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Portuguese Brazilian Pages 100 Year 2008
POR QUE DOGMÁTICA JURÍDICA?
HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO Advogado. Mestre em Direito pela UFC. Doutorando em Direito pela Unifor. Professor de Processo Tributário na pós-graduação da Unifor. Professor de Direito Tributário nas Faculdades Christus e Farias Brito. Conselheiro Seccional da OAB/CE (triênio 2007/2009). Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários.
POR QUE DOGMÁTICA JURÍDICA?
Rio de Janeiro 2008
1ª edição – 2008 © Copyright Hugo de Brito Machado Segundo CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. M131p Machado Segundo, Hugo de Brito, 1978– Por que dogmática jurídica? / Hugo de Brito Machado Segundo. – Rio de Janeiro: Forense, 2008. Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-309-2680-9 1. Direito – Filosofia. 2. Dogma. I. Título. 08-0034
CDU: 340.12
O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei nº 9.610, de 19.02.1998). Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei nº 9.610/98). A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vícios do produto no que concerne à sua edição, aí compreendidas a impressão e a apresentação, a fim de possibilitar ao consumidor bem manuseá-lo e lê-lo. Os vícios relacionados à atualização da obra, aos conceitos doutrinários, às concepções ideológicas e referências indevidas são de responsabilidade do autor e/ou atualizador. As reclamações devem ser feitas até noventa dias a partir da compra e venda com nota fiscal (interpretação do art. 26 da Lei nº 8.078, de 11.09.1990). Reservados os direitos de propriedade desta edição pela COMPANHIA EDITORA FORENSE Endereço na Internet: http://www.forense.com.br – e-mail: [email protected] Av. Erasmo Braga, 299 – 1º e 2º andares – 20020-000 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (0XX21) 3380-6650 – Fax: (0XX21) 3380-6667 Impresso no Brasil Printed in Brazil
DEDICATÓRIA
À Lara, que, com doçura e inteligência, retira o cunho dogmático de qualquer afirmação que se lhe faça. Embora já caminhe para os seus oito anos, não perdeu, e espero que nunca perca, o hábito de tudo questionar, com desconcertante singeleza: – Por quê?
SUMÁRIO
Prefácio – Contra toda Dogmática ..............................................................
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Introdução ....................................................................................................
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Capítulo I – O Que é Dogmática Jurídica? ..................................................
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Capítulo II – Análise Crítica da Dogmática Jurídica ...................................
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Conclusões ...................................................................................................
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Referências Bibliográficas ...........................................................................
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Índice Onomástico .......................................................................................
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Índice Alfabético-Remissivo ........................................................................
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Índice Sistemático ........................................................................................
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PREFÁCIO CONTRA TODA DOGMÁTICA
“Falando sério, há um bom motivo para esperar que em filosofia o dogmatizar (...) tenha sido uma nobre peraltice de diletantes...” Nietzsche. Para Além do Bem e do Mal. Prelúdio de uma Filosofia do Futuro.1 1. Este ensaio do jovem professor Hugo Segundo – “Por que Dogmática Jurídica?” –, produzido no curso de Doutorado da Universidade de Fortaleza, como tarefa obrigatória da disciplina Epistemologia Jurídica, versa tema da maior importância para a Teoria da Ciência do Direito; neste país, principalmente, matéria tão mal cuidada e tão mal servida. Pelo título, vê-se tratar-se de texto polêmico e, pode antecipar-se desde logo, contestatório da real necessidade desta denominada Dogmática Jurídica, tudo indica acolhida sem atender aos mínimos pressupostos de ordem teórica e prática. Vale dizer, sem precisão, nem fundamento de legitimidade. 2. Àqueles que persistem em afirmar a presença de uma tal Dogmática como objeto de estudos jurídicos, caberia indagar que faixa ou porção da realidade do Direito, ainda livre de domínio pelas muitas e diversas disciplinas científicas existentes, poderia ser legitimamente apropriada por ela. Haveria, no plano científico, algo que escapasse dos domínios das ciências normativas, fáticas ou filosóficas do Direito? Parece, seguramente, que não. Nem a Dogmática cuidaria de normas, nem de fatos, nem de valores jurídicos. E, muito menos, da interpretação integrada dessas dimensões como teoria geral do Direito. Se a Dogmática nada tem de diferente e especial a justificar sua entrada nos quadros conceituais da filosofia e da ciência, por que, então, mantê-la em prejuízo do princípio segundo o qual a melhor teoria é a de formulação mais simples? Inclusive no sentido
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Friedrich W. Nietzsche. Para Além do Bem e do Mal. Prelúdio de uma Filosofia do Futuro, trad. de Mário Publiesi. São Paulo: Hemus, 1976, p. 11 (Prefácio).
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da economia de palavras e expressões dúplices, utilizadas apenas por motivos de ordem estilística. 3. Nenhuma dessas hipóteses poderia ocorrer, porque a Dogmática está muito longe de possuir estatuto científico. Representa ela, apenas, mero posicionamento diante da proclamada realidade de uma coisa ou da pretensa verdade de uma afirmação. Consubstancia-se na Dogmática, mais precisamente, a doutrina que afirma a possibilidade de conhecimento certo de verdades ou realidades absolutas, adquirido de modo apriorístico, vale dizer, independente de crítica prévia e sem prova de qualquer ordem. Aqui, a opção é direta e imediata, e sem meios termos: acatar ou rejeitar. Nesse sentido, por exemplo, são induvidosamente dogmáticas, entre muitos outros artigos de fé, a existência de Deus e a ressurreição dos mortos. Como se nota, a Dogmática envolve unicamente questão de crença, dispensada, em tudo e para tudo, a intervenção da ciência. 4. Os equívocos da posição contrária, originariamente de inspiração positivista, começam com a acolhida da expressão Ciência Dogmática do Direito ou Dogmática Jurídica como equivalentes de Ciência do Direito. Talvez, como lembra Legaz y Lacambra, o fato histórico de que a ciência sistemática do Direito tenha sido criação da Escolástica medieval explique sua estreita vinculação com a teologia.2 Pode até explicar, mas não justifica a permanência de tal nexo por tanto tempo. Depois da Escolástica, houve o movimento iluminista e a revolução científica dos séculos XVI e XVII, que alteraram de modo decisivo os conceitos antigo e medieval de ciência, até substituí-los por inteiro. Emancipada da teologia e da metafísica, a nova ciência se definirá, desde então, como atividade essencialmente experimentalista, e ostentará caráter teórico de índole racionalista e humanista, traços ideológicos marcantes de sua autonomia intelectual. 5. Diante do fato histórico dessa redefinição radical da idéia de cientificidade, que se impôs como exigência dos novos tempos, não se pode deixar de constatar que a persistência do uso da expressão Ciência Dogmática do Direito passou a ostentar flagrante contradição, visível em seus próprios termos. Com efeito, a postura acrítica e fechada da dogmática, própria do conhecimento religioso, já não podia compaginar-se com o empreendimento científico de corte moderno, provisório e aberto por necessidade do exercício constante da crítica retificadora. Isso porque, enquanto a dogmática é definida pela crença nas verdades reveladas, as quais não nos deixam alternativas, a postura científica é marcada por múltiplas perspectivas e possibilidades, inerentes à obra de livre 2
Luis Legaz y Lacambra. Derecho y Libertad. Buenos Aires: Valério Abeledo, Editor, 1952, p. 35.
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construção do conhecimento das coisas meramente humanas. Afinal, trata-se de situações ocorrentes em níveis epistemológicos diversos, a exigirem soluções diferentes. 6. A par da influência da Escolástica medieval, outro dado histórico a explicar a permanência da expressão Ciência Dogmática do Direito responde pelo nome de positivismo. Desde logo, devem ser lembradas as inspirações positivistas da nova ciência e, especialmente, a índole confessional da escola. Augusto Comte, o fundador do positivismo, desempenhou a um só tempo os papéis de filósofo e de líder religioso, propondo-se também a criar uma religião e uma igreja positivistas. Mas foi, sobretudo, o sucesso contagiante das descobertas científicas que impulsionou e sustentou, até a exaustão, o domínio quase incontestável do positivismo durante mais de um século. Esses, seu maior apelo e sua proteção mais eficaz. Quem, acaso, ousaria manifestar-se contra o progresso científico, que propiciara maioridade intelectual ao homem moderno e novo fundamento a seus anseios de felicidade? 7. Na verdade, houve quem se levantasse, e em termos contundentes, contra o pretenso dogmatismo científico, identificado como de procedência comteano-positivista. Foi Georges Sorel quem o fez, ao proclamar sua rejeição às crenças mágicas do cientificismo, alimentadas pelos “positivistas, que representam num grau eminente a mediocridade, o orgulho e o preconceito”, apesar de serem “pessoas que não têm muita importância num mundo em que se pensa.”3 Cedo, portanto, estava identificada a ambigüidade essencial do positivismo, muito bem simbolizada na dupla valência científica e religiosa, a qual imediatamente se fez projetar na expressão dogmática científica. 8. Pois bem, deve-se ainda a Comte a afirmação peremptória de que “o genuíno espírito positivo (atua) segundo o dogma geral da invariabilidade das leis naturais.”4 Fica pressuposto que fosse o dogmatismo, para ele, o estado normal da inteligência humana. Daí ser perfeitamente correto definir o sistema filosófico de Comte, como em nossos dias o fez Legaz y Lacambra, nos seguintes termos: “El positivismo es antes una actitud de fe dogmática que una doctrina filosófica crítica.”5 A leitura do maior positivista de nossa época, Hans Kelsen, criticado 3 4
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Georges Sorel. Reflexões sobre a Violência, trad. de Orlando dos Reis. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993, p. 121. Augusto Comte. Discurso sobre o Espírito Positivo, trad. de Renato Barbosa Rodrigues Pereira. Porto Alegre: Globo; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979, p. 20. Luis Legaz y Lacambra. Ob. cit., p. 41.
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inclusive por aparentar sua teoria com a escolástica católica, comprova sobejamente o caráter dogmático da Teoria Pura do Direito, em sua heróica tentativa de restaurar o positivismo agonizante. 9. Mas Kelsen, como se sabe, debatia-se heroicamente contra o espírito de seu tempo. Nem na seara da teoria geral da ciência, o campo mais próspero do positivismo, podiam-se ouvir vozes autorizadas em defesa de seus antigos postulados. Talvez o mais importante deles, a teoria da causalidade, estava em franco descrédito. E nem mesmo na teologia e na filosofia mantinha a dogmática o vigor dos tempos antigos e medievais. Enquanto os diversos credos religiosos movimentavam-se no sentido da diminuição e abrandamento de seus dogmas tradicionais, a exemplo do criacionismo e do pecado original, a filosofia, no seu giro contemporâneo no rumo da ciência, quer extirpá-los, sem mais nem menos, de seus domínios. 10. A marca distintiva da ciência do século XX é a humilde confissão do predomínio da ignorância sobre o saber, da impossibilidade das certezas absolutas e das verdades definitivas. A ciência assume, assim, a condição de conhecimento negativo das questões que se propõe, só transmitindo certeza àquilo que não sabe, pois, agora, tudo o que poderia pretender dominar surge-lhe com as cores da provisoriedade. Podia, então, voltar a proclamar o princípio socrático de que feio não é não saber, mas pensar que se sabe, não sabendo. Condenável é a vã pretensão das expectativas com vistas à completude e ao esgotamento do conhecimento. Nesse sentido, deve-se entender a sentença de Karl Jaspers, segundo a qual “La fe filosófica debe caracterizarse negativamente; no puede tornarse confesión. Su pensamiento no puede ser dogma.”6 Isso mesmo: a ciência, desde o século XX, definida negativamente, não pode se confundir com a dogmática. 11. Essa novíssima ciência aprendeu a contentar-se com fazer conjecturas, tendo, por outra parte, de assumir que já não pode limitar-se a descrever e a explicar seus objetos, como o fizera em seus estágios iniciais. Sua principal tarefa passou a ser prever, predizer e prescrever, verbos que apontam no sentido da mudança e do progresso, tão imensos e vertiginosos como só se tem notícias que tenham ocorrido nos últimos sessenta anos. A ciência já não se contentava apenas com descobrir e compreender o mundo. Queria, além disso – como o expressou Marx –, transformá-lo. Ainda por essa razão, afastava terminantemente a dogmática. Demais, a realização da idéia de conhecimento completo e acabado, que a
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Karl Jaspers. La Fe Filosófica, trad. de J. Rovira Armengol. Buenos Aires, 1953, p. 15.
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dogmática se propunha, traria consigo a descoberta da sem-razão da própria vida humana, por sua inutilidade. 12. O cerne da ciência contemporânea é a teoria, veículo próprio das conjecturas ou previsões, único meio de acesso ao conhecimento futuro. O dogma, estático e acrítico, imobiliza o conhecimento, travando-lhe a desejável ampliação e renovação. Demais, nunca se esgotou o sentido religioso originário de princípio de exceção, totalmente à margem dos quadrantes da racionalidade, e ao qual somente se deveria recorrer em derradeira instância. 13. Tertuliano, um dos fundadores da Patrística e um dos primeiros a enfrentar o problema do fundamento de aceitação dos mistérios da religião cristã, não teve outra alternativa senão apelar para a autoridade inconteste do dogma, segundo a célebre fórmula credo quia absurdum. Vale traduzir: creio porque absurdo. Assim, acreditava-se na ressurreição dos mortos porque, segundo a natureza das coisas, seria absurdo admitir tal fenômeno. Se não o fosse, não precisaria ser objeto de crença. Configura-se o dogmatismo, pois, como dócil aceitação de uma flagrante falsidade como verdade absoluta. No plano da ciência, nada menos do que um escândalo. 14. Evidente que a sentença credo quia absurdum não poderia ser aplicada às ciências, jurídicas ou não. Pela mesma razão de que qualquer substantivo não comportaria sofrer qualificação que importasse redefinição desnaturadora de sua essência, a exemplo da insólita figura do quadrado esférico, em tudo semelhante a esta ciência dogmática. No entanto, a expressão é daquelas usadas e abusadas em qualquer contexto, a propósito de tudo ou sem qualquer propósito. Tanto serve para qualificar a teoria geral do Direito como a hermenêutica, a sociologia ou a psicologia jurídica. De igual modo, presta-se tanto a ser aplicada ao Direito em sentido genérico, como às espécies Direito natural e Direito positivo, e, no âmbito deste, igualmente ao Direito Constitucional, Penal, Civil, Comercial, Tributário e tudo o mais que exista ou passe a existir com o nome de Direito. 15. Há mais para tentar explicar os foros de nobreza de que goza a expressão Dogmática Jurídica, sua alta e desenvolta circulação nos meios acadêmicos. Vista no contexto de seus campos semânticos, sabe-se que as palavras assumem dimensões físicas, intelectuais, psicológicas e morais que as individualizam e distinguem de modo positivo ou negativo, tornando-as belas ou feias, agradáveis ou desagradáveis. Enquanto as agradáveis tendem a fazer excelentes carreiras, as desagradáveis quase sempre só sobrevivem na clandestinidade. Assim, Dogmática Jurídica, de igual modo que Ciência Dogmática do Direito, parece apontar para a esfera das coisas intelectualmente refinadas, evocando algo de erudito e
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valioso, a distinguir positivamente quem delas se utiliza. Constituem, portanto, palavras que dão status. Não podem ser menosprezadas impunemente. 16. Seria proveitoso, porém, saber como os dogmáticos desatam os nós dos paradoxos – e não antinomias –, criados com o emprego da expressão Ciência Dogmática do Direito. Para facilitar a tarefa, colocam-se em direto confronto as incompatibilidades apuradas. Tem-se, então, em lados opostos, contrários e contraditórios, dois entes: teoria e dogma, bem caracterizados e definidos. Um deles se apresenta inteiramente desprovido de pretensões autoritárias, é dinâmico e predisposto ao progresso, viceja num ambiente pluralista e é dotado de senso crítico e democrático. Hipotético e refutável por natureza, é pura potência à procura de realização. Essa, a imagem da teoria. O outro, sustentado pelo princípio da autoridade, é estático por definição, tem perfil reducionista, caráter conservador e postura fechada e acrítica. Categórico e irrefutável por natureza, é puro ato em busca de conservação. Seu nome é dogma. Haveria meios ou modos humanos de conciliá-los? 17. Os juristas, até onde se sabe, têm preferido tratar do tema Dogmática em termos puramente retóricos, evitando problematizá-lo. Atitude, aliás, dominante na Teoria Geral do Direito. A razão parece ser uma só: a manipulação ideológica do Direito, pela qual, dentre todas as coisas que podem ser vistas, apenas se vê aquelas que se quer ver, até quando elas nem mesmo existem. Exemplo: ao fazer por desconhecer a incompatibilidade incontornável entre coação e Direito, a ciência jurídica parece não atinar com o fato de que definir o Direito em termos de força significa tomar o acidental pelo essencial, o que importaria sua completa desnaturação. Não se quer ver o mais evidente, isto é, que a liberdade, antítese da força, é que é Direito inato. A substituição da liberdade pela força, no conceito de Direito, tem-no tornado disponível às mais mesquinhas distorções. No entanto, tal definição vara os tempos, porque de utilidade prática para os regimes antidemocráticos de toda índole. 18. Coisa semelhante ocorre com a chamada Dogmática Jurídica. Além de seus defensores não colocarem expressamente a pergunta sobre suas reais necessidade e utilidade, o que seria óbvio, ninguém se arrisca a questionar suas conseqüências. Por acaso, seriam estas tão benéficas que lhe justificassem a inconsistência teórica? Nos escritos dos dogmáticos, nada se encontra que se pudesse tomar como resposta a tão decisiva questão. Entretanto, são muitas as evidências em sentido contrário, todas apontando para os grandes perigos da adoção da postura dogmática, os quais se apresentam como outros tantos defeitos. 19. Não são, essas, conseqüências negativas de pequena monta, nem tão facilmente descartáveis, que não estivessem a merecer um prévio e eficaz po-
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sicionamento defensivo. Para avaliar-lhe a extensão e profundidade, convém relacionar aqui os principais prejuízos das posições dogmáticas, projetados em razão de seu caráter ideológico, conservador e reacionário: 1 – intolerância com a visão pluralista do mundo, conquista da vida política civilizada; 2 – postura autoritária, a afastar a participação social e o exercício democrático da crítica, que leva à revisão e ao aperfeiçoamento; 3 – imobilização do pensamento, colocando-o em descompasso com a realidade social, por conta do aprofundamento do fosso aberto entre teoria e prática. Por tudo isso, o dogmatismo, recusando a possibilidade profundamente humana de se estar errado, tornou-se a mais prolífica fonte de erros. 20. Se recordarmos um dos momentos culminantes da filosofia moderna, a revolução copernicana operada por Kant na teoria do conhecimento, veremos que o episódio principal, que a possibilitou, foi o famoso despertar de seu sono dogmático, motivado pela leitura do empirista David Hume. Deu-se a substituição do dogmatismo, que pretendia conhecer tudo no mais alto grau, pelo criticismo, que recolocou a questão primordial dos limites do conhecimento humano. E, desde então, os grandes pensadores da filosofia e da teoria da ciência têm-se geralmente manifestado contra as pretensões da Dogmática, em especial no que concerne à sua carência de préstimos de ordem científica. O cientista de nossa época estaria muitíssimo distante do homem ingênuo dos tempos inaugurais da especulação filosófica, ao qual, no dizer de Johannes Hessen, corresponde naturalmente à atitude dogmática.7 Apesar do que ainda permanece de resistência, não há motivo para desesperar: a história sempre funcionou como demolidora de dogmas, mesmo na esfera das religiões, onde eles encontram seu ambiente natural, até que aconteça realmente – quem o acreditará? – a tão proclamada morte de Deus. 21. Os conselhos dos filósofos às vezes são excelentes. Como este, de Gadamer: “... se quisermos filosofar, nós precisamos aprender a escutar as palavras.”8 Tentei, com ouvidos benevolentes, fazer isso em relação ao conjunto de palavras Ciência Dogmática do Direito. Apesar dos esforços, só consegui ouvir ruídos ininteligíveis, nada que fizesse sentido. A não ser passagens relativas à história do uso dessas palavras, as quais me autorizaram concluir pela inconsistência da expressão. No que, prazerosamente, concordo com o professor 7 8
Johannes Hessen. Teoria do Conhecimento, trad. de João Vergílio Gallerani Cuter. São Paulo: Martins Fontes, p. 30. Hans-Georg Gadamer. Hermenêutica em Retrospectiva. Vol. III: Hermenêutica e a Filosofia Prática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, p. 48.
