisa ou em Verona, na Itália, com todas as cores topográficas que esse eventual mestre da paleta italiana põe em sua tela. Pouco tempo

depois, Shakespeare faria acréscimos

no texto de Romeu

e

Julieta, onde as espadas de jovens aristocratas reluzem ao sol e se entrechocam num local mais definido. Numa peça sobre reivindicações de amor e amizade, a relação mais firme (e emocionante) é entre o personagem Lança, o rude protótipo de todos os bufões de Shakespeare, e seu cão sarnento Caranguejo.

que sempre rouba as cenas. Recentemente, em 1986, os editores de Oxford ousaram afirmar que Os dois cavalheiros de Verona é a primeira peça de Shakespeare, situando-a antes até do ciclo Henrique VI — mais uma vez, baseados no estilo. A estrutura dramática seria “comparativamente despretensiosa” e sua construção mostraria “uma insegurança técnica que sugere inexperiência”. A peça seria também laboratório dramático onde Shakespeare

usou pela primeira vez as

convenções da comédia romântica que mais tarde trataria com

complexidade mais sutil”.

LONDRES

“um uma

103

O editor da Arden defende o mesmo privilégio para A megera domada, enquanto outros argumentam que 4 comé dia dos erros (The Comedy of Errors) foi a primeira peça de Shakespeare. Ma S as duas

demonstram um domínio bem maior da carpintaria te atral e juntam -Se facilmente a Trabalhos de amor perdidos na grande explosão cômica

que estava por vir, após um intervalo dedicado à poesia, de 1593 a 1594, Primeiro, ele precisava criar sua versão de tragéd ia de vingança ao estilo de Sêneca, que estava tão em voga na época. E, nesse primeiro rom-

pante de talento juvenil, completar sua expe riência nos três gêneros

(tragédia, comédia e drama histórico) que moldariam toda à sua car-

reira € formariam as subdivisões das obras re unidas após sua morte.

Quase no final da trilogia Henrique VI, Shak espeare situa o assassinato do duque de York numa colina, com uma coroa de papel na cabeça. A famosa cena tem um crescendo de violência tão grande que “O horror se transforma em piedade”. Pode -se dizer o mesmo da peça Tito Andrônico, que Henslowe registrou em seu diário como “nova”, quando foi encenada no teatro Rose pel os Homens de Sussex, no dia 20 de janeiro de 1594. Mas não se deve co nsiderar nova como signifi-

cando recém-escrita — pode ser apenas a abreviatura (New) de

Newington Butts, região ao sul de Londres ond e ficava um dos teatros, como pode ser recém-licenciada ou revista pelo autor ou, simplesmente, uma nova produção . Mais tarde, no mesmo ano, quando Tito foi publicada, a capa garante que esta “lamentável tragédia romana” tinha sido encenada “Pelos cria dos dos muito honrados condes de Derby, de Pembroke e de Sussex” - Portanto, a encenação pelos Homens de Sussex no teatro Rose foi a última de uma longa série de

peças populares, iniciada anos antes.

Será que Shakespeare queria faze r sua versão grand guignol, isto é, de terror, da tradição de Vingança para homenagear Kyd e Marlowe, ou pretendia fazer uma paró dia grotesca? A peça mostra , entre outros

104

SHAKESPEARE

- ANTHONY

HOLDEN

Serenata

na

janela de Júlia,

de Os dois cavalheiros de Verona

Litografia

de Jobn Gilbert, cerca de 1860.

horrores, dois irmãos estuprando Lavínia, irmã de Tito, sobre o cadá-

ver do marido que eles mataram. Cortam a língua e as mãos dela para impedir que revele seus nomes. Mas ela escreve no chão, usando um graveto preso no toco das mãos. Tito mata os irmãos, mói seus ossos € unta à farinha resultante aos ingredientes de uma torta que prepara para a mãe deles comer. Apenas dois personagens principais da peça sobrevivem — e um condena o outro a morrer enterrado até à cintura. Tito sempre foi uma peça sabidamente difícil para o elenco e o

público; quando não é vista com pouco caso, exige uma equipe de enfermeiros de plantão para atender espectadores que passam mal com as cenas. Tito Andrônico certamente foi escrita de olho na bilheteria e teve grande sucesso. Na época de Shakespeare, a peça foi muito

popular e teve três edições, entre 1594 e 1611. Seus versos são rústicos, a estrutura é incidental e a ação, bizarra, mas ela continua, no mínimo,

como

uma

conquista de Shakespeare

num

ele faria seu, tendo valor duradouro como marco

novo gênero

que

entre à tradição de

vingança e a tragédia Hamlet.

105

Assim, por volta de 1592, Shakespeare tinha escrit o pelo menos cinco, talvez sete peças, se acatarmos os argume ntos apaixonados para incluir na lista uma peça chamada Edmund Ironside. cujo personagem.

título é o rei Edmundo II, que morreu em 1016. É mais provável que o homem de Stratford — como Shakespeare também foi ch amado, atravês dos séculos —

tenha colaborado em Eduardo

II

Hoje, os estudi-

Osos responsáveis por diversas edições reconhecidas das Obras Com-

pletas aceitam que pelo menos parte dessa peç a seja de autoria de Shakes-

peare. Mas o verão de 1592 trouxe um surto de peste tão forte que os teatros londrinos foram sumariamente fe chados. Para a Igr É eja, y eram os teatros que causavam a peste. Segundo a lógica simplista de um pregador puritano fazendo sermão no púlp ito da catedral de St Paul “se pensarmos bem, a causa da peste é o pe cado, e a causa do pecado são as peças. Portanto, as peças causam a pes te”. Com certa razão, as autoridades achavam que se devia evitar qu alquer ajuntamento público, como nos teatros: devido à vida pouco saudável que grande parte do povo levava, “infectado com feridas purulentas” + OS teatros ofereciam “perigo de contágio” - No final de 1592, o índice de mortalidade aumentou de forma alarmante e o Consel ho Privado suspendeu “todos Os tipos de ajuntamento ou reuniões públicas em teatros, rinhas de urso, jogos de bola e agregações si milares” num raio de 14 quilômetros de Londres — exceto, é claro, nos serviços religiosos das igrejas.

Para as trupes de atores, impedidas de ganhar seu sustento, o fe-

chamento dos teatros por tempo in determinado foi um desastre. Quan do

a maior parte dos atores saiu da ca pital, obrigada a excursionar com qualquer grupo, Shakespeare concluiu que tinha mais o que fazer. Afinal,

às peças eram coisas efêmeras, ra ramente reprisadas se a bilheteria fosse ruim, im pressas só por piratas que se valiam da incomp etência

coer p Mtã prpr otoieg o que see chamava, bes

(do lado) e Lacrtes,

Hamlet.

de

Ofélia de

Omadro

William

Gordon

Wills

IS25-199F.

106

Muaesegunra Foni camente,

da lei

de direito autoral. A

poesia era à vocação do verdadeiro escritor e su a m aior esperança de lidad imortalidade. As i . Assim, ele passou à Poesia nesse intervalo teatral, enquanto seus colegas fazi 5 am O cansativo e desafortunado das hospedarias Provin cianas. SHAKESPEARE

— AntHONY

HOLDEN

circuito

dos pátios

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“CORVO ARROGANTE” CapítruLo

1592-1594

V

oyo De todos os contemporâneos na Londres literária, nenhum tinha mais inveja da precocidade do jovem Shakespeare do que Robert Greene, o mais boêmio dos escri-

tores educados em universidades. Autor de cinco peças, além de inúmeros poemas e panfletos,

ele era apenas quatro

anos mais velho que o novo e pouco instruíido integrante da cena teatral.

Os teatros reabriram exatamente

quando

Shakespeare

desfrutava o

sucesso de seu primeiro poema narrativo importante e ficava conhecido também

como dramaturgo, graças ao insulto, feito no leito de

morte, de um escritor rival, cansado e desgastado, pobre bêbado chegando ao final das forças e da vida. No texto Um tostão de sabedoria comprado

com um

milhão de arrependimento, um ator que atuava

no teatro londrino “há sete anos” foi duramente criticado pelo satírico Robert Greene, que o acusava, entre outras coisas, de se apaixonar

pela própria voz, que “troveja horrivelmente” no palco. O alvo do ódio de Greene continua ignorado mas era, sem dúvida, o ator-que-viroudramaturgo que, no mesmo documento, ele apelidou de Shake-scene (Sacode-cena,

brincadeira usando o verbo to shake). Assim, Greene

legou à posteridade a primeira menção da presença de Shakespeare em Londres como De todos

Primeiro

dramaturgo.

os contemporâneos

(do William

Burgbley.

na Londres

literária, nenhum

ti-

nha mais inveja da precocidade do jovem Shakespeare do que Robert

lado) Cecil, Barão

Quadro

atribuído

a

Marcus

Gheeraerts.

jovem,

cerca de

1561-1636.

O “CORVO ARROGANTE”

o

109

Greene,

o mais boêmio

dos escritores educados

em

universidades.

Autor de cinco peças, além de inúmeros poemas e panfletos, ele ecra apenas quatro anos mais velho que o novo e pou co instruído integrante da cena teatral. Em

setembro

de

1592, abandonado

pe-

los amigos-atores que mais uma vez saíram da cidade por causa da peste, Greene estava morrendo de sífilis, na mai s completa pobreza. Tinha trinta e poucos anos, estava separa do da sofredora esposa

Dorotéa e morava num casebre sujo e ch eio de ratos com qa amante louca e resmungona — irmã de um mal-afam ado acólito alcunhado Cutting Ball. Em seus últimos dias de vid a, Greene ficou obcecado com os atores ausentes da cidade — aque les ambiciosos parasitas, ávidos por roteiros, gente que grudava nos dramaturgos amigos dele e sugava o sangue desses eruditos ingê nuos, recebendo recompensas desprezíveis. Tais atores estavam lon g e dos horrores da Londres dominad a pela peste, engordan do com os lucros na província, obtidos graças às mãos literatas que os alim entavam. Greene alertou seus amigos dramaturgos (principalment e Nashe, Peelee M arlowe) para “não confiarem nos atores” - Um desses atores tinha a pretensão de Se apresentar como escritor e recebeu uma acusação sarcástica de Greene:

Há um

corvo “arrogante e embelezado por nossas penas que, com seu coração “de tigre sob a

pele de ator”, julga ser capaz de fazer um verso branco como o melhor de vo cês e, sendo um grande João faz-tudo, se co nside: dotúnicoSacode-cena

de um país.

(do lado) Henry Wriolbesley, terceiro conde Soutbampton, cerca

de

de

ca mais entregassem suas

1600.

ribundo para os amigos.

Artista anônimo.

110

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

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O “corvo arrogante” era, claro, Shakespeare. E “o coração de tj.

gre sob a pele de ator” era um eco irônico de um famoso verso de A verdadeira tragédia, ou melhor, a última parte da trilogia Henrique VI. Em dezembro,

o jovem arrivista Shakespeare parece ter se limita-

do a reclamar com Henry Chettle, tipógrafo do falecido Greene, e recebeu uma imediata e servil desculpa. O tipógrafo ficou aturdido com

a ofensa que causou e pessoas importantes intercederam pelo bardo, o que teve grande efeito. O tipógrafo passou a considerar Shakespeare tão “direito e honesto” como pessoa quanto “excel ente e elegante” como escritor.

Pode-se garantir que entre os “importantes” que foram rec lamar com o descuidado tipógrafo estava Henry Wriothesley, ter ceiro conde de Southampton, que decidiu ser o mecenas de Shakes peare. Claro que Greene,

Nashe e os “sabidos da universidade”

estavam bem

atentos ao corvo arrogante. Exatamente quando todos precisavam, Shakespeare tinha conseguido um espaço no lucrativo afet o do homem

mais indicado para oferecer dinheiro, aquele que todos que riam como mecenas.

Greene e Nashe dedicaram obras a Southampton,

mas foi

com Shakespeare que o jovem conde iniciou uma rel ação pessoal e profissional muito intensa.

ção

Ãos 28 anos, após pelo menos cinco em Londres,

Shakespeare

gozava de bom conceito como ator e dramaturgo. No outono de 1592,

quando a peste pareceu amainar, se us colegas atores voltaram para à capital, mas o frio do inverno trouxe apenas um alívio temporário e os teatros tornaram a fechar em 2 de fevereiro . Continuaram fecha-

dos durante quase todo o ano de 1593, en quanto mais de 11 mil pesSsoas morriam — no auge da epidemia, oc orriam mil mortes por sema-

na. Após uma breve retomada no inverno, os teatros fecharam em fevereiro de 1594, reabriram em abril e fecharam outra vez no verão. Esse foi o mais longo fechamento até entã o, ameaçando a frágil estabi-

SHAKESPEARE — ANTHONY

HOLDEN

lidade da maioria das trupes, que se desfize-

ram com as dificuldades das excursões pelo interior. Quando a peste finalmente diminuiu de intensidade, a maioria dos atores teve de

começar tudo outra vez. Shakespeare escolheu ficar em Londres. Com

os teatros sem data para reabrir, ele

despediu-se dos colegas atores sem saber

quando se reencontrariam e ficou na capital com a intenção expressa de fazer nome como poeta. Assim, claro, se arriscava muito a ter sua promissora carreira ceifada pela peste, mas, como

tinha resistido a ela na infância,

ainda era jovem o bastante para achar melhor a ; 2 : ; era não mais, do Além al. capit na a vida aconselhável voltar a Stratford para enfrentar a crise financeira e escrever poemas numa

E noirite Sihf JUTECRas SS RES ate

eis orla he Fe E ori ogro Floret adineet adbee nercbis Toreat otrae am ie spúdi feridas epoa RIS TFLO



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t-——

casa barulhenta e apertada, o que tiraria sua atenção da tarefa. Sem .

.

poder ganhar dinheiro no teatro, ele teve de buscar um mecenas — e agora, para inveja dos maldosos

Greene

e Nashe,

o campônio

Jobn Florio,

grarura

tinha

acabado de achar um.

Será que contribuiu para isso o fato de o belo e jovem conde de Southampton — de apenas 19 anos, nove a menos que Shakespeare — também ser de uma rígida família católica, parente distante pelo lado materno? Se a ligação familiar não bastasse para o nobre € o poeta se encontrarem, eles podem ter se conhecido num dos teatros muito

freqientados pelos integrantes das Inns of Court, faculdades de direito, para onde Southampton foi logo após diplomar-se em Cambridge, aos 16 anos. Os dois também podem ter sido apresentados por John Florio, imigrante italiano é erudito que frequentava teatros enquanto

escrevia seu dicionário de tradução do inglês para o italiano, Mundo

de Palavras, lançado em 1598. Florio era secretário de Southampton

O “CORVO ARROGANTE

113

de

W.

Hole.

OD

Sir Philip Sidney, cerca I576. Artista

de

anónimo.

e desmentia as frequentes insinuações de que o cargo pertencia a Shakespeare. Mas não há dúvidas de que o italiano que amava palavras e o rapaz inglês que tecia palavras se conheceram.

no (Venetia,

O provérbio italia-

Venetia, chi non ti vedi, non ti pretia, ato IV, cena ID citado em Trabalhos de amor perdidos por Holofernes faz supor que

ao

O

ee

O Fa

esse personagem é, em parte, uma caricatura carinhosa do erud ito Florio que apresentou Shakespeare, com resultado tão espeta cular, à obra do escritor francês Montaigne.

Em pouco tempo, Southampton e Shakespeare descobriram te-

E

mas perigosos, de interesse mútuo, para disc utir em cantos discretos. Em Stratford, o paí de Shakespeare continuava zombando das leis re-

114

SHAKESPEARE — ANTH ONY

HoLbEN

nados”, a ir à igreja “por medo de serem processados por dívida”. E na corte, O elegante e erudito Southampton podia ser favorito da raií-

nha, mas fazia alianças políticas e religiosas que acabariam lhe causando problemas.

O pai do conde era um fanático católico que, por suas crenças, foi preso na Torre de Londres e morreu em

1581, mas deixou o filho

de 8 anos sob a guarda do poderoso William Cecil, Lorde Burghley, então tesoureiro real. Quando

Southampton

foi de Cambridge para

Londres, passou dois anos sendo pressionado pela mãe e por Lorde

Burghley para casar-se e assim garantir a sucessão do título. O avô também insistia, junto com outro par do reino, Lorde Montacute (na épo-

ca, pronunciava-se Montague) de Beaulieu. Shakespeare passou a frequentar a roda social de Southampton e compôs um ciclo de dezessete sonetos incentivando um jovem a casar-se — em primeiro lugar, para

ter filhos e assim reproduzir seus dotes físicos. Embora tais sonetos dessem uma nova e ousada dimensão à moda de sonetos de amor, eles jamais foram

publicados.

(O soneto de amor tem um

bom

exemplo

no ciclo criado pouco antes por Sir Philip Sidney, Astrofel e Estela, publicados após a morte dele, em 1591.) Mas o soneto seguinte trata de um belo jovem que resiste aos avanços de uma mulher importuna — e era certamente para ser publi-

cado. Shakespeare voltou às Metamorfoses, de seu amado Ovídio, para escolher o tema de sua primeira longa incursão na poesia narrativa, fazendo no prefácio uma extravagante dedicatória para Southampton. O livro foi impresso por Richard Field, um amigo e contemporâneo de Stratford, que teve o bom senso de casar-se com a viúva de seu patrão,

um francês chamado Thomas Vautrollier, e assim herdar a tipografia

dele. À medida que a parceria profissional crescia, surgiram boatos de que Shakespeare exercia as funções do velho amigo “entre os lençóis” —

certamente, enquanto Field visitava a família em Stratford e trans-

mitia as saudações do bardo para a esposa e os filhos. Mas parece que os dois amigos tiveram uma relação estritamente profissional — e muito

O “CORVO ARROGANTE”

115

bem-sucedida: o poema Vênus e Ado-

nis teve nove reimpressões durante a vida do autor, o que, em tem-

VENVS AND ADONIS

pos elisabetanos, correspondia q um

Vicia miretmw unlgres :mihs flantes «Apollo

As referências latentes de Vênus e Adonis ao catolicismo devem ter

campeão de vendas. Vinte anos após

a morte de Shakespeare, aind a teve mais seis impressões.

Pocuia Cajtalsa plena minifiret aqua,

agradado tanto a Southampton quan to a indiferença de Adonis aos avanços de Vênus — ou seja, nem um pouco.

À série seguinte de sonetos, do número 18 ao 39, foi, provavelmen-

LONDON

'mprinted by Richard Field, and are to be fold u: the ligne ofthewbite Grevhound in

Paules Church-yard. I dot

te, escrita na mesma época e inverte o dilema do jovem conde com expressões ainda mais eloquentes de amor não-correspondido, talvez trocado por um pretendente atual ou imaginário. O Soneto 18, “Devo comparar-te

e Adonis,

primeira obra publicada de Shakespeare,

1593.

dia de verão?”,

é o

mais conhecido de uma transcendente sequência sob o tema “neces sidade de gerar filhos” até chegar a alguns dos mais difere ntes versos de amor jamais escritos, muitas vezes ref letindo sobre seu poder para inspirar versos. Embora Southampton,

ainda

dedicados

ao

Belo Jovem,

esses sonetos não devem



como

que

talvez

costumam



fosse dar a

entender que Shakespeare fosse homossexual. Bastante pessoais, Os ver-

sos tratam sem dúvida dele mesmo — e Wordsworth escreveu: “com

essa chave, Shakespeare abriu seu coração”. O Soneto 20 mostra, de for-

ma relutante mas extremamente clara, que o bar do era hetero. O sonetista faz um jogo com a palavra brick, que significa tanto “picar” como “órSHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

a

Capa do poema narrativo Venus

a um

gão

sexual masculino” e é uma das

muitas referências a genitais mascu-

finos € femininos nesse ciclo poético. Os sonetistas elisabetanos abor-

BZ

da

o

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ra,

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AM PSda PRE Zee) = p=

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A paca

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Pogriê

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Da

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RR) jr RS

As

0

à

ir

davam temas sexuais com facilidade; neste, o autor lamenta que o pênis “amo-senho-

de seu delicado jovem

ra” não tenha utilidade física para ele. Shakespeare exploraria o homossexualismo

em

outras

obras,

como O mercador de Veneza, onde

o afeto do mercador Antonio pelo amigo Bassânio é ameaçado porque a rica Pórcia quer casar-se. O amor elisabetano entre homens era bem diferente do termo usado em Platão: personagens sensuais como Falstaff, de As alegres comadres de Windsor

LONDON.

Trinted by Richard Field, for John Harrifon,and are

to be fold arthe figneofthe white Greyhound in PaulesChurh-yard. 1594

e de Henrique IV, partes 1 e 2, ou tão masculinos

quanto

o persona-

gem-título de Coriolano, usam a palavra amante para indicar um amigo. Mas qualquer dubiedade some

capa de Lucrécia,

nos sonetos 40 a 42, onde o bardo parece temer que o homem que

1594.

admira tenha roubado sua amante. Do soneto 78 ao 86, ele desconfia

que o afeto do rapaz foi levado por outro poeta mais valoroso — o chamado

“poeta rival” de intermináveis especulações eruditas, e que

talvez fosse Marlowe ou, mais provavelmente, Chapman. Será que Shakespeare temia perder o mecenato de Southampton para Marlowe, o rival que estudou em universidade, único contemporâneo cujo trabalho respeitava? Se temia, O problema parece ter sido

resolvido durante o ano, com a publicação de seu segundo longo poema narrativo, A violação de Lucrécia (The Rape of Lucrece). Essa obra

de Sbakespeare.

|

|

entrou para o Registro dos Editores e Livreiros em 9 de maio de 1594, treze meses depois de Vênus e Adonis, e é o “trabalho de escultor” que Shakespeare prometera a Southampton. Impresso mais uma Vez por Richard quem

Field

também

nas o nome



entregou

Lucrécia

violação. Como

mas

agora

com

o poema

na capa

ocorreu com

outro

editor, John

anterior —,

e a palavra

o in-quarto

estupro

vênus e Adonis,

Harrison,

q

traz ape-

foi mudada

para

Shakespeare parece

ter corrigido as provas tipográficas e se interessado por todas as fases da produção — um cuidado, vale lembrar, que jamais teve com suas peças.

Enquanto escrevia A violação de Lucrécia, a peste assolava as ruas

de Londres e ele estava, talvez, morando

no confortável

“cordão de

isolamento sanitário” da mansão de Southampton em Holborn, endereço do conde em Londres. Podia também estar na residência campestre do conde, em Titchfield, Hampshire. Nesses dois anos em que

a cidade foi atacada pela peste, ele trabalhou em mais duas ou talvez três comédias e continuou a compor sonetos para seu deleite, para o de seu mecenas e de amigos mais próximos. Os últimos vinte e oito sonetos, que vão do número 127 ao 154, são dedicados a uma mulher de pele morena, cuja identidade intrigou

quatro séculos de eruditos. Um deles, Jonathan Bate, observou recen-

temente: “Seja quem for, ela encantou o poeta com sua beleza e sua paixão ardente. Depois, atormentou-o com a infid elidade”. E comple-

com

meiro (dão

lado)

Catarina,

de A

megera domada,

Anne Hathaway.

No quesito cama,

lugar”.

a esposa não merecia

o pri-

Certamente, Shakespeare ficaria intrigado com o enorme interesse dos eruditos — que costumam ser pessoas desapaixonadas — pela

1896. Quadro dê

identidade

Edward

Robert

Hughes,

1851-

temente os argumentos da esposa de John Florio, de nome desconhe-

I9J4.

118

da sua Dama

Morena.

O mesmo

Jonathan

cido, irmã do poeta Samuel Daniel: SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoiDEN

Bate usou

recen-

RT

esposa “a segunda melhor cama da casa”: “A grande paixão serve à grande poesia. Ele não teria sido Shakespeare se ficasse quieto em casa

E

mentou, irônico, fazendo alusão ao testamento do poeta, que legou à

|

| |

“Precisamos acreditar na sra. Florio”, implora ele (paraf raseando

o escritor

Oscar Wilde,

que

disse:

“Não

precisamos

acreditar Numa

mulher. Podemos ouvi-la, apenas”). Segundo Florio, uma mulher para

ser bonita deve ter “olhos negros, sobrancelhas negras, cabelos negros”. Mas a aparência da sra. Florio é tão desconhecida para nós quanto a de Emilia Lanier, a solução “definitiva e irrefutável” do falecido A. L, Rowse, autodefinido como “grande autoridade sobre a época em que Shakespeare viveu e escreveu”, e para quem as opiniões discordantes

não passavam de “bobagens criadas por mentes inferiores”. A suposição de que uma Dama Morena deve ser da Europa continental pode ser uma prova de racismo, mas Bate observa que na literatura de amor elisabetano “beleza e pele escura têm mais à ver com posição social do que com cor dos cabelos é olhos” . Então deveríamos descer mais na escala social? Outro nome sus peito era o de Lucy Negro, conhecida prostituta de Clerkenwell, de tez escura, que não deve ser confundida com Lucy Morgan, dama de companhia da rainha

que, mais tarde, foi dona de bordel.

Mas as pistas encontradas em textos parecem confir mar a insistência do mesmo Rowse de que a Dama Morena era “uma pes soa muito conhecida, (...) socialmente superior a Shakespeare” . Isso aumenta as possibilidades de Penelope Rich, nascida Lady Penelo pe Devereux, irmã

do conde de Essex e a Stella original dos sonetos de Sidney , Astrofel e Stella. Pode ser também

Mary (Mall) Fitton, dama de honra da rainha

que engravidou do conde de Pembroke

e era cobiçada pelo lascivo

amigo de seu pai, Sir William Knollys, contro lador da mansão real. Supõe-

se que Shakespeare teria caricaturado o controlad or na peça Noite de reis, na pessoa de Malvolio jogo de palavras, combinando querer, em italiano, com o nome da am ada: “quero Mall”. No fim, como tantas Vezes acon tece, as gerações que vieram de-

pois ficaram perdidas, pois Shakespe are nos deixou mais um enigma,

tão elusivo quanto alusivo, a pont o

de todas as tentativas de resolv ê-

lo só conseguirem aviltar a tara poesia que o originou. Talvez o me120

SHAKESPEARE — ANTHON Y

HOLDEN

Lady Penelope Rich. depois

Lady

Dervonshire. cerca de

1562-1607. Artista anóoninio.

lhor seja, como disse o biógrafo Anthony Burgess, deixar a Dama Morena “anônima, formando um ícone imortal de uma das experiências mais comuns aos homens: a obsessão pelo corpo da mulher, a rejeição, a dor da separação, a aceitação de mais uma traição”, sem falar “na irresistível sedução da escuridão primal que existe em toda mulher,

seja branca ou negra”.

É melhor imaginar a Dama Morena nos termos ficcionais de Sha-

kespeare —

como a primeira das muitas mulheres fortes que criou, à

Rosalina de Trabalhos de amor perdidos, “uma frívola e branca criatura com pestanas de veludo e duas bolas negras em lugar de olhos!”, que tinha as mesmas intenções com relação a Berowne quanto a Dama Morena

em

relação

ao

autor dos Sonetos.

Nesse

mesmo raciocínio,

121

Próspero faz uma mágica e desarma Ferdinando, de “A tempestade”. Quadro de

William Hamilton, 1750-1801.

podemos escalar Southampton pa ra o papel de Rei de Navarra, fing indo valorizar mais a erudição e o co nhecimento

do que a convivência

com O SEXO Oposto, e O próprio Sh akespeare no lugar do eloquente e galante Berowne. Isso Porque a corte francesa em Navarra, on de a peça e ambientada, reproduz o clima da casa de Southampton, tamb ém erudito e alegre, fazendo Com que o estudo e à produção da literatura

fossem sempre interrompi dos Por intrigas amor osas. Trabalhos de amor b erdidos foi escrita do mesmo tempo que os Sonetos e é cheia de referências espirituosas e duplos sentidos sobre os acontecimentos no círculo de Southampton. Será então coincidência que a peça seja a Primeira de apenas tr ês cuj a trama não se baseou

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

em outra obra? O refinado estilo literário e o elaborado jogo de palavras da peça mais cheia de rimas é quase uma homenagem Sidney, com

ecos distantes de outro poeta, Lily. O final em

ao poeta “aberto”

da mais longa cena de toda a obra de Shakespeare lembra o Parla-

mento das aves, de Chaucer. Mas o local e a estrutura vêm (como sua última obra sem colaboração, A tempestade) de um fato da época, no caso, uma missão diplomática na Aquitânia, durante a guerra civil francesa terminada em 1593, com o rei de Navarra assumindo o trono como rei Henrique IV da França. Os nomes dos personagens Berowne e seus companheiros Dumaine e Longaville lembram os de comandantes

dos dois lados em conflito, os duques de Biron, de Mayenne

e de

Longueville.

A sofisticação de salão literário em Trabalhos de amor perdidos situa a peça no centro das comédias produzidas durante a estada de Shakespeare com Southampton, de estilo bem mais leve do que os

sonetos e os poemas narrativos, de grande complexidade técnica. É

uma tentação ver o exaspero do bardo (ou de seu mecenas) com o sexo oposto refletido em Petruchio com Catarina, de 4 megera doO triunfo de Petruchio sobre a adversidade pode ser prova de 's que A megera é a peça desaparecida Trabalhos de amor ganhos (Love Labour's Won), que foi incluída entre as comédias de Shakespeare por mada.

seu contemporâneo Francis Meres, em 1598, mas está inexplicavelmente ausente do Primeiro Fólio. Meres não cita A megera, cuja ort-

gem é ainda mais complicada: existiu uma peça bem inferior intitulada

Uma megera domada, publicada em 1594, depois de ter sido “ence-

nada várias vezes pelos criados do mui honorável conde de Pembroke”. O texto é muito fraco para ser pirata ou uma alteração de qualquer original shakespeariano e, se for uma “reconstrução de memória”,

foi

escrito por atores de má memória. Levadas ao palco,

médias

em

nossos dias, algumas dessas primeiras

co-

tiveram muito menos sucesso, pois parecem antigas, cheiram O “coRrvO ARROGANTE”

123

a naftalina e são elogiadas só por deferência. Mas inspiraram Musicais de sucesso no século XX: A comédia dos erros se transformou no musical de Rogers e Hart, The boys from Syracuse (Os rapazes de | Siracusa), e 4 megera domada inspirou o musical Kiss me, Kate (Bei-

je-me, Kate), de Cole Porter. Mas, mesmo essas ada ptações parecem hoje bastante datadas, inaceitáveis para o gosto do novo mil ênio. 4 megera pode ser vista com um viés de propaganda machista anterior ao feminismo, ou mesmo como uma sutil visão elisabetana da batalha

dos sexos, mas é inegável que as mulheres voltam a ser humilhadas e até mesmo maltratadas. Por isso, é difícil4 megei “a ter suce sso no palco, no século XXI.

O tema “patrões gêmeos com criados gêmeos” per tence à tradição da commedia del'arte que floresceu no séc ulo XVII, embora já existisse bem antes. Da mesma forma, a esposa megera ou rabugenta crá uma personagem cômica desde Plauto e Ter êncio, passando por Chaucer e chegando aos mistérios medievais — a mulher do bíblico Noé estava sempre resmungando e criando con fusão; não largava a

amiga fofoqueira para embarcar na Arca nem quando as águas do dilúvio já cobriam quase tudo. Mas, como sempre, hou ve um grande avanço no tema original, usado por Shakespeare para explor ar com mais profundidade os direitos e necessidades dos dois sexos. Tanto A megera como

À comédia

dos erros estão mais próximas

da farsa do que as

comédias posteriores, mais maduras. As duas já mostram um domínio

da carpintaria teatral, um apurado senso dramático e uma leveza cô-

mica. Mas ambas parecem criadas por alguém me nos sofisticado, tal vez menos sofrido, do que o autor de Trabalhos de amor perdidos. Devido à confusão sobre as datas em que foram escritas — só sa be-

mos que as três são de 1594 — cada uma compete, séculos afora, com a trilogia de Henrique

Shakespeare para teatro.

VI pelo privilégio de ser q primeira

obra de

À primeira apresentação document ada de 4 comédia dos erros

foi no Gray's Inn, uma das fa culdades de direito, em 28 de dezembro SHAKESPEARE — ANTHON Y

HOLDEN

de 1594. Com

1.777 versos, é a menor peça de Shakespeare, e suas

inúmeras ligações estilísticas com poemas narrativos sugerem que deve ter sido escrita na época em que o autor retirou-se para a mansão de Southampton, fugindo da peste. A peça não chega a ser uma sátira sobre

fatos domésticos, como suas comédias da época, sendo mais um encantador exemplo do que o autor era capaz de fazer com suas fontes romanas. Inspirado em duas peças de Plauto (Menaechmi e Amphitruo), Shakespeare dificultou seu trabalho acrescentando mais dois gémeos e envolvendo em adultério uma esposa, em vez de uma cortesã.

Sob a aparência de pastelão do cinema mudo, e apesar de toda a agilidade da trama, 4 comédia dos erros mostra Shakespeare explorando novos temas que estariam presentes em sua obra posterior —

de bruxaria e feitiçaria ao rompimento da ordem social e a busca do eu complicada pela existência de eus paralelos, isto é, dos personagens gêmeos

criados separados. Mesmo nesse estágio inicial de sua

carreira dramática, Shakespeare também desenvolvia a idéia de que, para serem convincentes, os finais felizes deveriam vir através de “um

sério confronto com a morte, a violência e o tempo”. O século XX

viu os estudos de Shakespeare serem usados por outros campos de saber e os psicanalistas norte-americanos chegaram a ver em À comé-

dia dos erros uma demonstração de “desejo inconsciente de incesto com a mãe”.

