Outras margens: a vitalidade dos espaços de língua portuguesa 9782807602007, 9782807603608, 9782807603615, 9782807603622, 2807602002

Esta obra fala de "margens" e aborda a relação entre os países de língua portuguesa. A obra permite de refleti

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Índice
Introduction
I. La langue portugaise et ses variantes / I. A língua portuguesa e as suas variantes
O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa. A consciência metalinguística das diferenças entre as variedades de Portugal e do Brasil (Clarinda de Azevedo Maia)
La construction du portugais comme langue nationale du Brésil (Diana Luz Pessoa De Barros)
A Unidade na diversidade nos espaços de língua portuguesa – o caso de Moçambique (Sarita Monjane Henriksen, PhD)
II. Littératures de langue portugaise / II. Literaturas de língua portuguesa
Uma Terra de ninguém (com gente dentro). Que língua fala a poesia (Ana Luísa Amaral)
Correspondência de Machado de Assis: um novo olhar (Sérgio Paulo Rouanet)
Dois memorialistas que se tocam: Joaquim Nabuco & Gilberto Freyre (Antonio Dimas)
Agualusa et Ondjaki : deux regards sur Luanda (Agripina Carriço Vieira)
III. Histoire et sociologie / III. História e sociologia
Raizes, diáspora, projeto e circulação (Miguel Vale De Almeida)
Uns e Outros: imaginário, identidade e alteridade na literatura moçambicana (Francisco Noa)
Sur les Marges de l’Empire : traces de la présence portugaise en Asie du Sud-est : histoire, langue et métissage (Paulo Jorge De Sousa Pinto)
Le problème de la frontière dans trois ouvrages de Sérgio Buarque de Holanda : Monções, Caminhos e fronteiras et Capítulos de expansão paulista (Laura De Mello E Souza)
IV. Les arts / IV. As artes
Itinerâncias urbanas e nomadismo dos artistas (Barbara Freitag)
Les Fantômes de l’histoire dans le cinéma portugais contemporain (António Preto)
Cabo Verde: o sentido da arte hoje como projecto educativo: o desafio de uma escola de arte (Leão Lopes)
Conclusion: línguas, linguagens, deambulações, passagens (João Caraça)
Notas Biográficas / Notices Biographiques
Résumés en Portugais et en Français
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Outras margens: a vitalidade dos espaços de língua portuguesa
 9782807602007, 9782807603608, 9782807603615, 9782807603622, 2807602002

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Maria-Arlette Darbord (dir.)

Outras Margens A vitalidade dos espaços de língua portuguesa

Autres Marges La vitalité des espaces de langue portugaise Trans-Atlántico Literaturas

P.I.E. Peter Lang P.I.E. Peter Lang

Cet ouvrage traite de « marges » à partir du point de vue de Laurent Mattiusi qui considère que « se situer en marge d’un lieu ne consiste pas à rompre avec lui sans retour, mais à prendre du recul pour voir sous l’angle de l’autre ». Les auteurs abordent ici la relation entre les pays de langue portugaise, relation définie par Édouard Glissant comme une éthique de l’altérité, comme la projection d’un renouveau. Sont examinées l’évolution de la langue, l’imaginaire littéraire ou artistique, l’histoire croisée de ces pays ou le métissage des cultures. Toutes ces façons d’aborder la question dévoilent une vitalité et une richesse incontestables. L’ouvrage permet de réfléchir à la multiplicité des échanges entre plusieurs continents, dessinant peut-être les traces d’une nouvelle mondialité enrichie par une éthique de la relation.

Maria-Arlette Darbord est traductrice de contes pour la jeunesse du portugais en français. Sa recherche universitaire a porté sur Raul Brandão et sur Alexandre Herculano. Elle est directrice honoraire de la Bibliothèque Calouste Gulbenkian – délégation en France.

Esta obra fala de « margens » a partir do ponto de vista de Laurent Mattiusi que considera que « situar-se na margem dum lugar não consiste em afastar-se dele sem regresso, mas recuar para ver na perspectiva do outro ». Os autores abordam aqui a relação entre os países de língua portuguesa, relação definida por Édouard Glissant como uma ética da alteridade, como a projecção dum renascimento. São examinadas a evolução da língua, o imaginário literário ou artístico, a história cruzada desses países ou a mestiçagem das culturas. Todas estas formas de abordar a questão revelam uma vitalidade e uma riqueza incontestáveis. A obra permite de refletir na multiplicidade das permutas entre vários continentes, desenhando talvez as marcas duma nova mundialidade enriquecida por uma ética da relação.

Maria-Arlette Darbord é tradutora de contos infantis do português para o francês. A sua pesquisa universitária incidiu sobre Raul Brandão e Alexandre Herculano. É directora aposentada da Biblioteca Calouste Gulbenkian – delegação em França.

P.I.E. Peter Lang Bruxelles

Outras Margens A vitalidade dos espaços de língua portuguesa

Autres marges La vitalité des espaces de langue portugaise

P.I.E. Peter Lang Bruxelles Bern Berlin Frankfurt am Main New York Oxford Wien 











Maria-Arlette Darbord (dir.)

Outras Margens A vitalidade dos espaços de língua portuguesa

Autres marges La vitalité des espaces de langue portugaise

Trans-Atlántico Vol. 15

Cet ouvrage a été conçu par un groupe de travail composé par Catherine Dumas (Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3), Claudia Poncioni (Université Sorbonne-Nouvelle-Paris 3), Graça dos Santos (Université Paris Nanterre), José Manuel Esteves (Université Paris Nanterre), Maria-Arlette Darbord (Fondation Calouste Gulbenkian-délégation en France), Maria Graciete Besse (Université Paris-Sorbonne), Maria Helena Carreira (Université Paris 8). Avec le soutien financier de la Fondation Calouste Gulbenkian – délégation en France, 39 bd. de La Tour Maubourg, 75007 Paris. Esta obra foi concebida por um grupo de trabalho composto por Catherine Dumas (Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3), Claudia Poncioni (Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3), Graça dos Santos (Université Paris Nanterre), José Manuel Esteves (Université Paris Nanterre), Maria-Arlette Darbord (Fondation Calouste Gulbenkian-délégation en France), Maria Graciete Besse (Université Paris-Sorbonne), Maria Helena Carreira (Université Paris 8). Com o apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian – delegação em França, 39 bd. de La Tour Maubourg, 75007 Paris. Illustration de couverture : Planisphère de Sebastião Lopes, 1590. Bibliothèque nationale de France. © P.I.E. PETER LANG s.a.



Éditions scientifiques internationales

Bruxelles, 2017 1 avenue Maurice, B-1050 Bruxelles, Belgique www.peterlang.com ; [email protected]

ISSN 2033-6861 ISBN 978-2-8076-0200-7 ePDF 978-2-8076-0360-8 ePub 978-2-8076-0361-5 Mobi 978-2-8076-0362-2 DOI 10.3726/b11135 D/2017/5678/40 Information bibliographique publiée par « Die Deutsche Bibliothek » « Die Deutsche Bibliothek » répertorie cette publication dans la « Deutsche National-bibliografie » ; les données bibliographiques détaillées sont disponibles sur le site .

Índice Introduction........................................................................................9 Catherine Dumas I.  La langue portugaise et ses variantes / I. A língua portuguesa e as suas variantes O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa. A consciência metalinguística das diferenças entre as variedades de Portugal e do Brasil................................................23 Clarinda de Azevedo Maia La construction du portugais comme langue nationale du Brésil.............................................................................................41 Diana Luz Pessoa De Barros A Unidade na diversidade nos espaços de língua portuguesa. O caso de Moçambique.................................53 Sarita Monjane Henriksen II.  Littératures de langue portugaise / II.  Literaturas de língua portuguesa Uma Terra de ninguém (com gente dentro). Que língua fala a poesia?...................................................................69 Ana Luísa Amaral Correspondência de Machado de Assis: um novo olhar....................................................................................79 Sérgio Paulo Rouanet Dois memorialistas que se tocam: Joaquim Nabuco & Gilberto Freyre.................................................................91 Antonio Dimas Agualusa et Ondjaki : deux regards sur Luanda.............................103 Agripina Carriço Vieira

III.  Histoire et sociologie / III.  História e sociologia Raizes, diáspora, projeto e circulação.............................................115 Miguel Vale De Almeida Uns e Outros: imaginário, identidade e alteridade na literatura moçambicana..............................................................121 Francisco Noa Sur les Marges de l’Empire : traces de la présence portugaise en Asie du Sud-est. Histoire, langue et métissage.........133 Paulo Jorge De Sousa Pinto Le problème de la frontière dans trois ouvrages de Sérgio Buarque de Holanda : Monções, Caminhos e fronteiras et Capítulos de expansão paulista...................................................153 Laura De Mello E Souza IV.  Les arts / IV. As artes Itinerâncias urbanas e nomadismo dos artistas..............................163 Bárbara Freitag Les Fantômes de l’histoire dans le cinéma portugais contemporain...................................................................................173 António Preto Cabo Verde: o sentido da arte hoje como projecto educativo, o desafio de uma escola de arte......................................183 Leão Lopes Conclusion: línguas, linguagens, deambulações, passagens...........189 João Caraça Notas Biográficas/Notices biographiques.......................................193 Résumés en portugais et en français................................................205

Introduction En optant pour le titre Autres marges. La vitalité des espaces de langue portugaise, les organisateurs de ce livre ont pensé le concept de « marges » – remarquons le pluriel du terme – comme un dehors qui dérange le centre, le trouble. Sans cesse susceptible d’y être intégré, sans cesse il élargit ses réalités aux dimensions du monde et de l’humanité. À la base de cette unicité intégrante, émergent des diversités singulières qui obligent le centre à une éthique de l’altérité. Nous voilà donc dans le processus historique et politique que Laurent Mattiusi résume en ces termes : « Se situer en marge d’un lieu ne consiste pas à rompre avec lui sans retour, mais à prendre du recul pour le voir sous l’angle de l’autre »1. C’est bien ce «  recul  » qu’ont pris les auteurs de ce volume en se positionnant en marge du récit officiel sur les espaces de langue portugaise, sur la conquête, la colonisation, la décolonisation qui promeut les états-nations, récit à l’origine de mythologies positives. Mais du recul également par rapport aux récits négatifs prônant la fin de l’Histoire. La « vitalité » repose sur trois notions principales : les échanges, la relation et l’énergie de l’avenir. Pluridisciplinaire, cet ouvrage livre des approches méthodologiques contrastées, s’intéressant au discours historique et sociologique, à la production langagière, ainsi qu’à la littérature et à la créativité artistique. Accompagnant les circulations des voyageurs, les échanges sont présents dès l’origine de ces espaces, à partir de leur découverte et de leur colonisation par les Portugais. D’abord transatlantiques, les échanges concernent rapidement l’Océan Pacifique. Ce sont des flux où l’un et le divers entrent en tension, circulent dans des échanges productifs ou déséquilibrés. Un bon exemple des échanges productifs nous est donné par Sérgio Paulo Rouanet qui renouvelle le regard porté par les exégètes sur la correspondance de Machado de Assis. L’Académie Brésilienne de Lettres a réuni récemment en cinq volumes cette correspondance active 1

Laurent Mattiusi, «  Philosophie des marges littéraires  : l’écriture du dehors  », in P. Forest, M. Szkilnik, Théorie des marges littéraires, Cécile Defaut, 2005, p. 59-75. . Consulté en ligne le 19/05/2016 [https://editionsceciledefaut.files. wordpress.com/2010/06/marges-litteraires0651.jpg].

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Introduction

et passive où l’écrivain brésilien, selon S. P. Rouanet, se refuse à traiter de questions politiques pour privilégier sa vie et son œuvre. Je retiendrai l’échange transatlantique, en 1878, de deux lettres avec Eça de Queirós. Traitant du modèle du réalisme impulsé par Émile Zola, cet échange ne se fait pas sans tensions. En effet, il repose sur des malentendus et/ou des sous-entendus qui nourrissent jusqu’à aujourd’hui la chronique des relations entre le Portugais et le Brésilien. L’édition de cette correspondance est, de par le sérieux de sa méthodologie, exemplaire pour la valorisation des échanges épistolaires. Clarinda de Azevedo, en étudiant l’histoire de l’acceptation ou du refus, de la part des grammairiens portugais, de la norme linguistique brésilienne, met en tension le portugais dit européen et le portugais américain. Elle affirme que le portugais est une langue « pluricentrique » formée à partir de normes-cultes divergentes. Elle constate que le contact du portugais populaire parlé par les découvreurs et les explorateurs, avec les langues indigènes dès le XVe  siècle, puis avec les langues africaines à partir de la traite des esclaves, est à l’origine de ce qui peut s’appeler aujourd’hui une norme. Elle cite Paul Teyssier à propos de ce qu’il nomme la « relusitanisation » du langage des Brésiliens avec l’arrivée, au XIXe siècle, de la Cour portugaise à Rio. C’est justement à cette époque-là que les textes grammaticaux prennent en compte au Portugal les variations de la langue à l’intérieur de l’Empire, d’abord d’un point de vue lexical, puis orthographique, car il a bien fallu créer un lexique pour nommer la nouvelle réalité géophysique et humaine. À partir de la deuxième moitié du XVIIIe siècle, les aspects phoniques de la variation brésilienne commencent à intéresser les grammairiens qui parlent en général d’infraction à la norme portugaise. Au XIXe  siècle, les morphologistes accordent au portugais du Brésil le statut de dialecte. Mais les différences apportées à la langue portugaise par le Brésil sont mentionnées dès le début du XVIIIe siècle comme des « vices de prononciation » tenus pour un phénomène marginal. Les régionalismes à l’intérieur même du Brésil ne sont jamais pris en compte. C. de Azevedo en conclut que le portugais européen s’est toujours voulu « monocentrique ». Francisco Noa examine la formation de la littérature mozambicaine à partir de la construction d’un imaginaire sur un axe Nord-Sud qui fait se croiser les références brésiliennes, européennes avec le substrat africain. Cette circulation des imaginaires ne se fait pas sans heurts  ; mais elle produit une « zone de contact » – F. Noa adopte cette notion de MaryLouise Pratt – dans la littérature.

Introduction11

Mais c’est avant tout dans le cadre de la poétique et de la philosophie de la Relation que F. Noa développe sa réflexion. Je dirai que c’est la Relation telle que la conçoit Édouard Glissant, avec la majuscule, qui est le fil rouge de ce livre sur les « autres marges ». La « pensée archipélique » (Poétique de la Relation, 1990) et la « poétique du divers » (Introduction à une poétique du Divers, 1996) qui la fondent permettent de concevoir l’espace qui nous occupe ici non plus comme Lusophonie, étiquette que les auteurs des Autres marges ont pour objectif commun de dépasser, mais comme marqué au sceau d’une éthique de l’altérité. La Lusophonie est trop connotée par l’usage qu’a fait la dictature de l’Estado Novo de ce terme auto-centrique. La «  géographie torturée  » (E. Glissant, Le sang rivé, 1983) des espaces de langue portugaise (la colonisation et ses exactions, les guerres pour l’indépendance et leur cruauté, les guerres civiles qui s’ensuivent), pensée par la Relation, projette un nouvel élan vers le monde, avec ses errances et ses dérives (E. Glissant, Philosophie de la Relation. Poésie en étendue, 2009). E. Glissant l’explique ainsi : « Or que ferons-nous, les uns et les autres – qui portons d’aussi contraires motivations ? Comment façonner nos contraires tremblements – sinon par la relation qui n’est pas tout court l’impact ni le contact, mais plus loin l’implication d’opacités sauves et intégrées  » (L’intention poétique, 1997). Cette pensée inspire profondément les textes réunis dans Autres marges. F. Noa, tout en plaçant la question identitaire au centre de sa réflexion, met en exergue l’éthique de l’altérité dont je parlais plus haut. Il affirme : « On est un en même temps qu’on est autre. On est le même en même temps qu’on est différent ». Il situe la littérature mozambicaine au sein de la complexité profonde des littératures africaines. Sa vision est diachronique et synchronique. Il remonte aux prémices d’une littérature nationale dans la dernière décennie de la colonisation, guidé en cela par Michel Laban et ses entretiens avec les principaux écrivains de l’époque (Moçambique Encontro com escritores). C’est une génération « kaléidoscopique », écrit F. Noa, pour qui priment la relation avec les autres arts et la diversité des influences. La génération Charrua des années 1980-1990 est, elle, plutôt influencée par les littératures d’Amérique Latine. Déjà dans les années 1960, c’està-dire pendant la colonisation, alors qu’ils publient en langue portugaise, des écrivains comme Craveirinha et Luís Bernardo Honwana ont recours aux langues locales telles que le ronga et le bantou, souvent par esprit de non-conformisme, de révolte, de dénonciation et de revendication, de « légitimation d’un territoire culturel et identitaire déterminé ». Pour F. Noa, alors que le bantou représente un contre-pouvoir, l’utilisation du

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Introduction

ronga est un « geste de célébration de tout un univers symbolique ». On voit bien là une « poétique du divers » en action. Plus près de nous, des écrivains comme Paulina Chiziane dénoncent les hybridismes culturels postcoloniaux et, tout en écrivant en portugais, se tournent résolument vers un tellurisme africain. F. Noa parle également de la «  géographie transnationale de l’imaginaire  », concept développé par Devleen Ghosh et Stephem Mueska, et que je considère pour ma part comme un mode de dépassement possible de la «  géographie torturée  » de E. Glissant. Dans cette géographie, en effet, des écrivains mozambicains comme Mia Couto ou João Paulo Borges Coelho travaillent aujourd’hui la mer, espace repoussé par les générations précédentes car marqué par les stigmates de la colonisation. Ils voient la mer comme « un espace d’évasion ou un lieu d’affirmation/fragmentation identitaire sous le signe du cosmopolitisme et de la globalisation », écrit F. Noa. L’éthique de l’altérité qui compose la Relation nous mène aux multiples métissages qui ont marqué les espaces de langue portugaise. Sarita Monjane, quant à elle, rejoint F. Noa dans sa vision d’un Mozambique marqué par la diversité au sein de son unité de nation. En linguiste, elle traite du métissage de la langue portugaise. Elle étudie une modalité du portugais, cette « langue qui est aussi la nôtre, enrichie et grandie par le contact entre les peuples, les cultures et les langues vernaculaires mozambicaines ». Il s’agit pour elle d’une langue « mixte », « qui se rénove », « en perpétuelle reconstruction ». Elle cite Mia Couto qui souhaite que les Mozambicains ne soient plus de simples usagers du portugais, mais des « coproducteurs de ce moyen d’expression ». Et en même temps, elle milite, dans la foulée de Philipson et SkutnableKongas, pour une « écologie du langage » qui respecte la diversité et soit tolérante avec le multilinguisme. Diana Luz Pessoa de Barros, tout en rejoignant C. de Azevedo sur une partie de son corpus, travaille dans une perspective plus proche de celle de S. Monjane, celle de la sémiotique discursive. En effet, elle relie l’étude du discours des grammairiens du portugais depuis le XVIe siècle jusqu’à la fin du XIXe siècle, époque à laquelle apparaissent les premières grammaires au Brésil, en même temps que se construit l’identité nationale dans les textes littéraires. Dans la foulée de Sylvain Auroux, elle écrit : « La nation et la langue nationale sont des inventions et la langue joue un rôle fondamental pour créer une nation ». Elle constate que les grammaires du XIXe siècle au Brésil ont un « discours de séparation et d’exclusion par l’opération du tri », et ce en faveur de la variante brésilienne. C’est notoire à l’époque

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romantique, comme chez José de Alencar qui, tout spécialement dans son roman O Guarani, prêche pour « un portugais différent ». Pourtant, D. Luz Pessoa de Barros relève une ambiguïté et des contradictions dans ce discours qui, d’un côté, souhaite que la langue soit le produit du mélange, dans un juste dosage, des peuples, des cultures, des langues et des usages. De l’autre côté, les grammairiens réclament la pureté de la langue originale. C’est donc cette «  conciliation inadmissible ou impossible de pureté vs mélange » qui intéresse D. Luz Pessoa de Barros. Le métissage est traité par Laura de Mello e Souza à travers son analyse de deux textes historiques de Sérgio Buarque de Holanda. Monções, Caminhos e Fronteiras (1945) parlent de la vie quotidienne des bandeirantes (pionniers) de l’État de São Paulo, marquée par les coutumes indiennes. Géographiquement, c’est la frontière avec le Paraguay, non encore fixée à l’époque, dont il est question. Mais, pour l’auteur, la frontière est plus culturelle que géographique. Les débats géopolitiques du milieu du XXe  siècle sont particulièrement axés sur la notion de frontière qui est l’un des avatars possibles de celle de marges. Monções marque l’œuvre entière de Sérgio Buarque de Holanda. Laura de Mello e Souza a réuni en 2014 des inédits, Capítulos de expansão Paulista, où l’auteur réécrit Monções et compare, avec les outils affutés du directeur du Musée Paulista – Museu do Ipiranga – qu’il est devenu, deux régions métisses et frontalières : São Paulo et le Paraguay. Le métissage qui résulte de ces expéditions dans l’intérieur des terres, souvent par la voie des grands fleuves, donne naissance au mameluco. Paulo Jorge de Sousa Pinto ouvre l’étude des espaces de langue portugaise à l’Asie du Sud-est. Il observe le métissage de ces populations de « luso-descendants », « vestiges de l’empire » aux traits européens et qui parlent un patois du portugais. Il les situe dans le « quartier portugais » de Malacca, sur l’île de Flores et dans des villages indonésiens et du Timor Oriental. Il retrace l’histoire de ceux qui ont formé ces « tribus portugaises », leurs différences selon les régions, et les trois liens qui, selon lui, les unissent et représentent leur force : la religion, la descendance et/ ou la langue. À travers les siècles, ce sont ces liens alliés à leur capacité de résistance (à l’occupation hollandaise surtout) et d’adaptation avec leurs stratégies d’alliances qui leur ont permis de garder une identité forte. Celle-ci s’est finalement estompée avec l’accession à l’indépendance des pays où ces « tribus » s’étaient installées. Si bien que P. J. de Sousa Pinto ne trouve plus que des « traces » de ces métis qui représentèrent le Portugal d’une façon si singulière.

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Le nomadisme intellectuel inspire la contribution de Bárbara Freitag Rouanet qui étudie les itinéraires urbains des artistes brésiliens. Elle remonte pour cela à un paradigme du nomadisme urbain, le transfert au Portugal, puis à Belém do Pará du dernier bastion chrétien portugais en Afrique, la cité-forteresse de Mazagão. Cette histoire représenterait les prémices d’un projet fou du Marquis de Pombal, celui de transférer le Portugal au Brésil pour « fonder le plus vaste empire du monde », comme le raconte Hercule Florence, mémorialiste français qui a accompagné l’expédition Langsdorff en Amazonie au début du XXe siècle. B. Freitag se pose la question de savoir pourquoi un pays change de capitale. Elle travaille sur trois registres : l’urbanisme, le pouvoir et les représentations culturelles, et sur trois capitales, Salvador, Rio de Janeiro et Brasília. Pour elle, le nomadisme des artistes est subordonné aux pouvoirs pèlerins laïques et religieux. Ce nomadisme correspondrait à une «  attitude interne, radicale pour être artiste ». Miguel Vale de Almeida propose sa déclinaison du nomadisme à travers la vision « d’une lusophonie non estropiée » qui serait celle des marges-centres et de centres-marges que représentent les juifs brésiliens descendants de migrants et de réfugiés des Pays de l’Est, devenus citoyens d’Israël. Il parle en termes critiques de deux modes de la lusophonie  : le projet de reconfiguration géostratégique et d’influence culturelle du Portugal postcolonial et post-adhésion à l’Union Européenne  et le « sud global », zone d’influence créée par le Brésil. Ces deux modes provoquent des effets locaux d’hégémonie. L’auteur se penche sur la lusophonie ethnographique et la circulation des personnes. Le « juif », figure de l’exclusion par excellence, souffre d’une « citoyenneté mitigée ou subalterne  ». Le Brésil fut l’une des destinations de la diaspora judaïco-portugaise. Il note que la dispersion de cette diaspora ne correspond pas, loin de là, à la géographie de l’expansion portugaise. Arrivés au début du XXe siècle, les Ashkénazes des Pays de l’Est fuient les pogroms. Rapidement, ils se constituent brésiliens. Mais « le triomphe hégémonique des récits de l’État nation a projeté les identités judaïques diasporiques dans une nouvelle crise » qui donne lieu au sionisme. Ces juifs brésiliens qui ont fait l’aliyah cultivent l’identification brésilienne. Ils se différencient des juifs venant d’autres pays d’Amérique Latine en reproduisant des processus brésiliens. Cette brésilianité leur permet, en particulier avec l’usage de la langue portugaise, « de se construire en tant qu’Israéliens centraux et non pas marginaux ».

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Ana Luísa Amaral pose la poésie comme « une patrie à l’intérieur de patries », reprenant une citation du poète espagnol Antonio Gamoneda parlant de l’art. La poétesse portugaise s’interroge sur la langue que parle la poésie qui, pour elle, est une Babel. «  Être Babel, c’est aussi être humain », affirme-t-elle. Elle propose le lieu où travaille le langage de la poésie comme une « zone intermédiaire » : « La poésie ainsi que celui qui l’écoute ne seraient-ils pas légèrement décentrés des patries ou des appartenances, même si ces patries coïncident avec la langue ? », demande-t-elle. Elle voit la poésie comme essentiellement reliée à la réalité de la vie, comme une expérience de solidarité. Ce serait là, quant à moi, une autre façon de pratiquer la philosophie de la relation. « Solitaires et solidaires » comme Camus, pour Ana Luísa Amaral, les poètes n’évoluent jamais dans l’espace de la totalité, tout en pratiquant leur vérité, « la vérité de la vie imaginée et déflectée ». Refusant la totalité, Ana Luísa Amaral dit, entre autres, non à l’accord orthographique. « Il n’y a pas d’accord qui tienne », écrit-elle. Pour elle, comme pour Sarita Monjane et pour D. Luz Pessoa de Barros, le portugais est diversifié. Dans les identités, elle voit des multiplicités. Pour le démontrer, elle met en avant le poème de Sophia de Mello Breyner, « Poema de Helena Lanari », où est reliée la diversité de la norme linguistique à la capacité qu’a le poème d’appréhender le réel d’un paysage humain. C’est toujours Ana Luísa Amaral qui me donne des arguments pour aborder la troisième notion qui, pour moi, ressort des Autres marges, c’est-à-dire l’indéfectible énergie de l’avenir. A. L. Amaral voit la poésie comme « la possibilité la plus pure », « l’expression de l’humanité la plus pure ». C’est cette vérité que porte sa poésie, désir d’une perfection qui, n’effaçant pas les cicatrices, les prend en charge : « Ma terre de personne avec des gens à l’intérieur, c’est, parce qu’elle est faite de gens, une terre de corps et de voix de ceux qui avant moi ont eu une voix. Et encore les voix de ceux qui vivent à mes côtés, temporellement et spatialement, et qui, si souvent, n’y ont pas droit ». F. Noa rejoint sur ce point A. L. Amaral, avec son idée de dépassement dans l’altérité par un imaginaire dont les mécanismes intrinsèques sont des «  transitions, réelles et imaginées, entre harmonie et conflit, ordre et instabilité, désir et dépassement et qui, dans l’espace d’intersection des différentes visions de monde que nous reconnaissons dans l’univers littéraire et culturel mozambicain, font de chacun nécessairement un autre  ». Les «  différentes visions de monde  » nourrissent les auteurs de ce livre. C’est cet aspect visionnaire qui lui confère son pouvoir de

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proposition, d’intervention, même si les messages distillés par les corpus sont parfois très noirs. António Preto parle de quatre décennies du cinéma portugais contemporain hantées par l’Histoire nationale dont il privilégie trois films assez récents : Non ou la vaine gloire de commander de Manoel de Oliveira (1990), Tabou de Miguel Gomes (2012) et Cavalo Dinheiro de Pedro Costa (2014). Il analyse ces films dans le cadre d’une « mise en crise des représentations à travers la dialectisation du passé et du présent ». Dans chacun de ces films, la mort est à l’origine de l’histoire racontée ; mais les cinéastes lui attribuent une fonction différente. Chez Manoel de Oliveira, elle est une négativité rédemptrice qui permet un recommencement. Chez Miguel Gomes, la mort libère l’Histoire et ouvre une possibilité de la raconter. Chez Pedro Costa, les morts viennent juger les vivants. A. Preto mentionne les écrits de Jacques Rancière à ce propos. La dialectique des temps passé et présent opère, chez le personnage de Ventura, un émigré noir du Cap Vert, une dépossession de soi. Si bien que P. Costa met en scène des fantômes coloniaux qu’il ritualise. C’est également une Afrique fantomatique que montre Tabou, alors que le film de M. de Oliveira fonctionne comme le « tombeau du récit officiel de l’Histoire ». A. Preto cite P. Costa et sa conception cinématographique de l’oubli : « Nous faisons des films pour oublier. C’est vraiment pour oublier, pour en finir définitivement avec le passé ». Et A. Preto de définir le cinéaste comme « un écrivain public », celui qui fait apparaître pour pouvoir faire disparaître. L’énergie de l’avenir reposerait donc sur cette force de l’oubli qui « deviendra, à son tour, la caution de la survivance des images et de l’histoire comme maladie chronique ». Agripina Vieira, à propos de deux romanciers angolais actuels, Agualusa avec Teoria geral do esquecimento et Ondjaki avec Os Transparentes, suit les mêmes pistes que A. Preto, celle de « l’histoire comme maladie chronique » et celle de la « dialectisation du passé et du présent ». Elle se base sur le concept de « plan historié » de Michel Serres pour analyser le passage du temps sur des espaces physiques. Dans chacun des deux romans, la ville de Luanda est observée à partir de l’espace clos d’un immeuble qu’Agualusa appelle un « immeuble métropole » et Ondjaki une « ruine morale ». Une ironie mordante travaille ces deux romans. C’est la « syntaxe de l’oubli » de Homi Bhabha que A. Viera convoque pour parler de la disparition de toute chose et de tout être dans un contexte de corruption générale. Elle cite Agualusa à ce propos : « Dans ce pays, tout disparaît. Peut-être bien que le pays entier est en voie de disparition  ». Pourtant, les deux

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romanciers traduisent la vitalité de leur espace en proposant la vision d’une nation qu’il ne sera possible de construire que dans l’union des deux temps, passé et présent. C’est ainsi que la sagesse du vieillard et la pureté de l’enfant qu’ils mettent en scène apparaissent comme la caution d’un processus de reconstruction. Antonio Dimas, dans le cadre de la sociologie de la vie artistique et intellectuelle à Pernambuco au tournant du XIXe et du XXe siècle et dans la première moitié du XXe siècle, étudie les contacts que l’on peut établir à partir de la question noire entre Joaquim Nabuco et Gilberto Freyre. Engagés dans la valorisation de l’homme noir brésilien comme projet de société, ces deux écrivains, de par leurs appartenances familiales à la haute société de Recife, sont cosmopolites. C’est-à-dire que – on le voit très bien dans les mémoires de J. Nabuco Minha Formação (1900) – même si leur enfance a été marquée par l’immersion dans le monde de la fazenda (propriété rurale) où J. Nabuco se plaira plus tard à trouver un exemple de «  fusion des races  », ils assument tous deux les compromis de leur classe sociale. A. Dimas écrit que G. Freyre tentera de s’en « débarrasser sans toujours y arriver  ». Après près de dix années de campagne abolitionniste au Brésil et un séjour aux U.S.A., J. Nabuco brosse un tableau contrastif de l’esclavage au Brésil et aux U.S.A. où il oppose la « guerre des races » en vigueur dans le système américain du Nord à cette « fusion » plutôt gentiment romantique qu’il pense discerner au Brésil. G. Freyre aura, lors d’un voyage de jeunesse, le même type d’expérience, cette fois-ci au Texas, dans la bourgade de Waco, tristement célèbre pour sa violence ségrégationniste. Il rendra compte de ce séjour marquant dans Tempo morto e outros tempos. Trechos de um diário de adolescência e primeira mocidade (1915-1930). Ces deux écrivains portent un projet de construction de l’avenir au Brésil avec les noirs. Ils forgent en l’anticipant l’Histoire de leur pays dans leur désir d’élargissement de l’espace social et culturel ainsi que d’intégration. Je reviens, dans le cadre de l’énergie de l’avenir des espaces de langue portugaise, à Diana Luz Pessoa de Barros qui présente une vue de la formation de la langue nationale au Brésil et en tire des conclusions intéressantes. Elle oppose deux thèses formulées au XXe siècle à propos du multilinguisme. L’une est issue de Roland Barthes et portée plus récemment par Mia Couto qui écrit  : «  La survie de l’espèce humaine n’est pas seulement due à l’intelligence, mais à notre capacité à produire la diversité ». L’autre est de William Johnson : « Je ne veux pas que nous devenions le Brésil ». D. Luz Pessoa de Barros retrouve dans cette dernière

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le principe de sélection et d’exclusion appliqué par les grammairiens du XVIe siècle qui cherchaient à constituer une langue pure sous l’autorité de «  ceux-ci qui en savent le plus  », c’est-à-dire «  les barons savants  ». D. Luz Pessoa de Barros conclut : « La langue nationale du Brésil est ainsi le résultat héroïque, excitant, superlatif et mythique de la conciliation concessive des termes contraires  ». En s’appuyant sur Mia Couto, elle analyse le discours des grammairiens et des romanciers qui «  veulent croire ou nous faire croire », à propos de « leur langue portugaise », à une langue qui est « à la fois, un lieu et un voyage, des racines et des ailes ». Leão Lopes, pour sa part, lance le défi d’une « pédagogie dialectique de l’art où l’étudiant serait le sujet et l’agent de la transformation sociale et culturelle du milieu », avec la création, en 2004, de l’École Internationale d’Art, connue sous l’appellation de M_EIA. Historiquement le pays de la musique et de la poésie, le Cap Vert a connu un développement intéressant de l’enseignement officiel des arts à l’époque coloniale. Les années qui ont suivi l’indépendance du pays ont été riches en expériences et en recherches sur les arts locaux dans les domaines de la musique, du textile, de la céramique, des fêtes et des rituels. Parallèlement, la pédagogie par l’art a subi une désaffection de la part des organes gouvernementaux qui jugeaient ce processus inutile, et ce malgré toutes les directives de l’ONU allant en sens contraire. Si bien que L. Lopes constate qu’aujourd’hui, « l’enseignement officiel des arts a disparu ». Même si la famille, la rue et les cercles d’amis occupent leur place dans la formation des jeunes artistes, ce sont des structures informelles. M_EIA est une « école nonécole » au statut universitaire, qui établit le lien avec le continent africain, qui intervient dans les communautés et a déjà formé, entre autres, des designers, des cinéastes, des architectes. Parier sur l’avenir d’un potentiel artistique riche au sein d’une structure participative, c’est là un exemple original de dynamisme créatif. Je voudrais souligner enfin que la catégorie du postcolonial n’est pas ou que très peu discutée dans ce livre. Plusieurs textes l’abordent pourtant de biais, en la diluant dans d’autres problématiques que j’ai pu aborder, telles que le métissage, le nomadisme artistique, la « vision de monde » surtout. Les chapitres forts de ce point de vue sont ceux qui traitent de corpus appartenant aux ex pays de l’empire, africains ou asiatiques. En ce qui concerne le Brésil, le débat existe sur le fait de savoir si ce pays peut encore être étudié sous l’optique postcoloniale. Miguel Vale de Almeida, quant à lui, envisage cette catégorie du postcolonial comme une période de l’histoire aux réalités contingentes, et non pas comme une pensée au

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cadre fixé qui produit des récits nationaux fondateurs. Pour les auteurs d’Autres marges, la dialectique temporelle présent-passé ouvre des espaces à l’imaginaire projectif d’un futur en marche, même s’il est parfois difficile à formuler. C’est cette ouverture, cette mouvance des espaces que ce livre se donne pour objectif de travailler. Catherine DUMAS Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3

I.  La langue portugaise et ses variantes I. A língua portuguesa e as suas variantes

O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa A consciência metalinguística das diferenças entre as variedades de Portugal e do Brasil1 Clarinda de Azevedo Maia Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada (CELGA) Universidade de Coimbra

1. Introdução No secular caminho do português, a história do idioma enriquece-se e complexifica-se a partir do momento em que a expansão intercontinental lhe assegura a ampliação da sua área geográfica e a multiplicação do número dos seus falantes, aspectos que virão a ter grandes consequências na formação do espaço variacional da língua e na sua consolidação como língua histórica. A difusão da língua e a sua implantação nos novos territórios farão aí emergir dialectos secundários que virão a constituir diferentes variedades extra-europeias do português com diferentes configurações linguísticas internas. No caso do Brasil, não se modelou apenas uma variedade nacional da língua portuguesa como se consolidou uma norma culta brasileira: paralelamente, no século XX, a partir do Modernismo, a norma literária brasileira, apoiada no uso brasileiro da língua portuguesa, emancipa-se da tradição literária lusitana e dos modelos que deixam de ter ressonância entre os basileiros, sendo, a partir de então, difícil confundir o autor de um texto brasileiro com o de um autor português (Pinto, 1988: 32). 1

Este trabalho foi realizado no âmbito da linha de investigação «História da língua portuguesa e História da consciência linguística» do Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada (CELGA), Unidade de I & D, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e sediada na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

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Deixando de lado, neste momento, a língua literária, salientemos que é, aliás, a existência de normas cultas divergentes em Portugal e no Brasil que permite incluir o português entre as chamadas línguas pluricêntricas (Clyne, 1992: 1-9). Como foi definido por Clyne, o pluricentrismo pressupõe a existência de diferentes normas, bem estabelecidas (o que significa a actuação de mais que um centro normativo), e historicamente codificadas que funcionam como pontos de referência para os falantes de cada território nacional. A fim de compreender a relação do português do Brasil com a forma europeia da língua é do maior alcance a realização de estudos diacrónicos sobre o longo caminho percorrido pela língua, tanto na sua dimensão interna como em aspectos sociais e culturais. Afigura-se como particularmente relevante o estudo das principais mudanças ocorridas na trajectória histórica da língua portuguesa que explicam alguns elementos linguísticos que configuram as normas cultas diferenciadas de Portugal e do Brasil e que correspondem a aspectos fonético-fonológicos, morfosintácticos e lexicais. A história do idioma em solo americano tem o seu começo quando a armada de Cabral aporta às costas da Terra de Vera Cruz: o português estava, na Metrópole, já relativamente estandardizado e tinha desenvolvido, ao longo dos séculos, um longo processo de elaboração linguística extensiva e um acentuado processo de elaboração linguística intensiva, mas apresentava ainda grandes margens de variação linguística interna. Contudo, no início da colonização e do processo de implantação da língua no Brasil predominaram as variedades não elaboradas, da comunicação imediata, tendo-se difundido e diversificado sem qualquer tipo de controlo. (Koch e Oesterreicher, 2008: 2593). A difusão dessas variedades e a sua diversificação prolonga-se até ao momento em que se inicia o ensino institucionalizado do português na sequência do Directório do Marquês de Pombal de meados do século XVIII2.

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A ida da família real para o Brasil, fugindo às invasões napoleónicas, e a posterior transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro, apesar do impulso que esses acontecimentos representaram para o desenvolvimento material e cultural do território, parece não terem tido consequências linguísticas significativas fora da cidade e da região do Rio de Janeiro. A fixação da Corte e de cerca de 15 000 portugueses teve, sem dúvida, efeitos linguísticos na região carioca, o que levou já a falar-se da «relusitanização» da cidade e da região (Teyssier, 1982 : 77 e 80). As consequências linguísticas da introdução no Brasil do português europeu do início do século XIX deveriam ser objecto de aprofundada investigação.

O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa25

O conhecimento do primeiro estrato cronológico do português levado para o Brasil e, particularmente do português popular, representa um grande desafio para os estudiosos da história da língua portuguesa e da história do português do Brasil. Ainda recentemente, na Nova gramática do português brasileiro, Ataliba de Castilho (2010: 204), depois de salientar que não foi propriamente o português oral culto que desembarcou nas praias brasílicas, acrescenta: Era o português popular, não padrão, o primeiro que se fez ouvir nas plagas sul-americanas. Dele deriva, de forma direta, o PB popular. Assim, para conhecer as bases do PB popular, teremos de descrever o PE popular do século XV. Uma tarefa bem complicada, que terá de ser enfrentada pelas novas gerações de linguístas!

Apesar da quase total invisibilidade textual dessas variedades imediatas do português desse período, e sobretudo das correspondentes ao estrato sociocultural popular, não pode deixar de reclamar-se o seu estudo e a reconstituição histórica de alguns aspectos correspondentes aos diferentes níveis linguísticos, nomeadamente no domínio da sintaxe3. Foram estas variedades que se implantaram inicialmente no território brasileiro (e que tiveram um papel significativo na conformação do português popular ou português vernáculo do Brasil) que criaram os primeiros cenários de contacto linguístico nesse território, inicialmente com as línguas indígenas4 e, depois, com as línguas das populações africanas levadas para o território no quadro do comércio de escravos que se prolongou ao longo dos séculos, mas que oficialmente termina em 1830. Desse modo, o conhecimento dos aspectos fonético-fonológicos e 3



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A análise do quadro 4.2 onde Ataliba de Castilho (2010: 206-209) apresenta as principais características das variedades popular e culta de PB permite verificar que um significativo número de traços de carácter fónico e alguns aspectos da morfologia são frequentes na linguagem popular de Portugal, sendo não raro gerais em todo o território. Escassas são as coincidências entre as características apontadas no nível sintáctico como próprias da variedade popular de PB e a sintaxe popular de PE, embora haja que reconhecer que se trata de um domínio pouco explorado pela investigação linguística feita em Portugal. Na sintaxe popular «espontânea» de PE é possível registar alguns usos afins aos da variedade brasileira popular. Tenho vindo a reunir exemplos em enunciados orais «espontâneos» produzidos por falantes do nível sociocultural popular do uso do reflexivo se invariável, associado à primeira pessoa do plural: «Nós não se podemos mudar daqui»; «vai ver que nós ainda se encontramos»; «nós só se preocupamos com a qualidade do trabalho»; «saímos três grupos [numa peregrinação a pé a Fátima] e encontremos-se só ao chegar». Outros cenários de contacto sócio-histórico e linguístico entre a língua portuguesa e as línguas indígenas se criaram posteriormente à medida que se verificava a exploração e o povoamento do interior do Brasil.

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morfo-sintácticos desse primeiro estrato cronológico de finais do século XV e início do século XVI – assim como dos subsequentes, pelo menos até ao século XVIII – é condição prévia indispensável para equacionar com êxito a questão do contacto linguístico no Brasil e analisar as suas consequências. Mas a realidade é bem mais complexa: a par da introdução e estabelecimento das variedades imediatas, sobretudo populares do português, há que contar com a implantação das modalidades elaboradas da língua, nomeadamente da chamada língua escrita, que, em cada momento histórico, vigoravam na Metrópole. Talvez seja esta dualidade um dos factores – associado a outros, como a transmissão maioritariamente irregular do português a africanos e afro-descendentes que decorreu na oralidade entre o século XVI e o século XIX e a quase ausência de escolarização até ao fim do século XVIII (Mattos e Silva, 22008: 151-152 e Mattos e Silva, 22008: 123-131) – que contribuíram para a polarização sociolectal entre a(s) variedade(s) vernácula(s) e a(s) variedade(s) culta(s) de PB, cuja distância se atenua nas situações de informalidade (Castilho, 2010: 209). Uma importante via de estudo para a análise da história de PB e para o conhecimento da relação estrutural entre PB e PE, isto é, se as mudanças linguísticas ocorridas no Brasil e que configuram ora a(s) norma(s) culta(s) ora a(s) norma(s) vernácula(s) «já estariam prefiguradas ou encaixadas» (Mattos e Silva, 22008: 64-65) no português da Europa, consiste indubitavelmente no estudo da história do português a partir do final do século XV e início do século XVI5. Só desse modo será possível assentar em bases consistentes a comparação entre PB e PE e compreender o que se deve a outros condicionamentos da história social linguística do Brasil. Esse estudo pode fazer-se a partir dos textos escritos de distinta tipologia, correspondentes a diferentes tradições discursivas, sendo de valorizar os textos escritos por semi-letrados ou semi-analfabetos. Mas os textos metalinguísticos oferecem também materiais importantes para a história de algumas mudanças significativas para o estudo da diferenciação 5

Depois de referir-se aos aspectos fónicos diferenciadores do português do Brasil e do português europeu contemporâneos, Rosa Virgínia Mattos e Silva chama a atenção para a necessidade de estudos históricos relativamente a muitos dos aspectos referidos: «A simplicidade desse perfil fonológico aqui apresentado recobre complexas análises fonológicas teóricas já realizadas, mas ainda se esperam interpretações históricas para muitos desses aspectos descritos. Por que razões é assim lá e aqui não?» (Mattos e Silva, 2 2008: 143). A mesma necessidade se faz sentir relativamente a aspectos da diferença entre PB e PE nos outros níveis linguísticos, nomeadamente no plano da sintaxe.

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histórica entre PB e PE, assim como depoimentos relativos à consciência diferencial entre o português do Brasil e o português da Europa.

2. O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa Utilizando dados de uma investigação mais ampla em curso sobre a produção gramatical portuguesa de que temos vindo a apresentar alguns resultados (nomeadamente em Maia 2010, Maia 2012 e Maia 2013), analisaremos neste momento o contributo dos materiais fornecidos pelos autores de textos gramaticais para a história de algumas dessas mudanças e a consciência que revelam sobre a diversidade de usos linguísticos em Portugal e no Brasil ou, mesmo, sobre especificidades brasileiras explicitamente identificadas, ou seja, sobre usos próprios do Brasil. Além dos juízos de valor manifestados em relação aos usos identificados como brasileiros, ter-se-á em consideração, sempre que os autores dos textos gramaticais o fazem explicitamente, o estatuto atribuído a PB na sua relação com a língua da Europa. Uma vez que as atitudes linguísticas manifestadas em relação a determinadas variedades ou a fenómenos linguísticos específicos influem decisivamente nos processos de variação e de mudança linguística, condicionando a direcção e o ritmo da mudança, consideraremos os juízos de valor formulados pelos autores de textos de natureza metalinguística quer relativamente a usos linguísticos concretos referidos como próprios do Brasil, quer relativamente à variedade do Brasil (por vezes, na sua comparação com a variedade de Portugal), quer aos falantes que as utilizam. Aspectos lexicais: A análise dos textos gramaticais publicados em Portugal desde o século XVI revela que somente a partir do século XVIII6 6

No clima geral de exaltação que se respirava em Portugal (como, aliás, em toda a Península Ibérica) no século XVI e que se prolonga até ao século seguinte, há nos textos metalinguísticos referências ao Brasil e a outros territórios conquistados nos vários continentes que contribuíram significativamente não só para o extraordinário aumento dos domínios do reino, mas também para uma enorme ampliação do espaço geográfico-social da língua portuguesa. Em vários textos metalinguísticos dessa época de afirmação dos «vulgares» que assumem frequentemente um teor apologético, afirma-se a dimensão imperial da língua e a presença portuguesa em vários continentes, incluindo o continente americano, sendo também feita referência ao Brasil. Não se registam, no entanto, testemunhos sobre as características da língua em ne­nhum desses territórios. Depois de aludir à difusão da língua portuguesa no mundo conquistado desde o século XV, Duarte Nunes de Leão (Lião, 1606: 136-137) traça o quadro da sua extensão na época e afirma:

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surgem referências à variação no interior do espaço onde se implantou o português, sendo o léxico o nível linguístico em que se situa a primeira menção a usos diferenciados no Brasil e em Portugal. Na segunda reimpressão das Regras da lingua portugueza, espelho da lingua latina (1725), no capítulo intitulado «Dos dialectos da língua portugueza», ocupa-se D. Jerónimo Contador de Argote da diversidade interna da língua e distingue os «dialectos locaes», os «dialectos de tempo» e os «dialectos de profissão», a que acrescenta «os dialectos ultramarinos e conquistas de Portugal» nomeadamente da Índia e do Brasil, apresentando como aspectos diferenciadores em relação à língua da Europa especificidades de tipo lexical. Embora sem exemplificar, realça o Autor a especificidade lexical do Brasil e da Índia e aponta como motivações o conservadorismo que se manifesta pela persistência de vocabulário do português antigo, isto é, de arcaísmos, e o contacto interlinguístico: Ha os Dialectos ultramarinos, e conquistas de Portugal, como India, Brasil, &c. os quaes tem muytos termos das linguas barbaras, e muytos vocabulos do Portuguez antigo (Argote, 1725: 300).

Embora os brasileirismos lexicais tenham sido elementos linguísticos que muito chamaram a atenção dos falantes peninsulares e que tenham sido registados nos textos, nomeadamente de carácter cronístico e histórico, desde a segunda metade do século XVI (Hoepner, 2001: 143-145 e 155-156)7, não há nos gramáticos portugueses testemunhos

«A qual tam puramente se falla em muitas cidades de Africa, que ao nosso jugo são subjectas, como no mesmo Portugal, & em muitas prouincias da Ethiopia da Persia & da India, onde temos cidades & colonias, nos Syonitas, nos Malaios, nos Maluqueses, Lequeos, & nos Brasijs, & nas muitas & grandes ilhas do mar Oceano, & tantas outras partes, que com razão se pode dizer por os Portugueses: o que diz o Psalmista: In omnem terram exiuit sonus eorum, & in fines orbis terrae verba eorum» (Lião, 1606: 137). Sobre alguns desses expressivos depoimentos, veja-se (Maia, 2010: 33 e segs). 7 O conhecimento de uma nova realidade, de novos homens, de uma nova natureza levou, desde o próprio século da conquista, ao registo de informações sobre as terras descobertas e ao emprego de termos relativos a hábitos e costumes dos índios, à paisagem, às condições climáticas e sobretudo à fauna e à flora. Estão nessas condições os dois textos de Pero de Magalhães Gândavo, a História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil (1576) e o Tratado da Terra do Brasil (provavelmente redigido em 1570, mas só publicado em 1826), dois dos primeiros escritos que tratam do Brasil, que registam denominações de animais e plantas provenientes das línguas indígenas desse território: muitos desses termos brasileiros serão dicio­ narizados nos séculos subsequentes, mas de forma mais ampla no século XVIII, no Vocabulario portuguez e latino, de Raphael Bluteau, publicado entre 1712 e 1728. Sobre esse assunto, veja-se (Hoepner, 2001: 143-145 e 155-156).

O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa29

explícitos análogos ao de Contador de Argote relativos a divergências no nível lexical ou léxico-semântico. No entanto, é reveladora da consciência da origem de alguns termos identificados como brasileirismos lexicais a sua inclusão nos catálogos lexicográficos que figuram nos tratados de ortografia de Madureyra Feijó (1734) e de Monte Carmelo (1767) (Verdelho, 2007: 35-37). Aspectos fonéticos: Somente na segunda metade do mesmo século se volta a assinalar nos textos gramaticais peculiaridades «brasileiras», sendo mencionados, neste caso, aspectos fonéticos diferenciadores da língua do Brasil: desde a publicação, em 1767, do Compendio de Orthografia de Monte Carmelo8, em que se regista a primeira referência a usos fonéticos específicos de PB, até aos últimos anos do século XIX, os textos gramaticais que mencionam o português do Brasil privilegiam os aspectos fonéticos, incluindo, embora de forma esporádica, as diferenças prosódicas ou supra-segmentais. Os traços mencionados referem-se ao vocalismo átono, sobretudo em posição pré-acentuada, havendo, além disso, menção explícita de formas que sofreram harmonização vocálica do timbre da vogal média em sílaba pretónica ao timbre da vogal alta i ou u da sílaba subsequente, em geral tónica. Ainda em relação ao vocalismo se menciona a redução do ditongo ai em Paixão, aspecto que não é explicado de forma totalmente satisfatória9. Há, contudo, também algumas afirmações sobre realizações próprias do Brasil no que se refere à posição não acentuada final. Além de fornecerem materiais de alcance para a compreensão das mudanças ocorridas em Portugal no domínio do vocalismo átono e para o estabelecimento da respectiva cronologia – aspectos já analisados e discutidos em Maia 2012 e Maia 2013 – os textos gramaticais fazem referências explícitas a usos linguísticos do Brasil no âmbito do vocalismo não acentuado distintos dos usos de Portugal. Monte Carmelo, a anteceder um extenso catálogo de palavras «que costumam pronunciár-se com dois Accentos dominantes», isto é, de palavras que, além da vogal da sílaba acentuada, apresentam vogal aberta na sílaba pretónica, em geral por razões históricas e etimológicas, faz uma advertência aos falantes brasileiros para que não confundam os dois «Accentos da nossa Lingua»: «devem notar bem os Brasilienses; porque confundem os Accentos da nossa Lingua» (Carmelo, 1767: 128). 8



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Veja-se Maia, 2010: 43. Veja-se Maia, 2010: 45 e n. 11.

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Desse catálogo de várias páginas (129-132) constam exemplos como os seguintes: Pégáda, as. Vestîgio. Pegáda he do Verbo Pegar (Carmelo, 1767: 131). Prégár. Publicar, &c. Pregár, he Fixar com prégos (Carmelo, 1767: 131).