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Hugo Segundo. Por isso, incorporo a este texto, adotando-a em toda a linha, sua conclusão geral de que, “em qualquer caso, a expressão dogmática jurídica mais confunde do que esclarece, sendo de todo recomendável o seu abandono” (p. 60 do ensaio digitado). 22. Este prefácio quis, de modo pensado, fugir do modelo tradicional do desfile dos elogios incontidos, os quais muitas vezes são mais aptos a incomodar do que a comprazer. Para antever o quanto este ensaio é bom, basta ler o sumário, a bibliografia, os índices e as conclusões. E, depois de todo lido, curtir a satisfação pelo bom proveito da leitura. A mim, ela valeu o incentivo desse prefácio, o que decerto não foi pouco. Leia-o, você também, mas o faça lentamente, ruminando o texto, sem devorar as páginas. Pense quanto deve ter custado escrevêlas! Se duvidar, tente você também, ao menos como exercício de aprendizagem. Valerá a pena, com certeza. Arnaldo Vasconcelos
INTRODUÇÃO
Não é raro, em artigos ou livros escritos em torno do Direito, no Brasil e no exterior, encontrar-se empregada a palavra dogmática, geralmente acompanhando os termos ciência ou teoria, ora como sinônimo, ora como complemento. Sua aparição não acontece da mesma maneira – para não se dizer que praticamente não acontece – em trabalhos dedicados a outros ramos do conhecimento científico, astronômico, biológico, matemático, químico ou físico. Verifica-se apenas em obras dedicadas à fé religiosa, como o Manual de Dogmática, de THEODOR SCHNEIDER, no qual se discutem questões relacionadas à santíssima trindade, à doutrina da criação, à Mariologia etc. (A, B, passim). Bem menos freqüente que sua utilização em obras jurídicas, contudo, é a explicação sobre o seu significado. Dentre os autores que a utilizam, poucos se preocupam em defini-la ou explicar porque a empregam. Essas duas razões, somadas à maneira como atualmente a epistemologia tem entendido a ciência, e à geralmente anunciada pretensão dos que se ocupam do conhecimento do Direito de estarem a fazer algo científico, levaram-nos a estudar com maior detalhamento o que se entende por dogmática jurídica. Surgiu, assim, este pequeno estudo, no qual se faz uma análise do uso dessa expressão, verificando o significado que se lhe atribui, e a sua adequação em face do atual estágio da Teoria do Conhecimento. Examina-se, também, se a questão é meramente terminológica, sem maior relevância, ou se o uso da expressão pode trazer efetivas vantagens à precisão da linguagem, conseqüências impróprias e repercussões indevidas.
CAPÍTULO I
O QUE É DOGMÁTICA JURÍDICA?
1.1. DOGMÁTICA NA DOUTRINA Como vimos, do grande número de obras jurídicas que se reportam à ciência dogmática, à teoria dogmática ou à dogmática jurídica, muito poucas se preocupam em explicar a razão de ser do uso dessas expressões. Talvez considerem que o seu significado seja de todos conhecido, não sendo, por isso mesmo, submetido a uma análise crítica. DINO JARACH, por exemplo, em livro no qual construiu uma teoria geral do direito tributário, dedicou todo um capítulo, de mais de 70 páginas, à demonstração da “autonomia dogmática do direito tributário substantivo” (A, 148). Nesse capítulo, contudo, não diz explicitamente de que autonomia está a tratar. Só com a leitura de quase todo o texto se percebe que ele está a falar da “autonomia científica” desse ramo do Direito, que seria orientado por institutos e conceitos distintos daqueles relativos ao direito privado. Em outros termos, “autonomia dogmática” seria o mesmo que “autonomia científica”, sendo lícito dizer que, para ele, dogmática é o mesmo que ciência do direito positivo. Bem semelhante parece ser o sentido no qual a expressão é empregada por JUAN JOSÉ FERREIRO LAPATZA, quando se reporta a “esquemas dogmáticos fundamentais do direito tributário” para justificá-lo como “disciplina científica” (A, 111). Não se trata, contudo, de algo que ocorra apenas com textos estrangeiros. MARCUS LÍVIO GOMES e LEONARDO PIETRO ANTONELLI,
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ao apresentarem a obra Curso de Direito Tributário Brasileiro, que coordenam, dizer em ter a certeza “de que a dogmática, a teorização dos institutos jurídicos, o estudo aprofundado da Ciência do Direito não podem desenvolver-se sem o apoio de um instrumental, de uma ferramenta objetiva e prática, que permita ao jurista obter uma solução simples, célere e eficaz para o seu problema” (A, 24), pretendendo que a obra por eles coordenada seja este instrumento. E assim agem muitos outros autores de textos jurídicos, não sendo produtivo enumerá-los todos aqui. O que importa é que, em relação a estes, que não explicam o que seria mesmo a “dogmática”, pode-se deduzir, pelo contexto em que tantas vezes a invocam, que se reportam ao conhecimento das normas jurídicas em vigor, que as descreve, em contraposição à chamada Teoria Geral do Direito, que cuidaria de conceitos comuns aos vários ordenamentos jurídicos de diversos tempos e lugares, sem ocupar-se de nenhum em particular, e especialmente à Filosofia do Direito, que trataria de questões fundamentais ligadas à própria idéia de Direito, sendo de se recordar que o positivismo pretendeu substituir a Filosofia do Direito pela Teoria Geral do Direito, dando a esta última o papel de uma abordagem também “meramente descritiva”, mas global, do Direito. É o que se percebe nas palavras de RAFAEL HERNÁNDEZ MARÍN, para quem “el estudio del Derecho desde el punto de vista interno es realizado por dos disciplinas jurídicas: una, la dogmática jurídica, en el plano científico; outra, la teoria general del Derecho, en el plano filosófico” (A, 18). Quanto ao sentido da expressão dogmática jurídica como sendo o mesmo de ciência do Direito, MANUEL ATIENZA o confirma, ao dizer que “la dogmática viene a constituir algo así como
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el núcleo de la expresión ‘ciencia del Derecho’” (A, 16). Através dela, se “parte de las leyes, de las normas jurídicas, en cuanto realidad ya dada para, sobre esta base, abordar problemas conectados con la interpretación y aplicación” (A, 17). De modo um pouco mais detalhado – mas nem por isso mais claro – FRIEDRICH MÜLLER afirma que “a dogmática jurídica é um subsistema de técnicas de comunicação no universo jurídico. Tradição, comunicação, formação de escolas, crítica e controle, tentativas de ‘construção’ que interligam diferentes tendências, tentativas de ‘sistematização’ expansiva, além disso também a conversão em técnicas de solução, a reflexão teórica e o aperfeiçoamento em termos de política jurídica são espécie de discussão ‘dogmática’ de problemas jurídicos” (A, 84). Em seguida, MÜLLER esclarece, ratificando o que se poderia concluir dos autores anteriormente citados, que “os enunciados dogmáticos se formam (...) em grande parte a partir dos teores das normas de decisão” (A, 85). Muito semelhante é a doutrina de ALEXY, para quem, na terminologia geralmente aceita, “‘juristic dogmatics’ or ‘legal dogmatics’ is taken to mean legal science in the narrower and proper sense, as it is actually pursued by them” (A, 250). Tanto que, em sua Teoria de los derechos fundamentales, ele afirma que uma teoria dos direitos fundamentais voltada para esses direitos tal como consagrados na Lei Fundamental Alemã é, enquanto “teoría del derecho positivo de un determinado orden jurídico, una teoría dogmática”. Reitera, logo adiante, nessa mesma obra, que dogmática jurídica é a ciência do direito “en sentido estricto y propiamente dicho” (C, 29).
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JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO é outro que acolhe a definição, que atribui a J. HAESAERT (A, 20/27), de dogmática jurídica como sendo a “descrição das regras jurídicas em vigor” (A, 225), o que também fazem PLAUTO FARACO DE AZEVEDO (A, 28), PAULO DOURADO DE GUSMÃO (A, 8) e, de forma mais bem fundamentada, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. (A, 48) e MIGUEL REALE (A, 373). Esse último, aliás, com indiscutível autoridade na matéria, influenciou significativo número de pessoas com a afirmação de que a dogmática jurídica consiste no “estudo sistemático das regras e institutos jurídicos vigentes” (A, 373). Em suma, em face da doutrina que acabamos de resenhar, cada ramo do Direito poderia ser estudado sob um prisma “dogmático”, ou sob um enfoque de “teoria geral”. Ter-se-ia, v.g., um estudo “dogmático” do direito tributário, quando focado nas normas contidas na Constituição, no Código Tributário Nacional, nas leis e demais atos normativos componentes da legislação tributária brasileira, e um estudo de teoria geral do direito tributário, fundado em conceitos e aspectos comuns ao disciplinamento da relação tributária levado a efeito por diversos ordenamentos jurídicos. Por outras palavras, e tomando um exemplo do âmbito processual tributário, um estudo sobre os arts. 151 do CTN e 273 do CPC, que cuidasse das normas que deles se podem extrair, dos casos aos quais seriam aplicáveis e do entendimento da jurisprudência a respeito do assunto seria um trabalho de dogmática. Já um que tratasse do conceito de tutela jurisdicional, da efetividade do processo etc., seria um estudo de teoria geral do processo. Não alcançamos, nos autores anteriormente mencionados, contudo, reflexão mais detida sobre os motivos da eleição do termo “dogmática”, que não é utilizado pelos que se ocupam de outras áreas do conhecimento científico. ROBERT ALEXY, em nota ao
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seu Teoria da Argumentação, reconhece que, “em vez de começar com a terminologia predominante e aquelas matérias designadas pelas expressões ‘dogmática jurídica’ ou ‘dogmática legal’, poderíamos começar com uma análise do termo ‘dogmática’, uma investigação sobre sua história e sua aplicação em outras disciplinas, particularmente a teologia” (B, 283). Logo em seguida, contudo, decepciona o leitor mais curioso, afirmando que “essas investigações só têm sentido quando são feitas em suficiente profundidade. Isso não pode ser feito aqui” (B, 283). Observe o leitor este aspecto: ALEXY não cuidará das razões pelas quais emprega o termo dogmática, por serem elas muito profundas e impossíveis de serem feitas em seu livro. Esse dado é relevante em face das justificativas – que adiante serão vistas – que outros autores dão para também tangenciar o assunto. De forma ousada, talvez até atrevida, tentaremos, nos itens seguintes, fazer a investigação à qual ALEXY se recusou. Pensamos que, mesmo sem a profundidade que ele de certo consideraria suficiente, o exame do assunto é necessário, e tem sentido: na pior das hipóteses, o de incentivar alguém mais capaz a fazê-lo melhor.
1.2. SENTIDO EM QUE É EMPREGADA A EXPRESSÃO DOGMÁTICA JURÍDICA O uso da expressão “ciência dogmática”, ou simplesmente “dogmática jurídica”, quando é justificado, geralmente o é com a afirmação de que, como se trata da descrição de normas postas, o estudioso teria que delas partir necessariamente, não as podendo modificar. Seu papel seria descrever o direito que é, e não aquele que deveria ser, daí por que as normas seriam dogmas que não se poderiam modificar.
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TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., por exemplo, escreve que uma “disciplina pode ser definida como dogmática à medida que considera certas premissas, em si e por si arbitrárias (isto é, resultantes de uma decisão), como vinculantes para o estudo, renunciando-se, assim, ao postulado da pesquisa independente [...]. Um exemplo de premissa desse gênero, no direito contemporâneo, é o princípio da legalidade, inscrito na Constituição, e que obriga o jurista a pensar os problemas comportamentais com base na lei, conforme à lei, para além da lei, mas nunca contra a lei” (A, 47/48). Em seguida, FERRAZ JR. reitera que o uso da expressão “dogmática” se deve ao fato de que o ramo do conhecimento ao qual a mesma se refere parte de premissas (as normas) que não podem ser discutidas. Opondo-se à zetética, que consistiria no exame do Direito pela Teoria Geral e pela Filosofia do Direito, a dogmática “explica que os juristas, em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável dentro dos marcos da ordem vigente. Essa ordem que lhes aparece como um dado, que eles aceitam e não negam, é o ponto de partida inelutável de qualquer investigação” (A, 48). Cl audia Rosane Roesl er destaca, a esse respeito, que a distinção entre dogmática e zetética seria oriunda de THEODOR VIEHWEG, que a utiliza “pela primeira vez em um artigo publicado em 1968 e é proposta como uma maneira de entender a complexidade gerada pela amplitude que o fenômeno jurídico abrange e que coloca ao jurista tarefas que vão desde uma análise de um
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determinado ordenamento jurídico até investigações de caráter científico ou filosófico” (A, 2/3). Acaba por sugerir, com isso, que a análise de um determinado ordenamento jurídico realmente não seria uma investigação de caráter científico ou filosófico. Na verdade, mesmo uma análise rápida da literatura pertinente mostra que, não obstante a distinção entre dogmática e zetética possa ter sido proposta por VIEHWEG em 1968, a expressão dogmática jurídica não é criação dele, tampouco passou a ser usada somente depois dessa data. Sem que se tenha de fazer referência a outras obras, publicadas a partir do Século XVIII, basta que se recorde a alusão feita por AFTALIÓN, GARCÍA OLANO e VILANOVA, em 1960, de que “sostiene RECASÉNS SICHES – siguiendo a STAMMLER – que, siendo la Ciencia del Derecho la llamada a exponer el contenido especial de un orden jurídico determinado, su función es meramente reproductiva y su caráter dogmático” (A, 78). A obra de SICHES por eles mencionada, a propósito, é Los temas de la Filosofia del Derecho, de 1934, bem anterior à mencionada obra de VIEHWEG. Mas voltemos ao sentido da expressão dogmática jurídica. MIGUEL REALE explica que a palavra dogma “é aquilo que é posto como princípio ou doutrina. É por esta razão que a Ciência Jurídica se manifesta como Dogmática Jurídica, quando ela tem por objeto de estudo as normas jurídicas vigentes, aceitas como ponto necessário de partida para a determinação do Direito Positivo. O Direito Positivo constituiu-se, pois, com base no conjunto de regras e de preceitos postos pelo legislador e que, pelo simples fato de serem vigentes, devem ser havidos como obrigatórios. A Dogmática Jurídica, como veremos mais tarde, é a Ciência do
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Direito enquanto elabora tais regras postas, das quais o jurista não pode fazer abstração” (A, 160/161). Veja-se: a ciência do direito é dogmática, para REALE, porque as normas jurídicas devem ser havidas como obrigatórias pelo simples fato de serem vigentes, delas não podendo o jurista fazer abstração. Seguindo explicitamente a lição de MIGUEL REALE, JOÃO MAURÍCIO ADEODATO explica que por dogmática jurídica entende-se “a atitude predominante na chamada ‘ciência do direito’ tal como se mostra na nossa época” (A, 142). Isso porque “em termos práticos, questionar os dogmas jurídicos – as normas – impostos pelo poder vigente não é tarefa do jurista mas do filósofo. O advogado, o juiz, o promotor, entre outros, conhecem o direito dogmaticamente, pelo filtro da norma jurídica” (A, 143). Kar l Lar enz, da mesma forma, doutrina que “a propósito das proposições assim encontradas se trata de ‘dogmas’ fundamenta-se em que comungam da autoridade da lei, que não pode ser posta em causa no quadro da dogmática de um determinado Direito positivo. O termo ‘dogmática’ significa a vinculação do processo de conhecimento àquilo que na lei é assumido e que, neste quadro, deixa de ser questionado” (A, 319). MARCELO LIMA GUERRA explica haver uma forte evidência de que a dogmática jurídica realmente se pensa assim, “como incumbida da mera descrição de normas jurídicas, formulando afirmações verovaloráveis so-
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bre o Direito. Trata-se da conhecida distinção entre o discurso de lege lata e o discurso de lege ferenda. Como se sabe, as afirmações doutrinárias de lege lata são aquelas que consistem apenas em dizer qual é a norma vigente (como quem diz como é um pedaço da realidade empírica, sem nela intervir) enquanto as afirmações de lege ferenda são aquelas que consistem nas afirmações em que o doutrinador ‘se permite’ ir além da cognição ou descrição objetiva do ordenamento jurídico, para dizer como ele deve ser” (B, 2/3). Em suma, diz-se dogmática a ciência do direito positivo, porque, nela, o cientista deveria partir das normas vigentes, tendo-as como dogmas, vale dizer, como algo indiscutível e inquestionável. DANIEL COELHO DE SOUZA, nessa esteira, afirma que a ciência do direito tem caráter dogmático, pois “quando o jurista realiza atividade estritamente científica, aceita a regra jurídica à semelhança do teólogo que, diante do preceito canônico, deve apenas aceitá-lo e interpretá-lo” (A, 88). É preciso reconhecer, nesse ponto, que realmente têm razão os que procuram um termo para diferenciar um estudo voltado para o direito positivo vigente em determinada comunidade, ou parte dele, de um estudo feito em face de aspectos gerais do Direito, pertinentes a qualquer ordenamento. A precisão da linguagem é sempre muito importante quando se faz ciência, e dizer-se que nos dois casos se faz simplesmente “ciência do direito”, sem qualquer distinção, poderia gerar incompreensões. É de ser lembrada, a propósito, a lição de PONTES DE MIRANDA, segundo a qual, em ciência, “se empregamos palavras que não têm sentido (e vale o mesmo terem mais de um), erramos de começo.
