O português de Brasil : perspectivas da pesquisa atual 8484891410, 9788484891413

DIETRICH, W. / V NOLL, EDS. O PORTUGUES DO BRASIL. PERSPECTIVAS DA PESQUISA ATUAL. MADRID, 2004, 260 p.,figuras. Encuade

136 42 20MB

Spanish Pages 260 [261] Year 2004

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Table of contents :
Sumário
Prefácio
I. História da Língua
A formação do português do Brasil
Traços de língua antiga conservados ñas trilhas das bandeiras
Contatos e naturalidade
II. Geolingüística
As pesquisas geolingüísticas do portugués do Brasil
O Projeto Atlas Lingüístico do Brasil (Breve histórico e estágio atual)
Para o estudo da variação lingüística no Ceará
III. Contatos Lingüísticos
O environnement linguistique nos estados do sul do Brasil: A penetraçâo do portugués pelo alemâo, o italiano e outros idiomas
Os brasiguaios no Brasil: Aspectos fonéticos e gramaticais
Os brasiguaios no Brasil: O uso das preposições com o verbo ir
O comportamento lingüístico dos brasiguaios no Paraguai visto a partir do material do Atlas Lingüístico Guaraní-Románico (ALGR)
IV. Norma e Uso
Revisitando os contínuos de urbanizado, letramento e monitoração estilística na análise do português do Brasil
Reflexões sobre a teoría da gramaticalização. Contribuição ao debate sobre a teoría da gramaticalização no contexto do PHPB
Norma e uso - o imperativo no português brasileiro
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O português de Brasil : perspectivas da pesquisa atual
 8484891410, 9788484891413

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Wolf Dietrich / Volker Noll (Org.) Ο Portugues do Brasil Perspectivas da pesquisa atual

Lingüística luso-brasileira

Editada por: Clarinda de Azevedo Maia (Coimbra) Rosa Virginia Mattos e Silva (Salvador) Wolf Dietrich (Münster) Volker Noll (Münster)

Vol. 1

Wolf Dietrich / Volker Noli (Org.)

O Portugués do Brasil Perspectivas da pesquisa atual

Iberoamericana • Vervuert • 2004

Bibliographie information published by Die Deutsche Bibliothek Die Deutsche Bibliothek lists this publication in the Deutsche Nationalbibliografie; detailed bibliographic data is available in the Internet at http://dnb.ddb.de.

© Iberoamericana, 2004 Amor de Dios, 1 - E-28014 Madrid Tel.: +34 91 429 35 22 Fax: +34 91 429 53 97 © Vervuert, 2004 Wielandstr. 40 - D-60318 Frankfiirt am Main Tel.:+49 69 597 46 17 Fax: +49 69 597 87 43 info@iberoamericanal ibros. com www.ibero-americana.net ISBN 84- 8489-141-0 (Iberoamericana) ISBN 3- 386527-109-X (Vervuert) Depósito legal: B-42265-2005 Reservados todos los derechos Cubierta: Michael Ackermann Fotografía: Volker Noli, Olinda Este libro está impreso integramente en papel ecológico sin cloro Impreso en Cargraphics.

Sumário Prefacio I

7

Historia da Língua

Volker Noli: A formagao do portugués do Brasil

11

Heitor Megale/Sílvio de Almeida Toledo Neto: Tragos de língua antiga conservados ñas trilhas das bandeiras

27

Uli Reich: Contatos e naturalidade

55

II

Geolingüística

Maria do Socorro Silva de Aragao: As pesquisas geolingüísticas do portugués do Brasil

75

Suzana Cardoso: O Projeto Atlas Lingüístico do Brasil (Breve histórico e estágio atual)

93

Maria Elias Soares: Para o estudo da variagao lingüística no Ceará III

107

Contatos Lingüísticos

Joachim Born: O environnement linguistique nos estados do sul do Brasil: A penetragao do portugués pelo alemao, o italiano e outros idiomas

131

Wolf Dietrich: Os brasiguaios no Brasil: Aspectos fonéticos e gramaticais

147

Haralambos Symeonidis: Os brasiguaios no Brasil: O uso das preposigoes com o verbo ir

155

Harald Thun: O comportamento lingüístico dos brasiguaios no Paraguai visto a partir do material do Atlas Lingüístico Guaraní-Románico (ALGR)

169

6 IV

Norma e Uso

Stella Maris Bortoni-Ricardo: Revisitando os continuos de urbanizando, letramento e monitoragao estilística na análise do portugués do Brasil

195

Ataliba Teixeira de Castilho: Reflexdes sobre a teoría da gramaticalizagao. Contribulado ao debate sobre a teoría da gramaticalizagao no contexto do PHPB

203

Maña Marta Pereira Scherre: Norma e uso - o imperativo no portugués brasileiro

231

Prefácio Com este volume, apresentamos ao público urna nova Colefáo, intitulada Lingüística luso-brasileira, que oferece um foro internacional para publica9oes que tratam da realidade lingüística dos países de Língua Portuguesa. Um tal foro é uma novidade no campo editorial da Alemanha. A Colefáo acolhe trabalhos teóricos e aplicados de orientapao sincrónica ou diacrónica. Por principio, pretende fomentar uma visáo da diversidade na unidade da Língua Portuguesa. Os editores sao Clarinda de Azevedo Maia (Coimbra), Rosa Virginia Mattos e Silva (Salvador), Wolf Dietrich (Münster) e Volker Noli (Münster). Cada membro do comité editorial está disposto a avaliar trabalhos que poderiam fazer parte da Cole^áo. O primeiro volume desta nova Colefáo, O Portugués do Brasil Perspectivas da pesquisa atual, reúne treze palestras do Coloquio Internacional organizado na Universidade de Münster de 17 a 18 de janeiro de 2003. E um fato notável, os estudos lingüísticos sobre o portugués do Brasil terem aumentado, nos últimos anos, de maneira muito favorável no Brasil e na Alemanha. Como existe uma multiplicidade de projetos que cobrem uma superficie terrestre considerável, os organizadores do Coloquio, o Instituto de Filología Románica e o Centro Latino-Americano da Universidade de Münster, aproveitaram a ocasiáo para possibilitar uma troca de opinióes entre pesquisadores de ambos os países. Tivemos a honra de cumprimentar em Münster oito colegas brasileiros das universidades de Brasilia, Fortaleza, Joao Pessoa, Salvador e Sao Paulo. Os artigos reunidos neste volume tratam da Historia da Língua, da Geolingüística, dos Contatos Lingüísticos e do problema de Norma e Uso que refletem os campos principáis da pesquisa atual. Para a Historia da Língua, comprova-se cada vez mais a importáncia da investigado das fontes dispersas e, ao mesmo tempo, de uma perspectiva regional nos estudos acerca da formapáo do Portugués do Brasil. A Geolingüística, que está a caminho de conseguir uma cobertura quase completa do territorio nacional, apresenta os atlas regionais e o grande projeto do Atlas Lingüístico do Brasil. Os trabalhos sobre os Contatos Lingüísticos contemporáneos levam em conta os aspectos da imigrafáo, da emigra^ao e das relafóes fronteiri^as no sul do Brasil. A se^áo de Norma e Uso trata da gramaticalizagao, da variapao e de certos continuos que aparecem na Língua Portuguesa no Brasil. Münster, janeiro de 2004

