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Portuguese Pages [500] Year 2013
Nilton Carlos Cáceres ORGANIZADOR
Biologia, Ecologia e Conservação
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL Reitora Célia Maria Silva Correa Oliveira
Esta edição tem o apoio do
Vice-Reitor João Ricardo Filgueiras Tognini Obra aprovada pelo CONSELHO EDITORIAL DA UFMS Resolução nº 00/12 CONSELHO EDITORIAL Dercir Pedro de Oliveira (Presidente) Carmen de Jesus Samúdio Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento Claudete Cameschi de Souza Edgar Aparecido da Costa. Edgar Cézar Nolasco Elcia Esnarriaga de Arruda Gilberto Maia Maria Rita Marques Maria Tereza Ferreira Duenhas Monreal Rosana Cristina Zanelatto Santos Sonia Regina Jurado Ynes da Silva Felix
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IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Diretoria de Gestão Estratégica Centro Nacional de Informação, Tecnologias Ambientais e Editoração SCEN – Trecho 2 – Bloco B – Edifício-Sede do Ibama CEP: 70818-200, Brasília, DF Telefone: (61) 316-1065 FAX: (61) 316-1249
Revisão (IBAMA) Maria José Teixeira Auristela Webster Nara Albuquerque Normalização bibliográfica (IBAMA) Helionidia C. de Oliveira
Foto Capa: Maurício E. Graipel Editora UFMS Portão 14 - Estádio Morenão - Campus UFMS Fone: (67) 3345-7200 - Campo Grande [email protected]
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Coordenadoria de Biblioteca Central – UFMS, Campo Grande, MS, Brasil)
Nilton Carlos Cáceres ORGANIZADOR
Biologia, Ecologia e Conservação
2ª Edição
Campo Grande - MS 2012
© 2012 Nilton Carlos Cáceres Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada, em língua portuguesa ou qualquer outro idioma. Depósito Legal na Biblioteca Nacional Impresso no Brasil 2012.
Prefácio Nunca foi tão urgente descrever, entender a organização e propor formas de usar a biodiversidade e seus serviços de forma sustentável; o motivo é obvio: uma parcela crescente das espécies caminha em direção à extinção global, enquanto as biotas perdem integridade e dão origem a novos arranjos biológicos, como os ecossistemas emergentes. Este sentido de urgência tem motivado uma parcela cada vez maior da academia a ampliar e sintetizar o conhecimento sobre elementos chaves da diversidade biológica brasileira. É neste contexto, e com tal ambição, que esta obra nos presenteia com um conjunto formidável de informações sobre os marsupiais brasileiros: da biologia aos problemas de conservação. Estão aqui descritas as 56 espécies que compõem, atualmente, a nossa fauna de marsupiais didelfídeos (as cuícas, catitas e gambás), bem como constam aspectos de evolução, biogeografia, biologia dos organismos, uso de habitat, demografia e dinâmica populacional, respostas às perturbações antrópicas e o papel de algumas destas espécies no nível de ecossistema, agindo, por exemplo, como dispersores de sementes de uma parte importante da flora florestal. Folheando os 24 capítulos não só apreendi sobre, mas também aprendi com os marsupiais: como ecólogo me chamou atenção a possibilidade de que mesmo grupos de espécies capazes de persistir, ou até mesmo proliferar em paisagens antrópicas, são vulneráveis às mudanças do clima em escala regional. Como leigo, me atiça a curiosidade o fato de que até 10 espécies podem coexistir em um mesmo local. Todavia, como ressaltado por vários autores, são ainda conspícuas as lacunas de conhecimento, pois os estudos tem se concentrado na Floresta Atlântica, incluindo os estudos de longa duração, tão necessários, mais ainda raros no mundo tropical. Além da contribuição científica evidente, incluindo a definição da agenda científica futura, é preciso colocar a presente obra em outros contextos. Devo mencionar que lugar de bicho é na natureza, mas eles precisam de um lugar cativo na academia, na cultura, no imaginário da sociedade e, por fim, nas políticas públicas, para poderem lá persistir. São esforços de síntese, como os condensados nesta obra, que nos ajudam a dar uma identidade taxonômica e ecológica ao patrimônio biológico e, assim, ampliar o espaço da biodiversidade na agenda dos tomadores de decisão. Nestes tempos de mudanças rápidas e drásticas, dar cara, voz e destino adequado à biodiversidade é, sem dúvida, um enorme desafio científico, mas também um valor social a ser construído; longo caminho a ser pavimentado “obra a obra”. Eu agradeço aos autores por nos fornecerem este relato rico e estimulante sobre os marsupiais brasileiros, mas também por compartilharem e serem cúmplices desses desafios. Marcelo Tabarelli
Professor da Universidade Federal de Pernambuco Pesquisador 1A do CNPq Coordenador da Área de Biodiversidade da CAPES
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Apresentação Após o lançamento da primeira edição do “Os Marsupiais do Brasil” em 2006, a procura pelo livro foi contínua por vários anos e, com a virada da década de 2010, a procura ainda continuava. Ainda no lançamento em outubro de 2006 no Congresso de Mastozoologia em Gramado, RS, espantei-me com a grande procura pelo público acadêmico em geral. Embora tenha sido uma tiragem modesta, esta certamente não foi suficiente frente à crescente demanda de informação sobre marsupiais existente no Brasil. Diante dessa frequente demanda, de diversas pessoas me contatando e sem conseguir um exemplar do livro devido ao esgotamento da tiragem, resolvi fazer uma segunda edição, pensando na importância do mesmo para os diversos agentes que trabalham com a biologia, zoologia e ecologia de marsupiais no Brasil ou mesmo aqueles que têm a vontade de iniciar estudos nessa área de pesquisa. Essa procura por informações sobre os marsupiais brasileiros reflete também e certamente no desenvolvimento da pesquisa e educação de nível superior no Brasil, proporcionados por agentes governamentais como CNPQ e CAPES. Mas são vários os agentes envolvidos que proporcionam essa abrangência de informações sobre os marsupiais do Brasil, que fazem repercuti-las como sons nas salas de aula, corredores e praças públicas no país a fora. Inicialmente devemos mencionar os próprios professores e pesquisadores das universidades e institutos de pesquisa no Brasil. Sem eles, sem seu esforço e perspicácia, pouco teríamos a mostrar em qualquer edição de um livro sobre marsupiais. No país, são varias frentes de pesquisa que abordam diferentes aspectos do conhecimento acerca dos marsupiais. A biologia geral e a ecologia dos marsupiais brasileiros são um pouco mais antigas no país, e mais recentemente a sistemática tem se desenvolvido, com a formação de novos especialistas. Mesmo a ecologia tem ganhado terreno na área de pequenos mamíferos e marsupiais, com novas abordagens, como podem ser vistas nessa edição. Porém, em geral, todo o conhecimento sobre marsupiais no Brasil é muito recente, e assim podemos elencar a década
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de 1980 como início da maioria dos estudos. Como figuras de destaque na formação inicial dos atuais especialistas em marsupiais brasileiros, principalmente nas áreas de zoologia e ecologia, podemos destacar os professores Rui Cerqueira, Mario De Vivo, Emygdio Monteiro-Filho e Gustavo A.B. Fonseca. Mas há muitos outros, e certamente essa lista ficaria muito extensa para esse pequeno espaço que tenho, principalmente se levarmos em conta a segunda e terceira gerações a partir dos nomes citados. Assim, o conhecimento que estava mais concentrado no sudeste do Brasil começa a se expandir para o interior e para o sul e norte, através do estabelecimento de novos especialistas nessas regiões, propiciados pelo subsídio governamental direta ou indiretamente. Com isso, mais dados biológicos e ecológicos, assim como a descoberta de novas espécies, tornaram-se disponíveis, tanto para regiões como o Cerrado, Pantanal e Amazônia. Com isso, o Brasil começa a gerar conhecimentos sobre um grupo magnífico de mamíferos que ocorre somente nas Américas, os marsupiais didelfídeos. Atualmente é país americano que tem a vanguarda sobre a geração de conhecimentos sobre o grupo, principalmente sobre sua ecologia e biologia geral, tal como a ecologia de comunidades, de populações, morfologia e parasitologia. Essa diversidade de conhecimentos sobre os marsupiais do Brasil pode ser encontrada nessa segunda edição. Da primeira para a segunda edição, embora o número de capítulos seja praticamente o mesmo, o número de autores duplicou, o que retrata bem o envolvimento de um maior número de pessoal qualificado trabalhando com esse grupo animal. Está segunda edição do livro “Os Marsupiais do Brasil” se trata de uma edição revisada e ampliada, embora haja alguns capítulos que permanecem os mesmos, devido principalmente à aposentadoria de alguns autores, mas cujos capítulos não perderam suas qualidades mesmo nos tempos atuais. O subtítulo do livro muda um pouco agora, devido à ênfase que ele tem: de “evolução” passa agora para “conservação”, já que muitos capítulos têm esse enfoque, como enfatizado na terceira e última seção do livro. O subtítulo completo fica então como “biologia, ecologia e conservação”. Pensei muito em subdividir principalmente a primeira seção atual denominada de “biologia”, o que caberia (tal como incluir zoologia, por exemplo), mas acabei por não o fazer, para não encompridar demais o subtítulo. Agradeço a todos aqueles que me contataram buscando adquirir uma cópia do livro, pois os leitores são o motivo principal para sua existência. Desculpo-me por aqueles que não conseguiram uma cópia, devido ao esgotamento da primeira edição. E agradeço a varias pessoas que me ajudaram direta ou indiretamente na concepção desta obra. A primeira pessoa que devo lembrar é propriamente Emygdio Monteiro-Filho, por toda orientação inicial que culminou nesta segunda edição. Agradeço também a Maurício Graipel e Jorge Cherem que foram grandes incentivadores dessa edição desde o princípio. Devo lembrar também Marcelo Tabarelli, que redigiu o prefácio desta edição, e que direta e indiretamente vem se empenhando pelo crescimento da pesquisa sobre mamíferos e outros grupos no Brasil, junto a CAPES, como diretor da área de Biodiversidade. Por fim, agradeço a todos os autores deste livro, que se empenharam em seus capítulos e acreditaram na sua concretização, atendendo ao prazo e qualidade requeridos nesta segunda edição. Nilton Cáceres Nápoles, Itália
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Introdução Nilton C. Cáceres Jorge J. Cherem Os marsupiais representam um dos três principais grupos atuais de mamíferos, junto aos monotremados (ornitorrincos e equidnas) e placentários ou eutérios. Esta divisão se baseia principalmente no modo de reprodução, sendo os marsupiais caracterizados por uma gestação curta e lactação prolongada. Também são característicos por apresentarem placenta vitelínica (corioalantoica apenas em alguns casos, mas sem as vilosidades típicas dos eutérios), fêmeas com vagina e útero duplos, machos com saco escrotal anterior ao pênis (exceto em Notoryctidae), abertura urogenital comum, ossos epipúbicos associados à cintura pélvica (também presentes em monotremados), entre outros. A bolsa ou marsúpio está presente em muitas espécies, mas nos marsupiais sul-americanos ocorre apenas nas espécies de maior porte, como em Didelphis, e por vezes ela se desenvolve apenas no período reprodutivo, como em Lutreolina (Emmons & Feer, 1997; Nowak, 1999). Marsupiais fósseis têm sido registrados em várias partes do mundo, incluindo a Europa, Ásia, África e mesmo a Antártida, mas atualmente ocorrem apenas nas Américas, Austrália e ilhas próximas (Nowak, 1999; Oliveira & Goin, 2006). Em função dessa distribuição atual, os europeus tomaram conhecimento dos marsupiais apenas após o início das grandes navegações no final do século XV. Em 30 de setembro de 1500, Vicente Yáñez Pinzón retornou à Espanha com uma fêmea de marsupial, possivelmente um Didelphis marsupialis, com filhotes na bolsa, capturada entre as árvores durante um desembarque na costa da Guiana ou da ilha de Marajó, no Pará (Teixeira & Papavero, 1999, 2002). A descoberta causou espanto e admiração e o animal foi descrito como tendo focinho de raposa, cauda de cercopiteco, orelhas de morcego, mãos humanas e pés de macaco, “um ser estranho e improvável capaz de existir apenas em terras distantes e fabulosas, pois nem mesmo a imaginação mais desvairada poderia conceber uma fêmea
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de mamífero capaz de carregar sua ninhada em um segundo “ventre” (ou “útero”) externo com o formato de uma grande bolsa” (Teixeira & Papavero, 2002: 23). Assim, após milhões de anos, um marsupial alcança novamente a Europa por um tipo moderno de dispersão, ainda que não esteja claro se conseguiu chegar vivo a aquele continente. Mais tarde, em 1758, Linnaeus reconheceu cinco espécies de marsupiais, todas incluídas no gênero Didelphis: D. marsupialis, D. philander (= Caluromys philander), D. opossum (= Philander opossum), D. murina (= Marmosa murina) e D. dorsigera (atualmente considerada sinônima à Marmosa murina). O nome Didelphis foi cunhado por Linnaeus para se referir à presença de dois “úteros”, um “útero” externo (a bolsa) e um interno (o útero verdadeiro) (Gregory, 1910). Didelphis foi agrupado por Linnaeus na ordem Bestiae, juntamente com Sus (porcos e catetos), Dasypus (tatus), Erinaceus (ouriços), Talpa (toupeiras) e Sorex (musaranhos). Em 1816, Blainville foi possivelmente o primeiro a incluir os marsupiais em um grupo próprio, “les Didelphes Normaux”, separados dos eutérios (“les Monodelphes”), porém próximos dos monotremados (“les Didelphes Anomaux”). E, em 1834, ele dividiu os mamíferos nas três subclasses clássicas, com os nomes de Ornitodelphes (prototérios ou monotremados), Didelphes (metatérios ou marsupiais) e Monodelphes (eutérios ou placentários). Diferentemente de Linnaeus, o termo “Didelphes” de Blainville se referia ao útero bipartido dos marsupiais, também presente nos monotremados (Gregory, 1910). Desde então, esse arranjo tripartido dos mamíferos atuais tem sido geralmente mantido. Apesar de alguns autores terem considerado uma relação filogenética mais próxima entre marsupiais e monotremados (como os Marsupionta de Gregory, 1947), incluindo estudos moleculares (e.g. Janke et al., 1997), há um consenso de que os marsupiais são mais proximamente relacionados com os eutérios, um ponto de vista expresso inicialmente por Haeckel, em 1866, compondo um grupo mais tarde denominado de Theria por Parker e Haswell, em 1897 (Gregory, 1910; Simpson, 1945; Zeller, 1999; van Rheede et al., 2006). Ainda assim, os marsupiais eram tradicionalmente vistos como mamíferos primitivos em relação aos eutérios, o que levou à noção de que os marsupiais eram adaptativa e competitivamente inferiores (Haeckel, 1930; Lillegraven, 1974; Cox, 1977). Para Haeckel (1930), por exemplo, os inúmeros representantes de marsupiais atuais não passam dos últimos restos de uma grande e rica seção zoológica que representava os mamíferos no passado e que seriam vencidos pelos placentários (eutérios) na luta pela sobrevivência. Essa linha de pensamento começou a ser grandemente questionada a partir da década de 1970 e os marsupiais passaram a ser vistos como mamíferos “alternativos”, mas não inferiores ou primitivos (Tyndale-Biscoe, 1973; Kirsch, 1977; Renfree, 1981; Hayssen et al., 1985). Paralelamente, muitas mudanças na taxonomia e no número de espécies conhecidas (ou reconhecidas) de marsupiais também têm ocorrido ao longo do tempo. Tradicionalmente, seguindo a classificação de Simpson (1945), os marsupiais foram agrupados em uma única ordem, Marsupialia, com seis superfamílias e 13 famílias, cinco das quais apenas com representantes fósseis. Posteriormente, Wilson e Reeder (2005) registraram 331 espécies de marsupiais recentes no mundo, distribuídas em 7 ordens e 21 famílias. No Brasil, apesar de a diversidade pré-histórica de marsupiais ter sido alta (Paula Couto, 1952; Oliveira & Goin, 2006), os representantes recentes são classificados em apenas uma ordem, Didelphimorphia, e uma família, Didelphidae (Gardner, 2008; Voss & Jansa, 2009), embora alguns autores subdividam esta última em mais famílias (e.g. quatro famílias, segundo Hershkovitz, 1992; ver também Oliveira & Goin, neste volume). No país são registradas 56 espécies (ver lista a seguir), número que certamente aumentará
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à medida que estudos sistemáticos esclareçam os complexos de espécies (Capítulo 1), que novas coletas a campo em regiões pouco ou não amostradas sejam realizadas (Capítulo 3) e que novos métodos de amostragem sejam empregados (Capítulo 4). LISTA DOS MARSUPIAIS DO BRASIL Lista proposta para os marsupiais brasileiros (15 gêneros e 56 espécies) a partir dos trabalhos de Rossi et al. (2006), Gardner (2008) e Pavan et al. (2012). As subfamílias seguem Voss & Jansa (2009). As localidades-tipo seguem Gardner (2008) e Pavan et al. (2012). Ordem Didelphimorphia Gill, 1872 Família Didelphidae Gray, 1821 Subfamília Glironiinae Voss & Jansa, 2009 Glironia Thomas, 1912 Glironia venusta Thomas, 1912 Localidade-tipo: Pozuzo, Pasco, Peru Subfamília Caluromyinae Reig, Kirsch & Marshall, 1987 Caluromys J. A. Allen, 1900 Caluromys lanatus (Olfers, 1818) Localidade-tipo: Paraguai; restrita a Caazapá por Cabrera (1916) Caluromys philander (Linnaeus, 1758) Localidade-tipo: “America”; restrita Suriname por Thomas (1911) Caluromysiops Sanborn, 1951 Caluromysiops irrupta Sanborn, 1951 Localidade-tipo: Quincemil, Província de Quispicanchis, Cusco, Peru Subfamília Hyladelphinae Voss & Jansa, 2009 Hyladelphis Voss, Lunde & Simmons, 2001 Hyladelphis kalinowskii (Hershkovitz, 1992) Localidade-tipo: Hacienda Cadena, Marcapata, 13º20’S, 70º46’W, Cuzco, Peru, 890m Subfamília Didelphinae Gray, 1821 Chironectes Illiger, 1811 Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) Localidade-tipo: “Gujana”; restrita a Cayenne, Guiana Francesa por Cabrera (1958) Cryptonanus Voss, Lunde & Jansa, 2005 Cryptonanus agricolai (Moojen, 1943)
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Localidade-tipo: Crato, Ceará, Brasil Cryptonanus chacoensis (Tate, 1931) Localidade-tipo: Sapucay, Paraguarí, Paraguai Cryptonanus guahybae (Tate, 1931) Localidade-tipo: ilha de Guaíba, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil Didelphis Linnaeus, 1758 Didelphis albiventris Lund, 1840 Localidade-tipo: Rio das Velhas, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil Didelphis aurita Wied-Neuwied, 1826 Localidade-tipo: Vila Viçosa [atual Nova Viçosa], rio Peruíbe, Bahia, Brasil Didelphis imperfecta Mondolfi & Pérez-Hernández, 1984 Localidade-tipo: km 125, rodovia El Dorado-Santa Elena, Estado Bolívar, Venezuela Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758 Localidade-tipo: “America”; restrita a Suriname por Thomas (1911) Gracilinanus Gardner & Creighton, 1989 Gracilinanus agilis (Burmeister, 1854) Localidade-tipo: Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil Gracilinanus emiliae (Thomas, 1909) Localidade-tipo: Pará, Brazil Gracilinanus microtarsus (Wagner, 1842) Localidade-tipo: Ipanema, São Paulo, Brasil Lutreolina Thomas, 1910 Lutreolina crassicaudata (Desmarest, 1804) Localidade-tipo: Assunção, Paraguai (conforme Cabrera, 1958) Marmosa Gray, 1821 [inclui Micoureus Lesson, 1842 (Voss & Jansa, 2009)] Marmosa (Micoureus) constantiae (Thomas, 1904) Localidade-tipo: Chapada, Mato Grosso, Brasil Marmosa (Micoureus) demerarae (Thomas, 1905) Localidade-tipo: “Comaccka, 80 miles up Demerara River”, Upper Demerara-Berbice, Guiana Marmosa lepida (Thomas, 1888) Localidade-tipo: “Peruvian Amazons”; restrita a Santa Cruz, Huallaga R., Loreto, Peru por Thomas (1888b) Marmosa murina (Linnaeus, 1758)
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Localidade-tipo: “Asia, America”; restrita a Suriname por Thomas (1911) Marmosa (Micoureus) paraguayana (Tate, 1931) Localidade-tipo: Villa Rica, Guairá, Paraguai Marmosa (Micoureus) regina (Thomas, 1898) Localidade-tipo: “W. Cundinamarca (Bogotá Region)”, Colômbia Marmosops Matschie, 1916 Marmosops bishopi (Pine, 1981) Localidade-tipo: 264 km N (por estrada) de Xavantina (12º51’S, 51º46’W), Serra do Roncador, Mato Grosso, Brazil Marmosops impavidus (Tschudi, 1845) Localidade-tipo: “der mittleren und tiefern Waldregion”; interpretada por Cabrera (1958) como “Montaña de Vitoc, cerca de Chanchamayo”, Junín, Peru Marmosops incanus (Lund, 1840) Localidade-tipo: Rio das Velhas, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil Marmosops neblina Gardner, 1990 Localidade-tipo: Camp VII (00º50’40”N, 65º58’10”), 1800 m, Cerro de la Neblina, Territorio Federal Amazonas, Venezuela Marmosops noctivagus (Tschudi, 1845) Localidade-tipo: “der mittleren und tiefern Waldregion”; restrita por Tate (1933) a Montaña de Vitoc, near Chanchamayo, Junín, Peru Marmosops ocellatus (Tate, 1931) Localidade-tipo: Buenavista, Departmento of Santa Cruz, Bolívia Marmosops parvidens (Tate, 1931) Localidade-tipo: “Hyde Park, 30 miles up the Demarara River”, Demarara-Mahaica, Guiana Marmosops paulensis (Tate, 1931) Localidade-tipo: Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasil Marmosops pinheiroi (Pine, 1981) Localidade-tipo: Rio Amapari, Serra do Navio (0º59’N, 52º03’W), Amapá, Brasil Metachirus Burmeister, 1854 Metachirus nudicaudatus (É. Geoffroy, 1803) Localidade-tipo: Cayenne, Guiana Francesa Monodelphis Burnett, 1830 Monodelphis americana (Müller, 1776)
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Localidade-tipo: “Brasilien”; restrita a Recife, Pernambuco, Brasil por Cabrera (1958). Monodelphis arlindoi Pavan, Rossi & Schneider, 2012 Localidade-tipo: Platô Greig, 43 km a sudoeste de Porto Trombetas, Oriximiná, Pará. Monodelphis brevicaudata (Erxleben, 1777) Localidade-tipo: “in Americae australis silvis”; restrita a Kartabo, Distrito de Cuyuni-Mazaruni, Guiana por Voss et al. (2001) Monodelphis dimidiata (Wagner, 1847) [inclui Monodelphis sorex (Hensel, 1872) (Vilela et al., 2010)] Localidade-tipo: Maldonado, Uruguai Monodelphis domestica (Wagner, 1842) Localidade-tipo: Cuiabá, Mato Grosso, Brasil Monodelphis emiliae (Thomas, 1912) Localidade-tipo: Boim, rio Tapajoz, Pará, Brasil Monodelphis glirina (Wagner, 1842) Localidade-tipo: Mamoré, Rondônia, Brasil Monodelphis iheringi (Thomas, 1888) Localidade-tipo: Taquara, Rio Grande do Sul, Brasil Monodelphis kunsi Pine, 1975 Localidade-tipo: “La Granja,W bank of Río Itonamas, 4 k N Magdalena, Provincia Itenez, Departamento Beni, Bolivia, below 200 m” Monodelphis maraxina Thomas, 1923 Localidade-tipo: Caldeirão, Pará, Brasil Monodelphis rubida (Thomas, 1899) Localidade-tipo: Bahia, Brasil Monodelphis scalops (Thomas, 1888) Localidade-tipo: Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasil Monodelphis theresa Thomas, 1921 Localidade-tipo: Teresópolis, Rio de Janeiro, Brasil Monodelphis touan (Shaw, 1800) Localidade-tipo: Cayenne, Guiana Francesa. Monodelphis umbristriata (Miranda-Ribeiro, 1936) Localidade-tipo: Veadeiros, Goiás, Brasil Monodelphis unistriata (Wagner, 1842)
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Localidade-tipo: Itararé, São Paulo, Brasil Philander Brisson, 1762 Philander andersoni (Osgood, 1913) Localidade-tipo: Yurimaguas, Loreto, Peru Philander frenatus (Olfers, 1818) Localidade-tipo: “Südamerica”; restrita à Bahia por Wagner (1843) Philander mcilhennyi Gardner & Patton, 1972 Localidade-tipo: Balta (10º08’S, 17º13’W), Río Curanja, ca. 300 meters, departamento de Loreto [atual Ucayali], Peru Philander opossum (Linnaeus, 1758) Localidade-tipo: “America”; restrita a Paramaribo, Suriname por Matschie (1916) Thylamys Gray, 1843 Thylamys karimii (Petter, 1968) Localidade-tipo: Região de Exu, Pernambuco, Brasil Thylamys macrurus (Olfers, 1818) Localidade-tipo: Tapuá, Presidente Hayes, Paraguai Thylamys velutinus (Wagner, 1842) Localidade-tipo: Ipanema, São Paulo, Brasil
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Sumário BIOLOGIA CAPÍTULO 1 Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos, com Ênfase nas Espécies Brasileiras________________________23 Rogério Rossi & Ana P. Carmignotto CAPÍTULO 2 Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros______________________________________________________75 Juliana Quadros CAPÍTULO 3 Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil________________________95 Geruza L. Melo & Jonas Sponchiado CAPÍTULO 4 Amostragem de marsupiais________________________________________________113 Nilton C. Cáceres, Maurício E. Graipel & Jorge J. Cherem CAPÍTULO 5 Os ectoparasitos de marsupiais brasileiros_____________________________129 Pedro M. Linardi
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CAPÍTULO 6 A visão em marsupiais: características e evolução______________________________________________159 Jan N. Hokoç, Silene M.A. Lima, Antônio M.M. Moraes & Peter Ahnelt CAPÍTULO 7 Células endócrinas (APUD) do sistema digestivo de Didelphis albiventris______________________________173 Alfredo J. A. Barbosa, José C. Nogueira & Cláudio C. Fonseca CAPÍTULO 8 Glândulas paracloacais de marsupiais__________________________________187 Helder José CAPÍTULO 9 Espermatogênese no gambá Didelphis albiventris______________________199 Gualter F. Queiroz & José C. Nogueira CAPÍTULO 10 Morfologia do sistema genital masculino de marsupiais brasileiros_________________________________________________217 José C. Nogueira CAPÍTULO 11 Estação reprodutiva e tamanho de prole de marsupiais brasileiros__________________________________________245 Nilton C. Cáceres & Maurício E. Graipel CAPÍTULO 12 O gênero Thylamys: avanços e lacunas no conhecimento_________________________________________________259 Alexandre R.T. Palma & Emerson M. Vieira CAPÍTULO 13 Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades___________________________________________________275 Edison V. Oliveira & Francisco J. Goin ECOLOGIA CAPÍTULO 14 Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros______________________311 Rosana Gentile, Helena G. Bergallo & Bernardo S. Teixeira
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CAPÍTULO 15 Uso do espaço por marsupiais: fatores influentes sobre área de vida, seleção de habitat e movimentos_________________________________________327 Nilton C. Cáceres, Jayme A. Prevedello & Diogo Loretto CAPÍTULO 16 Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros_____________________347 Emerson M. Vieira & Nícholas F. Camargo CAPÍTULO 17 Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais: uma abordagem ecomorfológica________________________________________365 Marcus V. Vieira & Ana C. Delciellos CAPÍTULO 18 Alimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros__________________________________385 Ricardo T. Santori, Leonardo G. Lessa & D. Astúa CAPÍTULO 19 O papel de marsupiais na dispersão de sementes_________________________407 Nilton C. Cáceres & Leonardo G. Lessa CONSERVAÇÃO CAPÍTULO 20 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica: avaliando as características biológicas que explicam a persistência de marsupiais em pequenos fragmentos_________________427 Fernando A. S. Fernandez, Paula K. Lira, Camila S. Barros & Alexandra S. Pires CAPÍTULO 21 Marmosa paraguayana em paisagens fragmentadas: um migrante por geração resgata metapopulações em declínio?____445 Daniel Brito CAPÍTULO 22 Perda e fragmentação do habitat – um índice de vulnerabilidade baseado em padrões de ocupação___________________________________________________455 Thomas Püttker, Thais K. Martins, Adriana A. Bueno, Natália F. Rossi & Renata Pardini
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CAPÍTULO 23 Desafiando as restrições wallaceanas para o estudo de marsupiais neotropicais: o caso das espécies do gênero Thylamys______________________________________________471 Paulo De Marco Júnior, Poliana Mendes & Nilton C. Cáceres CAPÍTULO 24 Mudanças climáticas globais e a distribuição de marsupiais no Brasil_____________________________________487 Rafael D. Loyola, Priscila Lemes, Frederico V. Faleiro & Joaquim Trindade-Filho
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BIOLOGIA
CAPÍTULO 1
DIVERSIDADE E DIAGNOSE DE ESPÉCIES DE MARSUPIAIS BRASILEIROS Rogério Rossi*, Ana Paula Carmignotto***, Marcus V. Brandão de Oliveira, Cleuton L. Miranda & Jorge Cherem Abstract: MORPHOLOGICAL AND TAXONOMIC DIVERSITY OF DIDELPHID MARSUPIALS, WITH EMPHASIS IN BRAZILIAN SPECIES. Members of extant metatherians are classified into seven distinct orders, three of which comprise American representatives: Didelphimorphia, Microbiotheria, and Paucituberculata. The family Didelphidae, which is part of Didelphimorphia, represents the most speciose taxa of living Neotropical marsupials. Only this family is represented in Brazil, by 15 genera and 56 species. Their taxonomy is very old, beginning with Linnaeus, increasing in advance in the 19th and 20th centuries when most genera had been described and delimited to account for the great diversity found. In the 70’s the first phylogenetic approaches appeared, being drastically improved in the 2000’s by the use of molecular markers, with higher resolution for taxa delimitation. As a result, new genera and species have been described, old taxa have been revalidated, and a newly classification arrangement for the didelphids have been proposed. The increased interest on Didelphidae taxonomy led us to group the recent knowledge on their taxonomy and morphological variation in this chapter, helping identification of Brazilian species. Herein we describe important external and craniodental characters and the variation among them within the group, to better characterize both supraspecific taxa and species. We briefly discuss ontogenetic and sexual variation, providing a simple age classification system to minimize taxonomic misidentifications. Additionally, we provide contents and brief diagnoses for Didelphidae and its subfamilies, tribes and Brazilian genera, plus a key for the genera and Instituto de Biociências, Universidade Federal de Mato Grosso, Av. Fernando Corrêa da Costa, 2367, Bairro Boa Esperança. Cuiabá, MT, CEP 78060-900, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
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Departamento de Biologia, Universidade Federal de São Carlos - Campus Sorocaba, Rodovia João Leme dos Santos (SP-264), km 110 - Bairro Itinga. Sorocaba, SP, 18052-780, Brasil. ***
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BIOLOGIA
diagnostic tables for the species occurring in Brazil. Comments on the taxonomic status of each genus are also provided to give directions for future research. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução Os marsupiais, ou Metatheria, estão entre as três linhagens de mamíferos sobreviventes à grande extinção em massa que ocorreu no limite do Cretáceo – Terciário (KT), juntamente com os Eutheria e os Monotremata (Kemp, 2005). Os Monotremata constituem as espécies mais basais de mamíferos viventes, representados atualmente por apenas cinco espécies, ao passo que os Theria, que incluem os Metatheria e Eutheria, diversificaram-se ao longo dos 65 milhões de anos durante todo o Cenozóico, alcançando em torno de 6.000 espécies amplamente distribuídas que ocupam os mais diversos hábitats atualmente (McKenna & Bell, 1997; Wilson & Reeder, 2005). Os Metatheria apresentam várias sinapomorfias que os diferenciam dos Eutheria, em especial caracteres relacionados ao sistema reprodutor, como a supressão da placenta cório-alantóidea, corpo lúteo presente durante um único ciclo estral, período de gestação menor que o período de lactação, ureteres mediais aos ovidutos, vagina dupla, pseudovagina, membrana transiente da casca do ovo, formação acelerada dos membros anteriores, do palato e língua, entre outros (Feldhamer et al., 2007). Atualmente, estão representados por sete ordens, 92 gêneros e 335 espécies distribuídas nos continentes americano e australiano e em ilhas próximas (Wilson & Reeder, 2005; Gardner, 2008a). Na América do Sul estão presentes representantes das ordens Didelphimorphia (18 gêneros e 91 espécies), Microbiotheria (um gênero e uma espécie) e Paucituberculata (três gêneros e seis espécies) (Gardner, 2008a). A Ordem Didelphimorphia inclui a família Didelphidae, a mais rica em espécies de marsupiais neotropicais atuais, sendo considerada uma das irradiações intactas de marsupiais do Novo Mundo, ao contrário dos microbiotérios e paucituberculatos, que representam elementos relictuais na fauna moderna, já que esses grupos eram amplamente distribuídos e mais diversos durante o Terciário (Marshall, 1982; Goin, 1997). Os didelfimórfios são conhecidos de registros fósseis do Cretáceo tardio até o Recente na América do Sul; do Oligoceno, Pleistoceno e Recente na América do Norte; do Oligoceno na Ásia ocidental; e do Eoceno ao Mioceno na África e Europa (Marshall et al., 1990; MacKenna & Bell, 1997). Representantes atuais da família Didelphidae distribuem-se desde os 50º S na Patagônia, Argentina e Chile até a porção norte da América do Sul, América Central e México, ocorrendo também nas ilhas caribenhas e alcançando os Estados Unidos e o sul do Canadá (Gardner, 2008a). No Brasil, apenas a Ordem Didelphimorphia está representada, abrangendo 15 gêneros e 56 espécies da família Didelphidae (Tabela 1). Tabela 1 - Lista das espécies de marsupiais que ocorrem no Brasil, de acordo com a classificação proposta por Voss & Jansa (2009). A classificação para Thylamys segue Giarla et al. (2010). ORDEM DIDELPHIMORPHIA GILL, 1872 FAMÍLIA DIDELPHIDAE GRAY, 1821 Subfamília Glironiinae Voss e Jansa, 2009 Glironia Thomas, 1912 Glironia venusta Thomas, 1912 BIOLOGIA
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Subfamília Caluromyinae Reig, Kirsch e Marshall, 1987 Caluromys Allen, 1900 Caluromys (Caluromys) philander (Linnaeus, 1758) Caluromys (Mallodelphys) lanatus (Olfers, 1818) Caluromysiops Sanborn, 1951 Caluromysiops irrupta Sanborn, 1951 Subfamília Hyladelphinae Voss e Jansa, 2009 Hyladelphys Voss, Lunde e Simmons, 2001 Hyladelphys kalinowskii (Hershkovitz, 1992) Subfamília Didelphinae Gray, 1821 Tribo Marmosini Hershkovitz, 1992 Marmosa Gray, 1821 Marmosa (Marmosa) lepida (Thomas, 1888) Marmosa (Marmosa) murina (Linnaeus, 1758) Marmosa (Micoureus) constantiae (Thomas, 1904) Marmosa (Micoureus) demerarae (Thomas, 1905) Marmosa (Micoureus) paraguayana (Tate, 1931) Marmosa (Micoureus) regina (Thomas, 1898) Monodelphis Burnett, 1830 Monodelphis americana (Müller, 1776) Monodelphis arlindoi Pavan, Rossi e Schneider, 2012 Monodelphis brevicaudata (Erxleben, 1777) Monodelphis dimidiata (Wagner, 1847) Monodelphis domestica (Wagner, 1842) Monodelphis emiliae (Thomas, 1912) Monodelphis glirina (Wagner, 1842) Monodelphis iheringi (Thomas, 1888) Monodelphis kunsi Pine, 1975 Monodelphis maraxina Thomas, 1923 Monodelphis rubida (Thomas, 1899) Monodelphis scalops (Thomas, 1888) Monodelphis theresa Thomas, 1921 Monodelphis touan (Shaw, 1800) Monodelphis umbristriata (Miranda-Ribeiro, 1936) Monodelphis unistriata (Wagner, 1842) Tribo Metachirini Hershkovitz, 1992 Metachirus Burmeister, 1854 Metachirus nudicaudatus (É. Geoffroy, 1803) Tribo Didelphini Gray, 1821 Chironectes Illiger, 1811 Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) Didelphis Linnaeus, 1758 Didelphis albiventris Lund, 1840 Didelphis aurita Wied-Neuwied, 1826 Didelphis imperfecta Mondolfi e Pérez-Hernández, 1984 Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758 Lutreolina Thomas, 1910 Lutreolina crassicaudata (Desmarest, 1804) Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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Philander Brisson, 1762 Philander andersoni (Osgood, 1913) Philander frenatus (Olfers, 1818) Philander mcilhennyi Gardner e Patton, 1972 Philander opossum (Linnaeus, 1758) Tribo Thylamyini Hershkovitz, 1992 Cryptonanus Voss, Lunde e Jansa, 2005 Cryptonanus agricolai (Moojen, 1943) Cryptonanus chacoensis (Tate, 1931) Cryptonanus guahybae (Tate, 1931) Gracilinanus Gardner e Creighton, 1989 Gracilinanus agilis (Burmeister, 1854) Gracilinanus emiliae (Thomas, 1909) Gracilinanus microtarsus (Wagner, 1842) Marmosops Matschie, 1916 Marmosops bishopi (Pine, 1981) Marmosops impavidus (Tschudi, 1845) Marmosops incanus (Lund, 1840) Marmosops neblina Gardner, 1990 Marmosops noctivagus (Tschudi, 1844) Marmosops ocellatus (Tate, 1931) Marmosops parvidens (Tate, 1931) Marmosops paulensis (Tate, 1931) Marmosops pinheiroi (Pine, 1981) Thylamys Gray, 1843 Thylamys (Xerodelphys) karimii (Petter, 1968) Thylamys (Xerodelphys) velutinus (Wagner, 1842) Thylamys (Thylamys) macrurus (Olfers, 1818) Na décima edição de sua obra Systema Naturae, C. Linnaeus (1758) descreveu cinco espécies de marsupiais, sendo todas incluídas no gênero Didelphis. Durante os séculos XIX e XX, o estudo dos marsupiais sul-americanos intensificou-se, resultando em publicações avulsas relacionadas a descrições de novas famílias, gêneros, espécies e subespécies (e.g. Thomas, 1894a,b, 1895, 1923, Tate, 1931, 1934), com a proliferação de vários nomes genéricos (ver tabela 15 em Voss & Jansa, 2009: 82) e a publicação de alguns catálogos resumindo a informação presente à época (Thomas, 1888; Matschie, 1916; Cabrera, 1919, 1958; Simpson, 1945). A classificação de Cabrera (1958) incluiu quase todos os gêneros atuais para as espécies de maior porte dentro dos Didelphidae e se manteve mais ou menos estável até o advento da biologia molecular nos anos 1970. A exceção foi o gênero Marmosa, que em Cabrera (1958) incluía os gêneros atuais Marmosops, Thylamys, Chacodelphys, Cryptonanus e Gracilinanus, caracterizados pelo menor porte, ausência de marsúpio, presença de máscaras circum -oculares e caudas longas. O principal estudo relacionado à classificação e identificação de parte dos marsupiais de pequeno porte do Novo Mundo foi realizado por Tate (1933), responsável pela primeira revisão taxonômica de Marmosa. O autor apontou caracteres diagnósticos qualitativos e quantitativos de morfologia externa e crânio-dentária e separou as várias espécies até então conhecidas para este gênero em cinco grupos informais de espécies, os quais, posteriormente, foram elevados à categoria de gêBIOLOGIA
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nero por vários autores, com arranjos um pouco distintos (e.g. Marshall, 1981; Reig et al., 1985; Gardner & Creighton, 1989). O arranjo mais persistente foi o de Gardner & Creighton (1989) que restringiram Marmosa, revalidaram os gêneros Marmosops, Micoureus e Thylamys e descreveram o gênero Gracilinanus para conter a maioria das espécies do “grupo microtarsus” de Tate (1933). Mais recentemente, os gêneros Chacodelphys, Cryptonanus e Hyladelphys foram descritos para espécies até então incluídas em Gracilinanus (Voss et al., 2001; 2004a, 2005) e o gênero Tlacuatzin, para uma espécie antes contida em Marmosa (Voss & Jansa, 2003; ver Tabela 1 em Rossi et al., 2010: 5). Os trabalhos de O. A. Reig estão entre os principais estudos relacionados à evolução dos Didelphimorphia, em que são propostas hipóteses filogenéticas e de classificação, incorporando, pela primeira vez, dados cariotípicos e moleculares além dos tradicionais caracteres morfológicos (Reig et al., 1977, 1985, 1987). Categorias supragenéricas, como algumas subfamílias e tribos propostas nestes trabalhos, foram utilizadas até recentemente (Hershkovitz, 1992; Kirsch & Palma, 1995; Gardner, 2008a). Entretanto, foi apenas a partir do século XXI que a compreensão a respeito da evolução e classificação dos Didelphimorphia aumentou, relacionada ao aumento de espécimes depositados em coleções científicas através da realização de inventários faunísticos, ao aumento do número de estudos taxonômicos com gêneros e espécies desse grupo e ao uso de vários marcadores moleculares, culminando na descrição de novos gêneros e espécies, bem como na melhor delimitação dos táxons (e.g. Cerqueira & Lemos, 2000; Patton et al., 2000; Voss et al., 2001; Costa et al., 2003; Voss et al., 2004b; Carmignotto & Monfort, 2006; Solari, 2007; Flores et al., 2008; Voss et al., 2009; Rossi et al., 2010; Vilela et al., 2010; Pavan et al., 2012). Houve também um incremento nos estudos filogenéticos dentro do grupo, resultando na proposição de hipóteses mais robustas a respeito das relações de parentesco na família Didelphidae (e.g. Jansa & Voss, 2000, 2005; Voss & Jansa, 2003, 2009; Flores, 2009; Gutiérrez et al., 2010). O volume editado por A. L. Gardner (2008b) sobre os mamíferos da América do Sul contempla dados atuais a respeito da diversidade, classificação e distribuição geográfica do grupo, incluindo chaves para as subfamílias, gêneros e espécies. Posteriormente, Voss & Jansa (2009) publicaram o trabalho mais abrangente a respeito da sistemática dos Didelphidae. Neste artigo, os autores analisaram caracteres morfológicos, cariotípicos e de cinco marcadores do genoma nuclear para a maioria dos táxons válidos, e propuseram uma nova classificação para a família, a qual está sendo utilizada no presente capítulo. Os autores apresentaram também os caracteres diagnósticos para as subfamílias e tribos reconhecidas, forneceram uma redescrição dos 18 gêneros válidos e uma chave para os mesmos. Diante do número crescente de estudantes e pesquisadores interessados na taxonomia de marsupiais didelfídeos, o presente capítulo teve como objetivo agrupar o conhecimento sobre a variação morfológica e taxonômica do grupo, com ênfase nas espécies que ocorrem no Brasil. Inicialmente apresentamos uma descrição dos caracteres externos e crânio-dentários exibidos por esses marsupiais, dando ênfase a aqueles que são mais úteis para a diagnose dos grupos supra-específicos reconhecidos por Voss & Jansa (2009) e das espécies encontradas no Brasil. A variação morfológica desses caracteres está contemplada tanto no texto como nas diversas figuras aqui apresentadas. Fornecemos também uma breve discussão sobre a variação sexual e ontogenética do grupo e sua possível interferência na identificação das espécies, e propomos um sistema de classificação etária simples que, se utilizada, minimizará erros de identificação. Posteriormente, fornecemos uma chave de identificação dos gêneros presentes no Brasil, para em seguida apresentar a composição taxonômica e as características diagnósticas da família Didelphidae e de cada subfamília e tribo que a compõem de acordo com Voss & Jansa (2009). Apresentamos também a Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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composição taxonômica e as características diagnósticas dos gêneros e espécies que ocorrem no Brasil. Para cada gênero apresentamos ainda uma breve discussão sobre o avanço no conhecimento dos limites de suas espécies e avaliamos a necessidade de revisões taxonômicas diante da diversidade morfológica e/ou genética que apontam para a existência de mais espécies no grupo.
Caracteres Diagnósticos Assim como para a maioria dos táxons de mamíferos, os gêneros e espécies de marsupiais didelfídeos são diagnosticados com base em estruturas externas preservadas em peles taxidermizadas ou exemplares inteiros fixados em formol e conservados em álcool, e com base em estruturas cranianas. Em relação à morfologia externa, padrões de coloração da pelagem facial, dorsal, ventral e da cauda são amplamente utilizados, assim como a extensão da pelagem corporal sobre a cauda. Características relacionadas às escamas caudais e aos pêlos a elas associados também são bastante informativas em termos taxonômicos para alguns gêneros. Características menos informativas, porém não menos importantes, são aquelas relacionadas a estruturas presentes nas mãos, punhos, pés e região das mamas. Por outro lado, características relacionadas ao pênis e aberturas urogenital e anal foram consideradas não informativas taxonomicamente por Voss & Jansa (2003, 2009). Por fim, características relacionadas ao pavilhão auditivo externo foram examinadas por Tate (1933) para diversas espécies de pequeno porte, mas aparentemente também se mostraram não informativas. Em relação à morfologia craniana, diversas estruturas são amplamente utilizadas na diagnose de gêneros e espécies, com destaque para as fenestras palatinas, as estruturas da região supra-orbital, temporal e auditiva, e a morfologia dentária. Os forames e as suturas são menos informativos em termos taxonômicos, mas são importantes para alguns gêneros em particular. Variação sexual e ontogenética É fundamental ressaltar que parte da variação observada nos crânios dos didelfídeos tem origem sexual ou ontogenética, ou seja, é dependente do sexo ou da idade do indivíduo examinado. O dimorfismo sexual craniano é uma regra neste grupo (embora existam exceções), no qual os machos são maiores que as fêmeas em diversas medidas cranianas e dentárias que considerem o canino superior (ver Astúa, 2010 para comentários sobre estudos anteriores; Rossi et al., 2010; Pavan et al., 2012). Em relação à variação ontogenética, em várias espécies os indivíduos mais velhos são mais desenvolvidos que os mais jovens, mesmo quando a comparação é feita apenas entre indivíduos com a dentição permanente completa, ou seja, indivíduos adultos (Rossi et al., 2010; Pavan et al., 2012). Indivíduos mais velhos tendem a apresentar cristas supra-orbitais, temporais e lambdoidal mais proeminentes, assim como o processo pós-orbital mais desenvolvido. Levando-se em conta estas tendências e o fato de que as diagnoses são geralmente elaboradas para indivíduos adultos, aconselha-se agrupar os exemplares por classe etária antes de identificá-los. Esta classificação é relativamente simples e pode ser feita através da análise da composição dentária e do nível de desgaste nos molares superiores (ver Tribe, 1990; Rossi et al., 2010 para uma classificação mais detalhada). Indivíduos com a dentição incompleta (menos que quatro molares superiores eclodidos) e com o terceiro pré-molar superior decidual (dP3) presente ou com o terceiro pré-molar superior permanente (P3) ainda em eclosão são considerados jovens. Morfologicamente é fácil diferenciar o dP3 do P3, pois o primeiro apresenta morfologia semelhante à de um molar, e o segundo apresenta morfologia semelhante à do P2 (Figura 1A-B). Já os indivíduos com o P3 e o quarto molar superior (M4) totalmente eclodidos podem ser considerados adultos (Figura 2). Entre BIOLOGIA
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os adultos, são considerados adultos jovens aqueles sem desgaste ou com desgaste incipiente nas cristas do terceiro (M3) e quarto (M4) molares superiores, e adultos maduros aqueles que apresentam desgaste nítido nas cristas mencionadas (Figura 1C-D). As estruturas externas e cranianas mais importantes para a diagnose dos gêneros e espécies de didelfídeos são descritas a seguir.
Morfologia Externa Apresentamos abaixo uma breve descrição de estruturas externas presentes nos marsupiais didelfídeos que são relevantes para a identificação das espécies dentro do grupo. Esperamos, com este texto, que alunos e pesquisadores interessados em anatomia externa e taxonomia de marsupiais neotropicais tornem-se familiarizados com essas estruturas. A nomenclatura utilizada segue Voss & Jansa (2003, 2009), que devem ser consultados por leitores que buscam maiores detalhes sobre o assunto. Pelagem facial (Figura 1 colorida*)
Figura 1. Padrões de pelagem facial em marsupiais didelfídeos. A: Ausência de marcas faciais (Monodelphis domestica). B: Máscara facial enegrecida e conspícua (Marmosops noctivagus). C: Máscara facial enegrecida estendida até a base da orelha (Hyladelphys kalinowskii). D: Máscara facial enegrecida ultrapassando a base da orelha e presença de faixa rostral clara de coloração distinta da do dorso (Glironia venusta). E: Manchas supra-oculares claras e mancha coronal escura presentes (Metachirus nudicaudatus). F: Faixa rostral mediana contínua com a mancha coronal (Didelphis albiventris). G: Máscara facial e faixa rostral mediana pouco conspícuas (Cryptonanus agricolai). H: Máscara facial avermelhada, faixa rostral mediana mais escura que a coloração do dorso e descontínua com outras marcas faciais (Caluromys lanatus). Imagens em escalas distintas. Fotos gentilmente cedidas por M. T. Júnior (A), J. G. Barros (B, D), M. V. Brandão (C), S. Pavan (E), R. Paresque (F), P. F. Colas-Rosas (G) e V. X. da Silva (H).
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BIOLOGIA
Os didelfídeos podem possuir diversas marcas na pelagem facial, bastante úteis na identificação em nível genérico e específico. Algumas espécies possuem uma listra mais escura de pêlos na linha mediana dorsal do rostro, que pode variar em relação à nitidez. Esta listra pode ou não conectar-se a uma mancha mais escura localizada no topo da cabeça, a mancha coronária. Ao redor de cada olho pode haver uma mancha avermelhada, castanha ou enegrecida formando uma máscara facial que pode variar em relação à sua extensão. Por fim, pode haver uma mancha clara posicionada dorsalmente a cada olho (mancha supraocular) formando um padrão de “quatro-olhos”, que faz parte do nome popular das espécies que a contém. Pelagem corporal (Figuras 2 e 3 coloridas)
Figura 2. Padrões de pelagem dorsal em marsupiais didelfídeos. A: Pelagem uniforme (Monodelphis domestica (PNPA 307, a ser tombado no MZUSP). B: Faixas escuras transversais unidas por uma linha mediana dorsal (Chironectes minimus - MZUSP 35132). C: Faixas escuras escapulares presentes (Caluromysiops irrupta - MZUSP 11681). D: Base dos pêlos esbranquiçada em contraste com a porção apical enegrecida dos pêlos (Didelphis albiventris - MZUSP 31627). E: Padrão tricolor, com faixa dorsal mais escura que as laterais do corpo (Thylamys macrurus - MZUSP 32094). F: Dorso acinzentado contrastando com a cabeça e região lombar avermelhadas (Monodelphis emiliae - MB 25, a ser tombado no MZUSP). G: Laterais da cabeça e corpo avermelhadas contrastando com o dorso acinzentado (Monodelphis touan - MZUSP 9932). H: Três faixas longitudinais escuras no dorso (Monodelphis americana - MZUSP 33097). I: Faixa mediana dorsal presente (Philander andersoni - MZUSP 22350). Figura D está em preto e branco de modo a facilitar a visualização dos pêlos setiformes de base branca e ápice escuro e dos longos pêlos-guarda brancos. Imagens em escalas distintas.
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Figura 3. Padrões de pelagem ventral em marsupiais didelfídeos. A: Ventre completamente coberto por pelos de base cinza (Marmosa paraguayana - MZUSP 29198). B: Ventre branco, sem pêlos de base cinza (Chironectes minimus - MZUSP 35132). C: Ampliação do pé de Chironectes minimus, evidenciando a presença de membranas interdigitais. D: Ventre com faixas laterais de pêlos de base cinza (Marmosops pinheiroi - TPPC 52, a ser tombado no MZUSP). E: Ventre com coloração similar à das laterais do corpo (Philander mcilhennyi - MJ40, a ser tombado no MZUSP). F: Ventre castanho com tom violáceo que se perde ao longo do tempo em exemplares preservados em coleções científicas (Monodelphis emiliae - MB 25, a ser tombado no MZUSP). Imagens em escalas distintas.
Todos os didelfídeos apresentam pelagem corporal densa e macia, constituída por dois ou três tipos de pêlos. Os pêlos lanosos, ou basais, são curtos, finos e permanecem sob a pelagem de cobertura do corpo. Os pêlos setiformes, também conhecidos como pêlos de cobertura, são mais longos e mais rígidos que os pêlos lanosos; são também os mais abundantes e os principais responsáveis pelos padrões de coloração nos didelfídeos. Os pêlos aristiformes, ou pêlos-guarda, são mais longos e levemente mais rígidos que os pêlos setiformes, porém menos numerosos. A maioria das espécies possui pelagem lisa, mas algumas apresentam pelagem lanosa, dada a textura diferenciada e o maior comprimento dos pêlos setiformes. Em relação à coloração, a pelagem dorsal é frequentemente homogênea, derivada de algum tom de castanho-avermelhado ou castanho-acinzentado. Mas há marcas bastante evidentes em algumas espécies, tais como listras dorsais longitudinais escuras; faixa escapular escura; e barras transversais escuras ligadas entre si por uma linha mediana também escura (Figura 2 colorida). É possível encontrar também os seguintes padrões de coloração: regiões facial e lombar avermelhadas em contraste com a porção mediana do corpo, que é acinzentada; laterais da cabeça e do corpo avermelhadas em contraste com a linha mediana dorsal acinzentada; pelagem escura constituída de pêlos de base esbranquiçada Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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e ápice enegrecido; e pelagem com um padrão denominado tricolor por Tate (1933), que na realidade estava se referindo a três tonalidades assim distribuídas: uma zona dorsal de tonalidade nitidamente mais escura, bem distinta das zonas laterais de tonalidade mais clara. A pelagem ventral também apresenta grande variação taxonômica nos didelfídeos (Figura 3 colorida). Em algumas espécies o ventre é totalmente coberto por pêlos bicolores, ou seja, de base cinza e ápice claro (branco, creme, amarelado ou alaranjado). Em outras, apenas as laterais do ventre são cobertas por este tipo de pelagem, sendo que a porção mediana do ventre está coberta por pêlos unicolores, ou seja, claros da base ao ápice. A faixa de pêlos de base cinza possui largura e comprimento variável entre as espécies. Por fim, há espécies com ventre totalmente coberto por pêlos unicolores claros. Marsúpio e região das mamas
Figura 4. Fêmea de Cryptonanus agricolai sem marsúpio, mostrando os filhotes aderidos às mamas na região inguinal/abdominal. Foto gentilmente cedida por R. Gaiga.
Ao contrário do senso comum que associa a presença de uma bolsa de pele que aloja os filhotes em fase de amamentação (marsúpio) aos marsupiais, a maioria das espécies neotropicais não possui tal estrutura, deixando as mamas expostas ao ambiente externo, assim como os filhotes que venham a se prender a elas (Figura 4 colorida). Na maioria das espécies as mamas estão arranjadas em uma área mais ou menos circular na região abdominal/inguinal, mas algumas espécies possuem duas fileiras de mamas que se estendem anteriormente para além desta região. Cauda (Figuras 5 e 6 coloridas) BIOLOGIA
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Figura 5. Padrões de morfologia da cauda em marsupiais didelfídeos. A: Pelagem corporal estende-se por mais da metade da superfície dorsal da cauda, porém restringe-se à base da mesma na superfície ventral (Monodelphis arlindoi). B: Cauda despigmentada abruptamente na porção terminal; pelagem corporal estende-se em igual proporção nas superfícies dorsal e ventral da cauda (Philander mcilhennyi). C: Cauda gradualmente despigmentada na porção terminal; pelagem corporal não se estende para a base da cauda (Metachirus nudicaudatus). D: Cauda homogeneamente pigmentada e túrgida devido ao acúmulo de gordura (Thylamys karimii). E: Pelagem presente em toda a extensão das superfícies dorsal e ventral da cauda (Glironia venusta). As setas indicam o limite da extensão da pelagem corporal na cauda. Imagens em escalas distintas. Fotos gentilmente cedidas por T. Semedo (A), M. Filho (B), J. G. Barros (C, E) e A. Camacho (D).
A maioria das espécies de didelfídeos possui cauda longa, com comprimento maior que o comprimento da cabeça e corpo, porém algumas espécies possuem cauda mais curta que esta última medida. A coloração da cauda também varia entre as espécies, podendo ser homogeneamente pigmentada ou despigmentada na porção terminal; neste último caso, a transição entre as porções pigmentada e despigmentada ocorre gradualmente ou abruptamente. A extensão em que a pelagem corporal cobre a cauda também varia taxonomicamente. Na maioria das espécies a pelagem corporal restringe-se à base da cauda, não ultrapassando 15 mm de extensão no dorso e no ventre. Em outras espécies a pelagem estende-se por alguns centímetros no dorso e no ventre, mas ainda permanece restrita à porção proximal da cauda (no máximo 1/3 do comprimento caudal). Há espécies, no entanto, com pelagem corporal cobrindo metade, 2/3 ou totalmente a porção dorsal da cauda; nessas espécies, a pelagem pode cobrir uma porção nitidamente menor no ventre da cauda ou se estender por quase todo o ventre (em Caluromysiops e Glironia). Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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Figura 6. Padrões de disposição das escamas caudais e de pêlos associados a estas escamas em marsupiais didelfídeos. A: Três pelos associados a cada escama caudal (MRT 7989, a ser tombado no MZUSP). B: Quatro ou mais pêlos associados a cada escama caudal (Philander opossum canus - PRL 201, a ser tombado na Unemat, campus de Cáceres). C: Escamas dispostas em anel, cada uma com três pêlos longos de comprimento maior ou igual a três escamas (Gracilinanus agilis - UFMT 3817). D: Escamas dispostas em espiral, cada uma com três pêlos curtos de comprimento semelhante a uma escama (Marmosa murina UFMT 2041). E: Escamas dispostas em espiral, com pêlo central da tríade peciolado, sendo nitidamente mais largo que os pêlos laterais e fortemente pigmentado (Marmosops ocellatus - MZUSP 35136). Imagens em escalas distintas.
A parte da cauda que não está coberta por pêlos corporais deixa à mostra escamas caudais e diminutos pêlos inseridos na margem de cada escama. Escamas retangulares estão dispostas de maneira circular ao longo do eixo maior da cauda (padrão anelar), ao passo que escamas romboidais (losangulares) estão arranjadas em espiral ou então de maneira irregular (ora em espiral, ora em anel no mesmo indivíduo) ao longo do eixo maior da cauda. Os pêlos associados às escamas caudais variam em comprimento, podendo ser curtos (de comprimento semelhante a uma escama; Figura 6D-E colorida) ou longos (comprimento maior ou igual a três escamas; Figura 6C colorida). Há geralmente três pêlos associados a cada escama caudal, dos quais o central é ligeiramente maior que os demais. No gênero Marmosops, o pêlo central da tríade é nitidamente mais espesso e geralmente mais pigmentado que os pêlos laterais, resultando em um padrão de pêlo peciolado (Figura 6E colorida). Na maioria das espécies, a porção ventral distal da cauda apresenta uma superfície preênsil lisa ou coberta por escamas modificadas e sem pêlos; em ambos os casos é possível observar um pequeno sulco com dobras transversais na pele, e na ponta da cauda uma almofada terminal expandida com dermatoglifos. Por fim, a maioria das espécies possui cauda fina, BIOLOGIA
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mas representantes dos gêneros Thylamys e Lestodelphys (este último ausente no Brasil) possuem cauda espessa devido ao acúmulo de gordura (Figura 5D colorida). Mão, punho e pé A mão possui cinco dedos, todos providos de garras. Os dedos tendem a ser mais curtos nas espécies terrícolas e mais longos nas espécies arborícolas ou escansoriais. Em algumas espécies os dedos III e IV apresentam comprimentos semelhantes e são os maiores, condição denominada paraxônica. Outras possuem a condição mesaxônica, na qual o dedo III é o maior. Uma terceira condição é encontrada em Caluromys e Caluromysiops, na qual o dedo IV é ligeiramente maior que os demais (ver Figura 3 em Voss & Jansa, 2009: 19). Seis almofadas, sendo quatro interdigitais e duas próximas ao punho - uma medial (tênar) e uma lateral (hipotênar) - circundam uma superfície lisa ou esparsamente coberta por tubérculos na região central da palma. Em Chacodelphys, Lestodelphys (ambos os gêneros ausentes no Brasil) e Thylamys, no entanto, esta superfície central está densamente coberta por pequenos tubérculos. As almofadas tendem a ser maiores e apresentar dermatoglifos mais pronunciados nas espécies arborícolas. Em algumas espécies de Thylamys as almofadas estão cobertas por pequenos tubérculos e a superfície coberta por dermatoglifos é muito reduzida (ver Figura 3 em Carmignotto & Monfort, 2006: 132). Por fim, não há almofadas palmares na cuíca-d’água (Chironectes). Na maioria das espécies de didelfídeos o punho dos machos é morfologicamente igual ao das fêmeas, mas em algumas espécies de pequeno porte os machos apresentam calos carpais medial e lateral, que correspondem a expansões dos ossos pré-pólex e pisiforme, respectivamente (Lunde & Schutt Jr., 1999). Aparentemente estas estruturas consistem em caracteres sexuais secundários, já que estão ausentes nos machos jovens e subadultos; são pouco desenvolvidas nos machos recém-adultos e bem desenvolvidas nos adultos maduros (ver Figura 2 em Voss & Jansa, 2009: 17). O pé possui cinco dedos, dos quais o I (polegar) é opositor e desprovido de garra ou unha. Este dedo tende a ser maior nas espécies escansoriais e arborícolas, quando comparado ao das espécies terrícolas. Os demais dedos são providos de garras. Todos os dedos são livres, com exceção da cuica-d’água (Chironectes) que possui membranas interdigitais bem desenvolvidas. Em algumas espécies o dedo III é mais longo que os demais (condição mesaxônica), porém em algumas espécies de Didelphis os dedos II-IV possuem comprimentos semelhantes e na maioria das espécies de didelfídeos o dedo IV é o mais longo. Como observado por Voss & Jansa (2009), é curioso que em uma mesma espécie os comprimentos relativos dos dedos do pé não correspondem ao comprimento relativo dos dedos da mão. Em geral, a superfície da planta do pé segue os mesmos padrões da superfície palmar descrita acima (ver Figura 4 em Voss & Jansa, 2009: 20).
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Morfologia Crânio-Dentária
Figura 1. Vista lateral da região rostral (A-B) e vista oclusal do terceiro e quarto molares superiores (C-D) de marsupiais didelfídeos mostrando, respectivamente, as condições decidual e permanente do terceiro pré-molar superior e os diferentes níveis de desgaste nas cristas dos molares. A: Terceiro pré-molar superior decidual (dP3) presente; note a semelhança morfológica com o primeiro molar superior (M1) (UFMT 1468 – Marmosa demerarae). B: Terceiro pré-molar superior permanente (P3) em eclosão; note a semelhança morfológica com o segundo pré-molar superior (P2) (UFMT 681 – Marmosa demerarae). C: Terceiro (M3) e quarto (M4) molares sem desgaste ou com desgaste incipiente em suas cristas (MZUSP 29483 – Marmosa murina). D: M3 e M4 com desgaste evidente em suas cristas, indicado pelas setas (MZUSP 29476 – Marmosa murina). A e B referem-se a indivíduos jovens, C a indivíduos adultos jovens (recém-adultos) e D a indivíduos adultos maduros. Imagens em escalas distintas. C1, canino superior; ca, cíngulo anterior; dP3, terceiro pré-molar superior decidual; M1, primeiro molar superior; M3, terceiro molar superior; M4, quarto molar superior; Me, metacone; P1, primeiro pré-molar superior; P2, segundo pré-molar superior; P3, terceiro pré-molar superior (permanente); Pa, paracone; Pr, protocone; pomec, pós-metacrista; popro, pós-protocrista prpac, pré-paracrista; prpro, pré-protocrista.
Os crânios dos didelfídeos contêm muitas características informativas quanto aos hábitos de vida e identidade taxonômica desses animais. Em termos funcionais o crânio pode ser dividido em duas regiões distintas: a região craniana propriamente dita (cerebral) e a região facial. Mas, para fins didáticos, essas regiões podem ainda ser subdivididas em: rostro, região orbital, caixa craniana, palato e basicrânio. Além disso, a mandíbula e principalmente os dentes também contêm informações relevantes do ponto de vista anatômico-funcional e taxonômico. Apresentamos abaixo uma breve descrição das estruturas que constituem o crânio dos marsupiais didelfídeos, dando ênfase àquelas relevantes para a identificação das espécies do grupo. Apesar de conter vários termos anatômicos, vale mencionar que a leitura deste texto, acompanhada da análise simultânea BIOLOGIA
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de um crânio didelfídeo, pode se tornar uma atividade interessante que envolve a observação direta das estruturas mencionadas e torna mais fácil o aprendizado dos termos citados. A nomenclatura utilizada segue Voss & Jansa (2003, 2009), que devem ser consultados por leitores que buscam maiores detalhes sobre a anatomia crânio-dentária em Didelphidae. Para maiores detalhes sobre os forames nos marsupiais em geral, ver Archer (1976). Rostro (Figuras 2, 3 e 4)
Figura 2. Vista lateral do crânio e da mandíbula de Metachirus nudicaudatus (MZUSP 27230). C1, canino superior; c1, canino inferior; coc, côndilo occipital; Eq, esquamosal; Et, ectotimpânico; fio, forame infra-orbital; flc, forame lacrimal; fme, forame mentoniano; Fr, frontal; fse, forame subesquamosal; fsg, fossa glenóide; I 1-5, incisivos superiores; i 1-4, incisivos inferiores; Ip, interparietal; Jg, jugal; Lac, lacrimal; M1-4, molares superiores; m1-4, molares inferiores; Mx, maxilar; Na, nasal; P1-3, pré-molares superiores; p1-3, pré-molares inferiores; Pa, parietal; Pal, palatino; pan, processo angular; pcd, processo condilóide; pcr, processo coronóide; Pe, porção mastóidea do petroso (ou simplesmente mastóide); Pmx, pré-maxilar; Poc, para-occipital; ppg, processo pós-glenóide; ppr, processo do para-occipital; Pt, pterigóide; Soc, supra-occipital. Escala: 10 mm.
Porção do crânio anterior à região das cavidades das órbitas oculares, constituída pelos ossos pré -maxilar, nasal, maxilar e lacrimal. As porções do pré-maxilar e do maxilar que fazem parte do rostro são chamadas de ramos nasais do pré-maxilar e do maxilar. No pré-maxilar estão inseridos os dentes incisivos superiores. Os demais dentes superiores (caninos, pré-molares e molares) estão inseridos no maxilar. O pré-maxilar pode projetar-se anteriormente aos incisivos superiores, constituindo o processo rostral do pré-maxilar (Figura 4C-D). O ramo nasal do maxilar, na altura do terceiro pré-molar superior (P3), é Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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BIOLOGIA
Figura 3. Vistas dorsal e ventral do crânio de Metachirus nudicaudatus (MZUSP 27230). Al, alisfenóide; Bes, basisfenóide; Boc, basioccipital; coc, côndilo occipital; Eq, esquamosal; Et, ectotimpânico; fmg, forame magno; Fr, frontal; fsg, fossa glenóide; Ip, interparietal; Jg, jugal; Lc, lacrimal; Mt, mastóide; Mx, maxilar; Na, nasal; Pa, parietal; Pes, pré-esfenóide; Pl, palatino; Pmx, pré-maxilar; ppg, processo pós-glenóide; proPe, promontório da porção coclear do petroso; Pt, pterigóide; ptAl, processo timpânico do alisfenóide; ptPe, processo timpânico do petroso; Soc, supra-occipital. Escala: 10 mm.
perfurado pelo forame infra-orbital. Os ramos nasais do pré-maxilar e do maxilar unem-se dorsalmente ao osso nasal. O nasal é longo, podendo ser lateralmente expandido na região da sutura nasal-maxilarfrontal (Figura 4A-B), com a margem posterior romba ou afilada. O lacrimal estende-se anteriormente à margem anterior da cavidade orbital, podendo expor o forame lacrimal lateralmente (Figura 5A-B).
Região orbital (Figuras 2, 3, 5 e 6) Porção do crânio que aloja as órbitas oculares. Formada pelos ossos lacrimal, palatino, frontal, orbitosfenóide, alisfenóide, maxilar e jugal. A parede interna desta região é constituída pelo lacrimal, frontal e palatino. O orbitosfenóide está restrito ao fundo da cavidade orbital. O maxilar, juntamente com o alisfenóide, forma o assoalho da cavidade orbital, ao passo que o jugal compõe a parede externa desta cavidade. No fundo da cavidade, mais precisamente entre os ossos palatino, orbitosfenóide e alisfenóide, está uma grande abertura denominada fissura esfenorbital. Ventrolateralmente à fissura esfenorbital está o forame rotundo (Figura 9B), bem desenvolvido e delimitado apenas pelo osso alisfenóide. O alisfenóide BIOLOGIA
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Figura 4. Vistas dorsal (A-B) e lateral (C-D) da região rostral de marsupiais didelfídeos mostrando padrões de morfologia do nasal e do pré-maxilar. A: Nasal lateralmente expandido na região da sutura maxilar-frontal (seta) (Gracilinanus emiliae MZUSP 11780). B: Nasal sem expansão lateral na região da sutura maxilar-frontal (Thylamys karimii - JD 169, a ser tombado no MZUSP). C: Processo rostral do pré-maxilar ausente (Monodelphis emiliae - APC 157, a ser tombado no MZUSP). D: Processo rostral do pré-maxilar presente e bem desenvolvido (seta) (Marmosa lepida - MZUSP 35019). pr, processo rostral do pré-maxilar. Imagens em escalas distintas.
e o maxilar estão separados entre si pelo palatino na maioria das espécies de didelfídeos (Figura 5C), porém o alisfenóide estende-se anteriormente até tocar o maxilar nos gêneros Lutreolina e Monodelphis (Figura 5D). O arco zigomático é bem desenvolvido e expandido lateralmente, composto basicamente pelos ossos jugal e esquamosal. Na região onde estes ossos se encontram, o jugal desenvolve o processo pós-orbital ascendente. Na borda superior da cavidade orbital está a margem supra-orbital que pode ser desprovida de crista, apresentar uma crista arredondada e não proeminente, ou apresentar uma crista desenvolvida e proeminente, com um processo triangular denominado processo pós-orbital. Este processo é formado pelo frontal em todos os gêneros, com exceção de Glironia cujo processo é formado pelo frontal e o parietal (Figura 6). Caixa craniana (Figuras 2, 3 e 7) Porção craniana formada por ossos achatados que envolvem o cérebro e órgãos correlatos. Formada pelos ossos frontal, parietal, alisfenóide, esquamosal, interparietal e supra-occipital. Uma crista temporal Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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Figura 5. Vista lateral do rostro (A, B) e vista oblíqua dorso/lateral da região orbital (C, D) de marsupiais didelfídeos mostrando, respectivamente, diferentes posições do forame lacrimal e padrões de morfologia do maxilar. A: Forame lacrimal não visível em vista lateral (Marmosops parvidens - MZUSP 22940). B: Forame lacrimal visível em vista lateral (Marmosops pinheiroi MZUSP 21300). C: Palatino estende-se entre o alisfenóide e o maxilar (seta) impedindo o contato entre estes ossos (Didelphis marsupialis - MZUSP 17134). D: Contato entre o alisfenóide e o maxilar (seta) (Lutreolina crassicaudata - MZUSP 15). Al, alisfenóide; flc, forame lacrimal; Lac, lacrimal; Max, maxilar; Pl, palatino. Imagens em escalas distintas.
contínua à crista supra-orbital pode estar presente (Figura 6E). A crista temporal possui diferentes graus de desenvolvimento, podendo estar restrita ao frontal ou estender-se posteriormente por todo o parietal e interparietal até a crista lambdoidal (Figura 7B). As cristas temporais direita e esquerda podem também permanecer separadas em toda sua extensão ou unir-se uma à outra ao longo da linha mediana da caixa craniana, formando a crista sagital (Figura 7B). É importante ressaltar que as cristas supra-orbital, temporal e lambdoidal apresentam ampla variação etária e sexual nos didelfídeos, sendo mais desenvolvidas em exemplares machos ou de idades mais avançadas. O parietal é bem desenvolvido; esse osso contata anteriormente o frontal, posteriormente o interparietal e às vezes também o supra-occipital e o mastóide, e ventralmente o esquamosal e o alisfenóide (Figura 7A), com exceção do gênero Metachirus no qual o parietal não alcança o alisfenóide (Figura 2). O interparietal encontra-se totalmente fusionado ao supra-occipital, mas nunca ao parietal; em algumas espécies, estende-se ventralmente até contatar o esquamosal. O esquamosal forma a parte posterior da caixa craniana e também parte do arco zigomático. Na raiz esquamosal do arco zigomático está a fossa glenóide, onde a mandíbula se articula com o crânio. A margem posterior desta fossa forma o processo pós-glenóide. Posterior ao processo pós-glenóide forma-se BIOLOGIA
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Figura 6. Vista dorsal do rostro e da região interorbital de marsupiais didelfídeos mostrando diferentes formatos desta região, padrões de morfologia da margem supra-orbital e graus de desenvolvimento da crista supra-orbital e do processo pós-orbital. A: Região interorbital convergente anteriormente; seta indica a constrição interorbital (Hyladelphys kalinowskii - AMNH 267338). B: Região interorbital subparalela e margem supra-orbital arredondada, sem crista supra-orbital; seta indica a constrição pósorbital (Marmosops pinheiroi - MZUSP 21300). C: Margem supra-orbital com uma crista arredondada, mas não proeminente (padrão “beaded”) (Thylamys karimii - JD 169, a ser tombado no MZUSP). D: Margem supra-orbital com crista desenvolvida e proeminente, com processo pós-orbital do frontal conspícuo (Marmosa demerarae - MVZ 28086). E: Margem supra-orbital com crista desenvolvida e proeminente, com processo pós-orbital do frontal muito desenvolvido (Caluromys lanatus - MZUSP 3766). F: Margem supra-orbital com crista desenvolvida e proeminente, com processo pós-orbital formado pelo frontal e pelo parietal (Glironia venusta - CCA 1830, a ser tombado no MZUSP). cte, cristas temporais; mspo, margem supra-orbital; ppoFr, processo pós-orbital do frontal. Imagens em escalas distintas.
uma crista que se estende da base do arco zigomático até a sutura esquamosal-mastóide. Ventralmente a esta crista situa-se o forame subesquamosal. Na maioria dos didelfídeos o supra-occipital e os exoccipitais formam a margem dorsal do forame magno, porém em algumas espécies apenas os exoccipitais formam esta margem (ver Figura 13A e C em Voss & Jansa, 2009: 35). Palato (Figuras 3 e 8) Porção do crânio que constitui a parte óssea do teto da cavidade oral. Formado pelos ossos pré-maxilar, maxilar e palatino. As partes do pré-maxilar e maxilar que formam o palato são chamadas de ramo palatal do pré-maxilar e do maxilar, respectivamente. Duas condições alternativas podem ser observadas na região posterior do palato. Na primeira delas, presente nos gêneros Caluromys, Caluromysiops e Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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Figura 7. Vista lateral da caixa craniana (A e B) e vista oblíqua ventral/lateral da região auditiva (C e D) de marsupiais didelfídeos mostrando diferentes padrões de morfologia desta região. A: Fenestra na sutura entre os ossos parietal e esquamosal presente, expondo o osso petroso (Marmosops paulensis - MZUSP 30684). B: Fenestra na sutura entre os ossos parietal e esquamosal ausente (Didelphis albiventris - MZUSP 31627). C: Extremidade anterior do ectotimpânico (seta) contata simultaneamente o processo anterior do martelo e o petroso; fenestra coclear exposta em vista lateral (Marmosops paulensis - MZUSP 30684). D: Extremidade anterior do ectotimpânico contata apenas o processo anterior do martelo; fenestra coclear não visível em vista lateral (Didelphis albiventris - MZUSP 31627). Al, alisfenóide; clb, crista lambdoidal; cs, crista sagital; cte, cristas temporais; Eq, esquamosal; Et, ectotimpânico; Exo, exoccipital; fc, fenestra coclear; fen, fenestra; Fr, frontal; fse, forame subesquamosal; Ip, interparietal; mar, martelo; Pa, parietal; Pe, petroso; ptAl, processo timpânico do alisfenóide; Soc, supra-occipital. Imagens em escalas distintas.
Glironia, o palato posterior inclina-se gradualmente em direção ventral de maneira que não há nenhuma inflecção abrupta na margem posterior do palato, que é fina e arqueada (Figura 8A). Em contrapartida, o palato posterior é abruptamente inflectado, formando uma margem posterior espessa e mais ou menos reta (Figura 8B-F). O palato apresenta várias perfurações que correspondem a forames (quando conduzem nervos ou vasos sanguíneos) ou a fenestras (quando não conduzem nervos ou vasos sanguíneos). Todas as espécies de didelfídeos apresentam forame incisivo, fenestra maxilopalatina e forame póstero-lateral (Figura 8). O forame incisivo, que perfura o pré-maxilar e o maxilar, é sempre alongado, com margem posterior podendo ultrapassar o canino superior (C1) (Figura 8D). A fenestra maxilopalatina, geralmente bastante alongada, ocupa a margem posterior do maxilar e anterior do palatino. Na porção posterior do maxilar, onde este osso conecta-se com o palatino, está a fenestra póstero-lateral, de formato elíptico, cuja margem anterior pode ultrapassar o quarto molar superior (M4) (Figura 8F). Algumas espécies apresentam BIOLOGIA
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Figura 8. Padrões de morfologia do palato de marsupiais didelfídeos. A: Palato pouco perfurado, apenas com forame incisivo, fenestra maxilopalatina curta e forame póstero-lateral (Caluromys lanatus - MZUSP 3766). B: Palato fenestrado, com forame incisivo, fenestra maxilopalatina longa, fenestra palatina e forame póstero-lateral (Cryptonanus cf. agricolai - APC 1153, a ser tombado no MZUSP). C: Palato muito fenestrado, como em B, mais fenestra maxilar (Gracilinanus agilis - PNPA 203, a ser tombado no MZUSP). D: Forame incisivo longo, com margem posterior (seta) ultrapassando o limite dos caninos superiores (Marmosops paulensis - MZUSP 29185). E: Fenestra palatina múltipla (seta) (Marmosops ocellatus - PNPA 315, a ser tombado no MZUSP). F: Forame póstero-lateral bem desenvolvido, com margem anterior projetando-se além da margem anterior do quarto molar superior (Thylamys karimii - MZUSP 32232). fi, forame incisivo; fm, fenestra maxilar; fmp, fenestra maxilopalatina; fp, fenestra palatina; fpl, forame póstero-lateral. Imagens em escalas distintas.
fenestra palatina constituída por uma única perfuração circular em cada lado do palatino (Figura 8C) ou por múltiplas perfurações menores (Figura 8E). Algumas espécies podem apresentar também fenestra maxilar, constituída por uma perfuração alongada em cada lado do maxilar, posicionada entre a fenestra maxilopalatina e os molares superiores (Figura 8C). Basicrânio (Figuras 3 e 9) Porção do crânio que constitui a base da caixa craniana. Formado pelo pré-esfenóide, basisfenóide, pterigóide, basioccipital, exoccipitais, alisfenóide, porções coclear e mastóidea do petroso (ou simplesmente mastóide e petroso, respectivamente) e ectotimpânico. É uma região do crânio rica em forames, a maioria dos quais não é útil como caráter diagnóstico. O basisfenóide é estreito e longo, perfurado na sua margem Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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BIOLOGIA
Figura 9. Basicrânio (incluindo a região auditiva) de marsupiais didelfídeos mostrando os diferentes padrões de morfologia da região do forame oval. A: Lâmina ou barra medial do processo timpânico do alisfenóide ausente (Marmosa paraguayana - MZUSP 29197). B: Barra medial do processo timpânico do alisfenóide presente, formando um forame oval secundário (Thylamys karimii - MZUSP 32232). C: Lâmina medial do processo timpânico do alisfenóide presente, formando um forame oval secundário (Monodelphis sp. - APM 836, a ser tombado no MZUSP). As setas indicam a passagem do ramo mandibular do nervo trigêmio. Al, alisfenóide; bAl, barra medial do processo timpânico do alisfenóide; cc, canal da carótida (ou forame lacerado anterior); Et, ectotimpânico; fct, forame do canal transverso; fcv, forame condilar venoso; fhg, hipoglossal; fies, fissura esfenorbital; fj, forame jugular; flp, forame lacerado posterior; fo, forame oval; fr, forame rotundo; lmAl, lâmina medial do processo timpânico do alisfenóide; proPe, promontório da porção coclear do petroso; ptAl, processo timpânico do alisfenóide; ptPe, processo timpânico do petroso. Imagens em escalas distintas.
BIOLOGIA
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Figura 10. Vista lateral do rostro (A-C) e mandíbula (D-F) de marsupiais didelfídeos, evidenciando padrões morfológicos dos dentes caninos e pré-molares. A: Terceiro pré-molar superior (P3) mais baixo que o segundo pré-molar superior (P2) (Hyladelphys kalinowskii - MUSM 14084). B: P3 e P2 com alturas semelhantes (Marmosa lepida - MZUSP 35019). C: P3 mais alto que P2 (Cryptonanus cf. agricolai - MZUSP 30503). D: Canino inferior (c1) ereto, com coroa cônica e sem cúspide acessória (Chironectes minimus - MZUSP 7793). E: c1 semi-ereto, sem cúspide acessória e com margem anterior da coroa em forma de lâmina (Marmosa paraguayana - MZUSP 29197). F: c1 pré-molariforme (seta), com coroa em forma de lâmina e com cúspide acessória (Marmosops pinheiroi - MZUSP 21300). C1, canino superior; c1, canino inferior; ca, cúspide acessória anterior do canino superior; cp, cúspide acessória posterior do canino superior; P1, primeiro pré-molar superior; p1, primeiro pré-molar inferior; P2, segundo pré-molar superior; p2, segundo pré-molar inferior; P3, terceiro pré-molar superior permanente; p3, terceiro pré-molar inferior permanente. Imagens em escalas distintas.
posterior e região de contato com o alisfenóide pelo canal da carótida. No alisfenóide, anterolateralmente ao canal da carótida, situa-se o forame do canal transverso. A região posterior do alisfenóide é inflada para formar o processo timpânico (ou asa timpânica) do alisfenóide. Medialmente a este processo, na região da sutura alisfenóide-petroso, localiza-se o forame oval. Em várias espécies o forame oval é coberto por uma barra ou uma lâmina óssea que conecta o processo timpânico do alisfenóide à porção não inflada do alisfenóide, formando um forame oval secundário (Figura 9B-C). Lateralmente ao processo timpânico do alisfenóide, na superfície ventral da raiz esquamosal do arco zigomático, localiza-se o processo pós-glenóide, que delimita posteriormente a fossa glenóide e anteriormente, a cavidade pós-glenóide. O exoccipital está perfurado pelos forames jugular, lacerado posterior, hipoglossal e condilar venoso (Figura 9C). Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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Região auditiva (Figuras 3, 7 e 9) Região do crânio que aloja os elementos ósseos associados ao ouvido médio. Formada por três componentes ósseos não fusionados: alisfenóide, petroso e ectotimpânico. O processo timpânico do alisfenóide, que constitui o elemento anterior da região auditiva, foi descrito anteriormente. O componente posterior da região auditiva é formado pelo petroso (mais especificamente a porção coclear do petroso), limitada ventralmente por um processo laminar que constitui o processo timpânico do petroso. Na margem lateral da porção coclear do petroso encontra-se a fenestra coclear, que é exposta em vista lateral ou ventrolateral na maioria das espécies (Figura 7C), mas está oculta em uma cavidade formada em sua maior parte pelo petroso em outras (Figura 7D). O ectotimpânico é o componente médio da região auditiva. Possui a forma de um anel incompleto posterodorsalmente. A extremidade anterior do ectotimpânico contata simultaneamente o processo anterior do martelo e o processo timpânico do petroso na maioria das espécies (Figura 7C), porém contata apenas o processo anterior do martelo em outras (Figura 7D). O processo timpânico do alisfenóide cobre moderadamente a região anteromedial do ectotimpânico, deixando totalmente exposta a região posterior que se expande lateralmente, e em diferentes graus de acordo com a espécie, para formar o processo timpânico do ectotimpânico. Mandíbula (Figura 2) Formada pelo osso dentário. O ramo horizontal contém os alvéolos dentários e o ramo ascendente contém dois processos bem desenvolvidos - o coronóide na porção superior e o condilóide (ou condilar) na porção inferior, além do processo angular que é muito estreito e está medialmente deslocado formando um ângulo de quase 90° com o ramo ascendente (Figura 2). Os forames mentonianos apresentam posição variável, inclusive nas duas mandíbulas de um mesmo indivíduo. A fossa massetérica é profunda e o processo condilóide muito expandido lateralmente. Dentes (Figuras 1, 10) A fórmula dentária nos didelfídeos é I 5/4, C 1/1, P 3/3, M 4/4, totalizando 50 dentes. Nenhum dente sofre reposição, exceto o terceiro pré-molar. O estágio decidual deste dente é molariforme e seu sucessor, pré-molariforme, tornando fácil sua identificação como decidual ou permanente (Figura 1A-B). O primeiro incisivo superior é geralmente hipsodonte, cônico, com extremidade distal reta ou levemente divergente. Encontra-se geralmente separado dos demais incisivos por um curto diastema. Os demais incisivos superiores são muito próximos entre si, e suas coroas em geral se tocam e às vezes chegam a se sobrepor parcialmente. Na maioria das espécies as coroas dos I2-I5 são simétricas e há uma tendência de aumento no comprimento das mesmas de I2 para I5. Algumas espécies, entretanto, possuem I2-I5 com coroas assimétricas, nas quais a superfície cortante anterior é maior que a posterior. Nestas espécies, há uma tendência de decréscimo de comprimento das coroas de I2 para I5 (ver Figura 18 em Voss & Jansa, 2009: 48). O canino superior (C1) é bem desenvolvido, em geral nitidamente maior nos exemplares machos. Pode apresentar cúspides acessórias anterior e/ou posterior (Figura 10B-C). O primeiro pré-molar superior (P1) é nitidamente menor que os demais pré-molares. O P2 e o P3 são mais desenvolvidos, podendo ser semelhantes ou diferentes em tamanho (P2>P3 ou P2245 mm, peso > 260 g, CCB > 55 mm, CMS > 11 mm); com ou sem manchas supraoculares; dedo III maior que o dedo IV da mão; margem dorsal do forame magno formado somente pelos exoccipitais............................................................................................................4 3b. Tamanho corporal de pequeno a grande; nunca com manchas supra-oculares; dedo III maior, subigual ou maior que o dedo IV da mão; margem dorsal do forame magno formado pelos exoccipitais e supra-occipital.................................7 4a. Manchas supra-oculares presentes; porção nua da cauda de coloração castanha- acinzentada na base e gradualmente despigmentada em direção à ponta (Figura 5C colorida); processo pós-orbital ausente (Figura 3); osso frontal direito e esquerdo não fusionados (sutura mediana completa); crista sagital ausente (Figura 3); fenestra palatina ausente (Figura 3); forame oval secundário presente, formado pela barra medial do processo timpânico do alisfenóide (Figura 9B); ossos frontal e esquamosal em contato, impedindo o contato do alisfenóide com o parietal (Figura 2) .............................................................Metachirus 4b. Manchas supraoculares presentes ou ausentes; porção nua da cauda de coloração enegrecida na base e abruptamente branca em direção à ponta (Figura 5B colorida) (ocasionalmente apresentam caudas totalmente negras); processo pós-orbital geralmente presente; osso frontal direito e esquerdo fusionados (sutura mediana incompleta); cristal sagital bem desenvolvida, estendendo-se até o frontal; fenestra palatina presente; forame oval secundário geralmente presente, formado pela lâmina medial do processo timpânico do alisfenóide (Figura 9C); ossos alisfenóide e parietal em contato, impedindo o contato do frontal com o esquamosal..................................................................................................5 5a. Manchas supraoculares presentes (Figura 5B colorida).......................Philander 5b. Manchas supraoculares ausentes..........................................................................6 6a. Pelagem dorsal acinzentada ou enegrecida (nunca castanha); pêlos dorsais de base branca (Figura 2D colorida); pêlos-guarda muito longos (de aspecto desgrenhado); ossos maxilar e alisfenóide separados pelo palatino no assoalho da cavidade orbital (Figura 5C).......................................... .......Didelphis 6b. Pelagem dorsal castanha ou castanha-amarelada; pêlos dorsais de base cinza; pêlos-guarda curtos; ossos maxilar e alisfenóide em contato no assoalho da cavidade orbital (Figura 5D)....... .............................................Lutreolina BIOLOGIA
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7a. Comprimento do dedo IV pouco maior que o comprimento do dedo III da mão; processo pós -orbital bem desenvolvido (Figura 6E); palato sem fenestras ou com fenestras maxilopalatinas curtas (Figura 8A); forame do canal transverso ausente; processo timpânico do alisfenóide em contato (ou quase) com o processo timpânico do petroso; extremidade anterior do ectotimpânico contata apenas o martelo (Figura 7D); alvéolo do C1 contido no maxilar; P1 vestigial ou ausente; largura do M4 menor que a do M1............................................................................................... ...........................8 7b. Comprimento do dedo IV subigual ou menor que o comprimento do dedo III da mão; processo pós-orbital presente ou ausente; palato com fenestras maxilopalatinas longas e outras fenestras podem estar presentes (Figura 8B-F); forame do canal transverso presente (às vezes pequeno); processo timpânico do alisfenóide distintamente separado do processo timpânico do petroso; extremidade anterior do ectotimpânico contata simultaneamente o martelo e o petroso (Figura 7C); alvéolo do C1 formado pelo pré-maxilar e maxilar; P1 não vestigial, mas nitidamente menor que P2-P3; largura do M4 maior que a do M1.....................................................................................9 8a. Máscara facial avermelhada e faixa rostral mediana presentes (Figura 1H colorida); pelagem dorsal sem faixas escuras escapulares; processo rostral do pré-maxilar presente; osso frontal direito e esquerdo não fusionados (sutura mediana completa); crista sagital ausente (ou fracamente desenvolvida sobre o interparietal); forame oval secundário ausente......................................Caluromys 8b. Pelagem facial uniformemente pálida, sem nenhuma marca facial; pelagem dorsal com faixas escuras sobre as escápulas (Figura 2C colorida); processo rostral do pré-maxilar ausente; osso frontal direito e esquerdo fusionados (sutura mediana incompleta); crista sagital bem desenvolvida, estendendo-se anteriormente até o frontal; forame oval secundário presente........Caluromysiops 9a. Máscara facial ausente; cauda mais curta que o comprimento da cabeça e corpo, não modificada para preensão (Figura 5A colorida); processo pós-orbital ausente ou indistinto; fenestras palatina e maxilar ausentes; processo rostral do pré-maxilar ausente; ossos maxilar e alisfenóide em contato no assoalho da cavidade orbital (Figura 5D); forame oval secundário ausente (Figura 9A) ou presente e formado pela barra ou lâmina medial do processo timpânico do alisfenóide (Figura 9B-C)...............................Monodelphis 9b. Máscara facial presente (estreita ou inconspícua em algumas espécies); cauda mais longa ou mais curta que o comprimento da cabeça e corpo, com ou sem modificações para preensão; processo pós-orbital presente ou ausente; fenestras palatina e maxilar presentes ou ausentes; processo rostral do pré-maxilar presente ou ausente; ossos maxilar e alisfenóide separados pelo palatino no assoalho da cavidade orbital (Figura 5C); forame oval secundário ausente ou presente e formado pela barra medial do processo timpânico do alisfenóide............................................................................................................10 10a. Forame oval secundário presente, formado pela barra medial do processo timpânico do alisfenóide (Figura 9B)....................................................11 10b. Forame oval secundário geralmente ausente (Figura 9A); se presente, formado por uma barra bastante estreita e raramente ocorre nos dois lados do crânio...................................................................................................................13
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BIOLOGIA
11a. Comprimentos dos dedos III e IV da mão subiguais; cauda sempre maior que o comprimento da cabeça-corpo; processo rostral presente; fenestra maxilar presente (Figura 8C); P2 e P3 subiguais em altura (Figura 10B)................................................................................................Gracilinanus 11b. Dedo III mais longo que o dedo IV da mão; cauda menor ou maior que o comprimento da cabeça e corpo; processo rostral presente ou ausente; fenestra maxilar geralmente ausente, mas se presente, então P2 menor que P3 (Figura 10C)........................................................................ ...............................12 12a. Comprimento da cauda maior do que comprimento da cabeça e corpo; cauda nunca com estocagem de gordura; escamas caudais dispostas em espiral, com três pêlos, sendo o central peciolado (muito espesso na porção mediana) e fortemente pigmentado (Figura 6E – colorida); processo rostral do pré-maxilar presente; fenestra maxilar ausente; fenestra palatina ausente ou presente e múltipla (Figura 8D-E); forame póstero-lateral não alcança a margem anterior do M4; fenestra coclear exposta em vista lateral craniana (Figura 7C); c1 pré-molariforme, com coroa em forma de lâmina e com cúspide acessória (Figura 10F); P2 e P3 similares em tamanho (Figura 10B)........................................................................................Marmosops 12b. Comprimento da cauda maior ou menor do que comprimento da cabeça e corpo; cauda intumescida pela estocagem de gordura (Figura 10D colorida); escamas caudais dispostas em anel, com pêlos subiguais em espessura e pigmentação; processo rostral do pré-maxilar ausente; fenestra maxilar presente; fenestra palatina presente e simples (Figura 8F); forame póstero-lateral alcança ou ultrapassa a margem anterior do M4 (Figura 8F); fenestra coclear não exposta em vista lateral craniana; c1 não pré-molariforme, com coroa semi-cônica e sem cúspide acessória; P2 menor que P3 (Figura 10C)..................................Thylamys 13a. Máscara facial e faixa mediana rostral pouco conspícuas (Figura 1G colorida); escamas caudais dispostas em anel, com pêlos subiguais em espessura e pigmentação, com comprimento igual a três escamas (Figura 6C colorida); processo rostral do pré-maxilar ausente; fenestra palatina presente ou ausente; petroso exposto na superfície lateral da caixa craniana entre a sutura parietal-esquamosal (Figura 7A); C1 geralmente com cúspides acessórias; P3 maior que P2 (Figura 10C)...................................................Cryptonanus 13b. Máscara facial conspícua e faixa mediana rostral ausente ou inconspícua; escamas caudais dispostas em espiral e com pêlos de comprimento igual a uma escama, ou de forma mista (anular e espiral em um mesmo indivíduo) e com pêlos de comprimento igual a três escamas; processo rostral presente ou ausente; fenestra palatina ausente; petroso não exposto na superfície lateral da caixa craniana entre a sutura parietal-esquamosal (Figura 7B); C1 raramente com cúspides acessórias; P3 igual ou menor que P2...........................................14 14a. Tamanho muito pequeno (CC < 95 mm, massa < 20g; CCB < 25 mm; SMS 70 mm (40-70 % da extensão da cau- 30-70 mm (10-20 % da extensão da Extensão da pelagem corporal na cauda da) dorsalmente; 20-35 % da extensão cauda), em igual proporção dorsal e da cauda ventralmente ventralmente
Caluromysiops Sanborn, 1951 Composição: irrupta Sanborn, 1951. Caracteres diagnósticos: CC > 250 mm; Ca > 300 mm; pelagem da cabeça homogeneamente pálida, sem manchas de coloração contrastante; pelagem dorsal castanho pálida no geral, com faixas escuras que se estendem dos braços até os ombros (escapulares) e se tornam paralelas em direção à região posterior do dorso (Figura 2C colorida); cauda coberta pela pelagem corporal até a extremidade distal dorsalmente (Figura 2C colorida) e apenas no primeiro terço ventralmente; crista sagital presente, bem desenvolvida ao longo do osso parietal e se estendendo até o frontal na maioria dos espécimes adultos; forame oval secundário presente, formado pela barra do processo timpânico do alisfenóide (Emmons, 2008; Voss & Jansa, 2009). Comentários taxonômicos: Caluromysiops já foi considerado sinônimo de Caluromys por alguns autores, mas Voss & Jansa (2009) reforçam a distinção entre estes dois gêneros embasados em vários caracteres morfológicos e também na divergência genética encontrada. Espécie rara, conhecida de apenas sete localidades, muitas das quais questionáveis devido ao fato de serem espécimes provenientes de caçadores (Emmons, 2008). Subfamília Hyladelphinae Voss e Jansa, 2009 Composição: Hyladelphys Voss, Lunde e Simmons, 2001. Caracteres diagnósticos: pré-molares deciduais (dP3/dp3) vestigiais (veja figs. 17 e 18 em Voss et al., 2001: 35-36).