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Não saberemos, no momento de dificuldade, ao tratarmos dos problemas, de que é que estávamos ou estamos a falar. Nada mais perigoso, nem mais contrário aos propósitos de resultados lógicos, precisos, verificáveis, da ciência” (A, 55). Conquanto PONTES DE MIRANDA se reporte a resultados verificáveis, a rigor, o que se entende hoje é que os resultados da ciência devem ser falseáveis, conforme será visto no capítulo subseqüente deste texto. Seja como for, quanto à necessidade de se prestigiar a precisão da linguagem científica, trata-se de discussão desnecessária aqui, bastando lembrar, com MICHEL VILLEY, que “o rigor de uma ciência (inclusive o de uma ciência do direito) consiste precisamente em escapar a esta flutuação da linguagem e assegurar a cada termo um significado constante e relativamente preciso” (A, 10). Entretanto, é essa mesma precisão de linguagem, exigida quando se faz ciência, que nos impele a examinar se, para traçar a diferença entre as duas formas de estudo do direito anteriormente apontadas, é correto dizer-se que uma delas, a voltada para um determinado direito positivo, ou para uma parte dele, é dogmática. Afinal, também essa palavra não seria sem significado, ou, o que é pior, não teria um outro significado – constante e relativamente preciso – talvez antagônico ao da palavra ciência? É do que cuidamos a seguir.
CAPÍTULO II
ANÁLISE CRÍTICA DA DOGMÁTICA JURÍDICA
2.1. O QUE É CIÊNCIA? Vimos, pela amostra trazida nos itens anteriores deste trabalho, que os textos que empregam a expressão dogmática jurídica reclamam para si, não raramente, a alcunha de científicos. Fala-se, inclusive, em ciência dogmática, ou dogmática científica. Como estamos tratando, neste estudo, da adequação do termo dogmática jurídica para designar a ciência jurídica, ou parte dela, talvez seja pertinente verificar no que consiste o conhecimento designado como científico. Trata-se, em suma, de um problema ligado à essência da ciência jurídica, pelo que devemos começar as nossas indagações em torno dela. Quando se perquire a respeito de ciência, cogita-se de uma espécie ou modalidade do conhecimento humano, que pode decorrer simplesmente do senso comum, sendo chamado conhecimento comum, ou pode ser científico. No primeiro caso, é “eminentemente prático e assistemático”, essencialmente empírico, regendo, como nota AGOSTINHO RAMALHO MARQUES NETO, a “maior parte das nossas ações diárias” (A, 44). O mesmo autor observa que o conhecimento científico, em contrapartida, seria dotado de maior sistematicidade, consistência teórica e – esse dado é essencial – caráter autoquestionador (A, 45/47). PAULO DOURADO DE GUSMÃO define Ciência como “(...) conjunto de conhecimentos e investigações, organizado sistematicamente, dotado de generalidade
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e de unidade, que não resulta de crenças, de idéias impostas ou de convenções arbitrárias, elaborado gradualmente, através de um discurso rigoroso, em que as suas partes, idéias ou princípios são, entre si, compatíveis, tendo por ponto de partida um fato, uma premissa, uma idéia, uma constatação, uma norma, uma experiência, um princípio ou uma hipótese” (A, 5). Atualmente, tal definição pode ter alguns de seus aspectos postos em dúvida, mas já contém elementos bastante pertinentes para o que pretendemos mostrar aqui: o caráter não-imposto e não-arbitrário do conhecimento científico. O relevante é que agir cientificamente implica, como admite DOURADO DE GUSMÃO, “saber duvidar” (A, 5). Aliás, em face do impacto que as modernas (ele escrevia ainda na primeira metade do século XX...) descobertas da física trouxeram para a ciência tradicional, o mencionado autor arremata o capítulo dedicado à ciência, em sua Introdução à Ciência do Direito, afirmando, com apoio em POINCARÉ, que, a rigor, as teorias científicas não são “nem verdadeiras nem falsas, mas unicamente úteis” (A, 6). A propósito, a epistemologia contemporânea não mais considera como características do conhecimento científico a objetividade, a neutralidade, a clareza e a certeza. De fato, hoje se entende que a ciência é essencialmente provisória, composta de teorias e enunciados considerados verdadeiros até que se demonstre o contrário. Deve-se observar que o conhecimento se estabelece no âmbito de uma relação entre o sujeito que conhece, ou cognoscente, e o objeto a ser conhecido. No conhecimento – diz JOHANNES HESSEN – “encontram-se frente a frente a consciência e o objeto, o sujeito e o objeto. O conhecimento apresenta-se como uma rela-
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ção entre estes dois elementos, que nela permanecem eternamente separados um do outro” (A, 26). A propósito, segundo MARQUES NETO, teria sido KANT o primeiro a ressaltar a importância, no processo de conhecimento, não do sujeito ou do objeto, “tomados isoladamente como fazem o empirismo e o idealismo tradicionais, mas da relação que entre eles se processa no ato de conhecer” (A, 9). Em face do conhecimento, forma-se, na consciência do sujeito, uma imagem do objeto. Não se trata do próprio objeto, mas apenas de uma imagem dele, sempre passível de aperfeiçoamento. A imagem do objeto, prossegue HESSEN, é distinta deste, e se encontra “de certo modo entre o sujeito e o objeto. Constitui o instrumento pelo qual a consciência cognoscente apreende o seu objecto” (A, 27). A distinção entre o objeto e sua imagem, traçada por HESSEN, é, por outras palavras, a mesma estabelecida entre objeto real e objeto de conhecimento por AGOSTINHO RAMALHO MARQUES NETO (A, 14). Daí a advertência de PONTES DE MIRANDA, segundo a qual “quando percebemos algum objeto, não o percebemos como o ser, que é, e tal como é. A fruta, que vemos, só a vemos por fora; o salão, que vemos, só o vemos por dentro” (F, 86). Sendo o conhecimento construído a partir de mera imagem do objeto, formada na consciência do sujeito em face do exame que este faz daquele, não é preciso maior esforço intelectual para concluir pela sua provisoriedade e pela sua imperfeição. Será sempre possível, mediante novo exame do objeto, por um outro enfoque, apreender-lhe características novas, aperfeiçoando a imagem que dele tem o sujeito. E será sempre possível, em tese, nesse novo exame, ver-se que a imagem até então construída é equivocada, merecendo retificações. Afinal, diz AGOSTINHO RAMALHO MARQUES NETO, o objeto do conhecimento é o objeto tal como o conhecemos, “isto é, o objeto construído, sobre o qual se estabelecem os
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processos cognitivos” (A, 14), de modo que “o ato de conhecer é um ato de construir, ou melhor, de reconstruir, de aprimorar os conhecimentos anteriores” (A, 14). Assentado o conceito de verdade na concordância entre a imagem que o sujeito faz do objeto com esse objeto, conclui-se, também, que a verdade é provisória e relativa, pois essa imagem é sempre passível de aperfeiçoamentos e retificações. A verdade está, ademais, além do objeto, que, como conclui HESSEN, “não pode ser verdadeiro nem falso”, encontrando-se “de certo modo, mais além da verdade e da falsidade” (A, 30). Na mesma esteira, partindo da premissa de que o objeto do conhecimento não é simplesmente dado e sim construído pelo sujeito, MARQUES NETO conclui que “todas as verdades, inclusive as científicas, são aproximadas e relativas; são parcialmente verdade e parcialmente erro” (A, 15). Ora, se para se afirmar a veracidade do conhecimento é preciso demonstrar a identidade entre o objeto conhecido e a imagem que se faz dele, e se essa imagem é sempre imperfeita e imprecisa, nunca podendo ser integralmente idêntica ao próprio objeto, não será jamais possível dizer-se, de modo definitivo, que uma afirmação é verdadeira. Pode-se, quando muito, dizer-se que não se descobriu ainda a sua falsidade. Isso porque, como bem observa MARQUES NETO, “só poderíamos falar de conhecimentos definitivos, se o objeto de conhecimento correspondesse exatamente ao objeto real, ou seja, se fosse possível formular a equação O.C. = O.R. Mas não possuímos meios que nos permitam verificar essa correspondência” (A, 15). Essa, como se sabe, é a teoria de KARL POPPER, que inclusive encontra explicação natural para o conhecimento humano e para como se dá sua construção e evolução. Trata-se, em última aná-
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lise, da maneira racional de aprender e transmitir a experiência aprendida com os erros. O que os seres vivos de formação menos complexa fazem com o sacrifício de alguns indivíduos, para o proveito da espécie em face da seleção natural, o homem faz com a eliminação de idéias que se mostram errôneas ou ineficazes. O processo é análogo, sendo certo que “os organismos superiores são capazes de aprender por tentativa e erro como deve ser resolvido determinado problema. Podemos dizer que também eles fazem movimentos de experimentação – experimentações mentais – e que aprender é essencialmente testar, um após outro, movimentos de experimentação até encontrar um que resolva o problema” (A, 17). Esse dado é da maior relevância: o fenômeno do conhecimento é inerente à adaptação dos seres vivos ao meio que os cerca. Os seres vivos estão sempre a buscar melhores formas de se adaptar à realidade, e isso se reflete na sobrevivência de uns, e na eliminação de outros. Com o tempo, essa seleção preserva aqueles que adotaram comportamento mais vantajoso à sobrevivência, vale dizer, mais favorável em face dos problemas que a espécie enfrentava, fazendo nascer o instinto. Ao longo de milhares de anos de evolução, alguns seres vegetais, dependentes da luz solar para sobreviver, cresciam para os lados; outros para baixo; e outros para cima. Os últimos obtiveram maiores condições de sobrevivência, e aos poucos foram aumentando de número, em detrimento dos demais, que definharam. Com o tempo todos os vegetais passaram a crescer para cima, à cata da luz solar. O mesmo pode ser dito do animal que teme o fogo, que se comporta de determinada maneira quando está doente etc.
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A esse respeito, PONTES DE MIRANDA observa que o instinto “já nos aparece feito, fixado, rígido. Ligado a interesses graves da espécie, nunca é fútil, – sempre é útil, preciso, por bem dizer sonambúlico, quanto ao seu objetivo. O ‘animal’ a que serve o adquiriu, mas o animal tal qual o conhecemos sobrevive graças a ele e de certo modo foi feito por ele: as duas longas evoluções formativas, a do animal e a do instinto, estão demasiado associadas, solidárias, para que possamos dissociálas e conhecer a gênese do instinto” (F, 31). Nesse momento, aliás, talvez seja possível falar-se mesmo em conhecimento excepcionalmente sem relação, ou, como observa PONTES DE MIRANDA, “resultado do conhecimento, pois que, sem a inteligência do objetivo, se atinge o fim; mas resultado do conhecimento sem o conhecimento, o que põe em questão a natureza dele, o seu mistério de conseguir sem conhecer, de fazer certo sem saber. [...] No instinto, a relação entre o ser que pratica o ato instintivo e o meio, que o excita, ainda é – para o indivíduo – de ‘ser organizado’ a ‘ ser’: não se pronuncia o eu e o não-eu, nem, sequer, só o não-eu; o eu se afirma sem ser pronunciado. Não há sujeito e objeto na relação; há ser e ser” (F, 31/32). Registre-se que a afirmação de que pode eventualmente existir conhecimento sem relação não tem repercussão sobre as conclusões a que chegamos neste estudo, por duas razões. Primeiro, porque o fato de se reconhecer que pode existir o conhecimento
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sem relação não significa que não continuem existindo também relações de conhecimento. Não se pode confundir a relação com o resultado dela, tanto que PONTES DE MIRANDA reporta-se ao resultado do conhecimento, ou a “fazer certo sem saber”. Segundo, porque também o conhecimento sem relação, havido no âmbito do instinto oriundo da seleção natural, é provisório e evolui, não podendo ser dogmático. Como anotam AFTALIÓN, VILANOVA e RAFFO, o genoma “constituye el verdadero protagonista del proceso de aquisición y transmisión de conocimiento (via herencia). La información que él contiene determina la formación de cada nueva célula y de cada nuevo órgano del organismo vivo – fenótipo – , que es su portador” (A, 43). Na seqüência, o homem, adquirindo consciência de si, passa a adquirir conhecimento também desse processo de adaptação ao meio, lembrando de tentativas anteriores e imaginando tentativas futuras. Não é necessário o sacrifício do indivíduo autor da tentativa fracassada, para que a melhor maneira de enfrentar o problema fique registrada nos genes dos que subsistem, pois “mientras que em el conocimiento innato el protagonista del proceso es el replicador ADN constitutivo del genoma” – prosseguem AFTALIÓN, VILANOVA e RAFFO – “en el aprendizaje el protagonista es el individuo o los indivíduos mismos” (A, 45). A relação entre conhecimento, evolução e adaptação do ser vivo ao meio e aos problemas que este lhe oferece é notável. “O instinto” – as palavras são de PONTES DE MIRANDA – “responde a perguntas que se puseram antes da existência do animal que pratica o ato ou os atos instintivos. Se o problema é novo, se tem de ser apresentado ao indivíduo, à geração, ao ‘animal que é’, o instinto não lhe basta: só a inteligência lhe pode servir” (F, 31).
