Páginas do Exílio - Volume 1


225 20 20MB

Portuguese Pages [232]

Report DMCA / Copyright

DOWNLOAD PDF FILE

Table of contents :
miolo1 - 0003
miolo1 - 0004
miolo1 - 0005
miolo1 - 0006
miolo1 - 0007
miolo1 - 0008
miolo1 - 0009
miolo1 - 0010
miolo1 - 0011
miolo1 - 0012
miolo1 - 0013
miolo1 - 0014
miolo1 - 0015
miolo1 - 0016
miolo1 - 0017
miolo1 - 0018
miolo3 - 0020
miolo3 - 0021
miolo3 - 0022
miolo3 - 0023
miolo3 - 0024
miolo3 - 0025
miolo3 - 0026
miolo3 - 0027
miolo3 - 0028
miolo3 - 0029
miolo3 - 0030
miolo3 - 0031
miolo3 - 0032
miolo3 - 0033
miolo3 - 0034
miolo3 - 0035
miolo3 - 0036
miolo3 - 0037
miolo3 - 0038
miolo3 - 0039
miolo3 - 0040
miolo3 - 0041
miolo3 - 0042
miolo3 - 0043
miolo3 - 0044
miolo3 - 0045
miolo3 - 0046
miolo3 - 0047
miolo3 - 0048
miolo3 - 0049
miolo3 - 0050
miolo3 - 0051
miolo3 - 0052
miolo3 - 0053
miolo3 - 0054
miolo3 - 0055
miolo3 - 0056
miolo3 - 0057
miolo3 - 0058
miolo3 - 0059
miolo3 - 0060
miolo3 - 0061
miolo3 - 0062
miolo3 - 0063
miolo3 - 0064
miolo3 - 0065
miolo3 - 0066
miolo3 - 0067
miolo3 - 0068
miolo3 - 0069
miolo3 - 0070
miolo3 - 0071
miolo3 - 0072
miolo3 - 0073
miolo3 - 0074
miolo3 - 0075
miolo3 - 0076
miolo3 - 0077
miolo3 - 0078
miolo3 - 0079
miolo3 - 0080
miolo3 - 0081
miolo3 - 0082
miolo3 - 0083
miolo3 - 0084
miolo3 - 0085
miolo3 - 0086
miolo3 - 0087
miolo3 - 0088
miolo3 - 0089
miolo3 - 0090
miolo3 - 0091
miolo3 - 0092
miolo3 - 0093
miolo3 - 0094
miolo3 - 0095
miolo3 - 0096
miolo3 - 0097
miolo3 - 0098
miolo3 - 0099
miolo3 - 0100
miolo3 - 0101
miolo3 - 0102
miolo3 - 0103
miolo3 - 0104
miolo3 - 0105
miolo3 - 0106
miolo3 - 0107
miolo3 - 0108
miolo3 - 0109
miolo3 - 0110
miolo3 - 0111
miolo3 - 0112
miolo3 - 0113
miolo3 - 0114
miolo3 - 0115
miolo3 - 0116
miolo3 - 0117
miolo3 - 0118
miolo3 - 0119
miolo3 - 0120
miolo3 - 0121
miolo3 - 0122
miolo3 - 0123
miolo3 - 0124
miolo3 - 0125
miolo3 - 0126
miolo3 - 0127
miolo3 - 0128
miolo3 - 0129
miolo3 - 0130
miolo3 - 0131
miolo3 - 0132
miolo5 - 0149
miolo5 - 0150
miolo5 - 0151
miolo5 - 0152
miolo5 - 0153
miolo5 - 0154
miolo5 - 0155
miolo5 - 0156
miolo5 - 0157
miolo5 - 0158
miolo5 - 0159
miolo5 - 0160
miolo5 - 0161
miolo5 - 0162
miolo5 - 0163
miolo5 - 0164
miolo5 - 0165
miolo5 - 0166
miolo5 - 0167
miolo5 - 0168
miolo5 - 0169
miolo5 - 0170
miolo5 - 0171
miolo5 - 0172
miolo5 - 0173
miolo5 - 0174
miolo5 - 0175
miolo5 - 0176
miolo5 - 0177
miolo5 - 0178
miolo5 - 0179
miolo5 - 0180
miolo5 - 0181
miolo5 - 0182
miolo5 - 0183
miolo5 - 0184
miolo5 - 0185
miolo5 - 0186
miolo5 - 0187
miolo5 - 0188
miolo5 - 0189
miolo5 - 0190
miolo5 - 0191
miolo5 - 0192
miolo5 - 0193
miolo5 - 0194
miolo5 - 0195
miolo5 - 0196
miolo5 - 0197
miolo5 - 0198
miolo5 - 0199
miolo5 - 0200
miolo5 - 0201
miolo5 - 0202
miolo5 - 0203
miolo5 - 0204
miolo5 - 0205
miolo5 - 0206
miolo5 - 0207
miolo5 - 0208
miolo5 - 0209
miolo5 - 0210
miolo5 - 0211
miolo5 - 0212
miolo5 - 0213
miolo5 - 0214
miolo5 - 0215
miolo5 - 0216
miolo5 - 0217
miolo5 - 0218
miolo5 - 0219
miolo5 - 0220
miolo5 - 0221
miolo5 - 0222
miolo5 - 0223
miolo5 - 0224
miolo5 - 0225
miolo5 - 0226
miolo5 - 0227
miolo5 - 0228
miolo5 - 0229
miolo5 - 0230
miolo5 - 0231
miolo5 - 0232
miolo5 - 0233
miolo5 - 0234
miolo5 - 0235
miolo5 - 0236
miolo5 - 0237
miolo5 - 0238
miolo5 - 0239
miolo5 - 0240
miolo5 - 0241
miolo5 - 0242
miolo5 - 0243
miolo5 - 0244
miolo5 - 0245
miolo5 - 0246
miolo5 - 0247
miolo5 - 0248
miolo5 - 0249
miolo5 - 0250
miolo5 - 0251
miolo5 - 0252
miolo5 - 0253
miolo5 - 0254
miolo5 - 0255
miolo5 - 0256
miolo5 - 0257
miolo5 - 0258
miolo5 - 0259
miolo5 - 0260
miolo5 - 0261
miolo5 - 0262
miolo5 - 0263
miolo5 - 0265
miolo5 - 0266
miolo5 - 0267
Recommend Papers

Páginas do Exílio - Volume 1

  • 0 0 0
  • Like this paper and download? You can publish your own PDF file online for free in a few minutes! Sign Up
File loading please wait...
Citation preview

. Recolha de textos e organização ~ de Jorge Reis ~ ·Ilustrações de Leal da·Câmara

