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português Pages 1059 páginas, com mais 32 [1100] Year 1998
SEJA fEITA A VOSSA VONTADE
GERARD COLBY CO/t\
CHARLOTTE DENNETT
SEJA fEITA A VOSSA VONTADE A Conquista da Amazônia: Nelson Rockefeller e o Evangelismo na Idade do Petróleo
Tradução de JAMARI FRANÇA
EDITORA RIO
DE
JANEIRO
RECORO •
SÃO
PAULO
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editorca de Livros, RJ. C6.52a
Colby, Oerard, 194SSeja feila a vossa vontade: a conquista da Amazônia: Nelson Rockefeller e o Evangelismo na Idade do Pt:trõleo /GerardColby com Charlotte Dennett; traduçãodeJamari França - Rio de Janeiro: Record, 1998. Tradução de: Thy will be done Inclui bibliografia ISBN 85-01-04.532-2 1. Amazônia - Polltica e governo. 2. Recursos minerais - Amazônia. 3. fndios do Brasil - Missões Amazônia. 4. fndios do Brasil - Amazônia - Posse da terra. .5. Rockefeller, Nelson. 6. Towsend, William Cameron. 1. Dennett, Charlotte. II. Titulo. IIL Titulo: A conquisla da Amazônia.
98-12.52
CDD-981.1 CDU-981.1
Título original norte-americano THY WILL BE DONE Copyright O Gerard Colby com Charlotte Dennett, 1995. Os autores agradecem a pennissão para utili:zar trechos dos seguintes livros: The Rockefellers, de Peter Collier e David Horowitz. Copyright O 1976 by Peter Collier e David Horowitz. Reproduzidos com a permissão de Henry Holt and Company, lnc. NavigaJing the Rapids, editado por Beatrice Bisbop Berle. Copyright O 1976 by Beatrice Bishop Berle. Reproduzidos com a permisslo de Harcourt Brace and Company. Os autores e editores agradecem a Carol Keller e Te4 Keller pela permissão do uso das ilustrações.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodllÇlo, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito. Proibida a venda desta edição para Portugal e resto da Europa. Direitos exclusivos de publicação em Hngua portuguesa para o Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORO DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 - Tel.: 585-2000 que se reserva a propriedad literária desta tradução Impresso no Bra '1
ISBN 85-01-04532-2 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 Rio de Janeiro, RJ - 20922-970
BDITORAAnl.lADA
Aos 47 jornalistas assassinados na Guatemala durante ditaduras militares entre 1978 e 1985 e a seus colegas mortos em condições similares no Brasil e em outros países quando tentavam levar ao mundo o que estava acontecendo dentro das fronteiras de nações "em desenvolvimento" A perda da liberdade seria logo seguida da supressão da liberdade de imprensa; como esta é um ramo essencial da liberdade, talvez preserve o todo.
- JOHN PETER ZENGER {1697-1746)
-
S~ . ,
descri,;;,r
d,'°""' os que os viram,
não há seres humanos mais inofcnsiws e encantadores
que os índios do Brasi4 ebruscamente nos édito que eles foram levados quase à extinção. A tragédia dos índios nos Estados Unidos no século passado está se -repetindo, mas num perlodo de tempo muito menor... Relat6rios oficiais dão conta de pioneiros associados apolíticos corruptos que roubaram terras dos índios, destruíram tn'bos inteiras... com a utüiz,ação de guerra bacteriológica, por mew de roupas contaminadas com ovírus da van()/a
e comida envenenada. Crianças foram seqiiestradas, e os massacres ficaram impunes. Opróprio governo foi em parte responsabüizado pelos parcos recursos dados ao Serviço de Proteção ao Índio ao longo de tn·nta anos. O serviço ainda éresponsável pelo "desastroso impacto da atividade missionária'~
SUMÁRIO Agradecimentos 13 lntrrx/Ufào 21
1 . OLEGADO 1 O FARDO BATISTA 31 2 A CONTROVÉRSIA FUNDAMENTALISTA 43 3 REPENSANDO MISSÕES 57 4 A VISÃO APOSTÓLICA 67 5 RITOS DE PASSAGEM POLÍTICOS 79 6 BONS VIZINHOS FAZEM BONS ALIADOS 105 7 A CORDA BAMBA MEXICANA 121
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li SEGUNDA GUERRA MUNDIAL: APROVACÃO 8 O COORDENADOR 139 9 A ESPADA DO ESPÍRITO 151 10 O SONHO BRILHANTE 163 11 O DANÇARINO 181 12 ANTECIPANDO A GUERRA FRIA 193 13 O PRIMEIRO GOLPE DA GUERRA FRIA NA AMÉRICA LATINA 211
111 ARQUITETOS DO IMPÉRIO 14 ASASAMERICANASSOBREAAMAZÔNIA 229 15 O CANDIDATO ACUADO 245 16 A ESTRADA LATINA PARA O PODER 259 17 NA ESTEIRA DA GUERRA - E DA CIA 271
IV PROfETAS DO JUÍZO flNAL 18 19 20 21 22 23
O GENERAL DE IKE PARA A GUERRA FRIA 291 DESARMANDO O DESARMAMENTO 309 MENSAGEIROS DO SOL 321 OS DOUTRINADORES OCULTOS 333 A IRMANDADE 351 ASCENSÃO DO FALCÃO 367
SUilARIO
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V ODIA DA SENTINELA 24 A HERANÇA MOIITAL 393 25 CONSTRUINDO O ESTADO DE GUERRA 419 26 MILAGRES DÉJÀ 1iU 433 27 CAMELOT VERSUS POCANTICO: DECLÍNIO E QUEDA DEJOHNF.KENNEDY 449
VI AMATANCA DOS INOCENTES 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38
MUDAR UM CONTINENTE 475 OPERAÇÃO BROTHER SAM 497 SOB A ABÓBADA DA FLORESTA 515 IDENTIDADES TROCADAS 539 VENENOS DA AMAZÔNIA 553 A MORTE DE UMA REVOLUÇÃO CONTINENTAL 569 O INIMIGO INTERNO 593 APOCALIPSE NOW: AS TRIBOS DA INDOCHINA 605 A CONSTRUÇÃO NACIONAL ATRAVÉS DA GUERRA 623 TET: O ANO DO MACACO 635 A ÚLTIMA CARGA DE NELSON 651
VII UMA NOVA ORDEM MUNDIAL 39 A INVASÃO DA AMAZÔNIA 663 40 O SHOW DE HORROR DE ROCKY 691 41 FORJANDO A ZONA DO DÓLAR 707
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42 NA ERA DO GENOCÍDIO 737 43 ESCOLHASCRÍTICAS 759 44 ESCONDENDO ASJÓIAS DA FAMÍLIA
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VIII DIAS DE lULGAMENlO 45 46 47 48
O CERCO AO SUL 803 A TRAIÇÃO 821 A CRA .DF TFJB LAÇÃO 833 SEJA FEITA A VOSSA VONTADE
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Apêndice A: A Missão Rockefeller às Américas - 1969 891 Apêndice B: Integrantes da Comissão Rockefeller para Investigação dos Abusos da CIA - 1975 895 Apêndice C: Investimentos Rockefeller no Brasil Notas 925 Bibliografia Selecionada 997 Entrevistas Selecionadas l 021 Índice Remissivo l 025
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AGRADECIMENTOS Esta é ogrande idade do "como". Mos o' porquê" permanece sem resposta e irá sem dúvida reivindicar atenção outro ve1. 1
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Malcolm Muggeridge, 1958
Existe uma sutileza sobre o tempo que pode nos deixar tristes e é difícil de acreditar que dezoito anos se passaram desde o início desta jornada de descobertas, e mais difícil ainda crer que terminou. Em 1976, os autores viajaam à Amazônia em 1 usca da verdade por trás de alegações da imprensa latino-americana de que membros dos Tradutores da Bíblia Wycliffe, conhecidos no exterior como Instituto Summer de Lingüística, corporações americanas e a Agência Central de Inteligência (CIA) estavam envolvidos na destruição da vida e da cultura indígenas nos países da bacia do Amazonas. As acusações estavam disseminadas e não podiam ser ignoradas devido à natureza das revelações sobre abusos de autoridade da CIA, incluindo conspirações para assassinatos, experiências forçadas de controle da mente e uso de missionários como fonte de informações. H averia alguma verdade sobre o envolvimento
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americano em crime tão sério como genocídio ou em seu encobrimento? E se havia, por quê? A viagem de pesquisas à Amazônia deveria durar seis semanas, mas acabou consumindo seis meses, envolvendo 170 entrevistas em oito países, incluindo visitas a bases do Wycliffe em cinco países da bacia amazônica: Equador, Peru, Bolívia, Brasil e Colômbia. Nos anos seguintes, a pesquisa também nos levou através dos Estados Unidos, particularmente o Sul e o Sudoeste, e partes da Europa e Sul da África, bem como diversas outras viagens à América Latina. Depois de perceber que a história era muito mais complexa e rica em temas do que pensávamos originalmente, devolvemos nosso adiantamento sobre os direitos autorais para a editora com o objetivo de evitar uma publicação apressada. Nossa busca pela editora certa nos levou a mudar duas vezes de agente literário. Fmalmente, através do boca-a-boca, numa conferência sobre censura do Sindicato Nacional dos Escritores, recebemos a indicação que possibilitou este livro. Desejamos, portanto, agradecer, antes de tudo, à nossa capaz agente literária Chris Tomasino, da RLR Associatcs, cuja perspicácia e compreensão diante de nossas preocupações criou um padrão de respeito mútuo entre autores e agentes. Ela nos conseguiu uma editora familiarizada com muitos dos nomes em nosso programa inicial e compreendeu as necessidades de pesquisa do livro. Nosso próximo agradecimento vai, portanto, para Hugh Van Dusen, nosso editor na HarperCollins, pela incansável crença neste livro e pela longa e sofiida paciência demonstrada durante a espera dos originais. Somos gratos ao Fundo para o Jornalismo Investigativo, particularmente aos ex-diretores Howard Bray e John Hanrahan, por apoiarem o Projeto Amazonas, como o chamamos, desde nossa primeira visita à América Latina em 1976, e à equipe do Conselho Internacional do Tratado dos Índios por seu estímulo e seus conselhos. Nosso profundo apreço também ao reverendo William Wipfler, ex-integrante dos escritórios de Direitos Humanos e da América Latina do Conselho Nacional das Igrejas e vice-presidente da Anistia Internacional, cuja dedicação à causa dos direitos humanos nos inspirou. Por profundas noções de antropologia americana, temos uma dívida com o antropólogo e diretor cinematográfico Scott S. Robinson. Seu documentário, Sky Chief, sobre o desastroso impacto das operações da GulfOil e da Texaco sobre o meio ambiente da Amazônia equatorial e os índios kofan, é um clássico. A explicação de Kenneth Kensinger sobre sua saída dos Wycliffe nos pennitiu um exame do utilitarismo que pode prevalecer até mesmo entre missionários sinceros, quando confrontados com questões que se metem no caminho de suas missões.
AGRADECIAENTOS
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Os missionários que conhecemos foram inteiramente hospitaleiros e cordiais. Não podemos deixar de nos impressionar com sua disposição de suportar muitos anos solitários na selva com tribos isoladas. Não eram pessoas que se inseriam no modelo do missionário fanático; mas pessoas sérias, gentis e obsequiosas, que estudaram muito para aprender os conhecimentos lingüísticos que lhes valeram títulos de doutorado e uma reputação de ser o crbne de la creme do mundo missionário fundamentalista. Ainda assim, sua dedicação sincera de razer o que acham ser o melhor para o índio é uma faca de dois gumes. Quando os conhecemos, estavam claramente em luta com a concepção de um mundo moderno que questionava sua visão de tribos convertidas a um cristianismo iluminado como a chave para se cumprir a profecia da segunda vinda do Cristo. Também havia, por trás da ingenuidade cheia de determinação percebida por muitos observadores, a realidade do poder político e tecnológico que os Wycliffe desfrutavam. Nunca, em nossos dez anos de jornalismo investigativo coletivo, deparamos com tanto medo em torno de uma organização religiosa; em país após país, críticos respeitados foram subjugados. A verdade por trás desta notável organização repousa além das alegações de intervenções milagrosas e de apoio da cidade natal a seus missionários de campo. Parte desta verdade só pode ser encontrada nos papéis do fundador dos Wycliffe, William Cameron Townsend, no quartel general de seu Serviço de Rádio e Aviação da Selva OAARS) nos arredores de Waxhaw, Carolina do Norte. Infelizmente, alguns documentos de Townsend não puderam ser citados diretamente, mas tiveram de ser parafraseados neste livro, porque dignitários dos Wycliffe, considerando-os muito delicados, se recusaram a permitir citações. Não obstante, somos gratos pela cooperação dos Wycliffe durante a maior parte de nossa pesquisa. Também agradecemos aos que apoiaram nosso trabalho neste projeto durante muitos períodos de dificuldades financeiras. Pela absoluta perseverança e inquestionável apoio durante muitos e muitos anos, temos uma grande dívida com Carol e William Ferry, Robin Lloyd, Ted e Georgia Keller, Robert e Barbara O'Connor e Beverly Jacobson. Todos foram amigos notáveis. Também gostaríamos de agradecer a Sallie Bingham, John Bloch e Rebecca Sheppard, reverendo Philip e Susan Wheaton,John Douglas,Joan e Stuart Eagle, Ed Everts e Deb Davis, Ben Ptashnik, Jean Hardisty,Jonathan e Roxanne Leopold, Maya Miller, Peter Sheperd, Michael Howard, Olivia Robinson,John Puleio,Jerry Shields, Dwight e Barbara Steward, William Hoffman, Jim Gosdin, Ann Dunlop, Steve Freeman, John e Patti Galagher,JeffWeaver, Lesli Myers, Terry Allen, Warren King, J ackie Harman, Kim Chase e Don Odell, Jack e Tina Mulvey, Anthony Pollina e Deborah Wolfe, Philip Caleb e Anna Taylor Caleb,
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Judith e Richard Dewey, Eddie Becker, Michael Parenti, Gloria Perez, David e Donna MacWtlliams, Bob e Kathleen Engstron, Al Salzman, Ed Krales, Mary Anne Hollowaty, Paul Abbot, Christine Wood, Terry Dugan e Larry Klein, Barry Kade, Jim Higgins e Louise e Anna Ferland, revista Tóward Freedom, Dan Higgins, Jane Kramer, Roz Payne, Cameron O'Connor, Richard Geidel, a Rainforest Action Network, o PEN Writers Funde - por seu apoio à 'Jàward Freedom para uma exibição de slides baseada no conteúdo deste livro - a Hayrnarket Foundation. Agradecimentos especiais também a O'Connors e Beverly Jacobson pelas úteis sugestões depois da leitura de partes do original, a Cynthia Merman pelo trabalho fantástico de reduzi-lo a um tamanho adequado, a Trent Duffy pela cuidadosa revisão final de todo o original e gráficos, a Stephanie Gunning pela coordenação de produção e às advogadas J enie Gavenchak e Sara Pearl pela meticulosa revisão legal. Pela criação de muitos dos mapas e gráficos do livro, gostaríamos de manifestar nosso agradecimento a Carol Keller pelo talento artístico e paciência, e a Ted Keller pelos conselhos habilidosos e pela assistência. Pela poderosa arte e design da capa e do conteúdo original do livro, estamos em dívida com Michael Lebrón. Nosso apreço também vai para as seguintes pessoas por seus gentis esforços para ajudar nossas pesquisas: Scott S. Robinson, da Cidade do México, professor Robert Wasserstrom e Jan Rus, no México, antropólogo Richard Chase Smith, no Peru, James e Marge Goff, da Latin America Press, de Lima, Nemesio Rodrigues, do Centro Antropológico de Documentacion (CEDAL), na Cidade do México, Robert Fmk, de Washington, e as equipes do Washington Office on Latin America e a Bolivian Action Coalition, de Vª1}couver, Canadá. Por nos manter atualizados sobre as condições dos povos indígenas e violações (incluindo massacres) de seus direitos humanos enquanto escrevíamos este livro, agradecemos a Erik Van Lanep do Arctic to Amazonia (Stafford, Vermont), Stephen Corry da Suroival International (Londres), John Friede de Amanakáa (Nova York) e Betty Mindlin, do Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (São Paulo). Gostaríamos de declarar nossa dívida pelos trabalhos de eruditos que escreveram o que só podem ser chamados de grandes livros: David Stoll, autor de Fishers ofMenor BuildersoJEmpire?The Wycliffe Bible Translatorsin LatinAmerica (1982); Shelton Davis, autor de V-ictims ofthe Miracle ( 1977); J an Knippers Black, autor de United States Penetratian of Brazil ( 1977) e David Horowitz e Peter Collier, autores de The RDckefeller: an American Dinasty ( 1976). Nossos agradecimentos também ao veterano jornalista Norman Lewis pela
AGRADECIMENTOS
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permissão de citar seu artigo de 1969 no The Sunday Times, de Londres, Genocide, e pelos dados fornecidos por seu subseqüente trabalho de investigação sobre violações dos direitos humanos dos índios do Paraguai e da Bolívia; aos corajosos antropólogos e defensores dos direitos humanos que contribuíram para os trabalhos The Situation of the lndian in South America ( 1972) e Genocide in Paraguay (Richard Arens, org.); e para Lucien Bodard pela rara força poética de seu Green Hell (1971). Nenhuma das pessoas mencionadas acima, no entanto, são responsáveis pelas opiniões expressas neste livro. O enfoque Rockefeller desta história se desenvolveu cinco anos após o início das pesquisas. Nelson Rockefeller não era um personagem original do livro. Como chegamos ao papel extraordinário de Rockefeller na maioria do que é relatado aqui deve ser assunto de uma outra história. É suficiente dizer que nossa descoberta do envolvimento de Rockefeller durante a Segunda Guerra Mundial num "plano de desenvolvimento da Amazônia", que o governo brasileiro já rejeitara, ocorreu somente após seguirmos uma longa trilha de indícios. De grande importância foram os papéis de AdolfBerle na Biblioteca Franklin D. Roosevelt e a liberação pelo Arquivo Nacional americano dos papéis de Rockefeller no período em que foi coordenador de Assuntos Interamericanos. • Depois de examinar estas enormes coleções, levamos nossa pesquisa para o Centro de Arquivos Rockefeller. Quando começamos nossa pesquisa lá em 1984, os papéis pessoais de Nelson Rockefeller ainda não estavam acessíveis, mas havia material disponível sobre sua agência privada de ajuda à América Latina, a Associação Internacional Americana para o Desenvolvimento Econômico e Social. Visitamos o Centro de Arquivos Rockefeller muitas vezes ao longo dos anos. A cada vez encontramos arquivistas profissionalmente dedicados, interessados em ajudar e muito atenciosos. Sua capacidade de ajudar os pesquisadores, no entanto, era limitada pela família Rockefeller. Depois da morte de Nelson em 1979, todos os seus papéis, incluindo os que havia liberado para os pesquisadores, que os citaram em livros, foram retirados pela família e enviados ao Centro para processamento. Durante a maior parte da década seguinte, eles ficaram vedados ao público. No momento da publicação deste livro, muitos papéis pessoais egovernamentais ainda permaneciam sigilosos, apesar da divulgação de uma parte •uma observação de estilo parece adequada aqui. Decidimos usar o acrõnimo CIAA que era empregado pelos colegas de Rockefeller durante a guerra e por seu biógrafo Joe Alex Morris, para designar a repartição do coordenador de Assuntos Interamericanos (coordinator oflnter-American AfTairs), que ele chefiou entre 1940 e 1945. Depois da elevação de Rockefeller ao cargo de secretário de Estado assistente em 1945, o título da agencia foi mudado para Escritório de Assuntos Interamericanos (Office oflnter-American Affairs OIAA), o nome adotado depois pelos Arquivos Nacionais como título para todos os registros da agencia. Considerando que os dados do CIAA cobrem quatro dos cinco anos registrados, decidimos manter o acrõnimo original.
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substancial deste material. Também continuam em sigilo os registros do envolvimento de seu irmão Wmthrop na Fazenda Bodoquena, a propriedade de mais de 400 mil hectares de David e Nelson Rockefeller na fronteira ocidental do Brasil, de inegável interesse futuro. Passamos muitos dias testando a paciência de equipes em bibliotecas presidenciais, arquivos, museus, departamentos de pesquisa de jornais, universidades e outras bibliotecas nos Estados Unidos, na América Latina, na Europa e na África meridional. Devemos muito ao profissionalismo de arquivistas e bibliotecários das seguintes instituições: Centro de Arquivos Rockefeller (particularmente Harold Oakhill e Tom Rosenbaum), Arquivos Townsend (especialmente Carl Hibbard), Arquivos Nacionais (particularmente John Taylor), Centro Federal de Arquivos de Washington, Biblioteca Franklin D. Roosevelt, Biblioteca Harry S. Truman, Biblioteca Dwight D. Eisenhower, Biblioteca John F. Kennedy, Biblioteca Lyndon B. Johnson, Projeto de Dados Presidenciais Nixon dos Arquivos Nacionais, Biblioteca Gerald R. Ford (especialmente Helmi Rasska), Instituto Indígena InterAmericano na Cidade do México, a Biblioteca Pública de Nova York (especialmente David Beasley, da Divisão Econômica), Biblioteca Pública de Boston, Biblioteca do Congresso, Biblioteca Nacional do Peru, Biblioteca Nacional do Equador, Biblioteca Nacional da Colômbia, setor de pesquisa da Comissão de Câmbio e Valores de Nova York, Biblioteca Municipal de Zurique, Museu Britânico, Biblioteca Histórica de Chicago, as divisões de registros de corporações dos departamentos de Estado dos estados de Nova York, Massachusetts, Flórida e Missouri, o Congresso Norte-Americano sobre a América Latina, NACLAWest, Biblioteca Barley Howe da Universidade de Vermont, Universidade de Tule, Escola de Teologia de Yale, UDiversidade de Harvard, Faculdade Dartmouth, Universidade do Texas em Austin, Faculdade Trinity (Connecticut), Universidade da Califórnia em lrvine, Universidade de Oklahoma em Norman, U Diversidade da Carolina do Norte em Charlotte, Universidade de Massachusetts em Amherst, U Diversidade da Flórida em Tampa, Instituição Scripps de Oceanografia, o Instituto Summer de Lingüística em Yarinacocha (Peru), La Prensa (Lima), Alternativa (Bogotá, Colômbia), St. Louis Dispatch, Charlotte News Observe,; DaJlas Morning News, Houston Chronicle e oJohannesburg Star. Durante nossa pesquisa, conhecemos algumas pessoas extraordinárias que se arriscaram para conseguir informações adicionais. A maioria exigiu sigilo. Alguns estão incluídos na lista de entrevistas, a maior parte feita entre 1976 e 1980. Pelas informações sobre a Bolívia durante a ditadura de Banzer, no entanto, gostaríamos de agradecer particularmente ao padre Roy Bourgeois que pagou caro pelas críticas à atuação da CIA para comprometer e minar o trabalho missionário na Bolívia e pelos esforços junto aos índios nos morros de La Paz: ele foi preso, tor-
AGRADECIMENTOS
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turado e, felizmente, graças à intervenção de líderes da Igreja, deportado. A prisão do padre Bourgeois aconteceu depois que ele reclamou da presença de um oficial da CIA, o adido trabalhista da embaixada, num encontro entre missionários Maryknoll e o embaixador dos EUA antes de nossas entrevistas com ele. Desde que voltou aos Estados Unidos, o padre Bourgeois foi preso por mostrar sua oposição à ajuda militar ao governo de El Salvador num protesto diante de oficiais latino-americanos em visita ao Centro Especial de Treinamento de Guerra em Fort Bragg, Carolina do Norte. Tentar sensibilizar outras pessoas sobre crimes contra humanidade não é uma tarefa fácil, especialmente quando estes crimes ocorrem em terras distantes e nomes poderosos do próprio país são levantados. No Brasil, documentos que poderiam ter sido úteis na identificação dos responsáveis por crimes sérios contra os povos indígenas desapareceram num incêndio misterioso nos arquivos ~o Serviço de Proteção ao Índio. Felizmente, relatórios de antropólogos e circunstâncias políticas pouco comuns permitiram que o procurador-geral do Brasil conduzisse sua própria investigação. Mas a conquista da Amazônia não é apenas sobre a Amazônia brasileira. A bacia do rio Amazonas, incluindo seus poderosos afluentes, também abrange boa parte do Peru, Equador, Bolívia, Colômbia e parte da Venezuela, uma área do tamanho dos Estados Unidos. Nem a conquista é sobre atrocidades. Relatórios de antropólogos e funcionários do governo geralmente descrevem genocídios e etnocídios como um processo cruel desnecessário no desenvolvimento da fronteira. No fim de nossa investigação, tínhamos constatado que este processo tem similaridades marcantes com a conquista do Oeste americano e envolvia algumas das mesmas e poderosas forças políticas e econômicas americanas. Nos países da bacia amazônica, a conquista seguiu a tendência geral de exploração de petróleo, borracha e minerais, construção de estradas e pistas de pouso, apoio a pesquisas visando à colonização, expansão da agricultura comercial (em detrimento da agricultura de subsistência dos indígenas), devastação da floresta tropical e competição dos EUA com outras grandes potências por esferas geopolíticas de influência. Tudo isso assistido por um sistema de ajuda gradualmente montado ao longo de trinta anos por Nelson Rockefeller, começando como coordenador de Assuntos Americanos de Roosevelt, durante a Segunda Guerra Mundial, e a seguir como arqiµteto de ajuda externa de Truman. Os missionários entraram no lado político, cultural e social da conquista, sendo seu líder influenciado pela filantropia de Rockefeller, e uma rede de contrainsurreição que atendia aos objetivos desenvolvimentistas de Nelson Rockefeller. O Instituto Summer de Lingüística (SIL) foi contratado por ditaduras militares e governos civis, geralmente liderados por aliados de Nelson, para pacificar as
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tribos e integrá-las a economias nacionais cada vez mais sintonizadas com o mercado americano. O SIL usou a Bíblia para ensinar os povos indígenas a "obedecer ao governo, porque toda autoridade vem de Deus". Na nossa pesquisa descobrimos que os contestadores desse pressuposto e do legado deixado JX>r Rockefeller e Townsend geralmente pagavam o preço do repúdio recebendo críticas, rejeição e um silêncio ensurdecedor. Lembrtmos particularmente o falecido Michael Lambert, um ex-etnobotânico fonnado pela Universidade de Harvard que fez pesquisa de camJX> na Amazônia. Ele será lembrado por sua calma d$:rmi.naçlode chamar a atenção de seus colegas de Harvard para o genocídio dos índios da Amazônia. Ele descreveu sua experiência como dolorosa. Ninguém, no entanto, sofreu mais do que os povos indígenas. Desvendar os segredos levou muitos anos para nós, mas, em última análise, para eles. Se este livro tomar futuras investigações mais fáceis e mais criteriosas, então terá servido aos seus propósitos. Janeiro de 1995
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INTRODUCAO O silêncio e
uro · confortante do confessionário rompeu-se quando a pequena porta corrediça bateu ao ser aberta, espalhando a luz através de uma pequena tela. "Sim, meu filho?", encorajou o sacerdote quando a voz masculina, sussurrante, balbuciou. En ão, das sombras,jorrou uma torrente de crimes tão esmagadora que o voto de silêncio do padre Edgar Smith tremeu até as fundações jesuítas. Assassinatos, o homem explicou, assassinatos cm massa tinham sido cometidos e ele, Ataíde Pereira, tomara parte. Não podia mais viver com a consciência. Além disso, não lhe pagaram os quinze dólares prometidos. As vítimas eram cintas-largas, uma pequena tribo indígena da Amazônia brasileira. Batizados numa alusão aos largos cintos de casca de árvore que eram sua única vestimenta, este grupo de mais ou menos quatrocentas almas vivera durante séculos ao longo do rio Aripuanã, caçando e pescando com flechas embebidas em curare, resistindo com sucesso a todos os intrusos. Mas agora, empresas brasileiras e estrangeiras ambicionavam suas terras. Os índios estavam marcados para a remoção. Uma vez que a legislação brasileira protegia tecnicamente os índios como tutelados pelo Estado, só a violência sub-reptícia poderia ser usada. Era uma solução bastante comum. O supervisor geral de uma empresa local de borracha, Francisco de Brito, já ostentava o título de Assassino Campeão de índios, por levar qualquer índio capturado para uma "visita ao dentista": a vítima era forçada a "abrir bem" e levava um tiro de pistola na boca. Um bando de cintas-largas escapara da solução final se internando bem dentro da floresta. Feliz-
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mente para Brito, encontrou-se um homem que conhecia o suficiente da cultura dos cintas-largas para saber o dia preciso em que a maioria do povo desta aldeia deveria se reunir. A ocasião seria traiçoeiramente festiva: a reunião anual de famílias. Os índios se agrupariam no centro da aldeia para rezar, celebrar e consultar os espíritos dos ancestrais, representados por dançarinos mascarados. Brito concluiu que a cerimônia seria o alvo perfeito para um bombardeio aéreo. Contratou um piloto e um Cessna comercial que sobrevoou a aldeia no dia sagrado, jogando açúcar na primeira passada e dinamite na segunda. Plra caçar os sobreviventes, Brito virou-se para seu capanga, Chico, um homem muito afeiçoado ao facão. Pereira era um dos recrutas de Chico. "Subimos de lancha o rio Juruena", disse Pereira. Havia seis de nós, homens experientes, comandados por Chico, que costumava apontar a metralhadora em nossa direção sempre que dava uma ordem. Levamos uns bons dias corrente acima na serra do Norte. Depois disso, nos perdemos no mato, embora Chico tivesse trazido uma bússola japonesa. Por fim, um avião nos encontrou. Foi o mesmo avião usado para o massacre dos índios e eles nos jogaram algumas provisões e munições. Depois disso, seguimos durante cinco dias e ficamos sem comida outra vez. Atravessamos uma aldeia indígena que tinha sido arrasada( ...) colhemos um pouco da mandioca dos indígenas para nos alimentar e pescamos alguns peixes pequenos. Àquela altura, estávamos enfastiados e vários de nós queriam voltar, mas Chico disse que mataria qualquer um que tentasse desertar. Foram mais cinco dias depois disso antes que víssemos uma fumaça. Mesmo assim, os cintas-largas estavam a dias de distância. Estávamos com bastante medo uns dos outros. Neste tipo de lugar, as pessoas atiram umas nas outras e são alvejadas, pode-se dizer, sem saber a razão. Quando abrem um buraco em você, eles têm mania de enfiar uma flecha na ferida, para colocar a culpa nos índios.
Os homens abriram caminho através da selva, lutando contra hordas de insetos, agüentando o calor e os temporais. "Fomos escolhidos a dedo para a tarefa, tão quietos quanto qualquer grupo de índios quando se tratava de esgueirar-se por baixo e-por fora das árvores. "Quando chegamos ao território dos cintas-largas, não houve mais fogueiras nem conversas. Assim que avistamos a aldeia, acampamos para passar a noite. Levantamos antes do amanhecer, depois nos arrastamos metro a metro através dos arbustos até ficarem ao nosso alcance. Depois disso, esperamos o sol surgir." O clamor da noite na selva aquietou-se com o amanhecer. Um indígena pequeno, de uns cinco anos, acabara de sair para ver os mais velhos trabalharem nas
INTRODUCÃO
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novas cabanas que estavam construindo, quando urna barragem assassina de balas caiu sobre a aldeia, derrubando os homens onde se encontravam. Brancos armados apareceram entre as cabanas, disparando as armas indiscriminadamente, até que só sobraram o garoto e urna jovem índia (para quem ele correra em busca de proteção). A criança horrorizada estava "se esgoelando". Pereira tentou deter Chico quando ele andou na direção da criança, mas Chico lhe deu um safunão. Chico varou a cabeça da criança com um tiro. Pereira pediu pela vida da garota, lembrando a Chico que·Brito gostava de prostituir jovens índias e invocando o apetite sexual do próprio grupo. Chico não se sensibilizou. Ele conseguia satisfação sexual através da violência. "A gente pensou que ele tinha ficado maluco", contou Pereira, e ficamos muito assustados. Ele amarrou a garota índia de cabeça para baixo numa árvore, as pernas separadas, e a rasgou ao meio com o fàcão. Quase com um único golpe, eu diria. A aldeia parecia um matadouro. Ele se acalmou depois de cortar a mulher e nos disse para queimar as cabanas e jogar os corpos no rio. Depois disso, pegamos nossas coisas e retomamos o caminho de volta. Fomos em frente até o cair da noite, tomando cuidado para esconder nossas pegadas. ( ...) Levamos seis semanas para encontrar os cintaslargas e uma semana para voltar.
Quando chegaram em Aripuanã, urna Dodge City tropical, traziam amostras de minério encontradas na área para entregar a Brito e "agradar à companhia". O padre Smith se conteve. Usando todos os poderes de absolvição ao seu alcance, ele convenceu Pereira a repetjr a história diante de um gravador: "Gostaria de dizer agora que nada tenho pessoalmente contra os índios", alegou Pereira. Mas as terras indígenas eram ricas em ouro, diamantes e minerais raros. "O fato é que os índios estavam sentados sobre terras valiosas e nada faziam com elas. Eles têm urna maneira de achar a melhor terra para plantações e há também todos aqueles minerais valiosos por perto também. Eles têm de ser convencidos a partir e, se tudo mais fracassa, então resta a força.,, 1 O padre Smith entregou a fita às autoridades locais, exigindo urna investigação, mas durante anos o massacre dos cintas-largas em 1963 foi abafado. Três promotores se retiraram do caso, alegando conflito de interesses. Somente em 1968, quando um clamor no Congresso sobre as vendas crescentes de terras da Amazônia para empresas estrangeiras estimulou revelações do ministro do Interior sobre o genocídio generalizado de índios, foi que o procurador-geral pressionou por um julgamento. O massacre dos cintas-largas não foi um caso isolado. Mais de 62 milhões de dóiaJ:es em propriedades indígenas tinham sido rou-
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bados na década anterior e pelo menos mil crimes -variando de malversação a assassinato- foram colocados na soleira da porta da elogiada autarquia indígena governamental, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Uma comissão especial passara 58 dias viajando dezesseis quilômetros para fazer um levantamento das tribos indígenas, visitando mais de 130 postos. As evidências de genocídio eram esmagadoras. Vinte volumes de provas foram coletados, documentando a destruição de tribos inteiras. Ataques de estranhos usando de tudo, desde comida envenenada a roupas infectadas com varíola, resultaram na morte de dezenas de milhares de índios. Os antropólogos estimam que a população indígena do Brasil variava de pouco menos de cem mil a um máximo de duzentos mil em 1957 .2 Em 1968, as estimativas tinham sido reduzidas em 50%3: de alguma coisa em torno de quarenta a cem mil homens, mulheres e crianças haviam sido mortos. Os índios ao norte do rio Amazonas tinham sofrido especialmente após 1964, quando um golpe militar derrubou o governo eleito. Oficiais nacionalistas do Exército, liderados pelo general Albuquerque Lima, ministro do Interior, queriam que o holocausto parasse junto com a ocupação da Amazônia por empresas estrangeiras que, alegavam, tinham atiçado as chamas. Àquela altura, a maior parte das testemunhas do massacre dos cintas-largas já desaparecera ou morrera. Os arquivos do SPI foram destruídos num incêndio misterioso. Finalmente, canhões e tanques intervieram. O endurecimento do regime, com a edição de medidas que davam poderes extraordinários ao executivo, levou à deposição do procurador-geral nacionalista e do ministro do Interior. Nenhum dos 134 funcionários do SPI acusados de crimes jamais iria a julgamento. A acusação do procurador-geral de que o SPI se corrompera por estar privado de recursos governamentais e o "impacto desastroso da atividade dos missionários" permaneceram oficialmente ignorados. Da mesma maneira ignorou-se a denúncia doJon,al, do Brasil em 1968 de que "na realidade, aqueles no comando destes postos de proteção aos índios são missionários norte-americanos - eles estão em todos os postos - que desfiguram a cultura indígena original e forçam a aceitação do protestantismo" .4 Mas funcionários da organização missionária fundamentalista americana que trabalhavam com o SPI junto às tribos - O Instituto Summer de Lingüística (SIL), conhecido nos Estados Unidos por sua alcunha menos científica, os Tradutores da Bíblia Wycliffe - negaram a ocorrência de qualquer genocídio. O diretor da sede brasileira do SIL descartou todas as informações sobre genocídio/ e o fundador do SIL, William Cameron Townsend, negou conhecimento dos massacres.6 O caso dos cintas-largas - e os próprios índios - parecia condenado ao esquecimento até que ojornal The Sunday Times, de Londres, ressuscitou em 1969
INTRODUClO
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a acusação de genocídio. Norman Lewis mais uma vez levantou o espectro de empresas estrangeiras mudando-se para a Amazônia brasileira. Ele informou que "depósitos de metais raros estavam sendo encontrados na ma [dos cintas-largas]. Que tipo de metais, não ficou bem claro. Uma espécie de blecaute de segurança foi imposta, apenas esporadicamente rompida por vagos relatos das atividades de empresas americanas e européias e dc:>contrabando para os EUA dos metais raros não-identificados" .7 Pouco mais de um ano qepois, a Academia Internacional de Polícia, uma escola em Washington patrocinada pela Agência para o Desenvolvimento Internacional (AID) mas, na verdade, dirigida pela CIA,1 informaria que uma nova Guarda Indígena estava sendo treinada no Brasil.9 A Guarda, nos moldes da Polícia Tribal do Departamento de Assuntos Índios (BIA) dos EUA, foi colocada sob a autoridade do substituto que o regime arranjou às pressas para o SPI, a Fundação Nacional do Índio (Funai). A F\mai, por sua vez, foi colocada sob o comando do ex-chefe do serviço militar de informações. Seriam necessários mais dois anos para que um agen~ graduado da Funai revelasse que a Guarda Indígena estava arrebanhando índios para serem "reeducados" num campo de concentração em Crenaque, no estado de Minas Gerais. 10 "Estou cansado de ser um coveiro dos índios", declarou o agente ao pedir demissão da Funai. "Não pretendo contribuir para o enriquecimento de grupos econômicos ao custo da extinção de culturas primitivas." 11 Na época, a Funaijá adotara a política do BIA de arrendar terras indígenas para empresas mineradoras, enquanto os superiores militares do Ministério do Interior cooperavam com a agência americana Pesquisa Geológica num levantamento aéreo da Amazônia patrocinado pelo BIA. 12 Entre as empresas americanas que receberiam permissão para entrar na reserva dos cintas-largas para explorar a cassiterita, componente vital da produção de estanho, estava uma firma parcialmente controlada por um amigo de Nelson Rockefeller. Em junho de 1969, um enorme jato prateado com as palavras "The U nited States of America" desceu na direção do aeroporto de Brasília, a futurística capital do país no Planalto Central. Enquanto a sombra do avião passava sobre os prédios brilhantes de aço e vidro que simbolizavam o compromisso do Brasil de conquistar seu interior selvagem, milhares de soldados cercavam o ultramoderno aeroporto e alinhavam-se nas ruas. O Air Force Two pousou com um guincho e rolou na direção de uma multidão de dignitários que aguardavam perto do terminal. Uma porta se abriu e um homem desceu a rampa com sua conhecida mandíbula quadrada aninhando um amplo sorriso. Nelson Rockefeller chegara. Para a maior parte da equipe da embaixada americana, Rockefeller era apenas
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mais um político poderoso que por um acaso era muito rico. Ele era o governador republicano de Nova York que por duas vezes tentara inutilmente ser o candidato presidencial de seu partido. Segundo a opinião geral, ele ainda não estava liquidado. A presença dele numa missão exploratória presidencial deixava pouca dúvida sobre suas ambições políticas. Mas, para muitos dignitários brasileiros presentes, Nelson Rockefeller era muito mais do que um político rico. Ele era, até certo ponto, uma personificação de suas mais caras esperanças num mundo conturbado. Talvez mais importante, era também um símbolo vivo do passado, trinta anos antes, quando o conheciam simplesmente como o Coordenador. Estes brasileiros sabiam de um outro Rockefeller, muito menos público: o Rockefeller Latino-Americano. Durante a Segunda Guerra Mundial, como coordenador de Assuntos lnteramericanos dos EUA, de promoveu no hemisfério uma implacável guerra econômica e psicológica contra trabalhadores indígenas grevistas e simpatizantes nazistas. Depois, como secretário de Estado assistente para a América Latina no governo Franklin Roosevelt, lançou a Guerra Fria antes mesmo que fosse declarada, fundindo uma unidade hemisférica contra os soviéticos na Conferência Pari-americana de 1945 e na conferência que fundou as Nações Unidas no mesmo ano. Seu sucesso em lançar as fundações legais de um pacto militar regional pavimentou o caminho para a Organização dos Estados Americanos (OEA), para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e para a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO), que se tomou a raison d'être para a guerra do Vietnã. Ali estava um aliado confiável contra o comunismo, fosse interno ou externo. Era também um valioso aliado econômico. Seu conceito pessoal de missão, fruto das tradições religiosas e da inabalável crença calvinista de sua família na capacidade de promoção do capitalismo, tinha sido amenizado por um respeito pela cultura latino-americana raro entre americanos. Seu entusiasmo quase evangélico pelo desenvolvimento do capitalismo no Terceiro Mundo tinha sido vital no lançamento dos programas americanos de ajuda externa, especialmente o programa Ponto IV de Harry Truman. Sob Dwight Eisenhower, ele levou seu compromisso ao extremo, como elemento pessoal de ligação do presidente com a CIA e assistente especial para estratégia de Guerra Fria e guerra psicológica. Antigo confidente do presidente e de lideranças empresariais em toda a América Latina, Rockefeller era um parceiro confiável e proprietário discreto de vastas fazendas, bancos gigantescos, minas e até, através da IBEC, uma das corporações mais diversificadas do hemisfério, de supermercados. Herdeiro de propriedades petrolíferas nas Américas do Sul e Central, ele também era irmão de David Rockefeller, presidente de uma das principais fontes de capital para a região, o Chase Manhattan Bank.
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INTRODUCÃO
Nelson Rockefeller era, em resumo, o emissário perfeito de Richard Nixon aos círculos mais poderosos do Hemisfério Sul-americano. Um entusiasta vigoroso escolado nas sutilezas das altas finanças e da ajuda externa, impregnado da rica vida cultural e política da América Latina e conhecedor das mais secretas operações de infonnação dos EUA na região- um insider entre insiders na Junta de Assessoramento de Informação no Exterior. Todo este poder, por sua vez, provinha da riqueza criada pela Standard Oil, a empresa que seu legendário avô tinha fundado e conduzido para uma definitiva hegemonia sobre o comércio de petróleo da América Latina. Nelson devia ao avô sua presença no Brasil naquele dia.John D. Rockefeller, pai, era a fonte de seu poder e a inspiração de sua vida. Estrategicamente colocado como um robber baron • medieval na encruzilhada de um mundo que se industrializava, o velho Rockefeller extraíra um tesouro pessoal maior do que qualquer coisa já vista no mundo e - em tennos relativos -jamais se veria ou permitiria novamente. Desta vontade de ferro forjara-se um império, estendendo-se ao longo de trilhos de trem através da América e depois para as nascentes petrolíferas da América Latina e os mercados do mundo. O petróleo trouxera Nelson Rockefeller ao Brasil décadas antes e o país sempre foi um de seus favoritos. Seu vasto interior amazônico guardava o sonho brilhante de uma nova fronteira para o Ocidente, assim como o Oeste americano capturara a imaginação da geração de seu avô. O desafio do Oeste, simbolizado pelos índios e as terras virgens que defendiam, tinha sido enfrentado não apenas por tropas e estradas de ferro; os missionários religiosos financiados pelo avô e os missionários seculares enviados pela grande Fundação do avô tinham desempenhado papéis vitais. Agora ozelo missionário impulsionava a arrancada de Nelson Amazônia adentro. E por este zelo, Nelson tinha uma grande dívida com suas lembranças de infància do mundo de seus pais.
•capitalista americano do século XIX que enriqueceu explorando recursos naturais. Uma alusão a nobres da Idade MMia que cobravam pesados tributos de quem vivia em suas terras e taxas de passagem a viajantes. (N. do T.)
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OLEGADO Estamos apenas no mero amanhecer do comércio e devemos este alvorecer, com todas suas promessas, aos canais abertospelos missionários cristãos. (. ..) O efeito da empreitada missionária dos pows de lfngua inglesa serd proporcionar a eles a conquista pac{fica do mundo. -
REVERENDO FREDERICK GATES
Carta para John D. Rockefeller, pai 17 de aóril de 1905
1 OfARDO BATISTA
No primeiro dia de julho de 1924, quando o sol se aproximava do fim de sua longa trajetória sobre o deserto do Novo México, os índios do pueblo de Taos esperavam um importante visitante. A maioria, como seu líder militar, Antonio Romero, esperava que o homem se tomasse um aliado. Os pueblos precisavam desesperadamente de aliados. Algumas de suas terras melhor irrigadas, ocupadas por ingleses e chicanas, estavam a ponto de ser perdidas para sempre sem indenização. Sua religião tradicional estava sob ataque de missionários cristãos fundamentalistas e do Departamento de Assuntos Índios. Agentes federais poderiam surgir a qualquer momento para acabar com o desafio deles à proibição pelo BIA de suas cerimônias pagãs. As crianças estavam subnutridas e doentes, algumas morrendo de tuberculose, outras cegas pelo tracoma. Agora, o estilo de vida pueblo estava ameaçado de extinção. Os pueblos precisavam de amigos no poderoso mundo branco. E este homem era muito poderoso. Quando o anoitecer se aproximava, índios que estavam nos telhados das casas de barro notaram três vag'alhões contorcidos aproximando-se à distância. Quando conseguiram notar que os vagalhões eram carros de tamanho incomum, o povoado explodiu de excitação. Quando os caros automóveis de turismo pararam num turbilhão de poeira, uma multidão se juntara. Um homem pequeno, de meia-idade, desceu e sorriu timidamente. Se os índios não tivessem sido informados antes, nunca teriam adivinhado que se tratava
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do homem mais rico do mundo. John D. Rockefeller,}r. fez um gesto e três rapazes se juntaram a ele, saindo dos outros carros. O mais velho, alto e esguio, parecia tão tímido quanto o pai.John, dezoito anos, levava o nome do avô para a terceira geração ejá parecia dobrar-se sob o fardo. O menor, Laurance, catorze anos, tinha um promissor lampejo malicioso nos olhos, mas sempre olhava para um rapaz mais velho de pé ao seu lado para saber o que fazer em seguida. Este irmão do meio, um robusto rapaz de dezesseis anos, radiante de confiança, era claramente o líder. Seus olhos rapidamente assimilaram a multidão, um olho estranhamente mais azul do que o outro. Mas o que realmente o distinguia era o sorriso largo sobre o queixo quadrado que lampejava uma genialidade destemida. O pai o apresentou como Nelson. Nelson Aldrich Rockefeller, batizado com o nome do avô matemo que tinha sido o homem mais poderoso do Senado dos Estados Unidos, já dominava as atenções. A necessidade de atenção de Nelson era exatamente o que deixava o pai desconfortável. Tmha sido uma fonte de tensão desde a primeira in&cia do rapaz, quando a rebeldia de Nelson assomou. Esta viagem, longe do lar deles em Manhattan e da atenção especial que Nelson recebia da mãe, foi uma tentativa do pai de conseguir melhorar seu relacionamento com os rapazes mais velhos, particularmente o do meio, o mais problemático. Mas o próprio fato de os Rockefeller terem chegado em carros diferentes - o pai viajando com funcionários da empresa mineradora, os rapazes seguindo a reboque - enfatizava a dificuldade que o pai tinha de romper com a responsabilidade empresarial de ser o único filho de John D. Rockefeller, mesmo durante as férias. Por mais que tentasse, Rockefeller, J r. parecia incapaz de fugir da sombra de seu pai, o fundador da fortuna da família. Mesmo nos escritórios da família, o chamavam de "Sr.Junior"; como o próprio Junior uma vez explicou, só poderia haver um John D. Rockefeller. Se Junior estava magoado que Nelson olhasse para o avô, e não para ele, como o modelo da família, a culpa era toda sua. Esta viagem ao Oeste não aproximou pai e filho. Pelo contrário, apenas fortaleceu a identificação do rapaz com Rockefeller, Senior. Tudo que Nelson vira até então-e ainda veria-que fosse simbólico do poder dos Rockefeller, incluindo a mineradora que fornecera os carros e motoristas para esta visita aos índios, era na verdade um testamento de seu avô. Mesmo os índios que se reuniram para recebê-los sentiam fascínio não pelo pequeno homem que era seu pai, mas pela mágica do nome do avô. O dia tinha sido longo e Nelson, como sempre, estava faminto. Sob grandes choupos profundamente enraizados no solo indígena, os Rockefeller jantaram vendo o céu por trás do povoado mudar de um vermelho vivo para um violeta forte.
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Quando as estrelas começaram a se espalhar pelo canyon do povoado, a diversão começou para os rapazes. Em volta de um fogo crepitante no bosque, os índios executaram danças cerimoniais em trajes típicos. Nelson ficou em transe. As cores vivas das roupas tinham um efeito deslumbrante sob a luz do fogo, enquanto os índios moviam-se embalados por ritmos ancestrais, a música ecoando pelas paredes do canyon como vozes de espíritos. Quando a dança cessou, Romero deu um passo à frente e deu seu cocar de guerra ao pai de Nelson, uma rara honraria. O homem recebeu a oferenda com a devida cortesia. Ele ficou impressionado. "Nenhum funcionário do governo jamais recebeu um presente que os índios tenham em tão alta conta" ,Junior ouviu mais tarde de um orgulhoso executivo da Colorado Fuel and Iron Company (CF&I). 1 A CF&I, de propriedade dos Rockefeller, tinha operações de mineração nas montanhas do Colorado, ao norte, e era uma potência na região. Sem que Nelson ou os irmãos soubessem, a CF&I contratara as danças através do BIA, pagando trinta dólares aos índios. Foi uma ninharia pelo mais sofisticado entretenimento que o pueblo de Taos jamais oferecera a visitantes, nas palavras de um funcionário do BIA. Alertado por um funcionário da CF&I para não pôr em risco "cortesias futuras" que os índios pcxleriam prestar aos Rockefeller, Junior demonstrou seu apreço. No dia seguinte, voltou com os rapazes e, ao melhor estilo dos soldados americanos, distribuiu trinta quilos de doces para grupos barulhentos de crianças. Se os pais daquelas crianças esperavam algo mais substancial, logo ficariam decepcionados. Junior não os ajudaria na luta contra os missionários batistas e o BIA. Na verdade, ele sigilosamente financiava os missionários.
OS ROCKEFELLER RELIGIOSOS O pai de Nelson foi criado dentro dos limites morais da Igreja Batista do Norte. Tudo na vida era severamente calculado, tudo reduzido a seu lugar dentro do regular, seguro e preciso universo de um deus newtoniano. Pocantico, a propriedade de 1.400 hectares do pai às margens do rio Hudson, simbolizava esta paixão pela ordem. Com cercas altas e portões guardados, Pocantico era um mundo à parte, isolado do caos da natureza. Jardins simétricos, canteiros e gramados perfeitamente cuidados, arbustos e árvores zelosamente plantados em posições estratégicas ao longo de estradas pavimentadas, tudo refletia a vontade de aço do exguarda-livros calvinista que fundara a Standard Oil. No topo do morro mais alto se erguia um grande château de pedra que Junior construíra para o pai numa reparação pela mansão de madeira que acidentalmente queimara durante uma de suas estadas de verão. P.ira além da mansão do avô, aconchegada no vale abaixo,
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Junior construiu sua própria residência, o tamanho modesto adequado à sua posição no patriarcado familiar. Aqui, sob a imensa sombra da rígida religião dos avós, Nelson, os innãos e a irmã foram criados. Toda manhã, às 7:45 em ponto,Junior os liderava em oração e leituras da Bíblia em volta da mesa do café. Toda noite, antes do jantar, oravam novamente. Entre as exortações de Junior sobre a importância de manter registros precisos dos gastos das mesadas e as eventuais recompensas por matar moscas a um cent cada, as crianças eram exercitadas nos versículos bíblicos escritos em fichas de arquivo. As noites de domingo, depois do jantar fonnal com o avô na colina, eram com freqüência dedicadas ao cântico de hinos. Nelson, a criança mais efusiva, sofii.a terrivelmente. "Cantamos hinos esta noite", escreveu ele certa vez à mãe, Abby Rockefeller, após uma dessas noites à qual ela não pôde comparecer, "mas, por sorte, papai teve que ir à igreja, então paramos às quinze para as oito." 2 Junior não era simplesmente um freqüentador da igreja, mas um líder dentro dela. Durante anos ministrou aulas sobre a Bíblia para rapazes na igreja batista da Quinta Avenida em Nova York. Contribuía regularmente para a Convenção Batista do Norte e suas missões e também doou milhões à Associação Cristã de Moços. Foi numa reunião da ACM na Universidade Brown que Junior fez um famoso discurso, comparando a eliminação das pequenas empresas competidoras com a poda que tornou possível a grande rosa vermelha americana batizada de American Beauty. A educação na Universidade Brown levou Junior a desenvolver um forte apreço pelas ciências modernas. Ele tinha, como o pai, se tornado mais simpático ao "alto julgamento" da Bíblia que rejeitava a interpretação literal e não-histórica das escrituras defendida pelos pregadores fundamentalistas. Quando Nelson alcançou a adolescência, os ministros batistas e filhos de ministros que tinham guiado a maior parte dos investimentos empresariais e assuntos filantrópicos da família Rockefeller haviam sido substituídos por homens mais jovens, tais como o advogado Raymond Fosdick e seu innão, o reverendo Harry Emerson Fosdick, um teólogo liberal. Isto não foi visto com bons olhos pelos anciãos batistas, especialmente quando Ray Fosdick aconselhou Junior a doar mil dólares para a liberal e geralmente controversa Associação Americana de Defesa do Índio. O apoio dos Rockefeller a qualquer movimento pelos direitos civis dos índios poderia causar grande dano ao controle dos missionários sobre as reservas. Os missionários, através de escolas, já controlavam a educação das crianças indígenas; agora eles procuravam quebrar a espinha da cultura religiosa dos índios proibindo as religiões tradicionais. Seis meses antes de Nelson e os innãos chegarem com Junior ao pueblo de Taos, iniciara-se uma batalha campal entre liberais e conservadores pelo poder de influ-
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enciar o filho único do fundador da Standard Oil. Eram interesses altos: controle sobre uma fortuna de aproximadamente um bilhão de dólares.Junior precisava de um bando de assessores para guiá-lo pelos meandros da teia crescente de responsabilidades financeiras e sociais que acompanharam a transição da familia do provincialismo para o poder mundial. O verão de 1924 encontrou Junior dividido entre a segurança nas tradições do passado batista e as exigências de administrar a fortuna da família através de uma década tumultuada e movida a tecnologia. Sentindo a sombra sufocante de Senior sobre os ombros, Junior estava apavorado com a controvérsia. As decisões nunca foram fáceis para o herdeiro Rockefeller. Na década anterior, ele cometera uma série de erros crassos. A conselho do ministro batista que cuidava do escritório familiar, lutara contra um movimento sindical e desencadeara o massacre de mineiros e suas famílias na CF&I. A conselho de John Mott, líder evangélico da ACM, tentara lançar uma cruzada missionária cristã para salvar o mundo do comunismo, só para vê-la afundar em dívidas e escândalo. Agora estava preocupado com a possibilidade de ter ido longe demais na direção oposta e ter seu nome envolvido com um ultraliberal - John Collier, fundador da Associação Americana de Defesa do Índio. Os amigos batistas de Junior o estavam advertindo de que a defesa desenfreada dos índios pueblo por Collier ameaçava explodir em escândalo. Missionários conservadores batistas tinham se unido recentemente ao Departamento do Interior dos EUA para acusar publicamente os amados pueblos de Collier de realizar atos de "pornografia" e "obscenidade" em suas danças cerimoniais. Pior, os aliados brancos dos índios estavam sendo acusados de "comunismo". O país ainda estava tremendo em conseqüência das investidas em ampla escala do governo durante o pânico vermelho após a Primeira Guerra Mundial e aqueles que participaram das difamações empunhavam uma vassoura enorme. Começaram a circular rumores sobre Collier, e a ansiedade de Junior em relação à própria respeitabilidade estava aumentando. Junior podia evitar que seus filhos soubessem, mas por quanto tempo conseguiria esconder a verdade de uma pessoa como o pai? Ele decidiu negar novas contribuições para Collier e sua associação. Neste estágio da vida, em que Senior estava finalmente passando sua fortuna particular para Junior, o medo de controvérsias era uma luz-guia. E os velhos hábitos da família também. A família de John D. viajara um longo caminho dentro das tradições batistas. Eles confiavam nos conselhos dos presbíteros quando se tratava de missões indígenas e de promover a elevação da ética de trabalho protestante. Sempre atento aos males que o paganismo e a bebida faziam à ética de trabalho, Laura Spelman Rockefeller, a mãe de Junior obcecada com a temperança, tinha sido a catalisadora de muitas contribuições dos Rockefeller a missões batistas do Oeste.
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A localização das missões indígenas, no entanto, indicava que ela não era a única inspiração. As missões ficavam em áreas onde o marido vinha discretamente planejando investimentos.
OS ROCKEFELLER SECULARES No século XIX, quando a América branca atravessava num galope implacável o que Helen HuntJackson chamou de "século de desonra" com os americanos nativos, os investimentos da família Rockefeller estavam na linha de frente da conquista comercial do Oeste. Enquanto os irmãos William e Frank especulavam nas fazendas de gado de corte que estavam substituindo as terras onde antes os índios caçavam búfalos,John D. Rockefeller se concentrava em ferro, carvão, minas de chumbo e as ferrovias que as serviam,junto com os novos campos de petróleo encontrados no Kansas e em Oklahoma. 3 Durante aqueles anos, os velhos Rockefeller tinham usado missionários para colher informações sobre rebeliões no Oeste ou para desencorajá-las. Lá pelos idos de 1873, depois que chegaram a Cleveland, Ohio, notícias de uma rebelião na reserva dos creeks no território de Oklahoma, coincidindo com a guerra de Geronimo contra usurpadores das minas de prata do Arizona, Rockefeller demonstrou um súbito interesse por um dos amigos missionários da mulher. Ele escreveu ao reverendo Almon A. Bacone, que cuidava de uma escola indígena a pequena distância da reserva rebelada de Oklahoma, pedindo informações. Bacone respondeu com detalhes sobre a exata localização da rebelião e o impacto que provocara na região. Os anos de infrutíferas súplicas de Bacone ao magnata do petróleo tinham terminado. Em pouco tempo pousou em sua escrivaninha um cheque de cinco mil dólares de Rockefeller.4 As contribuições de Rockefeller eram, em sua maioria, canalizadas através da Sociedade da Missão Batista Americana da Família, inspirando Bacone a batizar o primeiro grande prédio de sua escola de Rockefeller. A filantropia de Rockefeller também mandaria doações para a faculdade Bacone, mas, por volta de 1890, quando o local da insurreição se deslocou para as fábricas de Chicago, ao norte, Rockefeller desviou sua atenção para Dwight L. Moody, um precursor de Billy Graham. O incandescente evangelista de Chicago exortava os trabalhadores a buscar "pensamentos mais elevados do que a agitação trabalhista". 5 Encantado com este desprendimento das coisas materiais, Rockefeller financiou Moody até que este morreu, em 1899. No mesmo período, o dinheiro Rockefeller foi para missionários batistas que trabalhavam entre mineiros insatisfeitos, lenhadores e índios chippewa na região do lago Superior, onde estavam localizadas as recém-
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adquiridas minas de ferro Mesabi.6 Enquanto isso, a escola de Bacone prosperava sob a égide do BIA ao lado da Ferrovia Kansas-Tuxas, na qual Rockefeller fizera um investimento considerável. Bacone tentara cair nas graças de Senior fornecendo-lhe dicas quentes sobre especulação de terras indígenas. Terra cherokee, avisou a Rockefeller, estava à venda por seis mil dólares e as "autorizações do governo vão aumentar" assim que os "cherokees venderem sua área" .7 Rockefeller não se interessou. Especular com terras não lhe interessava. Petróleo sim. Em 1924, quando Nelson e seus irmãos chegaram ao Sudoeste, uma floresta de torres de perfuração do avô cobria as terras da reserva indígena em Oklahoma. As sondas da Standard Oil também estavam perfurando a reserva navajo do Novo México, que Nelson e os rapazes visitaram antes de ir a Taos. Só em outubro do ano anterior, o comissário do BIA Charles Burke tinha leiloado 22 terrenos petrolíferos dos navajos. Uma área chamada Rattlesnake Dome, perto de Shiprock, Novo México, foi vendida por mil dólares a amigos do novo comissário do BIA para os navajos, só para ser revendida por quatro milhões para a Continental Oil, uma subsidiária do velho monopólio da Standard Oil, na qual os Rockefeller tinham participação substancial. Em 1926, quando a Continental Oil completou um oleoduto de Shiprock, na direção sul para o entroncamento ferroviário de Gallup, que levaria petróleo às refinarias da Standard Oil em Nova Jersey, Junior seguia de carro ao longo de sua rota com Abby e as crianças mais novas, tendo incorporado Shiprock à sua visita à reserva navajo. P.lra manter mais produtivas suas férias, ele também incluiria a Fàzenda Bartlett, ao norte do pueblo de Taos, um mini-império rico em carvão que fora oferecido como investimento.8 Enquanto a caravana Rockefeller se afastava velozmente de làos, Nelson só compreendeu vagamente a capacidade dos mais velhos de lucrar com o desespero dos índios. Ele viu o pai adquirindo velhos cobertores navajos, um tapete e objetos de arte em prata, bem como tapetes-cobertores yaqui e cobertores chimayó de cem anos em lojas do BIA em Santa Fé e no Parque Nacional do Grand Canyon, mas não tinha noção da opressão patrocinada pelo BIA que estava por trás destas lojas. Em vez disso, a "arte primitiva" capturou sua fantasia. E da mesma maneira que Nelson, numa idade impressionável, assistira o pai manipular os artefatos indígenas com um interesse mais do que casual, seu futuro filho, Michael, também abraçaria o ramo. No caso de Michael, no entanto, a fome pela arte primitiva iria consumir não apenas seu interesse, mas sua vida.
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OAJUSTE DE CONTAS Depois de Taos e de mais danças indígenas nas habitações encravadas em rochas do desfiladeiro de Mesa Verde, Junior levou os rapazes para o norte, rumo aos morros acidentados do sul do Colorado, para a primeira visita a uma mina subterrânea. Envergando macacões e capacetes de mineiros com lâmpadas, eles mergulharam de olhos arregalados nas entranhas da mina de Walsenburg, da CF&I. Enquanto os vagonetes de carvão corriam ao lado de vigas que escoravam toneladas de pedras, os rapazes ficavam fascinados com as luzes misteriosas e os mineiros enrijecidos de rostos enegrecidos pelo mineral. As cavernas escuras guardavam lembranças comoventes para o pai. A apenas quarenta quilômetros ao sul, na mina da CF&I em Ludlow, quarenta mineiros em greve tinham sido mortos dez anos antes, e um número infindável deles feridos por pistoleiros da empresa e milicianos estaduais com metralhadoras. Quando as famílias dos mineiros passaram através das ruínas fumegantes do acampamento na manhã seguinte, encontraram mais horror. Onze crianças e duas mulheres, que tentaram se esconder das balas nos abrigos subterrâneos de suas tendas, morreram sufocadas no incêndio provocado pelo impacto das balas no tecido que cobria as cabanas. Ludlow ameaçara trazer tanta desgraça para a segunda geração Rockefeller quanto a crueldade competitiva da Standard Oil trouxera para a primeira. Junior dizia que os assassinatos e as audiências públicas que se seguiram foram "uma das coisas mais importantes que já aconteceram à família Rockefeller,, ,9 forçando os primeiros passos vacilantes rumo ao liberalismo corporativo. Junior estava tentando .construir uma nova imagem para os Rockefeller diante da opinião pública. Ele foi visto visitando um hospital da CF&O com os rapazes e encontrando-se com integrantes do sindicato da companhia que ele criara para os mineiros. Em seguida, ele e os rapazes embarcaram num vagão-dormitório particular e correram para o prazer final dos rapazes em Montana: um acampamento, passeio a cavalo no Parque Nacional Glacier e mais encontros com índios. A divisão de Junior entre o liberalismo corporativo e o conservadorismo batista já tinha sido testada pelos pueblos. Naquele caso, ele resolveu o conflito retirando o apoio para uma causa manchada pelo pretenso radicalismo da Associação de Defesa dos Índios. Pelo resto do século, os Rockefeller iriam evitar extremos dos dois lados. Com os Pés-pretos de Monta.na, Junior evitaria controvérsia simplesmente expondo seus filhos ao modo indígena, sem se comprometer de uma maneira ou de outra. Até isto, no entanto, era um gesto além de seu tempo. Com a exceção de agentes indígenas e missionários, poucos brancos eram vistos misturando suas famílias com "peles-vermelhas".
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Junior arranjava visitas de dia inteiro à reserva dos Pés-pretos. Os índios, liderados por um ex-juiz tribal, Wolf Plume (Penugem de Lobo), "nos receberam em pinturas de guerra e roupas enfeitadas de contas, com grande cerimônia", observou J uniorem seu diário, e "foram muito amigáveis". 10 Os índios deram a cada Rockefeller um nome Pé-preto. Junior foi batizado de Little Dog (Cachorrinho); John, Buffalo Tueth (Dentes de Búfalo); e Laurance, Rider-of-a-Sorrel-Horse (Cavaleiro de um Alazão). O _nome de Nelson tinha um charme profético: Sikiopio-Kitope, Rider-of-a-White-Horse (Cavaleiro de um Cavalo Branco). Esta foi a última experiência de infüncia de Nelson com índios e iria influenciar sua vida política de maneiras de que ele nem suspeitava.
OFERRÃO DA MATURIDADE De volta a Nova York, Nelson retomou à escola e viveu a alegria do primeiro carro, um velho e soluçante Ford conversível. O relacionamento com o pai não melhorou mais do que suas notas. Aumentar os estudos para duas horas diárias e se privar do rádio e do fonógrafo durante a semana não ajudou a derrubar a barreira cerrada de críticas disparada por Junior. O autoritarismo, e não o liberalismo, governava a casa dos Rockefeller. Os problemas de Nelson na escola eram conseqüência da dislexia, uma anomalia no córtex cerebral que embaralha a ordem de números, letras e palavras na leitura.Junior agravava as coisas tentando forçar o garoto canhoto a se enquadrar nos padrões destros da sociedade. O remédio de Junior era doloroso. Toda noite, Nelson era forçado a sentar na mesa de jantar com um elástico em volta do punho. Amarrado ao elástico estava um barbante que ia até a cabeceira. Quando o garoto instintivamente levantava a mão esquerda para comer,Junior puxava bruscamente o barbante, premiando Nelson com uma ferroada de elástico no pulso. "Meu pai não acreditava que as pessoas pudessem ser canhotas", confidenciou Nelson ao entrevistador David Frost anos depois. 11 Assim que Nelson começou a contar, aprendeu que Junior distribuía recompensas emocionais com a mesma parcimônia que o avô permitia desperdícios. Quando Junior demonstrava afetos patemais, eram estritamente racionados, como as mesadas de 25 cents que distribuía às crianças toda semana, menos multas de cinco cents aplicadas em Nelson pela perene deficiência contábil de seus registros financeiros. A Lincoln School, uma experiência da Faculdade dos Professores da U niversidade de Columbia, foi a oportunidade vista por Abby para proporcionar uma fuga ao filho. Foi um presente dos céus. Permitia a cada estudante progredir em
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bases individuais. Fiel às teorias do fundador John Dewey sobre a importância da educação no preparo de um cidadão para a democracia, a Lincoln rejeitava o latim e os clássicos preferidos pelos educadores do século anterior e enfatizava em seu lugar ciências, história e tópicos modernos. Também preparava os herdeiros das classes superiores, que eram maioria, para as futuras responsabilidades, ao expô-los à diversidade étnica e de classes através da pitada democrática de crianças imigrantes da vasta classe trabalhadora de Nova York. O problemático adolescente de Abby floresceu sob esta liberdade recém-conquistada. A vida da familia logo passou a girar em torno de transportar os mais novos, Laurance, David e Winthrop, entre Lincoln e a casa de Junior na rua 54, tendo sido o carro elétrico de Abby, em forma de cartola, substituído pela lirnusine vigilante que zelosamente seguia as crianças que patinavam na ida e na volta da escola. Junior, mais uma vez, foi obrigado a admitir que na criação dos filhos como nas políticas trabalhistas, filantrópicas e religiosas - seu autoritarismo batista devia ceder a um liberalismo calcado na ciência para que a ordem e o respeito fossem mantidos. Mas seus laços com Nelson jamais seriam íntimos. Ao contrário, a admiração de Nelson pelo avô não tinha limites. Junior e Senior eram um estudo de contrastes.Junior era cauteloso ao extremo, enquanto Senior se tornara legendário na juventude em Cleveland por sua disposição em estalar o chicote sobre seus cavalos para uma corrida de carruagens com qualquer vizinho que ousasse desafiá-lo. Nelson cresceu protegido das extravagâncias do avô nas primeiras guerras do petróleo. Em todas as vezes que os irmãos e a irmã jantaram aos domingos na mansão do velho, ele não mencionou sequer uma única vez a Standard Oil. E Senior não parecia uma figura poderosa. O titã mundial do petróleo era na ocasião uma figura cadavericamente magra e ossuda e já perdera totalmente os cabelos. Onde antes sobrancelhas fixavam um olhar penetrante num rosto atraente que tinha um bigode castanho e farto, agora só restavam cicatrizes, como dobras de um pergaminho antigo. Nelson, no exigido colarinho Eton e calças listradas, ficava estupefato. Ele notava o enorme respeito do pai pelo velho e se considerava especial por ter nascido no dia do aniversário do avô. A cada domingo, quando Senior residia em Pocantico, o patriarca contava histórias na cabeceira da grande mesa em sua ornada sala de jantar. Senior geralmente pulava da cadeira para fazer cenas, brincando com seu humor seco do Meio-Oeste. Apesar da idade avançada, do desprezo pela leitura e da predileção por fofocas, havia uma astúcia agitada em seu escárnio das idiossincrasias dos colegas de negócios. Abaixo da peruca branca, com freqüência inclinada para um lado, dois olhos de um magnífico azul claro brilhavam nas
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órbitas encovadas, traindo a inteligência que ainda funcionava febrilmente por trás deles, formulando planos, mapeando estratégias com a mesma seriedade de quarenta anos antes. E agora, quando Junior tentava preservar a influência tradicional do pai na igreja batista e em seus programas missionários, o mmimettto fundamentalista como um todo caiu sob o olhar fixo do velho.