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Torna-se possível aplicar, a partir daí, o método da seleção natural às idéias. Por isso é que o cientista, doutrina POPPER, “formula enunciados, ou sistemas de enunciados, e verifica-os um a um” (B, 27), tendo por trabalho “elaborar teorias e pô-las a prova” (B, 31). Quando a teoria é posta à prova e resiste, decide-se positivamente pela sua manutenção. “Se se descobrir um motivo para rejeitá-la, contudo” – prossegue POPPER – “se a decisão for negativa, ou em outras palavras, se as conclusões tiverem sido falseadas, esse resultado falseará também a teoria da qual as conclusões foram logicamente deduzidas” (B, 34). A comprovação do acerto de uma teoria, contudo, é sempre provisória, pois “subseqüentes decisões negativas sempre poderão constituir-se em motivo para rejeitá-la” (B, 34). Partindo dessa idéia de ciência, e voltando-se para a forma como essa evolução acontece (e para os seus sobressaltos), THOMAS KUHN destaca o caráter revolucionário do conhecimento científico, que é formado por idéias que eventualmente são refutadas e suplantadas (ou aperfeiçoadas) por novas idéias, num processo de constante aperfeiçoamento. Sempre que o conhecimento que se tem em torno de determinado aspecto da realidade é posto em dúvida, geralmente porque se verificou uma situação na qual esse conhecimento se revelou insatisfatório ou errôneo, surge um novo paradigma ou uma nova forma de explicar essa realidade. Nesse caso, prossegue KUHN, “o novo candidato a paradigma poderá ter poucos adeptos e em determinadas ocasiões os motivos destes poderão ser considerados suspeitos. Não obstante, se eles são competentes aperfeiçoarão o paradigma, explorando suas possibilidades e mostrando o que seria
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pertencer a uma comunidade guiada por ele. Na medida em que esse processo avança, se o paradigma estiver destinado a vencer sua luta, o número e força de seus argumentos persuasivos aumentará. [...] Mais cientistas, convencidos da fecundidade da nova concepção, adotarão a nova maneira de praticar a ciência normal, até que restem apenas alguns poucos opositores mais velhos” (A, 202). Em relação a estes, observa KUHN, não se poderá dizer, propriamente, que estão errados. Quando muito, dir-se-á que “o homem que continua a resistir após a conversão de toda a sua profissão deixou ipso facto de ser um cientista” (A, 202). Do mesmo modo, POPPER ensina que “o jogo da ciência é, em princípio, interminável. Quem decide, um dia, que os enunciados científicos não exigem prova, e podem ser vistos como definitivamente verificados, retira-se do jogo” (B, 56). Não é por outra razão que CARL SAGAN afirma que “a ciência prospera com seus erros, eliminando-os um a um. Conclusões falsas são tiradas todo o tempo, mas elas constituem tentativas. As hipóteses são formuladas de modo a poderem ser refutadas. [...] A ciência tateia e cambaleia em busca de melhor compreensão” (A, 36). SAGAN, em termos semelhantes aos de POPPER, em cuja obra provavelmente se inspira (e que trata de afirmações “falseáveis”), refere-se à ciência como sendo dotada de um “mecanismo embutido de correção de erros” (A, 45). Quando alguém pretende travar ou neutralizar esse mecanismo, diz-se que não está agindo de forma científica, mas sim de modo autoritário. Portanto, é essencial a que se possa falar em “conhecimento científico” a provisoriedade de suas verdades, e a possibilidade de serem “testadas” ou terem sua veracidade (ou falsidade) posta à
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prova continuamente. Não importa tanto o método utilizado pelo estudioso, ou a neutralidade de suas afirmações. O que interessa é se podem ser testadas, e falseadas. Se podem, são verdades científicas até que essa falsificação ou esse falseamento aconteça. Sendo o conhecimento humano uma continuação natural – decorrente de sua racionalidade – do processo de seleção natural, é fácil compreender que, da mesma forma como não se pode afirmar o estacionamento da evolução das espécies, também não há estacionamento de idéias. Sobretudo se se considerar que a mente humana é infinitamente criativa e fecunda. Novos problemas, e maneiras diferentes de abordar problemas antigos, podem sempre surgir. E, o que é mais relevante, opera-se constantemente o aperfeiçoamento da imagem que se tem dos mais variados objetos. Talvez por isso J. M. RESINA RODRIGUES, ao cuidar do verbete Ciência na Enciclopédia Polis (Verbo), tenha dito que o homem “da rua imagina talvez que o sábio conta com princípios indiscutíveis e recebe da experiência a prova cabal das suas leis. Não é bem assim. Há enunciados praticamente definitivos; mas são vagos. Quando se quer grande rigor, cai-se na situação da física contemporânea: não há nela um só princípio que se considere como indiscutivelmente evidente, nem uma só lei experimental que se considere como definitivamente estabelecida. Em física só há hipóteses, embora hipóteses que merecem uma confiança muito grande” (A, 842). Confiança muito grande, porque todas as tentativas de falsificação ou falseamento falharam, mas que não se converte jamais em certeza, porquanto não deixaram de ser hipóteses, e o falseamen-
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to continua, em tese, sempre possível. E isso não apenas na física – exemplo talvez colhido por RESINA RODRIGUES por sua até então propalada objetividade e certeza – mas em todos os ramos do conhecimento que pretenda ser definido como científico, sendo a razão pela qual MARQUES NETO define a objetividade da ciência como sendo apenas “um processo infinito de aproximação” (A, 15). Não é demais lembrar, a propósito, estar a ciência hoje em sua terceira fase. Inicialmente descritiva, e em seguida compreensiva-explicativa, a ciência é hoje prescritiva. Não tem o propósito de descrever a realidade, mas de alterá-la. É a lição de ARNALDO VASCONCELOS: “O tempo da ciência puramente descritiva passou, faz séculos. Foi a época de Aristóteles e da Escolástica, da Antiguidade e da Idade Média. Depois veio o renascimento e Galileu, e com eles, a ciência explicativa, que esquadrinhou os céus a fim de torná-los inteligíveis através de seus esquemas matemáticos. Com Bacon e a Modernidade, surge a ciência construtiva que, a partir de Kant, vê-se autorizada a criar seu próprio objeto. Exige-se-lhe que seja fértil e eficaz. [...] A ciência contemporânea já não se coloca como objetivo principal a descrição da realidade, embora necessidade de antemão conhecê-la. Há de ter-se em conta, como acertadamente lembrou Robert Musil, um dos distintos contemporâneos de Kelsen, que, se existe um senso de realidade, tem de haver também um senso de possibilidade” (D, 176/177). Em relação à ciência jurídica não é diferente, sendo certo que ela resulta, como bem observa AGOSTINHO RAMALHO MARQUES
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NETO, “tanto quanto qualquer outra, de um trabalho de construção teórica. Por isso, suas proposições não podem revestir-se de caráter absoluto, mas aproximado e essencialmente retificável” (A, 129).
2.2. CIÊNCIA E NÃO-CIÊNCIA. O DOGMA Precisamente por conta da natureza aberta, crítica e essencialmente provisória do conhecimento científico, este se define, hoje, por exclusão. Não se diz o que é o conhecimento científico, ou quais são seus requisitos ou suas características, de forma exaustiva. Diz-se o que não é científico: o dogmático. “Todo conhecimento pré-científico” – diz KARL POPPER – “animal ou humano, é dogmático; e a ciência começa com a invenção do método crítico não dogmático” (A, 22). O dogma, de acordo com AFTALIÓN, VILANOVA e RAFFO, é a primeira – e mais confortável – forma de o homem lidar com o desconhecido, sendo bastante clara a oposição entre conhecimento crítico e dogmatismo. Em suas palavras, “historicamente la primera forma de habérselas el hombre con lo desconocido es la actitud dogmática. El dogma consiste em sustituir la presencia viva de lo desconocido que alienta más allá de las fronteras del saber por algunas creencias o proposiciones que deben aceptarse en forma indiscutible. Desde el momento en que se aceptan las proposiciones dogmáticas como verdad absoluta, lo desconocido no está ya aterrando al hombre ni acosándolo, ni siquiera incitándolo a ampliar su horizonte conociendo más, sino que ha sido sustituido por el dogma” (A, 34).
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Por isso mesmo, NUNO ROGÉRIO, ao cuidar do verbete dogmática no Dicionário Polis (Verbo), esclarece: “Se dogmática é, em rigor, uma disciplina teológica, o termo ‘dogmatismo’ penetrou na linguagem corrente designando a atitude que valora princípios produzidos ex cathedra, não demonstrados ou insuficientemente provados, orientações que se declaram pressupostas, intangíveis pelo relativismo polêmico” (A, 682). A transcrição acima tem dois aspectos que merecem referência. O primeiro é o de esclarecer que dogmática é uma disciplina teológica, não-científica porque seus enunciados e afirmações não podem ser refutados. Ou neles se crê, ou não se crê. E o segundo, que dele decorre, é o de que ela implica o afastamento de qualquer crítica, refutação ou objeção aos seus enunciados, o que se reflete na expressão dogmatismo. Por isso mesmo, continua ele, “para alguns ‘cientistas sociais’ modernos o termo serve para caracterizar a personalidade autoritária” (A, 682). Aliás, a impossibilidade de se discutir e criticar, própria do dogma, é realmente contrária à liberdade, pelo que não é despropositada a associação entre dogmatismo e autoritarismo. Por isso mesmo, ARNALDO VASCONCELOS, criticando os que vêem a pluralidade de opiniões em torno do tema como uma demonstração da acientificidade de sua abordagem, arremata que “o que não é científico é o pensamento ortodoxo e dogmático, o qual, por isso mesmo, mostra-se incapaz de produzir resultados satisfatórios” (D, 203). JOHANNES HESSEN destaca, de forma incisiva, que o dogmatismo é “a posição epistemológica para a qual não existe ainda o problema do conhecimento” (A, 37). Isso porque
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“o contacto entre o sujeito e o objeto não pode parecer problemático a quem não veja que o conhecimento representa uma relação. E isto é o que acontece com o dogmático. Não vê que o conhecimento é essencialmente uma relação entre um sujeito e um objeto. Crê, pelo contrário, que os objetos do conhecimento nos são dados absolutamente e não meramente por obra da função intermediária do conhecimento” (A, 38). Esclarece HESSEN, em seguida, que “também os valores existem, pura e simplesmente, para o dogmático. O facto de que todos os valores pressupõem uma consciência avaliadora, permanece tão desconhecido para ele como o de que todos os objetos do conhecimento implicam uma consciência cognoscente. O dogmático para por cima, tanto num caso como no outro, do sujeito e da sua função” (A, 38). A lição de HESSEN é expressiva. Embora escrita em face da teoria do conhecimento como um todo, parece construída à luz da doutrina positivista-legalista, nascedouro da idéia de uma dogmática jurídica. Voltaremos a ela mais à frente. Não é por outra razão que a dogmática encontra lugar próprio no âmbito das religiões, tendo HOUAISS definido dogma como “ponto fundamental de uma doutrina religiosa, apresentado como certo e indiscutível, cuja verdade se espera que as pessoas aceitem sem questionar ‘d. da santíssima trindade’” (A, 1.071). Afinal, é pela fé, pela crença e pela revelação, e não pelo conhecimento racional e crítico, que o homem tem acesso ou consciência dos assuntos divinos. Daí o uso da expressão dogmática nos textos sobre Mariologia, santíssima trindade etc., referidos na introdução deste trabalho. Entende-se,
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como escreve JÜRGEN WERBICK, que as verdades divinas comunicadas por Deus por meio do seu revelador são entendidas “como conteúdos de doutrina (fides quae creditur = verdade criada pela fé), a qual, por conta da confiança (fides qua creditur = boa-fé com a qual se crê) na veracidade de Deus, se aceita de bom grado do mestre divino, mais concretamente do magistério da Igreja, que participa da autoridade doutrinal daquele, como conteúdos a serem acreditados” (A, 16). Aliás, se o conhecimento é a interminável busca pela essência de um objeto (verdade), busca esta feita a partir da imagem que o homem tem ou faz desse objeto (existência), a divindade não pode ser objeto de conhecimento, mas apenas de fé, pois nela essência e existência são uma mesma e única coisa. Daí a afirmação de ARNALDO VASCONCELOS, de que a ciência positivista, “– quem ousaria pensá-lo! – passaria a ocupar o lugar privilegiado da teologia na Idade Média, com toda a sua intolerância dogmática, deslocando a filosofia para a posição de disciplina vassala dos diversos tipos de ciências, incumbindo-lhe apenas as respectivas sínteses” (C, 60). De tudo isso se verifica que, no plano epistemológico, vale dizer, da teoria do conhecimento, científico e dogmático são conceitos antônimos. Como observa JAPIASSU, “o que caracteriza a ciência é a falsificabilidade, pelo menos em princípio, de suas asserções. As asserções ‘inabaláveis’ e ‘irrefutáveis’ não são proposições científicas, mas dogmáticas” (A, 106). Como, então, cogitar-se de uma ciência dogmática?
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2.3. É POSSÍVEL, HOJE, FALAR-SE EM UMA CIÊNCIA DOGMÁTICA? Tendo em vista a compreensão atual do que caracteriza o conhecimento científico, rapidamente resenhada no item anterior deste texto, parece-nos impossível agregar o termo dogmática à expressão ciência. Com efeito, o conhecimento é uma relação, mas quando há um dogma isso não acontece. O dogma implica – como escreveu HESSEN, em passagem que aqui novamente transcrevemos – “que os objetos do conhecimento nos são dados absolutamente e não meramente por obra da função intermediária do conhecimento” (A, 38). Isso porque o sujeito não pode investigar para verificar se a imagem que tem do objeto é correta, insuficiente ou errada. A imagem fornecida pelo dogma pressupõe-se idêntica ao objeto, pelo que não se admite a sua discussão. A eliminação da importância da investigação feita pelo sujeito, na formação da imagem que este tem do objeto, também implica que os valores, na observação de HESSEN, “existem, pura e simplesmente, para o dogmático. O facto de que todos os valores pressupõem uma consciência avaliadora, permanece tão desconhecido para ele como o de que todos os objetos do conhecimento implicam uma consciência cognoscente” (A, 38). Como não cabe ao sujeito examinar o objeto para aferir se a imagem que se faz dele é correta (no dogma não existe a separação entre o objeto e sua imagem), também não cabe ao sujeito valorar o objeto e o conhecimento que se faz dele. Tudo isso é um indicativo muito expressivo de por que dogmática jurídica e positivismo jurídico mantêm tão íntimas relações, pois – prossegue HESSEN – “o dogmático para por cima, tanto num caso como no outro, do sujeito e da sua função” (A, 38). Basta conferir o papel reservado pelo po-
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sitivismo jurídico ao cientista do Direito para confirmá-lo. AGOSTINHO RAMALHO MARQUES NETO afirma, a propósito do assunto, que o positivismo jurídico “subestima a importância do sujeito” na relação cognoscitiva (A, 20). Não obstante, o uso do termo dogmática jurídica é, como vimos na parte inicial deste trabalho, ainda freqüente, tanto entre os que escrevem sobre Teoria do Direito, ou Ciência do Direito em geral, como entre os que se reportam à determinado setor ou ramo do Direito em particular. Por isso mesmo, AFTALIÓN, GARCÍA OLANO e VILANOVA observam que a opinião de que a Ciência do Direito seria dogmática, meramente reprodutiva (ou descritiva de normas postas) “ha alcanzado tal difusión que no puede ser omitida. Ofrece, sin embargo, serios reparos a la luz de los esclarecimientos logrados por la Filosofia del Derecho moderna. En efecto, dicha generalizada opinión sintetiza la misión de la ciencia jurídica según la concepción racionalista dogmática-estatal – que reducía el Derecho a la ley – propia de las que podemos denominar escuelas clásicas de la ciencia, concepción en contra la qual se levantan las escuelas modernas” (A, 79). Até na jurisprudência se acham referências à dogmática no Direito. Julgando o HC nº 84.768/PE, por exemplo, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal consignou, para afastar a formulação de denúncias “genéricas” no plano do processo penal, que “a técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa”, decidindo assim que “denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida
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conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito. Violação também do princípio da dignidade da pessoa humana” (DJ de 27.05.2005, p. 30). Ora, no citado precedente, que foi decidido por maioria, os Ministros do STF divergiram sobre a possibilidade de a denúncia ser admitida. Os Ministros JOAQUIM BARBOSA e ELLEN GRACIE restaram vencidos, pois, para eles, a denúncia, que estava sob julgamento do STF, não violaria o art. 41 do CPP, nem os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Já os demais membros daquela Corte, especialmente o relator para o acórdão, GILMAR FERREIRA MENDES, consideraram que “a denúncia sob exame utiliza-se de um silogismo de feição fortemente artificial para indicar o paciente como autor intelectual do roubo”. Sem que se tenha de entrar no mérito da questão de saber quem está com a razão (quanto ao recebimento da tal denúncia), o caso serve para mostrar que o sentido de um dispositivo legal – sobretudo quando visto à luz de um princípio constitucional – é construído pelo intérprete, à luz do caso concreto, de forma crítica e sujeita a refutações. Não é, em absoluto, dado previamente, tal como um dogma. Tanto a relatividade e a provisoriedade são ínsitas à ciência, que se opõe ao dogma, que AFTALIÓN, GARCÍA OLANO e VILANOVA destacam que, a prevalecer o entendimento de que a Ciência do Direito positivo seria dogmática, tratar-se-ia de algo com alcance “meramente didático, expositivo, ordenador, sistematizador; pero no una autentica investigación, por lo cual la disciplina declinaría de su caráter de ciencia” (A, 79). Poder-se-ia dizer, em oposição ao que acabamos de mostrar, que a dogmática jurídica, hoje em dia, não seria apenas descritiva. Deve seu nome à imodificabilidade, pelo cientista, das normas que estuda, mas não deveria ser confundida com o dogmatismo.
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Essa afirmação já reconhece, de saída, a impossibilidade de uma ciência dogmática, e não tem como ser usada contra o que expusemos nos dois itens anteriores deste texto. Limitar-seia, no máximo, a defender a manutenção do termo por força da tradição. Nem todos os autores que cuidam da dogmática jurídica, contudo, comungam de entendimento assim tão conciliador. EDUARDO GARCÍA MÁYNEZ, por exemplo, observa que, atendendo à sua índole dogmática, se afirma que a dogmática jurídica “asemejase a la geometría y a la especulación teológica. Así como el geómetra parte en sus desarrollos de axiomas o verdades evidentes, que no necesitan ser demostrados, y el teólogos e funda en dogmas que estima revelados por Dios y reputa indiscutibles, el jurista, cuando procede estrictamente como tal, vuelve los ojos a las leyes e instituciones de un ordenamiento determinado y se limita a clasificarlas y sistematizarlas, mas no emite juicios de valor acerca de su contenido ni se atreve a poner en duda su obligatoriedad” (A, 125). A parte final da transcrição é mais uma mostra das relações entre positivismo normativista e dogmática: o jurista, quando procede estritamente como tal, deve apenas classificar e sistematizar leis e instituições de determinado ordenamento, sem emitir juízos de valor ou se atrever colocar em dúvida a sua obrigatoriedade. Não é por acaso, portanto, que essa “ciência” é pelo autor comparada à religião. Esse tipo de comparação não passou despercebida de HERMANN KANTOROWICZ, para quem o “paralelismo que hoy por hoy existe entre la ciencia jurídica dogmática y la teología ortodoxa…
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salta a la vista” (A, 357). Para ele, contudo, isso nada tem de saudável, como se depreende de sua ácida crítica: “Por un lado se habla de Dios, por el otro del Legislador, ambos seres inasequibles a la experiencia. La masa profana desconoce sus intenciones o las conoce sólo de un modo confuso. Una casta privilegiada de teólogos o de juristas es mediadora de las revelaciones. Ambas castas pretenden exponer la voluntad de aquellos seres, mientras que en realidad afirman como la voluntad de ellos lo que los teólogos o juristas desean que sea religión o Derecho. La situación es así, ya que la construcción de la voluntad se base en meros fragmentos: sagrada escritura, leyes. No obstante, la tarea consiste en responder con su auxilio claramente todas las cuestiones” (A, 357). Breve retrospecto das definições e das passagens já transcritas neste estudo revelam que o uso da expressão dogmática, de fato, nem sempre – ou quase nunca – é feito por “mera tradição”. O sentido que o termo “tradicionalmente” tem contamina sempre o ato de sua invocação com o dogmatismo. Basta lembrar que, como reconhece TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., a dogmática parte de “premissas arbitrárias” (as normas) e renuncia “ao postulado da pesquisa independente” (A, 47). Isso porque, frisa REALE, a dogmática “tem por objeto de estudo as normas jurídicas vigentes, aceitas como ponto necessário de partida para a determinação do Direito Positivo”, normas estas que veiculam preceitos que “pelo simples fato de serem vigentes, devem ser havidos como obrigatórios” (A, 160/161). O que consta da lei, neste quadro, recorda KARL LARENZ, “deixa de ser questionado” (A, 319).