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BIOLOGIA
Hyladelphys Voss, Lunde e Simmons, 2001 Composição: kalinowskii Hershkovitz, 1992. Caracteres diagnósticos: CC = 75-95 mm; 102-117 mm; ampla máscara facial, estendendo-se desde o focinho até a base da orelha (Figura 1C colorida); pelagem dorsal avermelhada com nítida faixa rostral alaranjada e pelagem ventral homogeneamente branca; número reduzido de mamas (2-0-2=4); processo rostral do pré-maxilar ausente; fenestras palatinas e maxilares ausentes; região interorbital fortemente convergente anteriormente e com cristas supra-orbitais arredondadas não proeminentes (“beaded”) (Figura 6A); P2 muito maior que P3; em jovens, os pré-molares deciduais (dP3/dp3) são vestigiais; rostro curto; caixa craniana inflada (Voss et al., 2001). Comentários taxonômicos: grandes níveis de divergência genética indicam que possivelmente mais de uma espécie possa estar inclusa neste gênero (Jansa & Voss, 2005). Desta forma, uma revisão taxonômica é necessária, porém há poucos espécimes em coleções. No Brasil, por exemplo, há apenas um registro e um único exemplar em coleção (Astúa, 2007). Subfamília Didelphinae Gray, 1821 Composição: Marmosini Hershkovitz, 1992, Metachirini Hershkovitz, 1992, Didelphini Gray, 1821 e Thylamyini Hershkovitz, 1992. Caracteres diagnósticos: borda anterior cortante no P3 ausente (P3 com bordas anterior e posterior cortantes em Glironiinae, Caluromyinae e Hyladelphinae) (Voss & Jansa, 2009). Tribo Marmosini Hershkovitz, 1992 Composição: Marmosa Gray, 1821; Monodelphis Burnett, 1830; Tlacuatzin Voss e Jansa, 2003, dos quais apenas os dois primeiros ocorrem no Brasil. O gênero Marmosa inclui os subgêneros Marmosa Gray, 1821 e Micoureus Lesson, 1842. Caracteres diagnósticos: marsúpio ausente; forame oval secundário ausente (exceto em algumas espécies de Monodelphis); fenestra na sutura dos ossos parietal-esquamosal ausente; osso supra-occipital constituindo parte da margem dorsal do forame magno (Voss & Jansa, 2009). Marmosa Gray, 1821 Composição: subgênero Marmosa Gray, 1821: andersoni Pine, 1972; lepida Thomas, 1888; mexicana Merriam, 1897; murina Linnaeus, 1758; quichua Thomas, 1899; robinsoni Bangs, 1898; rubra Tate, 1931; tyleriana Tate, 1931; xerophila Handley e Gordon, 1979; subgênero Micoureus Lesson, 1842: alstoni Allen, 1900; constantiae Thomas, 1904; demerarae Thomas, 1905; paraguayana Tate, 1931; phaea Thomas, 1899; regina Thomas, 1898. Caracteres diagnósticos: CC = 88-250 mm; Ca = 138-294 mm; máscara facial conspícua; pelagem lisa (subgênero Marmosa) ou geralmente lanosa (subgênero Micoureus); ventre geralmente com faixas laterais de pêlos de base cinza ou completamente coberto por eles (Figura 3A colorida); cauda geralmente maior que o comprimento da cabeça e corpo, homogeneamente pigmentada (maioria das espécies BIOLOGIA
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do subgênero Marmosa) ou despigmentada na porção terminal (maioria das espécies do subgênero Micoureus); pelagem corporal restrita à base da cauda (ambos os subgêneros) ou estendendo-se por mais de 15 mm sobre a cauda (subgênero Micoureus); escamas caudais arranjadas em espiral, com pêlos finos e curtos (tamanho igual ou menor a uma escama) resultando na aparência de cauda nua a olho nu; processo rostral do pré-maxilar geralmente presente (Figura 4D); cristas supra-orbitais desenvolvidas, com processo pós-orbital geralmente desenvolvido (Figura 6D); fenestras maxilares ausentes; fenestras palatinas geralmente ausentes; forame oval secundário ausente (Figura 9A); C1 sem cúspides acessórias; P2 e P3 semelhantes em tamanho (Figura 10B) (Voss & Jansa, 2009; Rossi et al., 2010). Os caracteres diagnósticos das espécies brasileiras de Marmosa encontram-se na Tabela 3. Comentários taxonômicos. Revisões taxonômicas e estudos moleculares recentes aprimoraram o conhecimento sobre a taxonomia e diversidade de espécies de Marmosa (Voss & Jansa, 2003; 2009; Gutiérrez et al., 2010; Rossi et al., 2010). Em vários estudos, espécies de Micoureus formam um grupo monofilético dentro do gênero Marmosa, com M. murina ou M. lepida como espécies irmãs. Outras espécies de Marmosa posicionam-se basalmente a este clado. Para não ferir o princípio da cladística de se reconhecer como válidos apenas grupos monofiléticos, Voss & Jansa (2009) propuseram que as espécies de Micoureus fossem incluídas em Marmosa, mas mantiveram o primeiro táxon em nível de subgênero. Os autores argumentaram que novos estudos com mais espécies e mais caracteres devem resultar em filogenias mais robustas que justifiquem a manutenção do gênero Micoureus acompanhada da divisão de Marmosa em vários gêneros, ou a inclusão definitiva de Micoureus em Marmosa, como seu sinônimo. Outros estudos mostram que M. murina e M. demerarae representam um complexo de espécies. Com base em sequências do gene mitocondrial citocromo b, Patton & Costa (2003) encontraram quatro grupos monofiléticos e alopátricos em amostras de M. murina, três dos quais com divergência genética média de 9,89 %. De acordo com Rossi (2005), que reconheceu quatro morfotipos dentro de M. murina, os grupos reconhecidos por Costa & Patton (2003) correspondem a espécies distintas denominadas M. murina (região das Guianas, leste e centro do Brasil), M. macrotarsus (= M. quichua; sudoeste amazônico, incluindo o Brasil a oeste do rio Tapajós) e M. waterhousei (noroeste amazônico, incluindo o Brasil ao norte do rio Amazonas e oeste do rio Negro). Embora os resultados de Rossi (2005) ainda não tenham sido publicados em sua totalidade, os nomes mencionados acima já vêm sendo empregados na literatura (Gutiérrez et al., 2010; 2011). Neste capítulo utilizamos o senso lato de M. murina que inclui M. macrotarsus e M. waterhousei. Patton et al. (2000) e Patton & Costa (2003) também encontraram quatro grupos monofiléticos e alopátricos em amostras de M. demerarae, com divergência genética média de 7,37 % e 9,34 %, respectivamente. Sancha et al. (2011) também confirmaram que M. demerarae representa um complexo de espécies, sendo que um dos exemplares de suas amostras divergiu em 10,3 % do clado formado pelos demais exemplares desta espécie. Tabela 3. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Marmosa que ocorrem no Brasil. Ca = comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo; CT = comprimento total. Dados extraídos de Patton et al. (2000), Rossi (2005), Creighton & Gardner (2008a), Gardner & Creighton (2008a), Sancha et al. (2011) e presente estudo. CT (mm) CC (mm)
M. lepida -88-120 (n=6)
Ca (mm)
138-167 (n=6)
Textura da Lisa pelagem
M. murina -95-240 (n=440) 139-280 (n=433)
M. constantiae 352-412 (n=3) --
M. demerarae 378-500 (n=39) --
M. paraguayana 400 142-250b
M. regina 380-492 (n=41) --
213-235 (n=3)
227-287 (n=39)
159-232b
238-294 (n=41)
Lisa
Lanosa
Lanosa
Lanosa
Longa, mas não lanosa
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BIOLOGIA
Coloração dorsal
Castanha-aver- Castanha-acinmelhada intensa zentada
Acinzentada
Castanha-acinzentada tingida de laranja
Coloração ventral
Creme-esbranquiçada, sem pêlos de base cinza
Creme, amarelada ou alaranjada, com pêlos de base cinza na maior parte do ventre
Creme, com faixas laterais de pêlos de base cinza que nunca se unem no peito e abdome
> 30 mm
< 20 mm
Extensão da pelagem < 15 mm corporal na cauda Coloração da cauda
Homogeneamente pigmentada
Muito desenvolProcesso vido (maior que rostral do a altura do I1; pré-maxilar Figura 4D) Cristas supra-orbi- Proeminentes tais Processo Desenvolvido pós-orbital Cristas Moderadamente temporais convergentes Fenestras Ausentes palatinas Cúspide Ausente ou acessória presente (Figura posterior 10C) do C1
Castanha-acinCastanha-acinzentada tingida de zentada tingida de amarelo creme ou amarelo Amarelada ou Creme, com creme, com largas faixas laterais Amarelada ou faixas laterais de de pêlos de base creme-esbranquipêlos de base cincinza que nunca çada, sem pêlos za que frequentese unem no pei- de base cinza mente se unem no to e abdome peito e abdome
< 15 mm
> 20 mm
> 30 mm
Homogeneamente pigmentada
Despigmentada na ponta
Homogeneamente pigmentada ou Despigmentada despigmentada na na ponta ponta
Geralmente homogeneamente pigmentada
Presente (seme- Presente (semelhante à altura lhante à altura do I1) do I1)
Presente (semelhante à altura do I1)
Presente (semelhante à altura do I1)
Presente (semelhante à altura do I1)
Proeminentes
Proeminentes
Proeminentes (Figura 6D)
Pouco desenvolvidas
Proeminentes
Desenvolvido
Desenvolvido
Desenvolvido (Figura 6D) Fortemente convergentes
Ausente ou inconspícuo
Desenvolvido
Moderadamente Moderadamente convergentes convergentes Geralmente preAusentes sentesa Geralmente ausente
Ausente
Paralelas
Moderadamente convergentes
Ausentes
Ausentes
Ausentes
Ausente
Ausente
Ausente
Embora o tipo de constantiae Thomas, 1904 claramente não apresente fenestras palatinas, o tipo de budini Thomas, 1920, atualmente considerado sinônimo do primeiro, apresenta tais fenestras (ver Tate, 1933), assim como os exemplares associados a M. constantiae por Sancha et al. (2011).
a
b
Com base em Rossi et al. (2006).
Monodelphis Burnett, 1830 Composição: adusta Thomas, 1897; americana Müller, 1776; arlindoi Pavan, Rossi e Schneider, 2012; brevicaudata Erxleben, 1777; dimidiata Wagner, 1847; domestica Wagner, 1842; emiliae Thomas, 1912; glirina Wagner, 1842; handleyi Solari, 2007; iheringi Thomas, 1888; kunsi Pine, 1975; maraxina Thomas, 1923; osgoodi Doutt, 1938; palliolata Osgood, 1914; peruviana Osgood, 1913; reigi Lew e Pérez-Hernández, 2004; ronaldi Solari, 2004; rubida Thomas, 1899; scalops Thomas, 1888; theresa Thomas, 1921; touan Shaw, 1800; umbristriatus Miranda-Ribeiro, 1936; unistriatus Wagner, 1842. Caracteres diagnósticos: CC = 55-216 mm; Ca = 37-91; comprimento da cauda menor que 70% do comprimento da cabeça e corpo; rinário com uma dobra ventrolateral de cada lado do sulco mediano (ver Figura 1 em Voss & Jansa, 2009: 14); máscara facial ausente; dígito III das mãos e dos pés mais longo; unhas das mãos longas, ultrapassando as almofadas digitais; superfície ventral da cauda não modificada para preensão; nasal conspicuamente expandido lateralmente na região da sutura maxilar-frontal; procesBIOLOGIA
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Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
so rostral do pré-maxilar ausente; região interorbital paralela ou fracamente convergente anteriormente; crista sagital geralmente presente em espécimes maiores e mais velhos; margem supra-orbital lisa e sem processo pós-orbital; fenestras palatina e maxilar ausentes; osso maxilar e alisfenóide em contato no assoalho da órbita; forame oval secundário ausente ou presente, formado por uma lâmina óssea que conecta o processo timpânico do alisfenóide à porção não inflada do alisfenóide (Figura 9C); P3 mais alto que P2 (Pine & Handley, 2008; Voss & Jansa, 2009). Os caracteres diagnósticos das espécies brasileiras de Monodelphis encontram-se na Tabela 4. Comentários taxonômicos. Revisões recentes de alguns grupos de espécies revelaram uma elevada divergência genética encontrada entre populações de determinados táxons (Solari, 2010; Carvalho et al., 2011; Pavan et al., 2012). Esses estudos resultaram na restrição de M. brevicaudata, na revalidação de M. touan na descrição de M. arlindoi (Pavan et al., 2012), no reconhecimento de M. sorex como sinônimo júnior de M. dimidiata (Vilela et al., 2010) e na delimitação de oito grupos de espécies (Solari, 2010). Entretanto, o gênero nunca passou por uma revisão ampla, necessária para reavaliar o status taxonômico de espécies com ampla área de distribuição (M. americana e M. glirina, por exemplo) e de espécies enigmáticas, conhecidas apenas por poucos exemplares, restritos as suas localidades-tipo e arredores (M. maraxina, M. rubida, M. theresa, M. umbristriata, M. unistriata). A única revisão desenvolvida com espécies brasileiras foi realizada por Gomes (1991), ainda não publicada. Essa revisão traz informações importantes sobre a variação ontogenética na coloração da pelagem de algumas espécies, mas é pouco útil para a identificação em nível específico.
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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BIOLOGIA
BIOLOGIA
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Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
64
160 ~ 53
~ 123 ~ 62
~ 135 70-98 d
120-182 d
M. ru- M. umbris- M. unis- M. arlindoi bidaa triata b triata c -----
46-91 e
123-179 e
CastanhaGrisalha, acinzenCascontrastada, contanhatando com trastando -aver- Castanha- Cinzaas laterais pouco me-averme- -avermeavermecom as lhada lhada lhada lhadas laterais clara e (Figura 5A avermeintensa colorida) lhadas Acinzentada, sem contraste com as laterais
Ausentes Ausentes
64-97 d
143-170 d
M. brevi- M. docaudata mestica ---
Grupo brevicaudata
Apenas Três listras Três listras Três listras uma escuras, escuras, avermeAusenlistra iniciando- iniciandolhadas e Ausentes tes mediana -se entre as -se entre as inconspíavermeorelhas orelhas cuas lhada
-75-100 (n=8) 53-60 40-60 (n=5) (n=8)
M. iheringi
CastanhaCastanha-acinzen-acinzentada na tada na porção porção mediana e Coloração mediana e dorsal castanhacastanha-averme-avermelhalhada na da na região região lombar lombar
Listras longitudinais no dorso
Ca (mm)
CC (mm)
CT (mm)
M. americana -90-118 (n=4)
Grupo americana
--
M. maraxina ~ 213 f
Grisalha, contrastando com Acinas laterais zentada, avermecom lhadas laterais (contraste alaranjaforte em esdas pécimes ao sul do rio Amazonas)
--
Grupo emiliae M. emiliae 142-166 g
41-42 h
71-94 h
--
M. kunsi
Grupo kunsi
Grisalha, contrastando com cabeça e região lombar avermelhadas
Uniformemente castanha clara a escura
Ausentes em machos velhos ou com três listras Ausentes Ausentes castanhas em machos jovens e em fêmeas
37-83 (n=34) 45-53 g
-63-163 (n=33)
CastanhaGrisalha, -acinzencontrastando tada, com Castanhalaterais com cabeça avermeavermee região lhada lombar lhadas ou alaranjadas alaranjadas
~ 47 c
77-97 c
M. scalops
Grisalha, contrastando com as laterais alaranjadas (pouco perceptível em espécimes do Xingu)
d
M. theresa --
Ausentes Ausentes Ausentes
79-95 d
138-170
--
M. touan
Grupo theresa
Três listras inconspícuas, Ausentes iniciando-se posteriormente às orelhas
65-106 d ~ 79 f
M. glirina -120180 d
Grupo dimidiata M. dimidiata -105-136 (n=3) 61-70 (n=3)
Tabela 4. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Monodelphis que ocorrem no Brasil. Ca = comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo; CT = comprimento total. As espécies foram separadas em grupos de espécies segundo Solari (2010), com exceção de M. rubida, M. umbristriata e M. unistriata, não examinadas por Solari (2010), mas alocadas por nós provisioriamente no grupo americana. Comparações entre espécies formulada com base em Pine & Handley (2008) e no presente estudo, exceto quando outra fonte é mencionada.
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
59
BIOLOGIA
Restrita à base da cauda
Incipiente
Presente, formado Ausente pela lâmina medial
Extensão da pelagem corporal na cauda
Crista sagital
Forame oval secundário
Ausente, ou pouco desenvolvidas (em machos adultos)
Ausente, ou pouco desenvolvidas (em machos adultos)
Ausente
DesenDesenvolvolvi? vida i i da
Presente, formado pela lâmina medial i
Pêlos de base cinza claro e ápice ? creme-alaranjado
Informações com base em Pine (1979). Informações com base em Patton et al. (2000). Informações com base em Emmons & Feer (1997). Informações com base em Gomes (1991).
h i
Informações com base em Miranda-Ribeiro (1936).
Informações com base em Eisenberg & Redford (1999).
Informações com base no material suplementar de Pavan et al. (2012).
Informações com base Macrini (2004).
c
d
e
Geralmente ausente, quando presente, formado pela lâmina medial
Ausente, ou pouco desenvolAusente vidas (em machos adultos) Presente, formado Geralpela barra mente do processo ausente timpânico do alisfenóide
Ausente, ou pouco desenvolvidas (em machos adultos)
g
?
?
Similare- Similares sao ventre ao ventre Cobrindo até 1/3 Restrita Restrita à ou mais à base da base da cauda da porção cauda dorsal da cauda
Similares ao ventre
Homogeneamente Pêlos de base cremecinza e ápice -amarcreme-ama- romzado, relado lavado de tons violáceos
b
Ausente
Desenvolvida
Restrita à base da ? cauda
DistintaAlaranjamente aver? dos melhados
Cobrindo até 1/3 Restrita ou mais à base da da porção cauda dorsal da cauda Ausente, ou pouco Ausente, ou desenpouco devolvidas senvolvidas (em (em machos machos adultos) adultos)
?
Ausente Ausente Ausente
Ausente, ou pouco desenvolvidas (em machos adultos)
Restrita à base da cauda
Lavados de laranja
Creme acinzentado, contrastando fortemente com as laterais
f
Ausente
Ausente, ou pouco desenvolvidas (em machos adultos)
Restrita à base da cauda
Similares ao ventre
Creme acinzentado/levemente alaranja? do, não contrastando com as laterais
Informações com base em Thomas (1899), exceto quando outra fonte é mencionada.
Presente, formado ? pela lâmina medial i
ResRestrita trita à à base da base da cauda i i cauda
Ausente
Distintamente avermelhados Cobrindo até 1/3 ou mais da porção dorsal da cauda
SimilaSimilares res ao ? ao ventre i ventre i
Distintamente avermelhados Cobrindo até 1/3 Restrita ou mais à base da da porção cauda dorsal da cauda
Pêlos de base cinza Alarane ápice jada amarelado
Pêlos de Creme base cinza acinzene ápice tado, concreme, trastando sem concom as traste com laterais as laterais
a
Ausente
Restrita à base da cauda
Similares ao Similares ventre ao ventre
Queixo e garganta
Pêlos Pêlos de de base Pêlos de Coloração base cinza e base cinza cinza e ventral ápice crene- e ápice ápice -amarelado alaranjado alaranjado
Creme acinzentado, contrastando fortemente com as laterais
Parda-amarelada parda-esbranquiçada, sem pelos de base cinza, às vezes com uma faixa amarelada na linha mediana
Tribo Metachirini Hershkovitz, 1992 Composição: Metachirus Burmeister, 1854. Caracteres diagnósticos: ossos frontal e esquamosal em contato na parte lateral da caixa craniana, formando uma “ponte” que impede o contato dos ossos parietal e alisfenóide (Figura 2) (Voss & Jansa, 2009). Metachirus Burmeister, 1854 Composição: nudicaudatus É. Geoffroy, 1803. Caracteres diagnósticos: CC = 150-310 mm e cauda maior que o comprimento da cabeça e corpo (Ca = 178-390 mm); máscara facial enegrecida ou castanha, que pode ou não se estender até a base das orelhas; manchas supraoculares presentes (Figura 5C colorida), com coloração variando de creme a ferrugínea; pêlos mais claros atrás das orelhas presentes, variando em quantidade e coloração (creme a ferrugínea); pelagem dorsal variando de castanha clara salpicado de dourado a castanha-escura salpicado de laranja; pelagem ventral esbranquiçada, creme, creme-amarelada ou creme-acinzentada; pelagem corporal restrita à base da cauda (Figura 5C colorida); cauda enegrecida a castanha, descolorindo-se gradualmente até o ápice (Figura 5C colorida), exceto em populações que ocorrem ao norte do rio Amazonas e oeste do rio Negro, que possuem cauda predominantemente enegrecida apenas com o ápice caudal esbranquiçado; marsúpio ausente; cristas supra-orbitais ausentes; cristas temporais presentes (Figura 3) (Gardner & Dagosto, 2008; Voss & Jansa, 2009). Comentários taxonômicos: Gardner & Dagosto (2008) reconheceram cinco subespécies, todas com ocorrência para o Brasil: M. n. nudicaudatus (É. Geoffroy, 1803); M. n. colombianus Allen, 1900; M. n. modestus Thomas, 1923; M. n. myosurus (Temminck, 1824); e M. n. tschudii Allen, 1900. Entretanto, o gênero Metachirus nunca foi revisado e o status taxonômico das subespécies (e também dos demais táxons nominais atualmente considerados sinônimos) precisa ser avaliado. Estudos moleculares demonstram alto grau de divergência genética dentro de M. nudicaudatus, sugerindo que este táxon representa um complexo de espécies (Patton et al., 2000; Patton & Costa, 2003). Ademais, análises prévias de exemplares em coleções mostraram que há uma vasta variação geográfica na coloração da pelagem e da cauda neste grupo, incluída propositadamente no tópico “Caracteres diagnósticos” acima. Vale mencionar ainda que há consideráveis lacunas de amostragem ao longo da área de distribuição desta espécie, tais como os interflúvios Tapajós-Xingu, Xingu-Tocantins, norte de Mato Grosso e oeste do Maranhão, especialmente de material genético para análises moleculares mais abrangentes. Portanto, há grande possibilidade de que espécies sejam revalidadas ou espécies novas sejam descritas a partir do estudo de material já disponível em museus, bem como de novos exemplares obtidos em trabalhos de campo. Tribo Didelphini Gray, 1821 Composição: Chironectes Illiger, 1811; Didelphis Linnaeus, 1758; Lutreolina Thomas, 1910 e Philander Brisson, 1762. Caracteres diagnósticos: CT geralmente > 500 mm; marsúpio bem desenvolvido na forma de bolsa ou de dobras de pele nas laterais do abdome e região inguinal; cauda com padrão preto e branco bem BIOLOGIA
60
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
marcado; nasais não alcançam os incisivos superiores (I1); crista sagital bem desenvolvida nos ossos frontal e parietal (Figura 7B) (Stein & Patton, 2008a; Voss & Jansa, 2009).
Chironectes Illiger, 1811 Composição: minimus Zimmermann, 1780. Caracteres diagnósticos: CC = 259-400 mm; Ca = 310-440 mm; superfície palmar sem almofadas; processo carnoso (lembrando o formato de um dedo) na superfície do pulso presente; pés com membranas interdigitais (Figura 3C colorida); padrão de coloração dorsal único, com faixas transversais negras alternadas com faixas transversais acinzentadas e unidas por uma linha mediana dorsal escura (Figura 2B colorida); máscara facial escura preenchendo toda região do focinho; ventre de coloração homogeneamente esbranquiçado (Figura 3B colorida); um único forame lacrimal de cada lado do lacrimal; um único forame mentoniano de cada lado da mandíbula (Stein & Patton, 2008a; Voss & Jansa, 2009). Comentários taxonômicos. Espécimes deste gênero são escassos em coleções e, por essa razão, estudos taxonômicos e filogeográficos são raros ou mesmo inexistentes (Costa & Patton, 2006). Algumas subespécies já foram reconhecidas com base em caracteres morfológicos (ver Marshall, 1978b; Stein & Patton, 2008a). Entretanto, este gênero precisa de revisão taxonômica consistente, aliando dados morfológicos a dados de divergência molecular. Devido à sua ampla distribuição geográfica, possivelmente alguns dos atuais sinônimos de Chironectes futuramente possam ser revalidados (Voss & Jansa, 2009).
Didelphis Linnaeus, 1758 Composição: albiventris Lund, 1840; aurita Wied-Neuwied, 1826; imperfecta Mondolfi e PérezHernández, 1984; marsupialis Linnaeus, 1758; pernigra Allen, 1990; virginiana Kerr, 1792. Caracteres diagnósticos: CC = 310-500 mm; Ca = 310-497 mm; pelagem dorsal com aspecto geral enegrecido, grisalho/enegrecido ou grisalho/esbranquiçado dependendo da coloração dos pêlos-guarda, que são longos, ásperos e conspícuos, dando um aspecto desgrenhado; pêlos setiformes com base branca (Figura 2D colorida); ventre homogeneamente esbranquiçado ou com pêlos de ápice preto; pelagem corporal estende-se por 1/4 a 1/6 do comprimento da cauda; porção nua da cauda escura basalmente e abruptamente despigmentada distalmente; processo rostral do pré-maxilar ausente; cristas supra-orbitais desenvolvidas; processo pós-orbital presente; crista sagital muito desenvolvida, estendendo-se até os frontais (Figura 7B); fenestras maxilares ausentes; fenestras palatinas presentes; forame oval secundário presente, formado pela lâmina medial do processo timpânico do alisfenóide; caninos superiores sem cúspides acessórias; P2 menor em altura do que P3 (Voss & Jansa, 2009). Os caracteres diagnósticos das espécies brasileiras de Didelphis encontram-se na Tabela 5. Comentários taxonômicos: espécies deste gênero tiveram recentemente o status taxonômico validado através de caracteres morfológicos e morfométricos diagnósticos (e.g. Cerqueira & Lemos, 2000; Lemos & Cerqueira, 2002), bem como de análise molecular (e.g. Patton et al., 2000; Patton & Costa, 2003).
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
61
BIOLOGIA
Tabela 5. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Didelphis que ocorrem no Brasil. Ca = comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo; CT = comprimento total. Dados extraídos de Cerqueira & Lemos (2000) e Lemos & Cerqueira (2002), exceto quando outra fonte é mencionada. CT (mm) CC (mm) Ca (mm) Coloração dorsal
D. albiventris ~ 763,5 a -~ 372,9 a Geralmente grisalha/esbranquiçada, raramente enegrecida (Figura 2D colorida)
Textura da pePouco áspera (quase macia) lagem dorsal Branca, com máscara facial Coloração e faixa rostral mediana facial mediana conspícuas e negras (Figura 1F colorida) Negras na metade basal e Coloração das brancas na metade apical orelhas (Figura 2D colorida)
D. aurita -355-450b 298-470b Geralmente grisalha/ enegrecida Áspera
D. imperfecta 670-800c -310-410c Geralmente grisalha/esbranquiçada
D. marsupialis -405-500d 366-497d
Áspera
Muito áspera
Geralmente grisalha/ enegrecida
Geralmente negra ou Geralmente negra ou Branca, com máscara facial grisalha, com marcas grisalha, com marcas e faixa rostral mediana faciais pouco consfaciais pouco conspícuas conspícuas e negras pícuas Completamente negras
Negras, com somente o 1/4 Completamente apical branco negras
Robusto e arredonRobusto e arredondado, Relativamente pequeno, Relativamente pequeno, com com sulco na região dado, com sulco na com sulco profundo na Morfologia região póstero-labial sulco profundo na região póstero-labial da coroa do P3 região póstero-labial da póstero-labial da coroa pouco desenvolvido ou da coroa pouco desencoroa ausente volvido ou ausente a Medida que corresponde à média de 14 indivíduos, fornecida por Eisenberg & Redford (1999). b
Informações retiradas de Vieira (1997), Lange & Jablonski (1998) e Passamani (2000).
c
Informações retiradas de Mondolfi & Pérez-Hernández (1984).
d
Informações retiradas de Voss et al. (2001).
Lutreolina Thomas, 1910 Composição: crassicaudata Desmarest, 1804. Caracteres diagnósticos: Comprimento da cabeça-corpo geralmente maior que o comprimento da cauda (CC = 250-400 mm e Ca = 210-310 mm); orelhas curtas, escuras, arredondadas, pouco se projetando acima da pelagem dorsal; pelagem da cabeça de coloração pálida e uniforme, sem marcas; coloração dorsal homogênea, castanha pálida a castanha-avermelhada; pelagem dorsal estendendo-se até 1/3 ou mais na base da cauda, e apenas a ponta da cauda esbranquiçada; cauda espessa; unhas das mãos longas, ultrapassando as almofadas digitais; dígito III dos pés mais longo do que os outros dígitos; osso maxilar e alisfenóide em contato na região das órbitas (Figura 5D) (Stein & Patton, 2008b; Voss & Jansa, 2009). Comentários taxonômicos: algumas subespécies já foram reconhecidas com base em caracteres morfológicos, entretanto não há estudos de variação molecular ou estudos abrangentes de variação morfológica entre as diferentes populações de Lutreolina que comprovem a existência de um ou mais táxons do grupo da espécie (Voss & Jansa, 2009). Ainda assim, Stein & Patton (2008b) seguem Marshall (1978a) e reconhecem duas subespécies distintas, sendo uma de coloração cinza-olivácea e tamanho maior na porção centro-sul da América do Sul e outra de coloração castanha escura e tamanho menor no norte deste continente.
BIOLOGIA
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Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
Philander Brisson, 1762 Composição: andersoni Osgood, 1913; deltae Lew, Pérez-Hernández e Ventura, 2006; frenatus Olfers, 1818; mcilhennyi Gardner e Patton, 1972; mondolfi Lew, Pérez-Hernández e Ventura, 2006; olrogi Flores, Barquez e Díaz, 2006; opossum Linnaeus, 1758. Caracteres diagnósticos: manchas supraoculares presentes, pequenas e fracamente definidas ou grandes e bem definidas; pêlos amarelados atrás das orelhas ausentes ou presentes; pelagem dorsal cinza clara a enegrecida; comprimento dos pêlos dorsais = 10-18 mm; faixa mediana dorsal pouco ou bem definida (entre 3 e 4 cm de largura; Figura 2I colorida); pelagem ventral creme, creme-acinzentada ou cinza-enegrecida (Figura 3E colorida); pelagem corporal estendendo-se na base da cauda, cobrindo cerca de 20% do comprimento total da mesma (Figura 5B colorida); escamas caudais com 4 ou mais pêlos associados a cada uma delas (Figura 6B colorida); cauda com 1/3 a 1/2 distal abruptamente despigmentada. Os caracteres diagnósticos das espécies brasileiras de Philander encontram-se na Tabela 6. Considerações taxonômicas: a taxonomia de Philander tem experimentado modificações expressivas ao longo dos últimos anos, como o reconhecimento de P. mcilhennyi como espécie válida e distinta de P. andersoni e o reconhecimento de P. frenatus como uma espécie válida e diferente de P. opossum propostos por Patton & Silva (1997) e Patton et al. (2000), respectivamente, e a descrição recente de três novas espécies: P. deltae e P. mondolfi por Lew et al. (2006), e P. olrogi por Flores et al. (2008). Apesar dos avanços na sistemática deste grupo, uma de suas espécies, Philander opossum, apresenta grande variação geográfica quanto à coloração da pelagem ao longo de sua ampla área de distribuição, carecendo de estudos que determinem a real natureza desta variação (Patton & Silva 1997; Flores et al., 2008). Um exemplo claro da possibilidade de novidades taxonômicas para P. opossum refere-se ao táxon nominal canus Osgood, 1913. Estudos moleculares demonstraram que haplótipos da região do rio Juruá e do norte do Pantanal apresentaram considerável divergência média (4,05 %) quando comparados aos haplótipos associados à forma nominal P. o. opossum (Patton et al., 2000; Patton & Costa, 2003). Segundo estes autores, o nome aplicável às primeiras amostras seria P. o. canus, uma subespécie atualmente considerada sinônimo de P. opossum. Um estudo visando à revalidação de P. canus encontra-se em andamento (C.L. Miranda & R.V. Rossi, com. pessoal). Tabela 6. Caracteres de morfologia externa diagnósticos das espécies de Philander com ocorrência para o Brasil. Dados extraídos de Hershkovitz (1997), Lew et al. (2006), Patton & Silva (2008), Voss & Jansa (2009) e presente estudo. P. andersoni Manchas supraoculares
P. frenatus
P. mcilhennyi Grandes, bem defiPequenas, pouco Grandes, bem defininidas e esbranquidefinidas e cremedas e esbranquiçadas çadas (Figura 5B -alaranjadas colorida)
P. o. opossum Grandes, bem definidas e de coloração creme
P. o. canus
Grandes, variáveis na definição e creme-esbranquiçadas
Pêlos amarelados atrás das orelhas
Presentes, mas em pequena quantidade
Ausentes
Presentes, mas em Presentes e geral- Presentes, mas em pequena quantidade mente abundantes pequena quantidade
Pelagem dorsal
Acinzentada e com faixa mediana enegrecida bem definida (3-4 cm de largura; Figura 2I colorida)
Cinza-enegrecida, com certo brilho metálico, sem faixa mediana
Enegrecida, com faixa mediana mal definida (Figura 5B colorida)
Pelagem ventral
Creme- acinzentada a creme
Cinza-enegrecida Creme- esbranqui(Figura 3E coloçada rida)
Acinzentada, sem faixa mediana ou com faixa inconspícua
Castanha-acinzentada ou acinzentada, sem faixa mediana
Creme-esbranqui- Creme-esbranquiçada çada
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
63
BIOLOGIA
Porção distal despigmentada da cauda
~ 1/3 de seu compri- ~ 1/3 de seu com- ~ 1/2 de seu commento total primento total primento total
Porção posterior midade posterior do nasal fortemente afilada
Longa e com extremidade posterior fortemente afilada
Forame rotundo ?
Alinhado à margem posterior da ? fissura esfenorbital
Longa e com extre-
?
Geralmente ½ de seu comprimento total Longa e com extremidade posterior fortemente afilada Notadamente posterior à margem posterior da fissura esfenorbital
Geralmente menor que 1/3 de seu comprimento total Curta e com extremidade posterior tendendo a arredondada
Alinhado à margem posterior da fissura esfenorbital
Tribo Thylamyini Hershkovitz, 1992 Composição: Chacodelphys Voss, Gardner e Jansa, 2004; Cryptonanus Voss, Lunde e Jansa, 2005; Gracilinanus Gardner e Creighton, 1989; Lestodelphys Tate, 1934; Marmosops Matschie, 1916; Thylamys Gray, 1843. Dentre estes, Chacodelphys e Lestodelphys não ocorrem no Brasil. O gênero Thylamys inclui os subgêneros Thylamys Gray, 1843 e Xerodelphys Giarla, Voss e Jansa, 2010. Cryptonanus Voss, Lunde e Jansa, 2005 Composição: agricolai Moojen, 1943; chacoensis Tate, 1931; guahybae Tate, 1931; ignitus Diaz et al., 2002; unduaviensis Tate, 1931. Caracteres diagnósticos: CC = 72-114; Ca = 90-136 mm; máscara facial e faixa rostral medianas pouco conspícuas (Figura 1G colorida); apresenta o comprimento da cauda semelhante ou um pouco maior que o comprimento da cabeça e corpo (razão entre 1,01 e 1,40); processo rostral do pré-maxilar ausente; fenestra maxilar ausente (Figura 8B); forame oval secundário ausente; cúspides acessórias em C1 geralmente presentes (Figura 10C); P3 maior que P2 (Voss et al., 2005; Gardner, 2008c). Os caracteres diagnósticos das espécies brasileiras de Cryptonanus encontram-se na Tabela 7. Comentários taxonômicos: devido ao fato deste gênero ter sido recentemente descrito, Voss & Jansa (2009) ressaltaram que a taxonomia ainda é provisória, sendo importante caracterizar os táxons e suas populações com base em caracteres morfológicos e moleculares em estudos futuros para melhor delimitação das espécies. Com o aumento de inventários de fauna, bem como do uso de armadilhas de queda, o número de indivíduos deste gênero em coleções vem aumentando, possibilitando estudos neste sentido. Dados recentes têm apontado divergências moleculares relativamente altas entre populações brasileiras de Cryptonanus, indicando a ocorrência de novos táxons (Fegies et al., 2012). Tabela 7. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Cryptonanus que ocorrem no Brasil. Ca = comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo. Dados extraídos de Voss et al. (2005), Quintela et al. (2011) e presente estudo. CC (mm) Ca (mm) Razão Ca/CC Comprimento dos pêlos corporais dorsais Coloração dorsal
BIOLOGIA
64
C. agricolai 74-95 (n=33) 90-114 (n=33) 1,03-1,40 (n=33)
C. chacoensis 82-114 (n=12) 107-136 (n=12) 1,12-1,42 (n=12)
C. guahybae 72-94 (n=18) 106-118 (n=18) 1,21-1,44 (n=17)
Curtos
Curtos
Longos
Castanho-acinzentada
Castanho-acinzentada
Castanho-acinzentada
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
Coloração ventral Cíngulo anterior do M3
Homogeneamente branca, ou creme com pêlos de base cinza inconspícua Completo
Homogeneamente branca ou Pêlos de base cinza e ápice com incursões de pêlos de creme cobrindo todo o ventre base cinza nas laterais Incompleto Completo
Gracilinanus Gardner e Creighton, 1989 Composição: aceramarcae Tate, 1931; agilis Burmeister, 1854; dryas Thomas, 1898; emiliae Thomas, 1909; marica Thomas, 1898; microtarsus Wagner, 1842. Caracteres diagnósticos: CC = 67-185 mm; Ca = 70-175 mm; comprimento da cauda um pouco ou muito maior que o comprimento da cabeça e corpo (razão entre 1,20 e 1,96 segundo Voss et al. [2009: tabela 1]); escamas da cauda organizadas em anel, com os pêlos encobrindo as escamas (Figura 6C colorida); nasal lateralmente expandido na região da sutura maxilar-frontal (Figura 4A); processo rostral do pré-maxilar presente; fenestra maxilar presente (Figura 8C) (pequena ou ausente em G. emiliae); forame oval secundário presente, formado pela barra do processo timpânico do alisfenóide; cúspides acessórias ausentes em C1 (exceto em G. emiliae que apresenta cúspide acessória posterior); P2 igual ou maior que P3 (Creighton & Gardner, 2008b; Voss & Jansa, 2009; Voss et al., 2009). Os caracteres diagnósticos das espécies brasileiras de Gracilinanus encontram-se na Tabela 8. Comentários taxonômicos: formalmente descrito por Gardner & Creighton (1989) e posteriormente revisado por Hershkovitz (1992), o qual atribuiu 20 táxons nominais ao gênero. Gracilinanus senso Hershkovitz (1992) mostrou ser um gênero polifilético, de maneira que três novos gêneros foram descritos para ajustar as espécies conforme os resultados obtidos em estudos morfológicos e filogenéticos: Hyladelphys (Voss et al., 2001); Chacodelphys (Voss et al., 2004a) e Cryptonanus (Voss et al., 2005). O histórico taxonômico instável de Gracilinanus, aliado a uma revisão taxonômica pouco objetiva realizada por Hershkovitz (1992), torna necessária uma nova revisão do gênero. Gracilinanus agilis e G. microtarsus constituem exceção, pois foram alvos de estudos moleculares e taxonômicos recentes (e.g. Costa et al., 2003; Lóss et al., 2011). Os resultados de Lóss et al. (2011) sugerem que G. microtarsus seja um complexo de espécies, constituído por três clados com divergência genética média de 10,17 % no gene citocromo b. Entretanto, os autores não encontraram congruência total entre os caracteres morfológicos analisados e os clados mencionados. Tabela 8. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Gracilinanus que ocorrem no Brasil. Ca = comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo. Dados extraídos de Costa et al. (2003); Voss et al. (2001, 2009) e Lóss et al. (2011). CC(mm) Ca (mm) Razão Ca/CC Coloração dorsal Coloração ventral
G. agilis 81-115 (n=71) 110-158 (n=70) 1,34–1,45 (n=6) Castanha-acinzentada clara tingida de amarelo ou laranja Coberta por pêlos de base cinza e ápice creme, exceto na garganta e no peito, onde são homogeneamente cremes
G. emiliae 77-87 (n=4) 142-151 (n=4) 1,64–1,96 (n=4)
G. microtarsus 67-185 (n=30) 70-177 (n=59) 1,25–1,38 (n=3) Castanha-acinzentada escura Castanha-avermelhada intensa tingida de laranja ou vermelho
Homogeneamente esbranquiçada
Coberta por pêlos de base cinza e ápice creme, inclusive no peito e garganta
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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BIOLOGIA
Coloração do rostro em relação ao dorso Máscara facial
Transição gradual entre rostro (acinzentado) e dorso Modesta, pouco projetada antero-posteriormente
Rostro levemente mais claro (alaranjado) que o dorso Estreita, em geral restrita à área ao redor dos olhos Crista supra-orbital arredondada mas não proeminente (“beaded”) Pouco desenvolvida ou ausente (uni ou bilateralmente)
Rostro distintamente mais claro (creme) que o dorso Ampla, estendendo-se desde o focinho até próximo da orelha
Menor que a fenestra palatina
Menor que a fenestra palatina
Geralmente ausentes
Cúspide posterior presente
Ausentes
P2 ≈ P3
P2 ≥ P3
P2 ≥ P3
5,6–5,9 mm (n = 22)
4,8 – 5,1 mm (n = 5)
5,7–6,0 mm (n = 7)
Região interorbital
Crista ou processo supra-orbital ausentes ou incipientes
Fenestra maxilar
Desenvolvida (Figura 8C)
Tamanho do forame póstero-lateral Cúspides acessórias em C1 Tamanho do P2 e P3 Comprimento da série molar superior
Geralmente maior ou igual à fenestra palatina (Figura 8C)
Processo supra-orbital às vezes presente Desenvolvida
Marmosops Matschie, 1916 Composição: bishopi Pine, 1981; cracens Handley e Gordon, 1979; creightoni Voss, Tarifa e Yensen, 2004; fuscatus Thomas, 1896; handleyi Pine, 1981; impavidus Tschudi, 1845; incanus Lund, 1840; invictus Goldman, 1912; juninensis Tate, 1931; neblina Gardner, 1990, noctivagus Tschudi, 1844; ocellatus Tate, 1931; parvidens Tate, 1931; paulensis Tate, 1931; pinheiroi Pine, 1981. Caracteres diagnósticos: CC = 90-194 mm; Ca = 116-237 mm; comprimento da cauda maior que comprimento da cabeça e corpo; escamas da cauda geralmente em espiral, com três pêlos cada uma, sendo o central distintamente pigmentado e peciolado (Figura 6E colorida); dígito III da mão maior que os demais dígitos; crânio alongado; fenestra maxilar ausente; fenestra palatina, quando presente, geralmente múltipla (Figura 8E), forame oval secundário presente, formado pela barra do processo timpânico do alisfenóide; processo timpânico do alisfenóide comprimido e cônico em aparência, exceto em M. paulensis onde é inflado e de aparência esférica; c1 com formato pré-molariforme (Figura 10F) (Voss et al., 2004; Gardner & Creighton, 2008b; Voss & Jansa, 2009). Os caracteres diagnósticos das espécies brasileiras de Marmosops encontram-se na Tabela 9. Comentários taxonômicos: avaliações recentes de status taxonômico de táxons associados a M. parvidens - e por isso informalmente classificados como do grupo parvidens (e.g. M. bishopi; M. juninensis e M. pinheiroi) - foram apresentadas por Patton et al. (2000) e Voss et al. (2001, 2004b). Espécies de maior porte avaliadas recentemente incluem as formas amazônicas M. impavidus, M. neblina, M. noctivagus e M. ocellatus (Patton et al., 2000; Voss et al., 2004b) e as formas de Mata Atlântica M. incanus e M. paulensis (Mustrangi & Patton, 1997). Desde a revisão de Tate (1933), o gênero não foi revisado e análises morfológicas preliminares em exemplares depositados em coleções sugerem que o número de espécies atualmente reconhecido está subestimado.
BIOLOGIA
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Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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BIOLOGIA
116-137 (n=5) Castanha- acinzentada tingida de vermelho pálido
Ca (mm)
94-121 (n=8)
M. pinheiroi
145-170 (n=2)
113-129 (n=2)
M.neblina
Não expostos em Expostos em vista Expostos em vista Expostos em vista vista lateral (Figu- lateral (Figura ? lateral lateral ra 5A) 5B )
Forames lacrimais
Anterior e posterior presentes (Figura 5B)
Anterior e posterior presentes (Figura 5A)
Posterior presente
Ausente
Um par em cada lado do palatinoa
Geralmente ausente
Alinhado ao C1
Ausente
Um par em cada lado do palatinoa
Ausente
Alinhado ao C1
Ausente
Um par em cada lado do palatino (Figura 8E)
Ausente
Parcialmente expostos em vista lateral
Alinhado ao C1 (Figura 8D)
CT = 243-365 (n=45) 145-212 (n=45) Castanha- acinzentada tingida de vermelho
CT = 240-431 (n=231) 140-237 (n=231)
Ausente
Alinhado ao P1 (Figura 8D)
Ausente
Ausente
Ausente ou inconspícua (Figura 8D)
Ausente ou arredondada e não proeminente (“beaded”)
Expostos em vista Expostos em vista lateral lateral
Alinhado ao C1
Levemente Levemente bicolor, bicolor, com parte com parte apical apical esbranquiesbranquiçada çada
Branca, com faixa Branca, sem faixa lateral de pêlos de lateral de pêlos de base cinza e ápice base cinza branco
Castanha- acinzentada
M. paulensis
M. incanus
Arredondada e não proeminente (“be- Arredondada e aded”), geralmente não proeminente encobrindo a cons- (“beaded”) trição pós-orbital Uma ou mais Um par em cada em cada lado do a lado do palatino palatino
Expostos em vista lateral
Alinhado ao C1
Distintamente bicolor, com parte Unicolor ou leveapical esbranqui- mente bicolor çada
Creme, geralmente sem faixa lateral de pêlos de base cinza
154-202 (n=22) Castanha-acinzentada tingida de laranja
120-141 (n=8)
M. noctivagus
a
Patton et al. (2000) sugerem que as fenestras palatinas de M. impavidus são maiores quando comparadas com as de M. neblina e M. noctivagus, e o par posterior está posicionado mais posteriormente nesta espécie, quase junto à margem posterior do palatino.
Cúspides acessórias no C1
Ausente
Ausente
Fenestra palatina
Ausente
Ausente
Ausente (Figura 6B)
Alinhado ao C1
Crista supra-orAusente bital
Alinhado ao C1
Alinhado ao C1
Uniformemente escura
Margem posterior do forame incisivo
Unicolor ou levemente bicolor
Unicolor ou leveLevemente bicolor mente bicolor
Unicolor ou levemente bicolor
146-186 (n=7) Castanha-pálido ou acinzentada clara
104-140 (n=7)
M. ocellatus
Creme, com larga faixa lateral de Creme, sem faixa pêlos de base cinza lateral de pêlos de e ápice creme que base cinza ocupa quase todo o ventre
Coloração da cauda
Creme, com faixa lateral de pêlos de base cinza e ápice creme
Castanha-acinzen- Castanha-acinzentada clara tada
132-180 (n=9)
109-130 (n=5)
M. impavidus
Coloração ventral
142-160 (n=7) 142-156 (n=8) Castanha- acinCastanha-acinzenzentada tingida de tada escura vermelho Faixa lateral de pêlos de base cinza e ápice Esbranquiçada, ge- branco sempre ralmente sem faixa presente, variando lateral de pêlos de de estreita à muito larga, ocupando base cinza grande parte do ventre (Figura 3D colorida)
93-107 (n=7)
M. parvidens
Esbranquiçada, com ou sem faixa lateral de pêlos de base cinza e ápice branco
Coloração dorsal
90-105 (n=5)
CC (mm)
M. bishopi
Tabela 9. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Marmosops que ocorrem no Brasil. Ca = comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo; CT = comprimento total. Dados extraídos de Mustrangi & Patton (1997); Patton et al. (2000) e Voss et al. (2001, 2004b).
Thylamys Gray, 1843 Composição: subgênero Thylamys Gray, 1843: elegans Waterhouse, 1839; macrurus Olfers, 1818; pallidior Thomas, 1902; pusillus Desmarest, 1804; sponsorius Thomas, 1921; tatei Handley, 1957; venustus Thomas, 1902; subgênero Xerodelphys Giarla, Voss e Jansa, 2010: karimii Petter, 1968; velutinus Wagner, 1842. Características diagnósticas: CC = 75-140 mm; Ca = 65-153 mm; comprimento da cauda menor (subgênero Xerodelphys), ou maior ou igual o comprimento da cabeça e corpo (subgênero Thylamys); cauda intumescida devido ao depósito de gordura (Figura 5D colorida); porção preênsil da cauda ausente (subgênero Xerodelphys) ou presente (subgênero Thylamys); pelagem corporal geralmente acinzentada e distintamente mais escura na porção mediana do dorso em relação às laterais (padrão tricolor) (subgênero Thylamys) (Figura 2F colorida); superfícies palmar e plantar densamente revestidas por pequenos grânulos, incluindo as laterais (subgênero Xerodelphys) ou quase toda a superfície das almofadas palmares (subgênero Thylamys); almofadas palmares e plantares amplamente desenvolvidas, chegando a se tocar no centro da palma da mão ou planta do pé (subgênero Xerodelphys) ou normais, não se tocando na região mencionada (subgênero Thylamys); processo timpânico do alisfenóide relativamente grande, inflado, deixando apenas uma pequena abertura entre este e o processo timpânico do petroso (Figura 9B); nasais com margens subparalelas, por não serem expandidos na região da sutura maxilar-frontal (Figura 4B); fenestras maxilar e palatina presentes (ausentes em algumas espécies não brasileiras), e forame póstero-lateral muito desenvolvido, alcançando o M4 (Figura 8F); P2 e P3 semelhantes em tamanho ou P3 um pouco maior (Carmignotto & Monfort, 2006; Creighton & Gardner, 2008c; Voss & Jansa, 2009). Os caracteres diagnósticos das espécies brasileiras de Thylamys encontram-se na Tabela 10. Comentários taxonômicos: há estudos taxonômicos recentes para este gênero, inclusive com propostas filogenéticas e biogeográficas no sentido de compreender a evolução do grupo (e.g. Carmignotto & Monfort, 2006; Carvalho et al., 2009; Teta et al., 2009; Giarla et al., 2010). Tabela 10. Caracteres de morfologia externa e craniana diagnósticos das espécies de Thylamys que ocorrem no Brasil. Ca = comprimento da cauda; CC = comprimento da cabeça e corpo. Dados extraídos de Carmignotto & Monfort (2006). T. macrurus 101-126 (n=5) 136-153 (n=6) 1,21 – 1,35
CC (mm) Ca (mm) Razão Ca/CC Coloração dorsal
T. karimii 78-129 (n=32) 69-106 (n=32) 0,81-0,88 Castanha-acinzentada, com Acinzentada, com padrão tricolor conspadrão tricolor pouco conspícuo pícuo (Figura 2E colorida) (Figura 5D colorida)
Coloração ventral
Homogeneamente branca
Mãos/Pés
Dedos longos; unhas curtas, não ultrapassando as almofadas digitais
Superfícies palmar/ Cobertas por grânulos e dermatoglifos plantar grandes; almofadas separadas Porção preênsil desenvolvida; extremidade distal esbranquiçada
Cauda
Largura do nasal após a sutura maxi- Sem estreitamento lar-frontal
BIOLOGIA
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T. velutinus 79-110 (n=7) 65-91 (n=7) 0,82-0,83 Castanha-avermelhada, sem padrão tricolor
Dedos curtos; unhas longas, ultrapassando as almofadas digitais Cobertas por grânulos pequenos; dermatoglifos ausentes; almofadas fundidas
Acinzentada, com pêlos de base cinza Dedos curtos; unhas longas, ultrapassando as almofadas digitais Cobertas por grânulos e dermatoglifos pequenos; almofadas fundidas
Porção preênsil não conspícua
Porção preênsil reduzida
Homogeneamente branca
Sem estreitamento ou Estreitamento conspícuo (Figura com estreitamento pouco 6C) conspícuo
Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
Crista supra-orbital
Desenvolvida, geralmente com processo Arredondada e não proeminente Ausente pós-orbital (“beaded”) (Figura 6C)
Forame póstero-laNão ultrapassa o M4 teral
Estende-se além do M4
Raramente ultrapassa o M4
Agradecimentos Agradecemos ao Mario de Vivo pelo acesso à coleção do MZUSP, ao L. F. Silveira e G. Garbino pela obtenção de fotos na lupa e ao Thiago Semedo pelo auxílio na elaboração da Figura 6 colorida. As informações contidas neste capítulo foram parcialmente obtidas com o auxílio da FAPEMAT (Processo 567000/2008), FAPESP (Processo 2011/20022-3) e CNPq (Processo 484346/2011-3).
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Diversidade Morfológica e Taxonômica de Marsupiais Didelfídeos
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CAPÍTULO 2
Identificação Microscópica de Pelos de Marsupiais Brasileiros Juliana Quadros* Abstract: MICROSCOPICAL IDENTIFICATION OF BRAZILIAN MARSUPIAL HAIRS. Studies on hair morphology have been applied to several subjects, especially to the feeding ecology of carnivores. Predators frequently eat marsupials and their identification in scats and gut contents may be optimized by hair identification, especially when teeth and bones are absent. Mammalian hairs are made up of three concentric layers of queratinized cells: the medulla, the cortex and the cuticula. The cuticular pattern in the shaft (basal and narrow section of guard hairs) and medullar pattern in the shield (distal and wide section of guard hairs) are of special interest in hair identification. The present study characterizes guard hair microstructure of 15 didelphid marsupials and presents an identification key with diagnostic features and illustrations. The species studied are the following: Caluromys philander, Chironectes minimus, Didelphis albiventris, D. aurita, Gracilinanus microtarsus, Lutreolina crassicaudata, Marmosa paraguayana, Marmosops incanus, Metachirus nudicaudatus, Monodelphis americana, M. dimidiata, M. domestica, M. iheringi, M. scalops and Philander frenatus. Reference hair tufts were collected from the dorsal region of specimens with secure identification and collection data. Guard hairs were selected and submitted to two techniques: (a) cuticle impression on a thin layer of nail varnish spread on a microscope slide; and (b) diafanization with oxygenated water (30 volumes) of cosmetic use, preparing slides with mounting medium and cover glass. Microscope slides were observed in an optical microscope and images (200x or 400x) were captured using a digital analysis system. The studied species presented most frequently unisserial ladder and literaceus medulla, but also reticulated and crivated medullar pattern; and as cuticular pattern the folidaceus, losangical and conoidal were most common, but the waved cuticula was also present. Considering more detailed and inconspicuous variations of these and those patterns, all fifteen
Universidade Federal do Paraná, Setor Litoral. Rua Jaguariaíva, 512, Caiobá. Matinhos, PR, 83260-000, Brasil. E-mail: [email protected]
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Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
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species could be identified based on guard hair microstructure. A discussion on hair function and morphology is presented as well as on the validity of this character in taxonomy and systematics. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução Os pelos são anexos epidérmicos exclusivos dos mamíferos. A microestrutura e a bioquímica dos pelos revelam que são formados por três camadas concêntricas de células queratinizadas: a cutícula, o córtex e a medula. Essas camadas apresentam padrões que, quando combinados entre si, conferem a uma determinada espécie características diagnósticas específicas, sendo portanto estruturas anatômicas de grande valia na identificação das espécies (Quadros & Monteiro-Filho, 2006a). Usualmente a pelagem dos mamíferos apresenta vários tipos de pelos com diferentes funções como isolamento térmico, isolamento hídrico, proteção mecânica, camuflagem e percepção tátil (Hershkovitz, 1977; Pough et al., 1999), mas que podem ser agrupados em duas grandes categorias: os pelos-guarda e os subpelos (Teerink, 1991). Os primeiros apresentam ao longo de seu comprimento duas porções principais: a haste (porção basal) e o escudo (porção distal alargada). São as características cuticulares da haste e medulares do escudo dos pelos-guarda as mais úteis na identificação de amostras desconhecidas. Os subpelos não são usados na identificação porque são muito semelhantes entre espécies diferentes (Teerink, 1991; Quadros & Monteiro-Filho, 2006a). Estudos têm sido desenvolvidos com o intuito de conhecer cada vez melhor a microestrutura dos pelos dos mamíferos em todo o mundo (Hausman, 1920, 1924, 1930, 1944; Mathiak, 1938; Mayer, 1952; Benedict, 1957; Brunner & Coman, 1974; Koppikar & Sabnis, 1975; Keller, 1978, 1980, 1981a, b; Buys & Keogh, 1984; Keogh, 1983, 1985; Taylor, 1985; Teerink, 1991; Wallis, 1993; Fernández & Rossi, 1998; Quadros & Monteiro-Filho, 2006a; Quadros & Monteiro-Filho, 2010). Tais esforços fornecem subsídios a outros estudos aplicados como os de inventários mastofaunísticos e ecologia alimentar (Day, 1966; Hilton & Kutscha, 1978; Thompson et al., 1987; Oli, 1993; Chakraborty et al., 1996; Wolf & Long, 1997; De et al., 1998; Quadros & Monteiro-Filho, submetido). Os marsupiais, assim como os roedores, são presas importantes e comumente encontradas na dieta de predadores (p.ex. Emmons, 1987; Ebensperger et al., 1991; Facure & Giaretta, 1996; Martins et al., 2008; Rocha-Mendes et al., 2010; Quadros & Monteiro-Filho, submetido). Fezes, conteúdos gastrintestinais e egagrópilas eventualmente apresentam dentes e ossos das espécies-presa, os quais auxiliam na identificação. No entanto, muitas vezes o material disponível é composto apenas de tufos de pelos. Nesse sentido, a diagnose das espécies de mamíferos através de seus pelos propicia uma melhora nas identificações de presas presentes na dieta dos predadores. Particularmente em estudos sobre a conservação de espécies em áreas protegidas, a identificação de pelos tem sido utilizada como importante ferramenta nos inventários da ecologia alimentar de algumas espécies (Perrin & Campbell, 1980; Oli et al., 1993; Martins et al., 2008; Rocha-Mendes et al., 2010; Quadros & Monteiro-Filho, submetido). Alguns estudos realizados em outros países abordam, entre outros mamíferos, características morfológicas de pelos de marsupiais (Mathiak, 1938; Mayer, 1952; Spiers, 1973; Brunner & Coman, 1974; Taylor, 1985; Müller, 1989; Fernández & Rossi, 1998). Das 53 espécies da ordem Didelphimorphia BIOLOGIA
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listadas para o Brasil há poucos anos (Rossi et al., 2006; Gardner, 2008), 20 (38% aproximadamente) tiveram a microestrutura de seus pelos estudada e caracterizada. Destacam-se as contribuições de Nagaoka (2002) que estudou 11 espécies do gênero Monodelphis, Milano (2004) que caracterizou os pelos-guarda de cinco espécies de catitas do Paraná, Martins (2007) que descreveu o padrão medular e cuticular de 17 espécies de marsupiais e Quadros & Monteiro-Filho (2010) que propuseram uma chave de identificação ilustrada para 15 espécies e mencionam que os marsupiais são os pequenos mamíferos mais estudados no tocante a microestrutura de seus pelos. Além disso, Monteiro-Filho (1987) e Müller (1989) são pioneiros no estudo da morfologia microscópica de pelos-guarda de Didelphis spp., Quadros & Monteiro-Filho (1998 a, b) utilizaram D. albiventris como modelo experimental para estudos sobre tipos de pelos e método aplicado à identificação, Fernandes (2008) estudou os pelos de mamíferos com hábitos semiaquáticos, entre eles a cuíca d’água (Chironectes minimus), e Valle (2008) e Martin et al. (2009) contribuíram para o conhecimento dos pelos de algumas espécies de marsupiais. É importante salientar que a identificação microscópica de pelos é mais uma ferramenta a serviço da sistemática e ecologia e que tem sido cada vez mais valorizada por pesquisadores brasileiros. Em outros continentes é um método secular e reconhecidamente importante em diversas áreas de aplicação até os dias atuais (Hausmann, 1920; Lomuller, 1924; Jullien, 1930; Mathiak, 1938; Wildman, 1954; Benedict, 1957; Aplleyard, 1960; Brunner & Coman, 1974; Hilton & Kutscha, 1978; Perrin & Campbell, 1980; Keller, 1980; Keogh, 1983 e 1985; Teerink, 1991; Vankataraman et al., 1994; Chakraborty & De, 1995; Chakraborty et al., 1996; De et al., 1998; Amman et al., 2002; González-Esteban, 2006; Hall-Aspland & Rogers, 2007; Sato 2009; Juárez et al., 2010). O presente capítulo apresenta as caracterizações da microestrutura dos pelos-guarda de 15 espécies de marsupiais com ocorrência no Brasil, salientando as características diagnósticas para cada espécie, apresentando uma chave de identificação e ilustrações dos padrões.
Material e Métodos Procedimentos Para a preparação de lâminas de referência, foram coletados tufos de pelos da região de intersecção da linha mediana com a linha da cintura escapular no dorso dos espécimes, preferencialmente tombados em coleções científicas e/ou que possuam procedência e identificação seguras (Apêndice 1). Na escolha dos espécimes também se considerou a maior abrangência geográfica possível, de acordo com a disponibilidade de material e distribuição das espécies. Os pelos-guarda foram separados com auxílio de lupa, lavados em álcool comercial puro e secos com papel absorvente. Para visualização da cutícula as lâminas foram preparadas pressionando pelos-guarda contra uma delgada camada de esmalte para unhas, incolor, espalhada previamente sobre a lâmina. Depois da impressão os pelos foram retirados do esmalte e processados para montagem da lâmina para visualização da medula, da seguinte maneira: foram embebidos em água oxigenada cremosa 30 volumes de uso cosmético por 80 minutos, lavados em água e totalmente secos em papel absorvente. Em seguida, foram montadas lâminas permanentes com meio de moontagem. Os pelos mais espessos de Didelphis spp. foram seccionados transversalmente no escudo para facilitar a penetração e ação da água oxigenada. Mais detalhes sobre as técnicas utilizadas podem ser encontrados em Quadros & Monteiro-Filho (2006b). Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
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As lâminas confeccionadas foram observadas sob microscópio óptico com contraste de fase e as imagens foram capturadas, com aumento de 200x ou 400x, diretamente das lâminas através de um sistema de captura e análise digital de imagens acoplado ao microscópio. Os padrões cuticulares e medulares citados seguem a nomenclatura e definições de Quadros & Monteiro-Filho (2006a) acrescidas das seguintes variações: (1) para medula escalariforme: (a) com células biplanas: as faces proximal e distal das células da medula são planas, (b) com células plano-côncavas: a face proximal é plana e a distal é côncava, (c) com células convexo-planas: a face proximal é convexa e a distal é plana, (d) com células convexo-côncavas: a face proximal das células da medula é convexa e a distal é côncava (Figura 1); (2) para cutícula conoidal: (a) simétrica: a borda da escama, ao circundar o pelo, mantém o alinhamento com o eixo transversal do pelo; (b) assimétrica: a borda da escama, ao circundar o pelo, inclina-se, e posiciona-se na diagonal em relação ao eixo transversal do pelo (Figura 2). Padrão medular escalariforme: variação na forma das células
(a) Biplana
(b) Plano-côncava
(c) Convexo-plana
(d) Convexo-côncava
Figura 1. Variações do padrão medular escalariforme, observadas nas espécies de marsupiais estudadas. Padrão cuticular conoidal: variação na posição das escamas em relação ao eixo transversal do pelo
(a) Simétrica
(b) Assimétrica
Figura 2. Variações do padrão cuticular conoidal, observadas para as espécies de marsupiais estudadas.
Espécies de Marsupiais Estudadas São analisadas amostras de pelos de 15 espécies de marsupiais (Didelphimorphia, Didelphidae) (Tabela 1 e Apêndice 1). O ordenamento taxonômico segue Rossi et al. (2006), Gardner (2008) e Vilela et al. (2010). Para as subfamílias foram utilizados Voss & Jansa (2009).
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Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
Tabela 1 - Ordenamento taxonômico das 15 espécies de marsupiais estudadas. Ordem Didelphimorphia Gill, 1872 Família Didelphidae Gray, 1821 Subfamília Caluromyinae Reig, Kirsch & Marshall, 1987 Caluromys J.A. Allen, 1900 Caluromys philander (Linnaeus, 1758) Subfamília Didelphinae Gray, 1821 Chironectes Illiger, 1811 Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) Didelphis Linnaeus, 1758 Didelphis albiventris Lund, 1840 Didelphis aurita Wied-Neuwied, 1826 Gracilinanus Gardner & Creighton, 1989 Gracilinanus microtarsus (Wagner, 1842) Lutreolina Thomas, 1910 Lutreolina crassicaudata (Desmarest, 1804) Marmosa Gray, 1821 [inclui Micoureus Lesson, 1842 (Voss & Jansa, 2009)] Marmosa (Micoureus) paraguayana (Tate, 1931) Marmosops Matschie, 1916 Marmosops incanus (Lund, 1840) Metachirus Burmeister, 1854 Metachirus nudicaudatus (É. Geoffroy, 1803) Monodelphis Burnett, 1830 Monodelphis americana (Müller, 1776) Monodelphis dimidiata (Wagner, 1847) [inclui Monodelphis sorex (Hensel, 1872) (Vilela et al., 2010)] Monodelphis domestica (Wagner, 1842) Monodelphis iheringi (Thomas, 1888) Monodelphis scalops (Thomas, 1888) Philander Brisson, 1762 Philander frenatus (Olfers, 1818)
Resultados Caracterização Morfológica dos Pelos-Guarda Em pelos com desenvolvimento completo de todas as espécies estudadas, o padrão cuticular imediatamente acima do bulbo é o ondeado regular com os bordos das escamas completos e os demais padrões cuticulares se diferenciam progressivamente ao longo da haste dos pelos-guarda, conforme a espécie. Ao todo foram identificados quatro padrões cuticulares (Tabela 2) e quatro padrões medulares (Tabela 3). Uma descrição mais detalhada dos padrões pode ser vista em Quadros & Monteiro-Filho (2006a). Cabe salientar que os padrões medulares e cuticulares apresentados nas tabelas 2 e 3 não são os únicos identificados ao longo do escudo e da haste, respectivamente, mas são os mais diagnósticos para as espécies. As combinações dos padrões medulares e cuticulares permitiram a elaboração de uma chave de identificação dicotômica que contempla as quinze espécies de marsupiais aqui abordadas. Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
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Tabela 2 - Padrões cuticulares observados na haste dos pelos-guarda das espécies de marsupiais estudadas. Espécies Caluromys philander Chironectes minimus Didelphis albiventris Didelphis aurita Gracilinanus microtarsus Lutreolina crassicaudata Marmosa paraguayana Marmosops incanus Metachirus nudicaudatus Monodelphis americana Monodelphis dimidiata Monodelphis domestica Monodelphis iheringi Monodelphis scalops Philander frenatus
Folidáceo
Padrão Cuticular Losângico Conoidal
Ondeado
Tabela 3 - Padrões medulares observados no escudo dos pelos-guarda das espécies de marsupiais estudadas). Espécie Caluromys philander Chironectes minimus Didelphis albiventris Didelphis aurita Gracilinanus microtarsus Lutreolina crassicaudata Marmosa paraguayana Marmosops incanus Metachirus nudicaudatus Monodelphis americana Monodelphis dimidiata Monodelphis domestica Monodelphis iheringi Monodelphis scalops Philander frenatus
Escalariforme
Padrão Medular Literáceo Reticular
Chave de identificação dicotômica ilustrada 1a. Medula unisseriada - 2 1b. Medula multisseriada - 3 2a. Medula escalariforme - 4 2b. Medula literácea - 5 BIOLOGIA
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Crivado
3a. Medula reticulada - Chironectes minimus (Figuras 3.1 e 3.2) 3b. Medula crivada - 6 4a. Cutícula imbricada - 7 4b. Cutícula pavimentosa losângica - 8 5a. Cutícula folidácea estreita - 9 5b. Cutícula folidácea intermediária - Metachirus nudicaudatus (Figuras 3.3 e 3.4) 6a. Cutícula folidácea e losângica - Lutreolina crassicaudata (Figuras 3.5 e 3.6) 6b. Cutícula ondeada irregular com as bordas das escamas incompletas - 10 7a. Cutícula conoidal - 11 7b. Cutícula folidácea - 12 8a. Medula com células biplanas - Marmosops incanus (Figuras 3.7 e 3.8) 8b. Medula com outro tipo de células - 13 9a. Medula com margens ondeadas e formação de literóides conspícua - Philander frenatus (Figuras 3.9 e 3.10) 9b. Medula com margens crenadas e formação de literóides inconspícua - 14 10a. Medula trilobada - Didelphis albiventris (Figuras 3.11 e 3.12) 10b. Medula simples - Didelphis aurita (Figuras 3.13 e 3.14) 11a. Cutícula conoidal simétrica – Medula com células biplanas - Gracilinanus microtarsus (Figuras 3.15 e 3.16) 11b. Cutícula conoidal assimétrica - Medula com células convexo-côncavas – Marmosa paraguayana (Figuras 3.17 e 3.18) 12a. Medula com células plano-côncavas - Monodelphis domestica (Figuras 3.19 e 3.20) 12b. Medula com células biplanas - Caluromys philander (Figuras 3.21 e 3.22)
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13a. Medula com células plano-côncavas - Monodelphis americana (Figuras 3.23 e 3.24) 13b. Medula com células convexo-planas - Monodelphis dimidiata (Figuras 3.25 e 3.26) 14a. Cutícula folidácea estreita no fim da haste - Monodelphis iheringi (Figuras 3.27 e 3.28) 14b. Cutícula losângica intermediária no fim da haste - Monodelphis scalops (Figuras 3.29 e 3.30)
Discussão Estudos com pelos de espécies de marsupiais de diferentes continentes, como ilustrado por Brunner & Coman (1974) sobre os marsupiais australianos, mostram que os padrões medulares mais comuns são o escalariforme e o literáceo, e a cutícula é frequentemente folidácea, losângica e conoidal. Como são muitas espécies para os mesmos padrões básicos medulares e cuticulares, a caracterização nesse nível não possibilita a identificação específica, levando os tricologistas a buscar variações desses padrões, mesmo que sutis, as quais possam ser utilizadas para o detalhamento da caracterização e diagnose das espécies (ver Keogh, 1985). Espécies do mesmo gênero apresentam muitas semelhanças na microestrutura dos pelos as quais dificultam as identificações e desafiam os tricologistas. No presente estudo foi necessário acrescentar variações aos padrões escalariforme da medula e conoidal da cutícula, em relação aos padrões básicos descritos por Quadros & Monteiro-Filho (2010). Quanto à medula, as variações dizem respeito à forma das faces distal e proximal das células da medula que já haviam sido propostas resumidamente por Nagaoka (2002) com outra nomenclatura de padrões (p. ex. retangular = biplana; concha = plano-côncava). Quanto à cutícula, a variação ocorre na posição da borda distal das escamas em relação ao eixo transversal do pelo, proposta de forma semelhante por Benedict (1957) (equal = simétrica; unequal = assimétrica) para pelos de morcegos onde frequentemente a medula está ausente e, por essa razão, as variações dos padrões cuticulares recebem mais atenção. Entre os padrões medulares identificados é possível observar a formação de uma série de transformação gradual de um padrão em outro. Por exemplo, o padrão medular no escudo dos pelos-guarda de C. philander é o unisseriado escaleriforme, em Monodelphis iheringi e M. scalops a medula apresenta conexões diagonais entre os “degraus da escada” e passa ser chamada de literácea, no entanto a formação de literóides é ainda inconspícua; já em Philander frenatus e em M. nudicaudatus ocorre o progressivo aumento na formação dos literóides, sendo um estado de caráter bastante conspícuo neste último (ver Quadros & Monteiro-Filho, 2006a). Essa observação está de acordo com Teerink (1991) que comenta que a transição entre um e outro padrão cria inúmeras variações e torna difícil o trabalho do tricologista de descrever e enquadrar as espécies em certo padrão. O padrão cuticular encontrado por Müller (1989) na haste dos pelos-guarda de D. albiventris e D. aurita (ondeado irregular) foi verificado no presente estudo e por Quadros & Monteiro-Filho (2010), ainda que a nomenclatura utilizada pela primeira autora seja diferente. Além disso, uma característica diagnóstica para separação das espécies de Didelphis das demais espécies de marsupiais estudadas é a interrupção dos bordos das escamas (bordos incompletos) que foi verificada ao longo da haste dos pelos-guarda no presente estudo, mas não foi comentada por Müller (1989). É possível que a referida autora não tenha diagnosticado essa característica por interpretá-la como um artefato de técnica, no qual os BIOLOGIA
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bordos não estavam completos por não terem sido corretamente impressos sobre o esmalte. Essa hipótese foi afastada por Quadros & Monteiro-Filho (2010) porque todos os pelos de D. aurita e D. albiventris observados apresentaram interrupção dos bordos das escamas na haste, ao contrário do que ocorreu com as demais espécies estudadas por eles com a mesma técnica. É possível observar nas ilustrações de pelos de Teerink (1991) que há bordos de escamas incompletos em Lutra lutra, Procyon lotor e Nyctereutes procyonoides (Carnivora), entretanto o referido autor não comenta sobre a presença dessa característica, nem sobre seu valor diagnóstico. Ainda sobre o gênero Didelphis, a separação das duas espécie congêneres tratadas aqui pode ser feita pela presença da medula crivada trilobada em D. albiventris. Muller (1989) fez cortes transversais dos pelos e observou também por essa outra técnica a formação dos lobos da medula na porção mais larga do escudo, o que está de acordo com Quadros (2006), pois esta autora também comenta que o padrão é mais característico na porção mais larga do escudo e diz que conforme o observador se dirige para o ápice do pelo, há coalizão das células, formação de maciços celulares a intervalos regulares (bandas claras e escuras intercaladas) e finalmente, já na extremidade distal do pelo, ocorre a fusão total das células, resultando em um tubo único. Nagaoka (2002) menciona que M. dimidiata apresenta uma fileira central de escamas cuticulares e duas fileiras laterais ao passo que M. scalops apresenta fileiras aleatórias de escamas cuticulares. Observando as fotografias e os desenhos apresentados pela autora é possível perceber que as descrições correspondem respectivamente aos padrões cuticulares losângico e folidáceo descritos por Quadros & Monteiro-Filho (2006a). Por essa razão, procedeu-se aqui ao enquadramento de M. dimidiata como tendo padrão losângico e M. scalops como padrão folidáceo. Entretanto, o caráter mais diagnóstico para M. scalops é a presença no final da haste (porção anterior à transição para o escudo) do padrão cuticular losângico. Adicionalmente, para Nagaoka (2002) o padrão cuticular encontrado em M. americana é o folidáceo, entretanto a fotografia apresentada pela autora demonstra melhor o padrão losângico para as escamas cuticulares. Quanto à medula, a mesma autora observou dois padrões medulares diferentes nos indivíduos de M. americana estudados: literáceo e escalariforme, este último confirmado por Martins (2007) e Quadros & Monteiro-Filho (2010). Para M. dimidiata, Nagaoka (2002) observou medula literácea conforme fotografias e descrições apresentadas pela autora; já Martins (2007) e Quadros & Monteiro-Filho (2010) classificaram a medula como escalariforme. Cabe ressaltar que esses últimos autores trataram a espécie como sendo M. sorex, aqui sinonimizada como M. dimidiata de acordo com estudos recentes de Vilela et al. (2010). As divergências nas identificações de M. iheringi e M. scalops por Martins (2007) e Nagaoka (2002) aparentam estar relacionadas ao fato da formação de literóides ser inconspícua, como mencionado por Quadros & Monteiro-Filho (2010), e, por essa razão, mais difícil de visualizar, levando à interpretação equivocada por se tratar de uma medula escalariforme. Quadros & Monteiro-Filho (2010) descrevem M. incanus como espécie com padrão cuticular losângico com base na análise de seis exemplares, dos quais três foram coletados acima de 800 m de altitude, renomeados como M. paulensis segundo Lange & Jablonski (1998) e de acordo com o rearranjo taxonômico proposto por Patton & Silva (1997) e por essa razão excluídos das análises aqui apresentadas. Para Martins (2007) o padrão medular de L. crassicaudata é alveolar, entretanto a fotografia mostrada pela autora revela o padrão crivado tal qual descrito por Quadros & Monteiro-Filho (2010). Fato Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
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semelhante ocorre com P. frenatus que, de acordo com Martins (2007), seria uma espécie com medula listrada, mas segundo a fotografia utilizada pela própria autora e as descrições de Quadros & Monteiro-Filho (2010) trata-se de medula literácea. Cabe ressaltar que a medula alveolar e a listrada são descritas até o momento apenas para espécies da ordem Rodentia, mais especificamente para Sigmodontinae (Quadros & Monteiro-Filho, 2010). Adicionalmente, embora Martins (2007) denomine a medula de C. philander como literácea, não apresenta uma fotografia, o que dificulta a confirmação do padrão. Segundo os estudos de Quadros & Monteiro-Filho (2010), C. philander apresenta medula escalariforme. Em Chironectes minimus a presença do padrão cuticular ondeado transversal documentada por Martins (2007), Juárez et al. (2010) e Quadros & Monteiro-Filho (2010) foi observada apenas em pelos-guarda primários de haste reta e é importante acrescentar que o padrão mais comumente encontrado na haste reta e ondulada dos pelos-guarda secundários (ver Quadros & Monteiro-Filho, 2006a) é o folidáceo, aqui ilustrado, como foi observado também por Fernandes (2008). Interessante observar que C. minimus é o único marsupial com medula reticulada, como outras espécies semiaquáticas de pequenos mamíferos, os sigmodontíneos Nectomys squamipes e Holochilus brasiliensis (Rodentia) (Quadros & Monteiro-Filho, 2010) e o murídeo Hydromys chrysogaster (Brunner & Coman, 1974). Além disso, outros mamíferos como Myocastor coypus (Rodentia), Lontra longicaudis (Carnivora) e Lutreolina crassicaudata (Didelphimorphia) apresentam medula crivada muito semelhante a despeito da relação filogenética distante. Considerando as variações da medula crivada, essas espécies são mais semelhantes entre si do que L. crassicaudata com Didelphis spp. (Quadros & Monteiro-Filho, 2010). É possível que esse seja um forte indicativo do quanto o padrão medular pode ser definido pela convergência adaptativa a certos hábitos de vida ou habitats, pois a pressão de seleção natural do meio sobre os caracteres dos pelos parece ser determinante dos estados de caráter observados, como no hábito de vida semiaquático, devido à importância das funções da pelagem (isolamento térmico e hídrico) na relação com o meio (Vaughan et al., 2000). Da mesma forma, é provavelmente pela mesma razão adaptativa que as vibrissas, pelos com função sensorial localizados na face, são morfologicamente iguais entre espécies diferentes e, por essa razão, inúteis para a diagnose das espécies (Teerink, 1991). Por outro lado, para Benedict (1957) a estrutura dos pelos dos morcegos não apresenta significado adaptativo, pois nenhuma correlação consistente entre hábito e estrutura dos pelos foi encontrada. Por exemplo, a estrutura do pelo do gênero cosmopolita Myotis, considerando espécies que habitam diferentes ambientes, é bastante uniforme; e, ao contrário, outras espécies de morcegos que vivem muito próximas no mesmo ambiente, apresentam pelos marcadamente diferentes. Da mesma forma, as espécies terrícolas do gênero Monodelphis (Reis et al., 2006) aqui investigadas apresentaram padrões cuticulares e medulares diferentes, em variadas combinações, não sendo possível observar uma homogeneidade dos padrões que pudesse estar relacionada ao hábito terrícola. Ainda nesse sentido, os exemplares de Metachirus nudicaudatus analisados nesse estudo, os quais contemplam a distribuição geográfica disjunta da espécie (Amazônia e Floresta Atlântica), mostram sutis diferenças nas características morfológicas dos pelos entre exemplares dos dois biomas. Como observado para as espécies de Monodelphis spp., é possível que esse fato aponte não para divergências adaptativas entre as duas vegetações mas sim para uma separação de uma espécie amazônica e outra atlântica como ocorre com Philander opossum e Philander frenatus (Patton & Silva, 1997), a ser investigada com dados moleculares e outros dados morfológicos. BIOLOGIA
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Conclusão Quando diferentes conjuntos de espécies são analisados surgem disparidades entre os estudos, algumas decorrentes das dificuldades de identificação dos exemplares e constantes mudanças nos arranjos taxonômicos (sinonímias, espécies novas, elevação de subspécies a espécies, etc...); outras devidas a problemas na compreensão dos padrões descritos e nomenclaturas utilizadas; e outras ainda relacionadas à variação no conjunto de espécies analisado em cada estudo (em cada chave de identificação). A morfologia da microestrutura dos pelos-guarda de cada espécie deve ser única, entretanto os caracteres mais diagnósticos para cada espécie dependem do arranjo de espécies que está sendo analisado. Por essa razão, recomenda-se: (a) a caracterização completa dos padrões medulares e cuticulares das espécies, bem ilustrados e com o maior nível de detalhamento possível das variações dos padrões básicos verificados; (b) o aprimoramento e emprego da técnica de corte transversal dos pelos, para que o formato do mesmo e da medula em corte transversal possa também ser utilizado como caráter, aumentando o número de combinações possíveis entre os estados de caráter dos caracteres; (c) a análise de um maior número de exemplares por espécie com identificação e procedência seguras, preferencialmente com dados moleculares associados. O estudo dos marsupiais aqui abordados - uma pequena parcela das espécies de Didelphimorphia - demonstra como ainda faltam informações para caracterizar a microestrutura dos pelos-guarda dos representantes da ordem no Brasil e para compreender em que medida, ou em quais casos, os padrões microestruturais dos pelos podem ser caracteres úteis à sistemática e à elucidação de processos evolutivos convergentes.
Agradecimentos Ao CNPq (bolsa de estudos nível Doutorado) pelo apoio financeiro. À Sociedade Fritz Müller de Ciências Naturais e a UFPR pelo apoio logístico. Ao Museu Nacional do Rio de Janeiro (MNRJ), ao Museu de Zoologia da Unicamp (ZUEC), ao Museu de História Natural Capão da Imbuia (MHNCI), Museu de Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e ao Museu de Zoologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (MZ-PUCPR) pela autorização para coletar amostras de pelos de espécimes tombados em suas coleções. Especiais agradecimentos a João Alves de Oliveira e Sérgio Maia Vaz (MNRJ), Estefano Jablonski (MZ-PUCPR), Emygdio L. A. Monteiro-Filho (ZUEC), Mauricio Graipel (UFSC) e Tereza C. Castellano Margarido (MHNCI) pela ajuda na coleta de amostras de pelos. À Luciana Ferreira (UFPR) pelos desenhos e edição das fotografias.
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Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
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BIOLOGIA
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Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
Apêndice 1. Coleção, número de tombo e localidade de coleta dos espécimes de marsupiais utilizados para coleta de amostras de pelos aqui analisadas (ZUEC = Museu de Zoologia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP; MNRJ = Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ; UFSC = Museu de Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina; MHNCI = Museu de História Natural “Capão da Imbuia”, Curitiba, PR; CTX = número de registro no caderno de taxidermia do MHNCI). Caluromys philander (n=13): MHNCI: 931 (Conselheiro Mairinck, PR). MNRJ: 1231 (Humboldt, SC), 7831 (Rio de Janeiro, RJ), 11673 (Rio Teles Pires, Alto Tapajós, MT), 11723 (São João do Glória, MG), 16121 (São Benedito, CE), 20964 (Nova Timboteua, PA), 20786 (Manaus, AM), 30562 (Baía Formosa, RN). MZPUC/PR: 1105 (Conselheiro Mairinck, PR). ZUEC:1242 (Campinas, SP), 1520 (Piracicaba, SP), 1241(Suzano, SP). Chironectes minimus (n=10): MNRJ: 1280 (Belém, PR), 1282 (Joinville, SC), 1283 (Chapada dos Veadeiros, GO), 1285 (RS), 5897 (Santa Teresa, ES), 10507 (Rio de Janeiro, RJ), 11184 (Ilhéus, BA), 25739 (Serra do Navio, AP). UFSC: 2034 (Florianópolis, SC). ZUEC: 1687 (Santo André, SP). Didelphis albiventris (n=40): MHNCI: 357 (Curitiba, PR), 358 (Castro, PR), 359 (Castro, PR), 411 (Serra Dourados, PR), 412 (Serra Dourados, PR), 413 (Serra Dourados, PR), 414 (Estrada do Cerne, PR), 415 (Estrada do Cerne, PR), 423 (Castro, PR), 424 (Castro, PR), 425 (Curitiba, PR), 426 (Curitiba, PR), 716 (Ponta Grossa, PR), 825 (Porto Amazonas, PR), 1097 (Pinhão, PR), 1106 (Irati, PR), 1734 (Porto Amazonas, PR), 1735 (Curitiba, PR), 1736 (Curitiba, PR), 1989 (Antonina, PR), 2655 (Capitão Leônidas Marques, PR), 2656 (São Luiz do Purunã, PR), 2658 (Pinhais, PR), 2659 (Adrianópolis, PR), 2660 (Curitiba, PR), 2661 (Curitiba, PR), 2663 (Curitiba, PR), 2664 (Curitiba, PR), 3409 (Curitiba, PR). MNRJ: 4737 (Anápolis, GO), 4766 (Maracaju, MT), 8322 (Vitória da Conquista, BA), 17259 (Crato, CE), 22878 (Quebrângulo, AL), 22894 (Feira, BA), 23585 (Princesa Isabel, PB), 23657 (Podocó, PE), 23690 (Porto Alegre, RS), 30050 (Brasilia, DF). MZPUC/PR: 1143 (Lapa, PR). Didelphis aurita (n=44): MHNCI: 17 (Matinhos, PR), 29 (Reserva Florestal Santa Cruz, PR), 114 (Curitiba, PR), 128 (Faisqueiro, PR), 129 (Curitiba, PR), 161 (Serra da Prata, PR), 172 (Antonina, PR), 197 (Guaratuba, PR), 205 (Foz do Iguaçu, PR), 206 (Foz do Iguaçu, PR), 207 (Foz do Iguaçu, PR), 210 (Rio Cubatão, PR), 223 (Guaratuba, PR), 245 (Baía de Guaratuba, PR), 246 (Baía de Guaratuba, PR), 280 (Foz do Iguaçu, PR), 281 (Curitiba, PR), 330 (Contenda, PR), 331 (Matinhos, PR), 335 (Contenda, PR), 337 (Contenda, PR), 356 (Serra Dourados, PR), 408 (Parque Nacional Sete Quedas, PR), 409 (Estrada do Cerne, PR), 427 (Serra Dourados, PR), 428 (Curitiba, PR), 652 (Ponta Grossa, PR), 712 (Ponta Grossa, PR), 848 (Curitiba, PR), 1737 (Tijucas do Sul, PR), 2068 (Morretes, PR), 2654 (Represa do Passaúna, PR), 2657 (Represa do Passaúna, PR), 2662 (Ponta Grossa, PR), 3143 (Curitiba, PR), 3144 (Morretes, PR), 3145 (Curitiba, PR), 3151 (Curitiba, PR), 3152 (Curitiba, PR). MNRJ: 2948 (Morro das Argolas, ES), 5641 (Além Paraíba, MG), 5808 (Caxias, RJ), 11321 (Ilhéus, BA), 46511 (Pedreira, SP). Gracilinanus microtarsus (n=9): MHNCI: 1103 (Morretes, PR), 2792 (Piraquara, PR), 2793 (Piraquara, PR). MZPUC/PR: 1110 (Guaraqueçaba, PR), 1112 (Guaraqueçaba, PR), 1114 (Araucaria, PR), 1120 (Araucaria, PR). UFSC: 2030 (Itapoá, SC), 3000 (Itapoá, SC). Lutreolina crassicaudata (n=10): MHNCI: 3747 (São José dos Pinhais, PR), 3748 (Curitiba, PR), CTX 285 (Curitiba, PR), CTX 3134 (Quatro Barras, PR). MNRJ: 20977 (Maracaju, MS), 24473 (Campinas, SP). UFSC: 82 (Florianópolis, SC), 602 (Florianópolis, SC); ZUEC: 1398 (Americana, SP), 1499 (Campinas, SP). Marmosops incanus (n=3): 8666 (Ilhéus, BA), 24687 (Além Paraíba, MG), 31467 (Santa Teresa, ES). Metachirus nudicaudatus (n=15): MHNCI: 2049 (Guaraqueçaba, PR), 2066 (Guaraqueçaba, PR), 2210 (Guaratuba, PR). MNRJ: 5499 (Morro das Argolas, ES), 8200 (Recife, PE), 11269 (Ilhéus, BA), 20228 (Teresinha, AP), 26614 (Além Paraíba, MG), 26889 (Nova Timboteua, PA), 30571 (São Miguel dos Campos, AL), 42792 (Magé, RJ). MZPUC/PR: 1107 (Guaraqueçaba, PR). UFSC: 2803 (Itapoá, SC), ZUEC: 1772 (Sete Barras, SP), 1379 (Estação Ecológica da Juréia, SP). Marmosa paraguayana (n=21): MHNCI: 1732 (Iguaçu, PR), 1749 (Morretes, PR), 2598 (Morretes, PR), 2791 (Morretes, PR), 3149 (Morretes, PR), 3150 (Morretes, PR), 3165 (Itu, SP). MZPUC/PR: 1117 (Morretes, PR), 1123 (Guaraqueçaba, PR), 1124 (Guaraqueçaba, PR), 1125 (Guaraqueçaba, PR), 1127 (Morretes, PR). UFSC: 146 (Florianópolis, SC), 147 (Florianópolis, SC), 148 (Florianópolis, SC), 149 (Florianópolis, SC), 150 (Florianópolis, SC), 610 (Florianópolis, SC), 741 (Caldas da Imperatriz, SC), 865 (Florianópolis, SC), 2582 (Mogiquaçu, SP). Monodelphis americana (n=4): MHNCI: 3147 (Morretes, PR), 3323 (Quatro Barras, PR). MNRJ: 7569 (Além Paraíba, MG), 11485 (Ilhéus, BA). Monodelphis domestica (n=7): MNRJ: 16215 (Podocó, PE), 16338 (Princesa Isabel, PB), 16489 (Feira, BA), 16596 (Palmeira dos Índios, AL), 17014 (Itapajé, CE), 46586 (Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, GO), 46589 (Salinas, MG). Monodelphis iheringi (n=1): MNRJ: 10305 (Tijuca, RJ). Monodelphis scalops (n=1): MNRJ: 7248 (Teresópolis, RJ). Monodelphis dimidiata (n=5): MHNCI CTX 3205 (Usina Hidrelétrica Salto Caxias, PR), CTX 3206 (Três Barras do Paraná, PR), CTX 3229 (Usina Hidrelétrica Salto Caxias, PR), CTX 3256 (Usina Hidrelétrica Salto Caxias, PR), CTX 3262 (Usina Hidrelétrica Salto Caxias, PR). Philander frenatus (n=23): MHNCI: 26 (Matinhos, PR), 162 (Serra da Prata, PR), 212 (Guaratuba, PR), 213 (Guaratuba, PR), 2029 (Antonina, PR), 2596 (Guaratuba, PR), 2597 (Guaratuba, PR), 3148 (Piraquara, PR), 3333 (São José dos Pinhais, PR), 3749 (Quatro Barras, PR), 3750 (Quatro Barras, PR). MNRJ: 5873 (Santa Teresa, ES), 26624 (Juiz de Fora, MG), 30443 (Casimiro de Abreu, RJ). MZPUC/PR: 1101 (Morretes, PR), 1102 (Morretes, PR), 1104 (Morretes, PR), 1111 (Morretes, PR), 1113 (Morretes, PR), 1118 (Morretes, PR), 1119 (Morretes, PR), 1121 (Morretes, PR). UFSC: 757 (Três Barras, SC).
Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
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BIOLOGIA
Figura 3.1 – medula, Chironectes minimus (200x)
Figura 3.2 – cutícula, C. minimus (200x)
Figura 3.3 – medula, Metachirus nudicaudatus (400x)
Figura 3.4 – cutícula, M. nudicaudatus (400x)
Figura 3.5 – medula, Lutreolina crassicaudata (400x)
Figura 3.6 – cutícula, L. crassicaudata (400x)
Figura 3.7 – medula, Marmosops incanus (400x)
Figura 3.8 – cutícula, M. incanus (400x)
BIOLOGIA
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Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
Figura 3.9 – medula, Philander frenatus (400x)
Figura 3.10 – cutícula, P. frenatus (400x)
Figura 3.11 – medula, Didelphis albiventris (400x)
Figura 3.12 – cutícula, D. albiventris (400x)
Figura 3.13 – medula, Didelphis aurita (400x)
Figura 3.14 – cutícula, D. aurita (200x)
Figura 3.15 – medula, Gracilinanus microtarsus (400x)
Figura 3.16 – cutícula, G. microtarsus (400x)
Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
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BIOLOGIA
Figura 3.17 – medula, Marmosa paraguayana (400x)
Figura 3.18 – cutícula, M. paraguayana (400x)
Figura 3.19 – medula, Monodelphis domestica (400x)
Figura 3.20 – cutícula, M. domestica (400x)
Figura 3.21 – medula, Caluromys philander (200x)
Figura 3.22 – cutícula, C. philander (200x)
Figura 3.23 – medula, Monodelphis americana (400x)
Figura 3.24 – cutícula, M. americana (400x)
BIOLOGIA
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Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
Figura 3.25 – medula, Monodelphis dimidiata (400x)
Figura 3.26 – cutícula, M. dimidiata (400x)
Figura 3.27 – medula, Monodelphis iheringi (400x)
Figura 3.28 – cutícula, M. iheringi (400x)
Figura 3.29 – medula, Monodelphis scalops (200x)
Figura 3.30 – cutícula, M. scalops (400x)
Figura 3. Fotografias do padrão medular e cuticular dos pelos-guarda das espécies de marsupiais estudadas.
Identificação microscópica de pelos de marsupiais brasileiros
93
BIOLOGIA
CAPÍTULO 3
Distribuição Geográfica dos Marsupiais no Brasil Geruza Melo* Jonas Sponchiado** Abstract: GEOGRAPHICAL DISTRIBUTION OF MARSUPIALS IN BRAZIL. The order Didelphimorphia encompasses almost all species of New World marsupials, which are widespread in the American continent, from southern Canada to Patagonia. In Brazil there are 56 marsupial species, and this number is increasing through the description of new species or taxonomic revisions. Due to the high species diversity in the group and the scarcity of data for most of them, in this chapter we will present the latest data on the distribution of all marsupial species occurring in Brazil. We compiled records available in specialized books, Red Lists of Threatened Fauna, new records obtained in published articles and even the authors collected data for the southern and central-west Brazil. The knowledge about Brazilian marsupials has increased significantly in recent decades, especially with the use of more efficient and specific capture techniques in inventories and ecological studies, as well as the increased use of molecular techniques in taxonomic studies. However, there are still many gaps to be filled, such as in the areas of survey or taxonomy, which prevent the researchers to generate more reliable distribution maps. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Laboratório de Ecologia e Biogeografia, Departamento de Biologia, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, CEP 97110-970, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil. Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, CCBS, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS, CP 549, CEP 79070-900, Campo Grande, MS, Brasil. Autor correspondente: [email protected]. *
Laboratório de Ecologia e Biogeografia, Departamento de Biologia, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, CEP 97110-970, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil. Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, CEP 97110-970, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil.
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Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
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BIOLOGIA
Introdução A Ordem Didelphimorphia inclui quase todos os marsupiais viventes das Américas, sendo composta por espécies de pequeno a médio porte (menos de 10g a até 5000g), que ocorrem em praticamente todo continente, desde o sul do Canadá à Patagônia. Esta ordem é composta por apenas uma família, Didelphidae, sendo a monofilia da família reconhecida recentemente em uma revisão filogenética de Didelphimorphia (Voss & Jansa, 2009), a qual reconhece ainda a ocorrência de quatro subfamílias: Glironiinae, Caluromyinae, Hyladelphinae e Didelphinae, sendo esta última composta por quatro tribos (ver Introdução, neste volume). No Brasil ocorrem 15 gêneros e 56 espécies, sendo este número atualizado praticamente a cada ano devido a revisões taxonômicas e descrição de novas espécies (e.g. Voss et al., 2005; Pavan et al., 2012). Distribuem-se por todos os biomas brasileiros, desde a Floresta Amazônica ao Pampa, sendo a maior diversidade de espécies encontrada nas florestas densas da Amazônia e Mata Atlântica. Este fator esta relacionado à adaptação de grande parte das espécies ao hábito arborícola, sendo comum no grupo a presença de polegar opositor e cauda preênsil. Porém, o grau de arborealidade é variável entre espécies, sendo encontradas, em um extremo, espécies estritamente terrícolas e com cauda curta e não preênsil, como, por exemplo, as que compõem o gênero Monodelphis. Neste capítulo nós apresentamos os dados mais recentes acerca da distribuição de todas as espécies de marsupiais com ocorrência para o Brasil. Foram compilados os registros disponíveis em livros especializados como de Gardner (2008), Eisenberg e Redford (1999) e Reis et al. (2011); Lista anotada dos mamíferos do Brasil (2012); Lista Vermelha da Fauna Ameaçada (IUCN, 2011); com a adição de novos registros obtidos em artigos publicados recentemente; e ainda dados de coletas dos autores para o sul e centro-oeste do Brasil. As espécies estão alocadas por gênero e a ocorrência no Brasil é apresentada por registros pontuais. São apresentados ainda mapas com os registros disponíveis, ou grande parte deles no caso de espécies muito comuns, sendo omitidos registros muito próximos espacialmente. Ao final, apresentamos uma tabela com a ocorrência das espécies de acordo com os principais biomas brasileiros e um apêndice com a bibliografia utilizada na elaboração dos mapas de distribuição.
Glironia Única espécie do gênero, Glironia venusta Thomas, 1912 é uma espécie rara, porém com registros no leste do Equador e Peru, Bolívia e região norte do Brasil, até o estado do Mato Grosso, o que sugere uma ampla distribuição. O fato de ser uma espécie arborícola, associado a uma baixa densidade populacional, pode contribuir para ausência da espécie em inventários em outras localidades da bacia amazônica (Díaz e Willig, 2004). Há nove registros da espécie no Brasil, sendo oito na bacia amazônica, incluindo os estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso e Pará e um na bacia do Paraguai no sudoeste do Mato Grosso (Rossi et al., 2010) (Figura 1). Apêndice 1: 12, 13, 29, 43, 54, 68, 105, 108, 109, 116, 126.
Caluromys O gênero Caluromys é composto por três espécies, duas delas com ocorrência exclusiva na América do Sul e com distribuição no Brasil. As espécies do gênero são exclusivamente arborícolas, BIOLOGIA
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Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
ocorrendo, portanto, em ambientes florestais. Caluromys lanatus (Olfers, 1818) ocorre na Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Brasil e norte da Argentina, sendo que sua distribuição no Brasil se estende desde o norte e oeste da Amazônia, região centro-oeste (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul), região central (próximo ao Distrito Federal), sudeste (Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo) e região sul até o nordeste do Rio Grande do Sul. Caluromys philander (Linnaeus, 1758) ocorre na Venezuela, ilha de Trinidad, Guianas, Bolívia e Brasil, sendo que no país apresenta distribuição disjunta, com um núcleo ao norte do país e outro ao leste. O primeiro núcleo abrange o nordeste da Amazônia, parte do nordeste, região Figura 1. Mapa indicando a distribuição de Caluromys philander, Caluromys lanatus e Glironia venusta no Brasil. central do Brasil até a região centro-oeste. O núcleo ao leste ocorre desde o litoral de Pernambuco até Santa Catarina. Ambas as espécies são compostas por subespécies (e.g. Cáceres & Carmignotto, 2006), mas a definição e o número destas ainda necessitam de revisão taxonômica (Gardner, 2008). Há ainda prováveis áreas de simpatria entre C. lanatus e C. philander em parte da região norte, centro-oeste e sudeste do Brasil (Figura 1), mas a segregação espacial entre elas deve se dar pela adaptação a tipos específicos de vegetação e características do ambiente. Apêndice 1: 1, 6, 8, 9, 23, 24, 28, 32, 36, 37, 40, 41, 45, 54, 64, 68, 71, 76, 86-88, 94, 99, 100, 104, 108, 115, 119, 120.
Caluromysiops Caluromysiops é um gênero monoespecífico, sendo Caluromysiops irrupta Sanborn, 1951 a única espécie que o compõe. Apresenta um único registro no Brasil em Rondônia, no alto Rio Jarú (Vivo & Gomes, 1989) (Figura 2). Sua distribuição geográfica se dá em manchas, apresentando ainda ocorrência em três localidades no sudeste e três no norte do Peru. Há ainda um registro a ser confirmado na Colômbia, que alguns autores apontam como duvidoso, já que a área é próxima a um porto de tráfico de animais selvagens da Amazônia para os Estados Unidos (Gardner, 2008). Apêndice 1: 54, 124.
Hyladelphis Hyladelphis kalinowskii (Hershkovitz, 1992) pertence a um gênero monoespecífico com apenas nove registros na América do Sul. Porém, apresenta ampla distribuição, desde o leste do Peru até a Guiana Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
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BIOLOGIA
Francesa, com registros na Guiana e um único registro para o Brasil, na bacia amazônica ao norte do Rio Amazonas, próximo a Manaus (Astúa, 2006) (Figura 2). A espécie é rara localmente, visto que Voss et al. (2001) capturaram apenas 3 indivíduos na Guiana Francesa entre mais de 400 capturas de pequenos mamíferos não voadores. Jansa & Voss (2005) ainda sugerem que a espécie possa ser separada em espécies distintas, já que há um alto nível de divergência molecular entre amostras analisadas do Peru e Guiana Francesa. Apêndice 1: 7, 54.
Chironectes Único marsupial de habito semi-aquático, Chironectes minimus (Zimmermann, 1780) pertence a um gênero monoespecífico e possui ampla distribuição geográfica, ocorrendo desde o sul do México, América Central e grande parte da América do Sul, sempre próximo a corpos d’água em florestas tropicais e subtropicais. A espécie possui distribuição disjunta com uma população ao norte, desde o México até a Bolívia e norte do Pará no Brasil, e outra mais ao sul, desde o Espírito Santo até o Rio Grande do Sul, adentrando o interior do país até parte de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (Figura 2). Não há registro para a região nordeste, e no norte do país é encontrada apenas em áreas marginais da Amazônia. A falta de ocorrência na região central da Amazônia e no Pantanal pode corresponder a um viés amostral ou a uma lacuna natural na distribuição da espécie para esta região (Gardner, 2008).
Figura 2. Mapa indicando a distribuição de Hyladelphis kalinowskii, Chironectes minimus e Caluromysiops irrupta no Brasil.
Apêndice 1: 1, 3, 18, 34, 40, 42, 53, 54, 62, 73-76, 94, 115, 117, 120, 131.
Cryptonanus Composto por cinco espécies, o gênero Cryptonanus foi recentemente descrito por Voss et al. (2005) com base em espécimes classificados anteriormente como Gracilinanus. As espécies do gênero são amplamente distribuídas, ocorrendo desde o sul do Rio Amazonas até a província de Buenos Aires na Argentina, geralmente em biomas não florestados tropicais, subtropicais e temperados (Voss et al., 2005). Ocorrem no Brasil Cryptonanus agricolai (Moojen, 1943), Cryptonanus chacoensis (Tate, 1931) e Cryptonanus guahybae (Tate, 1931), sendo que C. agricolai ocorre na “diagonal de áreas abertas”, abrangendo a Caatinga no estado do Ceará até o Cerrado sul-mato-grossense. Há um registro recente BIOLOGIA
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Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
para o litoral de Pernambuco nos domínios da Mata Atlântica atribuído a C. agricolai (Souza et al., 2010). Já a distribuição de C. chacoensis abrange o Pantanal do Mato Grosso até o oeste do Mato Grosso do Sul no centro-oeste do Brasil, Bolívia, Paraguai, até alcançar novamente o Brasil, no extremo oeste do Rio Grande do Sul, através da Argentina, compreendendo principalmente áreas campestres e arbustivas. Há ainda, segundo Gardner (2008), o registro de C. chacoensis para Bagé, Rio Grande do Sul, com base em crânios de egagrópilas previamente identificados como Gracilinanus agilis por González et al. (1999). Cryptonanus guahybae apresenta distribuição mais restrita em relação às demais espécies do gênero no Figura 3. Mapa indicando a distribuição de Cryptonanus Brasil, ocorrendo exclusivamente no Rio guahybae, Cryptonanus chacoensis e Cryptonanus agricolai Grande do Sul, desde o noroeste do estado no Brasil. até o litoral sul (Quintella et al., 2011), mas possivelmente essa distribuição esteja subestimada (Figura 3). Apêndice 1: 1, 14, 25, 26, 32, 34, 54, 64, 79, 102, 113, 114, 127,131.
Didelphis O gênero Didelphis é composto por seis espécies, em sua maioria, de ampla distribuição geográfica. Cinco espécies apresentam ocorrência para a América do Sul, sendo que quatro são registradas no Brasil (IUCN, 2011). Didelphis aurita Wied-Neuwied, 1826 e D. albiventris Lund, 1840 são amplamente distribuídas no país. Didelphis aurita ocorre em áreas florestadas, desde a costa leste no estado da Paraíba até o Rio Grande do Sul, mas sua ocorrência ainda se estende para o interior do Brasil, nos estados de São Paulo, Paraná, sul do Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul, além do leste do Paraguai (Gardner, 2008) (Figura 4). Didelphis albiventris ocupa tanto formações abertas quanto florestais e sua área de distribuição abrange toda a Caatinga, Cer-
Figura 4. Mapa indicando a distribuição de Didelphis marsupialis e Didelphis aurita no Brasil.
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BIOLOGIA
rado e Pampa, também ocorrendo na Mata Atlântica (Gardner, 2008) (Figura 5), em simpatria com D. aurita em algumas localidades (e.g. Bonvicino et al., 2002; Cáceres et al., 2007a; Asfora & Pontes, 2009). Esta espécie é oportunista e tolerante a ambientes alterados, sendo encontrada em paisagens altamente fragmentadas e até mesmo na periferia de centros urbanos (Rossi & Bianconi, 2011). Por outro lado, D. aurita parece ser mais sensível à fragmentação e pode estar se extinguindo em regiões marginais da Mata Atlântica em contato com outros biomas como o Pampa e o Cerrado, ocorrendo uma retração dessa espécie em direção ao centro do bioma (Cáceres et al., 2007a). Didelphis marsupialis Linnaeus, 1758 ocorre no norte do Brasil, com ampla distribuição na bacia Figura 5. Mapa indicando a distribuição de Didelphis imperfecta e Didelphis albiventris no Brasil. Amazônica (Figura 4), enquanto Didelphis imperfecta Mondolfi & Pérez-Hernández, 1984 apresenta distribuição restrita ao norte de Roraima no Brasil, estendendo-se ao norte pelo Suriname, Guiana Francesa, Guiana e Venezuela (Gardner, 2008) (Figura 5). Apêndice 1: 1-4, 6, 8, 9, 14, 16, 17, 19-21, 23-29, 32, 34, 35, 37-42, 44, 45, 49, 50, 52-55, 59, 62, 63, 67-69, 72-75, 78, 79, 82, 84-86, 88, 91, 93, 94, 99, 100, 103, 104, 106-108, 111, 114, 115, 117, 118, 121-123, 131.
Gracilinanus Com seis espécies que ocorrem exclusivamente na América do Sul, o gênero Gracilinanus apresenta três espécies com ocorrência no Brasil: Gracilinanus agilis (Burmeister, 1854), Gracilinanus emiliae (Thomas, 1909) e Gracilinanus microtarsus (Wagner, 1842) (IUCN, 2011). Enquanto G. agilis é típico de formações mais abertas como a Caatinga e o Cerrado, com ocorrência ampla no nordeste, centro e centro-oeste do país, G. microtarsus ocorre na Mata Atlântica, desde a Bahia até o Rio Grande do Sul (Geise & Astúa, 2009). Dados sobre a ocorrência em simpatria das duas espécies são escassos, mas há zonas de contato entre BIOLOGIA
Figura 6. Mapa indicando a distribuição de Gracilinanus microtarsus, Gracilinanus emiliae e Gracilinanus agilis no Brasil.
100 Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
as espécies em áreas de ecótone entre Cerrado e Mata Atlântica de Minas Gerais e de São Paulo (Costa & Patton, 2006; Loss et al. 2011). Diferente das demais espécies do gênero, G. emiliae apresenta distribuição restrita ao estado do Pará, porém registros pontuais para o Peru, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa sugerem que a espécie, ou um complexo de táxons crípticos com caracteres morfológicos semelhantes, é amplamente distribuída na Amazônia (Voss et al., 2009) (Figura 6). Apêndice 1: 1, 3, 5, 8, 14, 16, 17, 24, 25, 32, 34, 37, 40, 45, 47, 50, 52, 54, 56, 57, 61, 64, 65, 71, 73-75, 77, 83, 85, 86, 93, 99, 100, 104, 108, 113, 117-119, 121, 126, 128, 130, 131.
Lutreolina Monoespecífico, o gênero Lutreolina possui distribuição disjunta, com duas unidades populacionais totalmente separadas, uma ao norte e outra ao sul da América do Sul. Estas unidades são consideradas como duas subespécies, Lutreolina crassicaudata crassicaudata (Desmarest, 1804) e L. c. turneri (Günther, 1879). Lutreolina c. turneri compõe a distribuição norte da espécie, que abrange a Colômbia, Venezuela e Guiana, sem ocorrência para o Brasil, enquanto L. c. crassicaudata ocorre na Bolívia, Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai. No Brasil esta subespécie ocorre desde o Rio Grande do Sul até Minas Gerais e Goiás, sendo encontrada principalmente no sul do Cerrado, Pampa e, na Mata Atlântica, ocorre em campos de altitude em áreas de floresta ombrófila mista, sendo rara em florestas densas e úmidas (Figura 7). Apêndice 1: 1, 10, 16, 22, 24, 27, 34, 40, 42, 54, 59, 62, 76, 107, 110, 118, 131.
Marmosa O gênero Marmosa, anteriormente representado por nove espécies, é atualmente composto por 15 espécies após uma extensa revisão filogenética de todos os marsupiais didelfídeos (Voss & Jansa, 2009), na qual o gênero Micoureus foi alocado como subgênero de Marmosa. No Brasil ocorrem duas espécies do subgênero Marmosa: M. (Marmosa) lepida (Thomas, 1888) e M. (Marmosa) murina (Linnaeus, 1758) e quatro espécies do subgênero Micoureus: M. (Micoureus) constantiae (Thomas, 1904), M. (Micoureus) demerarae (Thomas, 1905), M. (Micoureus) paraguayana (Tate, 1931) e M. (Micoureus) regina (Thomas, 1898). Tanto M. (Marmosa) lepida quanto M. (Marmosa) murina ocorrem nas Guianas, Suriname, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e na Amazônia brasileira. Enquanto M. (Marmosa) lepida estende sua distribuição no Brasil ao sul do Rio Amazonas e leste do Rio Tapajós, M. (Marmosa) munira apresenta uma distribuição mais ampla no país, ocorrendo também em uma faixa litorânea desde o estado do Pará ao estado do Rio de Janeiro, na Mata Atlântica, e, na região centro-oeste, com registros para Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Cerrado (Figura 7). Marmosa (Micoureus) regina ocorre na Colômbia, Equador e Peru, sendo sua distribuição restrita ao extremo oeste no Brasil com registros para o Acre e Amazonas. Além da Colômbia, Bolívia, Peru, Venezuela, Guianas e Suriname, Marmosa (Micoureus) demerarae também ocorre na região amazônica, porém sua distribuição é mais ampla, estendendo-se também para parte do nordeste, até o sul da Bahia nos domínios da Floresta Atlântica, e para a região centro-oeste do país, nos domínios do Cerrado,. Na região leste do Brasil, do extremo sul da Bahia até o norte do Rio Grande do Sul, ocorre M. (Micoureus) Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
101 BIOLOGIA
paraguayana, que ainda estende sua distribuição em direção oeste até o sul do Paraguai. Finalmente, M. (Micoureus) constantiae ocorre com distribuição restrita aos estados de Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul no país, alcançando países vizinhos Bolívia e Argentina (Figura 8). Apêndice 1: 1, 6, 8, 14-17, 22-24, 26, 28, 32, 34-37, 40, 45, 46, 48, 54, 60-64, 68, 71, 75, 79, 80, 84-88, 93, 94, 99-101, 103, 108, 117, 118, 121, 123, 125, 126, 131.
Marmosops O gênero Marmosops é composto por 15 espécies e, destas, 14 ocorrem na América do Sul. No Brasil são registradas Figura 7. Mapa indicando a distribuição de Marmosa nove espécies, sendo a maior parte delas (Marmosa) murina, Marmosa (Marmosa) lepida e Lutreolina crassicaudata no Brasil. com distribuição conhecida para a região amazônica (Gardner, 2008). Ao leste do Rio Negro ocorrem tanto M. parvidens (Tate, 1931) quanto M. pinheiroi (Pine, 1981). Marmosops parvidens ocorre desde o estado do Amazonas ao Pará (Figura 9), estendendo sua distribuição as Guianas, Suriname e Venezuela, enquanto M. pinheiroi é registrado, nos estados do Amapá e Pará (Figura 10), com ocorrência nos mesmos países vizinhos que M. parvidens. No extremo oeste da Amazônia, com registros para o Acre e Amazonas, M. impavidus (Tschudi, 1845) ocorre ainda na Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia (Figura 9). Já M. neblina Gardner, 1990 apresenta distribuição restrita à margem direita do Rio Juruá (Figura 10), estendendo sua ocorrência ao sul da Venezuela e Equador. Marmosops Figura 8. Mapa indicando a distribuição de Marmosa bischopi (Pine, 1981) ocorre ao sul do Rio (Micoureus) constantiae, Marmosa (Micoureus) regina, Amazonas, com registros no Brasil para os Marmosa (Micoureus) demerarae e Marmosa (Micoureus) paraguayana no Brasil. estados do Amazonas e Mato Grosso (Figura 11), ocorrendo ainda no leste do Peru e norte da Bolívia. Marmosops noctivagus se distribui no Pará, Amazonas, Acre e Mato Grosso (Figura 10), estendendo sua ocorrência para o Peru e Bolívia, até o leste do Equador. BIOLOGIA
102 Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
Nos domínios da Mata Atlântica, na região sudeste do Brasil, ocorrem apenas duas espécies do gênero: M. incanus (Lund, 1840) e M. paulensis (Tate, 1931). Com distribuição mais ampla, M. incanus ocorre desde o estado do Paraná a Bahia, com registros ainda para o interior de Minas Gerais (Figura 9). Já M. paulensis ocorre em uma faixa mais estreita a leste na Mata Atlântica, desde Minas Gerais ao Paraná (Figura 10). Única espécie com ocorrência na região centro-oeste, M. ocellatus (Tate, 1931) apresenta a maior parte de sua distribuição na Bolívia, com registros em florestas deciduais no Brasil, próximo à fronteira, no leste do Pantanal no Mato Grosso e em Corumbá no Mato Grosso do Sul (Cáceres et al., 2007b) (Figura 9). Apêndice 1: 8, 16, 26, 30, 34, 37, 45, 50, 54, 71, 76, 83, 85, 86, 88, 92, 93, 99, 103, 104, 108, 115, 117, 118, 121, 125, 126.
Figura 9. Mapa indicando a distribuição de Marmosops parvidens, Marmosops ocellatus, Marmosops incanus e Marmosops impavidus no Brasil.
Metachirus Única espécie do gênero, Metachirus nudicaudatus (É. Geoffroy, 1803) é uma espécie de ampla distribuição, ocorrendo desde a América Central até o norte da Argentina, com registro ainda (segundo Gardner, 2008) para o sul do México. Análises filogenéticas mostram um alto índice de divergência molecular entre espécimes de diferentes regiões, o que sugere que o gênero pode ser representado por outras espécies além de M. nudicaudatus (Costa, 2003). No Brasil a espécie é encontrada na Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal e Figura 10. Mapa indicando a distribuição de Marmosops Cerrado. Até então, acreditava-se que a pinheiroi, Marmosops paulensis, Marmosops noctivagus e espécie ocorresse no Cerrado apenas em Marmosops neblina no Brasil. zonas de contato com a Amazônia e Mata Atlântica, não ocorrendo em toda a região nordeste (Rossi & Bianconi, 2011). Porém, Miranda et al. (2009) registraram quatro indivíduos no norte do Piauí em área de transição entre a Caatinga e o Cerrado (Figura 11). Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
103 BIOLOGIA
Apêndice 1: 6, 8, 21, 28, 35, 37, 39, 40, 45, 50, 53, 54, 61, 68, 71, 81, 85, 86, 88, 94, 99, 100, 103, 108, 115, 117, 119, 121, 123.
Monodelphis Monodelphis é o gênero de marsupial mais especioso da região neotropical, com 20 espécies ao todo (IUCN, 2011). Porém, esse número já se encontra desatualizado, sendo acrescidas mais duas espécies recentemente (Pavan et al., 2012; ver abaixo) e revisões taxonômicas futuras certamente elevarão ainda mais esse número, seja pela inclusão de espécies ainda não descritas (Gardner, 2008) ou pelo rearranjo e separação de espécies que necessitam revisão. Destas, 16 ocorrem Figura 11. Mapa indicando a distribuição de Marmosops no Brasil, a maioria de distribuição restrita, bishopi e Metachirus nudicaudatus no Brasil. estando inseridas em todos os biomas brasileiros, mesmo que representadas por pelo menos uma espécie. Na região Amazônica ocorrem: Monodelphis brevicaudata (Erxleben, 1777), M. emiliae (Thomas, 1912), M. glirina (Wagner, 1842) e M. maraxina Thomas, 1923. Monodelphis brevicaudata se distribui no noroeste do Brasil, a norte do Rio Negro e a oeste do Rio Branco, nos estados do Amazonas e Roraima (Figura 12), estendendo sua distribuição ao sul da Venezuela e norte da Guiana. Já M. emiliae ocorre em uma estreita faixa que se estende desde o Pará, Amazonas e Acre em direção ao leste do Peru e norte da Bolívia (Figura 13). Monodelphis glirina ocorre do sul do Rio Amazonas até o leste do Rio Xingu, abrangendo os estados do Pará, Amazonas, Mato Grosso Rondônia e Acre, estendendo-se ao norte da Bolívia e sudeste do Peru, e M. maraxina possui distribuição restrita a ilha de Marajó no estado do Pará (Figura 14). Recentemente Pavan et al. (2012) analisaram, através de dados morfológicos e moleculares, a sistemática do complexo de espécies de M. brevicaudata. Seus resultados apontam para a ocorrência de mais duas espécies novas e válidas de Monodelphis para o Brasil: M. touan, considerada até então como sinômino de M. brevicaudata, e M. arlindoi, espécie nova e descrita naquela publicação. A ocorrência de M. touan abrange a Guiana Francesa e o Brasil, no estado do Amapá e Pará incluindo a ilha de Marajó (Figura 12). Monodelphis arlindoi ocorre no centro-sul da Guiana e no Brasil, incluindo o sudeste de Roraima, leste do Amazonas e norte do Pará ao norte do Rio Amazonas (Figura 12). Monodelphis americana (Müller, 1776), M. domestica (Wagner, 1842) e M. kunsi Pine, 1975 são espécies de distribuição mais ampla em relação às demais espécies do gênero. Na porção leste do Brasil, M. americana, ocorre desde o estado do Pará até Santa Catarina, com registro também para a região central em Goiás (Figura 13). Monodelphis domestica também apresenta ocorrência no nordeste do país, mas sua distribuição se estende em direção à região centro-oeste, no Cerrado e Pantanal, até os países vizinhos como Bolívia, Paraguai e Argentina, sendo registrado ainda em parte do sudeste BIOLOGIA
104 Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
do Brasil (Figura 12). Já Monodelphis kunsi ocorre principalmente na região centro-oeste do país, mas há registros recentes para o estado do Pará, Acre e Minas Gerais (Figura 15), sendo encontrada em habitats que se estendem desde a savana xérica à floresta úmida, o que sugere ser esta uma espécie com distribuição muito ampla e complexa ou um conjunto de espécies crípticas (Gettinger et al., 2011). Com distribuição mais restrita, M. rubida (Thomas, 1899) é conhecida apenas para Bahia próximo a capital Salvador (Figura 15). Já M. unistriata (Wagner, 1842) foi registrada apenas em São Paulo no Brasil (Figura 14), mas também há registro em Missiones na Argentina, sendo essa uma Figura 12. Mapa indicando a distribuição de Monodelphis espécie classificada como possivelmente touan, Monodelphis iheringi, Monodelphis domestica, extinta pela IUCN (2011), pois seu último Monodelphis brevicaudata e Monodelphis arlindoi no Brasil. registro data de 1899 (Gardner 2008). Monodelphis theresa Thomas, 1921 e Monodelphis umbristriata (Miranda-Ribeiro, 1936) ocorrem na região sudeste, e região central e sudeste do país respectivamente. A primeira apresenta distribuição em uma pequena faixa no estado de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, enquanto a segunda ocorre em uma pequena porção que cobre o leste de Goiás, sul de Minas Gerais e centro de São Paulo (Figura 14). Na região sudeste, em direção à região sul do Brasil ocorrem M. dimidiata (Wagner, 1847), M. iheringi (Thomas, 1888) e M. scalops (Thomas, 1888). Monodelphis dimidiata, com a inclusão de M. sorex como sinônimo júnior (Vilela et al., 2010), possui a maior distribuição dentre as três espécies, abrangendo Minas Gerais e São Paulo na região sudeste e todos os estados da região sul do país, estendo-se em direção ao Paraguai, norte da Argentina e Uruguai (Figura 13). Tanto M. iheringi quanto M. scalops ocorrem na faixa litorânea desde o Espírito Santo a região sul do país, com M. iheringi ocorrendo até o norte do Rio Grande do Sul (Figura 12) e M. scalops até Santa Catarina (Figura 15), com registro também em Missiones, Argentina.
Figura 13. Mapa indicando a distribuição de Monodelphis emiliae, Monodelphis dimidiata e Monodelphis americana no Brasil.
Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
105 BIOLOGIA
Apêndice 1: 1, 3-6, 10, 11, 16, 17, 23, 25-27, 30-32, 34, 36, 44, 52, 54, 57, 58, 63, 70, 73-75, 85, 87-90, 92, 93, 95-100, 103, 104, 108, 112, 113, 117-119, 125, 126, 129, 131.
Philander O gênero Philader é composto por sete espécies e, destas, quatro ocorrem no Brasil. Philander andersoni (Osgood, 1913) e P. mcilhennyi Gardner & Patton, 1972 possuem ocorrência restrita à região amazônica, sendo a distribuição de P. andersoni restrita ao extremo noroeste do Amazonas, ocorrendo ainda no sul da Venezuela, leste do Equador e norte e centro do Peru. Já P. mcilhennyi ocorre no oeste da Amazônia, nos estados do Amazonas e Acre, atingindo o extremo leste do Peru. Philander frenatus (Olfers, 1818) ocorre na Mata Atlântica e sua distribuição abrange o leste do Brasil, desde o estado da Bahia até o norte do Rio Grande do Sul, estendendo sua ocorrência em direção oeste até o Paraguai e nordeste da Argentina. Com a maior distribuição dentro do gênero, Philander opossum (Linnaeus, 1758) ocorre do México à costa do Pacífico, na Colômbia e Equador, e desde o Suriname, Guianas, leste do Peru, Bolívia e Brasil, sendo que no país ocorre no norte e centro-oeste desde o estado de Goiás até o oeste do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A espécie é composta por pelo menos quatro subespécies segundo Gardner (2008) e que necessitam de revisão taxonômica, pois podem conter espécies crípticas (Figura 16).
Figura 14. Mapa indicando a distribuição de Monodelphis unistriata, Monodelphis umbristriata, Monodelphis theresa, Monodelphis maraxina e Monodelphis glirina no Brasil.
Figura 15. Mapa indicando a distribuição de Monodelphis scalops, Monodelphis rubida e Monodelphis kunsi no Brasil.
Apêndice 1: 1, 3, 16, 21, 24, 26, 29, 34, 35, 37, 39, 40, 44, 45, 50, 51, 53, 54, 66, 68, 75, 83, 84, 86, 88, 90, 94, 99, 100, 108, 115, 117-119, 121-123, 125, 126, 131.
BIOLOGIA
106 Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
Thylamys O gênero Thylamys é composto por aproximadamente 10 espécies sul-americanas (Braun et al., 2005; Carvalho et al., 2009; Teta et al., 2009), embora não haja ainda um consenso sobre a validade de algumas espécies (Giarla et al., 2010). No Brasil ocorrem três destas: T. karimii (Petter, 1968), T. velutinus (Wagner, 1842) e T. macrurus (Olfers, 1818) (Carmingnotto & Monfort, 2006). Diferente da maior parte dos pequenos marsupiais da América do Sul, o gênero apresenta distribuição predominante em formações abertas e savânicas, sendo encontrado principalmente no Cerrado e Caatinga no Brasil (Carmingnotto & Monfort, 2006; Palma & Vieira, 2006). Thylamys karimii apresenta a maior distribuição dentro do gênero, desde a Caatinga no nordeste do país ao sudeste e região centro-oeste nos domínios do Cerrado. Há uma pequena área de sobreposição na ocorrência de T. karimmi e T. velutinus no Cerrado central do país, sendo que a distribuição de T. velutinus se estende mais ao sul na região sudeste, atingindo o estado de São Paulo. Já T. macrurus apresenta distribuição mais restrita no país, sendo registrado apenas no Mato Grosso do Sul, onde ocorre desde o Cerrado stritu sensu a florestas estacionais semideciduais, estendendo sua área de ocorrência também ao Chaco e florestas secas de transição no Paraguai (Cáceres et al., 2007c) (Figura 17).
Figura 16. Mapa indicando a distribuição de Philander opossum, Philander mcilhennyi, Philander frenatus e Philander andersoni no Brasil.
Apêndice 1: 5, 17, 23, 25, 32-34, 54, 64, 65, 131.
Conclusão
Figura 17. Mapa indicando a distribuição de Thylamys macrurus, Thylamys karimii e Thylamys velutinus no Brasil.
O conhecimento acerca dos marsupiais brasileiros tem aumentado significativamente nas últimas décadas, principalmente com o implemento de técnicas mais eficientes e específicas em inventários e estudos ecológicos do grupo. A utilização de armadilhas de queda do tipo pitfall e a disposição de armadilhas live trap no dossel das florestas possibilitaram a amostragem de espécies de hábito semi-fossorial Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
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Tabela 1. Espécies de marsupiais do Brasil e respectivos biomas de ocorrência. Co = Comum; Ma = Marginal; Ra = Raro, Re = Restrito, onde “raro” significa que a espécie apresenta cinco ou menos registros para um bioma; “restrito” quando a espécie apresenta distribuição restrita a uma pequena porção do bioma, podendo ou não ser comum localmente; e “marginal” quando a espécie ocorre somente em áreas de ecótone entre biomas, podendo ser comum ou não no bioma adjacente.
Táxon Caluromys lanatus Caluromys philander Caluromysiops irrupta Chironectes minimus Cryptonanus agricolai Cryptonanus chacoensis Cryptonanus guahybae Didelphis albiventris Didelphis aurita Didelphis imperfecta Didelphis marsupialis Glironia venusta Gracilinanus agilis Gracilinanus emiliae Gracilinanus microtarsus Hyladelphis kalinowskii Lutreolina crassicaudata Marmosa (Marmosa) lepida Marmosa (Marmosa) murina Marmosa (Micoureus) constantiae Marmosa (Micoureus) demerarae Marmosa (Micoureus) paraguayana Marmosa (Micoureus) regina Marmosops bishopi Marmosops impavidus Marmosops incanus Marmosops neblina Marmosops noctivagus Marmosops ocellatus Marmosops parvidens Marmosops paulensis Marmosops pinheiroi Metachirus nudicaudatus Monodelphis americana Monodelphis arlindoi Monodelphis brevicaudata Monodelphis dimidiata Monodelphis domestica Monodelphis emiliae Monodelphis glirina Monodelphis iheringi Monodelphis kunsi Monodelphis maraxina Monodelphis rubida Monodelphis scalops Monodelphis theresa Monodelphis touan Monodelphis umbristriata BIOLOGIA
Amazônia Caatinga Cerrado Ra Co Re Re
Ma Re Co Ra* Ma Re Re Ra Co Ma Co Re Ra Ra Re Co
Ra Ra Re Co
Ra Co
Co Ma
Co Ma
Re Co Co
Ra
Co
Co
Re
Ma
Co
Re
Co
Co Re Ra Ma
Co Re Co
Ma
Co
Ra Ra
Re
Re
Ra Re Co
Ra Co
Co
Co Ma Re
Ra Re
Ra Co Re Re Ra
Ra Re
Ma
Ma
Ra
Ma Co Co
Mata Pampa Pantanal Atlântica Co Ra Co Ma
Co
Ma Ra
Co Co
Co
Co Ra
Co
Co Re Co Re
Re
108 Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
Re
Re
Re
Co
Re
Monodelphis unistriata Philander andersoni Philander frenatus Philander mcilhennyi Philander opossum Thylamys karimii Thylamys macrurus Thylamys velutinus
Re
Ra Ra Co Ma
Ma Ra
Ra Co Re Ra
Co Re Re
Ma
*Apesar de possuir mais do que cinco registros, a espécie é considerada rara localmente, pois todos os registros se referem a captura de apenas um ou dois indivíduos (ver descrição da espécie).
e arborícola, respectivamente, que antes eram raras ou ausentes nas amostragens (Umetsu et al., 2006; Cáceres et al., 2011). Além disso, a crescente utilização de técnicas moleculares em estudos taxonômicos também tem sido um fator chave para a melhor compreensão das relações entre espécies deste grupo tão diverso (e.g. Voss et al., 2005; Vilela et al., 2010; Pavan et al., 2012). Porém, existem ainda muitas lacunas a serem preenchidas, sejam elas no campo do inventariamento, ou no campo da taxonomia. Áreas isoladas ou pouco amostradas, como a região central, norte e oeste da Amazônia, Pantanal, norte do Cerrado, interior da Caatinga, sul do Pampa e áreas de ecótone, carecem de listas mais detalhadas a cerca da ocorrência das espécies, o que dificulta a compreensão dos limites de distribuição de muitas delas. Por outro lado, a falta de revisão taxonômica impede que novas espécies sejam descobertas ou definidas a partir de espécies crípticas com ampla distribuição, como podem ser os casos de Metachirus nudicaudatus (Costa, 2003) e Philander opossum (Gardner, 2008). Esta lacuna pode ser um reflexo da necessidade de formação de novos sistematas seja na área de marsupiais ou mesmo de pequenos mamíferos em geral. Apesar de ter havido um incremento substancial de profissionais da área na última década, este ainda é um dos principais problemas na grande área de zoologia no Brasil. Finalizando, ressaltamos ainda a importância da coleta de boas séries de espécimes e a consequente citação desse material testemunho em publicações para que, mesmo em estudos ecológicos, as espécies possam ser averiguadas por terceiros para que se possam gerar mapas de distribuição confiáveis e evitar uma possível disseminação de informações errôneas.
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Apêndice 1. Referências utilizadas na confecção dos mapas de distribuição das espécies de marsupiais brasileiros. Optamos por citar apenas uma referência quando mais de um estudo fora realizado em uma mesma localidade e que citavam as mesmas espécies, utilizando como critério de escolha, a publicação de maior impacto, mais recente e mais completa. 1- Abreu, M.S.L. et al. 2011. Biota Neotropica, 3: 391-400; 2- Aléssio, F.M. et al. 2005. Mastozoología Neotropical, 12: 53-56; 3- Alho, C.J.R. et al. 1986. Mammalia, 50: 447-460; 4- Alho, C.J.R. et al. 1987. Revista Brasileira de Zoologia, 4: 151-164; 5- Andreazzi, C.S. et al. 2011. Zoologia, 28: 762-770; 6- Asfora, P.H. & Pontes, A.R.M. 2009. Biota Neotropica, 9: 31-35; 7Astúa, D. 2006. Mammalia, 70: 174-176; 8- Astúa, D. et al. 2006. Bol. Mus. Biol. Mello Leitão, 19: 31-34; 9- Avila-Pires, F.D. 1994. Revista Brasileira de Biologia, 54: 367-384; 10- Becker, R.G. et al. 2007. Mastozoología Neotropical, 14: 157-168; 11Bergallo, H.G. & Cerqueira, R. 1994. Journal of Zoology, 232: 551-563; 12- Bernarde, P.S. & Machado, R.A. 2008. Check List, 4: 151; 13- Bernarde, P.S. & Rocha, V.J. 2003. Biociências, 11: 183-184; 14- Bezerra, A.M.R. et al. 2009. Zoological Studies, 48: 861-874; 15- Bonvicino, C.R. et al. 1996. Revista Brasileira de Biologia, 56: 761-767; 16- Bonvicino, C.R. et al. 2002. Brazilian Journal of Biology, 62: 765-774; 17- Bonvicino, C.R. et al. 2005. Brazilian Journal of Biology, 65: 395-406; 18Breviglieri, C.P.B. & Pedro, W.A. 2010. Chiroptera Neotropical, 16: 732-739; 19- Cáceres, N.C. 2002. Studies on Neotropical Fauna and Environment, 37: 97-104; 20- Cáceres, N.C. 2003. Revista Brasileira de Zoologia, 20: 315-322; 21- Cáceres, N.C. 2004. Mammalian Biology, 69: 430-433; 22- Cáceres, N.C. et al. 2002. Mammalia, 66: 331-340; 23- Cáceres, N.C. et al. 2007. Revista Brasileira de Zoologia, 24: 426-435; 24- Cáceres, N.C. et al. 2008. Iheringia – Série Zoologica, 98: 173-180; 25- Cáceres, N.C. et al. 2010. Journal of Natural History, 44: 491-512; 26- Cáceres, N.C. et al. 2011. Journal of Tropical Ecology, 27: 279287; 27- Cáceres, N.C. et al. 2012., Didelphimorphia, p. 000-000. In: Weber, M.E.; Roman, C.; Cáceres, N.C. (Eds). Mamíferos do Rio Grande do Sul. Santa Maria, Editora UFSM. 28- Caldara Jr., V. & Leite, Y.L.R. 2007. Bol. Mus. Biol. Mello Leitão, 21: 57-77; 29- Calzada, J. et al. 2008. Acta Amazônica, 38: 807-810; 30- Camardella, A.R. et al. 2000. Mammalia, 64: 379-382; 31- Caramaschi, F.P. et al. 2011.Biological Journal of the Linnean Society, 104: 251-263; 32- Carmignotto, A.P. & Aires, C.C. 2011. Biota Neotropica, 11: 313-328; 33- Carmignotto, A.P. & Monfort, T. 2006. Mammalia, 70: 126-144; 34- Carvalho, B.A. et al. 2002. Journal of Mammalogy, 83: 58-70; 35- Carvalho, R.V.C. et al. 2000. Boletim do Museu Nacional, 438: 1-8; 36Casella, J. & Cáceres, N.C.C. 2006. Neotropical Biology and Conservation, 1: 5-11; 37- Castro, E.B.V. & Fernandez, F.A.S. 2004. Biological Conservation, 119: 73-80; 38- Cerqueira, R. 1984. Mammalia, 48: 95-104; 39- Cerqueira, R. et al. 1993. Mammalia, 57(4):507-517; 40- Cherem, J.J. et al. 2004. Mastozoología Neotropical, 11: 151-184; 41- Chiarello, A.G. 1999. Biological Conservation, 89: 71-82; 42- Coelho, I.P. et al. 2008. European Journal of Wildlife Research, 54: 689-699; 43- Da Silva, M.N.F. & Langguth, A. 1989, Journal of Mammalogy, 70: 873-875; 44- D’Andrea, P.S. et al. 1999. Revista Brasileira de Zoologia, 16: 611-620; 45- Delciellos, A.C. & Vieira, M.V. 2009. Journal of Mammalogy, 90: 104-113; 46- Dias, I.M.G. et al. 2009. Conservation Genetics, 11: 1579-1585; 47- Fernandes, F.R. et al. 2010. Journal of Tropical Ecology, 26: 185-192; 48-
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Zootaxa, 2761: 1–33; 131- Dados não publicados: Cáceres, N.C.; Melo, G.L.; Sponchiado, J.
BIOLOGIA
112 Distribuição geográfica de marsupiais no Brasil
CAPÍTULO 4
Amostragem de Marsupiais Nilton C. Cáceres* Maurício E. Graipel** Jorge J. Cherem*** Abstract: Marsupial Sampling. The Brazilian marsupials are a conspicuous part of the Neotropical mammal diversity. In order to sampling this diversity in the nature, we treat in this chapter of the several and different methods to assess didelphid marsupials in the different habitats they live. We treat consecutively of sampling planning, sampling design of traps in the space (grid and transect line), trap type, how to do captures of the different species according to the habitat, baits, capture-mark-recapture, and reference collection of specimens. We discuss the adequacy of the different methods to assess species in light of the results obtained by field researchers. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução Pertencentes à ordem Didelphimorphia, os marsupiais brasileiros compreendem um diversificado grupo de espécies de pequeno porte, incluindo atualmente 15 gêneros e 56 espécies (ver Introdução, neste volume). No entanto, esse número tende a aumentar uma vez que novas espécies estão sendo Departamento de Biologia, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria. Camobi. Santa Maria, RS, 97110-970, Brasil.
*
Departamento de Ecologia e Zoologia, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, 88040-970, Brasil.
**
CAIPORA Cooperativa para Conservação da Natureza. Av. Des. Vitor Lima, 260/513, Bairro Carvoeira. Florianópolis, SC, 88040-400, Brasil.
***
Autor correspondente: [email protected]
Amostragem de marsupiais
113 BIOLOGIA
descobertas a cada ano, seja no Brasil em particular ou na Região Neotropical como um todo (Patterson, 2001; Rossi & Bianconi, 2011; Pavan et al., 2012). Os marsupiais ocorrem em todos os biomas brasileiros (Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Campos do Sul) e apresentam hábitos locomotores bastante diversificados (semi-aquático, terrestre, escansorial e arborícola) (Paglia et al., 2012). Possuem também diversas adaptações relacionadas a esses hábitos, tais como cauda preênsil nas espécies arborícolas e escansoriais; variação na largura dos pés e no ângulo do dedo opositor, no comprimento dos membros anteriores ou posteriores e no comprimento da cauda principalmente em relação ao uso do substrato arbóreo ou terrícola (ver Vieira & Delciellos, neste volume). As espécies de marsupiais brasileiros apresentam diversos tamanhos de corpo (7 g a 3,5 kg; N.C. Cáceres, obs. pess.) e dietas predominantemente onívoras, mas com especializações alimentares particulares, como nas espécies frugívoras e insetívoras (Santori et al., neste volume). Assim, tanto para estudar os diferentes aspectos da ecologia destas espécies quanto para realizar um levantamento faunístico completo, é necessário o uso de métodos específicos e variados para a amostragem dos marsupiais em campo. Os estudos científicos sobre a biologia de marsupiais no Brasil tiveram início em meados do século passado. Há coletas mais antigas que remontam a épocas anteriores a 1900, quando a maioria das espécies de marsupiais brasileiros foi amostrada pela primeira vez e descrita para a ciência. Essas coletas foram feitas com técnicas que visavam a obtenção de espécimes para coleção em museus, como por exemplo as ratoeiras. Em geral, se comparados, os métodos de amostragem utilizados hoje em dia são mais sistematizados e, além do inventário da diversidade, têm também objetivos principalmente ecológicos. Atualmente é comum a utilização de métodos mais modernos de captura, como armadilhas desenhadas para minimizar os ferimentos ao animal, como os modelos de arame ou de chapas metálicas. Recentemente, o uso de armadilhas de queda tem se difundido, visto que amostram de maneira menos seletiva a riqueza e diversidade local de espécies (Umetsu et al., 2006; Cáceres et al., 2011b). A descrição de novos métodos de amostragem tem levado a resultados positivos no registro de várias espécies de marsupiais, como o uso de armadilhas no dossel ou sub-bosque florestal (Malcolm, 1991; Vieira, 1998; Graipel, 2003; Graipel et al., 2003). Às vezes são necessárias técnicas específicas, como no caso da cuíca-d’água, que exige amostragens em cursos de água corrente com armadilha de passagem e barreiras que direcionam os animais às armadilhas (Bressiani & Graipel, 2008). Como a maioria dos marsupiais brasileiros tem pequeno porte, é florestal, arborícola ou escansorial e têm hábitos crepusculares ou noturnos, observações visuais não são suficientes para sua amostragem, ao contrário de primatas, por exemplo. Com base nisso e no fato de que a maioria dos estudos com marsupiais brasileiros depende de coletas para a correta determinação taxonômica das espécies, ou da captura seguida de soltura dos indivíduos como no estudo de populações, relacionados ou não a impactos ambientais, fazemos a seguir uma revisão dos principais métodos utilizados para sua amostragem em campo.
Capturas Capturas de marsupiais são usualmente feitas com armadilhas, que podem ser de vários tipos, formas e tamanhos. As armadilhas são utilizadas quando se requerem amostragens sistematizadas, mas também podem ser usadas para estudos rápidos, de curta duração. Normalmente as armadilhas utilizadas atualmente BIOLOGIA
114 Amostragem de marsupiais
mantêm os animais vivos, embora existam algumas que irão sacrificar o animal, como as ratoeiras. As armadilhas convencionais são feitas de arame ou chapas metálicas (como de alumínio). Há também as armadilhas de queda (“pitfalls”; também tratadas como “armadilhas de intercepção e queda com cerca guia”), onde baldes enterrados ao nível do solo são utilizados. Em todos esses métodos, os animais são capturados e mantidos presos no interior da armadilha até que sejam manipulados pelo pesquisador ou técnico. Em todos os casos, deve-se observar o tratamento adequado e ético aos animais, para que não sofram com a captura ou manipulação, atendendo a várias exigências que levam ao bem-estar animal, mesmo que mantido cativo por pouco tempo (Sikes et al., 2011). É necessário obter também a licença/ autorização para captura e transporte de fauna junto ao órgão ambiental competente brasileiro (SISBIO, IBAMA ou o respectivo órgão estadual). De acordo com o ambiente ou o estrato (solo, sub-bosque e dossel) a ser amostrado existem alguns métodos específicos para a captura, os quais são apresentados a seguir.
Capturas em Riachos O único marsupial com hábito semi-aquático, a cuíca-d’água Chironectes minimus, pode ser capturado em armadilhas convencionais de dupla entrada parcialmente submersas em locais rasos de riachos (Figura 1). Rochas ou outros materiais naturais como troncos caídos do próprio local devem ser dispostos a partir de cada um dos lados da porta da gaiola em direção às margens, preferencialmente ultrapassando a altura da armadilha, de forma a orientar os indivíduos para dentro da armadilha. Limpeza periódica deve ser realizada para retirada de folhas e outros materiais flutuantes que possam obstruir a entrada da gaiola (Bressiani & Graipel, 2008). O uso de iscas, como camarões ou peixes, pode aumentar as chances de captura (Galliez et al., 2009).
Figura 1 - Armadilha de arame de dupla entrada instalada em riacho para a captura da cuíca-d’água, Chironectes minimus. Note as rochas fazendo uma barreira para que o animal tenha que passar por dentro da armadilha, seguindo o curso d’água (foto por Maurício E. Graipel).
Amostragem de marsupiais
115 BIOLOGIA
Capturas no Solo Entre os principais modelos de armadilhas para captura, destacam-se as de arame (como “young” e “tomahawk”) e de chapa metálica (“sherman”; Figura 2), para os quais existem fornecedores no Brasil para modelos similares. A eficácia dessas armadilhas está relacionada a uma série de fatores, como tamanho da armadilha, tipo de isca e diversidade faunística local. Como exemplo, armadilhas grandes de arame geralmente apresentam maior espaçamento entre os arames e podem não capturar animais de pequeno porte e jovens (que podem fugir através dos espaços entre arames), favorecendo os maiores em tamanho (Cáceres et al., 2011b) e dificultando os estudos de estrutura populacional ou inventários de biodiversidade. O contrário é válido para gaiolas pequenas, que acabam favorecendo as espécies menores e jovens de espécies maiores. Estudos de dinâmica populacional devem considerar esses fatores e, por isso, acabam sendo específicos para certas espécies que são mais prováveis de captura. Armadilhas convencionais, de arame ou de chapa, podem ser muito eficientes, capturando desde pequenos marsupiais (gêneros Cryptonanus e Gracilinanus, com peso usual entre 15 e 35 g) até marsupiais de maior porte (como adultos de gambás do gênero Didelphis, que podem chegar a 3,5 kg; N.C. Cáceres, obs. pess.). Contudo, o uso de armadilhas de diferentes tamanhos é importante dependendo do objetivo do estudo, pois esse passa a ser um fator de seleção das espécies a serem amostradas, ou seja, as armadilhas tenderão a capturar indivíduos ou espécies de tamanhos equiparáveis aos das armadilhas. Assim, às vezes são utilizadas armadilhas de dois tamanhos em cada estação ou ponto de captura (e.g. Malcolm, 1991), mas pode haver diferenças na probabilidade de captura das espécies dependendo do
Figura 2. Armadilha do tipo sherman posicionada no nível do sub-bosque de uma floresta estacional do interior do Brasil (foto de Nilton C. Cáceres).
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116 Amostragem de marsupiais
modelo de armadilha, como entre sherman e de arame (O’Farrell et al., 1994). Cáceres et al. (2011) relataram uma tendência de as armadilhas de arame capturarem mais em abundância as espécies de pequenos mamíferos do Cerrado quando comparado às armadilhas sherman. O uso de ratoeiras em inventários faunísticos e para análise da dieta pelo conteúdo estomacal pode ser uma técnica eficiente para marsupiais (Woodman et al., 1996), mas quando o estudo exigir capturas de animais vivos, gaiolas de arame ou de chapas de metal e armadilhas de queda são mais indicadas. Alternativamente, as armadilhas de queda têm se mostrado eficientes em amostrar a riqueza de espécies de marsupiais, particularmente as espécies raras (e.g. Monodelphis kunsi; Cáceres et al., 2011a, b), que normalmente não são amostradas com o uso de métodos convencionais como as gaiolas metálicas (Umetsu et al., 2006). Normalmente as armadilhas de queda amostram maior riqueza de espécies quando comparadas aos outros tipos de armadilhas ou são complementares a estas em estudos zoológicos ou ecológicos (Lyra-Jorge & Pivello, 2001; Santos-Filho et al., 2006; Cáceres et al., 2011b). Armadilhas de queda também amostram espécies de menor tamanho corporal relativamente aos outros tipos de armadilhas (Voss & Emmons, 1996; Lyra-Jorge & Pivello, 2001; Cáceres et al., 2011b), podendo capturar mais indivíduos jovens de certas espécies (Umetsu et al., 2006). Os baldes, facilmente obtidos no comércio em geral, devem ser de 30 litros ou mais para melhor amostragem das espécies de maior tamanho corporal, maior capacidade de salto e mesmo espécies arborícolas (Umetsu et al., 2006; Cáceres et al., 2011b; Melo et al., 2011). De fato, baldes com volume de 60 a 100 litros são interessantes para estudos de inventário e de ecologia (Cáceres et al., 2011a; Nápoli & Cáceres, 2012), podendo ser utilizados complementarmente ao uso de armadilhas convencionais (Cáceres et al., 2011b) ou aliados a pesquisas que envolvam a herpetofauna. Nas armadilhas de queda são geralmente instaladas cercas (de lonas de plástico ou outro tecido) de alguns metros de comprimento que direcionam os animais ao balde. Uma questão que permanece em aberto é a utilização de tecidos que permitam que animais escansoriais e arborícolas escalem as cercas, escapando de serem capturados nos baldes. No entanto, esse tipo de material (como o sombrite) tem resultado em consideráveis taxas de captura de marsupiais e roedores (Cáceres et al., 2011a), mesmo com esforços muito menores em relação às armadilhas convencionais (e.g. Melo et al., 2011). Essas cercas-guia podem ter 50 ou mais centímetros de altura, e permanecem estendidas e fixadas com estacas de madeira ou presas à vegetação (Figura 3). A cerca-guia deve ser posicionada sobre cada balde enterrado no substrato, de modo que o animal se locomova junto à cerca e caia no balde (Voss & Emmons, 1996). São sugeridos baldes de coloração críptica ao ambiente (no caso, o folhiço ou da cor do solo em questão), pois os animais podem evitar a aproximação da beirada do balde caso este tenha coloração destacada ou brilhante. As cercas-guia podem se conectar aos baldes ininterruptamente (seguindo uma transecção linear de baldes, com distâncias entre baldes de 10, 15 ou mais metros) ou estar atravessando um balde apenas, isoladamente, ou um conjunto de poucos baldes, formando um desenho de um “Y” (Figura 6 c). Entretanto, armadilhas de queda parecem ser inconvenientes quando se almeja obter recapturas, o que deve ser um problema em estudos populacionais; dois dos problemas seriam a predação e a maior mortalidade devido à chuva. O uso de armadilhas de queda pode facilitar a predação dos animais capturados (Figura 4), comprometendo uma importante premissa de estudos populacionais, de que o método não deve afetar as chances de sobrevivência dos animais capturados. Para evitar a predação, métodos específicos devem ser utilizados para minimizar esse efeito, como o uso de abrigos seguros no interior do balde, ou mesmo um monitoramento mais frequente dos mesmos. Pedaços de canos (tipo PVC) cortados, Amostragem de marsupiais
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abrigos feitos de isopor ou pequenas caixas de madeira com orifício único podem ser depositados no fundo de cada balde para evitar a detecção ou a predação dos espécimes capturados, além de protegê-los contra o frio (ver recomendações em Sikes et al., 2011).
Capturas no Estrato Arbóreo: Sub-Bosque e Dossel Os marsupiais neotropicais, devido aos seus modos de vida muitas vezes arborícolas ou escansoriais, podem ser facilmente capturados nos estratos mais altos da floresta, como no sub-bosque e dossel (Moura et al., 2008). Porém, apenas nas últimas décadas os pesquisadores têm utilizado armadilhas arbóreas para coleta e estudos ecológicos. Isto ocorreu principalmente devido às dificuldades encontradas para a instalação das armadilhas no alto das árvores, seja em função das dificuldades de subida nas árvores, das exigências relacionadas à seleção do local para instalação das armadilhas, ou do tempo de instalação e revisão das armadilhas quando no alto das árvores (Vieira, 1998). Capturas de marsupiais no sub-bosque têm sido realizadas no Brasil, normalmente entre 1,5 e 3 metros de altura (e.g. Vieira & Monteiro-Filho, 2003). Nesse tipo de amostragem, as armadilhas são fixadas sobre galhos ou nos troncos de árvores de diversas formas. Pode-se simplesmente amarrar ou prender a armadilha sobre o galho com o uso de barbantes, cordas, borrachas ou arame. Contudo, quando isso não é possível devido à espessura e inclinação acentuadamente vertical do tronco/galho, técnicas diferentes devem ser utilizadas para sustentar a armadilha (Figura 5).
Figura 3. Armadilhas de queda (“pitfall”) instaladas em áreas de floresta estacional do interior do Brasil (GO e MS) para captura de marsupiais e pequenos roedores. As lonas das cercas-guia estão sustentadas por cordões presos à vegetação ou por estacas de madeira (fotos por N.C. Cáceres).
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Figura 4. Uma cuíca Gracilinanus agilis (seta, à esquerda) prestes a ser predada por uma jararaca Bothrops neuwiedii em uma armadilha de queda instalada em fragmento de floresta estacional do estado do Mato Grosso do Sul. Posteriormente constatou-se que a jararaca pôde sair rapidamente do interior do balde de 60 litros (foto por Nilton C. Cáceres).
Vários métodos foram descritos e testados como a armação em “V” (Malcolm, 1991), na qual a armadilha é amarrada a uma plataforma formada por duas ripas de madeira fixadas entre dois galhos, entre um galho e o tronco, ou mesmo entre duas árvores próximas (Figura 5 a). Outra técnica é a de encaixe que proporciona maior uniformidade na disposição do conjunto de armadilhas e menor tempo para instalação. Consiste em fixar sob a armadilha uma peça de metal em forma de “L” com 35 cm de comprimento na parte maior e 15 cm na menor, a qual fica voltada para baixo. A parte menor então é inserida em uma cinta de metal que serve de encaixe e se encontra fixada em um galho ou árvore com fita adesiva (Figura 5 b). Sendo de encaixe, a armadilha pode ser removida com facilidade do local de instalação (Graipel et al., 2003). Parece haver diferenças na eficiência de captura de marsupiais na comparação entre as técnicas em “V” e de encaixe, que podem estar relacionadas a desarmes da primeira devido à movimentação não sincronizada de troncos ou árvores. Várias espécies de marsupiais têm sido amostradas utilizando armadilhas no sub-bosque das florestas, tais como os gambás Didelphis aurita e D. marsupialis e diversas espécies de cuícas como Philander frenatus, P. opossum, Marmosa murina, M. paraguayana, Gracilinanus microtarsus, G. agilis, Marmosops incanus e M. paulensis (Leite et al., 1996; Vieira & Monteiro-Filho, 2003; Lambert et al., 2005). Capturas de marsupiais no dossel de florestas têm sido realizadas nos últimos anos. Como um exemplo, Metachirus nudicaudatus era antigamente reconhecida como espécie arborícola, mas hoje em dia se sabe que é estritamente cursorial (Malcolm, 1991; Vieira & Monteiro-Filho, 2003). Desde o pioneiro estudo com marsupiais neotropicais arborícolas no início da década de 1980 (CharlesDominique et al., 1981), os métodos para se acessar os marsupiais arborícolas têm se desenvolvido. Procurando minimizar a dificuldade de instalação de armadilhas no dossel, técnicas que permitem a instalação da armadilha no estrato arbóreo sem a necessidade de subir nas árvores foram descritas (Vieira, 1998; Graipel, 2003), além de técnicas para colocação de armadilhas também no sub-bosque (Graipel et al., 2003), minimizando o esforço físico e os efeitos da seleção subjetiva do local para instalação da armadilha (Figura 5 c, d). Estudos com marsupiais, incluindo os de dossel, têm sido principalmente realizados em áreas da Mata Atlântica (e.g. Passamani, 1995; Leite et al., 1996; Graipel, 2003; Vieira & Monteiro-Filho, 2003), sendo relativamente poucos na Amazônia (e.g. Malcolm, 1991; Lambert et al., 2005) e no Cerrado (Hannibal & Cáceres, 2010). Espécies de cuícas arborícolas têm sido detectadas no dossel de florestas tanto da Amazônia, da Floresta Atlântica e do Cerrado, como Caluromys lanatus, C. philander (Linnaeus, 1758), Marmosa demerarae (Thomas, 1905) e M. paraguayana (Malcolm, 1991; Monteiro-Filho & MarcondesMachado, 1996; Vieira & Monteiro-Filho, 2003; Lambert et al., 2005; Hannibal & Cáceres, 2010).
Iscas O tipo de isca pode afetar as estimativas de abundância, composição e riqueza de espécies em um inventário ou estudo ecológico (Woodman et al., 1996). Considerando o hábito genericamente onívoro dos marsupiais neotropicais, frutos nativos ou cultivados (banana, abóbora e milho verde) em associação com iscas de origem animal (como bacon e sardinha) podem ser a forma mais adequada para a atração. Essas iscas podem ser untadas com óleo de fígado de bacalhau comercial e/ou creme de amendoim (e.g. Bergallo, 1994; Cáceres et al., 2011b). Recomenda-se repor a isca diariamente em locais onde haja grande incidência de formigas e onde o clima faça com que as mesmas se deteriorem rapidamente. Testes específicos sobre a adequação de iscas a captura de marsupiais no Brasil ainda são poucos (Astúa et al., 2006) Amostragem de marsupiais
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Figura 5. Métodos de captura de marsupiais neotropicais. a) Método fixo ou em “V” (usado no sub-bosque) (à esquerda, em cima); b) método de encaixe ou “fitting method” (mais prático e usado no sub-bosque) (à direita, em cima); c) método em “C” elevado ao dossel por sistema de cordas e roldana (à esquerda, embaixo). d) Sistema de cordas e roldana ilustrando como se poderia elevar facilmente uma plataforma até o dossel (à direita, embaixo) (fotos por Maurício E. Graipel).
e, assim, mais estudos são necessários para se conhecer as taxas de captura de determinadas espécies, principalmente em estudos populacionais. Recomenda-se que estudos piloto sejam feitos previamente a estudos populacionais, testando-se tipos de iscas mais apropriadas às espécies alvo (Santori et al., neste volume).
Planejamento da Amostragem O planejamento da amostragem é uma das principais etapas no desenvolvimento de estudos sobre marsupiais ou qualquer outro grupo e deve estar devidamente adequado aos objetivos do estudo. Envolve, por exemplo, a definição do número e duração das campanhas de amostragem, e da quantidade, tipos, dimensões e disposição de armadilhas. Uma recomendação importante é a padronização do desenho amostral quando as amostragens são realizadas em épocas do ano distintas (variação temporal) ou em BIOLOGIA
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locais diferentes (variação espacial). A manutenção dos mesmos métodos, configuração e esforço de amostragem ao longo de todo o estudo viabiliza a comparação entre os dados obtidos, possibilitando a realização de análises posteriores robustas e variadas. E, quando possível, é importante que estudos prévios (piloto) sejam realizados antes do início da amostragem de fato (Voltolini, 2006). Existem vários tipos de configuração das armadilhas no espaço para a amostragem de marsupiais, principalmente para estudos ecológicos, e esses irão depender do objeto de pesquisa; mas não variarão muito do formato em grade e transeção linear. Para que se obtenha um número razoável de indivíduos objetivando a estimativa de densidade populacional em grades quadradas de armadilhas, recomenda-se que essas sejam superiores a 2 ha em área para os pequenos marsupiais (para amostrar mais indivíduos de cada espécie) e várias vezes esse tamanho para espécies do gênero Didelphis, tal como 20 ou 30 ha (Sunquist et al., 1987; Cerboncini et al., 2011). Apesar do maior esforço empregado em grades maiores, os resultados devem compensar em termos de número de indivíduos amostrados e variação de micro-ambientes cobertos pela grade. Pode-se eventualmente, dependendo do objetivo, utilizar múltiplas grades em vez de uma grande (Lira & Fernandez, 2009). Para esses empreendimentos maiores, em termos de logística, recomenda-se contratação de mão de obra terceirizada. Para uma transecção linear, o número de estações amostrais pode variar de 10 a 50, com um espaçamento recomendado de 20 metros entre estações, lembrando que as transecções deverão ser independentes entre si. Esse número de estações, assim como a distância entre estações, pode variar dependendo do número de ambientes que se deseja amostrar, além do tamanho da espécie alvo e de sua capacidade de deslocamento. Por exemplo, quanto mais áreas diferentes e independentes, menos estações de captura cada área deverá conter, o que é uma questão de viabilidade logística. Exemplos práticos existem, como o estudo de Pardini (2004) amostrando 36 áreas e utilizando duas transecções lineares próximas (20 m), cada uma contendo 12 estações amostrais, distanciadas 15 metros uma da outra. É possível usar duas armadilhas (de dois tamanhos e/ ou tipos diferentes, como tomahawk e sherman) em cada estação amostral, uma no solo e outra no sub-bosque entre 1,5 a 2 metros de altura (e.g. Pardini, 2004), mas há desenhos amostrais que utilizam alturas alternadas das armadilhas em relação ao nível do solo, o que irá depender do objetivo e da concepção da pesquisa (Melo et al., 2011). No caso de armadilhas de queda (pitfalls) dispostas em transecção linear, as mesmas considerações apresentadas acima são válidas, com a diferença de que o espaçamento entre estações de capturas pode ser maior, dada a maior capacidade de amostragem das armadilhas de queda (tanto em abundância quanto em riqueza de espécies; Umetsu et al., 2006), principalmente quando aliadas a longas cercas-guias e a baldes de grande volume (Cáceres et al., 2011b). Neste caso, o número de estações de amostragem por transecção pode ser menor se comparado ao necessário para armadilhas convencionais (Cáceres et al., 2011b; Melo et al., 2011). O esforço de amostragem para as grades de armadilhas em estudos populacionais preferencialmente não deve ultrapassar 5 dias consecutivos, para minimizar a morte de indivíduos por fatores tais como calor, frio e predação. Esse número de dias de esforço certamente será importante para a amostragem adequada das espécies mais comuns localmente. Por outro lado, no caso de transecções que envolvam estudos de comunidades ou levantamentos de fauna, recomenda-se pelo menos 5 dias contínuos de amostragem em cada fase de campo. Duas formas de distribuição das armadilhas no espaço horizontal têm sido usadas em pesquisas com marsupiais: a transecção linear e a grade de armadilhas (e.g. Vieira et al., 2004) (Figura 6 a, b). A Amostragem de marsupiais
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transecção é sugerida para uso em inventários ou estudos de sistemática, cobrindo mais facilmente os diferentes ambientes de uma região. Pesquisas com cunho ecológico podem utilizar ambas as configurações, dependendo dos objetivos do projeto. Transecções lineares são mais fáceis de estabelecer e replicar no espaço bidimensional do que grades. Devido ao formato quadrado da grade, esta apresenta menor efeito de borda do que a transecção. Quanto mais alongada for a grade (ou a transecção), maior será o efeito de borda e, por conseguinte, maior o número de primeiras capturas, maior a abundância, e menor a taxa de recapturas de indivíduos marcados (Vieira et al., 2004; Moura et al., 2008). A vantagem de utilização da grade quadrada é a facilidade de análise da área de efetiva amostragem através do método de Dice (Fernandez, 1995) para o cálculo da densidade populacional, que é o método mais fácil e utilizado na maioria dos estudos. O uso de grades retangulares geralmente resulta na exclusão de um maior número de indivíduos capturados nas bordas da grade quando se aplica, por exemplo, o método de Dice e, portanto, em um menor número de indivíduos com a área de vida calculada (Graipel et al., 2006). Em estudos ecológicos onde se objetiva conhecer a área de vida da espécie, devem-se considerar apenas indivíduos que foram capturados no interior da grade (ver figura 2a em Leiner & Silva, 2009), pois aqueles que possuem registros na borda da grade têm sua área de atividade subestimada. Uma estação de captura pode ser definida como um ponto dentro de uma unidade amostral (e.g. uma transecção), que pode conter uma ou mais armadilhas. Em estudos ecológicos, normalmente se deseja amostrar uma paisagem e várias unidades amostrais independentes são necessárias, tais como várias transecções lineares de armadilhas. Usualmente uma estação de captura contém uma armadilha no solo e outra no estrato arbóreo (e.g. Püttker et al., 2008; Leiner & Silva, 2009). A longa permanência dessas armadilhas abertas em pontos fixos no ambiente poderia levar alguns indivíduos a visitá-las diariamente em função da isca disponível, levando a um aprendizado indesejável que poderia distorcer a realidade das variáveis almejadas. Um dos modos alternativos de amenizar esse efeito seria instalar duas armadilhas justapostas em uma mesma estação de captura (e.g. uma sherman e uma young; Malcolm, 1991), aumentando as chances da captura de outros indivíduos ou de diferentes espécies no ponto. Dalmagro & Vieira (2005) utilizaram um rodízio de armadilhas funcionais em 121 estações de captura, sendo que a cada dia somente 100 armadilhas estavam funcionais e, a cada captura de um animal, a armadilha em questão era movida para outra estação de capturas.
Captura, Marcação e Recaptura Em estudos ecológicos ou de monitoramento de marsupiais, pode-se utilizar a técnica de captura, marcação e recaptura. Recentemente têm sido utilizadas outras técnicas importantes como a rádio-telemetria (Julien-Laferrière, 1999) e o carretel de rastreamento (Cunha & Vieira, 2005; Cáceres et al., neste volume), primariamente para examinar o uso do espaço pelos marsupiais, mas que servem para identificação individual, mesmo que temporária. Há várias alternativas para a marcação dos espécimes capturados, como o corte de falanges (Graipel et al., 2006; Figura 7 a), a perfuração de orelhas (Monteiro-Filho & Abe, 1999; Hannibal & Cáceres, 2010; Nápoli & Cáceres, 2012), entre outras menos usadas. No entanto, o uso de brincos numerados nas orelhas é a técnica mais comum no Brasil (Pires et al., 2002; Vieira & Monteiro-Filho, 2003; Pardini, 2004; Lambert et al., 2005; Galliez et al., 2009; Melo et al., 2011; Figura 7 b). O corte de falange (da falange distal) deve ser feito quando os BIOLOGIA
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Figura 6. Distribuição de armadilhas para captura de marsupiais neotropicais (e outros pequenos mamíferos). a) Transecção; b) grade; c) estação de captura com desenho em forma de “Y” simples, com armadilha de queda no centro. Em (a) e (b), cada círculo representa uma armadilha convencional (e.g. sherman) ou armadilha de queda. As linhas desenhadas em (a) e (c) se referem a cercas-guia para direcionamento do animal aos baldes quando o método for pitfall, mas devem ser inexistentes em (a) quando forem armadilhas convencionais. Porém, estações simples de captura de pitfalls, como em (c), podem ser usadas em (b) ou mesmo em (a). As distâncias entre armadilhas e a quantidade das mesmas devem seguir informações ecológicas a respeito das espécies em foco (como o tamanho médio da área de vida) e os objetivos específicos do estudo.
animais são ainda jovens, não havendo desse modo efeitos negativos na sobrevivência dos mesmos quando adultos (Fisher & Blomberg, 2009). Recomenda-se extrair no máximo dois dígitos em suas extremidades distais, sendo um por membro, à exceção do polegar oponível que não deve ser extraído (Fisher & Blomberg, 2009). Marsupiais de maior porte (como espécies de Philander, Metachirus e Didelphis) podem ser facilmente marcados com pequenas perfurações circulares nas orelhas, através de um aparelho furador de couro adaptado (atentar para que os orifícios fiquem circulares na orelha, pois podem ser confundidos com outros sinais naturalmente adquiridos pelo animal). A tendência de se utilizar brincos está relacionada à facilidade de aquisição dos mesmos, facilidade de aplicação e potencialidade de causar menos injúrias ao animal. Muitos pesquisadores os utilizam em ambas as orelhas do animal, devido à eventual perda de um dos brincos (e.g. Quental et al., 2001), principalmente em estudos populacionais de longa duração, em que a perda da identificação poderia levar a uma superestimativa do tamanho da população. Amostragem de marsupiais
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Figura 7. Métodos de marcação de marsupiais para estudos ecológicos. A – Corte de falange no pé e mão direitos (recomenda-se extrair no máximo dois dígitos em suas extremidades distais, sendo um por membro, à exceção do polegar oponível que não deve ser extraído; em adição, recomenda-se que o procedimento seja feito quando os animais são jovens; Fisher & Blomberg, 2009). B – Utilização de brincos nas duas orelhas (fotos por Maurício E. Graipel) de Marmosa paraguayana e – C – em uma orelha apenas de Gracilinanus agilis (foto por Ana C. Delciellos). D – marcação circular na orelha esquerda de Didelphis aurita (foto por Licléia C. Rodrigues).
Coleção de Referência Nos estudos que envolvem a captura, marcação e recaptura de indivíduos, é recomendada a elaboração de uma coleção de referência ou de espécimes testemunhos, para qualquer população ou comunidade a ser estudada; ou seja, a coleta, preparação e depósito de espécimes em uma coleção científica. Essa BIOLOGIA
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coleção tem como objetivo a correta determinação taxonômica desses indivíduos, mesmo futuramente à medida que revisões taxonômicas e descrições de novas espécies sejam feitas, caracterizando os táxons presentes no local estudado, além de ser um conjunto de espécimes disponível para estudos posteriores de ecologia, taxonomia, sistemática e biogeografia. A coleta pode ser feita em um local próximo da área foco ou em um período anterior ao início dos estudos, para que as remoções não interfiram nos resultados do estudo. Sempre que possível espécimes encontrados mortos durante o estudo também devem ser coletados e preparados. Para marsupiais e pequenos mamíferos em geral, a preservação pode ser feita em via seca, através de taxidermia, ou via úmida. A taxidermia resulta em pele e crânio preparados, com o esqueleto pós-craniano podendo ser armazenado, juntamente com vísceras e musculatura, em via líquida, ou preparado e limpo para preservação em via seca. A preservação do espécime em via úmida permite conservar o animal inteiro, mantendo sua forma (embora, posteriormente, o crânio possa ser extraído pela porção anterior), primeiramente fixando-o em formol a 10% (por ± 6 dias) e posteriormente conservando-o em álcool 70%. Ressalta-se ainda a importância da coleta de um pequeno pedaço de tecido de cada exemplar para análises moleculares futuras, antes da fixação em formol. Pedaços de tecidos podem também ser obtidos a partir do corte das falanges ou das perfurações nas orelhas, aproveitando-se do processo de marcação. Recomenda-se consultar especialista da área molecular para outros detalhes, como assepsia do local, pois não deve haver contaminantes. Para coleções e estudos moleculares, usualmente usa-se o etanol absoluto direto e posteriormente se conserva a amostra em freezer a fim de evitar evaporação do álcool (Grisard & Steindel, 2007). Para outras formas de conservação de tecidos extraídos dos animais, a técnica é dependente do objetivo da pesquisa. Se o tecido for utilizado para cortes histológicos corados (hematoxilina-eosina, groccot, etc), utiliza-se preferencialmente formol 10%. Entretanto, esses tecidos ficam inutilizados para procedimentos por biologia molecular pois o formol inibe a PCR. Assim sendo, para PCR, prefere-se o etanol (nunca metanol pois este também inibe a PCR) que usualmente se utiliza inicialmente o 70% para fixação e depois o 95% ou absoluto para preservação por longos períodos. A conservação em etanol não é adequada para procedimentos de cortes histológicos pois o material fica quebradiço e não se cora bem. Usualmente em biópsias para pesquisa de patógenos, coleta-se um pedaço de tecido para cada fixação (Grisard & Steindel, 2007). Em caso de dúvida quanto à identificação é fundamental a coleta de exemplares testemunhos. Outras informações associadas ao espécime, como ectoparasitas, localidade, habitat e coordenadas geográficas precisas (verificar datum) são também importantes de se registrar.
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Amostragem de marsupiais
127 BIOLOGIA
CAPÍTULO 5
os Ectoparasitos de Marsupiais Brasileiros Pedro M. Linardi Abstract: Ectoparasites of Brazilian Marsupials. Ectoparasites that infest Brazilian marsupials are distributed by the orders Siphonaptera (fleas), Phthiraptera (biting lice), Metastigmata (ticks), Mesostigmata, Prostigmata and Astigmata, comprising 29 genera and 102 species. Fleas contain the greatest number of infesting species (30.4%), followed by mites Mesostigmata (22.5%) and Astigmata (16.7%), Metastigmata (15.7%), Prostigmata and Muscomorpha (5.9% each) and Phthiraptera (2.9%). Among the Brazilian didelphids, 11 genera (73.3%) are infested by ectoparasites: Caluromys, Chironectes, Didelphis, Gracilinanus, Lutreolina, Marmosa, Marmosops, Metachirus, Monodelphis, Philander and Thylamys. From the parasite’s viewpoint, Didelphis is the most important genus due to its number of parasite species (52) and to harbour fleas infected with trypanosomids. Monodelphis and Philander are infested by 40 and 15 species of ectoparasites, respectively. Among the genera of Brazilian marsupials, 11 are infested by fleas, 6 by Astigmata and 5 by mites Mesostigmata. Other groups of ectoparasites infest less than five genera of didelphids. Didelphis albiventris is associated with 31 species of ectoparasites, followed by Didelphis aurita (27), Monodelphis domestica (25) and Didelphis marsupialis (19). Twenty-four (44.4%) species of Brazilian marsupials have been found infested by ectoparasites. Half (50.0%) of the Brazilian fleas parasitize marsupials, with the families Rhopalopsyllidae and Ctenophthalmidae including greater number of species on marsupials. The genus Adoratopsylla has been found on 8 of 11 genera of infested didelphids with ectoparasites, being Adoratopsylla (Adoratopsylla) antiquorum antiquorum and Adoratopsylla (Tritopsylla) intermedia intermedia the commonest fleas caught on these hosts. The cat flea, Ctenocephalides felis felis, is commonly collected on opossums because
Departamento de Parasitologia do ICB/Universidade Federal de Minas Gerais. Avenida Presidente Antônio Carlos 6627, Caixa Postal 486, Belo Horizonte, MG, 30.161-970, Brasil. E-mail: [email protected]
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Os ectoparasitos de marsupiais brasileiros
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the varied habitats utilized by it. About 25.4% of Brazilian ticks infest marsupials, but the genus Amblyomma occurs only on Didelphis. Among the biting lice, Cummingsia is a genus restricted to the South American marsupials. Except for Astigmata and few species of ticks and macronyssid mites, other Acari are not specific to marsupials. Comments on methods of study, parasitological importance, host-parasite relationships and identification of the principal families are presented. A host-ectoparasite list is also added, as well as some trends and perspectives in ectoparasitology with a view to stimulating future research by Brazilian students. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução O parasitismo é uma associação desarmônica entre dois organismos, caracterizada pela unilateralidade de benefícios. Aquele que vive a expensas de outro é o parasito; aquele que alberga o parasito é o hospedeiro ou hospedador. Conforme sua localização, os parasitos podem ser designados ectoparasitos quando habitam as superfícies corporais e endoparasitos quando vivem no interior de órgãos e tecidos. Os ectoparasitos podem ser classificados em diversas categorias, conforme sua adaptação à vida parasitária ou à duração do tempo de parasitismo. No primeiro caso, podem ser categorizados em acidentais, facultativos ou obrigatórios. No segundo, em temporais ou permanentes. Por tais razões, nem sempre é tarefa fácil atribuir o verdadeiro conceito de ectoparasito que, a rigor, deve se restringir apenas àqueles tidos, simultaneamente, como obrigatórios e permanentes. Ectoparasitos verdadeiros podem ser encontrados em apenas duas classes de Arthropoda: Insecta e Arachnida. Entre os Arachnida, apenas na subclasse Acari. Segundo Marshall (1981), insetos ectoparasitos são aqueles que gastam grande parte de sua fase adulta em estreita associação com o habitat criado pela pele (e seus derivados) de mamíferos e aves, do qual derivam seu alimento. Entre os insetos, apenas 6.000 espécies ou 0,6% da fauna conhecida, seriam considerados ectoparasitos, distribuindo-se em sete diferentes ordens. Apenas as ordens Phthiraptera (piolhos) e Siphonaptera (pulgas) contêm espécies exclusivamente ectoparasitas perfazendo, respectivamente, 51% e 34% do total de ectoparasitos conhecidos. As espécies remanescentes estão incluídas nas ordens Diptera (11%), Hemiptera (2%), Coleoptera (1%), Dermaptera (. Acesso em: 30 mai. 2012. Redford, K. H.; Eisenberg, J. F. Mammals of the neotropics. The southern cone: Chile, Argentina, Uruguay, Paraguay. 1st ed. Chicago: University of Chicago Press, 1992. Reig, O. A.; J. Kirsch, A. W.; Marshall, L. G. New conclusions on the relationships of the opossum-like marsupials with an annotated classification of the Didelphimorphia. Ameghiniana, v. 21, p. 335-343, 1985.
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272 O gênero Thylamys: avanços e lacunas no conhecimento
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O gênero Thylamys: avanços e lacunas no conhecimento
273 BIOLOGIA
CAPÍTULO 13
MARSUPIAIS do Início do Paleógeno no Brasil: Diversidade e Afinidades Édison V. Oliveira* Francisco J. Goin** Abstract: EARLY PALEOGENE METATHERIANS FROM BRAZIL: DIVERSITY AND AFFINITIES. The diversity of the latest Paleocene-early Eocene metatherian fauna of Itaboraí locality, Brazil, is presented. Almost all major lineages (orders) of South American Cenozoic marsupials are already present in the Itaboraí fauna: Sparassodonta (Borhyaenoidea), Pediomyidae, Peradectoidea, “Didelphimorphia”, Paucituberculata, and Polydolopimorphia. Recent studies exclude the Microbiotheria of the Itaboraí fauna. North American lineages are represented by pediomyids and a few peradectids. Sparassodonts include small, generalized forms such as Patene simpsoni. The large variety of Itaboraian “didelphimorphians” (a polyphyletic clade in its present concept) includes, among others, caroloameghiniids, eobrasilines, herpetotheriids (sternbergiines and derorhynchines), monodelphopsines, pucadelphyids and the specialized protodidelphids; most of them seem to belong to early metatherian clades, not closely related to modern (Neogene) didelphid opossums. Derorhynchines have several derived dental features suggesting affinities with Australian peramelemorphians. The caroloameghiniid “didelphimorphian” opossums represent a South American peradectoid lineage. One of the oldest known Paucituberculata is also recorded in the Itaboraí fauna. Polydolopimorphians were supposed to be exclusively represented in Itaboraí by epidolopines; however, Bobbschaefferia and Mirandatherium may constitute early, plesiomorphic polydolopimorphians. Regarding the intercontinental relationships of metatherians some Itaboraian taxa such as derorhynchines,
Departamento de Geologia, Centro de Tecnologia e Geociências, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, 50670-420, Brasil. Autor correspondente: vicenteedi@ gmail.com
*
Departamento Paleontología de Vertebrados, Museo de La Plata, Paseo del Bosque s/n, 1900, La Plata, Argentina. **
Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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sternbergiines, and peradectids are presumed to be key in the affinities of African, Eurasian, Antarctic, and some Australian metatherians. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução “Marsupials present one of the most convincing cases in support of branching phylogeny... display almost as wide a range of structural and ecological adaptations as do the placentals, strongly suggesting that in these respects there are no intrinsic limitations to marsupial anatomy and physiology and, that, as a paradigm of mammalian evolution at least, marsupials are far from useless” (John A. W. Kirsch, 1977a, p. 287).
Os metatérios se constituíram, dentre os mamíferos, em um dos mais importantes elementos faunísticos ao longo do Cenozóico sul-americano. A notável diversidade alcançada pelos mesmos durante o Paleoceno-Eoceno, neste continente, tem servido de base para hipóteses sugerindo, para eles, o papel de arautos do intercâmbio faunístico interamericano ocorrido durante o final do Cretáceo e o início do Paleógeno (Pascual, 1980a; Bonaparte, 1984). Faunas importantes, que permitem reconstituir essa diversidade, estão localizadas em Tiupampa, Bolívia (Paleoceno Inferior), e as localidades de Las Flores, Argentina, e Itaboraí, Brasil, ambas representando o Paleoceno Tardio-Eoceno Inicial. Nesse contexto, o sítio de Itaboraí, localizado no estado do Rio de Janeiro (Figura 1), constitui-se em um dos mais significativos. Essa fauna apresenta, além de marsupiais, diversos outros mamíferos e sua relevância pode ser avaliada em aspectos tais como: (1) sua grande antigüidade (paleógeno), (2) sua posição geográfica situada mais ao norte em relação às demais faunas de igual ou próxima antigüidade e (3) a grande diversidade de formas que registra. Uma recente revisão dos metatérios de Itaboraí (Oliveira, 1998) confirmou o registro de clados de origem norte-americana, além de reconhecer uma maior diversidade em relação a estudos prévios. O papel ancestral de alguns elementos dessa fauna em relação a algumas linhagens australianas também parece ser relevante (ver adiante). Marsupiais foram, por muito tempo, considerados como um grupo pouco diversificado e “primitivo”, devido à crença de que a atual família Didelphidae provinha dos tempos do Cretáceo Inicial da América do Norte (porém ver Goin, 1991, 1993, 1995). Hoje, esses mamíferos são reinterpretados como um grupo extremamente diverso e impossível de ser incluído na “Ordem Marsupialia” (sensu Simpson, 1945). As mais de trinta famílias de metatérios sul-americanos fósseis e atuais são classificadas em não menos de seis ordens distintas: Peradectia, Microbiotheria, “Didelphimorphia”, Sparassodonta, Paucituberculata e Polydolopimorphia. Contudo, a distribuição dessas ordens nas coortes Alphadelphia, Ameridelphia e Australidelphia, como proposto por Marshall et al. (1990), está atualmente em debate. É através de elementos do sistema dentário (Figura 2) que a história evolutiva dos metatérios pode ser desvendada. Muito do conhecimento sobre metatérios paleógenos está baseado no abundante registro de peças dentárias, sejam elas completas ou incompletas. A utilização do sistema dentário em sistemas de classificação biológica tem alcançado ótimos resultados, embora tenha recebido duras críticas de alguns BIOLOGIA
276 Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
Figura 1 - Localização geográfica da Bacia de Itaboraí.
autores no concernente ao uso de peças isoladas para fundamentação de novos taxa (e.g. Szalay, 1994; Beck et al. 2008). Apesar disso, o grau de clareza das hipóteses obtidas através da utilização do sistema dentário parece ser reflexo de um maior acerto no estabelecimento de homologias, quando comparado aos demais sistemas biológicos utilizados em sistemática de marsupiais. Adicionalmente, os dentes são as únicas estruturas anatômicas dos mamíferos cuja disponibilidade no registro permite realizar um seguimento relativamente preciso da evolução de suas distintas linhagens. Nesse sentido, um dos desafios mais importantes para a interpretação filogenética e adaptativa da irradiação inicial dos metatérios sul-americanos está representado pela fauna de Itaboraí, cuja extraordinária riqueza taxonômica (revelada a partir de numerosos restos fundamentalmente dentários) foi objeto de várias revisões sucessivas durante a segunda metade do século XX (Paula Couto 1952a, b, c; 1961, 1962, 1970; Marshall, 1987; Oliveira, 1998; Goin et al. 1998; Goin & Oliveira, 2007; Oliveira & Goin, 2011). Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Figura 2. Nomenclatura da anatomia dentária utilizada no estudo de marsupiais fósseis e recentes. A, molar superior em vista oclusal; B, molar inferior em vista oclusal.
No presente capítulo, objetivamos sumariar o atual conhecimento sobre a evolução, diversidade e significado filogenético dos metatérios de Itaboraí, assim como também ressaltar as implicações que este conhecimento tem sobre a história biogeográfica dos Metatheria paleógenos e a radiação do grupo coronal Marsupialia. Nota à Editora: colocar por favor os dois parágrafos abaixo em notas de rodapé seqüenciais nesta (1ª. parágrafo) e na próxima pagina (2ª. parágrafo): Abreviaturas Institucionais: MCT (ex DGM), Museu de Ciências da Terra, Rio de Janeiro, Brazil; MCN-PV, Seção de Paleontologia, Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brazil; MN, Museu Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brazil. Abreviaturas Anatômicas: i2, i3, i4, i5, incisivos (Hershkovitz, 1995); p1, p2, p3, premolars inferiores; m1, m2, m3, m4, molars inferiores; M1, M2, M3, M4, molars superiores; StA, StB, StC, StD, StE, cúspides estilares A, B, C, D, E respectivamente. SALMA – Idade-mamífero terrestre sul-americana.
Irradiação de Metatérios do Paleógeno: o Início da História dos Marsupiais no Hemisfério Sul A grande irradiação alcançada pelos metatérios sul-americanos no início do Paleógeno desenvolveu uma variedade de formas de amplo espectro adaptativo, provavelmente superior ao registrado atualmente na Austrália (Goin, 1995). Como vimos, as localidades fundamentais que têm provido a base para o conhecimento das formas dessa época são as faunas paleógenas do Brasil, Argentina e Bolívia, além de diversas faunas patagônicas, na Argentina. Não há registros de metatérios no Cretáceo sul-americano (com possível exceção da fauna de Laguna Umayo no Peru), mas muito provavelmente eles estiveram presentes nesses tempos na América do Sul (vide e.g. Goin et al., 2006). Na Figura 3 pode ser observada a seqüência paleógena de idades-mamífero sul-americanas, cuja formalização se baseia essencialmente BIOLOGIA
278 Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
Figura 3. Quadro cronoestratigráfico mostrando as idades-mamífero sul-americanas e o posicionamento da Fauna de Itaboraí (SALMAs segundo Gelfo et al, 2009; curvas eustáticas segundo Hardenbol et al., 1998).
no “grau evolutivo” de determinadas associações faunísticas através do tempo. A fauna de Itaboraí representa o intervalo compreendido entre o final do Paleoceno e o início do Eoceno (Gelfo et al. 2009; Oliveira & Goin, 2011). Uma breve análise da composição faunística de metatérios de Itaboraí permite reconhecer a seguinte diversidade taxonômica:
Ordem Sparassodonta: Patene simpsoni Os Sparassodonta compreendem um grupo de metatérios sul-americanos, cuja tendência evolutiva se deu em direção à dieta carnívora especializada, verificada em seus dentes através da paulatina e gradual perda do metacônido, redução do tamanho do protocone, da plataforma estilar ampliada e redução do talonido, dentre outros caracteres. Fósseis de esparassodontes são conhecidos na Colombia, Bolivia, Uruguai, Chile, Argentina e Brasil (Marshall, 1978; Argot, 2004). O grupo apresenta-se distribuído desde o Paleoceno Inicial até o Plioceno (Marshall, 1980). O mais conhecido representante dessa ordem em Itaboraí é Patene simpsoni, que representa uma forma de médio tamanho, comparável a um gato doméstico (Figura 4). Esta espécie tem sido classificada por alguns autores dentre os Hathliacynidae (Marshall, 1981; Goin & Candela, 2004), mas estudos recentes sugerem que ela represente um grupo-irmão de Sparassodonta (Forasiepi et al., 2006). O gênero inclui ainda mais duas espécies: P. colhuapiensis do Riochiquense (Paleoceno tardio?-Eoceno inicial) da Patagonia central, Argentina e P. campbelli, do Paleógeno de Santa Rosa, Perú (Goin & Candela, 2004). Mayulestes ferox, do Paleoceno inferior da Bolívia foi referido a Sparassodonta (Borhyaenoidea) por Muizon (1994) e Argot (2004). Rougier et al. (1997) sugerem que o agrupamento de Mayulestes com os Borhyaenoidea constitui em realidade um agrupamento parafilético. Em vários aspectos, não é clara a afinidade dos Mayulestidae com os Borhyaenoidea, podendo constituir aqueles, mais provavelmente, uma derivação independente, de hábitos carnívoros, originada a partir de um estoque peradectídeo mais basal. Forasiepi et al. (2006) descrevem um novo hatliacinídeo para o Mioceno da Bolívia e realizam uma análise filogenética na qual Mayluestes é excluido de Sparassodonta, bem como o táxon itaboraienMarsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Figura 4. Patene simpsoni. Holótipo exibindo M1-4 em vista oclusal (MN 1331-V). escala = 2 mm.
se Patene. De qualquer modo, as evidências aportadas pelos metatérios de Itaboraí e também pelos de Tiupampa, sugerem que a base dos Sparassodonta está representada por um grupo monofilético integrado por formas do Paleógeno como Patene, além de Nemolestes e Stylocynus (Forasiepi, 2006). Muizon et al. (1997) consideram os borienóideos vinculados à diversificação inicial dos didelfimórfios, baseados na presença de i3 sobrejacente em Mayulestes e em didelfimórfios como Pucadelphys. Outros autores posicionam os Sparassodonta como formas basais a marsupiais australianos e sul-americanos (Archer, 1981; Szalay, 1994; Rougier et al. 1998; Forasiepi, 2009). Em nossa opinião, o grupo basal que melhor se compara com os boriaenoideos + hatliacinídeos é o dos Peradectidae. Juntamente com esta família, os borienóideos + hatliacinídeos exibem a centrocrista retilínea, o metacone e o paracone situados próximos entre si e equiparáveis em robustez, a plataforma estilar ampla, e os cônulos pouco desenvolvidos.