2 ACONTROVÉRSIA fUNDAMENTALISTA
ODESAF 10 FUNDAMENTALISTA Aos 85 anos, Senior ainda jogava dezoito buracos de golfe e era capaz de dançar uma giga depois de uma tacada de seis metros. Há muito se aposentara de qualquer função executiva na Standard Oil, mas não deixara de manter o olhar atento sobre as 39 empresas que ela gerou nem sobre as outras propriedades. Mantinha um assento na Bolsa de Valores de Nova York,jogando com uma bolada de vinte a trinta milhões de dólares que tirara de sua fortuna de um bilhão. Ele ainda fazia manchetes com a mesma facilidade com que ganhava dinheiro. lvy Lee, o pai das relações públicas empresariais, tinha sido generosamente pago para mudar a imagem de Rockefeller, pintado como um vilão bigodudo, de capa preta e cartola, que amarrava jovens inquilinas nos trilhos diante de trens que se aproximavam. O magnata era agora fotografado como uma velha alma gentil e sorridente que distribuía moedas para transeuntes curiosos e dezenas de milhões para educadores, médicos e cientistas. Mas mesmo a bruxaria de lvy Lee não conseguia controlar as forças profundas que pulsavam por trás da pele brilhante dos prósperos anos 20, pode-
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res de uma antiga era rural ressentida com a Revolução Industrial que finalmente conquistara a América. Desde a primeira década depois da Guerra Civil, John D. Rockefeller simbolizava estas mudanças. Sua crueldade no novo negócio do petróleo que impulsionava a revolução lhe valera o pavor dos pequenos empresários através do país. Os descontos que ele forçava as ferrovias a lhe conceder eram responsáveis por parte das sobretaxas cobradas sobre todo o resto, de grãos a móveis, irritando os fazendeiros há mais de meio século. Destes fazendeiros veio o maior desafio político para a nova riqueza do Leste que Rockefeller representava, um gigantesco movimento rural liderado pelo senador do Nebraska William Jennings Bryan, o herói dos estados da cestade-pão e do sacerdócio associado a eles, os pregadores fundamentalistas da Bíblia. Dificilmente passava-se uma temporada sem que o adolescente Nelson deixasse de ver manchetes sobre fundamentalistas atacando sua família. No meio do primeiro ano de Nelson na Lincoln, em dezembro de 1924, o dr. John Roach Stratton, líder da União Batista da Bíblia e pastor da Igreja Batista do Calvário, em Manhattan, fez um ataque sarcástico ao pai de Nelson. '½.s condições hoje são aterradoras", disse ele dos extraordinários e hedonistas anos 20, "e são suficientes para acordar até mesmo um autocomplacente e modernista como John D. Rockefeller Jr. O dinheiro dos Rockefeller é a maior maldição que paira sobre a crença batista. Através da infiel Universidade de Chicago e do inacreditável Seminário da União Teológica desta cidade, os Rockefeller fazem mais para nos arruinar e fulminar do que todas as outras forças juntas." 1 Por trás deste frenesi estava um conflito político e econômico desconhecido para Nelson, mas não para Senior e Junior. Por toda a nação, ministros fundamentalistas rurais reagiam com raiva ao que acreditavam ser o vício e a venalidade das cidades e o impacto urbano sobre suas congregações rurais. Impregnados de uma Bíblia intocada pela Ciência e pela visão histórica e alheios às contradições das escrituras, os habitantes das fronteiras fechadas da América viram suas mais caras instituições sendo destruídas pelo que os Rockefeller chamavam de progresso. Na luta que se seguiu entre tradicionalismo e modernismo pelo controle da alma da América - e de seu futuro - um homem, talvez mais do que qualquer outro, ficou no caminho antes de, também ele, sucumbir ao desbravamento de novas fronteiras pelos Rockefeller. Seu nome era Frederick Gates. Filho de um missionário batista enviado para a "indigência do Oeste," Gates chegara ao secretariado da Sociedade Batista Americana de Educação. Em 1887, Gates e outros líderes batistas tinham convencido o velho Rockefeller a financiar a fundação da primeira grande universidade batista do Oes-
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te, a Universidade de Chicago, que recebeu a missão de influenciar o desenvolvimento religioso dos novos estados que estavam surgindo nas terras dos índios derrotados. Mas Gates não era exclusivamente batista. Pegando a "caridade no varejo" dos Rockefeller e transformando-a numa "filantropia no atacado," ele convo•• cou os Rockefeller a derrubarem as muralhas do sectarismo batista e fazerem doações a missões de outras crenças num "grande plano preconcebido". Estas contribuições incluíam cem mil dólares em bônus da empresa de maquinaria International Harvester para a Junta de Missões Congregacionais Estrangeiras, em 1905. Mesmo o fato de ter sido rejeitado como "dinheiro maculado", vindo como veio no rastro da denúncia de Ida Trabell, A história da Standard Oi4 não deteve o ministro. Gates, percebendo o esmagador sentimento de culpa de Junior e sua falta de valor sob a sombra do pai, o convenceu a pagar seu débito moral carregando o "fardo do homem branco" de expandir a civilização cristã. Ao secularizar a missão cristã através da filantropia corporativa e ao dotála com as maravilhas da moderna ciência médica, o trabalho de Deus poderia ser feito em beneficio da humanidade, do nome Rockefeller e da alma imortal de Junior. Como o herdeiro educado em Brown, Gates estudara a crítica elevada das modernas teologias protestantes que considerava,m a interpretação literal da Bíblia incompatível com a História ou a Ciência. Ele via a Ciência como a luz brilhante de Deus num niundo de paixões sombrias. "Nestas salas sagradas", Gates escreveu após inspecionar a filantropia Rockefeller, o Instituto de Pesquisas Médicas, "Ele está sussurrando Seus segredos. Ele está abrindo para aqueles homens as profundezas misteriosas de Seu ser" ,2 e, aparentemente, às escolas fundamentalistas, a Sua ira. Inúmeras faculdades de medicina dirigidas por denominações protestantes sucumbiram diante da competição de instituições científicas financiadas pelos Rockefeller, como a Universidade de Chicago, Johns Hopkins, Yale e a Universidade Washington, em St. Louis. A seguir, na lista de Gates estava o Conselho Geral de Educação ( GEB), formado para promover um "sistema de educação superior abrangente nos Estados Unidos". Gates acreditava que apenas um quarto das universidades e faculdades do país estava qualificado para se incorporar ao sistema do GEB, que enfatizaria as ciências sociais e fisicas em vez das interpretações religiosas dos fenômenos. Uma vez mais, os fundamentalistas berraram. Finalmente, Gates antagonizou empresários fundamentalistas sulistas ao invadir a área deles com investimentos Rockefeller. O Sul estava sendo redescoberto como uma nova fronteira de mão-de-obra e matérias-primas ba-•
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ratas para os investimentos de capital nortista ao longo da Southern Railway, de J .P. Morgan. O GEB foi, na verdade, inspirado na viagem de Junior no "Millionaire Special", uma excursão de trem através das cidades produtoras de algodão do Piedmont sulista. A fundação do GEB coincidiu com o fluxo de dinheiro Rockefeller enviado por Gates ao Sul. Pelo menos quatro milhões de dólares em ações da companhia Virgínia-Carolina Chemical deram aos Rockefeller uma boa posição numa das maiores produtoras de fertilizantes do país, com reservas de fosfato e fábricas de fertilizantes por todo o Sul. Outros investimentos na agroindústria incluíam a Southern Oil Cotton Company, fabricantes do óleo Wesson, a American Agricultural Chemical Company e a American Linseed Company, que usava óleo de linhaça como matéria-prima de tintas e vernizes, e polpa refinada de coco do Havaí e óleo de amendoim para criar a margarina Nucoa Butter. E trinta milhões foram investidos na International Harvester Corporation, a nova holding que J .P. Morgan organizara para os parentes McCormick dos Rockefeller.3 Em 1911, o novo interesse de Rockefeller na agricultura comercial tinha gerado outro programa secular para o GEB no Sul: fàzendas-modelo planejadas para demonstrar o valor da maquinaria agrícola, fertilizantes e métodos científicos de rotação de culturas como meio de combater os estragos do gorgulho de algodão nas safras. Esta cruzada pela produtividade foi complementada pelo bem-sucedido esforço da Comissão Sanitária Rockefeller em erradicar a misteriosa causa do notório "genne da preguiça" do Sul, o ancilóstomo•. Com Ciência e fortuna, as campanhas dos Rockefeller varreram toda a oposição do caminho.
OS TENTÁCULOS DO POLVO Mas o terreno que eles conquistaram na agricultura do Sul também continha os carvões quentes do ressentimento rural. Depois da Primeira Guerra Mundial, a batalha cultural se deslocou para o campo da economia e da política, no qual os fàzendciros tinham quarenta anos de experiência amarga com a manipulação do custo de fretes ferroviários pela Standard Oil. Empresas de fertilizantes e gigantes da maquinaria agrícola, como a lnternational Harvester, tinham aumentado a produtividade por hectare de tal maneira que os mercados agrícolas estavam inundados e os preços despencaram. Embora a responsabilidade fosse além dos Rockefeller, eles eram o alvo mais facilmente identificável pelos populistas que • Espécie de vume pa.rasltl que se alimenta de sangue e se aloja no intestino humano. (N. do T.)
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agitavam os pequenos proprietários que não podiam comprar equipamentos caros, fertilizantes ou mais terra. Ao mesmo tempo, o medo do governo do perigo vermelho no pós-guerra resultou em bizarras acusações contra a familia. Foi durante estes anos que os Rockefeller se transformaram, na imaginação de muitos fundamentalistas rurais, de ogros do capitalismo monopolista em financiadores secretos de uma conspiração comunista internacional. O germe desta notável metamorfose foi a incapacidade de os fundamentalistas distinguirem entre a economia de planejamento estatal centralizado, promovida por socialistas (e mais tarde por comunistas), e a economia de planejamento centralizado privatizada, promovida por muitos líderes empresariais. Dado o acesso limitado às informações sobre as diferenças críticas entre os dois programas (ambos, afinal, vinham das odiadas grandes cidades de elites endinheiradas) e a própria experiência dos fazendeiros com os todo-poderosos trustes empresariais, é compreensível que a frustração e os medos do povo rural fossem tão facilmente canalizados por demagogos posando de populistas e que esta confusão fosse ativamente encorajada mesmo pelos populistas sinceros. O reverendo William Riley, falando na Igreja Memorial Moody, em Chicago, acusou a família Rockefeller de "padronizar" a religião, da mesma maneira que a indústria petrolífera. No espaço de apenas alguns anos, as desconfianças fundamentalistas em relação aos Rockefeller evoluíram para uma convicção quase patológica de que os Rockefeller não eram nada religiosos, e promoviam uma vasta conspiração comunista para assumir o controle das igrejas e impor o ateísmo nas escolas. Riley dizia que o culpado era William R. Harper, presidente da Universidade de Chicago, com suas teorias de "educação progressista". "Se fosse apenas educação americana, a situação não seria tão triste, mas nossas escolas confessionais estrangeiras estão sentindo o impacto destas mesmas forças e se convertendo rapidamente na carne e no sangue do modernismo através do movimento Harper-Rockefeller." A América, clamou Riley, estava sendo ameaçada por um "polvo de descrença" .4 Apesar de todos os esforços filantrópicos de Junior para limpar o nome da família, as histórias diramatórias sobre a ascensão de seu pai ao pooer continuariam a assombrar até seus filhos. E o pior é que Senior logo ficaria ciente.Junior soube de uma vitória sem precedentes dos fundamentalistas na Convenção Batista do Norte, em Des Moines. Uma doação anônima de 1.750.000 dólares foi aceita pelos batistas em troca do compromisso de adesão ao credo fundamentalista por missionários leigos e pelos ministros ordenados beneficiados. Poucos se enganaram com a insistência do doador em se manter anônimo. Milton Stewart, irmão
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de Lyman Stewart, fundador da U nion Oil da Califórnia, financiara recentemente uma viagem de missões protestantes à China com lideranças fundamentalistas e impusera condições semelhantes para as doações. Se algo podia despertar a ira de Senior eram os Stewart. Não apenas financiavam os mais veementes críticos fundamentalistas dos Rockefeller, como eram o maior espinho no pé do rebento favorito do truste do petróleo, a Standard Oil da Califórnia. Desde 1904, quando o filho de Lyman Stewart, W.L. Stewart, bateu a Standard Oil na concorrência pelo petróleo cru dos produtores independentes do vale de San Joaquin, a U nion Oil se provara um poderoso competidor. 5 Os Stewart também tinham um ressentimento pessoal contra os Rockefeller, por terem estado entre os produtores independentes de Titusville, Pensilvânia, que sucumbiram ao Standard Oil Trust. Junior hesitara em contar a Senior sobre os sucessos dos fundamentalistas na Convenção Batista do Norte. Ele nunca se sentira talhado para a tarefa de administrar o império do pai- e por uma boa razão. Senior não se dedicara a preparar Junior para o império. "Papai nunca me disse uma palavra sobre o que devia fazer no escritório antes que eu começasse a trabalhar aqui", confessou certa vez.6 Senior, um pai tradicional, deixara a tarefa de educar as crianças para a mulher, Laura Spelman Rockefeller. Mas havia um preço por ser o filho único do odiado John D. Rockefeller: isolamento. Tutelado na propriedade Rockefeller nos arredores de Cleveland, onde se localizava a primeira refinaria da Standard Oil, Junior era adulado como um "príncipe herdeiro", como a irmã mais velha, Edith, costumava dizer. Ele logo foi humilhado por reveses no rastro das grandes doações aos batistas pelo pai e pelo Fundo Memorial Rockefeller Laura Spelman. Apenas seis meses antes, Senior dera quinhentos mil dólares à Sociedade Americana de Missões Batistas no Exterior, à Sociedade da Missão Batista Americana do Lar e ao Conselho Beneficente de Ministros e Missionários da Convenção Batista do Norte. Também fez uma doação incondicional de cem mil dólares para ajunta de Anuidade e Reparação da Convenção Batista do Sul em Dallas7 • Junior tinha sido um dos que encorajaram o pai a fazer doações incondicionais e agora se sentia humilhado pela doação só-para-fundamentalistas dos Stewart aos Batistas do Norte. Não havia saída. Junior reuniu coragem e escreveu ao pai, reconhecendo que ele deveria, "sem dúvida", ter ouvido falar das vitórias fundamentalistas e da doação condicionada. Ele sugeriu que Senior invocasse uma cláusula na sua carta de doação permitindo que o dinhdro fosse retirado se "deixasse de ser necessário". Ele encerrou com uma desculpa imprudente: "Se eu tivesse imaginado que a Sociedade da Missão do Lar teria aceitado uma doação nestas con-
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, dições, atando de maneira permanente seus diretores à defesa de idéias tão estreitas, teria enfaticamente lhe recomendado a não fazer as doações enviadas recentemente. "8 A resposta de Rockefeller tomou compreensível a consternação de Junior. Era uma notável demonstração de como o patriarca octagenário ainda estava no comando. O velho Rockefeller não tinha intenção de recuar e sugeriu a Junior que mandasse seus advogados se prepararem para entrar em ação. Ele decidira "conseguir, sem delongas, o consentimento das sociedades missionárias para novas condições de nossas doações, de maneira a interceptar, se possível, o efeito nefasto que a ação tra~çoeira deles possa ter sobre a disseminação final de nossas idéias". Sua tática era tipicamente Rockefeller: a abordagem sutil, pedindo apenas uma mudança nos termos das doações. Mas as conseqüências eram claras. Uma negativa por parte das missões comprometeria futuras doações. A verdadeira tática, no entanto, era a amplitude. O pedido de Rockefeller iria para todas as organizações missionárias· protestantes que aceitaram suas contribuições, não apenas para os batistas: "Se fizermos tudo com inteligência, poderemos assegurar uma proteção ainda maior contra possíveis ingerências pelo grupo ao qual você se refere." 9 Os fundamentalistas tinham despertado um inimigo bem mais formidável do que pensavam. Ali estava um veterano de guerras mais sangrentas e impiedosas do que a maior parte dos ministros jamais encontrara. Rockefeller construíra um império esmagando home~s mais fortes do que o reverendo Riley. O sangue do velho guerreiro estava fervendo e ele iria, como sempre, combater com todos os poderes lendários sob seu comando. Sua ira era declarada mas comedida. O dinheiro podia manter as crenças principais na linha. E por trás do dinheiro estava o petróleo, ainda o grosso da fortuna Rockefeller. Enquanto a família começava a descarregar suas firmas agrícolas domésticas para escapar ao colapso dos preços agrícolas no pós-guerra, o petróleo, particularmente o estrangeiro, permaneceria a fonte de seu poder. O papel do petróleo no realinhamento de poder do pós-guerra em todo o mundo seria crucial e os Rockefeller pretendiam desempenhar um grande papel neste realinhamento. O conselheiro da Standard Oil e diretor da Fundação Rockefeller, Charles Evans Hughes, se tornara pouco antes secretário de Estado do presidente Warren G. Harding. Hughes iniciara uma era de política e estilo que levou um membro do Foreign Office britânico a se queixar que "os funcionários de Washington começaram a pensar, falar e escrever como funcionários da Standard Oil".1º
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OPRÍNCIPE DO MODERNISMO No.front religioso, coube ao reverendo Harry Emerson Fosdick, irmão do mais próximo assessor de Junior, disparar o primeiro tiro no contra-ataque Rockefeller que logo seria chamado de "a Controvérsia Fundamentalista". Embora fosse um ministro batista ordenado, Fosdick aceitara o púlpito de uma igreja presbiteriana liberal em Manhattan. Fosdickjá tinha sido denunciado como o "Príncipe do Modernismo", pela visão liberal sobre a evolução que expusera na Convenção Batista do Norte em 1919 e por não fazer segredo de seu desprezo pelo etnocentrismo e pela intolerância testemunhada durante uma viagem à China secretamente financiada por Rockefeller Junior. Estas experiências influenciaram um de seus primeiros sermões na Primeira Igreja Presbiteriana de Manhattan, intitulado "Devem os fundamentalistas ganhar?". Fosdick na verdade pediu a unidade cristã, mas sob uma bandeira modernista; ele argumentou de maneira convincente a favor de uma fé baseada na ciência e na tolerância liberal em relação às demais culturas do mundo. O sermão de Fosdick poderia ter passado despercebido se não fosse a intervenção de Junior e lvy Lee, o mestre da propaganda. Lee preparou, e Junior financiou, o envio maciço do sermão pelo correio. Os fundamentalistas morderam a isca e rapidamente exageraram na mão, lançando uma campanha que revelava a veemência plena de sua intolerancia. Liderados pelo ex-secretário de Estado e simpatizante da Ku Klux.Klan William Jennings Bryan, eles até tentaram obter o controle da Assembléia Geral Presbiteriana do Norte de 1924, mas foram astuciosamente repelidos por um jovem advogado de Wall Street chamado John Foster Dulles. Futuro secretário de Estado, Dulles usou seu formidável talento em direito para mudar o assunto em debate do modernismo para as ligações de Fosdick com a Igreja Batista. Fosdick aceitou seu papel como a ovelha do sacrificio por um protestantismo moderno baseado na Ciência e renunciou ao presbitério de Nova York. Os fundamentalistas ganharam a batalha mas perderam a guerra pela opinião pública. Os Rockefeller mais uma vez emergiram triunfantes. Isto foi em 1925, o ano em que WtlliamJennings Bryan morreu de repente logo após condenar John Scopes no "Julgamento do Macaco". Com a morte de Bryan, o movimento fundamentalista ficou acéfalo e só reemergeria como uma força política séria meio século depois, quando Nelson Rockefeller veria negada sua indicação para a vice-presidência depois da intervenção fundamentalista. Os problemas da família com a Igreja Batista não tinham terminado ainda. O indeciso Junior se viu em dificuldade outra vez, desta vez sobre as condições das reservas indígenas.
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CORTANDO OÚLTl/1\O f lO Na primavera de 1926, Junior se preparava para a terceira viagem ao Oeste em seis anos quando recebeu uma carta de Penugem de Lobo, o líder Pé-preto, e Touro Negro, outro dignitário. "Estamos sob condições extremamente difíceis. Ficamos de três a quatro dias sem comer às vezes ... Esperamos que descubra um meio de fazer qualquer coisa para ajudar-nos nesta primavera.» Junior estava em cima do muro. As circunstâncias dos índios o forçavam mais uma vez a brigar com as velhas tradições Rockefeller. Ele não queria responder à carta, mas seu silêncio poderia ser interpretado por muita gente como falta de sensibilidade, principalmente pelos filhos. Os índios bateram nesta corda sensível em sua carta. "Como você se sentiria,,, indagaram, "se estivesse na nossa situação?" Depois, tocaram o ponto fraco de Junior: "Penugem de Lobo quer saber como está seu filhinho [Laurance] que Penugem de Lobo batizou." 11 Datilografada em papel timbrado da Associação de Proteção aos Índios de Montana, a carta indicava que brancos influentes, bem como os índios, estavam esperando para ver como Rockefeller responderia, se é que responderia. Como os filhos estavam envolvidos, Junior também tinha de considerar os sentimentos da mãe deles. Abby era uma espécie de conspiradora com os filhos contra o autoritarismo batista de Junior e se eriçava diante de qualquer coisa que parecesse discriminação racial. "Coloquem-se no lugar de um homem pobre e honesto que pertença a uma das chamadas raças desprezadas", escreveu ela a Nelson, Laurance e John naqueles anos. Pensem em como é não ter uma mão amiga estendida para vocês, nenhum olhar gentil, nenhuma palavra agradável e encorajadora dirigida a vocês. O que eu gostaria que vocês sempre fizessem é o que tento humildemente fazer; ou seja, nunca dizer ou fazer nada que fira os sentimentos ou a dignidade de qualquer ser humano, e dar consideração especial a todos que sejam de alguma maneira reprimidos. Isto é o que o pai de vocês faz, com a naturalidade e a delicadeza de sua natureza e a bondade de seu coração. Desejo ardentemente que nossa família defenda com firmeza o que é melhor e mais elevado na vida. Nem sempre é fácil, mas vale a pena. 12
Junior pensou que talvez fosse aconselhável fazer algumas indagações. Ele passou a carta de Penugem de Lobo para o BIA. Temendo mais pedidos de ajuda, Junior sugeriu que algo fosse feito para "atingir mais a raiz da questão" .13 A resposta foi defensiva, calcada como sempre na noção calvinista de auto-suficiên-
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eia: "Onde os índios investiram em carneiros pelo plano reembolsável, estão indo muito bem. Se estes índios se lançarem nos negócios e se ajudarem um pouco, podem se dar muito bem." 14 Outra resposta às suas inquietações foi menos tranqüilizadora. Um dos guias de 1924 confirmou que o bando de Penugem de Lobo "está em pior situação agora do que há algum tempo e pode estar passando fome". Mas o problema estava nos próprios índios e na sua cultura. "O bando que você viu são puros-sangues, todos parentes ou quase, então esta é a razão pela qual Penugem de Lobo e Grande Primavera podem estar em dificuldades agora, porque compartilharam com outros. Os velhos puros-sangues sempre compartilham com seu povo.,, O individualismo egoísta que acompanhava a posse de propriedades não se arraigara entre os índios mais velhos. Ele aconselhou os Rockefeller a não mandar dinheiro para estas "crianças de mente simples". Ele se comprometeu a "admoestá-los" para que "não lhe escrevam mais dessa maneira". Era "tarefa e dever do governo cuidar dessa gente e não você". 15 Junior concordou. Não existe qualquer registro de uma resposta de Junior a Penugem de Lobo. Enquanto Nelson estava na França naquele verão, seu alter ego, Laurance, devia voltar ao Oeste com os pais e irmãos mais jovens.Junior surgiu com uma solução. Ele simplesmente decidiu não incluir a reserva dos Pés-pretos no roteiro. Mas os índios não podiam ser controlados tão facilmente. Sua revolta estava a pleno vapor e produzindo manchetes. Os líderes dopueblo de Taos, apoiados pela Associação de Defesa dos Índios, de John Collier, tinham sido presos por resistir aos missionários e ao BIA e a rebelião indígena estava se disseminando para as Grandes Planícies e além, para tribos da Califórnia. A ameaça de que o nome Rockefeller fosse novamente ligado à repressão violenta ressurgiu. Uma vez mais, as opções de Junior pareciam divididas entre seguir os líderes batistas ou considerar o conselho de assessores liberais como Ray Fosdick, o homem que encorajara Junior a doar mil dólares para Collier dois anos antes. Tinha sido uma curta lua-de-mel entre os Rockefeller e o magro Collier de ombros caídos. Em 1924, pouco depois de o BIA começar a arrendar terras navajo para as empresas de petróleo, o pedido de mais dez mil dólares, feito por Collier aos Rockefeller para investigar as condições dos índios, foi negado. Em vez disso, Junior lançou sua própria investigação - acerca de Collier - despachando um assessor a Washington para se encontrar com o secretário do Interior, Herbert Work, e com o comissário do BIA, Charles H. Burke. O ataque deles a Collier chegou aos limites da calúnia, com Burke chamando Collier de "agitador" e denunciando os esforços da Associação de Defesa dos Índios como "destrutivos". 16
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Provavelmente as críticas mais veementes vieram de Charles L. White, secretário-executivo da Sociedade Americana da Missão Batista do Lar. Embora White pessoalmente não tivesse muita influência junto aos Rockefeller na época, por causa de seus flertes com doadores fundamentalistas, Junior queria manter seu próprio poder sobre a direção das missões batistas, evitando que fossem ainda mais desgastadas por ataques fundamentalistas. Ele ouviu enquanto White severamente impugnava o caráter de Collier e até sugeria que Collier se apropriara indevidamente de recursos. Estas vozes do estaólishment político e religioso eram suficientes para Junior. Ele recusou o pedido de Collier e cortou qualquer outro financiamento para sua organização, voltando seu apoio para a Associação dos Direitos dos Índios, dirigida por missionários batistas, que White acabara de recomendar a Fosdick. 17 Foi um dos maiores erros de Junior. A Associação dos Direitos dos Índios tinha encampado a acusação sem provas de um missionário fundamentalista, o reverendo William "Pussyfoot" Johnson, de que índios cristãos convertidos estavam sendo forçados a participar de cerimônias "obscenas" nas quais supostamente engravidavam várias jovens. Os missionários exigiram o fim de todas as danças "pagãs". Eles também estavam pressionando para que xerifes federais fossem enviados para confiscar as crianças dos pueblos que os pais sempre tiravam temporariamente de escolas do BIA para que fossem iniciadas nos rituais religiosos de passagem. Este costume era vital para a sobrevivência da culturapueblo e os missionários sabiam disso. A campanha da Associação dos Direitos dos Índios, como seu presidente declarou orgulhosamente, se destinava a "fazer o elemento pagão reacionário de Santo Domingo [um centro de resistência pueblo] sentir que as leis dos Estados Unidos devem ser obedecidas e que os índios cristãos progressistas serão protegidos em seus direitos.,, 18 Enquanto isso, John Collier não ficou sentado em silêncio. No que lhe dizia respeito, o BIA e a Associação dos Direitos dos Índios eram bandidos. A associação estava tentando "dividir os pueblas" para "impedir" os índios de se beneficiar dos serviços legais de sua organização. E isto estava acontecendo no justo momento do "acerto final de controvérsias envolvendo as terras" .19 Nos últimos quarenta anos, os índios tinham perdido 16 milhões de hectares vendidos aos brancos e, graças aos arrendamentos forçados do BIA, perderam o direito de usar a maior parte da terra que ainda lhes pertencia.20 Em 1926, estes arrendamentos - e particularmente os novos que envolviam petróleo- eram foco de crescentes ataques de John Collier e de seu principal aliado no Congresso, o deputado James A. Frear. Frear pediu uma investigação conjunta do Congresso sobre o apoio do BIA à Lei do Petróleo Indígena,
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que atraiu especuladores como uma "nuvem de aves de rapina que obscureceu o sol,,. Então, os dois homens conduziram seu próprio levantamento em vinte reservas do Oeste, viajando mais de sete mil quilômetros de carro. Eles descobriram que as condições eram piores do que temiam. Por exemplo: os sioux passavam fome e 25% dos crow estavam ameaçados de cegueira por tracoma. O BIA, insistia Collier, estava destruindo os índios porque ainda sofria de "ressaca,, da "velha política militarista que considerava o índio um fora-da-lei e um perigo para a sociedade".21 Nesta época, Junior voltara do Oeste e concordou com Fosdick que o apoio à conservadora Associação dos Direitos dos Índios tinha sido um erro. Os ataques dos missionários às tradições indígenas eram contraproducentes; pior, uma das mais estridentes funcionárias da associação, Clara D. True, antes processada por apropriação indébita de fundos do BIA, tinha sido indiscreta sobre as contribuições dos Rockefeller. 22 Se não se podia confiar mais em missionários batistas para evitar que a violência ou o escândalo assomassem no horizonte dos Rockefeller, então Junior tinha poucas opções que não as de se virar para fontes mais objetivamente científicas. Felizmente, o dinheiro Rockefeller já assegurara que estas fontes estivessem à mão. O secretário do Interior Herbert Work, sentindo que estava perdendo a iniciativa para John Collier e na tentativa de impedir uma investigação parlamentar do BIA e dos arrendamentos de petróleo em área dos navajos, convidou a Instituição Brookings para Pesquisa Governamental a conduzir um levantamento das condições dos índios, um trabalho independente do BIA, mas devedor aos Rockefeller do montante de 125 mil dólares. Desta vez Junior fez uma aposta segura. A junta diretora da Instituição Brookings incluía Raymond Fosdick e J erome Greene, dois membros do círculo legal dos Rockefeller,junto com nomes familiares como o presidente do Instituto Carnegie, John C. Merriam (que aconselhara Junior sobre o itinerário para o Oeste). Sob a direção de Lewis Merriam, o relatório do levantamento, Oproblema da administraefio indfgena, foi amplamente elogiado quando de sua divulgação em 1928. Mas, como Collier temia, o Relatório Merriam poupava a cúpula do BIA de críticas pelas condições que descrevia. Em vez disso, escolheu a argumentação dos missionários e do BIA de que a culpa pela situação dos índios era do Congresso. O legislativo, por sua vez, conduziu uma investigação própria, fazendo audiências que levaram à renúncia do comissário do BIA, Charles H. Burke. Por um rápido momento, pareceu a Collier que o reinado do grande capital e dos missionários sobre os índios terminara. Ledo engano. Em 1928 o povo americano, logrado pela prosperidade dos
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anos 20 e a promessa de "uma galinha em cada panela e um carro em cada garagem•, ekgera presidente o conservador Herbert Hoover. Para dirigir o BIA, Hoover designou Charles J. Rhoads, um rico banqueiro e tesoureiro da Associação dos Direitos dos Índios, que realmente corrigiu injustiças, mas sem legislação protetora ou mais poderes para os índios. Mas a associação recebera a última doação de Junior. Dali em diante, os Rockefeller iriam se desviar cada vez ma i dos batistas. Eles iriam preferir missões mais seculares tanto no país quanto no exterior, enquanto assumiam o comando da era do petróleo.
3 REPENSÃNDO MISSÕES EM BUSCA OE UMA MISSÃO Naqueles primeiros anos, Rockefeller não compreendeu as implicações globais do "Problema Indígena" enfrentadas pela geração do pai. Tendo apenas dezesseis anos na primeira viagem ao Oeste em 1924, ele foi pouco mais que um observador deslumbrado da vida indígena. No verão de 1929, quando ele e o irmão Laurance se juntaram ao médico missionário sir Wtlfred Grenfell em urna de suas famosas expedições aos esquimós, o deslumbramento infantil tinha se transformado em cinismo. "Os nativos (...) ficam sentados e só vão pescar quando o espírito os faz se mexerem. (... ) Se algum deles fosse um pouco ambicioso poderia ganhar algum dinheiro. Mas acho inútil esperar alguma coisa nesse sentido. Talvez consigam aproveitar mais a vida do que nós, correndo para todo lado." 1 A carta de Nelson revelava o mesmo conflito entre conservadorismo e liberalismo que atormentava o pai. Seu desprezo pela falta de ambição dos nativos refletia o pensamento calvinista da América desde a chegada dos peregrinos. O sucesso de alguém na vida é medido pela quantidade de dinheiro que ganha e as propriedades que adquire. Mas, pouco depois de as palavras de Nelson terem sido colocadas no papel, ele se reavaliou, como que cutucado por algum mentor moral silencioso para manter a mente aberta. Duas motivações - lucrativa e
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humanitária - guerreariam dentro de Nelson enquanto seguia o pai dentro do jogo agressivo do poder mundial. Por um período, uma trégua inquieta reinou entre Nelson e o pai. Em Dartmouth, Nelson até conseguiu agradar Junior quando escreveu sua tese de economia sobre a Standard Oil. Junior ficou encantado com a defesa descarada, extraída em grande parte de uma biografia inédita de Senior que Junior encomendara. Mas logo ficou óbvio que Nelson não sentia o mesmo fascínio pelo mundo dos negócios que outros Rockefeller. "Eu só espero crescer e viver uma vida à altura do nome da familia", escreveu da França um verão depois de inspecionar a restauração de Versalhes e Rheims, que o pai financiara. "Tenho certeza de que [o irmão] Johnny o fará porque ele já pensa e age exatamente como você, pai. ( ... ) Mas, quanto a mim, bem, sou bastante diferente e não penso da mesma maneira." 2 Quando o último ano e a formatura se aproximaram, ele foi ainda mais explícito. "Francamente, não aprecio a idéia de entrar para os negócios( ... ) fazer meu nome num negócio que outro homem já construiu, pular dos sapatos de um para os de outro, fazer algumas pequenas mudanças aqui e ali e depois, finalmente, talvez aos sessenta anos, chegar ao topo onde teria o verdadeiro controle por alguns anos. Não, esta não é minha idéia de uma vida de verdade."3 Tal gosto pela vida tinha sido um atributo associado com mais freqüência à mãe. Abby Rockefeller era o oposto do marido, imbuída por um temerário senso de aventura. Ela se recusava a permitir que sua compaixão pelos menos afortunados endurecesse com a obsessão Rockefeller de uma administração "puritana" da riqueza. A maior contribuição que legou a Nelson foi uma resistência tranqüila, mas persistente, à tradição rígida da família. Mesmo assim, o poder acenou para Nelson. Isto se deveu não apenas ao augusto nome Rockefeller, mas à impetuosa lenda política de seu homônimo, o avô materno Nelson Aldrich. Durante trinta anos, Aldrich foi uma das mais poderosas figuras do Senado americano, renomado por sua amizade com banqueiros e presidentes de companhias açucareiras e uma carreira política que começou com recursos modestos e acabou com uma fortuna de cinqüenta milhões de dólares. No último ano, Nelson já tinha contraído o micróbio. Ele fez duas tentativas febris para a presidência de sua classe, ambas fracassadas. Como na arena política maior anos mais tarde, o jovem Rockefeller teve de se contentar com a vice-presidência.
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ACONQUISTA PACÍflCA DO MUNDO Em dezembro de 1929, Junior recebeu uma carta urgente de um de seus mais confiáveis enviados. John Mott acabara de voltar de uma viagem a missões protestantes na Ásia e estava bastante agitado. Mott era um milenarista que esperava apressar o segundo advento de Cristo através da evangelização do mundo "nesta geração". Mas ele não era fundamentalista; acreditava que a Ciência era a investigação da mente de Deus e o preocupava muito o proselitismo estridente que vira entre os missionários fundamentalistas da China. A menos que os missionários americanos demonstrassem mais tolerância e preocupação social no Terceiro Mundo, os missionários se veriam enfrentando o mesmo tipo de reação nacionalista revoltada que ele acabara de testemunhar. Depois que revoluções populares irromperam no México e na China em 191 O, Junior mandou Mott montar um Conselho Médico Chinês para misturar a ciência médica e a religião numa poderosa instituição nova, a Faculdade Médica Unida de Pequim. "Se esperarmos até que a China fique estável", Mott disse aos membros do Conselho de Junior na primeira reunião, "perderemos a maior oportunidade que jamais tivemos." Mott compreendeu que a fortuna Rockefeller podia moldar o futuro político da nação mais populosa do mundo. "Aquele país terá apenas uma primeira geração em sua era moderna", escreveu depois da proclamação da república chinesa em 1911. "A primeira onda de estudantes a receber treinamento moderno( ... ) irá estabelecer os padrões e o ritmo." 4 Para concretizar sua visão, Mott se tornou um sagaz coletor de contribuições junto a homens ricos como os Rockefeller. Ele incorporou o espírito de vendas de um corretor de Wall Street. "Pedir dinheiro a um homem para os propósitos do reino mundial de Deus não é pedir um favor", escreveu certa vez, "mas dar-lhe uma oportunidade sensacional de investir sua personalidade em ações eternas." O dinheiro tinha "tanta personalidade acumulada", argumentava, dias acumula~os de trabalho humano, que sobrevivia a seus proprietários e assim podia ser usado depois da morte para prolongar a vida do dono na terra. Este conceito de transubstanciação do dinheiro para uma alma imortal carregava uma semelhança notável com o raciocínio da familia a favor de uma Fundação Rockefeller perpétua; de fato, a Standard Oil era o modelo de organização para Mott. Ele incorporou os métodos e a cultura das corporações ao movimento missionário. Com o passar dos anos, milhões de dólares Rockefeller foram despejados na busca de Mott por um evangelismo eficiente.
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Dois fatores significativos fascinaram Mott de maneira a se manter firmemente na órbita Rockefeller. Um era a visão global do mais próximo assessor de investimentos de Senior, o ministro batista Frederick Gates. O outro era a China e sua enorme colheita potencial de almas, uma obsessão na mente do protestantismo americano desde que os primeiros missionários subiram a bordo dos veleiros mercantes chineses que saíam dos portos da Nova Inglaterra. Gates foi cativado pela idéia de a fortuna da família deslocar-se para mercados estrangeiros. Com a Standard Oil à frente, ele argumentou que o avanço das corporações americanas representava a vontade de Deus. O querosene da Standard Oil vinha literalmente iluminando as lamparinas da China desde a década de 1890, inspirando a empresa a cometer sua própria forma de blasfêmia ao extrair o slogan de seus produtos do Novo Testamento: "A Luz do Mundo". Para Gates, a crescente independência cultural do mercado global e a conseqüente disseminação de missões protestantes de fala inglesa eram evidências de "um grande plano preconcebido". Um "estudo do mapa do mundo" revelou ao clérigo que as diferentes missões eram na verdade um único "exército invasor", cuja "habilidade tática e estratégica... [era] controlada e dirigida por uma inteligência superior", Deus.5 Se Senior estava desconcertado por esta superada doutrina calvinista de predestinação, a ênfase de Gates na relação entre esforços missionários e conquista comercial tinha um mérito especial mais prático: Bem à parte da questão de pessoas convertidas, os resultados meramente comerciais dos esforços missionários para nossas terras vale, eu quase diria, mil vezes o que é gasto a cada ano nestas missões. ( ... ) Missionários e escolas missionárias estão introduzindo em terras estrangeiras a aplicação da ciência moderna, do vapor, da energia elétrica, modernas máquinas agrícolas e manufatura moderna. O resultado será a eventual multiplicação por muitas vezes do poder produtivo de países estrangeiros. Isso os enriquecerá como compradores de produtos americanos e nos enriquecerá como importadores dos produtos deles. Estamos apenas no alvorecer do comércio, e devemos esta alvorada, com todas suas promessas, ao canal aberto pelos missionários cristãos.( ... ) O efeito da empreitada missionária dos povos de fala inglesa será proporcionar-lhes a conquista pacífica do mundo. 6
Mott partilhava da visão de Gates, mas não de sua complacência. Desde que os tradicionalistas cristãos, apoiados por Lyman Stewart, da U nion Oil, tinham publicado Osfandamentos de sua fé antes da Primeira Guerra Mundial, Mott notara uma intransigência obstinada entre os missionários cristãos no exterior. Estes missionários angariavam forças do movimento de ministros rurais nos EUA, que
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agora se chamavam oficialmente de fundamentalistas, e atacavam a teoria da evolução de Darwin e as correntes protestantes modernistas que convergiram com o financiamento dos Rockefeller para o Conselho Federal de Igrejas. Os fundamentalistas estavam construindo muralhas de intransigência diante da onda cada vez maior do anticolonialismo. John Mott testemunhou um levante nacionalista na China e previu uma explosão iminente. Missionários americanos certamente sofreriam muito, simplesmente por causa de sua grande presença: 65 sociedades missionárias americanas funcionavam na China, quase o dobro do número de sociedades britânicas. O Ocidente subestimara gravemente o poderio e a intensidade do patriotismo chinês e agora os chineses estavam insistindo num sistema educacional despido do controle ocidental. Missionários americanos, que entre 1925 e 1928 eram de quatro a cinco mil dos 9.800 americanos na China, tinham propriedades no valor de pelo menos 43 milhões de dólares' e estavam sendo forçados a reavaliar sua posição. A revolução nacionalista de 191 Ofoi prenunciada em círculos chineses que meramente prepararam o palco para a imediata nacionalização e eventual secularização das missões. Alguns cristãos fundamentalistas, vendo a evangelização como o sine qua non da educação cristã, não se dobraram, aumentando o ressentimento dos chineses. 8 E não sem razão. Em 1928, dois terços dos 4.375 missionários cristãos estavam concentrados em 176 prósperos centros comerciais onde viviam apenas 25 milhões de pessoas, meros 6% da população chinesa. 9 Missionários modernos reconheceram a crise. Eles pediram uma abordagem cooperativa nas áreas rurais, advogando levantamentos de saúde, trabalho agrícola e educação bilíngüe. Mas os esforços foram inviabilizados pela falta de recursos e de apoio entre os colegas. A maior parte dos missionários do Extremo Oriente eram tradicionalistas e recém-convertidos à causa fundamentalista; eles preferiam se concentrar em salvar almas só através do evangelismo, assumindo a iminência do segundo advento do Cristo. Enquanto isso, comunistas chineses que sobreviveram aos massacres de Chiang Kai-chek em Xangai e Cantão e seguiram Mao Tsé-tung para o campo estavam conseguindo milhares de recrutas ajudando os camponeses que combatiam contra os ricos latifundiários. Mott ficou chocado e concluiu que o tempo estava se esgotando para os missionários americanos na Ásia. Ele queria que Junior convocasse uma reunião na casa dos Rockefeller na cidade para discutir a necessidade urgente de outra grande missão: modernizar as missões cristãs do Terceiro Mundo.
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SECULARIZANDO MISSÕES ESTRANGEIRAS Quando John Mott fez esta proposta aJunior, a igreja de Riverside estava quase pronta. O conceito desta igreja, honrando não apenas líderes cristãos, mas também fundadores de grandes religiões orientais e cientistas (incluindo o desprezado Darwin), simbolizava a pespectivaglobal de expansão da família Rockefeller. O poder internacional da fortuna dos Rockefeller estava apenas se afirmando na década de 1920, juntando-se ao impulso geral da riqueza corporativa americana rumo à expansão no exterior. A Primeira Guerra Mundial revertera a dependência empresarial americana do capital europeu. De 1920 a 1929, os investimentos diretos dos Estados Unidos no exterior subiram quarenta milhões, chegando a seiscentos milhões de dólares; o comércio e os investimentos externos aumentaram 700%. As empresas da Standard Oil, naturalmente, lideraram o caminho para os Rockefeller. Além da companhia de Nova Jersey, em 1926 a Standard Oil da Califórnia tinha 230 mil hectares na Venezuela e oitenta mil no México. A Standard Oil de Nova York penetrara em mercados dos Bálcãs, atravessando o Oriente Médio, descendo ao Sul da África e rumando a leste para Índia, Indochina, Filipinas e Índias Ocidentais Holandesas. A Standard Oil de Nova Jersey estava se transformando no colosso petrolífero do Hemisfério Ocidental. Sua nova área de exploração era a América Latina. No árido altiplano da Bolívia em tomo do lago Titicaca, o lago mais alto do mundo, a Standard Oil de Nova Jersey estava ocupada refinando e vendendo. O Peru tinha sido conquistado em 1913. E na Colômbia, onde os ânimos ainda estavam acirrados pela perda do istmo do Panamá em 1903 em uma revolução financiada pelos EUA e apoiada por nove canhoneiras, a Standard se concentrou em fazer o governo Harding pagar uma indenização de 25 milhões de dólares em 1921 para amenizar as dores colombianas. Depois a empresa obteve uma concessão do governo para o campo petrolífero de De Mares, com 3.218 km2, ao longo dos rios Magdalena e Carare, onde vazamentos de petróleo tinham sido observados por índios desde antes da conquista espanhola. Um ano depois da viagem de Nelson ao Oeste, o campo De Mares se tornara para a Standart Oil a mais importante fonte de petróleo no exterior. Com todos estes sucessos, os Rockefeller e sua filantropia isenta de impostos lucraram enormemente. As companhias petrolíferas eram agora gigantescas máquinas de trabalho humano, bombeando milhões em dividendos e ganhos de capital para cofres interligados. A Fundação Rockefeller tinha ações em treze em-
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presas petrolíferas e nove oleodutos nos EUA, bem como 35 ferrovias e 35 outras corporações envolvidas em tudo, desde aço e gás a bancos e imóveis. Muitas destas companhias estavam fazendo negócios substanciais na América Latina ou no Extremo Oriente em meados dos anos 20. Enquanto as empresas petrolíferas se expandiam para o exterior, a preocupação da família com as missões no estrangeiro, tanto seculares quanto religiosas, se intensificou. Na América Latina, missionários da órbita filantrópica Rockefeller estavam bem cientes do crescente interesse das corporações no Hemisfério Sul. O Comitê de Cooperação para a América Latina, de John Mott, era talvez o mais direto, reportando em seu relatório anual de 1919: Capitalistas, industriais, diretores de navegação, economistas de alimentos, líderes políticos de nações que precisam de um escoadouro para excedentes e populações, estão todos planejando intensas atividades nestas terras promissoras, sem cultivo e subdesenvolvidas ... Com modernas invénções agrícolas e o desenvolvimento sanitário, os trópicos deixaram de ser inabitáveis para o branco e podem ser encarados como um campo aberto para suas futuras atividades.
A Fundação Rockefeller, liderada pelo astuto Raymond Fosdick desde 1921, estava na vanguarda da transformação da América Latina neste "campo aberto". A Guatemala estava no centro das atenções dos Rockefeller. A Standard Oil começara uma perfuração exploratória neste país predominantemente indígena, cuja fronteira com o México preocupava, pela possibilidade de disseminação de doenças políticas (revolução) e virais (febre amarela). Aliciando o comandante das forças guatemaltecas ao longo da fronteira, o Conselho Internacional de Saúde dos Rockefeller (IHB) conseguiu colocar o México revolucionário de quarentena, alegando questões de saúde. Um cordón sanitario permitiu a imposição da lei marcial sobre cidades rebeladas e plantações de café e açúcar ao longo da rota das Ferrovias Internacionais da United Fruit Company. Tendo alardeado seu sucesso nas fincas de café e plantações da agora "erradicada" Guatemala, o IHB lançou campanhas por toda a América Central contra a outra grande doença provocada pelo mosquito, a malária. As campanhas iriam finalmente se disseminar para 45 países e territórios de clima quente por todo o mundo. A erradicação do ancilóstomo também se tornara uma campanha mundial, primeiro na Guatemala, onde.se gastou apenas 165 mil dólares para examinar mais de 227 mil pessoas e tratar 132 mil. E continuou a ser um dos grandes
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trunfos de Senior para angariar boa vontade, dando-lhe uma cabeça-de-ponte na região. O conteúdo político do trabalho da fundação na América Latina nunca foi declarado publicamente, mas em correspondências particulares era expresso com espalhafato. O dr. E.l. Vaughn, do IHB, considerava o povo da Guatemala "o melhor da América Central", onde "a mistura infeliz de sangue negro, tão comum nos países espanhóis, é quase nula". A população branca era de "descendentes diretos da colônia espanhola original ( ...)uma grande percentagem das melhores classes é loura e de características faciais decididamente bascas". O mito racista da superioridade nórdica, defendido pelo antigo movimento eugênico e por Frederick Gates, sobreviveu entre os anglo-saxões nas fileiras Rockefeller e moldou suas esperanças políticas na América Latina. A ditadura militar da Guatemala tinha sido derrubada recentemente e a minoria branca de posses estava esperançosa quanto ao futuro: "O sentimento geral entre os brancos é que o pesadelo passou e agora é o momento psicológico de fazer da Guatemala o país líder da América Central." E sobre a vasta maioria indígena? "O índio está começando a compreender que é alguma coisa melhor do que uma besta de carga", continuou Vaughn, "e ele só conseguiu expressar sua alma primitiva clamando por educação para os filhos e se tornando um bolchevique moderado. Tenho confiança de que a semente plantada pelo IHB caiu em terreno fértil, e só posso fazer uma recomendação: Paciência. " 1º Paciência, no entanto, era um luxo que poucos índios podiam se dar. A agressiva expansão de plantações comerciais para exportação destruiu o tradicional sistema de posse da terra e a agricultura de subsistência, aumentando a desnutrição e a vulnerabilidade às doenças. Favelas de propriedade das companhias raramente tinham esgotos e saneamento, o que facilitava a infestação de ancilóstomos. A disseminação de doenças transmissíveis, com trens e navios de frutas levando mosquitos ao longo das rotas comerciais e às cidades servidas por ferrovias no litoral da América Latina, apenas agravou os problemas crônicos de saúde das áreas densamente povoadas. Os projetos de saneamento, saúde e medicina da Fundação Rockefeller atacavam estes sintomas, mas não suas causas sociais. Eram destinados a diminuir o sofiimento humano que acompanhava as dramáticas mudanças sócio-econômicas trazidas pelos investimentos das corporações americanas e pela expansão para o interior do sistema comercial de mercado. O objetivo de ter trabalhadores saudáveis combinava imperativos morais com a preocupação do empresário com a produtividade. Para os liberais modernistas, as medidas dos Rockefeller na América Latina pareciam infinitamente preferíveis à política do Big Stick de Theodore Roosevelt Depois da Primeira Guerra Mundial, um movimento para mudar os métodos e o estilo de intervenção dos EUA, da diplomacia das canhoneiras para a diplomacia do dólar, fui liderado por Raymond Fosdick e outros liberais wilsonianos que apoiaram a Liga das
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Nações e associaram-se ao Conselho de Relações Exteriores de Rockefeller. Através de seus esforços, a América Latina se tomou uma espécie de laboratório para testar estratégias de futuras políticas externas para o Terceiro Mundo em geral. Junior estava aberto às preocupações de Mott sobre missões sectárias e a inflexibilidade americana a sentimentos nacionalistas em países subdesenvolvidos. Nove anos tinham se passado desde sua última cruzada, quando Mott advertira centenas de empresários, políticos e ministros que eles deviam ir além de velhos princípios sectários de rivalidades entre crenças se quisessem derrotar o espectro da revolução. "Alguns de nós estávamos na Rússia pouco depois que a Revolução eclodiu", Mott disse ao grupo, "onde vimos o começo daquela influência cruel que se espalhou por todo o mundo e à qual nos referimos agora como bolchevismo. Reconhecemos sua ameaça, mas não percebemos que logo se espalharia como uma grande doença de nação para nação." Na Revolução Russa, Mott viu a força internacionalista que era mais que apenas um outro caso de levante nacionalista numa terra subdesenvolvida e oprimida. "O objetivo de Lenin, creio, não foi o de dividir os povos verticalmente em compartimentos [estados nacionais], mas fazer uma grande divisão horizontal de toda a raça humana, dispondo classe contra classe com crescente rancor." 11 Para enfrentar a união internacional de revolucionários das classes baixas, Mott aconselhara os líderes empresariais a cerrar fileiras em sua própria entente cristã internacional. "Contra aquele mal", concordou o secretário de Estado, Robert Lansing, "as igrejas deviam combater como lutam contra cada mal que flui do diabo." 12 Agora, nove anos depois, as lideranças leigas protestantes da América que não tinham ouvido a advertência original de Mott pareciam mais receptivas. O mercado de ações despencara apenas dois meses antes, em outubro. O antagonismo entre as classes cresceria novamente nos EUA, num momento em que ressentimentos nacionalistas estavam ressurgindo no exterior. A mensagem de amor de Cristo era necessária para todos. Mott tinha razão. Estava na hora de agir.
OMANIFESTO Mas não em público. Junior não desejava reacender o fogo fundamentalista. Ele reuniu um grupo abastado de batistas do Norte na casa de Manhattan, em 17 de janeiro de 1930, para que Mottvendesse seu peixe. Eles decidiram incluir outras crenças protestantes numa comissão entre igrejas para supervisionar o Inquérito de Missões Leigas Estrangeiras. E Junior, naturalmente, concordou em pagar inteiramente a conta, que no final do ano chegou a 320 mil dólares. 13 A missão mandou sua equipe de pesquisas para a Ásia em setembro de 1930.
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Voltaram nove meses depois e divulgaram seu relatório, Repensando as missões, em 1932. "Havia rumores de que as coisas não iam bem no campo externo", explicou um porta-voz na apresentação formal do relatório. "Havia histórias sinistras de problemas na China, Índia e no Japão. Levantes estudantis, comunismo a pleno vapor, missionários perturbados, e os conselhos não pareciam saber como dirigir seus esforços e atividades." 14 Repensando as Missões recomendava reformas que poucos fundamentalistas poderiam aceitar: fim da segregação das culturas asiáticas que tinham afinidade com a mensagem de Cristo; lições mais discretas, programas em educação, medicina e agricultura, e menos proselitismo evangélico. Mais cooperação e eficiência para reduzir a superposição esbanjadora de programas; e, mais importante, uma transferência gradual de poder para as igrejas nativas. O relatório foi uma bomba, esgotando dez edições em seis meses.Junior leu trechos do manuscrito antes do lançamento. "Eu o fiz com um aperto na garganta", escreveu ele a membros da comissão, "e com uma fervorosa canção de louvor em meu coração." 15 Os que estavam profundamente envolvidos no fundamentalismo criticaram abertamente o relatório. O dr. Nelson Bell, missionário médico da província de Jiangsu, no norte da China, rejeitou o argumento do relatório de que "o uso de serviços médicos e de outros profissionais como um meio direto de fazer conversões( ... ) em enfermarias e dispensários dos quais os pacientes não podem escapar, é sutilmente coercitivo e impróprio". Para Bell, a prática representava "apregação da Cruz, o Evangelho da redenção do pecado através da fé no sangue derramado do Salvador, que é o poder de Deus." 16 A pesada ênfase de Bell na "Palavra", a Bíblia literal, para levar a mensagem de Cristo, era sintomática em todo o movimento fundamentalista, que teria uma voz poderosa com Bell como editor de Christianity 'Ibday e através de seu genro, Billy Graham. Nas plantações de café do oeste do Guatemala, no entanto, outro jovem missionário fundamentalista conseguiu entender o chamado de Mott pelo controle nativo de instituições fundadas por missionários estrangeiros. E ele descobrira o valor da filantropia Rockefeller para sua própria missão. Nos anos seguintes, ele se aliaria a Bell, seu mantenedor J. Howard Pew, da Suo Oil Company (Sunoco), e Billy Graham para construir a maior e mais controversa organização missionária da América, o Instituto Summer de Lingüística. Um dia ele seria chamado pelos evangelistas de "o maior apóstolo desde São Paulo". Ele também seria o maior paradoxo fundamentalista, servindo inadvertidamente aos interesses de Nelson Rockefeller como "Apóstolo das tribos perdidas". Seu nome era William Cameron Townsend.
4 AVISÃO APOSTÓLICA
OS PILARES ROCKEfELLER Em maio de 1930, quando missionários fundamentalistas de todo o mundo se reuniram na Igreja Mem9rial Moody para o Rali Missionário Anual, muitos estavam contrariados com o poder crescente do modernismo financiado pelos Rockefeller. A trindade nada santa formada por Rockefeller, dinheiro e modernismo estava simbolizada pelas espirais góticas da igreja de Riverside subindo cada vez mais alto sobre Manháttan à medida que a obra era finalizada. Mas poucos estavam preparados para a dissidência que irrompeu dentro das próprias fileiras. Um deles, na verdade o mais bem-sucedido jovem colega, estava a ponto de deixálos atônitos com um ato de rebelião nunca visto nos treze anos de história da Moody. Angustiado sobre seu futuro na Guatemala sob o controle de dignitários fundamentalistas, WtlliamCameron Townsend anunciou para uma platéia silenciosa que pretendia abandonar uma das mais importantes missões na América Latina. Aos 36 anos, ele passara treze anos promovendo a obra de Deus na Guatemala e agora estava na ·hora de seguir em frente. Queria evangelizar as tribos perdidas da Amazônia, explicou, com ajuda de aviões. Os ouvintes ficaram estupefatos. Geólogos tinham sido mortos por índios amazônicos, protestou um veterano com 25 anos de América do Sul. "É impossível alcançá-los." 1 O missionário apelou a Townsend para que ficasse com os índi-
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os cakchiquel. •~gora que você acabou o Novo Testamento, seu trabalho apenas começou. Você conhece a linguagem e os costumes deles. Eles acreditam em você. Volte e treine mais pregadores."2 Townsend já o fizera, mas não para pregar como vassalos de um supervisor americano. Ele aceitara o conceito modernista de uma igreja indígena. Ouvira todas as advertências dos fundamentalistas sobre heresias em potencial. Mas também aprendera que a condescendência que os pregadores latinos, de sangue misturado, demonstravam em relação ao índio não merecia respeito. Seu primeiro companheiro índio, Francisco Diaz, o convenceu do valor do pregador indígena assim que chegou à Guatemala. "Ele é animado, esforçado e zeloso no trabalho missionário. O que o Senhor não poderia fazer com cem como ele! Eles poderiam evangelizar sua própria gente na sua própria linguagem."3 Foi por sugestão de Diaz que Townsend decidiu deixar de vender Bíblias para a Bible House de Los Angeles e abrir sua primeira "Escola dos Profetas" na cidade de Diaz, San Antonio de Aguas Calientes, a oeste de Antigua, a velha capital colonial da Guatemala. Desde então, uma década de trabalho duro levaria à construção de uma igreja forte com um ativo clero indígena que não precisava de um suserano americano. Townsend, no entanto, estava momentaneamente subjugado pela força das convicções dos dignitários. No auditório da Igreja Moody, durante uma jornada de orações, "senti um tremor sobre minha alma. O velho fervor e o sentimento de responsabilidade pelas tribos inalcançadas se foi". Como Dwight Moody, que uma vez entrou em crise durante um fracassado esforço de coleta de fundos, Townsend estremeceu e chorou pela volta do "ardor da alma que acompanhava a visão do pioneirismo". Se a determinação voltasse, ele iria aonde o Senhor o enviasse, "embora as tarefas pareçam impossíveis". Pelo menos ele recobrou o entusiasmo. "Eu sabia que Deus tinha me chamado", relembrou depois.4 Durante a vida, William Cameron Townsend aceitou sem questionar a palavra de Deus na Bíblia. Ele devia suas crenças ao pai. O velho Townsend lutara com más colheitas, dívidas e sonhos importunos da Terra Prometida durante anos como agricultor itinerante. Tudo o empurrara mais e mais para o Oeste, do Kansas para o Colorado e finalmente para o sul da Califórnia. Lá, sob a sombra de grandes plantações de cítricos que dominavam o vale do rio Santa Ana, ele enfrentou a sobrevivência cultivando vegetais até que, surdo e velho, enfrentou novos tempos difkeis. Só que desta vez não havia uma nova fronteira; o Pacífico dera um fim às opções. Então, voltou às três coisas que conhecia melhor: a Bíblia, a família e uma crença obstinada de que a honestidade, a temperança e uma justiça populista nascida nas pradarias um dia prevaleceriam. Estes eram os valores que Will Townsend instilou em seu filho homônimo mais velho, e que era chamado de Cam para distingui-lo do pai. Cam se impregnou profundamente desses valores e os
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levou para a Guatemala e para o sucesso fundamentalista sem paralelo entre os índios das terras altas maias. Mas, apesar da reverência de Cam pela Palavra, seu trabalho se vira sob o escrutínio crescente dos dignitários da missão nos últimos cinco anos. Engajados numa batalha contra os modernistas no exterior e em casa, os superiores fundamentalistas de Cam tinham dúvidas sobre sua pureza doutrinária. E tinham razões para isso. Desde que partiu de navio para a Guatemala, em 1917, Cam mostrara traços de um perigoso modernismo, como vestir roupas indígenas ou demonstrar apreço pela cultura nativa. E a própria decisão de se tornar um missionário fora tomada por inspiração de John Mott, que fizera um discurso para os estudantes do Occidental College propondo "a evangelização do mundo ainda nesta geração". Cam, "chocado por quão pouco havia feito para demonstrar minha fé", aceitou o chamado e foi para a Guatemala vender bíblias. Ao chegar lá, descobriu que os seus superiores na Missão Centro-Americana (Central American Mission, ironicamente também conhecida como CAM) eram firmes adeptos da tradição fundamentalista. A Missão Centro-Americana era fundamentalmente conservadora. Embora tenha colaborado com o Comitê de Cooperação para a América Latina, de John Mott, durante a Primeira Guerra e se juntado a outras missões na divisão da América Central, a missão nunca esqueceu que tinha raízes na Igreja Moody, a catedral do Fundamentalismo. Cam não questionava os dogmas do fundador da CAM, Cyrus Scofield, um antigo caçador de índios que se transformou em pregador no Texas. Scofield e sua Bíblia de referência profetizavam que o reino de paz e justiça se instalaria depois do Segundo Advento do Cristo, e não antes, como sempre disseram os tradicionalistas. Isso significava que a determinação das escrituras de abandonar a luta por riquezas valeria apenas naquele distante futuro, não antes. Assim, Scofield preservava, tanto para seus mantenedores quanto para seus missionários, a tese central da ética puritana: vivendo de acordo com o Livro, todos seriam capazes de impedir a reforma social, conseguir riqueza e, ao mesmo tempo, as chaves do paraíso. Se a reforma social era impossível em um mundo comandado por Satã, de que adiantaria tentar? Assim, a riqueza era não apenas a recompensa divina por uma vida virtuosa em um mundo cheio de pecados, mas um sinal de sua graça ao identificar em um trabalho em particular uma aceitação de Seu projeto. O que Cam se perguntava era por que uma mensagem bíblica tão poderosa deveria ser vantajosa apenas para aqueles que haviam sido assimilados pela cultura euro-americana, e não também para índios vivendo segundo suas próprias tradições em aldeias remotas. Bíblias em castelhano eram de pouca utilidade para a maioria dos índios, que fa-
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lavam apenas seus idiomas nativos. Para alcançá-los com a palavra de Deus, o missionário precisava aprender essas línguas e elaborar uma linguagem escrita de modo que a Bíblia pudesse ser adaptada para conceitos compreensíveis pelos índios. Milhares de índios do interior do país, que trabalhavam sazonalmente na agricultura ao longo da costa do Pacífico, eram desprezados pelos missionários, que preferiam trabalhar com os mestiços do litoral. Cam estava fundando uma nova igreja, uma igreja nativa assentada sobre quatro pilares: lingüística, educação, reforma sanitária e econômica. No capítulo da saúde, Cam descobrira uma forma de quebrar a autoridade dos tradicionais curandeiros nativos. Ao chegar à Guatemala, ele viajara ao longo do cordão sanitário criado pelos médicos da Fundação Rockefeller, e conheceu os programas de combate ao ancilóstomo e à malária. Logo estava movendo uma campanha para forçar o governo a drenar os pântanos infestados de mosquitos e distribuir quinino e drogas modernas contra o ancilóstomo. "A Fundação Rockefeller descobrira que 80% dos índios eram portadores do ancilóstomo",5 escreveu ele no Boletim Centro-Americano da CAM. Armado com quenopódio e quinino, a campanha cristã contra os curandeiros indígenas tradicionais avançou com firmeza. Elvira Malmstrom, a missionária da Igreja Moody com quem se casou, assumiu o papel de enfermeira. "Esta foi uma semana de grandes bênçãos", escreveu ele em carta para casa. "A doença que está por toda a parte deixou muitos lares abertos para nós." Uma curandeira nativa logo sucumbiu à competição. Embora "ainda cuidando de muitos com suas artes mágicas", explicou ele, "quando ela mesma( ...) fica doente, procura Elvira. Agora estamos sendo chamados para cuidar de muitos outros casos além da malária."6 Desde os dias dos conquistadores, a doença desempenhara um papel importante no domínio europeu das Américas. Ao introduzir inadvertidamente doenças como a varíola, a pequena minoria de espanhóis subjugou milhões de índios e as sofisticadas civilizações asteca, maia e inca, que não tinham defesas imunológicas contra doenças alienígenas. Tribos indígenas do México viram o novo deus branco matar astecas, mas deixar os espanhóis ilesos. De repente, os deuses astecas, como o rei asteca, não pareciam mais invencíveis. Milhares de índios se aliaram aos espanhóis, para lamentar profundamente depois. 7 Este cenário de conquista cultural foi reproduzido no Oeste americano - e nas colinas dos cakchiquel da Guatemala, através de missionários como Townsend administrando a medicina moderna do homem branco com os cumprimentos da Fundação Rockefeller. A lingüística de Cam também tinha uma conexão Rockefeller. Por seu feito em analisar a linguagem dos cakchiquel, Cam ficou grato a um arqueólogo visitante americano que o advertiu de que ele estava tentando enfiar a linguagem in-
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dígena de sonoridade oriental dentro de um molde latino. O arqueólogo recomendou a abordagem menos etnocêntrica de Edward Sapir, o principal lingüista da U Diversidade de Chicago. Sapir estabelecera um novo padrão em lingüística ao descrever linguagens foneticamente nos termos de suas "características próprias", em vez de nos padrões que a cultura européia considerava importantes. Sapir sustentava que, em qualquer cultura, as palavras desenvolviam sua importância porque pennitiam a comunicação dentro de uma certa perspectiva do mundo, uma perspectiva que poderia considerar o universo de maneira bem diferente da cultura européia. Para entender a estrutura de uma linguagem, portanto, era preciso abandonar a perspectiva européia e aceitar que uma outra perspectiva dera diferentes pesos a certas palavras como meios de comunicação. Palavras importantes que eram fundamentais na estrutura de uma linguagem tinham peso não apenas porque existiam, mas porque eram partilhadas pelas pessoas que as usavam. Na linguagem, como na maior parte das ferramentas de uma cultura, a partilha e a cooperação eram o atestado de qualidade do sucesso da cultura humana como mediação adaptada ao meio ambiente natural, não a cruel competição da "sobrevivência do mais forte" defendida pelos darwinistas da era vitoriana imperial. Os mais fortes nem sempre são os mais capazes na natureza, como a extinção dos dinossauros bem demonstra. Usando a abordagem de Sapir, Cam logo percebeu que o tom, a inflexão e a~ palavras da linguagem cakchiquel eram tão especializadas em seus propósitÔs quanto as cores e padrões das roupas usadas nas aldeias. A linguagem era incrivelmente rica e sofisticada. Ao contrário do inglês, nela as possibilidades de combinações para expressar diferentes significados e nuances sutis eram muito mais complexas. Idéias tais como tempo, localização, número de sujeitos e tipos de ações podiam ser sintetizadas em um único verbo. As combinações possíveis de idéias eram desconcertantes. Cam estimou que um verbo podia ser conjugado de cem mil maneiras, sem contar os compostos. Cam combinou sua nova compreensão lingüística com os conhecimentos limitados da tradução de São Jerônimo do Evangelho de Lucas em seu curso universitário sobre o Novo Testamento Grego. Ele trabalhou duro para executar uma tradução o mais precisa possível de São Marcos para o idioma cakchiquel. Quando terminou quatro capítulos, Elvira os datilografou, seguindo-se a cada página de cakchiquel o equivalente espanhol. Os Townsend tinham adotado uma educação bilíngüe. Isto era decididamente um ato político, um anúncio do compromisso de Cam com a assimilação do índio à cultura e à vida política da minoria de fala espanhola que governava a Guatemala. Ele conseguiu o apoio imediato de muitos mestiços, incluindo o prefeito de Antigua.
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Mas foi através da economia que ele provavelmente conseguiu converter a maioria dos adultos. Cam fundou uma cooperativa de café, projeto que resultou de sua capacidade de atrair recursos americanos, no caso de uma empresa de St. Louis de propriedade de um batista simpatizante das missões, Alexander E. Forbes. Sensibilizado pelo apelo de Cam no Christian Hera/d pedindo ajuda para promover economicamente os índios convertidos, Forbes teve uma solução imediata. A fortuna de sua família foi construída em cima do processamento de café para transformação em concentrados líquidos e pó instantâneo. Forbes vinha comprando café da Guatemala desde pelo menos 1890. Ele sugeriu que, se Townsend pudesse convencer seus convertidos a cultivar e colher seu próprio café e combinar suas colheitas numa cooperativa, ele doaria um moedor e uma turbina; tudo que pedia em troca era o café dos índios. Ele o conseguiu.
OfARDO DA MISSÃO Foi precisamente o sucesso de Cam por caminhos tão pouco ortodoxos que impulsionou o palavrório invejoso do clero católico e de seus colegas fundamentalistas. Suas declarações a publicações da missão elogiando as boas ações da Fundação Rockefeller, o hábito de receber os índios em casa (originalmente uma casa de palha de milho, como as dos índios) e usar as roupas deles, as constantes violações à política da missão ao levantar fundos entre mercadores locais, o compromisso de treinar um clero nativo fundando o Instituto Robinson da Bíblia (batizado em homenagem a um companheiro missionário) e, acima de tudo, sua intenção de perpetuar a cultura do índio ao publicar a tradução para o cakchiquel do Novo Testamento inspiraram protestos irados da sede central da missão. Mas, na verdade, Townsend era o exemplo de sucesso da Missão CentroAmericana. Apesar da juventude, e tendo corrido riscos e trabalhado duro, Cam tinha, num período notavelmente curto, adquirido um conhecimento sem paralelo das condições de vida dos índios no interior da América Central. Ele viajara através de selvas, pântanos e montanhas, visitando os índios onde trabalhavam, em minas e plantações, e onde viviam, nas regiões altas. Ganhara o respeito e mesmo o apoio deles e contabilizou dois mil convertidos. Era amigo do embaixador dos EUA e do presidente da Guatemala, que ajudara as missões protestantes a prosperar deportando padres católicos. O conselho da missão não apenas votou a favor de Cam por uma maioria de seis votos, mas no ano seguinte o nomeou secretário administrativo do distrito central da Missão Centro-Americana. Agora, cinco anos após seu primeiro confronto com os dignitários fundamentalistas, o missionário independente estava de volta, promovendo sua nova
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idéia de levar missionmos pelo ar para a floresta amazônica. Ali, instigou, estavam mil tribos ignorantes da Bíblia vagando num inferno verde. Cam devia esta visão sombria a L. L .Legters, ex-missionário presbiteriano junto aos índios sioux e comanches e que explorara o México e a Amazônia como diretor da Agência da Missão Pioneira da Filadélfia. Na esperança de montar uma agência missionária neutra que pudesse transcender a cisma fundamentalistas-modernistas, Legters conseguira o apoio do Comitê de Cooperação na América Latina. Impressionado com o trabalho de Cam na Guatemala, Legters enviou-lhe fotografias que tirara de "robustos e afáveis índios nus" despojados da palavra de Deus no isolado vale do rio Xingu, na Amazônia brasileira. Estas, ele disse a Cam, eram apenas algumas das milhares de tribos que esperavam por jovens bravos como Townsend. 8 Cam estava mais do que pronto e ansioso. Na verdade, estava desesperado. Ser o pioneiro na exploração de um novo campo exótico para a tradução da Bíblia usando aviões modernos era muito mais excitante do que administrar a rotina missionária da CAM na Guatemala. O projeto aéreo de Cam tinha uma inspiração menos espiritual: a invasão americana da Nicarágua. Pela primeira vez nas relações com a América Latina, os Estados Unidos usaram aviões de guerra na tentativa de esmagar as forças de resistência do general Aug1::1sto Sandino. Em janeiro de 1927, enquanto dois contratorpedeiros americanos chegavam ao litoral da Nicarágua, aviões de guerra americanos aterrissaram na Cidade de Guatemala. Cam estava lá para saudá-los. Os aviões realizavam um _vôo de "boa vontade" dos pilotos da Marinha para demonstrar o poder aéreo americano na América Latina e, segundo o secretário da Guerra, para testar aviões anfibios. 9 Cam se apresentou ao comandante, major Herbert Dargue, e lhe falou sobre seu trabalho entre os índios. Ele pediu ao major uma estimativa de custos para um programa de aviação na área da selva. Cam já estava sonhando além da Guatemala. Dargue prometeu juntar alguns fatos e números. Meses depois, veio a resposta, alinhavando um programa que requereria muito mais do que o missionário antecipara: uma pista de pouso na selva com um hangar, um posto avançado, três aviões anfíbios, pilotos, mecânicos e operadores de rádio, instalações para reparos, postos, combustível; seguro e pessoal médico. E isso antes que as operações pudessem começar com segurança. Três anos de operações custariam outros 134 mil dólares. Com este tipo de despesa, a proposta de Cam para as tribos da Amazônia estava condenada antes de atravessar as paredes imponentes da Igreja Moody. Mas os Townsend se recusaram a desistir. Na União Missionária da igreja, eles falaram do sonho e do poder dos aeroplanos para realizá-los. Cam pediu-lhes
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permissão para, em nome da missão no norte da Guatemala, levantar recursos para comprar um avião. Sua visão não podia ser obscurecida e ele a mostrou. "As selvas e rios lá são como os da Amazônia", 10 explicou.
MOTIM NA IGREJA DA MISSÃO Com o endosso relutante da missão, Cam voltou para as terras altas da Guatemala que os cakchiquel chamavam de lar. Os dignitários da aldeia o receberam como um "irmão amado. Os velhos despejaram suas queixas como não podiam fazê-lo com os missionários de fala espanhola". 11 Os índios queriam assumir a responsabilidade por sua igreja "porque a missão tinha tudo". Eles "queriam sua própria organização".12 Cam simpatizou com as aspirações dos índios, mas ele sabia que a atitude de seus colegas da Missão Centro-Americana não seria tão bondosa. Ele aconselhou os índios a ceder a autoridade sobre a igreja para a CAM. "Vocês podem fazer melhor trabalhando com eles do que contra eles." 13 Como os índios confiavam nele, concordaram. Cam esperou ansiosamente a chegada do Novo Testamento em cakchiquel. Ele encontrou as bíblias enterradas nos arquivos do correio da Cidade da Guatemala, todos os dezoito exemplares da remessa antecipada da Sociedade Bíblica Americana há muito esperada. Ele acariciou os livros de capa de couro, maravilhando-se com sua beleza, depois correu para ter certeza de que um homem ouviria a mensagem primeiro. Este homem não era um índio, mas um de seus opressores: o novo ditador, general Jorge Ubico. Ubico percorrera um longo caminho desde sua primeira oportunidade política em 1918, a reboque da campanha contra febre amarela promovida pela Fundação Rockefeller. Como supervisor militar da campanha, ele com freqüência submetia os índios a medidas extremas de erradicação de doenças, incluindo a queima de seus lares como "única saída". 14 Ubico era agora o terceiro maior proprietário de terras da Guatemala e ainda por cima seu presidente, tendo tomado o poder recentemente, derrubando o último ditador. No final da tarde de 19 de maio de 1931, o general Ubico recebeu Cam Townsend, o secretário para o Caribe da Sociedade Bíblica Americana e Trinidad Bac, um cakchiquel que ajudara Cam com a linguagem da tribo e agora era pregador evangélico. Cam mandou o índio apresentar o livro formalmente, depois fez um pequeno discurso e pediu que Ubico posasse com eles numa fotografia para a primeira página do jornal do dia seguinte. Era uma cena que nos anos seguintes Townsend repetiria muitas vezes com os ditadores. Agora que a tradução estava pronta, a visão de Cam se expandiu. "As tribos
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da América do Sul terão a Bíblia. E também a América do Norte, a África e a Ásia." 15 Cam pensava em aeroplanos e navios a vapor que transportariam os missionários para cima e para baixo do grande Amazonas da América do Sul. "Existe certamente algum cristão do petróleo que nos daria um avião", pediu o irmão de Cam num boletim presbiteriano, 16 mas houve apenas silêncio e as frustrações de Cam se acumularam. Um dia, Cam notou um estranho tirando fotografias em Panajachel, um balneário a oeste da Cidade da Guatemala, no lago Atitlán, onde ele administrava uma pequena escola para os cakchiquel. O homem se apresentou como Moisés Sáenz, do México.