Ao chegar a Paris, a 3 de Junho de 1908, o •moço bisonho , quase donzel, nada estreado no entrecasco das coisas do mundo, ainda com a envide de nístico• e que acabava de se vispar dos galfarros da bufaria de João Franco, não trazia na valise rJ.e •janota• senão uma muda de roupa, a navalha de barba; o pincel e uma pitada de sabão em põ. No bolso do colete, mal cantava a meia-dtízia de patacos que restavam dos 200 mil réis que o pai obtivera de um tal • Sebastião da Tabosa • a troco de 7% de juro, - ·o que, -podendo ser ·bastante para mandar cantar um cego , não lhe :daria para o passadio de duas ou três semanas. Turista sem cheta nem bagagem , transportava, porém, um· alforge de promessas de «irmãos• e •primos• que lhe haviam jurado com os pés em esqttadria - a ele, raposo beirão. que jamais se iludiu com empana-parvos - que nunca, _por nunca ser, a .família• o deixaria comer «O pão amargo do exflio», esse pão· que Dante aborrecera, chor,ando lágrimas de sangue, ao ver-se homiziado em Verona que ficava a um lance de pedra da. sua Florença natal (!) .e, ainda menos, o abandonaria no ruisseàu ou no -recanto de uma ponte sobre o Sena. .. Bastar-lhe-ia procurar o seu patrão da «Vanguarda•, esse Hiram da Fraternidade portuguesa , o qual, embora não tivesse levantado templo veramente lusitano no oriente parisino , mantinha loja aberta num restaurante dos Grands Boulevards reputado pelos ágapes que servia a uma iniciada clientela ciosa de Verdade e famélica de luz - e car.icato palco das limonadas (o te-rmo é de Leal da Ctlmara ) do ilustre comensal, • intrépido jornalista e notável orador• (A BEIRA de 9 / X / 1909) que continuava • no estrangeiro a sua missão de restaurar o crédito de Portugal! ... •. O que , na sua ·boa fé , a .família• lisboeta ignorava é que, ao fim e ao cabo , o •foragido do Caminho Novo •, para quem •a ob-ra essencial do homem independente consiste em viver por si, isto é, à custa do seu "trabalho• e que •teoricamente, estava em dia com o que havia de mais progressivo no seu século•, não tinha frio nos olhos e seria capaz de tudo suportar para pisar «terra firme• e formar-se no País que ele considerava •todo Direitos do Homem e Sete Dores de Nossa Senhora•, -tanto mais que ele conhecia a lfngua aprendida no Colégio Roseira, de Lamego, no Seminário de Be}.a e ao correr de uma ou outra tradução-sopa-dos-pobres. Por is~o , com o entusiasmo dos seus 23 anos, sentia-se com alma bastante ,· não para se empanizar na vida de ramboia, nem para se civilizar consoante os preceitos queirozianos, mas para vir a -s er aquilo que há muito decidira: escritor! Jorge Rei;

Ediçao patrocinada pelo

lnstitu_ to Português do Uvro e da Leitura

Preço -2500$00

COLECÇÃO OUTRAS OBRAS

Outras obras desta colecção: ANTOLOGIA PANORÂMICA DO CONTO AÇORIANO

V816001 8

ROMANCEIRO GERAL PORTUGUÊ S I VOL .

V816010�

Organização de João de Melo

Teófilo Braga

ROMANCEIRO GERAL PORTUGUÊ S II VOL. Teófilo Braga

ROMANCEIRO GERAL PORTUGUÊ S III VOL. Teótilo Braga

PORTUGAL PEQUENINO Maria Angelina Brandão e Raul Brandão

FERNANDO PESSOA- POETA DA HORA ABSURDA Mário Sacramento

PANTAGRUEL Rabelais (versão de Jorge Reis)

AQUILINO EM PARIS Jorge Reis

HISTÓ RIA DA POESIA POPULAR PORTUGUESA Teótilo Braga

Se deseja receber informações pormenorizadas ou livros já publicados. peça o catálogo ao seu livreiro, preencha o postal que poderá encontrar nesta edição ou solicite ainda , através de um simples postal, informações periódicas para: VEGA Gabinete de Edições

1700 LIS BOA

-

V816012 5 V8160155 V8160175 V816022 6

CANTOS Giacomo Lepardi

Rua João S araiva,

V816011 5

36-3.0

Telef.

80 95 79

V8160267 V8160277 V816029 7

AQUILINO RIBEIRO

PÁGINAS DO EXÍLIO CARTAS E CRÓNICAS DE PARIS

PÁGINAS DO EXÍLIO CARTAS E CRÓNICAS DE PARIS 1.0 VOL. Autor: Aquilino Ribeiro

Colecção: Outras Obras Recolha de textos e organização, assim como CRONOLOGIA SUMÁRIA da H I STÓRIA DE FRANÇA E DE PORTUGAL de 1885 a 1934 e ÍNDICE ONOMÁSTICO

e NOTAS ADICIONAIS de Jorge Reis Il ustrações de Leal da Câmara

© Vega e Jorge Reis

Direitos reservados em língua portuguesa

por Vega, Limitada

Rua João Saraiva, 36-3.0

1700 LIS BOA - Telef. 80 95 79

Sem autorização expressa do editor, não

é

permitida a reprodução parcial ou total desta obl"d desde que tal reprodução não decorra das tinalidades específicas da divulgação e da crítica.

Editor: Assírio Bacelar Capa: Luís Pinto e Panchita Fotocomposição: Graftronic I mpressão e acabamento:

ANTÓNIO COELHO DIAS, LDA. Depósito Legai

N. o 22 088/88

AQUILINO RIBEIRO

PÁGINAS DO EXÍLIO Cartas

e

Crónicas 1.0 Volume de 1908 a 1914

de

Paris

Findo o arrolamento destas Páginas do Exílio * do meu mestre de ofício e de coragem, cabe-me agradecer aos Senhores Conselheiro Aníbal Aquilino Fritz Tiedmann Ribeiro e Engenheiro Aquilino Ribeiro Machado a autorização de as pôr ao alcance de todos os aquilinianos e, em particular, daqueles que pela sua juventude só agora descobriram a obra mais importante da Literatura Portuguesa dos nossos tempos, segundo o meu modesto entender.

Jorge Reis

*

Ver Índice onomástico e notas adicionais no 2.0 volume.

ANTELÓQUIO

Ao chegar a Paris, a 3 de Junho de 1908, o «moço bisonho, quase donzel, nada estreado no entrecasco das coisas do mundo, ainda com a envide de rústico» e que acabava de se vispar dos galfarros da bufaria de João Franco, não trazia na valise de «)anota» senão uma muda de roupa, a navalha de barba , o pincel e uma pitada de sabão em pó . No bolso do colete, mal cantava a meia-dúzia de patacos que restavam dos 200 mil réis que o pai obtivera de um tal «Sebastião da Tabosa» a troco de 7% de juro, - o que, podendo ser bastante para mandar cantar um cego, não lhe daria para o passadio de duas ou três semanas . Turista sem cheta nem bagagem, transportava, porém, um alforge de promessas de "irmãos " e "primos" que lhe haviam jurado com os pés em esquadria - a ele, raposo beirão que jamais se iludiu com empana­ -parvos - que nunca, por nunca ser, a «família» o deixaria comer «O pão amargo do exílio», esse pão que Dante aborrecera, chorando lágrimas de sangue , ao ver-se homiziado em Verona que ficava a um lance de pedra da sua Florença natal (!) e, ainda menos, o abandonaria no ruisseau ou no recanto de uma ponte sobre o Sena . . . Bastar-lhe-ia procurar o seu patrão da "Van­ guarda», esse Hiram da Fraternidade portuguesa, o qual, embora não tivesse levantado templo veramente lusitano no oriente parisino, mantinha loja aberta num restaurante dos Grands Boulevards reputado pelos ágapes que servia a uma iniciada clientela ciosa de Verdade e famélica de luz - e caricato palco das limonadas (o termo é de Leal da Câmara) do ilustre comensal, «intrépido jornalista e notável orador" (A BEIRA de 9 I X I 1909) que continuava "no estrangeiro a sua missão de restaurar o crédito de Portugal! . . . ". O que, na sua boa fé, a «família» lisboeta ignorava é que, ao fim e ao cabo, o «foragido do Caminho Novo», para quem «a obra essencial do homem independente consiste em viver por si, isto é, à custa do seu trabalho» e que "teoricamente, estava em dia com o que havia de mais progressivo no seu século», não tinha frio nos olhos e seria capaz de tudo suportar para pisar II