Wolf Dietrich e Volker Noli

I

Historia da Lingua

Volker Noll

A forma^äo do portugués do Brasil A historia do portugués do Brasil foi sempre menos conhecida que a evolupáo das variedades da língua espanhola na América. Porém, nota-se um aumento considerável dos estudos nos últimos anos, principalmente devido aos esfor^os realizados no Brasil. Na Alemanha, a prestigiada Zeitschrift für Romanische Philologie (ZRPh) publicou, entre 1875 e 1990, um só artigo acerca da variedade brasileña (Castro 1981), enquanto o francés antigo estava representado por 774 trabalhos e o portugués europeu, em todo o caso, por 90 publicares. A Enciclopédia de Lingüística Románica (Lexikon der romanistischen Linguistik, LRL) em oito volumes dedica 562 páginas ao portugués europeu, 129 ao galego - e 17 ao portugués do Brasil (cf. LRL VI,2). No contexto deste desequilibrio considerável, o autor do presente artigo decidiu, no inicio dos anos noventa, ocupar-se da temática, muito importante, que oferece o estudo da evolufao da língua portuguesa no continente americano. O resultado dessa pesquisa foi o primeiro trabalho de conjunto sobre o portugués brasileiro publicado fora do Brasil, mas pouco conhecido ali por ser escrito em alemáo. Intitula-se O portugués do Brasil. Formagao e contrastes (cf. Noli 1999: Das brasilianische Portugiesisch. Herausbildung und Kontraste). E um trabalho que, além de descrever sincrónicamente o portugués do Brasil (PB) em comparapáo com a norma européia (PE), trata da formado histórica da variedade brasileira. Com base em documentos comentados, desenvolve a diferenciado do PB entre os séculos XVI e XIX, examina a questao da criouliza^ao e avalia as influéncias indígena e africana. Fornece igualmente urna comparagao diacrónica do PB com o PE sistematizada segundo as particularidades específicas e termina com urna apresentafáo dos arcaísmos, das inova^oes e dos regionalismos europeus no PB. Este artigo pretende enfatizar alguns pontos que se referem á historia do portugués do Brasil.

12

Volker Noll

1 A língua geral e o portugués Embora se disponha de poucas informa95es concretas relativas á situa?ao lingüística no Brasil colonial, os trabalhos relativos á historia do portugués do Brasil atribuem comumente urna grande importancia á língua geral até as reformas pombalinas no meio do século XVIII. Por língua geral, entende-se o idioma derivado do tupi antigo que se desenvolveu no processo de mestifagem da populado, aproximadamente, a partir do século XVII. Além da língua geral e da língua portuguesa, falavam-se línguas africanas (pensó aqui ñas línguas kwa no auge da mineraipao em Minas Gerais), existia urna variedade de falares de emergencia ou pidgins que nasceram entre os negros bofais recém-chegados á colonia, e talvez o Brasil conhecesse também formas de um idioma crioulo. A importancia atribuida á língua geral até o século XVIII é, porém, um ponto que nao se pode generalizar porque a situa9ao variava consideravelmente segundo as regioes. Com certeza, a língua geral era comum no interior de Sao Paulo (língua geral paulista) e acompanhou a penetrado das populares na bacia amazónica (língua geral amazónica). Contudo, é duvidoso que tenha tido muita importancia nos centros da vida colonial como na cidade de Salvador ou ñas p l a n t a j e s a^ucareiras de Pernambuco. Tais lugares determinaram a evolufáo da língua mais decisivamente do que os interiores afastados ou desenvolvidos posteriormente. Para levar em considerado estas diferenijas regionais, a pesquisa lingüística histórica teve toda a razao ao iniciar um projeto como a Filología Bandeirante (cf. Megale 2000) visando esclarecer a situa^ao lingüística ñas trilhas das bandeiras em Sao Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. As pesquisas realizadas demonstram, por exemplo, que entre os mesmos bandeirantes a língua portuguesa era mais falada do que se opinava antes (cf. Monteiro 1994: 164). O fato se comprova através de cartas privadas encontradas que foram escritas em portugués. Neste caso, trata-se de um resultado até previsível porque corresponde, no fundo, á psicología da sociedade colonial. O indio que domina o portugués nunca se considera indio - prefere declararse mestifo. Por sua vez, o mestifo, se falasse mal o portugués, seria considerado indio. Mas indio, até hoje, quase ninguém quer ser. Os bandeirantes mamelucos do século XVII, que andavam á procura de escravos e de ouro no interior do país, precisavam certamente possuir urna competencia avanfada na língua portuguesa para afirmar sua posÍ9ao na sociedade colonial. Era urna questao de prestigio lingüístico. O mesmo prestigio da língua portuguesa levou os negros a pedirem aos jesuítas em 1561 para que eles lhes falassem em portugués e nao em tupi (cf. Leite 1938-50:1,479).