UM SINAL DO MÉXICO Cam reconheceu o nome imediatamente. Moisés Sáenz tinha conseguido uma reputação e tanto dirigindo o programa de educação rural do México, a primeira tentativa concreta de levar educação aos índios mexicanos. Sáenz era um protestante, um presbiteriano como Townsend. Sáenz se graduara numa escola secundária protestante em Monterrey e no Seminário Teológiéo Presbiteriano em Coyocán, um subúrbio elegante da Cidade do México. Também tinha uma preparação americana, tendo feito pós-graduação em Washington e na Faculdade Jefferson, na Pensilvânia, antes de retornar para sua terra, então às voltas com o sofrimento da revolução. Este educador liberal também acreditava no evangelismo protestante. Cam levou Sáenz numa excursão aos cakchiquel, visitando a escola e a missão em San Antonio. Sáenz ficou deslumbrado quando as crianças cantaram em cakchiquel e em espanhol. Ele também se impressionou com os livros e o currículo de Cam e as clínicas médicas estabelecidas por Cam em outras aldeias. O povo maia ali era lingüisticamente similar a alguns índios em seu próprio país. Sáenz convidou seu colega presbiteriano para ir ao México. Depois que voltou para o Norte, mandou uma carta de seu escritório reiterando o convite, como Cam pedira. Aquela carta simples, em papel timbrado do governo do México, seria decisiva para Cam e para os povos nativos de todo o mundo. A estrada que Cam vinha procurando brilhou repentinamente diante dele. Se não foi imediatamente atraído para o México, ficou pelo menos ciente de que havia horizontes além da ilusória Amazônia. E além da Missão Centro-Americana. O comitê executivo da CAM mandou-lhe um decepcionante presente de Natal em 1931. Ele devia permanecer no trabalho com os cakchiquel até que "uma liderança adequada" o substituísse.
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- O que eles querem dizer é patrões missionários - disse ele à mulher, Elvira. - Eles deviam deixar os próprios cakchiquel assumirem. Eles têm lideranças bem treinadas e estão mais preparados a cada ano. Eles têm o Novo Testamento. Para que precisam de supervisores americanos? E eles querem que eu faça "exploração ocasional em campos não ocupados". Como posso fazer isso, quando quinhentas tribos na América Latina esperam a palavra de Deus? 17 Algumas semanas depois, Cam sofreu novo golpe. Chegou da Califórnia a notícia de que sua mãe morrera. Ela vinha lutando há meses contra o câncer, mas tinha certeza de que Jesus a curaria. Sua mãe sempre tivera fé nele. Agora ele tinha que tomar a maior decisão de sua vida - se devia deixar a Guatemala sem o conselho dela. Cam refletiu sobre o futuro. Sua tradução para o cakchiquel lhe dera confiança suficiente para fazer o mesmo com outros Novos Testamentos e outras tribos, longe dos ditames dos dignitários fundamentalistas. Elvira estava encantada. O ritmo de trabalho de Cam quase enlouquecera aquela mulher baixa e de rosto redondo. Ela começara a ter explosões de raiva, a maior parte dirigida a Cam. Seus protestos evoluíram até a violência; um dia ela chutou o marido. Ela nunca se ajustou à cultura indígena, preferindo o trabalho entre os mestiços, como planejara fazer quando veio pela primeira vez à Guatemala. Qualquer hesitação de Cam sobre se devia partir acabou quando o desastre aconteceu. Em 21 de janeiro de 1932, o Vulcão de Fogo, que ficava próximo à missão em San Antonio, irrompeu em chamas numa erupção em cadeia que se estendeu para o sul, rumo à fronteira da Guatemala com El Salvador. Logo em seguida, veio a notícia, através da fronteira, de um desastre ainda maior. Milhares de índios pipil, os quais Cam pesquisara para a missão em 1925, estavam sendo massacrados pela ditadura militar depois que tentaram se revoltar sob a liderança de comunistas locais. A conspiração se disseminara até a Guatemala, alegou o presidente Ubico, que teve a precaução de prender e executar ativistas nas plantações. Cam e Elvira rapidamente decidiram se mudar para as terras baixas por motivo de saúde, explicando que Cam contraíra tuberculose. Passaram cinco meses lá, ponderando sobre seu futuro com a Missão Centro-Americana. Apesar do incessante apoio de vários partidários, Cam sabia que seria difícil cumprir seu voto solene de "trabalhar em perfeita harmonia com a Missão Centro-Americana" . 18 Quando Cam e Elvira deixaram a Guatemala de volta para casa, em meados de 1932, descobriram que o desgaste emocional de Elvira tinha uma base física. Ela estava sofrendo de dores no coração. Sua irmã, Lula, e o marido, Eugene Griset, ofereceram ao casal sua pequena fazenda Santa Ana. Elvira ficou acamada sete meses, forçando Cam a lidar com o enfadonho trabalho doméstico que até
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então fora o fardo de Elvira. Uma rápida carreira como evangelista radiofônico, apelando em vão por contribuições e tradutores para alcançar a Amazônia, aumentou sua frustração. Não surpreendeu, portanto, que quando L. L. Legters apareceu, em fevereiro de 1933, Cam o recebesse com um grito de alegria. Oito anos tinham se passado desde a visita de Legters a Townsend depois de completar um levantamento dos índios da Amazônia brasileira para a União Missionária do Interior da América do Sul. "Olhe para o mapa", disse ele, enquanto espalhava a carta diante dos olhos famintos de Cam. "A Amazônia cobre 5,5 milhões de quilômetros quadrados. Deve haver tribos indígenas por toda a área."19
Mas não era para a Amazônia que Legters queria que Townsend fosse agora. Ele e sua Comissão para o Trabalho Indígena na América Latina tinham um novo alvo: o México. "Existem pelo menos cinqüenta tribos indígenas mexicanas. Disseram-me que há trezentos mil maias só em Yucatán. Quer saber de uma coisa? Você vai e eu ajudarei a levantar apoio. "2º Cam concordou. Mas ele viu uma tarefa maior. A lingüística era a base de seu pacto solene com as tribos sem Bíblia. Havia muitas tribos no México e além para ele e Elvira agirem sós. Precisava-se de uma escola de verão para treinar jovens missionários na tradução das escrituras para línguas nativas. Legters concordaria que sua organização de coleta de fundos, a Agencia da Missão Pioneira, patrocinasse uma escola de verão para recrutas? 21 Legters imediatamente captou a visão de Townsend, que logo daria à luz o Instituto Summer de Lingüística. Eles concordaram em partir para o México no outono seguinte para conseguir permissão de operações do governo do novo presidente mexicano, general Lázaro Cárdenas. Eles oraram por orientação. Uma grande aventura ia começar. Nelson Rockefeller também tinha embarcado numa grande aventura nesta . época, que moldaria as vidas daqueles dois homens assim que seus caminhos convergissem na América Latina.
5 RITOS DE PASSAGEM POLÍTICOS PASSAGEM PARA AÍNDIA Mohandas K. Gandhi viu o casal incomum abrir caminho através da multidão de guardas em uniformes verdes e de seus colegas em mantos brancos no jardim e aproximar-se dele. Naqueles dias sua confiança amigável em estrangeiros era rara, especialmente em ocidentais vestidos com tal apuro. Só no último mês, ameaças de bombas e manifestações tinham saudádo os visitantes na inauguração da nova sede do governo britânico alguns quilômetros ao sul, em Nova Delhi. Milhares foram às ruas para mostrar descontentamento com uma legislatura indiana de poderes limitados pelo "domínio indireto" britânico. Mais de cem mil pessoas seguiram Gandhi para a cadeia no ano anterior em protesto contra qualquer tipo de domínio britânico. E agora que as tensas negociações para a independência tinham dado uma guinada ruim, ningumi podia ter certeza de que Gandhi e seus compatriotas não estariam na prisão - ou coisa pior - ante do final da semana. Neste clima de terror, os passos alegres daqueles jovens ocidentais eram um alívio. A mulher, alta e magra, parecia pertencer a duas eras: apesar de vestida de
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maneira conservadora, tinha os cabelos castanhos cortados na moda dos vibrantes anos 20. Mantinha as costas eretas e a cabeça erguida, como os aristocratas britânicos que Gandhi tivera de enfrentar em negociações recentes. Tmha, de fato, sido criada numa propriedade dada à família pelo rei Jorge III. Seu acompanhante parecia mais jovial, até arrogante talvez. Ele retribuía olhares desconfiados com um sorriso amável. Apresentado ao homem enrugado, falou inglês com o tom nasal monocórdio de um americano de Nova York. Gandhi reconheceu o nome imediatamente: simbolizava imensa riqueza e poder. Mas ele apenas inclinou a cabeça calva enquanto os dedos continuavam a trabalhar o algodão na roca diante dele. Segunda-feira era o dia de silêncio de Gandhi, reservado para a meditação e a restauração da paz interna. Sua ação falava por ele, um protesto eloqüente contra as roupas britânicas baratas que usavam o algodão da Índia para arruinar os serviços têxteis das aldeias. Como exemplo para restaurar a tecelagem local e reviver a economia e a dignidade nas aldeias rurais, Gandhi fazia pessoalmente uma cota diária. Este compromisso, como seu voto de silêncio, não era quebrado por ninguém, nem mesmo por este casal. Em vez disso, ele escreveu um bilhete e o entregou ao jovem: "Volte amanhã. Conversarei com você." 1 Nelson Rockefeller não estava acostumado a ser tratado de maneira tão condescendente, muito menos a ser dispensado daquela maneira. Reis, presidentes, primeiros-ministros, industriais, banqueiros, acadêmicos, poetas, líderes religiosos - todos o receberam calorosamente durante sua lua-de-mel global. Tudo parecia reagir ao nome do pai, como se pudesse obrar mágicas. Até mesmo lorde lrwin, vice-rei da Índia e poderoso adversário de Gandhi, tinha mostrado aos Rockefeller a cortesia devida à augusta posição deles, sentando Mary "Tod" Rockefeller ao seu lado num banquete no novo palácio vice-real. A seriedade de propósitos que sentiu em torno de Gandhi era um contraste marcante com as dispendiosas festividades de semana inteira de que ele e Tod participaram, celebrando a inauguração do novo fórum governamental em Nova Delhi. Gandhi denunciara "o desperdício de dinheiro em grandes edifícios arquitetônicos" que nada tinham a ver com as aldeias indianas, fonte da identidade nacional. Seu colega,Jawaharlal Nehru, foi mais incisivo, condenando o "show esmerado" e ridicularizando o palácio do vice-rei onde Nelson e Tod jantaram com lorde Irwin e oitenta outros convidados como "o templo principal onde o Grande Sacerdote oficiava". 2 Agora, naquele pátio simples, Nelson estava de pé diante de um homem seminu que tinha a lealdade de milhões de indianos. Nelson concordou em voltar. Pela primeira vez em seus 22 anos, estava pessoalmente testemunhando um confronto decisivo nos assuntos mundiais, um que controlava as perspectivas de paz - ou violência em massa - para todo o subcontinente. Ele estava fascinado.
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Nelson era um garoto durante a Primeira Guerra Mundial e a imensa fortuna da família o isolara da dura realidade do mundo. Dartmouth não alterara sua inocência. Encravada nas colinas verdes de New Hampshire, longe do desafio da vida urbana, Dartmouth era uma das mais protegidas escolas da lvy League. Mas agora, formado e casado, Nelson Rockefeller estava determinado a ver mais do lado tumultuado da vida.
NO OCASO DO COLONIALISMO Desde o começo, não foi como Nelson e Tod esperavam. Após o dia em que um dos principais assessores de Junior se despediu dos recém-casados na estação de trem com um buquê de flores, o casal se viu à sombra de pessoas ligadas aos interesses Rockefeller ou arrebatadas pelo poder do nome do avô. Nelson aprendeu rapidamente que Rockefeller era mais do que um nome famoso; era um símbolo de algo mais profundo, quase misterioso. Em sua ansiedade para unir-se ao mundo adulto, ele mergulhou no casamento sem compreender a enormidade de sua herança. Somente naquela viagem foi apresentado à primeira e mais óbvia realidade de seu nome: que sua vida e destino estavam ligados a um império do qual não havia escapatória. Em quase todas as escalas, do Havaí à Manchúria, os recém-casados foram recebidos por funcionários da Standard Oil ou por representantes de ferrovias e linhas de navegação que a companhia utilizava. E, durante a maior parte da lua-de-mel, foram pastoreados por um homem distinto de cabelos brancos e por sua mulher. O casal mais velho era charmoso e bem-informado, mas obviamente o homem foi mais do que um companheiro de viagem. George Vmcent, até o ano anterior presidente da Fundação Rockefeller, tinha uma missão. A fortuna dos Rockefeller e sua filantropia haviam mudado de curso, rumo ao Terceiro Mundo. Esta decisão iria influenciar profundamente o futuro, não apenas de Nelson, mas do mundo inteiro. A viagem era mais uma inspeção por parte da realeza visitante do que uma lua-de-mel. Como realeza sofredora, os recém-casados suportaram uma série infindável de visitas a chefes de Estado, educadores e cientistas. Depois de uma rápida escapada através de um furacão para as Filipinas, navegaram rumo sul para as Índias Orientais Holandesas, onde Nelson comprou sua primeira peça de arte primitiva, um magnífico cabo de faca com formato de cabeça encolhida. A Standard Oil de Nova Jersey estava.Já também. A empresa usara recentemente a pressão do Departamento de Estado sobre a Holanda para obter direitos sobre 250 mil hectares, uma refinaria para seu mercado oriental (então, um terço do faturamento no exterior) e uma subsidiária conjunta com a Standard Oil de Nova York.
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Junior esperava que a viagem aprofundasse o apreço de Nelson por sua herança ao dar-lhe uma amostra do mundo não-europeu, mas o resultado foi inverso. Em Bancoc, o novo embaixador dos EUA, um veterano da América Latina, tentava alertar seus colegas diplomatas que o tempo do colonialismo estava se esgotando. Pouco depois da chegada de Rockefeller, ele deu uma festa de Natal na embaixada, que atraiu uma multidão de crianças siamesas. O embaixador serviu pessoalmente sorvete americano e mostrou filmes de Hollywood. Nelson ficou impressionado com este "inaudito contato com as massas». Ele começara a ter uma visão diferente dos diplomatas europeus desde as excursões fascinantes nas férias da faculdade. Diplomatas americanos, macaqueando os métodos britânicos, pareciam menos impressionantes no Terceiro Mundo, onde a arrogância vitoriana fez novos amigos e muitas inimizades. Nelson encolerizava-se com esta mentalidade estreita dos empresários americanos e a falta de inclinação que já sentia para os negócios fortaleceu-se. "Sinto dizer", escreveu de Sumatra ao pai, "que ver e ouvir tanto sobre( ...) negócios não me deixa muito ansioso para me iniciar neles. Parece-me que extraem pela força todos os demais interesses da vida dos homens metidos neles.»3 Foi nos domínios da política que a lua-de-mel provavelmente teve seu maior impacto sobre a vida de Nelson. A viagem despertou seu interesse em assuntos externos e desenvolveu uma sensibilidade para os sentimentos nacionalistas. Nelson viu o lado inglório do colonialismo europeu e ficou particularmente perturbado pela discriminação racial dos expatriados em relação às pessoas dos países que os recebiam. Num passeio de barco pelo rio Irrawaddy, na Birmânia, por exemplo, jovens aristocratas europeus a bordo difamavam os birmaneses em voz alta. Nelson estremeceu quando até o capitão do barco, tentando se desviar da arrogância que o atingia,juntou-se a eles, chamando sua tripulação birmanesa de "inútil" e alegando que constantemente precisava discipliná-los. Membros da tripulação, assegurou ele a Nelson e Tod, só podiam entrar na cabine do capitão se tirassem os sapatos. Nelson ficou perturbado e o demonstrou. Sua simpatia pela tripulação pode ter lhe salvo a vida e a de Tod. Em Bhamo, pequena cidade no limite norte da viagem, "estávamos andando no litoral quando um dos tripulantes veio correndo nos avisar para voltarmos porque havia uma praga na aldeia.( ...) Foi uma coisa muito decente da parte dele". 4 Nelson não pôde deixar de comparar o comportamento atencioso dos locais com a arrogância dos colonialistas britânicos, especialmente quando ele e Tod descobriram que "os britânicos nos consideravam colonos". 5 Ele também testemunhou a triste indignidade dos funcionários americanos imitando as atitudes e práticas dos mentores britânicos. "Todas estas coisas dei-
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xaram uma impressão muito forte", confessou ele, "e que prognosticava c.oisas nada boas para as futuras relações com aqueles países. Era evidente que não estávamos nos comportando no exterior como pessoas capazes de angariar confiança e respeito." 6 Nelson encontrou uma Asia varrida pelo nacionalismo, onde comunistas locais estavam dispostos, com freqüência alarmante, a correr riscos pessoais para liderar a transformação de movimentos anticoloniais em revoluções. Mas foi Gandhi, um pacifista, quem deu ao jovem Rockefeller a mais estimulante experiência sobre o poder crescente dos movimentos anticolonialistas.
OENCONTRO COM GANDHI Na época da visita, Gandhi acabara de ser libertado de uma cadeia britânica. Num contraste com os empresários americanos e seus mentores tories, o novo governo trabalhista britânico estava oferecendo lições valiosas de um método mais moderno de colonialismo no Terceiro Mundo. O governo MacDonald tentava implementar o Domínio Indireto. Desde que a derrocada assassina da Primeira Guerra Mundial despira a Europa de sua aura de superioridade moral-junto com a maior parte de seus tesouros - as populações submetidas ao Império Britânico se mostravam pouco inclinadas a se transfonnarem na imagem dos europeus brancos. Colonialistas intransigentes, como personagens do romance de E. M. Forster A Passage to India, ainda podiam se apegar aos argumentos do darwinismo social pela necessidade de assumir a guarda, em vez da "compaixão sentimental", sobre "as crianças do mundo das sombras". Mas os altos escalões do governo trabalhista tinham percebido que esta atitude, embora suficiente para motivar funcionários coloniais britânicos em campo, não podia mais funcionar como uma política colonial eficaz. Queriam desesperadamente acabar com as grandes campanhas de desobediência civil lideradas por Gandhi.7 A Grã-Bretanha estava ansiosa por "manter a cooperação com políticos moderados na criação de novas estruturas constitucionais que, segundo esperava, poderiam ser o sustentáculo de uma nova ordem imperial. Conseqüentemente, os britânicos decidiram fazer um acordo com Gandhi: ressuscitaram a veµia técnica de aliança com um notável que poderia trazer seus seguidores com ele e, assim, reforçar a posição continental da matriz".8 Dois anos depois, descartariam Gandhi, reprimindo a campanha de desobediência civil de 1932 e recusando-se a negociar com ele. Nelson estava pronto para simpatizar com Gandhi. Ele recebeu um convite através de visita a Ambalal Sarabhai, uma das muitas manufaturas têxteis que es-
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peravam conseguir controle sobre a política econômica financiando o movimento nacionalista, na crença de que Gandhi era a única alternativa para o comunismo. Acompanhando a família de Sarabhai no trem para Delhi, Nelson e Tod foram confrontados mais uma vez pelo racismo britânico. "Provocamos um frenesi no caminho porque parece que os ingleses não viajam exatamente com os indianos", relembrou ele. "E, naturalmente, comemos com eles no jantar."9 O encontro de Nelson com Gandhi, adiado por dois dias devido às tensas negociações e conferências com outros líderes do Congresso, deixou uma forte impressão emocional. "Gandhi tinha uma aparência cansada, mas muito alegre", escreveu Nelson para casa. O mahatma acabara de completar seu encontro mais crucial com o vice-rei britânico, lorde lrwin, às duas da madrugada, e foi para a cama às quatro, três horas antes da chegada dos Rockefeller. Eles foram de carro para um velho forte mogol nos limites de Delhi, onde Gandhi gostava de caminhar. Um conjunto de nuvens escuras tomara a cidade; Indra, o antigo deus hindu da guerra, começou a trovejar seus tambores nos céus. "Chegamos finalmente a um acordo com o vice-rei", disse Gandhi, os olhos brilhando por trás dos óculos de aro de ouro. "Haverá nova conferência mais tarde hoje para acertar todos os detalhes." 10 Trnha sido uma reunião crucial, que iria levar a mais importante colônia britânica a um futuro indefinido, mas sob domínio indireto. Gandhi caminhou com os Rockefeller, respondendo a perguntas. "Ele nos contou toda sua vida, suas relações com os britânicos", relembrou Nelson mais tarde. "Ele me mostrou o ponto de vista dos indianos. "11 Gandhi falou das negociações, elogiando lorde Irwin; estava exultante com o resultado. Na volta para a casa onde estava hospedado, Gandhi concluiu explicando aos Rockefeller que o povo indiano nunca poderia cumprir seu destino dentro do ·império britânico. Depois, disse adeus e voltou para seus colegas no pátio. A luz do sol irrompeu entre as nuvens e Nelson se viu invadido pela sensação de que tivera o privilégio de testemunhar um momento raro na História. A iniciativa parecia pertencer a Gandhi e a lorde lrwin. Através da angústia e da desordem, os britânicos tinham aprendido, ao menos na índia, como alcançar um modus 'Vivendi com levantes nacionalistas através do domínio indireto. Era uma lição para não ser esquecida. As humilhações por parte dos britânicos consolidaram a antipatia de Nelson em relação ao colonialismo, alimentando nele a convicção de que os americanos, com suas origens anticoloniais como nação e sua riqueza e poder militar incomuns, tinham algo singular a oferecer ao Terceiro Mundo. Foi também natural que, ao discernir na Ásia o ocaso do colonialismo vitoriano, Nelson voltasse para casa indagando o que substituiria o império britânico. Ha-
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via uma herança ainda maior, historicamente mais grandiosa e mais urgente do que a de sua familia?
ENCARANDO AREVOLUCÃO INDÍGENA Depois da volta da lua-de-mel, Nelson se atirou às atividades do Rockereller Center. Ridicularizado por um arquiteto como um "corpanzil sem graça", o centro subia aos céus de Manhattan. P.ira muitos, a construção dos cinco prédios no centro - particulannente o arranha-céu de 72 andares- em plena Grande Depressão era simplesmente uma caricatura, as gigantescas proporções de sua arquitetura simbolizando a década anterior do pecado. Nelson trabalhou febrilmente para atrair inquilinos numa cidade que simplesmente não precisava de novos espaços comerciais. Logo começaram a circular rumores sobre seus métodos agressivos. A apreensão de Junior aumentou. Outras desavenças ocorreram no escritório da familia, incluindo a decisão de Nelson de aceitar uma cadeira no conselho do Metropolitan Museum of Art. Na verdade, a Special Work, a empresa imobiliária de Nelson para o Centcr, se tomara uma desculpa para escapar da rigidez e das limitações do escritório. Se o irmão mais velho, John III, queria aceitar uma prisão perpétua, tudo bem. Mas Nelson tinha sonhos maiores. Sua mãe, Abby, sempre encorajara aqueles sonhos em seu filho favorito. Amante das artes e uma das fundadoras do Museum of Modem Art, ela apoiou a eleição de Nelson para o conselho do museu em 1932. Foi através desta preferência em comum pela arte moderna, desprezada pelo pai, que Nelson entrou em contato pela primeira vez com o mais famoso artista mexicano, Diego Rivera. Ele não previu que o artista, de origem indígena, seria o catalisador de seu primeiro confronto com a revolução latino-americana que se disseminava. Nelson não teve a idéia de um mural de Rivera para o Center, a proposta foi de uma representante da Fundação Rockefeller no México, a sra. Francis Flynn Paine. Através da influência de Payne, Rivera foi contratado para pintar os murais da Bolsa de Valores de San Francisco e do Instituto Técnico de Detroit, de Henry Ford. Impressionada pela força de seu trabalho, Paine recomendou Rivera a Abby, certa de que seus murais iriam se harmonizar com a versão ortodoxa da história americana e "o progresso acelerado pela descoberta e amplo uso do petróleo" .12 • Junior, como sempre, objetou em vão. Com o apoio da mãe, Nelson prevaleceu. Abby estava intrigada com Rivera. De espírito nobre e temperamento boêmio, Abby não tinha dificuldades em afirmar sua independência do marido quando se tratava de arte.
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Nelson tinha razões extra-arte para escolher Rivera, razões comerciais. Diego Rivera representava exatamente o tipo de mistura de controvérsia e qualidade que o novo Rockefeller Center precisava para atrair multidões de turistas. Assim que Rivera chegou, em março de 1933, um furor de especulações irrompeu sobre o que ia pintar. Dia após dia, Nelson passava pelos grandes andaimes do pintor no saguão do Center e esticava o pescoço para ver os assistentes de Rivera esboçarem as linhas de uma grande cena pelos 18, 9m de parede com 5,lm de altura. A princípio era difícil entender as formas. Mas, ao contrário do que alegou depois, Nelson conhecia bem a maior parte do que surgiria. Em novembro, Abby aprovara o esboço e a sinopse de Rivera para o mural. A pintura deveria ser uma saudação à ciência, com Júpiter capturando o relâmpago como uma fonte de eletricidade e o "Homem da Ciência" apresentando "a escala da evolução natural, a compreensão daquilo que substitui a superstição do passado". Devia também apresentar um vívido retrato político da tirania, guerra e rebelião pelas classes trabalhadoras. "Meu painel mostrará os trabalhadores chegando à verdadeira compreensão de seus direitos em relação aos meios de produção", escreveu Rivera para Abby. "Também mostrará os trabalhadores da cidade e do campo herdando a Terra( ...). À esquerda, um grupo de trabalhadores desempregados na fila do pão. Sobre este grupo( ... ) uma imagem da guerra, como no caso do desemprego, o resultado da evolução do poderio técnico acompanhada pelo desenvolvimento ético correspondente. "13 Os Rockefeller, naturalmente, tinham uma outra visão, menos concreta: "Nosso tema é NOVAS FRONTEIRAS", escreveram a Rivera durante as negociações, "( ... ) o homem não pode deixar de enfrentar seus problemas vitais e prementes simplesmente 'indo embora'. Ele tem que resolver as coisas em seu próprio quinhão. O desenvolvimento da civilização não é mais lateral, é interno e ascendente. É o ponto culminante da alma e da mente do homem, levando a uma compreensão mais plena do significado e do mistério da vida." 14 Era, de muitas maneiras, uma declaração que refletia a época. A Grande Depressão foi vista como uma punição de um Deus irado contra uma década de hedonismo. A reforma, pessoal e nacional, era agora a ordem do dia, a Nova Fronteira se tomando interna e espiritual, em vez de externa e materialista. Junior e os executivos do Center tinham escolhido pedras negras e cinzas para dar ao saguão uma dignidade conservadora. P.u-a Rivera, o saguão parecia um túmulo. Após uma viagem à Itália, ele descobrira a "grande força e gênio" da arte pré-colombiana e foi influenciado pelas cores "bárbaras" encontradas nas paredes das pirâmides maias e astecas. 15 Depois de se conter por alguns dias, ele não agüentou mais. De repente, a
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gigantesca parede explodiu em vida com cores e fonnas radicais, causando sensação no mundo das artes nova-iorquino. Centenas de artistas e estudantes foram assistir o mexicano pintar sua grande alegoria da guerra mundial e dos extraordinários anos 20. Nelson, que não perdia uma oportunidade de promoção, liberava cerca de cem convites por dia. Um dia, em abril, Abby apareceu e escalou o andaime de metal para ver o artista trabalhar. Ficou fascinada. Quaisquer que tenham sido as impressões iniciais de Nelson, ele mudou de opinião depois que um artigo apareceu no New York World Télegram de 3 de maio, sob a manchete RIVERA PINTA CENAS DE ATIVIDADE COMUNISTA EJOHN D.JR. PAGA A CONTA. O Télegram criticou o mural por mostrar claramente "gases venenosos usados em guerra" e "prostitutas infectadas com doenças venéreas de maneira a indicá-las como resultado de uma civilização que gira em torno de nightclubs". O repórter viu vennelho por toda parte, "penteados vennelhos, bandeiras vennelhas, ondas de vennelho", e "policiais de mandíbulas de ferro, um deles balançando o cassetete" no que descreveu como "uma manifestação comunista". 16 O artigo criou a impressão de que os Rockefeller tinham sido logrados. Nelson respondeu imediatamente - para Rivera. Ele escreveu ao pintor que durante visita ao "Rockefeller Center ontem para ver o progresso de seu emocionante mural, notei que na porção mais recente da pintura você incluiu um retrato de Lenin. A peça está muito bem pintada, mas me parece que aquele retrato poderia ofender muita gente". Nelson lhe pediu que "colocasse o rosto de algum desconhecido no lugar da face de Lenin". 17 A figura de Lenin constava do esboço inicial de Rivera. A súbita virada de Nelson convenceu o artista de que algo terrivel estava em ação. Sua resposta foi trabalhar em ritmo frenético para terminar a pintura antes que fosse cancelada. Ele se ofereceu para colocar um retrato de Lincoln cercado por abolicionistas e pelo revolucionário escravo Nat Turner, mas não aceitaria destruir parte alguma de sua obra, incluindo o rosto de Lenin. O retrato estava lá há um mês sem qualquer objeção de Nelson ou de sua mãe e representava para o artista a profecia de uma aliança antinazista entre russos e americanos. Nelson não gostou. Pressionou Rivera com apelos pessoais, mas o artista continuou pintando. Uma semana depois, o assunto foi tirado das mãos de Nelson. Rivera recebeu uma carta de Hugh Robertson, diretor-executivo do Center, insistindo que não houvera "nem a mais leve indicação na descrição ou no esboço de que você incluiria no mural qualquer retrato ou qualquer tema de natureza controversa". As nove da noite seguinte, um mensageiro subiu no andaime com um sorriso presunçoso e convocou Rivera, que ainda trabalhava, ao escritório de Robertson.
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Lá, Rivera recebeu o cheque de 21.500 dólares estipulado no contrato e uma or-
dem para que se n::tiras e. Imediatamente começaram as manifestações diante do prédio, exigindo que a arte de Rivera fosse salva. Os Rockefeller prometeram que "o afresco não completado de Diego Rivera não será destruído e nem mutilado" .18 Mas o público não teve permissão de vê-lo, nem se podia tirar fotografias. Uma lona parda foi estendida sobre toda a parede, como uma mortalha. A maioria entendeu o significado. Quase um ano depois, na hora solitária de meia-noite, 9 de fevereiro de 1934, trabalhadores apareceram para raspar a pintura. Em seu lugar, um mural politicamente seguro em ~pia foi feito por José Maria Sert. Desta vez, Robertson cuidou da contratação.
ONASCIMENTO DE UM APELIDO Durante algum tempo, o espectro dos Rockefeller destruindo o mural de Rivera assombrou a embaixada na Cidade do México, projetando uma sombra sobre as relações entre México e Estados Unidos. Mas, um dia, o embaixador Josephus Daniels recebeu dois americanos "interessantes e diferentes dos outros visitantes que tive enquanto estava lá". William Cameron Townsend e L. L. Legters chegaram à embaixada. Como fizera com o ditador da Guatemala, Cam presenteou o embaixador com um exemplar da Bíblia em cakchiquel. Aqui, Legters achou desnecessário esconder sua intenção de fazer proselitismo no México, apesar das leis anticlericais. Ele se identificou livremente como o secretário de campo da Agência da Missão Pioneira, cujo "objetivo estabelecido era traduzir a Bíblia para as línguas indígenas". 19 Daniels, da Carolina do Norte, tinha fortes inclinações fundamentalistas. Ele encontrava motivação no milagre da fé. Quando perguntou a Townsend e a Legters de onde vinha o dinheiro para pagar as despesas deles e "dos demais tradutores", Legters não mencionou o papel principal da Pioneira como canal financeiro para os missionários. Respondeu apenas que "não nos perturbamos com dinheiro: o Senhor nos proverá". "Nunca vi uma fé tão grande", escreveu Daniels, "não no México", e acrescentou melancolicamente, "gostaria de ter uma fé tão imaculada quanto a que parecem ter". 20 A confiança de Townsend e Legters na origem divina de sua missão era verdadeira. No novembro anterior, Cam e Elvira tinham viajado a Dallas para um encontro com Legters e sua mulher na sede da Missão Centro-Americana. De Dallas, Cam seguiu para fazer uma conferência em Wichita Falls. U, conheceu um pároco episcopal fascinado com a religião asteca que escreveu num
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cartão uma apresentação ao deão episcopal da Cidade do México para "colocá-lo em contato com algumas pessoas influentes".21 Era a oportunidade de que Cam necessitava. Ele não perderia tempo. Nem mesmo o coração vacilante de Elvira conseguiu detê-lo. Ele mandou a mulher para junto de sua família na Igreja Moody em Chicago. Em meados do mês, ele e Legters estavam tentando atravessar a fronteira em Laredo, mas esbarraram nas suspeitas de funcionários aduaneiros. Só mostrando a carta dobrada de Moisés Sáenz, diretor de educação rural do México que conhecera na Guatemala, foi que Cam os convenceu a mandar um telegrama para a Cidade do México pedindo instruções. A resposta do diretor de imigração foi cautelosa. O governo soubera dos objetivos do missionário americano através de um artigo que Cam publicara recentemente e o proselitismo por missionários estrangeiros era contra a lei. Os dois homens receberam permissão de entrar, com a condição de não fazer pregações nem estudar as línguas indígenas. Eles concordaram. Naquela noite, Townsend e Legters chegaram a Monterrey, reduto protestante no norte do México. Os homens passaram uma noite angustiante, lutando contra as dúvidas e confortando-se com passagens da Bíblia; na manhã seguinte, prosseguiram rumo sul pela incompleta rodovia Pan-americana. Ao longo docaminho, Cam notou que os indígenas trabalhando às margens da estrada eram similares aos da Guatemala: pobres. Mas a semelhança acabava aí: as condições políticas no México e na Guatemala eram bem diferentes para os missionários americanos. O México estava então no auge da antipatia por missões estrangeiras e todo missionário com quem Cam falara na capital confirmara que vistos de residência eram impossíveis de se obter. Havia mais notícias ruins. Moisés Sáenz não estava mais à mão para ajudar. Desde 1932, Sáenz estava sob crescente pressão para harmonizar seus ideais de educador rural com um compromisso de usar suas escolas como meio de mudar o sistema econômico que explorava os índios. Nem mesmo a nomeação do irmão de Moisés, Aarón, como superintendente, ou prefeito, do distrito federal da Cidade do México ajudou a preservar a posição de Moisés. Em janeiro de 1933, alegando diferenças filosóficas, Miguel renunciou ao cargo de diretor de educação rural. Quando Cam chegou à Cidade do México, em novembro seguinte, o futuro político de Aarón Sáenz estava sendo rapidamente eclipsado pela ascensão do general Lázaro Cárdenas. Aarón Sáenz se comprometera com o crescimento do capitalismo nativo; Cárdenas era comprometido com as classes trabalhadoras, a cada vez mais ignorada espinha dorsal da revolução mexicana.22 Com a familia Sáenz em desgraça, Cam se viu reduzido a uma única esperança de acesso à alta sociedade mexicana: o cartão de apresentação para o deão epis-
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copal. No domingo seguinte, Cam foi ao serviço religioso do deão na catedral episcopal e apresentou seu cartão. Quando o clérigo ouviu sobre o interesse de Cam pelos índios mexicanos, convidou-o para jantar na terça-feira seguinte para conhecer Bernard Bevans, um etnólogo inglês que estudava os índios. No jantar, Cam sentou-se perto de Bevans e apresentou seu caso. Bevans concordou em organizar um pequeno almoço para Cam; uma das pessoas convidadas era o dr. Frank Tannenbaum, da Universidade de Columbia. Aquele almoço foi um dos momentos decisivos da vida de Cameron Townsend. Tannenbaum era um dos muitos antropólogos americanos que tinham se jogado em campo na América Latina buscando pistas para desvendar os mistérios da origem do homem. Ele se rebelou contra a presunção persistente de que os povos tribais representavam um estágio "primitivo" da evolução da cultura humana, que ascendera, de maneira bem conveniente, para o zênite euro-americano. Tannenbaum ficou impressionado com o papel central do camponês indígena na revolução mexicana. Enquanto os intelectuais mexicanos tinham se virado para a Europa e permaneciam isolados em relação ao homem do campo, pequenos grupos de índios, com líderes anônimos, vinham preparando a revolução de 191 O. Sem intelectuais, no entanto, a revolução indígena não tinha voz. A única exceção foi Emiliano Zapata. Índio de humilde origem camponesa, Zapata formulara o único plano de reforma agrária baseado nos ejidos ou terras comuns das aldeias. Entre 1911 e 1919, suas forças constituíram-se no único governo do estado de Morelos, o vasto vale ao sul da capital, onde plantações de açúcar em expansão enviavam seu produto ao Colosso do Norte por uma ferrovia de propriedade americana. Para neutralizar esta revolução de liderança indígena, os sucessivos regimes da Cidade do México se empenharam numa guerra de extermínio contra as aldeias de Morelos. Em 1923, quatro anos depois de as tropas federais matarem Zapata, Tannenbaum viu uma inscrição num muro de Cuernavaca: "Rebeldes do Sul. É melhor morrer de pé do que viver de joelhos." 23 Dos anos 1920 em diante, a perspectiva de mais revoluções indígenas espalhando-se através da América Central e do Sul assombrou as relações entre os EUA e a América Latina. Tannenbaum foi um dos primeiros antropólogos americanos a compreender que o desafio de Zapata continuaria do túmulo se permitissem que a miséria dos índios sem terra infeccionasse. Patrocinado pelo Conselho de Pesquisa de Ciências Sociais e pela Instituição Brookings (ambos financiados pelos Rockefeller), Tannenbaum realizou um intenso estudo dos índios mexicanos que o colocou em estreito contato com Moisés Sáenz.
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O estudo de Tannenbaum reduzia as 12.479 escolas rurais a apenas uma "fração das necessidades mexicanas" e depois pedia doações de terras para escolas a ser construídas pela comunidade e para hortas. O sucesso do programa mexicano de educação rural iria depender da posse da terra pelas aldeias, argumentou, e as comunidades rurais não teriam uma escola bem-sucedida a não ser que tivessem ejidos para alimentar a população. "A comunidade rural deve apoiar a escola no futuro", ele escreveu com duplo significado, econômico e cultural, "da maneira com que apoiou a igreja no passado." 24 No almoço, Tannenbaum escreveu um endosso ao trabalho de Cam para Rafael Ramírez, substituto de Sáenz como diretor de educação rural. Cam soube por Tannenbaum que Ranúrez estaria em Monterrey no dia 23 de novembro. Cam e Legters estavam na cidade quando Ramírez chegou. O educador mexicano relutava em expor os índios aos missionários americanos, especialmente tradutores fundamentalistas da Bíblia. Mas então notou que Cam carregava o livro de Tannenbaum. - Ele é um bom homem - comentou Ranúrez. - Compreende nossa revolução. A maior parte das pessoas nos States não entende. Cam lhe mostrou o endosso de Tannenbaum e a atitude de Ramírez mudou. - A palavra de Tannenbaum é o suficiente para mim - disse Ramírez. Creio que vou convidá-lo para estudar nossa educação rural, mas não as línguas indígenas. Você pode visitar as áreas onde os índios vivem e ver o que estamos fazendo. Talvez possa escrever alguns artigos. 25 O missionário ficou feliz em concordar. Depois de um périplo de seis semanas por escolas rurais nos estados de Campeche, Yucatán e Chiapas, Cam voltou para Elvira em Chicago e a levou para o clima mais quente de Sulphur Springs, Arkansas, onde seu irmão Paul era agora diretor da fundamentalista Academia John Brown. Lá ele escreveu artigos sobre a expansão do sistema escolar mexicano para o jornal Da/las Morning News e para a revista School and Society. Ele os enviou para Ranúrez, que respondeu calorosamente, observando a "profunda simpatia" do missionário. Encorajado, Cam pressionou com seu plano de criar o "primeiro campo de treinamento de verão para possíveis tradutores da Bíblia". Um dos líderes evangelizadores da John Brown engajou-se, oferecendo o uso de uma fazenda próxima. Cam agora via a mão da Providência agindo por toda parte e apressouse em fazer um catálogo numa gráfica. O catálogo foi o primeiro de seu tipo no mundo evangélico, oferecendo cursos de história indígena, seus costumes, psicologia e evangelização por Legters; "problemas práticos" pelo irmão de Cam, Paul, e espanhol por aquele que revelara a Cam a linguagem cakchiquel, J oe Chicol, que seguira Paul para a Academia John
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Brown. Os cursos ambiciosos de Cam eram o núcleo: o status econômico e cultural do indígena, programas de governo, técnicas de tradução e como conduzir uma campanha de alfabetização. Pouca coisa aqui cheirava à velha abordagem missionária. Mas, para atrair estudantes, Cam tinha que buscar apoio dos pilares do fundamentalismo. O novo Seminário Teológico de Dallas aprovou a decisão de Cam de entrar no México como "lingüistas em vez de missionários" ,26 como o fez também Charles Fuller, diretor e líder da Associação de Produtores de Laranja da Califórnia, um reduto de reação dos plantadores contra a barganha coletiva com os trabalhadores mexicanos do campo. Outro importante simpatizante foi Will Nyman, ex-exec·itivo do setor madeireiro que se aposentara na Califórnia, onde se tomou secr>tário do Comitê das Missões da rica Igreja da Porta Aberta, de Lyman Stewart. O pastor da Igreja Moody, reverendo Harry lronside, também deu seu OK ao projeto. A "porta aberta para o México" pela qual Cam rezara com Legters tinha sido finalmente aberta, não graças aos fundamentalistas, mas ao livro de um antropólogo "radical" apoiado por organizações financiadas pelos Rockefeller.
CHAMADOS DA PROVIDÊNCIA Em 1981, enquanto a guerra dos contras, financiados pela CIA, alastrava-se na Nicarágua, a sociedade Tradutores da Bíblia Wycliffe relançou o único romance de Townsend. Meio século se passara desde os eventos que o inspiraram, mas a mensagem ainda soava fresca para os fundamentalistas que ajudavam a guerra da CIA: uma conspiração comunista mundial estava por trás das revoluções da América Central e o único antídoto, além da intervenção armada dos EUA, era a palavra de Cristo. Era um tema estranho para um admirador confesso da revolução mexicana advogar quando batia à sua porta. A primeira escola de verão tinha provocado tantas expectativas em Cam e Elvira que, no outono de 1934, eles decidiram ir de carro ao México para prosseguir com os contatos iniciados no ano anterior. No entanto, deslizamentos de terra ao longo da inacabada rodovia Pan-americana os retiveram em Monterrey por dois meses. Cam se familiarizou com a grande comunidade protestante da cidade, lar da família Sáenz. Foi lá que escreveu seu romance autobiográfico, Tolo: The Volcano~ Son. O romance pretendia apresentar um relato da revolta indígena em El Salvador que ajudara a convencer Cama deixar a Guatemala em 1932 e argumentava a favor do projeto de traduções como uma resposta a insurreições similares. Tolo afirmava que um tradutor americano da Bíblia na Guatemala tinha pre-
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visto muito tempo antes o perigo do incipiente radicalismo entre os índios. Ao descrever estas atividades missionárias, Cam oferecia à posteridade um relato de sua própria doutrina contra rebeliões: "A Guatemala descobriria que, na massa humana que condenara a uma exploração brutal, ela colocara um pavio pronto para ser aceso por uma centelha de radicalismo vinda da fronteira norte. O tradutor trabalhara febrilmente para evitar este perigo, sua maior esperança era a Bíblia.(... ) Através de sua influência, ele esperava fonnar em todas as cidades um núcleo de mulheres e homens renascidos para trabalhar a favor do progresso. Eles iriam enfrentar os extremistas, se estes viessem."27 Embora cheio de insinuações e imprecisões,• 'lobJ era útil para os autoproclamados "empresários cristãos" em luta com os sofiimentos de suas próprias crises políticas durante a Grande Depressão. A revista milenarista Revelation publicou o romance em capítulos durante sete meses consecutivos, a partir de abril de 1936. A ocasião era propícia. Naqueles meses, um dos principais partidários de Cam, Charles Fuller, estava engajado numa batalha contra agricultores mexicanos em suas plantações de cítricos. A prosperidade simbolizada pelas impecáveis cercas brancas e pelos graciosos campanários cristãos de Orange County repousava sobre um pilar de baixos salários. Em junho de 1936, 2.500 trabalhadores entraram em greve na região por um aumento salarial de 25 para 40 cents a hora. A Associação dos Produtores de Laranjas da Califórnia, que Fuller liderava, se recusou a negociar. Apoiados pelo clero protestante e pelos Fàzendeiros Associados da Califórnia (uma organização apoiada financeiramente pela Standard Oil da Califórnia)28 , os plantadores alertaram para a composição mexicana da força de trabalho e denunciaram a presença de membros do Partido Comunista entre os militantes do sindicato dos trabalhadores em fazendas. Era tudo o que precisavam para justificar a presença do xerife. Quatrocentos homens armados com gás lacrimogêneo e cassetetes investiram contra as choupanas dos trabalhadores. Homens foram espancados, mulheres e crianças intoxicados com gás. Santa Ana, a tranqüila cidade onde Cam pedalou para o ginásio e descansou com seus parentes depois de deixar a Guatemala em 1932, foi transfonnada num campo de concentração, onde 115 trabalhadores foram levados para um cercado construído pouco antes da greve começar. Dali, os grevistas foram conduzidos para um tribunal e sumariamente declarados culpados pelos mesmos júris e juízes de origem inglesa que impuseram a segregação. • Alguns emnplos: um espião russo que não existiu de verdade, uma conspiração comunista internacional na Guatemala e em FJ Salvador, quando Stalin e o Cominb:m tinham descar1adoa América Central por ausência de condições revolucionárias adequadas, e a decisão de Cam de ignorar relatórios de um colega missionário centro-americano no boletim da CAM sobre atrocidades do Exúcito salvadorenho, incluindo o fuzilamento de trezentos homens e o massacre de quatrocentos rapazes na cidade de Nahuizalco. Cerca de 2.500 morreram nesta cidade; o total de pessoas massacradas foi avaliado entre oito e quarenta mil, a maioria fndios.
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Cam manteve silêncio sobre os acontecimentos em seu estado natal. O anticomunismo de 1blo falava por ele nos círculos fundamentalistas americanos, onde plantadores como Charles Fuller podiam sentir o gosto de sua mensagem política. No México, onde a revolta cresceu por causa da repressão no sul da Califórnia e a deportação de duzentos mil compatriotas pelos Estados Unidos, Cam manteve suas crenças para si mesmo. Isto era coerente com o que ele já propusera - e Fuller endossara -quando instalou pela primeira vez o campo de verão: o uso da lingüística como um disfarce para o proselitismo. A palavra seria trazida aos povos sem Bíblia antes do final do século, Cam insistia. E era ele quem tinha sido chamado de o mensageiro do Senhor. Este chamamento divino nunca pareceu mais certo do que durante o segundo campo para possíveis tradutores da Bíblia, agora chamado Campo Wycliffe, em honra de John Wycliffe, o tradutor da Bíblia para o inglês no século XVI. Atendendo à sugestão de um conferencista visitante do Instituto da Bíblia, de Los Angeles, Cam estava liderando os estudantes em oração por uma "porta aberta" no México para os missionárird, eram a Crowell Trust (baseada na fortuna da famflia Crowell, da Quaker Oats), a Glenmeade Trust (Sun Oi! Company, da familia Pew, da Ftlad6fia) e a Lilly Foundation (do grupo farmaceutico Lilly),
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ISCA DO TEXAS, LINHA DE NOVA YORK Dallas estava crescendo como um pesadelo nos sonhos de Cam para expansão do SIL. Os laços de Cam com Dallas tinham se desenvolvido a partir da amizade com William Criswell e um grupo de empresários texanos simpatizantes. Aos olhos do público, o centro de gravidade financeira do grupo era a família Hunt, antigos patrocinadores do SIL eos mais notórios homens do petróleo do Texas. Por volta de 1967-68, quando a guinada à direita afüstou os Hunt de Johnson em direção ao esforço por um terceiro partido liderado pelo governador segregacionista do Alabama, George Wallace, e pelo general "Bombardeie-os de volta à idade da pedra" Curtis LeMay, a base de apoio de Cam entre os empresários de Dallas tinha se ampliado para incluir homens do petróleo, fazendeiros, um executivo da United Fídelity U nion Life Insurance Company, o presidente e um diretor da Texas Instrwnents, um diretor da Dallas Trust Company e o presidente do Ftrst National Bank de Dallas. O núcleo vinha da Texas Instruments (TI), o gigantesco conglomerado eletrônico que absorvera a Companhia Intercontinental de Borracha, de passado infame no Congo, e o Geophysical Service Inc., um grande explorador de petróleo na Amazônia peruana. Em 1974, os Rockefeller revelariam, no curso das audiências de confinnação de Nelson para a vice-presidência, que o conglomerado fümiliar tinha dezessete milhões de dólares em ações ordinárias da TI. O departamento de administração de bens do Chase também possuía uma alentada quantidade de ações do banco da TI, o Ftrst National, a maior parte sob controle do Ftrst National City Bank de Stillman Rockefeller.9 Em 1967, Cam usou seus novos amigos de Dallas para arrancar apoio adicional de sua antiga base de apoio no sul da Califórnia. Ameaçou mudar a sede internacional do SIL de Santa Ana para Dallas a menos que levantasse dinheiro para um prédio maior. "Esta cidade pode se ver privada de um negócio de vinte anos que emprega 1.900 pessoas", informou o Santa Ana Registe,; confundindo o pessoal global do SIL com os da região. "Estamos agora fazendo inscrições para mais duzentos funcionários e aumentaremos pelo menos isso todo ano no futuro", disse o diretor de expansão do SIL, Dale Kietzman, ao jornal. "Como conseqüência, uma nova sede precisa ser doada a nós e nada conseguimos aqui", acrescentando que "ainda preferíamos nos mudar para aqui mesmo em Orange County."•º Assim, enquanto armava seus simpatizantes na cidade para uma campanha de coleta para uma nova sede administrativa, Cam seguiu adiante com os planos de se expandir para Dallas, com um novo centro internacional de tradução. O empresário do petróleo Nelson Bunker Hunt, de direita, tinha feito uma oferta que Cam não podia recusar: quarenta hectares em meio a outras propriedades dele
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perto do Centro de Estudos Avançados do Sudoeste ou dinheiro para comprar outra propriedade qualquer na área de Dallas. A oferta de Hunt, junto com duzentos mil dólares em contribuições, aumentaram as ambições de Cam para o SIL no Texas. 11 Cam planejava construir um complexo de cinco milhões com salas de aula, bibliotecas, auditório, um museu de artefatos tribais, alojamentos e uma grande sede administrativa, como contou à imprensa em novembro.'ª Cam recebeu a chave da cidade do prefeito, Erik J ohnson, ex-executivo chefe da TI. Com toda esta excitação, algo mais significativo do que Bíblias parecia estar acontecendo, mas a imprensa não conseguiu captar. No fim das contas, Cam teve seu bolo e o comeu também: construiu o Centro Internacional de Lingüística que os homens do petróleo do Texas e os mandachuvas do setor eletrônico queriam. Ele conseguiu fazer com que os empresários do sul da Califórnia doassem terras e levantassem fundos para uma nova sede do SIL em Huntington Beach, região rica em petróleo de Orange, futuro lar no exílio do homem forte do Vietnã do Sul, Nguyen Cao Ky. Cam se movia para círculos financeiros diferentes, e mais importantes que aqueles aos quais estava acostumado. Não obstante Hunt, os aliados empresariais de Cam em Dallas faziam parte de uma rede de corporações cujos canais financeiros levavam ao sistema financeiro de Nova York, ao norte, e à exploração de petróleo na Amazônia e no Sudeste da Ásia, ao sul e a oeste. A conexão DallasN ova York tinha um impacto direto sobre o SIL. As ambições de Cam o levaram a depender financeiramente de simpatizantes de LyndonJohnson que apoiavam o profundo compromisso com a guerra que se espalhava então por todo o Sudeste asiático.
AREVOLTA DOS MONJAGNARDS Enquanto a guerra se ampliava, a imprensa americana em geral se manteve fiel à presidência, em vez de à sua missão sob a Primeira Emenda da Constituição. A verdade mais uma vez foi a primeira vítima. O escritor britânico Philip Knightly observou corretamente que jornalistas americanos não eram treinados para questionar crenças nacionais básicas, incluindo uma Guerra Fria que se tornou quente. Ele observou que "os correspondentes não questionavam a intervenção americana em si, mas somente sua eficácia". Atrocidades eram ignoradas, não porque fossem inacreditáveis, mas porque se tornaram comuns e, portanto, sem valor jomalístico. 13 Antecipando a censura militar ou a dos editores, alguns repórteres começaram a se autocensurar. Foram necessários terremotos políticos para quebrar este transe. As rebeliões
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das terras altas em 1965 foram um desses avisos sísmicos. Em setembro daquele ano, mais de três mil nativos fortemente armados de cinco acampamentos de Boinas Verdes se revoltaram contra o regime de Saigon. Levantando wna bandeira preta, vermelha e verde com três estrelas brancas que representavam a maior das 33 tribos das terras altas, os montagnards mataram 29 integrantes das Forças Especiais Vietnamitas e tomaram centenas de prisioneiros, incluindo vinte americanos. A revolta de um terço do Exército Montagnard de dez mil homens ameaçou cortar a barreira do general Edward D. Lansdale para as vulneráveis terras baixas. As vidas de tradutores do SIL e de pessoas ligadas a eles da Aliança Cristã e Missionária e do Serviço Internacional de Voluntários foram colocadas em risco. O povo das montanhas estava zangado e dava aos rebeldes uma base popular de apoio. Migrações dos vietnamitas das terras baixas para as terras altas tinham sido patrocinadas por Saigon e pelos desenvolvimentistas da AIO. O comando dos EUA participou, assegurando o controle vietnamita sobre a ajuda da AIO para as tribos, e vietnamitas foram nomeados chefes distritais de província e comandantes dos soldados nativos, causando ressentimentos entre as lideranças tribais. Ao declarar lealdade à tribo Rade em seu desejo de reformas por Saigon e ao fazer uma oportuna demonstração do poder aéreo do general Ky, a abordagem serena dos Boinas Verdes acabou com a revolta. Mas a origem econômica da revolta- o esquema de colonização da AIO para as terras altas -permaneceu, no geral, ignorada. Somente um mês depois, os tradutores de Cam realizaram o primeiro Seminário de Tradução em Kontum, 14 desatentos a tudo que não fosse sua visão milenar. Apesar disso, havia muito mais influenciando o SIL do que visões milenares. Nas vizinhas Filipinas, há muito a base de apoio das forças armadas americanas na Ásia, a Fundação Ásia, da CIA, doou 1.500 dólares para o SIL produzir cartilhas para as tribos das colinas. A importância estratégica da Fundação Ásia na região e a possibilidade de que esta dotação levasse ao financiamento de operações do SIL em outros lugares não escapou aos funcionários do instituto. "Nós os vínhamos cultivando há muito tempo", escreveu a Cam o líder local Les Troyer, "e sentimos que há um grande potencial para Wycliffe no Oriente." 15 A Fundação Ásia era um dos principais serviços técnicos contratados da AID. 16 A fundação estava envolvida também no planejamento para as terras altas vietnamitas conduzido pelo Grupo Consultivo para o Desenvolvimento do Sudeste Asiático (Seadag). Trabalhando na Casa da Ásia, a sede em Manhattan da Sociedade Ásia de John Rockefeller Ili, os planejadores do Scadag preparavam para o regime de Saigon esquemas de construção nacional que haviam provocado duas revoltas das tribos montagnards em meados dos anos 1960. O uso pelo Seadag de lingüistas, antropólogos e outros cientistas sociais era parte da "expansão do es-
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forço [do governo] para a cooptação da comunidade acadêmica e sua intenção mais geral de usar acadêmicos como fachada para atividades no Sudeste Asiático" .17 Como Ho Chi Minh, os patrocinadores empresariais do Seadag estavam fazendo "construção nacional" através da guerra; a grande diferença, no entanto, era para quem. Por trás do Seadag estava a AID e por trás desta David Rockefeller, o presidente da Fundação Rockefeller, J. George Harrar, o diretor do Chase, Eugene Black (ex-diretor do Banco Mundial) e o presidente da Universidade de Cornell, James Perkins (outro diretor do Chase, bem como da IBEC). Esses homens lideravam o Comitê Consultivo Geral do Programa de Ajuda Externa de Johnson. David Rockefeller, que presidia o Subcomitê para a Empresa Privada do grupo, recomendou em 1966 a derrubada do veto do presidente Kennedy à transferência de verbas de ajuda externa dos EUA ao Banco Mundial para o pagamento de débitos do Terceiro Mundo a credores particulares como o Chase. Na época, a IBEC já tinha laços financeiros com lucrativas operações de crédito no Sudeste Asiático. Na diretoria da IBEC desde 1964 estava Christian Cardin, vice-presidente executivo e então presidente da Paribas Corporation e da empresa co-irmã, Banque de Paris et des Pays-Bas, o maior banco privado francês e um grande apoio para as empreitadas da IBEC na Europa, além de um importante acionista da IBEC. 18 Representantes da Paribas tinham lugar nas diretorias de empresas da França com investimentos na ex-Indochina francesa. A execução das diretrizes de David Rockefeller e de seus colegas do Comitê Consultivo de Ajuda Externa estava a cargo do diretor executivo do comitê, Howard Kresge, 54 anos, que era elemento de ligação do SIL. Cam fazia questão de visitar a sede do comitê sempre que estava em Washington. 19 Apesar de ter um sexto sentido sobre quem detinha o poder, Cam raramente olhava adiante para ver o que as pessoas faziam com esse poder. Nem estava ele imune às manipulações dos grandes esquemas. Para Cam, e para a maioria dos americanos impregnados pela ideologia da Guerra Fria, era suficiente se identificar com o Ocidente cristão em geral e com a presença militar dos EUA no Vietnã, em particular. E esta afinidade dos tradutores do SIL não passava despercebida aos comunistas vietnamitas. Lideranças locais da FLN poderiam ter avaliado os tradutores de Cam com uma tolerância inesperada, depois de saber da predominância religiosa de seu trabalho através dos aldeões, mas esta experiência iria ser compartilhada pelas tropas regulares do Norte, que se deslocavam através da zona desmilitarizada ou que desciam a trilha Ho Chi Minh, ao longo da fronteira ocidental do Vietnã. Estas unidades eram o Exército da República Democrática do Vietnã (RDV), que estava em guerra com os Estados Unidos e com o regime aliado de Saigon, a
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República do Vietnã. E estavam mais imbuídos pelo nacionalismo do que pelos ideais comunistas. P.lra enfrentar os americanos e as tropas de Saigon, o general Giap e os líderes da RDV escolheram, como campo de batalha, as montanhas que cercavam a aldeia de Khe Sanh.
ABATALHA DE KHE SANH Foi nesta área que a CIA ordenou aos Boinas Verdes que liderassem índios brú para emboscar soldados da RDV e suas caravanas de suprimentos que seguiam para ajudar a FLN comunista ao sul. Khe Sanh também era a base a partir da qual o comandante americano no Vietnã, general Wtlliam Westmoreland, esperava lançar uma invasão contra o Laos para cortar a trilha Ho Chi Minh. Violações de fronteira ocorriam de maneira desenfreada por todos os lados. O comandante da "guerra não-convencional• na região de Khe Sanh, coronel John K. Singlaub, não era desconhecido dos vietnamitas. Singlaub, que anos mais tarde estaria envolvido no esdndalo Irã-Contras, ajudara a montar o quartel-general "Ninho de .Ãguia• em Phou Phi Thi, no Laos, para a guerra secreta da CIA que utilizava os nativos hmong.20 Cam sabia que a pressão estava aumentando em Khe Sanh. A revista 'Jhmslation, do SIL, informara em janeiro de 1966 que duas tradutoras do SIL entre os brú tinham sido forçadas por um ataque de morteiros a se abrigar num campo vizinho das Forças Especiais dos EUA. Dois anos depois, o campo se transformara numa fortaleza com uma pista de pouso, enquanto unidades de fuzileiros eram transferidas com urgência das terras baixas. As eamranlllÇII dos efetivos montagnard da CIA estavam sendo enfrentadas agora por unidades bem treinadas do Exército norte-vietnamita. Os tradutores d~ SIL tinham suas próprias reações, passando histórias do Velho Testamento na língua brú para o chefe distrital de Khe Sanh. O general Westmoreland estava convencido de que a tão esperada invasão a la Coréia, vinda do norte, estava finalmente a ponto de acontecer e pretendia enfrenti-la em Khe Sanh. Acreditando fielmente na tecnologia, Westmoreland era adepto do sistema integrado de combate ar-terra. Estava convencido de que o terreno montanhoso de Khe Sanh impossibilitaria que o general Giap deslocasse tropas e artilharia suficientes para cercar os fuzileiros americanos. O Estado-Maior Conjunto e o presidente Johnson concordaram, diante da necessidade de uma vitória para convencer aos eleitores americanos de que as coisas estavam melho-
rando.21
Enquanto a situação esquentava em Khe Sanh, Cam e o diretor da sucursal
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do Vietnã, Hank Blood, não acharam necessário ordenar uma retirada dos missionários. As duas tradutoras do SIL prosseguiram seu trabalho junto aos brú enquanto fuzileiros americanos continuavam a chegar em grande número. Nas colinas em volta de Khe Sanh, mais e mais militares norte-vietnamitas se reuniam, reforçando posições, instalando artilharia e fazendo extarnente o que o onisciente Comando Militar dos EUA em Saigon acreditava ser impossível. Ali, na Khe Sanh coalhada de sensores, Westmoreland assegurou ao Estado-Maior Conjunto que havia um alvo para o fogo maciço americano que renderia mais do que contagens de corpos. Ainda assim, a contagem de corpos de Westmoreland continuava a crescer, geralmente inflacionada além dos totais estimados pela CIA para os vietcongs. Massacres civis por bombardeios aéreos precursores nas terras baixas, seguidos por varreduras em "zonas de fogo livre", estavam, corno William Buckley, da CIA, tinha advertido, empurrando os camponeses desesperados para as fileiras da FLN. Nas terras altas do Laos, a retirada dos hmong para sul e oeste também aumentou, especialmente depois da ofensiva de janeiro de 1968 do Pathet Lao e de forças regulares norte-vietnamitas. Nas terras altas sul-vietnamitas as tribostambém estavam sendo massacradas. Mas a barreira de Lansdale contra as tropas nÓrte-vietnamitas e o trânsito de suprimentos para o Sul continuava, mesmo à custa de baixas terríveis entre os rnontagnards. A barreira estava agora estendida para o sul através do coração da cordilheira Anamita, salpicada de fortes das Forças Especiais dos quais partiam incursões, rumo oeste, dos Grupos Irregulares de Defesa Civil, liderados por Boinas Verdes, com homens das tribos locais recrutados em patrulhas através da fronteira. O pessoal do SIL, bem corno os missionários da Aliança Cristã e Missil>nária e os agronôrnos da AIO, tiveram um papel importante em erguer esta barreira e em mantê-la intacta. A compaixão mostrada aos aldeões rnontagnards pelos missionários americanos diminuiu a tradicional desconfiança tribal com os estranhos e facilitou a tarefa de recrutamento. Corno os Boinas Verdes que lutavam ao lado dos homens das tribos, os tradutores do SIL pensavam estar ajudando um país em conflito e suas tribos ameaçadas. Observações mais objetivas eram deixadas a visitantes menos envolvidos. "Peões numa guerra de surpresa e emboscada", escreveu Howard Sochurek, da revista NationaJ Geographic, "os aldeões primitivos geralmente mudavam sua lealdade para sobreviver" .22 Mas sobreviver para virar bucha de canhão não era vantagem em guerra alguma, fossem as vítimas escoceses das terras altas em Culloden ou brús das terras altas em Khe Sanh. Os jornalistas começaram a escrever sobre a feia conotação racial da guerra. Os Boinas Verdes que lideravam homens da tribo jeh, evangelizados pelo SIL, através da fronteira do Laos para atacar rotas de suprimento norte-vietnamitas,
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ainda usavam um guia tático feito a partir das ordens atribuídas ao major Robert Rogers, organizador em 17 59 dos Rangers, a primeira força antiguerrilha do Império Britânico e a mais notória exterminadora de nativos das guerras francesas e indígenas.23 E embora um Manual de Pequenas Guerras, de 1940, com o relato da derrota de Custer no século XIX pelas tribos das planícies, não fosse mais leitura obrigatória dos jovens fuzileiros, os soldados americanos ainda chamavam genericamente de "índios" os inimigos que caçavam nas florestas tropicais do Vietnã. O matemático e filósofo britânico Bertrand Russell, aterrorizado pelo bombardeio indiscriminado em massa e pelo uso de produtos químicos como o Agente Laranja, chamou a matança implacável de "genocídio". Para o governo J ohnson, este rótulo era particularmente embaraçoso, especialmente porque os Estados Unidos eram um dos poucos governos ocidentais que deixaram de ratificar a Convenção de Genebra de 1925, banindo o uso de gases venenosos, e as Convenções de Direitos Humanos da ONU, fruto dos julgamentos de Nuremberg. Mesmo assim, apesar dos seguidos e crescentes alertas da parte de aliados dos EUA, os analistas de informação da Casa Branca não perceberam a alusão histórica de Russell. A proposta de um veterano para comemorar as guerras indígenas por ocasião do centésimo aniversário do massacre dos cheyennes do Sul por Custer chegou até ao assessor presidencial Douglas Cater, ex-agente da CIA, antes de ser deixada de lado. "Parece-me que esta é uma ocasião muito ruim para celebrar as guerras indígenas", advertiu o ex-bolsista da Fundação Rockefeller e cientista políticoJohn P. Roche. Bertrand Russel poderia acabar ampliando sua acusação de genocídio. "Por que não mandar isso para a Comissão de Assuntos Índios? Burocraticamente seu (...)"24
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OGRANDE CHEfEBRANCO DA GUERRA Longe dos problemas domésticos que atormentavam Lyndon Johnson, os americanos em Saigon comemoraram o Ano-Novo, na imponente embaixada dos EUA, com o ar de otimismo que seria de se esperar deles. Os convites do embaixador Ellsworth Bunker tinham dado o tom: "Venha ver a luz no fim do túnel." Mas, depois que o Ano-Novo cristão de 1968 passou, e com ele o cessar-fogo várias vezes violado, a guerra voltou com toda a fúria. Não haveria outra trégua att o Tct, o Ano-Novo vietnamita, no final do mês. Até lá centenas de americanos e milhares de vietnamitas cairiam mortos ou feridos. A dezesseis mil quilôinetros na direção leste, uma caravana de carros atravessava a reserva indígena shoshone-bannock, no sul de Idaho, levando funcionários do governo, jornalistas e o presidente do subcomit! do Senado para Educação Indígena. O senador Robert Kennedy interrompera sua temporada de esqui em Sun Valley para fazer uma inspeção de surpresa na reserva. Fàzia parte das responsabilidades de seu comitê supervisionar o trabalho do reorganizado Departamento de Assuntos índios e sua nova Divisão de Educação. Mas os jornalistas que o acompanhavam especularam que a viagem talvez fosse o início da campanha presidencial de Kennedy. Muitos índios esperavam que isso fosse verdade. "Os Kennedy aumentaram
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a margem normal que os grupos minoritários davam ao Partido Democrata por causa do evidente interesse que demonstravam por eles", observou o historiador indígena Vrne Deloria, Jr., crítico da atuação de Kennedy. "Os povos indígenas adoravam a idéia de Robert substituirJ aclc. Para eles era uma ratificação do grande chefe da guerra da grande familia liderando seu povo no lugar do innão.,, 1 Os shoshones receberam Robert Kennedy como um enviado do céu. Consideravam o novo senador por Nova York um de seus poucos amigos em Washington. Um mês antes, depois que líderes tribais dos sioux depuseram no comitê sobre as escolas do BIA, Kennedy chamara de "desumana" a política do BIA de separação forçada das crianças índias em idade escolar de suas familias. Agora Kennedy ia à reserva de Fort Hall, em Idaho, para ver por si mesmo. "Kennedy se apresentou como uma pessoa que podia se mover de um mundo para o outro e nunca se sentir um estranho", Deloria explicou. "Seu talento o fazia personificar as melhores características da herança irlandesa e tentar definir o branco de maneira diferente. "2 O interesse de Kennedy no BIA não foi bem recebido pelo secretário do Interior, Stewart Udall, membro da Igreja mórmon, que pregava a inferioridade racial do índio e tramara com o BIA um plano para "salvar" as crianças índias através de uma adoção legal sem o conhecimento ou consentimento dos pais.3 O presidente J ohnson também não estava contente com Kennedy. Todas as pesquisas indicavam que a reeleição seria uma tarefa dura por causa da guerra do Vietnã e do descontentamento interno. Já suspeitando de cada movimento de Kennedy,Johnson não precisava que a política do BIA na sua administração fosse exposta, especialmente se demonstrava falta de sensibilidade cultural e racial, além da tradicional negligência de Washington. "Por que os índios não se revoltam?", perguntou Kennedy a um navajo durante as audiências, indagando sobre uma aparente diferença entre os índios das reservas rurais e os negros dos guetos urbanos. "Não faz parte de sua natureza se manifestar", explicou o diretor do Congresso Nacional de Índios Americanos.• Mas a raiva entre os índios pelas condições deploráveis, incluindo veteranos do Vietnã que encontravam discriminação na concessão de empregos e violência policial, estava aumentando. Logo explodiria em manifestações na sede do BIA e em tiroteios em Wounded Knee, local de um histórico massacre de índios 7S anos antes. Durante a campanha presidencial, Kennedy tentaria acordar os americanos brancos para o sofrimento dos índios americanos, mas a presunção do americano médio parecia uma couraça. Diante de uma platéia emburrada na Universidade Purdue, ele tentou explicar o que as crianças índias enfrentavam numa reserva, "onde o suicídio é a causa mais freqüente de morte entre adolescentes". O joma-
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lista Jack Newfield o viu mais tarde no avião de campanha "sentado sozinho à janela por meia hora, com lágrimas nos cantos dos olhos, uma expressão de desânimo, inacessível".5 Se Lyndon J ohnson tinha problemas com um adversário tão sensível, este sentimento era compartilhado por Nelson Rockefeller, um de seus maiores pilares de apoio em relação ao Vietnã, que também sentia o ferrão de Kennedy. Trabalhadores migrantes - fossem índios, negros ou chicanas - eram uma das preocupações especiais de Kennedy. O pomar dos Rockefeller em Nova York não escapou das investigações parlamentares de Kennedy, tanto quanto os vinhedos da Califórnia do governador Ronald Reagan. Rockefeller não apreciava as cobranças de Kennedy por uma investigação estadual das condições sanitárias dos campos de trabalhadores migrantes. Reagan não se irritara menos com o apelo de Kennedy aos sindicatos para que sindicalizassem os migrantes que trabalhavam nas fazendas. Kennedy apoiava os colhedores de uvas grevistas de Cesar Chavez e patrocinou um projeto para dar aos trabalhadores migrantes poderes coletivos de barganha. Isto foi de encontro aos pilares do código de mão-de-obra barata da agroindústria. Como se isso já não fosse suficientemente ruim para os negócios, Martin Luther King, J r. começara a ver riqueza e pobreza como um fenômeno inter-relacionado, em vez de fatos separados e contraditórios. Sua projetada Marcha dos Pobres sobre Washington provocou terror no coração do diretor do FBI, J. Edgar Hoover, e de seu superior, Lyndon J ohnson. King falava sobre hipocrisia nos Estados Unidos, incluindo os objetivos e métodos da Guerra do Vietnã, exatamente quando a Casa Branca estava sofrendo uma "defasagem de credibilidade". Ainda assim, Nelson Rockefeller hesitava em enfrentarJ ohnson. Por um lado, ele ainda estava lambendo as feridas de 1964. Rockefeller também temia parecer "mole" em relação ao Vietnã, especialmente depois que seu candidato, o governador George Romney, foi linchado pela imprensa ao sugerir, depois de uma viagem ao Vietnã, que tinha sofrido uma lavagem cerebral do Pentágono. Além disso, Nelson realmente gostava de LyndonJohnson. Ele e Happy costumavam visitar o presidente e Lady Birei na fazenda deles em West Texas, no rio Perdernales. Parecia uma estranha combinação entre a riqueza tradicional de Manhattan e um novo-rico do Texas. Mas essa diferença ocultava o verdadeiro ponto de acordo. Os dois eram políticos cordatos que, no fundo, nunca perderam suas crenças, típicas do New Deal, de que o governo pode fazer uma diferença positiva na sociedade e fazer prosperar, ao mesmo tempo, a propriedade privada, incluindo os grandes negócios. Eram o que a ala direita conservadora de seus partidos os considerava: liberais corporativos. Para os que entendiam o papel histórico da política econômica
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externa na promoção da prosperidade, que era tomada
por reforma interna, não era mistério que pessoas como Rockefeller eJohnson aceitassem ditaduras na América Latina tão facilmente quanto a guerra contra nacionalistas comunistas no Vietnã. Com Nelson vacilando e Kennedy ainda sem se declarar candidato, só um homem parecia ter certeza do futuro: Richard M. Nixon.