«terra firme» e formar-se no País que ele considerava «todo Direitos do Ho­ mem e Sete Dores de Nossa Senhora», - tanto mais que lhe conhecia a língua aprendida no Colégio Roseira, de Lamego, no Seminário de Beja e ao correr de uma ou outra tradução-sopa-dos-pobres . Por isso, com o entusiasmo dos seus 23 anos, sentia-se com alma bastante, não para se empanizar na vida de ramboia , nem para se civilizar consoante os preceitos queirozianos, mas para vir a ser aquilo que há muito decidira: escritor! Ficaram-lhe na Pátria 2 contarecos, 18 «Casos do Dia», 3 ,,Coisas,, 1 artigo sobre as ,,campanhas de África» e o início de . Ele vai viajar à cata sobretudo de coisas pasmosas , portentosas , acampa de ordinário em Paris para que mais tarde possa exclamar como um Moisés: - Vi Paris , posso morrer! Ele conta topar coisas novas , inéditas , que exijam quase a criação de um sexto sentido . E vai dar com o que deixou cá em baixo, a mesma geometria das ruas , os homens com a mesma cara de asnos, as mulheres igualmente felinas , igualmente sérias . O português sebastianista, o brasileiro mestiçado da melan­ colia do negro e da fantasia lusitana, esperavam encontrar outras coisas, espa­ dachins , condes meroveus , actrizes de Balzac , alçapões na Rua Rivoli . E não encontrando isto , muito logicamente boceja: - Ora, estou farto de ver estas coisas ! Este valente viageiro foi procurar o Preste-João lá fora, esquecendo que o progresso rasou tudo , que a locomotiva leva por toda a parte as pernas das coristas francesas , a voz do Caruso e a mesa falante de Eusapia Paladino . Sempre lendário , sempre maluco da cabeça, ele não vê nada de interessante, muito mais se é honesto burguês , pai de filhos . Em Paris , em Berlim, em Roma, em relação ao Rio ou a Lisboa, não se vê nada de extraordinário, de inédito; encontram-se , sim, disposições novas das coisas , novas formas , e isto marca a diferença progressiva dos povos , ao primeiro lance de olhos . E como o bom português não ia disposto para isto, muito racionalmente aborrece-se . Uma revista modema teria que fazer obliterar todas estas pequenas noções erróneas de que resultam efeitos desastrosos como os grandes desenlaces nas poesias de Eugénio de Castro . · E ao mesmo tempo arquivar os casos do dia pela

41

gravura, comentando-os pela nota leve de um lápis leve , iluminando os seres e os acontecimentos com quatro traços voluntariosos . Acima de tudo teria que não atentar à simplicidade e sentir emotivamente o hálito dos oprimidos . A revista em questão é uma necessidade . Tendo à testa Magalhães Lima e Leal da Câmara, embora dentro das linhas vastas do programa que se anuncia, se possa carpintejar à vontade é fácil prever o que a revista será: Será a válvula do espírito revolucionário português e a aliança do Portugal novo com os outros países novos e fortes . -

in VANGUARDA

42

-

5 I VII I 1 909

NOTA DA REDACÇÃO DE A BEIRA 9/ 10/ 1 909

Escusado fora chamar para ela a atenção dos nossos leitores . Secção nova de colaborador novo , sem dúvida ela atrairia só por si um olhar de curiosidade: e tanto bastara: lidas , distraidamente que fosse , as primeiras linhas , todo esse belo trecho de prosa passará a ser lido atentamente , delicadamente apreciado, saboreado , ainda pelos mais refractários à elegância do estilo e à fulguração da ideia. Pode-se não concordar em tudo com os seus conceitos e juízos críticos; mas é-se forçado a confessar que está ali um homem que não quer tomar-nos o tempo com banalidades: pensa desassombradamente e diz-nos brilhantemente o que pensa. O seu juízo àcerca de Victor Hugo , a propósito das festas em sua homenagem ultimamente realizadas em Paris - festas a que o Governo da República se associou , proferindo por sinal , o ministro da Instrução Pública e das Belas-Artes , Gaston Doumergue , na inauguração da estátua do Palais Royal , um primoroso discurso , cuja tradução o Mundo há dias publicou pode não merecer, inteiro aplauso dos hugólatras; mas nós , que muito admira­ mos o poeta da Lenda dos Séculos, nem por isso deixamos de o considerar muito digno de ser ponderado . De resto , estamos persuadidos de que melhor ainda do que a abreviatura do nome que subscreve a Carta de Paris, o estilo lhe denunciará o autor para muitos que , em tempos que não vão longe , lhe apreciavam imenso os escritos: e para esses então a leitura destas duas colunas de prosa quantas e quantas saudades lhes não irá avivar! Somos nós um desses que ao nosso ilustre colabo­ rador, cá deste canto da Beira, onde ele , de tão longe , certo tem o pensamento, lhe enviamos , com o nosso agradecimento , um grande abraço de leal e afectuosa camaradagem .

45

CARTAS DE PARIS Domingo, 2

Paris vai tomando a sua fisionomia de Inverno; é uma revolução dentro de portas , alvoroçada, radical . A atmosfera perdeu o tom brutal de zinco gelado ou de zinco em braza. Suavemente o céu de que Puvis de Chavannes banhou Santa Genoveva invade as alturas de Paris , afagando os galos dos campanários , a coroa de colunas do Panthéon , o bojo branco , divinal , do Sacré-Coeur. L' heure grise alastrou , é o dia todo , cheia de ternuras , de voluptuosidades , até que uma rajada do norte traga a neve que mata os homens nas mansardas e os velhos cavalos de fiacre pelas ruas . Os piemonteses passaram os Alpes com a sua sacola; e instalados às esqui­ nas , barbaçudos e negros , gritam sobre o brazeiro: Marrons chauds . . . chauds . . . Remoçam em contraste os muros velhos; como nas mágicas , eles aparecem de manhã com toilete nova, cartazes de mil tintas onde Steilen , Villete , Leal da Câmara, Sancha, M . 11• Dugan prenderam alacremente pedaços de vida. A parede é o grande jornal de Paris , o mais lido e o mais artisticamente colaborado . Aí se anunciam desde os manejos da Bolsa até às hissopadas brancas de Monse­ nhor Amette . E às vezes, bizarria do acaso, lado a lado, Hervé e o conde de Mun falam , um aos irmãos na Sociedade Futura, outro aos irmãos em Cristo . Talleyrand dizia: Não me falem em homens que não têm inimigos! Os ini­ migos desertaram diante de Hugo , aqueles inimigos que nascem sobre o cami­ nho das celebridades , da inveja, do choque de opiniões, de oposições de -