A forma^ao do portugués do Brasil

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Considerando-se as regioes interiores e a comunicapao entre indios e brancos, nao há dúvida que a língua geral tenha tido sua importancia no Brasil. A língua portuguesa, contudo, afírmou-se desde o século XVI no seio da sociedade colonial. Esta era formada por brancos, negros e mamelucos vivendo na costa, regiao de fíxafao da maior parte da populado e ponto de partida para a conquista do interior. No litoral, o número dos indios já decreceu de maneira considerável nesse século. Por conseguinte, o Diretório dos Indios de 1757 nao se propós garantir a vitória da língua portuguesa na colonia como sugere o título de um artigo de José Rodrigues (1985). Em primeiro lugar, foi urna medida para fomentar a economía no Estado do Maranhao e Grao-Pará, atingindo ao mesmo tempo os jesuítas. Conseqüentemente, desenvolveu-se o comércio e os jesuítas foram afastados do ensino onde tinham implantado um dominio próprio. Esta medida fez parte de urna reforma geral do ensino que, no Brasil, teve a vantagem de fazer progredir a alfabetizado em portugués. No que diz respeito á língua portuguesa no Brasil, pode-se deduzir apenas do contexto histórico que, desde o século XVI, devem ter coexistido as seguintes variedades: • • • • • • • •

o portugués europeu escrito/impresso; as variedades dos colonos oriundos das diferentes regioes de Portugal; o portugués dos indios integrados em contato permanente com os portugueses;1 o portugués dos mamelucos nascidos da uniao de brancos e indios; o portugués dos negros bofais chegados da Africa; o portugués dos negros crioulos e mulatos nascidos no Brasil; o portugués falado no complexo da casa-grande e da senzala; o portugués das populapoes citadinas.

Com referencia aos grupos populacionais mencionados aqui, deve-se levar em conta que as variedades da língua portuguesa se influenciam, nivelando-se gradualmente. Até o século XIX, só a língua escrita, que se imprimía em Portugal, nao foi afetada por este processo fora do campo léxical. Aliás, há testemunhos de que o portugués falado pelos negros crioulos nao era diferente do portugués dos crioulos brancos. A variagáo depende, antes de tudo, da carnada social, pois numa comunidade, a língua materna se

Quando Manuel da Nóbrega chegou ao Brasil em 1549, já cncontrou indios que sabiam falar portugués (Leite 1965: 216).

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Volker Noll

aprende naturalmente e nào se forma segundo o modelo de interlínguas de falantes aloglotas. As cidades do litoral, juntamente com o campo circunvizinho onde se montou a economia apucareira, formavam os núcleos da colonizafào e os pontos de partida para a interiorizafào posterior do Brasil. O portugués do Brasil nasceu lá. No final do século XVI, o Brasil já contava com várias vilas que, exceto Sào Paulo, se encontravam todas no litoral: Natal, Filipéia de Nossa Senhora das Neves (Joào Pessoa), Igara?u, Olinda, Sào Cristóvào, Salvador, Santa Cruz (Santa Cruz Cabrália), Porto Seguro, Sào Jorge dos Ilhéus, Nossa Senhora da Vitoria (Vitoria), Espirito Santo, Sào Sebastiào do Rio de Janeiro, Santos, Sào Vicente, Itanhaém e Sào Joào Batista de Cananéia (1600). Inicialmente, a cidade, que nào era mais que um povoado, ficava perto do campo. Torna-se claro que a diferenciafào entre o portugués que se falava ñas cidades e o portugués rural só ia se acentuando com o decorrer do tempo. A esta diferenciado lingüística, causada pelo afastamento da cidade e pela interioriza9ào do Brasil, seguiu-se um período de convergéncia que comepou quando se desenvolveu o ensino e, sobretudo, quando se introduziram os meios de comunicapào modernos como a ràdio e a televisào no século XX. Por isso, a importancia regional da lingua geral ou de urna suposta lingua crioula será sempre relativa na historia do portugués do Brasil. Na verdade, é muito difícil provar influéncias fora do vocabulário mesmo que a crioulistica seja de outra opiniào.

2 O problema da criouliza^ào A crioulistica é um ramo da lingüística que se desenvolveu bastante nos últimos anos. Este desenvolvimento incluí até urna expansào territorial do campo de pesquisa que se deslocou das ilhas, onde quase todas as línguas crioulas atlánticas sào faladas, para o continente sul-americano. Num artigo básico, Israel Révah já explicou em 1963 que o mero paralelismo de trafos lingüísticos nào constituí nenhuma prova de influencia. Porém, os argumentos dos crioulistas se limitam quase sempre à c o m p a r a l o de trafos das línguas crioulas com os do portugués do Brasil para evocar seu passado crioulo. Esta influencia presumida vacila entre a crioulizapào anterior completa, a crioulizafào parcial, às vezes chamada de semicrioulo, e a atribuifào de trapos singulares à influéncia africana.