AVOLTA DE RICHARD NIXON Bem acima da Quinta Avenida, em Nova York, num apartamento no mesmo prédio do trlplex de luxo de Nelson Rockefeller, Richard Nixon estava tomando uma decisão sobre 1968. Ele vinha cuidadosamente lançando os pilares de sua campanha desde que chegara a Nova York em 1963 para trabalhar com o escritório de advocacia Mudge, Rose. Ele se envolvera com um novo grupo financeiro, organizado em tomo de fundos mútuos e da fortuna ferroviária de Alan e Fred ~ do Texas, e seus aliados, incluindo Donald Kendall, diretor da PepsiCo. Nixon estava na diretoria de seis empresas, onde convivia pela primeira vez com o estohlishment do Leste em seu próprio covil. Embora tivesse perdido as disputas para a presidênáa em 1960 e para o governo da Califórnia em 1962, Nixon continuava a bancar o republicano leal. Mesmo durante a derrocada de Goldwater em 1964, ele fez o circuito de campanha ajudando candidatos locais e coletando vários "eu lhe devo essa• no caminho. Fez o mesmo em 1966 e agora estava pronto. Um grande número de republicanos endinheirados também. O périplo de Nixon no jato de Kendall a favor da expansão internacional das vendas da PepsiCo e seu sucesso em promover franquias da empresa - incluindo Saigon e Bangcoc - lhe valeram muitos pontos em Wall Street e rendimentos regulares de seis dígitos. Isso também convenceu muitos líderes empresariais de que Nixon era uma alternativa segura e viável ao sitiado LyndonJohnson. Nixon também era um meio de escapar dos escândalos e indisaições que cercavam Johnson. Principalmente o famoso escândalo Bobby Baker, que surgiu durante a administração Kennedy, quando o secretário de Justiça Robert Kennedy conduziu uma investigação de suborno contra o ex-assessor de Johnson no Senado. Os laços de Baker com esquemas de desenvolvimento de terras envolvendo homens do petróleo do Texas apareceram durante a investigação. Em outubro de 1963, o Senado dos EUA começou a realizar audiênáas sobre o escândalo. Alguns dos mesmos texanos tinham sido citados em audiênáas da Comissão de Normas do Senado por conexões com Baker num esquema de terras ligado ao fundo de pensão do Sindicato dos Caminhoneiros de Jimmy Hoflà. Johnson te-
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mia que seu nome fosse maculado e não estava só. Anos depois, foi revelado que em 1963 uma das empresas imobiliárias de Dallas-Fort w.tli-quc tinha como sócio a família Beclford Wynne, do chamado esquema Bobby Baker- tinha um outro sócio controlador: a família Rockefeller. Através da Rockefeller Center Inc., a empresa imobiliária de Manhattan de propriedade de Nelson e dos irmãos, os Rockefeller se tornaram sócios da família Wynne da Great Southwest Corporation.6 Se Robert Kennedy concorresse à presidência e ganhasse, havia a possibilidade de novas investigações federais sobre o crime organizado, sobre Baker e os outros ligados a ele. Quem sabe aonde isso podia chegar? LyndonJohnson, com seu poder presidencial atolado nos pântanos do Vietnã, não podia proteger seus amigos e nem a ele próprio. O deslocamento do dinheiro conservador do Texas para Richard Nixon tomou a feição de um estouro de boiada. Algumas figuras de destaque, como o governador John Connall~ finalmente seguiriam o rebanho, afastando-se do P.u-tido Democrata. De grande importância para Nixon era o apoio de Barry Goldwater, manifestado publicamente em 1965. Este apoio trouxe os fundamentalistas cristãos e o dinheiro por trás do fundamentalismo. O novo dinheiro e o velho dinheiro tinham um centro simbólico em Billy Graham. O ministério de Graham, por sua vez, ofereceu a Nixon uma base de eleitores moderados. Em janeiro de 1968, Richard Nixon decidiu ir além de sua preocupação em cortejar a ala ultraconservadora de Goldwater e começar a capturar o centro moderadamente conservador, convidando Billy Graham para visitar sua casa na Flóricla. Nixon pediu a ajuda de Graham para decidir se devia concorrer. Graham o conhecia desde os anos 1950, eram companheiros de golfe e ambos agressivos em relação ao Vietnã, embora Nixon esperasse conseguir o apoio dos que estavam cansados da guerra. Um endosso de Billy Graham, democrata conservador de carteirinha, seria um duro golpe paraJohnson. Graham orou e Nixon o acompanhou. Graham leu a Bíblia e Nixon idem. Assistiram a uma partida de futebol americano, mas nenhuma palavra de Graham sobre o assunto. Fmalmente, quando Graham se preparava para partir, a paciência de Nixon se esgotou. - Você ainda não ~e disse o que devo fazer- reclamou. Graham voltou-se, um sorriso no rosto. - Bem, se você não concorrer, sempre ficará na dúvida -disse ele.7 Nixon não pretendia ficar na dúvida. Com o apoio de Graham, Deus pareceria estar do seu lado. A mais de 1,S mil quilômetros ao norte, a mente de Robert Kennedy estava concentrada em Nixon eJohnson. Ele decidira entrar na corrida presidencial, mas, quando a Coréia do Norte subitamente seqüestrou o navio Pueó/o e sua tripulação
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durante uma missão de espio~m eletrônica ao largo do litoral coreano, Kennedy achou que isso só beneficiariaJohnson. Uma onda de simpatia pela tripulação e um fervor patriótico poderiam esmagar qualquer tentativa de lançar um desafio ao presidente. Uma semana depois, abafando a angústia, anunciou que "não se oporia a LyndonJohnson sob qualquer circunstância previsível". Na mesma noite, enquanto Kennedy dormia, caixões foram desenterrados nos cemitérios de Saigon e armas que lá estavam, distribuídas. A cena se repetiu por todo o Vietnã. A Ofensiva do Tet, que mudaria dramaticamente o curso da guerra e jogaria Robert Kennedy de novo na briga, estava a ponto de começar.
TET Os fogos do Ano-Novo mantiveram o pessoal do SIL acordado. Membros da tribo radê, que viviam perto, tinham advertido aos missionários que deviam deixar Banmethuot. Rumores de um grande ataque circulavam há semanas e, mais ao norte, a aldeia de Khe Sanhjá havia sido tomada pelos norte-vietnamitas. Mas os missionários fundamentalistas de Banmethuot não se abalaram. "Não sabem que somos imortais até que nosso trabalho esteja completado?", uma delas escreveu aos filhos. Outra, a enfermeira Betty Olsen, disse a um jornalista: "Nada temo porque estou entregue à vontade de Deus."8 O regime militar de Saigon construiu uma base bem atrás do complexo da Aliança Cristã e Missionária e, no limite norte de Banmethuot, o Comando Militar dos EUA tinha bases para Boinas Verdes e a 155ª. Companhia de Helicópteros. Hank Blood, do SIL, se sentiu seguro. No meio da noite, o complexo da Aliança Cristã e Missionária foi pego num fogo cruzado entre as tropas de Saigon e a guerrilha da Frente de Libertação Nacional. Quatro missionários morreram, diversos ficaram feridos e dois, Hank Blood e Betty Olsen, foram levados como prisioneiros pela FLN, junto com um funcionário da AID. • Só este último sobreviveria à longa marcha rumo norte pela selva. • A admiração aberta dos missionários por Mike Benge, da AIO, era prcclria. Benge, um calejado IIJC-tnarine, era ligado à embaixada dos EUA como agente do Serviço Internacional de Volundrios (IVS) entre os cem mil montagnards radê em volta de Banmethuot, o que o tomou um prêmio especial para seus captores. Segundo os relatos dos fundamentalistas sobre a ofensiva do Tet, Benge nunca negou os laços com a CIA, quando questionado pelos vietnamitas, respondendo às acusações afirmando que seus captores eram, na verdade, soldados norte-vietnamitas. Anos mais tarde, depois que Benge ajudou a lançar o movimento MIA (Desaparecidos em Ação) nos EUA, o ex-diretor da CIA, William Colby, revelaria que um funcionário do IVS que falava radê tinha ajudado a CIA a montar o programa da AIO e dos Boinas Verdes entre os radê e depois entrou para a CIA. Ver William Colby, HfmlJfYJhk Mm; My Lift;,, lhe C/A. Nova York, Simon & Schuster, 1978.
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No centro de tradução da Bíblia em Kintum, missionários do SIL se saíram melhor. Doze fugiram em helicópteros americanos enquanto um C-47 Dragon cuspia uma saraivada de balas para cobrir sua retirada. A luta entre americanos e vietnamitas era geralmente a curta distância. "Os americanos giravam seus grandes canhões e apontavam à queima-roupa para as ondas de soldados que gritavam", escreveu um evangélico, como se falando de uma cena do Velho Oeste. "Os missionários dentro dos bunkers podiam ouvir claramente os gritos dos feridos e agonizantes."9 Quando, após dois dias e noites de luta, o ataque terminou com 960 corpos de vietnamitas contados pelos americanos, os missionários cantaram hinos. Em Saigon, um grupo guerrilheiro da FLN tentou atacar o Palácio Nacional de Diem, exigindo: "Abram os portões! Somos o Exército de Libertação Nacional!" Mas o palácio, talvez por causa da sempre presente possibilidade de golpes, estava preparado contra atacantes e o assalto fracassou. Mas o ataque contra o "Bunker do Bunker", o novo prédio branco fortificado de seis andares da Embaixada dos EUA, foi mais eficaz. Abrindo um buraco através do muro de três metros que cercava o complexo, dezenove guerrilheiros correram para a entrada principal. Um marine da guarda conseguiu fechar e trancar as gigantescas portas de teca tailandesa bem a tempo. No começo da manhã, os soldados do general Westmoreland já tinham tomado o terreno da embaixada e derrotado os invasores. Pouco depois, o embaixador Ellsworth chegou com jornalistas e se juntou a Westmoreland numa declaração de vitória. Mas, para os jornalistas e o mundo que viram as fotografias, o ataque à embaixada abalou a ilusão da invulnerabilidade dos EUA. Para milhões, a foto do negociador do premiê Ky e diretor na Polícia Nacional, general Nguyen Ngoc Loan, executando a sangue fiio um suspeito da FLN com um tiro na cabeça, abalou a imagem cuidadosamente orquestrada do regime de Saigon como um guardião da democracia, da justiça e dos direitos humanos. O valor do regime em sangue americano despencou nas pesquisas dos EUA. Acima de tudo estava o &to surpreendente de que mais de uma centena de aldeias e cidades por todo o Vietnã do Sul tinham sido atacadas ao mesmo tempo, e com óbvia simpatia, se não colaboração, de uma respeitável parcela da população vietnamita. Nos quatro meses seguintes, os ataques continuariam com duas grandes ofensivas, incluindo uma de grandes proporções em maio, provando que as jubilosas declarações de Westmoreland sobre um inimigo exaurido não passavam da expressão de seus desejos. Em vez disso, a destruição que acompanhou o contraataque americano, a matança de milhares de civis surpreendidos em fogo cruzado, os bombardeios e assassinatos pelos dois lados, chocaram o povo americano e minaram a confiança de que esta guerra podia ser ganha ou valia a pena ser ga-
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nha. A explicação orwelliana de um jovem major americano para a destruição pelos EUA de Ben Tri, um grande centro comercial no delta do Mekong, com napalm e bombas de 2.400 quilos, pareceu resumir o que vinha pela frente: "Foi necessário destruir a cidade para salvá-la." Se a natureza genocida da guerra ainda não estava clara para a opinião pública americana, os civis vietnamitas da aldeia de My Lai não tinham a menor dúvida. Os amedrontados soldados da Charlie Company já tinham aprendido a desprezar os vietnamitas com apelidos raciais, comogook, quando receberam a ordem de massacrar civis. Foram menos de duas horas, mas, quando terminou, 347 homens, mulheres e crianças, incluindo bebês, estavam mortos. Embora a notícia do massacre não vazasse antes de um ano, a força moral da intervenção americana recebeu um golpe mortal. Dali em diante, seu símbolo não seria o soldado com doces para as crianças, mas My Lai e os assassinos da Operação Fênix, da CIA. A Ofensiva do Tet provou a insensatez da insistência do general Westmoreland de que a verdadeira batalha ocorreria em Khe Sanh, que os conflitos crescentes nas cidades eram apenas uma digressão planejada da há muito antecipada invasão do Norte. De fato, a verdadeira digressão era em redutos das terras altas, como Khe Sanh. O general britânico Robert T. Thompson, o especialista em antiguerrilha que concebeu a bem-sucedida campanha de contra-insurreição na Malásia, avisou: "As batalhas dentro das cidades são as decisivas, e as grandes batalhas que ocorrem nas cordilheiras Anamita são a digressão." Para Thompson, a tendência dos EUA em acreditar que o Tet era uma desesperada tática falida demonstrava uma "completa falta de compreensão da guerra e do estágio em que se encontra agora" .10 Ao permitir que Westmoreland retirasse tropas da retaguarda de Khe Sanh,Johnson e o Estado-Maior Conjunto abriram as portas para a reemergência da FLN nas aldeias, onde as prisões, assassinatos e instalação de colaboradores pela CIA tinham inadvertidamente identificado a rede de apoio de Saigon. A FLN foi à revanche, executando colaboradores e destruindo a infra-estrutura social do programa de pacificação da CIA. A obsessão de Johnson com as terras altas como uma barreira para evitar que a guerra chegasse às cidades tinha assegurado, ironicamente, que o terreno onde as coisas se decidiriam seria as cidades. Levados por sua própria ideologia de Guerra Fria a pensar que estavam combatendo uma invasão, por procuração, do Vietnã pela URSS e pela China, J ohnson, Walt Rostow e o Estado-Maior Conjunto não podiam admitir que estavam envolvidos até o pescoço numa guerra civil no Vietnã. O general Thompson, por outro lado, não estava confuso. Ele, como o presidente Kennedy dissera antes, sabia que o regime de Saigon não podia ser salvo caso não tivesse apoio popular, algo impossível de conquistar com a escalada militar americana. Por isso, Kennedy iniciara a retirada dos marines pouco antes de
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sua morte. "Agora, obviamente, retirada significa derrota", explicou Thompson, "mas uma escalada maciça também significa derrota.( ...) Se fizesse isso, significaria que o resto do mundo ia querer ter pouco a ver com você como um povo. E acho que, possivelmente, os Estados Unidos, como resultado disso tudo, perderiam a alma e se partiriam em pedaços." 11 Mesmo o diretor do SIL para a Ásia, Richard Pittman, ficou abalado pela ofensiva do Tet: "A devastação de nosso centro parece uma cena do apocalipse", escreveu a Cam de Kontum. Mas sua fé não se abalou. A mão de Deus estava evidente mesmo na contagem de corpos. O baixo número de perdas do SIL parecia indicar que o dedo de Deus estava nos graus de justiça. Garantindo a Cam que todas as equipes do SIL "tinham se mudado para perto de instalações militares americanas", Pittman estava "feliz em comunicar que o moral está alto" .12 De Washington, no entanto, era mais difkil ver a ação do Senhor no Vietnã. O cerco norte-vietnamita de Khe Sanh não tinha sido quebrado ainda e, apesar dos bombardeios maciços contra o Vietnã do Norte, a concentração de forças do general Giap em tomo de Khe Sanh não tinha sido interrompida. O quadro era bem outro: "Numa avaliação, o Vietnã do Norte é uma potência militar mais forte hoje do que antes do início dos bombardeios", informou o assessor Townsend Hoopes ao novo secretário da Defesa, Clark Clifford. No Sul, enquanto isso, os americanos tinham perdido a maior parte das regiões rurais para a FLN. "Johnson não pode querer nos convencer de que [o Tet] foi uma vitória para nós", disse Robert Kennedy num discurso. "O vietcong demonstrou que, apesar do nosso suposto progresso( ...), meio milhão de americanos, somados a setecentos mil aliados vietnamitas, com total comando de ar [e] mar, apoiados por enormes recursos e as armas mais modernas, não conseguem defender uma única cidade do ataque de um inimigo cujos efetivos totais estão em tomo de 250 mil homens." A seguir, Kennedy relembrou o passado, ecoando o irmão morto: Compreendemos erroneamente a natureza da guerra(...) Buscamos resolver pelo poderio militar um conflito cujo teor depende da vontade e da convicção do povo sul-vietnamita. (...) Este equívoco repousa sobre uma segunda ilusão - a de que podemos ganhar uma guerra que os sul-vietnamitas não conseguem ganhar sozinhos.(...) A corrupção do governo de Saigon é a fonte de energia do inimigo. (...) A terceira ilusão é a de que a busca tenaz da vitória militar a qualquer custo atende aos nossos interesses ou aos do povo vietnamita. (...) Sua pequena terra vem sendo devastada pelo peso de bombas e projéteis de artilharia maiores do que a Alemanha nazista suportou.(... ) Mais de dois milhões de sul-vietnamitas são agora refugiados sem teto. (...) Seja qual for o desfecho dessa batalha, as pessoas que procuramos defender são as grandes perdedoras. A
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quarta ilusão é que o interesse nacional americano se identifica - ou devia se subordinar-aos interesses egoístas de um regime militar incompetente.( ...) A quinta ilusão é que esta guerra pode ser resolvida à nossa maneira, no momento em que quisermos e em nossos termos.
Para Kennedy, a escolha era clara: "Nossa nação deve ouvir a verdade sobre esta guerra em toda a sua terrível realidade." Havia um preço doméstico por essa realidade, também: "Não podemos construir uma Grande Sociedade lá, se não pudermos construir uma em nosso próprio país." 13 Nunca antes a credibilidade de um presidente americano tinha sido tão abalada por sua própria política em casa e no exterior. "Anuncie sua candidatura agora", Richard Goodwin pediu sigilosamente a Kennedy da sede da campanha de McCarthy em New Hampshire. No dia 5 de março, uma semana inteira antes da primária de New Hampshire, Kennedy se decidiu.1 4 No dia 7, pediu ao irmão Ted para informar Eugene McCarthy que provavelmente entraria na disputa depois da primária de WISconsin no começo de abril. Ted, descontente, enrolou até 11 de março e depois passou a responsabilidade para Richard Goodwin, que contou a McCarthy no dia seguinte, 12, na noite anterior à primária de New Hampshire. McCarthy, antecipando uma vitória depois de resistir às pressões dos conservadores democratas, ficou compreensivelmente chateado.
OS IDOS DE MARCO O país vivia uma substancial mudança de opinião. Mesmo a diretoria do SIL, reunida no começo de março, expressou reservas sobre a guerra. "Estamos muito preocupados com possíveis e violentas críticas que afetem nosso trabalho se outra tragédia acontecer." 15 No dia seguinte, New Hampshire realizou sua primária. Os eleitores mos. traram o desencanto com a guerra dando a McCarthy 42% dos votos. Mesmo neste momento, um ar de irrealidade cercava o governo Johnson. Dean Rusk testemunhou diante da Comissão de Relações Exteriores do Senado sobre a ajuda ao Vietnã do Sul como se o Tet não tivesse acontecido. Kennedy fez a Johnson uma oferta que achava ninguém podia recusar, a não ser LyndonJohnson. Não disputaria a presidência se J ohnson nomeasse um grupo de trabalho, incluindo Kennedy, para repensar a política para o Vietnã com a intenção de recomendar mudanças. Clark Clifford informou, no dia 14 de março, que J ohnson rejeitara a idéia imediatamente.
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Enquanto isso, Clifford tinha mais do que uma candidatura Kennedy ou a questão do Vietnã do Sul com que se preocupar: em que ponto a contra-insurreição se transforma em genocídio e o que a guerra está custando aos americanos? Seu assessor, Townsend Hoopes, tocou no cerne da questão: "Qualquer coisa semelhante a uma vitória militar indiscutível só parece possível ao preço da literal destruição do Vietnã, esfàcelando o tecido social e político de nosso país, alienando nossos amigos europeus e enfraquecendo gravemente toda a estrutura de relações e alianças do mundo livre." 16 Clifford notou sombriamente que, com exceção do regime de Marcos nas Filipinas e do regime da Corôa do Sul, os tradicionais aliados dos EUAnão apoiaram a intervenção dos EUA na Indochina; mesmo as vizinhas Austrália e Nova Zelândia mandaram apenas forças simbólicas. A América Latina, apesar dos pedidos de Johnson, permaneceu arredia e apenas ajunta militar brasileira mandou homens, mas eram médicos, não combatentes. E a Europa estava fàzendo críticas cada vez mais abertas. Além disso, bancos europeus e outros investidores estrangeiros que detinham dólares vinham se preocupando com a corrosão do valor da moeda pela inflação da guerra. O valor decrescente do dólar não apenas dava uma competitividade provavelmente imerecida às exportações americanas, como também minava os bens avaliados em dólar nos balanços europeus. Muitos desse bens eram dólares deixados na Europa de empréstimos do Plano Marshall, bem como investimentos diretos de empresas dos EUA e dólares levados por militares e turistas americanos. Tudo isso criou déficits no balanço de pagamentos que chegaram a quarenta bilhões em 1968. Mesmo o ouro, valor de referência para todas as moedas nãocomunistas, estava amarrado ao valor do dólar, a 35 dólares a onça [28,345 gramas]. No final de 1967, começo de 1968, enquanto uma onda de importações chegava ao mercado americano, enquanto a inflação e o déficit orçamentário dos EUA cresciam com a guerra do Vietnã e enquanto um final de guerra fàvorável aos EUA parecia cada vez mais diante, a confiança européia no dólar despencou. Dólares foram trocados por ouro nos mercados europeus e a diminuição do volume de ouro no Departamento do Tesouro dos EUA chegou a um ponto crítico. 17 Esta Crise do Ouro veio bater à porta da Casa Branca na forma de uma delegação de poderosos banqueiros. · A Ofensiva do Tet convenceu a maior parte da comunidade empresarial internacional de que a guerra levaria muito tempo e, portanto, a vitória queimaria muito dinheiro. Em 13 de março, dia seguinte à sua derrota em New Hampshire, Johnson sofreu a indignidade de ouvir o aliado de Rockefeller, C. Douglas Dillon, e outros membros de uma comissão consultiva presidencial advertirem-
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no sobre as "graves conseqüências para o comércio internacional e a posição financeira dos EUA" se não reajustasse os impostos para aumentar a arrecadação do Tesouro. 18 Johnson telefonou ao primeiro-ministro britânico, Harold Wilson, pela linha vermelha, geralmente usada no caso de ameaças nucleares, pedindo-lhe para suspender os pagamentos em ouro. Naquela noite, a rainha Elizabeth II fez uma proclamação que fechou a Bolsa de Valores, o câmbio, todos os departamentos do exterior dos bancos e, naturalmente, a Bolsa de Ouro de Londres. Nelson Rockefeller permaneceu à parte, mas atento. Ele se recusou a aderir ao coro dos críticos do orçamento sobre a ajuda externa. Ainda estava convencido da necessidade de ajuda para os investimentos de empresas dos EUA no exterior, tanto para promover o desenvolvimento do Terceiro Mundo quanto como anteparo contra a infiltração soviética. No ano anterior, seu irmão David pressionara congressistas contra cortes na ajuda à América Latina e conversara com líderes empresariais do Conselho das Américas para que fizessem o mesmo. Este acordo sobre a política do Terceiro Mundo se estendeu ao Vietnã. Os Rockefeller continuaram a apoiar Johnson. A campanha de George Romney, prejudicada por assessores de Rockefeller que elaboraram discursos a favor da guerra para o governador de Michigan, sucumbiu em 28 de fevereiro. Um Romney amargo explicou em particular que se retirou porque "descobriu que estava sendo usado por Rockefeller como pretexto" 19• No dia 12 de março, uma campanha para Nelson, que não tinha seu nome inscrito na cédula, conseguiu 11 % dos votos na primária republicana de New Hampshire. Uma pesquisa Gallup mostrou que bateria Johnson facilmente. No dia 16 de março, o anúncio de Robert Kennedy, televisado da mesma sala de reunião do Senado em que John Kennedy anunciara sua candidatura, ajudou Nelson a se decidir. Nelson compreendeu que a candidatura de Robert atrairia seus eleitores tradicionais: liberais, moderados e minorias. No dia 21 de março, após concluir que não podia superar Nixon, ele novamente se retirou de uma corrida na qual não entrara formalmente. O que Rockefeller não podia saber é como uma pequena batalha nas terras altas tribais do Laos, ainda mais do que os intensos ataques em tomo de Khe Sanh, estava tendo uma influência crucial no drama doméstico americano que levaria Lyndon Johnson a renunciar às suas pretensões. O anúncio de Johnson de que os EUA suspenderiam o bombardeio do Vietnã do Norte e abririam negociações em P.iris veio apenas três semanas depois da queda, para o Pathet Lao, do Ninho de Águia da CIA, a 1.600 metros de altitude nas montanhas do Laos. Com a captura de Phon Pha Thi em 11 de março, o comando dos EUA perdeu seu principal centro de orientação por radar para os B-52 que vinham da Tailândia através
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do Laos para bombardear Hanói e o delta do rio Vermelho a leste. Quando a campanha de bombardeio se encerrou, já estava eletronicamente cega. Johnson mencionara que poderia não concorrer já em agosto de 1967, mas poucos o levaram a sério. Lady Birei, sempre preocupada com a saúde do marido, deu várias desculpas para a desistência: a crise do ouro, a mudança de sentimentos em relação à guerra· entre os assessores mais íntimos do presidente e, finalmente, a perspectiva de uma derrota diante do "insignificante" Robert Kennedy. O próprio Johnson mais tarde confirmou os temores sobre seu estado psicológico. "Senti que estava sendo desafiado por todos os lados por um gigantesco estouro da boiada que vinha para cima de mim de todas as direções. "2º Ele perdeu o decoro diante do ministério e em público. "Vamos deixar uma coisa clara", disse aos secretários em 16 de março. "Não vou parar o bombardeio. (...) E não quero discutir esse assunto. "21 Discursos se tornaram um acesso de raiva contra "deslocar o campo de batalha para as cidades, onde viviam as pessoas". Melhor bombardear Khe Sanh para manter a barreira das colinas montagnards no lugar, se ainda pudesse ser encontrada. Na ocasião, depois de quarenta dias de cerco, as colinas selvagens em torno de Khe Sanh tinham virado um deserto de vegetação retorcida, depois de receber mais bombas do que "qualquer alvo na história das guerras, incluindo Hiroxima", segundo Townscnd Hoopes. 22 Mas houve mais discussão, forte discordância, na verdade, dos próprios "sábios" que ele escolhera para aconselhá-lo. Quando Clark Clifford pediu que um discurso fosse extirpado de analogias desafiadoras em relação ao Alamo, os falcões ficaram zangados. "O presidente não pode fazer este discurso. Seria um desastre." O que "parece não ser compreendido", acrescentou ele, "é que importantes elementos do eleitorado nacional - a comunidade empresarial, a imprensa, as igrejas, grupos profissionais, reitores, estudantes, a maior parte da comunidade intelectual- se viraram contra a guerra". 23 Johnson entendeu o recado. No dia 31 de março, pouco antes de um potencial desastre na primária de Wisconsin, Johnson entrou no ar em rede nacional de TV para dizer à nação dividida que não concorreria ao segundo mandato. Pouco depois do anúncio, a Casa Branca recebeu um telefonema de Nelson. "Diga-lhe que eu e Happy assistimos", Nelson disse a um assessor da Casa Branca. "Achamos que ele foi fabuloso e seus amigos estão cem por cento com ele. É um grande patriota. Somos ambos dedicados a ele e queremos nos solidarizar."24 Quando faltava um minuto para meia-noite, a Casa Branca recebeu outro telefonema de Rockefeller. Desta vez Johnson atendeu, sozinho no quarto. Quando saiu, dez minutos depois, parecia aliviado, dizendo em tom divertido: "Agora Nelson Rockefeller está reavaliando as coisas."25
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OPODER DA LEALDADE PESSOAL Nas semanas seguintes, Nelson assistiu cautelosamente ao desenrolar dos eventos no Vietnã: a rápida aceitação por Ho Chi Minh das negociações propostas por J ohnson, a discordância de Rusk e Rostow, o rompimento do sítio em Khe Sanh, os contínuos ataques com foguetes contra Saigon e a recusa persistente dos chamados "dominós" vizinhos ao Vietnã do Sul de responder aos pedidos de tropas. O professor de Harvard, Henry Kissinger, furioso com a decisão de Hanói em junho de 1967 de lançar a Ofensiva do Tet e de adotar uma linha dura sobre concessões ao regime de Ky-Thieu, se afastara da proposta de paz que trouxera secretamente a Paris em nome de Johnson, em agosto de 1967. Ao fazê-lo, estava rejeitando os próprios contornos de um plano de paz que Clifford e o principal negociador de J ohnson, Averell Harriman, estavam agora apoiando: o fim do bombardeio ao norte e uma retirada estratégica americana das terras altas para a zona desmilitarizada, cidades vietnamitas nas terras baixas, e as rodovias e o importante delta do Mekong. Nelson, por sua vez, tinha que oferecer algum tipo de plano de paz se quisesse se tornar um candidato viável. Procurou Kissinger e os dois trabalharam uma proposta de desligamento baseada num modelo já desacreditado pelas violações de Saigon e dos EUA: o Acordo de Genebra (1954) de eleições livres,junto com a retirada norte-vietnamita, a entrega de armas pela FLN e a continuidade do reinado das sanguinárias forças de segurança do regime de Saigon.26 Nesse meio tempo, enquanto a guerra campeava, Nelson avaliava suas chances se entrasse novamente na campanha. Ele não podia quebrar o domínio de Nixon sobre os quadros do Partido Republicano. A única maneira de vencer seria, uma vez mais, tomar a convenção de assalto com um apelo direto aos eleitores e delegados, mas esta estratégia fracassara em 1960 e 1964. Ironicamente, não foram os republicanos que finalmente convenceram Nelson Rockefeller a correr o risco; foi o chefe do Partido Democrata e presidente dos EUA, LyndonJohnson. Depois de seu discurso de desistência,Johnson convidou os Rockefeller para um jantar privado "bastante secreto" 27 na Casa Branca no dia 23 de abril, quando o presidente estaria dando uma recepção diplomática em honra da ratificação por Johnson de emendas à Carta da OEA. A aparição de Nelson na Casa Branca não causaria nenhuma especulação inconveniente por parte da imprensa, mas Nelson não era convidado para a recepção. Ele e Happy chegaram à discreta entrada do porão da Casa Branca quando a recepção terminava. Nelson provavelmente esperava uma noite tranqüila com um velho amigo, talvez para consolar o presidente confidencialmente, como fizera por telefone a 31 de
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março. Happy, pelo menos, não esperava o que veio a seguir: Johnson queria que Nelson se anunciasse candidato à presidência. "Ele me disse que não conseguiria dormir à noite se Nixon fosse presidente", relembrou Nelson anos mais tarcie, "e também não tinha certeza sobre Hubert [Humphrey]. Eu lhe disse que prometera a Happy que não concorreria novamente." - Deixe-me falar com Happy-disse Johnson, e a levou para uma dose de sua fàmosa capacidade pessoal de persuasão. Happy eJohnson tinham uma relação especial baseada na capacidade dela de fazer os homens se sentirem importantes. Segundo o que consta, Johnson era o tipo de homem que precisava destes afàgos. A conversa durou meia hora. Happy foi cedendo diante dos argumentos de Johnson sobre como a participação de Nelson era importante para o país, para a presidência, para Lyndon Johnson e para ele mesmo. - Eu a convenci a deixá-lo concorrer - informou Johnson.28 Uma semana depois; Rockefeller mais uma vez reuniu jornalistas no luxuoso Salão Vermelho da assembléia estadual em Albany para anunciar que sua candidatura estava agora "ativa".
38 AÚLTIMA CARGA DE NELSON
ATRAVÉS 00 VALE DA MORTE
Já
em 1964, Nelson Rockefeller sabia de uma campanha de difamação do FBI contra o reverendo Martin Luther King, J r., tendo sido informado pelo departamento durante tentativas de desencorajar a participação em recepções para homenagear King, que voltara da Suécia com o Prêmio Nobel da Paz. 1 Em 1968, King falava abertamente contra a guerra do Vietnã, ameaçando ampliar seu movimento pelos direitos civis para incluir os adversários do conflito. Ao mesmo tempo, começou a atacar as desigualdades econômicas, aliando-se à luta dos trabalhadores urbanos afro-americanos, propagando ainda mais o movimento e fincando suas raízes entre a classe trabalhadora das cidades. Lyndon Johnson compreendeu a ameaça ao establishment político representada pela nova ênfase de King na economia e na guerra. "Aquele maldito pregador crioulo pode me tirar da Casa Branca",2 disse a membros do ministério depois do discurso antibélico de King em 4 de abril de 1967. Um ano mais tarde, em Memphis, Tennessee, onde tinha ido apoiar uma greve de trabalhadores do serviço sanitário, a maioria negros, por direitos supostamente
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garantidos pela legislação federal, King foi assassinado e uma rebelião irrompeu por toda a nação. Nelson Rockefeller e Lyndon Johnson foram ao funeral de King em Atlanta, onde também esteve o principal rival deles pela lealdade dos eleitores afro-americanos, Robert Kennedy. No desenrolar dos acontecimentos, Rockefeller foi criticado por pertencer ao segregado Knickerbocker Clube interpelado por estudantes afro-americanos na Faculdade Spelman, há muito financiada por sua familia. Kennedy, por sua vez, foi elogiado pelos estudantes afro-americanos. Durante sua passagem pelos bairros convulsionados de Washington, Kennedy estava no bojo de uma onda de repulsa contra a injustiça e a morte, no Vietnã e nos campos e guetos dos EUA. Este sentimento chegou até mesmo aos quadros normalmente conservadores da liderança branca do fundamentalismo protestante. "Os americanos em todas as partes devem estar consultando seus corações. Estou fazendo o mesmo", escreveu Cam Townsend aos membros do SIL na véspera do funeral de King: O que fiz para ajudar meu concidadão cuja pele é mais escura que a minha?(...) Insisto que os amo, mas houve alguma demonstração prática deste amor? Menti ( ...) Meu colega trabalhador, precisamos mergulhar em nossas almas. Estaremos vivendo uma mentira? ( ...) Nós persistimos com certas atitudes dominantes, embora nos sejam ofensivas. Outra indagação. Estamos fazendo todo o possível para ter associados negros? Não devíamos destacar alguém para visitar faculdades com o desafio do trabalho de tradução da Bíblia e assegurar-lhes que associados negros seriam bem-vindos? Atenciosamente, em memória de Martin Luther King. 3
Apesar disso, o SIL continuaria majoritariamente branco, mesmo na África. Nem católicos seriam bem-vindos. A diretoria do SIL/fradutores da Bíblia Wycliffe tinha especificamente proibido a admissão de católicos no ano anterior, quando um jovem católico, Paul Witte, tentou se filiar. Cam reagiu, providenciando a associação de Witte com o ramo colombiano, através do bispo Canyes, e acabou enfrentando uma advertência da direção do ramo colombiano e sugestões de que talvez estivesse ficando velho demais para ser o diretor-geral. Kennedy também se viu sob o fogo dos fundamentalistas simpáticos à candidatura do governador George Wallace através da chapa do Partido Independente Americano. O simpatizante do SIL Nelson Bunker Hunt montou um fundo de um milhão de dólares para seduzir o general Curtis LeMay a ser o companheiro de chapa de Wallace. 4 Rockefeller assistiu com inveja enquanto Kennedy se deslocava sem o menor
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problema de um mundo político para o outro, cortejando jovens fazendeiros brancos de Indiana e trabalhadores urbanos reacionários com a mesma coragem demonstrada entre trabalhadores hispânicos na Califórnia e trabalhadores afro..americanos em Washington. E, durante tudo isso, Kennedy estava sendo vigiado, como Luther King antes dele, pelo FBI e era alvo de ultradireitistas. Depois de ser humilhado com um segundo lugar no Oregon, depois de vitórias em Indiana e na capital, Washington, ele entrou no sul da Califórnia sabendo que a terra de Ronald Reagan e Richard Nixon, reduto da reação fundamentalista, seria seu maior desafio. Ele nunca imaginou que seria seu juízo final. Sirhan Sirhan era adepto de Kennedy até que viu uma fotografia dele usando um solidéu, cortejando eleitores judeus do Oregon com seu apoio à venda de cinqüenta caças-bombardeiros Phantom para Israel. Sirhan era um refugiado palestino que imigrara para os EUA com a &nú1ia em meados dos anos 1950. As declarações de Kennedy aconteceram apenas sete meses depois de aJordânia, a terra de Sirhan, e outros países árabes terem sido derrotados na guerra de junho de 1967. Cinco de junho era o primeiro aniversário da guerra e Sirhan ~ em seu diário a determinação de matar Kennedy antes desta data. Suas palavras eram repetitivas, compulsivas. Sirhan Sirhan, armado, seguiu para a cozinha do hotel e esperou. O lugar estava lotado. O senador Kennedy, depois de uma exaustiva campanha e de ter se saído bem em um debate televisionado com o senador Eugene McCarthy, vencera a primária democrata da Califórnia. Tinha acabado de fazer sua declaração de vitória no salão de baile, pedindo união nacional para curar as feridas da guerra e da divisão. A seguir, indo para um encontro com a imprensa, cortou caminho pela cozinha. De repente, ouviram-se tiros e Kennedy caiu, ferido na cabeça. Morreu no dia seguinte. Um protagonista importante da cena política americana tinha sido arastado. Nelson Rockefeller, agindo como governador, reuniu-se aos Kennedy e ao corpo de Robert no Aeroporto La Guardia. Como fizera com a f.unília de Martin Luther King, Jr., Nelson cedeu o mordomo de Pocantico, Joseph Canzeri, para ajudar nas providências funerárias. Passou o dia seguinte no velório de Kennedy com 2.500 dignitários na catedral de São Patrício. Seguiu no trem funerário no dia seguinte para Washington e assistiu a milhares de pessoas cantarem um último adeus no Lincoln Memorial, depois seguiu o cortejo através da ponte até o Cemitério Nacional de Arlington e acima da colina sobre o Potomac, onde Bobby foi sepultado ao lado do irmão. A seguir, foi a uma reunião no Departamento de Estado, no gabinete do ex-presidente da fundação de sua família, Dean Rusk, pois precisava imediatamente de um relatório geral da situação: afinal de contas era agora um dos principais candidatos presidenciais.
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Era natural que os pobres e desfavorecidos chorassem por Bobby Kennedy mais do que o resto da nação. Sua perda foi particularmente sentida pelas minorias, que viam nele sua última esperança na política americana. Rockefeller sentiu o vácuo de liderança entre essas pessoas e imediatamente tentou preenchê-lo. Sabia que não era nenhum Kennedy, mas também que não havia mais ninguém com quem pudessem contar, com Hubert Humphrey ainda como candidato da guerra e Eugene McCarthy candidato dos privilegiados inquietos dos bairros brancos elegantes. E ele também podia ver que as questões difkeis que podiam fazer sua candidatura - ou a de Humphrey ou a de Nixon - menos viável não seriam levantados pelos formadores de opinião depois do assassinato. O jornalista Jack Newfield escreveu: "Sociólogos, políticos e líderes religiosos [estavam] culpando filmes, quadrinhos e televisão. Ninguém parecia pensar que o Vietnã, ou a pobreza, os linchamentos ou nosso genocídio dos índios tivesse qualquer coisa a ver com o fato. Sempre a cultura popular, como Bonnie anti Clyde, nunca as instituições políticas ou nossa própria história torturada." "Cheguei em casa por volta de duas da manhã, hora de Nova York", continuou Newfield, "e liguei a televisão para ver uma gravação do presidente Johnson anunciando uma nova comissão para estudar as causas da violência na América. Um dos membros da comissão, disse ele, seria Roman Hruska, senador republicano por Nebraska, um grande porta-voz no Congresso da National Rifle Association. Imaginei Bobby estremecendo se ouvisse a notícia absurda."5 Nelson não se abalou. Em vez disso, reuniu-se com o presidente na Casa Branca logo que Johnson anunciou as atribuições da comissão. A conversa de Nelson comJohnson naquele dia no Salão Oval foi mantida em sigilo, mas Nelson deu uma entrevista coletiva no Saguão Oeste. Ele foi o primeiro candidato a retomar a campanha depois da morte de Kennedy e o cenário da Casa Branca deixou claro que tinha as bênçãos do presidente. "Em conseqüência da tragédia da semana passada, pedi um encontro com o presidente para discutir com ele o papel de um candidato para ajudar a estabilizar e cicatrizar as feridas e as divisões que existem no país." Depois de se proclamar o remédio da cura nacional, ele também ralou como um presidente eleito. "Passei bastante tempo sozinho com o presidente. Depois, o secretário Rusk, o general Wheeler [chefe do Estado Maior Conjunto] e o senhor Rostow se juntaram a nós. Discutimos durante duas horas a situação interna e externa." Indagado se haveria mudanças em sua campanha, Nelson conseguiu juntar coragem pessoal e apoio à guerra do Vietnã. "Não (...) Se democracia é ficar vivo e forte, então não pode haver timidez (...) Há quinhentos mil americanos lutando nofront no Sudeste asiático, vinte mil deram as vidas e não creio que nós, em casa, que tentamos representar as forças da democracia no coração da nação, devemos
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nos curvar aos riscos." A seguir revelou sua estratégia de campanha. Indagado se a morte de Kennedy alterara o quadro político para os republicanos, Nelson inclinou a cabeça em assentimento: "Creio [que] o choque e a tristeza se refletirão numa mudança de ânimo, e que as pontes que ele construiu para os grupos que não partilham das benesses do modo de vida americano serão pontes que influenciarão os que estão nesses grupos e o resto do país."6 Nelson ofereceu o assento de Kennedy no Senado a dois liberais da mesma estirpe ousada de Robert, mas republicanos: o prefeito de Nova York, John Lindsay, que recusou, e o então deputado Charles Goodell, que aceitou. Depois escolheu a ex-presidente na Califórnia do "People for Kennedy" e grande amiga dos Kennedy, sra. Thomas Braden, para liderar uma organização nacional "People for Rockefeller". "A maior parte das pessoas que conheço que apoiavam Robert F. Kennedy estão agora ao lado de Nelson A. Rockefeller", explicou ela. "Algumas ainda estão muito chocadas para fazer qualquer coisa, mas as outras ajudarão o governador Rockefeller." Ela não mencionou a dívida do marido com Nelson, que o ajudou a comprar um jornal da Califórnia. P.lra lançar sua blitzkrieg de 106 mil quilômetros por todo o país, Nelson seguiu para a terra de Braden, Los Angeles. Pela primeira vez incluiu Watts no itinerário. "Creio que as pessoas que apoiaram Bobby Kennedy virão a mim agora", disse à equipe e os instruiu a começar todos os discursos na Costa Oeste com um tributo a Kennedy. Mas os discursos não deviam ser introspectivos. "Não quero nada daquela coisa de sociedade doente. Um punhado de malucos não reflete a situação do país", insistiu. Os EUA deviam parar de "olhar para trás" em relação a erros e tra~dias passadas e superar este "pensamento negativo" .7 A opinião do governador da Califórnia, Ronald Reagan, de que o assassinato era reflexo de uma crescente atitude de permissividade por parte dos líderes e tribunais da nação, podia ter contido uma semente de verdade para o governador do "\amos Bater Duro no Crime". Nelson não podia aceitar a crença de Billy Graham de que o atentado era um símbolo do declínio moral e espiritual do mundo ou a convicção de Eugene McCarthy de que os EUA levavam uma carga muito pesada de culpa pelo tipo de negligência que permitiu o crescimento da violência no país. Nelson era obstinado sobre a América e ainda o eterno otimista sobre suas próprias ambições políticas. Ele podia reunir minorias, liberais ejovens em uma nova coalizão Rockefeller, confidenciou a seu filho Steve, que era contra a guerra. Acreditava que podia "conseguir a candidatura através de um grande clamor público". Steve explicou mais tarde: "Ir às pessoas é o seu estilo, ele adora aplausos. Ir aos delegados não era seu estilo."8 No fim das contas, esta foi sua desgraça. O delegado republicano em 1968 não era jovem, nem das minorias, nem liberal.
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E Nelson Rockefeller não era Robert Kennedy. O plano de Henry Kissinger para a retirada do Vietnã e seu esforço de fazer as declarações confusas de Nelson parecerem corretas não produziram a excitação que o rompimento explícito de Kennedy com Johnson conseguira. Rockefeller tinha agora adotado o estilo Kennedy de mergulhar de maneira imprudente nas multidões, apertando mãos e perdendo abotoaduras. Desesperado para conquistar os simpatizantes latinos de Kennedy no Texas, na Flórida, na Califórnia, ele apelou aos seus laços latino-americanos, chegando a se expressar em espanhol nos comícios. Mas no final de julho estava claro ao país que o estilo Kennedy de Rockefeller não tinha a substância Kennedy. Seu slogan "Nova liderança versus Velha política" fracassou junto a eleitores e delegados, especialmente quando viam quem o estava apoiando. Não eram populistas ousados como os que apoiavam Kennedy, mas empresários milionários, homens como David e o sócio de Wmthrop no negócio de imóveis, Trammel Crow; o dono de luxuosas lojas de departamento Stanley Marcus; Baron Kidd, parente não-consanguíneo da família Du Pont; e o herdeiro da indústria química, A. Felix Du Pont,Jr. Nos últimos dias da campanha, a uma semana da Convenção Republicana em Miami, o jornal M-iami Hera/d divulgou prematuramente uma pesquisa Gallup mostrando que Nixon poderia se sair melhor do que Rockefeller contra Humphrey ou McCarthy. "Nixon ou John Mitchell devem ter acertado com Gallup", disse Nelson, que sabia tudo sobre o uso de pesquisas em guerra psicológica e Gallup era suspeito como "cristão-novo". Então respondeu à altura, vazando uma pesquisa Harris que o dava como vencedor. A seguir, repetiu a manobra, liberando uma pesquisa feita por sua própria equipe depois do começo da convenção, mas não ajudou. Rockefeller perdeu na primeira votação, 277 votos contra 692 para Nixon. Sua última campanha para conquistar a Casa Branca, ambição de uma vida, terminara. Foi um choque terrível para sua auto-estima. Ele voou de volta para Nova York, confortando seu pessoal com uma típica desculpa modesta. "Vocês foram ótimos. Eu não era bom o suficiente. Eu os decepcionei."9 Até mesmo a oferta de Humphrey feita mais adiante no mesmo mês para que se unisse a ele na chapa democrata não suavizou o golpe. "Franklin Roosevelt queria que cu fosse democrata (nos anos 1940). Era tarde demais." 1º Ele tinha decidido: vencendo ou perdendo morreria membro do Partido Republicano. Nelson passou os meses anteriores à eleição traindo Johnson discretamente. Depois da indicação de Nixon, ele ofereceu os serviços de seu assessor de política externa, Henry Kissinger, para a campanha. Kissinger, por sua vez, continuava a ter ressentimentos em relação a Nixon, mas diante de Nixon a equipe de Rockefeller
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seguiu o curso da lealdade partidária, a ponto de trair a confiança de Lyndon Johnson.
APRIMEIRA SURPRESA DE OUTUBRO Nelson Rockefeller queria uma vaga no ministério de Nixon. E Nixon queria ser presidente. Construir uma ponte entre os dois objetivos era a missão de Kissinger. Este tinha a confiança de J ohnson desde 1967, quando procurou o secretário da Defesa, Robert McNamara, com uma oferta de engajar-se numa missão diplomática secreta em Paris, onde sondaria se os norte-vietnamitas estariam dispostos a negociar. Como estavam planejando a Ofensiva do Tet, não quiseram. Mesmo assim, o trabalho duro de Kissinger e sua discrição convenceram McNamara e o subsecretário Cyrus Vance de que ele era de confiança. Esta confiança custaria a Casa Branca aos democratas. Nas semanas imediatamente seguintes às convenções democrata e republicana, as conversações de Paris estavam suspensas. Saigon se recusava a admitir a participação da Frente de Libertação Nacional numa coalizão de governo em troca da paz. Enquanto isso, a continuação dos bombardeios contra o Vietnã só reforçava a disposição de Hanói de continuar lutando. Depois de muita discussão, o substituto de McNamara no Pentágono, Clark Clifford, apresentou uma nova abordagem: os EUA tratariam diretamente com o Vietnã do Norte e deixariam a controvérsia Saigon-FLN a ser abordada numa outra rodada de negociações. Johnson pensou a respeito. No mesmo dia em que Johnson deu o OK para a idéia de Clifford, 17 de setembro, Henry Kissinger chegou a Paris. Dois dias mais tarde, chegou Averell Harriman, com uma boa notícia: Johnson concordara em suspender o bombardeio sem que Hanói se comprometesse primeiro em parar a guerra. Negociações sérias já podiam começar. Era crucial que os republicanos não soubessem dessa nova postura nem de qualquer acordo com Hanói, para evitar que sugerissem resistência ao governo de Saigon. Foi nesse periodo que Kissinger visitou o assessor de Harriman em Paris, Daniel Davidson, e jantou com Cyrus Vance. Davidson, que sabia apenas que "alguma coisa estava acontecendo" com Harriman e Vance, falou livremente, encorajado pela confidência ~e Kissinger de que "seis dias por semana apoio Hubert, mas no sétimo acho os dois horriveis" .11 Kissinger prometeu fazer de David seu sub se conseguisse algum posto no governo de Nixon ou de Humphrey. O que ele não disse é que estava informando sigilosamente a equipe de Nixon sobre as negociações.
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"Eu sabia que Rockefeller vinha oferecendo a ajuda de Kissinger desde a convenção", Nixon escreveu mais tarde em suas memórias. "Eu disse a [H.R] Haldeman que [o gerente de campanha John] Mitchell devia continuar como ligação com Kissinger e que devíamos honrar seu desejo de manter este papel totalmente em sigilo." 12 Mitchell também tinha certeza de que Nelson Rockefeller era o motor principal: "Achei que Kissinger estava agindo por sugestão de Nelson, que lhe pedira ajuda e ele concordara." 13 No final de setembro, Kissinger,já de volta de Paris, deu a terrível notícia de que "havia boas chances de Johnson ordenar a suspensão dos bombardeios em meados de outubro". "Nossa fonte", Haldeman disse enigmaticamente a Nixon, "está extremamente preocupada com as decisões que Johnson possa tomar antes da eleição." No dia 12 de outubro, três dias depois que Harriman tinha feito outra proposta em Paris, Kissinger telefonou a um funcionário de Nixon, Richard Allen, para advertir que alguma coisa aconteceria antes de 23 de outubro e "mais do que parece" •14 Este era exatamente o tipo de visão que Harriman e Clifford não queriam transmitira Saigon. E foi exatamente isso que a campanha de Nixon passou para Saigon através de uma velha amiga de Richard Nixon e Nelson Rockefeller, Anna Chennault• Ao passar segredos de Estado que envolviam a vida de soldados americanos, Kissinger cometeu um crime federal e também comprometeu qualquer futura administração Nixon. "Minha atitude foi de que era inevitável que Kissinger teria que fuzer parte de nosso governo", concluiu mais tarde Richard Allen. A equipe de Nixon sabia que era "uma coisa muito perigosa ele ficar jogando com a segurança nacional" .15 O mesmo podia ser dito da campanha Nixon. Prevenida por um Kissinger excitado, apenas doze horas antes do anúncio da suspensão dos bombardeios, que Harriman e Vance tinham "espocado a champanhe", acreditando que tinham conseguido a aprovação de Saigon para as negociações, a campanha de Nixon vazou a notícia para a linha dura de Saigon. 16 Naquele dia, o general Thieu, o presidente em Saigon, anunciou que não participaria das conversações. O acordo foi por água abaixo. A guerra continuaria por mais seis anos e muitos americanos mais morreriam no Vietnam. A campanha de Hubert Humphrey, no embalo do progresso nas negociações e sustentada por seu rompimento surpreendente com a escalada de Johnson, che•A ~ Cht."Jlllllult. fundadora do "China Lobby" que tinha apoiado Chiang Kai-chek, era a vióva do genenl Claire Chennaut, fundador do Transporte de Aviação Civil (CAT), a linha a6-ea da CIA no Sudeste Asiático. Harper Woodward, um alto assessor de Rockefeller, presidiu a CAT durante o ano em que Nelson supervisionou operações clandestinas como assistente especial de Eisenhower para estratégias de Guerra Fria.
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gara perto de superar Nixon graças à intransigência deste em relação ao Vietnã, mas o colapso das negociações atingiu Humphrey. Johnson recebera informações da CIA sobre um vazamento em P.uis, através da equipe de Nixon e da sra. Chennault, para Saigon. Mas Johnson não tinha provas e temia expor fontes de informação ou desacreditar seu governo com acusações infundadas. Além disso, zangado com o recuo de Humphrey em relação à sua política militar, Johnson perdera qualquer interesse em ajudá-lo. Rockefeller esperou sua recompensa: talvez um posto ministerial. Para a imprensa ele especulara que estava interessado apenas nos Departamentos de Estado ou da Defesa. Os de Saúde, Educação e Bem-Estar, H abitação e Desenvolvimento Urbano e mesmo Tesouro, eram pouco atrativos. No dia 25 de setembro, reuniu os aliados, incluindo Kissinger, num almoço em Manhattan para discutir qual assento aceitar, se lhe oferecessem. Houve um telefonema de Dwight Chapin, secretário de Nixon. Mas a ligação era para Kissinger, não para Rockereller. Quando Kissinger retomou, o grupo voltou a discutir o papel de Rockefeller num ministério Nixon "como se nada tivesse acontecido. Ninguém naquele almoço", Kissinger lembrou mais tarde, "podia conceber que o objetivo da chamada era me oferecer uma posição importante no novo governo" .17 Ninguém, exceto Kissinger, que tinha discutido a possibilidade de ser assessor de Segurança Nacional logo depois da convenção republicana. E Richard Nixon. A idéia de ver Rockefeller na mesa de uma reunião ministerial não o agradava nem um pouco. - No Tesouro, que tal David Rockefeller? - William Safire perguntou a Nixon quando o ministério estava sendo escolhido. - Não, não se pode ter dois Rockefeller no ministério - Safire concluiu. - Existe alguma lei de que é preciso ter um?- indagou Nixon. 18 No fim das contas, Rockefeller ouviu de Nixon que prestaria maiores serviços ao país como governador do que como secretário. Mesmo assim, até Richard Nixon teria que se curvar finalmente diante do lugar especial de Rockefeller nas relações com a América Latina. Ao confrontar o vasto mercado potencial e as rebeliões que assomavam ao sul do rio Grande, simplesmente não havia como evitar Nelson Rockefeller.
VII UMA NOVA ORDEM MUNDIAL Um nuvo tipo de militar está surgindo e com freqllincia se tornando uma fatia dominante para uma mudança social construti-va nas repablicas americanas. Motivado pela crescente impaciblcia com a corrupção, a inejiciblcia e uma ordem polftica estagnada, o nuvo militar está preparado para ada,ptar sua tradifão autoritária aos objetiws do progresso econ6mico e social. Este nuvo papel dos militares, no entanto, não está li-are de perigos edilemas. Sempre há o risco de que o estilo autoritário resulte em repressão. Atentafão de expandir medidas de segurança, de disciplina ou a eficiblcia aponto de restringir as liberdades individuais além do que t necessário para restaurar a ordem e o progresso social, não t fácil de resistir: -
NELSON ROCKEFELLER
O Relat6rio Rockefeller sobre as Amtricas
Relatório oficial de uma missão presidencial dos Estados
Unidos para o Hemisftrio Ocidental (1969)
39 A INVASÃO DA AMAZONIA A
AASCENSÃO DE GALO PLAZA Não era a primeira vez que o alto e distinto homem de cabelos grisalhos entrava na Casa Branca. Em quarenta anos de vida pública, Galo Plaza, do Equador, aparecia com freqüência em Washington como representante de um dos menores países da América do Sul, seja como embaixador ou como chefe de Estado visitante. Mas nunca antes tinha sido convidado para uma recepção de um presidente recém-empossado representando toda a América Latina como secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA). E nunca com amigos influentes como Nelson Rockefeller tão próximos do cume do poder no hemisfério, ou pelo menos assim parecia em janeiro de 1969. Como novo líder da OEA, Galo Plaza tinha muitas expectativas em relação ao governo Nixon. O principal assessor de política externa de Rockefeller, Henry Kissinger, estava à frente do poderoso Conselho de Segurança Nacional. A pedido de David Rockefeller, Charles Meyer, da divisão latino-americana da Sears Roebuck, ascendera à chefia da divisão de pesquisa latino-americana do Departamento de Estado. Os dois homens presumivelmente partilhavam muitos dos pontos de vista de Rockefeller, e portanto de Galo Plaza.
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Este foi o final feliz de uma série de acontecimentos iniciada menos de um ano antes, a 23 de abril de 1968, quando Galo Plaza compareceu ao seu primeiro jantar na Casa Branca para delegados da OEA como o recém-eleito secretáriogeral. Naquela noite, nem ele nem seus colegas convidados poderiam ter compreendido as razões ou inferir até onde Lyndon J ohnson tinha ido para assegurar um futuro para os amigos latino-americanos do republicano Nelson Rockefeller. Quando o presidente Johnson esgueirou-se para fora do salão, foi se encontrar secretamente com o homem que fez mais do que qualquer outro, desde a Segunda Guerra Mundial, para dar um formato às relações EUA-América Latina. Seu objetivo era incentivá-lo a concorrer à presidência. Mas ninguém poderia ter perdido o significado do discurso de despedida de Johnson aos delegados da OEA naquela noite. Johnson falou da bacia amazônica como se outro Programa de Desenvolvimento da baía do Mekong estivesse sendo projetado. "Trancados por trás das grandes montanhas e florestas tropicais (...) existem recursos desconhecidos. As novas fronteiras do coração da América do Sul nos acenam.,, 1 Parecia que a Amazônia estava finalmente ao alcance. E com Galo Plaza como novo chefe da OEA, Rockefeller e Johnson sabiam que tinham uma mão digna de confiança no leme das relações diplomáticas entre EUA e América Latina. Em 1967, o governo J ohnson soubera de tentativas latino-americanas de assumir o controle da organização, ou mais precisamente de suas finanças. Cinco funcionários americanos da Tesouraria se viram de repente designados para transferência.2 O governo Johnson agiu rapidamente para suspender a medida, tomada a pretexto de injetar "nova vida" na OEA. Lutas internas pelo poder fervilhavam por causa do uso queJohnson fez da OEA como cobertura para a invasão americana da República Dominicana. E havia também o incômodo problema do desafio persistente de Cuba ao controle americano do futuro econômico do hemisfério. Galo Plaza parecia perfeito para restaurar a estabilidade interna da OEA e melhorar a imagem da organização. O grupo de Rockefeller o chamava de um "exímio negociador internacional". Leal às raízes de grande proprietário de terras equatoriano, advogado da U nited Fruit Company e ex-estudante da Faculdade de Relações Exteriores da Georgetown U niversity, Galo Plaza era pessoa em quem se podia confiar para manter a ordem dentro da entidade e assegurar o apoio da OEA à subversão, pela CIA, de governos de esquerda, não apenas no Equador (onde os governos Velasco e Arósemena caíram em golpes apoiados pela CIA), mas por toda a América Latina. Ele também endossara os esforços do irmão de Nelson, John III, para introduzir o controle da natalidade entre os índios equatorianos através da Agência para o Desen-
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volvimento Internacional (AIO), uma grande nova iniciativa política. Além disso, Galo Plaza poderia assegurar a transferência para a OEA dos programas de desenvolvimento rural da Associação Americana Internacional para o Desenvolvimento Social e Econômico (AIA). Mais importante, tudo isso daria a Rockefeller, através de sua influência sobre Galo Plaza, um peso adicional não apenas na OEA mas também em qualquer deliberação da Casa Branca sobre o uso da organização. O recrutamento de Galo Plaza não foi fácil, exigindo esforços de Rockefeller, Lincoln Gordon (recompensado por seu desempenho como embaixador no Brasil com a designação de secretário de Estado assistente) e do embaixador dos EUA no Equador, Wymberly Coerr. O equatoriano ficou relutante em ocupar o assento quente do hemisfério, no qual dava peso oficial a decisões unilaterais de Washington. O amigo de David Rockefeller Sol Linowitz, ex-presidente da Xerox Corporation e então embaixador na OEA, teve que dar as garantias de Washington "de que estavam ansiosos para fazer da OEA uma das organizações internacionais verdadeiramente significativas de nosso tempo". Lisonjeado, Galo Plaza concordou com um almoço no qual Linowitz assegurou-lhe que Washington não divulgaria o teor da conversa aos colegas de Plaza na OEA.3 Linowitz consultou novamente Rockefeller, e quando voltou a se encontrar com Galo Plaza achou o equatoriano mais receptivo. "Ele me disse - e mais tarde repetiu para Nelson Rockefeller - que se sentisse que haveria uma oportunidade de prestar serviços importantes, não recusaria",4 infonnou Linowitz ao secretário de Estado Dean Rusk. Galo Plaza foi eleito pelos países membros da OEA, em fevereiro de 1968, quase por aclamação. Somente o representante de Fernando Belaúnde Terry, do Peru, que disputava com o Equador as terras petrolíferas amazônicas, se absteve. A notícia da eleição desse conhecido amigo de Rockefeller foi comemorada também num reduto inesperado. William Cameron Townsend imediatamente mandou uma carta de congratulações ao homem que dera aos missionários do Instituto Summer de Lingüística acesso à Amazônia equatoriana. Galo Plaza respondeu que "o sistema interamericano está a ponto de alcançar o momento mais decisivo de sua história" .S Só aqueles que estavam a par das cinco décadas de manobras bem-sucedidas de Townsend dentro da órbita Rockefeller podiam ter imaginado por que o ex-presidente do Equador fornecia terreno comum para a convergência dos interesses de Cam e de Nelson Rockefeller. Unindo-os, como a tantos, estava a mágica substancia subterrânea chamada petróleo. Quantidades significativas dela tinham sido descobertas na própria região do Equador, o Oriente Amazônico, onde Galo Plaza argumentara duas décadas antes que não havia petróleo. Em 1967, a descoberta de petróleo
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no lago Agrio foi facilitada pela presença do SIL na selva. A pista de pouso de Limoncocha foi usada pelos homens de petróleo e, em pelo menos uma ocasião, o JAARS transportou geólogos da OEA para fora e para dentro da selva. O ritmo da exploração era febril porque a OPEP estava se tornando ousada em sua luta por um aumento no preço do petróleo do Oriente Médio. Os direitos de 6% sobre o petróleo equatoriano eram oito vezes menores do que o royalty mais baixo pago no Oriente Médio, e o conflito árabe-israelense ameaçava interromper os suprimentos de petróleo. (De fato, a descoberta na Amazônia aconteceu apenas dois meses antes da Guerra dos Seis Dias em 1967.) Além disso, o contrato de exploração de cinco anos da Texaco-Gulf com o Equador e sua concessão de 1,65 milhão de hectares estava para expirar em 1969. Descobriuse que a selva amazônica equatoriana estava cheia de petróleo; dos 78 poços escavados em 1971, a Texaco informou que 74 eram produtivos. 6 Equipes furaram poços e construíram um oleoduto através das terras de índios kofán, siona e secoya; outras equipes mergulharam nas selvas ao sul do rio Napo, lar dos temidos índios huaorani, os "auca» de Rachel Saint. Os missionários do SIL assumiram o papel de vanguarda para as empresas petrolíferas, voando na frente para afastar os huaoranis das equipes que avançavam através da selva e tentando convencer os índios a se renderem à inevitabilidade do amor de Rachel Saint. As táticas do SIL foram bem-sucedidas em evitar confrontos, mais através do medo do que do amor. Mergulhando com alto-falantes instalados nas asas, os aviões do JAARS, mesmo falando huao, aterrorizaram os huaoranis. Os índios queimaram suas casas de sapê e fugiram para a floresta. O grande feito para o Senhor aconteceu em 1968, quando o SIL passou a jogar cestos com radiotransmissores escondidos. Ouvindo o irmão de um huaorani capturado exigir um machado, um avião forneceu o milagre do céu. Exaustos, doentes e diante de um poder evidentemente maior, 92 huaoranis se entregaram aos cuidados de Rachel num local perto de Limoncocha. Durante seis semanas, a aldeia, que de repente mudou de tamanho para comportar duzentos huaoranis, tentou lidar com a fome, a desnutrição e a doença. Preocupada em não expor os recém-chegados a doenças contra as quais não tinham imunidade, Rachel suspendeu os pousos do JAARS e mandou que jogassem os suprimentos. Enquanto os recursos minguavam e as disputas deterioravam em ameaças de agressão com lanças, parte dos recém-chegados tentou partir, só para serem forçados a voltar pelos seguidores de Rachel.7 A culpa cristã cresceu sobre bebês "ilegítimos», levando uma convertida grávida a se suicidar e bebês a serem quase afogados. 8 Enquanto isso, as equipes de prospecção de petróleo avançavam sobre o território dos últimos huaoranis ainda na selva. Helicópteros chegaram e, com eles,
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ultimatos. Em agosto de 1969, um dos dois grupos remanescentes apareceu na aldeia de Rachel em busca de refúgio. "Como podem presumir boa vontade quando nós os expomos de maneira tão implacável", indagou Catherine Peeke, do SIL, em seu diário, "abordando-os do céu, a esfera que não controlam. Estão desesperados para se esconder de forças que não compreendem - mas muito mais desesperados ficariam se realmente compreendessemf"9 A iluminação veio na fonna de uma epidemia de poliomielite duas semanas após a chegada do último grupo de índios. Foi tão rápida que, quando a doença foi diagnosticada, dezenas de índios estavam doentes e dois tinham morrido. Médicos missionários prescreveram vacinação imediata, mas Rachel decidiu que os recém-chegados podiam fugir ou interpretar como um ataque a iniciativa dos médicos de os perfurarem com uma agulha, partindo então para a violência. Ela recusou, esperando até que ela e os huaoranis estivessem muito doentes para resistir. Quando isso aconteceu, todos os índios estavam infectados, dezesseis tinham morrido e outros dezesseis ficaram aleijados. Tudo isso ocorreu na terra de Galo Plaza, amigo de Cam Townsend e Nelson Rockefeller, que levou o SIL e a Corporação Internacional de Economia Básica ao Equador para permitir o pronto desenvolvimento das terras indígenas. Agora, como líder da OEA, ele aumentaria este objetivo incluindo as novas fronteiras de Johnson na Amazônia. Galo Plaza era arguto o suficiente para pedir uma partilha de poder sobre financiamento e planejamento. A OEA, disse, "para recobrar a confiança da América Latina como instrumento de relacionamento entre os países, deve ter um papel decisivo no esforço de integração [econômica]. A imagem da aliança continuará a ser distorcida se a falácia de que esta é uma ação bilateral persistir. Como uma questão de dignidade, o conceito de doação deve ser destruído e expulso do hemisfério. Ajuda deve ser fornecida com severidade, como um investimento na estabilidade". A alternativa, "intervenção política unilateral" pelos Estados Unidos, era "contrária à própria idéia da organização". Galo Plaza argumentou em vez disso por "medidas coletivas que reflitam a clara vontade dos povos". •0 O conceito não abandonava realmente as sanções econômicas ou intervenções como as usadas contra Cuba e a República Dominicana, mas simplesmente mudava os auspícios para a OEA. Galo Plaza preferia ações interamericanas genuínas ao uso da OEA pelos EUA como subterfiígio. P.lra sua abordagem ser bem-sucedida, no entanto, os EUA teriam que refrear sua tentação de usar o poder econômico e militar unilateralmente. AdolfBerle ampliou o debate como co-presidente da Associação da OEA, mas deu aos latino-americanos a maior parte do ônus. Falando num almoço especial de líderes americanos encarregados de assuntos externos e intera-
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mericanos, oferecido pela associação pouco antes da posse de Richard Nixon, Berle pediu apoio público para a OEA como "substituta do império" no hemisfério ocidental. Presente, Galo Plaza ouviu quando Berle, no que se tornou o canto de cisne de sua carreira, lançou um ultimato ríspido. Ele advertiu aos cerca de oitenta convidados que "a menos que a Organização dos Estados Americanos seja bem-sucedida, não vejo escapatória ao império. ( ...) Esta é uma declaração assustadora, mas creio que verdadeira. Desde a geração passada, os EUA vêm fuzendo o melhor para evitar se tornar um império". O problema era "como podemos evitá-lo". Sua solução era ainda mais surpreendente: ele pediu que a OEA discutisse a sugestão de Nelson em relação aos "grandes depósitos de petróleo e outros recursos sob os altos mares do Caribe e do Golfo do México". "O governador Rockefeller propôs que, em comum acordo, estes recursos fossem explorados em beneficio dos estados americanos famintos de capital. Aqui está uma tarefa par excellence para a OEA." 11 P.ute da receita paga pelas empresas petrolíferas, a maior parte dos EUA, seria repassada à OEA para financiar várias tarefas no hemisfério. Outra fatia dos direitos do petróleo seria repassada aos bancos, novamente a maioria americanos, para pagar o serviço da dívida. Na ocasião, a dívida externa consumia 65% da renda externa latino-americana e deixava os países membros da OEA com atrasos médios de 10%. Tal financiamento "supranacional" da OEA também aliviaria pressões financeiras de países membros que adotassem o protecionismo no comércio interamericano. Bancos com carteiras de empréstimos pesadas na América Latina, incluindo o Chase de David Rockefeller, teriam pouco a ganhar com a diminuição do meio circulante ou tarifas que reduzissem o fluxo de capital ou restringissem o envio, para os EUA, dos lucros em investimentos diretos na América Latina O livre comércio, argumentou«, era a maneira de evitar guerras tarifárias, queda no comércio, depressão econômica mundial e guerras mundiais. Quando foi à Casa Branca para o primeiro encontro com o presidente Nixon, Galo Plaza defendeu o plano. Nixon lhe perguntou o que devia ser feito primeiro para elaborar uma política para a América Latina e Plaza aproveitou a oportunidade: "Mande Nelson Rockefeller para a América Latina. Seu nome é mágico. " 12 Isto era o que ele pensava e Nelson também, obviamente. Havia poucas razões para pensar diferente, especialmente no caso do Brasil.