Recorda o gramático ao leitor a distinção fónica e semântica entre as formas de cada um dos pares e, através da advertência feita aos falantes brasileiros, assinala-se a não distinção que então já existia na realização das vogais pré-acentuadas incluídas no referido catálogo. São vários os autores do século XIX que fazem referência à realização brasileira das vogais pré-acentuadas, desde Soares Barbosa (1822) (já referido por vários autores10) a Solano Constâncio (1831) e a José Barbosa Leão (1886). Soares Barbosa e Solano Constâncio testemunham algumas particularidades relativas ao vocalismo átono e referem explicitamente como próprias dos falantes brasileiros formas com assimilação harmónica da vogal média anterior à vogal alta da sílaba seguinte, tónica: o primeiro dos autores menciona «Minino, Filiz, Binigno» (Barbosa, 1822: 51), ao passo que Solano Constâncio exemplifica apenas com a forma «minino por menino» (Constâncio, 1831: 259). Este último autor, na Grammatica analytica da lingua portuguesa, referindo-se aos «vicios de pronunciação intoleraveis» dos brasileiros e especialmente dos baianos, menciona igualmente a diferente pronúncia das vogais em posição pré-acentuada e informa que «accentuão syllabas subordinadas: v.g. ménino, pápel, Brásil, ássentado». Embora a elevação das pretónicas médias sob influência assimilatória exercida pela vogal da sílaba seguinte tenha existido na língua desde a fase arcaica mais antiga, deixou de actuar no português da Europa (Maia 2012) e era sentida, pelo menos desde o primeiro quartel do século XIX, como um traço diferenciador da pronúncia dos brasileiros. Particularmente esclarecedor é o testemunho de José Barbosa Leão nos Elementos de gramática portugueza, publicados no final do século XIX, em 1886. Depois de informar, no capítulo I, que o português tem nove sons vocálicos e dezanove sons consonânticos, esclarece, em relação aos primeiros: «Os sons ou vózes são: á a, é, ê e, i, ó ô, u; como se ôuvem respètivamente no fim das palavras òlá, ŕóza, café, mercê, ave, aqui, avó, avô, banbu» (Leão, 1886: 2). E, numa extensa nota relativa aos sons vocálicos, tece várias considerações, algumas das quais sobre aspectos da pronúncia dos falantes 10

Cf. Teyssier, 1982: 77; Noll, 2008: 165 e Maia, 2010: 43-45.

O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa31

brasileiros diferenciadores em relação à pronúncia de Portugal, pondo em relevo, julgo que pela primeira vez na gramaticografia portuguesa, os efeitos prosódicos diferenciadores e as repercussões na morfologia verbal e derivacional. Por se tratar de fragmentos textuais muito expressivos que revelam um atento conhecimento da língua do Brasil e a capacidade de estabelecer comparações e contrastes explícitos entre o português do Brasil e o português da Europa, reproduzimo-los em seguida: No Brazil, em flèsõis de vérbo, a sílaba predominante que tem vóz abérta, quando o não é, tem vóz fexada, e tendo vóz fexada no primeiro cazo tem-na tanbem no segundo; e o mesmo acontéce entre as palavras primitivas e derivadas: em Portugal, pelo contrário, jeralmente as sílabas predominantes tem vogal surda quando dêixão de o ser. Por iso acolá dízem por ezenplo, córto córtas côrtar côrtamos, têmo témes têmer têmêmos, séla, sêleiro, pórta pôrtal, mêdo mêdrôzo, sôldo sôldado, gôsto gôstôzo; e aqui dizemos cortár cortámos, temêr temêmos, seleiro portál medrôzo soldádo gostôzo. Nóte-se porem que os brazileiros vão mais lonje. No inpério, a tendência é para enpregar vóz surda apenas em sílaba final; nas outras sílabas não predominantes, enpréga-se quázi senpre vogál fórte, sendo nélas por iso freqüêntísimos os sons fexados e bastante freqüênte o á abérto; em quanto que nestas sílabas nós ŕaras vezes enpregamos vogal fórte, e só muito eicècionalmente som fexado. Asim é lá notável a tendência para a substituïção do e surdo pelo i grave. Ali a mãi dirá ao filhinho ŕebelde: Minino, si mi ôbêdêcêres, têrás um dôcinho. Aqui dirá: Menino, se mi obedecêres, terás um docinho. Devendo notar-se que, se esta diz mi em lugar de me, é por cauza do som de u que se lhe ségue, antes do qual não vai bem o de e surdo. E d’aí vem, que a pronúncia portugueza é mais ŕápida, mais viva e mais enérjica (Leão, 1886: 80-81).

Mais do que avaliar negativamente os traços da pronúncia brasileira como fazem outros gramáticos que os consideram infracções, desvios em relação à pronúncia de Portugal, Barbosa Leão compara os usos fonéticos no domínio do vocalismo pré- e pós-acentuado e vê-se claramente que, neste aspecto, havia já diferenças no Brasil e no português da Europa, estando aqui já totalmente consolidada a elevação e a centralização das vogais nos contextos referidos, muito particularmente em posição pretónica, o que acarretava consequências prosódicas diferenciadoras das produções dos falantes brasileiros e portugueses11. Através de exemplos 11

Em obras de carácter gramatical ou afins produzidas e publicadas no Brasil a mais antiga referência às diferenças prosódicas entre PB e PE de que tenho conhecimento é posterior à de Barbosa Leão e corresponde a Said Ali. No artigo «Colocação dos pronomes pessoais átonos regidos de formas verbais finitas» (que resulta do desdo-

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idealizados, explica o Autor o distinto ritmo elocutivo no Brasil e em Portugal: Ali a mãi dirá ao filhinho ŕebelde: «Minino, si mi ôbêdêcêres, têrás um dôcinho». Aqui dirá: «Menino, se mi obedecêres, terás um docinho». […] E d’aí vem que a pronúncia portugueza é mais ŕápida, mais viva e mais enérjica (Leão, 1886: 80-81).

Não passam também despercebidas ao autor as diferentes pautas de alternância vocálica existentes nos verbos que tinham originariamente vogal média (anterior ou posterior) no radical: manifestam-se de distinto modo «as diferenças fonéticas, decorrentes da variação posicional das vogais como tónicas ou átonas nas formas rizotônicas ou arrizotônicas» (Câmara, 1976: 149). É também distinta nas duas variedades a relação entre a posição do acento e a alteração da qualidade das vogais. Na variedade europeia quando, na formação de palavras por derivação, as vogais inicialmente tónicas passam a figurar em posição pré-acentuada sofrem os processos de elevação e de centralização. Desse modo, quando na base há vogal médio-aberta anterior ou médio-fechada anterior, na forma derivada figura vogal central [ə] e, no caso de na base existir vogal médio-aberta posterior ou médio-fechada posterior, na forma derivada figura vogal alta posterior. Barbosa Leão, como pode avaliar-se no texto acima transcrito, revela sensibilidade a esta diferença que, na época, já distinguia as duas variedades. Que a gráfico em posição final não acentuada correspondia no Brasil a pronúncia [i] e que esse aspecto era diferencial em relação à pronúncia dos portugueses é testemunhado por Soares Barbosa (1822: 51) e por Solano Constâncio (1831: 259) que exemplificam o fenómeno respectivamente com as seguintes formas: a) Mi dêo, Ti dêo, Si firiu, Lhi dêo; b) mi, por me; di, por de. bramento de um artigo publicado em 1895 sobre colocação pronominal) incluído na obra Difficuldades da Lingua Portugueza a que tivemos acesso através da segunda edição, de 1919, ao tratar da não coincidência na colocação pronominal prefe­ rencial entre o português europeu e o português do Brasil, associa o Autor essa divergência às diferenças fonéticas e prosódicas entre a língua de um e outro lado do Atlântico: «Lá [em Portugal] os pronomes são átonos; o e final em me, te, se é tão abafado que mal se houve. Cá [no Brasil] estamos habituados a empregar já certa accentuação quando o pronome vem anteposto ao verbo, dizendo aproximadamente mi, ti, si; para nós Brasileiros seria extremamente difficil pronunciar á portugueza me, te, se, lhe […]. Em Portugal fala-se mais depressa, a ligação das palavras é facto muito commum; no Brasil pronuncia-se mais pausada e mais claramente. Em summa, a phonetica brasileira é em geral diversa da phonetica lusitana» (Said Ali, [1895] 21919: 79).

O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa33

No domínio do consonantismo, estão igualmente documentadas algumas diferenças em relação à variedade da Europa, particularmente a propósito das consoantes finais ou a entravar sílaba no interior de palavra. Soares Barbosa alude, pela primeira vez, a uma diferença marcante entre a pronúncia brasileira e a de Portugal, a propósito de /s/ em posição implosiva, estabelecendo o contraste entre a pronúncia sibilante no primeiro caso e a pronúncia que na época já era chiante no segundo, mencionando os seguintes exemplos da variedade do Brasil: Mizterio, Fazto, Livroz novoz «em vez de Misterio, Fasto, Livros novos» (Barbosa, 1822: 52). Sem distinguir claramente os níveis linguísticos em que os fenómenos que refere se situam, Solano Constâncio afirma que «os Brasileiros, e especialmente os Bahianos, […] nos pluraes em s apenas fazem soar esta letra, dizendo minhá por minhas, ou lhe dão o som de z» (Constâncio, 1831: 259). Nesta afirmação reúne o autor um aspecto fonético, aliás insuficientemente explicado, e um outro fenómeno que se situa no domínio da morfologia nominal, a perda de -s indicador de plural que pode ser expresso nalgum outro ponto do sintagma nominal. Este fenómeno da morfologia dos nomes, visível em sintagmas do tipo os homi, as casa, caracteriza actualmente o português popular do Brasil (Mattos e Silva, 22008: 142 e Castilho, 2010: 207)12. O enfraquecimento ou perda de algumas consoantes em posição final, nomeadamente -r, é referido por Solano Constâncio (1831) e por Castilho (41858) que reconhecem a diferença em relação à pronúncia de Portugal. O primeiro dos autores apresenta a seguinte formulação: Os Brasileiros, e especialmente os Bahianos, […] quasi que supprimem o r final, pronunciando acabá, senhô, fazê, por acabar, senhor, fazer (Constâncio, 1831: 259).

E o autor do Methodo Portuguez Castilho (41858: 90-93), no «Rol d’algumas das inumeraveis palavras que o vulgo estropia», faz recomendações pedagógicas aos «mestres» de várias regiões de Portugal e aos «brasileiros», advertindo estes últimos de que devem prestar atenção e actuar com severidade porque «o vulgo costuma omittir quando falla, as consoantes que terminam as palavras, e assim proferem em logar de fazer e amar, fazê e amá, ou coisa muito similhante» (Castilho, 1858: 93). 12

Este aspecto do português popular do Brasil contrasta com a marcação sufixal do plural em todo o sintagma no português culto, configurando uma situação de variação sociolinguística do português do território brasileiro.

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Enquadrado pelos dois autores que referem o fenómeno entre os desvios, «vicios de pronunciação», «erros do vulgo», a perda de -r é actualmente, ao contrário do que ocorre com outras consoantes finais a entravar sílaba, nomeadamente -s, um traço que caracteriza o português culto do Brasil, a par da realização aspirada da mesma consoante (Castilho, 2010: 207 e Mattos e Silva, 22008: 142). Aspectos morfológicos: No domínio da morfologia, além do traço acima referido de simplificação da morfologia nominal, que se traduz na marcação com -s indicador de plural nalgum dos elementos do sintagma nominal, menciona-se o uso de gente, reconhecido como pronome indefinido, «sobretudo no dialecto brazileiro» (Braga, 1876: 65). Deve relevar-se, neste momento, a atribuição explícita do estatuto de «dialecto» à língua falada no Brasil, ainda no início do último quartel do século XIX. Aspectos sintácticos: Foram merecedores de atenção nas obras analisadas os seguintes traços considerados especificidades do Brasil: o uso de lhe como objecto directo em referência à terceira pessoa e a colocação pronominal proclítica mencionada por dois autores. António Morais Silva, natural do Brasil, formou-se em Leis na Universidade de Coimbra13, a única Universidade do Império, e na Epitome da Grammatica da Lingua Portugueza, publicada em Lisboa em 1806 nos prelos de Simão Thaddeo Ferreira, faz referência a uma peculiaridade não lusitana da língua portuguesa. Ao tratar da sintaxe da regência, menciona o uso de lhe como objecto directo: «Eu lhe amo, lhe adoro: são erros das Colonias» (Silva, 1806: 92, n.b). Soares Barbosa e Solano Constâncio citam empregos da colocação pronominal proclítica e emitem juízos negativos sobre esses usos brasileiros: o primeiro autor exemplifica com as construções Mi dêo, Ti dêo, Si firiu, Lhi dêo (Barbosa, 1822: 51) e o segundo, que inclui esse aspecto entre os «vicios de pronunciação intoleraveis», afirma que «Os Brasileiros, e especialmente os Bahianos, […] invertem o lugar dos pronomes, dizendo mi deixe em vez de deixe-me» (Constâncio, 1831: 259). A colocação dos pronomes complementos clíticos é um dos traços diferenciadores entre o português do Brasil e o moderno português europeu, sendo a próclise a colocação preferida no Brasil e favorecendo os falantes portugueses a ênclise (Câmara, 1976: 254; Mattos e Silva, 2 2008: 145; Castilho, 2010: 193). 13

Sobre os dados biográficos de Morais Silva, ver Innocencio Francisco da Silva, 1858, vol. I, 209-210.

O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa35

3.  Reflexões finais A análise de um número significativo de textos da produção gramatical portuguesa permitiu concluir que remontam ao primeiro quartel do século XVIII as primeiras referências a especificidades da língua portuguesa do Brasil, sendo, além disso, pouco significativo o número de autores que identificam traços diferenciadores em relação ao português da Europa. Não se registam, durante os séculos XVI e XVII, testemunhos reveladores de que os peninsulares notassem diferenças entre eles e os falantes do Brasil. Deve relevar-se, ainda, que a maior parte dos autores de textos de teor metalinguístico analisados que reconhecem e registam usos linguísticos do Brasil correspondem ao século XIX, tendo sido encontradas referências em Morais Silva (1806), Soares Barbosa (1822), Solano Constâncio (1831), Castilho (41858), Theophilo Braga (1876) e Barbosa Leão (1886). Em todas as obras que mencionam especificidades do português no continente americano, essas questões não ocupam uma posição central na construção dos respectivos textos, quer eles correspondam a um discurso metalinguístico predominantemente normativo (ou pedagógiconormativo) ou de teor mais descritivo. Os testemunhos ocorrem, nalguns casos, ao tratar de traços linguísticos particulares relativamente aos quais são especificados os usos próprios do Brasil, mas frequentemente as referências à língua do Brasil situam-se em secções consagradas aos erros ou «vicios de pronunciação». Da comparação dos traços identificados nas obras desse género textual com as diferenças entre PB e PE apresentadas por linguistas contemporâneos, ressalta que os autores das obras da tradição linguísticogramatical portuguesa globalmente considerados revelam sensibilidade em relação aos aspectos mais relevantes da diferença nos vários níveis linguísticos. Observe-se, contudo, que é dada uma atenção particularmente expressiva aos aspectos fónicos, sobretudo da fonética segmental, mas, esporadicamente, referem-se também diferenças prosódicas entre a língua de Portugal e do Brasil, particularmente as que decorrem das alterações que, no domínio do vocalismo átono, ocorreram na variedade lusitana. Deve ser particularmente valorizado este último aspecto tanto mais que, no que se refere às relações estruturais entre PE e PB, está quase tudo por fazer no domínio das mudanças prosódicas que ocorreram na língua e que imprimiram diferentes rumos à língua de um e outro lado do Atlântico. No domínio da morfologia e da sintaxe são também identificados alguns

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traços próprios da variedade brasileira que, embora quantitativamente menos expressivos, correspondem a diferenças significativas actuais em relação ao português europeu. As peculiaridades identificadas são atribuídas e consideradas como próprias do Brasil, dos «brasileiros», dos «brasilienses», do «dialecto brazileiro» ou, mesmo, das «Colonias» ou do «Imperio», destacando apenas Solano Constâncio os Baianos como os falantes em que são mais comuns os usos diferenciais que refere. Os autores dos textos consultados e analisados apresentam habitualmente os usos linguísticos do Brasil como fenómenos gerais, não incorporando referências a traços de carácter local ou regional nem destacando regiões particulares no interior do território brasileiro. Surgem também na obra gramatical publicada no final do século XIX por Barbosa Leão comparações, contrastes explícitos com os usos lusitanos, ocorrendo formulações que distinguem entre a situação do «Brazil» e de «Portugal», entre «os brazileiros» e «nós» ou entre «lá» ou «acolá» e «aqui», mas não são reveladoras de atitudes negativas em relação às especificidades do Brasil. Conheciam os autores a existência de dialectos em Portugal e consideram que a modalidade que a língua assumiu do outro lado do Atlântico é uma variedade dialectal do português, em situação de igualdade com as demais variedades do português da Península Ibérica. Desse modo, é compreensível que, na época, surjam frequentemente avaliações, juízos metalinguísticos negativos em relação aos usos específicos do Brasil, tal como em relação aos traços próprios do Minho, do Alentejo ou do Algarve e que sejam habitualmente classificados como «erros» ou «vícios» próprios do vulgo, como desvios em relação à norma peninsular. À língua do Brasil, ainda no último quartel do século XIX, era atribuído o estatuto de «dialecto brasileiro» (Braga, 1876: 65). Da análise global dos testemunhos provenientes dos autores da tradição gramatical portuguesa depreende-se claramente que, no período abrangido pela investigação, havia unidade normativa, a norma do português era monocêntrica e tinha localização peninsular. A expansão colonial portuguesa deu origem à difusão geográfica do português e à formação de novas variedades, mas o centro linguísticonormativo não se deslocara, permanecia na Metrópole, onde a língua tinha uma longa tradição e gozava de prestígio histórico. A situação do Brasil independente e o processo de construção e afirmação da identidade nacional e cultural do povo brasileiro criarão as condições

O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa37

para a constituição e elaboração de uma norma linguística própria, a norma brasileira da língua portuguesa, em que os brasileiros reconhecem exemplaridade normativa.

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La construction du portugais comme langue nationale du Brésil Diana Luz Pessoa De Barros Université Presbytérienne Mackenzie, Université de São Paulo CNPq

La question de la construction du portugais comme langue nationale du Brésil est traitée en reprenant des études développées selon la perspective de la sémiotique discursive et qui portent sur les discours de la grammaire du portugais du XVIe siècle à nos jours, et des études menées par José Luiz Fiorin (2009, 2010) à propos de la construction de l’identité brésilienne dans les textes littéraires. Deux parties composent mon exposé : – La première se fonde principalement sur les travaux de Sylvain Auroux (1992, 2014) au sujet de la grammaticalisation des langues et traite du rôle de la grammaire dans la construction des langues nationales. – La deuxième porte précisément sur le discours des grammaires brésiliennes du XIXe siècle et reprend des études sur les discours littéraires de la même période. Il s’agit de montrer que ces discours présentent leurs propres spécificités pour la construction du portugais comme langue nationale du Brésil.

1. Grammaticalisation et construction des langues nationales Sylvain Auroux montre, à travers diverses études (1992, 2014), que la grammaticalisation des langues vernaculaires européennes aux XVe et XVIe siècles, à partir de la tradition gréco-latine, correspond à une vraie politique linguistique, créatrice de langues nationales. Selon cet auteur, les langues nationales n’existent pas en soi et résultent de plusieurs types de procédures de construction. Autrement dit, la nation et la langue

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nationale sont des inventions et la langue joue un rôle fondamental pour créer une nation. La fonction des grammaires et du discours de norme qu’elles présentent consiste surtout à unifier les variations propres des pratiques langagières de toutes les langues, à l’exclusion des autres, et à construire, par le biais de cette unification, la langue nationale. Auroux souligne aussi qu’un mouvement d’une telle ampleur, qui caractérise la grammaticalisation produite sous la Renaissance, est unique dans l’histoire de l’humanité et qu’il a « anticipé » ou amorcé la formation des identités nationales, qui s’est pleinement achevée aux XVIIIe et XIXe siècles. Notre recherche se base donc sur cette conception de la grammaticalisation d’Auroux et s’intéresse aux concepts et aux images de la norme dans les grammaires du portugais (Barros, 2006a, 2006b, 2008). Elle vise à établir l’organisation discursive des grammaires et à montrer la diversité des concepts et des images de la norme et de la langue dans le portugais, du XVIe siècle jusqu’à nos jours ; ainsi, elle entend révéler les cheminements qui ont été suivis pour constituer la langue nationale au Brésil. Le projet d’étude repose sur la théorie et la méthodologie de la sémiotique discursive. Les grammaires sont analysées comme des discours et cette question théorico-méthodologique différencie ce projet des autres façons de concevoir l’histoire des idées linguistiques. Dans ce cadre théorique, l’examen du discours de la grammaire repose sur deux blocs clés de procédures : le premier bloc réunit les procédures qui établissent les relations entre le destinateur et le destinataire de la grammaire, et qui sont, d’une part, celles de la modalisation, et, d’autre part, les usages des catégories de personne et de temps (voir Fiorin, 1996 ; Barros, 2006a) ; le second bloc rassemble les procédures qui font ressortir les relations entre les discours de la grammaire et les autres discours socio-historiques. Il s’agit principalement de l’organisation thématique et figurative des discours, qui apparaît surtout dans les exemples des grammaires, et des relations intertextuelles qui y sont révélées. Avec l’examen de ces procédures, trois conceptions de norme et de langue ont été proposées (Barros, 2003, 2006a, 2006b, 2008a, 2008b, 2008c, 2010, 2011) :

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Modalisation par l’existence, par l’être

Modalisation par le devoir, Modalisation de la variation le vouloir et le pouvoir être par l’existence et faire

Norme unique, « naturelle »

Norme prescriptive

Langue homogène, sans variation

Langue hétérogène, avec Langue hétérogène, variation une variation hiérarchisée : non hiérarchisée, si ce n’est variantes obligatoires, par la fréquence de l’usage possibles, interdites

Norme usuelle, de fréquence d’usage

Les grammaires qui construisent les langues nationales présentent le premier type de discours de la norme, celui de la norme unique et naturelle et de la langue homogène, car, comme le montre Auroux, le rôle de ces grammaires et de ce discours de la norme consiste, particulièrement à la Renaissance européenne, à unifier les variations propres des usages linguistiques et à construire, par le biais de cette unification, la langue nationale. Pour ces raisons, le discours qui prédomine dans les premières grammaires du portugais au XVIe siècle, dans les grammaires de Fernão de Oliveira (1536) et de João de Barros (1540), est celui de la norme unique ou naturelle. Les discours grammaticaux qui établissent des relations entre la langue et la nation et qui construisent des nations, des empires, une identité et une langue nationale reposent, alors, sur le principe de l’exclusion, tel que le développe Éric Landowski ou, d’après Claude Zilberberg (2006a et 2006b), sur une opération de tri. Aussi, avant de poursuivre notre propos, quelques considérations sur le principe de l’exclusion et sur l’opération de tri méritent d’être évoquées.

1.1  Principe d’exclusion et opération de tri Les linguistes et les sémioticiens soulignent qu’un sujet ou un objet acquièrent une identité lorsqu’ils se trouvent confrontés à un autre. La nationalité, comme la langue nationale, est construite par des discours d’identité. Elle est une invention discursive à laquelle adhèrent ceux qui assument cette identité, cette nationalité, cette langue. Les discours d’identité, selon Landowski (2012), articulent de quatre grandes manières les relations intellectuelles et affectives entre le «  nous  » et «  l’autre  »  : l’assimilation, l’exclusion, l’agrégation et la ségrégation. Les relations d’exclusion, qui parcourent les discours de construction de la nationalité, procèdent d’opérations de tri, telles qu’elles sont définies par Claude Zilberberg.

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Zilberberg distingue deux dimensions dans les discours : la dimension de l’intensité ou du sensible, celle des états d’âme, et la dimension de l’extensité ou de l’intelligible, celle des états de choses. Dans la dimension de l’extensité, la syntaxe opère par tri et par mélange, ce qui intéresse notre propos. Le mélange opère sur le tri, en augmentant la diffusion et l’impureté, et le tri défait le mélange, en agissant vers la concentration et la pureté. L’opération de tri vise ainsi à un type de valeur, celui de l’absolu, et l’opération de mélange vise à un autre type, celui de l’univers. La valeur de l’univers est celle de la diffusion et de l’universalité, la valeur de l’absolu, que l’on cherche à obtenir dans les discours de construction de la langue nationale, est celle de l’exclusivité et de l’unicité. Ces opérations de mélange et de tri : – prévoient  des états ou des positions qui permettent d’établir différents types de discours de tri et de mélange ; – ne sont jamais exemptes de jugements de valeur et sont positivement ou négativement valorisées ; – peuvent avoir un caractère excessif, juste ou insuffisant, dont dépend l’acceptation bonne ou mauvaise des opérations. Puisque nous nous occuperons de la valorisation du tri et du mélange pour la construction des langues nationales, voyons quelques exemples de ces jugements de valeur  : des discours de Barthes et Mia Couto, à propos du multilinguisme, qu’ils considèrent comme une amélioration ; des discours de William Johnson, président de l’American Freedom Party, qui considère l’opération de mélange comme une péjoration. Barthes dit dans Leçon (1980 : 24) : […] il est bon que les hommes, à l’intérieur d’un même idiome – pour nous le français – aient plusieurs langues. Si j’étais législateur […], loin d’imposer une unification du français, qu’elle soit bourgeoise ou populaire, j’encouragerais au contraire l’apprentissage simultané de plusieurs langues françaises, de fonctions diverses, promues à égalité. […] Cette liberté est un luxe que toute société devrait procurer à ses citoyens : autant de langues qu’il y a de désirs : proposition utopique, en ceci qu’aucune société n’est encore prête à admettre qu’il y a plusieurs désirs. Qu’une langue, quelle qu’elle soit, n’en réprime pas une autre […].

Mia Couto (2011 : 11-24), dans Línguas que não sabemos que sabíamos (Les langues que nous ne savons pas que nous savions), insiste sur le caractère fondamental de la diversité et de la pluralité : La survie de l’espèce humaine n’est pas seulement due à l’intelligence, mais à notre capacité à produire de la diversité (p.13) […] Le sociologue

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indien André Béteille a écrit : « Connaître une langue nous rend humain, se sentir à l’aise dans deux nous rend civilisé ». Si ceci est vrai, les Africains – séculairement désignés comme des non-civilisés – pourront être plus disponibles qu’ils ne le pensent eux-mêmes pour la modernité. Un grand nombre d’Africains pratique plus d’une langue africaine et, en outre, parle une langue européenne. Ce que je préconise est un homme pluriel, muni d’un idiome pluriel. À côté d’une langue qui nous fait être monde, doit coexister une autre pour nous faire sortir du monde. D’un côté, un idiome qui nous crée des racines et des lieux. De l’autre, un idiome qui nous donne des ailes et des voyages. Aux côtés d’une langue qui nous donne notre humanité, doit se tenir une autre langue qui nous élève à la condition de la divinité (p.23, 24).

William Johnson, en revanche, construit des discours contraires à la diversité, à la pluralité et à l’agrégation des différences : Diversité et multiculturalisme sont synonymes de génocide blanc. Je veux que nos écoles primaires n’aient que des enfants blonds aux yeux clairs, qui grandissent et apprennent à être bons pour la communauté. Je ne veux pas que nous devenions le Brésil (déclaration de Johnson par téléphone au journal Folha de São Paulo, 15/06/2014, A16).

Dans le cas de la construction de la langue nationale, il peut être démontré que ces discours, ainsi que d’autres discours nationalistes et impérialistes, se construisent par l’opération de tri, par le passage des états de mélange (par exemple, l’état de diversité linguistique qui précède la construction de la langue nationale et dans lequel les différents parlers coexistent), aux états de séparation ou d’exclusion (pour la construction d’une langue nationale unique, homogène). Cette construction par l’exclusion est, à son tour, présentée comme une amélioration, elle est positivement évaluée, car la sélection et l’exclusion permettent de construire une identité nationale et établissent la pureté, le caractère homogène et l’exclusivité de la langue nationale, sa valeur d’absolu. En outre, dans cette opération de tri, les états intermédiaires sont considérés comme insuffisants pour constituer la nationalité et construire la langue nationale. Ceci explique le discours tonique de l’exclusion linguistique des différences, qui, dans ce cas, n’est pas jugé excessif, mais juste, et se trouve bien accepté, car il vient résoudre une question d’insuffisance. Ce discours est caractéristique des grammaires de la Renaissance européenne et apparaît avec les premières grammaires du portugais. Ainsi, afin de construire la langue nationale du Portugal, Fernão de Oliveira sélectionne la bonne « habitude de ceux qui en savent le plus », c’est-à-dire l’usage des « meilleurs de la langue », de ceux qui « ont le plus lu, vu et vécu », et João de Barros reprend « une façon correcte et juste de parler et d’écrire,

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fruit de l’usage et de l’autorité des barons savants ». De même, le discours de ces premières grammaires du portugais concorde avec les discours nationalistes et impérialistes portugais et tous se caractérisent comme des discours d’exclusion des différences. La question générale de la construction des langues nationales ayant été examinée dans la perspective proposée, notre étude se penche désormais sur le cas spécifique de la construction du portugais comme langue nationale du Brésil, en analysant surtout le discours des grammaires brésiliennes du XIXe siècle.

2. Les grammaires brésiliennes du XIXe siècle et la construction de la langue nationale du Brésil Le XIXe  siècle est le  siècle de la constitution de l’État brésilien  : déclaration d’indépendance du Brésil vis-à-vis du Portugal en 1822 et proclamation de la République en 1889. Il est aussi le siècle de la création de la nationalité et de la langue nationale. Le discours des grammaires brésiliennes du XIXe  siècle est aussi un discours de norme unique et de langue homogène, un discours de séparation et d’exclusion, par l’opération de tri. Ce tri met à l’écart le Portugal, l’ancienne métropole, ainsi que ses usages linguistiques, et favorise la variante brésilienne. Les grammaires brésiliennes du XIXe siècle jouent alors un rôle déterminant dans la construction de l’État-nation brésilien et de la langue nationale. Afin de se séparer du Portugal, quasiment toutes les grammaires étudiées emploient les procédures de : – valorisation des usages brésiliens par rapport aux usages portugais (ou au moins l’absence de condamnation des variantes brésiliennes, contrairement aux grammaires portugaises de la même époque) ; – création d’exemples qui parlent de culture, de choses et de faits brésiliens, et surtout de la nature ; – fondement du discours scientifique sur des bases théoriques différentes de celles des grammaires portugaises. José Luiz Fiorin montre que les discours littéraires (mais aussi d’autres genres discursifs, tels que l’histoire) ont également recours à ces procédures « d’invention » de la langue nationale, notamment dans le romantisme brésilien. Le chercheur mentionne, par exemple, les stratégies employées pour la nationalisation du premier empereur du Brésil, Pierre Ier du Brésil,

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un Portugais, héritier du trône du Portugal, car, selon cet auteur, «  le travail de construction de la nationalité commence par la nationalisation du monarque » et, pour y arriver, « Pierre Ier est décrit comme un homme qui renonce au Portugal et assume la nationalité brésilienne. » (2010 : 54). Fiorin examine également les procédures employées dans la littérature pour souligner la différence entre la langue parlée au Brésil et le portugais du Portugal, c’est-à-dire l’opération de tri qui a été analysée dans les grammaires de cette période. Il met surtout en évidence ce qu’Alencar considère comme «  un portugais différent  »  : un portugais dont la prononciation, la syntaxe et le lexique ont été modifiés par les douceurs et les rugosités de la nature brésilienne. En prônant ces différences linguistiques entre le portugais du Brésil et du Portugal, et l’incorporation par la littérature de la variété linguistique qui se parlait dans le pays, car, selon lui, l’indépendance linguistique était aussi importante que l’indépendance politique, Alencar s’est exposé aux nombreuses critiques de ceux qui prêchaient la pleine fidélité aux standards lusitaniens et qui accusaient principalement le manque de correction linguistique et grammaticale de l’écrivain. Ces quelques considérations nous permettent d’affirmer que si les discours des grammaires brésiliennes du XIXe siècle sont des discours de la norme unique et homogène et des discours nationalistes de séparation et d’exclusion, par l’opération de tri, à l’instar des discours des grammaires de portugais du XVIe siècle, il n’en demeure pas moins qu’ils se singularisent par certains aspects fondamentaux. En effet, les grammaires brésiliennes du XIXe siècle, qui apportent leur contribution aux discours de construction de la langue nationale et de l’identité brésilienne, présentent des discours qui ne sont pas dénués d’ambiguïté, voire même de contradiction, car tout en se séparant du Portugal par l’opération de tri, elles construisent, par l’opération de mélange avec les autres langues et usages (ceux des Indiens, des Noirs, des immigrés), l’identité linguistique brésilienne valorisée. Cette ambiguïté est d’autant plus notable que le discours grammatical du XIXe siècle se fonde sur l’idéologie de la pureté linguistique originelle des études historico-comparatives et sur les études biologiques et génétiques à propos de l’évolution des espèces et des caractères héréditaires. Ainsi, ce discours se fonde sur un discours de disjonction excessive, qui résulte de l’opération de tri par exclusion. Que ce soit dans les grammaires ou dans les romans, les discours de construction de la langue nationale et de l’État-nation brésilien s’organisent alors autour de plusieurs discours : le discours nationaliste et

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grammatical de séparation avec le Portugal et ses usages linguistiques, le discours d’exclusion dans un juste dosage, qui est positivement valorisé ; le discours d’exclusion excessive avec la recherche de la pureté linguistique originale, également considéré comme un discours d’amélioration  ; le discours de construction de l’identité brésilienne, y compris celle de l’identité linguistique, à travers l’opération de mélange, dans un juste dosage, des peuples, des cultures, des langues et des usages, cette identité étant aussi positivement valorisée, car elle répond aux questions d’insuffisance du portugais européen. Outre les grammaires, les écrivains du romantisme brésilien montrent aussi que le portugais du Brésil amène la langue à être suffisante pour la nouvelle nation. Alencar déclare que la langue au Brésil se perfectionne parce que nous vivons « au sein d’une nature riche et exubérante, soumise à de nouvelles impressions qu’aucune autre langue n’a encore traduites » (1965 : 260-261). Les discours de tri, celui de la séparation du Portugal et celui de la pureté linguistique originale, avec leurs valeurs d’exclusivité et d’unicité, d’un côté, et celui du mélange des cultures et des langues, avec les valeurs de diffusion et d’universalité, de l’autre, se distinguent par contrariété et n’admettent donc pas de conjonction. La conjonction entre des termes contraires est impossible dans les discours implicatifs ou de causalité (si a, alors b), comme le sont les discours de construction de la langue nationale. Les grammaires brésiliennes du XIXe siècle s’efforcent ainsi de construire une langue nationale et un État-nation brésilien à travers la conciliation inadmissible ou impossible de pureté vs mélange. Toutefois, si la conjonction est impossible entre des termes contraires dans les discours implicatifs ou de causalité, elle peut se produire dans les discours concessifs, car selon Zilberberg (2004), ces discours transforment l’impossible en possible, et opèrent la conjonction concessive entre contraires, d’où résulte le terme complexe : bien que mélangée, pure, unique, exclusive. Les grammaires brésiliennes du XIXe siècle créent ainsi la langue nationale à travers la conciliation impossible des termes contraires pureté vs mélange. La langue ainsi construite est à la fois portugaise et brésilienne, la même, bien qu’autre, ou autre, bien que la même. Zilberberg qualifie ce type de discours d’héroïque, superlatif et excitant, et le considère comme un discours mythique, tel que le définit Claude Lévi-Strauss, de conciliation de divinité et d’humanité. Cette conciliation héroïque, superlative et excitante  est également examinée par Fiorin (2009, 2010) dans des textes littéraires. Dans la lignée de Cândido (1964), Bosi (1992) et Romano de Sant’Anna

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(1974), l’auteur montre que la littérature (et notamment les auteurs romantiques) a joué un rôle clé dans la construction de la nationalité brésilienne et de la langue nationale. Il souligne en particulier le rôle d’Alencar et de son roman O Guarani. Dans son analyse du roman, le chercheur montre que Peri et Cecilia, le couple originel de la nation, deviennent des héros mythiques, en unissant la nature et la culture, définitoires de l’identité américaine (tupi) et de l’identité européenne (portugaise) (Fiorin, 2010 : 58). La langue nationale du Brésil est ainsi le résultat héroïque, excitant, superlatif et mythique de la conciliation concessive des termes contraires : d’un côté, des valeurs européennes de pureté et de culture, des valeurs absolues, et de l’autre, des valeurs brésiliennes de mélange et de nature, des valeurs universelles. À l’instar de Mia Couto, il est peut-être bon de penser que cette construction de la nationalité est celle d’une langue caractérisée pour être à la fois, un lieu et un voyage, des racines et des ailes. C’est ce que veulent croire ou nous faire croire les Brésiliens, grammairiens et romanciers, à propos de leur langue portugaise.

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A Unidade na diversidade nos espaços de língua portuguesa O caso de Moçambique Sarita Monjane Henriksen, PhD Universidade Pedagógica, Maputo, Moçambique

Introdução A diversidade linguístico-cultural é uma das principais características do continente africano e, em particular, de Moçambique, país do sul do Índico, onde são faladas mais de vinte línguas maioritariamente de origem bantu. De facto, Moçambique é considerado como um dos países do mundo que apresentam os níveis mais elevados de diversidade linguística, significando que em termos numéricos, nenhuma língua detém o estatuto de língua maioritária ao nível nacional. Apesar desta diversidade linguística elevada, é possível falar da unidade nacional no território moçambicano, veiculada principalmente através da língua portuguesa, que constitui um verdadeiro lugar de encontro de línguas e culturas. A questão actual não é se o português constitui ou não uma língua exógena ou endógena, se é ou não uma língua nacional-moçambicana, mas que se trata de uma língua também nossa, enriquecida e engrandecida pelo contacto entre os povos, culturas e línguas vernaculares moçambicanas. Para além do seu estatuto de língua oficial, semelhantemente ao papel que é desempenhado pelas línguas vernaculares em Moçambique, o português tem também contribuído para manter viva a memória, a experiência e a essência dos moçambicanos; uma língua mista, que admite empréstimos e também estrangeirismos, uma língua que se renova constantemente e em permanente reconstrução. O principal argumento do presente estudo é de que Moçambique tem muito a ganhar a partir da sua condição como país multilingue, multicultural

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e multiétnico. A diversidade linguístico-cultural do país não deve ser vista como uma ameaça para a vitalidade da língua portuguesa, mas como um recurso provável de beneficiar não só cada um dos moçambicanos, mas também o país como um todo. Existe espaço para o desenvolvimento de uma política linguística e em particular uma política de línguas curriculares, baseada no paradigma da ecologia da linguagem1, que não exclui as línguas locais, nacionais e/ou vernaculares, não obstante o argumento comumente aceite de que os processos de globalização e internacionalização estão geralmente ligados às principais línguas europeias modernas. O objectivo primário da promoção deste paradigma é a melhoria da participação popular equitativa e activa nos processos de cidadania e globalização, onde os indivíduos deixam de ser apenas cidadãos nacionais e transformam-se em cidadãos transnacionais e globais.

Diversidade etnolinguística e cultural em África Como ponto de partida para esta breve reflexão sobre os elevados níveis de diversidade etnolinguística e cultural em África, importa relembrar o que o célebre escritor nigeriano, Chinua Achebe, escreveu em 1972, na sua obra Girls at War and Other Stories: Africa is a huge continent with a diversity of cultures and languages. Africa is not simple – often people want to simplify it, generalize it, stereotype its people, but Africa is very complex. The world is just starting to get to know Africa2

De acordo com as estatísticas do worldpopulationreview.com, estima-se que a população africana corresponde a 1.033 bilhões de pessoas, distribuídas pelos seus 54 países ou estados soberanos. A sua pirâmide populacional é maioritariamente jovem, conforme ilustra o gráfico a seguir, e é caracterizada por taxas de natalidade e mortalidade elevadas. 1

Hornberger (2002: 35), citando Phillipson e Skutnabb-Kangas (1996: 429) afirma que este é um paradigma que envolve a tolerância pela diversidade linguística e a promoção do multilinguismo, bem como a promoção da aprendizagem de línguas estrangeiras e o respeito pelos direitos humanos linguísticos de falantes de todas as línguas. 2 Minha tradução da mensagem original de Chinua Achebe na obra literária Girls at War and Other Stories: «África é um continente enorme com uma diversidade de culturas e línguas. África não é simples – muitas vezes as pessoas querem simplificá-la, generalizá-la, estereotipar as suas gentes, mas África é muito complexa. O mundo começa a conhecer África», Chinua Achebe, (1972).

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Fonte: http://populationpyramid.net/mozambique/

É difícil indicar com precisão o número de línguas faladas no continente africano. Esta dificuldade resulta, em primeira instância, do facto de que muitas das variedades faladas são mutuamente inteligíveis. Por outras palavras, falantes de variedades linguísticas classificadas como sendo línguas diferentes e autónomas são capazes de comunicar cada um nas suas respectivas línguas, de tal forma que frequentemente surge a dúvida relacionada ao facto de estarmos perante duas línguas diferentes ou dois dialectos de uma mesma língua. De forma específica, quando comparamos os números apresentados por Malcom Guthrie (1948), que se refere a 250 línguas bantu faladas em África, e os números apresentados pelo Ethnologue (2006), referindo-se a cerca de 535 línguas bantu, por exemplo, observamos uma discrepância assinalável. Não obstante, acredita-se que são faladas aproximadamente 2.000 línguas em África e que o continente alberga inúmeros grupos étnico-linguísticos e culturais.

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As principais variedades linguísticas faladas em África incluem línguas endógenas africanas e línguas exógenas europeias e asiáticas levadas para o continente como resultado de contactos comerciais entre povos africanos e árabes e também em consequência do colonialismo. De entre as principais famílias de línguas presentes em África importa destacar as seguintes: línguas Afro-Asiáticas, como o árabe falado na maioria dos países do norte de África e o tigré e tigrínia (faladas nos países do corno de África como a Etiópia e a Eritreia); línguas Nilo-Saariana, com destaque para o luo e masaai (ambas faladas no Quénia e Tanzânia); línguas NígerCongo, que incluem um grande número das línguas bantu presentes na paisagem linguística moçambicana, como por exemplo, o tsonga (grupo de línguas faladas na República da África do Sul e em Moçambique) e o ndebele (falado na República do Zimbabwe). Outras famílias de línguas incluem a Khoi-San (com línguas faladas maioritariamente na região da África Austral); Austronésia da qual faz parte o malgaxe (falado na República do Madagáscar) e a família Indo-Europeia, que inclui, entre outras, o afrikaans, o português e o inglês. Importa também referir que o multilinguismo constitui uma característica intrínseca das sociedades e cidadãos africanos. Defino multilinguismo, como o domínio e uso de mais de uma variedade linguística. Geralmente, para além da língua oficial de cada país, que se apresenta como a língua segunda (L2) para muitos e que é também a língua usada como meio de instrução, a língua usada na administração pública, a língua do sistema judicial, da polícia, etc., a maioria dos africanos também possui uma língua primeira (L1), que no geral é uma língua africana. Portanto, o seu dia-a-dia é caracterizado pela alternância de códigos3, de acordo com a situação ou o contexto em que se encontrem, especificamente no contexto urbano.

Moçambique – país mosaico A diversidade etnolinguística e cultural que caracteriza a maioria dos países do continente africano está também presente na República de Moçambique. Um país multiétnico, multicultural e multilingue com uma população estimada em 20.530.7144 habitantes. A herança etnolinguística e cultural do país constitui uma combinação da influência de comerciantes islâmicos costeiros, colonizadores europeus e populações indígenas. 3



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Para uma definição de alternância de código (code-switching), ver Valdés-Fallis (1977). Censo Geral de 2007.

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O maior grupo étnico presente no país é o Mackwa, correspondendo a cerca de 37% da população. Os Mackwa estão principalmente concentrados na região norte do país, particularmente nas províncias de Nampula e Zambézia. Para além dos Mackwa, outros grupos étnicos presentes no mosaico étnico moçambicano incluem os Chokwe, Manyika e Sena (no centro do país), seguidos dos Yao (Ajawa), na Província do Niassa e os Makonde, que vivem ao longo do rio Rovuma, na província nortenha de Cabo Delgado. No norte do país encontram-se também os Nguni e os Maravi. A sul do rio Zambezi, destacam-se os Tsonga (ou Changana), correspondendo a perto de 23% da população total. Adicionalmente, encontramos também os Chope, vivendo na província costeira de Inhambane e os Shona ou Karanga (cerca de 9%), residindo na região central. Para além das populações de descendência africana, também encontramos grupos populacionais de origem europeia (0.06%), Euro-Africanos (0.2%), Indianos (0.08%) e Chineses. As principais religiões incluem a Igreja Católica Romana, espalhada por todo o país, o Islão, particularmente no norte do país e as Igrejas Protestantes, Evangélicas e Pentecostais. Os Católicos correspondem a 23.8%, os Muçulmanos correspondem a 17.8%, as pessoas com outras crenças (incluindo protestantes) correspondem a 17.8%, por sua vez, os Cristãos Ziones5 correspondem a 17.5%, e 23.1% não professa qualquer crença religiosa (Censo 1997). Importa destacar que a religião africana tradicional, que é caracterizada pela crença nos espíritos dos antepassados, continua a dominar a vida de muitos. Mesmo as pessoas que são oficialmente classificadas como Católicas Romanas ou Anglicanas, e que vão à igreja numa base regular, continuam a recorrer à religião africana tradicional e a consultar os espíritos dos antepassados para qualquer decisão importante nas suas vidas, tais como, por exemplo, de modo a obter um emprego, uma promoção ou ter um casamento feliz6. Desta forma, podemos argumentar que as pessoas não olham para as diferentes religiões como sendo mutuamente exclusivas mas, ao contrário disso, de uma forma complementar. Não existe nenhum consenso sobre o número exacto de línguas faladas na República de Moçambique. De acordo com o Ethnologue, 43 línguas 5

Ver Victor Agadjanian 1997 para uma análise interessante da Igreja Mazione ou Zione na área urbana e periférica de Maputo. 6 Uma descrição do papel importante desempenhado pelos médicos tradicionais (os chamados curandeiros) pode ser encontrada em http://www.questconnect.org/ africa_Mozambique.htm.

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estão presentes na paisagem linguística moçambicana; por sua vez, o NELIMO7 defende a existência de 20 línguas. Esta ausência de consenso constitui provavelmente um resultado do facto de que até agora, não foi realizado um estudo sociolinguístico ou dialectológico profundo sobre as variedades linguísticas faladas no país. Não há dúvidas de que este tipo de estudos é extremamente importante, conforme defende Guus Extra (2008: 7), argumentando que eles oferecem conhecimentos de valor sobre a distribuição e a vitalidade das línguas no seio de diferentes grupos populacionais. Além disso, dados sociolinguísticos e/ou dialectológicos são também cruciais para o desenho de políticas educativas inclusivas e abrangentes que consideram o ensino de línguas maioritárias nacionais e línguas minoritárias (Extra e Yagmur, 2004: 69). Embora não haja consenso em relação ao número exacto de línguas faladas em Moçambique, é importante reconhecer que o país possui uma diversidade linguística elevada. Lopes (1998: 446), citando Robinson (1993)8 e Grimes (1992)9, afirma que Moçambique é classificado entre os 15 países linguisticamente mais diversos em África, significando que em termos numéricos, nenhuma língua pode afirmar possuir o estatuto de maioria linguística ao nível nacional. Para além do português e das línguas nacionais de Moçambique, de origem bantu, o inglês também é falado no país, bem como o árabe, que é usado e falado numa base diária, particularmente para fins religiosos, e como meio de instrução nas escolas islâmicas ou muçulmanas. A paisagem linguística moçambicana inclui também as chamadas línguas transfronteiriças como o swahile (língua partilhada com a República da Tanzânia) e o shona (língua falada no vizinho Zimbabwe). Os maiores grupos linguísticos são o Emakhuwa, seguido do Cisena, Xichangana, Elomwee e Echuwabo. Os falantes do Emakhuwa correspondem a aproximadamente 24.8% da população total, seguidos do Cisena e Xichangana com 11.2%, Elomwe (7.9%), e Echuwabo (7.5%). 7



NELIMO é o Centro de Estudos das Línguas Moçambicanas, sediado na Universidade Eduardo Mondlane em Maputo. 8 Para quem a elevada diversidade linguística refere-se a uma situação onde menos de cinquenta por cento da população fala a mesma língua, e que argumenta que uma classificação de diversidade linguística não deve ser baseada no número absoluto de línguas faladas num determinado país, mas contrariamente na percentagem da população que fala uma única língua. (1993: 52-5). 9 Cujos dados sobre países de África onde nenhum grupo linguístico excede 50% da população, indica que 25 do número total de países africanos se enquadra nesta categoria. (1992: 91).

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As línguas bantu de Moçambique são fortemente consideradas como veículo e símbolo da identidade etnolinguística nacional moçambicana e por essa razão a sua vitalidade é relativamente elevada. Elas continuam a ser transmitidas de geração em geração, particularmente nas zonas rurais e de forma alguma elas poderiam ser classificadas como línguas ameaçadas ou em perigo.

Sobre a adopção do português como língua oficial e o seu papel unificador em Moçambique O português é a língua oficial do país. Estima-se que aproximadamente 40% dos Moçambicanos fala português como língua segunda e só cerca de 6.5% fala português como sua língua primeira. Importa mencionar que a literatura faz referência ao surgimento de uma variedade moçambicana da língua portuguesa, que recorre extensivamente a empréstimos das línguas nacionais moçambicanas e apresenta vários neologismos. A língua portuguesa é principalmente falada nas zonas urbanas ou nas principais cidades e, segundo Gonçalves (2009), esta elevada predominância ou concentração de falantes do português nas cidades está particularmente ligada a factores socioeconómicos, designadamente, o facto do conhecimento desta língua constituir uma precondição para o acesso ao emprego formal por parte dos cidadãos moçambicanos, tanto nas áreas rurais como urbanas. A língua portuguesa é falada como a única língua oficial do país; esta língua, revestida de prestígio, foi adoptada como oficial aquando da conquista da independência do país em 1975. A adopção de línguas ex-coloniais como línguas oficiais era uma prática comum em muitos países independentes de África. De entre as razões que parecem estar por detrás da escolha de línguas ex-coloniais em detrimento das línguas africanas, está o facto de que os países recém-independentes não tinham nenhuma outra alternativa. Deve ser sublinhado que em muitos destes países, um número significativo de línguas africanas não possuía a forma escrita ou, por outro lado, existia dificuldade em tomar uma decisão sobre que língua seleccionar de entre este mosaico linguístico. No caso particular de Moçambique, de acordo com vários autores (ver, por exemplo, Ganhão, 1979) o português era certamente uma língua politicamente neutra, falada por uma pequena percentagem de moçambicanos, mas que serviria muito bem os propósitos da construção da nação e era seguramente uma melhor opção do que qualquer outra língua nacional para evitar conflitos. Em Moçambique, conforme

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expresso por Ganhão (1979: 2), a decisão de optar pelo português como a única língua oficial do país foi cautelosamente examinada em termos políticos, tendo como principal objectivo – a preservação da unidade nacional e a integridade do território moçambicano. Ele argumenta que esta decisão de adoptar o português de facto não remonta a 1975, mas a 1962, quando a FRELIMO surgiu oficialmente como a Frente de Libertação de Moçambique. Porque os membros da FRELIMO eram oriundos de zonas geográficas diferentes e tinham antecedentes linguísticos também diferentes, era urgente adoptar um denominador comum, que era a língua portuguesa. O português era usado nos campos de libertação como a língua franca do movimento da FRELIMO e como a língua de alfabetização dos combatentes. Ou conforme postulado por Stroud (1999: 346) The Portuguese language in Mozambique was symbolically appropriated […] to an instrument of the Mozambican people’s liberation. The language […] was appropriated by the FRELIMO movement. Its ownership was challenged, its alliances reconceived, and its boundaries redrawn – the language was, to all intents and purposes, symbolically taken and subsequently transformed into a weapon of the revolution10.

Como resultado da sua adopção como a única língua oficial e por conseguinte da sua ligação com o mercado de emprego formal, tanto no sector público como privado, e também do seu uso exclusivo no sistema de educação11, conforme já acima mencionado, a língua portuguesa goza de um estatuto e prestígio elevados. É uma língua, portanto, que é vista como um veículo para a ascensão académica, social, profissional e económica. É uma língua ligada ao topo da hierarquia social e uma língua altamente valorizada pelas elites sociais e políticas e igualmente pelas massas12. A língua portuguesa em Moçambique já não é mais vista 10

Minha tradução do excerto original de Stroud: «em Moçambique, a língua portuguesa foi simbolicamente apropriada pelo movimento da FRELIMO e transformada num instrumento de libertação do povo moçambicano. A sua propriedade foi desafiada, as suas alianças remodeladas e as suas fronteiras redesenhadas – a língua foi, para todos os efeitos e propósitos, simbolicamente tomada e subsequentemente transformada numa arma da revolução». 11 Importa referir que o plano curricular do ensino básico (2003: 17) estipula que o meio de instrução em todo o sistema de educação é a língua portuguesa, não obstante o facto de que a grande maioria das crianças não fala esta língua quando chega à escola primária. 12 O estudo de Firmino (2005) sobre atitudes para a língua portuguesa na cidade de Maputo parece confirmar que a língua portuguesa é altamente valorizada devido a sua função pragmática, ou usando as suas próprias palavras, «o sentimento em relação

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como a língua do ex-colonizador, mas uma língua moçambicana por direito próprio13. É comum, hoje em dia, ouvir falar sobre a nativização da língua portuguesa em Moçambique, que de acordo com Firmino (2005) inclui não só uma dimensão linguística, na medida em que desenvolvem-se novos usos, mas também uma dimensão simbólica, caracterizada pelo surgimento de novas atitudes sociais e ideologias. Gonçalves (1996) sublinha que o português de Moçambique é caracterizado, entre outros, por neologismos e empréstimos consideráveis não só das línguas bantu, mas também do inglês; embora ainda tenha como referência o português europeu, têm sido desenvolvidos novos valores semânticos e propriedades sintácticas. Lopes (1998), por outro lado, argumenta que a língua portuguesa já não é mais «estrangeira na medida em que ela evoluiu como uma variedade naturalizada para servir as necessidades dos moçambicanos». Os processos de naturalização e indigenização levaram à aquisição de novos traços, adaptando a língua à realidade local, incluindo os registos de uso jornalístico e literário. Para Couto (1986), as alterações à língua portuguesa vão para além do domínio linguístico e revelam uma percepção diferente do mundo e da vida. Ele afirma que os moçambicanos estão no processo de transcender o seu papel como simples utentes da língua portuguesa e assumem um estatuto no qual eles são co-produtores deste meio de expressão. Num contexto étnico-linguístico tão diverso não há dúvidas de que a língua portuguesa é central para a promoção da unidade nacional moçambicana e para veicular a nossa moçambicanidade. É através da língua portuguesa que moçambicanos de diferentes origens étnicas e culturas se encontram e interagem e discutem a conjuntura socioeconómica e política do país, mas também questões da arena privada. Uma língua de origem exógena, mas agora também nossa, enriquecida com o nosso Chima, o Chapa 100 e o Machimbombo ao português é de que esta língua se tornou um importante instrumento linguístico em Maputo, em parte como resposta às exigências do mercado linguístico e socioeconómico, mas também como resultado de uma consciência metapragmática da mudança do seu estatuto social». No seu estudo sobre o Trilinguismo na GuinéBissau, Carol Benson teceu uma conclusão similar no concernente às atitudes de cidadãos comuns em relação à língua portuguesa. Ela argumenta que «embora só uma pequena percentagem de Guinenses afirmam falar português (9% do total, segundo o Censo de 1991), existe uma aceitação incontestada generalizada do valor da língua portuguesa para o futuro emprego e outras oportunidades» (2004: 170). 13 Embora no discurso oficial e, em particular, na Constituição da República, se faça referência às línguas nacionais, significando moçambicanas em termos territoriais e étnico-culturais e à língua portuguesa (ainda vista como uma língua exógena).