A formafao do portugués do Brasil

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No Brasil, a situado é especialmente complexa porque quase todos os tratos que se atribuem aos falares africanos poderiam igualmente ser atribuidos - e foram atribuidos - as estruturas do tupi. Recentemente um autor alemao, Horst Figge (1998), decidiu eliminar a concorréncia amerindia. Declarou que o tupi era, no fundo, urna língua africana. Parece um caso extremo de hiperidentifica^ao com a matéria estudada. Convém acrescentar que as m u d a b a s acontecidas no portugués do Brasil se explicam também dentro da deriva da própria língua portuguesa. As vezes, a africanidade, que na atualidade está mais em moda que o indianismo, imp5e-se com tanto vigor que nem há tempo para pesquisas mais concretas. Assim Heliana Ribeiro de Mello (1999, 169) e John Holm (2000, 159) sustentaram que a palatalizapao das plosivas /ti e /d/ antes de [i] no portugués do Brasil era o reflexo da fala dos negros da ilha de Sao Tomé. Contudo, sabe-se que justamente urna grande área do Nordeste entre a Bahia rural e o Ceará nao palataliza embora tenha particularmente sido marcada pelos africanos, sobretudo na Bahia e em Pernambuco. Teria sido fácil verificá-lo até no Atlas Prévio dos Falares Baianos (Rossi 1963). No contexto da problemática crioulística, gostaria de destacar trés pontos. O primeiro é o da terminología. O termo semicrioulo, p.ex., foi utilizado por Hugo Schuchardt e por Serafim da Silva Neto com significados diferentes. John Holm, por sua vez, adotou o termo e conseguiu alimentar sua versao do semi-creole durante quinze anos sem mesmo foraecer urna defini?ao clara do conceito. Hoje parece, por fim, ter abandonado o termo. Como nao se pode adaptar a realidade lingüística á terminología, foi urna boa decisao. Hildo do Couto (1991, 71) introduziu o termo anti-crioulo. Neste caso, o termo, embora seja bem definido, induz a erro porque nao se trata de urna língua crioula, mas de urna variedade portuguesa caracterizada por um número elevado de africanismos. É melhor a crioulística usar os termos lingüísticos consagrados. O segundo ponto se refere aos trafos particulares na fala de Helvécia, no sul da Bahia (Silveira Ferreira 1984-85), antiga colonia onde 200 alemaes e suífos trabalhavam com 2000 negros em 1858. Esta descoberta lingüística foi inesperada, mas nao foi urna surpresa. No Brasil, há mais de 500 povoados que até tém um passado de quilombo. Neste contexto, é possível deparar-se com tendéncias para a crioulizagáo restringidas a áreas isoladas. Como Helvécia data do século XIX, sua historia nao explica, porém, a situado lingüística dos séculos XVI e XVII que seria significativa para a f o r m a d o de urna língua crioula no Brasil. Em todo o caso, se a suposta criouliza^áo nao

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Volker Noll

afetou urna grande parte do litoral, pouco importa no ámbito da formafao do portugués do Brasil. O terceiro ponto se refere á situa^ao das fontes lingüísticas. Encontrar e divulgar estas fontes é o primeiro passo na pesquisa, apresentá-las na sua versáo original é o segundo e interpretá-las no seu contexto histórico é o terceiro. Nem todas as fontes já conhecidas foram tratadas dessa maneira. Temos o testemunho do inglés Henry Koster de 1816, mencionado por Serafim da Silva Neto em versao portuguesa. Koster nasceu em Portugal e viveu dez anos no Brasil, como dono de urna planta9ao em Pernambuco, no centro da produ?ao afucareira, que dependía do trabalho dos negros. No seu livro Travels in Brazil, ele pede desculpas aos leitores ingleses, sugerindo que talvez fale melhor portugués do que inglés. Como o livro foi publicado na Inglaterra, podia descrever a situa9ao económica e social do Brasil sem impor-se restribes políticas. Com referéncia á língua portuguesa, Koster constatou o seguinte: The Indians seldom if ever speak Portugueze so well as the generality of the creóle negroes (Koster 1816: 122). ['Os indios raramente falam portugués tao bem como a totalidade dos negros crioulos']

A partir deste documento, podemos tirar trés conclusoes. No contexto que acabo de desenvolver, parece um testemunho quase irrefutável em favor da auséncia de urna crioulizapao no Nordeste no cometo do século XIX. Entretanto, nao exclui tendéncias isoladas á crioulizafáo nos quilombos. Mas nesse caso, o portugués e o suposto crioulo teriam formado apenas dois mundos lingüísticos paralelos que, vistos na retrospectiva, nao se interpenetraram. Quanto aos trabalhos lingüísticos que relatam o número de brancos e negros, a cita^ao comprova que, no Brasil (como em Cuba), é improprio sugerir urna dependéncia entre o número elevado de negros e um grau de m u d a b a lingüística avadada ou acelerada. Para fazer as contas corretamente, há que levar em considerado que os negros e mulatos crioulos devem ser atribuidos aos brancos porque foram criados com a mesma língua materna que era a portuguesa. Por último, entendemos que é preciso encontrar e examinar cada vez mais fontes para entender melhor o passado da língua portuguesa no Brasil. Sao de suma importancia as fontes manuscritas.

A formapào do portugués do Brasil

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3 As fontes manuscritas Pouco se sabe ainda do conteúdo lingüístico das fontes manuscritas do portugués no Brasil até o século XIX. Embora urna grande parte dos documentos da época da escravidào fosse destruida por decreto depois da abolido desta em 1888, permanecem - seja em arquivos ou na mào de particulares e de forma dispersa - cartas familiares, testamentos, textos teatrais, jurídicos e outros escritos. Neste ámbito foi realizado o Projeto Resgate, urna colepao histórica de documentos manuscritos avulsos. Os documentos que, até hoje, foram arquivados em mais de 100 CD-ROM, provém das regioes brasileiras situadas entre a capitanía do Ceará e a de Santa Catarina. O material foi digitalizado para estabelecer um sumário que dà acesso às imagens dos manuscritos. Aliás, existem catálogos impressos do sumário com índices. Nesses índices, porém, a temática lingüística quase nao aparece. 2 Um dos CDs integrantes do Projeto Resgate intitula-se "O Brasil na Torre do Tombo em Lisboa". E claro que a pesquisa engloba também o material que se encontra em Portugal. Infelizmente a lingüística lusitana com maior facilidade de acesso em Lisboa nunca se ocupou do assunto. Precisamos conhecer e examinar as fontes manuscritas. P.ex., numa pega de teatro intitulada O Periquito ao Ar (Rodrigues Maia el800), descoberta na Biblioteca Nacional de Paris por Paul Teyssier, imita-se a fala de um brasileiro. Trata-se da temática do mineiro fingido que deseja tirar proveito de sua riqueza presumida: Periquito: oh mulher! Eu H dei à Voce pallavra de cazamento! [...] (cf. Noli 1999: 130). O extrato mostra que, no final do século XVIII, o [i] final era um tra90 distintivo do portugués do Brasil com o de Portugal. Além disso, já prova a despalatalizapào brasileira no pronome Ihe. Num traballio de mestrado realizado por Klebson Oliveira na Universidade Federal da Bahia que analisa textos escritos por africanos e afrodescendentes na Bahia do século XIX, encontra-se o seguinte trecho: "Ao sete dias do Meis de Novembre [...]" (Oliveira 2003: II, 405). Documenta a ditongagào brasileira da vogai acentuada antes de /s/ final em 1841. Achei o

2

Em Minas Gerais, criou-se um banco de textos informatizado para pesquisas em lingüística histórica (BTLH) que está disponível em disquete (cf. Cohén et al. 1998). Trata se de textos notaríais e paroquiais do século XVIII.