“Ordem Didelphimorphia” Família Pediomyidae A família Pediomyidae, originalmente estabelecida sobre material fóssil encontrado no Cretáceo Superior da América do Norte (Clemens, 1968), está representada em Itaboraí por um táxon inédito (Figura 5). Antes disso, Sigé (1972) tentativamente reconheceu a presença desse grupo no Cretáceo Superior do Peru. Em Tiupampa, Bolívia, a espécie Khasia tiupampina pode pertencer aos Pediomyidae e não aos Microbiotheriidae como originalmente sugerido por Muizon (1991; ver também Marshall et al., 1990). No Brasil, Marshall (1987) reconheceu a presença de pediomídeos em Itaboraí através do material descrito por Paula Couto como Monodelphopsis travassosi. Contudo, Oliveira (1998) demonstrou que o holótipo de Monodelphopsis, composto por um dentário esquerdo incompleto, não pertence BIOLOGIA
280 Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
Figura 5. Pediomyidae (DGM 808-M). A, m2-4 em vista oclusal e, m2-4 em vista lingual. Escala = 1 mm.
a um Pediomyidae e sim somente os dentes superiores referidos por Marshall (Figura 5). Além disso, a maior parte do material identificado como Monodelphopsis por Marshall (1987) pode não pertencer a esse gênero como veremos mais adiante. A identificação de pediomídeos em Itaboraí nos remete a questões problemáticas como, por exemplo, a que relaciona fileticamente esses metatérios aos Microbiotheria (Reig et al., 1987; Marshall et al., 1990 versus Aplin & Archer, 1987). O atual estágio de conhecimento sugere que as semelhanças entre pediomídeos e microbioterídeos se devem à homoplasia. Se por um lado os pediomídeos norte-americanos parecem ter experimentado uma longa e diversificada história evolutiva (Fox, 1987; Davis, 2007), por outro a diversificação precoce dos microbiotérios paleógenos representados em Itaboraí e Las Flores mostra que vários caracteres derivados, como a redução da plataforma estilar nos molares superiores que se desenvolveu em ambos de forma convergente. Famílias Herpetotheriidae, Protodidelphidae, Pucadelphyidae, e subfamílias Eobrasiliinae e Monodelphopsinae Em Itaboraí está registrada uma notável irradiação de metatérios que por muito tempo foram considerados como representantes da Família Didelphidae (Paula Couto, 1979; Marshall et al., 1990), mas que, muito provavelmente, representam um clado (ou clados) com história própria, que ilustra um episódio particular e ao mesmo tempo muito elucidativo da história dos metatérios sul-americanos (Goin, 1991, 1993; 1995; Goin et al., 1998; Oliveira, 1998; Oliveira & Goin, 2011). Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Dentre esses representantes se inclui às subfamílias Sternbergiinae e Derorhynchinae (ambas representantes de Herpetotheriidae), e a família Protodidelphidae. Estes últimos viveram exclusivamento no Paleógeno e integram formas altamente derivadas dentro do suposto grande clado em questão (Oliveira & Goin, 2011). Goin (2003) sugeriu a inclusão de Itaboraidelphys (Figuras 6A, D-E), Didelphopsis (Figura 6B), Carolopaulacoutoia (Figura 6C-D), e Marmosopsis (todos metatérios de Itaboraí), e dos táxons australianos Ankotarinja, Keeuna, e Djarthia, a um grupo natural, os Sternbergiidae (McKenna & Bell, 1997). A presença em todos estes marsupiais de uma cúspide estilar C, de posição lingual (“cúspide central”), conjuntamente com outros caracteres derivados (centrocrista muito labialmente estendida, pré-paracrista apontando à esquina parastilar), poderia representar uma associação de caracteres por heterobatmia,
Figura 6. Herpetotheriidae, Sternbergniinae. A, Itaboraidelphys camposi (MCT 2788-M), M2 em vista obliqua; B Didelphopsis sp. (DGM 642-M), M3 em vista oclusal; C, Carolopaulacoutoia itaboraiensis (DGM 807-M), M2-4 em vista oclusal; D, Carolopaulacoutoia itaboraiensis (DGM 807 M), M2-4 em vista lingual; E, Itaboraidelphys camposi (DGM 926-M), M2-3 em vista oclusal. Escalas = 1 mm.
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Figura 7. Herpetotheriidae, Derorhynchinae. A, Derorhynchus singularis (DGM 651 M), m1-4 em vista oclusal; B, Derorhynchus singularis (DGM 803-M), M1-2, M4 em vista oclusal; C, Derorhynchus sp. (MCN PV), m1 em vista oclusal. Escalas = 1 mm.
exclusiva deste clado. Novas interpretações, todavia, sugerem um novo conceito para Sternbergiinae, táxon originalmente estabelecido por Szalay (1994), como uma subfamília de Herpetotheriidae, incluindo somente os taxa Carolopaulacoutoia, Itaboraidelphys e Didelphopsis (Oliveira & Goin, 2011; E.V. Oliveira, dados não publicados). Os Derhorhynchinae são caracterizados nos molares inferiores pela presença de talonido encurtado (largura > comprimento), o protoconido e o paraconido estão alinhados transversalmente, e o entoconido é de forma globosa e deslocado anteriormente (Goin et al.1999) (Figuras 7A, C). Os molares superiores se caracterizam pela presença de uma grande StB, centrocrista em forma de V estendida profundamente em sentido labial, conulos pouco desenvolvidos, e o protocone é transversalmente comprimido (Figura 7B). Os Protodidelphidae são caracterizados por molares bunodontes, com cristas cortantes pouco desenvolvidas. Nos molares superiores a StC está ausente, bem como os conulos no tálon, o ectofléxo é pouco profundo, e o protocone é excêntrico (Figuras 8A-D). Nos molares inferiores, o entoconido é massivo, e o hipoconido é igual ao entoconido em tamanho (Figuras 8 E-F). Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Figura 8. Protodidelphidae. A, Protodidelphis vanzolinii (DGM 303-M), M1-4 em vista oclusal; B, Zeusdelphys complicatus (MCT 2830-M), molar superior em vista oclusal; C, Protodidelphis mastodontoides (DGM 896-M), M1 em vista oclusal; D, Protodidelphis mastodontoides (DGM 896-M), M1 em vista lingual. E, Protodidelphis mastodontoides (MCT 2818-M), m1 em vista oclusal; F, Protodidelphis mastodontoides (MCT 2818-M), m1 em vista lingual. Escalas = 1 mm.
A subfamília Eobrasiliinae foi proposta por Marshall (1987) para abrigar Eobrasilia, Gaylordia e Didelphopsis, a partir da presença em todos eles de um enorme P/p3, de aspecto bulboso, além de abrupto decréscimo em tamanho do P/p3 ao P/p1. O estudo revisivo dos diversos materiais pertencentes a estes táxons depositados no DNPM permite reconhecer que Gaylordia deve ser transferido para a família Pucadelphyidae e Didelphopsis, como vimos, foi transferido para Sternbergiinae. Claramente o desenvolvimento de pré-molares hipertrofiados nestes três táxons evoluiu de forma independente, como sugerido pela dentição superior muito distinta em Didelphopsis e Gaylordia. A enigmática espécie Eobrasilia coutoi é extremamente derivada, sendo conhecida por um dentário incompleto e maxilar, ambos com os p2-3 preservados. A região incisiva, no entanto, fornece um dado interessante, relacionado à preservação de alvéolos que sugerem a presença um incisivo sobrejacente (i2) de desenvolvimento mais robusto que o outro alvéolo preservado. Interessantemente, este carácter tem sido reportado para alguns protodidelfídeos e herpetoterídeos, pelo menos. A família Pucadelphyidae, da qual o gênero tipo é Pucadelphys, do Paleoceno Inferior da Bolivia, está representada em Itaboraí por Marmosopsis e Gaylordia. Marmosopsis é um dos táxons mais bem BIOLOGIA
284 Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
Figura 9. Marmosopsis juradoi. A, dentário direito com p2-m3 (MN 2470-V), vista lateral; B, m1-3 em vista oclusal (MN 2470-V); C, detalhe da região incisiva (MN 2498-V). Escalas = 1 mm.
representados em Itaboraí, com inúmeros restos dentários. O dentário de M. juradoi é grácil e a dentição apresenta as cúspides altas e cortantes (Figuras 9A-C). Os molares inferiores apresentam o talonido curto e entoconido pouco desenvolvido. Gaylordia caracteriza-se pelos molares estruturalmente similares aos de Marmosopsis, porém são ainda mais encurtados e o talonido proporcionalmente mais comprimido ântero-posteriormente; os molares superiores são transversalmente alongados e uma enorme StC está presente (Figuras 10A-D). Seguindo o trabalho de Oliveira (1998), nós tentativamente reconhecemos que Minusculodelphis e Monodelphopsis são formas proximamente relacionadas, classificados ambos na subfamília Monodelphopsinae (Szalay, 1994). Monodelphopsis travassosi foi considerada originalmente como relacionada aos Didelphidae (Paula Couto, 1952a). Marshall (1987) relacionou-a aos Pediomyidae e mais tarde Marshall et al. (1990) a transferiu para os Microbiotheriidae. M. travassosi é morfologicamente comparável a Minusculodelphis, parecendo representar uma forma bem mais robusta que este último. Monodelphopsis e Minusculodelphis compartilham a seguinte combinação de caracteres: metacônido do m1 deslocado posteriormente em relação ao protocônido, talonido muito curto e relativamente estreito, entocônido muito reduzido e comprimido lábio-lingualmente e hipoconulido fortemente deslocado lingualmente, formando parte do ângulo póstero-lingual do talonido. Ambos os gêneros separam-se pela notável diferença de tamanho (M. travassosi é muito maior) e na morfologia dos pré-molares, sendo os de Minusculodelphis mais delicados, baixos e mais comprimidos lábio-lingualmente. Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Figura 10. Gaylordia sp. A, m2-m4 em vista oclusal (DGM 810-M); B, M2 em vista línguo-oclusal (MCT 2778-M); C, M2 in vista oclusal (MCT 2778-M); D, M3 em vista oclusal (MCT 2788-M). Escalas = 1 mm.
Superfamília Peradectoidea: famílias Peradectidae e Caroloameghiniidae Aspectos relacionados ao conceito, conteúdo e relações filogenéticas dos “Didelphimorphia” são atualmente objeto de intenso debate (Sánchez-Villagra et al. 2007; Horovitz et al. 2009). Nesse sentido, podem ser reconhecidos como didelfimórfios os Peradectoidea, que incluem os Peradectidae e Caroloameghiniidae, e os Didelphoidea neógenos (Caluromyidae, Didelphidae e Sparassocynidae) (Goin, 1996). Um dos espécimes classificados como Peradectidae de Itaboraí está representado na Figura 13. Os molares inferiores apresentam o trigonido e talonido de tamanho aproximadamente equiparável (Figura 11). Os molares superiores apresentam a plataforma estilar ampla, cúspide estilar C equiparável ao estilo D, cônulos pouco desenvolvidos, crista pós-metaconular não estendida labialmente, e cristas conulares internas tênues (Figuras 11C-D). Muitos desses caracteres podem ser observados em formas norte americanas como P. elegans (Krishtalka & Stucky, 1983), do Eoceno Inferior europeu como Peradectes BIOLOGIA
286 Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
Figura 11. Peradectidae. A, m2-4 em vista oclusal (DGM 920-M); B, M2 em vista oclusal (MCT 2795-M); C, M3 em vista oclusal (MCT 2797-M). Escalas = 1 mm.
russelli ou P. mutigniensis (Crochet, 1979, 1980) e com Peradectes austrinum, do Maastrichtiano ou Paleoceno do Peru (Sigé, 1972). Em comparação com estes táxons, o Peradectidae de Itaboraí mostra-se mais proximamente relacionado a P. austrinum e as espécies européias, em tendo as cúspides estilares reduzidas e a pré-paracrista apontando para o estilo A (Oliveira, 1998). Os Caroloameghiniidae estão representados em Itaboraí por Procaroloameghinia pricei (Figuras 12A-E), que exibe vários caracteres plesiomórficos como o trigonido comprimido ântero-posteriormente, fissuras da pré- e da pós-protocrístida situadas em um mesmo nível, e entocônido comprimido lábio-lingualmente (Goin et al., 1998); a julgar pelo alvéolo do segundo incisivo da série inferior, este foi robusto e provavelmente foi posicionado de modo sobrejacente (Figura 12D). Todavia, alguns caracteres derivados como o grande tamanho do protocone, as cúspides baixas e bunodontes, e a quase ausência de cristas indicam que os representantes desta família constituem uma linhagem de precoce tendência a hábitos alimentares frugívoros. Goin et al. (1998) argumentaram que os Caroloameghiniidae pertencem aos Peradectoidea e não aos Polydolopimorphia como previamente havia sido sugerido por Marshall (1987). Recentemente, Oliveira & Goin (2011) redescrevem o material tipo de Procaroloameghinia Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Figura 12. Procaroloameghinia pricei (DGM 805 e 924 M, holótipo). A, dentário em vitsa lingual; B, dentário em vitsa labial; C, dentário em vista oclusal; D, detalhe da região do canino e dos alvéolos dos incisivos; E, p3-m4 em vista oclusal. Figuras A-C escala = 3 mm e figura E escala = 1 mm.
pricei, sugerindo que a presença de segundo incisivo inferior de tamanho presumivelmente normal, mas posicionado sobrejacente aos demais, uma característica compartilhada com os Didelphoidea. Didelphimorphia sensu stricto A história dos Didelphidae tem sido mal compreendida devido ao fato dessa família ter sido considerada como um grupo “primitivo” e antigo, vinculado aos grupos cretácicos norte-americano. Todavia, sua irradiação é muito provavelmente neógena (Goin, 1991, 1993, 1995), isto é, deflagrada somente a partir do Mioceno, como exemplificado por achados na fauna de La Venta, Colômbia (Goin, 1997) ou da Argentina (Goin et al., 2007). Como vimos acima, eles não estiveram presentes e nem se originaram na América do Norte. É possível que sua origem esteja vinculada a um estoque peradectóideo, integrado por formas do Paleoceno Inferior da Bolívia e de Itaboraí. A raiz dos Didelphimorphia tem, portanto, uma idade mínima no Paleoceno ou Eoceno, mas seu grupo-irmão, todavia, está atualmente em debate, podendo ser os Pucadelphyidae (Muizon, 1991; Oliveira, 1998), Herpetotheriidae (Crochet, 1980; Reig et al., 1987), Peradectidae (Horovitz et al. 2009), Protodidelphidae (Goin et al., 2007) e Caroloameghiniidae (Souza & Oliveira, 2012). Os mais antigos representantes dos Didelphoidea procedem do início do Mioceno (Colhuehuapiense SALMA), Patagonia Central, Argentina, estando representados por pequenos molares semelhantes ao atual Thylamys, bem como restos de um provável caluromídeo (Goin et al., 2007). Dentre os Didelphoidea viventes, é notável que os Caluromyidae (ou Caluromyinae) ocupem invariavelmente uma posição basal em diversos estudos filogenéticos recentemente publicados (e.g. Reig BIOLOGIA
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Figura 13. Mapa mostrando a distribuição geográfica atual de marsupiais atuais na América do Sul e parte da América Central. Fonte Gardner (2007).
et al., 1987; Kirsch et al. 1997; Patton et al., 1996; Voss & Jansa, 2009; Steiner et al., 2005). Seu posicionamento como grupo-irmão dos Didelphidae, atestado através de estudos sorológicos (Kirsch, 1977b; Reig et al., 1987), estimam entre 40 e 50 milhões de anos (Eoceno) o início da irradiação das linhagens didelfóides viventes (Kirsch & Palma, 1995). A história inicial dos Caluromyidae (Caluromys, Glironia, Caluromysiops) é ainda pouco conhecida. Sua evolução, entretanto, pode provavelmente ter iniciado como um ramo independente nos tempos do Paleógeno ou início do Neógeno. Um molar inferior procedente do Mioceno Inferior da Argentina (Colhuehuapiense da Patagonia) parece constituir o fóssil mais antigo de um Caluromyidae (Goin et al., 2007). Em alguns caracteres, esse fóssil lembra formas do Paleógeno de Itaboraí, como assinala Goin et al (2007: 61): “En efecto, algunos de los rasgos ya mencionados también están presentes en grupos de Didephimorphia paleógenos; tal es el caso de los Protodidelphidae: escaso desarrollo del cíngulo anterobasal, baja altura del protocónido y gran desarrollo del entocónido. Una hipótesis sistemática que relacione a protodidélfidos y calurómidos argumentaría a favor de la muy antigua diferenciación de este clado hipotético (contra Goin, 1994) y de su gran distancia filogenética de los didélfidos sudamericanos modernos”. Diferente de outras linhagens de marsupiais atuais, como Microbiotheriidae e Caenolestidae, a distribuição geográfica de Caluromyidae é restrita à Região Intertropical do Reino Holotropical e o estudo morfológico comparativo com as linhagens citadas não demonstra uma relação de parentesco próxima. Nesse sentido, o cenário biogeográfico é sugestivo de uma origem e diversificação de Caluromyidae a Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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partir de grupos paleógenos da Região Intertropical (parte da América do Sul e América Central) e não Andina (Figura 13; ver também Figura 20). A partir de um estudo comparativo, nós enfatizamos que vários caracteres em comum são observados entre Caluromys e o Peradectoidea Procaroloameghinia pricei, do Paleógeno de Itaboraí, estado do Rio de Janeiro, Brasil. Procaroloameghinia, o mais plesiomórfico membro da família Caroloameghiniidae, é conhecido principalmente por sua dentição inferior e alguns molares superiores isolados (Figuras 12A-E). Caluromys e Procarolaomeghinia compartilham um notável conjunto de caracteres em sua dentição: cúspides baixas, molares inferiores 1 e 3 equiparáveis em tamanho, entocônido posicionado obliquamente em relação ao eixo dentário, centrocrista em tênue forma de V, presença de cúspide estilar C, e plataforma estilar estreita, tanto na região parastilar quanto na região metástilar. Embora Procaroloameghinia represente o final do Paleoceno e o início do Eoceno (Idade Itaboraiense), a família Caroloameghiniidae persiste até, pelo menos, o início do Oligoceno (Idade Tinguiririquense). Se confirmadas, as potenciais sinapomorfias aqui apresentadas envolvendo Caluromys e Procaroloameghinia são concordantes com a grande antiguidade sugerida para a origem da linhagem didelfóide, atestada por estudos moleculares, situada entre o Eoceno e o Oligoceno, além dos recentes estudos cladísticos que apontam os peradectóideos como grupo-irmão dos atuais Didelphoidea (Caluromyidae, Didelphidae e Sparassocynidae). Por fim, cabe ressaltar que recentes estudos sugerem uma íntima relação entre hiladelfinos e caluromídeos (Oliveira et al., 2011). Os Hyladelphinae constituem um grupo de marsupiais cuja dentição retém alguns dos caracteres plesiomórficos observados em caluromídeos.
Ordem Paucituberculata Os Paucituberculata (Caenolestidae sensu Marshall, 1980) são marsupiais “pseudodiprotodontes” cujas relações têm sido alvo de propostas discordantes. Ride (1962, 1964) cunhou a expressão “pseudodiprotodonte” para identificar marsupiais sul-americanos portadores de um par de incisivos procumbentes, de maneira análoga à verificada para “verdadeiros” diprodotontes australianos. Por isso, não raro paleontólogos utilizam tal expressão para identificar informalmente esses metatérios. Uma questão importante no estudo desse grupo tem sido a de tentar identificar em qual posição da série plesiomórfica de 4 incisivos se posicionaria o dente procumbente. Ride (1962), dentre outros, sugeriu que o dente corresponderia ao primeiro ou segundo da série inferior (i2 ou i3 na nomenclatura de Hershkovitz, 1995), mas a tendência atual tem sido considerá-lo como sendo o primeiro dente da série (Marshall et al., 1990). De qualquer modo, a questão permanece obscura. Em termos sistemáticos, há intenso debate se paucituberculatos tem como grupo-irmãos os extintos polidolopídeos ou polidolopimórfios (Simpson, 1945; Paula Couto, 1952; Kirsch et al. 1997), didelfimórfios (Goin et al., 2009), argyrolagóideos/simpsonitérios (Marshall et al., 1990; Szalay, 1994) ou marsupiais australianos (Horovitz & Sánchez-Villagra, 2003) (Figura 14). Um dos fósseis mais antigos atribuídos a esse grupo procede da Bacia de Itaboraí (Oliveira et al., 1996; Goin et al., 2009). Os espécimes são representados por molares isolados, dos quais um deles representa a morfologia presumivelmente plesiomórfica para o grupo, representada pelo trigonido aberto e o talonido saliente em sentido labial (Figura 15). Os Sternbergiinae foram classificados por Szalay (1994) como paucituberculados. Porém, em nosso BIOLOGIA
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Figura 14. Diferentes hipóteses filogenéticas para Paucitubeculata.
conceito, esta subfamília representa um grupo de metatérios basais mais proximamente relacionados a outros “didelfimórfios” de Itaboraí, e são por nós considerados como membros dos Herpetotheriidae cretácico-paleógenos (ver acima). Como vimos, as relações interordinais dos Paucituberculata são até hoje enigmáticas, sendo altamente questionável o vínculo estreito com os Polydolopimorphia, grupo com o qual esteve tradicionalmente associado por sua condição “pseudodiprotodonte” (Simpson, 1945). As origens independentes desses grupos são atestadas pelas distintas homologias verificadas nos incisivos hipertrofiados, no dente “plagiaulacóideo” (Figuras 16A-C) e nos distintos caminhos evolutivos adotados por cada um deles no desenvolvimento de molares superiores e inferiores de aspecto quadrangular (ver e.g. Goin & Candela, 1996).
Figura 15. Riolestes capricornicus. m1 em vista oclusal (MCN-PV 1790). Escala = 1 mm.
Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Ordem Polydolopimorphia Epidolops, Bobbschaefferia e Mirandatherium Os Polydolopimorphia incluem marsupiais que apresentam uma morfologia dentária muito provavelmente adaptada à dieta frugívora-insentívora, que é evidenciada pela intumescência das cúspides e pelo pouco desenvolvimento das cristas cortantes (Goin & Candela, 1996). É também destacável nesse grupo o desenvolvimento de pré-molar hipertrofiado do tipo “plagiaulacóideo”, que, como vimos, parece ter evoluído independentemente em pelo menos duas linhagens sul-americanas (polidolopóideos e vários paucituberculados), além de também ocorrer convergentemente em diprotodontes falangeriformes australianos atuais (Figuras 16A-C). As evidências até agora disponíveis conduzem a um arranjo sistemático que reconhece como polidolopimórfios as seguintes famílias: Polydolopidae, Prepidolopidae, Bonapartheriidae, Gashterniidae, Rosendolopidae, Sillustaniidae, e Argyrolagoidea (Argyrolagidae, Groeberiidae, e Patagonidae), além dos Glasbiidae (Archer, 1984; Goin et al., 1998; Oliveira, 1998; Goin et al. no prelo). Goin et al. (1998) sugerem os Glasbiidae como grupo irmão plesiomórfico do resto dos Polydolopimorphia, argüindo que
Figura 16. Evolução independente do pré-molar (p3) plagiaulacóideo em distintos grupos de marsupiais. A, Epidolops, um Polydolopimorphia de Itaboraí, Brasil; B, Abderites, um Paucituberculata do Mioceno da América do Sul; C, Burramys, um Petauroidea (Phalangeriformes) do Mioceno-Recente da Austrália.
BIOLOGIA
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vários dos caracteres presentes nesta família alcançam uma manifestação derivada extrema nos demais representantes dessa ordem. Estes caracteres corresponderiam ao aspecto bunodonte das cúspides; aos estilos B e D aumentados; ao relativo estreitamento lábio-lingual da plataforma estilar, com a conseqüente equiparação do paracone e do metacone com as cúspides estilares B e D, respectivamente; ao fraco ou nulo desenvolvimento da pós-metacrista no M3; ao tênue desenvolvimento da centrocrista e a relação da pré-paracrista com os estilos B e D. Além disso, Oliveira (1998) sugeriu que existe uma estreita afinidade morfológica entre a forma e o posicionamento dos incisivos de Bobbschaefferia (por ele atribuído aos Glasbiidae) com aqueles descritos por Pascual (1980b: 222, Figuras A, B) para o Prepidolopidae Prepidolops didelphoides. Ambos estão dispostos “lado a lado” e mostram um certo grau de compressão lábio-lingual. Goin & Candela (1995) sugeriram que os “Polydolopidae” da literatura tradicional (i.e., Epidolopinae + Polydolopinae) não constituem um grupo monofilético. Pelo contrário, os Epidolopinae parecem ser mais intimamente relacionados aos Bonapartheriidae, Gashterniidae (Candela et al., 1998) e Prepidolopidae, enquanto que os Polydolopinae - com seus peculiares molares de aspecto multituberculado - constituem uma linhagem precocemente independente do resto dos Polydolopimorphia. A distinção é também interessante do ponto de vista biogeográfico, já que os Polydolopinae são formas que durante o início do Terciário distribuíram-se exclusivamente no conesul sul-americano e na Antártica, enquanto que o resto dos Polydolopimorphia são mais extensamente distribuídos na América do Sul. Não há registro dos Polydolopinae na fauna de marsupiais de Itaboraí, enquanto que o Epidolopinae Epidolops é o táxon mais abundante dessa fauna, com centenas de espécimes identificados como E. ameghinoi (Figura 17). Dois táxons de Itaboraí são por nós classificados como polidolopimórfios basais: Bobbschaefferia e Mirandatherium. O gênero Bobbschaefferia foi recentemente redescrito por Oliveira & Goin (2011) e classificado como um polidolopimórfio basal. O holótipo apresenta os dois últimos molares inferiores, que são de aspecto bunodonte e ligeiramente infladas (Figura 18). Mirandatherium é um dos mais problemáticos táxons de Itaboraí, considerando que já foi classificado como um Didelphidae (Paula Couto, 1970; Marshall et al., 1990) ou Microbiotheriidae (Marshall, 1987; Case et al., 2005; Oliveira & Goin, 2011). Mas recentes interpretações de caracteres da dentição inferior e superior sugerem sua inclusão dentre os polidolopimórfios. Mirandatherium caracteriza-se pelas cúspides baixas (inclusive do trigonido), de aspecto bunodonte, metaconido deslocado posteriormente em relação ao protoconido, e o hipoconúlido é relativamente reduzido (Figura 19).
Figura 17. Epidolops ameghinoi. Dentário direito em vista lateral (MN 2492-V). escala = 2 mm.
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Figura 18. Bobbschaefferia fluminensis (DGM 314-M, holótipo). A, m3-m4 em vista oclusal.B, m3-m4 em vista lingual. Escala = 1 mm.
Figura 19. Mirandatherium cf. alipioi (DGM 361-M). m2-4 em vista oclusal. Escala = 1 mm.
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Ordem Microbiotheria Desde a proposta de Szalay (1982), os Microbiotheria têm sido considerados como membros da Coorte Australidelphia (Szalay, 1982, 1994; Aplin & Archer, 1987; Marshall et al., 1990; Horovitz & Sánchez-Villagra, 2003). Dentre os metatérios de Itaboraí, Mirandatherium alipioi e Monodelphopsis travassosi foram considerados como membros da família Microbiotheriidae (Marshall, 1987; Marshall et al., 1990). As afinidades de Monodelphopsis aos “didelfimórfios” foram discutidas mais acima. Marshall (1987) referiu Mirandatherium alipioi a família Microbiotheriidae e mais tarde Marshall et al. (1990) transferiram esta espécie para a família Didelphidae. Oliveira (1998) questionou a associação entre o material tipo de Mirandatherium (um dentário com m1-2 e p2-3) e os dentes superiores representados pelo espécime MN 2506-V. Esta dentição superior foi mais tarde identificada como Derorhynchus (Goin et al., 2009). Case et al. (2005) e mais tarde Oliveira & Goin (2011) classificam Mirandatherium dentre os Microbiotheriidae (porém vide acima). Considerando os aspectos mencionados é notável a ausência de microbiotérios em Itaboraí, fato talvez explicado pela paleobiogeografia que separa a localidade de Itaboraí, situada na região Neotropical das faunas da região Andina (Figura 21). Mirandatherium é por nós atribuído a formas basais de Polydolopimorphia, composto por formas norte e sul americanas (vide acima).
Origem e o Tempo Estimado do Início da Colonização de Metatérios na América do Sul Metatérios se originaram no âmbito laurásico durante o Cretáceo, muito provavelmente a partir da linhagem integrada por Deltatheridium, uma forma basal de metatério coletada no Cretáceo Superior da Mongólia (Rougier et al., 1998). A descrição de restos cranianos e pós-cranianos do táxon norte-americano Mimoperadectes houdei por Horovitz et al. (2009) robusteceu em muito o entendimento das relações entre táxons basais cretácicos-paleógenos de metatérios e, entre formas basais e o grupo-coronal Marsupialia (Figura 20). Muitos dos mais antigos metatérios sul-americanos demonstram relações intercontinentais inequívocas com formas do final do Cretáceo norte-americano, mas alguns sugerem relações controversas (ainda não testadas) com formas australianas, afro-arábicas e até européias (vide abaixo). A chegada de metatérios na América do Sul provavelmente se deu no epílogo do Cretáceo (Pascual & Ortiz-Jaureguizar, 2007), o que é justificado pela diversidade observada no início do Paleoceno, em Tiupampa, Bolívia (Muizon, 1991). Todavia, a falta de registro de mamíferos durante o lapso decorrido entre o Maastrichtiano e o início do Daniano, que durou aproximadamente 5 m.a., não permite reconhecer se houve um ou mais eventos de dispersão. Segundo Bonaparte (1984) e Pascual & Ortiz-Jaureguizar (1991), a presença contemporânea de vários vertebrados durante o Cretáceo Superior (?Santoniano e Campaniano), sugere algum tipo de conexão entre as Américas durante este intervalo. Levando-se em conta o registro de “northerners” no Paleoceno Inferior (Tiupampense) sul-americano, Pascual & Ortiz-Jaureguizar (1991) sugerem que a partir dos tempos do Judithianense (Campaniano terminal; ~ 70 m.a.) já poderia ter iniciado uma dispersão em sentido norte-sul de algum desses “northerners” (Proteutheria, por exemplo) e, mais tarde (durante Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Figura 20. Regiões biogeográficas para as Américas Central e América do Sul, de acordo com Morrone (2006).
a passagem Cretáceo-Paleógeno), de mioclenídeos e pantodontes. Gelfo et al. (2009) demonstram que a mais antiga fauna de mamíferos na América do Sul é a de Tiupampa, correspondente ao Daniano Inicial, Como vimos, metatérios devem ter chegado na América do Sul durante o Maastrichtiano, que é o último estágio do Cretáceo (ver Goin et al., 2006). Metatérios de Itaboraí e as Regiões Neotropical e Andina Considerando os reinos biogeográficos definidos por Morrone (2006), nota-se que a América do Sul, inserida no Reino Holotropical, apresenta duas grandes Regiões: Neotropical e Andina (Figura 21), ao invés de uma única unidade (Intertropical). Nesse esquema, o sul da América do Sul está relacionado às áreas sulinas temperadas (Austrália, Tasmânia, Nova Zelândia, Nova Guiné, e Nova Caledônia), e a região tropical é mais intimamente relacionada à África e à America do Norte (Morrone 2006). Notavelmente, esta distinção já está assinalada nos tempos do final do Paleoceno e início do Eoceno, onde significativas diferenças já são notadas entre faunas de metatérios de dade Itaboraiense do Brasil (Itaboraí) e da Patagonia (Las Flores). A mais notável distinção está relacionada à família Polydolopidae, que é extremamente abundante na Patagônia, mas totalmente ausente em Itaboraí. Em Itaboraí, o polidolopimórfio mais freqüente é Epidolops ameghinoi, atualmente classificado na família Bonapartheriidae. BIOLOGIA
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Figura 21. Filogenia de metatérios e marsupiais de acordo com Horovitz et al. (2009).
Metatérios do Paleógeno de Itaboraí sugerem potencias relações com formas Euroasiáticas, Africanas e Australiana A palebiogeografia de mamíferos clássica sugere que: (1) o continente sul-americano foi uma “ilha” durante grande parte do Cenozóico (Simpson, 1980) e (2) e que no norte da América do Sul, durante a passagem Cretáceo-Paleógeno, este continente manteve conexão paleomastofaunística apenas com a América do Norte (e.g. Marshall et al., 1990). Muito dessas ideias está assentada no fato de que a separação final entre América do Sul e África aconteceu em 105 m.a. ou até 120 m.a. (ver Nishihara et al., 2009). Em consequência, muitas das possíveis relações entre taxa envolvendo estes continentes é atribuído à vicariância e não à dispersão (Gheerbrant & Rage, 2006; Nishihara et al., 2009). Partindo-se do ponto de vista da reconstituição paleogeográfica do final do Cretáceo e Paleógeno, vários pontos de conexão e dispersão de faunas têm sido sugeridas, principalmente envolvendo as América do Norte e do Sul, América do Norte e Europa e Europa/África (Marshall et al., 1990) (Figura 22). Alguns autores, no entanto, sugerem uma conexão envolvendo América do Sul/África/Europa, durante o Paleógeno (Crochet & Sigé, 1983; Storch, 1993; Oliveira, 1998). Muitos “tracks” envolvendo mamíferos têm sido sugeridos, principalmente através de conexões via rotas filtradas envolvendo a América do Sul e a África durante o Paleógeno (Hoffstetter, 1972, Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Figura 22. Mapas biogeográficos para metatérios durante o final do Cretáceo, Paleógeno e Recente. Paleogeografia da transição Cretáceo-Paleógeno segundo Alegret & Thomas (2007).
1981; Lavocat, 1974; Crochet & Sigé, 1983; Oliveira, 1998; Goin & Candela, 2004; Oliveira & Goin, 2006; Poux et al. 2006; Mourer-Chauviré et al., 2011). Do ponto de vista dos metatérios, estas questões ainda permanecem obscuras dado ao fato de que metatérios fósseis do final do Cretáceo e início do Paleógeno (exceto possivelmente Tiupampa) não foram ainda descobertos na América do Sul Neotropical. Evidências geológicas, geofísicas e faunísticas (incluindo vertebrados e invertebrados) indicam que a separação final entre a África e a América do Sul foi mais complexa do que até agora pensado, podendo ter persistido algum tipo de rotas filtradas durante o final do Cretáceo (Maastrichtiano) e início do Paleógeno (Beurlen, 1961, 1971; Tinoco, 1975; Dolianiti, 1955; Rand & Mabesoone, 1983). A separação final entre os continentes pode ter sido mais recente do que 90 m.a. (Reyment & Dingle, 1987; Storch, 1993; Mabesoone & Stinnesbeck, 1993). Estudos relacionados ao mecanismo de separação da margem BIOLOGIA
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norte brasileira (Szatmari et al., 1987; Zanotto & Szatmari, 1987; Françolin & Szatmari, 1987), sugerem um cenário de separação final complexo, ocorrido durante o final do Cretáceo e início do Terciário, evidenciado por estruturas compressivas (falha de empurrão de Icaraí, Alto Atlântico com vulcanismo riolítico estendendo-se até o Eoceno, Szatmari et al., 1987; porém ver Alegret & Thomas, 2007; Guiraud et al., 2005; Nishihara et al., 2009). Parece notável que e existência de conexões por rota filtrada possam estar relacionadas ao evento da chegada de roedores e primatas na América do Sul, no limite do Eoceno com o Oligoceno (entre 33 e 34 m.a.); isto é sustentado pela descoberta de roedores caviomorfos no Eoceno tardio do Chile, morfologicamente mais similares às formas africanas do que às norte-americanas (Wyss et al., 1993; Poux et al. 2006). A presença incontestável de metatérios na África está representada por descobertas do Eoceno Inicial da Tunísia, para onde foi descrito Kasserinotherium tunisiense e no Oligoceno Inicial do Egito, onde o táxon reportado é Peratherium africanum (Bown & Simons, 1984; Crochet, 1986; Hooker et al., 2008). Estudos comparativos realizados por Hooker et al. (2008) sugerem que P. africanum, classificado como um Herpetotheriidae) é relacionado a formas do Paleogeno Europeu. Todavia, a provável presença de herpetoterídeos no Paleógeno sul-americano (Goin & Candela, 2004; Oliveira, 1998) mantém em aberto a questão. Goin & Candela (2004) argumentam em favor de uma relação envolvendo Rumiodon inti (cf. Herpetotheriidae), do Paleógeno da Amazônia e formas européias (Peratherium, Amphiperatherium). Outro táxon do Paleógeno amazônico comparável ao táxon africano Kasserinotherium tunisiense é Wirunodon chanku. Outros traços individuais são sugeridos entre as formas de Itaboraí representadas por Derorhynchinae e aff. Bobbschaefferia e metatérios “enigmáticos” descritos para o Eoceno Inferior a Médio (Formação Kartal) de Ankara, Turquia (Kappelman et al., 1996; Mass et al., 1998), representados por AK 94-8, e AK 95-19, respectivamente. A presença de representantes da Família Peradectidae em Itaboraí é também sugestiva de relações intercontinentais, nesse caso com a África e a Europa (Oliveira, 1998; Goin & Candela, 2004). Peradectídeos de Itaboraí mostram uma morfologia melhor comparável às formas europeias de Peradectes, apresentando cúspides estilares reduzidas e a pré-paracrista apontando para o estilo A (Oliveira, 1998). Nesse contexto de suposições paleobiogeográficas, a melhor compreensão dos metatérios sul-americanos próximos ou pertencentes à família Herpetotheriidae parece ser crucial no entendimento dessas relações intercontinentais. Reig (1981) definiu a subfamília Herpetotheriinae para abrigar os generous Herpetotherium, Peratherium e Amphiperatherium, conhecidos no Paleógeno da America do Norte, Europa, e norte da África. Muito dessa diversidade de metatérios foi revisada por Crochet (1980) e Crochet & Sigé (1983), os quais sugeriram um estreito vínculo desses metatérios com formas do Paleógeno sul-americano. Oliveira (1998) e mais tarde Oliveira & Goin (2006) sugeriram que os metatérios europeus se mostram melhor relacionados à Derorhynchinae e a Sternbergiinae, ambos registrados em Itaboraí do que a forma norte americana Herpetotherium, aparentemente mais plesiomórfica em relação aos demais herpetoterideos. Goin & Candela (2004) enumeram caracteres que diferenciam herpetoteríneos de didelfídeos recentes, dentre os quais: ramo horizontal do dentário alongado com sínfise mandibular estendida ao nível do p2; o p3 é usualmente maior do que o p2; segundo incisivo inferior (sobrejacente) mais robusto em comparação a o primeiro e ao terceiro; e segundo incisivo superior (I2) muito menos desenvolvido do que o primeiro e o segundo. Como vimos acima, a identificação de Herpetotheriidae no Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
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Paleogeno de Itaboraí está representada pelas subfamílias Herpetotheriinae e Sternberginae e através de formas descritas para o Paleógeno da Amazonia (Santa Rosa). Metatérios do Paleógeno de Itaboraí são ancestrais potenciais a formas paleógenas australianas? Historicamente, têm-se especulado que Derorhynchus, devido ao aspecto alongado de seu dentário, aliado à procumbência de seus incisivos, pode representar um estágio ancestral às formas australianas (Paula Couto, 1952b). Nesse sentido, é possível que potenciais sinapomorfias em Derorhynchinae, como a redução do paracônido e o maior desenvolvimento e forma cônica do entocônido nos molares inferiores, assim como também a centrocrista em forma de “V” bastante invasiva labialmente e o maior desenvolvimento relativo do metacônulo em relação ao paracônulo nos molares superiores, possam constituir caracteres que diretamente antecipam a morfologia dentária extremamente derivada dos peramelimórfios australianos (Oliveira & Goin, 2006). Nesse contexto de possíveis relações intercontinentais, devemos também considerar que a fauna do continente australiano inegavelmente teve como fonte de origem a América do Sul, considerando que, durante a transição Cretáceo-Paleógeno, a Antártica e Austrália mantiveram um estreito vínculo faunístico com a América do Sul, o que foi corroborado com a descoberta de mamíferos Monotremata no Paleoceno Inferior da Argentina (Pascual et al., 1992). Adicionalmente, o recente descobrimento de uma interessante fauna incluindo Derorhynchinae, no Eoceno Médio da Antártica, torna esta hipótese ainda mais plausível. Goin et al. (1999) descreveram numerosos restos de derorrinquídeos para o Eoceno da Ilha Seymor, continente antártico, sendo que pelo menos uma espécie daquele continente é incluída no gênero Derorhynchus, descrito originalmente para Itaboraí. Outra interessante possibilidade de relação é sugerida entre os táxons paleógenos australianos Ankotarinja, Keeuna, e Djarthia, e os Sternbergiinae de Itaboraí. A presença em todos estes marsupiais de uma cúspide central acessória, de posição lingual na plataforma estilar, conjuntamente com outros caracteres derivados (centrocrista invasiva labialmente, pré-paracrista apontando à esquina parastilar), poderia representar uma associação de caracteres por heterobatmia, exclusiva deste clado (Goin, 2003; Oliveira & Goin, 2006). As grandes mudanças climáticas no Paleógeno e Neógeno, e as mudanças nas faunas de marsupiais do Paleógeno para o Neógeno Goin et al. (2010) tem sugerido que as faunas de metatérios representando o final do Paleógeno e o início do Oligoceno, em âmbito patagônico, são representativas de uma mudança faunística drástica ocorrida durante o Cenozoico, denominada de “Bisagra Patagonica”. Notavelmente, esta mudança é coincidente com uma súbita queda de temperaturas globais do Eoceno ao início do Oligoceno. Os dados faunísticos indicativos incluem: último registro de Polydolopimorphia Polydolopiformes e Bonapartheriformes Bonapartherioidea, e primeiros registros de Argyrolagoidea (e inicio de hipsodoncia em marsupiais), irradiação evolutiva de Paucituberculata e a ocorrência de gigantismo nos últimos Polidolopinae e em alguns Sparassodonta. Em âmbito Neotropical este evento encontra respaldo em alguns dados do Paleógeno brasileiro. Durante a passagem Paleógeno-Neógeno, o registro polínico em depósitos dessas idades no Brasil é suBIOLOGIA
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gestivo da diminuição de temperaturas em direção aos tempos modernos (Garcia et al., 2008). O máximo de temperaturas altas está registrado no evento global denominado de Máximo Termal do PaleocenoEoceno, e coincide com a enorme diversificação das linhagens de metatérios durante este período (Goin et al., 2010). Muitas dessas linhagens, registradas em Itaboraí, estendem sua distribuição até pelo menos o início do Oligoceno, como atestado pelo registro fóssil da localidade Gran Barranca, Patagonia, Argentina (Goin et al., 2010). Teriam última ocorrência no Oligoceno Inferior os Caroloameghiniidae, Sternbergiinae e alguns Bonapartheriiformes (Rosendolopidae) e Hatcheriiformes. A maioria dos representantes dessas linhagens do ínicio do Paleógeno inclui formas de hábitos omnívoros, frugívoros e insentívoros. Os fenômenos de esfriamento global e zonação climática latitudinal foram provavelmente mais pronunciados desde o Mioceno e provavelmente influíram decisivamente na diversidade e atual distribuição de marsupiais, principalmente na zona intertropical (Figura 13), dos Didelphidae viventes, porém não dos Paucituberculata (restritos à Cordilheira Andina) e dos Microbiotheriidae (restritos aos bosques Andino-patagônicos; Goin, 1995, 1999). Os Caluromyidae, também restritos ao âmbito neotropical, não apresentam registros fósseis seguros nos ricos depósitos tardi-paleógenos e neógenos da Patagônia (âmbito Andino; ver porém Goin et al., 2007).
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BIOLOGIA
306 Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
Tabela 1. Uma classificação preliminar dos marsupiais do Paleoceno Médio de Itaboraí, segundo dados de Goin (ms e dados não publicados), Oliveira (1998), Oliveira & Goin (2011) e o presente capítulo.
Ordem Sparassodonta Família indet. Patene simpsoni Paula Couto, 1952 cf. Nemolestes sp. Ordem “Didelphimorphia” Família Pediomyidae Família Caroloameghiniidae Procaroloameghinia pricei Marshall, 1982 Família Peradectidae Novo táxon 1 Novo táxon 2 Família Protodidelphidae Protodidelphis vanzolinii Paula Couto, 1952 Protodidelphis mastodontoides (Marshall, 1987) Guggenheimia brasiliensis Paula Couto, 1952 Guggenheimia crocheti Oliveira & Goin, 2011 Zeusdelphys complicatus Marshall, 1987 Carolocoutoia ferigoloi Goin, Oliveira & Candela, 1998 Periprotodidelphis bergqvisti Oliveira & Goin, 2011 Família Herpetotheriidae Subfamilia Sternbergiinae Didelphopsis cabrerai Paula Couto, 1952 Didelphopsis sp. nov. Itaboraidelphys camposi Marshall & Muizon, 1984 Itaboraidelphys aff. I. camposi Carolopaulacoutoia itaboraiensis (Paula Couto, 1970) Carolopaulacoutoia sp. Família Derorhynchidae Derorhynchus singularis Paula Couto, 1952 Novo táxon 1 Novo táxon 2 Família indet. Eobrasilia coutoi Simpson, 1947 Gaylordia doelloi (Paula Couto, 1962) Gaylordia macrocinodonta Paula Couto, 1952 Gaylordia sp. nov. Marmosopsis juradoi Paula Couto, 1962 Marmosopsis sp. nov. Minusculodelphis minimus Paula Couto, 1962 Minusculodelphis sp.nov. Monodelphopsis travassosi Paula Couto, 1952 Ordem Paucituberculata Família indet. Riolestes capricornicus Goin, Candela, Abello & Oliveira, 2009 Ordem Polydolopimorphia Família indet. Mirandatherium alipoi (Paula Couto, 1952) aff. Mirandatherium sp. Família Glasbiidae Bobbschaefferia fluminensis (Paula Couto, 1952) aff. Bobbschaefferia Família Bonapartheriidae Epidolops ameghinoi Paula Couto, 1952 Família Gashterniidae Gashternia carioca Goin & Oliveira, 2007
Marsupiais do início do Paleógeno no Brasil: diversidade e afinidades
307 BIOLOGIA
ECOLOGIA
CAPÍTULO 14
Dinâmica Populacional de Marsupiais Brasileiros Rosana Gentile* Bernardo R. Teixeira* Helena G. Bergallo** Abstract: Population dynamics of Brazilian marsupials. Population densities, survival, recruitment, sexual rates, home ranges and life history strategies in Brazilian marsupials are discussed in this chapter. Most species of marsupials exhibit fluctuating densities and seasonal reproduction, showing high population sizes during and in the end of wet season. Marsupials begin to breed usually during the dry season, releasing juveniles during the wet season when food resources are more abundant. Demographic studies indicated that population dynamics of marsupials are governed by negative first-order feedback. It is expected that population densities can be influenced in part by body size and food habits in marsupials, as occurs for other mammals. However, other biotic and non-biotic factors may also influence densities. Movements appear to take place more frequently for males during the breeding season. Females show territoriality in some species. Most studies on sexual rates of Brazilian marsupials reported equal proportions in number of males and females, but deviations in sex ratio may occur due to pregnant female body mass, environment effects, movement behavior, or sampling deficiency. Mortality in the early age classes controls the supernumerary births in marsupials. In the extremes of a continuum of marsupial life strategies, we may consider Monodelphis dimidiata as an r specialist, and Caluromys, a K specialist. However, within a given species we can find differences in the life history strategies according to the local environment characteristics, such as Didelphis aurita, whose litter sizes increases with latitude and length of the breeding season decreases with latitude. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012. Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Av. Brasil 4365. Rio de Janeiro, RJ, 21040360, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
*
** Departamento de Ecologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier, 524. Rio de Janeiro, RJ, 20.559-900, Brasil.
Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
311 ECOLOGIA
Introdução A dinâmica de populações envolve as variações no tempo de diversos atributos denominados parâmetros populacionais, como tamanho de população, taxa de recrutamento, taxa de sobrevivência, taxa de mortalidade, taxa de fecundidade, migração e estrutura etária. A dinâmica de populações relaciona a variação numérica dos parâmetros de uma população com suas causas, onde nascimentos, imigrações, mortes e emigrações são as causas próximas, e os fatores que afetam estas são as causas finais. Estes fatores podem ser intrínsecos, ou por interações com outras populações, ou devido a fatores ambientais. As flutuações populacionais podem ser estacionais, plurianuais ou caóticas. Os fatores intrínsecos englobam a dispersão, estrutura espacial, interações sociais, componentes da reprodução (tamanho de ninhada, tempos de gestação e lactação, tempo da estação reprodutiva, sistema de acasalamento, razão sexual) e respostas fisiológicas ao estresse. Os fatores extrínsecos podem ser as chuvas, a temperatura, a umidade, a produtividade da vegetação e dos recursos alimentares, a predação e o parasitismo. As estratégias demográficas constituem um dos fatores ecológicos mais importantes de diferenciação entre as espécies, podendo ser distintos entre espécies simpátricas. Algumas espécies podem apresentar taxas de renovação populacional mais demoradas, ao passo que outras podem adotar taxas mais rápidas. Espécies de pequenos mamíferos, como os roedores, apresentam taxas rápidas de renovação populacional e reprodução ao longo de todo o ano (Bergallo, 1994; Bergallo & Magnusson, 1999; Gentile et al. 2000; Bonecker et al., 2007). Algumas das espécies mais comuns de marsupiais da Região Neotropical, pertencentes à Família Didelphidae, têm sido estudadas quanto a sua dinâmica populacional. Tais espécies pertencem principalmente a gêneros como Didelphis, Philander, Metachirus, Monodelphis e Marmosa (=Micoureus). Apesar da grande riqueza de espécies de marsupiais didelfídeos na Região Neotropical, estes apresentam uma dinâmica populacional relativamente semelhante, baseada principalmente na previsibilidade climática regional. Muitas populações destes pequenos mamíferos apresentam uma estacionalidade acentuada dependente primariamente das condições climáticas locais e dos recursos disponíveis. Abaixo mostramos alguns dos principais aspectos da dinâmica populacional de alguns marsupiais brasileiros e os fatores que a influenciam.
Densidade Populacional e Reprodução Um ponto fundamental para o entendimento da variação dos tamanhos populacionais das espécies é a compreensão dos fatores que influenciam sua reprodução. Nos marsupiais Neotropicais, é esperado que a época de reprodução esteja ligada a condições fisiológicas favoráveis à gravidez e à amamentação. Estas condições pressupõem que existam também condições ambientais favoráveis, uma vez que todos os processos somáticos e comportamentais que resultam em prole são, de uma forma ou de outra, controlados pela disponibilidade de energia vinda do alimento (Perrigo, 1990). Desta forma, uma maior frequência de reprodução numa determinada estação do ano deve vir em resposta a alguma variação estacional dos recursos de uma espécie, oferecendo assim uma vantagem ecológica aos indivíduos e evolutiva à população. Existem três dimensões ambientais atuando na reprodução dos mamíferos: física (fatores climáticos), alimentar (controla os processo fisiológicos e reprodutivos) e social (sistema de acasalamento, estação reprodutiva, sucesso reprodutivo). Os marsupiais neotropicais são conhecidos por exibirem uma variação sazonal na densidade populacional como consequência de uma estação reprodutiva definida. De modo geral, este período reprodutivo ECOLOGIA
312 Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
se estende desde o final da estação seca até o final da estação úmida, época em que as maiores densidades de indivíduos já desmamados são observadas. Os marsupiais brasileiros para os quais existem informações suficientes a respeito e que exibem este padrão são os gambás Didelphis albiventris (Mares & Ernest, 1995; Cáceres, 2000b), Didelphis aurita (Cerqueira et al., 1993; Bergallo, 1994; Cáceres & Monteiro-Filho, 1998; Gentile et al. 2000; Gentile et al., 2004; Bonecker et al. 2009), Didelphis marsupialis (Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990) e as cuícas Philander frenatus (Cerqueira et al., 1993; Bergallo, 1994;, Gentile et al. 2000; Gentile et al. 2004; Bonecker et al. 2009), Philander opossum (Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990); Caluromys philander (Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990), Metachirus nudicaudatus (Cerqueira et al., 1993; Bergallo, 1994; Gentile et al., 2004), Monodelphis domestica (Bergallo & Cerqueira, 1994), Marmosops incanus (Gentile et al., 2004), Gracilinanus microtarsus (Martins et al., 2006) e Marmosa paraguayana (Rocha, 2000; Quental et al., 2001; Barros et al., 2008). As mais importantes causas bióticas diretamente relacionadas às flutuações na densidade populacional são a estação reprodutiva sazonal e os movimentos, como a imigração e a dispersão. Como os marsupiais didelfídeos são principalmente poliéstricos e geralmente apresentam elevados tamanhos de ninhada em relação a mamíferos placentários (Thompson, 1987; Monteiro-Filho & Cáceres, 2006), há, durante a estação úmida, de duas a três coortes bem definidas de indivíduos jovens oriundos de nascimentos que tendem a ser sincrônicos no início da estação reprodutiva (que corresponde ao final da estação seca no Hemisfério Sul tropical e subtropical) (Tabela 1). Isto tem sido melhor observado nas espécies de Didelphis (Sunquist & Eisenberg, 1993; Bergallo, 1994; Cáceres & Monteiro-Filho, 1997; Cáceres, 2000b; Gentile et al. 2000; Bonecker et al. 2009), embora este padrão também possa ser observado em outros marsupiais como M. nudicaudatus (Bergallo, 1994), P. opossum, C. philander (Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990), P. frenatus (Cerqueira et al., 1993; Gentile et al., 2000) e M. domestica (Cerqueira & Bergallo, 1993; Bergallo & Cerqueira, 1994) (Tabela 1). Marcas químicas de cheiro, como a urina, deixadas pelos machos têm um importante papel na indução da reprodução (receptividade e estro das fêmeas) em espécies solitárias e com interações macho–fêmea restritas ao período de acasalamento (Cáceres et al., 2006). Tal comportamento parece não estar restrito à espécie C. philander, mas provavelmente ocorre em muitas outras, dada a ocorrência de nascimentos sincrônicos em várias espécies durante a estação seca. Isso sugere que quando há maior produtividade no ambiente (geralmente durante a estação úmida e quente) as fêmeas estarão em período de lactação ou os jovens já terão sido desmamados. Embora sugerido por outros autores (Charles-Dominique, 1983; Lee & Cockburn, 1985), o aumento das chuvas e o conseqüente aumento da produtividade não são os desencadeadores do início da estação reprodutiva, uma vez que esta se inicia na estação seca (Monteiro-Filho, 1987; Cáceres, 2000b). Então, qual fator poderia desencadear a reprodução nos marsupiais neotropicais? Em um estudo da cuíca-de-cauda-curta, M. domestica, observou-se uma relação significativa e negativa entre a freqüência de fêmeas grávidas e a duração do dia, o que sugere que as mudanças sazonais no fotoperíodo parecem desencadear o início de seus ciclos reprodutivos (Cerqueira & Bergallo, 1993). Estudos desenvolvidos com marsupiais australianos mostram que seus ciclos reprodutivos também são controlados sazonalmente pelo fotoperíodo, onde mecanismos hormonais são regulados nas fêmeas pela variação dos ciclos circadianos (Renfree, 1981; Renfree et al., 1981; Tyndale-Biscoe & Renfree, 1987). Em uma revisão sobre os padrões reprodutivos do gênero Didelphis (Rademaker & Cerqueira, 2006), que é o gênero de marsupial brasileiro mais estudado e um dos mais abundantes, mostrou-se que a duração da estação reprodutiva varia inversamente com a latitude, podendo durar de 12 meses próximo à zona Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
313 ECOLOGIA
Tabela 1 - Ciclos reprodutivos anuais de alguns marsupiais didefídeos de várias localidades do Brasil. ‴ estação úmida média nas localidades, exceto caatinga; ∆ estação chuvosa na região da caatinga; ● período de acasalamento e gestação; - - lactação; ↓ desmame. Estimativas com base em: 1.Streilein (1982) 2.Monteiro-Filho (1987) 3.Mares & Ernest (1995) 4.Cáceres (2000b) 5. Fonseca & Kierulff (1989) 6. Bergallo (1994) 7. Cáceres & Monteiro-Filho (1997) 8.Gentile et al. (2000) 9.Bonecker et al. (2009) 10.Kajin et al. (2008) 11.Cerqueira et al. (1993) 12.Julien-Laferriére & Atramentowicz (1990) 13.Rocha (2000) 14.Bergallo & Cerqueira (1994). ‴ ∆
‴
‴
∆
∆
∆
∆
∆
∆
Abr
Mai
Jun
Jul
Espécies
Jan
Fev
Mar
D. albiventris1
- -
- -
↓
D. albiventris2
↓ -
- -
3
D. albiventris
- -
↓●
● -
- -
- ↓
D. albiventris4
- -
↓●
● -
- -
- ↓
5
D. aurita
- -
↓
D. aurita
6
- -
- ↓
D. aurita7
- -
↓
D. aurita8
- -
- -
↓
D. aurita
↓
9
● -
- -
‴
‴
‴
Out
Nov
Dez
●
● -
∆ Ago
Set
- -
↓●
● -
- -
- -
●
- -
- -
↓●
● -
- -
●
- -
- -
↓●
● -
- -
●
- -
- -
↓●
● -
- -
●
- -
- -
↓●
- -
●
- -
- -
↓●
● -
- -
●
● -
- -
- -
↓●
● -
●
● -
- -
- -
↓●
● -
●
● -
- -
- -
↓●
- -
● -
- -
- ↓
●
- -
● -
- -
- ↓
● -
- -
- ↓
- -
- -
D. aurita10
- -
- ↓
P. frenatus4
- -
↓
P. frenatus
11
● -
- -
- ↓
P. frenatus
8
↓●
- -
- -
↓
●
● -
- -
↓●
- -
- -
P. frenatus9
↓●
- -
- -
↓
●
● -
- -
↓●
- -
- -
- -
↓●
- -
- -
●
- -
- -
↓●
- -
- -
- ↓
● -
- -
↓
● -
- -
- ↓
●
● -
- -
●
- -
- ↓
P. opossum
12
M. nudicaudatus
4
M. nudicaudatus5 M. nudicaudatus6
- ↓
M. demerarae
- -
C. philander12
- ↓
M. domestica
- ●
13
14
- - ●
↓
- ●
- -
- -
- ↓
- ●
- ●
- ●
-
● - ↓
●
- -
- -
- -
- -
● -
- -
- ●
equatorial a seis meses em latitudes de 25°S, concluindo que o estímulo final que desencadearia o início da reprodução neste gênero também estaria relacionado à variação na quantidade de horas de luz por dia. Contudo, um trabalho realizado em fragmentos florestais de Mata Atlântica com a cuíca P. frenatus indicou uma reprodução durante o ano inteiro neste marsupial, sem estação reprodutiva definida (Barros et al. 2008), não tendo sido encontrada evidência da influência da precipitação na atividade reprodutiva da cuíca. Segundo esses autores, este padrão de reprodução não é usual para esta espécie, o que pode ser explicado pelo fato da área de estudo ser composta por fragmentos florestais sujeitos a efeitos de borda e a mudanças na abundância de recursos. Padrão semelhante foi encontrado para Chironectes minimus que não apresentou evidência de estacionalidade no recrutamento de indivíduos jovens (Galliez et al., 2009). Segundo os autores este padrão pode ser explicado pelas características do habitat e pela disponibilidade de recursos durante todo o ano. O habitat dessa espécie pode ser classificado como imprevisível devido ao regime hidrológico instável dos rios de Mata Atlântica. ECOLOGIA
314 Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
Há uma estreita relação entre a freqüência de indivíduos jovens na população (ou seja, maiores densidades) e a época do ano, mais propriamente durante e no final da estação úmida (Bergallo & Cerqueira, 1994; Cáceres, 2000b; Bonecker et al., 2007): é durante essa época que existe maior disponibilidade de alimentos como frutos zoocóricos e presas animais (Bergallo & Magnusson, 1999; Cáceres, 2000a). Desse modo, tais indivíduos têm maiores chances de sobrevivência nesta estação (Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990; Cáceres, 2000b). Sunquist & Eisenberg (1993) verificaram que filhotes de D. marsupialis nascidos durante o último pico de nascimentos (3º pico), na estação úmida, tiveram menor taxa de sobrevivência até a próxima estação úmida e os sobreviventes adquiriram menor massa corporal que os filhotes nascidos mais cedo (1º e 2º picos). Isso ocorre porque há geralmente menor disponibilidade de alimentos durante a estação seca ou fria. A chuva é um importante fator que determina diretamente o surgimento de novas folhas e a frutificação nas florestas tropicais e indiretamente possibilita o aumento populacional das espécies (Flowerdew, 1987). Em decorrência destes fatores, apenas indivíduos adultos e, não raro, os subadultos, são comumente observados durante o período mais seco. Com o intuito de buscar padrões reprodutivos gerais para os mamíferos, Cerqueira (2005) propôs dois modelos de reprodução em mamíferos. Um modelo seria o estacional, em que o modo de reprodução estaria caracterizado pelo início e fim da estação reprodutiva, sendo desencadeado pela mudança da estação astronômica (variação na duração do dia). A maioria dos marsupiais brasileiros segue este modelo. No segundo modelo, o tamanho populacional seguiria diretamente o nível de recursos (K), onde as fêmeas engravidariam quando houvesse disponibilidade de recursos num certo nível. Este modelo é mais comum em roedores, mas algumas populações de marsupiais também parecem se enquadrar nele, por não apresentarem estação reprodutiva definida (Barros et al, 2008, Crouzeilles et al., 2010).
Demografia e Modelagem Populacional O uso de modelagem em estudos populacionais de marsupiais vem sendo usado recentemente em abordagens demográficas e em análises de fatores exógenos (Brito & Fernandez, 2000; Lima et al. 2001; Fernandes, 2003; Kajin, 2008; Kajin et al. 2008; Zangrandi, 2009; Ferreira, 2011). Kajin (2008) e Kajin et al. (2008) fizeram um estudo demográfico inédito de uma população do gambá D. aurita em uma área de Mata Atlântica do Estado do Rio de Janeiro durante nove anos através do uso de tabelas de vida horizontais, análise de perturbação e análise de fatores exógenos. Os resultados mostraram que as maiores mortalidades ocorreram nas classes etárias mais baixas e a curva de sobrevivência seguiu o tipo III. Isso pode ser devido ao fato do período mais crítico para a sobrevivência dos marsupiais ocorrer durante e após o desmame (Lee & Cockburn, 1985). Além disso, marsupiais investem pouco na gestação e muito na lactação. Sendo assim, a perda de filhotes no início da lactação é comum, uma vez que as fêmeas investiram pouco até então. Outro fator importante observado foi a ausência de relação entre a fecundidade e o valor reprodutivo residual, ou seja, a alta taxa de fecundidade das fêmeas numa classe etária não diminui sua contribuição para as futuras ninhadas, mostrando que D. aurita é uma espécie iterópara. As primeiras classes do ciclo de vida estão sujeitas a pressões seletivas mais fortes do que as últimas classes em termos de sobrevivência. Com relação à análise de fatores exógenos nas variações populacionais, observou-se que a sobrevivência, e portanto também a taxa de crescimento, estavam fortemente correlacionadas ao Índice de Oscilação Sul (El Niño), onde uma diminuição nesse índice levava a um aumento na taxa de crescimento populacional (Kajin, 2008). Esses resultados mostram que a dinâmica populacional do gambá estaria governada por um processo regional. Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
315 ECOLOGIA
Análises semelhantes também foram feitas posteriormente para os marsupiais M. incanus (Zangrandi, 2009) e M. nudicaudatus (Ferreira, 2011), na mesma área de estudo, com dados de mais de 10 anos. Nesses estudos, M. nudicaudatus e M. incanus apresentaram dinâmica populacional governada por processos de retroalimentação negativa de primeira ordem, assim como no gambá D. aurita, sugerindo que as populações são reguladas por competição intraespecífica por recursos, sendo limitada por alimento ou espaço. A população de M. nudicaudatus está sob influência da precipitação local do ano anterior, mas não de fatores regionais, ao contrário do gambá (Ferreira, 2011). O problema no uso de modelos demográficos é que eles são de difícil aplicação em regiões tropicais no que se refere à obtenção de dados, uma vez que o número de fatores é grande e as interrelações são complexas. Além disso, os animais precisam ser acompanhados do nascimento à morte, o que é difícil de monitorar. Contudo, os marsupiais apresentam a vantagem de poderem ser acompanhados desde o nascimento e de podermos saber os tamanhos das ninhadas em estudos de captura-marcação-soltura. Esses estudos realizados com essas três espécies de marsupiais são estudos pioneiros de dinâmica populacional e de mais longo prazo realizados no Brasil. Eles mostraram que a utilização de modelagem para estudos demográficos em marsupiais brasileiros é bastante viável, ressaltando também a importância de se considerar fatores extrínsecos regionais, pois a maioria dos estudos utiliza apenas fatores climáticos locais nas análises.
Tamanho Corporal e Dieta Diagnosticar o quanto fatores como o tamanho corporal, hábito alimentar e taxa metabólica corporal influenciam nas flutuações da densidade populacional é uma tarefa complexa (Eisenberg, 1980). As diferentes variáveis atuam sobre a densidade dos animais a diferentes graus de intensidade. Mamíferos de maior tamanho corporal exibem taxas metabólicas mais baixas. Inversamente, pequenos mamíferos exibem elevadas taxas metabólicas (Eisenberg, 1980; Robinson & Redford, 1986). Da mesma forma, o tamanho corporal é inversamente relacionado à densidade populacional devido ao fluxo de energia no corpo que determina, por exemplo, a taxa de crescimento de uma espécie (McNab, 1986; Thompson, 1987). Em marsupiais brasileiros não existe uma relação clara entre tamanho do corpo e densidades populacionais uma vez que esta também depende da dieta e do tipo de ambiente em que a população se encontra. O gambá, que é um dos maiores marsupiais neotropicais apresenta geralmente baixas densidades em áreas preservadas, porém é bastante abundante em áreas fragmentadas ou próximas à ocupação humana (Macedo et al. 2007; Vaz et al 2007). Fonseca e Robinson (1990) e Graipel et al. (2006a) atribuíram semelhante padrão a baixa densidade de espécies predadoras do gambá, como iraras e felinos em áreas perturbadas. A um determinado tamanho corporal, as espécies tendem a variar suas densidades de acordo com o tipo de dieta (Eisenberg, 1980; McNab, 1986). Por exemplo, espécies carnívoras tendem a ocorrer em menores densidades que espécies herbívoras. Isso ocorre porque os herbívoros alimentam-se de itens de baixos níveis tróficos, que ocorrem em maior abundância (ou seja, são consumidores primários), e os carnívoros de presas de elevados níveis tróficos, que são menos abundantes (ou seja, são consumidores secundários ou terciários) (Robinson & Redford, 1986). Como as espécies de marsupiais brasileiros apresentam geralmente uma dieta do tipo onívora, mesmo que tendendo à frugivoria, à insetivoria ou à carnivoria (Santori & Astúa de Moraes, 2006), torna-se ECOLOGIA
316 Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
difícil verificar qualquer padrão demográfico. Utilizando-se exemplos extremos, como C. philander que é mais frugívoro (Leite et al., 1994) e P. frenatus que é mais carnívoro (Santori et al., 1995a, b; Cáceres, 2000a) e ambos de tamanho corporal similar, um padrão de variação de densidade ditado pelo tipo de dieta ainda não é claro (Tabela 2). Densidades populacionais de D. aurita, P. frenatus e M. incanus apresentaram uma estreita relação com a produção de serrapilheira, onde são encontrados artrópodes e frutos, em um estudo na Mata Atlântica (Gentile et al, 2004). Esse estudo sugeriu que a base dos recursos destes marsupiais está na serrapilheira, o que ressalta a importância das florestas na presença continuada dessas espécies. Outros estudos também mostraram que a disponibilidade de frutos e artrópodes apresenta uma Tabela 2. Massa corporal, dieta e densidade populacional de marsupiais brasileiros. Massa média (g) *
Dieta *
Bioma
Densidade (indivíduos/ha)
Método utilizado
Caluromys philander 6
170
Fr On
Floresta AtlânticaS
0,4
MNKA
Didelphis albiventris 5
1250
Fr On
Floresta de AraucáriaS, F
1,1
MNKA
Didelphis aurita 3
985
Fr On
Restinga
0,4
MNKA
4
Floresta AtlânticaP
0,5
JS
5
Floresta de AraucáriaS, F
1,6
MNKA
5
Floresta AtlânticaS
0,3
MNKA
6
Floresta AtlânticaS
1,5
MNKA
Floresta/campo
0,5 A
MNKA
Floresta decídua
0,1A
MNKA
Lhanos
0,9
MNKA
Floresta Úmida
1,5
MNKA
Restinga
0,2
MNKA
4
Floresta AtlânticaP
1,8
JS
5
Floresta AtlânticaS
1,2
MNKA
6
Floresta AtlânticaS
1,0
MNKA
Floresta Úmida
0,4
MNKA
6
Floresta AtlânticaS
1,9
MNKA
7
Floresta AtlânticaS, F
1,75
MNKA
7
Floresta AtlânticaS, F
0,83
MNKA
Restinga
1,9
MNKA
4
Floresta AtlânticaP
0,3
MNKA
5
Floresta AtlânticaP
0,7
MNKA
Espécie
Didelphis marsupialis 1
1200
Fr On
1
Fr Car
2
2
Metachirus nudicaudatus 3
Marmosa paraguayana 2
Philander frenatus 3
280
105
360
In On
In On
In On
indica média mensal extraída do referido estudo. indica floresta secundária. indica floresta primária. indica fragmento florestal < 10 ha. Fr=Frugívoro; On=Onívoro; In=Insetívoro; Car=carnívoro. *Conforme Paglia et al. (2012), exceto casos específicos quanto à dieta. Métodos para estimativas de densidade populacional: MNKA - método da enumeração ou número mínimo de indivíduos conhecidos vivos; JS - método de Jolly-Seber (Fernandez, 1995). Referências: 1-August (1984); 2-O’Connell (1989); 3-Cerqueira et al. (1993); 4-Bergallo (1994); 5-Cáceres et al. (2006); 6-Grelle (2003); 7-Quental et al. (2001).
A
S
P
F
Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
317 ECOLOGIA
grande importância nas causas próximas da variação populacional de marsupiais (Freitas et al, 1997; Leite et al. 1994). O tamanho do corpo do animal também pode variar em função das caracterísitcas do ambiente. Salvador et al. (2009) observaram variação no tamanho do corpo de D. aurita em áreas insulares. As variações foram atribuídas a oferta de recursos e diversidade de espécies de cada área.
Uso do espaço Alguns parâmetros ecológicos são dependentes da densidade populacional e relacionados com a estratégia reprodutiva das espécies, tais como o padrão de uso do espaço. Movimentos e áreas de vida podem ser considerados como características distintas de machos e fêmeas, e a organização social e o sistema de acasalamento estão intimamente ligados aos padrões de uso do espaço. Poucas espécies de marsupiais já foram estudadas buscando-se relacionar o uso do espaço com a estratégia reprodutiva. Pires & Fernandez (1999) observaram que fêmeas de catita-lanosa, M. paraguayana, são altamente territoriais quando em baixas densidades, não sobrepondo suas áreas de vida. No entanto, quando a densidade de fêmeas é elevada, há sobreposição parcial das áreas de vida, diminuindo o grau de territorialidade por parte destas. Esse mesmo fenômeno ocorre também em D. aurita que com aumento de densidade há uma sobreposição na área de vida (Salvador et al., 2009). Por outro lado, o uso do espaço por P. frenatus parece não ter relação com sua densidade populacional, sugerindo que esta espécie não seja territorial (Fernandez et al., 1997). Um outro estudo realizado em área de restinga com a cuíca P. frenatus (Gentile et al., 1997) mostrou que as áreas de vida não diferiam entre os sexos, mas as fêmeas apresentaram áreas maiores durante a estação reprodutiva, ao contrário dos machos. O tamanho das áreas de vida não estava relacionado nem com a massa corpórea nem com as densidades populacionais, mas houve um aumento na sobreposição das áreas de vida com o aumento das densidades. Esses resultados sugerem que P. frenatus tem um sistema de acasalamento promíscuo. Em D. aurita, Loretto & Vieira (2005) observaram que o movimento das fêmeas era determinado pela disponibilidade de recursos e o dos machos pela estação reprodutiva. Os períodos chuvosos aumentariam a produção de recursos o que restringiria os movimentos das fêmeas. Machos se movimentariam mais durante a estação reprodutiva, corroborando a hipótese desta espécie ter sistema de acasalamento promíscuo. Também para D. aurita, Cáceres et al. (2003) mostraram resultado semelhante onde os movimentos dos machos estariam mais relacionados à procura de fêmeas do que de alimento.
Razões Sexuais e a Dispersão dos Indivíduos As razões sexuais nas populações de marsupiais brasileiros, de um modo geral, seguem o esperado de um macho para cada fêmea, contudo, em alguns casos são encontrados desvios para ambos os sexos. Em muitos estudos os tamanhos populacionais de machos e fêmeas não são estimados, e como pode haver diferença significativa na probabilidade de captura entre sexos, às vezes os resultados encontrados estão sujeitos a erros de natureza desconhecida. Ajustes na razão sexual podem ser encontrados onde há competição dentro de grupos de indivíduos de um mesmo sexo pelo acesso a recursos limitados. Neste caso, a seleção favorece a evolução de uma razão sexual desviada para o sexo oposto (Silk, 1983), ou em espécies com dimorfismo sexual levando ECOLOGIA
318 Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
a um desvio em favor do sexo menos dispendioso (Myers, 1978). Os casos de desvio para um dos sexos geralmente não são explicados, exceto pelo estudo de Sunquist & Eisenberg (1993) com D. marsupialis e Didelphis virginiana. Neste caso, houve um desvio da proporção sexual das proles, para filhotes machos, quando as fêmeas estavam em boas condições (observado pelo maior peso corporal) ou para filhotes fêmeas quando estavam em más condições (menor peso corporal), corroborando a hipótese de Trivers & Willard (1973) de que, em ambientes de recursos limitados, há um desvio em favor das fêmeas, uma vez que o sucesso reprodutivo dos machos depende mais de sua condição corporal do que o das fêmeas. Os mecanismos para os desvios não foram identificados mas poderiam provenientes de uma seleção imposta pela própria mãe no marsúpio (Sunquist & Eisenberg, 1993). Com base em seus resultados, os autores propuseram que D. marsupialis pudesse ser uma espécie poligínica em que as fêmeas prenhes poderiam desviar seu investimento de energia em filhotes machos, caso estivesse em um “bom” território de um macho dominante, onde os filhotes cresceriam com maior vitalidade e teriam maiores chances de acasalamentos futuros. No entanto, há fortes evidências para se acreditar que Didelphis seja um gênero promíscuo (Ryser, 1992; Cáceres & Monteiro-Filho, 2006). Desvios encontrados na razão sexual podem estar relacionados aos comportamentos de migração e dispersão dessas espécies, ou às vezes aos métodos empregados no estudo populacional. Graipel et al. (2006b) encontraram desvios na razão sexual de filhotes de fêmeas residentes de D. aurita em uma área fragmentada, tendo atribuído os desvios ao estresse nutricional após sucessivas capturas devido ao maior esforço amostal num dado período. Nesse caso a carência nutricional das fêmeas teria favorecido proles com maior número de fêmeas, conforme esperado. Os mesmos autores também observaram maior dispersão em machos jovens para outras áreas resultando em maior proporção de fêmeas na população. Entretanto, em alguns estudos, principalmente de remoção onde as coletas não são em áreas bem delimitadas e portanto contemplam apenas uma parcela da população local, é comum uma maior captura de machos (obs. pess.). Isto pode ser devido mais a questões comportamentais do que desvio da razão sexual na população. Machos são mais agressivos, exploradores e se deslocam mais do que fêmeas em algumas espécies; assim, haveria mais machos passando pelas áreas armadilhadas. Essa é uma das condições que podem provocar diferenças nas probabilidades de captura entre sexos resultando em desvios irreais da razão sexual. Variações estacionais no ambiente também podem levar a desvios na razão sexual. Fernandez et al. (2003) em estudo de populações de M. paraguayana de fragmentos florestais de Mata Atlântica observaram desvios da razão sexual tanto para machos quanto para fêmeas. Possivelmente os fragmentos com desvio na razão sexual para fêmeas seriam mais pobres em recursos enquanto que fragmentos com desvio para machos seriam mais ricos. Algumas áreas inicialmente apresentaram desvio na razão sexual para machos e ao final do estudo o desvio foi na direção contrária. Esse fato ocorreu provavelmente devido a um período excepcional de seca, o que diminuiu a disponibilidade de recursos desviando a razão sexual para fêmea, concordando com a hipótese de Trivers e Willard (1973). Cáceres et. al. (2007) observaram maior captura de machos na estação seca e de fêmeas na estação chuvosa em Thylamys macrurus em áreas de fragmentos de Cerrado do Mato Grosso do Sul. Neste caso, as fêmeas de T. macrurus estariam mais ativas que os machos durante a estação chuvosa devido ao período reprodutivo, sendo mais capturadas que os machos. Um estudo desenvolvido em Poço das Antas, no Sudeste do Brasil, revelou um padrão de movimentos mais restritos por parte de fêmeas de M. paraguayana e de dispersão por parte de machos (Pires & Fernandez 1999). Assim sendo, os autores registraram apenas deslocamentos de machos entre os Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
319 ECOLOGIA
fragmentos estudados, o que pode explicar os desvios na razão sexual encontrados em alguns estudos. Em um estudo no Sul do Brasil, algumas fêmeas do gambá-de-orelha-preta, D. aurita, mostraram-se fixas em um fragmento florestal, desde jovens até a idade adulta, e muitos machos adultos apareceram na área, como imigrantes, durante a estação úmida, provenientes de outros fragmentos ou áreas abertas (Cáceres & Monteiro-Filho, 1998). Durante essa época, que inclui a maior parte de sua estação reprodutiva, os machos de D. aurita aumentam consideravelmente sua área de ação na tentativa de se acasalar com maior número de fêmeas possível (Ryser, 1992; Cáceres & Monteiro-Filho, 2006). A fidelidade de fêmeas à sua área de vida foi também observada por outros autores: Monteiro-Filho (1987) observou no Sudeste do Brasil uma fêmea de D. albiventris que deslocou-se por cerca de 1600 m retornando ao ponto onde havia sido capturada inicialmente; Gentile et al. (2000) também observaram em D. aurita em uma área rural que as fêmeas permaneciam na área de estudo por muito mais tempo que os machos, e muitos filhotes fêmeas marcadas ainda na bolsa foram recapturadas quando adultas (Gentile et al. 2000); Graipel et al. (2006b) encontraram que machos de D. aurita tinham um comportamento de maior dispersão enquanto as fêmeas eram mais residentes em fragmentos florestais. Prevedello et al. (2009) também observaram fidelidade à área de vida em P. frenatus em áreas de fragmentos da Mata Atlântica. Assim, a dispersão ou mesmo a migração em marsupiais pode ser um dos fatores causais de razões sexuais desviadas para um dos sexos, assim como pode afetar a densidade populacional em um dado local.
Estratégias de Vida Uma das questões mais importantes da evolução das estratégias de vida é saber quais fatores maximizam a aptidão (fitness) de uma população. Uma clássica tentativa de classificação dos organismos, quanto a estratégias populacionais, consiste em dois modos de adaptação ao ambiente: a seleção K e a seleção r. A análise desse tipo de seleção deve ser feita sempre comparativamente entre as espécies, já que nem todas elas encaixam-se integralmente em um dado tipo de seleção. Entre os Didelphimorphia, Caluromys talvez seja o gênero de marsupial mais diferenciado em termos de estratégias populacionais. Tais diferenças, como o pequeno tamanho de ninhada (1 a 4 filhotes para Caluromys lanatus e média de 4 filhotes para C. philander, segundo Reis et al. (2011)), maior longevidade e ocorrência somente em ambientes mésicos ou mais estáveis, podem estar relacionadas ao seu alto grau de vida arborícola e, indiretamente, ao seu elevado volume cerebral (Eisenberg & Wilson, 1981; Cáceres, 2000a; Vieira, 2006). Caluromys vive predominantemente no dossel das florestas, um ambiente tridimensional que requer maior capacidade de integração de informações do que ao nível do solo (Eisenberg & Wilson, 1981). No Brasil, as espécies de Caluromys ocorrem desde a região amazônica até regiões subtropicais do sul, sempre em florestas mais densas (Gardner, 1993). Caluromys, mesmo no Cerrado, distribui-se principalmente em florestas de galeria (Redford & Fonseca, 1986; Gribel, 1988) que são fisionomicamente similares às Florestas Atlântica e Amazônica. A competição potencial nesses ambientes deve ser mais intensa baseando-se em sua elevada riqueza de espécies (Alho et al., 1986), e os marsupiais que ali ocorrem têm de estar bem adaptados a tais situações. O tamanho de ninhada reduzido, como ocorre em Caluromys, requereria então maior cuidado parental. Em termos de dieta, Caluromys é um frequente consumidor de frutos, pólen e seiva (Gribel, 1988; Santori & Astúa de Moraes, 2006), um tipo de alimentação que aparentemente requer maior cuidado parental devido a esses recursos não serem ofertados o ano todo, nem serem homogeneamente distribuídos, e seus filhotes têm de aprender a obter esses recursos quando são escassos. Devido a essas características, o gênero Caluromys pode ECOLOGIA
320 Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
ser considerado como estrategista K (ver Eisenberg & Wilson, 1981) em relação aos outros gêneros de marsupiais, como por exemplo Didelphis. Didelphis enquadra-se como um estrategista r em relação a Philander por apresentar geralmente grandes tamanhos de ninhada (entre 5 e 9 filhotes, em média, podendo chegar a 11 filhotes em D. aurita e D. marsupialis e a 14 filhotes em D. albiventris (Reis et al., 2011)) e elevada produtividade anual de filhotes (2 a 3 ninhadas por estação, Tabela 1) comparativamente (Bergallo, 1994). Didelphis também é característico por adaptar-se bem a ambientes instáveis como o urbano e o rural (Cordero & Nicolas, 1992; Cáceres & Monteiro-Filho, 1998). Além disso, o gambá-de-orelha-branca, D. albiventris, vive em ambientes ainda menos estáveis que D. marsupialis ou D. aurita, pois ocorre em regiões semi-áridas da Caatinga e do Chaco, em áreas sazonalmente inundáveis, como o Pantanal, e em regiões temperadas dos Andes e da Argentina (Emmon & Feer, 1990). Comparativamente, Philander parece ser um estrategista K em relação a Didelphis pois apresenta menor tamanho de ninhada (de 4 a 6 em P. frenatus e de 4 a 7 em P. opossum (Reis et al., 2011)) e vive principalmente em ambientes mésicos (Eisenberg & Wilson, 1981). Outras espécies com tamanhos de ninhada conhecidos são: M. paraguayana, com tamanho médio de ninhada igual a 11 (variação 6-11; n = 24) (Barros et al., 2008), C. minimus com tamanho médio de ninhada igual a 3 (n = 2) (Galliez et al., 2009) e M. nudicaudatus, de 6 a 9 filhotes (Bergallo, 1994; Patton et al., 2000). A cuíca-de-cauda-curta Monodelphis dimidiata, uma espécie do Brasil Meridional, aparentemente apresenta um caso extremo de seleção r pois há evidências de que os machos da espécie morrem após sua primeira estação reprodutiva, um possível caso de semelparidade entre os marsupiais neotropicais (Pine et al., 1985). As evidências para isto são o forte dimorfismo sexual presente na espécie, o elevado tamanho de ninhada estimado (ver adiante) e a ausência de capturas de machos adultos de M. dimidiata durante a época não reprodutiva, o que pode indicar uma mortalidade “em massa” destes após a época de acasalamentos (Pine et al., 1985). Redford & Eisenberg (1989) informaram sobre uma fêmea de M. dimidiata (= M. henseli) com 25 mamas o que sugere uma elevadíssima produtividade de filhotes. Bergallo & Cerqueira (1994) também observaram para M. domestica, um número elevado de embriões no útero (2 a 16), com média de 8,2, como similarmente verificado em ambiente natural (Streilein, 1982b). Esse valor máximo de embriões encontrados em M. domestica foi o mesmo reportado por Pine et al. (1985) para o tamanho de ninhada de M. dimidiata. Porém, ao contrário de M. dimidiata, M. domestica parece apresentar um caso de iteroparidade, uma vez que se reproduz mais de uma vez na vida (Streilein, 1982b). Uma outra espécie que também parece apresentar semelparidade é a cuíca M. incanus. Macedo (2007) observou que os animais de ambos os sexos não sobreviviam de uma estação reprodutiva a outra, sugerindo um padrão reprodutivo semélparo. O tamanho de prole e o número de eventos reprodutivos, bem como a duração da estação reprodutiva, também podem estar relacionados com a latitude. Um estudo realizado com o gênero Didelphis observou uma relação direta do tamanho da ninhada e inversa da duração da estação reprodutiva com a latitude (Rademaker & Cerqueira, 2006). Foi observado que um tamanho ótimo de prole é afetado pela duração da estação reprodutiva e pelas restrições do ambiente, que são reflexos da latidude. Em latitudes maiores, os animais estariam enfrentando condições mais extremas, limitando o período reprodutivo. Nesse caso, uma estratégia que aumentaria a aptidão populacional seria um maior investimento numa única reprodução, apresentando uma única ninhada numerosa. Este é um exemplo de que, em uma mesma espécie, podemos encontrar diferentes estratégias de vida de acordo com as características do ambiente. Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
321 ECOLOGIA
Agradecimentos RG agradece ao CNPq, FAPERJ, IOC/FIOCRUZ e LabVert/UFRJ pelas bolsas e auxílios concedidos para os diversos estudos realizados sobre dinâmica populacional durante toda sua vida profissional. HGB agradece ao CNPq, FAPERJ e Prociência/UERJ pelas bolsas e auxílios concedidos. Agradecemos a N.C. Cáceres e E.L.A. Monteiro-Filho pelas contribuições da primeira edição do livro. Agradecemos a um revisor anônimo por sugestões para a melhoria do texto.
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326 Dinâmica populacional de marsupiais brasileiros
CAPÍTULO 15
Uso do Espaço por Marsupiais: Fatores Influentes sobre Área de Vida, Seleçãode Habitat e Movimentos Nilton C. Cáceres* Jayme A. Prevedello** Diogo Loretto*** Abstract: USE OF SPACE BY MARSUPIALS: FACTORS AFFECTING HOME RANGE, HABITAT SELECTION AND MOVEMENTS. The patterns of use of space by mammals are largely influenced by body size, sex, age, feeding habits, reproduction, and the social system of each species. Empirical evidences already available show that home range sizes of Brazilian marsupials are affected by most of these factors. Regarding body size, usually the larger the animal (e.g. males compared to females), the larger will be its home range. Males of Didelphis increase their home ranges during the mating season, and individuals of Caluromys philander tend to increase their home ranges during the dry season, probably to compensate the concurrent reduction in food availability. In the past, Didelphid marsupials were usually considered as non-territorial, nomadic mammals, however females of some species have shown trends to stay in some sites probably to ensure access to food resources, an indication of a possible territorial behavior. Such trends towards territorialism have been observed in species of Marmosa, Marmosops and Didelphis. Based on patterns of space use and sexual dimorphism in body size, the
Departamento de Biologia, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, 97105-900, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
*
** Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil; Laboratório de Vertebrados, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, 21941590, Brasil. *** Laboratório de Vertebrados, Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, CP. 68020. Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil.
Uso do espaço por marsupiais:
327 ECOLOGIA
mating system of some didelphid marsupials is thought to be promiscuous. Home ranges of marsupials are usually positioned in particular habitats where resources are more likely to be found. Studies tracking fine-scale movements have indicated that sex, body size and species-specific differences greatly influences how individuals move and perceive their habitat. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução A área de vida de um animal é o espaço utilizado para a obtenção dos recursos necessários a sua sobrevivência e reprodução, como alimento, abrigo e parceiros para acasalamento (Burt, 1963). Vários fatores influenciam o tamanho da área de vida de um indivíduo, incluindo o tamanho corporal, sexo, dieta, disponibilidade de alimentos no ambiente e a intensidade da competição inter e intra-específica. O tamanho corporal talvez seja a mais óbvia das variáveis a se relacionar com o tamanho da área de vida, pois organismos com massas corporais maiores necessitam de maior ingestão de nutrientes para sua manutenção fisiológica (McNab, 1963; Kelt & Van Vuren, 2001). O grau de agregação espacial das fontes de alimento também pode afetar a extensão dos movimentos, principalmente no caso de animais com dieta especializada (Krebs & Davis, 1996). Por exemplo, os pequenos mamíferos que se alimentam preferencialmente de frutos dependeriam da distribuição e abundância das plantas (Julien-Laferrière, 1999). Neste contexto, o tipo de regime alimentar também pode determinar os padrões de uso do espaço de um mamífero. As espécies carnívoras geralmente possuem áreas de vida maiores do que mamíferos onívoros e herbívoros, refletindo diferenças na densidade dos alimentos no ambiente (e.g. McNab, 1963; Kelt & Van Vuren, 2001). Além disso, podem existir diferenças sazonais no uso do espaço, uma vez que a abundância dos alimentos varia durante o ano, como no caso de insetos e frutos, em geral menos abundantes durante as estações frias e/ou secas na região neotropical (Smithe, 1970; Bergallo & Magnusson, 1999). Adicionalmente, os sistemas sociais também podem determinar a forma de ocupação do espaço pelas espécies. Por exemplo, sistemas sociais em que as fêmeas são territoriais, como no caso de alguns roedores (Ostfeld, 1990; Wolff, 1993), parecem ser respostas de um comportamento que busca assegurar condições ideais para a reprodução, e que demandam mais esforço em períodos reprodutivos (Krebs & Davis, 1996). Este capítulo aborda os fatores mais relevantes que atuam sobre o uso do espaço por marsupiais brasileiros, através de uma extensa revisão bibliográfica. Inicialmente, são abordados os fatores extrínsecos aos indivíduos, como a disponibilidade de recursos, e intrínsecos, como o tamanho corporal e dieta. Posteriormente, os sistemas sociais e o uso/seleção de habitat são tratados. Por fim, são discutidos os fatores que afetam os movimentos dos indivíduos em pequenas escalas espaciais e os movimentos entre fragmentos de habitat.
Tendências em Pesquisas sobre Uso do Espaço Apesar do claro aumento no número de estudos nas últimas décadas, as informações sobre uso do espaço por marsupiais brasileiros ainda são limitadas e concentradas principalmente em uma pequena parcela de espécies da Floresta Atlântica (Prevedello et al., 2008). Por esse motivo, consideramos também pesquisas realizadas fora do Brasil com espécies que também ocorrem no país. A grande maioria dos ECOLOGIA
328 Uso do espaço por marsupiais:
estudos sobre o uso do espaço por marsupiais avaliou o uso do espaço utilizando a técnica de captura, marcação e recaptura (CMR) (Prevedello et al., 2008), que pode resultar em subestimativas no tamanho das áreas de vida mensuradas (e.g. Lira & Fernandez, 2009). Para evitar subestimativas e para que os resultados sejam comparáveis aos estudos que usam rádio-telemetria, podem ser necessárias várias grades de armadilhas ou uma grande grade, com espaçamento entre armadilhas maior que os 20 m usuais (Sunquist et al., 1987; Lira & Fernandez, 2009). Apesar dessa limitação, estudos que utilizaram CMR têm revelado padrões interessantes de uso do espaço pelos marsupiais brasileiros, que serão abordados nas próximas seções deste capítulo, juntamente aos resultados dos estudos que utilizaram a rádio-telemetria (Tabela 1).