Seja como for, a Dama Morena parece ter sido uma das inúmeras londrinas rabugentas

que fizeram Shakespeare

ter acessos de ciúme

tão fortes a ponto de, mais de dez anos depois, citar o “monstro de olhos verdes” em Otelo e em Conto de inverno (nas duas peças, um ciúme

injustificado). Pela intensidade de sentimento que dedicou

a

outro tema sexual bem próximo, também é provável que, nesses anos que a esposa e os filhos estavam longe, em Stratford, o bardo de E

em

mansão de Southampton,

Ma

co

PrAR

á ij “

1594, entre as extravagâncias sexuais da

Shakespeare foi retratado como um poeta

O “corvo ARROGANTE?

ia

ut

o Ba

RO

aventuras em Londres. Em

O

30 anos tenha contraído gonorréia uma ou duas vezes, graças a suas

125

com gonorreéia em outra sátira anônima,

Willobie bis Avisa ou O ve te

=

dadeiro retrato de uma donzela modesta e uma casta e fiel esposa que

entrou

no

Registro

dos

Livreiros

daquele ano. O mesmo

e Editores

em

foi dito de seu mecenas. Southampton,

3 de

»,

k set embr

4

O

que já havia lj

gado perigosamente seu nome ao do agitado Ess ex, subestimando q missão que Elizabeth se impôs de defensora da religião inventada pelo pai, Henrique VIII. Para piorar as coisas, Wi llobie também poderia ser vista como uma sátira baseada na relação ilícit a de Southampton com

a dama de honra da rainha, Elizabeth Vern on, enquanto continuava a

rejeitar Lady Elizabeth de Vere, a noiva escolhid a por seu tutor, Lorde Burghley, com a bênção da rainha. Assim, a rai nha não deve ter gostado muito de saber que o conde,

além desse mau comportamento,

ha-

via contraído uma doença venérea. Se Shakespeare e Southampton pagaram tão caro por seus prateres sexuais, de quem era a culpa? Surge, out ra vez, a Dama Morena dos Sonetos, identificada pelos estudiosos através dos tempos como

qualquer uma das damas supracitadas, ou mesmo todas. Seja qual for a verdadeira identidade dessa mulher fatal eli sabetana, ela parece ter feito Shakespeare não só sofrer os males da gonorr éia, mas perder o mecenas.

Ao que parece, q peça

problemas

demais para Southampton,

para romper —

com

Mas

Willobie e a Dama

as relações profissionais

que escolheu —

como

toda força da natureza,

foram

esse momento

se não também

o bardo.

esse bardo,

Morena

as pessoais

tinha um

talento

especial para reger seu próprio destino. Justo na hora em que ele poderia ficar s em saber onde conseguirir din di heiro, : a peste que atingia Londres finalmente

(Ão lado) Elizabeth

Vernon,

condessa

de

amainou

o suficiente para

que

os teatros

e ci

Soutbampton, cerca de 1605. Artista anônimo.

126

reabrissem.

SHAKESPEARE

— AntHOnNYy

HoLDEN

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O E

M

(Os HOMENS DO LORDE CCAMERLENGO Carituto

VI

1594-1599 oyo Romeu

e Julieta, o primeiro trabalho de

Shakespeare para ser apresentado pelos Homens do Lorde Camerlengo nos teatros mostra um

reabertos,

lheteria

interesse pela

bi-

e é nada menos que a primeira

tragédia romântica já escrita.

Ele rompeu — embora sem querer — a parceria com um mecenas e, por acaso, surgiu do passado outro para salvá-lo. O bardo estava a serviço de Southampton quando seus antigos patrões em Lancashire. os não-conformistas

Hesketh, tomaram

uma atitude ainda mais ousada

contra Elizabeth, a Rainha Virgem e sem herdeiros. Tal atitude foi ruim para eles, mas ótima para Shakespeare. O dramaturgo manteve contatos em Lancashire por suas ligações profissionais com a companhia do conde de Derby, conhecida como

os Criados de Lorde Strange. Eles começaram como uma trupe particular para encenar entretenimentos em residências e tornaram-se uma das principais companhias

com

sede em Londres,

repetindo a traje-

tória de Shakespeare, de ajudante a ator importante. A trupe passou

de Lorde Derby (falecido em setembro de 1593) para seu filho Ferdinando

(Lorde

Strange),

que morreu

seis meses após herdar o

HOMENS

DO LORDE

Elizabeth |, 15331603, no estilo de Nicholas Hiliare, 1547-1619.

título do pai, com apenas 35 anos. Os

(do lado) Retrato da rainha

CAMERLENGO

129

Os defensores da tese da conspiração co ntinuam a duvidar da Visão moderna de que o novo conde fale ceu de causas naturais, em 1G de abril de 1594. Preferem

de traiu Richard

desconfiar de atos infames depois que o con-

Hesketh,

o não-conformista

nascido

em

Lancashire

que foi executado por participar da tram a papista para levar Derby ao trono da Inglaterra. Seja qual for a ve rdade, quando o patrono mor. reu, os atores de Derby (ou, se preferir em, de Strange) já estavam meio desorganizados devido ao longo temp o de fechamento dos teatros em Londres. De volta ao trabalho, eles ficaram sob a proteção de Henry Carey, primeiro barão de Hunsdon, Lo rde Camerlengo para a rainha,

é seu amigo mais íntimo. Com Ric hard Burbage na direção, mais os amigos Will Shakespeare e Will Kemp , a nova trupe assumiu orgulho-

samente o nome de Homens do Lord e Camerlengo. Em 8 de outubro de 1594, O Lorde Camerl engo solicitou formalmente ao Lorde Prefeito de Londres autorizaçã o para sua “nova” companhia de atores voltar ao palco, após longa ausência , para uma série de apresentações na hospedaria Cross Key, na Gracious Str eet. De pois que a peça Willobie e Os poemas da Dama Morena o afastaram de Southampton — ainda que por pouco tempo —, Shakespeare deve ter ficado satisfeito: voltou a ter um trabalho rendoso, sendo forçado a abandonar seus anseios de imortalidade através de poesia narrativa para voltar a produzir novas peças. O diário de Henslowe registra que os Home ns do Lorde Camerlengo fizeram, em junho daquele ano, uma curta temporada em Newington Butts e, na época de Natal, duas aprese ntações na corte. Os aponta-

mentos do tesoureiro da Câmara Real, feitos em 15 de março de 1595,

citam William

Shakespeare

como

tendo

sido pago,

juntamente

com

Richard Burbage e William Kem P Ccri ados do Lorde Camerlengo”), por ap resentações para a rainha no palácio em Greenwich, em 26 e 27 de dezemb ro de 1594. Na noite seguinte, eles apresentaram no Gray's In n

— Uma das quatro Inns of Court, fa culdades de direito — a peça Comé-

dia dos erros como “entretenime ntos de Natal para os advogados” . Segundo um relato, a noite foi de tanta “desordem, tumulto e público”, que passou a ser chamada de Noite do s Erros.

130

SHAKESPEARE

- ANTHONY

HoLbEN

Titânia e sua grande desilusão.

de Sonho de uma noite de verão.

Quadro de Rudolf

A esta altura, Shakespeare já havia ingressado na companhia teatral em que permaneceria — apesar das mudanças de nome — pelo

Cores

Huber,

18391896

resto da sua carreira de ator e dramaturgo. Exatamente quando deixou de receber uma renda de Southampton, ele teve a sorte de ser convidado por Burbage a integrar, junto com Kemp, à direção daque-

la que logo se tornaria a mais importante companhia da época, e que

acabaria sob patrocínio real. Shakespeare, o dramaturgo oficial da trupe e ator bissexto, espertamente tornou-se acionista dos Homens do Lorde

Camerlengo. Como ator, diretor, acionista e, sobretudo, “simples poeta” da companhia,

aos 30 anos William Shakespeare já era, nas palavras

de uma autoridade do século XX, “o mais completo homem de seu tempo”.

de teatro

Outra autoridade observa que poucos homens

Os HOMENS

DO LORDE CAMERLENGO

de tea-

131

tro, em qualquer época, serviram ao palco de forma tão variada: “nem

Racine, nem Ibsen ou Shaw: apenas Moliere, além de Shakespea re, entre

os dramaturgos mundiais”. Recêm-instalado

na região

de St Helens,

em

Bishopsgate,

perto

da confusão de Clerkenwell e dos teatros de Shoreditc h, Shakespeare teria menos tempo ras noturnas.

(e, talvez, energia) para dispersar o espírito em far.

Seus colegas, novamente

reunidos, encenavam,

agradeci-

dos, as peças que ele escreveu enquanto estavam fora de Londre s. O bufão Kemp fazia o papel de Costard em Trabalhos de amor berdidos, enquanto o prolífico dramaturgo já estava recebendo mais tra balho. Dali à pouco ele iria exorcizar os demônios da gonorréia com uma história de amor tragicamente casto: Romeu

e Julieta. Mas primeiro, havia um

casamento não-ficcional a celebrar, que exigia uma peç a especial, de qualidade. Shakespeare pode ter começado Sonho de uma noite de verão quando ainda trabalhava na mansão de Southampton. Como poeta resi-

dente, foi-lhe encomendado um entretenimento para marcar O cas amento da mãe do conde — Mary, a condessa viúva — com o tesoureiro da Câmara Real, Sir Thomas Heneage, em 2 de maio de 1594.

Será que o nobre conde reclamou para Shakespeare da longev idade da mãe, o que atrasava sua herança por direito de nascença? Como beneficiário

financeiro

dos dois, o bardo

teria tanto

interesse

nisso

quanto tivera na pressão que a mãe fez para o jovem conde se casar —

tema já explorado nos Sonetos e em Trabalhos de amor perdidos, agora refletido nos caóticos pares de Sonho

de uma

noite de verão.

Toda

essa confusão (como em Romeu e Julieta) ocorre por que uma mãe ou um pai quer forçar um pretendente indesejado para o filh o ou filha que tem outro objeto de amor. O grande número de pap éis femininos »

(Ao lado) Jardim

dos Capuleto, de

R omeu e JulietaTa. Quadro

de

Charles

Edouard

na peça, fato incomum, sem dúvida fez com que os ato res (todos do Sexo masculino) se esforçassem para cumpri-los, e pode ter sido um agrado simpático do poeta ao patrono. Se o bardo e Southampton se desentenderam por causa da Dama Morena ou de qualquer outra mu-

Edmond Delort, | lher da noite, o problema duro u pouco e foi mais profissional do que 1841-1895. 132

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

pessoal, permitindo que Shakespeare rega lasse seu nobre amigo com algumas piadas maliciosas à custa da mãe, sem que ela percebesse, Pode-se avaliar a distância entre Shakespeare e as fontes que usou : considerando que, em Sonho de uma noite de verdo, alguns versos deliberadamente canhestros — quando o personag em Bottom passa q ser Píramo,

no burlesco da peça-dentro-da-peça

— Vieram de falas de

textos pouco conhecidos como Cambises (1561) e Ápio e Virgínia (1564), de Preston. Quando Bottom se transforma em Piramo, Burbage deve ter podido parodiar outro ator, Ned Alleyn , que tinha um estilo

afetado e agressivo, sem qualquer sutile za ou humor. Estilo esse, de interpretar e de escrever, que os Homens do Lorde Camerlengo e Sha-

kespeare estavam relegando a um passado distan te.

RV Uma complicada comemoração de casament o, no sentido abstrato, em oposição a um retrato realista e brutal de amor jovem, Romeu

e Julieta é o primeiro trabalho de Shakespeare par a ser apresentado pelos Homens do Lorde Camerlengo, nos teatros rea bertos. É também

O mais sincero aceno que fez para a bilhet eria e nada menos que a primeira tragédia romântica já escrita. A peça está ligada a todos os grandes casais apaixonados da literatur a — de Pí

ramo

e Tisbe, de Ovídio, a Tróilo e Criseida, de Chaucer — e pode, outra vez, referirse ao conde de Southampton

quando retrata as desastrosas consequên-

cias da pressão inconveniente dos pais no casamento dos filhos. Mais uma vez, o círculo de Southampto n forneceu o contexto de que O dramaturgo precisava para retomar um te ma antiquíssimo e fazer dele

algo tipicamente shakespeariano.

134

s

FaPiiforia de pirramo Et Fífbe

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dita:

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tida ben che cognofca'elmio inteleto mon põter fatiffar altno piacere elvebil ingegno e picoleto

z DégNareucrentia cole arito

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Xilogravura da Eae história de

g fi bocompirefo ben ventro almio core ma perchbe che non credichel vifeto “pameprocedaecio pernon volere eltuovolerecbetuvoichete ferivo fermrti ne anchoza per fugir fatica bijfSirramo 7 Fifbe villozo fone

Píramo e Tisbe.

à

Escola

Jtaliana,

século XVI

no início de 1594. Assim, Shakespeare tinha uma experiência real e direta dessas vinganças irracionais, que poderiam ter consequências fatais, como a simbolizada pelas famílias italianas Montecchi e Capelletti

(nomes que estão no Purgatório, da Divina Comédia, de Dante). Shakespeare já conhecia o poema de Arthur Brooke, publicado em 1562 e intitulado “A trágica história de Romeu e Julieta”, uma mistura inglesa

de 200 anos de folclore europeu, que ele usou em Dois cavalheiros de Verona. O lerdo e moralista Brooke prefaciou o livro, enfatizando o papel do destino na desgraça dos dois amantes. Esse mesmo

elemento

típico de Sêneca (isto é, o acaso) está na adaptação feita por Shakespeare, eximindo

seus desafortunados

amantes

Os HOMENS DO LORDE CAMERLENGO

de qualquer responsa-

135

E Ea as =

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Romeu e Julieta, capa trabalhada em

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bilidade pelo que lhes aconteceu. Assim, essa fábula pungente passa a ser uma mera escala rumo às tragédias maiores que o dramaturgo criaria. As primeiras apresentações de Romeu e Julieta ter iam dado a Shakespeare a satisfação de ver o povaréu deliciar-se com emoções jamais sentidas num teatro. E teria ele pisado esse palco no peq ueno papel de boticário? O sucesso foi logo seguido de outro, de platéia mais rest rita: Sonho de uma noite de verão, que teria causado ainda mais impacto quando apresentada pelos Homens do Lorde Ca merlengo, por ordem da rainha, em outro casamento nobre, uns sete meses apó s o enlace da mãe de Southampton.

Em

26 de janeiro de

1595, o conde

de Derby

casou-se com lady Elizabeth de Vere — à noiva que Southampton rejeitara, para tristeza de seu tutor Lorde Bur ghley, que multou O desobediente conde na incrível so ma de 5 mil libras. Espera-se que

Burghley tenha reembolsado seu pupilo quando a neta dele casou-se com outro nobre de estirpe. Shakespeare tinha conhecimento de tudo isso e deve ter pensado que William Cecil, lorde tesoureiro da Câmara Real, considerara OS

afetos frustrados de Lady Elisabeth apen as como uma questão de “vil 136

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

metal”. O fato coincidiu com um enorme escândalo na corte, que resultou em julgamento e execução, agitando toda a capital — e encorajou Shakespeare a se aventurar em território desconhecido. Ele escreveu então para Richard Burbage sua peça mais convincente, colo-

cando uma alegoria dentro de outra, explorando a ambivalência que sempre teve em relação a dinheiro e fazendo uma referência clara à usura que tanto ameaçou seu velho pai. A peça é O mercador de Veneza.

Supostamente, o rei Eduardo I expulsou todos os judeus da Ingla-

terra, em 1290, devido à prática da usura. Os cristãos eram proibidos de fazer empréstimos com juros, embora tal proibição não fosse lei e, trezentos anos depois, o banimento continuava em vigor. Mas algumas centenas de judeus viviam na Londres elisabetana, tolerados com a des-

culpa de que disfarçavam sua religião e faziam empréstimos discretamente. Alguns judeus se diziam cristãos e chegaram a ser aceitos nos ambientes mais seletos — como o médico Roderigo Lopez, nascido em Portugal, que atendia o conde de Leicester e depois a própria rainha.

Lopez foi um competente espião do serviço secreto de Sir Francis Walsingham

e, quando

este morreu,

em

1590, demorou

muito para

transferir seus préstimos para o conde de Essex. O conde então forjou uma intriga política: o médico estaria favorecendo um pretendente ao trono português, exilado em Londres. E mais: Essex acusou O médico da rainha de tentar envenená-la. Havia poucas provas, inven-

tadas por Essex, e supostamente obtidas sob tortura; mesmo assim, Lopez foi condenado por traição, em fevereiro de 1594, e executado em Tyburn, em 7 de junho. Castrado, dependurado, cortado vivo, estripado e esquartejado

Shakespeare

na frente de uma multidão ululante da qual

— curioso, se não apavorado — talvez fizesse parte. Afi-

nal, Southampton,

amigo

e ex-patrão do bardo,

foi um

dos maiores

seguidores de Essex. O sentimento

anti-semita,

até então apenas latente na Inglaterra

elisabetana, foi despertado pelo caso Lopez, principalmente graças a

Essex. O ambicioso conde queria chamar a atenção para O escândalo

Os HOMENS DO LORDE CAMERLENGO

137

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que criou, por isso incentivou reencenações da peça O judeu de Mai ta (1589), de Marlowe, apresentada nada menos que quinze vezes na fase de julgamento e execução do médico judeu. Percebendo que ali estava uma boa bilheteria, Shakespeare tratou de escrever uma “peça

da hora”, O mercador de Veneza, na qual há pelo menos uma referência ao caso Lopez.

Se a primeira dívida de Shakespeare

era com

Marlowe,

é impor-

tante diferençar o personagem Shylock, de O mercador de Veneza, do Barrabás, de O judeu de Malta, que faz uma caricatura de um Maquiavel agressivo, capaz de, por dinheiro, matar todas as frei ras de um convento. Marlowe apenas refletiu o comporta mento da época em relação aos

judeus, que a imaginação popular via quase como “anima is míticos: seres estranhos, maus, que crucificaram Cristo é dos quais era de esperar que continuassem

tendo atividades anticristãs”.

Mas

Shakespeare fez um

retrato mais denso do preconceito racista e religioso da época, que repercutiu em todos os períodos subsequentes, até hoje.

Não há dúvida de que o pai de Shakespe are e, talvez, ele próprio,

exerceu uma atividade parale la emprestando dinheiro, ap esar das rígidas leis da época Tudor. Documentos descobertos re centemente SHAKESPEARE — ANTHON Y

HOLDEN

mostram transações que se somam ao que já era sabido de John Shakespeare em relação à usura — oficialmente considerada “o vício mais

odioso e detestável”. Em 1570, John “Shappere, aliás Shakespeare de

stratford-upon-Haven” foi multado em 40 xelins por cobrar 20 libras de juros num empréstimo de 80, de John Musshem, da localidade de Walton d'Eiville. John Shakespeare foi denunciado às autorídades por um

dos mais habituais informantes, James Langrake, de Whittebury,

em Northamptonshire, que o delataria outra vezes, por negociar lã ilegalmente. Qualquer que tenha sido a reação de John quanto a essas acusações públicas e medidas legais, elas parecem ter causado uma impressão duradoura em seu filho, ainda estudante. Pois a sua experiência em empréstimos, a aversão pelo dinheiro e todos os problemas que ele pode causar estariam presentes em muitas de suas peças

posteriores, chegando ao auge em Timão de Atenas. cê

No verão de 1595, manifestações de protesto nas ruas de Londres usaram comida para reclamar do súbito aumento nos preços: ovos voaram e muita manteiga sujou as calçadas. Uma safra ruim coincidiu com um surto de doença bovina e os comerciantes trataram de lucrar. Foi decretada lei marcial, os revoltosos foram sumariamente executa-

dos em Tower Hill e os teatros — locais em potencial para reuniões

acaloradas —, fechados por dois meses. Há os que acreditam que o capitalista que havia dentro de Shakespeare aproveitou o momento (como fizeram muitos londrinos endinheirados) para lucrar com

a desgraça dos outros, comprando

cereais a preço baixo para vender caro. Qualquer que fossem

seus

sentimentos em relação aos males causados pelo dinheiro, jamais foi contra fazer fortuna. Dessa vez, as metáforas podiam esperar: confor-

me consta, passaram-se doze anos até esses temas aparecerem na fá-

bula da barriga, contada para uma multidão amotinada na Roma de Coriolano. Pois, nesse momento, havia outros problemas políticos para

Os, HOMENS DO LORDE CAMERLENGO

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1595. Escola Inglesa do Século XVI Quadro de Jobanm Heinrich Fiissli, 17441825.

ocuparem sua cabeça, desafiarem sua capacidade de sobrevivência na sociedade e, claro, alimentarem sua obra

epois do caso Lopez, o co : nde de Essex caiu em desgra ça na corte. Até Shakespeare deve ter lastimado à ale gria de Essex e de D

Southampton com o injusto fim do judeu po rtuguês. O pior para as ambições de carreira desses nobres é que a pró pria rainha não tinha gostado da perseguição dos condes ao seu “macaquinho” . Nem ela acreditou na acusação contra Lopez, e por isso tentou intervir no processo legal; depois, só o que lhe restou foi afastar-s e de Essex, até

140

SHAKESPEARE —

ANTHONY

HOLDEN

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Sir Francis Drake. cerca de

1584. por artista CULÓIÍTIO,

então seu nobre favorito. Estava se formando uma segunda Invencivel

Armada espanhola e os melhores almirantes ingleses, Drake e Hawkins. encontravam-se longe, numa viagem da qual não deveriam voltar. Com isso, O inimigo católico parecia pronto a aproveitar-se do fato de a rainha não conseguir indicar um

sucessor. Na verdade,

Elisabeth já

pensava no rei protestante James VI, da Escócia, por isso manteve uma longa correspondência para testá-lo — sem demonstrar suas intenções, uma vez que assassinos católicos podiam resolver o caso com as pró-

prias e impetuosas mãos. Os

HOMENS

DO

LORDE

CAMERLENGO

14]

Teria Shakespeare escolhido esse momento

para voltar ao drama

histórico, mais exatamente a um “preâmbulo ” do ciclo Henrique vr. Ricardo III, mostrando as origens da pr imeira maldição na Casa de Bolingbroke:

a deposição e o assassinato de Ricardo II por Henrique IV, primo dele? Ou teria sido idéia de Southampton, por suge stão de Essex



€ O dramaturgo

nação com

um

resolveu

tocar no emocionant e

líder tão fraco q ponto

tema de uma

de justificar a intervenção

de

um heróico usurpador? Os Tudo r ainda tinham o que aprender com as causas da Guerra das Rosas. e Shakespeare dramatizou-as No retrato que fez de Ricardo II. A cena de deposição em Ricardo II foi di scretamente omitida quando a peça foi publicada dois anos depois e também nas duas reedições feitas du rante o reinado de Elizabeth. Er a de se imaginar que tal cena voltaria a criar problemas para todos os envolvidos, mas foi difícil para Shakes peare distanciar a peça dos fatos, Ricardo II era filho do Príncipe Negr o e último membro da dinastia dos angevinos. Foi um rei extr avagante, fraco e injusto, e tinha apenas

14 anos quando a Revolta dos Campones es foi sufocada com muito

rigor. Mas sua rápida queda deveuse à tentativa que fez, mais tarde, de anular o governo parlamentar. Base ado nas Crônicas, de Holinshed (lançadas

em

Mártires,

de John

1577,

revistas

Foxe

€ ampliadas

(1563),

em

Shakespeare

1587)

e no Livro

deu ao rei uma

dos

persona-

lidade introspectiva e dúbia que o favoreceu, fazendo-o bem diferente do brilho de seu sucessor c orcunda, último da dinastia Lancaster: Ricardo

III.

Com

(Ao lado) Jobnor

Gaunt, duque de

versos muito líricos, Shakespe are coloca a velha ordem, O patriotismo nostálgico, no person agem João de Gaunt, a cujos avis os o rei não dá atenção e, quando ele morre, confisca suas propri edades. Isso faz com que Henriq ue Bolingbroke, fi lho de Gaunt, volte do exílio para fazer justiça. As simpatia s da Platéia oscilam para onde pende a balança do poder, diante de um Ricardo que | |

Lancaster, 1340no, mostrando certo autoconhec i mento num belo mo 1399, quarto filho nólogo, antes de asmuligriosl SET MORNO na cela por Pjers Exton. E morre insistindo — O que era Artista anôniínio. 142

SHAKESPEARE

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Lorde Charles Howard, quadro de Daniel Mytens.

importante para a platéia de Shakespeare — que ainda era o rei de direito. O futuro rei Henrique IV não assume o assass inato,

mas

em-

preende uma culposa peregrinação à Terra San ta e es palha as sementes da Guerra das Rosas como algo inevitável, ecoando, em proporção

e força, a peça Oréstia, de Ésquilo.

No rebuscado jogo de palavras de Ricardo II, nas súbitas alterações de humor e fortes acessos de raiva, Shak espeare criou outro grande 144

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

papel para Richard Burbage. Na famosa fala do personagem João de

Gaunt, no leito de morte — “Esta pedra preciosa engastada num mar de prata, (...) este solo bendito, esta terra, este reino, esta I nglaterra” —

ele deu

aos espectadores

menos

sofisticados o incentivo de que

precisavam para detestar estrangeiros, no momento em que havia uma aparente ameaça vinda da Espanha. Poucas vezes fica tão patente que o autor não compartilhava desses sentimentos. O ardor patriótico de Gaunt, revelado em seu lamento por uma Inglaterra perdida, atravessando momentos difíceis, prepara o caminho para o cinismo do dramaturgo ao relatar os eventos que se seguiram. Os Homens do Lorde

Camerlengo

fizeram quatro apresentações para a rainha, no final

de 1595, quando a trilogia formada pela primeira e a segunda partes de

Henrique

IV e por Henrique

V já tomava forma

na imaginação

de Shakespeare. Primeiro, ele voltaria no tempo na história da Inglaterra, e até em

ei

sua própria carreira no palco, para dar aos colegas uma bilheteria me-

lhor, refazendo um dos ousados espetáculos apresentados anualmente pelos Homens da Rainha: O complicado governo do rei João. Com a

q

cidade de Calais rendida aos espanhóis papistas, a França exultante com

cr



o desmantelamento dos ingleses e uma frota de navios enviada a Cádiz, sob o duplo comando do reabilitado conde de Essex e do lorde almirante Charles Howard,

os ingleses que faziam apostas nas probabilida-

des estavam querendo que os franceses fossem desprezados e o papa colocado no seu devido lugar. A forma como Shakespeare humilha o emissário do papa, cardeal Pandulfo, dá a entender que o autor estava

abandonando

os derradeiros vestígios de alguma crença religiosa, or-

todoxa ou não. A condenação da religião organizada que está implícita

em Rei João — obra mais poética do que dramática — mostra o começo da descrença absoluta do dramaturgo. Essa descrença surge com à peça Tróilo e Créssida e segue em suas grandes tragédias.



Os HOMENS

DO LORDE CAMERLENGO

145

Mas ainda faltavam dez anos. E naquele verão do Rei João, o quente mês de agosto de 1596, a fé de Shak espeare minguava e ele tinha um bom motivo para finalmente rejeitar o Deu s católico e afrontar as Cruéis

e arbitrárias injustiças da vida. Nos vinte e cinco anos passados em Lon. dres, temos certeza de que o bardo voltou a Stratford numa data: 11 de agosto de 1596. Foi para enterrar o filho Ha mnet, morto aos 11 anos. Shakespeare tinha apenas 32 anos, mas sua es posa Anne já estava com 40, não podendo pensar em lhe dar mais filhos. Além da tristeza que se torna recorrente em sua obra — em Haml et e outras peças — Shakespeare perdeu uma descendência dir eta, o que considerava im-

portante, visto que tinha voltado q sol icitar, pouco antes, o brasão ne-

gado a John Shakespeare, em 1569. O pedido talvez tenha sido feito para agradar ao pai, mas também para gratifica r o seu amor próprio. Os irmãos — Gilbert, Richard e Edmund — tinh am então 30, 22 e 16 anos, respectivamente, e os quatro filhos estariam mortos quinze anos após o falecimento do pai. Não havia mais um herdeiro para perpetuar a linhagem de Shakespeare, como Fleance fez com Banquo em Macbeth.

O nome morreria apenas vinte anos depois de seu mais fam oso filho. Como convém a um poeta nato, Shakespeare lamentaria a mor te do filho pelo resto de sua obra. A sombra do jovem Hamnet toldaria os versos do pai em muitas peças. Por ironia, o pior ano da vid a do bardo coincidiu com uma súbita melhora em sua situação material: ele enriqueceu a ponto de pensar em adquirir uma grande proprieda de. Além disso, o Colégio de Armas concedeu o brasão que havia negado ao pai dele, quase trinta anos antes. O lema sem graça da família Shakespeare parecia admitir à surpresa que tiveram pelo atendimento ao segundo pedido: Non Sanz Droict (Não sem direit o), que Ben Jonson mais

tarde satirizou como

Não

sem

mostarda.

John Shakespeare estava com quase 70 anos, o que na época era uma idade longeya — o filho procurou exorcizar seu afastamento das

boas graças públicas e fez mais do que consegui r um brasão e um título de cavalheiro. Esse leal filho, que tinha perdido o seu próprio her-

146

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

deiro, fez com que a família Shakespeare fosse vista

como a mais importante de Stratford, proprietária da melhor residência da cidade — um local adequado para quando chegasse a hora de se aposentar. Desde meados da década de 1590, Shakespeare morava em Londres, na paróquia de St Helen, em Bishopsgate, o que sabemos porque seu nome consta

da lista do tesouro público como devedor do imposto de propriedade, em novembro de 1597 e outubro de 1598. Os problemas familiares fazem com que vá muitas vezes

a Stratford,

em visitas inusitadas; com

isso, ele teve vontade de comprar New Place, a maior casa de Stratford. A mansão foi construída na década

de 1490, pelo mesmo

Clopton que foi prefeito de

Londres e deu nome à ponte sobre o Avon por onde começavam todas as viagens para a capital.

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New Place foi vendida ao então sofisticado ator-

Ls

cf.

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e

dramaturgo por William Underhill, filho de um prós-

pero advogado e latifundiário que restaurou a propriedade, “em grande ruína e decadência”, quando a comprou trinta anos antes. Com

18 metros de fachada, dez quartos, dois jardins, dois poma-

res e dois celeiros, essa “grande casa” foi uma pechincha por 60 libras — principalmente, talvez, na opinião do filho de Underhill, que o envenenou dois meses depois. Como

castigo, foi enforcado em Warwick.

Shakespeare deixou Anne e as filhas finalmente numa casa própria e bonita, na esquina da residência de seus pais, na Henley Street. Voltou então para Londres e encontrou o cenário de sua vida profissional

mudando

rapidamente.

A rainha

tinha nomeado

um

novo

Lorde

Camerlengo — felizmente, outro Lorde Hunsdon, filho do falecido patrono da trupe de atores de Shakespeare. Ao mesmo tempo, a sorte

de seu amigo €e ex-patrão Southampton oscilava perigosamente, junto com

a do conde

de Essex.

Os HODOM LORD E EN CAMES RLENGO

Brasdo

de

Shakespeare.

Gravura anônima,

publicada

em

787.

Em

agosto,

mesmo

mês

do falecimento

de Hamnet,

o conde

de

Essex tinha voltado, vitorioso, da rendição de Cád iz — para à opinião

pública, essa foi uma boa vingança pela perda de Calais. Mas Southampton não estava ao lado do ambicioso conde qu ando ele desfilou a cavalo, triunfante, pelas ruas de Londres. Southampton estava irritado porque a rainha o proibira de participar da viagem a Cádiz, desconfiada de que ele mantinha um romance com sua dama de companhia Elizabeth Vernon. Pouco depois, a rainha confirmaria sua descon fiança: a dama apareceu grávida de Southampton. Como seu ami go bardo, o conde teve um comportamento honrado com a senhorita Vernon e Casou-se com ela numa cerimônia secreta, em Paris. Na volta, a rainha mostrou seu extremo desagrado colocando os dois atrás das grades . dr

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Shakespeare tinha suas distrações nessa difícil fas e, com a chegada à cena teatral de um talento rival —- Ben Jonson, oito anos mais jovem que ele e muito mais talentoso que qualquer litera to que ele tinha encontrado. Os dois logo ficaram amigos: Jonson era um católico convertido, mas de pouca fé; em 1610, bebeu um cálice inteiro do vin ho da missa para marcar sua volta à igreja anglicana. Além disso, tinha matado um homem

e seu polegar direito foi marcado à fogo com T,

de Tyburn, local onde ele deveria ter sido enforc ado.

Mas o que isso

significava para Shakespeare, nesses tempos sem lei? Ele apresentou Jonson à trupe de Lorde Camerlengo, que no ano seguinte fez as primeiras encenações da peça O humor de cada um, de Jonson , com

Shakespeare interpretando o velho Kno'well. Em 1616, ano da morte de Shakespeare, Jonson publicou suas Obras Comple tas e deu ao amigo lugar de honra entre os Principais comediantes” do elenco citado na página de rosto.