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INVESTINDO EM fAZENDAS NO BRASIL De todos os amigos de Nelson no Brasil, nenhum foi mais útil do que \\álther Moreira Sanes, ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos. As ligações de Salles com interesses financeiros em bancos e propriedades rurais tinham valido a Nelson uma mina de oportunidades nos esforços de conquistar os campos e florestas das fronteiras brasileiras. Em meados dos anos SO, durante a euforia que se seguiu à queda de Getúlio Vargas, Nelson, David e a IBEC se juntaram a Moreira Salles na fazenda pecuária de Bodoquena, com mais de 400 mil hectares, em Mato Grosso. Além de criar gado e possivelmente explorar a mineração, Nelson estava interessado em desenvolver uma plantação de café nas encostas das montanhas Bodoquena. Moreira Salles ajudou Nelson a explorar estas possibilidades, cedendo um grande setor de suas Fazendas Paulistas, com cinco milhões de pés de café, para a IBEC Research Inc. (IR!). A empresa era dirigida pelo ex:-pres~dente da divisão de pesquisas da Standard Oil de Nova Jersey e uma equipe de alta categoria de ex-empregados da Hawaiian Hneapple Company. Trabalhando junto com o Instituto Interamericano de Serviços Agrícolas, da Organização dos Estados Americanos, na Costa Rica, era um dos melhores grupos de pesquisa agrícola na América Latina. Usando a plantação de Moreira Salles e terra oferecida por outros grandes fazendeiros dos estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Paraná, 13 a IRI fez experiências com pesticidas químicos e desfolhantes (O Dalapon, da Dow, e o Dieldren, da Shell Chemical, eram os fàvoritos), leguminosas ricas em nitrogênio para aumentar a fertilidade dos pastos (e os quilos de carne por hectare), técnicas de irrigação para cafezais, estímulo químico ao florescimento dos pés de café para padronizar a época de colheita, técnicas padronizadas de medição para grãos de café, regulagem de temperatura para secagem de grãos e aplicação de técnicas de processamento e estocagem. Grandes processadores de carne não brasileiros, como Armour Packing, Wilson Packing e Frigorífico Anglo, consultavam a IRI para se beneficiar das pesquisas, como o fez a Fàzenda Cambuhy, a grande fazenda de pecuária que controlava as Fazendas Paulistas e da qual Moreira Salles tinha 40%. Nelson acompanhou o andamento das experiências da IR! e a aceitação das novas técnicas pelos pecuaristas do Brasil. Em apenas uma área de teste da IR!, em 19S6, ISO deles foram ver as experiências dos homens de Rockefeller, 22 adotaram os desfolhantes recomendados para limpar oito mil hectares de vegetação nativa. 14 As empresas americanas de produtos químicos retribuíram com doações
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à IRI: a Olin Mathieson, que tinha Laurance como diretor, deu dez mil, 15 a
American Export Potash Associates contribuiu com três mil dólares, 16 a Pfizer, que vendia hormônios para engordar o gado, também contribuiu, assim como a Anderson Clayton (algodão), a Stauffer Chemical, o Sulphur Institute e a Essa Brasileira. Funcionários Ponto IV da embaixada dos EUA passaram dias nos laboratórios da IRI e nos pastos e voltaram impressionados. Mas os homens de Rockefeller não esperaram simplesmente que Maomé fosse à montanha; eles levaram montanhas de pesquisas para apresentar a grupos de fazendeiros e pecuaristas e através de cursos em institutos agrícolas brasileiros. Milhares de cópias dos relatórios técnicos da IRI foram distribuídos por fimcionários do governo e, em 1957, a lista de correspondência da IRI tinha cinco mil nomes. O tema de todos esses esforços era que a crise agrária brasileira não era uma crise política - sobre quem tinha o poder sobre o governo e as terras férteis, e quem não tinha - , mas uma crise de métodos agrícolas e localização que podia ser resolvida através de educação, demonstrações e migrações. A solução para o problema da agricultura brasileira era a realocação de agricultores para as terras "virgens" do oeste da Amazônia, fimdindo pequenas fazendas em grandes propriedades mecanizadas e mais eficientes e modernizando técnicas, tudo auxiliado por rodovias que levassem aos mercados, empresas químicas e crédito adequado de bancos privados e agências do governo subsidiadas por impostos. As instituições existentes do status qU() - os bancos controlados pelos grandes cafeicultores de São Paulo, o governo dominado pelos partidos políticos deles e os ricos pecuaristas, industriais, mineradores e seus aliados, as empresas e bancos europeus e americanos - eram meios suficientes para resolver a crise social com a ajuda dos militares "esclarecidos". Por trás disso tudo estava um preconceito entre os americanos, uma crença de que o problema no Brasil era o gene brasileiro, como Walter Crawford, da AIA, argumentara em seu "abrangente" relatório Agricultura no Brasil ( 1961 ). "Eles não são agricultores natos. Descendem dos portugueses, que eram famosos comerciantes e exploradores, mas não homens da terra." 17 Embora o Brasil sempre tivesse sido um país de base agrícola, Crawford citou como prova de sua tese um comentário que o descobridor do Brasil, Pedro Álvares Cabral, fez ao rei Manuel, de Portugal, sobre o potencial agrícola do Brasil: "Em se plantando, tudo dá." Uma acepção igualmente errônea sobre a fertilidade inexaurível do solo do Novo Mundo tinha sido feita pelos ancestrais britânicos de Crawford antes da Guerra de Secessão na América do Norte, até que eles também tiveram de procurar terras virgens em territórios no Oeste tomados dos índios. Mas o domínio da História nunca foi o forte dos técnicos americanos ou de seus pragmáticos superiores nos negócios e na política. Tampouco o questionamento
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da viabilidade dos programas técnicos americanos de ajuda para cultivo susten-: tado em pequena escala no Terceiro Mundo, como as palestras da IRI com técnicos agrícolas americanos, freqüentadas em grande parte por latifundiários, pecuaristas e técnicos do governo. Se esta ênfase na pecuária em larga escala estava em agudo contraste com a professada preocupação de Rockefeller com o pequeno produtor, da mesma maneira os currículos dos colegas diretores de Nelson e David na IRI contrastavam com a missão declarada da IRI e da AIA de reproduzir o sistema de pequenas propriedades dos Estados Unidos: Hartley Rowe era ex-vice-presidente da U nited Fruit Company e Glenn E. Rogers, à frente da Metropolitan Life Insurance Company, tinha sido responsável por uma bem-sucedida operação de gerência das dez mil propriedades desapropriadas pela empresa no começo dos anos 1930, durante a Depressão. 18 Em meados de 1963, o sucesso da AIA e da IRI estava em perigo. Falharam os esforços de Moreira Salles, como ministro do Interior, para manter os presidentes Quadros e Goulart no curso internacionalista de Juscelino Kubitschek, através de desvalorizações cambiais, orçamentos apertados e outras medidas de austeridade. Enquanto isso, as garantias do governo dos EUA aos investimentos no exterior que haviam sido propostas por David ainda esperavam o endosso do governo Kennedy (seriam promulgadas pelo Congresso no final do ano como condição para aprovar uma lei de ajuda externa) e a soberania nacional era novamente um tema importante na Venezuela, sob o presidente Rómulo Betancourt, e no Brasil, sob o presidente Goulart. Buscando limitar o risco e fortalecer seu controle ao mesmo tempo, Nelson buscou parceiros com capital e experiência no comércio de carne, negociando com os Swift para fundir a Bodoquena e suas cinco fazendas NAR (Nelson A. Rockefeller) na Venezuela à Swifts• International Packers. 19 A fusão não aconteceu. Mas, graças ao golpe militar de 1964, muito mais do interior amazônico brasileiro pôde ser adquirido por americanos, incluindo os associados à IBEC. Ter Moreira Salles, agora um dos mais poderosos banqueiros do Rio, na diretoria certamente ajudou. Como também um primo politicamente esperto como Richard Aldrich.
AVANTAGEM BANCÁRIA Aldrich estava bem colocado para trabalhar nos bastidores, nos Estados Unidos ou no Brasil. Vice-presidente da IBEC em Nova York, Aldrich também era agente da CIA.20 Em janeiro de 1965, dez meses depois do golpe, Aldrich escreveu ao presidente Castelo Branco, pedindo maiores restrições a empréstimos
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especulativos de curto prazo a brasileiros, as letras de câmbw. 21 Estes empréstimos permitiam que os empresários brasileiros, sofrendo os efeitos da inflação galopante, conseguissem maiores rendimentos através da especulação a curto prazo, do que era possível ganhar através da participação no fundo mútuo de Rockefeller, o Crescinco. As letras tinham a vantagem adicional de permitir o anonimato aos investidores, com a conseqüente sonegação do imposto de renda. As perdas do Crescinco, no entanto, não seriam toleradas. Em março de 1965,
o escritório da IBEC no Brasil soube que o regime estava disposto a ouvir porque estava "sob grande influência de assessores econômicos e financeiros americanos e ( ...) suas recomendações são geralmente levadas a sério e cumpridas".22 Aldrich escreveu imediatamente ao ministro do Planejamento, Roberto Campos, assinalando que as letras contribuíam para a perda de arrecadação tributária através da sonegação e contribuíam para manter altas as taxas de juros. Tais "efeitos inflacionários" não podiam ser "úteis aos objetivos que sei que o senhor busca".23 Campos aceitou a sugestão. Uma lei bancária foi elaborada exigindo o registro de todas as letras, mas eliminando impostos nas transferências de ações e dando incentivos fiscais a empresas que vendiam ações no mercado aberto e aos investidores. O resultado previsível foi um boom nas Bolsas de Valores-e a salvação do Crescinco. E Aldrich foi recompensado com um lugar na diretoria da IBEC. O passo seguinte foi forjar uma aliança com o maior competidor do Crescinco, a holding Deltec Intemational, sediada nas Bahamas. Durante os anos Kubitschek, a Deltec desempenhara um importante papel na expansão comercial da fronteira oeste brasileira, investindo num boom imobiliário em Anápolis causado pela construção de Brasília, a cem quilômetros de lá.24 Durante os anos 1950, a empresa de investimentos da Deltec, a Deltec Banking, era a maior organização subscritora e distribuidora de valores. Este domínio acabou quando ocorreram dificuldades econômicas nos primeiros anos de Quadros-Goulart. O banco de investimentos da Deltec contraiu-se, enquanto o Crescinco de Rockefeller crescia, incluindo um aumento estável no investimento de cinco milhões de cruzeiros em madeireiras na Amazônia através da Madeiros Com pendas do Amazonia Cia [sic] (Compensa). Em 1966, o Crescinco descarregou seus títulos da Compensa (valendo então 76,7 milhões de cruzeiros, a maior parte em conseqüência da inflação) e aumentou seus interesses em eletrônica, metalurgia, cimento e, naturalmente, bancos. A posição da IBEC com os bancos brasileiros foi consideravelmente fortalecida naquele ano, quando Moreira Salles entrou para a diretoria da IBEC. Após o golpe militar, Moreira Salles centrara sua atenção em ganhar dinheiro, agarrando oportunidades apresentadas pelo clima internacional de investimentos e as dificuldades que os bancos locais sofriam com a inflação e a inadimplência dos tomadores de empréstimos brasileiros. Ele absorveu dois bancos, Agrícola
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Mercantil e Predial. Apoiado pela IBEC e pela Deltec Banking, o controle de Moreira Salles sobre o sistema bancário foi fortalecido em 1967 com a compra da União de Bancos Brasileiros, que tinha mais de 330 agências. Em 1967, o banco de Moreira Salles e a IBEC de Nelson Rockefeller se juntaram à Deltec Banking e a outros investidores canadenses e europeus para formar o Banco de Investimentos do Brasil (BIB), criado para conseguir empréstimos em moeda forte para brasileiros, incluindo linhas de crédito do Export-Import Bank para a importação de bens de capital americanos. O BIB assinou um contrato de administração do Crescinco, então o maior fundo mútuo da América do Sul. No ano seguinte, quando Moreira Salles sucedeu o pai como diretor formal do BIB, Nelson vendeu o Crescinco imediatamente ao BIB em troca de uma participação de 19% no banco. Para os que observavam cuidadosamente a diretoria da IBEC, as implicações da fundação do BIB eram óbvias. Em 1966, a IBEC tinha contratado quatro novos diretores: Moreira Salles; Alberto Ferrari, gerente geral do Banco Nazionale del Lavoro, um dos maiores bancos italianos com uma sucursal em Nova York e escritórios na América do Sul (duas décadas mais tarde, executivos do Lavoro seriam indiciados por fazer empréstimos secretos ilegais ao Iraque de Saddam Hussein durante a guerra deste país contra o Irã do aiatolá Khomeini; o banco também tinha negócios com o Bank of Credit and Commerce Intemational [BCCI], um canal da CIA para operações clandestinas, incluindo a rede financeira do caso lrã-Contras25 ); James Perkins, da direção do grupo de estudos da Força Aérea, a Rand Corporation, e reitor da Universidade Comell, um dos principais patrocinadores das pesquisas agrícolas e sociais financiadas por Rockefeller nas áreas rurais do Brasil; e Richard Aldrich, que em 1972 se tomaria líder da Câmara de Comércio Americano-Brasileira. Na época, os interesses dos Rockefeller já tinham sido tão afetados por surtos de nacionalismo brasileiro que eles buscavam meios de disfarçar o controle americano sobre assuntos econômicos do Brasil. Os tenentes de Nelson na AIA, o braço filantrópico da IBEC, tinham completado esforços para lançar uma fundação brasileira que ocultasse a óbvia afiliação americana - e Rockefeller - da AIA.
OESCUDO AZEVEDO ANTUNES Os assessores de Nelson Rockefeller originalmente conceberam uma fundação brasileira como um canalizador de recursos para apoiar a realocação de agricultores miseráveis do Nordeste nas planícies em volta de Brasília. No Nordeste,
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trinta milhões de agricultores tinham mostrado o tipo de impaciência desesperada que poderia levar a uma revolução ao estilo cubano. A Sala 5.600 acompanhou este radicalismo crescente. Os arquivos da AIA e da IBEC continham recortes de imprensa e memorandos de teor preocupado de Berent Friele, da IBEC, e de outros sobre o turbilhão político. "O tempo é essencial e devíamos agir antes que seja tarde demais", Friele escrevera a Adolf Berle já em 1961. "As forças de Castro estão muito ativas na área. "26 A AIA havia previamente apontado para o Planalto Central, as vastas planícies do interior brasileiro, que, durante os anos Kennedy, Nelson via como um portão do interior para o Sul industrial. Originalmente, a proposta da AIA de criação de uma agência de desenvolvimento no Brasil abrangia uma enorme área, toda a região centro-oeste de Goiás e Mato Grosso, incluindo o território onde estava localizada a Fazenda Bodoquena. 27 Mais tarde, a área proposta diminuiu e a AIA desenvolveu uma estratégia para patrocinar, através de uma fundação brasileira, uma colônia-piloto em 400 mil hectares de terras públicas em Jaíba, uma região seca e isolada do vale do São Francisco a nordeste de Brasília, "depois se expandindo para o Planalto".28 Mas quando o projeto Jaíba empacou e a AIO de Kennedy não se dobrou aos planos ambiciosos de Rockefeller para a colonização do Planalto nem deu a compensação que a AIA esperava, esta se retirou depois dos levantamentos preliminares. A atenção da AIA deslocou-se então para o Amapá, um território ao norte do rio Amazonas, que tem mais ou menos o tamanho da França e era conhecido mais por sua beleza assustadora e sua selva de seringueiras infestada de malária do que pela criação de gado. Mas esta nova fronteira não era surpreendente para a AIA, considerando que o Amapá era também foco dos novos investimentos do homem que o escritório de Rockefeller escolheu para presidir a nova fundação brasileira, Augusto T. Azevedo Antunes. O próspero Antunes tinha suas próprias razões para uma fundação. Ele estava envolvido numa empreitada conjunta de mineração, chamada Icomi, com a Bethlehem Steel no Amapá desde a época de Kubitschek. Em dezembro de 1964, alguns meses após o golpe, ele visitou Nova York com o novo ministro do Planejamento, Roberto Campos, e outros funcionários do novo regime militar. Estavam em busca de investimentos empresariais dos Rockefeller e seus aliados, incluindo o magnata da navegação Daniel K. Ludwig. "Ele estava muito entusiasmado com seu trabalho e particularmente grato por sua contribuição para o sucesso de sua fundação", escreveu Berent Friele, do IBEC, a Walter Crawford, da AIA, da Sala 5.600. "(...) Infelizmente ele não pôde ficar para um almoço oferecido por David Rockefeller na segunda-feira para [o ministro do Exterior] Vasco Leitão da Cunha. Antunes não conhece David e acredito que seria muito útil que os dois se conhecessem. David planeja uma visita ao Brasil no começo de março."
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"Estamos acompanhando com bastante interesse os acontecimentos no Brasil que, num quadro geral, são bastante encorajadores. A política sempre será um problema. No entanto, é uma sorte que o presidente Castelo Branco tenha a perspicácia e a coragem de manter-se firme em seus princípios e seguir o curso traçado por seus assessores econômicos."29 Castelo Branco se manteve firme e também Crawford em sua crença de que a nova fundação de fachada para os programas da AIA devia "receber a maior quantia possível de doações particulares". 30 A capacidade de Antunes de pagar o pato, começando com uma doação de vinte milhões de cruzeiros em julho de 1965, tomou inevitável que a AIA deslocasse sua atenção para o interesse de Antunes em suas propriedades do Amapá. Meses depois, a AIA estava ajudando a Fundação Azevedo Antunes a montar o Instituto de Desenvolvimento Regional no Amapá, um projeto que antes Crawford propusera a Antunes para o planalto.31 Em 1967, as atividades da Fundação Azevedo Antunes t:mham se expandido para a promoção do desenvolvimento agrícola em apoio à colonização por nordestinos. "Recentes descobertas de depósitos de manganês", escreveu o historiador oficial da AIA cm 1968, "trouxeram uma certa prosperidade à região, mas existe uma grande necessidade de desenvolvimento dos recursos agrícolas."32 A produção local de alimentos era essencial para reduzir os custos das colônias de mineração de Antunes. A AIA estava sendo substituída pela Fundação Azevedo Antunes e agências do regime militar. A IBEC, trabalhando através de alianças com Deltec, Antunes, Moreira Salles e credores europeus, parecia estar a ponto de uma grande expansão pelo interior amazônico brasileiro.33 Havia apenas um problema- os protestos inoportunos do pequeno empresariado e oficiais militares nacionalistas, liderados por Carlos Lacerda e pelo ministro do Interior, general Albuquerque Lima.
"A AMAZÔNIA ÉNOSSA" O que nem Galo Plaza, nem Nixon nem Nelson perceberam é que, em 1969, o nome Rockefeller não era mágico para todo mundo. No Brasil, onde a influência da família Rockefeller entre a elite empresarial internacional era realmente formidável, sentimentos nacionalistas, promovidos pelo regime militar para consolidar seu poder, não tinham se dissipado após o golpe. Numa virada irônica, o golpe que provocara suspiros de alívio nos círculos empresariais dos Estados Unidos tinha despertado paixões que agora ameaçavam se desencadear sobre os planos de desenvolvimento de duas décadas de Nelson e seus aliados para a Amazônia.
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O controle externo sobre muitas das maiores empresas brasileiras se tornara um assunto sério no governo do presidente João Goulart. Em 1962, respondendo a um estudo que mostrava que vinte dos 5S maiores grupos econômicos brasileiros eram controlados por estrangeiros, Goulart lançara um programa econômico para promover o controle por brasileiros. A imagem da Amazônia como a Grande Fronteira tomava o controle estrangeiro - particularmente o americano irritante para muitos empresários brasileiros, que temiam ser sufocados pelas grandes empresas estrangeiras ou por suas grandes subsidiárias e aliados do Sul do Brasil. Os primeiros gritos de protesto surgiram em julho de 1965, quando vazaram notícias de que uma delegação de americanos da Academia Nacional de Ciência dos EUA havia visitado o Ministério da Agricultura e o Conselho Nacional de Pesquisas. A comissão propôs a criação de centros de pesquisa para estudar a exploração da floresta e a agricultura na bacia amazônica. Os centros teriam apenas americanos, em vez da administração normal binacional. A proposta recebeu o apoio do secretário de Estado, Dean Rusk, que mandou dois representantes para dar suas bênçãos ao projeto. Ao ouvir a proposta, o governador do Amazonas, Arthur Ferreira Reis, abandonou o recinto e denunciou o projeto como uma ameaça à soberania nacional. "A Amazônia é nossa", disse ele à imprensa. Reis também denunciou que o ministro do Planejamento, Roberto Campo~ amigo de Nelson Rockefeller, apoiava o esquema como um passo rumo à "internacionalização" da bacia amazônica. Reis acusou dois grupos ligados ao Pentágono, o Instituto Hudson, de Nova York, e a Rand Corporation, da Califórnia, de conduzir pesquisas na Amazônia sem autorização adequada.34 O regime militar e Campos imediatamente negaram tudo, o ministro acrescentando que brasileiros que se opunham à cooperação com cientistas estrangeiros estavam manifestando subdesenvolvimento intelectual. A embaixada dos EUA também negou qualquer plano americano para a internacionalização da Amazônia. Idem o Instituto Hudson. "Nosso pessoal não vem conduzindo estudos nem visitas à Amazônia brasileira. Certamente nunca advogamos a internacionalização da região."35 O que não foi admitido para a imprensa, no entanto, era o óbvio: o Departamento de Estado estava apoiando as propostas de pesquisa. Tampouco Hennan Kahn, diretor do Instituto Hudson, admitiu depois seu envolvimento em propor ao Departamento de Estado uma série de "represas Assuã" para a América Latina. De fàto, em julho de 1965, a aprovação pelo Departamento de Estado das represas de Kahn chegara ao Conselho de Segurança Nacional na Casa Branca de Johnson. 36 Não era a primeira vez que Kahn se interessava pela Amazônia. Quase
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vinte anos antes, ele preparara um estudo sobre a região para a Rand. Mas seu novo esquema era mais grandioso: uma série de barragens e eclusas que inundariam áreas enormes das bacias do Amazonas e do Orinoco. A idéia na verdade tinha uma origem Rockefeller. Durante a Segunda Guerra Mundial, Nelson, então coordenador de Assuntos Interamericanos, autorizou sua equipe a preparar propostas para melhorar as hidrovias da América do Sul para "ligar o vale amazônico aos campos petrolíferos da Venezuela."37 Estes campos incluíam alguns da Creole Petroleum, subsidiária da Standard Oil, da qual Nelson era acionista majoritário e ex-diretor.• Mesmo meses antes de Pearl Harbor, Nelson, usando a rubrica de "defesa econômica" do hemisfério, defendeu o desenvolvimento de toda, a bacia amazônica, com as hidrovias agindo como tecido de interligação. Em novembro de 1942, o ministro do Exterior da Venezuela anunciou um acordo bilateral com o Brasil para desenvolver uma hidrovia interamericana ligando os rios Orinoco e Amazonas através de dois afluentes, o Casiquairc e o Negro.38 O esquema de Kahn ressuscitava seu plano anterior e ia mais adiante. Quando revelado em dois relatórios do Instituto Hudson assinados por Robert P.mero, o "Grande sistema de lagos sul-americano" teria consistido numa série de cinco lagos artificiais, o primeiro e mais importante deles ligando a parte superior do rio Orinoco ao rio Negro brasileiro através da fronteira colombiana. O sistema de Kahn se centrava no desenvolvimento comercial e industrial da bacia amazônica, ignorando a devastação ecológica em potencial de tal abordagem num ecossistema complexo e vulnerável. Na verdade, o alargamento do Amazonas não estava sendo proposto prioritariamente para aumentar a navegação, mas para eliminar os pântanos e corredeiras que impediam o desenvolvimento das planícies superiores, supostamente mais férteis, e que bloqueavam o acesso a recursos minerais recém-descobertos. Graças à concessão, pelos generais, de direitos sobre o subsolo a empresas estrangeiras, os recursos minerais exportáveis eram uma promessa de divisas em moeda forte para um regime sufocado pela inflação. Algumas das represas usadas para criar os lagos gerariam eletricidade suficiente para as minas e fábricas de processamento, enquanto os lagos permitiriam que navios de grande calado car•Brasil e Venezuela eram as peças-chave do Projeto de Desenvolvimento da Amaz.õnia de Nelson e J. C. King-o Brasil, porque a maior parte da bacia arnazõnica estava em seu território, e a Venezuela, porque os recursos petrolíferos ji em processo de exploração (algo que faltava ao Brasil e de que este necessitava), poderiam alimentar o desenvolvimento industrial e comercial da bacia. Um dos assessores de Nelson sobre o assunto era o dr. Harvey Bassler, cc-geólogo da Standard Oil de NCM1Jersey. Ver John McClintock para Nelson Rockefeller, 1° de abril de 1942, Arquivos Centrais, Caixa 1, arquivos do Coordenador de Assuntos lnteramericanos, Arquivos Nacionais (Centro Federal de Rrgistros, Suitland, Maryland).
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regados de minério ligassem as minas e fábricas ao mercado externo. Mas foi precisamente a promessa de exploração da Amazônia que inspirou revolta nos brasileiros em vez de elogios agradecidos. Ao ignorar questões de controle e propriedade, o estudo de viabilidade técnica de Kahn inspirou os brasileiros a discutir este tema. Entre 1965 e 1967, os brasileiros souberam pela primeira vez que levantamentos aéreos da Força Aérea dos EUA -
anteriormente suspensos pelo presi-
dente Vargas - recomeçaram após o golpe de 1964, sob os auspícios da Levantamentos Geodésicos Interamericanos. Os vôos não tinham aprovação do Congresso brasileiro39 e cobriam áreas onde se suspeitava haver filões minerais valiosos. Segundo o contrato original com o governo Vargas, todos os negativos de filmes, depois de revelados nos EUA, deviam ser enviados ao Brasil e mantidos em confiança. No final de 1967, vazamentos por militares brasileiros e, mais tarde, pela equipe da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, indicaram que empresas americanas e canadenses usaram o material fotográfico para localizar por conta própria afloramentos de minerais valiosos em Minas Gerais. Depois de investigações locais, estas empresas pediram ao regime militar - e conseguiram - licenças de exploração,40 bem antes dos depósitos minerais serem levados ao conhecimento dos brasileiros por seus governantes. Notícias dos levantamentos, vôos não autorizados e aeroportos clandestinos causaram uma série de protestos no Brasil. Carlos Lacerda, antes um informante de AdolfBerle e promotor da derrubada de governos nacionalistas anteriores, de repente surgiu com uma versão própria de nacionalismo, acusando o regime militar de introduzir uma "política de tecnocratas" que promovia "um conceito neocolonialista no Brasil", ou seja, a dependência dos Estados Unidos.41 Em 1966, ele soltou uma bomba, revelando que o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, se confessou muito grato pela derrubada do governo Goulart, porque os Estados Unidos não precisaram intervir diretamente com operações militares.42 Gordon negou a declaração, mas isso não impediu Lacerda de fazer pela imprensa novas acusações de que o governo Johnson tinha sido "indiscreto" em "interferir nos assuntos políticos brasileiros e insensato nas relações de ajuda e negócios". Depois proclamou, como se tivesse acabado de descobrir o que já sabia secretamente há muito tempo: "Estou convencido de que os EUA ajudaram a revolução de 1964.,,43 Agora Lacerda estava sendo indiscreto. Mas ele planejava jogadas maiores, contando liderar uma revolta nacionalista de direita nas eleições marcadas que destronariam o general Costa e Silva, o sucessor escolhido de Castelo Branco. Lacerda estava apostando numa crescente convicção entre os brasileiros de que as medidas de austeridade do regime atingiriam não apenas os trabalhadores, mas
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os empresários. O aperto do crédito e a política austera de empréstimos estavam forçando as empresas brasileiras a vender seus ativos por até 40% do seu valor. Já em dezembro de 1966, a revista Time informou que 50% das indústrias brasileiras tinham passado para mãos estrangeiras desde o golpe... Brasileiros ricos que estavam amarrados aos interesses estrangeiros, como o magnata da mineração Azevedo Antunes, se beneficiavam através dejoint ventures com empresas americanas e canadenses, incluindo firmas ligadas aos Rockefeller. Por isso, foi irônico que Lacerda, um nacionalista, viajasse a Nova York em outubro de 1968 para pedir aos internacionalistas Nelson Rockefeller e AdolfBerle a neutralidade americana e, até, ajuda em sua luta pelo poder.45 Se os resultados da campanha de Lacerda pareciam determinados de antemão para homens como Berle, isto não parecia óbvio para os brasileiros. A maior parte deles achava que os generais precisavam do apoio de líderes políticos como Carlos Lacerda e o governador Magalhães Pinto para governar. Também havia a considerar um forte sentimento nacionalista nas próprias fileiras militares, especialmente entre os oficiais mais jovens. Finalmente, havia o escândalo crescente da Amazônia, para onde empresas estrangeiras se mudavam a uma velocidade sem precedentes. A entrada da U .S. Steel no Pará, onde geólogos alegaram ter descoberto "por acidente" um dos maiores depósitos de ferro na serra de Carajás, levantou suspeitas. Tivera a companhia acesso a levantamentos aéreos sigilosos? Não, segundo uma versão oficial do achado lucrativo. Um geólogo da empresa acabara de descobrir a montanha, entre dezenas de milhares de hectares de selva, porque tivera de fazer um pouso forçado de helicóptero e encontrara uma clareira na selva verde. 46 Depois de pousar, descobriu que a área não tinha árvores porque o chão consistia de ferro de alto teor, dezoito bilhões de toneladas, como se soube depois. O relatório da U .S. Steel no Engineering and Mining ]()Urna/, por outro lado, admitiu que a descoberta foi tudo, menos acidente: "A descoberta foi feita durante um programa de exploração sistemática na região sul do Pará, entre os rios Xingu e Tocantins."47 Como as empresas americanas sabiam onde procurar? Explorações custosas "usando barcos, aviões monomotores e helicópteros" não teriam sido lançadas sem expectativas razoáveis. A busca começou no início de 1967, um ano depois de um levantamento similar da U nion Carbide descobrir manganês a apenas 69 quilômetros de distância. Em agosto, a U .S. Steel tinha encontrado um terreno rentável na mesma região. O fato de que a região de Carajás era o lar dos índios xikrín, uma tribo caiapó classificada de "potencialmente hostil" pelo SIL, não diminuiu o entusiasmo da U .S. Steel em reivindicar sua descoberta. Tampouco a presença de três outras
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tribos, os mudjetíre, os parakanan e os misteriosos kreen-akarore, tcx.los com direitos de propriedade segundo a Constituição brasileira.
CRIANDO GADO C0/1\ REIS Quaisquer dúvidas ainda existentes de que o regime núlitar de Brasilia estava abandonando sua confiança declarada nos pequenos prcx.lutores para desenvolver a Amazônia, acabou quando a Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) anunciou incentivos fiscais no final de 1966 para encorajar grandes empresas. Qualquer companhia formada até 1974 e considerada de impacto econômico regional teria uma isenção fiscal de dez anos, empresas coligadas teriam um desconto de 50% nos impostos sobre o faturamento e a importação de maquinaria não seria tributada. Para apoiar o financiamento dos investimentos, o regime fundou o Banco da Amazônia. Os Klebergdo Texas, aliados da Standard Oil de Nova Jersey e dos Rockefeller por mais de trinta anos, estavam entre os primeiros americanos a se aproveitar da nova legislação do regime militar. Em 1968, o Rancho King, dos Kleberg, juntou-se à Swift Armour do Brasil para conseguir a aprovação de Brasília para uma fàzenda de 72 mil hectares no estado do Pará. Localizada perto de Paragominas, a propriedade devia realizar o sonho de transplantar para o vasto interior amazônico da América do Sul as técnicas de criação e pastagem aperfeiçoadas nos pastos secos do Texas e da Nova Zelândia.48 Igualmente promissora, a terra do Pará era imediatamente ao sul de onde a Rio Tmto Zinc, a mineradora britânica, estava reivindicando o que seria uma reserva de bauxita de 1, 1 bilhão de toneladas, três vezes o que o governo calculara.49 Não era surpreendente que a terra bem drenada fosse lar_ de duas tribos, os tembé e os urubus-kaapor. As tribos tinham sido pacificadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e os urubus tinham sido depois "ocupados" por missionários do SIL. O governo do Pará tinha até reconhecido o direito das tribos a estas terras numa projetada reserva indígena. Em 1968, no entanto, a sucessora do SPI, a Fundação Nacional do Índio (Funai), deu um certificado à Fazenda King e à Swift declarando que os 45 mil hectares desejados pelas empresas não estavam ocupados pelos índios. Este documento era um pré-requisito legal para as empresas começarem a operar na área com incentivos fiscais da Sudam. Segundo várias informações, King/Swift a seguir pediu ao Pad que anulasse os títulos de propriedade dos índios. O governo resistiu, assim como a Funai,5° mas o ministro do Interior, general Costa Cavalcanti, e a empresa mineradora do governo, a Cia. Vale do Rio Doce, intervieram ao lado
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da Rio Tinto como acionistas minoritários numa novajoint 'Venture com a empresa britânica, forçando a Funai a um acordo que começaria o desmembramento sistemático da reserva indígena. Enquanto isso, em julho de 1969, King e Swift estavam apregoando para a revista Fortu11e não apenas que tinham um título sobre 72 mil hectares, mas que tinham negociado outros 48 mil hectares com o Pará.51 Já então, os Swift e os Kleberg tinham novos sócios, os Rockefeller. A Deltec Intemational engolira a Intemational Packers Ltd., a empresa da Swift que tinha os rebanhos e operações mundiais de embalagem de carne, num único golpe.s2 Que o "Novo Brasil" dos generais se tomasse o ponto de reunião de Rockefeller, Kleberg e Swift não era um acidente histórico. Harold Swift tinha sido amigo de Nelson anos antes, quando os Swift e os Armour já eram os reis da carne do Oeste americano. Em 1957, os Rockefeller tinham mandado o primo Richard Aldrich para inspecionar a propriedade da Swift-Armour no Brasil, que os atraía porque seus direitos de água eram valiosos para a pecuária durante a seca do inverno brasileiro.53 Os laços dos Klebergcom Nelson, por outro lado, datavam do início dos anos 1930, quando Nelson, o tio Wmtbrop Aldrich e funcionários do Chase visitaram a fazenda King, local de uma nova descoberta de petróleo pela Esso, subsidiária texana da Standard Oil de Nova Jersey. Foi o faturamento obtido com o petróleo que permitiu a expansão da Fazenda King no exterior. Agora, no Brasil, um novo "Oeste" tinha juntado as mesmas famílias para uma conquista econômica similar. Como que para sublinhara importância de sua aliança financeira, o presidente da Intemational Packers, A. Thomas Taylor, marido de Geraldine Swift, foi elevado à presidência da Deltec Intemational. A Deltec, uma das maiores competidoras do banco de investimentos da IBEC, o Crescinco, se tomara uma usina de força Rockefeller. Os Rockefeller tinham levado para o lado da Deltec poderosas fúrias financeiras do passado: o Chase Manhattan de David; Irving Trust; J. Henry Schrocler Bankin Corporation e o FlJ'St National Bank of Chicago, o banco favorito da Standard Oil de Indiana, parente da primeira e única diretoria petrolífera de Nelson, a Creole Petroleum da Venezuela.54 A diretoria da Deltcc refletia esta influência financeira, com Nelson representado pelo seu principal sócio no Brasil, Walther Moreira Salles, diretor da IBEC.
DEFENDENDO OS INTOCÁVEIS No calor das expectativas brasileiras para o desenvolvimento da Amazônia, um estranha transformação aconteceu entre os nacionalistas de direita do país. As
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mesmas pessoas que não demonstravam preocupação com os habitantes das terras que destruíam agora falavam a favor daqueles que antes apenas consideravam obstáculos à ambição humana. Os índios da selva, os Intocáveis do Brasil, de repente encontraram um campeão inesperado. Era uma metamorfose sem-vergonha, mas aceitável para pessoas como os irmãos Villas-Boas, que temiam horrores piores. Aconteceu quando a celebrada bolha do SPI explodiu, mandando pelos ares o mito de uma sociedade que cuidava dos índios. O assunto que precipitou a crise do SPI foi um artigo em 1966 numa publicação internacional de antropologia sobre o massacre, em 1963, de uma aldeia de índios cintas-largas. O autor, George Grünberg, teve a audácia de chamar o massacre de genocídio. 55 Seu senso de oportunidade foi feliz, pois as condições políticas estavam maduras para expor as coisas. O artigo expunha o que estava acontecendo no noroeste de Mato Grosso, onde buldôzeres americanos Caterpillar estavam avançando na selva para construir uma ligação da rodovia Transamazônica de Cuiabá, a capital de Mato Grosso, a Porto Velho, capital de Rondônia. Quatorze pontes foram construídas ao longo da rota de 1.450 quilômetros com 52,6 milhões de dólares emprestados pela AIO. O Exército dos EUA doou um milhão em equipamentos pesados para o Exército brasileiro pôr mãos à obra. Era claramente um projeto envolvendo um assunto de segurança nacional para os governos do Brasil e dos EUA. Uma nova fonte de riqueza tinha sido descoberta na área: cassiterita, um mineral necessário para a produção de estanho. Foi este raro mineral que inspirou a Companhia Arruda eJunqueira a enviar ao território dos cintas-largas, em 1963, uma expedição que resultou num assassinato em massa. A expedição tinha derrubado pessoas como se fossem árvores. Usando uma das muitas pistas abertas na selva desde a Segunda Guerra Mundial, um Cessna chegou trazendo duas armas: açúcar para atrair os índios de seus esconderijos e acalmar seus temores, e depois dinamite. O reconhecimento aéreo encontrou os poucos sobreviventes da aldeia bombardeada e eles foram mortos também. Este massacre nunca teria vindo à luz se um dos assassinos, Ataide Pereira, não tivesse contado ao seu confessor católico sobre o ataque. O padre Edgar Smith convenceu o homem a repetir a história diante de um gravador e depois entregou a fita ao SPI. O envolvimento da Igreja católica e a vívida descrição dos fatos garantiram que não fossem ignorados. "Não é a primeira vez que a firma de Arruda e Junqueira cometeu crimes contra os índios", contou o padre Valdemar Veber a um investigador policial. "Esta firma age como cobertura para outros empreendimentos interessados em adquirir terras ou que planejam explorar os ricos depósitos minerais existentes na área." A cassiterita era apenas a última sensação. 56 Mas havia rumores de que poderosas empresas americanas estavam interessadas no
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potencial de Rondônia como fonte de estanho. Nmguém sabia quantos cintas-largas tinham sido mortos até a ocasião e quantos mais estavam no caminho. Mais tarde, de três a cinco mil índios foram encontrados em aldeias espalhadas entre os afluentes dos rios Aripuanã e Jipapana, a norte da nova base do SIL em Vilhena e ao longo do primeiro rio explorado em 1913 pelo ex-presidente Theodore Roosevelt e o general Cândido Rondon. Três anos mais tarde, depois de passar por quatro promotores relutantes, o caso do massacre dos cintas-largas ainda estava definhando no sistema judiciário estadual. Não havia acusações formais e nada de julgamento e pelo menos quatro dos acusados estavam ausentes. Dois tinham se afogado "durante pescarias". O piloto do avião que costumava dinamitar as aldeias indígenas também estaria morto, vítima de um desastre aéreo. O líder da expedição morreu nas mãos de seringueiros revoltados. O padre Smith, uma testemunha-chave, desapareceu; mais tarde, soube-se que morreu num acidente de automóvel. O artigo de Grünberg relatava o genocídio não apenas dos cintas-largas, mas de seus vizinhos, os beiços-de-pau. O artigo deu ao ministro do Interior nacionalista, general Albuquerque Lima, a oportunidade de assumir o caso quando foi encaminhado ao proc~dor-geral J áder Figueiredo em setembro de 1967. Albuquerque Lima lançou uma investigação total não apenas do incidente com os cintas-largas, mas do que o SPI estava fazendo para proteger as tribos entregues à sua guarda. Os investigadores viajaram dezesseis mil quilômetros e visitaram 130 postos do SPI por todo o país. Quando acabaram, tinham vinte volumes de evidências de crimes, variando de malversação a assassinato. Em março de 1968, Albuquerque Lima divulgou o relatório oficial de S.115 páginas. Num tom contido e moderado, o relatório citava caso após caso de atrocidades sistemáticas cometidas contra os índios com a colaboração do SPI: distribuição de roupa coritaminada com varíola, alimentos envenenados, crianças escravizadas, mulheres prostituídas. Sim, o SPI sofreu com cortes orçamentários e teve que lidar com o "impacto desastroso da atividade dos missionários", mas o próprio serviço delegou aos missionários, muitos deles fundamentalistas americanos sem a menor simpatia pela religião nativa, a pacificação e serviços que eram de sua responsabilidade. Esta situação não podia ser mais tolerada. O ministro decretou que o SPI devia ser extinto e 134 de seus setecentos funcionários seriam processados judicialmente por crimes que, quando publicados num jornal, ocuparam uma página inteira em letras pequenas. O major Luís Neves, diretor do SPI, foi acusado de 42 crimes, incluindo recebimento de trezentos mil dólares pela venda de terras indígenas e cumplicidade em diversos crimes. O procurador-geral Figueiredo ofereceu detalhes aterradores aos jornalistas.
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Desde 1958, quando os militares assumiram o SPI e Kubitschek começou a construção de Brasilia, 62 milhões de dólares em propriedades indígenas tinham sido roubados. Mas isso não era nada. "Não foi apenas a apropriação de fundos, mas a admissão de perversões sexuais, assassinatos e todos os outros crimes listados no Código Penal contra os índios e suas propriedades, que caracterizam o SPI como um antro de corrupção e matança indiscriminada." 57 Os guaranis do sul de Mato Grosso, oeste do Paraná e noroeste do Rio Grande do Sul, que foram avaliados em três a quatro mil por Darcy Ribeiro em 1957,58 estavam reduzidos a 300.59 Os borôros tiveram a maior parte de seu gado vendida ilegalmente por agentes do SPI em Teresa Cristina, a reserva no sul de Mato Grosso dada a eles supostamente em caráter permanente para honrar a memória do piedoso fundador do SPI, general Cândido Rondon, cuja mãe era em parte borôro. "Havia duas fazendas, uma chamada Teresa, onde os índios trabalhavam como escravos", relatou uma jovem índia. Eles me tiraram da minha mãe quando eu era criança. Depois soube que deixaram minha mãe pendurada a noite inteira.(...) Ela estava muito doente e eu queria vê-la antes que morresse. (...) Quando voltei, eles me surraram com um chicote de couro cru. Eles prostituíam as índias.(...) Os índios eram usados para prática de tiro ao alvo. 60 Os borôros estavam num tal estágio de desespero que as mulheres tomavam uma planta que as deixava temporariamente estéreis.61 A ladainha de índios assassinados parecia interminável. Os nambikuaras tinham sido dizimados pelo fogo de metralhadoras, os pataxós foram inoculados com varíola pensando que estavam tomando vacina, os canelas foram massacrados por jagunços e os maxakalís tinham recebido aguardente e geralmente eram mortos a tiros quando estavam bêbados. "Para exterminar a tribo beiços-de-pau(...) uma expedição foi formada para subir o rio Arinos com presentes e uma grande quantidade de alimentos para os índios, contaminados com arsênico e formicidas. "62 Dos cem mil a duzentos mil índios que se estimava estarem vivendo no Brasil em 1957,63 menos de cinqüenta mil sobreviveram, segundo alguns antropólogos. Albuquerque Lima e Figueiredo prometeram justiça. Primeiro, foi criada a Funai e um civil, José de Queiroz Campos, nomeado o primeiro presidente. Segundo, o Parque Nacional do Xingu foi expandido de 22 mil para 30 mil quilômetros quadrados. Terceiro, três novos parques indígenas foram criados: Aripuanã, no Oeste de Mato Grosso e Rondônia, Araguaia, na ilha de Bananal, e Tumucumaque, no Pará. Novas reservas foram também reconhecidas para algumas tribos. Os beiços-de-pau deviam ficar protegidos numa reserva de 7. 770
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quilômetros quadrados e uma equipe da F\mai estava pronta para entrar na área e pacificá-los. Quanto aos sitiados cintas-largas, Francisco Meirelles, pacificador da tribo xavante, e seu filho Apoena foram despachados para o novo Parque Aripuanã para convencer os índios com cintos de cascas de árvores de que tudo estava bem agora, que podiam confiar nos amigos da Funai e se instalar perto do posto da fundação. Durante nove meses os índios resistiram ao estágio inicial de "flerte" da campanha de pacificação de Meirelles, ignorando seus presentes de bugigangas e ferramentas. Fmalmente, eles também sucumbiram ao amor. Foi mais difícil agarrar seus assassinos. Em março de 1968, o procurador Figueiredo mandou indiciar membros da expedição de 1963 contra os cintaslargas. "Desde agosto de 1966, os papéis relacionados ao caso vêm rolando num jogo interminável de desculpas e pretextos grotescos", declarou Figueiredo, "em grave detrimento do prestígio da Justiça. "64 Palavras duras como essas eram pouco comuns. O novo promotor, o oitavo do caso, fez as acusações fonnais. Os donos da empresa Arruda e Junqueira, Sebastiano Arruda e Antonio J unqueira, não foram acusados porque "seu consentimento do massacre dos índios nunca foi confinnado". Mas o sádico líder da expedição - Brito-, que estava morto, e três outros acusados que tinham se afogado em pescarias ou morrido de outras fonnas, foram indiciados,junto com dois ainda vivos. Um julgamento jamais aconteceria, no entanto, antes de quatro anos e muitos protestos internacionais.
REMOVENDO OÚLTIMO OBSTÁCULO · Albuquerque Lima e seus aliados nacionalistas pressionaram com sua campanha para recuperar terras amazônicas de empresas estrangeiras. Em abril de 1968, o Brasil ficou espantado com a notícia de que a maior parte das terras na foz do rio Amazonas estava em mãos estrangeiras. Albuquerque Lima apoiara uma investigação pelo Congresso do avanço estrangeiro sobre as terras da Amazônia, detonada por um relatório de 1967 enviado ao Congresso pelo Instituto Brasileiro de Refonna Agrária. O documento listava oitenta dos maiores donos estrangeiros de terras que agora controlavam os mais ricos depósitos minerais do país. Albuquerque Lima também aprovou o decreto de Costa e Silva que restringiria novas aquisições por estrangeiros na Amazônia. Mais ou menos na mesma época, a voz da ala nacionalista de Lacerda, o Jornal do Brasil, pediu que a Petrobrás aumentasse os esforços de exploração visando a auto-suficiência brasileira em petróleo. Funcionários da Petrobrás viram claramente a conexão amazônica e, de
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mau humor, responderam que alguns grupos queriam desperdiçar milhões de dólares furando "buracos secos na região amazônica" .6S A questão dos tradutores americanos da Bíblia colaborando com o SPI tunbém foi levantada: "Na realidade, aqueles em comando destes postos de proteção aos índios são missionáros norte americanos - eles estão em todos os postos e desfiguram a cultura indígena original, forçando a aceitação do protestantismo."66 Ironicamente, os nacionalistas, com todo seu fervor contra a penetração norte-americana da Amazônia e as acusações de Lacerda de que o regime militar se tornara uma ferramenta da CIA, não perceberam que o levantamento de tribos feito pelo SIL em 1965 para o Conselho Nacional de Proteção ao Índio tinha sido publicado por um instituto de pesquisas americano sabidamente ligado à CIA, e que a tradutora e editora do livro, Janice Hopper, era viúva recente do diretor do Projeto Camelot, Rex Hopper, cuja ajuda ela reconhecia no prefácio. A empresa Pesquisa de Operações e Política foi identificada em 19 de fevereiro de 1967, pelo jornal 1ne New York Times, como beneficiária de verbas da CIA. Este descuido foi ainda mais notável, uma vez que a publicação da pesquisa coincidiu com a divulgação das ligações com a CIA e o burburinho brasileiro sobre a penetração empresarial americana no Brasil. Nenhuma pergunta foi levantada sobre o rato de que nove das tribos submetidas a práticas genocidas ou ataques devastadores quando estavam sob a custódia do SPI tinham sido "ocupadas" pelo SIL:
'1nôos 'Vitimas de ataJJUeS ge1'11JCida.1'7 Ano de "OCUJXlfão•pekJ SIL Xavante Karajá Kadiwéu P.u-ukotó-charuma (incluindo hixkaryana) Borôro Guarani Maxakalí Canela Ticúna
1958 1958 1958 1958 1959 1959 1959 1968 1959
Tampouco se levantaram dúvidas, na ocasião ou mais tarde, sobre o uso, pelo SIL, das palavras hostil ou óelicoso para descrever grupos indígenas que tentavam defender suas terras de invasões, incluindo três tribos que sofreram ataques genocidas: os cintas-largas, os beiços-de-pau e os xikrín. Mesmo o simples nú-
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mero de tribos - 24 - colocadas em mapas e classificadas pelo SIL como "potencialmente hostis"68 devia ter causado algumas suspeitas.• 1nóos potencialmente hostis
Juma
Cintas-largas ( esta tribo "belicosa" foi colocada logo abaixo da área "potencialmente hostil" do Aripuanã superior, onde a maioria se encontrava) PMucotó-xaruma (o SIL começara a trabalhar com um grupo, o hixkaryana) Apalaí (Aparaí) Kayab{ Aiwateri Guaharibo Kámpa (Campa no Peru) Maya (mayoruna no Peru) Mandawáka Beiços-de-pau Ipewí ltagopúk Mudjetíre Apurinã Boca-negra
Suruí
Gavião Txikão Dioré Xikrín
Kreen-akarore Arara Pakidái Na verdade, das 140 tribos listadas na pesqui~ somente duas - os canelas, do vale do Tocantins, e os juma, do rio Mucuim-estavam especificamente apontadas como tendo a sobrevivência ameaçada por violentos ataques e apenas por "brasileiros locais", não como resultado de uma política de desenvolvimento cria•DaJe Kietzman, diretor do SIL no Brasil, informou alguns casos de invasões de terras indígenas nos anos
1950 e em "passado recente", particuwmcnte no Nordeste, por •colonos" e "donos de terras". Com apenas
algumas cxceçõcs-no12velmcnte a tomada de terras dos xoldbig de Santa Catarina e dos borõros de Mato Grosso-invasões passadas ainda eram mencionadas como parte de um vago processo de "integração" que produzia "sobreviventes" ou tribos "extintas".
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da em Brasília. Em outros relatórios negativos, as tribos eram citadas como "perdendo a vontade de viver" ou "desintegrando-se" em resultado do "contato" com brasileiros. E mesmo no caso dos canelas, o SPI foi mencionado como oferecendo "a única proteção possível contra novos ataques1169• Nesta "confusa" situação contemporânea, o SIL entrou em 1966, no mesmo ano em que o levantamento foi publicado, para apressar a tradução da Bíblia para a língua canela antes que ela desaparecesse com os índios. Uma área onde o SIL se viu sob suspeita foi no programa de aviação. Havia um número mais do que suficiente de pilotos treinados no Brasil. "Existe também oculto nos bastidores a questão da segurança nacional e de pilotos estrangeiros,1170 escreveu Jim Wilson, o assessor de imprensa do SIL brasileiro, a Cam Townsend em abril de 1968. Era um tema potencialmente explosivo para o SIL. Americanos não ligados ao instituto tinham sido presos recentemente por contrabandear amostras de minerais para fora da Amazônia e a imprensa brasileira estava coalhada de protestos de nacionalistas contra a retirada de amostras minerais das áreas indígenas, incluindo das terras dos cintas-largas, por representantes de empresas estrangeiras. Cam agiu rapidamente. Durante outra Conferência Indígena Interamericana, no México, ele conheceu o novo diretor da Funai. A seguir, visitou o embaixador brasileiro para defender um contrato entre o SIL e a Funai. Cam passou duas semanas no Rio e em Brasília, construindo a imagem do SIL através de uma série cuidadosamente planejada de eventos de relações públicas, incluindo uma recepção formal no Museu do Índio, no Rio, fundado por Darcy Ribeiro. O objetivo de Cam permanecia inalterável: alcançar as pessoas no poder. O sucesso chegou a 1° de setembro, quando o esforço de Cam lhe valeu acesso ao gabinete do presidente do Brasil. O general Costa e Silva não reagiu negativamente à proposta de Cam de um contrato ministerial e o enviou ao ministro do Interior, onde seu apoio prevaleceu sobre qualquer relutância da equipe de Albuquerque Lima. Quando Cam deixou o ministério, ele tinha, em princípio, a concordância de Albuquerque Lima para o fornecimento de gasolina, como no Peru, permissão para o JAARS operar e um contrato com o consentimento do presidente da Funai. Cam partiu do Brasil para o Peru, confiante de que "nossos pilotos conseguirão voar novamente". 71 Voaram, mas s6 depois que Albuquerque foi removido do ministério. A princípio, parecia que o ministro estava tentando recuar do acordo. O ministério relutou em assinar um acordo com uma organização americana sobre a qual teria pequeno controle legal. Para um governo que estava licenciando uma organização para operar aviões sobre uma vasta extensão de território isolado, as escassas perspectivas de exercer até mesmo um controle informal sobre as ativi-
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dades do SIL eram inquietantes: usar um contrato para exercer poder legal sobre seus funcionários locais era o único recurso. Albuquerque Lima insistiu que o acordo poderia ser assinado somente com a filial brasileira do SIL, não com Cam como diretor-geral de uma matriz americana. Era outro exemplo de luta contra a influência estrangeira que logo derrubaria o ministro. Albuquerque Lima estava fazendo inimigos. Enquanto suas unidades militares construíam estradas, rodovias, pontes e estabeleciam treze colônias para estimular o desenvolvimento na Amazônia,72 ele também parecia inclinado a proteger os índios amazônicos. Separou uma reserva de 7. 770 quilômetros quadrados, em outubro de 1968, para os beiços-de-pau de Mato Grosso. Ao mesmo tempo, os irmãos Vtllas-Boas, fundadores do Parque Nacional do Xingu, estavam autorizados a tentar contato com os kreen-akarore, o misterioso grupo tornado famoso como a "tribo que se esconde do homem" pelo escritor e expedicionário Adrian Crowell. A feroz defesa da tribo de suas terras a noroeste do parque, somada a sua política de "nada de prisioneiros" em relação aos intrusos, tinha sido compreensivelmente eficaz. O território da tribo estava no centro de um velho distrito de mineração de ouro. O retângulo não explorado, 563 quilômetros por 402 quilômetros de vales selvagens e rochedos entre os rios Xingu e Tapajós, tinha sido deixado em branco no mapeamento de 1964 do SIL, como se profetizasse inadvertidamente o destino da tribo. Vendo como os buldôzeres arrancavam tão facilmente as árvores de raízes rasas da floresta tropical, Claudio e Orlando Vtllas-Boas pcxliam prever também o fim terrível. Eles só pediram recursos para uma expedição de contato pacífico com os índios antes que as equipes rodoviárias da Operação Amazonas desencadeassem o holocausto, convocando o poderio militar brasileiro. Já em julho de 1967, um incidente ocorrera quando um bando de aproximadamente cem kreen-akarores decidiu visitar Cachimbo, uma das pistas de pouso construídas pelos Vtllas-Boas em 1951, mais tarde expandida para se tornar uma base aérea. Embora a intenção pacífica dos índios estivesse clara pela sua aproximação desarmados (tendo deixado as armas num dos extremos da base) e de estarem acompanhados por mulheres e crianças, sua aparição provocou tal pânico na base que jatos e tropas foram chamados de Belém, Manaus e até de Bananal. Os soldados eram treinados em combate na selva, presumivelmente formados pelo novo Centro de Treinamento de Guerra na Selva, inspirado pela CIA e pelos Boinas Verdes, e sediado em Manaus. Mas o general local, quando tentava pousar, viu os índios perto da pista, mergulhou e passou por sobre a cabeça deles. Os kreenakarores se internaram de novo na floresta. 73 Em vez de criar ataques indígenas onde não existiam, a nova Fbnai, sob Albuquerque Lima, esperava que nenhum fosse provocado. Em vez disso, auto-
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rizou expedições pacíficas aos kreen-akarore e a outras tribos do norte, enquanto providenciava a criação de parques e reservas para proteger os índios. Para provar sua sinceridade e acabar com a grita mundial, Albuquerque Lima convidou diversas organizações internacionais de defesa dos direitos humanos para mandar seus próprios investigadores visitar as tribos. Para horror do regime, várias aceitaram. Se isso já não era suficientemente ruim para a carreira política de um ministro
no Brasil pós-golpe, Albuquerque Lima ainda era o mais engajado membro do ministério no apoio aos esforços do Congresso para restaurar a democracia e inibir a aquisição de terras e empresas brasileiras por interesses estrangeiros, a maior parte deles poderosas empresas. Em dezembro de 1968, esta campanha conseguira tal projeção que a oposição parecia a ponto de ter uma vitória esmagadora nas eleições legislativas do ano seguinte. O temor de um novo golpe se espalhava. A morte do ex-presidente Castelo Branco no ano anterior tinha removido a única restrição significativa aos generais. Quando o golpe finalmente veio, foi quase um anticlímax. Em 1964, tinha sido esmagada a ala esquerda dos nacionalistas; desta vez foi a ala direita, incluindo o ex-governador Carlos Lacerda- adversário do projetado terminal de exportação de minério da Hanna Mining no seu estado da Guanabara - e Albuquerque Lima. Lacerda foi preso; Albuquerque Lima foi politicamente marginalizado e logo perdeu o cargo.
40 OSHOW DE HORROR DE ROCKY
"CAMINHANDO" NOITE ADENTRO Bem acima da Rockefeller Plaza, em Manhattan, agentes da família Rockefeller na Sala S.600 assistiram num silêncio de pedra enquanto a repressão, selvagemente moderna, estrangulava o Brasil, baixando decretos de dia, caçando de noite. Pessoas ligadas ao império financeiro da famflia informavam com detalhes o que acontecia. O capelão presbiteriano da Universidade de Comell, William W. Rogers, ex-diretor do extinto Projeto Brazil-Comell no Nordeste brasileiro (uma vítima do medo da CIA), trouxe o tipo de notícias que poucos jornalistas americanos, incluindo aqueles fora do Brasil e livres da censura do regime, se importavam em noticiar ou tinham permissão para isso. "Mil líderes da banida União Nacional [de] Estudantes foram presos em São P.lulo durante o fim de semana", escreveu do Rio em outubro de 1968, dois meses antes do segundo golpe no Brasil· em uma década. Estudantes responderam com manifestações em todas as grandes cidades, mas não eram páreo para soldados armados. O relatório de Roger era detalhado:
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SEJA fEIIA AVOSSA VONIADE A polícia militar em sua maior parte é rápida, dura e eficiente. Também pode ser destrutiva e mortífera. ( ...) Alguns estudantes foram mortos a tiros nos últimos três meses. .Às vezes, o centro do Rio parece uma cidade ocupada. As ruas são regularmente patrulhadas por tropas de elite bem disciplinadas quando necessário reforçadas pela cavalaria, canhões de água e tanques. (...) Está claro que o governo considera estes estudantes uma ameaça à "segurança nacional". Neste caso "segurança nacional" quer dizer "segurança do atual governo", uma vez que parece muito improvável que estes estudantes possam realmente subverter e tomar o poder no Brasil.(...) Rumores sobre um golpe de direita são comuns e abertamente discutidos no Congresso. (...) O atual governo não deve durar além de dezembro.•
Apesar do domínio ditatorial, a determinação dos estudantes ainda não tinha sido quebrada. No Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho, transmitido em rede nacional de televisão, o jovem Geraldo Vandré cantou uma poderosa canção de protesto chamada Caminhando. Ele "cantava sobre fome e protesto, soldados e canhões, viver e morrer sem razão", infonnou Rogers ao escritório de Rockefeller. "A multidão, a maioria estudantes(...), aplaudia e cantava cada palavra com Vandré. Caminhando era a sua canção e Vandré, seu herói. "2 A revista O CTUzeiro chamou a ocasião de "o festival de Vandré" e Rogers notou a reação extremada do governo militar, transcrevendo um trecho de reportagem publicada no Brazil Hera/d, no Rio: RIO DE JANEIRO (15 de outubro)-Lojas de discos foram notificadas pela polícia política ontem de que não devem tocar a canção Caminhando, de Geraldo Vandré (...) O chefe de polícia da Guanabara ( ...) chamou a letra da canção de ofensiva às Forças Armadas porque inclui um trecho que diz que os soldados nos quartéis "aprendem a matar e têm uma vida sem sentido.(...)" Estão sendo tomadas providências para proibir a venda do disco (...) e todos os shows.(...) A polícia no Rio prendeu pessoas que aparentemente levavam cópias da letra.
Rogers descreveu choques entre estudantes, de um lado os pró-americanos da Faculdade Mackenzie, "aparentemente a sede de uma organização direitista chamada CCC (Comando de Caça aos Comunistas) que promete matar "cinco comunistas por cada democrata morto", e de outro lado estudantes esquerdistas da Universidade de São Paulo. "O conflito é sério e agressivo e outro jornal fala de atmosfera 'pré-nazista' de medo e violência no país."3 Henry W. Bagley, diretor de relações públicas da Corporação Internacional
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de Economia Básica, descartou as notícias com realpolitik empresarial e um decidido ar filosófico. "0 relatório de Rogers parece preciso", escreveu, "e certamente interessante. Mas duvido também, como ele, que os estudantes ou outros possam derrubar a direita militar. ( ... ) Não posso prever o que acontecerá, mas pessoalmente me sentiria um pouco mais seguro no Brasil do que em Nova York nesse momento. Passei oito dias em São Paulo este mês e gostei muito. Mas, naquele curto período, não pude obviamente me inteirar de tendências políticas e econômicas."4 Entre estas tendências estava a chegada de oficais americanos, incluindo um capitão do Exército recém-chegado do Vietnã que foi assassinado nas ruas do Rio sob alegação de que ajudava a repressão militar. A embaixada dos EUA insistiu que o capitão era apenas um estudante na Universidade de São Paulo. Duas semanas mais tarde, Rogers escreveu novamente para casa. Os alvos da polícia brasileira eram agora as mesmas pessoas que estavam sendo encorajadas a se mudar para terras indígenas na Amazônia: famílias pobres do Nordeste e de outras áreas rurais. "Parece haver pouca dúvida de que, à medida que cidades como Rio e São Paulo experimentam o impacto da migração do campo, a vida urbana se toma mais e mais difícil para milhares de pobres marginalizados e a criminalidade está assumindo proporções assustadoras. É principalmente em resposta ao crime urbano e à incapacidade dos governos municipais em controlá-lo, que atos da mais brutal e mortífera violência ocorrem." 5 Este nível de violência de brasileiros contra brasileiros era um fenômeno novo - se não se contasse a violência contra os índios, que raramente era levada em conta; desde 1900, oitocentas mil pessoas, incluindo oitenta tribos inteiras, tinham "desaparecido" em "extinção,,.6 No Rio e em seus subúrbios, bem como em São Paulo, esquadrões da morte assassinavam com impunidade. Muitos esquerdistas eram assassinados como "criminosos";jomais eram atacados com bombas e, no Nordeste, a casa de um destacado defensor dos direitos humanos - o arcebispo católico de Recife - foi metralhada por terroristas do CCC. Logo a varredura se ampliou para incluir não apenas opositores "respeitáveis" do regime, mas um número crescente de pobres migrantes do Rio. Desabrigados e apinhados em favelas, eles tinham cometido o crime de transformar as belas montanhas que cercam o Rio num aleijão de miséria humana. Finalmente, com dinheiro da Agência Internacional de Desenvolvimento (AIO) dos EUA, o regime salvaria ostatus do Rio como meca turística derrubando muitas favelas e substituindo-as por habitações públicas ou despachando pessoas com bilhetes só de ida para a Amazônia. Mas, nos anos logo depois do golpe, enquanto o regime lutava pela sobrevivência política e econômica, desencorajar migrantes de escolher as cidades em vez da selva geralmente sigrúficava inspirar o terror com corpos mutilados.
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SWlfT EROCKEFELLER: ALIANCA NA AMAZÔNIA Apesar do conhecimento desse estado de coisas, o escritório de Rockefeller fez vista grossa à ligação entre o terror nas favelas urbanas e as esperadas colônias da Operação Amazonas enquanto tomava suas decisões no Brasil. Assim que o chamado supergolpe dos generais aconteceu, em dezembro de 1968, a Deltec Intemational consolidou ainda mais seu poderio no Brasil, comprando a International Packers, Ltd. A aquisição deste grande conglomerado de empacotamento de carne juntou não apenas membros da familia Swift e a maior parte do império internacional do ramo numa aliança com o campo Rockefeller, mas também trouxe os interesses do Milbank através do diretor da Deltec, Arthur Oakley Brooks, antigo executivo de fundos mútuos controlados por Sam Milbank,7 amigo de Cam Townsend e financiador do Instituto Summer de Lingüística (SIL). A generosidade de Milbank abarcava a defasagem ideológica que separava os Townsend e os Rockefeller: era presidente do Fundo Memorial Milbank, uma das fundações mais ricas de Wall Street, que contribuía para a AIA de Nelson. 8 Através da participação da IBEC no Banco Brasileiro de Investimentos (BIB) da Deltec, esta aliança oferecia uma consolidação sem precedentes do poder estrangeiro no Brasil, com grandes expectativas para a Amazônia. O presidente da Intemational Pdckers, A. Thomas Taylor, marido de Geraldine Swift, foi colocado na presidência da Deltec Intemational; A. Oakley Brooks, executivo do Milbanks, foi nomeado vice-presidente; Wctlther Moreira Salles, diretor da IBEC e da Deltec, continuou como presidente do BIB, com Fblton Boyd da IBEC também como diretor do BIB, e o Chase Manhattan Bank de David Rockefeller continuou a ser o agente de transferência da Deltec. Os interesses de Rockefeller estavam agora, através da Deltec, interligados a um dos maiores processadores brasileiros de carne congelada e uma das maiores concessões pecuárias na Amazônia, a Swift do Brasil S.A. A Deltec também começou preparativos para a construção de uma fábrica de embalagem de carne no norte do PMá, na foz do Amazonas, na ilha de Marajó, uma área do tamanho da Suíça. Com a aquisição pela Deltec das operações de carne da Swift e da Armour, o "sonho brilhante" de vinte anos para o desenvolvimento do interior da América do Sul parecia viável. Em dois anos, a Deltec começaria a cortar a floresta tropical em sua propriedade de 45 mil hectares que se estendia do Maranhão ao P.lrá. O bilionário da navegação Daniel Ludwig, há muito apoiado pelo Chase Manhattan, decidira fazer seus próprios cortes na Amazônia brasileira, mas numa escala muito maior, junto com represas. A proposta dos •Grandes La-
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gos• para a América do Sul, de Herman Kahn, diretor do Instituto Hudson, continuava viva. Um bom amigo de Nelson e membro da Fundação Rockefeller, o c:x-presidcnte colombiano Alberto Lleras Camargo, iria liderar uma comissão para estudar a parte colombiana da proposta; uma série de represas baixas, ou diques, para inundar ovale Chocó, na região oeste do país, criando dois enormes lagos que seriam ligados através de um canal escavado com explosões atômicas, criando um novo caminho d•água entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Como a Fortune explicou, este plano "daria acesso às vastas quantidades de madeira de alta qualidade e rápido crescimento, além de uma variedade de minerais, incluindo ouro, platina, cobre, zinco, bauxita e petróleo, conhecidos ou de c:xistência sabida"•9 (Entre as mais ativas mineradoras de ouro da região estava, por coincidência, uma subsidiária da Intemational Mining Corporation, presidida por Lewis B. Harder, sócio do aliado de Rockefeller, Moreira Salles, na mineradora brasileira CBMM. 10) As represas de Chocó forneceriam eletricidade para impulsionar a industrialização do vale Cauca, oitenta quilômetros a leste, e suas grandes cidades, Medellín, Manizales e Cáli. Nenhum comentário foi feito sobre o impacto da inundação sobre os treze a vinte mil índios das tribos catio, embera e noanama da vizinhança, mas o SIL decidiu mandar tradutores para os noanamaem 1969,já tendo "ocupado" os catio desde 1966. Que as propostas de Kahn tenham recebido séria consideração foi em si um triunfo da vontade e não apenas de Kahn. O CIAA de Nelson tinha desenvolvido o plano cm Wctshington como um projeto interno de caminhos d'água, usando os mesmos rios no Brasil e Venezuela que Kahn escolheria um quarto de século depois- Orinoco, Casiquiare, Negro e, naturalmente, Amazonas, com o objetivo similar de ligar recursos petrolíferos, minerais e florestais dentro das bacias do Orinoco e do Amazonas para extração pelas indústrias e mercados dos EUA e aliados na guerra. Para Nelson, o triunfo de seus ideais de crescimento- simbolizado pelo próprio crescimento da IBEC - também era pessoal. No encontro anual da IBEC, em abril de 1969, ele teve a satisfação de ver o filho mais velho, Rodman, alçado à presidência da entidade. A fànúlia Rockefeller agora dividia o controle do maior fundo mútuo do Brasil, o Crescinco, através de um dos maiores bancos de investimentos brasileiros, o BIB. Controlava totalmente um dos maiores bancos comerciais brasileiros, o Banco Lar Brasileiro S.A. (através do Chase Manhattan); sua maior empresa de sementes híbridas, Sasa, responsável por 45% de todas as sementes híbridas plantadas no Brasil; um dos maiores fabricantes de CMC (carboxilo-metilo-celulose, um agente vital de controle de umidade em detergentes, tintas, adesivos, cerâmicas e de poços de petróleo); e uma de suas maiores estamparias. Através do Crescinco, controlava ações de
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mais de cem empresas brasileiras; através da participação da Rockefeller Brothers Inc. na Chrysler tinham uma &tia de uma das maiores fábricas de carros do Brasil. Além disso, era sócia de uma das maiores fazendas de gado brasileiras (Fazenda Bodoquena) e agora, através da Deltec, de uma das maiores operadoras de processamento de carne do Brasil (e do mundo), que estava a ponto de lançar outro grande projeto pecuário na Amazônia. Com Rodman como presidente da IBEC e o primo Richard Aldrich como vice-presidente no Brasil, o envolvimento de Nelson com o futuro brasileiro parecia claro. E como seu arquirival Richard Nixon logo diria, para onde o Brasil fosse, toda a América do Sul iria atrás. Com os líderes latino-americanos preocupados com seu próprio futuro diante do governo republicano recém-eleito em Washington, razia todo o sentido que o novo presidente seguisse o conselho de Galo Plaza, secretáriogeral da Organização de Estados Americanos: designar Nelson Rockefeller para uma missão exploratória da América Latina destinada a tranqüilizar seus líderes. Tal missão também daria a Rockefeller um prêmio de consolação. Ninguém previu que se tomaria um pesadelo para todos os envolvidos.
"O SHOW SECUNDÁRIO DE ROCKY" Era dificil para Nelson ver seu ex-adversário sentado atrás da mesa do Salão Oval no primeiro dia de trabalho. Mas, depois de uma hora de discussão, Nelson saiu com um novo emprego: chefe da Missão Presidencial à América Latina. O título era idéia de Nelson, assim como o tamanho da missão: "Mantenha-a pequena, mantenha-a pequena", insistiu o secretário de Estado William Rogers. Nelson decidiu por uma comitiva de sessenta pessoas, incluindo 27 especialistas em tudo, de operações contra guerrilhas a direitos da mulher, alguns deles veteranos do CIAA. • Antes que acabasse, custaria a ele 760 mil dólares do próprio bolso, além da verba designada pelo govemo. 11 Toda a perícia da delegação de Nelson foi inútil para enfrentar o caos que recebeu seu líder a cada escala na América Latina pelos meses seguintes. Em Honduras, Nelson encontrou manifestantes gritando "Rockefeller, go home!". Em Manágua, Nicarágua, ouviu novamente o grito "Rocky, go home!". Os estudantes queimaram uma bandeira americana em protesto contra a visita. Na Costa Rica, milhares de manifestantes contra e a favor de Rockefeller entraram em choque. Nelson ficou traumatizado. Durante décadas devotou tempo, energia e capi• Ver pêndice A para O!I nomes de alguns dos mais interessantes membros da missão.
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tal aos problemas e potenciais da América Latina e esperava respeito, admiração e até amor. E não estava sozinho nesta expectativa: na verdade, esta foi a razão que levou Galo Plaza a se sentir confiante em aconselhar Nixon a mandar Nelson. E a "mágica" do nome Rockefeller ainda funcionava junto à elite latino americana; era somente com o resto da população do hemisfério, especialmente estudantes e trabalhadores, que parecia haver problemas insuperáveis. Nelson tentou colocar a culpa de tudo nos comunistas, e não havia dúvida de que estavam agitando contra ele. Mas quando os novos líderes militares do Peru declararam que seria "inoportuno" recebê-lo, ficou óbvio que a oposição era mais profunda do que Nelson queria admitir. A apreensão pelo Peru, a 1° de fevereiro, de barcos americanos de pesca de atum ao largo da costa do Pacífico demonstrava que havia mais coisas envolvidas nos protestos contra Rockefeller do que agitadores comunistas ou a Guerra Fiia. A indústria de pesca e enlatados de atum da IBEC em Porto Rico pode não ter sido diretamente ameaçada, mas o tema da soberania nacional na América Latina ficou atravessado na garganta de empresários multinacionais como os Rockefeller. Adolf Berle pressentira o problema um mês antes, depois do confisco pelos militares peruanos da refinaria da Standard Oil de Nova Jersey em Talara. "Praticamente todo o sentimento local é contra os Estados Unidos", observou ele em seu diário, "e pode degringolar em violência se a emenda [Hickenlooper] for usada [para intervir nos assuntos peruanos]. O governo de Lima fala em expulsar os americanos em 48 horas. Diante dos sentimentos por toda parte do continente Chile, Bolívia, possivelmente Brasil - poderemos ter um colapso nas relações interamericanas." 12 O governo Nixon respondeu suspendendo as vendas de armas a Lima. Os peruanos a seguir cancelaram a visita de Nelson no mesmo comunicado oficial que declarava que as missões do Exército, Marinha e Força Aérea dos EUA não tinham mais finalidade no país. "0 Show Ambulante de Rocky", nas palavras da imprensa americana, agora ameaçava se tomar um show de segunda categoria. Depois que mais protestos frustraram escalas na Costa Rica e no Panamá, Nelson voltou para casa para descansar e consultar Nixon e Henry Kissinger. A seguir, apesar do revés no Peru, ele voltou para a América Latina. Nelson desceu primeiro na terra de seu velho amigo, o ex-presidente Lleras Camargo. Mas a Colômbia, há muito local de operações da Standard Oil e na época anfitriã da expansão da Texaco-Gulf para a região de Putumayo, não deu alívio a Nelson. Manifestações aconteceram em Bogotá, bandeiras dos EUA foram queimadas novamente e o conselho estudantil da Universidade Nacional declarou uma greve de 24 horas. Mais de cem pessoas ficaram feridas. Liberais, conservadores e diversos partidos de esquerda, incluindo comunistas, tinham um alvo comum: ele.