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mesmo fenòmeno num poema de Braz Pitorras no Ceará em 1848 (Noli 1999: 188). Podemos supor que os manuscritos contèm muito mais informafòes valiosas de caráter fonético, morfològico, léxical e semàntico. Talvez descubramos neles as formas coloquiais que eram extirpadas pela censura das obras brasileiras obrigatoriamente imprimidas em Portugal.

4 A história interna da lingua O primeiro trapo distintivo entre o portugués do Brasil e o portugués europeu na fonética foi a pronuncia fricativa do lál intervocálico em Portugal. Os manuais lingüísticos nao mencionam este trapo, nem especificam a data do cambio fonético. Trata-se do testemunho do médico John Rhys em 1569, que comparou o lál portugués ao lál grego. Outro tra90 do século XVI é a manuten9ào da nasalizapào heterosilábica no portugués do Brasil (cama ['Icé.ma]). Em ambos os casos, a diferenpa constatada vem da diferenciapao do portugués de Portugal. Tentei estabelecer urna cronologia das mudarlas, classificando os arcaísmos, as inovapòes e os trapos da lingua popular (Noli 1999: 215-221). Esta tarefa se complica pela falta de documentos testemunhando os trapos que surgiram no portugués do Brasil. Até hoje, nao se sabe quando comepou a palatalizapao característica de Ixl e lál diante de [i] ou a vocalizado comum do N implosivo. Porém, com respeito à vocalizapào, achei um testemunho interessante num lundu de Domingos Caldas Barbosa, que data do comepo do século XIX: Se n&o tens mais quem te sirva O teu moleque sou eu Chegadinho do Brasil Aqui stá que todo é teu. (Caldas Barbosa 1798-1826: II, 44)

A assonáncia das formas eu e teu sugere a pronuncia vocalizada de IV [u] em Brasil, mas nào se tem a certeza. É necessàrio aprofiindar a pesquisa da evolupao interna da lingua. Convém acrescentar que até hoje, as tentativas de estabelecer urna periodizapào do portugués do Brasil tém como base a história externa da lingua. Precisaríamos de urna alternativa fora das datas históricas. Para avanparmos nos estudos históricos da lingua portuguesa no Brasil, dependemos, por um lado, da análise das fontes manuscritas. Por outro lado,

A formapào do portugués do Brasil

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o material que já temos à disposilo, nem sempre ainda foi examinado suficientemente. Durante muito tempo faltou, p.ex., um estudo sobre os primeiros empréstimos da lingua tupi (cf. Noli 2004). Todo hispanista sabe que canoa foi a primeira palavra de origem india em espanhol. Mas quem soube informar-se que, no Brasil, as primeiras palavras documentadas foram tuim, sagüi e pindó'? Até a publicado dos tratados de Pero de Magalhàes Gàndavo em 1570/1576, as fontes lingüísticas estào bastante dispersas. Urna ferramenta muito útil para ter acesso às datafòes de forma sistemática é o novo Dicionário eletrónico Houaiss. O dicionário é excelente, mas é de lamentar que as rotinas de busca implementadas impepam que o usuàrio consiga resultados ordenados em lista. É um problema geral dos dicionários eletrónicos que dificultam a explora9ào sistemática do material. Falta um traballio histórico sobre a diferencia9ào do vocabulário no Brasil. Conhecemos os brasileirismos na fauna e flora, mas a diferencia^ào das denominares do vocabulário comum que nào tém nada a ver com a natureza e os costumes dos indios ou dos africanos nunca foi investigada. Isto concerne também ao desenvolvimento dos valores semánticos. O dicionário de Moráis Silva de 1813 ainda nào se preocupa com este aspecto dos brasileirismos. O Visconde de Pedra Branca, no entanto, já entendeu o problema quando caracterizou o portugués do Brasil no atlas de Balbi (1826: 172-173). Outro campo de pesquisa é o problema das datayoes, o ponto fraco da lexicografía portuguesa em geral. O material de Pedra Branca, p.ex., nào foi incluido nos dicionários etimológicos. A palavra cagula, documentada em 1826, aparece no dicionário de Machado (DELP) que diz que é do século XIX. O Dicionário etimológico Nova Fronteira (DENF) indica o ano de 1850, e a obra mais recente, o Dicionário Houaiss (2001), determina 1871. Seria possível que os autores do Dicionário Houaiss nào consultassem os dicionários prévios neste caso? O caso mais sèrio é o da palavra brasileiro (Noli 1999: 89-109). O Dicionário etimológico Nova Fronteira (DENF) indica sua primeira apariíáo no ano de 1833 embora a palavra já se encontrasse na constituifào de 1824. O dicionário de Machado (DELP) supóe urna datapao no século XVIII. No Dicionário Houaiss (2001), a documentafào ascende a 1706. Porém, na Historia da Companhia de Jesus no Brasil, Serafim Leite cita um documento de 1663, no qual o padre Pires, nascido em Portugal e mandado para o Brasil, chamou seus irmàos, com muita raiva, de brasileiros. Depois a palavra apareceu também na poesia de Gregorio de Matos por volta de 1680 (Noli

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Volker Noll

1999: 104-105), quer dizer, bem antes da documenta9ào fornecida pelos dicionários.