Nas palavras de Rowe, fazia parte “da humanidade e bondade”

de Shakespeare ajudar um rival , “completamente desconhecido de

todos”

- Desde então, segundo o mesmo Rowe, os dois escritores ficaSHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

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Dedicatória

de

Shakespeare

no

Ben Jonson par

Primeiro Fólio. editado em

1623.

ram “grandes amigos, embora eu não saiba se Jonson algum dia retribuiu a gentileza e a sinceridade de Shakespeare”. Nada como um certo distanciamento para se enxergar com clareza. Tudo indica que os

dois continuaram bons amigos até a morte do bardo, quando Jonson

homenageou-o com muitos poemas, principalmente o que está no Primeiro Fólio, publicado em 1623.

cs Ricardo II é, cronologicamente, a primeira parte do mais importante ciclo histórico já escrito para teatro. Shakespeare teve alguma dificuldade (de modo geral, alterou os fatos) para confirmar a crença

dominante de que o rei (ou rainha) da Inglaterra era escolhido por Deus. Ou seja: ele ou ela não estava no trono graças a algum talento, prestígio ou bravura, mas como

“substituto de Deus, representante

por Ele ungido”. Elizabeth continuava resistindo aos pedidos cada vez mais insistentes para

nomear

um

sucessor e assim enfrentar prová-

veis ameaças de usurpadores católicos — sendo compreensível a preo-

cupação do dramaturgo com a história inglesa recente. Em meio à

Os HOMENS DO LORDE CAM

149.

paz incerta do final da década de 1590, parecia hora de confirmar a idéia de qU e OS Usurpadores viriam para prejudicar, mesmo se o destino le.

vasse algumas gerações para acabar com eles,

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Shakespeare precisou de três peças para abarcar o longo e tortuoso reinado de Henrique VI e de uma para captar o br eve e brutal governo de Ricardo III. O tempo todo, parece, ele tenta fazer o impossível, volt ando às raízes desse mal, dando

um panorama

em duas par-

tes do usurpador Henrique Boli ngbroke, que

tomou o trono de Ricardo II, e prosseguindo com o curto mas glorioso reinad o de seu irre-

preensível filho Henrique V. Ele já ti nha narrado o declínio da Inglaterra, que entrou em guerra civil, consequência lógica do pecado ori-

Clichê

efígie

de

de

uma

alabastro de

Henrique catedral

IV na

de

Canterbury.

Artista anônimo, cerca de

1408-1427.

ginal de Henrique Bolingbroke, em 1399 . Mas só depois da morte de Ricardo I, em Boswor th, o crime de Henrique seria finalmente expi ado e a or-

dem natural retomada.

Com a conclusão desse importante ciclo hist órico (oito peças,

abrangendo cinco reinados, de 1377 à 1485), Shak espeare quis demonstrar as consequências de interferir na ordem divi na: isso não só afetava Os atores principais, mas também, é claro, a vida dos infelizes súditos, arrasados por décadas de desordem e guerra civil. Nas duas partes de Henrique IV, ele mostra que nunca ma is faria o homem comum

sofrer como joguete nas mãos de pode rosos em conflito. Se, como Macbeth, Henrique não pôde desfrutar do trono pelo qual tanto lutou, — torturada, jaz na noite à cabeça coroada” — seu ataque afeta o resto do país, que também paga um alto custo.

cas históricas. Nesse processo, ele criou um de seus personagens mais amados (depois de Hamlet ) e com o qual platéias e leitores se identificam. Trata-se de Sir John Falstaff, a princípio chamado de Sir John Oldcastle,

como

o personagem

da peça As famosas

vitórias de

Henrique V, da época em que Shakespeare estava com os Homens da Rainha. Mas a história recente da Inglaterra tinha um John Oldcastle

real, de carne e osso, um mártir de Lollard, que foi enforcado e queimado em St Gile's Fields, em 1417, no reinado de Henrique V, por ter denunciado o Papa como anticristo. Esse Oldcastle era também Lorde

Cobham, título ainda usado com orgulho por seu descendente William Brooke, um conselheiro privado e Lorde Camerlengo. O poderoso Lorde Cobham

apresentou queixas às autoridades, inclusive ao mestre de

entretenimentos da corte, a ponto de Shakespeare sentir-se obrigado a mudar o nome do personagem para Falstaff, o homem medroso que já estava na primeira cena da primeira parte de Henrique VI. Elizabeth I deve ter tomado conhecimento da polêmica: segundo Rowe, a própria rainha “teve o prazer de mandar Shakespeare mu-

dar o nome do personagem”. Mesmo assim, estava encantada com o velho cavaleiro indomável — tanto que encomendou uma continua-

ção da história. A rainha “gostou muito da admirável personalidade de Falstaff”, segundo uma tradição iniciada em 1705, por Charles Gildon, escritor menor, satirizado por Pope em The Dunciad. Por isso, à rainha mandou que o autor “mantivesse o personagem em mais uma peça e mostrasse-o apaixonado”. O sério e responsável dramaturgo John Dennis nos garante que As alegres comadres de Windsor escrita em dez dias, no máximo

foi

duas semanas, o que dá a entender

que o autor não gostou muito de ser obrigado a atrasar sua segunda

tetralogia histórica para agradar a rainha.

E também não se esforçou como sempre fez: sua comédia menos engraçada foi um trabalho corrido, para agradar à patrona da trupe e Satisfazer a vontade

verdade,

não

vemos.

dela de

ver Falstaff “apaixonado”

Elizabeth,



o que,

na

cada vez mais afeiçoada ao Lorde

OS HOMDO EN LOS RDE CAMBRLEN

Camerlengo,

abril de

sagrou-o

1597,

Cavaleiro

da Ordem

dia de São Jorge,

cuja

Whitehall. A rainha e seu Lorde devem ferências

amáveis

jarreteira —

que

os bancos

da Jarreteira,

festa

anual

faz na

que

na capela

ocupam

peça

23 de

era no palácio

ter se encantado

Shakespeare

em

com

as re-

aos cavaleiros

de Windsor,

da

seus es-

cudos e até o lema deles, Honi soit qui maly pense (Mal dito o que

vê maldade nisso) — no final desse pequeno entretenimento. A peça

foi reencenada

naquele

verão

para

marcar

Camerlengo para o castelo de Windsor.

a mudança

do

Lorde

Mais uma Vez, Shakespeare

parece ter agradado sua rainha. A capa do in-quarto, lançado em 1602, destaca que As alegres comadres era apresentada com frequência

“para Sua Majestade”.

Mas a franqueza de Falsfatt ficava reduzida a uma pantomina meramente lasciva. Sem seu brilhante sarcasmo, suas respostas pron -

tas, suas alusões literárias, ele era uma sombra do multifacetad o obs-

táculo que Shakespeare tinha colocado no caminho do príncipe herdeiro Hal, como

é mais conhecido

o futuro rei Henrique

V, rumo

ao

trono do pai. Se o criador de Falstaff tinha alguma dúvida sobre matá-

lo antes de passar para Henrique V e o clímax de seu grande ciclo histórico, As alegres comadres deve ter impedido. Para lustrar o retrato de filho-pródigo-que-vira-rei-glorioso e agradar a idéia que o povo tinha de Henrique V, Falstaff precisava continuar. Sir John Falstaff tem

menos destaque na segunda parte de Henrique IV do que na primeira, a ponto

de sofrer uma

dramática rejeição do antigo pupilo

Hal, re-

cém-coroado Henrique V: “Não te conheço, velho”, diz o rei no final da peça. Já tinha cumprido sua função. Mesmo quando o dramaturgo passa para temas menos complexos, defendendo a rejeição pelo novo

Henrique de seu passado, ele presta merecida homenagem a Falstaff, com uma morte nobre, contada numa emocionante fala da senhora Quickly, com quem iria se casar .

É da)

152

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

A rainha estava encantada com Shakespeare, e o público tam-

bém. Os segundos in-quartos de Ricardo Il e Ricardo III, publicados em 1598, mostraram pela primeira vez o nome de Shakespeare na capa como autor, embora já viessem sendo impressos há quatro anos —

Hérmia e Helena. de Sonho de uma noite de verão.

Quadro de Joseph Serern. 1793-1879.

de uma forma totalmente nova, sem que ele autorizasse ou

soubesse das impressões.

Em

1598, pelo menos

oito peças haviam sido impressas. Ele es-

creveu mais, pelo que sabemos por outra publicação desse ano, Palladis Tamia ou Wit's Treasury

(O tesouro da sabedoria), de Francis Meres,

O infatigável cronista da cena literária e teatral. O enorme

catálogo

de Mere com sabedorias literárias, que chegava a 700 páginas de in-

octavos, elogia Shakespeare por “enriquecer muito à lingua inglesa, envolvendo-a com raros enfeites e resplendentes vestes”. Mere foi o

primeiro a demonstrar, em texto impresso, a grandeza de Shakespeare,

Os HOMENS DO LORDE CAMERLENGO

153

não hesitando em colocá-lo acima de seus cont emporâneos, dos imortais.

à altura

Mas, naquela época como hoje, o sucesso e a fam a tinham seu pre. ço. E vizinhos são sempre vizinhos. Depois da repentina fama, veio a compra no estilo novo-rico da casa New Place —por isso, não é de surpreender que a única carta que resta endereçada ao bardo Seja de um amigo de Stratford, em visita à capital. “Você vai demonstrar ser Muito

amigo se me livrar de minhas dívidas em Lon dres”, escreveu Richard Quiney, em 25 de outubro de 1598, quando estava na hospedaria Bell, em Carter Lane, perto da catedral de St Paul. Pedia empres tadas 30 Iibras “ao simpático, bom amigo e conterrâne o Sr. Wim. Shackespere”.

Quiney soube por outro amigo em comum, Abraham Sturley, que Shakespeare “estaria disposto a desembolsar algum dinheiro” em terras, propriedades ou outros investimentos. Segundo seu irmão, “nosso conterrâneo

Sr. Shaksper acha muito justo adquirir nossas terras”. Não há prova de que Shakespeare tenha comprado as terras de Sturley, nem de que tenha adiantado as 30 libras para Qui ney. A carta

não foi enviada e, quatro anos depois, quando Quiney morreu, foi encontrada entre seus papéis. Nessa época, ele era prefeito de Stratford outra vez e foi mortalmente ferido ao intervir numa rixa de bêbados com alguns belicosos sócios de Gilbert, irmão de Shakespeare. Em 1598, ele foi vereador em Londres para assuntos relativos a Stratford,

solicitando ao Conselho Privado que aumentasse as subvenções da

cidade, atingida pelo mau tempo e por dois incêndios arr asadores. É curioso que pedisse a Shakespeare dinheiro para ele e não para a cida-

de. E por que não mandou a carta? Achou melhor guardá -la? Ou será

que procurou Shakespeare mais tarde, nos bas tidores do teatro, julgando que um pedido pessoal daria mais resultado ? Alguns biógrafos acreditam que Shakespeare era generoso (ou esperto) para emprestar o dinheiro, talvez cobrando juros; outros biógrafos , lembrando a sovimice, garantem com a mesma segurança que Quiney voltou para casa

HOLDEN

pf

SHAKESPEARE — ANTH ONY

AF

154

hi

de mãos abanando.

Um longo problema pode ter deixado Shakespeare mais relutante do que nunca para emprestar dinheiro, sentindo-se menos próspe-

ro do que todos os sinais externos sugerem. Nos últimos dois anos, os Homens do Lorde Camerlengo continuaram sendo os melhores atores de Londres, apesar de uma complicada questão legal ameaçar seu futuro. Em 13 de abril de 1597, expirou o contrato de aluguel, firmado

por James Burbage, pelo prazo de vinte e um anos, da casa de espetáculos Theatre, sede da companhia desde que foi fundada. Durante meses, ele tentou negociar um novo contrato com seu ausente pro-

prietário, o teimoso Giles Alleyn, que estava inflexível nas negociações. Burbage foi ficando tão desesperado quanto seus atores € concordou com um grande aumento no aluguel, de 14 para 24 libras, e estava

/ |

|

|

|

prestes a conceder a Alleyn o direito à posse do prédio. Pelo acordo

situaanterior, Burbage tinha a estrutura, € Alleyn, o terreno onde se

| |

|

va o teatro. No novo acordo, Alleyn acrescentou uma cláusula que lhe “fazer garantia o direito, com apenas mais cinco anos de aluguel, de melhor uso” do teatro. Burbage, então, perdeu a paciência. Rápido, procurou outro lugar para instalar seu teatro — e encono, trou-o no refeitório sem uso de um desativado convento dominican

na margem norte do Tâmisa. Lyly já o havia usado para apresentações es. para cavalheiros, encenadas por sua companhia de meninos ator Mas também se desentendeu com o proprietário e deixou a malconima. servada estrutura para ser usada em eventuais exibições de esgr

isso estaO antigo convento ficava dentro dos muros da cidade e por

ho de va sob a proteção da Coroa, e não do Lorde Prefeito € do Consel Londres



bom

motivo

para pedir a Burbage

a alta soma

de 600 li-

libras para bras pela compra da estrutura, mais algumas centenas de transformá-lo num teatro.

brilhante — Bem na hora em que o futuro, mais uma vez, parecia as para um com a animadora possibilidade de Shakespeare escrever peç opuseram teatro coberto —, os bem-postos moradores do convento se

teatro traria a Burbage e protestaram no Conselho Privado porque um

Os HOMENS DO LORDE CAMERLENGO

155

À

|

frequentadores de baixo nível para seu lin do pátio. Em meio q tudo isso

esgotado por meses de tensão e nervosismo, Ja mes Burbage morreu.

Richard e Cuthbert Burbage, filhos do empresário, reinicia "am as negociações com Alleyn — e os Homens do Lorde Camerlengo lutaram por 18 meses, desde que o aluguel expiro u, em abril, até 0 outo-

no, quando o inescrupuloso senhorio sabia que eles não podiam fazer nada. O único bem disponível da companhia era o teatro Curtain, que estava muito arruinado para garantir aos atores um futuro longo e seguro. Richard Burbage se fez de simpático enquanto O irmão, o pobre Cuthbert, ficou perdido bancando o nego ciador durão. O dono do terreno, esperto, acabou com as esperanças deles fazendo mais exigências impossíveis: Cuthbert se sentiu obrigado a aceitá -las. mas Alleyn não quis os dois irmãos como fiadores. Ainda amea çou “derrubar o teatro e usar a madeira em coisa melhor” e retirou-se para sua casa no campo, deixando os inquilinos derrotados, sem saber o que fazer. Mas um detalhe naquela terrível ameaça — a frase “fazer melh or uso à construção” —, deu aos irmãos Burbage e seus companheiros um a ótima idéia. Eles podiam

não ter direito ao terreno do teatro, mas

vam donos da estrutura. Em

28 de dezembro

de 1598,

continua-

um grupo so-

turno, liderado pelos Burbage — e com a participação, es peramos, de Shakespeare — reuniu-se em Shoreditch ao anoite cer, tendo apenas as horas de escuridão para executar um plano en genhoso. Dizem que

a viúva Burbage “viu com aprovação” quando os filhos co mandaram o desmanche do amado teatro do fal ecido pai. O novo sócio financeiro dos irmãos, William Smith, ta mbém

es-

tava lá para ver uma dúzia de homens com seu carpinteiro-chefe, Peter Street, colocar abaixo o teatro, com

cuidado, tábua por tábua. Os

Burbage tinham encontrado um no vo lugar do outro lado do rio, na

paróquia de São Salvador, perto do teatro Rose. Para lá, ocultos pela (Ão lado)À

rainha

Elizabeth

no Parlamento, 1608. Quadro de Robert Glover.

156

escuridão, levaram

m

d

q

,

de barcaça os restos mortais do teatro

* truído em seis meses « se tinha visto e

.

omo

que se cha

nova

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SHAKESPEARE

casa

de

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petáculos, a melhor que já

Globe.

- ANTHONY

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O TEATRO GLOBE CarpituLo

VIH

1599-1603 oN£o

É bem provável que Henrique V tenha sido a peça que inaugurou o Globe, no verão de

1599: no Prólogo, o coro se refere a “este teatro de madeira, em forma de O", ea pla-

téia é solicitada a usar a imaginação para “suprir nossas falhas”.

Em 21 de setembro de 1599, um turista suíço chamado Thomas Platter escreveu em seu diário: “Após a principal refeição do dia, lá pelas duas horas da tarde, fui com meus amigos ao outro lado do rio e, na cons-

trução com teto de colmo, assistimos à tragédia do primeiro imperador Júlio César, muito bem encenada, com uns quinze personagens. No final, os atores dançaram segundo

homem

o costume

deles,

admiravelmente

cada

grupo

com

e com

imensa graça,

dois atores vestidos

de

e dois vestidos de mulher”.

A construção do Globe ocupou os carpinteiros dos irmãos Burbage durante toda a primavera. Mas o teatro devia estar aberto em junho.

de artista

anônimo feita por Jobim VFanderbank, cerca

E

as

mm

1618.

de

1694-1739.

159

e

GLOBE

DE [qe

O TEATRO

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de São Salvador, na terra semicultivada e — uma provocação — perto

Copia

de

Alban,

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occupacione Willielmi Shakespeare et alioruim). Situado na paróquia

cerca

St

AM

o local para William Shakespeare e outros, na época já ocupantes (in

de

E

cém-construído (de novo aedificat). O filho dele, Nicholas, arrendou

(ão tado) Francis Bacon, visconde

=

Thomas Brend, lavrado a 16 de maio, o prédio foi descrito como re-

E

meses antes da visita do turista suíço. NO inventário dos bens de Sir

do teatro Rose. o rápido renasc er do Globe foi acompanhado por Sha-

kespeare e pelos Burbage e, das simples tábuas, se transformou na Mais produtiva e mais bem equipada casa de espetácul os da cidade, com capacidade para 2.500 a 3 mil pessoas. O sucesso foi imediato e Shakespeare

entrou gloriosamente

em

sua fase mais criativa, no teatro que encenari a seus maiores triunfos.

Além de dramaturgo e ator bissexto, ele era acionista do Globe, como mostram os registros do Tribunal de Petições. Pelo contrato assinado em 21 de fevereiro de 1599. Shakespeare pos suía um décimo do Globe, junto com Thomas

os atores John Heminges, Will Kemp,

Pope.

Os maiores

acionistas eram

Brend,

Augustine Phillips e dono

das

terras, e

os irmãos Burbage; havia também os ricos mercad ores William Leveson e Thomas Savage, de Lancashire, a aldeia onde o jovem Shakespeare trabalhou na mansão Hesketh.

Na mesma época, como convém a um homem cuja vid a era o teatro, Shakespeare mudou-se para o outro lado do rio. Em 1599, ele estava morando na margem sul do Tâmisa, no distrito livr e de Clink, pagando seus impostos de propriedade sempre com atraso, em Surrey. É

comum considerar o ator-gerente-escritor (então ganhando umas 200 libras por ano no teatro) como

vou

que

sovina. Um

“os negócios combinam

com

quem

biógrafo vitoriano obsertem

o mais alto gênio”.

E bem

provável

que Henrique

V tenha sido à peça que inaugu-

rou o Globe, no verão de 1599: no Prólogo, o cor o se refere a “este Cão

lado)

Henrique

teatro de madeira, em forma de O”, ea platéia é solici tada a usar à V, por

artista anônimo.

160

imaginação para “Suprir nossas falhas”. Shakespeare escreveu a peça rapidamente, em meio a boatos de qu e o Mestre de entretenimentos SHAKESPEARE

— AntHONY

HOLDEN

ido

Como a maioria dos escritores tempos afora, Shakespeare não tinha muita paciência nem jeito para lidar com papela das, mas não chegava a ser desonesto no pagamento de impostos. Escrever duas obras-primas por ano, buscar fontes de inspiração e ainda ser ator à noite são atividades que ajudam a empilhar papéis na escrivaninha.

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gro,

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da corte estava prestes a proibir qualquer encenação da história inglesa no palco.

E a Igreja estava alerta. Um

advogado

de Cambridge

chamado Hayward tinha publicado uma obra inoportuna sobre a deposição

de

Ricardo

Henrique

II por

Bolingbroke,

atrevidamente

dedicada ao conde de Essex. O arcebispo de Canterbury conseguiu

então retirar a dedicatória, além de queimar a edição em praça pública —

1500 exemplares, juntamente com outros, inclusive Willobie

his Avisa. O conde de Essex continuava com

uma relação indefinida

com a rainha; no final de março, foi enviado para lutar contra os rebeldes irlandeses. Mas, em setembro,

Essex voltaria em desgraça, uma semana de-

pois de o turista suíço assistir à peça Júlio César. Dessa vez, podemos

precisar as datas só para, de novo, nos impressionarmos com a produção de Shakespeare. Ele deve ter terminado Henrique V entre marco de 1599 e a inauguração do teatro Globe, no verão, quando todos os ingleses torciam por seus exércitos contra os irlandeses. E, claro, deve ter escrito Júlio César (os temas históricos da Roma Antiga eram me-

nos arriscados) na época em que o turista foi ao Globe, em setembro do mesmo ano. Enquanto isso, sua vontade de escrever comédia talvez '

tenha aumentado em virtude do desejo da rainha de ver o personagem

Falstaff apaixonado — e ele completou dois entretenimentos aos quais Para cenário de Muito barulho, ele voltou à paisagem onde parecasa: a Itália, mais especificamente, a Sicília. Não que

inicie

ce se sentir em

2

isso tenha importância. As intrigas entre os adeptos de Dom Pedro,

VP

E

deu os títulos-coringa de Muito barulho por nada e Como gostais.

Príncipe de Aragão, seu meio-irmão Dom João e Leonato, governador

inglês na paisagem italiana: o condestável Dogberry, uma paródia de aqueles funcionários

interioranos

da lei, como

foi o pai dele,

de

Muito barulho

por nada, 1852,

Quadro de Henry Stacey Marks. 1829. 1898.

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em certa época. O

TEATRO

GLOBE

163

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todos

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Borachbio,

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a platéia também fez com que colocasse um memorável personagem

Tear

examinando

at

cômicas ou trágicas. A necessidade de ampliar a comédia para agradar

Dogberry

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CÃo tado)

O SO

do sangue quente do Mediterrâneo em histórias emocionantes, fossem

A

ocorrer em qualquer lugar. Mas o povo gostava

O

de Messina, poderiam

Shakespeare também criou Dogberry para ser interpretado por

Will Kemp,

comediante

da companhia

Tarleton, dez anos antes. Mas Kemp

desde

o falecimento

de Dick

saiu de cena, embora Por moti -

vos bem diferentes. Para ganhar dinheir o, ele encantava O povo — de Londres à distante Norwick — com uma dança folclórica, de Personagens lendários, na qual aparecia com traje completo, inclusive barrete e sinetas. Depois, o veterano cômico apresentou a sátira Os nove maravilhosos dias de Kemp (Kemp's Nine Daies Wonder), onde ridiculariza as pretensões vaidosas de esc ritores como “meu grande Saco-

de-trapos” (outra referência q Shak espeare,

usando

o verbo to shake)

e prevé que em breve todos serão derrub ados. Essas italianices, com

suas rebuscadas referências clássicas, nã o podiam se comparar aos velhos e bons tempos dos mistérios medievais, de estilo leve e cheio de pa-

lhaçadas, no qual Kemp era ótimo, havia delicios os cacos e o ator podia rir das próprias piadas.

Quando Kemp desligou-se dos Homens do Lord e Camerlengo, o alívio de Shakespeare foi quase concreto: não prec isava mais fazer graça por nada, poderia mergulhar em personagens cômi cos mais profundos e mais sombrios. Assim foi criado o Bobo de Rei Lea r, precursor de Térsites (da peça Tróilo e Créssida ), de Autólico (de Conto de in-

verno) e de Calibã (de A tempestade). Em sua tragédia seguinte — Hamlet — que já estava germinando, o dramatur go homenageia o ator Tarleton na menção a Yorick, e critica Kemp nas instru ções de Hamlet aos

atores.

No lugar de Kemp entrou o ator Robert Armin, que tam bém era

escritor, e assim Shakespeare foi abençoado co m o meio perfeito para

a sutil sequência de humor iniciada com os bufões Touchstone, de Como gostais, e Feste, de Noite de reis, que culmin aram no Bobo de Lear.

Sua satisfação com essa nova € mais comp lexa forma de humor é mostrada ao descrever o bufão Touchstone em Como gostais: “um bobo sensato”. Para a fala imortal de Jaques — out ra homenagem de Shakespeare ao teatro e a seus atores — ele não hesitou em usar o lema latino

164

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

do teatro Globe, Totus mundus agit pistrionem,

que pode ser traduzi-

do como O mundo é um palco. Entrando no espírito da peça, cujos bastidores deviam estar ani-

mados, o próprio autor fez o pe-

queno papel do velho Adão, o leal empregado com a sabedoria de todos os criados antigos nas peças de ficção. Sem dúvida, o mesmo prazer que teve em representar, ele teve em homenagear a mãe e lem-

brar sua infância feliz batizando sua pastoral de Utopia, onde os homens “passam

o tempo

descuidados,

como faziam no mundo dourado”, a Floresta de Arden (Ato I, cena 1).

Mas o mal-estar que o povo

sente, e que transparece em Júlio César, reflete o nervoso verão londrino de 1599, quando o boato de imi-

= omts

Eiuctavã, io

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dora deaae Pego Sour cor pm TS sue ESSO o SO gi E

nentes invasões espanholas fez com que os Aquarela do portões da cidade fossem trancados, com correntes nas ruas para imteatro Globe, na . . E . . | margem sui do sois sina e vel omá ind po tem o ndo qua to, pon se Nes a. rad ent a ir ped brenaturais representavam a quebra da ordem natural, o personagem

ii

do Adivinho assume a aparência de um novo Nostradamus. Na mesma peça, é tentador ver Shakespeare ainda falando pelo

conde de Essex na boca do importante personagem Brutus, “o mais nobre de todos os romanos”,

pronto para a batalha. Na vida real, a

ambição desmedida do conde começava a declinar: em vez de combater o líder Tyrone na Irlanda, ele fez um acordo e voltou com fama de

sagrar mais cavaleiros entre seus seguidores do que cadáveres entre

O mrarro GionE

165

seus inimigos. Circularam boatos de que ele avisou Tyrone de uma iminente mudança de poder na Inglaterra — o que seria uma vanta. gem para ambos, talvez. Querendo suceder Elizabeth HO trono, o cond e discutiu com a rainha: ela acamada e ele ainda com a roupa enlameada da viagem.

Homem

algum

jamais

teve

permissão

para

ver q Rainha

Virgem de camisola, cabelos soltos, ro sto sem pintura. Não é de estra. nhar que, horas depois, Essex tenha sido preso — estranho mesmo é

que sua vida interessante,

embora

instável, tivesse durado

tanto.

No outono, Essex viveu sua última e mo rtal aventura. Em 29 de novembro, foi levado ao Tribunal da Câmara da Estrela e mantido em prisão domiciliar acusado de “má administração” na Irlanda, Em fevereiro, atendendo

ao pedido de

membros

da corte, a rainha teve pena

de seu ex-favorito e permitiu que ele fosse processado pelo Conselho Privado a portas fechadas, em vez de julg ado em público na Câmara da Estrela. Mas, em agosto, ela mandou libert á-lo porque Lorde Mountjoy estava na Irlanda conseguindo o que Esse x não conseguiu, o que era uma humilhação pública: a rainha consider ou que essa humilhação bastava para castigar o conde. Mas Elizabeth ofen deu Essex ao banilo da corte, além de prejudicar as finanças dele ao can celar o monopólio de importação de vinhos do Porto. Em cartas apai xonadas, cheias de arrependimento, o desesperado conde suplicou de todos os jeitos. Mas os atentos Robert Cecil, sucessor do pai como

chanceler-mor do reino, €

mais duas figuras importantes da corte (Sir Walter Raleigh e Francis Bacon) incentivaram a rainha a ser firme — e ela pas sou o monopólio de vinho

de Essex para a Coroa. A residência do conde se tornou um centro de

dissidência, a cuja causa aderiam todos os membros expulsos da corte e qualquer militar afastado (precursores do personagem lago, de Macbeth), que o exortavam para qu e agisse logo, antes de se arruinar.

Em 6 de fevereiro de 1601, um grupo de partidários de Essex liderados por Sir Gelly Meyrick fo; ao teatro Globe pedir aos Home ns do Lorde Camerlengo que encenassem Ricardo II — a peça completa, co m a cena da renúncia — na ta rde seguinte. Em vão, os at ores argumentano

166

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

E

tão lado)

Edmund

Kean

no

papel de Brurus.

em Julio César. Quadro de fames Northcote. 1346-1831.

ram que a peça estava ultrapassada e que teria pouco público: será que perceberam o significado político e, portanto, os perigos potenCiais do pedido? Se perceberam, como é provável, tiveram o cuidado de

usar

apenas argumentos dramatúrgicos. Segundo o testemunho

de Augustine Phillips, como depois relatou Bacon, a peça era “tão antiga e anacrônica que eles teriam pouca ou nenhuma platéia”. Mas os

conspiradores ofereceram 40 xelins acima do preço normal e a arreO TEATRO GLOBE

167

cadação '

comissão gem”

da bilheteria.

Como

simples

atores

poderiam

tão lucrativa, feita por insistentes eminên cias

recusar um ade

de alta linh

q

a-

No dia seguinte, um sabado, Ricardo I foi apresentada par à Uma platéia heterogênea, de súditos inquieto e nobr es desenc antados. A s notícia da apresentação especial tinha se espalhado pela cidade e as pessoas perceberam logo sua importância. Embora não estivesse presente, o conde de Essex quis lembrar aos cidadãos que havia um precedente: um monarca inclinado a ter seus favoritos tinha sido afasta do e assassinado por um nobre rejeitado — um fato terrível certamente, mas também um ato político dese sperado que acabou levando a uma idade de ouro na realeza da Inglaterra . +

Elizabeth percebeu o significado daquela mati nê de sábado, pois seus espiões estavam em toda parte. “Eu sou Ric ardo II, sabem?” — ela declarou. Naquela mesma tarde, Essex recebeu ordem de se apre-

sentar ao conselho privado, mas recusou-se a sair de casa, onde estava seguro. Justificou que havia uma conspiração para mat á-lo, quando na verdade planejava sair da capital. Na manhã seguinte, um dominSo, quatro nomes

ilustres compareceram

à casa de Essex, em

nome

da rainha: o chefe de justiça, o chanceler-mor do reino, o con de de Worcester e Sir William Knollys. Vinham prevenir qualqu er provável ato de traição e foram matá-los —

foram

recebidos

tomados

como

por um

grupo

reféns, enquanto

duzentos cavaleiros num ataque à cida de.

(do

lado)

Devereux,

segundo de

Robert

conde

Essex,

1597.Quadro

de

Marcus Gheeraecrts,

joven, pintor flamengo, Cerca de 1561-1635

168

O

irritado,

que

queria

Essex comandava

Mas o conde encontrou o portão Ludgate fechado e a capi tal sem disposição de apoiá-lo. Quando um arauto proclamou-o trai dor, alguns de seus partidários fugiram € o reforço que viria de dentro das muralhas não

apareceu. Essex percebeu que sua causa estava perdida e seu caminho fechado por homens armados. Houve luta: um dos homens da rainha foi morto,

um dos partidários de Essex foi preso € o conde voltou para casa de barco. Ao chegar, viu que os reféns tinham sido libertados e que sua residência

estava cercada. Naquela tarde, o lorde Almirante ameaçou explodi-la € O aspirante a usurpador do trono viu que sua única saída era entregar-se. SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

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A rainha soube dos fatos enquanto ceava, sozinha, e pareceu im-

Príncipe

Henrique

Falstaff,

1873.

| Quadro de Laslett Jobn

| | 1837-98.

|

e

Pott.

passível. No dia seguinte, limitou-se a dizer: “Um

ingrato sem razão

mostrou finalmente suas intenções”. Uma semana depois, ele foi julgado: estava calmo, vestido de negro — como o príncipe dinama rquês Hamlet, cuja história estava sendo escrita — e citou para o trib u-

nal uma fala de Henrique IV, de Shakespeare, escrita anos antes: “Me u destino não me preocupa. Devo a Deus uma morte” , ele disse. Em Henrique IV, parte 1,0 Príncipe Hal diz a Falstaff . “Deves a Deus uma

morte”, e Falstaff, sozinho no campo de batalh a, responde com o que chama de seu “catecismo”, iniciado pel a frase “ Ainda não chegou a hora...”

(Ato V, cena 2).

Mas a hora de Essex tinha chegado e ele a enfren tou com indiferença, frieza e fatalismo. No dia da execução, 25 de fevereiro (quarta-

feira de Cinzas), o conde declarou à Robert Cec il, chanceler-mor do reino:

“170

na Torre de Londres para que os berr os da multidão não o afetassem em sua última hora — e o conde de 34 anos agradeceu a Deus por SHAKESPEARE — AN THONY

HoLDEN

estar “sendo expulso da realidade”. Shakespeare lembrou-se dessa morte cinco anos depois, quando o personagem Malcolm, de Macbeth, rela-

ta a execução do senhor de Cawdor: “Nada em sua vida o honrou tanto quanto deixá-la”.