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O pior viria no Equador de Galo Plaza. Policiais armados com cassetetes abriram caminho à força nas ruas de Quito para a comitiva de Rockefeller. Pedras atingiram os carros, quebrando janelas e ferindo três jornalistas americanos. Os homens de Rockefeller temeram pela própria vida, mas não Nelson. "Não vi nada, coisa alguma", disse a jornalistas na chegada ao palácio presidencial. Durante toda essa viagem, marcada pela violência, Nelson nunca deixou de demonstrar coragem. Na Guatemala, foi a CIA, não ele, que sugeriu restringir os movimentos. Em Honduras, depois do assassinato de um estudante pela polícia, ele desprezou as advertências do Serviço Secreto e investiu contra a multidão para discutir com os estudantes em espanhol. "Viram, ninguém me encostou a mão", disse mais tarde, "mas roubaram minha carteira." 13 No Equador, onde Nelson tinha uma plantação de café ao norte de Guaiaquil, dez estudantes foram mortos na Universidade de Guaiaquil por tropas do Exército, mas Nelson não foi dissuadido a estender a mão da amizade. "Viemos para ouvir, não para lutar", 14 disse numa entrevista coletiva à imprensa, enquanto a polícia espancava estudantes na Universidade Central de Quito. Seu convite para os líderes estudantis virem conversar com ele foi rejeitado. Até a visita à Bolívia, "onde viemos como Bons Vizinhos", foi reduzida a uma reunião de três horas por preocupações com um possível derramamento de sangue entre soldados e estudantes. No encontro com o presidente Adolfo Siles Salinas, sob forte esquema de segurança, no Aeroporto John F. Kennedy, nos arredores de La Paz, ele ouviu de Siles um pedido de que os Estados Unidos não usassem seus estoques estratégicos de estanho para forçar uma baixa dos preços. Enquanto isso, milhares de estudantes, impedidos por tropas de aceitar o convite de Nelson para dialogar em vez de jogar pedras, carregavam cartazes contra o "imperialismo" americano em frente ao palácio presidencial de La Paz. Nelson transformou a marginalização deles em vitória política. "Não vou assumir a responsabilidade", explicou aos jornalistas, "de provocar um incidente que poderia causar a perda de vidas se as forças armadas tiverem que agir contra manifestantes para garantir a segurança." 15 Os jornalistas o encontraram a seguir descansando com Happy à beira de uma piscina em Trinidad, esperando notícias da Venezuela, sua próxima escala. Os venezuelanos estavam compreensivelmente nervosos. Até então, o governo de Caracas e Nelson não tinham sido suficientemente perturbados para tirar o país do roteiro. A Venezuela era, afinal, o segundo lar de Nelson, local da sua gigantesca Fazenda Monte Sacro (capturada por breve período pela guerrilha em setembro, seis meses depois que Adolf Berle lá estivera "vagabundeando por três dias" 16). A Venezuela foi o lugar onde ele descobrira o petróleo da América do
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Sul como investimento pessoal, o lugar onde colocara a IBEC e a AIA em teste, o local que escolhera para trazer a mulher na lua-de-mel. A Venezuela tinha sido especial. Até agora. Estudantes anunciaram planos para ocupar supermercados da IBEC. Fortes objeções à visita de Nelson pelos partidos de oposição provocaram uma crise no gabinete venezuelano. O governo pediu que Nelson não viesse, explicando que não podia garantir sua segurança, mesmo que passasse a maior parte da visita, como planejado, sob forte segurança no ostentatório Clube Militar construído pelo ex-ditador Marcos Pérez Jiménez. "Em todos os anos em que trabalhei para ele, a coisa mais dificil que fiz foi dar o recado da Venezuela", disse mais tarde um dos principais assessores,James Cannon. "Eles estavam retirando um convite." Nelson estava almoçando quando recebeu a má notícia. Parou, olhou para Cannon, atordoado e magoado. "Depois de tudo que aquele país significou para mim? E de tudo que fiz por eles?" Balançou a cabeça tristemente. "É um golpe terrível."" A reação imediata foi defensiva. "Extremistas pretendem destruir a unidade entre os Estados Unidos e seus vizinhos latino-americanos", explicou à imprensa. "Devemos reconhecer o que nossos amigos enfrentam." 18 Ele foi salvo de novas gafes pelo homem que aconselhou Nixon a enviá-lo na missão: Galo Plaza. Voando de Washington a Trinidad para conversar com Nelson num intervalo da conferência educacional interamericana, o secretário-geral da OEA pediu ao velho amigo que mudasse de curso, abandonando as explicações simplistas. "Quaisquer que sejam os interesses de grupos externos, existe um ressentimento nacional genuíno que independe de influências externas", explicou ao grupo de Rockefeller. Ele disse que o descontentamento estava na lentidão da Aliança para o Progresso em concretizar os objetivos propostos e no sentimento de que os Estados Unidos consideram a América Latina simplesmente como um lugar atrasado. 19 O conselho de Galo Plaza fez efeito. No futuro, Nelson evitaria acusar "forças externas" pelo fracasso da missão. "Existem fortes evidências de apoio popular a estas manifestações", explicou.20 Em Valencia, cidade industrial 160 quilômetros a oeste de Caracas, centenas de estudantes invadiram um supermercado da IBEC, apedrejaram o First National City Bank, atacaram um posto de gasolina da Mobil e lutaram contra a polícia e a Guarda Nacional. Mas Nelson estava otimista. Ele ansiava pela próxima escala. No Brasil, finalmente, tinha certeza de conseguir uma audiência respeitosa e boas manchetes, mesmo que censuradas.
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CASAS DE VIDRO O grande jato prateado que voava rumo a um dos extremos da fronteira amazônica com Nelson Rockefeller a bordo parecia estar projetando a própria imagem no espelho enquanto descia em Brasília, a ultramoderna cidade de vidro. Um grande número de prédios ministeriais se estendia por um platô de terra vermelha, acabando em grandes fileiras de blocos residenciais projetando-se como asas, como se quisessem decolar para o futuro. 21 Brasília crescera de maneira notável desde o golpe de 1964. Se a catedral da cidade, vista de cima, parecia uma coroa de espinhos cercando a cruz simples no alto de seu campanário, Nelson não via nisso um sinal do sofrimento do Brasil. Em vez disso, o país estava agora livre, pelo menos em sua opinião. Simbolizada pela catedral, a crucificação de Cristo tinha sido reduzida a uma essência exangue pela moderna arquitetura. Cascatas artificiais fluindo entre as colunas dos ed.ificios governamentais agora significavam uma nação purificada de seus pecados originais como o último país do hemisfério ocidental a abolir a esanidão - e como o maior inferno verde para os nativos da Amazônia. Os registros do Brasil sobre a Amazônia tinham sido purificados por incêndios misteriosos que varreram os arquivos do Serviço de Proteção ao Índio logo após a conclusão de Brasília. No verão de 1969, Nelson não perguntou sobre índios, mas ele sabia que havia vítimas da repressão no Brasil. Uma delas, na verdade, era o criador de Brasília, o arquiteto Oscar Niemeyer, que vinte anos antes juntara-se ao grande amigo de Nelson, Wallace Harrison, no projeto de outro grande sonho, as Nações Unidas. Agora sua amada Brasília caíra nas mãos de chefes militares que vigiavam cada movimento seu. Niemeyer recebeu permissão de continuar planejando a cidade, mas Brasília pertencia aos generais. O sonho de um governo aberto, democrático, simbolizado por grandes ministérios transparentes com paredes de vidro permanecia apenas isso, um sonho. Em julho de 1969, a missão Rockefeller encontrou Brasília politicamente congelada. Os corredores desertos do Congresso falavam com um silêncio assustador e eloqüente, enquanto Nelson caminhava pelas câmaras com legisladores brasileiros ejornalistas. Apenas uma dúzia de senadores e deputados ousaram comparecer: sessenta de seus colegas estavam presos, idem jornalistas, prefeitos e três mil outros líderes políticos e estudantis, muitos deles submetidos a torturas. Andando ao lado de Nelson estava o vice-presidente Pedro Aleixo. Antes do ano acabar, ele teria negado o direito constitucional de sucessão presidencial. O Supremo Tribunal Federal não podia ajudá-lo muito mais do que a si mesmo: depois que três juízes foram sumariamente afastados pelos generais em janeiro, o presidente do Supremo renunciou em protesto. A junta respondeu simplesmente
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anunciando a redução de assentos na corte de quinze para onze. Cinco legislaturas estaduais, depois de sofrer a prindpio um corte de 30% nas verbas federais, tinham sido fechadas por decreto militar e todas as eleições federais, estaduais e municipais estavam suspensas. A censura foi imposta e os cinemas tiveram que exibir "material educativo" fornecido pelo governo. Mas talvez o abuso mais gritante, pelo menos para os americanos que antes apoiavam o golpe de 1964, foi o expurgo feito pelos militares nas universidades. Mais de 68 professores da Universidade de São Paulo e de universidades federais no Rio e Brasília foram "aposentados" cm maio. Quando milhares de estudantes boicotaram as aulas em protesto, os militares baixaram um decreto banindo todas as manifestações e greves estudantis, removeram oito juízes que discordaram e começaram a seqüestrar e torturar líderes estudantis e políticos. Os generais brasileiros decidiram usar a missão de Nelson para criar a impressão de uma aprovação oficial americana ao regime, condecorando o principal assessor militar de Nelson, o general Robert Porter, herói da campanha na Bolívia contra Che Guevara. Nelson deu um jeito de não atender ao pedido do regime para que estivesse presente à cerimônia, mas também se recusou a pedir a redemocratização brasileira, ordenando a assessores que expurgassem qualquer referência a respeito em seu discurso de chegada. Ele fàlaria particularmente com o presidente Costa e Silva, não publicamente e não especificamente sobre as vítimas da repressão. Isto seria insultuoso para o general, que apenas dois anos antes tinha sido saudado com grandes esperanças como presidente eleito, quando homenageado com um almoço do Conselho para a América Latina que teve como anfitrião David Rockefeller. Em vez disso, Nelson aceitou uma explanação sobre segurança nacional feita por Costa e Silva e um relatório escrito pelo SNI. Nelson iria diligentemente levar o relatório ao presidente Richard Nixon, mantendo secreto seu conteur Come:n, à Kenneth Pa.body juntaram-ac 1cnneco, Climax Uranium, Standard Oil de Nova York (Mobil) e Standard Oil de Nova Jcndcy (F.uon).
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destes, quinze estavam extraindo urâniou na mina de Shiprock, operada pela Kerr-McGee. "Não era nossa responsabilidade adverti-los", diria anos depois um funcionário do BIA. "Isto era obrigação do dono da terra. "27 O dono da terra era a tribo navajo, administrada pelo conselho tribal eleito - a estrutura democrática ocidental que Collier implantara para substituir a tradicional liderança dos anciãos. Se Collier esperava que a solução fosse um passo adiante para a autonomia indígena, estava tristemente errado. Os líderes eleitos simplesmente se tomaram intermediários para as empresas de petróleo e urânio. Algumas das maiores concessões foram para a Exxon (Standard Oil de Nova Jersey), Mobil (Standard Oil de Nova York) e United Nuclear, empresa que Laurance Rockefeller ajudara a fimdar na década de 50.28 O BIA se esquivou da responsabilidade pelas mortes dos mineiros navajos e pelo envenenamento das terras ancestrais. A Kerr-McGee fez o mesmo. Missionários do Instituto Summer de Lingüística, que vinham trabalhando entre os navajos desde os anos 40, também ficaram em silêncio, mesmo depois que se tornou pública a ocorrência de casos de câncer de pulmão, doença até então inédita na tribo. Enquanto isso, um dos maiores financiadores do SIL, a fànúlia Pew, estava levando sua Sun Oil Company (Sunoco) para extrair carvão perto de Gillette, Wyoming, juntando-se à Exxon e à Kerr-McGee na decisão de se afàstar da amplamente sindicalizada região dos Apalaches. A Mina Cordero, dos Pew, no Wyoming, ficava ao sul das reservas cheyenne e cree em Montana, onde desde 1966 o BIA vinha tentando convencer os índios a dar a empresas concessões para explorar carvão. 29 As reservas, por coincidência, foram subseqüentemente identificadas pelo SIL como "áreas urgentes para a tradução da Bíblia". Como no Brasil, a agência do governo que devia se dedicar ao bem-estar dos índios estava fàturando com o arrendamento de suas terras para grandes empresas. E, como no Brasil, missionários do SIL estavam sendo enviados para estas mesmas tribos. O SIL foi trabalhar junto aos apaches, cuja língua já tinha sido traduzida há séculos por missionários católicos, mas cuja reservajicarilla no Novo México continha 154 milhões de barris de petróleo e 57 milhões de metros cúbicos de gás. No Alasca, o SIL enviou equipes para as comunidades inuítes na ilha de St. Lawrence, no delta do Yukon. Em 197 5, a Operação Deep Freeze, do SIL, tinha alcançado Barrow, a oeste dos gigantescos campos petrolíferos de Kuparuk e da baía de Prudhoe. Os campos haviam sido descobertos em 1969 pela Sinclair Oil, a mesma empresa que comprara o campo de Ganso Azul no Peru, perto da base do SIL em Yarinacocha, e pelos novos proprietários da Sinclair, a Atlantic Richfield Oil Company (ARCO) e a Standard Oil de Nova Jersey (Exxon).
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Outra "área urgente" era a terra dos índios keres, do Novo México, identificada pela Administração de Pesquisa e Desenvolvimento de Energia como contendo urânio. Outras tribos escolhidas pelo SIL foram a havasupai-walappai do noroeste do Arizona, e a shoshone, de Nevada, Utah e Idaho, ambas donas de terras contendo urânio; a cree do Canadá, logo confrontada pelo projeto hidrelétrico de James Bay apoiado pelo Chase Manhattan Bank; a ojibwa de Nova York, que estavam resistindo a invasões de terras perto de fábricas de alumínio; a tsimhian do Canadá, cujas terras seriam atravessadas pelos oleodutos do Alasca que levavam petróleo do delta do Mackenzie e do mar de Beaufort, onde a Exxon e a Sunoco tinham grandes concessões, e, apesar de um século de aculturação euroamericana, as cherokee e creek do Oklahoma, cujas terras estavam na rota de uma canalização de carvão semifluido para a cidade de Baton Rouge, na Lousiana, extremamente necessitada de eletricidade. Esta pressão crescente sobre as terras indígenas já tinha levado os índios a confrontos, primeiro com os líderes dos conselhos tribais, depois com o BIA, a seguir com o FBI e, finalmente, com toda a estrutura de poder do governo dos EUA. Em novembro de 1972, após o assassinato de ativistas indígenas pela polícia, índios que participaram de uma caravana chamada "Trilha de Tratados Rompidos" até Washington não aceitavam mais objeções de funcionários de Nixon e ocuparam a sede do BIA. Depois de um impasse com a polícia sob os refletores da mídia, os índios saíram pacificamente. Funcionários do BIA, furiosos com a publicidade adversa e a divulgação de documentos confiscados, apresentaram acusações contra líderes do Movimento Indígena Americano (AIM) que conduziram negociações em nome dos manifestantes. Em fevereiro de 1973, o AIM respondeu a um pedido de ajuda dos índios sioux lakota e oglala de Dakota do Sul, incluindo dois grandes membros do AIM, Russell e Bill Means. Dinheiro devido dos arrendamentos do BIA não tinha sido pago e o recém-eleito presidente do Conselho Tribal Sioux, Richard Dickie Wilson, não contava com a confiança de muitos índios.30 Wilson era a favor de se aceitar uma indenização da Comissão de Queixas Indígenas do Departamento do Interior por todas as pendências em relação às sagradas Black Hills dos sioux. (Ali o ouro tinha fascinado o general George Custer e mineradores, levando os sioux a combater em defesa de seus direitos sobre as colinas, garantidos pelo Tratado do Forte Laramie, de 1868. Apesar das esperanças de Custer de uma campanha militar que lhe valesse uma candidatura presidencial e lucros de uma empresa mineradora com a qual estava envolvido,31 o resultado foi desastroso para ele e para milhares de índios.) Agora, enquanto a Chevron Resources, da Standard Oil da Califórnia, se juntava a Anaconda, Philips Uranium e Union Carbide nas negociações para expio-
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rar urânio nas Black Hills e o Serviço do Parque Nacional pressionava a tribo a vender 53 mil hectares para a Pine Ridge Reservation, os tradicionalistas temiam que a disposição de Dickie Wilson de vender os direitos hereditários encontrasse seu caminho através do triturador legal montado para facilitar acertos em dinheiro pela Comissão de Queixas Indígenas. Os tradicionalistas queriam parar, não facilitar, a perda de terras indígenas e temiam que fosse oferecido dinheiro aos advogados dos conselhos tribais pelo novo Fundo de Direitos dos Nativos Americanos. O fundo foi estabelecido em 1971 com uma doação de 1,2 milhão de dólares anunciada pelo presidente da Fundação Ford, McGeorge Bundy, ex-assessor de segurança nacional dos presidentes Kennedy e Johnson e ex-membro do grupo de Estudos Especiais do Rockefeller Brothers Fund. Estes temores em relação às intenções de Wilson foram confirmados quando, apesar da rejeição prévia da tribo em 1972, ele reabriu negociações com o Serviço do Parque Nacional. Wilson também se recusou a atender a reivindicação dos tradicionalistas por um aumento nos aluguéis pagos pelos fazendeiros, proibiu reuniões, contratou seus próprios guardas de segurança com fundos tribais e tentou criar uma atmosfera de caça às bruxas contra simpatizantes do AIM exibindo um filme da John Birch Society, Anarchy USA, mostrando distúrbios nos guetos e prédios em chamas. Um esforço para derrubá-lo resultou na chegada de setenta militares especializados em contra-insurreição do Grupo Especial de Operações dos U .S. Marshal Services para patrulhar a reserva e a questão do impeachment acabou sendo julgada por um juiz da escolha de Wilson. A conduta do juiz desagradou tanto os seiscentos índios presentes que a maioria, incluindo membros de oposição do conselho tribal de 21 integrantes, se retirou. Era a forma tradicional dos índios de mostrar falta de confiança, mas o BIA aceitou o relatório de que Wilson foi mantido no cargo por quatro votos a zero no conselho ..'.l 2 No dia seguinte, reagindo a exigências e apelos dos anciãos, simpatizantes do AIM dirigiram 24 quilômetros numa caravana de 54 carros para tomar Wounded Knee, em Dakota do Sul. Este local do massacre, em 1890, de trezentos homens, mulheres e crianças sioux pelo reorganizado Sétimo Regimento do falecido Custer de repente se viu cercado por centenas de policiais estaduais, federais, agentes do FBI e unidades blindadas do Sexto Exército. O comando operacional era do Pentágono, do quartel-general do FBI e da Casa Branca, sob a responsabilidade do chefe da Casa Civil, Alexander Haig. Depois de suportar o fogo por 71 dias, os índios receberam permissão de se render pacificamente. Mas o FBI realizou prisões, o Departamento de Justiça promoveu uma saraivada de indiciamentos e os assassinatos de simpatizantes do AIM aumentaram. Entre março de 1973 e março de 1976, a Reserva de Pine Ridge
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teria uma aaxa de assassinatos nove vezes maior do que a da cidade de Denver, então considerada •a capital das mortes violentas dos Estados Unidos" .33 Na América Latina, tais distúrbios eram menos prováveis, graças à liberdade de ação dada aos •Novos Militares" de Nelson. Os índios da Amazônia nunca constaram do relatório da Comissão de Escolhas Criticas. Mas o petróleo sim. Depois de rever as excelentes perspectivas do rio Orinoco, na Venezuela, que se estimava ter de setecentos a oitocentos bilhões de barris de petróleo, a comissão informou que •outra área de grande potencial petrolífero em futuro próximo é a parte superior da bacia amazônica do Brasil, do Peru, do Equador e a área adjacente de Beni, na Bolívia, atualmente sendo ativamente explorada por empresas petrolíferas estrangeiras".34 As perspectivas de encontrar mais petróleo sublinhavam o importante papel que o SIL desempenhava nos campos amazônicos do Senhor em defesa dos interesses americanos e porque o Departamento de Estado comandado por Henry Kissinger, membro da Comissão de Escolhas Criticas e da Comissão Trilateral, tentaria preservar o SIL como um trunfo. Mas provavelmente o homem que mais &ria para proteger o papel dos missionários como instrumentos do governo americano, e particularmente da CIA, seria o escolhido para chefiar o inquérito oficial sobre supostos abusos de poder da CIA: o mentor e patrão de Kissinger, Nelson Rockefeller.
AAPENAS UMA BATIDA DE CORACÃO Os Rockefeller conseguiram um prêmio de Nixon após a reeleição. O presidente anulou a decisão da Junta de Aeronáutica Civil que proibia a Eastem Airlines, de Laurance, de fazer uma ambicionada rota no Caribe. Mas, além disso e de dar a Nelson a Comissão de Escolhas Criticas, Nixon não recompensou Rockefeller por sua lealdade. Afinal, onde estava Rockefeller quando se pediu ajuda por trás do pano na luta de Nixon para ajudar sua abalada equipe? Nelson não respondeu a cartas do ex-chefe da Casa Civil,John Ehrlichman, pedindo ajuda para pagar as contas dos advogados. E tampouco consolou o secretário de Justiça.John Mitchell, depois do indiciamento. Naqueles que acabaram sendo os últimos dias da presidência de Nixon, Nelson nunca falou publicamente de seu desdém por Nixon ou de seu ressentimento por ter sido esnobado por assessores do presidente quando chegou ao WaldorfAstoria Hotel de Nova York na noite da eleição em 1968 para cumprimentar o presidente e lhe disseram que Nixon estava descansando. Em julho de 1974, quando o Congresso estava redigindo os artigos do impeachment e a Suprema Corte
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ordenou que a Casa Branca entregasse as fitas, Nixon estava bebendo muito. A insegurança de ser um pobre tentando subir e finalmente liderar um partido de ricos tinha se transformado numa paranóia sobre "inimigos" que estavam agora destruindo sua presidência. Kissinger aconselhou o secretário de Defesa, James Schlesinger, a interceptar ordens impensadas da Casa Branca e a manter os generais de rédeas curtas. Depois, visitou a Casa Branca para dizer a Nixon que a memória histórica e a paz mundial exigiam que ele considerasse deixar o cargo. Enquanto Nixon mergulhava numa histeria cheia de lágrimas, insistindo que Kissinger se ajoelhasse com ele em busca de uma orientação divina, o ex-assessor de Kissinger, Alexander Haig, agora chefe da Casa Civil, montou acampamento na Sala de Situação da Casa Branca para o velório da presidência de Nixon. Os esforços do presidente para transferir para a CIA a culpa por Watergate falharam, assim como tinham sido em vão seu esforço maior para assegurar controle sobre aCIA. Naquela noite, Nixon disse à família que tudo estava terminado. No dia seguinte, entregou uma concisa nota de renúncia que tinha sido rascunhada por Haig. Depois de falar à nação e à equipe e de outra longa carta ao vice-presidente Ford aconselhando a demissão de Haig, ele voou para casa no Sul da Califónúa, deixando a Casa Branca para Gerald Ford e, como acabou acontecendo, para Nelson Rockefeller. O telefonema oferecendo a Nelson a vice-presidência aconteceu na manhã de sábado, 21 de agosto de 1974, quando ele e a família estavam na propriedade de Mount Desert, no Maine. Nelson respondeu que não tinha certeza se podia aceitar, que precisaria falar com Happy e as crianças. Ele disse a Ford que telefonaria no dia seguinte. Foi uma jogada esperta. Levantar o espectro de uma recusa embaraçosa colocava Ford contra as cordas. Nelson tinha construído um background convincente para a recusa, proclamando durante anos que não gostava da vice-presidência. Ele conhecia cada miserável que ocupara o cargo desde Henry Wctllace, em 1941. Mas não havia dúvidas sobre a aceitação. Ele estava ficando muito velho para esperar Jerry Ford cumprir dois mandatos antes de ter uma nova chance e, afinal, estaria a apenas uma batida de coração da presidência. Além disso, lembrou a todos, o país estava em plena crise constitucional e ele estava sendo convocado. Mas o patriotismo, apesar da postura pública, tinha limites. Nelson queria poder, um papel para a vice-presidência mais ativo do que qualquer coisa que o país já vira. Ford era muito inexperiente para desafiar Kissinger na formulação da política externa e não poderia se comparar a Nelson em política interna. E Ford sabia disso. "Gostaria que você fizesse no campo doméstico o que Henry está fazendo no setor externo", disse ele a Nelson. 35
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Nelson ligou de wlta no domingo e disse a Ford que só poderia aceitar se fosse um vice-presidente atiw. Nelson sempre disse: "Não fui construído para ser equipamento de reserva."36 Ford não podia negar que Rockefeller traria experiência executiva; era um de seus principais trunfos. E a imagem de liberal do Leste de Nelson ajudaria a equilibrar seu conservadorismo do Meio-Oeste junto à opinião pública. Mas, acima de tudo, ele precisava do nome Rockefeller para dar à sua presidência a aparência de riqueza para além da corrupção. Como Nixon quinze anos antes, Ford aceitou os termos de elson - e por escrito. Dois dias mais tarde, Nelson estava em Wctshington para a primeira reunião formal com Ford. O presidente, pela primeira vez, ofereceu oficialmente a vicepresidência e, depois de ouvir a aceitação formal de Nelson, imediatamente ligou para Richard Nixon. Nelson ficou lá de pé, atônito, até que Ford o mandasse pegar a extensão. Nelson ouviu Nixon elogiar Ford por escolher "um grande homem para um grande cargo". Depois ficou surpreso ao se ver sozinho na linha com Nixon. Ford, com sua ingenuidade característica, tinha atendido outro telefonema e deixado os dois inimigos sozinhos num silêncio embaraçoso. - AJô -disseNelson. - ~ e tudo de bom- disse N°JXOD. -Acho que você é ótimo para isso. "E foi tudo", Nelson relembrou mais tarde.37
44 ESCONDENDO AS JÓIAS DA fAMÍLIA OA\ITO DO PODER ROCKEf ELLER Nelson não esperava audiências de confirmação tão difíceis. Sua maior força - influência e recursos proporcionados pela riqueza - de repente se tornou foco de uma controvérsia que quase inviabilizou a indicação. Ele chegou à sala do Senado no dia 23 de setembro, confiante nos resultados dolobby que realizara, atacando mãos amigas com cumprimentos calorosos e distribuindo simpatia. Começou com a leitura de um resumo da história da família em 72 páginas: a luta virtuosa contra o racismo, os dias abolicionistas da vovó Spelman; o espírito aventureiro e o destemor do marido dela como inspiração para a heróica construção da Standard Oil pelo avô John D.; e a natureza piedosa de John D. dando exemplo para a "ética familiar" que seu próprio pai, John D., Junior, estendeu "por todo o mundo" através da filantropia. Nelson descartou como um mito o poder dos Rockefeller. "Esse mito do poder que minha família exerce precisa ser eliminado", disse ele ao Senado. "Ele simplesmente não existe". Os senadores trocaram olhares sig-
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nificativos em silêncio. Que distorção potencial da república constitucional poderia a nação sofrer deste casamento sem paralelo entre riqueza e poder político? Pouca, Nelson assegurou-lhes, acentuando que seus bens pessoais, incluindo a coleção de arte de 33 milhões de dólares, totalizavam 62 milhões; somando-se a isso sua parte no espólio de Junior, a soma subia para meros 179 milhões de dólares. Isso, os senadores sabiam, estava muito abaixo de vários outros americanos. E, de qualquer maneira, o Senado era conhecido como "o clube dos milionários". Nelson, no entanto, foi atingido por um levantamento do Serviço de Rendas Internas (IRS- a Receita Federal americana) mostrando que, na verdade, tinha 218 milhões. Além disso, o IRS intimou Nelson a pagar 903 mil dólares de impostos atrasados dos últimos cinco anos, incluindo 83 mil dólares relativos a presentes.1 Estes presentes incluíam um "empréstimo" de cinqüenta mil dólares para Henry Kissinger antes deste tomar posse no governo Nixon e um total de 875 mil dólares para dois cumpinchas de Nova York que ele colocara à frente da Corporação de Desenvolvimento Urbano e da Secretaria Metropolitana de Transporte. Nelson respondeu listando 24 milhões de dólares em contribuições para instituições de caridade sem fins lucrativos. Não mencionou que mais da metade coubera a organizações controladas pela fanúlia, 2 incluindo 2,6 milhões de dólares para a América Latina. 3 Somados outros interesses latino-americanos ( 103 .168 dólares 4) o total subia para 2,7 milhões de dólares, ou 11,4% de todas as contribuições declaradas para caridade. Além disso, esse número não incluía as doações a beneficiários na América Latina através do Rockefeller Brothers Fund ou para estudos latino-americanos financiados por doações ao Conselho de Relações Exteriores.5 Estas revelações causaram mais desconfiança sobre que impostos teria sonegado ao financiar instituições sem fins lucrativos que realizavam operações de sua preferência. Nelson informou uma renda pessoal total de 47 milhões de dólares entre 1964, o primeiro ano em que concorreu a sério à presidência, e 1973, quando renunciou como governador. O pagamento de doze mil dólares em imposto de renda no mesmo período teria sido consideravelmente maior - dezesseis mil dólares adicionais - se não tivesse feito doações para "caridade". Em meados de outubro, Nelson estava em dificuldades. A controvérsia sobre contribuições políticas e o escândalo do irmão Laurance "investindo" sessenta mil dólares num livro que atacava Arthur Goldberg, adversário democrata de Nelson ao governo estadual em 1970, estavam ameaçando sair de controle. O Comitê Jurídico da Câmara decidiu ampliar a investigação da biografia de Goldberg. Nelson tentou o charme e a ocultação; quando isso não funcionou, tentou a sinceridade, admitindo que sabia da publicação do livro, pedindo desculpas a Goldberg. Temeroso de que a confissão liqüidasse sua indicação, ligou para o presidente
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Ford, que assegurou amavelmente: "Não há problema algum." 6 Ford não era onisciente, apenas sensato. Nos bastidores, para além do brilho das luzes de TY, havia uma estranha serenidade nos procedimentos, como se, apesar do vexame, ou até por causa dele, as audiências levariam ao oposto do que muitos observadores esperavam: Nelson seria confirmado. Enquanto os ataques à indicação caíam à direita e à esquerda, Nelson somava: ele sabia que tinha capturado o centro vital, aparecendo como o moderado entre dois extremos políticos. Estava acostumado a administrar golpes num ringue onde as regras eram estabelecidas por parâmetros empresariais. A Sala S.600 deixara pouca coisa nos negócios de Nelson que não fosse legalmente respeitável. Deduções de impostos contestadas pelo IRS foram facilmente ajustadas; o escritório da família Rockefeller disparou cheques, evitando pendengas jurídicas. Críticos que basearam suas investidas no tamanho do patrimônio Rockefeller e no longo alcance de sua influência conseguiram reação pouco entusiástica de deputados e senadores democratas e republicanos. Richard Dilworth, chefe do escritório da família, depôs diante do comitê para explicar o mundo dos fundos de investimentos. Ele listou apenas "grandes lotes de ações", embora não ficasse claro se eram as maiores no sentido de valor de mercado ou em percentual do total de ações de uma empresa. Ele deu totais conjuntos sem detalhar o que cabia a cada um dos 84 membros da família. Insistiu ao mesmo tempo que cada um tinha atitudes bem diferentes, estabelecendo diretrizes distintas para seu gerente de portfólio, e negou que "esta família atue de maneira coordenada, quando na verdade isso nunca aconteceu". O Rockefeller Brothers Fund, de 262 milhões de dólares, foi excluído, Dilworth explicou, porque o escritório da família não controlava seus recursos. Idem o Fundo da Familia Rockefeller, porque tinha conselheiros de investimentos independentes. Idem os interesses hegemônicos de Laurance na Eastem Airlines, bem como a Fundação Rockefeller, uma vez que "o escritório [da família] não tinha qualquer ligação com a fundação". 7 Ninguém ousou contestar o relatório de Dilworth. Ninguém aparentava saber como fazê-lo. Sua lista de grandes portfólios de Rockefeller incluía somente as maiores e, destas, só duas, além da IBEC e do Rockefeller Center, estavam perto da categoria de 10% que ele admitiu que poderiam dar controle a seu dono: Coherent Radiation (19%), fabricante de sistemas laser, e Thermo Electron (9,79%), firma de pesquisas termiônicas. Dilworth não incluiu a Standard Oil da Califórnia, Exxon (Standard Oil de NovaJersey), Mobil (Standard Oil de Nova York) e Chase Manhattan Bank na categoria de 10%, ignorando o fato de que nenhum grupo ó.nico de investidores em qualquer dessas empresas gigantescas chegava a 10% e ainda assim eram controladas por uma diretoria que representava os investidores, quando não era formooa pelos próprios. De qualquer maneira,
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o total de um bilhão de dólares dado por Nelson para a fortuna da familia era decepcionante depois de estimativas de cinco a dez bilhões mencionadas em depoimento anterior. Os membros da familia acharam penosas até mesmo estas revelações, disse Dilworth ao comitê, e o comentário pareceu suficiente para deixar todos satisfeitos. Os únicos momentos difíceis para Dilworth aconteceram quando a deputada por Nova York Elizabeth Holtzman questionou a declaração de que os Rockefeller e seu conselheiro de investimentos eram "totalmente desinteressados em controlar qualquer coisa" e que o papel da familia era de investidora passiva, usando os sessenta mil dólares de financiamento da biografia como exemplo de um empreendimento financeiro não político. "Desafia a credibilidade que este tenha sido um investimento correto", disse o republicano por Maryland Laurence J. Hogan. "Foi um financiamento, senhor, não um investimento", corrigiu Dilworth inadvertidamente, contradizendo seu próprio testemunho sobre não ser uma empreitada política e confirmando o que Hogan dissera. Tais gafes não tiveram importância. O Congresso dos EUA pareceu grato que os Rockefeller tivessem simplesmente apresentado uma revelação parcial antes de colocar Nelson Rockefeller na linha de sucessão presidencial. Anos mais tarde, quando alguns arquivos do Comitê Jurídico foram liberados pela biblioteca presidencial Ford, os historiadores constataram que os deputados tinham muito mais informações sobre a familia de Nelson do que fizeram crer durante as audiências. O foco de boa parte da investigação do Serviço de Pesquisa do Congresso (CRS) foi a América Latina. O CRS preparou relatórios detalhados das atividades de Nelson, os investimentos da IBEC e atividades de desenvolvimento da AIA, incluindo o levantamento de David Lilienthal sobre a Amazônia e as extensas propriedades de Nelson no Brasil. Mesmo assim, privados do significado que estas propriedades tinham para suas vidas, a maior parte dos americanos continuou desinteressada pela América Latina, pelo que Nelson fazia lá ou pelo que o governo fazia em nome deles. Nelson se sentiu claramente livre para confessar apoio à política de Nixon e Kissinger contra o governo de Salvador Allende no Chile, que levara a um golpe militar sanguinário no ano anterior e subseqüentes torturas, execuções e ditadura. O relatório do CRS, que permaneceu trancado na gaveta, incluía o possível conhecimento por Nelson dos esforços da CIA para derrubar Allende e dos supostos laços da CIA com um dos beneficiados confessos dos presentes de Nelson, Victor Andrade, da Bolívia. A maior parte dos americanos jamais leria tais relatórios, mas os aliados de Nelson na Casa Branca de Ford o fariam e os manteriam longe do conhecimento da opinião pública. Finalmente, depois de oito dias de audiência e 48 depoentes, Nelson foi con-
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firmado pelo Senado em 22 de novembro. A confirmação da Câmara se seguiu em 19 de dezembro. Em janeiro de 197 S - um mês após receber o maior presente de Natal de sua vida - Nelson recebeu a primeira missão. Considerando tudo que passara nos meses recentes e tudo que permanecia em sigilo, era muito oportuna: ele iria presidir uma investigação presidencial especial sobre os abusos daCIA.
O LEGADO LATINO Enquanto Nelson lutava pelo acesso à Casa Branca, uma estranha corrente de intriga varreu Washington. A queda de Richard Nixon pode ter colocado Nelson na Casa Branca mas também ameaçou derrubar a rede de diques burocráticos cuidadosamente construída ao longo de um quarto de século para compartimentalizar o fluxo de informações no Executivo e manter os segredos de Estado longe do povo americano, incluindo o Congresso. O arquiteto dessa estrutura foi a CIA. Nixon não era amigo da CIA. Ele acreditava, com alguma razão, que a agência era dirigida pelo mesmo establishment do Leste que sempre o desprezara. Ele achava que a CIA dera à candidatura de John Kennedy falsas alegações sobre uma desvantagem de mísseis em relação à URSS e informara Kennedy sobre os planos para a invasão da baía dos Porcos, permitindo que o então candidato pedisse uma ação dos EUA contra Fidel Castro exatamente quando Nixon nada podia dizer para não comprometer a missão. Mas havia algo mais sobre a CIA e Cuba que Nixon sabia e acreditava que poderia usar contra Richard Helms, diretor da CIA designado por Lyndon Johnson. Diversos envolvidos no arrombamento de 'Wcltergate trabalharam para a CIA, especialmente em operações relacionadas à baía dos Porcos. Também estava ciente de que diversos agentes do FBI participaram de "operações sujas" na Divisão do Hemisfério Ocidental, de J. C. King, antes e depois da invasão. Nixon ordenou a H. R. Haldeman e a John D. Ehrlichman que fizessem a CIA pressionar o FBI para que restringisse a investigação do arrombamento de Watergate. 8 "Diga apenas [ininteligível] muito ruim ter este cara [E. Howard] Hunt'', Nixon instruiu Haldeman. "Ele sabe demais, se tivesse envolvido-você por acaso sabe disso? Se for divulgado que há tudo isso envolvido, o negócio de Cuba seria um fiasco. Faria a CIA aparecer mal, Hunt aparecer mal e é capaz de estragar todo o negócio da baía dos Porcos, o que, acreditamos, seria muito desastroso para a CIA, para o país, nesta ocasião, e para a política externa americana." 9 E. Howard Hunt, o líder dos encanadores de Watcrgate, tinha sido supervisor da força de exilados cubanos na Guatemala e na Nicarágua, locais de treinamento
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para a invasão da baía dos Porcos. Ele tinha conhecimento detalhado de toda a operação. Como veterano calejado do golpe de 1954 na Guatemala, ele não poderia deixar de saber que a escolha do local de desembarque (um istmo distante dos redutos nas montanhas e isolado do interior por pântanos, a não ser por algumas passagens) e o uso de aviões a hélice contra os jatos de Castro significava que seria necessária uma intervenção direta por forças dos EUA para evitar o fracasso da invasão. Mas Kennedy não se permitiu ser manipulado, provocando o ódio de funcionários da CIA que tinham se identificado muito com os exilados durante o período de treinamento. "Se algum deles conseguisse chegar perto de Kennedy o mataria, tal o ódio", lembrou Robert Davis, na época chefe do escritório da CIA na Guatemala. 10 Foi esta manipulação arriscada de um presidente e seu fracasso - com conseqüências diretas para cubanos, Kennedy e o mundo, quando Castro procurou a URSS em busca de mísseis defensivos- "todo o negócio da baía dos Porcos", como Nixon dizia? Ou foram os planos da CIA para matar Castro pouco antes e durante a invasão? Ou conspirações semelhantes da CIA depois da invasão, mesmo durante a tensa crise dos mísseis cubanos? Ou os planos não autorizados de assassinato de Castro em 1963? Ou as operações de sabotagem por veteranos da baía dos Porcos, apoiados, sem autorização, pela CIA, que forçaram o secretário daJustiça, Robert Kennedy, a ordenar incursões do FBI contra campos de treinamento de exilados cubanos nos arredores de Nova Orleans? Ou ligações entre esses exilados amargurados e pessoas investigadas pelo assassinato do presidente Kennedy ou, finalmente, o papel do agente de Howard Hughes, Robert Maheu, nos planos para matar Castro elaborados por CIA, máfia e exilados e a contribuição secreta de cem mil dólares de Hughes para a campanha presidencial de Nixon?• Qualquer dessas atividades - especialmente quando ligadas ao passado de Hunt na CIA e ao fato de ele ter recebido da agência o equipamento de escuta e disfarces para os encanadores - poderia prejudicar seriamente a reputação da CIA e até comprometer sua existência. Nixon queria que o FBI suspendesse a investigação de Watergate, mas precisava de influência com o sucessor do falecido J. Edgar Hoover, o então diretor em exercício, L. Patrick Gray. Então decidiu chantagear a CIA a persuadir o FBI e, no decorrer, fazer a CIA levar a culpa por Watergate. Ordenou que Haldeman, quando encontrasse o diretor, Helms, e o diretor-assistente, general Vemon Walters, aconselhasse a CIA a dizer ao FBI: "Só diga a ele [Gray] para seguraras pontas." 11 Ao fazê-lo, Nixoncru• A contribuição de Hughes pode ter sido a causa da invasão da aede democrata em ~tergate, para confirmar ou descartar temores de que evidencias incriminadoras das doações ilegais de Hughes tivessem sido vazadas para o presidente do Partido Democrata, Lawrence O'Brien, objes, do grampo ilegal de McCord.
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zou a linha da legalidade e entrou no domínio do crime, com uma tentativa de obstruir a justiça. Nixon baseou a estratégia de jogar a CIA e o FBI um contra o outro no conhecimento que tinha da velha disputa de Hoover com Helms por território. Hoover relutava em atender pedidos da CIA para que o FBI instalasse equipamentos de escuta eletrônica e recorresse a operações de violação de correspondência. Hoover também não quis participar de um inédito comitê de informação, com várias outras repartições, que usaria técnicas ilegais para espionar americanos que se opunham à guerra do Vietnã e a certas políticas internas. Este plano envolveria a CIA em operações internas contra cidadãos que claramente não tinham laço algum com espiões estrangeiros, numa violação da carta da agência e numa intrusão na área de responsabilidade do FBI. Hoover não era contra esses "truques sujos•, ele os autorizara contra Martin Luther King Jr. e contra milhares de outros americanos, como parte do programa Cointelpro. Ele apenas queria que a CIA ficasse fora de seu território. Sabendo das limitações legais da CIA, Hoover recorreu ao Departamento de Justiça. Ao saber da quebra de confiança de Hoover, Helms ficou furioso. 11 Helms manteve a vigilância doméstica assim mesmo. Mais tarde, caiu no raciocínio clíssico da hierarquia militar: estava apenas cumprindo ordens de seu superior, o presidente. O argumento enfiou a CIA numa enorme confusão egal, porque não apenas Nixon aprovou seu engajamento em espionagem doméstica para alcançar objetivos de política externa, mas também aprovou o uso da agência em âmbito interno. Nixon, afinal, tivera a cooperação da CIA no fornecimento de equipamento dos Serviços Técnicos do dr. Sidney Gottlieb para os ex-agentes da CIA liderados por Hunt e pelo ex-agente do FBI, G. Gordon Liddy, que participaram da invasão em 'W.ltergate. As operações da CIA na América Latina, particularmente as contra Cuba, colocaram em ação forças que deixaram Nelson Rockefeller a uma batida de coração da presidência. A resistência de Helms aos esforços de Nixon para responsabilizar a CIA por Watergate forçou Nixon a tomar medidas desesperadas, advertindo a agência sobre o "negócio da baía dos Porcos". A CIA sabia muito bem que a equipe de arrombadores de Hunt tinha antecedentes ligados àquela operação. Hunt até recrutara Eugenio Martinez para a unidade de encanadores, marcando encontro com ele em data e local carregados de simbolismo, 16 de abril de 1971, o décimo aniversário da invasão, e no monumento de Miami alusivo à ocasião. "Falamos da libertação de Cuba e ele nos assegurou que 'a coisa toda não acabou', relatou Martinez, que confessou mais tarde ter informado sobre o encontro ao seu oficial de ligação na CIA. 13 No final de 1972, o passado na CIA dos arrombadores de Watergate,
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Martinez, James McCord, Hunt e Bernard Baker, tinha dado a Nixon adesculpa para tomar Helms o bode expiatório na linha "a culpa é da CIA". McCord, leal à CIA, escrevera a Helms em julho advertindo sobre o complô. Em dezembro, McCord demitira Gerald Alch, seu advogado do Comitê para Reeleição do Presidente (Creep). Durante o julgamento, um assessor de Nixon ofereceria a McCord dinheiro para pagar sua defesa se ele entrasse na linha como os demais encanadores tinham feito. No mês seguinte,janeiro de 1973, Helms soube que Nixon estava para demitilo. Ele se recusara a entregar ao presidente um relatório elaborado a pedido de Lyndon Johnson em 1967 listando todas as tentativas da agência de matar Fidel Castro. Helms temia que Nixon usasse o documento para chantagear a agência em relação a Watergate. Mais tarde, fervilhariam rumores de que, antes de sua mais adequada renúncia e a designação para um posto luxuoso de embaixador, Helms fez um acordo com o presidente. De fato, a 22 de janeiro de 1973, Helms ordenou a destruição de todas as fitas da unidade central de fitas da CIA em Langley. As fitas se relacionavam não apenas a McCord e Watergate, em direta violação ao pedido do senador Mike Mansfield para que a CIA mantivesse todo o "material comprobatório" sobre Watergate, mas também os registros de atividades ilegais, incluindo assassinatos e o projeto MKULTRA, de controle da mente. 14 Pouco depois, Nixon anunciou que Helms estava deixando a CIA para se tomar embaixador junto ao xá do Irã, que devia o trono a um golpe da CIA. O presidente da Comissão de Energia Atômica, James Schlesinger, foi o substituto de Helms. Respeitado e estranho aos esquemas do poder, Schlesinger trouxe conhecimentos de administração gerencial que Helms tinha pouco interesse em desenvolver. Schlesinger começou ampliando os serviços clandestinos, transferindo-os para um dos mais ambicionados setores do Diretório de Informação, o Serviço de Contratos Domésticos (DCS). Esta divisão da CIA coletava informações de empresários, acadêmicos e missionários que voltavam do exterior, mas os viajantes não podiam saber que estavam lidando com a CIA. O DCS era incorporado a uma rede de contatos em empresas, fundações, mundo acadêmico e missões religiosas. Esse era o tipo de descompartimentalização em nome da eficiência que Nixon esperava de Schlesinger. O que Nixon nunca esperou - ou soube - foi que Schlesinger também tentou reconstruir os registros destruídos por Helms, incluindo os de Watergate. Em 2 de maio de 1973, Schlesinger mandou um memorando para o pessoal da CIA pedindo que dessem informações sobre todas as ações passadas que considerassem "atividades questionáveis". Mais de 690 páginas surgiram, num inventário devastador dos maiores segredos, evidências de crimes sérios e atividades ilegais, que ficou conhecido dentro da agência como "as Jóias da Família".
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O relatório baseado nestas revelações cobria "atividades que são ou poderiam ser ilegais ou que causariam embaraço à agência se diwlgadas", 15 atividades tão sensíveis que deviam ser "guardadas com extremo cuidado". Schlesinger não mandou o relatório para a Casa Branca. Com Watergate se avolumando como "um câncer na presidência", como definiu mais tarde o conselheiro da presidência,John Dean, Richard Nixon não era o tipo de homem a quem se devia dar uma arma carregada. Em vez disso, Schlesinger ordenou aos líderes dos veteranos da Divisão de Operações que encerrassem ou limitassem programas que violassem a carta da CIA. Estes programas incluíam CHAOS (operações contra dissidentes americanos), violação de correspondência, interceptações da Agência de Segurança Nacional e a vigilância militar de civis. A nova política de Schlesinger não reduziu as operações clandestinas. Não foi para isso que ele designou como vice-diretor dos Serviços Clandestinos William Colby, ex-chefe do programa Fênix, de assassinatos em massa no Vietnã. Agentes que tinham se infiltrado entre os militares chilenos, por exemplo, continuaram monitorando e encorajando planos de um golpe, enquanto davam apoio financeiro a grevistas e a outras formas de desestabilizar o governo. Naquele setembro, os esforços produziram frutos horripilantes, quando milhares de chilenos, incluindo o presidente Salvador Allende, foram assassinados. Na reformulação ministerial que acompanhou a crise de Watergate e que incidentalmente coincidiu com a acusação de envolvimento da CIA no golpe chileno, Schlesinger foi deslocado para o Departamento de Defesa, deixando o cargo vago para Colby. Nixon acreditava plenamente que Colby, depois de supervisionar nos seis meses anteriores as operações no Chile, se sairia bem nos pontos quentes de então: Sudeste Asiático, América Latina e até Watergate. Colby era estranho ao estaólishment do Leste e socialmente isolado dos tradicionais circuitos de poder da comunidade de informação. Como Nixon, Colby era um connoisseur da arte de truques sujos. Finalmente, parecia mais um homem de ações do que de idéias. A princípio pareceu que Colby era exatamente isso, levando adiante mudanças estruturais na CIA iniciadas por Schlesinger que iam ao encontro das exigências de Nixon e Kissinger de análises de informações rápidas e concisas. Mas se Colby tinha uma miopia de oficial de campo e uma queda por análises superficiais, também tinha uma preocupação legítima com a sobrevivência dos que estavam sob seu comando. Com o escândalo Watergate se tornando maior do que a própria presidência, Colby ficou cada vez mais preocupado com a possibilidade de a CIA ser engolfada por revelações de impropriedade governamental. Ele decidiu contar aos presidentes dos comitês legislativos de supervisão sobre a espionagem doméstica da CIA. Mas confirmou a decisão de Schlesinger de manter as
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Jóias da Família longe dos olhos de Nixon, fechando as escotilhas até que o furacão de Watergate passasse. Quando Ford já estava confortavelmente instalado na Casa Branca, Colby passou à ofensiva, mas não antes de tentar aplacar Kissinger, forçando o ex-chefe do Diretório de Informação da CIA, Ray Cline, a renunciar, num esforço para tapar os vazamentos, e depois demitindo o antigo chefe de contra-espionagem, Jones Angleton, por resistir à détente com a URSS. O objetivo dele: moldar a opinião pública sobre a CIA com uma série sem precedentes de entrevistas ostensivamente sinceras sobre as operações passadas da agência e sobre o uso de jornalistas americanos remunerados. Colby sabia que estas histórias estavam estourando e esperava ter tempo de reduzir o uso de repórteres pagos pela agência antes que a história fosse divulgada; esperava conseguir preservar o mais importante trunfo de propaganda da agência, convertendo-os numa rede de.freelancers, colaboradores e editores de novas e menores empresas de notícias. Desta maneira também seria capaz de negar de maneira plausível aos editores de grandes empresas de notícias que havia agentes da CIA em suas equipes. A jogada de Colby se provou bem-sucedida quando seu sucessor, George Bush, anunciou que a CIA pararia de contratar correspondentes credenciados, dando a aparência de reforma sem sua substância. Mas, para antecipar algo para os investigadores do Congresso, ele teve que abrir a porta para outras investigações. No ano de Watergate isso levou inevitavelmente aos encanadores. Em 18 de dezembro de 1974, E. Howard Hunt testemunhou diante dos investigadores do Senado sobre sua participação na Divisão de Operações Domésticas da CIA, incluindo a espionagem de americanos e o financiamento de editoras e órgãos de imprensa. Em 22 de dezembro de 1974, três dias depois de Nelson ter feito o juramento de posse usando a mesma Bíblia da família que utilizara quatro vezes antes como governador, jurando manter o pacto da Constituição entre o governo e o povo, Seymour Hersh relatou os resultados de uma investigação de dois anos do New York Times. A reportagem causou furor. O que a CIA fazia no exterior era uma coisa, mas o que fazia em sua terra natal era outra. A idéia de que truques sujos estavam sendo aplicados em casa provocou uma grita. O nervos da nação já estavam expostos pelos abusos da autoridade presidencial. Gerald Ford foi arrancado de seus esquis em Vail, Colorado, e alegou ignorância. Prometeu descobrir imediatamente, e ligou para Colby, exigindo informações. Colby estava pronto. Ele simplesmente afixou uma carta como capa do relatório Jóias da Família e o entregou a Kissinger para que o fizesse chegar a Ford. O presidente leu a carta que negava atividades ilegais na época e informou o mes-
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mo à imprensa. Mas Hersh tinha descoberto coisas demais para que tal negativa fosse plausível. Na reportagem publicada no Ano-Novo por Hersh, o "negócio da bafa dos Porcos" ressurgiu com implicações potencialmente estarrecedoras. "O Times informou no domingo que a nova unidade doméstica foi formada em 1964, mas o sr. Hunt lembrou que foi montada pouco depois do fiasco da operação da bafa dos Porcos, em 1961. Muitos homens da agência ligados àquele fracasso foram colocados dentro da nova unidade doméstica". Hunt estabeleceu a data da fundação como 1962, antes do assassinato de Kennedy, e observou que Helms se opôs tenazmente à sua criação. 16 Quem, então, dirigiu a operação? Segundo uma fonte da Agência de Informações de Defesa, tal operação estava no âmbito dos Serviços Clandestinos do chefe da Divisão do Hemisfério Ocidental, o velho amigo de Nelson Rockefeller dos tempos do CIAA na Amazônia brasileira, J. C. King. Quatro dias depois, após um ainda mais delicado relato oral de Colby na Casa Branca, o presidente Ford anunciou que estava designando Nelson Rockefeller para chefiar uma comissão de alto nível com oito integrantes, incluindo o velho amigo de Nelson e sócio nas propriedades do Congo Belga, C. Douglas Dillon, para investigar as operações ilegais da CIA nos EUA.
ODIA DAS RAPOSAS A Comissão Rockefeller sobre Abusos da CIA• passou seis meses investigando. Em junho de 1975, Nelson divulgou um relatório claramente preparado para proteger a CIA, recomendando mudanças que todos sabiam ser necessárias, enquanto defendia certas práticas secretas (incluindo a manutenção de arquivos sobre americanos), e, ao fazê-lo, aumentou o patamar de tolerância da opinião pública. O problema imediato de Nelson era William Colby e sua crença de que a lealdade à CIA exigia que persuadisse a imprensa com mais franqueza do que Nelson julgava apropriado. Quando Colby apareceu no primeiro dia de audiências, em 13 de janeiro, Nelson advertiu que não revelasse tudo. 17 Recomendou manter segredo até em alguns casos que Colby julgou desnecessário. Mas Nelson tinha razões pessoais, não apenas oficiais, para querer segredo. Como subsecretário do Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar (HEW) de Eisenhower e depois como seu assistente especial para estratégia de Guerra Fria e guerra psicológica, Nelson conhecia muitas operações clan•ver no apêndice B os n ~ dos membros da Comissão.
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destinas da CIA, incluindo as experiências de controle da mente (financiadas em parte através do HEW) e complôs de assassinato. De fato, como presidente do Grupo Especial do Conselho de Segurança Nacional, ele era informado de todas as operações clandestinas e teria de ter aprovado algumas das mais questionáveis, incluindo golpes e assassinatos no exterior e contínuas experiências de controle da mente no pafs. 18 O presidente Ford estava particularmente interessado em fazer Nelson investigar "esse negócio de assassinato". 19 Nelson compreendeu imediatamente as implicações. Ele já sabia das tentativas contra a vida de Castro e a teoria de que tais tentativas tinham se virado contra Kennedy em Dallas. "Era uma outra maneira de me cortar a cabeça e me colocar lá fora, onde eu era o que estava apontando o dedo para os Kennedy, entende, como presidente do comitê. Também me colocando num buraco impossível, porque eu sabia que essa coisa já tinha sido investigada muitas vezes e que havia um monte de pistas muito interessantes." Diante da ameaça de renúncia de Nelson, Ford deixou de insistir num relatório escrito sobre esse assunto específico. Mas a investigação seguiria adiante. Nelson começou montando o caso para um elo entre Castro e o assassinato de Kennedy. "Tínhamos esta informação,juntamos tudo e era quente." Quando achou que era o suficiente, decidiu confrontar o senador Kennedy com um documento sigiloso para ver se ele podia liberar mais segredos. "Olha Teddy, isso está sendo tratado informalmente", ele se lembrou de ter dito ao último irmão Kennedy. "Você lembra de seu irmão falando sobre isso? Porque não pretendemos criar embaraço para ninguém, [mas] pode ser embaraçoso. Quero que você saiba o que estamos fazendo e que nada está sendo feito pelas suas costas." A tentativa de ser sincero nada rendeu a Nelson. "Tenho apenas vagas lembranças sobre este documento. Falei sobre isso talvez uma vez ou duas com Hyannis Port", respondeu Kennedy. Incapaz de encontrar provas de que Kennedy mandou matar Castro, Nelson desistiu da investigação. Ao evitar a obrigação de fazer um relatório, "não deixei o presidente muito bem, não fiquei muito bem e pus o assunto onde devia estar: no Congresso".2º Apesar da alegação de Nelson de que estava se atendo às atribuições originais da comissão para investigar somente as ações domésticas da CIA, algumas atividades que dependiam de operações no exterior foram tratadas no relatório, mas de maneira altamente seletiva e discreta. A cooperação ilegal da CIA com a NSA na interceptação de telefonemas de narcotraficantes entre a América Latina e os EUA em 1973 foi considerada um alvo digno de críticas; os laços da CIA com traficantes de cocaína operando entre os EUA e a Colômbia não foram. O apoio da CIA às atividades do Comitê do
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Governo para Controle de Narcóticos, incluindo investigações no exterior, foi revelado; o envolvimento da Air America, da CIA, no transporte da mesma heroína do Sudeste Asiático que preocupava tanto o comitê, não foi. O uso pela CIA da polícia interna foi desencorajado, o treinamento pela agência de policiais latino-americanos não foi. O abuso da CIA por Nixon em assuntos como acesso a arquivos e equipamentos, Watergate e a requisição de mais de 33 mil dólares para pagar respostas da Casa Branca a cartas sobre a invasão do Camboja era um jogo justo. A CIA conspirando com mafiosos e exilados cubanos nos EUA para assassinar o chefe de estado cubano, não era. Tampouco o mau uso pela CIA dos nomes do presidente Kennedy e de seu irmão, o secretário de Justiça, Robert Kennedy, depois da crise dos mísseis, para prosseguir nas tentativas ilegais de assassinato sem autorização. Enquanto adotava um tom crítico adequado e fazia algumas recomendações estruturais e de procedimentos para corrigir os erros mais evidentes de processo e da linha de autoridade do governo, Nelson, na maior parte dos casos, projetava confiança na alegação da agência de fim dos abusos e concretização de reformas, incluindo a proibição de assassinar líderes estrangeiros. Ele não mencionou a estocagem não autorizada de curare, de veneno de cobra e de moluscos e outras toxinas e armas biológicas, em direta violação da ordem dada pelo presidente Nixon em fevereiro de 1970 para a destruição desse material. Entre os cientistas colaborando com a CIA na estocagem ilegal estavam quatro acadêmicos da Universidade Rockefeller.21 O relatório da Comissão Rockefeller sobre experiências da CIA de controle da mente foi limitado sob alegação de destruição de registros por Helms; no entanto, 1.600 documentos seriam encontrados na CIA em três anos. A única pista dada por Nelson sobre o alcance dos programas de controle da mente estava em duas frases: "O programa de drogas fazia parte de um esforço muito maior para estudar possíveis meios de controlar o comportamento humano. Outros estudos exploravam os efeitos da radiação, de choques elétricos, da psicologia, psiquiatria, sociologia e de substâncias perturbadoras.'' Agora, assegurava Nelson, as diretrizes do HEW estavam em vigor. Como a guerra do Vietnã inspirara perguntas sobre sua escalada depois da morte de John Kennedy, Ford estava sendo pressionado a reabrir a investigação do assassinato de Kennedy. Nixon também teve de enfrentar a acusação do envolvimento da CIA na morte do presidente. Ele tratou o assunto de forma magistral, rebatendo apenas as mais exóticas teorias conspiratórias, ignorando as críticas substanciais e as alegações do envolvimento da CIA, após o crime, num acobertamento de fatos relacionados ao assassinato. Sua conclusão foi previsível, dada a presença de David Belin, ex-integrante da Comissão Warren, como dire-
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tor de equipe e o fato de o presidente Ford ter sido membro da mesma comissão. A Comissão Warren estava certa. Assim como estava envolvido no acobertamento de violações da lei pela CIA, Nelson, como vice-presidente, acobertou as ações da CIA durante os últimos dias da Guerra do Vietnã, além do fato de que a agência dera a partida em uma nova guerra secreta em Angola, país rico em petróleo. A CIA novamente utilizou diferenças tribais para promover uma guerra civil sangrenta, num esforço de derrubar o governo de esquerda de Angola. Esta campanha continuaria por mais de uma década, deixando a nação em ruínas e o povo faminto. Nelson tentou se livrar de vez da investigação da CIA, descontente com a sinceridade de Colby diante dos comitês do Congresso. Desnecessário dizer, o relatório não tratou seriamente das experiências de controle da mente MKULTRA e MKSEARCH e sequer mencionou as tentativas de assassinato ou o papel em ambos de uma testemunha-chave, J. C. King.
OPREMATURO DESAPARECIMENTO DE J. C. KING El AL. A ordem dada pelo diretor da CIA, John Schlesinger, em 1973, de acabar com o programa MKSEARCH significava fechar a Amazon Natural Drug Company (Andco), incluindo a casa-barco usada na coleta de plantas, o laboratório em Iquitos, Peru, e o escritório em Washington. Mesmo assim, King levou dois anos para cumpri-la. O complexo de laboratórios onde King oferecera jantares festivos e organizara expedições de coleta de plantas pelos afluentes do Amazonas foi finalmente vendido em 1975 para um dos empregados de King, o dr. Sidney McDaniel. 22 A Andco foi dissolvida em dezembro daquele ano. King continuou a freqüentar a Amazônia, segundo alguns relatos. Moradores de Letícia, o porto colombiano onde Mike Tsalickis ajudou na operação de King, lembram de tê-lo visto lá em 1976. No registro de um hotel local consta "sr. e sra. King", mas não há como dizer se esse King era o furtivo ex-chefe dos Serviços Clandestinos da CIA na América Latina: King raramente se permitia ser fotografado. Sabe-se, no entanto, que foi chamado diante dos investigadores do Congresso em julho de 1975 para responder sobre as conspirações de assassinato.
Em 1967, King foi interrogado pelo inspetor da CIA, insistindo que conhecia apenas parcialmente os planos para matar Fidel Castro. Em 197 5, questionado pela comissão de Rockefeller, não se lembrou de nada, mesmo quan-
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do confrontado com documentos que confirmavam sua participação no primeiro Conselho de Segurança Nacional (NSC), nas deliberações e ações da CIA envolvendo Castro e Rafael Trujillo. Um documento do NSC indicava que ele visou Castro para assassinato já em 1959, mas não se lembrou de nada e "negou que conspirações do submundo contra Castro tenham partido dele". 23 Outro documento o mostrava perguntando ao secretário de Estado assistente, Ray Rubbottom, se os EUA poderiam fornecer fuzis de precisão para matar Trujillo (Rubbottom respondeu que sim), mas esta pergunta não alertou ninguém.24 Algumas testemunhas na investigação dos assassinatos estavam muito doentes para depor. Outras morreram, nem todas de causas naturais: • Em junho de 1975, antes de depor, o velho chefe de Jack Ruby em Chicago, Sam Giancana, foi morto a tiros. Giancana arranjava assassinos para a CIA em colaboração com os mafiosos Santos Trafficante, John Roselli e o elemento de ligação da CIA, Robert Maheu. • Em julho, o velho inimigo de Bob Kennedy, Jimmy Hoffa, desapareceu. • Em abril de 1976, Robert Maheu morreu misteriosamente. • Três meses mais tarde, o mafioso John Rosdli desapareceu após dizer no Comitê de Informações do Senado que, em 1962, entregara veneno recebido da CIA a supostos assassinos em Havana. Dez dias mais tarde, seu corpo mutilado foi encontrado flutuando num latão de óleo em Biscayne Bay, ao largo de Miami. • Em janeiro de 77, William Pawley, que tentara com King arrumar um sucessor aceitável para Fulgencio Batista, foi encontrado morto com ferimento a bala no peito em sua casa, perto de Miami Beach. A morte foi considerada suicídio. Ele deixou um bilhete queixando-se de uma dor neurológica que o atormentava há um ano. 25 • Em março de 1977, o imigrante russo-branco que tinha sido o maior confidente de Lee Harvey Oswald em Dallas, o geólogo e colaborador da CIA George Mohrenschildt foi encontrado morto em casa com um ferimento a bala, pouco antes do dia marcado para conversar com um investigador do Comitê de Informações da Câmara sobre Assassinatos. Ele temia ser morto e tinha instalado um sistema de alarme nas janelas da casa. Um gravador encontrado perto do corpo gravou inadvertidamente o "suicídio", bem como o som de uma campainha, pouco antes de a vítima ter dado o tiro fatal.
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SEJA FEITA AVOSSA VONJADE • Uma semana mais tanle, Carlos Prio, ex-presidente de Cuba e líder do movimento contra Castro financiado pela CIA, foi morto a tiros antes de conversar com um investigador do Congresso. • Em novembro de 1977, Wlliam Sullivan, um dos principais assessores de informação de Hoover e diretor da Divisão de Informação Doméstica que supervisionou a investigação do FBI sobre Lee Oswald antes do assassinato, também foi morto a tiro num acidente de caça.
No início de 1977, foi a vez de King. Ele sofria há anos de uma desordem neurológica, aparentemente o Mal de Parkinson. Sua morte aconteceu pouco mais de um ano depois que o Comitê de Informações do Senado, sob protesto de Colby, que queria os nomes de King e de nove outros omitidos do relatório,26 identificou King, Roselli, Trafficante, Maheu e outros como envolvidos nos complôs de assassinato da CIA. Quando King morreu, a Câmara estava a ponto de iniciar sua própria investigação da morte de Kennedy. King, uma testemunha-chave dos laços da CIA com uma organização de exilados cubanos de Nova Orleans à qual Lee Oswald tentara aderir, levou seus segredos para o túmulo. Nelson, embora supostamente investigador-chefe do presidente sobre as atividades da CIA, manteve a boca quase tão fechada quanto a de King no caixão. Operações domésticas da CIA que envolviam pactos escusos com chefes mafiosos, assassinos, traficantes de cocaína da América do Sul, traficantes de heroína do Sudeste Asiático- nada foi mencionado no relatório de Nelson. Tampouco o papel de Nelson como subsecretário do HEW quando a CIA estava começando a fazer do HEW e de sua subagência, o Instituto Nacional de Saúde Mental, os principais condutores das experiências de controle da mente em mais de oitenta hospitais, universidades e instituições psiquiátricas. Tampouco as contribuições de Nelson à Fundação Pan-Americana foram incluídas na sua lista de doações de caridade durante as audiências de confirmação. A fundação era conhecida como uma fachada da CIA, a mesma usada por King. 27 Tampouco o papel de Nelson durante o governo Eisenhower como presidente do primeiro Grupo Especial do NSC que supervisionava operações clandestinas da CIA, incluindo um complô para matar o primeiro-ministro da China, Chu En-lai. E tampouco, naturalmente, o papel desempenhado pela IBEC de Nelson ou outras empresas em golpes inspirados e planejados pela CIA ou o trabalho clandestino feito para a CIA pelo principal assessor de Nelson na IBEC, Richard Aldrich.
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Mas, surpreendentemente, Nelson incluiu índios, mais especificamente integrantes do Movimento Indígena Americano, na lista de cidadãos atingidos pelas operações ilegais da CIA, embora não tenha incluído missionários. Se o tivesse feito e informado o que a CIA estava fazendo com missionários que trabalhavam com povos tribais, o impacto poderia ter obrigado a uma reconsideração não apenas do objetivo da CIA, mas de seu mau uso para objetivos particulares e empresamus. Missionários, como assassinatos, eram quentes demais. Então, tudo explodiu.
VIII DIAS DE JULGAMENTO Nós neste país somos, maispor destino que por escolha, as sentinelas da liberdade mundial. Portanto, devemos estar conscientes de nosso poder e nossa responsabilúlade, exercer nossa for{ll com sabedoria e moder"flio e manter em mente, agora e sempre, a idéia de "paz na tetTa aos homens de boa vontade': Este deve ser sempre o nosso objetivo, e a justiía de nossa causa deve se,· a hase de nossa força. Porque foi dito há muito tempo: "Se o Senhor não guardar a cúlade, em vão vigia a sentinela. " -
PRli'.SJDENTEJOHN F. KENNEDY
Di.!alrso não-pronunciado Dallas, 22 de novembro de 1963
45 OCERCO AO SIL CAPAS RELIGIOSAS, ESPADAS DA CIA William Cameron Townsend acompanhou a controvérsia sobre o uso de missionários pela CIA com curiosidade e alarme crescente. O uso pela CIA de missões religiosas, assunto antes ignorado pela imprensa, estava virando manchete em 197S. A história vinha num crescendo desde 1970, quando o dr. Eric Wolfe, presidente do comitê de ética da Associação Americana de Antropologia, explicou a manipulação de antropólogos através do Centro de Pesquisa Tribal Chiang Ma no norte da Tailândia, financiado pela Agência para o Desenvolvimento Internacional (AIO). Também revelou que organizações missionárias americanas foram arrastadas para operações de contta-insurreição. Em junho daquele ano, o presidente da AIO no governo Nixon, John Hannah, admitiu publicamente que o financiamento de operações da CIA no Laos e revelações posteriores apontaram para a colaboração entre a CIA e a AIO no Equador, no Uruguai, nas Filipinas e na Tailândia. Estas revelações poderiam comprometer todos os esforços missionários, mas o Instituto Summer de Lingilística (SIL) era particularmente vulnerável. Cam Townsend vinha agressivamente buscando financiamento oficial para seus ttadutores da Bíblia há décadas, primeiro de governos estrangeiros, depois de W.Shington. A emenda para a Lei de Serviços Administtativos e Propriedade Federal, de
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1949, que permitia que sociedades religiosas usassem propriedades do governo dos EUA no exterior chegou a ser chamada de projeto Townsend em alguns círculos do Congresso. Nos anos 1960, o SIL estava obtendo indiretamente uma renda razoável da AID através de governos estrangeiros que recebiam ajuda dos EUA ou diretamente através de programas financiados pela AID em educação bilíngüe e cooperativas de desenvolvimento agrícola. Estes recursos eram suplementados por equipamento militar excedente, incluindo helicópteros aposentados do Vietnã e doados ao SIL. ffiotos evangélicos desses aparelhos se tornaram soldados de Cristo na tradição dos Navegadores de Dawson Trottman. No Peru, depois da nacionalização da Standard Oil, o diretor do escritório da AID na embaixada dos EUA até se tornou membro do SIL. Em Washington, por incentivo de Ed Boyer, funcionário do Departamento de Educação Internacional do HEW e futuro membro da diretoria do JAARS, Cam montou um escritório do SIL em tempo integral para ajudar o Senhor a obter o que lhe era devido. Em 2 de dezembro de 1970, o presidente Nixon aprovou a ampliação da proposta de Cam de um Dia Nacional da Tradução da Bíblia para um Ano dos Grupos Lingüísticos Minoritários. O sobrinho de Cam, Lorin Griset, usou sua influência como prefeito de Santa Ana com o colega republicano de Orange Country, John Fmch, diretor do HEW, para ter Nixon a bordo. Billy Graham também ajudou. Anos de esforços tinham finalmente valido a Cam a oportunidade de tirar uma foto com o presidente dos EUA,junto com o presente de uma Bíblia agraciada com um autógrafo de Nixon. Mas, desde então, tudo tinha ido ladeira abaixo. Fmch perdeu o cargo numa disputa ministerial e o SIL perdeu o acesso ao Salão Oval. A seguir, Nixon caiu. A represa contendo a divulgação dos grandes crimes e contravenções arrebentou, ameaçando engolfar Billy Graham e o SIL em meio às revelações sobre Nixon. Todos os relações-públicas desde Ivy Lee, de John D. Rockefeller, sabiam que a maneira de evitar revelações é desencorajar a tentação de investigar através do ataque cerrado a acusações sem fundamento. Quanto mais bizarra a acusação, mais fácil desacreditá-la e mais amplo o fator de esfriamento do assunto. No calor de Watergate isto não era fácil de fazer. Nada mais parecia bizarro. No caso das acusações dos esquerdistas contra os missionários, tudo se tornou ainda mais problemático porque agora eram os missionários que faziam as revelações. Líderes de igrejas, furiosos porque sua integridade tinha sido minada pela colaboração dos missionários com a CIA, começaram a protestar contra a corrupção política do trabalho do Senhor e a manipulação do clero ingênuo por espiões. Havia também um aspecto pragmático: anos de trabalho para ganhar a confiança de povos no exterior estavam ameaçados de destruição. E havia o horror genuíno da violência desencadeada no Vietnã e no Chile, em nome da causa cristã.
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Quando Rockefeller e o presidente Ford falaram do golpe como benéfico para o povo chileno, a revolta ecoou nas igrejas dos EUA. Cam se manteve em silêncio, atendo-se ao conhecido e provado Romanos 13:1. Mas outros missionários, protestantes e católicos, falaram: dezesseis líderes de missão divulgaram um documento em outubro de 1974, dissociando-se da declaração de Ford, pedindo a divulgação plena dos crimes da CIA, a abertura de processos quando os crimes forem evidentes e uma lei mais rigorosa contra atividades clandestinas destinadas a desestabilizar governos estrangeiros eleitos. Tais "desestabilizações" foram condenadas como "flagrantemente incompatíveis com nossos ideais como americanos e cristãos. Métodos de gângsteres minam a ordem mundial e disseminam o ódio nos EUA. Watergate mostrou que tais métodos, uma vez aceitos, acabarão por fim virando-se contra nossos cidadãos". "Testemunhei pessoalmente o desfecho da intervenção da CIA em mais de um país", afirmou um dos signatários, o padre William Davis, diretor social dos Ministérios Sociais Jesuítas, "e sei que é um legado de medo, ódio, opressão e até morte" .1 Davis enfatizou que estava em jogo a política nacional e seu poder de corromper a boa vontade e as almas. "Além de desempenhar algumas funções úteis, a CIA abriga muita gente boa e responsável. Conheci várias ao longo dos anos. Mas, obviamente, pessoas boas podem ser, e são, usadas para objetivos maléficos pelos que desejam manter o poder, ou então o Vietnã e o \Vatergate nada nos ensinaram." Em Nova York, o Conselho Nacional das Igrejas, financiado pelos Rockefeller, fez uma reunião para discutir a integridade das missões diante das ações clandestinas da CIA. Alegações de manipulação e até infiltração pela CIA das fileiras de missionários se tomaram relatórios detalhados. John Marks, ex-analista do Departamento de Estado, decidiu investigar. Em agosto de 197 5, começaram a aparecer artigos citando revelações fascinantes de Marks. 2 As histórias do Vietnã de um membro dos Serviços Católicos de Assistência que era, na verdade, oficial de informação militar, e de um bispo que estava na folha de pagamentos da CIA já eram quentes o suficiente. Mas Marks também repetiu uma história contada em 1970 sobre os dez milhões de dólares canalizados através da AID, metade da CIA, para financiar atividades contra Allende e enviados a um padre jesuíta, Roger Vekemans. Mais dinheiro da CIA foi para um padre na Colômbia, com o objetivo de transformar uma campanha de alfabetização pelo rádio de pessoas pobres do campo numa máquina de propaganda da Guerra Fria. E freiras católicas, crentes que lutavam contra o analfabetismo, inadvertidamente entregaram à CIA detalhes sobre a vida do povo obtidos no censo feito por elas. 3 Os piores casos vieram da Bolívia. Um missionário protestante informou sobre sindicatos, cooperativas rurais e atividades políticas de cidadãos para a CIA, outro deu à agência nomes de possíveis comunistas. Seu substituto em 1973 se recusou a
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cooperar, mas a ditadura de Hugo Banzer não aceitava respostas negativas. Missionários que não oooperavam iam para uma lista de suspeitos. O plano de ação do governo boliviano contra a Igreja foi vazado para o clero, supostamente por um alarmado funcionário católico do próprio regime. A CIA se comprometera a informar sobre padres americanos e, em 48 horas, agentes compilaram dossiês completos sobre certos religiosos, incluindo amigos e contatos no cxrerior. O padre Maryknoll Charles Curry mandou uma cópia do plano de Banzer para o Comitê de lnfurmaçaa do Senado. "Esta suposta cooperação tem implicações sinistras", escreveu ao presidente Frank Church, acespecialmente quando vista à luz da violenta e disseminada repressão na Bolívia hoje."4 "Prisões [de religiosos ", ensinava o plano, acdevem ser feitas preferivelmente no campo, em ruas desertas ou tarde da noite."