5 Lingüística sincrònica e lingüística diacronica Até agora falamos das possibilidades de encontrar material lingüístico para pesquisa em fontes textuais históricas para melhorar os nossos conhecimentos do passado da lingua portuguesa no Brasil. Mas existem também critérios que decorrem da situafào lingüística atual para informar-nos sobre o passado. Gostaria de dar mais um exemplo fonético. Sabe-se que o tra?o mais característico da fala do Rio de Janeiro é o chiamento do /s/ implosivo. Atribuiu-se essa pronùncia particular à chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808. O último lingüista que afirmou a versào do adstrato portugués foi John Lipski (1975, 1976). Mais urna vez, o paralelismo de dois trapos pareceu ser suficiente para convencer-se de urna influencia externa. Admitimos que a chegada de 15.000 pessoas seja impressionante, mas nao pode substituir-se à pesquisa. Primeiramente, qualquer pesquisa deveria determinar qual é a difusào do chiamento no Brasil fora do Rio de Janeiro (veja o mapa). Existe urna faixa no litoral de Santa Catarina, aparece em Santos, há urna tendència para o chiamento final em Recife e outra mais iraca em Salvador. Sao as áreas que C. Cunha e Lindley Cintra chamaram de "alguns pontos da costa do Brasil" (21992: 43, n. 1). Uma artigo de Zilda Fernandes (1986) informa que o chiamento geral em posipao implosiva aparece também na Baixada Cuiabana. Quando visitei o Norte do Brasil por volta de 1993, tive a grande surpresa de constatar um chiamento geral em Belém do Pará. Até a publicado do meu artigo sobre o fenòmeno (Noli 1996), nenhuma publicapào tinha mencionado o chiamento de Belém. Por isso, o projeto atual do Atlas Lingüístico do Brasil é de suma importancia. Subindo o rio Amazonas, o chiamento se mostra algo reduzido em Santarém e em Parintins. Em Manaus, já nào costuma mais aparecer em posÌ9ào final e vacila em posifào pré-consonántica. E um estado que corresponde também a uma grande área entre a Bahia e o Maranhào que eu chamaría de "área intermèdia", com /s/ final e um chiamento preconsonàntico que aparece sobretudo antes de /t/ enquanto espera, p.ex., se pronuncia muitas vezes indiscriminadamente [is'pera] ou [ij'pera], Encontramo-nos perante urna situapao de polimorfía, com algumas áreas mais avanzadas, uma grande área intermèdia no Nordeste e outra conserva-

A formado do portugués do Brasil

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dora de Minas Gerais para o Sul do Brasil. A situafao geolingüística mostra que se trata de um desenvolvimento relativamente recente, e a difusao do chiamento no Norte minimiza qualquer influencia externa no Rio de Janeiro.

Depois de determinar a extensào do chiamento no Brasil, a pesquisa deve averiguar se este fenòmeno está documentado no século XIX. A questào também nao foi considerada por Lipski. Sabemos que o chiamento se originou em Portugal na primeira metade do século XVIII. Por isso, o aparecimento tardio da mudan?a no portugués do Brasil seria compreensível mesmo sem influencia externa. A gramática de Soares Barbosa (' 1822) ainda nào menciona o chiamento no Rio de Janeiro. Contudo, é possível que a obra tenha sido escrita por volta de 1803 antes da transferencia da Corte. No meado do século, Varnhagen, só menciona o /s/ brasileiro no Florilègio da poesia brasileira (1946 [' 1850]: I, 18). Entretanto, Paranhos da Silva explica em 1879 que seria urna "verda-

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déira calamidade para os ouvidos brásileiros" (p. 20) que todos os valores de /s/ "se reduzissem á chiante mourisca", quer dizer, o [J] que - segundo Lipski e outros - era típico da capital do Brasil desde 1808. Por último, temos a informafao de Antenor Nascentes, carioca de nascimento, que relata em 1921 que, no Rio de Janeiro, as "classes cultas pronunciam o s final, mudando entretanto numa chiante, como no Sul de Portugal" (p. 317). Nessa altura, o chiamento evidentemente ainda nao estava generalizado no Rio de Janeiro. A situa?ao complexa do chiamento no portugués do Brasil é um exemplo ideal para mostrar quanto a lingüística sincrónica e a lingüística diacrónica se completam, juntando todos os fatores ao nosso alcance, para resolver melhor os problemas da historia da língua.

6 História da língua e atualidade A língua portuguesa, transferida para o Brasil há 500 anos, desenvolveu seu caráter próprio na América do Sul. Este apareceu na fonética e no vocabulário já no século XVI, para se diferenciar cada vez mais, até hoje, em todos os dominios da língua. Nao é importante determinar se hoje se trata de urna língua independente ou se continua sendo urna variedade da língua portuguesa. Sabe-se que este aspecto geralmente depende muito mais de decis5es políticas que de estruturas lingüísticas divergentes. Porém, a diversidade do portugués do Brasil é uma realidade. Afirma-se nos trabalhos lingüísticos com toda a evidencia, mas as reflexoes ainda carecem de resultados práticos no que diz respeito á elaborado de um instrumentário oferecido aqueles que vivem essa realidade lingüística. Há pouco tempo, recebi uma carta de um tradutor que me perguntou se eu conhecia um trabalho de conjunto sobre a morfossintaxe do portugués do Brasil. Respondi que dispúnhamos do Manuel de portugais. Portugal Brésil, a gramática contrastiva de Paul Teyssier (1984), também traduzida em portugués, e The Syntax of Spoken Brazilian Portuguese (Thomas 2000) que se limita á língua falada. E evidente que ñas gramáticas publicadas em Portugal, o portugués do Brasil aparece apenas no prefácio. Hesitei em recomendar a produ9ao luso-brasileira, a Nova gramática do portugués contemporáneo (Cunha/Lindley Cintra 32001). Trata-se de uma boa gramática da língua portuguesa, mas nao é o portugués do Brasil que se reconhece nela. A lexicografía brasileira, no entanto, já abriu o caminho a seguir porque os dicionários elaborados sao brásileiros. Ao mesmo tempo, quer impressos ou