O amigo de Shakespeare, conde de Southampton, julgado e con-

denado junto com Essex, foi salvo graças à intervenção de sua poderosa e influente mãe, a condessa. Ela disse ao chanceler-mor do reino que seu filho era um inocente dócil, cujo único erro fora andar em má

companhia, e conseguiu que o chanceler usasse sua influência para

comutar a pena em prisão perpétua. Southampton definhou na Torre de Londres. Se há algo de Essex em Hamlet, há algo de Southampton

em seu leal amigo, o personagem Horácio. E também algo de Essex no personagem Laertes, cortesão que se torna renegado e desafia, temerário, O trono. |

pedido, 13

à Era

Hamlet, a longa e abrangente obra que Shakespeare vinha escrevendo há tanto tempo, anotando e assimilando fatos, usando todas as armas de estilo de seu fantástico arsenal, é cheia de referências. Sim,

na época o mundo teatral estava agitado, com guerras em duas frentes, e Shakespeare cita-as nas reflexões de Hamlet sobre atores € inter-

pretação. Mas, apenas para situar a peça no contexto, precisamos destacar as perguntas que Hamlet faz ao personagem

Rosencrantz sobre

“uma ninhada de pirralhos, vozes de falsete”: refere-se aos atores-mi-

rins da companhia Meninos da Catedral de St Paul, que irritavam as trupes estabelecidas. Tal companhia fez uma bem-sucedida temporada de tragédias de vingança no teatro Blackfriars, de 1600 a 1601. Hamlet

fica sabendo que, depois de “muito desperdício de inteligência”, as consequências chegaram até “Hércules e seu fardo”, referência ao teatro

Globe,

cujo emblema mostrava Hércules carregando o mundo

nos

ombros como faz, de certa forma, Hamlet. Há referência também à rusga dos Homens do Lorde Camerlengo com as autoridades por causa daquela perigosa matinê de Ricardo II, quando Hamlet pergunta por que O TEATRO 4

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Hamlet, 1604.

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os atores estão na estrada: “Por que viajam?”, e Rosencrantz responde : “Acho que suas dificuldades decorrem do fato recente” — Shakespe a-

re se refere à insurreição do conde de Essex naquele mês de fevereiro. De 1599 a 1602, travou-se uma guerra de estilo entre os dramaturgos, a “guerra dos teatros” ou boetomachia,

na qual Jonson, John

Marston e Thomas Dekker competiam com floreios dramáticos, faze ndo

sátiras de alvo certo, interpretadas pelas companhias de atores mirin s.

Hamlet fica sabendo que os atores enfrentavam outra vez temp os dificeis, não eram mais “seguidos” como um dia foram, por causa de um de meninos

— por meio dos quais um

, o.

SHAKESPEARE — ANTHON Y

HOLDEN

oportunista Jonson fez

Na

bando

guerra contra Shakespeare, dando-lhes peças como As diversões de cíntia (Cynthia's Revels).

A corte preferia as peças de Shakespeare às de Jonson, por isso ele podia se sentir acima da guerra de dramaturgos, enquanto avaliava

como tirar vantagem da situação. As tragédias de vingança ficaram, de repente, no auge da moda e não só na bilheteria da companhia Meninos de St Paul,

que se apresentava no teatro Blackfriars. A tradição

iniciada por Ésquilo e Sêneca renasceu a partir da Tragédia espanho-

la, de Kyd, e de Tito Andrônico, de Shakespeare. A vingança de Antônio (Antonio's Revenge), de Marston, fez grande sucesso, seguida logo depois pela Tragédia dos vingadores (The Revenger's Tragedy), de Tourneur, e pela Duquesa de Malfi, de Webster. Mas Shakespeare

iria escrever a mais ambiciosa tragédia de vingança, tirando vantagem do eterno problema da estrutura do enredo: o assassinato catalisador acontece no primeiro ato, e o assassinato de vingança precisa estar no

último, então o que fazer nos três atos intermediários? Ele decidiu manter a forma e criar um vingador filosófico, que passa esses três atos assolado por dúvidas morais e temores mortais.

Obra produzida mais ou menos na metade da vida criativa de Shakespeare, Hamlet é um divisor de águas na forma como o dramaturgo via a si mesmo e a suas habilidades. Tudo o que já havia escrito parece, de repente, uma preparação para esse momento, à medida que

ele voa mais alto e atinge horizontes mais amplos para mostrar todos os prismas de sua arte perfeita, encantando a platéia com arroubos de imaginação e sabedoria analítica cujos mistérios jamais serão compleEssa vertiginosa exibição de poesia e filosofia,

tamente desvendados.

bem sagacidade e discernimento, concentrada em um personagem mortal, talvez a mais completa criação da literatura, no qual cada geração encontra inúmeros reflexos de si mesma.

Hamlet não é apenas a mais longa peça de Shakespeare e a mais

Quando passa da comédia à tragédia, da grande para a pequena arte, da violência à calma, do amor ao ódio, da

ambiciosa,

tecnicamente.

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confusão à redenção, conta a história do ser humano como nunca foi contada,

antes nem

depois, expressando

tanto a experiência

indivi-

dual quanto a coletiva que pode conter um frágil e confuso ser, um poeta-filósofo que enfrenta todos os nossos problemas cotidianos enquanto tenta resolver o que nós jamais teremos de enfrentar: vingar O

assassinato do pai.

Hamlet é o trampolim de onde salta um Shakespeare bem diferente — mais profundo e multifacetado que aquele dramaturgo apenas talentoso e versátil que conhecemos até então. Assim, ele vai demonstrar as eternas fragilidades do ser humano

através das histórias de ho-

mens poderosos e de suas falhas mortais. É como se o homem de Stratford, de repente, perdesse a paciência com os bobos brigando em volta dele: as rixas esnobes de dramaturgos que estudaram em universidades, as eternas aflições dos atores-gerentes e empresários, os sentimentos volúveis da rainha e de seus cortesãos. Esse homem de Stratford elevou a arte do drama a um patamar inteiramente novo e muito mais alto; Hamlet

é a declaração unilateral de independência que marca o nascimento do Shakespeare mais maduro, o autor de Otelo e Macbethb e daquelas últiTETERS

mas peças, nas quais fatos trágicos trazem também uma redenção. Em apenas dez anos, ele tirou o palco inglês da comédia crua, da

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história pesada e do melodrama com assassinato e elevou-o a um nível de inteligência, honestidade, sagacidade e humanidade incomparáveis em qualquer outra época, antes ou depois. Hoje, quatrocentos vigor para cada geração,

ofe-

a

recendo um “espelho à natureza”, como diz o personagem-título no

e

Ato 3, cena 2. Com Hamlet, a Dinamarca passou a ser um país súbita no trono fi-

cou concentrada no rei escocês James, casado com uma princesa di-

namarquesa e católica chamada Anne. A partir dessas bases definidas, Shakespeare parece ter nostalgia ao escrever o que devia saber que era sua obra-prima.

a

de Essex, a eterna dúvida da sucessão da Rainha Virgem

a aa

€ singularmente citado por pessoas comuns. Desde a morte do conde Cão lado) O ator

Joseph Talma. 1763-1826, no papel de Hamlet. Quadro de Antbelme

François

O TEATRO GLOBE

Mae

Lgrenee, 1774-1832.

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o mesmo

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anos depois, Hamlet fala com

175

* 0 “O de madeira”,

o

teatro Globe,

* em Southbwark.

A lembrança do filho Hamnet faz com que a peça tenha um peso muito emocionante nas relações entre pai e filho. No dialeto falado na época na região de Warwickshire, os nomes Hamnet e Hamlet eram,

Eros

na verdade, iguais. Já no Fantasma do pai de Hamlet — papel que ele interpretou — Shakespeare parece homenagear a si mesmo, então uma sombra do que foi, no limiar daquele lugar “de onde nenhum viajante volta”, para citar uma fala de Hamlet.

Em 8 de setembro de 1601, Shakespeare voltou a Stratford para O enterro do pai, no cemitério da igreja de Santíssima Trindade: John Shakespeare tinha vivido mais de setenta anos, uma idade considerável para a época. Mas pouco sabemos dele após a meia-idade; a maioria de seus amigos já havia saído de cena há anos, sendo apenas uma lembrança, como ele mesmo, de um importante líder municipal. Mas temos certeza

de que, no final da vida, o luveiro aposentado desfrutou de certa dignidade como eminência local, satisfeito de ver sua passada glória refletida num

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filho que fazia fama na capital e tinha a maior residência da cidade.

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SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

Shakespeare passou a ser o chefe da família e parece ter visto a

morte do paí como quase todos os filhos vêem: um lembrete da própria finitude. Foi talvez nesse momento, mergulhado numa compreensível crise de melancolia, que ele viu que não tinha mais qualquer vestígio de fé religiosa. O fatalismo de Hamlet, tão sedutor para a angústia existencial de quatro séculos de adolescentes, passa para a to-

tal descrença de Tróilo e Créssida, a peça mais sombria € pessimista

que ele escreveu. Shakespeare baseou-se na antiga lenda dos amantes

separados pela guerra — que conhecia desde o tempo de escola, na versão de Chaucer — e transformou-a em mais do que uma mera acu-

sação de inconstância ou em mais do que uma fábula sobre a falta de sentimento do ser humano em relação aos demais. Essa obra traz a mais ampla gama de personagens (a maioria, líderes mundiais) que não consegue atingir seus ideais. Eles só falam, não fazem — até que são

atingidos por acaso pelos motivos mais simples, longe dos ideais que dizem representar. Poucos têm muitas características redentoras e o

único personagem que se mantém fiel a si mesmo, falando com mais

sentido, é o cínico e vagabundo palhaço Térsito — mais um grande papel para Robert Armin.

De todas as peças do dramaturgo, Tróilo e Créssida é a única totalmente aceita pelo século XX — desde os tempos de Shakespeare. parece ser a primeira a encontrar sombrios ecos em sua visão cere-

bral de um mundo em guerra. A peça teve um renascimento após a Segunda Guerra, fazendo parte do repertório teatral do planeta, no mesmo nível das outras mais conhecidas. Na época em que foi criada, tudo indica que Tróilo e Créssida teve menos sucesso no teatro Globe

do que nas apresentações para platéias cultas, de advogados e membros da corte. Nesse sentido, enquanto Hamlet continuava a lotar os teatros, Shakespeare manteve seu exemplar de Chaucer a mão e a Biblia na cabeça para uma homenagem pessoal a O parlamento das aves, de Chaucer, em sua próxima obra,

lançada sem título, mas conhecida

como A fênix e a rola (The phoenix and tbe turile). Trata-se de uma O TEATRO GLOBE

177



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Jonson, Marston e Chapman no livro Mártir do amor ou Lamen to de Ro-

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produção caiu pela metade e ele fez apenas uma peça por ano. No meio da carreira, Shakespeare também inter-

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rompeu as parcerias: ao começar a escrever, dividia o crédito das peças

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com outros autores, o que voltaria a

Capa de fantasmas €

fazer no final da carreira. Mas, quando chegou no auge de sua inspira.

ele deixou

espíritos que

ção,

traduzido por

Middleton,

1572.

Marston

andam à noite)

Robert Harrison,

o trabalho

Webster

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para outros,

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e até Jonson,

que

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trabalhou

em Leste, ei! (Eastewara, Ho!).

sobretudo

com

Dekker,

Chapman

Nesse momento,

e

quando o

glorioso reinado de Elizabeth caminhava para o fim, Shakespeare foi convencido

a resgatar um texto que, devido ao tema delicado, sofreu

cortes.

inúmeros

Sir Edmund Tilney, o Mestre de entretenimentos da corte, tinha exigido vários cortes e mudanças na peça de Anthony Munday sobre Sir Thomas More. Famoso pela oposição que fez ao amado pai da raínha,

More

acirrava

as sensibilidades

reais.

Os

escritores

Dekker



Heywood se envolveram no caso, tratando com jeito da questão dos 7)

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menos de cinco pessoas fizeram acréscimos ao manuscrito original, que

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SHAKESPEARE — ANTHONY HoLD EN

pode ser visto na Biblioteca Britânica, junto com as reclamações do Mestre.

Entre eles, sem qualquer dúvida, estão os acréscimos à mão feitos por shakespeare:

nos fólios 8 e 9 temos os únicos exemplos de sua letra,

além das cinco ou seis assinaturas autênticas e conhecidas. Os dramaturgos rivais de Shakespeare estavam longe, em via-

gem com seus patronos, e os Homens do Lorde Almirante aguardavam que Henslowe terminasse a construção de seu novo teatro. Era natural, portanto, que tais dramaturgos procurassem, desesperados, acionista da trupe Homens

o colega que era também

do Lorde

Camerlengo. Naquele momento, Shakespeare era um escritor independente, abastado, que não precisava colaborar apenas por dinhei-

ro. Mas o ideal do mártir católico Thomas More era um tema de óbvio interesse para Shakespeare, mesmo se sua fé tivesse acabado. More se opôs ao anglicanismo de Henrique VIII, foi canonizado em e é festejado

a 22

de junho.

Desde Júlio

César,

Macbethb

1935

e outras

peças, o dramaturgo se interessava por ideais nobres e pessoas dis-

postas a morrer por eles. Pu “Ba

Em 2 de fevereiro de 1602, dia de Nossa Senhora da Candelária, o estudante de direito John Manningham assistiu a uma comemoração no Middle Temple seguida de um entretenimento apresentado pelos Homens do Lorde Camerlengo. “Vimos uma peça chamada Noite de reis ou O que quiserem”, ele anotou em seu diário. Em 6 de janeiro do ano anterior, Dia de Reis, a rainha tinha encomendado à trupe uma visita oficial a do can mar , all teh Whi o áci pal no r nta ese apr peça para no de dom Virgínio Orsino, duque de Bracciano, pequena província imporoeste da Itália. Será que Shakespeare deu por acaso O nome do

que tante hóspede da rainha para o apaixonado Duque de Ilíria? Será chamou a peça de Noite de reis ou O que quiserem por não enconostrar outro título? As três peças do meio de sua carreira têm títul coringa e a que foi encenada

naquela noite não foi registrada na cor-

O TEATRO GLOBE

179

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te, mas o duque italiano escreveu para a esposa que foi homenageado

numa “espécie de comédia, com trechos de música e dança”. gmbora Noite de reis tenha tido sucesso popular durante a vida de Shakespeare, só foi publicada em 1623, no Primeiro Fólio. E desde que passou a integrar o repertório popular do Globe, as ações de Sha-

kespeare começaram

a render dividendos. Em 1º de maio de 1602,

ele pagou a considerável soma de 320 libras (quase o preço de New Place) a William Combe

e seu sobrinho John por 107 acres de terra

arável na parte “velha” de Stratford, um campo para plantio no norte

e

ia

da cidade. E não se preocupou em ir a Stratford para fazer o negócio: mandou o irmão Gilbert representá-lo na entrega formal dos quatro

e

“terrenos”. Seis meses depois, em outubro, adquiriu também um chalé ao sul de Chapel Lane, do outro lado da rua onde ficava New Place,

aparentemente para ser a casa do jardineiro. No final de 1602 — que, pelos padrões dele, havia sido um ano monótono em matéria de trabalho —, é curioso que Shakespeare estivesse tão preocupado com suas terras em Stratford quanto com seu

gel

trabalho. O bardo e o dramaturgo pareciam ter se acalmado. Mas era como se ele precisasse de um novo empurrão, talvez vindo de fora, A

para renovar as energias criativas e iniciar uma nova fase de trabalho,

E

um novo patamar de realizações. Homem de seu tempo, mas sempre

CRE

E.

à frente dele, encontrou esse estímulo nos graves acontecimentos do

início de 1603 — que estavam para ocorrer há muito, mas não deixae

vam de ser um motim de estado.

PETIT

No dia 2 de fevereiro de 1603, os Homens do Lorde Camerlengo

fizeram um espetáculo para a rainha. Foi o último: seis semanas dePois, no dia 24 de março, após quarenta e cinco anos de um reinado que ainda está entre os mais gloriosos da história inglesa, Elizabeth 1

exalou o último suspiro.

(Ão lado) Rainha Elizabeth I em

trajes de coroação, cerca

de 1559. Escola Inglesa, século XVI.

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O TEATRO GLOBE

181

O Homem DO REI CarpíruLo

VII

1603-1606 xo

é

Com sua ousadia, Shakespeare pode ter se arriscado perigosamente a atingir o rei, suge-

rindo que os governantes precisam ouvir duras verdades ditas por seus assessores e não se privar de seu conforto material para

perceber que são, afinal, “um animal” tão “pobre, nu e bípede” quanto seu mais humilde súdito.

Sai de cena a dinastia Tudor, entra a Stuart. Somente quando já estava no leito de morte, Elizabeth dignou-se a indicar seu sucessor, sussur-

rando aos conselheiros particulares que só poderia ser sucedida por um

rei —

“E quem,

senão

nosso

primo

Os

da Escócia?”.

cavaleiros

partiram a galope para levar a notícia a Edimburgo, onde vivia o rei James VI da Escócia, a partir de então James I da Inglaterra. O novo

rei empreendeu uma jornada triunfal rumo ao sul. Dois anos mais jovem que Shakespeare, James era um homem culto, mas desairoso e comodista, apreciador sobretudo de comidas e vinhos — estes, gostava que lhe fossem servidos de joelhos, de preferência pelos nobres que competiam para diverti-lo com pompa na imponen-

te viagem de seis semanas até Londres. No caminho, o novo rei exero tado) O rei

ceu a justiça e as honrarias com a mesma liberalidade, sagrando nada menos de trezentos novos cavaleiros, enquanto se esforçava para PãR

.

recer imparcial com quem desrespeitasse a lei. No dia 21 de abril, em =

Newark,

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libertou,

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magnânimo,

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todos

os presos

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do

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1621

Quadro de

Daniel

Mytens,

cerca de 15901648.

O Homem

Do RE

183

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ordenou a execução imediata, sem julgamento, de um pobre larápio pego em flagrante no meio da multidão que tentava avistar o rei, de longe. Esses extremos de justiça e misericórdia, somados ao medo de Jame s de exibir sua real pessoa para o povo, deram algumas idéias a Shakespe are. O soberano já estava fornecendo ao dramaturgo material para a nova peça

que sua trupe apresentaria na corte, nos festejos do Natal.

Dez dias após chegar a Londres, e apesar de outros problemas

exigirem a sua atenção, o novo rei assumiu o patrocínio dos Homens

do Lorde Camerlengo. Shakespeare passou a ser um dos Homens do Rei — seu nome está na declaração preparada sob as orde ns de James,

por Lorde Cecil, chanceler-mor do reino, e emitida pelo Grande

Selo

da Inglaterra no dia 17 de maio de 1603. Ão colocar os Homens do Lorde Camerlengo sob sua proteção, James confirmou oficialmente que essa companhia teatral era a mais impo r-

tante do reino. E o rei seria um valoroso patrono de Shakespeare e de seus companheiros: nos treze anos entre sua ascensão ao trono e a morte do dramaturgo, os Homens do Rei se apresentaram na corte nada menos que 187 vezes. Assim, houve uma média de treze encenações anuais

na corte, contra três por ano no reinado de Elizabeth. Além do mais, O rei pagava o dobro, fazendo com que seu entretenimento pós-ceia se transformasse num sumidouro das finanças reais. Para os Homens do Rei, era um emprego rendoso até quando os teatros fech avam por causa da peste — em agosto, por exemplo, os atores receberam 21 libras € 12 xelins para entreter o novo embaixador espanhol, Don Juan Fern andez

de Velasco, na Somerset House. A peste, que assolou a cidade dur ante

quase um ano, fez com que os londrinos endinheir ados saíssem da ca-

pital e levou o rei a refugiar-se em Wilton House, perto de Salisbury,

como hóspede da condessa de Pembroke. No out ono de 1603, seus atores tiveram ordem de encenar lá q peça Como gostais, trabalho pelo qual receberam a generosa quantia de 30 lib ras. “Shakespeare está aqui conosco,



escreveu a condessa para o filho William,

patrono

que tinha seu nome, os Homens do Conde de Pembroke. SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

da trupe

A condessa era irmã do falecido Sir

philip Sidney e muito culta, daí

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ter editado seus sonetos, Astrofel dee Stella (A strophel and Stella) pois que ele morreu na batalha

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de Zutphen. Com 42 anos, ain-

da famosa pela beleza, a condessa gostava tanto de teatro que tentou escrever uma peça. Portanto, nessa estada do rei e de seus atores, é bem provável que a aristocrata tenha mostrado a Shakespeare seu modesto esforço, Antonius, adaptação da peça MarcAntoine,

de Robert Garnier, um francês influenciado

por Sêneca.

A incrível condessa pode ter dado idéia a Shakespeare de escrever Antônio

e Cleópatra, e certamente inspirou um personagem im-

portante na peça que estava sendo criada, Bom é o que bem acaba (AIl's Well That Ends Well ). O escritor George Bernard Shaw — sem se importar com os admiradores da Julieta de Romeu, da Pórcia de O

mercador de Veneza, da Rosalinda de Como gostais ou da Cleópatra

de Antônio — afirmava que a condessa de Rousillon é “a mais encantadora de todas as personagens shakespearianas, jovens ou velhas”.

Na peça, Bertram, o filho da condessa, rejeita um casamento arranja-

do, como fez o filho da condessa de Pembroke na vida real, sem falar naquele outro nobre que entra e sai da vida de Shakespeare, o conde mais uma comédia com título-coringa, elegante

Em

de Southampton.

a ponto de ser escrita mais para uma platéia seleta do que para o pú-

blico em geral, o bardo estava, de novo, tratando de assuntos delica-

dos, próximos dos que ele mesmo vivia.

A esposa abandonada que faz tudo para recuperar o marido é um tema antigo, remontando aos mitos gregos, assim como o governante

1

tas .



.

=

— O Homem DO REL tgo 4

Mary Herbert, condessa de Pembroke, cerca

de 1590.

Quadro

de Nicholas

Hilliard.

15471619.

desonesto que corrompe a justica para satisfazer sua lascívia.

Em

Laos

M

j

e-

dida por medida (Measure for Meastre), Shakespeare está : mais ne ainda “di sombrio, misturando linguagem religi osa € fantasia numa obra che; de sexo. hipocrisia € morte. A acção se pas sa entre os apo E h sen tos À padTtiÉ

É

Cia

culares de Angelo — uma prisão e um bordel — e, f além de +ser un das mais

racionais,

sonagem

é uma

das mais

fortes em

Isabela € casta € virtuosa. quase

matéria

de sexo

4

pretensiosa,

à

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A

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K|

per-

e vaiE Cntrar : nu m

convento quando seu irmão Cláudio é cruelm ente condenado à mo te por engravidar a futura noiva. Ange lo então insist a e em

vores

sexuais de Isabella

num

em

troca da vida do irmão

plano acima da fonte em

de Juristo.

Epitia

e o irmão

que Shakespeare Vico.

poeta italiano Giovanni

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obter osa f al

dela,ao ÍA peçai fi

Cd

se inspirou: o conto

dramatização

de

uma

novela

do

Batista Cinthio. Esse autor tambem iria inspirar Shakespeare em sua próxima obra. mu ito sensual. De novembro de 1604 a 31 de outubro de 1605. segundo os registros do Mestre de entretenimentos da corte. Shakespeare é os Homens do Rei se apresentaram pelo menos on ze vezes na corte, em dez peças diferentes, sendo sete de Shakespe are — a maioria, grandes sucessos, desde 4 comédia dos erros Trabalhos de amor perdidos à As alegres comadres de Windsor. A uni ca peça que o rei pediu para Ser reapresentada foi O mercador de Vene za. Em Medida por medi da, Shakespeare se arriscou de novo: atendeu do interesse de James por

justiça

essas

duas

parece

ca de quinze

mente (Aco

lados

Cate,

Desdémonda



tape. (Quadro de Henry Munro, Ju J-tAIa

186

por

anos

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“li da. medi

o desencanto

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chegar ao final de uma

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blema”.

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hoje ser dificil

essd Peça — € preferível co nsiderá-lo uma peça “proclima soturno « humor agressivo: passa-se quase total . ro, naad penu mbra«

supor que Shakes peare I | espear e

ex

explorou

ou em

interiores sombrios.

o Veio até o fim, chegando

O que a um

faz des-

fecho natural. - Os 28 proble“mas mas colocados pela última cena sugerem que

o autor Cinthio

t bém “m foi tam foi uma de suas inspirações para criar Otelo SHHA AKRE ESSP P EARE

= ANTHONY

HoLpex

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Medida por medida foi a última comédia de Shakespeare. As grandes tragédias que estavam por vir já tomavam for ma em sua imaginação.

“Matemos

todos os advogados”,

escreveu

ele, na segunda

parte

da trilogia Henrique VI. Desapontado com a lei e com seus admi nistradores, Shakespeare demonstrou nessa frase uma irritação pessoal e filosófica. Continuava a ser perseguido pela ineficiência da lei em pro-

teger seus direitos autorais, como prova o aparecimento, em 1603, de um im-quarto corrupto de Hamlet. Isso fez com que sua trupe — não

ele, exatamente — revisasse e publicasse o text o, poupando assim a posteridade daquela ridícula reconstrução de mem ória” da mais famosa fala da literatura.

Minúcias legais continuavam a atormentar seus negócios em Stratford. Na primavera daquele ano, ele foi obriga do a processar O vizinho e boticário Philip Rogers pela mísera dívida de pouco mais de duas libras. Shakespeare vendeu a Rogers 70 litros de malte, emprestou mais dois xelins, mas foi reembolsado em apenas seis. Pediu 10 xelins por danos, além dos 35 xelins e 10 centavos devidos. Não há registro da decisão do tribunal, nem

do pagamento

da dívida, mas não foi a última vez em que processou devedores. Por ironia, na época ele morava em Londres,

e voltaria a ser ator-

mentado por problemas domésticos, num proces so prolongado —

dessa vez, não como acusador nem

como

nha.

Em

réu, mas como

1604, a peste voltou a assolar Londres.

testemu-

Shakespeare morava

na Silver Street, em Cripplegate, com uma famíli a chamada Mountjoy. Provavelmente,

conhecia-os

há alguns

anos,

pois

deu

esse

nome

huguenote ao mensageiro francês da pe ça Henrique V, escrita quando ele e o teatro Globe se mudaram para o outro lado do rio, em 1599. Talvez também tenha conhecido a família através do amigo Richar d Field, o tipógrafo de Stratfor d, que morava em cima da oficina que possuia na Wood

188

Street e era casado com um a francesa, Jacqueline. A SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

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esposa deveria frequentar a mesma igreja francesa de Londres que Mary

Mountjoy. Não sabemos por que nem quando Shakespeare voltou à morar no outro lado do rio, nesse canto

a noroeste das muralhas

da

4 silver Streer,

em Cribplegate,

mapa atribuídoa

Ralpb Agas.

cidade. Pode ser que a peste tenha sido motivo suficiente, € não seria

coincidência que seus companheiros e amigos John Heminges e Henry Condell

perto,

morassem

na paróquia vizinha de Santa Maria, em

Aldermanbury. A Silver Street era o centro

de uma

lucrativa indústria de peru-

cas, que havia sido patrocinada pela falecida rainha. Graças a Ben Jonson, sabemos os deliciosos detalhes de que “os dentes dela foram feitos em Blackfriars, as sobrancelhas,

na Strand e a peruca,

na Silver Street”.

O senhorio de Shakespeare, Christopher Mountjoy, era um próspero

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O Homem Do REI

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189

1633.

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fabricante

de “tiaras”, jóias caras para enfeitar os cabelos das damas

bempostas. Em 1604, quando Shakespeare morava com essa família. a filha Mary (mesmo

nome

era cortejada por Stephen

da mãe)

Belott,

um dos aprendizes do pai. O pretendente tinha a aprovação dos futuros SOgros mas, como exigia um dote maior, eles pediram a Shakes-

peare que interferisse. O bardo conseguiu um acordo que agradou as duas partes: 60 libras de dote ao se celebrarem as núpcias e 200 libras

Mountjoy morresse, conforme declarou Belott. E o casamento se realizou no dia 19 de novembro, na igreja paroquial de São Olavo. O caso poderia terminar aí — e haveria só uma sugestão de Shaquando

kespeare

bancando

o relutante

Pândaro,

personagem

de Tróilo

e

Cróssida —, mas as duas partes não cumpriram o combinado. Em vez de continuar morando na Silver Street para herdar o negócio da famiília, como

era de esperar, Belott pegou Mary, abriu uma loja concor-

rente e contratou um aprendiz. O irado Mountjoy então deu como dote apenas 10 libras, móveis velhos e objetos usados — de lençóis gastos

a uma tesourinha. Mary a mãe, implorou em vão ao marido que tratasse melhor a filha; quando faleceu, dois anos depois, em 1606, houve

uma trégua temporária. O jovem casal voltou para cuidar do viúvo e se associou a ele. Mas logo se desentenderam outra vez e Belott saiu levando a esposa: Mountjoy ficou sozinho, chorando as mágoas. Em 1612, quando Shakespeare estava de volta a Stratford, Belott soube que o velho sogro, amargo e cada vez mais perdido, estava gastando a he-

rança com bebida e ia acabar deixando o genro sem um centavo. Shakespeare então foi intimado a comparecer ao tribunal em

Londres para dar prova do verdadeiro acordo conjugal. Já tinham se passado oito anos e ele não se lembrava muito bem das coisas. Em

seu depoimento,

descreveu

o aprendiz

Belott como

“um

cria-

do muito bom, trabalhador” que “se sustentava bem e com honestidade”; libras

lembrava-se

de uma

prometidas quando

dívida de 50 libras, mas não das 200

Mountjoy morresse. O Tribunal de peti-

ções adiou o caso por um mês e pediu a Shakespeare que voltasse,

O Homem

DO REI

tdo

lado)

“Ndo

fico feliz ao ouvir uma

doce musica”

de O mercador de Veneza, 1888.

Quadro de Sir Jobn Everett

Millais,

1829-96.

191

mas

não

voltou:

a rixa

era

muito

antiga

e ele tratava

com

advoga-

dos a vida inteira. O tribunal acabou fazendo uma Vaga avaliação no caso do pai zangado e do genro insatisfeito e concedeu a Belott 20 nobles, uma antiga moeda de ouro, corresponden te na época a G libras

13 xelins e 4 centavos.

nha pago.

Não há registro de que o SOgro te-

Esse confuso drama doméstico poderia rechear um a farsa sobre

“amigos e parentada”, se ele não tivesse há pouco deixad o essas ve-

lharias para trás. Mas o caso dá uma

tocante mostra de Shakespeare

como inquilino responsável — “um homem entre homens”, pronto a

tentar resolver os problemas dos outros.

Essa prévia do dramaturgo

envelhecido, com a memória meio falha e irritado co m a intimação para sair de seu tranqúilo retiro no campo, indo e voltando de Londres, assumiu um significado especial em 1604, quan do a triste história começou. Pois o ano de seu quadragésimo aniver sário foi certamente outro divisor de águas na vida de Shakespear e, e uma súbita mudança na sua dramaturgia faz supor um pre sságio tanto no plano físico como no psicológico. O poeta-ator-dramaturgo continuava atuando no palco e escrevendo como nunca — há registros de sua participação como ator na peça Sejanus, de Ben Jonson, em 1603. Como qualqu er londrino, ele

gostava de beber, pois a capital ainda não dispunha de água potável e o chá não havia se tornado um hábito inglês . Shakespeare apreciava também massas e doces, mas não é preciso sair correndo para confe-

rir seu índice de colesterol: ele parece menos guloso do que Jonson.

Até a gulodice do personagem Falstaff res umia-se a capões, ricos em

proteínas, apesar de o príncipe Hal (fut uro Henrique IV) criticá-lo por comer muito “açúcar e doce”. Ma çãs e queijos são servidos em As alegres comadres de Windsor, legumes, na caverna de Timão de Atenas, e Macbeth parece falar por Shakespe are de uma dieta “sem excessos”, ao brindar seus convidados no almo ço, dizendo: “Para boa mesa, boa digestão; saúde em ambos!”. RI q

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SHAKESPEARE — ANTHONY Ho LDEN

Ham, To be,ornottobe,I there's the point, To Die, to Íleepe,is that all? Tall: Noto flecpesto dreame, mary thereit goes, Form that dreameof death, when wee awake, And borne before an eucrlafling ludge,

From whence no paflenger eucr retur nd,

“Ser ou não ser”,

The vndifcouered country, at whole fight

Fhe happy fimle,and the accurfed damn d. But for this,the ioyfull hope of this,

|

Whol'd beare the (cornes and flattery of the world, Scorned by the right rich,the rich curíled ofthe poore?

de memória, lembrado por

atores inescrupulosos.,

conforme a

edição pirata do

quarto de 1603, de Hamlet.

Se Shakespeare estava com problemas, eram mais do espírito que do corpo. Ao completar 40 anos, o mundo lhe pesou nas costas. O dramaturgo já não demonstrava a alegria exuberante do começo. Suas últimas peças rotuladas como comédias foram criadas por um homem pensativo, nostálgico,

mais cético do que cínico, mais calejado do que vivido, velho antes da hora. Na época, 40 anos era uma idade avançada, cinco anos acima da média de vida, principalmente para os que moravam na capital sem

lei, poluída e assolada por doenças. A morte do filho atingiu-lhe a alma, mas o falecimento do pai o envelheceu. A alegria de viver acabou e só

às vezes reaparece em seus textos, substituída pelo espírito mais sombrio e especulativo que resultaria em suas obras da maturidade.

cê Quaisquer que fossem suas preocupações, Shakespeare resolveu

se dedicar a um tema que não havia explorado em nenhuma das 26 peças anteriores, mas ao qual voltaria, como que obcecado: o ciúme.

Ao ler ou assistir a Otelo e Conto de inverno, ou ao apreciar os Sonetos, vê-se logo que o poeta capaz de evocar, em uma linguagem tão violenta, “o monstro de olhos verdes”, certamente devia ter passado

por essa terrível experiência.