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e por muitas outras palavras e expressões; uma língua que permite que moçambicanos de diversos níveis sociais possam estabelecer contactos interculturais, internacionais, uma língua que nos aproxima de muitos outros povos e nações.

Sobre a política linguística no Moçambique pósindependência e o paradigma da ecologia da linguagem Não obstante a existência de inúmeras línguas faladas no território moçambicano, conforme acima indicado, a política linguística do Moçambique pós-independência era monolingue na sua orientação e principalmente caracterizada pela adopção exclusiva do português como a única língua oficial do país e, por conseguinte, o único meio de instrução, do ensino primário até o ensino terciário. Semelhantemente a Phillipson e Skutnabb-Kangas (1999), defendo que uma política linguística é monolingue quando ela está principalmente virada para a promoção e o desenvolvimento de uma única língua e quando todos os recursos estão concentrados nessa mesma língua e quando ela idolatra e glorifica essa língua dominante enquanto questionando, estigmatizando e considerando as outras línguas como invisíveis. O alicerce ideológico duma política linguística monolingue envolve a racionalização da relação entre os grupos dominantes e dominados, trazendo sempre vantagens para a classe dominante, fazendo com que a aprendizagem da língua dominante seja em detrimento de outras línguas que parecem não só ser instrumentalmente funcionais, mas também benéficas para a classe dominada. As razões que ditaram a adopção do português como a única língua oficial são plausíveis, considerando que era imperativo edificar uma nação moçambicana coesa e unida, no meio da sua diversidade e evitar, a todo e qualquer custo, rupturas étnico-tribais, sociais e políticas. De acordo com Firmino (2005), enquanto o português tem sido capaz de reforçar a unidade nacional, esta língua também tem sido um factor de exclusão de muitos moçambicanos, dos sistemas nacionais, na medida em que a participação nas esferas política, social e económica depende em grande escala do conhecimento e uso (de formas específicas) desta língua. Embora seja verdade que o português tenha excluído muitos moçambicanos, o mesmo se pode dizer de qualquer outra língua moçambicana que também excluiria ainda mais pessoas, considerando que nenhuma delas é amplamente falada ao nível nacional.

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Desenvolvimentos recentes na política linguística moçambicana, marcados pela introdução da escolarização em línguas bantu, através do programa de ensino bilingue introduzido em 199314 apontam para uma mudança de paradigma, que revela um interesse pela promoção e respeito pela diversidade linguística de Moçambique, bem como a valorização das línguas moçambicanas. É neste âmbito que importa considerar a essência do paradigma da ecologia da linguagem. O paradigma da ecologia da linguagem é visto por Phillipson e Skutnabb-Kangas, como envolvendo a promoção da diversidade linguística global, ao mesmo tempo que encorajando o multilinguismo, bem como o ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras e respeitando os direitos humanos linguísticos de falantes de todas as línguas. Os autores defendem ainda que o paradigma da ecologia da linguagem respeita os seguintes princípios: 1. A existência de uma perspectiva sobre os direitos humanos 2. A igualdade na comunicação 3. A tolerância do multilinguismo 4. A manutenção de línguas e culturas 5. A protecção da soberania nacional e 6. A promoção do ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras Em jeito de conclusão, diria que é possível optar por este paradigma de política linguística, no contexto moçambicano, considerando que promove a inclusão de todas as línguas presentes nesta paisagem linguística; sejam elas línguas europeias modernas, percebidas como veículos de ascensão social, académica e profissional, ou as línguas locais, nacionais e/ou vernaculares, que constituem um símbolo da nossa moçambicanidade. Este é um paradigma que pretende melhorar a participação popular equitativa e activa nos processos de cidadania nacional (através do recurso às línguas nacionais) e internacionalização e globalização (através das línguas de grande comunicação)15, promovendo cidadãos nacionais activos e também cidadãos transnacionais e globais.

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Ver Henriksen (2010) para uma análise detalhada do programa de ensino bilingue em Moçambique. 15 Languages of Wider Communication (LWC)

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II. Littératures de langue portugaise II. Literaturas de língua portuguesa

Uma Terra de ninguém (com gente dentro) Que língua fala a poesia? Ana Luísa Amaral Universidade do Porto

1.  Poesia: uma pátria dentro de pátrias Começo com duas ideias. A primeira: ainda que seja comunicação, o primeiro gesto da arte (neste caso, a poesia) é com ela própria. A interacção (que inclui a ideia de intenção, porque dirigido ao outro) vem depois. Mas o gesto primeiro é sempre um salto no vazio. Por vezes, escrever é também o que não se pode viver, o que não se pode sentir – por isso se pode o verso substituir à vida, prolongá-la, fazê-la passar para outras dimensões, criá-la, paralelamente. Por isso me parece que os grandes poemas foram sempre escritos em falha, embora mantendo com o real sempre uma relação. A segunda ideia relaciona-se com a imagem da impressão digital. A impressão digital é o que melhor nos define como seres humanos, como indivíduos absolutamente únicos; não há duas impressões digitais iguais. Mas a impressão digital define-nos a identidade só do ponto de vista biológico. Eu sou portuguesa, eu não sou inglesa, nem alemã, nem francesa. Mas sou, dentro da minha individualidade, europeia. Sinto-me europeia. Porque a identidade é também identificação e a identificação constrói-se pela presença de memórias. O nosso passado cultural europeu é comum e, tendo obviamente a ver com elementos variadíssimos, não passa por uma língua comum, mas, e no caso da chamada Europa Ocidental, por um entendimento da cidadania que de alguma maneira nos investe de gestos semelhantes. Disse propositadamente que não era francesa, nem inglesa, nem alemã. Porque como me sinto eu em relação à chamada Europa de Leste ou à comunidade muçulmana? Que tenho eu em comum com um russo, ou uma russa? Os nossos processos históricos foram diversos e, para além

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da comum humanidade, não parece haver grandes pontos de contacto, mesmo dentro desta nova Europa. Há então impressões não só digitais, mas de memórias, ou de formas de sentir aprendidas e integradas. Talvez agora possa ligar as duas ideias, defendendo que a arte, neste caso a poesia, pode ser, como defendeu o grande poeta espanhol António Gamoneda uma «pátria dentro de pátrias». Quero com isto dizer que, quando em 1922, pouco depois da Primeira Guerra mundial, T. S. Eliot escrevia a sua The Waste Land, encontrava-se perante um mapa da Europa totalmente refeito, em termos geo-político-sociais. Por isso, logo no início desse poema se ouve uma voz que diz «Ich bin keine Russin, stamm aus Litauen, echt Deutsch» (não sou nenhum russo, natural da Lituânia, um verdadeiro alemão). Esse desnorteamento e alienação relativamente a uma nacionalidade fazia então sentir-se. Falo desse poema e desse momento, porque, a partir dele, a Europa nunca mais seria a mesma. Com a queda do Muro em 1989, as terríveis carnificinas na antiga Jugoslávia (em que pela primeira vez se usou a violação como arma de guerra), que sei eu dos cidadãos e das cidadãs do Leste, a não ser que chegam ao meu pequeno país ao fundo da Europa, e que são, muitas vezes, maltratados, explorados, sujeitos a humilhações, tantos deles incorporando a figura descrita por Agamben de homo sacer (homem sagrado, intocável, e portanto marginalizado)? É o mesmo no que toca ao país em que me encontro agora, a França, onde, como no meu país, os filhos dos europeus de Leste ou do Médio Oriente, que faz fronteira com a nossa Europa, integram-se também nas nossas escolas, aprendem a nossa língua. Seria fundamental que as suas impressões de dedos e de memórias fossem deles – e fossem preservadas, ao mesmo tempo que alargadas pela convivência com os outros. E o mesmo com a arte. A Europa deixou de ser somente Europas a cruzarem-se: passou a integrar outros continentes (o asiático, o africano), outras religiões (a hindu, a muçulmana). E como entendermo-nos nesta espécie de Babel? Por mim, é extraordinário ser Babel e habitá-la, e tentar, a partir dela, construir sentidos, mesmo que vários sentidos. Porque um sentido único afigura-se-me uma ideia repugnante. E ser Babel é também ser humano. Isto penso-o, com as lentes que trago a partir somente do meu país. Porque nele, não nos podemos esquecer (é fundamental que nos lembremos, com a força toda que a memória tem), se forjou uma língua que agora e aqui partilhamos, a qual, mesmo que ao longo de terríveis processos de colonização e do apagamento feito de violências de outras culturas, contribuiu também para dar lugar a culturas diversas. Onde o

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desacerto e o desacordo podem ser motor de uma benéfica pulverização do que se afigura estático. Por isto também defendo que não há acordo que nos valha, no que respeita à língua portuguesa. E que, aliás, para o nosso valor enquanto povos, o valor do acordo é de uma absoluta ociosidade. Porque a semântica não é afectada. Vejamos: a camisola brasileira é a nossa camisa de noite, a camisola portuguesa é o suéter brasileiro, o fato português é o terno do Brasil; e o nosso fato de banho é a sunga brasileira, ou maillot; a portuguesa montra é a vitrine brasileira, que, regularizado para o português de Portugal, se torna vitrina, que quer dizer um armário envidraçado; o coiso do português de Angola é a coisa do meu português, a minha cerveja é a birra angolana e, se Almeida Faria fosse publicar O Conquistador em Angola, ele seria o O Xaxeiro, provavelmente. E está bem assim. A reforma ortográfica não vai resolver isto – que, na realidade, não constituiu nunca qualquer problema. Não é por cortarmos consoantes que nos vamos passar a perceber melhor – já a geração da minha mãe lia Jorge Amado e lia-o em português do Brasil. Eu estou a falar em português de Portugal e as pessoas que vêm do mundo lusófono entendem-me. Um leitor brasileiro que quiser ler um livro publicado em Portugal lê-o (eu sei porque tenho livros publicados no Brasil) – sem necessidade nenhuma de um acordo que fez correr rios de tinta e, no meu país, acesas polémicas. O mesmo acontece com os países do mundo onde as variantes da língua portuguesa são praticadas. No nosso caso, não há um português melhor e um português pior, não há um português-padrão e uma variante: há o português do Brasil e o português de Portugal, e o português de Angola, ou da Guiné. E são essas diferenças e essas multiplicidades, ainda por cima organizadas por um vector comum, que contribuem para a riqueza de uma língua e para o fascínio que o poema de Sophia, «Poema de Helena Lanari», revela, esse poema em que, no dizer de Eucanaã Ferraz, terra e idioma se confundem. E eu acrescentaria: as gentes. Gosto de ouvir o português do Brasil Onde as palavras recuperam sua substância total Concretas como frutos nítidas como pássaros Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas Sem perder sequer um quinto de vogal Quando Helena Lanari dizia o «coqueiro» O coqueiro ficava muito mais vegetal

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Sophia só pode escrever isso porque o seu português é diverso. Há, sabemo-lo todos, identidades; mas há também, dentro delas, multiplicidades. Como na poesia, que eu vejo como expressão da mais pura humanidade. Talvez ela possa ajudar, se a entendermos também como, porque humana (e, portanto, não divina), a expressão também da mais pura possibilidade. Mas a isto voltarei. Tenho no meu primeiro livro, Minha Senhora de Quê, publicado em 1990, um poema que se chama «Qualquer coisa de intermédio». Esse poema usa Recreio, de Mário de Sá-Carneiro, como epígrafe, sendo que «o outro» de que o poema depois fala é Fernando Pessoa. Quase todo o Fernando Pessoa: o Pessoa/Alberto Caeiro, de O Guardador de Rebanhos (a que eu haveria de voltar, anos depois, num poema de Às Vezes o Paraíso, chamado «Revisitações» e noutro, de Entre Dois Rios e Outras Noites, chamado «De sonhos e além: o guardador»), o Pessoa/Ricardo Reis, das Odes, o Pessoa/Alexander Search, dos versos ingleses, o Pessoa/Álvaro de Campos, de poemas como A Tabacaria, e ainda o Pessoa ortónimo, de A Mensagem. Leio o poema: Eu não sou um nem sou o outro: Sou qualquer coisa de intermédio

Se eu fosse o outro, o do chapéu macio e do bigode eternizado em cúbico arremedo, angústia dividida em tantas partes e óculos redondos, podia-te contar: eu guardador e sonhos Se eu fosse o outro, o delicado e bêbedo génio de nós todos, o que amou estranho e sabia dizer coisas enormes numa pequena língua e fraco império, se eu fosse aquele inteiro ditado de exageros e exclusões, falava-te de tudo em ingleses versos E mesmo se não foi ele quem disse (e podia até ser, que eram amigos e o século a nascer arrepiava como já não o fim) há razão nessa história do pilar

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e do tédio a escorrer de um para o outro

Penso numa pergunta colocada pela poeta russa modernista Anna Akhmatova: «Os caminhos do passado estão há muito cerrados / E o que é o passado agora para mim?». O que é o passado para mim? Ou, dito de outra forma, o que é para mim a tradição? Devo dizer que, ao mesmo tempo, nada e tudo. Por um lado, entendo a tradição como passível de ser moldada e constantemente revista, dialogada, portanto. Por outro lado, não partilho da famosa teoria bloomiana sobre a influência poética, essa em que a inscrição no cânone e a própria escrita se fazem pela relação agónica com os antecessores. Talvez até porque, em Bloom, e isto dava lugar a uma outra discussão, tudo se passa no masculino – o poeta (homem) ganha o direito à criação autónoma pela presença do poeta precursor (masculino), simultaneamente causador de ansiedade e razão de ser para a conquista (transacção) da musa – agora posta ao serviço do poeta jovem; como na dinâmica do casamento (e Bloom apropria a teoria freudiana do «romance familiar»), a musa (noiva) é transaccionada entre sujeitos masculinos, transmitida do mais velho para o mais novo, seu rival, mas também seu sucessor. Não partilho dessa teoria de Bloom, tal como não partilho da sua posição extremada, expressa em O Cânone Ocidental, que ecoa uma preocupação comum a outros reputados críticos literários de que, na pior das hipóteses, a tradição literária possa estar em risco de se perder ou, na melhor das hipóteses, de se adulterar, pela inclusão do que, até há pouco mais de meio século, era considerado menor ou marginal. Esse medo da dessacralização do cânone pelo hibridismo, pela contaminação de impurezas, esta defesa de uma tradição apoiada nos valores ocidentais, de um dito universal face ao particular, colide, obviamente, com realidades a que é impossível alhearmo-nos e que têm a sua tradução no campo do literário e do cultural. Entendo que há-de haver um ponto qualquer de consenso entre o legado da tradição literária e a sua avaliação (pelo que esta nos ensinou a pensar, a sermos melhores seres humanos) e a revisão desse mesmo legado, quanto mais não seja pelo seu alargamento de fronteiras, de gostos, de sensibilidades. Partilho, sim, do sentir de Toni Morrison, que, sete anos antes da atribuição do Prémio Nobel, escrevia: «E eu, pelo menos, não tenciono viver sem Ésquilo ou William Shakespeare, ou James, ou Twain, ou Hawthorne, ou Melville, etc., etc., etc. Deve haver alguma maneira de desenvolver o cânone sem santificar esses autores.» Morrison referia-se a autores clássicos e norte-americanos, eu incluiria aqui, evidentemente,

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portugueses: Camões, Sá de Miranda, Sá-Carneiro, Antero, Fernando Pessoa, etc., etc., etc. Assim, e falando da minha poesia, penso que mantenho com a tradição uma relação que a vê como eminentemente plástica. Por isso, o passado e a tradição são-me fortíssima razão de ser eu, aqui e agora. Porque ela, a tradição literária, é identidade e identificação, e a identificação produz-se pela construção de memórias. Ora, cada vez mais, num planeta globalizado, ouvimos falar da tendência para erradicar diferenças. Já não parece ser necessário estar circunscrito ao espaço da linguagem, porque as afinidades que se podem encontrar no espaço particular de um país são cada vez menores. Todavia, eu sou portuguesa. Será que isto me oferece uma identidade específica? «A minha pátria é a língua portuguesa» – será que isto é válido para mim, para pensar a minha própria poesia e me pensar aqui, em 2015, como mulher? Será a linguagem poética a tal «pátria dentro de pátrias»? A epígrafe de que me servia no poema que li, «Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio», de Sá-Carneiro, parece expressar a capacidade de vislumbre do exercício de tudo. Ambos dentro do mesmo, ambos nunca dois. Ambos quase. Ser «o outro» é também desejar ser dentro do famoso fingimento de Pessoa. Armando CôrtesRodrigues, poeticamente travestido, por sugestão de Pessoa e no número 2 da Revista Orpheu, de Violante de Cysneiros, que é, à maneira de um heterónimo pessoano, a incarnação da imagem feminina tradicional, seguindo o gosto modernista – um bom exemplo de fragmentação e metamorfose, usando máscaras emprestadas de si mesma (ela mesma, uma invenção), de Pessoa, de Sá-Carneiro, de Álvaro de Campos, «o Mestre», do próprio Cortes-Rodrigues. Mas esse travestimento de Cortes-Rodrigues é sempre o estereótipo… Não estará a poesia e quem a escreve sempre ligeiramente desfocada de pátrias, ou pertenças, ainda que essas pátrias coincidam com a língua? Destaco de «Isto», o famoso poema de Pessoa que é, juntamente com «Autopsicografia», ou «Mar Portuguez», dos seus poemas mais citados, os versos «Por isso escrevo em meio / do que não está ao pé». Em que zona intermédia de pensar e sentir dentro da língua se inscreve então, e desenvolve, a linguagem da poesia? Será disso que se trata, pergunto: trabalhar, na famosa formulação deleuziana, uma língua estrangeira, desfamiliarizada, desconhecida mas reconhecível? Três eixos, ténues fios de orientação: o alfabeto, com maior ou menor variação, é sempre aquele

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com que falamos e escrevemos no espaço do mundo e da experiência; os limites da gramática, disponíveis que estão para ser transgredidos, não deixam de ser limites, fronteiras que, se totalmente transpostas, incorrem na passagem para a terra da incompreensibilidade; as formas são coreografias, ditadas não só por quem escreve, mas também pelo tempo em que se escreve; e as formas mudam, a colocação da voz altera-se, revê-se o papel e os sentidos da palavra poética. Talvez seja isso a escrita de um poema: uma viagem feita de marcas tipográficas e de algumas topografias. Uma zona selvagem mas convocada também, a partir da vida. «Escrever em meio / do que não está ao pé» dialoga (revendo-a) com uma tradição que vê a poesia como «as emoções relembradas na tranquilidade», dialogando também, em devir. Talvez a língua em que fala a poesia seja essa zona, que, tal como a metáfora, só parcialmente coincide com a da língua que falamos. No território da sempre-descoincidência estariam as características do que faz um poema.

2.  Poesia: uma terra de ninguém com gente dentro A poesia, defendo, existe, assim, numa camada deslocada da pele, mas não descolada dela. Mesmo que ela seja dita, como o fez Pessoa, longe da emoção – gesto que hoje sabemos ser estratégia elocutória, sobretudo, «O poeta é um fingidor». Talvez mais nenhum verso se constituísse tão aforístico do famoso fingimento do poeta do que este – central para explicar a distância entre o Modernismo e a insistência na subjectividade e o centramento do eu romântico. Mas se há afastamento, julgo que ele existe no próprio acto de reflectir sobre o processo, mais do que sobre o próprio processo. Porque a esse verso seguem-se outros, não menos famosos: «finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente». É, pois, a colocação da dor que está em causa. São as palavras que podem camuflar a vida, que nunca deixa de lá estar. Atravessa-se, assim, um caminho que vai do plano vivido para o plano imaginado, mas que viaja a partir do vivido. «Eu simplesmente sinto / com a imaginação, / não uso o coração», escreve ainda Pessoa, em «Isto». Mas se, ao escrever, é «com a imaginação que se sente», é também com o corpo e com o coração, descolados do estado da vida normal, mas ali, paradoxalmente, presentes, elevados. Talvez a poesia, porque trabalha com a linguagem e a linguagem passa pelo conhecimento do mundo e pela consciência de si, o tenha sabido desde sempre, desta diferença de colocação e intensidade, avançando ainda

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para um terceiro estádio no processo criativo, o da imaginação. Sentir com a imaginação – sabia-o, antes de Fernando Pessoa o imenso poeta romântico que foi Samuel Taylor Coleridge, ao distinguir as funções da imaginação em duas categorias: a primária e a secundária, sendo que a diferença entre elas se operava não na espécie, mas no grau. Ligada à fantasia, a imaginação secundária ordena e classifica a experiência passada armazenada na memória; a imaginação primária, por seu turno, tem o poder de criar. Aí, diria Virginia Woolf, atenta leitora de Coleridge, se «começa a ver o que [se] tinha na mente». E nesse ponto se produziria o terceiro estádio da grande poesia de que Pessoa falava em Heróstrato: Três espécies de emoções produzem grande poesia – emoções fortes, porém rápidas, captadas para a arte tão logo passaram; emoções fortes e profundas ao serem lembradas muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte.

Na poesia, o que existe é, assim, não a mentira mas a verdade da vida, imaginada e deflectida, transposta para uma língua diferente, mas nunca corrompida, e servida por uma possibilidade musical e rítmica. O poético seria, pois, o lugar privilegiado para exercitar a liberdade, sem nunca se deixar de pertencer ao mundo que nos gera e que nos alimenta. Porque a poesia sendo, tenho vindo a defender com enfoques diversos, sendo, como disse acima, o espaço por excelência do exercício da possibilidade, não pode nunca ser o espaço da totalidade, porque é humana. Uma proposta: ver a poesia como qualquer coisa de intermédio, uma terra de ninguém com gente dentro, implicando quem escreve, quem lê – e o mundo. Nesse vai-vem entre escrita e leitura, a poesia, mesmo se lírica (ou justamente que, porque lírica, lhe pode assistir a mais eloquente forma de resistência ao económico e ao numérico) cumpre sempre uma funda obrigação ética, ao permitir-se ser uma espécie de «obrigação moral para com os emudecidos», como o dizia Primo Levi. Simultaneamente, ao ser resistente e dúctil, como um junco, ou uma folha de erva, ela vive da imaginação, a mais imaterial matéria surgida do material, que é o corpo. A poesia que me interessa talvez seja isto: uma ética da alegria, contrariando o poder e os impotentes do poder, uma terra com gente entre espaços de vazio. Também uma língua que efectua uma relação com os mortos e com aqueles que ainda não nasceram. A poesia, herdeira de tempos, é sempre testemunho do seu lugar e do seu tempo, e lida com processos que são «o modo humano de deitar raízes,

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de cada um tomar o seu lugar no mundo a que todos chegamos como estranhos», como dizia Hannah Arendt. Por isso, no meu último livro de poemas, Escuro, a minha Europa não podia ser a Europa de Pessoa, essa Europa que fitava o mundo com o rosto de Portugal. A minha é a Europa dos imigrantes, dos sem cidadania, dos sem terra, a Europa aprisionada a um modelo económico feroz e neo-liberal, dominado pelas chamadas indústrias financeiras, em que o capital se sobrepôs ao trabalho, a Europa espoliada e necessitada de se rever e à sua História. «A Europa jaz, posta nos cotovelos: / De Oriente a Ocidente jaz, fitando», assim começava, recordo, o poema de Mensagem, que terminava com o verso «O rosto com que fita é Portugal». O meu poema diz: Pouco fita a Europa, a não ser mortos por múltiplos disfarces: química luz, os lumes tão reais, os nomes amputados pelos números, mesas de número fartas Alguma vez fitou? De que roubos e fúrias lhe foram as paisagens? E ao assomar defronte à maior arte sua (sinfonias abertas como nuvens, as cores mais deslumbrantes, rochas pintadas em soberbas linhas, os comoventes traços e palavras), mesmo defronte a si, distante e bela, que ventos lhe assomaram os cabelos? Mesmo nesse arrepio novo de um século, que prenúncios viu ela? Guerras a destruir-lhe solo e gentes, o brilho azul da lua nas trincheiras, a mais pura impiedade reluzindo Não tem olhos agora de fitar, se alguma vez os teve: perdeu-os noutras guerras. Resta-lhe debater-se, como golfinho em dor preso nas redes. Não tem olhos, nem mãos, nem fita nada, a Europa. Nem cotovelos tem que possam suportar justiças e bondade. E mesmo aqui, se para aqui olhasse, nada veria, a não ser outros gritos. Sem voz. Sem sul. Sem esfinge que deslumbre.

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A terra de ninguém com gente dentro é quem escreve e quem lê, mas é também a terra daqueles e daquelas que antes a foram habitando, ainda que muitas vezes não pudessem chamar-lhe pátria. A minha terra de ninguém com gente dentro é, porque de gente feita, uma terra de corpos e de vozes dos que antes de mim tiveram voz. E ainda as vozes dos que vivem ao meu lado, temporal e espacialmente, e que tantas vezes não lhe têm direito. Nela se podia inscrever o desejo pelo terceiro tigre, do belíssimo poema «O outro tigre», de Jorge Luis Borges, que exprime a persistência do poeta na dúvida e no mistério, na permanência na incerteza. E esse permanecer incerto, ou incerta, que é afinal semelhante à que é, ao mesmo tempo, pessoa e suposta e ao desassossego pessoano. Assim, esse terceiro tigre de Borges não é nem o «tigre» do verso, «vocativo» «de símbolos e sombras, / Uma série de tropos literários / E de memórias da enciclopédia», nem a «criatura / Viva das que passeiam pela terra», mas o que se situa na fronteira, na travessia entre o passado e o futuro. Como o tigre de William Blake, cujo olhar rompia, aceso, as florestas da noite, metáforas para a ignorância e para a barbárie. Esse tigre, esse, estando no verso, está na vida. E está, portanto, aqui, e vivo. Ao nosso lado –

Correspondência de Machado de Assis: um novo olhar Sérgio Paulo Rouanet Academia Brasileira de Letras

A publicação da correspondência de Machado de Assis tem uma história, cujo início pode ser encontrado na própria correspondência. Com efeito, foi numa carta, escrita meses antes do seu falecimento, que Machado autorizou José Veríssimo a recolher e publicar suas cartas. Mas foi somente em 1929 que a Academia começou a publicar em sua revista o Epistolário Acadêmico, por iniciativa de Afrânio Peixoto, que contava com a colaboração de Fernando Nery. Este reuniu em volume a primeira Correspondência, publicada pela editora Bedeschi (1932), contendo cartas trocadas entre Machado e alguns interlocutores selecionados. Em 1937, o editor W. M. Jackson lançou uma edição ampliada do livro de Nery, com o acréscimo de novas cartas. A Aguilar optou por publicar somente a correspondência ativa. Finalmente, algumas cartas foram incorporadas em biografias de Machado, como as escritas por Luís Viana Filho e R. Magalhães Júnior. Essas iniciativas foram meritórias, mas tiveram seus inconvenientes, como o de reduzir drasticamente o número de cartas e correspondentes (Jackson) e o de considerar unicamente as cartas expedidas por Machado, (Aguilar), eliminando, com isso, a dimensão dialógica. Por tudo isso, a Academia Brasileira de Letras decidiu publicar a correspondência completa do nosso maior escritor, segundo uma ordem cronológica, que abarcasse tanto a correspondência ativa quanto a passiva, e tanto a já publicada quanto a ainda inédita. Os cinco tomos foram publicados entre 2008 e 2016, abrangendo, respectivamente, o período 1860-1869, 1870-1889, 1890-1900, 1901-1904 e1905-1908. O trabalho desdobrou-se em três atividades principais: a coleta dos documentos; sua transcrição; e sua anotação.

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Na coleta dos documentos, a equipe faz questão de recorrer a fontes originais. Nossa base foi o riquíssimo acervo guardado no Arquivo da Academia Brasileira de Letras, e que contém centenas de cartas manuscritas, muitas delas total ou parcialmente inéditas. Nossas pesquisadoras fizeram também importantes achados em outras instituições, sobretudo na Biblioteca Nacional, na Casa de Rui Barbosa, no CPDOC (Centro de pesquisa e documentação de história contemporânea do Brasil), no Ministério das Relações Exteriores e no Museu da República. O trabalho de coleta foi facilitado pela colaboração de muitas pessoas. Algumas nos deram informações valiosas, chamando-nos atenção para cartas existentes. Entre estes está o acadêmico Alberto Venâncio Filho, que nos indicou várias cartas de Euclides da Cunha a Machado. Outros nos cederam, generosamente, cópias de cartas. Um deles foi, de novo, Alberto Venâncio Filho, que nos entregou cópia de carta inédita de Machado a Lúcio de Mendonça. O Embaixador Álvaro da Costa Franco pôs à nossa disposição cópias de cartas trocadas entre Machado de Assis e o barão do Rio Branco, do Arquivo do Itamaraty e entre Machado e Oliveira Lima, existentes no acervo de Oliveira Lima na American University, em Washington. José Mindlin forneceu-nos cópia de uma carta de Machado de Assis a Euclides da Cunha. O pesquisador Mário Alves de Oliveira teve a gentileza de ceder-nos cópia de duas cartas enviadas por Machado de Assis ao publicista português Julio César Machado, encontradas em Portugal. Cláudio Murilo Leal ofereceu-nos cópia de carta dirigida por Machado de Assis a Joaquim Norberto de Sousa e Silva. A professora Gilda Santos deu-nos acesso a uma carta enviada por Machado de Assis a Antonio Feliciano de Castilho. Além da coleta a partir de manuscritos originais e de alguns fac-símiles, a equipe recorreu a textos já publicados, embora a título subsidiário. Certas publicações foram fundamentais, como o Catálogo da Exposição de 1939, dedicada ao escritor, e os Cadernos da Sociedade de Amigos de Machado de Assis. Na Revista da Academia Brasileira de Letras (1911), achamos várias cartas de Joaquim Serra a Machado. A segunda atividade, a transcrição, foi de longe a mais trabalhosa. Era preciso copiar todas as cartas, decifrando manuscritos velhos de às vezes 150 anos, com passagens quase ininteligíveis, e com o papel frequentemente danificado. Mesmo as cartas já impressas foram copiadas de novo, para traduzi-las em linguagem eletrônica. O cotejo sistemático do texto transcrito com o do manuscrito original e com versões impressas anteriores permitiu corrigir alguns erros, que vinham se reproduzindo sistematicamente. Por exemplo, a primeira das duas cartas sobreviventes

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de Machado a Carolina, de 2 de março 1869, cuja localização no Museu da República nos foi indicada por Maria Theresa Sombra, sobrinha trineta de Carolina, termina, em sua versão impressa tradicional, com a frase enigmática: «Depois […] depois, querida, queimaremos o mundo». Mas a doença de Machado era a epilepsia, não a piromania. Seu amor era ardente, mas não incendiário. Em nossa releitura, Machado teria escrito apenas: «Depois […] querida, ganharemos o mundo». Enfim, a terceira atividade foi a anotação, pela qual tentamos dar ao leitor esclarecimentos básicos sobre todos os missivistas, cuja biografia aparece no final do volume, e sobre fatos e personagens mencionados nas cartas. Do que tratam as cartas de Machado? É mais fácil dizer do que elas não tratam: de política. Machado tem pouco a dizer sobre política estrangeira, mesmo em seus aspectos mais sensacionais e mais candentes, como a questão Dreyfus, apesar das tentativas de Magalhães Azeredo, um dos correspondentes mais assíduos de Machado, de leva-lo a uma tomada de posição sobre o erro judiciário que estava indignando o mundo civilizado. Machado não falava tampouco de política brasileira. Quando fala de política, é para dizer que não falará de política. Comentando a visita oficial que faria ao Brasil o presidente da Argentina, informa a Magalhães de Azeredo: «Não lhe falo de negócios públicos, porque os jornais lhe terão dito o que há». Uma vez ele quase entrou nesse terreno proibido, ao dizer a Azeredo: «por aqui nada há que mereça ser contado, salvo um caso de conspiração ou tentativa». Ao que parece, estava se referindo à greve dos cocheiros, que rebentou em 15, 16 e 17 de janeiro de 1900, e que faria parte de uma tentativa de golpe contra Campos Sales. Escrita essa temeridade, Machado muda de assunto: «mas as nossas cartas não tratam de política». Tudo indica, entretanto, que pelo menos com um interlocutor, Machado se abria sobre suas opiniões políticas: seu cunhado Miguel de Novais. Das cartas de Miguel (as de Machado se perderam) é possível depreender que Machado exprimia livremente nessa correspondência suas opiniões sobre alguns aspectos fundamentais da politica brasileira. Assim, em carta inédita de 6 de agosto de 1888, Miguel responde a uma carta de Machado em que este teria tratado «da questão da abolição da escravatura, da popularidade que a Princesa adquiriu com esse fato, do futuro do Brasil, e dos seus receios, e da propagação da ideia republicana».

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Mas de modo geral, a discrição é a regra em questões políticas, embora essa regra seja menos rígida no que se refere à correspondência passiva. Mesmo assim, quando os correspondentes de Machado se aventuram a tratar do assunto, fazem-no com notável cautela. É o que se observa numa carta inédita de Verissimo, de 19 de fevereiro de 1903, em que o grande crítico comenta com Machado uma eleição, sem dizer qual. O tom da carta é sibilino. Verissimo diz que o «Caritat de Condorcet» obtivera mais de 3000 votos, e critica a eleição em si: «E que eleições!…E chama-se isto um país civilizado!». A carta tem quatro linhas e vários enigmas. Eles se tornaram claros enigmas, graças ao historiador José Murilo de Carvalho, que nos informou que o personagem designado com o pseudônimo de Condorcet, o grande filósofo do século 18, era simplesmente Lauro Sodré, eleito para o Senado por 3.772 votos, numa eleição realizada um dia antes da data da carta, e que foi tumultuada por distúrbios de rua. Mas se as cartas sobreviventes não tratam de politica senão na correspondência passiva, e mesmo assim em linguagem cifrada, do que tratam, então, as cartas? De inúmeros assuntos, alguns muito comezinhos, como pedidos de pistolão feitos ao alto funcionário pelos amigos de Machado. Mas tratam, também, de algo mais importante: a vida e a obra do próprio Machado de Assis. Vale a pena rastrear a presença de ambas na correspondência. Quanto à vida, as cartas revelam no inicio, um Machado jovem, alegre e namorador, bem diferente do funcionário sizudo e melancólico de sua idade madura. Essa imagem só se consolidaria bem mais tarde, e também é documentada na correspondência. Nessa fase, Machado fala de episódios como seu afastamento temporário do serviço público, e de temas ligados à constituição da ABL (Academia Brasileira das Letras) e às eleições acadêmicas. Porém o acontecimento biográfico decisivo, que daria um tom sombrio a todas as cartas subsequentes, seria a morte de Carolina. Em 20 de novembro de 1904, por exemplo, Machado escreve a Nabuco que diante daquela grande desgraça, fora-se a melhor parte de sua vida. Ele estava só no mundo, mas a solidão não lhe era enfadonha, porque era ainda um modo de viver com Carolina. Ali se ficava, na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos da morta. Tudo lhe lembrava a «meiga Carolina». Ao mesmo interlocutor, Machado declara, numa das passagens mais citadas pelos que procuram em Machado algumas fagulhas de fé religiosa: «Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei muito tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela me esperará».

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No que se refere à obra, virtualmente todos os livros de Machado deixaram rastros em sua correspondência. Por falta de tempo, vou concentrar-me em apenas três desses livros, com seus respectivos ecos epistolares: Memórias póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e Esaú e Jacó. Memórias Póstumas de Brás Cubas despertou uma reação positiva, embora um tanto atônita, por parte da crítica, e uma incompreensão geral por parte do público. A reação positiva está bem refletida na correspondência de Machado com seu cunhado Miguel de Novais, que faz elogios efusivos ao romance e consola o amigo pelas incompreensões dos leitores. A hesitação do público e da crítica vinha em grande parte da dificuldade de classificar a obra. A que gênero pertencia? Seria um romance? Como, nesse caso, encaixá-lo no único tipo de romance que o público brasileiro conhecia, o romance realista de Balzac, Flaubert e Zola? As cartas refletem essa perplexidade. Em 21 de julho de 1880, antes, portanto, do aparecimento em livro, Macedo Soares envia carta em que só elogia um dos poucos capítulos que poderiam caber num romance psicológico tradicional, o da partilha dos bens do velho Cubas. Capistrano de Abreu confessa não entender o livro, mas pelo menos tem o mérito de não tentar reduzi-lo às categorias estéticas do romance convencional. Em 10 de janeiro de 1881, escreve: Hoje às 7 horas da manhã, poucos minutos antes de tomar o trem de Rio Claro para Campinas, me foi entregue com a sua carta de 7 o exemplar de Brás Cubas que teve a bondade de me enviar […]. A impressão foi deliciosa, e triste também, posso acrescentar. Sei que há uma intenção latente, e não sei se conseguirei descobri-la. Em São Paulo, por diversas vezes, eu e Valentim Magalhães nos ocupamos com o interessante e esfíngico X. Ainda há poucos dias ele me escreveu: o que é Brás Cubas em última análise? Romance? dissertação moral? desfastio humorístico? Ainda o sei menos que ele.

E no entanto esses dois correspondentes de Machado sugerem pistas interessantes. Quanto a Macedo Soares, Machado informa no prólogo da terceira edição de Memórias Póstumas: «Em carta que me escreveu por esse tempo, Macedo Soares me recordava amigamente Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett». Infelizmente, não conseguimos localizar esta carta. Mas a julgar pelo prólogo, Macedo Soares fez algo de muito valioso nessa carta perdida: chamou atenção para mais um ancestral de Brás Cubas – Almeida Garrett – que se soma desse modo aos modelos reconhecidos pelo próprio defunto-autor – Sterne e Xavier de Maistre. Com isso,

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Macedo Soares parece ter percebido, para além da questão banal da influência do humorismo inglês, que Machado tinha se filiado a uma forma cosmopolita – a shandiana – abrangendo, além do irlandês Sterne e do saboiano Xavier de Maistre, o português Almeida Garrett. No que diz respeito a Capistrano de Abreu, a carta citada tem uma continuação estimulante. Depois de ter dito que não sabia se o livro era um romance, uma dissertação moral ou um desfastio humorístico, acrescenta Capistrano: A princípio me pareceu que tudo se resumia em um verso de Hamlet de que me não lembro agora [bem], mas em que figura the pale cast of thought (a sombra pálida do pensamento). Lendo adiante, encontrei objeções e […] je jette ma langue aux chiens (desisto de resolver o mistério).

Capistrano não precisava ter desistido. Sua intuição fora certeira. O solilóquio de Hamlet na primeira cena do terceiro ato alude ao grande tema do barroco, a meditação melancólica, e a melancolia, aliada ao riso (a pena da galhofa e a tinta da melancolia) é uma das características estruturais da forma shandiana, chave para a leitura de Memórias Póstumas. Quanto a Dom Casmurro, o livro foi impresso em Paris em 1899, mas já aparecia desde 1895 na correspondência. Em carta de 2 de abril desse ano, Machado informa a Magalhães Azeredo que estava trabalhando em «algumas páginas», nas horas que lhe sobravam do seu trabalho administrativo. É o que basta para que o insaciável amigo lhe pergunte, em carta de 27 de abril, que páginas eram essas. Contra todos os seus hábitos, Machado não se faz de rogado, e responde em carta de 26 de maio que era um romance, e esclarece mesmo que seria composto em sua segunda maneira, «no gênero do meu Quincas Borba, o melhor que se acomoda ao que estou contando e à minha própria atual feição». Em carta de 17 de julho de 1895, Azeredo se mostra satisfeito com a notícia, e espera que o novo romance venha juntar-se a Brás Cubas e a Quincas Borba, «certamente um grupo de livros dos mais originais e inimitáveis da literatura, não digo brasileira, mas americana». Segue-se um hiato de quatro anos, durante os quais não se fala mais de Dom Casmurro, sabidamente um dos romances machadianos de mais longa gestação. É só em carta de 28 de julho de 1899, dirigida a Azeredo, que Machado informa que o livro sobre o qual lhe falara antes se chamaria Dom Casmurro, e que já lera as segundas provas do livro, mas que este não seria exposto ao público antes de novembro.

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Na verdade, o público fluminense só leria o romance no início de 1900. Mas houve pelo menos dois leitores privilegiados, que por uma infidelidade do editor o leram em 1899, na Casa Garnier, em Paris, onde o livro estava sendo impresso: Joaquim Nabuco e Graça Aranha. Nabuco confessou essa leitura clandestina em carta de 12 de junho de 1900, agradecendo a remessa do livro, «que já sorvera na fonte». Graça fez a mesma confissão, mas indiretamente, numa carta de 30 de outubro de 1899 em que brinca com Machado, dizendo ter encontrado num hotel suíço uma grega com olhos de ressaca, oblíquos e dissimulados, cuja história lhe fora contada por um polaco, que lhe revelara que a grega tivera um filho com o amante, que morrera afogado. No mesmo hotel, conhecera um sujeito que daria um assunto interessantíssimo, ou aborrecidíssimo, ou qualquer outro superlativo. Machado não gostou da brincadeira, e deixou de escrever a Nabuco durante meses, não se sabe se devido à confissão implícita que lhe fazia Graça de ter feito uma leitura não autorizada das provas de Dom Casmurro, ou aos pastiches irreverentes de Capitu, Escobar, Ezequiel, José Dias e do próprio Machado, transformado em narrador polaco. Em 19 de março de 1900, Veríssimo publica no Jornal do Comércio um estudo magistral sobre Dom Casmurro. No mesmo dia, Machado envia carta em que exprime sua gratidão pela «bondade da crítica», pela «análise simpática» e pelo «exame comparativo». E conclui: «Obrigado pela Capitu, Bento e o resto». No mesmo dia, Veríssimo agradece os agradecimentos, dizendo que o bom, o amável mestre era Machado, que lhe mandara «por um mau artigo, agradecimentos que valiam por uma condecoração». Registre-se que em seu artigo, Veríssimo levantara indiretamente uma dúvida sobre a culpabilidade de Capitu, ao considerar suspeito o depoimento de Bentinho. Era o inicio de uma tese que teria os desdobramentos que todos conhecem. Essa dúvida não é comentada na carta de agradecimento de Machado. Pode-se dizer, nesse caso, que quem cala consente? Consideraria também ele suspeito o testemunho de Bentinho, suspeição aliás que Machado teria boas razões para partilhar, porque fora ele próprio que a construíra? Quanto a Esaú e Jacó, a primeira menção ao romance, na correspondência, ocorreu antes mesmo do lançamento do livro, em 1904. Trata-se de uma carta ao editor Hippolyte Garnier, de 9 novembro de 1903, quando o livro se chamava ainda Último. Na carta, Machado anuncia certas alterações que ele fizera nas provas, modificando o manuscrito que se encontrava em Paris. Uma das curiosidades dessa carta

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é que segundo ela o verso de Goethe citado no capítulo LXXXI – «Ai, duas almas no meu seio moram» – deveria aparecer no texto primeiro em português e depois em alemão. De fato, é assim que está no manuscrito do romance, arquivado na ABL. Acontece que o livro impresso não tinha mais vestígios da citação alemã. Por que motivo teria Machado cortado a versão alemã, no curtíssimo tempo transcorrido entre a carta a Garnier e o lançamento do livro? A partir de 1904, quando o livro chegou às livrarias brasileiras, as referências, todas elogiosas, proliferam na correspondência, com cartas, entre outros, de Magalhães de Azeredo, em 14 de setembro de 1904; e de Belmiro Braga e Mario de Alencar, em 3 de outubro. Há várias cartas de Machado agradecendo os elogios, como a dirigida a Veríssimo, em 4 de outubro, a Alcides Maia, em 10 de outubro, e a Oliveira Lima, em 4 de dezembro. Examinando-se a distribuição dos correspondentes, nota-se uma participação desproporcional de Magalhães de Azeredo. São dezenas de cartas, nas duas direções. De especial importância é também a troca de cartas com José Verissimo, critico perspicaz que chamou atenção para a «segunda maneira» de Machado e foi o primeiro a insinuar a possibilidade da inocência de Capitu. Machado considerava Veríssimo o principal crítico do Brasil e sentia-se lisonjeado com os elogios feitos à sua obra por um ensaísta de sua envergadura. A relação epistolar com Joaquim Nabuco começou em 1 de fevereiro de 1865, quando Nabuco, com apenas 15 anos de idade, escreveu uma carta ao Mestre agradecendo uma referência elogiosa que este lhe fizera pela imprensa. Muito significativa é a carta de 10 de março de 1899, em que Machado aprovou enfaticamente a decisão de Nabuco de aceitar o convite do governo republicano para que ele representasse o Brasil na questão dos limites com a Guiana Inglesa. Esse endosso deve ter sido muito importante para Nabuco, que estava sendo asperamente censurado por muitos dos seus correligionários monarquistas, inconformados com uma decisão que tinha sabor de apostasia. Machado encontrou as palavras certas para confortar o amigo: Vi que o governo, sem curar de incompatibilidades políticas, pediu a Você o seu talento, não a sua opinião, com o fim de aplicar em beneficio do Brasil a capacidade de um homem que os acontecimentos de há dez anos levaram a servir a pátria no silêncio do gabinete. Tanto melhor para um e para outro.

Recomendo também uma carta em que Salvador de Mendonça relata seu namoro com uma jovem americana, que com uma desenvoltura muito pouco latina, dizia que Salvador tinha olhos de corça, ao que

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Machado observou que já tinha reparado, sim, nesses olhos de corça. Era igualmente com Salvador que Machado se abria sobre a sensação de melancolia experimentada por sua geração, em face das transformações urbanas do Rio. O leitor verificará que recorremos ocasionalmente em nossas notas a categorias psicanalíticas para interpretar certas passagens. Antes que nos acusem de psicologismo, apresso-me a dizer que o uso dessas categorias foi o mais parcimonioso possível, não indo além de um ou outro caso, em que esse tipo de leitura parecia-nos contribuir de fato para a inteligibilidade do texto e das motivações do autor. Um desses casos foi o erro de datação numa carta em que Eça de Queiroz respondeu a artigo de 16 de abril de 1878 em que Machado de Assis atacara O Primo Basilio e considerava O Crime do padre Amaro o plágio de um romance de Zola. Essa carta é de 16 de junho de 1878, mas Eça a datou, erroneamente, de 16 de junho de 1870. O erro é claramente um lapso de escrita, um lapsus calami, que Freud examinou em sua Psicopatologia da vida cotidiana com a designação de Verschreibung. Ora, o tipo mais frequente de Verschreibung é o erro de data, que se dá quando a data correta é recalcada, por estar associada a um pensamento penoso, e é substituída por outra, que não contém essa associação. Em sua carta, Eça é de grande cortesia, e louva o talento de Machado, mas não diz uma palavra sobre a acusação de plágio. Porém não a perdoaria, como fica óbvio no prefácio à segunda edição do Crime do padre Amaro, em que diz que «só uma obtusidade córnea ou má fé cínica» poderia ver no livro qualquer semelhança com o romance de Zola. Mas se é assim, por que essa questão não aflora na carta de Eça? A resposta, a dar crédito a Barbara Freitag, é que o tema está presente, sim, na carta, mas não de forma explícita, e sim no misterioso ato falho, que leva o autor a datá-la, incorretamente, de 1870, e não de 1878. Com efeito, a essência da defesa de Eça contra a acusação de plágio era que os primeiros esboços do Crime do padre Amaro tinham sido publicados numa revista literária antes do aparecimento do livro de Zola. Essa preocupação inconsciente com a questão da anterioridade pode ter motivado o bizarro ato falho de Eça: anticipando de 8 anos a carta de 1878. Eça estava exprimindo seu próprio desejo de que O Crime do padre Amaro estivesse suficientemente longe no passado para que a questão do plágio não pudesse colocar-se. Outro exemplo de leitura psicológica foi um postal de autor até então não-identificado, dirigido a Machado de Assis. A pesquisadora Irene Moutinho concluiu que o postal, datado de 21 de junho de 1903 e

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Sérgio Paulo Rouanet

representando o palácio de Schönbrunn, em Viena, era de Graça Aranha, não só pela comparação da letra do remetente com a de documentos assinados por Graça, como porque na carta, de 17 de junho 1903, o autor de Canaã anunciava sua partida para Viena. Mais fascinante que a identificação da autoria é a interpretação do texto. O postal só tem 5 palavras: L’aiglon à l’Aigle, (o filhote da Águia à Águia). L’aiglon fora o nome dado por Victor Hugo ao duque de Reichstadt, falecido em Schönbrunn, filho de Napoleão e Maria Luísa. O nome estava na moda, depois da peça de Edmond Rostand (1900), com o mesmo título. A Águia, no texto à mão, era uma alusão transparente a Machado de Assis, águia da literatura brasileira. Mas se Machado era a Águia, quem era o filhote da Águia? Obviamente, na interpretação de Irene, o próprio Graça Aranha, que se via como filho e sucessor natural de Machado. A identificação quase consanguínea que o jovem Graça estabelecia com o velho Machado se reforça com o fato de que ambos faziam anos no mesmo dia – 21 de junho, data do postal. Num terceiro exemplo, chama a atenção a carta de 8 de outubro de 1904, em que Joaquim Nabuco se refere ao malogro parcial de sua missão diplomática na questão da Guiana Inglesa. É um documento estranhamente ambivalente. Há nele um Nabuco que se sente culpado e outro que se sente perdoado. A culpa transparece na parte da carta em que Nabuco narra um sonho recente, que poderíamos chamar o sonho da Papisa. Nele, Nabuco se viu no Vaticano, e quando se aproximou do trono deparou-se com uma mulher com rosto de Madona, cercada de cardeais. Não sabendo o tratamento que devia dar à Papisa, perguntoulhe como a devia chamar, e ela respondeu: «Chame-me Vossa Dor». Feitas todas as reservas, parece plausível que o sonho de Nabuco esteja relacionado com a situação de ansiedade por ele vivida imediatamente antes ou depois de proferida a sentença arbitral. A Papisa corresponde à imagem convencional da Mater dolorosa. Essa Mãe que sofre e quer ser chamada de Vossa Dor é a Pátria. A Mãe-Pátria está triste, porque o filho amado não soube defendê-la convenientemente. É o sonho de uma criança culpada. Mas logo depois de narrar esse sonho, Nabuco se refere, na mesma carta, às palavras afetuosas com que Machado o consolara, na carta de 28 de junho de 1904. Esse Machado indulgente também tem atributos pontificais. Afinal, ele é o Sumo Pontífice das letras brasileiras. «Que vivacidade, que ligeireza, que doçura, que benevolência a do seu espírito, eu ia dizendo que beatitude!». Ele «vive na beatitude, como convém a um Papa, e Papa de uma época de fé, como a que hoje aí se tem na Academia». Numa só e mesma carta, aparecem assim uma

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figura materna que acusa – a Papisa – e uma figura paterna que absolve – Machado. Submetido a julgamentos tão opostos, vindos de autoridades tão excelsas, Nabuco acaba chegando a uma visão intermédia de si mesmo e do desfecho de sua missão: sua derrota fora meia vitória. Não estou certo de que não teríamos perdido tudo sem o esforço que fiz para coligir e deduzir a nossa prova, e por isso me vou desvanecendo de ter reivindicado a melhor parte para nós da divisão feita pelo Árbitro. Não foi uma partida vencida, foi uma partida empatada, e isto quando o outro jogador era a Inglaterra, é por certo meia vitória.