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eletrônicos, sao ótimos porque oferecem toda a riqueza do vocabulário da lingua portuguesa. Cem anos depois da Independência, o portugués do Brasil se afirmou no movimento modernista e declarou a separaçâo da "sintaxe lusa" (cf. Barbadinho Neto 1972). Cem anos depois do Modernismo, ou melhor, antes ainda, o portugués do Brasil deveria finalmente dispor de urna gramática brasileira para uso. Näo adianta mais levar em consideraçào regras (de ênclise) que nem os melhores jornalistas do Brasil respeitam. Quanto a isso, os Manuais de Redaçào estäo mais perto da realidade que as gramáticas. Há muito tempo já, o uso ultrapassou as gramáticas publicadas no Brasil. É necessàrio que se restabeleça um certo equilibrio. Urna naçâo moderna como o Brasil precisa de urna lingua normatizada, e aqueles que se formam em suas escolas précisant se identificar com urna lingua que é sua.3 Bibliografía Azevedo, Aroldo de (1956): Vilas e cidades do Brasil colonial. Ensaio de geografia urbana retrospectiva. Sao Paulo. Aurélio 3: Carlos Augusto Lacerda/Paulo Geiger (ed.): Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Dicionário Aurélio eletrônico século XXI. 3.0. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. Balbi, Adrien (1826): Introduction à l'atlas ethnographique du globe, [...] I. Paris: Rey et Gravier. Barbosa, Domingos Caldas: Viola de Lereno. 2 vol. Rio de Janeiro: Nacional, 1944. ['1798-1826] Barbosa, Jerónimo Soares (21830, 11822): Grammatica philosophica da lingua portugueza ou principios da grammatica geral applicados á nossa linguagem. Lisboa. [Soares Barboza] [escrita em 1803?] Castro, José A. (1981): "Fundamentos da historia externa do portugués do Brasil", in: Zeitschrift für Romanische Philologie 97, 383-402. Cohen, Maria A. et al. (1998): "BTLH - Banco de textos para pesquisa em lingüística histórica - Dados de Barra Longa - MG", in: Filologia e lingüística portuguesa 2, 119-142. Couto, Hildo H. do (1991): "Anti-crioulo", in: Papia 2, 71-84.

Agradeço a J. Gonzalez da Silva Nunes e a E. Gonçalves von Strasser a gentileza de ter revisto este artigo.

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Traços de língua antiga conservados ñas trilhas das bandeiras 1 Introduçâo Atendendo o honroso convite da Universidade de Münster, trazemos para este Coloquio Internacional do Centro Latinoamericano sobre as perspectivas da pesquisa atual do portugués do Brasil, significativa amostragem dos dados colhidos pelo Projeto Filología Bandeirante. Filología Bandeirante é um Projeto Temático de Equipe, financiado pela FAPESP (Fundaçâo de Amparo à Pesquisa do Estado de Sao Paulo), para coleta de material lingüístico acompanhado de estudos para identificaçâo, análise e tabulaçâo de traços da língua antiga preservados em localidades situadas ñas trilhas das bandeiras paulistas de fins do século XVII e ao longo do século XVIII. Geográficamente, a pesquisa cobre os territorios dos Estados de Sao Paulo, Minas Gérais, Goiás e Mato Grosso, ñas trilhas percorridas por quem ia para o sertâo em busca do ouro. O objetivo específico de colher traços da língua portuguesa antiga que tenham permanecido ao longo dos très séculos que nos separam do processo de colonizaçâo e povoamento dessa área do territorio nacional, cumpre-se com dupla incursào ñas trilhas dos séculos XVII e XVIII. Assim, ao mesmo tempo que se processa urna busca de documentos origináis da época a se editar, de modo a garantir rigorosamente o estado de língua em que foram escritos, efetua-se a coleta de língua falada em entrevistas com pessoas idosas, de preferencia, analfabetas, residentes em povoados os mais afastados da mídia. A comparaçâo entre diferentes modalidades de estados de língua, através do confronto entre os dados coletados ñas entrevistas recentes, nos manuscritos dos séculos XVII e XVIII e na língua antiga, permite identificar e tabular casos de retençâo lingüística, de modo que se possa proceder a generalizaçôes, através de seu encaixamento em concomitantes estruturais e extralingüísticos, segundo pressupostos metodológicos de urna lingüística histórica de base empírica (Labov 1972). Esses traços, se comparados à língua

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contemporànea nào-arcaizante, podem indicar processos de m u d a l a lingüística, atingindo-se assim o duplo objetivo da lingüística histórica: investigar a maneira pela qual as linguas mudam ou mantèm suas estruturas com o passar do tempo (Bynon 1977). Entrevistas com pessoas idosas, de sessenta ou mais anos, em fala minimamente provocada e, em seguida, praticamente espontànea, expòem resquicios de estágios lingüísticos pretéritos da lingua portuguesa, segundo constatalo de investigado assistemática anteriormente efetuada em algumas áreas das trilhas, fornecendo material para que, através da comparalo desses mesmos conteúdos lingüísticos expressos por formas diferentes, sejam atingidas as mudanpas no tempo aparente, posteriormente testadas no tempo real (Cohen et al. 1997). Os dados sào, entào, projetados para o passado, no sentido de se confirmar a hipótese de retenpào, e também para o presente, a fim de se detectar mudanpa. Em conseqüéncia, a tabulado desses dados, mais do que realizar o objetivo inicial de registrar formas que estào em vias de desaparecimento, consegue fornecer matèria para que se desenvolvam pesquisas lingüísticas, com dados de rigorosa autenticidade. Em termos metodológicos, há um imbricamento entre a dialetologia tradicional e alguns procedimentos da sociolingüística variacionista. Tal convergencia revela-se certamente enriquecedora no sentido de permitir que se extraiam dos corpora reunidos o maior número possível de informales lingüísticas. Para a delimitapao espacial da coleta de dados nos pontos mapeados pelo Projeto Filologia Bandeirante, parte-se do principio de que regides periféricas (zona rural no trajeto de ida para o sertào) preservam trapos lingüísticos arcaicos. Tem esse conceito fundamento na teoria das ondas lingüísticas, segundo a qual as inovapòes espraiam-se a partir de um centro de prestigio, sem, no entanto, atingir necessariamente todas as partes de um determinado territorio, de tal forma que áreas distantes podem nao ser afetadas e retèm características mais antigas (Penny 2000: 57). E um exemplo histórico o que ocorreu na formapào das línguas románicas, com itens lexicais ou marcas gramaticais de largo emprego simultàneo por todo mundo latino ou, em diferentes partes desse dominio, e em momentos diferentes, serem encontrados em áreas periféricas, porque inovapòes posteriores de Roma ficam limitadas a regioes de contato direto, nao atingindo áreas mais afastadas e isoladas (Terracini ap. Castro 1991: 155). Fenómeno idèntico registra-se em áreas do territòrio brasileiro com a retenpao de um estado de lingua de origem de ¡migrantes, em relapào ao estado atual da lingua ou dialeto de sua procedència.