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Em notável contradição, na passagem que neste texto também já foi transcrita, DANIEL COELHO DE SOUZA afirma que “quando o jurista realiza atividade estritamente científica, aceita a regra jurídica à semelhança do teólogo que, diante do preceito canônico, deve apenas aceitá-lo e interpretá-lo” (A, 88). Vale dizer, o jurista, quando supostamente faz ciência, equipara-se ao teólogo, precisamente a antítese do cientista. Ora, as insuficiências e os resultados negativos de uma abordagem normativista do Direito dispensam explicações aqui. A História, com o seu testemunho, e a atual Teoria do Direito, na qual mesmo os positivistas buscam aperfeiçoar a teorização proposta para o Direito, tornam desnecessária a demonstração dos problemas do positivismo normativista. Tendo como certo que o mesmo é hoje insustentável, é igualmente certo que a ciência do Direito não pode ser dogmática. Na verdade, “as teorias da ciência do Direito” – doutrina MARQUES NETO – “como quaisquer teorias científicas, são essencialmente refutáveis e, por isso mesmo, carecem, não de ser afirmadas dogmaticamente, como o faz a maioria dos juristas, mas de ser questionadas, postas em xeque, como recomenda BACHELARD” (A, 186).
2.4. A DOGMÁTICA JURÍDICA E O PAPEL DO CIENTISTA E DO APLICADOR DO DIREITO Se bem observarmos, mesmo as razões originariamente invocadas para se designar a ciência do Direito como dogmática, ainda que aceitas em si mesmas, não conduzem à conclusão de que se trata de uma dogmática jurídica. De fato, ainda que se admita que o cientista do Direito deve partir de normas postas, não lhe cabendo discutir sua obrigatorie-
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dade, isso não é motivo para se afirmar que tais normas devem ser vistas como dogmas. Isso porque, mesmo sem discutir a procedência dessa visão epistemológica, também nos outros ramos do conhecimento científico, pelo menos em princípio, o objeto a ser conhecido seria também um dado “não-alterável” pelo sujeito cognoscente, regido por “leis” que não podem ser por ele modificadas, mas apenas “descobertas”. Exemplificando, o biólogo não pode recusar-se a aceitar que o calor excessivo seja fatal para determinado organismo vivo, da mesma forma como o matemático não tem liberdade para se recusar a acreditar em números primos. Tampouco o físico pode deixar de aceitar a força gravitacional atrativa dos corpos no universo. E nem por isso se diz que tais ciências sejam dogmáticas. É curioso, nesse ponto, que DANIEL COELHO DE SOUZA tenha dito que o jurista, quando “realiza atividade estritamente científica, aceita a regra jurídica como um dogma à semelhança do teólogo que, diante do preceito canônico, deve apenas aceitá-lo e interpretá-lo”, completando que “posição diversa seria equiparável à do físico que investisse contra as leis naturais, que estão para as ciências naturais, neste sentido, como as jurídicas para a ciência do direito” (A, 88). Por que, então, nunca se ouviu falar de física, química ou biologia dogmáticas? Além disso, como os próprios teóricos atuais reconhecem, mesmo os positivistas mais ortodoxos, as normas não são um “dado pronto”, a ser aceito de forma completamente acrítica pelo cientista do Direito, nem um ponto de partida inelutável de qualquer investigação. De início, porque não há consenso quanto ao que estejam a prescrever os textos que as enunciam, sendo certo que a norma não existe objetivamente fora do intérprete, de modo a ser simplesmente “descrita” por ele. Sendo ela o sentido do texto, é necessariamente construída pelo intérprete.
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HANS KELSEN, por exemplo, entende que a norma é “o sentido de um querer, de um ato de vontade” (B, 3), não devendo ser confundida com o dispositivo que lhe dá suporte. Aliás, KELSEN reconhece amplíssimo papel criativo ao intérprete, embora afirme que, ao desempenhar essa necessária tarefa criadora, ele não esteja fazendo ciência mas política jurídica (A, 390). Não estamos, registre-se, fazendo interpretação pessoal da obra de KELSEN. Também PERELMAN a respeito dela escreveu que “Kelsen reconhecia, sem dúvida, que o juiz não é um mero autômato, na medida em que as leis que aplica, permitindo diversas interpretações, dão-lhe certa latitude, mas a escolha entre essas interpretações depende, não da ciência do direito nem do conhecimento, mas da vontade livre e arbitrária...” (A, 93). Humbert o Ávil a, fundado nas lições de GADAMER e EROS GRAU, também demonstra que “o intérprete não só constrói, mas reconstrói sentido, tendo em vista a existência de significados incorporados ao uso lingüístico e construídos na comunidade do discurso” (A, 25). Daí dizer-se, prossegue ÁVILA, “que interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção dos sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assim dizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual” (A, 25).
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Partindo dessas premissas, ÁVILA assevera ser necessário “ultrapassar a crendice de que a função do intérprete é meramente descrever significados, em favor da compreensão de que o intérprete reconstrói sentidos, quer o cientista, pela construção de conexões sintáticas e semânticas, quer o aplicador, que soma àquelas conexões as circunstâncias do caso a julgar” (A, 25/26). Mesmo nos casos em que se fala que o texto legal é “claro”, não havendo lugar para o papel criador do intérprete, não se deve esquecer que o caso concreto – ao qual a norma será aplicada, e que influenciará na determinação de seu sentido – pode apresentar nuances que tornam o texto, ou o seu sentido, bem menos claro. O enunciado normativo que simplesmente afirma “é proibida a entrada de cães” pode ser muito claro, mas essa clareza se dissipa quando chega ao lugar um cego com um cão guia, animal adestrado que a ninguém incomoda e sem o qual o cego não pode locomover-se com a mesma desenvoltura... Não é por outra razão que CHAÏM PERELMAN afirma que a aparente clareza da norma decorre, precipuamente, da falta de imaginação e de inteligência do intérprete (A, 51). NEIL MACCORMICK (A, 85), na mesma linha, observa que a clareza da norma depende não só do texto a partir do qual é extraída, mas também do contexto ao qual será aplicada. RONALD DWORKIN, a propósito de ser o intérprete ou o cientista do Direito um “reprodutor” dos textos legais, faz observação muito pertinente. Em suas palavras, “(...) As pessoas dizem que os juízes conservadores obedecem à Constituição, ao passo que os liberais tentam reformá-la segundo suas próprias convicções.
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Reconhecemos a falácia contida em tal descrição. Ela ignora o caráter interpretativo do direito. Os juízes considerados liberais e os chamados conservadores estão de acordo quanto às palavras que formam a Constituição enquanto texto pré-interpretativo. Divergem sobre o que é a Constituição enquanto direito pós-interpretativo, sobre as normas que mobiliza para avaliar os atos públicos. Cada tipo de juiz tenta aplicar a Constituição enquanto direito, segundo seu julgamento interpretativo do que ela é, e cada tipo acha que o outro está subvertendo a verdadeira Constituição” (A, 428). A esses fundamentos epistemológicos, MARCELO LIMA GUERRA agrega considerações de cunho lingüístico e hermenêutico para chegar, de forma ainda mais incisiva e contundente, a semelhante conclusão, vale dizer, para demonstrar que o intérprete determina o conteúdo da norma, e o faz partindo de textos que têm o seu sentido definido em face de diversos aspectos que lhes são externos. E mais: mostra que a natureza supostamente descritiva da atividade do juiz, tal como preconizada pelo modelo clássico da dogmática jurídica, serve apenas de escudo para que o magistrado descumpra o seu dever constitucional de fundamentação de suas decisões. Isso porque é “praticamente impossível que o juiz limite-se a aplicar uma norma criada pelo legislador, pois tudo que ele dispõe, para conhecer esta norma, são indícios insuficientes para lhe proporcionar tal conhecimento objetivo” (A, 53/54). Nas palavras do citado professor, “segundo o state of art da pragmática, ramo da filosofia da linguagem onde predominam as idéias rotuladas de contextualismo, a determinação do significado de um determinado ato de fala sempre requer, além do
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significado do próprio enunciado com a enunciação do qual tal ato é praticado, informações contextuais e a pressuposição da racionalidade do agente do referido ato” (A, 46/47). Não é preciso mais que observar o processo de concretização do Direito para constatar o acerto dessa afirmação. Conquanto existam critérios para determinar o conteúdo do Direito a ser aplicado no caso concreto, sendo possível um debate racional, não-arbitrário, em torno dele, essa determinação está longe, muito longe, de ser automática, objetiva e descritiva. Primeiro, porque o sentido do texto, mesmo em tese, pode ser objeto de questionamentos, sendo o caso de se recordar a lição de KARL ENGISCH (A, 144), segundo o qual inexiste consenso em torno do número e da hierarquia entre os “métodos” ou “elementos” de interpretação das normas jurídicas. Em suas palavras, “o defeito de nossa teoria jurídica interpretativa reside especialmente no facto de não termos ainda ao nosso dispor uma hierarquização segura dos múltiplos critérios de interpretação” (A, 144). Dizer-se que a solução é utilizar “todos” os métodos de interpretação evidentemente não resolve o problema, pois os métodos não raro levam a soluções contraditórias. Isso nos faz lembrar o “quadro ou moldura de significados possíveis” a que alude HANS KELSEN (A, 390). Esse ponto, aliás, é muito relevante. Quando se diz que uma visão “não-positivista” do Direito poderia conduzir à incerteza, ou à insegurança jurídica, esquece-se que o positivismo não trouxe ao Direito certeza e segurança, pois uma visão positivista dos textos normativos apenas poderia conduzir o intérprete a um quadro ou moldura de significados possíveis, sendo a escolha de um deles, à luz do caso concreto, um ato de vontade. Arbitrário, porque inexistentes critérios científicos para controlar a escolha fei-
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ta. A fluidez, o subjetivismo e a insegurança, portanto, são muito maiores. Não foi por outra razão, aliás, que KARL LARENZ acusou KELSEN de, com sua teoria da interpretação, a pretexto de purificar o Direito, haver deitado fora a criança com a água do banho. Em suas palavras, “quando Kelsen, para se manter longe de tais juízos de valor, declara que a ciência do Direito é incapaz de atingir, através da ‘interpretação’ de uma norma, juízos ‘corretos’, ‘deita a criança fora com a água do banho’” (A, 107). Assim, quando se afirma que, sempre à luz do caso concreto, um dos resultados “possíveis” oferecidos pelo conjunto de textos normativos pode ser escolhido de modo cientificamente controlável, através da equilibrada ponderação dos princípios envolvidos, se está reduzindo o subjetivismo na escolha de um desses significados. Seja como for, o que importa, no caso, é que será à luz do caso concreto, partindo dos textos normativos, que o intérprete (re)construirá a norma jurídica a ser aplicada. JACINTO NELSON MIRANDA COUTINHO escreve algo semelhante, atribuindo ainda a outros autores, como GADAMER, a defesa desse posicionamento (A, 228). E nem poderia mesmo ser diferente. Houvesse mera descrição, pelo intérprete, dos textos legais, tidos como “dogmas”, como explicar as divergências interpretativas? Tais divergências tanto são naturais, e inevitáveis, que o ordenamento jurídico constrói instrumento para lidar com elas. Cite-se, como exemplo, o recurso especial quando interposto com fundamento na alínea “c” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal de 1988. Aliás, como anota PERELMAN, a própria existência de órgãos colegiados
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nos Tribunais é uma prova suficiente de que o sentido das normas não é unívoco (A, 239). Não há, portanto, a “mera descrição” de normas pelo cientista ou pelo aplicador do Direito, sendo descabido falar-se numa “função meramente reprodutiva” da ciência jurídica. Aliás, MIRANDA COUTINHO chega mesmo a admitir decisões não só praeter legem mas também contra legem, afirmando serem elas “a prova cabal de que o texto e a regra não aprisionam o sentido e, portanto, pode ele não estar ex ante ali presente” (A, 230). Não se trata, note-se, de algo arbitrário. Como registra HUMBERTO ÁVILA, o que acontece é que mesmo as normas jurídicas com estrutura de regras podem ser ponderadas e, desde que de forma justificada, não serem aplicadas a determinado caso concreto. Sem entrar aqui na discussão de saber se se trata, em tais hipóteses, de “ponderação” da regra, ou de delimitação de sua hipótese de incidência, o que importa é que não há “dogmatismo” de qualquer espécie em sua aplicação. No dizer de ÁVILA, há casos em que “a conseqüência estabelecida prima facie pela norma pode deixar de ser aplicada em face de razões substanciais consideradas pelo aplicador, mediante condizente fundamentação, como superiores àquelas que justificam a própria regra. Ou se examina a razão que fundamenta a própria regra (rule’s purpose) para compreender, restringindo ou ampliando, o conteúdo de sentido da hipótese normativa, ou se recorre a outras razões, baseadas em outras normas, para justificar o descumprimento daquela regra (overrulling)” (A, 38/39). Michel Vil l ey, no mesmo sentido, ensina que as regras “não têm verdade certa, mas apenas autoridade bastante relativa e pro-
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visória. Nunca poderão gerar um sistema completo e definitivo. Seu destino é precário, ameaçadas que sempre estão de serem questionadas, rediscutidas dialeticamente” (A, 293). Como se vê, desaparecem, com essas observações, todas as premissas em torno das quais se defende o uso da expressão dogmática jurídica para designar a ciência do Direito ou parte dela. E a prática o demonstra. É por isso que, mesmo entre pessoas que afirmam estar fazendo um estudo “meramente descritivo” das normas, surgem tantas “divergências doutrinárias”. Sobretudo porque a disputa pode estar não apenas na “descrição” de uma determinada norma, mas no juízo de sua compatibilidade com outras normas do ordenamento, sobre cujo sentido também pode se instaurar uma divergência. Daí por que não é rara a afirmação, feita por estudiosos de determinado ramo do Direito positivo, de que certas normas são inválidas, por contrariarem dispositivos constitucionais, ou mesmo princípios implícitos no ordenamento. Há até mesmo aquelas que, mesmo sem uma declaração explícita nesse sentido, são ignoradas, como acontece com o prazo prescricional previsto no art. 169 do CTN. Surgem, então, as disposições que são simplesmente ineficazes, ou que se neutralizam por interpretações contra legem, a exemplo do que fez o Superior Tribunal de Justiça com o critério para solução de conflito de competência entre municípios, na cobrança do ISS, previsto no art. 12 do Decreto-Lei nº 406/68. O estudo do Direito seria menos científico, menos objetivo, menos certo ou menos neutro por isso? Evidentemente não. A cientificidade do estudo do Direito caracteriza-se, precisamente, pelo questionamento. Aliás, não só do estudo do Direito, mas de qualquer objeto.