O Homem Do Rei

193

Mas não devemos

nem

pensar que tal ciúme fosse causado pela

distante esposa Anne, pois alguns observadores

(inclusive o Persona-

gem Stephen Dedalus, de James Joyce, em Ulisse s) chegaram rir que Richard, o irmão de Shakespeare, cumpria os deveres do na cama. A Dama Morena servia tanto par a provocar ciúme para transmitir gonorréia — mais, talvez, do que as londri nas

a Ssugedo bar. quanto

da noi-

te. Mas quem, naquele exato momento, poderi a provocar emoções tão fortes, aumentando o arrebatamento entre “bo des e macacos”, como

diz Otelo? Quem, senão a causa indireta de seu s futuros problemas legais, Mary Mountjoy, a mãe?

envolvidos. Descendo na escala social, é precis o ocorrer algo fora do é

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Sebastiano Novelli, 1853I9I6.

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Útelo. Quadro de

Na corte da época, o adultério parece sobreviver aos caprichos do tempo e aparece em diários e cartas para abalar a reputação dos

normal para que segredos culpados sobrevivam a mais de quatrocentos anos.

Mountjoy,

Para mal de Mary

ela procurou

o mé-

dico-astrólogo Simon Forman, que costumava anotar os males de

seus pacientes-clientes. Mary consultou-o ao pensar que estava grávida de um vizinho chamado

comer-

Henry Wood,

ciante de tecidos da esquina de Swan Alley. O médicoastrólogo escreveu então, com letra quase ilegível, no caderno guardado na Biblioteca Bodleian, de Oxford:

“Mary Mountjoy esconde segredo”. O caderno traz também notas sobre a mulher de Richard Burbage, Winifred, e até sobre Philip Henslowe, tratado em

1597 de “zunidos,

cocei-

ras na cabeça e muita melancolia”.

Mas Mary Mountjoy não estava grávida. Continuou

casada, viu a filha tam-

bém casar-se (com o aprendiz) e tudo o mais. Pergunta-se: será que Mary-mãe era frívola a ponto de seduzir seu pensionista — que tinha tendência, como veremos,

a tirar proveito de suas senhorias — e de-

pois atormentá-lo com a atenção que dispensava ao vizinho Wood ou ao marido? Será que Mary e Shakespeare foram amantes secretos durante cinco anos ou mais, antes de se-

rem inquilino e proprietária? E o personagem Mountjoy, de Henrique .

a

V, seria um agradecimento

a

,

;

,

em código à galante ajuda dela, nas aven;

E

turas francesas da peça? Ou será que Christopher Mountjoy confidenciou é

é do pensionista seu sofrimento porque a esposa estava apaixonada por

Embaixador

IRONFO

Hd

da rainha

Elizabeth,

1600-1601. na éDoca em que Shalbespeare escrevia

outro?

Essas são dúvidas passageiras, nada mais, pois Shakespeare conhecia

bem as dores do ciúme antes de morar na casa dos Mountjoy. Os últimos Sonetos

têm muito das agonias terríveis que aparecem em Otelo.

O Homem DO REi

Corte

195

Otelo.

Quatro anos antes, o dramaturgo atuou ta mbém como dtOr Na corte, durante a longa visita do embaixador mouro do então reino da Barbária. no norte de África. O embaixador era um a figura exótica. que atraiu

muita atenção: ele e seu séquito de muçulm anos

foram descritos como

“bárbaros”. Um

“de jeito estranho”

retrato dele, pintado durante q visita, tem a inscrição em latim Legatus regis barbariae in Angliam e traz à baila a velha discussão sobre a etnia exata que Shakespeare queria dar à palavra mouro. Pergunta um dos mais recentes editores da

peça: “Será muita imaginação supor que o ros to do embaixador incendiou a fantasia de Shakespeare, inspirando-o a escrever a tragédia ( Jtelo?”, John Leo, um mouro criado com os bérberes, escreveu sobre seus

conterrâneos: “em nenhum lugar do mund o as pessoas são tão ciumentas e preferem perder a vida do que provocar alguma desgraça por causa de suas mulheres. Os mouros são orgulh osos, magnânimos e muito

vingativos. Têm boa índole e são tão crédul os à ponto de acreditarem

em tudo o que ouvem”. tempo,

Em suas peças anteriores, Shakespeare

as classes sociais. q nobreza,

a credulidade,

usa o

a domesticidade,

os conceitos de saber e de honestidade — ma s em Otelo ele cria o primeiro exemplo de um negro mobre, embo ra falível, da literatura ocidental. Numa época em que Sir Robert Cecil, chanceler-mor do reino, ouvia reclamações por causa da quantida de de mouros que se infiltravam” na sociedade inglesa, Shakespeare foi no mínimo ousado ao fazer de um

nobre o mais bondoso

de todos os seus heróis trá-

gicos — tão esclarecido ao tratar de preconce ito racial como fora, de forma pioneira, contrário à intolerância, em O mercador de Veneza, com relação aos judeus. O personagem

lago, de Otelo, é à imagem

mais diabólica de to-

das as que Shakespeare faz de um demônio encarn ado, ainda mais duro

porque, CÃo lado)

Cena de Coriolano,

1797.

Quadro de Sir Francis

Bourgeois, 1756-1811.

196

ao contrário

de Ricardo

Ill e de Aarão,

o mouro

de

Tito

Andrônico, ele não mata ningué m pessoalmente — só por meio s indieneral

Otelo

com

a noiva,

Desdêmona, porque teria sido preterido por Cássio co mo lugar-tenente SHAKESPEARE

= ANTHONY

HoLbDEN

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RE E

A

€ traído por sua mulher,

Emília, seduzida

pelo mouro.

Mas CSses mo-

tivos são tão inadequados - principalmen te o segundo - que soam como uma justificativa confusa e quase apolog ética. A famosa conclusão de Coleridge é perfeita: “buscar motivo para uma maldade sem motivo”. Na falta de qualquer elemento sobrenatur al (como em Hamlet e Macbeth) ou de algum grave distúrbio psic ológico (como em Lear), Otelo continua sendo a mais profunda e a ma is direta das quatro grandes tragédias shakespearianas. O protagon ista se perde como pessoa e não como homem público, causando um entrave político passageiro ao país para o qual trabalha, mas nenh uma grande alteração da ordem natural. Sem as complexidades me tafísicas de Hamlet ou Lear, a peça costuma causar um impacto mais di reto na platéia. Um dos grandes intérpretes de Otelo no século XIX, o ator William Macready, estava em cena agarrado ao pescoço de lag o, quando um homem na platéia não agiientou mais e gritou: “Mata! Mata esse demônio!” Será que o rei ficou ofendido quando ass istiu à peça, em 1º de novembro de 1604? Não temos motivo para supor que sim. Mas o nome inglês James em espanhol é lago (Tiago) e a Espanha era velha inimiga da Inglaterra, enquanto todos os outros personagens venezianos têm, adequadamente, nomes italianos. Se Otelo

tomou

liberdades com

o nome

do soberano,

Rei Lear

zombou de seu gosto pela bajulação, e a peça seguinte, Macbetb, ambientada na Escócia, traria ecos inquietantes de um recente atentado contra a vida do rei. Não, James era vaidoso demais para se ofender com

detalhes de Otelo e Lear.

E gostava muito

de teatro para sentir

algo senão prazer com o produt ivo e erudito dramaturgo de sua trupe.

Com

sua ousadia, Shakespeare pode ter se arriscado perigosamente a

atingir o rei, sugerindo que os governantes pr ecisam ouvir duras ver-

dades ditas por seus ass essores e se privar de seu conforto

material

para perceber que são, afinal, “um an imal” tão “pobre, nu e bípede” quanto seu mais humilde súdito. As referências exte rnas

mais interessantes

que a peça faz são ao

próprio autor. Se ele é o Bobo de Lear para o rei James, é, mais ainda, 198

SHAKESPEARE

= ANTHONY

HOLDEN

É o =

O pai que perdeu seu amado filho e que despeja nas filhas todo o seu amor paterno, aguçado por anos de ausência culpada. vezes



em

Coriolano

e Conto

de inverno



Só mais duas

Shakespeare

Rei Lear.

quadro

de Paul

Falconer

Poole,

1807-79,

daria a

a

maldade das irmãs — é precursora de Marina, personagem de Péricles,

de Imogênia, personagem de Cimbelino, de Perdita, de Conto de inverno, e de Miranda, de A tempestade. Shakespeare pensava em suas filhas, Susanna e Judith, então com 22 e 20 anos, respectivamente, os

na

ado ia

dotes de Stratford.

a e

melhores

o

que fica ainda mais pura em contraste com

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nas filhas. Cordélia —

Co

dos no tempo. A partir de Lear, a ênfase é quase exclusiva, obsessiva,

Ea ER

se fossem jovens Hamnets congela-

ERRO od

como

der

casos, são filhos pequenos,

TTe

protagonistas um filho importante, ainda que remotamente. Nos dois

O Homem

DO Rei

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Talvez pensando também

no dote das filhas, tratou de ampliar

suas posses em Warwickshire com uma grande compra. Em 24 de juho de 1605, ele pagou nada menos que 440 libras em “glebas de mi-

lho, grãos, cereais e cevada” na velha Stratford, em Welcombe

e em

pishopston. New Place, sua casa em Stratford, tinha custado quase um sexto dessa quantia.

Shakespeare

seguir o conselho de Abraham

esperou bastante (sete anos) para

Sturley, sugerido por Adrian Quiney.,

de que essa compra poderia ser um bom investimento. Documentos mostram que as terras eram de Ralph Hubaud, de Ipsley, uma ex-auto-

ridade do condado

— mostram também que Shakespeare tinha ami-

gos sinceros e confiáveis em Stratford. A testemunha da compra foi Anthony

Nash,

de Welcombe,

o mesmo

de três anos antes, a quem

Shakespeare encarregaria de cobrar seus aluguéis, e cujo filho se casaria com sua neta. Outro amigo era Francis Collins, o advogado que

tratou do negócio e que seria, junto com Nash, lembrado no testamento do bardo, do qual Collins também cuidou. Em

1605, quatro anos após a morte do pai, Shakespeare tinha

refeito as finanças da família. Ele era proprietário da casa em Henley Street, hoje conhecida como o “local de nascimento”; do bonito terreno em

torno

de New

Place, com

um jardineiro em tempo

e de vastos terrenos dentro e em redor da cidade —

integral.

bens mais que

suficientes para garantir o futuro da família. Aos 41 anos, ele não precisava mais trabalhar.

Esse é o momento

em que podemos

refletir,

com alívio e satisfação, sobre um assunto que a tradição mesquinha interpretou mal: Shakespeare não escreveu peças apenas para ganhar

dinheiro. Ele ainda tinha muito o que dizer. md

(ão lado) drrore

Ps

db Pa

genealógica

Por

mostrando o rei James [ como

isso, os editores londrinos tomaram a liberdade de colocar o nome dele

descendente de

Nessa época,

Shakespeare

estava também

no auge da fama.

Banquo.

em qualquer peça antiga, na esperança de aumentar as vendas. Em 1595 e 1602, esses editores acrescentaram apenas as iniciais W.S. a obras apócrifas como Locrine e Thomas O Homem

Lord Cromwell, po RE

mas em

1605

o 201

1578.

Rr

do

e

Macbeth

bruxas.

e as três

Quadro

de Theodore Chasseriau. 1819-56.

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gens RE

edi o E

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nome inteiro estava atrevidamente em outra peça que não escreveu, The London Prodigal (O londrino berdulário) e, em 1608, em 4 Yorkshire Tragedy (Uma tragédia de Yorksh ire). Shakespeare não escreveu essas comédias de costumes rotineiras, certinhas, feitas para

rir à socapa: na época, ele estava term inando a obra mais complexa, profunda e desconcertante que jamais apresentou a uma platéia.

Desde

o ano anterior,

1604, a prioridade política do rei James

era uma campanha para convence r O parlamento inglês a apoiar a união

formal com a Escócia. Em todos os discur sos, ele lembrava os problemas causados pelas divisões do país. Como animal político que era, Shakespeare parece ter sido favorável à união; o tema dos discursos de James

certamente

combina com

o tema,

recorrente

de quebra da ordem pela divisão e a desunião.

SHAKESPEARE

- ANTHONY

HOLDEN

em

sua obra,

Todo o trabalho de Shakespeare até então parece contido em Rei poder, Lear, sua mais forte € apaixonada reflexão sobre amor, morte,

q

go

-

conhecida ingratidão, fé, justiça, verdade, família, forças do mal. Uma in frase latina, dos tempos de Aristóteles, diz: De nibilo nibilum, nada): nibilum nil posse reverti (Nada vem do nada, nem pode voltar ao

por alguns uma obra cristã, € por outros, mostrar a queanticristã, lembrando o Livro de Jó e do Apocalipse ao speariana da de uma pessoa em proporções jamais igualadas na obra shake — situação ainda mais grave por tratar-se de um rei, “carne ungida”,

-

o

e

e—=

-—

Rei Lear foi considerada

final. Por que tem sua esperança de redenção brutalmente negada no

humano sua dimensão apocalíptica, a peça trata mais do sofrimento do que da ordem

divina, por seu eco na condição humana,

é sobre

de sua uma pessoa temerária que “não conhecia à si mesma”. E apesar l tem um incessante desolação e de seu desfecho desesperado, o fina tom

afirmativo.

Em 26 de dezembro de 1606, quando foi encenada para o rei james,

no palácio Whitehall, Rei Lear já devia ter sido apresentada no Globe quase o ano inteiro, visto que a peça seguinte, Macbeth — tragédia ainda mais sombria € não menos

universal —, teve as primeiras ence-

nações naquele verão. Seja lá o que o dramaturgo tenha pensado da opinião do rei James sobre Lear, Macbeth era ainda mais abertamente endereçada ao soberano. A

peça se passa na Escócia e altera a histó-

ria para homenagear os antepassados de James, ao mesmo tempo que o bempensa o impensável, um tema preocupante e atual: um plan sucedido de regicídio.

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No final do ano anterior — mais exatamente, em 5 de novembro de 1605 — fora desmantelada uma conspiração católica para matar O rei: os conspiradores tentaram explodir O palácio de Westminster en-

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e

ge

quanto James abria a nova sessão do Parlamento. O verdadeiro lider da Conspiração da Pólvora, como ficou conhecida (ou Traição da Pólvora,

O Homem

DO REI

203

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Dialogue,

* Diuidedinto three Bookes. ECA

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EpinSvRON

“ Printed by Robert Capa de Demonologia,

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al le-granes

Printerto the Kin gs Majeflic. An,1s97s Cum Privilegio Regio;

escrito pelo rei

James

If, 1597,

como foi chamada na época), foi Robert Catesby, de Warwickshire, filho do mesmo Sir William Catesby qu e era conhecido de John Shakes-

peare e que provavelmente forneceu o testamento católico encontrado no teto da casa da Henley Stre et.

204

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

gem de tocar no assunto em sua nova peça. Macbeth foi encenada era rei que , dele o had cun do ta visi 6, 160 de sto ago em rei O para da Dinamarca.

A peça faz muitas referências à Conspiração da Pólvora, bastante a doutrina jeclaras para a platéia da época. O tema do equívoco usa

que um preso pode, de boa-fé, encobrir a verdade para escapar de acusações ao ser interrogado. O rei, ainda por cima, acreditava em bruxaria — a ponto de escrever um tratado sobre o tema, suíta para afirmar

Demonologia (Daemonologie), publicado em 1597. Em agosto de 1605, visitando Oxford, ele assistiu a um entretenimento chamado Tres

Sibillae (Três síbilas), em que precursoras das três bruxas que Shakespeare colocou em Macbeth saúdam os antepassados dele e discutem se “a imaginação pode ter efeitos concretos”.

Macbeth, por exemplo, vê mesmo as bruxas, o punhal, o fantas-

ma de Banquo? Claro que sim, mesmo que os outros personagens não vejam. O rei James VI certamente concordava, pois, quando governa-

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O

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O

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de Bothwell, o terceiro marido da mãe. James ficou mais seguro quando uma bruxa afirmou que ele era “um homem de Deus” — se o pró-

Tra

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va a Escócia, teve o pai assassinado e ficou muito perturbado ao descobrir sua imagem em cera, feita com intenção criminosa pelo conde

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enfatizar: O direito divino dos reis ingleses, escolhidos e indicados

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que remonta ao rei Eduardo, o confessor, do poder do toque do rei para curar escrófula e outras doenças. Isso dava um providencial apoio em a outro aspecto da monarquia que James estava tendo dificuldade

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Quaisquer que fossem os sentimentos pessoais do dramaturgo (não tradição, ga anti na r dita acre cia pare bém tam s Jame s), nido defi muito

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contra os poderes do mal.

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sem meras fantasias, mas que representavam — como na peçá de Shaanos kespeare — um prisma importante da eterna luta dos seres hum

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prio diabo dizia que ele estava sob a proteção divina, devia ser verdade. Assim, James I da Inglaterra deve ter aprovado a ligação de Macbeih com as Estranhas Irmãs, as bruxas. Não achava que essas figuras fos-

por Deus, assim rebatendo qualquer tentativa de blasfêmia ou trai í

k

Tai.

ção. Ele já não gostava de misturar-se às massas, menos ainda de toc ar

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feridas purulentas:

mas,

pouco

tempo

antes,

havia

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prática do togue nos doentes, o que lhe valeu mais um delicado ace no de Shakespeare por meio do personagem Malcolm, de Macbeth Mas a maior homenagem feita pelo atento Homem do Rei dao se o seu

patrono foi reescrever uma parte inteira da história ingles.a par AL a agra dar o ego da dinastia Stuart. A primeira fonte usada por Shakespeare

foram as Crônicas,

de Holinshed,

onde

o personagem

Duncan

é um

jovem € fraco rei, assassinado no condado de Inverness na Esc - ócia por alguns conspiradores, inclusive Macbet h e Banquo. O bardo trans

forma Banquo

de conspirador e assassino em

mártir honrado

maqui-

nando a fuga do filho Fleance para iniciar uma linhagem de soberanos que vai até o próprio rei sentado na platéia. Jam es disse muitas vezes em discursos que esperava que a Casa de Stuart rei nasse sobre a Inglaterra “até o mundo acabar”. O espelho levado pelo último monarca, na primeira cena do Ato IV, sugere que a linhagem dos Stuart — que

parece remontar a Banquo, segundo o livro De Origin e Scotorum (A origem

dos

Stuart),

de

Fleance, passa por James

Leslie.

publicado

em

que



começa

em

e segue “até o fim dos dias”.

O tema do sono ou da insônia é obsessivo sensatez pensar

1578

o autor teve noites

insones

em Macbeth.

Será in-

ao escrever

a peça?

Por mais produtiva que sua vida adulta tivesse sido, jamais ele colocou tanto de si mesmo em quatro obras tão ambiciosas e absorventes. A insônia combina com os sintomas da doença nervosa que estava prestes a atingi-lo.

(Ão

lado)

William Sbakespedre, cerca de 1610.

Quadro atribuído a Jobn Taylor, falecido em 651.

206

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDeEn

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O TEAsTRO BLACKFRIARS CaPituLo

1606-1611

IX

Xe)

À medida que buscava transcender a mera tragédia — ousando cada vez mais para compensar a velhice que chegava —, Shakespeare foi subitamente abençoado pelo melhor

estimulo de que precisava para a próxima e derradeira fase de seu crescimento dramático: um novo local para apresentar sua arte, um novo palco onde mostrar a poesia de suas idéias.

No início de sua vida profissional, Shakespeare levava quatro dias para ir, caminhando, de Stratford a Londres. Pernoitava em Banbury. Oxford e Beaconsfield, antes de seguir pela atual estrada Uxbridge, passando por Shepherd's Bush,

na via Tybum

(local onde eram enforcados

os

condenados, atual Marble Arch), depois por Westminster e Whitehall (sede do governo e da corte), até chegar ao portão da cidade. perto

de Blackfriars. Mais tarde, em anos mais prósperos, viajava a cavalo sempre interrompia a cavalgada de dois dias com uma parada na mesma taverna em Oxford — na época, chamada Bull, depois Salutation e no número

Edo a mm ess

hoje Crown, escondida atrás de uma inevitável lanchonete do McDonald's. 3 da Cornmarket.

O taberneiro e a esposa, John e Jeanette de

eram

1590, foram importadores

amigos de vinho

embora

não

foram

felizes para

o casal, que

teve

de

ator

Willian

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Mas esses anos lon-

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O Teatro

BLACKERIARS

209 EE

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frente ao teatro

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do outro lado do Tâmisa, em

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em Londres e moraram

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dele de longa data. Na década

Davenant,

seis filhos e perdeu todos ainda pequenos. Desesperados,

resolveram então sair da cidade poluída em saudável rio acima, levando seus bens numa novo ano de 1600. Nessa cidade, como num do século XVII, Jeanette teve nada menos de

os Davenant

busca de um lugar mais barcaça até Oxford, no sinal ecológico da virada sete filhos: todos chega-

ram à vida adulta e, a maioria, a uma idade avançada. Segundo o biógrafo do século XVII John Aubrey, Jeanette e Ta “uma

mulher de grande beleza, inteligência e de conversa muito ag radável”. Já tinha mais de 30 anos quando se mudou com o ma rido para Oxford, e bem conservados 37 quando teve ali o terceiro filh (o o segundo do sexo masculino), no final de fevereiro de 1606 S . hakespeare aceitou ser padrinho de William Davenant, conform a tr adição que a cidade e de Oxford

mantém

no dia 3 de março,

bem

comprovada;

o velho amigo

e existe ainda o boato de que,

da família segurou

o bebê

na pia

batismal da paróquia de St. Martin Carfax, que fica va no caminho da taverna Bull. Supõe-se que o nome do menino ten ha sido homenagem ao famoso dramaturgo amigo dos pais. Mas será qu e Shakespeare era também pai do menino? Era o que empresário,

Sir William

gostava

Davenant,

de afirmar,

poeta

geralmente

laureado. depois

de

dramaturgo tomar

e

uns tra-

gos, brindando com amigos como o escritor Samue l Butler. Ainda segundo Aubrey, “quando Sir William estava alegre to , mando uma taça de vinho na companhia dos mais próximos, às vezes afirmava que escrevia com o mesmo

espírito que Shakespeare e que gostava muito de

ser considerado filho dele”. Autor de obras importantes — de tragédias de vingança (como Albovine) a tragic omédias (The Colonel and

The Witts), poesia lírica Madagascar) e épica (Gondi bert), Sir William era elegante e conhecido na cidade, ape sar da má aparência: ficou sem nariz ao tratar-se com mercúrio, na época muito usado para cura da sífilis. Ele era um envolvente mentiroso e contava vantagem sobre o que gostaria que fosse verdade. Mas quat ro séculos de pesquisa detetivesca

210

SHAKESPEARE

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William Davenant.

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não conseguiram negar a paternidade e apenas aumentaram Os indicios. Certamente, Shakespeare ficava com os pais de Davenant, em Oxford, na qualidade de amigo próximo desde os tempos em que O casal morava

em

Londres



e não como

um hóspede pagante.

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Em

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1698, Charles Gildon, editor dos poemas de Shakespeare, fez uma

forte insinuação ao afirmar que o bardo costumava ficar na taverna dos Davenant, “fosse por causa da bela taberneira ou do bom vinho.

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Não vou precisar”. Em 1709, os boatos sobre a filiação de Davenant foram considerados “uma tradição de Oxford” por uma fonte muito

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segura: Thomas Hearne, responsável pela Biblioteca Bodleian e conceituado antiquário local. Ele registrou que «Shakespeare foi padrinho de Davenant e deu-lhe o nome” e não resistiu a afirmar, por

alto: “É bem provável que fosse o pai”. O TeaTRO BLACKFRIARS

de Sir

211

Seja qual for a verdade, Davenant transfor mou-se num homem

que Shakespeare gostaria de ter como filho — ou apenas afilhado. Em

1656, quarenta anos após a morte do bardo, Davenant fez à Primeira

tentativa de trazer o drama de volta aos palcos ingleses, desde à proi bição puritana. O rei Carlos II atendeu ao pedido de Davena nt, permitindo que este “adequasse” nove peças de Shakespeare, e ele “ me-

lhorou” Macbeth e A tempestade — esta, em parceria com John Dryden,

que elogiou o colega pela “imaginação fértil e penetrante”. Dedicado, além de um versátil letrado, em 1638 Davenant sucedeu Ben Jonson como poeta laureado, sendo um daqueles escritores de destaque que não temiam assumir riscos políticos. Sagrado cavaleiro em 1643 pelo rei Carlos II, por transportar suprimentos pelo Canal Inglês (mais tarde, Canal da Mancha), onze anos depois Davenant foi jogado na Torre Gravura

anônima: enforcamento em Fyburn, 1696.

de Londres por defender a causa monarquista e ajudar a família real, então exilada em Paris. Ficou dois anos preso na Torre de Londres, “tendo certeza de que seria enforcado na semana seguinte” e consta que o escritor John Milton “salvou-o da forca e que dez anos depois

Dre, Spitricytum ver? Seas u

ele retribuiu o favor. Quando morreu, em

1668, tinha sido drama-

teatros lonturgo, empresário teatral e produtor, além de fundador de drinos famosos como Covent Garden e Drury Lane. Nesse processo,

ele introduziu atrizes no palco inglês: até então, os papéis femininos

eram representados por homens. Nos séculos seguintes, a beleza de Jeanette Davenant continuou 1 exercer um grande fascínio sobre antiquados especialistas em Shakespeare, que não desistem dessa admiração. O escritor Bernard Shaw

é um dos que consideram Jeanette uma candidata à Dama Morena dos Sonetos, pois parece ter causado ataques de ciúme em Shakespeare. Considerando a data de nascimento do filho dela e a possibilidade de

a criança resultar de uma ligação longa e não de um único encontro,

Jeanette pode ter sido o empurrão necessário para criar a personagem Desdêmona, fazendo o bardo sentir aflições parecidas com as de Otelo quando, na manhã seguinte a um encontro, o amante montava seu cavalo e seguia para Stratford ou Londres, enquanto Jeanette voltava para a ce

cama do marido.

A

ep

Nove meses antes do nascimento de William Davenant, Shakespeare deveria estar terminando Macbeth — com a próxima peça, como

PS, SR O SS e ep

de costume, já tomando forma em sua imaginação. No exemplar que Shakespeare possuía da obra de Plutarco, edição de North, Cleópatra

RE

tinha 38 anos ao viver seu tempestuoso caso com o imperador Marco Antônio, que terminou com seu suicídio: a mesma idade de Jeanette quando o dramaturgo escreveu Antônio e Cleópatra. Shakespeare ti-

io aco o mm

nha 43 anos, uns dez anos menos que Marco Antônio. Se ía para à cama

com a mulher do taberneiro de Oxford, seria mera coincidência ele

eai o

querer exorcizar — através do olhar embriagador de um homem mais velho — Cleópatra, a mulher mais envolvente e sensual que já saiu de sua grande e libidinosa imaginação, a mulher por quem o amante trocaria “a metade do mundo”

— a mulher, enfim, que “não murcharia”

com a idade, nem teria sua “infinita variedade” estragada pela rotina.

ÇÊR O Teatro

BLACKERIARS

215

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suas responsabilidades em

luptuosa ligação com Cleópatra, no Egito.

tendo

Roma

por uma VOo-

O imperador Júlio César toma conhecim ento de fatos externos e a sequência da peça parece ter uma vita lidade e uma riqueza únicas sraças ao que se passava no intimo de Shak espeare. Na fase em que

produziu

Otelo, Lear € Macbeth,

ele estava num

grande surto criati-

vo, querendo atingir os mais vastos horizontes — se estava também mantendo um perigoso caso em Oxford , pressionado pela culpa em suas responsabilidades domésticas, isso o fez escrever com mais ou-

sadia e coragem.

A “feliz ousadia”

(para repetir a expressão de Coleridge) dos variados cenários da Peça, que vão de um império a outro rapidamente, não são problema hoje, na era do cinema. Tais mudanças geográficas podem também refl etir o invulgar senso de deslocamento do bardo, como se ele estivess e cavalgando, ida e volta, pela estrada de Oxford — às vezes, sem se guir até Stratford — com mais frequência do que o habitual.

Antônio e Cleópatra só foi publicada no Primeiro Fólio, em 1623.

O tipógrafo Edward Bloom incluiu-a no Registro dos Impressores, em

20 de maio de 1608, talvez apenas como “obstrução de entrada”, um fício para impedir a ação de piratas, pois parece que a peça não foi arti

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à

lan çada logo. Shakespeare talvez pensasse em consultar outra vez a

(ão lado) Charmian

e o

quiromante,

de

Antônio € Cleópatra. Quadro de Matthew William Peters, 1742-1814.

214

SHAKESPEARE

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ras destacadas como Enobarbo, braço direito de Marco Antônio, e as criadas de Cleópatra, Charmian e Iras. Ele também deve ter conhecido versões feitas por Horá cio,

Virgílio,

Spenser e Tasso, mas criou esse casal condenado bem ao seu estil o, A peça tem um forte sentido de predestinação, como se as duas poderosas figuras públicas mostrassem aspectos da fragilidade humana a ca-

minho de uma inevitável tragédia pessoal. Poucas vezes ele entremeia com tal força o geral e o particular.

O Marco Antônio real não se suicidou no mesmo dia que Cleópatra — nem logo após sua derrota na batalha de Ácio , como mostra Sha-

kespeare, por óbvios motivos dramáticos. O texto de Plutarco conta que o desiludido Marco Antônio “abandonou a cidade e à companhia dos amigos e construiu uma casa na ilha de Faros, lá ficando exilado da companhia de todos: disse que ia viver como Timão. Isso porque tinha sofrido a mesma injustiça que Timão antes e, devido à ingratidão dos que ajudou e que julgava serem seus amigos, estava zang ado com todos os homens e não confiaria em nenhum”. Em vez de dar um

final compacto

e inevitável

a Antônio

e

Cleópatra, Shakespeare preferiu usar a menção que Plutarco fez a Timão de Atenas e transformar o episódio numa peça com esse personagem-título. O interesse que tinha há muito tempo pelas características perigosas do dinheiro e os problemas dos empréstimos voltou para justificar o desencanto de Timão com seus conterrâneos (que Plutarco não comenta). Será que Shakespeare continuava recebendo cartas de Stratford, pedindo dinheiro? Será que o burgo queria ajuda financeira, sem ter oferecido nada quando o pai dele precisou? Shakespeare confere tanta fúria a Timão

que é tentador procurar fatos em

que o pr Ó-

prio autor tinha agido como misantropo, magoado com o mundo e com todas as suas obras, enquanto sua vida mudava para pior. Mas sabemos pouco sobre essa fase e podemos afirmar menos ainda, à exceção de

sua alegria com o casamento da filha Susanna, aos 24 anos , com o im-

portante médico de Stratford, Dr. Jo hn Hall, em 5 de junho de 1607. 216

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

Será que Shakespeare

dres”, como

Timão

estava pronto para “dar as costas para Lon-

deu para Atenas? Ainda não. Pagamentos atrasa-

dos — à fazer € à receber — continuavam perturbando sua mente

criativa mas, por outro lado, ele estava muito produtivo. Numa época em que se praticava a usura, cujos males tinham atingído até a vída

dele — “pois emprestando dinheiro perde-se o dinheiro e o amigo”, como diz o personagem Polônio, em Hamlet —, talvez Timão de ÁteE

nas seja sua versão olímpica de uma sátira elegante. Enquanto essa

nova série de peças romanas subia ao palco, de 1606 a 1608, Ben

mais forJonson fornecia aos Homens do Rei algumas de suas sátiras

esposa Escola

Francesa.

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BLACKFRIARS

com

e a mãe.

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Coriolano

217

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Fimão, criou um

arquétipo dos seus assim chamados heróis mini mizados — aquelas figuras trágicas com as quais o bardo não pede que a platéi d Se solida-

rize nem se identifique. Chegaria então ao exemp lo máximo desse homem marginalizado”, a generosa figura pública “incapaz de ajustar-

ms

se à sociedade”, no personagem-título de Coriolano.

Em janeiro de 1608, a capital enfrentou o inverno mais frio desde

1565 e os londrinos fizeram fogueiras à margem das águas congel adas

do Tâmisa.

No

ano

anterior,

houve

tumultos

no

centro

da Inglaterra

em virtude do aumento do preço dos alimentos. O rei James, sempre com medo das multidões, sobretudo as turbul entas, fez uma declaração

lamentando que “grande parte de nossa gente mai s humilde tenha, nos últimos tempos, formado agitadas turbas”. Shakespea re, que continuava

estocando cereais nos celeiros do casarão em Stratford, manteve um olho

bem aberto para a grande oportunidade comercial e o outro bem atento para a incompetência de néscios aristocratas-qu e-viram-políticos. segundo o escritor inglês do início do século XX, Wyndham Lewis, esnobes como Coriolano deviam “pulular” nas cortes de Elizabeth e James — rapazinhos com idéias loucas sobre privilégi os e uma noção irracional de autoridade. Shakespeare desprezava-o s, como fica claro em sua obra. Antes, nas peças históricas, ele enchia q boca desses personagens com discursos pomposos — mas agora, ten ta seu esclarecimento, sua mudança, talvez até sua sal vação.

Enquanto escrevia Coriolano, como mestre supremo de sua arte, há muito tempo sem qualquer insegurança juveni l, Shakespeare deve ter sentido uma certa nostalgia de seu s primeiros anos em Londres como poeta aspirante. Na personag em Volúmnia,

ele fazia, certamente, uma

discreta e pessoal homenagem à falecida rainha. Mas os fatos que estava dramatizando

tes, em 4 violação

eram

posteriores

de Lucrécia.

aos

A Roma

que

tratara quinze

anos

do século V mudou

an-

muito

após a queda da monarquia é, com toda a falta de solidariedade do protagonista, Shakespeare pô de ampliar o papel do S tribunos para dar, 218

SHAKESPEARE

= ANTHONY

HOLDEN

ii

Em

PR

Shakespeare mergulhou nos temas romano s.

como nunca antes, uma mostra de sua visão política. De certa forma,

faz um ensaio sobre classes sociais e democracia, bem aliado do honu e bipede, mem simples, aquele ser instável e teimoso mas “pobre,

que formava uma multidão sem lei, tão necessitada de civismo quanto seus senhores aristocratas.