47

escola. Hugo é um ídolo para todo o mundo . O Ministério foi de sobrecasaca inaugurar-lhe a estátua ao Palais-Royal . Rodin pô-lo deitado sobre uma fraga de mármore a aplacar o mar. Cheio daquela grandeza épica, sobre-humana, que o estatuário imprime às suas figuras , ali é um elemento em face de outro elemento . A sua cabeça parece que andou a viajar pelas cristas dos montes e as entranhas da terra há centenares de anos . Há nela a severidade dos monolitos e o crepitante fogo dos Sinai . Rodin moldou naqueles dois palmos de pedra o tamanho dum astro; é um homem e um caos , a confulguração do máximo de espírito e do máximo da matéria. A folhagem do Luxemburgo cai melancolicamente e os números do progra­ ma do Estio estão quase esgotados . Finda hoje a semana festiva a Victor Hugo, panegíricos , jantares , fogo de Bengala, apoteoses , como a qualquer orago muito amado . Hugo hoje é o padroeiro da França, fora de litígio, venerado em estampa no quarto de dormir do plebeu e em estatueta de bronze no salão do burguês. Já não se trocam bengaladas por causa dele e os seus livros em edição elzevir dão-se às meninas pelo ano-bom e nos aniversários . Isto é o apogeu da consagração , mas é também o vértice da montanha, donde fatalmente tem que se descer. Lá para a Étoile tem Hugo outro monumento; uma pirâmide de bronze com o apetrecho clássico de estatuária, deusas , ninfas , símbolos , emblemas, letras de oiro que se lêem a dez léguas . E em todas as cidades, em todas as vilas de França, Victor Hugo há-de ter necessariamente o seu boulevard, a sua praça, o seu carroussel, a sua impasse , o seu cabaret, a sua filarmónica. Como os deuses tinham os seus templos , Victor Hugo tem o seu museu. S ão cinco andares , de alto a baixo, cheios de si , onde religiosamente são guardadas desde as suas chinelas ao sofá onde o imperador do Brasil se sentou, destronado . Lá se vêem os seus desenhos, as suas cuecas , as encadernações caras dos seus livros , inchados e pomposos como um doutor bisantino que não acabou de falar. Hugo tem a sua Sociedade entre amadores , ministros , literatos , prudhom­ mes, como dizia singelamente S . Luiz . Há uma semana que esta sociedade está em pé de guerra, cantando, celebrando, bebendo a Victor Hugo. A Notre Dame foi posta em carne e osso , desceu ontem lentamente o Bairro Latino com Clopin Trouillefou e a Cour des miracles, o capitão Phébus e a sua escolta luzida, Esmeralda e a cabra, Quasimodo e a sua cúria de doidos, que o escritor encontrou ao ver as quimeras da catedral ladrando, sobre a cidade, uma impre­ cação gótica, para os espaços . Foi um cortejo de centenares de figuras medievais escorrendo variegada­ mente na lama das ruas , entre círios e couraceiros da República. Mas faltava­ -lhe aquela graça, aquela elegância francesa que doira a pobreza da mi-carême, 48

onde Cranquebille é rei e a vendedeira de hortaliça é de um dia para o outro rainha da formosura e das halles . Os halabardeiros de Phébus traziam cota, elmo, e botas do casão; o rei de Thunes era um turco passe-partout em Constantinopla, e Quasimodo , com a sua mitra ao alto, sobre uma padiola equilibrada, nem vesgo , nem corcunda, podia muito bem ser o amante de M. me Durand . No Parvis de Notre Dame , o cortejo fez romaria debaixo da inundação eléctrica dos reflectores aparecidos ali em plena Idade-Média, como a expecta­ tiva do Sol na batalha de Josué . Cinco minutos , e ribauds, ribaudes, truands, reis do argot, deslizaram com as suas charamelas , as suas bandas de pífaros, ao compasso da Gau.a Ladra das músicas regimentais . E m tudo isto havia u m aparato cansado , o cerimonial fastidiento , a cair de indiferença, das festas · do calendário . Da mesma forma que pelos arraiais não se fala das virtudes dos oragos , ontem ninguém se ocupava das qualidades de Victor Hugo . Abaixo das sensações traduzíveis do público parece que havia um estado subconsciente de espírito , desgostoso e . aborrecido . Figurou-se-me em sum� que o autor dos Travailleurs de la mer reinava apenas ao de cima. E desolador contemplar com os olhos com que se amam as mulheres boni­ tas e com a alma que se apaixona de outras almas , este fazer e desfazer das coisas . A evolução é para as coisas que o orgulho chama eternas o que a morte é para o orgulho . Ambas rolam desfeitas sob os pés que passam . Victor Hugo estendeu a mão e todo o mundo veio ao beija-mão . O seu funeral lembra esses cortejos formidáveis do Oriente, um povo inteiro indo sepultar um Faraó sob uma montanha. Em breve Victor Hugo ficou santificado , com livre curso as suas ideias , não repugnando nem a avançados nem a conser­ vadores . Mas se não repugnam, não satisfazem uns certos . E são estes que saíram do meio e formam atrás de si as grossas correntes que hão-de entrar nos tempos futuros . Hugo agradou muito depressa; e neste século de coteries isto é um sinal de declínio . Deixou muitas palavras , efeitos bizarros de contrastes , uma lanterna mágica de imagens cintilantes . Mas quando Proudhon e Fourier expunham a questão social em termos concretos , em algarismos , é que ele encontrava a sua fórmula da equidade social; devolver os detritos humanos aos batatais e empazinar as gentes ao úbero da terra. Nas Choses vues justifica o luxo e os banquetes faustosos como a sábia providência das classes que trabalham . Trouxe o Jean Valjean pelos canos e não tinha lançado um olhar sequer aos canos; canoniza-nos Valjean quando de gatuno o converte em burguês; divide os Châtiments como um responso cristão em lareira cristã; o Ruy Blas é o maior pastelão dramático do Planeta, feito com os ovos quebrados pela fantástica condessa d'Aulnaz. Hugo atravessou a Comuna, os fuzilamentos do Pere Lachaise, as cruelda·

49

des inauditas do general Gallifet; e não teve um grito de revolta, uma palavra de cólera ou de julgamento sobre a Comuna. Os seus livros todos não traduziram uma generalização, não formaram uma escola, não deixaram uma ideia nova. Os seus personagens são tão falsos como o Rocambole . Foi uma sonora, uma argentina caixa de rufo dobando por uma montanha iluminada, acordando as cotovias , atemorizando a princípio os bur­ gueses , iludindo os cavadores . A atmosfera ficou a mesma, límpida onde estava límpida, suja onde estava suja. Aq. Rb.

in A BEIRA - N.0 238 - 9 I lO I 1 909

Terça-feira

-

12

Abriram h á coisa de dias duas exposições no Grand-Palais: o Salão da Aeronáutica e o Salão de Inverno. No primeiro há desde o balão esférico , que , velado da névoa, saiu de Paris em 1 0 , até o monoplano frágil de Blériot que recentemente pinchou a Mancha. No outro há muita estátua que se não parece com as dos museus , uma aluvião de telas que ao lado da Gioconda justificam a pergunta: - Mas que arte é esta? Diante dos nedropteros artificiais do Salão de Aeronáutica, os rudes bipla­ nos , a bisarma quebradiça dos dirigíveis , há a sensação do imperfeito, seguida logo deste sentimento: é o progresso que passa, as suas asas são rudimentares, não têm a graça de voo da andorinha nem o cortante gume de asa da codorniz. Mas o progresso lá chegará; batendo no ar a velocidade do milhafre , a flexa despedida do atacar da águia. Assim como venceu na terra a abalada do avestruz, do cavalo selvagem , na atmosfera poderá caçar um dia o pombo correio , saudar mais alto que a cotovia a rosa do sol desabrochando das religio­ sas montanhas de Oriente . No Salon d' automne , em geral , os olhos vulgares passam indiferentes , como sobre um misterioso papiro, ou a rir, como sobre a actividade especula­ tiva dum misantropo. Há ali dentro uma arte muito nova, exilad� de todos os ciclos conhecidos , não tendo ainda um ideal , nem se precisando numa ideia sintética. É às vezes a dissonância e quase sempre a originalidade bizarra . Quadros há que parecem uma exumação tosca das artes indianas, outros que lembram a ociosa tarefa dum doido . 50