Antes de deixar esse tema, gostaria de lembrar que numa entrada do seu diário, datada de em 23 de março de 1904 (o mesmo ano em que se dá essa troca de cartas com Machado de Assis, e quatro anos depois da publicação da Interpretação dos Sonhos, de Freud), Nabuco narra um dos seus sonhos, e pergunta: «Por que não se estuda bem o sonho? Qual é a ciência dos sonhos?». Quero concluir exprimindo os agradecimentos de nossa equipe e da Academia Brasileira de Letras à Fundação Gulbenkian, que nos deu a oportunidade de partilhar com um público mais amplo nossa exasperante e inesquecível experiência de bisbilhotice intelectual, devassando e tornando pública a correspondência particular do mais recatado dos escritores brasileiros. Se essa experiêcia foi bem sucedida, como acredito, isto se deve ao apoio e ao estímulo do Presidente atual da ABL, Geraldo Holanda Cavalcante, e dos seus predecessores Cicero Sandroni e Ana Maria Machado. Agradeço também Antonio Carlos Secchin, Alfredo Bosi, Eduardo Portella e Alberto Venancio Filho, autores dos belíssimos textos que valorizam nosso segundo, terceiro quarto e quinto tomos. E como nos anos anteriores, e pela última vez, deixo claro que cabe às pesquisadoras Irene Moutinho e Silvia Eleuterio o mérito por terem realizado este trabalho. Muito obrigado, querida Irene, querida Silvia, por essa inestimável contribuição aos estudos machadianos.

Dois memorialistas que se tocam: Joaquim Nabuco & Gilberto Freyre Antonio Dimas Universidade de São Paulo/Instituto de Estudos Brasileiros

A proposta principal deste volume, promovido pela sede francesa da Fundação Calouste Gulbenkian, é a de avaliar a dinâmica das mudanças no meio das quais se inscrevem as genealogias, as heranças e as transmissões que ocorrem no interior do universo extraordinário que se abriu com a expansão da língua portuguesa, a partir do século XVI. Para melhor atender aos desígnios desta publicação, escolhemos, neste trabalho, um item pontual nas memórias de dois pernambucanos de relevo, no assunto em que mais se destacaram: o componente negro da sociedade brasileira, visto em contraste com agrupamentos sociais de outros países e em seus desdobramentos culturais. Por caminhos e formas diversas, tanto Joaquim Nabuco (1849-1910), quanto Gilberto Freyre (1900-1984) deram-se as mãos. *** Em termos de ascendências intelectuais ou de escolhas pessoais e afetivas, que culminam em forte parceria, carregada de estímulo recíproco, há todo um território a ser vasculhado na vida intelectual brasileira. Exemplos remotos ou recentes dessas interações – bem ou mal sucedidas, não importa – carregam água para o moinho da sociabilidade intelectual, sobretudo em país como o nosso, onde o risco da audácia individual acaba por sobrepor-se ao esforço coletivo, eclipsando-o. Neste quesito das parcerias, simultâneas ou consecutivas, um outro dado a ser avaliado é o das afinidades intelectuais, nem sempre visíveis. Algumas poucas resultaram em produção conjunta; outras, a maioria, limitaram-se à irrigação recíproca. Ocorrem-me, nos dois casos, alguns exemplos, no campo da Literatura e da História, mas sem rigor de levantamento: Joaquim Nabuco/Machado de Assis; Joaquim Nabuco/

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Oliveira Lima; Manuel Bandeira/Gilberto Freyre; Gilberto Freyre/José Lins do Rego; Manuel Bandeira/Mário de Andrade; Mário/Drummond; Jackson de Figueiredo/Alceu de Amoroso Lima; Sérgio Buarque de Holanda/Antonio Candido; Haroldo de Campos/Augusto de Campos/ Décio Pignatari e tantos outros. Cabe, portanto, à sociologia da vida artística e intelectual esta tarefa de especulação, eventualmente prenhe de surpresas. Em certos momentos, essa filiação é ostensiva e até mesmo proclamada, como a reivindicar para si mesma uma ascendência nobre e de souche. Penso aqui no caso concreto de Joaquim Nabuco e de Gilberto Freyre, cujos diários e memórias são portas entreabertas e premeditadas, que nos levam a elaborar um roteiro mental de preocupação comum, matizado pelo tempo, pela formação, pelo contexto e pela individualidade de cada um. E que, no entanto, afinam-se num desejo único: o do reconhecimento cosmopolita, aquele que ultrapassa as fronteiras nacionais, tidas, no fundo, como acanhadas. Vistos à distância, entretanto, não se pode minimizar o papel que tiveram ambos, cada um a seu modo e no seu contexto, na valorização do homem negro brasileiro. Nabuco, batalhando pela sua libertação, mas espremido nos compromissos da classe social a que pertencia; Gilberto, tentando desvencilhar-se deles, nem sempre com sucesso. Em torno do material memorialístico que ambos deixaram, algumas considerações iniciais podem ser delineadas, ancoradas em dois pontos como referência inicial: 1) no plano da forma, como esse material foi moldado; 2) no plano do conteúdo, como reagiram esses memorialistas ao primeiro impacto da experiência no estrangeiro. *** Na cronologia do memorialismo brasileiro um lugar especial está reservado para Joaquim Nabuco, porque Minha formação (1900)1, seu livro de memórias, tornou-se referência obrigatória quando se trata de sistematizar reflexões sobre este gênero no Brasil. Conquistou o livro esse direito não apenas por sua sobriedade estilística e sua discrição factual narrativa, o que fez dele um dos momentos inaugurais do nosso memorialismo. Conquistou-o também por causa de um paradoxo essencial que rodeia seu autor: um representante legítimo das classes dirigentes brasileiras que enfrentou suas amarras sociais para se lançar, aos 1



Nabuco, 1957.

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30 anos, em campanha escancarada pela libertação dos nossos escravos. «Foi esse imenso bloco que atacamos em 1879», diz ele em capítulo dedicado ao movimento abolicionista. «No fim de dez anos não restava dele [do bloco] senão o pó»2, vangloria-se o memorialista. É nas memórias e nos diários recentes3 desse abolicionista histórico que afloram, aqui e ali, passagens breves, mas suficientes para nos transmitir um modelo de comportamento muito bem delineado e de olho na sua apreciação futura. Passagens que são capazes também de nos passar o grau de suas reflexões acerca da estrutura política e social dos países com os quais mais conviveu: França, Itália, Inglaterra e Estados Unidos. Num resumo a talho grosso, pode-se dizer que as viagens de Nabuco se fragmentavam conforme o solo pisado. A França atraía o jovem pelo cenário político; a Inglaterra encantava-o pelo parlamentarismo; a Itália seduzia-o pela contemplação estética; os Estados Unidos, por causa de sua estrutura social clivada entre brancos e negros. Num talho mais grosso ainda, sua percepção dividia-se em dois blocos: o bloco europeu, que lhe parecia consolidado, a despeito dos conflitos internos e recorrentes; e o bloco americano, em constante ebulição. Daí que sua atitude diante dos Estados Unidos fosse mais a de estudioso social que a de analista político. Para ele, os Estados Unidos pareciam-lhe um enorme laboratório social, um verdadeiro work in progress, muito próximo de sua experiência brasileira, onde se construíra sua vivência rural e urbana, entre a senzala e a casa-grande. Neste sentido, uma entrada de seus Diários, não deixa dúvida: Eu cometi um grande erro vindo a este país, em vez de estudá-lo, de visitar suas instituições de caridade e de letras, de conhecer os seus homens. Quis divertir-me com as mulheres; o resultado é uma impressão de tempo perdido. Posso, porém, ainda reparar o meu erro quando voltar e só então poderei dizer que estive nos Estados Unidos4,

Foi a organização política desses países, por outro lado, o que sempre atraiu e uniformizou a atenção de Nabuco. Seja porque essa atividade nele ressoava desde o berço, como filho de político eminente, seja porque é inegável que Nabuco sempre se preparou para o pleno exercício dessa função, subitamente abortada pela queda da Monarquia brasileira, cujo torvelinho o apanhou em plena maturidade. 2

Nabuco, 1957: 195. Nabuco, 2006. [A 1ª ed. desses Diários, em dois volumes, saiu pela Editora Massangana do Recife, em 2005]. 4 Nabuco, 2006: 206. 3

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Independente das minúcias que apontem para o erro ou acerto das decisões e dos encaminhamentos políticos narrados pelo memorialista, o que importa, segundo se percebe na sua narrativa auto-biográfica, é a teatralidade dos gestos, a eloquência dos discursos, a coreografia dos legisladores, mais preocupados com sua performance do que com atuação efetiva, um dos vícios da política cenográfica, sempre em alta. A política como espetáculo, enfim! Ao confessar seu prazer diante de uma disputa retórica entre dois deputados da Assembléia Nacional francesa, ainda sediada em Versailles, Nabuco marca seu território e crava sua predileção: Assistir a um duelo desses, da elegância com a eloqüência, é um prazer que não se esquece mais. […] Ali, em Versalhes, eu encontrava ainda os restos da grande geração parlamentar que começou na Restauração e que trouxe as suas tradições, a sua escola de oratória, para as Câmaras de Luís Filipe5.

No entanto, seu fascínio pela retórica parlamentar não é marca apenas da individualidade de Nabuco. É marca coletiva; é traço grupal; é vício daquele romantismo residual do século 19, no qual os ademanes de salão competiam com as palavras em estado de dicionário, garimpadas com dedos em luvas. Algumas dessas palavras se juntam e se montam de forma epigramática, exatamente por causa de sua origem emocional, a ser sustentada e cultivada perante o público. Frases definitivas tais como «A escravidão é o inimigo do Brasil»6 ou «É preciso destruir essa nódoa que nos envergonha aos olhos do mundo»7 funcionam como verdadeiros slogans, como balizas que pautam as posições do memorialista. É no arroubo delas, bem diferente das considerações críticas sobre sistemas políticos, que Nabuco se mostra voltado para a auto-imagem. Em seu feitio lapidar, ensinam os bons dicionários, o slogan funciona como grito de guerra. Sua concisão se presta à memorização rápida e carrega um quê de irreversibilidade decisória, que não deixa espaço para a meditação ou para o recuo. Tão somente o avanço, o slogan permite e incentiva. O slogan também sumaria, fecha uma situação, encerra uma experiência, ao mesmo tempo em que franqueia as portas para a próxima, que poderá vir em seguida. O slogan – ou o bordão, em bom português – é porta de gonzo: tanto fecha como abre.

5

7 6

Nabuco, 1957: 61. Grifo meu. Nabuco, 2006: 163. Nabuco, 2006: 155.

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Esparsas ao longo das memórias de Nabuco, esse tipo de frase conceitual encerra relato de experiências e funciona como indicativo de abertura da próxima situação a ser narrada, um balanço constante na Minha formação. É bem verdade que Joaquim Nabuco prefere largos painéis a miniaturas. Sua forma de encarar o mundo pende mais para o todo do que para a parte; mais para a sinédoque do que para a metonímia. Ele mesmo admite isso, quando diz, num entrecruzamento inesperado de Tempo e Espaço: «Sou antes um espectador do meu século do que do meu país»8. A metáfora teatral enfatiza sua condição de participante de uma encenação da qual não lhe apetece, nem lhe interessa fugir. Dentro dessa concepção, palco e tribuna se confundem e se interpenetram. E o seu leitor se torna sua platéia. As anotações de Nabuco sobre a condição escrava não ocupam o centro de suas memórias, nem de seu diário. Em vez disso, vida política, vida partidária, vida diplomática, vida monárquica e vida republicana alargam-se em suas páginas, muitas delas construídas de forma cuidadosa para projetar um determinado tipo de imagem. Não se pode ignorar que suas memórias foram compostas a partir de artigos de jornal, cinco anos depois de publicados. É o próprio Nabuco quem diz isso: «A maior parte de Minha formação apareceu primeiro no Comércio de S. Paulo, em 1895. […] Agora que elas [as páginas] estão diante de mim em forma de livro, e que as releio, pergunto a mim mesmo qual será a impressão delas…»9. Não obstante esse traço de comportamento projetivo de seu discurso, sempre de olho na posteridade, as anotações de Nabuco sobre a condição escrava carregam consigo, em princípio, uma dose de subjetividade e de emocionalismo, ainda que bem modeladas, mas que as distancia da anotação comedida e ponderada sobre política. No entanto, avançando na leitura dos capítulos dedicados à sua experiência abolicionista, o que se percebe é um percurso de aparência tão concatenada que seria difícil negar coerência ao memorialista. Dos vinte e seis capítulos que compõem suas memórias, todos eles com nomeação própria, cinco deles são dedicados à campanha abolicionista, a experiência mais marcante que de Nabuco nos ficou e que garantiu a ele o direito ao nosso panteão histórico. 8



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Nabuco, 1957: 41. Nabuco, 1957: 11.

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Recortados, isolados e extraídos de suas memórias mundanas, políticas e diplomáticas, esses cinco capítulos funcionam como um bloco, que se justapõem aos demais. Cada um deles se ocupa de etapas precisas do seu envolvimento com a causa abolicionista, do começo até o fim. Da leitura minuciosa desse pequeno conjunto de capítulos extrai-se a súmula pessoal da pertinácia de Nabuco pela causa abolicionista, um processo que se estendeu por quase dez anos e que culminou com a vitória do movimento, em maio de 1888. Elaborados como verdadeiros quadros independentes entre si, neles ficam registradas as etapas do envolvimento progressivo do memorialista, desde sua mais remota infância no Engenho Massangana até sua maturidade, na véspera da alforria negra. Lidos de modo isolado como se fosse um enclave narrativo, os capítulos deixam escapar um grau de idealização, que merece comentário analítico. Para efeito imediato, no entanto, interessam-nos apenas o primeiro e o quinto capítulo deste bloco autônomo e que são: «Massangana» (Cap. 20) e «No Vaticano» (Cap. 24). «Massangana» retira seu nome do engenho de açúcar onde Nabuco viveu seus primeiros anos, criado pela madrinha e longe dos pais, que moravam no Rio de Janeiro; «No Vaticano» é o capítulo em que o memorialista descreve a visita que fez ao Papa Leão XIII, em janeiro de 1888, pouco antes da vitória abolicionista. Com o tempo, «Massangana» tornou-se presença antológica em nossa tradição escolar, seja por causa de seu forte tom confessional, seja porque reúne, numa única passagem, a continuidade hierarquizada entre o branco e o negro, o sinhôzinho e o escravo, o infante e o adolescente, de percursos existenciais certamente distintos e de futuros não menos. Mais que isso, quem sabe, porque encerra uma experiência completa de infância na qual a orfandade provisória do menino branco se via compensada pela presença constante e amorosa da madrinha de criação. Afastado dos pais que já viviam no Rio de Janeiro, por força das obrigações ministeriais do Nabuco pai, o universo do pequeno Joaquim bastava-se dentro daquele universo rural decadente, «um pequeno domínio, inteiramente fechado a qualquer ingerência de fora, como todos os outros feudos da escravidão»10. Encerrado e satisfeito naquele «paraíso perdido»11, o menino Joaquim acorda diante de duas situações absolutamente inesperadas, que lhe rompem a quietude e lhe partem o bem estar edênico. 10

Nabuco, 1957: 183. Nabuco, 1957: 192.

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Da primeira vez, quando um adolescente negro, de forma epifânica, se prostrou aos seus pés, implorando proteção àquela criança branca e inocente, sentadinha no alto da varanda da casa-grande. Relata o memorialista: Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de dezoito anos, o qual se abraça aos meus pés suplicando-me pelo amor de Deus que o fizesse comprar por minha madrinha para me servir. Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque o dele, dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida […] Foi este o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava12.

Da segunda vez, quando a noite alta lhe trouxe a notícia da morte da madrinha, mulher «de grande corpulência, inválida, caminhando com dificuldade, constantemente assentada»13. Com o desaparecimento da madrinha, desapareceu Massangana. Na lembrança adulta do memorialista, registrou-se de modo categórico o luto, que se materializaria em matéria escura, tempos depois: «a noite da morte da minha madrinha é a cortina preta que separa do resto de minha vida a cena de minha infância»14. Ao negrume da noite e da cortina, junte-se, pois, o negrume do jovem adolescente que, bem antes, gozara da condição de menino branco em quintal aberto, ensolarado e de limite amplo. A cor escura encerra esse período infantil e afasta seu personagem da vida bucólica e despreocupada para lançá-lo, em seguida, no torvelinho da vida urbana e sobrecarregada de regras. A partir de seus 8 anos, já no convívio com os pais no Rio de Janeiro, é a vez do menino Nabuco começar caminho próprio, sem nunca se esquecer do episódio epifânico que fez de Massangana seu «oráculo íntimo»15 para onde se voltaria sempre, quisesse ou não. Pouco antes de completar 40 anos e meses antes da vitória abolicionista, que se deu em maio de 1888, Nabuco atravessou o Atlântico e fez visita ao Papa Leão XIII, com o intuito claro de pedir à Sua Santidade que atuasse como «oráculo moral»16 no pleito anti-escravagista. O Papa que se tornaria famoso por suas encíclicas de caráter social, recebeu Nabuco 12

14 15 16 13

Nabuco, 1957: 186-187. Nabuco, 1957: 189. Nabuco, 1957: 191. Nabuco, 1957: 193. Nabuco, 1957: 224.

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em caráter privado, sem assessoria. Meses depois dessa visita, em 5 de maio de 1888 exatamente, Leão XIII publicaria sua Carta Apostólica ao bispado brasileiro, denominada In plurimis, na qual intercedia a favor de nossos escravos. Naquele recinto solene e santificado, muito distante da largueza bucólica e campestre de Massangana, Nabuco sacralizou seu pleito e acrescentou-lhe a aura religiosa que parte da tradição ocidental recomendava e aprovava. Foi no Vaticano – nome do capítulo, aliás – que Nabuco alcançou a sanção religiosa para sua causa e, mais importante que isso, encerrou um ciclo ao reatar com sua infância distante, em movimento de confessada pacificação interior. Depõe o memorialista: Uma nova camada de minha formação desenha-se insensivelmente desde esse meu momentâneo contacto com Leão XIII – ou por outra, a camada primitiva começa a descobrir-se depois de perdido por tão longos anos o veio de ouro da infância […]17

«Massangana» e «Vaticano» emendam-se, pois, em arco harmônico. Emendam-se em termos pessoais e políticos, para satisfação do memorialista, que, de modo sub-reptício, mostra também um percurso de glória. A glória de quem veio ao mundo em ambiente rural e rude, povoado por negros escravos, e que agora, prestes a ingressar em seus 40 anos, via-se rodeado da pompa papal, em capital européia de monta e no cerne físico da cristandade. No fundo, a visão de Nabuco sobre a escravidão continha um traço de benevolência, de ascendência, próprio de quem a enxergava à distância, sem muita intimidade. Em passagem de um dos capítulos sobre o assunto, exatamente aquele em que o memorialista faz considerações sobre a parte da dinastia no processo abolicionista, surpreende-nos sua confissão: Tenho convicção de que a raça negra por um plebiscito sincero e verdadeiro teria desistido de sua liberdade para poupar o menor desgosto aos que se interessavam por ela, e que no fundo, quando ela pensa na madrugada de 15 de Novembro, lamenta ainda um pouco o seu 13 de Maio18.

Esse tom condescendente, no qual se hierarquiza a relação e se subalterniza o outro lado, mostra sua variante em outro trecho, quando Nabuco usa o modelo norte-americano de escravização para compará-lo com o modelo brasileiro. Mesmo que brevemente, sua estaca comparativa 17

Nabuco, 1957: 239. Nabuco, 1957: 210.

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está fincada e por meio dela atenua-se o lado brasileiro nesse cotejo. Segundo o memorialista, o princípio da escravidão já caducara na maioria dos países ocidentais por volta de 1870, exceto nos EUA. Além disso, nosso sistema afrouxava-se de forma visível, graças «à fraqueza e à doçura do caráter nacional, ao qual o escravo tinha comunicado sua bondade e a escravidão o seu relaxamento»19. Portanto, conclui ele, se compararmos os dois sistemas, vê-se que, a belicosidade marcava o país norte-americano e a convivência, quase confraternização, marcava o nosso. De maneira clara, é isto que garante o memorialista: «Compare-se nesse ponto o que ela [a escravidão] foi no Brasil com o que foi na América do Norte. No Brasil, a escravidão é uma fusão de raças; nos Estados Unidos, é a guerra entre elas»20. Convencido, por outro lado, de que nossos fazendeiros preferiam a alforria à cultura de linchamento dos «farmers norte-americanos»21, Nabuco elabora um quadro contrastivo entre os dois países, que pende para o nosso lado, fundindo a suposta doçura imperial com a malemolência que via nos nossos negros. Talvez esteja nesse contraste a origem de um dos mitos mais resistentes e mais controversos de nossa historiografia e que contou com Gilberto Freyre como um dos seus mais ardorosos defensores. Numa enunciação juvenil e precipitada, que lhe custou muito caro e que foi atenuada mais tarde, o autor de Casa Grande & Senzala, afirmava: «Quem vivia vida doce no Brasil escravocrata eram antes os escravos que os senhores»22. Foi tamanha a admiração de Gilberto Freyre pelo seu conterrâneo Joaquim Nabuco, que não se pode negligenciar eventual vinculação intelectual entre ambos, participantes os dois de um mesmo caldo de cultura, inda que em séculos diferentes. A solidarizá-los ainda mais deu-se a oportunidade comum da vivência nos Estados Unidos, por onde peregrinaram à vontade, em observação permanente do mores local. Se a experiência comum desdobrou-se em percepção semelhante, mas diferenciada por causa da atividade diplomática de Nabuco e por causa da atividade acadêmica de Gilberto, não resta dúvida de que o país norteamericano atuou fortemente sobre suas sensibilidades. Neste sentido, o efeito dessa vivência não foi apenas o de aguçar a sensibilidade desses dois jovens pernambucanos. Foi mais que isso. Foi também o de lhes incutir um traço diferencial de anglofilia, numa formação intelectual 19

21 22 20

Nabuco, 1957: 195. Nabuco, 1957: 195. Nabuco, 1957: 195. Freyre, 1979: 87.

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historicamente francófila, como era habitual, no Brasil de então, entre os jovens educados. Pela leitura dos seus documentos mais pessoais, vê-se que Nabuco esgalhou-se entre a vida diplomática, amorosa, política e mundana, não necessariamente nessa ordem. Pela leitura de documentos parecidos, vê-se que Gilberto só não desenvolveu, de forma ativa e profissional, a vida diplomática. De resto, a vida nômade dos dois, repleta de interesses múltiplos, era semelhante. E nisso o impacto do estrangeiro sobre suas vidas ajudou-os a melhor enxergar o Brasil. E de modo ostensivo ou implícito, os Estados Unidos sempre lhes serviram como pano de fundo para suas reflexões. Uma porção do Novo Continente que se opunha à nossa porção brasileira, não só em termos geográficos. Uma porção na qual nunca deixaram de apontar um lastro de severidade e de dureza, ora de origem saxônica, ora de origem protestante, que se opunha à nossa herança católica e latina, eventualmente mais amolentada ainda pela malemolência negra. Às vezes, quando cabia, entrava, nesse cotejo de cultura, nossa inevitável herança européia, em triangulação explicativa. Mas a herança de origem latina, de preferência, porque menos suscetível à dureza da Reforma. No memorialismo desses dois pernambucanos de séculos consecutivos, o filete da continuidade histórica se engrena, se prolonga e responde por uma dedicação específica, mesmo que sobrecarregada de percalços: a dedicação legítima e sensível à condição social e cultural do negro brasileiro em contraste com a do negro norte-americano. Perto de seus 30 anos e beneficiado pela condição de adido diplomático na Legação de Washington, DC, Nabuco encara o país do norte como laboratório social, em sua primeira viagem ao país. Anos depois, Gilberto Freyre, ainda na condição de calouro na Baylor University e bem próximo de completar seus 20 anos, haveria de espantar-se ainda mais. Não só porque fosse mais jovem e menos posicionado que o diplomata Nabuco. Mas também porque, a partir de 1918, viera viver o laboratório por dentro, naquela modesta Waco texana, cidade rica, batista, sertaneja e racista. Um lugar que, segundo Patricia Bernstein, uma historiadora que se dedicou a um linchamento emblemático que ali ocorrera em 1916, mantinha apenas o verniz de civilidade: Under a thin veneer of «sprinkled» streets, public parks and handsome homes, Waco was still at heart a frontier burg, raw and dangerous. Black people, in particular, could never feel entirely safe and secure in this «pushing» town. There was always the possibility of violence, always the threat of the mob23. 23

Bernstein, Patricia, (2006: 28) “Sob uma camada fina de ruas espalhadas, parques públicos e casas simpáticas, Waco era ainda, no seu íntimo, um burgo de fronteira,

Dois memorialistas que se tocam: Joaquim Nabuco & Gilberto Freyre 101

Diante dessa avaliação, não custa recuperar a impressão do jovem Gilberto Freyre quando ali desembarcou em 1919, recém-chegado àqueles confins da expansão territorial do país. Como um Sérgio de O Ateneu – a quem advertiram «Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta»24 – o jovem Gilberto dispunha-se a enfrentar uma cidade marcada pela tensão social nem um pouco camuflada: Que o bairro negro de Waco fosse qualquer coisa de terrível, eu imaginava. Mas é ainda mais horrorosa do que eu previa. Imundo. Nojento. Uma vergonha para esta civilização filistina que, entretanto, envia missionários aos pagãos da América do Sul e da China, da Índia e do Japão. Tais missionários, antes de atravessarem os mares, deveriam cuidar destes horrores domésticos. São violentamente anticristãos. […] Conversei já com vários negros. Gente amarga mas resignada. Uma linda negrinha – mas de modo nenhum com a graça das brasileiras de cor – se aproxima de mim: “Baylor?” Respondi que sim. Conversamos um bocado. Fiz-lhe várias perguntas. Uma sua camarada impacientou-se: “Do you boy want jig-jig?” Pelo menos foi o que compreendi. Ela não compreendia que eu estivesse naquele antro senão levado pela fome de mulher fácil25.

Em momentos diferentes e em contextos urbanos diferentes, tanto Nabuco, quanto Gilberto experimentaram, por dentro, o conflito racial norte-americano como campo de observação e de vivência. Mais de 40 anos separam o primeiro contacto de um e de outro com cidades americanas, de origens bem diversas entre si. Washington nascera para ser capital e seu traço urbano inicial não disfarçava a veleidade de cosmopolitismo e refinamento europeus, sobretudo francês; Waco, por sua vez, resultava de um ajuntamento de caubóis e de aventureiros em torno de uma trilha de gado, no meio de extensas plantações de algodão, cenário ideal para inspirar, mais adiante, um Porgy & Bess. Ao confrontar a experiência brasileira que lhes era íntima, existencial e natural, com a dos norte-americanos, nenhum dos dois pernambucanos fugiu da raia. Mesmo que a arquibancada, de hoje em dia torça um pouco o nariz para o resultado dessa extraordinária corrida de revezamento.

rude e perigoso. Os negros, em particular, nunca poderiam se sentir inteiramente salvos e seguros nessa cidade agressiva. Havia sempre a possibilidade de violência, sempre a ameaça do populacho”. 24 Pompéia, 1963: 11. 25 Freyre, 1975: 32-33.

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Antonio Dimas

Referências bibliográficas Bernstein, Patricia, The First Waco horror: the lynching of Jesse Washington and the rise of NAACP, College Station, Texas A&M University Press, 2006. Freyre, Gilberto, Tempo morto e outros tempos: trechos de um diário de adolescência e primeira mocidade: 1915-1930, Rio de Janeiro, José Olympio, 1975. Freyre, Gilberto (org.), «Vida social no Nordeste: aspectos de um século de transição», Livro do Nordeste, edição fac-similar, Recife, Arquivo Público Estadual, 1979. Nabuco, Joaquim, Diários: 1873-1910, 2ª ed., Rio de Janeiro, Bem-Te-Vi, 2006. Nabuco, Joaquim, Minha formação, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1957. Pompéia, Raul, O Ateneu, São Paulo, Melhoramentos, 1963.

Agualusa et Ondjaki : deux regards sur Luanda Agripina Carriço Vieira Universidade de Lisboa

Les études postcoloniales, au sein desquelles cette étude s’inscrit, ont été marquées par la prépondérance du concept de nation. Cependant, et en nous centrant sur l’espace angolais, la question de la demande identitaire ne se cantonne pas à la discussion de cette conception plus globale et unificatrice, au contraire elle s’enrichit avec les apports d’autres domaines d’analyse, notamment celui de la représentation de la ville de Luanda. En parcourant les textes de fiction d’auteurs angolais, on vérifie que le pays apparaît comme une entité sur laquelle les auteurs reviennent en permanence. Chaque écrivain, chaque livre centre l’intrigue sur un espace spécifique, privilégiant des référents spatiaux concrets et délimités, qui rendent compte d’une réalité précise et particulière  : la nation angolaise. Dans cette étude, j’analyserai l’œuvre de deux auteurs angolais et plus spécifiquement deux romans publiés en 2012  : Teoria Geral do Esquecimento d’Agualusa (Théorie générale de l’oubli, 2014) et Os Transparentes (Les Transparents, 2015) d’Ondjaki, cherchant à comprendre comment y est dessinée la cartographie des paysages physiques, mais aussi culturels, de Luanda. La prépondérance de l’espace pour l’appréhension de l’identité culturelle de l’Angola est évidente quand on parcourt les nombreuses analyses que les chercheurs ont dédié à ce thème1, démontrant que l’espace acquiert le rôle de matière de récit. Les romans construisent, par le pouvoir de l’écriture, une cartographie des paysages physiques mais aussi culturels, reprenant la désignation de Mignolo (Mignolo, 2003  : 307), rendant compte des effets du passage du temps sur l’espace physique. Il suffit de penser à quelques titres comme O Desejo de Kianda de Pepetela, Luuanda et Nós, os do Makulusu de Luandino Vieira, Nação Crioula d’Agualusa, ou du tout récent roman O Reino das Casuarinas de José Luís Mendonça, pour que 1



Voir notamment Padilha, 1987 : 2005 ; Macêdo, 2001.

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l’on constate que Luanda est bien plus que l’espace où se situe l’action de la narration, se présentant plutôt comme un élément basique de la construction de l’intrigue, non seulement comme source d’inspiration des écrivains, mais aussi comme espace de diffusion culturelle et intellectuelle. Selon Tania Macêdo, Luanda se constitue comme «  a materialização artística do projecto nacionalista  »2 (Macêdo, 2001  : 243), tandis que Laura Padilha considère que la demande identitaire a parcouru, dans un premier moment, les sentiers de la revisitation des traditions rurales, puis s’est tournée vers Luanda, ville qui « passará a metaforizar o próprio sentido da angolanidade » (Padilha, 1987 : 6)3. Si l’on côtoie les textes de fiction cités, on s’aperçoit que cet exercice de lecture nous dévoile les phénomènes d’altérations urbanistes qui ont changé la configuration de la capitale et les conséquences sociales et identitaires qui en découlent pour ses habitants4. Du dialogue entre les textes énoncés, de nouvelles configurations prennent forme, qui résultent de l’annulation de frontières entre quartiers ou de l’évolution des représentations sociales et culturelles de certaines zones de la ville, qui mettent en évidence le caractère éminemment dynamique et mutant des représentations de l’identité, que ce soit d’individus ou d’espaces, dans le cas de cette ville5. Les textes dessinent une cartographie évolutive de la ville, une cartographie historiée, expression empruntée à Michel Serres qui parle de « peau historiée » (Serres, 1985 : 20-21), celle qui garde la mémoire du passé et ses cicatrices. De cette manière, la mémoire de l’Histoire et du passé s’inscrit dans le texte par la description des marques du passage du temps sur la ville. Ainsi l’espace se constitue comme une matrice sur laquelle les actions de l’Homme laissent les traces de sa présence. 2



Nous présentons notre traduction des citations des textes en portugais dans l’original. « La matérialisation artistique du projet nationaliste ». 3 « [La ville] deviendra la métaphorisation du sens même de l’angolanité ». 4 Les caractéristiques du quartier de l’Ingombota que nous trouvons dans Nação Crioula de José Eduardo Agualusa et celle présentée par Luandino Vieira dans Nós, os do Makulusu est particulièrement représentative de cette problématique. Si dans le roman d’Agualusa le quartier surgit comme un endroit dangereux, insalubre et désordonné où vivent les marginalisés de/par la société, dans le texte de Luandino c’est un local désiré par les favorisés de la société, qui se constitue comme métonymie de la ville blanche en opposition aux zones périphériques des musseques. 5 On retrouve cette dimension quand on confronte les images du Makulusu que les textes de Luandino, décrivent comme un endroit pauvre où vivent les exclus de la ville blanche, avec celles qui sont présentes dans le roman d’Ondjaki. Quelques décennies plus tard, cet espace marginal(isé) est devenu un lieu où vit « la clientèle huppée » de Luanda (Ondjaki, 2012 : 26).

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Dans cette étude, la ville est analysée selon la perspective présentée par Pinto Ribeiro, c’est-à-dire comme un espace où cohabite une pluralité d’influences, qui lui confère une identité singulière et en constante mutation. Nous sommes en présence d’une entité qui est le résultat de fusions et de mélanges, se construisant par l’apport d’influences multiples et diverses. Comme constate Pinto Ribeiro : O que é interessante nesta diversidade de estímulos é o facto de a estrutura das cidades ser o resultado da combinação entre o planeamento urbanístico – de raiz cultural ou religiosa – e as decisões individuais dos seus habitantes permanentes ou temporários. A diversidade dos perfis das cidades, determinadores, afinal, de memórias culturais mais ou menos pertinentes, é algo que resulta das mais arcaicas práticas de relação de cada habitante com o seu espaço de habitação (Ribeiro, 2005 : 13)6.

C’est donc la représentation de Luanda que l’on cherche à appréhender dans les deux romans en analyse, qui outre ce point en commun partagent également une même perspective de construction de l’espace. En effet, Théorie générale de l’oubli et Les Transparents recréent un topos de la littérature, que l’on retrouve notamment dans La Vie mode d’emploi de Georges Perec, en localisant l’action dans un espace limité et clos, un immeuble dans le centre de la capitale à partir duquel la vie et la ville sont observées7. Le texte d’Agualusa présente un titre suggestif qui nous renvoie à la théorisation de Bhabha (2007) à propos du processus complexe de construction des identités, où mémoire et oubli alternent de façon à permettre l’émergence d’une entité nationale, que l’auteur appelle, reprenant une expression de Renan, la syntaxe de l’oubli. Pour ces auteurs, le concept de nation  se construit dans un équilibre constant entre ce qui est partagé et ce qui est oublié. Dans le cas de la production romanesque d’Agualusa, cette question est particulièrement importante étant donné que ses textes privilégient l’intervention de l’élite créole dans la contestation du pouvoir colonial, tandis que la période de la 6

« Ce qui est intéressant dans cette variété de stimuli c’est que la structure des villes résulte de la combinaison entre la planification urbaine – de racine culturelle ou religieuse – et les décisions de ses habitants permanents ou temporaires. La diversité de profils des villes, qui déterminent en fin de compte, les mémoires culturelles plus ou moins pertinentes, est quelque chose qui résulte des pratiques les plus archaïques du rapport de chaque habitant avec son espace d’habitation ». 7 Ces dernières années, on a assisté à la publication d’un nombre significatif de romans qui centrent leur intrigue dans un immeuble. C’est les cas de l’auteur algérien Amara Lakhous, avec Choc des civilisations pour un ascenseur Piazza Vittorio, mais aussi Todas as Cores do Vento de Miguel Miranda, ou encore le roman Caminho como uma Casa em Chamas de António Lobo Antunes.

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guerre de libération nationale est marginalisée. Dans Théorie générale de l’oubli, Ludo, la portugaise qui se voit forcée à rester à Luanda, est porteparole des bénéfices de l’oubli. Quand le responsable de la mort de la sœur et du beau-frère de Ludo vient confesser son crime, comme forme d’expiation où se cache le désir de récupérer les diamants qu’il a aidé à voler, Ludo essaie de l’interrompre en lui disant : « Talvez seja necessário esquecer. Devíamos praticar o esquecimento  » (Agualusa, 2012  : 221)8. Le même désir est énoncé par MariaComForça, la vieille dame, personnage du roman d’Ondjaki, qui habite l’immeuble de Maianga, qui elle aussi s’exclame  : «  – quem me dera ainda saber esquecer…  » (Ondjaki, 2012 : 27)9. C’est à partir des décisions et des actions de Ludo que l’intrigue se construit. Tout commence quand, confrontée à la disparition de sa famille et aux menaces d’extorsion, elle décide de s’enfermer dans l’appartement de famille, en construisant un mur qui sépare le logement du reste de l’immeuble, « no último andar de um dos prédios mais luxuosos de Luanda. O chamado Prédio dos Invejados » (Agualusa, 2012 : 14)10, car comme elle l’écrit dans son journal intime : « a morte gira ao [m]eu redeor, mostra os dentes, rosna » (Agualusa, 2012 : 116)11. À partir de cet espace exigu, clos et solitaire où tout commence à manquer, cette femme fragile et impuissante apprend à survivre, brûlant les meubles et les livres pour cuisiner, cultivant ce qui était autrefois un jardin, volant les poules des terrasses voisines, chassant les pigeons et un singe qui, par inadvertance, la visitent. L’immeuble, qui d’après le concierge « é uma metrópole » (Agualusa, 2012 : 183)12, est situé dans une zone privilégiée de Luanda, la fameuse et symbolique place du Quinaxixe, que la tradition dit appartenir à Quianda, la déesse de la mer. C’est à partir de cet espace de cloisonnement volontaire, qui paradoxalement s’ouvre à la vie extérieure, entrant par la terrasse, que Ludo assiste aux troubles des derniers temps du colonialisme et des premières années d’indépendance de l’Angola. Ce que la Portugaise peut voir de sa terrasse, d’où «  o olhar abarcava boa parte da cidade  » (Agualusa, 2012 : 15)13, c’est une capitale en état de guerre, où « balas 8



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« Il faut peut-être oublier. Nous devrions pratiquer l’oubli ». « Comme j’aimerais savoir encore oublier ». « Au dernier étage d’un des plus luxueux immeuble de Luanda, que l’on appelle le Bâtiment des Enviés ». « La mort tourne autour de moi, montre ses dents, grogne ». « [l’immeuble] est une métropole ». « Son regard couvrait une bonne partie de la ville ».

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tracejantes riscavam o céu. Explosões sacudiam as vidraças » (Agualusa, 2012 : 23)14, des agressions étaient pratiquées en pleine rue, des corps étaient transportés dans des fourgonnettes, les rues s’emplissaient de déchets. On vit dans un chaos général qui, selon l’un des personnages, pourra prendre du temps à passer. Luanda est une ville sans règles et sans ordre, où rien ne semble impossible, ce qui pousse Pedro Afonso à constater  :  «  Nossa capital está cheia de mistérios. Tenho visto nesta cidade o que não cabe nos sonhos » (Agualusa, 2012 : 199)15. La ville, que le texte décrit, est un espace par excellence métisse, signe et symbole de la congrégation des différents éléments identitaires individuels et collectifs (politiques, institutionnels, religieux, économiques et nationaux) qui traversent la société angolaise et que l’on retrouve dans les habitants du Bâtiment des Enviés. Avec la fin du colonialisme, la configuration sociale de l’immeuble se transforme,  «  animando[-se] com a chegada de novos moradores. Gente vinda dos musseques, camponeses recém-chegados à cidade, angolanos regressados do vizinho Zaire e legítimos zairenses. Nenhum habituado a viver em prédios de apartamentos  »  (Agualusa, 2012 : 43)16, ce qui crée des situations insolites provoquées par la migration de pratiques rurales en ville. Une nouvelle élite sociale angolaise surgit avec la consolidation de l’indépendance qui cherche à s’affirmer, mais elle le fait en récupérant les héritages coloniaux, représentés par Pequeno Soba, un nouveau-riche de Luanda. Ce jeune, récemment propriétaire d’un appartement dans le Bâtiment des Enviés, s’insurge contre les coutumes de ses voisins les prévenant que « Isto aqui não é mais musseque. Agora é um prédio elegante, de muito respeito, como no tempo do colono » (Agualusa, 2012 : 138)17. Outre le collage aux valeurs européennes, ce commentaire de Pequeno Soba résume les configurations sociales successives de l’immeuble, ici appréhendé comme métonymie de la ville. Au long du texte, les personnages nous révèlent non seulement la dégradation physique de la ville, mais aussi la transformation sociale présentée sur un ton négatif et critique. C’est par la voix d’un journaliste, spécialiste en histoires de disparitions en Angola, que surgit 14

« Des balles traçantes striaient le ciel. Des explosions secouaient les fenêtres ». « Notre capitale est pleine de mystères. J’ai vu dans cette ville ce qui ne se trouve pas dans les rêves ». 16 « [L’immeuble] s’animant avec l’arrivée de nouveaux habitants. Des personnes venues des musseques, des paysans récemment arrivés en ville, des rapatriés angolais du voisin Zaïre et des Zaïrois légitimes. Aucun n’étant habitué à vivre dans des appartements ». 17 «  Ici ce n’est plus le musseque. Maintenant c’est un immeuble élégant, honorable, comme au temps des colons ». 15

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le commentaire le plus saisissant sur l’état du pays, en affirmant dans un registre métaphorique : « Neste país tudo desaparece. Talvez o país inteiro esteja em vias de desaparecimento, uma aldeia aqui, outra acolá, quando dermos por isso não existe nada » (Agualusa, 2012 : 107)18. Sur une autre place de Luanda, la place de la Maianga, se situe l’immeuble autour duquel se construit l’histoire de Les Transparents. Le roman commence avec le récit de la fuite de deux personnages, o VendedorDeConchas (le Vendeur de Coquillages) et l’Aveugle, parmi les décombres de la ville, décrite ainsi par la voix narrative : O VendedorDeConchas acompanhava as tendências da temperatura e guiava o Cego por entre caminhos mais ou menos seguros onde a água jorrante dos canos rebentados fazia corredor para quem se atrevia a circular por entre a selva de labaredas que o vento açoitava (Ondjaki, 2012 : 11)19.

L’image que l’on nous donne de la ville est un chaos d’autant plus grand qu’il résulte de la conjugaison des quatre éléments primordiaux qui, de façon paradoxale, s’unissent pour détruire Luanda, avec les flammes qui consument les habitations et provoquent des explosions, avec les chemins de terre inondés par l’eau qui jaillit des tuyaux troués, avec le vent qui aiguise le feu intensifiant la dévastation de la ville. Tous ces phénomènes ont pour origine la cupidité et la soif de pouvoir des hommes, comme on le découvrira à la fin du récit. Toute la ville de Luanda est creusée pour la prospection pétrolière sans tenir compte des dangers de cette action. La tâche est confiée à CIPEL, acronyme qui désigne la commission installatrice du pétrole trouvable à Luanda, et que les habitants de la capitale préfèrent rebaptiser « Cambada de idiotas a pastar em Luanda » (Ondjaki, 2012 : 84)20. Les Transparents ébauchent un portrait précis et impitoyable, ponctué de fine ironie, de Luanda, une ville en ruine matérielle, représentée par l’immeuble de la Maianga, dont le rez-de-chaussée est occupé par un énorme trou, mais aussi «  ruína moral, causada pelo ambiente de corrupção generalizada e pelos inúmeros oportunismos que invadem os vários sectores da sociedade » (Vieira, 2012 : 12)21. Les habitants de 18

« Dans ce pays tout disparaît. Peut-être que le pays entier est en voie de disparition, un village par ici, un village par-là, quand on s’en apercevra il n’existera plus rien ». 19 « Le VendeurDeCoquillages accompagnait les tendances de la température et guidait l’Aveugle par des chemins plus ou moins sûrs où l’eau jaillissant des tuyaux éventrés formait un couloir pour ceux qui osaient circuler entre la jungle de flammes fouettées par le vent ». 20 « Bande d’idiots en train de paître à Luanda ». 21 « Une ruine morale, fruit de la corruption généralisée et des innombrables opportunismes qui envahissent les différents secteurs de la société ».

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Luanda vivent en sursaut et en ébullition permanents, que l’on retrouve décrits dans l’extrait suivant : « Luanda fervia com a sua gente que vendia, que comprava para vender, que se vendia para ir depois comprar e gente que se vendia sem voltar a conseguir comprar » (Ondjaki, 2012 : 72)22. L’immeuble où se concentre la plus grande partie de l’intrigue est spécial, connu à Luanda parce qu’il a un énorme trou au rez-de-chaussée. Le narrateur le présente comme un  «  prédio que tinha sete andares e respirava como uma entidade viva  » (Ondjaki, 2012  : 16)23. À cette identification initiale s’ajoutent d’autres éléments de caractérisation qui permettent la réalisation du portrait de l’immeuble, non seulement du point de vue de sa structure mais aussi comme communauté sociale. On saura que l’immeuble « tem feitiço » (Ondjaki, 2012 : 215)24 et « vontades próprias » (Ondjaki, 2012 : 234)25, « tinha esse dom de acolher quem entendesse dever acolher » (Ondjaki, 2012 : 185)26, permettant seulement à quelques-uns de franchir le trou du rez-de-chaussée et de monter au premier étage, où coulaient « águas misteriosamente frescas » (Ondjaki, 2012  : 220)27 où l’on accédait par  «  degraus ausentes e escorregadios que era necessário saber pisar » (Ondjaki, 2012 : 96)28. L’immeuble a un gouvernement propre et un code de conduite qui est appliqué quand le besoin d’agir en commun se fait sentir. En ce cas, les habitants s’unissent comme quand il a fallu cacher CienteDoGrã, le fils d’Odonato, qui s’était réfugié dans l’immeuble pour fuir la police. Le danger passé, c’est-à-dire la police trompée, c’est Odonato qui met fin à l’opération, disant  : – « camaradas vizinhos, vamos dispersar! muito obrigado pela colaboração » (Ondjaki, 2012 : 133)29, dans un discours au ton politico-militaire qui nous ramène au temps des guerres coloniales et de libération et à l’union de volontés, ici appliquée au gouvernement de l’immeuble. Le tableau de la ville de Luanda prend forme par un registre dysphorique ponctué d’humour, d’où ressort la critique aux abus de pouvoir, à la corruption généralisée, aux inégalités sociales, aux conditions de vie précaires d’une grande partie de la population. C’est la vision d’un 22

« Luanda bouillonnait de gens qui vendaient, qui achetaient pour vendre, qui se vendaient pour acheter et des gens qui se vendaient sans réussir à acheter à nouveau ». 23 « Un bâtiment qui avait sept étages et qui respirait comme une entité vivante ». 24 « [Qu’il] est envouté ». 25 « Ses propres volontés ». 26 « Il possédait ce don d’accueillir ceux qu’il voulait bien accueillir ». 27 « Des eaux mystérieusement fraîches ». 28 « Des marches absentes et glissantes qu’il fallait savoir fouler ». 29 « – camarades voisins, dispersons ! merci beaucoup pour la collaboration ».

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pays malade qui nous est transmise, métaphoriquement représentée par Odonato, l’homme qui devient de plus en plus transparent et qui tient les propos suivants : « sofro da doença de mal-estar nacional […] o país dói-me […], a guerra, os desentendimentos políticos, todos os nossos desentendimentos, os de dentro e os que são provocados por aqueles que são de fora … » (Ondjaki, 2012 : 179)30. En tant qu’espace d’affabulation polysémique et symbolique, Luanda se constitue comme espace de désir et d’exclusion, d’union et de discrimination, de joie et de chaos, que l’on retrouve dans les romans en analyse. Jetant un regard critique sur la situation politique et sociale de la capitale, les récits se présentent comme des «  actos de autor  » (Vecchi, 2004  : 89)31, empruntant cette expression à Roberto Vecchi, c’est-à-dire comme espace de représentation et recomposition de l’Histoire de la ville et de ses gens, qui témoignent des événements, des idéaux, des attitudes qui autrement seraient passés sous silence, en somme, qui donnent voix aux transparents. Si le récit d’Agualusa se ferme avec une lueur d’espoir, qui advient de l’union et de l’amitié entre Ludo et l’enfant qui la ramène au monde, le texte d’Ondjaki se termine comme il a commencé, reprenant la description de l’implosion de la capitale et de la déambulation parmi les décombres de ce couple improbable formé par le VendeurDeCoquillages et l’Aveugle. La convocation de ces deux couples de figures symboliques n’est pas innocente. Elle nous propose un chemin de construction de la nation qui se fera à partir de l’union entre les deux temps de l’Histoire du pays, de l’alliance entre la sagesse du vieillard et la pureté de l’enfant. Sur ces deux éléments peuvent et doivent se construire de nouveaux temps de la nation angolaise.

Références bibliographiques Agualusa, José Eduardo, Nação crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes, Lisboa, Dom Quixote, 1997. Agualusa, José Eduardo, Teoria geral do esquecimento, Lisboa, Dom Quixote, 2012. Antunes, António Lobo, Caminho como uma casa em chamas, Lisboa, Dom Quixote, 2014. 30

« Je souffre de la maladie du malaise national […] je souffre du pays […], la guerre, les mésententes politiques, toutes nos mésententes, celles du dedans et celles qui sont provoquées par ceux qui viennent d’ailleurs […] ». 31 « Des actes d’auteur ».

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Bhabha, Homi K., Les Lieux de la culture [trad. de The Location of Culture, 1994], Paris, Éditions Payot & Rivages, 2007. Lakhous, Amara, Choc des civilisations pour un ascenseur piazza Vittorio, Arles, Actes Sud, 2012. Macedo, Tania, « Caminhos da escrita de uma cidade: a presença de Luanda na literatura angolana contemporânea. » Scripta, vol. 4, n° 8, Belo Horizonte 2001, p. 240-249. Mignolo, Walter, Histórias locais/projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento limiar, Belo Horizonte, Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2003. Miranda, Miguel, Todas as cores do vento, Porto, Porto Editora, 2012. Ondjaki, Os Transparentes, Lisboa, Caminho, 2012. Padilha, Laura Cavalcante, «  Cartogramas: ficção angolana e reforço de espaços e paisagens culturais. », Alea, vol. 7, n° 1, 2005, p. 139-148. Padilha, Laura Cavalcante, «  Lunda e Luanda: reflexões sobre a ficção angolana. », Angolê, n° 5, 1987, p. 6. Pepetela, O Desejo de Kianda, Lisboa, Dom Quixote, 2004. Ribeiro, António Pinto, Abrigos – condições das cidades e energia da cultura, Lisboa, Cotovia, 2004. Serres, Michel, Les cinq sens, Paris, Grasset, 1985. Vecchi, Roberto, « Incidências de autoras: fragmentos de um discurso não só amoroso na literatura da Guerra Colonial. », Revista Crítica de Ciências Sociais, n° 68, 2004, p. 85-100. Vieira, Agripina Carriço, Construção da identidade na ficção de Luandino, Pepetela e Agualusa, Lisboa, Tese de doutoramento em Estudos Literários – Literatura Comparada, 2011. Vieira, Agripina Carriço, « Em tons de vermelho devagarinho. » Jornal de Letras, Artes e Ideias, 28 de Novembro 2012, p. 12. Vieira, José Luandino, Nós, os do Makulusu, Lisboa, Edições 70, 1985.