Com essa intenção, o dramaturgo parece subitamente criar uma

s engranova linguagem, totalmente sua: severa, austera, forte, as veze Coriolano, como Em a. ens int to mui pre sem mas da, ira çada, às vezes esa como em Lear, quase ouvimos Shakespeare inventar à língua ingl

cada sílaba para suas origens cruas e s a ásperas até atingir um alcance e uma eloquência que só devemo empurrando

nós a herdamos,

ele. Filosoficamente,

na experiência



é capaz

outra vez de discutir um

dessa vez, política —

O Teatro

num

BLACKFRIARS

contexto

caso baseado

da mais pro-

Cordélia

consolando o. rei Lear. na prisão.

1886. Quadro de George

William

Joy. 1844-1925.

E

Cosa Pad a,

to Ega

as fraquezas indibra ili equ re pea kes Sha o, nov De e. dad ani hum da fun viduais com Os destinos da nação, e Coriolano, seu inflexível herói.

demonstra, no último momento, uma ternura que poderia, caso house vesse surgido antes, ter sido sua salvação. Da forma como os fatos sucederam, Coriolano sabe que a situação é muito perigosa, se não “mortal”. A idéia de redenção já estava começando a surgir na cabeça do dramaturgo:

dentro

de pouco

Marco Antônio, Timão

derosos,

tempo,

de Atenas,

ela seria seu tema

Coriolano:

homens

central.

fortes. po-

mas cheios de defeitos, o bastante para desestimular a sim-

patia natural que sentimos por heróis trágicos criados pouco antes, como Hamlet, Otelo, Lear e Macbeth. Shakespeare percorreu um longo caminho desde os personagens Tito Andrônico, Romeu, Shylock (de

O mercador de Veneza) e Falstaff (de Henrique IV partes 1 e 2 €c As alegres comadres de Windsor). Na parede de sua imaginação, Os retratos estão se ampliando,

se não em tamanho e profundidade, ao menos

em alcance: ficam cada vez mais próximos dele. Nos últimos tempos, ele vinha se incluindo na trama de suas peças de um modo mais direto

e mais perturbador do que nunca. em Sar

A consequência inevitável dessas efusões, por mais controladas que

o em

fossem, coincidiria com uma nova € importante fase dos Homens do

o

Te

Rei. À medida que buscava transcender a mera tragédia — ousando cada

Et

vez mais para compensar a velhice que chegava — Shakespeare foi subitamente abençoado pelo melhor estímulo de que precisava para à próxima e derradeira fase de seu crescimento dramático: um novo local para apresentar sua arte, um novo palco onde mostrar a poesia de suas idéias.

apenas setecentas Em resumo: um teatro menor, com capacidade para

de Shakespeare uma

última e grande demonstração

O

Teatro

BLACKERIARS

de inovação cria-

tão

lado)

mouro

de

Otelo.

O

Veneza.

1826. Quadro de James Northcote, [7 406-1831.

E A dd

ares sentados. E lug a havi só pois , caro s mai so res ing com mas s, pessoa era coberto. protegidos das intempéries, pois o teatro Blackfriars Escrever para um teatro fechado, iluminado por velas, exigiria

tiva, O auge surpreendente, mas lógico, de tudo o que fizera antes. Ao mesmo

tempo,

significava

dobrar as apresentações,

que

os Homens

fazendo

uma

do

Rei podiam

temporada

mais

que

de inverno no

Blackfriars e uma de verão, à tarde, no Globe. Como aci onista majoritário, ele teria papel importante

na ambiciosa

decisão

de alugar o

Blackfriars de Henry Evans, o galês que era escriv ão e se tornou empresário, e cuja “ninhada de pirralhos” havia causado tanto aborreci-

mento a Hamlet e aos Homens

do Rei, na virada do século.

Nove anos mais tarde, após uma década próspera, alimentando uma polêmica que não causava qualquer dano à bilheteria, eles tinham finalmente chegado ao ápice. Aquela s figuras graúdas que não quiseram os Homens do Lorde Camerlengo se apresentando nos gramados de suas hospedarias exultaram ao receber os Homens do Rei, após uma série de problemas desagradáveis. A gota d'água foi o descontentamento do rei com a encenação, pel os atores mirins, de 4 conspiração e tragédia de Carlos, duque de Byron, em 1608. A peça fez uma caricatura do rei da França que revolt ou o embaixador francês, levando o rei James a fechar a companhia. Assim, o empresário Evans — já envolvido em histórias desagradáveis por sua insistência em arregimentar crianças — não tinha mui ta condição de barga-

nhar o aluguel do teatro com os irmãos Burbag e. O preço acabou

ficando em apenas 40 libras anuais, a ser dividido entre sete acionistas, inclusive Shakespeare. O acordo foi assinado em 9 de agosto de 160 8. Uma semana depois, faleceu um dos novos arrendatários, um ator chamado William

Sly. Shakespeare passou então a ter um sexto do teatro, junto co m Heminges, Condell, os irmãos Burbage e um misterioso investidor chamado Thomas Evans. O teatro custou para o dramaturgo cinco li-

bras, 14 xelins e quatro centavos , e seria muito mais lucrativo que os 16 avos que possuía no Globe. Em 1636, vinte anos após sua morte, seus herdei:ros receberiam 90 libras por ano do Blackfriars e apenas 25 do Globe.

222

SHAKESPEARE

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Esperto como sempre em relação ao seu dinheiro, pensando já na herança das filhas, Shakespeare se interessou pelo teatro Blackfriars por

motivos financeiros, mas também pelas possibilidades dramatúrgicas que oferecia. Por mais grato que fosse ao público simples, a quem havia entretido com prazer por tantos anos, ele agora podia acenar-lhes um adeus

e concentrar-se apenas na série de peças de nível mais refinado e profundo “para todos os paladares”, a partir de Como gostais. Por acaso ou não,

Coriolano foi uma despedida adequada e devidamente anunciada para a platéia que pagava um pence pelo ingresso e que gostava do humor libe-

ral dessas tramas de heróis principescos e atos sangrentos. Agora, ele podia cobrar seis pence e soltar a imaginação em temas sublimes.

Aos 40 e tantos anos,

após cerca de trinta € duas peças, a

criatividade de Shakespeare mantinha o viço de sempre. Mas as mu-

Si

E: de

Desenho

do

teatro Blackfriars, cerca de 1650. Artista anônimo.

danças na imaginação tendem a ser ditadas tanto por fatos ExXLEMOS como internos. Nos últimos quatro anos, ele tinha passado Por muita tensão: a vida pessoal continuava aventureira, talvez tivesse mesmo um agita-

do caso extraconjugal, havia produzido três de suas tragédias mais for. tes e passou direto para as duas peças romanas que costumam ser Vistas como quase do mesmo

nível. As atividades empresariais e os fatos poli-

ticos, com todas as complexidades da vida na corte, também dev em ter contribuído para aumentar as preocupações do bardo. Se Timão de Atenas teve um tom mais forte, dando Sinais de can-

saço do autor, Péricles mostraria Shakespeare entrando num mundo totalmente novo da imaginação. Nessa peça, os poderes antes sombrios do sobrenatural se tornam uma força luminosa, conseguin do grandes resultados a partir de aparentes desastres e encontrando idéi as que são como potes de ouro na ponta de arcos-íris indefinidos. De Timão a Péricles, há um grande salto conceitual. Embora as duas peças pare -

çam ter sido escritas entre 1607 e 1608, é impossível não vermos que sa z

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ano para o outro. Alguma coisa mu-

deve ter acontecido de um

algo

mundo. dou na vida do dramaturgo e alterou sua visão do Foi uma fase de tristezas e alegrias domésticas, tanto em Stratford Edmund

1607, o irmão

de

última semana

Na

Londres.

em

quanto

apenas 27 anos. Ator bissexto, de pouca fama, foi o úni-

morreu, com

e

co da família a seguir William na carreira teatral. Foi enterrado em 1º de janeiro de 1608, na igreja de St Mary Overy, em Southwark (hoje, catedral de Southwark), com dobre de sinos, a pedido do teatro Globe.

Gilbert e Richard devem ter vindo de Stratford para juntar-se a William no enterro, os três irmãos representando a velha mãe no velório do

|

caçula.

em Parece que Edmund acabou se identificando com o personag homônimo, que é filho bastardo em Rei Lear, pois, meses antes de morrer, ele assumiu a paternidade de um filho que morreu na infância.

Vista de Southbwark. Gravura de Nathaniel

Wbhittock a partir de Anthony van Wyndgaerden,

O registro de 12 de agosto de 1607, da igreja de St Giles, em Cripplegate, diz: “Edward, filho ilegítimo de Edward Shackspeere, ator”. O escri-

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1543.

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vão que anotou Edward em vez de Edmund também escreveu Joan por

Joanna, Eleanor por Helen, Orton

guém

por Horton,

“de posses”, como já foi dito, deve

Morgan

por Martin. AI

ter pago o pródigo ente rro

quatro meses depois, com uma gorjeta “bastante grande” p

dra

“dobres

fúnebres matinais do grande sino”. Se tal pessoa foi o próspero irmão do falecido, como tudo faz crer, o dobre matinal indicari a um enterro ao meio-dia, permitindo que o desolado irm ão e seus companheiros atores voltassem para o teatro a tempo de apresentar a sessão Vespertina.

Em fevereiro, perto de completar 44 anos, Shakespeare foi avô. Oito meses após casar-se com o Dr. John Hall, Su sanna teve uma meni-

na, batizada em Stratford com

o nome

de Elizabeth, no dia 21 do mes-

mo mês. Tal pai, tal filha: Susanna tinha nasc ido seis meses após o apressado (ou precipitado?) casamento dos pais. O epitáfio dela informa que

era “mais sagaz que as de seu sexo e sensata na salvação”, e a alegre Susanna pode ter seguido os passos do pai também em outras áreas: em maio de 1606, seu nome está entre os que desrespe itaram a lei por não comungarem na Páscoa anterior. Ela não se apre sentou no tribunal eclesiástico na data marcada e a multa acabou se ndo perdoada. Não importa o que Mary Arden Shakespeare pens asse de duas gerações concebidas fora do casamento: ela viveu até nascer sua primeira bisneta. Mas, no dia 9 de setembro. Shakespeare estava outra vez

na igreja da Santíssima Trindade para enterrar à mãe, falecida aos 68 anos. Em meio a essa invulgar atividade, ele ainda encontrou tempo para correr atrás de seus devedores: em agosto, processou Joh n Addenbrooke

para lhe devolver seis libras e mais 24 xelins por danos, num tribunal de

Naufrágios, enigmas, ressurreições:

Shakespeare

está bem

entu-

sua também

nova

siasmado com a descoberta de um admirá vel e imaginário mundo novo iz

Ss com

pessoa — madura, pensativa, genero sa. Em Péricles, ele começa a avi star 226

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

o caminho para A tempestade,

fim natural da longa estrada intelectual

que tinha percorrido. A peça marca o início de uma aparente despedi-

da, a base para O grande tríptico que levaria sua obra a uma conclusão lógica, contemplativa e serena. A mudança

evidente em Shakespeare e os passos lentos em dire-

ção à alegria com à qual ele atinge esse derradeiro platô no qual a sua poesia é mais exaltada se combinam inexoravelmente para dar sentido a alguns fatos importantes de

1608. O influente crítico vitoriano

Edward Dowden descobriu na calma e na maturidade das últimas peças

shakespearianas

uma

prova

de

que

o dramaturgo

emergiu

das

“profundezas do desespero”. A derradeira peça tinha “a serenidade de quem viveu muito, um maravilhoso desapego bucólico, uma paz conquistada a duras penas”. Cinquenta anos depois, no início da década de 1920, o sóbrio bardógrafo E. K. Chambers pensou algo parecido e E

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O rei Lear e suas três filhas.

Quadro de

William Hilton, 1786-1839.

especulou que Shakespeare havia sofrido “uma doença grave”, talvez

até “um esgotamento nervoso”.

Em

1609, um tipógrafo chamado Thomas Thorpe publicou 154

sonetos que vinham circulando há uns dez anos, desde que Shakes

peare os escreveu, quando morava na residência de lorde Southampton. No

mesmo

volume

havia

um

poema

rebuscado,

com

329 linhas

em

estrofes de sete versos, intitulado Queixas de uma amorosa (A Lover's

Complaint). Esse poema não parece ter sido de Shakespeare, nem

trámesmo quando jovem — mas os sonetos, certamente, são. Ao con rio de Vênus e Adonis e de A violação de Lucrécia, cujas edições su-

pervisionou pessoalmente, os Sonetos tinham muitos erros de impressão,

rto com uma ordem esquisita e um prefácio na segunda folha do in-qua um texto pomposo, que desde então intriga tanto os estudiosos quan

to o enigma que a Esfinge propõe a Édipo:

TO.THE.ONLY.BEGETTER.OF. THESE. ENSUING.SONNETS. Mr.W.H.ALL.HAPPINESS. AND.THAT.ETERNITY.

|

PROMISED. BY.

|

OUR.EVER-LIVING.POET.

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WISHETH. THE.WELL-WISHING. ADVENTURER.IN. SETTING. FORTH. E:

* “OQ bemintencionado empreendedor desta publicação, T.T. (Thomas Thorpe, O tipógrio), deseja ao sr.

la etemidade prometida por nosso a w. H, único autor dos sonetos que se seguem, toda a felicidade e aque etemo poeta.” (N. do T)

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É simples e óbvio que essa dedicatória — sej a qual for seu senti-

do e a quem se destine — não foi escrita e assinada por Shakespeare, mas pelo tipógrafo pirateador, Thomas

Belo Jovem dos poemas, mas o homem

Thorpe.

O Sr. W.

H. não é o

que conseguiu alguns sonetos

e entregou-os ao tipógrafo — que, por sua vez agradeceu como devia na dedicatória, embora com certo exagero.

Os candidatos a esse Sr. W. H. são muitos, qua se tantos quanto aqueles erradamente identificados como o Belo Jove m dos Sonetos. O Sr. W. H. É O trapaceiro que entregou os sonetos a um tipógrafo inescrupuloso — talvez em troca de parte dos lucros e sabendo muito bem que Shakespeare não pretendia divulgá-los, mos trando- Os ape-

nas a amigos.

Os nomes do provável trapaceiro vão desde He nry Wriothesley, conde de Southamptom (com as iniciais espertamen te invertidas para evitar identificação) a William Herbert, conde de Pembroke, patrono e admirador respeitável a ponto de ser um dos dois nome s à quem os organizadores

do Primeiro

Fólio (os atores John

Heminge

e Henry

Condell) dedicaram a publicação. E ainda: o trapaceiro ta mbém pode ser Sir William Hervey, terceiro marido da mãe de Sout hampton. Hervey

é o grande favorito para substituir o tipógrafo, porque assim que ficou viúvo, em 1608, publicou um “testamento poético” que a fal ecida esposa julgava “íntimo demais” para ser mostra do ao público. Os dizeres da dedicatória, “eternidade prometida por nosso eterno poeta”, foram explicados como uma referência ao novo ca samento de Harvey, um ano após a viuvez, com uma mu lher muito mais jovem, Cordélia Amnesley.

Mas por que tais nobres cheios de títulos ser iam

tória, bastando que se retire o te rceiro ponto em “Mr. W.H. ALL” , na terceira linha do texto em inglês. Há também o candidato William Hatcliffe, príncipe de Purpoole, o Senhor da Desordem nos festejos a

SHAKESPEARE

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Assinaturas

Shakespeare,

cerca de

natalinos do Grays Inn, em

de

1587 e 1588. Gastou-se muita energia para

defender a hipótese pouco provável de que Hatcliffe — que foi um jovem abonado e virou um obscuro advogado em Lincolnshire, cheio de dívidas — teria viajado para Londres vinte anos depois para entregar

provável alguns sonetos ao tipógrafo Thomas Thorpe. Também pouco é a tese do erudito alemão D. Barnstorff, de que o Mr. W. H. era apenas “o próprio Sr. William” — em inglês, Master William Himself, um achado os sonetos a si mesmo. para os que julgam que Shakespeare dedicaria

comMas o professor Donald Foster bate outra vez na tecla de erro de disso: talposição em “Mr. W. H.”: o correto seria “Mr. wW. Sh.”. Nada

vez o ladrão dos sonetos fosse alguém mais próximo, fora dos círculos

literários, e que pudesse obter os versos com facilidade: o eterno endi-

vidado William Hathaway, o pobre cunhado de Shakespeare.

“23

1610.

Com uma platéia mais sofisticada, sem mal-educados par a atrapa.

lhar o andamento da peça, Shakespeare podia escrever cenas bem mais

intimas para o Blackfriars do que para teatros ao ar livre. No Segundo ato de Cimbelino, o vilão Giácomo sai da arca onde se escondeu e anda na ponta dos pes no quarto de Imogênia. A moça dorme e, à luz de uma

única

vela, ele vê os quadros,

a janela,

a roupa

de cama,

os

retratos em tapeçaria. Depois, inclina-se sobre ela, percebe a verruga

em seu seio esquerdo, vê o título do livro aberto na mesa de cabecei-

ra, tira a pulseira dela e pensa em dar-lhe um beijo. A beleza impressionante dessa cena fez o escritor Simon Forman

prender o fôlego, quando assistiu à peça, em abril de 161 1, seis meses antes de morrer.

Ele anotou

em

seu diário:

“Lembre-se:

no meio

da

noite, ela adormecida, ele sai da arca e vê à moça na cama, a silhueta do corpo. Tira a pulseira dela”. A cena teria O mesm o efeito, é claro, na temporada que fez no Globe, onde Forman deve tê-l a assistido. O fato é que, antes de o teatro Blackfriars existir, Shakespeare não teria vontade de escrever essa peça.

A poeta americana do século XX Marianne Moore queria que os poetas tivessem “uma imaginação literal”, mostrando “jardins imag i-

nários, com sapos de verdade”, Poucas descrições são mais adequadas à paisagem poética dos últimos romances de Shakespeare (me smo antes de ele antecipar o literalismo que Moore queria) do que uma cena de Conto de inverno, que mostra um a praia imaginária (apesar de a cena ser no campo), ameaçada por um urso de verdade. A mais famosa

por um urso” — proxima

rubrica na história do teatro — “Sai, perseguido surge no limiar da tragédia para a redenção em sua

peça, adequadamente

intitulada Conto

de inverno.

Essa ex-

pressao significava, desde meados do século XVI, uma história fantasio sa CÃo

e improvavel,

lado)

mais para encantar do que pa ra ser levada

tra. No último ato, dois Personagens comparam

ao pé da le-

Cimbelino, rei do Sudeste da Inglaterra, cerca

velha história”

de George Daite, 1781-1829.

no Mamílio, que antes de morrer nos le mbra que “um conto triste é

de

1809.

232

Quadro

os fatos aos de “uma

— um deles, reencarnação de Hamnet no pobre meni-

SHAKESPEARE

— AntTHONY

HoLDEN

melhor para o inverno”. De uma forma tocante para o dramaturgo — ou, talvez, numa engenhosa autotortura —, o ator-miri m que vive o personagem ressuscita mais tarde como sua desapa recida irmã, Perdita, dada como morta. Perdita

é uma

jovem

ideal como

Marina,

de 4

tempestade,

Imogênia, de Cimbelino, descendente direta de Cor délia, de Rei Lear,

distribuindo flores com

toda a calma de uma Ofélia, de Hamlet,

mais

e

feliz. A preocupação de Shakespeare com suas filhas, além de seu luto

permanente pelo herdeiro morto, mostra em Perdita uma verdadeira filha da natureza que se deleita com o ambien te natural que a cerca,

rejeitando os artificialismos e simpatiza ndo

social, sem saber de sua nobre origem.

com

a idéia de igualdade

Perdita confirma seus piores

temores quando o rei, pai de seu amado, rejeita uma simples pastora como nora. Conto de inverno foi publicado no Primeiro Fólio, onde aparece como última comédia. Em seu diário, Simon Forman nos con-

ta que assistiu à peça no Globe, em 15 de maio de 161 1, e o Livro dos Entretenimentos da corte registra que os Ho mens do Rei fizeram uma apresentação em novembro. O personagem Autólico é um “filósofo da patifaria”, como Falstaff, e foi criado por Shakespeare, assim como Antígono (o nobre que ajuda O rei Leonte s a executar seus planos) e sua fantástica esposa, Paulina. Shakes peare realmente dramatizou uma “antiga história” que datava de 1588 e que, por ironia, também foi escolhida por seu velho inimig o Robert Greene, em Pandosto: a vitória do tempo, título mais tarde mudado para Dorsastus e Fawnia. Que despedid a dos palcos londrinos poderia ser melhor do que uma fina burila da na obra de quem saudou sua chegada a Londres com muita zomb aria? (Aliás, essa foi a primeira

de várias despedidas, o que deve ter irritado ain da mais os “sabi-

dos da universidade”.)

A idéia de sair de cena já o atraía, assim como os campos de Warwickshire, poucas veze s festejados com tanto afet o quanto na234

SHAKESPEARE

- ANTHONY

HoLDEN

sentiu falta da esposa,

Conto deve

de inverno.

ter sonhado

Se Shakespeare jamais

com

à vida conjugal que

Koch von Gemaálde. 1768-1839.

ção

nunca teve ao escrever as lembranças da personagem Whitsun, a velha

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e hospitaleira pastora de olhos brilhantes. Será que O bardo estava, expor linhas tortas, se desculpando com Anne, tentando de longe mm

piar suas falhas como marido e pai? Ao escrever peças ansiando por do uma reconciliação entre pais e filhos, Shakespeare estava mais

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não escrever mais e volque pronto para sair de Londres e até para tar às suas raízes, à família que aumentava € da qual descuidou du-

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relata Perdita em

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rante tanto tempo. Se pretendia despedir-se do palco, queria que fosse com uma última reverência ao público, ao mesmo tempo filosófica

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como

Macheth. Quadro de Joseph Anton

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quelas flores que Prosérpina, assustada, deixa cair do carro de Plutão,

O TeatTRO BLACKFRIARS

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“TIM FELIZ ENCONTRO” CAPÍTULO

À

1611-1616 oN£o Foi, certamente, na festa de casamento de sua segunda filha que Shakespeare teve o “feliz encontro” com seus velhos amigos

ua

Jonson e Drayton, no qual eles “beberam

demais” e o homem de Stratford contraiu

MM

uma febre da qual nunca se recuperaria.

No dia 24 de julho de 1609, uma súbita tempestade no mar dispersou uma pequena frota de navios da Virginia Company, que tinha zarpado de Plymouth, na Inglaterra, em 2 de junho. Um mês depois, à frota conseguiu chegar a Jamestown,

na Virgínia, colônia inglesa no Novo Mun-

O do —, com exceção da nau capitânia, Sea Adventure, onde viajavam comandante Thomas

Sir George Somers

e o futuro governador da Virgínia, Sir

Gates. Os dois e toda a tripulação foram dados como mortos.

Nove meses depois, em 23 de maio de 1610, para surpresa dos chegaram

a Jamestown

mi ia

— um nome que assusta os marinheiros até hoje, pois as

a Mr

Bermuda

o

trazendo todos os passageiros que faltavam do Sea Adventure. Soubese então que Somers e sua tripulação tinham encalhado na ilha de

elisabetanos,

quando

aguardando os visitantes com valentes

marinheiros

era chamada

FELIZ ENCONTRO”

não

cr

Diabos,

horrores como O canibalismo.

da Virginia Company

“UM

de Ilha dos

me cad

dos tempos

AR

histórias sobre os perigos do Triângulo das Bermudas parecem ter vindo

encontraram

Mas os esses

(ão lado)

de Jobn

Retrato

Fletcher,

cerca de 1620. Artista anônimo.

237

E

embarcações



duas pequenas

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colonizadores,

mistérios sombrios. Pelo contrário, cont aram que Bermuda tinha um

clima ótimo, era rica em alimento s e abrigo, além de farta em ma dei.

Ta, que usaram para construir as pequ enas pinaças nas quais acaba. ram chegando ao Novo Mundo. A história causou enorme

interesse tanto na colônia quanto na Inglaterra, e Sylvester Jourdan, membro da tripulação, escreveu um

relato publicado em panfleto, Uma descoberta das Bermudas, também

chamada

Ilha dos Diabos.

A Virginia

Company

logo

deu

sua

versão, intitulada 4 verdadeira declar ação do Estado da colônia em

Virgínia, rebatendo os relatos escandalos os como Os que quase desgraçaram uma tão valorosa empreitada . Outro tripulante do navio, William Strachey, fez um depoimento em forma de carta, intitulado O verdadeiro relatório do naufrágio e resgate de Sir Thomas Gates,

datado de 15 de julho de 1610 (e publicad o em Purchas His Pilgrim,

em

1625).

Esses dramáticos documentos da época serviram de base para 4 tempestade, peça em que Shakespeare combina suas próprias réplicas ao escritor francês Montaigne e as re centes aventuras da tripulação da Virginia Company, criando uma ilha da fantasia no Velho Mun-

Os indígenas desse Novo Mundo passam a obedecer ao banido Duque

Próspero, de Milão, cuja arte (ou O que hoje chamaríamo s de ciência)

vai contra o complexo conceito elisabetano de natureza — tema que Shakespeare já havia explorado em Rei Lear e nas duas peças anteriores, Cimbelino e Conto de inverno.

Os personagens Calibã € Arie l simbolizam os valores na turais €, aos olhos i de outro naufrágio — mas Seri am tais valores superiores aos do cha-

(Ao lado) do Mariners

Capa

Mirrour, 1588.

238

mado mundo civilizado? Há Pouc a trama (menos que em qualquer das 55 peças anteriores) e muit a poesia enfeitada, fincad a nas cadências metafísicas

de

Seus grandes contemporâ neos religiosos. Na peça — SHAKESPEARE

- ANTHONY

HoLDEN

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1614

que claramente considera o seu canto do cisne — Shakespeare adota, excepcionalmente, as unidades aristotélicas de tempo e lugar e faz nada menos que uma discussão fi losófica sobre os valores da civiliza-

ção. Não poderia haver um fi nal mais majestoso e apropriado: quando escreve o adeus do personagem Próspe ro, é o seu próprio adeus. A tempestade foi apresentada pela primeira vez para o rei no sa-

lão de banquetes do palácio Whitehall, na noite de 1º de novembro

de 1611, dia de Todos os Santos. Shakespe are teria vindo a cavalo de SHAKESPEARE — ANTHON Y

HOLDEN

al Davenant, cas do gem ala est na o tad noi per € nto eve o a par ctratford 5 anos”. Isso de m, ia ll Wi do ha il af seu m co u co in em Oxford, “onde br porque, na época, ele já tinha retornado para o campo. A

E UR

AOS 47 anos, mais ou menos, Shakespeare estava de volta a Stratl, “costuford, onde manteve seu caneco de barro na hospedaria loca

nos sábaa, ern tab da ina erm det a num a vej cer ar tom ém mb ta mando com vindos à tarde”. Sua esposa Anne estava com 54 anos; as filhas, com o atareface, Pla w Ne de a uin esq na ava mor a ann Sus . te € poucos

a com os pais do marido médico e uma filha pequena. Judith ainda vívi se a mesma qua ha tin ra: altu à ido mar um uir seg con sem o, jeit o pel — ravidou de seu idade com que sua mãe, encalhada e descuidada, eng ois de quase pai que agora teria de aprender a ser chefe de família dep trinta anos de casado.

No comeNão era um papel que coubesse bem em Shakespeare. edades, cheço, ele se ocupou com transações financeiras € de propri pai. Em 1611, O o com l, loca ca íti pol em er olv env se em sar pen a do gan municipal o ári ret sec € e ent par seu por do luí inc é e per cks Sha o Sr. Wm uma Thomas Greene em uma lista de proprietários “dispostos à financiar estatutos lei para melhoria e conservação das estradas € acréscimos aos

o de ubr out de 5 em : rar cob a s ida dív , pre sem mo co ia, hav vigentes”. E

istir 1611, quando Shakespeare devia estar a caminho do sul para ass

negociante aos ensaios de A tempestade, faleceu Robert Johnson, um

White Lion. O de vinhos e vizinho na Henley Street, dono da taberna de um celeiro”. uel alug pelo r, xpe Sha Sr. “ao as libr 20 a devi cido fale

enterro de seu ao stiu assi re pea kes Sha 2, 161 de iro ere fev de Em 3

ois, em é irmão Gilbert, de 45 anos, solteiro. Exatamente um ano dep bém soltam d, har Ric ão, irm ro out seu u ece fal 3, 161 de fevereiro de velho dos irmãos s mai O , anos 50 dos casa na do ran Ent . anos teiro, 38

filhos. Shakespeare era o único vivo e o único a ter se casado e tido co anos mais cin , Joan ã irm a e m lia Wil am tav res só os, filh oito Dos longevidade jovem e que morreria trinta anos depois dele. Apesar da

241

dos pais, a geração de Shakespeare não estava se saindo bem: depois de uma doença recente, não seria surpresa se, mais do que nunca, ele tivesse a sensação de estar vivendo uma sobrevida.

Não é verdadeiro o retrato que a maioria dos biógrafos pinta, de que Shakespeare vivia qual o Próspero de 4 tempestade: real izado e satisfeito, sentado

no jardim de casa, contando

rou muito para que o suposto aposentado

dinheiro.

Não

demo-

tivesse vontade de voltar q

escrever para a trupe dos Homens do Rei. Elizabeth, a filha do rei James,

ia se casar em

14 de fevereiro de 1613, dia de São Valentim, com Frederico, eleitor palatino do Reno e figura importante para os protestantes europeus por ser pretendente ao trono da Boêmia. Os noi-

vos tinham apenas

16 anos e ela era a única filha viva do rei. Planeja-

vam-se grandes festas — inclusive, é claro, uma nova peça, Depois que Shakespeare deixou Londres à disposição de seus rivais, deve ter sentido emoções conflitantes ao ver Ben Jon son alcançando fama e prestígio, ao lado de nomes menos graduados como Webster, Chapman, Tourneur e Heywood — todos disputand o o direito a usar O manto de Marlowe. Será que não bastava para Shakespeare ver que todos esses respeitáveis talentos apenas confirmav am a

importância que ele desfrutava, obtida sem tanto esforço? A vida pacata de Stratford começou a incomodá-lo quando os puritanos da co-

munidade, que eram cada vez mais numerosos, esnobaram o mais famoso

filho da cidade, proibindo a encenação de todas as suas peças. Se alguma coisa teve o propósito de fazer Shakes peare voltar para

Londres — em meio a uma série de desgraças e resist indo aos apelos da esposa e das filhas — foi essa proibição . Foi como se ele quisesse lembrar aos rivais que ainda estava em

forma.

Mas

havia

outros

motivos

para

continuar

presente

na

cena londrina. Em 1612, ele foi a cavalo para o sul, para ser testemunha no demorado Mountjoy,

litígio entre seus antigos anfitriões, o cas al

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HOLDEN

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Retrato de Francis Beaumont, 1729. Gravura de

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George

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to da nova edição de O peregrino apaixonado, lançada em 1599 — que ainda tinha cinco sonetos e o nome dele na capa, € foi im-

pressa sem seu conhecimento ou aprovação. O escritor Heywood também

teve sua Troia Britannica pirateada no mesmo

volume

e

deve ter querido agradar Shakespeare incluindo-o na carta de pro-

testo que escreveu

ao tipógrafo

defesa dos atores. Agastado,

nome

de Shakespeare.

e que foi anexada ao seu livro Em

o tipógrafo reimprimiu a capa, sem O

Vertue.

Apesar de sua relação de amor e odio com

não há regis.