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Quanto à objetividade e à neutralidade, já se viu, não são características de nenhuma forma de conhecimento científico. E, como se isso não bastasse, a visão dogmática, em qualquer de suas vertentes, nenhuma objetividade ou neutralidade acrescenta ao estudo do Direito. Merece menção, nesse particular, o registro de THOMAS KUHN. Segundo ele, a excessiva preocupação dos que cuidam das chamadas “ciências sociais” em discutir a respeito da natureza “científica” de sua atividade – preocupação não verificada entre os que cuidam de outros ramos do conhecimento, como as “ciências naturais” – nos leva “a suspeitar que está em jogo algo mais fundamental. Provavelmente estão sendo colocadas outras perguntas, como as seguintes: por que minha área de estudos não progride do mesmo modo que a física? Que mudanças de técnica, método ou ideologia fariam com que progredisse?” (A, 204). Paradoxalmente, a solução encontrada para dar ao conhecimento do Direito o status de científico, a qual consistiria no exame neutro e objetivo dos fatos (positivismo sociológico), ou, o que foi ainda pior, das normas jurídicas (positivismo normativista), atrasou enormemente o seu progresso. Daí por que, enquanto os demais cientistas, inclusive sociais, “falam dos resultados de suas respectivas ciências, tanto em termos de elaboração teórica quanto de aplicações práticas” – as palavras são de AGOSTINHO RAMALHO MARQUES NETO – “o jurista, ao contrário, sob o peso de uma formação dogmática que não o deixa sequer vislumbrar ciência alguma que constitua o referencial teórico do seu universo específico, limita-se a falar da lei, a procurar interpretá-la, mas raramente a critica em seus próprios pressupostos, pois sua formação mesma o induz a con-
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siderar a norma como algo perfeito e acabado, formalmente válido em si mesmo como produto do sistema de poder constituído” (A, 214). Foi a ânsia por rotular o conhecimento do Direito como científico, portanto, que mais o distanciou de tudo quanto o caracterizaria como tal, vale dizer, o não-dogmatismo, a crítica e a evolução. Não é demais lembrar que foi a visão de ciência do Direito como mera descrição de leis que atraiu para este ramo do conhecimento a mais contundente crítica à sua cientificidade, feita por KIRCHMANN, segundo o qual, “tres palabras rectificadoras del legislador y bibliotecas enteras se convierten en papeles inútiles” (A, 267/268). O positivismo prova, com isso, o acerto da frase de POPPER, para quem “em vez de afastar a Metafísica das ciências empíricas, os positivistas levam à invasão do reino científico, pela Metafísica” (B, 38). AGOSTINHO RAMALHO MARQUES NETO (A, 214) afirma que “daí o fato de o jurista estar a perder cada vez mais terreno na elaboração de conhecimentos teóricos sobre o social e, enquanto jurista, no processo de tomada de decisões. Afinal, ele próprio se atribui principalmente o conhecimento da forma das leis, e abre praticamente todo o espaço relativo ao conteúdo para outros cientistas sociais, pois, no fim das contas, crê que a análise e a crítica do conteúdo extrapolam os limites da ciência do Direito. É por isso que raramente um jurista é convidado a compor uma equipe interdisciplinar que se proponha elaborar conhecimentos novos sobre a realidade social e, quando tal acontece, sua participação consiste, no mais das vezes, em opinar sobre se tal ou qual procedimento contraria ou não a legislação vigente”. É preciso recordar que entre os animais também há certos padrões de comportamento a serem seguidos, que viabilizam a
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vida em grupo, mas só o homem, com sua racionalidade, teve a capacidade de aprimorar esses padrões, aperfeiçoando-os e tornando-os mais complexos e apurados. As “sociedades animais, também elas, souberam inventar regras que não lhes eram dadas e sancioná-las. Mas o homem” – as palavras são de NORBERT ROULAND – “se distingue para sempre do animal pela amplitude do que constrói” (A, 37). É esse aprimoramento da disciplina das relações sociais, havido nas sociedades humanas, que conhecemos por Direito. O Direito tem uma história, sendo inerente a todo e qualquer grupo social, de qualquer época e lugar, desde as comunidades pré-históricas aos esquimós, passando pelas tribos africanas e, também, pelo mundo ocidental contemporâneo. Assim, o Direito precisa ser visto como algo inerente à vida em sociedade, e que por isso mesmo deve ser estudado à luz desta, dos valores que a inspiram e dos problemas sociais que se pretende com ele (tentar) resolver. A simples aplicação de normas não exaure a tarefa do cientista do Direito, sendo apenas uma técnica, importante mas insuficiente. Merece destaque, neste ponto, a lição de PONTES DE MIRANDA, para quem o mero conhecimento das normas, e das relações lógicas que entre elas se estabelecem, é tão indispensável quanto insuficiente à adequada compreensão do Direito. Faz-se necessário o conhecimento da realidade fática em face da qual foram produzidas as normas, e à qual tais normas serão aplicadas. Para PONTES, um juiz, ou advogado, que não conheça o dado fático (e, acrescentaríamos, os valores à luz dos quais tais fatos são avaliados), mas apenas a técnica de aplicação das normas, não se pode considerar um jurista. Em suas palavras, isso seria “... como se o maquinista se considerasse físico ou o criador de animais se dis-
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sesse biólogo” (D, 371). No mesmo sentido, MICHEL VILLEY afirma que “assim como o operário trabalha com uma máquina sem se preocupar em saber como foi construída, ensinamos segundo as rotinas de um dos diferentes tipos existentes de positivismo jurídico...” (A, 12). Isso não quer dizer, contudo, que um estudo científico do direito se resuma ao conhecimento dessas “rotinas de um positivismo jurídico”, e muito menos que uma ou outra dessas forma de conhecimento seja dogmática. O Direito se exprime através de normas, mas não se limita a elas, não sendo, também por isso, correto afirmar que o seu estudo se limita a descrevê-las como dogmas. Tanto é assim que, quando essas normas não exprimem o que a comunidade à qual são dirigidas considera, de um modo geral, adequado, não obtêm eficácia com o mero uso da coação. Como já escreveu PONTES DE MIRANDA, “a continuidade da vida doméstica, com todos os incidentes diários e as mínimas ações e omissões, é série imensa de fenômenos de direito, realizados sem palavras e sem autoridade – e se compararmos a soma de tais aplicações de normas com a imposição oficial de uma dezena de artigos de lei, com diminuta média de observância, à nossa perplexidade logo se imporá a seguinte proposição: há outro direito que se realiza na vida social e independe de ação e da coação” (C, 123). Não que a coação não tenha o seu papel. É claro que tem. HABERMAS, a esse respeito, esclarece que ela tem função estabilizadora da ordem jurídica, lembrando, porém, que seu uso é tanto mais imperioso quanto menor for a legitimidade dessa mesma ordem jurídica (A, 50). Precisamente por isso, a coação não pode
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ser alocada como elemento essencial ao fenômeno jurídico. Como doutrina PONTES DE MIRANDA, “se o conjunto não produz o equilíbrio, faz-se mister nova intervenção, dada a persistência-resultante, digamos assim, da insatisfeita necessidade. Tal reforço pode ser legal ou violento; mas não persiste violento: a violência cria nova ordem, não a alimenta. Toda pressão que dura é indício certo de revolução que se retarda” (D, 116). Em suma, as normas jurídicas são muito importantes, o que não quer dizer que sejam o exclusivo objeto das atenções do cientista do Direito, que há de compreendê-las à luz da realidade factual nelas disciplinada, e dos valores que orientam esse disciplinamento. Pode até ocorrer de uma disposição normativa ser afastada, por ser considerada inválida, inaplicável ao caso, ou mesmo flagrantemente injusta, desde que o intérprete que assim proceder forneça razões convincentes para tanto. Isso para não referir a circunstância de que será à luz do caso concreto e de suas peculiaridades que a norma será determinada pelo intérprete, não se podendo falar que ela seja, para ele, a priori, um dogma. 2.5. A FUNDAMENTAÇÃO DO CONHECIMENTO E O DOGMA Qual seria, então, o papel da fé, ou do dogma, no âmbito do conhecimento científico? Nenhum? Vejamos. O dogma pode eventualmente surgir, no âmbito da ciência, como forma de fundamentar o conhecimento. Com efeito, se o conhecimento científico se caracteriza pela possibilidade de ser refutado, sendo considerado verdadeiro enquanto sobreviver aos testes aos quais é submetido, pode-se perguntar: em que se funda a afirmação de que uma teoria passou pelo teste? Ou, feita a pergunta em termos mais diretos, em que se funda o conhecimento científico?
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Se se puser em dúvida uma teoria, passando-se a uma experiência destinada a testá-la, também os resultados dessa experiência, conquanto confirmem (provisoriamente) o acerto da teoria, podem ser postos em dúvida, e submetidos a teste. E assim sucessivamente. Onde terminar? O problema é análogo ao do fundamento da ordem jurídica. A norma jurídica tem fundamento em outra norma jurídica, de superior hierarquia, e assim sucessivamente, até chegar-se à Constituição. A partir daí, onde se fundamenta o ordenamento jurídico? O Direito é obrigatório por quê? No âmbito da epistemologia, a questão já havia sido proposta por FRIES, sendo conhecida como o trilema de FRIES. Trilema (e não dilema) porque oferece três caminhos (e não dois), dos quais se deve escolher um. Para FRIES, citado por POPPER (B, 99 e ss.) os três caminhos são: i) redução ao infinito, pois sempre será possível submeter ao teste do falseamento a afirmação feita para fundamentar outra afirmação; ii) dogmatismo, estancando-se a cadeia de fundamentações afirmando-se simplesmente que assim é porque “Deus quis”, ou, no caso do Direito, “assim quis o legislador”; iii) psicologismo, encerrando-se a cadeia de fundamentações não com outros enunciados (a serem também falseados), mas na intuição baseada na percepção, ou na experiência perceptual. KARL POPPER (B, 101) critica a solução encontrada por FRIES, que opta pela solução do psicologismo, por considerá-la uma volta ao indutivismo, que, por depender da experiência, incorreria em petição de princípios. Não é por outra razão, aliás, que há quem denomine – como ESTEBAN IERARDO (A, 7) – o Trilema de FRIES como o Trilema do BARÃO DE MÜNCHHAUSEN personagem fictício
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que teria saído de um pântano, no qual estava atolado com seu cavalo, puxando suas próprias tranças para cima. Segundo POPPER, a solução para o trilema está na fundamentação da teoria em enunciados que “decidimos aceitar”. Para ele, como o processo de fundamentação realmente não tem fim, “nada resta a fazer senão interromper o processo num ponto ou noutro e dizer que, por ora, estamos satisfeitos”, buscando-se fundamento em enunciados “acerca de cuja aceitação ou rejeição é de esperar que os vários investigadores se ponham de acordo” (B, 111). Para ele, essa solução é distinta do dogmatismo, porque “surgida a necessidade, os enunciados podem ser facilmente submetidos a provas complementares” (B, 112), vale dizer, podem ser novamente postos em discussão. É, também, distinta da regressão ao infinito, pois se pode parar quando se chegam aos enunciados em torno dos quais há consenso e em face dos quais, provisoriamente, nos consideramos satisfeitos (B, 111). Idêntico problema, como já adiantamos, coloca-se em torno do fundamento do Direito. Se uma norma se funda em outra superior, e assim por diante, para se chegar ao fundamento último será necessário ou um regresso ao infinito, ou o recurso ao dogmatismo. A solução apontada por POPPER pode ser também utilizada, no sentido de que o fundamento é obtido no consenso em torno da validade de certas premissas, o qual não é dogmático porque pode ser sempre rompido, com a rediscussão do assunto, e não leva a uma regressão ao infinito porque, obtido o consenso em torno de premissas fundamentais em face das quais nos consideramos satisfeitos, a busca por outro fundamento pode ser (provisoriamente) interrompida. Adotála implica dizer, em suma, que o direito se fundamenta na legitimidade, como parece sugerir JÜRGEN HABERMAS (A, 115, 138).
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A solução dada por POPPER, entretanto, também pode ser submetida a crítica, pois não resolve o trilema. Fica, a rigor, entre as duas primeiras soluções: contenta-se com um dogma, que pode ser afastado para se retornar ao regresso ao infinito. Na verdade, a ciência não se pode fundar em si mesma, sendo necessário recorrer ao plano transcendente para fazê-lo. O físico somente pode fundar-se no metafísico. E o curioso é que, também neste ponto, são as ciências naturais que dão a lição à ciência jurídica, que sempre está em seu rastro. A ciência jurídica procurou ser objetiva, neutra e experimental, para assim imitar as ciências naturais, e agora estas mostram que o conhecimento é incerto, impreciso e provisório. E mais: que não pode ter fundamento na própria ciência. Muito pertinentes, a esse respeito, são as palavras de MARCELO GLESNER a propósito da origem do universo, e da incapacidade da ciência de desvendá-la. Chegou-se, cientificamente, até muito próximo do Big-bang, mas em torno do que teria sido ele, e sobretudo do que havia antes dele só existem especulações, neste ponto bastante próximas às mitológicas. Isso porque “sempre que um físico propõe um modelo descrevendo a origem do universo, ele tem de usar leis físicas bem conhecidas. Um modelo físico da origem do universo, portanto, não pode lidar com a questão da origem das próprias leis da física, ou por que esse Universo opera desse modo e não de outro” (A, 386). A abordagem da questão da origem do Universo, para GLESNER, enfrenta limitações “devido ao número finito de respostas encontradas, a barreira que necessariamente encontramos ao
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confrontar o Absoluto tanto através da ciência como através da religião. Apenas podemos explicar a existência do Universo por intermédio de nossa imaginação humana, inventando histórias e modelos sobre horizontes em fuga. O Ser precede o Devir” (A, 394). Em face disso, talvez a redução ao infinito não seja uma solução possível ao trilema de FRIES. Chegar-se-á a um ponto, na série de perguntas e exigências de demonstração, a partir do qual não se poderá ir. Tal como a criança, que pergunta o porquê de tudo, e, se encontra um adulto que respeite sua curiosidade, enche-lhe de perguntas que invariavelmente chegam à origem do Universo, de onde nem mesmo a física contemporânea consegue passar, conforme acima reconhecido por um de seus expositores. Seria este o lugar do dogma, da crença ou da fé? A justificativa primeira de tudo – inclusive do próprio conhecimento científico? Antes de se responder a essa pergunta, é preciso observar a abissal diferença que existe entre a afirmação de que o dogma, a crença ou a fé justificam o próprio conhecimento, e uma outra afirmação, de que a ciência estuda dogmas, se exprime através de dogmas, ou é ela mesma dogmática. O conhecimento científico, já se viu, é provisório, e passível de refutação. Não é dogmático. A solução, portanto, parece ser a de aceitar as limitações humanas, e, portanto, do conhecimento humano, mas reconhecer a possibilidade do homem de continuamente superar-se. Se hoje não é possível ter-se conhecimento científico em torno de algo, isso deve ser reconhecido, e a cadeia de fundamentações a que aludem FRIES e POPPER há de ser interrompida, recorrendo-se a
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uma fundamentação metafísica, “inventando histórias sobre horizontes em fuga”, como disse GLESNER. Mas isso não impede que, a qualquer momento, haja um retorno à cadeia de fundamentações, para que se vá um pouco mais longe. Em qualquer caso, não há lugar para o dogmatismo. Se podemos falar em algum papel, ou lugar, para a fé, a crença ou o dogma na ciência, esse é o de justificar a confiança do cientista na própria ciência. Uma “profunda fé na capacidade da razão humana de poder entender o mundo à sua volta”, nas palavras de MARCELO GLESNER (A, 19). Em suma, o único papel que se pode atribuir à fé, no âmbito da ciência, é o de motivar o cientista, que acredita ser possível chegar à verdade através do conhecimento, vale dizer, uma crença na ciência. Em relação ao Direito, pode-se dizer que o jurista acredita no Direito como instrumento para a solução racional dos conflitos em sociedade, e acredita poder conhecê-lo e aperfeiçoálo. Mas não se há de passar daí, pois a crença não pode substituir a verificação, a análise, a discussão e a experiência destinadas a confirmar (ou refutar) enunciados que pretendam ser científicos. Quanto à fundamentação, se a física reconhece não poder fundar-se em si própria para explicar sua origem e sua razão de ser, é incompreensível que no Direito se continue buscando explicação para a ordem jurídica na própria ordem jurídica, ou em uma “norma hipotética fundamental”. Tal como na física, não se podem usar leis que existem para explicar por que existem, por que não são distintas do que são, e de onde vêm. Como se trata de criação humana destinada a regrar a vida em sociedade, que, no dizer de PONTES DE MIRANDA, “mais de perto copiou a mecânica das leis físicas” (G, 8), o Direito há de fundar-se na aceitação, na
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legitimidade e no consenso, que serão obtidas quanto mais justas forem as suas disposições.