III.  Histoire et sociologie III. História e sociologia

Raizes, diáspora, projeto e circulação Miguel Vale De Almeida ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia

Vou falar-vos de uma lusofonia não estereotipada e, com isso, tentar desafiar as ideias feitas circulantes sobre o mundo da língua portuguesa. E faço-o a partir de margens que podem ser centros e de centros que podem ser margens: vou falar-vos de judeus brasileiros, portanto lusófonos, descendentes de migrantes e refugiados do leste da Europa, e que se tornaram cidadãos de Israel. Há dois tipos de lusofonia – ou duas formas da abordarmos. Uma é eminentemente política, de governança, a outra é etnográfica. A primeira resulta de um projeto de reconfiguração geo-estratégica e de influência cultural promovido pelo Estado português no período pós-colonial e pósadesão à União Europeia e secundado pelo Estado brasileiro no quadro da criação de uma zona de influência no chamado sul global. Nesse quadro, as ex-colónias portuguesas participam enquanto Estados cuja língua oficial é o português, ainda que coexistindo com outras línguas nacionais ou regionais. A experiência histórica antecedente à criação do conceito e a desigual economia política e geopolítica contemporâneas conduzem a um curioso oxímoro, o de um caleidoscópio assimétrico, resultante de políticas culturais mutuamente exclusivas entre os estados e criadores de efeitos de hegemonia locais: Portugal enquanto local de origem, raiz da língua e, portanto, e nas acepções mais nacionalistas e eurocêntricas, seu proprietário legítimo; o Brasil enquanto potência mais forte do que Portugal e disputando a influência internacional da sua versão da língua (e do imaginário que ela transporta) e as ex-colónias africanas – e não poderei entrar aqui nas significativas diferenças entre elas – enquanto realidades pós-coloniais que têm de gerir a herança linguística colonial e conferir-lhe um sentido novo. A lusofonia, nesta primeira aceção, apenas me interessa enquanto objeto de análise crítica da situação pós-colonial. Interessa-me

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mais – e esse interesse é, em si mesmo, reflexo e parte daquela crítica – a segunda aceção de lusofonia, a etnográfica. Isto é, a constatação pragmática da existência de um campo comunicacional, identitário, cultural (no sentido antropológico) com uma constituição histórica específica mas aberto a múltiplos trânsitos e tráficos de pessoas e sentidos que, em última instância, põem em causa a narrativa autorizada da lusofonia política da primeira aceção. Um dos contextos que permite aceder a esse campo é o das circulações de pessoas. Uso circulações para evitar a especificidade de termos como diáspora, migração ou deslocamento forçado. O termo diáspora tem sido cada vez mais utilizado para referir as comunidades falantes de português oriundas de qualquer um dos países lusófonos – e, em rigor, de qualquer Estado-nação no mundo. No entanto, a noção de comunidades diaspóricas, isto é, comunidades culturais que só existiam na diáspora e nela se definiam, aplicava-se tradicionalmente apenas aos judeus e, nalguma medida, aos arménios. O termo migração, quer com i, quer com e, surge conotado com processos sobretudo económicos e com a constituição de comunidades culturais vistas como diferentes daquelas dos Estados-nação de acolhimento. E a noção de deslocamento recobre situações de deslocamento forçado, trabalho forçado, refúgio e asilo, etc. Todas estas noções se organizam em torno de um critério crucial: o de cidadania/nacionalidade ou falta dela, sua adequação ou falta dela. É, ainda, o conceito de Estado-nação, vindo do século XVIII e politicamente consolidado a partir do século XIX, que organiza as tipologias e as percepções: a supostamente desejável, e muito policiada, adequação entre (1) origem, raiz ou genealogia, (2) polity (o Estado-nação), e (3) língua e cultura (num sentido abrangente, podendo incluir religião, etc.). Grande parte da atenção prestada a estes processos é, no fundo, a tentativa de resolução, explicação, ou justificação, do que é percepcionado como anomalia, tendencialmente geradora de problemas. Não é por acaso que a figura por excelência, a quintessência da anomalia, foi, para o mundo ocidental, euro-americano, a do judeu. O antissemitismo é uma espécie de sintoma da doença das identidades nacionais ou protonacionais, sejam de base religiosa ou etnolinguística. A condição diaspórica por excelência – a expulsão de uma terra e origem a que não se podia voltar – primeiro e, depois, a declinação desse facto na ideia de ausência de um Estado-nação a onde retornar, criou a figura da exclusão por excelência. Tratava-se e trata-se de exclusão da possibilidade de reclamar raiz e origem na sociedade onde se vive; de ter uma genealogia outra (versada, a partir de uma certa época, na linguagem

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racial); de ter uma desadequação cultural e religiosa; e, sempre, a vivência duma cidadania mitigada ou subalterna. No universo da diáspora judaica vamos encontrar – etnograficamente, lá está – populações lusófonas. A expulsão dos judeus portugueses levou à disseminação de uma lusofonia judaica pela Europa cristã (Países Baixos, Inglaterra, Itália), pelo Império Otomano (Grécia, Turquia, MédioOriente), pelo Norte de África (sobretudo Marrocos) e pelas Américas (nordeste do Brasil, Caraíbas, e Estados Unidos, por via do colonialismo holandês). Ou seja, uma circulação e disseminação lusófona pelo mundo que não correspondeu à expansão ou ao colonialismo portugueses, não correspondeu aos critérios etnocêntricos da ideia de adequação (não eram portugueses católicos e, apesar de uma longínqua presença no território português, não eram nem vistos nem politicamente aceites como podendo reivindicar legitimamente uma portugalidade) e não se constituíram numa polity ou estado lusófono. Só recentemente a política de concessão da nacionalidade a descendentes dos expulsos veio, simbolicamente, integrá-los de algum modo na atual e recente noção de diáspora portuguesa que inclui os descendentes de emigrantes portugueses ou de portugueses deslocados à força (como os semi-escravos do indentured labour das Caraíbas britânicas ou do Havai). Mas os judeus lusófonos de que quero falar não têm relação genealógica com os judeus sefarditas expulsos de Portugal. Pertencem a outra história da diáspora judaica e dos seus push factors antissemitas. Tenho vindo a fazer trabalho de campo etnográfico em Israel com uma rede de judeus brasileiros que fizeram aliyah (doravante aliá) para aquele país. A aliá é a migração (literalmente ascensão) de judeus da diáspora para Israel ao abrigo da lei do Retorno que concede a cidadania israelense a todos os judeus que a requeiram. A esmagadora maioria dos meus colaboradores de pesquisa é oriunda de três metrópoles brasileiras – São Paulo, Rio e Porto Alegre. Os seus antepassados chegaram tipicamente ao Brasil em inícios do século XX, ou seja, antes da Segunda Guerra mundial e do Holocausto e coincidindo com um período de abertura à imigração por parte do Brasil. As origens são sobretudo asquenazitas, da Rússia, Ucrânia, Lituânia e Polónia. Através dos processos de integração cultural e linguística próprios da sociedade brasileira – sem que aqui se subscreva nenhuma teoria excecionalista sobre a sociedade brasileira – os bisavós e avós dos meus colaboradores ascenderam, em média, profissional e socialmente a partir de situações de penúria e refúgio, fugidos que eram de situações de antissemitismo e pogroms.

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Temos, portanto, um segmento social que se constituiu como lusófono e brasileiro a partir de uma situação diaspórica com uma origem próxima não-lusófona (e uma origem histórica na Palestina, mas vivenciada como mítica e mística). Nesse sentido, os judeus brasileiros poderiam ser facilmente vistos como apenas parte de um fenómeno mais generalizado de migração de populações europeias para a América do Sul nos séculos XIX e XX. No entanto, as razões para a migração impediram a construção imaginada do leste europeu como lugar de origem, como raiz. A própria identidade judaica – colocando o lugar de origem, o que é hoje Israel, ao nível do mitológico e do místico – condicionou essa possibilidade. E a interiorização das narrativas modernas de identidade nacional cidadã e universal, com particular força nas Américas, construiu os antepassados dos meus colaboradores, e eles próprios, em brasileiros. Foi, no entanto, o triunfo hegemónico das narrativas de Estadonação, da noção mesma de nação e da sua idealizada concordância com cultura, etnicidade, genealogia, religião, território e estado, que justamente lançou as identidades judaicas diaspóricas numa nova crise. Essa crise, propriamente identitária e gerada pelo contexto envolvente, foi acentuada, por um lado, pelos surtos antissemitas na Europa da era dos nacionalismos e das revoluções e, por outro, pela perceção, pelas mesmas razões, de que o processo da haskalah (movimento reformista propugnando a passagem do gueto etno-religioso para a sociedade envolvente, propiciado também por alterações legislativas que em alguns países europeus concederam a cidadania plena aos judeus) havia falhado – do caso Dreyfus aos pogroms no leste europeu e, depois, à ascensão do nazismo. Foi deste caldo que nasceu o movimento sionista e a sua demanda por um território politicamente judeu. Não cabe aqui entrarmos na narração ou avaliação do processo que levaria à criação do Estado de Israel, mas sim dizer o seguinte: as comunidades judaicas diaspóricas são confrontadas, a partir do sionismo, com uma alternativa mais: a da construção de uma comunidade na Palestina – e, depois, o próprio Estado de Israel – como concretização material do que até então fora da ordem do mítico e do místico. O retorno passa a ser concretizável. Frequentando colégios judaicos, participando de atividades do movimento juvenil sionista, aproveitando ofertas de viagens e bolsas do Estado de Israel, os meus colaboradores foram confrontados, em determinados momentos das suas vidas, com uma possibilidade: a de serem, além de brasileiros e judeus, também israelenses. A sua subjetividade, já marcada por um grau – maior ou menor, mas sempre existente – de

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diferença (o judaísmo) face a uma abrangente semelhança (a brasilidade, e uma brasilidade branca e de classe média, um privilégio compensador da diferença) foi reconstruída por influência do sionismo e do Estado de Israel. O processo de aliá, apesar de ser retoricamente discursado como retorno, não é da mesma ordem que o retorno ao país de origem de pais ou avós que migraram para as Américas. Embora todos esses processos sejam imaginados, no caso de Israel trata-se de uma projeção, da construção de um projeto de re-subjetificação a partir das identificações disponíveis de judeu da diáspora, brasileiro, ou israelense. Por um lado, a história mitificada do sionismo e do Estado de Israel apresenta-se como um espelho da estória dos meus colaboradores: a construção de um judeu novo, sem gueto nem subalternização nem pogroms, trocando a atividade religiosa e estudiosa pela atividade braçal, na construção de uma utopia socialista, igualitária e masculinista, num ambiente de pioneirismo, perigo, calor e sensualidade, libertando o judeu histórico das amarras da perseguição, da subalternidade e até da identificação sobretudo religiosa e colocando-o a par dos outros povos na reivindicação de um Estado-nação. No processo migratório, sobretudo do tipo da aliá, que tem elementos muito fortes de renascimento, pode ver-se a analogia com o próprio sionismo e a construção do Estado. Por outro lado, e porque o período do sionismo pioneiro já passou, a sociedade israelense modificou-se e os desenvolvimentos da política regional se tornaram catastróficos, as motivações para aliá dos meus colaboradores são complexas e mistas. Mesmo nos casos em que a motivação é sionista, esta já é feita com o conhecimento de uma situação política complexa, nomeadamente em muitos casos o reconhecimento do drama palestiniano e até uma vontade de contribuir ativamente para a sua resolução justa, transformando a sociedade e a política israelenses. Mas, havendo ou não motivação sionista, juntam-se outras, próprias da contemporaneidade globalizada das circulações e do seu papel nas subjetividades: escapar à família, procurar emprego, autonomizar-se, fugir de um desgosto amoroso, aventura, escala temporária em Israel para prosseguir para outros destinos, etc. Por fim, no plano da integração na sociedade israelense, e ao contrário do período da construção do Estado, em que se incentivava e inclusive forçava o melting pot – esquecer as origens nacionais, trocar as línguas maternas pelo hebraico, largar o pessimismo e o trauma (inclusive o Holocausto), mudar nomes próprios e de família, etc. – hoje Israel vive um período de afirmação das origens e histórias familiares, que corresponde,

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aliás, a divisões muito fortes na sociedade entre diferentes origens, posicionamentos ideológicos, religiosos face à situação palestiniana. Nesse quadro, os meus colaboradores mantêm claramente, ao contrário de gerações anteriores, uma identificação brasileira – linguística, de referências culturais e sensoriais, de sociabilidade e de relação com o país de origem – na qual apostam como diferenciadora quer de outros latino-americanos (replicando em Israel procedimentos semelhantes aos do Brasil), quer dos israelenses de raiz em geral (o equivalente do que seriam os ingleses caso se estivesse na Inglaterra), quer de outras segmentações internas na sociedade israelense – sendo que, e porque os meus colaboradores são asquenazitas e de classe média, a sua brasilidade (incluindo a sua língua) não são diminuidoras de estatuto e permitem que eles acedam, também, a uma construção de si como israelenses centrais e não marginais (ao contrário de um etíope ou judeu de cultura árabe, por exemplo). A aparente ambiguidade e incompletude disto tudo não o é: é apenas mais um caso das condições circulantes e globalizadas em que as subjetividades se constroem no tempo e no espaço. Neste caso, um exemplo desafiante para os conceitos recebidos de lusofonia: judeus brasileiros, com raízes no leste da Europa, em Israel.

Uns e Outros: imaginário, identidade e alteridade na literatura moçambicana Francisco Noa Universidade de Lúrio (UniLúrio), Reitor

A Michel Laban

1. Introdução Existe uma dimensão incontornável quando se analisa os sujeitos e os produtos resultantes da colonização europeia em África: a questão identitária é, em grande parte dos casos, um fenómeno de alteridade. Isto é, é-se um ao mesmo tempo que se é outro. É-se igual ao mesmo tempo que se é diferente. Ou ainda, só se consegue efectivamente ser-se o mesmo, quando se consegue ser outro, mesmo que de forma nem sempre consciente. Com uma multissecular história de chegadas de povos de outras latitudes: bantus (sec. IV), árabes (séc. VIII), portugueses (séc. XV), indianos (séc. XVII), chineses e outros europeus (séc. XIX), Moçambique foi-se instituindo como um imenso território aglutinador de diferenças e de intersecções culturais, raciais, étnicas, religiosas e linguísticas. Se a essa circunstância histórica associarmos o elemento geográfico, a trama relativa a todos esses cruzamentos torna-se ainda mais complexa. Enquanto que o litoral virado para o Oriente cobre uma extensão de cerca de 2700 kms, banhada pelo Oceano Índico, o interior do território, a Oeste, estabelece fronteiras com 6 países, todos eles antigas colónias britânicas: Tanzania, Zâmbia, Malawi, Zimbabwe, África do Sul e Swazilândia, facto que tem implicações significativas sobretudo do ponto de vista cultural e linguístico. O quotidiano dos moçambicanos é seguramente uma experiência estimulante no que concerne à celebração, voluntária e involuntária, de toda esta confluência de culturas e imaginários que tendo se construído

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ao longo de vários séculos, adquire hoje contornos desafiadores e desconcertantes em termos de manifestação e compreensão desse fenómeno intercultural dado o impulso acelerado da globalização. Mas é a nível da arte, da literatura, em particular que a intersecção de todos estes imaginários faz deste território, uma genuína «zona de contacto», na instrutiva expressão de Mary-Louise Pratt (1991). É, pois, no rastreio das representações inscritas em textos produzidos por autores de diferentes gerações da literatura moçambicana onde procuraremos reflectir na forma como as intersecções culturais a que fizemos referência geraram configurações em que identidade e alteridade se instituem como fundamentos de modos particulares de existir e de perceber o mundo. Sobretudo, a própria literatura, onde o exercício de ser um e outro se impõe como condição paradigmática, mas também problemática.

2. Entre a Europa e a América: a literatura, o cinema, a música e o desporto Com cerca de um século de existência e atendendo ao contexto histórico e político em que se inicia o seu percurso, as literaturas africanas vão traduzir, enquanto fenómeno de escrita, uma profunda complexidade do ponto de vista da sua configuração estética, temática, ideológica e cultural por se instituírem como espaço de cruzamentos plurais e diversificados. Numa entrevista dada a Michel Laban, autor de um conjunto de três volumes, intitulado Moçambique encontro com escritores, e que nos irá guiar ao longo desta reflexão, José Craveirinha confirma que prevalecia, no seu tempo, numa dinâmica que atravessa também outros tempos, um jogo simultâneo de conflitos e harmonia e que decorria da constituição das paisagens de identidade e de alteridade cultural. A dado passo, o poeta confessa: «eu muito novo folheei Victor Hugo, li Zola, Eça de Queirós, o Garrett […] Antero e Guerra Junqueiro […]. E Camões, o meu pai: dizia Camões todo!» (Laban, 1998: 49), para, mais adiante, acrescentar: Mas antes do Cansado Gonsalves [cidadão português] […] a pessoa que nos marcou bastante, a mim e à Noémia, […] é o Cassiano Caldas [também cidadão português]. É um sujeito que estava aí e que nos deu uma consciência política e livros já com uma temática, daquela fase neo-realista portuguesa […] Depois aparece aquela avalanche dos brasileiros: […] Jorge Amado, o Graciliano Ramos, a Rachel de Queiroz etc.(Laban, 1998: 83).

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Contemporânea de Craveirinha, Noémia de Sousa revela-nos igualmente a forte influência tanto da literatura europeia como da brasileira: «Eu e meu irmão líamos aquelas coisas todas [Oliveira Martins, Eça de Queirós, Balzac, Jorge Amado, escritores neo-realistas, Drummond] que tiveram muita influência nos interesses que eu tive depois» (Laban, 1998: 245). Em relação a Rui Knopfli, da mesma geração, aliás aquela que estaria na origem da literatura moçambicana como sistema, encontramos na sua formação estética e cultural, bem vincadas, as múltiplas e diversificadas interferências provindas tanto das suas vivências africanas como de leituras formativas desde Camões e Sá de Miranda, passando por Fernando Pessoa, José Régio, Jorge de Sena e Miguel Torga e desembocando em Herberto Hélder. No poema «Contrição», uma blague ao mesmo tempo divertida e corrosiva, Knopfli oferece-nos o vasto caleidoscópio de que é feito o seu universo literário e cultural: Felizmente, é pouco lido o detractor de meus versos, senão saberia que também furto em Vinicius, Eliot, Robert Lowell, Wilfred Owen e Dylan Thomas. No grego Kavafis, no chinês Po-Chu-I, no turco Pir Sultan Abdal, no alemão Gunter Eich, no russo André Vozenesensky e numa boa mancheia de franceses. (1959/1979: 211)

Reconhecemos, aqui, num misto de irreverência e provocação, uma alegórica representação das confluências constituintes desta emergente, mas efervescente cultura literária. Antes, nas décadas de 20 e 30, nomes como João Albasini e Rui de Noronha tinham já reflectido alguns dos sedimentos culturais e estéticos que caracterizarão o perfil das elites em Moçambique, oscilante entre diferentes imaginários. Segundo Gilbert Durand, o imaginário é «esta espontaneidade espiritual e esta expressão criadora» (1963: 464), e que se institui como um «dinamismo organizador, e esse dinamismo organizador é fator de homogeneidade na representação» (1963: 20). A partir desta colocação, conseguimos perceber melhor e identificar as características e as tendências que subjazem a produção literária das elites acima referidas. Confrontamo-nos, assim, quer com um imaginário privado quer com um imaginário colectivo que resulta das convergências que neste último se reconhecem.

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Reveladores de não estarem circunscritos apenas aos universos literários, as referências culturais que alimentarão as elites africanas, em geral, e os escritores moçambicanos, em particular, decorrem também de relações que foram sendo estabelecidas com a música, sobretudo o jazz e o blues, o cinema, a pintura e o desporto, recorrentemente tendo em conta o eixo Europa-América. É assim, por exemplo, que, em determinado momento da entrevista a Michel Laban, José Craveirinha concede que: O que acontecia na América, em relação aos negros tocava-nos muito. E mesmo os seus valores – não só os valores desportivos como os valores culturais – a Marian Anderson, a Billie Holiday, tocavam-nos bastante. Até no livro da Marian eu aproveito para falar nos blues. Dizia-nos muito o drama do negro americano, dizia-nos bastante (Laban, 1998: 89).

Testemunho desta identificação são poemas emblemáticos como «Deixa passar o meu povo», «Samba», «A Billie Holiday cantora», ou «Poema a Jorge Amado», de Noémia de Sousa, «Estátua da Liberdade», «Rumbas de Violas no Comoreano», «Joe Louis nosso campeão» de José Craveirinha. Será, porém, em Rui Knopfli onde além da já referida presença da Europa, a América, sobretudo anglo-saxónica, adquire contornos quase obsessivos. Tal é pois o caso da música, sobretudo o jazz: Miles Davis, Thelonius Monk «Você compreende Thelonius Monk?» (1982: 251); e do cinema: «Agora, como estão velhos e gastos/ os cowboys da nossa infância!» (Lee Marvin), «Dinossauro aprumado, exemplar derradeiro/ de uma extirpe de machos já extinta» (1982: 326). Com as soberbas e marcantes presenças de Gabriel Garcia Marquez, Mario Vargas Llosa, Juan Rulfo, a América, sobretudo a América Latina, acabará por marcar profundamente o imaginário literário dos autores pósindependência, sobretudo da geração Charrua, nas décadas de 80 e 90, onde se destacam, nesse particular, Ungulani Ba Ka Khosa e Suleiman Cassamo. Assim, enquanto o primeiro admite, no conjunto de entrevistas reunidas por Laban, que: Os meus textos, nessa altura, eram muito mais transparentes. Mas depois, aparecem-me à frente os Cem Anos de Solidão! […] E entro no mundo do realismo mágico e começo a encontrar alguma ponte em relação a toda a realidade minha, africana – que também é um mundo mágico. […] Começo a ler o Garcia Márquez, depois vou para o Cortázar, encontro o Borges […] Andei muito pela América do Sul e do Norte… (Laban, 1998: 1055)

Por sua vez, Cassamo considera o contacto com os latino-americanos e com a literatura universal contemporânea profundamente decisivos na

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definição do seu perfil literário, particularmente na conjugação com a «reivindicação das raízes, o barro da terra, o sabor da terra» (p. 1139). A confirmá-lo, duas das suas obras mais emblemáticas, O Regresso do Morto (1989) e Palestra para um Morto (2000) são demonstrativas dessa conjugação, onde reconhecemos, com sinais ineludíveis, a interferência de uma obra como Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo, e que tem como pano de fundo precisamente o tema da morte, com todo o seu estendal de inquietações fantasmagóricas e existenciais. A presença significativa destas referências e destes símbolos nesta constelação de imaginários, além de ter concorrido decisivamente para a dimensão cosmopolita da cultura culta em Moçambique, marcou profundamente a reflexão sobre a questão identitária dominantemente colocada no eixo norte-sul, isto é, Europa/América vs África.

3.  O poder da matriz local Será, porém, no resgate da África de expressão local, na clivagem ora harmoniosa ora conflituante com Ocidente, que se sobrepõe um dos aspectos mais marcantes da mundividência africana, em geral, e moçambicana, em particular, em termos linguísticos, socioculturais, raciais, religiosos e étnicos. E todos esses elementos configuradores de uma matriz local funcionarão para grande parte destes autores como o seu verdadeiro substrato cultural. De que matriz local estamos falando se tivermos em conta que se trata de um domínio multilingue, multiétnico, multirracial e multicultural? A questão linguística é seguramente uma das dimensões mais problemáticas, mais perversas, mas ao mesmo tempo mais desafiadoras resultantes da presença colonial europeia em África. A atestá-lo temos, por exemplo, esta assumpção de Luís Bernardo Honwana: Mas eu sou uma pessoa bilingue, tenho esta questão complicada comigo: eu falo ronga e falo português. Tenho a pretensão de poder explorar os limites da expressividade e de elaboração mental quer de uma língua quer de outra (Laban, 1998: 673).

E acrescenta, mais adiante, na defesa exclusiva da língua nativa: Ora, na minha experiência, quando as coisas se passam em ronga, por exemplo, eu tenho ouvido, na vida corrente, coisas de uma profundidade, de um grau de elaboração fantástico (Laban, 1998: 674).

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Esta consciência da riqueza comunicativa, expressiva e identitária das línguas nativas, levou a que alguns dos autores mais representativos da literatura moçambicana, à imagem de outros autores africanos, inscrevessem na sua escrita, normalmente veiculada em língua portuguesa, registos significativos dessas línguas, sobretudo da língua ronga. Nos casos em que essa inscrição não é manifesta, reconhecer-se-á na escrita de muitos destes autores as fortes interferências do substrato banto, sobretudo do ponto de vista morfossintáctico. No que se refere à importância e centralidade expressiva dada às línguas nativas, em África, o caso mais emblemático é seguramente o do queniano Ngugi wa Thiong’o, com o seu célebre texto Decolonizing the mind – the politics of language in african literature (1986), onde defende que a emancipação plena e a sua afirmação só estarão encerradas quando as línguas africanas se substituírem às línguas ex-coloniais. Facto que o levará a adoptar o gĩkũyũ, sua língua materna, como língua literária em detrimento da língua inglesa. A língua, caso do português, por transportar valores, referências, visões do mundo de cariz eurocêntrico, acaba por ser expressão da condição hegemónica de uma ordem determinada. Regressando ao caso moçambicano, um dos casos mais destacados é o de José Craveirinha que, na entrevista a Laban, declara, a dado passo: «eu dominava o ronga e depois houve aquele corte. Hoje tenho dificuldades para me exprimir mas percebo quase tudo. Perceber, percebo perfeitamente. Falo o essencial» (Laban, 1998: 61). Por seu lado, em relação a esta mesma questão, Noémia de Sousa concede o seguinte: «eu posso dizer que o português foi a minha língua paterna e não a minha língua materna, porque a minha mãe falava português, mas falava melhor ronga, e connosco ela tanto falava uma língua como a outra» (Laban, 1998: 270). O corte a que Craveirinha se refere tem a ver com os traços idiossincrásicos da colonização portuguesa em África, particularmente em Moçambique, onde a imposição das políticas de assimilação obrigou muitos africanos a abdicarem das suas origens, línguas e costumes, facto ligado ao processo aculturativo quase sempre forçado e que acabou por estar na génese de conflitos, ambiguidades, tensões e contradições que se tornaram na imagem de marca das elites letradas africanas. Daí que o recurso ao ronga, no caso concreto de Craveirinha, funcionará como uma enunciação com múltiplos significados e implicações:

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inconformismo, revolta, denúncia, reivindicação, mas sobretudo legitimação de um determinado território cultural e identitário. Avançando uma leitura da correlação de forças, no contexto colonial, do ponto de vista linguístico, entendemos que se o português, enquanto língua oficial, se impunha como língua de poder, as manifestações linguísticas de origem bantu emergiam como contrapoder. O acto de nomeação de realidades próprias com recurso a palavras ronga, mais do que um exercício de exotismo linguístico, institui-se como um gesto de celebração de todo um universo simbólico e existencial, do imaginário como património colectivo. É, nesta perspectiva que Cornelius Castoriadis (2000: 156) questiona: «Por que é no imaginário que uma sociedade deve procurar o complemento necessário para a sua ordem?» Como resposta à sua própria questão, conclui que é no próprio imaginário onde se encontra um factor autonomizado da vida social. Expressão superior da nomeação como pronunciamento identitário, cultural e colectivo é inequivocamente o poema «Hino à minha terra» de José Craveirinha. Escrito no auge da presença colonial portuguesa, encontramos, no poema, uma sequência onomástica, cujos designativos, segundo o poeta, têm a ver com «nomes das coisas […] que os negros inventaram». É assim que vemos alternar-se a toponímia local (Inhamússua, Mutamba, Massangulo!!! Chulamáti! Manhoca! Chinhambanine! Morrumbala, Namamponda, Namarroi, etc.), com a antroponímia (Mahazul, Santaca, Nengué-ua-Suna), bem como com a nomeação altiva das diferentes línguas (ronga, macua, suaíli, changana, xítsua, bitonga), da fauna (chango, impala, xipene, egocero, inhacoso, sécuas, xidana-nkata, mamba), frutos (nhantsuma, mampsincha, mavúngua, manguavavas), acentuando não só a musicalidade do poema, mas também reinventando novas sonoridades e harmonizações entre a língua portuguesa e as falas locais, nessa «fraternidade das palavras» de que o poeta moçambicano nos falará num outro poema. É, aliás, através das línguas nacionais onde é resgatado um dos grandes filões patrimoniais da cultura africana: a oralidade, que será transversal em grande parte da literatura moçambicana, em particular, e africana, em geral. Será, pois, na representação das diferentes dimensões da oralidade (privada, colectiva, rural, urbana e suburbana), onde vemos cruzarem-se algumas das mais afirmadas estratégias de deliberada territorialização cultural e identitária. Tais são, entre outros, os casos de Ungulani Ba Ka Khosa, Aldino Muianga, Paulina Chiziane ou Suleiman Cassamo que, através da ficção,

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tanto projectam realidades onde o apelo às origens, às tradições e à ancestralidade é manifesto, como, por outro lado, denunciam e exploram as dinâmicas interculturais que têm como resultados os hibridismos culturais e as complexidades identitárias das realidades pós-coloniais. E esse apelo às origens, antropológicas e históricas, tem-se caracterizado por ser dominantemente telúrico, de tal modo que uma componente fundamental na constituição policromática do imaginário cultural e identitário moçambicano acaba por ser obscurecida: referimo-nos ao mar. E porquê? Porque esse mesmo mar, mesmo quando tão essencialmente presente em termos físicos, geográficos, históricos, socioeconómicos e culturais, surge-nos como uma inquietante e assombrosa ausência. Mais desconcertante ainda quando percebemos que dos diferentes povos (bantus, árabes, portugueses, indianos, chineses) que ao longo dos séculos concorreram para a arquitectura sociocultural de um país verdadeiramente anfíbio, apenas os bantus vieram do interior, portanto por via terrestre. Daí que essa mesma matriz se imponha naturalmente, a diversos níveis, concorrendo ou para uma imagem monolítica da cultura moçambicana, ignorando as suas pluralidades e diversidades, ou para uma espécie de hierarquização étnica, em que a condição bantu é factor de distinção e de singularização, quando não de afirmação de uma originalidade identitária. A desconfiança e a reserva em relação ao mar, no imaginário colectivo, advirão certamente, entre outros factores, de um trauma histórico, que decorre do facto de ter sido do mar que chegaram os colonizadores e ter sido através do mar, onde centenas e centenas de milhares de africanos foram levados como escravos, numa viagem sem regresso. Mesmo assim, as marcas identitárias e culturais desenhadas pelos movimentos incessantes do Oceano Índico são incontornáveis.

4.  O Oceano Índico: outros orientais Regressando ao depoimento de Noémia, encontramos esta passagem elucidativa: E eu vejo pela minha família […]. Como lhe digo, se se fizesse a história dela, dava-se um bocado, não digo a evolução de todas as raças, mas da sociedade mestiça porque há mistura de tudo, de negro com chinês, negro com indiano, negro com isto, negro com aquilo…(Laban, 1998: 280).

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Numa referência à cidade colonial, a então Lourenço Marques, Noémia procura descrever a enorme estratificação étnica e racial que a caracterizava, e em que o elemento oriental está fortemente presente: […] aquilo era uma cidade absolutamente cosmopolita, havia de tudo. Havia italianos, havia gregos, havia chineses, havia indianos, havia persas […] Havia mauricianos […], havia gentes das Comores, chamávamos-lhes comoreanos […] havia praticamente de tudo, havia malgaches…(Laban, 1998: 320).

E será precisamente Noémia de Sousa quem não só assume literariamente toda esta diversidade, mas também, e de forma discreta a presença do mar, mais precisamente do Oceano Índico. Em um dos seus textos mais emblemáticos, «Poema da infância distante», e onde a presença do mar é intensa, encontramos logo a abrir: «Quando eu nasci na grande casa à beira-mar,/ era meio-dia e o sol brilhava sobre o Índico» E, na sequência, surgem-nos as imagens relacionadas com o mar como: «embora o cenário brilhante e marítimo da minha infância» ou «Meus companheiros de pescaria/ por debaixo da ponte». Mas a percepção de um imaginário de pluralidades e diversidades é-nos dada pela eloquência da seguinte imagem: «Figuras inesquecíveis da minha infância arrapazada, /solta e feliz: / meninos negros e mulatos, brancos e indianos». Estamos aqui perante uma totalidade assente na diversidade de culturas que, além de partilharem o mesmo espaço e instituições comuns, encontram na língua, sobretudo a língua portuguesa, um dos elementos unificadores mais significativos. Esta é uma realidade que se parece contrapor ao que nos é exposto de forma penetrante, por Kwame Anthony Appiah num artigo intitulado Identity against culture: understandings of multicultarism. Este afirma a dado passo: With differing cultures, we might expect misunderstandings arising out of ignorance of each others’values, practices and beliefs; we might even expect conflicts because of differing values or beliefs. The paradigms of difficulty in a society of many cultures are misunderstandings of a word or a gesture (1994: 10)1.

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«  Com culturas diferentes poderíamos esperar uma falta de compreensão devido à ignorância dos valores, das tradições e das crenças dos outros. Poderíamos até esperar conflitos por causa dessas culturas diferentes. O paradigma da dificuldade numa sociedade com multiplas culturas é a incompreensão duma palavra ou dum gestto ».

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Poetas contemporâneos de Noémia de Sousa, como Virgílio de Lemos, Rui Knopfli e Orlando Mendes irão inscrever parte da sua poesia na evocação do Oceano Índico, dando origem particularmente ao que poderemos denominar o ciclo da Ilha de Moçambique. Sintomaticamente, trata-se de poetas, cuja ascendência, de matriz europeia, colocava-os na encruzilhada identitária traduzida pela simbologia da Ilha. Isto é, o de serem uns, mas também serem outros. No poema «A capela» de Rui Knopfli retirado da emblemática obra A Ilha de Próspero (1972), à trilogia exposta corresponde uma arquitectura identitária e cultural com uma génese singular: 1. África ficou 2. ao umbral das portas, no calor 3. da praça; aqui principia 4. a Europa. Porém, da parede 5. lateral, sob um baldaquino hindu 6. e num desvario de cores e santos hieráticos, 7. salta o púlpito oitavado e é o Oriente 8. que chega com seus monstros.(1959/1979: 359) E a grande sedução que a ilha irá exercer sobre poetas de diferentes gerações decorre em grande parte da percepção de ela representar, tal como o demonstra Knopfli, a síntese do cruzamento dos três grandes eixos culturais e identitários que caracterizam a constelação de imaginários em Moçambique. Tal é o caso, entre outros, de Luís Carlos Patraquim, ou de Adelino Timóteo com Viagem à Grécia através da Ilha de Moçambique. Mas a celebração do imaginário tecido pelo Índico encontrará uma alargada realização em poetas como Júlio Carrilho (Dentro de mim outra ilha, NónuMar), Eduardo White (Janela para Oriente), Gita Jr (Aromas essenciais), Sangare Okapi (Mesmos bracos ou poemas de revisitação do corpo). Nestes últimos, dando corpo a uma tendência da nova geração, o mar ou é um espaço de evasão ou lugar de afirmação/fragmentação identitária sob o signo do cosmopolitismo e da globalização. Estaríamos aqui perante o que Devleena Ghosh e Stephen Muecke definem como «geografia transnacional do imaginário» (2007). Mia Couto com o romance O Outro Pé da Sereia e João Paulo Borges Coelho, com os contos reunidos em Índicos Indícios, I Setentrião e II Meridião, representam as incursões mais notórias no imaginário do mar através da prosa.

Uns e Outros131

Regressando a Durand (1963: 467), e face ao conjunto de representações que os diferentes textos de diferentes momentos vão projectando, partilhamos com ele a convicção de que «é bem o imaginário que aparece como o recurso supremo da consciência, como o coração vivo da alma cujas diástoles e sistoles constituem a autenticidade do cogito». Neste caso, associamos como factores inextricáveis a sensibilidade e a imaginação criativa, concorrendo todos eles para a afirmação tanto da identidade como da alteridade. O imaginário implica, portanto, um pluralismo das imagens, e uma estrutura sistémica do conjunto dessas imagens infinitamente heterogéneas. Na verdade, e uma vez mais, vincamos que em todo este universo cultural e estético é-se um ao mesmo tempo que se é outro.

Conclusão Rastreamos diferentes textos e vozes que povoam o universo literário moçambicano e que nos permitiram visualizar e perceber, em diferentes perspectivas, alguns dos veios identitários mais significativos e emblemáticos que compõem ou potenciam o imaginário ou os imaginários que caracterizam um dos produtos mais singulares da colonização portuguesa em África. Imaginários que se foram (e vão) construindo, de forma múltipla e diversa, quer numa linha diacrónica quer espacialmente, através de dinâmicas convergentes (identidade) e divergentes (alteridade). Efeito da própria história colonial, essas dinâmicas acabam por não ser nem estanques nem excludentes, pois num mesmo sujeito vemos conviverem elementos múltiplos e diversificados instituidores de tensões, contradições e irresoluções estruturais e estruturantes. Finalmente, mecanismos mais profundos intrínsecos à ideia de imaginário, segundo Durand o recurso supremo da consciência, revelamnos as transições, reais e imaginadas, entre harmonia e conflito, ordem e instabilidade, desejo e superação e que, no espaço de intersecção das diferentes visões de mundo que reconhecemos no universo literário e cultural moçambicano, fazem de cada um necessariamente outro.

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Sur les Marges de l’Empire : traces de la présence portugaise en Asie du Sud-est  Histoire, langue et métissage Paulo Jorge De Sousa Pinto CHAM – FCSH, Universidade Nova de Lisboa

Introduction Les références dans la presse sur le "quartier portugais" de Malacca sont courantes, ainsi que sur les festivités de Pâques dans l’île de Flores ou bien encore sur les villages indonésiens dans lesquels vivent des familles, ayant des yeux clairs et des traits européens, qui revendiquent leur ascendance portugaise. D’une manière générale, ces gens-là sont considérés comme des luso-descendants ou bien des euro-asiatiques, survivants de l’empire portugais dans l’Asie du Sud-est du XVIe siècle qui succomba postérieurement à la colonisation hollandaise et britannique. De nos jours, il ne reste en effet que des vestiges d’une plus ample réalité des communautés métisses et catholiques qui parlaient un patois de la langue portugaise et qui ont exercé une influence importante pendant plusieurs siècles, dans diverses régions de l’Asie du Sud-est. Néanmoins, leur prospérité tout au long des XVIIe et XVIIIe siècles ne découle pas de la vigueur de l’empire, dont elles sont prétendument originaires, mais de leur capacité d’adaptation dans divers contextes politiques et économiques et de réponse aux défis lancés. Bien que traités de Portugais, leur lien avec le Portugal n’a qu’un effet identitaire, une forme de distinction, souvent de prestige social par rapport à d’autres groupes, sans autre signification en dehors de la conversion à la religion catholique et à l’adoption de noms d’origine portugaise1. Leur caractérisation n’est pas facile et a mérité l’attention de la part des historiens durant les dernières décennies. Au lieu 1



Bosma et Raben, 2008 : 23-24.

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de définir s’il s’agit effectivement de descendants portugais, il faut plutôt déterminer leurs origines diverses et les intégrer dans la pluralité des réalités de l’Asie du Sud-est. Ce fut dans ce contexte que Leonard Andaya proposa pour ces communautés la désignation de «  tribu portugaise  », refusant l’attribution de caractéristiques particulièrement européennes ou de degrés de plus ou moindre quantité de « sang européen » et en les considérant comme étant une « tribu », parmi tant d’autres, du monde malais-indonésien des XVIIe et XVIIIe siècles2. Cette question soulève un large éventail de problèmes, non seulement en raison de la difficulté à identifier et à reconnaître ces groupes de Portugais qui ont survécu à l’effondrement de l’empire dont ils sont originaires, mais aussi parce que le concept était, déjà à cette époque, très étendu, fluide et imprécis, pouvant donner lieu tout au long des XVIIe et XVIIIe  siècles (et même plus tard) à des situations très différentes entre elles. Casados, Portugueses, Portugueses negros, Topazes, Larantuqueiros, Mardijkers sont des termes présents dans les sources européennes qui exprimaient des réalités différentes dans le temps et dans l’espace, parfois coïncidentes, parfois superposables, mais aux frontières définitivement peu claires. Si les familles ou les clans descendaient directement de personnes nées au Portugal, ils étaient sûrement traités de Portugais, d’autres groupes, qui ne s’intégraient pas clairement dans des catégories identitaires à la définition précise et prédéterminée (chinois, malais, javanais, etc.), étaient aussi appelés Portugais car cela facilitait le traitement et parce qu’ils possédaient ou revendiquaient un ou plusieurs des traits attribués à ces derniers : descendance, religion, langue. Ainsi, il serait peut-être plus correct de nous référer non pas à une tribu portugaise mais à des tribus portugaises aux caractéristiques à la fois distinctes et proches et aux niveaux de liaison et de solidarité très différents entre eux. De cette façon, aborder ce thème nous amène inévitablement à la genèse de ces communautés en rapport avec les formes particulières adoptées par la présence portugaise en Asie du Sud-est, notamment la mise en place de petits groupes dans différentes villes portuaires en marge des circuits de l’Estado da Índia. Puis, l’on considère la survie de plusieurs groupes après le reflux de la présence officielle portugaise dans cette région, en mettant l’accent sur le moment clé que fut la conquête de Malacca par les Hollandais en 1641 et ses conséquences. La dispersion de ces communautés dans l’Asie du Sud-est, après leur expulsion de Makassar en raison de la pression hollandaise, ainsi que les spécificités acquises par certains clans à Timor et la présence d’importantes communautés à 2



Andaya, 1995a.

Sur les Marges de l’Empire135

Batavia et à Malacca sont des aspects qui méritent d’être médités et mis en évidence, dans des contextes diamétralement opposés. Enfin, l’on analyse sommairement certains aspects des deux traits identitaires les plus pertinents de ces Portugais qui ont joué un rôle significatif aux XVIIe et XVIIIe siècles : la religion catholique et un créole ou patois de la langue portugaise. *** L’expédition d’Afonso de Albuquerque à Malacca et la prise de la ville par la force des armes en 1511 a permis aux Portugais un élargissement considérable de la connaissance de l’Asie maritime. Leurs horizons, limités jusque-là au subcontinent indien, ont dépassé subitement le Golfe du Bengale et, à partir de Malacca, ont rapidement projeté vers les limites de l’archipel malais-indonésien, les royaumes continentaux de l’Asie du Sud-est et de l’Extrême Orient  : Java, Siam, les Moluques, les côtes de la Chine et finalement Timor, déjà en 1515 ou 1516. Au contraire de ce qui s’est passé dans d’autres régions de l’Océan Indien comme la Mer Rouge, le Golfe Persique ou la côte de Malabar, où une présence militaire et maritime, forte et permanente, était nécessaire, la structure officielle portugaise, dans le vaste espace s’étendant au-delà du Sri Lanka et de la côte orientale de l’Inde, était éparse et fragile, pratiquement circonscrite, au cours du XVIe siècle, à Malacca et à une forteresse dans les Moluques3. En conséquence, la présence portugaise était ici essentiellement informelle et spontanée, constituée par des communautés et des familles portugaises, soldats, marchands ou corsaires – comme le démontre pleinement la biographie de Fernão Mendes Pinto – qui vivaient en marge des circuits officiels, en théorie subordonnés à l’autorité du vice-roi mais qui disposaient d’un large champ de manœuvre et de liberté agissant à leur compte. L’origine du contraste entre les deux espaces remonte aux premières années du XVIe siècle, plus précisément, à la décision du vice-roi Lopo Soares de Albergaria (1515-1518) d’autoriser ces hommes à se rendre où ils souhaitaient, dans un clair renversement des politiques et d’actions fortement centralisées que son prédécesseur Afonso de Albuquerque avait suivies4. Tout au long du XVIe siècle, les politiques officielles ont varié entre des périodes plus libérales et des moments de plus grand contrôle de l’État sur la liberté de circulation des Portugais en Asie. Cependant, l’impact réel des décisions prises par les autorités était limité. 3



4

Thomaz, 1979 : 106. Thomaz, 1994 : 435-436.

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En théorie, tous les Portugais étaient soumis à l’autorité du vice-roi ou du Gouverneur de l’Inde, à Goa (à partir de 1529). Les capitaines des forteresses exerçaient des fonctions de commandement militaire avec juridiction sur le secteur civil, dans les diverses forteresses sous contrôle portugais. En pratique, et comme le système avait encore pour base une structure archaïque au serviço de el-rei (au service du roi), il n’y avait pas de forme efficace pour engager et recruter des soldats et des fonctionnaires qui allaient servir en Asie, et beaucoup de ces hommes qui embarquaient à Lisbonne finissaient par s’échapper des armadas et des forteresses dès leur arrivée en Inde, pour se mettre au service de protecteurs – portugais ou asiatiques – et s’immiscer dans les réseaux de commerce ou s’installer dans une ville portuaire, souvent en profitant des contacts antérieurs ou des communautés portugaises résidentes. Le pouvoir et l’autorité du roi étaient loin, à Lisbonne et à Goa, de sorte que leurs représentants, en commençant par les capitaines de Malacca – le seul vrai centre du pouvoir officiel à l’est de la côte occidentale indienne – détenaient leurs propres affaires en sus des privilèges et des exclusivités qui leur étaient réservées, possédaient leurs propres intermédiaires d’affaires et agents privés et évoluaient sur des réseaux marchands asiatiques, souvent au détriment et par défaut des ordres et intérêts de l’Estado da Índia5. Cette situation hybride, de mélange et de disparition de frontières, entre caractère officiel et intérêt privé, a été causée par l’entreprise asiatique portugaise bien elle-même, qui ne disposait pas d’un modèle défini, s’étant adaptée aux réalités en atténuant au fur et à mesure les problèmes qui surgissaient. L’historiographie sur la présence portugaise en Asie a centralisé traditionnellement son attention sur l’évolution de l’Estado da Índia et sur les aspects officiels qui la revêtait, non seulement en raison du fait que la principale documentation dont ont disposé les historiens avait cette origine, insuffisante et laconique, concernant la vie et les activités de ceux qui vivaient en dehors de la sphère officielle, mais aussi car l’attention s’est traditionnellement concentrée sur la concurrence entre les empires coloniaux européens. C’est pourquoi la première moitié du XVIe siècle est considérée comme la période de l’apogée de l’empire portugais en Asie et les époques qui suivirent comme des périodes de déclin ou de décadence. Néanmoins et plus récemment, cette vision a tendance à être remise en cause avec l’apparition d’un nouvel intérêt pour l’étude des dynamiques sociales et politiques des secteurs informels de la présence portugaise en 5



Pinto, 2012 : 4-7.

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Asie. Des notions ont été banalisées, comme celle de shadow empire (empire fantôme), de George Winius, afférant au vaste espace du Golfe du Bengale et de l’Asie du Sud-est, dans lequel se déplaçaient des hommes et des groupes qui échappaient au contrôle des autorités mais qui constituaient de véritables vecteurs dynamiques de la présence portugaise6. D’un autre côté, plusieurs historiens se sont penchés sur des cas concrets de certains personnages et de groupes extérieurs aux élites traditionnelles de l’Estado da Índia qui, bien qu’agissant en dehors de la sphère officielle, ont été les responsables des initiatives expansionnistes ayant eu un important impact local et régional, notamment au Cambodge, en Birmanie et en Aceh. Célèbre fut l’expression de Sanjay Subrahmayam qui, en parlant de the tail wags the dog (la queue remue le chien), a caractérisé le dynamisme de ces initiatives en Asie7. Les sources portugaises contiennent des informations récurrentes, bien que laconiques, au sujet des soldats qui échappaient au service des armadas ou des forteresses, qui vivaient souvent en dehors du ressort des autorités et qui mettaient leurs services et leurs capacités à la disposition des puissances asiatiques. Aujourd’hui, nous les considérons comme des mercenaires ou des aventuriers, mais à l’époque, ils étaient classés de forme différente : ils étaient des bannis, des alevantados ou des renégats, concepts qui définissaient différents degrés d’exclusion de la sphère officielle8. Leur nombre était incertain, bien qu’impressionnant au tournant du XVIIe  siècle. On estimait que 600 à 2000 Portugais armés vivaient au Bengale, ce qui amenait les vice-rois à octroyer des « grâces générales », essayant ainsi de mettre ce potentiel militaire au service de l’Estado da Índia9. Tout aussi important a été le rôle joué par les casados (les mariés). Il s’agissait de communautés portugaises ou de descendants de Portugais qui sont apparues plus ou moins spontanément dans diverses villes portuaires, aussi bien dans les possessions de l’Estado da Índia que dans des endroits qui échappaient à son contrôle direct10. Saint Thomas de Mylapore et Nagapattinam, sur la côte de Coromandel, ont été les cas les plus emblématiques de noyaux informels de résidents portugais nés, du moins en partie, de l’action des déserteurs des garnisons militaires 6

8 9

Winius, 1983. Subrahmanyam, 1994 : 151-173. Cruz, 1986. Pinto, 2012 : 41-42. 10 Pinto, 2015. 7

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de Goa et Cochin11. Dans la partie extrême orientale de l’Asie maritime se situait l’exemple le plus significatif d’un entrepôt informel, créé et développé en dehors des structures officielles portugaises  : Macao, véritable république de marchands qui n’a été que tardivement intégrée dans l’Estado da Índia, toujours de forme incomplète et turbulente. Dans la région de l’Asie du Sud-est, la plus importante communauté de casados était naturellement celle de Malacca, non seulement parce que la ville était le véritable centre de la présence portugaise – officielle et informelle – dans toute la région, mais aussi parce qu’elle représentait l’axe principal des liaisons maritimes entre l’Inde, l’Extrême-Orient et l’archipel malais-indonésien. Il y avait aux Moluques (Ternate et, plus tard, Tidore et Amboine) de petites communautés, ainsi que des noyaux de marchands dans diverses villes portuaires, sans importance particulière. Initialement composée d’une poignée de soldats portugais qui avaient obtenu l’autorisation d’établir leur résidence dans la ville, la communauté des casados a évolué progressivement au cours des XVIe et XVIIe siècles, devenant une puissante et influente élite locale qui contrôlait une partie du commerce associé à la ville et qui formait la dernière ligne de résistance face à la croissante influence hollandaise dans la région. Constituée, de forme de plus en plus évidente, d’éléments d’origine asiatique convertis au catholicisme, même si la distinction d’un groupe plus restreint de mariés blancs, doté d’une plus grande influence politique et de prestige social, continuait à être visible dans son intérieur12. Toutefois, cette distinction s’est rapidement estompée avec la prise de Malacca par la Compagnie hollandaise des Indes Orientales (VOC) en 1641 et avec la disparition des structures officielles de l’Estado da Índia, en Asie du Sud-est. *** Il est indéniable que l’arrivée des Hollandais en Orient et l’établissement de la Compagnie hollandaise des Indes Orientales en Asie du Sud-est a causé une contraction générale dans l’activité de la navigation portugaise, ainsi qu’une diminution considérable de l’influence de l’Estado da Índia dans les méandres politiques et diplomatiques de la région. Malacca a subi un premier assaut en 1606 et est resté par la suite sous pression constante, soit sous forme de blocage, soit sous forme d’attaque directe contre les navires portugais, vu que la ville était un point d’appui fondamental

11

Subrahmanyam, 1994, ch. III et IV. Pinto, 2011.

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et une escale obligatoire de la navigation marchande et missionnaire destinée à la Chine et au Japon. Au cours de la première moitié du XVIIe siècle et après la conquête des forteresses aux Moluques, à Amboine et sur la côte du Coromandel, la VOC hollandaise a littéralement balayé les positions de défense portugaises au Sri Lanka, dans l’Asie du Sud-est et sur la côte de Malabar. Entre Goa et Macao, aucune forteresse ne s’est maintenue ou n’est restée comme point d’appui à la navigation, ainsi l’effondrement de l’Estado da Índia a été bien réel. Néanmoins, la présence portugaise n’a pas disparu, précisément parce qu’elle s’était développée en marge des structures de l’Empire et qu’elle ne dépendait pas des circuits officiels pour survivre. Formées depuis la moitié du XVIe siècle par des groupes revendiquant l’origine et l’identité portugaise, tout en étant le résultat d’un processus de métissage sédimenté par des générations successives, les différentes communautés de Portugais dans l’Asie du Sud-est faisaient partie de réseaux marchands régionaux, possédaient des liaisons et des contacts avec les élites politiques des divers États et royaumes, ainsi qu’une flexibilité qui leur permit une bonne adaptation à de nouveaux défis. L’une des caractéristiques les plus importantes de ces communautés était leur diversité, en plus de leur mobilité et de leur dispersion dans l’Asie du Sud-est. Certains même se réfèrent à elles comme étant une ou plusieurs diasporas. Bien que liées par des caractéristiques communes mais variables – une réelle ou une prétendue ascendance portugaise, la religion catholique et un créole portugais – ces groupes se déplaçaient dans des environnements distincts, possédaient des fidélités politiques différentes et des degrés de richesse matérielle variables. Malacca est tombée entre les mains des Hollandais en 1641, au terme d’un long siège. Cet évènement a été traditionnellement considéré comme la cause de la diaspora portugaise en Asie du Sud-est. Bien qu’il s’agisse d’un processus beaucoup plus long et complexe qu’une simple conséquence immédiate de la perte d’une ville, il est indéniable que la chute de Malacca a été un moment clé de la dispersion des Portugais. D’une manière générale, on peut supposer que ceux-ci prirent quatre orientations plus ou moins distinctes. Un premier groupe, qui comprenait probablement les éléments les plus riches liés à l’appareil officiel ecclésiastique, se dirigea vers Nagapattinam. Quelques jours après la victoire, le capitaine hollandais Willemszoon Coertekoe convoqua les Portugais au son des tambours et les informa

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que ceux qui voulaient aller en Inde seraient libres de le faire. Puis il autorisa le départ d’un navire à destination de la côte de Coromandel, transportant 350 personnes, hommes, femmes, enfants et esclaves avec tous leurs biens et richesses, ce qui lui a valu de sévères critiques de la part de la hiérarchie de la VOC13. Les autorités hollandaises n’envisagèrent pas d’un œil favorable la concentration des Portugais dans cette Malacca récemment conquise. En conséquence, l’une des premières mesures fut, affirmant qu’il s’agissait de paresseux constituant plutôt un fardeau qu’un atout pour la Compagnie, d’autoriser le départ pour Batavia de tous ceux qui le souhaitaient. Un nombre indéterminé de « Portugais et de citoyens métis » embarquèrent donc sur deux navires en direction de la capitale de la VOC14. Il est naturel qu’ils se soient mis par la suite au service de la Compagnie, augmentant ainsi le contingent de la population strate qui allait être connue sous le nom de Mardijkers, dont on parlera plus loin. Une grande partie des casados de Malacca ne se trouvait pas dans la ville durant la longue campagne militaire et durant le pénible siège qui aboutit à la victoire hollandaise. Pour beaucoup, Malacca était simplement une base d’appui qui servait leurs activités commerciales dans tout l’archipel malais-indonésien et non pas un lieu de résidence fixe et statique. Par conséquent, lorsque la nouvelle se répandit que le dernier bastion de l’Estado da Índia avait succombé, ces groupes changèrent simplement leurs routines et choisirent une autre base de résidence, de préférence là où le roi de la région leur était favorable et où ils n’étaient pas soumis au pouvoir de la Compagnie hollandaise. Le Sultanat de Makassar (soit, la double monarchie de Gowa-Tallo), en Sulawesi, s’avéra être l’option la plus intéressante. En effet, bénéficiant de la protection des sultans et défiant à l’évidence les prétentions hégémoniques et monopolistes hollandaises, les Portugais de Makassar prospérèrent grâce au rétablissement du commerce avec Macao et les autres villes portuaires, notamment grâce au rôle joué par l’aventurier portugais Francisco Vieira de Figueiredo15. Le favoritisme des rois de Makassar envers les chrétiens remontait au XVIe siècle et anticipera donc leur conversion à l’islam en 1605. À l’époque en question, régnait à Tallo, Karaeng Pattingalloang (1641-1654), qui accueillit et protégea 13

Journal de Willemszoon Coertekoe in Leupe (ed.), 1936  : 46 ; lettre de Justus Schouten, ibid.: 58 ; Borschberg, 2010 : 99-100. 14 Rapport de Justus Schouten in Leupe (ed.), 1936 : 76. 15 Boxer, 1967 : 28-29.