Mas esta arte irritante , louca, temível , tem a sua filosofia e procede dum sentimento bem elevado . Traduz a nossa época, esta fase ansiosa e pertinaz dum mundo que não acaba do passado e dum mundo que começou do futuro. A arte , tendo olhado os céus, consultado os espíritos e só descobrindo o caos , ficou desnorteada. Como a pomba de Noé , ela procura o ramo de oliveira, uma expressão nova que se coadune com as necessidades do espírito moderno . As ideias antigas de beleza não se adaptam já aos nossos tempos , caducaram . Hoje , já não há a consciência primitiva dos pastores que entre cânticos abstractos elevou as torres orientais para as estrelas: - Candeias de ouro , que sereis? que sereis? . . . O homem perdeu a sua vaidade antropocêntrica; é miserável; pratica a filosofia da luta; é um concurso de dínamos contra dínamos . Está assim fora dos espíritos o ideal do homem divindade em que os seres da Terra lutavam com os seres olímpicos e turbilhavam junto na mesma ronda sentimental e sofredora. Não há hoje rude oleiro que seja capaz de arrancar do barro as divinas figurinhas de Tanagra nem alma subconsciente de artista em que dormi­ tem as formas sobre-humanas da Vénus de Milo . Santo Agostinho e Schopenhauer amortalharam na sua capa, para sempre , este ideal pagão, dizendo, um , ao homem: Ajoelha-te ! , riscando outro com o seu espírito brutal e ponderado de alemão a legenda de Lucrécio: Hominum divumque voluptus, alma Venus . Já não há também o temor medieval que semeou areia nas almas e obteve florestas bizarras , imponentes de pedra, onde a insânia religiosa lia o livro de Ezequiel . Nós pusemos Deus fora de casa como uma alfaia velha, cultivamos os abraços , o amor, e damo-nos todos aos sentidos terrenos. Catedrais, orando, clamando , chorando , que povo as atira hoje para as nuvens espontaneamente? Os Flamengos desceram a beleza sobre o homem, espalharam-na às mãos cheias sobre o pópulo, o deita-gatos , o cavador, o belfurinheiro , o bebedor. Foi a consagração dessa boa patuleia que vem de Caim até o serrano a que hoje o Estado e o agiota levam o coiro e a camisa. Mas esta apoteose foi aos homens . Tais como eles eram, panteístas beatificamente, e não como eles deviam e têm a ânsia de ser, felizes , soberbos , iguais , sem fome nem opressões . Caducaram com o tempo as velhas concepções de arte como o s antigos sistemas filosóficos sobre o mundo. Hoje , há muita fórmula abstracta em curso quanto ao ser, mas nenhuma dogmaticamente aceite . O homem só não é céptico na dúvida. A mais fulminante instabilidade preside ao destino das coisas; a terra é bem a cidade da dor, da luta, das ânsias inqualificadas . A arte incarnou sempre o espírito avançado, reivindicador da época, rea­ gindo contra a estática aprazível das coisas como o ferro no ferro. Lucifer, o rebelde , o incitador aos gozos , é de crer que expulso da serpente se metamorfo­ seasse nela. 51

O Salon d' Automne está nestas circunstâncias; é o nosso tempo, cheio de ambições, sedento de um equilíbrio que acaba com o pedinte e com o burguês , com a prostituta e a mulher honesta. Nas suas 1 800 telas há a impregnação deste meio indeciso, furta-cores , onde se debate a teoria e a prática de mil ideias novas e de mil ideias desfeitas . Encontrando exaustas as expressões de beleza, os artistas procuram uma forma nova e são sondagens , torturas , descon­ certos , de que só a intenção os salva. Em Paris há muitos salões de arte na roda do ano; este é o coin des fauves, dos anarquistas em arte . Ao pé dele , certamente , os outros são a normalidade , o senso comum , cheios daquela pacatês linda que muito agrada a Deus e aos homens de boa fé . De resto , inaugura-os a marselhesa e a Légion d' honneur. Os artistas , porém, que expõem nestes salões , salvo raras excepções , pintam com um pincel que Van Dyck, Ticiano ou Fragonard deitaram fora há muitos anos . Pompiers, trabalham para as antecâmaras de Saint-Germain à razão de 100 000 francos cada quadro . São os mestres do chie , da elegância nervosa, e as suas telas podem datar­ -se pela moda que reinou em tal mês de tal ano . Antes de enlabusar a lona, vão primeiro certificar-se dos últimos padrões à Rue de la Paix . O Salon d' automne não tem o público das garden-party a visitá-lo, nem tem encomendas caras , nem pede a rnr. Fallieres para lhe ir deitar a bênção no dia do vernissage . A maior parte dos seus artistas andam desnorteados , mas à cata de uma forma que nem seja a grega, nem a florentina\ nem a espanhola. São pioneiros duma arte que há-de chegar; vão aplanando o caminho a um artista máximo , sendo os precursores dele como Fra Angelico e os primitivos foram precursores . O que se nota ali em cada quadro é o atentado contra um dogma seja na forma seja na ideia. Há muitos anos que os seus princípios novos foram estabelecidos , a abolição do tom local , uma teoria nova de valores , o absurdo da pose , a indispensabilidade dos efeitos da luz tão grande como o desejo. Foi uma renovação e se o impressionismo, se o Salon d' automne não tiverem um dia mais razão de ser, a sua obra ficará, bem . preenchido o seu papel de libertamento , de reacção contra o academismo. Indubitavelmente no Salon d' automne há muito de infantilidade, de risível , pouco do que se chama bom . Pondo muito ardor em fugir da técnica clássica, por exemplo , chegam a sintetisar as suas figuras como as bonecas de papelão dos bazares . As flores não são para eles , as delicadas jóias , animadas duma vida subtil , as ternuras rendadas de Fantin; não; eles representam organismos entregando-se gulosamente ao sol, deixando-se lamber por ele. Verhoven contra um fundo verde num só plano atirou um concerto amarelo. É novo , não tem nada da sábia técnica dos académicos, vê-se que os músicos 52

tocam gaita de foles e ocarinas . mas não têm cabeça ou , se a têm , não é humana , não é de primata, é uma abóbora, um balão de boxe . Fauconnier expõe no Portrait du Poete louve um exemplar abominável de homem , mandíbula de onanista. peito recto como uma tábua de má esquadria; as mãos rigidamente de pau . Não se sabe se isto é uma mistificação . uma farsa ou uma ironia. Mas a par destes outros artistas há sensatos , cheios de alma, traduzindo a impressão das coisas sem a adulterar, nem a ridicularizar. Entre outros são Van Dongen , Matisse . De Mouval . Francis Jourdain , Madeline , Steinlen . Stei len é o pintor dos gatos e das multidões que têm sede e fome de Justiça. É difícil encontrar nas outras artes um poder maior de compreensão que o de Steilen . Uma figura do povo sua é completa, sente-se nela ao mesmo tempo a revolta dormente , o sofrimento calejado , as paixões generosas . É igual a Zola com as multidões . Fá-Ias cantar, rugir, bater-se nas greves, alçar a perna nos bailes . Do povo , só ama este , cantando-lhe as alegrias , as ternuras , as revoltas , quase sempre o sofrimento . Steilen é um consagrado , mas por afinidade , por sol ida­ riedade , nunca deixa de expor no coin des fauves . Aq. Rb. in A BEIRA , n . 0 240 , Viseu , 1 6 I X : 1 909