Trafos de lingua antiga conservados nas trilhas das bandeiras

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Α difusäo de um tra^o lingüistico pode ser bloqueada tanto por barreiras geogräficas naturais, como pela estratificafäo social: uma inovafäo lingüistica que comece, por exemplo, no grupo social mais alto afetarä por ultimo ο grupo social mais baixo, se afeta-lo (Trudgill 1987: 35; Romaine 1994: 70). Parte-se, portanto, do principio de que as variedades das classes sociais mais baixas retem maior nümero de formas arcaicas estigmatizadas, ο que de fato se observa nas entrevistas realizadas. Ε possivel que, em alguns casos, a freqüencia de trafos conservadores decorra, mais do que da classe social, de uma rede de contato forte em que estejam inseridos os entrevistados, ο que evita a influencia externa e a inovafäo (Downes 1998: 255; Penny 2000: 64).

2 A pesquisa de campo Os parämetros extralingüisticos utilizados pelo Projeto Filologia Bandeirante para a delimitafäo da populafäo onde identifica trafos arcaicos compöe-se de variäveis geogräficas, sociais e histöricas. A escolha dos pontos de pesquisa do Projeto Filologia Bandeirante toma como referenda um fato historico, as trilhas das bandeiras de busca do ouro, no final do seculo XVII e durante ο seculo XVIII, a partir do qual rastreia localidades que se distribuem ao longo de um continuum possivel dentro de um territorio que compunha, no inicio do seculo XVIII, a area administrativa da capitania de Säo Paulo, como demonstra a seguinte lista de pontos, no Estado de Säo Paulo: Taubate, Guaratinguetä Cunha, Cachoeira Paulista; no Estado de Minas Gerais: Baependi, Säo Tiago, Ibituruna, Bom Sucesso, Campanha, Ouro Preto, Pitangui, Paracatu; no Estado de Goias: Cataläo,Vila Boa, Pirenopolis, Pilar, e no Estado do Mato Grosso: Cuiaba. A variedade lingüistica encontrada nas entrevistas revela predominio do portugues näo padräo, que inclui variantes conservadoras, como formas que näo gozam atualmente de prestigio na comunidade, variantes muitas vezes esporädicas que, embora ja tenham pertencido ao portugues padräo, säo agora estigmatizadas em relagäo a forma mais recente do dialeto padräo. Os entrevistados pertencem a camadas sociais que, dentro de um quadro normal de variafäo e mudan^a diverso daquele da norma padräo vigente, mais facilmente preservam marcas lingüisticas. Ο estudo dessa variedade leva ä identificafäo de vestigios de fases anteriores da lingua, obsoletos para pessoas mais jovens da comunidade do entrevistado. Esse quadro exige do pesquisador a maior aproximafäo possivel do entrevistado, de modo a näo inibir sua fala cotidiana informal. Ο estilo mais

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cuidado pode ocorrer em rezas ou era recita9oes em que há possibilidade de ocorrer formas cristalizadas; momentos como esses nao alteram o ambiente físico-social em que se encontra o entrevistado, sempre informal, urna vez que as entrevistas sao feitas na própria casa dos entrevistados ou imediapSes (Monteiro 2000: 68). Ñas entrevistas, feitas sem questionário previamente elaborado, especifícam-se os requisitos dos entrevistados, tais como nascimento na regiao, nao ter passado muito tempo fora, origem dos pais e avós, ausencia de escolaridade, ou pouca escolaridade, além da pequeña ou nula influencia da mídia. Em seguida, leva-se o entrevistado, básicamente, a relatar experiencias vividas, o que provoca seu envolvimento com a narrativa, obstando assim qualquer controle do próprio discurso, que se torna espontáneo (Monteiro 2000: 86). O critério de baixa escolaridade, que exerce efeito conservador quanto á retenfao de tra90s estigmatizados da variedade utilizada pelo falante, nao dificultou a localizado de pessoas a entrevistar, sendo muito freqüente de escolaridade praticamente nula. Para encerrar o perfil dos entrevistados, leva-se em conta que os mais velhos sao mais conservadores com relafáo aos trapos do dialeto nao padrao por eles falado, razao pela qual as entrevistas privilegiam pessoas com idade de 60 anos ou mais, em número equilibrado entre homens e mulheres. A mídia, que também pode difundir mais as formas de falar politicamente dominantes (Monteiro 2000: 129), nao representou obstáculo maior, tendo sido encontradas algumas pessoas bastante isoladas dos meios de comunicado. Trazemos, a título de exemplo, algumas das trinta e seis entrevistas disponíveis em CD; com o cuidado de apresentar a fala de homem e de mulher, trapamos um breve perfil de cada um e, em seguida, trazemos alguns trechos que apresentam tra?os de interesse para a pesquisa de reten^ao lingüística.1

Na transcriçîo das entrevistas, conforme Angela C. de S. Rodrigues e W. F. Netto (2000: 173), utilizamos os sinais e as normas ortográficas convencionais do portugués escrito, inclusive a separaçâo vocabular do código escrito, que privilegia o vocábulo como unidade gráfica. Fixam-se, também, realizaçôes peculiares dos entrevistados, que podem constituir pistas para a identificaçâo de traços fonéticos ou morfossintáticos de sua fala.

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