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les groupes de Portugais qui avaient quitté Malacca. Le gouverneur de l’évêché, Paulo da Costa, résida dans le Sultanat entre 1645 et 1661 et l’étendue de la communauté catholique atteignit même trois milliers de personnes16. Cependant, tout au long de la décennie de 1660, la pression de la VOC conduisit finalement à la soumission graduelle du Sultanat et, entre autres conséquences, à l’expulsion des Portugais et des missionnaires catholiques – principalement des Jésuites – qui y résidaient17. Enfin, et contrairement à ce qui est souvent affirmé, une partie des Portugais de Malacca resta dans la ville après la conquête hollandaise. Le commissaire Justus Schouten, qui la visita en 1641 et rédigea un rapport destiné aux autorités de la VOC, fait mention des Portugais de la région qui se plaçaient au service de la Compagnie. Selon son évaluation, trois groupes étaient distincts : les « citoyens portugais », les « nègres de Malacca » et les « pêcheurs », avec leurs respectifs représentants, « tous avec un salaire mensuel »18. Plus tard, en 1678, le rapport du gouverneur Balthasar Bort signalait la présence d’un grand nombre «  de métis et de noirs portugais  » vivant à l’intérieur des murs de Malacca, une communauté d’environ 2000 éléments, composée d’hommes, femmes, enfants et esclaves19. Mais la majorité des Portugais ne vivait pas dans la ville, étant dispersés dans les villages de la périphérie, le long de la rivière, situation qui remontait au XVIe siècle et à la période de la domination portugaise. À la même époque, dans la décennie de 1670, leur nombre était également calculé à environ 2000 personnes20. *** L’expulsion des Portugais de Makassar entra dans les faits par le Traité de Bongaya (1667) qui officialisa le succès de la stratégie agressive de la VOC et la défaite du Sultan Hasanudin de Gowa. Le Sultanat fut contraint de se soumettre aux intérêts mono-politiques de la Compagnie et d’expulser les communautés marchandes qui lui faisaient concurrence en quelque sorte. Un cas notoire fut celui des Portugais dont l’antagonisme religieux s’ajouta à la compétition commerciale, même si l’issue de la guerre entraîna l’exode d’un grand nombre de gens de Makassar qui avaient combattu contre les Hollandais21. 16

18 19 20 21 17

Andaya, 2010 : 402. Halikowski-Smith, 2010 : 5. Rapport de Justus Schouten in Leupe (ed.), 1936 : 72. Bort, 1927 : 40. Fernandez Navarrete, 1676 : 371. Andaya, 1995b.

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De nouveau contraints à une diaspora, cette fois-ci de forme claire et expéditive, les Portugais recherchaient d’autres points de refuge. Le voyageur français Tavernier, qui visita le Sultanat peu après ces évènements, désigna le Siam, le Cambodge, Goa et Macao comme les destinations de cette diaspora22. Macao fut naturellement l’option la plus prévisible, mais la conjoncture était défavorable. La situation d’extrême pénurie économique et de crise politique que la ville affrontait à ce moment-là, à la suite des interdictions édictées par la dynastie Qing et le contexte de guerre existant dans la mer de Chine méridionale, constituait un obstacle d’envergure. Le Cambodge et le Siam ont été effectivement les principales destinations alternatives pour les groupes de Portugais chassés de Makassar. À Ayutthaya, capitale de ce dernier royaume, il existait déjà depuis le milieu du siècle précédent une communauté portugaise, probablement sédimentée par la présence d’aventuriers qui avaient joué un rôle important de force mercenaire au service des rois siamois. Les Portugais d’Ayutthaya ont formé une communauté distincte avec leur propre quartier  appelé bandel en portugais et bang portuguet en thaï avec un capitão-mor ou nai qui les dirigeait23. Il s’agissait surtout d’une communauté métisse, d’envergure et de contours indéfinis, dont l’importance dans le contexte de la société siamoise reste en grande partie incertaine. Les informations disponibles montrent une diversité de prestations : intermédiaires dans le commerce local et régional – notamment des aliments, du bois et des peaux – mercenaires et surtout, interprètes et agents diplomatiques24. Cependant, le bandel fut perturbé par l’agitation politique qui traversa la seconde moitié du XVIIe siècle et surtout par l’action des missionnaires français qui ne respectaient pas le Padroado (patronat) portugais et menaçaient la sphère d’influence portugaise dans la région. L’offensive diplomatique française s’ajoutait désormais à la concurrence de la VOC. Dans la décennie de 1680, l’arrivée d’une ambassade officielle venue de Macao renforça son prestige et mit à l’épreuve les talents diplomatiques des dirigeants du bandel portugais au cours des négociations qui eurent lieu dans la Cour thaï25. Cependant, en raison de leur isolement et de la suppression des activités maritimes et commerciales traditionnelles qui assuraient partout ailleurs la survie de groupes identiques, un processus d’appauvrissement et de perte d’influence de la communauté était en cours. 22

24 25 23

Tavernier, 1676 : 442. Halikowski-Smith, 2011 : 93-99. Carvalho, 2006 : 95-103. Flores, 2002 ; Seabra (ed.), 2004.

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Au cours des XVIIe et XVIIIe siècles, les communautés et les groupes de Portugais ont rendu possible la proximité avec les structures de l’Estado da Índia dans le dessein d’obtenir un soutien diplomatique, des facilités commerciales ou une aide missionnaire. Dans le cas de l’Asie du Sudest, et pour les raisons indiquées ci-dessus, les contacts avec Goa étaient difficiles, sans conséquences importantes, et se limitaient généralement à un échange de correspondance. Avec Macao, au contraire, les contacts étaient fréquents et les relations souvent fructueuses. Le cas le plus important a été celui de Timor. Ce qui suscite le plus d’intérêt dans le cas de Timor n’est pas exactement de quelle façon les communautés catholiques et métisses portugaises ont résisté à la pression néerlandaise et comment elles ont survécu à une longue période de quasi isolement par rapport à l’Estado da Índia. Le plus intéressant est le fait que cette survie a été possible grâce à l’action de groupes non autochtones mais extérieurs à l’île, les dénommés Larantuqueiros ou Topazes. La première dénomination est facile à expliquer : il s’agissait d’un ensemble de clans métis, originaires de l’île de Flores (plus précisément de Larantuka) qui durant tout le XVIIe et une partie du XVIIIe siècle dominaient politiquement la région de Lifau à Timor, contrôlaient le commerce du santal et étaient farouchement hostiles aux tentatives hollandaises de contrôle de l’île. La désignation Topazes suscite, quant à elle, encore quelques questions. L’explication la plus courante est que le mot dérive de topi (chapeau) d’origine hindoustani, étant donné que ses membres se distinguaient par le port du chapeau européen  ; une autre hypothèse relie le mot à interprète, dans les langues dravidiennes du sud de l’Inde26. La désignation n’était pas spécifique au contexte timorais, ou même au Sud-est asiatique. Son utilisation s’est élargie à d’autres scénarios, notamment en Inde et au Sri Lanka, où à la fin du XVIe  siècle, elle avait une signification pratiquement équivalente à celle des casados. Comme l’écrit le capitaine João Ribeiro, dans la décennie de 1680, « dans toutes les places et villages que nous avons eus et que nous avons dans cet État [de l’Inde], vivaient et vivent aussi des habitants, originaires de ces régions, avec leurs familles chrétiennes de parents et grands-parents ; ils nous ont servis et servent avec amour, et ce sont eux que nous appelons Topazes »27.

26

Andaya, 2010 : 397 ; Boxer, 1947 : 1. Ribeiro, 1989 : 185.

27

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En tous les cas, ces groupes intervinrent militairement dans la région de Timor occidental en 1642 et, plus tard, en 1659, sous couverture officielle des autorités portugaises et des missionnaires catholiques, dans le contexte des luttes qui opposaient les chrétiens de cette région aux musulmans de Makassar et à leurs alliés locaux et, plus tard, aux Hollandais28. Ils furent les véritables agents de l’influence portugaise et catholique sur l’île qui vinrent à gagner des racines au cours du XVIIe  siècle et à résister avec succès aux tentatives de la VOC pour contrôler Timor et le commerce du santal. Ils affirmaient avec orgueil leur ascendance portugaise – même si l’un des clans les plus influents des Larantuqueiros avait pour origine un déserteur hollandais nommé Jan Hornay. Ils dominaient politiquement une grande partie de l’île depuis plus d’un siècle, grâce à leur prestige militaire et à leur stratégie consistant à établir des alliances et à s’intégrer dans les confédérations des royaumes timorais. Toutefois, le fait que ces groupes revendiquaient leur origine portugaise ne signifiait pas qu’ils étaient en harmonie avec les directives de la couronne. Au contraire, ils agissaient en totale indépendance et pour leur propre compte, avec des disputes entre les divers clans pour contrôler une grande partie de Timor et le commerce du santal. Ils résistèrent aux tentatives des autorités portugaises qui voulaient s’immiscer dans la vie politique de l’île et installer un gouverneur à Timor. Le vice-roi de l’Estado da Índia les tenait pour rebelles29. D’autres groupes s’intégrèrent dans les structures hollandaises et se mirent au service de la VOC, soit en tant qu’intermédiaires et agents commerciaux, soit en tant que diplomates, interprètes ou soldats. Parmi les cas qui ont fait l’objet d’études, l’un des plus intéressants a été celui de Tomás Dias, un Portugais de Malacca qui joua un rôle diplomatique majeur dans les négociations avec les divers royaumes de Sumatra et qui effectua en 1684, au service de la VOC, un voyage dans les montagnes de l’intérieur de l’île, établissant des contacts avec le royaume de Minangkabau30. Les groupes les plus importants qui jouèrent un rôle considérable dans l’histoire coloniale hollandaise dans l’archipel malais-indonésien furent les dénommés Mardijkers. Le mot signifie homme libre et telle fut la désignation donnée par les Hollandais à un ensemble hétérogène de chrétiens asiatiques, formé de Portugais métissés, d’éléments provenant 28

Fox, 1982. Hägerdal, 2007. 30 Barnard, 2004. 29

Sur les Marges de l’Empire145

de Luzón et principalement d’anciens esclaves convertis au christianisme et originaires du sud de l’Inde31. Les Mardijkers occupèrent un quartier spécifique et formèrent un noyau important de la population à Batavia, capitale de la VOC. Parmi leurs traits distincts, tout à fait identifiables dans l’iconographie, il convient de souligner leurs vêtements caractéristiques, notamment le port du chapeau et de vêtements à rayures. Cet usage de vêtements européens, qui constituait l’expression visible d’un de leurs traits identitaires – la prétendue ascendance portugaise – était motif de commentaires péjoratifs de la part des voyageurs européens, choqués par le contraste entre l’usage des vêtements européens et leurs pieds nus32. Si les communautés de Portugais étaient très fluides avec une caractérisation mal définie, les terminologies utilisées pour les désigner devenaient contradictoires, car les désignations variaient selon les régions. D’une manière générale, les Hollandais utilisaient le nom de « Portugais noirs  » pour désigner l’un quelconque de ces groupes, allant des Mardijkers aux Topazes. Néanmoins, si ces termes ont été pratiquement équivalents sur les domaines de la VOC, comme Batavia ou Malacca, ils avaient dans d’autres contextes des significations bien différentes et même antagoniques : à Timor et dans les îles environnantes, les Topazes étaient des communautés de Portugais catholiques, farouchement antihollandais, tandis que le terme Mardijkers désignait spécifiquement les troupes métisses au service de la VOC33. *** La survie des communautés de Portugais dans l’Asie du Sud-est ne dépendait pas seulement de leur talent diplomatique et militaire auprès des pouvoirs politiques dans les sultanats malais-indonésiens, dans les royaumes continentaux ou dans la VOC hollandaise ou bien de leur capacité à explorer des routes commerciales. Elle découlait aussi de la viabilité et de la fluidité de leurs caractéristiques identitaires qui s’atténuèrent au cours du XVIIIe siècle et surtout au siècle suivant. La première caractéristique était la religion catholique, dont la pratique fut graduellement menacée par le manque de clergé qui aurait pu garantir la régularité du culte et la rigueur des enseignements. Le cas des Mardijkers de Batavia est significatif, surtout parce que les autorités 31

Bosma et Raben, 2008 : 46-51. Gelman, 2009 : 47-50. 33 Hägerdal, 2012 : 46. 32

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hollandaises promouvaient et approuvaient l’adhésion à l’Église Réformée et l’abandon des vieilles pratiques catholiques. François Leguat, à la fin du XVIIe siècle, décrit que les « Portugais réformés » avaient deux églises dans la capitale de la VOC et même si la liberté religieuse existait, les catholiques ne pouvaient exercer leur culte publiquement34. À Malacca, les autorités hollandaises oscillaient de la plus grande tolérance à la plus réduite envers les vieux cultes catholiques portugais de la région. Les années qui suivirent la prise de la ville, le culte catholique fut interdit tout comme la présence de missionnaires35. En général, comme l’observa l’Espagnol Fernández Navarrete dans la décennie de 1670, l’espace interne de la ville était fermé au culte catholique, mais les villages des environs étaient encore du domaine des confréries (notamment la Confrérie du Rosaire). À noter cependant que les rituels catholiques étaient de plus en plus contaminés par les pratiques des hérétiques hollandais et que c’étaient eux, qui assuraient les baptêmes et les mariages36. Il en fut de même pour tout l’archipel. Naturellement, Timor fut une exception, car à partir de 1702, le vice-roi nomma un Gouverneur pour administrer les zones sous influence portugaise. Il existait cependant un état de guerre endémique et les missions catholiques se trouvaient en plein déclin au cours du XVIIIe  siècle, en raison de l’isolement de l’île et de l’effondrement du Padroado (patronat) portugais. L’on assista finalement à une fusion graduelle des communautés de Larantuqueiros dans les lignées timoraises, ce qui aboutit à leur fragmentation, à leur dilution et à leur postérieure disparition. Dans les zones d’influence hollandaise, dans les îles voisines de Timor, lorsque le catholicisme fut réintroduit, au XIXe siècle, les missionnaires décelèrent plusieurs formes de culte archaïque qui avaient survécu à deux siècles de privation de clergé  : durant la Semaine Sainte, des processions étaient organisées par les confréries du Rosaire, les prières étaient prononcées dans un mélange très frelaté de portugais et de latin et les vieux objets du temps des Portugais étaient considérés comme des reliques sacrées37. Le travail de la réintroduction du catholicisme dans ces contrées, mené par les Jésuites, n’a pas excellé dans le respect et la conservation des vestiges et des pratiques anciennes. Ceux-ci ont 34

36 37 35

Leguat, 1895 : 224-225. Witt, 2011 : 259-263. Fernandez Navarrete, 1676 : 371. Webb, 1976 : 345.

Sur les Marges de l’Empire147

été au contraire considérés contaminés par des traces de paganisme et en conséquence, supprimés ou incorporés dans la nouvelle spiritualité moderne du XIXe siècle38. La deuxième caractéristique définissant l’identité distincte de ces communautés était l’utilisation de formes créoles ou du patois de la langue portugaise. Le portugais avait joué dans une certaine mesure une fonction de langue franche dans le commerce régional au cours du XVIe  siècle. En outre, son utilisation par des Sultans malais – Aceh et Ternate, par exemple – et autres monarques en Asie du Sud-est, dans la correspondance avec les gouverneurs et autres autorités européennes, démontre qu’il possédait un inévitable prestige au sein de quelques élites et Cours locales39. Avec la perte d’influence de l’Estado da Índia dans la région et la dispersion des communautés de Portugais en divers groupes et sous la pression de la VOC hollandaise, on aurait pu s’attendre à ce que l’utilisation de la langue portugaise – ou plutôt du créole portugais – entre rapidement en décadence et finisse par disparaître. Toutefois, ce qui se passa fut exactement le contraire, non seulement elle survécut comme elle gagna de l’espace au sein des sociétés hollandaises qui devaient la chasser, aboutissant même à pénétrer chez les élites de Batavia40. Il existe plusieurs chroniques de voyageurs européens et des descriptions des environnements sociaux de cette ville qui relatent comment, même, les familles de la bourgeoisie coloniale hollandaise se sont vues obligées de tolérer et souvent d’apprendre le portugais, non seulement par souci de succès dans les affaires, mais aussi parce que leurs femmes étaient d’origine euro-asiatique et que les enfants étaient élevés et éduqués par des esclaves portugais qui ne parlaient pratiquement que cette langue41. Les burghers, qui défendaient farouchement leur identité néerlandaise, ont été ainsi obligés d’apprendre la langue de leurs ennemis afin de pouvoir communiquer avec leurs femmes et leurs enfants. Célèbre est un extrait d’une lettre du gouverneur de Batavia, Johan Maetsuyker, adressée à l’administration de la VOC, en 1659, dans laquelle ce dernier reconnaît la diffusion du portugais, malgré les efforts de la Compagnie : Le portugais est une langue facile à apprendre et à parler. C’est pourquoi nous ne pouvons pas empêcher les esclaves, qui sont arrivés d’Arrakan et qui 38

40 41 39

Steenbrink, 2007 : 121-137 ; Aritonang et Steenbrink, 2008 : 229-237. Beaulieu, 1683 : 48 ; Argensola, 1992 : 239. Gelman, 2009 : 18-19. Graaf, 1719 : 291-292 ; Blussé, 1988 : 156-166.

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n’ont jamais entendu un mot de portugais (et même nos propres enfants), d’adopter cette langue au détriment de toutes les autres et de la considérer comme la leur42.

Le même phénomène se produisit au niveau du prosélytisme religieux  : pour bien réussir dans leurs efforts, éradiquer les erreurs et l’idolâtrie catholique et reconvertir les communautés chrétiennes à l’Église Réformée, les pasteurs calvinistes durent utiliser le portugais comme langue de travail, car cette dernière était largement diffusée et d’usage courant à Malacca, à Batavia et partout ailleurs43. Cette situation se modifia progressivement au cours du XIXe siècle, lorsque les communautés portugaises vinrent à perdre leur ancienne importance au fur et à mesure que les empires asiatiques hollandais, français et britannique acquirent un caractère nettement colonial et qu’ils limitèrent les frontières entre eux. La diminution de l’importance et de la renommée des tribus portugaises donna lieu, aussi bien à la perte de leur ancien engagement en tant qu’intermédiaires commerciaux et agents diplomatiques qu’à leur dilution dans d’autres communautés et groupes, pendant que les nouveaux empires européens créèrent de nouveaux centres urbains et favorisèrent la mobilité entre leurs différentes parcelles44. À cette baisse s’ajouta un retrait de leur langue, qui fut remplacée dans l’administration, dans le commerce, dans les activités missionnaires et dans les environnements sociaux par les langues des colonisateurs européens respectifs. Les indépendances nationales, qui advinrent après la Seconde Guerre mondiale, ont tout naturellement accéléré ce double processus. De nos jours, il ne reste plus que des communautés de petite dimension en petits groupes à Malacca, à Singapour, à Tugu (Jakarta), dans l’île de Flores et dans les îles voisines de Timor, dont les traits et les vestiges identitaires ont attiré l’attention des anthropologues et dont la survie est parfois perçue comme un simple potentiel touristique, générateur de recettes et de revenus économiques pour les régions concernées.

42

Boxer, 1965 : 224. Tomás, 2008 : 435-437. 44 Byrne, 2011 : 140-141. 43

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Le problème de la frontière dans trois ouvrages de Sérgio Buarque de Holanda : Monções, Caminhos e fronteiras et Capítulos de expansão paulista Laura De Mello E Souza Centre d’Études d’Histoire du Brésil / Centre Roland Mousnier Université Paris Sorbonne – Paris IV

Introduction En 1945, Sérgio Buarque de Holanda publiait Monções, ouvrage considéré comme point de repère et de division entre les activités jusqu’à ce moment développées en tant qu’auteur d’essais et critique littéraire et son activité d’historien1. Les moussons étaient les expéditions de commerce et de peuplement menées par les habitants de São Paulo, les paulistas, vers le centre-ouest du Brésil, où aujourd’hui se trouvent les États du Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás et Tocantins. Selon Sérgio Buarque de Holanda, ces expéditions avaient créé des routines, anéanti et discipliné les éléments turbulents de l’expansion bandeirante (des pionniers) du XVIIe  siècle. Elles portaient des traits presque modernes et aidaient à expliquer certains aspects de l’action modernisante jouée par les hommes de São Paulo deux siècles plus tard. Les incursions des paulistas dans le sertão (dans les broussailles) furent analysées par Buarque de Holanda sa vie durant. En 1957 il publia Caminhos e Fronteiras (Chemins et Frontières) recueil d’articles et d’essais sur les expéditions des paulistas – les chemins – et leur vie quotidienne, marquée par des coutumes et des habitudes indiennes – les frontières2. L’auteur soutenait que l’étude de la frontière en contexte luso-brésilien devait être envisagée dans une perspective autre que celle de Frederick 1



2

Holanda, 1945. Holanda, 1957.

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Jackson Turner (1816-1932) dans son classique The Frontier in American History (1921). La frontière selon Ségio Buarque de Holanda était plutôt culturelle que géographique, espace où s’échangeaient et s’engendraient des produits mélangés et où, en même temps, des traits originaux persistaient. Frontière et culture matérielle se combinaient dans les courses dans le sertão, l’expansion de la frontière n’étant donc pas plus importante que la consolidation des chemins. Ce sont presque ces mêmes sujets qui figurent dans des écrits restés inédits jusqu’à sa mort, en 1982 et qui furent publiés en 1986 dans O Extremo Oeste (L’Extrême Ouest) et, par la suite, ceux qui parurent en 1990 comme des annexes à la troisième édition de Monções.3 Réunis par moi-même dans une édition publiée en 2014, ils figurent maintenant dans Chapitres d’Expansion Pauliste4. Je dis que ce sont presque les mêmes sujets parce que il y a dans ces écrits au moins un aspect tout à fait nouveau, l’analyse en profondeur de deux régions métisses et frontalières : São Paulo et le Paraguay, dont les rapports tendus et contradictoires sont admirablement mis en évidence par l’auteur.

1. Monções Apparemment, Monções fait partie d’une famille d’ouvrages classiques sur le passé de São Paulo : ceux de José de Alcântara Machado (18751941), Vida e morte do Bandeirante (1929), d’Afonso de Taunay (18761958), História geral das bandeiras paulistas (1924-1950) et d’Alfredo Ellis (1996-1974), Raça de gigantes (1926). L’emphase a été mise sur les expéditions fluviales de commerce et de peuplement qui eurent lieu au XVIIIe  siècle, tandis que les aspects souvent soulignés comme épiques – tels que l’élargissement du territoire vers l’ouest – furent délaissés par l’auteur. Le quotidien de ces expéditions, la construction des bateaux, les difficultés autour de la navigation sur des fleuves souvent rapides et rendus dangereux par de nombreuses chutes d’eau furent marqués par une culture matérielle spécifique, par un besoin de simplifier. Ceci imposait aux nouveaux arrivants – les Portugais en l’occurrence – l’emprunt aux indiens de techniques et de connaissances autochtones  : le choix des meilleurs bois pour la construction des canots, la façon de distribuer les rameurs le long des bateaux, l’utilisation de couvertures pour éviter les 3



4

Holanda, 1986 ; Holanda, 1990. Holanda, 2014.

Le problème de la frontière dans trois ouvrages de Sérgio Buarque de Holanda155

moustiques (les mosquiteiros). Les tensions et les alliances avec les indiens jouent aussi un rôle important dans le récit qui décrit des actions et des actes quotidiens plutôt que des actions héroïques ou exceptionnelles. Dans la préface à la quatrième édition de Monções, j’ai suggéré que l’auteur n’a jamais été content de son œuvre, puisqu’il a essayé de la refaire au long des trente-sept ans qui s’ensuivirent, soit jusqu’à sa mort en 19825. Les écrits maintenant publiés dans Chapitres d’Expansion Pauliste sont un témoignage éloquent de cet effort. Devenu en 1946 directeur d’un Musée voué à la mémoire de l’expansion pauliste, le Museu Paulista, connu aussi comme Museu do Ipiranga, Sérgio Buarque de Holanda acquit une familiarité croissante avec la littérature ethnographique et ethnologique – déjà abondante dans la première édition de l’œuvre, en 1945 – et un intérêt de plus en plus poussé pour les collections d’objets liés à la vie matérielle. On sait qu’un savant comme Clark Wissler – cité dans les écrits publiés après sa mort – a joué un rôle décisif dans la réunion des collections ethnographiques du Musée américain d’histoire naturelle. Clark Wissler a enseigné l’Ethnologie à l’Université de Columbia et l’Anthropologie à Yale. On sait de la même façon que se fut dans les musées ethnographiques que naquirent les études systématiques sur la distribution spatiale des éléments de la culture. En tant que directeur du Museu Paulista, Sérgio Buarque de Holanda a renouvelé ses connaissances dans ce domaine, réécrivant par conséquent ce qu’il avait déjà écrit et en même temps puisant dans les archives du Brésil, du Paraguay, du Portugal et de l’Espagne des documents nouveaux.

2.  Chemins et Frontières Malgré les affinités entre Monções et Caminhos e Fronteiras, ce dernier ouvrage porte sur des thématiques plus variées et suit une approche davantage marquée par l’ethnologie. On y trouve les analyses les plus abouties de l’auteur sur la culture matérielle des populations paulistes en mouvement. Les parties du livre datent de moments différents et plusieurs d’entre elles furent publiées auparavant dans des journaux et des revues spécialisées. L’auteur les a divisées en trois volets  : Indios e mamalucos (indiens et métisses), Técnicas rurais (tecniques rurales) et O fio e a teia (le fil et la toile). Le premier volet porte sur «  as situações surgidas do contato entre uma população adventícia e os antigos naturais 5



Souza, 2014.

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da terra com a subsequente adoção, por aquela, de certos padrões de conduta e, ainda mais, de utensílios e técnicas próprios dos últimos »6. Le deuxième et le troisième volets portent sur le processus de dissolution de ce legs, qui avait eu lieu dans les premiers temps et finit par être récupéré lentement. C’est surtout dans le deuxième axe que l’héritage indien est discuté, tandis que dans le troisième on a affaire aux «  atividades que tendem a acomodar-se aos meios urbanos e se tornam, neste caso, cada vez mais dóceis aos influxos externos »7. Malgré l’originalité des pages sur la culture et le broyage du blé, ainsi que sur les métiers à tisser, les passages les plus brillants sont ceux compris dans le volet Indios e mamalucos. Plus de trente ans avant l’essai célèbre de Carlo Ginzburg sur le paradigme indiciaire, Sérgio Buarque de Holanda souligne la dimension culturelle des sens et de la perception en analysant la marche des paulistas dans la forêt, leur capacité à se guider par des indices, à lire et à interpréter les signes laissés par des branches brisées et des traces de pieds sur le sol8. La marche imposait des changements gestuels et corporels, une certaine inclinaison du tronc, une légère rotation des pieds, essentiels pour supporter les longs trajets. La nécessité imposait des apprentissages multiples : découvrir, comme les Indiens, de l’eau dans le tronc de certains arbres, se soigner et guérir avec certaines plantes et des substances inusitées, telles que des pierres trouvées dans les entrailles des animaux sauvages. Dans un milieu naturel particulier, « onde não se reproduzem exatamente as visões habituais, a imaginação adquire direitos novos »9. En même temps, les Européens assujettissent les éléments culturels autochtones à des procédés rationnels et finissent par leur donner des significations et des séquences logiques nouvelles, plus adaptées à leurs sentiments et à leurs habitudes traditionnelles. Pour l’auteur de Caminhos e Fronteiras, ce fut surtout dans la vie matérielle qu’eurent lieu des manifestations divergentes par rapport à la tradition européenne, celle-ci par contre ayant maintes fois dominé la vie familiale et sociale. Petit à petit, des mouvements qui paraissaient superficiels transformèrent profondément les mentalités. C’est le cas des 6



« Les situations nées du contact entre une population adventice et les anciens habitants de la région, les premiers adoptant des comportements et, surtout, des outils et des techniques propres à ces derniers » Holanda, 1957 : 12. 7 « Activités qui souvent correspondent aux milieux urbains et dans ce cas deviennent plus dociles aux influences extérieures », Holanda, 1957. 8 Ginzburg, 1989. 9 « Quand les visions habituelles ne peuvent pas se reproduire, l’imagination acquiert des droits nouveaux », Holanda, 1957 : 81.

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longs voyages fluviaux, capables de discipliner et d’amortir les esprits aventureux des colonisateurs portugais : A ausência dos espaços ilimitados, que convidam ao movimento, o espetáculo incessante das florestas ciliares que interceptam à vista o horizonte, a abdicação necessária das vontades particulares onde a vida de todos está nas mãos de poucos ou de um só, tudo isso terá de influir poderosamente sobre os aventureiros que demandam o sertão longínquo. Se o quadro daquela gente aglomerada à popa de um barco tem em sua aparência qualquer coisa de desordenado, não é a desordem de paixões em alvoroço, mas a de ambições metódicas e submissas10.

3.  Chapitres d’Expansion Pauliste Pendant les années 1960 et 1970, Sérgio Buarque de Holanda n’abandonna jamais l’idée de réécrire Monções, ayant obtenu auprès de la Fapesp une aide en 1965 pour continuer ses recherches dans les archives du Mato Grosso, du Paraguay et de Rio de Janeiro. Petit à petit, il s’écarta des analyses et des lectures ethnographiques et se pencha de plus en plus sur les sources primaires, manuscrites et imprimées, considérées en tant qu’éléments fonciers de la recherche historique. Les soucis concernant la culture matérielle ont par conséquent été laissés de côté tandis que l’analyse des chemins et du déplacement des agents historiques voués à la colonisation du territoire était reprise. Un des aspects le plus travaillé dans les écrits qu’il a laissé inédits – publiés, en 1986, sous le titre de O Extremo Oeste (L’Extrême Ouest) et incorporé en 2014, comme on l’a déjà souligné, à d’autres écrits posthumes dans le volume Capítulos de Expansão Paulista (Chapitres d’Expansion Pauliste) – fut celui de la tension entre indiens et paulistas dans les régions de frontière, régions d’ailleurs aux contours toujours flous et indéfinis, et sur lesquelles les hommes de l’époque n’avaient que des idées très vagues. Entamée plus de deux cents ans avant celle réalisée vers l’ouest du continent par les Américains du nord, la conquête paulista de l’ouest de l’Amérique du sud a trouvé des hommes peu préparés pour 10

« L’absence des espaces illimités qui invitaient au mouvement, le spectacle incessant des forêts ciliaires, qui s’interposent entre la vision et l’horizon, l’abdication nécessaire des volontés particulaires quand la vie de tous repose entre les mains de quelques- uns ou d’un seul, tout doit exercer une forte influence sur les aventuriers qui cherchent le sertão lointain. Le tableau de l’agglomération humaine sur la poupe d’un bateau peut avoir les apparences du désordre, n’étant cependant pas le désordre des passions agitées, mais celle des ambitions méthodiques et soumises », Holanda, 1957 : 136.

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la tâche qu’ils s’imposaient. Leur métissage avec les indiens de la région les a toutefois beaucoup aidés et a été la base sur laquelle se sont étayées des habitudes et des pratiques hétérogènes, capables de rendre moins difficile la vie quotidienne dans les broussailles et les forêts. Étant des métis – mamelucos – dans la race et dans la coutume, les paulistas ont donc surpassé les Américains du nord. Le problème du métissage dans les régions de frontière apparaît encore dans l’extraordinaire analyse des relations entre São Paulo et le Paraguay. L’auteur souligne des analogies évidentes entre l’impétuosité de l’expansion de la ville d’Asunción et celle de la ville de São Paulo. Les deux correspondant aux extrémités d’un axe de circulation et de contact qui a perduré jusqu’au XVIIIe siècle. La province du Paraguay débouchait sur le Rio de La Plata jusqu’en 1617, quand la couronne espagnole créa la province de Buenos Aires coupant ainsi la sortie du Paraguay sur l’Atlantique. Le Paraguay aurait pu connaître un destin différent : une grande province orientée vers l’est et le nord du continent sud-américain, que la force politique et mythique du Pérou finit par anéantir. Au XVIIIe siècle, dans le Grand Paraguay des pères jésuites, subsistait encore l’idée d’une « géographie de l’esprit », selon l’historien paraguayen Ephraim Cardoso, qui s’oppose à la « géographie politique et physique »11. Aux XVIe et XVIIIe siècles, cependant, une ère marquée par des hésitations, suggère que les jeux n’étaient pas encore faits. Le Paraguay ayant, à ce moment, pu faire partie de l’Empire portugais aussi bien que de l’Empire espagnol. La Cour portugaise a été profondément troublée par la fondation en 1537 de Nuestra Señora Santa María de Asunción, dont la localisation stratégique en faisait la clé du continent et, quelques années après, un obstacle capable de bloquer la route portugaise vers les mines de Potosí. En 1554 fut fondée la ville de São Paulo, place la plus avancée parmi les terres méridionales de l’Amérique portugaise. Selon Sérgio Buarque de Holanda, la crainte face à l’expansion de l’influence des habitants d’Asunción a été, plus que les menaces françaises sur la côte, le motif de l’occupation portugaise du Brésil, sous le règne de Jean III12.

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Cardoso, 1956 : 19. Il ne fut pas possible de savoir quelle a été l’édition utilisée par Sérgio Buarque de Holanda dans ses écrits posthumes. De Cardoso, il cite encore El Imperio del Brasil y el Rio de la Plata, toujours sans faire référence à la maison d’édition et à l’année de publication. 12 Holanda, « A Conquista do Extremo Oeste », 2014 : 140 et suivantes.

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C’est un grand dommage que le texte de L’Extrême Ouest finisse abruptement et qu’un des passages les plus brillants de l’ouvrage reste interrompu. Dans l’effort de comparer São Paulo et le Paraguay, Sérgio Buarque de Holanda soutient que la rudesse des paulistas a été leur plus grande qualité : ils marchaient pieds nus, à la différence des Espagnols qui montaient à cheval. Il n’y avait pas de chevaux à São Paulo, région couverte par des forêts épaisses, complètement différente des vastes prairies du sud, les pampas, et d’où, dès Asunción, sont sortis quatre mille animaux pour servir aux régions voisines. Le contraste était si évident qu’à cette époque, on pouvait distinguer de loin ceux qui étaient Espagnols, toujours à cheval, de ceux qui étaient Portugais, marchant à pied13.

4. Conclusion Dans les trois ouvrages qu’on vient d’examiner il y a des approches qui se penchent spécifiquement sur le problème de la frontière, mais cette question est le plus souvent associée à celle de la culture matérielle. Comme on l’a vu, Sérgio Buarque de Holanda considère qu’une des principales différences entre l’expansion nord-américaine vers l’ouest et celle menée par les paulistas concerne le métissage de ces derniers. L’approche porte plutôt sur les aspects mythiques, culturels et spirituels que sur ceux de la géographie physique. C’est donc très difficile, sinon impossible, de séparer dans ses ouvrages les analyses qui portent sur la culture matérielle de celles vouées à la frontière. Malgré les obstacles, j’espère avoir porté un peu de lumière sur le sujet proposé.

Références bibliographiques Cardoso, Efraim, El Paraguay colonial, Buenos Aires, 1956. Ginzburg, Carlo, «  Sinais: raízes de um paradigma indiciário  », Mitos: emblemas: sinais, São Paulo, Companhia das Letras, 1989. Holanda, Sérgio Buarque de, Caminhos e Fronteiras, Rio de Janeiro, José Olympio, 1957. Holanda, Sérgio Buarque de, Capítulos de Expansão Paulista, edição organizada por Laura de Mello e Souza et André Sekkel Cerqueira, São Paulo, Companhia das Letras, 2014. 13

Holanda, « A Conquista do Extremo Oeste », 2014 : 193 et suivantes.

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Holanda, Sérgio Buarque de, O Extremo Oeste, edição organizada por José Sebastião Witter, São Paulo, Brasiliense, 1986. Holanda, Sérgio Buarque de, Monções, Rio de Janeiro, Casa do estudante do Brasil, 1945. Holanda, Sérgio Buarque de, Monções, edição organizada por Antonio Candido, São Paulo, Brasiliense, 1990. Souza, Laura de Mello e, «  Estrela da vida inteira  », prefácio de Monções, edição organizada por Laura de Mello e Souza e André Sekkel Cerqueira, São Paulo, Companhia das Letras, 2014.

IV.  Les arts IV. As artes

Itinerâncias urbanas e nomadismo dos artistas Bárbara Freitag Universidade de Brasília

Meu relato sobre as itinerâncias urbanas toma como paradigma a cidade-fortaleza de Mazagão, fundada em 1516 pelos portugueses na costa da África (hoje Marrocos) que foi cercada e tomada pelos mouros infiéis em 1769. Essa última bastião cristã portuguesa na África foi então abandonada e implodida pelos portugueses a mando do Marquês de Pombal. Sua população (ca de 2.000 almas, entre fidalgos, soldados mercenários, mulheres e crianças) com todos seus pertences (animais, canhões, pedras, instalações de altares, santos, castiçais em ouro e prata etc.) foram buscados em 14 navios primeiro para Lisboa, onde os mazaganenses e seus pertences permaneceram nos Jerônimos por quase meio ano, aguardando seu destino final: o seu envio para o Brasil com a intenção de assentá-los em uma nova cidade-fortaleza, ainda a ser construída: a Nova Mazagão, situada na Amazônia (na confluência dos rios Matuacá e Amazonas). Em Belém do Pará, aguardava-os nova espera. Os primeiros assentamentos começaram em 1770, mas somente progrediram lentamente. Alguns mazaganenses debandaram, outros, foram sendo dizimados pelas doenças tropicais e seus bens deteriorados por falta de abrigos adequados. Os sobreviventes pediram autorização para voltar a Portugal, pedido que lhes foi negado mas suas pensões continuaram sendo pagas até o período da Regência, quando o projeto foi oficialmente declarado fracassado e os mazaganenses restantes, autorizados a fixarem-se em Belém e cercanias. (Laurent Vidal, 2008). Em seu Diário de Viagem do Tietê ao Amazonas de 1825-1829 (2000), Hercule Florence, que acompanhou a Expedição Langsdorff pelo interior do Brasil no início do século XIX, (50 anos depois do primeiro assentamento dos mazaganenses no Amazonas) fez um relato surpreendente de um plano do Marquês de Pombal, que pode ter uma relação com o traslado da cidade-fortaleza de Mazagão para a Amazônia:

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Contaram-me que o ilustre marquês de Pombal concebera sobre os destinos do Brasil e particularmente da província do Pará o plano mais extraordinário que preocupou o pensamento de um homem de estado, plano que, realizado, não encontraria igual na história senão a célebre retirada dos hebreus do Egito. […] Talvez o ministro já previsse que o Brasil mais anos menos anos se tornaria independente. Por tudo isto imaginara o plano de entregar à Espanha o território de Portugal, recebendo toda a porção espanhola da América meridional, transportando a nação portuguesa em massa para o Brasil. Formar-se-ia no continente europeu um império, constituindo-se outro de extraordinária grandeza no Novo Mundo, colocado todo debaixo do cetro da Casa de Bragança. Entravam no plano a nobreza e o alto clero. Durante três anos consecutivos deveria o púlpito apregoar em todo o reino que era a vontade de Deus a emigração em massa para o Brasil, a fim de, sem mais tardança, espalhar a fé católica nessa vasta região, ainda quase toda entregue a gentios idólatras, obstinados em falsas crenças e correndo o risco de serem conquistados por nações protestantes […] (apud Freitag, 2013: 148/9). Na esperança de fundar o mais vasto império do mundo e querendo levantar-lhe a capital à margem do maior rio da Terra, tinha o ministro escolhido a cidade do Grão-Pará em razão de sua colocação sobre o Amazonas, cujo curso de milhares de léguas é caminho franco e aberto para os Andes, tornando-se os seus grandes tributários outros tantos braços de comunicação com a América meridional (Florence, 2000: 273/4, citado apud Freitag, 2013: 150).

*** Voltando o olhar para as três capitais brasileiras focalizadas em nossa pesquisa CNPq (Conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico): Salvador, Rio de Janeiro e Brasília levantamos as perguntas como e por que mudam as capitais? Que configurações de poder estão em vigor quando ocorrem essas mudanças? Elas têm algo a ver com o caso de Mazagão, a cidade flutuante que aportou em três continentes? Como se configura a relação entre os poderes laicos (Marquês de Pombal) e religiosos (padre Antônio Vieira), e finalmente, como se deu a relação dos poderosos com os artistas no contexto das mudanças das três capitais brasileiras, acima relacionadas? Em suma, quais as explicações por detrás do título geral de nossa pesquisa CNPq Itinerâncias urbanas: capitais migrantes, poderes peregrinos e representações nômades? Nessa pesquisa foram respeitados três registros introduzidos para analisar a mudança das capitais: o urbanístico, o do poder e o das representações culturais. Fazem parte do primeiro registro os traçados urbanos, as múltiplas funções das cidades (inclusive a de ser capital, ou não), regulamentação de trânsito, entre outras. No registro do poder foram consideradas as mudanças

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do regime político (desde as capitanias hereditárias até à proclamação da República) mas também as oposições urbs e civitas ou carne e pedra, conceitos cunhados por Sennett e aqui incorporados, fazendo parte da pesquisa e reflexão sobre a cidadania e a materialidade da cidade (vide o exemplo de Mazagão). No registro das representações nômades que incluem as artes e os artistas, pensou-se também na linguagem (literatura), crenças religiosas e demais fatores culturais. Quais foram as capitais (federais) estudadas? De saída constatamos que a primeira, Salvador (1549-1763), foi a capital do Brasil colônia; o Rio (1763-1960), a segunda, foi a capital do vice-reinado, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, do primeiro e segundo Reinado do Brasil, Império mas já independente de Portugal, e finalmente, da República. Coube à terceira capital, Brasília (inaugurada em 1960), o estatuto de NOVACAP, construída no nada no cerrado do Planalto Central, a partir do risco inédito de Lúcio Costa, posteriormente ocupado pelos prédios do Plano Piloto, desenhados por Oscar Niemeyer como verdadeiras obras de arte (como o Palácio da Alvorada, o Prédio do Itamaraty, o Palácio da Justiça, a Catedral de Brasília, a UnB, e tantos outros). O ineditismo de Salvador e Brasília está no fato, de que se trata de cidades, que emergiram das pranchas de arquitetos (no caso de Brasília, verdadeiros artistas). No caso de Salvador e do Rio, partimos do fato de que foram concebidas como cidades-fortificadas, verdadeiras cidades fortaleza, cidades portuárias, litorâneas. Em seu Álbum iconográfico comemorativo do bicentenário da transferência da sede do governo do Brasil (1963), G. Ferrez lembra o que Salvador e Rio tinham em comum: as grandes baías, em que cabiam esquadras inteiras como a Bahia de Todos os Santos e a Baía de Guanabara. No início de sua existência (no século XVI) as fortificações e seus engenheiros idealizadores assumiam papel de destaque. Eram os artistas da época mais bem pagos, construindo fortalezas como São João e Santa Cruz (no Rio) e S. Marcelo e São Pedro (em Salvador). Isso tinha suas razões, pois ambas as cidades sofreram invasões: os franceses (protestantes!) de Villegaignon e depois, o corsário (pirata) Duguay-Trouin que cercaram e sitiaram a cidade várias vezes; e os holandeses (também protestantes) invadiram, ocuparam Salvador e Recife por várias décadas, sob as ordens de Maurício de Nassau. (J.R. Teixeira Leite, 2014). A colonização portuguesa destacou-se pela sua catequese e cristianização da população indígena, para a qual e pela qual, construíram igrejas monumentais (via de regra barrocas) enfeitadas com os famosos azulejos

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portugueses, trazidos de Portugal (como lastro). Da própria colônia, as cidades herdaram (desde as descobertas de minas de ouro e prata na região mineira), o traçado e os interiores barrocos das igrejas, revestindo de ouro e pedras preciosas seus altares, suas capelas e santos. Somente como pincelada, quero lembrar dois grandes artistas que viveram no Nordeste: Post & Eckhout, trazidos por Maurício de Nassau, durante a invasão holandesa e que fizeram grandes painéis das etnias que compuseram a sociedade brasileira. Na região mineira o nome mais famoso foi o do Aleijadinho, que enriqueceu as igrejas barrocas, por dentro e por fora com suas belas estátuas de pedra sabão (Congonhas), de madeira (Igreja de São Francisco em Ouro Preto ou da Matriz de Santo Antônio, em Tiradentes). Tivemos no período da colonização brasileira ricas obras, muitas delas realizadas por artistas anônimos, artistas esses, que acompanhavam os poderes religiosos e seculares em suas itinerâncias. Nesse contexto gostaria de referir-me a três exemplos de nomadismo dos artistas que sublinham a tese aqui subjacente, de que o nomadismo dos artistas esteve intimamente ligado aos poderes peregrinos. Especialmente durante o Brasil colônia, os artistas (nômades) entravam em cena, ao lado, e via de regra, subordinados aos poderes peregrinos laicos e religiosos. No primeiro exemplo, faço referência ao sexto vice-rei, o conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha, que foi transferido de Salvador, onde ocupava o cargo de governador-geral da Bahia, para o Rio de Janeiro, onde passaria a ser vice-rei do Brasil (1801-1806), na véspera da chegada da Família Real portuguesa em 1808. Segue abaixo um relato feito por Vivaldo Coaracy: O Conde dos Arcos, que governou a Bahia até 1801, prestara tão grandes e assinalados serviços de real utilidade para o progresso da Capitania, que o comércio local resolveu manifestar sua gratidão sob a forma de um mimo valioso. Ofertaram-lhe os baianos uma magnífica espada de copos de ouro e lhe prometeram erguer, no Rio, uma residência às alturas, que fosse uma obra inteiramente baiana. Assim nasceu o Palácio do Conde dos Arcos! Não só todos os materiais para construir o palácio foram enviados da Bahia para o Rio, como também o mestre de obras, Antonio da Trindade, e o mestre carpinteiro, Luiz de Macedo de Castro, que supervisionaram a obra depois de terem escolhido o local onde a residência seria erguida. Esse prédio existe até hoje e já abrigou temporariamente o Senado; atualmente é a sede da Faculdade de Direito da UFRJ (Coaracy, 2008: 97, citado apud Freitag, 2009: 82/3).

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No segundo exemplo, o foco recai sobre a transferência da Família Real de Portugal ao Brasil em 1808 e à permanência de D.João VI no Rio de Janeiro até 1821. Nesse período aconteceria o que entre nós ficou conhecido como a vinda da Missão Francesa ao Brasil. Trata-se do nomadismo de um grupo de artistas franceses ao Brasil, entre os quais merecem destaque, Joachim Lebreton (o chefe da missão), Jean-Baptiste Debret, Nicolas Taunay e sua família, Victor Grandjean de Montigny, Charles Lavasseur e os irmãos Marc e Zéphyrin Ferrez, encarregados de aqui criar, a exemplo da Academia Mexicana de Artes, uma Academia de Artes Brasileira. Lilia Schwarz, em seu livro, (2008) faz o relato da vinda desses artistas franceses em 1816, caídos em desgraça na França com a queda de Napoleão e sua busca de refúgio baixo as asas do Príncipe Regente, que em breve seria coroado Rei D. João VI, (rei de Portugal, Brasil e Algarves) consumando-se assim a transferência simbólica da capital do Reino, Lisboa, para o Rio de Janeiro. A autora do livro tenta defender a tese que não houve missão alguma e sim uma tentativa de artistas nômades de obter emprego ao recém empossado rei. Nicolas Taunay voltou para a França com três dos seus filhos em 1829, depois da volta de D. João VI para Portugal (1821). Não há dúvidas de que devemos a Jean-Baptiste Debret a mais rica e realista iconografia do Rio de Janeiro, com seus tipos populares e aristocráticos, as ruas, as igrejas e os palácios, animais e plantas, sem os quais não teríamos condições de imaginar o que era o Rio de Janeiro no período da Monarquia no Brasil. E devemos a Nicolas Taunay e seus filhos, todos altamente dotados e produtivos, belas imagens das paisagens brasileiras, muitas vezes (como constata Lilia Schwarcz) com elementos europeus com vaquinhas pastando, camponeses (brancos) e um sol do Brasil um tanto apagado, lembrando mais a Europa setentrional que os trópicos no Brasil. Em contraste, devemos lembrar que o filho caçula de N. Taunay, Aimé-Adrien que integrou a Expedição Langsdorff (18241827) fez alguns dos mais belos registros do interior brasileiro da terceira década do século XIX, incluindo O canto noturno dos índios bororos, uma Aldeia desses índios em Pau Seco, ou a Vista da vila Guimarães por onde passou em 1827, pouco antes de morrer afogado nas águas caudalosas do Rio Guaporé. Langsdorff, que tivera pequenos atritos com ele, lamenta essa morte e deixa registrado em seu diário o seu indiscutível talento. Durante sua permanência no Palácio dos governadores de Vila Bela da Santíssima Trindade em Mato Grosso, Aimé-Adrien Taunay reproduziu as imagens de todos os sete vice-reis que o Brasil conheceu, aqui pintados em tamanho natural nas paredes do palácio, juntamente com D. Maria I, hoje considerado documento único deste período.

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Mas já que estamos fazendo referência aos pintores nômades que acompanharam a Expedição Langsdorff, é imperioso fazer referência a mais dois artistas, hoje de renome nacional e internacional: Moritz Rugendas e Hercule Florence. Rugendas, que teve como mecenas Alexander von Humboldt, tornou-se famoso como pintor viajante que fez as paisagens mais pitorescas da natureza tropical brasileira, publicadas em seu livro Viagem pitoresca através do Brasil (1835). Depois de desligar-se da Expedição Langsdorff (1825) percorreu o México, o Peru e voltou ao Brasil na época de D. Pedro II, na função temporária de pintor da corte do II Império. Hercule Florence, hoje considerado o inventor da fotografia no Brasil, ocupou na Expedição de Langsdorff a vaga deixada por Rugendas, registrando em suas belíssimas aquarelas os povos indígenas que a Expedição encontrou pelo caminho como os mundurucus e apiacás (Maloca, dos apiacás no rio Arinos e índios do rio Jurena, 1828), paisagens das redondezas de Diamantino, a Vista de Santarém sobre o rio Tapajós, 1828, e os céus do Brasil, pintados até mesmo depois de encerrada a expedição fracassada (1833). O terceiro exemplo de artistas nômades que percorreram o Brasil do século XIX, são os naturalistas e pesquisadores que acompanharam a vinda da princesa Leopoldina da casa de Habsburgo, casada por procuração (Marquês de Marialva) com D. Pedro I, Príncipe da Beira, da casa de Bragança. Leopoldina chegaria ao Brasil em 1817, trazendo em seu cortejo naturalistas, pintores, músicos, entre damas de companhia e outros viajantes (cf. o Desembarque da princesa real Leopoldina, prancha 32, vol.III, tomo II da obra de Debret). Entre os nomes mais famosos da comitiva cabe mencionar: o pintor Thomas Ender, o botânico Emanuel Pohl, o músico Sigmund Neukomm, os zoólogos Spix, Martius e Natterer e muitos outros que apoiados pelos seus governos, muitas vezes mediatizados pelas Academias de Ciências e Artes a que pertenciam, deixaram obras que marcaram a história, viajando pelo Brasil e desbravando o seu interior. Thomas Ender deixou suas aquarelas (que hoje estão compiladas no famoso Museu Vienense, a Albertina), nas quais fixou a beleza das paisagens da Baía de Guanabara e do Estado do Rio, onde imortalizou a Fazenda da Mandioca, propriedade do viajante G.H. von Langsdorff, uma espécie de salão científico onde se encontravam com regularidade os viajantes mais famosos, entre eles Spix & Martius que legaram ao mundo seu trabalho monumental sobre a Flora brasiliensis, de valor estético e científico inestimáveis.

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*** Antes de lançar luz sobre a terceira e atual capital brasileira, Brasília e dar destaque ao nomadismo dos artistas, nessa nova moldura urbana, gostaria de fazer algumas observações importantes. Devido à concepção desta publicação, da composição deste capítulo voltado para as Artes e da análise do tema que me propus apresentar aqui, preciso dar um salto de sete léguas no espaço e de mais de um século no tempo. Somente assim ficarei fiel à questão das Capitais Migrantes, poderes peregrinos e representações nômades, focalizando as três capitais brasileiras e sublinhando o nomadismo dos artistas que nelas se destacaram. Com isso, deixo de lado um período de florescimento das artes e de artistas brasileiros que marcaram época no Brasil e no mundo, durante a Semana de Arte Moderna em São Paulo (1922), destacando-se aqui nomes como Anita Malfati, Tarsila do Amaral, e muitos outros. Para a análise do comportamento e da função da arte e dos artistas no novo contexto urbano de Brasília, a NOVACAP (desde 1960), volto agora a atenção para a pesquisa de Angélica Madeira e seu importante livro (2013). Trata-se de um livro que se gerou no contexto da pesquisa das Itinerâncias urbanas: capitais migrantes, poderes peregrinos e representações nômades, com foco especial sobre o nomadismo dos artistas. Para a autora, o conceito de nomadismo se refere, antes de mais nada, aos artistas como indivíduos migrantes, como condição existencial. Trata-se de uma atitude interna, radical, para ser artista, correspondendo a uma necessidade de manter-se em um estado permanente de mobilidade; enquanto o conceito itinerância, de caráter sociológico, se adequa melhor para caracterizar um deslocamento dentro de um circuito ou campo, mais apropriado para modelos institucionais, transferências grupos e até mesmo de cidades. O estudo de Angélica levantou e examinou a produção artística em Brasília, em três momentos distintos: (1) os anos 1950-1960, em que se consagraram o paradigma racionalista na arquitetura e no urbanismo e o concretismo nas artes. A cidade é vista como artefato e construção coletiva, em que Brasília se encontra sob o signo da arte oficial do Estado; (2) os anos 1970-1980, no auge da repressão política e a reação dos artistas que permaneceram na cidade, momento em que o contexto autoritário leva os artistas a usarem a arte como burla e instrumento de protesto e; finalmente, o terceiro momento, (3) os anos 80 e depois: que marcam o fim das utopias e inauguram a reflexão do estatuto da obra de arte como mercadoria.