Disponibilidade de Recursos Entre os fatores extrínsecos que regulam o tamanho da área de vida de um marsupial, talvez o mais importante seja a disponibilidade de alimentos. Hipoteticamente, ambientes pobres em alimentos exigiriam áreas de vida maiores, pois os animais precisariam forragear por longas distâncias para encontrar as escassas fontes alimentares. Por exemplo, o tamanho médio da área de vida de Caluromys philander foi de 3 ha em floresta primária, mas apenas 1 ha em floresta secundária (Atramentowicz, 1982; Julien-Laferrière, 1995). Uma possível explicação seria de que na floresta primária haveria distribuição em manchas de importantes fontes de alimento, como frutos e néctar (Figura 1) (Julien-Laferrière, 1995). A relação entre a abundância de alimentos e a área de vida pode ser observada também temporalmente, comparando-se a área de vida entre diferentes estações do ano. Na maior parte do território brasileiro, há maior disponibilidade de alimentos durante a estação úmida e quente (Smithe, 1970; Atramentowicz, 1982; Bergallo & Magnusson, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2007). E, de fato, os marsupiais didelfídeos apresentam variações no tamanho da área de vida em função da disponibilidade de recursos, que é variável sazonalmente (Figura 1). Como exemplo, a cuíca lanosa, Caluromys philander, aumenta sua área de vida durante a estação seca, provavelmente para contrabalançar a redução da disponibilidade de frutos nesse período (Charles-Dominique, 1983, mas veja Julien-Laferrière, 1995, para dados de floresta primária), utilizando em média 75% da noite à procura Tabela 1. Comparação de tamanhos médios de áreas de vida (ha) estimados por captura-marcação-recaptura (CMR) e rádiotelemetria (RT) em espécies de marsupiais brasileiros. Os dados são também apresentados para cada sexo (entre colchetes: [Macho; Fêmea]). Espécie
CMR
RT
Fonte
4,2
Lira et al. (2007)
[2,7; 3,5]
[6,0; 2,6]
Julien-Laferrière (1995); Lira et al. (2007)
1,1
4,4
Bergallo (1994); Cerboncini et al. (2011)
Caluromys philander Didelphis aurita
1,6 Didelphis marsupialis
4,7
Marmosa paraguayana
[1,2; 0,5]
Cáceres & Monteiro-Filho (2001) [126; 16]
Sunquist et al. (1987)
[1,5; 1,2]
Pires et al. (1999); Lira et al., (2007)
[12,7; 4,1]
Moraes & Chiarello (2005)
Metachirus nudicaudatus
0,7
8,4
Bergallo (1994); Moraes (2004)
Philander frenatus
2,0
2,8
Lira & Fernandez (2009)
0,4
2,8
Gentile et al. (1997); Lira et al. (2007)
[0,4; 0,5]
[4,3; 1,3]
Gentile et al. (1997); Lira et al. (2007)
Uso do espaço por marsupiais:
329 ECOLOGIA
de alimentos raros e esparsos (Atramentowicz, 1982). A área de vida do gambá Didelphis albiventris também é influenciada pela disponibilidade de frutos na Caatinga, havendo maior frequência de movimento para encontrar alimento durante a estação de escassez de recursos, resultando em uma maior área de vida (Streilen, 1982). A disponibilidade de alimento também pode influenciar diferentemente machos e fêmeas de uma mesma espécie. Fêmeas de Didelphis tendem a não alterar o tamanho de suas áreas de vida durante o ano (Ryser, 1992), mas durante a estação reprodutiva podem explorar mais intensamente certas partes da área de vida mais ricas em alimentos, como frutos e invertebrados (Cáceres, 2003). Já os machos aumentam significativamente suas áreas de vida durante a estação de acasalamentos, sobrepondo-as às de várias fêmeas, tornando o fator alimento como secundário nesse período (Figura 2) (Ryser, 1992; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001; Cáceres, 2003; Loretto & Vieira, 2005). Fêmeas de outras espécies, como C. philander e Philander frenatus, aumentam suas áreas de vida durante a estação reprodutiva, provavelmente para obterem alimentos suficientes para suportar a alta demanda energética do período de lactação (Atramentowicz, 1992; Julien-Laferrière, 1995; Gentile & Cerqueira, 1995; Loretto, 2012). A maior parte da estação reprodutiva de marsupiais didelfídeos coincide com a estação úmida do ano (Cáceres & Graipel e Gentile et al., neste volume), que é normalmente o período mais rico em alimentos. Além da disponibilidade de alimentos, a quantidade e disposição espacial dos abrigos também podem afetar a forma e o tamanho das áreas de vida dos marsupiais. Moraes & Chiarello (2005b) observaram que M. paraguayana utiliza preferencialmente abrigos na copa de palmeiras de espinho, ou irís (Astrocarium aculeatissimum (Schott)), e que as áreas de maior intensidade de uso dentro da área de vida
Figura 1. Exemplos da distribuição de áreas-núcleo (quadrados em destaque), locais de alimentação (n), e tocas (¡) na área de vida de Caluromys philander. Nos quadrados em branco, tempo de uso (t) < tempo médio de uso (tm); nos quadrados tracejados, tm < t < 2 tm; nos quadrados hachurados, 2 tm < t < 4 tm; nos quadrados duplamente hachurados, t > 4 tm. Quadrados com linha pontilhada representam áreas não usadas. (a) Pequena área de vida e uma grande área-núcleo (fêmea 6). (b) Pequena área de vida e pequena área-núcleo; a atividade é concentrada em um grupo de plantas em frutificação (fêmea 3). (c) Grande área de vida e grande área-núcleo (fêmea 1). Ambas as fêmeas 6 e 1 utilizaram um pequeno número de locais de alimentação. (Authorization from NCR Publishers, Canadá, 1995. Canadian Journal of Zoology, v. 73, n.7, p. 1280-1289).
ECOLOGIA
330 Uso do espaço por marsupiais:
estiveram associadas aos sítios escolhidos como abrigo. No entanto, a disponibilidade de abrigos parece não influir na movimentação de C. philander na Floresta Amazônica da Guiana Francesa (Julien-Laferrière, 1995) (Figura 1). Os autores mostraram que o número de sítios de abrigo e a localização deles não esteve correlacionada aos sítios de alimentação, nem às áreas núcleo das áreas de vida de C. philander. Na Mata Atlântica, Papi (2011) registrou cerca de 50% dos abrigos sendo utilizados mais de uma vez por indivíduos de C. philander. Além disso, as regiões de maior intensidade de uso dentro das áreas de vida dos indivíduos, normalmente os sítios de alimentação, também não estiveram correlacionadas aos locais dos abrigos.
Dieta O tipo de dieta é um importante determinante do tamanho da área de vida dos mamíferos, pelo menos quando se comparam espécies com dietas bastante distintas, como carnívoros, onívoros e herbívoros (e.g. McNab, 1963; Kelt & Van Vuren, 2001). As diferentes espécies de marsupiais brasileiros possuem em geral dietas similares, sendo todas onívoras em algum grau (Astúa de Moraes et al., 2003), o que poderia indicar que a dieta não seria tão importante como determinante de diferenças interespecíficas no uso do espaço. No entanto, existem variações sutis na dieta entre os gêneros (Astúa de Moraes et al., 2003, Santori et al., neste volume), que podem ter algum efeito nos padrões de ocupação do espaço. Por exemplo, no espectro de variação de dieta dos Didelphidae, o gênero Caluromys é o mais frugívoro (Julien-Laferrière, 1999; Astúa de Moraes et al., 2003), Didelphis é frugívoro-onívoro (Cáceres & Monteiro-Filho, 2001) e Metachirus e Gracilinanus são predominantemente insetívoros (Cáceres, 2004; Martins et al., 2006). Essas diferenças podem afetar o uso do espaço porque cada tipo de alimento pode ter uma distribuição particular no ambiente (Charles-Dominique et al., 1981; Smithe, 1970; Bergallo & Magnusson, 1999; Julien-Laferrière, 1999; Cáceres, 2003). Por exemplo, P. opossum tende a posicionar sua área de vida próximo a riachos e córregos (Charles-Dominique, 1983), semelhante a P. frenatus (Moura et al. 2005), o que pode estar relacionado ao consumo de invertebrados aquáticos (Cáceres, 2004). A contribuição relativa da dieta dos marsupiais para o tamanho da área de vida é difícil de ser determinada, pois a dieta pode estar correlacionada com outros fatores, como hábito locomotor e tamanho corporal (e.g. Vieira & Delciellos e Vieira & Camargo, neste volume). Claramente, são necessários novos estudos para determinar a importância da dieta sobre os padrões de uso do espaço pelos marsupiais brasileiros.
Tamanho Corporal e Dimorfismo Sexual O tamanho corporal é um dos fatores mais importantes a influenciar o tamanho das áreas utilizadas pelos mamíferos (McNab, 1963; Kelt & Van Vuren, 2001). Em geral, quanto maior o tamanho corporal maior a área de vida, relação observada tanto entre espécies (Cajal, 1981; Kelt & Van Vuren, 2001), quanto entre indivíduos da mesma espécie (Vieira & Cunha, 2008; Fernandes et al., 2010). Entre os marsupiais brasileiros, machos geralmente são maiores e também apresentam áreas de vida maiores do que fêmeas, o que normalmente está relacionado à presença de dimorfismo sexual em tamanho corporal (Emmons & Feer, 1997) que acarreta em diferenças nas demandas energéticas entre os sexos (Fonseca & Kierulff, 1989; Cáceres & Monteiro-Filho, 1999; Fernandes et al., 2010). Isto ocorre, por exemplo, com os gêneros Didelphis (Allen, 1985; Sunquist et al., 1987; Ryser, 1992; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001; Figura 2 e 3), Marmosa (Pires et al., 1999; Moraes & Chiarello, 2005) e Chironectes (Galliez et al., 2009). Uso do espaço por marsupiais:
331 ECOLOGIA
Figura 2. (a) Organização espacial de fêmeas de gambás (Didelphis virginiana) na área de estudo (Florida) durante a segunda estação reprodutiva de 1987. (b) Distribuição de machos durante o mesmo período. Áreas hachuradas são lagos. Adaptado de Ryser, J. (1992). The mating system and male mating success of the Virginia opossum (Didelphis virginiana) in Florida. Journal of Zoology, v. 228, p. 127-139 (Authorization from Cambridge University Press, UK).
Porém, há o registro de uma população de D. virginiana em que machos e fêmeas possuíam tamanhos semelhantes, mas as áreas de vida dos primeiros eram marcadamente maiores (Gipson & Kamler, 2001). Nesse caso, é possível que o sistema reprodutivo seja determinante, pois, teoricamente, para as fêmeas o período de cuidado parental seria o fator prioritário durante sua vida, enquanto que machos priorizariam a procura por fêmeas disponíveis como forma de maximizar seu sucesso reprodutivo (Ryser, 1992; Gipson & Kamler, 2001). Para Marmosops paulensis, embora houvesse evidência de comportamento territorial para fêmeas, diferenças no tamanho de áreas de vida não foram observadas (Leiner & Silva, 2009). As mesmas diferenças não foram encontradas para C. philander (Julien-Laferrière, 1995) e é possível que, neste caso, a distribuição em manchas dos recursos alimentares (basicamente frutos) determine em parte o padrão de uso do espaço da espécie, forçando que machos e fêmeas visitem os mesmos locais para se alimentar, como sugere Charles-Dominique (1981, 1983). Durante o desenvolvimento ontogenético, jovens deverão aumentar suas áreas de vida continuamente, embora não necessariamente de forma linear, até um patamar compatível ao status social que alcançarem quando adultos. Jovens de C. philander apresentaram menores áreas de vida (média de 2,6 ha) que adultos ECOLOGIA
332 Uso do espaço por marsupiais:
(3,1 ha) (Julien-Laferrière, 1995), o mesmo ocorrendo para P. frenatus (0,35 versus 0,41 ha para jovens e adultos, respectivamente; Gentile et al., 1997). O tamanho da área de vida também esteve correlacionado positivamente com a idade em D. albiventris (N.C. Cáceres, dados não publicados), e em D. virginiana, que aumentaram gradualmente seus movimentos, a partir de suas tocas, à medida que cresciam (Fitch & Shirer, 1970; Hossler et al., 1994; Tabela 2), dispersando-se em relação aos locais de nascimento.
Sistema Social O modo com que os mamíferos ocupam o ambiente pode estar também relacionado ao seu sistema social. Quando a área de um único macho equivale e se sobrepõe com a área de uma fêmea, o sistema social esperado para essa espécie é o monogâmico, que está relacionado a um menor grau de dimorfismo sexual e maior cuidado parental (Ostfeld, 1990; Boonstra et al., 1993). Dentre os marsupiais brasileiros, as espécies de Caluromys são as mais prováveis de apresentarem tal sistema social devido ao fato de apresentarem algumas dessas características (Atramentowicz, 1982; Cáceres & Graipel, neste volume), tal como áreas de vida de machos e fêmeas similares em tamanho para C. philander (Julien-Laferrière, 1995). O sistema poligínico é o vigente quando machos possuem tamanhos corporais expressivamente maiores que os de fêmeas; apresentam áreas de vida também maiores, abrangendo diversas áreas de fêmeas em seu interior (McFarland, 1985; Ostfeld, 1990; Krebs & Davis, 1996). Nesse sistema, haveriam machos transeuntes que permanecem pouco tempo na área de um macho dominante, que os forçaria para áreas vicinais, ou diretamente através de confrontos, ou indiretamente através de gestos agressivos, feromônios, urina e/ou fezes (Burt, 1943). Esta pode ser a função das glândulas toráxicas/ abdominais secretoras de feromônios de machos do gambá D. virginiana e das cuícas Metachirus nudicaudatus e Monodelphis domestica (Faden, 1987; Fonseca & Kierulff, 1989; Holmes, 1991; José, neste volume). No entanto, a função dessas glândulas não é plenamente conhecida e é possível que atuem também na indução de fêmeas ao estro, como em M. domestica (Harder & Jackson, 2010). Sunquist & Eisenberg (1993) propuseram o sistema social poligínico para Didelphis marsupialis baseando-se em proporções sexuais de ninhadas desviadas para um maior número de filhotes machos em Tabela 2. Movimentos a partir de tocas e entre tocas do gambá Didelphis virginiana em Kansas, E.U.A. Nº de indivíduos
Idade ou sexo
Distância média (m) A partir da toca
Entre tocas
-
11 (3 a 25)
2
Jovens recém-independentes
4
Jovens no 3º mês de independência
23 (9 a 49)
89 (9 a 245)
5
Jovens no 5º mês de independência
158 (62 a 367)
140 (128 a 147)
3
Jovens no 6º mês de independência
196 (16 a 429)
204 (83 a 429)
8
Machos adultos
229 (31 a 588)
305 (25 a 734)
7
Fêmeas adultas
155 (9 a 620)
299 (31 a 636)
Adaptado de Fitch & Shirer (1970).
Uso do espaço por marsupiais:
333 ECOLOGIA
mães com boas condições de saúde; neste sentido, fêmeas menos saudáveis investiriam em maior proporção de filhotes fêmeas, visto que cada fêmea tem maior probabilidade de passar seus genes adiante do que qualquer macho. Esses autores propuseram que filhotes machos (provavelmente mais saudáveis quando adultos) provenientes de mães em boas condições de saúde seriam favorecidos em futuras disputas por acasalamentos, segundo a teoria da poliginia. No entanto, para outras espécies de Didelphis, as pesquisas apontam para um sistema promíscuo, com machos sobrepondo intensamente suas áreas de vida durante a estação reprodutiva (Sunquist, et al., 1987; Ryser, 1992). Neste caso, a disputa pela fecundação de fêmeas não se traduz através de uma maior aptidão em confrontos, proporcionada por um maior tamanho corporal, mas através do número de acessos a diferentes fêmeas que cada macho conseguirá por período de cio (Ryser, 1992), e/ou através de uma maior eficiência dos espermatozóides produzidos (Ostfeld, 1990; Cáceres & Graipel, neste volume). Em consequência, uma fêmea pode ser fecundada por mais de um macho durante o cio e gerar ninhadas de múltiplos pais, como observado em D. virginiana (Beasley et al., 2010) e em Antechinus stuartii (Dasyuromorphia: Dasyuridae), uma espécie de marsupial australiano (Holleley et al., 2006). Os machos de Didelphis, nessas circunstâncias, aumentam drasticamente suas áreas de vida em busca de fêmeas reprodutivas e Didelphis virginiana perde até 60% de sua massa corporal ao final da estação reprodutiva devido a esse esforço (Ryser, 1992; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001). Mesmo exibindo uma série de estratégias reprodutivas, os marsupiais didelfídeos do Brasil apresentam preferencialmente o sistema social promíscuo (Ryser, 1992, 1995; Pires et al., 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001; Cáceres, 2003). Quanto à formação ou não de territórios, as fêmeas de várias espécies de marsupiais apresentam maior fidelidade a partes específicas de suas áreas de vida, em comparação com os machos (Davis, 1945; Sunquist et al., 1987; O’Connell, 1989; Ryser, 1992; Gentile & Cerqueira, 1995; D’Andrea et al., 1999; Cerboncini et al., 2011), como no caso de Marmosa robinsoni (Fleming, 1972), M. paraguayana (Pires et al., 1999), M. paulensis (Leiner & Silva, 2009), Didelphis aurita (Cáceres & Monteiro-Filho, 2001; Figura 3), D. albiventris (Cajal, 1981) e D. virginiana (Ryser, 1995). As fêmeas dessas espécies vêm sendo definidas como filopátricas, exibindo em algumas localidades comportamento aparentemente territorial (Pires et al., 1999; Cáceres, 2003; Leiner & Silva, 2009) e até hierárquico (Holmes, 1991). Esta noção é completamente diferente das antigas definições, que classificavam os marsupiais didelfídeos como nômades (Hunsaker, 1977) e sem evidências de comportamento territorial (Charles-Dominique, 1983; Julien-Laferrière, 1995; Gentile et al., 1997). As áreas-núcleo tendem a ser mais ricas em recursos, principalmente os alimentares (Samuel et al., 1985; Julien-Laferrière, 1995; Figura 1), e por isso podem ser defendidas pelo indivíduo. Para algumas espécies de marsupiais brasileiros como D. aurita, as áreas de vida podem ser divididas em duas principais porções: as áreas-núcleo, que geralmente não são partilhadas com outros indivíduos (Samuel et al., 1985) e podem se constituir em um território, e as áreas periféricas, onde ocorre maior sobreposição espacial com indivíduos vizinhos. Por outro lado, machos de marsupiais didelfídeos, como Didelphis, em um sistema social promíscuo, tenderiam a apresentar áreas-núcleo pouco definidas, já que sua movimentação se baseia na busca de fêmeas para acasalamentos durante a estação reprodutiva (Fitch & Shirer, 1970; Atramentowicz, 1982; Allen, 1985; Sunquist et al., 1987; Ryser, 1992; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001; Cáceres, 2003). Sob essa mesma hipótese, fêmeas desses marsupiais exibiriam áreas-núcleo influenciadas pela distribuição de alimentos (Julien-Laferrière, 1995; Cáceres, 2003). ECOLOGIA
334 Uso do espaço por marsupiais:
Figura 3. Áreas de vida de seis fêmeas (F) do gambá Didelphis aurita em um fragmento florestal do sul do Brasil, mostrando a diminuição da sobreposição de área da estação seca (A)(abril-agosto) para a estação úmida (B)(setembro-janeiro). Note que as fêmeas 8 e 18 usaram áreas periféricas em relação as fêmeas residentes por mais tempo no fragmento. Adaptado de Cáceres & Monteiro-Filho (2001).
Exploração da Área de Vida A cuíca lanosa, C. philander, explora em média 44% de sua área de vida diariamente na Floresta Amazônica (ca. 1,1 ha; Julien-Laferrière, 1995), e em média 31% na Mata Atlântica (Papi, 2011). Suas atividades cotidianas são desenvolvidas durante 55 a 90% da duração das noites (Atramentowicz, 1982). Já D. virginiana gasta ca. 50% do total de atividade explorando apenas 10% da sua área de vida, em torno de sua toca (Allen, 1985). Contudo, curtos movimentos ocorrem de um local para outro no interior da área de vida (Gentile & Cerqueira, 1995; Julien-Laferrière, 1995), às vezes em função da busca de diferentes sítios de alimentação, ou mesmo movimentos mais longos, que podem ocorrer durante a busca por parceiras para acasalamentos, no caso de machos. A forma como indivíduos jovens exploram o ambiente pode divergir daquela dos adultos, principalmente porque os jovens normalmente não possuem uma área de vida fixa e necessitam estabelecê-la (e.g. Fitch & Shirer, 1970). Machos jovens de D. albiventris podem se fixar em fragmentos de floresta no Sul do Brasil até tornarem-se adultos (embora se dispersem internamente dentro do fragmento), quando então se Uso do espaço por marsupiais:
335 ECOLOGIA
dispersam para outros fragmentos, época que coincide com o início da estação reprodutiva (N.C. Cáceres, dados não publicados). É talvez por esse motivo que a maioria de indivíduos marcados quando filhotes no marsúpio não são mais capturados após o período de desmame (Atramentowicz, 1986; Julien-Laferrière, 1995). É possível que dispersem e poucos se fixem na área de origem, evitando a competição com os parentais e irmãos. No entanto, o comportamento de filopatria, definido por Waser & Jones (1983) como o uso contínuo da área natal após o período médio de independência dos pais, também pode ser encontrado em Didelphidae. Por exemplo, as fêmeas do gambá D. marsupialis tendem a ser filopátricas em comparação aos machos (Sunquist et al., 1987), assim como fêmeas da cuíca M. paraguayana (Pires et al., 2002).
Uso e Seleção de Habitat De forma geral, todos os organismos selecionam habitats mais adequados à sua sobrevivência, crescimento e reprodução. Para estudar a seleção de habitat é necessário comparar o uso de diferentes habitats com sua disponibilidade no ambiente, o que exige minúcia e detalhamento. Uma vez que poucos estudos quantificaram a seleção de habitat por marsupiais brasileiros, incluímos também na discussão a seguir estudos que apenas descreveram o uso do habitat pelas diferentes espécies. Alguns padrões de seleção de habitat revelados com o uso de carretéis de rastreamento são discutidos na próxima seção. Os resultados conhecidos para os Didelphidae mostram distinções entre as espécies no uso e seleção de habitats. Na Floresta Amazônica, Monodelphis brevicaudata foi registrada preferencialmente em microambientes que possuíam troncos caídos (Voss & Emmons, 1996), e no Pantanal e Cerrado, M. domestica utilizou fragmentos florestais em meio à paisagem aberta (Aragona & Marinho-Filho, 2009; Cáceres et al., 2010). Espécies de Philander podem ser mais abundantes nas proximidades de riachos e outros ambientes úmidos (Charles-Dominique, 1983; Julien-Laferrière, 1995; Aragona & Marinho-Filho, 2009), e pode também utilizar ambientes cavernícolas na Floresta Atlântica (Pellegatti-Franco & Gnaspini, 1996). Já Gracilinanus agilis parece ser generalista na ocupação de habitats (Aragona & Marinho-Filho, 2009), além de ser aparentemente favorecido com a fragmentação florestal no Cerrado (Cáceres et al., 2010). O mesmo ocorre com G. microtarsus na Floresta Atlântica, onde pode ser encontrado em florestas com dossel mais aberto (Püttker et al., 2008), em fragmentos isolados (Vieira et al., 2009) e corredores entre fragmentos florestais (Rocha et al., 2011). Quanto à utilização de microambientes, D. aurita e M. nudicaudatus, vivendo em simpatria, selecionaram habitats diferentes em uma área na Floresta Atlântica (Freitas et al., 1997). Outras espécies de marsupiais parecem ser mais especializadas em determinados ambientes encontrados em florestas primárias ou de altitude, tais como Marmosops parvidens e M. paulensis (Julien-Laferrière, 1991; Mustrangi & Patton, 1997). Além disso, Marmosops incanus seleciona habitats com dossel fechado em fragmentos florestais na Floresta Atlântica (Püttker et al., 2008). Alguns estudos no Cerrado, Pantanal e Caatinga avaliaram o uso do habitat comparando a abundância de diferentes espécies de marsupiais em diferentes fitofisionomias. Tais estudos sugerem que, por exemplo, as espécies do gênero Cryptonanus e Thylamys, além de M. domestica e M. kunsi, ocorrem principalmente em vegetações mais abertas em detrimento de habitats florestais disponíveis nesses biomas (Lacher & Alho, 2001; Voss et al., 2005; Hannibal & Cáceres, 2010; Cáceres et al., 2011). Por outro lado, várias espécies de marsupiais ocorrem associadas às matas de galeria do Cerrado, tais como Caluromys lanatus, C. philander, M. nudicaudatus, Marmosa murina (Redford & Fonseca, 1986; Bonvicino et al., 1996; Lacher & Alho, 2001; Hannibal & Cáceres, 2010). Na Caatinga, M. domestica habita ambientes ECOLOGIA
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rochosos que proporcionam um habitat mésico inserido no ambiente semi-árido da Caatinga; já D. albiventris utiliza esses habitats rochosos quando as condições ambientais são estressantes, pela falta sazonal de chuvas na região (Streilen, 1982). Diferenças no uso/seleção de habitats podem ocorrer também entre diferentes estações do ano. Por exemplo, as espécies do gênero Didelphis tendem a mostrar maior seletividade de habitat durante a estação reprodutiva (Cáceres, 2003). Nessa época, fêmeas de D. virginiana utilizam os ambientes com vegetação mais densa, presumivelmente para diminuir a chance de que seus filhotes, em fase de desmame, sejam avistados por predadores (Hossler et al., 1994). Efeito de borda Em paisagens fragmentadas, certas espécies de marsupiais habitam preferencialmente os fragmentos florestais, como observado em estudos na Amazônia e Floresta Atlântica (Malcolm, 1988; Carvalho et al., 1999; Pires et al., 1999), mas outras podem tolerar ou mesmo serem mais abundantes em áreas abertas ou campestres (Umetsu & Pardini 2007, Cáceres et al., 2011). Em uma zona de simpatria entre duas espécies de Didelphis, D. aurita habita fragmentos florestais (Cáceres & Monteiro-Filho, 1998) ao passo que D. albiventris é mais frequente em suas bordas ou fora deles (Cáceres & Machado, dados não publicados), havendo aparentemente uma restrição parcial na movimentação de D. albiventris para o interior dos fragmentos. Esse fenômeno não implica em um efeito de borda direto sobre uma das espécies, já que a ocupação do espaço talvez esteja sendo determinada pela presença de outra espécie congênere. Os marsupiais brasileiros têm sido influenciados pelo efeito de borda ocasionado pela fragmentação de habitats (Stevens & Husband 1998; Pires et al., 2002; Pardini, 2004), mas essa incidência dependerá do grau de conservação das bordas dos fragmentos florestais (Nápoli & Cáceres, 2012) e do grau de especialização da espécie de estudo (Lira et al., 2007). Exemplos de espécies possivelmente afetadas negativamente pelo efeito de borda são M. incanus, G. microtarsus e M. americana e positivamente são Marmosa paraguayana, M. murina e C. philander (Pardini, 2004; Lira et al., 2007). Estas últimas, de hábito arborícola, parecem ser mais favorecidas pela criação de bordas do que os terrícolas na Floresta Atlântica (Pardini, 2004; Lira et al., 2007), o que também é observado no Cerrado (Cáceres et al., 2010). Mesmo assim, ainda há deficiência de dados sobre quais espécies são mais afetadas e em que tipo de habitats e paisagens, sob diferentes tipos de pressões humanas como, por exemplo, matrizes de rebanhos de gado bovino e aquelas usadas para plantio, como o de soja (ver também a seção “Movimentos entre fragmentos de habitat”, Vieira et al., 2009, e Püttker et al., neste volume).
Movimentos em Pequenas Escalas Espaciais Durante a última década, multiplicaram-se os estudos que usam o método do carretel de rastreamento (Figura 4), o que permitiu importantes avanços no entendimento do uso do espaço por marsupiais brasileiros (revisões em Delciellos et al., 2006; Prevedello et al., 2008). Inicialmente utilizado no estudo de jabutis na América do Norte (Breder, 1927), o método permite mapear em detalhes os caminhos dos indivíduos, possibilitando um nível de resolução espacial fina comparado a métodos alternativos de estudo do uso do espaço, como as armadilhas de captura ou a rádio-telemetria (Delciellos et al., 2006). Seu baixo custo permite o rastreamento de um grande número de indivíduos, e isto tem colaborado para Uso do espaço por marsupiais:
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Figura 4. Metachirus nudicaudatus portando um carretel de ratreamento em suas costas (foto: Maíra Moura).
a popularização da técnica. Essas vantagens têm sido usadas para o estudo de diversos aspectos do uso do espaço pelos marsupiais brasileiros, incluindo áreas de movimentos (Loretto & Vieira, 2005; Leiner & Silva, 2007; Almeida et al., 2008; Vieira & Cunha, 2008), seleção de habitat (Moura et al., 2005; Leiner et al., 2010; Prevedello et al., 2010a), movimentos nos estratos verticais da floresta (Cunha & Vieira, 2002, 2005; Loretto & Vieira, 2008; Prevedello et al., 2009a; Leiner et al., 2010) e uso de abrigos (Loretto et al., 2005; Prevedello et al., 2009a). Em conjunto com dados de captura-marcação e recaptura, as medidas obtidas com o carretel de rastreamento permitem estimativas acuradas de densidade populacional (Mendel & Vieira, 2003), além do estudo da capacidade de deslocamento de uma espécie (Forero-Medina & Vieira, 2009; Prevedello et al., 2010b, 2011). No entanto, a técnica é inadequada para o estudo de áreas de vida, pois não permite registros contínuos de mais de um dia de atividade de um indivíduo, por causa da limitação física da quantidade de linha que cada carretel apresenta. O método também não é capaz de fornecer informações sobre a velocidade do deslocamento ou horário de atividade (ao contrário da rádio-telemetria), e é de difícil aplicação para animais arborícolas, pois o acesso ao estrato arbóreo não é simples para o pesquisador ao rastrear um indivíduo (Delciellos et al., 2006; Prevedello et al., 2008). Uma das aplicações mais recorrentes dos carretéis de rastreamento é o cálculo da área de movimentos (daily home range), que representa a área ocupada pela linha rastreada, e que fornece uma medida dos requerimentos espaciais de um indivíduo em curta escala espaço-temporal (Spencer et al., 1990, Loretto & Vieira, 2005; Vieira & Cunha, 2008). No Brasil, a área de movimentos já foi avaliada para D. albiventris (Almeida et al., 2008), D. aurita (Loretto & Vieira, 2005; Vieira & Cunha, 2008), M. paulensis (Leiner & Silva, 2007), P. frenatus e M. nudicaudatus (Vieira & Cunha, 2008). Assim como ocorre para as áreas de vida, o tamanho da área de movimentos tem relação positiva com o tamanho do corpo do indivíduo ECOLOGIA
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(Vieira & Cunha, 2008; Almeida et al., 2008). Aliás, o tamanho do corpo pode ser mais importante para determinar o tamanho da área de movimentos do que características particulares da espécie, como adaptações morfológicas e locomotoras (Vieira & Cunha, 2008). A área de movimentos geralmente é maior em períodos com menor disponibilidade de recursos, refletindo a necessidade dos animais percorrerem áreas maiores para encontrar recursos alimentares (Loretto & Vieira, 2005; Leiner & Silva, 2007). No caso de D. aurita, a estação climática influencia principalmente nas áreas de movimentos das fêmeas, que são maiores durante a estação de menor disponibilidade de recursos. Porém, para os machos, é durante a estação reprodutiva que aparecem diferenças no tamanho das áreas de movimentos, maiores durante essa época, que seria reflexo dos períodos de busca por parceiras para acasalamento (Loretto & Vieira, 2005). O rastreamento detalhado dos movimentos tem sido importante no estudo da seleção de habitat por marsupiais da Floresta Atlântica, incluindo D. aurita, P. frenatus e M. nudicaudatus (Moura et al., 2005), M. paraguayana (Prevedello et al., 2010a), e M. incanus e M. paulensis (Leiner et al., 2010). O carretel de rastreamento permite o estudo abrangente da seleção de habitat porque registra as escolhas feitas pelos animais ao longo de suas diferentes atividades diárias, não se restringindo ao registro dos pontos de forrageio como no caso de estudos que usam apenas armadilhas de captura (Moura et al., 2005; Prevedello et al., 2010a). Atualmente, existe amplo apoio a hipótese de que a seleção de habitat por marsupiais é dependente da escala espacial analisada (e.g. Moura et al. 2005; Leiner et al., 2010; Prevedello et al., 2010a), ocorrendo seleção mais frequentemente em escalas intermediárias (mesohabitat) do que em escalas pequenas (microhabitat). A escala de microhabitat é definida por medidas estruturais da vegetação imediatas aos locais de captura dos animais (e.g. Freitas, 1998; Freitas et al., 2002), ou ao longo dos locais de passagem da linha do carretel de rastreamento (e.g. Moura et al., 2005). O conjunto de características dos diversos locais de captura ou de passagem dos indivíduos é definido como de escala meso, como, por exemplo, o conjunto de características estruturais descritivas de uma grade de armadilhas (Moura et al., 2005). Em uma área de Floresta Atlântica no Rio de Janeiro, D. aurita, P. frenatus e M. nudicaudatus selecionaram características do habitat somente em escala de mesohabitat, com as duas primeiras espécies selecionando locais com mais afloramentos rochosos, e a última com menor cobertura de dossel (Moura et al., 2005). As características do habitat mais relacionadas à presença de M. incanus e M. paulensis, apesar de similares, também variaram com a escala espacial, sendo que M. paulensis não mostrou nenhum padrão evidente de seleção na menor escala (Leiner et al., 2010). Já a cuíca M. paraguayana utilizou diferentemente os mesohabitats em um ecótono entre floresta e manguezal, com preferência por formações vegetais mais densas (Prevedello et al., 2010a). O carretel de rastreamento tem sido importante no estudo dos movimentos verticais dos marsupiais brasileiros, o que é especialmente importante considerando que a maioria das espécies é escansorial ou arborícola (Vieira & Camargo, neste volume). Cunha & Vieira (2002) mostraram que D. aurita, M. nudicaudatus, M. incanus e P. frenatus usam o espaço vertical com intensidades distintas, e que os diâmetros dos suportes utilizados na movimentação acima do solo foram positivamente relacionados ao tamanho de corpo. De forma similar, o carretel de rastreamento permitiu detectar diferenças no uso do espaço vertical pelas espécies simpátricas M. paulensis e M. incanus, mostrando que a primeira é mais terrestre (Leiner et al., 2010). Diferenças na extensão e intensidade dos movimentos verticais podem ocorrer também dentro da mesma espécie, (e.g.) dependendo da idade (Cunha & Vieira, 2005) e sexo dos indivíduos (Prevedello et al., 2009a). Jovens de D. aurita usam o espaço vertical mais intensamente Uso do espaço por marsupiais:
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que sub-adultos e adultos, provavelmente devido ao menor tamanho corporal, que confere mais destreza em suportes finos, e à maior vulnerabilidade a predadores terrícolas (Cunha & Vieira, 2005). Machos e fêmeas de M. paraguayana apresentaram diferentes estratégias de uso tridimensional do espaço em uma área de floresta de restinga, com as fêmeas utilizando mais intensamente a dimensão vertical (Prevedello et al., 2009a). No entanto, em uma área de floresta ombrófila densa, machos e fêmeas de M. incanus não diferiram em relação aos diâmetros e inclinações de suportes utilizados nos movimentos arborícolas, apesar do dimorfismo sexual no tamanho de corpo (Loretto & Vieira, 2008).
Movimentos entre Fragmentos de Habitat Recentemente, o estudo do uso do espaço tem sido usado para entender como os marsupiais brasileiros são afetados pelo processo de fragmentação de habitat (e.g. Pires et al., 2002; Lira et al., 2007; Prevedello et al., 2010b). Os marsupiais brasileiros são primariamente florestais e, em geral, evitam áreas abertas (e.g. Stevens & Husband,1998; Umetsu & Pardini, 2007; Vieira et al. 2009; Rocha et al., 2011), mas podem forragear esporadicamente nas áreas externas aos fragmentos (matriz) ou cruzá-las para se mover entre fragmentos (Pires et al., 2002; Lira et al., 2007; Prevedello et al., 2009b; Passamani & Fernandez, 2011; revisão em Crouzeilles et al., 2010). A frequência de movimentos entre fragmentos varia entre as espécies de marsupiais brasileiras, sendo aparentemente maior para espécies com maior tamanho corporal e de hábitos mais terrícolas (Pires et al., 2002; Lira et al., 2007; Passamani & Fernandez, 2011). No Rio de Janeiro, D. aurita foi a espécie com maior número de recapturas entre fragmentos, seguida por M. nudicaudatus, P. frenatus, M. paraguayana e C. philander (Pires et al., 2002). De forma similar, no Espírito Santo, a taxa de recaptura entre fragmentos variou entre as espécies, com M. paraguayana exibindo o maior número de movimentos entre fragmentos, seguida por D. aurita e M. incanus, enquanto não houve registros de movimentos entre fragmentos por G. microtarsus (Passamani & Fernandez, 2011). Utilizando rádio-telemetria, Lira et al. (2007) não registraram movimentos de M. paraguayana entre fragmentos, mas detectaram movimentos entre fragmentos por P. frenatus e uso da matriz por P. frenatus e C. philander. Essas informações sugerem que as espécies e populações percebem a paisagem diferentemente, algumas sendo aparentemente representadas por uma única população na paisagem (e.g. D. aurita), outras por meta-populações (e.g. M. paraguayana), e outras por populações discretas em cada fragmento (e.g. G. microtarsus; Pires et al., 2002; Lira et al., 2007; Passamani & Fernandez, 2011). Através do estudo dos movimentos em escala fina, têm-se conseguido maior detalhamento dos fatores comportamentais por trás dos movimentos entre fragmentos (Forero-Medina & Vieira, 2009; Prevedello et al., 2011). Uma das características investigadas é a capacidade perceptual, i.e., a habilidade de um indivíduo perceber fragmentos de habitat à distância (Zollner & Lima 1997). Essa capacidade pode ser avaliada através de experimentos de translocação, nos quais indivíduos capturados dentro dos fragmentos florestais são transportados e soltos na matriz no início da noite (em função do habito noturno das espécies), nas proximidades de um fragmento florestal desconhecido pelos animais. A soltura é realizada em diferentes distâncias do fragmento, e os movimentos dos animais são mapeados em detalhes utilizando carretéis de rastreamento (Figura 4). A máxima distância na qual os indivíduos conseguem se orientar na direção do fragmento indica a capacidade perceptual da espécie. A capacidade de detectar fragmentos florestais foi avaliada para D. aurita, P. frenatus, M. incanus, M. paraguayana, em experimentos realizados em diferentes tipos de matriz (pasto baixo, pasto alto e ECOLOGIA
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plantações de aipim) na Floresta Atlântica (Forero-Medina & Vieira, 2009; Prevedello et al., 2011). Em geral, espécies e indivíduos com maior tamanho corporal foram capazes de detectar fragmentos a maiores distâncias. A máxima capacidade perceptual registrada foi de 200 m (D. aurita), o que indica que essas espécies teriam dificuldade para se mover entre fragmentos distanciados mais do que 200 m (Forero-Medina & Vieira, 2009). A percepção e deslocamento dos indivíduos foram em geral prejudicados pela vegetação mais densa do pasto alto e da plantação de aipim que, apesar disso, teve sua linha de plantio usada pelos animais como rota linear preferencial, mesmo quando isso os levava para longe do fragmento (Prevedello & Vieira, 2010; Prevedello et al. 2010b, 2011). O uso das linhas de plantio como rotas de deslocamento indica que é possível “ajudar” os animais a se moverem entre dois fragmentos vizinhos, simplesmente orientando as linhas de plantio no sentido de um fragmento para o outro. Dessa forma, os agricultores podem facilmente transformar suas plantações em corredores para a fauna, ajudando a re-conectar populações animais fragmentadas, com benefícios à manutenção da biodiversidade (Prevedello & Vieira, 2010).
Agradecimentos Agradecemos a Natália O. Leiner e Paula K. Lira pela revisão do capítulo, à Cambridge University Press pela autorização para a reprodução da Figura 2 (J. RYSER. Journal of Zoology, v. 228, n. 1, p. 127139, 1992), bem como à National Research Council of Canada – NRC pela autorização para a reprodução da Figura 1 (Canadian Journal of Zoology, v. 73, n. 7, p. 1280-1289, 1995). Nilton C. Cáceres foi pesquisador do CNPq – MCT – Brasil (Processo: 308.957/2010-5) e bolsista de pós-doutorado no exterior (PDE) pela mesma agência (CNPq: Processo: 202267/2011-3) durante a elaboração deste capítulo.
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ECOLOGIA
346 Uso do espaço por marsupiais:
CAPÍTULO 16
Uso do espaço Vertical por Marsupiais Brasileiros autor correspondente
Emerson M. Vieira* Nícholas F. Camargo**
Abstract: Vertical habitat utilization by Brazilian marsupials. Neotropical forests are heterogeneous and very complex habitats, where several species of marsupials with similar size and form coexist. For competition avoidance, resource partitioning could be promoted by segregation in vertical utilization of the habitat. Brazilian marsupials might be classified in four groups, ranging from the strictly terrestrial species to species that are basically canopy dwellers. At least ten of the fifteen genera of marsupials from Brazil are composed by arboreal or semi-arboreal species. The aboveground utilization of the habitat allows the animals to explore resources that would not be available to terrestrial species, and potentially provides more protection against terrestrial predators. However, studies suggest that no more than two species, especially with similar body weight, occur in the canopy of a same area. Analysis of utilization patterns of the understory (2-3 m high) and, mainly, the canopy of the forests may modify patterns of community composition and relative abundance of the marsupial species detected only by sampling the ground or up to the understory. The tri-dimensional utilization of the habitat potentially permits a more efficient exploration of the habitat, allowing the survivorship of the animals in a smaller forest area. Therefore, the way of analyzing some basic ecological requirements of the species, such as home ranges, should be reconsidered taking into account vertical utilization of the habitat. The study of the arboreal activity of marsupials also allows the analysis of interactions of these animals with other canopy organisms. Such analysis might potentially provide insights about important ecological relations, such as seed dispersion and pollination. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012. Laboratório de Ecologia de Vertebrados, Departamento de Ecologia, Instituto de Ciências Biológicas, CP 04457, Universidade de Brasília (UnB). Brasília, DF, 70919-970, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
*
** Programa de Pós-Graduação em Ecologia, Universidade de Brasília. Brasília, DF, 70919-970, Brasil.
Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
347 ECOLOGIA
Introdução Florestas neotropicais são ambientes heterogêneos e bastante complexos, onde as árvores podem chegar mais de 40 m de altura (Kricher, 1997). Esta alta complexidade vertical (sensu August, 1983) contribui para o aumento da diversidade com um todo, pois os estratos superiores das florestas são ocupados por muitos organismos que não ocorrem ao nível do solo (Lowman & Wittman, 1996). Apesar disso, as copas das florestas têm sido relativamente pouco estudadas, visto que apenas recentemente as camadas superiores das formações florestais têm recebido mais atenção dos biólogos (Lowman & Moffett, 1993). A importância do uso do hábitat em três dimensões por pequenos mamíferos em geral e especialmente por aqueles que habitam florestas tem sido apontada por diversos autores (e.g. Meserve, 1977; August, 1983; August & Fleming, 1984; Stallings, 1989; Malcolm, 1991; 1995; McClearn et al., 1994). Na região neotropical, coexistem várias espécies de marsupiais com tamanho e formas semelhantes (Emmons & Feer, 1997). Neste tipo de situação a partilha de recursos poderia ser favorecida, em alguns casos, pela segregação ao longo do estrato vertical. Apesar desta potencial relevância ecológica, os padrões de estratificação vertical de marsupiais neotropicais e, principalmente, as possíveis causas de variações nesses padrões, ainda são relativamente pouco conhecidos. Isso se deve principalmente ao fato de existirem ainda muito poucos estudos onde se tenha amostrado, com armadilhas, a parcela da comunidade de pequenos mamíferos que ocupa as camadas superiores das florestas, acima de 5 m de altura (e.g. Malcom, 1995; Vieira & Monteiro-Filho 2003; Lambert et al. 2005; Hannibal & Cáceres 2010). Assim como para outros grupos de organismos (e.g. formigas - Tobin, 1995; lagartos - Reagan, 1995; e pássaros - Munn & Moiselle, 1995), esta escassez de estudos deve-se, principalmente, às dificuldades para se alcançar o dossel das florestas (Lowman & Wittman, 1996). O estudo de espécies arborícolas tem exigido dos pesquisadores novas técnicas e abordagens, compatíveis com os hábitos desses animais (Moffett & Lowman, 1995). Especificamente para pequenos mamíferos, já foram desenvolvidos métodos relativamente simples que permitem a captura de animais do dossel de maneira eficiente (Malcolm, 1991; Vieira, 1998, Graipel et al., 2003). A maior parte da informação ecológica atualmente disponível para mamíferos arborícolas neotropicais ainda está restrita primariamente a espécies diurnas e de maior tamanho, principalmente primatas (Malcolm, 1995). A maior parte dos gêneros de marsupiais neotropicais é reconhecida como arborícola ou pelo menos escansorial (Emmons & Feer, 1997; Fonseca et al., 1996). Existem no Brasil até o momento 55 espécies de marsupiais (Paglia et al., 2012), distribuídas em 15 gêneros e dois subgêneros (Voss & Jansa 2009). Dentre esses gêneros, pelo menos dez (Didelphis, Hyladelphis, Philander, Marmosa (incluindo Marmosa e Micoureus), Gracilinanus, Cryptonanus, Marmosops, Caluromys, Caluromysiops e Glironia) são compostos por espécies que freqüentemente usam o estrato arbóreo. Dos cinco restantes, três (Metachirus, Monodelphis e Thylamys) usam exclusiva ou principalmente o solo (para Thylamys ver porém a discussão em Palma & Vieira 2006) e outros dois (Lutreolina e Chironectes) são associados de alguma forma a ambientes aquáticos (Figura 1). No presente capítulo, nós analisamos os padrões de estratificação vertical dos marsupiais brasileiros. Nesse estudo são comparadas informações provenientes de estudos realizados em diversas formações florestais visando detectar padrões gerais de uso do ambiente arbóreo pelas espécies, bem como variações, ao longo do gradiente vertical, na composição das comunidades de marsupiais de diferentes áreas no Brasil. ECOLOGIA
348 Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
Figura 1. Padrões de utilização dos diferentes estratos verticais de uma floresta pelos gêneros de marsupiais que ocorrem no Brasil. Os estratos considerados foram: solo, sub-bosque, sub-dossel e dossel. O tamanho relativo dos símbolos indica a intensidade de utilização dos estratos pelos marsupiais. Os desenhos dos marsupiais foram baseados nos originais de Emmons & Feer (1997). Fontes: Charles-Dominique et al. (1981); Miles et al. (1981), Crespo (1982), Stallings (1989), Malcolm (1991), Passamani (1993), Woodman et al. (1995), Palma (1996), Fonseca et al. (1996), Emmons & Feer (1997), Nitikman & Mares (1997), Voltolini (1997), Eisenberg & Redford (1999), Vieira & Monteiro-Filho (2003), Grelle (2003); Hannibal & Cáceres (2010). As espécies atualmente consideradas do gênero Marmosa que pertencem ao sub-gênero Micoureus (ver Voss & Jansa, 2009) foram consideradas como um grupo distinto de Marmosa.
As Vantagens de Utilizar o Estrato Arbóreo Quanto maior a complexidade vertical do hábitat, maiores as oportunidades para subdivisão do nicho. Isso não significa, no entanto, que as espécies presentes tenham que ser necessariamente arborícolas para usufruírem deste aumento potencial de recursos disponíveis. Com o aumento da complexidade vertical das florestas há um aumento na riqueza de espécies de solo maior que na riqueza de espécies associadas ao estrato arbóreo (August, 1983; Fleming, 1973). No entanto, o aumento de recursos potenciais no dossel das florestas pode ser explorado diretamente somente por espécies voadoras ou com atividade arbórea. A utilização do hábitat acima do solo é potencialmente vantajosa para os marsupiais por diversas razões. Em primeiro lugar, possibilita a exploração de recursos que não estariam disponíveis para animais exclusivamente terrestres. Existe uma imensa variedade de insetos e outros invertebrados que ocupam Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
349 ECOLOGIA
principal ou exclusivamente a copa das árvores (Erwin, 1995; Lowman & Moffett, 1993; Tobin, 1995), além de frutos, flores, e outras fontes potenciais de recursos que podem ser alcançados somente por espécies capazes de voar ou escalar árvores. Marsupiais neotropicais podem se utilizar de recursos que ocorrem exclusivamente nos estratos superiores das florestas, como por exemplo néctar de flores nas copas de árvores altas (Janson et al., 1981; Steiner, 1981; Gribel, 1988; Vieira et al., 1991, Martins & Gribel, 2007). Animais arborícolas também podem levar vantagem por poder utilizar primeiro recursos que eventualmente também estariam disponíveis para animais no solo, como frutos, por exemplo. Desta forma, a variação na disponibilidade de alimento seria relativamente menos crítica para marsupiais que utilizam os estratos superiores das florestas, onde recursos alimentares tendem a apresentar menores flutuações que no solo (Charles-Dominique, 1983). Uma utilização do hábitat em três dimensões possibilita também uma exploração mais eficiente do ambiente disponível, possibilitando, ao menos teoricamente, a sobrevivência dos animais em uma menor área de floresta. Outra vantagem da utilização dos estratos superiores das florestas seria uma maior proteção contra predadores terrestres. Embora também existam vários predadores arborícolas nas florestas, talvez seja mais seguro para os marsupiais construir seus ninhos nas árvores. Prevedello et al. (2008), utilizando ninhos artificiais instalados em árvores a diferentes alturas (chão, 2,5 m e 5,0 m), revelaram que, dentre os seis marsupiais que utilizaram tais ninhos (Marmosops incanus, Didelphis aurita, Gracilinanus microtarsus, Micoureus [= Marmosa] paraguayanus e Caluromys philander), cinco espécies (D. aurita, G. microtarsus, Mar. paraguayana e C. philander) utilizaram somente ninhos instalados a 2,5 m e 5,0 m de altura. Contudo, M. incanus utilizou somente 21% dos ninhos instalados na altura do solo. A hipótese da construção de ninhos em estratos arbóreos como forma de evitar a predação é reforçada pelo fato de que tais espécies são escansoriais (com exceção de C. Philander, que utiliza mais o dossel), e mesmo assim houve uma predominância na utilização de ninhos instalados acima do solo. Este padrão também já foi verificado em Didelphis marsupialis e Philander opossum, com ninhos construídos encontrados acima do solo em forquilhas ou ocos de árvores (Miles et al., 1981). Há indícios de que esta pressão de predação em ninhos feitos no solo pode ser forte, pois mesmo espécies consideradas basicamente terrestres, como Monodelphis americana (ver Nitikman & Mares, 1997), podem construir seus ninhos em locais até 5 m acima do solo (Davis, 1947). Já Metachirus nudicaudatus, outro marsupial terrestre, constrói ninhos no solo, porém estes são extremamente bem disfarçados sob uma camada de serapilheira, que os torna virtualmente indistinguíveis no solo da mata. Mesmo esta espécie, no entanto, eventualmente constrói ninhos em forquilhas de troncos caídos, entre 0,5 e 1 m de altura (E. M. Vieira, dados não publicados).
Adaptações para a Arborealidade A locomoção pela copa das árvores impõe aos mamíferos três grandes desafios a serem vencidos (Emmons, 1995): (1) movimentos ascendentes e descendentes em grandes troncos verticais, (2) equilíbrio e deslocamento em ramos finos tanto verticais quanto horizontais e (3) travessia de espaços abertos. Embora possam escalar grandes troncos verticais (dependendo principalmente da rugosidade dos mesmos) e saltar entre ramos não conectados que estejam próximos entre si, os marsupiais neotropicais desenvolveram adaptações morfológicas especialmente para equilíbrio e deslocamento em ramos finos. Essas adaptações são, principalmente: (1) dedos longos tanto nas patas anteriores quanto posteriores, com o polegar oposto aos demais dígitos, permitindo assim que os animais se agarrem com firmeza aos pequenos ramos; (2) cauda longa e geralmente preênsil, para auxiliar no equilíbrio (utilizando-a como ECOLOGIA
350 Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
contra peso) e também se segurar nos ramos, funcionando como um quinto membro. Todos esses animais se encaixam no tipo II na classificação de Emmons (1995), como espécies cujas patas (anteriores e posteriores) são capazes de se agarrar a ramos finos e instáveis para se deslocar no alto das árvores, conseguindo também se alimentar na extremidade de ramos. As características de suas patas e cauda, aliadas ao pequeno peso (< 300 g) da maioria das espécies, permitem que os marsupiais se desloquem pelo intrincado sistema de cipós finos e lianas que abundam nas matas neotropicais (Vieira, 2006). Por isso, de maneira geral, didelfídeos arborícolas preferem locais cuja vegetação seja densa, toda conectada, com muitas trepadeiras e ramos finos. Várias espécies conseguem também saltar pequenas distâncias entre um ramo e outro quando estão forrageando, como M. incanus, G. microtarsus, Mar. paraguayana, C. philander e Glironia venusta (Emmons & Feer, 1997; Delciellos & Vieira, 2009a). Agindo desta forma, esses animais podem reduzir ao máximo a necessidade de descer ao solo para se deslocar e evitar assim encontros com predadores no solo (felídeos, canídeos, mustelídeos, répteis, entre outros). Um problema a ser enfrentado por animais seria a maior incidência de radiação solar (Emmons, 1995). No entanto, como a grande maioria das espécies é exclusivamente noturna, este fator não é importante para os marsupiais. O único gênero de marsupial brasileiro para o qual se sugere que possa apresentar maior atividade diurna, Monodelphis, é também um gênero que ocorre basicamente no solo (Eisenberg & Redford, 1999; Emmons & Feer, 1997). Marsupiais arborícolas poderiam também ser mais facilmente localizados por corujas e predadores arborícolas noturnos, embora poucos estudos tenham enfocado especificamente essa questão. JulienLaferrière (1997) detectou uma redução na atividade da espécie arborícola C. philander em noites de lua cheia, sugerindo que essa redução poderia ser interpretada como uma adaptação anti-predação. O grau de utilização dos estratos arbóreos é também determinado, em última análise, por restrições biomecânicas, podendo variar ao longo do desenvolvimento do animal. Quando marsupiais adultos da mesma espécie, porém de tamanhos diferentes, são comparados, indivíduos com pés e garras relativamente maiores têm melhor desempenho em testes de habilidade arborícola (Vieira, 1997). Jovens e sub-adultos de D. aurita possuem um tamanho relativo de pata e garra maiores. Junto com seu menor peso corporal estas características seriam mais adequadas para escalar árvores. Isto propicia a eles uma maior utilização potencial dos estratos superiores das florestas em comparação com os adultos. De fato, jovens de D. aurita são capturados com maior freqüência em armadilhas instaladas acima do chão (Fonseca & Kieruff , 1989; Stallings ,1989). Além disso, dados obtidos por meio de carretel de rastreamento acoplado ao dorso dos animais indicaram que jovens e sub-adultos dessa espécie tendem a utilizar com maior freqüência e intensidade os estratos acima do solo em comparação aos adultos (Cunha & Vieira, 2005).
Arborealidade dos Marsupiais Brasileiros: Variação Geográfica, Coexistência das Espécies e Partilha Vertical de Recursos
comparar
Os marsupiais brasileiros podem ser divididos, quanto à utilização do estrato arbóreo, em quatro grupos, variando desde a utilização praticamente exclusiva do solo até espécies que são essencialmente habitantes do dossel das florestas (Tabela 1). Os estudos já publicados que enfocam estratificação vertical de marsupiais brasileiros indicam que, ao se compara diferentes áreas, as mesmas espécies (ou espécies do mesmo gênero) exploram os diversos estratos verticais das florestas de maneira similar (Figura 2). Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
351 ECOLOGIA
Tabela 1. Divisão das espécies de marsupiais brasileiros para os quais há informação quanto à utilização dos três estratos verticais principais: solo, sub-bosque (até cerca de 4-5 m de altura) e sub-dossel/dossel (camadas superiores a 5 m). Fontes: ver legenda da Figura 1. GRUPO I:
Ocorrem principal ou exclusivamente no solo
Chironectes minimus* Lutreolina crassicaudata** Metachirus nudicaudatus Monodelphis americana M. brevicaudata M. dimidiata M. domestica M. emiliae M. iheringi M. kunsi M. maraxina M. rubida M. scalops M. sorex M. theresa M. unistriata Thylamys pusilla T. velutinus T. macrurus
GRUPO II: Utilizam principalmente o solo e o sub-bosque, ocorrendo eventualmente no sub-dossel ou dossel
GRUPO III:
GRUPO IV:
Utilizam com razoável freqüência tanto o solo quanto o sub-bosque e o sub-dossel/dossel
Espécies essencialmente arborícolas; ocorrem principalmente nas camadas superiores das florestas, embora eventualmente ocorram no sub-bosque ou até mesmo no solo.
padronizar fonte (está diferente do Marmosa murina restante)
M. lepida Marmosops impavidus M. incanus M. noctivagus M. neblina M. parvidens M. paulensis Philander andersoni P. mcilhennyi P. opossum P. frenatus
Gracilinanus
Didelphis albiventris D. aurita D. marsupialis Cryptonanus agricolai Gracilinanus agilis
Caluromys lanatus C. philander Caluromysiops irrupta Glironia venusta G. emiliae G. microtarsus Marmosa (Micoureus) paraguayana M. (Micoureus) constantiae M. (Micoureus) demerarae M. (Micoureus) regina
* espécie de hábitos semi-aquáticos. ** espécie associada a áreas úmidas.
Caluromys philander e Micoureus (=Marmosa) spp., por exemplo, ocupam sempre preferencialmente o dossel das florestas, tanto em áreas de Floresta Amazônica quanto na Floresta Atlântica. Já as espécies do gênero Marmosops normalmente ocupam o solo e o sub-bosque das florestas. Espécies desse gênero parecem poder variar, no entanto, no grau de utilização dos diferentes estratos florestais de acordo com a fisionomia da vegetação. Palma (1996) observou que M. incanus usa significativamente mais o solo do que o sub-bosque em áreas de floresta de “mussununga” da Mata Atlântica do Espírito Santo. A mussununga é um tipo de formação florestal associada a solos arenosos composta por árvores de menor porte e em geral um pouco menos densa do que a chamada Mata de Tabuleiro, que é a formação florestal mais comum na região e que apresenta similaridades com a Floresta Amazônica de terra firme (Peixoto & Gentry, 1990). O padrão se inverte, no entanto, em áreas de Mata de Tabuleiro, onde M. incanus apresenta uma utilização significativamente maior do sub-bosque (Figura 2). Espécies do gênero Didelphis parecem apresentar uma maior variação na utilização dos três estratos. Esses animais provavelmente se adaptam às condições particulares do hábitat. Didelphis aurita, por exemplo, embora seja sempre encontrado também no sub-bosque e no dossel, apresenta uma maior utilização proporcional do solo nas áreas de floresta semidecídua de Minas Gerais em comparação com áreas de Mata Atlântica de planície (Figura 2). ECOLOGIA
352 Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
Figura 2. Padrões de estratificação vertical de marsupiais em florestas do Brasil. Em todos os gráficos, exceto no último, os eixos Y indicam a proporção do total de capturas que ocorreram em cada estrato dividido pelo esforço de captura total no estrato. Desta forma, valores maiores do que 1 (indicado pela barra horizontal) indicam um número de capturas maior do que o esperado de acordo com o esforço amostral no estrato. Os símbolos acima das barras indicam se os testes foram significativos comparando-se os três estratos ou, no caso do último gráfico, indivíduos capturados no dossel x indivíduos capturados no solo (* = P < 0,05; ** = P < 0,01; NS = não-significativo). Em alguns casos, o baixo número de capturas possibilitou somente a comparação entre capturas no solo e capturas acima do solo (+ = P < 0,05; ++ = P < 0,01; NS = não-significativo). Quando o número total de capturas foi ≤ 10, nenhum teste foi aplicado. Códigos das espécies: Cph = Caluromys philander, Dau = Didelphis aurita, Dma = Didelphis marsupialis, Pfr = Philander frenatus, Mnu = Metachirus nudicaudatus, Mpr = Marmosa (= Micoureus) paraguayana, Mde = Marmosa (= Micoureus) demerarae, Mmu = Marmosa murina, Mpv = Marmosops parvidens, Min = Marmosops incanus, Mpa = Marmosops paulensis, Gmi = Gracilinanus microtarsus, Mbr = Monodelphis brevicaudata , Mam = Monodelphis americana. 1- Grelle, 2003; 2- Stallings , 1989; 3- Passamani, 1993; 4- Vieira & Monteiro-Filho, 2003; 5- Leite et al., 1994; 6- Palma, 1996 (somente o solo e sub-bosque foram amostrados); 7- Malcolm, 1991 (O eixo Y do gráfico indica o número de indivíduos capturados por linha de captura). * - As espécies do gênero Marmosa que haviam sido denominadas como Micoureus demerarae nos estudos originais foram consideradas como Mar. demerarae quando localizadas na Amazônia e como Mar. paraguayana quando ocorriam na Mata Atlântica (Gardner, 2007).
Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
353 ECOLOGIA
Os estudos já realizados em diferentes formações florestais brasileiras indicam que no máximo duas espécies de marsupiais ocupam preferencialmente o dossel em uma mesma área (Figura 2). Quando uma terceira espécie também ocorre preferencialmente nesse estrato, ela é bastante rara, como G. microtarsus em Poço das Antas, RJ (Leite et al., 1994). Mesmo as duas espécies que mais frequentemente são capturadas nas armadilhas acima de 5 m, Mar. paraguayana e C. philander, parecem apresentar certa segregação quanto à estratificação vertical. Em uma floresta secundária da Guiana Francesa, cujas árvores alcançam 20-25 m de altura média, Marmosa cinerea (= demerarae) parece ser mais freqüente entre 5 e 10 m de altura, utilizando menos as camadas superiores (acima de 10 m) quando comparado com C. philander (Charles-Dominique et al., 1981). Estes dados estão em sintonia com o que se observa em áreas de floresta no Brasil, onde Marmosa spp. apresentam sempre uma maior utilização relativa do sub-bosque e do solo em comparação com C. philander (Figura 2). De uma maneira geral, os dados disponíveis para marsupiais brasileiros sugerem que a coexistência de espécies ocupando exatamente o mesmo estrato é improvável, o que poderia ser determinado por uma forte sobreposição entre as espécies nas outras dimensões de nicho. Quanto aos grupos de espécies que ocorrem com freqüência no mesmo estrato, ou há uma maior divergência de tamanho corporal (e.g. Metachirus e Monodelphis, Didelphis e Marmosa, Philander e Marmosops) ou então ocorre, em algum grau, uma utilização diferencial dos estratos (e.g. Metachirus e Philander, Caluromys e Marmosa, Gracilinanus e Marmosops). Animais filogeneticamente próximos normalmente apresentam requerimentos ecológicos semelhantes, e desta forma tendem a competir com maior intensidade (Lack, 1971). Para marsupiais neotropicais há indícios de que a competição interespecífica pode ser um fator determinante no padrão de utilização dos estratos verticais pelos animais. Embora este tema ainda não tenha sido adequadamente investigado, com testes de hipóteses relativas à utilização diferencial do estrato vertical, alguns estudos parecem indicar tal relação. Leiner et al. (2010) verificaram diferenças na utilização dos estratos verticais pelas espécies congenéricas e sintópicas Marmosops paulensis e M. incanus. Marmosops paulensis utilizou mais o solo do que M. incanus, enquanto que essa última foi mais frequente no sub-bosque e no dossel (Leiner et al., 2010). Adicionalmente, Hannibal & Cáceres (2010) propuseram que a maior utilização do solo por Gracilinanus agilis em uma área de cerradão no oeste de Mato Grosso, poderia ser dentre outros fatores, devido à presença do marsupial Cryptonanus agricolai, um gênero filogenéticamente próximo ao gênero Gracilinanus (Voss et al., 2005). Esta hipótese é reforçada pelo padrão de utilização similar do solo (47.2%) e sub-bosque (52.8%) apresentado por G. agilis em áreas de cerradão no Distrito Federal. Nessas áreas essa espécie é abundante (392 indivíduos capturados) e C. agricolai não ocorre (N. F. de Camargo, dados não publicados).
Tipo de Dieta Como já foi discutido anteriormente, uma das vantagens potenciais que a arborealidade traz é a possibilidade de se alcançar frutos antes que esses caiam e fiquem disponíveis para outros organismos. Para mamíferos não voadores, em geral, parece haver uma relação entre a dieta do animal e o estrato vertical que esta espécie ocupa, com espécies arborícolas geralmente sendo mais frugívoras do que espécies terrestres (Emmons, 1980; Gautier-Hion et al., 1980; Malcolm, 1995). Entre os marsupiais neotropicais, de fato, espécies arborícolas tendem a ser mais frugívoras que espécies terrestres (Emmons, 1995; Vieira & Astúa de Moraes, 2003). Sendo assim as espécies com maior atividade arbórea (e.g. ECOLOGIA
354 Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
vírgula depois de et al.
Caluromys, Caluromysiops) seriam também aquelas para as quais os frutos são mais importantes na dieta (Charles-Dominique et al. 1981; Charles-Dominique, 1983). Uma predominância de frugivoria nos estratos arbóreos seria explicada pelo fato de que a procura, perseguição e subjugação de presas no alto das árvores parecem não ser compensatórias o suficiente para permitir que espécies basicamente predadoras sejam exclusivamente arborícolas (Emmons, 1995). Desta forma, o dossel das florestas seriam locais onde levariam vantagem consumidores de produtos primários desse mesmo ambiente, tais como frutos e néctar. No entanto, no Brasil existem alguns marsupiais, como Mar. paraguayana, G. microtarsus e G. agilis que, à primeira vista, parecem fugir um do pouco deste padrão. Essas espécies, embora utilizem frequentemente os estratos arbóreos, são onívoras pendendo mais para uma dieta insetívora (Grelle, 1996; Leite et al., 1994;,Santori & Ástua de Moraes 2006). Entretanto, esta variação na dieta provavelmente está relacionada com uma maior utilização do sub-bosque ou mesmo do solo por esses animais, reforçando ainda mais a relação entre utilização estrita do dossel e consumo de produtos primários. Por outro lado, há indícios que G. agilis pode apresentar um consumo relativamente alto de frutos (Astúa de Moraes et al. 2003; Camargo et al., 2011), o que poderia indicar maiores níveis na utilização estratos verticais do que os verificados até o momento. Estudos intensivos que avaliem ao mesmo tempo o uso do solo, sub-bosque e o dossel por esta espécie ainda são escassos, e, portanto, ainda são necessários para maior entendimento do padrão na utilização dos estratos verticais por G. agilis. As espécies de Didelphis, bastante generalistas quanto à dieta (Charles Dominique et al., 1981; Cordero & Nicolas, 1987; Leite et al., 1994; Santori et al., 1996), também são as mais generalistas quanto à utilização do estrato vertical (Figura 2). Charles-Dominique (1983) reporta que, na Guiana Francesa, D. marsupialis parece escalar árvores principalmente para se alimentar de frutos ou néctar de uma determinada fonte de alimento, descendo em seguida pela mesma árvore ou por uma outra próxima, aparentemente sem se deslocar com freqüência pelo dossel a procura de alimento. Este padrão parece se manter para áreas florestadas do Brasil, onde o uso de técnicas de rastreamento com carretel e linha (“spool-and-line”) indicou que, tanto D. marsupialis na Floresta Amazônica (Miles et al., 1981), quanto D. aurita na Mata Atlântica (obs. pessoal), escalam árvores e descem geralmente pelo mesmo tronco ou troncos próximos àqueles por onde subiram. Desta forma, a utilização dos diferentes estratos parece estar correlacionada com o tipo de alimento a ser consumido. Didelphis se alimentaria essencialmente de invertebrados de serapilheira (eventualmente de vertebrados) quando no solo (Santori et al., 1996; Freitas et al., 1997; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001) e de frutos e néctar no estrato arbóreo (diferenças ontogenéticas também podem levar a variações intra-específicas, ver seção Adaptações para a Arborealidade). Por outro lado, marsupiais que são basicamente predadores, como Monodelphis, Thylamys e Lutreolina (Emmons & Feer, 1997; Monteiro-Filho & Dias, 1990, Vieira & Palma, 1996, Santori & Astúa de Moraes 2006), tendem a ocupar preferencialmente o solo (Figura 2; Vieira & Astúa de Moraes, 2003).
Sazonalidade nos Padrões de Atividade Arbórea Charles-Dominique et al. (1981) detectaram uma variação sazonal no padrão de utilização vertical do hábitat de C. philander no norte da América do Sul. Esses autores associaram uma maior incidência de capturas no estrato terrestre, durante o período mais seco, à uma escassez de alimentos nesta época do ano. Esta sazonalidade não foi observada por Leite et al. (1994) em Poço das Antas, no Rio de Janeiro, Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
355 ECOLOGIA
em uma região cuja pluviosidade é alta durante todo o ano, não ocorrendo uma época seca definida como na floresta guianense amostrada por Charles-Dominique et al. (1981). Além do efeito indireto, influenciando na oferta de alimento, a variação na precipitação também pode ter uma ação mais direta sobre marsupiais arborícolas. Animais que ocupam o dossel das florestas tem que lidar com condições ambientais especiais, como por exemplo, a falta de água em regiões ou estações secas (Emmons, 1995). Este problema provavelmente é pouco importante nas florestas pluviais brasileiras, onde normalmente há uma precipitação relativamente constante durante todo o ano com uma ocorrência de várias plantas epífitas (especialmente bromélias), as quais acumulam água e podem ser utilizadas por marsupiais (E. M. Vieira, obs. pes.). No entanto, em regiões de florestas semidecíduas e em florestas de galeria do Brasil central, onde há de fato uma época seca definida, pode haver necessidade de que marsupiais arborícolas desçam para encontrar água ou alimento. Ainda não existem estudos em florestas de galeria do Brasil central. No entanto, em formações florestais savânicas (cerradão) nessa região, frutos de melastomatáceas arbóreas podem ser importantes para G. agilis na época seca por contribuir com o balanço hídrico (Camargo et al. 2011), o que levaria essa espécie a manter sua atividade arborícola nessa época do ano. Já para florestas semidecíduas (nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo), há indícios de que marsupiais que ocorrem tanto nesses hábitats quanto em florestas pluviais costeiras do Brasil tendem a descer ao solo mais freqüentemente nas áreas de floresta semidecídua (Figura 2). Além de levar a uma variação sazonal na oferta de alimentos ou mesmo de água disponível nos estratos superiores, os padrões locais de precipitação também podem influenciar na estratificação vertical de outras maneiras. Na Venezuela, há indícios de que a ocorrência de enchentes é um fator que leva a uma maior utilização dos estratos arbóreos por D. marsupialis (O’Connell, 1979). Este fator também poderia estar influenciando em uma maior proporção de capturas de D. aurita no solo em florestas semidecíduas do estado de Minas Gerais (Stallings, 1989; Grelle, 2003) que em locais de Floresta Atlântica de planície sujeitos, pelo menos em algumas áreas, a inundações periódicas, como as áreas amostradas por Leite et al. (1994) e Vieira & Monteiro-Filho (2003).
itálico
Variação Intra-populacional na Atividade Arbórea Os poucos estudos que investigaram padrões de estratificação vertical de marsupiais neotropicais, além do baixo número de indivíduos geralmente capturados, impedem que se faça uma análise mais aprofundada de eventuais diferenças intra-populacionais nos padrões de utilização vertical do hábitat. No entanto, resultados preliminares sugerem que possa haver diferenças individuais nesses padrões. Em uma área de floresta de mussununga, no Espírito Santo, os indivíduos de M. incanus, acompanhados durante 7 dias na estação mais seca, foram capturados sempre no mesmo estrato (ou solo ou sub-bosque). Essa utilização preferencial de um determinado estrato não estava relacionada com o sexo do indivíduo (E. M. Vieira, obs. pess.). Por outro lado, em áreas de cerradão do interior de São Paulo parece haver uma diferença entre sexos quanto à distribuição vertical de G. microtarsus, com os machos ocorrendo nos estratos superiores (acima de 2 m) com mais freqüência que as fêmeas, que ocupam preferencialmente o sub-bosque e, eventualmente, o solo (E. L. A. Monteiro-Filho, com. pess.). Já para a espécie congenérica G. agilis, não foi encontrado um padrão de diferenciação na utilização do solo e sub-bosque entre machos (N = número de indivíduos analisados; N=180) e fêmeas (N=207) (c²=0.24; g.l.=1; P=0.62; N. ECOLOGIA
356 Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
F. de Camargo, dados não publicados), pois ambos os sexos foram capturados aproximadamente 50% das vezes em cada um desses dois estratos verticais. Contudo, houve uma tendência dos indivíduos jovens (N=24) utilizarem com maior freqüência o solo (67%) em comparação ao sub-bosque (37%). Já os indivíduos adultos (N=359) tenderam a utilizar os dois estratos verticais com a mesma proporção (aproximadamente 50%). Esses dados resultaram em diferenças marginalmente significativas (c²=3.76; g.l.=1; P=0.052), o que indica que a possibilidade da ocorrência de padrões ecológicos relevantes associados a variações ontogenéticas. Para algumas espécies, a competição intra-específica (e.g. adultos x jovens) poderia influenciar no uso dos estratos verticais (ver também seção Adaptações para a Arborealidade).
Padrões de Composição das Comunidades Quando se amostra os animais de sub-bosque e dossel, muitas vezes são detectados padrões de composição de espécies e abundância relativa destas nas comunidades bastante diferentes daqueles que seriam constatados com a amostragem somente no solo. Em um estudo realizado com pequenos mamíferos de solo, sub-bosque e dossel em uma área de Floresta Amazônica próxima a Manaus, Malcolm (1991) demonstrou que a abundância de Caluromys philander é muito maior do que poderiam sugerir estimativas anteriores, baseadas somente em capturas de solo e sub-bosque. Este marsupial passou a ser, inclusive, o pequeno mamífero mais abundante entre todas as espécies da comunidade. Grelle (2003) amostrou o solo, sub-bosque e copa das árvores em uma floresta do estado de Minas Gerais e obteve estimativas de densidades de Mar. paraguayana mais do que duas vezes maiores que aquelas indicadas na literatura para essa espécie. Voltolini (1997) analisou a estratificação vertical de pequenos mamíferos em área de Mata Atlântica do estado de Santa Catarina e também detectou mudanças na importância relativa das espécies. Considerando somente capturas no solo, Mar. paraguayana seria a oitava espécie mais abundante. No entanto, analisando-se os três estratos, essa espécie foi a segunda mais abundante da comunidade. Embora haja uma modificação na composição das espécies, a importância relativa do grupo dos marsupiais para a comunidade de pequenos mamíferos pode permanecer relativamente inalterada quando se analisa também o sub-bosque e o dossel das florestas. Em duas áreas de Mata Atlântica no sudeste do estado de São Paulo, amostradas por pelo menos um ano, a porcentagem de marsupiais em relação aos roedores não variou significativamente com a inclusão das capturas no sub-bosque e dossel, isso considerando tanto o total de indivíduos capturados quanto a biomassa total de cada ordem (P > 0,6 para todos os testes; E. M. Vieira, dados não publicados). Essa pequena variação na contribuição relativa total dos marsupiais ao longo do gradiente vertical deve-se ao fato de que há uma substituição de espécies dominantes ao longo desse gradiente. As espécies que ocorrem mais constantemente no solo, especialmente dos gêneros Metachirus, Monodelphis e Philander, são substituídas por outras com maior atividade arbórea, dos gêneros Caluromys, Marmosa e Gracilinanus. Nas áreas de Mata Atlântica do estado de São Paulo citadas acima, as quais apesar de próximas estão situadas a diferentes altitudes (100 e 900 m), a captura de animais somente no solo e no sub-bosque (até 2 m de altura) pareceu ser o suficiente para se ter uma estimativa razoavelmente acurada da composição da comunidade de marsupiais do local. Isso ocorre porque nenhuma espécie foi capturada exclusivamente no dossel, fato que ocorreu principalmente devido à ausência, nas áreas estudadas, de espécies que ocupam basicamente o dossel (e.g. Caluromys spp.). No entanto, a amostragem nesse estrato causou Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
357 ECOLOGIA
mudanças na importância relativa de cada espécie dentro da comunidade (Vieira, 1999; Lambert et al. 2005). Adicionalmente, dados obtidos em Floresta Amazônica indicaram que curvas de acumulação de riqueza (rarefação) para pequenos mamíferos não voadores, obtidas com dados de captura no solo e no sub-bosque, não diferem significativamente da riqueza obtida com o total de capturas, considerando também o dossel da floresta (Lambert et al., 2005).
Processos Ecológicos A análise de mamíferos habitantes de dossel possibilita não só um maior conhecimento da história natural dos membros deste grupo como também uma maior compreensão dos processos ecológicos em que eles estão envolvidos. A utilização do hábitat em três dimensões possibilita uma exploração mais eficiente do ambiente disponível, teoricamente permitindo a sobrevivência dos animais em uma menor superfície de floresta. Com isso, modifica-se também a maneira como se deve analisar alguns requerimentos ecológicos básicos das espécies, como áreas de uso (“home range”), por exemplo. Grande parte da informação existente sobre área de uso, padrões de deslocamento e biomassa de marsupiais neotropicais tem sido obtida através de estudos onde se considera somente capturas no solo ou, no máximo, até 2 m de altura (Cerqueira et al. 1990; Bergallo, 1994; Gentile & Cerqueira, 1995; Fernandez, 1997; Gentile et al., 1997; Nitikman & Mares, 1997; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001). Pouco ainda se sabe sobre quais seriam as variações intra e inter-específicas nas áreas de uso dos marsupiais arborícolas se o componente vertical do hábitat também fosse analisado. Indivíduos de espécies trepadoras, que aparentemente estariam sobrepondo suas áreas de uso, poderiam estar usando estratos diferentes da floresta, havendo uma partilha vertical de recursos. Em um dos poucos trabalhos feitos no Brasil que enfocou a utilização tridimensional do hábitat por marsupiais, com a amostragem do solo, sub-bosque e dossel de uma floresta semidecídua do estado de Minas Gerais, Grelle (2003) não encontrou correlação entre as áreas de uso em duas e três dimensões tanto para D. aurita quanto para Mar. paraguayana. Isso demonstra a precariedade de estimativas de área de uso em duas dimensões para espécies arborícolas. A escassez de estudos analisando áreas de uso tridimensionais de marsupiais brasileiros impede que se faça qualquer análise mais aprofundada sobre este tema. Uma abordagem distinta de utilização do espaço, com base em dados obtidos com carreteis de linha, pode ser promissora para estudos nessa área (e.g. Cunha & Vieira 2005). Além da análise dos padrões de uso tridimensional do hábitat e interações entre as espécies, o estudo da atividade arbórea dos marsupiais torna possível o conhecimento de uma gama de interações desses animais com outras espécies existentes no dossel. A importância potencial de marsupiais neotropicais como polinizadores e dispersores de espécies com flores e frutos no dossel têm sido apontada por diversos autores (Charles-Dominique et al., 1981; Janson et al., 1981; Steiner, 1981; Medellín, 1994, Cáceres, 2006). No Brasil, Caluromys lanatus aparentemente visita regularmente flores de Pseudobombax tomentosum (Bombacaceae), uma árvore que ocorre nas bordas de florestas de galeria de Cerrado e cujos ramos ficam geralmente em contato com o dossel destas (Gribel, 1988). Além disso, C. lanatus é um dos mais freqüentes visitantes florais de Caryocar villosum (Caryocaraceae), uma árvore da Amazônia central com grande importância devido à qualidade da madeira e a produção de frutos para populações humanas e animais (Martins & Gribel, 2007). Adicionalmente, Vieira et al. (1991) relatam que D. marsupialis (= aurita) visita freqüentemente inflorescências de Mabea fistulifera (Euphorbiaceae) em Minas Gerais, podendo servir como polinizador desta espécie arbórea. ECOLOGIA
358 Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
Além dos estudos feitos através da observação direta, a captura de animais no dossel pode trazer a tona uma séria de interações que antes eram desconhecidas. A análise de fezes de marsupiais capturados no dossel, em área de Mata Atlântica, permitiu a descrição de interações até então pouco conhecidas entre esses animais e plantas epífitas da família Araceae (Vieira & Izar, 1999). Esses autores demonstraram que espécies de aráceas são frequentes na dieta dos marsupiais e que esses últimos podem exercer importante papel na dispersão de várias espécies da família.
Conclusões Perspectivas para o Futuro O uso do hábitat em três dimensões é fundamental para a maioria das espécies de marsupiais. Esses animais podem ser divididos, quanto à utilização do estrato arbóreo, em quatro grupos, variando desde a utilização praticamente exclusiva do solo até espécies que são essencialmente habitantes do dossel das florestas. Pelo menos 37 espécies de marsupiais que ocorrem no Brasil (67% do total) apresentam evidente atividade arbórea. Os dados existentes sobre estratificação vertical de marsupiais neotropicais indicam que a coexistência de espécies de tamanho corporal similar ocupando exatamente o mesmo estrato parece ser improvável, o que poderia ser determinado por uma forte sobreposição entre as espécies nas outras dimensões de nicho. Quando se amostra também os animais que habitam o dossel, muitas vezes são detectados padrões de composição de espécies e abundância relativa das mesmas nas comunidades bastante diferentes daqueles que seriam constatados com a amostragem somente no solo, ou mesmo incluindo também o sub-bosque (até 2-3 m de altura). Além da análise dos padrões de uso tridimensional do hábitat e interações entre as espécies, o estudo da atividade arbórea dos marsupiais torna possível o conhecimento de uma gama de interações desses animais com outros organismos existentes no dossel. Como exemplo destas interações está a importância potencial de marsupiais neotropicais como polinizadores e dispersores de plantas com flores e frutos no dossel. O conhecimento dos padrões de utilização do estrato arbóreo por marsupiais ainda é insuficiente. Para que se conheça mais a fundo a ecologia deste grupo é imprescindível que se estude as espécies do dossel, ou através de observação direta ou por métodos que permitam a captura dos animais a alturas maiores do que 4-5m. Com exceção de Grelle (2003), os poucos estudos já realizados sobre estratificação vertical de marsupiais praticamente se limitaram a determinar a ocorrência das espécies nos diferentes estratos. Além disso, esses estudos foram realizados somente em áreas de Floresta Amazônica ou Mata Atlântica do sul e sudeste do Brasil. Além de ainda serem necessárias mais informações advindas desses biomas, outras formações florestais importantes, como a Mata Atlântica do Nordeste, as florestas de galeria e florestas mesofíticas do Brasil central, além das Florestas de Araucárias do sul do Brasil, ainda não foram analisadas sob este aspecto. Estudos com metodologias alternativas à utilização exclusiva de armadilhas têm se mostrado promissores na investigação dos padrões de utilização dos diferentes estratos verticais pelos marsupiais. A utilização de ninhos artificiais revelou resultados altamente complementares à utilização de armadilhas convencionais (Loretto & Vieira, 2011). Além disso, e o uso de carretéis de linha não só pode evidenciar os padrões de uso tridimensional do espaço, mas como também revela, de forma mais detalhada, a intenUso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
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sidade e frequência de locomoção nos diferentes estratos (Cunha & Vieira 2005). Além disso, a avaliação por meios indiretos, como padrões morfológicos, podem ser particularmente úteis na predição na utilização dos estratos verticais pelos marsupiais, especialmente quando estes são raros e/ou que dificilmente são capturados em armadilhas. Camargo et al. (2012), por exemplo, verificaram uma forte correlação entre o formato das pegadas de 10 espécies de roedores sigmodontineos e as proporções de captura no sub-bosque destas espécies. Adicionalmente, os resultados obtidos em estudos conduzidos objetivando avaliar a performance de locomoção em marsupiais se mostraram bons descritores quanto ao uso dos estratos verticais por estes animais (Vieira, 2006; Delciellos & Vieira 2009b; Vieira & Delciellos, neste volume). Tais estudos são úteis em avaliar o nicho fundamental das espécies e comparar com o nicho realizado. Com isso, pode-se avaliar a real capacidade dos animais em se locomoverem em substratos arbóreos, eliminando-se influências de fatores bióticos (e.g. competição) e abióticos (e.g. sazonalidade). Atualmente, os padrões básicos de estratificação vertical dos marsupiais já são conhecidos. Acreditamos que, para o futuro, são especialmente necessários estudos mais aprofundados sobre os mecanismos responsáveis por esses padrões e pelas variações dos mesmos. Além disso, ainda não existem estudos que discutam variações individuais nos padrões de atividade arbórea. Faltam também avaliações sobre área de uso tridimensional das espécies, sobre eventuais variações sazonais nos padrões de estratificação vertical e também das interações dos marsupiais com outros organismos, animais e plantas, habitantes do dossel.
Agradecimentos Somos gratos aos editores pelo convite para a elaboração desse capítulo. Agradecemos também a E. L. A. Monteiro-Filho, A. R. T. Palma e C. E. Grelle pela leitura crítica de versões preliminares do mesmo. Alexandre R. T. Palma também autorizou o uso de dados não publicados existentes em sua dissertação. Uwe Schulz gentilmente revisou o “Abstract”.
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Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
363 ECOLOGIA
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ECOLOGIA
364 Uso do espaço vertical por marsupiais brasileiros
CAPÍTULO 17
Locomoção, Morfologia e Uso do Habitat em Marsupiais Neotropicais: uma Abordagem Ecomorfológica Marcus V. Vieira* Ana Cláudia Delciellos Abstract: LOCOMOTION, MORPHOLOGY, AND HABITAT USE IN OPOSSUMS: AN ECOMORPHOLOGICAL APPROACH. How does morphology (body size and shape) affect habitat use and ecology of opossums? The question concerns not only investigators interested in the group, but anyone interested in relationships between ecology, functional morphology, and adaptation in general. Morphology affects the ecology of any organism indirectly, by the limits imposed on performance. Hence, measures of performance are necessary to bridge morphology and ecology, forming the basis of a more recent ecomorphological approach. Performance measurements also can be used as an estimate of the potential niche. In this chapter, we propose a research program based on the ecomorphological approach to integrate morphology, locomotor performance, and habitat use in opossums. First, the problems that terrestrial and arboreal environments pose to moving organisms are identified. Second, the literature on locomotion and morphology of opossums is reviewed, with emphasis on possible adaptations to terrestrial and arboreal environments. Third, a set of performance measurements relevant to habitat use by opossums is described, and functional hypothesis relating morphology to locomotor performance is reviewed. Finally, directions for studies integrating morphology, locomotion, and habitat use of opossums are suggested. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012. Laboratório de Vertebrados, Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, CP 68020, Rio de Janeiro, RJ, 21941-902, Brasil. Autor correspondente: mvvieira@ biologia.ufrj.br
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Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
365 ECOLOGIA
Introdução Marsupiais neotropicais da ordem Didelphimorphia (Kirsh et al., 1997), ou simplesmente didelfídeos, ocupam uma variedade de nichos, tanto alimentares como espaciais. Espécies de gêneros diferentes ocupam habitats diferentes (Streilein, 1982), e diferem no uso dos estratos da floresta (Malcolm, 1991; Passamani, 1995; Leite et al., 1996; Cunha & Vieira, 2002; Grelle, 2003; Delciellos et al., 2006), e no uso de micro e mesohabitats (Freitas et al., 1997; Freitas, 1998; Moura et al., 2005; Delciellos, 2011). Os hábitos alimentares das espécies do grupo são geralmente descritos como oportunistas, mas variando dentro de um contínuo de espécies mais frugívoras, onívoras, insetívoras até as mais carnívoras (Astúa et al., 2003; Ceotto et al., 2009; Santori et al., neste volume). Estas diferenças entre as espécies nos nichos que ocupam podem permitir a coexistência de um maior número de espécies nas comunidades, e devem implicar em alguma especialização nos aspectos da morfologia diretamente ligados à locomoção e à alimentação. Uma pergunta de interesse óbvio seria o quanto é possível inferir aspectos da ecologia de um didelfídeo a partir de sua morfologia. Esta ponte entre ecologia e morfologia permitiria também entender melhor a função (no sentido amplo, de uma aptação segundo Gould & Vrba, 1982) e a importância de estruturas morfológicas para a aptidão dos didelfídeos. É de fato uma pergunta de interesse mais amplo, para os que estudam ecologia, morfologia funcional e adaptação em geral. Entretanto, a morfologia afeta a ecologia de um organismo indiretamente, através do desempenho (“performance”) que permite em tarefas relacionadas ao uso do habitat, por exemplo. Medidas de desempenho em atividades relevantes a uma situação ecológica tornam-se então fundamentais na construção desta ponte entre morfologia e ecologia. A combinação de medidas de desempenho com medidas morfológicas e ecológicas caracteriza a abordagem ecomorfológica atual (Ricklefs & Miles, 1994). Neste capítulo revemos os trabalhos sobre desempenho e comportamento locomotor de marsupiais didelfídeos no contexto da abordagem ecomorfológica: como mediadores dos efeitos da sua morfologia sobre o uso dos estratos da vegetação. Começamos com uma apresentação mais detalhada da abordagem ecomorfológica, seguida de uma revisão do estado do conhecimento sobre locomoção e comportamento postural nos didelfídeos, suas relações com a morfologia do esqueleto pós-craniano, e suas semelhanças com primatas. Durante esta revisão serão levantadas algumas hipóteses sobre as relações entre tamanho, forma do corpo, desempenho locomotor (terrestre e arborícola) e uso do habitat. Por fim, apontaremos possíveis direções para estudos da locomoção e comportamento postural em didelfídeos, direções que acreditamos possam levar ao teste das hipóteses sugeridas e gerar um conhecimento integrado de morfologia, locomoção e ecologia do grupo. Antes de tudo, é preciso caracterizar o estudo ecomorfológico.
A Abordagem Ecomorfológica O interesse na relação entre morfologia e ecologia vem de longa data, inclusive cunhando-se o termo “ecomorfologia” ou “morfologia ecológica” (Ricklefs & Miles, 1994). A abordagem tradicional procurava simplesmente correlações entre variáveis ambientais e variáveis morfológicas de um conjunto de espécies. Esta abordagem ecomorfológica foi amplamente utilizada em peixes, mas também em aves, morcegos e lagartos (revisão em Wainwright & Reilly, 1994). Sua maior limitação está na dificuldade de interpretação de correlações entre conjuntos muito grandes de variáveis, tanto morfológicas como ecológicas (Ricklefs & Miles, 1994). Muitas vezes torna-se difícil compreender a natureza de uma correlação e elaborar hipóteses sobre os mecanismos de causa e efeito. ECOLOGIA
366 Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
Mais recentemente, a partir dos anos 80, houve um ressurgimento desse interesse devido a uma nova abordagem ecomorfológica. Basicamente, esta nova abordagem consistiu em somar medidas de desempenho às medidas morfológicas e ecológicas (Figura 1). O desempenho é uma medida da capacidade máxima do organismo em uma atividade específica, como por exemplo, a velocidade máxima no solo ou a quantidade de alimento que o organismo encontra por unidade de tempo. A abordagem ecomorfológica atual se distingue da morfologia e anatomia funcional tradicional por olhar o desempenho do organismo como um todo e não apenas o funcionamento de sistemas ou partes do organismo (Delciellos & Vieira, 2002; Delciellos et al., 2006). A morfologia afeta a ecologia de um organismo indiretamente, por exemplo, através do desempenho que permite em tarefas relacionadas ao uso do habitat. A partir do desempenho possível de um organismo se dará o uso e preferência por determinados habitats. Assim, medidas de desempenho podem ser vistas como medidas do nicho potencial (sensu Hutchinson 1957), que não podem ser avaliadas medindo-se uso do habitat, dieta, etc, em campo. Estas últimas medidas de nicho em campo são determinadas não só pela morfologia, mas também pela disponibilidade de recursos, intensidade de predação, competição interespecífica, entre outros, sendo uma medida do nicho realizado. Através da comparação de medidas de desempenho seria possível estimar diferenças no nicho potencial entre espécies. O nível de conhecimento sobre a morfologia do esqueleto pós-craniano, a anatomia, a locomoção e o uso do habitat em didelfídeos é no mínimo incompleto para a maioria das espécies e mesmo gêneros. Nesta situação, uma abordagem ecomorfológica tradicional, procurando correlações simples entre variáveis morfológicas e ecológicas não é fácil. Além disso, o número de gêneros em didelfídeos é reduzido se comparado, por exemplo, a peixes, e sua variedade morfológica é muito mais sutil que a observada em primatas (e.g. Walker, 1974; Martin, 1990). A variação morfológica mais óbvia nos
Figura 1. Caminhos que efeitos da morfologia seguem até afetar aptidão, ecologia de populações e comunidades. A morfologia afeta a ecologia de um organismo porque determina o limite de desempenho em comportamentos e no uso do ambiente, isto é, no uso de recursos. O uso de recursos, por sua vez, determina a sobrevivência e reprodução, as quais, por fim, afetam a aptidão e a ecologia das populações e das comunidades. Modificado de Ricklefs & Miles (1994).
Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
367 ECOLOGIA
didelfídeos é em tamanho corporal, variando entre cerca de 10 g (Marmosa lepida) e 2000 g (Didelphis albiventris) (Emmons, 1997). Variação em forma existe, mas não é tão evidente (Vieira, 1997; Argot, 2001, 2002, 2003; Astúa, 2009). Isto dificulta separar correlações significativas daquelas espúrias, casuais, quando as variáveis estão em extremos opostos de uma cadeia, como variáveis morfológicas e ecológicas, devido a uma grande variação residual e um número limitado de espécies. A grande variação residual é em boa parte devida a fatores de desempenho não medidos, que poderiam ser identificados e incluídos para reduzir a variação não explicada, portanto aumentando a probabilidade de detectar correlações significativas. Uma variação mais sutil na forma do corpo, como ocorre nos didelfídeos, deve também ser acompanhada de uma variação mais sutil no comportamento postural, na locomoção e desempenho locomotor. Assim, a abordagem mais recente de medidas de desempenho, parece-nos mais promissora para os didelfídeos no momento, pois mede a relação entre morfologia e ecologia através do seu elo, as medidas de desempenho. Desempenho em que tipo de tarefas é fundamental? A resposta está ligada aos ambientes em que os didelfídeos se locomovem.
Problemas da Vida Terrestre e Suas Soluções No ambiente terrestre, a resposta à pergunta anterior parece mais fácil que no ambiente arborícola. Entretanto, o solo de uma mata para um animal pequeno, como os menores didelfídeos, é um ambiente diferente para um animal grande, como Didelphis. Para os pequenos, o solo da mata é cheio de obstáculos. Assim, mesmo que duas espécies vivam no mesmo ambiente, possuam formas e comportamento postural e locomotor semelhantes, a menor terá um caminho mais sinuoso. Esta hipótese tem algum apoio quando comparamos a locomoção de mamíferos pequenos e grandes considerados cursoriais, com adaptações morfológicas para desenvolver velocidade no solo (Hildebrand, 1995). Pequenos mamíferos cursoriais são especializados em locomoção saltatorial, com especializações mais evidentes na postura corporal (Biewener, 1989), mas também na morfologia (Argot, 2002). Já mamíferos cursoriais de médio e grande porte (> 5 kg) possuem especializações morfológicas tipicamente presentes em animais corredores de ambientes abertos (ex: pradarias e vegetação semi-árida), como articulações mais rígidas que restringem os movimentos dos membros a um eixo parassagital do corpo (Hildebrand, 1995).