OGRANDE IRMÃO NA BOLÍVIA O SIL tomou outra posição em nome de Cristo: colaboração. Donald Bums, do SIL, estava sob contrato da AIO para planejar e auxiliar na coleta de dados para a Cenaco, a agência nacional computadorizada de Banzer, financiada pela AIO•. Dados coletados pela Cenaco não estavam protegidos de abusos pela polícia secreta do regime, como os dados do censo são protegidos nos EUA pelos estatutos de privacidade. O patrocinador oficial do SIL em La P.lz, o Ministério da Educação e Cultura, montou uma Academia de Desenvolvimento Educacional com dinheiro da AIO para promover "pesquisas de educação e sociolingüística", sob a direção de Burns. As populações-alvo eram índios quíchua dos vales andinos e índios aymará das terras altas andinas. O projeto politicamente sofisticado apontou a "grande disparidade na distribuição da renda nacional e seu relacionamento com o crescente problema da migração das áreas rurais, seja para favelas na periferia das cidades ou para países vizinhos, provocando uma instabilidade social que afeta os jovens."s • Não foi a prime.in vez que Bums trabalhou com a AID. Forçado a sair da base do Peru por estudantes e professores l.ocim, ele montou no Equador o Seminário Nacional de F.ducação Bilínglle. Dele fazia pane um funcionário da AID que trabalhara estreitamente com o SIL no Vietnã a favor do regime de Saigon, Charles H. Reed. Os planos da AID para o SIL incluíam a coleta de dados de estudantes e professores e a sutil promoção da rede de comitês familiares de lideres idosos do regime militar, nos mesmos moldes do trabalhodaAIDnoVietnã.Oplano,noentanto,foiderrotldoporantropólogoscqualDrianosquesuspeituam do papel do SIL Ver Charles H. Reed, "Linguaje y F.ducación Bilingüe en Vietnam•, em Sclmt11ÍIJ"i 'làtllÍ4l#IIIIJ /sl,eay SJ,;,,,;pi l&tnacA;,,gapa. /Jocume#IIJ Fmal. Primer Seminário Nacional de F.ducación Bilingile dei Ecuador, Octubre 15-20 1973, Quito, P.ilácio Legislatiw, 1974, pp 33-38. \b-tambán Douglas Williams (org.), MissitM S"1'fMtlllllL Huntington Beach, California, Wydiffe Biblc üanslaton, Mission Department, janeiro de 1976.
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A situação de pobreza nos Andes, forçando a migração para cidades costeiras superlotadas, não era nova. A novidade era quão espalhafatosamente a informação política foi incluída num projeto envolvendo um alto funcionário do SIL. A pesquisa em comunidades rurais incluía "perfis lingüísticos" de "padrões de uso e preferência de linguagem" com parâmetros definidos por idade, sexo e "categoria social" de indivíduos, se tinham educação formal, filhos, bem como se havia "elementos políticos e sociais" dentro ou "fora" da comunidade _com a qual tinham laços.6 Aspirações da familia e da comunidade, incluindo as "econômicas", foram incorporadas ao estudo, uma informação crucial para o regime Banzer desenvolver sua capacidade de aferir o temperamento político dos mineiros indígenas aymarás. Atravb de tal "pesquisa psicológica" e da "pesquisa socioeconômica", o projeto pretendia "fornecer uma base para o estabelecimento de políticas específicas, planejamento do desenvolvimento especial da comunidade rural e programas educacionais para integração nacional". O banco de dados sobre os índios seria então colocado no computador do Cenaco. A distribuição dos dados e análises resultantes não seria necessariamente confinada à Bolívia; o projeto previa consultas com lingüistas não-bolivianos fora da academia, "para assegurar a compatibilidade desta pesquisa com esforços mundiais de pesquisa sociolingü{stica". Entre os especialistas mencionados para oferecer esse assessoramento externo estavam o dr. Ted Henry ("especialista em amostragem de audiência") da Fàr Eastem Broadcasting Company de Redwood City, Califónúa.7 Haney, há muito defensor do avanço do fundamentalismo cristão americano no Sudeste Asiático, era o maior distribuidor de programas de rádio fundamentalistas bilíngües do mundo. Seu sócio na Eastem Broadcast,John Broger, era agora diretor de informação e educação do Pentágono.8 A Bolívia era a infeliz beneficiária de algumas das lições mais mortais aprendidas pela CIA no Vietnã. O programa Fênix, de William Colby, tinha transformado em ciência a vigilância, o terror, os interrogatórios e assassinatos na região rural vietnamita. Estas técnicas estavam sendo transportadas para a América Latina pela CIA, em um nível mais sistemático de sofisticação computadorizada, através do programa de ajuda militar do Pentágono, do Escritório de Segurança Pública da AIO e, depois do fechamento desse escritório em 1974, pela Agência de Repressão às Drogas (DEA). A estabilidade para investimentos na "Zona do Dólar" hemisférica promovida por David Rockefeller e por outros defensores do livre comércio exigia segurança contra revoltas através da integração dos serviços ' de informação dos regimes militares da América Latina. Com a ajuda da CIA, Banzer expandiu os poderes de seu estado policial. Tendo escapado por pouco da ruína quando uma revolta militar o colocou na prisão por breve período, Banzer
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era grato à CIA por ajudá-lo a recuperar o poder num contragolpe. Também era grato ao funcionário de ligação do governo com o SIL, David Farah, que o visitou na prisão para oferecer conselhos, encorajamento e orações. Depois da volta de Banzer, Farah foi útil na melhoria da imagem da ditadura. Farah sugeriu que Banzer realizasse uma oração presidencial no café da manhã ao estilo de Washington.9 Foi este evento em 197 S que foi acompanhado pelas crianças do SIL na base da selva em Tumi Chucua. A base do SIL continuou a ser um dos locais de descanso preferidos de Banzer mesmo depois que o plano de ação contra as igrejas, financiado pela CIA, se tornou público. A intimidade entre Banzer e o SIL rapidamente se tomou uma fonte de constrangimento quando surgiram relatórios sobre o uso de missionários pela CIA. A censura dos meios de comunicação por Banzer não seria completa até 1976, quando sua "Nova Ordem" totalitária entrou plenamente em vigor, ajudada pelo partido neofascista Falange. A implicação de computadorizar as investigações da polícia da ditadura não passou despercebida ao Conselho Nacional de Igrejas (NCC). O NCC compareceu ao encontro anual de 197 S da IBM e votou duzentas mil ações contra a venda de computadores para ditaduras latino-americanas que violavam os direitos humanos. "A questão não é se eles venderiam câmaras de gás para Hitler. Nos dois casos se estaria dando-lhes armas", disse o reverendo William Wipfler. O diretor de informação da IBM tentou defender as vendas da empresa. "Se a General Motors vende um carro e você o usa para matar alguém, isso não toma a empresa responsável." A menos que a GM soubesse que você era um assassino que usava carros como arma. "Quando se sabe quem é Hitler", concluiu Wipfler, "não se pode fingir que não se sabe o que ele vai fazer com o seu equipamento." 19 E o pessoal do SIL raramente mencionava como o trabalho deles com a AID nas terras altas centrais do Vietnã pode ter contribuído para a coleta de dados pela agência sobre as tribos montagnard e para os perfis políticos elaborados pela Operação Fênix. Nem a revista 1ranslation, do SIL, publicou qualquer ponderação, por gente do SIL na Bolívia, sobre o significado sombrio do posterior envolvimento da organização num esquema para realocar as tropas montagnard na região de Beni, norte da Bolívia, onde ficava a base de Tumi Chucua, do SIL. 11
DO LAOS ÀBOLÍVIA COM AMOR Estes montagnards eram os hmongs do Laos, as tribos "Meo" das manchetes. Mais de quarenta mil sobreviventes do missionário Pop Buel e da guerra secreta da CIA concluíram sua trágica retirada através das montanhas do Laos fu-
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gindo para a vizinha Tailândia. Amontoados em campos de refugiados, eram vítimas de extorsão por oficiais corruptos ou serviam para aventuras, através da fronteira, contra o Pathet Lao comunista. Apesar dos serviços prestados à CIA, a única assistência aos hmongs veio de missões cristãs e agências humanitárias dos EUA, coordenadas a partir da embaixada dos EUA em Bangkok, pelo novo embaixador de Nixon na Tailândia, William Kintner-ex-agente da CIA, ex-assessor do assistente especial da Casa Branca Nelson Rockefeller, ex-funcionário do Pentágono, defensor do uso de missionários em contra-insurreição e amigo de Robert Schneider, do SIL. No começo de 197S, enquanto a revolta montagnard se espalhava pelas terras altas centrais e o Exército de Saigon entrava em colapso, Larry Ward, presidente de uma agência humanitária cristã particular, a Alimentos para os Famintos, abandonou seu posto como assessor especial do regime de Saigon para as minorias rurais e fugiu para a Tailândia. Ward mais tarde entrou em contato com o SIL e arranjou encontros entre líderes hmong e o SIL na Bolívia. O contato de Ward em Washington era Cleo Shook, fundamentalista zeloso e diretor do Escritório de Cooperação Privada e Voluntária da AID, o mesmo com o qual Cam trabalhara. O acesso de Shook a mais de 240 milhões de dólares em ajuda estrangeira resultou em dotações para muitos grupos missionários cristãos que faziam trabalho humanitário no exterior, inclusive na Tailândia. 12 Parte do dinheiro era destinada à realocação dos hmongs na Bolívia, onde David Fàrah, do SIL, ajudou a coordenar o projeto. Farah não viu problema no fato de já haver índios morando na região de Beni, onde o regime de Banzer separou mais de 15 mil hectares para os hmong. Deste ponto de vista, ªas características faciais [dos hmong] combinariam muito bem com as do índio da bacia amazônica."u Sem resposta ficou a questão da saúde. Os hmongs, um povo da montanha, somam com ajustes climáticos e malária nas terras baixas tailandesas; na Amazônia seria ainda pior. Não se estudou adequadamente o que poderiam plantar no frágil solo amazônico, especialmente considerando-se que há décadas a única colheita comercial deles era o ópio. Fmalmente, havia a questão maior de por que o regime Banzer, que encorajava o controle da natalidade entre os índios, 70% da população boliviana, estava subitamente preocupado em remediar um recém-descoberto "déficit populacional" com refugiados estrangeiros. Parte da resposta pode ter sido a colaboração dos hmongs como o maior exército combatente da CIA. Isolados numa terra estranha, os hmongs dependeriam do regime de Banzer para.sua sobrevivência. Seriam suscetíveis mais uma vez à manipulação como uma força de contra-insurreição contra mineradores indígenas politicamente rebeldes ou contra um movimento guerrilheiro em Beni, a primeira escolha de Guevara como campo de treinamento. Pela mesma razão, Banzer
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estava também considerando a criação de outra colônia em Beni para os alemães que estavam migrando do Sudoeste da África (atual Namíbia). Lá havia cerca de trezentos mil bolivianos de descendência alemã, que geralmente "adotavam" criadas índias - a maior parte garotas - em suas casas como virtuais escravas. A escravidão se estendia também pelos campos das propriedades.14 Os custos de mão-de-obra foram um fator que quatro empresários sul-afiicanos consideraram quando visitaram a Bolívia em 1976: a mão-de-obra indígena poderia substituir a afiicana. Como um bôer sul-afiicano que cogitava emigrar, afirmou depois de visita à Bolívia: "Obviamente não estamos inteiramente felizes com a situação racial por lá [na Bolívia]. Não prevejo qualquer problema sério, no entanto, porque, como nós, eles praticam a discriminação. A economia é controlada por um pequeno número de imigrantes brancos europeus que mantém espanhóis e índios nos seus devidos lugares. A única diferença é que fazem tudo discretamente, sem alardear ao mundo exterior. Do ponto de vista deles, os brancos sul-afiicanos se sentirão em casa lá".15
OPLANO DE BANZER PARA OPETRÓLEO BOLIVIANO Uma razão-chave para a nova política de imigração de Banzer era a preocupação entre as classes altas de Santa Cruz e La Paz de que as terras a leste dos Andes fossem ocupadas pela Bolívia antes que colonos brasileiros as tomassem parte de facto de sua terra natal. O regime de Banzer enfatizou a necessidade de instalar fazendas comerciais nas terras virgens para expandir a produção agrícola e reduzir os custos de importação de alimentos caros. Esta era a razão ostensiva para a nova lei de imigração. Decretada em janeiro de 1976, oferecia 20 hectares, uma casa, empréstimos, apoio técnico e cidadania para todo imigrante que trabalhasse a terra na Bolívia por um ano. Maiores concessões de terra e apoio estariam disponíveis para os que desejassem estabelecer fazendas de pecuária. Mas o maior sonho era o de potenciais riquezas minerais. E ali, como em toda a bacia amazônica, o petróleo cativava a imaginação. A colônia alemã de Santa Cruz tinha visto o que o petróleo podia comprar. A cidade passou a ter um novo Holiday lnn para americanos com bonés de beisebol. A esperança era que o campo ao sul de Santa Cruz se estendesse para o norte, até Beni. Geólogos contratados pela Standard Oil da Califórnia estavam pesquisando as selvas da região leste em busca de petróleo. Os da Texaco e Getty Oil estavam lá também, explorando uma concessão de mais de 920 mil hectares. 16 Banzer estava terminando a construção de uma rodovia que ia de La Paz, através das selvas
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e pampas onde viviam 25 mil índios movima e mojo, até Trinidad, a maior cidade de Beni. Na bacia do rio Beni, manadas de gado com até dezessete mil cabeças pastavam nos pampas, controladas por grandes proprietários que usaram a suposta reforma agrária de Banzer para consolidar suas propriedades e, dessa maneira, empobrecer os índios. 17 Em nome da proteção dos direitos dos índios às terras, o SIL pressionou La Paz e Washington para lançar cursos de "treinamento de lideranças" para os estudantes indígenas com as bênçãos de Banzer e cem mil dólares da AID. Os projetos de desenvolvimento comunitário do programa incluíam pequenos negócios, como criação de abelhas e instalação de um pequeno comércio, o desenvolvimento de uma classe protestante mercantil que substituísse a tradicional autoridade tribal e a construção de pistas de pouso e rodovias para apressar a gloriosa integração nacional de Banzer. Com outros cinco milhões de dólares da AID para o regime boliviano, o SIL duplicou o número de professores bilingües, colocando 45 em cada cinqüenta na folha do governo. Os líderes do SIL souberam ser gratos. "Banzer é um homem de moral", exclamou o diretor da filial boliviana, Ronald D. Olson, em 1976 18 -apenas alguns meses depois de o antecessor de Banzer, o ex-ditador Juan Torres, ter sido assassinado na Argentina. O colega de Banzer no golpe de 1971, coronel André Selich, que ajudou a caçar Che Guevara, morreu durante "interrogatório" na Bolívia. Dezenas de mineradores indígenas foram mortos pelo Exército durante uma greve, centenas aprisionados, cinqüenta expulsos para se juntar a outros cinco mil no exílio; e os ayoreos e outros índios, sob protesto de padres católicos, foram recrutados para trabalhar na região de Beni em fazendas pecuárias e plantações que o diário Excelsior, de La Paz, mais tarde definiria como "campos de escravos". 19 Mas havia antropólogos descontentes com a "ocupação" das tribos pelo SIL. Ao proibir os convertidos de fumar, beber e participar de festivais religiosos nãoprotestantes, os missionários estavam excluindo os índios da "vida dvica de suas comunidades", argumentou o antropólogo Jürgen Riester. "Como a proibição diminui o sucesso deles entre os índios nas aldeias, os protestantes concentram seus maiores esforços na conversão de grupos nativos que ainda têm uma vida cultural tradicional. Entre esses grupos eles geralmente implementam uma política de isolamento dos indígenas em relação à sociedade boliviana. Ideologicamente motivados, produzem na conversão um grau de alienação da sociedade nacional até mais eficaz do que um estado de total isolamento."2º Enquanto as notícias do uso de missionários pela CIA chegavam à mídia latino-americana, a colaboração do SIL com regimes direitistas e os favores que recebia da AID o tomaram um alvo natural de suspeitas. Não havia provas, mas muitos acusadores acreditavam na existência de um elo entre o SIL e os progra-
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mas de contra-insurreição, e nacionalistas mais cínicos da direita e da esquerda esperavam que as regras de percepção dos políticos fossem levar a melhor. E quase levaram. Em meio à tormenta internacional sobre a possível migração transatlântica do apartheid para a Bolívia, projetando uma nuvem escura sobre a migração transpacífica de um derrotado exército tribal da CIA, o envolvimento do SIL no êxodo da Tailândia para a Bolívia foi usado para alegar que o SIL estava envolvido também nos planos de fixar na Bolívia partidários doapartheid sul-africano. Desmentidos sucessivos da filial sul-africana do SIL2 1 apenas pareciam confinnar a acusação, ao mostrar a existência de uma representação só de brancos no coração do apartheid. Isto era prova suficiente? Claramente não era. Mas o SIL foi condenado pelo seu próprio sucesso. Durante vários anos, os Tradutores da Bíblia Wycliffe tinham sido a missão protestante com maior pessoal (mais de 2.500), embora fosse apenas a sétima em renda declarada (dezesseis milhões de dólares). A diferença era atribuída ao baixo valor das despesas de seus tradutores; outro fator era o equipamento recebido da AIO e de outras agências do governo, que entrava para os livros do SIL como bens de valor depreciado para a organização e para o JAARS, não como renda para os tradutores. A ajuda do governo dos EUA era registrada publicamente para quem quisesse verificar. A ênfase oficial do SIL no apoio dado por igrejas locais a seus tradutores apenas aumentava as suspeitas de que o SIL tinha algo a esconder. A propriedade de equipamento militar excedente dos EUA era óbvia para os investigadores, e o esforço do SIL em minimizar o papel de César e alardear o papel de Deus espalhou o vírus do cinismo sobre os verdadeiros motivos da maior parte dos missionários do SIL. Um funcionário do SIL chamou de "milagre" o presente de sete helicópteros Hiller H-23 doados pela AID e peças de reposição dadas pelo Pentágono, numa reação que parecia incrível para os não-familiarizados com o histórico político da maioria dos recrutas do SIL.22 Cleo Shook ofendeu-se e negou a colaboração com a CIA. As acusações tinham sido "trombeteadas pela oposição", insistiu. Os grandes culpados eram "antropólogos acadêmicos que dizem 'não perturbem os nativos'. Há uma disputa profissional entre esses círculos". Larry Ward, da Alimentos para os famintos, também ficou indignado. O funcionário da filial boliviana do SIL, David Farah, apenas deu conselhos e "abriu as portas", disse. 23 O próprio Farah tinha antes chegado ao ponto de denunciar os esforços da CIA para recrutar os tradutores da Bíblia. Em janeiro de 1976, enquanto servia como elemento de ligação do SIL junto ao governo de Washington, foi contatado pela CIA mas negou qualquer cooperação do SIL, pelo menos quanto ao recrutamento de lingüistas. "Sempre nos recusamos a ajudar quando agentes da CIA
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foram a um dos nossos centros de treinamento em universidades, especialmente em Norman, Oklahoma", disse. 24 Alguns bolivianos não se convenceram. Depois que um ônibus da Alimentos para os Famintos foi apedrejado na Bolívia, Ward pensou melhor sobre a expansão da realocação dos hmongs além dos 550 inicialmente planejados. "Estamos com certeza prontos a nos deslocar para ajudar os índios. Se há algum lugar na face da Terra melhor do que a Bolívia, iremos para lá".25 Devido às revelações sobre as ações clandestinas da CIA, seus antigos colaboradores estavam sentindo dificuldade de ir a qualquer lugar. O alcance global de tais atividades, com seu potencial de aplicação em contra-insurreição, atraía acusações contra o SIL, cujo sucesso em se expandir no exterior com verbas e contratos dos EUA e governos locais (e geralmente dos militares) fazia de seus missionários conservadores alvo de críticas vindas de todas as direções políticas. Só no Peru, em um período de quatro semanas em 197 5, o SIL foi alvo de 44 editoriais e artigos críticos.26
ODEPARTAMENTO DE ESTADO DE KISSINGER VEM PARA ORESGATE De volta a Waxhaw, Carolina do Norte, na base em expansão do JAARS, o diretor-geral aposentado do SIL, Cam Townsend, via com desalento as acusações se avolumarem como bola de neve de um país para outro. Em Washington, onde o escritório do SIL mantinha ligações com funcionários do governo, o Departamento de Estado de Kissinger manteve um olhar cauteloso na campanha contra o SIL. Na Colômbia, a onda de críticas estava particularmente intensa, com acusações variando do extremo (tráfico de drogas e contrabando de urânio) ao sério (seqüestro de crianças e de velhos indígenas para extensas viagens de coleta de fundos pelos EUA) e a algo próximo da realidade (destruir os valores culturais dos índios, criar divisões religiosas dentro das comunidades indígenas, enganar o governo sobre seus objetivos evangélicos e incutir nos índios lealdade aos EUA). Em junho de 197 5, foi publicado um relatório oficial com uma investigação do governo. Embora não houvesse provas das acusações mais graves, lingüistas e antropólogos de toda a Colômbia pediram a interrupção do contrato do SIL, que estava para ser renovado. O presidente Alfonso López Michelsen decidiu antecipar uma investigação do SIL pelo Congresso colombiano. Sua estratégia foi igual à do governo Ford, que tentara o mesmo em relação à CIA designando a Comissão Rockefeller. López Michelsen, cujo Movimento Liberal Revolucionário era apoiado pelo escritório da CIA em Bogotá,27 tomou o controle do destino do SIL com uma tática brilhante: em vez de esperar os re-
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sultados de uma investigação do Legislativo, ele prometeu nacionalizar imediatamente os programas bilingües do SIL. A tática cooptativa de López Michelsen teve a admiração do novo embaixador de Kissinger, Vrron Vaky. A designação de Vaky, um dos maiores especialistas em América Latina do Departamento de Estado, mostrou a importância que Kissinger atribuía à Colômbia em sua estratégia latino-americana. Vaky ajudara a supervisionar a escalada americana de contra-insurreição na Colômbia de Alberto Lleras de Camargo e na Guatemala durante os anos 1960. Como principal assessor de Kissinger para a América Latina no Conselho de Segurança Nacional, Vaky se envolveu no esforço feito em 1970 por Kissinger para evitar a posse do presidente eleito do Chile, Salvador Allende, agindo, segundo o assessor de Nixon, Richard Colson, como contato de Kissinger junto ao presidente da ITT, Harold Geneen, quando este se "vangloriava sobre todo o dinheiro que dera para a agência,,.28 Vaky chegou a Bogotá em 1974. O partido de López Michelsen, o Movimento Liberal Revolucionário, apoiado pelo escritório da CIA em Bogotá,29 tinha assumido quando a controvérsia sobre o SIL esquentava em relação ao escândalo dos índios guajibo, e Vaky gostou do modo como o presidente cuidou das coisas, evitando que se tornasse uma grande crise política. "A abordagem de López,,, telegrafou Vaky a Kissinger, "dá a aparência de uma decisão unilateral do Goc [Governo da Colômbia], quando na verdade implementa os termos básicos de uma antiga proposta para um novo acordo do governo com o SIL. A ação do presidente irá, acreditamos, finalmente se provar um meio eficaz de remover uma questão conturbada das atenções da opinião pública. ,,30 A preocupação de Vaky era com a sobrevivência do SIL como presença americana na Colômbia. A expulsão do SIL prejudicaria a reputação dos EUA e a capacidade da embaixada americana de coletar informações sobre o interior da Colômbia. O SIL estava em contato com a embaixada dos EUA. Um porta-voz do SIL, observou Vaky, "comentou que López não estabeleceu prazo para a encampação colombiana. (... ) Além disso (...) Comelio Reyes disse que defenderia os programas do SIV.31 Comelio Reyes, ministro do Interior de López, era latifundiário na região de Planas, dos índios guajibo, perto do local onde as empresas americanas de petróleo operavam. Ele também apoiara donos de terras no fértil vale Cauca, onde índios militantes do Conselho Indígena Radical de Cauca (CRIC) estavam sendo torturados e mortos, incluindo aqueles que treinavam seus próprios professores billngües e organizavam a resistência passiva de massa contra o roubo de terras indígenas. Agora Reyes estava subitamente posando de campeão da educação bilíngüe indígena - pelo menos no que se referia ao trabalho do SIL. Ele concordou com os tradutores de Cam de que "agitadores externos,, estavam por per-
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to sempre que havia "problemas indígenas". Para o SIL, estes "agitadores" eram agentes de Satã; para Reyes, comunistas. A distinção acabava indistinta. Em novembro, sufocado pelas críticas do Congresso, a filial colombiana do SIL pediu ajuda para além da embaixada dos EUA. Procuraram o homem que tinha liderado o avanço do SIL para Lomalinda com traüers doados pela Standard Oil e que tinha sido "afastado" do trabalho de campo quatro anos antes.
CAM VEM PARA ORESGATE Cam Townsend voou para Bogotá e se lançou à tarefa de organizar a defesa do SIL com a energia de um homem muito mais jovem. Necessário como mais que uma lenda, ele descobriu que ainda tinha a velha habilidade e o velho vigor. Trabalhou nos corredores do governo como um profissional de Washington, fazendo visitas discretas a altos funcionários, procurando seus velhos aliados e usando qualquer ajuda que a embaixada de Vaky pudesse lhe dar. Quando um parlamentar mostrou mapas militares americanos designando as montanhas Macarena como zona de segurança e alertou para a presença de uma base secreta dos EUA com mísseis, o ministro da Defesa da Colômbia se voltou para o Todo-Poderoso. Excrítico das supostas operações clandestinas do SIL, ele agora estava disposto a defender o SIL e descartou publicamente as acusações como forjadas. O embaixador Vaky telegrafou a Kissinger, reassegurando que a "Colombianização ( .•.) é essencialmente o que o SIL tinha proposto para o novo contrato. A manobra de López pode, conseqüentemente, fornecer um arranjo satisfatório para ambas as partes enquanto dá uma aparência de ação [de governo] que deve aplacar a maior parte dos críticos do SIL aqui". 32 O mesmo era verdade no Peru, onde a batalha na Colômbia era cuidadosamente acompanhada por amigos e inimigos do SIL. "A anunciada [expulsão da Colômbia] complicará a renovação do contrato do SIL prevista para fevereiro", disse o embaixador Robert Dean a Kissinger. 33 Dean era outro velho operador dos círculos de informação, que trabalhou estreitamente com a CIA e o Pentágono em inúmeras missões no passado, incluindo o golpe de 1964 no Brasil.34 Agora Dean se encontrava no volátil Peru, onde o SIL não estava acima das críticas. Os fundamentalistas do SIL não colocaram peruanos na organização ou no processo de tomada de decisões, segundo informou o antropólogo Stefano Varese, do Ministério da Agricultura no governo de Juan Velasco Alvarado.35 Lingüistas e antropólogos peruanos denunciaram que a dependência do governo em relação ao SIL para a educação bilingüe não era saudável para a América Latina ou para os índios. 36 Além disso, o SIL _fazia intervenções arbitrárias em assuntos tribais,
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entrando em tribos sem permissão e operando os aviões do JAARS sem respeitar as fronteiras nacionais. As negociações sobre o SIL pareciam estar indo no mesmo caminho da nacionalização da Standard Oil, até que um golpe militar mais uma vez veio em socorro. A revolução do presidente Velasco tinha sido levada à falência por seu oleoduto transandino para os campos petrolíferos amazônicos que todas as empresas amazônicas, com exceção da Occident:al Petroleum, de Annand Hammer, tinham dificuldade em localizar. Derrubado por seus colegas oficiais em 197 5, Velasco foi substituído por um general mais conservador, Francisco Morales Bermudez. O novo presidente se mostrou mais favorável aos desígnios regionais de Kissinger, incluindo a anulação das nacionalizações e da reforma agrária de Velasco e a aceitação das exigências do presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, para um aperto nos cintos já esgarçados dos peruanos. No meio desta reviravolta, o embaixador Dean apresentou seus respeitos ao SIL na base de Yarinacocha. Ele discutiu a renovação do contrato e aplaudiu Cam Townsend num banquete em sua honra. Cam pressionou pela renovação do contrato pelo Peru antes de voar para Bogotá com o mesmo objetivo. Na Colômbia, ele apagou as últimas chamas com um endosso do ministro da Educação de López, o latifundiário dos Llanos Hernando Duran Dusan. Cam voou de volta para os Estados Unidos para descobrir que o uso de missionários pela CIA tinha crescido a ponto de se tornar um grande escândalo internacional. A divulgação do Plano de Banzer levou uma coalizão especial de missionários católicos e protestantes a rascunhar um Código de Ética e Ação sobre o envolvimento com a CIA. Este código de ética inspirou o senador Mark Hatfield, que no passado apoiara as missões protestantes no exterior (incluindo o SIL), a pedir a William Colby para suspender o uso de missionários pela CIA. Colby rejeitou o pedido. "Creio que não seria necessário nem apropriado bloquear qualquer ligação entre a CIA, o clero e as igrejas." Colby escreveu: Em muitos países do mundo, representantes do clero, estrangeiros e nacionais, desempenham um papel significativo e podem ajudar os Estados Unidos através da CIA sem comprometer sua integridade ou missão.( ...) Dessa maneira, creio que qualquer proibição abrangente como a que o senhor sugere seria errônea e imporia uma desvantagem a esta agência, diminuindo sua eficácia futura a um ponto não justificado pelos fatos reais da situação.37 Hatfield então escreveu ao presidente Ford, apontando relatórios sobre o uso pela CIA de missionários no Chlle, em Moçambioue e em Angola. Neste último
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país, o chefe da força-tarefa da CIA, que estava usando as diferenças tribais para acirrar uma guerra civil, usava o disfarce de missionário. Se urna legislação era necessária para pôr fim a essa prática, Hatfield estava disposto a elaborá-la, como advertiu a Ford. A integridade das missões religiosas americanas estava sendo ameaçada e havia perigo de vida para os missionários. Esforços para conseguir a libertação de missionários capturados no Vietnã recebiam como resposta acusações de que os missionários trabalhavam para a CIA.
OS QUATORZE DE BANA\ETHUOT Os tradutores do SIL Jim e Carolyn Miller estavam entre os missionários capturados quando o regime de Saigon caiu, em abril de 191S. Na verdade, eles foram pegos no início do colapso, em março, quando as tropas montagnard, da CIA, nas terras altas centrais, se revoltaram mais uma vez contra o donúnio de Saigon. Os Miller vinham trabalhando com a mesma tribo bró que a CIA usou em ataques através da fronteira contra as linhas de suprimentos norte-vietnamitas ao longo da 'Ililha Ho Chi Minh, no vizinho Laos. Quando os vietnamitas atacaram de novo a base da CIA na cidade bró de Khe Sanh, durante a Ofensiva do Tet (1968), os Miller escaparam por pouco. Em 1974, eles tinham seguido os refugiados bró quando foram transferidos pela CIA para Banmethuot, uma grande cidade das terras altas centrais. Foi ali, num centro de atividade da CIA entre os radê que dominavam a área, que o SIL e a Aliança Cristã Missionária (C&MA) tinham sofrido perdas severas durante a Ofensiva do Tet. Apesar da evidente presença do complexo missionário perto da base do Exército vietnamita e do fato de que tinha sido o local da maioria das mortes de missionários durante o Tet, mesmo assim os Miller se mudaram para uma casa da C&MA na área. Como em 1968, quando os missionmos foram capturados com um funcionário da AID que falava radê, os Miller se refugiaram do combate na casa do funcionmo local da AIO, Paul Struharik, sem saber que havia sido previamente ocupada pela CIA.38 Ali conheceram]ay Scarborough, visitante do Serviço Voluntário Internacional, e Enrique Tolentino, um filipino especialista em desenvolvimento comunitário trabalhando com a AIO na Operação Irmandade, patrocinada pela CIA. Peter Whitlock, um australiano que acabara de chegar de Chiang Mai, Tailândia (onde montou um serviço de rádio em línguas tribais), também estava com eles. Struharik tentava freneticamente entrar em contato com a Air America, da CIA, pelo rádio dos missionários, usando um nome em código: "Qualquer estação da Air America. Qualquer estação da Air America. Aqui é Foxtrot. Aqui é Foxtrot."39
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A presença de americanos ligados à AID entre eles, e o fato de o Serviço Voluntirio Internacional de missionários no Vietnã e Laos ter sido financiado inteiramente pelo governo dos EUA,40 não ajudaram os Miller a convencer os comunistas vietnamitas de que não eram agentes da CIA. A agência deixara oficiais e agentes para trás como "civis inocentes" quando o cessar-fogo Kissinger-Le Duc Tho foi finalmente assinado em 1973, e Struharik suspeitou que os apelos pelo rádio foram interceptados. "Sabemos que há 24 mil militares americanos no Vietnã mascarados de civis", foi uma das primeiras coisas que os Miller ouviram de seus captores.•• Os temores do senador Hatfield eram baseados nessa realidade. Jerry Ford era guiado pela preocupação do diretor Wtlliam Colby e provavelmente de outros integt"aDtes do Conselho de Segurança Nacional de que a CIA deveria ter acesso aos conhecimentos e contatos dos missionários. No dia 5 de novembro, Ford fez seu conselheiro, Philip Buchen, responder a Hatfield. Buchen argumentou que "o presidente não acha que seria conveniente proibir a CIA de manter contatos com o clero. Clérigos em todo o mundo são, com freqüência, valiosas fontes de informação e muitos deles, motivados apenas pelo patriotismo, voluntariamente e de boa vontade, ajudam o governo fornecendo dados de valor para fins de informação".·42 Com toda sua experiência legal, Buchen descuidadamente admitiu que o uso de missionários pela CIA era procedimento padrão. Esta admissão confirmou os piores temores de Hatfield e a intransigência de Ford o obrigou a ir a público no mês seguinte. Então, tudo já estava terminado para Colby. Rockefeller e Kissinger tinham ficado chateados com a sinceridade de Colby no começo do ano diante dos comitês do Congresso. Ao sacrificar o diretor da CIA, Ford conseguiu aplacar a ala Angleton de Contra-Informação na CIA e a ala Rockefeller do partido, enquanto oferecia ao clero ofendido, aos críticos do Congresso e à opinião pública um bode expiatório pelos abusos da CIA. Para substituir Colby, Ford indicou um homem identificado com as idéias de Rockefeller, o ianque de Connecticut convertido em texano George Bush, ex-deputado e então embaixador na China (e filho de um importante banqueiro investidor em Wall Street e ex-senador). Bush era um adversário presidencial, mas sua designação como sabujo-mor da nação, no momento em que a reputação da CIA estava no nível mais baixo de sua história, matou suas chances em 1976.•3 Funcionários do SIL não ficaram descontentes com a demissão de Colby. Sua admissão e defesa· do uso de missionários pela CIA poderiam ter ameaçado vidas, incluindo as dos Miller. Durante interrogatório em Hanói, Paul Struharik tinha sido pressionado a declarar que os missionários colaboravam com ele em Banmethuot no trabalho de coleta de informações. "Eles não podiam acreditar que nunca nos encontráramos socialmente e que eu não ia à casa deles nem eles à minha. Eu falei a eles sobre a diferença de estilos de vida e acho que ajudei-os a compreender."..
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A sinceridade dos missionários sobre o desejo de levar a Bíblia às tribos convenceu os funcionários de Hanói. Depois de quase oito meses de cativeiro, os "quatorze de Banmethuot", incluindo Struhari.k e Tolentino, foram libertados. Numa troca de presentes com a equipe e o comandante do campo de prisioneiros de guerra, eles foram solicitados a "fàzer um relato verdadeiro do que viram e viveram" ,-u Os Miller e seus amigos foram levados via aérea para Vientiane, Laos, e depois para Bangkok, Tailândia, para uma entrevista coletiva e uma exclusiva com o correspondente em Manila da Par East Broadcasting. Depois de um curto repouso, voaram para as Filipinas para fàzer um relato a funcionários do SIL e participar de uma reunião na Mindanau muçulmana da sede vietnamita deslocada para lá. Seus compatriotas agora se chamavam Sede Continental do Sudeste Asiático, sonhando com um "ministério expandido". Mas isso não aconteceria. O Laos permaneceu fechado para eles. O Nepal estava considerando a expulsão do SIL por supostas conversões religiosas e traduções "divisivas". O governo de Lon Nol, no Camboja, tinha caído para o Khmervermelho, que odiava os comunistas vitoriosos do Vietnã tanto quanto odiava americanos e seus colaboradores urbanos cambojanos. A Birmânia ainda estava nervosa com o uso pela CIA de tribos e tropas nacionalistas chinesas nos estados separatistas shan do Norte. Negociações com a Tailândia não melhorariam até que a democracia fosse novamente derrubada pelos militares em 1977. A maior parte dos veteranos do SIL no Vietnã acabou não na Ásia continental, mas em Bornéu, a parte norte da Malásia. Saban agora estava aberta para missionários e empresas de petróleo, que logo estariam perfurando no mar a oeste do monte Kinabalu. O trabalho do Senhor entre os montagnard permanecia obstruído, apesar da transmissão de Evangelhos traduzidos pelo SIL para as terras perdidas pela emissora Far Eastem Broadcasting. No começo de 1976, os homens do SIL concluíram que o uso pela CIA de missionários tinha fechado mais portas ao Senhor do que aberto. No escritório do SIL em Washington, David Farah juntou-se ao coro dos funcionários de igrejas que apoiavam a legislação do senador Hatfield proibindo o contato da CIA com missionários. 46 "Sinto que o projeto tem muitos aspectos que nos ajudariam a ficar livres do estigma da CIA", disse ele. "Isto degrada a profissão dos missionários e nos toma a todos suspeitos por causa da ação de uns poucos. Os missionários que soube estarem operando deixaram suas missões e a diretoria das missões, o que acho que foi uma coisa honrada da parte deles. Creio que, se querem entrar nesse tipo de operação de capa e espada, deviam fazê-lo sob outra égide. Creio que o clero deve ser libertado desse tipo de infiltração."47 Em Waxhaw, Carolina do Norte, Cam Townsend se manteve em silêncio. Era leal à organização que fundara.
46 ATRAIÇÃO
VIOLÊNCIAS DOMÉSTICAS
Embora Gerald Ford tenha dito durante suas audiências de confirmação para
a vice-presidência, no final de 1973, que não concorreria à redeição se sucedesse Nixon, em 1975 o desejo de tentar uma eleição por conta própria tinha se apoderado dele. Nelson assistia a tudo com preocupação. Ele queria suceder Ford, mas agora não sabia se o presidente cederia às pressões da ala direita do Partido Republicano para procurar um companheiro de chapa mais do agrado dos conservadores. Nelson sabia que Ronald Reagan, da Califórnia, estava empenhado em se viabilizar como adversário nos estados conservadores do Sul e do Meio-Oeste. No entanto, ele subestimou Reagan, considerando-o um "peso-leve,,. Os assessores políticos de Ford levavam Reagan mais a sério. No verão, Nelson fez uma incursão ao Sul, onde acreditava que tinha força. Com exceção dos afro-americanos, estava errado. A maior parte dos sulistas democratas brancos lembrava da oposição de Nelson à segregação e de sua amizade com Martin Luther King,Jr. Se tivessem que escolher entre Rockefeller ou mesmo Ford e um batista "renascido,, da própria região, como Jimmy Carter, o mais conservador dos aspirantes democratas de 1976, não hesitariam. Até os afro-americanos escolheriam Carter, talvez porque se sentissem atraídos por ser batista e pela promessa de um governo honesto e interessado, apoiado por um
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Congresso que aprovaria leis que Ford, conservador em termos fiscais, jamais proporia. Os republicanos do Sul não eram tampouco uma base de apoio para Nelson. Muitos deles eram da espécie Nixon, levando seus valores de cidade pequena para os subúrbios em expansão do Novo Sul industrializado ao preço de salários baixos. Eles procuravam progresso junto ao empresariado, não junto aos amigos sindicalistas liberais de Nelson, e apoio espiritual junto a Billy Graham;jamais recorreriam ao dr. Wtlliam Sloane Coffin, o pastor liberal, contrário à guerra, da igreja de Riverside e do Seminário da União Teológica, apoiado por Rockefeller. Nelson deu de cara num muro de pedra no Alabama, terra de seu "bom amigo" George Wallace, onde teve a mesma recepção gélida quando almoçou com figurões do empresariado como os executivos da Texas International Pat Haggerty eJohn ErikJohnson (o ex-prefeito que dera a Wtlliam Cameron Townsend a chave da cidade), o magnata dos computadores Ross Perot e o construtor Trammel Crow. Ele achava que tinha amigos ali. Quando ainda era governador, deu um grande contrato a Perot para processar as listas de pagamentos de benefkios do estado de Nova York, embora Perot não tivesse feito a melhor proposta. Crow era sócio de seus irmãos Wmthrop e David. Sua família tinha mais de dezessete milhões de dólares em ações da Texas Instruments. 1 Ele até comprou 2,4 mil hectares perto do Rancho King de Kleberg, no Texas, "para passeios em família" e jantares de Ação de Graças. Mas de nada adiantou. O que varria o Sul e o Sudoeste depois da derrota no Vietnã e da queda de Nixon era mais forte do que qualquer coisa que Nelson pudesse deter: um sentimento profundo, irradiando-se das duas forças culturais mais fortes da região - as igrejas socialmente conservadoras e as bases militares - , de que uma crise apocalíptica se aproximava. Nelson deixou o Sul derrotado. Um republicano da Carolina do Sul resumiu o que ele conseguiu: "Você pode dizer que ele mudou a opinião de alguns de nós de 'por.todos os infernos, não' para um simples 'não'."2 Ford acompanhara com consternação enquanto Reagan apelava aos delegados republicanos do Sul. Antecipando esta manobra de Reagan e acreditando na palavra de Ford de que não concorreria em 1976, Nelson tinha cortejado Barry Goldwater, reiterando ao portador do estandarte republicano seu conservadorismo básico. Goldwater ficou convencido. "Rocky e eu nos olhamos mais no olho em questões de política externa do que eu e Ford", disse. "Acho que [Rockefeller] me faz parecer uma pomba, para dizer a verdade. "3 Nelson estava tentando usar a Casa Branca de Ford para ganhar as atenções. Ford inadvertidamente lhe dera o veículo para realizar sua ambição: supervisão do Conselho Doméstico, uma organização consultiva que era o equivalente inter-
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no do Conselho de Segurança Nacional, voltado para o exterior. Diante da falta de experiência de Ford em administração executiva, Nelson achou que acabaria encarregado do governo. "Vou dirigir a Casa Branca", disse.• Mas Nelson subestimou os homens que Ford tinha ao seu redor. Um dos primeiros conflitos foi sobre os esforços de Nelson para restaurar o escritório do conselheiro científico do presidente, extinto por Ford. Este escritório tinha implicações ligadas a assuntos delicados como programas para sistemas de navegação aérea e outras tecnologias_computadorizadas avançadas, comunicações por satélite e fotografia aérea, mineração marítima, busca de fontes de energia e desenvolvimento de armas nucleares. Também tinha implicações domésticas, envolvendo regulamentações ambientais e de saúde, inteligência artificial (tecnologia de computadores), sistemas de comunicação e o cada vez mais lucrativo campo da tecnologia biomédica. A estrutura do escritório do conselheiro científico era um fator importante para que funcionasse e Nelson submeteu suas recomendações a Ford. O documento logo voltou através do Conselho Doméstico com sua forma alterada, apenas uma em três opções para o presidente, e rotulado de "plano Kennedy" para desacreditá-lo junto a Ford. Nelson sabia quem o estava bloqueando: Donald Rumsfeld, substituto de AI Haig como chefe da Casa Civil. Depois de uma discussão acalorada, Nelson levou a proposta de volta ao Conselho Doméstico, depois de reformulá-la num formato que fortaleceu sua própria posição. Três meses depois, Ford adotou a proposta - como uma recomendação ao Congresso que levava o nome dele, não o de Nelson. Embora fosse uma prática normal, era clifl:cil para Nelson engolir. Aqueles três meses foram usados por Rumsfeld para impedir que Nelson controlasse o Conselho Doméstico. Nelson tentou demitir dois aliados de Rumsfeld e não conseguiu. Pior, o diretor executivo do Conselho,James Cannon, que tinha sido um dos assessores de maior confiança de Nelson em Nova York, submeteuse à liderança de Rumsfeld. Desesperado, Nelson tentou o presidente. Sua utilidade para o Conselho terminara, mas o presidente não quis intervir. Rumsfeld permaneceu no controle da equipe. Nelson tentou então uma manobra evasiva. Ele determinou tarefas para o conselho como fizera com os seminários Rockefeller e a Comissão de Escolhas Criticas: grupos de especialistas trabalhando em vários problemas e alinhavando sugestões para a tomada de decisão. Nelson decidiu levar o conselho para a estrada, numa série de encolitros bem badalados em cidades por todo o país. A televisão e o rádio deram a ele divulgação como um vice-presidente de um dinamismo atípico para o cargo, alguém aferrado na busca de soluções para os problemas nacionais. "Foi uma operação lindamente organizada", disse ele.'
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Ele pressionou em outras frentes. Das audiências da CIA, produziu uma transcrição integral, um resumo e um livro com recomendações políticas. Também correu para imprimir o relatório de Edward Teller à Comissão de Escolhas Críticas dois anos antes da divulgação da íntegra, em vários volumes, do trabalho da comissão. O relatório de Teller deixou poucas dúvidas de que as preocupações do vicepresidente sobre política interna iam além das de uma autoridade comum. Como fizera na América do Sul, Nelson estava cuidadosamente monitorando o desenvolvimento da política energética da América do Norte em relação a petróleo, gás, urânio e projetos hidrelétricos como as represas de James Bay na terra dos índios cree, em Quebec. E, como na América Latina, a visão de Nelson para uma política energética entrava em choque com as forças nativas. O relatório de Teller era na verdade um projeto do programa de energia de Nelson. Teller comparou a ameaça que a OPEP representava para o acesso das empresas americanas ao petróleo com a ameaça das forças do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial. Suas propostas, adotadas por Ford, substituíam os controles voluntários de preço e conservação de Nixon por uma desregulamentação de preços do gás natural que circulava entre os estados. O objetivo era estimular a produção de gás e petróleo, incentivar a energia nuclear e promover a mineração superficial de carvão. Também fazia o contribuinte compartilhar as despesas de pesquisa e exploração das companhias de petróleo. Um mês depois da divulgação do relatório de Teller, três mil homens da Guarda Nacional ocuparam as Black Hills, em Dakota do Sul, onde a exploração de urânio chegara às terras dos sioux. Os militares foram enviados sob a alegação de que fariam manobras e logo chegaram sessenta agentes do FBI que se instalariam nas vizinhanças da reserva sioux de Pine Ridge. No mês seguinte, Richard Wilson, o presidente do conselho tribal, cedeu ao Serviço Nacional de Parques um oitavo da reserva - a maior parte terra reivindicada nas Black Hills - , agravando uma situação já tensa. A reserva já havia sido ensangüentada por assassinatos de militantes do Movimento Indígena Americano (AIM) após a derrota do membro do AIM, Russel Mean, por Wilson em 1974, numa eleição com tantas irregularidades que a Comissão de Direitos Civis recomendara, inutilmente, uma nova eleição. A seguir vieram os julgamentos de líderes do AIM por Wounded Knee, incluindo um tumulto no tribunal envolvendo espancamentos pela polícia, quando o juiz mandou esvaziar a sala porque espectadores, incluindo bispos luteranos, tinham se recusado a ficar de pé quando ele entrou. Por volta de 26 de junho de 197 5, quando Wilson cedia os 320 mil hectares, a Autoridade do Vale do Tennessee (TVA) já abrira seis mil buracos de teste em
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26 mil hectares de terras recém-arrendadas nas Black Hills e localizado de 2. 718 a 2.265 toneladas de urânio.6 No mesmo dia, uma tentativa do FBI de prender sem mandado um dos adversários de Wilson acabou num tiroteio que matou dois agentes e um índio, colocou duzentos militares da Guarda Nacional em estado de alerta e desencadeou o que o presidente da Comissão de Direitos Civis mais tarde chamou de "uma invasão da reserva ao estilo militar em ampla escala" por 170 agentes usando blindados de transporte de tropas, helicópteros e fuzis M-16. A investigação do tiroteio pelo FBI se transformou num arrastão de ativistas suspeitos do AIM. O terror apoderou-se da reserva de 10.320 quilômetros quadrados da nação sioux oglala-lakota quando agentes federais e estaduais realizaram "varreduras" coordenadas por toda parte, similares ao plano de contra-insurreição interna "complô jardim" elaborado pelo Pentágono dois anos antes, em Wounded Knee.7 Como vice-presidente e segundo em comando do Conselho Doméstico, Nelson teve responsabilidade na supervisão das atividades do FBI contra o AIM. Em setembro, Nelson chegou o mais perto que tinha estado de se tornar presidente. A apenas meio metro do presidente Ford em Sacramento, Califórnia, Lynette "Squeaky" Fromm, membro da gangue assassina de Charles Manson, foi presa com um Colt 45 carregado que pretendia usar para matar o presidente. Nelson estava em Nova York para discursos quando de repente se viu cercado e arrastado para longe do público por agentes do Serviço Secreto. "O que é a gangue de Manson?", perguntou, enquanto seu avião voltava como um raio para \Vashington. • Nada parecia abalar seu estilo confiante. Quer dizer, nada até o dia fatídico no Salão Oval em que o presidente Ford decidiu por uma mudança de rumo para aplacar a ala direita do partido.
DOBRANDO-SE ABÍBLIAS No final de outubro, Nelson Rockefeller entrou no Salão Oval para o rotineiro encontro de rotina com o presidente que ele mesmo tinha sugerido quando tomou posse. Não precisava disso para ter acesso ao presidente; as portas estavam sempre abertas para ele, segundo disse. Os encontros eram para dar ao presidente sua opinião franca sobre a nação e o mundo. Ele achava que Ford gostava dessas audiências, mas descobriu que não era bem assim. Ford estava sentindo a pressão. Caíra muito nas pesquisas e a direita botou a culpa em Rockefeller, alegando que sua imagem de liberal estava enfraquecendo •Haveria quatro outras prisões de possfveis assassinos de Ford e Rockefeller nos tres meses seguintes.
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o presidente nos estados do Sul e Meio-Oeste. Reagan, que estava cortejando o Sul, seria melhor para a chapa, argumentavam. - Venho conversando com meus assessores políticos - disse Ford depois de um longo silêncio - e acho que, apesar de pessoalmente não gostar nem um pouco disso, gostaria que você não estivesse na chapa, que se retirasse. Se Nelson ficou chocado, não demonstrou. - Muito bem - dis e calmamente. -Vou lhe escrever uma carta. Ford disse que aquilo seria maravilhoso.8 Nelson foi passar o fim de semana em Pocantico, tomando a distância de que necessitava para colocar sua vida política em perspectiva. Uma coisa, no entanto, estava clara: a presença dominante da direita republicana o estava empurrando para fora do palco principal. No domingo Nelson recebeu um telefonema. Era o presidente, ligando de J acksonville, Flórida. Estaria reconsiderando? - Você acha que pode me entregar a carta amanbl? - Ford perguntou. Tenho outras mudanças para fazer e a história vazou. - Bem, é claro que vazaria-disse Nelson mais tarde a Robert Hartmann, redator dos discursos de Ford. - Quem estava promovendo aquilo ia mesmo vazar, com medo de que ele mudasse de idéia.9 Nelson convocou uma entrevista coletiva para anunciar sua saída da chapa. Nem jantares elegantes, ou sua riqueza, ou programas energéticos, ou encontros populares do Conselho Doméstico, ou Comissões de Escolhas Críticas, ou a CIA, ou cortejar o Sul, ou mesmo Barry Goldwater, poderiam ter evitado este dia. O que podia fazer era preservar a dignidade mantendo controle sobre a redação de sua carta de renúncia à chapa, para salvar-se, e a Ford, de embaraços. "A decisão do vice-presidente Rockfeller foi inteiramente dele", disse Ford. "Sob nenhuma circunstância foi um pedido meu. Foi uma decisão dele."'º Depois de um período prudente mas curto, Ford procedeu ao expurgo da influência de Rockefeller sobre o governo. Henry Kissinger foi demitido do cargo de assessor de Segurança Nacional, James Schlesinger do Pentágono e William Colby da direção da CIA, como Nelson e Kissinger queriam; mas esta ação também envolveu o hábil enfraquecimento de outro pensador ao estilo Rockefeller, George Bush, designado para dirigir uma agência duramente atingida por escândalos. Kissinger aceitou o golpe com uma condição: seu auxiliar, Brent Scowcroft, seria designado seu sucessor. Caso contrário, também renunciaria ao cargo de secretário de Estado. 11 Ford aceitou. Nelson sempre poderia alegar que sua remoção da chapa republicana de 1976 foi uma tentativa deliberada de sabotar a presidência de Gerald Ford. Ele viu Rumsfeld liderando a ala Nixon e aliando-se à extrema direita, apoiando
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Reagan para deter a ala Rockefeller do partido e derrubar Ford. O deslocamento de Rumsfeld para a vaga de Schlesinger no Pentágono não acabaria com sua influência na Casa Branca. Rumsfeld mantinha contato diário com seu sucessor na Casa Civil, Dick Cheney. A repressão burocrática às iniciativas de Nelson continuou em vigor. O volume encadernado de recomendações políticas ao Conselho Doméstico, incluindo a reforma da previdência e da assistência mé-
dica, sucumbiu diante de um orçamento conservador. Nelson esperava que Ford usasse as recomendações para lançar a campanha de 1976; em vez disso ficaram acumulando poeira. Então Nelson pressionou nofront da segurança nacional. Se não podia afirmar sua liderança - e seu direito de ser o companheiro de chapa de Ford- em assuntos internos, certamente brilharia na política externa. No Conselho de Segurança Nacional, do qual era vice-diretor, Nelson elevou a marinha soviética ao nível de uma ameaça iminente às rotas oceânicas e caribenhas das empresas petrolíferas americanas. Deixou implícito que os soviéticos tinham planos para um confronto naval clássico. Nelson colocou o assunto em termos elevados, além da questão do acesso empresarial ao petróleo e a outros recursos mundiais para o âmbito de um ideal que poderia mobilizar o povo americano: "liberdade nos mares". O sentimento de ser o herdeiro do Império Britânico e a necessidade de acesso ao petróleo nunca estavam longe de Nelson. Ele explicou mais tarde: Em nossos estudos da Comissão de Escolhas Críticas concluímos que a liberdade nos mares ( ...) preservada pelos britânicos por centenas de anos e que nós preservávamos( ...) era uma posição que podia ser desafiada pelo desenvolvimento da Marinha soviética.(...) Este era um assunto muito sério para o futuro, particularmente q~ando estávamos nos tomando cada vez mais dependentes da importação de petróleo e de materiais estratégicos. u
Nelson usou este argumento para pressionar o secretário de Defesa Rumsfeld nas reuniões do Conselho de Segurança Nacional. "Eu falava muito francamente sobre os pontos em que achava que ele [o presidente Ford] não estava sendo bem assessorado." 13 Nelson queria um aumento no orçamento naval. E um compromisso mais profundo do presidente com a guerra secreta da CIA em Angola, país rico em petróleo. Em 197 5, Ford, a conselho de Kissinger, autorizara 32 milhões de dólares para a guerra clandestina da CIA em Angola para derrubar o governo do MPLA apoiado pela URSS. 14 Uma vez mais, como no Congo e no Sudeste Asiático, a CIA manipulou animosidades tribais para conseguir o que queria. Adesculpa era que Fidel Castro havia enviado 2.800 voluntários para Angola a pedido
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do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) em resposta à intervenção da CIA e da África do Sul a favor da União Total pela Independência de Angola (Unita), adversária do MPLA. Ford, no entanto, estava preocupado com a possibilidade de ser envolvido em uma polêmica pública sobre o crescente comprometimento financeiro e militar em outra escalada a la Vietnã, disseminando uma guerra civil que alinhava a CIA com a África do Sul do apartheid. Se o assunto fosse divulgado, ele perderia muitos votos, porque a situação era em tudo similar à guerra secreta no Laos que contribuiu para enredar os EUA no Sudeste Asiático com a guerra do Vietnã, estendida também ao Camboja. Além disso, as forças angolanas da CIA não lutavam bem e o ataque sul-africano no Sul de Angola encontrou pela frente dez mil cubanos trazidos às pressas. Em janeiro, os sul-africanos se retiraram. O Senado dos EUA, furioso com a violação de suas atribuições constitucionais por Kissinger, aprovou a Emenda Tuney à Lei de Verbas de Defesa, proibindo o uso de fundos em Angola para qualquer coisa que não fosse coleta de informações. No dia 9 de fevereiro, Ford sancionou a lei. Foi difkil para Nelson engolir isso, servindo a alguém tão pouco experiente no exercício do poder de superpotência como Jerry Ford. Voltando de limusine de uma reunião na Casa Branca certa manhã, Nelson lamentou, enquanto observava a paisagem com olhar ausente: "Ele certamente não é um Roosevelt." 15 Em junho de 1976, o país inteiro tinha a mesma opinião. Ford, apesar de ter jogado seu vice aos tubarões, não aplacara a direita ou impedira a vitória de Reagan no Sul. A economia caminhava para uma recessão e Rumsfeld ainda não liberara dezesseis bilhões de dólares em contratos militares que poderiam ganhar votos. A campanha estava claudicando, o governo idem e o Partido Republicano iria sofrer se as coisas não fossem consertadas. Ainda confiante de que era a melhor opção para vice, se não para a presidência, Nelson vislumbrou uma oportunidade: Etc administraria a Casa Branca. "Eu percebi que ele [Ford] iria se aproximar", disse mais tarde, "o que, politicamente, devia ter feito. Quer dizer, era óbvio que Reagan estava do outro lado; eu era o melhor que ele tinha, e garantia os votos dos nossos estados do Nordeste. Mas na ocasião percebi que não podia continuar no governo com a qualidade das pessoas decaindo. ( ...)Havia uma tremenda inquietação no gabinete e ele ia perder a maior parte das pessoas boas.( ...) A única maneira de impedir isso seria eu passar à chefia da Casa Civil." 16 Em resumo, Nelson queria o antigo posto de Rumsfeld, agora ocupado por Dick Cheney. Seu objetivo era voltar à chapa e acreditava que Ford estava desesperado o suficiente para topar. Nelson até fez da remoção de Cheney seu prêmio. "A única condição para eu ficar na chapa seria se pudesse administrar sua organização para ele." Esta condição, se aceita, significava que Rockefeller cuidaria do
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ministério, enquanto Ford faria campanha. "Sr. Presidente, é contra meus interesses, mas ofereço meus serviços como chefe da Casa Civil para organizar a Casa Branca e seu ministério." 17 Ford agradeceu a Nelson mas disse que não cogitava de uma mudança de estrutura. 18 Quando Ford não voltou mais ao assunto, Nelson teve a resposta final. Foi a última vez que agiu com o excesso de confiança dos ricos e poderosos.
HUMILHAÇÕES DE CAUBÕI Uma vez mais, líderes republicanos se reuniram num local histórico da conquista do Oeste: Kansas City, Missouri, centro da indústria pecuária. Reagan havia cometido um erro crucial. Anunciara, antes que a convenção começasse, que o senador moderado pela Pensilvânia, Richard Schweiker, seria seu companheiro de chapa. Ford tinha algumas pessoas em mente para a vice-presidência, mas decidiu só anunciar sua escolha depois da votação para a indicação presidencial. Em Kansas City, Reagan encontrou sua velha Nêmesis, Rockefeller, esperando por ele. Nelson comandava não apenas a grande delegação de Nova York, mas os votos da Nova Inglaterra. "Reagan achou que a candidatura era dele, mas eu sabia que não, porque tínhamos uma boa organização e nosso presidente no estado de Nova York [Richard Rosenbaum] foi primeiro eleito líder dos presidentes da Nova Inglaterra e depois líder de todos os presidentes regionais."19 Rosenbaum manteve a alentada delegação da Pensilvânia, liderada pelo grande amigo de Schweiker, Drew Lewis, no campo de Ford. Com os moderados temendo Reagan por causa de seus simpatizantes de extrema direita, e o Sul descontente com a escolha de Schweiker, Ford venceu. Ele então anunciou que o senador Robert Dole, do Kansas, seria seu companheiro de chapa. Nelson ficou com a humilhação de indicar Dole diante da convenção em rede nacional de televisão num microfone que ficou mudo. Quando a mesma coisa aconteceu com Dole, Nelson novamente viu uma conspiração Cheney-Rumsfeld. O insulto final veio no fim da convenção. Embora as indicações estivessem feitas, Nelson insistiu em seguir Ford ao pódio, no lugar de Dole. Alegando ser ainda o vice-presidente, ele descarregou os meses de frustração em cima de Cheney: "Olhe, seu isso e aquilo, eu sei o que está acontecendo e venho agüentando tudo, mas agora chega. Diga ao presidente por mim o que aconteceu lá. Conte a ele sobre tirar o som do microfone quando fiz o discurso e diga que não vou a Vail e não quero mais nada com esta campanha. Cumpri meu dever. Ele agora tem um novo vice-presidente. E eu estou acabado. Você e o sr. Rumsfeld podem ficar com o crédito pelo que aconteceu." 2º
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Cheney, visivelmente abalado com a fúria de Rockefeller, ficou branco. Nelson repetiu tudo para o presidente mais tarde, quando comunicou que não ia a Vail, Colorado, para o tradicional encontro da unidade pós-convenção. "Eu lhe disse há um ano e meio que havia pessoas à sua volta que não queriam vê-lo bemsucedido, que não o queriam indicado e que não desejam sua eleição. Eu tinha que lhe dizer a verdade, para mim chega. Nesta noite aconteceram os últimos insultos. Eu gosto muito de você, mas para mim acabou." Para Ford também. Apesar de tudo, Nelson foi a Vail e trabalhou duro pela chapa. Atravessou Nova York com Dole, embora não conseguisse controlar sua condescendência e a tendência a roubar o espetáculo. Em Binghamton, um comício republicano virou escândalo quando Nelson confrontou manifestantes com um comportamento escandaloso. Inclinando-se para a frente, com um largo sorriso de gárgula de ponta a ponta, ele sardonicamente fez um gesto obsceno com os dedos para os estudantes. Registrado em filme por cinegrafistas, Nelson respondeu a cartas queixosas com um gesto típico: enviou mais de cem cópias autografadas da cena. Ford perdeu não apenas em Nova York, mas em todos os grandes estados do Nordeste, exceto Connecticut. Ainda assim, o paradoxo da eleição foi o resultado entre os conservadores do Sul e do Meio-Oeste. Apesar dos grandes esforços do reverendo de Dallas, William Criswell, para manter as rédeas e conduzir seu rebanho fundamentalista para os republicanos, os conservadores levantaram o estandarte do autoproclamado "cristão-novo", Jimmy Carter. Nem desconfiaram da participação da Comissão Trilateral de David Rockefeller, que Carter integrara durante dois anos, usando Zbigniew Brzezinski e Samuel Huntington como seus principais assessores de política externa. Em 20 de janeiro de 1977, pouco depois de Carter ter feito o juramento de posse, Nelson e Gerald Ford subiram a bordo doAir Force One e doAir Force Two para a última viagem oficial para casa. Os dois aviões gigantescos decolaram da base aérea de Andrews e fizeram um círculo, observando Washington à distância. Depois, cada um seguiu seu caminho, Ford para oeste, rumo ao ostracismo político, Nelson para o norte, rumo a Nova York e um futuro incerto, cheio de amargura, fantasmas e a habitual intriga política. Mais do que qualquer coisa, Nelson agora queria colocar a casa Rockefeller em ordem para a próxima geração. Isto significava preservar seu império financeiro, incluindo a Corporação Internacional de Economia Básica, na América Latina, para seus dois filhos e duas filhas com Tod e os dois filhos com Happy. Para a imprensa, ele alegara assuntos familiares como a razão da retirada da vicepresidência, mas não era verdade. Agora, apesar dos seus sonhos com a Casa
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Branca, ele tinha o pressentimento de que devia fuer aquilo mesmo. Seu cabelo estav.J prateado e ele se sentia e aparentaw a idade que tinha, 68 anos. Mas o legado empresarial Rockereller era intensamente político, envolvendo assuntos de Estado, não apenas o círculo familiar. Em dúvida sobre a capacidade de f unmy Carter de lutar a Guerra Fria ou de controlar uma inflação mundial detonada pelos preços do petróleo e revoluções no Terceiro Mundo "em desenvolvimento", Nelson estaw igualmente preocupado com a promoção de Ronald Reagan pela Nova Direita e o que a nova aliança com o crescente movimento fundamentalista representaw para o Partido Republicano e para os Estados Unidos. Exilado de Washington, uma oferta pós-eleição para ajudar Carter nunca aceita, ele não confiaw no futuro. Na verdade, nunca tinha confiado.
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INTERVENCÕES DIVINAS Havia sinais de aprrndmação de uma Grande Tribulação durante a década de 1970 na América Latina, especialmente terremotos no Peru, na Nicarágua e na Guatemala. O Peru sofreu o primeiro golpe no começo da década, quando o lado de uma montanha caiu sobre um vale andino densamente povoado, matando mais de setenta mill pessoas. Tradutores residentes do Instituto Summer de Lingüística agrackcerarn ao Senhor por nenhum deles ser ferido e por terem conseguido usar a torre de Yarinacocha para dar ao mundo a primeira notícia da tragédia. A Renovação Carismática, apadrinhada pelo principal pentecostalista do SIL,Jerry Elder,já pusera um pé em Yárinacocha, mas o simbolismo de cinco membros do grupo engolidos pela selva no Natal de 1971, quando um avião com 95 passageiros desapareceu, detonou uma confissão coletiva de pecados mútuos, seguida de perdão e amor sereno. O renascimento serviu como desafogo e bálsamo para a histeria gerada pela pressão dos agentes de Satã no governo de Juan Velasco Alvarado, em Lima. A raiva do Senhor tinha passado eJesus recompensou o paciente sofrido com a derrubada de Velasco em agosto de 197 5, através de um golpe liderado pelo general Francisco Morales Bennudez. Mas alguns dos aliados de Velasco no Exército conseguiram manter os postos, como o preço que o novo governo teve que pagar pela unidade do Exército.
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Satã fez o último esforço para inspirar a dúvida quando o ministro da Educação, Ramón Miranda Ampuero, anunciou que o SIL tinha um prazo final até dezembro de 1976 para concluir seu trabalho junto às tribos. Mas a manobra de Miranda veio tarde demais. As dívidas contraídas por Velasco para a construção do oleoduto Transandino enfraqueceram fatalmente a capacidade do governo de resistir às forças conservadoras em Lima e Washington. O ex-administrador da AID, Donald Linclholm, agora diretor da base na selva de Yarinacocha, ignorou o pedido do governo para manter em sigilo sua decisão de cancelar o contrato do SIL e passou a notícia para o jornal de Lima El Comercw, que tinha sido da família do ex-ministro da Educação Francisco Mir6 Quesada numa época em que o SIL tinha cobertura favorável. Esta situação mudou quando o governo Velasco desapropriou os jornais de Lima e designou editores simpáticos aos seus objetivos. Mas, depois da queda de Velasco, os editores foram substituídos e o pêndulo balançou para o lado do SIL. O jornal colocou o cancelamento do contrato na manchete de primeira página no dia 12 de abril, surpreendendo até o diretor local do SIL, Lambert Anderson, que manifestou suas preocupações à embaixada dos EUA em relação a possíveis represálias do governo. Mas o embaixador Robert Dean, confiável veterano do golpe brasileiro, estava otimista. Ele iniciou uma série de ações que acabariam com todas as dúvidas sobre a vontade do Senhor. Dean telegrafou a Henry Kissinger e atiçou as suspeitas de Guerra Fria do secretário, enfatizando que o anúncio de Miranda sobre o SIL ocorrera durante entrevisti no aeroporto de Lima antes de Miranda explicar os objetivos de uma visita oficial a Cuba. Dean observou em tom sinistro que o embaixador cubano em Lima "estava ao lado de Miranda durante a entrevista", como se Cuba estivesse por trás do cancelamento do contrato do SIL. Em contraste com essa conspiração comunista internacional estavam os amigos uniformizados e tementes a Deus do SIL. "Com a possibilidade de adiar ou reverter esta política, amigos do SIL estão prosseguindo com planos de diwlgar mais nomes de peruanos importantes que apóiam a permanência do SIL, e vários artigos favoráveis saíram na imprensa."' A ausência de lingüistas nas duas petições de 119 nomes poderia ter sido causa de embaraço se o poder militar não tivesse compensado: 35% dos signatários eram oficiais de alta patente, incluindo doze almirantes e 21 generais.2 Entre eles o general Armando Artola, caçador da guerrilha do MIR em 1965, e o comandante Fernando Melgar Es1cute, oficial da Força Aérea que, em 1962, com o conhecimento de Cam debateu com Jerry Elder, do SIL, a possibilidade de o SIL fazer espionagem ao longo da fronteira Peru-Equador.3 Havia também cinco ex-ministros da Educação muito ligados ao SIL, incluindo o general Juan Mendoza, do governo de Manuel Odría, e Mir6 Quesada, do governo de Fernando Belaúnde Terry. A Guerra Fria foi atrelada ao vagão do SIL para conduzi-lo aos refletores da
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política. Dean informou a Kissinger da preocupação dos signatirios. "Um importante simpatizante do SIL [Mi.ró Ouesada] advertiu [o presidente] Morales Bermudez do perigo político de interromper as atividades do instituto, o que poderia levar a esquerda camponesa a ampliar suas operações entre os índios na selva.,,. Meses depois, o SIL se beneficiou de outra aparente intervenção divina: um novo golpe militar expurgou os últimos resquícios da era Velasco, incluindo o primeiro-ministro Jorge Maldonado, cuja carreira política tinha sido fatalmente enfraquecida pelo fracasso de encontrar na Amazônia petróleo suficiente para pegar o oleoduto que construíra como ministro da Energia de Velasco. Bermudez instalou uma nova junta direitista e fechou os jornais de oposição. Medidas de austeridade exigidas pelo Chase e por outros bancos credores, que os ministros de Maldonado relutavam em tomar, foram implementadas e apoiadas por um toque de recolher e por tropas nas ruas. Neste clima político, o contrato do SIL foi prorrogado por mais cinco anos. O gabinete que decidira pela expulsão do instituto caiu. Apesar da insistência do representante do SIL junto ao governo do Peru de ~ não "mantivera contato com a embaixada dos EUA", o dirigente local, Lambert Anderson, admitiu um ano depois, numa carta ao presidente Jimmy Carter, que "a correção e precisão profissional do embaixador Dean, aliadas ao seu caloroso interesse e palavras pessoais de apoio, sem dúvida contribuíram para o desfecho feliz" .s Dean sabia que a polêmica enfraqueceria ainda mais o governo do primeiro-ministro Maldonado que, como telegrafaria a Kissinger em 1Ode março, tentava "evitar outra controvfrsia política". Arregimentando os generais, o SIL prevaleceria. Quando isso aconteceu, Dean transmitiu a notícia a Kissinger com um toque militar: "Missão cumprida."' A versão do SIL foi mais inspirada: "Deus interveio."7 William Cameron Townsend confirmou a vontade do Senhor no ano seguinte com uma celebração. Deus agiu em caráter mais experimental em outras terras. A soberania nacional, antes a palavra de ordem de mineradores indígenas e esquerdistas contra o imperialismo estrangeiro, foi encampada por ditaduras militares e usada como palavra de ordem para consolidar uma base popular e expulsar estrangeiros indesejiiveis. No Equador, o ressentimento contra a "Rainha dos Auca", Rachel Saint, levou a filial local do SIL a ordenar que abandonasse os "seus" huaoranis. Despachada para um aparmmento do SIL em Quito, Rachel esperaria em vão pela autorização para voltar aos seus amados índios, muitos dos quais desfrutavam os pecados dos bens materiais oferecidos por empresas petrolíferas e turistas. Em nenhum lugar o ferrão do nacionalismo foi sentido mais dolorosamente e com maior repercussão em potencial para o SIL do que no Brasil. O badalado 14 Milagre Brasileiro" atravessava térreno acidentado devido aos custos do pe~
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leo. A Standard Oil de Nova Jersey e suas outras seis irmãs tinham simplesmente repassado o aumento de preços imposto pelos xeiques e xás aos consumidores, incluindo países do Terceiro Mundo como o Brasil. Os tremores políticos começaram em 1976, dois anos após o fim do Milagre. Índios amazônicos, ajudados por padres católicos do Conselho lndigenista Missionário (CIMI), realizaram conferências nacionais sobre os direitos indígenas. A F\mai rebateu proibindo a presença do CIMI nas reservas indígenas e de todos os antropólogos estrangeiros em áreas de "fronteira" onde viviam a maior parte das tribos isoladas. As tribos não eram uma preocupação tão importante para o regime quanto as terras que ocupavam. O SIL, que recebeu sinal verde para penetrar no noroeste do país, manteve seu tradicional silêncio, ansioso para ocupar as tribos a ser alcançadas pouco tempo depois pela rodovia do Perímetro Norte, parte do sistema rodoviário transamazônico.8 Na fronteira do Brasil com a Venezuela estavam depósitos de urânio que o regime desejava para o desenvolvimento da energia nuclear e, temiam alguns, a fabricação de bombas atômicas. O problema era que o urânio estava nas terras tradicionais dos yanomamis, a maior tribo não-aculturada da Amazônia brasileira. Eram de dez a quinze mil índios, difamados como um "povo feroz" pelo antropólogo Napoleon Chagnon, da Universidade da Pensilvânia9, que estudou a tribo com uma verba de pesquisa da Comissão de Energia Atômica dos EUA. 10 O aliado fundamentalista do SIL, a Missão das Novas Tribos, estava entre os yanomamis na Venezuela, estudando as línguas locais com tradutores da base do SIL em Porto Velho, Brasil, preparando-se para trabalhar com a mesma tribo no lado brasileiro da fronteira. A Sociedade da Missão Evangélica da Amazônia e a Missão de Campo Não Evangelizada (que forneceu a Chanon os dados iniciais sobre o infanticídio dos yanomamis) já estavam lá. O SIL tinha sido convidado pelo governo brasileiro e pelo Departamento de Assuntos Índios dos EUA 11 para ocupar os vizinhos do sudoeste da tribo yanomami, os wasiana e tariana do rio U aupés, a leste da Colômbia (do lado colombiano o rio é chamado de Vaupés e os exploradores de urânio estavam lá também). Antropólogos e ecologistas vinham tentando proteger as tribos do noroeste brasileiro, particularmente os yanomamis, do crescente contágio pela cegueira de rio, disseminada por pequenas moscas pretas que se reproduziam em águas paradas ao longo da Perimetral Norte.• Os esfor-
•o aparecimento da doença numa área tão remota e com um alcance tão amplo, para além da vizinhança da rodovia e do alcance de vôo das moscas, era tão misterioso para alguns observadores quanto o súbito desaparecimento de pássaros que mantinham o controle da população de moscas. Para outros, o barulho gerado pela construção da rodovia e a conseqüente devastação florestal explicavam o desaparecimento dos pássaros (pelo menos nas proximidades da rodovia), enquanto o fato de um humano- não apenas as moscas - poder carregar os vermes microscópicos da doença como agente infeccioso justificava a disseminação da doença além do limite de võo da mosca.