2.6. A DOGMÁTICA JURÍDICA NÃO É DOGMÁTICA? Sendo hoje bastante claras as insuficiências do positivismo jurídico, os autores que insistem no emprego da expressão “dogmática jurídica” se vêem obrigados a uma série de esclarecimentos em torno dela. É o que ocorre com alguns autores que, conquanto tenham (ou pareçam ter) consciência do que procuramos mostrar até agora, e até colaboram na demonstração dessas insuficiências, seguem utilizando o termo dogmática jurídica. Não porque defendam o dogmatismo da ciência, ou se oponham ao que a esse respeito foi dito, mas porque consideram, como RAFAEL HERNÁNDEZ MARÍN, que o termo se justificaria por razões históricas e semânticas. Em suas palavras, “la denominación ‘dogmática jurídica’ tiene una justificación, histórica y semántica, en la que no nos vamos a detener” (A, 18). Tal como ALEXY, MARÍN tangencia a análise em torno do termo, talvez por saber que a sua origem histórica não é nobre: reside na chamada escola da exegese, hoje considerada tão equivocada e descabida que os teóricos do Direito nem se dão mais ao trabalho de a criticar. Essa origem, aliás, é mencionada por MIGUEL REALE (A, 416), e por AFTALIÓN, VILANOVA e RAFFO. Enquanto o primeiro mantém o uso do termo, por razões que serão examinadas mais adiante, os últimos não lhe poupam críticas precisamente por conta de seu “notable paralelismo com la escuela francesa de a exégesis” (A, 243). Também AGOSTINHO RAMALHO MARQUES
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NETO destaca que a escola da exegese tem acentuado formalismo dogmático, decorrente da “ingênua concepção empirista que considera a norma jurídica como algo dado, ignorando o fato de que ela é construída para atender condições sociais específicas, intrinsecamente dinâmicas, que não podem ser imobilizadas por qualquer legislação que seja” (A, 153). A razão histórica, portanto, recomenda o abandono do termo, e não sua manutenção. Quanto a uma maior precisão semântica com ele obtida, não se pode negar, como aqui já foi dito, a utilidade de se designar com expressões distintas o estudo do Direito como um todo, sem referência a um ou outro ordenamento específico, do estudo voltado ao Direito de determinada comunidade, ou a parte dele. Daí por que é aparentemente procedente a afirmação de que o termo seria adequado, por permitir essa designação. Entretanto, parece-nos que nem para isso serve a expressão dogmática jurídica, que por alguns autores é usada para designar também a Teoria Geral do Direito, para diferenciá-la da Filosofia do Direito. A primeira seria o estudo “dogmático” das características comuns a qualquer ordenamento, descritivo, sem a feitura de juízos de valor, enquanto a segunda ocupar-se-ia de estudar os aspectos fundamentais e axiológicos do Direito, por um prisma crítico. Confira-se, a propósito, AFTALIÓN, VILANOVA e RAFFO (A, 247). Aliás, a explicação para o uso da expressão dogmática jurídica como forma de designar o estudo do Direito positivo, tanto o especial como também o geral, é a já apontada relação umbilical entre dogmática e positivismo. E mais: a intenção de certos setores do positivismo jurídico de abolir a Filosofia do Direito, substituindo-a pela Teoria Geral. Considerando que a distinção mais comumente apontada entre Filosofia e Ciência é a generalidade da
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primeira e a especificidade da segunda (distinção esta que hoje tem seus contornos cada vez menos nítidos), a Teoria Geral do Direito foi uma criação positivista para se acabar com a Filosofia do Direito. ARTHUR KAUFMANN, a esse respeito, observa que a Teoria Geral do Direito seria uma “‘emancipación’ de la filosofia” (A, 49), enquanto RAFAEL HERNÁNDEZ MARÍN define a Teoria Geral do Direito como o próprio estudo do Direito “en el plano filosófico” (A, 18). Então dogmática seria a parte da ciência jurídica dedicada ao estudo de um determinado ordenamento, de forma descritiva, ou a parte dedicada aos aspectos comuns a todos os ordenamentos, a serem também meramente descritos? A aparente precisão semântica obtida com a expressão, como se vê, não existe. Isso para não referir a existência de autores, como CANOTILHO, que dão à expressão dogmática ainda um outro significado, que é o de disciplina que “procura auxiliar o jurista constitucional” – ele reporta-se especificamente à dogmática constitucional – “fornecendo-lhe esquemas de trabalho, regras técnicas, modos de argumentação e de raciocínio indispensável à ‘solução’ ou ‘decisão’, justa e fundamentada, dos ‘casos’ ou ‘problemas’ jurídico constitucionais” (A, 18). Daí por que nem por motivos históricos nem por motivos semânticos o termo dogmática jurídica merece constar de obras com as quais supostamente se faz ciência do Direito, em qualquer de suas modalidades ou espécies. Mas há os autores que não fazem essa ampliação do termo dogmática jurídica. Ao que acabamos de afirmar, diriam que se trata de ampliação equivocada do termo, e designariam com ele apenas o estudo de determinado ramo do Direito positivo de certa comunidade. E afastam também a idéia de que dogmática induza a dogmatismo. É o caso de FERRAZ JR., anteriormente referido, que reproduz distinção atribuída a VIEWHEG. Nesse caso, defende-se
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que seria válido seguir empregando a expressão “dogmática jurídica”, até porque ela “não se exaure na afirmação do dogma estabelecido, mas interpreta sua própria vinculação, ao mostrar que o vinculante sempre exige interpretação, o que é a função da dogmática. De modo paradoxal, podemos dizer, pois, que esta deriva da vinculação a sua própria liberdade. Por exemplo, a Constituição prescreve: ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O jurista reconhece essa norma como o princípio da legalidade. Prende-se a ele. No entanto, que significa aí lei? Como é ele quem vai esclarecer isso, cria-se para o jurista um âmbito de disponibilidade significativa: lei pode ser tomado num sentido restrito, alargado, ilimitado etc.” (A, 49). Parece ser esse também o reconhecimento de JACINTO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, para quem falar de dogmática “não é falar de dogmatismo; e isto é despiciendo discutir” (A, 225). Curiosamente, é o terceiro autor a tangenciar o tema, que parece deixá-los desconfortáveis. Enquanto ALEXY, como já vimos (B, 283), disse que seria profundo demais para o seu trabalho, e MARIN afirmou simplesmente que não ia se deter no assunto (A, 18), MIRANDA COUTINHO considerou a discussão despicienda. Não obstante, continua ele, não são poucos os que seguem confundindo dogmática com dogmatismo, “com efeitos desastrosos para o Direito” (A, 225). Para MIRANDA COUTINHO, a dogmática precisa ser “crítica (do grego kritiké, na mesma linha de kritérion e krisis), para não se aceitar a regra, transformada em objeto, como realidade” (A, 226). ARIANI BUENO SUDATTI preconiza a necessidade de se pensar “o dis-
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curso da dogmática jurídica a partir de um ponto de vista crítico...” (A, 20). ARTHUR KAUFMANN, do mesmo modo, afirma que a identificação de um setor da ciência do Direito como sendo dogmático “no significa necesariamente que el dogmático del derecho se conduzca sin crítica; péro también allí donde actúa críticamente, por acaso em el examen de una norma legal (cuando, por ejemplo, el Tribunal Federal Constitucional controla rigurosamente la constitucionalidad de disposiciones coactivas), argumenta el dogmático siempre intrasistemáticamente (para decirlo otra vez)” (A, 48). Kaufmann ressalta, em seguida, que tal postura “intra-sistemática” é perfeitamente legítima no âmbito da dogmática, mas “comienza a ser, empero, peligrosa cuando rechaza la manera de pensar no dogmática de la filosofia del derecho orientada transistemáticamente y la califica de innecesaria, ‘puramente teorética’ o sencillamente anticientífica e irracional” (A, 48). Também ATIENZA reconhece que o jurista, não obstante dogmático, “contribuye de diversas formas a moldear el material normativo que constituye, al mismo tiempo, su material de estudio” (A, 19). ROBERT ALEXY também não reserva mais ao dogmático apenas a descrição de normas. Para ele, a ciência jurídica dogmática “é uma mistura de ao menos três atividades: (1) aquela de descrever a lei em vigor, (2) aquela de sujeitá-la a uma análise conceitual e sistemática e (3) aquela de elaborar propostas sobre a solução própria do problema jurídico. Como fica claro a partir disso, a dogmática jurídica é uma ‘disciplina multidimensional’” (B, 241). MIGUEL REALE, aliás, há bastante tempo já se colocava a questão da pertinência do nome, de seus problemas, e do seu sentido “verdadeiro”. São suas palavras:
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“Qual a razão de ser desse nome? Como se explica o emprego dessa terminologia que à primeira vista surpreende? Por que Dogmática Jurídica? Muitas confusões surgem pelo uso da palavra ‘dogmática’, por entenderem alguns estudantes, levados pela aparência verbal, que essa pesquisa implicaria a aceitação, sem discussão, das verdades jurídicas como se tratasse de regras absolutas e infalíveis. Toma-se erroneamente a palavra ‘dogma’ como uma imposição à inteligência e uma violentação aos valores da consciência...” (B, 320). Ora, por que é “errôneo” tomar a palavra dogma como imposição? Não é isso que ela designa? Qual outro sentido teriam então as expressões dogma e dogmática além daquele sugerido por sua “aparência verbal”? Com todo o respeito, devemos lembrar, ao julgar a lição de REALE, que a origem da expressão dogmática jurídica reside exatamente no afastamento da discussão em torno das “verdades jurídicas”, como se se tratasse de “regras absolutas e infalíveis”. Basta conferir alguns outros autores que a utilizam, e afirmam que o jurista deve descrever normas tal como o teólogo, sem “ousar” colocá-las em discussão. GARCÍA MÁYNEZ, como já vimos, compara o jurista ao teólogo, afirmando que assim como o teólogo “se funda en dogmas que estima revelados por Dios y reputa indiscutibles, el jurista, cuando procede estrictamente como tal, vuelve los ojos a las leyes e instituciones de un ordenamiento determinado y se limita a clasificarlas y sistematizarlas, mas no emite juicios de valor acerca de su contenido ni se atreve a poner en duda su obligatoriedad” (A, 125).
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Os “reparos” feitos posteriormente pelos que insistiram e insistem na defesa de uma “dogmática jurídica” terminaram, aos poucos e gradativamente, por descaracterizá-la enquanto tal. O próprio REALE, aliás, afirma que as regras jurídicas são dogmas “porquanto não podem ser contestadas na sua existência, se forem válidas”, e que “pode haver discussões quanto ao seu alcance e eficácia” (B, 321). Mesmo se ficarmos apenas nas ressalvas por ele admitidas (relativas à validade, ao alcance e à eficácia da norma), que não são as únicas possíveis, teremos aberto porta enorme para que se emitam juízos de valor a respeito do conteúdo da norma e haja atrevimento para se colocar em dúvida a sua obrigatoriedade. Tudo isso mostra que mesmo os que mantêm o uso da expressão dogmática jurídica, ou ciência dogmática, reconhecem que a mesma não é dogmática. Por que, então, insistir em sua utilização, que obriga a todo um esforço esclarecedor (e “paradoxal”, como reconhece FERRAZ JR.), para afastar a “aparência verbal” do termo? MIRANDA COUTINHO escreve um longo texto só para afirmar – em termos muito semelhantes aos de REALE, que, não obstante, não é referido – que dogmática não se confunde com dogmatismo, e que são desastrosos os efeitos dessa confusão para o Direito. Não seria mais fácil evitar a confusão com a simples substituição da palavra? Até porque algo que é conhecido por dogmático só pode mesmo ter o caráter do dogmatismo, a menos que se queira dizer que, para a ciência jurídica, por razões assaz misteriosas, a palavra dogmática tem sentido oposto ao que tem em todos os demais âmbitos em que a linguagem verbal é empregada. Nesse caso, o jurista deverá a cada passo redefini-la, como a dizer que, para o discurso jurídico, o quadrado na verdade é uma esfera. A comparação geométrica é adequada. O que os atuais teóricos do Direito fazem, para defender o uso da expressão dogmática
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jurídica, é algo como a postura de um geômetra que falasse em quadrado, mas afirmasse que o quadrado que está a referir é peculiar, e não tem as características que a “aparência verbal” em um primeiro momento sugere: seria, em verdade, uma superfície plana limitada por uma linha curva cujos pontos são eqüidistantes de um ponto fixo situado em seu centro. A definição do círculo para designar um quadrado só gera confusão, pois, como bem observa MARQUES NETO, é absurdo definir a Ciência do Direito “como uma ciência dogmática, sem atentar para a profunda contradição em que tal expressão implica ao reunir dois termos irredutivelmente antagônicos” (A, 181). É o caso de MIRANDA COUTINHO, que chega a falar em uma “dogmática crítica”, e parece, com isso, destinatário da observação por ele próprio feita, de que “encastelados em um saber marcado pelo senso comum teórico, na feliz expressão do WARAT, impressiona a imensa dificuldade de se romper com o erro. Falta, como parece sintomático, humildade. Sabe-se sobre o erro, não raro grosseiro, mas se persiste nele sem razão, por pura força do inconsciente, numa luta que pelo sintoma faz-se ver como interna, mas que se projeta para fora, sustentando – e às vezes eternizando – o sofrimento” (A, 225/226). Encastelados hoje no “senso comum” de que o Direito seria dogmático, os que se ocupam da ciência jurídica sabem do erro (talvez grosseiro) em que incorrem, tanto que cogitam de “dogmática crítica”, ou dão mil justificativas e explicações para o uso da palavra “dogmática”. Mas têm imensa dificuldade em romper com ele. Falta, ao que parece, humildade, para retificar o uso da expressão, reconhecendo o enorme equívoco que é o seu emprego. O argumento de que o termo se encontra consolidado, e de que sua ligação com o dogmatismo é apenas histórica (e não atual), não justifica que se siga com o seu emprego.
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Quanto à consolidação, ela, em si mesma, não pode ser motivo para que não se façam alterações no âmbito da ciência. Do contrário, consolidado que a geração espontânea fazia brotar ratos em pães umedecidos com leite e guardados em um quarto escuro, não se poderia jamais mudar o curso da biologia. Da mesma forma, consolidado o geocentrismo, o heliocentrismo não teria lugar. Por outro lado, o termo não está assim tão consolidado, e não há consenso quanto à sua significação. Tanto que tem justificado a elaboração de textos destinados apenas a demonstrar que a dogmática não enseja o dogmatismo, devendo ser crítica, o que só mostra que a consolidação, se há, precisa ser urgentemente revista. Quanto à ligação meramente histórica, e não relevante para determinar o sentido da expressão hoje, o testemunho de MIRANDA COUTINHO poderia ser suficiente para demonstrar o contrário. Não são poucos – diz ele – os que confundem dogmática com dogmatismo, com conseqüências desastrosas para o Direito? REALE, muito antes, não já dizia, também, que “levados pela aparência verbal”, muitos pensam que “essa pesquisa implicaria a aceitação, sem discussão, das verdades jurídicas como se tratasse de regras absolutas e infalíveis” (B, 320), pois se toma “erroneamente a palavra ‘dogma’ como uma imposição à inteligência e uma violentação aos valores da consciência” (B, 320)? Por que será que essa confusão acontece? Será porque ser dogmático realmente implica – a linguagem está a dizer – dogmatismo? É evidente que sim. É errôneo, portanto, tomar a palavra “dogma” como uma “imposição à inteligência”? Não. O errôneo é utilizar a palavra “dogma”, algo incompatível com a natureza do Direito, e do conhecimento científico que se pretende ter dele. Mesmo a postura mais equilibrada de KAUFMANN, que ressalta a impossibilidade – e o perigo – de uma visão dogmática do
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direito no campo da filosofia, não nos parece correta, pois não é possível traçar uma separação estanque entre o estudo interno, ou intra-sistemático, de um estudo externo ou extra-sistemático do Direito. Tais instâncias se comunicam, e até mesmo a idéia de sistema jurídico atualmente adotada é a de um sistema aberto. Como ressalta CANARIS, “isto vale tanto para o sistema de proposições doutrinárias ou ‘sistema científico’, como para o próprio sistema da ordem jurídica, o ‘sistema objetivo’. A propósito do primeiro, a abertura significa a incompletude do conhecimento científico, e a propósito do último, a mutabilidade dos valores jurídicos fundamentais” (A, 281). Mesmo o estudo intra-sistemático não é fechado, não merecendo o equivocado e indevido batismo de “dogmático”, que não tem nenhuma razão para continuar sendo empregado, mas reúne muitas para deixar de sê-lo. Afinal, se mesmo os que ainda utilizam a expressão explicam que tratam, paradoxalmente, de uma “ciência dogmática não dogmática”, por que, então, não excluir o termo, que com esse esclarecimento torna-se muitíssimo mais desnecessário que o Tû-Tû da caricatura de ALF ROSS (A, 17)? Afinal, Ciência + Dogmática – Dogmática = Ciência.
2.7. TERMINOLOGIA ADEQUADA E SUAS RAZÕES Se o que o autor de um estudo pretende fazer é ciência, deve usar essa expressão, e não algo relacionado ao dogma, que lhe é antônimo. E deve estar em dia em torno do que se está a dizer do conhecimento científico, no campo da epistemologia.
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Não se nega a necessidade de se empregar expressão que diferencie um estudo geral do Direito, não focado em um ordenamento jurídico (e a uma realidade social subjacente) em particular, de um lado, de um estudo específico, que tenha como objeto um ordenamento ou uma parcela de um ordenamento determinado, e a realidade social e axiológica a ele subjacente, de outro. O que não é necessário é dizer-se que esta última espécie de ciência seria, paradoxalmente, “dogmática”, ainda que se trate de um exame com propósitos mais imediatos e pragmáticos das normas em vigor. Da abordagem geral do Direito, voltada para aspectos comuns ou gerais a vários ordenamentos, e às várias realidades sociais e axiológicas a eles subjacentes, pode-se dizer simplesmente que se trata de Ciência do Direito, Teoria do Direito. O qualificativo “Geral”, ainda presente em muitos manuais, talvez seja desnecessário, pois, logicamente, a especificidade é que deve ser explicitamente referida, se for o caso. Se alguém faz afirmação relativa aos astros, e não especifica se se reporta a estrelas, quasares, planetas, satélites ou pulsares, subentende-se que sua afirmação abrange todos eles. Dependendo do enfoque utilizado, se mais especulativo e universalizante, pode-se usar a expressão Filosofia do Direito, sendo certo, aliás, que está cada vez menos nítida, em todas as searas do conhecimento, a fronteira entre ciência e filosofia, pois, como observa BERTRAND RUSSEL (A, 11/12), ambas se caracterizam pela refutação, pelo inconformismo diante do argumento místico ou de autoridade, em busca do conhecimento. Já o trato de determinado ordenamento jurídico, ou de determinada parcela de um ordenamento jurídico (e, não custa insistir, de forma indissociável, também dos fatos e valores a eles subjacentes), deve-se intitular também de Ciência do Direito, ou Teoria
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do Direito, mas com a referência a qual Direito, ou parte dele, está sendo examinada (Teoria do Direito Administrativo Brasileiro, Ciência do Direito Tributário Argentino, Ciência do Direito Penal Espanhol etc.). Mesmo dentro desse exame de um ordenamento jurídico específico, ou de parte dele, pode surgir a necessidade de diferenciar afirmações a respeito de como ele efetivamente é, e de como deveria ser. Essa necessidade, contudo, não nos autoriza a classificar a primeira espécie de afirmações como sendo “dogmáticas”, porque isso elas seguramente não são. Se não há dúvida de que determinada conduta é tratada de maneira “x” pelo Direito positivo, e assim deve ser considerada, mas, para os estudiosos do Direito, deveria ser tratada de maneira “y”, não é apropriado dizer-se que o tratamento “x” seria imposto pela “dogmática”, enquanto o “y” seria recomendável em um plano “filosófico” ou “zetético”. Não. A rigor, é a ciência que dá ao estudioso os elementos para considerar que “x” é a conduta prescrita pelo Direito positivo, mas que “y” seria a conduta mais recomendável. É a ciência que lhe dá meios para buscar a correção do Direito positivo, seja pela via da interpretação, seja pela da reforma legislativa, quando pela primeira forma isso não seja possível. As normas são apenas o aspecto técnico pelo qual o Direito se exprime, e a ciência não apenas as descreve e compreende, mas também as aperfeiçoa. É o mesmo que acontece quando a química e a biologia dão ao cientista conhecimentos que lhe possibilitam ministrar de forma mais eficaz um medicamento já existente, ou aperfeiçoar esse medicamento alterando-lhe a fórmula; ou quando a engenharia mecânica dá ao seu estudioso meios de aperfeiçoar mecanismo preexistente, e também para elaborar um outro, novo e melhor.