Terça-feira

-

17

Eu não deploro a morte de Ferrer. Da mesma maneira que se fosse cristão não amaldiçoaria Judas , Pilatos e os Rabinos . Estes consagraram as doutrinas de João Baptista, executando o humilde filho do carpinteiro; a cólera sagrada desta morte foi o semeador maldito que as espalhou pelo mundo . Militante de uma ideia, eu estou contente com o assassínio de Ferrer. Passou enchendo nossos olhos de luz , exaltando as nossas consciências , visto de todos como um cometa que , marchando à flor da terra, bebesse o ar, queimasse as florestas e as cidades . Foi sobretudo uma lição . O evolucionismo , tomando-se em filosofia do sentimento , amoleceu os homens confiados no desbanque gradual e voluntário do passado pelas ideias novas . Assim ende­ reçavam-se aos poderes constituídos deprecadas líricas , passava-se o tempo em platónicos arraiais , cantando o amor e a fraternidade . O individualismo revolu­ cionário tinha sido excomungado , banido da arena. E os sistemas mais avança­ dos desciam até aos sistemas mais retrógrados por nuances hábeis e bisantinas . 53

Pactuava-se até cair de joelhos e eis que um dia, empregados todos os meios da velha táctica, não se consegue arrancar um homem inocente aos algozes ! Perante isto , uma era incontemplativa tem de ser encetada dentro do prese nte incontemplativo , unha por unha , dente por dente - como aconselha o ri fão . A morte de Ferrer foi ao mesmo tempo uma renovação; a sua alma entrou dentro das almas , transida de dor, sequiosa de justiça . Voou sobre as cidades e parece que os tempos heróicos das ideias ressurgiram . Paris ergueu-se da comuna, as grandes capitais fremem, Berlim passou pela primeira vez sobre o respe i to atávico das suas lanças . Ferrer foi chorado . Há ainda nos espíritos mesmo mais avançados o medo , o horror, as nénias do preconceito católico quanto à morte . Nós não regressa­ mos ainda à concepção paganista antiga , da reintegração da matéria na matéria, i n d i ferente e natural . O estoicismo grego que atirava Codro para as fileiras i n i migas e se abria as veias entre Berenice e um claro copo de Falemo ficou atrás do barulho dos socos de S . Pedro . Filhos de monges e tarados religiosos , nós tememos e lamentamos a morte , mesmo quando ela traz consigo a germi­ nação espantosa que faz as primaveras nos campos e as primaveras nas almas . Eu não chorei Ferrer, que é uma renascença . Hoje estão acesos os ódios , as desigualdades das classes , o bom povo . Os nossos adversários cometeram uma cobardia e um erro ; e um deles é para nos rejubilar tanto como um acerto nosso . O fus i l amento de Ferrer foi uma emboscada a que o espírito do século atraiu Torquemada , vivendo à luz do dia, gordo e feroz nos reinos de Espanha . Fo i um falso entendimento de repressão que comandou o fogo em Montjuich . É a lógica dos tiranos esmagar, eliminar para viver. Para eles um pensamento pode sufocar-se com um penedo por cima e as ideias de um homem morrem com esse homem . Procuram o equil íbrio que lhes falta no arsenal da força. Extermi­ nam povoações , fusilam gente como alcateias de lobos , perseguem um princ í­ pio até os fundamentos a ferro e a fogo , como os camponeses fazem para com as palavras venenosas . Mas engano: os homens não brotaram ali acidental , esporadicamente; foram plantados no seu cantinho por uma ordem natural de coisas , mandatários de um esp írito que há-de subvertê-los . Verbo feito força, força traduzida em lei . Afonso XIII perdeu uma bonita hora de se enfeitar de virtudes aos olhos do mundo . A sua mão agrac iando traria a modorra, a détente . Mediavelmente i móvel - e tanto melhor - ela decretou a luta que de princ ípio lhe tirará o sono , o apetite e a alegria proverbial à sirene do seu automóvel em passeio . V ai pelo mundo um floreal imenso medrando sobre o sangue derramado de Ferrer. Na noite de 1 3 eu vi toda a turba do faubourg, que Carriere ungiu na névoa da sua ronde-bosse, gritar, chorar, morder. Ainda tenho nos nervos a i mpressão viva dessa jornada trágica e generosa de Paris . Das 2 h . da tarde às 54

8 h . da noite , violentos cartazes protestativos apareceram pelos muros , pelas pontes. edições especiais da Humanité. Guerre Soda/e e Presse alagaram a , cidade . As 9 h. da noite . uma coluna forte , profunda de mais de 30 000 pessoas avançou nos boulevards exteriores contra a Embaixada de Espanha. A lnternationale elevava-se na noite , entre os prédios bojudos , triste . plangente ,

uma mão em brasa a revolver o fundo da nossa consciência à procura do homem . do bem. das revoltas . Depois foi o choque com os couraceiros . com a guarda, o Paris antigo ressurgido alma de criança e coragem divina. atirando-se contra as cargas , despedaçando . matando . . Ostensivamente invocava-se a ameaça germânica como latente, mas à boca pequena o conflito era dado como certo para a Primavera de 1 9 14. Dir-se-ia, todavia, que o facto só do desequilíbrio de forças , resultante das reformas alemãs , bastaria para justificar a inquietação francesa. Certamente . Não está , contudo , averiguado que a prioridade , nos projectos militares , cou­ besse à Alemanha; esta precedeu a França na votação, mas não no debate; a imprensa francesa, no entanto , apoderou-se desde o primeiro instante deste argumento providencial; mas o poder de convicção que poderia encerrar não ultrapassou já o juízo antecipado , que , com fundamento ou sem fundamento , havia sobre o perigo germânico . Seja como for, uma vez que a Alemanha se propunha reforçar e acabar por reforçar a sua já poderosa máquina de guerra, o esforço francês justificava-se; a equivalência de forças aparecia como urgente aos olhos tanto de radicais e socialistas , como das direitas . Simplesmente aqueles optavam por medidas mais maneirinhas , ou a realizar-se , gradualmente , no tempo , mas cujas van­ tagens sob o aspecto militar ou social se antepunham às da lei dos três anos . Aos trois-anistes restava o argumento da velocidade , a pres�a em colocar o exército francês ao nível do exército alemão . Como? Semeando o pânico , aboyant - disse Sembat; mostrando o ariete alemão às marretadas aos bastiões de leste . Assim foi; com uma impudência que tocava as raias da agressão, o ministro brandiu - não obstante Georges Bourdon num inquérito cerrado à sociedade alemã (L' énigme allemande) o ter esfarrapado literalmente que, entre outros , o general Percin reduziu às proporções de uma facécia do Cabaret de l' enfer. Esta casuística pavorosa captou os tantos republicanos que, com a coalisão das direitas , forneceram número bastante para fazer triunfar a lei . Ora a medida tomada, estes dias , pelo governo vem pôr a descoberto ­ dissemos nós - a armação maquiavélica da lei de três anos . Com efeito, é fora de dúvida que a situação externa, desde o voto da lei à data de hoje, se modificasse . Subsiste ainda a questão de Dodecaneso, atingiu maior acuidade a