Problemas da Vida Arborícola e Suas Soluções Viver em um ambiente arborícola envolve a solução de problemas específicos, relacionados à locomoção, captura de alimento e fuga de predadores ao longo de um substrato em geral estreito, instável e descontínuo (Cant, 1992; Higham, 2007). O tamanho do corpo é a variável que mais influencia a forma de locomoção em primatas e tamanhos diferentes resultam em soluções diferentes. Assim, orangotangos (Pongo pygmaeus) não são capazes de cruzar distâncias na copa por saltos, mas o seu tamanho e membros anteriores longos permitem locomover-se por braquiação, isto é, locomoção suspensória com os membros anteriores alcançando galhos distantes (Cant, 1992). Pelo menos oito problemas que os animais arborícolas enfrentam relacionados à estrutura do habitat e ao comportamento de presas podem ser identificados (Tabela 1, modificada de Cant, 1992). ECOLOGIA
368 Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
Tabela 1. Problemas que animais arborícolas enfrentam. 1. Andar seguramente, reduzindo as chances de cair. 2. Desenvolver velocidade para captura de alimento ou fuga de predadores. 3. Escalar suportes largos, para alcançar alimento, ou simplesmente locomover-se. 4. Escalar suportes finos, que envolvem soluções diferentes dos largos. 5. Cruzar descontinuidades na copa, como distâncias entre galhos diferentes ou árvores diferentes. 6. Encurtar o caminho ao longo dos galhos de uma árvore, de forma a cobrir distâncias rapidamente. 7. Alcançar frutos ou alimento localizado em ramos terminais, finos. 8. Capturar presas móveis.
Como visto, as soluções dos problemas da vida arborícola incluem não somente locomoção ativa, que resulta em deslocamento, como também captura e ingestão de alimento, limpeza corporal e descanso. Estas são as tarefas em que o desempenho dos didelfídeos deve ser importante. Cada uma destas tarefas exige um funcionamento particular dos músculos e esqueleto, isto é, um conjunto de posturas corporais específico. Assim, o estudo da locomoção pode ser visto como uma parte do estudo das posturas corporais, ou do comportamento postural (Biewener, 1989; Charles-Dominique, 1990; Cant, 1992; McClearn, 1992). Portanto, a relação da morfologia a comportamentos elaborados, como forrageamento e locomoção, se dá através do comportamento postural, que está diretamente relacionado ao desempenho do animal em tarefas ligadas à aptidão em seu ambiente. Informações sobre o comportamento postural de marsupiais didelfídeos são ainda limitadas a poucos trabalhos (ex: Jenkins, 1971; Kluge, 1977; Lemelin et al., 2003; Youlatos, 2010; Dalloz et al., in press). Já a variedade de posturas e modos de locomoção em primatas é evidente e bem documentada (revisão em Martin, 1990; Wright, 2007; Youlatos & Meldrum, 2011), claramente relacionada à morfologia do esqueleto pós-craniano. Devido ao nível de conhecimento mais adiantado, à maior variedade e à maior especialização encontradas nos primatas, este grupo é uma referência natural para estudar e comparar a morfologia e locomoção em outros grupos de animais arborícolas, como marsupiais didelfídeos. Em marsupiais didelfídeos, a variação na forma do corpo é menor que a observada em primatas, entretanto, existe e pode ser relacionada à sua locomoção, comportamento postural e uso da vegetação (Hildebrand, 1961; Izor & Pine, 1987; Maunz & German, 1997; Vieira, 1997).
A Locomoção nos Marsupiais Didelfídeos Vários modos de locomoção são observados em primatas, tais como quadrupedalismo terrestre e arborícola, agarrar-e-saltar-vertical (“vertical-clinging-and-leaping”), locomoção suspensória (“arm-swinging”) e bipedalismo terrestre (Martin, 1990). Subdivisões desta classificação são possíveis, por exemplo, dividindo o quadrupedalismo arborícola dos primatas que possuem e não possuem garras. Em comparação, os marsupiais didelfídeos locomovem-se basicamente por quadrupedalismo, terrestre ou arborícola, mais especificamente um caminhar arborícola sobre troncos e galhos mais próximos Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
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da horizontal, e escalando suportes verticais com garras ou por agarramento. Szalay (1994) utilizou o termo “graspclimbing” para designar o conjunto de adaptações à locomoção arborícola de pequenos mamíferos relacionados ao agarramento dos suportes, basicamente pela existência de um hallux opositor (o polegar do pé de didefídeos e primatas). Em oposição, adaptações locomotoras relacionadas ao uso de garras, como em esquilos, foram denominadas escalada com garras (“clawclimbing”) e “arboreal scampering”. Entretanto, estes dois termos referem-se a adaptações morfológicas ligadas à locomoção e não diretamente à marcha utilizada. Mesmo dentro d’água parece haver uma dominância do quadrupedalismo, pelo menos em Didelphis virginiana (McManus, 1970; Fish, 1993) e Lutreolina crassicaudata (Santori et. al., 2005). O nado destes didelfídeos basicamente repete a passada quadrúpede utilizada no meio terrestre e arborícola. A exceção é Chironectes minimus, o único difelfídeo semi-aquático (Marshall, 1978; Stein, 1981), cujo nado é dominado pelo batimento das patas traseiras (Fish, 1993). A locomoção sobre suportes ou superfícies horizontais O quadrupedalismo é usado por uma variedade de vertebrados terrestres e arborícolas, incluindo aí marsupiais e primatas. Existem vários modos de andar ou marchas (“gaits” em Alexander, 1977; Hildebrand, 1995) possíveis em animais quadrúpedes, podendo o modo de andar ser qualificado pela combinação da sequência de movimentação dos membros (diagonal ou lateral, simétrica ou assimétrica) com a velocidade de deslocamento (caminhar ou correr) (segundo Hildebrand, 1967, 1980, 1989, 1995; Gambaryan, 1974; Rocha Barbosa et al., 1996). O quadrupedalismo arborícola dos didelfídeos é mais um caminhar arborícola, locomovendo-se cautelosamente, cruzando ramos diferentes sem saltar e alcançando ramos diferentes com ajuda da cauda preênsil (Enders, 1935; McManus, 1970; Delciellos & Vieira, 2006, 2009a). Em relação à sequência de movimentação dos membros, a marcha durante o caminhar pode ser uma sequência lateral ou diagonal, segundo a nomenclatura de Hildebrand (1995). A sequência lateral é característica de mamíferos placentários terrestres especializados - geralmente cursoriais - e de alguns semiterrestres com morfologia escansorial*, como o mussaranho Tupaia glis (Cartmill, 1974). O modo de andar por sequência lateral é o de didelfídeos terrestres durante o caminhar, como Monodelphis domestica (Pridemore, 1992; Lemelin et al., 2003; Parchman et al., 2003) e D. virginiana (McManus, 1970). Nesta sequência, o membro posterior direito toca o solo seguido do membro anterior do mesmo lado, em seguida pelo membro posterior esquerdo, anterior esquerdo e posterior direito novamente (Figura 2a). Já a sequência diagonal é característica de muitos mamíferos arborícolas de diferentes ordens, como primatas e o jupará (Potos flavus) (Hildebrand, 1989, 1995; Martin, 1990; Cartmill et al., 2002; Stevens, 2006; Lemelin & Cartmill, 2010). Na sequência diagonal, o membro posterior direito toca o solo, seguido pelo membro anterior do lado oposto, esquerdo, em seguida pelo membro posterior do lado esquerdo, membro anterior direito e por fim, pelo membro posterior direito. Já o tempo que cada membro permanece apoiado no solo é inversamente proporcional à velocidade que o corpo se locomove. Na velocidade do caminhar (“walking”), cada pata permanece no solo * Para deixar claro o significado pretendido, reservaremos o termo “escansorial” para seu significado como usado na morfologia, referindo-se a adaptações morfológicas para escalar (Hildebrand, 1995). “Semiterrestre” deixa uma margem menor para interpretações: o animal escala ocasionalmente aos estratos superiores da floresta permanecendo mais tempo no solo.
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370 Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
Figura 2. Sequências de movimentação dos membros em marsupiais didelfídeos. Ea: membro anterior esquerdo; Ep: membro posterior esquerdo; Da: membro anterior direito; Dp: membro posterior direito. As setas marcam o início e o fim da passada, quando a pata posterior direita toca o solo. Esquema modificado de Hildebrand (1967, 1995) e Pridemore (1992).
mais da metade do tempo de duração da passada, de modo que o animal tem três patas no solo durante a maior parte da passada (Hildebrand, 1967, 1995). A velocidade considerada como corrida é definida como a velocidade em que cada pata permanece no solo menos da metade do tempo de duração da passada. Na corrida, o animal em geral tem duas patas no solo durante a maior parte da passada. Quando a velocidade do caminhar se aproxima da transição para a corrida, o modo de andar muda para um trote, onde o membro anterior e posterior e lados opostos do corpo se deslocam em sincronia, formando pares diagonais (“diagonal couplets”) que se movimentam alternadamente em sincronia (Figura 2b). Neste ponto é preciso atenção: o trote e pares diagonais são diferentes de uma sequência diagonal segundo a definição de Hildebrand (1995). O trote pode ser atingido com o aumento da velocidade, tanto a partir de uma sequência lateral como diagonal. Nos didelfídeos, tanto os terrestres Didelphis, Lutreolina, Metachirus, Monodelphis e Philander, como os arborícolas Caluromys e Marmosa (Micoureus), utilizam pares diagonais ou trote, quando começam a correr (McManus, 1970; Pridemore, 1992; Santori et al., 2005). Na velocidade do caminhar, um dos didelfídeos mais arborícola, C. philander, usa uma sequência diagonal (Cartmill et al. 2002; Lemelin et al. 2003; Schmitt & Lemelin 2002; Youlatos, 2008). Entretanto, faltam informações sobre Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
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outras espécies arborícolas como M. paraguayana, ou mesmo didelfídeos terrestres especializados como M. nudicaudatus. As posturas do corpo durante a locomoção foram descritas apenas para D. virginiana no ambiente terrestre (Jenkins, 1971; Kluge, 1977), e para C. philander no ambiente arborícola (Youlatos, 2010; Dalloz et al., in press). A sequência diagonal parece conferir maior estabilidade para animais arborícolas, ou para animais com os membros posteriores mais desenvolvidos, onde o centro de gravidade do corpo se localiza mais posteriormente (Martin, 1990). Em ambos os casos, a sequência diagonal garantiria maior estabilidade, com menores oscilações e rolamento lateral que a sequência lateral (Cartmill et al., 2002, 2005). Oscilações do corpo são especialmente perigosas em ambientes arborícolas, onde os suportes são estreitos e os riscos de injúrias causadas por uma queda são grandes. Resta saber então a ocorrência da sequência lateral e diagonal em uma maior variedade de didelfídeos terrestres e arborícolas. As sequências lateral e diagonal dos didelfídeos são simétricas, isto é, os membros de um par, traseiro ou dianteiro, estão espaçados uniformemente ou simetricamente no tempo de duração da passada (Hildebrand, 1967, 1995). Estão presentes na velocidade de caminhada e na corrida mais lenta, respectivamente, as velocidades mais comuns no quadrupedalismo arborícola dos didelfídeos. Entretanto, quando há necessidade de fugir de predadores e, portanto, de desenvolver velocidade, mudam o modo de andar para uma forma de saltos, mais precisamente meio-salto (“half-bounds” em Hildebrand, 1995), um tipo de passada assimétrica (Pridemore, 1992; Vieira, 1997; Figura 2c). Esta mudança de modo de andar é observada tanto no solo como em suportes cilíndricos, simulando troncos, em inclinações variadas (Vieira, 1995; Santori et al., 2005). Que tipos de diferenças no esqueleto pós-craniano seriam esperadas entre marsupiais arborícolas e terrestres? De uma maneira geral, considera-se que no quadrupedalismo haja um desenvolvimento mais semelhante dos membros anteriores e posteriores em comparação com outros modos de locomoção como o bipedalismo e o agarrar-e-saltar-vertical (Martin, 1990). Entretanto, a maioria dos didelfídeos, assim como a maioria dos pequenos mamíferos, terrestres ou arborícolas, tende a possuir membros posteriores mais desenvolvidos que os anteriores. Apesar desta tendência geral, alguns didelfídeos possuem membros anteriores e posteriores mais proporcionais que outros como, por exemplo, Didelphis aurita e didelfídeos arborícolas de fato, como C. philander e M. paraguayana (Vieira, 1995, 1997; Figura 3). Primatas quadrúpedes sem garras, como Aotus, Callicebus, Cebus, Lemur, Loris e Microcebus, também parecem ter membros anteriores e posteriores mais proporcionais (Martin, 1990), embora existam diferenças interespecíficas relacionadas ao uso do habitat (Wright, 2007). Já M. nudicaudatus, um didelfídeo estritamente terrestre, tem membros posteriores mais alongados e desenvolvidos muscularmente (Hildebrand, 1961; Grand, 1983; Argot, 2002). Não por acaso, M. nudicaudatus é considerado o único didelfídeo cursorial (Grand, 1983; Szalay, 1994; Argot, 2001, 2002, 2003). No caso de C. minimus, os membros posteriores mais longos estão relacionados à predominância dos membros posteriores na locomoção aquática (Fish, 1993). Outro didelfídeo com membros posteriores mais longos que os anteriores é Philander frenatus (Vieira, 1997). Esta espécie é considerada uma forma terrestre não especializada, partilhando com M. nudicaudatus várias características pós-cranianas consideradas adaptações à locomoção no ambiente terrestre (Argot, 2003). Assim, estes didelfídeos mais especializados à vida terrestre possuem membros posteriores relativamente longos. ECOLOGIA
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Figura 3. Silhuetas de marsupiais didelfídeos durante o modo de andar diagonal simétrico. Indivíduos com membros posteriores maiores que os anteriores apresentam maior inclinação do eixo longitudinal do corpo. Todos os indivíduos estão no mesmo ponto da sequência, pousando o membro anterior direito no suporte e preparando-se para mover o membro posterior direito. Imagens obtidas em testes de desempenho no andar arborícola por Vieira (1995).
Lutreolina crassicaudata e Monodelphis também são considerados terrestres, mas ambos têm membros relativamente curtos (Hildebrand, 1961). Os membros curtos de L. crassicaudata parecem compor uma forma de locomoção que lembra os mustelídeos entre os mamíferos eutérios, com um modo de andar em que o corpo longo oscila no plano sagital de maneira semelhante aos mustelídeos (Works, 1950; Hildebrand, 1961). A sua dieta mais carnívora entre os didelfídeos e seu comportamento de predador confirmam esta semelhança (Santori et al., neste volume). Além disso, L. crassicaudata vive em habitats de capim alagado, portanto com uma cobertura densa e compacta onde um corpo flexível e maleável poderia ser vantajoso para uma locomoção silenciosa à procura de presas. Inclusive, L. crassicaudata possui um tipo de nado especializado, diferente daquele observado em C. minimus (Santori et al., 2005). Já Monodelphis é caracterizado pelo seu tamanho pequeno entre os didelfídeos (Emmons, 1997). Talvez seja o gênero com história natural menos conhecida entre os didelfídeos, apesar de M. domestica ter se tornado um animal modelo para estudos de laboratório (e.g. Faden et al., 1982; Parchman et al., 2003; Lammers et al., 2006). Além das proporções dos membros do corpo, as proporções dos dedos das mãos e pés têm uma relação clara com o uso de ramos terminais e com a locomoção arborícola. Assim, Marmosa e Caluromys, mais arborícolas, possuem dedos mais longos que os gêneros mais terrestres Didelphis, Monodelphis e Philander (Lemelin, 1999). As proporções dos dedos em Caluromys se assemelham bastante às proporções dos dedos de primatas da família Cheirogaleidae (“lêmures”), de Madagascar, na África, que utilizam ramos terminais à procura de frutos e insetos (Lemelin, 1999). O comportamento postural de agarramento de suportes arbóreos foi descrito em maiores detalhes apenas para Caluromys entre os didelfídeos (Youlatos, 2008, 2010; Dalloz et al., in press).Didelfídeos terrestres e arborícolas também diferem na forma dos ossos da bacia ou cintura pélvica e das vértebras da região lombar (Works, 1950; Grand, 1983; Argot, 2003). As asas do ilíaco são bem abertas e os processos transversos das vértebras Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
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lombares são longos e achatados em M. nudicaudatus, permitindo maior área de inserção para os músculos extensores da região lombar. Estes músculos por sua vez, são mais desenvolvidos em M. nudicaudatus que em outros didelfídeos (Grand, 1983; Argot, 2002). As vértebras lombares de Didelphis são descritas como “firmemente articuladas” por Works (1950:21) em relação a outros didelfídeos, o que poderia estar relacionado simplesmente à locomoção terrestre de um didelfídeo de maior tamanho de corpo (Brown et al., 1996). Os processos transversais do atlas de Didelphis são “amplos e achatados, muito mais grossos e pesados que nos demais gêneros examinados” (Works, 1950:23). Já Caluromys e Marmosa, gêneros mais arborícolas, possuem “espinha dorsal longa e estreita, com grande liberdade de movimentos entre duas vértebras quaisquer” (Works, 1950:33) e “a parte central do atlas... não é fundida, portanto permitindo maior flexibilidade que... Didelphis” (Works, 1950:50). O tamanho de corpo é um dos principais determinantes da variação morfológica da escápula nos didelfídeos (Astúa, 2009). Entretanto, também existem variações relacionadas aos hábitos de vida (Argot, 2001; Astúa, 2009) e à filogenia (Astúa, 2009). A escápula é “relativamente larga e mais pesada em Didelphis” (Works, 1950:24), o que pode estar relacionado ao seu maior tamanho e ainda assim manter atividade arborícola (Vieira, 1997). A escápula de Philander é mais leve e delgada que a de Didelphis, mas ambas são mais retangulares que a de outros didelfídeos. A espinha da escápula corre mais perpendicular ao corpo da escápula em Didelphis enquanto que em Philander forma um ângulo de cerca de 600 (Works, 1950:27). Já em Caluromys e Marmosa, a escápula é “fina e em parte transparente, com um pescoço mais longo, uma aparência mais afunilada e um ângulo da espinha de 700” (Works, 1950:34, 38). Esta forma da escápula permitiria maior amplitude de movimentos que a escápula mais quadrada de Didelphis e mesmo a de Philander. A escápula de C. minimus possui ainda uma terceira forma, distinta dos outros didelfídeos e provavelmente relacionada ao seu hábito semi-aquático (Astúa, 2009). Tem uma forma de leque ou abanador (“fan-shaped” em Works, 1950:30), com uma extremidade muito estreita e outra muito larga (Works, 1950:29), uma forma convergente com a da escápula de mamíferos aquáticos como Lutra, Neofiber e Ondatra (Dagg & Windsor, 1972; Stein, 1988). Stein (1981) compara em detalhe a musculatura de C. minimus e D. virginiana, e Fish (1993) compara o nado das duas espécies. Todas as espécies de didelfídeos consideradas terrestres têm em comum a massa muscular mais desenvolvida que espécies arborícolas como Caluromys e M. murina (Grand, 1983). A razão entre a massa dos músculos adutores dos membros e a massa muscular total dos membros também é maior em Metachirus, tanto para os membros anteriores como posteriores (Grand, 1983; Argot, 2002). Hipóteses sobre o desempenho locomotor de didelfídeos arborícolas sobre suportes horizontais Um aspecto do desempenho locomotor dos didelfídeos especialmente interessante é a velocidade limite acima da qual passam a saltar (“bound”) consecutivamente em vez de caminhar ou correr, um modo de andar assimétrico em que os membros traseiros tendem a tocar o solo simultaneamente, seguidos pelos membros dianteiros (Hildebrand, 1980, 1989, 1995; Rocha Barbosa et al., 1996). Esta velocidade limite pode variar entre as espécies e entre suportes de diâmetro e inclinação diferentes (Vieira, 1995). Didelfídeos mais arborícolas podem ter melhor desempenho por (1) serem capazes de correr e saltar acima do solo, em substratos mais finos e inclinados, desenvolvendo maior velocidade, ou por (2) terem maior firmeza no agarrar do suporte e com isso ter um deslocamento mais estável e seguro. As observações de deslocamento cauteloso em didelfídeos apoiam a segunda hipótese, entretanto, isto não ECOLOGIA
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implica em refutar a primeira já que não são mutuamente exclusivas. É razoável supor que pelo menos alguma capacidade de correr contribua para a aptidão de um pequeno mamífero arborícola, mesmo em um didelfídeo cauteloso, sendo favorecida por seleção natural. Outra questão interessante é como os didelfídeos podem aumentar a velocidade máxima correndo em suportes horizontais de diferentes diâmetros, simulando galhos, durante a sequência simétrica. Velocidade é o produto da frequência pelo comprimento das passadas (Hildebrand, 1995). A frequência depende da anatomia e capacidade de contração muscular do organismo. Em uma fase de aceleração é provável que tanto o comprimento como a frequência das passadas aumentem (Strang & Steudel, 1990). Entretanto, ao se aproximar da velocidade máxima, não é possível que as fibras musculares aumentem a sua frequência de contração a ponto de contrabalançar o aumento no comprimento da passada. Assim, próximo à velocidade máxima, o esperado é que o comprimento e a frequência de passadas sejam negativamente correlacionados. De fato, em comparações entre espécies, maiores velocidades são atingidas por um alongamento dos membros e consequente aumento do comprimento da passada e redução da frequência (Strang & Steudel, 1990). Primatas parecem dar passadas mais compridas que mamíferos cursoriais, depois de descontadas diferenças de tamanho de corpo, mesmo assim existe uma relação positiva entre comprimento da passada e tamanho do corpo da espécie (Alexander & Maloiy, 1984). Como seria alcançada a velocidade máxima em pequenos mamíferos, particularmente nos didelfídeos, deslocando-se em suportes horizontais arbóreos? Hipoteticamente, a velocidade máxima poderia aumentar (1) pelo aumento no comprimento da passada e redução na frequência, ou (2) pelo aumento da frequência e redução do comprimento da passada. Aparentemente não há uma estratégia única para marsupiais didelfídeos, ou mesmo um padrão para espécies arborícolas ou terrestres. Em um estudo comparando o desempenho locomotor de sete espécies de didelfídeos em cinco suportes horizontais de diferentes diâmetros, as espécies de hábito mais arborícola foram as mais velozes, à exceção de C. philander que é a espécie arborícola de maior tamanho corporal entre as espécies estudadas (Delciellos & Vieira, 2007; Figura 4). Philander frenatus, uma espécie mais comum no solo da mata, apenas ocasionalmente usando estratos superiores, teve velocidade mais semelhante às das espécies arborícolas, como M. paraguayana (Figura 5), sugerindo uma habilidade arborícola potencial maior do que a esperada pelo seu hábito semiterrestre (Delciellos & Vieira, 2006, 2007). Cada espécie atingiu uma maior velocidade em diferentes diâmetros de suportes, não sendo encontrado um padrão (Delciellos & Vieira, 2007; Figura 4). Na sua velocidade máxima, D. aurita, Gracilinanus microtarsus e M. paraguayana apresentaram maior frequência de passadas, enquanto que Marmosops incanus e C. philander maiores comprimento de passadas. Philander frenatus e M. nudicaudatus aumentaram ambas. Um aumento no comprimento da passada significa um aumento nas oscilações do corpo durante o deslocamento e um aumento na frequência aumenta a oscilação do suporte (Delciellos & Vieira, 2007). Assim, cada espécie adota diferentes estratégias para correr de forma segura em suportes horizontais arbóreos, relacionadas principalmente ao seu tamanho de corpo e especializações relacionadas aos estratos da mata que utilizam (Delciellos & Vieira, 2006). A locomoção arborícola sobre suportes verticais Os pequenos mamíferos não voadores (roedores e marsupiais didelfídeos) apresentam duas soluções para este problema, que também ocorrem em primatas: escalada com garras (“clawclimbing”) ou escalada Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
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Figura 4. Velocidade relativa de sete espécies de marsupiais didelfídeos da Mata Atlântica locomovendo-se sobre tubos horizontais de quatro diâmetros, simulando galhos, e sobre uma superfície plana. Os testes foram realizados colocando-se animais treinados sobre uma extremidade do tubo, liberando-o e permitindo que corresse até a outra extremidade onde se encontrava um abrigo familiar. A velocidade foi calculada multiplicando-se o comprimento da passada (em unidades de comprimento corporal, ucc) pela sua frequência. Modificado de Delciellos (2005).
por agarramento (“graspclimbing”) (sensu Szalay, 1994:187). A escalada com garras é especialmente apropriada para suportes largos em relação ao diâmetro do corpo do animal, como troncos, onde não é possível envolver toda circunferência do suporte com o dedo opositor do pé ou mão. Os exemplos mais típicos deste modo de locomoção são alguns primatas (Jackson, 2011) e os esquilos (Youlatos et al., 2008). Entretanto, esquilos também são capazes de usar ramos terminais, de pequeno diâmetro (Cartmill, 1974). Os didelfídeos escalam mais por agarramento do que por garras, embora também utilizem as garras para escalar troncos de forma semelhante aos esquilos (McManus, 1970; Jenkins & McClean, 1984; Vieira, 1995; Sargis et al., 2007; Youlatos, 2010; Dalloz et al., in press). A habilidade de agarrar, possibilitada pela presença do dedo opositor, é de fundamental importância na utilização de ramos terminais finos (Lemelin, 1999; Youlatos, 2008, 2010). A cauda preênsil dos didelfídeos também tem o seu papel na escalada de suportes verticais, permanecendo solta ou envolvendo o suporte frouxamente, sem apertá-lo, como um “cinto de segurança” (Antunes, 2003; Dalloz et al., in press). Já em suportes largos, como troncos maiores que o diâmetro do corpo do animal, as garras tornam-se importantes para a escalada e a cauda tende a enrolar-se no suporte mais firmemente, dando algum apoio para o corpo durante a subida (M.V. Vieira, obs. pess.). O comprimento da cauda pode ser negativamente correlacionado com o desempenho na escalada de cordas e nos tubos de até quatro polegadas de diâmetro, como detectado para D. aurita e P. frenatus (Vieira, 1995). Portanto, embora uma longa cauda preênsil seja altamente vantajosa como um quinto membro e como um “cinto de segurança” no ambiente arborícola (Lemelin et al., 2007), pode ter efeitos secundários, ou até negativos, em outras atividades do organismo. ECOLOGIA
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Figura 5. Indivíduo da espécie Marmosa paraguayana no teste de desempenho locomotor no andar arborícola sobre suporte horizontal de 10,16 cm de diâmetro, nos estudos de Delciellos & Vieira (2006, 2007). Foto: Diogo Loretto.
Em um estudo comparando o desempenho locomotor das mesmas sete espécies de didelfídeos, agora na escalada de três suportes verticais de diferentes diâmetros, as espécies de hábito arborícola também foram as mais velozes, como esperado (Delciellos & Vieira, 2009a; Figura 6). Na sua velocidade máxima, a maioria das espécies aumentou tanto a frequência quanto o comprimento das passadas, exceto por C. philander e M. paraguayana que aumentaram principalmente o comprimento (Delciellos & Vieira, 2009a; Figura 6). Caluromys philander foi a única espécie que utilizou a mesma estratégia, passadas maiores e menos frequentes, tanto no andar arborícola quanto na escalada (Delciellos & Vieira, 2007, 2009a). Como no andar arborícola, a velocidade de P. frenatus na escalada foi mais semelhante a das espécies arborícolas. Metachirus nudicaudatus teve o pior desempenho, isto é, a menor velocidade máxima entre as espécies estudadas, o que provavelmente está relacionado às suas especializações morfológicas para a locomoção cursorial, que restringem sua habilidade de escalar (Delciellos & Vieira, 2009a). Na locomoção sobre suportes finos, semelhantes a ramos terminais, pelo menos uma espécie arborícola, C. philander, tem melhor desempenho na locomoção que um didelfídeo terrestre, Monodelphis domestica (Lemelin et al., 2007). Assim, é provável que o desempenho na locomoção em suportes finos seja semelhante em espécies arborícolas e terrestres, seja usando ramos terminais da copa ou escalando cipós e lianas. No estudo de Delciellos & Vieira (2009a), para todas as espécies houve uma tendência de aumento da velocidade com o aumento do diâmetro do suporte, o que pode estar relacionado à capacidade de agarrar firmemente o suporte e ao fato dos suportes mais finos se deformarem mais durante a locomoção, dificultando o movimento em algum grau. Apenas a frequência das passadas foi associada com tamanho de corpo e ao uso dos estratos da mata (Delciellos & Vieira, 2009a). Ainda, as espécies apresentaram diferentes comportamentos posturais de acordo com os seus hábitos, com as espécies mais arborícolas mantendo o corpo afastado do suporte durante os movimentos, o que não foi observado para as mais terrestres (Antunes, 2003). Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
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Figura 6. Comparação da frequência (linha contínua) e comprimento (linha descontínua) de passada de sete espécies de marsupiais didelfídeos da Mata Atlântica na velocidade máxima de escalada de cordas verticais de três diâmetros, simulando cipós e lianas. Modificado de Delciellos & Vieira (2009a), Journal of Mammalogy, v. 90, n. 1, p. 104-113, com permissão da American Society of Mammalogists, Allen Press, Inc.
Habilidade de salto na locomoção arborícola A habilidade de cruzar descontinuidades entre suportes é um dos problemas que os animais enfrentam na sua locomoção arborícola (Tabela 1). Apesar do risco de injúrias em caso de queda, sua utilização permite otimizar os gastos energéticos com a locomoção, encurtando o caminho ao longo dos galhos de uma árvore, de forma a cobrir distâncias rapidamente (Gunther et al., 1991; Higham et al., 2001), por exemplo. Existem dois modos principais de se cruzar descontinuidades entre suportes, estabelecendo uma ponte entre eles (“bridging”) ou saltando. Na ponte, o animal cuidadosamente estende um membro para alcançar o suporte na outra extremidade da descontinuidade, depois move os outros membros sucessivamente, com a cauda preênsil muitas vezes atuando como um quinto membro (Youlatos, 1993). Tal comportamento foi descrito para várias espécies de primatas (Youlatos, 1993; Dunbar & Badam, 2000; Nekaris, 2001; Cant et al., 2003; Bezanson, 2005). Já o salto permite que o animal cruze maiores distâncias do que na ponte (Dunbar & Badam, 2000). ECOLOGIA
378 Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
Os didefídeos utilizam ambos comportamentos, ponte e salto. O comportamento de ponte foi descrito para a arborícola de dossel C. philander (Charles-Dominique et al., 1981), e observado para espécies como D. aurita, G. microtarsus, P. frenatus e M. paraguayana, em seu ambiente natural (A.C. Delciellos, obs. pess.). Já a habilidade de salto foi medida em testes de desempenho em laboratório para L. crassicaudata (Santori et al., 2005) e para outras sete espécies da Mata Atlântica (Delciellos & Vieira, 2009b). Comparativamente, as espécies arborícolas (C. philander, G. microtarsus, M. incanus e M. paraguayana) saltaram maiores distâncias máximas dos que as espécies semiterrestres (D. aurita e P. frenatus), e o tamanho de corpo explicou apenas uma pequena parte da variação na distância dos saltos (Delciellos & Vieira, 2009b). A especializada terrestre M. nudicaudatus não realizou saltos durante os testes, o que provavelmente está relacionado com as suas especializações morfológicas para desenvolver grandes velocidades no solo (Delciellos & Vieira, 2009b), tais como membros posteriores alongados (Argot, 2002). Ainda, as espécies também diferiram no comportamento postural durante o salto de acordo com os seus hábitos (Delciellos & Vieira, 2009b).
Perspectivas e Direções Futuras A seguir mencionamos algumas possibilidades de pesquisas futuras, que preencheriam lacunas importantes para a formação de um corpo integrado de conhecimento sobre a ecomorfologia de marsupiais neotropicais. 1.Descrição do comportamento postural durante a locomoção arborícola e terrestre. Este tipo de estudo é necessário para desenvolver hipóteses mais elaboradas sobre as bases funcionais de diferenças de desempenho locomotor encontradas entre as espécies. São estudos mais qualitativos quando comparados aos estudos de desempenho locomotor, comparando espécies no modo de andar e posturas adotadas na locomoção. 2.Descrição do comportamento postural utilizado na captura de presas e aquisição de alimento, de maneira geral. Muito da variação na forma corporal entre didelfídeos deve afetar também a aquisição de alimento, além da locomoção, especialmente em um ambiente arborícola. Um animal como Metachirus, com uma forma de corpo especializada ao ambiente terrestre, pode ter dificuldades em capturar um inseto voador a 10m de altura, na copa das árvores. Já Caluromys, um arborícola especializado pode fazê-lo com relativa facilidade. Assim, a morfologia pode afetar o uso do habitat não apenas pelos limites que impõe a seu uso, mas também devido aos alimentos que permite adquirir neste ambiente. 3. Comparação do comportamento postural e desempenho locomotor em campo e em laboratório. O aparato utilizado para medidas de desempenho locomotor mede seu desempenho máximo em determinadas tarefas, relacionadas à sua aptidão em campo. Entretanto, seria extremamente importante determinar o quanto as medidas de desempenho e os comportamentos observados de fato refletem seu uso e frequência no ambiente natural. O uso de métodos alternativos (e.g. Dalloz et al., in press) pode permitir obter este tipo de observações. O estudo da morfologia, locomoção e uso do habitat em marsupiais neotropicais já seria justificável simplesmente pelo grupo, tão diversificado e ao mesmo tempo único entre os mamíferos, e de importância fundamental para compreensão da evolução de primatas (Lemelin et al., 2007). Mas a integração destes três campos permite uma nova abordagem ao estudo da ecologia de comunidades, fornecendo, por exemplo, uma medida de nicho potencial como em Delciellos & Vieira (2006) e sua relação com a Locomoção, morfologia e uso do habitat em marsupiais neotropicais:
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morfologia. Eventualmente, regularidades ou distância morfológicas entre espécies (razões de Hutchinson; Hutchinson, 1959) podem ser examinadas, mas agora com uma base funcional para a medida morfológica escolhida, assim como efeitos de mudanças na estrutura da vegetação sobre a composição de espécies de marsupiais em comunidades locais.
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CAPÍTULO 18
Alimentação, Nutrição e Adaptações Alimentares de Marsupiais Brasileiros Ricardo T. Santori* Leonardo G. Lessa** Diego Astúa*** Abstract: FEEDING HABITS, NUTRITION AND FEEDING ADAPTATIONS OF BRAZILIAN MARSUPIALS. Brazilian marsupial species, as all members of the Didelphidae family, have a natural diet based mainly upon arthropods (mostly insects), fruits and small vertebrates, with their relative proportions and importance varying across taxa. The current amount of available data on these natural diets is highly variable from species to species, and these data are summarized here. Yet, this apparent resemblance, usually related to unavoidable limitations of field methods, may be overlooking subtle differences in the nutritional needs and feeding preferences of these species. Laboratory tests and experimental diets indicate that food choice is related to the species nutritional needs and in accordance to previously available field data. Furthermore, nutritional contents of laboratory established diets, along with overlap of preferred items and previous knowledge of field data, indicate that these species feeding habits can be ranked on a gradient from essentially frugivorous species to mainly carnivorous ones. Thus, strict and hermetic feeding categories should not always be used for these species, as only species located on the ends of this continuum present significant alimentary differences. These data are confirmed by morphological data, both from the digestive tract and the skull morphology, where striking differences were only found between species with markedly distinct diets. These results
Núcleo de Pesquisa e Ensino de Ciências, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua Francisco Portela, 1470, Bairro Patronato. São Gonçalo, RJ, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
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Laboratório de Ecologia, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Campus II. Diamantina, MG, 39100-000, Brasil. **
Laboratório de Mastozoologia, Departamento de Zoologia, Universidade Federal de Pernambuco. Av. Professor Moraes Rego, s/n. Cidade Universitária. Recife, PE, 50670-420, Brasil. ***
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indicate that most didelphid marsupials, although presenting similar shapes and diet, present a series of subtle but cumulatively effective differences that allow differential resource exploitation. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução Devido à ampla distribuição geográfica dos marsupiais didelfídeos no Brasil, esta família está representada em grande parte dos estudos de ecologia de comunidades e de populações de pequenos mamíferos realizados no país. Em consequência, o conhecimento sobre a ecologia dos membros desta família tem sido acrescido também de informações sobre seus hábitos alimentares. Os marsupiais didelfídeos têm sido considerados, em sua grande maioria, como mamíferos de hábitos alimentares generalistas, com algumas exceções, podendo variar de “insetívoros/onívoros” a “frugívoros/onívoros” (Paglia et al., 2012). Algumas das principais compilações sobre hábitos alimentares, que incluem dados sobre a família Didelphidae, fazem uso de categorias tróficas, pela sua capacidade de condensação e simplificação das informações existentes para fins comparativos (Robinson & Redford, 1986, 1989; Reis et al., 2010; Paglia et al., 2012). Com o crescimento no número de estudos e o aumento do conhecimento sobre a ecologia alimentar dos marsupiais brasileiros (Figura 1), o uso de categorias muito gerais, como estas, tem se revelado inadequado, ocultando informações importantes para estudos diretamente relacionados com a ecologia das espécies, estrutura trófica das comunidades e suas implicações ecológicas (Lessa & Geise, 2010). Assim, o uso destes tipos de categorias tróficas pode ser contestável, sobretudo quando o conhecimento preciso sobre os hábitos alimentares das espécies é escasso (Hume, 1999; Vieira & Astúa de Moraes, 2003; Lessa & Geise, 2010).
Alimentação na Natureza O grau de conhecimento sobre os hábitos alimentares das espécies brasileiras de marsupiais é muito variável. Embora existam dados sobre praticamente todos os gêneros, apenas 29% das espécies têm sua
Figura 1. Evolução da produção científica sobre a dieta de marsupiais nas últimas três décadas. Barras em preto referem-se ao total de artigos científicos publicados, incluindo Didelphidae, Caenolestidae, Microbioteridae (n = 116) e barras em cinza às referências relacionadas à dieta de marsupiais didelfídeos brasileiros (Didelphidae) (n = 56) (Modificado de Lessa & Geise, 2010).
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dieta descrita por estudos específicos (Lessa & Geise, 2010). A lista de espécies brasileiras usada aqui segue Gardner (2008), com exceção da alocação de Micoureus como subgênero de Marmosa (Voss & Jansa, 2009). Caluromys As cuícas lanosas brasileiras, Caluromys philander e C. lanatus, são as espécies com hábitos mais frugívoros dentre os didelfídeos brasileiros, sendo classificadas como frugívoras-onívoras por Paglia et al. (2012). A dieta de C. philander na Mata Atlântica e Cerrado inclui uma elevada proporção de frutos, podendo chegar a até 90% do volume em amostras fecais (Leite et al., 1994; Leite et al., 1996; Lessa & Costa, 2010), ao passo que em outros estudos com a mesma espécie a porcentagem varia, mas ainda assim é alta, como é o caso em florestas tropicais da Guiana Francesa, onde registrou-se 75% de frutos na dieta (Atramentowicz, 1988). A riqueza de espécies vegetais consumidas varia de oito (Leite et al., 1996) a 28 (Charles-Dominique, 1983), com gêneros como Astrocaryum (Arecaceae), Cecropia (Urticaceae), Ficus (Moraceae), Inga (Fabaceae) e Passiflora (Passifloraceae), dentre outros, incluindo espécies ricas em carboidratos, lipídeos e água (Atramentowicz, 1988; Julien-Laferrière, 1999). O restante de sua dieta é geralmente composto por invertebrados (sobretudo Coleoptera, Hemiptera, Hymenoptera - Formicidae e Lepidoptera) (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988; Leite et al., 1994; Leite et al., 1996; Lessa & Costa, 2010), podendo também incluir flores, néctar (Couepia – Chrysobalaneceae, Hymenea – Fabaceae, Inga - Fabaceae, , Ravenala - Strelitziaceae) e gomas (Fagara – Rutaceae) (Charles-Dominique et al., 1981; Janson et al., 1981; Charles-Dominique, 1983; Atramentowicz, 1988; Gribel, 1988; JulienLaferrière & Atramentowicz, 1990). No Cerrado, sua dieta é influenciada pela marcada sazonalidade na oferta de recursos do meio, incluindo principalmente artrópodes na estação seca (sobretudo Coleoptera, Hymenoptera - Formicidae e Arachnida) e frutos, como Clidemia urceolata (Melastomataceae), Miconia holosericea (Melastomataceae), Myrcia sp. (Myrtaceae) e Vismia glaziovii (Hypericaeae) na estação chuvosa (Lessa & Costa, 2010). A dieta de C. lanatus é provavelmente semelhante à de C. philander (Emmons & Feer, 1997), incluindo frutos, invertebrados e néctar, mas já foram encontrados vertebrados (aves e mamíferos) em amostras estomacais de C. lanatus, em uma área de mata estacional semidecidual, no sul do Brasil (Casella & Cáceres, 2006). Indivíduos de C. lanatus também já foram observados utilizando o néctar de flores de Quararibea cordata e Q. stenopetala (Bombacaceae) na Amazônia (Janson et al., 1981) e visitando flores de Pseudobombax tomentosum (Bombacaeae) no Cerrado (Gribel, 1988). Caluromysiops Informações sobre a ecologia de Caluromysiops irrupta são extremamente raras. Existem relatos ocasionais de indivíduos de C. irrupta alimentando-se em flores de Quararibea cordata (Bombacaceae), na Amazônia (Janson et al., 1981). Paglia et al. (2012) classificam C. irrupta como frugívora-onívora, provavelmente devido à proximidade filogenética e semelhanças no uso do espaço com as espécies do gênero Caluromys, mas existem relatos de uma dieta variada, incluindo itens animais (Izor & Pine, 1987). Chironectes A cuíca d’água, Chironectes minimus, o único didelfídeo de hábitos semi-aquáticos, é considerada uma das espécies de hábitos mais carnívoros deste grupo (Marshall, 1978a; Paglia et al, 2012). Sua Alimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
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dieta inclui essencialmente vertebrados aquáticos (peixes) ou semi-aquáticos (anuros) e invertebrados aquáticos (insetos e crustáceos) (Zetek, 1930; Mondolfi & Padilla, 1957; Marshall, 1978a; Emmons & Feer, 1997; González & Fregueiro, 1998), podendo ocasionalmente incluir vegetais aquáticos ou frutos (Streilein, 1982). Embora não tenha sido um item encontrado em conteúdo fecal ou estomacal, há registro de predação oportunista de morcegos das espécies Carollia perspicillata e Sturnira lillium por C. mininus (Breviglieri & Pedro, 2010), que foram predados enquanto estavam presos à rede de neblina montadas próximo a um riacho. Didelphis Os gambás, saruês, cassacos ou timbus são as espécies mais generalistas entre os Didelphidae e são consideradas frugívoras/onívoras (Paglia et al., 2012), incluindo em suas dietas pequenos vertebrados, invertebrados e frutos, usados de uma maneira oportunista. Os dados disponíveis, no entanto, concentram-se em D. aurita, D. marsupialis e D. albiventris, não existindo informações disponíveis sobre a dieta de D. imperfecta. Em mata de restinga, D. aurita inclui em sua dieta pequenos roedores (Akodon cursor), aves, lagartos (Mabouya e Tropidurus), serpentes, anfíbios anuros e uma grande diversidade de invertebrados, como Diplopoda e Chilopoda e, os insetos das ordens Blattodea, Formicidae e Orthoptera ,e frutos (Araceae, Bromeliaceae, Cactaceae, Sapindaceae e Passifloraceae) (Santori et al., 1995a). A presença de pupas de dípteros nas fezes pode ser um indicador do consumo de carniça (Santori et al., 1995a). Esta composição de artrópodes, característica da fauna de folhiço, e a sua relação com características de seu microhabitat indicam que a quantidade de folhiço seja importante para sua alimentação em área de restinga (Freitas et al., 1997). A dieta de D. aurita em remanescentes de Mata Atlântica do Rio de Janeiro é semelhante, incluindo artrópodes e frutos em proporções volumétricas iguais nas fezes, ainda que os artrópodes tenham frequência de ocorrência maior (Leite et al., 1994; Leite et al., 1996). Um estudo em Floresta de Tabuleiros, no Espírito Santo, também indicou consumo de vertebrados (Mabouya), artrópodes e frutos (Palma, 1996). Em fragmentos de mata de Araucária do estado do Paraná, sua dieta inclui aves (Turdus rufiventris), roedores e serpentes (Liotyphlops), invertebrados (Blattodea, Coleoptera, Diplopoda, Hymenoptera – Formicidae, Opiliones, Decapoda e Gastropoda), e 21 espécies de frutos (principalmente Melothria – Cucurbitaceae, Passiflora - Passifloraceae, Piper - Piperacaeae e Solanum - Solanaceae), com diversos itens apresentando variações sazonais (Cáceres & Monteiro-Filho, 2001). Didelphis aurita parece ser uma espécie importante na dispersão de diversas espécies de Araceae, Cactaceae, Moraceae, Myrtaceae, Rosaceae e Solanaceae (Vieira & Izar, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2007). Em uma área rural no estado do Rio de Janeiro, município de Sumidouro, a dieta de D. aurita também foi constituída de frutos, pequenos vertebrados e artrópodes, com maior frequência relativa destes últimos (Ceotto et al., 2009). Didelphis marsupialis também apresenta uma dieta variada, composta por roedores (Rattus), aves, répteis, anuros (Rhinella), uma grande variedade de invertebrados (sobretudo, Coleoptera e Orthoptera), assim como uma alta diversidade de frutos (mais de 40 espécies, como Astrocaryum - Arecaceae, Cecropia - Urticaceae, Clusia - Clusiaceae, Ficus - Moraceae, Inga – Fabaceae, e Psidium - Myrtaceae), incluindo frutos de casca mais dura, inacessíveis às espécies de menor tamanho (Charles-Dominique et al., 1981; Cordero & Nicolas, 1987; Atramentowicz, 1988; Cordero & Nicolas, 1992; Medellín, 1994). Indivíduos de D. marsupialis também foram observados alimentando-se de néctar de flores de Quararibea cordata (Bombacaceae) e outras espécies herbáceas (Janson et al., 1981; Charles-Dominique, 1983), e ECOLOGIA
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até predando espécies de maior porte, como Philander opossum (Wilson, 1970) ou consumindo carniça (Charles-Dominique, 1983). Os hábitos alimentares de D. albiventris parecem ser semelhantes aos das demais espécies, incluindo aves, mamíferos, répteis e peixes, mas principalmente invertebrados (Blattodea, Coleoptera,, Opiliones e Diplopoda), além de 21 espécies de frutos (Cyphomandra - Solanaceae, Morus - Moraceae, Passiflora – Passifloraceae, Rubus – Rosaceae e Solanum - Solanaceae,). Em uma área perturbada na região de Campinas, a dieta de D. albiventris incluiu roedores (Cavia, Necromys, Mus, Rattus), marsupiais (Marmosa) e outros vertebrados (restos de escamas e pelos), mas, principalmente invertebrados (Coleoptera, Hymenopterae Diplopoda), e as sementes mais frequentes nas fezes foram de frutos de Acrocomia (Arecaceae), Cecropia (Urticaceae) e Miconia (Melastomataceae) (Monteiro-Filho, 1987). O vasto cardápio oportunista de D. albiventris pode incluir também morcegos (Artibeus lituratus e Sturnira lilium), apanhados em redes de neblina (Gazarini et al., 2008). Em um recinto de 10 x 10 m, indivíduos de D. albiventris predaram camundongos (Mus musculus), ratos (Rattus norvegicus), ovos, pintos (Gallus gallus) e rãs, quando disponibilizados ao animal (Santori, observação pessoal). Informações sobre a presença de escamas de serpentes em fezes de didelfídeos (Santori et al., 1997) e a predação de jararaca (B. jararaca) em encontros provocados para o estudo do comportamento predatório de D. albiventris, demonstram que este item pode ser relativamente comum na dieta desta espécie em ambiente natural (Oliveira & Santori, 1999). A espécie se comporta como um frugívoro oportunista consumindo invertebrados (sobretudo, artrópodes) e vertebrados endotérmicos na estação seca, enquanto frutos diversos (Moraceae, Myrtaceae, Passifloraceae, Piperaceae, Solanaceae, dentre outras), invertebrados e vertebrados são consumidos principalmente pelos jovens na estação chuvosa (Cáceres, 2002; Cantor et al., 2010). Tal padrão de consumo alimentar parece permitir a coexistência de adultos e jovens consumindo itens alimentares diferenciados, de acordo com a sua disponibilidade no ambiente (Monteiro-Filho, 1987; Cantor et al., 2010). Dentre os itens vegetais consumidos por D. albiventris, há também a alimentação oportunista de exsudatos produzidos por Tapira guianensis (Anacardiaceae), após seu tronco ser roído por Callithrix jacchus durante o dia, em um fragmento de Mata , no estado dePernambuco, (Aléssio et al., 2005). Como o fragmento é circundado por uma área altamente antropizada e com flutuações sazonais na oferta de recursos, o uso de tal recurso é uma boa estratégia para garantir alimento em épocas de menor disponibilidade. O sucesso desta espécie em áreas urbanas compreende também o compartilhamento de frutos com aves, morcegos e roedores. Isto acontece com relação ao uso de Solanum granulosoleprosum (Solanaceae), numa área de mata alterada em Curitiba, Paraná (Cáceres & Moura, 2003). Glironia Praticamente não existem relatos sobre a ecologia de Glironia venusta e nenhum sobre seus hábitos alimentares (Emmons & Feer, 1997), apesar de Paglia et al. (2012) a definirem como insetívora-onívora. Não é possível atualmente confirmar ou rejeitar essa classificação. Gracilinanus Assim como todas as espécies anteriormente classificadas no gênero Marmosa (Gardner & Creighton, 1989), as espécies do gênero Gracilinanus são consideradas insetívoras-onívoras por Paglia et al. (2012). As poucas informações sobre os hábitos alimentares deste gênero restringem-se a G. agilis Alimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
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(Bocchiglieri et al., 2010; Lessa & Costa, 2010; Camargo et al., 2011) e G. microtarsus (Palma, 1996; Vieira & Izar, 1999; Martins & Bonato, 2004; Martins et al., 2006). Gracilinanus agilis consome altas proporções de insetos (principalmente Blattodea, Coleoptera, Hymenoptera, Isoptera e Orthoptera), frutos (principalmente Melastomataceae) e flores, com maior frequência durante a estação seca. O consumo de frutos de Melastomataceae na estação seca, observado em áreas de Cerrado no Brasil central, sugere sua importância como fonte de água em períodos de déficit hídrico (Camargo et al., 2011). Foi também observada a presença de penas de aves nas fezes de dois machos adultos de G. agilis em uma área de Mata Ciliar de Cerrado, sendo este o primeiro registro de pequenos marsupiais do gênero Gracilinanus, possivelmente predando vertebrados (Lessa & Geise, dados não publicados). A dieta de G. microtarsus é também descrita como predominantemente insetívora (Martins & Bonato, 2004). Em uma área de Cerrado, em São Paulo, a dieta de uma população identificada como G. microtarsus* foi constituída principalmente por insetos,sendo o recurso mais abundante nas fezes, mas também de outros invertebrados e frutos (Palma, 1996; Martins et al., 2006). Amostras fecais de G. microtarsus continham sementes de Anthurium (Araceae) em um estudo realizado em uma área de Mata Atlântica (Vieira & Izar, 1999). Lutreolina Apesar de estar listada como piscívora por Paglia et al. (2012), Lutreolina crassicaudata é sem dúvida a espécie mais carnívora dos Didelphidae. Apresenta grande agilidade e agressividade, característicos de uma espécie predadora, podendo ser comparada com carnívoros da família Mustelidae (Davis, 1966). Entretanto, os dados disponíveis sobre os hábitos alimentares da espécie restringem-se a poucas localidades (Monteiro-Filho & Dias, 1990). A composição da dieta de L. crassicaudata varia espacialmente, provavelmente como resultado da variação na disponibilidade de recursos alimentares do meio (Facure & Ramos, 2011). Sua dieta inclui diversos pequenos vertebrados, como roedores (Necromys, Mus, Oryzomys), marsupiais (Marmosa), lagomorfos (Sylvilagus), aves (Columbiformes), anuros (Rhinella), lagartos (Hemidactylus) e peixes, mas, inclui também artrópodes, anelídeos e sementes (Cecropia _- Urticaceae, Miconia – Melastomataceae, Passiflora – Passifloraceae, Piper - Piperaceae, Syagrus – Arecaceae) (Marshall, 1978b; Monteiro-Filho & Dias, 1990; Hume, 1999; Cáceres et al., 2002; Facure & Ramos, 2011). Existem também relatos de predação de jararacas (Sazima, 1992) e de consumo de carniça (Facure & Ramos, 2011). Marmosa Na Guiana Francesa, a dieta de Marmosa murina é composta por invertebrados (Coleoptera, Hymenoptera - Formicidae, Myriapoda e Annelida) e por polpa de frutos. Sementes de Bellucia (Melastomataceae), Cecropia (Urticaceae), Ficus (Moraceae) e Henriettea (Melastomataceae) foram encontradas em suas fezes, contudo foram observados indivíduos consumindo a polpa de frutos maiores, dos quais não ingerem as sementes (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988). Flores e nectários foram encontrados em estômagos de M. murina (Charles-Dominique, 1983). Há também registros de restos de Estes exemplares são referidos como G. microtarsus por Martins et al. (2006), mas a localidade de estudo e o exame de exemplares coletados sugerem que devam ser na realidade G. agilis. Nesse sentido, ver comentários em Astúa (2010) e particularmente em Cooper et al. (2009), que trabalharam com exemplares da mesma localidade.
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uma pequena rã no conteúdo estomacal de um indivíduo (Charles-Dominique et al., 1981). Em Floresta de Tabuleiros do Espírito Santo, foram encontrados restos de artrópodes em 100% das fezes analisadas, e sementes em 50% destas (Palma, 1996). Na Mata Atlântica do estado do Rio de Janeiro, as fezes de M. (Micoureus) paraguayana apresentaram uma elevada frequência de ocorrência de artrópodes (mais de 80%) e frutos (em torno de 40% das fezes), perfazendo aproximadamente 20% do volume total, contra 80% para os artrópodes (Leite et al., 1994; Leite et al., 1996). Estudos mais detalhados na mesma área indicaram a presença de artrópodes em todas as fezes examinadas, e sementes em 58% delas (Pinheiro et al., 2002). Entre os artrópodes mais freqüentes, destacam-se Coleoptera, Hymenoptera – Formicidae, larvas de Lepidoptera, Orthoptera e Arachnida e (Carvalho et al., 1999; Pinheiro et al., 2002). Sementes de cinco espécies de Araceae (Philodendron corcovadense, P. appendiculatum, P. exymium, P. crassinervium e Anthurium harrisii) foram encontradas em fezes de M. paraguayana, na Mata Atlântica do estado de São Paulo (Vieira & Izar, 1999). Um padrão de dieta semelhante foi encontrado no Cerrado, com um consumo de artrópodes (90%) e frutos (45,5%) (Lessa & Costa, 2010). O consumo de flores (Lessa & Costa, 2010) e pequenos vertebrados (aves) também foram reportados para M. paraguayana (Cáceres et al., 2002; Casella & Cáceres, 2006). Marmosa (Micoureus) demerarae parece apresentar um padrão de dieta semelhante, consumindo principalmente artrópodes (Coleoptera, Hemiptera e Hymenoptera) e frutos (Arecaceae e Passifloraceae) (Fernandes et al., 2006). Para todas as demais espécies brasileiras do gênero, classificadas como insetívoras-onívoras por Paglia et al. (2012), não existem informações precisas sobre suas dietas. Marmosops Todas as nove espécies do gênero Marmosops, no Brasil, são classificadas como insetívorasonívoras por Paglia et al. (2012). Restos de artrópodes estiveram presentes em 100% das fezes analisadas de M. incanus, em uma área de Mata Atlântica no Espírito Santo, assim como poucas sementes e restos vegetais (Palma, 1996). No Cerrado, artrópodes, com destaque para Coleoptera e Hymenoptera (Formicidae) , também foram registrados em 100% das amostras, no entanto, o consumo de frutos de espécies pioneiras (em torno de 29%) parece ser um importante recurso alimentar, principalmente na estação seca (Lessa & Costa, 2010). Na Mata Atlântica, um padrão similar foi descrito para M. paulensis (Leiner & Silva, 2007), reforçando a importância de frutos como fonte de água e suplemento energético na dieta de alguns didelfídeos (Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990; Astúa de Moraes et al., 2003; Camargo et al., 2011). O consumo de flores na estação seca também foi observado para M. incanus e M. paulensis (Leiner & Silva, 2007; Lessa & Costa, 2010). A classificação dos hábitos alimentares das demais espécies brasileiras é provavelmente deduzida pela semelhança com outras espécies de Marmosops, já que não existem descrições disponíveis sobre a sua dieta natural. Metachirus Classificada como insetívora-onívora por Paglia et al. (2012), M. nudicaudatus é reconhecida como uma espécie predominantemente insetívora, com sua dieta essencialmente composta de artrópodes (Streilein, 1982; Emmons & Feer, 1997). Em uma mata de restinga do estado do Rio de Janeiro, sua dieta é principalmente composta de formigas, cupins, baratas e coleópteros, variando entre 70 e 95% de Alimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
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frequência de ocorrência nas fezes (Santori et al., 1995a). Em áreas de Mata Atlântica, no sul do Brasil, invertebrados (100%) e alguns frutos, como das famílias Arecaceae e Bromeliaceae também fazem parte da dieta de M. nudicaudatus (Cáceres, 2004). No entanto, a variação local na disponibilidade de recursos pode determinar variações na dieta dessa espécie. Estudos realizados em áreas de restinga e Mata Atlântica registraram um baixo consumo de frutos (10,5 e 7%, respectivamente) (Santori et al., 1995a; Cáceres, 2004), enquanto um alto consumo (45,5%) foi observado no Cerrado em Minas Gerais (Lessa & Costa, 2010). O consumo de vertebrados, como pequenos mamíferos, aves e lagartos (Mabouya e Tropidurus), além de ovos também foram relatados (Medellín et al., 1992; Santori et al., 1995a; Cáceres, 2004; Lessa & Costa, 2010). Monodelphis As 15 espécies do gênero Monodelphis listadas por Paglia et al. (2012) são todas classificadas como insetívoras-onívoras. Monodelphis dimidiata tem uma dieta composta principalmente por invertebrados (Hemiptera, Hymenoptera - Formicidae, larvas de Lepidoptera e Arachnida), porém também consomem pequenos roedores como Calomys laucha, Necromys obscurus, Oligoryzomys flavescens e Oxymycterus roberti, apesar do peso corporal em torno de 50g (Pine et al., 1985; Busch & Kravetz, 1991). Restos vegetais também foram encontrados em conteúdos estomacais de indivíduos desta espécie e, em cativeiro, consumiram moluscos (caramujos e lesmas), minhocas e isópodos. Monodelphis domestica alimenta-se principalmente de insetos, mas pode utilizar pequenos vertebrados (roedores, lagartos e anuros), frutos e carniça (Streilein, 1982; Emmons & Feer, 1997; Hume, 1999), além de sementes de Cipocereus minensis (Cactaceae), que foram registrados nas fezes em uma área de campo rupestre (Lessa, dados não publicados). Monodelphis brevicaudata também inclui pequenos roedores, insetos, carniça e frutos em sua dieta (Streilein, 1982). Frutos, invertebrados (sobretudo Blattodea, Coleoptera e Hymenoptera) e vertebrados (aves e mamíferos) foram encontrados no estômago de M. sorex (=M. dimidiata), em um estudo realizado em fragmentos de Mata Atlântica no sul do Brasil (Casella & Cáceres, 2006). Dois indivíduos de M. brevicaudata (=M. dimidiata) foram capturados em Mata de Araucária, utilizando-se de um tomate silvestre e banana, indicando o uso de frutos pela espécie, mas as fezes de um indivíduo apresentaram apenas fragmentos de artrópodes (N.C. Cáceres, comunicação pessoal). Dados sobre a dieta natural das demais espécies brasileiras são raros ou inexistentes, mas acredita-se que todas as espécies tenham dietas semelhantes, essencialmente insetívoras (Emmons & Feer, 1997). Philander As cuícas-de-quatro-olhos cinzas são todas denominadas como insetívoras-onívoras por Paglia et al., (2012). Existem estudos detalhados sobre a dieta de pelo menos duas espécies do gênero, Philander opossum e P. frenatus. Um estudo realizado com P. frenatus, desenvolvido em uma mata de restinga, no estado do Rio de Janeiro, mostrou que esta espécie tem uma dieta composta principalmente por invertebrados (principalmente Blattodea, Coleoptera e Hymenoptera - Formicidae) e pequenos vertebrados, como roedores (Akodon cursor), lagartos (Ameiva, Tropidurus e Mabouya) e aves, sendo complementada por frutos (Anthurium – Araceae, Achmaea – Bromeliaceae, Erythroxylum – Erythroxylaceae, Passiflora - Passifloraceae, Paulinia - Sapindaceae, e Pilosocereus - Cactaceae) como suplemento hídrico nos meses mais secos (Santori et al., 1997). No município de Sumidouro, zona rural da região serrana ECOLOGIA
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do estado do Rio de Janeiro, a dieta de P. frenatus parece ser composta principalmente por artrópodes, frutos e pequenos vertebrados, mas nesta região, sem deficit hídrico, o consumo de frutos parece estar mais relacionado à disponibilidade destes do que à disponibilidade hídrica (Ceotto et al., 2009). No sul do Brasil, estado do Paraná, P. frenatus alimenta-se principalmente de invertebrados, mas outros itens como aves e frutos podem ser consumidos com menor frequência (Cáceres, 2004). A dieta de P. opossum na Guiana Francesa inclui uma alta diversidade de presas, entre elas uma alta frequência de minhocas, mas também de Coleoptera, Hymenoptera, Isoptera, Odonata, Orthoptera, Chilopoda e Arachnida. Algumas das frutas consumidas, que compõem aproximadamente a metade da dieta, incluem Astrocaryum (Arecaceae), Attalea (Arecaceae), Cecropia (Urticaceae), Clusia (Clusiaceae), Ficus (Moraceae), Inga (Fabaceae), Passiflora (Passifloraceae), Piper (Piperaceae) e Virola (Myristicaceae). De um modo geral, a polpa é consumida e as sementes rejeitadas no mesmo lugar, com exceção das menores, que são engolidas (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988; Medellín, 1994). O consumo de néctar de Balanophoraceae também foi observado na Guiana Francesa. Em outras localidades, a dieta pode conter também roedores, aves, anuros, caranguejos, assim como exsudatos (Tuttle et al., 1981; Hershkovitz, 1997). Philander frenatus é outra espécie capaz de predar oportunisticamente morcegos das espécies Anoura caudifer e Desmodus rotundus aprisionados em redes de neblina (Patrício-Costa et al., 2010). Para as duas demais espécies do gênero, P. andersoni e P. mcilhennyi, não existem estudos detalhados sobre seus hábitos alimentares. Thylamys As três espécies de Thylamys listadas no Brasil são classificadas como insetívoras-onívoras (Paglia et al., 2012), mas na realidade existem informações disponíveis apenas para T. velutinus. Esta espécie alimenta-se essencialmente de artrópodes (44,1%), ocorrendo também restos vegetais em suas fezes (24,6%). Em cativeiro, indivíduos aceitaram também frutos e pequenos roedores jovens (Vieira & Palma, 1996).
Variação Geográfica da Dieta Categorias tróficas amplas, como as que são comumente utilizadas (e.g. Reis et al., 2010; Paglia et al., 2012) podem não refletir a realidade do consumo de recursos alimentares para espécies que se distribuem por mais de um tipo de bioma. De uma maneira geral, os didelfídeos apresentam uma dieta descrita como “generalista”, consumindo uma ampla gama de itens como invertebrados, flores, néctar, vertebrados e frutos, em diferentes proporções (Santori et al., 1995a; Grelle & Garcia, 1999; Cáceres, 2004; Lessa & Costa, 2010). No Brasil, a família Didelphidae é composta por 54 espécies, presentes em diferentes biomas e habitats (Gardner, 2008; Reis et al., 2010), sendo que, ao menos 18 espécies (33%) têm sua área de distribuição abrangendo pelo menos dois biomas diferentes (Lessa & Geise, 2010). Para algumas espécies com distribuição geográfica pela Mata Atlântica e Cerrado lato sensu, como Caluromys philander, Metachirus nudicaudatus e Marmosa paraguayana, podem ser observadas variações na dieta que divergem dos padrões atualmente reconhecidos, principalmente com relação ao consumo de artrópodes e frutos (Lessa & Geise, 2010). Estudos realizados em áreas de Mata Atlântica indicam uma alta proporção de frutos na dieta de C. philander, no entanto, em habitats com maior sazonalidade na oferta de recursos, artrópodes são consumidos em maiores proporções (>50%) (Leite et al., 1994; Alimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
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Carvalho et al., 2005; Casella & Cáceres, 2006; Lessa & Costa, 2010). Metachirus nudicaudatus, por outro lado, apresenta uma dieta reconhecida como predominantemente insetívora (Vieira & Astúa de Moraes, 2003; Paglia et al., 2012), consumindo frutos em baixas proporções em áreas de restinga (7%) e Mata Atlântica (11%) (Santori et al., 1995a; Cáceres, 2004). Porém, frutos, especialmente de espécies pioneiras, constituíram um importante componente na dieta da espécie (>40%) em um estudo realizado em uma área de mata ciliar de Cerrado (Lessa & Costa, 2010). Por sua vez, Marmosa paraguayana, parece consumir uma proporção variável de frutos e artrópodes no Cerrado ou Mata Atlântica, possivelmente em função da disponibilidade dos recursos na área de estudo (Leite et al., 1994; Cáceres et al., 2002; Carvalho et al., 2005; Casella & Cáceres, 2006; Lessa & Costa, 2010). A variação na dieta representa um mecanismo de ajuste em resposta a fatores exógenos, como a disponibilidade local de recursos alimentares (Cáceres et al., 2002; Ceotto et al., 2009; Pires et al., 2009; Lessa & Geise, 2010). Estudos realizados na Mata Atlântica e no Cerrado sugerem que a disponibilidade do alimento pode ser um fator importante influenciando a seleção de itens na dieta de algumas espécies de didelfídeos, como Didelphis aurita, Philander frenatus, Marmosops paulensis e Gracilinanus microtarsus (Leiner & Silva, 2007; Ceotto et al., 2009; Camargo et al., 2011). A identificação de variações, naquela que é reconhecida como sendo a dieta de algumas espécies de didelfídeos brasileiros, evidencia duas questões fundamentais em estudos sobre os hábitos alimentares no campo: 1) a importância de se avaliar a disponibilidade de recursos no meio a fim de subsidiar inferências relativas às estratégias alimentares das espécies; 2) a necessidade de ampliarmos o volume de informações, uma vez que apenas 1/3 das espécies de didelfídeos brasileiros tem sua dieta descrita por estudos especificamente voltados para este fim (Lessa & Geise, 2010). Complementando o segundo ponto, devemos destacar que a quase totalidade dos estudos restringem-se à Mata Atlântica e ao Cerrado, o que aumenta a importância da realização de estudos em outros biomas. Por fim, uma ressalva adicional deve ser feita em relação aos táxons de ampla distribuição: é possível que essa variação não reflita somente uma variação geográfica na dieta, mas uma diversidade taxonômica ainda por ser elucidada, visto que diversos estudos morfológicos e genéticos em vários destes táxons indicam que na realidade são constituídos por mais de uma espécie, como por exemplo, Metachirus nudicaudatus, Monodelphis domestica, M. brevicaudata e Caluromys philander (Caramaschi, 2005; Silva, 2005; Vieira, 2006; Bandeira, 2010; Caramaschi et al., 2011; Pavan et al., 2011).
Perspectivas para o Estudo da Dieta Natural dos Marsupiais Didelfídeos O número de estudos sobre hábitos alimentares de marsupiais brasileiros na natureza aumentou de forma acentuada, sobretudo na última década. No entanto, para a maioria das espécies, as informações ainda são escassas ou incipientes e as mais específicas sobre seus hábitos alimentares são simplesmente deduzidas por comparação com espécies filogeneticamente próximas. A maior parte dos estudos são ainda meramente descritivos, quantificando a variação dos itens consumidos. Possíveis variações na oferta dos recursos consumidos ou variações no consumo de determinados itens em função do tamanho, sexo ou categoria etária das espécies permanecem ainda pouco explorados. Um maior detalhamento da dieta pode revelar diferenças entre estratégias alimentares das diferentes espécies, mesmo entre aquelas que utilizam recursos semelhantes, além de poder esclarecer outros aspectos da sua ecologia (e.g. Freitas et al., 1997). Ainda assim, para algumas espécies qualquer tipo de informação, mesmo proveniente de observações isoladas ou do conteúdo estomacal de animais coletados em levantamentos faunísticos ou ECOLOGIA
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de animais atropelados, pode ser importante para aumentar o conhecimento sobre a biologia dos táxons menos estudados. Estudos específicos sobre a ecologia alimentar ainda são necessários para praticamente todas as espécies brasileiras.
Escolha Alimentar e Nutrição em Cativeiro Preferências alimentares A maior parte das informações disponíveis, até recentemente, sobre os hábitos alimentares de marsupiais didelfídeos originaram-se de estudos de campo realizados através da análise dos conteúdos fecal e estomacal e, em menor escala, através de observação direta. Entretanto, tais métodos apresentam falhas na tentativa de amostrar o universo dos recursos alimentares consumidos. De um modo geral, estes favorecem a identificação (e, portanto, tendem a uma superestimação) dos itens que se preservam melhor após os processos digestivos como: exoesqueletos, carapaças, pelos, ossos, penas, escamas e sementes (Kunz & Whitaker, 1983; Dickman & Huang, 1988; Kronfeld & Dayan, 1998). As lacunas deixadas levantam dúvidas sobre a possível subestimação de componentes da dieta destes mamíferos. Em especial, alimentos de mais rápida digestão, como invertebrados de corpo mole e polpa de frutos, tendem a ser sistematicamente subestimados, apesar de sabidamente constituírem parte da dieta de muitas espécies de didelfídeos. Além disso, a variação espaço-temporal da disponibilidade dos recursos alimentares dificulta eventuais comparações interespecíficas dos hábitos alimentares. Os métodos mais usuais de estudo dos hábitos alimentares providenciam informações pouco detalhadas sobre as necessidades de nutrientes das espécies estudadas. Outro aspecto relevante é que o estabelecimento de dietas para a criação destas espécies em cativeiro não pode basear-se exclusivamente nas informações produzidas em estudos de campo, uma vez que o conhecimento do espectro total de alimentos e nutrientes necessários, e suas respectivas proporções, necessários para manter as diferentes espécies em boas condições de saúde, não são precisamente determinadas com os métodos anteriormente citados. Através de métodos de escolha alimentar, em laboratório, é possível fazer comparações entre as preferências alimentares de diferentes espécies eliminando-se o problema da variação da disponibilidade de alimentos. As informações obtidas através destes métodos têm auxiliado na montagem de um quadro geral para o entendimento das possíveis relações tróficas entre diferentes espécies, em comunidades de pequenos mamíferos, bem como na determinação da preferência e necessidades alimentares para a criação em cativeiro (Périssé et al., 1989; Astúa de Moraes et al., 2003). Quatro fatores influenciam decisivamente a escolha alimentar de um animal: disponibilidade, palatabilidade, acessibilidade e o retorno energético obtido com o alimento (Owen, 1982). O estudo da escolha alimentar, em laboratório, provavelmente reflete melhor os fatores intrínsecos responsáveis por preferências alimentares distintas, pois elimina os efeitos da disponibilidade e do acesso aos alimentos. Estudos da seleção alimentar por marsupiais didelfídeos, aplicando métodos de escolha alimentar em laboratório, foram feitos por Périssé et al. (1988; 1989), Cerqueira et al. (1994), Santori (1995),e Astúa de Moraes et al. (2003). O método aplicado nestes estudos baseia-se em testes de livre escolha de diferentes categorias de alimentos comercialmente disponíveis, colocados simultaneamente à disposição dos animais. A partir do consumo de cada alimento é possível calcular índices de preferência alimentar Alimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
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(Périssé et al., 1989); de sobreposição (Périssé et al., 1988; Santori, 1995); de largura de nicho (Santori, 1995) e de similaridade da dieta (Santori et al., 1997). Na confrontação entre a dieta natural de D. aurita e P. frenatus e a preferência alimentar obtida experimentalmente, as informações de campo sobre os hábitos alimentares mais generalistas da primeira espécie foram confirmadas através dos testes de escolha em laboratório (Périssé et al., 1988). Para D. aurita foi obtido um índice de similaridade entre alimentos oferecidos e utilizados maior que em P. frenatus; além deste dado, 100 % dos alimentos oferecidos foram preferidos por D. aurita, enquanto que 50 % foram por P. frenatus. Do conjunto de 26 tipos de alimentos oferecidos houve sobreposição entre aqueles preferidos pelas duas espécies. Ainda no mesmo estudo, foi encontrada, em ambas as espécies, uma sobreposição alimentar menor entre machos e fêmeas lactantes, e entre fêmeas lactantes e não lactantes, do que entre machos e fêmeas não lactantes. Nas comparações interespecíficas, o menor índice de sobreposição alimentar ficou na comparação entre as fêmeas lactantes das duas espécies. Estas informações apontam para uma utilização de recursos alimentares diferentes, sob a influência do período reprodutivo. No estudo de Santori (Santori, 1995), os machos de P. frenatus apresentaram uma dieta preferencial mais ampla que a das fêmeas. Entre indivíduos de diferentes classes etárias, a dieta mais variada foi a dos adultos, ao passo que jovens e subadultos apresentaram índices de largura de dieta iguais entre si. Ao contrário da primeira espécie, em D. aurita, as fêmeas selecionaram os recursos mais amplamente que os machos. Entre as classes etárias desta espécie, os indivíduos adultos apresentaram maior largura da dieta que os jovens e estes, maior que os sub-adultos. A sobreposição experimental das dietas, observada entre classes etárias e sexos em ambas as espécies foi alta, assim como foi a sobreposição interespecífica da dieta. Em ambiente natural no sul do Brasil, o mesmo ocorre entre D. aurita e D. albiventris (Cáceres & Monteiro-Filho, 2001). Como verificado anteriormente no estudo de Périssé et al. (1988), apesar dos vários alimentos selecionados por ambas as espécies, D. aurita novamente foi confirmada como uma espécie de hábitos alimentares mais generalistas que P. frenatus. De um modo geral, ficou demonstrado nestes estudos que nos testes de preferência alimentar, os alimentos de origem animal como carne bovina, ovos e crustáceos são amplamente utilizados pelas duas espécies e, somente uma parte dos alimentos de origem vegetal, como os frutos são escolhidos. Nas análises ontogenéticas verificou-se uma tendência dos indivíduos maiores (adultos) apresentarem dietas mais amplas que os menores (Santori, 1995). Baseado na preferência alimentar, Cerqueira et al. (1994) analisaram através de técnicas multivariadas a estrutura trófica da comunidade de pequenos mamíferos da Restinga de Maricá (RJ). Alguns indivíduos de P. frenatus apresentaram uma pequena probabilidade de serem classificados no mesmo grupo de M. nudicaudatus (12,9 %) e D. aurita (6,5 %), demonstrando pequena sobreposição entre as dietas preferidas por estas espécies. Estas duas espécies e Marmosa paraguayana não apresentaram sobreposição da dieta entre si. Resumidamente, os testes de preferência alimentar demonstram que a escolha alimentar em cativeiro é comparável à dos animais em seu ambiente natural (Rodgers & Lewis, 1986; Périssé et al., 1988; Périssé et al., 1989). A preferência alimentar de animais nascidos em cativeiro e dos nascidos no campo é altamente correlacionada, o que indica a existência de fatores característicos de cada espécie na preferência alimentar (Stoddart, 1979). Desta forma, estes testes podem ser utilizados como modelos experimentais, a fim de se estimar a estrutura trófica de comunidades de marsupiais e pequenos mamíferos em geral. Além disso, as espécies sobre as quais não se têm informação alguma sobre seus hábitos ECOLOGIA
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alimentares podem ser estudadas, obtendo-se com estes testes um esboço dos seus hábitos alimentares em termos das categorias de alimentos utilizados. Conteúdo nutricional da dieta O consumo relativo de proteínas, lipídios, carboidratos e fibras dos alimentos consumidos em experimentos de preferência alimentar, utilizando o método de Périssé et al. (1989), foi quantificado por Astúa de Moraes et al. (2003). Tal estudo envolveu 12 espécies de marsupiais didelfídeos e procurou relacionar o consumo de nutrientes aos hábitos alimentares dos taxa estabelecidos através dos métodos convencionais. A hipótese do estudo foi a de que espécies mais carnívoras deveriam apresentar um maior consumo relativo de proteínas e baixo consumo de carboidratos, e as mais frugívoras apresentariam um padrão oposto. Os táxons onívoros ficariam em uma posição intermediária em cada eixo representado pelos respectivos nutrientes. As espécies estudadas foram: C. philander, C. minimus, D. albiventris, D. aurita, G. agilis, L. crassicaudata, Marmosops incanus, Metachirus nudicaudatus, Marmosa paraguayana, Monodelphis americana, M. domestica e P. frenatus. Conforme o esperado, C. philander, a espécie mais frugívora, foi a que apresentou a maior proporção relativa de carboidratos e menor de proteínas na dieta selecionada, seguido por M. paraguayana, G. agilis e M. incanus. As espécies mais carnívoras e/ou insetívoras - L. crassicaudata, C. minimus, M. nudicaudatus, M. domestica e P. frenatus – mostraram os mais altos consumos relativos de proteínas e mais baixos consumos de carboidratos nas suas dietas. As duas espécies do gênero Didelphis ocuparam posições intermediárias na utilização destes nutrientes. D. albiventris e M. domestica apresentaram a maior proporção relativa de lipídios, o que pode estar relacionado ao metabolismo da gordura para obtenção de água, já que são espécies de áreas mais secas, obtendo água a partir do metabolismo das gorduras. Desta forma, embora todos os taxa estudados sejam onívoros, no sentido de utilizarem alimentos de origem vegetal (frutos) e animal (artrópodes e vertebrados) em suas dietas no ambiente, alguns deles tendem mais à carnivoria enquanto que outros mais à frugivoria, formando um gradiente em relação aos alimentos utilizados. Por esta razão, as classificações mais usuais para os hábitos alimentares dos mamíferos são de difícil aplicação para os marsupiais didelfídeos, e deveriam ser usadas de modo relativo. O uso desta metodologia sugere também que as espécies de pequeno tamanho corporal (neste caso, M. paraguayana, G. agilis e M. incanus) possam, na verdade, apresentar uma proporção maior de frutos em suas dietas naturais e, portanto não serem tão estritamente insetívoras como sugerem os estudos de campo. Este consumo pode estar passando despercebido, devido ao fato de que muitas vezes as sementes dos frutos não são ingeridas (apenas a polpa é consumida). Portanto, os frutos podem ser altamente subestimados nas fezes (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988). Assim, o uso de experimentos de preferência alimentar em laboratório pode ajudar não somente a confirmar os dados de campo, como também podem sugerir diferenças ecológicas antes desconhecidas em decorrência de diversas limitações metodológicas.
Morfologia e Hábitos Alimentares Morfologia do trato digestivo A forma e o tamanho do trato gastrointestinal dos mamíferos geralmente estão associados aos tipos de alimentos utilizados. Através desta relação, as espécies exploram diferentes zonas adaptativas, meAlimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
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diadas pelas restrições impostas pela forma e tamanho do sistema de digestão dos alimentos e absorção de nutrientes. De uma maneira geral, os mamíferos frugívoros apresentam trato digestivo estruturalmente simples, com estômago unilocular, intestino delgado, ceco e cólon presentes (Hume, 1982). Diferentemente, o trato digestivo dos mamíferos folívoros é caracterizado pela presença de múltiplas câmaras de fermentação bacteriana de celulose e absorção de metabólitos no estômago, como nos fermentadores do trato digestivo anterior, ou no intestino grosso, no caso dos fermentadores do trato digestivo posterior (Chivers & Hladik, 1980). Os mamíferos onívoros incluem em sua dieta quantidades variáveis de material vegetal e animal. O trato gastrointestinal destas espécies apresenta o intestino delgado aumentado juntamente com o ceco e o cólon (Hume, 1999). Os mamíferos que se alimentam de outros animais, sejam invertebrados ou vertebrados (faunívoros), possuem trato digestivo simples, sem a presença de divertículos ou regiões de fermentação, apresentando um estômago globular que pode ser bastante elástico e volumoso naquelas espécies que consomem presas grandes. O ceco é curto em forma de cone, podendo estar ausente nas formas mais especializadas. Os intestinos dos mamíferos faunívoros são relativamente curtos, comparado com os daqueles taxa que incluem porções maiores de vegetais na dieta (Chivers & Hladik, 1980; Chivers & Langer, 1994; Hume, 1999). Os marsupiais didelfídeos apresentam pouca variação morfológica nas porções do trato digestivo (Figura 2 A-J). Nesta família, o tubo digestivo segue o padrão básico dos mamíferos de hábitos alimentares não especializados, composto de um estômago unilocular grosseiramente reniforme ou globular (dependendo do volume do seu conteúdo), intestino delgado representando a maior proporção do trato gastrointestinal, um ceco vibriforme ou cônico e intestino grosso relativamente curto (Santori et al., 2004).
Figura 2. Trato digestório de marsupiais didelfídeos. Modificado de Santori et al. (2004), com autorização dos editores de Mammalia (Paris) [SANTORI, R. T.; DE MORAES, D. A.; CERQUEIRA, R. Comparative gross morphology of the digestive tract in ten Didelphidae marsupial species. Mammalia, v. 68, p. 27-36, 2004].
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As mudanças observadas na morfologia e no tamanho relativo das porções do tubo digestivo, entre as espécies mais estudadas, acompanham a variação da proporção de material vegetal e animal observadas nas suas dietas natural e experimental. A maior parte dos estudos da morfologia associada à alimentação nos marsupiais didelfídeos são descrições relacionando o tamanho relativo das porções digestivas com seus hábitos alimentares (Charles-Dominique et al., 1981; Santori et al., 1995b; Hume, 1999; Santori et al., 2004; Cáceres, 2005), ênfase que também será dada aqui. Os primeiros esquemas feitos do trato alimentar de Marmosa spp., Chironectes minimus e Philander opossum mostram características comuns entre os três táxons, um estômago simples, o intestino delgado e o cólon curtos e um ceco pequeno, porém distinto (Hume, 1999). Entretanto, pouco ainda se sabe sobre a anatomia e a fisiologia digestiva da maioria dos marsupiais neotropicais (Hume, 1982; Santori et al., 1995b; Foley et al., 2000). A maior fonte de variação na morfologia e no tamanho do trato digestivo desta família reside na parte posterior do trato digestivo (Figura 2 A-J), correspondendo à mesma variação encontrada quando se ordenam os táxons dos mais carnívoros para os mais frugívoros (Santori et al., 2004; Cáceres, 2005). Estômago O estômago dos marsupiais didelfídeos é simples, unilocular e aproximadamente reniforme com incisura angularis pouco profunda (Hume, 1982, 1999; Santori et al., 2004). Em C. philander e M. (Micoureus) demerarae (Figura 1F, H), o estômago é relativamente mais alongado (Charles-Dominique et al., 1981). A região cardíaca é ligeiramente mais estreita em D. albiventris e M. nudicaudatus e ampla em M. domestica e L. crassicaudata (Figura 1B, D, E, G). A região pilórica em D. albiventris e M. nudicaudatus é mais volumosa e a curvatura maior se estende além da abertura do esôfago (Figura 2B, E). O comprimento relativo do estômago é ligeiramente maior em P. frenatus do que nas duas espécies do gênero Didelphis, que são de tamanho intermediário. Esta característica do estômago de P. frenatus está provavelmente associada aos hábitos alimentares mais carnívoros desta espécie em relação à Didelphis (Santori et al., 1995b). Intestinos Os intestinos delgado e grosso em todas as espécies constituem-se em tubos simples de paredes lisas (Figura 2A-J), com exceção de C. philander (Figura 1F), que apresenta bolsas no cólon proximal (Charles-Dominique et al., 1981). Em todas as espécies, o intestino grosso apresenta maior calibre que o delgado. No caso de D. albiventris e C. philander, o maior desenvolvimento da região posterior do trato digestivo (Figura 2B, F), pode estar relacionado respectivamente com uma maior superfície de absorção de água a partir de uma dieta generalizada (Chivers & Hladik, 1980), e com um maior compartimento para fermentação de uma dieta mais frugívora ou mais rica em fibras vegetais (Charles-Dominique et al., 1981; Santori et al., 2004). Cáceres (2005) chama a atenção para o pequeno tamanho do intestino grosso de Monodelphis sorex (= M. dimidiata), relacionando esta característica a uma dieta composta predominantemente por matéria animal. Ceco Apresenta uma aparência vibriforme ou cônica simples em todas as espécies (Figura 2F). Em C. philander há uma maior variação na forma deste órgão, que é ligeiramente espiralizada, ampla e formanAlimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
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do bolsas nas proximidades da junção íleo-cólico-cecal (Charles-Dominique et al., 1981; Hume, 1982, 1999; Santori et al., 2004). O grande comprimento do ceco de M. nudicaudatus (Figura 1E) o distingue das demais espécies, o que parece ainda obscuro, pois suasua dieta é principalmente insetívora (Santori et al., 2004). Além da absorção de água e eletrólitos, existe a hipótese de que o ceco de M. nudicaudatus poderia atuar metabolizando grandes volumes de quitina (Cáceres, 2005). Através das informações apresentadas, observa-se a dificuldade em se predizer a dieta dos didelfídeos a partir da morfologia digestiva. Desta forma, P. frenatus apresenta um maior comprimento do estômago relacionado a uma maior eficiência digestiva sobre dietas protéicas (Santori et al., 1995b). O tamanho do intestino grosso de Didelphis está relacionado com uma dieta mais generalizada (Hume, 1982; Santori et al., 1995a; Hume, 1999). E assim como C. lanatus, C. philander é a espécie que apresenta a mais forte associação entre o tamanho e a forma do trato digestivo e os hábitos alimentares (Santori et al., 2004; Cáceres, 2005). Isto ocorre por causa do grande desenvolvimento do intestino grosso e da forma mais complexa do ceco (Charles-Dominique et al., 1981; Hume, 1999). Ambas as características estão fortemente associadas a uma dieta mais frugívora. O ceco de M. nudicaudatus destaca-se mais pelo tamanho do que pela forma (Cáceres, 2005). Um ceco maior em insetívoros proporciona uma maior absorção de água a partir da dieta (Anderson et al., 1992). Didelphis aurita e D. albiventris, M. demerarae, M. incanus, L. crassicaudata e M. domestica apresentam semelhanças na relação entre o comprimento de cada porção digestiva e o comprimento total do trato digestivo (Santori et al., 2004). Entretanto, pode haver diferenças na eficiência digestiva detectáveis somente através de estudos anatômicos e fisiológicos mais refinados (e.g. Foley et al., 2000). Ecomorfologia do crânio e do aparelho mastigador A morfologia do sistema mastigatório dos mamíferos é resultante da seleção para funções muitas vezes conflitantes, como retenção e mastigação de alimento, vocalização, respiração e comportamento agonístico (Herring & Herring, 1974). Ainda assim, pode-se observar uma correlação estreita entre esta morfologia (osteologia e miologia) e os hábitos alimentares (Turnbull, 1970; Smith, 1993). De um modo geral, carnívoros caracterizam-se por um processo coronóide e uma crista sagital bem desenvolvidos, proporcionando um maior volume e maiores áreas de origem e inserção do músculo temporal, responsável pelo componente horizontal da mordida, e também importante para evitar o deslocamento anterior da mandíbula devido à resistência da presa. Os herbívoros, ao contrário, apresentam um processo coronóide reduzido, e um processo angular muito desenvolvido, aumentando a eficiência do músculo masséter (responsável pelo componente vertical da mordida), que é muito desenvolvido e permitindo uma oclusão simultânea dos molares (Maynard-Smith & Savage, 1959; Turnbull, 1970; Greaves, 1995). Os marsupiais didelfídeos caracterizam-se por uma morfologia bucal não especializada, apesar de se assemelharem mais a carnívoros do que a herbívoros (Turnbull, 1970). Estudos sobre a musculatura bucal de didelfídeos limitam-se a poucas espécies, em especial Didelphis virginiana e Monodelphis domestica (Hiiemäe & Jenkins, 1969; Turnbull, 1970; Smith, 1994). Em L. crassicaudata, a musculatura bucal apresenta características anatômicas que reforçam a hipótese de que se trata de um caçador eficiente e com maior força de mordida (Delupi et al., 1997). As demais espécies permanecem mal conhecidas do ponto de vista da musculatura bucal e craniana. ECOLOGIA
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Assim como foi dito para a morfologia digestiva, trata-se de um grupo que apresenta um padrão básico semelhante na morfologia craniana, na qual também podem ser observadas algumas diferenças na forma do crânio e da mandíbula relacionadas aos hábitos alimentares das espécies. Nos seis gêneros de maior tamanho corporal, é possível distinguir características próprias e, em certos casos, relacioná-las com os conhecimentos prévios sobre seus hábitos alimentares (Astúa de Moraes, 1998; Astúa de Moraes et al., 2000). Lutreolina crassicaudata é a espécie na qual a morfologia craniana parece estar intimamente relacionada ao seu hábito alimentar mais carnívoro. Nesta espécie há um aumento da fossa temporal e um processo coronóide mais largo, permitindo maior volume do temporal e, sobretudo, um encurtamento marcado do rostro, característica recorrente em espécies carnívoras (Vieira & Astúa de Moraes, 2003). Esta configuração da morfologia permite reduzir as forças de torção quando da mordida assimétrica na altura dos caninos e diminui os raios de resistência nos dentes anteriores (Covey & Greaves, 1994; Astúa de Moraes et al., 2000). Metachirus nudicaudatus apresenta uma série molar proporcionalmente mais alongada que as demais espécies, encontradas nas espécies insetívoras, o que permite aumentar a superfície de trituração (Astúa de Moraes, 1998). Em C. philander, o maior desenvolvimento da fossa massetérica do processo coronóide pode estar relacionado a um maior desenvolvimento do músculo masséter, como foi observado para C. derbianus em comparação a outros didelfídeos (Medellín, 1991). Do mesmo modo, a inflexão medial incompleta do processo angular, que ocorre em Caluromys (Sánchez-Villagra & Smith, 1997) se reflete, em projeção lateral, em um aumento da distância entre o côndilo articular e o processo angular, o que pode aumentar a eficiência do masséter (Maynard-Smith & Savage, 1959; Astúa de Moraes et al., 2000). Um volume proporcional do masséter maior em C. minimus já foi também relacionado a um consumo preferencial de crustáceos e moluscos (alimentos duros) a peixes (Medellín, 1991). Já em espécies filogeneticamente mais próximas, como P. frenatus e D. aurita, as diferenças na morfologia craniana (Astúa de Moraes, 1998) e na musculatura (Medellín, 1991) são menos marcadas. Até o momento as informações produzidas nos estudos de campo não foram suficientes para definir isoladamente os hábitos alimentares de várias espécies de didelfídeos, como M. nudicaudatus, C. irrupta e as diversas espécies de menor tamanho. Já foi sugerido que as características cranianas de C. irrupta devem-se a uma grande força de mordida (Izor & Pine, 1987), não associada a um comportamento nectarívoro (contra Janson et al., 1981). Tal afirmação baseia-se na pronunciada crista sagital, robustez e forma do arco zigomático, além do rostro mais curto do que em Caluromys e da mandíbula mais profunda, com ramo ascendente mais largo e ereto. Mesmo para as espécies mais estudadas até o momento, como as do gênero Didelphis e Philander, será necessário um aprofundamento desses estudos para que outras perguntas possam ser respondidas. Entretanto, através dos diferentes tipos de estudo, nos quais os hábitos alimentares dos marsupiais didelfídeos foram analisados, evidencia-se o que parece ser uma tendência, ou seja, a da distribuição das espécies em um gradiente de onivoria, que se distribuídas espécies mais carnívoras até as mais frugívoras, passando pelas mais onívoras, situadas em posição intermediária.
Agradecimentos Somos especialmente gratos ao Dr. Rui Cerqueira, pela orientação em todos os trabalhos que realizamos, e que compilados permitiram a redação deste capítulo, e a todos os colegas do Laboratório de Vertebrados/UFRJ pela ajuda nas diversas etapas dos estudos que o compõem. À Dra. Lena Geise pela Alimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
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revisão do manuscrito. A ajuda de Paula Soares Pinheiro foi essencial na compilação dos dados de alimentação na natureza. Este trabalho e aqueles produzidos no Laboratório de Vertebrados, posteriormente pelos autores em seus respectivos Laboratórios, e que foram citados neste capítulo foram financiados por diversos auxílios da CAPES, CNPq, CEPG/UFRJ, FAPEMIG, FAPERJ, FACEPE, FINEP, PIE/CNPq, e PROBIO aos autores e ao Laboratório de Vertebrados/UFRJ.
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ECOLOGIA
406 Alimentação, nutrição e adaptações alimentares de marsupiais brasileiros
CAPÍTULO 19
O Papel de Marsupiais na Dispersão de Sementes Nilton C. Cáceres* Leonardo G. Lessa** Abstract: THE ROLE OF MARSUPIALS ON SEED DISPERSAL. Seed dispersal of flesh fruits has been attributed mostly to birds and placentary mammals such as bats and monkeys. However, Neotropical marsupials have also shown an important role on this subject, especially those that are frugivorous (such as Caluromys) or frugivore-omnivorous (such as Didelphis and Marmosa). Even juvenile opossums are able to disperse seeds, as has been reported for Didelphis albiventris and Metachirus nudicaudatus. Quantities of seeds in a scat may vary greatly from small amounts to more than 5000 seeds, and are related to marsupial’s body size and seed size. Seed size may also limit the ingestion, with some large seeds being discarded after pulp consumption. Nonetheless, there is a general trend for some marsupials to disperse seeds of pioneer, or secondary plants, which can stay in the soil seed bank for a long time before germination. In a conservation view, habitat generalist marsupials such as Didelphis can disperse seeds in different microhabitats, increasing the chances of colonizing and shadow-tolerant seeds to find an adequate site for germination. Marsupials as well as other vertebrates save seeds from seed predators that are abundant on, or near, fruiting plants, transporting seeds far away. Dung beetles and ants bury most marsupial scats containing seeds, acting as post dispersal agents and aiding the formation of seed banks. Methods for assessing marsupial seed dispersal are reviewed, such as stomach content, fecal analysis, and direct observation in the field. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Departamento de Biologia, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, 97110-970, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
*
** Laboratório de Ecologia, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Campus II. Diamantina, MG, 39100-000, Brasil.