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No primeiro momento, a autora enfatiza as contribuições dos artistas Athos Bulcão, que permanecerá até sua morte na Capital, Rubem Valentim e outros. Esperava-se dos artistas de renome que neste momento contribuíssem para a educação estética e pedagógica dos novos moradores e cidadãos candangos, chegando a formular-se a Nova Capital como sendo uma cidade esteticamente qualificada. No segundo momento, a pesquisa focaliza os artistas do protesto, que buscam usar a arte para chocar, transgredir consensos, como instrumentos de pensar, a partir do estudo da obra de Cildo Meireles e Nelson Leirner, Marília Rodrigues, Lygia Clark, Hélio Oiticica entre outros. Após receber críticas acirradas, por parte dos intelectuais e artistas envolvidos com uma militância política mais tradicional, as propostas da geração jovem impuseram-se como força rebelde, sugerindo uma mudança de atitude responsável pela reorientação do campo das artes no Brasil. Surgiram questionamentos radicais: A quem compete o juízo estético? Qual a função da arte diante de novas tendências históricas (repressão política, sociedade de consumo?) (A.M.: 70).

Após 1980 chegamos ao terceiro momento: com a perda dos modelos utópicos, as tendências fragmentárias da arte, momento em que Angélica analisará as instituições (departamento de artes da UnB), os espaços de exposição e os acervos artísticos de Brasília. É nesse novo contexto espacial e temporal que a autora introduz nomes como Nelson Maravilhas, Pedro Alvim, Fernando Madeira, Elyeser Sturm, Wagner Barja, Gustavo Magalhães, para somente mencionar alguns. E é nesse momento que a autora também se dedica aos acervos coletivos, aos novos espaços culturais como os dos bancos do Brasil, da Caixa Econômica, do Banco Itau, e entre outras instituições o Instituto Goethe, Cultura Inglesa, Casa Thomas Jefferson. Enfim, ela conclui: A parte mais expressiva da arte contemporânea vem do acervo do MAB (Museu de Arte de Brasília). Que reúne obras de artistas brasileiros dos anos 1950 aos nossos dias: Samson Flexor, Ubi Bava, Aloísio Magalhães, Iberê Camargo, Arcangelo Ianelli, Antonio Dias, até os mais próximos Tunga, Rosângela Rennó, Regina Silveira, Emmanuel Nassar, Paulo Pasta, Leda Catunda, José Leonilson, entre muitos outros (A.M.: 197).

Na enumeração de nomes, aparece também uma lista longa de jovens talentos brasilienses, candangos como Elder Rocha, Evandro Salles, Glenio Bianchetti, entre muitos outros. Como a pesquisa de Angélica Madeira revela, a relação entre poderes peregrinos e nomadismo dos artistas, transcende os limites geográficos de Brasília, assumindo uma

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nova qualidade: a tendência crescente de desprendimento dos artistas nômades, da tutela do Estado ou da Igreja, buscando novos caminhos de financiamento, de formas de expressão e locais de exposição, envolvendo instituições como bancos públicos e privados, empresas, organizações culturais como os Institutos de línguas, embaixadas e assim por diante. Na vox popoli diríamos os artistas estão aprendendo a se virar e soltar-se um pouco das saias dos financiadores tradicionais (Estado e Igreja). Como foram surgindo novos mecanismos de mecenato público e privado (Leis de incentivo à cultura, Lei Rouanet), percebe-se uma maior liberdade e autonomia dos artistas, que acabaram com certas utopias e tabus. Não defendem mais a concepção da arte pela arte, da instrumentalização da arte para fins políticos e ideológicos nem têm vergonha de se aproximarem do mercado e de uma clientela com poder aquisitivo significativo, onde competem entre si. Vide o caso de Vik Muniz e outros. A obra de arte virou mercadoria, como qualquer outra, que pressupõe criatividade, qualidade e divulgação.

Referências bibliográficas Coaracy, Vivaldo, Memórias da cidade do Rio de Janeiro do século XVII, vol. 6, Rio de Janeiro, José Olympio, 1965. Debré, Jean-Baptiste, Voyage pittoresque et historique au Brésil, Paris, Firmin Didot, 1835-1839. Ferrez, Gilbert, Album iconográfico comemorativo do bicentenário da transferência do governo do Brasil: as cidades do Salvador e do Rio de Janeiro no século XVIII, Rio de Janeiro, IHGB, 1963. Florence, Hercule, Viagem do Tietê ao Amazonas de 1825-1829, vol.  93, Brasília, edições do Senado Federal, 2000. Freitag, Bárbara, Capitais migrantes e poderes peregrinos: o caso do Rio de Janeiro, Campinas, Papirus, 2009. Freitag-Rouanet, Bárbara, Viajando com Langsdorff, vol.  195, Brasília, Edições do Senado Federal, 2013. Madeira, Angélica, Itinerância dos artistas: a construção do campo das artes visuais em Brasília – 1958-2008, Brasília, Editora da UnB, 2013. Madeira, Angélica, «Capitais migrantes e poderes peregrinos: um roteiro de viagem», Revista Tempo Brasileiro, n°  186, julho-setembro de 2011, p 133-138.

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Bárbara Freitag

Rugendas, Johann Moritz, Voyage pittoresque dans le Brésil, trad. de l’allemand, Paris, s.n., 1835. Rugedas, Johann Moritz, Viagem pitoresca através do Brasil, Rio de Janeiro, s.n., 1972. Schwarcz, Lilia, O sol do Brasil: Nikolas-Antoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na Corte de D. João, São Paulo, Companhia das Letras, 2008. Spix, Johann Baptist; Martius, Carl Friedrich Philipp, Reise in Brasilien in den Jahren 1817-1820: gemacht und beschrieben, Munchen, Lindauer Verlag, 1823. Teixeira Leite, José Roberto, Arte e Arquitetura no Brasil Holandês, Recife, Instituto Ricardo Brennand, CEPE editora, 2014, [1624-1654]. Vidal, Laurent, Mazagão: a cidade que atravessou o Atlântico, São Paulo, Edições Martins Fontes, 2008.

Les Fantômes de l’histoire dans le cinéma portugais contemporain António Preto CEAA / ESAP (Centro de Estudos Arnaldo Araújo / Escola Superior Artística do Porto)

Le cinéma portugais contemporain – disons, la production cinématographique des dernières quatre décennies – est hanté par l’Histoire du pays. En réinventant l’héritage du romantisme littéraire du XIXe  siècle, plusieurs cinéastes ce sont engagés dans la mise en question des représentations historiques du passé du Portugal, soit pour ce qui est du démontage de l’identité hyperbolique avec laquelle l’Estado Novo a voulu se confondre, soit aussi pour ce qui est des images emblématiques de la rupture, sensées interrompre le flux des images qui reliait la propagande du régime salazariste aux moments-clés de la fondation (voire de la refondation) du pays, conférant ainsi un statut imaginaire – et donc politique – nouveau à ce qui suit la Révolution de 1974. Ni continuité ni rupture historique, ni simplement déconstruction de la mythologie identitaire nationale pour y reconstruire, à sa place, et sur ses ruines, une contre-mythologie, inversée et paisible ; ni encore substitution d’une image ancienne par une nouvelle image, mais plutôt une mise en question des représentations à travers la dialectisation du passé et du présent dans une image composée où différentes temporalités se superposent, se miroitent et, bien entendu, se commentent et se complètent  : voilà ce qui est remis en question dans ce cinéma. Il ne s’agit pas de proposer une réappréciation du passé saisie sur le prisme de la célébration, ni non plus sur le prisme de la négation, ce qui supposerait une volonté de légitimation du présent, soit en tant que concrétisation de ce que le passé anticipait ou incitait, soit alors, bien au contraire, en tant qu’effort de réfutation capable de sublimer et de surmonter ce même passé. Ce que l’on retient du travail de certains réalisateurs portugais contemporains – tel est le cas des trois films dont nous nous occuperons

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par la suite : NON ou la Vaine gloire de commander (1990) de Manoel de Oliveira, Tabou (2012) de Miguel Gomes et Cavalo Dinheiro (2014) de Pedro Costa – c’est la façon dont la dialectique de l’image nous mène à une image critique, voire à la problématisation du récit et donc de la linéarité temporelle propre de l’histoire classique. Le premier point commun entre les trois films est bien la conception de la mort comme point de départ et condition de principe pour le déclenchement du récit  : c’est-à-dire que la mort est à l’origine de l’histoire. Dans NON, il faut que le lieutenant Cabrita – personnification transtemporelle de l’histoire du Portugal et, dans le film, narrateur de cette même histoire – s’éteigne pour que le Portugal puisse se libérer de son passé mythique et impérialiste, et ainsi s’offrir finalement au présent. Remarquons que c’est la voix de Manoel de Oliveira qui décrète significativement la mort du lieutenant-narrateur qui suivit justement le matin même du « jour de la Révolution du 25 Avril 1974 ». Remarquons que c’est aussi le réalisateur qui, à la fin de Parole et Utopie, apporte au prêtre agonisant António Vieira la lettre papale, qui réinvesti de sa « voix active et passive » dont il avait été « injustement privé »1, celui qui est l’inventeur du «  Cinquième Empire  » (et l’auteur de la mystérieuse, aussi bien qu’antinomique, Histoire du Futur). Oliveira a donc besoin d’enterrer le mythe et, avec celui-ci, ses principaux personnages – sans les figer dans une « fausse mort », mais en leur conférant une mort salvatrice – pour replacer à un niveau plus modeste l’image lusitanienne et, ainsi, la catapulter vers l’avenir. En citant Pessoa (Mensagem), Oliveira constate : «  Il manque d’accomplir le Portugal  ». Mais le film NON ou la Vaine gloire de commander ne va pas si loin. Il s’arrête au 25 avril, par le legs vers un futur caché2. D’après le réalisateur, la révolution portugaise n’a donc pas constitué la fin d’une grandiloquence patriotique, mais, en tant que négativité rédemptrice, elle a été une fin qui s’ouvre à un recommencement (comme c’était déjà le cas dans Acte du Printemps, ce qui fait en quelque sorte de NON l’Acte du printemps de l’histoire du Portugal). Certes, le lieutenant Cabrita (et tout ce qu’il signifie) doit mourir, mais il doit mourir le matin. C’est un parti-pris identique qui travaille Tabou. Cette fois, il ne s’agit pas de la mort du narrateur, mais c’est bien la mort du personnage central qui fera l’objet du récit, ce qui permettra au narrateur de prendre la parole. La mort libère l’histoire et ouvre la possibilité de la raconter. 1



2

Voir les dialogues du film Parole et Utopie (2000) de Manoel de Oliveira. Oliveira, 1993 : 140.

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Mourante, Aurora écrit dans la main de Santa, sa bonne africaine, le nom de son amant d’autrefois  : Ventura. L’imminence de la mort, conduit Aurora vers son passé, mais le geste qu’elle dessine sur cette main encore coloniale fait bien penser aux pratiques de divination, notamment à la chiromancie. Il ne s’agit pas de prédire son futur sur la main de l’autre. Elle n’a pas de futur, et Ventura n’arrivera pas à temps pour la voir. Mais ce passé lointain qui, d’un coup, hante l’esprit du personnage mourant et qui, en même temps, se mêle insidieusement au présent constituera, effectivement, la suite du film. Nous aurions envie de dire, comme Pascoaes, que « le futur est l’aurore du passé », mais la mort d’Aurore dans les premiers jours de la nouvelle année propose un renversement entre le commencement et la fin qui fait penser à la mort matinale du lieutenant Cabrita dans NON. Là encore, il faut mourir pour que toute la mémoire puisse se mettre en œuvre et pour que la narration puisse se poursuivre. Dans Cavalo Dinheiro, Pedro Costa « a pris le parti des fantômes, d’une forme d’histoire où se sont les morts qui viennent juger les vivants »3, ainsi le propose Jacques Rancière. Après Fontaínhas et à la suite du déménagement des personnages capverdiens du HLM, ce qui ne constitue pas, en effet, le passage d’une zone d’ombre à la lumière du jour, ni le détour d’une page blanche prête à accueillir la réécriture de leur histoire – une histoire qui, disons-le, n’a pour eux jamais existé en tant que telle – Pedro Costa revient sur ce qu’il appelle une « nuit baudelairienne »4, où « le ciel bas et lourd pèse comme un couvercle sur l’esprit gémissant en proie aux longs ennuis … »5. Si dans En avant jeunesse il s’agissait « de faire circuler un corps entre différents lieux qui constituent une topographie possible de notre monde à la fois géographique, économique et culturel »6, comme le remarque encore Rancière, dans ce nouveau film tout se passe presque uniquement dans un hôpital – l’hôpital qui représente selon Pedro Costa « tous les hôpitaux qui ont existé depuis les Égyptiens » – l’hôpital qui devient donc une idée, l’espace mental d’une situation définie – celle de la maladie – le lieu de la guérison ou alors, plutôt, de la mort. C’est vrai que l’hôpital était déjà présent dans le film Ossos et que les personnages de La Chambre de Vanda, ainsi que ceux d’En avant jeunesse, reclus dans leurs

3

Rancière, 2015 : 88. Costa, 2014. 5 Baudelaire, 2003 : 170. 6 Rancière, Ibid. 4

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chambres, vivaient déjà en quelque sorte en régime hospitalier, enfermés, stigmatisés, prisonniers de la maladie que l’on projette sur eux, c’est-àdire, coupés du monde. L’hôpital – qui est, significativement, l’espace où ont lieu trois des séquences centrales des films qui nous occupent – n’est donc pas, chez Pedro Costa, un lieu de passage ou de renversement entre la fin et le recommencement, comme on le voit dans NON ou dans Tabou. L’institution ne veut rien soigner, elle ne prend en charge Ventura que pour mieux le soustraire au jour, pour le transporter dans les catacombes de l’invisibilité : l’hôpital (et le pyjama de Ventura en est bien le signe) apparaît comme le camp d’extermination de ce qui n’a jamais eu d’existence, il radicalise la dépossession : la dépossession de l’espace et du temps, la dépossession de l’histoire, la dépossession de soi-même.

NON ou la Vaine gloire de commander, Manoel de Oliveira

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Tabou, Miguel Gomes

Cavalo dinheiro, Pedro Costa

Le rapport au temps, à la mémoire et à l’histoire est, dans les trois films que nous analysons, très particulier et riche de conséquences. Oliveira esquisse un portrait transhistorique d’un peuple, un polyptique qui essaye

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de repenser l’histoire du Portugal non pas à travers ses victoires épiques, mais bien à partir des défaites militaires. On se souvient que le récit du lieutenant Cabrita a lieu dans le cadre de la Guerre Coloniale portugaise et que les batailles qu’il évoque sont, pour la plupart, récréées dans le film par les mêmes acteurs qui jouent le rôle des coreligionnaires du lieutenant-narrateur, ceux donc à qui il adresse la parole. Le sang qui coule dans leurs veines est bien celui qui traverse toute l’histoire (voire le même qui a été versé dans les innombrables batailles), et c’est ce mythique lien du sang, d’où découle traditionnellement la possibilité d’une identité nationale, qui est mis en question. Certes, il y a – comme on le voit dans la séquence finale – un rapport de consanguinité entre le rêve impérialiste de D. Sebastião et la bataille africaine que mènent le lieutenant et ses camarades. NON serait alors une sorte de tombeau cinématographique des soldats inconnus de toutes les batailles et de toutes les époques. Mais c’est aussi ce lien de sang, cette chaîne idéologique, que le lieutenant rejette viscéralement : plus aucun mot ne sortira de sa bouche, plus de récit historique, seule l’expurgation de ce sang empoisonné peut s’ouvrir à une histoire non encore écrite à laquelle, bien entendu, il n’appartient pas (sauf en tant que véhicule ou martyr involontaire). L’histoire que Manoel de Oliveira nous présente se relate, évidemment au présent : elle est racontée à partir d’un point de vue qui est celui d’une actualité qui reconsidère ce qui est apparemment inactuel pour prendre bonne mesure des échecs de la révolution, d’une actualité qui ne cherche pas à se faire légitimer par l’histoire, surtout parce que NON est aussi, sous ce prisme, le tombeau du récit officiel. Pour Miguel Gomes, le présent est le « paradis perdu » à partir duquel on accède au paradis  du passé colonial. Dans la première partie, celle qui correspond au Portugal contemporain, certains détails renvoient à la survivance de ce passé qu’on retrouvera dans la seconde partie : la surcharge de plantes dans l’appartement d’Aurora, des palmiers et une girafe dans le Parc des Nations, végétation tropicale dans le shopping center (où les personnages prennent un café), et encore plus le film sur l’explorateur du XIXe  siècle auquel Pilar assiste dans le prologue, sont autant de traces d’une Afrique fantôme. Sauf la mort d’Aurore, il n’y a pas d’événements majeurs dans cette première partie : les personnages vivent dans un état mélancolique, affichant un désir de fiction que la deuxième partie – celle correspondant à la vie d’Aurore en Afrique – va finalement accomplir. Le passé africain est présenté comme un terrain de jeu, plein d’aventures romanesques, mais l’on voit bien que l’histoire personnelle se lie à l’histoire du pays : en effet, dans le cadre du film, la lutte pour

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l’Indépendance coloniale est provoquée par un incident amoureux vécu par Aurora. Elle est, en quelque sorte, un agent de l’histoire, elle est responsable, même si inconsciemment, de la guerre, tout comme elle est aussi responsable du malheur, du spleen, du sentiment de perte qui caractérise la première partie à Lisbonne. Cavalo Dinheiro, se passe, selon son réalisateur, dans «  un présent éternel  »7. Aucune histoire n’est possible puisque la matière dont il est construit – les souvenirs traumatiques de Ventura, ses rêves et ses cauchemars – ne se laissent pas organiser dans un récit. La matière du film est diffuse, le temps est suspendu dans un mouvement fixe, comme celui que nous voyons dans la séquence de l’ascenseur. L’ascenseur est bien en marche, mais nous ne savons pas s’il monte où s’il descend : il est, pour ainsi dire, paralysé – suspendu – dans son propre mouvement. Ventura, qui nous regarde avec une fixité spectrale, est hanté par une histoire qui lui appartient, mais dont il est exclu : il a vécu la Révolution de 74 et il a participé à la construction du Portugal démocratique – littéralement, d’ailleurs, puisqu’il a travaillé dans plusieurs chantiers –, mais, en même temps, il ne fait partie ni des vainqueurs ni des vaincus : il est en retraite ; il appartient à une troisième catégorie, en marge de tout récit historique ou politique, celle qui regroupe ce qui n’est ou ne doit pas être visible, tout ce qui gêne et contredit les fondations mêmes du régime qu’il a aidé à bâtir : il est un fantôme. Il incarne un tabou vis-à-vis du politiquement correct, de la même façon que le récit des défaites dans NON ou la révision du colonialisme comme la période la plus heureuse des personnages du film de Miguel Gomes le sont aussi. Pedro Costa raconte qu’il a appris récemment qu’au moment où il participait à la Révolution en criant des slogans et des mots d’ordre communs, Ventura se cachait derrière les buissons du jardin de Estrela avec ses camarades, les émigrants noirs qui venaient des anciennes colonies portugaises. Il aurait voulu, certes, disparaître, se soustraire à tous les regards, devenir invisible. Il ne comprenait rien, il s’était enfermé dans ce qu’il appelle une prison, il savait seulement que ce qui se passait ne le concernait pas. Il est oublié par l’histoire qu’il veut oublier : ce ne sont pas les fantômes de l’histoire que le hantent (puisque c’est lui le spectre), ce qui le possède est bien une histoire fantôme, une histoire sans récit et sans issue, sans images, qui veut l’engloutir dans l’invisibilité la plus radicale et aussi la plus convenable. Le travail de Pedro Costa sera donc de rendre visible ce que l’on ne peut pas voir. Costa est possédé par des films – des films de John Ford, 7



Costa, Pedro, « L’avventura: Pedro Costa on Horse Money », op. cit.

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de Jacques Tourneur, de Fritz Lang –, Ventura est possédé par ses démons, ses mémoires traumatiques. Le film ne peut donc pas être autre chose qu’un rituel spirite, un travail sur cette double possession, une ritualisation des fantômes coloniaux un peu à la façon dont le faisait Rouch, un exorcisme simultané de l’histoire, de la vie de Ventura et de ses mémoires, ainsi que des références cinématographiques, esthétiques et littéraires qui hantent le réalisateur. Si Oliveira préfère, dans NON, rester sur le plan de la littéralité de ses sources documentaires et de l’objectivité de la représentation – même s’il entreprend un dialogue avec la tradition du film historique – Miguel Gomes et Pedro Costa s’intéressent aux stratégies plastiques et esthétiques du cinéma expressionniste, à la projection de l’intériorité des personnages sur l’espace, en le déformant, en le réinventant, en l’investissant de sens et en le transformant en un paysage mental. Dans un film aussi noir que Cavalo Dinheiro, tout peut sortir de l’ombre et y rentrer dans une espèce de théâtre onirique. Le moment du film qui démontre le plus clairement cette projection mentale de Ventura correspond à la séquence de l’ascenseur : il s’agit là de quelque chose qui existe et qui n’existe pas en même temps ; quelque chose qui, étant en rapport avec le ténébrisme dominant du film, fait penser à Goya. Dans une gravure d’un de ses Caprices, Goya a représenté le « Coco », une figure qui n’existe pas davantage que le spectre vu par Hamlet. À l’image du « Coco », le soldat du M.F.A., qui occupe l’ascenseur à côté de Ventura, apparaît comme une de ces créatures fantomatiques dont on effraie les enfants pour les faire obéir et, particulièrement, pour les faire dormir. Comme le propose Clément Rosset, dans un texte dédié aux spectres et aux fantômes, publié dans le recueil L’Invisible, « les gardiens du sommeil, qu’on appelle en dernier recours pour endormir un enfant rétif, n’y vont pas de main morte  : ils inquiètent d’abord, puis tuent et dévorent, tels des ogres  »8. Comme le remarque encore Rosset,  une des vertus propres à l’art de Goya c’est de « représenter l’inimaginable, l’inexistant, et ce de la manière la plus réaliste qui soit ». Un réalisme qu’il faut comprendre comme « la manière qu’a Goya de montrer qu’un objet, ou une scène, tout à la fois existe et n’existe pas, ou du moins n’existe que dans l’imaginaire […]. Il y a souvent deux plans distincts dans les gravures ou les tableaux de Goya, deux sites de réalité en quelque sorte, l’une pour l’existence et l’autre pour l’imaginaire, et le miracle est que ces deux plans coïncident … »9. Enfin, Rosset conclut que « le plus curieux de l’affaire 8



9

Rosset, 2012 : 61. Ibid. : 65-67.

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n’est d’ailleurs pas dans la figure (et le volume) de l’apparition mais dans l’apparition elle-même, dans le fait que l’apparition apparaisse »10. Si on revient sur la scène de l’ascenseur dans Cavalo Dinheiro, l’apparition de ce corps glorieux du soldat est massive et, en plus, métallique  : il est comme une statue de bronze qui monumentalise la peur de Ventura, en même temps qu’il matérialise le souvenir de la révolution. On ne sait pas si, dans ce contexte, les statues meurent aussi. On ne sait pas si ce soldat est l’ennemi ou alors le protecteur de Ventura, on ne sait pas s’il est son gardien en prison ou bien celui qui doit, enfin, le libérer. Il est en tout cas une image solide, une image lourde que même l’intervention soudaine de la musique – en l’occurrence, une nouvelle apparition, concrètement L’Apparition de l’Église éternelle de Messiaen – ne peut enlever. Le choc avec ce que Ventura chante ensuite (Alto cutelo, des Tubarões) est évident. Certes, il y la pensée de la doxa dominante (qui se veut éternelle) et le paradoxe, comme le fait Ventura, de chanter pour oublier : c’est dans la musique, plus que dans le cinéma ou dans n’importe quel autre art, que se trouvent les images de son histoire, et celles de l’histoire des autre émigrants noirs venus du Cap-Vert. Ce film de zombies, qui plonge dans la mémoire, est surtout un film qui travaille l’oubli. Comme l’explique Pedro Costa : [Ventura] est vraiment malade et il essaye vraiment de se rappeler. Essayer de se rappeler n’est pas la meilleure chose. Je pense donc, dit Costa, qu’en effet nous avons fait ce film pour oublier. Certains réalisateurs disent qu’ils font des films pour se souvenir, je crois que nous faisons des films pour oublier. C’est vraiment pour oublier, pour en finir définitivement avec le passé11.

On dirait que la maladie de Ventura c’est l’histoire. Il ne peut pas s’endormir. Dans En avant jeunesse, il y avait une scène où Ventura devait écrire une lettre d’amour pour que Lento – qui ne sait pas écrire – l’envoie à son amie, restée au Cap-Vert. Il n’y avait pas de stylo dans la baraque, impossible donc d’écrire. Il devait apprendre la lettre par cœur. En faisant des films avec ces gens – en effet on ne parle de personnages que par commodité – Pedro Costa devient une sorte d’écrivain public : il doit écrire cinématographiquement leurs histoires, conférer une image à l’invisibilité pour ensuite la faire disparaître. Effectivement, on ne peut pas faire disparaître quelque chose qui n’est pas d’abord apparue. 10

Ibid. : 68. Costa, 2014.

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En réalité, les gens qui ont vécu l’histoire du colonialisme portugais sont en train de disparaître, et le cinéma doit – malgré tout – accomplir son devoir de mémoire, rendre une image aux fantômes de cette histoire pour qu’on puisse les connaître ; pour qu’on puisse aussi, comme on le voit par ailleurs d’une façon un peu trop littérale dans Yvone Kane, (le dernier film de Margarida Cardoso), les enterrer dans le cimetière vivant qui est l’histoire, et faire, à travers le cinéma, la « botanique de la mort ». Le problème d’un cinéma qui se veut politique repose, aujourd’hui, sur la nécessité de rétablir des liens entre les formes de politicité et les formes d’efficacité, voilà ce qu’observe Rancière. Travailler la mémoire c’est ne pas oublier ceux qui ont été systématiquement oubliés par l’histoire pour que ces derniers puissent, enfin, l’oublier. Mais cet oubli deviendra, à son tour, la caution pour la survivance des images et de l’histoire comme maladie chronique.

Références bibliographiques Baudelaire, Charles, «  Spleen  LXXVIII  », As Flores do Mal, trad. Maria Gabriela Llansol, Lisboa, Relógio d’Água, 2003. Costa, Pedro, « L’avventura: Pedro Costa on Horse Money », entretien avec Mark Peranson, Cinéma Scope, n° 60, octobre-décembre 2014. Oliveira, Manoel de, « Tentative pour expliquer l’inexplicable », Trafic, n° 8, automne 1993. Rancière, Jacques, «  Le reste, c’est à vous de l’inventer  », entretien avec Stéphane Delorme et Dork Zabunyan, Cahiers du Cinéma, n° 709, mars 2015. Rosset, Clément, L’invisible, Paris, Minuit, 2012.

Cabo Verde: o sentido da arte hoje como projecto educativo, o desafio de uma escola de arte Leão Lopes M_EIA, Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura – Cabo Verde

O cabo-verdiano terá percepcionado o seu mundo, integrar-se nele e interpretá-lo, mais através da música e da poesia que de outras expressões de alma. Talvez por isso Cabo Verde seja também conhecido por um país de música e de poesia. Se no campo da poesia se pode considerar que essa percepção de um mundo mais largo para além do seu, restrito e quotidianamente fustigado por caprichos vários da história e da geografia, em boa parte se deve a uma tradição educativa formal ancorada nas letras – lembramos o papel do Seminário-Liceu de S. Nicolau e mais tarde o Liceu Gil Eanes –, na música, a mais pujante e produtiva manifestação criativa dos cabo-verdianos, o país se sente e se expressa graças a uma tradição oral fortemente enraizada nas ilhas, sem suporte de qualquer instituição de educação formal. Porque é que até agora o arquipélago não se empenhou seriamente numa educação artística formal, valorizando o importante património que acumula na música e noutras expressões, é assunto que merece apuro e melhor compreensão. Se na música a inquietação é evidente – quando não existem programas de investigação nem de ensino sistemático, formal, deste importante património das ilhas –, noutras áreas de criação e produção artística menos cultivada pela tradição, como as artes visuais ou cénicas, ela é muito maior. Num passado recente e no plano de educação formal o sistema integrava algumas disciplinas, incluindo música (canto coral), julgadas importantes para a formação perceptiva e sensorial dos adolescentes.

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Com a instituição da monodocência no sistema educativo cabo-verdiano, já no pós independência (1975), desapareceram essas disciplinas e consequentemente os recursos pedagógicos, técnicos e humanos para essa componente educativa que passou a ser percebida como supérflua na educação formal dos adolescentes nessa importante fase de sua formação pessoal e cultural. Todavia, resistiram as iniciativas de educação informal, tradicionais. Na música, pela aprendizagem empírica e casual, por via familiar, num agrupamento mais ou menos organizado, numa esquina qualquer entre jovens amigos; ou então em contexto de bandas municipais, hoje, estranhamente raras no país. Noutros domínios são algumas oficinas de mestres populares (em vias de extinção) e o carnaval a ocuparem-se da iniciação de jovens que procuram a aprendizagem de um ofício de natureza artística. Com o advento da independência das ilhas, não era suposto este cenário. A liberdade, o afã de uma afirmação cultural autóctone por descobrir, por estudar, por interpretar, por explorar nos mais variados campos da criação artística, apontavam para um cenário diferente. Um cenário que daria lugar e importância devida à educação artística e tec­ nológica no contexto formal de educação de jovens, proporcionando-lhes uma nova visão sobre si, sobre seus problemas e sobre uma realidade a reinterpretar e a transformar. Foi nestes primeiros anos que mais se investigou esse património tecnológico, antropológico, artístico; na música, na panaria, na cerâmica, nas festas, nos rituais. Passados quarenta anos sobre a data da independência, que ensino artístico, formal, se reclamaria para o país, que paradigma e qual o seu sentido, hoje? As ilhas de Cabo Verde, pela sua especificidade histórica e geográfica impuseram-se desde o início do seu povoamento como um espaço laboratorial sui generis de ensaio de novas configurações sociológicas e culturais. A realidade telúrica, inédita para os ocupantes/cobaias de uma experiência única no Atlântico médio, acabou por ser destino e ponto de partida. Uma terra estranha a todos, fragmentada, no meio de um deserto de mar, como um dia a designou o poeta e diplomata brasileiro Ribeiro Couto que em 1934 parou nas ilhas, na cidade do Mindelo e conviveu com o grupo modernista Claridosos. A história da educação no arquipélago, se fundada sob os cânones de Portugal colonial teve aqui e, por isso, as suas especificidades. Uma história que se confunde com a da Igreja desde o início do povoamento

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(1460) ao da implementação da República (1910), continuando até os nossos dias à procura de um sentido que corresponda à sua especificidade. Nos seus vários momentos e, apesar do Estado Novo de permeio (19261974) é com a República, a partir do decreto revolucionário, de reforma do ensino primário (1911) que as políticas do Estado colonial para a educação se libertaram do espartilho da igreja católica e se efectivaram com novo paradigma que haveria de marcar o modelo republicano, colonial, até os nossos dias. Assente em ideais de liberdade e orientado para o esclarecimento das consciências e confiança no progresso social, em Cabo Verde e apesar do ensino secundário ter continuado com o modelo monárquico, até 1917, os republicanos agitaram as ilhas, desde logo, com novas políticas pedagógicas resultantes da revolução, mas apenas na organização política do sistema. Foi fundado nessa data o primeiro liceu laico, nacional. Hoje, se a educação pela arte for entendida como estruturante de um pensamento criativo, divergente, através da educação da inteligência emocional/sensorial, a trabalhar e a cultivar desde a infância, vamos encontrar nessas reformas o embrião de uma pedagogia tendente à educação artística, embora fundada no despertar de habilidades manuais e técnicas úteis ao desenvolvimento dessas capacidades inerentes do adolescente. Não descurando a sua dimensão e importância no processo de aprendizagem e o seu papel no desenvolvimento de capacidades técnicas, biológicas, motoras e sensoriais do adolescente, a educação artística, então, e, diríamos, ainda hoje, em parte percepcionada dentro desse quadro útil não propunha as dimensões cognitivas e sociais que estão subjacentes ao desenvolvimento do pensamento divergente e à criatividade no seu sentido mais abrangente. Essa aproximação ou abordagem expressa nos planos curriculares de então e devidamente contextualizada, que visava formar cidadãos mais preparados a desenvolver as suas capacidades técnicas, biológicas, motoras e sensoriais, vai atravessar o Estado Novo até a chamada reforma da administração colonial (1961). Nessa altura foi dada à educação artística uma atenção especial e introduzidas no então ciclo preparatório (faixa etária; 10/12 anos) duas disciplinas que proporcionaram uma crescente aproximação à educação artística no sentido como hoje a apreendemos: educação visual e educação musical. Estas tentativas de estabelecer políticas educacionais em arte educação, consolidadas até um certo momento, foram sendo paulatinamente abandonadas, produzindo em Cabo Verde um olhar desinteressado ou

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então negligente sobre a importância da educação pela arte nas ilhas. No ensino secundário, por exemplo, encontramos desde o tempo da monarquia constitucional, até à independência (1975), as disciplinas de filosofia, história, literatura, línguas estrangeiras, matemática, ginástica ou educação física, trabalhos manuais educativos, canto coral e educação visual (esta introduzida no início dos anos setenta). Nesse nível de ensino, algumas dessas disciplinas (literatura, desenho, filosofia, canto coral, trabalhos manuais) viriam a desaparecer, respondendo, supostamente, aos novos paradigmas das políticas públicas do desenvolvimento do país, considerando-as facultativas ou mesmo dispensáveis como estruturantes na formação dos jovens. Face a esse cenário e apesar das recomendações da UNESCO nas várias conferências mundiais e regionais, de educação artística realizadas na Austrália, Coreia do Sul, Colômbia, Trinidade e Tobago, por exemplo, Cabo Verde ainda não pôde acompanhar as mudanças de paradigma do ensino artístico propostas e que apontam para: – que seja reflectido as contribuições importantes que a educação artística pode oferecer em todos os sectores da sociedade e identificar esta educação como uma estratégia transversal muito importante, – que se estabeleça pontes entre a educação artística às fontes apro­ priadas e aos domínios conexos, como a Educação para todos para um desenvolvimento sustentável, – que se promova o conhecimento dos problemas socioculturais e ambientais nos programas de educação artística de modo a que os alunos tomem consciência dos valores do seu meio ambiente, tenham um sentimento de pertença e se empenhem num desenvolvimento sustentável, – que se encoraje a comunicação a associar-se aos objectivos da edu­ cação artística com vista a promover uma sensibilidade estética e impulsionar valores artísticos entre o público em geral, – que se promova o desenvolvimento e a aplicação do ensino artístico a diferentes níveis e em diferentes modalidades dos programas de educação partindo de uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar, com o propósito de abrir novas vias estéticas. Estas são apenas algumas das recomendações da UNESCO que partem de considerandos e constatações reconhecidos por todos os envolvidos em processos educativos em arte. Recomenda ainda aquela instituição o encorajamento activo dos governos e outras entidades a que facilitem a

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colaboração entre os ministérios, serviços, instituições culturais, ONG’s, profissionais e instituições de ensino artístico com vista a uma educação artística consequente e transversal a todas as crianças e jovens. Será que Cabo Verde, reconhecendo a importância das preocupações mundiais, descritas, procura responder aos desafios relativos à educação artística, hoje? Esta é uma questão que M_EIA, a primeira e única instituição de formação artística formal – reconhecida como Instituto universitário de arte, tecnologia e cultura – procura responder. Fundada por professores de arte a Mindelo, Escola internacional de arte se posiciona como um projecto sintonizado com as premissas de uma educação artística contemporânea, actuando na perspectiva de um ensino em arte que tem como missão e desafio pedagógico o mergulhar numa realidade social com endogenismos particulares. Partindo de uma realidade sociopolítica fortemente mobilizada pelo imperativo de subsistência básica, face a uma abordagem política, social e cultural da arte e do ofício de arte, claramente marcada por estereótipos e preconceitos, M_EIA, em actividade desde há onze anos, questiona e procura resposta ao sentido de um projecto de educação artística, hoje, em Cabo Verde. Questiona o sentido a dar à educação artística, formal, e sua viabilidade política num país onde não existe mercado tradicional de arte na perspectiva ocidental, onde a arte e o seu objecto serem, parecem ser facultativos na educação e na vida das pessoas, apesar da música e da sua importância social e cultural no País? Esta é uma inquietação e também um desafio epistemológico. Um desafio se põe ainda mais com o facto do problema da educação artística em Cabo Verde ter outra dimensão particular, assente numa tradição de educação informal e esta parecer ser bastante para justificar as fragilidades das políticas públicas de educação nesse domínio e os condicionamentos que dificultam a implementação de uma política consequente de educação formal em arte. O Projecto de M_EIA articula cursos de licenciatura, cursos profissionais, cursos livres para a população de todas as idades. Assenta em programas de desenvolvimento comunitários e de investigação tanto no país como no continente africano. Os planos dos cursos formais, apesar de responderem aos requisitos instituídos pela lei vigente do país, são alimentados e enriquecidos por uma abordagem sistémica, fortemente motivados pelos problemas da sociedade e que se põem ao desenvolvimento do país em particular, no domínio da criação e produção artística e ainda da percepção do papel da

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arte e do design na sociedade cabo-verdiana. M_EIA não pretende – enquanto instituição de ensino com a missão que lhe cabe – dar respostas formais e tradicionais aos requisitos de um ensino artístico e às expectativas da comunidade donde emana e onde se insere, mas sim problematizá-los num ambiente académico e de aprendizagem. Assim, os planos de estudos e seus cumprimentos só tomam sentido no âmbito de uma pedagogia dialéctica onde o estudante, que representa a um tempo a comunidade donde emana é sujeito e agente de transformação social e cultural do seu meio. Nesta dinâmica a realidade se impõe integrando o processo de aprendizagem, também produtor de dinâmicas sociais e culturais comunitárias integradas. As mobilidades de estudos e de aprendizagem afirmam-se antes como processo do que como finalidade, estruturando-se através de planos que se desenham sobre a pertinência de uma aprendizagem do mundo – pela história e pela sua presença no quotidiano das ilhas – e a imposição de aquisição de ferramentas teóricas de interpretação dos fenómenos transculturais que o indivíduo em formação deverá munir-se para sua melhor integração e desempenho colectivo. Nesta perspectiva, o desafio de M_EIA, hoje, ultrapassa os limites de uma abordagem tanto no plano do tradicional como no de uma pedagogia do ensino da arte e do design apreendida dos modelos em que os próprios criadores da escola se formaram, para assumir um paradigma de escola – não escola com riscos e ganhos que estimulam um novo debate sobre o paradigma de ensino na era do pensamento digital. Um debate que coloca a escola perante a encruzilhada construída pelo seu próprio processo. M_EIA formou os primeiros licenciados em educação artística para o ensino secundário; qualificou os primeiros profissionais em cinema; design e artes visuais e tem em formação mais de duas dezenas de estudantes em arquitectura. Uma instituição com um histórico no domínio da qualificação profissional em artes e ofícios, uma escola inscrita na promoção do desenvolvimento humano sustentado em premissas da arte, tecnologia e cultura. Por via de intervenções em comunidades próximas, campos de estudo por excelência, o M_EIA acede a territórios de acção e de pensamento onde o debate cultural alargado, aborda dinâmicas sociais sedimentadas e emergentes na sociedade cabo-verdiana, interpretando, questionando e problematizando o sentido da educação em arte, hoje, em Cabo Verde.

Conclusion Línguas, linguagens, deambulações, passagens João Caraça Directeur honoraire de la délégation en France de la Fondation Calouste Gulbenkian

A vida criou a faculdade de interpretar a realidade exterior aos corpos dos seres vivos, a fim de garantir a sua sobrevivência. Essas interpretações da realidade exterior, resultantes das interacções havidas ao longo da história de cada ser vivo, constituem-se em repositórios mais ou menos organizados, consoante a complexidade interna do indivíduo em causa. Estes mapas das relações em que cada ser vivo foi envolvido ao longo da sua existência, autênticos registos da actividade passada, funcionam como um guia para a actividade a desenvolver, ou para o comportamento a exibir, no decurso das interacções que vão ocorrer no presente. Isto é, a memória corporal do ser vivo permite o aparecimento do que se pode chamar intencionalidade. O que distingue as populações umas das outras, o que lhes dá coesão e as indentifica como comunidades, é o instrumento comum que desenvolvem para comunicar no seu âmbito. Assim, no caso de comunidades complexas, isto é, que funcionam no quadro de um elevado nível de comunicação interna, como por exemplo as sociedades humanas, aparecem sofisticadas linguagens de comunicação e meios para o seu registo que permitem amplificar a noção de passado e de futuro. Mas a linguagem é não só um sofisticado meio de comunicação como também o produto de um método muito mais poderoso de pensar, de conhecer, de interactuar com o meio. O conhecimento aparece como o resultado da comunicação, com êxito, com o mundo exterior; o conhecimento refere-se a representações da realidade organizadas como um repositório das relações em que o indivíduo se vê envolvido na sua actividade. A estas relações entre

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sujeitos (representações do próprio, ou do seu corpo; representações dos seus semelhantes; representações específicas conhecidas da realidade exterior) atribui o indíviduo significado (dá um nome). Significado este que é, assim, sempre solidário não só dos contextos em que emerge, mas também da teia de crenças beliefs do indivíduo em causa. Pode-se então entender a comunicação humana como a actividade de propor e reconhecer relações entre sujeitos. Numa comunicação essas relações ou já existem previamente no repositório de receptor da comunicação e são reconhecidas, relembrando-lhe o seu significado, ou não, originando-se um processo de verificação que levará eventualmente à atribuição de um novo signifcado para o receptor. Comunicar é assim um processo em que é criado no repositório do receptor um estado cujo descritor emula o significado de uma relação existente no repositório de emissor. A comunicação é um processo de copiar significados. Por isso, para se efectuar com eficácia (sem erros), torna-se necessário pressupor a existência de um referencial comum aos interlocutores, ou seja, de uma linguagem. É este facto que leva inclusivamente a pensar o processo criativo como um processo auto-comunicacional, ou seja, como um processo no qual, a partir do repositório sempre em aberto de relações existente, se propõem novas relações capazes, por sua vez, de serem conjecturamente traduzidas em novos significados. É aqui que a linguagem verbal se mostra altamente eficaz: é que o processo de atribuir nomes aos significados é extremamente facilitado quando se usam palavras para os denotar. Através de uma metáfora pode-se designar um novo significado. A aceitação social dessa metáfora, através do seu emprego na linguagem corrente, traduz a sua adequação ao manejo da realidade nesse contexto social. A metáfora transforma-se então em conceito. A utilização e construção de palavras não padece dos limites quantitativos inerentes aos outros meios de comunicação sensorial com o exterior. Este facto corresponde certamente a um aperfeiçoamento (seleccionado) evolutivo. Entende-se também deste modo como o processo criativo pode ser acelerado por imitação ou aprendizagem (assimilação) em consequência do processo de socialização da comunicação. E concebe-se igualmente sem dificuldade como podem coexistir significados que se referem a aspectos do domínio individual com outros que relevam sobretudo de uma percepção do colectivo.

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O que se comunica entre humanos é, portanto, sempre, conhecimento. Conhecimento sob a forma de significados (relações) ou sobre sujeitos (que sendo sempre, em última análise, redutíveis a relações de definição, traduzem, também, significados). As palavras são altamente eficazes em relação à actividade de propôr e reconhecer significados, isto é, de conjecturar e verificar relações, tradutíveis por designações vocabulares. A esta versatilidade se deve a vantagem evolutiva que representou a sua introdução à superfície da Terra. Mas, por outro lado, os significados que não se prestam a uma fácil designação verbal escapam, na grande maioria dos casos, à comunicação por esta via, tudo se passando como se a realidade que representam se fosse tornando opaca para o observador. As linguagens são simultâneamente repositórios e meios. Assim, não custa admitir que a sua eficácia progressiva como meio de reforço da coesão de sociedades com maior sucesso evolutivo implique a sua ineficiência relativa como repositório, ao permitir pensar preferencialmente por palavras. É que pensar por palavras, e as palavras mais difundidas são sobretudo as dos dominadores, faz ignorar (não ver), porções eventualmente significativas da realidade. Daí provavelmente a necessidade obsessiva das sociedades humanas de transformar o meio exterior, de o adequar a uma realidade interior de palavras, atitude que resulta afinal na criação de um mundo fabricado, artificial. Não se pense que esta é uma visão negativa do papel das linguagens: é obviamente mais importante do ponto de vista global a eficácia da linguagem como meio, do que a ineficiência relativa que introduz no repositório. Sem a eficácia poderosa da linguagem na possibilitação de sociedades coesas não teríamos possivelmente singrado. Foi a eficácia da linguagem como meio que permitiu o aparecimento de repositórios cada vez mais sofisticados. Provavelmente, só agora, no início do terceiro milénio, começamos a poder ter verdadeira consciência da (paradoxal) ineficiência do nosso repositório cognitivo. Mas, para ultrapassar esta situação, precisamos entender bem as dificuldades que se nos apresentam. O olhar da modernidade beneficiou de uma considerável componente científica e técnica. O olhar científico, resultado de uma alagarda e aprofundada interacção com a natureza, recorrendo ao uso de

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instrumentos, suportou-se deste modo em novas linguagens, inventadas, de grande precisão e sofisticação. O primado das linguagens verbais sobre as visuais não facilitou a boa compreensão da necessidade de intensificar a comunicação entre grandes áreas do conhecimento e da experienciação. Mas hoje, quando a digitalização das imagens nos permite começar a tratá-las simbolicamente, tal como o fizemos para as linguagens verbais a partir da invenção da escrita, não é sustentável continuar a separar de modo absoluto os olhares científicos dos artísticos, e vice-versa. O problema é como congeminar estratégias viáveis de comunicação. Sem dúvida, o esforço de entendimento científico do mundo em que vivemos constitui um dos mais importantes pontos de partida. Mas a criação de conhecimento que baseie a tematização de novos valores estéticos de acordo com as finalidades e aspirações humanas não é assunto de somenos pertinência. A ciência e a arte são ambas condições e resultados desta aventura evolutiva, cujo futuro não se contem nem se esgota na realização das respectivas propostas. O futuro radica na capacidade de contínua recriação das linguagens.

Notas Biográficas / Notices biographiques CATHERINE DUMAS, professora catedrática jubilada de civilização, língua e literatura portuguesa da Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3. À tese de doutoramento intitulada Mystère et réalité dans l’œuvre de Agustina Bessa Luís, seguiu-se um outro estudo sobre a mesma autora Estética e personagens, publicado em 2001 pela editora Campo das Letras. Catherine Dumas publicou numerosos artigos sobre a ficção contemporânea portuguesa e brasileira. Ultimamente a sua pesquisa centra-se sobre as questões do género e o discurso poético. Traduziu poetas contemporâneos de língua portuguesa, tais como Ana Luísa Amaral, Ana Hatherly, Luís Cardoso, Hilda Hilst, Gilberto Mendonça Teles, entre outros. CATHERINE DUMAS, professeur émérite en civilisation, langue et littérature portugaises à l’Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Sa thèse de doctorat intitulée Mystère et réalité dans l’œuvre d’Agustina Bessa Luís fut suivie d’une autre étude sur le même auteur Estética e personagens, publiée en 2001 par Campo das Letras. Catherine Dumas a publié de nombreux articles sur la fiction contemporaine portugaise et brésilienne. Depuis quelques années, sa recherche porte sur les questions de genre et le discours poétique. Elle a traduit des poètes contemporains de langue portugaise, tels que Ana Luísa Amaral, Ana Hatherly, Luís Cardoso, Hilda Hilst, Gilberto Mendonça Teles, parmi d’autres. * CLARINDA DE AZEVEDO MAIA, professora catedrática jubilada de linguística portuguesa e investigadora do Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada (CELGA), sediado na Universidade de Coimbra. Foi membro, em representação do País, do Comité ad hoc d’experts sur les langues régionales ou minoritaires en Europe (CAHLR) do Conselho da Europa. As suas principais áreas de investigação são a linguística histórica, a história da língua portuguesa, a sociolinguística, a dialectologia e a temática das línguas em contacto. Na actualidade os seus interesses científicos centram-se nas teorias da mudança linguística, na variação sincrónica e

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diacrónica do português, na morfologia histórica e em aspectos diacrónicos do léxico do português. As suas publicações (livros, artigos e comunicações em congressos) abordam as linhas de investigação enunciadas. CLARINDA DE AZEVEDO MAIA, professeur titulaire honoraire en linguistique portugaise et chercheur du Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada (CELGA), dont le siège est à l’Universidade de Coimbra. Elle a été membre, en représentation de son pays, du Comité ad hoc d’experts sur les langues régionales ou minoritaires en Europe (CAHLR) au Conseil de l’Europe. Ses principaux domaines de recherche sont la linguistique historique, l’histoire de la langue portugaise, la sociolinguistique, la dialectologie et le contact des langues. Actuellement, ses intérêts scientifiques se centrent sur les théories du changement linguistique, la variation synchronique et diachronique du portugais, la morphologie historique et les aspects diachroniques du lexique du portugais. Ses publications (ouvrages, articles et communications en congrès) portent sur les lignes de recherche énoncées. * DIANA L. P. DE BARROS, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e professora titular jubilada da Universidade de São Paulo, no Brasil. Foi presidente da Associação brasileira de linguística (1991/1993), representante da área de linguística no CNPq (Conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico), (1997/1998, 2006/2009) e secretária geral da Associação de linguística e filologia da América Latina (2008/2014). As suas publicações centram-se, sobretudo, nos domínios da teoria e análise dos discursos, da língua falada, da semiótica discursiva e da história das ideias linguísticas. Algumas dessas publicações são: Teoria do discurso: fundamentos semióticos; Teoria semiótica do texto; Dialogismo, polifonia e intertextualidade: em torno de Bakhtin (com J. L. Fiorin); Os discursos do descobrimento: 500 e mais anos de discursos. DIANA L. P. DE BARROS, professeur à l’Universidade Presbiteriana Mackenzie et professeur titulaire honoraire à l’Universidade de São Paulo, au Brésil. Elle a été présidente de l’Associação de linguística e filologia (1991/1993), elle a représenté la section de linguistique auprès du CNPq (Conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico), (1997/1998, 2006/2009) et a assumé la fonction de secrétaire générale de l’Associação de linguística e filologia de l’Amérique Latine (2008/2014). Ses publications abordent les domaines de la théorie et de l’analyse des

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discours, la langue parlée, la sémiotique discursive et l‘histoire des idées linguistiques. Voici quelques-unes de ces publications : Teoria do discurso: fundamentos semióticos; Teoria semiótica do texto; Dialogismo, polifonia e intertextualidade: em torno de Bakhtin (en collab. avec J. L. Fiorin) ; Os discursos do descobrimento: 500 e mais anos de discursos. * SARITA MONJANE HENRIKSEN, professora auxiliar lecciona a disciplina de sociolinguística a nível da graduação e da pós-graduação, a de produção e retroversão do inglês escrito no Mestrado em tradução e a de introdução à interpretação consecutiva no Mestrado em interpretação de conferência. É directora científica do Mestrado em educação/ ensino de inglês, membro da Escola Doutoral em estudos de linguagem e directora da Faculdade de ciências da linguagem, comunicação e artes, na Universidade Pedagógica (Maputo). Os seus principais interesses de pesquisa incluem, entre outros, os seguintes: políticas e planificação das línguas curriculares em contextos multilingues, ensino bilingue, identidades étnico-culturais e linguísticas. SARITA MONJANE HENRIKSEN, professeur auxiliaire, enseigne la sociolinguistique (1er, 2e et 3e cycles), la traduction de l’anglais écrit (Master en traduction) et l’initiation en interprétation simultanée (Master en interprétation de conférence). Elle est directrice scientifique du Master d’éducation et d’enseignement de l’anglais  ; membre de l’École Doctorale en études du langage et directrice de la Faculté des sciences du langage, communication et arts, à l’Universidade Pedagógica (Maputo). Sa recherche et ses travaux scientifiques privilégient les thématiques suivantes : les politiques et la planification des langues du cursus scolaire en contextes multilingues ; l’enseignement bilingue ; les identités ethnicoculturelles et linguistiques. * ANA LUÍSA AMARAL, foi professora na Faculdade de letras da Universidade do Porto. É membro do Instituto de literatura comparada Margarida Losa desta mesma Universidade. Tem um doutoramento sobre Emily Dickinson.  As suas áreas de investigação são as poéticas comparadas, os estudos feministas e a teoria queer. Publicou, com Ana Gabriela Macedo, o Dicionário de crítica feminista (Afrontamento, 2005) e coordenou a edição anotada de Novas Cartas Portuguesas (Dom

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Quixote, 2010). Coordena neste momento o projecto internacional, financiado pela FCT (Fundação para a ciência e tecnologia), Novas Cartas Portuguesas 40 anos depois, que envolve 13 equipas internacionais e mais de 10 países. É autora de mais de duas dezenas de livros e obteve vários prémios literários. Também traduziu diferentes autores estrangeiros, como John Updike ou Emily Dickinson. ANA LUÍSA AMARAL a enseigné à la Faculté de lettres de l’Universidade de Porto, où elle est membre de l’Institut de littérature comparée Margarida Losa. Elle a un doctorat sur la poésie d’Émilie Dickinson. Ses champs d’investigation sont les poétiques comparées, les études féministes et la théorie queer. Elle a publié, avec Ana Gabriela Macedo, le Dicionário de critica feminista (Afrontamento, 2005) et elle a coordonné l’édition annotée des Novas cartas portuguesas (Dom Quixote, 2010). Elle coordonne actuellement le projet international, financé par la FCT (Fundação para a ciência e a tecnologia), Novas cartas portuguesas 40 anos depois qui comprend 13 équipes internationales et plus de 15 pays. Elle a publié plus d’une vingtaine de livres et a obtenu plusieurs prix littéraires. Elle a traduit des auteurs étrangers, tels que John Updike ou Emily Dickinson. * SÉRGIO PAULO ROUANET, diplomata, filósofo, professor universitário e ensaísta. Membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Brasileira de Filosofia, do Instituto Histórico e Geográfico e do Pen Clube. Exerceu o cargo de secretário da cultura do presidente Fernando Collor de Melo, a sua carreira diplomática prolongou-se por mais de 40 anos. Merece destaque como tradutor no Brasil do filósofo alemão Walter Benjamin. Autor de Imaginário e dominação; Édipo e o anjo – itinerários freudianos em Walter Benjamin; Teoria crítica e psicanálise; As razões do Iluminismo; O espectador noturno – a Revolução francesa através de Retif de la Bretonne. Em 2003, lançou Os dez amigos de Freud (2 volumes). Em 2007, publicou Riso e melancolia. De 2008 a 2016, coordenou a publicação duma nova edição, em cinco tomos, da correspondência completa de Machado de Assis. SÉRGIO PAULO ROUANET, diplomate, philosophe, professeur universitaire et essayiste. Membre de l’Academia Brasileira de Letras, de l’Academia Brasileira de Filosofia, de l’Instituto Histórico e Geográfico et du Pen Club. Il a été secrétaire à la culture du président Fernando

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Collor de Melo, sa carrière diplomatique s’est etallée sur une quarantaine d’années. Son travail de traducteur au Brésil du philosophe allemand Walter Benjamin mérite d’être souligné. Auteur de Imaginário e dominação; Édipo e o anjo – itinerários freudianos em Walter Benjamin; Teoria crítica e psicanálise; As razões do Iluminismo; O espectador noturno – a Revolução francesa através de Retif de la Bretonne. En 2003, il a édité Os dez amigos de Freud (2 volumes). En 2007, il a publié Riso e melancolia. De 2008 à 2016, il a coordonné la publication d’une nouvelle édition, en cinq tomes, de la correspondance de Machado de Assis. * ANTONIO DIMAS, professor titular de literatura brasileira da USP (Universidade de S. Paulo) em 2006. Coordenador da área de letras na CAPES, 1999-2004. Conselheiro do Instituto de Estudos Brasileiros da USP em vários mandatos. Diretor acadêmico do Interuniversity Study Program/Universidade de São Paulo, entre 1988-1994. Pesquisador Sênior no IEB/USP, 2012. Membro do Comitê acadêmico da Biblioteca brasiliana mindlin da USP, 2014. Researcher/Lecturer Fellowship da Fulbright Foundation na University of Illinois, USA. Jan-Dez. 1974. Professor visitante na Université de Rennes (1986-1987), na University of California-Los Angeles (2001) e na University of Texas-Austin (2007). A sua investigação centra-se nas áreas da literatura brasileira, da historiografia e da crítica literária. Em 2006 publicou Reinventar o Brasil – Gilberto Freyre entre história e ficção, e Bilac, o jornalista, 3 vols. ANTONIO DIMAS, professeur titulaire de la chaire de littérature brésilienne de l’USP (Universidade de São Paulo) depuis 2006. Coordinateur du comité d’experts en littérature de la CAPES, 19992004. Membre du conseil de l’Instituto de Estudos Brasileiros de l’USP. Responsable scientifique de l’Interuniversity Study Program/Universidade de São Paulo, 1988–1994. Chercheur Sénior à l’Instituto de Estudos Brasileiros/USP (depuis 2012) Membre du comité scientifique de la Biblioteca Brasiliana Mindlin, USP (depuis 2014). Researcher/Lecturer Fellowship de la Fulbright Foundation à l’University of Illinois, USA. (Janvier – Déc. 1974). Professeur invité à l’Université de Rennes (19861987), à l’University of California-Los Angeles (2001) et à l’University of Texas-Austin (2007). Sa recherche est centrée dans les domaines de la littérature brésilienne, de l’historiographie et de la critique littéraire. En 2006, il a publié Reinventar o Brasil – Gilberto Freyre entre História e Ficção et Bilac, o jornalista, 3 vols.