208

concorrência franco-italiana no Mediterrâneo , despontou o problema albanês . Alemanha e França conservam-se na situação de duas pessoas que , havendo jogado o soco , quando se cruzam , palpam o revólver na algibeira. A razão mesmo de ser deste ministério é ter esposado a velha querela franco-alemã. Quando precisa de forças bebe-as nela como as rabaças bebem na água. Mr. Barthou é um homem que sabe agarrar a ocasião pelos cabelos , mesmo quando ela passa escandalosa como uma samaritana. A varinha mágica do seu sucesso está nisso . Se a situação externa se apresenta igualmente torva e a França vai desarmar a 8 de Novembro , data, diz o general Maitrot, em que a Alemanha terá acabado de forjar o formidável instrumento de guerra de 800 000 homens , uma de duas: ou a medida em questão dimana de uma inconsequência assustadora, uma incompreensão maciça de responsabilidades , ou os argumentos invocados no parlamento não passam de grosseiros e perigosos sofismas . Na primeira hipótese , a conclusão moral é fácil de tirar: os membros do ministério merecem alinhar ao lado de Emile Olivier na razão dos coeurs légers; na segunda, será preciso dar ouvidos ao comandante Fortunio que na Année et Démocratie escrevia: '' Nas manobras de 1 9 1 2 , o director de um jornal de grande tiragem conver­ sava numa roda de oficiais do estado-maior. Um deles disse : - Seria necessá­ rio voltar à lei de três anos , mas não é possível; a opinião pública opõe-se >> . O director do jornal de grande tiragem retorquiu: - Com alguns milhões e tempo é fácil preparar a opinião pública>> . Ora é certo que algumas gazetas , entre elas Le Matin - e mr. Stéphane Lausane encontrava-se , se bem me recordo nas manobras de 1 9 1 2 - se lanças­ sem abruptamente em ruidosa e activa campanha patriótica. Em todo o país se fez um alarde dos diabos com aeroplanos , fanfarras , marchas militares , boycot­ tage das mercadorias alemãs , renovamento da questão de Alsácia. O naciona­ lismo integral - a chocar há muitos anos nos limites estreitos do Bairro Latino - saiu a público emplumado e assomadiço . Mas se a lei dos três anos não é filha da vontade inconfessada do estado­ -maior, pode-se também perguntar se o deputado Félix Chautemps - que afinal votou a lei - não teria acertado , quando em Lyão , em presença de Paul Boncour, a dava como produto da indústria metalúrgica? Ou se será mais legítimo crer em Anatole France (The English Review, ag . 1 9 1 3): que a recente medida governamental veio desmentir, que só existe para quem não tomou o puiso directamente à opinião alemã, ao povo alemão concentrado como uma colmeia, na sua faina construtiva. Arma-se? Nada mais natural , uma vez que o pode fazer sem se prejudicar, que tanto os indivíduos como as nações são regidos pela lei de que só vivem e só vingam aqueles que têm unhas . Quanto à França, não tendo ficado de pé a para uma lei que custa 258 milhões de francos anuais, e cerca de 800 milhões de despesas não renováveis em desproporção com o seu número de almas , afora vários inconvenientes econó­ micos e sociais, a perspectiva é pouco , muito pouco risonha. in A CAPITAL - 4 / X / 1 9 1 3

2 10

A LEI DOS TRÊS ANOS ACARRETARÁ DESASTROSAS REPERCUSSÕES em todos os ramos da actividade francesa e principalmente na agricultura O ensino primário ressente-se já da falta de professores retidos nas fileiras Paris, 9. A execução da lei de três anos , que só em aquartelamento importará no dobro da quantia consignada no orçamento , vai ter desastrosas repercussões na vida económica e social da França. Como as muralhas de Atenas , construídas , segundo o alvitre de Temísto­ cles , com pedras dos cemitérios e dos palácios , a lei de três anos será montada com elementos desviados das funções essenciais do país . Para pô-la em pé­ -direito será preciso fazer escombros . Uma das consequências mais perniciosas será a que diz respeito às popula­ ções . A França é um país que se fenece na infecundidade; em 1 9 1 2 , ano , segundo o dr. Bertillon , demograficamente favorável pelas condições climatéri­ cas , o aumento de população cifrou-se em 57 9 1 1 almas , quando o excedente médio na Alemanha é de 800 000 e em Itália de 400 000 . A brecha está, pois , aberta à invasão estrangeira. Não será preciso rasgá-la à baioneta. Esta crise , que factores imanentes, que se não sabe atalhar, acentuam dia a dia, há-de ainda agravar-se com a lei de três anos . É sabido que uma dás causas da baixa de natalidade em todos os países da Europa está na introdução do serviço militar obrigatório . Concorrem para isso , de uma parte , os anos perdi­ dos em estado de celibato e o recuo que sofre a idade do casamento; de outra, -

211

os vícios e costumes adquiridos na tarimba, que contrariam ou amortecem as propriedades prolíficas do homem. Sendo assim, é fatal que a passagem de dois a três anos de serviço deve ir precipitar a queda da população francesa. O sis­ tema de milícias , que rouba o menos possível o homem à vida familiar, estava indicado; Jaures , mesmo , apresentou um projecto de milícias regionais , que foi rejeitado no Conselho Superior de Guerra, presidido por mr . Poincaré , a título de que a sua concepção, sob o ponto de vista militar, escapava ao exame e à

crítica .

Além deste grave inconveniente , a dilatação do serviço militar virá enfra­ quecer a produtividade industrial e agrícola de França. Centenas de mil braços serão tirados à fábrica e ao campo , onde a mão-de-obra era já escassa. À cata de um equilíbrio militar, face a face da Alemanha, a França terá de capitular no terreno económico . Se as guerras devessem reduzir-se a puros conflitos econó­ micos poder-se-ia afirmar que a Alemanha está ganhando batalhas prodigiosas sobre a França e que a lei de três anos é um segundo Sedan ao activo da Alemanha. O avanço desta sobre a França em indústria e agricultura é colossal . Nação militarista por uma necessidade lógica de expansão e conservação no meio dos rancores que a espreitam , a Alemanha é , sobretudo, uma terra de lavradores e comerciantes . O seu génio próprio vem mais da Liga Hanseática que do imperador Othão . Guilherme II ufana-se em ser o primeiro caixeiro­ -viajante do império . > . Aparelhando-se para a guerra, a Alemanha soube ao mesmo tempo não distrair das fontes produtivas os braços e os capitais necessários a fazerem dela o primeiro fornecedor do mercado mundial . Assim, o comércio exterior da Alemanha de 1 3 milhões de francos em 1 902 atingiu 22 milhares em 1 9 1 1 : seja u m ganho de 9 milhares contra 5 ,5 em França no mesmo lapso de tempo. ( 8 milhares , 642 mil francos em 1 902 , 1 4 milhares , 742 700 mil francos em 1 9 1 1 ) . Segundo a Dreadner Bank, a fortuna pública alemã monta a 330 milha­ res contra 250 em França, pelos cálculos mais optimistas . A pobreza fmanceira da Alemanha era uma lenda; a esterilidade do solo era outra; os areais da Pomerânia são hoje viçosos pomares , a agreste Westefália está coberta de arvoredos; basta atravessar a Alemanha, por essa teia de aranha de grandes linhas que se estende de Herbesthal a Berlim, para verificar que não existe um palmo de terra maninho , que onde o solo era ingrato para seara foi utilizado para floresta. O terreno alemão , que em 1 800 não produzia mais de 14,3 quintais e cereais por hectare , rendia 20 ,6 hectares em 19 1 1 , contra 17,4 em França , uma terra gorda como barbela de abade . Este esforço não tem paralelo nas idades modernas . É para cair de cócoras de admiração . Sob o ponto de vista industrial a comparação é inútil; a dianteira tomada pela Alemanha é conhecida de toda a gente . Ora é nesta hora de concorrência 2 12

brutal que a França vai despejar para os quartéis a classe activa dos campos e das cidades. O resultado imediato será de ter de socorrer-se de mão-de-obra estrangeira, que num país de fraca natalidade é sempre perigosa pelo carreto de elementos híbridos à raça que determina. A mão-de-obra estrangeira, porém, nem sempre se encontra a um aceno de olhos . É possível , daí, que o operariado francês tenha de suportar uma segunda sobrecarga, como se influi dos prog­ nósticos de Denain-Auzain . No relatório anual , este dizia: Foi um alvoroço em tomo desta frase; os sinos de Toledo não repicaram mais alto . Os jornais repetiram-na, masc aram-na. Pois claro , França e Espanha iam colaborar juntas na conquista de Marrocos , em batalhões mistos . Convidou-se o general Lyautey; o pacto ia ser assinado ali mesmo ,