O papel de marsupiais na dispersão de sementes
407 ECOLOGIA
Introdução Entre as interações animal-planta, a zoocoria ou dispersão de sementes por animais é uma das mais disseminadas no reino vegetal, apresentando diversos exemplos mutualísticos de dispersão, como por aves, morcegos e primatas (Smythe, 1970; Charles-Dominique et al., 1981; van der Pijl, 1982; Gautier-Hion et al., 1985; Charles-Dominique, 1986; Howe & Westley, 1986; Gorchov et al., 1993). Algumas espécies de plantas são adaptadas à dispersão por tipos específicos de animais. Como exemplo, há mamíferos de grande porte dispersando grandes sementes drupáceas (Gautier-Hion et al., 1985), morcegos filostomídeos dispersando sementes de Piper (Fleming, 1985), certas aves e marsupiais dispersando ervas-de-passarinho (Davidar, 1987; Camargo et al., 2011) e lagartos dispersando cactáceas (Figueira et al., 1994). As necessidades mínimas para uma efetiva dispersão de sementes por animais são: primeiro, o animal não danifica as sementes do fruto quando o consome; segundo, o animal transporta as sementes para longe da planta-mãe; e terceiro, o animal deposita essas sementes em sítios com grande probabilidade de germinação (Schupp, 1993). Por outro lado, muitas espécies de plantas que produzem frutos comestíveis não são claramente adaptadas a tipos específicos de animais para sua dispersão, mas, de preferência, parecem utilizar a dispersão animal de maneira mais generalista, resultando em uma evolução difusa entre animais e plantas (Janzen, 1980). No entanto, a falta de uma forte conexão evolucionária entre plantas e seus dispersores não diminui a importância dos dispersores de sementes. No Brasil, os marsupiais fazem parte de uma rica fauna de pequenos mamíferos apresentando hoje 56 espécies (ver Introdução) e, em sua maioria, são onívoros e eventualmente frugívoros, podendo atuar como potenciais dispersores de sementes (Charles-Dominique et al., 1981; Cordero & Nicolas, 1987; Atramentowicz, 1988; Monteiro-Filho & Dias, 1990; Leite et al., 1994; Medellín, 1994; Santori et al., 1995, 1997; Carvalho et al., 1999; Grelle & Garcia, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2000, 2001; Cáceres et al., 2002; Lessa & Costa, 2010; Cantor et al., 2011). Apesar de nas últimas décadas inúmeros estudos terem revelado a importância de marsupiais didelfídeos como dispersores de sementes, a maior parte das informações provém de estudos realizados na Mata Atlântica e algumas fitofisionomias do Cerrado (Lessa & Geise, 2010). Muitos dos marsupiais são simpátricos em várias regiões e cerca de 33% das espécies de marsupiais didelfídeos brasileiros têm sua área de distribuição abrangendo pelo menos dois biomas (Lessa & Costa, 2010). Podem ocorrer geralmente de 5 a 10 espécies em uma mesma região, considerando-se apenas florestas primárias e secundárias (Emmons & Feer, 1997; Julien-Laferrière, 1991; Bergallo, 1994; Fleck & Harder, 1995), e esse fato é relevante quando se considera a chuva de sementes que podem prover para a floresta. Muitos dos frutos consumidos por marsupiais apresentam características associadas à dispersão por outros grupos de vertebrados como aves (frutos coloridos) ou morcegos (frutos de cores crípticas e posicionados no final dos ramos para facilitar que sejam apanhados durante o voo). Se os marsupiais também são importantes dispersores, então deve ser dada, a esses mamíferos metatérios, importância equivalente a que é dada às aves e morcegos no que concerne à eficiência na dispersão de sementes. Tendo em vista tais considerações, serão examinados neste capítulo os papéis de marsupiais brasileiros como dispersores de sementes, no que se refere ao seu grau de frugivoria, à quantidade e viabilidade das sementes ingeridas, às distâncias de dispersão e qualidade dos locais de deposição das sementes, entre outros aspectos relevantes. ECOLOGIA
408 O papel de marsupiais na dispersão de sementes
Frugivoria em Marsupiais Brasileiros A frugivoria está diretamente relacionada à dispersão de sementes por animais, como no caso dos generalistas que consomem muitas espécies de frutos com baixo valor energético, ou como os especialistas, que consomem poucas espécies de frutos, mas com maiores valores energéticos em alguns de seus componentes (Howe & Westley, 1986; Howe, 1993). Os marsupiais neotropicais consomem frutos pertencentes a pelo menos 34 famílias de plantas, principalmente bagáceos ou drupáceos, com destaque para as famílias Solanaceae, Araceae, Urticaceae, Melastomataceae e Moraceae (Cáceres, 2006). No Cerrado, frutos pertencentes às famílias Melastomataceae, Myrtaceae, Passifloraceae, Rubiaceae, Santalaceae, Solanaceae e Cactaceae são os mais consumidos (Martins et al. 2006; Lessa & Costa, 2010; Camargo et al., 2011). Entre todos os gêneros de marsupiais didelfídeos, Caluromys é considerado como o mais frugívoro (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988; Leite et al., 1996; Carvalho et al., 1999; Cáceres & Carmignotto, 2006; Casella & Cáceres, 2006), consumindo dezenas de espécies de frutos, sem mencionar outras espécies das quais consomem o néctar e a seiva, mostrando ser um frugívoro generalista (Julien-Laferrière, 1999). Por ter ocorrência próxima a grandes centros urbanos e no litoral leste, C. philander é uma das espécies melhor conhecidas em termos de dieta (Santori & Astúa, Capítulo XX). Algo que em parte explica a dieta predominantemente frugívora em Caluromys é seu hábito arborícola (Cáceres & Carmignotto, 2006), embora se alimente também de insetos em proporções variadas (Carvalho et al., 1999; Lessa & Costa, 2010). As espécies de marsupiais que podem ser consideradas frugívoro-onívoras (generalistas, mas com maior tendência ao consumo de frutos) são principalmente as espécies de Didelphis (Stallings, 1989; Santori et al., 1995; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001, 2007; Cáceres, 2002; Cantor et al., 2011; Paglia et al., 2012), embora as espécies de cuícas dos gêneros Lutreolina, Marmosa, Gracilinanus e até mesmo Metachirus possam apresentar expressiva quantidade de frutos em suas dietas (Charles-Dominique et al., 1981; Monteiro-Filho & Dias, 1990; Vieira & Izar, 1999; Cáceres et al., 2002; Cáceres, 2004; Caravalho et al., 1999; Bocchiglieri et al., 2010; Lessa & Costa, 2010; Camargo et al., 2011; Casella, 2011). Os gambás apresentam composições variadas de frutos em suas dietas, como por exemplo 31 espécies registradas para D. aurita e 21 para D. albiventris (Cáceres, 2006), mas certamente esses números estão subestimados. Embora com algum registro de consumo de frutos, espécies como Metachirus nudicaudatus são consideradas como predominantemente insetívoras (Santori et al., 1995; Cáceres, 2004). Mesmo a catita-de-cauda-curta, Monodelphis dimidiata, espécie também considerada como predominantemente insetívora, dois indivíduos foram capturados utilizando-se tomates silvestres (Cyphomandra corymbiflora) ou banana como isca (N.C. Cáceres, obs. pes.), sendo que outros indivíduos foram registrados com sementes de Cecropia pachystachya em seus tubos digestivos (Casella & Cáceres, 2006). Até recentemente, a maior parte das informações sobre o papel dos marsupiais didelfídeos como potenciais dispersores de sementes tem se restringido a áreas de Floresta Atlântica e Cerrado (Lessa & Geise, 2010). Muito há que se aprender sobre a frugivoria por marsupiais brasileiros, e sua consequente dispersão de sementes, à medida que estudos mais detalhados sobre sua dieta forem sendo realizados nas diferentes vegetações do Brasil. Esse é o exemplo da cuíca Marmosa paraguayana que foi caracterizada previamente como sendo insetívoro-onívora (Leite et al., 1994), mas estudos posteriores têm mostrado evidências de uma dieta mais frugívoro-onívora em Floresta Atlântica (Carvalho et al., 1999; Cáceres O papel de marsupiais na dispersão de sementes
409 ECOLOGIA
et al., 2002; Pinheiro et al., 2002; Casella & Cáceres, 2006; Fernandez et al., 2006) e mais insetívoro-onívora no Cerrado (Lessa & Costa, 2010).
Sazonalidade na Dispersão de Sementes Vários estudos têm mostrado que a maioria das espécies de plantas zoocóricas na região neotropical frutifica durante a estação mais úmida e quente do ano, compreendendo a primavera e o verão (Smythe, 1970; Charles-Dominique et al., 1981; Mantovani & Martins, 1988; Galleti & Aleixo, 1998; Cáceres et al., 1999). Como muitas espécies de marsupiais didelfídeos podem ser generalistas quanto ao consumo de frutos, em florestas densas ou mistas eles os consomem de forma oportunista durante a estação úmida (Charles-Dominique et al., 1981; Cáceres & Monteiro-Filho, 1999, 2001; Cáceres, 2002; Pinheiro et al., 2002; Fernandez et al., 2006), muito embora um razoável número de espécies possa ser consumido durante a estação seca, principalmente na Floresta Atlântica (Casella, 2011) onde a sazonalidade não é tão marcada (Morellato et al., 2000). Em ambientes altamente sazonais como no Cerrado, um maior consumo de frutos durante a estação seca pode ser importante como fonte de água e açúcares (Camargo et al., 2011). Com relação às plantas, a dispersão de seus propágulos durante a estação úmida é mais adequada para que as plântulas tenham tempo de se estabelecerem e desenvolverem até o início da estação com maior déficit de água (Charles-Dominique et al., 1981; Garwood, 1983). Semelhantemente em marsupiais (e em mamíferos placentários), a seleção natural agiu de maneira que os filhotes alcançassem a independência da mãe durante a estação com maior disponibilidade de recursos (estação úmida). Por outro lado, é sabido que tanto filhotes quanto adultos, durante a estação seca, perdem peso em um claro sinal de que não encontram recursos abundantes nesta época (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1982; Sunquist & Eisenberg, 1993; Cáceres & Monteiro-Filho, 1999). Os jovens de várias espécies de marsupiais, em maior abundância durante a estação úmida, ingerem grandes quantidades de frutos (Julien-Laferrière & Atramentowicz, 1990; Cáceres, 2002, 2004; Casella, 2011), dispersando uma grande quantidade de sementes (Medellín, 1994; Cáceres et al., 1999). Muitas espécies de frutos zoocóricos apresentam um longo período de frutificação durante o ano, com poucos frutos maduros disponíveis diariamente, como é o caso de Cecropia, Ficus e alguns Solanum (Charles-Dominique et al., 1981; Cáceres et al., 1999; Cáceres & Moura, 2003), os quais são consumidos por várias espécies de marsupiais didelfídeos (e.g. Carvalho et al., 1999; Cáceres, 2002, 2004; Casella, 2011). Por outro lado, algumas espécies de marsupiais como D. aurita se mostram oportunistas consumindo frutos à medida que estão disponíveis (Cáceres, 2003) e de maneira sequencial ao longo do tempo (Cáceres et al., 1999). Tais estratégias das plantas com período mais prolongado de frutificação evitam a competição por dispersores entre elas, apresentando picos de frutificação em épocas diferentes durante a estação mais favorável do ano para a dispersão de sementes (Charles-Dominique et al., 1981).
Síndromes de Dispersão Os marsupiais são atraídos por frutos que apresentam características comuns a mais de uma síndrome de dispersão, em particular duas amplamente reconhecidas, a quiropterocoria e a ornitocoria (van der Pijl, 1982). Os frutos quiropterocóricos, de coloração críptica (como de cor verde), parecem ser os preferidos pela maioria dos marsupiais como Caluromys, Didelphis, Gracilinanus, Marmosops e Philander (AtraECOLOGIA
410 O papel de marsupiais na dispersão de sementes
mentowicz, 1988; Cantor et al., 2010; Lessa & Costa, 2010; Camargo et al., 2011), embora esta relação não seja sempre clara (Julien-Laferrière, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2000). No entanto, frutos ornitocóricos, de cores brilhantes e vistosas, como o vermelho e o amarelo, característicos de aráceas e rubiáceas, são também consumidos, principalmente por espécies arborícolas como Caluromys, Marmosa e Gracilinanus (Julien-Laferrière, 1999; Vieira & Izar, 1999; Lessa & Costa, 2010), embora tais frutos sejam também consumidos por espécies mais terrícolas como Metachirus nudicaudatus e Philander frenatus (Cáceres, 2004). Possivelmente essa tendência de consumo de espécies com certas características atrativas, como espécies da conhecida síndrome de morcegos, esteja relacionado ao fato de que a maioria dos estudos feitos até então se concentra em áreas de menor tamanho e, por conseguinte, com maior grau de perturbação e efeito de borda. Como exemplo, estudos sobre a frugivoria de marsupiais arborícolas amazônicos devem mostrar padrões diversos dos resultados encontrados no leste do Brasil, onde a fragmentação de habitats tem atuado severamente. Os marsupiais são animais essencialmente noturnos que forrageiam utilizando-se principalmente do olfato (Atramentowicz, 1988) e irão consumir preferencialmente aqueles frutos que possuem um cheiro atrativo, aumentando as chances de serem encontrados. Alguns desses frutos apresentam sementes diminutas podendo ser de plantas secundárias ou pioneiras, as quais geralmente alcançam maiores abundâncias em ambientes em regeneração (Charles-Dominique et al., 1981; Charles-Dominique, 1983; Fonseca, 1989; Julien-Laferrière, 1991; Carvalho et al., 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2000, 2007; Cáceres, 2002). Na realidade, uma parte dos marsupiais didelfídeos parece não se encaixar exclusivamente em nenhuma síndrome de dispersão reconhecida. Melhor do que estipular uma síndrome característica para marsupiais didelfídeos brasileiros é dizer que esses animais, devido ao seu hábito generalista e oportunista (e.g. Julien-Laferrière, 1999; Cáceres et al., 1999), são generalistas quanto à frugivoria, consumindo e dispersando sementes de frutos disponíveis no ambiente, sem relação com uma síndrome propriamente dita. No entanto, estudos recentes apontam para o fato de que algumas espécies de marsupiais, como Marmosops paulensis e Gracilinanus agilis, selecionam certos tipos de fruto para o consumo (Leiner & Silva, 2007; Camargo et al., 2011). Futuramente, com mais estudos sobre o tema, talvez pudéssemos estabelecer uma tendência para o consumo e dispersão de sementes por esse grupo marsupial, relacionada à interação que marsupiais terrícolas e arborícolas podem ter com as plantas zoocóricas.
Tamanho e Quantidade de Sementes Ingeridas O tamanho da semente pode interferir na probabilidade de dispersão por um animal. Tanto marsupiais de grande tamanho corporal, como Didelphis, quanto de pequeno tamanho, como Marmosa (subgênero Micoureus), são capazes de dispersar sementes pequenas (< 5 mm) endozoocoricamente (Figura 1). Este é o caso de sementes de Piper, Ficus, Solanum, Cecropia, Miconia, entre outras. No entanto, apenas os marsupiais maiores em tamanho são capazes de ingerir e dispersar grandes sementes, ao passo que os pequenos marsupiais, após o consumo da polpa, geralmente deixam-nas no próprio local em que foram apanhadas (Charles-Dominique et al., 1981; Santori, 1995; Lessa & Costa, 2010). Este caso pode ser exemplificado pelo comportamento de manipulação e consumo dos frutos da palmeira Syagrus romanzoffiana em que apenas as fibras que envolvem as sementes são encontradas nas fezes de marsupiais (inclusive Didelphis), sendo as sementes deixadas no local onde foram encontradas. Na realidade, gambás como D. albiventris dispersam sementes grandes por até 7 metros de distância da planta-mãe, como as da palmeira Attalea oleifera (Pimentel & Tabarelli, 2004). Outros mamíferos frugívoros de maior tamanho O papel de marsupiais na dispersão de sementes
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Figura 1. Sementes de espécies consumidas e dispersadas em fezes de Didelphis aurita em floresta ombrófila mista próximo a meio urbano. Escala de 1 mm é válida apenas para as sementes 7 e 8; as demais são referentes a escala de 5 mm. Espécies: 1. Solanum granuloso-leprosum; 2. S. swartzianum; 3. S. sanctae-catharinae; 4. S. maioranthum; 5. Cyphomandra corymbiflora; 6. Acnistus breviflorus; 7. Piper gaudichadianum; 8. Rubus rosefolius; 9. Hovenia dulcis; 10. Asterostigma lividum; 11. Passiflora actinia; 12. Psidium guajava; 13. Morus nigra; 14. Melothria cucumis.
corporal, como o cachorro-do-mato Cerdocyon thous, o quati Nasua nasua e a anta Tapirus terrestris são conhecidos por ingerir os frutos de S. romanzoffiana, sendo as sementes encontradas inteiras nas fezes e certamente dispersadas a maiores distâncias (Motta-Júnior et al., 1994; Quadros & Cáceres, 2001; Roman et al., 2010). O tamanho do marsupial pode também influenciar na quantidade das sementes ingeridas. Isso é regulado pelos requerimentos energéticos que cada espécie possui e que estão relacionados diretamente à sua massa corporal (Julien-Laferrière, 1999), além do tamanho da semente e de quantas sementes há regularmente em um fruto. Portanto, animais maiores irão necessitar de maior número de frutos para satisfazerem suas necessidades metabólicas, ao passo que animais menores em tamanho irão consumir menos frutos. Consequentemente, tendo como base os hábitos alimentares similares e a simpatria dos marsupiais (onde há maior probabilidade de consumo dos mesmos frutos), os maiores irão consumir e dispersar maior número de sementes, como ocorre no caso de Lutreolina crassicaudata (500 g de massa corporal) e Marmosa paraguayana (100 g) que vivem simpatricamente no sul do Brasil (Cáceres et al., ECOLOGIA
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2002) e no caso de Didelphis marsupialis (1200 g) e Philander opossum (350 g), no sul do México (Medellín, 1994). Também são exemplos os seguintes casos: Didelphis aurita (1200 g) com 1025 sementes (Philodendron cf. imbe) no total consumido, D. albiventris (1500 g) com 565 sementes (Morus nigra), L. crassicaudata (500 g) com 731 e 725 sementes (Ficus sp. e Cecropia glaziovii), P. frenatus (360 g) com 296 (Monstera adansonii) e M. demerarae (100 g) com 189 e 117 (Piper sp. e C. glaziovii), todos em uma única amostra fecal (Cáceres, 2002, 2004; Cáceres et al., 2002). Os marsupiais maiores em tamanho são capazes de totalizar de 1000 a 10000 sementes de uma única espécie em uma ou poucas fezes (Piper como exemplo), o que depende também do tamanho da semente e de sua disponibilidade no ambiente. Assim, a chuva de sementes que determinadas espécies de marsupiais são capazes de fazer no ambiente é potencialmente grande (Medellín, 1994), visto que são animais normalmente oportunistas consumindo o recurso enquanto esse estiver em disponibilidade. Se for um marsupial especialista, a chuva de semente será mais intensa ainda, só que concentrada em poucas espécies de frutos. Uma vez tendo consumido os frutos disponíveis, um marsupial didelfídeo como um gambá pode depositar essas sementes de maneira gradual no ambiente e não de uma só vez (N.C. Cáceres, dados não publicados), distribuindo as sementes por diversos pontos em sua área de vida (Cáceres et al., 1999).
Tempo de Passagem das Sementes pelo Tubo Digestivo O tempo de passagem do alimento pelo trato digestivo de mamíferos, como no de carnívoros, tem sido bem estudado (Harlow, 1981; Foley et al., 1995; Carss et al., 1998; Carter et al., 1999), mas uma menor parcela trata especificamente da passagem de sementes visando a dispersão. É sabido que certos morcegos filostomídeos apresentam uma rápida passagem de sementes pelo tubo digestivo (1 a 2 h). Devido a isto, aliado a outros fatores como o voo até os poleiros onde se alimentam, podem fazer uma dispersão de sementes não-aleatória (Fleming & Heithaus, 1981). Os marsupiais didelfídeos parecem exibir um mecanismo de digestão mais lento, com o alimento levando em torno de 24 h para passar pelo seu trato digestivo (Foley et al., 2000; N.C. Cáceres, dados não publicados). Porém, dependendo do tipo de fruto ingerido, uma parcela das sementes pode ser defecada ainda na mesma noite do consumo. A partir do princípio de que este tempo de trânsito não danifica as sementes no tubo digestivo (Grelle & Garcia, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2000, 2007; Cáceres, 2002, 2004), os marsupiais podem levá-las a pequenas ou grandes distâncias a partir da planta-mãe, dependendo do ritmo de movimentação que realizam; esse ritmo pode ser ditado pelo tamanho corporal e características do uso do habitat pela espécie (Gentile & Cerqueira, 1995; Capítulo XY e XZ, Marcus Vieira e Uso do Espaço).
Sítios de Deposição de Sementes Os marsupiais não utilizam suas áreas de vida homogeneamente (Fitch & Shirer, 1970; Julien-Laferrière, 1995; Capítulo XX – Uso do espaço), havendo certos locais em que frequentam mais regularmente do que outros. Normalmente, esses animais deslocam-se principalmente de uma fonte de alimento (como uma fruteira) para outra, destas últimas para sua toca (e vice-versa), ou deslocam-se em busca parceiros na época de acasalamentos. Quando amamentam os filhotes na toca, sempre retornam no final de suas atividades (Hossler et al., 1994). Há outros movimentos menos previsíveis em que o animal assume um deslocamento exploratório após ter esgotado sua última fonte de alimento. De qualquer modo, eles podem realizar uma dispersão não-aleatória de sementes, como certos morcegos fazem (Fleming & Heithaus, O papel de marsupiais na dispersão de sementes
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1981). Marsupiais como Didelphis são mais generalistas quanto à ocupação de ambientes, podendo se deslocar freqüentemente em bordas e clareiras na floresta, onde buscam frutos de plantas disponíveis nesses sítios (Julien-Laferrière et al., 1989; Medellín, 1994; Cáceres et al., 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2001; Cantor et al., 2011). Assim, podem defecar sementes dessas plantas nos locais adequados a sua germinação, como no caso de Didelphis, que até mesmo em floresta primária aparentemente procura por frutos em clareiras naturais (Medellín, 1994). Os marsupiais didelfídeos não exploram somente espécies de plantas de hábitos pioneiros ou ruderais, mas podem também explorar frutos de espécies ombrófilas, como é exemplificado no comportamento alimentar do gambá-de-orelha-preta, D. aurita, e no da cuíca G. microtarsus. Fêmeas de D. aurita são mais dependentes de habitats florestais que machos da espécie e têm certa afinidade com cursos d’água que visitam frequentemente (Cáceres, 2003). Desse modo, devem auxiliar na dinâmica espacial de espécies de plantas ombrófilas, através da dispersão de suas sementes, como no caso de Passiflora actinia e aráceas (Vieira & Izar, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2007). Os marsupiais, ingerindo e dispersando sementes, carregam-nas para longe das plantas de origem, evitando que sejam predadas ali por roedores, formigas ou mesmo destruídas por fungos, conforme a hipótese de predação de Janzen (1970). As distâncias mínimas de dispersão de certas sementes, a partir das plantas matrizes, foram estimadas para Didelphis e Philander e provavelmente são adequadas para evitar tal fenômeno de predação (e.g. em média, distâncias mínimas entre 40 a 82 m dependendo da espécie de planta; Medellín, 1994; Cáceres et al., 1999).
Dispersão Secundária e Formação de Banco de Sementes A dispersão de uma semente nem sempre se efetiva quando é depositada em um determinado local, pois pode haver a ação de agentes pós-dispersores sobre a mesma ainda nas fezes. As sementes nas fezes podem ter vários destinos, como serem incorporadas no longo prazo ao banco de sementes do solo pela ação do intemperismo (como chuvas e ventos que ocasionam a queda de folhas), serem destruídas por predadores (como certos roedores), ou alcançarem o banco de sementes de maneira mais rápida pela ação de agentes pós-dispersores, como besouros coprófagos e formigas que as levam para túneis feitos no solo. Besouros coprófagos (adultos ou larvas) utilizam apenas os detritos das fezes para sua alimentação em câmaras subterrâneas (geralmente a profundidades de 1 a 15 cm), não danificando as sementes que foram enterradas. São conhecidos casos em que tais besouros favorecem a germinação de sementes encontradas nas fezes do quati Nasua narica e do macaco-aranha Ateles paniscus no México, através dessa dispersão secundária (Chapman, 1989; Estrada & Coates-Estrada, 1992). Entretanto, entre os marsupiais brasileiros, são conhecidas apenas algumas espécies de besouros que utilizam as fezes de Didelphis albiventris e D. aurita, enterrando-as ou transportando-as para outros locais. Desses últimos, destacam-se Dichotomius assifer como um escavador noturno, que constrói túneis no próprio local das fezes e as enterram ali; Coprophanaeus saphirinus também age como um escavador, porém diurno, e Eurysternus cyanescens que não transporta nem escava as fezes, permanecendo sob as mesmas em covas rasas. Os besouros roladores (chamados de transportadores, como Agamopus e Canthidium) são espécies menores que as citadas anteriormente e que incidem sobre fezes de gambás no sul do Brasil; eles rolam pequenos pedaços de fezes (que podem conter diminutas sementes) para longe do local de deposição, enterrando-as em covas rasas (Cáceres & Monteiro-Filho, 2006). ECOLOGIA
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Formigas do gênero Acromirmex também incidem sobre as fezes de Didelphis carregando para seus formigueiros pequenos fragmentos das mesmas, ou sementes que porventura estejam ali (Passiflora e Solanum) (Cáceres & Monteiro-Filho, 2006). A dispersão se concretiza quando algumas formigas deixam cair sementes pelo caminho ou levam-nas para locais propícios para germinação (Levey & Byrne, 1993). Dado que esses insetos coloniais são abundantes nas florestas tropicais, eles são muito importantes na dispersão secundária de sementes a partir de fezes de vários mamíferos, incluindo os marsupiais.
Viabilidade de Sementes Dispersadas e Dormência Em geral, as sementes que atravessam o trato digestivo de marsupiais didelfídeos são viáveis, resultado que foi observado por meio de experimentos de germinação (Monteiro-Filho & Dias, 1990; Grelle & Garcia, 1999; Cáceres & Monteiro-Filho, 2000, 2007; Cáceres, 2002, 2004; Cantor et al., 2010; Lessa e Costa, 2010; Camargo et al., 2011; Figura 2). Fatores diversos relacionados às características intrínsecas das plantas e dos marsupiais podem influenciar na resposta das sementes à passagem pelo trato digestório de potenciais dispersores, tais como 1) condições experimentais, 2) tamanho da semente, 3) tipo de quebra de dormência, e 4) táxon do dispersor (Travesset & Verdu, 2002; Cáceres & Monteiro-Filho, 2007; Staggemeier & Galetti, 2007; Cantor et al., 2010). Os marsupiais didelfídeos apresentam um comportamento de mastigação que parece não danificar as pequenas sementes (0,5 a 7,0 mm), ingerindo-as
Figura 2. Freqüências de germinação de sementes provenientes de frutos e de fezes de duas espécies de gambás, gênero Didelphis, em um fragmento com floresta ombrófila mista no sul do Brasil. Os experimentos foram realizados em ambiente com luz difusa, simulando uma clareira em floresta. Para S. granulosoleprosum e S. swartzianum não houve experimentos controle.
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principalmente intactas (Figura 1). No interior do tubo digestivo, a ação de ácidos gástricos normalmente parece não ser suficiente para danificá-las (e.g. Casella & Cáceres, 2006), embora um tempo de retenção muito longo possa reduzir ou inibir a viabilidade de algumas sementes (Murray et al., 1994; Cantor et al., 2010). Contudo, experimentos específicos que testem o quanto das sementes ingeridas permanecem intactas nas fezes desses marsupiais são necessários. Centenas ou milhares de sementes pequenas são possíveis de ocorrer em uma única amostra de fezes de um Didelphis ou Lutreolina, todas visivelmente intactas (Cáceres et al., 2002, 2009), mas não se sabe exatamente se foi esse mesmo montante o consumido pelos animais. Na hipótese dos marsupiais depositarem sementes em sítios impróprios para a germinação, como sementes de plantas pioneiras em ambiente de interior de floresta, essas podem apresentar dormência e aguardar por um longo período no banco de sementes até que ocorra a abertura de uma clareira natural (Cáceres, 2002; Cáceres & Monteiro-Filho, 2007). No entanto, os marsupiais de hábito florestal podem também dispersar sementes de espécies tolerantes à sombra, como ocorre para o maracujá Passiflora actinia, ou mesmo para espécies que não apresentam dormência e que germinam logo após a dispersão, como no caso de Piper gaudichaudianum e Leandra australis em floresta ombrófila mista (Cáceres & Monteiro-Filho, 2007) ou sementes de Clidemia urceolata e Psychotria capitata no Cerrado (Lessa & Costa, 2010).
Métodos e Perspectivas para a Área de Conhecimento Os marsupiais didelfídeos têm sido estudados quanto à dispersão de sementes principalmente por três tipos de métodos: 1) análise de conteúdo estomacal; 2) análise de fezes; e 3) observação direta. Todos estes métodos são eficazes dependendo do objetivo final do estudo, mas cada um tem suas limitações. A análise de conteúdo estomacal tem sido utilizada com marsupiais da Guiana Francesa (Charles-Dominique et al., 1981; Atramentowicz, 1988) e no Brasil (Casella & Cáceres, 2006; Talamoni et al., 2007; Pinotti et al., 2011) na detecção de várias espécies de frutos consumidos. As limitações deste método estão relacionadas: (1) à eventual necessidade do sacrifício do animal; e (2) relacionadas ao fato de que as sementes encontradas necessariamente não passaram pelo trato digestivo completamente e, portanto, não poderiam ser testadas quanto a sua viabilidade. No estudo da dispersão de sementes, a viabilidade é testada apenas quando as sementes passam por todo o trato digestivo dos animais. No entanto, é o método indicado para se estabelecer a dieta das espécies de marsupiais, pois os itens alimentares não se encontram tão digeridos e, portanto, são mais fáceis de serem identificados. A análise de fezes é o método mais utilizado por pesquisadores e o mais recomendado para o estudo da dispersão de sementes por marsupiais, já que são animais noturnos e esquivos. Além disso, a análise de fezes não requer o sacrifício do animal quando capturado. Porém, também tem suas limitações, como por exemplo o fato das amostras normalmente serem obtidas através de capturas em armadilhas, que é um método invasivo e que atrapalha o deslocamento natural do animal. Uma alternativa seria o uso de carretéis de linha sobre as costas do animal (ver Capítulo XX, Uso do Espaço) e a detecção das fezes seguindo o percurso do animal posteriormente (para tanto, principalmente para pequenas espécies de marsupiais, recomenda-se o uso de um tipo de pó fluorescente não tóxico que o animal ingira antes de ser solto, para facilitar encontrar as fezes posteriormente). A partir das sementes encontradas nas fezes, podem ser feitos testes de viabilidade de sementes, sejam de germinação em placas de Petri ou mesmo ECOLOGIA
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por meio do teste do tetrazólio, os quais apontam quais os percentuais de sementes vivas após passar completamente pelo trato digestivo. Também pode-se verificar quais os requerimentos físicos da semente para alcançar a germinação (ambientes de sombra, iluminados, etc.) ou mesmo testar se a passagem pelo trato digestivo aumenta ou diminui a viabilidade das sementes e as taxas de germinação, através de comparações com sementes coletadas diretamente de frutos maduros. Podem-se fazer experimentos em “in situ” também, para verificar como as sementes são tratadas no meio natural, através de experimentos de exclusão de agentes pós-dispersores. A observação direta de marsupiais didelfídeos tem sido pouco utilizada na determinação da dieta e dispersão de sementes, salvo estudos específicos com certas espécies. Esse método é o de maior dificuldade na execução devido à maioria dos marsupiais serem de hábito noturno, necessitando-se de equipamentos especiais de iluminação para a observação dos animais nas fruteiras, além de várias horas de observação durante a noite. Um exemplo, porém, quanto à polinização, é o estudo da cuíca-lanosa Caluromys lanatus no Brasil Central (Gribel, 1988). Um artefato que pode facilitar o trabalho é, sem dúvida, a radiotelemetria, através da qual se pode localizar o indivíduo marcado em plena atividade durante a noite (Julien-Laferrière, 1999). Durante as observações, pode-se quantificar o número de frutos consumidos ou o tempo gasto de cada indivíduo em uma fruteira. Tal método é principalmente utilizado na observação de vertebrados diurnos, como aves, primatas e ungulados. A identificação das espécies de plantas cujos frutos foram consumidos pode ser feita por comparação das sementes encontradas nas fezes com aquelas de plantas previamente conhecidas (de herbários, por exemplo, ou coleções de referência) ou pelo reconhecimento das partes vegetativas ou reprodutivas das plantas oriundas das sementes encontradas nas fezes após a sua germinação. No caso da observação direta, deve-se marcar a planta e coletar suas partes reprodutivas (flores, se houver) e não-reprodutivas e endereçá-las a especialistas para identificação. Evidentemente existem outros métodos para se verificar a dispersão por marsupiais, mas os tratados aqui são os básicos para o início de uma pesquisa com o grupo. A partir do conhecimento básico de quais espécies de frutos são consumidas por marsupiais, podem-se responder outras perguntas mais específicas que se relacionam à efetividade da dispersão realizada, como: qual a real importância de um marsupial na dispersão de sementes em relação a outros agentes dispersores como aves e morcegos? Estudos futuros no Brasil poderão responder essa pergunta, de âmbito geral, mas que pode ser desmembrada em muitas outras questões específicas. Cabe destacar aqui a falta de informação que se tem atualmente do papel de marsupiais na dispersão de sementes nas demais vegetações do Brasil além da Floresta Atlântica, como no Cerrado, Caatinga, Pantanal e Amazônia, que são ecossistemas distintos entre si, mas que muito têm a revelar em termos de dispersão de sementes por marsupiais e a manutenção das florestas, cerrados e campos.
Agradecimentos Agradecemos a Alexandra S. Pires pela valorosa revisão sobre o capítulo, e ao Dalton, da turma de ciências biológicas da UFPR (1990-1993) pela elaboração da Figura 1. NCC foi pesquisador e bolsista de pós-doutorado (PDE) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT) quando atualizou este capítulo. Parte dos dados apresentados por LGL teve financiamento da FAPEMIG (processos CRA 133-03 e APQ 01034-09). O papel de marsupiais na dispersão de sementes
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O papel de marsupiais na dispersão de sementes
421 ECOLOGIA
Apêndices
1) Cipocereus minensis (quiabo da lapa - Cactaceae): registro de sementes para Didelphis albiventris e Marmosops incanus (foto: L.G. Lessa).
2) Clidemia urceolata (pata choca – Melastomataceae): registro de sementes para Gracilinanus agilis, Gracilinanus microtarsus, Marmosops incanus, Marmosa paraguayana, Caluromys philander, Metachirus nudicaudatus e Didelphis albiventris (foto: L.G. Lessa).
ECOLOGIA
422 O papel de marsupiais na dispersão de sementes
3) Myrcia sp. (Myrtaceae): registro de sementes em amostras de Caluromys philander e Didelphis albiventris (foto: L.G. Lessa).
4) Solanum granulosoleprosum (Solanaceae): registro de sementes em amostras de Didelphis albiventris e Didelphis aurita (foto: N.C. Cáceres).
O papel de marsupiais na dispersão de sementes
423 ECOLOGIA
CONSERVAÇÃO
CAPÍTULO 20
Onze Anos de Estudo em uma Paisagem Fragmentada de Mata Atlântica: Avaliando as Características Biológicas que Explicam a Persistência de Marsupiais em Pequenos Fragmentos Fernando A.S. Fernandez1* Paula K. Lira1 Camila S. Barros1,2 Alexandra S. Pires1,3 Abstract ELEVEN YEARS OF STUDY AT A FRAGMENTED ATLANTIC FOREST LANDSCAPE: EVALUATING THE BIOLOGICAL FEATURES WHICH EXPLAIN MARSUPIALS’ PERSISTENCE IN SMALL FRAGMENTS. Studies on responses to fragmentation have suggested that to persist in small forest fragments animals should present biological features such as: tolerance to habitat edges; high population densities; small, overlapping home
* Laboratório de Ecologia e Conservação de Populações, Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, CP 68020, Ilha do Fundão. Rio de Janeiro, RJ, 21941-590, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
Endereço atual: Laboratório de Diversidade e Conservação de Mamíferos, Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo
**
*** Endereço atual: Laboratório de Estudo e Conservação de Florestas, Departamento de Ciências Ambientais, Instituto de Florestas, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
427 CONSERVAÇÃO
ranges; ability to use the matrix. We tested these predictions using data of a long-term (1995-2005) capture-mark-recapture and radiotracking study on marsupials in eight small (1.3-13.3 ha) Atlantic Forest fragments in Poço das Antas Biological Reserve, Rio de Janeiro state. Captures were also carried out at the matrix surrounding fragments and at a control grid in the Reserve’s main forest block. Trapping resulted in 1,916 captures of eight marsupials, five species had most captures (Marmosa paraguayana, Philander frenatus, Didelphis aurita, Caluromys philander, and Metachirus nudicaudatus). Sixteen individuals of three species (P. frenatus, M. paraguayana and C. philander) were radiotracked. The most abundant species (1) were either tolerant or more common at edges, (2) were either more abundant in the fragments than in the control (except D. aurita) or present only in the former, (3) had smaller and/or overlapping home ranges in fragments, and (4) had populations within fragments connected by individuals moving across the matrix. Thus, all predictions were corroborated for most of the species investigated. This finding can be useful to forecast expected changes and for management aiming to mitigate local extinctions in the Atlantic Forest biodiversity hotspot. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução Na Mata Atlântica, extremamente fragmentada (Ribeiro et al., 2009), muitas extinções locais e mesmo extinções globais de espécies florestais são praticamente certas nas próximas décadas (Brooks & Balmford, 1996; Grelle et al., 2005; Harris & Pimm, 2008). No entanto, algumas espécies são mais vulneráveis aos efeitos da fragmentação do que outras (Laurance, 1991; Davies et al., 2000; Purvis et al., 2000; Swihart et al., 2003; Henle et al., 2004; Viveiros de Castro & Fernandez, 2004). No caso de pequenos mamíferos, os últimos anos têm testemunhado um avanço considerável no conhecimento no nível de comunidade, tais como padrões de riqueza e composição de espécies, como os relacionado tanto ao habitat (Fonseca & Robinson, 1990; Paglia et al., 1995; Stevens & Husband, 1998; Pardini, 2004) quanto a atributos da paisagem (Pardini, 2004; Pardini et al., 2005; Umetsu & Pardini, 2007; Umetsu et al., 2008; Vieira et al., 2009; Pardini et al., 2010). No entanto, os processos populacionais que geram tais padrões comunitários são menos conhecidos. Um padrão claro encontrado para vários táxons, incluindo marsupiais neotropicais, é que para manter a riqueza de espécies em paisagens fragmentadas, é essencial que as populações não estejam isoladas nos fragmentos (Fahrig & Merriam, 1985; Laurance, 1990; Viveiros de Castro & Fernandez, 2004; Pardini et al., 2005). Características das paisagens, como corredores de habitat ou matrizes permeáveis, podem evitar o isolamento (Beier & Noss, 1998; Gascon et al., 1999; Jules & Shahani, 2003; Kupfer et al., 2006; Umetsu et al., 2008; Pütker et al., 2011). Entretanto, a capacidade de sobreviver nessas condições depende também de características biológicas das próprias espécies (Laurance, 1991; Davies et al., 2000; Swihart et al., 2003; Henle et al., 2004; Viveiros de Castro & Fernandez, 2004). Estas últimas devem incluir características da história de vida que permitam que as espécies tolerem os principais problemas associados à fragmentação florestal, tais como efeitos de borda (Malcolm, 1994; Harrison & Bruna, 1999; Laurance et al., 2007), pequenos tamanhos populacionais nos fragmentos (Gilpin & Soulé, 1986; Purvis et al., 2000; Henle et al., 2004) e isolamento das populações (Fahrig & Merriam, 1985; Burkey & Reed, 2005). Dadas essas considerações, é esperado que espécies de marsupiais que persistem em pequenos fragmentos de Mata Atlântica possuam as seguintes características: (1) não evitem as bordas, (2) tenham altas densidades populacionais em pequenos fragmentos em comparação com as de áreas maiores de floresta, CONSERVAÇÃO
428 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
(3) tenham menores áreas de vida em fragmentos e/ou tolerem um alto grau de sobreposição de áreas de vida, favorecendo assim altas densidades populacionais e (4) usem ativamente a matriz, mantendo suas populações conectadas na paisagem. Durante um estudo de onze anos sobre pequenos mamíferos em pequenos fragmentos de Mata Atlântica, obtivemos uma grande quantidade de informações sobre a ecologia populacional de marsupiais, muitas das quais publicadas separadamente (Pires & Fernandez, 1999; Quental et al., 2001; Pinheiro et al., 2002; Pires et al., 2002; Fernandez et al., 2003; Viveiros de Castro & Fernandez, 2004; Carvalho et al., 2005; Pires et al., 2005; Barros, 2006; Fernandez et al., 2006; Lira et al., 2007; Barros et al., 2008; Lira & Fernandez, 2009; Crouzeilles et al., 2010). No presente trabalho, usamos essa longa série de dados, reunindo tanto informações já publicadas como inéditas, para testar a hipótese de que os marsupiais que atualmente persistem nos pequenos fragmentos estudados assim o fazem porque apresentam as características acima mencionadas. Embora existam muitas diferenças entre paisagens fragmentadas em diferentes locais da Mata Atlântica, esperamos que os resultados possam fornecer informações úteis para a conservação de marsupiais em conjuntos de pequenos fragmentos, que são comuns na maior parte deste hotspot de biodiversidade.
Métodos Área de Estudo A Reserva Biológica Poço das Antas (22º30’-22º33’ S, 42º15’-42º19’ W), no norte do estado do Rio de Janeiro, é uma das maiores reservas na Mata Atlântica de Baixada no estado, com 6300 ha. O clima na região é moderadamente estacional, com os meses de maio a agosto sendo os mais frios e secos e os meses de outubro a abril os mais úmidos e quentes. De 1995 a 2005, a média anual de temperatura foi de 25,7°C e a média anual de precipitação foi de 2053 mm (Programa Mata Atlântica, dados não publicados). Os oito fragmentos florestais estudados, nomeados de A a H e conhecidos como Ilhas dos Barbados, estão situados na parte sul da Reserva (Figura 1). A área dos fragmentos, que varia de 1,3 a 13,3 ha, é bastante representativa da atual situação da Mata Atlântica, onde cerca de 80% dos fragmentos possuem áreas menores que 50 ha (Ribeiro et al., 2009). As distâncias entre os fragmentos variam de 60 a 1150 m, e o conjunto de fragmentos dista aproximadamente 2 km do bloco de mata contínua (3500 ha) da Reserva (Figura 1). A vegetação dos fragmentos, com cerca de 20 m de altura, inclui algumas espécies características de estágios avançados de sucessão e é rica em palmeiras. Ao longo das bordas, o sub-bosque é denso e rico em espécies de estágios iniciais de sucessão, incluindo trepadeiras, samambaias e árvores pioneiras como Trema micrantha (Cannabaceae) e Cecropia spp. (Urticaceae). As matas que formam os fragmentos estavam unidas até a década de 1970 por uma vegetação de porte arbóreo, característica de áreas alagadas, hoje inexistente. Alterações provocadas pela construção da barragem de Juturnaíba no Rio São João culminaram na drenagem da área, que passou a ser apenas parcialmente alagada na estação úmida (Viveiros de Castro & Fernandez, 2004). Atualmente, a matriz onde estão inseridos os fragmentos é um mosaico vegetacional dominado por gramíneas (principalmente Imperata brasiliensis, Melinis minutiflora e Panicum maximum), samambaias Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
429 CONSERVAÇÃO
Figura 1. Localização das Ilhas dos Barbados dentro da Reserva Biológica Poço das Antas, no estado do Rio de Janeiro. São indicadas também as grades de armadilhas na mata principal da reserva (P) e na matriz (M).
(P. aquilinum) e arbustos, além de bosques de árvores pioneiras, como Cecropia spp. e T. micanthra. Tais bosques, no entanto, são frequentemente destruídos por incêndios que atingem essa área da Reserva. Esses incêndios ajudam a manter a vegetação da matriz em estágio inicial de sucessão e mantêm os fragmentos isolados. Três incêndios atingiram a área durante o estudo, em 1997, 2000 e 2002. O primeiro, e mais intenso, atingiu severamente o fragmento A e levemente o fragmento D, os quais estavam sendo armadilhados na época.
Métodos de Amostragem Captura-marcação-recaptura Sessões de captura, com cinco noites consecutivas cada, foram conduzidas de março de 1995 a setembro de 1998 no fragmento A, de abril de 1996 a novembro de 2001 no fragmento D e de janeiro a novembro de 2005 no fragmento E. As amostragens foram bimestrais em 1995-1999, trimestrais em 20002003 e de novo bimestrais em 2004-2005. As linhas de armadilha eram transversais ao maior eixo de cada fragmento, distando 50 m entre si, e cobrindo todo o fragmento. Os pontos de captura foram dispostos a cada 20 metros. Em cada ponto, uma armadilha (uma Sherman 38 x 10 x 12 cm ou uma Tomahawk 48,3 x 15,2 x 15,2 cm) foi colocada no solo e uma armadilha Sherman adicional foi colocada em árvores entre 1,5 e 2 m de altura, ou em plataformas no dossel com altura variando de 5 a 15 m. De maio de 1998 a julho de 1999, todos os oito fragmentos foram amostrados (Pires et al., 2002). Durante esse período, além das sessões de captura regulares nos fragmentos A e D, sessões de captura de quatro noites foram realizadas nos outros fragmentos. Nestes, as linhas de armadilhas também foram marcadas transversalmente ao maior eixo de cada fragmento, mas a distância entre as linhas foi de 100 m, com pontos de captura a cada 20m. CONSERVAÇÃO
430 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
Sessões de captura de quatro noites consecutivas também aconteceram de março de 1998 a fevereiro de 1999 em uma grade de captura (9 x 9 linhas com armadilhas a cada 20 m) colocada na matriz entre os fragmentos A e D (Feliciano et al., 2002; Figura 1). Em cada ponto, uma armadilha Sherman foi colocada no solo. Sessões de captura, de cinco noites consecutivas, foram também realizadas de 2000 a 2002 em uma grade controle no maior bloco de mata da Reserva (Viveiros de Castro & Fernandez, 2004; Figura 1). A grade controle reproduziu a forma da grade do fragmento D, o qual estava sendo amostrado concomitantemente. As armadilhas foram iscadas com uma mistura de aveia, banana, bacon e manteiga de amendoim colocada sobre uma rodela de aipim. Na matriz, além dessa mistura em metade das armadilhas, usou-se algodão embebido em óleo de fígado de bacalhau e um pedaço de abacaxi. Os animais foram marcados individualmente com brincos numerados; cada indivíduo foi solto no mesmo ponto de captura. Radiotelemetria Indivíduos adultos de três espécies (Philander frenatus, Marmosa paraguayana e Caluromys philander) foram equipados com colares radiotransmissores (SOM-2380A e SOM-2190, Wildlife Materials, Inc.) entre 2001 e 2004. Os indivíduos foram monitorados durante a noite, sendo a primeira localização de cada indivíduo obtida antes que este saisse de seu abrigo (geralmente ao anoitecer). A partir desta eram obtidas localizações subsequentes com intervalo mínimo de 60 minutos até que o indivíduo retornasse ao seu local de descanso (geralmente ao amanhecer). Ocasionalmente, também foram obtidas localizações diurnas de animais nos abrigos. As localizações foram obtidas por uma variação da técnica “homing-in on the animal” proposta por Lira et al. (2007). Oito indivíduos de P. frenatus, quatro de M. paraguayana e quatro de C. philander receberam colares; para cada espécie, metade dos indivíduos era macho e metade fêmea. Cada indivíduo foi monitorado de dois a oito meses e foram obtidas 136 localizações de P. frenatus, 118 de M. paraguayana e 289 de C. philander. Análise de dados A utilização das bordas por cada espécie foi analisada nos fragmentos A, D e E. Os pontos de captura foram agrupados em três classes de distância a partir da borda: 0-40 m, 40-80 m, e maior que 80 m. Foi usado um teste de aderência (qui-quadrado de contingência) para avaliar se as distribuições de captura de cada espécie estavam de acordo com o que seria esperado sob a hipótese nula de que as capturas fossem distribuídas entre classes de distância de acordo com o esforço de armadilhagem. Com relação às densidades populacionais, uma estimativa acurada da densidade populacional é difícil de ser obtida para pequenos mamíferos, já que necessita de uma estimativa da área efetiva de amostragem, a qual pode ser muito mais difícil que a estimativa de tamanho populacional (Williams et al., 2002). Assim sendo, foi utilizado um indicador de densidade, com finalidade meramente comparativa entre diferentes áreas (fragmentos versus controle, por exemplo) e que pudesse ser utilizado mesmo para as espécies com números amostrais pequenos demais para o uso de estimadores probabilísticos. O indicador de densidade utilizado foi o número de diferentes indivíduos capturados por 100 armadilhas-noite. Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
431 CONSERVAÇÃO
Para finalidades específicas, e quando possível, estimadores demográficos mais acurados foram utilizados. Nos fragmentos, as variações das abundâncias das espécies ao longo do tempo foram analisadas para as cinco espécies mais comuns usando o estimador Minimum Number Known Alive (MNKA; Krebs, 1966). Para a análise da resposta ao fogo da espécie mais abundante do estudo, Marmosa paraguayana, foi utilizado um estimador mais robusto para a estimativa de tamanho populacional, o estimador Jackknife (Nh de Burnham & Overton, 1979) para populações fechadas. A influência do incêndio de agosto de 1997 nas populações de M. paraguayana foi verificada através da comparação dos tamanhos populacionais, mês a mês, dentro de períodos de um ano antes e após o incêndio, utilizando o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Com o mesmo teste, foram comparadas as capturabilidades (número total de capturas em uma sessão dividido pelo número máximo de capturas possíveis, ou seja, o tamanho populacional multiplicado pelo número de noites de captura) antes e depois do fogo a fim de se verificar se possíveis diferenças encontradas nos tamanhos populacionais seriam resultado de variações na capturabilidade. Áreas de vida foram estimadas pelo método do Mínimo Polígono Convexo utilizando o programa ArcView 3.2 (ESRI), tanto com dados de captura-marcação-recaptura como de radiotelemetria. Áreas de vida foram estimadas para todos os indivíduos com pelo menos cinco capturas ou localizações. Para verificar padrões de associação espacial entre indivíduos do mesmo sexo de uma mesma espécie foi feita uma análise do padrão de sobreposição de áreas de vida dos indivíduos que estavam vivos simultaneamente (ver Pires & Fernandez, 1999). Esse procedimento só foi possível para Marmosa paraguayana, já que poucos indivíduos das demais espécies foram capturados/monitorados simultaneamente. A frequência de movimentos entre fragmentos foi calculada para cada espécie através da razão entre o número de movimentos entre fragmentos (detectados por recapturas obtidas em fragmentos diferentes de onde havia ocorrido a captura anterior) e o número total de recapturas nos oito fragmentos (ver Pires et al., 2002). Para o cálculo da frequência de movimentos foram usados apenas os dados coletados entre maio de 1998 e julho de 1999, quando todos os fragmentos estavam sendo armadilhados.
Resultados Um esforço total de 70.579 armadilhas-noite nos fragmentos resultou em 5.530 capturas de 21 espécies de mamíferos. Entre elas, cinco mamíferos de médio porte foram capturados ocasionalmente: o macaco-prego Cebus nigritus, a cutia Dasyprocta leporina, o tatu-galinha Dasypus novemcinctus, o mico-leão-dourado Leontopithecus rosalia e o quati Nasua nasua. As outras dezesseis espécies foram de pequenos mamíferos, incluindo oito espécies de roedores. As oito espécies restantes foram marsupiais; delas foram obtidas 1.916 capturas, sendo que apenas cinco espécies - Marmosa paraguayana, Philander frenatus, Didelphis aurita, Caluromys philander e Metachirus nudicaudatus - foram comuns (Tabela 1).
Uso das Bordas O uso das bordas pelas três espécies mais raras - Gracilinanus microtarsus, Marmosops incanus e Monodelphis americana - não foi avaliado devido ao pequeno tamanho amostral para essas espécies. Nenhuma das espécies mais comuns foi capturada exclusivamente nas bordas ou no interior dos fragmentos (Figura 2). Didelphis aurita, M. paraguayana e P. frenatus foram capturados mais frequentemente que o CONSERVAÇÃO
432 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
Tabela 1. Números de capturas e de indivíduos (entre parênteses) e estimativas de densidade de oito espécies de marsupiais em oito pequenos fragmentos de mata atlântica, na matriz de vegetação aberta entre os fragmentos e em uma área controle dentro da mata principal da Reserva Biológica Poço das Antas (RJ). Os esforços de amostragem em cada lugar são fornecidos em número de armadilhas-noite (an). O indicador de densidade foi dado pelo número de indivíduos/100 armadilhas-noite. Para densidade foi considerado somente o período nos quais fragmentos e controle foram amostrados concomitantemente. Monodelphis americana foi capturada em uma armadilha de queda para artrópodes. Número de Capturas
Densidade Fragmentos
Controle
73 (21)
(15300 an) 0,033
(9360 an) 0,000
35 (12)
222 (87)
0,150
0,128
0
0
7 (7)
0,007
0,000
1226 (257)
2 (1)
28 (15)
1256 (273)
0,464
0,160
1 (1)
0
9 (4)
10 (5)
0,000
0,043
Metachirus nudicaudatus
61 (28)
0
2 (2)
63 (30)
0,000
0,021
Monodelphis americana
1 (1)
0
0
1 (1)
-
-
0,261
0,000
Fragmentos (57479 an)
Matriz (4907 an)
Controle (8193 an)
Total (70579 an)
Caluromys philander
73 (21)
0
0
Didelphis aurita
186 (74)
1 (1)
7 (7)
Espécies
Gracilinanus microtarsus Marmosa paraguayana Marmosops incanus
Philander frenatus
277 (102)
7 (3)
0
284 (104)
Total
1832 (491)
10 (5)
74 (33)
1916 (528)
esperado no interior dos fragmentos. Para C. philander e M. nudicaudatus as capturas foram distribuídas independentemente da distância das bordas (Figura 2).
Abundâncias / Densidades Populacionais Durante o período em que fragmentos e controle foram amostrados concomitantemente, sete espécies foram capturadas no controle e nos fragmentos. Apenas duas espécies foram capturadas tanto nos fragmentos como na área contínua: M. paraguayana, com mais indivíduos capturados nos fragmentos do que no controle, e D. aurita, que teve praticamente a mesma quantidade de indivíduos capturados em ambos os locais. Philander frenatus, C. philander e G. microtarsus foram capturados apenas nos fragmentos, e M. nudicaudatus e M. incanus apenas na área contínua (Tabela 1). As variações das abundâncias das espécies no tempo foram avaliadas apenas nos fragmentos florestais (Figura 3). Para D. aurita houve uma tendência de aumento na abundância no final do estudo no fragmento E, enquanto que M. paraguayana, a espécie mais abundante ao longo do estudo, apresentou uma tendência forte de diminuição da abundância nesse mesmo local. Para essa última espécie, a abundância no fragmento D não apresentou diferenças entre os períodos de um ano antes e depois do fogo (MannWhitney, Z = 1,08; p = 0,27), embora tenha havido uma queda de curta duração imediatamente posterior ao incêndio. Este incêndio ocorreu durante a amostragem desse fragmento e, por isso, três animais morreram por estarem presos nas armadilhas, o que pode ter causado a brusca queda dessa população. No entanto, os tamanhos populacionais foram restabelecidos em seguida. Ao contrário, a população do fragmento A aumentou significativamente após o fogo (Z = -2,108; p = 0,03). A capturabilidade não variou entre os períodos anterior e posterior ao incêndio em ambos os fragmentos (A: Z = 1,08; p = 0,28; D: Z = -1,14; p = 0,17; em todos os testes nantes = 7 e ndepois = 7), e portanto não deve explicar as diferenças observadas. Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
433 CONSERVAÇÃO
Figura 2. Frequências de capturas de cinco espécies de marsupiais em diferentes classes de distâncias da borda de fragmentos de mata atlântica em Poço das Antas (RJ). As barras pretas representam as proporções de capturas e as brancas as proporções de pontos de captura em cada classe. Para cada espécie, são fornecidos o número de capturas e o valor de qui-quadrado para o teste da hipótese nula de que as capturas fossem distribuídas aleatoriamente entre as classes de distância para a borda.
Padrões Espaciais Tamanhos de áreas de vida puderam ser estimados, tanto nos fragmentos como no controle, para 118 indivíduos pertencentes a seis espécies (Tabela 2). Para M. paraguayana, o tamanho médio de áreas de vida estimadas por captura-marcação-recaptura foi 0,85 ha para machos (n = 32) e 0,50 ha para fêmeas (n = 46) (Tabela 2). As áreas de vida estimadas por radiotelemetria foram de modo geral maiores do que as estimadas por captura-marcação-recaptura, variando de 2,5 a 7,0 ha para C. philander, de 0,6 a 7,4 ha para P. frenatus e de 0,8 a 1,7 ha para M. paraguayana (Tabela 2). Tanto os machos quanto as fêmeas de M. paraguayana apresentaram sobreposição intrasexual de áreas de vida durante o período de estudo, no entanto a sobreposição de áreas de vida de fêmeas foi maior e mais frequente em altas densidades populacionais (Tabela 2). Para as demais espécies, os números de áreas de vida estimadas simultaneamente não permitiram análises de sobreposição, mas a literatura sugere que ocorre sobreposição de áreas de vida entre indivíduos do mesmo sexo (Tabela 2).
Uso da Matriz Indivíduos das cinco espécies mais comuns foram capazes de se mover entre fragmentos. Foram observados, no total, 33 movimentos entre fragmentos; a frequência de tais movimentos variou bastante CONSERVAÇÃO
434 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
Tabela 2. Áreas de vida de marsupiais, estimadas pelo método do Mínimo Convexo Polígono, em pequenos fragmentos de Mata Atlântica (F) e em uma área controle na mata principal (Controle = C), dentro da Reserva Biológica Poço das Antas (RJ). Quando tanto porções de fragmentos florestais quanto porções da matriz não-florestais foram incluídas na área de vida, esta está listada como Paisagem (P). N = número de áreas de vida estimadas por captura-marcação-recaptura (em parênteses, números e tamanho de áreas de vida estimadas por radiotelemetria). Padrões de sobreposição de área de vida de indivíduos do mesmo sexo são baseados nesse estudo e em dados da literatura. Espécie
Local
Caluromys philander
F
Didelphis aurita
F C
Marmosa paraguayana
F
Marmosops incanus Metachirus nudicaudatus
C F F
Philander frenatus
a
P
Sexo
N
M M F F M F M F M M F F F M M F F M M F F
3 (2) 1 (2) 1 2 1 1 32 (2) 46 (2) 1 2 4 9 (3) 2 (4) 2 (1)
Área de vida (ha) Média ± dp 1,33 ± 0,89 (5,99 ± 1,41) 0,20 (2,62 ± 1,11) 0,90 0,58 ± 0,39 3,00 1,30 0,85 ± 0,67 (1,49 ± 0,31) 0,50 ± 0,37 (1,22 ± 0,63) 0,40 2,75 ± 1,84 0,93 ± 0,49 0,36 ± 0,27 (1,43 ± 1,27) 7,91 ± 5,94 (4,28 ± 2,21) 5,40 ± 0,14 1,00
Min-max 0,60-2,30 (5,00-6,97) (2,54-2,70) 0,30-0,85 0,10-2,45 (0,77-1,66) 0,05-1,60 (1,27-1,71) 1,45-4,05 0,20-1,35 0,10-1,00 (0,63-2,90) 3,71-12,11 (2,30-7,43) 5,30-5,50 -
Sobreposição
Ambos os sexosa Ambos os sexos; menor em fêmeasb
Ambos os sexosc -
Ambos os sexosd
Julien-Laferrière (1995), b Cáceres & Monteiro-Filho (2001), c Fernandez et al. (2006), d Gentile et al. (1997).
entre as espécies (Tabela 3). Didelphis aurita foi a espécie que se moveu com maior frequência, com um quinto de todas as recapturas sendo resultantes de movimentos entre fragmentos. Philander frenatus também cruza a matriz entre fragmentos frequentemente: dois dos oito indivíduos dessa espécie monitorados por radiotelemetria realizaram cinco movimentos entre fragmentos, e esse mesmo padrão de movimentos frequentes foi encontrado nos resultados de captura-marcação-recaptura. Para M. paraguayana, foram detectados 14 movimentos entre fragmentos, todos observados através de recapturas. Esses movimentos foram realizados por sete machos dessa espécie. Por sua vez, C. philander teve um só movimento registrado (fora do período durante o qual todos os fragmentos foram amostrados concomitantemente), apesar do número relativamente alto de recapturas (Tabela 1). Metachirus nudicaudatus também só teve um movimento registrado, mas com um número menor de recapturas. Além dos movimentos entre fragmentos, foram registrados também 12 movimentos entre fragmentos e a matriz, realizados por indivíduos de três diferentes espécies (C. philander, D. aurita e P. frenatus). Uma fêmea de C. philander e um macho de P. frenatus em movimento foram localizados em moitas de Piperaceae na matriz.
Discussão De modo geral, as espécies encontradas nos pequenos fragmentos apresentaram todas as características esperadas, indicando que essas características são comuns em marsupiais que persistem em paisagens fragmentadas. Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
435 CONSERVAÇÃO
Tabela 3. Movimentos de marsupiais entre fragmentos florestais e entre fragmentos e matriz, detectados por captura-marcação-recaptura e por radiotelemetria. Para cada movimento entre fragmentos, a distância entre capturas ou localizações sucessivas (DCS) e a distância mínima (em linha reta) percorrida na matriz são apresentadas. Médias e desvios padrões das distâncias percorridas são fornecidos (valores mínimos e máximos são apresentados entre parênteses) para as espécies para as quais foi registrado mais de um movimento. O número de movimentos realizados por machos ou fêmeas (M/F) também é apresentado. Movimentos Movimentos entre fragmentos entre fragmentos e matriz Espécie
N (M/F)
DCS (m)
Caluromys philander
1 (1/0)
Didelphis aurita
7 (7/0)
Marmosa paraguayana
14 (7/0)
Metachirus nudicaudatus
1 (1/0)
Philander frenatus
10 (8/2)
700 710,0 ± 254,6 (445-1200) 637,5 ± 177,0 (300-950) 975 511,2 ± 212,0 (117-794)
Distância na matriz (m)
Frequência (%)*
N (M/F)
335
0
2 (0/2)
343,6 ± 304,1 (90-1000)
19,4
1(1/0)
326,4 ± 150,1 (145-800)
1,2
0
100
10,0
0
213 ± 136,2 (50-485)
7,5
9 (5/4)
* Razão entre o número de movimentos entre fragmentos e o número total de recapturas; calculada apenas no período em que todos os fragmentos foram amostrados concomitantemente.
Uso das Bordas Nenhuma das espécies estudadas ocorreu mais frequentemente nas bordas. Embora três espécies tenham exibido preferência pelo interior dos fragmentos, nenhuma delas evitou as bordas completamente: 30 a 40% das capturas de D. aurita, M. paraguayana e P. frenatus foram próximas das bordas (Figura 2). Além disso, para P. frenatus, embora os dados de captura tenham sugerido uma tendência a evitar as bordas, as localizações de cinco indivíduos monitorados por radiotelemetria não variaram com a distância para a borda e outro foi localizado próximo da borda mais frequentemente que o esperado (Lira et al., 2007). Da mesma forma, três dos quatro indivíduos de C. philander monitorados por radiotelemetria foram localizados perto da borda mais frequentemente que o esperado (Lira et al., 2007), enquanto que os dados de captura não indicaram uma preferência significativa pela borda. Em geral, embora algumas espécies tenham usado mais as bordas do que outras, o resultado mais importante parece ser que todas as cinco espécies foram capazes de usar bordas com uma frequência considerável. Outra evidência de tolerância às bordas foi fornecida pelas mudanças nas abundâncias depois do incêndio, que afetou principalmente o perímetro dos fragmentos, aumentando os efeitos de borda (Pires et al., 2005). No fragmento A, o mais atingido pelo incêndio de 1997, houve um aumento da densidade populacional de M. paraguayana após esse evento (Figura 3). Tanto Pardini (2004) como Malcolm (1997) explicaram a alta abundância de espécies do gênero Micoureus em pequenos fragmentos por mudanças na vegetação. O fogo pode afetar tanto a estrutura como a composição da vegetação (Cochrane, 2003), aumentando a área afetada pelos efeitos de borda, a qual por sua vez aumenta a abundância de insetos (Didham, 1997), um dos principais recursos alimentares para M. paraguayana nos fragmentos (Pinheiro et al., 2002).
CONSERVAÇÃO
436 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
Figura 3. Variação ao longo do tempo na abundância de cinco espécies de marsupiais em três fragmentos florestais (A, D e E) das Ilhas dos Barbados, na Reserva Biológica Poço das Antas (RJ). A linha vertical indica quando ocorreu o incêndio que atingiu a área. Cp: Caluromys philander; Da: Didelphis aurita, Mn: Metachirus nudicaudatus; Mp: Marmosa paraguayana; Pf: Philander frenatus.
Abundâncias Populacionais Micoureus paraguayana foi mais abundante nos fragmentos do que na área contínua (Tabela 1). Duas das espécies (P. frenatus e C. philander) não foram capturadas na área controle, mas foram abundantes nos fragmentos. Uma vez que esses marsupiais são comuns na Mata Atlântica em geral, e já foram capturados no bloco principal de mata da Reserva (Leite et al., 1996), é muito provável que existam populações na área controle. A falta de capturas dessas espécies no controle, onde nosso esforço amostral foi menor que nos fragmentos, deve refletir densidades populacionais mais baixas no primeiro que nos últimos. O gambá, D. aurita, apresentou abundâncias similares entre fragmentos e no controle. As outras quatro espécies - inclusive M. nudicaudatus, que foi capturado com pouca frequência na época em que fragmentos e controle foram amostrados simultaneamente - tiveram números amostrais baixos demais para permitir este tipo de comparação. Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
437 CONSERVAÇÃO
Abundâncias aumentadas de marsupiais em pequenos fragmentos florestais foi um padrão encontrado por Malcolm (1997) no Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais na Amazônia e parece ser comum em outros lugares (Tellería et al., 1991; Laurance, 1994; Offerman et al., 1995). Este padrão pode ser produzido por dois mecanismos distintos e complementares. O mais direto é compensação de densidade (MacArthur et al., 1972): espera-se que densidades populacionais sejam mais altas em lugares com baixa riqueza de espécies (como pequenos fragmentos), uma vez que recursos são liberados pela ausência de algumas espécies competidoras. A outra razão é que espécies bem adaptadas a bordas e habitats transformados podem se beneficiar das mudanças ambientais que ocorrem em fragmentos. Em geral, os padrões encontrados nas Ilhas dos Barbados corroboraram, pelo menos na maioria dos casos, nossa expectativa de que as espécies que persistem seriam capazes de manter densidades populacionais mais altas nos pequenos fragmentos, quando comparados com florestas maiores. A alta densidade populacional compensa até certo ponto os efeitos da pequena área de habitat disponível nos fragmentos, permitindo que as espécies mantenham nos pequenos remanescentes de habitat tamanhos populacionais maiores do que os que elas poderiam ter de outra forma. Cabe notar que os padrões também podem variar para uma mesma espécie em lugares diferentes. Nossos resultados diferem bastante de um estudo prévio sobre M. incanus, que em nosso estudo foi mais comum no controle que nos fragmentos. Esta espécie foi muito comum em paisagens fragmentadas de Mata Atlântica no Espírito Santo e em São Paulo, especialmente em fragmentos em estágios iniciais de regeneração ou muito perturbados (Pardini et al., 2005; Goulard et al. 2006; Passamani & Fernandez, 2011). O fato de M. incanus ter sido tão raro nas Ilhas dos Barbados (Tabela 1) pode ser devido a pequenas diferenças no habitat ou devido a uma interação negativa com M. paraguayana que tem uma ecologia similar e um tamanho corporal um pouco maior; M. paraguayna foi ausente no estudo de Pardini et al. (2005), e raro no de Passamani & Fernandez (2011). Além disso, foi possível observar que ao longo do tempo par de espécies de ecologia similar se alternaram nos fragmentos estudados. Metachirus nudicautus foi muito abundante nos fragmentos no início do estudo, e ao longo do tempo declinou gradualmente até desaparecer, contrastando com o aumento de P. frenatus (Crouzeilles et al., 2010). Este padrão tendeu a se inverter no final do estudo, com aumento da abundância de M. nudicaudatus e diminuição de P. frenatus. Considerando que este padrão de alternância de espécies de ecologia similar, a interação entre espécies também pode ser um fator importante.
Padrões Espaciais Áreas de vida estimadas para P. frenatus e C. philander por radiotelemetria (7,4 e 7,0 ha respectivamente) foram quase tão grandes quanto o tamanho do fragmento E, onde os indivíduos viviam (11 ha). Nossos resultados apontam para a interessante possibilidade de que o tamanho dos fragmentos possa estar limitando o tamanho das áreas de vida. Em um fragmento próximo de Mata Atlântica e muito maior (com cerca de 2400 ha, localizado na Reserva Biológica União), Moraes & Chiarello (2005), também usando radiotelemetria, encontraram áreas de vida de M. paraguayana até quinze vezes maiores que as encontradas aqui. De qualquer forma, naquele estudo houve indícios de que algumas espécies que persistem nos pequenos fragmentos possuem áreas de vida pequenas, quando comparadas com aquelas em fragmentos maiores. CONSERVAÇÃO
438 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
Em relação à sobreposição de áreas de vida, M. paraguayana apresentou alta sobreposição nos fragmentos, com as áreas de vida das fêmeas se sobrepondo em altas densidades populacionais (ver Fernandez et al., 2006). Três outras espécies, para as quais informações foram obtidas na literatura, também tiveram sobreposição de áreas de vida em ambos os sexos, embora menos frequentemente nas fêmeas. Esses últimos dados não provêm dos nossos resultados, portanto não se pode saber ao certo se essas mesmas espécies se comportam da mesma forma nos pequenos fragmentos. De qualquer forma, nós não vemos nenhuma razão a priori para pensar que espécies que apresentem sobreposição de áreas de vida em florestas maiores não devam também apresentar o mesmo padrão nos fragmentos, cujas populações são mais densas (ver acima). Portanto, nossa inferência que estas espécies apresentem sobreposição também nos fragmentos parece bastante plausível. Apesar de nossos resultados não terem demonstrado conclusivamente que espécies que persistem em pequenos fragmentos têm áreas de vida de tamanho reduzido e ausência de territorialidade, há indícios de que seja assim para algumas espécies. Essas características permitiriam que mais indivíduos coexistissem nos pequenos fragmentos, favorecendo que as espécies tolerassem as altas densidades populacionais.
Uso da Matriz Nossos resultados mostraram que as cinco espécies analisadas foram capazes de mover entre fragmentos, embora com frequências variáveis (Tabela 3; ver também Pires et al., 2002). A capacidade de mover entre fragmentos afeta fortemente a persistência de populações. Viveiros de Castro & Fernandez (2004) usaram atributos biológicos de marsupiais e de roedores – fecundidade, peso corporal, longevidade, densidade antes da fragmentação (estimada pela área controle e por literatura), grau de arborealidade e tolerância à matriz – para explicar a persistência das espécies nas Ilhas dos Barbados. Apenas tolerância à matriz – a capacidade de ou usá-la como habitat ou cruzá-la com frequência – foi um preditor significativo da vulnerabilidade à extinção nessa paisagem. Este resultado concorda com os de outros estudos (Laurance, 1991; Gascon et al., 1999) e também com nossa expectativa de que tolerância à matriz é importante para a persistência das populações em paisagens fragmentadas. Outro papel interessante da matriz nesta paisagem foi fornecer recursos alimentares suplementares para algumas espécies florestais. Indivíduos de C. philander e P. frenatus foram localizados em moitas de Piperaceae na matriz. Sementes de Piperaceae foram frequentes na dieta desses marsupiais nas Ilhas dos Barbados (Carvalho et al., 2005). Recursos propiciados pela matriz (ver também Ewers & Didham, 2006) podem ser muito úteis para marsupiais vivendo em fragmentos florestais onde as densidades populacionais são altas e os tamanhos de área de vida são pequenos (ver acima).
Síntese e Implicações Nossos resultados apoiam nossa expectativa inicial de que espécies de marsupiais persistindo em pequenos fragmentos florestais de Mata Atlântica, em geral, (1) não evitam as bordas dos fragmentos, (2) apresentam altas densidades populacionais, (3) apresentam áreas de vida pequenas e/ou toleram um alto grau de sobreposição de áreas de vida e (4) são capazes de usar a matriz. A maioria das espécies estudadas apresentou todas essas características biológicas sugerindo a existência de uma síndrome envolvendo um conjunto de características biológicas associadas que caracteriza as espécies resistentes à fragmentação. Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
439 CONSERVAÇÃO
Esta conclusão não é surpreendente, pois há várias razões para esperar que os quatro mecanismos não sejam independentes uns dos outros. Por exemplo, tolerância a bordas e flexibilidade de padrões espaciais ambos contribuem para permitir que uma espécie mantenha altas densidades populacionais em pequenos fragmentos. Tolerância a habitats perturbados, que favorece a tolerância a bordas, também favorece a habilidade de atravessar a matriz. Distinguir diferentes mecanismos é útil por razões heurísticas, mas eles parecem ser fortemente associados em uma síndrome que caracteriza os marsupiais que são resistentes à fragmentação da Mata Atlântica. Entender melhor o conjunto de características que tornam algumas espécies resistentes à fragmentação é útil não apenas para explicar a composição de comunidades de marsupiais em pequenos fragmentos, mas também para predizer mudanças futuras à medida que a fragmentação avança e o isolamento dos fragmentos se torna mais antigo. Além disso, nossos resultados indicam a necessidade de uma abordagem firmemente embasada em conhecimento demográfico das espécies envolvidas para que se possa conservar a diversidade de marsupiais da Mata Atlântica.
Agradecimentos A Nílton Cáceres pelo convite para escrever este capítulo. Aos muitos colegas que trabalharam no projeto em diferentes momentos ao longo de todos esses anos. A Renata Pardini, Adriano Chiarello, Jean Paul Metzger e Nílton Cáceres pelas sugestões em versões prévias deste manuscrito. Aos gestores e funcionários de Poço das Antas pelo apoio ao estudo. À Associação Mico-Leão Dourado, especialmente através de Denise Rambaldi, pelo apoio logístico. À Fundação Grupo O Boticário de Proteção à Natureza, PROBIO/PRONABIO-MMA, Critical Ecosystems Partnership Funding (CEPF), MacArthur Foundation, Nature Conservancy, FAPERJ, FUJB e Idea Wild pelo apoio financeiro. Ao CNPq, CAPES e FAPERJ pelas bolsas concedidas.
Referências BARROS, C. S. Como pequenas populações persistem em paisagens fragmentadas? Onze anos de estudo de populações do marsupial Micoureus demerarae em fragmentos de Mata Atlântica no estado do Rio de Janeiro, Brasil. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006. BARROS, C. S.; CROUZEILLES, R.; FERNANDEZ, F. A. S. Reproduction of the opossums Micoureus paraguayanus and Philander frenata in a fragmented Atlantic Forest landscape in Brazil: is seasonal reproduction a general rule for Neotropical marsupials? Mammalian Biology, v. 73, p. 463-467, 2008. BEIER, P.; NOSS, R. F. Do habitat corridors provide connectivity? Conservation Biology, v. 12, p. 1241-1251, 1998. BROOKS, T.; BALMFORD, A. Atlantic forest extinctions. Nature, v. 380, p. 115, 1996. BURHAM, K. P.; OVERTON, W. S. Robust estimation of population size when capture probabilities vary among animals. Ecology, v. 60, p. 927-936, 1979. BURKEY, T. V.; REED, D. H. The effects of habitat fragmentation on extinction risk: mechanisms and synthesis. Songklanakarin Journal of Science and Technology, v. 28, p. 9-37, 2005 CÁCERES, N. C.; MONTEIRO-FILHO, E. L. A. Food habitats, home range and activity of Didelphis aurita (Mammalia, Marsupialia) in a forest fragment of southern Brazil. Studies on Neotropical Fauna and Environment, v. 36, p. 85-92, 2001. CARVALHO, F. M. V.; FERNANDEZ, F. A. S.; NESSIMIAN, J.L. Food habits of sympatric opossums coexisting in small Atlantic Forest fragments in Brazil. Mammalian Biology, v. 70, p. 366-375, 2005. COCHRANE, M. A. Fire science for rainforests. Nature, v. 421, p. 913-919, 2003.
CONSERVAÇÃO
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CONSERVAÇÃO
442 Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
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Onze anos de estudo em uma paisagem fragmentada de Mata Atlântica:
443 CONSERVAÇÃO
CAPÍTULO 21
Marmosa paraguayana em Paisagens Fragmentadas: um Migrante por Geração Resgata Metapopulações em Declínio? Daniel Brito* Abstract: MARMOSA PARAGUAYANA IN FRAGMENTED LANDSCAPES: DOES ONE MIGRANT PER GENERATION RESCUE DECLINING METAPOPULATIONS? Habitat loss and fragmentation are among the main threats to biodiversity. These processes are particularly problematic for arboreal marsupials from the Atlantic Forest, one of the world’s most threatened ecosystems. Theoretical and empirical evidences suggest that connectivity rescues populations in decline. What is the minimum connectivity level to counteract the negative effects of habitat loss and fragmentation? Current theoretical knowledge states that one migrant per generation is sufficient to maintain populations stable. The objective of the present chapter is to test which connectivity level is needed to keep a viable Marmosa paraguayana metapopulation. I used the computer package VORTEX to model a Marmosa paraguayana metapopulation comprised by nine populations, located in Poço das Antas Biological Reserve. I built model scenarios under different connectivity levels (1, 10 or 20 migrants per generation). Results show that low connectivity (1 migrant per generation) reduces probability of extinction and the loss of genetic diversity, but it does not prevent metapopulation declines. Only high connectivity levels (20 migrants per generation) maintained a stable metapopulation size. Population viability modeling is a powerful conservation tool to guide wildlife management, as it allows reseachers and man-
Universidade Federal de Goiás, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Ecologia, Laboratório de Ecologia Aplicada e Conservação. Departamento de Ecologia, CP 131, Rodovia Goiânia-Nerópolis, km 5, Campus II, Itatiaia. Goiânia, GO, 74001-970, Brasil. E-mail: brito. [email protected]
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Marmosa paraguayana em paisagens fragmentadas:
445 CONSERVAÇÃO
agers to identify critical population parameters to be the target of management actions. Here I show that a “magic number” used as a rule of thumb in management literature shows partial efficiency in rescuing a metapopulation in a fragmented landscape. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução A perda e a fragmentação de habitats são as principais ameaças aos mamíferos (Schipper et al., 2008). Estes processos transformam habitats naturais contínuos em paisagens em mosaicos, compostas por remanescentes de vegetação nativa circundada por áreas de uso antrópico (Fahrig, 2003). Esta alteração na paisagem também afeta a estrutura das populações que ocupam a área afetada por estes processos, e populações contínuas podem ser subdivididas em várias populações isoladas, ou podem se reorganizar em metapopulações (Fahrig & Merriam, 1994; Burkey, 1995; Fahrig, 1997, 2001). Esta mudança na estrutura natural das populações pode aumentar sua vulnerabilidade à extinção (Shaffer, 1981; Brito, 2009a). Portanto, não é surpresa que um considerável número de espécies de mamíferos apresente severos declínios populacionais, culminando em extinções locais (Ceballos & Ehrlich, 2002). Atualmente, a Mata Atlântica está restrita a apenas cerca de 16% da sua cobertura original (Ribeiro et al., 2009), sendo um dos biomas que mais sofreu com os processos de perda e fragmentação de habitats no mundo (Myers et al., 2000; Mittermeier et al., 2005). A maioria dos remanescentes de Mata Atlântica é muito pequeno (Ribeiro et al., 2009) e inserido em uma matriz antrópica. Este cenário altera a estrutura natural de populações de mamíferos arborícolas, favorecendo o surgimento de populações pequenas e isoladas e de metapopulações (Fahrig, 2003). Neste contexto, um certo grau de conectividade é essencial para a persistência destas populações (Wang, 2004). Uma regra amplamente utilizada em conservação é a de “um migrante por geração”, onde este nível de dispersão preveniria os efeitos negativos de estocasticidade genética (e.g. depressão endogâmica) e demográfica (e.g. desvios na razão sexual), através do efeito resgate (Lacy, 1987). Entretanto, uma taxa de dispersão maior que um migrante por geração pode ser necessária para manter populações viáveis em paisagens fragmentadas (Mills & Allendorf, 1996; Vucetich & Waite, 2000), pois em situações reais o tamanho efetivo de uma população é quase sempre menor que o seu tamanho de censo (Frankham, 1995). O objetivo do presente capítulo é avaliar a eficácia da regra de um migrante por geração em mitigar os efeitos da fragmentação em populações, usando o marsupial Marmosa paraguayana, como modelo de estudo.
Material e Métodos Área de Estudo A Reserva Biológica de Poço das Antas (22o30’-22o33’ S; 42o15’-42o19’ W) possui uma área total de 5065 hectares (WWF Brasil, 2012). Neste capítulo, uma paisagem composta por nove fragmentos de Mata Atlântica inseridos em uma matriz composta por gramíneas e samambaias foi usada como modelo. Estes fragmentos, conhecidos como “Ilhas dos Barbados”, apresentam áreas variando entre 1,5 a 15,0 CONSERVAÇÃO
446 Marmosa paraguayana em paisagens fragmentadas:
hectares (Figura 1). O fragmento de Mata Atlântica mais próximo às Ilhas dos Barbados é a mata principal da reserva, de aproximadamente 3000 hectares e distante 2 km dos fragmentos.
Espécie Modelo: Marmosa paraguayana Marmosa paraguayana é um marsupial endêmico da Mata Atlântica (Gardner, 2007). Os indivíduos são noturnos, solitários e predominantemente arborícolas, sendo encontrados em floresta tropical madura ou secundária (Passamani, 1995, 2000; Grelle, 2003). Este marsupial prefere vegetação densa, com lianas e palmeiras (Moraes & Chiarello, 2005a), mas também é encontrado em áreas mais abertas. Eles se alimentam de insetos, pequenos vertebrados, frutas e néctar (Leite et al., 1994; Carvalho et al., 1999; Cáceres et al., 2002; Pinheiro et al., 2002). Os dados demográficos usados no presente capítulo (Tabela 1) são baseados em diversos estudos realizados com esta população de Marmosa paraguayana em particular (Pires & Fernandez, 1999; Pires et al., 1999, 2002; Brito & Fernandez, 2000, 2002; Rocha, 2000; Quental et al., 2001; Fernandez et al., 2003, 2006), e complementados com estudos sobre a espécie em geral (Brito & Grelle, 2004; Moraes & Chiarello, 2005a, 2005b; Brito & da Fonseca, 2006, 2007; Goulart et al., 2006). O tamanho médio de área de vida foi estimado em 0,65 hectares, com as áreas dos machos sobrepondo as áreas das fêmeas (Pires & Fernandez, 1999; Pires et al., 1999). Os indivíduos se tornam sexualmente maduros aos seis
Figura 1. Nove fragmentos de Mata Atlântica que compõem as Ilhas dos Barbados, localizados na Reserva Biológica de Poço das Antas.
Marmosa paraguayana em paisagens fragmentadas:
447 CONSERVAÇÃO
Tabela 1: Atributos biológicos e ecológicos de Marmosa paraguayana usados como parâmetros de entrada no programa VORTEX (escala temporal de 2 meses). Parâmetro Sistema reprodutivo Longevidade Maturidade sexual (fêmeas) Maturidade sexual (machos) Razão sexual (% machos) % fêmeas reprodutivas % ninhada tamanho 1 % ninhada tamanho 2 % ninhada tamanho 3 % ninhada tamanho 4 % machos reprodutivos Mortalidade fêmeas Mortalidade machos Dependência de densidade Crescimento populacional determinístico (lambda) Tempo de geração (anos) Estocasticidade ambiental fecundidade mortalidade
Valor Poligínico 12 3 3 50% 16.67% 0.10% 1.40% 15.50% 83% 100% 8.72% 8.72% não 1.08 1.08 10% da media 10% da media
meses de idade e as ninhadas pode ter até 11 filhotes (Rocha, 2000). A longevidade máxima observada in situ foi de 24 meses (Rocha, 2000). Pires et al. (2002) estimaram uma taxa de dispersão de 1,2% entre as populações das Ilhas dos Barbados.
Cenários de Migração Como primeiro passo, foi construído um modelo de viabilidade populacional, usando o programa VORTEX (Lacy, 1993, 2000), simulando a situação atual da metapopulação das Ilhas dos Barbados, isolada das populações próximas. Depois, foram modelados cenários incluindo diferentes graus de conectividade desta metapopulação (seja por mudanças naturais na paisagem ou por manejo) com outras populações. Existe um debate na literatura sobre qual seria o grau adequado de migrantes por geração para garantir viabilidade a longo prazo, que poderia variar entre um (Franklin, 1980), 10 (Mills & Allendorf, 1996) ou até mesmo 20 (Vucetich & Waite, 2000) indivíduos por população local por geração. Desta forma, os cenários criados avaliaram três graus de migrantes por população local por geração: 1, 10 e 20.
Resultados Os resultados mostram que manter fluxo de indivíduos em populações que se encontram em paisagens fragmentadas traz benefícios para essas populações (Figura 2). Esta conectividade reduziu sensivelmente a probabilidade de extinção da metapopulação de Marmosa paraguayana nas Ilhas dos Barbados, independentemente do número de migrantes por geração. Mesmo uma baixa taxa, de apenas um migrante por população local por geração, já resultou na persistência dessa população na escala temporal deste estudo (100 anos). Entretanto, observa-se um efeito importante na taxa de migrantes por geração no tamanho da metapopulação (Figura 3). Apesar de taxas baixas e médias (1 ou 10 migrantes por geração) terem sido sufiCONSERVAÇÃO
448 Marmosa paraguayana em paisagens fragmentadas:
Figura 2. Probabilidade de extinção da metapopulação de Marmosa paraguayana na Ilha dos Barbados. Os diferentes cenários modelados simulam um contexto de paisagem onde a metapopulação encontra-se isolada (Baseline) ou possui conectividade com (metapopulações) próximas em diferentes graus: um migrante por população local por geração (1 MPG), 10 migrantes por população local por geração (10 MPG) ou 20 migrantes por população local por geração (20 MPG).
Figura 3. Tamanho da metapopulação de Marmosa paraguayana na Ilha dos Barbados. Os diferentes cenários modelados simulam um contexto de paisagem onde a metapopulação encontra-se isolada (Baseline) ou possui conectividade com (metapopulações) próximas em diferentes graus: um migrante por população local por geração (1 MPG), 10 migrantes por população local por geração (10 MPG) ou 20 migrantes por população local por geração (20 MPG).
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cientes para diminuir a probabilidade de extinção (Figura 2), elas não impediram o declínio do tamanho metapopulacional (Figura 3). Apenas taxas de 20 migrantes por geração asseguram persistência (Figura 2) e estabilidade do tamanho da metapopulação (Figura 3). Sob uma perspectiva genética, observa-se que a conectividade da metapopulação com (meta)populações próximas resulta em uma maior manutenção de sua diversidade genética (Figura 4). Apesar da heterozigosidade ao final de 100 anos ser próxima, independente da taxa de migrantes por geração, observa-se que a dinâmica dessa diversidade variou entre os cenários. Os cenários com um ou 10 migrantes por geração apresentaram um desenvolvimento semelhante, onde a heterozigosidade apresenta suave declínio no início, mas depois gradativamente se recupera e resulta em um pequeno decréscimo em relação à heterozigosidade inicial (Figura 4). Já o cenário com 20 migrantes por geração não apresentou declínio na heterozigosidade, e a população manteve sua diversidade original (Figura 4). Os resultados do presente estudo indicam que o isolamento desta população pode ser um fator determinante na sua baixa probabilidade de persistência. O estabelecimento de conectividade (com populações naturais próximas ou por manejo), com uma taxa baixa ou média de migrantes por população local por geração (1 ou 10) já pode ter um efeito benéfico na persistência e na diversidade genética, mas não deve impedir o declínio da metapopulação. Isto indica que esses migrantes estão aumentando o tempo esperado para a extinção desta metapopulação, o que nos dá mais tempo para planejar ações de manejo que possam reverter este declínio. Apenas uma taxa de 20 migrantes por população local por geração é capaz de manter o tamanho metapopulacional estável.
Figura 4. Heterozigosidade da metapopulação de Marmosa paraguayana na Ilha dos Barbados. Os diferentes cenários modelados simulam um contexto de paisagem onde a metapopulação encontra-se isolada (Baseline) ou possui conectividade com (metapopulações) próximas em diferentes graus: um migrante por população local por geração (1 MPG), 10 migrantes por população local por geração (10 MPG) ou 20 migrantes por população local por geração (20 MPG).
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450 Marmosa paraguayana em paisagens fragmentadas:
Discussão A metapopulação de Marmosa paraguayana das Ilhas dos Barbados é considerada inviável (Brito & Fernandez, 2000). Apesar de evidências teóricas indicarem que conectar essa metapopulação a outras pode trazer benefícios para sua persistência em longo prazo (Wang, 2004), havia certa discordância com relação a qual taxa de conectividade (números de migrantes por população local por geração) resultaria na persistência em longo prazo (Lacy, 1987; Mills & Allendorf, 1996; Vucetich & Waite, 2000). Mesmo um número muito baixo de migrantes pode ter efeitos positivo nas populações, resgatando-as (e.g. Vilà et al., 2002). É interessante notar que apesar dos benefícios em persistência e em manutenção de diversidade genética, a metapopulação de Marmosa paraguayana das Ilhas dos Barbados só não continuou a declinar em cenários com altas taxas de conectividade (ver resultados). Estes cenários, porém, podem ser inviáveis de serem mantidos por manejo in situ. Os efeitos da conectividade em populações por migrantes ainda não são totalmente compreendidos, e existem evidências que sugerem que em paisagens muito fragmentadas, que resultem em muitas populações pequenas, um aumento de migrantes pode até mesmo ser deletério para Marmosa paraguayana (Brito & da Fonseca, 2007; Brito, 2009b). Marmosa paraguayana tem sido um excelente modelo para estudos usando modelagem de viabilidade no Brasil (Brito 2009a). No presente estudo, mostramos com este tipo de exercício como diferentes modelos podem guiar o manejo de metapopulações, e também como podem ser usados para avançarmos na compreensão da dinâmica de processos demográficos em escala metapopulacional e como esses processos interagem com ameaças de origem antrópica, afetando a persistência de populações em uma paisagem em mosaico.
Agradecimentos Agradeço ao professor Nilton Cáceres pelo convite para escrever este capítulo. Agradeço ao CNPq pela bolsa de financiamento à minha pesquisa (projeto #305631/2009-8).
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Marmosa paraguayana em paisagens fragmentadas:
453 CONSERVAÇÃO
CAPÍTULO 22
Perda e Fragmentação do Habitat – um Índice de Vulnerabilidade Baseado em Padrões de Ocupação Thomas Püttker* Thais K. Martins* Adriana A. Bueno*,** Natália F. Rossi* Renata Pardini* Abstract: Response of Atlantic forest marsupials to habitat loss and fragmentation - an index of vulnerability based on occupancy patterns. Although Brazilian marsupials differ widely in several life-history traits associated with extinction risk, they are underrepresented in Red Lists of threatened species. This is probably a result of the lack of detailed information on population dynamics and geographic distribution usually required for species classification into categories of threat. In this chapter we present an index of vulnerability to forest fragmentation for 14 Atlantic forest marsupials based on easy-to-obtain presence/ absence data, using a large dataset from three pairs of continuously-forested and adjacent fragmented landscapes at the Atlantic Plateau of São Paulo. The index revealed a wide variation in vulnerability across species with six species less vulnerable and eight more vulnerable to forest fragmentation. For better studied species, the obtained values of vulnerability are consistent with previous ecological knowledge. On the other hand, the index revealed a surprisingly wide variation in vulnerability among ecologically and morphologically
Universidade de São Paulo, Instituto de Biociências, Departamento de Zoologia - Rua do Matão, travessa 14, 101. São Paulo, SP, 05508-090, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
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Fundação Florestal - Planos de Manejo - Rua do Horto, 931. São Paulo, 02377-000, Brasil.