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* AGRIPINA CARRIÇO VIEIRA tem dedicado a sua carreira à educação, formação e investigação, tendo desempenhado as funções de professora do ensino secundário e formadora de professores. Desde 2003, exerce o cargo de diretora de um centro de formação de professores. Membro da Comissão ne varietur das obras de António Lobo Antunes de 2003 a 2007. Responsável pela fixação de texto das obras de António Lobo Antunes desde 2014. Agripina C. Vieira tem publicado artigos e participado em congressos nacionais e internacionais na área da literatura francesa, portuguesa e africana contemporâneas. É co-autora da edição ne varietur das obras de António Lobo Antunes, do Dicionário da Obra de António Lobo Antunes, INCM, 2008 e de Memória Descritiva da edição ne varietur da obra de António Lobo Antunes, Dom Quixote, 2010. AGRIPINA CARRIÇO VIEIRA a consacré sa carrière à l’éducation, à la formation et à la recherche. Elle a exercé les fonctions de professeur de l’enseignement secondaire et de formatrice d’enseignants. Depuis 2003, elle occupe le poste de directrice d’un centre pour la formation des enseignants. Elle a été membre de la Commission ne varietur de l’œuvre de António Lobo Antunes de 2003 à 2007, elle est responsable pour la fixation du texte de l’œuvre d’António Lobo Antunes depuis 2014. Agripina C. Vieira a publié des articles et participé à des congrès nationaux et internationaux dans les domaines de la littérature française, portugaise et africaine contemporaines. Elle est co-auteur de l’édition ne varietur des œuvres d’António Lobo Antunes, du Dicionário da Obra de António Lobo Antunes, INCM, 2008 et de la Memória Descritiva da edição ne varietur da obra de António Lobo Antunes, Dom Quixote, 2010. * MIGUEL VALE DE ALMEIDA, professor associado no ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa) e investigador do CRIA (Centro em rede de investigação em antropologia), onde dirige a revista Etnográfica. A sua pesquisa – com trabalho de campo em Portugal, Brasil, Espanha – tem versado questões de género e sexualidade, bem como etnicidade e raça. Tem vários livros publicados em Portugal e no estrangeiro, destacando-se Senhores de si: uma interpretação antropológica da masculinidade e Um mar da cor da terra: ‘raça’, cultura e política da identidade, sendo o mais recente A Chave do armário:homossexualidade, casamento, família (Imprensa de Ciências Sociais, 2009). Além de cronista, escritor e blogger, tem sido

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activista dos direitos LGBT e foi eleito deputado à Assembleia da República em 2009. Neste momento prossegue um novo projeto de investigação sobre brasileiros em Israel/Palestina, circulação, estado e identidades. MIGUEL VALE DE ALMEIDA, professeur associé à l’ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa) et chercheur au CRIA (Centre en réseau d’investigation en anthropologie) où il dirige la revue Etnográfica. Sa recherche – fondée sur un travail de terrain au Portugal, au Brésil et en Espagne – s’intéresse aux questions de genre et de sexualité, ainsi qu’à l’ethnicité et à la race. Il est l’auteur de plusieurs ouvrages parus au Portugal et à l’étranger, notamment Senhores de si: uma interpretação antropológica da masculinidade et Um mar da cor da terra:‘raça’, cultura e política da identidade. Son livre le plus récent s’intitule A Chave do armário: homossexualidade, casamento, família (Imprensa de Ciências Sociais, 2009). Il est chroniqueur, écrivain, bloggeur et militant des droits LGBT. Il fut élu député à l’Assemblée Nationale en 2009. Actuellement, il développe un nouveau projet de recherche concernant les Brésiliens en Israël/Palestine, la circulation, l’État et les identités. * FRANCISCO NOA, professor convidado, orientador e examinador de teses em Moçambique e no estrangeiro, leccionou literatura moçambicana, poética e retórica na Universidade Eduardo Mondlane – Maputo. Director executivo do Centro de estudos sociais Aquino de Bragança (CESAB), ele é igualmente pesquisador associado da Universidade de Coimbra. Consultor, tem ocupado funções de direcção em diferentes instituições de ensino superior. Desde 2015 exerce as funções de Reitor da Universidade de Lúria. É autor de numerosos artigos e das seguintes obras: Literatura moçambicana: memória e conflito (Imprensa Universitária, 1997); A Escrita infinita (1ª ed., Imprensa Universitária, 1998; 2ª edição, Ndjira, 2013); Império, mito e miopia, (Caminho, 2002); A Letra, a sombra e a água (Texto Editores, 2009); Perto do fragmento, a totalidade, (Ndjira, 2012). FRANCISCO NOA,  professeur invité, directeur et examinateur de thèses au Mozambique et à l’étranger, il a enseigné la littérature mozambicaine, la poétique et la rhétorique à l’Universidade Eduardo Mondlane – Maputo. Directeur exécutif et chercheur du Centre d’études sociales Aquino de Bragança (CESAB), il est également chercheur associé de l’Universidade de Coimbra. Consultant, il a occupé des fonctions

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de direction dans différents établissements d’enseignement supérieur. Depuis 2015, il est le Recteur de l’Universidade de Lúria. IL est auteur de nombreux articles et d’ouvrages dont : Literatura moçambicana: memória e conflito (Imprensa Universitária, 1997)  ; A Escrita infinita (1ª ed., Imprensa Universitária, 1998 ; 2ª edição, Ndjira, 2013) ; Império, mito e miopia, (Caminho, 2002); A Letra, a sombra e a água (Texto Editores, 2009) ; Perto do fragmento, a totalidade, (Ndjira, 2012). * PAULO JORGE DE SOUSA PINTO, mestre em História dos Descobrimentos e da expansão portuguesa e doutor em Ciências históricas pela Universidade Católica Portuguesa (UCP). Integrou a direção do Instituto de estudos orientais, da mesma universidade, até 2011. Ao presente é investigador do CHAM (Centro de história de aquém e além mar), da Universidade Nova de Lisboa. Bolseiro de pósdoutoramento pela Fundação para a ciência e a tecnologia (FCT), com um projeto sobre os chineses ultramarinos nas sociedades iberoasiáticas. O seu principal interesse de investigação incide sobre o Sueste Asiático e a presença europeia nesta região e no Extremo Oriente, em particular os impérios ibéricos. Entre os seus trabalhos mais importantes, destaca-se The Portuguese and the Straits of Melaka, 1575-1619: power, trade and diplomacy, Singapore University Press, 2012. PAULO JORGE DE SOUSA PINTO a un Master en Histoire des Découvertes et de l’expansion portugaise et un PhD en Sciences historiques de l’Universidade Católica Portuguesa (UCP). Il a intégré la direction de l’Institut des études orientales, de cette même université, jusqu’en 2011. Actuellement, il est chercheur au CHAM (Centro de história de aquém e além mar) de L’Universidade Nova de Lisboa. Boursier en postdoctorat de la Fundação para a ciência e a tecnologia (FCT), avec un projet sur les Chinois d’Outre-mer dans les sociétés ibéro-asiatiques. Son principal intérêt de recherche porte sur l’Asie du Sud-est et la présence européenne dans cette région et en Extrême Orient, particulièrement les empires ibériques. Parmi ses travaux les plus importants, on souligne The Portuguese and the Straits of Melaka, 1575-1619: power, trade and diplomacy, Singapore University Press, 2012.

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* LAURA DE MELLO E SOUZA ensinou história moderna da Europa na Universidade de São Paulo (1983-2014). Em 1998 foi Tinker Visiting Professor de história do Brasil et de estudos latino-americanos na University of Texas em Austin. Como professora convidada, dirigiu seminários et proferiu conferências em várias universidades europeias e americanas. Em Junho de 2014, ocupou a Cátedra de história do Brasil da Université Paris-Sorbonne. Trabalha sobre a marginalidade e os homens livres pobres nas regiões mineiras e esclavagistas de Minas Gerais no século XVIII; sobre a temática do Império luso-brasileiro (séculos XVI-XVIII), sobre a administração e as sociedades coloniais, sobre a bruxaria e a religião popular nos séculos XVI-XVIII e eventos culturais na América Ibérica nos séculos XVI-XVIII. Desde 2003 trabalha sobre três Côrtes europeias: Sardenha, Nápoles e Lisboa. LAURA DE MELLO E SOUZA a enseigné l’histoire moderne de l’Europe à l’Universidade de São Paulo (1983-2014). En 1998 elle a été Tinker Visiting Professor d’histoire du Brésil et d’études latino-américaines à l’University of Texas à Austin. Comme professeur invité, elle a dirigé des séminaires et prononcé des conférences dans plusieurs universités européennes et américaines. En Juin 2014, elle a été élue titulaire de la chaire d’histoire du Brésil à l’Université Paris-Sorbonne. Elle travaille sur la marginalité et les hommes libres pauvres dans les régions minières et esclavagistes du Minas Gerais au XVIIIe siècle ; sur la thématique de l’empire luso-brésilien (XVIeXVIIIe siècles), sur l’administration et les sociétés coloniales, sur la sorcellerie et la religiosité populaire aux XVIe-XVIIIe  siècles  et sur des rencontres culturelles en Amérique Ibérique aux XVIe-XVIIIe siècles. Depuis 2003 elle travaille sur trois cours européennes : Sardaigne, Naples et Lisbonne. * BÁRBARA FREITAG-ROUANET lecionou na Goethe Universität Frankfurt, na Technische Universität Berlin, na Freie Universität Berlin e em outras universidades europeias. Em 1972 foi convidada pela Universidade de Brasília onde ocupou a cátedra de teoria sociológica até 2003. Na UNESCO, ocupou a cátedra Cidade e meio ambiente. Coordenou o projeto de pesquisa integrada do Conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico (CNPq) na Universidade de Brasília (UnB). A pesquisa de Bárbara Freitag centra-se nas áreas de políticas da educação, teoria sociológica e urbanismo. Tem publicações na Alemanha, em França

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Notas Biográficas / Notices biographiques

e no Brasil das quais citamos alguns títulos: Escola, Estado e sociedade; Sociedade e consciência; Teoria crítica: ontem e hoje; Itinerários de Antígona; Dialogando com Habermas; Teorias da Cidade; Capitais migrantes e poderes peregrinos. Em 2013 publicou Viajando com Langsdorff. BÁRBARA FREITAG-ROUANET a enseigné à la Goethe Universität Frankfurt, à la Technische Universität Berlin, à la Freie Universität Berlin parmi d’autres universités européennes. En 1972 elle a été invitée par l'Universidade de Brasília où elle a occupé la chaire de théorie sociologique jusqu’en 2003. À l’UNESCO elle a occupé la chaire Cidade e meio ambiente. Elle a coordonné le projet de recherche du Conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico (CNPq) à l’Universidade de Brasília (UnB). Ses publications se centrent sur trois thèmes : politiques de l’éducation, théorie sociologique et urbanisme. Parmi ses publications en Allemagne, en France et au Brésil, il faut mentionner : Escola, Estado e sociedade ; Sociedade e consciência ; Teoria crítica: ontem e hoje ; Itinerários de Antígona ; Dialogando com Habermas ; Teorias da Cidade ; Capitais migrantes e poderes peregrinos. En 2013 elle a publié Viajando com Langsdorff. * ANTÓNIO PRETO é docente na Escola Superior Artística do Porto e na Universidade Lusófona do Porto. Tem desenvolvido projectos como comissário e programador independente. Foi convidado pela Fundação Serralves para conceber a exposição Manoel de Oliveira / José Régio – Releituras e fantasmas, patente no Centro de memória de Vila do Conde (Dezembro 2009 – Março 2010). Dentre as publicações mais recentes, destacam-se: Manoel de Oliveira (vol. 3/3), em colaboração com João Fernandes (2014). Tem orientado seminários como Manoel de Oliveira: o moderno paradoxal, Museu de Arte Contemporânea de Serralves (2008) ou Literatura, teatro e cinema, programa de pós-graduação em estudos literários e grupo de pesquisa em dramaturgia (GPD), UNESP – Universidade Estadual Paulista e USP – Universidade de São Paulo, (2012). Colabora regularmente em edições universitárias, revistas especializadas e outras publicações como a revista francesa Cahiers du Cinéma. ANTÓNIO PRETO enseigne à l’Escola Superior Artística de Porto et à l’Universidade Lusófona de Porto. Il a développé des projets comme commissaire et programmeur indépendant. Il a été invité par la Fundação Serralves à concevoir l’exposition Manoel de Oliveira / José Régio – Releituras e fantasmas (2009-2010). Parmi ses publications récentes, on

Notas Biográficas / Notices biographiques203

peut signaler Manoel de Oliveira (vol.  3/3), en collaboration avec João Fernandes (2014). Il a dirigé des séminaires comme Manoel d’Oliveira: o moderno paradoxal, Museu de Arte Contemporânea de Serralves (2008), ou Literatura, teatro e cinema, programme de postdoctorat en études littéraires et groupe de recherche en dramaturgie (GPD), UNESP (Universidade Estadual Paulista) et USP (Universidade de São Paulo) (2012). Il collabore régulièrement à des éditions universitaires, des revues spécialisées ou d’autres publications comme les Cahiers du Cinéma. * LEÃO LOPES, artista plástico e professor universitário é fundador do M_EIA, (Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura), na cidade do Mindelo, onde desempenha as funções de reitor. Co-fundador e editor da revista Ponto & Vírgula (1983-1987). Como cineasta assinou a primeira longa metragem caboverdeana, Ilhéu de Contenda e alguns documentários, sendo o mais recente, São Tomé: os últimos contratados. Dentro das suas publicações podemos citar: A História de Blimundo (conto para a infância); Unine (conto para a infância); A Fabulosa História de Tom Farwell – o Pirata de Monte Joana; Baltasar Lopes – um homem arquipélago na linha de todas as batalhas (biografia / tese); vários ensaios em publicações nacionais e internacionais sobre cultura, identidade e civilização caboverdeana. LEÃO LOPES, artiste plasticien et professeur universitaire, il est le fondateur de M_EIA, (Instituto Universitário de Arte, Tecnologia et Cultura), de la ville de Mindelo, où il exerce les fonctions de recteur. Co-fondateur et éditeur de la revue Ponto & Vírgula  (1983-1987). En tant que cinéaste, il a signé le premier long métrage cap-verdien Ilhéu de Contenda ainsi que quelques documentaires, le plus récent s’intitule S.Tomé: os últimos contratados. Parmi ses publications nous pouvons citer : A história de Blimundo  (l’histoire de Blimundo) (conte pour enfants)  ; Unine (conte pour enfants) ; A fabulosa história de Tom Farwell – o pirata de Monte Joana (La fabuleuse histoire de Tom Farwell – le pirate du Monte Joana) ; Baltasar Lopes – um homem arquipélago na linha de todas as batalhas (Baltasar Lopes – un homme archipel sur le front de toutes les batailles) (biographie/thèse) ; divers essais dans des revues nationales et internationales sur la culture, l’identité et la civilisation capverdiennes.

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Notas Biográficas / Notices biographiques

* JOÃO CARAÇA, director da delegação em França da Fundação Calouste Gulbenkian de janeiro de 2012 a dezembro de 2016. Foi director do Serviço de ciência da FCG de 1988 a 2011. Foi membro do Conselho directivo do EIT-Instituto europeu de inovação e tecnologia de 2008 a 2012. Integra o Comité de direcção do Forum europeu de filantropia e ciência. Professor catedrático convidado do Instituto superior de economia e gestão da Universidade de Lisboa coordenou, entre outras funções, o Mestrado em economia e gestão de ciência, tecnologia e inovação (19902003). Foi consultor para a ciência do Presidente da República de 1996 a 2006. Foi Presidente do conselho consultivo da COTEC – Associação empresarial para a inovação. Os seus interesses centram-se nas áreas da política científica e tecnológica e da prospectiva. É autor de mais de uma centena e meia de trabalhos científicos sobre estas temáticas. JOÃO CARAÇA, directeur de la délégation en France de la Fundação Calouste Gulbenkian de janvier 2012 à décembre 2016. Il a été directeur du Serviço de Ciência de la FCG de 1988 à 2011. Membre du conseil exécutif du EIT-Instituto europeu de inovação e tecnologia de 2008 à 2012. Il rejoint le Comité exécutif du forum européen de philanthropie et science. Professeur invité de l’Institut supérieur d’économie et de gestion de l’Universidade de Lisbonne, il a coordonné, parmi d’autres fonctions, les Masters d’économie et gestion en sciences, technologie et innovation (1990-2003). Il a été consultant pour les sciences du Président de la République portugaise de 1996 à 2006. Il a été Président du conseil consultatif de la COTEC – Associação empresarial para a inovação. Ses centres d’intérêt portent sur les domaines de la politique scientifique et technologique ainsi que de la prospective. Il est l’auteur de plus d’une centaine et demie de travaux scientifiques sur ces thématiques.

Resumos em Português e em Francês / Résumés en portugais et en français CLARINDA DE AZEVEDO MAIA O português do Brasil na tradição gramatical portuguesa. A consciência metalinguística das diferenças entre as variedades de Portugal e do Brasil. Utilizando dados de uma investigação mais ampla em curso sobre a produção gramatical portuguesa, na presente publicação analisaremos os materiais fornecidos pelos autores desse género textual para a história de algumas dessas mudanças e a consciência que revelam sobre a diversidade de usos linguísticos em Portugal e no Brasil ou, mesmo, sobre especificidades brasileiras explicitamente identificadas, ou seja, sobre usos próprios do Brasil. Na análise dos dados próprios do Brasil ter-se-á em consideração a sua distribuição por níveis linguísticos, a sua caracterização como fenómenos gerais ou como traços próprios de determinada região e, ainda, (quando existentes) os juízos metalinguísticos formulados a propósito de traços contrastados com os usos lusitanos. Le portugais du Brésil dans la tradition grammaticale portugaise. La conscience métalinguistique des différences entre les variétés du Portugal et du Brésil. Tout en utilisant des données d’une recherche en cours plus ample sur la production grammaticale portugaise, nous analysons dans la présente publication les matériaux fournis par les auteurs de ce genre textuel pour l’histoire de quelques-uns de ces changements et pour la conscience qu’ils révèlent de la diversité d’usages linguistiques au Portugal et au Brésil ou même sur des spécificités brésiliennes explicitement identifiées, c’est-àdire sur des usages propres du Brésil. Dans l’analyse des données propres du Brésil nous considérerons leur distribution par niveaux linguistiques, leur caractérisation comme phénomènes généraux ou comme traits propres d’une région déterminée ainsi que (quand ils existent) les éventuels jugements métalinguistiques formulés à propos de traits confrontés avec les usages lusitaniens. *

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DIANA L. P. DE BARROS A construção do português como língua nacional do Brasil Para tratar da questão da construção do português como língua nacional do Brasil, serão retomados estudos que vimos desenvolvendo, na perspectiva da semiótica discursiva, sobre os discursos da gramática do português, do século XVI à atualidade. A exposição tem duas partes. Na primeira, a partir, principalmente, dos estudos de Sylvain Auroux sobre a gramatização das línguas, tratamos do papel da gramática na construção das línguas nacionais. Na segunda parte, examinamos o discurso das gramáticas brasileiras do século XIX, e de obras literárias do mesmo período, época da constituição do Estado-nação brasileiro e da língua nacional do Brasil, para mostrar que esse discurso é também um discurso de exclusão por triagem, como quaisquer discurso de construção de língua nacional. Essa língua assim construída é, ao tempo, portuguesa e brasileira, a mesma, embora outra, ou outra, embora a mesma. La construction du portugais comme langue nationale du Brésil La question de la construction du portugais comme langue nationale du Brésil est traitée en reprenant des études développées selon la perspective de la sémiotique discursive et qui portent sur les discours de la grammaire du portugais, du XVIe siècle à nos jours. Deux parties composent cet exposé. La première se fonde principalement sur les travaux de Sylvain Auroux à propos de la grammaticalisation des langues et traite du rôle de la grammaire dans la construction des langues nationales. La deuxième partie de l’exposé porte précisément sur le discours des grammaires brésiliennes du XIXe siècle et des œuvres littéraires de cette même période, lorsque l’État-nation brésilien et la langue nationale du Brésil se sont constitués, afin de démontrer qu’il est aussi un discours d’exclusion par le tri, à l’instar de tous les discours de construction de la langue nationale. Cette langue ainsi construite est à la fois portugaise et brésilienne, la même bien qu’autre, ou l’autre bien que la même. *

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SARITA MONJANE HENRIKSEN A Unidade na diversidade nos espaços de língua portuguesa – o caso de Moçambique A diversidade linguístico-cultural é uma das características do continente africano e, em particular, de Moçambique, onde são faladas mais de vinte línguas maioritariamente de origem bantu. Apesar desta diversidade linguística elevada, é possível falar da unidade nacional no território moçambicano, veiculada principalmente através da língua portuguesa. O principal argumento deste estudo é de que Moçambique tem muito a ganhar a partir da sua condição como país multilingue, multicultural e multiétnico. A diversidade linguístico-cultural do país não deve ser vista como uma ameaça para a vitalidade da língua portuguesa, mas como um recurso provável de beneficiar não só cada um dos moçambicanos, mas também o país como um todo. Existe espaço para o desenvolvimento de uma política linguística e em particular uma política de línguas curriculares. O objectivo primário da promoção deste paradigma é a melhoria da participação popular equitativa e activa nos processos de cidadania e globalização, onde os indivíduos deixam de ser apenas cidadãos nacionais e transformam-se em cidadãos transnacionais e globais. L’Unité dans la diversité des espaces de langue portugaise : le cas du Mozambique La diversité linguistico-culturelle est l’une des caractéristiques du continent africain et, en particulier, du Mozambique, où l’on parle une vingtaine de langues majoritairement d’origine bantoue. Malgré cette diversité linguistique, il est possible de parler d’unité nationale dans le territoire mozambicain, transmise principalement par la langue portugaise. Le principal objectif de cette étude est de démontrer que le Mozambique a beaucoup à gagner en tant que pays multilingue, multiculturel et multiethnique. Sa diversité linguistico-culturelle ne doit pas être vue comme une menace pour la vitalité de la langue portugaise. Au contraire, celle-ci doit être vue à la fois comme une ressource à la portée de chaque Mozambicain et de tout le pays. Le Mozambique détient un espace propice au développement d’une politique linguistique, notamment la politique des langues du cursus scolaire. Le principal objectif de la promotion de ce paradigme vise à améliorer la participation populaire équitable et active dans le processus de citoyenneté et de globalisation, où les individus cessent d’être de simples citoyens nationaux pour devenir des citoyens transnationaux et globaux.

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* ANA LUÍSA AMARAL Uma terra de ninguém (com gente dentro): que língua fala a poesia? De que língua falamos, quando falamos de poesia? Posso eu dizer ainda, com Pessoa, que «a minha pátria é a língua portuguesa», mesmo sabendo como é complexo falar de uma só língua portuguesa? Ou é a língua da poesia uma língua que, de alguma maneira, consegue atravessar espaços nacionais? António Gamoneda fala da poesia como «uma pátria dentro de pátrias». Não poderá a poesia ser antes uma terra de ninguém – com gente dentro, sempre? Une terre de personne (avec des gens dedans) : quelle langue parle la poésie ? De quelle langue parlons-nous quand nous parlons de poésie ? Puis-je dire encore, comme Pessoa, que « ma patrie est la langue portugaise », tout en sachant combien il est complexe de parler d’une seule langue portugaise  ? Ou bien la langue de la poésie est-elle une langue qui, d’une certaine façon, réussit à traverser les espaces nationaux ? Antonio Gamoneda parle de la poésie comme d’« une patrie dans des patries ». La poésie ne pourrait-elle pas être plutôt une terre de personne – toujours avec des gens dedans ? * SÉRGIO PAULO ROUANET Correspondência de Machado de Assis: um novo olhar Até recentemente a correspondência de Machado de Assis só era conhecida de modo fragmentário e incompleto. O que existia era um modesto epistolário, publicado em 1932 por Fernando Nery, contendo cartas trocadas entre Machado e alguns interlocutores escolhidos. Em 1937, o editor W.M. Jacksons lançou uma edição ampliada do livro de Nery. A editora Aguilar optou por publicar apenas a correspondência ativa. Finalmente, diversas cartas avulsas foram incorporadas em biografias e outros livros sobre Machado. Essas iniciativas foram meritórias, mas tiveram seus inconvenientes, como o de reduzir arbitrariamente o número de cartas e correspondentes (Jackson) ou o de levar em conta unicamente as cartas expedidas por Machado, eliminando com isso a dimensão dialógica da correspondência (Aguilar). Por tudo isso, a Academia Brasileira de Letras decidiu publicar a correspondência completa do

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nosso maior escritor, segundo uma ordem rigorosamente cronológica, que abarcasse tanto a correspondência ativa quanto a passiva, e tanto a já publicada quanto a ainda inédita. Correspondance de Machado de Assis : un nouveau regard Jusqu’à une date récente, la correspondance de Machado de Assis n’était connue que d’une façon fragmentaire et incomplète. Ce qui existait était un modeste recueil, publié en 1932 par Fernando Nery, contenant des lettres échangées entre Machado et quelques interlocuteurs choisis. En 1937, l’éditeur W. M. Jackson publia une version élargie du recueil de Nery. L’éditeur Aguilar choisit de publier seulement la correspondance active. Aussi, quelques lettres dispersées furent intégrées dans des biographies et d’autres livres sur Machado. Ces initiatives ont eu du mérite, mais elles présentaient quelques inconvénients, comme celui de réduire arbitrairement le nombre de lettres et de correspondants (Jackson) ou de ne tenir compte que des lettres envoyées par Machado, privant la correspondance de sa dimension dialogique (Aguilar). Pour toutes ces raisons, l`Académie Brésilienne de Lettres a décidé de publier la correspondance complète de notre plus grand écrivain, en suivant un ordre rigoureusement chronologique, incorporant aussi bien la correspondance active que passive, celle publiée ou inédite * ANTONIO DIMAS O memorialismo brasileiro como espaço narrativo de criação e de percepção heterogêneas Há todo um território a ser vasculhado na vida intelectual e artística do Brasil. Um dado essencial a ser avaliado é o das afinidades intelectuais, encobertas muitas vezes. Penso aqui no caso de Joaquim Nabuco (18491910) e de Gilberto Freyre (1900-1987), cujos diários e memórias são portas (premeditadamente) entreabertas, que nos levam a elaborar um roteiro de preocupação comum, matizado pelo tempo, pela formação, pelo contexto e pela individualidade de cada um. Não se pode minimizar o papel que tiveram ambos, cada um a seu modo e no seu contexto, na valorização do homem negro brasileiro. Em torno do material memorialístico que ambos deixaram, algumas considerações iniciais podem ser delineadas, encarando dois pontos como referência inicial: 1) no plano da forma, como esse material foi moldado;

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2) no plano do conteúdo, como reagiram esses memorialistas ao primeiro impacto diante da experiência do estrangeiro. Le mémorialisme brésilien en tant qu’espace narratif de création et de perception hétérogènes Il y a tout un territoire à fouiller dans la vie intellectuelle et artistique du Brésil. Une donnée essentielle à évaluer est celle des affinités intellectuelles, souvent cachées. J’évoque ici le cas de Joaquim Nabuco (1849-1910) et de Gilberto Freyre (1900-1987), dont les journaux et mémoires constituent des portes (intentionnellement) entrouvertes, qui nous mènent à élaborer un scénario de préoccupations communes, nuancé par le temps, par la formation, par le contexte, par l’individualité de chacun d’eux. On ne peut pas réduire le rôle qu’ils ont eu tous les deux, chacun à sa manière et dans son contexte, pour la valorisation de l’homme noir brésilien. Autour du matériel mémorialiste qu’ils ont laissé, quelques considérations initiales peuvent être avancées, en envisageant deux points comme référence initiale : 1) sur le plan de la forme, comment ce matériel a été façonné ; 2) sur le plan du contenu, comment ont réagi ces mémorialistes au premier impact face à l’expérience de l’étranger. * AGRIPINA CARRIÇO VIEIRA Agualusa e Ondjaki: dois olhares sobre Luanda Se os estudos pós-coloniais têm estado marcados pelo predomínio do conceito de nação, a questão da demanda identitária não se esgota nessa discussão de concepção mais abrangente e unificadora. Percorrendo os textos ficcionais angolanos, verificamos que Angola surge como uma entidade em permanente interrogação. Cada autor, cada livro centra o entrecho num espaço específico, privilegiando referentes espaciais concretos e delimitados, dando conta de uma realidade precisa e particular: a nação angolana. Neste estudo, analisamos as obras de dois autores angolanos, Agualusa e Ondjaki, e mais especificamente dois romances Teoria Geral do Esquecimento e Os Transparentes, procurando apreender o modo como neles se desenha a cartografia das paisagens físicas mas também culturais de Luanda.

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Agualusa e Ondjaki deux regards sur Luanda Si les études postcoloniales ont été marquées par la prépondérance du concept de nation, la question de la quête identitaire ne s’épuise pas avec la discussion de cette notion globale et unificatrice. En parcourant les textes de fiction angolais, on vérifie que l’Angola apparaît comme une entité qui est constamment interrogée. Chaque auteur, chaque livre installe l’intrigue dans un espace spécifique, attribuant une attention spéciale à des référents spatiaux concrets et délimités, donnant corps à une réalité précise et particulière : la nation angolaise. Dans cette étude, on analyse l’œuvre de deux auteurs angolais et plus particulièrement deux de leurs romans, Théorie générale de l’oubli et Les Transparents. On cherche à appréhender le mode selon lequel la cartographie des paysages physiques mais aussi culturels de Luanda s’y dessinent. * MIGUEL VALE DE ALMEIDA Raizes, diáspora, projeto e circulação As temáticas da globalização e das migrações têm dado azo à exploração de uma nova categoria – a de circulação. Trata-se de tentar entender processos de fluxo e movimento de pessoas que não passam por noções estanques de origem, ida ou retorno, nem sequer pela noção convencional de diáspora. O caso de judeus brasileiros que acedem à nacionalidade israelense através da Lei de Retorno será abordado como exemplo, com base em trabalho de campo etnográfico recente. Entre os meus colaboradores de pesquisa a ideia de «raiz» é negociada entre Israel, contextos da Europa do Leste e o próprio Brasil; a ideia de diáspora é negociada com a ideia de israelidade (e esta com a de judaísmo, secular ou religioso); e a ideia de projeto (pessoal, identitário, político) é uma das variáveis deste processo migratório. Os meus informantes personificam narrativas e práticas mais complexas do que aquelas a que nos habituámos com o paradigma das migrações. Racines, diaspora, projet et circulation Les questions de la globalisation et des migrations ont conduit récemment à la réflexion sur une nouvelle catégorie, celle de la circulation. Il s’agit de comprendre les processus de flux et de mouvement de personnes qui ne s’inscrivent pas dans les notions figées d’origine, de départ et de retour, ni dans la notion conventionnelle de diaspora. Le cas

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des juifs brésiliens qui deviennent israéliens grâce à la Loi du Retour sera ici examiné comme exemple, à partir d’un récent travail ethnographique de terrain. Chez mes collaborateurs de recherche l’idée de « racine » est l’objet d’une négociation entre Israël, les contextes de l’Europe de l’est et le Brésil ; l’idée de diaspora croise celle d’israélité (et celle-ci implique l’idée de judéité, séculaire ou religieuse) ; enfin, l’idée de projet (personnel, identitaire, politique) constitue l’une des variantes de ce processus migratoire. Mes informateurs incarnent des récits et des pratiques bien plus complexes que ceux que nous trouvons habituellement dans le paradigme des migrations. * FRANCISCO NOA Uns e Outros: Interacções Culturais e Identitárias na Literatura Moçambicana Existe uma dimensão incontornável quando se analisa os sujeitos e os produtos resultantes da colonização europeia em África: a questão identitária é, quase sempre, um fenómeno de alteridade. Isto é, é-se um ao mesmo tempo que se é outro. É-se igual ao mesmo tempo que se é diferente. Ou ainda, só se consegue efectivamente ser-se o mesmo, quando se consegue ser outro. Com uma multissecular história de chegadas: bantus (séc. IV); árabes (séc. VIII); portugueses (séc. XV); indianos (séc. XVII); chineses e outros europeus (séc. XIX), Moçambique foi-se instituindo como um imenso território de intersecções culturais, raciais, étnicas, religiosas e linguísticas. É no rastreio das representações inscritas em textos produzidos por autores de diferentes gerações da literatura moçambicana onde procuraremos reflectir na forma como as intersecções culturais geraram configurações em que identidade e alteridade se instituem como fundamentos de modos particulares de existir e de perceber o mundo. Les uns et les autres : Interactions Culturelles et Identitaires dans la Littérature Mozambicaine Il existe une dimension incontournable quand on analyse les sujets et les produits résultant de la colonisation européenne en Afrique  : la question identitaire est, presque toujours, un phénomène d’altérité. C’est-à-dire qu’on est un en même temps que l’on est autre. On est égal en même temps que l’on est différent. Ou encore, on ne parvient pas

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à être complètement le même, que si l’on parvient à être autre. Avec une histoire multiséculaire d’arrivées  : Bantous (IVe  siècle)  ; Arabes (VIIIe siècle) ; Portugais (XVe siècle) ; Indiens (XVIIe siècle) ; Chinois et autres européens (XIXe  siècle), le Mozambique s’est au fur et à mesure institué comme un immense territoire d’intersections culturelles, raciales, ethniques, religieuses et linguistiques. C’est dans le dépistage des représentations inscrites dans des textes d’auteurs de différentes générations de la littérature mozambicaine que nous chercherons à réfléchir à la manière dont les intersections culturelles ont engendré des configurations dans lesquelles identité et altérité s’instituent comme des fondements des manières particulières d’exister et de percevoir le monde. * PAULO JORGE DE SOUSA PINTO Nas Margens do Império: a presença portuguesa no Sueste asiático: história, língua, miscigenação Uma das características da presença portuguesa na Ásia do Sueste, nos séculos XVI e XVII, foi a sua feição mercantil, marítima e informal, ao contrário de outras zonas do Índico – como no Golfo Pérsico ou na costa ocidental indiana –, onde as estruturas políticas, administrativas e militares do Estado da Índia eram mais vincadas e o controle oficial, mais apertado. Com a chegada dos holandeses e o assalto às posições e à navegação portuguesa, com a consequente diminuição da atividade das ordens religiosas católicas, a presença oficial desapareceu, só vindo a ressurgir em Timor, no século XVIII. Ficaram as comunidades mestiças de descendentes de portugueses, que se adaptaram aos contextos políticos e económicos locais. Um dos traços mais importantes destas comunidades foi, para além da religião católica, a utilização de crioulos da língua portuguesa, cuja sobrevivência e uso excedeu os espaços das antigas possessões coloniais, como em Malaca. Este «português» sobreviveu até ao século XIX. Sur les marges de l’Empire : la présence portugaise dans le Sud-Est asiatique : histoire, langue et métissage L’un des traits de la présence portugaise en Asie du Sud-Est aux XVIe et XVIIe  siècles a été son caractère commercial, maritime et informel, contrairement à d’autres régions de l’océan Indien – comme le Golfe Persique ou la côte ouest indienne – où les structures politiques,

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administratives et militaires de l’Estado da India étaient plus marquées et le contrôle officiel plus rigoureux. Avec l’arrivée des Hollandais et l’assaut sur les positions et la navigation portugaises, avec la diminution conséquente de l’activité des ordres religieux catholiques, la présence officielle a disparu, ne venant qu’à réapparaître à Timor, au XVIIIe siècle. Seules sont restées les communautés métisses d’origine portugaise e qui se sont adaptées aux contextes politiques et économiques locaux. L’un des plus importants traits caractéristiques de ces communautés était, outre la religion catholique, l’utilisation des créoles de langue portugaise, dont la survivance et l’usage a excédé largement les espaces des anciennes possessions coloniales, comme à Malaka. Ce « portugais » a survécu jusqu’au XIXe siècle * LAURA DE MELLO E SOUZA A questão da fronteira em três obras de Sérgio Buarque de Holanda: Monções, Caminhos e Fronteiras e Capítulos de Expansão Paulista. Em 1945, Sérgio Buarque de Holanda publicava Monções. Diferentemente de uma tradição historiográfica vigente em São Paulo, destacava as expedições de comércio dirigidas para a região centrooeste – os atuais estados de Mato Grosso e Goiás – e as considerava mais importantes, do ponto de vista da adaptação ao meio, do que as expedições dos «bandeirantes». O tema das andanças pelo sertão foi permanentemente revisitado por esse historiador. Em 1957 publicava Caminhos e Fronteiras. Fronteira, para Buarque de Holanda, não tinha conotação meramente geográfica, sim predominantemente cultural. Em outros escritos, morreu sem os publicar, reunidos no volume Capítulos de Expansão Paulista (2014), o autor explora as relações entre a região de São Paulo e a do Paraguai: ambas aparentemente periféricas e no entanto decisivas para o enraizamento da colonização em áreas distantes. O autor busca compreender o mecanismo das trocas, sínteses e soluções culturais. Le problème de la frontière dans trois ouvrages de Sérgio Buarque de Holanda : Monções, Caminhos e Fronteiras e Capítulos de Expansão Paulista. En 1945, Sérgio Buarque de Holanda publiait Monções. Il s’écartait d’une tradition historiographique propre aux historiens de São Paulo de l’époque. Il valorisait les expéditions de commerce menées vers la région centre-ouest – les actuels États de Mato Grosso et Goiás – les considérant

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plus importantes que celles des bandeirantes (pionniers). Le sujet des courses paulistas vers l’intérieur des broussailles, le sertão, a été souvent abordé par cet historien. En 1957 il publiait Caminhos e Fronteiras. La frontière, pour Buarque de Holanda, était beaucoup plus qu’une conception géographique : elle était, avant tout, culturelle. Dans d’autres écrits, que l’auteur ne publia pas de son vivant, réunis dans le volume Capítulos de Expansão Paulista (2014), il développe la relation entre la région de São Paulo et celle du Paraguay, toutes deux apparemment périphériques et cependant fondamentales pour l’enracinement de la colonisation dans les recoins éloignés. L’auteur essaye de comprendre, dans toute sa complexité, les mécanismes des échanges, des synthèses et des solutions culturelles. * BÁRBARA FREITAG-ROUANET Itinerâncias urbanas e nomadismo dos artistas O texto se baseia, em sua essência, na pesquisa financiada pelo CNPq (Conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico) (2000-2008), por mim coordenada e realizada na UnB (Universidade de Brasília) com outros colegas e estudantes. Essa pesquisa debruçou-se sobre a fundação, construção e transferência das três capitais brasileiras: Salvador, Rio de Janeiro e Brasília. O ineditismo de Salvador e Brasília está no facto, de que se trata de cidades, que emergiram das pranchas de arquitetos. No caso do Rio, o nomadismo dos artistas acompanha o nomadismo dos padres católicos e dos poderosos. Com a vinda da Família Real em 1808, a missão francesa inaugura novas tendências (Debret, Taunay, Hercule Florence etc.). Angélica Madeira (2013) vai mostrar como uma geração nova de artistas participa na construção das artes visuais em Brasília. Itinérances urbaines et nomadisme des artistes Mon texte se fonde sur la recherche financée par le CNPq (Conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico) coordonnée par moi-même (2000-2008), réalisée à L’UnB (Université de Brasília) avec un groupe de collègues et d’étudiants en doctorat. Cette recherche s’est penchée sur la fondation, construction et transfert des trois villes-capitales brésiliennes  : Salvador, Rio et Brasília. La spécificité de Salvador et de Brasília réside dans le fait qu’elles ont surgi des planches des architectes.

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À Rio, le nomadisme des artistes suit celui des prêtres catholiques et de la classe dominante. Avec l’arrivée de la Famille Royale portugaise en 1808, la mission française inaugure de nouvelles tendances (Debret, Taunay, Hercule Florence etc.). Angélica Madeira (2013) démontre comment une nouvelle génération d’artistes participe à l’implantation des arts visuels à Brasília. * ANTÓNIO PRETO Os Fantasmas da História no cinema português contemporâneo O cinema alinhado pelos valores ideológicos do Estado Novo mergulhava nas brumas da memória para exumar pretéritos apoteóticos e fazer ecoar insígnias (históricas, literárias, heróicas e patrióticas) que investissem o regime como verdadeiro destino da Nação. O cinema que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 vai, muitas vezes, desenterrar fantasmas, não para os animar numa marcha triunfal, salvífica ou messiânica, mas para deles se apropriar numa reactualização revolucionária. NON ou a Vã Glória de Mandar (1990), de Manoel de Oliveira, é o filme que mais radicalmente problematiza a narrativa histórica e desfaz o imaginário oficial. Mais recentemente, Tabu (2012), de Miguel Gomes, propõe outras possibilidades de pensar os reflexos entre passado e presente que, em As Mil e Uma Noites (2015), se invertem: é ao exótico passado que, de longe, compete contar a história do presente. Les Fantômes de l’Histoire dans le cinéma portugais contemporain Le cinéma qui s’est aligné sur les valeurs idéologiques de le Estado Novo plongeait dans les brumes de la mémoire pour exhumer des passés apothéotiques et faire résonner des insignes (historiques, littéraires, héroïques et patriotiques) qui investissent le régime comme le vrai destin de la nation. Le cinéma qui suit le 25 Avril 1974 déterre, assez souvent, des fantômes non pas pour les animer dans une marche triomphale, salvatrice et messianique, mais pour se les approprier dans une réactualisation révolutionnaire. NON ou la Vaine gloire de commander (1990), de Manoel de Oliveira, est le film qui le plus radicalement problématise le récit historique et défait l’imaginaire officiel. Plus récemment, Tabou (2012), de Miguel Gomes, propose d’autres possibilités de penser les reflets entre passé et présent qui, dans

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Les Mille et une nuits (2015), s’inversent : c’est l’exotique passé qui, à distance, doit raconter l’histoire du présent. * LEÃO LOPES A educação artística, hoje, em Cabo Verde: um desafio O cabo-verdiano terá percepcionado o seu mundo, integrou-se nele e interpretou-se, mais através da música e da poesia que de outras expressões de alma. Talvez por isso Cabo Verde seja também conhecido por um país de música e de poesia. Porque é que até agora o país não se empenhou seriamente numa educação artística formal, valorizando o importante património que acumula na música e noutras expressões? É assunto que merece apuro e melhor compreensão. Num passado recente e no plano de educação formal o sistema integrava algumas disciplinas, incluindo música (canto coral). Com a instituição da monodocência no sistema educativo cabo-verdiano desapareceram essas disciplinas. Com o advento da independência das ilhas, não era suposto este cenário. Passados quarenta anos sobre a data da independência, que ensino artístico se reclamaria para o país, que paradigma e qual o sentido, hoje ? Cap-Vert : le sens de l’art comme projet éducatif Le Capverdien a bien perçu son monde. Il s’y est intégré et l’a interprété davantage à travers la musique et la poésie que par d’autres moyens d’exprimer son âme. C’est sans doute pour cela que le Cap-Vert est surtout connu comme un pays de musique et de poésie. Pourquoi jusqu’à aujourd’hui, le pays n’a-t-il pas investi sérieusement dans un enseignement artistique, valorisant l’important patrimoine accumulé dans la musique et dans d’autres expressions  ? C’est une question qui mérite d’être analysée en profondeur. Dans un passé récent, et sur le plan de l’éducation institutionnelle le système incluait quelques disciplines comme la musique (chant choral). Avec la mise en place, dans le système éducatif capverdien, d’un enseignant unique pour assurer toutes les matières du cursus, ces disciplines ont disparu. Avec l’avènement de l’indépendance, ce n’est pas ce scénario-là qui était prévu. Quarante années se sont écoulées depuis l’Indépendance, quel enseignement artistique demanderait-on pour le pays, quel paradigme et quel serait son sens aujourd’hui ?

Collection Trans-Atlántico Littératures Dans le panorama de la recherche et, plus particulièrement, de l’hispanisme, un nouveau paradigme privilégiant la prise en considération des échanges et de la circulation de modèles s’affirme. Cette nouvelle perspective permet l’émergence d’un nouveau champ d’études centré sur les relations transatlantiques, transnationales et intercontinentales ; elle met l’accent sur les échanges, les migrations et les passages qui se déclinent de différentes façons entre les cultures des deux côtés de l’Atlantique, depuis plus de cinq siècles. Plus que le paquebot de ligne destiné à la traversée régulière entre l’Europe et l’Amérique, le titre de cette nouvelle Collection Trans-Atlántico / Trans-Atlantique évoque le roman homonyme de Witold Gombrowicz – où apparait justement le trait d’union –, les déambulations du protagoniste entre deux mondes, ainsi que les rapprochements entre des lieux bien différents d’une même réalité (la Pologne, où Gombrowicz est né, et l’Argentine, lieu de son séjour prolongé). La collection “Trans-Atlántico / Trans-Atlantique” se veut un espace d’édition ouvert aux travaux qui privilégient cette approche de la littérature comme lieu transculturel par excellence, lieu de dialogue et de controverse entre différents types de discours, lieu, enfin, de tous les possibles, où s’élaborent de nouvelles pratiques de pensée et de création pour donner du sens à l’en-dehors qui l’entoure. Directrices de collection Norah Giraldi-Dei Cas et Fatiha Idmhand Comité scientifique Fernando Aínsa – Écrivain et critique littéraire Zila Bernd – Universidade Federal do Rio Grande du Sul y CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolmiento Científico e Tecnológico) (Brésil)

Maria Carolina Blixen – Departamento de Investigaciones-Biblioteca Nacional (Uruguay) Manuel Boïs – Traducteur Oscar Brando – Chercheur, critique littéraire et professeur de littérature (Uruguay) Cécile Chantraine-Braillon – Université de Valencienne et du Hainaut Cambrésis (France) Patrick Collart – Universiteit Gent (Belgique) Ana del Sarto – The Ohio State University-Center of Latin American Studies (États-Unis) Carlos Demasi – Universidad de la República (Uruguay) Carmen De Mora – Universidad de Sevilla (Espagne) Geneviève Fabry – Université Catholique de Louvain-la-Neuve (Belgique) Rita Godet – Université de Rennes (France) Rosa Maria Grillo – Università degli Studi di Salerno (Italie) Patrick Imbert – Université d’Ottawa (Canada) Danuta Teresa Mocejko-Costa – Universidad Nacional de Córdoba (Argentine) Francisca Noguerol – Universidad de Salamanca (Espagne) Alexis (Nouss) Nuselovici – Université Aix-Marseille (France) Teresa Orecchia-Havas – Université de Caen-Basse Normandie (France) Emilia Perassi – Università degli Studi di Milano (Italie) Ada Savin – Université de Versailles Saint Quentin en Yvelines (France) Marian Semilla-Duran – Université de Lyon (France) Victoria Torres – Universität zu Köln (Allemagne) Abril Trigo – The Ohio State University (États-Unis) Kristine Vanden Berghe – Université de Liège (Belgique) Christilla Vasserot – Université de Paris III (France)

Titres de la collection Vol. 15 – Maria-Arlette Darbord, Outras Margens /Autres Marges. A vitalidade dos espaços de língua portuguesa / La vitalité des espaces de langue portugaise, 2017. Vol. 14 – Rita Olivieri-Godet (dir.), Cartographies littéraires du Brésil actuel. Espaces, acteurs et mouvements sociaux, 2016. Vol. 13 – Ana Gallego Cuiñas, Christian Estrade & Fatiha Idmhand (eds.), Diarios latinoamericanos del siglo XX, 2016. Vol. 12 – Fatiha Idmhand, Cécile Braillon-Chantraine, Ada Savin & Hélène Aji (dir.), Les Amériques au fil du devenir. Écritures de l’altérité, frontières mouvantes, 2016. Vol. 11 – Andrea Perdigón Torres, La littérature obstinée. Le roman chez Juan José Saer, Ricardo Piglia et Roberto Bolaño, 2015. Vol. 10 – Cécile Chantraine Braillon, Fatiha Idmhand & Norah Dei-Cas Giraldi (dir.), Théâtre contemporain dans les Amériques. Une scène sous la contrainte, 2015. Vol. 9 – Carmen de Mora & Alfonso García Morales (eds.), Viajeros, diplomáticos y exiliados Escritores hispanoamericanos en España (1914– 1939) – Vol. III, 2014. Vol. 8 – Zilá Bernd & Norah Dei-Cas Giraldi (dir.), Glossaire des mobilités culturelles, 2014. Vol. 7 – Michel Boeglin (dir.), Exils et mémoires de l’exil dans le monde ibérique (XIIe-XXIe siècles) – Exilios y memorias del exilio en el mundo ibérico – (siglos XII-XXI), 2014. Vol. 6 – Kristine Vanden Berghe (ed.), La Revolución mexicana. Miradas desde Europa, 2014. Vol. 5 – Flores Célia Navarro, Mélanie Létocart-Araujo & Dominique Boxus (eds.), Déplacements culturels : migrations et identités - Desplazamientos culturales: migraciones e identidades, 2013. Vol. 4 – Ana Gallego Cuiñas & Erika Martínez (eds.), Queridos todos. El intercambio epistolar entre escritores hispanoamericanos y españoles del siglo XX, 2013.

Vol. 3 – Oscar Brando, Cécile Chantraine Braillon, Norah Dei-Cas Giraldi & Fatiha Idmhand (eds.), Navegaciones y regresos. Lugares y figuras del desplazamiento, 2013. Vol. 2 – Carmen de Mora & Alfonso García Morales (eds.), Viajeros, diplomáticos y exiliados. Escritores hispanoamericanos en España (19141939) – Tomo I y II, 2012. Vol. 1 – Kristine Vanden Berghe (ed.), El retorno de los galeones. Literatura, arte, cultura popular, historia, 2011.

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