Jonson

tro de transações de Shakespeare com os outros poetas e dram MHat ALur UTgDOS da época. Mas é evidente que aprovava a obra de Francis Beaumont John Fletcher (vinte e quinze anos mais jovens que ele, respecti | FESpectivamente), mais bem-sucedidos como colabora dores do que como aut OÉ res e, portanto, não representando qu alquer ameaçaa . a Jamais Ad hesabere e k

mos

quem

convidou quem



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talvez tenha sido o próprio

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rei

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1612, Shakespeare aceitou colaborar co m Hectcher em pelo m Cnos uma peça, talvez duas. A dúvida é em relaçã a Cardênio 4 uma au. ê o obra que se perdeu, tendo sido encenada pelos Homens do Rei antes de 20 de maio de 1613 e que, quatro décadas depois, foi atribuída à dupla. Ja em Henrique VIII há mais certeza quanto à parceria: afinal 4 personagem que é filha do rei e vai se casar chama-se Elizabeth. As últimas peças de Shakespeare para os Homens do Rei foram escritas pensando no palco do Blackfriar s. Poderiam ser encenadas no Globe, mas não tinham a alegre ação ao ar livre que por tanto tempo mostrou dar boa bilheteria. O empresár io teatral Burbage deve ter suplicado ao companheiro da vida inteira que pensasse também no



Globe, do qual ambos tanto Sostavam, e não apenas no palácio Whitehall

e no rei. Pode ser que Shakespeare tenha percebido que precisava de

cautela,

como

também

pode

ser que

o velho

e cansado

dramaturgo

não tenha se interessado pelo tema. O ve rdadeiro Shakespeare teria mer gulhado no inigua ualá lável potencia|l dramátatiico do reinad o de Henrique VII — de sde o tr; atamento que a o rei 1 didi spensa a suas esposas, lemb ran-

do Falsta ff, até ot as graves con 'ons seqeqgii uêênc nciias religiosas para as famílias seguuiidd oras do catoliici cismo, como a do prop ; rio Shakespeare. Mas a peça q ue surg8iuiu foifoi uma versão â páli alida as , pomposa, embelezada, dos fatos ocorridos entre 1520 e 1533 — que vão do encontro de Henrique VII

de 1610. Quadro

de Robert Peoke,

o velbo, falecido

em 1619, 244

Brocado)

ao batismo

O destaque

motivos

França

supérfluo

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(conhecida

à

are união

como

do Campo

da princesa Elizabeth. d

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cerca de

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da Boêmia,

Francisco I, rei da

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ado à pompa e ao fausto é um dos poucos

teatrais para a peça ainda ser encenada, de vez em quando. E 3

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SHAKESPEARE

- ANTHONY

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confirma

que Henrique

VII foi uma

entre catorze peças



seis, de

casamento real, em 14 de fevereiro

shakespeare — encenadas entre

es demes s doi , ha an em Al a a par al cas oso dit do a tid par a e 3, 161 de rei James assistiu à seus atores interprenada, Otelo, Conto de inverno e À tempes-

O melancólico

pois. Quando

tando Muito barulho por

ro, Henríque, dei her Seu es. hor mel os mp te de do ra mb le tade, deve ter

anos, e o caçula 18 aos or, eri ant ano do ro mb ve no em do eci tinha fal , fazer vez tal , Daí ão. irm do ura alt à e r-s tra mos a Carlos não consegui esbanjanas, nci agâ rav ext de al tiv fes um eta dil ha fil da do casamento naval no a lh ta ba de o çã la mu si ma nu ras lib do nada menos de seis mil nas 93 libras ape m ra be ce re Rei do ns me Ho os o, iss to an qu Tâmisa. En ous sei por ras lib 50 s mai s, çõe nta ese apr as pel os 6 xelins e 8 centav tras encenações na corte, na temporada. de junho de 29 de de tar na rei, O a par a réi est a s apó es mes Quatro

te inmen ita sub foi be Glo no I VII ue iq nr He de ão aç nt 1613, a aprese onagem do Lorde rs pe o do an qu 4, a cen I, Ato o s apó da pi om rr te a“Alguém veja do que se trata”. Uma fagulha esc deal Wolsey car do a cas na rei do a gad che a a dav sau que ão nh pou do ca O incêndio tinha e caiu no teto de colmo do Globe. Uma hora depois, deu, afora deixado o teatro no chão. Ninguém se feriu — “nada se per

Camerlengo

madeira,

pede:

palha e algumas

roupas

inúteis

—, embora o fogo tivesse

atingido o traseiro de um homem “que poderia ter-se queimado, não uma garrafa”. de a vej cer a m co gar apa de ia idé boa a ele e ess tiv dio repentino

e terrível

do

de teto de palha”

teatro

a margem

do

s) e até para sta oni aci nos r fala m (se res ato os a par , que Tâmisa. Claro viu o personapre mo Co e. rof ást cat uma foi io ênd inc o de, a posterida globo desaparende gra O e, tad pes tem 4 de IV ato no ro, gem Próspe ritos de peças usc man s nto Qua s? mai sas coi s nta qua ele, ceu”. Junto com hecer, além con os sam pen que as obr de os ret cor tos tex de Shakespeare, de outras

que jamais

conheceremos?

tudo o mais que significava meses

Sem

falar nos

trajes,

objetos

e

e anos de trabalho, o sustento da-

“UM FELIZ ENCONTRO”

im

com o “incéns, Deu de o ded o te den aci no am vir nos ita Os pur

CÃo tado)

Henrique VIII,

cerca de 1536.

Artistd ANÔNÍDIO,

baseado em

Hans

Holben.

247

|

queles que não tinham outra co isa do que viver. "São as ruínas do mundo”, lastimou Ben Jonson. Mas, um ano depois, no di a 30 de junho de 16 14, um londrino que mantinha um diário foi visitar um d amiga e soube que ela “esta-

va assistindo a uma peça no Globe”. Das cinzas do teatro original, “de madeira, em forma de O”, surgiu um novo Globe, com teto de telhas, da mesma forma que surgiu a fênix na peça Henrique VHI, naquela terrível tarde do incêndio . Quem

248

SHAKESPEARE

— AntHONY

financiou q reconstrução? HoLDEN

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seus

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bajuladores mais ricos (mas um tanto relutantes), par a reconstruir O de sua belo lugar destruído naquela entediante celebração dele e is antecessora. Mas é preciso que se diga que Elizabeth e James jama

renuniao eo

Os boatos eram

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:

passou

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de que o próprio rei passot

OS nobres

pés no teatro, embora

chapéu

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entre

o diretor de cinema

ErocndicA

Artista

dnHÓnNÍNIO.

Tom

(1998), Stoppard queira nos convencer, em Shakespeare apaixonado "

1

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de que Elizabeth esteve na platéia.

“UM

FELIZ ENCONTRO”

249

É mais provável que os acionistas tenham arcado co m OS gastos,

pois o contrato

de aluguel exigia a manutenção

do teatro. Segundo

um relato, “cada acionista pagou 50 ou 60 libras, mas acabou tendo

muito mais despesas”. Pelo menos um del es deixou à sociedade: Sha-

kespeare, sempre com um olho em Stratford e outro numa boa opor-

Gravura

anônima

de A

terrível e lastimável devastação

e os

estragos causados por um

súbito incêndio em St Edmundbury.

tunidade, deve ter julgado ser esse o momento de cortar despesas, vender sua parte e tentar outra vez ficar mais com a família, retirado no campo, deixando Londres e o teatro.

Será que o poeta de 49 anos, lamentando-se pela destruição do Globe “enquanto podava o grande jardim de New Place”, teria resolvido que aquele era “um bom momento para vender a sua parte na companhia à qual havia servido, com todo o em penho, por quase vinte anos”? Não, seguramente não. Ele pode ter aproveitado para receber sua parte no Globe, mas não para fac ilitar o seu ja confortável e distan te

retiro no seio da família, com a qual não se sentia tão bem. Desde o início daquele ano — quando foi a Londres para o casame nto da filha do re

i, pelo menos três meses antes do incêndio do Glob e — Shakespeare já negociava a co mpra da casa do dos dominicanos, à m argem do Tá

250

SHAKESPEARE

— ANTHONY

HoLDEN

A

casa

integrava

o

enorme

convento

e foi

descrita

como

«construída sobre um grande portão” no início de uma rua que terminava no cais Puddle, onde as barcaças aguardavam passageiros para atravessar o rio. Shakespeare pagou

Richard Burbage,

140 libras, sendo 80 adiantadas.

seu melhor amigo, morava perto e a casa também

era próxima de sua taverna preferida e dos dois teatros nos quais os Homens do Rei se apresentavam — portanto, era o lugar perfeito para ele em Londres. Durante pelo menos um ano morou lá, até que a saú-

de precária finalmente o obrigou a não deixar mais a família. Na breve e tímida tentativa de viver em Stratford, ele viu como se entedíaria

em sua distante cidade natal — mesmo com todo o amor (culpado)

que sentia pelas filhas. Apesar das pequenas amolações de uma capital, há muito tempo Londres tinha substituído Warwickshire como lugar

para ele viver.

Em 8 de abril de 1634, o Registro dos Livreiros e Editores e a capa de uma edição posterior nos garantem que Os dois nobres parentes

(The Two Noble Kinsmen) era uma “tragicomédia de autoria dos notáveis de sua época, Sr. John Fletcher e Sr. William Shakespeare”, que

foi diversas vezes encenada no teatro Blackfriars “pelos atores de Sua Majestade o rei, recebendo muitos aplausos”. Sabemos também, por uma “anotação de um dos encarregados dos festejos na corte, que Os

dois nobres parentes estava no repertório dos Homens do Rei em 1619, talvez até bem antes, mas que só então foi “avaliada para apresenta-

ção na corte”. Segundo todos os relatos, foi um grande sucesso nos poucos anos de vida que Shakespeare ainda teria e nas décadas seguintes. Desde então, a peça teve menos

destaque. Foi reencenada pelo gran-

de e fiel admirador William Davenant, em 1664, numa livre adaptação intitulada Os rivais, mas ficou meio esquecida por mais de duzentos anos — até 1986, quando foi escolhida para inaugurar The Swan, o

novo auditório em estilo elisabetano da Royal Shakespeare Company, em

Stratford.

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Em

abril

de

para a sua cidade.

1614,

aos

A saúde

50

anos,

estava

Shakespeare

finalmente

voltou

fraca e a família insistia. Ele deve

ter julgado uma sorte ter um genro como John Hall, que era um bom e amoroso marido para Susanna e um médico dedicado e competente para O sogro.

Os dias de glória na capital deviam ter terminado — sua tristeza pessoal era, sem dúvida, amenizada pela renda extra, o aluguel da casa na entrada do convento — mas ele continuava decidido a se divertir. aturMichael Drayton, seu amigo da vida inteira, além de poeta-dram

go de Warwickshire — que colaborou em dramas de Dekker, Webster

e até Chettle, mas nunca com Shakespeare — costumava estar com amigos em comum, os refinados Sir Henry e Lady Anne Rainsford, a pouco mais de três quilômetros do outro lado do Avon, na aldeia de

Clifford Chambers. Drayton contaria as últimas novidades de Londres, tão pronto a destruir reputações quanto a lembrar do passado. Ben Jonson parece ser uma amizade agradável, depois de anos de compe-

tição, e mantinha sempre contato, chegando a fazer visitais ocasionais: vinha a pé, percorrendo enormes distâncias na tentativa inútil de emagrecer. Shakespeare era padrinho de um dos filhos de Jonson € escreveu para o amigo: “Darei a ele uma dúzia de colheres de latão fino e você vai traduzi-las [para o latim)”. Pelo visto, Jonson já caçoa-

va de Shakespeare por seu “mau” latim.

Afinal, o afastamento de Londres não seria tão tedioso e desaniasma mador. Shakespeare tinha mais um motivo para agradar ao fant

seco e um

quarto

de vinho

tinto para alegrar O hóspede”.

Naquele

Cimbelino, de Children Stories

from Shakespeare, de Editb Nesbit,

1858-1924.

rafa

E]

verão, em 9 de julho, New Place e as outras propriedades do bardo

e Imogênia, de

a

kespeare

o 20 centavos de libra para a compra de “um quarto de vinh

.. jado: Péstumo

e

mão de Pentecostes. A corporação municipal chegou à conceder à Sha-

ii

w o do pai, destacando-se entre os moradores locais, recebend em Ne o serPlace visitas importantes, como o padre convidado para fazer

“UM FELIZ ENCONTRO”

253

Henrique, príncipe de

Gales. Quadro

Isaac Oliver.

de

ram por sorte de “um súbito e terrível incê ndio”, o terceiro que os moradores de Stratford tinham na memória. Insuflado por muito vento, O incêndio foi “tão forte que se espalhou por várias partes, ameacando atingir a cidade inteira”. Mais de cinq uenta casas foram destruídas, além de estábulos e celeiros que es tocavam preciosos cereais e feno.

Fez-se uma coleta para as vítima s € podemos apenas supor qu e Shakespeare tenha contribuído. Mas o padroeiro da solidariedade costumava manter-se à distância quan do se tratava de dinheiro. Naquel e

mesmo verão de 1614, começou uma agitada briga que só se reso lveria após a morte dele, envolvendo Proprietários e os que viviam de

17)

SHAKESPEARE — ANTHONY HozpEN

, cioso de seus do to o mp te o do la ca e ev nt ma se shakespeare. Mas ele interesses pessoais. lo e d o m m u r a se v a r t s o , m a n n a se John Hall, o marído de Sus

de

. O Dr. sto opo o ia ser ith Jud de do ri ma uro fut o no, cavalheiro jacobi

Hall chegou a Stratford em 1600, passando por Cambridge, € foi um

dia dos mais dedicados e procurados médicos da região, trabalhando e noite no uso dos remédios que patenteou para curar doentes nobres

ou plebeus. Tornou-se tão respeitado que a corporação quis aceitá-lo como

burguês não-eleito, mas

ele recusou a generosa oferta devido

ao EXCESSO de trabalho. Seus expressivos livros de anotações estão cheios de remédios preparados com ervas — para todos os tipos de

males, grandes ou pequenos — e de detalhes sobre tratamentos para doenças, da hidropisia ao escorbuto, da sarna à varíola. As anotações detalham também

o que todos os seus pacientes tomaram,

inclusive a

esposa, a filha e ele. A visão puritana de Hall e seu registro, rigoroso

como o de um cura de igreja, podem

fazê-lo parecer moralista. Mas

ele provou o contrário ao defender a mulher quando ela mais precisava, ao ser falsamente

acusada

de infidelidade com

um

tal Rafe Smith.

Judith, irmã de Susanna, teve menos sorte na escolha do marido,

Thomas Quiney, filho de Richard, o inoportuno amigo de Shakespeare que escreveu a carta pedindo dinheiro, dezoito anos antes. Trabalhando como

vendedor de vinhos,

o jovem Quiney

tinha 26 anos e

Judith, 31, quando se casaram na igreja da Santíssima Trindade, em 10 de fevereiro de 1616. Qualquer lembrança desagradável que possa ter estragado o dia da mãe da noiva (que era oito anos mais velha que o

marido) foi apagada pelos acontecimentos que envolveram o casamento.

Pouco antes das núpcias, Judith descobriu que outra mulher, Margaret Wheeler, estava grávida de seu futuro marido. Daí, talvez, a pressa dela em subir ao altar. Um mês depois do enlace, Margaret e o bebê morre-

ram durante o parto. Foram enterrados, segundo o registro da paróquia, no dia 15 de março.

O crime de Quiney era mais grave que uma inofensiva relação pré-

“UM FELIZ ENCONTRO”

= Mgmt

Miranda,

de

A tempestade,

Quadro de Jobn William Waterhouse, 1849-1917.

O crime de Quiney era mais grave que uma inofensiva relação

pré-marital — causou a condenação à morte do pers onagem Cláudio, na sombria peça do sogro, Medida por medida. Em 26 de março, onze dias após o casamento,

o marido

de Judith

compareceu

ao tribunal

eclesiástico da paróquia, onde foi culpado de “có pula carnal” e condenado à punição em público: ir à igreja de cam isa branca, três domingos seguidos. Não temos como saber se o influente Shakespeare interferiu para salvar a filha e o marido dessa humilhaçã o. Mas a sentença foi misteriosamente abrandada dias depois, para uma simples multa de cinco

xelins e uma demonstração

de penitência em outra paróquia,

e não

em público. Os recém-casados não Passar am pelo vexame, mas o ca-

samento não teve um bom começo, para dizer o mínimo. Quiney venceu esse início incert o, mas não conseguiu ser respeitado pelo conselho municipa l devido a uma série de proble mas com

bebida.

Primeiro,

permitiu que os amigos bebessem em s Ud Casa, O que era ilegal; depois, ur inou no vinho da tavern a Cage, de sua proSHAKESPEARE

- ANTHONY

HoLDEN

akespeare, os Sh de e rt mo da ois dep to Mui a. del to en im ec nh se m o co teger os interesses de Judith. Mas ela pro de po tem a m agira parentes que desconcompreende-se e partido mau um com casado havia se

filhos faleceram muitrês seus quando divino castigo algum de fiasse

morreu peto antes dela. O primeiro, batizado Shakespeare Quiney,

Richard queno, em 8 de maio de 1617, um ano após a morte do avô. um mês e Thomas, nascidos nos três anos seguintes, morreram com de diferença, em 1639, aos 21 e 19 anos, respectivamente.

Susanna sabia ler e escrever; Judith, não. Shakespeare pode ter se

orgulhado mais da filha mais velha, respeitada, sensata, refinada, mas

sabia que não tinha sido um bom pai para nenhuma delas. Seu fantasma provavelmente daria de ombros, cheio de resignação fatalista, com

o fracasso de ambas em manter o nome dele vivo. Susanna teve apenas uma filha, Elizabeth, que não teve filhos (apesar de casar-se duas vezes) e faleceu em

1670, aos 61 anos. Judith também

não teve mais

filhos e faleceu em 1662, aos 77 anos, o que era pouco comum na época. Viveu treze anos mais do que a irmã mais velha. Uma geração depois, a estirpe dos Shakespeare tinha acabado.

Sem jamais supor que sua

obra perduraria e sabendo que seus irmãos não conseguiram preservar o nome da família, o filho de John Shakespeare parecia ter perdido

tempo querendo aquele orgulhoso brasão com lema de família. -—



Foi, certamente, na festa de casamento de Judith que Shakespeare teve o “feliz encontro”

com seus velhos amigos Jonson e Dravton,

no qual eles “beberam demais” e o bardo contraiu uma febre da qual nunca se recuperaria. Hamnet,

O irmão gêmeo

Certamente,

deve ter se lembrado

do filho

de Judith, morto há vinte anos. Deprimido

com aquele casamento incerto e com os terríveis acontecimentos que

toldaram a cerimônia, talvez esse homem moderado tenha se permitido, por uma vez, ir além dos limites.

em quase

tudo

Shakespeare nunca foi muito sociável, como John Aubrey ouviu

de um filho de Christopher Beeston, amigo e colega do dramaturgo. “UM FELIZ ENCONTRO”

257

Ele “não se deixava convencer e chegava a inventar pequenas mentiras. Quando era convidado, dizia que estava “passando mal”, mas no casamento da filha, o anfitrião era ele. Os dois colegas escritores certamente teriam abrilhantado a lista sem graça de convidados de Stratford



como

o médico

e clérigo

local, John Ward,

cujo relato é o

único existente a respeito dos fatos que culminaram com a morte de Shakespeare: Shakespeare, Drayton e Ben Jonson tiveram um alegre encontro

e parece que beberam

demais,

pois Shakespeare faleceu de uma febre que contraiu

nessa

ocasião.

William Shakespeare faleceu em 23 de abril de 1616, supostamente

na data em que completava 52 anos. Seis meses antes, tinha revisto seu testamento para evit ar que o genro Quiney ficasse com o dinheiro de Judith. Como Susanna passou a ser a dona da casa, o testamento é mais famoso pelo que parece ser um desaforo: deixar como herança para a esp osa Anne a “segunda

melhor cama da casa”. Mas os hábitos e costumes elisabetanos e jacobinos mostram que os Shakespeare, como a maioria dos casais prósperos de classe média, reservavam à melhor cama da casa para os hóspedes. Tal móvel deveria ser passado para a filha mais velha e a “Segunda melhor cama” que Shakespeare especifica no testamento seria,

portanto, aquela que dividiu com An ne — q intervalos, para sermos discretos — por mais de trinta anos e que deve ter sido dos pais dele.

Longe de mostrar a falência da relação conjugal, essa herança faz su-

Apesar de todo o esforço de le para manter na família o enorme 258

SHAKESPEARE

- ANTHONY

HoLDEN

RR [1

Ma. VVILLLAM

SHAKESPEARES COMEDIES, EIS TORES, NS TRAGEDIES.

Publifhed according to the True Original Copies.

LONDON Printedby Iaac lageard, and Ed. Bloune.

1623.

Capa do Fólio

Mr. Shakespcares

Comedies, Histories &

Tragedies.

legado que seu gênio deixou, os bens materiais de Shakespeare seriam logo dispersos entre pessoas que não eram próximas e que, tenham ou

não folheado seus escritos, abençoariam sua lembrança nas gerações futuras. Nós, que viemos depois, devemos bendizer a memória de John Heminges

e Henry Condell, integrantes da trupe Homens

do Rei, que

passaram os sete anos seguintes juntando os textos das peças do ami-

go e colega ator, conferindo várias vezes os arruinados textos antes de publicá-los no que chamamos de Primeiro Fólio. O volume intitulado Comédias, Dramas Históricos e Tragédias do Sr. William Shakespea-

“Um rt

FELIZ ENCONTRO”

Comédias, Dramas Históricos e Tragédias do Sr. William Shbakespea-

re entrou no Registro de Livreiros em 8 de novembro de 1023 e foi publicado pouco um

depois por Edward

Blount e Isaac Jaggard. Com

olho shakespeariano para ver a boa oportunidade, os dois ato-

res dedicaram

o livro a prováveis futuros patrocinadores,

rador de teatro William

ao admi-

Herbert. terceiro conde de Pembroke,

e a

seu irmão caçula, Philip, primeiro conde de Montgomery. Doze anos após a versão autorizada da Bíblia que ele havia patrocinado,

James

I via publicado o segundo

dos dois mais importantes

o rei

livros

da lingua inglesa, Shakespeare

não tinha motivos para esperar que suas peças so-

brevivessem a ele, quanto mais que fossem encenadas no mundo todo quatro séculos após sua morte. Pela primeira vez, obras dramáticas foram publicadas. No final de 1616, ano em que ele morreu, Ben Jonson seria O primeiro à ter essa honra, e sete anos depois, lembrou-se de prestar uma bela homenagem a seu grande contemporâneo, num prefácio em

versos para suas obras reunidas, “A memória do meu estimado, o autor Sr. William Shakespeare, e à obra que nos deixou”. Alma

de uma

era! Os aplausos! O encantamento!

A maravilha do nosso palco! Meu Shakespeare, erguei-vos!

Não pertenceis a uma época, mas à todos Os tempos!

Compete, finalmente, ao leitor decidir se esse é um epitáfio melhor do que aquele meio rabugento que Shakespeare fez para si, pare cendo tentar assustar Os pósteros para que o deixassem descansar em paz, pois suas peças € poemas falam por ele:

tão

lados

Shakespeare (Páginas 262263) Londres vista da margem sul do

cerca

Famise,

de

1650.

Artistá ANÓNINIO.

260

MEU BOM AMIGO, POR JESUS CRISTO TE ABSTÉM

DE TOCAR NO MEU PÓ QUE ESTA COVA CONTÉM: BENDITO

SEJA QUEM

MEU

PEDIDO

RESPEITAR

MALDITO AQUELE QUE ESSES OSSOS PERTURBAR. SHAKESPEARE

= ANTHONY

Hopes

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1 PR

E

CRONOLOGIA DA OBRA DE SHAKESPEARE [1587— 1592]

HENRIQUE VI —

PRIMEIRA PARTE

HENRIQUE VI —

SEGUNDA PARTE

[1595] RicaRDO

TI

HENRIQUE VI — “TERCEIRA PARTE

[1595—96]

RicaRDO III

Rei João

Os DOIS CAVALHEIROS DE VERONA Tiro ANDRÔNICO

HENRIQUE IV —pRIMEIRA

[1592]

[1597] ÀS ALEGRES COMADRES

[1593— 1594]

[1598] HEnRrIQUE IV — SEGUNDA PARTE

[1593— 1600]

SONETOS (PUBLICADOS EM 1609) [1593— 94] À COMÉDIA

DOS ERROS

À MEGERA DOMADA

TRABALHOS

DE AMOR PERDIDOS

[1594-—95] SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

“ ROMEU E JULIETA O MERCADOR DE VENEZA

[1598— 1599] Muito

BARULHO

POR

NADA

[1599] HenriQUE V JúLio CEsaR Como GOSTAIS

[1600— 1601] HAMLET

[1601] A FÊNIX E A ROLA

Ro e

À VIOLAÇÃO DE LUCRÉCIA

DE NVINDSOR

osso

VÊNUS E ADONIS

PARTE

Doo

(COLABORAÇÃO EM EDUARDO III)

[1596— 1597]

[1601—1602] TróiLO

E CRÉSSIDA

[1607—1 608]

TIMÃO

DE ATENAS

NotITE DE REIS

CORIOLANO

[16023]

[1607— 1608]

Bom É O QUE BEM ACABA

PÉRICLES

[1603]

[1609— 1610]

(CONTRIBUIÇÃO EM SIR THOMAS MORE)

CIMBELINO

[1604]

[1610—1611]

MEDIDA

POR

MEDIDA

CONTO

DE INVERNO

ÓTELO

[1611] [1605]

A TEMPESTADE

Rei LEAR

[1612—1613] [1606] MACBETH

[1606— 1607] ANTÔNIO

E CLEÓPATRA

Henrique (com

VHI

FLETCHER)

[1613] Dois NOBRES PARENTES

(com FLETCHER)

|

RICHARD

ROBERT

SHAKESPEARE

DE ÁSBIES,

DE SNITTERFIELD

WILCOMTE

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F. DEZ. 1556

JOHN SHAKESPEARE

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N. Nov. 1562 É F. NA INFÂNCIA

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WILLIAM

N. ABRIL 1564 F. ABRIL 1616

HAMNET

N. 1575

N. JAN.

F. Nov. 1635

|



SHAKESPEARE N. Nov. 1616

r. aBriL 1647

F. MAIO 1617

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PrerÁcio

“não por não sabermos muito”: Harold

Bloom, O cânone ocidental (Rio de Janeiro:

“todos (...) emprestam de autores anteriores”: E. A.J. Honigmann, em Shakespeare: The Lost Years (Manchester: MUP, 1985, revisto em 1998), p. vii.

Objetiva, 1995).

I

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STRATFORD: 1564 — 1569

Anthony Burgess, Shakespeare (Londres:

Vintage, 1996), p.9.

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The Complete Works of William

Shakespeare, de Sidney Lee (ed), vol. XVI

(Londres: John Murray, 1906-1909), relançado em Essays on Literature: American and

English Writers, de Henry James (Nova York: New American Library, 1984), p. 1219-20.

“aaparente infinita hospitalidade de sua

imaginação”: de John Jones, em Shakespeare

“em honra de sua famosa relação”: De Quincey, na obra de Samuel Schoenbaum

William Shakespeare:A Compact Documentary Life (Oxford: OUP, 1987), p. 25 “cidadãos fisicamente

habilitados”:

Schoenbaum, livro citado, p.33

“muito honesto, sóbrio, laborioso”:

Schoenbaum, livro citado, p. 33

“Três, quatro milhares de testamentos, ou

mais”:J. de Groot, em

The Sbakespeares

at Work (Oxford: Clarendon Press, 1995), p. 12.

and “The Old Faith” (1946), p. 88

“Nós perguntamos sem parar”: John Bryson

“tirar de casa tudo o que pudesse ser suspeito”: Peter Milward, em Shakespea re

(ed.), Matthew Arnold, Poetry and Prose (Londres: Hart-Davis, 1954), p.32

“Não entendemos Shakespeare de uma só lida”: T.S. Eliot, “Dante” (19293, em Selected Essays (Londres: Faber & Faber, 1932), p.245.

“Não sabemos, ao ler Shakespeare (...) ele não

gostava de advogados”: Harold Bloom, em Sbakespare: À invenção do bumano (Rio de Janeiro: Objetiva, 2000).

“Se você ler e reler Shakespeare sem parar”:

Harold Bloom, em O cânone ocidental (Rio de

Religious Background (Londres: Sidgwi ck &

Jackson, 1973), p. 21.

H

Inrância: 1569 —

1579

“mau latim e pior grego”: Be n Jonson,

versos laudatórios no prefácio do Primeiro

Fólio das Obras Reunidas de Shakespeare,

1623.

“Pronúncia de letras, síla bas e palavras”: Schoenbaum, livro cita do, p. 64. “Aprender à escrev er o in glês”: Burgess, liv ro

Janeiro: Objetiva, 1995),

citado, p. 29.

“Nós, que lemos”: John Updike, no New Fork Review of Books, v. XLVI,n. 2. de fev de

“Quanto bem Preparad o em latim”: Stanle y Wells, em Shakespear e: A Dramatic Li fe (Londres: Sinclair St evenson, 1994), p. 13.

1999.

lia”: Richmond «Citações de (...) 42 livros da Bíb

owledge Noble, em Shakespeare's Biblical Kn Prayer, As and Use of the Book of Common Folio Exemplifted in the Plays of the First (Londres: SPCK, 1935), P. 20.

“no escritório de algum advogado que mora

no campo”: Edmund Malone em “An Attempt to Ascertain the Order in Which the Plays

na idéia, publicando no Times Literary Supplement de 19 de dezembro de 1997, e no “Lancastrian Shakespeare”, palestra realizada em parte na Mansão Hoghton sob os auspícios da Programa Shakespeare da Universidade Lancaster, de 21 a 24 de julho de 1999. “um mestre-escola no campo”: Oliver

Lawson Dick (ed.) , em Aubrey's Brief Lives

Attributed to Shakespeare Were Written”,

(Harmondsworth: Penguin, 1962), p. 276.

Malone (Londres: J. Rivington & Sons, 1790), v. 1, parte], p. 307.

“yma das famílias mais destacadas de

em Plays and Poems, de Shakespeare, ed.

Edmund

“completamente arruinado”:

“William

Shakespeare”, verbete na Biograpbica Britannica (1747-606), v. VI, parte I, p. 3628, citado por E. K. Chambers em William Shakespeare: A Study of Facts and Problems (Oxford: Clarendon Press, 1930), p. 287. “com exceção dos anos de 1582,

1585 e

Lancashire”; Honigmann, livro citado, p. 8.

“para fazer com que os súditos de Sua Majestade

obedeçam

devidamente”: J.

Stanley Leatherbarrow, em The Lancashire Elizabethan Recusants

(Manchester,

1947), p. 55.

“principalmente a casa de Richard Hoghton”: Acts of the Privy Council, v. XIII, p. 149,

1585": Honigmann, livro citado, p. 1.

citado por Honigmann, livro citado, p.10.

“em que, normalmente, entravam para a

“Sendo tirado da escola”: Sir Thomas

universidade”: 'T. W. Baldwin, em Shakespeare's Small Latine and Lesse Grecke (1944), v. 1, p. 487.

Elyot, em The Boke Named

1579 —

E. A. J. Honigmann (Shakespeare: The Lost

Years) para dar veracidade a uma idéia “sugerida pela primeira vez”, como ele Warwicksbire and the Unkonwn

1937), “retomada” por E. K. Chambers em “William Shakeshafte”, Shakespearean 1944). Alan Keen e

Roger Lubbock foram mais longe ainda em Com cuidado, 8. Schoenbaum

or Whateley”, Shakespeare Marriage (Londres: Chapman & Hall, 1905), p. 2135. IV

Fears, de

Oliver Baker (Londres: Simpkin Marshall,

The Annotator (Londres: Putnam,

“Baker” por “Barbar”: J. W. Gray, “Hathway

Lonpres: 1587 —

concorda, em In Shakespeare's

1954).

endossa

Honigmann no Times Literary Supplement “de 19 de abril de 1985 e na edição de 1987 de A Compact Documentary Life. Já Eric Sams

concorda com entusiasmo (The Real Shakespeare).

Joseph Quincy Adams em A Life of William Shakespeare (Londres:

1587

Nenhum especialista se esforçou mais do que

Gleanings (Londres: QUP,

1531), citado por

Constable, 1923), p. 61-62.

HI

Os anos “PERDIDOS”:

Governour (Londres,

The

No artigo “Shakespeare and

the jesuits”, Richard Wilson investe ainda mais

1592

“um ator mediano”: os atores shakespearianos gostam de discutir isso. “Na companhia teatral

Homens do Rei, você não era considerado um ator trágico se não interpretasse”, insiste um

deles. O ator Peter O'Toole acredita que

Shakespeare foi “um dos Mercucios”. (Conversas do autor com O" Toole em 20 de junho de 1999: artigo de Anthony Holden, “Men Behaving Bardly”, publicado no Obs erver, 11

de jul. de 1999)

“Mantenham essas casas suntuo sas (...) prova

evidente de tempos perdidos”: TChomas)

Wíhite). “Sermão em Pawles Cross, domingo, 3

de novembro de 1577 na época da praga” (Londres, 1578), p. 47, citado por Chambe rs em Elizabetban Stage, p. 269: “Cronolog ia”, de William Harrison, citado no mesmo livro. “onde um aprendiz de açougueiro seria útil ”:

Sams, livro citado, p. 55.

Clarendon Press, 1927), p. 52. WV

O “corvo ARROGANTE”: 1592 —

1594

“Quem quer que fosse, ela encantou o

“pobre, (...) sem dinheiro nem amigos ”:

ibidem, p. 56.

“aceito na companhia”: Nicholas Rowe, livr o

citado, p. vi.

“primeiro trabalho no teatro”: por Edmond

Malone em Supplement to the Edition of

Shakespeare's Plays Publisbed in 1778 by

S. Jonson

“O pecado causa a peste”: F. P. Wilson, The Plagite in Shakespeare's London (Oxford:

and G. Steevens (Londres:

Bathurst, 1780), p. 67.

“um dos primeiros atores nas peças de

Shakespeare”: Seymour Pitcher, em The Case

for Sbakespeare's Authorsbip of “The Famous Victories ofH enry Vº (Londres, Alvin Redman, 1961), p. 175.

poeta”: Jonathan Bate, em Mail on Sunday, 1á de fev. de 1999.

“Você precisa acreditar na Sra, Florio”: Jonathan Bate em The Genius of Shakespeare (Londres: Picador, 1997), p. 58. “definitivo (...) incontestável": A. L Rowse, em Shakespeare's Sonnets (Londres: Macmillan, 1964, 3. ed. 1984), p. xixoxv.

“uma pessoa bem conhecida (...) de pos ição social superior”: ibidem.

“anônimo, até complexo”: Ver Burgess, livro citado, p. 131.

“Os finais felizes precisam ser convincen tes”:

“A assinatura no livro dá a entender isso”: Sir

por Barton, no prefácio à edição Riverside da Comédia de Erros, p. 81.