2 15

enquanto o povo , nas praças , clamava: Viva la Francia! A França , porém , que tem 80 000 homens em Marrocos , que ainda não chegou a Taza, que tem regado de sangue os quilómetros de terra moira que ocupa, no fundo rejubilada dos transes espanhóis numa região que disputaram azedamente , a ponto do Matin exclamar: e do general Amade propor, sem mais rodeios , a ocupação da zona alienada pelo tratado secreto de Delcassé , e de Caillaux ser acusado de fomentar uma revolução republicana na Catalunha, a França achou a estipula­ ção onerosa para um serviço muito problemático, de eficácia não menos pro­ blemática . Daí esse três vezes fino , cínico, maquiavélico artigo do Temps , Prudence espagnole , onde à malícia de um Voltaire se aliava todo o artifício de um Talleyrand . Dizia a grande gazeta oficiosa, em laia de resposta ao Imparcial, que procurava pôr freio ao zelo prematuro daqueles que iam até falar numa aliança com a França: « As mesmas palavras se podem aplicar a todos os que recomendam uma colaboração militar franco-espanhola no império cherifiano . Colaboração , sim , se com este termo se pretende designar o desejo dos dois governos de não erguerem embaraços um ao outro , de evitar uma aparência, sequer , de rivalidade ou de concorrência, de prosseguir solidariamente na obra de civilização . Mas , há pessoas que vão mais longe , que vêem já as tropas espanholas e francesas combinando operações , passando, segundo a necessidade das circunstâncias , de uma para outra zona. Aqui , é preciso , como sugere o Imparcial, ter cuidado em não ir muito depressa e originar contratempos de futuro . Admitamos a hipótese de que o problema se possa resolver militar­ mente , o que é mais que duvidoso em razão dos efectivos: - esta solução seria prenhe de dificuldades . Quando se diz: a França poderia dar à Espanha uma demão militar, esquece-se que , conforme o nosso método marroquino , a acção militar anda indissoluvelmente ligada à acção política. As nossas tropas , desde o general ao último soldado , são agentes políticos . Comandante algum dos nossos deixa de fazer política e de reunir na mão , de maneira inseparável , as duas espécies de poder. Resulta daqui que , se porventura as tropas francesas operassem em zona espanhola, fosse muito embora no espírito mais amistoso, a política francesa na dita zona. Já não seria o «residente>> espanhol , mas pela força das coisas , o « residente>> francês , que inspiraria a acção . Atritos derivariam ao encontro do interesse comum. O efeito seria idêntico se se invertessem os termos da hipótese, se a Espanha interviesse na zona francesa>> . Esta advertência explícita, mas dourada como a pílula mais dourada, teria sido escutada em Espanha? Devia ter sido . Não sei que considerações de gabinete os políticos espanhóis poderiam ter feito , mas a éconduite era muito industriosa para suportar um remoque, uma réplica à boca cheia. Depois , acima de tudo , os Espanhóis são cavalheiros, vão 2 16

até baixo como vão até alto , sob o sentimento da dignidade . Embora; estou em crer que , está trancada na garganta de muitos espanhóis de verdad. Em suma, a França não descalçará a bota de Marrocos à Espanha, e a Espanha não tomará parte no conluio contra a Alemanha. Pois que alvíçaras , senão estas, poderia a França dar à Espanha? Fechar os olhos sobre uma invasão de Portugal ou a entronisação dos Braganças , mercê de um apoio de armas? Não pode ser; ror. Poincaré é muito republicano para jogar uma república como os judeus jogaram a túnica de Cristo . A França radical é nossa amiga e a França inteira tem interesse em que a República Portuguesa vingue . Além disso , ror. Poincaré se foi o advogado de Reillac na negregada questão do empréstimo D . Miguel , é um amigo cordial de Afonso Costa e outros vultos portugueses . Não pode ser; e que assim fosse? Um povo pode conquistar outro , quando para ele está na propo�ção de 3 habitantes para I , mas não pode guardá-lo . Não poderá guardá-lo , a menos que nas veias desse povo corra água de flor de larangeira. De resto , o Espanhol , valente e incomparável na sua casa, é um péssimo soldado em terra alheia. O soldado de Marrocos e de Cuba não é o soldado de Saragoça, nem o guerrilheiro que sacudiu os franceses para lá dos Pirenéus. Ficou a esta raça de conquistadores por excelência um grande amargo das aventuras . Não podemos estar tranquilos desta feita; não fomos um valor de banco nessa aliança que havia de lançar latinos e eslavos contra germanos . Mas não será motivo para deixar apodrecer aeroplanos e que os pardais venham estercar na boca dos canhões . Levada pelo obstrucionismo à Alemanha, a França terá uma amiga; é pena que não tenha feito uma aliada. O caminho da França deve ser este: os países de língua latina. Em vez de ir pisar os pés à Alemanha, no Oriente , em vez de concentrar toda a solicitude no urso russo e no . bácoro sérvio , como diz Sembat , à cata de um lucro mesquinho e arriscado e difícil , tudo lá lhe ficará ao alcance da mão , ao molde do seu génio , do seu comércio e da sua iniciativa. Aquilino Ribeiro

in A CAPITAL

-

13 I X I 19 13

2 17

A POLÍTICA ESTRANGEIRA DA FRANÇA NÃO É DIGNA DO SEU NOME baseando-se toda sobre a obsessão e o ódio ao alemão A França não buscava o que lhe convém, mas o que não convém à Alemanha Paris, 12 . - Por mais paradoxal que se afigure , é um facto a França ser governada pela Alemanha. Não que Guilherme II seja o imperador dos France­ ses , segundo a tese nacionalista de Charles Maurras , nem que a França esteja possessa do espírito de imitação por tudo o que se dá além-fronteiras , como insinuava um artigo recente de Arthur Meyer. Para isso seria preciso que a França tivesse chegado a um grau extremo de decadência - que os factos não autorizam a ajuizar - e que fosse planta murcha esse maravilhoso instinto francês em que florescem , entre outros extremos do pessoalismo , o orgulho e a rebe!dia . A França não é governada nem pelo poder, nem pelo génio , nem pelo senso prático da AJemanha; a França deixa-se governar pela obsessão que nutre pela Alemanha. E uma verdade que salta aos olhos de quem atentar na imprensa francesa. A primeira gazeta de informação , que consagre umas entrelinhas ao mundo , ver-se-á no compromisso de encher colunas com a Alemanha. Tudo o que seja força , exterioridade , equívoco na vida alemã será remexido , decom­ posto , esbandalhado . Em correlação , este povo, que desconhece os outros povos e faz timbre em desconhecê-los , é conduzido por uma sugestão impe­ riosa , independente da vontade , a vir à janela da sua torre de marfun considerar a vida alemã que passa. Imprensa e público tiram daí, pretexto , geralmente , ou 2 19

à mofa , ou à pateada, ou ao enfatuamento do que são e do que têm em casa. Parecem, todavia, fazê-lo com segurança e a sua expressão é