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ços dos cientistas não foram apreciados pelo governador militar da região, que em março de 197S se queixara de pressões externas para reformar a política brasileira para os índios. "Sou da opinião de que uma área tão rica como essa, com ouro, diamantes e urânio, não pode se dar ao luxo de conservar meia dúzia de tribos que estão atrasando o desenvolvimento do Brasil", 12 disse ele aos jornalistas. Enquanto se espalhavam boatos da descoberta também de cassiterita, o mesmo minério para a produção de estanho que ameaçava condenar os cintas-largas, o diretor da Fbnai, general Ismarth de Araújo Oliveira, explicou que o remédio usado para controlar a cegueira do rio era muito caro e matava os índios, que não tinham resistência fisica suficiente. 13 Naquele novembro, a lcomi, joint-ruenture de Augusto Azevedo Antunes com a Bethlehem Steel, começou as explorações. Em 1976, a descoberta de cassiterita na terra yanomami foi revelada pela imprensa brasileira, que informou ter o governador dado licença exclusiva de exploração à Mineração Além-Equador.14 Naquele ano os militares brasileiros expulsaram todos os antropólogos estrangeiros das terras ianomâmis invocando razões de "segurança nacional". A alegação foram incidentes de violência entre bandos yanomamis armados com espingardas e ataques dos índios aos funcionários de prospecção. O cenário era idêntico às alegações contra os cintas-largas em Rondônia. U, o governo federal tomara a iniciativa de acabar com o isolamento dos índios e permitir que empresas de São Paulo explorassem as riquezas minerais de suas terras. Como o delegado da Funai em Porto Velho explicou aos autores, em outubro de 1976, "a principal filosofia da Funai é integrar os índios à civilização, para que algum dia não haja mais índios" .15 Tendo entrado em território dos cintas-largas em 1972, o SIL estava inteiramente afinado com a filosofia da F\mai - no entanto, colocou o problema para os índios de maneira mais dura: "Vocês têm uma escolha", disse a dra. Ursula Wiesemann a 3S índios kaingâng enviados pelo regime militar para seu centro de treinamento bilíngüe. "Vocês podem escolher entre seu próprio modo de vida ou a vida do civilizado; cada uma teni um preço e uma recompensa. Para o modo de vocês, o preço é falta de progresso, fome e morte." A recompensa era supostamente ser poupado da dor da mudança. A alternativa, segundo Wiesemann, estava cheia de promessas. "Para o modo civilizado, o preço é trabalho e manter o que vocês conquistaram. A recompensa é que terão mais." 16 Em 1973, no entanto, as despesas da rodovia Thmsamazônica provocaram cortes no programa de treinamento bilíngüe. Em 1976, com a rodovia se aproximando das tribos do noroeste, o SIL recebeu novamente o sinal verde e ficou entusiasmado. "Trabalhamos em estreita colaboração com a Funai", disse aos au-
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tores o gerente comercial da base do SIL cm Porto Velho. 17 O trabalho pago incluía pacificação das tribos que resistiam às incursões. "Temos algumas pessoas tentando o contato com uma tribo selvagem, mas isso é puramente um contrato de pacificação." E a obrigação moral de expor os abusos brasileiros dos direitos humanos dos índios? "O Brasil é muito consciente dessas questões. Sabemos de alguém que planejou voltar para casa e falar do lado mais desagradável de tudo, e nós lhe dissemos que a melhor maneira de ajudar os índios era voltar. Ele escreveu artigos e não conseguiu o visto para retomar."18 O pessoal do SIL não cometeria o mesmo erro. No ano seguinte, no entanto, o contrato do Brasil com empresas alemãs ocidentais para fornecer urânio em troca de tecnologia nuclear e usinas nucleares ajudaria a detonar a nova iniciativa de política externa do presidente Junmy Carter de limitar a proliferação nuclear e proteger os direitos humanos no Terceiro Mundo. O sucessor do general Médici na presidência, o ex-chefe do serviço de informações, general Ernesto Geisel, ficou tão incomodado com a política de Carter que se virou contra o SIL, mandando que os missionários fossem expulsos das tribos em 1977. Mas Cam sabia quem era o verdadeiro inimigo. Ele atribuiria os reveses do SIL no Brasil à atmosfera política geral instigada por antropólogos em outras terras. 19
GENOCÍDIO NO PARAGUAI Nenhum evento em 1976 se provou mais funesto para o SIL e grupos americanos muito ligados ao instituto do que a notícia da atuação de missionários fundamentalistas no Paraguai. Naquele ano, antropólogos, defensores dos direitos humanos e cientistas sociais escreveram ensaios para Gcnocide in Paraguay. O livro, que imediatamente causou sensação, foi a resposta da comunidade antropológica à repressão a seus colegas no Paraguai. Foi publicado cinco anos depois que o professor Miguel Chase Sardi denunciou na Conferência de Barbados as atrocidades contra os índios aché e ayoreo e a política do Comitê Central Menonita de condicionar toda a ajuda econômica aos índios do Chaco à aceitação do controle populacional, com a colocação de dispositivos intra-uterinos nas mulheres.20 Em 1976, ele e sua equipe foram presos na sede de uma organização de ajuda aos índios e a polícia foi acusada de recorrer à tortura. Em maio de 1976, seis religiosos católicos, incluindo o secretário do Departamento de Missões da Conferência dos Bispos do Paraguai, foram presos e deportados, e seis missionários protestantes detidos. Os senadores James Abourezk e Thomas Eagleton manifestaram preocupação, enquanto o presiden-
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te do Senado, o vice-presidente Nelson Rockefeller, se mantinha calado. Apesar dos crescentes protestos no Congresso sobre as prisões e deportações, prevaleceu o silêncio no Departamento de Estado de Kissinger. A linha oficial do Departamento de Estado sempre foi de que os achés eram meramente vítimas de "atos individuais escabrosos" por parte de "fazendeiros isolados" e seus capangas "aparentemente bêbados". Jack B. Kubisch, secretário-assistente de Kissinger para Assuntos Interamericanos, assegurou ao Congresso em 1974 que "esta situação agora mudou com a designação de uma nova e mais adequada administração" da Novas Tribos. "Não acreditamos que tenha havido um esforço consciente ou planejado da parte do governo do Paraguai de exterminar, molestar ou fazer mal de qualquer maneira aos achés. Os atos infelizes em áreas remotas parecem ter sido gestos individuais. "21 Nada foi mencionado sobre os caminhões militares paraguaios que foram vistos transportando achés capturados para uma colônia da Novas Tribos. Ou sobre negociações de contratos das empresas com o regime de Alfredo Stroessner que continham "algumas das mais generosas cláusulas concedidas a empresas petrolíferas em qualquer parte do mundo". 22 Ou sobre a International Products Corporation, a empresa americana que possuía 800 mil hectares de terras para criação de gado em torno de Puerto Pinasco, no rio Paraguai, cerca de 240 quilômetros a sudoeste da Fazenda Bodoquena, de Nelson Rockefeller, no Brasil. Nelson teve sua atenção despertada pela fazenda da Intemational Products quando esta foi comprada por Pamela Woolworth, herdeira da fortuna da cadeia de lojas de F. W Woolworth, em fevereiro de 1956, alguns meses antes da aquisição de Bodoquena. A reportagem do New York Times sobre a aquisição, um recorte encontrado pelos autores nos arquivos de Nelson anos mais tarde,23 dizia que a empresa tinha fechado sua operação de processamento de carne em 1950, quando a instabilidade econômica sob o presidente Juan Domingo Perón dificultou a aquisição de gado argentino. Em 1955, Perón foi derrubado e a produção de gado do Paraguai era suficiente para assegurar um amplo fornecimento. A firma mudou o negócio da fazenda, abandonando a produção de substâncias para curtir couros, feitas da madeira de árvores quebracho, e voltando para a criação de gado de corte e exportação. Nem o New York Times nem Kubisch mencionaram a situação difkil de milhares de índios das tribos angaité, lengua e senapaná que viviam na área. Despojados da maioria de suas terras, os índios tinham sido reduzidos a trabalhadores mal pagos nas fábricas de tanino de Puerto Hnasco, até que estas foram fechadas. Depois os índios foram forçados a procurar o pouco trabalho disponível nas fazendas de gado. Os patrões geralmente pagavam em mercadorias, em vez de dinheiro, e incentiva-
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vam o uso de crédito para manter os índios subordinados, cercavam todos os campos e proibiam o cultivo da terra.24 A presença de dois missionários fundamentalistas da Sociedade Missionária Sul-Americana e da Missão Novas Tribos entre os índios não foi mencionada pelo Tm,es. Nem Kubisch mencionou que a Associação Americana Internacional (AIA), de Rockefeller, tinha preparado esquemas de colonização no Paraguai para a Agência de Desenvolvimento Internacional, com sinal verde do ditador paraguaio Stroessner, para "prosseguir com estudos e preparativos para apresentação a investidores americanos e paraguaios", incluindo a Intemational Products Corporation, que desejavam expandir suas exportações e "mostraram interesse pela proposta."2S Walter Crawford, da AIA, deu aos funcionários da Desenvolvimento Rural do Paraguai, da AID, um panorama geral das instituições brasileiras, o que resultou em laços econômicos mais estreitos entre as duas ditaduras, incluindo vários projetos de pesquisa conjuntos e uma visita do gerente da Fazenda King do Brasil, para uma fazenda experimental financiada pela AID no Paraguai.• Kubisch também não mencionou que as represas de Itaipu e Acaray estavam localizadas perto de florestas habitadas pelos achés. As represas eram parte de um gigantesco projeto de desenvolvimento, apoiado pela AID, que devia tomar o rio Paraná uma fonte barata de energia hidrelétrica para as minas e cidades do Leste brasileiro. Kubisch não ignorava estas ligações entre os planos de desenvolvimento da AIO no Brasil e PcU'aguai militarizados. Ele chefiou a missão da AID no Brasil entre 1962 e 1965, quando a agência estava financiando governadores e políticos que conspiravam contra o presidente João Goulart. Depois do golpe, Kubisch se tomou chefe da Seção Brasileira do Departamento de Estado, em Washington, providenciando a volta dos empréstimos da AID que deram sustentação à junta militar e financiaram os primeiros esquemas de desenvolvimento para conquista da Amazônia. Este trabalho o levou para o lado de Kissinger como supervisor para toda a América Latina. Genocide in Paraguay preencheu alguns destes vácuos de informação- e ou•crawford 'nha prql'.lr. do um relatório confidencial para o regime Strocssner, intitulado CokmóvJlio,,;,, Paraguay, j4 em 1964. Em 1966 de estava com o escritório de Buenos Aires do Comi!! Internacional para Migração Europ6a (ICEM), contratado como pesquisador por um dos principais sócios venezuelanos da AIA, Fernando Rondon. Este era diretor assistente do CBJ (Conselho de Bem-Estar Rural), uma agência de colonização montada em conjunto pela AIA e pelo Instituto Técnico para Imigração e Colonização da Venezuela, financiado pela Mobil, lntmiational Petroleum, Shell Oil e a favorita de Nelson, Creole Petroleum.
O CBR estava engajado numa pesquisa de recursos da bacia do rio Orinoco quando Rondon recorreu ao ICEM em Buenos Aires. Não demorou muito para que Crawford colocasse o ICEM no Projeto de Colonização do Alto P.u-anA, de Stroessner, e para trazer brasileiros como consultores para a montagem de um sistema de crédito rural semelhante ao da Associação Brasileira de Crédito r .\ssisteocia Rural, o sistema nacional montado pela AIA para o então presidenteJuscdino Kubitschek.
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tros. O livro continha um relato completo do antropólogo alemão Mark Münzel
sobre sua experiência com os achés entre 1970 e 1972, com a Missão das Novas Tribos que assumiu a reserva aché depois que seu administrador foi forçado a renunciar, tendo caído em desgraça por "assassinatos, torturas e comércio de escravos•. Münzel foi contundente em suas críticas à missão, observando que "condições desumanas• persistiam na reserva e que um missionário americano associado com o grupo "tinha sido visto participando de caçadas a índios dentro da floresta e, além disso, na lucrativa venda de cativos em seu poder" .26 O dr. Eric Wolfc, o mesmo antropólogo que denunciou o uso pela CIA de antropólogos e missionários na Tailândia, concluiu que a reserva era nada menos que um "campo de extmnínid' e que a Missão das Novas Tribos era sua "criada, braço armado e diretora de prisão". Norman Lewis, o escritor que dera o alarme sobre os massacres de cintas-largas, capturou a plenitude do terror da experiência aché com um sumário de indiciamento contra o governo paraguaio pela Liga Internacional dos Direitos Humanos e pela Associação Interamericana pela Liberdade e Democracia em 1974: 1) escravização, tortura e assassinato de índios guayaki [ aché] nas reservas do Leste do Paraguai; 2) privação de comida e remédios, provocando mortes por inanição e doenças; 3) massacres de seus membros fora das reservas por caçadores e mercadores de escravos com a tolerância e até incentivo de membros do governo e com ajudadas forças annadas; 4) separação de famílias e venda, como escravos, de crianças, especialmente garotas para a prostituição e S) sufocamento e destruição das tradições culturais, incluindo o uso da língua, a música tradicional e as praticas religiosas.27
De todas as 144 páginas de Genocide in Paraguay, as implicações do terror foram melhor resumidas numa citação do ensaio Depois de Amchwitz, de Richard Rubinstein: "Talvez estejamos no principio, não no fim da era do genocídio."28 Com o SIL, a palavragenoddio nunca foi pronunciada ou sequer considerada. O SIL preferia uma teoria conspiratória de sua própria lavra que, às vezes, assumia a forma da Conspiração Comunista Internacional, mas, sempre pairando nas sombras espirituais, estava o vulto de Satã, que podia ser sentido trabalhando de forma maligna através de mentiras, confusão e violência. Na Guiné Ocidental Holandesa, rebatizada de lrianJaya pelos conquistadores indonésios, evidências das forças da Escuridão- e da Luz- bam mostradas em 1977 quando ovale Baliem "simplesmente explodiu". No começo dos anos 1970, o presidente Suharto, o general que liderou a ocupação indonésia de Baliem,
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região rica em cobre, permitiu que a Freeport Sulphur, de Rockefeller e Whitney, ocupasse e exportasse a legendária Montanha de Cobre do vale e que os missionários de Cam ocupassem a tribo local dani espiritualmente. A cúpula do SIL, ansiosa em mostrar sua devoção pela ocupação indonésia de Baliem, mergulhou em profundidades familiares. lgnatius Suhamo e Ken file publicaram Frot,, Baudi to Indonesian com fundos da Fundação Ásia em 1976.29 Mas os missionários de campo do SIL pareciam ter traçado seu próprio caminho para os danis. Numa indicação de como os missionários tinham assimilado a ideologia Ave C&rar!, de Cam, quando os habitantes de Papua se revoltaram contra o domínio indonésio em 1977, pouparam as missões do SIL. A rebelião foi implacavelmente esmagada por tropas indonésias equipadas com armas americanas. A língua dani, que Michael Rockefeller uma vez gravara maravilhado, voltou à base do SIL em Danau Bira (lago Holmes) nas palavras de informantes lingüísticos e guardas de campo. Já então, enquanto as plataformas da Caltcx (joint-'Venture da Standard Oil da Califórnia e da Texaco) germinavam nos mares ao largo da costa de lrian,30 a Montanha de Cobre tinha praticamente desaparecido no estômago da indústria americana.
RACHADURAS NAS JUNTAS DO IMPÉRIO No mesmo ano em que os habitantes de Papua se revoltaram no vale Baliem, Nelson Rockefeller estava se preparando para vender imagens da arte deles e das tribos costeiras que tinham matado seu filho. Ele publicara antes um livro sobre a "arte primitiva" que Michael colecionara numa edição particular que lhe custara dinheiro. Agora Nelson queria ganhar dinheiro. Ele ficou assombrado ao saber que os editores lhe pagariam para publicar livros de arte de seu acervo. Também lhe ocorreu que um método maravilhosamente preciso de fazer reproduções poderia ser uma fábrica de dinheiro, uma vez que o uso de sua própria coleção não exigiria pagamento de direitos a artistas e a outros colecionadores. A Nelson Rockefeller Collection Inc. poderia ganhar uma fortuna, desde que ignorasse o desprezo dos críticos por tal comportamento "deselegante" da parte de um colecionador, e logo um Rockefeller. Nelson achava tudo divertido, potencialmente lucrativo e uma maneira de compartilhar a arte que desfrutava em particular. Ele achou que se tratava de um lucrativo serviço público. Também o tinham chamado de "deselegante" quando vendeu sua propriedade em Foxhall Road, Washington - uma relíquia imponente dos dias de CIAA - para uma imobiliária que a dividiu em lotes e vendeu. A propriedade era uma raridade em Washington porque tinha 1O hectares arborizados às margens do
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Potomac e uma grande casa colonial. Mais importante para Nelson, tinha sido um símbolo por quase b-es décadas dos sonhos de algum dia ocupar uma certa outra casa em Washington. Ele tinha pago apenas 225 mil dólares pela propriedade na década de 1940. Assessores locais a avaliaram para fins de imposto de renda em 2,1 milhões de dólares, o segundo maior valor da capital americana. Agora que não precisava mais dela, Nelson rapidamente descartou o símbolo de seu sonho, oferecendo-a para venda por 8,8 milhões antes mesmo de deixar Washington. Vizinhos revoltados reclamaram dos planos de loteamento, mas Nelson, num gesto característico, deu de ombros e não voltou atrás. Ele também buscou liquidez semelhante vendendo parte de seu dúplex de luxo na Quinta Avenida. Além disso, durante sua demorada ausência na vice-presidência, alguns dos tapetes navajo de seu pai, obtidos nas primeiras viagens ao Novo México, tinham sido roubados de um prédio não trancado da ilha de Mount Desert, no Maine. Era um sinal dos tempos, porque nunca em sua vida adulta vira tal demonstração de desrespeito. Ele decidiu que não era bom manter o que não era usado. Então, colocou também aquela propriedade à venda por um milhão de dólares. Sistematicamente, pedaço a pedaço, cada parte tangível do passado foi sendo expulsa de sua vida, exatamente como seus sonhos. Só Pocantico ficou, precisamente porque não pertencia a ele, mas a toda a família, como herança e lenda, considerada pelo presidente Ford, num de seus últimos atos, como um marco histórico nacional numa cerimônia que juntou Nelson, David e Laurance com outros parentes. Ironicamente, a cerimônia foi realizada na véspera do 13º aniversário do assassinato do presidente John Kennedy e aí também havia lembranças amargas. Além de ser o primeiro- e último - presidente que não pediu ajuda a Nelson em seu governo, Kennedy discordou com veemência sobre a questão da predominância dos interesses das empresas privadas nos critérios de concessão de dotações e empréstimos ao exterior. O nome de Kennedy era reverenciado na América Latina, enquanto o de Rockefeller era xingado. Kennedy mobilizara multidões em delírio, Nelson, distúrbios e tumultos. A Aliança para o Progresso, de Kennedy, era mais lembrada até do que a Política de Boa Vizinhança de Roosevelt, como "um grande momento brilhante" a la Camelot nas relações dos EUA com seus vizinhos do Sul, enquanto os esforços filantrópicos e empresariais de Nelson para o desenvolvimento da América Latina sofreram sob a força do destino, com a face filantrópica sacrificada pelo lado dos negócios, numa perda em vão. Devido às ambições políticas de Nelson, a natureza extensa dos investimentos dele por toda a América Latina foi revelada durante as audiências de confirmação para a vice-presidência. O foco filantrópico, representado pela AIA, sobreviveu apenas na memória e nos programas de governo que gerou.
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Seu modelo para investimentos privados, a Corporação Internacional de Economia Básica, também estava morrendo, vítima das ambições de seus fundadores. O crescimento da IBEC foi além de sua capacidade, simplesmente não havia sucessos suficientes ou uma folha de serviços que estimulasse os investidores a fornecer o capital necessário para equipar suas vastas subsidiárias com capital renovador, tecnologia e dons administrativos. A IBEC seria sustentável se os custos permanecessem toleráveis e a receita mostrasse sinais de rápido crescimento. Mas, com o reajuste dos preços do petróleo onerando os custos da energia e as vendas atingidas por cortes resultantes, a IBEC acumulara 98 milhões de dólares em dívidas no dia 30 de setembro de 1974. Antes de sua confirmação, Nelson concordara em ajudar o filho, Rodman, a salvar a IBEC. A empresa não conseguia honrar seus compromissos com os maiores credores, um grupo liderado pelo Chase Manhattan e por duas seguradoras. Durante as audiências de confirmação, Nelson assegurou aos senadores: "Não tenho parte ativa nem interesses em assuntos comerciais." Três semanas depois de assumir,]. Richardson Dilworth, da Sala S600, mandou uma carta para a IBEC confirmando um possível acordo de dois membros não-identificados da familia Rockefeller (Nelson e Laurance) para dar à IBEC três milhões de dólares em créditos, em troca de uma extensão nos prazos pelos maiores credores da IBEC. Nenhuma das empresas de seguro sabia quais eram os "interesses principais", mas o fato de o termo indicar que as partes tinham investimentos correntes na IBEC desmentia a alegação de Nelson de que colocara seus bens em confiança cega. Nelson, obviamente, não era tão cego. Rodman trabalhou para colocar a casa da IBEC em ordem. Já vendera mais de cinqüenta milhões em ativos nos dois anos anteriores. Outros vinte milhões estavam para ser vendidos em 197S, incluindo ações nas subsidiárias mexicana e venezuelana da granja Arbor Acres e os 51% de uma das mais lucrativas operações da empresa, os supermercados CADA, na Venezuela. No total, Rodman vendeu dezessete empresas e fundiu ou liquidou nove, incluindo o antes badalado projeto de habitações em concreto pré-moldado em Porto Rico. Rodman conseguiu reduzir o débito da IBEC em sessenta milhões, incluindo promissórias em eurodólar. Mas ex-consultores da IBEC não tinham tanta certeza de que Rodman poderia conduzir a empresa para longe da tempestade. "Dirigir uma empresa como a)BEC", disse um deles, "exige imaginação, um forte talento gerencial e a capacidade de escolher empreitadas lucrativas. Com relação a Rodman, o júri ainda está deliberando." 31 Em 1978, o júri já tinha o veredito e não era bom para a IBEC. Apesar da forte determinação e coragem de Rodman, o prejuízo de 16,6 milhões de dólares
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em 1976 o obrigou a tomar mais dez milhões de dólares com investidores institucionais.32 No ano seguinte, ele vendeu a subsidiária Bellows International por 26,5 milhões para a Scovill Manufacturing, dirigida pelo futuro secretário de Comércio de Ronald Reagan, Malcolm Baldrige. Mas a política interveio novamente, desta vez as guerras civis da CIA no Sul da África, onde a Arbor Acres tinha subsidiárias em Angola, Moçambique, Rodésia (atual Zimbabwe), África do Sul e Zâmbia. Flutuações da moeda também causaram impacto em Zâmbia, onde a Arbor Acre recebeu uma multa de quinhentos mil dólares por violações da política monetária.33 Para atenuar prejuízos de 13,2 milhões de dólares sofridos em 1977, Rodman passou adiante um projeto habitacional em Caguas, Porto Rico, por 3,3 milhões de dólares. As perspectivas para a IBEC eram graves. Como a máscara caritativa que o encobria, o império empresarial de Nelson estava cheio de sérias rachaduras. Ainda esperançoso de que a IBEC suportasse a tempestade, os Rockefeller continuaram a se livrar do excesso de carga. Se não sobrevivesse como empresa, talvez pudesse agüentar o suficiente para chegar ao porto seguro de um comprador.
REVOLTA NAS PROVÍNCIAS As notícias em outras frentes eram pouco animadoras. Em 1978, o general Anastasio Somoza, da Nicarágua, estava sitiado pela revolta popular liderada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional. Embora Nelson nunca tenha gostado do pai de Somoza, lidara com ele durante a Segunda Guerra Mundial. Os Somoza depois endividaram a Nicarágua em 580 milhões de dólares com quase cem bancos, incluindo o Chase Manhattan. E não estava claro se o governo revolucionário honraria a dívida. Corporações americanas poderiam perder investimentos, incluindo minas de ouro da Asarco, uma empresa ligada aos Rockefeller, representados na diretoria pelos diretores do Chase, George Champion, Wtllard Butcher e Charles Barber. Os trabalhadores das minas eram índios miskito evangelizados pela Igreja Americana Morávia, sediada em Bethlehem, Pensilvânia, lar da Bethlehem Steel. As notícias eram igualmente más no Oriente Médio, onde o Chase e a IBEC estavam envolvidos em projetos de desenvolvimento no Irã e no Líbano. Os palestinos, expulsos da Jordânia em 1970 pelo Exército do rei Hussein, estavam se tomando uma força séria no Líbano e a rebelião aumentava nos domínios do xá do Irã. Os soviéticos tinham se aproximado do novo homem forte do Iraque, Saddam Hussein, astuto rival do xá pelo controle do golfo Pérsico. Graças ao apoio
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americano à ambição territorial do xá, a CIA estava perdendo influência para o rival KGB no vizinho Afeganistão. Nelson tinha planos para o xá e outros líderes do Oriente Médio. Ele acabara de lançar a Saraborn, uma empresa que desejava usar para reciclar os petrodólares da OPEP em investimentos nos Estados Unidos. Daria a líderes da OPEP, como o xá, um refúgio seguro para sua riqueza, os colocaria mais ligados à política americana e engordaria os cofres de bancos, como o Chase, que poderiam manter o dinheiro deles como depósitos e talvez apoiarjoint-'IJCntures sugeridas pela firma de Nelson. A Saraborn podia até ajudar a baixar o déficit da balança de pagamentos, exemplo perfeito de uma fusão corporativa de lucros e patriotismo. Em maio de 1978, algumas semanas depois que um golpe no Afeganistão estabeleceu um governo comunista, Nelson e Happy viajaram para o Irã. O xá estava abalado por manifestações de seguidores muçulmanos do aiatolá Khomeini, na época exilado. Sua política de desenvolvimento rápido, com radicais mudanças políticas e culturais, desafiava os valores muçulmanos tradicionais. Ele fracassou em não perceber a ameaça crescente de uma represália fundamentalista à adoção do estilo ocidental pela classe média urbana. Viu apenas comunistas e se preocupou com sua influência sobre os trabalhadores do setor petrolífero no Sudoeste, onde a IBEC tinha projetos de desenvolvimento. Durante as conversas, o xá perguntou se a pequena disposição do presidente Jimmy Carter de ir à guerra no Afeganistão significava que "americanos e russos dividiram o mundo entre eles".34 Nelson assegurou que não era nada disso, mas o xá continuou preocupado com uma conspiração internacional para obter recursos. Então, enquanto Rockefeller jantava com o xá, o gerente de Pocantico e paupara-toda-obra Joe Canzeri jantava com o chefe da Savak, a polícia secreta do regime. Os Rockefeller voltaram para celebrar em casa o 70° aniversário de Nelson com quatrocentos convidados em Pocantico. Pouco depois, Nelson sofreu outra tragédia familiar. Seu irmão, John Ili, o mais dedicado filantropo da família, morreu em acidente automobilístico numa estrada perto de Pocantico. O choque deixou em Nelson o sentimento de que não havia muito mais tempo para preparar a nova geração para a sucessão ou mesmo para concluir projetos pessoais. Ele já mudara a política de 209 milhões de dólares do Rockefeller Brothers Fund e garantiu sua influência na diretoria fazendo os irmãos concordarem com a inclusão da auxiliar de Henry Kissinger, Nancy Hanks (veterana da equipe de Nelson no governo Eisenhower), e do filho dele, Steven. Os novos diretores de Nelson então pediram vinte milhões para vinte causas e instituições ligadas pessoalmente aos irmãos ou apoiadas há muitos anos por eles. O ex-secretário de Saúde, Educação e Bem-Estar,John Gardner, renunciou
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em protesto, expressando desacordo com o "status especial" desfrutado pelos irmãos. 35 Os jovens Rockefeller ofenderam-se, mas Nelson uma vez mais prevaleceu, explicando que fazia parte da transição ordeira de uma geração para a seguinte,36 além de dar aos interesses especiais dos irmãos uma injeção final de capital. Ao mesmo tempo, também agiu para proteger o maior investimento individual da família, o Rockefeller Center. Premiou, com um assento na direção, Richard Rosenbaum, o comandante da investida Rockefeller na convenção de 1976 para assegurar a indicação de Ford diante de Reagan. Em agosto, a rebelião no Irã se avolumaria, com as tropas do xá cansadas de disparar rajadas à queima-roupa contra multidões desannadas de manifestantes. Nelson sabia que o escritório da CIA no Irã seria alvo dos militantes oposicionistas. A CIA continuou a apoiar o treinamento e operações da Savak mesmo depois que a brutalidade da agência se tornou pública: a CIA ainda dependia da Savak para informação e cooperação. Havia então um elo entre o terror contra dissidentes "comunistas" e o dinheiro dos contribuintes americanos para o xá. Comunistas mortos supostamente asseguravam o fluxo contínuo da receita de petróleo para pagar as dívidas e esquemas de desenvolvimento do xá. O Chase Manhattan Bank, de David, era o banco pessoal do soberano, bem como da National Iranian Oil Company, e sócio do Banco Internacional do Irã, sediado em Teerã. Em 1977, o Chase liderou um consórcio que emprestou quinhentos milhões de dólares a empresas de utilidade pública; a parte do Chase era cinqüenta milhões. 37 Não era apenas o dinheiro que importava, mas planos para o futuro - e o compromisso pessoal de Nelson com um homem que, como ele, tinha uma linhagem de sangue real com apenas duas gerações de idade.
OCOLAPSO DO TRONO DO PAVÃO Em janeiro de 1979, Nelson recebeu um telefonema de Henry Kissinger. Seu amigo estava preocupadocom a iminente queda do xá diante da revolução do aiatolá Khomeini, porque a situação estava praticamente incontrolável. O fermento revolucionário paralisara o projeto de desenvolvimento da bacia do rio Karkheh, na região ocidental do Irã, que tinha como consultor David Lilienthal, da IBEC. O trabalho da empresa com a companhia de força e água do Kuzestão, na região oeste do Irã, perto dos campos petrolíferos de Abadan, também não estava dando em nada. O Banco Industrial e de Mineração do Irã tinha emprestado à família do xá e a negócios da Fundação Pahlavi mais de SI Omilhões de dólares, parte sem seguro, numa violação da legislação iraniana.38 Os petroleiros estavam em greve e o xá mandou a marinha ocupar os campos, reduzindo o país a menos de
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um terço da produção normal de petróleo. Uma arrecadação menor na venda de petróleo significava que logo os credores iranianos começariam a sofrer. Uma vez o xá ausente de Teerã, os depósitos substanciais do Irã no Chase Manhattan parariam e bilhões de dólares em investimentos seriam tomados pelo governo revolucionário- a menos que a presença do xá nos EUA desse peso a uma contestação judicial sobre o direito de custódia. O xá, afinal, não era apenas um amigo pessoal de Nelson; era chefe de Estado e aliado dos EUA. Nelson chamou seu assessor para encrencas, Joe Canzeri, e mandou que procurasse uma casa para o xá nos EUA. Perto de Wmn Springs, Geórgia, Canzeri encontrou uma mansão no alto de uma colina que podia ser facilmente protegida por muros e guardas. Uma semana depois, com a revolução fervilhando, o xá concordou em deixar o Irã, mas não para sempre. Ele não abdicou e até aceitou a oferta de Anuar Sadat para "visitar" o Egito a caminho dos EUA. Ele suspeitou da oferta de Saclat, achando que era uma manobra de Jimmy Carter para mantêlo à distância, mas seu cunhado e confidente, o embaixador em Washington, Ardeshir Zahedi, argumentou que não devia parecer estar fugindo para os braços dos americanos. No dia 16 de janeiro, seu 707 chegou ao aeroporto de Assuã, com o próprio xá pilotando. Os Saclat o receberam com todas as honras, incluindo uma banda militar e a salva de 21 tiros de canhão. Ele esperava ficar pouco tempo e seguir para a Geórgia, mas seu cunhado mais uma vez pediu cautela, pedindo-lhe que visitasse seu velho amigo, o rei Hassan, no Marrocos. O xá o atendeu. Então o destino interveio em Manhattan.
OÚLTIMO HURRA Nelson Rockefeller estava bem-humorado quando chegou à Sala 5.600 em 27 de janeiro. Ele era agora o mestre de seus domínios, um enxame silencioso de dezenas de secretárias, contadores e analistas financeiros trabalhando febrilmente para preservar, proteger e defender o nome Rockefeller e o império f.uniliar. Ali, eram administradas 75 contas f.uniliares, com valor superior a um bilhão de dólares em 1974. Mas a fortuna da família era muito maior. Devido a um recente boom imobiliário, só o Rockefeller Center passou a valer centenas de milhões de dólares. Dou outras fundações também estavam sob a influência dos Rockefeller. Maior do que o dinheiro era o alcance deles. O domínio de David era inquestionável sobre um banco cujos ativos tinham subido de 13,6 bilhões de dólares em 1969 para mais de trinta bilhões em 1979. Através do Chase, a família não apenas tinha acesso a crédito para as próprias empreitadas, como a IBEC, mas influenciava as diretorias de dezenas de corporações, empresas privadas e
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instituições sem fins lucrativos, nos EUA e no exterior. Governos também ouviam David Rockefeller, oenorme departamento de títulos do Chase comandava um .men:ado com liquidez para vendas vitais de títulos com finalidades que variavam de conjuntos habitacionais a hospitais, de usinas nucleares a represas hidrelétiicas, de computadores a campi universitários. Na Sala 5600, isolado das sirenes e ruas barulhentas de Manhattan, Nelson circulava num mundo de deferências, sussurradas à mera menção de seu nome. Era um nome com o qual sempre se sentira confortável, ao contrário do pai e de seus filhos. Rodman era a exceção, escondendo a timidez por trás de uma aparência arrogante, ansioso para provar seu valor diante de um pai cheio de dúvidas. Apesar do fracasso crônico da IBEC de gerar dividendos e dos prejuízos na casa de dezenas de milhões de dólares, Rodman estava agora ganhando um salário anual de mais de cem 100 mil.39 Nelson não se impressionara com o desempenho de Rodman à &ente da IBEC, mas pelo menos os ativos mais importantes e potencialmente lucrativos no Brasil tinham se salvado. Se o Milagre Brasileiro reaparecesse e a conquista da Amazônia retomasse ímpeto, a IBEC, ou qualquer empresa que comprasse a IBEC, estaria em posição de obter um lucro considerável, especialmente em propriedades. Só o valor da Fàzenda Bodoquena, de mais de 400 mil hectares, seria tremendo. Os projetos de desenvolvimento planejados pela IBEC e a AIA de maneira pioneira em úeas como o vale do rio São Francisco, Mato Grosso e Planalto Central seriam concretizados, assim como inúmeras versões menores das barragens e grandes lagos ao longo dos rios Amazonas, Xingu, Araguaia, Tocantins, Tapajós, Negro e, sim, Roosevelt. A explosão econômica da fronteira, por sua vez, só poderia ajudar as outras empreitadas da IBEC nas áreas metropolitanas costeiras. Mas tudo dependeria de Rodman, o que deixava Nelson intranqüilo. Ele e Rodman nunca tiveram um bom relacionamento, Rodman era faminto de afeto, e Nelson, como o pai antes dele, nunca soube como fornecê-lo. Não tinha sido assim com Michael, e nos últimos anos ele pensara muito no filho perdido. Como a retirada pensativa de seu irmão Steven do poder para a sala de aula, a filosofia e os sentimentos antibélicos, a retirada de Michael para a antropologia tinha intrigado seu pai. Michael sentira a necessidade de colocar o nome Rockefeller em perspectiva dentro de um plano humano mais amplo. Nelson nunca sentira tal necessidade, aceitando com avidez e sem questionamento o legado do poder. Somente Laurance, de toda sua geração, parecia reconhecer o combustível ideológico que alimentava o ímpeto de Nelson e vinha do calvinismo que penetrara e assimilara as raízes batistas de sua família. Com seu típico riso sardônico, Laurance se entregou ao seu trabalho em preservação e, finalmente, à paz interior
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do Zen. Sua curiosidade sobre empreitadas aventureiras de capital nascera de uma crença de que a preservação e o capitalismo não eram mutuamente excludentes, mas mutuamente dependentes se o planeta e a humanidade queriam prosperar. Era como se uma vida inteira investindo em aviação (agora estendida para o espaço através de uma holding chamada National Aviation) lhe tivesse dado uma visão U-2 do mundo, onde o verde - e não pessoas ou fronteiras - é visível.• Laurance ainda comandava o lado de preservação do domínio, o que Nelson respeitava, mas, enquanto aquele embelezava o mundo, este o tomava, ou melhor, o comprava para seu próprio desfrute. Mesmo sua decisão de compartilhar a coleção de arte através de reproduções partia da antecipação de um retomo pecuniário. Foi isso que lhe deu tanta alegria na manhã de 27 de janeiro, quando entrou em seu escritório na Sala 5600 e começou a trabalhar com sua auxiliar, Megan Marshack, 25 anos. Ainda assim, havia uma qualidade obsessiva neste esforço. O primeiro livro da coleção tinha sido sobre os entalhes das tribos da Nova Guiné. Outros homens poderiam torcer o nariz para a idéia de criar um memorial para o filho usando os entalhes dos homens que lhe tiraram a vida, mas Nelson não tinha esses escrúpulos. Ele via aqueles trabalhos como objetos de arte separados das pessoas que os criaram. Se tinha algum interesse nos artistas era para aumentar sua apreciação do que criaram. Isso não era novo na vida de Nelson. Ele teve a mesma atitude quando achou que poderia destruir o mural de Diego Rivera porque ele - ou outros que respeitava- o acharam politicamente ofensivo. Colocar a arte tribal dos asmat num livro ou museu não era diferente de expor qualquer arte "primitiva"; como borboletas espetadas com alfinetes- a beleza estava nos olhos de quem via. Além disso, tais práticas eram uma antiga tradição das Américas, desde que Hernán Cortés deslumbrou a Europa com a arte dos astecas massacrados e os descendentes dos colonizadores europeus da América do Norte estabeleceram os primeiros museus para preservar os artefatos do índio americano morto. O pai de Nelson,JohnJr., tinha colecionado tapetes navajos e cerâmicas exóticas.John III colecionara os retratos estóicos de George Catlin dos índios "que estavam desaparecendo", incluindo uma representação de índios das pradarias fugindo diante do fogo da natureza. Laurance admirava os mitos animistas dos índios que aumentavam as maravilhas das belezas da natureza. Durante uma viagem pela América do Sul, ficou fascinado com o • Mesmo esta perspectiva tinha contradições. O portfólio da National Aviation era lllo con!ICienciosamentc orientado para o esforço do Pentágono e a indústria, "para se ajustar ao reflwco da Guerra do Vietnã", como era para o programa espacial da NASA; ver A,,111141 &po,t 1991, National Aviation, p.7.
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conhecimento dos índios sobre as cataratas do Iguaçu, entre o Paraguai e o Brasil, que tinham um "óbvio potencial hidrelétrico",40 mas em seu artigo para a N ationa/, Geographic não mencionou os índios ou indagou o que acontecera com eles. Os sofrimentos dos povos nativos, embora lamentáveis, nunca foram mencionados nos relatos de Rockefeller sobre a arte deles. O mito da bondade essencial de um país não estava aberto a questionamento; ou você acreditava nos Estados Unidos ou no Brasil e era patriota, ou se arriscava a parecer antiamericano ou antibrasileiro ou, no caso de Michael, um ingrato em relação aos anfitriões europeus. Ainda assim, Michael poderia ter quebrado os hábitos aquisitivos de sua família ou de sua cultura, até pela razão egoísta de proteger a própria vida, se tivessem lhe contado, ou se tivesse escutado o que lhe disseram sobre os choques entre os asmats e as autoridades coloniais holandesas; se soubesse da origem dos totens lJisj, os totens da vingança que ele ambicionou para o Museu de Arte Natural do pai. Como escolheu a aventura para obter a arte que admirava, pereceu. Nelson honrava esta característica de Michael, assim como a honrava em si mesmo. Quando publicou o primeiro volume da coleção de arte, Masterpieces of Primitive ~ incluiu peças obtidas por Michael e por ele mesmo, desde sua primeira aquisição, a adaga de Sumatra com o cabo no formato de um crânio humano encolhido, com cabelo e tudo. Sem se dar conta, Nelson incluiu a peça num livro que pretendia homenagear o filho que melhor levou adiante seu próprio espírito, pelo menos neste ângulo da sua capacidade de amar. Nunca questionou os aspectos mais horripilantes do que a arte tribal contava sobre o avanço da civilização européia. Michael, perto do fim de sua curta vida, o fez, mostrando mais discernimento que seus antepassados. "Para o Ocidente, é preciso levar o progresso e as oportunidades para esses lugares", escrevera aos pais da colônia holandesa. "Na verdade, trazemos uma ruína cultural completa, que perdurará por muitos anos. Os asmats, como todos em qualquer canto do mundo, estão sendo sugados por uma economia mundial e uma cultura que insiste na plenitude econômica como ideal básico."41 Nelson começou a preparar outro livro como memorial familiar para a pessoa que incutiu nele o amor à arte, sua mãe. Passou um dia examinando fotografias da coleção de Abby com Megan Marshack, que o provocava com uma ironia jovial que ele só aceitava dela, a quem se afeiçoara. No final da tarde, Nelson pediu licença e correu para a Buckley, uma escola primária particular na rua 73 leste. Henry Kissinger concordara em fular aos alunos, entre eles os filhos de Nelson com Happy, Nelson Jr. e Mark. Nelson apresentou o ex-secretário de Estado. Depois Nelson foi com os filhos para o apartamento da Quinta Avenida. Naquela noite, depois do jantar, disse que ia ao escritório trabalhar no projeto de
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arte. Em vez disso, foi ver Megan na velha casa de Junior na rua 54, perto do Museu de Arte Moderna de Abby. Nelson a usou como escritório, governando o estado de lá em vez de usar a pavorosa Mansão do Governador em Albany, que raramente compartilhara com Tod ou Happy. Ele sempre teve um olharpaquerador e agora, no outono da vida, encontrara alguém que lhe dava a ilusão da juventude. Por volta de 22:50, Nelson sofreu um ataque cardíaco. Duas horas depois, morreu no hospital. Por mais que tentassem, a família e os assessores não podiam ocultar o fato de que Nelson faleceu na companhia de uma mulher cuja casa, no outro lado da rua, foi paga por ele, assim como as flores que lhe mandava. Numa tentativa de evitar a acusação de adultério, o assessor mais próximo de Nelson, Hugh Morrow, disse inicialmente à imprensa que um segurança encontrou Nelson debruçado sobre o trabalho em sua mesa da Sala 5600. Mas, em 24 horas, esta versão desabou. Testemunhas viram Megan na casa de Nelson e mais tarde no hospital, ainda segurando o cilindro de oxigênio. Steven Rockefeller, Jr. mencionou o assunto de maneira delicada. Indagado numa entrevista a uma rádio o que diria se ela entrasse, respondeu: "Eu diria a ela: espero que tenha feito o vovô feliz.>' 42 No domingo, 28 de janeiro de 1979, o corpo de Nelson foi cremado. No dia seguinte, só os parentes mais próximos participaram de um cortejo de limusines que acompanhou as cinzas ao cemitério da família em Pocantico. Enquanto a procissão subia uma estrada coberta de limo para o alto da colina gramada sobre o Hudson, o helicóptero de uma emissora de TV sobrevoava a distância. Pelo menos uma vez na história de Nelson Rockefeller, a imprensa recebeu ordens de ficar a distância. Três dias depois, 2.200 pessoas lotaram a igreja de Riverside para um serviço religioso só para convidados. O secretário-geral da ONU, Kurt Waldheim, encabeçou príncipes, embaixadores e outros dignitários de 71 países. O presidente da Corte Suprema, Warren Burger, designado por Nixon para substituir o liberal Earl Warren, liderou os juízes. Martin Luther King, Sr. rezou pela alma inquieta de Nelson; Lady BirdJohnson rezou de cabeça baixa em memória do velho amigo do marido, enquanto o dr. William Sloane Coffin, o pastor liberal que se opôs ao apoio de Nelson à "guerra de LB.f' no Vietnã, fàzia uma oração. Roberta Peters, do Metropolitan Opera, fez "Dear Lord anti Father ofMankind" ecoar pela abóbada da catedral gótica que o pai de Nelson ajudou a construir como resposta do modernismo cristão ao fundamentalismo. David Rockefeller fez o panegírico do irmão, diante do presidente Jimmy Carter, sentado de maneira rígida na primeira fila com Happy, sem saber que providências tomadas por Nelson a favor do xá do Irã contribuiriam para a queda do soberano naquele mesmo ano. O ex-presidenteJerry Ford também estava lá, antecipando a próxima vitória republicana, que poderia ter sido dele - ou de
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Nelson - caso tivesse mantido Rockefeller e vencido nos críticos estados do Nordeste em 1976. O secretário de Estado de Ford e futuro chefe da Força-Tarefa-Centro-Americana do novo governo, Henry Kissinger, a voz trêmula de emoção, relembrou o velho amigo em tcxias as suas contradições, as exigências iradas, o otimismo perene e a solidão no topo. Com tudo isso, foi o elogio menos eloqüente que captou o significado de ser filho de John D. Rockefeller Jr. Rodman, o presidente da IBEC, segurando uma tocha que mal bruxuleava, ainda desconcertado pelo sonho do que a IBEC podia ter sido e pelas expectativas do pai, falou numa voz entorpecida como suas palavras: "Agradeço a Deus porque o mundo é um lugar melhor após a passagem de Nelson Rockefeller." Ele provocou as únicas lágrimas que Happy derramou na cerimônia de hora e meia. A perda sentida por Rodman, terrível e definitiva, tinha precedido aquele dia por muitos anos. Foi, com tcxia sua presunção, o mais notável legado de Nelson. Exceto por um outro: 1.61 Oobras de "arte primitiva" coletadas junto a povos nativos de todo o mundo. Ele deixou toda a coleção, avaliada de maneira conservadora em cinco milhões, para o Metropolitan Museum of Art, para manter viva a memória do filho cuja lembrança o assombrou até o fim, Michael. No dia anterior ao serviço religioso, três milhões de iranianos encheram as ruas de Teerã para saudar a volta do sacerdote muçulmano que chamava o xá de "servo do dólar". O aiatolá Khomeini, depois de anos no exílio, foi imediatamente para sua nova casa, uma escola na zona sul, a mais pobre da cidade, num desprezo simbólico pelas residências elegantes que o dinheiro do petróleo tinha construído na zona norte. Khomeini denunciava as empresas petrolíferas americanas e a CIA com a mesma veemência com que condenara a campanha para emancipar as mulheres, que classificou como "tentativa de corromper nossas mulheres castas". Também condenou o Corpo de Alfabetização como uma conspiração para minar o clero fundamentalista no interior. Pouco mais de duas semanas depois, o Exército, abalado pelas investidas de milícias islâmicas e assolado por motins, entrou em colapso. Em semanas, o governo Carter reavaliava sua política de portas abertas para o xá. O monarca, ouvindo maus conselhos, demorou a ir para os EUA, onde os portões se fecharam para ele na ausência de Nelson Rockefeller. David Rockefeller e Kissinger levariam meses para abri-los novamente, detonando a invasão da embaixada e a tomada de reféns que facilitariam a eleição do arquiinimigo de Nelson, Ronald Reagan. Quando isso aconteceu, uma onda de fundamentalismo varreu não apenas o Irã mas os Estados Unidos. A escolha dos Rockefeller para presidente, George Bush, teria que se contentar, como Nelson, com o segundo lugar. Mais uma vez, o movimento socialmente conservador de renascidos, que rejeitou o "divorciado
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mulherengo,, de Nova York em 1964, desempenhou um papel-chave. Jimmy Carter os despertara quatro anos antes para a vida política; depois que Carter divulgou sua agenda liberal,juntaram forças com os jovens irascíveis da Nova Direita que apoiaram Reagan em 1976. Juntas, essas forças formaram um poderoso movimento de apoio a Reagan que acabou elegendo-o em 1980. Nelson, apoiando discretamente George Bush, viu a onda Reagan se aproximando e ficou horrorizado. O que Nelson nunca soube é que entre os principais protagonistas desse movimento estavam líderes da organização missionária fundamentalista cujo sucesso tinha sido moldado por sua própria carreira e por seus aliados pessoais no governo e no empresariado: os Tradutores da Bíblia Wycliffe.
48 SEJA fEITA AVOSSA VONTADE RETIRO DOS ESCOLHIDOS William Cameron Townsend não estava feliz que uma porta após a outra estivesse batendo na face do Senhor no mundo islâmico. Kenneth Hke, seu maior lingüista, visitaria o Irã para consultas com o governo do xá quando irrompeu a revolução islâmica. 'Iradutores do Instituto Summer de Ling(Ustica (SIL) já estavam lá, agora suas preces eram se deviam ficar. A embaixada dos EUA, afinal, ainda era uma presença formidável em Teerã. Países muçulmanos mais para o leste também estavam fora de alcance. O Afeganistão vinha se esquivando de assinar um contrato, apesar de esforços do SIL iniciados cm 1971; o recente golpe comunista tomara o acesso ainda mais improvável. O presidente do Paquistão, Ali Bhutto, apesar de sua defesa das minorias e do apelo pessoal de Cam, também hesitou. Quando foi derrubado pelo general Zia, operações apoiadas pela CIA através da fronteira com o Afeganistão começaram a sério, detonando a intervenção maciça da própria União Soviética neste país. Parecia a Indochina começando de novo, sem a selva e com os papéis inverti-
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dos. Desta vez seriam soldados soviéticos morrendo numa guerra sem esperança contra guerrilhas bem armadas que tinham apoio local. Acabaria se provando o pior erro de Leonid Brejnev e a aventura fatal da União Soviética, mas a guerra secreta da CIA- em nome de Alá- também impediu que os missionários cristãos de Cam tivessem um patrocinador oficial. Os esforços de Cam para introduzir tradutores da Bíblia no mundo islâmico pela porta dos fundos, as repúblicas do Sul da União Soviética, não tiveram melhor resultado e não foi por falta de tentativa. Ele fez onze viagens à União Soviética, principalmente para o Cáucaso rico em petróleo. Mas as acusações de que o SIL estivera ligado à CIA no Vietnã e América Latina estavam tendo efeito, com o Pravda chamando o SIL de "ninho de espiões". Para Cam, pessoalmente, a pior baixa não era a perda do Vietnã, ou mesmo possivelmente do Brasil. O pior era o México, onde não tinha mais Lázaro Cárdenas ao seu lado. O ex-presidente morrera em outubro de 1970, preocupado até o fim com a hegemonia americana sobre o hemisfério. Cam tentara desenvolver um relacionamento mais estreito com a família Cárdenas através de um museu em memória de sua amizade com o "Grande Cidadão Comum" e através de apoio às suas políticas indígenas e ao confronto com a Standard Oil. Em 1977, ele convidou a família do presidente-incluindo o filho dele, senador Cuauhtémoc Cárdenas Solarzano, um líder em ascensão na política nacional mexicana - para a inauguração do Museu Cárdenas na base do JAARS na Carolina do Norte. Era o golpe de relações públicas de Townsend. A fortuna Belk estava amplamente representada no programa pelo herdeiro John Belk, agora prefeito de Charlotte, Carolina do Norte. O vice-governador James Green, o senador americano Carl Curtis e o embaixador mexicano Hugo Márgain também foram lembrar aos americanos a importância que Cárdenas e o 1io Cam tiveram para a amizade interamericana. Mas a verdadeira estrela foi a família Cárdenas: a viúva, que cortou a fita, o senador com a mulher e dois filhos. A bênção mexicana, divulgada nos Estados Unidos e no exterior, assinalou que tudo estava bem novamente no mundo dos Tradutores da Bíblia Wycliffe. No Peru, a segunda mais antiga base de Cam, o regime militar considerou oportuno dar ao SIL um novo contrato. O processo envolveu ainda outra comissão com uma nova série de recomendações e uma oferta ao SIL de mais vinte anos. O SIL sabiamente optou por mais dez. A estabilidade social no Peru era tênue e a presença de americanos em posições delicadas poderia despertar rancores. Por exemplo, professores tinham entrado em greve no país inteiro, exceto na selva, onde a maior parte dos professores bilíngües do SIL mantiveram atividades normais. A deferência do SIL para com os que estavam no poder trazia suas recompensas, primeiro com a renovação do contrato e depois com uma conde-
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coração de Cam por Fernando Belaúnde Terry, que assumiu o governo novamente com promessa de petróleo amazônico, mais desmatamento e cinqüenta novas cidades na selva. Reconhecimento similar ocorreu no Pacífico Sul. O ministro filipino da Educação deu ao SIL uma medalha por ajudar o ditador Ferdinand Marcos a construir sua "Nova Sociedade". Em 1973, o regime concedeu ao SIL o Prêmio Ramón Magsaysay, que tinha sua origem na colaboração de Nelson Rockefeller com o mentor de Magsaysay na CIA, coronel Edward Lansdale, na propaganda da Guerra Fria. "Gostaríamos de apagar a impressão de que existe uma ditadura", disse o embaixador de Marcos ao chegar para a cerimônia. 1 A "Nova Sociedade" de Marcos destruiu com barragens e inundações os famosos terraços de arroz das tribos de Luzon para fornecer irrigação e eletricidade para as plantações costeiras. Para construir este Projeto de Desenvolvimento da bacia do rio Bicol, o regime recebeu milhões de dólares da Agência Internacional de Desenvolvimento e do Eximbank para financiar estudos. Embora inspirado nos projetos das bacias dos rios Mekong e Volta, o projeto de Bicol foi classificado como pioneiro. A AID argumentou que "uma vez bem-sucedido, o projeto será reproduzido em outros países subdesenvolvidos, notavelmente da África e do Sudeste Asiático".2 A venda de todos esses projetos, como as investidas de Cam pelo SIL em Washington, estava sempre calçada no contexto dos benefícios da luta contra as insurreições comunistas. No entanto, a mobilização de camponeses em rebeliões, dando aos comunistas uma base local, geralmente seguia-se a esquemas de desenvolvimento, planos de realocação e à crescente militarização do campo. Isto era certamente verdade no projeto Bicol, que teve o trabalho de campo da AID iniciado em 1972, com choques entre as forças de Marcos e do Novo Exército do Povo registrando-se pela primeira vez em Camarines Sur, em agosto de 1973. Embora o valor dos projetos como substitutos para a reforma agrária fosse inquestionável, eles estavam nas pranchetas antes que a insurreição se tornasse séria. Foi sua implementação e a ameaça de deslocar noventa mil pessoas da etnia igorot que tomaram a rebelião séria. A Guerra Fria era uma desculpa infalível para que os estrategistas das corporações vencessem restrições legislativas em audiências sobre ajuda externa. Assim que o projeto começava e a rebelião irrompia, a profecia autofabricada se perpetuava. Apesar das operações de contra-insurreição nas Filipinas serem apoiadas por helicópteros americanos e Forças Especiais, os nativos kalinga e bôntoc de Luzon estavam resistindo. A situação preocupava o escritório da CIA em Manila, especialmente a disposição das tribos em formar um bloco com a guerrilha comunista do Novo Exército do Povo, os huks reencarnados. No Sul muçulmano, nas ilhas
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de Mindanau e Sulu, a Frente Nacional de Libertação Moro (MNLF) razia o mesmo com pequenos proprietários de terras que estavam sendo expulsos para abrir caminho para plantações que forneciam bananas e abacaxis para a Del Monte (que adquirira também os infames bananais da United Fruit na Guatemala). O regime de Marcos deu uma ênfase especial às ilhas muçulmanas, onde 80% de seu Exército estavam estacionados e conseguiu despertar a ira da população em fevereiro de 1974, quando o fogo indiscriminado de navios americanos contra posições da MNLF quase arrasou a cidade de Joio, centro histórico da cultura muçulmana. Foi ali que Marcos decidiu assentar colonos cristãos do Norte como parte de uma "reforma agrária" que se aplicava apenas a terras onde se cultivava arro:i e milho, isentando assim dois terços das terras usadas por exportadores como a Dd Monte. E, como era de se esperar, foi ali que o SIL estabeleceu seu quartelgeneral das Filipinas numa tentativa de dominar as tribos muçulmanas com o poder do Senhor cristão. Em 1981, o SIL tinha mais gente nas Filipinas (287) do que no Peru (262), todos trabalhando sob contrato com os departamentos de Educação e Defesa Nacional do governo. Mas, mesmo nessas vitórias para o Senhor, havia presságios de mudanças, algumas inquietantes. Nas fileiras jovens do SIL aumentava o reconhecimento da necessidade de uma missão menos estridente e mais sensível naquela parte do mundo. Esses jovens queriam ampliar os domínios lingüísticos do SIL para incluir conceitos antropológicos. Para obter respeito como contribuintes verdadeiros e competentes da ciência da lingüística, os membros do SIL tentaram incorporar ao seu trabalho o mais recente estudo da ligação entre teorias de conhecimento e de linguagem que interpretava a gramática como a conceitualização da experiência, incluindo a cultura. Era precisamente esta investigação profunda que dava à lingWstica um atrativo extra para a comunidade de informação, incluindo a CIA. E era precisamente esta equiparação sem julgamento relativista dos planos culturais e sua capacidade de reflexão dos próprios valores de alguém que a tomava tão desafiadora, e mesmo ameaçadora, para os que acreditavam ser os Escolhidos. O antropólogo John Landabaru denunciou haver falta de profissionalismo entre os tradutores do SIL que, como a maioria dos técnicos, não tinham o treinamento mais elevado necessário para ir além da mesma teoria e método que vinham aprendendo quase mecanicamente desde o início dos cursos de verão do SIL. "É possível que esta atitude tenha algo a ver com modelos religiosos?", indagou. "(...) Por que não pesquisam com o objetivo de compreender profundamente a mentalidade indígena?(.•.) Na minha opinião, a resposta é óbvia. Ateoria do SIL é a que melhor se adapta à sua prática missionária (••.) O missionário diz aos índios: 'Dê-nos a forma [de sua linguagem] para que possamos tomar conta do conteúdo.'"3
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Uma nova voz se juntou ~o debate, o maior pesadelo do SIL: críticos indígenas. No passado, raramente o SIL teve que lidar com eles. Em 1959, na conferência do Instituto Indígena Interamericano na Guatemala, Cam e a antro~ Ioga Doris Stone ( filha do presidente da U nited Fruit "Sam the Banana Mao" Zemurray) tinham ajudado a delegação dos EUA a marginalizar como sendo "comunista" o descontentamento dos índios guatemaltecos com a reversão da reforma agrária depois do golpe patrocinado pela CIA contra o presidente Jacobo Arbenz. 4 No passado, conferências foram dominadas por anglos ou ladinos que eram delegados de governos; em alguns casos, Cam e outros do SIL falavam pelos índios como delegados oficiais do Peru. Agora os índios falavam por si mesmos. Na segunda Conferência de Barbados, em 1977, representantes indígenas insistiram que "o uso de linguagem ( ... ) devia ser governado pelos próprios povos indígenas dentro de seus canais de criatividade".5 No ano seguinte, índios campa, do Peru, realizaram sua primeira convenção livre de influência por parte da agência de reforma agrária do governo. Eles prontamente se filiaram à sitiada Confederação Agrária Nacional e discutiram a relutância de Lima em conceder títulos de terras ambicionadas por empresas madeireiras e petrolíferas, entre outras. Depois de aprovarem leis em defesa de velhos, mulheres e crianças, endossaram a convocação de um congresso indígena nacional. A atuação do SIL já fora questionada devido ao fracasso de sua base do Peru em ajudar na questão dos títulos das terras ou de intervir contra o Cities Service em 1974 por fu:er de uma pista de pouso do SIL um depósito de suprimentos, depois por tentar destruir árvores frutíferas para ampliar a pista- tudo sem permissão dos índios amarakaeri. No estado mexicano de Chiapas, local de depósitos de petróleo então recém localizados, jornalistas investigando missões dos EUA começaram a se concentrar no campo de treinamento do SiL na selva. Pressionado por defensores do protecionismo, o governo de José Lopez Portillo se distanciou do SIL. Funcionários do Instituto Nacional Indígena iniciaram investigações sobre práticas do SIL e o cumprimento de cláusulas do contrato firmado. Sendo estrangeiros e adversários de muitas tradições religiosas indígenas, os menbros do SIL eram um bode expiatório fácil. A fumaça do sacriflcio do SIL serviu como cortina para a venda de gás natural e petróleo aos Estados Unidos. Duas semanas depois que impopulares negociações de gás natural com o governo Carter culminaram num acordo, o Departamento de Educação do México anunciou que o contrato com o SIL tenninara. Membros do SIL não receberiam mais vistos de estudantes, privilégio em vigor desde os anos 1930. Metade da equipe local foi obrigada a se retirar para o novo centro lingOístico de Dallas; o campo de treinamento na selva de Chiapas foi fechado. Para o SIL, a era Cárdenas tinha acabado.
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Para o povo mexicano acabara há cerca de quarenta anos. Ao sul dos Estados Unidos, as condições ambientais e de trabalho tinham se deteriorado para mexicanos que trabalhavam em plantações de empresas como a Del Monte, atendendo ao mercado americano no inverno e em fábricas de empresas americanas que haviam abandonado o trabalhador americano em busca de mão-de-obra barata. Desta pobreza em meio a um desenvolvimento dominado pelo exterior, o nome Cárdenas mais uma vez emergiu como símbolo de resistência. Seus familiares acompanharam as investigações sobre o SIL e, convencidos pelas acusações crescentes de impropriedades, começaram também a se afastar, num duro golpe para Cam. O piorveio em novembro de 1980, quando o Instituto Indígena Interamericano (III) patrocinou a Conferência Indígena Interamericana em Mérida, México, seu país de nascimento. Cam liderou a tradicional delegação do SIL, mas, pela primeira vez na história, a conferência tinha muitos índios como representantes de governos. Cam ouviu, atônito, delegado após delegado criticar o trabalho de sua vida. O SIL era uma "instituição polftica e ideológica",6 ele ouviu, com seu nome científico ocultando não uma agenda religiosa, mas uma visão do mundo estranha às tradições indígenas e uma força política americana que minava a soberania nacional. Os aliados do SIL - notadamente as delegações de regimes militares do Chile, Bolfvia, Paraguai, Brasil e Honduras - reagiram, mas estavam em minoria. A maioria dos delegados da conferência aprovou uma resolução pedindo aos governos-membros que investigassem as atividades do SIL e, se necessário, banissem a organização. Para dar um rosto a seu alvo, os delegados se concentraram no homem entre eles que simbolizava o SIL, William Cameron Townsend. Era uma chance para a Conferência do Instituto Indígena Interamericano recuperar sua credibilidade e autenticidade e resgatar o nome de Cárdenas dos usurpadores gringos. Foi o pior dia da vida de Cam. Uma resolução foi apresentada para privá-lo do título de "Benfeitor da População Lingüisticamente Isolada da América", honra prestada a ele na conferência anterior, no Brasil, em 1972. Os delegados se levantaram e saudaram a moção com aplausos estrondosos. Quando os aplausos cessaram, Cam se levantou e saiu, para nunca mais voltar. Foi o auge de uma ascensão de organizações indígenas por todo o Hemisfério Ocidental. No Brasil, a resistência indígena vinha crescendo desde que padres católicos progressistas, agindo no Conselho Missionário Indigenista, tinham patrocinado conferências de lideranças índias. Em 1980, lfderes indígenas reunidos em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, formaram a União de Nações Indígenas (UNI), a primeira organização indígena nacional brasileira. Um dos lfderes da tribo xavante, Mário Juruna, teve então negado o direito de comparecer ao IV Tribunal Russell dos Direitos Humanos em Rotterdam, Holanda. A Funai ale-
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gou diante de um tribunal brasileiro que Juruna era legalmente tutelado como se fosse menor de idade e não podia deixar o país sem a autorização da entidade. A Fltnai perdeu. J uruna não só foi, mas presidiu a algumas sessões do tribunal e acabou tomando-se o primeiro índio amazônico eleito para o Congresso brasileiro. Sob o olhar atento da imprensa internacional, os intolerantes agora tinham de aturar os desafios de um colega congressista índio. Cam devia ter pressentido tudo. Em 1976, quando o SIL se preparava para entrar na selva Uaupés, no Noroeste do Brasil, a pedido do regime militar e do Departamento de Assuntos Índios dos EUA, o maior oponente indígena do BIA, o Movimento Indígena Americano (AIM),já estava agindo na arena internacional. Os tradutores do SIL os tinham visto em audiências da Comissão Internacional de Direitos Humanos da ONU em Genebra. Depois de uma entrada teatral batendo tambores, os líderes do AIM apresentaram os casos do confisco das Black Hills dos sioux para extração de ouro e urânio, da mineração em reservas índias do Colorado e Wyoming, das mortes de mineradores de urânio navajos no Novo México e assim por diante, unindo-se ao coro indígena de outros países onde as acusações variavam de roubo e repressão ao etnocídio sistemático e, no caso dos achés do Paraguai, genocídio.
ARESSURREIÇÃO DE RONALD REAGAN - EOHOLOCAUSTO Diante da crescente resistência e de sua própria humilhação na Conferência Indígena Interamericana, Cam se consolou conhecendo a Vontade do Senhor e vendo-A se expressar na vitória de Ronald Reagan. Ele se tomara parte da vontade de Reagan de conquistar os liberais Rockefeller do partido, da Vontade de Deus para deixar que acontecesse, da vontade dos americanos para ver que seria feito. Em 1979, depois da morte de Nelson Rockefeller, Cam reunira outros membros do fundamentalismo cristão para formar a Mesa-Redonda Religiosa. A escolha do nome não foi acidental. A Mesa-Redonda do Empresariado, formada no início da década por luminares das corporações, estivera no cerne da reação empresarial às reformas ambientais, trabalhistas e de política externa defendidas por organizações de base dos consumidores e movimentos políticos dos anos 1960 e 1970. O desencanto dos social-conservadores e evangélicos com Carter convenceu um executivo de vendas da Colgate-Palmolive de que tinha chegado a hora de estruturar o fundamentalismo com dinheiro e técnicas empresariais para que se tomasse um novo movimento político nos Estados Unidos. Os alvos eram políticos que não passassem no teste da pureza bíblica, aplicado pela primeira vez nas eleições de
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1976, quando candidatos texanos nas primárias se viram diante de JS páginas de um questionário preparado pelos fundamentalistas. Os vencedores foram os considerados mais biblicamente "corretos".7 Em 1979, a Maioria Moral do pregador da VrrgíniaJerry Falwell estava visando liberais como Frank Church, presidente do Comitê de Informações do Senado. O objetivo de Falwell era um presidente e um Congresso fundamentalistas governando uma América cristã. Ele tinha razões para contar com o sucesso. As pesquisas estimavam que mais de 45 milhões de protestantes se consideravam evangélicos e, embora não votassem em bloco, a maioria era de conservadores brancos, moradores dos subúrbios elegantes e profundamente chateados com a reforma social e os movimentos de protesto. Como seus antepassados rurais das pequenas cidades, eles culpavam as grandes cidades pelos pecados da liberação femirúna, a Emenda dos Direitos Iguais, o aborto, as drogas e as crianças geniosas. Criminosos, homossexuais e socialistas foram colocados juntos numa litania dos amaldiçoados, com liberais, biológos e "humanistas seculares" a um segundo de distância do outro na descida para o inferno. A corte de Satã estava vencendo, temiam, e a política de defesa de Carter tinha deixado o Sul, sede de muitas das bases militares do país, ansiando por contratos de defesa na mesma escala dos prósperos anos de guerra. Ironicamente, a guerra do Vietnã havia provocado em muitos americanos um declínio de confiança na ciência e na racionalidade. Em alguns, porque a guerra chegou a existir, em outros porque acreditavam que não tinham lutado com empenho suficiente. Nos dois campos de dissidência, a culpa foi jogada para cima dos políticos liberais. Milhões de americanos se sentiram amedrontados e eram presas fáceis de visões apocalípticas. Ronald Reagan surgiu para compartilhar estas visões e tentou se colocar diante deles como um salvador. Havia profundas divergências políticas dentro do movimento evangélico, mas todos tinham uma característica comum: tendiam a ser mais conservadores do que seus pares em cada grupo demográfico e eram pelo menos uma grande minoria em cada um deles.8 O pessoal de Carter também entendia a importância desses eleitores. "Estamos trabalhando como se os evangélicos fossem o fator crucial nesta eleição", disse um assessor.9 Mas foi Reagan quem roubou o espetáculo, ajudado por Jerry Fàlwell e seu colega do Texas, Jim Robinson. "Farei qualquer coisa para que Carter não seja reeleito", disse Robinson. 10 Ainda assim, de todos os princípios que transformaram a Direita Religiosa numa força política coesa, o mais importante era talvez o menos conhecido. Edward McAteer, o vendedor da Cofgate-Palmolive, era a verdadeira força organizadora por trás do politizado movimento fundamentalista. McAteer tinha a palavra fluente da sua profissão, substituindo Cristo por sabão nas análises de marketing. Ele era mais que amigo de Cam Townsend; era uma figura de ponta na diretoria de
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w,diffe Associatcs, que era agora uma usina de recursos para o SIL e o JAARS, fornecendo lmuwlww de construção, dinheiro, promoção e pernoites para tradutores em viagens de coleta _de fundos. Em troca, depoimentos de tradutores sobre as viagens, filmes, livros e exibição de slides valiam viagens através do mundo para crentes suburbanos. Viagens especiais às bases da selva permitiam aos mais abonados crentes se engajarem numa aventura em nome de Deus. A energia humana mobilizada pela Wycliffe Associares era impressionante, mas o núcleo energético era alimentado por simpatizantes ricos de confiança, como James A. Jones, da Carolina do Norte, detentor dos maiores contratos para as bases americanas no Vietnã, e o homem do petróleo Nelson Bunker Hunt, do Texas. "Bunker Hunt me ajudou de maneira considerável", admitiu McAteer. O Clube dos SOO da Wycliffe Associates se destinava a oferecer aos membros ricos uma alternativa através do dinheiro: quinhentos dólares todo ano ou mais eram o bastante para conseguir um certificado de adesão. Muitos davam mais. Os líderes empresariais d