Press, 1916); “Special Transcript of the

“um desejo inconsciente”: A. Bron son Feldman, International Journal of Psh

Edward Thompson, em Sbakespeare's Handwriting: A Study (Oxford: Clarendon Three Pages”, Shakespeare's Hand in the

Play of Sir Thomas More,

ed. A. W. Pollard

(Cambridge: CUP, 1923), citado por Sams,

ycho-

Analysis, v. XXXVI, 1955, na edição Arden da

Comédia de Erros, livro citado, n. 1,

ibidem, p. 72.

“Como teria alegrado o corajoso Talbot”: por

Thomas Nashe, em Pierce Penniless

(Londres,

1592).

“O horror se torna piedade”: Herschel Bak er,

prefácio para 1-3 Henry IV em The Riverside

Shakespeare (Boston, MA: Houghton Mifflin,

1974), p. 592.

“Eduardo III”: ver, de Eric Sams, Shakespeare's Edward II (New Haven, CT:

Yale University Press, 1996).

VI

Os Homens O LORDE CaRMELENGO: 1594 — 1599

“tumulto e multidão desorden ada”: ver Gesta

Grayorum or The History of the High and Mighty Prince Henry, Prince of Purpoole (...). (Londres: W. Cannin g,

1688).

“O mais completo home m de teatro de seu

tempo”: por G. E. Bent ley, em Shakespeare,

A Biographical Handbo ok (New Haven, CT; Yale University Press, 1961), p. 119.

de tantas formas ” : Schoenhbaum,

Citado, p. 185.

livro

Lee em The “peça da hora”: Sir Sidney de fevereiro de 1880, Gentleman's Magazine den de Romeu p. 185-200, citado na edição Ar

e Julieta, ed. John Russell Brown (Londres: Methuen, 1964), p. xxill.

“Shakespeare está conosco”: Extracts from the Letters and Journals of William Cory, ed.

Francis Warre Cornish (Londres, 1897), p- 168,

citado por Chambers no livro mencionado, p329: em 1865, Lady Herbert, descendente da

condessa de Pembroke, disse a um mestre-

“hestas míticas: seres estranhos,

demoníacos”: Barton, no prefácio à edição

Riverside de O mercador de Veneza, p. 250. “o vício mais odioso”: D. L. Thomas e N. E. Evans em “John Shakespeare in the

visitante de Eton, William Cory, que a família ainda possuía essa carta, mas ela nunca apareceu. “os dentes dela eram feitos em

Ben Jonson, em

Blackfriars:

Epicoerne, citado por

Exchequer”, Shakespeare Quarterly, N. XRXV,

Schoenbaum, livro citado, p. 260-261.

“humanidade e boa indole”: Rowe, livro

“ym homem ibidem.

1984, p. 315-318.

citado, p. xii-xiii.

entre homens”: Wallace,

“Mary Mountjoy se enganou”: Rowse, em

“Secrets of Shakespeare Landlady”, TheTimes, 23 de abr. de 1973.

“viu com aprovação”: Schoenbaum, livro citado, p. 207.

“estranhos (...) nas suas maneiras bárbaras”:

VII O Tesrro GLosE:

1599 —

edição Arden de Otelo, ed. Honigmann

1603

(Londres: Methuen,

“foi com meu grupo para o outro lado do rio”: Ernest Schanzer, em “Thomas

Platter's

1997), p. 2

“Mata esse demônio, mata!”: A. C. Sprague, em Shakespeare and the Actors (Cambridge,

Observations on the Elizabethan Stage”,

Notes and Queries (1956), p. 466.

MA: Harvard University Press, 1945), p. 199.

“hábitos de negócios”: J. O. HalliwellPhillips, em “A Life of William

“se a imaginação pode criar efeitos reais”: Kermode, prefácio à edição Riversidade de Macbeth, p. 1308.

Shakespeare”,

em

Obras,

de Shakespeare

(1853— 1865), p. 151. IX “tão velho e fora de uso”: Francis Bacon em

Declaration of the Practises and Treasons (Londres,

1601), citado por Schoenbaum,

no

livro supra, p. 2158.

“Eu sou Ricardo II": Chambers, no livro

citado, p. 326327.

VII

O Homem DO REI: 1603 — 1606

O TesrrO BLACKFRIARS:

1606 —

1611

“quanto à bela senhora da casa”: Charles Gildon (ed.), The Líves and Characters of the English

Dramatick Poets, (...) by Gerard Langbaine

(Londres, 1698), p. 32.

“muito possivelmente, ele pegou-o”:

Biblioteca Bodleian, Diários de Hearne. “sem dúvida, serei enforcado”

€...) “Milton

“atuou como ator em apresentações na corte

salvou-o da execução”: Hamilton, no livr o citado, p.18.

Shakespeare Survey 1 (Cambridge: CUP,

“saiu de Londres”: Burpess, livro citado , p. 209.

nada menos de 187 vezes”: G. E. Bentley, em “Shakespeare and the Blackfriars Theatre”, em

1948), p. 40.

“rapagões com idéias “distorcidas” de

Privilégio”: Wyndham Lewi s, em The Lion and

the Fox, citado por Frank Ke rmode, prefácio à

edição Riverside de Coriolan o, p. 1392.

“Joan em vez de Joanna, Eleanor em vez de

Helen” (...) “Someone Of means”: de G. E.

Bentley, Shakespeare, A Biog rapbical

Handbook (New Haven, CT: Yale University Press, 1961), p. 81.

“as profundezas do desespero” (...) “uma serena soberania”: Edward Dowden , em

Shakspeare: His Mind and Art (Londres,

1875), citado por Kermode, na edição Arden

de A tempestade (Londres Meth uen, 1954), p. “uma doença séria €...) um es gotamento

nervoso”: E. K. Chambers, A Sh ort Life of

Shakespeare (Oxford: Clar endon Press,

1933), p. 61.

“Íntimo demais (...) a eterni dade prometida

Por nosso eterno poeta”; Scho enbaum, livro citado, p. 270. “Gastou-se muito estudo”: ver Leslie Hotson,

Mr.

W. H. (Londres: Chatto & Wind us, 1964).

“literalistas da imaginação”: fra se depois

cortada da versão original de Poetry, de

Marianne Moore, em Collected Po ems (Londres: Faber & Faber, 195 D, p. 266-7.

“filósofo da malícia”: ibidem, p. 156 6. x

“UM FELIZ ENCONTRO”: 1611 — 1616

“onde ele costumava tomar cervej a”: George

Steevens, nota sobre Sir John Oldcastle, em

Supplement to the Edition of Shakespeare's Plays Publisbed in 1778 by Sa muel

Jobnson and George Stevens”, de Malone, livro citado, p. 369-370.

“nada acabou senão a madeira e à palha” (...) “que teria talvez queimado” (... ) algumas galerias pegaram fogo": VerSir Henry Wotton

em carta para Sir Edmund Bacon, citado em The Life and Letters of Sir Henr y Wotton, de

Logan Parsall Smith. (Oxford: Clarendon Press,

1907), p. 17; ver também Chambers, livro

citado, p. 153.

“foram ao teatro Globe para uma peça Gs

“boatos de que o próprio rei” (...) “a parte de

cada um foi acertada inicialmente em 50 ou

60 libras” (...) “enquanto aparava (...) “era uma boa época para vender”: Schoenbaum, livro citado, p. 277.

“Seja lá o que Tom Stoppard quisesse que nós acreditássemos”: na penúltima cen a do filme Shakespeare apaixonado (Miram ax,

1998, roteiro em parceria com Sir Tom Stoppard), vencedor do Oscar, a rainha de

repente levanta da platéia no teatro Globe para

resolver problemas entre Shakes peare, sua

amada Lady Viola (Gwyneth Paltro w) e seu

também fictício marido.

“moradia ou casa” (...) “gra nde portão” (...)

“€ armazéns estranhos”:

escritura com

data

de março de 1613, citada po r Schoenbaum,

livro mencionado, p. 273 .

“pedacinho de papel” (...) “par a representação

na corte”: Haller Smith, prefácio à edição

Riverside de The Tio Noble Kinsmen, p.

1639.

ÍNDICE como ator, 88, 96 negociações sobre o teatro com Alleyn,

As páginas em itálico indicam ilustrações.

154-155

A Acton, John, 49 Addenbrooke, John, 226

e com Pembroke, 96 Burbage, teatro de, 81

117,151, 156, 192, 221 Alleyn, Edward (“Ned”), 88, 95, 96, 100, 134

desmonte do, 155 Burgess, Anthony, 10, 14, 48, 121

alegres comadres de Windsor, As, 8, 12,50,53,58,

construção e arquitetura, 98

Alleyn, Giles, 155, 156 Amnesley, Cordélia, 230

Burghley, Lorde William Cecil, 111, 115, 126,

Antônio, Marco, 216

C

Arden,Mary ver Shakespeare, Mary

Carey, Henry, ver Hunsdon, Barão

136

Antônio e Cleópatra, 184, 213, 214, 216 Arden, Margaret, 42

Catesby, Robert, 42, 204

Arden, Robert, 23, 30,31

Catesby, Sir William, 41, 204

Armin, Robert, 164, 177 Arnold, Matthew,

11

Astrofel e Stella (Sidney), 115, 120, 185 Atores do Conde

Derby,

Campion, padre Edmund, 40, 41, 42, 65,69

Os, 68, 70; ver

Homens de Lorde Strange Aubrey, Jolin, 26, 55, 62,210 Audeley, John, 70

B Bacon, Sir Francis, 158, 161, 166-67

Católicos romanos: perseguições de, 38-9, 42, 64,81 Cecil, William ver Burghley, Lorde

Chambers, E. K., 226 Chapman,

George,

117, 178

Carlos II, rei, 212 Chester, Robert, 178 Chesterton, G.K., 11

Badger, George, 28

Chettle, Henry, 112, 253 Cholmley, John, 86

Barton, Richard, 66, 75 Bate, Jonathan, 118, 120

Cimbelino, 85, 199, 23132, 238 Cinthio, Giovanni Batista, 186 Clopton, Sir Hugh, 24

Barnstorff, D., 230

Beaumont, Francis, 244

Belott, Stephen, 191, 242 Bermuda, 237 Blackfriars gate-house, 189, 209

Blackfriars, teatro, 171, 173, 221, 222, 231, 244, 251 Bloom, Harold, 9, 11

Bolingbroke, Henrique, 142, 150, 163

Bom éo que bem acaba, 185

Borromeu, cardeal: Último Testamento, 40-42

Bradley, Gilbert, 36

Brend, Sir Thomas, 159, 160

Bretchgirdle, John, 22, 32, 49

Brooke, Arthur, 135

Brooke, William, 151 Brownsword, John, 49

Burbage, James, 84, 85, 88, 96, 155, 156; ver

também Theatre de Burbage Burbage, Richard, 130

Clopton, William, 44 Cobham,

Lorde ver Oldcastle, Sir John

Coleridge, Samuel Taylor, 198

Collins, Francis, 201

Combe, John, 181 Combe,

William,

181

Comédia dos erros. A, 104, 12425, 186

Como gostais, 83, 163, 164, 184, 185 Condell, Henry, 189, 222, 230, 259

“Conspiração da Pólvora” (“Traição da

Pólvora”) 42, 43, 203-4

Conto de inverno, 63, 74,75,12

232, 234, 235, 238, Re Pa os; 1, Coriolano, 117, 139, 199, 217-20, 222 Cottom, John (Cotham), 42, 62,65. 67

Cottom, Thomas, 42, 64, 65 Curtain, teatro, 86, 95, 156



D Danver, Charles, 134

“Dama Morena”, 125, 194

especulação sobre a identidade da, 120-21, 126

Jeanne Davenant como candidata a, 213

Davenant, Jeanette, 209,210,213 Davenant, John, 209, 210 Davenant, Sir William, 209

carreira literária e volta das peças de Shakespeare, 209, 211

hipótese de Shakespeare ser o pai de, 209, 211-12

prisão na Torre, 211 Shakespeare como padrinho de, 209

Davies, Richard, 52,58

de Quincey, Thomas, 22

de Vere, Lady Elizabeth, 126, 137

Dekker, Thomas, 172, 178, 253 Dennis, John, 151 Derby, conde de, (Henry Stanley), 68, 70, 136: ver também Atores do Conde Derby

Evans, Thomas,

F Faerie Queene, The (Spenser), 102 Fawkes, Guy, 42 “Fênix ca rola, A”, 177 Ferdinando ver Strange, Lorde Field, Richard, 67,115,118, 188 Fitton, Mary (“Mall”), 120 Fletcher, John, 239, 244, 251 Florio, John, 113, 118 Florio, Sra. John,

Foster, Professor Donald, 230 Frederico, eleitor do palatino, 242

G Gates, Sir Thomas, 237

Gildon, Charles, 151,211 Globe, teatro, 159-81

apresentação de peças de Shakespeare, 160 172-73

construção, 156, 159

destruído por incêndio, 244, 247

hoje, 10 reconstrução após o incêndio, 247

Dois nobres parentes, 251

Dowden, Edward, 226

Dravton, Michael, 253, 257

Dryden, John, 212

Dyos, Roger, 32

120

Forman, Simon, 195, 231, 234

Devereux, Lady Penelope (Rich), 120 Devereux, Robert ver Essex, segundo Conde de Dois cavaleiros Verano, 94,103, 105,135

Drake, Sir Francis, 141

222

Shakespeare como acionista, 159, 221, 222

sucesso, 159 Greene, Robert, 82, 109-12, 234 Greene, Thomas, 240 H

E

Edmund Ironsídie, 106

Eduardo HT, VOG Eliot. T.S. 11 Elizabeth I, rainha, 60, 128, 151, 156, 157,181

Hall, Dr. John, 216, 225, 253, 255

Hall, Elizabeth (neta de Shakespeare), 22, 225

Hall, Susanna (de solteira, Shakespeare), 241, 257 batizado, 74 casamento, 216

e Essex, 140, 142, 165

herdeiro de, 142, 183

nascimento da filha, 225

memoráveis versos em Tilbury, 80 morte, 181

perseguição de católicos romanos, 39, 42, Gá e Shakespeare, 151-52

Elizabeth, princesa, 242, 243, 244 Escócia, 198, 202

Essex, segundo conde de, 147, 163, 169€0

caso Lopez, 137-38, 140

e conde de Southampton, 126, 137, 148

e Elizabeth I, 141, 142, 166, 168 execução de, 168

processado e libertado por Elizabeth 1, 16G queda, 166

rebelião de (1601), 168

volta em desgraça da Irlanda, 163

Evans, Henry, 221

personalidade, 225, 226

Hall,

é O testamento do pai, 258 William, 230

Hamlet, 29, 45, 77,90, 96, 97, 107, 171-77, 188 Harrison, William, 86

Hart, Thomas, 39 Hathaway, Anne, 71

antecedentes, 71,

casa, 73

Casamento com Shakespeare, 71, 73, 118

dote, 74 € O testamento do marido, 258

Hathaway, Richard, 34

Hathaway, William, 230 Hearne, Thomas, 211 Heicroft, Reverendo He nry, 74 Heminges, John, 76, 160, 189, 259

e as peças de Shakespeare, 198 e o teatro Globo, 247 trama católica para matar (1605), 205

, 132 Hencage, Sir Thomas 170, 221 Henrique IV, 150, 152,

99 Henrique V, rei, 97,

, 99 Henrique VI, rei, 97, 98

96-100, 102, 104 5, ,9 94 , ia og il tr , VI ue iq nr He Parte (1), 150 Parte (2), 99, 186 Parte (3), 95, 97,99, 112

e a união com a Escócia, 202 Jenkins, Thomas, 50-51, 62

judeu de Malta, O (Marlowc), 82, 95,139 Judeus, 137, 159 John de Gaunt, 142, 145

Johnson, Robert, 241 , 257 Jonson, Ben 47,51, 146, 189, 212, 217, 242

Henrique VIII, rei, 38, 244, 246

Henrique VII, 244

Henslowe, Philip, 86, 130, 195 Herbert, William ver Pembroke, conde de Hervey, Sir William, 230 Hesketh, Richard, 130 Hesketh, Sir Thomas, 61, 64, 67, 68

Heywood, Thomas, 178, 242

“encontro feliz” com Shakespeare, 242

Every Man Out ofHis Humour, 148

homenagens a Shakespeare, 148, 149, 26]

sátiras, 217

relação com Shakespeare, 148, 242, 253

Jordan, John, 39

Jourdan, Sylvester, 238

Higford, Henry, 54

Júlio César, 163, 165, 179, 214

Hill, Alderman, 71

Hoghton, Alexander, 61, 62, 64, 67

K

Hoghton, Thomas, 61, 62, 63, 64 Holinshed, Crônicas, 97, 142, 206 Homens de Lorde Strange, 94, 95, 96, 129 ver Homens do Lorde Camerlengo

King's New School (Stratford), 47,48

Homens do conde Pembroke, Os, 96, 100, 184;

Kyd, Thomas, 93

Homens do Lorde Camerlengo (antes, Homens de Lorde Strange): apresentação

L

Homens do Almirante, 88

Kemp, Will, 130, 160, 164

Knell, William, 76

Knollys, Sir William, 120 Tragédia espanhola, 83

ver Os homens de Pembroke

para a rainha Elizabeth, 130, 145

papel de Shakespeare, 130-31

patrocinado por James I na trupe Homens do Rei, 184 ver Homens do Rei; Homens de Lorde Strange

pedido dos partidários de Essex para

apresentar Richard II, 166 problemas com o teatro Burbage, 155, 156

Homens da rainha, 88

encenação de peças de Shakespeare, 93-4 participação de Shakespeare, 88, 91 visita a Stratford (1587), 76

Homens

do Rei: e o teatro Blackfriars,

apresentações na corte, 184, 244

Lambert,

Shakespeare escrevendo para, 244, ver Os

Homens de Lorde Camerlengo Honigmann, Ernst, 14

Hunsdon, Lorde (filho), 147, 151-52

Hunsdon, Barão (Henry Carey), 130

Hunt, Simon, 50, 62

66

Lambert, John, 67, 93 Laneman, Henry, 86 Langrake, James, 139 Lanier, Emilia, 120

Leo, John, 196 Leveson, William, 160

Lewis, Wyndham, 218 Lodge, Thomas: Wif's Míiserie, 82 Londres, 79-107, 189, 262-63

-

fechamento dos teatros devido à peste, 106, 112, 184

inverno (1608), 217-18 revoltas por comida (1595), 139

221

formação por James 1, 183, 184

Edmund,

Lopez, Rodrigo, 137, 138

Eove's Labotr's Lost (Trabalhos de amor perdidos),

102, 104, 114, 121, 122, 123, 124, 132

Love's Labour's Won Crabalhos de amor ganhos),

123 Lucrécia, ver violação de Lucrécia, Lucy, Sir Thomas,

57

M

J

Jaggard, William, 242 James I, rei, 182, 183, 204, 260 chegada a Londres, 183

Macbeth, 35, 146, 150, 171,175,179,1

203-6, 212, 235

Macready, William, 198

crença no “Direito divino”; crença em

Malone, Edmund, 39, 57

e Os Homens do Rei, 183, 184

Marlowe, Christopher C Kit

bruxaria, 205

E

na

Manningham, John, 100, 179

82

Hero e Leandro, 83

Q

Ojudeu de Malta, 82,95, 137 Marston, John, 172

Quiney, Adrian, 25, 38, 44, 201

Mary, rainha da Escócia, 80

Quiney, Judith (de solteira, Shakespeare), 75, 199, 241 casamento, 256 e o testamento do pai, 258

Medpo rd i meda ida, 186, 188, 256

Megera Domada, A, 66,104, 123

Megera Domada, Uma (não de autoria de

Shakespeare), 123 Mercador de Veneza, 0,79, 117,136, 137, 186

morte, 257

Quiney, Richard, 154, 257

Meres, Francis, 123, 152

Quiney, Thomas, 255, 257

Metamorphoses (Ovídio), 51,115 Meyrick, Sir Gellv, 166

R Raleigh, Sir Walter, 166 Rei João, 11,145 Rei Lear, 20, 198, 199, 201,219, 224, 227, 238 Rich, Penelope ver Devereux, Lady Penelope

Montague de Beaulieu, Lorde, 115

Montemayor: Félix e Filomena, 94

Moore, Marianne, 232 More, Sir Thomas, 38, 178. 179 Moseley, Joseph, 39

Mountjoy, Christopher, 36, 189, 195, 242

Mountjoy, Lorde, 166

Mountjoy, Mary, 189, 194, 195

Ricardo II, 142, 149, 153, 166, 168

Ricardo II, rei, 142 Ricardo III, rei, 101

RicardO NI, 100, 153

Muito barulho por nad, 33, 163, 247

Richardson, John, 72

Munday. Anthony, 178

Roche, Walter, 49

Rogers, Philip, 188

N

Romeu e Julieta, 85, 103, 132, 134, 136

Nash, Anthony, 201

Rose, teatro, 86, 95, 96, 104, 156 Rowe, Nicholas, 47, 55, 57,90

Nashe, Thomas, 82, 93, 94

Negro, Lucy, 120

Rowse, A. L., 120

New Place, 24, 146, 152,18] Noite de Reis, 120, 164, 181 Nottingham, conde de, 144

Rufford Old Hall, 68

S

“Sabidos da Universidade”, 81, 83, 93, 94, 112

Ó

Oldcastle, Sir John (Lorde Cobham),

150

Orsino, Don Virgínio (Duque de Bracci ano), 179

Otelo, 125, 187, 194, 195, 196 Ovídio: Metamorfoses, 51 P

Pandulfo, Cardeal, 145 Peele, George, 82 Pembroke, Condessa de, 184, 185 Pembroke, conde de ( William Herbert ), 78,

95, 96, 123, 230, 260

Peregrino apaixonado, O, 24243 Péricles, 199, 224, 226 Phillips, Augustine, 160, 167 peste, 32, 80, 106, 112

Platter, Thomas, 159, 163 Plutarco, 213, 214, 216

Pope, Thomas, 160 Price, Michael, 71

Prim Fol eioi(16 r23) o , 76, 96, 123, 149, 181, 214,

259

Sams, Eric, 14

Sandells, Fulke, 72

Savage, Thomas, 160

Schoenbaum, Samuel, 14 Sea Adventure (navio), 237

Shakespeare, Anne (irmã), 74 Shakespeare, Edmund (irmão), 75, 146, 225 Shakespeare, Gilbert (irmão), 36, 146, 154, 181, 225, 241

Shakespeare, Hamnet (filho), 75, 257 morte de, 146, 148, 176, 232, 257

Shakes pcare, Henry (tio), 71

Shakespeare, Hugh, 22

Shakespeare, Joan (primeira irmã), 31 Shakespeare, Joan (segunda irmã), 32, 38, 226 Shakespeare, John, (pai), 23, 146, 147 casamento, 23, 31 c 0 Catolicismo, 38, 42,51

como negociante de propriedades, 28

hipoteca a propriedade de Asbies para

Lambert, 66 litígios contra John Lambert, 66, 93

mais tarde, 176 morte e enterro, 176 multado por fazer um

monturo sem

autorização, 25 28 negócios de que participou, 25,

nta a ofende leis religiosas e não freque igreja, 112, 115

problemas financeiros € dividas, 43, 53, 54,55,66,67, 70

processos contra usura, 138-39

promoções e deveres no conselho de stratford, 30, 32-3, 36

recusa do primeiro pedido de brasão, 38, 43 renuncia ao conselho de Stratford, 67 e o testamento de Borromeu escondido

no teto, 38, 65, 204

venda da terra e propriedade, 67

Shakespeare apaixonado (filme), 9 Shakespeare, Margaret (irmã), 32 Shakespeare, Mary (nascida, Arden) (mãe), 21,

30, 226 Shakespeare, Richard (irmão), 194, 241 Shakespeare, Richard, (avô), 23, 62 Shakespeare, Susanna (filha) ver Hall, Susanna

Shakespeare, William 46, 207 aprendendo latim, 50

ascendência familiar, 21, 24-25 batismo, 21

Carreira literária: acusações de plágio e 110, 113

atribuição de Eduardo Ila, 106

Carreira Teatral; encenar, 68, 88, 89, 193 acionista do teatro Globe, 159, 221, 222

começa no teatro de Burbage,

dieta, 193

doença nervosa, 205

eo dinheiro, 137, 139, 163, 216

edições piratas das obras, 188, 228-29, 241

educação religiosa, 52

educação e vida escolar, 46-50, 52 efeito da morte do filho em, 146 efeito do teatro Blackfrias em, 232

elogios de Spenser, 102-3

e Mary Mountjoy, 195

“encontro feliz” com Jonson e Drayton,

257 envolvido em negócios na volta a Stratford, 241

Shakespeare, Judith (filha) ver Quincy, Judith

crítica de Greene,

Jaggard, 242

193

como ponto de teatro, 89 e Homens de Lorde Strange, 129

entra para os Homens da Rainha, 88, 89, 91 ganhos, 160 participação da Companhia do Londe Carmelengo, 130 se torna um dos Homens do rei, 184 teatro Blackfrias, 221,222

carta de Quiney pedindo empréstimo, 154 ciúme, 125, 193 colaborações, 178-79, 242-43, 250

começa com Anne Hathaway, 71, 73, 74, 235, 258 como tutor, , 32, 68

compra New Place, 24, 147, 154

compra terra e propriedade em Stratford,

181, 199-200 data de nascimento, 21

desaprovação de aristocratas transformados

em políticos no trabalho, 218 desgosto com à publicação de poemas de

epitáfio, 260

e religião, 43, 52, 74,81

fama, 201

finanças e saude,

146, 201

Hamlet como trampolim, 170-79

história do filho ilegítimo, 210, 211 história do roubo de cervos, homossexualidade, 117

58

Infância: ajudando o pai no ofício de açcogueiro, 26, 55

início de, 94 e Jeanette Davenant, 210,213

livros que estudou na escola, 51

local de nascimento, 25, 26-7, 44 manuscrito, 178-79 medida de produção, 178

mudanças na direção criativa, 224

muita tensão, 224

patrocínio do conde de Southampton, 112, 113

persegue devedores, 188, 226

poesia, 1056, 113, 115, 117

prefere Londres a Stratford, 253

preferência pelas filhas e não pelos filhos

nas peças, 198-99 publicação da obra, 153 Roo EO com Jonson, 148-49. 244,

rel ações com outros poetas e drama ms turgos, retiro final em Stratford, 253

rogimpimento com o conde de é So Southampton, saindo da escola, 52, 54, 58

sofre de gonorréia,

126

SUposiçoes sobre o que fez entre a saída da escola e achegada a Londres

testamento, 201, 258

55-58

testemunha, no caso de Belott contra Mountjoy, 188, 191, 242 túmulo, 21

76

stratford-upon-Avon, 21, 22, 24, 28, 38,55 incêndio (1614), 253-54 capeste, 32 Sturley, Abraham, 154, 201 Sussex, Os homens de, 104 Swan, teatro, 88, 251

variações do sobrenome, 62

vocabulário, 218; ver títulos € casa junto ao portão do castelo de

Blackfriar, 251, 253

e as filhas, 199, 234, 241, 257

morte, 21, 256 e morte do filho, 146, 193, 199, 234 eamorte do pai, 175 nascimento dos filhos, 58, 75

T Talbot, Lorde, 94 Talma, Joseph, 174

pedido e concessão de brasão, 138

Tarleton, Richard, 76, 91, 102, 164

perde saúde, 253

tema do cerco, 254 tempestade, A, 122,123, 164, 199 212= ds227, 234,

torna-se avô, 226

Astrofel e Stella, 115, 120, 185

Sly, William, 208, 222

Smith, William, 156 Somers, Sir George, 237 Somerville, John, 42 Sonetos, 121, 122, 126, 229

e “Dama Morena” ver Dama Morena:

dedicatória para “Sr. W.H.” e identidade,

230 publicações pirata, 230, 242

sem intenção de publicar, 115

Sonho de uma noite de verão, 84, 131.132. 134 , 136,

153

Southampton, terceiro conde de (Hen ry

Wriothesley), 118, 122

eo conde de Essex, 126, 137, 148

dedicatória em Vênus e Adonis, 116

€ Elizabeth Vernon, 126, 148

e o feudo dos irmãos Danvers com os irmãos Long, 134 patrocínio de Shakespeare, 112,113

pressão para casar, 115

processo e prisão, 171 rejeitado por Elizabeth de Vere como futura noiva, 126, 136

rompimento de relações profissionai s

com Shakespeare, 126 e os Sonetos, 229

e Willobie bis Avisa, 126 Spenser, Edmund: elogia Shakespeare, 102 The Faerie Queene, 102

As Lágri dam s mu asa ss, VO2 Stanley, Henry ver Derby, conde de

sStoppard, Tom, 249 Strachey, William, 238 Strange, Ferdinando, Jorde, 68, 129

Strange, Os homens de ver Home ns de Lorde Strange

Stratford, escola elementar de, 47,51,52, 62, 64, 68

Tilney, Sir Edmund, 178 Timão de Atenas, 139, 192,2 16, 217, 221, 224

Tito Andrônico, 94, 95, 104, 105, 173 Tourneur, Cyril, 242

Torre de Londres, 80

Towne, John, 76 “Tarição da pólvora” ver “Conspiração da pólvora” Trói e Crés lo sida, 145, 164,177,191

Tyrone, segundo conde de (Hugh O'Neill), 166 U

Underhill, William,

Updike, John, 12-13

147

Y

Venus e Adonis, 116, 118, 229 Vernon, Elizabeth, 126, 127, 148

Violação de Lucrécia, A, 116, 218, 229 Virginia, Company, 237, 238 W

Walsingham, Sir Francis, 83,137

Ward, John, 258 Warwick, conde de, 28

Warwickshire, mapa de, 22 Webbe, Robert, 67

Webster, John,

173, 178, 242

Whateley, Anne, Tá Wheeler, Margaret, 255

White, Thomas, 86

Wilke, Thomas, 42 Willis, Edward, 28

Willobie Dis Avisa, 126, 163

Wood, Henry, 195 Wriothesley,

Henry ver Southampton,

terceiro conde de

TT

Sidney, Sir Philipe, 115

Ta

Shaw, George Bernard, 185,213

em

volta para Stratford, 241, 242

238, 240, 241, 242, 247, 256 Thorpe, Thomas, 229, 230, 231

ii

Vida pessoal: com Anne Wahteley, 73-4

e

vai para Londres,

S O T O F S A D S O T I D É R C Bridgeman 220, Roy Miles Fine Paintings /

AKG 7,35, 92,105, 151, 174, 235, 259,

EE

a

Arquivo Art 165, 176; Coleção particular/

Coleção Stapleton/ Biblioteca de Arte Bridgeman 8, 11, 12, 15, Coleção particular/ Fotos Christie's/ Biblioteca de Arte

Bridgeman 568, Museu New Walk, Museu

Bridgeman 77, Museu de Arte Delaware, Wilmington, DE, EUA/ Biblioteca de Artes RU/ Memorial

Samuel

e

Mary R. Bancroft/ Biblioteca de Arte Bridgeman 87, Palácio Lambeth, Londres, RU/ Biblioteca de Arte Bridgeman 121, Philip Mould, Retratos Históricos Ltd., Londres,

RU/

Biblioteca

de Arte

Bridgeman

128, Coleção particular / Biblioteca de Arte

Bridgeman

135, Imagens Christie's /

Biblioteca de Arte Bridgeman 136, Centro

de Arte Britânica Yale, Fundo Paul Mellon,

EUA/ Foto: Coleção particular/ Biblioteca de Arte Mridgeman 143, Galeria Nacional de Retrato, Londres, RU/ Biblioteca de Arte Bridgeman

180, Galeria de Retrato Dulwich,

Londres RUA Biblioteca de Arte Bridgeman 208, Galerias de Arte da Cidade de

Manchester,

RU/ Biblioteca de Arte

cos Ltd, Londres RU/ Biblioteca de Arte

Bridgeman 233, Coleção particular;

Bibliotetca de Arte Bridgeman 252, Galerias

de Arte da Cidade de Manchester,

de Leicester, RU/ Biblioteca de Arte

Visuais, Londres,

Biblioteca de Arte Bridgeman 228, Coleção particular/ Philip Mould, Retratos Históri-

RU/

Biblioteca de Arte Bridgeman 261; Bibliote-

ca Britânica 116, 138, 215, 240; Biblioteca

Folger Shakespeare 21, 25, 33,51,65,82,91,

102, 117, 157, 172, 178, 200, 204, 239; Biblioteca Guildhall 189, 212, 223, 225; Hulton Getty 49, 54, 74, 149, 231; Biblioteca Iconográfica Mary Evans

de Londres 89; Museu

17, 37, 147; Museu

Maritimo

Nacional

140, 144; Galeria Nacional de Retrato dO, 43.

56, 66, 69,78, 101, 108, 111, 113, 114, 141, 158.

161, 169, 182, 185, 507, 236,243, 246; Arquivo

Público 60; Coleção Real 98, 248-49. 254:

Galeria Nacional Escocesa de Retrato 81:

Biblioteca Iconográfia Sotheby's 20, 45, 59.

63, 97, 107, 119, 122, 133, 153, 162, 167, 170, 187, 190, 194, 199, 215, 217, 227, 256.

Superstockl; Coleções da Universidade de

Birmingham 195.

Anthony Holden

nçi

“O livro de Holden é vivo, de lei

tura agradável e cheio de grande

de Shakespeare. Vai agradar a um

grande público que ficará fascinado com os enigmas que formam a vida de Shakespeare.” John Mortimer, Observer

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E

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