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455 CONSERVAÇÃO
similar species within the genus Monodelphis. Visual inspections of the distribution of life-history traits (body size, locomotion habits, diet, tribes, geographic distribution and degree of specialization) along the rank of species vulnerability indicates that habitat specialization may underlie vulnerability to forest fragmentation among Atlantic forest marsupials. In practice, the index represents a useful tool for assessing human impacts and for effective prioritization of conservation actions, and highlights the drawbacks of using sophisticated protocols for classifying species into categories of threat when required information is scarce. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução Marsupiais habitam todos os biomas do Brasil (Paglia et al. 2012; Reis et al., 2010; Melo & Sponchiado, Capítulo 4) e uma ampla variedade de habitats (e.g. Alho et al., 1986; Fish, 1993; Paglia et al. 2012; Aragona & Marinho-Filho, 2009). Diferem quanto aos hábitos de locomoção (Delciellos et al., 2006; Delciellos & Vieira, 2006; Vieira & Delciellos, Capítulo 13), ao uso de espaço (Bergallo, 1994; Gentile et al., 1997; Pires & Fernandez, 1999; Cunha & Vieira, 2002; Cáceres, 2003; Grelle, 2003; Vieira & Monteiro-Filho, 2003; Moraes Junior & Chiarello, 2005; Lira et al., 2007; Prevedello et al., 2008; Galliez et al., 2009; Leiner & Silva, 2009; Prevedello et al., 2009; Cáceres et al., Capítulo 11), à dieta (veja revisão recente Lessa & Geise, 2010; Pinotti et al., 2011; Santori et al., Capítulo 15), e ao tamanho do corpo (Robinson & Redford, 1986; Paglia et al. 2012; Reis et al., 2010). Além disso, diferem em outros atributos da história de vida como densidade populacional (e.g. Cerqueira et al., 1993; Bergallo, 1994; Mares & Ernest, 1995; Talamoni & Dias, 1999; Gentile et al., 2000; Quental et al., 2001; Gentile et al., 2004; Barros, 2006; Graipel et al., 2006; Lambert et al., 2006; Martins et al., 2006a; Barros et al., 2008; Martins, 2011), distribuição geográfica e endemismo (Gardner, 2008; Reis et al., 2010; Melo & Sponchiado, Capítulo 4) e grau de especialização de habitat (Stallings, 1989; Fonseca & Robinson, 1990; Freitas et al., 1997; Stevens & Husband, 1998; Olifiers et al., 2005; Umetsu & Pardini, 2007; Püttker et al., 2008; Naxara et al., 2009; Martins, 2011). Vários desses atributos estão entre os principais determinantes do risco extinção e vulnerabilidade a distúrbios causados pelo homem (O’Grady et al., 2004; Davidson et al., 2009; Fritz et al., 2009). Dessa forma, não é de se admirar que as espécies de marsupiais apresentem ampla variedade de respostas à perda e fragmentação do habitat (e.g. Viveiros de Castro & Fernandez, 2004; Pardini et al., 2005). Tendo em vista o aumento global das pressões e ameaças aos ecossistemas e espécies (Butchart et al., 2010), abordagens e esquemas racionais para priorizar estratégias e garantir a alocação efetiva de recursos frequentemente limitados para a conservação são essenciais (Margules & Pressey, 2000; Brooks et al., 2006; Bottrill et al., 2008; Fischer et al., 2009; Wilson et al., 2011b). Abordagens de otimização propõem que ações de conservação deveriam ser priorizadas com base em objetivos claros e específicos, levando em consideração parâmetros como o julgamento do valor do bem a ser conservado, o benefício esperado para a biodiversidade, a probabilidade de sucesso e o custo de ações alternativas de conservação (Bottrill et al., 2008; Fischer et al., 2009). Para a priorização entre espécies (decidir qual espécie deveria ser priorizada para receber investimento de conservação), o protocolo mais conhecido é a Lista Vermelha de espécies ameaçadas da IUCN (IUCN, 2011), cujo foco é estimar o risco de extinção das espécies. No entanto, existem várias outras abordagens, que enfatizam aspectos ecológicos diferentes, como os conceitos de espécies guarda-chuva ou espécies chave (Mills et al., 1993; Lambeck, 1997; Simberloff, 1998; Andelman & Fagan, 2000). A classificação de espécies ameaçadas CONSERVAÇÃO
456 Perda e fragmentação do habitat
da IUCN, assim como estes outros conceitos, podem ser usados para avaliar parâmetros necessários para a priorização de ações de conservação, mas não devem ser usados isoladamente (Possingham et al., 2002; Wilson et al., 2011b). A classificação das espécies na Lista Vermelha da IUCN é baseada em informações sobre a dinâmica temporal das populações e/ou sobre a distribuição geográfica das espécies (Mace et al., 2008; IUCN, 2011). Entretanto, este tipo de informação detalhada frequentemente não está disponível e não é fácil de se obter para um grande número de espécies (Robbirt et al., 2006; Wilson et al., 2011a), especialmente nos trópicos onde o conhecimento é geralmente escasso para a maioria das espécies (Voss & Emmons, 1996; Patterson, 2001; Lewinsohn & Prado, 2002; Costa et al., 2005; de Grammont & Cuarón, 2006). Não é de se admirar, portanto, que a disponibilidade de informações pode ter impacto considerável sobre o nível de risco de extinção atribuído para uma espécie (Lukey et al., 2011). Dada a falta de informação detalhada, a classificação do risco de extinção na Lista Vermelha da IUCN é geralmente baseada na distribuição geográfica das espécies (McIntyre, 1992; Mace et al., 2008), levando à inclusão de várias espécies naturalmente raras ou de distribuição restrita que não necessariamente são ameaçadas pelas atividades humanas (Bueno, 2008). Este procedimento pode levar à exclusão de espécies relativamente comuns ou de distribuição ampla, que, no entanto, são fortemente afetadas por distúrbios causados pelo homem. Esses inconvenientes limitam a utilização das categorias de risco da Lista Vermelha da IUCN quando conhecimento detalhado sobre as espécies é escasso. Alternativamente ao uso das Listas Vermelhas, a vulnerabilidade das espécies aos distúrbios causados pelo homem tem frequentemente sido estudada em escalas locais e regionais através da comparação de padrões de ocupação entre localidades/ paisagens preservadas e perturbadas (Viveiros de Castro & Fernandez, 2004; Wang et al., 2009; Anjos et al., 2011; Thornton et al., 2011; Vetter et al., 2011). Por estar fundamentada em informações relativamente fáceis de obter (isto é, dados de presença/ausência), padrões de ocupação representam uma maneira viável de adquirir conhecimento sobre a resposta das espécies a distúrbios induzidos pelo homem e determinar a vulnerabilidade das espécies. Na prática, inferências sobre a vulnerabilidade das espécies são frequentemente baseadas no pressuposto que habitats preservados representam condições antes do distúrbio e, portanto, o cenário apropriado para ser comparado com habitats perturbados (Thornton et al., 2011; Vetter et al., 2011), já que dados antes e após distúrbios são raros (mas veja referência Stouffer et al., 2011). Assim, a generalidade das inferências sobre a vulnerabilidade das espécies baseadas em padrões de ocupação depende fortemente da robustez do desenho amostral e do alcance espacial da área amostrada. Nesse capítulo, apresentamos uma estimativa da vulnerabilidade à fragmentação florestal para 14 espécies de marsupiais da Mata Atlântica, a partir de um índice de ocupação, utilizando um amplo banco de dados sobre a ocorrência das espécies em três paisagens fragmentadas com diferentes porcentagens de florestas remanescentes e três paisagens de floresta contínua adjacentes no Planalto Atlântico de São Paulo. Apesar de reduzida a menos de 16% de sua extensão original e de estar altamente fragmentada (mais de 80% dos fragmentos tem menos que 50 ha; Ribeiro et al., 2009), a Mata Atlântica abriga um grande número de espécies de mamíferos, incluindo pelo menos 22 espécies de marsupiais (Paglia et al., 2012; Gardner, 2008). O maior contínuo de Mata Atlântica remanescente se encontra no estado de São Paulo (Ribeiro et al., 2009), onde o Planalto Atlântico abriga pelo menos 18 espécies de marsupiais (Rossi, 2011). Perda e fragmentação do habitat
457 CONSERVAÇÃO
Material e Métodos Área de Estudo e Coleta de Dados Os marsupiais foram amostrados em seis paisagens de 10.000 ha – três paisagens fragmentadas e três paisagens contínuas adjacentes – localizadas no Planalto Atlântico de São Paulo, Brasil, nos municípios de Tapiraí – Piedade, Ibiúna – Cotia e Ribeirão Grande – Capão Bonito (Figura 1). A região toda era originalmente coberta por Mata Atlântica classificada como “Floresta Atlântica submontana” (Oliveira-Filho & Fontes, 2000). A altitude varia entre 800 e 1000 m acima do nível do mar (Ross & Moroz, 1997). A precipitação anual varia entre 1222 e 1810 mm e as temperaturas mínima e máxima são de 17,3°C e 28,4°C na época quente e úmida (outubro a março) e de 12,1°C e 24,9°C na a época fria e seca (abril a setembro; Agritempo Sistema de Monitoramento Agrometorológico; http:// www.agritempo.gov.br). As paisagens de mata contínua são mosaicos de floresta madura e secundária, enquanto as manchas nas três paisagens fragmentadas são de floresta secundária cercadas principalmente por pastos e agricultura de culturas anuais. As três paisagens fragmentadas abrigam respectivamente 49%, 31% e 11% de florestas remanescentes. Detalhes sobre a estrutura das paisagens podem ser encontrados em Pardini e colaboradores (2010). Os marsupiais foram capturados com o uso de uma linha de 100 m de comprimento com 11 armadilhas de queda (baldes de 60 l) conectadas por cercas-guia, seguindo um protocolo padronizado, em seis sítios em cada uma das paisagens de mata contínua (18 sítios no total), e em 15, 20 e 15 fragmentos florestais de diferentes tamanhos nas paisagens com 11%, 30% e 49% de cobertura florestal, respectivamente (50 fragmentos florestais no total). Detalhes sobre a seleção dos sítios de amostragem e sobre o protocolo de captura podem ser encontrados em Bueno (2008).
Figura 1. Localização dos três pares de paisagens adjacentes de mata contínua e fragmentada no Planalto Atlântico de São Paulo, mostrando a distribuição dos sítios de amostragem. Em destaque nos retângulos, as paisagens fragmentadas com diferentes porcentagens de floresta remanescente (da esquerda para a direita: 11%, 49% e 31%).
CONSERVAÇÃO
458 Perda e fragmentação do habitat
Um Índice de Vulnerabilidade à Fragmentação Florestal O índice é baseado nos padrões de ocupação das espécies nas paisagens de mata contínua e fragmentadas, e representa a diferença na proporção de sítios nos quais a espécie está presente entre estes dois tipos de paisagem:
I =
n° de sítios em mata cont ínua onde a espécie esteve presente n° total de sítios em mata contínua
-
n° de fragmentos onde a espécie esteve presente n° total de fragmentos
O índice toma valores entre -1 e +1, com valores positivos indicando vulnerabilidade e valores negativos indicando que a espécie se beneficia com a perda e fragmentação do habitat. Um índice similar foi usado por Thornton et al. (2011). Os valores do índice dependem fortemente das características das paisagens e sítios amostrados. Nosso banco de dados inclui três pares de paisagens de mata contínua e paisagens fragmentadas adjacentes distribuídos ao longo do Planalto Atlântico de São Paulo. Assim, esse conjunto de dados engloba eventuais diferenças espaciais nos padrões de ocupação associadas às duas áreas de endemismo para mamíferos encontradas em São Paulo (Costa et al. 2000), levando em conta variações biogeográficas. Além disso, dado que as paisagens fragmentadas variam quanto à proporção de florestas remanescentes, nossos dados também incluem a variação que possa haver nos padrões de ocupação relacionada ao grau de desmatamento, fator que reconhecidamente afeta a persistência de espécies em paisagens fragmentadas (Bueno, 2008; Pardini et al., 2010; Püttker et al., 2011). A fim de manter o índice mais simples possível e baseado em dados relativamente fáceis de obter, não levamos em conta diferenças na abundância das espécies entre os sítios. Como observado para outras regiões (Holt et al. 2002), entretanto, encontramos alta correlação entre o número de sítios ocupados e a abundância (estimada como o número de indivíduos capturados) das espécies tanto nas paisagens de mata contínua (correlação de Spearman, r = 0,97, p < 0,001) como nas paisagens fragmentadas (r = 0,93, p < 0,001). Dessa forma, incluir a abundância provavelmente não alteraria a ordem de vulnerabilidade entre as espécies. Por fim, como o desenho amostral não é balanceado (18 sítios em paisagens de mata contínua contra 50 sítios em paisagens fragmentadas), usamos as proporções ao invés do número bruto de sítios ocupados. O desenho não balanceado, porém, pode levar a uma menor precisão na estimativa de ocupação nas paisagens de mata contínua em comparação às paisagens fragmentadas. Usando um procedimento boostrap (reamostragem da matriz de presença/ ausência, n = 10.000), estimamos intervalos de confiança de 95% para os valores de vulnerabilidade de cada espécie. A partir destes intervalos, determinamos se o valor de cada espécie difere significativamente de zero (isto é, a inclusão ou não do zero no intervalo de confiança de 95%). Também verificamos se os valores de vulnerabilidade diferem entre as espécies. Esse é o caso quando (1) os intervalos de confiança de 95% não se sobrepõem, ou (2) quando os intervalos se sobrepõem, mas o intervalo de confiança da diferença dos valores de vulnerabilidade das duas espécies não inclui o zero (isso é, quando o intervalo
(índice sp1 - índice sp2) ± 1.96*
(EP sp1)2 + (EP sp2)2
não inclui o zero (Lo, 1994; Payton et al., 2003). O código de R para calcular o índice e intervalos de confiança pode ser obtido do primeiro autor. Perda e fragmentação do habitat
459 CONSERVAÇÃO
Espécies de Marsupiais Quatorze espécies de marsupiais foram capturadas (Tabela 1), representado 58% das espécies conhecidas de Didelphimorphia que ocorrem no estado de São Paulo (de Vivo et al. 2011). Devido à dificuldade em distinguir espécimes de Monodelphis scalops e Monodelphis americana por caracteres externos (Rossi 2011), essas duas espécies foram consideradas conjuntamente nas análises. Todas as espécies foram capturadas em pelo menos dois dos 68 sítios (de 2 a 45, Tabela 1). Classificamos as 14 espécies de acordo com seis atributos: a) tamanho do corpo (seguindo a classificação de Rossi, 2011), b) hábito de locomoção (Paglia et al., 2012), c) relação filogenética (tribos de acordo com Voss & Jansa, 2009), d) dieta (Paglia et al., 2012), e) distribuição geográfica restrita ou não a biomas florestais (Pardini et al., 2010), e f) grau de especialização a habitats florestados (baseado na ocorrência das espécies em áreas abertas de agricultura nas mesmas paisagens de estudo; ver Martins [2011] para detalhes). Estas classificações foram usadas para explorar a distribuição dos atributos ecológicos ao longo do ordenamento das espécies quanto à vulnerabilidade à fragmentação.
Resultados A vulnerabilidade à fragmentação florestal variou de -0,256 a 0,611 entre as 14 espécies de marsupiais (Tabela 1, Figura 2). Dois grupos de espécies puderam ser diferenciados: (1) espécies menos vulneráveis, contendo seis espécies com valores negativos de vulnerabilidade (proporção de sítios ocupados maior nas paisagens fragmentadas do que nas paisagens de mata contínua), que não se diferenciaram significativamente entre si; e (2) espécies mais vulneráveis, abrangendo oito espécies com valores positivos de Tabela 1. Espécies de marsupiais capturadas em três pares de paisagens adjacentes de mata contínua e fragmentadas no Planalto Atlântico de São Paulo. São apresentados o número de sítios em que a espécie está presente nas paisagens de mata contínua e fragmentada, o valor observado de vulnerabilidade e estatísticas do procedimento bootstrap (média, desvio padrão, assim como intervalos de confiança superior e inferior) para cada espécie. Espécies ordenadas do menor para o maior valor de vulnerabilidade.
Species Didelphis aurita
Paisagens de mata contínua
Paisagens fragmentadas
# sítios (n= 18)
# sítios (n= 50)
Observado
Bootstrap média (n= 10.000)
Desvio padrão
IC 95% superior
IC 95% inferior
8
35
-0,256
-0,255
0,134
0,007
-0,518
Índice de Vulnerabilidade
Monodelphis kunsi
0
11
-0,220
-0,220
0,059
-0,120
-0,340
Gracilinanus microtarsus
10
37
-0,184
-0,185
0,132
0,078
-0,442
Monodelphis dimidiata
0
5
-0,100
-0,100
0,042
-0,020
-0,200
Marmosa paraguayana
0
4
-0,080
-0,080
0,038
-0,020
-0,160
Lutreolina crassicaudata
0
2
-0,040
-0,040
0,027
0,000
-0,100
Metachirus nudicaudatus
2
0
0,111
0,111
0,075
0,278
0,000
Marmosops incanus
17
34
0,264
0,264
0,086
0,420
0,089
Monodelphis sp. n.
6
3
0,273
0,273
0,117
0,511
0,051
Philander frenatus
6
2
0,293
0,292
0,113
0,516
0,071
Marmosops paulensis
6
0
0,333
0,333
0,111
0,556
0,111
Monodelphis scalops,M. americana
17
28
0,384
0,384
0,090
0,560
0,204
Monodelphis iheringi
11
0
0,611
0,608
0,115
0,833
0,389
CONSERVAÇÃO
460 Perda e fragmentação do habitat
vulnerabilidade (proporção de sítios ocupados menor nas paisagens fragmentadas do que nas paisagens de mata continua), dentre as quais somente a menos vulnerável (Metachirus nudicaudatus) e a mais vulnerável (Monodelphis iheringi) apresentaram valores de vulnerabilidade significativamente diferentes um do outro (Figura 2). Para quatro espécies, os valores não diferiram significativamente de zero (Didelphis aurita, Gracilinanus microtarsus, Lutreolina crassicaudata, Metachirus nudicaudatus; Figura 2), duas das quais (L. crassicaudata e M. nudicaudatus) são representadas por dados muito escassos (Tabela 1), limitando a inferência sobre a vulnerabilidade. Entre os diferentes atributos ecológicos, apenas o grau de especialização a habitats florestados esteve associado ao ordenamento das espécies quanto à vulnerabilidade (Figura 3f). Todas as espécies com valores positivos de vulnerabilidade são altamente especializadas em habitats florestados (isto é, ocorrem em maior proporção em sítios de paisagens de mata contínua do que em áreas de agricultura), enquanto as espécies restantes apresentam especialização média a habitats florestados (isto é, ocorrem em maior proporção em sítios de paisagens de mata contínua, mas ocorrem em áreas de agricultura de paisagens altamente desmatadas), não são especializadas (ocorrem em menor proporção em sítios de paisagens de mata contínua do que em áreas de agricultura), ou não foram classificadas devido à falta de dados (entretanto, nenhuma delas foi capturada em mata contínua). Tamanho do corpo, hábitos de locomoção, tribos e dieta variaram fortemente ao longo do ordenamento das espécies quanto à vulnerabilidade (Figura 3a-d). A distribuição geográfica (restrita ou não a biomas florestais) variou pouco entre as espécies de marsupiais estudadas, sendo que apenas duas espécies ocuparam também biomas dominados por vegetação não florestal, como o Cerrado. Porém, estas duas espécies estão entre as menos vulneráveis à fragmentação florestal, como esperado (Figura 3e).
Figura 2. Vulnerabilidade à fragmentação florestal para 14 espécies de marsupiais (intervalos de confiança +/- 95%). Espécies ordenadas ao longo do eixo X do menor para o maior valor de vulnerabilidade. As letras (A-D) indicam grupos de espécies com valores de vulnerabilidade significativamente diferentes.
Perda e fragmentação do habitat
461 CONSERVAÇÃO
Figura 3. Vulnerabilidade à fragmentação florestal para 14 espécies de marsupiais (intervalos de confiança de +/- 95%) em relação aos atributos ecológicos. Os símbolos indicam a) tamanho corporal, b) hábitos de locomoção, c) relação filogenética (tribos), d) dieta, e) distribuição geográfica restrita ou não a biomas florestais, e f) grau de especialização a habitats florestais.
Discussão e Conclusões O índice revelou uma variação considerável na vulnerabilidade à perda e fragmentação do habitat entre os marsupiais da Mata Atlântica, com poucas espécies não sendo afetadas pelo desmatamento. De maneira geral, para espécies mais bem estudadas, a vulnerabilidade estimada é congruente com o conhecimento prévio. Didelphis aurita, a menos vulnerável entre as espécies investigadas, é conhecida por ser uma espécie generalista que se beneficia da alteração do habitat e é frequentemente capturada em áreas de CONSERVAÇÃO
462 Perda e fragmentação do habitat
agricultura e próxima a áreas ocupadas pelo homem (Gentile & Fernandez, 1999; Cáceres & MonteiroFilho, 2001; Cáceres, 2003; Olifiers et al., 2005; D´Andrea et al., 2007; Fernandez et al., Capítulo 17). Gracilinanus microtarsus, que também foi classificada como pouco vulnerável, tem sido capturada em pequenos fragmentos florestais em paisagens dominadas por vegetação não florestal (Passamani, 2000; Martins et al., 2006b) assim como em habitats antropogênicos como plantações de Eucalyptus (Umetsu & Pardini, 2007; Passamani & Ribeiro, 2009). As duas espécies de Marmosops, ambas entre as mais vulneráveis em nossa análise, são conhecidas por sua associação com florestas preservadas (Geise et al., 2004; Bueno, 2008; Leiner, 2009; Rossi, 2011). Por outro lado, para as espécies pouco estudadas do gênero Monodelphis, que são difíceis de capturar com as armadilhas do tipo gaiola mais comumente utilizadas (Umetsu et al., 2006), o índice revelou uma variação surpreendente na vulnerabilidade à fragmentação florestal. Dentro do gênero, apesar das semelhanças na morfologia externa, tamanho do corpo, hábitos de locomoção e dieta, as espécies variaram das duas mais vulneráveis (M. iheringi, M. scalops/M. americana) a duas espécies pouco vulneráveis (M. kunsi, M. dimidiata), incluindo a segunda espécie menos vulnerável dentre todas as analisadas (M. kunsi). A uniformidade morfológica dentro do gênero Monodelphis, assim como o fato da maior (D. aurita) e menor (M. kunsi) espécies terem sido classificadas como as menos vulneráveis, demonstra claramente que o tamanho do corpo não representa um bom previsor da vulnerabilidade à fragmentação florestal nos marsupiais da Mata Atlântica. Do mesmo modo, o peso também não esteve associado à probabilidade de extinção de pequenos mamíferos da Mata Atlântica em estudo realizado em uma paisagem fragmentada no estado do Rio de Janeiro (Viveiros de Castro & Fernandez, 2004). Notavelmente, hábitos escansoriais ou arborícolas não estiveram correlacionados com o aumento da vulnerabilidade ao desmatamento, e as espécies mais vulneráveis apresentam hábitos terrestres. A vulnerabilidade entre as espécies de marsupiais estudadas tampouco parece estar relacionada à filogenia, visto que nem tribos nem gêneros estiveram associados com o ordenamento das espécies quanto à vulnerabilidade à fragmentação florestal. Apesar da dieta de várias espécies de marsupiais ser pouco conhecida (Lessa & Geise, 2010), o conhecimento atual indica pouca variação nos hábitos alimentares, com a maior parte das espécies apresentando dieta insetívora-onívora. Assim, a variação na vulnerabilidade à fragmentação florestal entre as espécies de marsupiais da Mata Atlântica também não parece ser consequência das preferências alimentares. De maneira similar, dados de distribuição geográfica também são escassos para a maioria das espécies. Aparentemente, apenas duas das espécies investigadas, M. kunsi e L. crassicaudatus, apresentam distribuição geográfica extensamente sobreposta a biomas dominados por vegetação não florestal como o Cerrado ou Campos Sulinos (para todas as outras espécies, a ocorrência nesses biomas está associada a áreas de transição com biomas florestais ou enclaves de floresta; Queirolo, 2009; Carmignotto, 2004). Estas duas espécies foram classificadas como pouco vulneráveis à fragmentação florestal, indicando que informações mais detalhadas sobre a distribuição geográfica poderiam ajudar a melhor compreender a variação na vulnerabilidade entre as espécies de marsupiais. O único atributo ecológico claramente associado com o ordenamento das espécies quanto à vulnerabilidade à fragmentação foi o grau de especialização do habitat. De fato, a especialização ecológica tem sido defendida como um dos fatores determinantes do risco de extinção em estudos teóricos (Andren et al., 1997; Colles et al., 2009; Clavel et al., 2010; Devictor et al., 2010) e tem se mostrado boa previsora da vulnerabilidade à alteração do habitat em estudos empíricos com outros grupos de espécies (McKinney, 1997; Henle et al., 2004; Kennedy et al., 2010; Öckinger et al., 2010; Uezu & Metzger, 2011; Vetter et al., 2011). Espécies especialistas de habitat são tidas como mais vulneráveis à fragmentação do habitat Perda e fragmentação do habitat
463 CONSERVAÇÃO
devido à inabilidade de ocupar ou cruzar os habitats antropogênicos do entorno. Na Mata Atlântica, a tolerância a habitats alterados da matriz é o principal fator determinante do risco de extinção em pequenos mamíferos (Viveiros de Castro & Fernandez, 2004). O índice de vulnerabilidade à fragmentação florestal descrito neste trabalho apresenta algumas vantagens em termos de sua aplicação para a conservação. O índice é baseado em dados de presença/ ausência, que são comparativamente mais fáceis de obter e mais comuns na literatura do que informações detalhadas sobre dinâmica populacional, requeridas no protocolo da Lista Vermelha da IUCN. No entanto, dados disponíveis sobre padrões de ocupação são frequentemente limitados espacialmente ou heterogêneos em termos de desenho amostral e esforço, e por isso devem ser usados e interpretados com cuidado. Independentemente da disponibilidade de dados, porém, o índice revelou diferenças drásticas na vulnerabilidade entre as espécies de marsupiais, que não são refletidas na classificação da IUCN. Notavelmente, todas as 14 espécies estudadas aqui são classificadas como de menor preocupação (“least concern”) na Lista Vermelha da IUCN (IUCN, 2011). Várias dessas espécies estão praticamente restritas a matas contínuas na Mata Atlântica, um bioma que foi reduzido a 12-16% de sua extensão original, indicando que estejam realmente ameaçadas por futuras perdas ou perturbações da floresta. A ausência dessas espécies na Lista Vermelha da IUCN provavelmente resulta da dificuldade em aplicar seus critérios por causa da falta de dados, em especial a dificuldade em utilizar o único critério que permite a inclusão de espécies relativamente comuns e bem distribuídas (= alta taxa de declínio populacional; Mace et al., 2008). Esse critério requer informação detalhada sobre dinâmica temporal dos tamanhos populacionais, que raramente está disponível. As espécies de marsupiais classificadas como vulneráveis pelo nosso índice não são necessariamente raras (isto é, de distribuição geográfica restrita ou com abundância local muito baixa), mas são altamente suscetíveis a alterações de habitat causadas pelo homem, representando indicadores úteis do impacto das atividades humanas. A exclusão dessas espécies da Lista Vermelha da IUCN ressalta os problemas de se usar a lista na regulamentação de atividades humanas no Brasil. Medidas mais simples, como o índice de vulnerabilidade apresentado aqui, poderiam ser utilizadas para a criação de listas de espécies que na prática fossem mais úteis do que a Lista Vermelha da IUCN para avaliar impactos ou para fornecer informação para priorização efetiva de ações de conservação.
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CONSERVAÇÃO
464 Perda e fragmentação do habitat
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Perda e fragmentação do habitat
469 CONSERVAÇÃO
CAPÍTULO 23
Desafiando as Restrições Wallaceanas para o Estudo de Marsupiais Neotropicais: o Caso das Espécies do Gênero Thylamys Paulo De Marco Júnior* Poliana Mendes* Nilton C. Cáceres** Abstract: CHALLINGING WALLACEAN RESTRICTIONS FOR STUDY OF NEOTROPICAL MARSUPIALS: THE CASE OF SPECIES OF GENUS THYLAMYS. The lack of information regarding species geographic range still represents an important barrier in biogeographical and macroecological studies. The species from the genus Thylamys are examples of how the species ranges are still poorly known. In this study, we analyzed the geographic range of the only three Brazilian Thylamys species in order to identify sympatric zones among their distributions and understand their biogeographic patterns. We used climate-based distribution models to predict their potential distribution. Such models were simpler for T. velutinus (e.g. Domain and Euclidian distance), since it had fewer occurrences than T. macrurus and T. karimii (for which we used Maxent, Mahalanobis distance and Domain), what limit the use of more complex modeling algorithms. In order to identify the patches of suitable area with the highest colonization probabilities, we measured the distance between them and the observed occurrence records for each species. In general, models generated by Domain algorithm were the least conservative. Some patches of suitable areas are spatially distant, what could decrease species dispersion into Laboratório de Ecologia Teórica e Síntese, Departamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Goiás, Rodovia Goiânia-Nerópolis km 5, Campus II, Setor Itatiaia, CP 131. Goiânia, GO, 74001-970, Brasil. Autor correspondente: [email protected] *
** Departamento de Biologia, CCNE, Universidade Federal de Santa Maria, Camobi. Santa Maria, RS, 97.110-970, Brasil.
Desafiando as restrições wallaceanas para oestudo de marsupiais neotropicais:
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those patches. Overlaps of suitable areas were fewer for T. macrurus than for the other Thylamys species and this result may be explained by morphological and ecological differences between T. macrurus and the other ones. Once they are associated with opened vegetation, the conversion of suitable areas for Thylamys species into agriculturable areas is an important threat. However, our results suggest they may respond differently to those disturbances. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012.
Introdução A falta de informações completas sobre a distribuição de espécies é reconhecida como um dos principais entraves ao avanço de alguma abordagem de estudos de biogeografia e macroecologia, bem como de estratégias de conservação, principalmente em sistemas neotropicais (Diniz et al., 2010; Tobler et al., 2007). Esse tema se tornou tão importante que o termo “Restrições Wallaceanas” (Wallacean shortfall) foi cunhado para caracterizar o problema fazendo menção ao trabalho de compilação e estudo das distribuições de espécies por Alfreld R. Wallace (Brown & Lomolino, 1998; Bini et al., 2006). O argumento é especialmente importante porque, para alguns grupos originalmente estudados por Wallace em sua visita à Amazônia brasileira, a quantidade de informação sobre a distribuição geográfica não avançou muito desde o século XVIII. Sem informações detalhadas sobre a distribuição é difícil, por exemplo, utilizar as técnicas mais recentes de priorização de conservação (e.g. o “Zonation” de Moilanen et al., 2005) e a busca de áreas de conservação se torna muito subjetiva e, provavelmente, ineficiente. Na busca por um conhecimento mais detalhado da distribuição devemos reconhecer a natureza dinâmica desse atributo das espécies. A visão atual (Soberon, 2007; Soberon & Nakamura, 2009) sugere que a distribuição de uma espécie é resultado de três conjuntos de variáveis importantes, todas elas variando no espaço e no tempo (Figura 1). Por um lado existem as variáveis ambientais que devem definir o nicho Grinelliano de cada espécie. Por nicho Grinelliano compreendemos o conjunto de variáveis climáticas, ou variáveis ambientais, em escala mais ampla, e que devem definir a ocorrência local da espécie (representado pelo conjunto “A” na Figura 1). Contrapondo a esse sub-conjunto de variáveis, uma porção de efeitos ligados ao nicho Eltoniano, derivado das interações entre espécies, também é fundamental para definir a amplitude de distribuição de uma espécie (representado pelo conjunto “B” na Figura 1). Esse sub-conjunto de variáveis revela a importância de competidores, predadores e mutualistas na definição
Figura 1. O modelo conceitual para modelagem de distribuição de espécies baseado em seu nicho ecológico (de acordo com Soberon 2007; Soberon & Nakamura 2009). A porção “A” representa o conjunto de fatores abióticos, condições que, no modelo de Soberón, representa o nicho Grinelliano. A porção “B” representa o conjunto de interações bióticas necessárias para a persistência de uma espécie em uma localidade e relaciona-se com o conceito de nicho Eltoniano. A porção “M” representa o conjunto de locais que podem ser alcançados dadas as limitações de dispersão e barreiras. Apenas a interseção desses três componentes (em cinza) deve representar a distribuição real da espécie. Mais explicações no texto.
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do conjunto de locais onde uma espécie pode colonizar e se estabelecer com sucesso. Por fim, a espécie só conseguirá manter populações estáveis onde, em primeiro lugar, os propágulos viáveis dela forem capazes de chegar (representado pelo conjunto “M” na Figura 1). Assim, uma restrição espacial externa definida por barreiras à dispersão e pela distância se soma às restrições internas de cada espécie impostas por sua capacidade de dispersão para determinar o conjunto de locais “alcançáveis” e que podem fazer parte de sua distribuição. A distribuição real da espécie é o resultado da interseção de todos esses fatores. Assim, a distribuição da espécie não é uma simples projeção no espaço geográfico do nicho da espécie, mas envolve mais restrições espaciais e históricas que devem ser consideradas (De Marco et al., 2008). Uma resposta imediata à existência das Restrições Wallaceanas foi o desenvolvimento de ferramentas para estimar a distribuição potencial das espécies a partir do arcabouço conceitual explicado no parágrafo anterior. Um enorme número de algoritmos foi desenvolvido para buscar relacionar os pontos de ocorrência conhecidos com os dados ambientais, estimando principalmente o nicho Grinelliano das espécies e buscando projetá-lo em mapas de distribuição potencial. Evidentemente, como os pontos coletados já são o resultado dos três sub-conjunto de variáveis sobre a distribuição da espécie, o modelo trás também informação sobre a porção Eltoniana do nicho, mesmo que não de forma explícita. A literatura apresenta uma série de avaliações sobre o uso desses modelos (Segurado & Araujo, 2004; Elith et al. 2006; Leathwick et al., 2006; Tsoar et al., 2007) sendo muito populares, tanto pelo seu desempenho quanto pela facilidade de uso de suas implementações computacionais, o Maxent (Phillips & Dudik, 2008), o GARP (Stockman et al., 2006), a distância de Mahalanobis (Farber & Kadmon, 2003), o BIOCLIM (Hijmans & Graham, 2006) e o DOMAIN (Carpenter et al., 1993b). No entanto, cada vez mais se percebe algumas limitações importantes no uso desses modelos. Antes de tudo, os argumentos teóricos advindos da abordagem de Sóberon e seus colaboradores (Soberon & Nakamura, 2009) deixam muito claro a dificuldade de estimar a distribuição “real” das espécies, principalmente pela dificuldade de incluir as variáveis B e M dentro do modelo. Várias técnicas recentes têm sido desenvolvidas para tratar desses dois problemas, mas em todos os casos, os resultados estão diretamente relacionados com a quantidade de informações biogeográfica já conhecida. De fato, o número de registros e a qualidade desses registros afeta diretamente a qualidade da descrição do nicho das espécies que deles pode advir (Jimenez-Valverde et al. 2009). No entanto, essas técnicas continuam sendo úteis para uma grande variedade de aplicações que incluem a escolha de áreas de conservação (Nobrega & De Marco, 2011) e a análise de padrões de sobreposição de distribuição (Illoldi-Rangel et al., 2004), desde que os limites desses métodos estejam bem compreendidos. Nessa contribuição, utilizamos duas abordagens distintas desses modelos, considerando a quantidade e qualidade de informações de ocorrência das espécies. Em espécies com muitos pontos conhecidos ou quando eles parecem descrever bem a variedade de condições onde a espécie pode ocorrer, uma estimativa do nicho da espécie pode ser aceitável. Nesse caso, técnicas mais complexas que geram modelos com muitos parâmetros podem descrever com mais detalhes e gerar modelos com mais precisão sobre a distribuição da espécie. Por outro lado, para muitas das espécies raras, endêmicas, ou ameaçadas de extinção, isso não é possível. De fato, são essas as espécies de maior interesse no uso dessa abordagem já que é nelas que as Restrições Wallaceanas mais se expressam. No entanto, um argumento muito forte é que devemos aumentar as coletas dessas espécies com o objetivo de melhor descrever seu nicho e gerar modelos mais precisos. As técnicas a serem utilizadas nesses casos devem buscar menos do que descrever o nicho das espécies, mas identificar locais com alta similaridade ambiental com os pontos onde já reconhecemos a ocorrência da espécie e, com isso, indicar áreas para novas coletas e inventários. Desafiando as restrições wallaceanas para oestudo de marsupiais neotropicais:
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O gênero Thylamys inclui cerca de 10 espécies de pequenos marsupiais adaptados a áreas abertas da América do Sul, ocorrendo dos Andes à Caatinga (Braun et al., 2005; Carvalho et al., 2009a; Teta et al., 2009), embora não haja ainda um consenso sobre a validade de algumas espécies (Giarla et al., 2010). As espécies exibem uma adaptação na base da cauda, que lhes permite fazer reservas energéticas para períodos com menor disponibilidade de alimentos. O gênero apresenta três espécies ocorrendo no Pantanal, Cerrado e Caatinga, no Brasil (T. macrurus, T. karimii e T. velutinus), com os conhecimentos que se tem até o momento sobre sistemática do grupo (e.g. Carmignotto & Monfort, 2006; Carvalho et al., 2009a). Historicamente, T. macrurus é uma espécie primitiva que teria originado posteriormente as outras duas espécies brasileiras (Braun et al., 2005; Carmignotto & Monfort, 2006). Contudo, até recentemente pouco se sabia sobre a distribuição das espécies e principalmente quais eram as espécies brasileiras. Quanto à sistemática, no passado houve incertezas sobre a identificação de algumas espécies de Thylamys (Palma, 1995; Carmignotto & Monfort, 2006), mas hoje essas diminuíram pelo menos para as espécies do Brasil, exceto talvez para a região limítrofe de distribuição entre T. macrurus e T. pusillus (Carmignotto & Monfort, 2006). A distribuição de T. macrurus abarca o leste do Paraguai e o Mato Grosso do Sul no sudoeste do Brasil; T. velutinus ocorre principalmente no Cerrado do sudeste do Brasil; e T. karimii tem distribuição mais setentrional no Cerrado, ocorrendo também na Caatinga (Carmignotto & Monfort, 2006; Melo & Sponchiado, neste volume). O conhecimento acerca dos limites de distribuição das três espécies no Brasil ainda é limitado, mas certamente o Cerrado do Brasil central é uma zona de simpatria de T. karimii e T. velutinus, além do leste de Minas Gerais (Carmignotto & Monfort, 2006; Carvalho et al., 2009a). O ritmo de coletas em regiões mais distantes do Cerrado e da Caatinga ainda é lento no Brasil para que se possa compreender de modo mais refinado a distribuição das três espécies de Thylamys. Contudo, tem gerado resultados, como a ampliação da distribuição de T. macrurus para o leste no Brasil (Cáceres et al., 2007) e para o norte, no Pantanal (Andreazzi et al., 2011), assim como a distribuição de T. velutinus para o sudoeste do Cerrado (Rodrigues et al., 2002), aproximando-se das áreas de distribuição de T. velutinus e T. karimii (Carmignotto & Monfort, 2006). Neste capítulo, nós buscamos analisar os padrões de distribuição das espécies de Thylamys brasileiros através das ferramentas de modelagem de nicho. Nós iremos distinguir a abordagem utilizada de acordo com a quantidade de informações existente sobre a distribuição e fazer uma análise voltada para a identificação de possíveis zonas de simpatria e a compreensão de padrões biogeográficos nessas espécies. Ao apresentar essas abordagens no grupo, nós buscamos também uma análise crítica desse tipo de modelo que, esperamos, ajude na análise de outros gêneros de marsupiais que estão em condições semelhantes.
Métodos Dados Ambientais Nós utilizamos seis variáveis climáticas para a América do Sul (temperatura média anual, sazonalidade da temperatura, média do trimestre mais seco, precipitação média anual, sazonalidade da precipitação e média do trimestre mais quente) derivadas da base de dados do WORLDCLIM (http://www.worldclim. org/) e duas variáveis topográficas (altitude e inclinação) derivadas do modelo de elevação digital Hydro -1K (http://edcdaac.usgs.gov/gtopo30/hydro/). Todas as variáveis foram reduzidas à resolução de 0.0416 graus para a análise, representando células de cerca de 4km x 4km. CONSERVAÇÃO
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Dados de Ocorrência de Thylamys Os dados de ocorrência para as espécies de Thylamys do Brasil foram obtidos por compilação de dados da literatura, contidos em Vieira (1955), Rodrigues et al. (2002), Torres (2002), Carmignotto & Monfort (2006), Palma & Vieira (2006), Cáceres et al. (2007), Carvalho et al. (2009a), Giarla et al. (2010) e dados não publicados de NCC (Apêndice 1). No caso da espécie T. macrurus, que ocorre tanto no Brasil quanto no Paraguai, o modelo de distribuição foi calculado utilizando pontos de ocorrência tanto do Brasil quanto do Paraguai. Isto ocorre porque a base de dados climáticas utilizada no modelo incluía toda a América do Sul e a adição desses pontos aumentaria a acurácia do modelo de distribuição. Foram obtidos no total 20 pontos de T. karimii, 19 de T. macrurus e 6 de T. velutinus. Porém, ao final, considerando a restrição espacial das células de 4 km utilizadas nesse estudo, foram identificados 20 pontos espacialmente únicos para T. karimii, 16 para T. macrurus e 6 para T. velutinus.
Procedimentos de Modelagem Vários métodos têm sido apresentados para gerar predições sobre a distribuição potencial de espécies baseado na variação ambiental em pontos reconhecidos de ocorrência. Essas técnicas são reconhecidas como ponderosas para gerar predições em uma grande variedade de problemas ecológicos (Guisan & Thuiller 2005). No entanto, existem vários pontos importantes que afetam nossa definição de qual a estratégia mais efetiva de produzir esses modelos. Com certeza o número de registros disponíveis é um dos fatores mais importantes, por afetar diretamente a qualidade com que o nicho das espécies poderia ser descrito (Luoto et al. 2005). Considerando as diferenças encontradas entre as espécies de Thylamys, nossa escolha foi de um método mais complexo para modelar as espécies com mais pontos e outro mais simples, baseado em distâncias para modelar as espécies com menos pontos. De fato, os modelos mais complexos têm muito mais parâmetros e, se aplicados a problemas com poucos pontos de ocorrência, devem representar uma sobre-parametrização. Mesmo existindo técnicas de reduzir seu efeito sobre os modelos (“regularization” em Phillips & Dudik, 2008) vale a pena evitar o uso dessas técnicas com poucos dados. Para a técnica mais complexa utilizamos o MAXENT que é um dos métodos mais utilizados na literatura atual e avaliado positivamente em muitos dos testes já publicados (Elith et al., 2006; Tsoar et al., 2007). Para o método mais simples utilizamos o DOMAIN (Carpenter et al., 1993b) e a distância Euclidiana. O processo de modelagem no Maxent, assim como em outros modelos, envolvem a estimativa de parâmetros e alguns critérios de otimização. Um problema com esse procedimento é a possibilidade de sobreajustar os dados de treinamento, principalmente se existe um grande número de variáveis ambientais em relação a um pequeno número de pontos de ocorrência. Uma constante β é usada como parâmetro de regularização impedindo o sobre-ajuste nesses casos (Phillips et al., 2006). O valor utilizado de limite de convergência foi de 10-5 e o número máximo de iterações foi limitado em 1000. A distância de Mahalanobis foi considerada como um dos métodos mais eficientes de modelagem em algumas avaliações recentes (Tsoar et al., 2007). Esse método é mais simples que o Maxent, envolvendo um número menor de parâmetros. No entanto, por envolver a inversão de matrizes de Variância-Covariância, têm restrições sérias ao número de pontos de ocorrência mínimo. Da mesma Desafiando as restrições wallaceanas para oestudo de marsupiais neotropicais:
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maneira o Domain é um método simples, baseado na similaridade ambiental medida pela distância de Gower ao ponto mais próximo ao local avaliado no espaço ecológico (Carpenter et al., 1993a). O método também facilita a interpretação de espécies com poucos pontos de ocorrência e foi considerado um bom preditor da abundância a partir de modelos de distribuição em uma análise recente (Torres et al., 2012). Por fim, a distância Euclidiana pode ser considerada como um dos métodos mais simples e que menos restrições impõe ao seu uso. Ele está baseado no simples calculo da distância ao centroide dos pontos de ocorrência no espaço ecológico e, por não envolver inversão das matrizes como no caso da Distância de Mahalanobis, pode ser calculado para qualquer número de amostras. Siqueira et al. (2009) em um estudo recente mostrou como esse método pode ser útil na identificação de áreas com condições ambientais semelhantes aos locais onde uma espécie com apenas poucos pontos de ocorrência (Byrsonima subterranea). Para as espécies com maior número de pontos de ocorrência, T. karimii e T. macrurus, utilizamos os modelos Maxent, Domain e Distância de Mahalanobis. Já para a espécie T. velutinus, com menor número de pontos de ocorrência, utilizamos somente os modelos Domain e Distância euclidiana.
Avaliação dos Modelos A avaliação de modelos de distribuição é feito usualmente por métodos que buscam determinar a eficiência da predição da ocorrência da espécie e pode envolver modelos baseados em limites previamente determinados ou não (Liu et al., 2005). Nesse estudo, nós utilizamos a área sobre a curva ROC (AUC) como medida exploratória da qualidade dos modelos gerados independente dos limites utilizados. Mesmo assim, a definição de um limite para a predição binária é um tema relevante na construção de modelos de distribuição e que afeta seu resultado (Elith et al., 2006). Nós avaliamos tanto o limite mínimo (menor valor de adequabilidade detectado nos pontos de ocorrência) e o máximo (valor que minimiza ao mesmo tempo a sobre-previsão e a omissão na curva ROC) como alternativas.
Conectividade Os modelos de distribuição baseados em variáveis ambientais podem gerar uma distribuição potencial nem sempre totalmente conectada entre si. Muitas vezes fragmentos de área com alta adequabilidade estão rodeados por áreas com baixa adequabilidade o que poderia dificultar a colonização desta área pelas espécies. Pensando nisso, nós utilizamos o conceito de fragmento para calcular o quanto cada “fragmento” desses estava distante dos pontos de ocorrência. Para isso, consideramos áreas adequadas à junção dos modelos (“ensemble”) para cada espécie considerando o limite máximo de cada modelo. Para identificar esses “fragmentos” de ambiente adequado utilizamos uma regra em que somente células vizinhas ortogonais são consideradas como fazendo parte de um mesmo fragmento, enquanto que vizinhas diagonais fazem parte de fragmentos separados. Calculamos então a distância em metros entre o centroide de cada um desses fragmentos e o ponto de ocorrência da espécie mais próximo, essa métrica foi chamada de isolamento. Esse cálculo foi feito utilizando o programa Hawth’s Analysis Tools (Beyer, 2004). O objetivo dessa análise foi considerar a probabilidade das espécies colonizarem uma determinada área adequada ambientalmente para a espécie, buscando assim tentar inserir as restrições de movimento (porção “M” da Figura 1) no modelo para predizer a distribuição. CONSERVAÇÃO
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Resultados Todos os modelos apresentaram valores de AUC altos (Tabela 1), independente do tipo de procedimento de modelagem utilizado. Em todos os casos o procedimento Maxent apresentou maior sensibilidade às diferenças de limite para predição binária, sendo o único com predições diferentes para o limite mínimo e máximo (Tabela 1). Nesses casos, essas diferenças geraram áreas estimadas de distribuição pelo limite mínimo cerca de 2 a um pouco mais de 3 vezes maiores do que a distribuição gerada pelo limite máximo (Tabela 1). Em geral, os modelos criados pelo procedimento Domain geraram áreas de distribuição que englobavam os outros modelos (Figura 2, 3 e 4). Para as duas espécies com mais pontos, observa-se considerável variação entre os modelos, mas com o Maxent sempre produzindo modelos com menor área total predita (Tabela 1, Figura 2 e 3). Por outro lado, observa-se uma elevada concordância entre os modelos de distância euclidiana e o Domain para T. velutinus (Figura 4). Considerando as diferenças entre modelos, e buscando uma predição final que inclua as predições de todas as diferenças técnicas utilizadas, produzimos um modelo conjugado (“ensemble”) baseado no limite máximo (Figura 5). Adicionalmente, buscamos controlar os efeitos ligados à dispersão, avaliando a conectividade dos vários “fragmentos” de áreas de distribuição dentro do “range” da espécie. (Figura 5). Dessa forma, objetivamos identificar quais são os fragmentos de área adequada com maior probabilidade da espécie ter colonizado. Se restringirmos a predição de distribuição de cada espécie às áreas contínuas de sua distribuição para as quais existem pontos de coleta conhecidos, é fácil observar que a distribuição de T. karimii deve se estender pela maior parte das áreas com vegetação aberta do Brasil. Sua área de distribuição também avança por áreas com climas mais secos dentro da Amazônia, na direção de Santarém, Pará. Se incluirmos as áreas com menor conectividade (Figura 5), várias áreas que são reconhecidas pela presença de inclusões savanóides dentro de florestas Amazônicas, no Acre e no Pará, são incluídas, além de uma grande parte de Roraima que mantém um Cerrado relictual. Além disso, é importante frisar que a grande área conectada central da distribuição de T. karimii inclui algumas possíveis barreiras à sua distribuição, principalmente grandes rios como o Rio São Francisco. No entanto, o encontro de pontos de ocorrência Tabela 1. Diferenças nos modelos relacionadas ao número efetivo de pontos de ocorrência (N), eficiência dos modelos (valor de AUC) e área de distribuição predita considerando o limite máximo e mínimo para os modelos. O limite mínimo de adequabilidade busca minimizar os erros de omissão, enquanto o limite máximo busca minimizar os erros de comissão. Espécies
Thylamys karimii
Thylamys velutinus
Limite mínimo
Área (10 km²)
Área (103 km²)
0,921
3.434,9
3.434,9
20
0,945
2.321,3
2.321,3
20
0,932
0677,2
1.293,7
0,976
1.055,9
1.055,9
N
AUC
Domain
20
Mahalanobis Maxent Domain
Thylamys macrurus
Limite máximo
Modelo
17
3
Mahalanobis
17
0,996
0141,3
0141,3
Maxent
17
0,976
0033,8
0105,0
0,964
1.872,1
1.872,1
0,964
1.882,8
1.882,8
Domain Euclidiana
06 06
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Figura 2. Locais com maior adequabilidade para Thylamys karimii utilizando os modelos Maxent, Domain e Distância de Mahalanobis. “TH min” significa o limite mínimo de adequabilidade e “TH max” significa o limite máximo. Os círculos em vermelho representam os pontos de ocorrência utilizados no modelo.
Figura 3. Locais com maior adequabilidade para Thylamys macrurus utilizando os modelos Maxent, Domain e Distância de Mahalanobis. “TH min” significa o limite mínimo de adequabilidade e “TH max” significa o limite máximo. Os círculos em vermelho representam os pontos de ocorrência utilizados no modelo.
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Figura 4. Locais com maior adequabilidade para Thylamys velutinus utilizando os modelos Domain e Distância Euclidiana. “TH min” significa o limite mínimo de adequabilidade e “TH max” significa o limite máximo. Os círculos em vermelho representam os pontos de ocorrência utilizados no modelo.
Figura 5. Proximidade entre o centroide de cada fragmento de área adequada para o ponto de ocorrência da espécie mais próximo. Foi utilizada uma junção dos modelos (“ensemble”) considerando o limite máximo de adequabilidade para definir os fragmentos. Sendo eles: Maxent, Domain e Distância de Mahalanobis para T. karimii e T. macrurus, já para T. velutinus foram utilizados os modelos Domain e Distância Eclidiana.
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Figura 6. Zonas de simpatria entre os pares de espécies de Thylamys do Brasil. Círculos amarelos representam os pontos de ocorrência de T. karimii, triângulos verdes representam os pontos para T. macrurus e quadrados vermelhos para T. velutinus.
dos dois lados desse rio e o pequeno potencial desses pontos funcionarem como barreiras nas nascentes de grandes rios amazônicos que nascem no Cerrado servem para descartar a possibilidade dessas serem barreiras efetivas dentro desse fragmento. Por outro lado, as cadeias de montanhas na Mata Atlântica podem estar servindo de barreiras efetivas para a colonização de áreas próximas ao litoral onde, apesar de existirem condições ambientais adequadas, nenhum ponto de ocorrência foi até o momento relatado. É importante notar, no entanto, que essas áreas litorâneas em que os modelos consideraram ser climaticamente semelhantes a locais onde T. karimii já foi encontrado, apresentam vegetação muito distinta, sendo primariamente de florestas atlântica incluindo áreas de matas semi-deciduais. Essas diferenças podem também estar influenciando a ocorrência dessa espécie por manterem uma rica fauna de marsupiais, que podem representar um impedimento competitivo à persistência dessa espécie. Por outro lado, a área conectada de T. macrurus sobrepõe-se largamente ao bioma Pantanal, incluindo áreas marginais de Cerrado no Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo. Existem áreas não conectadas no Cerrado e na Mata Atlântica que, quase certamente, estão isoladas para colonização dessa espécie seja por barreiras ambientais, rios e cadeias de montanhas. Novamente, não existem barreiras suficientemente fortes para impedir a colonização natural dessas espécies nas áreas previstas pelo modelo no fragmento principal (e.g. Cáceres, 2007). A avaliação da conectividade para T. velutinus deve ser feita com mais cautela considerando o seu menor número de pontos de ocorrência. Grande parte da área do fragmento principal, dentro do domínio da Mata Atlântica, pode representar uma área de difícil acesso para a espécie devido ao tipo de vegetação que é diferente do encontrado nos pontos de ocorrência registrados para a espécie. Para os fragmentos CONSERVAÇÃO
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menos conectados ao fragmento principal é possível que a colonização da espécie seja impedida por barreiras ambientais intermediárias, como por exemplo, áreas de agricultura. Considerando a junção entre os modelos de distribuição se nota uma larga sobreposição da área de T. velutinus e T. karimii, mas uma razoável diferenciação na distribuição de T. macrurus em relação às duas anteriores (Figura 6). É possível notar uma área a leste na distribuição de T. macrurus que sobrepõe a T. karimii e para qual existe apenas um ponto de ocorrência daquela espécie. É possível que nessa região, que se estende pelo noroeste do estado do Mato Grosso do Sul e sul de Goiás, seja uma área potencial de sobreposição dessas espécies, incluindo T. velutinus, em termos de condições ambientais. Coletas nessa região podem ajudar a elucidar se realmente essa sobreposição existe ou uma dessas espécies exclui a outra nessas áreas, representando um limite biótico à distribuição. O mesmo foi observado com relação à sobreposição de áreas adequadas para T. macrurus e T. velutinus, sendo que nessas áreas somente foram registrados pontos de ocorrência de T. velutinus. A exclusão competitiva poderia explicar esse padrão, porém somente coletas nessa região de sobreposição poderiam elucidar uma possível ausência de áreas simpátricas entre essas duas espécies. Na área de sobreposição da distribuição de T. velutinus e T. karimii observa-se pontos de ocorrência de ambas espécies, inclusive pontos de ocorrência muito próximos uns dos outros. Indicando que uma exclusão competitiva entre essas espécies não é provável.
Discussão As técnicas apresentadas aqui representam uma visão mais equilibrada sobre o uso dos modelos e uma revisão de suas limitações. A escolha dos métodos como uma função direta da quantidade de informações disponíveis é algo cada vez mais importante na literatura e representa uma das discussões importantes sobre a forma de tratar a modelagem de distribuição de espécies de forma mais efetiva (Kamino et al., 2011). Uma discussão comum sobre esse tipo de abordagem envolve uma visão limitada de que só se podem comparar “coisas iguais”, “procedimentos iguais”. Nessa visão, não podemos comparar os modelos gerados por técnicas diferentes, como, no nosso caso, os modelos para as duas espécies com mais informações e aquela mais rara. Em primeiro lugar, nada é “igual” nesse universo. Nenhum procedimento é perfeitamente controlado e os níveis de qualidade de descrição do nicho das espécies variam largamente por uma série de fenômenos incluindo o nível de vícios na sua amostragem (Platts et al., 2008). Por outro lado, é preciso definir muito claramente “o que comparar”. Evidentemente, todos os modelos devem apresentar algum nível de imprecisão, mas utilizar essa imprecisão como argumento para não avançar uma possível discussão da distribuição das espécies representaria um considerável entrave no desenvolvimento do pensamento ecológico e consequentemente na minimização das restrições wallaceanas. A menor sobreposição de T. macrurus com as outras espécies em relação à distribuição geográfica, que representa menor similaridade nas variáveis climáticas, também é congruente com a menor semelhança dessa espécie com relação às variáveis morfológicas (Carmignotto & Monfort, 2006) e ecológicas, como a capacidade de escalar árvores e ocorrência também em áreas florestadas (Cáceres et al., 2007). Além disso, T. macrurus representa um clado basal quando comparado com outras espécies de Thylamys da América do Sul (Carvalho et al. 2009a). Já T. velutinus e T. karimii representam espécies com maior similaridade morfológica (Carmignotto & Monfort 2006) e possivelmente molecular (Carvalho et al., 2009a) e, em consequência, com distribuição geográfica também mais sobreposta. Uma possível diferenciação mais Desafiando as restrições wallaceanas para oestudo de marsupiais neotropicais:
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recente entre essas últimas espécies poderia explicar a ocorrência em áreas ambientalmente mais similares. Por outro lado, espécies morfologicamente mais semelhantes tendem a utilizar os mesmos recursos, o que aumentaria a competição entre elas. Assim, entre duas espécies muito semelhantes esperaríamos encontrar uma alta sobreposição de áreas adequadas, mas, pelo princípio da exclusão competitiva (Gause, 1960), nenhuma sobreposição em pontos de ocorrência. Sendo assim, seria mais esperado que houvesse uma exclusão competitiva entre T. velutinus e T. karimii do que entre ambas e T. macrurus. No entanto, isso foi observado apenas parcialmente já que T. velutinus e T. karimii são simpátricas com relação a alguns pontos de ocorrência no centro do Cerrado e T. macrurus não possuiu pontos muito próximos a nenhuma das outras duas espécies. Áreas de sobreposição entre T. macrurus com as outras duas espécies brasileiras são esperadas para o sul do Cerrado, na região ao sul e ao norte da fronteira entre Mato Grosso do Sul e Goiás (com T. velutinus; Rodrigues et al., 2002; Cáceres et al., 2007) e na região ao norte do Pantanal em contato com o Cerrado, no sul do Mato Grosso (com T. karimii). Os dados para o Pantanal ainda são escassos, e pouco se sabe sobre as espécies de Thylamys para esse bioma; contudo, T. macrurus foi recentemente registrado no sul do Pantanal (Andreazzi et al., 2010). Por outro lado, T. karimii e T. velutinus, além de já terem sido registrados em simpatria no Brasil central no norte de Goiás (e.g. Carvalho et al., 2009a), certamente deverão ocorrer em simpatria por uma área bem maior do que a atualmente reconhecida, tais como no sul de Goiás e norte de Minas Gerais. Como é um estado localizado no centro do bioma Cerrado e, por conseguinte, recebe varias influências biogeográficas, Goiás e regiões do entorno (e.g. MS, MT e MG) devem ainda revelar muito de como essas três espécies co-ocorrem ou se apartam em suas distribuições, à medida que mais amostragens forem sendo realizadas em áreas mais remotas do Cerrado. Historicamente, pouco se sabe como teria ocorrido a dispersão e especiação das espécies de Thylamys, mas ela pode ter sido complexa (Giarla et al., 2010). Análises moleculares recentes colocam um quadro interessante de especiação em que T. macrurus não seria um ancestral direto das outras duas espécies brasileiras, como no caso de T. karimii que é mais aparentado a T. pusillus do Chaco paraguaio e argentino (Carvalho et al., 2009a). Nesse caso, o clado brasileiro composto por T. karimii + T. velutinus teria hipoteticamente surgido de algum ancestral que ocorria no Chaco, mas não necessariamente T. macrurus e, posteriomente, teria se especiado, originando T. karimii ocupando o norte do Cerrado e a Caatinga e T. velutinus ocupando o sudeste do Cerrado. Porém, a relação de parentesco entre T. karimii e T. velutinus ainda precisa ser confirmada (Carvalho et al., 2009a). Atualmente, parece haver uma boa correspondência entre a distribuição das espécies de Thylamys e a distribuição de macrohabitats (Giarla et al., 2010). Quaisquer espécies que sejam preferencialmente associadas à faixa de vegetação aberta na América do Sul (Caatinga-Cerrado, Pantanal-Chaco; Ab’Saber, 1977) estão sob os efeitos da diminuição de áreas naturais pela conversão desses sistemas em grandes sistemas de lavouras (Mantovani & Pereira, 1998). O avanço das áreas de plantação de soja e de cana-de-açúcar no Cerrado (Fearnside 2001) leva a uma diminuição de áreas para todas as espécies aqui estudadas. Em especial, um estudo recente mostrou que paisagens dominadas pela agricultura têm parâmetros de fragmentação mais negativos para a fauna do que paisagens dominadas por pastagens (Carvalho et al. 2009b), o que sugere que a conversão das áreas que ora se observa no Cerrado poderá ter efeitos ainda maiores no futuro. As informações biológicas associadas aos modelos aqui apresentados, no entanto, podem sugerir ainda níveis diferentes de risco entre essas espécies. Cáceres et al. (2007) mostram que T. macrurus, apesar de ter uma distribuição mais restrita, é abundante nas áreas onde é encontrada. Isso também CONSERVAÇÃO
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sugere que a qualidade ambiental dos fragmentos de ambientes nativos no sudoeste do Cerrado ainda mantém algumas condições favoráveis para essas populações (ver por exemplo Nápoli & Cáceres, 2012). Thylamys velutinus, no entanto, associado a uma distribuição mais restrita que a de T. karimii, apresenta uma distribuição que se sobrepõe a uma área de grande desenvolvimento agrícola no leste e sudeste do Brasil. Se essa espécie é recente na história do gênero, com uma distribuição que ainda se equilibra com a disponibilidade de áreas adequadas no sistema, ela está sendo afetada pela mudança antrópica rápida nos locais com condições apropriadas à sua persistência. Por fim, apesar de também sofrer com as mudanças de paisagem nas áreas abertas do Cerrado aqui relatadas, o maior tamanho da distribuição de T. karimii, associado à ocorrência em regiões mais remotas do Cerrado e da Caatinga, é sua maior salvaguarda em termos de persistência a longo prazo.
Agradecimentos Esse trabalho foi parcialmente financiado por várias bolsas de produtividade do CNPq para Paulo De Marco Jr. Poliana Mendes é financiada por bolsa do CNPq junto à pós-graduação em Ecologia e Evolução da UFG. Nilton C. Cáceres foi bolsista de produtividade do CNPq e recebeu bolsa de pós-doutorado no exterior (PDE) da mesma agência enquanto colaborava neste capítulo.
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Apêndice 1. Localidade, município, estado e suas coordenadas geográficas em decimais utilizadas neste capítulo, conforme a espécie e fonte consultada. Thylamys macrurus: Cáceres et al. (2007): 1) Faz. Princesinha, Bonito, MS, -21.08, -56.83; 2) Faz. Sta Terezinha (próximo), Bonito, MS, -20.83, -56.62; 3) Piraputanga, Aquidauna, MS, -20.45, -55.5; 4) UEMS, Aquidauana, MS, -0.42, -55.67; 5) Faz. São Cristovao, Dois Irmãos do Buriti, MS, -20.5, -55.3; 6) Faz. Lindos Campos, Inocência, MS, -19.82, -51.53; N.C. Cáceres, dados não publicados: 7) Faz. Sossego, Campo Grande, MS, -20.48, -54.50; 8) Faz. Borboleta, Miranda, -20.50, -56.18; 9) Porto Conceição, Porto Murtinho, MS, -21.47, -57.90; 10) Granja 10°RCMEC, Bela Vista, MS, -22.07, -56.55; Carmignotto & Monfort (2006): 11) Faz. Califórnia, Bodoquena, MS, -20.68, -56.87; Palma & Vieira (2006): 12) Bonito, MS, -21.12, -56.45; Vieira (1955): 13) Campo Grande, MS, -20.45, -54.62; Giarla et al. (2010): 14) Escuela Agropecuaria, Concepción (Paraguay), -23.35, -57.38; Torres (2002): 15) Central, Asunción (Paraguay), -25.27, -57.67; 16) Sapucay, Paraguari (Paraguay), -25.67, -56.92. Thylamys velutinus: Rodrigues et al. (2002): 17) Parque Nacional de Emas, Mineiros, GO, -18.27, -52.88; Carmignotto & Monfort (2006): 18) Faz. Água Limpa/Reserva do IBGE, Brasília, DF, -15.93, -47.85; 19) Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, Alto Paraíso, GO, -14.03, -47.53; 20) Lagoa Santa, MG, -19.63, -43.88; 21) Cachoeira de Emas, Pirassununga, SP, -21.92, -47.35; 22) Ipanema, SP, -23.43, -47.60. Thylamys karimii: Carmignotto & Monfort (2006): 23) Cocorobó, BA, -9.87, -39.03; 24) Faz. Fundão, Cocos, BA, -14.18, -44.53, 25) Faz. Jatobá, Correntina, BA, -13.95, -45.97; 26) Estação Ecológica Águas Emendadas, Planaltina, DF, -15.58, -47.58; 27) Corumbá, Caldas Novas, GO, -17.72, -48.53; 28) Faz. Bandeirantes, Baliza, GO, -16.4, -52.45; 29) Reserva SAMA, Minaçu, GO, -13.53, -48.22; 30) 55 km N Serra da Mesa, Niquelândia, GO, -14.47, -48.45; 31) Fazenda Brejão, Brasilândia de Minas, MG, -17.03, -45.9; 32) Parque Nacional Grande Sertão Veredas, Formoso, MG, -15.25, -45.88; 33) Serra Cabral, Pirapora, MG, -17.35, -44.93; 34) Serra do Roncador 264 km N, Xavantina, MT, -12.82, -51.77; 35) Exu, PE, -7.52, -39.72; 36) Estação Ecológica Uruçuí-Uma, Uma, PI, -8.88, -44.97; 37) Parque Nacional Serra das Confusões, Guaribas, PI, -9.22, -43.47; 38) BR-364, km 55, RO, -12.52, -60.43; 39) Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, Ponte Alta do Tocantins, TO, -10.82, -46.8; 40) Guaraí, TO, -8.83, -48.5; Carvalho et al. (2009): 41) 20 km NW, Colinas do Sul, GO, -14.15, -48.07; 42) Giarla et al. (2010): Chapada dos Guimarães, MT, -15.43, -55.75.
Desafiando as restrições wallaceanas para oestudo de marsupiais neotropicais:
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CAPÍTULO 24
Mudanças Climáticas Globais e a Distribuição de Marsupiais no Brasil Rafael D. Loyola* Priscila Lemes Frederico V. Faleiro Joaquim Trindade-Filho Abstract: GLOBAL CLIMATIC CHANGES AND THE MARSUPIAL DISTRIBUITION IN BRAZIL. A wide range of evidences indicate climate change as one the greatest threats to biodiversity in the 21st century. The impacts of these changes, which may have already resulted in several recent species extinction, are species-specific and produce shifts in species phenology, ecological interactions, and geographical distributions. Here we used cutting-edge methods of species distribution models combining thousands of model projections to generate a complete and comprehensive ensemble of forecasts that shows the likely impacts of climate change in the distribution of 55 marsupial species that occur in Brazil. Consensus models forecasted range shifts that culminate with high species richness in the southeast of Brazil, both for the current time and for 2050. Most species had a significant range contraction, and will lost climate space. Turnover rates tended to be high, but vary among Brazilian biomes. We also mapped sites retaining climatic suitability, and they can be found in all Brazilian biomes, especially in the Pampas region, in southern part of the Brazilian Atlantic Forest, in the north of the Cerrado and Caatinga, and in northwest of the Amazon. Our results provide a general overview on the likely effects of global climate change on the distribution of marsupials in the country as well as in the patterns of species richness and turnover found in regional marsupial assemblages. In: CÁCERES, N.C. (Ed.). Os marsupiais do Brasil: biologia, ecologia e conservação. Campo Grande: Ed. UFMS, p. xx-zz, 2012. Laboratório de Biogeografia da Conservação, Departamento de Ecologia, ICB, Universidade Federal de Goiás, CP 131. Goiânia, GO, 74.001-970, Brasil. Autor correspondente: [email protected]
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Mudanças climáticas globais e a distribuição de marsupiais no Brasil
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Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento, Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade. Fernando Pessoa Poemas completos de Alberto Caeiro, p.126.
Introdução Fernando Pessoa certamente não se referia às mudanças climáticas globais ou aos modelos de distribuição de espécies quando escreveu essa anotação que integra os “Poemas Inconjuntos (1913-1915)” das Ficções do Interlúdio, mas o trecho acima lhes cai bem. Muito se tem dito e escrito sobre mudanças climáticas, em geral, e sobre o aquecimento global, em particular. De fato, estudos científicos indicam que as recentes taxas de extinção superam em muito àquelas inferidas a partir de períodos anteriores por meio do registro fóssil, e que as mudanças climáticas globais são uma ameaça clara à manutenção da biodiversidade no planeta (Thomas et al., 2004). Ainda assim, é sempre bom ter em mente que previsões futuras - quando feitas por um cientista e não por um vaticinador - baseiam-se em extrapolações e modelos gerais, que, por definição, são uma simplificação da realidade. Os efeitos de tais mudanças sobre a distribuição de espécies, por exemplo, são normalmente inferidos por meio de modelos empíricos (correlativos) de distribuição de espécies, os quais escondem no interior de suas previsões um copioso recheio de incerteza oriunda de diversas fontes (Araújo & New, 2007). O próprio Alberto Caeiro diria: “Verdade, mentira, certeza, incerteza o que são? [...] Qualquer coisa mudou numa parte da realidade [...] Qual a ciência que tem conhecimento para isto?”* No entanto, a Ciência (em especial as ciências naturais) se destaca por seu poder de previsão e explicação dos fenômenos naturais. Assim sendo, resta aos cientistas lançar mão de modelos para prever o comportamento de um sistema no futuro de maneira minimamente confiável. Nosso objetivo nesse capítulo é apresentar um panorama sobre os possíveis efeitos das mudanças climáticas globais sobre a distribuição de marsupiais que ocorrem no Brasil e sobre padrões de riqueza de espécies e turnover exibidos por esse grupo. Apontamos ainda locais onde a manutenção do clima adequado pode minimizar o risco de extinção de marsupiais, indicando o nível de incerteza sobre essa informação. Os marsupiais brasileiros compreendem pelos menos 55 espécies de pequeno (ca. 10 g) a média porte (ca. 4 kg) que se distribuem principalmente em ambientes de floresta ombrófila densa, como a Amazônia e a Mata Atlântica (Cáceres & Monteiro-Filho, 2006). Ainda hoje, pouco se conhece sobre a distribuição de marsupiais no interior do Brasil, principalmente em domínios como o do Cerrado, Pantanal e florestas estacionais semideciduais (Cáceres & Monteiro-Filho, 2006) - daí a importância de se gerar modelos de distribuição para essas espécies no país. Além disso, os marsupiais brasileiros figuram entre as espécies mais ameaçadas pelo processo de fragmentação florestal, embora ainda haja pouca informação detalhada sobre as respostas de marsupiais *
Fernando Pessoa, Poemas completos de Alberto Caeiro, p. 115. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ. 171 p.
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a esse processo (Fernandez & Pires, 2006; Püttker et al., neste volume). Tal vulnerabilidade reforça ainda mais a necessidade de estudos sobre os efeitos de mudanças globais (e.g. mudanças climáticas, mudanças de uso de solo, fragmentação) sobre o grupo, visando o desenvolvimento de estratégias de mitigação dos efeitos dessas mudanças sobre as espécies brasileiras. A sistemática de marsupiais brasileiros ainda é incipiente, e algumas espécies têm sofrido modificações taxonômicas devido ao maior volume de estudos sobre esta ordem no Brasil e em países vizinhos. Neste capítulo a lista proposta para os marsupiais brasileiros é conssiderada a partir do trabalhos de Rossi et al. (2006) e Gardner (2008). As subfamílias siguiram o trabalho de Voss & Jansa (2009).
Modelando Distribuição de Marsupiais no Brasil Para avaliar o padrão atual de riqueza de espécies de marsupiais no Brasil, seguimos um protocolo similar ao empregado por Loyola et al. (2012). Inicialmente, compilamos mapas de extensão de ocorrência dos marsupiais que ocorrem no Brasil a partir da base de dados da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (International Union for Conservation of Nature and Natural Resources - IUCN; www.iucnredlist.org) e sobrepusemos as distribuições das espécies à uma grade de 0,25º x 0,25º de latitude e longitude para obtenção da matriz com presenças e ausências de cada espécie em cada célula dessa grade. Essa sobreposição retornou uma lista com 55 espécies de marsupiais ocorrentes no Brasil. Em seguida, escolhemos quatro variáveis climáticas capazes de explicar a variação na presença das espécies no espaço para gerar os modelos de distribuição de espécies. Obtivemos as seguintes variáveis a partir da base de dados do WorldClim (http://www.worldclim.org/current): média da temperatura anual, sazonalidade da temperatura anual, precipitação anual e sazonalidade da precipitação anual. Os valores dessas variáveis foram gerados por meio da interpolação de dados climáticos obtidos entre os anos de 1950 e 2000 (Hijmans et al., 2005). Convertemos a resolução espacial dos dados originais disponíveis na base de dados (0,0417º) para a resolução da nossa grade (0,25º), interpolando a média dos valores presentes dentro de cada quadrícula ao longo do país. Utilizamos os dados de presença e ausência e as variáveis climáticas para modelar a distribuição das espécies. Os dados de presença e ausência foram obtidos, portanto, a partir de mapas de extensão de ocorrência - uma abordagem ainda pouco usual na literatura (ver, contudo, Diniz-Filho et al., 2009 e Lawler et al., 2009 para bons exemplos recentes). Para regiões com pouca informação sobre a presença e ausência de um grande conjunto de espécies como é o caso do Brasil, essa pode ser uma abordagem inicial para identificação de prioridades gerais que poderão ser refinadas à medida que informações mais precisas forem obtidas (Lemes et al., 2011), sendo essa abordagem hierárquica uma das propostas da biogeografia da conservação (Whittaker et al., 2005). A literatura atual discute amplamente a precisão e acurácia dos modelos de distribuição de espécies, assim como a melhor maneira de validá-los biológica ou estatisticamente (ver Cayuela et al., 2009, para uma discussão recente). Não há, todavia, consenso sobre o melhor método para a construção da função matemática que associa a presença/ausência das espécies com as variáveis ambientais disponíveis. Uma abordagem alternativa e conservadora é a de combinar projeções geradas a partir de diferentes métodos de modelagem, com o intuito de encontrar regiões consensuais para as quais todos os métodos projetam presenças ou ausências. Essa abordagem é denominada sobreposição de previMudanças climáticas globais e a distribuição de marsupiais no Brasil
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sões (ensemble of forecasts) e foi originalmente proposta por Araújo & New (2007), sendo, portanto, utilizada neste capítulo. Utilizamos seis métodos de modelagem de distribuição de espécies que variam tanto conceitualmente quanto em suas formulações estatísticas, embora sejam todos métodos de presença e ausência (Franklin, 2009). Utilizamos dois tipos de métodos distintos: (1) métodos inerentemente estatísticos, como os modelos lineares generalizados (Generalized Linear Models - GLM; Guisan et al., 2002), modelos aditivos generalizados (Generalized Additive Models - GAM; Yee & Mitchell, 1991) e curvas de regressões multivariadas adaptativas (Multivariate Adaptive Regression Splines - MARS; Friedman, 1991); e (2) métodos de inteligência artificial como o ‘Random Forest’ (Breiman, 2001), redes neurais artificiais (Artificial Neural Networks - ANN; Manel et al., 1999) e modelos de “boosting” generalizados (Generalized Boosting Regression Models - GBM; Friedman et al., 2001). Para uma revisão e mais detalhes sobre esses métodos, veja Franklin (2009). Geramos modelos de distribuição para cada espécie, dividindo aleatoriamente os dados em dois conjuntos, sendo 75% dos dados para treino (ou calibração) e 25% para teste (ou avaliação) das predições dos modelos. Mantivemos a prevalência observada de cada espécie durante a geração dos modelos. Convertemos ainda as previsões contínuas em presenças e ausências por meio da curva ROC, para, em seguida, calcularmos o ajuste dos modelos por meio da estatística de distribuição verdadeira (True Skill Statistics, TSS), que varia de -1 a +1. Valores iguais a 1 (um) indicam perfeita previsão e valores menores ou iguais a zero indicam que as previsões não são melhores que aquelas esperadas ao acaso (Allouche et al., 2006). Todos os 3.300 modelos de distribuição gerados para o clima atual (6 métodos de modelagem x 10 aleatorizações com divisão entre treino e teste x 1 modelo de clima atual x 55 espécies) foram combinados para gerar projeções consensuais a fim de aumentar a robustez das predições (Araújo & New, 2007; Diniz-Filho et al., 2009). Desta forma obtivemos uma frequência de projeções para cada quadrícula de nossa grade no Brasil e estabelecemos que uma dada espécie seria considerada presente na quadrícula se, e somente se, 50% ou mais das previsões dos modelos fossem concordantes.
O que o Futuro nos (lhes) Reserva? Para realizar previsões sobre a distribuição futura de espécies (para ano 2050) utilizamos dados de quatro modelos gerais de circulação atmosférica-oceânica (Atmosphere-Ocean General Circulation Models, AOGCMs): CCCMA-CGCM2 – desenvolvido pelo Centro Canadense para Análises de Mudanças Climáticas, CSIRO-MK2 – desenvolvido pela Comunidade Científica e Industrial de Organização e Pesquisa Australianas, HCCPR-HadCM3 – construído pelo Centro Hadley para Predição Climática e Pesquisa dos Modelos de Circulação Geral e NIES99 – desenvolvido pelo Centro Japonês de Pesquisas Climáticas. Consideramos dois cenários de desenvolvimento sócio-econômico e emissão de gases de efeito estufa (notadamente CO2), A2a (pessimista) e B2a (otimista). Em seguida, aplicamos os mesmos métodos de modelagem descritos acima, para modelar e projetar a distribuição futura das espécies. Todos os 26.400 modelos (6 métodos de modelagem x 10 aleatorizações com divisão entre treino e teste x 4 modelos climáticos x 2 cenários de emissão de gases de efeito estufa x 55 espécies) foram sobrepostos a fim de gerar projeções consensuais mais robustas. CONSERVAÇÃO
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Tabela 1. Riqueza média de espécies de marsupiais brasileiros (S) modelada para o presente e futuro (2050), variação dessa riqueza (∆), turnover médio e porcentagem de variação (mediana) do tamanho da distribuição geográfica acompanhada do desvio interquartil, obtida em cada cenário de emissão de gases de efeito estufa, método de modelagem e modelo climático. Cenário Método GAM
GBM
GLM
A2a
MARS
RF
ANN
GAM
GBM
GLM
B2a
MARS
RF
ANN
Modelo climático CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99 CCCMA-CGCM2 CSIRO-MK2 HCCPR-HadCM3 NIES99
S espécies (presente) 11,28 11,28 11,28 11,28 10,85 10,85 10,85 10,85 14,2 14,2 14,2 14,2 11,65 11,65 11,65 11,65 8,53 8,53 8,53 8,53 14,42 14,42 14,42 14,42 11,28 11,28 11,28 11,28 10,85 10,85 10,85 10,85 14,2 14,2 14,2 14,2 11,65 11,65 11,65 11,65 8,53 8,53 8,53 8,53 14,42 14,42 14,42 14,42
S espécies (futuro) 10,79 10,63 9,88 10,01 9,46 9,85 8,27 8,97 15,4 14,78 15,05 14,21 10,34 10,83 8,86 9,21 8,22 8,36 7,34 8,27 11,83 12,15 10,16 11,66 10,77 10,86 9,64 10,53 10 9,97 8,47 9,38 15,05 14,44 14,85 13,59 10,98 10,97 8,9 10 8,49 8,42 7,49 8,63 12,60 12,12 10,62 11,99
∆ riqueza
Turnover
0,49 0,65 1,40 1,27 1,39 1 2,57 1,87 -1,2 -0,58 -0,85 -0,01 1,31 0,82 2,79 2,44 0,31 0,16 1,19 0,25 2,59 2,27 4,26 2,76 0,51 0,42 1,64 0,75 0,85 0,88 2,37 1,47 -0,85 -0,24 -0,65 0,61 0,67 0,68 2,76 1,65 0,04 0,11 1,04 -0,1 1,82 2,30 3,80 2,43
0,50 0,37 0,55 0,48 0,45 0,38 0,54 0,48 0,49 0,35 0,53 0,49 0,52 0,40 0,57 0,50 0,43 0,36 0,54 0,45 0,45 0,37 0,51 0,47 0,32 0,35 0,52 0,42 0,38 0,37 0,53 0,45 0,31 0,35 0,52 0,44 0,37 0,38 0,55 0,45 0,38 0,37 0,54 0,42 0,39 0,37 0,52 0,45
Mudanças climáticas globais e a distribuição de marsupiais no Brasil
% variação range (desvio interquartil) -44,35 (51,98) -26,75 (30,59) -52,76 (40,44) -30,77 (41,22) -44,97 (44,41) -26,93 (30,14) -49,66 (28,88) -39,03 (30,43) -33,19 (41,91) -7,76 (26,26) -34,12 (60,03) -21,18 (42,1) -52,04 (41,18) -28,72 (26,03) -46,32 (29,14) -34,75 (40,05) -21,17 (38,52) -7,83 (33,13) -35,58 (49,38) -0,21 (0,39) -21,17 (38,52) -7,83 (33,13) -35,58 (49,38) -21,04 (38,79) -4,21(23,94) -20,24 (30,20) -38,78 (39,34) -30,70 (32,26) -22,36 (23,24) -29,68 (27,66) -42,72 (35,93) -34,01 (26,55) 1,49 (19,73) -13,91 (26,46) -25,3 (56,3) -22,71 (34,9) -10,82 (20,23) -21,31 (23,62) -36,47 (27,53) -32,35 (25,84) -0,03 (0,23) -10,63 (31,19) -34,87 (41,99) -12,87 (38,57) -3,34 (23,3) -10,63 (31,19) -34,87 (41,99) -12,77 (38,57)
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Uma vez que a riqueza de espécies (S) foi obtida pelo número de presenças de cada espécie que se sobrepõem cada célula, podemos calcular o turnover de espécies (T) como sendo T = (G+L)/(S+G), onde G e L são os números de espécies ganhas ou perdidas em cada célula, respectivamente (Thuiller, 2004). Observe que o turnover de espécies foi calculado por meio da comparação das distribuições geográficas das espécies modeladas no presente (e não as extensões de ocorrência observadas) e em 2050. Também derivamos uma métrica simples de diferença na riqueza modelada entre projeções atuais e o consenso médio para 2050 (ver Tabela 1). Finalmente, utilizamos a média das projeções da distribuição das espécies em cada célula da grade a fim de gerar um mapa consensual da riqueza de espécies, bem como o mapeamento da incerteza associada aos modelos. O cálculo da incerteza foi feito a partir de uma análise de variância com três fatores e sem replicação (Sokal & Rohlf, 1995), que quantificou a variação associada a cada fonte de incerteza, utilizando a riqueza de espécies como variável resposta e métodos de modelagem, modelos climáticos e cenários de emissão de gases de efeito estufa como fatores (ver Diniz-Filho et al., 2009). Em seguida, obtivemos a soma de quadrados total, provenientes de cada uma dessas fontes de incerteza. Como, a par-
Figura 1. Padrão de riqueza de espécies de marsupiais do Brasil (atual e futuro, 2050) previsto por modelos de distribuição de espécies gerados a partir de diferentes métodos de modelagem (GAM, GBM, GLMA, MARS, Random Forest, Redes Neurais), modelos climáticos (CGCM3, MK2, HadCm3, NIES99) e cenários de emissão de gases de afeito estufa (otimista, B2a e pessimista, A2a). Ver o texto para mais detalhes. [esta figura em cor está disponível na seção de fotos ilustrações coloridas no meio do livro]
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tir das projeções de cada modelo, fizemos a análise para cada célula da grade que cobre completamente o Brasil, foi possível mapear cada componente da variância e identificar locais de baixa e alta incerteza no país (ver Figura 2). Os modelos de distribuição de espécies diferiram principalmente segundo os métodos de modelagem empregados e os modelos climáticos utilizados na modelagem (Figura 1). Para a maioria das espécies o valor da estatística TSS foi relativamente alto (TSS ± DP = 0,77 ± 0,14), indicando um bom ajuste do modelo. Os métodos utilizados para a modelagem foram responsáveis por 62,6% da variação entre as projeções. Os modelos climáticos contribuíram com 10,3% e os cenários menos de 2,7% do total de variação. Em geral, todos os métodos indicam alta riqueza no sudeste do Brasil, com baixa riqueza na porção sul e nordeste. Projeções dos modelos lineares generalizados fornecem uma clara exceção a esse padrão, com alta riqueza também na região norte do país (Figura 1). Assim como para o clima atual, todos os nossos modelos prevêem uma redução na riqueza de espécies, independente do cenário de emissão de gases de efeito estufa (Figura 1). Agora focaremos nossa atenção no mapa consensual derivado da combinação de todas as projeções acima mencionadas, pon-
Figura 2. Mapa consensual do padrão de riqueza de espécies de marsupiais do Brasil para o clima atual e para o ano de 2050, mapa do turnover médio previsto pelos modelos e mapas com a incerteza associada aos métodos de modelagem de distribuição, modelos climáticos e cenários de emissão de gases de efeito estufa. Ver texto para mais detalhes. [esta figura em cor está disponível na seção de fotos ilustrações coloridas no meio do livro]
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derada pelo ajuste do modelo. Esse modelo consensual prevê uma gama de mudanças nas distribuições das espécies que culminam em alta riqueza de espécies na região sudeste do Brasil, tanto para o clima atual quanto para 2050 (Figura 2). A maioria das espécies exibiu uma contração de sua distribuição geográfica (em média 67% de contração), embora o modelo não preveja a extinção de nenhuma das 55 espécies até 2050 (Tabela 1). Embora os cenários futuros não tenham demonstrado uma dramática redução na riqueza de espécies, o turnover foi alto em todo o Brasil, variando de 0 a 95%. A costa da Mata Atlântica, a região centro-sul do Brasil e Amazônia ocidental devem ter altas taxas de substituição de espécies (Figura 2 e Tabela 1). As fontes de incerteza associadas aos modelos de distribuição de espécies mostram um padrão diferente entre si (Figura 2). A incerteza oriunda dos métodos é maior na região nordeste, centro-oeste e sul (regiões de baixa riqueza). A incerteza associada aos modelos climáticos, em contrapartida, é maior na região norte. A fonte com menor incerteza associada aos modelos de distribuição das espécies são os diferentes cenários de emissão de gases de efeito estufa. Como dito anteriormente, a maioria das espécies possivelmente sofrerá uma redução de sua área de distribuição. Para evidenciar esse padrão, calculamos a porcentagem de ganho e a perda de espaço climático adequado das espécies entre o presente e o futuro, para cada combinação de modelo de distribuição de espécies e modelo climático (ver Figura 3). Para isso, quantificamos, por espécie, a quantidade
Figura 3. Proporção de locais climaticamente adequados que deve ser perdida ou ganha por marsupiais do Brasil de acordo com seis métodos de modelagem de distribuição de espécies (GAM, GBM, GLMA, MARS, Random Forest, Redes Neurais) e quatro modelos climáticos (CGCM3, MK2, HadCm3, NIES99). Os valores representam a mediana da porcentagem de células da grade perdidas ou ganhas para todas as espécies de marsupiais, em um consenso de cenários de emissão de gases de efeito estufa (B2a e A2a). A linha de 1 para 1, indica o esperado caso a perda ou ganho de clima adequado fosse proporcional e aleatória. Ver texto para detalhes. [esta figura em cor está disponível na seção de fotos ilustrações coloridas no meio do livro]
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de novas células que serão ocupadas (ganho de espaço climático adequado) e a quantidade de células que serão perdidas (perda de espaço climático adequado) no futuro. Calculamos essas medidas sempre em relação ao tamanho da distribuição geográfica das espécies no presente, tendo assim uma medida em porcentagem de células. Finalmente, calculamos a mediana da porcentagem de células ganhas e perdidas para cada combinação de modelo de ditribuição de espécies e modelo climático e as representamos no gráfico de dispersão (Figura 3, ver também Tabela 1, para resultados individualizados por cenário de emissão de dados de efeito estufa, método de modelagem e modelo climático). De maneira geral, os marsupiais devem perder mais espaço climático do que ganhar, sendo esse padrão consistente para as combinações de métodos de modelagem e modelos climáticos (ver Figura 3, Tabela 1). Entretanto, houve variação na magnitude das predições de perda e ganho entre os métodos e os modelos climáticos, evidenciando agrupamentos reunidos sob os diferentes métodos utilizados para a modelagem de distribuição, que se distinguem principalmente quanto ao ganho de espaço climático (Figura 3). O método “Random Forest” apresentou maiores ganhos de espaço climático, ao passo que outros métodos apresentaram valores semelhantes. Os modelos climáticos, em contrapartida, distinguem-se principalmente quanto à perda de espaço climático. Nesse caso, o modelo gerado pelo centro Hadley (HadCm3), no Reino Unido, apresenta maiores perdas de clima adequado (Figura 3). Para avaliar em que locais do Brasil um investimento estratégico em pesquisa e conservação de marsupiais seria mais adequado, calculamos a porcentagem de espécies que retêm clima adequado em cada célula de nossa grade (Figura 4). Esse valor é obtido dividindo o número de espécies que se encontram atualmente na célula e que permanecerá na célula no futuro pela riqueza de espécies atual da célula (ver Garcia et al., 2012).
Figura 4. Porcentagem de espécies de marsupiais brasileiros que devem reter locais com clima adequado. Os resultados correspondem à mediana da porcentagem de espécies em cada local, segundo obtido pelo modelo consensual de todos os métodos de modelagem (GAM, GBM, GLMA, MARS, Random Forest, Redes Neurais), modelos climáticos (CGCM3, MK2, HadCm3, NIES99) e cenários de emissão de gases de afeito estufa (otimista, B2a e pessimista, A2a). Ver o texto para mais detalhes. [esta figura em cor está disponível na seção de fotos ilustrações coloridas no meio do livro]
Mudanças climáticas globais e a distribuição de marsupiais no Brasil
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As regiões com maiores porcentagens de espécies com retenção de clima adequado no Brasil coincidem com regiões de baixa substituição de espécies entre o presente e o futuro (i.e. baixo turnover; compare as Figuras 3 e 4). Todos os biomas brasileiro possuem regiões com alta retenção de clima adequado para marsupiais. Essas áreas são particularmente evidentes no extremo sul dos Pampas, no sul e sudeste da Mata Atlântica, sudeste do Pantanal, norte do Cerrado, oeste e norte da Caatinga e ao leste e noroeste da Amazônia (Figura 4).
Palavra Final É importante observar que nossa abordagem é baseada na modelagem da distribuição de espécies no Brasil e não leva em consideração que a distribuição (tamanho, formato e local) dos biomas brasileiros pode se alterar (Salazar et al., 2007). As mudanças climáticas também podem mudar a distribuição geográfica das espécies presentes em países ao redor do Brasil, que não foram incluídas nesta análise e que poderiam invadir os próprios limites nacionais. Apesar disso, acreditamos que nossas generalizações são válidas por duas razões (ver também Diniz-Filho et al., 2009). Em relação às mudanças apenas no Brasil, isso seria um problema de fato apenas para as espécies com distribuições limitadas e especialistas em habitat. O Brasil tem um número baixo de marsupiais endêmicos, portanto, a modelagem da distribuição geográfica de um grande número de espécies provavelmente forneceria um retrato realista para o país (apesar dessas espécies poderem expandir para além do domínio sob análise, como em qualquer exercício de modelagem). Em segundo lugar, o mesmo argumento de baixo endemismo é válido para a tendência da baixa riqueza modelada de espécies, já que não levamos em consideração outras espécies que estão atualmente fora do Brasil e que poderiam ocupar o país sob certas condições de mudanças climáticas. Nossa abordagem de modelagem também pressupõe que a distribuição geográfica das espécies (e, consequentemente, a riqueza de espécies), é influenciada pelas variáveis ambientais utilizadas neste estudo, as quais são todas de natureza climática (ver Terribile et al., 2009). Para a maioria das espécies, os modelos realmente apresentaram uma adequação relativamente alta aos dados atuais (segundo a estatística TSS). Como indicamos no início do capítulo, modelos são uma simplificação da realidade e sempre têm pressupostos claros. Vale à pena mencionar aqui uma citação do filósofo da ciência Karl Poper: “A ciência não é um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos. [...] Nossa ciência não é conhecimento (episteme): ela jamais pode proclamar haver atingido a verdade, ou um substituto da verdade, como a probabilidade. [...] Não sabemos: só podemos conjecturar. Nossas conjecturas são orientadas por fé não científica, metafísica (embora biologicamente explicável) em leis, em regularidades que podemos desvelar, descobrir” Karl Popper, A lógica da pesquisa científica, p. 305-306.** Mapear padrões baseados em modelos correlativos de distribuição de espécies têm se tornado uma tarefa importante e amplamente difundida. Nossos resultados fornecem um geral panorama sobre os ** Karl R. Popper, A lógica da pesquisa científica. Ed. Pesamento-Cultrix, São Paulo. 567 p.
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possíveis efeitos das mudanças climáticas globais sobre a distribuição de marsupiais que ocorrem no Brasil e sobre padrões de riqueza de espécies e turnover exibidos por esse grupo. Os resultados apontam para uma redução generalizada das distribuições das espécies, embora, felizmente, não tenhamos previsto nenhuma extinção futura. Locais onde haverá presumivelmente a manutenção do clima adequado para marsupiais são os mais indicados para estudos futuros sobre a viabilidade de estabelecimento de áreas protegidas em qualquer nível ou áreas de amortecimento e prioritárias manejo de fauna. Sob cenários de mudanças climáticas, os marsupiais do Brasil podem encontrar refúgios estacionários (Araújo, 2009) em áreas atualmente protegidas quando a variação climática registrada esteja dentro dos seus limites de tolerância ou quando tenham ao seu alcance habitats favoráveis. Apesar da incerteza associada às projeções de deslocamentos das áreas de distribuição, é necessário que ocorram esforços para garantir a conservação de áreas que irão tornar-se críticas para a persistência das espécies no futuro (Garcia & Araújo, 2010). É importante ressaltar que o processo de dispersão das espécies será crucial para a adaptação às mudanças climáticas (Araújo, 2009). Como nem sempre as espécies poderão persistir ou migrar exclusivamente por meio de áreas protegidas ou corredores de habitat adequado, faz-se necessário o mapeamento de áreas de elevada conectividade que permitam às espécies atravessar as paisagens à medida que o clima muda (Garcia & Araújo, 2010). Essa necessidade realça a importância de estratégias de conservação que abarquem não só áreas protegidas, mas também a matriz que as circunda (Hannah et al., 2002; Opdam & Wascher, 2004). Ações como as mencionadas acima, especialmente quando combinadas, podem, a médio prazo, minimizar drasticamente o risco de extinção de marsupiais, protegendo um importante componente da fauna dos ecossistemas naturais do Brasil.
Agradecimentos Somos gratos à Nilton Cáceres pela gentileza do convite para escrever esse capítulo. R.D.L. é bolsista de produtividade do CNPq (processo #304703/2011-7). P.L. é bolsista de doutorado do CNPq. F.V.F. e J.T-F são bolsistas de doutorado da CAPES. A pesquisa do Laboratório de Biogeografia da Conservação tem sido constantemente financiada pelo CNPq, CAPES, Conservação Internacional do Brasil e MCT-Rede CLIMA.
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Mudanças climáticas globais e a distribuição de marsupiais no Brasil
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