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Em suma, no exemplo citado, deve-se dizer que, à luz do Direito positivo, a solução prevista é “x”, mas que, por razões “a” ou “b”, essa solução deveria ser “y”. Se as razões que justificam a solução “y” não impõem a invalidade da solução “x”, ou não são suficientes a que ela seja alterada no plano interpretativo, deve-se buscar uma alteração do direito positivo. Em qualquer caso, porém, é a mesma ciência do direito que indica ao estudioso que a solução é “x”, mas deveria ser “y”. Isso mostra não ser apropriado dizer-se que, não obstante o fenômeno jurídico seja tridimensional (fato, valor e norma), a ciência jurídica ocupar-se-ia da norma, a sociologia jurídica do fato e a filosofia do direito do valor. Não. As ciências não se diferenciam por seu objeto, necessariamente, mas sim pela abordagem que fazem dele. Um mesmo objeto pode ser examinado à luz da medicina, da psicologia, da sociologia, da ciência atuarial etc. Assim, ensina MARQUES NETO, “à ciência do Direito compete o estudo de todos esses fatores (fato, valor e norma), considerados em sua n-dimensionalidade” (A, 190). Essa é a lição de ARNALDO VASCONCELOS (A, 17), para quem não há como destacar um desses aspectos de forma autônoma e independente. Quando muito essa separação pode ocorrer de modo didático, e ainda assim levará a um estudo parcial e insuficiente. Mesmo o sociólogo, o filósofo ou o jurista não conseguem ver o fenômeno apenas em uma de suas dimensões. Aliás, é precisamente por isso, e pelo caráter não meramente descritivo que deve ter a ciência contemporânea, que ARNALDO VASCONCELOS preconiza um tridimensionalismo axiológico do Direito, que “não prescinde da teoria clássica, nem a afasta, qualquer que seja de suas várias formulações. Antes a
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pressupõe, com ela instaurando relações de complementaridade. O ponto de partida há de ser sempre a afirmação, de cunho universal, de que o Direito é fato, valor e norma. Não existe senão com essas três dimensões. Contudo, o enunciado da teoria é meramente descritivo, situando-se na ordem sociológica da pura constatação. Direito não deve ser fato, valor e norma; é, e não pode deixar de ser. Na margem oposta, a nova teoria afirma que, além da primeira qualificação da juridicidade, o Direito deve ser justo e legítimo. Pode ser, sem deixar de ser Direito. Precisamente nessa diferença, matriz de férteis resultados no domínio da produção filosófica e científica, parece residir a superioridade do tridimensionalismo axiológico, aqui proposto em suas linhas gerais” (B, 31). Basta pensarmos um pouco no trabalho desempenhado pelo advogado, pelo juiz, pelo professor de Direito, para vermos que nenhum deles se ocupa apenas de normas. As normas não têm sentido se divorciadas dos fatos por elas regulados, e dos valores que a eles o homem atribui. O Direito é composto dessas três dimensões, e as várias ciências (sociologia, psicologia, jurisprudência etc.) que dele se ocupam vêem essa realidade com óticas diferentes, sob perspectivas distintas, mas sempre em sua tridimensionalidade. Daí por que não se pode dizer que, por serem as normas tidas como dogmas, a ciência do direito seria dogmática. Talvez essa expressão siga sendo utilizada porque é considerada pomposa, aparentando dar maior imponência àquele que diz dela se ocupar.
CONCLUSÕES
Em razão do que foi visto ao longo deste pequeno ensaio, podemos concluir, em síntese, o seguinte: a) Dogmática jurídica, no vocabulário jurídico-científico, geralmente designa o ramo da ciência jurídica que se ocupa de um conjunto de normas jurídicas vigentes em determinada comunidade. O cunho dogmático de tal conhecimento decorreria do fato de que as normas não serão discutidas, nem serão aceitas soluções que delas não decorram. Perquire-se, em suma, em torno do direito que é, e não daquele que deveria ser. b) Seu uso seria importante para designar o estudo voltado a determinado ramo do Direito positivo (penal, administrativo, civil), em oposição a um estudo totalizante do Direito, seja ele científico (Teoria Geral do Direito) ou filosófico (Filosofia do Direito). c) Outra causa – talvez não percebida de forma consciente pelos que a empregam, mas que por isso não deixa de estar presente – é a sonoridade da expressão dogmática jurídica, que atribui aparentes importância e distinção a quem sobre ela discorre. d) O conhecimento científico, contudo, é atualmente definido por exclusão. É científico, basicamente, o conhecimento que não é dogmático, pelo que talvez seja adequado, pelo menos, reavaliar o uso da expressão ciência dogmática do Direito. e) A dogmática jurídica tem seus germes no trabalho dos glosadores do Direito Romano e na escola histórica do Direito. Seu paralelismo é bastante grande, contudo, com a chamada Escola da Exegese, tendo sido propagada e largamente utilizada a expressão
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em função da difusão do positivismo jurídico, especialmente de cunho legalista, com o qual guarda intensa compatibilidade. f) As insuficiências do positivismo jurídico, e de uma visão dogmática do Direito, levaram teóricos contemporâneos a defender a manutenção do uso dessa expressão, mas com inúmeras ressalvas e complementos. Chega-se a falar em dogmática crítica, o que é inteiramente paradoxal, para afastar o erro de se confundir dogmática com dogmatismo, o que seria desastroso para o Direito. g) Mais adequado para evitar tal confusão, e para afastar o dogmatismo do âmbito do Direito, é simplesmente deixar de se fazer referência ao estudo do Direito, em qualquer de suas vertentes ou modalidades, como sendo dogmático. O Direito pode ser estudado por diversos prismas ou abordagens, não tendo nenhum deles caráter dogmático. h) Se se quer diferenciar o estudo de determinado ramo do Direito positivo, de um estudo geral, pode-se simplesmente falar em ciência do direito penal espanhol, ou teoria do direito civil brasileiro, em oposição à teoria do direito, ou à ciência do direito, e à filosofia do direito. Em qualquer caso, a expressão dogmática jurídica mais confunde que esclarece, sendo de todo recomendável o seu abandono.
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E – Sistema de Ciência Positiva do Direito, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, t. III. F – Sistema de Ciência Positiva do Direito, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Campinas: Bookseller, 2000, t. IV. G – Tratado de Direito Privado, 3. ed., Rio de Janeiro: Borsói, 1970, t. I. PERELMAN, Chaïm. A – Lógica jurídica, tradução de Vergínia K. Pupi, 1. ed., 3. tiragem, São Paulo: Martins Fontes, 2000. POPPER, Karl. A – A vida é aprendizagem – Epistemologia evolutiva e sociedade aberta, tradução de Paula Taipas, São Paulo: Edições 70, 2001. B – A lógica da pesquisa científica, 12. ed., tradução de Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota, São Paulo: Cultrix, 2006. REALE, Miguel. A – Filosofia do Direito, 19. ed., São Paulo: Saraiva, 2000. B – Lições preliminares de Direito, 10. ed., São Paulo: Saraiva, 1983. RODRIGUES, J. M. Resina. A – Verbete “Ciência”, em Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Lisboa/São Paulo: Verbo, 1983, v. 1. RODRIGUEZ, José Rodrigo. A – Dogmática da liberdade sindical, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. ROESLER, Cláudia Rosane. A – “Enfoque dogmático e enfoque zetético como pontos de partida para realizar a interdisciplinaridade no ensino jurídico contemporâneo”, em http://www2. univali.br/revistaREDE/rede5/artigos/artigo_1.doc, acessado em 15/6/2007, às 12:45h. ROGÉRIO, Nuno. A – Verbete “Dogmático”, em Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Lisboa/São Paulo: Verbo, v. 2, 1984. ROSS, Alf. A – Tû-Tû, tradução de Edison L. M. Binni, São Paulo: Quartier Latin, 2004. ROULAND, Norbert. A – Nos Confins do Direito, tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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ÍNDICE ONOMÁSTICO (Os números referem-se às páginas.)
A ADEODATO, João Maurício, 10 AFTALIÓN, Enrique R., 9, 19, 24, 29, 30, 51, 53 ALEXY, Robert, 5, 6, 7, 51, 55, 56 ANTONELLI, Leonardo Pietro, 3 ÁVILA, Humberto, 35, 39, 40 ATIENZA, Manuel, 4, 56 AZEVEDO, Plauto Faraco de, 6 B BACHELARD, Gaston, 33 BARBOSA, Joaquim, 30 C CANARIS, Claus Wilhem, 61 CANOTILHO, J. J. Gomes, 54 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda, 6, 39, 40, 55, 58, 60
FRIES, Jakob Friedrich, 47, 50 G GADAMER, Hans-Georg, 35, 38 GLESNER, Marcelo, 49, 51 GOMES, Marcus Livio, 3 GRACIE, Ellen, 30 GRAU, Eros Roberto, 35 GUERRA, Marcelo Lins, 10, 37 GUSMÃO, Paulo Dourado de, 6, 13, 14 H HABERMAS, Jürgen, 45, 48 HAESAERT, J., 6 HESSEN, Johannes, 14, 15, 16, 25, 26, 28 HOUAISS, Antonio, 26 I
D IERARDO, Esteban, 47 DWORKIN, Ronald, 36 E ENGISCH, Karl, 38 F FERRAZ JR., Tercio Sampaio, 6, 8, 32, 54, 58
J JAPIASSU, Hilton Ferreira, 27 JARACH, Dino, 3 K KANT, Immanuel, 15
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KANTOROWICZ, Hermann, 31 KAUFMANN, Arthur, 54, 56, 60 KELSEN, Hans, 35, 38, 39 KIRCHMANN, Julius Hermann von, 42 KUHN, Thomas, 20, 21, 42 L LAPATZA, J. J. Ferreiro, 3 LARENZ, Karl, 10, 32, 39
R RAFFO, Julio, 19, 24, 52, 53 REALE, Miguel, 6, 9, 10, 32, 52, 56, 57, 58, 60 RODRIGUES, Resina, 22, 23 ROESLER, Claudia Rosane, 8 ROGÉRIO, Nuno, 25 ROULAND, Norbert, 43 ROSS, Alf, 61 RUSSEL, Bertrand, 62
M
S
MACCORMICK, Neil, 36 MARÍN, Rafael Hernández, 4, 52, 54 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho, 13, 15, 16, 23, 24, 29, 33, 42, 43, 52, 59, 64 MÁYNEZ, Garcia, 31, 57 MENDES, Gilmar, 30 MIRANDA, F. C. Pontes de, 11, 15, 18, 19, 44, 45, 50 MÜLLER, Friedrich, 5 MÜNCHHAUSEN, Barão de, 47
SAGAN, Carl, 21 SICHES, Recaséns, 9 SCHNEIDER, Theodor, 1 SOUZA, Daniel Coelho de, 12, 33, 34 STAMMLER, Rudolf, 9 SUDATTI, Ariani Bueno, 55
O OLANO, Fernando García, 9, 29, 30 P PERELMAN, Chaïm, 35, 36, 39 POINCARÉ, Henri, 14 POPPER, Karl, 16, 17, 20, 21, 24, 42, 47, 48, 49, 50
V VASCONCELOS, Arnaldo, 23, 25, 27, 63 VIEHWEG, Theodor, 8, 9, 54 VILANOVA, José, 9, 19, 24, 29, 30, 52, 53 VILLEY, Michel, 12, 40, 45 W WARAT, Luis Alberto, 59 WERBICK, Jürgen, 27
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO (Os números referem-se às páginas.)
A além da lei (interpretação), 8 amplitude do fenômeno jurídico, 8 astronomia, 1 autonomia científica, 3 autonomia dogmática, 3 B Big-bang, 49 biologia, 34, 60, 63 C ciência do direito positivo, 3, 11, 30 ciência dogmática, 3, 7, 13, 27, 28, 31, 58, 59, 61, 67 ciência jurídica, 9, 13, 23, 40, 49, 54, 56, 58, 59, 64, 67 científico e dogmático são conceitos antônimos, 27 clareza (da linguagem científica), 36 Código Tributário Nacional, 6 Código Tributário Nacional, art. 169, 41 comunidades pré-históricas, 44 conforme à lei (interpretação), 8 conhecimento científico,1, 6, 13, 14, 20, 21, 24, 28, 34, 42, 46, 50, 60, 61, 67 consistência teórica, 13 Constituição, 6, 8, 36, 37, 39, 47, 55
contra a lei, 8 · caráter autoquestionador, 13 · caráter não-imposto e não-arbitrário, 14 · caráter revolucionário, 20 · certeza, 4, 14, 22, 23, 38 · confiança, 22, 27, 51 · contra legem (interpretação), 40, 10 D Decreto-Lei nº 406/68, art. 12, 41 direito positivo, 3, 9, 10, 11, 12, 30, 32, 41, 53, 54, 63, 64, 67, 68 direito privado, 3 direito que é, e não aquele que deveria ser, 7 Direito Tributário, 3, 4, 6, 63 direito tributário substantivo, 3 disciplina teológica, 25 dogmática científica, 13 dogmática jurídica, 1, 3, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 13, 26, 28, 29, 30, 31, 33, 37, 41, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 67, 69 E efetividade do processo, 6 epistemologia, 1, 14, 46, 61 Escola da Exegese, 52, 53, 67 esquimós, 44 essência da ciência jurídica, 13
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evolução das espécies, 22 F falseamento, 22, 47 fé, 1, 26, 27, 46, 50, 51 fenótipo, 19 Filosofia do Direito, 4, 8, 53, 54, 62, 64, 67, 68 física, 14, 22, 23, 34, 42, 49, 50, 51 G genoma, 19 H História, 7, 33, 44, 50, 51 I Idade Média, 23, 27 imperfeição, 15 interpretações contra legem, 41 intolerância dogmática, 27 insuficiências do positivismo jurídico, 52, 68 J jurisprudência, 6, 29, 65 L legislação tributária brasileira, 6 Lei Fundamental Alemã, 5 leis naturais, 34 M matemático, 1, 23, 34 motivos da eleição (da palavra “dogmática”), 6
motivos semânticos (para o uso da palavra “dogmática”), 55 N neutralidade, 14, 22, 42 O objetividade, 14, 23, 42 objetividade da ciência, 14, 23 objetividade e certeza, 23 origem do universo, 49, 50 outras áreas do conhecimento científico (não usam o termo “dogmática”), 1, 6, 34 P palavras que não têm sentido, 11 paradigma, 20, 21 postulado da pesquisa independente, 8, 32 praeter legem (interpretação), 8, 39 preceito canônico, 11, 33, 34 precisão da linguagem, 1, 11, 12 princípio da legalidade, 8, 55 provisoriedade (como característica da ciência), 15, 21, 30 psicologia, 64, 65 Q quadrado, 58, 59 questões fundamentais, 4 química, 35, 63 ramo da ciência jurídica, 67 ramo do Direito, 3, 6, 29, 41, 54, 67, 68 relação (de conhecimento), 4, 6, 14, 15, 18, 19, 21, 23, 26, 28, 29, 51, 53
Por que Dogmática Jurídica? S senso comum, 13, 59 sociologia, 64, 65 Superior Tribunal de Justiça, 41 Supremo Tribunal Federal, 29, 30 T teologia, 7, 27 teólogo, 11, 31, 32, 33, 34, 57 Teoria da Argumentação, 7 Teoria do Conhecimento, 1, 26, 27
81 teoria dogmática, 3, 5 Teoria Geral do Direito, 3, 4, 6, 53, 43, 67 teoria geral do direito tributário, 3, 6 tribos africanas, 44 tridimensionalidade, 65 trilema de FRIES, 47, 50 tutela jurisdicional, 6 Tû-Tû, 61 Z zetética, 8, 9
ÍNDICE SISTEMÁTICO
Sumário ........................................................................................................ Prefácio – Contra toda Dogmática ..............................................................
VII IX
Introdução ....................................................................................................
1
Capítulo I – O que é Dogmática Jurídica? ................................................... 1.1. Dogmática na doutrina .......................................................................... 1.2. Sentido em que é empregada a expressão dogmática jurídica ..............
3 3 7
Capítulo II – Análise Crítica da Dogmática Jurídica ................................... 2.1. O que é ciência? .................................................................................... 2.2. Ciência e não-ciência. O dogma ........................................................... 2.3. É possível, hoje, falar-se em uma ciência dogmática?.......................... 2.4. A dogmática jurídica e o papel do cientista e do aplicador do Direito ........ 2.5. A fundamentação do conhecimento e o dogma..................................... 2.6. A dogmática jurídica não é dogmática? ................................................ 2.7. Terminologia adequada e suas razões ...................................................
13 13 24 28 33 46 52 61
Conclusões ................................................................................................... Referências Bibliográficas ........................................................................... Índice Onomástico ....................................................................................... Índice Alfabético-Remissivo ........................................................................
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